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Editorial / Expediente A POESIA DERRAMADA DE IARA MARIA CARVALHO Chumbo Pinheiro FIM DO GOVERNO TEMER? Homero Costa ÍCONES DO RISO Manoel Onofre Jr. O CASO DA ONÇA QUE DEU LITERATURA Michelle Paulista ENTREVISTA: KALLIANE AMORIM — POETISA Por: Thiago Gonzaga POR QUE A MÚSICA POTIGUAR NÄO ACONTECE? Sérgio Vilar O PENSAMENTO ORIGINAL DE DIOGENES DA CUNHA LIMA Antonio Nahud EU ESPEREI TANTO PELA SUA VINDA Lívia Lima LÁGRIMAS DA NATUREZA Weidde Andrino A ESPERANÇA VEM DAS PESSOAS E DA FORÇA DOS TRABALHADORES Fátima Viana RESENHA: Suely, Dione PC Palhares NO CORAÇÄO DO MUNDO José de Castro 2016: O ANO QUE NÄO VAI ACABAR PARA A HISTÓRIA Francisco Ramos SOBRE AS DEFINIÇOES E AS PALAVRAS Roberto Cardoso (Maracajá) LER BEM FAZ BEM Jonnie Neves O TRABALHO COM A PALAVRA EM “FÓRCEPS” DE ORENY JÚNIOR. Thiago Gonzaga SARAU - POEMAS -CRÔNICAS - CONTOS... Por: Járdia Maia UM ENSAIO ENTRE CIÊNCIA E POESIA Artigo Acadêmico Paulo Victor MATERNIDADE PARA QUEM? MATERNIDADE PARA QUÊ?: Artigo Acadêmico Maynara Costa LAZER NA PERCEPÇAO DOS IDOSOS Artigo Acadêmico Jacqueline Tavares O ARTISTA E A SUA OBRA - Homenagem Kukukaya Marcos Fonseca Revista de Circulação bimensal. F inal de ano, nada é chancela e o apoio dos setores mais cansativo do que menos privilegiados da sociedade aquelas velhas formas e representados através do pro- de realizar retrospecti- cesso eleitoral a qual foram sub- vas infindáveis relembrando obituários, casamentos de ostentação, É uma publicação integrante do quem ficou com quem, quem enri- site: WWW.VIRTUALCULT.COM.BR. queceu mais ou quem empobreceu Envio de Artigos: mais do que demais... Um gosto virtualcult@virtualcult.com.br estranho da mídia burguesa para atrair desavisados espectadores. Sempre assim! Não teremos esse propósito, no entanto, todas as retrospectivas deveriam ter um aspecto mais plausível, menos midiáticos e mais políticos, de avaliação sócio econômica, sociológica e até porque, não dizer, de caráter científico sem as amarras dos clichês comuns. Diretor Geral Alfredo Ramos Neves Editor Thiago Gonzaga Sérgio Santos, Aluísio Azevedo Jr. Marcos Medeiros, Marcos Guerra, Francisco Ramos, João Cavalcante, Luiz Carlos Petroleiro, Maurício Miranda, Valdecy Feliciano, Fátima Maria de Oliveira Viana, Márcio Dias, Herbert Martins, Manoel Onofre Jr. Getúlio Moura, José Araújo (Dedé Araújo) Professor Manoel Nazareno da Silva, Jardia Maia e Ozany Gomes. Relembrar 2016 é apostar que iremos virar a mesa, que daremos a volta por cima e retomaremos o que foi arrebatado de nossa história e o vilipêndio imposto à nossa democracia. Para a Kukukaya foram dias maravilhosos e promissores. Além das edições bimestrais tivemos e consolidamos a Kukukaya Poesias, dois instrumentos de comunicação que queremos manter durante o ano de 2017. Para isto, será uma grata satisfação termos um produtor cultural, crítico de arte e conhe- A nossa retrospectiva edito- cedor profundo da nossa literatura rial tem como objetivo resgatar a estadual, nacional e mundial para necessidade da permanente resis- fazer parte dos nossos quadros em tência e nos juntarmos aos incan- sua edição, que é o Thiago Gonza- sáveis brasileiros pela manutenção ga. Como Editor da Kukukaya o da democracia e do Estado de Di- Thiago Gonzaga tornará a nossa reito. revista mais rica e dará um caráter No imaginário e na vida prá- José Antônio Aquino (Nenoca) metidos nas eleições de 2014. tica de todos os cidadãos ficará cada vez mais cultural para a mesma. impregnado para toda a história o Assim sendo, todos nós da duro golpe que nos foi imposto pe- Kukukaya desejamos um feliz 2017 los partidos revanchistas e que não para todos os leitores. suportaram a manutenção de um governo que foi construído com a Obrigado! livro É preciso estar pronto, pois a “Saraivada” ( Sarau das Le- descarga sibilante está apontada para o tras, 2015), de Iara Maria leitor e da “Roleta Russa/ouço o som Carvalho, somos atingidos por uma tor- do tambor da morte/rodopiando magné- rente: arroio múltiplo, feito de palavras, tico./.../ gira o tambor com saia de ciga- emoções, dores e cores trazendo ao na:/ uma em seis, sou a bola da vez?... mundo a força interior da sensibilidade Na caliça da parede escorre/ uma flor da poeta. Muito além das emoções indi- tão viduais do ser poeta, do ser mulher. so.” (pág.107). Contudo, nada fica está- Mas as emoções profundamente huma- tico, há em todos nós “uma lagartixa nas. Enchem-se e esvaziam-se, transi- louca”(pág.109), a ser despedida “vá tam e imobilizam, acolhem e expulsam, embora, ande, corra, sua lagartixa lou- ferem e cicatrizam: “Pouco me importa ca. acabe./sobrevivi aos tinta anos com se as palavras/ são inúteis.” (Rosário, uma cárie a menos./um sonho a me- pág.19.) O que importa então? A poeta, nos./um pai a menos./ e se é tempo de o leitor, cada ser vivo? O brilho. Não o voar,/desengaiolo os lírios do meu cére- exterior, mas o que está dentro da con- bro de cimento/e deliro.” e não só a po- cha, composta não com as trinta contas eta, também o leitor é levado e envolvi- do rosário, nem com os trinta anos de do ao delírio até que “vidro-me” fascina- uma cronologia como uma medida, mas do e apaixonado pois, a saraivada ex- um rosário feito de verbos, adjetivos, põe a minha “vocação/para aquários/é sujeitos vivos, que “me rangeu os den- o que me salva/do abismo” (pág.113) e tes, gostei./ alegria da palavra é doer.”, “Ainda viva” (E gemer, pág.21), que fica além da morta já fui,.../ hoje me vejo líquida, líri- lembrança, como “Ofício” porque é feito ca.” (pág.127). A *Luís Pe ei a da Silva, ue ta usa o pseud i o de Chu o Pi hei o, g aduado e Hist ia e atual e te u sa Ci ias So iais UFRN . Poeta e a i ulista auto de A tua ão poesia e Algu s liv os poigua es ese has . o abrir o “- só das palavras” (pág.23) que, no entanto, sibilam ao ouvido, ao coração, a alma e tocam como uma “Saraivada” (pág.33), no que o leitor é sentenciado: “Desfira um golpe/ misericordioso/no corpo sem carne/ do silêncio.” fria,/de um vermelho den- ...eu, que tão natureza Eis a poeta, derramada em todo livro, a cada palavra, a cada verso, a cada poesia trazendo do sertão potiguar uma voz própria, singular, forjada em um diálogo com poetas do Brasil, como Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst, Silvia Plath, Rizolete Fernandes; sua O gatilho feito de palavras foi descarga ou raraiva, conduz o leitor ao disparado. O estopim aceso “Caminhos “enlevo e a perplexidade” como bem abertos/ com a navalha na mão.../e escreve o poeta Antônio Fabiano. amores impossíveis.”. (pág.35). A delação de Clau- atual chefe da casa civil Elizeu dio Melo Filho, ex- Padilha, o “primo” - citado 45 diretor Ode- vezes na delação - no seu es- brecht, que foi va- critório em Porto Alegre. Desse zada à imprensa, é apenas a total, 1 milhão foi para Eduar- primeira de um total de 77 acor- do Cunha, o “caranguejo”. da dos de delação de funcionários e dirigentes da empresa, e teve um efeito devastador para o governo Temer. Um governo que já começou mal: resultado de um golpe, compôs um ministério sob suspeição, com vários ministros réus em processos do STF e pouco depois, afastados [foram seis ministros afastados em seis meses, comprovando a instabilidade do governo]. As denúncias vêm se acumulando e as mais recentes não foram * Homero de Oliveira Costa, Prof. do Departamento de Ciências Sociais da UFRN. as primeiras e certamente não serão as últimas, mas nesse caso específico, a implicação é óbvia: o presidente é citado 43 vezes nas 82 páginas da delação. Consta, entre outras coisas, [na delação de Cláudio Melo Filho] que em maio de 2014, ele foi recebido num jantar no palácio Jaburu, no qual o então vice-presidente pediu apoio financeiro de 10 milhões para ajudar na campanha do PMDB e que foi entregue, sendo 6 milhões em espécie ao A empreiteira fez doações a muitos partidos e candidatos e até mesmo a não candidatos. Só o senador Romero Jucá, o “caju”, recebeu 19,9 milhões, Geddel Vieira, o “babel” recebeu (só da Odebrecht) 5,8 milhões e ainda mesadas regulares da empreiteira, além de ser acusado de ter recebido 3% do valor de uma obra. Na lista inicial estão presentes também o senador José Agripino (DEM/RN), o “gripado” que recebeu 1 milhão, intermediado por Aécio Neves, Moreira Franco, “o gato angorá” - citado 34 vezes - e que, segundo o delator, teria pedido 3 milhões de reais em propinas para elimi- nar a possibilidade da construção de um aeroporto no Rio de Janeiro por outra empreiteira, além de outros, jocosamente apelidados de Boca Mole, Todo -Feio, Índio, Missa, Moleza, Velhinho, Kimono, Bitelo, Corredor, Gremista, Campari, Ferrari, Decrépito, Feia etc. facilmente identificáveis na lista divulgada na imprensa, degradação ambiental. Mesmo assim, para o com os respectivos valores recebidos. E ainda presidente, nada justifica a sua demissão dele teve 6 milhões para a campanha de Paulo Skaf, nem de outros auxiliares, igualmente citadas candidato do PMDB ao governo de São Paulo, em delações da operação Lava Jato. aquele mesmo dos patinhos na avenida paulista e Brasília, que bradava contra a corrupção do governo Dilma!(na prestação de contas do candidato na eleição de 2014, disponível no site do TSE, consta uma receita de R$ 29.207.565,77 e nenhum depósito da Ode- brecht). Mas o fundamental é que a se confirmar as denúncias, mostra o profundo comprometimento de dois dos três poderes da Nação, o Executivo e o Legislativo, com uma empreiteira que afinal, não fazia apenas doações, mas investimento. Afinal, os que receberam dinheiro estariam, em princípio, defendendo os O caso de Elizeu Padilha é emble- interesses da empresa, alterando ou criando mático pela posição que ocupa e porque são leis e medidas provisórias, por exemplo. E aqui muitas as denúncias que tem se acumulado. cabe a observação sobre um dos pilares da No dia 17/05/2016, por exemplo, o jornal Folha corrupção, que é a do financiamento privado de de S. Paulo publicou matéria com o titulo campanhas eleitorais, no qual a Odebrecht é “Ministro Elizeu Padilha é acusado de autorizar apenas uma das muitas empreiteiras, empre- repasse suspeito” na qual se informa que ele sas e bancos que financiaram campanhas, tan- consta como réu em uma ação civil de improbi- to em doações legais, como ilegais (o chamado dade administrativa em que é acusado de orde- “caixa dois”). nar o pagamento superfaturado de R$ 2 milhões a uma empresa, quando foi ministro dos Transportes do governo Fernando Henrique Cardoso (1997-2001): “Na ação, ajuizada em 2003 pelo Ministério Público Federal e aceita em 2013 pela 6ª Vara Federal do DF, Padilha é apontado como ‘lobista’ que usou do seu cargo Quanto ao judiciário, há pouco, um episódio serviu para ampliar o desgaste da imagem do STF, que foi o caso de uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello afastando Renan Calheiros da presidência do Senado e um dia depois, por 6 votos a 3, ele foi mantido pelo para atender a pleitos políticos para pagamentos absolutamente ilícitos e ainda por cima superfaturados”. Mais recentemente, no dia 30 de novembro, a Justiça de Mato Grosso determinou o bloqueio de R$ 108 milhões em bens do ministro e de mais cinco sócios em duas fazendas localizadas no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da Santíssima Trindade, a 562 km de Cuiabá, por STF, tudo indicando tratar-se de resultado de uma articulação muito mais política do que jurídica. No artigo “Temer é hoje o obstáculo maior à nor- quências: baixa produtividade, recessão, altas malidade democrática” (13/12/2016) Mario Sergio taxas de juros, desemprego etc. Conti afirmou que “O Planalto, o Supremo e o Congresso se uniram para salvar o sistema e incrementar a espoliação.” Até a revista Veja fez crítica (“Até tu, STF?”) e diz, entre outras coisas que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou abrir mão de suas atribuições jurídicas para fazer política. O que chama atenção é que este é o mesmo STF que impediu que Lula fosse nomeado ministro, por decisão de um deles e que man- teve Eduardo Cunha como presidente da Câmara, até que o processo de impeachment fosse Tudo isso cria as condições para a desestabilização do poder político, e para além de uma crise política e econômica, uma crise institucional, cujos desdobramentos são imprevisíveis. Nesse sentido, a meu ver, o perigo é crescimento da direita, de “salvadores da pátria”, que aproveita o vazio deixado pela falência da autoridade e da desmoralização do congresso e da desqualificação da política. Num cenário como esse, como um go- concluído. verno de como a PEC 55? hoje? Manter um governo Como disse o senador sem legitimidade, com cres- Roberto Requião em centes índices de reprova- discurso ção e sem uma base aliada insatisfação chamada base aliada. O PSB, por exemplo, que detém o Ministério de Minas e Energia, enfrenta problemas internos com setores defendendo a saída imediata do governo, posição já explicitada pelo diretório estadual do partido no Rio Grande do Sul). A permanência de Michel Temer na presidência é hoje um fator de instabilidade, e como recente (12/12/2016): “Que mo- (há grande na aprovar medidas de austerida- Quais são as saídas consistente? pode ral tem a Presidência da República e o seu Ministério para propor qualquer medida de austeridade, qualquer sacrifício para o povo? Igualmente, que moral tem o Congresso para aprovar uma emenda constitucional que preserva intactos os ganhos do capital financeiro enquanto reduz à esqualidez as conquistas e direitos populares?”. diz Mario Sergio Conti no citado artigo, “a sua ma- Quanto à presidência da República, nutenção no cargo é gasolina no incêndio (...). afirmou: “deslegitimada tanto pelas denúncias de Ele fará com que a crise se alongue e faça mais corrupção como pelas infelizes e erráticas medi- vitimas. Atiçará os arautos da força” e termina o das de austeridade e pelo forte impulso entreguis- artigo com um “Fora, Temer”. ta que distingue o núcleo central do poder” defen- O que se observa é a desfuncionalidade das instituições, com seus riscos, associada a uma crise política e econômica, e suas conse- de que “não há outro caminho que a convocação de novas eleições diretas para o comando do Brasil. Não há outra saída. A não ser que a maioria desta Casa e a Presidência da República decidam correr o risco de enfrentar o povo na rua”. Uma pesquisa realizada pelo Instituto póteses: a renúncia, o impeachment ou a cassa- Data Folha, realizada entre os dias 7 e 8 de de- ção. O mais provável seria a renúncia, o que po- zembro, portanto, antes, portanto, da publicação deria ocorrer com a fragilização de sua base alia- das denúncias do ex-diretor da Odebrecht, reve- da e manifestações de ruas contra seu governo, lou o desgaste do governo. A pesquisa aponta ampliando o desgaste e nesse caso, dois cená- que 51% dos entrevistados consideram o gover- rios: se for até o dia 31 de dezembro deste ano, no ruim ou péssimo, 65%, o presidente falso, assumiria o presidente da Câmara dos Deputa- 75% acreditam que o presidente é defensor dos dos (o “Botafogo” na delação de Claudio Melo mais ricos, 58%, que é desonesto, 67% que o Filho) e uma nova eleição deverá ser realizada desemprego vai crescer e especialmente a maio- em 90 dias e haverá eleição direta para um man- ria, 63% são favoráveis à sua renúncia. dato “tampão” até o dia 1 janeiro de 2019, quan- A renúncia é possível? No momento, ao que parece, não é. Eleições indiretas? Idem e também não resolveria a crise e seria a continuidade do mesmo governo, da mesma política econômica, com outros atores, porque seria realizado por um Congresso completamente desmoralizado, com altíssimos índices de rejeição e dominado pelo chamado baixo clero (conjunto de deputados e senadores (re) conhecido pela mediocridade e práticas fisiológicas). E mais: até agora, o principal nome cogitado é o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que além de dizer do assumiria o presidente eleito pelo sufrágio popular em outubro de 2018. Caso Temer deixe o cargo em 2017, quem escolherá o novo presidente é o Congresso Nacional, ou seja, será uma eleição indireta. Nesse caso, para haver eleição direta, só a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda a Constituição) alterando a lei e permitindo a realização de eleições antes de 2018. Mas como isso é possível com esse congresso e ainda mais com Lula liderando todas as pesquisas de intenção de voto? A possibilidade seria com a prisão (provável) de Lula. que não aceitaria, não parece ser o mais creden- O fato é que, nas perspectivas atuais, ciado porque, entre outras coisas, terminou o mesmo com a aprovação da PEC 55 no Senado, mandato de oito anos com altos índices de rejei- a situação do governo Temer é delicada, perden- ção, no seu governo o país, segundo Aloysio Bio- do apoios dentro e principalmente fora do Con- ndi no livro “O Brasil privatizado: um balanço do gresso Nacional. É o fim do governo? Josias de desmonte do Estado” (1999) teve um prejuízo de Souza, jornalista da Folha de S. Paulo e insuspei- pelo menos R$ 2,4 bilhões com as privatizações to de simpatias com o PT e a oposição ao gover- do patrimônio público dado a “preço de banana” a no Temer, escrevendo logo após as delação do grandes corporações privadas e é de um partido ex-diretor da Odebrecht afirmou que “O governo com vários de seus integrantes, incluindo minis- de Michel Temer, tal como o presidente imagina tros, governadores, senadores e deputados cita- existir, já acabou. Ainda que permaneça no Pla- dos em delações da Lava Jato. nalto até 2018, Temer será um presidente coxo A questão é: caso Temer deixe o cargo, o que acontecerá? Para tanto há algumas hi- (...) constrangido e rejeitado (que) promete reformas e crescimento econômico, arrastando as correntes da Odebrecht como um zumbi”. M uito já se disse, Muito, depois dessa culmi- mas não custa nância, vamos encontrar outra repetir que o ho- alta manifestação de humor & ar- mem é o único te, já em Roma, todavia não mais animal que rí. Obviamente, o riso no teatro, e sim na ficção. É nasceu com o homo sapiens. No quando surge Apuleio (c. 124-c. entanto, se procurarmos situá-lo 170), autor de O Asno de Ouro, na literatura é indubitável que um único romance latino a sobreviver dos primeiros, se- na íntegra até não os dias de ho- o grande autor explorar * Manoel Onofre de Souza Jr. Natu- ral de Martins-RN , é magistrado e escritor, membro da Academia Norte-riograndense de Letras e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. primeiro o je. a Apuleio pode ser con- riso, em sua obra, com siderado o engenho e arte, patrono do foi Romance Uni- Aristófanes ( c.448 a C –c. versal. 388/385 a C). Au- mos que so- tor mais represen- mente Miguel tativo da comédia de Cervantes, grega, muitos Aristófa- Cre- sécu- los depois, é Aristófanes ( c.448 a C –c. 388/385 a C). que se pode com um certo denes, construiu ombrear com boche e muita sátira política, várias peças ainda ele. Em se tratando, porém, de hoje representadas em todo o conto e novela, cabem os louros, mundo – As Nuvens, Lísistrata, A sem dúvida, a Giovanni Boccac- Revolução das Mulheres – que cio ( 1313- 1375). são clássicos inigualáveis. Numa monumental destas, satirizou a figura de Só- caccio é um dos escritores que crates, de tal modo que teria con- prenunciam a Renascença, lan- tribuído para a morte trágica do çando os alicerces da ficção grande filósofo. moderna; suas novelas, mes- Com o seu Decamerão, Boc- clas geniais de humor, erotismo e crítica social, não envelharecam, de- Sacerdote católico e médico, além corridos tantos anos de sua primeira publi- de escritor, Rabelais possuía outros dons cação; pelo contrário, despertam cada vez dignos de nota, inclusive a língua ferina e o mais atenção dos estudiosos e leitores ceticismo. Quando estava para morrer, disse: “Vou em busca um de grande talvez”. Por fim, devemos também mencionar, como cultor da arte do riso em seus primórdios, o irlandês Laurence Sterne (17131768), autor do romance mais exigentes. Outro ícone da literatura de humor, o enfant terrible François Rabelais (1494 – 1553), autor de emblemáticos romances quando se trata do riso desbragado, associado à glutoneria e outros exageros. Ridendo castigat mores bem poderia ter sido seu lema, mas ele tinha para com os seus grandes ( sem trocadilho) personagens, a seguinte divisa: “Comer, beber e ficar alegre.” É questionável a sua inclusão entre os renascentistas prototípicos. Vida e Opiniões de Tristam Shandy e outras obras, que, inclusive influenciaram bastante o nosso Machado de Assis. Sterne é considerado o precursor de um outro tipo de humor- hu- mour -, definido, de modo simplista, como aquele que não provoca gargalhadas, mas , apenas discretos sorrisos. É a antítese do riso rabelaisiano, por exemplo. Sterneanamente leve, sutil, irônico, mas, como toda espécie de humor, permeado de crítica social. professor, pesquisador, folclorista e etnógrafo Veríssimo de Melo cultivava o hábito de corresponder-se com seus amigos ora para tratar de assuntos pessoais, ora para falar-lhes de poesia, política, literatura ou...amenidades. Tal correspondência constitui hoje um valioso acervo e fonte de pesquisa de indiscutível valor histórico e cultural, pois há nas missivas registros de importantes acontecimentos do panorama artístico-cultural do Rio Grande do Norte – quiçá do Nordeste. O Espalhadas entre amigos e familiares de amigos, as cartas de Veríssimo, além de acontecimentos relevantes, registram ainda “trivialidades”. Todavia, são as aparentes banalidades do cotidiano o combustível e a matéria prima para as crônicas mais interessantes, se é que podemos falar nesses termos módicos. Professora de língua portuguesa e literatura das redes municipal de Natal e estadual, doutoranda em Estudos da linguagem pelo PPgEL/ UFRN. Silvio Rabello, em prefácio de um dos livros de Veríssimo, faz menção a um nome igualmente importante da cena literária potiguar: Nilo Pereira, escritor radicado em Recife, nascido em Ceará mirim, terra que nunca saiu de sua mente e coração. Para Rabello, Nilo parecia escrever “de pijama”, tamanha seria sua naturalidade com as letras. Em muito por seu espírito visionário, Veríssimo já vislumbrava a necessidade de deixar como legado aos pesquisadores futuros o acervo de cartas de que dispunha. A exemplo do que fez com sua correspondência com outros importantes nomes, reuniu algumas das mais significativas missivas trocadas com Nilo Pereira. Mais uma vez, o intento do etnógrafo e folclorista, ao publicar parte de sua correspondência, era oferecer às futuras gerações um lugar de contribuição para futuros ensaios e análises interpretativas do fulgurante escritor e humanista norte-rio-grandense, nascido em Ceará - mirim. Nilo, O barão de Guaporé, “valia por uma Universidade”, nas palavras do escritor, acadêmico e ensaísta Manoel Onofre Jr. Em 1992, Veríssimo publica “Nilo Pereira – cartas de emoção e de humor”, pela Academia Norte-RioGrandense de Letras, síntese de uma amizade de trinta anos, grafada em correspondências que, na opinião de Veríssimo, trouxe-lhe “maiores conhecimentos literários e culturais”. Em uma das cartas publicadas no referido volume, há uma que chama à atenção pela intertextualidade que estabelece com o célebre romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. No famoso romance realista, Brás Cubas, em delírio, acha-se “cavalgando” em um imenso hipopótamo, a ir em busca da origem dos séculos, sobre planícies de neve... “Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino. -Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos”. Não faremos considerações acerca dos aspectos filosóficos/estéticos/literários que permeiam o excerto machadiano; citamo-lo apenas como referência. Nosso deleite é o diálogo NiloVeríssimo. Com todos os perdões, o bruxo do Cosme Velho será matéria para outra prosa. sobre o canavial o seu negrume derrotado”. (...) Basta de tanta imaginação, caro Veríssimo. Essa onça já arrancou muita literatura”. E encerra, sempre muito estilístico: “(...) aqui pingo o ponto final, com um fel no abraço do velho amigo da onça, Nilo”. (Carta de Nilo Pereira a Veríssimo de Melo, em 23 de março de 1951). Homem de leitura que era, Nilo chegou a receber prêmio na Academia Brasileira de LeA onça tras (afora ele, somente o mestre Cascudo). Não se discute que lera com “independência” o Certamente que o episódio que intitula esclássico que conta a história de Brás Cubas. te artigo é mais pitoresco e – ousamos dizer – Numa aventura narrativa bem-sucedida, a meu verossímil. Não pela narrativa propriamente, ver, o barão tece um enredo mesclado de eleposto que há contornos literários. Mas porque mentos místicos/religiosos com aspectos épidesdobra-se de um acontecimento real: uma cos, tendo os caraonça que fugiu de um cirvaneiros (nos quais co em Ceará Mirim, nos se inclui) como venidos de 1951. Sobre esse cedores. Final feliz! acontecimento, Nilo esO que intentava Nicreve uma carta, qualifilo? Metaforizar algucada por Veríssimo como ma peleja política? “deliciosa”. Eis um trecho: Ou materializar alguma aventura vivida “Fiquei imaginando um ou sonhada durante animal de proporções gia infância nos canagantescas – uma cachorviais? Talvez simra bíblica ou besta apocaplesmente(?) a ballíptica, ─ sobre o vale, uibúrdia que se estavando de cólera. Os olhos belecera numa pachispam de rancor, as pacata e provinciana tas sussurram iras sobre cidade do interior, os canaviais, a cauda esausente de expedipadana rancor como um entes, quando de látego dantesco. Depois um acontecimento desse delírio machadiano, tão inusitado. Se o felino volta ao natural. E tentarmos responé neste momento que der, a graça desapachegamos nós, os cara- Imagem disponível em: http:// rece. Fica a cargo vaneiros, para liquidar o brincabrincarte.blogspot.com/2014/11/lendasdo leitor. monstro. A hora é crucial. indigenas-onca-e-o-raio.html Não pode haver um insÉ de muita felitante de indecisão. A oncidade, por fim, a descrição que Veríssimo faz ça olha-nos de sua toca, sinistra e hedionda. da visão de Nilo, num belo tracejo semântico: Alçamos a mira. E, ou fazemos fogo, rápidos e “É que ele, apesar de ter sido operado de catafirmes, ou o animal, como um demônio alado, rata, ainda vê melhor do que qualquer um de se precipita sobre os homens bons, que defennós. Vê perscrutando. Mais por dentro que por dem o vale. Os tiros atingem o alvo. Um uivo de fora”. Decerto, só os de visão de metades, vidor atroa os ares. E o vale todo se enche de um são privilegiada (veem simultaneamente dentro bafo morno de ira e vingança. A onça estende e fora), são capazes de delirar acordados. Kalliane Amorim — Nasceu em Umarizal, em junho de 1982. Começou a escrever poemas na adolescência. Sua formação acadêmica se deu na UERN: licenciada em Letras e especialista em Leitura e Produção de Texto e concluiu recentemente o curso de mestrado em Letras. Possui três livros de poesia já publicados (Outonos, Exercício de silêncio e Relicário). Trabalha como professora de Língua Portuguesa e Literatura no IFRN e faz parte do NULIC (Núcleo de Linguagens e Códigos do IFRN Campus Apodi) e do GELLI (Grupo de Estudos Linguísticos e Literários do IFRN Campus Mossoró). Integra, junto a outros escritores mossoroenses, a Confraria Literária Café&Poesia. Por: Thiago Gonzaga *Todoas as fotos são do acervo pessoal da entrevistada KUKUKAYA - Kalliane Amorim, fale-nos um pouco do seu mais recente livro, “Relicário”. Do que tratam a maioria dos poemas? KALLIANE AMORIM - Pode ser os dois? Do passado, eu convidaria Cecília Meireles. Do presente, meu poetinha Antonio Francisco. KUKUKAYA - Uma obra inesquecível? KALLIANE AMORIM - Relicário, como o KALLIANE AMORIM - O guardador de rebapróprio nome sugere, apresenta um conjunto nhos, de Alberto Caeiro. de poemas que escrevi nos últimos anos e que, a pedido de meu editor, Clauder Arcanjo, resolKUKUKAYA - Uma música? vi reunir, partindo do eixo tempo-memória. Optei por organizá-los em quatro seções, dadas KALLIANE AMORIM - Há tantas músicas as suas características que eu gostaria de citar aqui, temáticas. Então, começo mas escolho Esquadros, de com poemas mais metaAdriana Calcanhotto. linguísticos, que trazem uma reflexão sobre o próKUKUKAYA- Um lugar meprio processo de escrita morável? da poesia, depois apresento poemas mais voltaKALLIANE AMORIM - Sem dos para a afetividade, dúvida, a Fazenda Camponeseguidos de textos ligados Kalliane e o Poeta Anchieta Rolim sa, em Umarizal-RN, onde à memória, especialmente meus avós maternos morada infância e de pessoas que me foram imporvam. tantes na vida, e, por último, poemas mais voltados a reflexões de ordem espiritual. Em todos KUKUKAYA - Você escreve em algum oueles, a noção daquilo que guardo na memória tro gênero literário, além da poesia? tecida com as palavras, meu relicário particular. KALLIANE AMORIM - Há muito tempo, arrisKUKUKAYA - Quais são seus livros publicaquei escrever crônicas, cheguei a publicar aldos anteriormente? gumas, mas nada de sério. Um pouco mais recentemente, andei me atrevendo na seara KALLIANE AMORIM - Meu primeirinho foi Outonos, e o segundo Exercício de Silêncio. dos contos. Mas foi só atrevimento mesmo. Meu negócio é com a poesia, embora eu KUKUKAYA - Qual escritor, do passado ou aprecie demais a leitura da prosa. do presente, você gostaria de convidar para um café? KUKUKAYA - Kalliane, de que maneira, como poeta e professora, você analisa a nossa atual situação politica? Existe saída para a crise, inclusive cultural, que enfrentamos? KALLIANE AMORIM - Estou a cada dia mais decepcionada com a situação política brasileira (na verdade, não é só com a política, é toda uma conjuntura). Acredito no poder de resistência que a educação pode fornecer às pessoas. Formar os jovens para que assumam uma atitude contestadora, aberta ao diálogo, crítica, me parece ser a única arma contra o que se apresenta diante de nós e um dos poucos caminhos para o aperfeiçoamento do ser humano, ao lado da formação familiar e espiritual de cada um. No que diz respeito à educação, o que pensar, por exemplo, de grupos políticos que defendem uma reforma no Ensino Médio, quando nossos problemas têm suas raízes no Ensino Infantil? É na formação de nossas crianças que devemos investir, pois nessa fase da vida, ao receber estímulos variados e significativos, há uma possibilidade de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social muito grande. Infelizmente, a maioria das crianças em nosso país não tem acesso a uma educação de qualidade, e isso, já na primeira infância, contribui para aprofundar as desi- gualdades. No Brasil, encara-se, frequentemente, a educação como gasto, não como investimento, o tempo destinado à leitura e ao estudo como desperdício, não como uma prática que possibilita a colheita de bons frutos a longo prazo. Aliás, temos um problema sério com a noção de longo prazo, somos uma sociedade imediatista, e se os governantes querem, por exemplo, propor uma reforma para o Ensino Médio, é justamente porque se pode perceber os "efeitos" a curto prazo e isso dá a impressão de que algo está sendo feito... Outra falácia é a proposição de uma escola sem partido, sem ideologia. Não é possível a nenhum ser humano ensinar, escrever, falar, pensar, gesticular, fazer o que quer que seja, sem que os filtros das ideologias não moldem a sua expressão. Propor que a escola deixe de incentivar os alunos a analisar a sua realidade, criticá-la e agir sobre ela com o objetivo de transformá -la é falsear sua própria natureza. Mas é óbvio que quem pensa numa escola "apolítica" tem também suas ideologias e quer, por meios "legais", impor o seu ponto de vista, não é mesmo? Talvez umas aulinhas de sociologia e filosofia, ou a leitura de nomes como Foucault e Bakhtin, por exemplo, fossem suficientes para compreender que não há sujeito sem ideologia, mas... Há muito jogo de interesses nos bastidores do governo, isso em todas as esferas, mas é claro que o poder legislativo jamais vai propor leis contrárias a seus próprios interesses... Da mesma forma que em nossas relações sociais também há esse jogo, so- tando as características das cantigas medievais. Enquanto o primeiro nasceu mais intuitivamente, o segundo foi resultado de pesquisas e muita leitura do cancioneiro ibérico, mos capazes de corromper e nos deixar corromper, daí que um trabalho sobre a ética é imprescindível, ainda mais num país e numa democracia tão jovens como é o Brasil. Ainda engatinhamos em inúmeros aspectos, e o que se faz quando ainda não se consegue andar com desenvoltura? Persistir na aprendizagem e, especialmente, analisar o passado para não incorrer nos mesmos erros. que tanto influenciou a nossa tradição poética. KUKUKAYA - Quais os planos literários para o futuro? KALLIANE AMORIM - Estou com dois livros engavetados, encaminhando-se para publicação, espero que muito em breve. Num deles, focalizo a experiência da maternidade e da infância; no outro, procuro fazer um diálogo com a poesia lírica trovadoresca, resga- KUKUKAYA - Se pudesse recomendar um livro aos leitores, qual seria? KALLIANE AMORIM - Só um? Eu tinha uma lista em mente, mas indico um que estou relendo: Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto. P reparados para um caminhão de hipóteses batidas em resposta ao título sobre a música potiguar? É mais ou menos esse o teor do texto. Se gio Vila . Coedito à doà siteà Su sta i oà Plual. Jo alistaàdeàp oí ia,à afeitoà sà easà daà es ui a.à Sohaà o à Ve ezaà eà iajaà u dosà aàliteatu a.à ádo aà a a o adaà o à paço aà ouà ua doà aà ilhotaà ha aà (p ai ho .à Eà seà oà papaà eà á d à Wa holàs oàpops,àpo à ueà o? Antes, aviso: o “não acontecer” não se trata de fama, holofotes, imprensa, badalação. É apenas aquele reconhecimento que alimenta a alma e põe o pão nosso, amassado, mas digno, à mesa. Volto ao tema porque o incômodo voltou quando assisti ao show da Luna Hesse, no Bardallos. Sofisticação pura. Artista lapidada e pronta para não Luna Hesse só voos maiores, mas para qualquer voo, qualquer palco e público. E lá estava ela a cantar para eu, meu compadre Tácito Costa, um casal de amigos de Luna e mais dois artistas também amigos. Ou seja: não tinha público. Não tinha aquele “cidadão comum” que lê a notícia do show em um desses agendões e, pelo perfil da atração, comparece, bate palma, vibra com os falsetes e improvisos vocais, comenta com o amigo que o violonista é fodástico, compra CD ou procura mais informações do artista no google ou no soundcloud após o show. Esse público não existe no Rio Grande do Norte. Ainda não. O Zé Caxangá – um cara mergulhado nas produções e shows de uma galera boa daqui – concorda comigo. Som da Mata, festivais de música como o Dosol ou Mada atraem público pelo formato do projeto e não pelas atrações musicais, acredite. É o caso também do projeto Quartas Clássicas, com um Teatro Riachuelo lotado para um concerto erudito. É o Teatro, é o ingresso gratuito! Coloque a mesma orquestra no auditório da Fiern e cobre R$ 15. Não preenche metade. O Bardallos tem oferecido excelentes shows. Cobra, em média, R$ 10 e o público não vai. Meses atrás também estávamos eu e Tácito e mais um bêbado amigo para o show excelente de Caio Padilha. Contraditória porque antes os jornalões eram a fonte-mor de divulgação. E sendo poucos, esse espaço era muito dificultado. Uma estampa no caderno Viver da TN ou no Muito do DN era a glória. Semanas atrás vi Yrahn Barreto, com participação de Mirabô e Jubileu, na Cidade da Criança. O que se precisava mais para comparecer? Acesso livre, lugar aprazível e música boa. Quase ninguém lá. Hoje há uma infinidade de blogs ou mesmo perfis e fan pages pessoais, redes sociais e ferramentas para montar banners, cards, etc. E se as rádios-jabá não tocam, tem uma dezena de rádios e ferramentas online que armazenam suas músicas. Lembro o dono do Taverna Pub a reclamar a falta de público para projetos de blues e se via obrigado aos pagodes da época para manter a casa. Então, o resumo do primeiro clichê: o público vai aonde não paga ou para ser visto, e não para curtir a música potiguar. CAUSAS ´DESDE SEMPRE PARA O VAZIO Vou amontoar as causas conhecidas em um gordo parágrafo clichê e quase cronológico, ok? Vamos lá: 1) Rádios não tocam a música potiguar. 2) Sem conhecer a música, o público não comparece. 3) Sem o público comparecer, cada vez menos palcos se abrem à música potiguar. 4) Com menos palco e pouco prestígio, os cachês caem ao músico autoral no RN. 5) Sem incentivo à música autoral, o cover toma conta e até atrai alguma plateia. 6) Com pouco público, cachê baixo, menos palco e disputa com o cover nos bares, há ainda o modismo do potiguar que empurra muitos a preferirem o estilo musical da moda, ou seja, passageiro. E assim a música potiguar passa e nunca permanece. CAUSAS ATUALIZADAS PARA O VAZIO Uma determinante contraditória é a promoção pessoal, o marketing, a assessoria de imprensa, a divulgação em si. Mas nem assim. Nem com esse novo universo democrático de divulgação e promoção a música autoral potiguar acontece. Tomemos o exemplo da própria Luna Hesse. Imagina se boa parte dos seguidores da fan page ou do facebook da Luna Hesse fosse ao show. Ou se ela conquistasse pelo menos um fã, daqueles fiéis mesmo, por cada ano de carreira. N oàpa e eà uito,à e?àSeàassi àfosseàesta ia àpeloà e osàa uelasà àpessoasàe tusias adasà–àu à í- i oàsui ie teàpa aàa ueleàp oàa assadoàeàdig oà ouàpa aà a te àaàautoesi aàdoàa ista. Masà o.à L à esta a à u sà t sà gatosà pi gadosà e à u àsho à o ài g essoàaàR$à aleàR$à AH, àpa aàu aàa istaà ueà . E O FAR áà úsi aàauto alàdoàRNà FROM ALASKA? oàseà esu eàaoàFa àF o .à Ne àoàCa a o es.àNe àaoàPlut oàJ àFoiàPla eta. Pa aà ita à essesà e e plos,à a editoà oà Fa à F o à álaskaà o oà a daàtale tosaà ueàap o eitouài te iosà usi aisà e à out osà estadosà eà paísesà pa aà ost a àu aàpegadaàdeà o kàpe so alizada.àEàa o te eu!àEàa o te euà aisàfo aàdoà ueàa ui. O Camarones Orquestra Guitarrística, além do som bacana, traz uma estrutura de marketing promocional de excelência, com o trabalho de Foca e Ana Morena. Unem o útil ao agradável como poucos no Brasil, acredito. O Plutão provou o talento potiguar quando encontrou oportunidade. Mas para jurados técnicos e audiência nacional que soube enxergar o carisma e a qualidade do grupo. Não, necessariamente, para o público potiguar. patamar de outrora após o sucesso no The Voice; voltou a não ter tempo para ser estrela, numa triste paródia de sua canção. E, claro, desnecessário citar seu potencial, seu talento vocal, de presença de palco, de instrumentista, de compositora, etc. E mesmo com o exemplo das três bandas, são tão poucos exemplos para tanta coisa boa. Tão poucos exemplos se comparado a estados vizinhos. É certo que a música potiguar vive uma ascendente. Houve um período razoável de construção dessa cena. Mas o público talvez não tenha acompanhado o mesmo ritmo da bandas. Far From Alaska E uma outra questão une esses três exemplos: oportunidade! São bandas que, pela essência do som que produzem, encontram espaços em festivais independentes. O Plutão e o Far From irão tocar no Rolling Stone Festival, próximo 3 de dezembro, por exemplo. Lembremos Khrystal que, sem essa abertura em festivais de rock e música indie, voltou ao Alguns pouquíssimos grupos já atraem algum público fiel e é essa imagem que eu acredito. Dusouto e Rastafeeling são algumas delas. Mas falta muito apesar do muito já construído, penso eu. E volto à pergunta: por quê? D esde jovem tive o Salomão e Paulo Leminski, en- privilégio de convi- tre outras. Enquanto isso, rabis- ver com notáveis. cava versos e contos inseguros, Adolescente, ima- em busca de méritos próprios. turo, compartilhava as reflexões eruditas do contista Hélio Pólvo- ra, acumulando ensinamentos, e resultando em descobertas literárias e firmeza de vontade para não desistir da escrita. Cismado, taciturno, reservado, irônico e mente acesa, ele era o ANTONIO NAHUD (Itabuna, Bahia, 13 de junho de 1972). Escritor, jornalista, poeta, dramaturgo, blogueiro. Cinéfilo incorrigível. Nascido nas terras-do-sem-fim do sul baiano, morou em diversas cidades brasileiras (Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo etc.) e europeias (Lisboa, Sintra, Londres, Madri, Paris, Barcelona). Desde 2010 vive em Natal, Rio Grande do Norte. Recebeu o Título de Cidadão Natalense e o Troféu Cultura RN de Melhor Livro de 2013 / "Pequenas Histórias do Delírio Peculiar Humano". Autor de onze livros que abordam diversos gêneros (crônica, poesia, conto, ensaio) e retratam sua vivência errante. Editado por pequenas editoras, vem sendo reconhecido como um dos valores da literatura nordestina. meu anti-herói favorito. No Rio de Janeiro, aos dezessete anos, magricela e curioso, passei tar- des na Cinemateca do MAM com o escritor argentino Manuel Puig. Após exibição de filme clássico em preto e branco, entre um gole e outro de café, soube muito de cinema hollywoodiano. O autor do best-seller “O Beijo da Mulher Aranha / El Beso de la Mujer Araña” (1976) encontrava no cinema do passado fantasiosas soluções para a vida tacanha, refletindo essa obsessão nos seus romances. Nessa época, solto como Rim- Mais adiante, morando em São Paulo, aconteceu a amizade conluiada com a poeta Hilda Hilst. Foram dois anos passando finais de semana com ela, na Casa do Sol, em Campinas. Hildinha, rigorosa como lâmina afiada, colocou-me na parede: o mundano ou a escrita. Ela não acreditava no artista “em cima do muro, nem lá nem cá”. Abriu meus neurônios para a cultura grega, o Oculto e seus seres invisíveis, e a literatura de entrega incondicional, de Safo a Guimarães Rosa. Poucos anos depois, em Sintra, a hora e a vez da benção existencial- literária de Jorge Telles de Menezes, intelectual de nobre potencial poético e ser de dignidade cintilante. Passei uma boa temporada em sua bucólica casa à beira mar. Tive mo- baud, relacionei-me com o bar- mentos de descobertas, em- do Antonio Cícero, abrindo ca- bora curtos, com as escrito- minhos para a poética transcen- ras Maria Gabriela Llansol dental de Jorge de Lima, Wally e Doris Lessing, respectivamente em Sintra e vertente experimental. Tem uma maneira úni- Londres. Em Tânger, no Marrocos, passei ca de sobreviver, movimentando-se com inti- uma tarde com o autor de “O Céu Que nos midade no universo literário do Rio Grande do Protege / The Sheltering Sky” (1949), Paul Norte e cultivando autores sofisticados como Bowles. Parecíamos antigos amigos, abraça- referência. Enxerga o que há de melhor no dos pelas ruas, tagarelas, misturando espa- próximo, deixando-nos sem ação com elogios nhol e inglês, falando do ofício literário, litera- hiperbólicos. Mas pode ter certeza que ele tura beat, Jean Genet, erotismo marroquino e acredita no que diz. Em “O Livro das Revela- a necessidade de solidão e silêncio. ções” (2013) escreveu a meu respeito: “O po- Todos eles tiveram importância capital nessa errância de escritor viajante. No entanto, nenhum marcou-me tanto – consequentemente, vida e arte - como Diogenes da Cunha Lima, o Poeta do Baobá. Mestre, amigo, ele suaviza corações com personalidade justa, cortês e eta e jornalista tem um dos melhores textos do país e é mestre em fazer e conservar amigos”. Que responsabilidade! Ao ler esse comentário pela primeira vez, embasbaquei, garimpando pedaços de mim no amável julgamento. generosa. Difícil escritor feito ele, com tama- Fomos educados em extremidades opostas, nha elegância moral. Não é de formalidades revelando-se circular, e assim nos aproxima- vazias e protocolares. A arrogância, mesqui- mos. Partilhamos idêntica paixão literária e nhez, inveja, vingança e deslealdade, típicas enxergamos nela o sentido da vida. Sei que da rotina de trocentos bocós de sucesso, não há um ou outro espírito de porco que não va- fazem parte do seu universo. Para ele, a vida loriza nossa amizade, circulando indiretas é bela e a literatura, a família e a amizade são abestadas. Certa vez, no café da Livraria Sa- joias raras que devem ser celebradas. Anda raiva da capital potiguar, um repórter fotográfi- sorrindo, mesmo quando triste. Da memória co, depois de me fotografar, perguntou-me baú de tesouros, inesperadamente lança nu- cínico: “Como vai seu pai?”. “Morto e enterra- ma conversa um fértil poema ou causo insti- do”, respondi. “Falo do doutor Diogenes”, in- gante e divertido. Lembra com frases exatas sistiu. A maldade deixava os seus olhos opa- conversas com pessoas que conheceu ao lon- cos, áridos. Mas não me abalou, muito pelo go da vida. Considerando Luis da Câmara contrário, sinto-me honrado em ser amigo e Cascudo seu mestre, é um dos maiores divul- trabalhar com o Professor. É fortuna das gran- gadores do legado deixado pelo historiador des, ele é de singularidade exemplar, de des- potiguar. treza verbal estimulante e inteligência em De temperamento vulcânico, no bom sentido, Professor Diogenes pode a qualquer momento ter rompantes de irreverência humorada e constante motivação. Engana-se quem pensa que pode menosprezar a grandeza do seu legado literário. Ele é um dos grandes da literatura nordestina. Não nasceu para se entregar, sofrer, desistir sim como “A Literatura do Professor”. Penso ou se amargar. Liberto pela imaginação, nun- em reescrever mais adiante sua biografia, lan- ca descamba para a derrota, acenando com çada em 2004, esgotada, com novo título: “O soluções. O bom senso renasce das cinzas Professor Revisitado”. em questão de segundos. Admiro sua escrita solidária e versátil, equilibrada entre a sabedoria e o encanto habitual do poeta diante do Foto extraída do: http://www.brechando.com/ Aprecio o pensamento original. Sei que se todo mundo pensa igual, ninguém pensa nada. Então, louvo o pensamento personalizado. Pa- 5/ 9/um-baoba-no-meio-da-cidade/ mundo. Ele escreve sob o compromisso de entender as pessoas, colocar-se no lugar delas, compreendê-las sem as julgar. Tenho um caderno onde reproduzo meticulosamente, há anos, os trechos que mais me comovem em seus livros, sempre acompanhados por duas ou três linhas de comentários singelos e cuidadosos. Talvez um dia eu o publique, algo as- rafraseando George Orwell, todos os homens são iguais, mas alguns são menos iguais do que os outros. Ainda bem. Cá entre nós, Professor Diogenes da Cunha Lima é um deles. Portanto, é uma honra e uma sorte está por perto para continuar ouvindo sua palavra que não esmorece, altissonante e autêntica. S ão exatamente 21:33 de uma noite quarta-feira. de Mas quem marca um jan- tar em plena quarta? Logo o dia em que você sai tarde do escritório. Mas eu precisava te ver, pre- cisava te contar o que está acontecendo nos meus dias. Eu precisava ver esse teu sorriso. Prendi o cabelo, lembro de você me falar que meus olhos ficam mais visíveis de cabelos presos. Por isso fiz questão de prende-los. E ainda me pergunto se você notará. Usei um batom sutil. Tenho a breve esperança que me beije e não fique borrado em *Lívia Lima - 20 anos e é estudante. você. O garçom veio aqui umas cinco vezes, já olhei o menu mais de dez vezes, sabendo que vou pedir o de sempre. Vejo as pessoas me olharem, ansi- osa batendo o pé, olhando para a entrada do restaurante. Passaram das 22:00 horas, e continuo te esperando como se fosse necessário. 22:30h, acho que você não vem. Tive que chamar o garçom e dei uma boa gorjeta mesmo sem ter pedido nada, ele merecia até mais, pois a cada quinze minutos ele perguntava se eu estava precisando de algo. O algo que eu precisa era você. Fui ao carro, e tive a esperança de te ver entrando feito louco no restaurante, mas eu estava me enganando. Entrei no carro, respirei fundo, mas foi impossível não chorar. Engraçado que foi o mesmo choro de sempre, pelo mesmo alguém de sempre. m dia, o homem não fala- Um dia, cansado e empolga- va, mas pintava, e lutava do, cansado do “só sei que nada pela sua sobrevivência. sei”, porém não do “conhece-te a ti Sobreviveu, apesar dos castigos da mesmo”, o homem quis ir além, um Natureza, e começou a idolatra-la e conhecimento que provasse real- criou o mito, mas não sabia ele que mente tudo que se dissesse, que seria o início de uma grande jorna- provasse a verdade, a realidade, da, de verdade, mentira, sofrimento desenvolveu a ciência. Porém, ele e desilusão. E ele não sabia...quem não sabia...quem ele era. U ele era. * Weidde Andrino - Estudante de Língua Inglesa, estudante universitário de história, jovem escritor. “Faço da Cultura e da Literatura uma necessidade constante, um alimento importante, fazendo com que nutra minha alma e eu siga sempre avante.” Um dia, o homem cansado, Um dia, o homem se sentiu depois de ter tudo isto misturado, e sozinho no mundo, se sentiu imun- em nada ter dado, por resposta ne- do, mundano, moribundo, vagante, nhuma ter encontrado. Juntou filo- como um vagabundo, se sentiu sofia e religião, ciência e religião, e desprotegido, se sentiu fraco, pe- nada. O homem se desiludiu, e dis- queno, e decidiu que queria um ca- se: “Deus está morto”. “Deus não minho para si, ameno. Um cami- existe”. “Onde está Deus que não nho, que mesmo sendo criado por vê tanta desgraça no mundo?” O ele, pela sua imaginação, fosse um homem criou um artefato que des- caminho de esperança e confor- truía seu irmão em poucos segun- to...ele criou...a religião. Um cami- dos...Parecia que era o fim...até nho que a princípio, seria de comu- que... nhão, união. De paz. Mas durante o percurso do caminho, uns homens usaram ela, para ajudar os irmãos, e outros para dominá-los e manipulá-los. Mas, o homem não sabia...quem ele era. O homem parou ao relento... E gritou: “Deus! ” A Natureza chorou chovendo... Refrigerando e refrescando este Um dia, cansado do “era uma vez”, viu no mito, um interdito, e começou a filosofar, para si olhar, ao seu redor olhar, a vida explicar. homem... E pelo sofrimento do homem, veio... As Lágrimas da Natureza. Tentando se desvencilhar da emo- E Ela disse: “Deus está dentro de ção, usando a razão, mas nunca vós, conseguiu. Mas bia...quem ele era. ele não sa- E Ele nunca abandona seus Filhos.” O ano de 2016 finda, finalmente, após ter dado início à interrupção dos 31 anos de redemocratização no país, o mais longo período de normalidade democrática na História da República brasileira. A construção da ordem democrática nas terras do pau brasil parece nunca se completar. No século XX os golpes de Estado sucederam as décadas, tendo sido responsável por mais de um período de exceção, além da instauração de um Estado policial e terrorista na década de 60, marcas inquestionáveis da ditadura militar no Brasil, vigente de 1964 a 1985. O saldo do golpe de 1964 nunca foi devidamente apurado, nem reparado. O Estado brasileiro jamais conseguirá se redimir por ter condenado a tortura e morte centenas de jovens estudantes, advogados, professores, trabalhadores e até religiosos. Não há autocríticas suficientes pelo endividamento, pelos contratos de risco na área de petróleo; não há registro de autocrítica quanto a falta de acesso a bens artísticos e culturais pelos brasileiros e brasileiras, em função da repressão. Não se discute também o atraso na organização política da sociedade, advindo dos 21 anos de exceção e perseguição política aos militantes partidários, principalmente os militantes comunistas. Felizmente, a reação social aos períodos de exceção, a luta por soberania e a luta por liberdade permitiram acúmulo de força política suficiente para derrotar a ditadura com a eleição de um presidente civil e dar início à redemocratização do país, com a eleição de uma assembleia nacional constituinte em 1986. O poder constituinte original consagrou na carta de 1988, considerada uma das constituições mais avançadas da atualidade, o Estado Democrático de Direito, síntese histórica da luta nacional por democracia e liberdade. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.I O pacto político, do qual resulta a constituição cidadã, é antes um compromisso, para romper com o autoritarismo, com a exclusão e com a dependência econômica do país frente às grandes economias. A sociedade se compromete, pela nova Constituição Federal, a construir o desenvolvimento nacional de forma soberana, democrática, voltado a superar a exclusão secular e a garantir os direitos sociais para todos, conforme artigos transcritos abaixo. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A nova carta vai mais além, dirige a sociedade para a transformação do país numa pátria justa e sem preconceitos. (...) Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. A promulgação da Constituição em 1988 dá início a novo desafio, aquele voltado à efetivação dos preceitos constitucionais. Desde então se estabelece um luta concreta que opõe, de um lado, a grande massa da sociedade interessada nas garantias e direitos conquistados, e de outro, a classe dominante dominante na economia, nas instituições e nos A vitória de um governo de feição demo- meios de difusão de ideias, contrárias à efeti- crática e popular em 2002, apoiado em forças vação das conquistas constitucionais. políticas novas, possibilitou a interrupção da implementação do programa neoliberal. No entanto, a interrupção citada não reverteu o que já havia sido alterado. O novo governo se empenhou em busca da efetivação dos direitos e garantias previs- tas na CF/88. Porém, a manutenção intacta da lógica financista na macroeconomia, além da subesti- Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres mação do poder Nos anos 90 o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso conseguiu aprovar emendas à constituição, cujo teor alterou a ordem econômica lá inscrita. As emendas referidas possibilitaram a quebra do monopólio estatal do petróleo e a venda de empresas estatais, como foram as vendas das empresas de telecomunicações, da CSN e da Vale do Rio Doce. Ainda da safra do governo FHC, vieram a reforma da previdência de 1998 e a flexibilização de leis trabalhistas, que possibilitou a ampliação da terceirização, em atividades sem previsão legal. da classe dominante, impediu derrotar os adversários de classe. A explosão da crise econômica mundial no mercado norte americano em 2008, e posteriormente na Europa, atingiu a América Latina, o que fragilizou e comprometeu o caminho al- ternativo adotado pelo Brasil de investimento social e inclusão pelo consumo. As dificuldades econômicas e a correlação de forças políticas desfavorável levaram à inversão do equilíbrio político e à concretização de golpe de estado pela via parlamentar, que afastou a presidenta Dilma do governo federal. A interrupção do novo ciclo político, inicia- Por isso mesmo, o fim do ano de 2016 e do em 2002, foi a via pela qual as classes do- o recesso institucional trazem certo alento pa- minantes viabilizaram a retomada do projeto ra as forças democráticas e populares. Ao neoliberal, em confronto direto com a ordem mesmo tempo, 2017 prenuncia sua chegada democrática, inclusiva e transformadora inscri- num misto de angústia e desafio. ta na Constituição Federal de 1988. Não por acaso, o primeiro passo do go- Considerando que a sociedade não se coloca problema que não possa resolverII, 2017 será um ano de grandes desafios, dos quais inverter o equilíbrio político – atualmente favorável à classe dominante - precisa ser o objetivo comum da sociedade, a ser perseverantemente perseguido e construído. Somente a construção de um novo cenário político no qual prevaleça o protagonismo do trabalho e das Imagem da Internet forças políticas progressisverno ilegítimo do Michel Temer se volta à aprovação da PEC 241/55, que altera completamente o texto constitucional, principalmente tas possibilitará restabelecer a vigência do Estado Democrático de Direito e o respeito à Constituinte Federal de 1988. quanto às responsabilidades do Estado com a I garantia dos direitos sociais, além das reforma II previdenciária e reforma trabalhista, que reduz e flexibiliza direitos e garantias. Na vigência do atual governo – de pouco mais de seis meses -, o congresso nacional, com a autorização do poder judiciário, conse- Preâmbulo da Constituição Federal de 1988. Karl Marx in Forças Produtivas e Relações de Produção. Ao analisar o processo de mudanças na sociedade, o autor identifica na formação social antiga a gênese da nova formação. Porém, a superação da velha formação somente acontece quando as condições materiais exigidas encontram-se amadurecidas. “Por isso a sociedade não coloca para si, nunca, senão problemas que pode resolver, (...) guiram comprometer e fragilizar as conquistas democráticas dos últimos 70 anos. www.virtualcult.com.br SUELY, Dione. Reminiscências Minhas. Natal: Off Set, 2016. R eminiscências minhas de Dione Suely, um livro que me inquietou pela proposta. A autora surge na literatura Norte Riograndense com seu livro em data muito recente, para ser exato aos quinze dias de dezembro deste ano, mas ao conhecer sua trajetória noto que de nada novo existe nesse caminho, já é algo enta- lhado com experiências nos versos e prozas de uma realidade pessoal. * Paulo César Palhares, nascido em 1989, Escritor de literatura infanto juvenil com o primeiro livro a publicar da Saga Lumínios, mundo ao qual inventou e esculpiu cada forma, cultura e idiossincrasias, primeiro título da obra será “A vitória dos Exilados”, lançado pela Editora CJA, professor de Geografia, Consultor de Políticas Públicas Geopolíticas, Resenhista Crítico do Blog www.pcpalhares.com, no qual tem um trabalho desde 2015 e agora da revista Digital Kukukaya, , com mais de cem títulos de livros já lidos, no momento tem se dedicado a autores locais e a conhecer melhor as obras lançadas dentro do Brasil e especialmente no Estado do Rio Grande do Norte. Dione, uma servidora e colaboradora do Poder Legislativo Municipal, dividiu parte da sua vida em prol do seu trabalho e valorização do funcionalismo público e sua outra metade se fazia em letras concatenadas e belas histórias a Reminis- se ler. cências é uma poe- sia diferente das que li e apresento aos amigos, pois ele segue um padrão de escrita diferen- te, mas quanto ao termo de qualida- de muito me agra- dou, particular- mente tenho me tor- nado fã assíduo da literatura potiguar, pela sua produ- ção, pela sua audá- cia, temos inclusi- ve verdadeiros escri- tores guerreiros que são que um livro, nos e mais doam uma trajetória, foi assim com outros amigos (me permito usar esse termo) que aqui apresentei e assim também com a ideia de Reminiscências. Uma construção literária baseado no que pode ser chamado de proza poética, cria o que eu chamo de efeito “Uma tarde de café”, sim, esse efeito é um dos mais prazerosos que intitulo ao ler poesias, você se sente frente ao autor, naquela bela tarde, frente a uma bela paisagem de clima agradável e a tomar um quente e aromado café. Essa sensação exprime para mim uma qualidade literária muito boa, a qualidade da leitura prazerosa, leve e tranquila, assim foi a característica de ler e dialogar com as reminiscências de Dione Suely. Ainda ontem eu tocava flauta no vale das solidões escondidas quando uma águia de prata, de asas longas e garras de vento, veio e roubou-me para sempre de mim. De repente, eu estava nas alturas e nem me lembrava mais se era gente ou pássaro. Viajava sem saber para onde, entregue ao desígnio pássaro *José de Castro, jor nalista, escritor, poeta. Mestre em Tecnologia da Educação. Autor de livros infantis (A marreca de Rebeca, O mundo em minhas mãos, Poemares, Poetrix, Dicionário Engraçado, A cozinha da Maria Farinha, Poemas brincantes). Contato: josedecastro9@gmail.com que tem o rumo desenhado apenas pelo instinto. Sabia da urgência em manter os olhos abertos para contemplar tudo. Sentia um vento frio no rosto e um outro frio por dentro. Então, vi a montanha, uma enorme montanha recortada contra o azul da paisagem. Há momentos na vida que são únicos e que nos apontam novos rumos. O instante breve entre um voo e o pousar no ponto mais alto do mundo me fez sentir que eu podia ser bem maior do que um dia fora. Agora, eu era a própria montanha, e tinha olhos de águia e asas de vento. Naquele instante mágico, tive a plena certeza de que algo diferente acontecera. Tomei a flauta nas mãos, levei-a aos lábios e soprei uma canção: a canção que celebra a inauguração de um novo tempo. Ali, com lábios de montanha, meu sopro de pedra esculpia o grito de esperança tamanha que se ouvia feito um eco para além do infinito, bem mais alto do que a própria montanha. Hoje, sou o coração do mundo a pulsar no ritmo incessante das infinitudes que se agigantam e se aninham em mim. E * Francisco Ramos Neves Dr. em Filosofia Professor de Filosofia – UERN professor.ramos@hotmail.com mbora tenhamos chegado ao fim cronológico do ano de 2016 isto não significa dizer que este ano tenha um fim histórico. Muitos acontecimentos marcantes eclodiram em seus dias e entram para história como momentos que se eternizarão como fatos a serem narrados peremptoriamente e que inevitavelmente serão lembrados como motivos insuperáveis de crises e rupturas da normalidade institucional e humana. Alguns poucos, mas icônicos, fatos serão descritos abaixo para nos mostrar essa tese. uma sociedade humana possível. Este fato abre o tempo para novas ações e novos sujeitos políticos que nos trarão consequências nocivas e imprevisíveis ao bem-estar social das multidões. O que já se percebe pelas medidas tirânicas de uma minoria corrupta que legisla em causa própria para manter seus privilégios atacando e retirando direitos humanos, que tem alimentado ferozmente a indignação social que já abala as estruturas do futuro da paz desejada. Este fato mostra que 2016 jamais se apagará na história e muitos desdobramentos tumultuosos advirão daí. No Brasil, a exemplo de outros países, o ano 2016 nos mostrou a fragilidade das instituições jurídicas de um Estado de Direito destruídas moralmente e politicamente por golpistas que ironizam com a consciência política e sabedoria social ao destituírem uma Presidenta honesta eleita democraticamente e a substitui por mercenários corruptos que fatiam as riquezas nacionais em nome de um novo imperialismo político, travestido de neoliberalismo econômico. Este golpe marca a história de uma tão jovem democracia brasileira e incendeia e amplia as chamas de precedentes golpistas por toda a América Latina e pelo mundo, que assiste atônito a este espetáculo de inominável violência simbólica que faz sangrar até as mais resistentes forças de esperança em 2016 também nos mostra o momento mais nebuloso e devastador de uma grande guerra mundial que se projeta a partir do mundo árabe. O assassinato do embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, em Ancara, capital do país, por um jovem policial turco não apenas mostra a impetuosidade de um homem isoladamente, mas atesta a existência virulenta de uma onda extremista de militantes que agem invisivelmente em todo o mundo. O campo central dos acontecimentos ainda é o mundo árabe, mas o terror ronda todos os continentes como fantasmas apocalípticos. O policial turco apenas protagonizou mais uma cena mínima de um genocídio que se perpetua em todos os lugares, onde explosões, atentados, quedas de aviões, bombardeios de todos tipos deixam um rastro do inumano que habita o mundo. A Síria é apenas um pedaço do que se avizinha. A carnificina e a barbárie que tomam conta das cidades em guerra, principalmente em Aleppo, evidenciam novos exércitos mercenários que imitam na forma mas inovam-se, nos motivos e recursos tecnológicos, as condições bélicas adotadas pelos povos bárbaros do passado. Estados esquecem suas roupagens de guardiões da civilidade e legalidade e investem no terror de uma guerra torpemente geopolítica. A Turquia direciona seus tanques e fortalece suas estratégias de apoio aos rebeldes contrários ao governo do questionável presidente sírio, Bashar al-Assad, e nesse empreendimento derruba aviões russos que apoiam com bombardeios contínuos cidades que servem de base para os oposicionistas e entra decididamente nessa guerra. E a Rússia sob liderança do neo stalinista, o presidente russo Vladimir Putin, participa do conflito na Síria em apoio ao governo e não tem poupado bombardeios em Aleppo desde final do ano de 2015, destruindo impiedosamente regiões possivelmente ocupadas por rebeldes, sem livrar civis e famílias de inocentes que já somam mais de 400 mil pessoas mortas no conflito. Possivelmente por isto um avião militar russo caiu misteriosamente, supostamente por atentado, no mar Negro com 92 pessoas a bordo, a caminho para uma de suas bases militares na Síria, ironicamente para participar e animar, com um renomado coral e grupo de dança russos, uma festa que comemoravam com os seus aliados a vitória provisória na cidade de Aleppo. Como se festejos natalinos combinassem com a carnificina do presente e a tragédia internacional que o conflito reserva para o futuro das nações envolvidas. Cada vez mais, os episódios mostram que o mundo ainda vai chorar lágrimas de sangue por Aleppo; não apenas por esta outrora próspera cidade financeira e industrial turca, mas por ser um marco da escalada violenta no mundo pós 2016. Ainda entra nesse barril de pólvora o movimento xiita Estado Islâmico (EI), que realiza ações especificamente terroristas, provocando uma verdadeira guerra dentro da guerra, espantando qualquer possibilidade de paz. Turcos, russos, americanos, jihadistas, milícias curdas e forças de segurança sírias e outros grupos mercenários e exércitos europeus fazem da Região o inferno terreno insuportavelmente dantesco, onde o humano se ausentou para dar lugar às monstruosidades de toda espécie. A primavera árabe jamais se realizará em belos frutos e nunca encerrará a disseminação de suas flores de ódio e maldade depois dos ocorridos na Síria em 2016, e se transformará em tempestades de sangue e lágrimas. Para completar a finalização cronológica do ano de 2016 que irá paralisar o calendário histórico que sempre marcará este eterno ano, Israel destila seu ódio, contraditoriamente em nome de Deus, sobre os palestinos e se rebela contra seu maior aliado que cansara de lhe apoiar incondicionalmente nesta luta geopolítica e esdrúxula “guerra santa”. Guerra que se disfarça em assentamentos que tentam esconder seus mórbidos desejos imperiais e destrutores de sua voracidade etnocêntrica. E em louvor aos novos tempos infindáveis de guerra, o louro maluco do império americano, que é conduzido ao trono em 2016, grita em coro demoníaco o hino do novo apocalipse: -- “Que recomece a corrida armamentista”. Por tudo isto e muito mais, 2016 não se encerra historicamente em 31 de dezembro, mas se perpetuará na história como começo de novos tempos sombrios, onde nem os mortos estarão em sossego. A Terra circula solta no espaço, flutua na imensidão sideral, já não está presente Atlas para suportar seu peso. O homem já foi ao espaço, criou espaçonaves, e observou que Atlas não existe, era apenas uma suposição, e a imaginação daqueles que ainda não poderiam chegar ao espaço, e olhar a Terra de um outro ângulo, confirmando a tese. * Roberto Cardoso IHGRN/INRG I situtoàHistó i oàeà Geog i oàdoàRioà G a deàdoàNo teà I situtoàNo te-RioG a de seàdeàGeealogia Da Terra que era plana, e os oceanos desaguavam para o infinito no horizonte, tornou-se redonda. O homem sempre procura respostas para o que percebe. E não tendo respostas, atribui aos deuses, tudo que percebe, não tem respostas, mas percebe os efeitos. Sabe e vê, mas não pode fazer. É necessário atribuir uma causa, ou um efeito causador, o provocador de um fenômeno. Mas o céu e o espaço trouxeram inspiração para descobrir formas e movimentos. Descobrindo novas terras. E de Atlas restou um conjunto de mapas, representando a superfície terrestre. Um dia pensou-se que a Terra era plana, e segundo a história, que nos foi contada, Colombo queria navegar para chegar ao ponto de partida, por um outro lado, provando uma teoria da esfericidade ter- restre. Pouco se sabe sobre suas outras intenções, se era para provar que a Terra era redonda, ou para descobrir outras terras que já se sabiam existir. E situação tal aconteceu com Cabral, sobre saber seu destino. Confirmado pela cruz avistada no céu, a partir do Hemisfério Sul. Enquanto navegavam ou caminhavam no Norte, só havia uma estrela que determinava um destino, um ponto cardeal, o rumo norte, apontado pela Estrela do Norte. E assim começam os norteamentos das ideias. O olhar para o Norte, deixou de ser uma referência geográfica, para ser uma referência civilizatória e do conhecimento. O olhar para onde estava um povo desenvolvido. E por um destino premeditado, a bandeira brasileira, foi confeccionada, com uma estrela acima, da faixa, simbolizando a linha do Equador. O Brasil sob um eterno domínio de lideranças acima do globo. A partir do Hemisfério Sul, com o Cruzeiro do Sul, surgiram outros direcionamentos. Com novos objetivos, já que estavam em outras terras, a princípio sem donos. Poderiam ocupar e explorar o que encontrassem com autorização da igreja, em contato direto com Deus. Hoje todo mundo sabe citar o nome das caravelas de Colombo, mas as de Cabral não são citadas. Falta de informação ou falta de interesse em fazer parte da história as caravelas de Cabral. Desde o tempo do início do aprendizado, somos tendenciosos a um maior conhecimento, ainda que breve, sobre a América. O conhecimento da história do Brasil se baseia em exploração e ocupação das terras, colocando os brasileiros, como um povo subalterno. Não se construiu a história de um povo brasiliano. Preferiu-se a denominação de grupos trabalhadores, os que desembarcavam para a extração de pau brasil, os brasileiros, que chegavam para ocupar as novas terras. A cruz foi o maior legado de Jesus Cristo. Todos em sua época, eram sacrificados em um madeiro, um tronco fincado no solo. Com a crucificação de Jesus, fortaleceu-se o símbolo da cruz. Reinou a cruz e o crucifixo. A cruz com suas linhas ortogonais, que influenciou pessoas e pensamentos, a partir de duas linhas retas cruzadas. A ligação entre o Céu e a Terra. O olhar do homem sobre a terra, da cruz se fez o arado, a pá e o machado; com pás e picaretas remexeu a terra em busca de riquezas. A cruz de Jesus no ocidente, foi levada por Paulo pelo mar Mediterrâneo. No continente europeu aconteceram as cruzadas, usando a cruz como punhais e espadas. Espanhóis e portugueses, com uma cruz sobre seus barcos, formaram os mastros, construíram suas caravelas, estampando cruzes em suas velas. E partiram no rumo ocidente. O mesmo aconteceu com a maçã. No oriente fez parte da história de Adão e Eva, seguindo para o ocidente fez história com Newton na Inglaterra, seguindo mais adiante, e mais para o ocidente, chegou nos EUA, com Steve Jobs e a Apple. E três maçãs mudaram o sentido e rumo do mundo: a maçã de Adão e Eva; a maçã de Isaac Newton e a maçã de Steve Jobs. Em Nova Iorque, a Big Apple. Com a cruz o engenheiro fez seus instrumentos de trabalho, régua, compasso e esquadro. O advogado na condição de juiz fez seu martelo, decretando penas e sentenças. E o médico antes da medicina científica, com o curandeirismo fazia suas rezas. E a cruz sobre o peito tornouse um estetoscópio, ouvido as batidas cardíacas do outro. Jesus foi médico, advogado e engenheiro; curou, construiu e defendeu. As três profissões fundamentais: médico, advogado e engenheiro, e destas surgiram outras. Descartes apropriou-se da cruz criando gráficos, que perpetuaram seu nome, em planilhas e projetos. Um gráfico que até hoje é usado pela ciência. Usado para fazer projeções e estatísticas, prevendo um futuro, com informações coletadas no passado. Uma cruz que serviu de esquadro, régua e compasso facilitando desenhos da engenharia. Com uma cruz foram feitos os postes ao longo das estradas de ferro, transferindo mensagens em Código Morse. Com torres em cruz, transferem energia elétrica. Um código baseado em pontos e traços, tal como as dualidades do dia e da noite, e do computador com zero e um. Com a descoberta da eletricidade, os postes passaram a levar energia elétrica, estacas em forma de cruz, com fios suspensos de positivo e negativo. E então, informando e comprovando que a Terra era redonda, trouxeram como resultados as caravelas. A tomada de Constantinopla serviu de alternativa e estratégia para os europeus; que se lançaram ao mar e descobriram outras terras, e outros caminhos. Evoluíram a ciência com os transportes marítimos. O europeu saiu da caixa em que vivia. Muitos podem ter sido condenados à fogueira por teorias contras as que já existiam e estavam consolidadas. O local de formação do conhecimento era a igreja, e só valia o que ela consentiu, e tinha suas provas, criadas em mosteiros, como o berço do conhecimento. Caiu o conceito de que a Terra era plana, e formou-se o conceito de que a Terra era verdadeiramente redonda, como comprovado pelas navegações, pela aproximação ou afastamento de um navio no horizonte. Os mastro era o primeiro ou o último a ser avistado, de acordo com o destino do barco. E até pela sombra sobre a Lua, quando ocorre um eclipse, também pode ser observado a esfericidade da Terra. As navegações eram aprovadas pela igreja. Os reis eram católicos. O descobrimento do Brasil, a ocupação da terra e o processo de catequese, também foram com o consentimento da igreja, que determinava as leis e o Direito. Até hoje nas faculdades de Direito, começam seus estudos pela lei mosaica; e código de Hamurábi, um código bastante antigo. E os melhores referenciais do direito estão na Itália. O país que lembra uma bota, com um chute inicial palavras, que diferem de acordo com o local e o momento que são usadas, elas não são únicas e não são eternas, Até porque o uso das letras tem um limite, para definir tantas coisas. E algo só existe a partir do momento que passa a ser conceituado. E desta forma muitas coisas se repetem. A Terra gira livre no espaço repetindo alguns movimentos. A começar com um giro em torno do seu próprio eixo, criando então o dia e a noite, de acordo com o lado voltado para o Sol, ou voltado para o espaço. A partir do conceito de dia e noite, podemos criar outros conceitos antagônicos, claro ou escuro; sim ou não. quente ou frio; sólido ou líquido. O movimento em torno do Sol dá origem às estações do ano, classificadas em quatro momentos, sempre repetidos. Outros movimentos acontecem, como uma mudança do eixo, tal como uma bola ao ser girada. E outros conceitos surgiram. Como a Terra redonda e achatada nos póImagem: http://www.todoestudo.com.br/geograia/origem-da-terra los, facilitando a Lavoisier afirmou construção de maque nada se cria e pas por cartografias diferentes. Por um período nada se forma, tudo se transforma, enquanto de tempo afirmou-se que seu formato seria peChacrinha dizia que nada se cria e tudo se coroide, assim como uma pêra, com um dos lapia, ou seja tudo um dia se repete, em algum dos, em um dos polos mais volumosa. Outro lugar, mesmo que seja de uma outra forma, e conceito seria que ela é redonda, mas um tanto vejamos alguns exemplos, a partir da cidade disforme, com o deslocamento dos continentes. de/do Natal/RN (de acordo com o autor). Um E assim são os conceitos, um superando o ouLavoisier na política também fez história em tro, de acordo com um momento e de acordo Natal/RN. com o conhecimentos. E assim também são as Um dia os holandeses invadiram Natal, em um tempo onde o que era mais valioso a cana de açúcar. Hoje a mercadoria de valor maior é o conhecimento. E os holandeses travam atualmente uma outra disputa com os portugueses, na Avenida Roberto Freire, onde encontramos Maurício de Nassau e Estácio de Sá (Batalha na Avenida Roberto Freire. Publicado no Jornal de HOJE; Natal;/RN). E ainda existe uma associação entre potiguares e americanos, entre os concorrentes portugueses e holandeses, instalados na mesma avenida... Enquanto os ocidentais imaginavam Atlas segurando o mundo, os orientais imaginavam que o mundo estaria nas costas de um elefante. E o mapa do RN, lembrando o contorno de um elefante, tem o mundo representado em suas costas, com cidades que lembram outras cidades do país e outras cidades do mundo (Elephante de Shiva. Publicado em O Mossoroense: Mossoró/RN). Um outro local que lembra um elefante é a Suíça, com sede de várias organizações mundiais. Tudo de um modo ou de outro, se repete. A Bíblia é um livro para ser sempre interpretado sistematicamente, de acordo com a evolução do tempo. ações: como dias ou noites, sendo uns maiores que outros; um céu com várias Luas; algo diferente de animal, vegetal ou mineral. E então voltemos aos conceitos e as palavras. Nenhum e nem outro é eterno para que possa ser atribuído um autor, tudo muda com o tempo. Alguma coisa que é válida no lado dia, pode não ser válida no lado da noite. Algo imaginado no lado dia, pode ser também imaginado do outro lado, quando esse for dia. As ideias não são únicas, estão soltas no espaço, onde várias pessoas podem captá las, intuí-las a partir de algo semelhante. O imaginário de ideias soltas no espaço já foi comprovado com experiências com animais situados em ilhas diferentes. Uma afirmação para os que só acreditam na ciência, com experiências comprovadas por fatos e estatísticas. E a partir dos movimentos da Terra limitamos nossas definições e nossos conceitos. Vivemos um mundo limitado a partir do que é encontrado. Fica difícil Código de Hamurabi - Foto da Internet imaginar outras situ- A ciência é como uma religião, onde com dados coletados afirma-se um futuro. E aguardase com fé os resultados, baseados em estatísticas que tal evento deverá se repetir. Hoje é muito comum em períodos de chuva, ouvir no noticiário que em determinado local, choveu Os Mistérios da Bíblia em um dia toda a precipitação aguardada para um mês, segundo dados coletados ao longo de um período de tempo. As chuvas esperadas, também podem não chegar. Faltam a meteorologia e a climatologia refazer seus cálculos, inserindo informações da alteração do ambiente. Alterações da tecnologia e alterações do aumento de população, com o desmatamento e urbanização de grandes áreas alterando o regime pluviométrico. Da mesma forma é a Bíblia, que pode ser reinterpretada ao longo. do tempo. Crescei e multiplicai já não se refere a procriação da espécie, mas multiplicar e crescer o conhecimento. Oferecer a outra face, oferecer um outro ouvido para escutar novamente aquilo que não foi entendido. No início tudo era um caos, pode ser comparado a uma viagem pelo espaço atravessando a camada de planetoides com vários asteroides cruzando a trajetória de uma nave espacial. Separar as terras das águas, pode ser percebido ao utilizar o Google Earth, aproximado-se da terras e surgindo os continentes. E fez-se a luz, uma astronave ao entrar na atmosfera depois de estar na escuridão do espaço. Lembrando também que na Bíblia há uma passagem que diz, carruagens de fogo descendo do céu. naquele momento os observadores só reconheciam uma carruagem como transporte. Pela teoria de deriva dos continentes, um dia estavam todos juntos e se separaram. A eterna presença da Bíblia de acordo com um conhecimento ao longo das épocas. E o mesmo se dá com o Alcorão, com conhecimentos bem remotos, continuam sendo válidos. convivência em nossa so- Para os escritores, ler é inspira- ciedade atual exige que a ção, é ferramenta de trabalho, é capacidade de ler seja impres- insumo, é fonte de escrita, é auto cindível, essencial mesmo. realização, é projeção, que in- A Em todos os lugares que olhamos tem algum texto, seja no supermercado quando vamos escolher um produto, seja na parada de ônibus para escolher o veículo correto. É realmente difícil encontrar um lugar sem texto. * Johnie Neves Graduando em Ciências Sociais — UFRN. centiva quem escreve e quem está lendo, ao mesmo tempo é causa e consequência do seu ofício, portanto, faz um bem danado. Para os professores, ler é conhecimento, é atividade laboral, é motivação, é crítica, gera expectativa e incentivo docente, A escrita e a consequente exi- servindo de exemplo aos alunos gência da leitura estão em todo e por isso faz bem. Para os alu- lugar. Esse também é um sinal nos, ler é descoberta, é estudo, de evolução dos grupos sociais, é viagem, é entretenimento, é como nos ensina a Antropologia, fuga, é miragem, é deslumbre, é a linguagem falada e escrita é sentimento, de vários tipos, in- um ponto determinante na evolu- clusive daqueles que só fazem o ção dos povos. bem. Para os médicos-neurocientistas, E aqui temos uma questão: ler é uma fantástica maneira de quem de nós não tem um pouco fazer ginástica sináptica, refor- de escritor, de professor e de çando as relações neuronais, aluno nessa vida? Em algum fortalecendo o cérebro, aprimo- momento somos todos esses, às rando a memória, por sua vez vezes até ao mesmo tempo. En- tornando-o mais ativo e saudá- tão podemos afirmar que todos vel, e isso reflete no organismo esses “fazer bem” da leitura se de maneira única, melhora o so- aplicam a nós. Somos beneficia- no, a concentração, o equilíbrio, dos por esta prática de tantas entre outros, fazendo ao ser hu- formas, que seria impossível mano um grande bem. descrever todas aqui. A leitura é um exercício, uma prática, que po- sociais. Quem tem a leitura como rotina, tem de se transformar num hábito, daqueles que a um leque de opções infinitas. gente não se imagina mais sem. É cativante ler. É prazeroso. Ler é uma atitude de autonomia, de posicionamento, de afirmação, visto que dentre infinitas possibilidades de leitura, principalmente na Além de todos esses benefícios, procurar ler bem, ou seja, adotar a leitura como parte do dia a dia, refinar seus conteúdos, escolhendo fontes seguras de texto, lendo os clássicos e contemporâneos, a atualidade, leitura tem o poder com o recurso de fazer das pesso- incalculável da internet, as, não só repetido- esco- ras de informações, lher o que ler é mas sim verdadei- uma decisão. E é lendo, do, ros justamente discernimento. analisando coisas que é possível decidir com maior liberdade e precisão. Ler é remédio para a ignorân- cia, que é também uma das graves doenças com opiniões próprias e refletin- e criticando as críticos, In- centivar a leitura, ensinar a leitura, motivar a leitura, deve ser uma missão de todos aqueles que leem bem, pelo próprio bem que a leitura faz. Vamos ler bem mais! O poeta Oreny Júnior estreia em livro com a “Fórceps” (Sarau das Letras, 2015), tra- língua balhando exaustivamente a palavra, palavra esta que se preocupa com uma organização dos versos na tentativa de renovar, fugindo um veio alinhavando pouco da poesia lírica, em algumas formas, a como no poema “anuviando” veia nuvens veio em alinhavando forma de “Fórceps” nos oferece uma poesia competente, muitas vezes, poeticamente den- poemas sa, reflexiva, e bastante intrigante. Com varia- caem das gamas temáticas e um virtuosismo técnico nos que vem de uma obstinada atividade criativa. meus A maneira do poeta versejar é de uma sensi- cemitérios bilidade criadora em sintonia com a matéria- O poema é a materialização, a poesia prima trabalhada: a palavra, num processo de é espirito, a arte encontra-se como elemento subjetivo, na alma da forma, que é poesia. *Thiago Gonzaga é escritor e pesquisador. Autor de “Presença do Negro na Literatura Potiguar & Outros Ensaios”, “A Arte Poética de Diógenes da Cunha Lima”, dentre outros livros. “Fórceps” projeta-se em várias dimensões, desde a suavidade do lírico ao real cotidiano, posicionando a técnica como o centro da sua poesia. Em alguns momentos, nos faz lembrar João Cabral de Melo Neto, com a sua preocupação técnica em montar o poema quase que de maneira arquitetônica. Em “Fórceps” é evidente o cuidado com a forma poética, numa tentativa de tradução do sentimento do eu lírico, porém o conteúdo não traz novidades. Vale ressaltar a ousadia formal, em alguns versos, que deslizam pelas fronteiras das palavras. Vejamos o poema abaixo: seleção e arrumação vocabular e vasta exploração de significados. Oreny Júnior canta nos seus versos uma incessante busca pela plenitude da criação artística. Em algumas passagens, o eu lírico revela preocupação quanto ao sentido filosófico da existência e demonstra a capacidade de transformação do bruto e doloroso em algo bucólico e suave. O eu-lírico nos faz crer que não basta trazer a síntese do que é abstrato ou concreto, e sim transformá-la em poesia. Além de fazer sentir esse apuro, é na expressão poética que ela tem forte presença da subjetividade, da idealização e da fantasia. Nota-se, especialmente, o caráter visual alcançado em alguns poemas, que repre- alinhavando sentam uma expansão no alcance e na ima- a a poesia necessita ser vista. Por fim, reitera- gem da poesia. Para o poeta, além de ser lida, linha mos que “Fórceps” é fruto de um demorado veio processo de montagem e reflexão, de um poe- alinhavando ta que dá inicio a sua carreira com o pé direito. POETA EM DESTAQUE O escritor Diógenes da Cunha Lima nasceu em Nova Cruz (RN), 1937, estudou em educandários de Natal e formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Natal, 1963. Ocupou diversos cargos relacionados ao ensino e à cultura. Foi Secretário de Estado da Educação e Cultura do Rio Grande do Norte, presidente da Fundação José Augusto. Atualmente, continua em pleno exercício da advocacia, sem deixar de lado sua grande paixão, a arte de escrever, sendo inclusive, Presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras e membro do Conselho Estadual de Cultura. Estreou na poesia com Lua Quatro Vezes Sol (1968). Seguiram-se Instrumento Dúctil (1975) – Prêmio Othoniel Meneses de Poesia –, Corpo Breve (1980). Publicou, até o momento, 24 livros, entre estes: Câmara Cascudo: Um Brasileiro Feliz, Livro das Respostas, Solidão Solidões e Memória das Águas, e lançou-se também como compositor, tendo gravações musicais em CD – “O Alfabeto e Outras Canções Infantis”, “Celebração” (em parceria com Nelson Freire), “Flor de Liz” e canções populares com diversas interpretações. HAICAIS CALIFORNIANOS TRAPISTA HAICAIS de DIOGENES DA CUNHA LIMA Pela paz do convento (aicai sao borboletas em palavras Levadas pelo vento. DCL Suave vao as nuvens REFLEXÃO SÓIS No cais da cidade: Esta menina A vida e so partida Faz sol ao sol INDEFINIDO UM INSTANTE Esse barco perplexo O amor e quando Pra eternidade. Se inunda e afunda )nteiro e reflexo. E o ilumina. A luz do crepusculo Cria passaros voando. PEQUENA ELEGIA RURAL O INVENTÁRIO DO BOM SENHOR “Voilà ma route - avec le paradis au bout.” - Verlaine - nada como estar a sós com o passado sobretudo à noite não se agite entre árvores imersas em sonhos e reminiscências não perca a alegria cujas raízes procuram nas profundezas três anjos velam por você a revelação do mesmo segredo e mandam acionar que acima busco nas estrelas o gatilho da paciência IDEOLOGIAS é chegada a hora de parar a montanha começamos a nos afastar do século XIX alguns dos nossos naufragaram ontem outros ainda naufragam o maná do deserto não chega ao mar que se mantém revolto mas as horas incertas se dissipam como nuvens nas águas o canto das sereias virou fábula ensinada aos que não querem ver quem ousará dizer à fonte que ela não secará mas jamais será a mesma? e não pisar nos mortos entre as miragens aprenda a conduzir-se veja-as sem apego e não as toque: estão contaminadas pela solidão guarde a palavra e no caminho persista alguém o espera e seu jugo é suave RAZÃO VERSOS PÉTALAS Clécia Santos Vejo-me rabiscos Numa tela qualquer Mas nas mãos e razões Do Alfredo Neves... Vejo-me cair pétalas Coloridas e nubladas Acho que há sorrisos Sem juízos. Acho que há choros Em mil emoções. Poema inspirado na tela “Outono” de Alfredo Neves Mas vejo-me rosa Lapidando-me forma De um palpitar coração . A MENINA E A PLACA àààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààOreny Júnior quem me fomos quem se somos se gnomos bruxos inconsequentes ou um simplesmente feixe de luz digamos vagalume vaga alumiando nossos sonhos passados e muitas vezes as mesmices do nosso dia a dia passando se despercebido mas ela está lá a placa está lá estará la'inda desinformando uma lagoa uma rua um aeroporto um pouco uma chegada uma despedida mas lá la'inda aos que chegam e não perguntam é a'qui que quero a viela de viola de rua pampulha setenta e um na rancharia da poesia dos sorrisos das solidões das a'legrias e a'lergias de corticóides engraxando a manequim desindesejada na dentadura de uma d'ieta não querida indeferida de um mal me quer e sem donos sem domos sumimos no receituário geográfico de um correio onde não se acha o endereço da feliz cilada cidade felicidade TIRE OS SAPATOS Cecília Farias Hoje eu visitei meu jardim Trouxe algumas flores Cheiravam a esperança Mas estava escuro, deixei pra lá Mas a frente havia um trevo De quatro folhas Dizem que dá sorte Senti alegria Custou, mas o vento levou Resolvi não voltar ao jardim Nem procurar o trevo Nem nada Eu só tiro os meus sapatos aqui E os imagino por lá SAUDADE DO NADATUDO Michelle Paulista Dizem que é melhor sentir saudade do que já se teve. Penso o oposto: bom é sentir falta do que nunca se teve, posto que tendo tudo, não há faltas. E nada se tendo – além da falta, que já é tanto – pode-se ter tudo: Sobremesas que não foram degustadas Cotonetes à vontade Roupas adquiridas fora das “4 festas do ano” Colos e mimos dela Pai em festinha escolar Afagos Despojos Excedentes Tenho tudo e de tudo tive (muito pouco tendo) Porque imaginação e sonho abundam no nada Em que desejos habitam o possível Minhas quimeras – muitas, inexprimíveis, prementes – preenchem o continente entornado das minhas ausências. AS CONDIÇÕES ESPISTEMOLÓGICAS DO CONHECIMENTO: UM ENSAIO ENTRE CIÊNCIA E POESIA. AS CONDIÇÕES ESPISTEMOLÓGICAS DO CONHECIMENTO: UM ENSAIO ENTRE CIÊNCIA E POESIA. Paulo Victor Félix de Azevedo - Mestrando PGCS-UFRN Resumo: Este artigo consiste em um ensaio literário, de caráter cientifico e poético, com foco em questionamentos pertinentes da contemporaneidade, colocando em pauta as discussões epistemológicas da produção do conhecimento. A ciência é feita de revoluções de paradigmas, portanto é preciso confrontarmos pressuposições seculares que se enraizaram como dogmas no fazer cientifico. Interrogações científicas contemporâneas, pode-se denominar, orientam a intuição filosófica desse artigo, através de uma proposta que possibilite o diálogo das narrativas poéticas e populares como formas eficientes de produzir conhecimento, tão válidas quanto as explicações cientificas. Nesse sentido, a sensibilidade artística é uma possível aliada para a disposição de um fazer cientifico mais arejado, mais consciente de suas posições, ao invés de mascarado de uma suposta impessoalidade racional. A proposta deste ensaio é abrir os horizontes da linguagem acadêmica em uma expectativa de uma nova forma de construção de saberes que opte por compreender tanto a tecnociencia quanto os saberes da tradição, que respeite o pla- neta Terra ‘’Gaia’’ tanto quanto fonte de recursos, tanto quanto como ser vivo. É nessa perspectiva que buscamos na ética de um fazer cientifico optar pelo caminho da bifurcação. Palavras chaves- Ciência; Poesia; Epistemologia; Gaia; Ética Abstract: This article consists in an literary experimentation, with scientific and poetic characteristcs, focusing its investigation in relevant questions of contemporaneity, putting in schedule epistemologic discussions of knowledge production. Science it´s about revolutions of paradigms, therefore its needed to fight against secular pressupositions that rooted like dogmas in the way scientists make Science. Scientific contemporary questions, how can we call this discipline, guide us to the filosofic intuition of this article, through the proposal that make possible the conversation between poetic e popular narratives as an eficiente way of produce knowledge. So valid as scientifics explanations. In this sense, artistic sensibility it´s na possible ally for the disposition of an airy way of making Science, instead of some alleged impessoal racionality. The proposal of this test in open the horizons of academic language in na expectation of a new way for building up knowledge, that choose to understand both technoscience as traditional knowledges, that respects the planet Earth ‘’Gaia’’ both as font of resources as living being. So it´s in this perspective that we look for in the ethic of making Science in a bifurcation way. Keywords: Science; poetry; epistemology, gaia, ethic; Introdução Em meandros do século XXI presenciamos uma eminente mudança para outra maneira de viver, a humanidade encontra na crise as mesmas forças para sua superação. Antes do advento da ciência moderna, e no percurso da historia da filosofia e das ciências, a religião cumpriu o papel epistemológico de explicação e interpretação do mundo da vida, a realidade que experimentamos na pele. Atualmente a ciência cumpre o papel de religião a partir do momento que o dogmatismo metodológico se transforma em certo maniqueísmo cientifico, onde se distingue a veracidade da narrativa cientifica como a forma certa de apreensão da realidade, e qualquer narrativa de outra ordem como errada. Essa problemática epistemológica é pertinente e presente em nossas investigações cientificas contemporâneas, Rupert Sheldrake em sua obra ciência sem dogmas traz a tona as pressuposições seculares da ciência moderna que enrijecem as bases da filosofia materialista. A grande sustentação do dogma cientifico consiste na concepção de que só existe a realidade material, quando se afirma que a consciência humana é apenas um subproduto da atividade cerebral, e que as leis da natureza são fixas e imutáveis que fundam as bases da filosofia e ciência mecanicista (SHELDRAKE, R. 2014). A ciência desde o séc. XIX passa a adotar uma linguagem passiva, em seu estilo de escrita de forma que possa aparentar a mais objetiva, impessoal e profissional possí- vel, contudo a crítica de Sheldrake enfatizada por nós neste ensaio é que o conhecimento não está desvinculado do corpo, ou seja, ele não deixa de ser afetado por ambições e interesses e desejos pessoais. A ciência não tem o acesso exclusivo à verdade. Narrativas populares, poesia e mitos Desde os tempos mais primórdios a humanidade se expressa através da linguagem, Edgar Morin (1998) ao falar de poesia, nos remete a ideia de que a humanidade sempre operou através de duas formas de lingua- gem: uma racional, técnica, prática e empírica; enquanto a outra simbólica, mítica, mágica e sensível. Essas duas formas da linguagem habitam em nos como dois seres que constituem o tecido de nossa vida, prosa e poesia respectivamente. Através desses estados de prosa e poesia a tessitura da nossa vida é costurada, porém há de se perceber que dentro das instituições e ambientes acadêmicos ou burocratizados certamente a linguagem prosaica impera, reiterando um processo evidenciado por Morin que é a disjunção entre prosa e poesia. Estamos acostumados a saber que dentro de ambientes jurídicos ou em discussões políticas os únicos argumentos validos são os da ordem da razão, enquanto os encantos da poesia são empurrados unicamente para os universos da música, literatura, da arte e da cultura popular. Por meio de narrativas poéticas e míticas religiões como o Candomblé, a Jurema, a Umbanda, o Budismo e inclusive o Cristianismo, explicam a criação do universo e fundam as bases epistemológicas de sua própria historia e filosofia. É responsabilidade da poesia o processo em que a realidade ganha consistência na narrativa do mito, a teoria do BigBang por exemplo, influenciada por estudos de Einstein e apresentada em 1948 pelo cientista russo naturalizado estadunidense George Gamow, formula uma hipótese de um universo nascido após uma grande explosão cósmica de 10 a 20 bilhões de anos luz atrás. O próprio conceito de átomo, ao analisarmos em uma dimensão estritamente materialista não faz sentido, pois o átomo dentro de si consiste em mais espaços vazios do que matéria. A bíblia cristã, ainda que sobre efeito de varias traduções ao longo das décadas, narra à criação do mundo em sete dias, se metodologicamente pensássemos a historia da vida na terra em um período de 24hrs, toda a historia da humanidade poderia ser contada nos últimos sessenta segundos do ultimo minuto do dia. Nos termos de Morin, as narrativas míticas se explicariam pelo estado poético, enquanto as narrativas acadêmicas se explicaram pelo estado prosaico, mas será que não devemos nos perguntar qual a fronteira que separa esses dois estados? É nesse sentido que a Sheldrake nos traz a compreensão de que todo método tem suas limitações, precisamos admitir que a crença dos pesquisadores influencie tanto na construção quanto no resultado das pesquisas. A metáfora tem o poder poético de falar da realidade no sentido dos artistas e espiritu- alistas, enquanto o argumento é quem tem valor no mundo da razão materialista, não nos seria possível, portanto pensar uma interface entre a dimensão materialista e espiritualista. Em minha trajetória de pesquisa pessoal sempre me interessei em estudar a cidade, e procurar ler suas paisagens como um livro aberto a diversas interpretações, nesse sentido um livro que chegou as minhas mãos em um sebo de rua intitulado ‘’Poetas do sarau suburbano: ritimo e poesia’’ me atravessou de uma forma impar, e aqui retrato uma fração de vivência em uma poesia que se encaixa com o momento: LUTER Desabafo da realidade Conhecimento é tudo Para a construção de um novo mundo, Sem muros, sem grades Todo mundo em liberdade Viver sem vaidade É o que precisa a sociedade Falta amor no coração da humanidade Desigualdade é o que gera o conflito Entre o morro e o asfalto O governo fazendo sempre o povo de palhaço A vida não é fácil, Mas se ficarmos de braços cruzados nada vai mudar. Não adianta só reclamar Que irá continuar da mesma forma A sociedade fingir que não vê a sua volta Miséria, desgraça. Crianças dormindo na calçada Ninguem faz nada Pelo futuro da pátria Identidade roubada A vida apagada A injustiça não vai parar Será sempre assim? por parte dos canalhas Que governam o país Infelizmente Nós sentimos impotentes Diante da opressão do sistema capitalista Que lucra em cima da periferia Informação é a chave Carta de alforria pra nossa Sonhada liberdade A poesia retrata a informação como chave e carta de alforria para os aprisionamentos de uma percepção dogmática. Como evidenciou Sheldrake (2014, p.20) as crenças de uma ciência dogmática por certo protegem a cidadela da tradição, mas são elas as mesmas que agem como barreira para o desenvolvimento de um pensamento aberto. Seria preciso, portanto, escolher o caminho de uma bifurcar o nosso pensamento (ALMEIDA, 2004) para pensar uma nova aliança que aposte no dialogo do homem com a natureza e numa simetria respeitosa entre as várias formas de representação do mundo. Caminhando para uma nova forma de construção dos saberes A ciência por muito tempo se escondeu por trás de um manto de racionalidade, mas é preciso dar atenção às revoluções científicas como Thomas Kuhn já bem dizia, devemos estar cientes o quanto a nossa própria experiência condiciona a formulação de interpretações, e por isso que enquanto cientistas, precisamos constantemente nos reinventar de modo que o pensamento permaneça arejado leve e em movimento. Em sua obra ‘’o tempo das catástrofes’’, Stengers (2015) salienta uma narrativa inovadora de modo a dedicar-se um inteiro livro cientifico modelado em uma estrutura estética da literatura e da poesia. A narrativa construída pela intrusão de Gaia (STENGERS,2015) se fundamenta uma forma de pensar o planeta terra enquanto entidade viva contra o discurso de que o progresso não pode parar, é necessário antes pensar a responsabilidade em relação aos danos e ameaças que se acumulam e estão cada vez mais evidentes, desde a exploração do petróleo até a transgenia alimentar. Nomear Gaia em um sentido operacional significa ir de encontro à ideia de oposição brutal entre os saberes científico e mitológico narrativo, aliás, como salientado por reflexões de Almeida e Morin, essa operação pode ser encarada como um manifesto contra a tirania dos conceitos, os conceitos são ferramentas, meios e nunca fins, devemos então saber utilizar a natureza nômade e fluida nos conceitos, eles são os remos e não as âncoras. A relevância de Gaia no pensar ciéntifico de Stengers é fundamental no que diz respeito ao desenvolvimento de uma arte de cuidar e ter respeito, no sentido de cultivo de uma relação com mais sabedoria, como as registradas por povos antigos. É de acordo com essa perspectiva a sintonia entre o pensamento de Stengers e a ideia de a tecnociencia tem priorizado a apologia ao novo e a dispensa e desclassificação dos saberes milenares da tradição (ALMEIDA, M. 2012, p.33). Como evidenciado por Almeida, em ‘tecnociencia e globalização’ preciso resgatar uma forma nova de produção de saber, que se espelhe menos na fragmentação e visão analítica, e mais na compreensão sensível e na prática social de outros saberes sobre o mundo, como a arte e a espiritualidade. Stengers em sinergia traz a concepção de uma economia do conhecimento, aonde da responsabilidade e competência a ciência não subjugar as práticas científicas a um espírito frio, calculista e racional. ‘’Há uma diferenciação entre racionalidade, que busca verificar a coerência entre discurso lógico e realidade objetiva, e racionalização, que se fecha dentro de um discurso lógico e busca observar a realidade a partir daí. Uma racionalidade satisfatória, percebe os limites da razão, permitindo o dialogo com o mito e a sabedoria’’ nos diz Morin(1998) em A mor, poesia e sabedoria. Retomando nossa preocupação com a importância de narrativas ciêntificas com um caráter inovador, nos debruçamos sobre a obra de Ernesto Sabato (2008) em ‘’A resistência’’ o autor traz um pensamento crítico conciso na forma de cartas, que muito dialogam com a metáfora, literatura e poesia, numa linguagem fluida em interlocução com descrições de situações pessoais já vividas. A aposta de Sabato é justamente no poder da crise financeira que vivenciamos globalmente despertarmos para uma nova emergência de valores que afrontem nossa atual pobreza existencial. A humanidade carece de ócios por que se acostumou a medir o tempo de forma utilitária para a produção, e estes valores de um mundo industrial estimulam e incentivam a competição e a prioridade do individual ante o bem comum (SABATO, E. 2008). A democracia não se mostra um sistema capaz de investigar e condenar os verdadeiros culpados das destruições em massa, como podemos nos relembrar, avaliando o contexto político atual do Brasil, por exemplo, o recente episodio da Vale do Rio Doce e da Empresa Samarco responsável por um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil. É tempo de aflorar uma ciência tanto técnica quanto humana que resgate valores de bom senso político e não priorize o avanço tecnológico em detrimento da preservação do planeta. É tempo de reintroduzirmos a encanto poesia no cotidiano, e de valorizarmos o cuidado técnico do prosaico na sensibilidade, de caminharmos rumo a construção de um novo tipo de saber mais equilibrado e coerente. Aliança entre a poesia e ciência Nos encontramos no momento final deste breve ensaio, e então é o momento de novamente nos questionarmos, será possível realmente a aliança entre a poesia e a ciência, entre a tecnociencia e os saberes milenares da tradição? Tal pergunta apenas pode ser respondida na consciência de nossas práticas, a partir do momento em que conferimos nossa própria responsabilidade ética para com o nosso fazer cientifico, na busca de que essa atitude se propague como uma onda, e reverbere nas mentes e corações de nossos pares e impares. ‘’Toda essa discusão enfatiza a importância de renovar e aprofundar a reflexão filosófica como prática de pensamento e de vida. Não nos podemos contentar em repetir o que vem sendo repetido há vários séculos nas escolas, como se nada houvesse mudado’’ afirma Atlan em sua obra ‘’A ciência é inumana?’’ (ATLAN, H. 2004. p.75). Pessoalmente, acredito e aposto na aliança entre a ciência e a poesia, almejando que essa caminhada possa alcançar novas possibilidades da linguagem, e contribuir na busca de construir um conhecimento mais ético e compreensivo, que reconheça os limites de sua própria razão, que procure criar resistências e rupturas dentro de suas bases, e principalmente que não sirva apenas aos interesses acadêmicos, do Estado e da burguesia. É importante nesse momento nos focarmos na construção de um conhecimento mais humilde, mas também intempestivo, a luz do pensamento de Agamen, na obra ‘’O que é contemporaneo?’’, é cindir o presente em ou- tros tempos, através da escuridão de nosso tempo emitir uma resoluta luz de inovação, me aparenta, portanto, o ser contemporâneo ser capaz de aprender novas possibilidades de criar o presente (AGAMBEN, G. 2009). Conclusivamente, encerro portanto este ensaio, com uma poesia de minha autoria, assinada por meu heteronômio artístico Pazciência, convidando o leitor para um breve deslocamento da condição da razão que nos deleitemos Flor-Essência a mirar um novo mundo em nossos horizontes. Não é a vontade de acreditar Mas sim, o desejo de descobrir O paradoxo de decidir aonde ir Entender o caminho que se escolhe a tomar Por mais que eu tente explicar Corpo e alma Aqui está, Surgindo da vontade de expressar No desejo de criar Produzindo Vida Quando descobrimos Que absolutamente nada é definitivo Inclusive a Vida, Compreendemos A inutilidade do orgulho A tolice das disputas A estupidez da ganância E a incoerência das tolas mágoas Nesta guerra seus seios são as únicas granadas que amo este papel é tua pele, a tinta meu sangue Pazciência Pazciência é meu heteronômio, mas também um conceito de vida, no sentido operacional de uma nova forma de lidar com a linguagem, paz e ciência, ciência da paz, ou ciência da paciência. Pazciência é um conceito que busca operar mais como máquina de guerra que como máquina de paz, aqui me desloco da condição de escritor acadêmico cientifico e me apresento por uma fração de momento enquanto Pazciência, escritor de rua, poeta, artesão e reciclista, nascido e criado no Rio Grande do Norte, com raízes no interior do estado e pé no mundo afora. Marcado por um profundo respeito pelo mistério da vida e seus caminhos, ainda que tropeços. Referências Bibliográficas AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo. In. O que é o contemporâneo? e outros ensaios; Chapecó: Argos, 2009. ALMEIDA, Maria da Conceição. Ciência como bifurcação p. 243-257. In: Ciência da Complexidade e Educação: razão apaixonada e politização do pensamento. ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgard de Assis. Cultura e pensamento complexo. Natal: EDUFRN, 2009. ATLAN, Henri. A ciência é humana? Ensaio sobre a livre necessidade. São Paulo: Cortez, 2004. MORIN, Edgar. A mor, poesia e sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. SABATO, Ernesto. A resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. SHELDRAKE, Rupert. Ciência sem dogmas: a nova revolução científica e o fim do paradigma realista. São Paulo: Cultrix, 2014. STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac Naify, 2015. BIBLIOGRAFIA AUXILIAR POETAS DO SARAU SUBURBANO – Ritmo e Poesia 2011; Org. Alessandro Buzo. LIBERTÁRIAS SAUDAÇÕES – rupturas na poesia potiguar. 2015; Organização coletivo Nenhures Caíco RN MATERNIDADE PARA QUEM? MATERNIDADE PARA QUÊ?: reconhecimento, cidadania e direito * MAYNARA COSTA DE OLIVEIRA SILVA - Advogada. Mestranda do Programa de PósGraduação em Antropologia Social (PPGAS/UFRN). Atua nos seguintes grupos: Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Diversidade Sexual, Gênero e Direitos Humanos (TIRÉSIAS/UFRN), e na Base de Pesquisa: Gênero, Corpo e Sexualidades (DAN/PPGAS/UFRN). Dedica-se aos estudos da Corporalidade, Gênero, sexualidade; Direitos reprodutivos e Direitos humanos; Direitos, saúde e Políticas Publicas dos povos indígena; Educação e diversidade étnico-racial. MATERNIDADE PARA QUEM? MATERNIDADE PARA QUÊ?: reconhecimento, cidadania e direito Maynara Costa de Oliveira Silva RESUMO: Nas últimas décadas a violência contr a a mulher vem adquir indo maior visibilidade, tanto social quanto política. Isso se deve ao fato do reconhecimento e da implantação de políticas e serviços públicos especializados no atendimento à mulher em situação de violência. O Código Penal Brasileiro permite a exceção do aborto para os casos de gravidez advinda do estupro. Todavia, mesmo que essa permissão esteja garantida por lei e ratificada em normas ministeriais, ainda encontra-se morosidade em seu procedimento, haja vista que o profissional de saúde pode, em virtude das suas crenças morais ou religiosas, utilizar-se da “objeção de consciência”. Busca-se problematizar os usos e desusos da objeção de consciência nos casos de aborto legal dentro de uma maternidade referência em aborto legal no Rio Grande do Norte, procurando tecer reflexões sobre as negociações que acontecem durante a busca pelo reconhecimento da cidadania e o acesso ao direito desses procedimentos. A pesquisa é de cunho qualitativo, com utilização de observação e entrevistas semiestruturadas. Palavras-chave: Violência Sexual; mater nidade; pr ofissionais de saúde; abor to legal; objeção de consciência. ABSTRACT: In recent decades, violence against women has acquired greater social and political visibility. This is due to the recognition and implementation of specialized public policy and services in care for women in situations of violence. The Brazilian Penal Code allows abortion for cases of rape arising pregnancy. However, even that the permission is guaranteed by law and ratified in ministerial standards, its procedure is slow, since that the health professional can use of the “objection consciousness”, because of their moral or religious beliefs. The aim is to discuss the uses and disuses of conscientious objection in cases of legal abortion in a reference maternity in legal abortion in Rio Grande do Norte, looking weave reflections about the negotiations that take place during the quest for recognition, citizenship and access to the right of these procedures. The research is a qualitative approach, using observation and semi-structured interviews. Keywords: Sexual violence; mater nity; health pr ofessionals; legal abor tion; conscientious objection. INTRODUÇÃO Antes de adentrar ao tema central é de suma importância compreender como se deu a tipificação penal no ordenamento jurídico brasileiro dos crimes contra a liberdade sexual, como também o nascimento da norma de permissibilidade do aborto em casos de risco de vida da mulher, ou estupro. Igualmente, fazendo esta linha do tempo será possível observar como a moral sempre esteve presentes na criação das normas, e possivelmente, também estará presente nos argumentos dos profissionais da saúde ao utilizarem da objeção de consciência. ***** O Código Penal de 1890 já previa tipificações que versavam sobre violência sexual contra a mulher. Neste código a construção da identidade da sujeita enquanto vítima era estendida para a família, haja vista que se pretendia resguardar a moral e a honra da instituição familiar, não individual. Deste modo, toda a família carregava a “desonra”. Deve-se ressaltar que a mulher, neste momento, era “um vir a ser vitima”, pois o estupro não era o suficiente para trazer a essa o caráter de sujeita de direito, outros fatores ressignificavam-lhe: possuir uma reputação moral ilibada – ser honesta, e sua família ter idoneidade moral. Logo, a mulher era cultivada dentro do paradoxo moral e legal da sociedade. Carregando no corpo as marcas do crime e da sua honestidade. Sendo a honestidade o adjetivo que sentencia este ato. Já em 1940, o novo Código Penal retirou o protagonismo da honestidade, tornando a mulher sujeito de direito independente dos seus predicados sociais. No entanto, ainda traz em seu bojo o “crime de sedução” com o caráter de crime contra os costumes, não demonstrando a sua característica personalíssima – que seria a configuração individualista do direito. E é neste mesmo código que surge a permissibilidade do aborto para os casos de estupro, que descreve que mulheres, ao contraírem uma gravidez fruto de violência sexual, se assim quiserem, poderão interromper a gravidez com ajuda de médicos, em maternidades públicas, que nem elas nem os profissionais da saúde sofrerão sansões por tal procedimento. No que dispõe sobre o atendimento obrigatório, integral e imediato, no Sistema Único de Saúde (SUS) destas mulheres em situação de violência, a Lei 12.845 em 2013 nasceu com a finalidade de inovar todo o sistema de atendimento às vítimas de violência sexual. Ampliando o conceito de estupro, tornando qualquer forma de violência sexual não consentida como estupro, como descreve a legislação em seu artigo 2º: “Considera -se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida”, bem como busca estabelecer práticas emergenciais que vise diminuir o sofrimento físico e mental dessas sujeitas. Ao passo que existe normas que regulam o atendimento e a realização do procedimento de aborto legal, para o caso em tela, existe a possibilidade dos profissionais da saúde, em especial o médico – por ser este quem instrumentaliza a interrupção da gravidez – objetarem por questões de consciência. E são nos códigos de ética profissionais que se encontra o respaldo para as posturas decorrentes de Objeção de Consciência, desde que não se oponham ao direito dos pacientes atendidos nos serviços, em especialmente às mulheres nas questões pautadas aos direitos sexuais e reprodutivos. Então, pode-se observar que os profissionais têm a opção de evocar a escusa de participar ou não do aborto legal, permanecem respaldados pelos seus referidos códigos de ética, todavia devem seguir as diretrizes apontadas pelo Ministério da Saúde em suas normas técnicas: "Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes" e "Atenção humanizada ao abortamento”, cujo conteúdo impede, expressamente, que os médicos acionem a objeção de consciência a todo modo. Desta feita, não poderá o médico se omitir de realizar procedimentos que envolvam: risco de morte para a mulher; em qualquer situ- ação de abortamento juridicamente permitido, na ausência de outro profissional que o faça; quando a mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do profissional; no atendimento de complicações derivadas do abortamento inseguro, por se tratarem de casos de urgência. Ou seja, no caso de objeção de consciência, é dever do profissional garantir a atenção ao abortamento por outro profissional da instituição ou de outro serviço que concorde em realizar o procedimento. O aborto no Brasil também é tratado dentro dos projetos de lei, a este proposito a antropóloga Débora Diniz observa que: Em matéria de aborto, a tendência legislativa brasileira é conservadora, o que pode vir a representar uma revisão dos dois permissivos legais do Código Penal, inclusive de forma a revogá-lo ou torná-los ainda mais restritivos. Na última década, houve tentativas frustradas de emendas constitucionais para revogar os excludentes de penalidade do aborto ao sustentar o pressuposto moral do direito a vida do feto desde a fecundação. Por tocar em questões constitucionais, a interpretação jurídica corrente no País é de que o aborto é matéria do congresso Nacional ou da Suprema Corte de Justiça (Diniz, 2008, p.649). Todavia, vale recordar que o Brasil embora seja um Estado Laico (determinação constitucional prevista no artigo 19, inciso I), há forte influência religiosa no momento de legislar. Nos últimos anos foi possível verificar a criação de inúmeros Projetos de Lei (PLs) desfavoráveis à legalização, descriminalização, e permanência das exceções de permissibilidade do aborto legal nos casos de violência sexual ou anencefalia, a exemplo temos o PL 5069/2013 que impede o atendimento no SUS às vítimas de violência sexual, em que consta como autor os Deputados Federais Eduardo Cunha - PMDB/RJ, Isaias Silvestre - PSB/MG, João Dado - PDT/ SP e outros. Todos de frentes religiosas e conservadoras, todos homens, ou seja, a religião é um dos maiores embargos quando diz respeito a legislar sobre o corpo dos indivíduos, e normalmente, as mãos que legislam sobre o corpo da mulher são masculinas. Destarte, com este já mencionado conhecimento teórico acerca da violência sexual, aborto e objeção de consciência, torna-se possível vislumbrar a realidade do nosso campo, confrontando a Lei com a realidade social. 1. ROMPENDO O SILÊNCIO: os primeiros passos pela busca do reconhecimento No Brasil, os casos de estupro são pouco denunciados, pois não são cometidos apenas por indivíduos desconhecidos, mas também por pessoas próximas da vítima – padrastos, pais, vizinhos, primos e irmãos (VILLELA & LAGO, 2007: 472; VIANA, 2008: 172). Em 2009, uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), revelou que 48% das mulheres violentadas (todos os tipos de violência) teriam sido vitimadas em sua própria residência, em contraste aos 14% de homens que foram violentados no interior de suas casas. Ou seja, a sociedade é demarcada por diferenças de gênero, e esta conjuntura de desigualdades permeia as diversas instituições sociais, sejam elas públicas ou privadas. Enquanto é na rua que os homens são violentados, é dentro de suas próprias casas que as mulheres são abusadas. Vera Lúcia Vaccari (2001) assinala a violência sexual como “violência de gênero”, porque, de maneira ampla, essa se dá contra múltiplos atores, mas em sua maioria sujeitos que estar de algum modo em vulnerabilidade social. Essa violência pode ser classificada em duas categorias: os conflitos de gênero feminino e masculino e o sistema de famílias patriarcais. Asseverando isto, Silvia Pimentel (1994), informa que a Organização dos Estados Americanos (OEA) compreende que “[...] a violência contra a mulher é definida como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher tanto na esfera pública como na esfera privada.”. Haja vista, é possível perceber que ideia do poder e da força também são categorias que atravessam a construção do crime de estupro, por possuírem um caráter coercitivo e ameaçador contra a dignidade humana das sujeitas, então, conforme observa Lia Zanotta Machado (1999) se “de um lado, o ato de estupro é posto como signo de masculinidade. É em nome da ‘fraqueza masculina’, como se fora do estado derivado da ‘natureza masculina’, que a realização do estupro é relatada pelos estupradores”. A mulher, neste modo, torna-se apenas um objeto posto a saciar a lasciva masculina, que neste imaginário seria incontrolável. Para essas vítimas de violência, o Estado assegura o atendimento de emergência em instituição hospitalar, a qual deve realizar profilaxia2 em tais sujeitas3 de acordo com as necessidades e especificidades da violência. No entanto, a quebra do silêncio não é um ato mecânico, muitas mulheres silenciam suas dores. Santos (2011) observou – ao estudar violência contra crianças e adolescentes - que o receio em revelar as situações de abuso pode estar associado ao medo da rejeição familiar, ao fato da família não acreditar em seu relato, por medo de perder os pais ou ser expulsa de casa, ou ainda, pela falta de informação ou consciência sobre o que é o abuso sexual, pois como explica Lia Zanotta Machado, existe o paradoxo que envolve o estupro, é ter, de um lado, o sentido do estupro como um ato ignominioso, e, de outro, o sentido de que o estupro só torna impuras as mulheres... [neste sentido] o ato do estupro marca não o masculino, mas o feminino com a impureza. (MACHADO, 1999, p. 299). E esses “relatos-denúncia” (WASSANSDORF et al 2012) também podem se vistos como mais uma possibilidade de punição para essas mulheres, pois uma vez que a violência torna-se pública poderá ocorrer exclusão social, para Foucault “são punições ao nível do escândalo, da vergonha, da humilhação [...] suscita-se no público uma reação de aversão, de desprezo, de condenação” (FOUCAULT, 1979). Significa dizer que existe a construção de uma dupla moral que demarca os crimes contra a liberdade. Ora o crime é um ato apavorante, ora a mulher é sentenciada por ser vítima. Então, a vergonha4 e o medo de serem julgadas e tornarem-se causadoras dos seus próprios males - ou carregar qualquer estigma5 (GOFFMAN, 1980) são ratificados pela sociedade, e silenciando de modo arbitrário, o que interfere na busca dessas mulheres por atendimento, Medeiros e Diniz (2016) informa “que somente 20% a 30% das mulheres que sofreram violência sexual procuram por atendimento médico e, destas, apenas 10% a 30% aderem ao tratamento e ao seguimento ambulatorial”. Deste modo, a identidade social está interligada pelo lugar em que os indivíduos ocupam na sociedade, no cenário social, e também a partir de vivências dentro do grupo que está inserido, das experiências e dos elementos de identificação encontrados no grupo. Portanto, o estigma nasce a partir da não aceitação do “eu” pelo “outro”, um sinal que pode ser visível ou não, distúrbios ou benção divina, mas que distinguem o outro da normalidade que o Eu aspira. Pode-se vir a haver uma ruptura com a normalidade (o que acontece com as vítimas de abuso sexual), a qual seria criada através de um conflito ou de uma deslegitimação entre a vida social dos indivíduos. Então, quando os gritos de socorro tornam-se públicos, desencadeiam ações repressivas dentro do grupo social. Mariza Corrêa (1973), fazendo alusão a Victor Turner (1957), informa que a quebra desse crime, rompe também com os relacionamentos pessoais das sujeitas; trazer o crime a público é iniciar o drama social. O drama social consiste na quebra de uma regra básica do relacionamento social, que normalmente vem seguido de uma crise, esta crise deverá ser contida com medidas de ajustamento, reconhecimento e reintegração social (TURNER, 1957). Neste momento, a mulher se encontra num estado de ambiguidade. Ora é vitima, ora é a razão dos seus próprios males, está gravida mais não se sente mãe, e, mas ainda não será em breve. No período liminar torna-se complexa a atividade de classificação, haja vista sua ambiguidade. Deste modo, este momento, aponta aquilo que não está nem aqui nem lá, aquém nem além, ou, nas palavras de Turner, betwext and between6. Existe o betwext and between, mas também há o outsider hood, o qual o autor explica como sendo: O estado de outsider hood, que se refere à condição de se estar permanentemente e por imposição posto à margem dos arranjos estruturais de um determinado sistema social, ou institucional e temporariamente segregado, ou segregando-se voluntariamente da conduta dos ocupantes de posições detentoras de papéis naquele sistema (TURNER, 2008, p.217). Por sua vez, quando uma vítima de violência decide comunicar o crime, ela desencadeia inúmeras ações dentro do aparato social, dentre as quais se encontra o aparato policial, jurídico, e clinico os quais são encarregados de por em prática as normas reguladoras previstas no código penal e nas portarias ministeriais. Mas, também se deve observar que as ações desses agentes estão reguladas por outros códigos, tais como: código de processo penal, códigos de ética, e normas técnicas do Ministério da Saúde. Deste modo, a sociedade permite que seus indivíduos detenham o saber (poder), mas esse saber deve ser controlado sob uma haste flexível, que disciplina e vigia seus indivíduos (FOUCAULT, 1976). E este caráter fiscalizatório, policialesco, burocrático e formal, de acordo com Silva (2013) teve: ...sua expansão a partir dos anos 80, impulsionada pela redemocratização da sociedade brasileira, expressando a demanda de grupos sociais organizados pela ampliação da cidadania; demanda pela universalização das políticas sociais; por melhoria das condições de vida; e busca por práticas participativas descentralizadas nos processos sociais, transparência, controle social democrático e instrumentalização de lutas sociais. (SILVA, 2013, p.38) Ro pe à o àoàsil ioà àto a à isí elàoàp o essoàdeà iol iaàeà esolui idadeàdosà asos.àNoguei aà Netoà( 5 àaoàestuda àa usosàse uaisàe à ia çasàeàadoles e tesàpe e euà ue:à Reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e ao mesmo tempo pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, de nada adianta se não procurar garantir estes direitos, isto é, promovê-los, através de instrumentos normativos (leis, tratados, resoluções, decretos etc.) e de mecanismos (processo de mobilização, de apoio técnico-financeiro, de monitoramento etc.) todos com o mesmo direcionamento. (NETO, 2005, p.12) Logo, quando as vítimas de estupro passam a ser reguladas pelas medidas de ajustamento, reconhecimento e reintegração social, são entendidas como sujeitos de direitos e deveres (FERREIRA, 2011). A construção da vítima enquanto sujeito de direitos deve ser iniciada a partir de acompanhamentos psicológicos objetivando superar os traumas vividos e, mais especificamente, inseri-las na produção e reprodução das relações sociais através da convivência na escola, no trabalho, no convívio familiar e comunitário, nas amizades, nas relações afetivas, dentre outras. 2. QUEM CONTA UM PONTO [...]: construção da vítima enquanto sujeita de direito Toda essa burocracia processual para realização do abortamento, nos faz recordar e até mesmo pensar que estamos descrevendo os ritos de um inquérito policial na busca pelos culpados, pelo agressor, e não pela solução da dor da vítima. O processo de “negociação” para o abortamento aponta traços e condutas “judicializadas” quando na verdade deveria apenas prestar atendimento em saúde às vítimas de abuso sexual, com vistas a diminuir o seu sofrimento, conforme prescreve o lema do PAVAS e receita o Ministério da Saúde em suas normas técnicas (BRASIL, 2005). Mas, não só de controle dos corpos, mas de apuração da dignidade das sujeitas e construção da imagem de cidadã. Desta perspectiva, todos os direitos e princípios básicos para o exercício da cidadania partem da premissa de que os mesmos têm, pelo menos ao nível teórico, a possibilidade de beneficiar igualmente a todos os cidadãos (OLIVEIRA, 1992), pois, para se beneficiar de um direito, mas que ter sido vítima, tem que ter dignidade para acessar esse “privilégio”. No Brasil, segundo Roberto DaMatta (1991a) existe tanto a lógica universalista do individuo 7 quanto a lógica tradicional. Enquanto a primeira estaria associada ao espaço público, da rua, das leis e das relações impessoais, a segunda estaria vinculada ao espaço privado, da casa, da família e das relações pessoalizadas (OLIVEIRA, 1992). Seguindo este entendimento, enquanto a lógica do individuo/cidadão traz em seu bojo um caráter nivelador que enfatiza as ideias de autonomia e individualidade, é na lógica da relação que se admite contrastes, gradações e complementaridades. Atravessando o pensamento de DaMatta (1991a), entende-se que a busca pelo reconhecimento, por vezes, ultrapassa as dimensões do direito, As relações pessoais [...] têm muito mais peso que as leis. Assim, entre a lei impessoal que diz não pode e o amigo do peito que diz 'eu quero`, ficamos com o amigo do peito e damos um jeito na lei. Entre nós, é o conjunto das relações pessoais, nascidas na família e na casa, que tende a englobar -- em geral perverter o mundo público e não o contrário... (DAMATTA, 1991b, p.17) E isto se refere ao processo de construção da ideia de direitos, principalmente em espaços públicos, que se norteiam com base nas a ideias de solidariedade, dignidade e privilégios (OLIVEIRA, 1992). E por vezes, direitos podem ser entendidos como privilégios, em razão de como se apresenta na conjuntura social, ou dada a singularidade dos indivíduos que a legislação atende. Acontece que, como a aplicabilidade destes princípios e direitos supõe a possibilidade de generalização (ou universalização) democrática dos interesses que (aceitas as demandas) estariam assim sendo garantidos, e como este processo implica na avaliação de como as demandas respectivas afetariam os interesses dos demais membros da sociedade, a consideração da especificidade da instituição torna-se a condição necessária para o sucesso do empreendimento. De outra maneira, aquilo que aparecia inicialmente como um direito só pode fazer sentido quando entendido como um privilégio. (OLIVEIRA, 1992, p.8) Para além de privilégios os princípios de solidariedade e justiça são essenciais para a construção da individualização, ou, para que exista a formação do processo individuo/pessoa, que acontece por meio da socialização com outros seres humanos. Sendo este processo permeado de marcadores morais, para explicar melhor Habermas (1986) informar que: É através deste processo que a identidade é constituída, e esta estaria marcada por fragilidades e inseguranças crônicas cuja suavização seria uma tarefa precípua da moralidade. A moralidade atuaria então em dois planos: (1) na postulação do respeito à igualdade de direitos entre todos os indivíduos e/ou, na modernidade, no respeito à liberdade subjetiva da individualidade inalienável, vinculado ao princípio de justiça; e, (2) na proteção da " rede de relações intersubjetivas de reconhecimento mútuo através das quais os indivíduos sobrevivem como membros de uma comunidade", onde compartilham o mesmo mundo da vida e os mesmos valores, e que está vinculado ao princípio de solidariedade. (HABERMAS, 1986, p.21) E esta solidariedade pode ser equiparada a Dádiva descrita por Mauss (1978), que consiste numa modalidade de troca que marcaria a transição da prestação social total para o contrato. Pode-se entender como prestação social o atendimento hospitalar, e o contrato a realização do procedimento. E a busca por esse direito seria o que Mauss (1978) o retorno ao direito, A sociedade quer reencontrar a célula social. Ela investiga, ela cerca o indivíduo de um curioso estado de espírito em que se mesclam o sentimento dos direitos que ele tem e outros sentimentos mais puros: caridade, "serviço social", solidariedade. Os temas da dádiva, da liberdade e da obrigação na dádiva, o da liberalidade e do interesse que existem no dar voltam a nós [...] (MAUSS, 1978, p.167) Mauss (1978) enfatiza a importância do principio de solidariedade como um valor inerente à resolução do conflito. A qual estaria entrelaçada a ideia que o reconhecimento dos direitos do parceiro de troca, oriundos das relações de obrigação entre as partes, demanda o reconhecimento mútuo dos atores, e para além do reconhecimento do direito, deve-se enxergar a dignidade desses sujeitos relacionais. 3. NEM SÓ DE LEIS SE FAZ O DIREITO: acesso as práticas de poder A partir do século XIX o saber médico tornou-se protagonista no que concerne as investigações policiais. Os inquéritos policiais, a partir deste momento, passaram a exigir dentre as peças obrigatórias para a construção do processo judicial o exame de corpo de delito. Segundo a historiadora Joana Maria Pedro: As mudanças do sistema penal promoveu a transferência, para outras instâncias, do poder de julgar. Uma série de personagens extrajurídicos passou a participar do processo. Neste cenário, no decorrer do século XIX, a medicina legal teve seu desenvolvimento acentuado, conquistando, com Cesare Lombroso, uma quase autonomia em relação ao poder judiciário. Atuando como auxiliares do magistrado, os autonomistas sonharam estabelecer, com sua ciência, a verdade dos crimes e dos criminosos (PEDRO, 2003, p.27) . Deste modo, o direito e a medicina atuam na construção da realidade e ratificação do discurso de poder. Sendo a medicina, neste caso, a detentora dos discursos e dispositivos que operam o direito, “esse saber médico ganhou cada vez mais espaço como ‘ferramenta’ do ‘projeto biopolítico’ do Estado moderno na medida em que produziu um saber sobre o corpo das mulheres’ (WASSANSDORF et al, 2012). Então, para ter acesso ao procedimento legal, descriminalizado no bojo jurídico, a vítima de violência sexual passará por uma celeuma investigatória no âmbito hospitalar. E nessa busca pelo direito, a permissibilidade presente na lei não se faz suficiente para acesso as práticas clinicas. Para se ter o acesso deve-se haver um controle, uma seleção, uma organização e redistribuição do discurso (WASSANSDORF et al, 2012) dentro da instituição. O jogo de poder é montado, e neste tabuleiro as mulheres/vítimas são os peões e os profissionais da saúde são as rainhas, as mulheres só poderão andar para frente, numa só direção, enquanto os profissionais da saúde andam para todas as direções em busca do nexo de causalidade para montar a realidade do aborto, e dentro desse jogo de poder que é montado o discurso. E sobre essa premissa, o filósofo Michael Foucault, afirma: Por mais que o discurso seja bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psica- nálise nos mostrou – não simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que é objeto do desejo e visto que – isto a história não nos cessa de ensinar – o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual queremos apodar (FOUCAULT, 1996, p.10) Para o autor, os discursos que constrói a moralidade dos atores sociais (discursos políticos, religiosos, éticos e filosóficos) não podem ser dissociados de um ritual de qualificação, por ser o que “fixa a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção” (FOUCAULT, 1996), ou seja, os papéis preestabelecidos determinam quem são os sujeitos legítimos para ter acesso as práticas de poder. E mais que isso, os agentes das instituições interferem de maneira direta nas práticas e nas referencias das sujeitas, o que seria “algo que se pode chamar de poder sobre a vida” (FOUCAULT, 1986). Desta feita, os discursos e práticas dos profissionais da saúde, se constroem de modo avançarmos nas análises de suas representações sobre a gestão e medicalização do corpo feminino, ou, como afirma José Guilherme Magnani: Parafraseando Malinowski, diríamos que ideias e crenças não existem apenas nas opiniões conscientes, mas estão incorporadas em instituições e condutas, devendo ser extraídas, por assim dizer, de ambas as fontes. Em outras palavras, discurso e práticas não são realidades que se opõem, um operando por distorção com respeito a outra: são antes pistas diferentes e complementares para a compreensão do significado (Magnani, 1986, p.140). Nestes termos, isto nos leva a considerar que as falas e marcadores sociais das sujeitas, compõem um conjunto da realidade a qual elas estão inseridas, isso irá interferir como se dará suas práticas cotidianas, sejam as escusas para praticar o abortamento ou acolhimento as vítimas de estupro, ou mesmo, a burocratizar o atendimento. 2.3.1 A diferença que faz a diferença “Ser mulheres juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser garotas gays juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser mulheres negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras sapatonas juntas não era suficiente. Éramos diferentes... Levou algum tempo para percebermos que nosso lugar era a própria casa da diferença e não a segurança de alguma diferença em particular”. (LORDE, 1982, p.226) A epígrafe da “Casa da Diferença” (LORDE, 1982) nos conduz a refletir os vários cruzamentos que se formam a partir dos diferentes marcadores definidos para delimitar, classificar, hierarquizar e padronizar a sociedade. Referimo-nos aos eixos dos sistemas de gênero, da “raça”, da etnia, da sexualidade, da idade/geração, da localidade geográfica, da classe, doestado civil ou conjugal, dentre muitos outros. Essas interseccionalidades relacionam-se de modo assimétrico, criando desigualdades ou reproduzindo estratégias de oposição e transformação, para si ou para meio social. Durante o atendimento das mulheres vítimas os profissionais de saúde se deparam com a possibilidade de agência desses sujeitos marcados por diferentes eixos de opressão. Adriana Piscitelli (2008) propõe a utilização da noção de interseccionalidade para caracterizar as diferentes desigualdades que habitam uma mesma sujeita. A agência por sua vez seria uma singularidade universal dos grupos humanos, em que os atores sociais estão entrelaçados a uma estrutura social (ORTNER, 2007). E essa agência sofrerá mudanças de indivíduo para indivíduo, conforme seus marcadores sociais – características sociodemográficas, quais sejam: idade, raça, grau de escolaridade, classe econômica. As mulheres terão seu acesso negociado e postas em um “regime de suspeição” (DINIZ, et al, 2014). Segundo as autoras, “quando uma mulher alcança um serviço de aborto legal, há um regime de suspeição em curso que a antecede e a acompanha” (idem, 293). Via de regra, psicólogas e assistentes sociais são as primeiras profissionais a reconstituírem a história sobre a violência sofrida, discurso este que será repetido para outros profissionais revitalizando desnecessariamente as sujeitas em questão. Além disso, a decisão soberana que acentuará esse biopoder, pensando aqui em termos foucaultianos, será do médico ou médica que está à frente do programa de atenção as vitimas de violência (IBDEM, 2014). Conforme explana Diniz (2014) há um maior regime de suspeição para as mulheres que carregam algum tipo de estigma, as chamadas “liberais”, ou as que vivem em uma relação conjugal heterossexual, para estas que estão dentro do “regime de suspeição” há uma ampliação dos testes para verificar se houve ou não a violência. Portanto, mesmo não existindo mais a premissa legal que informe que a mulher deverá ser “honesta”, para receber o tratamento adequado a sua necessidade, este adjetivo ainda é um imperativo categórico na prática hospitalar. Ainda nos estudos realizados por DINIZ (2014) e VIEIRA (2011), as autoras alertam que no Brasil o aborto legal é restrito aquelas mulheres que estão de algum modo na situação de vítima, ou seja, que engravidaram em consequência de uma violência sexual, que está gerando fetos anencéfalos, ou tem algum risco de morte, podemos observar mais afundo as características das interrupções de gestação previstas em lei. Sendo a violência sexual, a única das quais permite um regime de suspeição da qual a mulher irá passar por avaliações para identificar o nexo de causalidade entre a data da gravidez e da violência. Mesmo estando estas mulheres em situação de vítima, ainda se deparam com situações de conflito entre agência e poder dentro da maternidade. Porque ao médico é resguardada a “Objeção de Consciência” (OC). E construção cultural da agência (ORTNER, 2007), ou melhor, a chamada política da agência, a qual os sujeitos se apropriam de maneiras diferenciadas dos símbolos e significados sociais, e em meio a essas agências de poder (as quais seriam caracterizadas pelas formas de poder que os indivíduos tem acesso no seu cotidiano) que se constrói a agência de projetos, que tem relação com as subjetividades dos sujeitos, e com a forma que eles jogam seus jogos sérios. E mesmo com a possibilidade de todos jogarem o jogo, sempre haverá os dominadores e dominados, e isso aparece nas estruturas hierárquicas presentes nas instituições hospitalares - pro- fissionais e pacientes - e esta dominação pode aparecer de forma sutil ou não – nos aspectos que circunscreve a negociação do abortamento. Pela perspectiva de Pierre Bourdieu (2007), a agência é constituída através das experiências nos campos sociais nos quais o sujeito transita, pela socialização que também constrói o habitus. De acordo com o sistema de disposições incorporado pelo indivíduo, este desenvolve habilidades que vão orientá-lo de forma inconsciente a agir, pensar e sentir de determinadas maneiras nos jogos de poder. Ao mesmo tempo em que é condicionada pelo habitus, a agência dos sujeitos dentro do campo também o constrói, na medida em que orienta suas estratégias para alcançar mais capital simbólico, ou realizar seus projetos. Nesta feita, pode-se destacar que dentro da instituição hospitalar existe uma hierarquia que torna imóvel a autonomia dos agentes que detém menos poder dentro deste ambiente, o que é consonantes com “os campos” descritos por Bourdieu (1983), que afirma que “espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinadas por elas)”. Portanto, estes se caracterizam por ter suas próprias regras, conceitos e hierarquia. Estas posições e autonomias dos sujeitos dentro do espaço laboral pode, hipoteticamente, interferir nas suas decisões subjetivas, haja vista que essas estão centralizadas em uma estrutura organizacional que possui um grau de hierarquia, a qual existe uma assimetria entre os profissionais formados em medicina e os que são formados em enfermagem. Deste modo, a instituição hospitalar detém a estrutura de poder tal qual descrita por Foucault (1996), isto significa dizer que há um reforço do domínio da medicina no ambiente hospitalar. Sendo assim, percebe-se que posição do individuo em sociedade, bem como seu estilo de vida, modo de observar as mais variadas situações, valores morais, estéticos, são possíveis ser enxergados como um habitus - “sistema de disposições para a prática” (BOURDIEU, 2004). De maneira mais profunda: Como sistema de esquemas adquiridos que funcionam no nível prático como categorias de percepção e apreciação, ou como princípios de classificação e simultaneamente como princípios organizadores da ação, significava construir o agente social na sua verdade de operador prático de construção de objetos (BOURDIEU, 2004, p. 26). Então, o corpo seria legislado e operado não só através dos desejos e fervores dos indivíduos, mas a partir de todo um conceito social, de moralidade, a qual vincula a certos indivíduos caráter de cidadania, e, por conseguinte caráter de dignidade. 2 A Quimioprofilaxia antirretroviral não é indicada em todos os casos de violência sexual, deve-se pensar na especificidade de casa paciente, haja vista que em muitos os casos os efeitos colaterais são maiores que os benefícios. A exemplo disso em casos sem a presença de ejaculação ou em casos de sexo oral é prescrito que de haver uma avaliação individualizada (BRASIL, 2012a). 3 Sujeitas aqui compreendidas conforme Fernanda Cardozo (2012) como forma de atualização da “guerrilha da linguagem” (COULTHARD, 1991), reafirmando o lugar do feminino das lutas envolvendo direitos sexuais e reprodutivos. 4 Lima (2007) fala sobre o silêncio destas mulheres e o atribui à vergonha, ao medo, à culpa ou até mesmo à falta de credibilidade quanto ao acolhimento de sua queixa nos serviços de saúde. Há uma verdadeira dinâmica dominante que perpetua a dificuldade de comunicação. 5 A relação entre os estigmatizados e os normais, a comunidade que é tida como normal tende a ter uma postura de descriminar o estigmatizado, tendo por teoria que o estigmatizado é um individuo inferior, ou melhor, nunca será um ser humano completo. "Acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano" (GOFFMAN, 1980, p. 15). “Um estigma é, então, na realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (GOFFMAN, 1980, p. 13). 6 Betwext and between traduzido do inglês: Entre e Entre; ou do advérbio nem peixe, nem carne, para simbolizar um momento de ambiguidade e incertezas. 7 Ter-se-á a noção de indivíduo enquanto categoria sociológica, como o sujeito normativo das instituições e, portanto, como uma categoria moralmente construída e historicamente dada (OLIVEIRA, 1992). REFERÊNCIA BOURDIEU, Pierre. A distinção: critica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. ______. A Dominação Masculina. Rio de J aneir o: Ber tr and Br asil, 1999. DAMATTA, Roberto. "Cidadania: A questão da cidadania num universo relacional", in A Casa e a Rua, Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A. 1991ª. _______. "Reflexões Sobre a Cidadania no Brasil". 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Autora: Jacqueline Tavares da Silva – Mestranda (UFRN) Universidade Federal do Rio Grande do Norte Email: jacquedod@hotmail.com Resumo Segundo dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expectativa de vida dos idosos no Brasil vem aumentando significativamente nos últimos anos, tendo como principal responsável a obtenção de novos hábitos e práticas sociais que os conduzem a uma melhor qualidade de vida. Logo, é nesse contexto que este trabalho monográfico teve como objetivo compreender a Representação Social do lazer na percepção dos idosos associados ao Centro de Atividade e Lazer da Melhor Idade (CALMI), no bairro da Cidade da Esperança, Natal-RN. Trata-se de estudo de natureza qualiquantitativa, através da aplicação de questionários estruturados com questões semiabertas, observação participante e registros fotográficos. Para analisar as entrevistas utilizou-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), elaborada por Lefevre e Lefevre (2010), por meio do programa QualiquantSoft. Os resultados demonstraram que para os idosos do CALMI, as atividades realizadas no clube são uma distração, um lazer. E o beneficio que tais atividades trazem para a vida deles consiste em ter mais saúde e melhor qualidade de vida. Palavras-Chave: Idoso, Qualidade de Vida, Repr esentação Social, Discur so do Sujeito Coletivo. Introdução Foi nas minhas caminhadas matinais na, Praça Aluísio Alves, no bairro da Cidade da Esperança, localizado na zona oeste de Natal, que pude observar que uma quantidade significativa de idosos vestidos com uma camiseta do CALMI frequentavam o espaço para praticar atividades físicas diariamente. Logo, vendo a descontração com a qual eles praticavam tais atividades e a curiosidade em conhecer o que era o CALMI, o qual conversando com um dos idosos soube que se tratava de um clube de idosos, denominado, Centro de Atividade e Lazer da Melhor Idade, foi que surgiu a ideia em analisar as representações sociais que esse grupo de atores sociais tem sobre o lazer. Sendo assim, o objetivo geral desse artigo foi: Analisar as representações sociais sobre o lazer, apresentadas pelos idosos que frequentam o Centro de Atividades e Lazer da Melhor Idade (CALMI), no Bairro da Cidade da Esperança – Natal/RN. Os objetivos específicos tenderam a: Identificar quais as atividades desenvolvidas no clube proporcionam lazer e entretenimento para os idosos; Verificar a participação dos idosos nas atividades realizadas pelo clube; Analisar as representações sociais dos idosos verificando quais os benefícios que reconhecem para vida deles após a ingresso no CALMI. A metodologia utilizada Trata-se de um estudo descritivo e exploratório com uma abordagem qualitativa na busca de apreender a percepção do lazer na terceira idade por meio da representação social que os sujeitos sociais têm nessa fase da vida. Os sujeitos participantes do estudo foram os idosos voluntários do Centro de Atividade e Lazer da Melhor Idade (CALMI), associados na instituição, para essa coleta de dados contamos com a colaboração de 20 idosos, sendo 13 mulheres e 7 homens. Essa amostra foi selecionada de acordo com disponibilidade de participar voluntariamente da pesquisa. É importante ressaltar a resistência dos homens que pareciam demonstrar receio em falar sobre si mesmos. As mulheres, ao contrário, apresentaram-se mais receptivas e animadas a responder o questionário. Os dados do CALMI foram obtidos por meio de registros escritos, fotográficos, entrevistas e também pela observação participante. Posteriormente, foram aplicados junto aos idosos questionários caracterizados como semiabertos com questões objetivas e dissertativas. Essas respostas foram processadas e avaliadas pelo programa Qualiquantisoft destinado a viabilizar pesquisas desenvolvidas com essa metodologia para a apreensão do DSC. Segundo os seus fundadores Lefevre e Lefevre (2010, p. 3), “o Discurso do Sujeito Coletivo é uma técnica que busca resolver os impasses que o pesquisador encontra quando deseja processar depoimentos em pesquisas qualitativas que usam questionários com perguntas abertas”. Para isso, transformam-se os depoimentos individuais, isto é, as respostas às questões abertas de questionários em representações coletivas, assim como foi desenvolvido no presente trabalho. Os dados utilizados para a caracterização dos sujeitos deste estudo foram realizados através das variáveis, faixa etária e atividades realizadas no CALMI, descritas nos gráficos a seguir: Gráfico 1 - Idade dos idosos entrevistados na pesquisa. Natal/RN. 2013 Fonte: Pesquisadora, 2013 De acordo, com os dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), baseado no Censo 2010, a pessoa é considerada idosa quando possui 65 anos ou mais, o mesmo limite considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para os países em desenvolvimento, corroborando assim com a estimativa de idosos que frequentam o CALMI. Gráfico 2 - Frequência das atividades realizadas pelos idosos do CALMI. Natal/RN. 2013 Fonte: Pesquisadora, 2013 Essas atividades educativas, artísticas e culturais proporcionam lazer, saúde, bem-estar e entretenimento para os idosos do CALMI. DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO Serão apresentados a seguir os discursos obtidos de acordo com as ideias centrais representadas por categorias, encontradas nas respostas que são pertinentes para se compreender os resultados. No entanto, para a elaboração do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) que responde à pergunta 1 e à pergunta 2 utilizamos as categorias que mais se destacaram. Sendo assim, as demais categorias serão abordadas, posteriormente, na análise do DSC, apresentadas na discussão. PERGUNTA 1 O Senhor (a) considera essa (s) atividade (s) uma distração? Por quê? Objetivo: Identificar quais as atividades realizadas no CALMI proporcionam lazer e entretenimento para os idosos. Na pergunta 01 foram encontrados 6 categorias/representações nos discursos que serão citadas e representadas no gráfico a seguir: CATEGORIAS 1A - Diver são 1B - Satisfaz minhas expectativas 1C- Novas amizades 1D- Melhor a a autoestima 1E- Adquir ir novas exper iências 1F- Qualidade de vida Gráfico 3 - Distribuição das categorias/representações referentes à pergunta 01 Fonte: Programa Qualiquantsoft (elaborado por meio dos dados digitalizados). Dentre essas categorias/representações a que mais se destacou foi: CATEGORIA 1 A – DIVERSÃO Considero um lazer, trabalhei 30 anos, agora o negócio é passear. Venho para me divertir, viver só trabalhando dentro de casa não dá. Todas as ativida- des [são] uma distração, um lazer tanto para mim quanto para as pessoas que eu ensino. A gente participa de tudo, se diverte bem e se distrai muito. Não bebo, não fumo e gosto das brincadeiras do CALMI, [por exemplo] a dança, o coral, o violão, porque estamos fazendo pra nos fazer bem e não [para] nos profissionalizar, [o] melhor é a aula de dança, [ela] pra mim é tudo, ela me anima, me distrai, me desistressa. [Também] me sinto alegre quando canto no coral [e] tenho muita satisfação em cantar nas serestas. [Tudo isso] vira uma rotina, venho para as reuniões dançar, tomar lanche... [É] Lazer total, só lazer. Nesse DSC fica evidente que as atividades realizadas no CALMI são consideradas um lazer pelos idosos, apresentando um índice percentual de 62,5% de aprovação. Já a categoria C (Novas amizades) obteve 16.67%; seguida da categoria F (Qualidade de vida) com 8,33%; as categorias B (Satisfaz minhas expectativas), D (Melhora a autoestima); e a categoria E (Adquirir conhecimento) obtiveram um percentual de 4,17% frente as respostas dos entrevistados. PERGUNTA 02 Houve alguma mudança na vida do Senhor (a) após sua entrada no CALMI? Ex- plique. Objetivo: verificar quais benefícios os idosos reconhecem para a vida deles após o ingresso no CALMI. Na pergunta 02 foram encontrados 4 categorias/representações nos discursos que serão citadas e representadas no gráfico abaixo: CATEGORIAS 2A - Perder a timidez 2B - Ter mais saúde 2C - Adquirir conhecimento 2D - Conhecer novos lugares Gráfico 4 - Distribuição das categorias/representações referente à pergunta 02 Fonte: Programa Qualiquantsoft (elaborado por meio dos dados digitados). Dentre essas categorias/representações a que mais se destacou foi: CATEGORIA 2B – TER MAIS SAÚDE Minha vida houve uma mudança radical para melhor, passei por um período de desespero grande, tenho problema de diabetes, pressão alta e acabou tudo. Me aposentei e [tenho] outra qualidade de vida. Comecei a me divertir mais, melhorou a autoestima e a saúde, conheci pessoas [e] fiz novas amizades, participo do lazer, [como] a dança [que] para mim é tudo, é uma beleza, é ótimo [e] vivo mais feliz. (DSC elaborado de acordo com as respostas dos entrevistados). Nesse DSC fica evidente que houve mudança na vida dos idosos, principalmente com relação à saúde, categoria essa que atingiu um índice percentual de 50% de aprovação, em seguida vem as categorias A Perder a timidez, C, Adquirir conhecimento e categoria D, Conhecer novos lugares que juntas obtiveram 16,67% de aprovação frente às respostas dos entrevistados. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS COM O DSC Serão apresentados nessa discussão fragmentos de depoimentos que resgatam as representações sociais que constituem o discurso coletivo dos idosos do CALMI, frente à percepção que eles têm sobre o lazer. Lefevre e Lefevre (2010, p.5), ressaltam que “um DSC reúne sob uma única categoria, diferentes conteúdos e argumentos que compõem uma mesma opinião que é compartilhada por um conjunto de pessoas.” É buscando respeitar o comum e o diferente, que encontramos no DSC a mesma opinião dita de maneira diversa. Examinaremos nesse estudo, as ideias centrais que formam os discursos obtidos os quais juntos constituem as representações do pensamento coletivo. DISCURSO SOBRE AS ATIVIDADES REALIZADAS NO CALMI No DSC da questão 1, conforme o relato dos idosos que frequentam o CALMI as atividades realizadas na instituição são uma distração/ um lazer, destacando as que mais gostam de praticar: a dança, o coral e o violão. Na visão de Bourdieu (2003, p.73), essas práticas constituem o gosto e as preferências formando assim um determinado estilo de vida. “As práticas e as propriedades constituem uma expressão sistemática das condições de existência (aquilo que chamamos de “estilo de vida”), porque são produto de um mesmo operador prático o habitus [...]”, ressalvando que para esse mesmo autor tais práticas pertencem a um grupo em determinado tempo, posto que a medida que essas posições sociais se elevam ou vão adquirindo novos conhecimentos essas práticas podem se modificadas, fazendo com que os indivíduos tenham um novo estilo de vida a partir do momento que incorporam novos habitus, que na teoria de Bourdieu “são conjuntos de disposições ativas que constituem as incorporações das estruturas sociais” (BORDIEU, 2003 p. 74). Logo, essas ações tomadas como habituais tornam–se significativas para o indivíduo. Berger e Luckman, afirmam que: As ações tornadas habituais, está claro, conservam seu caráter plenamente significativo para o indivíduo, embora o significado em questão se torne incluído como rotina em seu acervo geral de conhecimentos, admitidos como certos por ele e sempre à mão para os projetos futuros. A formação do hábito acarreta o importante ganho psicológico de fazer estreitar – se as opções (BERGER; LUCKMAN, 1978, p. 78). Portanto, quanto mais tempo os idosos permanecem associados ao CALMI, novos conhecimentos e práticas vão sendo incorporadas e naturalizadas dando-lhes um novo significado e sentido para suas vidas. Para muitos idosos o CALMI é como se fosse uma segunda casa, pois no seu tempo livre são convidados a irem à instituição para conversar, assistir TV, tomar o café da tarde ou fazer palavras cruzadas nos dias em que não acontecem as reuniões. DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO SOBRE OS BENEFÍCIOS QUE OCORRERAM NA VIDA DOS IDOSOS APÓS A ENTRADA DELES NO CALMI O DSC da pergunta 2, demonstra claramente a satisfação dos idosos em participarem dos eventos e atividades do CALMI que trazem benefícios para suas vidas, principalmente quando relatam a diminuição dos problemas de saúde. Geis Pont (2003, p. 29), afirma que: Diante do vazio social que a aposentadoria pode produzir na vida de certas pessoas, é necessário buscar atividades gratificantes e motivadoras, que ocupem ao menos uma parte do dia, que ajudem o idoso a superar estados anímicos baixos, depressões, além de fazer com que se sinta útil e ativo, e que, por outro lado, sirvam de ponto de referência social, que supunham um vínculo de união entre os participantes e um meio para integrar–se a um grupo social. É nessa integração com o grupo que alguns idosos do CALMI, buscam apoio para superar perdas e dificuldades, como por exemplo, problemas de saúde, morte na família ou até mesmo a falta dos filhos, fugindo assim da solidão que em muitos casos podem afetar a saúde física e mental dos idosos. Além disso, nas reuniões são distribuídos panfletos informativos sobre a saúde da mulher e do homem, sendo este ainda resistente aos cuidados e à aquisição de hábitos saudáveis. Portanto, para tentar romper esses paradigmas representativos de resistência dos homens, as assistentes sociais tentam por meio de palestras demonstrativas explicar os tipos de doenças que acometem os indivíduos na sociedade, como por exemplo, as doenças sexualmente transmissíveis e também as que fragilizam a saúde do idoso, como pressão alta e diabetes. Participando das atividades, conversando, conhecendo outras pessoas, fazendo novas amizades que os associados do CALMI vão se sentindo acolhidos ao mesmo tempo em que vão perdendo a timidez e elevando a autoestima a qual se reflete a cada reunião ou noite de seresta com dança. Geis Pont (2003, p. 31), afirma: O ser humano deve estar em constante relação, pois vive em uma sociedade, e deve sentir– se vinculado a ela, sejam quais forem as vias e os meios necessários. Cada faixa etária, cada grupo social faz parte da sociedade e está unido a ela por diferentes vínculos e razões. No momento que uma pessoa envelhece e começa a fazer parte do grupo de idosos, de aposentados, desvincula–se do nexo de união que tinha até então. Com isso, será necessário buscar e criar novos vínculos, outras situações que lhe ajudem a integrar–se a um grupo social. Logo, é no DSC do grupo de idosos do CALMI, elaborada de acordo com as respostas à pergunta 2, que se constata a representação social do lazer como um fator preponderante para uma melhor qualidade de vida concernente à saúde física e mental. Assim, outros estudos realizados sobre lazer e representação social na velhice corroboram esse resultado, como por exemplo, os de Mori e Silva (2010), Coutinho, Benitez e Wichmann (2012) e Araújo et al. (2005). Mas essa elevação no nível de bem-estar não quer dizer que eles abandonaram os medicamentos nem que ocorreu a ausência de problemas de saúde, apenas houve uma combinação entre os medicamentos e as participações nas atividades de lazer que fazem com que os idosos tenham mais saúde e sintam-se valorizados. Segundo Borin e Coutinho (2002, p. 573): A participação em atividades de lazer nos centros de convivência para a Terceira Idade leva as pessoas a se sentirem felizes e mais saudáveis. Essa percepção de saúde não está vinculada necessariamente a ausência de doenças. Trata-se da convivência com as mesmas com garantia de independência e autonomia, como também uma diminuição do consumo de medicamentos, principalmente os indicados para as doenças emocionais. Portanto, é o tempo de permanência no CALMI, que dentre os idosos entrevistados na pesquisa varia de 6 meses a 17 anos, que constatamos por meio de seus discursos, um elevado nível de satisfação e mudança na qualidade de vida, principalmente quando relatam os novos conhecimentos adquiridos por meio de palestras educativas sobre saúde, a perda da timidez e quando viajam para outros estados para representarem a instituição nos congressos em Blumenau e Florianópolis ou mesmo quando saem a passeio para lugares como, praia de Barra de Cunhaú, Teatro Alberto Maranhão, Teatro Riachuelo e passeio no barco escola Barreira Roxa no rio Potengi. CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabendo que os estudos sobre representações sociais tendem a continuar, finalizo esse artigo na certeza de que o objetivo foi alcançado ao resgatar no pensamento coletivo dos idosos do Centro de Atividade e La- zer da Melhor Idade (CALMI), a representação social do lazer e consequentemente dos benefícios que as práticas artísticas, culturais, físicas, educacionais e lúdicas que conceituam tal termo trazem para a vida deles. Foi também ancorada nos conceitos de Pierre Bourdieu, os quais pude observar nos gostos e hábitos que conduzem o comportamento desse grupo de atores sociais. Mesmo na fase da Terceira Idade, buscam manter-se ativos e independentes em um espaço social, onde por meio das conversas trocadas entre os grupos de amigos(as) que se reúnem nas tardes de terça-feira, para jogar baralho, dominó e mostrar seus trabalhos artesanais, vão sendo identificadas nos estilos de vida de cada um desses idosos e em suas representações sociais adquiridas em cada experiência vivida. Seja nas fases da infância, adolescência, juventude ou adulta, eles demonstram em suas falas a busca de um significado importante a algo que marcou suas vidas. Isso fica evidente quando relatam que, por motivos ter de ir trabalhar cedo para ajudar os pais, ter de cuidar de casa, dos filhos e do marido, tiveram de abdicar de momentos de lazer, como festas e passeios entre amigos. Esse fato ocorre porque deviam assumir tais responsabilidades que os impediam de desfrutar um tempo de descontração, muitas vezes resumindo-se a assistir alguns programas de TV ou quando tinham dinheiro, ir passar um domingo na praia. Mas é na fase da Terceira Idade, tida como a idade do lazer, que certas práticas até então deixadas de lado como, passear e dançar voltam a fazer parte do cotidiano dessas pessoas, por não possuírem mais tantas responsabilidades que os impeçam de desfrutar os prazeres da vida. Logo, aposentados e incentivados por filhos ou por motivação própria, procuram viver novas experiências que os conduzem a uma melhor qualidade de vida. É por meio das palestras realizadas no CALMI pelos profissionais do SESC/Natal das áreas da Saúde, Direito e Serviço social que os idosos vão tomando conhecimento dos seus direitos e também dos cuidados que devem ter com a saúde. Nesse sentido, essa pesquisa reafirma que as ações desenvolvidas no CALMI e a reprodução no cotidiano dos conhecimentos adquiridos, que representam o imaginário social coletivo, conduzem os idosos a uma melhor qualidade de vida. REFERENCIAS BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado da sociologia do conhecimento. 2. ed. Petrópolis: vozes, 1974. BOURINI, O. L. M.; CINTRA, A. F. Representações sociais da participação em atividades de lazer em grupos de terceira idade. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 55, n. 5, p. 568-574, 2002. BOURDIEU, P. “Gostos de classe e estilos de vida”. In: ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d´agua, 2003. p. 73-111. LEFEVRE, F; LEFEVRE CAVALCANTE, A. M. O Discurso do sujeito coletivo. São Paulo: EDUCS, 2010. PONT GEIS, P. Atividade física e saúde na terceira idade: teoria e prática. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.