BALDUINIA, n. 45, p. 01-16, 30-VI-2014
http://dx.doi.org/10.5902/2358198014685
CAMPOS E FLORESTAS NO CURSO MÉDIO DO RIO TOROPI,
RIO GRANDE DO SUL (BRASIL).
RETRATO DE UM ADMIRÁVEL PATRIMÔNIO AMEAÇADO1
JOSÉ NEWTON CARDOSO MARCHIORI2 THAIS SCOTTI DO CANTO-DOROW3
HENRIQUE MALLMANN BÜNEKER4 LILIANA ESSI5 TIAGO BÖER BREIER6
RODRIGO CORRÊA PONTES7
RESUMO
É analisada a vegetação campestre e florestal na região do curso médio do rio Toropi, no centro do estado do
Rio Grande do Sul, confirmando-se a existência de diversas espécies endêmicas, raras e/ou ameaçadas de
extinção. Dada a importância desse patrimônio florístico e natural, conclui-se que a construção das centrais
hidrelétricas previstas exige a criação de uma unidade de conservação para preservar os ecossistemas remanescentes.
Palavras-chave: Brasil, Butia witeckii, espécies endêmicas, Dyckia selloa, Dyckia strehliana, Echinopsis
oxygona, Oxalis subvillosa, palmar, Parodia glaucina, Parodia horstii, Parodia linkii, Parodia magnifica,
Parodia oxycostata, Paspalum rawitscheri, Picramnia parvifolia, Rio Grande do Sul, rio Toropi, rio Guassupi,
salto do Guassupi, Tillandsia toropiensis, Trithrinax brasiliensis.
ABSTRACT
[Grasslands and forests in the middle course of Toropi River, Rio Grande do Sul State (Brazil).
Portrait of a striking threatened heritage].
Forest and grassland vegetations in the middle course of Toropi River in central Rio Grande do Sul State
(Brazil) are investigated, confirming the existence of many endemic, rare and/or endangered species. Given
the importance of this floristic and natural heritage, it is concluded that the construction of hydroelectric
dams in the region demands the creation of a conservation area to preserve the remaining ecosystems.
Keywords: Brazil, Butia witeckii, Dyckia selloa, Dyckia strehliana, Echinopsis oxygona, endemic species,
Guassupi Falls, Guassupi River, Oxalis subvillosa, palm grove, Parodia glaucina, Parodia horstii, Parodia
linkii, Parodia magnifica, Parodia oxycostata, Paspalum rawitscheri, Picramnia parvifolia, Rio Grande do
Sul State, Toropi River, Tillandsia toropiensis, Trithrinax brasiliensis.
INTRODUÇÃO
O projeto da instalação de pequenas centrais
hidrelétricas na região do curso médio do rio
Toropi, próximo à foz de seu tributário Guas1
2
3
4
Recebido em 30-5-2014 e aceito para publicação em
25-6-2014.
Engenheiro Florestal, Dr. Professor do Departamento
de Ciências Florestais, Universidade Federal de Santa
Maria. Bolsista de Produtividade em Pesquisa (CNPqBrasil). marchiori@pq.cnpq.br
Bióloga, Dra. Professora do Departamento de Biologia,
Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil.
thaisdorow@gmail.com
Acadêmico dos cursos Técnico em Paisagismo e Engenharia Florestal, Universidade Federal de Santa Maria.
henrique.mb@hotmail.com
supi, tem recebido escassa divulgação na sociedade gaúcha. Nesse estado de desinformação,
não é de se estranhar que tais obras de engenharia sejam vistas como promissoras ao desenvolvimento regional por amplos setores da população, sobretudo em tempos de reconhecida carência no suprimento de energia elétrica.
5
6
7
Bióloga, Dra. Professora do Departamento de Biologia,
Universidade Federal de Santa Maria. lili.essi@gmail.com
Biólogo, Dr.Professor do Departamento de Silvicultura, Instituto de Florestas, Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro. tiagobreier@gmail.com
Técnico em Paisagismo e acadêmico do curso de Geografia Bacharelado, Universidade Federal de Santa
Maria. rodrigocorreapontes@gmail.com
1
Situado em região de difícil acesso, nos confins dos municípios de São Martinho da Serra,
Quevedos e Júlio de Castilhos, poucos são os
gaúchos que conhecem in loco o palco das obras
projetadas e, portanto, se encontram habilitados para opinar, com algum fundamento, sobre
o patrimônio ameaçado. A própria comunidade
científica ainda não investigou adequadamente
a região, cabendo salientar, entretanto, que o
conhecimento disponível permite afirmar que
se trata de um dos pólos de diversidade florística
mais notáveis no centro-oeste do Rio Grande
do Sul, e verdadeiro refúgio de inúmeras espécies endêmicas, raras e/ou ameaçadas de
extinção.
Além dessas comprovadas raridades botânicas, a região em foco dispõe, no palmar de Butia
witeckii e Trithrinax brasiliensis, bem como no
salto do Guassupi, de dois patrimônios naturais
de indiscutível importância regional, e que também exigem proteção. Ao enfocar a questão
ambiental, o presente trabalho visa a divulgar
aspectos praticamente desconhecidos do grande público, na expectativa de que, com melhor
conhecimento, a sociedade possa avaliar o que
realmente está em jogo e, no caso do andamento do projeto, buscar formas de compatibilizar,
com o mínimo de riscos e danos ambientais, a
preservação dos patrimônios envolvidos.
Composta de vegetações campestres e florestais, ambas as tipologias são examinadas separadamente, dado o “hiato sistemático” existente entre as mesmas. A lista de espécies e famílias botânicas é apresentada no Quadro 1, e
segue a nomenclatura recomendada pelo IPNI
– The International Plant Names Index.
VEGETAÇÃO CAMPESTRE
Os campos do curso médio do rio Toropi se
notabilizam pela existência de um palmar ainda
bem conservado e de extraordinária singularidade (Figura 1A), uma vez que é a única região
de ocorrência de Butia witeckii (Figura 1B, C),
espécie recentemente descrita (Soares &
Longhi, 2011), e a última área com população
expressiva de Trithrinax brasiliensis (Figura 1B,
2
D), uma das palmeiras mais ameaçadas de
extinção no sul do Brasil, de acordo com Soares et al. (2014).
A respeito desses campos, cabe salientar que
além de seu indiscutível caráter de patrimônio
natural, conferido por ambas as palmeiras, a
vegetação também inclui árvores isoladas, agrupamentos de espécies lenhosas e pequenos
capões-de-mato, bem como diversas espécies
raras, endêmicas e/ou ameaçadas de extinção,
sobretudo no diversificado estrato herbáceo, em
lajedos e escarpas rochosas.
No palmar, o estrato arbustivo-herbáceo é
marcado, tanto em sua fisionomia como estrutura, por hemicriptófitas, caméfitas e nanofanerófitas, salientando-se as gramíneas
Paspalum notatum, Paspalum plicatulum e as
conhecidas barbas-de-bode (Aristida jubata,
Aristida venustula, Aristida filifolia), uma espécie de caraguatá (Eryngium horridum), duas
guavirovas-do-campo (Campomanesia hatschbachii, Campomanesia aurea), além do quitoco
(Pterocaulon polystachyum), uma espécie de
carqueja (Baccharis crispa), e o barbasco
(Buddleja thyrsoides).
Apesar de pouco conspícuas na estrutura da
vegetação – e menos freqüentes no espaço regional –, a flora herbácea ainda inclui diversas
Asteráceas dignas de nota (Gamochaeta americana, Stenachaenium campestre, Trixis pallens),
bem como Acantáceas (Carlowrightia sulcata,
Ruellia brevicaulis), Asclepiadáceas (Oxypetalum coccineum), Convolvuláceas (Dichondra sericea), Fabáceas (Pomaria rubicunda
(Figura 2C), Desmodium cuneatum), Poáceas
(Paspalum rawistscheri), e Solanáceas
(Nierembergia pinifolia), entre outras famílias
botânicas. No caso de Paspalum rawitscheri
(Figura 2A, B), espécie endêmica do sul do Brasil, cabe salientar que essa gramínea raramente
é encontrada na natureza (Rua & Valls, 2012) e
foi incluída na lista de espécies ameaçadas da
flora brasileira como “vulnerável” (Boldrini,
2009), devido à redução progressiva dos já “escassos indivíduos sobreviventes em populações
conhecidas” (Valls et al., 2009).
FIGURA 1 – Palmar do Quebra-Dentes. A – Vista geral. B – Indivíduos de Butia witeckii e Trithrinax brasiliensis. C
– Butia witeckii. D – Trithrinax brasiliensis.
3
FIGURA 2 – Flora campestre. A – Vista da porção adaxial da inflorescência de Paspalum rawitscheri. B – Vista da
porção abaxial de Paspalum rawitscheri. C – Inflorescência de Pomaria rubicunda (Foto de Leopoldo Witeck
Neto). D – Visão superior da flor de Onyra unguiculata. E – Vista lateral do capítulo de Mutisia coccinea. F – Vista
lateral da flor de Herbertia amabilis (Foto de Leonardo Paz Deble). G – Detalhe da inflorescência de Dyckia ibicuiensis.
4
Das microfanerófitas, que crescem isoladamente ou integram agrupamentos de arvoretas
e pequenos capões-de-mato, salientam-se: a
aroeira-brava (Lithraea molleoides), a aroeiracinzenta (Schinus lentiscifolius), o pinheiro-bravo (Podocarpus lambertii), a viuvinha
(Chomelia obtusa), o veludinho (Guettarda
uruguensis), a poaia (Machaonia brasiliensis),
a coronilha (Scutia buxifolia), o esporão-de-galo
(Strychnos brasiliensis), o tarumã (Vitex
megapotamica), a mamica-de-cadela (Zanthoxylum rhoifolium), o branquilho (Sebastiania
commersoniana), a cancorosa (Maytenus
muelleri), o ariticum (Annona emarginata), a
sete-sangrias (Symplocos uniflora), o cocão
(Erythroxylum argentinum), a pitangueira
(Eugenia uniflora), a unha-de-gato (Senegalia
tucumanensis), o pau-amargo (Picramnia
parvifolia) e a tuna (Cereus hildmannianus).
Em meio a cornijas, no alto ou à meia-encosta de colinas, indivíduos isolados de uma
Ericácea se impõem na paisagem: trata-se da
criúva (Agarista eucalyptoides), espécie que,
apesar da escassa freqüência, apresenta ampla
dispersão no sul do Brasil.
Das lianas, destacam-se Janusia guaranitica
(Malpighiaceae) e dois cravos-divinos: Mutisia
coccinia (Figura 2E) e Mutisia speciosa
(Asteraceae).
Na orla da mata ciliar, a abundância de goiabas-do-campo (Acca sellowiana, Figura 5E),
aroeiras-piriquita (Schinus molle) e guamirinsfacho (Calypthranthes concinna) chegam a conferir uma fisionomia de savana em muitos locais.
Do numeroso contingente de geófitas, destacam-se as Iridáceas Onira unguiculata (Figura 2D), em sítios litólicos, e Herbertia amabilis
(Figura 2F), em solos mais profundos e argilosos, cabendo salientar que a última foi recentemente descrita para o município de Júlio de
Castilhos, constituindo notório endemismo.
Outra espécie que se enquadra nesta categoria é
Dyckia ibicuiensis (Figura 2G), bromeliácea
com distribuição restrita a solos litólicos da região central do Rio Grande do Sul, e que inte-
gra a lista nacional (e do Rio Grande do Sul) de
espécies ameaçadas de extinção.
Nas escarpas rochosas situadas à margem dos
rios Toropi e Guassupi, bem como no próprio
lajedo desses cursos de água, o expressivo contingente de Cactáceas, Bromeliáceas e Iridáceas
raras e/ou endêmicas ali encontradas, demonstra que se trata de áreas prioritárias de conservação e que, como tal, precisam ser reconhecidas pelo poder público, a quem cabe a iniciativa de medidas legais de proteção. É essa singular comunidade de plantas reófilas e saxícolas
(Figuras 3A, 4A) que mais se encontra ameaçada
pelas pequenas centrais hidreléticas (PCH) a
serem construídas nos rios Guassupi e Toropi,
uma vez que seus nichos ecológicos são os mais
diretamente afetados pela formação dos lagos,
juntamente com a mata ciliar adjacente (Figura
6A). Na lista de espécies ameaçadas salientamse Echinopsis oxygona (Figura 3B), Opuntia
elata (Figura 4D), Parodia glaucina, Parodia
horstii (Figura 4B), Parodia linkii, Parodia
magnifica (Figura 4C), Parodia ottonis e Parodia oxycostata, da família Cactaceae (Anderson,
2001; Hofacker, 2013; Ritter, 1979), bem como
a Iridácea Trimezia spathata, e três
Bromeliáceas: Dyckia selloa (Figura 3B),
Dyckia strehliana (Figura 3D, E) e Tillandsia
toropiensis (Figura 4D).
A respeito de Tillandsia toropiensis, cabe
salientar que a espécie tem distribuição restrita
às escarpas rochosas das margens do rio Toropi
e de seu tributário Guassupi, sendo que o
holótipo foi originalmente coletado na década
de 1970 por Werner Rauh, famoso especialista
alemão em Bromeliáceas, nas proximidades da
casa de máquinas da antiga Usina Hidrelétrica
de Quebra-Dentes (Rauh, 1984).
Dyckia strehliana, por sua vez, é reófita descrita recentemente (Büneker et al., 2013) e conhecida apenas para a localidade típica, nos
lajedos (Figura 3D, E) da região de QuebraDentes.
A respeito das espécies reófilas do gênero
Dyckia, cabe ressaltar que as mesmas têm distribuição restrita a esse tipo de ambiente, moti5
FIGURA 3 – Margens do rio Toropi. A – Rio Toropi e o ambiente ciliar. B – Dyckia selloa e Echinopsis oxygona.
C – Escarpa rochosa às margens do rio Toropi. D – Lajedos as margens do rio Toropi, com a presença da reófita Dyckia
strehliana. E – Touceira hemisférica de Dyckia strehliana, as margens do rio Toropi.
6
FIGURA 4 – Espécies das escarpas rochosas localizadas às margens dos rios Toropi e Guassupi. A – Aspecto de uma
escarpa rochosa, hábitat de Parodia magnifica e Tillandsia toropiensis. B – Hábito de Parodia horstii. C – Vista de parte
da população de Parodia magnifica. D – Tillandsia toropiensis, à esquerda; Opuntia elata, ao centro.
7
vo pelo qual são plantas severamente ameaçadas
de extinção e suas populações, reduzidas pela
construção de represas, constituem motivo de
grande preocupação para ambientalistas e órgãos governamentais. O caso de Dyckia
distachya tornou-se bem conhecido pela ampla
divulgação recebida nos últimos anos: espécie
endêmica das margens rochosas do rio Uruguai,
no limite entre os estados de Santa Catarina e
Rio Grande do Sul, suas populações naturais
acabaram afogadas pelos lagos das usinas hidrelétricas de Itá, Machadinho e Barra Grande
(Prochnow, 2005; Wiesbauer, 2008; Wiesbauer
et al., 2009).
VEGETAÇÃO FLORESTAL
A composição das matas ciliares (Figura 6A)
no curso médio do rio Toropi e afluentes dispõe, em Figueiredo (2014), de uma referência
bibliográfica consistente, haja vista o criterioso
levantamento dos estratos arbustivo-arbóreo e
herbáceo, realizado em 19 transectos.
De início, cabe ressaltar que a relativa pobreza em espécies endêmicas, raras e/ou
ameaçadas de extinção é aspecto bem conhecido nas formações florestais do estado, em nítido contraste com o observado em formações
abertas. De difícil percepção popular, devido à
fisionomia luxuriante sugerida pela complexa
estrutura vertical das florestas, este aparente
paradoxo se explica pela imigração recente de
grande parte das espécies arbóreas no espaço
regional, com exceção dos elementos extratropicais, remanescentes dos fragmentos
pleistocênicos. Nas florestas sul-rio-grandenses,
por conseqüência, as raridades florísticas usualmente se encontram nas sinúsias epifítica,
herbácea e de lianas, sendo raras as espécies
endêmicas no componente lenhoso ou arbóreo.
A respeito das árvores, foram identificadas 47 espécies, distribuídas em 24 famílias botânicas, destacando-se Myrtaceae,
Fabaceae e Rutaceae, com 9, 5 e 4 espécies, respectivamente. O pinho-bravo (Podocarpus
lambertii), espécie com maior número de indi8
víduos amostrados, também apresentou os maiores valores de freqüência absoluta e relativa.
Um dos pontos que chama atenção é a escassa diversidade de espécies reófilas lenhosas
(Figura 3A). Representado, tão somente, pelo
amarilho (Terminalia australis) e pelo topetede-cardeal (Calliandra tweediei, Figura 5F),
esse grupo de plantas contrasta, vivamente, com
o observado em trechos de mata ciliar do próprio rio Toropi em seu curso final, na região
fisiográfica da Depressão Periférica, fato que
pode ser atribuído à acidentada geomorfologia
da região, evidenciada, aliás, pelas escarpas
anteriormente comentadas e pelas corredeiras
dos rios Toropi e Guassupi, aspectos desfavoráveis à gênese de trechos aluviais de floresta.
Na florística da mata ciliar se evidenciam,
claramente, os vínculos com vegetações de outras regiões do estado, mesmo em rápido exame do componente arbóreo.
Em primeiro lugar, a vegetação da mata ciliar
não esconde uma marcada contribuição de elementos extratropicais, integrantes da Floresta
Mista – e não apenas pelos altos índices do pinho-bravo em sua estrutura –, como, também,
pela presença de outras espécies associadas a
essa tipologia, salientando-se: Quillaja brasiliensis (sabão-de-soldado), Annona rugulosa
(araticum), Ilex brevicuspis (congonha), Ilex
theezans (caúna), e Myrcianthes gigantea
(araçá-do-mato).
Do contingente estreitamente vinculado à
floresta do Alto Uruguai, destacam-se
Balfourodendron riedelianum (guatambu) e
Machaerium paraguariense (farinha-seca).
A grande maioria das espécies lenhosas apresenta ampla dispersão nas formações silváticas
do estado, bem como destacada presença na Floresta Estacional Decídua do rebordo do Planalto Meridional, salientando-se, pelo grande porte dos indivíduos: a guajuvira (Cordia americana), o angico-vermelho (Parapiptadenia
rigida), o açoita-cavalo (Luehea divaricata), o
camboatá-vermelho (Cupania vernalis), a murta
(Blepharocalyx salicifolius), o guabiju
FIGURA 5 – Vegetação florestal. A – Detalhe da inflorescência de Billbergia nutans. B – Aspecto geral de Vriesea
friburguensis. C – Detalhe da inflorescência de Vriesea platynema. D – Aspecto da borda da mata (Foto de Maria
Carolina dos Santos Figueiredo). E – Flor de Acca sellowiana. F – Inflorescência de Calliandra tweediei (Foto de Maria
Carolina dos Santos Figueiredo). G – Oxalis subvillosa (Foto de Maria Carolina dos Santos Figueiredo).
9
(Myrcianthes pungens), a canela-preta (Nectandra megapotamica), e a canela-lageana (Ocotea
pulchella). Embora de menor porte, também
participam do dossel, sobretudo em áreas de
estrutura vertical menos desenvolvida: a canela-de-veado (Helietta apiculata), o branquilho
(Sebastiania commersoniana), o leiteiro
(Sebastiania brasiliensis), a carne-de-vaca
(Styrax leprosus), a sete-sangrias (Symplocos
uniflora), o chal-chal (Allophylus edulis), além
de algumas Mirtáceas (Campomanesia
xanthocarpa, Eugenia involucrata, Eugenia
uruguayensis, Eugenia uniflora).
No sub-bosque, o estrato das arvoretas baseia-se em poucas espécies, comparado a outras regiões do estado, reunindo, basicamente:
a laranjeira-do-mato (Actinostemon concolor),
o pau-de-ervilha (Trichilia elegans), o manacá
(Brunfelsia australis) e a embira (Daphnopsis
racemosa).
Na sinúsia das epífitas destacam-se as
bromeliáceas Billbergia nutans (Figura 5A)
Vriesea friburgensis (Figura 5B) e Vriesea
platynema (Figura 5C), sendo que a última, de
ocorrência rara no interior do continente, tem
no curso médio do rio Toropi o seu provável
limite ocidental no Rio Grande do Sul.
Na orla da mata ciliar, adjacente ao campo
(Figura 5D), predominam espécies típicas da
bordadura, tais como a crindiuva (Trema
micrantha) e a pixirica (Miconia hyemalis), juntamente com arvoretas anteriormente citadas
para os capões, tais como a aroeira-brava
(Lithraea molleoides), a viuvinha (Chomelia
obtusa) e o carvalhinho (Casearia sylvestris).
Resta acrescentar que a taquara-de-espinho
(Guadua trinii) é espécie nativa na vegetação
em estudo, à semelhança do observado em outras matas ciliares, tanto no Planalto Médio
como na Depressão Periférica.
Para o estrato herbáceo, Figueiredo (2014)
identificou 28 espécies, de 16 famílias botânicas, salientando-se Asteraceae e Poaceae, com
cinco espécies cada uma. Todos os binômios
listados são de espécies nativas, sendo que três
delas integram a lista da flora ameaçada do Rio
10
Grande do Sul, de acordo com o Decreto Estadual n. 42.099, de 01/01/2003: Chamissoa
acuminata e Pfaffia glomerata (Amaranthaceae), e Smallanthus connatus (Asteraceae). Por sua vez, o registro de Oxalis
subvillosa (Oxalidaceae, Figura 5G) no talude
à beira do rio Guassupi, no interior da mata
ciliar, reforça a lista de raridades botânicas da
flora regional, por ser a primeira citação dessa
espécie no Rio Grande do Sul.
Por fim, cabe salientar que a mata ciliar apresenta largura muito variável no curso médio dos
rios Toropi e Guassupi, chegando, não raro, a
desaparecer por completo no alto de escarpas
adjacentes aos cursos de água, demonstrando a
influência de fatores edáficos na tipologia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Situada nos confins dos municípios de Júlio
de Castilhos, São Martinho da Serra e Quevedos,
a região do curso médio do rio Toropi distingue-se por sua notável diversidade florística e
elevado número de espécies endêmicas, raras
e/ou ameaçadas de extinção, motivo suficiente
para que a mesma seja reconhecida, pela comunidade e poder público, como área prioritária
para fins de conservação. Além dos efeitos práticos decorrentes desse reconhecimento, o que
cabe analisar, de início, são os motivos que justificam essa singularidade no espaço regional.
A despeito de tratar-se de área ainda
subcoletada, de acordo com registros de
herbário, e da escassa bibliografia disponível,
não há como desconhecer que a região em foco
é um dos locais de diversidade florística mais
importantes no centro do Rio Grande do Sul. A
explicação para o fato deve ser buscada em diversas fontes.
Sob o ponto de vista geomorfológico, o relevo, dissecado pelo curso dos rios Guassupi e
Toropi, proporciona nichos ecológicos muito
distintos no tocante ao material de origem,
declividade, tipo e profundidade de solos, exposição, luminosidade e disponibilidade hídrica,
com reflexos positivos para a diversidade
florística.
FIGURA 6 – Dois patrimônios naturais. A – Aspecto geral do rio Guassupi, margeado pela floresta. B – Vista geral do
Salto do Guassupi.
11
A análise da vegetação, por sua vez, não esconde um marcado caráter de ecótono, posto que
congrega elementos Pampeano-Chaquenhos,
amplamente dominantes na zona campestre, a
um diversificado contingente oriundo do Bioma
Mata Atlântica, seja da Floresta Estacional
Decidual ou das florestas ombrófilas Mista e
Atlântica propriamente dita.
O posicionamento geográfico, nos confins
de três municípios, juntamente com o difícil
acesso à rede de estradas, o relevo movimentado e o solo pouco favorável à mecanização
(afloramento de rochas), são fatores historicamente desfavoráveis ao avanço da agricultura
em larga escala, atividade que, em outros pontos, levou a uma transformação radical da paisagem, mediante a expansão de cultivos em áreas outrora ocupadas por campos naturais. Por
sua vez, a pecuária extensiva, atividade econômica tradicional da região, é bem conhecida por
seu impacto menor para a biodiversidade, salientando-se, todavia, o efeito prejudicial de eventuais queimadas e o exercido pelo gado sobre o
recrutamento de jovens palmeiras, devido à
predação de brotações.
A riqueza de endemismos e raridades botânicas existente na região de Quebra-Dentes
constitui desafio técnico-ambiental que precisa
ser equacionado a contento, antes de se comprometer esse inestimável patrimônio com as
obras de engenharia previstas. Cabe salientar,
no entanto, que além das preciosidades
florísticas anteriormente assinaladas, também se
encontram na região dois patrimônios naturais de
primeira grandeza, e que exigem preservação, para
o bem das futuras gerações: o palmar de butiás e
buritis, anteriormente abordado, e o salto do rio
Guassupi (Figura 6B), foco turístico ainda pouco
conhecido pela dificuldade de acesso.
A construção das projetadas usinas hidrelé-
12
tricas causa grande preocupação na comunidade científica – e não apenas pela perda ou prejuízo a esses patrimônios naturais e florísticos
–, mas, inclusive, pela eventual adoção de medidas compensatórias equivocadas de impacto
ambiental, tais como a previsão de plantios de
árvores em faixa marginal aos lagos. Em vez de
medida mitigadora, a adoção dessa prática se
mostra especialmente nociva na região do Quebra Dentes, uma vez que, pelo afogamento da
mata ciliar, os espelhos de água a serem formados pelas barragens vão estar em contato direto
com a vegetação campestre, a qual é tão (ou
mais) valiosa, sob os pontos de vista ambiental,
florístico e de patrimônio natural, do que os trechos mais representativos da mata nativa.
Dada a natural fragilidade dos ecossistemas,
outra diretriz a ser lembrada na região do Quebra Dentes é que (re) florestamentos de qualquer natureza são fortemente contraindicados,
em princípio, e não se justificam ambientalmente, devido aos conhecidos riscos da introdução de espécies em sítios pedregosos e de
relevo movimentado. No caso da construção das
usinas hidrelétricas previstas, a criação de uma
unidade de conservação na região do QuebraDentes se mostra indispensável como medida
mitigadora de impacto ambiental, com vistas à
preservar os ecossistemas remanescentes.
Por compromisso intelectual, a academia não
pode ficar alheia às questões trazidas a debate pelas
projetadas centrais hidreléticas do rio Toropi. É
pelos patrimônios natural, ambiental e florístico
postos em jogo, e tendo em vista a responsabilidade social que a cidadania espera da comunidade científica, que vimos à público esclarecer aspectos pouco divulgados da biodiversidade local,
bem como afiançar, com nosso testemunho, o
invulgar e frágil patrimônio ameaçado, que não
admite qualquer tipo de aventuras.
QUADRO 1 – Nomes científicos e famílias botânicas das espécies citadas.
Acca sellowiana (O.Berg) Burret ............................................................................ Myrtaceae
Actinostemon concolor (Spreng.) Müll.Arg.8 .......................................................... Euphorbiaceae
Agarista eucalyptoides (Cham. & Schltdl.) G.Don ..................................................Ericaceae
Allophylus edulis (A.St.-Hil.) Niederl. ....................................................................Sapindaceae
Annona emarginata (Schltdl.) H.Rainer9 ................................................................ Annonaceae
Annona rugulosa (Schltdl.) H.Rainer10 ...................................................................Annonaceae
Aristida jubata (Arechav.) Herter ............................................................................ Poaceae
Aristida venustula Arechav. .....................................................................................Poaceae
Baccharis crispa Spreng. .........................................................................................Asteraceae
Balfourodendron riedelianum (Engl.) Engl. ............................................................Rutaceae
Billbergia nutans H. Wendl. ex Regel ..................................................................... Bromeliaceae
Blepharocalyx salicifolius (Kunth) O.Berg .............................................................Myrtaceae
Brunfelsia australis Benth. ......................................................................................Solanaceae
Buddleja thyrsoides Lam. ........................................................................................ Buddlejaceae
Butia witeckii K.Soares & S.Longhi ........................................................................Arecaceae
Calliandra tweediei Benth. ......................................................................................Fabaceae
Calyptranthes concinna DC. ...................................................................................Myrtaceae
Campomanesia aurea O.Berg ................................................................................. Myrtaceae
Campomanesia hatschbachii Mattos .......................................................................Myrtaceae
Campomanesia xanthocarpa O.Berg ...................................................................... Myrtaceae
Carlowrightia sulcata (Nees) C.Ezcurra .................................................................Acanthaceae
Casearia sylvestris Sw. ............................................................................................Flacourtiaceae11
Cereus hildmannianus K.Schum. ............................................................................ Cactaceae
Chamissoa acuminata Mart. ....................................................................................Amaranthaceae
Chomelia obtusa Cham. & Schltdl. .........................................................................Rubiaceae
Cordia americana (L.) Gottschling & J.E.Mill. ......................................................Boraginaceae
Cupania vernalis Cambess. .....................................................................................Sapindaceae
Daphnopsis racemosa Griseb. ................................................................................. Thymelaeaceae
Desmodium cuneatum Hook. & Arn. ...................................................................... Fabaceae
Dichondra sericea Sw. ............................................................................................Convolvulaceae
Dyckia distachya Hassl. ...........................................................................................Bromeliaceae
Dyckia ibicuiensis Strehl .........................................................................................Bromeliaceae
Dyckia selloa (K. Koch) Baker ...............................................................................Bromeliaceae
Dyckia strehliana H.Büneker & R.Pontes ............................................................... Bromeliaceae
Echinopsis oxygona (Link & Otto) Pfeiff. & Otto ..................................................Cactaceae
Eryngium horridum Malme .....................................................................................Apiaceae
Erythroxylum argentinum O.E.Schulz ..................................................................... Erythroxylaceae
Eugenia involucrata DC. .........................................................................................Myrtaceae
Eugenia uniflora L. .................................................................................................Myrtaceae
Eugenia uruguayensis Cambess. .............................................................................Myrtaceae
Gamochaeta americana (Mill.) Wedd. ....................................................................Asteraceae
8
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11
Gymnanthes concolor Spreng., segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 106).
Rollinia salicifolia Schltdl., segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 89).
Rollinia rugulosa Schltdl., segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 89).
Salicaceae, segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 148).
13
Guadua trinii (Nees) Rupr. ......................................................................................Poaceae
Guettarda uruguensis Cham. & Schltdl. .................................................................Rubiaceae
Helietta apiculata Benth. .........................................................................................Rutaceae
Herbertia amabilis Deble & F.S.Alves ....................................................................Iridaceae
Ilex brevicuspis Reissek ...........................................................................................Aquifoliaceae
Ilex theezans Mart.................................................................................................... Aquifoliaceae
Janusia guaranitica A.Juss. .....................................................................................Malpighiaceae
Lithraea molleoides (Vell.) Engl. ............................................................................ Anacardiaceae
Luehea divaricata Mart. & Zucc. ............................................................................ Tiliaceae12
Machaerium paraguariense Hassl. .........................................................................Fabaceae
Machaonia brasiliensis Cham. & Schltdl.13 ............................................................Rubiaceae
Maytenus muelleri Schwacke .................................................................................. Celastraceae
Miconia hyemalis A. St.-Hil. & Naudin14 ................................................................ Melastomataceae
Mutisia coccinea A.St.-Hil. .....................................................................................Asteraceae
Mutisia speciosa Aiton ex Hook. .............................................................................Asteraceae
Myrcianthes gigantea (D.Legrand) D.Legrand .......................................................Myrtaceae
Myrcianthes pungens (O.Berg) D.Legrand .............................................................Myrtaceae
Nectandra megapotamica Mez15 .............................................................................Lauraceae
Nierembergia pinifolia Miers .................................................................................. Solanaceae
Ocotea pulchella Mart.16 .........................................................................................Lauraceae
Onyra unguiculata (Baker) Ravenna .......................................................................Iridaceae
Opuntia elata Salm-Dyck ........................................................................................ Cactaceae
Oxalis subvillosa Norlind ........................................................................................ Oxalidaceae
Oxypetalum coccineum Griseb. ...............................................................................Asclepiadaceae
Parapiptadenia rigida (Benth.) Brenan ..................................................................Fabaceae
Parodia glaucina (F.Ritter) Hofacker & Machado ..................................................Cactaceae
Parodia horstii (F.Ritter) N.P.Taylor .......................................................................Cactaceae
Parodia linkii (Lehmann) Kiesling ..........................................................................Cactaceae
Parodia magnifica (F.Ritter) F.H.Brandt .................................................................Cactaceae
Parodia ottonis (Lehmann) N.P.Taylor ....................................................................Cactaceae
Parodia oxycostata (Buining & Brederoo) Hofacker .............................................. Cactaceae
Paspalum notatum Flüggé ....................................................................................... Poaceae
Paspalum plicatulum Michx. ...................................................................................Poaceae
Pfaffia glomerata (Spreng.) Pedersen ..................................................................... Amaranthaceae
Picramnia parvifolia Engl. ......................................................................................Simaroubaceae
Podocarpus lambertii Klotzsch ex Endl. .................................................................Podocarpaceae
Pomaria rubicunda (Vogel) B.B.Simpson & G.P.Lewis ..........................................Fabaceae
Quillaja brasiliensis Mart. ....................................................................................... Rosaceae17
Pterocaulon polystachyum DC. ...............................................................................Asteraceae
Ruellia brevicaulis (Nees) Lindau ........................................................................... Acanthaceae
Schinus lentiscifolius Marchand ..............................................................................Anacardiaceae
Schinus molle L. ......................................................................................................Anacardiaceae
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17
Malvaceae, segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 122).
Machaonia brasiliensis (Hoffmans. ex Humb.) Cham. & Schltdl., segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 144).
Miconia hyemalis A.St.-Hil. & Naudin ex Naudin, segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 123).
Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez, segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 116).
Ocotea pulchella (Nees) Mez, segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 118).
Quillaja brasiliensis (A.St.-Hil. & Tul.) Mart., da família Quillajaceae, segundo Sobral & Jarenkow (2006, p. 142).
14
Scutia buxifolia Reissek ..........................................................................................Rhamnaceae
Sebastiania brasiliensis Spreng. ..............................................................................Euphorbiaceae
Sebastiania commersoniana (Baill.) L.B.Sm. & R.J.Downs ................................... Euphorbiaceae
Senegalia tucumanensis (Griseb.) Seigler & Ebinger ............................................. Fabaceae
Smallanthus connatus (Spreng.) H.Rob. .................................................................Asteraceae
Stenachaenium campestre Baker .............................................................................Asteraceae
Strychnos brasiliensis Mart.18 ................................................................................. Loganiaceae
Styrax leprosus Hook. & Arn. .................................................................................. Styracaceae
Symplocos uniflora Benth.19 ....................................................................................Symplocaceae
Terminalia australis Cambess. ................................................................................Combretaceae
Tillandsia toropiensis Rauh .....................................................................................Bromeliaceae
Trema micrantha (L.) Blume ...................................................................................Ulmaceae20
Trichilia elegans A.Juss. ..........................................................................................Meliaceae
Trimezia spathata Baker ..........................................................................................Iridaceae
Trithrinax brasiliensis Mart. ....................................................................................Arecaceae
Trixis pallens Less. ..................................................................................................Asteraceae
Vitex megapotamica (Spreng.) Moldenke ............................................................... Lamiaceae
Vriesea friburgensis Mez .........................................................................................Bromeliaceae
Vriesea platynema Gaudich. ....................................................................................Bromeliaceae
Zanthoxylum rhoifolium Lam. ................................................................................. Rutaceae
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