Cultura visual e infância1
SuSana Rangel VieiRa da Cunha
Qualquer que seja o caso, as imagens,
assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos.
Alberto Manguel
Desde sempre, as imagens, como entidades visuais concretas,
produziram impacto sobre minha vida. O cineasta alemão Wim Wenders (2002) diz que “muitas imagens, uma vez que entram em nós,
continuam a viver dentro de nós.”. Imagens vivas na memória vão
compondo meus acervos, como as ilustrações dos Contos de Andersen
e do Mundo da Criança; a coleção dos gibis de Walt Disney; fragmentos do ilme Mary Poppins; as primeiras imagens da televisão; as cores
e espaços da minha casa e da escola; as manhãs de neblina, as estampas das cortinas do Jardim da Infância; o brilho e a textura da areia da
praia, os seixos dos rios, as montanhas azuladas. Essas, e outras tantas
imagens, criam as narrativas e os registros da minha história. Minha
memória, minha história, se faz através das imagens e é por elas que
lui o trânsito para pensar o presente.
Michel de Certeau (1994, p.163) diz que “essas escrituras invisíveis (aquilo que recordamos) só são claramente lembradas por
novas circunstâncias. Essa escritura originária e secreta “sairia” aos
poucos, onde fosse atingida pelos toques. Seja como for a memória
é tocada pelas circunstâncias.” As circunstâncias que me tocam e
me fazem percorrer e pensar sobre como me constituí no universo
das imagens se relacionam com a cultura visual contemporânea,
calcada nas mais variadas imagens e artefatos que sistematicamente
invadem nossas vidas. Isso quer dizer que minha memória não está
Este artigo foi apresentado na 31 Reunião da ANPED, na mesa Cultura
visual, gênero, educação e arte, em outubro de 2008, em Caxambu, MG
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ixada à nostalgia do passado, como um tempo “morto” e desvinculado de um aqui e agora. Ao contrário, os registros imagéticos,
minha biograia visual2, formatam minha subjetividade, me compõe como sujeito, e sobretudo, servem como suporte para formular
considerações sobre a ininidade de produtos culturais que afetam
nossas vivências e nos posiciona frente ao mundo.
Mesmo tendo uma estreita ligação com o universo imagético,
minha relação com as imagens não é apenas de admiração (admirari, mirar com espanto respeitoso, com veneração), ou de simplesmente recordação (re-cordis, voltar a passar pelo coração) de
fragmentos de um tempo, minha relação é de relexão interpretativa
e crítica acerca do universo imagético que nos cerca. Continuo me
atendo às imagens que estão aí para serem apre(e)ndidas, (re)signiicadas, entendidas, descartadas, pensadas ou simplesmente absorvidas como qualquer outro elemento do mundo. Embora hoje, meu
posicionamento em relação às imagens seja crítico, desconiado, é
também amoroso e poético.
Gonçalves Filho (1998, p.99) diz que “a memória serve para
instaurar um desequilíbrio na relação com o presente, [...] fazendo
inventar novos pontos de vista e novas ousadias”. Minha memória
serve como um luxo de ideias entre as minhas experiências pessoais do passado e as possibilidades de repensar o presente, tendo
como ponto de partida as inúmeras interações com outras imagens e
artefatos culturais das mais variadas ordens. Assim, este artigo, traz
algumas lembranças emblemáticas da minha infância, porém, não
no sentido de trazê-las como uma nostalgia de um “tempo que era
diferente e melhor”, mas para reletirmos acerca de como a cultura
visual produz visões sobre nós, sobre os outros, a infância e sobre
o mundo.
Biograia visual é uma expressão que criei para exercícios imagéticos
que desenvolvo com minhas alunas, visando a elaboração de “narrativas
biográicas visuais” a partir das imagens signiicativas da vida de cada
pessoa , a im de que percebam o quanto fomos marcados pelas imagens.
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Entre santinhos e outras imagens
Hermione e Harry Potter
Santa Edwiges
O que as imagens de Hermione, do álbum Harry Potter e o
prisioneiro de Azkaban (2004), têm a ver com a imagem desta santa? Exponho estas imagens, e minhas memórias de infância, com o
intuito de provocar a discussão sobre o quanto as imagens têm exercido papéis educativos, sem que se leve em conta suas pedagogias
e seus efeitos sobre nós.
Em minha infância, na década de 60, colecionava santinhos,
aqueles pequenos cartões com imagens dos santos e santas distribuídos pela igreja católica aos iéis após as missas. No início do
século XXI, minha ilha comprava igurinhas (cards) na banca de
revistas para concluir seu álbum Harry Potter e o prisioneiro de
Azkaban, um dos produtos comerciais licenciados pela Warner
Bros. Entertainment Inc. para divulgar o ilme do mesmo nome.
Nossas coleções de imagens, sejam pela insistência de seus signiicados inscritos culturalmente e outros que atribuímos a elas, ou
por vínculos afetivos que criamos com estas igurinhas, icam preservadas cuidadosamente em nosso imaginário e passam a compor
nossos repertórios visuais.
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Mury Nelson (2001, p.283) diz que: “crianças categorizam
naturalmente e adquirem aquilo que lhes é disponível e que lhes
interessa. Por mais de cem anos, os cards têm sido produzidos para
tirar vantagem desta fascinação e para vender um produto.” Tanto
a Igreja Católica, entendida aqui, como a mais antiga corporação
ocidental, quanto as corporações de entretenimento contemporâneas, percebem o desejo de nos apropriarmos e de colecionarmos
imagens que nos tocam. Deste modo, essas corporações produziram e produzem seus acervos visuais para serem idolatrados, consumidos, preservados, admirados e, principalmente, para nomear,
ordenar, formular e vender representações sobre o mundo a partir
de seus pontos de vista.
Em relação ao modo como minha ilha se relacionava com os
personagens da saga de Harry Potter (J. K. Rowling), percebia que
a personagem Hermione Grange sugeria um modo de ser menina/
adolescente baseado em seus atributos mágicos e físicos, bem como
de sua personalidade. De modo diferente da minha ilha, em relação
à personagem Hermione, o que me fascinava nas estampas sacras3
não eram as iguras santiicadas, suas biograias e seus milagres,
mas as paisagens dos céus, a luminosidade, as formas das nuvens
e seus efeitos de cores, as combinações dos acinzentados com lilases, azuis, rosas e sépias. As imagens, desses céus, foram tão signiicativas que até hoje quando admiro o pôr-do-sol, penso: Parece
o céu de um santinho!!!! Mesmo tendo consciência de que minha
memória remete aos registros de reproduções pictóricas, momentaneamente, ao me deparar na natureza com as tonalizações da luz do
sol sob as nuvens no céu, penso que estes efeitos do pôr de sol da
natureza imitaram aquelas imagens impressas.
A respeito de como o universo visual modula nossos modos de
ver a realidade, Chaplin e Walker (2002, p.42) ressaltam a relação
recíproca entre as imagens criadas e o modo como vemos a realidade, dizendo que: “vemos determinadas pinturas como retratos
A Igreja Católica e os estudiosos da sua produção imagética, fazem uma
distinção ente arte sacra e religiosa. A arte sacra estaria relacionada ao
culto e a religiosa à devoção, sendo que ambas servem para difundir a
doutrina cristã.
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realistas do mundo e, por sua vez, as pinturas podem inluenciar o
modo como percebemos a realidade”. Para mim, as representações
de céus dos santinhos passaram a ser o “real” e a “melhor” representação de céu que conheço. Com isso, deixo de usufruir outros
repertórios visuais, pois meu olhar para os céus foi constituído por
determinados regimes escópicos produzidos pela Arte Renascentista e absorvidos pela Igreja Católica.
Muitas outras imagens criaram minhas referências sobre o mundo, como as produções artísticas e ilmícas. A Revolução Francesa, por
exemplo, entendo muito mais através da pintura A liberdade guia o
povo (1830) de Eugène Delacroix, do que nas aulas que tive de história. A cidade de New York, mesmo tendo vivido por 2 anos, é uma
mistura eclética dos ilmes Taxi Driver (Martin Scorsese – 1976), Era
uma vez na América (Sergio Leone – 1984) com a pintura Broadway
Boogie-Woogie (1940) de Piet Mondrian. Estas referências visuais tão
díspares, e tantas outras, formaram meus repertórios visuais estéticos,
as concepções sobre acontecimentos históricos e modos de vida, enim, estas diferentes representações expressas em diferentes suportes
materiais, linguagens, épocas e tradições culturais, produziram minha
visualidade, meus modos de ver o mundo.
Hoje, a maioria das crianças tem acesso, quase irrestrito, aos
diferentes artefatos visuais que de muitas formas promovem suas
pedagogias intencionalmente, como podemos observar nas declarações de Diego Fonseca Lerner (2001, p.21), presidente The Walt
Disney Latin América, quando ele faz considerações a respeito das
funções da maior corporação de entretenimento do mundo: “O plano de ação da corporação é fortalecer a ideia de que já não somos
uma empresa de brinquedos para crianças, mas um produtor global
de conteúdos para toda a família.”
O cartunista e artista gráico Maurício de Souza, também compartilha a ideia de que seus produtos têm o poder de propagar ensinamentos e conteúdos, sendo que seu poder de verdade, de falar
sobre e para a infância, penetra em várias instituições além das salas de aula e das nossas casas, abrangendo o Ministério da Educação do Brasil que irmou uma parceria educacional4 com o Instituto
4
A assessoria educacional foi irmada entre o Instituto Mauricio de Souza e
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Maurício de Souza para a produção de 120 ilmes direcionados à
Educação Infantil e Educação Básica com o objetivo de incentivar a alfabetização e complementar a educação escolar. Segundo
Maurício: “Temos 12 milhões de crianças que não têm acesso à
escola, mas têm televisão, precisamos usar essa força. Será uma
aula “disfarçadinha” em que as crianças terão lições importantes
sem perceber4”.
Poderíamos perguntar: Que “conteúdos universais” as corporações de entretenimento propagam? O que Maurício quer ensinar
disfarçadamente às crianças? O que e como o universo visual ensina a infância e a nós sobre a infância?
As imagens, sejam da mais diferentes produções, da Capela
Sistina ao Almanaque da Mônica, sempre contam histórias a partir
de determinados pontos de vista, sendo que, muitas vezes, há intencionalidade por parte dos produtores de imagens em produzir determinadas narrativas sobre o mundo. Roger Simon (1995, p.74), diz
que “as imagens podem ser entendidas como uma tecnologia cultural, como um conjunto de instrumentos, que carregam histórias
e signiicados construídos, portanto não podem ser consideradas
‘neutras’.” Muito além de uma “neutralidade”, as imagens modelam nossos modos de ver, narram o mundo a partir de determinados pontos de vista, territorializam tribos, constroem e disputam
signiicados. A regularidade, a insistência, os padrões estéticos das
imagens da cultura popular – cultura popular aqui entendida como
as produções culturais produzidas em grande escala industrial, de
fácil aceitação pelos consumidores, como: ilmes, cds, programas
televisivos, revistas, roupas, objetos utilitários, produções midiáticas e de entretenimento – tem o poder de adestrar nossos olhares
de tal modo que até as estruturas formais podem ser “lidas” a partir
dos signiicados inscritos nas imagens, como observaremos, logo a
seguir, na imagem da Mona Lisa.
o Ministério da Educação em 26/06/2003 em uma solenidade em Brasília.
Reportagem Turma da Mônica é a nova aliada da educação infantil,
capturada no site: http://www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticias em
julho de 2003.
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Sobre a Cultura Visual
As interrogações sobre as imagens, e seus efeitos, no mundo
contemporâneo, resultaram em um novo campo interdisciplinar de
estudos e investigações denominado de Estudos da Cultura Visual
ou Cultura Visual, no qual focaliza o universo visual e os modos
como este universo produz nossos modos de ver o mundo. Esse
campo, se caracteriza por um “movimento” entre diferentes campos
disciplinares, como a: Estética, Antropologia, Arquitetura, Crítica e
História da Arte, Fenomenologia, Psicologia, Semiótica, Sociologia, Estudos do Gênero, de Mídia e Étnicos, entre outros. Tais campos contribuem com seus elementos teóricos e metodológicos, que
vinculados uns aos outros, criam modos particulares de análises
sobre os materiais visuais. Desse modo, os objetos de estudo, bem
como suas análises, são concebidos a partir da interdisciplinaridade
que os próprios objetos suscitam. Para Hernandéz (2007, p.22):
[...] o debate do que denominamos por cultura visual, converge
uma série de propostas intelectuais em termos das práticas culturais
relacionadas ao olhar e às maneiras culturais de olhar na vida
contemporânea, especialmente sobre as práticas que favorecem as
representações de nosso tempo e leva-nos a repensar as narrativas
do passado.
Para além do campo acadêmico, artistas visuais como Nadim
Ospina, Gottfried Helnwein, Enrique Chagoya, Rogelio Lopez
Cuenca, David Hocney, Nélson Leiner, Lia Menna Barreto, cineasta como Wim Wenders, Bigas Luna, Peter Greenaway, João Jardim
e escritores como José Saramago, Oliver Sachs, entre outros, abordam criticamente as imagens no mundo contemporâneo, bem como
os modos que estamos (des)construindo nossas maneiras de ver a
partir do universo imagético.
Desde a publicação, em 2000, do livro de Fernando Hernández
Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho, convivemos com a expressão Cultura Visual no contexto educacional. Por
ser um campo “jovem” de estudos, com algumas publicações no
exterior na última década e com raras publicações no Brasil, ainda
há muitos questionamentos acerca da Cultura Visual nas pesquisas
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acadêmicas e nos contextos escolares. Não pretendo fazer uma história dos Estudos da Cultura Visual, mas situar, brevemente, esse
campo interdisciplinar de investigação.
O precursor sobre a discussão acerca das imagens como produtoras de realidades foi John Berger, crítico de arte, historiador e
romancista inglês, que escreveu, em 1972, o livro Ways of Seeing,
conhecido entre nós como Modos de Ver. Embora os autores desta obra não utilizem a expressão “cultura visual”, suas abordagens
sobre como nosso olhar é mediado pelas diferentes imagens, sejam
elas da arte ou da publicidade, anunciam as relexões das próximas
décadas na educação e nas artes visuais.
A institucionalização acadêmica dos Estudos Visuais, ou Estudos da Cultura Visual, surgiu a partir de 1989 no programa de Estudos Culturais e Visuais da Universidade de Rochester nos Estados
Unidos. No início dos anos 90, emergem as primeiras discussões e
publicações lideradas pelo professor de História da Arte W.J.T. Mitchell na Universidade de Chicago. A partir da década de 90 surgem
amplas discussões acadêmicas e publicações enfocando a Cultura
Visual, entre os pesquisadores e professores, destacam-se Nicholas
Mirzoeff na Universidade Estadual de NY, Kerry Freedman da Universidade de Illinois, Paul Duncum da Universidade da Tasmania e
Fernando Hernández na Universidade de Barcelona, entre outros.
Segundo Nicholas Mirzoeff (2003), a partir dos Estudos Culturais, surgiu o interesse acadêmico pelos diferentes materiais visuais.
O autor aponta uma tênue diferença entre os enfoques dos Estudos
Culturais e da Cultura Visual, dizendo que do mesmo modo que os
Estudos Culturais buscam compreender as formas pelas quais as
pessoas dão sentido às diversas produções culturais, por sua vez,
a Cultura Visual examina como as experiências cotidianas com o
universo visual, sejam dos vídeos às obras de arte, criam e disputam signiicados. Segundo o autor (2003, p.17): “a Cultura Visual
explora as ambivalências, os interstícios e lugares de resistência da
vida cotidiana pós-moderna, buscando formas de trabalhar com as
informações visuais desta nova realidade”.
Muito além de delimitar o objeto de estudo aos materiais visuais, como as imagens, artefatos ou objetos visuais, essa abordagem
relete e analisa como o universo visual – aquilo que se vê – e a
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visualidade – os modos de ver e as tecnologias da visão – estão
nos constituindo. Ou seja, muito mais do que enfocar os artefatos
visuais, a Cultura Visual se preocupa em como as imagens são produzidas, distribuídas e utilizadas socialmente, como uma prática
cultural que produz e negocia signiicados. Segundo Fernando Hernández (2000, p.52)
a cultura visual contribui para que os indivíduos ixem as representações
sobre si mesmos e sobre o mundo e sobre seus modos de pensar-se. A
importância primordial da cultura visual é mediar o processo de como
olhamos e como nos olhamos, e contribuir para a produção de mundos.
Muitos estudiosos da Cultura Visual como Chris Jenks (1995),
Nicholas Mirzoeff (1999), Fernando Hernández (2000), Gillian
Rose (2001), John Walker e Sarah Chaplin (2002), distinguem a
visão, como as possibilidades isiológicas dos olhos, e a visualidade
como a construção cultural dos nossos olhares. Assim, postulam
que os signiicados sobre o mundo social também são criados através das imagens visuais veiculadas pelos diferentes tipos de tecnologias visuais que abarcam desde as produções artísticas, dos meios
de comunicação e eletrônicos, dos espetáculos cênicos e musicais à
arquitetura. Para Hernáandez (2007, p. 22),
[...] o debate em torno do que denominamos por cultura visual,
converge uma série de propostas intelectuais em termos de práticas
culturais relacionadas ao olhar e às maneiras culturais de olhar na vida
contemporânea, especialmente as práticas que favorecem as representações
de nosso tempo e leva-nos a pensar as narrativas sobre o passado.
Nesta abordagem, a visão diz respeito aos aspectos isiológicos do aparelho ocular, a visualidade, por sua vez, é o modo como
vamos construindo nossos olhares sobre o mundo a partir das interações com as diferentes produções culturais. Segundo John Berger
(1982, p.12) “a função da vista não signiica que esta seja uma pura
reação mecânica a determinados estímulos (...) somente vemos
aquilo que olhamos. Ver é um ato voluntário.” Ou seja, encetamos
nossos olhares para aquilo que faz sentido dentro de nossas vivências sócio-culturais. Deste modo, a visualidade está imbricada com
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os contextos imagéticos culturais e com os signiicados que construímos em torno destes repertórios.
Os signiicados das imagens são construídos nas interações sociais e culturais que realizamos com elas. Os contextos sociais e culturais, amplos ou especíicos, e as pessoas, dão existência aos materiais
visuais atribuindo-se signiicados. Portanto, o sentido não “emana” das
imagens, mas dos diálogos produzidos entre elas e as pessoas, sendo
que estes diálogos são mediados pelos contextos culturais e históricos.
Assim, cada época, cultura, produz seus regimes escópicos.
Nessa perspectiva, os signiicados das imagens são móveis, parciais, e seus dizeres são produzidos em determinados contextos, conforme Alberto Manguel (2001, p.28): “Em qualquer cultura, há sempre
uma grande diversidade de signiicados acerca de todo e qualquer tópico e mais de uma forma de interpretar ou representá-lo. [...] Nenhuma
narrativa suscitada por uma imagem é deinitiva ou exclusiva.” Assim,
há mobilidade e variedade no modo como são constituídos, interpretados e negociados os signiicados das imagens. Cada época, cultura, grupo social e os
sujeitos elaboram seus modos particulares de
atribuir sentido aos textos visuais. Entretanto,
mesmo havendo polissemia na interpretação
dos signiicados, existem signiicados que limitam outras negociações, como alerta Janet
Wolff (1997, p.177) dizendo que “o número
de possíveis leituras tem um limite, tanto porque os textos [culturais] têm meios de dar preferência a certos signiicados, como também a
história da recepção de um texto atua com um
Mona Lisa
signiicado ‘ixo’ em alguns aspectos.”
Marcel Duchamp
A imagem ao lado, por exemplo, reconhecemos como a pintura Mona Lisa (1503-1507) de Leonardo da
Vinci, pois seu signiicado é tão ixo que não “vemos” o bigode e o
cavanhaque nela, colocados por um outro artista: Marcel Duchamp
(1887-1968), que brinca ironicamente com um dos signiicados
mais ixos da arte ocidental.
Mesmo havendo criação e interpretações diferenciadas em torno dos signiicados das imagens, os diversos grupos sociais elabo111
ram e atribuem valores a determinadas produções imagéticas. Essas valorações são compartilhadas, ou não, por diferentes pessoas
e agrupamentos sociais, servem ora para agregar, ora para excluir,
outros grupos, pessoas e produções simbólicas. Como salienta Tomas Silva (1996, p.21) a respeito das atribuições de sentido e das
disputas em torno dos signiicados:
Por meio do processo de signiicação construímos nossa posição
social, a identidade cultural e social de nosso grupo, e procuramos
constituir as posições e as identidades de outros indivíduos e de
outros grupos. Produzimos signiicados e sentidos que queremos que
prevaleçam relativamente aos signiicados e aos sentidos de outros
indivíduos e de outros grupos.
As disputas em torno do signiicado de uma produção em relação à outra se ramiicam, tomando várias formas, seja no modo
como um museu de arte organiza e dá visibilidade a suas coleções
permanentes e temporárias, seja nas escolhas de imagens que, uma
professora disponibiliza aos seus alunos.Para além da produção de
narrativas sobre o mundo, o universo visual e seus artefatos posicionam pessoas e grupos.A grosso modo, podemos dizer que assim
como os mecenas ostentavam seus retratos familiares produzidos
por artistas reconhecidos, hoje são os bens de consumo que deinem
nosso lugar social.
Mirzoeff (2003, p.3) entende o universo visual como um produtor de realidades, dizendo que as imagens têm um forte poder
de verdade, um poder intervencionista que acaba transformando o
mundo imagético na própria vida. Segundo ele: “ver é mais importante do que crer. Não é uma parte da vida cotidiana, mas a vida
cotidiana em si mesma”. Esta airmativa nos leva a pensar no quanto as imagens, sejam elas editadas pelos meios de comunicação
ou mesmo as fotograias amadoras que nossos pais izeram desde
nosso nascimento, deinem quem somos, nos levando a acreditar
que elas constituem nossa história e a “realidade” que vivemos.
No ilme Blade Runner (Ridley Scott -1982), por exemplo, a Tyrel
Co produzia fotograias do suposto passado dos andróides para que
eles acreditassem que eram humanos, ou seja, o passado que não
existiu era forjado por fotograias e isso conferia a eles uma exis112
tência humana. Muito mais do que um registro, as nossas fotograias fabricam um passado.
Vivemos em um tempo em que nos conectamos mais com as
representações sobre o mundo do que com os acontecimentos concretos com os quais nos deparamos em qualquer esquina de nossa
cidade. Um tempo em que nossas relações com o mundo dos fatos,
da “realidade” vivida, está sendo substituída pelas diferentes produções culturais, como os jornais escritos e televisivos, a literatura,
o cinema, as propagandas, as novelas, as revistas, as sonoridades,
a moda, as produções artísticas, entre outras. Ou como coloca Jean
Baudrillard (1997, p.71)): “Hoje, não pensamos o virtual, somos
pensados pelo virtual. [...] Assim não podemos nem imaginar o
quanto o virtual já transformou, como por antecipação, todas as
representações que temos do mundo.”
O universo visual modulando nossos modos
de ver as infâncias
Philippe Ariès, em A História Social da Criança e da Família
(1973), utiliza várias fontes iconográicas, como lápides, pinturas,
esculturas, afrescos, tapeçarias, vitrais, capitéis, desenhos e gravuras, ex-votos, entre outras, para analisar as diferentes concepções
de infância elaboradas ao longo da história ou o que seriam as “idades da vida” em diferentes épocas. Através dessas fontes, podemos
entender as relações entre adultos e crianças, o sentido de maternidade e paternidade, a valorização ou não da vida que os adultos
davam às crianças, os brinquedos e brincadeiras, a sexualidade, as
festas e comemorações, entre outras atividades cotidianas da infância e suas relações com o mundo.
As imagens selecionadas e analisadas por Ariès, assim como
tantas outras, para além de nos dar a conhecer a infância, produzem sentidos sobre ela, fazendo com que nós a vejamos através dos
olhos daqueles que materializam as produções imagéticas. A partir
da cultura visual de determinadas épocas, Ariès desconstroi o conceito de infância como um fenômeno natural da vida e vai demonstrando como a concepção de infância é uma construção histórica e
cultural, “fabricada” na modernidade.
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Aproveitando os estudos de Áries, Aline Becker (2008, p 4)
em sua pesquisa iconográica sobre as representações da infância
na História da Arte, traz pistas de como a infância era entendida e
vista pelos outros. Segundo a autora:
[...] não podemos separar as manifestações culturais destinadas
aos infantis e sobre eles da construção dos modos de vê-los. As
identidades, os imaginários visuais, as noções de si, o senso estético,
valores e seus lugares na sociedade são construídos por diversos
referenciais, dentre eles, as imagens. Essas imagens exercem a
mediação entre os valores culturais e as crianças, com suas metáforas
imagéticas sobre o contexto social em que vivem, interferindo
diretamente na sua forma de nomear, ordenar e representar a realidade
e a sua forma de interagir com a mesma. A construção das identidades
infantis é sujeitada, então, às práticas discursivas. É o “se conhecer”
através da representação – que por sua vez só acontece a partir de um
conhecimento. Conhecer e representar são processos inseparáveis.
Em sua pesquisa de Mestrado, a autora transita entre as representações da infância na arte e os meios midiáticos contemporâneos, fazendo analogias sobre o uso das imagens infantis em diferentes épocas, entre elas as pinturas de Gustave Courbet (1819, p.77) e
as propagandas da Benetton.
O impacto [da pintura de Coubert] causado na sociedade da época
pode ser comparado, nos dias de hoje, à campanha da Benetton, cujas
imagens provocam muitas discussões na imprensa. Guardadas as
diferenças inerentes às características histórico-sociais, as pessoas
na época de Courbet chocavam-se com os temas de suas pinturas.
Enquanto hoje, nós temos a impressão de serem situações prosaicas,
o fato de estarem representadas em obras de arte era aviltante para
muitos, pois não concebiam esse assunto [crianças comuns em cenas
cotidianas] em obras de arte. Semelhante efeito, podemos constatar
na campanha publicitária da Benetton, cuja propaganda recebe um
grande reforço da mídia em torno dela causado pelas polêmicas
geradas em torno dos seus temas, que envolvem problemáticas
contemporâneas que são bastante comuns, como as questões de
gênero e raça.
Neste trabalho, podemos perceber o quanto o universo visual,
a cultura visual de cada época, atua sobre as formas de vermos a
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infância. Ou seja, as imagens da Arte e agora as publicitárias, na
maioria das vezes, modulam nossos modos de se ver a infância,
Walker e Chaplin (2002, p.43) assinalam que “a visão é informada pelos diferentes interesses e desejos do observador e pelas
relações sociais que existem entre quem percebe e o percebido.”
Assim, meu olhar sobre as representações visuais depende dos
meus referenciais e não das imagens em si. Minhas vivências, conhecimentos e expectativas em torno da infância, sugerem nossos
olhares e nossos modos de entendê-la. Abaixo, algumas representações de infância. Qual a sua?
Acima, da esquerda para à direita:
Fotograia de Cartier Bresson, fotograia de Anne Guedes,
pintura de Milais, Abaixo: Desenho e colagem de Nelson Lerner,
Objeto de Lia Menna Barreto, pintura de Gottfried Helnwein
Valendo-me das ideias de como Ariès mostra as várias concepções sobre a infância, e sobre como as diferentes produções visuais
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nos dizem sobre as infâncias, apresento dois produtores de imagens: Lia Menna Barreto, artista plástica residente em Porto Alegre,
e Ettore Scola, cineasta italiano.
O modo que Lia nos fala sobre seu Jardim da Infância é sintético, objetivo e econômico no uso dos elementos visuais. Para
representá-lo, Lia cria uma instalação de 32m com 11 cadeiras de
criança numa disposição circular que nos faz lembrar a formação
das “rodinhas de conversas”, uma das práticas institucionalizadas
nas rotinas das escolas infantis advinda da proposta pedagógica de
Montessori. Não há cadeiras inteiras ou coloridas, todas as cadeiras
são destroçadas e queimadas e estão ordenadas na forma circular.
O objeto cadeira de criança não é percebido como objeto “em evidência fechada, em seu sentido óbvio” (Barthes, 1990, p.46), mas
passa a ser entendido em seu sentido simbólico como uma infância
aos pedaços e destruída por um elemento externo, não presente – o
fogo/a violência – e que mostra sua ação sobre a cadeira/infância. A
disposição circular, iluminada por uma lâmpada comum, concentra
nosso olhar para o conjunto e ao mesmo tempo nos faz percorrer
cada cadeira/fragmento. Não há dispersão ao olhar o círculo, uma
vez que não há nada fora dele.
Jardim da Infância – Instalação
Lia Menna Barreto- 1997
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Jardim da Infância, no sentido obtuso barthesiano, “extrapola a cópia do motivo referencial [a cadeira], impõe uma leitura
interrogativa”, (Barthes, 1990, p.46) causando desconforto, desequilíbrio, pois rompe com aquela ideia de infância como sinônimo de alegria, leveza, beleza, inocência, proteção, cuidado,
carinho, amorosidade. Ao contrário, a instalação de Lia reverte
estes sinônimos em antônimos e nos coloca frente à “ infância
des-realizada, a infância da realidade real “violenta e marginal.”
(Narodowski, 1998, p.174)
Uma infância que não separa o brinquedo do trabalho, que
assalta, que pede dinheiro para se “alimentar” de cola para poder
sonhar, que foge de casa para não ser espancada ou abusada sexualmente, que vive em bandos com outras crianças e adultos, que
cuida dos outros irmãos, dos pais e mães, que está nas páginas policiais, e que frequenta as escolas infantis governamentais.
São as infâncias que não fazem parte do “Maravilhoso Mundo” da Disney, da Barbie, do Mc’ Donalds ou da Xuxa, mas sabem
que estes outros universos existem e desejam fazer parte deles. As
infâncias des-realizadas são mostradas de forma semelhante pelo
canadense Jean-Claude Lauzon em Leolo (1992), ou representada
no ilme brasileiro Pixote (1980), de Hector Babenco. São infâncias
“queimadas e quebradas” pelas contingências sociais e culturais.
De um outro modo, Ettore Scola em algumas cenas do ilme
O jantar (La Cena, 1998) nos coloca diante de uma outra infância. Resumidamente, o ilme se passa em um restaurante italiano
onde fragmentos da vida dos personagens presentes são mostrados.
Em uma das mesas há um casal de turistas orientais (serão japoneses?) com uma criança, que diferentemente dos outros personagens,
captam e vivem o mundo através dos meios tecnológicos. Os pais
observam os acontecimentos pela via das lentes fotográicas, enquanto que a criança brinca todo o jantar, mesmo comendo, com
um videogame de bolso sem prestar atenção no que acontece em
volta. Não há conversas entre o casal e a criança, apenas olhares
mediados pelas máquinas (fotográica e videogame). Os pais estão
mais interessados em fotografar os acontecimentos pitorescos de
um restaurante italiano do que manter um diálogo ou mesmo uma
relação interpessoal.
117
Na cena inal, dois outros personagens transformam-se em
bruxos, pegam uma vassoura e saem voando pelo céu iluminado
de Roma. A criança oriental, única testemunha ocular do fato
inusitado, vê a cena como se ela fosse uma imagem de videogame: homens, estrelas, céu, cor, objetos, movimento, organização
espacial, forma, tudo passa a ser “editado” pela visão videogame
e não pelo que está acontecendo diante dos seus olhos. A metáfora de Scola sobre como uma criança na era das imagens eletrônicas vê o mundo é sutil em sua crítica, entretanto Paul Virilio
(1999, p.36) é contundente e lança questões sobre os modos perceptivos e sensíveis que estão sendo modelados pela interação
sistemática desses meios, segundo ele:
a partir de agora assistimos (ao vivo ou não) a uma co-produção
da realidade sensível na qual as percepções diretas e mediatizadas
se confundem para construir uma representação instantânea do
espaço, do meio ambiente. [...] A observação direta dos fenômenos
visíveis é substituída por uma teleobservação na qual o observador
não tem mais contato direto com a realidade observada. Se este
súbito distanciamento oferece a possibilidade de abranger as mais
vastas extensões jamais percebidas (geográicas ou planetárias), ao
mesmo tempo revela-se arriscado, já que a ausência da percepção
imediata da realidade concreta engendra um desequilibro
perigosos entre o sensível e o inteligível, que só pode provocar
erros de interpretação.
A partir dos questionamentos de Virilio, podemos nos perguntar: Que interpretações sobre o mundo as crianças estão realizando
via “telas”? Que efeitos de realidades estão sendo elaboradas a partir destes referentes? Como os imaginários estão sendo constituídos
nestas interações virtuais? Que olhares sobre o mundo estão sendo
produzidos?
A infância do menino oriental do ilme O Jantar é “a infância
hiper-realizada”, que segundo Narodowski, é aquela infância que
interage com as produções culturais eletrônicas acessando o mundo via telas, monitores, sejam eles da Internet, TV a cabo, PCs,
videogames, jogos virtuais interativos, vídeos, ilmes, entre outras.
É uma infância que opera sobre o mundo através do virtual, e não
mais sobre um real concreto e observável que Virilio menciona.
118
Categorizar a infância como desrealizada e hiper-realizada
e exempliicá-las através das representações de Scola e Menna
Barreto, não quer dizer polarizá-las, mas entender que diferentes
realidades infantis podem coexistir em um mesmo tempo e espaço. Ambas infâncias, com suas práticas, não se inserem dentro
do conceito de infância como uma das etapas do “ciclo vital” na
qual eram universalizadas as trajetórias da vida humana. Pensar
a existência de diferentes infâncias, implica em não vê-la como
uma massa homogênea sobre uma mesma rubrica de “A infância”, mas pensar que existem práticas sócio-culturais que determinam variados tipos de experiências, que por sua vez, abarcam
versões plurais sobre a infância.
Para Alberto Manguel (2001, p.27): “Só podemos ver coisas
para as quais possuímos imagens identiicáveis, assim como só
podemos ler em uma língua cuja sintaxe, gramática e vocabulário já conhecemos.” A airmativa de Manguel me faz pensar sobre o quanto estamos convivendo com imagens que se repetem
e reairmam narrativas semelhantes entre si, como por exemplo:
as top models, as atrizes contemporâneas, as bonecas Barbies
e as Princesas da Disney. E, o quanto esta multiplicação de um
mesmo modelo feminino faz com que outras imagens não sejam
vistas e entendidas. Uma sugestão: prestem atenção, nas revistas
de grande circulação nacional, sobre as representações de infância, mulheres e homens jovens, maduros, idosos e idosas. O que
estas imagens, representações, nos dizem sobre estas diferentes
fases da vida? Quais os tipos que são excluídos? Como formulamos concepções sobre maturidade, juventude e infância através
destas imagens?
Abaixo, uma série de representações sobre mulheres, e pergunto: Quais as mais fáceis de “ler”? Como nós e as crianças estamos
construindo nossos olhares sobre o feminino a partir do universo
visual?
119
Acima, da esquerda para à direita:
Campanha publicitária da Grendene, Mulher Chorando de Pablo Picasso, Branca
de Neve da Disney
Abaixo: Barbie; Mulher de Juan Miró; Meninas de Renoir
Os referentes imagéticos Cinderela, Barbie, Branca de Neve
e outras representações similares que permeiam a cultura infantil, tornam-se as “matrizes” do feminino, interpelando meninas e
meninos. Na maioria das vezes, as imagens da cultura popular homogeneizam modos de ser, deinem o que as pessoas e as coisas
devem ser e, ao deini-las dentro de padrões, as diferenças não são
contempladas, ao contrário, são excluídas. Neste sentido, a imagem
Cinderela fala às crianças, meninos e meninas, sobre determinados
valores femininos produzidos pela cultura popular servindo como
“modelos” para todo o grupo. Cinderela, entre outras imagens emblemáticas da nossa cultura, cria suas tribos, ora agregando, ora
excluindo aquelas/es que estão dentro dos padrões. Pergunto: Qual
a posição das meninas que não se enquadram no referencial estético
120
Cinderela? Como as identidades femininas e masculinas são construídas, tendo os atributos destas “beldades” como referenciais?
As práticas do olhar, produzidas pelas corporações de entretenimento, são de uma dócil adesão e não de questionamento frente ao visto. Nas imagens anteriores, por exemplo, as mulheres de
Miró e Picasso causam estranhamento, ao passo que as outras são
de reconhecimento e fácil aceitação. O espaço para o estranhamento é mínimo, tendo em vista as estratégias envolvidas na captura
do olhar. Este olhar reduzido de possibilidades é “ensinado” pela
cultura midiática como um olhar consumidor de qualquer coisa, faminto, veloz, navegante, que não ixa detalhes, não vasculha, não
discrimina. Este olhar doente, viciado, “cancerizado”, como diria
Michel de Certeau (1994), produzido por várias modalidades representativas, acaba tornando-se o olhar sobre o mundo, um olhar
míope, borrado entre as fronteiras de um mundo concreto e aquilo
que as imagens narram sobre o mundo. Seriam as simulações que
Baudrillard se refere, uma tênue indiferenciação entre o real e o
virtual, onde o virtual torna-se o real.
Por outro lado, não podemos perder de vista que a cultura infantil, demarcada por seus artefatos visuais, produz tanto os modos
particulares de estar e de ver o mundo, quanto um repertório “estético infantil”, no sentido que Maffesoli (1999, p.102) dá a palavra estética: “compartilhar das mesmas coisas, emoções, valores, dando
sentido aos modos de existência.” Neste sentido, há um consenso
sobre o universo visual infantil, ele é aceito e compartilhado em várias instâncias sociais, e assim passa a ser “naturalizado”, como se
fosse parte constitutiva das infâncias contemporâneas. Das pastas
de dentes aos lençóis, dos jogos pedagógicos aos talheres, dos relógios às camisetas, há uma parafernália de objetos/imagens que se
instituiu como associados, colados, como representativos e sendo
da infância.
Por vivermos em uma cultura devotada às imagens, desde que
a Igreja Católica aboliu a iconoclastia nos Concílios Ecumênicos de
Nicéia (787) e de Trento (1545 a 1563) com o intuito de narrar suas
histórias, as imagens penetram em nossas vidas, formulam mundos
e ideias, se aderem aos nossos pensamentos sem nos darmos conta
dos efeitos delas sobre nós. Podemos dizer que, hoje, o universo
121
visual participa intensamente do nosso panorama cotidiano, sendo
que na maioria das vezes, não percebemos o quanto elas produzem
nossos modos de ser e de ver o mundo.
Pedagogias da maternidade: o consumo
monitorando a infância
A respeito de como nos relacionamos com as representações
sobre a infância no mundo contemporâneo, David Buckingham
(2003, p.185) assinala que:
[...] a infância – e o adulto – atualmente está entrelaçada com a cultura
do consumidor. As necessidades sociais e culturais das crianças se
expressam e deinem inevitavelmente através de suas relações com
os produtos materiais e através dos textos midiáticos produzidos
comercialmente que impregnam suas vidas. O signiicado da infância,
como também da “juventude”, se constrói social e historicamente, e
se trata de um processo onde o mercado comercial desempenha um
papel cada vez mais importante.
Comecei a perceber esses entrelaçamentos quando vivenciei a
experiência de ser mãe, no início dos anos 90, e comecei a ter contato
diário com os inúmeros produtos endereçados à infância. Uma inindável quantidade de objetos-coisas invadia cotidianamente minha casa,
sem que me desse conta do quanto eles afetavam minhas visões sobre
a infância, minhas escolhas e condutas junto a minha ilha.
Nessas interações, comecei a perceber a forma como minha ilha
pequena e eu nos posicionávamos frente aos brinquedos, roupas, alimentos, adereços, livros, móveis, lençóis, pasta de dente, decorações de suas
festas de aniversário, jogos, ilmes e vídeos, materiais escolares. Notava
que os bens de consumo com seus padrões visuais estabelecidos e disseminados pelas grandes indústrias, sejam elas de entretenimento, moda,
alimentação, brinquedos ou de móveis, mantinham uma uniformização
estética que impossibilitavam exercermos nossas singularidades.
Em relação ao vestuário também havia uma uniformidade
quanto ao estilo e tipos de roupas, cores e materiais, sendo que a
maioria das peças do vestuário dos bebês indicava, através de suas
cores, o gênero: o azul para os meninos e o rosa para as meninas.
122
A respeito da lógica da produção dos bens de consumo e como
nos sujeitamos a uma ordem do consumo que obedecemos sem
questioná-la, Jean Baudrillard (1997, p.172) diz:
[...] os objetos não existem absolutamente com a inalidade de
serem possuídos e usados, mas sim unicamente com a inalidade
de serem produzidos e comprados. [...] eles não se estruturam em
função das necessidades e nem de uma organização mais racional
do mundo, mas se sistematizam em função exclusiva de uma ordem
de produção e de integração ideológica. De fato, não existem mais
objetos privados: através de seu uso multiplicado, é a ordem social
de produção que persegue, com sua própria cumplicidade, o mundo
íntimo do consumidor e de sua consciência. (grifo do autor)
Na condição de mãe usuária consumidora desta ampla “cultura
material”, não me dava conta que esses produtos, através de suas
cores pastéis, materiais de consistência macia, aromas adocicados,
formas arredondadas, estampas com lores multicoloridas e corações saltitantes, ilhotes de animais e personagens-bebês estavam
me ensinando o que é bom, bonito e saudável para minha ilha a
partir dos pontos de vista dos designers de grandes empresas. Para
Mike Featherstone (1995, p.111), o trabalho dos designers de hoje
se compara à inluência que os artistas exerciam sobre as preferências estéticas de determinados grupos sociais, no sentido que ambos
são modeladores e criadores de mundos. Para o autor:
[...] de muitas maneiras declaradas ou sutis, eles [os designers de
vários campos] também transmitem disposições e sensibilidades
estéticas [...] Com efeito, enquanto intermediários culturais, eles
desempenham um papel importante na educação do público para
novos gostos e estilos.
Percebia que havia um discurso visual com a intenção de provocar a sedução, elaborado por cromatismos, formas, texturas que
direcionavam minhas escolhas a produtos que eram considerados
como sendo da infância, uma infância inventada, normatizada,
comportada. Desse modo, não me perguntava, por exemplo, sobre
a cadeia de signiicados que construímos em torno das cores pastéis
na primeira infância e adotando para nossos bebês cores tonaliza123
das para dizer que nossos ilhos são “suaves”, “dóceis”, “puros”.
Há todo um arcabouço visual de formas, cores, tamanhos, texturas,
aromas que nos sinalizam para percebermos a primeira infância
como um lugar sem conlitos, suave, pacíico, calmo, confortável,
enim, há um conjunto de elementos visuais que nos levam a formar
determinadas visões sobre infância.
Muito mais do que efetuar a modelagem do gosto e de estimular minhas preferências a determinados produtos, tais objetos realizavam um espécie de pedagogia da maternidade5que motivavam
minhas ações mais simples, como adquirir determinados produtos
alimentícios como maçãs da Turma da Mônica, acreditando que
fossem mais saudáveis. Ou objetos de uso pessoal como: mochilas,
roupas, brinquedos, mamadeiras, chupetas, fraldas descartáveis,
guarda-sol de praia pouco funcionais, mas que me convenciam pela
aparência que poderiam proporcionar o bem-estar da minha ilha. A
respeito de como estes inúmeros artefatos operam sobre nós, Stuart Hall (1997, p.3) diz que: “os signiicados culturais não estão
apenas ‘na cabeça’. Eles organizam e regulam as práticas sociais,
inluenciam nossas condutas e consequentemente têm efeitos reais, práticos.” Esta airmativa me faz pensar como estes inocentes
utensílios determinavam minhas condutas para comprar alimentos
e vestir minha ilha, pois notava que os inúmeros objetos engendravam uma estética dirigida à infância e tal estética direcionava
meus modos de pensar, ver e imaginar a infância conforme aqueles
padrões inscritos nos artefatos.
TER e SER
TER objetos que trazem as marcas da infância signiica pertencer a uma categoria.
TER signiica SER.
A expressão é derivada do termo pedagogia cultural, utilizada por
Henry Giroux (1995) e Shirley Steinberg (1998) quando se referem
formas educativas exercidas pelas diversas modalidades da popular,
como os ilmes, brinquedos, livros, videogames, TV, imagens da mídia,
entre outros, que produzem conhecimentos e moldam as identidades
individuais e coletivas
5
124
TER, compartilhar os mesmos signiicados, signiica SER. Nos
tornamos alguém porque nos apropriamos de determinados códigos
culturais, sejam roupas, tipo de cabelo, marca de carro, cigarro e, ao
SERMOS alguém, detentores de códigos especíicos que DIZEM
sobre o que e como somos, estamos constituindo nossa identidade
numa interação amalgamada com estes artefatos. De certo modo, os
objetos nos representam, nos tornam visíveis ao mundo.
Nossos olhares estão sendo produzidos em grande parte pelos meios midiáticos para sermos CONSUMIDORES de qualquer
coisa, e não PRODUTORES de singularidades, e estes olhares editados acabam tornando-se o OLHAR sobre o mundo. Os discursos
visuais contemporâneos assumiram o papel que a arte tinha, até o
século XIX, de narrar o mundo, hoje eles instauram conhecimentos
sobre o mundo: as “verdades”, os valores éticos, estéticos, as formas de agir e de ser, os modos de relações com os outros.
Ter, selecionar bens, gostar de determinados objetos, implica em
nos mostrarmos e nos traduzirmos aos outros. Somos visíveis porque
somos vistos e categorizados por nossos acervos particulares. Os bens
que possuímos, nos situam em determinados grupos, classiicando, por
exemplo, nossos modos de ser mãe conforme as escolhas de roupas
que izemos para nossos ilhos. Sobre a articulação entre a constituição de identidades e consumo, Canclini (1995, p.15) argumenta que
nossa identidade e nosso sentido de pertencimento são moldados pelo
consumo, pelos bens que selecionamos e nos apropriamos, dando visibilidade ao nosso modo de estar no mundo. Para o autor: “Vamos nos
afastando da época em que identidades se deiniam por essências ahistóricas: atualmente coniguram-se no consumo, dependem daquilo
que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir”.
Somos aquilo que possuímos. No caso da cultura infantil, os
artefatos que a constituem, são escolhidos não pela sua funcionalidade, mas pelos valores e signiicados que eles representam dentro
de nossa cultura. Uma mochila infantil se diferencia de uma outra
direcionada aos adultos não pelo tamanho, adequação ou função de
armazenar materiais, mas sim por trazer os “emblemas” produzidos
pelas corporações de entretenimento infantil.
Por meio dos artefatos, passamos, supostamente, a fazer parte de um mesmo grupo social, as diferenças são borradas superi125
cialmente e os artefatos sustentam as supostas “igualdades”. Sobre
os modos como estamos constituindo nossa identidade coletiva,
Michel Maffesoli (1995, p.17) diz que: “pode-se ver em ação um
conjunto de imagens que, por acréscimos, chegam a constituir uma
consciência coletiva que serve de suporte, ao mesmo tempo, ao
conjunto da vida e às diversas ‘tribos’ que dela fazem parte”.
Entretanto, se por um lado os artefatos visuais agregam, eles
também excluem aqueles que não partilham dos mesmos signiicados e das mesmas práticas culturais, então, é importante entender
como as diferenças são produzidas através destes artefatos.
Stuart Hall (1997, p.9) refere-se à cultura como um conjunto
de práticas que tem a ver com a produção e o intercâmbio de signiicados, segundo o autor:
– o de dar e receber signiicados – entre os membros de uma
sociedade ou grupo. [...] a cultura depende de que seus participantes
interpretem de forma signiicativa o que esteja ocorrendo ao seu
redor, e ‘entendam’ o mundo de forma geral semelhante.
Pertencer a um grupo social/cultural signiica compartilharmos
signiicados, sermos pessoas que utilizam e aceitam códigos culturais semelhantes e, ao SERMOS alguém, possuidores de códigos
especíicos que DIZEM sobre como somos, estamos constituindo
nossas identidades individuais e sociais.
Sobre as categorizações produzidas pelos objetos, Castro
(1998, p.196) argumenta
que as marcas visíveis do consumo funcionam como signos de
discriminação entre os grupos sociais, mantendo fora e afastando
quem é diferente, quem é ‘alter’, tornando ainda mais difícil o
confronto de sujeitos na sua diversidade.
De certa maneira, estes artefatos restringem o ser diferente, uma
vez que eles apontam para uma homogeneização nos modos de ser.
Entendo que hoje, apesar da ininidade de produtos disponíveis
no mercado, cada vez nos tornamos mais semelhantes em função
de que há uma determinada estética hegemônica que impõe seus
padrões. Reagir a ela torna-se uma forma de delinquência social.
126
Ser igual possibilita a participação em um determinado grupo social. Ser diferente, singular, romper com aquilo que nos é imposto,
provoca estranhamento e nos coloca à margem dos grupos.
Embora reconheça que os artefatos culturais possam situar os
sujeitos, categorizar grupos sociais, normatizar e normalizar condutas e pontos de vista, modular identidades e delinear práticas sociais,
argumento que há diversidade nos modos de nos relacionarmos e
reagirmos diante destes inúmeros artefatos. Com isso, quero dizer
que tomamos posições diversas frente aos modos hegemônicos de
ser. Minha ilha, por exemplo, por volta dos 4-5 anos de idade, se
recusava a usar roupas da cor rosa e com estampas da Barbie, Minnie ou Mônica e me dizia: “Eu escolhe(o)”. Este posicionamento
mostra que os sujeitos infantis não são meros receptores passivos
dos artefatos culturais, e que as crianças estabelecem critérios de
julgamento frente ao que lhes é oferecido.
Concordo com a airmativa de David Buckingham (2002,
p.95) quando ele assinala que as crianças não são ávidos consumidores de bens, mas sim sujeitos de ações que tomam posições
frente ao mundo, pois segundo o autor: “considerar que as crianças
são as vítimas passivas da mídia ou consumidores ativos, signiica
vê-los à margem dos processos mais amplos das mudanças sociais e
culturais”. A airmativa de Buckingham, ao contrário de alguns autores contemporâneos, desfaz a ideia de que as crianças são tábula
rasa que apenas agem como “receptoras” e as coloca como sujeitos
ativos que contestam os encantamentos dos artefatos culturais. O
autor refere-se a um “diálogo” entre sujeitos e produção cultural e é
nesta “conversa” que os signiicados são capturados e reelaborados.
As infâncias podem ser compreendidas a partir de seus modos
de ser e de seus códigos simbólicos que permeiam e constituem
os grupos, dando-lhes visibilidade. Ao utilizarem seus códigos, os
grupos estão demarcando seus “territórios”, dizendo a si próprios e
aos outros o que são. Castro (1998, p.192), diz que
[...] a infância “esta aí” – este “estar aí” é entendido aqui pela
materialização da infância na “cultura das coisas” que são produzidas
especialmente para este público consumidor. Assim, por um lado,
a corporiicação da infância no tecido social se faz através de uma
presença que se referencia e se remete a determinados objetos, sejam
127
eles bens materiais, como também serviços, lazer, programas culturais
etc, onde uma determinada inscrição especíica da infância emerge
como força no imaginário social. A infância-presença que está aí no
nosso cotidiano, ao alcance do nosso olhar, aparece modelizada pelo
mundo de bens materiais e simbólicos destinados a ela pela cultura
de consumo.
É interessante notar que, desde muito cedo, as crianças já percebem “marcas” que delimitam os universos culturais infantis e
os valores agregados aos objetos. Elas sabem distinguir entre uma
Barbie Mattel e uma de R$1,99, um lanche do Mc Donald’s e de
um boteco, e ao saberem desta relação entre objeto-valor situam
os grupos e fazem suas escolhas entre seus pares que consomem
os mesmos artefatos. A questão das escolhas e o de gostar de algo
passa pelos bens consumidos.
Embora sendo uma cultura calcada em artefatos agradáveis
e sedutores aos sentidos, não podemos esquecer que tal cultura é
uma prática social e política, geradora e reguladora de signiicados,
logo, permeada por relações de poder. Uma cultura que dita o que é
adequado, útil, bom, ruim e verdadeiro para a infância, é arbitrária
e exerce formas sutis de controle sobre os sujeitos – sejam eles infantis ou adultos –. Nesse sentido, há um jogo de forças em torno da
produção cultural das grandes corporações e as outras formas culturais vivenciadas e elaboradas pelos sujeitos e pelas comunidades.
A cultura infantil contemporânea produz, e é produzida por
uma cultura midiática que cria e recria signiicados, não só participando da constituição das identidades, mas principalmente organizando e regulando um conjunto de práticas sociais. Dentro desta
abordagem, Shirley Steinberg (1997, p.114) salienta que as formas
culturais e os grupos sociais realizam um movimento de “mão dupla”, onde tanto as formas culturais quanto as pessoas são transformadas na relação, ou seja,
[...] as pessoas fazem cultura, mas a cultura faz as pessoas. Ao
nível do social, os signiicados emergem desse labirinto e a
consciência individual é moldada por esta interação e pelas formas
de ver (ideologia) que produz. [...] a consciência é construída não
simplesmente por seu contato com a cultura, mas por uma interação
com uma visão de cultura – uma visão “editada” de cultura.
128
A ideia de mão dupla de Steimberg – as pessoas fazem cultura,
mas a cultura faz as pessoas – altera a concepção de sermos moldados sem a possibilidade de recriação daquilo que nos é transposto
como “as grandes narrativas e verdades” sobre o mundo. É uma
concepção “luída”, não mais ixa de cultura, onde as produções
culturais tanto interpelam sujeitos e grupos quanto são transformadas, apropriadas pelas participações dos sujeitos em sues contextos
sociais..
Considerações inais
As imagens descem como folhas.
No chão da sala.
Folhas que o luar acende
Folhas que o vento espalha.
[...] As imagens se acumulam.
Rolam no pó da sala.
São pequenas folhas secas.
[...] As imagens enchem tudo.
Vivem no ar da sala
Vivem enquanto falo.
As imagens, sejam elas do mundo físico, das representações, do
imaginário simbólico, da virtualidade, nos constituem sem nos darmos conta do quanto elas formulam nosso modos de ver o mundo. As
imagens atuam, quase sem descanso, em nossas vidas, vivem no ar da
sala, vivem enquanto falamos. O roçar das imagens se faz em todos
os lugares, elas solicitam, inquietam, desestabilizam, transformam,
emocionam, incitam desejos e nos levam a conhecer outros mundos.
As imagens também despertam fome e cegueira visual, pois estamos
tão acostumados com a abundância que precisamos de mais imagens,
provocando assim, paradoxalmente, uma espécie de cegueira. Muitas
vezes, as imagens possibilitam relexões e a imaginação, outras vezes,
formulam estereótipos. Como lembra Oliver Sachs (2002), no ilme
Janela da Alma, ao falar do espaço de criação que se deriva no ato de
ver: “O ato de ver, de olhar, não é só olhar fora para o que é visível, mas
olhar também para o invisível, de certa forma, é isso que quer dizer a
imaginação.” Entretanto, nos espaços sociais, entre eles os escolares,
129
os exercícios do ver criativo, imaginativo, é escasso. Por isso, nos espaços educativos, devemos sugerir e desenvolver um olhar aguçado e
crítico sobre as imagens das mais diferentes produções culturais. Ou
seja, todas as produções imagéticas, da História da Arte às produções
fílmicas, televisivas, e tantas outras, apresentam, formulam, visões sobre o mundo, portanto, é necessário entendê-las em seus contextos e
circulação e nos perguntarmos: o que geram, o que dizem, e como nos
afetam?
No terreno da infância, percebe-se que as crianças são mais
suscetíveis aos encantamentos das pedagogias da visualidade da
cultura popular, pois esta é a cultura do prazer, do desejo, do colecionismo ilimitado, e da (in)satisfação que elas vivem, portanto não
se trata de “afastá-las” das produções culturais contemporâneas,
mas disponibilizar e fazer com que possam experienciarem repertórios culturais variados. Pensar em um trabalho pedagógico que
problematize a cultura visual endereçada a infância, requer um distanciamento, pois muitas destas imagens fazem parte dos acervos
das educadoras e pesquisadoras. Portanto, é importante entender
como adultos e crianças lidam e constroem signiicados em torno
do mundo imagético, em como construímos nossas representações
sobre nós e sobre os outros através dos objetos visuais que nos
inundam cotidianamente e, lembrando que nossas subjetividades
estão sendo compostas, em grande parte, nos diálogos com as representações imagéticas que circundam nossos atos e pensamentos,
dos mais banais aos mais complexos.
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