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Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) capítulo 8 contributo para o estudo do abastecimento de água à cidade de braga na idade moderna. o livro da câmara de braga (século Xviii) maria do carmo ribeiro* manuela martins** Resumo: Este artigo constitui um contributo preliminar para o estudo do abastecimento de água à cidade de Braga na Idade Moderna, tendo por base a análise do Livro da Câmara Secular de Braga, datado do século XVIII. Entre vários aspectos pretendemos destacar a importância do cruzamento de fontes variadas, designadamente escritas, materiais, iconográicas e cartográicas para o estudo desta temática, a necessidade de realizar estudos contextualizados com abordagens metodológicas multidisciplinares e perspectivas conceptuais diacrónicas e mostrar a importância do estudo do abastecimento da cidade na Idade Moderna como meio para a compreensão do seu abastecimento desde a Antiguidade. Em particular serão analisados aspectos concretos da rede de abastecimento de água à cidade setecentista, onde se destacam a caixa geral das águas, os chafarizes e fontes de água, bem como os pontos onde a água era captada e os locais para onde era distribuída. Palavras-chave: água, Braga, Idade Moderna Abstract: his article is a preliminary contribution to the study of Braga water supply in the Modern Ages founded on the analysis of the Livro da Câmara Secular de Braga, produced in the eighteenth century. Among other issues we want to emphasize the importance of crossing diferent sources, including written, material, iconographical and cartographic ones, the necessity to conduct contextual studies with a multi-disciplinary methodology and a conceptual diachronic perspective and also to show the importance of modern water supply studies in order to understand water supply in the * ** Professora catedrática da Universidade do Minho. Investigadora do CITCEM. Professora Auxiliar da Universidade do Minho. Investigadora do CITCEM.  CaminHos da água city since Antiquity. In particular some aspects of water supply network to the city in the eighteenth century will be discussed, mainly the general case of water, the fountains and water sources, as well as the points where the water was captured and the places where it was distributed. Keywords: water, Braga, Modern Age 1. INTRODUÇÃO O tecido urbano de Braga na Idade Moderna constitui um palimpsesto repleto de marcas físicas que foram sendo inscritas no plano da cidade ao longo da sua ancestral história ocupacional que remonta aos inais do século I a.C., data em que foi fundada a cidade romana de Bracara Augusta (Martins 000; 004). Graças ao cruzamento de dados de natureza distinta tem sido possível elaborar plantas interpretativas para as grandes fases históricas de ocupação da cidade (romana, medieval, moderna), mas também, analisar a transformação de aspectos concretos do urbanismo de Braga, designadamente, o sistema viário, o parcelamento, os quarteirões e alguns ediicados, considerados estruturantes na morfologia urbana, como acontece, por exemplo, com as muralhas. Igualmente, foi possível perceber que uma grande parte dos componentes da morfologia urbana foi herdada dos períodos anterior, muito embora, com transformações adaptativas resultantes de novas formas de pensar o espaço urbano (Ribeiro 008). Todavia, a análise de uma temática tão complexa como o urbanismo requer, necessariamente, a realização de estudos complementares, que permitam caracterizar a sua diversidade e especiicidade ao longo da ocupação da cidade. Este artigo, inserido no âmbito das investigações que procuram analisar a cidade de Braga na longa duração, pretende constituir um contributo preliminar para o estudo do abastecimento de água ao núcleo urbano durante a Idade Moderna, o qual contribui, igualmente, para uma valorização da análise diacrónica do provimento de água à cidade desde a Antiguidade. O estudo do abastecimento de água pressupõe, necessariamente, a análise de variados aspectos do urbanismo, onde, desde logo, se destacam o local onde a água era captada, os meios e técnicas utilizados na sua captação e posterior condução para chafarizes, fontes, tanques, edifícios públicos e/ou privados. Trata-se, de facto, de uma temática bastante interessante devido à sua complexidade e à necessidade de cruzar diferentes fontes de informação que permitam analisar os vários aspectos relacionados com este elemento indispensável à vida urbana: a água. Para a concretização dos nossos objectivos utilizámos uma metodologia multidisciplinar, baseada no cruzamento dos dados fornecidos por diferentes fontes de informação, dando particular destaque a uma fonte escrita – o Livro do tombo dos bens e propriedade, foros e pensões pertencentes ao senado da câmara secular desta cidade de Braga, existente no Arquivo Municipal de Braga, vulgarmente designa Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) do como O Livro da Cidade, datado de 77. Todavia, e ainda que a supracitada fonte documental constitua a base mais sólida e relevante para o presente trabalho, foi igualmente ensaiado o seu cruzamento com outras fontes de informação. Referimo-nos, concretamente, às fontes iconográicas e cartográicas disponíveis, designadamente ao Mapa de Braunio, datado de 594, ao Mapa da Cidade de Braga Primas e ao Mapa das Ruas de Braga, ambos de meados do século XVIII. Foram ainda pontualmente utilizadas as fontes materiais, nomeadamente o ediicado histórico, enquanto vestígio material sobrevivente e parte integrante do tecido urbano actual. Por im, cabe-nos valorizar a profusão, mas, também, o potencial das fontes escritas existentes para Braga que permitem estudar o abastecimento de água à cidade desde a Idade Média, mas, também, outros aspectos, designadamente, os que fazem parte deste congresso, como sejam a Sociabilidade ou as Construções. A título de exemplo, reiram-se os fundos eclesiásticos existentes no Arquivo Distrital de Braga, nomeadamente os 4 Livros de Tombo das Propriedades do Cabido, os Livros dos Prazos das Propriedades do Cabido, referentes ao período entre 465 e 57, os Prazos das Casas do Cabido, que cobrem o período entre 406 a 905, mas, também, o fundo monástico-conventual, designadamente os documentos 54 a 59 – licenças para encanação de água –, bem como outras fontes diversas, como os registos paroquiais. O presente trabalho encontra-se estruturado em duas partes. Na primeira iremos tecer alguns considerandos sobre os antecedentes do abastecimento de água à Braga setecentista (); na segunda, iremos proceder à abordagem da temática em apreço, começando por proceder a uma breve apresentação do Livro da Cidade, de 77 (), para depois, e a partir do referido documento, se analisar a caixa geral das águas da cidade (.); as zonas de captação (.) e, por im, a rede de distribuição urbana (.), designadamente os chafarizes (..) e as fontes de água (..). 2. BREVES CONSIDERANDOS SOBRE OS ANTECEDENTES DO ABASTECIMENTO DE ÁGUA À BRAGA SETECENTISTA A cidade de Braga localiza-se numa das regiões com maior índice de pluviosidade de Portugal e com a mais extensa rede hidrográica do país, beneiciando, a norte, da bacia hidrográica do rio Cávado e, a sul, da bacia hidrográica do rio Ave. Numa escala mais aproximada, num raio de cerca de .000 m, a cidade beneicia, igualmente, do rio Este, que corre a sul, e que permanece actualmente à superfície, muito embora encanado em algumas partes do seu trajecto. Todavia, a cidade terá usufruído de outros cursos de água, designadamente,  CaminHos da água de um que corria a norte, com origem sensivelmente na área do actual Jardim de Santa Bárbara cujo percurso coincidiria com aproximadamente com a actual R. do Souto, em direcção ao local onde se situa o um balneário pré-romano, localizado e musealizado sob as instalações actuais da Estação dos Caminhos de Ferro de Braga (Lemos et al. 00). Este curso de água encontra-se, ainda, cartografados na carta militar :5000, sendo igualmente perceptível na fotograia aérea de 98-48. As escavações arqueológicas realizadas na área urbana de Braga, permitiram identiicar vários vestígios da cidade romana, correspondentes a um amplo período cronológico, que testemunham vários aspectos relacionados com a exploração e uso da água, documentando, também, a abundância de água ao nível do subsolo (Martins & Ribeiro 00). Reiram-se, a título de exemplo os sítios da actual Rua do Caíres, onde as escavações permitiram identiicar estratos sedimentares que comprovam a riqueza aquosa do local, ou a zona da actual Avenida da Liberdade, onde a abundância de água aparece igualmente sugerida pelo topónimo moderno de “Rua da Água”, e pela localização do santuário pré-romano, conhecido como Fonte do Ídolo, dedicado a uma divindade luvial chamada Tongoenabiago (Garrido Elena et al. 008). De facto, a polivalência dos recursos hídricos terá sido um dos factores que estiveram na génese da ocupação e exploração do território bracarense, designadamente desde a época romana (Martins 990), bem como um aspecto extremamente importante na vida da cidade nos períodos posteriores (Martins & Ribeiro 00). A profusão de água em Braga encontra-se igualmente atestada nas fontes escritas do período moderno, situação que terá levado à intervenção de alguns arcebispos, como foi o caso de D. Diogo de Sousa, nos inícios do século XVI, que entre muitas outras obras públicas, mandou fazer de novo a fonte que estava a par da Igreja de N.S. A Branca, no local onde não havia senão um charco de água, ou a fonte de S. Marcos, que dantes era um charco, como aparece referido no Memorial das obras que D. Diogo de Sousa mandou fazer. Todavia, apesar da abundância de água natural que terá caracterizado a cidade  A.D.B., Registo Geral, livro 0, l. v onde se lê: “Fez a fonte que está a par da dita igreja de Santa Maria a branca de novo, onde não havia senão um charco de água, onde nascia a dita fonte e a fez virar e correr para a cidade, com seu chafariz, peitoril e ameias”.  A.D.B., Registo Geral, livro 0, l.  onde se lê: “Fez a fonte de S. Marcos de novo com seu chafariz, peitoril e ameias da forma em que ora esta, no meio do dito caminho, a qual dantes era um charco sem nenhuma serventia para o caminho de Guimarães, salvo da parte de cima por um caminho muito estreito por onde não passava besta”.  As obras realizadas na cidade por D. Diogo de Sousa encontram-se descritas num documento intitulado Memorial das Obras que D. Diogo de Sousa mandou fazer (1532-1565), realizado pelo cónego Tristão Luís, pertencente ao A.D.B., Registo Geral, livro 0, ls. 9-4v. Este documento encontra-se publicado por Ferreira 98-94, vol. II; Costa 99 e Maurício 000, vol. II. 4 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) desde a Antiguidade, persistem algumas dúvidas quanto aos locais onde era captada, quer no que se refere aos existentes na própria cidade, quer no que se refere aos periféricos ao núcleo urbano (Carvalho & Ribeiro 009). Atendendo às próprias dimensões da cidade na Alta Idade Média, o abastecimento de água intramuros seria feito, em larga medida, através de poços. Reira-se, apenas, que o espaço urbano alto medieval estava delimitado a norte pela reutilização da muralha romana baixo-imperial, que passava a pouco metros do lado norte da Sé Catedral, correspondendo a cerca de metade do espaço que foi rodeado pela muralha fernandina, nos inais do século XIV (Fontes et al. 009). Todavia, com alguma probabilidade, alguns dos aquedutos romanos que transportariam a água para a cidade (Martins & Ribeiro 00) devem ter permanecido em funcionamento, ainda que sem grande manutenção, o que terá determinado o seu colapso em momento incerto, justiicando os problemas de falta de água que a cidade irá sofrer durante os períodos históricos, frequentemente referenciados na documentação histórica. Terá sido com o próprio alargamento da muralha no XIV que aumentou a necessidade de obter água potável para abastecer a cidade, procurando-se novas fontes de aprovisionamento ou, com alguma probabilidade, retomando-se algumas já existentes. Referimo-nos, concretamente, às nascentes de captação localizadas na periferia da cidade, já utilizadas pelos romanos, mas também, à reutilização das condutas gerais e de distribuição urbana romanas. As fontes escritas medievais revelam, não só as preocupações para melhorar a captação deste bem essencial, como também as diiculdades existentes no abastecimento geral de água ao centro urbano. Através da sua análise icamos a saber que .º quartel do século XV, a água recolhida na cidade, através de poços ou fontes, não era suiciente para satisfazer todas as necessidades da cidade, tendo que ser captada na periferia, a cerca de uma légua de distância (aproximadamente 5 km), sendo conduzida “através de canos de pedra encobertos” para a cidade, para abastecer fontes, tanques e lavadouros (Marques 980). Os documentos permitem, igualmente, atestar que a cidade se debateu com problemas sérios de falta de água neste período, pois, não só a água que “antiigamte sohiia de viir … de fora della per canos e que ainda hi estavam os vãos e lavatórios que pêra ello foram fectos”4, deixara de vir, como também, as fontes, tanques e lavadouros estavam arruinados e secos (Marques 980). Assim sendo, a aquisição de água na periferia e a sua condução para a cidade através de canos encobertos é anterior ao século XV. Podemos admitir que, com o alargamento da cerca medieval e o crescimento da cidade no século XIV, terão sido 4 A.D.B. Gaveta de Braga, n.º 6 (Marques 980: 9-0). 5 CaminHos da água retomadas partes do sistema romano de abastecimento de água á cidade, mercê de trabalhos de reabilitação e conservação dos aquedutos. A referida falta de água na cidade terá constituído um problema grave e com largas proporções, provocada em grande medida, segundo José Marques (980), pela ineicaz administração municipal e régia vivida no .º quartel do século XV, situação que contrastava com a anteriormente vivida, nos tempos da administração eclesiástica. Vale a pena aqui recordar que, desde  e até 790, a cidade de Braga e o seu couto constituíram um senhorio eclesiástico, condição que fez com que os arcebispos se tornassem os senhores de Braga, sendo, portanto, os grandes responsáveis pelas obras públicas da cidade. Esta situação só será deinitivamente alterada em 790, com a sua integração deinitiva na coroa. Todavia, tempos houve em que o Senhorio de Braga foi incorporado na jurisdição régia, ou seja, períodos de Sé Vacante, como o período em questão, ou seja, o .º quartel do século XV, mas, também, entre 78 e 74, período em que foi escrito o Livro da Cidade de Braga, que analisaremos mais adiante. Dos locais de captação de água dentro das muralhas, mencionados indirectamente nos documentos escritos medievais, sobressaem as referências a poços, a um cano de água e à fonte de S. Geraldo. Apesar do levantamento da totalidade dos poços que existiriam na cidade medieval não estar concluído, sabemos que eram muitos, sendo possível referir alguns, designadamente, para o século XIV, um na Rua de Nossa Senhora do Leite, medieval Rua de Oussias, numas “casas que chamam do poço”5, outro, no cimo da Rua do Souto6 e outro ainda na Rua Paio Manta7 (totalmente destruída com a abertura da Rua Afonso Henriques). Contudo, as referências para o século XV aumentam signiicativamente, nomeadamente, para a Rua do Souto8, onde existiriam 4 poços, mas, também, para a 5 A.D.B., .º Livro do Tombo do Cabido (69-80) ls.  e v. onde se lê: na Rua de Oussias … “da mão esquerda em redor primeiramente: as casas que chamam do poço em que mora Pero Bermel, …” 6 Pergaminhos da Confraria de São João do Souto, n.º 5 (7 – Junho, 4 – Rua do Souto) onde se lê: “Estêvão Dornelas empraza a Alda Lourenço metade de umas casas da Rua do Souto, sitas entre o portal da referida rua e o poço” (Marques 98). 7 A.D.B., .º Livro de Tombo do Cabido [9-94], fólio 69, “Rua de Paio Manta como vai desde a cruz ante o forno da Infanta para a albergaria de Rocamador primeiramente da mão direita como vão para a dita albergaria … As casas grandes com sua torre e pomares e poço em que morou Martim Domingues Mestre-Escola …” 8 A.D.B., .º Livro dos Prazos do Cabido (475-49): um, como se lê no fólio 65 “… Martim de Guimarães faça divisão per meio do dito poço…”; Outro no fólio 8V, onde se lê: “… Pêro Bravo haja as ditas casas e exido e faça benfeitorias de juis que melhore (…) e faça um poço no dito exido ou na dianteira das ditas casas a três anos; outro no fólio 5V, onde se lê: – Rua do Souto – Prazo feito 6 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Rua de Maximinos, onde se documenta um poço9 numa casa torre. Existem ainda referências relativas à Rua D. Gonçalo Pereira0, onde existiria um poço municipal, documentado desde meados do século XV, numas casas conhecidas como “Casas do Poço”, situadas no extremo nordeste da rua. Este poço, que sobreviveu até ao século XIX, deverá constituir um dos mais importantes da cidade medieval. As casas onde se situava aparecem ilustradas no Mapa das Ruas de Braga, do século XVIII, correspondentes ao número , que se podem observar na igura . Figura 1. Casa do Poço, correspondente ao número , no Mapa das Ruas de Braga Uma das menções mais interessantes do abastecimento de água à cidade medieval é a que se refere a um cano. As primeiras menções, datadas dos inais do século XIV, utilizam esta conduta como referência para localizar algumas ruas, como é o caso da Rua do Souto e da Rua de Oussias4, actual Rua de Nossa Senhora do Leite. Através delas icamos a saber que o referido cano, cuja proveniência é desconhecida, passava pela rua que ladeava a cabeceira da Sé Catedral e chegava até ao a João Gonçalves, emprazaram novamente com o seu exido e cavalariças e poço a João Gonçalves, seleiro, morador em Braga. 9 A.D.B., .º Livro dos Prazos Prazos do cabido .º livro (465-475), fólio : onde se lê: “…Rua de Maximinos em que o dito João Rodrigues ora mora com sua Torre e pertenças e exidos e poço …” 0 A actual Rua D. Gonçalo Pereira conheceu o designativo de Rua da Erva na Idade Média. No século XV passa a ser designada por Rua da Judiaria, depois Rua de Maria ou do Poço.  A.D.B., .º Livro dos Prazos das Propriedades do Cabido, Fólio 5v., de 8 de Maio de 466, onde se lê “… desde o poço e entradas dos judeus para contra Santiago …”  Referente à casa n.º  existente desde 5 até 77 nesta rua (AAVV 989-9, vol. II).  A.D.B., .º Livro do Tombo do Cabido (69-80) ls. 7 e 7v., onde se lê: “Rua do Souto desde o cano como vai da mão direita até à porta do muro”. 4 A.D.B., .º Livro do Tombo do Cabido (69-80) ls.  e v. onde se lê: “Rua das Oussias como vem do cano do canto ataa à porta do Sol da Sé”. 7 CaminHos da água início da Rua do Souto, onde se fazia um canto, em resultado da junção das referidas ruas. Segundo alguns autores esta conduta abasteceria a fonte de S. Geraldo, que deveria constituir a principal fonte de água da cidade medieval (Freitas 890). Apesar das reservas quanto à sua localização, com alguma probabilidade a fonte de S. Geraldo deveria situar-se nas imediações da Sé Catedral, correspondendo à que é mencionada no século XVIII, como subterrânea, da qual ainda restam vestígios, sob a Igreja da Misericórdia. Figura 2. Locais de captação de água na Idade Média, referidos no texto Para além da referida fonte de água, o cano abastecia outros locais, designadamente o Paço dos Arcebispos, nas proximidades do qual é referida a existência de um cano5. 5 A.D.B., .º Livro de Tombo do Cabido, l. 8, onde se lê: “… uma casa ante o cano que esta junto com o paço do arcebispo …” 8 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) O cano de água constituía, certamente, uma conduta de distribuição urbana que, com grande probabilidade, transportava água da periferia, prática que aparece mencionado nos documentais medievais, já referidos, obtida nas nascentes localizadas a cerca de uma légua de distância (5 km). Dada a antiguidade da referência à sua existência, feita nos inais do século XIV, época em que na maior parte das cidades a água não era captada a grandes distâncias, sendo antes obtida directamente de poços e fontes, podemos admitir que estaremos perante uma conduta reaproveitada do período romano. Apesar dos necessários restauros e melhoramentos que terá conhecido, deveria tratar-se de um cano com alguma solidez que abastecia a zona mais importante da cidade medieval, o centro religioso. Cabe referir que durante o período romano, no local onde se encontra a Sé Catedral, terá existido um edifício público que, com alguma probabilidade, poderá corresponder a um mercado (macellum), para o qual era necessário canalizar considerável quantidade de água (Fontes et al. 997-98; Martins 004) O crescimento demográico e económico sentido em Braga, a partir do século XVI, terá contribuído para aumentar a necessidade de encontrar novos locais de aprovisionamento de água, quer seja dentro do espaço urbano, quer seja na periferia. A documentação escrita permite igualmente avaliar os sucessivos melhoramentos e ampliações realizados no aprovisionamento de água à cidade, acompanhando o próprio desenvolvimento urbano, quer seja através da abertura de novos poços em diversos pontos da cidade, como aconteceu na última metade do século XV, na Rua do Souto6, quer seja através da renovação, melhoramento e embelezamento de fontes e chafarizes já existentes, como terá ocorrido, por exemplo, no tempo de D. Diogo de Sousa, com uma das fontes mais antigas da cidade, a Fonte de S. Geraldo, mas, também, com a fonte da Cárcova7 e com o Chafariz do Paço dos Arcebispos8. Haverá, necessariamente, que fazer a distinção entre o que são os locais de captação para uso doméstico/privado, como os poços que aparecem referidos como propriedade emprazada nos documentos, designadamente nos Tombos do Cabido e nos Livros dos Prazos das Propriedades do Cabido, e os locais de abastecimento públicos como as fontes, lavadouros ou tanques. Relativamente aos poços, reira-se que, nalguns casos, eram os próprios detentores do prazo que estavam obrigados à sua construção, muito embora mediante 6 A.D.B., .º Livro dos Prazos das Propriedades do Cabido (475-49) l 8V e Livro  dos Prazos das Propriedades do Cabido (466-500), l, 50. 7 Fonte actualmente oculta, localizada na actual Rua dos Capelista. 8 A.D.B., Registo Geral, Livro 0. 9 CaminHos da água certas condições, como se pode ler no num prazo do Cabido, referente à Rua do Souto … Faça abrir no exido das ditas casas um poço de água, cavando altura de 7 braços em alto em achando água na dita altura que não seja obrigado a fazer poço se não quiser9. Por outro lado, os locais para uso público, designadamente as fontes e chafarizes, irão conhecer uma importância acrescida no arcebispado de D. Diogo de Sousa (509-54), com a aplicação dos ideais renascentistas ao espaço urbano, através da abertura e / ou regularização de algumas praças, mas, também, na isionomia e arquitectura dos edifícios mais emblemáticos da cidade, como a Sé Catedral, o Paço dos Arcebispos e o Castelo. Na realidade, D. Diogo de Sousa levou a cabo umas das intervenções urbanísticas mais importantes de Braga, concedendo um lugar particular às obras hídricas, designadamente à construção de chafarizes e fontes de água, ou à reparação dos já existentes, bem como à criação de sistemas de condução de águas, que na época corriam abundante e livremente no solo0. A cidade de Braga acompanha, assim, as grandes tendências europeias que, sobretudo a partir do Renascimento, defendiam o embelezamento das cidades e a criação de espaços cénicos. Paralelamente, os chafarizes e as fontes de água multiplicam-se, dotados agora de uma estrutura mais faustosa, fruto de formas elaboradas e de decoração escultória e arquitectónica. Ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII vários outros arcebispos intervieram no abastecimento público de água à cidade de Braga, designadamente D. Rodrigo de Moura Teles (704-78), que mandou proceder à canalização das águas da cidade (Freitas 890) e D. José de Bragança, arcebispo que providenciou o abastecimento de água ao aljube e ao castelo, mandando igualmente construir a fonte de Inias e dos Pelames (AAVV 989-9), cujas pedras de armas se encontram na nascente das Sete Fontes, complexo de mães de água que mandou monumentalizar. Paralelamente, sobretudo a partir dos inais do século XVII, a Câmara terá investido fortemente na captação de água, tendo os trabalhos realizados incidido principalmente na zona das Sete Fontes. Para o século XVIII, o Padre Luís Cardoso refere que em Braga existiriam mais de 70 fontes perenes, entre públicas e particulares, algumas de maravilhosa arquitectura, como seria o caso do chafariz da Porta do Souto e a fonte de S. Sebastião. Algumas deitavam água por 6 bicas, outras por 4 e outras por . O mesmo autor acrescenta ainda que existiam mais de 800 poços, em quintais, jardins e hortas (Cardoso 76: 49). De facto, o século XVIII corresponde a um período de grande crescimento 9 0 0 A.D.B – Livro  dos Prazos das Propriedades do Cabido (466-500), l.50. ADB – Registo Geral, Livro 0. Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) urbanístico e populacional. Em termos demográicos a Braga dos inícios do século XVIII teria aproximadamente 5 000 habitantes, estimados a partir dos  500 fogos, sendo a sua população em meados do mesmo século, segundo os 4 09 fogos atribuídos pelo Padre Luís Cardoso, de cerca de 7 000 habitantes (AAVV 989-9). O aumento demográico impulsionou o grande surto urbanístico que a cidade conheceu desde a primeira metade do século XVIII. Para além das grandes obras de natureza eclesiástica merecem particular destaque as obras de índole secular. Entre estas, sobressaem a criação de novo bairro habitacional, o Bairro da Gavieira (do Quinteiro ou do Reduto) e a construção de edifícios destinados à habitação, bem como as obras que se relacionam com o provimento de água, designadamente a construção de aquedutos, chafarizes e poços (AAVV 989-9). As fontes de informação disponíveis para o século XVIII constituem um precioso instrumento para documentar o abastecimento de água à cidade na Idade Moderna. Referimo-nos, às fontes iconográicas, concretamente, ao Mapa da Cidade de Braga Primas, ao Mapa das Ruas de Braga e às fontes escritas. Todavia, a generalidade dos documentos escritos oferece informações fragmentadas acerca do abastecimento de água à cidade, obrigando ao manuseamento e à análise exaustiva de uma grande variedade de documentos. Como excepção a este panorama, encontra-se o já referido, Livro da Cidade, produzido pelo Senado de Braga, com o objectivo de fazer tombo, medição e demarcação das suas propriedades. 3. O LIVRO DA CIDADE DE 1737 O tombo dos bens e propriedade, foros e pensões pertencentes ao senado da câmara secular desta cidade de Braga, vulgo Livro da Cidade, produzido em 77, é composto por dois volumes. O I Livro encontra-se estruturado em três volumes (massos), contendo, o primeiro, os Papéis pertencentes à fazenda do senado de 1540 e, o segundo, os Autos e vistorias da câmara e o terceiro as Petições e mais requerimentos e outros papéis. Nos fólios iniciais do I Livro é redigida a apresentação do referido tombo, dando-se a conhecer os motivos que presidiram à sua elaboração, mas, também, o conjunto de procedimentos logísticos e burocráticos que estiveram na origem da sua execução, onde se incluem as necessárias petições feitas às diferentes entidades com importância na cidade, designadamente o rei de Portugal, na altura El rei D. João V (707-750) e ao Cabido de Braga, entre outras. De facto, desde a morte do Arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles (704-78) e até ao provimento de D. José de Bragança (74-756) foi o Cabido que assegurou o governo do Arcebispado bracarense, em período de Sé Vacante, tal como já referido. À semelhança do que ocorre no século XVIII com o Cabido bracarense (AAVV  CaminHos da água 989-9), também a câmara secular sentiu necessidade de meter cobro à situação de desorganização em que se encontravam as suas propriedades e terras. Esta situação encontra-se perfeitamente testemunhada, logo nos primeiros fólios do Livro I, onde podemos ler: Diz o Senado da Câmara da cidade de Braga que há muitos anos, que as suas propriedades e terras que o dito senado possui, e a ele pertencem como senhor delas não estão atombadas, nem demarcadas e por assim ser, muitas delas estão alheadas e usurpadas por várias pessoas, com quem demarcam e confrontam, e em breve tempo pertençam com maior detrimento (prejuízo) do dito senado, e porque quer o suplicante obviar este prejuízo e evitar duvidas e demandas, e fazer tombo, medição e demarcação das ditas propriedades e meter “marcos” entre as propriedades com quem partem e confrontam, pede a vossa Majestade que ele faça menção mandar passar provisão para o bacharel Gonçalo António Peixoto de Vasconcelos, juiz de fora que actualmente é na dita cidade fazer o dito tombo e demarcações e conhecer sobre as dúvidas que demoverem e que possa nomear escrivão e receberam mercê. O tipo de bens da câmara secular de Braga que foram inventariados ao longo das páginas do documento icou igualmente bem expresso nos fólios inicias: … todas as casas, móveis, cartório, capelas, praças, açougues, alfandega e castelo pertencentes ao mesmo senado: cruzeiros, fontes e chafarizes, de que o mesmo está de posse … Trata-se, de facto, de um documento de singular importância para o estudo do urbanismo da cidade de Braga. Ainda que sincrónico e parcial, arrolando apenas as propriedades do senado, constitui um instrumento de trabalho bastante promissor em diversas áreas. A referida obra oferece dados extremamente detalhados do ponto de vista da morfologia e arquitectura dos edifícios, das praças e ornato público, facultando igualmente dados bastante consistentes acerca do aprovisionamento de água a Braga. Entre as inúmeras informações que fornece revelam-se de particular importância para este trabalho as que se relacionam com os chafarizes, as fontes e a caixa geral das águas da cidade. 3.1 A caixa geral das águas da cidade O senado da câmara municipal de Braga possuía no século XVIII uma caixa geral das águas integrada numas casas sobradadas e telhadas, localizadas no Rossio do Eirado dos Chãos, sensivelmente no início da actual Rua do Chãos. A partir da descrição do Livro da Cidade podemos saber qual a sua localização precisa, bem como outros pormenores, como as dimensões ou características da fachada, ou o número e o tipo de aberturas. Muito embora actualmente já não existam, assim    A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. ????: fólio 6v. A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 5v. Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) como a própria caixa geral das águas da cidade, estas casas podem ser localizadas no Mapa das Ruas de Braga. Esta possibilidade resulta do facto de no Livro da Cidade constar uma descrição detalhada das casas e de se conhecerem os nomes dos residentes daquelas com que confrontam, sobretudo a partir do Índice dos Prazos das Casas do Cabido (AAVV 989-9). Como se pode observar na igura , as casas onde se encontra a caixa geral das águas seriam as que se seguem ao número 54. Tem estas ditas casas da caixa geral das águas desta cidade, sitas no dito Rossio do Eirado dos Chãos da parte do campo de Santa Ana, as quais são sobradadas e telhadas e tem de comprido de norte a sul, pelo nascente, 6 varas e meia e pelo poente, outras tantas, com a grossura das paredes e tem de largo, de nascente a poente, pela cabeça do norte 4 varas e meia e pela do sul outras tantas também com a grossura das paredes. Partem estas casas do nascente com as casas do concelho que possui Dionísio Machado e sua mulher e do poente com as casas de João Ferreira, estalajadeiro e sua mulher e do norte com as casas do mesmo João Ferreira, foreiras ao cabido e do sul com o rossio público, do eirado…. Tem estas casas suas serventias para o sul, pelo rossio público do Eirado da parte do Campo de Santa Ana e para onde tem uma porta na loja e por cima dela suas janelas de peitoril no sobrado e tem umas frestas com suas grades de ferro para o mesmo rossio que dão luz. A caixa da água e a sua janela para o sul de serventia para o muro por onde vem o cano da água…4. Figura 3. Localização das casas onde se encontrava a caixa geral das águas, no Mapa das Ruas de Braga, a seguir ao número 54.  4 A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio . A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio .  CaminHos da água A caixa geral das águas era uma estrutura de pedra, alta e feita de esquadria, que tinha dentro um arco grande, por onde entrava a água. Para ela conluía a água proveniente de diferentes locais e a partir dela era feita a redistribuição da mesma para o centro urbano, através de cinco canos, que canalizavam a água para cinco sítios distintos. À semelhança do que ocorre desde a Antiguidade, era extremamente importante assegurar que a água captada em zonas distantes chegasse a um reservatório de repartição urbano, a partir do qual era distribuída para diferentes locais da cidade. Por exemplo, os romanos, detentores de um elaborado sistema de distribuição de água urbana, utilizavam já um reservatório de água, designado de castellum aquae ou castellum divisorium que recebia a água dos aquedutos e depois a distribuía para fontanários e balneários das cidades (Adam 994; Mays 009). Para a Idade Moderna, período em que se assiste à modernização dos sistemas de abastecimento de água às cidades, designadamente através da construção de grandes aquedutos, estes reservatórios poderiam assumir-se como simples arcas, como acontece, por exemplo, na cidade de Lugo (Álvares Asorey et al. 00), ou como grandes depósitos, como o Reservatório da Mãe de Água das Amoreiras, em Lisboa, construído entre 746 e 84. Este último, actualmente integrado no Museu da Água, possuía no seu interior uma considerável cisterna que recebia e distribuía a água do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa, mandado construir pelo Rei D. João V (Caseiro et al. 999). A data da construção da caixa geral das águas de Braga, existente no século XVIII, é desconhecida, sendo contudo anterior a 74, data da elaboração da fonte documental que a refere, o Livro da Cidade. O sítio onde se localizava e a sua correlação com os dados que referem a proveniência da água que a ela chegava, que apresentaremos posteriormente, permitem-nos equacionar a antiguidade desta caixa de água, que inclusivamente poderá resultar da reutilização de um anterior castellum aquae romano, que se localizaria no mesmo local (Martins & Ribeiro 00). Com alguma probabilidade esta caixa geral de água terá sido trasladada no século XIX para junto do castelo medieval, local onde actualmente existe uma caixa de água. Em virtude de serem desconhecidas referências escritas à existência desta última e às suas características construtivas e tendo em conta as destruições realizadas nos edifícios do Largo do Eirado, é possível que a caixa de água actualmente existente corresponda à referida no Livro da Cidade, transladada aquando das transformações urbanas deste sector da cidade (Ribeiro 008). Reira-se que toda a zona em redor do castelo medieval foi ao longo do século XIX fortemente alterada com a destruição de parte das casas do largo do Eirado, 4 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) mas, também, com as correcções ao traçado da Rua dos Chãos de Baixo e com a demolição da cadeia e da quase totalidade do castelo medieval. Estas transformações urbanas ditaram, igualmente, a construção de novos edifícios, não só na zona do antigo castelo, como no largo do Eirado, designadamente do actual edifício do Banco de Portugal. 3.2. Zonas de captação de água A água que chegava a esta caixa geral era captada num poço duma quinta perto da Igreja de S. Vicente, mas, fundamentalmente, nas nascentes localizadas nos montes situados no território a nordeste da cidade, designadamente em Montariol, Sete Fontes e Gualtar. Posteriormente, era conduzida por canos de pedra e alcatruzes até à caixa geral. Toda a água desta caixa geral vem toda por canos de pedra e alcatruzes das bouças do maragoto de Gualtar, fazenda do pinheiro de Montariol, lugar de Passos e também de um poço que está em um quintal junto da capela de São Vicente. Agora novamente se vem poucas se lhe acostam outras novas, que se andam tirando das ditas bouças do maragoto, uma que sai à cancela de velpulheiras fora no monte, outra no olival que está junto às 7 fontes no caminho do qual saí para montozinhos e outra que se tirou dentro das mesmas bouças e todas saem às arcas velhas e canos desta cidade5. Das condutas de água referidas no Livro da Cidade apenas é possível comprovar a existência material da conduta que provinha das Sete Fontes, bem visível ainda à superfície na zona da captação e cujo cano principal passava junto da Igreja de S. Vicente, seguindo pela rua dos Chãos, onde existiam respiros e caixas de distribuição. A alusão feita no 4.º Livro do Tombo das Propriedades do Cabido (A.D.B), datado dos inais da Idade Média, a um cano de água que passaria nos Chãos, permite supor que, quer os locais de captação a norte, quer a conduta, serão muito anteriores ao século XVIII, muito embora possam ter sido sucessivamente renovados e requaliicados. Quando procurámos cartografar o provável trajecto destas condutas, desde as nascentes até à caixa geral de água, fomos forçados a considerar que o trajecto mais viável seria o que acompanhava as antigas vias romanas, designadamente a Via XVIII, para Astorga, que seguiria pela rua dos Chãos de Baixo, passando entre Montariol e as Sete Fontes e a Via XVII, para Astorga por Chaves, que passaria por Gualtar, lugar onde foram recuperados vestígios de um aqueduto romano que com alguma probabilidade se dirigia para a cidade, acompanhando aquela via romana (Carvalho & Ribeiro 009; Martins & Ribeiro 00). 5 A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio . 5 CaminHos da água Figura 4. Zonas de captação de água para a caixa geral das águas, com o traçado das vias romanas. Face às características topográicas da envolvente próxima de Braga, os locais apontados para a obtenção de água no século XVIII, constituem as alternativas mais viáveis e vantajosas para o abastecimento da cidade. De facto, para sul, veriica-se uma pendente em direcção ao vale do rio Este, facilitando o escoamento das águas mas não a sua captação, enquanto para a parte norte e nordeste se desenvolvem as vertentes dos montes onde as nascentes são abundantes e cujo pendor permitia a sua fácil condução para a cidade. Igualmente, as características topográicas desses locais, com altitudes que oscilam entre os 50 e 00 m de altitude, quando comparadas com a cota em que a caixa geral da água se encontra, sensivelmente 94 metros de altitude, são bastante favoráveis à condução da água, evitando-se, assim, a construção de estruturas aéreas para o seu transporte, o que parece justiicar o facto de Braga nunca ter tido um aqueduto aéreo monumental. 6 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Por im, as referências existentes desde a Idade Média à captação de água na periferia da cidade, nos montes que se situariam a nordeste e nascente, a cerca de 5 km de distância, bem como da sua condução para a cidade feita por meio de canos, conjuntamente com as características topográicas já enunciadas, fazem supor que estas nascentes serviram não só o abastecimento de água à cidade na Idade Moderna, mas também em períodos anteriores. Aceitando-se como hipótese que algumas das condutas romanas de água foram sucessivamente reaproveitadas até à Idade Moderna, é igualmente presumível que a caixa geral da água moderna possa resultar da reutilização de um castelo de água romano. Em abono desta hipótese podemos referir o próprio relato do padre Luís Cardoso, escrito no século XVIII, que refere que dos tempos dos romanos, entre outros vestígios espalhados pela cidade “Tambem ha sinais de haver aqueductos, muy usados nos tempos dos Romanos, pelos quaes vinha a agua para o provimento da Cidade” (Cardoso 76: 48). Reira-se, ainda, que alguns dos grandes aquedutos modernos, construídos em cidade fundadas pelos romanos, tinham as suas nascentes, bem como o seu percurso ou partes dele, coincidente com os anteriores aquedutos romanos, como é o caso do Aqueduto da Água da Prata, de Évora ou do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa. 3.3 Rede de distribuição urbana As linhas gerais do traçado principal da rede de distribuição de água na zona urbana podem ser aferidas através das indicações dos locais para onde a água era conduzida, constantes no Livro da Cidade. Na generalidade estes canos abasteciam chafarizes, fontes e conventos. Assim, a partir da caixa geral, a água era conduzida para cinco sítios distintos da cidade, por cinco canos. O primeiro, da parte do norte, ia para o Convento de Nossa Senhora da Penha de França, fundado em 65, no lado sul do Campo de Santa Ana e extinto, em 874. Dele apenas sobrevive a Igreja da Penha, integrada no Asilo D. Pedro V. O segundo, seguia para o chafariz grande da Porta do Souto, mandado construir pelo arcebispo Dom Frei Agostinho de Jesus, no século XVII e trasladado deste local no século XX. A água do tanque deste chafariz era repartida em “…quatro partes a saber: a primeira em mais consideráveis quantidades para a fonte do cavalinho que está defronte do chafariz que nele bebem todo o género de animais. A segunda para o hospital de S. marcos. A terceira para as casas e quintal de Francisco João depositário geral e a quarta e última são as vertentes e águas perdidas do memo 7 CaminHos da água tanque as quais vão para as casas que foram do Doutor Eusébio do valle Pasanha citas na boca da rua das águas”6; O terceiro, a este, seguia para o chafariz de São Tiago, a fonte de São Sebastião, o Convento dos Remédios, o Colégio da Companhia de Jesus, as Casas de Manuel Falcão Cota e o Campo de São Tiago. Sabemos, igualmente, que “… no campo de S. Tiago tem um repuxo onde se reparte a água que nele vem em quatro partes, a saber: uma que está para este chafariz [de são Tiago] que é a maior parte, outra menor para a fontana de São Sebastião e uma pena de água para os padres da Confraria e outra para a casa de Manuel Falcão Cota, Fidalgo da casa de sua majestade, que Deus guarde, morador no mesmo campo de S. Tiago. As vertentes deste chafariz que se recolhem no dito tanque vão para as religiosas de N. S. da Conceição também por aquedutos”. Dos locais referidos apenas se conservam a casa dos Falcões, o chafariz de S. Tiago e o Convento de N.S. da Conceição, na Rua de S. Geraldo. O quarto seguia para o chafariz do Campo da Vinha, a Fontana do Pópulo e para as Religiosas do Convento do Salvador. Destes locais somente a Fonte do Pópulo existe actualmente. Finalmente, o quinto conduzia água para o chafariz da Galeria dos Paços Arcebispais, actualmente in situ. A comprovação do traçado exacto por onde estes aquedutos seguiam está ainda por aferir, carecendo de estudos arqueológicos. Contudo, é possível começar a delinear alguns dos seus principais trajectos, como se representa na igura 5. Os locais por onde passavam as diferentes condutas de água do abastecimento público são bastante díspares. Algumas corriam ao longo das ruas, outras em quintais e hortas, outras ainda por debaixo das casas, sabendo-se que os donos das casas por onde passavam os canos da água eram obrigados a mantê-los limpos e desimpedidos, como acontecia com a conduta que abastecia a fonte da Cárcova, sendo referido que “…cada um dos moradores das ditas casas por onde passa é obrigado a limpar o dito cano na sua testada”7, ou com a Fonte de S. Geraldo, da qual a água saía “…por um cano com seus caleiros cobertos tudo de pedra, o qual atravessa a Rua Nova, vai põe debaixo das casas dela, até sair ao campo dos Touros, e os donos das ditas casas por onde ela passa são obrigados a limpar o dito cano cada um na sua testada”8. O tipo de condutas era igualmente variado, muito embora se tratassem na generalidade de canos de pedra, oscilando a terminologia usada para os descrever entre, aquedutos, canos, canos de pedra, caleiros e caleiros cobertos de pedra. Existiam 6 7 8 8 A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 98v. A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 102. A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 102. Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Figura 5. Mapa com a rede urbana de destruição de água, a partir da caixa geral da cidade, com a representação da muralha medieval Figura 6. Caixa e cano de água existente na cidade 9 CaminHos da água também caixas de distribuição da água e repuxos espalhados por diferentes pontos da cidade, designadas vulgarmente de arcas e adjectivadas de velhas. Alguns destes exemplares podem ainda ser vistos na cidade, como se pode observar na igura 6. 3.3.1. Os chafarizes Na Idade Moderna, para além da construção de grandes aquedutos, os sistemas de abastecimento de água às cidades foram igualmente modernizados através da construção de fontes e chafarizes. Os chafarizes, enquanto equipamento púbico que disponibilizava água potável, são compostos normalmente por mais do que uma bica de água, à qual é possível aceder directamente, podendo ter um ou mais tanques para a receber, que servem normalmente de bebedouro para animais ou para lavagens. Segundo Walter Rossa, distinguem-se das fontes, essencialmente, por “estar em lugares públicos e ser o ponto terminal de uma conduta de abastecimento, exclusivo ou não” (Rossa 989). Todavia, para além da sua funcionalidade primeira, os chafarizes respondem igualmente a imperativos de ordem estética, sendo compostos por espaldares, por vezes, ricamente ornamentados, com menção a quem os mandou ediicar ou com os brasões da cidade. O espaldar ou o corpo (para os chafarizes adossados) é a parte do chafariz que lhe confere maior visibilidade no espaço urbano e um importante papel na imagem da cidade (Rossa 989). Na verdade, a distinção entre fontes e chafarizes é difícil de precisar, pois existem fontes de água que se aproximam bastante das características enunciadas para os chafarizes, como veremos para algumas fontes bracarenses. Para a cidade de Braga não se conhecem chafarizes anteriores ao mandado construir pelo arcebispo D. Diogo de Sousa, no século XVI. Referimo-nos ao Chafariz do Paço Arcebispal, substituído no século XVIII, por um outro mandado construir pelo arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles, o qual permanece ainda in situ. Através do Livro da Cidade icamos a saber que na cidade existiam, no século XVIII, 6 chafarizes, propriedade do senado da câmara:  dentro da zona amuralhada (Chafariz da Porta do Souto) e  na zona imediatamente extramuros (Chafariz dos Paços Arcebispais e Chafariz do Campo da Vinha), sendo os três directamente abastecidos pela caixa geral das águas. Os outros  (Chafariz da Rua dos Pelames ou de São Tiago, o Chafariz dos Penedos dos Chãos e o Chafariz / fonte do Quinteiro) situavam-se na periferia urbana. Reira-se que o último ainda estava por ediicar, muito embora a pedra lavrada para a sua construção já se encontrasse ao redor da fonte aí existente. Todos eles mereceram uma discrição morfológica e arquitectónica bastante detalhada, que permite igualmente perceber quais são os mais importantes, diríamos monumentais, como é o caso do Chafariz dos Paços Arcebispais, localizado 0 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Imagem 1. Chafariz do Largo do Paço no coração da cidade, mas, também, chafarizes de menores dimensões, que correspondem aos existentes em locais mais afastados do centro. A título de exemplo apresentamos a descrição existente no Livro da Cidade correspondente ao Chafariz dos Paços Arcebispais, o único que permanece actualmente no sítio original. Tem o chafariz que está defronte da galeria dos paços Arcebispais, o qual está assentado sobre um pátio para o qual se sobe por 3 degraus, de todas as partes oitavados de triângulos, nele está assentado um tanque que corre as mesmas linhas que tem 3 palmos e meio de alto, com sua moldura muito bem feita, o qual terá de circunferência 70 palmos. Do meio deste tanque nasce um pilar para receber a taça, no qual serve de adorno 4 atlantes que recebem nas costas, a qual é do mesmo feitio do tanque e das escadas oitavadas de triângulos. Tem esta taça 6 bicas metidas nas bocas de 6 carrancas e sobre cada uma é um castelo com suas ameias. Do meio desta taça se levanta outro castelo também oitavado de triângulos sobre o qual está uma peanha com 6 bicas com 6 bicas pequenas de esguicho em roda por onde espirra água para cima e sobre a dita peanha assenta uma igura de pedra vestida a trágica, em pé com uma esfera sobre a cabeça. Destas 6 bicas da peanha cai água na referida taça e dela se despende ao povo por outras 6 bicas de bronze que ela tem, que a colhem por canos compridos e os reditos se recolhem no dito tanque. Neste chafariz, seus castelos e esferas se simbolizam as armas do ilustríssimo senhor D. Rodrigo de Moura Teles, arcebispo e senhor que foi desta cidade e arcebispado, o qual mandou fazer neste lugar donde tiraram um outro que nele se encontrava, que mandou meter dentro do terreiro do seu paço para onde vão as vertentes do mesmo chafariz. A água deste chafariz vem da primeira caixa geral da cidade, por aquedutos e repuxos e  CaminHos da água do mesmo chafariz vai para outros aquedutos para a cozinha do paço dos arcebispos além das por onde vão as vertentes. Terá este chafariz 37 palmos. Toda a obra deste chafariz é perfeitíssima e a segunda em ordem ao chafariz da Porta do Souto, na forma como vai descrito9. Como podemos observar pela anterior transcrição, para além da descrição morfológica e arquitectónica pormenorizada dos chafarizes, este documento menciona, igualmente, a proveniência da água e os locais para onde era distribuída posteriormente, permitindo reconstituir o trajecto aproximado das condutas que existiriam na cidade. Reira-se, por exemplo, que a água para os 6 chafarizes era conduzida por aquedutos e repuxos e provinha de diferentes locais, nomeadamente, directamente da caixa geral da cidade, como é o caso do chafariz da Rua do Souto, do Campo da Vinha e dos Paços Arcebispais, mas, também, de poços e fontes, como sucede com os restantes. A água era conduzida a partir dos chafarizes para outros locais, como é o caso chafariz dos Paços Arcebispais, cuja água ia para a cozinha do Paço dos Arcebispos, através de aquedutos. No caso do Chafariz dos Penedos dos Chãos, as águas sobrantes iam para o Convento das Religiosas do Carmo, localizado junto da actual Igreja do Carmo. Não menos importantes são as informações relacionadas com as caixas e repuxos espalhados pela cidade, que recebem e distribuem a água. Por exemplo, no Campo da Vinha, contígua à Capela de Nossa Senhora do Amparo, já desaparecida, existia uma caixa que recebia água da caixa geral da cidade, de um poço da câmara, sendo distribuída para o chafariz do Campo da Vinha, para a Fonte do Pópulo e para as religiosas do Convento do Salvador. Através de algumas indicações icamos a saber, igualmente, que a quantidade de água distribuída a partir destas caixas não era toda igual, alguns recebiam apenas uma pena30. No Campo de São Tiago existia um repuxo que distribuía a água em quatro partes, a saber: uma que está para este chafariz que é a maior parte, outra menor para a fontana de São Sebastião e uma pena de água para os padres da Confraria e outra para a casa de Manuel Falcão Cota, Fidalgo da casa de sua majestade, que Deus guarde, morador no mesmo campo de S. Tiago. As vertentes deste chafariz que se recolhem no dito tanque vão para as religiosas de N. S. da Conceição também por aquedutos. Os seis chafarizes referidos encontram-se representados no Mapa da Cidade de Braga Primas, elaborado precisamente em meados do século XVIII. 9 0   A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 98 e 99. A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 99v. A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 99. Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Imagem 4. Chafarizes existentes na cidade no século XVIII, propriedade do senado da Câmara no Mapa da Cidade de Braga Primas 3.3.2 As fontes de água À semelhança do que ocorre com os chafarizes, também as fontes de água aumentam de número a partir do Renascimento. Para além da resposta às necessidades básicas de provimento de água, as fontes adquiriram importância enquanto equipamento urbano de carácter estético que contribui para a imagem da cidade, ganhando formas cada vez mais aperfeiçoadas, com elaborada decoração escultória e arquitectónica. Na cidade medieval de Braga, apenas a Fonte de S. Geraldo, já mencionada, existiria no espaço intra-muros. Um dos primeiros arcebispo a dotar a cidade de novas fontes, tal como já foi referido, foi D. Diogo de Sousa, que mandou erguer duas novas fontes (a Fonte de Sousa e a Fonte dos Jardins do Paço) no espaço intra-muros e três na área extra-muros (a Fonte de São Tiago, a Fonte de S. Marcos (Granjinhos) e a Fonte de Nossa Senhora a Branca), para além das que mandou restaurar, como aconteceu com a Fonte de S. Geraldo e a Fonte da Cárcova.  CaminHos da água Através do Livro da Cidade icamos a saber que, no século XVIII, havia em Braga  fontes, por vezes referidas como fontanas, e um tanque, propriedade do senado da câmara. Apresentamos, de seguida, o elenco das fontes existentes, numeradas de acordo com a sua localização no mapa da igura 7. Não foi possível cartografar as que se encontram assinaladas com asterisco (*), por se encontrarem muito distantes do centro urbano. . Fonte de São Sebastião . Fonte do Cavalinho . Fonte da Torre do Pópulo 4. Fonte da Porta Nova de Sousa 5. Fonte do Campo das Hortas 6. Fonte de S. Geraldo 7. Fonte da Praça do Campo de Touros 8. Fonte de S. Francisco 9. Fonte da Cárcova 0. Fonte do Pão de Trigo (Carmelitas descalças) . Fonte da Preguiça . Fonte dos Pedreiros (Palhotas) * . Fonte das Inias 4. Fonte das Golladas 5. Fonte de Nossa Senhora a Branca 6. Fonte de Trás de São Marcos 7. Tanque por de Trás de São Marcos 8. Fonte de São João (Ponte de S. João) 9. Fonte de Santo Adrião 0. Fonte dos Galos . Fonte do Arcebispo (Parque de S. João da Ponte) * . Fonte das Lajes (S. Paio de Pousada) . Fonte dos Pelames () * antes da Ponte dos Pelames (Sugerido) 4. Fonte dos Pelames () * depois da Ponte dos Pelames (Sugerido) 5. Fonte de Rujais 6. Fonte de S. Pedro de Maximinos 7. Fonte de Pereiras * (Maximinos) 8. Fonte do Penedo (Maximinos) 9. Fonte de Cores (Maximinos) 0. Fonte de São Frutuoso (Real) . Fonte de São Jerónimo (Real) . Fonte de São Tiago (Rua da Boavista) . Fonte da Natas (Maximinos) 4 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Figura 7. Mapa da cidade com a localização das fontes referidas no Livro da Cidade. Num espaço de pouco mais de 00 anos a cidade dotou-se de cerca de 5 novas fontes de água, segundo o Livro da Cidade. A julgar pelos dados do Padre Luís Cardoso, existiriam outras tantas. A título de exemplo, reira-se a existente no Convento dos Remédios, não mencionada no Livro da Cidade, mas existente no século XVIII, actualmente no Jardim de Santa Bárbara. A abundância de fontes terá justiicado a designação de “cidade das fontes” atribuída a Braga. À semelhança do que ocorre com os chafarizes, também as fontes de água são detalhadamente descritas no Livro da Cidade, identiicando-se aspectos relacionados com a sua composição estrutural, arquitectónica e escultória, mas, também, com a proveniência das suas águas ou até mesmo com sua qualidade, referidas algumas vezes como “milagrosas”, como é o caso da água da Fonte de S. Geraldo ou da Fonte de S. João, no Parque de S. João, referida como “excelente e das melhores da cidade, cujas pessoas a mandam buscar a este sítio no tempo de Verão pela sua muita frescura e bondade”.  A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 101. 5 CaminHos da água A proveniência da água para as referidas fontes é bastante diferenciada, podendo vir directamente da caixa geral da cidade, como ocorre com a Fonte de São Sebastião, mas, também de outras fontes (conforme acontece com as fontes do Campo das Hortas, da Praça do Campo de Touros ou de S. Francisco) e de chafarizes como a água da fonte do Cavalinho da Porta do Souto. Fontes há que são abastecidas por água captada em poços (fonte da Porta Nova de Sousa) ou que se localizam junto da própria nascente (fontes de Nossa Senhora a Branca, de trás de S. Marcos). Esta última situação é a mais frequente para as fontes localizadas na periferia da cidade. O tipo de fontes existente é bastante díspar, havendo fontes com elaborada composição arquitectónica e escultória, como é o caso da fonte de São Sebastião “a qual é toda feita de pedra de esquadria de muita perfeição, obra dórica com seu remate no meio de uma pirâmide, no alto da qual está uma cruz primacial de ferro de duas aspas e tem suas pirâmides mais pequenas, cada uma de seu lado lança a água por uma bica de ferro metida na boca da cabeça de um nicho e dela se recolhe em um tanque que toma quase toda a frente da dita fonte, o qual é também obra de perfeita esquadria. Está com a frente para o norte assentada sobre um formosíssimo pátio de esquadria … e da parte do nascente e poente está ornado com assentos também de esquadria de toda a perfeição, da parte do sul tem uma escada de nove degraus que ocupa toda a largura do mesmo pátio, com seus corrimão dos lados, pela qual se sobe da dita fonte para a capela de S. Sebastião, da parte do norte tem esta fonte segundo tanque.”. Outras são bastante mais simples, como a fonte de Inias “… que está metida na parede da Quinta de Jacomé Borges Pacheco. Lança a água por uma bica de ferro metida na boca de uma carranca, formada em uma pedra da sobredita parede. Não tem tanque algum mas cai no chão e as suas vertentes vão pela quingosta (cangosta) das possinhas. Nasce esta água dentro da quinta do dito de Jacomé Pereira Pacheco” Actualmente, uma percentagem signiicativa das fontes de água mencionadas para o século XVIII está desactivada ou já não existe in situ. De facto, algumas foram mudadas de lugar, como é o caso da fonte mandada erguer por D. Diogo de Sousa junto ao Hospital de S. Marcos, nos Granjinhos, que actualmente se encontra junto da Igreja de São Sebastião, virada para o campo das Carvalheiras, ou da Fonte da Porta do Souto, mandada construir pelo arcebispo Frei Agostinho de Jesus, nos inais do século XVI, que se encontra actualmente no Campo das Hortas. Outras há que se encontram desactivadas e ocultas como é o caso das fontes de S. Geraldo, da Cárcova ou da Senhora-a-Branca. Por exemplo, a fonte da Porta Nova de Sousa, localizada junto da Praça da Porta Nova, encontra-se integrada  6 A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 101 Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) Figura 8. Vestígios sobreviventes da Fonte de Sousa, mandada construir por D. Diogo de Sousa, junto à Porta Nova Figura 9. Fonte de Sousa mandada construir por D. Diogo de Sousa, junto à Porta Nova, no Mapa das Ruas de Braga no ediicado actual, sobrevivendo dela apenas um tanque e algumas condutas de água, como se pode observar na imagem 8. Contudo, o cruzamento de diferentes fontes de informação permite obter uma imagem muito aproximada da referida fonte. Reira-se, por exemplo, a sua representação no Mapa de Braunio, no Mapa da Cidade de Braga Primas e no Mapa das Ruas de Braga. Das fontes que se conservam activas e in situ reira-se a Fonte de São Tiago, mandada construir por D. Diogo de Sousa, na Rua da Boavista, antiga Rua da Cónega e a Fonte dos Galos, perto da Ponte de S. João, junto ao rio Este. Figura 10. Fonte dos Galos 7 CaminHos da água A água do abastecimento público assistia os diferentes aspectos da vida da cidade, servindo a das fontes e chafarizes para as pessoas beberem mas, também, para uso doméstico e para os animais. Posteriormente, a água sobrante era distribuída para outras fontes e chafarizes públicos e para distintos locais da cidade, designadamente para o Hospital de S. Marcos ou para as diversas instituições religiosas da cidade, nomeadamente, os conventos do Salvador, do Carmo, ou da Conceição. Essa água era, igualmente, distribuída para a cozinha e hortas do Paço dos Arcebispos, mas também para as casas e hortas de particulares. Por im, merecem referência as descrições realizadas no Livro da Cidade relativas a algumas fontes de água, as quais oferecem outro tipo de dados extremamente importantes, relacionados com a história da cidade. Um bom exemplo é constituído pela informação que acompanha a Fonte de São Sebastião, que diz que naquele local “Entre esta fonte e a capela de S. Sebastião esta uma mesa de pedra quadrada sobre um pé da mesma, de quatro palmos de alto, cuja mesa tem um letreiro em volta que consta de quatro palavras cada uma em seu quadro que diz Bracara augusta idelis antiqua e esta mesa e letreiro são as armas antigas da cidade. Ao redor desta fonte de defronte da porta principal da capela de São Sebastião há vários socalcos e assentos com uma famosa devesa de carvalhos e choupos e plátanos que todos, entre novos e velhos, são 145 pés, é tudo pertença do senado que tudo fabrica por sua conta”.34 Segundo Argote (7-4: 4) as letras da referida inscrição encontravam-se no plano da mesa e quando, no ano de 65, foi ali feita a fonte, foram mudadas para a volta da mesa. No seu entender, a inscrição deveria referir apenas Bracara Augusta tendo o resto sido acrescentado na altura da alteração. Estes dados, associados ao local em que se encontram, ajudam a comprovar a localização do forum da cidade romana naquele local, correspondente ao actual Largo Paulo Orósio, muito embora seja difícil precisar a função que a referida pedra poderia ter possuído no contexto daquele espaço. 4. CONCLUSÃO O Livro da Cidade constitui um importante documento para o estudo do abastecimento de água à cidade de Braga durante o século XVIII, oferecendo informações signiicativas acerca dos locais onde era captada, dos meios utilizados no seu transporte para o reservatório geral, assim como acerca da sua posterior distribuição para chafarizes, fontes, tanques, edifícios públicos e privados. Trata-se, de facto, 4 8 A.M.B. – Livro da Cidade, Vol. I: fólio 101. Contributo para o estudo do abasteCimento de água à Cidade de braga na idade moderna. o Livro da Câmara de braga (séCuLo Xviii) de um precioso instrumento de trabalho que permite, igualmente, levantar várias hipóteses para futuras investigações. Referimo-nos, concretamente, à necessidade de realizar escavações arqueológicas que permitam comprovar o trajecto exacto dos aquedutos que captavam a água nas nascentes de Montariol, Sete Fontes e Gualtar, bem como à antiguidade das suas condutas. O mesmo se poderá dizer relativamente à rede de distribuição urbana. Na verdade, apesar de o documento fornecer uma imagem bastante detalhada da rede de distribuição urbana de abastecimento de água à cidade para século XVIII, a deinição do trajecto exacto dos aquedutos carece de comprovação material e, por conseguinte, arqueológica. Através da breve abordagem realizada aos antecedentes do abastecimento de água à Braga setecentista podemos igualmente considerar a necessidade de se proceder a estudos mais sistemáticos relativos ao período medieval. Contudo, veriicamos que os dados fornecidos pelo Livro da Cidade são igualmente importantes para a compreensão de alguns aspectos da cidade medieval. O exercício de análise realizado neste trabalho procurou reforçar duas premissas a nível metodológico. A primeira relaciona-se com as vantagens decorrentes da utilização de variadas fontes de informação, designadamente, escritas, iconográicas e arqueológicas, as quais devem igualmente ser contrastadas com o ediicado histórico, enquanto vestígio material sobrevivente. A este propósito reira-se, por exemplo, que muitos poços medievais e modernos subsistem ainda, integrados nos edifícios ou nos seus quintais, carecendo de um levantamento sistemático. A segunda, decorrente da longevidade ocupacional de Braga, valoriza a pertinência da realização de análises regressivas à estrutura do espaço urbano e, consequentemente, ao sistema de abastecimento de água à cidade. De facto, os resultados apresentados contribuem para o estudo de alguns aspectos do urbanismo bracarense, assim como para a análise da cidade de Braga na longa duração. O estudo do abastecimento de água à cidade de Braga desde a sua origem até aos nossos dias carece ainda de um esforço de investigação sistemática que deverá ser conduzido por diferentes especialistas que se debruçam sobre as questões urbanas, sendo de destacar a importância dos estudos e dos contributos de arqueólogos e historiadores. Em termos gerais podemos concluir que a rede de abastecimento de água à cidade, em 77, era bastante ampla e eicaz, abarcando uma área geográica que ia muito para além do núcleo urbano cercado pelas muralhas medievais. Esta situação constitui o resultado do forte investimento levada a cabo pela Câmara, desde inais do século XVII, e por alguns arcebispos. Reira-se que as obras do arcebispo D. José de Bragança, nas Sete Fontes, são posteriores à situação caracterizada no Livro da Cidade. A beleza e o requinte, mas, também, a quantidade de fontes e chafarizes exis9 CaminHos da água tentes nos inícios do século XVIII na cidade de Braga são indicadores das grandes alterações que decorriam no espaço urbano, fruto da aplicação dos ideais estéticos, primeiro, renascentistas e, posteriormente, barrocos. Ambos os equipamentos, fontes e chafarizes, foram utilizados recorrentemente pelos poderes civil e religioso, contribuindo para que Braga se constituísse numa das mais importantes cidades barrocas portuguesas. BIBLIOGRAFIA AAVV (989-9) Mapa das Ruas de Braga,  volumes, Braga: Arquivo Distrital de Braga / Universidade do Minho e Companhia IBM Portuguesa. Adam, J. P. (994). Roman Building. Materials and Techniques, R. T. Batsford Ltd, London. Álvares Asorey, R.; Carreño Caseón, M.C. & Gonsálvez Fernández, E. (00) Aqua Urbi. Historia do abstecimento de auga á cidade de Lugo (época romana-século XX), Traballos de Arqueoloxía , Lugo: ???????. Argote, J.C. 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