Editorial / Expediente
A POESIA DERRAMADA DE IARA MARIA
CARVALHO
Chumbo Pinheiro
FIM DO GOVERNO TEMER?
Homero Costa
ÍCONES DO RISO
Manoel Onofre Jr.
O CASO DA ONÇA QUE DEU LITERATURA
Michelle Paulista
ENTREVISTA: KALLIANE AMORIM —
POETISA
Por: Thiago Gonzaga
POR QUE A MÚSICA POTIGUAR NÄO
ACONTECE?
Sérgio Vilar
O PENSAMENTO ORIGINAL DE DIOGENES
DA CUNHA LIMA
Antonio Nahud
EU ESPEREI TANTO PELA SUA VINDA
Lívia Lima
LÁGRIMAS DA NATUREZA
Weidde Andrino
A ESPERANÇA VEM DAS PESSOAS E DA
FORÇA DOS TRABALHADORES
Fátima Viana
RESENHA: Suely, Dione
PC Palhares
NO CORAÇÄO DO MUNDO
José de Castro
2016: O ANO QUE NÄO VAI ACABAR PARA A HISTÓRIA
Francisco Ramos
SOBRE AS DEFINIÇOES E AS PALAVRAS
Roberto Cardoso (Maracajá)
LER BEM FAZ BEM
Jonnie Neves
O TRABALHO COM A PALAVRA EM
“FÓRCEPS” DE ORENY JÚNIOR.
Thiago Gonzaga
SARAU - POEMAS -CRÔNICAS - CONTOS...
Por: Járdia Maia
UM ENSAIO ENTRE CIÊNCIA E POESIA Artigo Acadêmico
Paulo Victor
MATERNIDADE PARA QUEM? MATERNIDADE PARA QUÊ?: Artigo Acadêmico
Maynara Costa
LAZER NA PERCEPÇAO DOS IDOSOS Artigo Acadêmico
Jacqueline Tavares
O ARTISTA E A SUA OBRA - Homenagem
Kukukaya
Marcos Fonseca
Revista de Circulação bimensal.
F
inal de ano, nada é
chancela e o apoio dos setores
mais cansativo do que
menos privilegiados da sociedade
aquelas velhas formas
e representados através do pro-
de realizar retrospecti-
cesso eleitoral a qual foram sub-
vas infindáveis relembrando obituários, casamentos de ostentação,
É uma publicação integrante do
quem ficou com quem, quem enri-
site: WWW.VIRTUALCULT.COM.BR.
queceu mais ou quem empobreceu
Envio de Artigos:
mais do que demais... Um gosto
virtualcult@virtualcult.com.br
estranho da mídia burguesa para
atrair desavisados espectadores.
Sempre assim!
Não teremos esse propósito, no entanto, todas as retrospectivas deveriam ter um aspecto mais
plausível, menos midiáticos e mais
políticos, de avaliação sócio econômica, sociológica e até porque,
não dizer, de caráter científico sem
as amarras dos clichês comuns.
Diretor Geral
Alfredo Ramos Neves
Editor
Thiago Gonzaga
Sérgio Santos, Aluísio Azevedo Jr.
Marcos Medeiros, Marcos Guerra,
Francisco Ramos, João Cavalcante,
Luiz Carlos Petroleiro,
Maurício Miranda, Valdecy Feliciano,
Fátima Maria de Oliveira Viana,
Márcio Dias, Herbert Martins,
Manoel Onofre Jr.
Getúlio Moura, José Araújo (Dedé Araújo)
Professor Manoel Nazareno da Silva,
Jardia Maia e Ozany Gomes.
Relembrar 2016 é apostar
que iremos virar a mesa, que daremos a volta por cima e retomaremos o que foi arrebatado de nossa
história e o vilipêndio imposto à
nossa democracia.
Para a Kukukaya foram dias
maravilhosos e promissores. Além
das edições bimestrais tivemos e
consolidamos a Kukukaya Poesias,
dois instrumentos de comunicação
que queremos manter durante o
ano de 2017. Para isto, será uma
grata satisfação termos um produtor cultural, crítico de arte e conhe-
A nossa retrospectiva edito-
cedor profundo da nossa literatura
rial tem como objetivo resgatar a
estadual, nacional e mundial para
necessidade da permanente resis-
fazer parte dos nossos quadros em
tência e nos juntarmos aos incan-
sua edição, que é o Thiago Gonza-
sáveis brasileiros pela manutenção
ga. Como Editor da Kukukaya o
da democracia e do Estado de Di-
Thiago Gonzaga tornará a nossa
reito.
revista mais rica e dará um caráter
No imaginário e na vida prá-
José Antônio Aquino (Nenoca)
metidos nas eleições de 2014.
tica de todos os cidadãos ficará
cada vez mais cultural para a mesma.
impregnado para toda a história o
Assim sendo, todos nós da
duro golpe que nos foi imposto pe-
Kukukaya desejamos um feliz 2017
los partidos revanchistas e que não
para todos os leitores.
suportaram a manutenção de um
governo que foi construído com a
Obrigado!
livro
É preciso estar pronto, pois a
“Saraivada” ( Sarau das Le-
descarga sibilante está apontada para o
tras, 2015), de Iara Maria
leitor e da “Roleta Russa/ouço o som
Carvalho, somos atingidos por uma tor-
do tambor da morte/rodopiando magné-
rente: arroio múltiplo, feito de palavras,
tico./.../ gira o tambor com saia de ciga-
emoções, dores e cores trazendo ao
na:/ uma em seis, sou a bola da vez?...
mundo a força interior da sensibilidade
Na caliça da parede escorre/ uma flor
da poeta. Muito além das emoções indi-
tão
viduais do ser poeta, do ser mulher.
so.” (pág.107). Contudo, nada fica está-
Mas as emoções profundamente huma-
tico, há em todos nós “uma lagartixa
nas. Enchem-se e esvaziam-se, transi-
louca”(pág.109), a ser despedida “vá
tam e imobilizam, acolhem e expulsam,
embora, ande, corra, sua lagartixa lou-
ferem e cicatrizam: “Pouco me importa
ca. acabe./sobrevivi aos tinta anos com
se as palavras/ são inúteis.” (Rosário,
uma cárie a menos./um sonho a me-
pág.19.) O que importa então? A poeta,
nos./um pai a menos./ e se é tempo de
o leitor, cada ser vivo? O brilho. Não o
voar,/desengaiolo os lírios do meu cére-
exterior, mas o que está dentro da con-
bro de cimento/e deliro.” e não só a po-
cha, composta não com as trinta contas
eta, também o leitor é levado e envolvi-
do rosário, nem com os trinta anos de
do ao delírio até que “vidro-me” fascina-
uma cronologia como uma medida, mas
do e apaixonado pois, a saraivada ex-
um rosário feito de verbos, adjetivos,
põe a minha “vocação/para aquários/é
sujeitos vivos, que “me rangeu os den-
o que me salva/do abismo” (pág.113) e
tes, gostei./ alegria da palavra é doer.”,
“Ainda viva”
(E gemer, pág.21), que fica além da
morta já fui,.../ hoje me vejo líquida, líri-
lembrança, como “Ofício” porque é feito
ca.” (pág.127).
A
*Luís Pe ei a da Silva,
ue ta
usa o
pseud i o
de
Chu o Pi hei o,
g aduado e Hist ia
e atual e te u sa
Ci ias
So iais
UFRN . Poeta e a i ulista auto de A
tua ão poesia e
Algu s liv os poigua es ese has .
o
abrir
o
“- só das palavras” (pág.23) que, no
entanto, sibilam ao ouvido, ao coração,
a
alma
e
tocam
como
uma
“Saraivada” (pág.33), no que o leitor é
sentenciado:
“Desfira
um
golpe/
misericordioso/no corpo sem carne/ do
silêncio.”
fria,/de
um
vermelho
den-
...eu, que tão natureza
Eis a poeta, derramada em todo
livro, a cada palavra, a cada verso, a
cada poesia trazendo do sertão potiguar uma voz própria, singular, forjada
em um diálogo com poetas do Brasil,
como Ana Cristina Cesar, Hilda Hilst,
Silvia Plath, Rizolete Fernandes; sua
O gatilho feito de palavras foi
descarga ou raraiva, conduz o leitor ao
disparado. O estopim aceso “Caminhos
“enlevo e a perplexidade” como bem
abertos/ com a navalha na mão.../e
escreve o poeta Antônio Fabiano.
amores impossíveis.”. (pág.35).
A
delação de Clau-
atual chefe da casa civil Elizeu
dio Melo Filho, ex-
Padilha, o “primo” - citado 45
diretor
Ode-
vezes na delação - no seu es-
brecht, que foi va-
critório em Porto Alegre. Desse
zada à imprensa, é apenas a
total, 1 milhão foi para Eduar-
primeira de um total de 77 acor-
do Cunha, o “caranguejo”.
da
dos de delação de funcionários
e dirigentes da empresa, e teve
um efeito devastador para o governo Temer. Um governo que
já começou mal: resultado de
um golpe, compôs um ministério sob suspeição, com vários
ministros réus em processos do
STF e pouco depois, afastados
[foram seis ministros afastados
em seis meses, comprovando a
instabilidade do governo]. As
denúncias vêm se acumulando
e as mais recentes não foram
* Homero de Oliveira
Costa, Prof. do Departamento de Ciências
Sociais
da
UFRN.
as primeiras e certamente não
serão as últimas, mas nesse
caso específico, a implicação é
óbvia: o presidente é citado 43
vezes nas 82 páginas da delação. Consta, entre outras coisas, [na delação de Cláudio
Melo Filho] que em maio de
2014, ele foi recebido num jantar no palácio Jaburu, no qual o
então
vice-presidente
pediu
apoio financeiro de 10 milhões
para ajudar na campanha do
PMDB e que foi entregue, sendo 6 milhões em espécie ao
A empreiteira fez
doações a muitos partidos e
candidatos e até mesmo a não
candidatos. Só o senador Romero Jucá, o “caju”, recebeu
19,9 milhões, Geddel Vieira, o
“babel” recebeu (só da Odebrecht) 5,8 milhões e ainda mesadas regulares da empreiteira,
além de ser acusado de ter recebido 3% do valor de uma
obra. Na lista inicial estão presentes também o senador José
Agripino (DEM/RN), o “gripado”
que recebeu 1 milhão, intermediado por Aécio Neves, Moreira
Franco, “o gato angorá” - citado
34 vezes - e que, segundo o
delator, teria pedido 3 milhões
de reais em propinas para elimi-
nar a possibilidade da construção de um aeroporto no Rio de
Janeiro por outra empreiteira,
além de outros, jocosamente
apelidados de Boca Mole, Todo
-Feio, Índio, Missa, Moleza, Velhinho, Kimono, Bitelo, Corredor, Gremista, Campari, Ferrari,
Decrépito, Feia etc. facilmente
identificáveis na lista divulgada na imprensa,
degradação ambiental. Mesmo assim, para o
com os respectivos valores recebidos. E ainda
presidente, nada justifica a sua demissão dele
teve 6 milhões para a campanha de Paulo Skaf,
nem de outros auxiliares, igualmente citadas
candidato do PMDB ao governo de São Paulo,
em delações da operação Lava Jato.
aquele mesmo dos patinhos na avenida paulista e Brasília, que bradava contra a corrupção
do governo Dilma!(na prestação de contas do
candidato na eleição de 2014, disponível no site do TSE, consta uma receita de R$
29.207.565,77 e nenhum depósito da Ode-
brecht).
Mas o fundamental é que a se confirmar as denúncias, mostra o profundo comprometimento de dois dos três poderes da Nação, o Executivo e o Legislativo, com uma empreiteira que afinal, não fazia apenas doações,
mas investimento. Afinal, os que receberam dinheiro estariam, em princípio, defendendo os
O caso de Elizeu Padilha é emble-
interesses da empresa, alterando ou criando
mático pela posição que ocupa e porque são
leis e medidas provisórias, por exemplo. E aqui
muitas as denúncias que tem se acumulado.
cabe a observação sobre um dos pilares da
No dia 17/05/2016, por exemplo, o jornal Folha
corrupção, que é a do financiamento privado de
de S. Paulo publicou matéria com o titulo
campanhas eleitorais, no qual a Odebrecht é
“Ministro Elizeu Padilha é acusado de autorizar
apenas uma das muitas empreiteiras, empre-
repasse suspeito” na qual se informa que ele
sas e bancos que financiaram campanhas, tan-
consta como réu em uma ação civil de improbi-
to em doações legais, como ilegais (o chamado
dade administrativa em que é acusado de orde-
“caixa dois”).
nar o pagamento superfaturado de R$ 2 milhões a uma empresa, quando foi ministro dos
Transportes do governo Fernando Henrique
Cardoso (1997-2001): “Na ação, ajuizada em
2003 pelo Ministério Público Federal e aceita
em 2013 pela 6ª Vara Federal do DF, Padilha é
apontado como ‘lobista’ que usou do seu cargo
Quanto ao judiciário, há pouco, um
episódio serviu para ampliar o desgaste da imagem do STF, que foi o caso de uma liminar do
ministro Marco Aurélio Mello afastando Renan
Calheiros da presidência do Senado e um dia
depois, por 6 votos a 3, ele foi mantido pelo
para atender a pleitos políticos para pagamentos absolutamente ilícitos e ainda por cima superfaturados”. Mais recentemente, no
dia 30 de novembro, a Justiça de Mato Grosso determinou o bloqueio de R$ 108 milhões
em bens do ministro e de mais cinco sócios
em duas fazendas localizadas no Parque Estadual Serra Ricardo Franco, em Vila Bela da
Santíssima Trindade, a 562 km de Cuiabá, por
STF, tudo indicando tratar-se de resultado de
uma articulação muito mais política do que jurídica.
No artigo “Temer é hoje o obstáculo maior à nor-
quências: baixa produtividade, recessão, altas
malidade democrática” (13/12/2016) Mario Sergio
taxas de juros, desemprego etc.
Conti afirmou que “O Planalto, o Supremo e o
Congresso se uniram para salvar o sistema e incrementar a espoliação.” Até a revista Veja fez
crítica (“Até tu, STF?”) e diz, entre outras coisas
que o Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou
abrir mão de suas atribuições jurídicas para fazer
política. O que chama atenção é que este é o
mesmo STF que impediu que Lula fosse nomeado ministro, por decisão de um deles e que man-
teve Eduardo Cunha como presidente da Câmara, até que o processo de impeachment fosse
Tudo isso cria as condições para a desestabilização do poder político, e para além de
uma crise política e econômica, uma crise institucional, cujos desdobramentos são imprevisíveis.
Nesse sentido, a meu ver, o perigo é crescimento
da direita, de “salvadores da pátria”, que aproveita o vazio deixado pela falência da autoridade e
da desmoralização do congresso e da desqualificação da política.
Num cenário como esse, como um go-
concluído.
verno
de como a PEC 55?
hoje? Manter um governo
Como disse o senador
sem legitimidade, com cres-
Roberto Requião em
centes índices de reprova-
discurso
ção e sem uma base aliada
insatisfação
chamada
base aliada. O PSB, por exemplo, que detém o
Ministério de Minas e Energia, enfrenta problemas internos com setores defendendo a saída
imediata do governo, posição já explicitada pelo
diretório estadual do partido no Rio Grande do
Sul). A permanência de Michel Temer na presidência é hoje um fator de instabilidade, e como
recente
(12/12/2016): “Que mo-
(há grande
na
aprovar
medidas de austerida-
Quais são as saídas
consistente?
pode
ral tem a Presidência
da República e o seu Ministério para propor qualquer medida de austeridade, qualquer sacrifício
para o povo? Igualmente, que moral tem o Congresso para aprovar uma emenda constitucional
que preserva intactos os ganhos do capital financeiro enquanto reduz à esqualidez as conquistas
e direitos populares?”.
diz Mario Sergio Conti no citado artigo, “a sua ma-
Quanto à presidência da República,
nutenção no cargo é gasolina no incêndio (...).
afirmou: “deslegitimada tanto pelas denúncias de
Ele fará com que a crise se alongue e faça mais
corrupção como pelas infelizes e erráticas medi-
vitimas. Atiçará os arautos da força” e termina o
das de austeridade e pelo forte impulso entreguis-
artigo com um “Fora, Temer”.
ta que distingue o núcleo central do poder” defen-
O que se observa é a desfuncionalidade das instituições, com seus riscos, associada a
uma crise política e econômica, e suas conse-
de que “não há outro caminho que a convocação
de novas eleições diretas para o comando do
Brasil. Não há outra saída. A não ser que a maioria desta Casa e a Presidência da República decidam correr o risco de enfrentar o povo na rua”.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto
póteses: a renúncia, o impeachment ou a cassa-
Data Folha, realizada entre os dias 7 e 8 de de-
ção. O mais provável seria a renúncia, o que po-
zembro, portanto, antes, portanto, da publicação
deria ocorrer com a fragilização de sua base alia-
das denúncias do ex-diretor da Odebrecht, reve-
da e manifestações de ruas contra seu governo,
lou o desgaste do governo. A pesquisa aponta
ampliando o desgaste e nesse caso, dois cená-
que 51% dos entrevistados consideram o gover-
rios: se for até o dia 31 de dezembro deste ano,
no ruim ou péssimo, 65%, o presidente falso,
assumiria o presidente da Câmara dos Deputa-
75% acreditam que o presidente é defensor dos
dos (o “Botafogo” na delação de Claudio Melo
mais ricos, 58%, que é desonesto, 67% que o
Filho) e uma nova eleição deverá ser realizada
desemprego vai crescer e especialmente a maio-
em 90 dias e haverá eleição direta para um man-
ria, 63% são favoráveis à sua renúncia.
dato “tampão” até o dia 1 janeiro de 2019, quan-
A renúncia é possível? No momento, ao
que parece, não é. Eleições indiretas? Idem e
também não resolveria a crise e seria a continuidade do mesmo governo, da mesma política econômica, com outros atores, porque seria realizado por um Congresso completamente desmoralizado, com altíssimos índices de rejeição e dominado pelo chamado baixo clero (conjunto de deputados e senadores (re) conhecido pela mediocridade e práticas fisiológicas). E mais: até agora,
o principal nome cogitado é o do ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, que além de dizer
do assumiria o presidente eleito pelo sufrágio popular em outubro de 2018. Caso Temer deixe o
cargo em 2017, quem escolherá o novo presidente é o Congresso Nacional, ou seja, será uma
eleição indireta. Nesse caso, para haver eleição
direta, só a aprovação de uma PEC (Proposta de
Emenda a Constituição) alterando a lei e permitindo a realização de eleições antes de 2018.
Mas como isso é possível com esse congresso e
ainda mais com Lula liderando todas as pesquisas de intenção de voto? A possibilidade seria
com a prisão (provável) de Lula.
que não aceitaria, não parece ser o mais creden-
O fato é que, nas perspectivas atuais,
ciado porque, entre outras coisas, terminou o
mesmo com a aprovação da PEC 55 no Senado,
mandato de oito anos com altos índices de rejei-
a situação do governo Temer é delicada, perden-
ção, no seu governo o país, segundo Aloysio Bio-
do apoios dentro e principalmente fora do Con-
ndi no livro “O Brasil privatizado: um balanço do
gresso Nacional. É o fim do governo? Josias de
desmonte do Estado” (1999) teve um prejuízo de
Souza, jornalista da Folha de S. Paulo e insuspei-
pelo menos R$ 2,4 bilhões com as privatizações
to de simpatias com o PT e a oposição ao gover-
do patrimônio público dado a “preço de banana” a
no Temer, escrevendo logo após as delação do
grandes corporações privadas e é de um partido
ex-diretor da Odebrecht afirmou que “O governo
com vários de seus integrantes, incluindo minis-
de Michel Temer, tal como o presidente imagina
tros, governadores, senadores e deputados cita-
existir, já acabou. Ainda que permaneça no Pla-
dos em delações da Lava Jato.
nalto até 2018, Temer será um presidente coxo
A questão é: caso Temer deixe o cargo, o que acontecerá? Para tanto há algumas hi-
(...) constrangido e rejeitado (que) promete reformas e crescimento econômico, arrastando as correntes da Odebrecht como um zumbi”.
M
uito já se disse,
Muito, depois dessa culmi-
mas não custa
nância, vamos encontrar outra
repetir que o ho-
alta manifestação de humor & ar-
mem é o único
te, já em Roma, todavia não mais
animal que rí. Obviamente, o riso
no teatro, e sim na ficção. É
nasceu com o homo sapiens. No
quando surge Apuleio (c. 124-c.
entanto, se procurarmos situá-lo
170), autor de O Asno de Ouro,
na literatura é indubitável que um
único romance latino a sobreviver
dos primeiros, se-
na íntegra até
não
os dias de ho-
o
grande
autor
explorar
* Manoel Onofre
de Souza Jr. Natu-
ral de Martins-RN , é
magistrado e escritor, membro da Academia
Norte-riograndense de Letras
e sócio efetivo do
Instituto Histórico e
Geográfico do Rio
Grande do Norte.
primeiro
o
je.
a
Apuleio
pode ser con-
riso,
em sua obra, com
siderado
o
engenho e arte,
patrono
do
foi
Romance Uni-
Aristófanes
( c.448 a C –c.
versal.
388/385 a C). Au-
mos que so-
tor mais represen-
mente Miguel
tativo da comédia
de Cervantes,
grega,
muitos
Aristófa-
Cre-
sécu-
los depois, é
Aristófanes
(
c.448
a
C
–c.
388/385
a
C).
que se pode
com um certo denes,
construiu
ombrear com
boche e muita sátira política, várias peças ainda
ele. Em se tratando, porém, de
hoje representadas em todo o
conto e novela, cabem os louros,
mundo – As Nuvens, Lísistrata, A
sem dúvida, a Giovanni Boccac-
Revolução das Mulheres – que
cio ( 1313- 1375).
são clássicos inigualáveis. Numa
monumental
destas, satirizou a figura de Só-
caccio é um dos escritores que
crates, de tal modo que teria con-
prenunciam a Renascença, lan-
tribuído para a morte trágica do
çando os
alicerces da ficção
grande filósofo.
moderna;
suas novelas, mes-
Com o seu
Decamerão, Boc-
clas geniais de humor, erotismo e
crítica social, não envelharecam, de-
Sacerdote católico e médico, além
corridos tantos anos de sua primeira publi-
de escritor, Rabelais possuía outros dons
cação; pelo contrário, despertam cada vez
dignos de nota, inclusive a língua ferina e o
mais atenção dos estudiosos e leitores
ceticismo. Quando estava para morrer, disse: “Vou em
busca
um
de
grande
talvez”.
Por fim, devemos também mencionar, como
cultor da arte
do
riso
em seus primórdios,
o
irlandês
Laurence
Sterne
(17131768), autor
do romance
mais exigentes. Outro ícone da literatura de
humor, o enfant terrible François Rabelais
(1494 – 1553), autor de emblemáticos romances quando se trata do riso desbragado, associado à glutoneria e outros exageros. Ridendo castigat mores bem poderia
ter sido seu lema, mas ele tinha para com
os seus grandes ( sem trocadilho) personagens, a seguinte divisa: “Comer, beber e
ficar alegre.” É questionável a sua inclusão
entre os renascentistas prototípicos.
Vida e Opiniões de Tristam Shandy e outras obras,
que, inclusive influenciaram bastante o nosso Machado de Assis. Sterne é considerado
o precursor de um outro tipo de humor- hu-
mour -, definido, de modo simplista, como
aquele que não provoca gargalhadas, mas ,
apenas discretos sorrisos. É a antítese do
riso rabelaisiano, por exemplo. Sterneanamente leve, sutil, irônico, mas, como toda
espécie de humor, permeado de crítica social.
professor, pesquisador, folclorista e etnógrafo Veríssimo de
Melo cultivava o hábito de corresponder-se com seus amigos ora para tratar de assuntos pessoais, ora
para falar-lhes de poesia, política,
literatura ou...amenidades. Tal correspondência constitui hoje um valioso acervo e fonte de pesquisa de
indiscutível valor histórico e cultural,
pois há nas missivas registros de
importantes acontecimentos do panorama artístico-cultural do Rio
Grande do Norte – quiçá do Nordeste.
O
Espalhadas entre amigos e
familiares de amigos, as cartas de
Veríssimo, além de acontecimentos
relevantes,
registram
ainda
“trivialidades”. Todavia, são as aparentes banalidades do cotidiano o
combustível e a matéria prima para
as crônicas mais interessantes, se é
que podemos falar nesses termos
módicos.
Professora de língua
portuguesa e literatura das redes municipal de Natal e estadual,
doutoranda
em Estudos da linguagem pelo PPgEL/
UFRN.
Silvio Rabello, em prefácio de
um dos livros de Veríssimo, faz
menção a um nome igualmente importante da cena literária potiguar:
Nilo Pereira, escritor radicado em
Recife, nascido em Ceará mirim,
terra que nunca saiu de sua mente
e coração. Para Rabello, Nilo parecia escrever “de pijama”, tamanha
seria sua naturalidade com as letras. Em muito por seu espírito visionário, Veríssimo já vislumbrava a
necessidade de deixar como legado
aos pesquisadores futuros o acervo
de cartas de que dispunha. A exemplo do que fez com sua correspondência com outros importantes nomes, reuniu algumas das mais significativas missivas trocadas com Nilo
Pereira.
Mais uma vez, o intento do
etnógrafo e folclorista, ao publicar
parte de sua correspondência, era
oferecer às futuras gerações um lugar de contribuição para futuros ensaios e análises interpretativas do
fulgurante escritor e humanista norte-rio-grandense, nascido em Ceará
- mirim. Nilo, O barão de Guaporé,
“valia por uma Universidade”, nas
palavras do escritor, acadêmico e
ensaísta Manoel Onofre Jr. Em
1992, Veríssimo publica “Nilo Pereira – cartas de emoção e de humor”,
pela
Academia
Norte-RioGrandense de Letras, síntese de
uma amizade de trinta anos, grafada em correspondências que, na
opinião de Veríssimo, trouxe-lhe
“maiores conhecimentos literários e
culturais”.
Em uma das cartas publicadas
no referido volume, há uma que
chama à atenção pela intertextualidade que estabelece com o célebre
romance Memórias Póstumas de
Brás Cubas, de Machado de Assis.
No famoso romance realista, Brás
Cubas,
em
delírio,
acha-se
“cavalgando” em um imenso hipopótamo, a ir em busca da origem dos
séculos, sobre planícies de neve...
“Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo,
que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e
com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino. -Engana-se, replicou o animal, nós
vamos à origem dos séculos”.
Não faremos considerações acerca dos
aspectos filosóficos/estéticos/literários que permeiam o excerto machadiano; citamo-lo apenas
como referência. Nosso deleite é o diálogo NiloVeríssimo. Com todos os perdões, o bruxo do
Cosme Velho será matéria para outra prosa.
sobre o canavial o seu negrume derrotado”. (...)
Basta de tanta imaginação, caro Veríssimo. Essa onça já arrancou muita literatura”. E encerra, sempre muito estilístico: “(...) aqui pingo o
ponto final, com um fel no abraço do velho amigo da onça, Nilo”. (Carta de Nilo Pereira a Veríssimo de Melo, em 23 de março de 1951).
Homem de leitura que era, Nilo chegou a
receber prêmio na Academia Brasileira de LeA onça
tras (afora ele, somente o mestre Cascudo).
Não se discute que lera com “independência” o
Certamente que o episódio que intitula esclássico que conta a história de Brás Cubas.
te artigo é mais pitoresco e – ousamos dizer –
Numa aventura narrativa bem-sucedida, a meu
verossímil. Não pela narrativa propriamente,
ver, o barão tece um enredo mesclado de eleposto que há contornos literários. Mas porque
mentos místicos/religiosos com aspectos épidesdobra-se de um acontecimento real: uma
cos, tendo os caraonça que fugiu de um cirvaneiros (nos quais
co em Ceará Mirim, nos
se inclui) como venidos de 1951. Sobre esse
cedores. Final feliz!
acontecimento, Nilo esO que intentava Nicreve uma carta, qualifilo? Metaforizar algucada por Veríssimo como
ma peleja política?
“deliciosa”. Eis um trecho:
Ou materializar alguma aventura vivida
“Fiquei imaginando um
ou sonhada durante
animal de proporções gia infância nos canagantescas – uma cachorviais? Talvez simra bíblica ou besta apocaplesmente(?) a ballíptica, ─ sobre o vale, uibúrdia que se estavando de cólera. Os olhos
belecera numa pachispam de rancor, as pacata e provinciana
tas sussurram iras sobre
cidade do interior,
os canaviais, a cauda esausente de expedipadana rancor como um
entes, quando de
látego dantesco. Depois
um acontecimento
desse delírio machadiano,
tão inusitado. Se
o felino volta ao natural. E
tentarmos responé neste momento que
der, a graça desapachegamos nós, os cara- Imagem disponível em: http://
rece. Fica a cargo
vaneiros, para liquidar o brincabrincarte.blogspot.com/2014/11/lendasdo leitor.
monstro. A hora é crucial.
indigenas-onca-e-o-raio.html
Não pode haver um insÉ de muita felitante de indecisão. A oncidade, por fim, a descrição que Veríssimo faz
ça olha-nos de sua toca, sinistra e hedionda.
da visão de Nilo, num belo tracejo semântico:
Alçamos a mira. E, ou fazemos fogo, rápidos e
“É que ele, apesar de ter sido operado de catafirmes, ou o animal, como um demônio alado,
rata, ainda vê melhor do que qualquer um de
se precipita sobre os homens bons, que defennós. Vê perscrutando. Mais por dentro que por
dem o vale. Os tiros atingem o alvo. Um uivo de
fora”. Decerto, só os de visão de metades, vidor atroa os ares. E o vale todo se enche de um
são privilegiada (veem simultaneamente dentro
bafo morno de ira e vingança. A onça estende
e fora), são capazes de delirar acordados.
Kalliane Amorim — Nasceu em Umarizal, em junho de 1982. Começou a escrever poemas na adolescência.
Sua formação acadêmica se deu na UERN: licenciada em
Letras e especialista em Leitura e Produção de Texto e concluiu recentemente o curso de mestrado em Letras. Possui três livros de poesia já publicados (Outonos, Exercício de silêncio e Relicário). Trabalha como professora de Língua Portuguesa e Literatura no IFRN e faz parte do NULIC
(Núcleo de Linguagens e Códigos do IFRN Campus Apodi) e do GELLI (Grupo de Estudos
Linguísticos e Literários do IFRN Campus Mossoró). Integra, junto a outros escritores mossoroenses, a Confraria Literária Café&Poesia.
Por: Thiago Gonzaga
*Todoas as fotos são do acervo pessoal da entrevistada
KUKUKAYA - Kalliane Amorim, fale-nos um
pouco do seu mais recente livro,
“Relicário”. Do que tratam a maioria dos poemas?
KALLIANE AMORIM - Pode ser os dois? Do
passado, eu convidaria Cecília Meireles. Do
presente, meu poetinha Antonio Francisco.
KUKUKAYA - Uma obra inesquecível?
KALLIANE AMORIM - Relicário, como o
KALLIANE AMORIM - O guardador de rebapróprio nome sugere, apresenta um conjunto
nhos, de Alberto Caeiro.
de poemas que escrevi nos últimos anos e que,
a pedido de meu editor, Clauder Arcanjo, resolKUKUKAYA - Uma música?
vi reunir, partindo do eixo tempo-memória. Optei por organizá-los em quatro seções, dadas
KALLIANE AMORIM - Há tantas músicas
as suas características
que eu gostaria de citar aqui,
temáticas. Então, começo
mas escolho Esquadros, de
com poemas mais metaAdriana Calcanhotto.
linguísticos, que trazem
uma reflexão sobre o próKUKUKAYA- Um lugar meprio processo de escrita
morável?
da poesia, depois apresento poemas mais voltaKALLIANE AMORIM - Sem
dos para a afetividade,
dúvida, a Fazenda Camponeseguidos de textos ligados Kalliane e o Poeta Anchieta Rolim
sa, em Umarizal-RN, onde
à memória, especialmente
meus avós maternos morada infância e de pessoas que me foram imporvam.
tantes na vida, e, por último, poemas mais voltados a reflexões de ordem espiritual. Em todos
KUKUKAYA - Você escreve em algum oueles, a noção daquilo que guardo na memória
tro gênero literário, além da poesia?
tecida com as palavras, meu relicário particular.
KALLIANE AMORIM - Há muito tempo, arrisKUKUKAYA - Quais são seus livros publicaquei escrever crônicas, cheguei a publicar aldos anteriormente?
gumas, mas nada de sério. Um pouco mais
recentemente, andei me atrevendo na seara
KALLIANE AMORIM - Meu primeirinho foi
Outonos, e o segundo Exercício de Silêncio.
dos contos. Mas foi só atrevimento mesmo.
Meu negócio é com a poesia, embora eu
KUKUKAYA - Qual escritor, do passado ou
aprecie demais a leitura da prosa.
do presente, você gostaria de convidar para
um café?
KUKUKAYA - Kalliane, de que maneira, como poeta e professora, você analisa a nossa atual situação politica? Existe saída para a crise, inclusive cultural, que enfrentamos?
KALLIANE AMORIM - Estou a cada dia mais
decepcionada com a situação política brasileira (na verdade, não é só com a política, é toda uma conjuntura). Acredito no poder de resistência que a educação pode fornecer às
pessoas. Formar os jovens para que assumam uma atitude
contestadora, aberta
ao diálogo, crítica,
me parece ser a única arma contra o
que se apresenta
diante de nós e um
dos poucos caminhos para o aperfeiçoamento do ser humano, ao lado da
formação familiar e
espiritual de cada
um. No que diz respeito à educação, o
que pensar, por
exemplo, de grupos
políticos que defendem uma reforma
no Ensino Médio,
quando nossos problemas têm suas
raízes no Ensino Infantil? É na formação de
nossas crianças que devemos investir, pois
nessa fase da vida, ao receber estímulos variados e significativos, há uma possibilidade de
desenvolvimento cognitivo, afetivo e social
muito grande. Infelizmente, a maioria das crianças em nosso país não tem acesso a uma
educação de qualidade, e isso, já na primeira
infância, contribui para aprofundar as desi-
gualdades. No Brasil, encara-se, frequentemente, a educação como gasto, não como
investimento, o tempo destinado à leitura e ao
estudo como desperdício, não como uma prática que possibilita a colheita de bons frutos a
longo prazo. Aliás, temos um problema sério
com a noção de longo prazo, somos uma sociedade imediatista, e se os governantes querem, por exemplo, propor uma reforma para o
Ensino Médio, é justamente porque se pode
perceber os "efeitos" a curto prazo e isso dá a
impressão de que algo está sendo feito... Outra falácia é a proposição de uma escola
sem partido, sem ideologia. Não é possível a
nenhum ser humano
ensinar, escrever, falar, pensar, gesticular,
fazer o que quer que
seja, sem que os filtros das ideologias
não moldem a sua expressão.
Propor
que a escola deixe de
incentivar os
alunos a analisar a sua
realidade, criticá-la e
agir sobre ela com o
objetivo de transformá
-la é falsear sua própria natureza. Mas é
óbvio que quem pensa
numa
escola
"apolítica" tem também suas ideologias e quer,
por meios "legais", impor o seu ponto de vista, não é mesmo? Talvez umas aulinhas de
sociologia e filosofia, ou a leitura de nomes
como Foucault e Bakhtin, por exemplo,
fossem suficientes para compreender que
não há sujeito sem ideologia, mas...
Há
muito jogo de interesses
nos bastidores
do governo, isso em todas as
esferas,
mas é claro que o poder legislativo jamais
vai propor leis contrárias a seus próprios interesses... Da mesma forma que em nossas
relações sociais também há esse jogo, so-
tando as características das cantigas medievais. Enquanto o primeiro nasceu mais intuitivamente, o segundo foi resultado de pesquisas e muita leitura do cancioneiro ibérico,
mos capazes de corromper e nos deixar corromper, daí que um trabalho sobre a ética é
imprescindível, ainda mais num país e numa
democracia tão jovens como é o Brasil. Ainda engatinhamos em inúmeros aspectos, e o
que se faz quando ainda não se consegue
andar com desenvoltura? Persistir na aprendizagem e, especialmente, analisar o passado para não incorrer nos mesmos erros.
que tanto influenciou a nossa tradição poética.
KUKUKAYA - Quais os planos literários
para o futuro?
KALLIANE AMORIM - Estou com dois livros
engavetados, encaminhando-se para publicação, espero que muito em breve. Num deles, focalizo a experiência da maternidade e
da infância; no outro, procuro fazer um diálogo com a poesia lírica trovadoresca, resga-
KUKUKAYA - Se pudesse recomendar um
livro aos leitores, qual seria?
KALLIANE AMORIM - Só um? Eu tinha
uma lista em mente, mas indico um que estou relendo: Um rio chamado tempo, uma
casa chamada terra, de Mia Couto.
P
reparados para um
caminhão de hipóteses batidas em resposta ao título sobre a
música potiguar? É mais ou menos esse o teor do texto.
Se gio Vila . Coedito à doà siteà Su sta i oà
Plual. Jo alistaàdeàp oí ia,à afeitoà sà easà daà es ui a.à Sohaà o à Ve ezaà eà
iajaà u dosà aàliteatu a.à ádo aà a a o adaà o à paço aà
ouà ua doà aà ilhotaà
ha aà (p ai ho .à Eà
seà oà papaà eà á d à
Wa holàs oàpops,àpo à
ueà o?
Antes, aviso: o “não acontecer”
não se trata de fama, holofotes, imprensa, badalação.
É apenas aquele
reconhecimento que
alimenta a alma e
põe o pão nosso,
amassado, mas digno, à mesa.
Volto ao tema porque o incômodo voltou quando assisti
ao show da Luna
Hesse, no Bardallos. Sofisticação pura. Artista lapidada
e pronta para não Luna Hesse
só voos maiores,
mas para qualquer voo, qualquer
palco e público.
E lá estava ela a cantar para eu,
meu compadre Tácito Costa, um
casal de amigos de Luna e mais
dois artistas também amigos.
Ou seja: não tinha público. Não
tinha aquele “cidadão comum”
que lê a notícia do show em um
desses agendões e, pelo perfil
da atração, comparece, bate palma, vibra com os falsetes e improvisos vocais, comenta com o
amigo que o violonista é fodástico, compra CD ou procura mais
informações do artista no google
ou no soundcloud após o show.
Esse público não
existe no Rio
Grande do Norte.
Ainda não. O Zé
Caxangá – um
cara mergulhado
nas produções e
shows de uma
galera boa daqui
– concorda comigo.
Som da Mata,
festivais de música como o Dosol
ou Mada atraem
público pelo formato do projeto e
não pelas atrações musicais,
acredite.
É o caso também do projeto
Quartas Clássicas, com um Teatro Riachuelo lotado para um
concerto erudito. É o Teatro, é o
ingresso gratuito! Coloque a
mesma orquestra no auditório da
Fiern e cobre R$ 15. Não preenche metade.
O Bardallos tem oferecido excelentes shows.
Cobra, em média, R$ 10 e o público não vai.
Meses atrás também estávamos eu e Tácito e
mais um bêbado amigo para o show excelente
de Caio Padilha.
Contraditória porque antes os jornalões eram a
fonte-mor de divulgação. E sendo poucos, esse
espaço era muito dificultado. Uma estampa no
caderno Viver da TN ou no Muito do DN era a
glória.
Semanas atrás vi Yrahn Barreto, com participação de Mirabô e Jubileu, na Cidade da Criança.
O que se precisava mais para comparecer?
Acesso livre, lugar aprazível e música boa.
Quase ninguém lá.
Hoje há uma infinidade de blogs ou mesmo
perfis e fan pages pessoais, redes sociais e ferramentas para montar banners, cards, etc. E se
as rádios-jabá não tocam, tem uma dezena de
rádios e ferramentas online que armazenam
suas músicas.
Lembro o dono do Taverna Pub a reclamar a
falta de público para projetos de blues e se via
obrigado aos pagodes da época para manter a
casa.
Então, o resumo do primeiro clichê: o público
vai aonde não paga ou para ser visto, e não
para curtir a música potiguar.
CAUSAS ´DESDE SEMPRE PARA O VAZIO
Vou amontoar as causas conhecidas em um
gordo parágrafo clichê e quase cronológico,
ok? Vamos lá: 1) Rádios não tocam a música
potiguar. 2) Sem conhecer a música, o público
não comparece. 3) Sem o público comparecer,
cada vez menos palcos se abrem à música potiguar. 4) Com menos palco e pouco prestígio,
os cachês caem ao músico autoral no RN. 5)
Sem incentivo à música autoral, o cover toma
conta e até atrai alguma plateia. 6) Com pouco
público, cachê baixo, menos palco e disputa
com o cover nos bares, há ainda o modismo do
potiguar que empurra muitos a preferirem o estilo musical da moda, ou seja, passageiro. E
assim a música potiguar passa e nunca permanece.
CAUSAS ATUALIZADAS PARA O VAZIO
Uma determinante contraditória é a promoção
pessoal, o marketing, a assessoria de imprensa, a divulgação em si.
Mas nem assim. Nem com esse novo universo
democrático de divulgação e promoção a música autoral potiguar acontece.
Tomemos o exemplo da própria Luna Hesse.
Imagina se boa parte dos seguidores da fan
page ou do facebook da Luna Hesse fosse ao
show. Ou se ela conquistasse pelo menos um
fã, daqueles fiéis mesmo, por cada ano de carreira.
N oàpa e eà uito,à e?àSeàassi àfosseàesta ia àpeloà
e osàa uelasà
àpessoasàe tusias adasà–àu à í-
i oàsui ie teàpa aàa ueleàp oàa assadoàeàdig oà
ouàpa aà a te àaàautoesi aàdoàa ista.
Masà
o.à L à esta a à u sà t sà gatosà pi gadosà e à
u àsho à o ài g essoàaàR$à
aleàR$à
AH,
àpa aàu aàa istaà ueà
.
E
O
FAR
áà úsi aàauto alàdoàRNà
FROM
ALASKA?
oàseà esu eàaoàFa àF o .à
Ne àoàCa a o es.àNe àaoàPlut oàJ àFoiàPla eta.
Pa aà ita à essesà e e plos,à a editoà oà Fa à F o à
álaskaà o oà a daàtale tosaà ueàap o eitouài te iosà usi aisà e à out osà estadosà eà paísesà pa aà
ost a àu aàpegadaàdeà o kàpe so alizada.àEàa o te eu!àEàa o te euà aisàfo aàdoà ueàa ui.
O Camarones Orquestra Guitarrística, além
do som bacana, traz uma estrutura de marketing promocional de excelência, com o trabalho de Foca e Ana Morena. Unem o útil ao
agradável como poucos no Brasil, acredito.
O Plutão provou o talento potiguar quando
encontrou oportunidade. Mas para jurados
técnicos e audiência nacional que soube enxergar o carisma e a qualidade do grupo.
Não, necessariamente, para o público potiguar.
patamar de outrora após o sucesso no The
Voice; voltou a não ter tempo para ser estrela,
numa triste paródia de sua canção. E, claro,
desnecessário citar seu potencial, seu talento
vocal, de presença de palco, de instrumentista, de compositora, etc.
E mesmo com o exemplo das três bandas,
são tão poucos exemplos para tanta coisa
boa. Tão poucos exemplos se comparado a
estados vizinhos.
É
certo
que a música potiguar vive
uma
ascendente.
Houve um
período
razoável
de construção dessa
cena. Mas
o público
talvez não
tenha
acompanhado
o
mesmo
ritmo
da
bandas.
Far From Alaska
E uma outra questão une esses três exemplos: oportunidade! São bandas que, pela essência do som que produzem, encontram espaços em festivais independentes. O Plutão e
o Far From irão tocar no Rolling Stone Festival, próximo 3 de dezembro, por exemplo.
Lembremos Khrystal que, sem essa abertura
em festivais de rock e música indie, voltou ao
Alguns
pouquíssimos grupos já atraem algum público
fiel e é essa imagem que eu acredito. Dusouto e Rastafeeling são algumas delas. Mas falta muito apesar do muito já construído, penso
eu.
E volto à pergunta: por quê?
D
esde jovem tive o
Salomão e Paulo Leminski, en-
privilégio de convi-
tre outras. Enquanto isso, rabis-
ver com notáveis.
cava versos e contos inseguros,
Adolescente, ima-
em busca de méritos próprios.
turo, compartilhava as reflexões
eruditas do contista Hélio Pólvo-
ra, acumulando ensinamentos,
e resultando em descobertas
literárias e firmeza de vontade
para não desistir da escrita. Cismado, taciturno, reservado, irônico e mente acesa, ele era o
ANTONIO NAHUD (Itabuna,
Bahia, 13 de junho de 1972).
Escritor,
jornalista,
poeta,
dramaturgo, blogueiro. Cinéfilo
incorrigível. Nascido nas terras-do-sem-fim do sul baiano,
morou em diversas cidades
brasileiras (Salvador, Rio de
Janeiro, São Paulo etc.) e europeias (Lisboa, Sintra, Londres, Madri, Paris, Barcelona).
Desde 2010 vive em Natal,
Rio Grande do Norte. Recebeu o Título de Cidadão Natalense e o Troféu Cultura RN de Melhor Livro de 2013 /
"Pequenas Histórias do Delírio
Peculiar Humano". Autor de
onze livros que abordam diversos gêneros (crônica, poesia, conto, ensaio) e retratam
sua vivência errante. Editado
por pequenas editoras, vem
sendo reconhecido como um
dos valores da literatura
nordestina.
meu anti-herói favorito. No Rio
de Janeiro, aos dezessete anos,
magricela e curioso, passei tar-
des na Cinemateca do MAM
com o escritor argentino Manuel
Puig. Após exibição de filme
clássico em preto e branco, entre um gole e outro de café,
soube muito de cinema hollywoodiano. O autor do best-seller
“O Beijo da Mulher Aranha / El
Beso de la Mujer Araña” (1976)
encontrava no cinema do passado fantasiosas soluções para
a vida tacanha, refletindo essa
obsessão nos seus romances.
Nessa época, solto como Rim-
Mais adiante, morando em São
Paulo, aconteceu a amizade
conluiada com a poeta Hilda
Hilst. Foram dois anos passando finais de semana com ela, na
Casa do Sol, em Campinas. Hildinha, rigorosa como lâmina afiada, colocou-me na parede: o
mundano ou a escrita. Ela não
acreditava no artista “em cima
do muro, nem lá nem cá”. Abriu
meus neurônios para a cultura
grega, o Oculto e seus seres
invisíveis, e a literatura de entrega incondicional, de Safo a
Guimarães Rosa. Poucos anos
depois, em Sintra, a hora e a
vez
da
benção
existencial-
literária de Jorge Telles de Menezes, intelectual de nobre potencial poético e ser de dignidade cintilante. Passei uma boa
temporada em sua bucólica
casa à beira mar. Tive mo-
baud, relacionei-me com o bar-
mentos de descobertas, em-
do Antonio Cícero, abrindo ca-
bora curtos, com as escrito-
minhos para a poética transcen-
ras Maria Gabriela Llansol
dental de Jorge de Lima, Wally
e Doris Lessing, respectivamente em Sintra e
vertente experimental. Tem uma maneira úni-
Londres. Em Tânger, no Marrocos, passei
ca de sobreviver, movimentando-se com inti-
uma tarde com o autor de “O Céu Que nos
midade no universo literário do Rio Grande do
Protege / The Sheltering Sky” (1949), Paul
Norte e cultivando autores sofisticados como
Bowles. Parecíamos antigos amigos, abraça-
referência. Enxerga o que há de melhor no
dos pelas ruas, tagarelas, misturando espa-
próximo, deixando-nos sem ação com elogios
nhol e inglês, falando do ofício literário, litera-
hiperbólicos. Mas pode ter certeza que ele
tura beat, Jean Genet, erotismo marroquino e
acredita no que diz. Em “O Livro das Revela-
a necessidade de solidão e silêncio.
ções” (2013) escreveu a meu respeito: “O po-
Todos eles tiveram importância capital nessa
errância de escritor viajante. No entanto, nenhum marcou-me tanto – consequentemente,
vida e arte - como Diogenes da Cunha Lima,
o Poeta do Baobá. Mestre, amigo, ele suaviza
corações com personalidade justa, cortês e
eta e jornalista tem um dos melhores textos
do país e é mestre em fazer e conservar amigos”. Que responsabilidade! Ao ler esse comentário pela primeira vez, embasbaquei, garimpando pedaços de mim no amável julgamento.
generosa. Difícil escritor feito ele, com tama-
Fomos educados em extremidades opostas,
nha elegância moral. Não é de formalidades
revelando-se circular, e assim nos aproxima-
vazias e protocolares. A arrogância, mesqui-
mos. Partilhamos idêntica paixão literária e
nhez, inveja, vingança e deslealdade, típicas
enxergamos nela o sentido da vida. Sei que
da rotina de trocentos bocós de sucesso, não
há um ou outro espírito de porco que não va-
fazem parte do seu universo. Para ele, a vida
loriza nossa amizade, circulando indiretas
é bela e a literatura, a família e a amizade são
abestadas. Certa vez, no café da Livraria Sa-
joias raras que devem ser celebradas. Anda
raiva da capital potiguar, um repórter fotográfi-
sorrindo, mesmo quando triste. Da memória
co, depois de me fotografar, perguntou-me
baú de tesouros, inesperadamente lança nu-
cínico: “Como vai seu pai?”. “Morto e enterra-
ma conversa um fértil poema ou causo insti-
do”, respondi. “Falo do doutor Diogenes”, in-
gante e divertido. Lembra com frases exatas
sistiu. A maldade deixava os seus olhos opa-
conversas com pessoas que conheceu ao lon-
cos, áridos. Mas não me abalou, muito pelo
go da vida. Considerando Luis da Câmara
contrário, sinto-me honrado em ser amigo e
Cascudo seu mestre, é um dos maiores divul-
trabalhar com o Professor. É fortuna das gran-
gadores do legado deixado pelo historiador
des, ele é de singularidade exemplar, de des-
potiguar.
treza verbal estimulante e inteligência em
De temperamento vulcânico, no bom sentido,
Professor Diogenes pode a qualquer momento ter rompantes de irreverência humorada e
constante motivação. Engana-se quem pensa
que pode menosprezar a grandeza do seu legado literário. Ele é um dos grandes da literatura nordestina.
Não nasceu para se entregar, sofrer, desistir
sim como “A Literatura do Professor”. Penso
ou se amargar. Liberto pela imaginação, nun-
em reescrever mais adiante sua biografia, lan-
ca descamba para a derrota, acenando com
çada em 2004, esgotada, com novo título: “O
soluções. O bom senso renasce das cinzas
Professor Revisitado”.
em questão de segundos. Admiro sua escrita
solidária e versátil, equilibrada entre a sabedoria e o encanto habitual do poeta diante do
Foto extraída do: http://www.brechando.com/
Aprecio o pensamento original. Sei que se todo mundo pensa igual, ninguém pensa nada.
Então, louvo o pensamento personalizado. Pa-
5/ 9/um-baoba-no-meio-da-cidade/
mundo. Ele escreve sob o compromisso de
entender as pessoas, colocar-se no lugar delas, compreendê-las sem as julgar. Tenho um
caderno onde reproduzo meticulosamente, há
anos, os trechos que mais me comovem em
seus livros, sempre acompanhados por duas
ou três linhas de comentários singelos e cuidadosos. Talvez um dia eu o publique, algo as-
rafraseando George Orwell, todos os homens
são iguais, mas alguns são menos iguais do
que os outros. Ainda bem. Cá entre nós, Professor Diogenes da Cunha Lima é um deles.
Portanto, é uma honra e uma sorte está por
perto para continuar ouvindo sua palavra que
não esmorece, altissonante e autêntica.
S
ão exatamente 21:33
de
uma
noite
quarta-feira.
de
Mas
quem marca um jan-
tar em plena quarta? Logo o dia
em que você sai tarde do escritório. Mas eu precisava te ver, pre-
cisava te contar o que está acontecendo nos meus dias. Eu precisava ver esse teu sorriso. Prendi
o cabelo, lembro de você me falar que meus olhos ficam mais
visíveis de cabelos presos. Por
isso fiz questão de prende-los. E
ainda me pergunto se você notará. Usei um batom sutil. Tenho a
breve esperança que me beije e
não fique borrado em
*Lívia Lima - 20
anos e é estudante.
você. O garçom veio
aqui umas cinco vezes,
já olhei o menu mais
de dez vezes, sabendo
que vou pedir o de
sempre. Vejo as pessoas me olharem, ansi-
osa
batendo
o
pé,
olhando para a entrada
do restaurante. Passaram das 22:00 horas, e
continuo te esperando
como se fosse necessário.
22:30h,
acho
que você não vem. Tive que chamar o garçom e dei uma boa gorjeta mesmo sem ter pedido nada,
ele merecia até mais, pois a cada
quinze minutos ele perguntava se
eu estava precisando de algo. O
algo que eu precisa era você. Fui
ao carro, e tive a esperança de te
ver entrando feito louco no restaurante, mas eu estava me enganando. Entrei no carro, respirei
fundo, mas foi impossível não
chorar. Engraçado que foi o mesmo choro de sempre, pelo mesmo alguém de sempre.
m dia, o homem não fala-
Um dia, cansado e empolga-
va, mas pintava, e lutava
do, cansado do “só sei que nada
pela sua sobrevivência.
sei”, porém não do “conhece-te a ti
Sobreviveu, apesar dos castigos da
mesmo”, o homem quis ir além, um
Natureza, e começou a idolatra-la e
conhecimento que provasse real-
criou o mito, mas não sabia ele que
mente tudo que se dissesse, que
seria o início de uma grande jorna-
provasse a verdade, a realidade,
da, de verdade, mentira, sofrimento
desenvolveu a ciência. Porém, ele
e desilusão. E ele não sabia...quem
não sabia...quem ele era.
U
ele era.
* Weidde Andrino - Estudante de Língua Inglesa,
estudante universitário de
história,
jovem
escritor.
“Faço da Cultura e da Literatura uma necessidade constante, um alimento importante, fazendo com que nutra
minha alma e eu siga sempre avante.”
Um dia, o homem cansado,
Um dia, o homem se sentiu
depois de ter tudo isto misturado, e
sozinho no mundo, se sentiu imun-
em nada ter dado, por resposta ne-
do, mundano, moribundo, vagante,
nhuma ter encontrado. Juntou filo-
como um vagabundo, se sentiu
sofia e religião, ciência e religião, e
desprotegido, se sentiu fraco, pe-
nada. O homem se desiludiu, e dis-
queno, e decidiu que queria um ca-
se: “Deus está morto”. “Deus não
minho para si, ameno. Um cami-
existe”. “Onde está Deus que não
nho, que mesmo sendo criado por
vê tanta desgraça no mundo?” O
ele, pela sua imaginação, fosse um
homem criou um artefato que des-
caminho de esperança e confor-
truía seu irmão em poucos segun-
to...ele criou...a religião. Um cami-
dos...Parecia que era o fim...até
nho que a princípio, seria de comu-
que...
nhão, união. De paz. Mas durante o
percurso do caminho, uns homens
usaram ela, para ajudar os irmãos,
e outros para dominá-los e manipulá-los. Mas, o homem não sabia...quem ele era.
O homem parou ao relento...
E gritou: “Deus! ”
A Natureza chorou chovendo...
Refrigerando e refrescando este
Um dia, cansado do “era
uma vez”, viu no mito, um interdito,
e começou a filosofar, para si olhar,
ao seu redor olhar, a vida explicar.
homem...
E pelo sofrimento do homem, veio...
As Lágrimas da Natureza.
Tentando se desvencilhar da emo-
E Ela disse: “Deus está dentro de
ção, usando a razão, mas nunca
vós,
conseguiu.
Mas
bia...quem ele era.
ele
não
sa-
E Ele nunca abandona seus Filhos.”
O
ano de 2016 finda,
finalmente, após ter
dado início à interrupção dos 31 anos de
redemocratização no país, o
mais longo período de normalidade democrática na História da
República brasileira.
A construção da ordem
democrática nas terras do pau
brasil parece nunca se completar. No século XX os golpes de
Estado sucederam as décadas,
tendo sido responsável por mais
de um período de exceção, além
da instauração de um Estado policial e terrorista na década de
60, marcas inquestionáveis da
ditadura militar no Brasil, vigente
de 1964 a 1985.
O saldo do golpe de 1964
nunca foi devidamente apurado,
nem reparado. O Estado brasileiro jamais conseguirá se redimir
por ter condenado a tortura e
morte centenas de jovens estudantes, advogados, professores,
trabalhadores e até religiosos.
Não há autocríticas suficientes
pelo endividamento, pelos contratos de risco na área de petróleo; não há registro de autocrítica
quanto a falta de acesso a bens
artísticos e culturais pelos brasileiros e brasileiras, em função da
repressão. Não se discute também o atraso na organização política da sociedade, advindo dos
21 anos de exceção e perseguição política aos militantes partidários, principalmente os militantes comunistas.
Felizmente, a reação social aos períodos de exceção, a
luta por soberania e a luta por
liberdade permitiram acúmulo de
força política suficiente para derrotar a ditadura com a eleição de
um presidente civil e dar início à
redemocratização do país, com a
eleição de uma assembleia nacional constituinte em 1986.
O poder constituinte original consagrou na carta de 1988,
considerada uma das constituições mais avançadas da atualidade, o Estado Democrático de
Direito, síntese histórica da luta
nacional por democracia e liberdade.
Nós, representantes do
povo brasileiro, reunidos
em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir
um Estado Democrático,
destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a
justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e
sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem
interna e internacional,
com a solução pacífica
das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL.I
O pacto político, do qual
resulta a constituição cidadã, é
antes um compromisso, para
romper com o autoritarismo, com
a exclusão e com a dependência
econômica do país frente às
grandes economias.
A sociedade se compromete, pela nova
Constituição Federal, a construir o desenvolvimento nacional de forma soberana, democrática, voltado a superar a exclusão secular e a
garantir os direitos sociais para todos, conforme artigos transcritos abaixo.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento
nacional;
III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação.
A nova carta vai mais além,
dirige a sociedade para a transformação do
país numa pátria justa e sem
preconceitos.
(...)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente,
inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus
processos
de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte
constituídas
sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração
no País.
Parágrafo único. É assegurado a
todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos
públicos, salvo nos casos previstos
em lei.
A promulgação da Constituição em
1988 dá início a novo desafio,
aquele voltado à efetivação dos
preceitos constitucionais. Desde
então se estabelece um luta concreta que opõe, de um lado, a grande massa da sociedade interessada
nas garantias e direitos conquistados, e de outro, a classe dominante
dominante na economia, nas instituições e nos
A vitória de um governo de feição demo-
meios de difusão de ideias, contrárias à efeti-
crática e popular em 2002, apoiado em forças
vação das conquistas constitucionais.
políticas novas, possibilitou a interrupção da
implementação do programa neoliberal. No entanto, a interrupção citada não reverteu o que já
havia sido alterado.
O novo governo
se empenhou em
busca da efetivação dos direitos e
garantias
previs-
tas na CF/88. Porém, a manutenção intacta da lógica financista na
macroeconomia,
além da subesti-
Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
mação do poder
Nos anos 90 o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso conseguiu aprovar
emendas à constituição, cujo teor alterou a ordem econômica lá inscrita. As emendas referidas possibilitaram a quebra do monopólio estatal do petróleo e a venda de empresas estatais,
como foram as vendas das empresas de telecomunicações, da CSN e da Vale do Rio Doce.
Ainda da safra do governo FHC, vieram a
reforma da previdência de 1998 e a flexibilização de leis trabalhistas, que possibilitou a ampliação da terceirização, em atividades sem
previsão legal.
da classe dominante, impediu derrotar os adversários de classe.
A explosão da crise econômica mundial
no mercado norte americano em 2008, e posteriormente na Europa, atingiu a América Latina,
o que fragilizou e comprometeu o caminho al-
ternativo adotado pelo Brasil de investimento
social e inclusão pelo consumo.
As dificuldades econômicas e a correlação
de forças políticas desfavorável levaram à inversão do equilíbrio político e à concretização
de golpe de estado pela via parlamentar, que
afastou a presidenta Dilma do governo federal.
A interrupção do novo ciclo político, inicia-
Por isso mesmo, o fim do ano de 2016 e
do em 2002, foi a via pela qual as classes do-
o recesso institucional trazem certo alento pa-
minantes viabilizaram a retomada do projeto
ra as forças democráticas e populares. Ao
neoliberal, em confronto direto com a ordem
mesmo tempo, 2017 prenuncia sua chegada
democrática, inclusiva e transformadora inscri-
num misto de angústia e desafio.
ta na Constituição Federal de 1988.
Não por acaso, o primeiro passo do go-
Considerando que a sociedade não se
coloca problema que não possa resolverII,
2017 será um ano de grandes desafios, dos quais
inverter o equilíbrio político
– atualmente favorável à
classe dominante - precisa
ser o objetivo comum da
sociedade, a ser perseverantemente perseguido e
construído.
Somente a construção de
um novo cenário político
no qual prevaleça o protagonismo do trabalho e das
Imagem da Internet
forças políticas progressisverno ilegítimo do Michel Temer se volta à
aprovação da PEC 241/55, que altera completamente o texto constitucional, principalmente
tas possibilitará restabelecer a vigência do Estado Democrático de Direito e o respeito à
Constituinte Federal de 1988.
quanto às responsabilidades do Estado com a
I
garantia dos direitos sociais, além das reforma
II
previdenciária e reforma trabalhista, que reduz
e flexibiliza direitos e garantias.
Na vigência do atual governo – de pouco
mais de seis meses -, o congresso nacional,
com a autorização do poder judiciário, conse-
Preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
Karl Marx in Forças Produtivas e Relações de Produção. Ao analisar o processo de mudanças na sociedade, o autor identifica na formação social antiga a gênese da nova formação. Porém, a superação da velha
formação somente acontece quando as condições materiais exigidas encontram-se amadurecidas. “Por isso
a sociedade não coloca para si, nunca, senão problemas que pode resolver, (...)
guiram comprometer e fragilizar as conquistas
democráticas dos últimos 70 anos.
www.virtualcult.com.br
SUELY, Dione. Reminiscências Minhas. Natal: Off Set, 2016.
R
eminiscências minhas de Dione Suely, um livro que me inquietou pela proposta. A autora surge na literatura Norte Riograndense com seu livro em data muito recente, para ser
exato aos quinze dias de dezembro deste ano, mas ao conhecer sua
trajetória noto que de nada novo existe nesse caminho, já é algo enta-
lhado com experiências nos versos e prozas de uma realidade pessoal.
* Paulo César Palhares, nascido em
1989, Escritor de literatura
infanto juvenil com o primeiro livro a publicar da
Saga Lumínios, mundo ao
qual inventou e esculpiu
cada forma, cultura e idiossincrasias, primeiro título
da obra será “A vitória dos
Exilados”, lançado pela
Editora CJA, professor de
Geografia, Consultor de
Políticas Públicas Geopolíticas, Resenhista Crítico do
Blog www.pcpalhares.com,
no qual tem um trabalho
desde 2015 e agora da revista Digital Kukukaya, ,
com mais de cem títulos de
livros já lidos, no momento
tem se dedicado a autores
locais e a conhecer melhor
as obras lançadas dentro
do Brasil e especialmente
no Estado do Rio Grande
do Norte.
Dione, uma servidora e colaboradora do Poder Legislativo Municipal,
dividiu parte da sua vida em prol do seu trabalho e valorização do funcionalismo público e sua outra metade se fazia em letras concatenadas e
belas histórias a
Reminis-
se ler.
cências é uma poe-
sia diferente das
que li e apresento
aos amigos, pois
ele segue um padrão
de escrita diferen-
te, mas quanto ao
termo de qualida-
de muito me agra-
dou,
particular-
mente tenho me tor-
nado fã assíduo
da literatura potiguar,
pela sua produ-
ção, pela sua audá-
cia, temos inclusi-
ve verdadeiros escri-
tores
guerreiros
que
são
que um livro, nos
e
mais
doam uma trajetória,
foi assim com outros amigos (me permito usar esse termo) que aqui
apresentei e assim também com a ideia de Reminiscências. Uma construção literária baseado no que pode ser chamado de proza poética,
cria o que eu chamo de efeito “Uma tarde de café”, sim, esse efeito é
um dos mais prazerosos que intitulo ao ler poesias, você se sente frente ao autor, naquela bela tarde, frente a uma bela paisagem de clima
agradável e a tomar um quente e aromado café. Essa sensação exprime para mim uma qualidade literária muito boa, a qualidade da leitura
prazerosa, leve e tranquila, assim foi a característica de ler e dialogar
com as reminiscências de Dione Suely.
Ainda ontem
eu tocava flauta no vale das solidões escondidas
quando uma águia de prata, de asas longas
e garras de vento, veio
e roubou-me para sempre de mim.
De repente, eu estava nas alturas
e nem me lembrava mais
se era gente ou pássaro.
Viajava sem saber para onde,
entregue ao desígnio pássaro
*José de Castro, jor nalista, escritor, poeta.
Mestre em Tecnologia da
Educação. Autor de livros infantis (A marreca
de Rebeca, O mundo em
minhas mãos, Poemares,
Poetrix, Dicionário Engraçado, A cozinha da
Maria Farinha, Poemas
brincantes). Contato: josedecastro9@gmail.com
que tem o rumo desenhado apenas pelo instinto.
Sabia da urgência em manter os olhos abertos
para contemplar tudo.
Sentia um vento frio no rosto
e um outro frio por dentro.
Então, vi a montanha,
uma enorme montanha recortada
contra o azul da paisagem.
Há momentos na vida que são únicos
e que nos apontam novos rumos.
O instante breve entre um voo e o pousar
no ponto mais alto do mundo
me fez sentir que eu podia
ser bem maior do que um dia fora.
Agora, eu era a própria montanha,
e tinha olhos de águia e asas de vento.
Naquele instante mágico,
tive a plena certeza de que
algo diferente acontecera.
Tomei a flauta nas mãos,
levei-a aos lábios
e soprei uma canção:
a canção que celebra
a inauguração de um novo tempo.
Ali, com lábios de montanha,
meu sopro de pedra esculpia o grito
de esperança tamanha
que se ouvia feito um eco para além do infinito,
bem mais alto do que a própria montanha.
Hoje, sou o coração do mundo a pulsar
no ritmo incessante das infinitudes
que se agigantam e se aninham em mim.
E
* Francisco Ramos
Neves
Dr. em Filosofia Professor de Filosofia – UERN
professor.ramos@hotmail.com
mbora tenhamos chegado ao fim cronológico do
ano de 2016 isto não significa dizer que este ano
tenha um fim histórico. Muitos
acontecimentos marcantes eclodiram em seus dias e entram para
história como momentos que se
eternizarão como fatos a serem
narrados peremptoriamente e que
inevitavelmente serão lembrados
como motivos insuperáveis de crises e rupturas da normalidade institucional e humana. Alguns poucos, mas icônicos, fatos serão descritos abaixo para nos mostrar essa
tese.
uma sociedade humana possível.
Este fato abre o tempo para novas
ações e novos sujeitos políticos
que nos trarão consequências nocivas e imprevisíveis ao bem-estar
social das multidões. O que já se
percebe pelas medidas tirânicas de
uma minoria corrupta que legisla
em causa própria para manter seus
privilégios atacando e retirando direitos humanos, que tem alimentado ferozmente a indignação social
que já abala as estruturas do futuro
da paz desejada. Este fato mostra
que 2016 jamais se apagará na
história e muitos desdobramentos
tumultuosos advirão daí.
No Brasil, a exemplo de outros países, o ano 2016 nos mostrou a fragilidade das instituições
jurídicas de um Estado de Direito
destruídas moralmente e politicamente por golpistas que ironizam
com a consciência política e sabedoria social ao destituírem uma
Presidenta honesta eleita democraticamente e a substitui por mercenários corruptos que fatiam as riquezas nacionais em nome de um
novo imperialismo político, travestido de neoliberalismo econômico.
Este golpe marca a história de uma
tão jovem democracia brasileira e
incendeia e amplia as chamas de
precedentes golpistas por toda a
América Latina e pelo mundo, que
assiste atônito a este espetáculo
de inominável violência simbólica
que faz sangrar até as mais resistentes forças de esperança em
2016 também nos mostra o momento mais nebuloso e devastador
de uma grande guerra mundial que
se projeta a partir do mundo árabe.
O assassinato do embaixador russo na Turquia, Andrei Karlov, em
Ancara, capital do país, por um jovem policial turco não apenas mostra a impetuosidade de um homem
isoladamente, mas atesta a existência virulenta de uma onda extremista de militantes que agem invisivelmente em todo o mundo. O
campo central dos acontecimentos
ainda é o mundo árabe, mas o terror ronda todos os continentes como fantasmas apocalípticos. O policial turco apenas protagonizou
mais uma cena mínima de um genocídio que se perpetua em todos
os lugares, onde explosões, atentados, quedas de aviões, bombardeios de todos tipos deixam um rastro
do inumano que habita o mundo. A Síria é apenas um pedaço do que se avizinha. A carnificina e a barbárie que tomam conta das cidades
em guerra, principalmente em Aleppo, evidenciam novos exércitos mercenários que imitam na
forma mas inovam-se, nos motivos e recursos
tecnológicos, as condições bélicas adotadas
pelos povos bárbaros do passado. Estados esquecem suas roupagens de guardiões da civilidade e legalidade e investem no terror de uma
guerra torpemente geopolítica. A Turquia direciona seus tanques e fortalece suas estratégias
de apoio aos rebeldes contrários ao governo do
questionável presidente sírio, Bashar al-Assad,
e nesse empreendimento derruba aviões russos que apoiam com bombardeios contínuos
cidades que servem de base para os oposicionistas e entra decididamente nessa guerra. E a
Rússia sob liderança do neo stalinista, o presidente russo Vladimir Putin, participa do conflito
na Síria em apoio ao governo e não tem poupado bombardeios em Aleppo desde final do ano
de 2015, destruindo impiedosamente regiões
possivelmente ocupadas por rebeldes, sem livrar civis e famílias de inocentes que já somam
mais de 400 mil pessoas mortas no conflito.
Possivelmente por isto um avião militar russo
caiu misteriosamente, supostamente por atentado, no mar Negro com 92 pessoas a bordo, a
caminho para uma de suas bases militares na
Síria, ironicamente para participar e animar,
com um renomado coral e grupo de dança russos, uma festa que comemoravam com os seus
aliados a vitória provisória na cidade de Aleppo.
Como se festejos natalinos combinassem com
a carnificina do presente e a tragédia internacional que o conflito reserva para o futuro das
nações envolvidas. Cada vez mais, os episódios mostram que o mundo ainda vai chorar lágrimas de sangue por Aleppo; não apenas por
esta outrora próspera cidade financeira e industrial turca, mas por ser um marco da escalada
violenta no mundo pós 2016. Ainda entra nesse
barril de pólvora o movimento xiita Estado Islâmico (EI), que realiza ações especificamente
terroristas, provocando uma verdadeira guerra
dentro da guerra, espantando qualquer possibilidade de paz. Turcos, russos, americanos, jihadistas, milícias curdas e forças de segurança
sírias e outros grupos mercenários e exércitos
europeus fazem da Região o inferno terreno
insuportavelmente dantesco, onde o humano
se ausentou para dar lugar às monstruosidades
de toda espécie. A primavera árabe jamais se
realizará em belos frutos e nunca encerrará a
disseminação de suas flores de ódio e maldade
depois dos ocorridos na Síria em 2016, e se
transformará em tempestades de sangue e lágrimas.
Para completar a finalização cronológica
do ano de 2016 que irá paralisar o calendário
histórico que sempre marcará este eterno ano,
Israel destila seu ódio, contraditoriamente em
nome de Deus, sobre os palestinos e se rebela
contra seu maior aliado que cansara de lhe
apoiar incondicionalmente nesta luta geopolítica e esdrúxula “guerra santa”. Guerra que se
disfarça em assentamentos que tentam esconder seus mórbidos desejos imperiais e destrutores de sua voracidade etnocêntrica. E em louvor aos novos tempos infindáveis de guerra, o
louro maluco do império americano, que é conduzido ao trono em 2016, grita em coro demoníaco o hino do novo apocalipse: -- “Que recomece a corrida armamentista”. Por tudo isto e
muito mais, 2016 não se encerra historicamente em 31 de dezembro, mas se perpetuará na
história como começo de novos tempos sombrios, onde nem os mortos estarão em sossego.
A
Terra circula solta no
espaço, flutua na imensidão sideral, já não está presente Atlas para
suportar seu peso. O homem já foi
ao espaço, criou espaçonaves, e
observou que Atlas não existe, era
apenas uma suposição, e a imaginação daqueles que ainda não poderiam chegar ao espaço, e olhar a
Terra de um outro ângulo, confirmando a tese.
* Roberto
Cardoso
IHGRN/INRG
I situtoàHistó i oàeà
Geog i oàdoàRioà
G a deàdoàNo teà
I situtoàNo te-RioG a de seàdeàGeealogia
Da Terra que era plana, e os oceanos desaguavam para o infinito no
horizonte, tornou-se redonda. O
homem sempre
procura respostas para o que
percebe. E não
tendo respostas, atribui aos
deuses,
tudo
que
percebe,
não tem respostas, mas percebe os
efeitos. Sabe e vê, mas não pode
fazer. É necessário atribuir uma
causa, ou um efeito causador, o
provocador de um fenômeno. Mas
o céu e o espaço trouxeram inspiração para descobrir formas e movimentos. Descobrindo novas terras. E de Atlas restou um conjunto
de mapas, representando a superfície terrestre.
Um dia pensou-se que a Terra era
plana, e segundo a história, que
nos foi contada, Colombo queria
navegar para chegar ao ponto de
partida, por um outro lado, provando uma teoria da esfericidade ter-
restre. Pouco se sabe sobre suas
outras intenções, se era para provar que a Terra era redonda, ou
para descobrir outras terras que já
se sabiam existir. E situação tal
aconteceu com Cabral, sobre saber
seu destino. Confirmado pela cruz
avistada no céu, a partir do Hemisfério Sul. Enquanto navegavam ou
caminhavam no Norte, só havia
uma estrela que determinava um
destino, um ponto cardeal, o rumo
norte, apontado pela Estrela do
Norte. E assim começam os norteamentos das ideias. O olhar para o
Norte, deixou de
ser uma referência geográfica,
para ser uma
referência civilizatória e do conhecimento. O
olhar para onde
estava um povo
desenvolvido. E por um destino
premeditado, a bandeira brasileira,
foi confeccionada, com uma estrela
acima, da faixa, simbolizando a linha do Equador. O Brasil sob um
eterno domínio de lideranças acima
do globo.
A partir do Hemisfério Sul, com o
Cruzeiro do Sul, surgiram outros
direcionamentos. Com novos objetivos, já que estavam em outras terras, a princípio sem donos. Poderiam ocupar e explorar o que encontrassem com autorização da igreja,
em contato direto com Deus.
Hoje todo mundo sabe citar o nome das caravelas de Colombo, mas as de Cabral não são
citadas. Falta de informação ou falta de interesse em fazer parte da história as caravelas de
Cabral. Desde o tempo do início do aprendizado, somos tendenciosos a um maior conhecimento, ainda que breve, sobre a América. O
conhecimento da história do Brasil se baseia
em exploração e ocupação das terras, colocando os brasileiros, como um povo subalterno.
Não se construiu a história de um povo brasiliano. Preferiu-se a denominação de grupos trabalhadores, os que desembarcavam para a extração de pau brasil, os brasileiros, que chegavam
para ocupar as novas terras.
A cruz foi o maior legado de Jesus Cristo. Todos em sua época, eram sacrificados em um
madeiro, um tronco fincado no solo. Com a crucificação de Jesus, fortaleceu-se o símbolo da
cruz. Reinou a cruz e o crucifixo. A cruz com
suas linhas ortogonais, que influenciou pessoas
e pensamentos, a partir de duas linhas retas
cruzadas. A ligação entre o Céu e a Terra. O
olhar do homem sobre a terra, da cruz se fez o
arado, a pá e o machado; com pás e picaretas
remexeu a terra em busca de riquezas.
A cruz de Jesus no ocidente, foi levada por
Paulo pelo mar Mediterrâneo. No continente
europeu aconteceram as cruzadas, usando a
cruz como punhais e espadas. Espanhóis e
portugueses, com uma cruz sobre seus barcos,
formaram os mastros, construíram suas caravelas, estampando cruzes em suas velas. E partiram no rumo ocidente. O mesmo aconteceu
com a maçã. No oriente fez parte da história de
Adão e Eva, seguindo para o ocidente fez história com Newton na Inglaterra, seguindo mais
adiante, e mais para o ocidente, chegou nos
EUA, com Steve Jobs e a Apple. E três maçãs
mudaram o sentido e rumo do mundo: a maçã
de Adão e Eva; a maçã de Isaac Newton e a
maçã de Steve Jobs. Em Nova Iorque, a Big
Apple.
Com a cruz o engenheiro fez seus instrumentos
de trabalho, régua, compasso e esquadro. O
advogado na condição de juiz fez seu martelo,
decretando penas e sentenças. E o médico antes da medicina científica, com o curandeirismo
fazia suas rezas. E a cruz sobre o peito tornouse um estetoscópio, ouvido as batidas cardíacas do outro. Jesus foi médico, advogado e engenheiro; curou, construiu e defendeu. As três
profissões fundamentais: médico, advogado e
engenheiro, e destas surgiram outras.
Descartes apropriou-se da cruz criando gráficos, que perpetuaram seu nome, em planilhas
e projetos. Um gráfico que até hoje é usado pela ciência. Usado para fazer projeções e estatísticas, prevendo um futuro, com informações
coletadas no passado. Uma cruz que serviu de
esquadro, régua e compasso facilitando desenhos da engenharia. Com uma cruz foram feitos os postes ao longo das estradas de ferro,
transferindo mensagens em Código Morse.
Com torres em cruz, transferem energia elétrica.
Um código baseado em pontos e traços, tal como as dualidades do dia e da noite, e do computador com zero e um. Com a descoberta da
eletricidade, os postes passaram a levar energia elétrica, estacas em forma de cruz, com fios
suspensos de positivo e negativo.
E então, informando e comprovando que a Terra era redonda, trouxeram como resultados as
caravelas. A tomada de Constantinopla serviu
de alternativa e estratégia para os europeus;
que se lançaram ao mar e descobriram outras
terras, e outros caminhos. Evoluíram a ciência
com os transportes marítimos. O europeu saiu
da caixa em que vivia. Muitos podem ter sido
condenados à fogueira por teorias contras as
que já existiam e estavam consolidadas. O local de formação do conhecimento era a igreja,
e só valia o que ela consentiu, e tinha suas provas, criadas em mosteiros, como o berço do
conhecimento.
Caiu o conceito de que a Terra era plana, e formou-se o conceito de que a Terra era verdadeiramente redonda, como comprovado pelas navegações, pela aproximação ou afastamento
de um navio no horizonte. Os mastro era o primeiro ou o último a ser avistado, de acordo
com o destino do barco. E até pela sombra sobre a Lua, quando ocorre um eclipse, também
pode ser observado a esfericidade da Terra. As
navegações eram aprovadas pela igreja. Os
reis eram católicos. O descobrimento do Brasil,
a ocupação da terra e o processo de catequese, também foram com o consentimento da
igreja, que determinava as leis e o Direito. Até hoje nas
faculdades de Direito,
começam
seus estudos pela
lei mosaica; e código de Hamurábi,
um código bastante
antigo. E os melhores referenciais do
direito estão na Itália. O país que lembra uma bota, com
um chute inicial
palavras, que diferem de acordo com o local e
o momento que são usadas, elas não são únicas e não são eternas, Até porque o uso das
letras tem um limite, para definir tantas coisas.
E algo só existe a partir do momento que passa
a ser conceituado. E desta forma muitas coisas
se repetem.
A Terra gira livre no espaço repetindo alguns
movimentos. A começar com um giro em torno
do seu próprio eixo, criando então o dia e a noite, de acordo com o lado voltado para o Sol, ou
voltado para o espaço. A partir do conceito de
dia e noite, podemos criar outros
conceitos antagônicos, claro ou escuro; sim ou não.
quente ou frio; sólido ou líquido. O
movimento
em
torno do Sol dá
origem às estações do ano, classificadas em quatro
momentos,
sempre repetidos.
Outros movimentos
acontecem,
como uma mudança do eixo, tal
como uma bola ao
ser girada.
E outros conceitos
surgiram. Como a
Terra redonda e
achatada nos póImagem: http://www.todoestudo.com.br/geograia/origem-da-terra
los, facilitando a
Lavoisier afirmou
construção de maque nada se cria e
pas por cartografias diferentes. Por um período
nada se forma, tudo se transforma, enquanto
de tempo afirmou-se que seu formato seria peChacrinha dizia que nada se cria e tudo se coroide, assim como uma pêra, com um dos lapia, ou seja tudo um dia se repete, em algum
dos, em um dos polos mais volumosa. Outro
lugar, mesmo que seja de uma outra forma, e
conceito seria que ela é redonda, mas um tanto
vejamos alguns exemplos, a partir da cidade
disforme, com o deslocamento dos continentes.
de/do Natal/RN (de acordo com o autor). Um
E assim são os conceitos, um superando o ouLavoisier na política também fez história em
tro, de acordo com um momento e de acordo
Natal/RN.
com o conhecimentos. E assim também são as
Um dia os holandeses invadiram Natal, em um
tempo onde o que era mais valioso a cana de
açúcar. Hoje a mercadoria de valor maior é o
conhecimento. E os holandeses travam atualmente uma outra disputa com os portugueses,
na Avenida Roberto Freire, onde encontramos
Maurício de Nassau e Estácio de Sá (Batalha
na Avenida Roberto Freire. Publicado no Jornal
de HOJE; Natal;/RN). E ainda existe uma associação entre potiguares e americanos, entre os
concorrentes portugueses e holandeses, instalados na mesma avenida...
Enquanto os ocidentais imaginavam Atlas segurando o mundo, os orientais imaginavam que
o mundo estaria nas costas de um elefante. E o
mapa do RN, lembrando o contorno de um elefante, tem o mundo representado em suas costas, com cidades que lembram outras cidades
do país e outras cidades do mundo (Elephante
de Shiva. Publicado em O Mossoroense: Mossoró/RN). Um outro
local que lembra um
elefante é a Suíça,
com sede de várias
organizações mundiais. Tudo de um
modo ou de outro,
se repete. A Bíblia é
um livro para ser
sempre interpretado
sistematicamente,
de acordo com a
evolução do tempo.
ações: como dias ou noites, sendo uns maiores que outros; um céu com várias Luas; algo
diferente de animal, vegetal ou mineral.
E então voltemos aos conceitos e as palavras.
Nenhum e nem outro é eterno para que possa
ser atribuído um autor, tudo muda com o tempo. Alguma coisa que é válida no lado dia, pode
não ser válida no lado da noite. Algo imaginado
no lado dia, pode ser também imaginado do outro lado, quando esse for dia. As ideias não são
únicas, estão soltas no espaço, onde várias
pessoas podem captá las, intuí-las a partir de
algo semelhante. O imaginário de ideias soltas
no espaço já foi comprovado com experiências
com animais situados em ilhas diferentes. Uma
afirmação para os que só acreditam na ciência,
com experiências comprovadas por fatos e estatísticas.
E a partir dos movimentos da Terra
limitamos
nossas
definições e nossos
conceitos. Vivemos
um mundo limitado
a partir do que é encontrado. Fica difícil Código de Hamurabi - Foto da Internet
imaginar outras situ-
A ciência é como uma religião, onde com dados coletados afirma-se um futuro. E aguardase com fé os resultados, baseados em estatísticas que tal evento deverá se repetir. Hoje é
muito comum em períodos de chuva, ouvir no
noticiário que em determinado local, choveu
Os Mistérios da Bíblia
em um dia toda a precipitação aguardada para
um mês, segundo dados coletados ao longo de
um período de tempo. As chuvas esperadas,
também podem não chegar. Faltam a meteorologia e a climatologia refazer seus cálculos, inserindo informações da alteração do ambiente.
Alterações da tecnologia e alterações do aumento de população, com o desmatamento e
urbanização de grandes áreas alterando o regime pluviométrico.
Da mesma forma é a Bíblia, que pode ser reinterpretada ao longo. do tempo. Crescei e multiplicai já não se refere a procriação da espécie,
mas multiplicar e crescer o conhecimento. Oferecer a outra face, oferecer um outro ouvido
para escutar novamente aquilo que não foi entendido. No início
tudo era um caos,
pode ser comparado
a uma viagem pelo
espaço atravessando a camada de planetoides com vários
asteroides cruzando
a trajetória de uma
nave espacial. Separar as terras das
águas, pode ser percebido ao utilizar o
Google Earth, aproximado-se da terras
e surgindo os continentes. E fez-se a
luz, uma astronave
ao entrar na atmosfera depois de estar
na escuridão do espaço.
Lembrando
também que na Bíblia há uma passagem que diz, carruagens de fogo descendo do céu. naquele momento os observadores só reconheciam uma
carruagem como transporte.
Pela teoria de deriva dos continentes, um dia
estavam todos juntos e se separaram. A eterna
presença da Bíblia de acordo com um conhecimento ao longo das épocas. E o mesmo se dá
com o Alcorão, com conhecimentos bem remotos, continuam sendo válidos.
convivência em nossa so-
Para os escritores, ler é inspira-
ciedade atual exige que a
ção, é ferramenta de trabalho, é
capacidade de ler seja impres-
insumo, é fonte de escrita, é auto
cindível, essencial mesmo.
realização, é projeção, que in-
A
Em todos os lugares que olhamos tem algum texto, seja no
supermercado
quando
vamos
escolher um produto, seja na parada de ônibus para escolher o
veículo correto. É realmente difícil encontrar um lugar sem texto.
* Johnie Neves Graduando em Ciências Sociais —
UFRN.
centiva quem escreve e quem
está lendo, ao mesmo tempo é
causa e consequência do seu
ofício, portanto, faz um bem danado. Para os professores, ler é
conhecimento, é atividade laboral, é motivação, é crítica, gera
expectativa e incentivo docente,
A escrita e a consequente exi-
servindo de exemplo aos alunos
gência da leitura estão em todo
e por isso faz bem. Para os alu-
lugar. Esse também é um sinal
nos, ler é descoberta, é estudo,
de evolução dos grupos sociais,
é viagem, é entretenimento, é
como nos ensina a Antropologia,
fuga, é miragem, é deslumbre, é
a linguagem falada e escrita é
sentimento, de vários tipos, in-
um ponto determinante na evolu-
clusive daqueles que só fazem o
ção dos povos.
bem.
Para os médicos-neurocientistas,
E aqui temos uma questão:
ler é uma fantástica maneira de
quem de nós não tem um pouco
fazer ginástica sináptica, refor-
de escritor, de professor e de
çando as relações neuronais,
aluno nessa vida? Em algum
fortalecendo o cérebro, aprimo-
momento somos todos esses, às
rando a memória, por sua vez
vezes até ao mesmo tempo. En-
tornando-o mais ativo e saudá-
tão podemos afirmar que todos
vel, e isso reflete no organismo
esses “fazer bem” da leitura se
de maneira única, melhora o so-
aplicam a nós. Somos beneficia-
no, a concentração, o equilíbrio,
dos por esta prática de tantas
entre outros, fazendo ao ser hu-
formas, que seria impossível
mano um grande bem.
descrever todas aqui.
A leitura é um exercício, uma prática, que po-
sociais. Quem tem a leitura como rotina, tem
de se transformar num hábito, daqueles que a
um leque de opções infinitas.
gente não se imagina mais sem. É cativante
ler. É prazeroso. Ler é uma atitude de autonomia, de posicionamento, de afirmação, visto
que dentre infinitas possibilidades de leitura,
principalmente
na
Além de todos esses benefícios, procurar ler
bem, ou seja, adotar a leitura como parte do
dia a dia, refinar seus conteúdos, escolhendo
fontes seguras de texto, lendo os clássicos e
contemporâneos, a
atualidade,
leitura tem o poder
com o recurso
de fazer das pesso-
incalculável da
internet,
as, não só repetido-
esco-
ras de informações,
lher o que ler é
mas sim verdadei-
uma decisão. E
é
lendo,
do,
ros
justamente
discernimento.
analisando
coisas que é possível decidir com maior liberdade e precisão. Ler é remédio para a ignorân-
cia, que é também uma das graves doenças
com
opiniões próprias e
refletin-
e criticando as
críticos,
In-
centivar a leitura,
ensinar a leitura, motivar a leitura, deve ser
uma missão de todos aqueles que leem bem,
pelo próprio bem que a leitura faz.
Vamos ler bem mais!
O
poeta Oreny Júnior estreia em livro com
a
“Fórceps” (Sarau das Letras, 2015), tra-
língua
balhando exaustivamente a palavra, palavra
esta que se preocupa com uma organização
dos versos na tentativa de renovar, fugindo um
veio
alinhavando
pouco da poesia lírica, em algumas formas,
a
como no poema “anuviando”
veia
nuvens
veio
em
alinhavando
forma
de
“Fórceps” nos oferece uma poesia
competente, muitas vezes, poeticamente den-
poemas
sa, reflexiva, e bastante intrigante. Com varia-
caem
das gamas temáticas e um virtuosismo técnico
nos
que vem de uma obstinada atividade criativa.
meus
A maneira do poeta versejar é de uma sensi-
cemitérios
bilidade criadora em sintonia com a matéria-
O poema é a materialização, a poesia
prima trabalhada: a palavra, num processo de
é espirito, a arte encontra-se como elemento
subjetivo, na alma da forma, que é poesia.
*Thiago
Gonzaga é escritor
e
pesquisador.
Autor
de
“Presença do Negro na Literatura
Potiguar & Outros
Ensaios”, “A Arte
Poética de Diógenes da Cunha Lima”, dentre outros
livros.
“Fórceps” projeta-se em várias
dimensões,
desde a suavidade do lírico ao real cotidiano,
posicionando a técnica como o centro da sua
poesia. Em alguns momentos, nos faz lembrar
João Cabral de Melo Neto, com a sua preocupação técnica em montar o poema quase que
de maneira arquitetônica.
Em “Fórceps” é evidente o cuidado
com a forma poética, numa tentativa de tradução do sentimento do eu lírico, porém o conteúdo não traz novidades. Vale ressaltar a ousadia formal, em alguns versos, que deslizam
pelas fronteiras das palavras. Vejamos o poema abaixo:
seleção e arrumação vocabular e vasta exploração de significados.
Oreny Júnior canta nos seus versos
uma incessante busca pela plenitude da criação artística. Em algumas passagens, o eu
lírico revela preocupação quanto ao sentido
filosófico da existência e demonstra a capacidade de transformação do bruto e doloroso em
algo bucólico e suave. O eu-lírico nos faz crer
que não basta trazer a síntese do que é abstrato ou concreto, e sim transformá-la em poesia. Além de fazer sentir esse apuro, é na expressão poética que ela tem forte presença da
subjetividade, da idealização e da fantasia.
Nota-se, especialmente, o caráter visual alcançado em alguns poemas, que repre-
alinhavando
sentam uma expansão no alcance e na ima-
a
a poesia necessita ser vista. Por fim, reitera-
gem da poesia. Para o poeta, além de ser lida,
linha
mos que “Fórceps” é fruto de um demorado
veio
processo de montagem e reflexão, de um poe-
alinhavando
ta que dá inicio a sua carreira com o pé direito.
POETA EM DESTAQUE
O escritor Diógenes da Cunha Lima nasceu em Nova Cruz (RN), 1937, estudou em educandários de Natal e formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Natal, 1963. Ocupou diversos cargos relacionados ao ensino e à
cultura. Foi Secretário de Estado da Educação e Cultura do Rio Grande do Norte, presidente da Fundação José Augusto. Atualmente, continua em pleno exercício da advocacia, sem deixar de lado sua grande paixão, a arte de escrever, sendo inclusive, Presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras e membro do Conselho Estadual de
Cultura. Estreou na poesia com Lua Quatro Vezes Sol (1968). Seguiram-se Instrumento Dúctil (1975) – Prêmio Othoniel Meneses de Poesia –, Corpo Breve (1980). Publicou, até o momento, 24 livros, entre estes: Câmara Cascudo:
Um Brasileiro Feliz, Livro das Respostas, Solidão Solidões e Memória das Águas, e lançou-se também como compositor, tendo gravações musicais em CD – “O Alfabeto e Outras Canções Infantis”, “Celebração” (em parceria com
Nelson Freire), “Flor de Liz” e canções populares com diversas interpretações.
HAICAIS CALIFORNIANOS
TRAPISTA
HAICAIS
de DIOGENES DA CUNHA LIMA
Pela paz do convento
(aicai sao borboletas em palavras
Levadas pelo vento.
DCL
Suave vao as nuvens
REFLEXÃO
SÓIS
No cais da cidade:
Esta menina
A vida e so partida
Faz sol ao sol
INDEFINIDO
UM INSTANTE
Esse barco perplexo
O amor e quando
Pra eternidade.
Se inunda e afunda
)nteiro e reflexo.
E o ilumina.
A luz do crepusculo
Cria passaros voando.
PEQUENA ELEGIA RURAL
O INVENTÁRIO DO BOM SENHOR
“Voilà ma route - avec le paradis au bout.”
- Verlaine -
nada como estar a sós com o passado
sobretudo à noite
não se agite
entre árvores imersas em sonhos e reminiscências
não perca a alegria
cujas raízes procuram nas profundezas
três anjos velam por você
a revelação do mesmo segredo
e mandam acionar
que acima busco nas estrelas
o gatilho da paciência
IDEOLOGIAS
é chegada a hora
de parar a montanha
começamos a nos afastar do século XIX
alguns dos nossos naufragaram ontem
outros ainda naufragam
o maná do deserto não chega ao mar
que se mantém revolto
mas as horas incertas se dissipam
como nuvens nas águas
o canto das sereias virou fábula
ensinada aos que não querem ver
quem ousará dizer à fonte
que ela não secará
mas jamais será a mesma?
e não pisar nos mortos
entre as miragens
aprenda a conduzir-se
veja-as sem apego e não as toque:
estão contaminadas pela solidão
guarde a palavra
e no caminho persista
alguém o espera
e seu jugo é suave
RAZÃO VERSOS PÉTALAS
Clécia Santos
Vejo-me rabiscos
Numa tela qualquer
Mas nas mãos e razões
Do Alfredo Neves...
Vejo-me cair pétalas
Coloridas e nubladas
Acho que há sorrisos
Sem juízos.
Acho que há choros
Em mil emoções.
Poema inspirado na tela “Outono” de Alfredo Neves
Mas vejo-me rosa
Lapidando-me forma
De um palpitar coração .
A MENINA E A PLACA
àààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààààOreny
Júnior
quem me fomos quem se somos se gnomos bruxos inconsequentes ou um simplesmente feixe
de luz digamos vagalume vaga alumiando nossos sonhos passados e muitas vezes as mesmices
do nosso dia a dia passando se despercebido mas ela está lá a placa está lá estará la'inda desinformando uma lagoa uma rua um aeroporto um pouco uma chegada uma despedida mas lá la'inda aos que chegam e não perguntam é a'qui que quero a viela de viola de rua pampulha setenta
e um na rancharia da poesia dos sorrisos das solidões das a'legrias e a'lergias de corticóides engraxando a manequim desindesejada na dentadura de uma d'ieta não querida indeferida de um
mal me quer e sem donos sem domos sumimos no receituário geográfico de um correio onde
não se acha o endereço da feliz cilada cidade felicidade
TIRE OS SAPATOS
Cecília Farias
Hoje eu visitei meu jardim
Trouxe algumas flores
Cheiravam a esperança
Mas estava escuro, deixei pra lá
Mas a frente havia um trevo
De quatro folhas
Dizem que dá sorte
Senti alegria
Custou, mas o vento levou
Resolvi não voltar ao jardim
Nem procurar o trevo
Nem nada
Eu só tiro os meus sapatos aqui
E os imagino por lá
SAUDADE DO NADATUDO
Michelle Paulista
Dizem que é melhor sentir saudade do que já se teve.
Penso o oposto: bom é sentir falta do que nunca se teve, posto que tendo tudo, não há faltas.
E nada se tendo – além da falta, que já é tanto – pode-se ter tudo:
Sobremesas que não foram degustadas
Cotonetes à vontade
Roupas adquiridas fora das “4 festas do ano”
Colos e mimos dela
Pai em festinha escolar
Afagos
Despojos
Excedentes
Tenho tudo e de tudo tive (muito pouco tendo)
Porque imaginação e sonho abundam no nada
Em que desejos habitam o possível
Minhas quimeras – muitas, inexprimíveis, prementes – preenchem o continente entornado das
minhas ausências.
AS CONDIÇÕES ESPISTEMOLÓGICAS DO CONHECIMENTO: UM ENSAIO ENTRE CIÊNCIA E POESIA.
AS CONDIÇÕES ESPISTEMOLÓGICAS DO CONHECIMENTO: UM
ENSAIO ENTRE CIÊNCIA E POESIA.
Paulo Victor Félix de Azevedo - Mestrando PGCS-UFRN
Resumo: Este artigo consiste em um ensaio literário, de caráter cientifico e poético, com foco em
questionamentos pertinentes da contemporaneidade, colocando em pauta as discussões epistemológicas
da produção do conhecimento. A ciência é feita de revoluções de paradigmas, portanto é preciso confrontarmos pressuposições seculares que se enraizaram como dogmas no fazer cientifico. Interrogações
científicas contemporâneas, pode-se denominar, orientam a intuição filosófica desse artigo, através de
uma proposta que possibilite o diálogo das narrativas poéticas e populares como formas eficientes de
produzir conhecimento, tão válidas quanto as explicações cientificas. Nesse sentido, a sensibilidade artística é uma possível aliada para a disposição de um fazer cientifico mais arejado, mais consciente de
suas posições, ao invés de mascarado de uma suposta impessoalidade racional. A proposta deste ensaio é
abrir os horizontes da linguagem acadêmica em uma expectativa de uma nova forma de construção de
saberes que opte por compreender tanto a tecnociencia quanto os saberes da tradição, que respeite o pla-
neta Terra ‘’Gaia’’ tanto quanto fonte de recursos, tanto quanto como ser vivo. É nessa perspectiva que
buscamos na ética de um fazer cientifico optar pelo caminho da bifurcação.
Palavras chaves- Ciência; Poesia; Epistemologia; Gaia; Ética
Abstract: This article consists in an literary experimentation, with scientific and poetic characteristcs, focusing its investigation in relevant questions of contemporaneity, putting in schedule epistemologic discussions of knowledge production. Science it´s about revolutions of paradigms, therefore its needed to fight against secular pressupositions that rooted like dogmas in the way scientists make Science.
Scientific contemporary questions, how can we call this discipline, guide us to the filosofic intuition of
this article, through the proposal that make possible the conversation between poetic e popular narratives
as an eficiente way of produce knowledge. So valid as scientifics explanations. In this sense, artistic sensibility it´s na possible ally for the disposition of an airy way of making Science, instead of some alleged
impessoal racionality. The proposal of this test in open the horizons of academic language in na expectation of a new way for building up knowledge, that choose to understand both technoscience as traditional
knowledges, that respects the planet Earth ‘’Gaia’’ both as font of resources as living being. So it´s in
this perspective that we look for in the ethic of making Science in a bifurcation way.
Keywords: Science; poetry; epistemology, gaia, ethic;
Introdução Em meandros do século XXI presenciamos uma eminente mudança para outra maneira de viver, a humanidade encontra na crise as mesmas forças para sua superação. Antes do advento da ciência moderna, e no percurso da historia da filosofia e das ciências, a religião cumpriu o papel epistemológico de explicação e interpretação do mundo da vida, a realidade que experimentamos na pele. Atualmente a ciência cumpre o papel de
religião a partir do momento que o dogmatismo metodológico se transforma em certo maniqueísmo cientifico,
onde se distingue a veracidade da narrativa cientifica como a forma certa de apreensão da realidade, e qualquer
narrativa de outra ordem como errada.
Essa problemática epistemológica é pertinente e presente em nossas investigações cientificas contemporâneas, Rupert Sheldrake em sua obra ciência sem dogmas traz a tona as pressuposições seculares da ciência
moderna que enrijecem as bases da filosofia materialista. A grande sustentação do dogma cientifico consiste
na concepção de que só existe a realidade material, quando se afirma que a consciência humana é apenas um
subproduto da atividade cerebral, e que as leis da natureza são fixas e imutáveis que fundam as bases da filosofia e ciência mecanicista (SHELDRAKE, R. 2014). A ciência desde o séc. XIX passa a adotar uma linguagem
passiva, em seu estilo de escrita de forma que possa aparentar a mais objetiva, impessoal e profissional possí-
vel, contudo a crítica de Sheldrake enfatizada por nós neste ensaio é que o conhecimento não está desvinculado do corpo, ou seja, ele não deixa de ser afetado por ambições e interesses e desejos pessoais. A ciência não
tem o acesso exclusivo à verdade.
Narrativas populares, poesia e mitos Desde os tempos mais primórdios a humanidade se expressa através da linguagem, Edgar Morin (1998)
ao falar de poesia, nos remete a ideia de que a humanidade sempre operou através de duas formas de lingua-
gem: uma racional, técnica, prática e empírica; enquanto a outra simbólica, mítica, mágica e sensível. Essas
duas formas da linguagem habitam em nos como dois seres que constituem o tecido de nossa vida, prosa e poesia respectivamente.
Através desses estados de prosa e poesia a tessitura da nossa vida é costurada, porém há de se perceber
que dentro das instituições e ambientes acadêmicos ou burocratizados certamente a linguagem prosaica impera, reiterando um processo evidenciado por Morin que é a disjunção entre prosa e poesia. Estamos acostumados a saber que dentro de ambientes jurídicos ou em discussões políticas os únicos argumentos validos são os
da ordem da razão, enquanto os encantos da poesia são empurrados unicamente para os universos da música,
literatura, da arte e da cultura popular.
Por meio de narrativas poéticas e míticas religiões como o Candomblé, a Jurema, a Umbanda, o Budismo e inclusive o Cristianismo, explicam a criação do universo e fundam as bases epistemológicas de sua própria historia e filosofia. É responsabilidade da poesia o processo em que a realidade ganha consistência na narrativa do mito, a teoria do BigBang por exemplo, influenciada por estudos de Einstein e apresentada em 1948
pelo cientista russo naturalizado estadunidense George Gamow, formula uma hipótese de um universo nascido
após uma grande explosão cósmica de 10 a 20 bilhões de anos luz atrás. O próprio conceito de átomo, ao analisarmos em uma dimensão estritamente materialista não faz sentido, pois o átomo dentro de si consiste em mais
espaços vazios do que matéria. A bíblia cristã, ainda que sobre efeito de varias traduções ao longo das décadas,
narra à criação do mundo em sete dias, se metodologicamente pensássemos a historia da vida na terra em um
período de 24hrs, toda a historia da humanidade poderia ser contada nos últimos sessenta segundos do ultimo
minuto do dia.
Nos termos de Morin, as narrativas míticas se explicariam pelo estado poético, enquanto as narrativas
acadêmicas se explicaram pelo estado prosaico, mas será que não devemos nos perguntar qual a fronteira que
separa esses dois estados? É nesse sentido que a Sheldrake nos traz a compreensão de que todo método tem
suas limitações, precisamos admitir que a crença dos pesquisadores influencie tanto na construção quanto no
resultado das pesquisas. A metáfora tem o poder poético de falar da realidade no sentido dos artistas e espiritu-
alistas, enquanto o argumento é quem tem valor no mundo da razão materialista, não nos seria possível, portanto pensar uma interface entre a dimensão materialista e espiritualista.
Em minha trajetória de pesquisa pessoal sempre me interessei em estudar a cidade, e procurar ler suas
paisagens como um livro aberto a diversas interpretações, nesse sentido um livro que chegou as minhas mãos
em um sebo de rua intitulado ‘’Poetas do sarau suburbano: ritimo e poesia’’ me atravessou de uma forma impar, e aqui retrato uma fração de vivência em uma poesia que se encaixa com o momento:
LUTER
Desabafo da realidade
Conhecimento é tudo
Para a construção de um novo mundo,
Sem muros, sem grades
Todo mundo em liberdade
Viver sem vaidade
É o que precisa a sociedade
Falta amor no coração da humanidade
Desigualdade é o que gera o conflito
Entre o morro e o asfalto
O governo fazendo sempre o povo de palhaço
A vida não é fácil,
Mas se ficarmos de braços cruzados nada vai mudar.
Não adianta só reclamar
Que irá continuar da mesma forma
A sociedade fingir que não vê a sua volta
Miséria, desgraça.
Crianças dormindo na calçada
Ninguem faz nada
Pelo futuro da pátria
Identidade roubada
A vida apagada
A injustiça não vai parar
Será sempre assim?
por parte dos canalhas
Que governam o país
Infelizmente
Nós sentimos impotentes
Diante da opressão do sistema capitalista
Que lucra em cima da periferia
Informação é a chave
Carta de alforria pra nossa
Sonhada liberdade
A poesia retrata a informação como chave e carta de alforria para os aprisionamentos de uma percepção
dogmática. Como evidenciou Sheldrake (2014, p.20) as crenças de uma ciência dogmática por certo protegem
a cidadela da tradição, mas são elas as mesmas que agem como barreira para o desenvolvimento de um pensamento aberto. Seria preciso, portanto, escolher o caminho de uma bifurcar o nosso pensamento (ALMEIDA,
2004) para pensar uma nova aliança que aposte no dialogo do homem com a natureza e numa simetria respeitosa entre as várias formas de representação do mundo.
Caminhando para uma nova forma de construção dos saberes A ciência por muito tempo se escondeu por trás de um manto de racionalidade, mas é preciso dar atenção
às revoluções científicas como Thomas Kuhn já bem dizia, devemos estar cientes o quanto a nossa própria experiência condiciona a formulação de interpretações, e por isso que enquanto cientistas, precisamos constantemente nos reinventar de modo que o pensamento permaneça arejado leve e em movimento. Em sua obra ‘’o
tempo das catástrofes’’, Stengers (2015) salienta uma narrativa inovadora de modo a dedicar-se um inteiro livro cientifico modelado em uma estrutura estética da literatura e da poesia. A narrativa construída pela intrusão de Gaia (STENGERS,2015) se fundamenta uma forma de pensar o planeta terra enquanto entidade viva
contra o discurso de que o progresso não pode parar, é necessário antes pensar a responsabilidade em relação
aos danos e ameaças que se acumulam e estão cada vez mais evidentes, desde a exploração do petróleo até a
transgenia alimentar. Nomear Gaia em um sentido operacional significa ir de encontro à ideia de oposição brutal entre os saberes científico e mitológico narrativo, aliás, como salientado por reflexões de Almeida e Morin,
essa operação pode ser encarada como um manifesto contra a tirania dos conceitos, os conceitos são ferramentas, meios e nunca fins, devemos então saber utilizar a natureza nômade e fluida nos conceitos, eles são os remos e não as âncoras.
A relevância de Gaia no pensar ciéntifico de Stengers é fundamental no que diz respeito ao desenvolvimento de uma arte de cuidar e ter respeito, no sentido de cultivo de uma relação com mais sabedoria, como as
registradas por povos antigos. É de acordo com essa perspectiva a sintonia entre o pensamento de Stengers e a
ideia de a tecnociencia tem priorizado a apologia ao novo e a dispensa e desclassificação dos saberes milenares
da tradição (ALMEIDA, M. 2012, p.33). Como evidenciado por Almeida, em ‘tecnociencia e globalização’
preciso resgatar uma forma nova de produção de saber, que se espelhe menos na fragmentação e visão analítica, e mais na compreensão sensível e na prática social de outros saberes sobre o mundo, como a arte e a espiritualidade. Stengers em sinergia traz a concepção de uma economia do conhecimento, aonde da responsabilidade e competência a ciência não subjugar as práticas científicas a um espírito frio, calculista e racional. ‘’Há
uma diferenciação entre racionalidade, que busca verificar a coerência entre discurso lógico e realidade objetiva, e racionalização, que se fecha dentro de um discurso lógico e busca observar a realidade a partir daí. Uma
racionalidade satisfatória, percebe os limites da razão, permitindo o dialogo com o mito e a sabedoria’’ nos diz
Morin(1998) em A mor, poesia e sabedoria.
Retomando nossa preocupação com a importância de narrativas ciêntificas com um caráter inovador,
nos debruçamos sobre a obra de Ernesto Sabato (2008) em ‘’A resistência’’ o autor traz um pensamento crítico
conciso na forma de cartas, que muito dialogam com a metáfora, literatura e poesia, numa linguagem fluida em
interlocução com descrições de situações pessoais já vividas. A aposta de Sabato é justamente no poder da crise financeira que vivenciamos globalmente despertarmos para uma nova emergência de valores que afrontem
nossa atual pobreza existencial.
A humanidade carece de ócios por que se acostumou a medir o tempo de forma utilitária para a produção, e estes valores de um mundo industrial estimulam e incentivam a competição e a prioridade do individual
ante o bem comum (SABATO, E. 2008). A democracia não se mostra um sistema capaz de investigar e condenar os verdadeiros culpados das destruições em massa, como podemos nos relembrar, avaliando o contexto
político atual do Brasil, por exemplo, o recente episodio da Vale do Rio Doce e da Empresa Samarco responsável por um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil. É tempo de aflorar uma ciência tanto técnica quanto humana que resgate valores de bom senso político e não priorize o avanço tecnológico em detrimento da preservação do planeta. É tempo de reintroduzirmos a encanto poesia no cotidiano, e de valorizarmos
o cuidado técnico do prosaico na sensibilidade, de caminharmos rumo a construção de um novo tipo de saber
mais equilibrado e coerente.
Aliança entre a poesia e ciência
Nos encontramos no momento final deste breve ensaio, e então é o momento de novamente nos questionarmos, será possível realmente a aliança entre a poesia e a ciência, entre a tecnociencia e os saberes milenares
da tradição?
Tal pergunta apenas pode ser respondida na consciência de nossas práticas, a partir do momento em que
conferimos nossa própria responsabilidade ética para com o nosso fazer cientifico, na busca de que essa atitude
se propague como uma onda, e reverbere nas mentes e corações de nossos pares e impares. ‘’Toda essa discusão enfatiza a importância de renovar e aprofundar a reflexão filosófica como prática de pensamento e de vida.
Não nos podemos contentar em repetir o que vem sendo repetido há vários séculos nas escolas, como se nada
houvesse mudado’’ afirma Atlan em sua obra ‘’A ciência é inumana?’’ (ATLAN, H. 2004. p.75).
Pessoalmente, acredito e aposto na aliança entre a ciência e a poesia, almejando que essa caminhada possa alcançar novas possibilidades da linguagem, e contribuir na busca de construir um conhecimento mais ético
e compreensivo, que reconheça os limites de sua própria razão, que procure criar resistências e rupturas dentro
de suas bases, e principalmente que não sirva apenas aos interesses acadêmicos, do Estado e da burguesia. É
importante nesse momento nos focarmos na construção de um conhecimento mais humilde, mas também intempestivo, a luz do pensamento de Agamen, na obra ‘’O que é contemporaneo?’’, é cindir o presente em ou-
tros tempos, através da escuridão de nosso tempo emitir uma resoluta luz de inovação, me aparenta, portanto, o
ser contemporâneo ser capaz de aprender novas possibilidades de criar o presente (AGAMBEN, G. 2009).
Conclusivamente, encerro portanto este ensaio, com uma poesia de minha autoria, assinada por meu heteronômio artístico Pazciência, convidando o leitor para um breve deslocamento da condição da razão que nos
deleitemos
Flor-Essência
a
mirar
um
novo
mundo
em
nossos
horizontes.
Não é a vontade de acreditar
Mas sim, o desejo de descobrir
O paradoxo de decidir aonde ir
Entender o caminho que se escolhe a tomar
Por mais que eu tente explicar
Corpo e alma
Aqui está,
Surgindo da vontade de expressar
No desejo de criar
Produzindo Vida
Quando descobrimos
Que absolutamente nada é definitivo
Inclusive a Vida,
Compreendemos
A inutilidade do orgulho
A tolice das disputas
A estupidez da ganância
E a incoerência das tolas mágoas
Nesta guerra
seus seios são as únicas granadas que amo
este papel é tua pele, a tinta meu sangue
Pazciência
Pazciência é meu heteronômio, mas também um conceito de vida, no sentido operacional de uma nova
forma de lidar com a linguagem, paz e ciência, ciência da paz, ou ciência da paciência. Pazciência é um conceito que busca operar mais como máquina de guerra que como máquina de paz, aqui me desloco da condição
de escritor acadêmico cientifico e me apresento por uma fração de momento enquanto Pazciência, escritor de
rua, poeta, artesão e reciclista, nascido e criado no Rio Grande do Norte, com raízes no interior do estado e pé
no mundo afora. Marcado por um profundo respeito pelo mistério da vida e seus caminhos, ainda que tropeços.
Referências Bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo. In. O que é o contemporâneo? e outros ensaios; Chapecó:
Argos, 2009.
ALMEIDA, Maria da Conceição. Ciência como bifurcação p. 243-257. In: Ciência da Complexidade e Educação: razão apaixonada e politização do pensamento.
ALMEIDA, Maria da Conceição de; CARVALHO, Edgard de Assis. Cultura e pensamento complexo. Natal:
EDUFRN, 2009.
ATLAN, Henri. A ciência é humana? Ensaio sobre a livre necessidade. São Paulo: Cortez, 2004.
MORIN, Edgar. A mor, poesia e sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
SABATO, Ernesto. A resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SHELDRAKE, Rupert. Ciência sem dogmas: a nova revolução científica e o fim do paradigma realista. São
Paulo: Cultrix, 2014.
STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
BIBLIOGRAFIA AUXILIAR
POETAS DO SARAU SUBURBANO – Ritmo e Poesia 2011; Org. Alessandro Buzo.
LIBERTÁRIAS SAUDAÇÕES – rupturas na poesia potiguar. 2015; Organização coletivo Nenhures Caíco RN
MATERNIDADE PARA QUEM? MATERNIDADE PARA QUÊ?:
reconhecimento, cidadania e direito
* MAYNARA COSTA DE OLIVEIRA SILVA
- Advogada. Mestranda do Programa de PósGraduação em Antropologia Social (PPGAS/UFRN). Atua nos seguintes grupos: Núcleo Interdisciplinar
de Estudos em Diversidade Sexual, Gênero e Direitos Humanos (TIRÉSIAS/UFRN), e na Base de Pesquisa: Gênero, Corpo e Sexualidades (DAN/PPGAS/UFRN). Dedica-se aos estudos da Corporalidade, Gênero, sexualidade; Direitos reprodutivos e Direitos humanos; Direitos, saúde e Políticas Publicas dos povos
indígena; Educação e diversidade étnico-racial.
MATERNIDADE PARA QUEM? MATERNIDADE PARA QUÊ?: reconhecimento, cidadania e direito
Maynara Costa de Oliveira Silva
RESUMO: Nas últimas décadas a violência contr a a mulher vem adquir indo maior visibilidade, tanto
social quanto política. Isso se deve ao fato do reconhecimento e da implantação de políticas e serviços públicos especializados no atendimento à mulher em situação de violência. O Código Penal Brasileiro permite a
exceção do aborto para os casos de gravidez advinda do estupro. Todavia, mesmo que essa permissão esteja
garantida por lei e ratificada em normas ministeriais, ainda encontra-se morosidade em seu procedimento, haja vista que o profissional de saúde pode, em virtude das suas crenças morais ou religiosas, utilizar-se da
“objeção de consciência”. Busca-se problematizar os usos e desusos da objeção de consciência nos casos de
aborto legal dentro de uma maternidade referência em aborto legal no Rio Grande do Norte, procurando tecer
reflexões sobre as negociações que acontecem durante a busca pelo reconhecimento da cidadania e o acesso
ao direito desses procedimentos. A pesquisa é de cunho qualitativo, com utilização de observação e entrevistas semiestruturadas.
Palavras-chave: Violência Sexual; mater nidade; pr ofissionais de saúde; abor to legal; objeção de consciência.
ABSTRACT: In recent decades, violence against women has acquired greater social and political visibility.
This is due to the recognition and implementation of specialized public policy and services in care for women
in situations of violence. The Brazilian Penal Code allows abortion for cases of rape arising pregnancy. However, even that the permission is guaranteed by law and ratified in ministerial standards, its procedure is slow,
since that the health professional can use of the “objection consciousness”, because of their moral or religious
beliefs. The aim is to discuss the uses and disuses of conscientious objection in cases of legal abortion in a
reference maternity in legal abortion in Rio Grande do Norte, looking weave reflections about the negotiations that take place during the quest for recognition, citizenship and access to the right of these procedures.
The research is a qualitative approach, using observation and semi-structured interviews.
Keywords: Sexual violence; mater nity; health pr ofessionals; legal abor tion; conscientious objection.
INTRODUÇÃO
Antes de adentrar ao tema central é de suma importância compreender como se deu a tipificação penal
no ordenamento jurídico brasileiro dos crimes contra a liberdade sexual, como também o nascimento da norma
de permissibilidade do aborto em casos de risco de vida da mulher, ou estupro. Igualmente, fazendo esta linha
do tempo será possível observar como a moral sempre esteve presentes na criação das normas, e possivelmente, também estará presente nos argumentos dos profissionais da saúde ao utilizarem da objeção de consciência.
*****
O Código Penal de 1890 já previa tipificações que versavam sobre violência sexual contra a mulher.
Neste código a construção da identidade da sujeita enquanto vítima era estendida para a família, haja vista que
se pretendia resguardar a moral e a honra da instituição familiar, não individual. Deste modo, toda a família
carregava a “desonra”. Deve-se ressaltar que a mulher, neste momento, era “um vir a ser vitima”, pois o estupro não era o suficiente para trazer a essa o caráter de sujeita de direito, outros fatores ressignificavam-lhe:
possuir uma reputação moral ilibada – ser honesta, e sua família ter idoneidade moral. Logo, a mulher era cultivada dentro do paradoxo moral e legal da sociedade. Carregando no corpo as marcas do crime e da sua honestidade. Sendo a honestidade o adjetivo que sentencia este ato.
Já em 1940, o novo Código Penal retirou o protagonismo da honestidade, tornando a mulher sujeito de
direito independente dos seus predicados sociais. No entanto, ainda traz em seu bojo o “crime de sedução”
com o caráter de crime contra os costumes, não demonstrando a sua característica personalíssima – que seria a
configuração individualista do direito. E é neste mesmo código que surge a permissibilidade do aborto para os
casos de estupro, que descreve que mulheres, ao contraírem uma gravidez fruto de violência sexual, se assim
quiserem, poderão interromper a gravidez com ajuda de médicos, em maternidades públicas, que nem elas nem
os profissionais da saúde sofrerão sansões por tal procedimento.
No que dispõe sobre o atendimento obrigatório, integral e imediato, no Sistema Único de Saúde (SUS)
destas mulheres em situação de violência, a Lei 12.845 em 2013 nasceu com a finalidade de inovar todo o sistema de atendimento às vítimas de violência sexual. Ampliando o conceito de estupro, tornando qualquer forma de violência sexual não consentida como estupro, como descreve a legislação em seu artigo 2º: “Considera
-se violência sexual, para os efeitos desta Lei, qualquer forma de atividade sexual não consentida”, bem como
busca estabelecer práticas emergenciais que vise diminuir o sofrimento físico e mental dessas sujeitas.
Ao passo que existe normas que regulam o atendimento e a realização do procedimento de aborto legal,
para o caso em tela, existe a possibilidade dos profissionais da saúde, em especial o médico – por ser este
quem instrumentaliza a interrupção da gravidez – objetarem por questões de consciência. E são nos códigos de
ética profissionais que se encontra o respaldo para as posturas decorrentes de Objeção de Consciência, desde
que não se oponham ao direito dos pacientes atendidos nos serviços, em especialmente às mulheres nas questões pautadas aos direitos sexuais e reprodutivos.
Então, pode-se observar que os profissionais têm a opção de evocar a escusa de participar ou não do
aborto legal, permanecem respaldados pelos seus referidos códigos de ética, todavia devem seguir as diretrizes
apontadas pelo Ministério da Saúde em suas normas técnicas: "Prevenção e tratamento dos agravos resultantes
da violência sexual contra mulheres e adolescentes" e "Atenção humanizada ao abortamento”, cujo conteúdo
impede, expressamente, que os médicos acionem a objeção de consciência a todo modo. Desta feita, não poderá o médico se omitir de realizar procedimentos que envolvam: risco de morte para a mulher; em qualquer situ-
ação de abortamento juridicamente permitido, na ausência de outro profissional que o faça; quando a mulher
puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do profissional; no atendimento de complicações
derivadas do abortamento inseguro, por se tratarem de casos de urgência. Ou seja, no caso de objeção de consciência, é dever do profissional garantir a atenção ao abortamento por outro profissional da instituição ou de
outro serviço que concorde em realizar o procedimento.
O aborto no Brasil também é tratado dentro dos projetos de lei, a este proposito a antropóloga Débora
Diniz observa que:
Em matéria de aborto, a tendência legislativa brasileira é conservadora, o que pode vir a representar uma
revisão dos dois permissivos legais do Código Penal, inclusive de forma a revogá-lo ou torná-los ainda
mais restritivos. Na última década, houve tentativas frustradas de emendas constitucionais para revogar
os excludentes de penalidade do aborto ao sustentar o pressuposto moral do direito a vida do feto desde a
fecundação. Por tocar em questões constitucionais, a interpretação jurídica corrente no País é de que o
aborto é matéria do congresso Nacional ou da Suprema Corte de Justiça (Diniz, 2008, p.649).
Todavia, vale recordar que o Brasil embora seja um Estado Laico (determinação constitucional prevista no artigo 19, inciso I), há forte influência religiosa no momento de legislar. Nos últimos anos foi possível
verificar a criação de inúmeros Projetos de Lei (PLs) desfavoráveis à legalização, descriminalização, e permanência das exceções de permissibilidade do aborto legal nos casos de violência sexual ou anencefalia, a exemplo temos o PL 5069/2013 que impede o atendimento no SUS às vítimas de violência sexual, em que consta
como autor os Deputados Federais Eduardo Cunha - PMDB/RJ, Isaias Silvestre - PSB/MG, João Dado - PDT/
SP e outros. Todos de frentes religiosas e conservadoras, todos homens, ou seja, a religião é um dos maiores
embargos quando diz respeito a legislar sobre o corpo dos indivíduos, e normalmente, as mãos que legislam
sobre o corpo da mulher são masculinas.
Destarte, com este já mencionado conhecimento teórico acerca da violência sexual, aborto e objeção de
consciência, torna-se possível vislumbrar a realidade do nosso campo, confrontando a Lei com a realidade social.
1. ROMPENDO O SILÊNCIO: os primeiros passos pela busca do reconhecimento
No Brasil, os casos de estupro são pouco denunciados, pois não são cometidos apenas por indivíduos
desconhecidos, mas também por pessoas próximas da vítima – padrastos, pais, vizinhos, primos e irmãos
(VILLELA & LAGO, 2007: 472; VIANA, 2008: 172). Em 2009, uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), revelou que 48% das mulheres violentadas (todos os tipos de violência) teriam sido vitimadas em sua própria residência, em contraste aos 14% de homens que foram violentados no interior de suas
casas. Ou seja, a sociedade é demarcada por diferenças de gênero, e esta conjuntura de desigualdades permeia
as diversas instituições sociais, sejam elas públicas ou privadas. Enquanto é na rua que os homens são violentados, é dentro de suas próprias casas que as mulheres são abusadas.
Vera Lúcia Vaccari (2001) assinala a violência sexual como “violência de gênero”, porque, de maneira
ampla, essa se dá contra múltiplos atores, mas em sua maioria sujeitos que estar de algum modo em vulnerabilidade social. Essa violência pode ser classificada em duas categorias: os conflitos de gênero feminino e masculino e o sistema de famílias patriarcais. Asseverando isto, Silvia Pimentel (1994), informa que a Organização dos Estados Americanos (OEA) compreende que “[...] a violência contra a mulher é definida como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher
tanto na esfera pública como na esfera privada.”.
Haja vista, é possível perceber que ideia do poder e da força também são categorias que atravessam a
construção do crime de estupro, por possuírem um caráter coercitivo e ameaçador contra a dignidade humana
das sujeitas, então, conforme observa Lia Zanotta Machado (1999) se “de um lado, o ato de estupro é posto
como signo de masculinidade. É em nome da ‘fraqueza masculina’, como se fora do estado derivado da
‘natureza masculina’, que a realização do estupro é relatada pelos estupradores”. A mulher, neste modo, torna-se apenas um objeto posto a saciar a lasciva masculina, que neste imaginário seria incontrolável.
Para essas vítimas de violência, o Estado assegura o atendimento de emergência em instituição hospitalar, a qual deve realizar profilaxia2 em tais sujeitas3 de acordo com as necessidades e especificidades da violência. No entanto, a quebra do silêncio não é um ato mecânico, muitas mulheres silenciam suas dores. Santos
(2011) observou – ao estudar violência contra crianças e adolescentes - que o receio em revelar as situações de
abuso pode estar associado ao medo da rejeição familiar, ao fato da família não acreditar em seu relato, por
medo de perder os pais ou ser expulsa de casa, ou ainda, pela falta de informação ou consciência sobre o que é
o abuso sexual, pois como explica Lia Zanotta Machado, existe o paradoxo que envolve o estupro, é ter, de um
lado, o sentido do estupro como um ato ignominioso, e, de outro, o sentido de que o estupro só torna impuras
as mulheres... [neste sentido] o ato do estupro marca não o masculino, mas o feminino com a impureza.
(MACHADO, 1999, p. 299). E esses “relatos-denúncia” (WASSANSDORF et al 2012) também podem se vistos como mais uma possibilidade de punição para essas mulheres, pois uma vez que a violência torna-se pública poderá ocorrer exclusão social, para Foucault “são punições ao nível do escândalo, da vergonha, da humilhação [...] suscita-se no público uma reação de aversão, de desprezo, de condenação” (FOUCAULT, 1979).
Significa dizer que existe a construção de uma dupla moral que demarca os crimes contra a liberdade.
Ora o crime é um ato apavorante, ora a mulher é sentenciada por ser vítima. Então, a vergonha4 e o medo de
serem julgadas e tornarem-se causadoras dos seus próprios males - ou carregar qualquer estigma5
(GOFFMAN, 1980) são ratificados pela sociedade, e silenciando de modo arbitrário, o que interfere na busca
dessas mulheres por atendimento, Medeiros e Diniz (2016) informa “que somente 20% a 30% das mulheres
que sofreram violência sexual procuram por atendimento médico e, destas, apenas 10% a 30% aderem ao tratamento e ao seguimento ambulatorial”.
Deste modo, a identidade social está interligada pelo lugar em que os indivíduos ocupam na sociedade,
no cenário social, e também a partir de vivências dentro do grupo que está inserido, das experiências e dos elementos de identificação encontrados no grupo. Portanto, o estigma nasce a partir da não aceitação do “eu” pelo “outro”, um sinal que pode ser visível ou não, distúrbios ou benção divina, mas que distinguem o outro da
normalidade que o Eu aspira. Pode-se vir a haver uma ruptura com a normalidade (o que acontece com as vítimas de abuso sexual), a qual seria criada através de um conflito ou de uma deslegitimação entre a vida social
dos indivíduos.
Então, quando os gritos de socorro tornam-se públicos, desencadeiam ações repressivas dentro do grupo social. Mariza Corrêa (1973), fazendo alusão a Victor Turner (1957), informa que a quebra desse crime,
rompe também com os relacionamentos pessoais das sujeitas; trazer o crime a público é iniciar o drama social.
O drama social consiste na quebra de uma regra básica do relacionamento social, que normalmente
vem seguido de uma crise, esta crise deverá ser contida com medidas de ajustamento, reconhecimento e reintegração social (TURNER, 1957). Neste momento, a mulher se encontra num estado de ambiguidade. Ora é vitima, ora é a razão dos seus próprios males, está gravida mais não se sente mãe, e, mas ainda não será em breve. No período liminar torna-se complexa a atividade de classificação, haja vista sua ambiguidade. Deste modo, este momento, aponta aquilo que não está nem aqui nem lá, aquém nem além, ou, nas palavras de Turner,
betwext and between6.
Existe o betwext and between, mas também há o outsider hood, o qual o autor explica como sendo:
O estado de outsider hood, que se refere à condição de se estar permanentemente e por imposição posto
à margem dos arranjos estruturais de um determinado sistema social, ou institucional e temporariamente
segregado, ou segregando-se voluntariamente da conduta dos ocupantes de posições detentoras de papéis
naquele sistema (TURNER, 2008, p.217).
Por sua vez, quando uma vítima de violência decide comunicar o crime, ela desencadeia inúmeras
ações dentro do aparato social, dentre as quais se encontra o aparato policial, jurídico, e clinico os quais são
encarregados de por em prática as normas reguladoras previstas no código penal e nas portarias ministeriais.
Mas, também se deve observar que as ações desses agentes estão reguladas por outros códigos, tais como: código de processo penal, códigos de ética, e normas técnicas do Ministério da Saúde. Deste modo, a sociedade
permite que seus indivíduos detenham o saber (poder), mas esse saber deve ser controlado sob uma haste flexível, que disciplina e vigia seus indivíduos (FOUCAULT, 1976). E este caráter fiscalizatório, policialesco, burocrático e formal, de acordo com Silva (2013) teve:
...sua expansão a partir dos anos 80, impulsionada pela redemocratização da sociedade brasileira, expressando a demanda de grupos sociais organizados pela ampliação da cidadania; demanda pela universalização das políticas sociais; por melhoria das condições de vida; e busca por práticas participativas descentralizadas nos processos sociais, transparência, controle social democrático e instrumentalização de
lutas sociais. (SILVA,
2013, p.38)
Ro pe à o àoàsil ioà àto a à isí elàoàp o essoàdeà iol iaàeà esolui idadeàdosà asos.àNoguei aà
Netoà(
5 àaoàestuda àa usosàse uaisàe à ia çasàeàadoles e tesàpe e euà ue:à
Reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e ao mesmo tempo pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento, de nada adianta se não procurar garantir estes direitos, isto é, promovê-los,
através de instrumentos normativos (leis, tratados, resoluções, decretos etc.) e de mecanismos (processo
de mobilização, de apoio técnico-financeiro, de monitoramento etc.) todos com o mesmo direcionamento. (NETO, 2005, p.12)
Logo, quando as vítimas de estupro passam a ser reguladas pelas medidas de ajustamento, reconhecimento e reintegração social, são entendidas como sujeitos de direitos e deveres (FERREIRA, 2011). A construção da vítima enquanto sujeito de direitos deve ser iniciada a partir de acompanhamentos psicológicos objetivando superar os traumas vividos e, mais especificamente, inseri-las na produção e reprodução das relações
sociais através da convivência na escola, no trabalho, no convívio familiar e comunitário, nas amizades, nas
relações afetivas, dentre outras.
2. QUEM CONTA UM PONTO [...]: construção da vítima enquanto sujeita de direito
Toda essa burocracia processual para realização do abortamento, nos faz recordar e até mesmo pensar
que estamos descrevendo os ritos de um inquérito policial na busca pelos culpados, pelo agressor, e não pela
solução da dor da vítima. O processo de “negociação” para o abortamento aponta traços e condutas
“judicializadas” quando na verdade deveria apenas prestar atendimento em saúde às vítimas de abuso sexual,
com vistas a diminuir o seu sofrimento, conforme prescreve o lema do PAVAS e receita o Ministério da Saúde
em suas normas técnicas (BRASIL, 2005).
Mas, não só de controle dos corpos, mas de apuração da dignidade das sujeitas e construção da imagem
de cidadã. Desta perspectiva, todos os direitos e princípios básicos para o exercício da cidadania partem da
premissa de que os mesmos têm, pelo menos ao nível teórico, a possibilidade de beneficiar igualmente a todos
os cidadãos (OLIVEIRA, 1992), pois, para se beneficiar de um direito, mas que ter sido vítima, tem que ter
dignidade para acessar esse “privilégio”.
No Brasil, segundo Roberto DaMatta (1991a) existe tanto a lógica universalista do individuo 7 quanto a
lógica tradicional. Enquanto a primeira estaria associada ao espaço público, da rua, das leis e das relações impessoais, a segunda estaria vinculada ao espaço privado, da casa, da família e das relações pessoalizadas
(OLIVEIRA, 1992). Seguindo este entendimento, enquanto a lógica do individuo/cidadão traz em seu bojo um
caráter nivelador que enfatiza as ideias de autonomia e individualidade, é na lógica da relação que se admite
contrastes, gradações e complementaridades.
Atravessando o pensamento de DaMatta (1991a), entende-se que a busca pelo reconhecimento, por vezes, ultrapassa as dimensões do direito,
As relações pessoais [...] têm muito mais peso que as leis. Assim, entre a lei impessoal que diz não pode
e o amigo do peito que diz 'eu quero`, ficamos com o amigo do peito e damos um jeito na lei. Entre nós,
é o conjunto das relações pessoais, nascidas na família e na casa, que tende a englobar -- em geral perverter o mundo público e não o contrário... (DAMATTA, 1991b, p.17)
E isto se refere ao processo de construção da ideia de direitos, principalmente em espaços públicos, que
se norteiam com base nas a ideias de solidariedade, dignidade e privilégios (OLIVEIRA, 1992). E por vezes,
direitos podem ser entendidos como privilégios, em razão de como se apresenta na conjuntura social, ou dada a
singularidade dos indivíduos que a legislação atende.
Acontece que, como a aplicabilidade destes princípios e direitos supõe a possibilidade de generalização
(ou universalização) democrática dos interesses que (aceitas as demandas) estariam assim sendo garantidos, e como este processo implica na avaliação de como as demandas respectivas afetariam os interesses
dos demais membros da sociedade, a consideração da especificidade da instituição torna-se a condição
necessária para o sucesso do empreendimento. De outra maneira, aquilo que aparecia inicialmente como
um direito só pode fazer sentido quando entendido como um privilégio. (OLIVEIRA, 1992, p.8)
Para além de privilégios os princípios de solidariedade e justiça são essenciais para a construção da individualização, ou, para que exista a formação do processo individuo/pessoa, que acontece por meio da socialização com outros seres humanos. Sendo este processo permeado de marcadores morais, para explicar melhor
Habermas (1986) informar que:
É através deste processo que a identidade é constituída, e esta estaria marcada por fragilidades e inseguranças crônicas cuja suavização seria uma tarefa precípua da moralidade. A moralidade atuaria então em
dois planos: (1) na postulação do respeito à igualdade de direitos entre todos os indivíduos e/ou, na modernidade, no respeito à liberdade subjetiva da individualidade inalienável, vinculado ao princípio de
justiça; e, (2) na proteção da " rede de relações intersubjetivas de reconhecimento mútuo através das
quais os indivíduos sobrevivem como membros de uma comunidade", onde compartilham o mesmo
mundo da vida e os mesmos valores, e que está vinculado ao princípio de solidariedade. (HABERMAS,
1986, p.21)
E esta solidariedade pode ser equiparada a Dádiva descrita por Mauss (1978), que consiste numa modalidade de troca que marcaria a transição da prestação social total para o contrato. Pode-se entender como prestação social o atendimento hospitalar, e o contrato a realização do procedimento. E a busca por esse direito
seria o que Mauss (1978) o retorno ao direito,
A sociedade quer reencontrar a célula social. Ela investiga, ela cerca o indivíduo de um curioso estado
de espírito em que se mesclam o sentimento dos direitos que ele tem e outros sentimentos mais puros:
caridade, "serviço social", solidariedade. Os temas da dádiva, da liberdade e da obrigação na dádiva, o
da liberalidade e do interesse que existem no dar voltam a nós [...]
(MAUSS, 1978, p.167)
Mauss (1978) enfatiza a importância do principio de solidariedade como um valor inerente à resolução
do conflito. A qual estaria entrelaçada a ideia que o reconhecimento dos direitos do parceiro de troca, oriundos
das relações de obrigação entre as partes, demanda o reconhecimento mútuo dos atores, e para além do reconhecimento do direito, deve-se enxergar a dignidade desses sujeitos relacionais.
3. NEM SÓ DE LEIS SE FAZ O DIREITO: acesso as práticas de poder
A partir do século XIX o saber médico tornou-se protagonista no que concerne as investigações policiais. Os inquéritos policiais, a partir deste momento, passaram a exigir dentre as peças obrigatórias para a construção do processo judicial o exame de corpo de delito. Segundo a historiadora Joana Maria Pedro:
As mudanças do sistema penal promoveu a transferência, para outras instâncias, do poder de julgar. Uma
série de personagens extrajurídicos passou a participar do processo. Neste cenário, no decorrer do século
XIX, a medicina legal teve seu desenvolvimento acentuado, conquistando, com Cesare Lombroso, uma
quase autonomia em relação ao poder judiciário. Atuando como auxiliares do magistrado, os autonomistas sonharam estabelecer, com sua ciência, a verdade dos crimes e dos criminosos (PEDRO, 2003, p.27) .
Deste modo, o direito e a medicina atuam na construção da realidade e ratificação do discurso de poder.
Sendo a medicina, neste caso, a detentora dos discursos e dispositivos que operam o direito, “esse saber médico ganhou cada vez mais espaço como ‘ferramenta’ do ‘projeto biopolítico’ do Estado moderno na medida em
que produziu um saber sobre o corpo das mulheres’ (WASSANSDORF et al, 2012). Então, para ter acesso ao
procedimento legal, descriminalizado no bojo jurídico, a vítima de violência sexual passará por uma celeuma
investigatória no âmbito hospitalar.
E nessa busca pelo direito, a permissibilidade presente na lei não se faz suficiente para acesso as práticas clinicas. Para se ter o acesso deve-se haver um controle, uma seleção, uma organização e redistribuição do
discurso (WASSANSDORF et al, 2012) dentro da instituição. O jogo de poder é montado, e neste tabuleiro as
mulheres/vítimas são os peões e os profissionais da saúde são as rainhas, as mulheres só poderão andar para
frente, numa só direção, enquanto os profissionais da saúde andam para todas as direções em busca do nexo de
causalidade para montar a realidade do aborto, e dentro desse jogo de poder que é montado o discurso. E
sobre essa premissa, o filósofo Michael Foucault, afirma:
Por mais que o discurso seja bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente,
sua ligação com o desejo e o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como a psica-
nálise nos mostrou – não simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que
é objeto do desejo e visto que – isto a história não nos cessa de ensinar – o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual queremos apodar (FOUCAULT, 1996,
p.10)
Para o autor, os discursos que constrói a moralidade dos atores sociais (discursos políticos, religiosos, éticos e filosóficos) não podem ser dissociados de um ritual de qualificação, por ser o que “fixa a eficácia
suposta ou imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção” (FOUCAULT, 1996), ou seja, os papéis preestabelecidos determinam quem são os sujeitos legítimos para
ter acesso as práticas de poder. E mais que isso, os agentes das instituições interferem de maneira direta nas
práticas e nas referencias das sujeitas, o que seria “algo que se pode chamar de poder sobre a vida” (FOUCAULT, 1986).
Desta feita, os discursos e práticas dos profissionais da saúde, se constroem de modo avançarmos nas
análises de suas representações sobre a gestão e medicalização do corpo feminino, ou, como afirma José Guilherme Magnani:
Parafraseando Malinowski, diríamos que ideias e crenças não existem apenas nas opiniões conscientes,
mas estão incorporadas em instituições e condutas, devendo ser extraídas, por assim dizer, de ambas as
fontes. Em outras palavras, discurso e práticas não são realidades que se opõem, um operando por distorção com respeito a outra: são antes pistas diferentes e complementares para a compreensão do significado (Magnani, 1986, p.140).
Nestes termos, isto nos leva a considerar que as falas e marcadores sociais das sujeitas, compõem um
conjunto da realidade a qual elas estão inseridas, isso irá interferir como se dará suas práticas cotidianas, sejam
as escusas para praticar o abortamento ou acolhimento as vítimas de estupro, ou mesmo, a burocratizar o atendimento.
2.3.1 A diferença que faz a diferença
“Ser mulheres juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser garotas gays juntas não era suficiente.
Éramos diferentes. Ser negras juntas não era suficiente. Éramos diferentes. Ser mulheres negras juntas
não era suficiente. Éramos diferentes. Ser negras sapatonas juntas não era suficiente. Éramos diferentes... Levou algum tempo para percebermos que nosso lugar era a própria casa da diferença e não a
segurança de alguma diferença em particular”. (LORDE, 1982, p.226)
A epígrafe da “Casa da Diferença” (LORDE, 1982) nos conduz a refletir os vários cruzamentos que se
formam a partir dos diferentes marcadores definidos para delimitar, classificar, hierarquizar e padronizar a sociedade. Referimo-nos aos eixos dos sistemas de gênero, da “raça”, da etnia, da sexualidade, da idade/geração,
da localidade geográfica, da classe, doestado civil ou conjugal, dentre muitos outros.
Essas interseccionalidades relacionam-se de modo assimétrico, criando desigualdades ou reproduzindo
estratégias de oposição e transformação, para si ou para meio social. Durante o atendimento das mulheres vítimas os profissionais de saúde se deparam com a possibilidade de agência desses sujeitos marcados por diferentes eixos de opressão. Adriana Piscitelli (2008) propõe a utilização da noção de interseccionalidade para caracterizar as diferentes desigualdades que habitam uma mesma sujeita.
A agência por sua vez seria uma singularidade universal dos grupos humanos, em que os atores sociais
estão entrelaçados a uma estrutura social (ORTNER, 2007). E essa agência sofrerá mudanças de indivíduo para indivíduo, conforme seus marcadores sociais – características sociodemográficas, quais sejam: idade, raça,
grau de escolaridade, classe econômica.
As mulheres terão seu acesso negociado e postas em um “regime de suspeição” (DINIZ, et al, 2014).
Segundo as autoras, “quando uma mulher alcança um serviço de aborto legal, há um regime de suspeição em
curso que a antecede e a acompanha” (idem, 293). Via de regra, psicólogas e assistentes sociais são as primeiras profissionais a reconstituírem a história sobre a violência sofrida, discurso este que será repetido para outros profissionais revitalizando desnecessariamente as sujeitas em questão. Além disso, a decisão soberana que
acentuará esse biopoder, pensando aqui em termos foucaultianos, será do médico ou médica que está à frente
do programa de atenção as vitimas de violência (IBDEM, 2014).
Conforme explana Diniz (2014) há um maior regime de suspeição para as mulheres que carregam algum tipo de estigma, as chamadas “liberais”, ou as que vivem em uma relação conjugal heterossexual, para
estas que estão dentro do “regime de suspeição” há uma ampliação dos testes para verificar se houve ou não a
violência. Portanto, mesmo não existindo mais a premissa legal que informe que a mulher deverá ser
“honesta”, para receber o tratamento adequado a sua necessidade, este adjetivo ainda é um imperativo categórico na prática hospitalar.
Ainda nos estudos realizados por DINIZ (2014) e VIEIRA (2011), as autoras alertam que no Brasil o
aborto legal é restrito aquelas mulheres que estão de algum modo na situação de vítima, ou seja, que engravidaram em consequência de uma violência sexual, que está gerando fetos anencéfalos, ou tem algum risco de
morte, podemos observar mais afundo as características das interrupções de gestação previstas em lei. Sendo a
violência sexual, a única das quais permite um regime de suspeição da qual a mulher irá passar por avaliações
para identificar o nexo de causalidade entre a data da gravidez e da violência. Mesmo estando estas mulheres
em situação de vítima, ainda se deparam com situações de conflito entre agência e poder dentro da maternidade. Porque ao médico é resguardada a “Objeção de Consciência” (OC).
E construção cultural da agência (ORTNER, 2007), ou melhor, a chamada política da agência, a qual os
sujeitos se apropriam de maneiras diferenciadas dos símbolos e significados sociais, e em meio a essas agências de poder (as quais seriam caracterizadas pelas formas de poder que os indivíduos tem acesso no seu cotidiano) que se constrói a agência de projetos, que tem relação com as subjetividades dos sujeitos, e com a forma
que eles jogam seus jogos sérios. E mesmo com a possibilidade de todos jogarem o jogo, sempre haverá os dominadores e dominados, e isso aparece nas estruturas hierárquicas presentes nas instituições hospitalares - pro-
fissionais e pacientes - e esta dominação pode aparecer de forma sutil ou não – nos aspectos que circunscreve a
negociação do abortamento.
Pela perspectiva de Pierre Bourdieu (2007), a agência é constituída através das experiências nos campos sociais nos quais o sujeito transita, pela socialização que também constrói o habitus. De acordo com o sistema de disposições incorporado pelo indivíduo, este desenvolve habilidades que vão orientá-lo de forma inconsciente a agir, pensar e sentir de determinadas maneiras nos jogos de poder. Ao mesmo tempo em que é
condicionada pelo habitus, a agência dos sujeitos dentro do campo também o constrói, na medida em que orienta suas estratégias para alcançar mais capital simbólico, ou realizar seus projetos.
Nesta feita, pode-se destacar que dentro da instituição hospitalar existe uma hierarquia que torna imóvel a autonomia dos agentes que detém menos poder dentro deste ambiente, o que é consonantes com “os campos” descritos por Bourdieu (1983), que afirma que “espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas
propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinadas por elas)”. Portanto, estes se caracterizam por ter suas próprias regras, conceitos e hierarquia.
Estas posições e autonomias dos sujeitos dentro do espaço laboral pode, hipoteticamente, interferir nas
suas decisões subjetivas, haja vista que essas estão centralizadas em uma estrutura organizacional que possui
um grau de hierarquia, a qual existe uma assimetria entre os profissionais formados em medicina e os que são
formados em enfermagem. Deste modo, a instituição hospitalar detém a estrutura de poder tal qual descrita por
Foucault (1996), isto significa dizer que há um reforço do domínio da medicina no ambiente hospitalar.
Sendo assim, percebe-se que posição do individuo em sociedade, bem como seu estilo de vida, modo
de observar as mais variadas situações, valores morais, estéticos, são possíveis ser enxergados como um habitus - “sistema de disposições para a prática” (BOURDIEU, 2004).
De maneira mais profunda:
Como sistema de esquemas adquiridos que funcionam no nível prático como categorias de percepção e
apreciação, ou como princípios de classificação e simultaneamente como princípios organizadores da
ação, significava construir o agente social na sua verdade de operador prático de construção de objetos
(BOURDIEU, 2004, p. 26).
Então, o corpo seria legislado e operado não só através dos desejos e fervores dos indivíduos, mas a
partir de todo um conceito social, de moralidade, a qual vincula a certos indivíduos caráter de cidadania, e, por
conseguinte caráter de dignidade.
2
A Quimioprofilaxia antirretroviral não é indicada em todos os casos de violência sexual, deve-se pensar na especificidade de casa
paciente, haja vista que em muitos os casos os efeitos colaterais são maiores que os benefícios. A exemplo disso em casos sem a presença de ejaculação ou em casos de sexo oral é prescrito que de haver uma avaliação individualizada (BRASIL, 2012a).
3
Sujeitas aqui compreendidas conforme Fernanda Cardozo (2012) como forma de atualização da “guerrilha da linguagem” (COULTHARD, 1991), reafirmando o lugar do feminino das lutas envolvendo direitos sexuais e reprodutivos.
4
Lima (2007) fala sobre o silêncio destas mulheres e o atribui à vergonha, ao medo, à culpa ou até mesmo à falta de credibilidade
quanto ao acolhimento de sua queixa nos serviços de saúde. Há uma verdadeira dinâmica dominante que perpetua a dificuldade de
comunicação.
5
A relação entre os estigmatizados e os normais, a comunidade que é tida como normal tende a ter uma postura de descriminar o estigmatizado, tendo por teoria que o estigmatizado é um individuo inferior, ou melhor, nunca será um ser humano completo.
"Acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano" (GOFFMAN, 1980, p. 15). “Um estigma é, então, na
realidade, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo” (GOFFMAN, 1980, p. 13).
6
Betwext and between traduzido do inglês: Entre e Entre; ou do advérbio nem peixe, nem carne, para simbolizar um momento de
ambiguidade e incertezas.
7
Ter-se-á a noção de indivíduo enquanto categoria sociológica, como o sujeito normativo das instituições e, portanto, como uma categoria moralmente construída e historicamente dada (OLIVEIRA, 1992).
REFERÊNCIA
BOURDIEU, Pierre. A distinção: critica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk,
2007.
______. A Dominação Masculina. Rio de J aneir o: Ber tr and Br asil, 1999.
DAMATTA, Roberto. "Cidadania: A questão da cidadania num universo relacional", in A Casa e a Rua, Rio
de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A. 1991ª.
_______. "Reflexões Sobre a Cidadania no Brasil". Palestra proferida em 12 de
agosto de 1991 na abertura de Brasileiro: Cidadão?, Ciclo de debates sobre o brasileiro e a cidadania, promovido pelo Bamerindus. 1991b.
DINIZ, D. e COSTA, D. (2003). Aborto por Anomalia Fetal. Brasília: Coleção Radar. Pp. 152.
DINIZ, D; VALEZ, A. C.G. Aborto na Suprema Corte: o caso da anencefalia no Brasil. Revista de Estudos
Feministas. v.16, 647-652, 2008.
DINIZ, Débora. Objeção de consciência e aborto: direitos e deveres dos médicos na saúde pública. Ciênc. saúde coletiva Rev. Saúde Pública, v.45, n.5 São Paulo, 2011
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1996.
GOFFMAN, Irving. Prefácio; Introdução; Conclusão. In: A Representação do Eu na Vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.
_____. Prefácio; Estigma e Identidade Social; Desvios e comportamento desviante. In: Estigma: notas sobre a
manipulação da identidade deteriorada. Rio de J aneir o: Zahar Editor es, 1975.
MACHADO, Lia Zenotta. Feminismo em movimento. 2 ed. . São Paulo: Editora Francis SP, 2010.
_______. Violência, gênero e crime no Distrito Federal/Mir eyaSuár ez, Loudes Bandeir as (or gs). et al. –
Brasilia: Paralelo 15, Editora Universidade de Brasília, 1999.
ORTNER, Sherry. Poder e Projetos: reflexões sobre a agência. In: GROSSI, M; ECKERT, C;FRY, P. (Org.).
Conferências e diálogos: saberes e práticas antropológicas. Br asília: ABA; Blumenau: Nova Letra, 2007.
p. 45-80.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Direitos Humanos e Cidadania no Brasil: Algumas Reflexões Preliminares.
Série Antropologia, n 122. Brasília: UnB/Departamento de
Antropologia, 1992.
______. Justiça, Solidariedade e Reciprocidade: Habermas e a Antropologia. Série Antropologia, n 149. Brasília: UnB/Departamento de Antropologia. 1993.
_______. Entre o justo e o solidário: os dilemas dos direitos de cidadania no Brasil e nos EUA. Série Antropologia, n;185, Br asilia, 1995.
TORNQUIST, C. S. Paradoxos da Humanização em uma maternidade no Brasil. Cadernos de Saúde Pública v.
19, supl. esp.2, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.
TURNER, Victor. Introdução; Os símbolos do ritual Ndembu; Betwix and between: o período liminar nos ritos de passagem; Um curandeiro Ndembu e sua prática. In: Floresta de símbolos: aspectos do ritual Ndembu.
Niterói: EdUFF, 2005.
WASSANSDORF, M. L; AREND, s. M. F. Justiça, imprensa e aborto: analisando um caso exemplar
(Florianópolis, 1995-2009). In: Silvia Maria Fávero Arend, Glaúcia de Oliveira Assis e Flávia de Mattos Motta (org). Aborto e contracepção – histórias que ninguém conta. Florianópolis: Insular. 2012.
Documentos Oficiais
BRASIL. Decreto-Lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de
Janeiro, 1940.
______. Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobr e o atendimento obr igatór io e integr al de pessoas em situação de violência sexual. Diário Oficial da União, Brasília, 2003.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pragmáticas Estratégicas. Aspectos jurídicos do atendimento às vítimas de violência sexual : perguntas e respostas para profissionais de saúde / Ministér io da Saúde, Secr etar ia de Atenção à Saúde, Depar tamento de Ações Pr agmáticas
Estratégicas. 2. ed. Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2011.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pragmáticas Estratégicas. Normas Técnica “Atenção Humanizada ao Abortamento/ Ministério da Saúde, Secretaria de
Atenção à Saúde, Departamento de Ações Pragmáticas Estratégicas. 1. ed. Brasília : Editora do Ministério da
Saúde, 2005.
______. Ministério da Saúde. Secretária de Politicas de Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Prevenção e Tratamento dos agravos resultantes da violência sexual
contra mulheres e adolescentes: Normas Técnicas. 3. ed. atual. E ampl., 1. Reimpr . Br asiília: Editor a do
Ministério da Saúde. 2012a.
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Gestação de alto risco: manual técnico / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. 5. ed. Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2012b.
______. Secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Norma Técnica de Padronização das
Delegacias Especializadas de Atendimento às Mulheres – DEAMs. Edição atualizada. Br asília: iComunicação, 2010.
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS IDOSOS SOBRE O LAZER NO CENTRO
DE ATIVIDADES E LAZER DA MELHOR IDADE (CALMI) - CIDADE DA ESPERANÇA – NATAL/RN.
Jacqueline Tavares da Silva, sou bach ar ela em Ciências Sociais, (2014) - UFRN. Licencianda em Ciências Sociais e Mestranda em Sociologia - UFRN
AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS IDOSOS SOBRE O LAZER NO CENTRO
DE ATIVIDADES E LAZER DA MELHOR IDADE (CALMI) - CIDADE DA ESPERANÇA – NATAL/RN.
Autora: Jacqueline Tavares da Silva – Mestranda (UFRN)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Email: jacquedod@hotmail.com
Resumo
Segundo dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expectativa de vida dos idosos no Brasil vem aumentando significativamente nos últimos anos, tendo como principal responsável a obtenção de novos hábitos e práticas sociais que os conduzem a uma melhor qualidade de vida. Logo, é nesse contexto que este trabalho monográfico teve como objetivo compreender a
Representação Social do lazer na percepção dos idosos associados ao Centro de Atividade e Lazer da
Melhor Idade (CALMI), no bairro da Cidade da Esperança, Natal-RN. Trata-se de estudo de natureza
qualiquantitativa, através da aplicação de questionários estruturados com questões semiabertas, observação participante e registros fotográficos. Para analisar as entrevistas utilizou-se a técnica do Discurso
do Sujeito Coletivo (DSC), elaborada por Lefevre e Lefevre (2010), por meio do programa QualiquantSoft. Os resultados demonstraram que para os idosos do CALMI, as atividades realizadas no clube são
uma distração, um lazer. E o beneficio que tais atividades trazem para a vida deles consiste em ter mais
saúde e melhor qualidade de vida.
Palavras-Chave: Idoso, Qualidade de Vida, Repr esentação Social, Discur so do Sujeito Coletivo.
Introdução
Foi nas minhas caminhadas matinais na, Praça Aluísio Alves, no bairro da Cidade da Esperança,
localizado na zona oeste de Natal, que pude observar que uma quantidade significativa de idosos vestidos
com uma camiseta do CALMI frequentavam o espaço para praticar atividades físicas diariamente. Logo,
vendo a descontração com a qual eles praticavam tais atividades e a curiosidade em conhecer o que era o
CALMI, o qual conversando com um dos idosos soube que se tratava de um clube de idosos, denominado,
Centro de Atividade e Lazer da Melhor Idade, foi que surgiu a ideia em analisar as representações sociais
que esse grupo de atores sociais tem sobre o lazer. Sendo assim, o objetivo geral desse artigo foi: Analisar as
representações sociais sobre o lazer, apresentadas pelos idosos que frequentam o Centro de Atividades e Lazer
da Melhor Idade (CALMI), no Bairro da Cidade da Esperança – Natal/RN. Os objetivos específicos tenderam
a: Identificar quais as atividades desenvolvidas no clube proporcionam lazer e entretenimento para os idosos;
Verificar a participação dos idosos nas atividades realizadas pelo clube; Analisar as representações sociais dos
idosos verificando quais os benefícios que reconhecem para vida deles após a ingresso no CALMI. A metodologia utilizada Trata-se de um estudo descritivo e exploratório com uma abordagem qualitativa na busca de
apreender a percepção do lazer na terceira idade por meio da representação social que os sujeitos sociais têm
nessa fase da vida. Os sujeitos participantes do estudo foram os idosos voluntários do Centro de Atividade e
Lazer da Melhor Idade (CALMI), associados na instituição, para essa coleta de dados contamos com a colaboração de 20 idosos, sendo 13 mulheres e 7 homens.
Essa amostra foi selecionada de acordo com disponibilidade de participar voluntariamente da pesquisa. É importante ressaltar a resistência dos homens que pareciam demonstrar receio em falar sobre si mesmos. As mulheres, ao contrário, apresentaram-se mais receptivas e animadas a responder o questionário. Os dados do
CALMI foram obtidos por meio de registros escritos, fotográficos, entrevistas e também pela observação participante. Posteriormente, foram aplicados junto aos idosos questionários caracterizados como semiabertos com
questões objetivas e dissertativas. Essas respostas foram processadas e avaliadas pelo programa Qualiquantisoft destinado a viabilizar pesquisas desenvolvidas com essa metodologia para a apreensão do DSC.
Segundo os seus fundadores Lefevre e Lefevre (2010, p. 3), “o Discurso do Sujeito Coletivo é uma técnica que busca resolver os impasses que o pesquisador encontra quando deseja processar depoimentos em pesquisas qualitativas que usam questionários com perguntas abertas”. Para isso, transformam-se os depoimentos
individuais, isto é, as respostas às questões abertas de questionários em representações coletivas, assim como
foi desenvolvido no presente trabalho.
Os dados utilizados para a caracterização dos sujeitos deste estudo foram realizados através das variáveis, faixa etária e atividades realizadas no CALMI, descritas nos gráficos a seguir:
Gráfico 1 - Idade dos idosos entrevistados na pesquisa. Natal/RN. 2013
Fonte: Pesquisadora, 2013
De acordo, com os dados estatísticos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), baseado no Censo 2010, a pessoa é considerada idosa quando possui 65 anos ou mais, o mesmo limite considerado
pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para os países em desenvolvimento, corroborando assim com a
estimativa de idosos que frequentam o CALMI.
Gráfico 2 - Frequência das atividades realizadas pelos idosos do CALMI. Natal/RN. 2013
Fonte: Pesquisadora, 2013
Essas atividades educativas, artísticas e culturais proporcionam lazer, saúde, bem-estar e entretenimento para os idosos do CALMI.
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO
Serão apresentados a seguir os discursos obtidos de acordo com as ideias centrais representadas por
categorias, encontradas nas respostas que são pertinentes para se compreender os resultados. No entanto, para
a elaboração do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) que responde à pergunta 1 e à pergunta 2 utilizamos as
categorias que mais se destacaram. Sendo assim, as demais categorias serão abordadas, posteriormente, na
análise do DSC, apresentadas na discussão.
PERGUNTA 1
O Senhor (a) considera essa (s) atividade (s) uma distração? Por quê?
Objetivo: Identificar quais as atividades realizadas no CALMI proporcionam lazer e
entretenimento para os idosos.
Na pergunta 01 foram encontrados 6 categorias/representações nos discursos que serão citadas e representadas no gráfico a seguir:
CATEGORIAS
1A - Diver são
1B - Satisfaz minhas expectativas
1C- Novas amizades
1D- Melhor a a autoestima
1E- Adquir ir novas exper iências
1F- Qualidade de vida
Gráfico 3 - Distribuição das categorias/representações referentes à pergunta 01
Fonte: Programa Qualiquantsoft (elaborado por meio dos dados digitalizados).
Dentre essas categorias/representações a que mais se destacou foi:
CATEGORIA 1 A – DIVERSÃO
Considero um lazer, trabalhei 30 anos, agora o negócio é passear. Venho para me divertir, viver só trabalhando dentro de casa não dá. Todas as ativida-
des [são] uma distração, um lazer tanto para mim quanto para as pessoas que
eu ensino. A gente participa de tudo, se diverte bem e se distrai muito. Não
bebo, não fumo e gosto das brincadeiras do CALMI, [por exemplo] a dança, o
coral, o violão, porque estamos fazendo pra nos fazer bem e não [para] nos
profissionalizar, [o] melhor é a aula de dança, [ela] pra mim é tudo, ela me anima, me distrai, me desistressa. [Também] me sinto alegre quando canto no
coral [e] tenho muita satisfação em cantar nas serestas. [Tudo isso] vira uma
rotina, venho para as reuniões dançar, tomar lanche... [É] Lazer total, só lazer.
Nesse DSC fica evidente que as atividades realizadas no CALMI são consideradas um lazer pelos idosos, apresentando um índice percentual de 62,5% de aprovação. Já a categoria C (Novas amizades) obteve
16.67%; seguida da categoria F (Qualidade de vida) com 8,33%; as categorias B (Satisfaz minhas expectativas), D (Melhora a autoestima); e a categoria E (Adquirir conhecimento) obtiveram um percentual de 4,17%
frente as respostas dos entrevistados.
PERGUNTA 02
Houve alguma mudança na vida do Senhor (a) após sua entrada no CALMI? Ex-
plique.
Objetivo: verificar quais benefícios os idosos reconhecem para a vida deles após o ingresso no CALMI.
Na pergunta 02 foram encontrados 4 categorias/representações nos discursos que serão citadas e representadas no gráfico abaixo:
CATEGORIAS
2A - Perder a timidez
2B - Ter mais saúde
2C - Adquirir conhecimento
2D - Conhecer novos lugares
Gráfico 4 - Distribuição das categorias/representações referente à pergunta 02
Fonte: Programa Qualiquantsoft (elaborado por meio dos dados digitados).
Dentre essas categorias/representações a que mais se destacou foi:
CATEGORIA 2B – TER MAIS SAÚDE
Minha vida houve uma mudança radical para melhor, passei por um período
de desespero grande, tenho problema de diabetes, pressão alta e acabou tudo. Me aposentei e [tenho] outra qualidade de vida. Comecei a me divertir
mais, melhorou a autoestima e a saúde, conheci pessoas [e] fiz novas amizades, participo do lazer, [como] a dança [que] para mim é tudo, é uma beleza, é
ótimo [e] vivo mais feliz.
(DSC elaborado de acordo com as respostas dos entrevistados).
Nesse DSC fica evidente que houve mudança na vida dos idosos, principalmente com relação à saúde,
categoria essa que atingiu um índice percentual de 50% de aprovação, em seguida vem as categorias A Perder
a timidez, C, Adquirir conhecimento e categoria D, Conhecer novos lugares que juntas obtiveram 16,67% de
aprovação frente às respostas dos entrevistados.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS OBTIDOS COM O DSC
Serão apresentados nessa discussão fragmentos de depoimentos que resgatam as representações sociais que constituem o discurso coletivo dos idosos do CALMI, frente à percepção que eles têm sobre o lazer.
Lefevre e Lefevre (2010, p.5), ressaltam que “um DSC reúne sob uma única categoria, diferentes conteúdos e
argumentos que compõem uma mesma opinião que é compartilhada por um conjunto de pessoas.” É buscando
respeitar o comum e o diferente, que encontramos no DSC a mesma opinião dita de maneira diversa.
Examinaremos nesse estudo, as ideias centrais que formam os discursos obtidos os quais juntos constituem as representações do pensamento coletivo.
DISCURSO SOBRE AS ATIVIDADES REALIZADAS NO CALMI
No DSC da questão 1, conforme o relato dos idosos que frequentam o CALMI as atividades realizadas na instituição são uma distração/ um lazer, destacando as que mais gostam de praticar: a dança, o coral e o
violão.
Na visão de Bourdieu (2003, p.73), essas práticas constituem o gosto e as preferências formando assim um determinado estilo de vida. “As práticas e as propriedades constituem uma expressão sistemática das
condições de existência (aquilo que chamamos de “estilo de vida”), porque são produto de um mesmo operador prático o habitus [...]”, ressalvando que para esse mesmo autor tais práticas pertencem a um grupo em determinado tempo, posto que a medida que essas posições sociais se elevam ou vão adquirindo novos conhecimentos essas práticas podem se modificadas, fazendo com que os indivíduos tenham um novo estilo de vida a
partir do momento que incorporam novos habitus, que na teoria de Bourdieu “são conjuntos de disposições
ativas que constituem as incorporações das estruturas sociais” (BORDIEU, 2003 p. 74).
Logo, essas ações tomadas como habituais tornam–se significativas para o indivíduo. Berger e Luckman, afirmam que:
As ações tornadas habituais, está claro, conservam seu caráter plenamente significativo para
o indivíduo, embora o significado em questão se torne incluído como rotina em seu acervo
geral de conhecimentos, admitidos como certos por ele e sempre à mão para os projetos futuros. A formação do hábito acarreta o importante ganho psicológico de fazer estreitar – se as
opções (BERGER; LUCKMAN, 1978, p. 78).
Portanto, quanto mais tempo os idosos permanecem associados ao CALMI, novos conhecimentos e
práticas vão sendo incorporadas e naturalizadas dando-lhes um novo significado e sentido para suas vidas. Para muitos idosos o CALMI é como se fosse uma segunda casa, pois no seu tempo livre são convidados a irem à
instituição para conversar, assistir TV, tomar o café da tarde ou fazer palavras cruzadas nos dias em que não
acontecem as reuniões.
DISCURSO DO SUJEITO COLETIVO SOBRE OS BENEFÍCIOS QUE OCORRERAM NA VIDA DOS
IDOSOS APÓS A ENTRADA DELES NO CALMI
O DSC da pergunta 2, demonstra claramente a satisfação dos idosos em participarem dos eventos e atividades do CALMI que trazem benefícios para suas vidas, principalmente quando relatam a diminuição dos
problemas de saúde. Geis Pont (2003, p. 29), afirma que:
Diante do vazio social que a aposentadoria pode produzir na vida de certas pessoas, é necessário buscar atividades gratificantes e motivadoras, que ocupem ao menos uma parte do dia,
que ajudem o idoso a superar estados anímicos baixos, depressões, além de fazer com que
se sinta útil e ativo, e que, por outro lado, sirvam de ponto de referência social, que supunham
um vínculo de união entre os participantes e um meio para integrar–se a um grupo social.
É nessa integração com o grupo que alguns idosos do CALMI, buscam apoio para superar perdas e
dificuldades, como por exemplo, problemas de saúde, morte na família ou até mesmo a falta dos filhos, fugindo assim da solidão que em muitos casos podem afetar a saúde física e mental dos idosos.
Além disso, nas reuniões são distribuídos panfletos informativos sobre a saúde da mulher e do homem, sendo este ainda resistente aos cuidados e à aquisição de hábitos saudáveis. Portanto, para tentar romper
esses paradigmas representativos de resistência dos homens, as assistentes sociais tentam por meio de palestras
demonstrativas explicar os tipos de doenças que acometem os indivíduos na sociedade, como por exemplo, as
doenças sexualmente transmissíveis e também as que fragilizam a saúde do idoso, como pressão alta e diabetes.
Participando das atividades, conversando, conhecendo outras pessoas, fazendo novas amizades que
os associados do CALMI vão se sentindo acolhidos ao mesmo tempo em que vão perdendo a timidez e elevando a autoestima a qual se reflete a cada reunião ou noite de seresta com dança. Geis Pont (2003, p. 31), afirma:
O ser humano deve estar em constante relação, pois vive em uma sociedade, e deve sentir–
se vinculado a ela, sejam quais forem as vias e os meios necessários. Cada faixa etária, cada
grupo social faz parte da sociedade e está unido a ela por diferentes vínculos e razões. No
momento que uma pessoa envelhece e começa a fazer parte do grupo de idosos, de aposentados, desvincula–se do nexo de união que tinha até então. Com isso, será necessário buscar
e criar novos vínculos, outras situações que lhe ajudem a integrar–se a um grupo social.
Logo, é no DSC do grupo de idosos do CALMI, elaborada de acordo com as respostas à pergunta 2,
que se constata a representação social do lazer como um fator preponderante para uma melhor qualidade de
vida concernente à saúde física e mental. Assim, outros estudos realizados sobre lazer e representação social
na velhice corroboram esse resultado, como por exemplo, os de Mori e Silva (2010), Coutinho, Benitez e
Wichmann (2012) e Araújo et al. (2005). Mas essa elevação no nível de bem-estar não quer dizer que eles
abandonaram os medicamentos nem que ocorreu a ausência de problemas de saúde, apenas houve uma combinação entre os medicamentos e as participações nas atividades de lazer que fazem com que os idosos tenham
mais saúde e sintam-se valorizados. Segundo Borin e Coutinho (2002, p. 573):
A participação em atividades de lazer nos centros de convivência para a Terceira Idade leva
as pessoas a se sentirem felizes e mais saudáveis. Essa percepção de saúde não está vinculada necessariamente a ausência de doenças. Trata-se da convivência com as mesmas com
garantia de independência e autonomia, como também uma diminuição do consumo de medicamentos, principalmente os indicados para as doenças emocionais.
Portanto, é o tempo de permanência no CALMI, que dentre os idosos entrevistados na pesquisa varia
de 6 meses a 17 anos, que constatamos por meio de seus discursos, um elevado nível de satisfação e mudança
na qualidade de vida, principalmente quando relatam os novos conhecimentos adquiridos por meio de palestras
educativas sobre saúde, a perda da timidez e quando viajam para outros estados para representarem a instituição nos congressos em Blumenau e Florianópolis ou mesmo quando saem a passeio para lugares como, praia
de Barra de Cunhaú, Teatro Alberto Maranhão, Teatro Riachuelo e passeio no barco escola Barreira Roxa no
rio Potengi.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabendo que os estudos sobre representações sociais tendem a continuar, finalizo esse artigo na certeza de que o objetivo foi alcançado ao resgatar no pensamento coletivo dos idosos do Centro de Atividade e La-
zer da Melhor Idade (CALMI), a representação social do lazer e consequentemente dos benefícios que as práticas artísticas, culturais, físicas, educacionais e lúdicas que conceituam tal termo trazem para a vida deles.
Foi também ancorada nos conceitos de Pierre Bourdieu, os quais pude observar nos gostos e hábitos
que conduzem o comportamento desse grupo de atores sociais. Mesmo na fase da Terceira Idade, buscam
manter-se ativos e independentes em um espaço social, onde por meio das conversas trocadas entre os grupos
de amigos(as) que se reúnem nas tardes de terça-feira, para jogar baralho, dominó e mostrar seus trabalhos artesanais, vão sendo identificadas nos estilos de vida de cada um desses idosos e em suas representações sociais
adquiridas em cada experiência vivida.
Seja nas fases da infância, adolescência, juventude ou adulta, eles demonstram em suas falas a busca de
um significado importante a algo que marcou suas vidas. Isso fica evidente quando relatam que, por motivos
ter de ir trabalhar cedo para ajudar os pais, ter de cuidar de casa, dos filhos e do marido, tiveram de abdicar de
momentos de lazer, como festas e passeios entre amigos. Esse fato ocorre porque deviam assumir tais responsabilidades que os impediam de desfrutar um tempo de descontração, muitas vezes resumindo-se a assistir alguns programas de TV ou quando tinham dinheiro, ir passar um domingo na praia.
Mas é na fase da Terceira Idade, tida como a idade do lazer, que certas práticas até então deixadas de
lado como, passear e dançar voltam a fazer parte do cotidiano dessas pessoas, por não possuírem mais tantas
responsabilidades que os impeçam de desfrutar os prazeres da vida. Logo, aposentados e incentivados por filhos ou por motivação própria, procuram viver novas experiências que os conduzem a uma melhor qualidade
de vida.
É por meio das palestras realizadas no CALMI pelos profissionais do SESC/Natal das áreas da Saúde,
Direito e Serviço social que os idosos vão tomando conhecimento dos seus direitos e também dos cuidados que
devem ter com a saúde. Nesse sentido, essa pesquisa reafirma que as ações desenvolvidas no CALMI e a reprodução no cotidiano dos conhecimentos adquiridos, que representam o imaginário social coletivo, conduzem
os idosos a uma melhor qualidade de vida.
REFERENCIAS
BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado da sociologia do conhecimento. 2. ed. Petrópolis: vozes, 1974.
BOURINI, O. L. M.; CINTRA, A. F. Representações sociais da participação em atividades de lazer
em grupos de terceira idade. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 55, n. 5, p. 568-574, 2002.
BOURDIEU, P. “Gostos de classe e estilos de vida”. In: ORTIZ, R. (Org.). A sociologia de Pierre
Bourdieu. São Paulo: Olho d´agua, 2003. p. 73-111.
LEFEVRE, F; LEFEVRE CAVALCANTE, A. M. O Discurso do sujeito coletivo. São Paulo: EDUCS,
2010.
PONT GEIS, P. Atividade física e saúde na terceira idade: teoria e prática. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.