Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
Movimentos eclesiais católicos e modernidade: uma igreja em transformação Raymundo Heraldo Maués Universidade Federal do Pará RESUMO: Os Novos Movimentos Eclesiais na Igreja Católica, que não se confundem com os mais conhecidos Novos Movimentos Religiosos – embora entre eles possa existir alguma superposição – colocam, para o analista da religião, certos desafios teórico-metodológicos. Eles decorrem, em parte, do novo status assumido pela religião na modernidade, mas também das transformações ocorridas nessa mesma Igreja em sua relação com o mundo moderno. Entre o aggiornamento do catolicismo a partir do Concílio Vaticano II e a assunção ao poder do antigo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, a Igreja e o mundo sofreram transformações importantes, cuja compreensão e possível tentativa de explicação demandam novas posturas de natureza teórico-metodológica que, talvez, possam ajudar no entendimento da finalidade e do papel da religião no mundo atual. PALAVRAS-CHAVE: Catolicismo, Igreja Católica, novos movimentos eclesiais, religião e modernidade. Introdução* Os Novos Movimentos Eclesiais (NMEs) constituem fenômeno recente na história da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) e se distinguem dos chamados Novos Movimentos Religiosos (NMRs), embora possa haver superposição entre os dois conjuntos. Entre eles, alguns dos 08_RA_Maues.pmd 857 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... mais conhecidos no Brasil são: Renovação Carismática Católica (RCC), Movimento dos Focolares, Encontro de Casais com Cristo (ECC), Cursilhos de Cristandade, Opus Dei, Comunhão e Libertação, Nova Aliança, Movimento de Schönstatt e Neo-Catecumenato. Os NMEs são assim chamados por terem origem recente (alguns surgiram pouco antes do Concílio Vaticano II, mas a maioria lhe é posterior). Constituem, como veremos, não apenas um fenômeno novo, mas também de grande importância na história da ICAR, podendo ser comparados a outros de grande repercussão, como, por exemplo, o aparecimento, na Idade Média, das ordens mendicantes.1 Representam, por outro lado, um fenômeno da modernidade (ou, se quisermos, da pósmodernidade), capaz de surgir apenas pelas condições sociais ensejadas pelo mundo de hoje. No entanto, uma possível superposição entre NMEs e NMRs ocorre no caso da Renovação Carismática Católica (RCC), desde que consideremos esta última como parte do chamado neopentecostalismo. Em algumas situações, acusados por seus adversários, dentro e fora da ICAR, podem também ser vistos como “seitas” e pensados como perigosos, especialmente em casos mais explicitamente temidos, como no da Opus Dei. A respeito deste movimento (e de alguns outros) circulam acusações e possíveis boatos divulgados de várias formas, além de livros, filmes e vídeos, com afirmações e insinuações apresentadas por seus autores como algo mais forte do que simples suspeitas.2 Neste artigo – que constitui por certo uma abordagem preliminar – pretendo retomar a discussão sobre o tema da coexistência entre o fenômeno religioso e o da secularização na modernidade, não simplesmente para opô-los entre si, enfatizando possíveis incompatibilidades, mas para tentar mostrar que, embora opostos, eles não são excludentes.3 Partindo das conhecidas distinções sociológicas entre igreja e seita e acrescentando a elas a dimensão mística (bem como outras formulações mais re- 858 - 08_RA_Maues.pmd 858 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. centes, especialmente os conceitos/categorias de denominações e cultos), pretendo trabalhar sobretudo a importância da mística na modernidade (sem esquecer que suas formas de manifestação têm uma longa data de existência). Objetivo, desta forma, estabelecer a sua relação com os NMEs, bem como com o fenômeno correlato e paralelo das Novas Comunidades Eclesiais (NCEs), muitas delas tendo surgido como desdobramentos dos primeiros. Acredito que essa discussão permita evidenciar e ajudar a entender um aspecto de grande importância teórica nos estudos socioantropológicos sobre religião na modernidade, a partir do caso da ICAR que, pela sua catolicidade (nos dois sentidos, tanto de universalidade quanto de identidade, expressa, principalmente, na maneira de exercer o cristianismo, em contraste com outras igrejas e denominações), constitui locus privilegiado desse gênero de estudos.4 Do ponto de vista metodológico é importante lembrar que a discussão a ser aqui empreendida será considerada a partir de meu lugar de trabalho de campo e de gabinete, a cidade de Belém e, mais especificamente, a Arquidiocese que tem sede nesta cidade. Nela desenvolvi pesquisa por vários anos (1997-2005), centrada, sobretudo, em um desses movimentos, a RCC, além de continuar preocupado até hoje com o tema, dedicando-me ao estudo do conjunto desses movimentos. O estilo da pesquisa tenta preservar a prática antropológica de partir de determinados insights, o que Clifford Geertz chama de “saber local”, para chegar a uma abordagem de caráter mais amplo, embora sem desconhecer as diferenças entre as elaborações locais da cultura e aquilo que se pode, com reservas, pensar como “universal”. A ideia fundamental é a de que a cultura (inclusive a religião e suas práticas) constrói-se localmente. Daí porque, para entender determinado problema, torna-se por vezes estratégico visualizá-lo também no âmbito de sua construção local.5 - 859 - 08_RA_Maues.pmd 859 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... Novos Movimentos Religiosos, Novas Comunidades e Novos Movimentos Eclesiais Para entender – do ponto de vista latino-americano e, mais particularmente, brasileiro – a relação entre Novos Movimentos Religiosos, Novos Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades na ICAR, é proveitoso também considerar as diversas Conferências Episcopais patrocinadas pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam), desde a primeira delas, no Rio de Janeiro (1955), até a mais recente, novamente no Brasil, a de Aparecida (2007). Antes, porém, de tratar sobre tais conferências, devo lembrar que os NMEs surgiram da decadência e mesmo do desaparecimento de antigos movimentos, como a Ação Católica, bem como da crise das ordens, congregações e dos institutos seculares, a partir da segunda metade do século passado (cf. Comblin, 1983, pp. 234-244). Movimentos eclesiais mais antigos e sobretudo a Ação Católica (AC), na qual a preeminência do leigo era mais enfocada, tinham, no entanto, uma diferença fundamental em relação aos NMEs. Neles, o papel do assistente eclesiástico era notável, chegando a exercer autoridade intelectual, moral e administrativa de tal natureza que, de forma considerável, tolhia a autonomia do movimento. Em movimentos ou organizações mais antigos, em especial naqueles como o Apostolado da Oração (AO) – que teve grande importância no período da chamada “romanização” e do qual participavam/participam homens e mulheres – ou na Pia União das Filhas de Maria (exclusivamente para mulheres não casadas), a autoridade do sacerdote era muito forte, chegando, no caso desta, a ser praticamente exclusiva. Na Pia União este fato se destacava, mesmo que a mulher (mais velha), que ocupava localmente o cargo de presidente, e que lidava diretamente com as demais filiadas – agindo sobretudo como instrumento - 860 - 08_RA_Maues.pmd 860 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. dos sacerdotes – tivesse poder notável sobre as outras “filhas”. Inclusive na Ação Católica (AC), onde o protagonismo do leigo era mais enfatizado – especialmente em algumas de suas especializações, como a Juventude Universitária Católica (JUC) – o papel do assistente eclesiástico tinha força considerável. Por outro lado, no caso da AC, as contradições que teve de enfrentar na segunda metade do século passado foram tantas que ela acabou por extinguir-se (como também ocorreu no caso das Filhas de Maria), embora o Apostolado da Oração continue a existir até os dias de hoje, sem ter, no entanto, a importância com que se destacava no passado.6 O fato novo que se coloca no caso dos NMEs é a verdadeira preeminência do leigo, já que neles o sacerdote desempenha papel de menor importância, embora sem estar praticamente anulado, como ocorria, por exemplo, no Brasil antes da romanização, nas suas relações com as irmandades religiosas, organizadas em torno do culto de santos e santas. Nestas, com efeito, o sacerdote era visto como personagem secundário, a serviço dos leigos. Importante, de fato, porque era sempre solicitado a desempenhar atos indispensáveis de culto, mas sempre como uma espécie de serventuário ou mesmo servidor contratado pela irmandade.7 Agora, nos NMEs, o sacerdote também participa, mas em muitos casos – se não na maioria – não mais como contratado ou assistente, mas sim como membro do movimento que, em muitas situações, é fundado, organizado e dirigido por leigos. Por outro lado, fato também notável, muitos desses movimentos formam seus próprios sacerdotes, que lhes são fiéis, mesmo que eles sejam dirigidos por leigos. Finalmente, entre outras características que podem ser arroladas, esses movimentos organizam suas próprias comunidades eclesiais, que podem até se assemelhar, porque parcialmente se inspiram nelas, mas não se confundem com as antigas e tradicionais ordens e congregações religiosas. Entre elas estão, por exemplo, as comunidades carismáticas, - 861 - 08_RA_Maues.pmd 861 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... das quais certamente a mais importante no Brasil é a Comunidade Shalom (originária do Ceará, mas hoje espalhada por todo o Brasil e presente, também, no exterior), ou outras formas de comunidades, cuja importância, nos dias de hoje, é crescente na vida da ICAR.8 Em Belém, onde também já existe um núcleo da Comunidade Shalom, a mais importante comunidade carismática se chama Maíra.9 Elas vão desde as que são estritamente locais até aquelas que se expandem em nível estadual, nacional, e mesmo internacional.10 Por outro lado, como assinalava Comblin (1983) em seu artigo já citado, outro fato novo – e da mais alta significação – foi a concessão de estatuto de prelazia pessoal conferido, em 1982, à Opus Dei pelo papa João Paulo II, o que poderia também ocorrer com outros movimentos eclesiais de prestígio. Não sei até que ponto, atualmente, se possa considerar este fato como verdadeira ameaça ao poder tradicional dos bispos na ICAR (como achava Comblin), já que estes têm tendido a ganhar novo estatuto, de considerável e renovada influência. Como assinala um autor de formação protestante, referindo-se aos novos bispos católicos, com referência especial à situação brasileira: Os principais atores pertencem a uma nova classe de bispos, visceralmente unidos ao papa e mais interessados pela espiritualidade que pela ação social, sem abandonar, todavia, esta última: é mais uma questão de prioridade e de inspiração que de exclusão. A ação social tende também a se tornar menos pluralista – como as novas Cebs – e mais enraizada em grupos e movimentos explicitamente católicos (Higuet, 2002). Vale acrescentar que esses novos bispos vêm surgindo a partir do pontificado de João Paulo II e, no caso brasileiro, muitas vezes substituindo bispos de tendência mais conservadora ou progressista (influenciados pela Teologia da Libertação – TL ou adeptos dela). Isso tudo provoca - 862 - 08_RA_Maues.pmd 862 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. mudanças significativas, que se refletem no plano nacional e no latinoamericano, ao mesmo tempo em que as diretrizes mais gerais do Celam também exercem sua influência sobre as igrejas locais. De forma muito simplificada e sintética, poder-se-ia talvez caracterizar as diferentes conferências do Celam através de alguns conceitos ou temas-chave, o que é feito, por exemplo, pelo teólogo católico Paulo Suess em livro relativamente recente: Rio de Janeiro, “descolonização (fundação do Celam)”; Medellín, “opção pelos pobres e libertação”; Puebla, “comunhão e participação”; Santo Domingo, “inculturação”; Aparecida, “missão” [evangelizadora]. O que significa, no caso de Aparecida, [ser] paradigma síntese, num duplo sentido: primeiro, assume a caminhada das quatro Conferências latino-americanas anteriores [...], segundo, sintetiza as [suas] múltiplas propostas. [Síntese que] não quer dizer homogeneizar ou uniformizar, mas articular em suas diferenças, às vezes complementares, outras vezes tensas, nos limites da exclusão recíproca (Suess, 2007a, p. 8).11 Deve, portanto, ficar claro que, embora privilegiando determinados temas, nenhuma conferência esqueceu os temas fundamentais das demais que, de certa forma, persistem em todas as que se sucedem. Mas isto significa que os destaques foram mudando ao longo dos anos, acompanhando as próprias ênfases da política eclesial de caráter mais amplo.12 Se tomarmos a mais recente dessas conferências, Aparecida, veremos que, embora o tema da missão evangelizadora seja fundamental – enfatizado também diante das ameaças representadas pelos NMRs, por outras igrejas e seitas cristãs, pelo secularismo, pelo ateísmo etc. – outros temas estão muito presentes, como assinala o teólogo Paulo Suess. E, por outro lado, esse mesmo tópico (missão evangelizadora) aparece - 863 - 08_RA_Maues.pmd 863 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... também nas conferências anteriores. Vejamos, por exemplo, como todos esses temas/conceitos estão no documento de Aparecida, como no número 491: Queremos felicitar e incentivar a tantos discípulos e missionários de Jesus Cristo que, com sua presença ética coerente, continuam semeando os valores evangélicos nos ambientes onde tradicionalmente se faz cultura e nos novos areópagos: o mundo das comunicações, a construção da paz, o desenvolvimento e a libertação dos povos, sobretudo das minorias, a promoção da mulher e das crianças, a ecologia e a proteção da natureza. E “o vastíssimo lugar da cultura, da experimentação científica, das relações internacionais” [Redemptoris Missio, 37]. Evangelizar a cultura, longe de abandonar a opção preferencial pelos pobres e pelo compromisso com a realidade, nasce do amor apaixonado por Cristo, que acompanha o Povo de Deus na missão de inculturar o Evangelho na história, ardente e infatigável em sua caridade samaritana (meus grifos).13 Por outro lado, dois outros trechos (números 391 e 501) dão ênfase especial à opção pelos pobres (embora em outros trechos do documento fique claro que esta não é a única opção): Dentro desta ampla preocupação pela dignidade humana, situa-se nossa angústia pelos milhões de latino-americanos e latino-americanas que não podem levar uma vida que responda a essa dignidade. A opção preferencial pelos pobres é uma das peculiaridades que marcam a fisionomia da Igreja latino-americana e caribenha. De fato, João Paulo II, dirigindo-se a nosso continente, sustentou que “converter-se ao Evangelho para o povo cristão que vive na América significa revisar todos os ambientes e dimensões de sua vida, especialmente tudo o que pertence à ordem social e à obtenção do bem comum” [Exortação Apostólica Ecclesia in America, 27] (meu grifo). - 864 - 08_RA_Maues.pmd 864 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. Os discípulos e missionários de Cristo devem iluminar com a luz do Evangelho todos os espaços da vida social. A opção preferencial pelos pobres, de raiz evangélica, exige uma atenção pastoral atenta aos construtores da sociedade [Cf. Evangelium Vitae, 5]. Se muitas das estruturas atuais geram pobreza, em parte é devido à falta de fidelidade a compromissos evangélicos de muitos cristãos com especiais responsabilidades políticas, econômicas e culturais (meus grifos). Tudo isto me parece muito claro, mas o sentido e o significado desses temas e conceitos são ressemantizados, e isso acontece em razão de dois fatos fundamentais: as mudanças ocorridas no mundo moderno e na ICAR e o conceito e tema-chave da nova conferência, resultante das próprias mudanças ocorridas: o tema/conceito da missão, da missão evangelizadora que, embora enfatizado em decorrência das mudanças e dos recentes desafios, encontra-se ancorado numa vetusta tradição (evangélica) e em práticas milenares dessa mesma igreja. Mais uma citação do documento de Aparecida nos ajudará a fixar bem este ponto. Trata-se do número 550, agora citando as palavras do novo papa, que presidiu o encontro: É o próprio Papa Bento XVI quem nos convida a “uma missão evangelizadora que convoque todas as forças vivas deste imenso rebanho” que é povo de Deus na América Latina: “sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos que se doam, muitas vezes com imensas dificuldades, para a difusão da verdade evangélica”. É um afã e anúncio missionários que precisa passar de pessoa a pessoa, de casa em casa, de comunidade a comunidade. “Neste esforço evangelizador – prossegue o Santo Padre – a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos e religiosos, procurando dialogar com todos em espírito de compreensão e de delicada caridade”. - 865 - 08_RA_Maues.pmd 865 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... Essa missão evangelizadora abraça com o amor de Deus a todos e especialmente aos pobres e aos que sofrem. Por isso, não pode se separar da solidariedade com os necessitados e de sua promoção humana integral: “Mas se as pessoas encontradas estão em uma situação de pobreza – diz-nos ainda o Papa – é necessário ajudá-las, como faziam as primeiras comunidades cristãs, praticando a solidariedade, para que se sintam amadas de verdade. O povo pobre das periferias urbanas ou do campo necessita sentir a proximidade da Igreja, seja no socorro de suas necessidades mais urgentes, como também na defesa de seus direitos e na promoção de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz. Os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho, e um Bispo, modelado segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento para oferecer o divino bálsamo da fé, sem descuidar do ‘pão material’”. Vale acrescentar, além disso, que o documento contém várias advertências quanto ao reducionismo, condenando explicitamente o reducionismo antropológico ou sociológico da mensagem evangélica e a isto opondo uma “antropologia cristã” (ver número 451). Mas é só no número 100-b do documento que a questão aparece de forma bem explícita: Lamentamos, sejam algumas tentativas de voltar a um certo tipo de eclesiologia e espiritualidade contrárias à renovação do Concílio Vaticano II [Bento XVI, “Discurso aos Cardeais, Arcebispos, Bispos e Prelados superiores da Cúria Romana”, quinta-feira, 22 de dezembro de 2005], sejam algumas leituras e aplicações reducionistas da renovação conciliar; lamentamos a ausência de uma autêntica obediência e do exercício evangélico da autoridade, das infidelidades à doutrina, à moral e à comunhão, nossas débeis vivências da opção preferencial pelos pobres, não poucas recaídas secularizantes na vida consagrada influenciada por uma antropologia meramente sociológica e não evangélica. Tal como manifestou o Santo Padre no - 866 - 08_RA_Maues.pmd 866 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. Discurso Inaugural de nossa Conferência: “percebe-se um certo enfraquecimento da vida cristã no conjunto da sociedade e do próprio pertencimento à Igreja Católica” [Discurso Inaugural, p. 2] (meu grifo).14 Na Arquidiocese de Belém pude acompanhar, há poucos anos, o evento “Celebrando a Unidade 3”, intitulado “Jornada Arquidiocesana dos Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades com o Nosso Arcebispo Dom Orani João Tempesta e o Bispo da Prelazia do Marajó, Dom José Luís Azcona”, no dia 18 de maio de 2008. A I Jornada dos Movimentos Eclesiais da Arquidiocese de Belém, que ocorreu no dia 11 de abril de 1999, foi também assistida por mim.15 Nessas jornadas, fica evidente a preocupação da arquidiocese em estabelecer uma forma de coordenação dos NMEs e, agora, das NCEs. Mas o “Celebrando a Unidade 3” tinha uma característica especial, pois incluía como figura central o Bispo Dom José Luís Azcona que, juntamente com mais dois outros bispos amazônicos, da CNBB Norte 2 (Pará e Amapá), encontra-se há algum tempo sob ameaça de morte. Os três bispos (os dois outros são Dom Erwin Kräutler, da Prelazia do Xingu, e Dom Flávio Giovenale, da Prelazia de Abaetetuba) foram ameaçados em função de denúncias de violação dos direitos humanos na região. Há uma diferença entre esses bispos que, superficialmente, poderia ser expressa do seguinte modo: Dom Erwin Kräutler é um bispo mais antigo e mais conhecido, que há muitos anos se identifica com a chamada Igreja Popular e apoia a Teologia da Libertação; Dom Flávio Giovenale e Dom José Azcona podem, a meu ver, ser identificados com o grupo dos novos bispos a que me refiro acima. Os três, porém, estão sob ameaça por denunciarem tráfico de drogas, exploração sexual de mulheres e outras formas de abuso e de violação dos direitos humanos na Amazônia. Não é meu propósito aqui aprofundar tais questões que, no momento, fogem ao objetivo principal deste trabalho. Pretendo, no - 867 - 08_RA_Maues.pmd 867 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... entanto, ilustrar a postura dos novos bispos na atual conjuntura da história da ICAR através de alguns aspectos da fala de Dom José Azcona. Estavam presentes, nessa jornada, os seguintes movimentos e comunidades cujos nomes pude anotar: Apostolado da Oração, Caminho Neo-Catecumenal, Casa da Juventude Comunidade Católica, Comunidade Católica Missão Louvai, Comunidade Católica Nova Aliança de Anápolis, Comunidade Católica Querigma, Comunidade Católica Semeando com Maria, Comunidade Católica Shalom, Comunidade do Espírito Santo, Comunidade Família de Nazaré, Comunidade Maíra, Comunidade Maria Serva do Senhor, Comunidade Nossa Senhora da Esperança, Equipe de Nossa Senhora, Escola de Evangelização Santo André, Focolares, Legião de Maria, Movimento da Divina Misericórdia, Movimento dos Cursilhos de Cristandade, Movimento Serra Brasil, Paróquia de Santa Bárbara, Renovação Carismática Católica, Salesianos Cooperadores e Sociedade de São Vicente de Paula. Eram esperados, mas não estavam presentes, o Movimento Familiar Cristão e o Encontro de Casais com Cristo. Pela simples enumeração, é possível perceber que se tratava de encontro muito eclético, com movimentos e comunidades tanto de caráter local, como nacional e internacional. O que os unia era o fato de estarem atuando na arquidiocese de Belém, afora um pequeno número que, possivelmente, tinha outras procedências (inclusive do interior do Pará). Infelizmente não pude gravar a fala de Dom Azcona, mas fiz anotações que me permitiram reconstituir, no mesmo dia, aspectos importantes da mesma. Apresento a seguir um resumo dos apontamentos que elaborei: Dom José Azcona me pareceu ser um bispo ligado ao movimento carismático que, ao mesmo tempo, mostra possuir grande abertura para o social. Sua fala foi muito longa. Deu grande importância ao papel do Es- - 868 - 08_RA_Maues.pmd 868 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. pírito Santo na Igreja. Falou muito, em sintonia com isso, do documento Lumem Gentium, do Vaticano II. Deu grande importância também ao que considerou ser a dimensão social dos NMEs. Destacou em sua fala um importante movimento (não presente ali), de origem italiana, chamado Comunhão e Libertação. Ao sobressair a importância social dos NMEs, referiu-se ao Papa João Paulo II e à conferência de Puebla. Mas também deu grande importância, em sua fala a Aparecida. Creio, porém, que o mais relevante foi quando introduziu uma dimensão pessoal, mística, em seu pronunciamento. Falou que, como padre, na casa dos 40 anos, quando ainda vivia na Espanha, já com doutorado pela Universidade Lateranense – Instituto Alfonsiano, Roma, Itália, um dia, durante uma reunião de padres, ouviu uma voz interior que lhe dizia: “Tu não me amas, nem amas a ninguém”. Isso se repetiu várias vezes. Resolveu então confessar-se e só contar ao confessor esse único pecado, que pensava ser a origem de tudo. Considerava-se, por isso, um “fariseu”. Era um doutor, entendia de leis, coisas formais, mas não amava Deus nem a ninguém. O confessor lhe disse palavras que o ajudaram a entender melhor sua situação. Membro da congregação dos Agostinianos Recoletos, compreendeu que, naquele momento, estava passando por um processo de conversão semelhante ao que ocorrera antes com Santo Agostinho e que é descrito na obra Confissões. Lembrou também de Santa Tereza d’Ávila, autora de tantas belas obras que, pouco antes de morrer, falou sobre seu amor à Igreja. Porque [entendi assim o que ele disse] não é possível amar a Deus sem amar a Igreja. Falou também sobre a relação entre as CEBs e os NMEs e, em especial, a RCC. Chamou a atenção para as incompreensões e mesmo os conflitos entre esses movimentos e procurou mostrar que não há razão para isso. Que pode haver uma convivência e uma colaboração entre eles, incluindo as CEBs. Aqui, acentuou ainda mais a dimensão social dos NMEs e cha- - 869 - 08_RA_Maues.pmd 869 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... mou a atenção para o texto do documento de Aparecida quando fala sobre as Comunidades Eclesiais de Base e de sua importância. Finalizou falando sobre sua própria situação de ameaçado de morte pelas denúncias que fez, mas procurou deixar claro que não temia essas ameaças. Aliás, a propósito disso, é bom lembrar que dispensou qualquer tipo de proteção policial ou de outro gênero, no que foi, nesse mesmo encontro, censurado brandamente pelo arcebispo de Belém, Dom Orani João Tempesta. Para finalizar este tópico, vale lembrar que a arquidiocese de Belém mantém dois fóruns que se destinam a uma espécie de coordenação dos Movimentos e das Novas Comunidades Eclesiais, o que indica que estes, a despeito de poderem constituir estruturas que transcendam os níveis paroquial e diocesano, permanecem, no entanto, sob um certo controle episcopal.16 Teologia da Libertação, Comunidades de Base, Novos Movimentos e Novas Comunidades Na atualidade, diante do refluxo da Teologia da Libertação (TL) e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de estilo mais antigo (tal como existiam especialmente nos anos 1970 e 1980),17 vale interrogar até que ponto se pode interpretá-las (CEBs e TL), numa determinada fase ou mesmo hoje, como formas de reducionismo socioantropológico ou como estratégias da ICAR visando se adaptar a um mundo que teria podido caminhar, no caso da AL, em passado não tão distante, no sentido da implantação de regimes socialistas, como já foi apontado por Gustavo Benavides, em artigo publicado em Social Compass (1997).18 Esta última posição, que cai facilmente no terreno das chamadas teorias - 870 - 08_RA_Maues.pmd 870 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. conspiratórias (a despeito da negativa deste autor), deve ser encarada, por isso, com a maior cautela, embora não se possa negar que os agentes religiosos responsáveis (sacerdotes e leigos mais ligados à instituição eclesiástica) procuram sempre (e têm mesmo o dever de) exercer ações eficazes para a manutenção e o desenvolvimento de suas estruturas institucionais. Por outro lado, uma das mais sérias acusações dos adversários da TL, dentro e fora da ICAR, diz respeito também à utilização de categorias do pensamento marxista para interpretar e agir sobre a realidade, o que parecia (e parece até hoje) algo de caráter espúrio para esses críticos. Ora, essa crítica pode ser respondida, como de fato o foi, com a afirmação de que se utilizar do pensamento sociológico marxista não pode ser considerado mais espúrio do que a utilização do pensamento durkheimiano ou weberiano (cf. Rolim, 1992, pp. 10-11, 29-30, 41-42 e passim). Resta, porém, a crítica mais séria ainda que, como vimos, é apontada pelo próprio documento de Aparecida: de formas de reducionismo socioantropológico que podem estar presentes em qualquer instrumento teórico das ciências sociais (ou de qualquer outra ciência), caso não haja o cuidado de levar em conta as especificidades da matéria teológica, pastoral e evangélica que está sendo elaborada e aplicada pelos agentes religiosos do catolicismo e, mesmo, o próprio sentimento dos crentes.19 Não obstante isso tudo, há suficientes indícios e mesmo sinais bem positivos de que a ICAR, na atualidade, pelo menos no que diz respeito à América Latina, e mais particularmente ao Brasil, tem adotado estratégias visando reforçar a espiritualidade e o proselitismo, o que aparece muito claramente no documento de Aparecida e na atuação dos NMEs e das NCs. Um dos melhores exemplos é o que acontece com a RCC. Surgindo nos anos 1960 nos EUA, como é bem conhecido, rapidamente expandiu-se pelo mundo. Embora tenha sido pensada, sobretudo por - 871 - 08_RA_Maues.pmd 871 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... seus críticos, como uma estratégia para conter a perda de fiéis para o movimento pentecostal evangélico, prefiro acentuar a importância da força do movimento pentecostal penetrando na ICAR, como também penetrou nas igrejas do protestantismo histórico e mesmo em organizações até mais fechadas, como a dos Adventistas do Sétimo Dia. Tendo o pentecostalismo, por sua força, penetrado na ICAR, os próprios pentecostais católicos acentuaram logo a importância da RCC, através das famosas profecias de Roma proferidas em plena Basílica de São Pedro, assim como as profecias que mais tarde falavam no “bulwark” (baluarte ou bastião) representado pela RCC e surgido para defender a ICAR contra seus inimigos, apresentando-se, ademais, não como um mero movimento eclesial, mas como “igreja em movimento”, com a ideia implícita de uma espécie de refundação de sua Igreja. Ao mesmo tempo, ao lado dos grupos de oração e de outros tipos de encontros mais espetaculares, como os chamados cenáculos, surgiram as primeiras comunidades carismáticas, a começar pelos EUA, a despeito de fortes resistências de não carismáticos, católicos e não católicos e mesmo de alguns bispos da ICAR.20 Isto, evidentemente, depois de contidos os supostos “excessos”, através de um processo de banalização ou rotinização do carisma promovido pela própria hierarquia,21 acabou por ser utilizado também como instrumento de fortalecimento da ICAR e elemento importante de contenção de fiéis, diante das ameaças proselitistas de outras igrejas, seitas e cultos. Todos os demais movimentos, assim como as novas comunidades, aparentemente cumprem a missão evangelizadora da ICAR, tal como preconizado pela conferência de Aparecida. Um dos exemplos mais interessantes, no caso da RCC, é a comunidade carismática Shalom, com seu núcleo em Belém, situado na área limítrofe entre a paróquia de Nazaré (a partir da qual se promove uma das maiores festas do catolicis- - 872 - 08_RA_Maues.pmd 872 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. mo popular brasileiro, o Círio de Nazaré) e a paróquia de São Francisco de Assis, popularmente conhecida como “igreja dos capuchinhos”. Nas semanas que antecedem a festividade do Círio, ocorrem as chamadas “peregrinações”, em que réplicas da imagem de N. S. de Nazaré percorrem as casas e são recebidas pelas famílias, realizando-se então um ritual de orações e congraçamento entre amigos, familiares e vizinhos, terminando com pequeno lanche de sucos, refrigerantes, salgados e doces oferecidos pelas famílias.22 Esse ritual costumava ser organizado pela própria vizinhança, o que continua acontecendo em outras partes da cidade e mesmo em cidades próximas de Belém. Nessa área específica, porém, membros da comunidade Shalom, muitos deles oriundos do Nordeste, passaram a participar e a interferir no ritual, redirecionando de forma explícita as orações e as práticas de culto – que originalmente costumava ser mais ligado ao catolicismo popular – mais para leituras bíblicas e práticas rituais próximas de uma postura “oficial” e, muitas vezes, distantes da devoção popular, sem qualquer atenção para com as tradições locais voltadas ao culto nazareno, tal como se costuma praticar em Belém. Em outras situações e em outros rituais, a atuação de distintas comunidades ou de movimentos eclesiais, como Focolares, Encontro de Casais com Cristo, tende a realizar o culto à Nazaré com propósito evangelizador, o que não se distingue de maneira radical da atuação de sacerdotes católicos diante de formas específicas do catolicismo popular.23 A diferença está, principalmente, em como atua cada comunidade ou movimento, pois possuem suas idiossincrasias e tipos de desempenho que não se orientam fundamentalmente por práticas locais, mas que têm seu ethos construído de forma específica (respeitando minimamente os elementos essenciais de uma identidade católica mais geral) e a partir de uma matriz que, em vários casos – como no dos movimentos aqui citados – é de caráter internacional. - 873 - 08_RA_Maues.pmd 873 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... Religião e modernidade, secularização e mística: uma reflexão inconclusiva Neste trabalho, o tema dos novos movimentos eclesiais e das novas comunidades na ICAR foi tomado como entrada privilegiada para uma reflexão sobre religião na modernidade. A crise das igrejas estabelecidas, com a perda de fiéis para seitas, denominações, diferentes formas de culto; a importância da mística, desenvolvida no interior das igrejas e, muitas vezes, conduzindo a um trânsito entre elas; e, em muitas situações, levando também a crenças, práticas e performances rituais sem necessariamente ligação com instituições de qualquer tipo, tudo isso constitui formas de bricolage, no que se convencionou chamar de “mercado de bens simbólicos”, que têm se desenvolvido na modernidade e representam desafios e mesmo ameaças para o controle institucional das igrejas (no caso, particularmente a ICAR) sobre seus “fiéis”.24 A modernidade reedita, em novos moldes, situações existentes em outras formações sociais, do presente e do passado, que têm sido estudadas por antropólogos ou por historiadores (cf. Hervieu-Léger, 1999, pp. 20-22). Por isso, as igrejas estabelecidas, como a ICAR, precisam conviver e adaptar-se a esses novos tempos, se desejarem sobreviver. A relação entre secularização e mística se apresenta, assim, não necessariamente contraditória ou excludente. As pessoas podem ser perfeitamente “secularizadas” (no sentido de serem capazes de atuar e desempenhar seus papéis como cidadãos num Estado laico), mas, ao mesmo tempo, capazes de construir suas próprias práticas, vivências, rituais, comportamentos éticos e crenças, nem sempre se subordinando ao controle de um clero pertencente a uma dada instituição. Como disse há pouco, isso já se faz há algum tempo e se faz em outras formações sociais, sendo possível identificar situações semelhantes no passado e no presente. Mas, na modernidade ocidental, é algo que se torna cada vez mais evidente. - 874 - 08_RA_Maues.pmd 874 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. Daí decorre a importância dos novos movimentos eclesiais e das novas comunidades na ICAR. Essas formas de organização podem ser pensadas também como modalidades de exercício da mística e do comportamento até certo ponto sectário (com vários níveis de gradação) no interior de uma igreja estabelecida. Por outro lado, diante delas, a hierarquia eclesiástica e mesmo o clero em geral precisam adotar modos de adaptação, coerção, compromisso, cooptação, ao mesmo tempo em que se veem envolvidos e, em muitas situações, cooptados por elas. Novamente o exemplo da Renovação Carismática pode ser invocado. A RCC, com seu modo alegre e descontraído de atuar, tem exercido grande influência na performance ritual, litúrgica da ICAR, mas também nas formas de espiritualidade. Ao mesmo tempo, seu carisma tem sido mantido sob controle, até certo ponto, pelas autoridades eclesiásticas. Por outro lado, padres e bispos têm se “convertido” à RCC, o que aumenta sua influência e a transforma, através de vários tipos de ação – grupos de oração, ministérios, comunidades, grandes manifestações de massa – num movimento altamente atuante e inovador, sobretudo no sentido da espiritualidade, no interior da ICAR (a despeito de toda a oposição que também provoca dentro dessa igreja). O mesmo se pode dizer de movimentos com estilos e formas de atuação diferentes, como os Focolares, o Neo-Catecumenato, os Cursilhos de Cristandade e o Encontro de Casais com Cristo, entre tantos outros. Constituem, assim, diferentes respostas às demandas dos “fiéis” que, aparentemente, não tinham podido ser atendidas pelos meios convencionais até então (meados do século XX) oferecidos pela Igreja Católica institucional. Uma coisa parece certa: a inovação constituída na ICAR pelos NMEs e pelas novas comunidades é algo inédito e inusitado, podendo representar mudança radical no próprio ethos da instituição eclesiástica, embora sem estabelecer, de outro lado, qualquer mudança em sua identidade, que permanece católica (nos dois sentidos, acima apontados, de - 875 - 08_RA_Maues.pmd 875 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... catolicidade). Quais os possíveis resultados dessa inovação, tão característica e adaptada aos tempos modernos? Certamente ainda é cedo para apresentar resposta conclusiva. Este trabalho visou, sobretudo, levantar questões. Seu objetivo é apenas o de suscitar o debate e a reflexão sobre o tema. Desejo, no entanto, encerrar este artigo – sem, é claro, encerrar o debate e a discussão – fazendo mais duas observações. Em primeiro lugar, reenfatizando que o tema da secularização e do encantamento, ou “reencantamento”, tem provocado, no Brasil, muito interesse entre os estudiosos da religião, mas me restrinjo a citar pequeno número para cujos trabalhos quero chamar particularmente a atenção. Entre tantos, um artigo instigante e polêmico foi publicado há alguns anos na Revista Brasileira de Ciências Sociais (Pierucci, 1998), com contribuições teóricas muito importantes, discutindo sobretudo os conceitos weberianos de “desencantamento” (entzauberung der welt) e secularização (säkularisation). Outra abordagem significativa, mais de acordo com minhas próprias posições a respeito do que estou tratando neste artigo, é a de Joanildo Burity, que é expressa inicialmente em seu trabalho com as seguintes palavras: [a] conjunção de aprofundamento da religião como prática pessoal e desprivatização da religião como força social e política é, a meu ver, muito mais frutífera como agenda para investigação do que a discussão sobre o “retorno do sagrado” ou as querelas sobre a secularização, notadamente se estamos pensando na questão da relação entre religião e política. Se há alguma volta aqui, para efeito de nossa discussão, é a da religião à esfera pública, uma penetração ou reabertura dos espaços públicos – institucionalizados ou não – à ação organizada de grupos e organizações religiosas, e não tanto um reavivamento da adesão religiosa, que teria quase desaparecido e regressaria à esfera da cultura (Burity, 2001, p. 29). - 876 - 08_RA_Maues.pmd 876 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. No entanto, um antropólogo brasileiro, Otávio Velho, ao qual já me referi anteriormente (ver nota 3), em aula magna proferida em outubro de 1997, no ISCTE, em Portugal, lembra outros aspectos da questão e, por isso, me permito transcrever mais detidamente suas palavras: É preciso, como já foi dito, não se deixar levar literalmente pela ideia de retorno do religioso ou de reencantamento do mundo. Mas vejamos, então, dialeticamente, o que se poderia dizer que há propriamente de “novo”. Creio que talvez seja, paradoxalmente, num ambiente de segmentação e diversidade, a proeminência de uma “vontade de universalidade” que leva à busca do semelhante [...]. Mas não de um semelhante dado a priori. Trata-se da construção do semelhante pela abertura das narrativas. E estas só podem abrir-se desde dentro: o fundamentalismo, tão falado no próprio terreno da religião, está seguidamente mais nos olhos do observador, iludido por esse efeito. É confundido com a adesão necessária a uma narrativa, que no entanto não implica num essencialismo no sentido usual. A substância vai se depositando, por assim dizer. E isso sem fim à vista. Uma vez feita a adesão a uma narrativa em construção, do seu interior descortinamse horizontes de abertura invisíveis para quem está de fora. Creio que é nessa direção que caminha a noção de autopoiesis proposta para as ciências sociais por Niklas Luhmann e a de obviação de Roy Wagner [...], além da insistência de Colin Campbell na importância da ação encoberta (covert) e dos processos intrassubjetivos.25 E para ilustrar a questão colocando um exemplo bem adequado, Otávio Velho acrescenta: Recentemente, no V Congresso Afro-Brasileiro, realizado em Salvador (Bahia) em agosto (1997), a que estiveram presentes professores desta Casa [ISCTE], vi um “branco azedo” do Paraná (nas suas próprias palavras) rei- - 877 - 08_RA_Maues.pmd 877 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... vindicar a identidade de negro. Baseava-se no fato de ter uma avó supostamente negra, ser casado com uma negra e ter filhos que considerava negros. Nesse sentido, diria até que ingressamos numa era pós-sincrética: cada vez mais, o valor que predomina já não é propriamente o da mistura – tão cara à ideologia racial brasileira consagrada, mas por sua vez tão escamoteadora das diferenças – porém o da universalidade de um jogo intertextual que se segue à aceitação de uma narrativa de referência (Velho, 1998, pp. 354-355). Após estas citações, gostaria ainda, a partir da discussão que venho desenvolvendo sobre o catolicismo e, especialmente, sobre os novos movimentos eclesiais (sem esquecer as novas comunidades), de colocar outra questão que contrasta com a anterior (mas não a contradiz), para finalizar este artigo. Ela diz respeito, agora, à persistência do sincretismo no catolicismo (como elemento essencial de identidade), citando um texto do teólogo Henri de Lubac, publicado em 1968, nas Comunicações do ISER, que se refere à catolicidade visível da ICAR como expressão normal de sua riqueza interior, que é a variedade, o que surge numa fórmula antiga, em latim: circumdata varietate (cf. Lubac, 1968, p. 29). Trata-se de menção ao Salmo 44, mas ao mesmo tempo, simbolicamente, à Igreja Católica e, por extensão, ao manto de Maria, que se estende por toda parte, cercado pela variedade.26 É neste sentido que faço aqui esta referência, relacionando-a com os novos movimentos e as novas comunidades eclesiais, na sua variedade, mas para simbolicamente englobar esta variedade sincrética, encompassada por Maria, “mãe da Igreja” (mediadora ou medianeira recusada como tal pelos cristãos não católicos). Este é o jeito católico de lidar com a variedade. Jeito que se exerce no mundo moderno, diante de todos os desafios que se antepõem à ICAR, no exercício de sua missão evangelizadora, enfatizada pelo documento de Aparecida, para lidar com - 878 - 08_RA_Maues.pmd 878 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. as ameaças e os desafios que se apresentam a esta Igreja e, por isso – numa percepção êmica de seus bispos – às mulheres e aos homens, na Amazônia, no Brasil, na América Latina, no Caribe e – por que não dizer? – no mundo, já que as diretrizes estabelecidas pelo Celam podem ter um alcance bem mais vasto.27 Esta é uma significativa diferença quando consideramos a religião na modernidade e que, a meu ver, não tem sido ainda levada suficientemente em conta pelos analistas da religião no Brasil, mas que vem sendo de certo modo apontada, há bastante tempo, por outro antropólogo, citado também neste artigo, Pierre Sanchis: “Assim o Cristo ressuscitado, quando se manifesta a seus amigos, toma o rosto de todas as raças, e cada um o compreende em sua língua” (Sanchis, 1986, p. 30). Ela também aparece em texto mais antigo, do conhecido intelectual católico Alceu de Amoroso Lima, quando se refere a essa mesma variedade ao dizer, há tantos anos: “‘Circumdata varietate’. A Igreja se apresenta como uma rainha, rodeada de variedades, isto é, de caminhos diferentes através dos quais é possível trilhar a verdade” (apud Costa, 2010, p. 21, n. 7). Notas * 1 Trabalho apresentado em primeira versão no 32º Encontro Anual da ANPOCS, de 27 a 31 de outubro de 2008, no GT Religião e Sociedade, com o título de “Novos Movimentos Eclesiais e Modernidade: Desafios Teóricos e Metodológicos”. Agradeço aos coordenadores Ari Pedro Oro e Joanildo A. Burity e aos participantes do evento cujos comentários me ajudaram a reformulá-lo para publicação. Agradeço também a Maria Angelica Motta Maués, minha mulher e colega antropóloga, pela leitura atenta e pelas sugestões. Permaneço, é claro, como o único responsável pelos erros e as omissões que este texto contém. Essa questão é de alguma forma colocada por José Comblin, ao discutir um dos problemas criados para a estrutura tradicional da ICAR com o surgimento dos - 879 - 08_RA_Maues.pmd 879 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... 2 NMRs: “Se a presente evolução continuar, pode-se imaginar uma situação extrema em que a Santa Sé poderia achar melhor governar a Igreja por meio dos Movimentos, contando mais com eles do que com os episcopados. Na Idade Média os Papas procuraram de certo modo essa forma de governo graças às Ordens nascidas no século XIII. A recente instituição das prelazias pessoais vai nesse sentido” (Comblin, 1983, p. 257). Independentemente de se confirmar ou não a suposição deste teólogo, vale lembrar rapidamente aqui o sentido inovador dessas Ordens, recorrendo, por exemplo, ao trabalho de uma historiadora (Terezinha Oliveira), que assim se refere a elas: “eram contestadoras sociais. Ao defenderem o ideal de pobreza, [...] criticavam a riqueza da Igreja e convertiam-se em uma nova perspectiva para o cristianismo ao proporem uma retomada do Evangelho ‘puro’. Com isso, os mendicantes atraem para as suas fileiras os jovens e os descontentes com a posição da Igreja e com o que haviam se tornado os valores cristãos. Estabelece-se uma luta entre as forças religiosas novas e vigorosas, representadas pelas ordens mendicantes, e as tradicionais forças da Igreja. Elas ganham o interior das Universidades uma vez que seus principais mestres originam-se dessas duas ordens” (Oliveira, 2007). Respeitadas as evidentes diferenças, vale lembrar os conflitos que tais movimentos já provocam – e que começam a ser registrados pela literatura, inclusive brasileira – entre pais de jovens que ingressam nesses movimentos, abandonando estudo e atividades produtivas, por exemplo. No caso brasileiro e em relação à comunidade carismática Shalom, ver, por exemplo, uma tese de doutorado defendida na UFBA há poucos anos atrás (Mota, 2007). A literatura sobre NMEs, do ponto de vista das ciências sociais, é relativamente escassa, exceto no que diz respeito à RCC (entre os trabalhos mais importantes e conhecidos no Brasil, cf. Carranza, 2000; Csordas, 1994, 1997; Henriques, 1999; Prandi, 1997; Ribeiro de Oliveira, 1978; e Steil, 2004). Sobre os Cursilhos de Cristandade existe um trabalho publicado (fruto de sua dissertação de mestrado, 1979) e a tese de doutorado de Benedito Gil (1996, 1988). Uma ótima introdução à questão dos Novos Movimentos Religiosos se encontra em Soneira (2005), que também traz toda uma discussão a respeito do problema das “seitas” e do movimento anticultos a partir do contexto argentino. A questão das seitas é tratada de modo aprofundado no trabalho de Giumbelli (2002), que faz também uma comparação entre Brasil e França. Com referência a acusações, especialmente contra a Opus Dei (mas também aos Focolares e ao Neo-Catecumenato), do ponto de vista das - 880 - 08_RA_Maues.pmd 880 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. 3 4 5 ciências sociais, ver o trabalho de Benedetti (2000, pp. 230-258). De um ponto de vista mais eclético, o conhecido best seller de Dan Brown (2006 [2003]), a partir do qual também se fez um filme de sucesso, dirigido por Ron Howard; o livrodepoimento de Urquhart (2002 [1995]), ex-membro dos Focolares; e o DVD de Marcela Said Cares e Jean de Certeau sobre a Opus Dei, intitulado em português Opus Dei, Uma Cruzada Silenciosa, apresentado como “Documentário investigativo inédito” (GA & A Productions). De modo bem contextualizado, o tema é tratado num belo artigo de Frigerio & Oro (1998), a partir do caso do assassinato ritual de uma criança ocorrido no estado do Paraná e de suas repercussões na imprensa do Brasil e da Argentina. Um excelente artigo sobre os NMEs é o do teólogo José Comblin (1983), já citado na nota anterior, cujas ideias utilizo em várias partes deste trabalho. Ver também, sobretudo a respeito das novas comunidades eclesiais intimamente ligadas aos NMEs, o livro organizado por Carranza, Mariz e Camurça (2009). Atualmente, essa questão tem sido discutida e apresentada por diferentes estudiosos no Brasil (cf. Burity, 2001; Pierucci, 1998; Steil, 2001; Velho, 1997, 1998, entre outros). Voltarei a alguns destes autores no final deste artigo. Os conceitos sociológicos de igreja, seita e mística partem das formulações de Weber (1974 [1920], 2004 [1920]) e de Troeltsch (1931 [1912]). Acréscimos relevantes a esse debate foram formulados por Niebuhr (1992 [1929]), Wach (1990 [1924]) e Wilson (1970). Comentaristas argentinos e uma brasileira discutem, em trabalhos recentes, de forma bem esclarecedora, esses conceitos (Soneira, 2005; Mallimaci, 1987; e Mariz, 2003). Para Emerson Giumbelli, comentando as abordagens teóricas de Clifford Geertz sobre religião, mostra que este antropólogo americano constrói duas teorias complementares: uma de caráter “formalista e generalizante” – fundamentada na concepção antropológica da cultura como teia de símbolos – partindo de uma definição de religião que lhe permite estabelecer a relação entre visão de mundo e ethos; e a outra, “nominalista e analítica”, utilizada em suas análises empíricas sobre a religião de Java e sobre o islamismo na Indonésia e no Marrocos (Giumbelli, 2003, pp. 214-215). Em ambos os casos, as dimensões culturais, sociológicas e psicológicas são levadas em conta e articuladas, o que, a meu ver, contribui também para evitar reducionismos tão comuns em certas análises de caráter socioantropológico. Essa preocupação com a construção local da cultura (que também articula uma - 881 - 08_RA_Maues.pmd 881 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... 6 7 postura nominalista com os chamados “universais da cultura”, que a rigor são de fato construções do analista, associada à ideia da incompletude da “natureza humana”) aparece em vários momentos na obra de Geertz, dos quais destaco, especialmente, o estudo sobre o(s) islamismo(s) – visto(s) a partir da Indonésia e do Marrocos, mas também de observações necessariamente locais, fruto do trabalho de campo do autor nesses países – e as formulações mais especificamente teóricas, em outros trabalhos como “O impacto do conceito de cultura sobre o conceito de homem” e “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa” (cf. Geertz, 1978 [1973], 1998 [1983], 2004 [1968]). Parte dessas questões foi pesquisada por mim anteriormente e seu resultado se encontra em trabalhos anteriores (Maués 1995, 1999, 2001). Comblin (1983) também trata do assunto. Tive, porém, experiência pessoal como membro da JUC, no início dos anos 1960, em Belém, chegando a participar de encontros nacionais, o que me permite falar também a partir dessa prática. Creio ainda que seria interessante refletir sobre as razões do desaparecimento da AC e da Pia União, mais ou menos na mesma época. No caso desta última, é possível que o movimento de liberação da mulher, atingindo de algum modo a ICAR e suas jovens fiéis, tenha contribuído bastante para isso, mas esta é, no entanto, apenas uma especulação, talvez descabida. Este aspecto é tratado em livro citado na nota anterior, tendo como referência a Carta Pastoral de um dos mais importantes bispos do Pará, Dom Antônio de Macedo Costa, que, no final da vida, foi nomeado arcebispo da Bahia e primaz do Brasil: “Na época da Questão Nazarena, acima mencionada, D. Macedo Costa enviou uma carta ao clero paraense (2/11/1877) na qual fala de uma ‘tendência’ já há muito tempo existente na sociedade brasileira, que ‘consiste em querer, na direção do culto, fazer predominar o elemento secular sobre o elemento eclesiástico’. Segundo o bispo, para as irmandades, ou ‘simples comissões de festeiros’, o sacerdote ‘é apenas considerado como um serventuário assalariado do culto’. Recebendo seu pagamento, ‘deve em tudo estar subordinado aos irmãos ou festeiros’. Não são aceitas suas ordens, como ‘autoridade na igreja’, mas simples sugestões. ‘O mesmo Bispo diocesano parece-lhes estar sujeito; tanto que, se quiser deles qualquer coisa, deve ir rojar-se-lhes aos pés, e dirigir-lhes um pedido’ (cf. Lustosa, 1939, p. 403). O documento condensa o aspecto fundamental da oposição leigo versus - 882 - 08_RA_Maues.pmd 882 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. 8 9 10 11 12 sacerdote, que se agudizara no final do Império, como consequência do processo de romanização” (Maués, 1995, pp. 76-77). Duas teses de doutorado defendidas recentemente, na Universidade Federal do Ceará e na Universidade Federal da Bahia, tratam da Comunidade Shalom, especialmente a primeira, que é um estudo sociológico realizado sobre essa comunidade carismática (cf. Nicolau, 2005; Mota, 2007). O trabalho de Mota, aliás (como está dito na nota 1, acima), já aponta a consideração, no Brasil, da comunidade Shalom como seita e os conflitos e as reações contra ela ocorridos recentemente na cidade de Salvador. O trabalho de Mariz e Aguilar (2009) trata também da comunidade Shalom, sem no entanto citar estas duas teses. Parte do trabalho de um ex-bolsista de IC e orientando de mestrado, hoje colega e professor da Universidade Federal do Pará, foi realizado na comunidade Maíra (cf. Souza, 2007). Um dos melhores trabalhos sobre comunidades carismáticas, publicado nos EUA, berço da RCC, foi realizado por Csordas (1994). Uma análise mais aprofundada sobre a Conferência de Aparecida feita por este teólogo (Suess, 2007b) encontra-se na Revista Eclesiástica Brasileira, em número especial que será citado novamente na nota 14. Pode-se também dizer, a partir da leitura de outro teólogo, Germán Dolg Klinge, mas igualmente de minha leitura pessoal, que cada documento possui características especiais, e em cada um deles é possível destacar “un acento de fondo que en cierta manera funciona como hilo condutor”. A conferência do Rio teve como “acento” principal a preocupação com a situação dos evangelizadores (isto é, o clero), muito escasso, na AL. Por isso, uma das principais metas estava voltada para a promoção das chamadas “vocações sacerdotais”. No caso de Medellín, segundo Klinge, o fio condutor foi “la necesidad de impulsar el desarrollo integral de la persona y la vida social”. Mas, acrescento, tendo essa conferência como propósito atualizar na AL as decisões do Concílio, ela foi bastante inovadora em relação à anterior (embora, claro, sem deixar de manter certa continuidade), sendo também aquela (juntamente com Puebla) em que mais se refletem de modo direto as influências da chamada Teologia da Libertação. Ainda segundo Klinge, “Puebla se orientó más explícitamente hacia la promoción de una renovada evangelización en América Latina. Su acento principal es el binomio comunión y participación. Hay que señalar que se trata de un texto más orgánico que el de Medellín”. Não - 883 - 08_RA_Maues.pmd 883 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... 13 14 obstante, é bom destacar o fato de que foi nessa conferência que se incluiu pela primeira vez no texto de suas conclusões a famosa (e também polêmica, em certos casos) “opção preferencial pelos pobres” (que foi retomada nos demais documentos: Santo Domingo e Aparecida). Essa conferência, a primeira realizada durante o pontificado de João Paulo II, também envolveu polêmicas e controvérsias que são referidas em artigo do historiador americano Ralph Della Cava, publicado em português e espanhol. Santo Domingo, segundo Klinge, teve como “acento principal [...] la persona y el mensaje del Señor Jesús. Desde esa aproximación se propone impulsar una nueva evangelización que aliente una más profunda promoción humana y sea instrumento de la configuración de una cultura cristiana. A esta aproximación cristocéntrica se deben añadir dos acentos más que también son claves fundamentales para comprender el documento dominicano y los nuevos horizontes pastorales de la Iglesia en América Latina: por un lado la reconciliación y la solidaridad, y por otro la presencia mariana” (cf. Klinge, 2008; Della Cava, 1985, 1987). Vale lembrar também que os documentos de todas as Conferências do Celam, além de terem sido publicadas por editoras católicas brasileiras, encontram-se facilmente disponíveis, na íntegra, em espanhol, no endereço http:// www.celam.org/principal/index.php. Acessado em 25/04/2011. Todas as citações são do Documento de Aparecida (2007). As notas de rodapé ao texto estão citadas entre colchetes. Neste ponto, é importante chamar a atenção para o fato de que o Documento de Aparecida, como outros do Celam, não foi produzido sem tensões, sendo que, em sua elaboração e após o encerramento da conferência, foi possível detectar alguns conflitos. Para o teólogo Paulo Suess, acima citado, a conferência “se realizou num contexto de pluralismo cordial”, tendo sido “setores muito diferentes que se reuniram em Aparecida”. Ele distingue cinco setores: 1. “Teologia e Pastoral da Libertação”, 2. “Bom Pastor”, 3. “Cúria Romana”, 4. “Movimentos” e 5. “Navegantes Independentes” (um setor que ele chama de “pragmático”). Havia alianças e oposições entre esses setores na apreciação e na votação das matérias. “O setor ‘Bom Pastor’, delegados que trabalharam nas paróquias e conhecem bem a realidade pastoral do povo, geralmente votou junto com o setor ‘Pastoral da Libertação’. O setor ‘Cúria Romana’ estava geralmente mais ao lado do setor ‘Movimentos’, ambos distantes da realidade concreta do continente e marcados por uma teologia perene e um discurso de ideologia universalista”. Os Navegantes Independentes - 884 - 08_RA_Maues.pmd 884 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. 15 16 17 18 votavam com um ou outro dos blocos. Além disso, após a reunião, foram divulgados na internet dois textos do documento, chamados “versão Aparecida” e “versão Vaticano”, refletindo certamente as divergências e as possíveis interferências do Vaticano nas conclusões da conferência. Por outro lado, outra polêmica surgiu entre dois dos mais importantes teólogos da libertação (aliás, irmãos), como resultado da publicação de um número especial da Revista Eclesiástica Brasileira (REB), dedicado à análise da conferência. Trata-se de importante divergência sobre a própria TL, entre Clodovis e Leonardo Boff, a respeito do conceito teológico de “pobre”, que tem implicações profundas, de natureza epistemológica e prática, quanto à maneira de encarar a TL. Dois números depois, apareceu outro artigo na REB, de dois outros autores, de contestação a Clodovis Boff (cf. Suess, 2007a, p. 10; Documento Aparecida – Versão Aparecida, s/d; Documento Aparecida – Versão Vaticano, s/d; C. Boff, 2007; L. Boff, 2008; Susin & Hammes, 2008). Cf. a respeito Maués (2009), artigo em que descrevo parcialmente essa Jornada. Seria interessante investigar até onde vai esse controle, especialmente no caso de movimentos como RCC, Focolares, Cursilhos de Cristandade e outros, sem falar na Opus Dei – cuja presença não foi possível detectar em Belém. Mas, no atual estágio de minha pesquisa, isso ainda não foi possível; tenho apenas alguns elementos de alguma relevância no tocante à RCC. Trabalho mais recente, resultante de pesquisa empírica realizada pelo ISER/Assessoria em comunidades de base de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que trata do que se poderia denominar de “novas” CEBs, é o de Lesbaupin et al. (2004). Em relação à Amazônia, a dissertação de mestrado de Rita de Cássia Pereira da Costa (2008), embora não se referindo especificamente ao tema, apresenta uma etnografia bem construída sobre as CEBs, em área restrita da Prelazia de Abaetetuba, Pará. Mais recentemente, em parte apoiando-me em dados desta dissertação de Rita da Costa, publiquei artigo em que faço uma análise da influência da ICAR na Amazônia, especialmente no tocante a comunidades rurais, através das chamadas Comunidades Eclesiais de Base (Cf. Maués, 2010). Optei por manter o texto citado no original: “From a long-term historical perspective, the theological assimilation of sociological and especially of Marxist vocabulary found in Latin American Liberation Theology can be considered as analogous to the changes in the Church’s attitude towards the economic sphere that took place during the high Middle Ages. Just as in the 12th and 13th centuries - 885 - 08_RA_Maues.pmd 885 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... 19 20 changes in the economic structure of Europe led to the modification of theologians’ stance towards money lending, work and the economic sphere in general, […] political and economic changes in the second half of the 20th century can be understood as having caused a number of Latin American clerics to do what one would expect theologians to do, namely, to theologize one of the ideologies that seemed to represent the future of the subcontinent, thus preparing a place for Christianity – and therefore for the Church – in the societies that would be ruled by revolutionary regimes. This theological accommodation is not to be understood as a conscious undertaking, and even less as conspiracy; despite the subsequent – and unavoidable - retreats into traditional espiritualidad, one cannot question the liberation theologians’ initial commitment to an integral liberation” (Benavides, 1997, p. 537). Esse reducionismo – no caso, uma forma de sociologismo – pode ser facilmente induzido pela sociologia durkheimiana, especialmente nas Formas Elementares da Vida Religiosa, na qual o grande sociólogo francês estabelece uma relação entre as categorias divindade, totalidade e sociedade, o que, se levado às últimas consequências, permite esquecer outros aspectos fundamentais da religião e, sobretudo, as crenças, a fé, as motivações éticas e todo um ethos de caráter subjetivo que não pode ser esquecido pelo analista da religião, mesmo que seja sociólogo ou antropólogo (inclusive se for ateu). Em uma das traduções brasileiras das “Formas Elementares” – que é também um estudo sobre sociologia do conhecimento – esta postura, ao tratar das categorias do entendimento, um dos aspectos mais importantes desta mesma obra e que aparece bem explícita na nota 41 da conclusão, é assim expressa: “No fundo, o conceito de totalidade, o conceito de sociedade e o conceito de divindade são, ao que parece, apenas aspectos diferentes de uma única e mesma noção” (cf. Durkheim, 1973, p. 544). A respeito das profecias de Roma e do bulwark representado pela RCC, bem como sobre as comunidades carismáticas nos EUA, cf. Csordas (1997). O texto central destas últimas profecias é o seguinte: “Eu [Deus falando pela boca do profeta carismático] farei de vocês um baluarte (bulwark) para defender [a Igreja] contra o assalto furioso do Inimigo [...]. Vocês são o baluarte que construí para enfrentar o assalto furioso do Inimigo [...]. Eu lhes falei de um baluarte; disse que estou erguendo um baluarte contra a onda ameaçadora da escuridão, um baluarte para proteger meu povo e proteger minha Igreja. E porque suas mentes humanas não - 886 - 08_RA_Maues.pmd 886 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. 21 22 23 24 25 26 podem compreender a mente de Deus, falei-lhes através de imagens. Vocês podem perceber o baluarte como uma parede de rocha: falo a vocês agora daquele baluarte na figura de uma cerca impenetrável. Sim, espalhei minha semente de verdade amplamente por toda a superfície da terra; e uma parte desta semente germinou e começou a crescer na cerca impenetrável que será meu baluarte [...]” (apud Csordas 1997, pp. 208-209, minha tradução). Sobre esse processo, cf. o importante trabalho de Soneira (2001, pp. 112-114 e passim). O tema das “peregrinações” da imagem de Nossa Senhora de Nazaré, em Belém, como parte da festa do Círio, foi recentemente tratado por Mariana Pamplona Ximenes Ponte em sua dissertação de mestrado (2011). Sobre esta questão, o projeto por mim coordenado sobre Novos Movimentos Eclesiais tem produzido trabalhos que ajudam a melhor situar essas práticas (cf. Maués, 2006; Pantoja, 2006; Pantoja & Maués, 2004; Barra, 2007; além de outros, em desenvolvimento). Estas questões são discutidas de forma bastante original no conhecido livro de Hervieu-Léger (1999). Com referência ao Brasil, uma abordagem distinta, enfocando sobretudo o chamado sincretismo, mas não só, e que permite entender aspectos fundamentais da “religião do brasileiro” é a de Sanchis (2001, 2005) que, aliás, não está em contradição com a de Hervieu-Léger. A referência feita por Otávio Velho a este último autor é: Campbell, Colin, 1996, The Myth of Social Action, Cambridge, Cambridge University Press. Lembraria também aqui que há várias décadas os antropólogos que trabalhavam com ethnoscience já propunham, no estudo de processos cognitivos, a noção de covert categories (categorias encobertas) para se referirem àquelas categorias não rotuladas monolessemicamente que aparecem nos discursos de todas as línguas (cf. Berlin, Breedlove & Raven, 1968). Henri de Lubac, numa nota, transcreve as palavras do papa Bento XV numa alocução no Consistório de 10 de março de 1919: “Não somente (nossos antigos legisladores) conservaram as instituições e os costumes dos orientais separadamente dos latinos, mas também os seus ritos, nobres e brilhantes, conservaram incorruptível e inteiramente, para que com efeito a Esposa de Cristo [a Igreja, mas também, possivelmente – em minha interpretação pessoal – Maria, a mãe de Cristo e de todos os homens, rainha e medianeira por excelência do catolicismo], em sua - 887 - 08_RA_Maues.pmd 887 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... 27 veste dourada, rodeada pela variedade, melhor ainda ostentasse sua beleza” (cf. Lubac, 1986, p. 31). Claro que aí estou também trabalhando com uma forma de ambiguidade, que é própria das religiões em geral, mas, como não poderia deixar de ser, do próprio catolicismo. Desejo agradecer à professora Anaíza Vergolino, minha colega da Universidade Federal do Pará, por ter colaborado voluntariamente em meu último curso de Antropologia da Religião, no primeiro semestre de 2008 (que, de forma proposital, estava voltado para o estudo do catolicismo). Entre as diversas discussões que tivemos, mais especificamente sobre sincretismo, a partir da leitura de textos como os de Pierre Sanchis, Rubem César Fernandes, Leonardo Boff, Sérgio Ferretti e dela mesmo (Sanchis, 1995, 2001; Fernandes, 1999; Boff, 1982; Ferretti, 1995; Vergolino, 1987), a professara lembrou do artigo e das ideias de Lubac. Devo registrar ainda que essas mesmas ideias são trabalhadas agora na tese de doutorado (antropologia) que está sendo elaborada por Regina de Fátima Mendonça Alves, aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA (que também participou do curso mencionado), tese voltada para o estudo do Círio de Nazaré como fenômeno midiático, em Belém, enfatizando “o manto, a mitra e o microfone”, elementos “emblemáticos dos poderes religiosos e temporais que se manifestam” na maior procissão religiosa do Brasil. Referências bibliográficas BARRA, Ana Paula Campos 2007 Para que Sejamos Um – Estudo sobre a Cultura Renovada do Movimento Focolare em Belém do Pará, Relatório final do PIBIC/CNPq, Belém, UFPA. BENAVIDES, Gustavo 1997 “Latin American Catholicism, Comprometido and Compromised”, Social Compass, 44, pp. 529-544, December. BENEDETTI, Luiz Roberto 2000 Templo, Praça, Coração: A articulação do campo religioso católico, São Paulo, Humanitas Publicações/FFLCH/USP-CER. - 888 - 08_RA_Maues.pmd 888 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. BERLIN, Brent; BREELOVE, D.E. & RAVEN, P.H. 1968 “Covert categories and folk taxonomies”, American Anthropologist, 70 (2), pp. 290-299. BOFF, Clodovis 2007 “Teologia da Libertação e volta ao fundamento”, Revista Eclesiástica Brasileira, 67 (268), pp. 1001-1022. BOFF, Leonardo 1982 “Em favor do sincretismo: a produção da catolicidade do catolicismo”, in ___, Igreja: Carisma e Poder, Petrópolis, Vozes, pp. 145-171. 2008 Pelos pobres contra a estreiteza do método, http://www.unisinos.br/ ihu/ index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=14282, acessado em 31/08/2008. BROWN, Dan 2006 O Código Da Vinci, Rio de Janeiro, Sextante. BURITY, Joanildo A. 2001 “Religião e Política na Fronteira: desinstitucionalização e deslocamento numa relação historicamente polêmica”, Revista de Estudos da Religião (REVER), 4, pp. 27-45, http://www.pucsp.br/rever/rv4_2001/p_burity.pdf, acessado em 31/ 08/2008. CARRANZA, Benda; MARIZ, C. & CAMURÇA, M. (orgs.) 2009 Novas Comunidades Católicas: Em busca do espaço pós-moderno, Aparecida, Ideias & Letras. CARRANZA, Brenda 2000 Renovação Carismática Católica: Origens, mudanças e tendências, 2ª edição, Aparecida/SP, Santuário. CSORDAS, Thomas J. 1994 The Sacred Self: A cultural phenomenology of Charismatic healing, Berkeley, Los Angeles and London, University of California Press. 1997 Language, Charisma, and Creativity: The ritual life of a religious movement, Berkeley, Los Angeles and London, University of California Press. - 889 - 08_RA_Maues.pmd 889 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... COMBLIN, Joseph 1983 “‘Os Movimentos’ e a Pastoral Latino-americana”, Revista Eclesiástica Brasileira, 43 (170), p. 227. COSTA, Alexandre José Gonçalves 2010 Teologia e Política: A ordem e a Atualização do Discurso Político-Social Católico no Brasil, 1931-1958, Campinas, tese, Universidade Estadual de Campinas. COSTA, Rita de Cássia Pereira da 2008 Como uma comunidade: Formas associativas em Santo Antônio-PA – imbricações entre parentesco, gênero e identidade, Belém, dissertação, Universidade Federal do Pará. COUSINEAU, Madeleine 1997 “Innovation and Retrenchment in the Brazilian Catholic Church: Consequences for Base Communities”, Social Compass, 44, pp. 567-577. DELLA CAVA, Ralph 1985 “A ofensiva vaticana”, Religião e Sociedade, 12 (3), pp. 34-53. 1987 “La Iglesia Brasileña y la apertura 1974-1985”, Sociedad y Religión, 4, pp. 1-41. DOCUMENTO DE APARECIDA 2008 Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 6ª edição, Brasília e São Paulo, Edições CNBB/ Paulus/ Paulinas. DOCUMENTO APARECIDA – Versão Aparecida s/d http://redelatina.marista.edu.br/VConferênciaCELAM/Português/Documento Versão Aparecida/tabid/248/Default.aspx, acessado em 31/08/2008. DOCUMENTO APARECIDA – Versão Vaticano s/d http://redelatina.marista.edu.br/VConferênciaCELAM/Português/ Documento VersãoVaticano/tabid/249/Default.aspx, acessado em 31/08/2008. DURKHEIM, Émile 1973 “As Formas Elementares da Vida Religiosa (O sistema Totêmico na Austrália)”, Introdução e Conclusão, in Os Pensadores XXXIII, São Paulo, Abril Cultural, pp. 505-547. - 890 - 08_RA_Maues.pmd 890 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. FERNANDES, Rubem César 1988 “Aparecida: nossa rainha, senhora e mãe, saravá!”, in FERNANDES, Rubem César; DAMATTA, R. et al., Brasil & EUA: Religião e Identidade Nacional, Rio de Janeiro, Graal, pp. 85-109. FERRETTI, Sérgio 1995 Repensando o sincretismo: Estudo sobre a casa das Minas, São Paulo e São Luís, Edusp/ Fapema. GEERTZ, Clifford 1978 [1973] A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, Zahar. 1998 [1983] O Saber Local. Novos ensaios em antropologia interpretativa, Petrópolis, Vozes. 2004 [1968] Observando o Islã. O desenvolvimento religioso no Marrocos e na Indonésia, Rio de Janeiro, Zahar. GIL, Benedito Miguel 1988 A produção de conversões: Estudo dos Tríduos cursilhistas no Brasil, São Paulo, tese, USP. 1996 Ativismo Imobilista: O Estado e Igreja nas origens do Cursilhos de Cristandade, São Paulo, Arte e Ciência. GIUMBELLI, Emerson 2002 O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França, São Paulo, Attar Editorial. 2003 “Clifford Geertz: a religião e a cultura”, in TEIXEIRA, Faustino (org.), Sociologia da Religião: Enfoques teóricos, Petrópolis, Vozes, pp. 198-217. HENRIQUES, Júlia M.P.M. 1999 Carisma, sociedade e política – novas linguagens do religioso e do político, São Paulo, Relume Dumará. HERVIEU-LÉGER, Danièle 1999 Le Pèlerin et Le Converti, La religion en movement, Flammarion. - 891 - 08_RA_Maues.pmd 891 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... HIGUET, Etienne A. 2002 “Alguns aspectos do catolicismo brasileiro atual – Considerações a partir da visão da modernidade em Paul Tillich”, Revista Eletrônica Correlatio, abril, http:// www.metodista.br/ppc/correlatio/correlatio01/alguns-aspectos-do-catolicismobrasileiro-atual-consideracoes-a-partir-da-visao-da-modernidade-em-paultillich/, acessado em 31/08/2008. KLINGE, Germán Doig 2000 Las Conferencias Generales del Episcopado Latinoamericano: Río, Medellín, Puebla y Santo Domingo, http://multimedios.org/docs/d000754, acessado em 28/08/ 2008. LESBAUPIN, Ivo; RIBIERO, L.; FIORIN, N. & RODRIGUES, S. 2004 “Revisitando as CEBs: um estudo no Rio de Janeiro e em Minas Gerais”, Religião e Sociedade, 24 (1), pp. 147-176, http://www.iserassessoria.org.br/novo/ ativ_desenvolvidas/ Revisitando_as_Cebs.pdf, acessado em 31/08/2008. LUBAC, Henri de 1986 “Circumdata varietate”, Comunicações do ISER, 5 (22), pp. 28-31. MALLIMACI, Fortunato 1987 “Ernest Troelstch y la Sociología Histórica del Cristianismo”, Sociedad y Religión, 4, pp. 44-65. MARIZ, Cecília Loreto 2003 “A sociologia da religião de Max Weber”, in TEIXEIRA, Faustino (org.), Sociologia da Religião: Enfoques teóricos, Petrópolis, Vozes, pp. 67-93. MARIZ, Cecília Loreto & AGUILAR, L. 2009 “Shalom: construção social da experiência vocacional”, in CARRANZA, Benda; MARIZ, C. & CAMURÇA, M. (orgs.), Novas Comunidades Católicas: Em busca do espaço pós-moderno, Aparecida, IdEias & Letras, pp. 241-266. MAUÉS, R. Heraldo 1995 Padres, Pajés, Santos e Festas: Catolicismo popular e controle eclesiástico, Belém, Cejup. - 892 - 08_RA_Maues.pmd 892 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. 2001 2009 2010 “Tradição e Modernidade Conservadoras no Catolicismo: o Apostolado da Oração e a Renovação Carismática Católica”, Sociedad y Religión, 22/23, pp. 71-98. “Os novos movimentos eclesiais e a ética familiar católica: uma nova cristandade?”, Tomo, 14, pp. 67-97, jan./jun., disponível em: http://www.posgrap.ufs.br/ periodicos/tomo/, acessado em 25/04/2011. “Comunidades ‘no Sentido Social da Evangelização’: Cebs, Camponeses e Quilombolas na Amazônia Oriental Brasileira”, Religião e Sociedade, 30 (2), pp. 13-37, http://www.scielo.br/pdf/rs/v30n2/a02v30n2.pdf, acessado em 25/04/ 2011. MOTA, Clarice Santos 2007 Entre a obediência e a subversão: um estudo sobre as tensões na Renovação Carismática Católica, Salvador, tese, Universidade Federal da Bahia. NICOLAU, Roseane Freitas 2005 Um Novo Católico. Cura, emoção e reconstrução de identidades na Renovação Carismática Católica, Fortaleza, tese, Universidade Federal do Ceará. NIEBUHR, H. R. 1992 [1929] As origens sociais das denominações cristãs, São Paulo, ASTE. OLIVEIRA, Terezinha 2007 Os Mendicantes e o Ensino na Universidade Medieval: Boaventura e Tomás de Aquino, trabalho apresentado no XXIV Simpósio Nacional de História, São Leopoldo/RS, de 15 a 20 de julho. ORO, Ari Pedro & FRIGERIO, Alejandro 1998 “‘Sectas satánicas’ en el Mercosur: un estudio de la construcción de la desviación religiosa en los medios de comunicación de Argentina y Brasil”, Horizontes Antropológicos, 4 (8), pp. 114-150. PANTOJA, Vanda 2006 Negócios Sagrados: Reciprocidade e mercado no Círio de Nazaré, Belém, dissertação, UFPA. - 893 - 08_RA_Maues.pmd 893 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... PANTOJA, Vanda & MAUÉS, R. Heraldo 2008 “O Círio de Nazaré na constituição e expressão de uma identidade regional amazônica”, Espaço e Cultura, 24, pp. 57-68, http://www.nepec.com.br/ rev_espcul_ 24.htm, acessado em 25/04/2011. PIERUCCI, Antônio Flávio 1998 “Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos a acessar aquele velho sentido”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13 (37), pp. 43-73, http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69091998000200003& script=sci_arttext, acessado em 25/04/2011. PRANDI, Reginaldo 1997 O Sopro do Espírito, São Paulo, Edusp. RIBEIRO DE OLIVEIRA, Pedro A. et al. 1978 Renovação Carismática Católica: Uma análise sociológica, interpretações teológicas, Petrópolis, Vozes. ROLIM, Francisco C. 1992 Teologia da libertação no Brasil (1980-1986), in SANCHIS, Pierre (org.), Catolicismo: Cotidiano e Movimentos, São Paulo, Edições Loyola, pp. 9-79. SANCHIS, Pierre 2001 “Uma ‘identidade católica’?”, Comunicações do ISER, 5 (22), pp. 5-16. “Introdução”, in SANCHIS, Pierre (org.), Fiéis & Cidadãos: Percursos de Sincretismo no Brasil, Rio de Janeiro, Eduerj. 1995 “As tramas sincréticas da história: sincretismo e modernidade no espaço lusobrasileiro”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 28, pp. 123-138, http:// www.anpocs. org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_28/rbcs28_10.htm, acessado em 25/04/2011. SONEIRA, Abelardo Jorge 2001 “Tradición y campo católico en América Latina”, Sociedad y Religión, Buenos Aires, 22/23, pp. 89-96. 2005 Sociología de los Nuevos Movimientos Religiosos en Argentina, Buenos Aires, Ediciones Universidad del Salvador. - 894 - 08_RA_Maues.pmd 894 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. SOUZA, Maurício Rodrigues de 2007 A Igreja em Movimento: catolicismo carismático e identidades religiosas na Amazônia, Presidente Venceslau/SP, Letras à Margem. STEIL, C.A. 2004 2001 “Renovação Carismática Católica: porta de entrada ou de saída do catolicismo? Uma etnografia do Grupo São José, Porto Alegre (RS)”, Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, pp. 11-36 “Pluralismo, Modernidade e Tradição. Transformações do Campo Religioso”, Ciencias Sociales y Religión/ Ciências Sociais e Religião, 3 (3), pp. 115-129, http:/ /www.seer.ufrgs.br/index.php/CienciasSociaiseReligiao/article/view/2172/892, acessado em 25/04/2011. SUESS, Paulo 2007a Dicionário de Aparecida: 40 palavras-chave para uma leitura pastoral do Documento de Aparecida, São Paulo, Paulus. 2007b “Quinta conferência – quinta essência. A missão como paradigma-síntese de Aparecida”, Revista Eclesiástica Brasileira, 67 (268), pp. 908-928. SUSIN, Luiz Carlos & HAMMES, Érico João 2008 “A Teologia da Libertação e a questão de seus fundamentos: em debate com Clodovis Boff ”, Revista Eclesiástica Brasileira, 68 (270), pp. 277-299. TROELSTCH, Ernest 1931 [1912] The Social Teaching of the Christian Churches, New York, George Alien and Unwind Ltd. URQUHART, G. 2002 [1995] A armada do Papa: os segredos e o poder nas novas seitas da Igreja Católica, Rio de Janeiro, Record. VELHO, Otávio 1997 “Globalização: antropologia e religião”, Mana 3 (1), pp. 133-154, http:// www.scielo.br/pdf/mana/v3n1/2458.pdf, acessado em 25/04/2011. - 895 - 08_RA_Maues.pmd 895 17/07/2013, 10:15 RAYMUNDO H ERALDO MAUÉS. MOVIMENTOS ECLESIAIS CATÓLICOS... 1998 “A antropologia da religião em tempos de globalização” – Aula Ernesto Veiga de Oliveira, proferida no ISCTE, em Lisboa, em 29 de outubro de 1997, Etnográfica 2 (2), pp. 347-357, http://ceas.iscte.pt/etnografica/docs/vol_02/ N2/Vol_ii_N2_07otaviovelho.pdf, acessado em 25/04/2011. VERGOLINO HENRY, Anaíza 1987 “A Semana Santa nos Terreiros: um Estudo do Sincretismo Religioso em Belém do Pará”, Religião e Sociedade, 14 (3), pp. 56-71. WASH, Joachin 1990 [1924] Sociologia da religião, São Paulo, Paulinas. WEBER, Max 1974 [1920] “As seitas protestantes e o espírito do capitalismo” [publicação original, em alemão, “Die protestantischen Sekten und der Geist des Kapitalismus”], in GERTH, Hans & MILLS, C.W. (orgs.), Ensaios de Sociologia, Rio de Janeiro, Zahar, pp. 347-370. 2004 [1920] A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, 1ª edição, São Paulo, Companhia das Letras. WILSON, Bryan 1970 Sociologia de las Sectas Religiosas, Madrid, Guadarrama, Biblioteca para el Hombre Actual, 60. XIMENES PONTE, Mariana Pamplona 2011 No Primeiro ela Dorme, no Segundo a Gente Reza: Etnografia de um grupo de peregrinação de Nazaré no Bairro do Umarizal em Belém-PA, Belém, dissertação, Universidade Federal do Pará. DVD CARES, Marcela Said & CERTEAU, Jean de 2006 OPUS DEI, uma cruzada silenciosa, documentário investigativo inédito, GA & A Productions. - 896 - 08_RA_Maues.pmd 896 17/07/2013, 10:15 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2012, V. 55 Nº 2. ABSTRACT: The New Ecclesiastic Movements at the Catholic Church, which must not be confused with the most known New Religious Movements – even though between them some overlapping can be identified –, certainly address to the religion annalist some theoretical and methodological challenges. Those challenges are originated, in part, from the new status assumed by religion in modernity, but also from transformations occurred inside that Church while defining its relationship with the modern world. Since the aggiornamento of the Catholicism, between the Second Vatican Council and the power assumption by the former cardinal-prefect of the Congregation for the Doctrine of the Faith, the world underwent important transformations, whose understanding and possible explanation demand new postures of theoretical and methodological nature, that tentatively will be able to help in the comprehension about the role and purpose of the religion in the current world. KEY-WORDS: Catholicism, Catholic Church, New Ecclesiastic Movements, religion and modernity. Recebido em abril de 2011. Aceito em fevereiro de 2012. - 897 - 08_RA_Maues.pmd 897 17/07/2013, 10:15