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SER TRANSCENDÊNCIA

Breve reflexão filosófica sobre o homem enquanto ser de transcendência.

HOMEM SER DE TRANSCENDÊNCIA Por que afirmar que o homem é um ser que se define pela transcendência? Embora a Natureza aparente estar nos expressando alguma coisa com a forma que nos apresenta a suas constantes mudanças, seja no clima (chuvas, sol, vento...), não conseguimos dialogar com ela uma vez que não há resposta de sua parte. Podemos interferir na Natureza, porém não podemos estabelecer um diálogo com ela. Por sua vez, se considerarmos os animais que nos circundam (cachorros, gatos, cavalos, etc), percebemos que eles agem de uma forma que parece ter sentido, porém são irracionais e não possuem fala que possa estabelecer diálogo entre nós e eles. Dessa forma, somente nos resta concluir que apenas entre os homens é possível o diálogo, aqui considerado como a troca entre o falar e responder e vice-versa. O homem é também por excelência um ser que se relaciona com a exterioridade desde a sua concepção até o final de sua vida. Esta constatação nos autoriza afirmar que ele tem um espaço muito característico no mundo em relação aos outros animais, haja vista que essa característica de exteriorização manifesta-se na sua relação com o seu próprio corpo, com os objetos, com a história e de forma especial na sua relação com seus semelhantes. Mas dentro de tudo isso, o que vem a ser a transcendência? Podemos encontrar várias definições para responder a essa indagação. Para iniciarmos uma resposta vamos analisar primeiro a etimologia da palavra transcendência. Sua origem vem do latim Transcendere, que significa “subir sobre, cruzar por cima”, (Trans = “através”, + Scandere = “subir, escalar”. Embora nos dê uma luz, apenas a definição etimológica é muito pobre no contexto reflexivo, ainda mais se considerarmos os variados significados que a palavra adquiriu no decorrer da história. Vamos definir então a transcendência como uma dimensão do homem pela qual ele procura a superação de si próprio, de seu mundo físico em direção a um objetivo. A transcendência é o movimento de busca de sentido da vida humana, marcada por uma realidade que se apresenta constantemente incompleta e marcada por uma igual e constante procura por plenitude que é experimentada pelo homem quando se depara com a angústia de sua existência. É pela relação com a transcendência que o homem pretende superar sua condição de ser inacabado, ultrapassando sua limitação física e sua própria racionalidade rumo a realização que está além dessas duas dimensões. Podemos asseverar ainda que a dimensão de transcendência é específica e peculiar apenas ao ser humano uma vez que dentre todos os animais somente a raça humana pode ser mais do que lhe foi concedido ser quando de seu nascimento e do que ele é no presente. Por ter consciência de suas limitações biológicas, físicas e não materiais o homem transcende-se a si mesmo em busca de completar-se. Neste caminhar ele transforma cada limite superado em uma nova plataforma de lançamento em busca da realização cada vez mais completa de si mesmo. Entendemos que o homem transcende a si mesmo para realizar-se dando sentido a sua existência quando convive com as outras pessoas a partir de uma relação de alguém com alguém e não a partir de uma relação de alguém com algo. O outro do homem é pessoa e merece ser tratado com a dignidade de ser humano e não como coisa manipulável, instrumento ou objeto. Muitas vezes a causa da não realização do homem é sua atitude de relacionar-se com o outro como coisa e não como alguém. Todos nós precisamos do outro para constituir o sentido da nossa própria vida. A dimensão da transcendência é um salto para além dos parâmetros de tempo e espaço, da matéria, da natureza e da história. Percebemos que o homem supera sistematicamente a si mesmo em todas as suas ações, isto é, no pensar, no querer, no desejar, no fazer, no criar, no agir e no ser. A transcendência apresenta-se como uma dimensão humana que quer projetar o homem em direção ao horizonte do infinito, do imaterial e do espírito em busca do pôr-se em equilíbrio, da procura de uma completude para o ser inacabado e de um sentido para sua existência. No transcender revela-se a presença de um componente ontológico no homem que difere do corpóreo, trata-se da alma, ou da mente ou do espírito. Márcio José Cenatti É professor efetivo no Ensino Médio da Rede Estadual de Educação, Especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e Licenciado em Filosofia. Publicado no Jornal “Correio Popular” Pag. A2 Campinas, segunda-feira, 20 de janeiro de 2014 ISSN 1518-1286