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Etnografia em Educação: Textos de Frederick Erickson

Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 2 Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ Capitulo 1. Descrição Etnográfica P. 3 Capítulo 2. Etnicidade P. 33 Capítulo 3. Microanálise Etnográfica de Interação P. 42 Capítulo 4. Aprendizagem e Colaboração no Ensino. P. 71 Capítulo 5. Registros Audiovisuais como Fonte P.87 Primária de Dados Capítulo 6. O Que Faz a Etnografia da Escola P. 111 “Etnográfica”? Capítulo 7. O Discurso em Sala de Aula como P. 133 Improvisação. Capítulo 8. Where is the Floor?Aspectos da P. 193 Organização Cultural das Relações Sociais em Comunicação em Casa e na Escola Capítulo 9. Transformação e Sucesso Escolar: A P. 214 Política e Cultura do Êxodo Educacional 3 Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 4 Capítulo 1 Descrição Etnográfica 1. Introdução Os objetivos centrais da descrição etnográfica na pesquisa sociolingüística são documentar e analisar aspectos específicos nas práticas da fala, da maneira que estas práticas estão situadas na sociedade em que elas ocorrem. O foco, então, está nas situações sociais de uso, nos hábitos comuns e persistentes de uso, e na organização lingüística e comportamental específicas do uso em si. Na condução real da pesquisa etnográfica, coleta e análise de dados são mutuamente constituídos. Por isso, Perspectivas reais que informam a análise etnográfica precisam ser discutidas, bem como os processos de observação e de criação 1 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi originariamente publicado sob o título Ethnographic Description no Sociolinguistics - An International Handbook of the Science of Language and Society, e editado por Herausgegeben von Ulrich Ammon, Norbert Dittmar Klaus J. Matteir, Vol. 2 Walter de Gruyter, Berlin. New York, p. 1081-1095. 1988 Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 5 de registros de dados sobre os quais um relato descritivo é baseado. Por esta razão, este artigo se inicia considerando a principal importância real da descrição etnográfica. Inicialmente uma definição de etnografia e uma breve visão geral de sua origem são apresentadas. Segue-se uma discussão de quatro características essenciais da etnografia: (1) Seu foco particular nas especificidades da performance naturalmente ocorrentes na fala; (2) Seu foco geral nas entidades sociais e culturais, consideradas e descritas como sistemas inteiros em comparação com outros sistemas em outras sociedades; (3) Seu foco no significado social da fala em adição aos seus significados referenciais; (4) seu foco nos significados da ação social que ocorre naturalmente do ponto de vista dos atores nela engajados. As duas primeiras características são especialmente distintivas da etnografia em contraste com outras abordagens sobre pesquisa sociolingüística. As duas últimas características são compartilhadas com algumas abordagens em sociolingüística, mas não com outras. Pesquisa Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 6 correlacional em sociolingüística é o tipo de trabalho que mais difere da descrição etnográfica. Estudos correlacionais têm sido de dois tipos principais. No primeiro tipo, algum aspecto da escolha de linguagem (ex: Código, dialeto, registro ou fórmula de delicadeza) é considerado uma discreta variável que é correlacionada com um ou mais atributos da identidade social dos indivíduos falantes. (ex: renda, nível educacional ou afiliação política). No outro tipo de estudo, a direção da correlação é revertida; um ou mais aspectos discretos da identidade social (ex: gênero, etnicidade ou classe) estão correlacionados com um discreto aspecto do estilo da linguagem. Os dados sobre esses estudos são tipicamente coletados por métodos de pesquisa, e os aspectos da linguagem e do discurso que são estudados, são considerados em abstração de suas situações de uso. Em contraste, existe a etnografia como uma abordagem naturalística para os procedimentos de pesquisa social através da observação direta de situações concretas. Ela situa a fala que ocorre naturalmente no centro do interesse da pesquisa, considerada Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 7 como um modo de atividade social que está situada em um contexto completo que inclui a comunidade inteira ou a sociedade bem como a cena imediata da vida social local em que o discurso ocorreu por si mesmo. 2. Questões de importância na pesquisa etnográfica 2.1. Definição e origem Etnografia significa literalmente escrever sobre os outros. O termo deriva do verbo grego para escrita e do substantivo grego (ethnos) que se refere a grupos de pessoas que não foram gregos; por exemplo: társios, persas e egípcios. A palavra foi inventada no fim do século XIX para caracterizar cientificamente os relatos de narrativa sobre os modos de vida dos povos não ocidentais. Monografias etnográficas diferiam das descrições em livros que foram escritos por viajantes e que se tornaram populares entre os europeus ocidentais educados com um interesse no exótico. Relatos de viajantes foram vistos por antropólogos como incompletas e superficiais. Etnografia foi considerada como mais completa e cientificamente substantiva. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 8 Da época da publicação da monografia pioneira de MALINOWSKI, “Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922), outro critério de descrição etnográfica foi acrescentado: retrato dos meios de vida do grupo social estudado de forma que manifestasse seus pontos de vista. O objetivo era mostrar como as ações de povos exóticos faziam sentido dentro de seus julgamentos, ao invés de retratar suas ações individuais como bizarras e normativamente deficientes quando julgadas de acordo com os padrões normativos europeus ocidentais. Para atingir esse objetivo, a etnografia malinowskiana se propôs à tarefa de produzir uma descrição válida e análise do sistema de significados do grupo social que era estudado. Esta tarefa se parece e difere ao mesmo tempo do que era pretendido para a lingüística por SAUSSURE. Os dois, MALINOWSKI e Saussure estavam interessados em aspectos de ordem e significado que estavam fora do consciente das pessoas que os empregavam. Eles diferiam, no entanto, em seus interesses nas particularidades das ações costumeiras em situações específicas. Saussure viu a descoberta da ordem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 9 subjacente como requerendo a extração dos particulares de uso e situação. Assim seu programa estruturalista era construir através de uma análise lógica rigorosa um relato deliberadamente descontextualizado das relações estruturais que obteve entre formas lingüísticas. Essa limitação estratégica de interesse, a centralização da atenção na “langue” (língua), na atenção dada na “parole”, forneceu grande coerência analítica, mas custos de acompanhamento se tornaram crescentemente aparentes com o desenvolvimento da pesquisa empírica e da teoria em sociolingüística. MALINOWSKI mesmo falou diretamente a essa questão quando ele usou uma revisão de livro como ocasião para fazer um relato programático (MALINOWSKI 1936): “Podemos tratar a linguagem como um objeto independente de estudo: Existe uma ciência legítima de palavras sozinhas, ou de fonética, gramática e lexicografia? Ou todo estudo da fala deve levar a investigação sociológica, para o tratamento da lingüística como um ramo da ciência geral da cultura? O dilema da lingüística contemporânea tem importantes implicações. Isso realmente significa a decisão sobre se a ciência da linguagem se tornará primariamente um estudo empírico, feito sobre os seres humanos dentro do contexto de suas atividades práticas, ou se permanecerá grandemente confinada a argumentos dedutivos, consistindo na especulação baseada em escritos ou em evidências impressas isoladas”. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 10 Poder-se-ia descrever o programa de MALINOWSKI como aquele de um estruturalismo contextualizado. Ele viu o significado como incorporado nos particulares da performance situada (MALINOWSKI 1923). Nos termos de Saussure, MALINOWSKI propôs descobrir a ordem subjacente ou geral da língua através da investigação de perto da ação verbal e não verbal (parole) em situações de uso em que eram em si para serem entendidas em relação com a escala total de situações que construiriam as vidas diárias dos membros da comunidade a ser estudada. Além disso, MALINOWSKI estava interessado em ordem no nível da “parole” em si, vendo seu ordenamento como que manifestando um nível de significado que não poderia ser reduzido a outros níveis. 2.2. Foco no Particular O interesse central da descrição etnográfica em pesquisa sociolingüística está nos particulares da performance situada como ela ocorre naturalmente na interação social diária. A etnografia documenta o que as pessoas fazem na realidade ao Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 11 falarem, e isso descreve tanto o discurso quanto as situações do uso de formas bem específicas. Observação participante é o meio pelo qual o pesquisador aprende os específicos da atuação contextualizada, e nos trabalhos mais recentes isto é de vez em quando combinada com gravações em áudio e vídeo. Essas técnicas de coleta de dados serão revisadas mais tarde no artigo; aqui é suficiente notar que um interesse em especificidade de descrição é uma marca registrada da etnografia. 2.3. Foco no Geral A etnografia enfatiza tanto o escopo descritivo quanto a especificidade. Conseqüentemente, outro critério essencial de etnografia é sua preocupação com a amplitude da visão. Essa preocupação tem dois aspectos: uma ênfase no holismo e na comparação. Por elas serem características tão distintas de etnografia elas merecem uma descrição aqui. O primeiro importante aspecto, holismo, refere-se a um interesse na descrição completa do caso a mão. A etnografia geral , como a encontrada na típica monografia etnográfica, é Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 12 a sistemática tentativa em descrever e relatar analiticamente toda forma de vida do grupo humano estudado; sua economia, leis, sistemas familiares, religião, tecnologia, cosmologia, ciência e magia, ritual, e artes, assim como a linguagem. Uma etnografia retrataria tipicamente o ciclo anual de atividades na comunidade. Freqüentemente ela poderia descrever o ciclo de vida individual e seus pontos cruciais de direção, junto com os rituais da comunidade (ritos de passagem) que os acompanharem. O sistema social inteiro seria levado em conta; as muitas dimensões dos laços sociais e diferença de status (classe social) que fossem salientes ao longo de linhas de descendência, casamento e outros tipos de relações, idade, gênero, e saúde, ou identidade como alguém com status especial (especialista religioso, escravo, paria ou outra classe social, estrangeiro). Apesar da tentativa de levar em conta todo sistema de relações sociais e padrões culturais, o ideal do holismo na descrição etnográfica nunca é completamente realizado. Existe uma tensão inevitável entre extensão e profundidade na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 13 descrição, entre escopo e especificidade. Além disso, nas sociedades pluralistas modernas (e de acordo com alguns críticos, mesmo em sociedades tradicionais de pequena escala) pode ser muito difícil identificar uma “maneira inteira de vida” exatamente como é muito difícil identificar uma comunidade limitada e uma cultura limitada. (O debate atual em sociolingüística sobre a utilidade da noção que a comunidade tem sobre a fala está relacionado com este problema). A concepção dos todos sociais e de culturas internamente integradas tem freqüentemente pressuposto uma teoria social funcionalista em que a homeostase social é o principal processo dinâmico. Essa teoria social não leva muito em conta o conflito social e a mudança. Da perspectiva da teoria do conflito (ex: Teoria crítica do neo-Marxismo e Marxismo clássico), contradição estrutural e compartilhamento parcial da cultura podem ser vistas como normais dentro e através de níveis de organização social. Desta perspectiva a noção de unidades socioculturais totais fechadas para influência exterior parece artificial e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 14 enganadora. Já a teoria social do conflito é holística também, pois as contradições, diversidade e tensões que ela identifica podem ser como parte de um padrão ainda mais compreensivo – uma organização de ordem mais alta – que aquele compreendido pela teoria funcionalista. Mais fundamentalmente, a perspectiva do holismo é ecológica e dialética. Seja qual for a teoria social que emoldura um caso particular de pesquisa etnográfica, isto é, seja ela uma teoria de ordem ou uma teoria de conflito, o holismo etnográfico indica diferenciação e conecções de influências mútuas dentro e através dos níveis de organização social. Assim, as unidades fundamentais de análise em etnografia são lugares de relações ao invés de entidades isoladas. Neste sentido, o holismo etnográfico pode obter diferentes níveis. Isso é ilustrado pelos exemplos a seguir de tópicos de etnografia sociolingüística: (1) Dentro de uma dada sociedade pode-se considerar a linguagem em relação com a política econômica, (2) Em um agregado social constituinte dentro de uma sociedade inteira, por exemplo, uma população regional, classe social, ou grupo Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 15 étnico, poder-se-ia considerar uma escala de maneiras (incluindo diferenciação nas formas da fala) em que relações de aliança ou oposição são estabelecidos dentro de um grupo e entre membros desse agregado social e membros de outros agregados, (3) Dentro de uma organização formal pode-se considerar o relacionamento entre estrutura social formal e informal, rituais organizados e deliberada registros e não respectivos deliberadamente de fala que são apropriados em cada tipo de situação de ritual, (4) Dentro de uma família pode-se considerar a ecologia dos papéis familiares, dentro dos quais as variações dos direitos e deveres e em formas distintas da fala podem ocorrer ao longo de linhas de níveis de geração, grau de parentesco, gênero e temperamento individual. Descrever um padrão de integração, sentimentos e crenças que se obtém em qualquer um dos papéis (ex: mãe e filho mais velho) e os direitos anexados e deveres que se obtém entre eles, é dar atenção não somente às ações da mãe e do filho mais velho como indivíduos, mas para as ações da mãe dadas na presença do Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 16 filho mais velho e para as ações do filho mais velho dadas na presença de sua mãe. (5) Dentro de uma cidade ocupada em conversação pode-se considerar as conseqüências para o discurso oral de relações de mútua influência entre as reações do ouvinte e o que o falante fará depois dentro da cláusula que está sendo pronunciada no momento. Cada um desses exemplos de tópicos de interesse em descrição etnográfica têm diferido no nível de organização social envolvido. Cada um dos exemplos ilustra um aspecto da perspectiva ecológica do holismo em etnografia. No último exemplo o fenômeno observado pode ser curto em duração e as relações sistemáticas consideradas podem envolver sobras sutis de nuances que somente são aparentes através de descrições detalhadas que mostram a cinética e a prosódia do ouvinte e do falante. No primeiro exemplo (linguagem em relação a política econômica), pode-se observar padrões que ocorrem e recorrem através de gerações e podem ser descritas com amplos golpes em relatos, incluindo sumarização estatística. Seja qual for o nível de organização social que Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 17 pode ser considerado, no entanto, a unidade de análise é uma relação dialética ocorrente em um específico momento histórico, não uma entidade considerada destacada de outras entidades ou fora da situação de sua ocorrência no tempo, espaço, e meio social. A preocupação da etnografia por uma descrição completa é manifestada não somente no holismo descritivo, mas também em um foco na comparação. O relato etnográfico individual é um estudo de caso de uma situação particular ou grupo social. Ainda implicitamente, e freqüentemente explicitamente, o caso a mão é escrito em termos de similaridades e diferenças de outras sociedades relatadas na literatura etnográfica. Este interesse em comparação deriva de um campo de pesquisa dentro da antropologia, que é anterior a etnografia em si. Esse campo é chamado etnologia, a comparação sistemática dos modos de organização sociocultural através da escala mais larga possível de grupos humanos conhecidos, passados e presentes. A etnologia serve como base para todos os estudos etnográficos. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 18 Essa moldura de comparação é outra das características que distinguiram a etnografia do gênero de relatos de viajantes, que eram escritos sem levar em conta uma análise comparativa. Atualmente um dos elementos essenciais da educação em etnografia é ter uma vasta leitura da literatura de estudos de casos etnográficos e da teoria antropológica e sociológica de modo a ser capaz de trazer para sua própria pesquisa uma moldura etnológica de referência. 2.4. Foco no significado Os dois últimos focos da descrição etnográfica e serem considerados aqui são compartilhados com alguns outros métodos em sociolingüística, como pesquisas e entrevistas. Estas são as preocupações para (1) identificar o significado social ou metafórico da fala bem como seu significado literal ou referencial, e (2) identificar significados dos pontos de vista dos atuantes nos eventos observados. A etnografia é especialmente interessada nos aspectos de significado que não podem ser obtidos diretamente questionando informantes. Isto envolve o uso direto da Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 19 observação para gerar inferências em relação às ações habituais, julgamentos e avaliações que estariam operando fora do desinteresse consciente do falante ou do ouvinte. Inferências interpretativas podem descrever ações preocupantes como o uso habitual da ironia ou indiretas metafóricas em certas situações freqüentemente ocorrentes, ou inferências que podem dizer respeito a julgamentos com relação ao uso da linguagem. Ao invés disto o pesquisador deve utilizar a observação participante ou máquina de gravação para documentar um uso que ocorre naturalmente ao informante e então verificar as inferências sobre o significado social das escolhas entrevistas subseqüentes, nas estilísticas quais o através pesquisador de e informante revisam juntos o texto escrito ou gravado a maquina da performance da fala contextualizada do informante. 2.5. Conceitos Chave As noções analíticas centrais em torno das quais a observação é focalizada incluem o seguinte, embora a lista não seja tão Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 20 exaustiva: situação, evento da fala, atividade da fala, modos da fala, e competência comunicativa (veja a discussão em SAVILLE-TROIKE 1982, 12-50). A unidade central de observação é a situação, a cena da performance da fala. GOFFMAN (1964, 134) define a situação como “... um ambiente de possibilidades de monitoração mútuas, qualquer lugar no qual o indivíduo se encontre acessível aos sentidos nus de todos os outros que estão ‘presentes’ e similarmente os encontre acessíveis a ele”. Dentro de uma situação os indivíduos se engajam em vários tipos de trabalhos interacionais, usando comportamento comunicativo verbal e não verbal como recursos de produção ao executarem este trabalho. Alguns desses comportamentos são às vezes relativamente altamente estilizados e são governados por regras relativamente explícitas e fixas, por exemplo, fazer um brinde, dizer votos de casamento, fazer uma oração fúnebre, contar uma caçada ou uma batalha, participar de uma lição de recitação na escola. Freqüentemente esta performance estilizada de discurso Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 21 define a situação na qual esta ocorre; isto é, o trabalho interacional a mão é constituído pelo tipo especial de fala que está ocorrendo. Tal performance em tais situações é denominada um evento de fala por HYMES (1974, 52). Os eventos comumente ocorrentes da fala em sociedades modernas são uma visita ao médico, uma entrevista de emprego, uma piada contada em uma festa. Existem limites bem explícitos de adequação que definem as relações comuns entre os eventos da fala e as situações da fala; por exemplo, uma não espera ouvir votos matrimoniais trocados em um funeral, fazer brindes durante uma visita ao médico, ou contar uma piada de sexo explícito em uma festa formal. As expectativas de co-ocorrência culturalmente aprendidas para relações entre situações e eventos da fala como ela ocorre na vida diária e na literatura são chamadas de cena ou ato proporcional pelo crítico literário KENNETH BURKE (BURKE 1969, 3). Outros tipos de performance oral nas situações da fala são menos altamente estilizados que aqueles caracterizados pelo Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 22 termo evento da fala. Estes têm sido chamados atividades da fala por GUMPERZ (1982a, 166). Eles são escritos de discursos nos quais um conjunto conectado de funções está sendo alcançado, um tipo particular de trabalho interacional. Exemplos de atividades da fala são: conversar sobre o tempo ou sobre esportes, fazer o ponto mais importante em um discurso, mostrar ao falante anterior que entendeu o ponto principal que ele falou, e implicitar ao interlocutor que o que ele disse está aberto (ou não) a negociações ou discordâncias. A atividade da fala não constitui a situação, como fazem alguns eventos da fala. Na verdade a atividade da fala pode acompanhar trabalho individual ou interacional que é primariamente não verbal, por exemplo, emendar redes de pesca ou preparar comida para uma refeição. Outra diferença entre atividade da fala e evento da fala é que para a atividade da fala os constrangimentos da co-ocorrência para relações entre situação e modo de fala são muito mais fluidas e muito menos explícitas do que são os padrões de constrangimento que se obtém entre a situação e o evento da fala. As atividades Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 23 da fala podem ser bem conduzidas de acordo com princípios culturais de apropriação. Mas os princípios podem envolver aspectos muito sutis de escolha estilística, e existem escalas mais largas de operações paradigmáticas para meios alternativos de alcançar as atividades da fala do que existe para uma performance apropriada de fala em um evento de fala. Uma ênfase no estudo das atividades da fala está em nuances sutis da fala –seu refinamento- e no implícito mais do que no padrão cultural explícito. A noção de atividade da fala se limita e é informada pela noção de produção local como usada por analistas conversacionais que são etnometodólogos (ver meu artigo em métodos de análise conversacional). Esta tradição de pesquisa dá ênfase a concepção da performance e organização social que se coloca em primeiro lugar a execução de papéis, status, e rotinas da fala que em algum sentido podem ser pensadas como pré-existentes. Do ponto de vista da etnografia da comunicação, a execução da fala tem sido vista a ser feita principalmente seguindo Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 24 regras culturalmente convencionais da fala que são tipicamente apropriadas para uma situação dada e um papel dado. Para um analista conversacional a ênfase tem sido em ver os padrões nos modos da fala como invenção repetida de estratégias para fala e sua regulação que são adaptáveis no momento à mão. Para o etnógrafo de comunicação, a ênfase tem sido em ver os padrões nos modos da fala como evidência de aprendizagem anterior pelo falante – a aquisição de conhecimento e habilidade comunicativos culturalmente compartilhados (ver discussão de competência comunicativa abaixo). Um interesse nas atividades da fala pode ser concebido como partilhando ambos os interesses etnográficos em padrões culturais da fala e dos etnometodológicos interesses em produção local e a local organização social da fala. O termo modos da fala se refere à variação estilística na performance oral e seus acompanhantes não verbais (HYMES 1974,45). Este é um termo abrangente que envolve o evento da fala e a atividade da fala, os mais e os menos estilizados tipos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 25 de variação em performance. Uma etnografia geral completa da fala poderia identificar a escala total de tipos de situações da fala que membros de um grupo social encontram em suas vidas diárias. Ela identificaria a escala total dos modos da fala que ocorrem em tais situações e identificaria relações entre a variação em situação e na performance oral (HYMES 1974, 1718). Tal estudo poderia ser um trabalho muito intensivo. Os exemplos de etnografia da fala que existem são quase sempre de algum modo focado em um tópico, freqüentemente dão ênfase aos eventos chave da fala de interesse teórico (ver a discussão no artigo de revisão de SHERZER 1977), enquanto mantém a maior amplitude de escopo possível. Entre os mais notáveis exemplos destes estudos de larga escala nos quais toda uma comunidade é a unidade de análise, e os eventos chave da fala são de interesse central são: IRVINE (1973); SHERZER (1974); BASSO (1979) e PHILIPS (1973). Trabalhos microetnográficos nos quais encontros particulares dentro de um ambiente institucional são de interesse central são: CORSARO (1972); MEHAN (1979); AHINNASO & Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 26 AJIROTUTU (1982); ERICKSON & SHULTZ (1982); GUMCOOK-GUMPERZ (1982); FISHER & TODD (1983); MICHAELS & COLLINS (1984); e TANNEN (1984). Competência comunicativa se refere ao conhecimento e à habilidade necessários para falar adequadamente em qualquer situação na qual um membro de uma comunidade de fala pode se encontrar (HYMES, 1974, 75). O termo é escolhido em contraste deliberado para a noção de CHOMSKY sobre competência lingüística (1965, 3-10), uma habilidade generalizada para produzir e compreender gramaticamente emissões bem formadas que são consideradas independentes das considerações específicas de adequabilidade que possam se aplicar à atuação em uma situação real de uso. Um dos objetivos de estudos etnográficos em sociolingüística é identificar como se distribui a competência comunicativa dentro de uma população de interesse de pesquisa. Outro objetivo, em alguns destes trabalhos, é identificar os campos de interação dos enganos de comunicação e conflitos entre pessoas que podem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 27 compartilhar a mesma competência comunicativa, mas que diferem subculturalmente em sua competência comunicativa (ver GUMPERZ 1982, 172-186; ERICKSON & SHULTZ 1982, 5-12, 183-190). 3. Questões de Método em Pesquisa Etnográfica Tendo abordado algumas das principais preocupações substantivas da etnografia sociolingüística, podemos agora partir para considerar os principais métodos de coleta de dados e análise que são usados na pesquisa etnográfica. Nos últimos anos são várias as publicações sobre esses métodos: SCHATZMAN & STRAUSS (1973); PELTO & PELTO (1978); AGAR (1980); BOGDAN & BIKLEN (1982); HEMMERLEY & ATKINSON (1983); e ERICKSON (1986). Conseqüentemente nossa discussão aqui será breve, com citações freqüentes da literatura sobre métodos, à qual o leitor é referido para maior elaboração sobre as questões complexas que estão envolvidas na conduta da pesquisa etnográfica. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 28 3.1. Coleta de Dados: Observação Participativa, Gravação e Entrevista O principal método de coleta de dados é a observação participativa que, em etnografia sociolingüística, é acompanhada freqüentemente por gravação em áudio e, quando possível, por gravação em vídeo tape. A transcrição de gravações fornece evidências detalhadas do comportamento verbal e não verbal dos informantes. Da perspectiva da etnografia, no entanto, as transcrições de registros não são interpretáveis sem serem acompanhadas pela observação participativa e entrevistas informais. A natureza da observação participativa é indicada pelo próprio termo no qual o método envolve participação ativa com aqueles que são observados. A participação do pesquisador pode variar ao longo de uma continuidade, com participação mínima envolvendo em primeiro lugar a presença durante os eventos que são descritos e máxima participação envolvendo as ações do pesquisador quase como qualquer outro membro o faz nos eventos que ocorrem enquanto o pesquisador está presente. Na extremidade desta Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 29 continuidade, a única diferença entre a participação do observador participante e de qualquer outro membro é que o observador participante atenta fortemente para não influenciar o curso que os eventos podem tomar. Um participante integral deve atentar para o mesmo também. O participante integral pode ser altamente avaliativo do comportamento dos outros nos eventos, julgando-os de acordo com os seus valores pessoais e suas crenças. Em contraste, um observador participante tenta ver os eventos nos quais ele ou ela participa do ponto de vista do relativismo cultural, tentando não fazer julgamentos finais e tentando entender os eventos como eles acontecem do ponto de vista e estabelecimento de valores dos vários atores nos mesmos. A posição de relativismo do observador é difícil de manter. Talvez ele nunca seja bem sucedido nisto, porém a ênfase na observação participativa é tentar entender os eventos e pessoas enfaticamente adotando os papéis e perspectivas daqueles que se estuda. A ênfase na empatia e em se evitar uma pressa de julgamento avaliativo, ao menos na primeira Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 30 visão de um novo evento, deriva do foco comparativo em etnografia que foi notado anteriormente. O etnógrafo está consciente de que o que está sendo visto é a execução de um entre vários conjuntos de possibilidades humanamente disponíveis para organizar a interação social que está sendo observada. Portanto observação etnográfica é inerentemente crítica, mas não negativa, necessariamente. Ela simplesmente não leva nenhuma realidade costumeira em conta, como fazem os participantes integrais em eventos diários. Sua posição é aquela do realismo crítico. Nos termos usados por POWDERMAKER em uma monografia clássica sobre trabalho de campo etnográfico, o observador participativo tenta continuamente ser simultaneamente um estranho e um amigo no ambiente do campo (POWDERMAKER 1966; WAX 1971). A observação participativa ocorre através da presença em primeiro lugar em cenas imediatas das vidas diárias dos membros do grupo social que está sendo estudado. Isto coloca a situação social no centro do trabalho do observador participativo. O pesquisador tenta seguir os informantes- Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 31 chave através da escala mais ampla possível de situações que ocorrem em suas órbitas diárias (na órbita diária como uma unidade de análise de pesquisa sociolingüística, ver a discussão no artigo sobre etnicidade, número 13). As questões cruciais para a representatividade e adequabilidade na coleta de dados envolvem as decisões do pesquisador sobre onde ficar no tempo, espaço e relação social com as outras pessoas na comunidade ou ambiente social que está sendo estudado. Estas são decisões sobre como participar com os outros, que situações monitorar repetidamente, quais monitorar não freqüentemente e quais não monitorar de modo algum. O pesquisador pode escolher evitar monitorar certas situações porque elas não têm interesse científico. Situações podem também não ser monitoradas por considerações éticas ou logísticas. Idealmente o pesquisador tenta variar os tipos de participação e maximizar tanto a escala de situações monitoradas e a freqüência de situações monitoradas em vários pontos ao longo da escala. É necessário “revisitar” situações similares Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 32 freqüentemente, porque a complexidade do fenômeno observado é tão grande que o pesquisador não pode compreender tudo em uma única observação, dado os limites humanos de processamento de informação. Através de repetidas observações de um tipo particular de evento, o pesquisador pode dar atenção seletivamente a diferentes aspectos do evento, desenvolvendo assim com o tempo uma compreensão cumulativa de todo o evento, o que não seria possível em uma única observação. A gravação permite uma revisitação dos eventos vivenciados, e isso pode promover uma grande performance na descrição comportamental de pequenos (ver detalhes CORSARO da 1982, combinando gravador com observação participante). Mas repassar a fita repetidamente não permite a experiência de aprendizado crucial de observação participante. Esta é apenas disponível primeiramente através de participação pela qual o observador, adotando parcialmente os papéis dos membros do evento, pode testar através da ação várias hipóteses de trabalho sobre convenções de apropriação e pode também Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 33 desenvolver entendimento enfático de perspectivas de membros. Durante a observação ou imediatamente após, o observador escreve narrativamente notas descritivas sobre o comportamento verbal e não verbal dos participantes nos eventos observados. Além da descrição das notas de campo pode incluir breves passagens de especulação teórica sobre o significado do que foi observado, bem como breves notas sobre as suas reações emocionais. Estas notas de comentário, bem como o conteúdo de descrição nas notas se torna um registro da perspectiva do observador sobre as ações e eventos observados. Muitos pesquisadores mantêm um diário adicional no qual maiores reflexões e impressões são registradas. As notas de campo e as entradas no diário podem ser estudadas mais tarde para a evidência de mudanças na perspectiva do observador, já que a lógica da pesquisa no campo envolve um processo de resolução progressivo de problemas no qual o observador está aberto a novas perspectivas que se desdobram durante o curso do trabalho Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 34 de campo. O observador participante está assim criando um corpo de registros documentais para revisão futura, em contraste com o historiador que busca documentos já existentes para revisar. Se as notas são escritas in situ elas são escritas mais plenamente na primeira oportunidade, antes de voltar ao cenário do campo. Uma regra de ouro é que o tempo levado para escrever as notas deve ser aproximadamente o mesmo que na observação de campo. Freqüentemente em etnografia sociolingüística, registro em áudio e vídeo podem acompanhar a escrita de notas de campo. Neste caso as notas de campo incluem informações sobre os registros, e a descrição escrita forma um índice dos conteúdos das gravações. Quando a gravação acompanha as notas de campo, o observador está de algum modo livre para cobris largamente a observação já que a gravação irá fornecer informações para uma transcrição literal. O registro é feito muito simplesmente, já que o propósito não é produzir um registro tecnicamente ou esteticamente de alta qualidade, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 35 somente uma fonte de dados razoavelmente exata. A simplicidade do registro deixa o pesquisador livre para escrever ou tomar algumas notas. Mesmo quando a gravação está sendo feitas, o observador tenta escrever um relato tão completo nas notas quanto possível, já que as notas escritas contêm uma perspectiva interpretativa e foco que não estão disponíveis na gravação. Para descrição da escrita de notas de campo, ver SCHATZMAN & STRASSUS 1973, 94-107; Agar 1979, 11; e BOGDAN & BIKLEN 1982, 1982, 74-93. Para discussão de áudio e gravação visual em trabalho de campo em sociolingüística, ver GRIMSHAW 1982 a e b, e ERICKSON 1986. O segundo método principal de coleta de dados em etnografia é a entrevista. Esta fornece evidências das perspectivas dos participantes bem como evidências com relação aos eventos que o pesquisador não foi capaz de observar em primeira mão. Freqüentemente no trabalho de campo etnográfico a entrevista é feita informalmente. Quando um evento está acontecendo o pesquisador poderá fazer algumas perguntas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 36 sobre as ações que estão ocorrendo, ou poderá fazê-las imediatamente depois. Geralmente nestes períodos informais e breves de obtenção de respostas, o etnógrafo está seguindo intuições interpretativas que surgem no momento. Em entrevistas mais formais o pesquisador pode testar hipóteses interpretativas mais exaustivamente, usando técnicas etnosemânticas de obtenção de respostas (TYLER 1969; Agar 1980, 97-98), Técnicas Q-tipos (KERLINGER 1972; STEPHENSON 1953), uma pesquisa sociolingüística, ou um cronograma de entrevistas estruturadas no qual questões abertas podem ser exploradas em profundidade: IVES (1974); e GORDON (1980). Se uma entrevista formal é gravada em áudio será ainda bom tomar notas durante a entrevista. Estas notas servem mais tarde como um índice pra os conteúdos do registro em fita. Geralmente em pesquisa etnográfica, porém, a entrevista é feita menos formalmente do que em outras abordagens para pesquisa que não empregam observação participativa extensiva como fonte principal de dados. As Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 37 notas de entrevista informal na entrevista são escritas retrospectivamente. Um dos propósitos principais da entrevista é fornecer evidências referentes aos pontos de vista dos participantes que estão sendo estudados. As evidências das entrevistas podem confirmar ou não confirmar as inferências sobre os pontos de vista dos participantes que foram feitas pelo pesquisador com base na observação participativa. Esta comparação de evidências através de fontes de dados diferentes é chamada triangulação. Ela fornece uma verificação de validade e é uma das razões principais porque a pesquisa etnográfica emprega métodos múltiplos de coleta de dados. Os documentos locais são outra fonte de evidências importante, se a população estudada é alfabetizada. A entrevista, a coleta de cópias de registros escritos, anúncios, memorandos e cartas no cenário fornecem maior triangulação pala qual as inferências interpretativas podem ser testadas, já que fornecem evidências sobre eventos que o observador não Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 38 pode testemunhar diretamente. Para discussão sobre coleta e uso de documentos locais, ver BOGDAN & BIKLEN 1982, 97102; HAMMERSLEY & ATKINSON 1983, 127-143. 3.2. ANÁLISE DE DADOS O trabalho de campo etnográfico já foi descrito como um processo progressivo de resolução de problemas. É assim importante notar que a análise de dados começa quando o observador ainda está no cenário de campo e continua mesmo após o tê-lo deixado. Geralmente o tempo que é necessário para a análise de dados e relato após deixar o cenário de campo deve ser tão longo quanto o tempo gasto fazendo trabalho de campo. Esta é uma importante consideração prática ao planejar-se pesquisa etnográfica em sociolingüística, já que tal pesquisa é trabalho intensivo durante não só a análise como durante a coleta de dados. A análise de dados envolve uma revisão repetida dos registros documentais que foram coletados durante o trabalho de campo. Enquanto a observação participativa progride, o pesquisador pode reler as notas de campo e ouvir as fitas de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 39 áudio enquanto as hipóteses interpretativas estão se desenvolvendo, sinalizando as decisões estratégicas sobre os próximos passos da coleta de dados , quais os tipos de eventos a serem mais observados, a quem entrevistar, etc. Após a fase da coleta de dados, o pesquisador revisa o corpo inteiro de notas de campo e os documentos locais. Os registros de entrevistas e das interações que ocorreram normalmente podem ser revistos em sua totalidade ou podem ser revistos mais seletivamente, usando-se os índices disponíveis nas notas que foram tomadas na hora do registro. Neste ponto o pesquisador trabalha muito como um historiador que também revê o corpo total dos registros documentais disponíveis. Os propósitos da revisão de dados extensiva são três: (1) descobrir os padrões recorrentes e temas no cenário que foi estudado (ex: descobrir que um certo registro foi tipicamente usado em uma certa situação ou que recursos similares retóricos ou narrativos foram usados por vários indivíduos em um certo papel); (2) descobrir casos discrepantes que não se encaixam nos padrões gerais Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 40 inicialmente identificados e (3) identificar as mudanças do pesquisador na perspectiva interpretativa durante o curso do trabalho de campo, como evidenciado pela análise do conteúdo da descrição narrativa e dos comentários adicionais que apareceram nas notas de campo. Os registros em áudio e vídeo são, neste estágio, convertidos em documentos pela transcrição de informações que eles contêm sobre comportamento verbal e não verbal na atuação de falar. A seleção do material a transcrever - que eventos, quantos de cada, que seções de evento, quais porções de entrevistas - é feita inicialmente com base nos padrões que apareceram nas notas de campo. Estes padrões então são verificados pela triangulação cruzada com as evidências que aparecem nas transcrições. Os objetivos da microanálise sociolingüística de registros são (1) fornecer um registro detalhado do comportamento em eventos típicos; (2) descobrir nos registros detalhados, discrepâncias dos padrões típicos que emergiram das evidências descritivas encontradas largamente nas notas de campo e (3) descobrir princípios Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 41 subjacentes de organização na conduta de fala (ex: relações de influência mútua entre falantes e ouvintes, a negociação conjunta dos inícios, padronização cultural do uso da prosódia verbal e gestual como sinais de coerência no discurso e tomada de rumo conversacional). Para discussão de questões substantivas e métodos na análise de dados transcritos de registros por máquina, ver ERICKSON (1982); KENDON (1977, 440-505; 1981 1-56); e GUMPERZ, AULAKH & KALTMAN (1982). A questão chave em análise de dados é contrastar ao longo de certas linhas analíticas. O pesquisador busca padrões recorrentes de co-ocorrência entre modos contrastantes de falar, situações sociais, papéis e identidades sociais, diferenças de grupo e subgrupo (inclusive diferenças culturais) e diferenças individuais dentro da população que está sendo estudada. Ao identificar estes contrastes e padrões de covariação, a distinção entre ocorrências típicas e atípicas é crucial. Esta é a razão da pesquisa por casos de discrepância estatisticamente esporádica ser tão importante na análise de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 42 dados etnográficos. O caso estatisticamente esporádico pode ser especialmente analiticamente revelador também, porque força o pesquisador a mudar inteiramente a análise padrão que era baseada nos casos típicos estatisticamente freqüentes, ou porque um aspecto particular do caso de discrepância dá uma nova luz no padrão inteiro, ou seja, é uma das exceções que prova a regra. É, portanto desejável pesquisar o corpo de dados pelos casos discrepantes, ou por revisão exaustiva de todos os casos em um dado fenômeno de interesse ou usando alguns meios sistemáticos de amostragem através do número total de casos. Estes procedimentos de revisão reduzem o risco de que o pesquisador irá inadvertidamente passar por cima de casos discrepantes. A tendência de se ignorar os casos discrepantes é um problema na análise etnográfica, especialmente em seus primeiros estágios. Ela leva ao que pode ser chamada a falácia da hiper tipificação. Esta falácia deriva do fechamento prematuro na análise indutiva de dados. Durante a análise de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 43 dados, que começa quando a coleta de dados ainda está sendo feita, o pesquisador necessita continuar a gerar interpretações competitivas após ter induzido uma interpretação inicial. No entanto a ambigüidade envolvida em se fazer interpretações alternativas pode não ser satisfatória. A necessidade de fechamento pelo pesquisador pode levá-lo a cortar hipóteses alternativas muito cedo. Uma vez descobrindo o que parece ser um padrão regular de co-variação de dados, o pesquisador tende daquele ponto em diante a ignorar as exceções ao padrão recentemente descoberto. Assim ele deixa de apreender a partir das evidências não confirmadoras. Conduzir pesquisas deliberadas para um fechamento prematuro e analítico e hipertificação. Para a discussão de análise de dados discrepantes e do processo mais amplo de indução analítica da qual ela é parte, ver o ensaio original por LINDESMITH (1947) e o comentário mais recente por SCHATZMAN & STRASSUS (1973), HAMMERSLEY & ATKINSON (1983, 200-2004) e ERICKSON (1986, 144, 146149). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 44 3.3. RELATO DE DADOS Relativamente pouco tem sido escrito sobre relato de dados. Muito mais tem sido escrito sobre as questões éticas envolvidas do que sobre as questões técnicas da construção de relatos em pesquisa etnográfica. Talvez a melhor maneira de se aprender sobre as questões técnicas de relato de dados seja ler alguns exemplos clássicos de etnografia criticamente, considerando a monografia etnográfica em forma de livro como um gênero literário. Exemplos particularmente bons para este propósito são os relatos em forma de livro tais como MALINOWSKI (1922/1961); FITH (1936/1963); SHIEFFELIN (1975); e BASSO (1979); e os relatos em forma de capítulo em BAUMAN & SHERZER (1974); GUMPERZ (1982b) e TANNEN (1984). Outro recurso para exemplos é o artigo de revisão por SHERZER (1977). Ao se revisar exemplos de relatos é importante ter em mente dois conjuntos de distinções: aquelas entre distinção geral e particular e aquelas entre relato descritivo e comentário Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 45 interpretativo de acompanhamento. Qualquer relato de pesquisa etnográfica se alterna entre estes tipos de escrito enquanto um meio de apresentar evidências e de tornar as evidências compreensíveis ao leitor. A descrição particular é o centro do relato. Ela é encontrada em vinhetas narrativas ricamente descritivas da interação social observada durante o trabalho de campo, em transcrições de fala e comportamento não verbal por máquina e em cotações diretas de entrevistas com informantes. Tais descrições relatam evidências e explicam ao leitor os construtos analíticos mais significativos que emergiram da pesquisa. Tanto o relato como a explicação são feitos por exemplificação. Considere, por exemplo, uma asserção geral como “Pessoas são muito indiretas exercendo controle social através da fala” ou “A narrativa oral é um meio altamente valorizado de arte verbal na comunidade.” As ilustrações dessas generalizações por vinhetas narrativas especificam ou transcrições detalhadas não somente mostra que a não direção Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 46 e a região positiva da comunidade à narrativa oral realmente ocorreu no cenário de campo, mas também ajuda a explicar o que significam as noções de não direção, controle social, narrativa oral e reação positiva da comunidade à execução da narrativa oral. Sem a descrição particular, um relato etnográfico é ambíguo, porque seus construtos analíticos são altamente abstratos, enquanto os aspectos da atuação verbal e não verbal, são altamente concretos e específicos à situação. A descrição particular ajuda ao leitor ver e ouvir como se estivesse vivenciando a performance situada que está sendo relatada. Sem enquadramento interpretativo, porém, os detalhes de comportamento da descrição particular podem ficar inarticulados. A visão geral é necessária para tornar claras as relações figura-fundo ao leitor. Este enquadramento é fornecido de duas maneiras: por descrição geral que é sumária em potencial e por comentário interpretativo que acompanha casos de descrição particular no texto do relato. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 47 A descrição geral ou sumária relata padrões que se obtém através de conjuntos de casos tais como aqueles que são relatados por descrição particular na forma de vinhetas narrativas ou transcrições de fala. Nem todos os casos de um fenômeno particular que estejam disponíveis no corpo de dados podem ser relatados. O pesquisador relata somente os casos que são mais vívidos ou que contém aspectos de especial interessa analítico. A descrição geral torna claro onde os exemplos relatados se encaixam nos padrões totais de dados. Freqüentemente isto é feito mostrando-se formalmente como os vários exemplos relatados são casos típicos ou atípicos de um fenômeno. (A distinção entre tipicalidade e atipicalidade foi notada na seção anterior como sendo analiticamente crucial). As evidências para tipicalidade e atipicalidade são um assunto de distribuição freqüente e algumas descrições gerais relatam as distribuições sumariamente, ou em palavras ou em números que aparecem em quadros de freqüência simples. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 48 Enquanto a descrição geral não ajuda ao quadro da descrição particular, a descrição geral em si pode necessitar de algum enquadramento. Assim um texto etnográfico também inclui comentários interpretativos que acompanham relatos descritivos. Os segmentos de descrição são usualmente precedidos e seguidos por segmentos de comentários, com relato e comentários se alternando no texto como contas em uma corrente. Por causa da tendência do leitor em ficar confuso com os detalhes da descrição particular os comentários interpretativos são necessários para ele não perder o sentido do quadro geral do estudo. Os dois erros mais comuns dos iniciantes em relato etnográfico têm a ver com o balanço entre descrição e comentários de enquadramento no texto. Muitos iniciantes subestimam a necessidade do leitor de comentários e produzem um texto que é rico em detalhes mas virtualmente ininteligível para alguém que não tenha sido um observador, em primeiro lugar, no cenário descrito. Alguns iniciantes, em uma tentativa de manter a visão sinótica clara ao leitor, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 49 apresentam muito poucas descrições particulares. Tal texto pode ser altamente coerente, mas é empiricamente inadequado já que as evidências primárias às declarações analíticas do autor, que são encontradas na descrição particular, não são registradas. O autor faz declarações sem garantia de fornecendo evidências. muito Qualquer dos poucas evidências dois extremos, detalhadas, ou fornecendo muito poucos comentários de enquadramento, devem ser evitados ao se relatar pesquisa etnográfica. Para discussão das questões técnicas do relato ver BOGDAN & BIKLEN 1982 171-183; HAMMERSLEY & ATKISON 1983, 207-232 e ERICKSON 1986, 149-156. Além das questões técnicas de relato, existem questões éticas envolvidas também. As principais questões éticas em relatos etnográficos dizem respeito ao risco pela publicação de descrição particular de ações diárias daqueles que estão sendo estudados. A descrição geral e os comentários interpretativos geralmente não colocam os indivíduos em risco porque suas identidades como indivíduos não ficam claras. Algum risco Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 50 pode surgir de uma tendência a estereotipação que é inerente em asserções pejorativas feitas sobre uma população como um todo, por exemplo. “Nesta cidade esconder a verdade dos oficiais do governo e forasteiros era ubíquo”. Com alguma sensibilidade à reputação do grupo social local sendo estudado, tais convites a julgamentos prejudiciais pelos leitores podem ser evitados. O assunto da descrição particular levanta dilemas éticos complexos. Por um lado, a descrição particular (quando acompanhada por descrição geral que estabelece a tipicalidade) fornece a base empírica mais forte possível para conclusões analíticas que são estabelecidas pelo pesquisador. Por outro lado, a descrição particular revela detalhes específicos das ações diárias de indivíduos que podem ser embaraçosas. Um modo de minimizar o risco de embaraço ou sanções legais dirigidas contra aqueles que se estudou é pedir a membros representativos do grupo estudado para revisarem um rascunho do relato de pesquisa. Isto é possível quando a população estudada contém membros que sejam Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 51 alfabetizados na língua na qual o relato vai ser escrito. Outra maneira de minimizar o risco, uma que é possível se o relato puder ou não ser revisado pelos que este descreve, é ter o relato revisado por questões éticas de um colega cientista. Dada a complexidade dos dilemas éticos que podem surgir, é uma boa precaução submeter o relato a algum tipo de revisão com as questões éticas em mente. As gravações do cenário que foi estudado nunca devem ser passadas para audiências de fora sem o consentimento explícito daqueles cujo comportamento foi registrado, mesmo se as audiências forem reuniões profissionais de colegas cientistas ou estudantes. Se áudio-teipes ou filmes editados forem antecipados ou a transmissão do material o for, deve ser buscado o consentimento por escrito para tais usos. É bom fazer os informantes mesmo revisarem as porções do registro em áudio ou vídeo que serão mostradas à audiência. Em algumas nações, por exemplo, os Estados Unidos, o consentimento informado para pesquisa social é agora legalmente exigido e isto inclui o uso da média de gravações. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 52 Em alguns casos o consentimento verbal dos informantes pode ser suficiente, e em outros casos há necessidade do consentimento escrito. Para discussão das questões éticas envolvidas na pesquisa que usa a observação participante, ver CASSELL & WAX 1980. 3.4. PROBLEMAS E PROPRIEDADES DA DESCRIÇÃO ETNOGRÁFICA Como em todos os outros métodos de pesquisa, a etnografia tem sérios limites bem como forças significativas. O problema principal de adequabilidade nas descrições etnográficas será revisado brevemente, começando com o problema mais tratável e concluindo com o menos tratável, assim as possibilidades mais significativas desta abordagem de pesquisa serão revisadas. O mais tratável dos problemas da etnografia é ela não ser sistemática na coleta e análise de dados, produzindo conclusões que são incorrigíveis, isto é, não falsificáveis. Na análise final de dados, naturalmente, as conclusões da pesquisa interpretativa nunca são fixas ou finais. Para a etnografia, porém, em parte o equívoco é devido à dificuldade Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 53 na tentativa do trabalho empírico. O observador participante não pode estar em toda parte ao mesmo tempo. Nos dados de trabalho de campo, a qualidade em um aspecto do estudo deve continuamente ser sacrificada no interesse de maximizar a qualidade dos dados em outro aspecto do estudo. Após ter deixado o local de campo, o pesquisador pode perceber em retrospecto porque algumas das decisões de triagem na coleta de dados parece terem sido erradas. Admitidamente, alguns etnógrafos têm sido não sistemáticos ao manusear as evidências após terem sido coletadas. A preocupação com a validade e com a produção de descobertas significativas muitas vezes encobre a preocupação com a confiabilidade dos dados e com apresentação de evidências claras para as conclusões. Além disto, por causa da abrangência da descrição etnográfica, é difícil agrupar as evidências adequadamente através da escala completa de questões abordadas em um estudo típico. Um relato etnográfico contém proposições altamente abstratas em relação aos padrões da estrutura social, cultura e uso da Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 54 língua e ao mesmo tempo contém descrição muito concreta. Um destes níveis de discurso em relato é freqüentemente encoberto no interesse de enfatizar o outro. Os problemas de adequabilidade comprovado não são inteiramente intratáveis, no entanto. A discussão da coleta de dados e a análise aqui apresentada, e a literatura recente sobre métodos de pesquisa enfatizam para se tomar cuidado ao agrupar as evidências no sentido de garantir as asserções. Combinar descrição particular com pesquisas sinóticas de padrões mais amplos de dados é um modo de mostrar as evidências mais claramente do que eram feitos em relatos etnográficos anteriores. No trabalho sociolingüístico, combinar evidências de transcrições gravações é outro modo de ser explícito sobre a garantia comprovada para certos tipos de asserções. O problema permanece, porém, dado o escopo e complexidade da tarefa da pesquisa etnográfica. Menos tratável do que os problemas da adequabilidade é a tendência para se tornar a análise mais clara e nítida do que a vida, ignorando as contradições que aparecem nos casos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 55 discrepantes. O retrato da vida diária como hipertípico é uma responsabilidade séria em etnografia porque ela tem raízes não somente nas dificuldades empíricas, mas também nos fundamentos teóricos subjacentes da pesquisa. Os terrenos empíricos para hipertipificação já foram discutidos. Eles aparecem primeiro na coleta primária de dados. O trabalhador de campo coleta a maior parte das evidências em eventos que ocorrem freqüentemente, menos evidências em ocorrências atípicas daqueles eventos, e a menor evidência em eventos raros. Os eventos observados são fenômenos extremamente complexos. Por causa da natureza da análise etnográfica como resolução progressiva de problemas, o pesquisador é capaz de aprender mais sobre os eventos típicos do que freqüentemente, sobre já que aqueles o que mesmo ocorrem tem menos muito oportunidades de observar os eventos típicos. mais Então a tendência a fechamento prematuro na geração de hipóteses e testagem leva o pesquisador a ignorar casos discrepantes. O resultado é uma ênfase no relato feito: sobre a ubiqüidade dos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 56 padrões que se ramificam através de muitas situações e redes sociais nas vidas diárias da população estudada. Nesta consistência descoberta dos padrões uma ilusão, um artefato de coleta de dados e análises? Por causa das dificuldades inerentes ao trabalho empírico a resposta àquela questão às vezes não é clara. Os fundamentos da etnografia na teoria social subjacente são outra fonte de influência na direção da hipertipificação, apresentando problemas muito sérios para o pesquisador. As comunidades primitivas, estudadas pelos antropólogos, foram vistas primeiro como discretas e isoladas. Elas foram vistas como geográfica e historicamente separadas de outras comunidades e foram observadas em um ponto no tempo somente, isto é, os padrões de organização social e cultural que os pesquisadores descobriram foram analisados sincronicamente, sem referência a influências históricas anteriores. (Isto foi parcialmente devido a uma reação contra o historicismo que prevalece na antropologia do século XIX Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 57 com seus interesses centrais e teorias de testagem da evolução cultural). A ênfase na consistência do padrão e no sincrônico na pesquisa etnográfica tradicional resultaram em uma visão estática da ordem social e uma visão homeostática do processo social. A teoria social subjacente, uma versão formalizada a qual é chamado funcionalismo estrutural, não leva em conta adequada as contradições internas, o conflito e a mudança, nem fornece um modo de localizar as comunidades locais na estrutura social mais ampla e na economia política de entidades como a estado-nação. Enquanto esta perspectiva teórica, parcialmente explícita e parcialmente implícita e intuitivamente mantida pelos pesquisadores, poderia servir ao propósito de pequena escala de se dar um primeiro olhar nas unidades sociais de pequena escala das sociedades primitivas, pareceu crescentemente inadequada quando o desenvolvimento político e econômico ocorreu nas antigas sociedades coloniais, e quando a atenção da pesquisa se voltou para as populações locais dentro das Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 58 sociedades complexas caracterizadas pela diversidade e estratificação em classe social, raça, língua e cultura. Duas linhas de crítica emergiram que levam a etnografia tradicional seriamente à tarefa pela inadequabilidade teórica. A primeira é a teoria Marxista e a teoria crítica neo-Marxista. A partir destas perspectivas a tendência da etnografia em tomar uma posição de relativismo cultural e de ignorar as contradições internas nas vidas das pessoas estudadas é vista como politicamente tola e irresponsável, fornecendo justificativa romântica para um status quo social por análise que mascara a opressão do menos poderoso pelo mais poderoso. A segunda linha de crítica vem da teoria etnometodológica em sociologia. Desta perspectiva a tendência da etnografia para enfatizar as regras culturais e a socialização como influencias principais sobre o comportamento é vista como produzindo uma visão muito estática da atuação contextualizada, subestimando a importância da produção local e retratando a ação social mecanicamente como se os atores sociais não fossem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 59 fazedores de sentido ativos que tomam a ação adaptativamente, mas fossem autômatos que seguissem roteiros culturais pré-programados para comportamento apropriado. Estas são críticas sérias, mas infelizmente só podem ser mencionadas aqui de passagem. Cada abordagem de pesquisa tem limites e fraqueza e cada uma tem forças e produções compensadoras. As principais produções da etnografia para a pesquisa sociolingüística estão na amplidão de sua visão e em seu interesse em detalhes concretos de uso de linguagem em atuação contextualizada. Vamos revisar brevemente as produções da descrição etnográfica que compensam por suas responsabilidades reconhecidas. A amplitude de visão da etnografia é encontrada na perspectiva do holismo e no foco em comparação societária cruzada e cultural cruzada. Ela compartilha esta amplitude de visão, mostrada em uma manifestação de algum modo diferente, com a teoria Marxista e neo-Marxista. O interesse da etnografia no concreto está na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 60 preocupação por atividades de rotina que ocorrem naturalmente em indivíduos específicos quando retratadas em descrição narrativa vívida ou em transcrições de seu comportamento verbal e não verbal. Em comum com outras formas de pesquisa interpretativa, a etnografia vê a interação social diária como um texto que seja multivocal e assim aberto a uma variedade de leituras. A etnografia, especialmente quando focaliza os modos menos estilizados de falar em atividades de fala, compartilha com o analista conversacional em etnometodologia um interesse no uso improvisado e adaptativo de padrões culturais como recursos de produção em atuação contextualizada. Em suma, o valor da descrição etnográfica em sociolingüística pode ser maior quando combina seu interesse em amplitude e generalidade com seu interesse específico concreto. Tal pesquisa nos ajuda a ver mais claramente as relações de influência mútua que se obtém que HYMES (1974, 29ff) chamou “a interação da linguagem e vida social”. A etnografia nos mostra esta interação social em relação com os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 61 modos específicos de falar. Ao fazer isto a boa etnografia faz uso deliberado de métodos múltiplos de coleta de dados e de modos variados de descrição e análise. 4. Referências AGAR, Michael. The Professional stranger; An informal introduction to ethnography. Nova York: s.n., 1980. AKINASSO, F. Niyi; AJIROTUTU, Cheryl Seabrook. Performance ethnic and style in job interviews. In: GUMPERZ, J. Language and Social Identity. Londres: s.n., 1982. BASSO, Keith. Potraits of “Whiteman”; Linguinstic play and cultural symbols among the Western Apache. Londres: s.n., 1979. BAUMAN, Richard; SHERZER, Joel (Org.) Explorations in the ethnography of speaking. Londres: s.n., 1974. BOGDAN, Robert D.; BIKLEN, Sari K. 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No entendimento popular, etnicidade significa ainda uma cultura 2 - Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi originariamente publicado sob o título Etninicity, In Sociolinguistics An International Handbook of the Science of Language and Society e editado por Herausgegeben von Ulrich Ammon, Norbert Dittmar Klaus J. Mattheir, First Vol. Walter de Gruyter, Berlin. New York, pp. 9195, em 1987 Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 70 distinta dentro do grupo. Em um entendimento mais técnico, cultura partilhada e estilo de linguagem distinto não são necessariamente atributos definidores de etnicidade. O termo etnicidade, correntemente adotado pelas ciências sociais, se refere à uma coletividade na qual os integrantes são socialmente definidos em termos de descendência (FRANCIS 1976,6). Portanto, status étnico é atribuído e não alcançado. O status étnico é também ecologicamente relacional no sentido de que o agregado étnico, enquanto grupo de interesse político baseado na descendência, é um grupo dentre outros, pertencente à uma entidade política mais ampla, hoje normalmente chamada de nação-estado. Por isso, a ecologia política e cultural do grupo étnico é fundamental para a própria organização interna, social, cultural e lingüística. A inclusão de um grupo étnico, dentro de uma unidade social mais ampla pode ocorrer de diversas maneiras. O grupo étnico pode ser um conjunto de pessoas vindas de uma nação residindo em outra como minoridade imigrante, por exemplo, os turcos na Alemanha, molucanos na Holanda, italianos nos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 71 Estados Unidos e Austrália. Entretanto, o grupo étnico não precisa ser necessariamente um grupo imigrante. Pode ser um conjunto de pessoas que, devido a deslocamentos históricos de fronteiras nacionais, são um grupo minoritário em uma região e majoritário em outra região (ex: suecos na Finlândia e na Suíça, Pathans na Índia e no Afeganistão, mexicanos no estado do Novo México, nos Estados Unidos e no estado de Sonora no México). Nos países em desenvolvimento, os grupos tribais indígenas que formaram entidades políticas e territoriais distintas anteriormente ao período colonial, podem funcionar como grupos étnicos no estado-nação pós-colonial. Este processo de etnização pela inclusão em uma maior entidade política ocorreu, outrora, quando os impérios foram estabelecidos e, dentro dos quais, um ou mais grupos étnicos puderam constituir um estado cliente, (por exemplo: tchecos e eslovacos dentro do império Austro-Húngaro, judeus e fenícios dentro da província da Palestina no Império Romano - HUNT & WALTER 1974). Devido a mudanças freqüentes sofridas pelas fronteiras nacionais, ao surgimento do estado- Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 72 nação e à atual ubiqüidade da migração mundial, a diferenciação étnica caracteriza virtualmente toda a sociedade moderna. Os termos de auto-referência usados pelos grupos étnicos imigrantes apontam para a prioridade de se estabelecer uma definição político-social a propósito da cultura comum como atributo definidor do status étnico. Entre os grupos imigrantes, uma categoria de identificação mais abrangente, como termo de auto-referência, freqüentemente substitui uma categoria de identificação mais específica e local, que teve destaque no país de origem. Neste sentido, diferenças regionais podem ser transferidas, como por exemplo, de imigrantes da Saxônia e Bavária nos Estados Unidos adotando o termo germano-americano como termo de auto-referência e, imigrantes da Calábria, Sicília e Toscana chamando-se a si próprios de ítalo-americanos. Em ambos os casos, os imigrantes começaram a usar um termo de identificação nacional no seu novo país, antes da unificação política das regiões em um único estado-nação ter ocorrido em seu país de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 73 origem. Esta relação entre definição política e membros de um grupo aponta para uma ocorrência comum de diversidade cultural e lingüística dentro de um agregado de identificação étnica, como por exemplo, as diferenças dialéticas entre italianos do norte e do sul que foram tão grandes que nos casamentos entre calabreses e toscanos, o inglês passou a ser a língua falada pelos cônjuges como uma língua franca (ZORBAUGH 1929, 170). Tanto nos grupos étnicos imigrantes quanto nos grupos étnicos indígenas residentes, a relação entre a pertinência a um grupo étnico e a pertinência a um grupo lingüístico e cultural é uma questão em aberto. Pode-se esperar uma variação lingüística considerável dentro de um grupo étnico. (Na verdade o que pode ser mais surpreendente não é a diferença cultural dentro de um agregado étnico, mas a sua similaridade cultural). Esta variação pode ocorrer em outras dimensões da identidade social, consideradas neste volume como, por exemplo, gênero, idade, geração, classe social, bem como em função da residência e da infra-estrutura Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 74 institucional. Populações étnicas específicas diferem na extensão em que os membros do grupo étnico tendem a residir geograficamente próximos (como em vilas rurais etnicamente homogêneas ou guetos urbanos) e tendem a altas proporções de contato grupal diário, devido à especialização ocupacional étnica e à participação freqüente em organizações etnicamente homogêneas religiosas, educacionais fraternais e políticas. 2. Etnicidade e Outros Componentes da Estrutura Social A chave para o entendimento da variação cultural dentro de um grupo pode estar em descobrir as rotinas diárias dos indivíduos para determinar se as diferenças sistemáticas ocorrem entre, por exemplo, mulheres e homens de uma dada classe social nos seus contatos inter e intra-étnicos. A rotina é a seqüência inteira de situações sociais em que o indivíduo durante sua vida diária encontra-se apenas com colegas de etnia da mesma classe social. Outro indivíduo durante a rotina diária pode encontrar-se com pessoas de diferentes etnias e classe. Portanto, os dois indivíduos experimentam Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 75 rotineiramente ambientes distintos em termos de fala. Nós podemos esperar que eles adquiram repertórios sociolingüísticos distintos. As rotinas diárias enquanto ambientes de comunicação verbal podem variar, não apenas, do ponto de vista da quantidade de contato que ocorre com outras etnias, mas também, do tipo de contato por exemplo: há distinções na política da diferença cultural e na diferença de linguagem ao longo das diversas situações de contato, e estas podem influenciar no aparecimento de aversão ou receptividade na adoção dos estilos dos outros. Por isso, a micropolítica de interação em situações de contato intergrupal pode influenciar nos padrões de aquisição e uso de uma amplitude maior de estilos sociolingüísticos por membros de uma comunidade ou rede de fala dentro de um grupo étnico. Estas observações foram constatadas por PIESTRUP (1973), em um estudo sobre crianças negras da classe trabalhadora em escolas. Ela estudou as crianças em dois diferentes tipos de salas de aula: no primeiro tipo, as crianças eram Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 76 continuamente corrigidas por aquilo que a professora aparentemente considerava como erros em sua fala (por exemplo: os professores reagiram de forma negativa ao uso de características fonológicas, sintáticas e de discurso do inglês falado pelos negros); no segundo tipo de sala de aula, os professores não reagiram negativamente à utilização pelas crianças do inglês falado pelos negros. Curiosamente, nas salas do primeiro tipo, a fala das crianças negras se tornou cada vez mais fora do padrão, conforme o ano escolar progredia, enquanto que nas salas de aula do segundo tipo (nas quais o uso do inglês falado por negros não foi de forma contínua considerado negativo) a fala das crianças se aproximou mais do padrão de inglês conforme transcorria o ano letivo. No primeiro conjunto de salas de aula, o estilo da fala divergia entre o professor e os alunos, através de um processo não-deliberado de resistência do aluno através do qual a cultura oposicionista estava se desenvolvendo ao longo do tempo. No segundo conjunto de salas de aula, no qual a diferença de estilo de fala não era motivo de conflito Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 77 recorrente, a cultura oposicionista não se desenvolvia, pelo menos não como um fenômeno lingüístico. 3. Auto-Apresentação e Identificação do Grupo. 3.1. Fronteiras e Limites Culturais O caso de PIESTRUP pode ser entendido fazendo-se uma distinção entre duas situações diferentes da política de diferença cultural e lingüística entre grupos: situações que envolvem fronteiras e situações que envolvem limites. Uma fronteira cultural é uma noção semelhante à usada pelos dialetólogos. Pode ser dita existente, sempre que alguma diferença cultural regularmente identificável está presente (por exemplo: as características - fonológica, sintática e de discurso - pelas quais o inglês falado por negros e o inglês padrão podem ser distinguidos). Em contraste, um limite cultural existe quando a diferença cultural se transforma em base para a localização diferenciada de direitos e obrigações entre aqueles que estão em interação. Em um limite cultural, a diferença de cultura é considerada como evidência de uma categoria social superior ou inferior, ao longo das linhas de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 78 etnicidade, classe, gênero e tipo. Diferença cultural, neste tipo de situação, se transforma em motivo para dominação ou para conflito. Em contraste, na fronteira cultural a diferença de cultura, que está presente, pode ser politicamente neutra, pode ser conduzida de forma pragmática ou mesmo desapercebida. Não é o que é mais ressaltado na interação e não se transforma em áreas de conflito (veja discussão em MCDERMOTT & GOSPODINOFF 1979, e em MCDERMOTT & TYLBOR 1983, que elabora a formulação original de Barth 1969, 10-15). As descobertas de PIESTRUP que ilustram exemplarmente a distinção entre fronteiras e limites, não são únicas. As descobertas lembram as de GILES & POWESLAND (1975) que observaram que quando o afeto negativo era introduzido, experimentalmente, nas conversações entre oradores de diferentes dialetos regionais na Inglaterra, ao finalizarem a conversação, tinham aumentado os traços do dialeto, divergindo em seus estilos de fala, à medida que a conversação progredia. Inversamente, se afeto positivo fosse Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 79 experimentalmente introduzido, o estilo da fala dos dois interlocutores convergia. LABOV (1973) relatou que o dialeto de habitantes de “Martha’s Vineyard”, uma ilha fora da costa de Massachusetts, se tornou crescentemente divergente dos do inglês-padrão através de uma geração. Durante o mesmo tempo, veranistas que falavam o inglês padrão estavam indo para a ilha em números crescentes e comprando propriedades lá. Isto sugere que apesar dos habitantes da ilha estarem tendo um contato cada vez mais intenso com as pessoas que falavam o inglês padrão, este contato se deu sob algumas circunstâncias negativas. Os moradores da ilha pareciam demonstrar ambivalência em relação aos veranistas que, ao mesmo tempo, eram fonte de benefício econômico e razão para mudanças no modo de vida tradicional da ilha. 3.2. Esquizomogênese PIESTRUP e LABOV ressaltam o fenômeno de cultura oposicionista, neste caso o desenvolvimento progressivo de divergência no estilo da fala entre os grupos. BATESON (1972, 107-127) inventou o termo esquizomogênese para se referir ao Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 80 processo de divergência progressiva entre grupos. Autoidentificação pela demonstração de traços culturais é um fenômeno que se aplica não só ao estilo da fala e linguagem, como também a outros meios de auto-apresentação tais como as roupas, os hábitos alimentares, lei de comportamento do gênero. Este tipo de auto-apresentação se torna a marca de identificação do grupo. A identificação pode ir além das linhas étnicas, por exemplo: alguém pode se vestir de forma distinta como um jovem ou como um cosmopolita urbano, como um homossexual ou como um membro de um grupo religioso. Freqüentemente o estilo da fala e outros aspectos do desempenho, como vestimentas e hábitos alimentares, podem encobrir os sinais distintivos de membros de um grupo; são redundantemente codificados através de diferentes canais de desempenho. BARTH (1969, 14-18) se refere à codificação da identidade de grupo em termos de desempenho estilístico visível e ou audível como uma marca diacrítica de status. Portanto, o estilo da fala pode ser uma marca de identidade étnica assim Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 81 como de outros tipos de identidade do grupo. A ênfase e o significado simbólico destas características de identidade lingüística (e a vontade dos indivíduos mostrarem-se ou esconderem-se em situações de contato intergrupal) variam de acordo com a situação política do grupo de identidade em relação aos outros grupos na sociedade. A formulação de Barth é útil por focalizar a etnicidade como uma classe de identificação independente de cultura ou traços lingüísticos como atributos de definição. Esta teoria tem sido criticada por outros teóricos no sentido de ser uma definição irrestrita, uma vez que, por sua extensão, pode adequar-se a uma vasta classificação de categorias de identidade, por exemplo: gênero, classe, orientação sexual. A questão de classe é intrigante neste aspecto, uma vez que em sociedades estratificadas em classes, nas quais a mobilidade social de uma geração para a próxima é bastante improvável, a classe social funciona como um grupo de origem. Assim, nas sociedades altamente estratificadas em classes, as marcas de cultura e lingüística do status de classe podem ser Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 82 consideradas análogas características de àquelas identidade de étnica etnicidade. e de classe Estas são reproduzidas de geração para geração (BOURDIEU & PASSERON 1977) e são freqüentemente tomadas como indicadoras de habilidade e motivação por aqueles que tomam decisões institucionais que afetam a mobilidade de outros, por exemplo: os que fazem recrutamento e seleção para emprego, trabalhadores ligados à saúde e ao serviço social, educadores. Estes julgamentos podem estar fortemente balizados por preconceitos étnicos e de classe, mascarados por uma ideologia de decisões racionais e universalísticas dentro das quais as particularidades comportamentais características da identidade de grupo são interpretadas como indicadores de mérito individual (veja ERICKSON & SHULTZ 1982, GUMPERZ 1982). 4. Etnicidade e Conflito Social Em situação na qual haja pequeno conflito entre os interesses de grupos étnicos e na qual as rotinas incluem freqüentemente situações de contato inter-étnico, considerável assimilação Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 83 cultural e lingüística pode ser estabelecida ao longo das linhas étnicas, especialmente dentro do mesmo nível de classe social. Isto pode ser especialmente notado nos Estados Unidos: em Boston, por exemplo, a classe trabalhadora de católicos romanos ítalo-americanos e irlandeses-americanos ambos falam um dialeto denominado em termos leigos de “irlandês de Boston”. Trata-se de um registro de identificação religiosa e de classe social que generaliza grupos étnicos, um exemplo de solidariedade simbolizada entre descendentes de imigrantes católicos, em contraste com a elite nativa de ingleses protestantes. Isto não significa que não possa haver competição econômica e distinções residenciais traçadas entre os ítalo-americanos e os irlandeses americanos, mas o registro lingüístico fornece para ambos um símbolo de distinção do chamado estilo cultural Branco Anglo-Saxão Protestante (BANSP) e White Anglo-Saxon Protestant-(WASP). Um fenômeno similar parece estar ocorrendo em Londres onde, apesar da intensa competição econômica entre a classe trabalhadora de afro-caribenhos e a classe nativa de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 84 trabalhadores ingleses, os afro-caribenhos falam o mesmo estilo de inglês da classe branca de trabalhadores ingleses. Entretanto, em cidades dos Estados Unidos, afro-americanos falam “o inglês dos negros”, um dialeto ou um registro que difere do modo de falar da classe branca trabalhadora. Nas cidades americanas se constata que adolescentes hispânicos utilizam algumas características do inglês dos negros. O resultado é que há uma “linguagem de rua” comum entre os jovens não anglos da classe trabalhadora. Parece que a assimilação do registro, sua manutenção e desenvolvimento de novos registros como cultura oposicionista estão relacionados à presença ou à ausência de conflitos políticos entre os grupos. Estes relacionamentos não são simples como sugere o exemplo de inglês afro-caribenho de Londres. Neste caso, a cor da pele pode ser a marca mais relevante de identidade racial para londrinos brancos e negros e, conseqüentemente, o estilo da fala não funciona como marca de identidade racial. Alguns se surpreendem porque este não é o caso nos Estados Unidos onde a cor de pele Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 85 funciona também como uma marca de identidade racial e onde há o conflito inter-racial e o estigma não menos intenso que o de Londres. Uma possibilidade pode ser a escala de tempo envolvida. A imigração afro-caribenha em larga escala para Londres é um fenômeno relativamente recente, enquanto que nos Estados Unidos, negros e brancos têm residido juntos por centenas de anos - o suficiente para a esquizomogênese cultural desenvolver-se e espalhar-se consideravelmente através do tempo. Para concluir, um ponto crucial nesta discussão foi o fato da assimilação cultural e lingüística não serem inevitáveis em sociedades multi-étnicas, sustentado por estudiosos como GORDON (1964). Identidade étnica e estilo de fala não andam juntos necessariamente, apesar de poderem fazê-lo. Pesquisa trans-cultural e trans-nacional mostra que a identificação étnica pode ser fortemente marcada pelo estilo de fala em algumas situações e pode ser assinalada por outros tipos de demarcação diacrítica em outras situações. Além disso, a ênfase da identidade étnica pode variar de acordo com as Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 86 regiões dentro de uma nação bem como entre nações. Portanto, parece que o significado simbólico do estilo de fala em relação à etnicidade não pode ser presumido “a priori”. Mas precisamente, no estágio de nosso conhecimento a valência e a ênfase de identidade étnica e a relação disto com o estilo de linguagem e o uso de linguagem devem ser investigadas empiricamente, grupo étnico por grupo étnico e sociedade por sociedade. 5. 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Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 87 capítulo 3 Microanálise etnográfica de interação 3 A interface entre a etnografia e a microanálise: antecedentes intelectuais e objetivos da microanálise Um dos propósitos principais da etnografia na pesquisa educacional é revelar o que está dentro das “caixas pretas” da vida rotineira nos ambientes educacionais, identificando e documentando os processos pelos quais os resultados educacionais são produzidos. Os processos consistem em ações de rotina e compreensão dos participantes em ambientes educacionais que, porque são habituais e locais, podem passar desapercebidos pelos praticantes e pesquisadores. O estudo minucioso da interação através da análise etnograficamente orientada dos registros audiovisuais é um componente potencialmente útil de um estudo etnográfico de educação. Não é uma alternativa para a 3 Esse texto traduzido com autorização do autor, por carmen lúcia guimarães de mattos. foi originariamente escrito sob o título ethnographic microanalysis if interaction. foi divulgado na university of pennsylvania, usa e até ser entregue a tradutora em 1991, não havia sido publicado, p. 1-38. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 88 etnografia mais geral, mas, ao invés disto, um complemento a ela. Para entender as relações entre a microanálise etnográfica e a etnografia mais geral, revisar as raízes intelectuais da abordagem da microanálise de interação que está sendo discutida neste capítulo é útil. A microanálise etnográfica da interação deriva de cinco correntes de trabalho das quais, as primeiras quatro estão relacionadas substantivamente e historicamente. A primeira abordagem, freqüentemente chamada de análise de contexto, emergiu no início dos anos 50. Ela foi fortemente influenciada por BATESON e MEAD e envolveu antropólogos, lingüístas e psiquiatras (KENDON, 1990; BIRDWHISTELL, 1970; MCQUOWN, 1971; PITTENGER, HOCKETT & DANEBY, 1960; SCHEFLEN, 1973). Um esforço paralelo foi empreendido por HALL & TRAGER (1953) e por HALL (1968). A análise de contexto leva em conta a organização do comportamento verbal e não verbal, como eles ocorrem simultaneamente durante a conduta de interação. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 89 Isto foi feito através da transcrição detalhada de filmes cinematográficos de interações ocorridas naturalmente e pela análise das transcrições. Por causa do custo e dos limites técnicos (por exemplo: por quanto tempo o filme cinematográfico poderia ser feito continuamente) os eventos considerados pela análise de contexto tenderam a ser casos únicos, geralmente não durando mais que uma hora e freqüentemente até mais curtos. A segunda influência na microanálise etnográfica veio da etnografia da comunicação. Esta abordagem foi desenvolvida pelos antropólogos lingüistas (ver especialmente as coleções editadas por GUMPERZ & ZYMES, 1964, 1972; BAUMAN & SHERZER, 1974; e ensaios por BAUMAN & SHERZER, 1975; HYMES, 1974). A etnografia da comunicação focaliza o significado social da variação estilística na comunicação dentro e através de grupos culturais ligados que eram considerados comunidades lingüísticas. Muito desse trabalho foi feito primariamente pela (FRAKE, 1975; IRVINE, 1974). observação participativa GUMPERZ especialmente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 90 esteve interessado na organização momento por momento da conduta de interação. Para a coleta e análise de dados, ele usou registro em áudio por várias horas de cada vez e, mais recentemente, usou registro em vídeo ( BLOOM & GUMPERZ, 1972; GUMPERZ, 1982). Uma terceira influência importante foi a perspectiva sobre interação e sobre a apresentação do eu em encontros que se desenvolveu no trabalho do sociólogo GOFFMAN (1959, 1961, 1981); ver também os ensaios de revisão em DREW & WOOTON, 1988). GOFFMAN enfatizou o encontro como uma reunião intencionalmente focalizada na qual aspectos do eu são estrategicamente revelados e escondidos através de amostra do ritual e rotina interacional. Para coletar evidências, GOFFMAN usou primariamente a observação participativa. O autor revisou a literatura e ainda a filosofia para buscar insights sobre os momentos significativos na interação. As três primeiras influências descritas aqui emergiram antes do desenvolvimento da microanálise etnográfica; a quarta e a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 91 quinta influências se desenvolveram contemporaneamente. A quarta influência vem da análise conversacional em sociologia (SCHEGLOFF, 1968; SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974; SCHENKEIN, 1978). Em contraste com a ênfase sobre os padrões culturais e lingüísticos dos aspectos ritualizados da interação (fontes exógenas de ordem na interação) que caracterizam a etnografia da comunicação e o trabalho de GOFFMAN, a análise conversacional enfatiza a organização emergente endógena da interação e a compreensão ativa por seus participantes. A análise conversacional considera a interação como ela é improvisada por atores sociais que ouvem cuidadosamente o que um está fazendo ao outro e que acabaram de fazer em momentos imediatamente presentes e passados durante o decorrer do curso da interação. Uma quinta influência sobre a microanálise etnográfica vem dos vários estudiosos continentais que vêem a ação comunicativa como uma prática discursiva que manifesta relações de poder entre atores sociais (BOURDIEU, 1977; HABERMAS, 1979; FOUCAULT, 1979; BAKHTIN, 1981). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 92 Desta perspectiva, certas relações - chave institucionais manifestadas em interação (por exemplo: entre carcereiros e prisioneiros, médicos e pacientes, supervisores e trabalhadores na indústria e educadores e estudantes) são vistas como reproduzindo em microcosmo relações simbólicas de assimetria de poder que se obtém em sociedade como um todo e são ramificadas através dela. (Tal análise de sociedades modernas de larga escala lembram a análise intencionalmente focalizada de uma sociedade tradicional de pequena escala feita por BATESON (apud NAVEN, 1958). A interação em ambientes institucionais é vista como definições de moldura distinta do eu e da voz, marcando os limites possíveis da agência humana que são, em sociedades modernas estratificadas. (Este capítulo representa uma discussão resumida da orientação e condução da microanálise etnográfica. Para noções mais ricas deste trabalho, o leitor deve consultar especialmente KENDON (1990: 15-49), SCHEFLEN (1973) e MCDERMOTT & ROTH (1978) e , em seus antecedentes intelectuais e objetivos, HYMES (1974). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 93 Discussões mais detalhadas do método são encontradas em ERICKSON (1982), ERICKSON & SHULTZ (1977, 1982) e GRIMSHAW (1982). Discussões de conexões entre os métodos etnográficos em educação e em sociolinguística são encontradas em Erickson (1986/1990/1988). Alguns exemplos de pesquisa microanalítica em educação são encontrados em AU (1980), BARNHARDT (1982), BREMME & ERICKSON (1977), ERICKSON & MOHATT (1982), FIKSDAL (1990), os capítulos em GREEN & WALLAT (1981), SHULTZ (1979) E SHULTZ & FLORIO (1979)). Temos considerado as origens e influências da microanálise etnográfica de interação. Agora vamos considerar suas ênfases substantivas dentro da pesquisa educacional. microanálise de interação etnograficamente A orientada compartilha com a etnografia educacional mais geral o objetivo de especificar e descrever aqueles processos locais que produzem resultados em ambientes educacionais, mas seu propósito é documentar os processos em detalhes e precisão ainda maiores do que é possível com a observação Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 94 participativa comum e entrevistas. Outro propósito de observar-se atentamente a interação é testar cuidadosamente a validade das caracterizações de intenção e significado que a etnografia mais geral pode pedir dos participantes que são estudados. Ainda outro propósito da microanálise é identificar como os processos de interação de rotina são organizados, em contraste com descrever que interação ocorre. Dado que a microanálise etnográfica é trabalho ainda mais intensivo que a etnografia comum, ela não deve ser usada a menos que seja realmente necessário. Nem todos os tópicos da pesquisa devem ser tratados por esta abordagem. Quais são as razões para investir tempo e esforço necessários para a microanálise de interação dentro de um estudo etnográfico da educação? A microanálise etnográfica de registros audiovisuais é um meio de especificar os ambientes de aprendizagem e processos de influência social que ocorrem na interação face a face. É especialmente apropriada quando tais eventos são Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 95 raros ou flutuantes em duração ou quando o formato e caráter distintos de tais eventos se desdobram momento a momento, durante os quais é importante ter informações exatas sobre a fala e comportamento não verbal de participantes particulares na cena. É também importante quando se deseja identificar nuances sutis de significado que ocorrem na fala e ação não verbal; sutilezas que podem surgir no curso onde a atividade tem lugar. A verificação destas nuances de significado, especialmente de significado implicitamente ou criticamente expresso, pode nos ajudar a ver mais claramente a experiência em prática dos praticantes educacionais: alunos, professores, administradores. O estudo microanalítico de como ocorre a interação é especialmente apropriado quando alguém deseja reproduzir uma prática exemplar (por exemplo: a tipo de conversa de sala de aula onde estudantes e professores estão muito ocupados em raciocinar juntos, em contraste com uma conversa que sai completamente do terreno intelectualmente ou que falhou em manter a moral do grupo). A análise Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 96 detalhada do como da interação, em contraste com a ênfase em seu o quê, é também apropriada quando se quer mudar uma prática educacional existente (ex: alterar uma conversa que nunca se inicia ou atinge o ponto de modo a se tornar um ambiente interacional rico e atraente para a aprendizagem). Ao tentar mudar os padrões de interação é importante ver sua ecologia social tão ricamente e precisamente quanto possível para observar, por exemplo, como os ouvintes influenciam aqueles que estão falando, como a cronometragem da fala e ação não verbal podem causar pontos intelectuais mais ou menos salientes e coerentes na discussão de grupo, ou como a evocação de alguma coisa dita anteriormente em uma conversa pode tornar claro para os participantes como o pensar junto está sendo conduzido e como ele está se desenvolvendo. Conselhos aos professores tais como “estabeleça objetivos” ou “esclareça quando os estudantes estão confusos” não são de muito uso, a menos que aquele que dá o conselho possa especificar e ilustrar os processos do discurso oral que estejam sendo recomendados. Quando os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 97 educadores tentam executar uma instrução mais ricamente intelectual com uma grande variedade de alunos, ensinando mais raciocínio do que o conhecimento de fatos simples, envolvendo os alunos em interação com suas várias “zonas de desenvolvimento interação que proximais” sejam e fornecer inerentemente instruções motivadoras, na a organização da interação como um meio de instrução de alta qualidade se torna mais e mais significativa como um foco de atenção na pesquisa educacional. Se, porém, a descrição narrativa comum de eventos relata os processos educacionais em detalhes suficientes de modo que a sua organização seja clara para um leitor (ou se os tipos mais cruciais de influência social no ambiente sejam mediados através de escrita ou outros canais de comunicação que estendem o exercício da influência social no tempo e espaço além de encontros imediatos), então o pesquisador é aconselhado a não tentar a microanálise de vídeo-teipes ou filmes das interações face a face que ocorrem naturalmente. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 98 Esta coleta e análise de dados não seriam prudentes em tais casos porque demanda trabalho intensivo. Além disto, mesmo a pesquisa microanalítica, quando é feita de uma perspectiva etnográfica, sempre envolve uma combinação de escalas em escopo e especificidade de atenção e em métodos de trabalho mais ou menos intensivos. No trabalho que descreverei aqui, o interesse etnográfico em combinar níveis ou aspectos da organização social, descrevendo os padrões abrangentes que caracterizam as instituições e comunidades e focalizando estreitamente e precisamente as ações comunicativas particulares de indivíduos específicos, leva o pesquisador a prestar atenção não somente às informações que estão disponíveis “na tela”mas as informações que vem detrás da tela , da observação mais ampla do participante e da pesquisa social mais geral. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 99 1. Microanálise etnográfica como amostragem: uma visão geral dos processos de pesquisa Duas questões são cruciais para a microanálise etnográfica: (1) identificar a escala completa de variação na organização da interação em qualquer ambiente, rede de trabalho ou comunidade que se está estudando e (2) estabelecer a tipicalidade e a atipicalidade (freqüência relativa de ocorrência) dos vários tipos de eventos e modos de organização interacional (e de casos particulares destes) através da escala completa de diversidade nas relações sociais a serem encontradas no ambiente, rede de trabalho ou comunidade. Determina-se a escala de variação e a tipicalidade ou atipicalidade relativa dos casos no corpo de dados através da coleta de dados que envolve a amostragem deliberada. A amostragem é fundamental nesta abordagem de pesquisa por causa de um interesse substantivo primário: determinar a escala e condições de variação na organização da interação dentro e através de eventos interacionais particulares que ocorrem nas vidas dos membros daqueles grupos ou redes de trabalho. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 100 Para colocar isto em termos ligeiramente diferentes, estamos interessados aqui em unir o que os antropólogos vieram a chamar a etnografia da comunicação com sua microanálise. A pesquisa começa mostrando a observação geral do participante e então movendo se em estágios sucessivos para uma amostragem mais restrita através da observação focalizada crescente e registro audiovisual. Consideremos, por exemplo, um ambiente social particular: a sala de aula da escola elementar na qual todos os membros estão presentes durante o dia escolar. No início do estudo de tal ambiente, far-se-ia primeiro a observação do participante neste ambiente durante o dia inteiro e então, idealmente, o vídeo-teipe ou filme de um ou mais dias completos, ligando a câmera ou câmeras antes da aula começar, continuando a registrar até quando os membros tiverem saído da sala de aula. Observarse-ia também e se registraria as interações de rotina dos estudantes fora da escola, para comparar a variação na organização da interação dentro da escola com aquela experimentada fora dela, nas vidas totais dos participantes. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 101 Tendo coletado exemplos ao longo da escala completa dos diferentes tipos de eventos nos vários ambientes de interesse, a próxima questão é determinar a tipicalidade dos eventos e modos de organização dentro dos eventos. Isto pode ser feito pela observação repetida do participante ou por filmagem em vídeo-teipe de algum modo mais seletivo, na qual os tipos contrastantes de eventos durante porções do dia seriam repetidamente filmados. Fazer um filme ou vídeo-teipe envolve decisões de amostragem, das quais as mais óbvias são quando ligar e desligar a câmera e para onde apontá-la. Qualquer registro audiovisual é um documento incompleto do que realmente aconteceu, mesmo embora um filme continuamente tomado ou fita seja um registro mais completo do que as notas de campo do observador participante. As decisões sobre o que registrar e como registrá-lo, então, não são neutras. Elas são decisões de pesquisa que devem ser informadas pela conduta total da observação do participante no estudo. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 102 Os vídeos-teipes são indexados de acordo com os eventos e participantes que neles aparecem. Revisando eventos contrastantes e conjuntos de participantes nas fitas e pela revisão dos índices que mostram casos múltiplos destes eventos contrastantes, o pesquisador pode identificar contrastes chaves baseado na escala, no foco instrumental ou expressivo, no modo de liderança ou qualquer outra dimensão de interesse teórico no estudo, de acordo com a qual os eventos podem ser caracterizados e contrastados. Por este processo, o pesquisador identifica um conjunto de tipos de eventos contrastantes ou um conjunto de modos contrastantes de organização interacional que aparecem em uma variedade de tipos de eventos. destes tipos de eventos Os casos adicionais contrastantes ou modos de organização contrastantes dentro de um evento são então coletados. Até este ponto, a atenção foi focalizada principalmente em eventos reincidentes. Uma vez tomadas as decisões sobre os contrastes analíticos-chave de acordo com os quais a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 103 amostragem de eventos pode ser feita, eventos raros ou únicos podem se tornar de interesse. Estes podem ser registrados, juntamente com os casos múltiplos de eventos de reincidência freqüente que sejam de interesse especial. Neste processo, o pesquisador começa com um registro excessivamente inclusivo no início da pesquisa para se assegurar de que uma larga escala de tipos de eventos e modos de organização estejam presentes no corpo do material registrado. A pesquisa se move, em estágios posteriores para uma abordagem mais focalizada do registro, de modo a assegurar que casos múltiplos de certos tipos estejam presentes no corpo dos materiais de pesquisa. Assim, a generalização dentro do corpo de conclusões derivado da análise de perto de alguns casos pode ser testada. Tendo demonstrado a generalização dentro do caso (aqui, uma sala de aula de escola), o pesquisador pode então conduzir a pesquisa para testar a generalização das descobertas através dos casos (outras salas de aula, outros tipos de ambientes). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 104 2. Comparação e Contraste com a Observação do Participante A progressiva resolução de problemas é inerente dos métodos de observação etnográfica participante e nos métodos da microanálise sociolingüística dos registros audiovisuais das interações humanas. Em ambas as abordagens, o pesquisador está tentando entender os eventos cuja estrutura é complexa demais para ser compreendida de uma vez, dados os limites no processamento das informações humanas. Estes limites são compensados em uma observação participante gastandose tempo no ambiente de campo. Os limites são compensados em microanálise gastando-se tempo revisando o registro audiovisual e freqüentemente revisando as notas de campo também. No ambiente de trabalho de campo, o observador participante espera por tipos particulares de eventos reincidentes para se manter alerta (ex: disputas sobre posse de terra, mortes, nascimentos, preparar a refeição principal do dia, ver o primeiro cliente em um escritório para desempregados). O pesquisador pode buscar locais particulares como um Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 105 ambiente de campo onde um tipo particular de evento tem mais probabilidade de ocorrer. Isto dá ao observador participante uma situação análoga àquela do sujeito em um experimento de aprendizagem: a oportunidade de ter testes múltiplos para uma tarefa similar (neste caso, a tarefa de observar e analisar um tipo de evento particular). Através de cada tentativa de observar um evento reincidente, o observador participante pode alterar levemente o foco da atenção analítica, cada vez atendendo a alguns aspectos do que está ocorrendo e não atendendo a outros. O observador pode também variar o foco de atenção relendo as notas de campo tomadas durante o evento. Apesar dos limites da capacidade de processamento de informações do pesquisador, a observação de longo termo e a reflexão tornam o observador capaz de desenvolver um modelo interpretativo para a organização do evento. Estes modelos são progressivamente construídos através da aprendizagem de uma série de observações parciais. Daí, o trabalho de campo pode ser considerado como um tipo de experimento de aprendizagem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 106 que ocorre naturalmente, no qual o aluno adquire maestria através de experimentos repetidos. No trabalho de campo, dois conjuntos de decisões de procedimento têm especial importância para corrigir o que é tradicionalmente considerado como um prejuízo na amostragem e observação: (1) as decisões que o observador toma sobre onde estar em espaço físico e social e tempo no ambiente de campo e (2) as decisões que o observador toma sobre os focos de atenção em qualquer ocasião de observação. O primeiro afeta a amostragem total dos eventos que o observador participante faz; o último afeta a totalização das observações feitas cumulativamente através de um conjunto de experimentos. Uma força principal da observação participativa é a oportunidade para aprender através da participação ativa: pode se testar uma teoria da organização de um evento tentando vários tipos de participação nele. As limitações principais são a parcialidade da visão de qualquer evento isolado e, assim a tendência que pode prejudicar a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 107 amostragem em favor de tipos de eventos que ocorrem freqüentemente (porque aqueles são os que compreender mais totalmente através do tempo). vêm a Existe também um prejuízo para com o típico em outro sentido: dados os limites no que pode ser observado durante qualquer experimento, a atenção do observador pode ficar dominada cedo pelo foco da teoria de organização emergente. A observação pode se devotada principalmente para aqueles aspectos da ação que confirmam a teoria, deixando de lado outros aspectos da ação que possam desconfirmá-los. Conseqüentemente, as evidências potencialmente desconfirmadoras são provavelmente menos registradas nas notas de campo do que as evidências potencialmente confirmadoras. Chamei isto em outra parte de uma tendência para a hipertipificação na coleta de dados primária (ERICKSON, 1988). Em contraste ao observador participativo, o analista de documentos audiovisuais não tem que esperar pela ocorrência de casos de um tipo particular de evento. O pesquisador Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 108 revisita um conjunto particular de casos passando novamente a fita ou filme. A habilidade de revisitar o mesmo evento para observações repetidas é a inovação principal na pesquisa documental audiovisual. Deste modo, o analista está livre dos limites das ocorrências seqüenciais dos eventos em tempo real. Ele busca no corpo registrado de fitas por casos de eventos, movendo-as para trás e para frente no tempo e espaço para identificar casos análogos. Esta inovação de revisitar os registros de tempo real de interação nos eventos tem forças e limitações distintas. A primeira força é a capacidade para completar a análise. Por causa (teoricamente) das oportunidades ilimitadas de revisitar o caso registrado, passando-o novamente, há a possibilidade de serem observados uma variedade de focos atencionais. Isto permite uma descrição muito mais completa do que as notas de campo preparadas por um observador participante. Uma segunda força é o potencial para reduzir a dependência do observador em interpretação prematura. Porque um caso registrado pode ser visto novamente, o observador tem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 109 oportunidade de deliberação. Ele pode aguardar julgamentos interpretativos sobre a função (significado) das ações observadas, especialmente nos primeiros estágios do trabalho de campo, quando estas inferências interpretativas podem ser falhas. Na microanálise, a oportunidade de ver e ouvir mais de uma vez permite ao observador chegar muito rapidamente a inferências de intenção, pulando de momento a momento no tempo real. Uma terceira força na análise dos registros audiovisuais é que ela reduz a dependência do observador em eventos que ocorrem freqüentemente como a melhor fonte de dados. Na observação parcial é o evento freqüente que se vem a entender melhor. O evento raro pode ser somente parcialmente entendido. Para o analista de um registro audiovisual, porém, o evento raro pode ser também estudado totalmente através de revisão repetida. A independência dos limites do tempo real em observação produz uma diferença qualitativa profunda na conduta da pesquisa no que caracteriza a observação participante. No Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 110 entanto, o uso de registros audiovisuais como fonte primária de dados tem duas fraquezas ou limitações principais. A primeira e mais fundamental é que repassar um filme ou vídeo-teipe somente permite ao analista interagir com ele vicariamente. Não há a oportunidade de testar as teorias interpretativas de alguém, testando-as como um participante ativo na cena. Tal oportunidade é a marca registrada da observação participativa, mas este tipo de aprendizagem não está disponível para o observador não participativo que repassa um registro audiovisual. A segunda limitação é que a fim de extrair sentido interpretativo do material registrado o analista geralmente necessita ter acesso às informações contextuais que não estão disponíveis no registro. O evento do dia a dia da interação face a face que é registrado está imbuído em uma variedade de circunstâncias: nas histórias de vida e redes sociais dos participantes nos eventos e nas circunstâncias sociais maiores dos eventos, inclusive a composição étnica, de classe social e grupo social dos participantes. MARX disse que as pessoas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 111 fazem a história, mas não nas circunstâncias de sua própria escolha. Analisar a interação que ocorre em um evento particular em relação com às circunstâncias mais amplas de escolha e constrangimento dentro das quais o evento ocorre é o que torna a microanálise etnográfica “etnográfica.” As circunstâncias mais amplas são identificadas, documentadas e coletadas por outros meios diferentes do registro audiovisual, transcrição e microanálise. Ambas as limitações - a ausência de participação como um meio de aprender e a ausência de informações contextuais além da moldura da tela - podem ser sobrepujadas combinando - se a observação participativa e a análise dos dados demográficos e históricos com a análise dos registros audiovisuais (CORSARO, 1982). A descrição da coleção de dados audiovisuais e análise que se seguem presume que a observação participativa foi feita além da filmagem ou gravação em vídeo teipe, de modo a colocar os eventos nas fitas dentro de histórias mais amplas das quais eles fazem parte. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 112 3. Método de coleta de dados: entrada, ótica e obstáculos Entrar e trabalhar em um ambiente como um pesquisador envolve um processo contínuo de negociação, seja alguém um observador participativo que visita o ambiente intermitentemente ou alguém que seja um “observador participativo” continuamente presente como membro. Minha experiência tem sido que a entrada para se fazer pesquisa com observação participante, que também envolva registro audiovisual, não é mais ou menos difícil que a entrada para fazer observação participativa geral. O crescente uso de câmeras domésticas de vídeo desmistifica o processo de registro. A ubiqüidade do “replay instantâneo” em radiações de eventos esportivos torna intuitivamente sensível a noção de que o pesquisador (e freqüentemente aqueles estudados também) irá aprender revendo as fitas das ocorrências do dia a dia. Assim, o registro audiovisual para propósitos de pesquisa é crescentemente fácil de explicar e justificar. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 113 Um obstáculo principal diz respeito ao medo das pessoas de embaraço potencial. O mais sério embaraço poderia resultar da exposição da conduta de rotina das pessoas para seus supervisores no ambiente, se estas pessoas tiverem de alguma forma acesso às fitas. A possibilidade de que audiências de pesquisadores em conferências, ou de estudantes em classes na universidade, poderiam ver as fitas parece muito menos ameaçadora que a possibilidade de avaliação por colegas e superiores imediatos. De acordo com isto, se seguranças explícitas são feitas sobre os limites estritos ao acesso às fitas por outros no ambiente local, então o processo de entrada é enormemente facilitado. Por causa disto, a discussão que se segue enfatiza as questões de acesso as fitas e o consentimento genuinamente informado. Quando estas questões são dirigidas diretamente, a entrada não apresenta problemas especiais. Antes de começar a filmar em vídeo-teipe em um ambiente, há necessidade de explicar os seus propósitos e ter obter consentimento escrito ou verbal daqueles a quem diz respeito Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 114 o estudo. Os procedimentos apropriados para obter o consentimento variam de acordo com as situações. Na maior parte das vezes, estes procedimentos são os mesmos para registro audiovisual e análise e para os tipos mais comuns de observação participativa. Os procedimentos de consentimento para a pesquisa etnográfica são discutidos geralmente em textos padrão (HAMMERSLEY & ATKINSON, 1983). Com registros audiovisuais, a confiança é a questão ética que parece mais importante. É na verdade importante, mas não como uma questão em si mesma. Ao invés disto, a confiança pode ser vista como parte de uma questão mais ampla: a necessidade ética fundamental do pesquisador prevenir que danos sejam causados aos estudados através dos processos pelos quais são estudados. O “dano” varia de acordo com os diferentes tipos de pesquisa. Na pesquisa médica, o dano pode envolver dor física, doença ou mesmo morte. Na pesquisa social, o dano envolve embaraço, punição administrativa ou punição legal. O embaraço é geralmente o dano mais sério que ocorre. Manter a confiança, não Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 115 revelando as identidades individuais dos estudados é um meio pelo qual os pesquisadores sociais reduzem o risco de dano. Na pesquisa etnográfica, no entanto, é freqüentemente difícil mascarar as identidades de todas as pessoas estudadas em um ambiente ou comunidade. As pessoas temem serem filmadas porque isto poderia tirar seu disfarce instantaneamente. Elas poderiam ser registradas fazendo alguma coisa errada e então poderiam ser vistas neste delito por aqueles com poder de embaraçar ou punir. O que é sensível então não é necessariamente o que é registrado, mas quem poderia vê-lo e quando. O risco pode ser minimizado através de acordos negociados sobre quem terá acesso às fitas. Se as pessoas em uma posição de punir nunca forem ver as fitas, ou somente forem vê-las muito depois dos eventos registrados tiverem ocorrido, então o risco de dano de ter sido filmado é bastante reduzido. Em um estudo de interação de sala de aula, por exemplo, se o professor sabe que nenhum dos colegas professores ou Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 116 administradores irá ver as fitas feitas na sala de aula, ou somente irão ver filmes previamente revistos pelo professor, ou ainda que o filme seja feito somente no final do ano escolar, as condições de risco são bem diferentes daquelas que existiriam se o acesso às fitas fosse irrestrito quando o consentimento foi negociado. (Deve ser notado que os estudantes ou auxiliares de classe podem necessitar proteção similar de revisão pelo professor se forem filmados fazendo coisas que o professor não esperaria no curso normal de ensino). Ao contrário, o acesso à revisão da fita poderia ser grande, se cuidadosamente negociado. Por exemplo, em um projeto de pesquisa de ação colaborativa, um grupo de professores e o diretor poderiam concordar em revisar as fitas nas salas de aula logo após o tempo de gravação. Em tal situação, o acesso poderia ser restrito a excluir aqueles de fora da equipe colaborativa, tal como o pessoal do escritório central e os membros da diretoria da escola. Um acordo estipularia que tais pessoas não procurariam acesso às fitas, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 117 enquanto o acesso estaria aberto dentro da equipe de pesquisa de ação. Em cada ambiente particular, os pesquisadores e aqueles que eles estudam devem determinar juntos que tipos de pessoas são susceptíveis a determinados tipos de danos quando vários indivíduos revisam juntos tipos particulares de filmes registrados em molduras de tempo específicas e em circunstâncias sociais distintas sob as quais ocorre a pesquisa. Consentimentos escritos podem ser preparados, de modo a proteger os interesses daqueles mais em risco, dadas as circunstâncias locais particulares. Em todos os casos, armazenar as fitas originais e arquivos de notas sob códigos específicos que não identifiquem os indivíduos ou locais pelo nome, pode ajudar a reduzir o risco e a ansiedade. Os usos a longo termo da fita também podem ser antecipados. Durante as negociações iniciais um comitê ético de revisão pode ser estabelecido para o projeto. Tal comitê poderia decidir sobre os usos futuros das fitas após o trabalho de campo ser completado ou mesmo um relatório final ser Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 118 preparado. A microanálise leva tanto tempo, que é do interesse do pesquisador ser capaz de identificar as fitas para estudo futuro; porém, isto necessita ser feito de um modo eticamente responsável. Em meu trabalho anterior, negociação completa dos usos de filme registrado, longe de tornar as pessoas ansiosas, reduz seus medos e torna o processo do registro audiovisual algo comum e compreensível. Este não é somente valioso para as pessoas estudadas, mas também para o pesquisador. Especialmente quando inexperiente em usar registro audiovisual em um estudo etnográfico, o pesquisador pode ficar ansioso demais sobre a mística da maquinaria e seus usos. Se o mesmo pensa na câmera como um olho penetrante e nas fitas como radioativas e pulsantes enquanto estão na gaveta, aquela ansiedade será comunicada às pessoas que estiverem sendo estudadas. Em outras palavras, a prudência e a abertura ao negociar as questões éticas envolvidas na filmagem não somente impedem quebras de ética mas também reduzem a sensibilidade da filmagem e das projeções Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 119 que podem surgir em torno dela para todas as partes envolvidas, inclusive o pesquisador. O mesmo é verdadeiro para o processo do registro audiovisual no campo. BYERS (1966) notou que as câmeras não tiram retratos, as pessoas sim. O registro de campo é uma transação humana, exatamente como todas as outras interações durante a pesquisa observacional participativa. Se o pesquisador é de confiança e não causa obstáculos na cena da pesquisa, então o equipamento também o será. Se a pessoa do pesquisador é de algum modo suspeita, então o equipamento também será suspeito. As mesmas atividades pelas quais a inter-relação e confiança foram estabelecidas pelo pesquisador humano no ambiente - seguindo a negociação eticamente responsável da entrada - são aquelas pelas quais o processo de registro fica longe de ser um obstáculo. Segue-se que os esforços para reduzir a visibilidade da gravação (ex: espelhos de um lado só e microfones escondidos) não são necessários. Se as pessoas sendo Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 120 filmadas sabem sobre isto e concordam com os propósitos da filmagem e confiam no pesquisador, o equipamento de vídeo não será um obstáculo como não o é um caderno de notas ou um gravador. Uma nota de aviso é necessária, porém. É importante que o pesquisador esteja familiarizado com o equipamento e sua operação. Antes de entrar em cena, é bom ensaiar como gravar totalmente em todos os seus estágios: carregar o equipamento em um espaço, posicioná-lo, gravar, retirá-lo e empacotá-lo e levá-lo embora. Isto é especialmente importante quando estiver trabalhando com uma equipe de pesquisadores. Cada membro da equipe deve estar familiarizado com o que necessita ser feito de modo que o equipamento e as relações de trabalho dentro da equipe possam ser manejados suavemente. Quando possível, é também bom trazer o equipamento para o ambiente e testá-lo antes da gravação regular começar, verificando as condições de iluminação, localização dos microfones, qualidade do som e da imagem e assuntos do trabalho em equipe. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 121 Uma vez começado o registro, simplicidade é a palavra-chave. O filme de pesquisa mais útil é feito dos modos técnicos mais simples. A câmera não se move muito, tantas pessoas o quanto possível aparecem dentro da moldura visual e a filmagem é contínua por longas faixas e interação no cenário. Isto é o oposto ao modo com que os filmes documentários editados por estúdio aparecem em um filme acabado ou como um filme de vídeo caseiro “câmera-editado”, em uma tentativa de imitar as convenções da narrativa do filme documentário. Para uso como um documento de pesquisa primário, um registro em vídeo necessita somente três coisas: (1) moldura visual que seja consistente através do tempo (não aproximando nem distanciando muito ou indo de um lado a outro para ênfase narrativa), (2) uma imagem clara e (3) um som claro. Na abordagem da microanálise discutida aqui, as seqüências contínuas de atividade são enfatizadas, porque a interação em seu sentido completo é o fenômeno de interesse da pesquisa (ex: que toda a atividade verbal e não verbal dos parceiros Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 122 interacionais esteja contribuindo para a ecologia social total de comunicação no evento). Daí, ao fazer o filme de pesquisa primário, não é necessário mover o equipamento ou ajustá-lo de modo tão freqüente como quando se está fazendo um filme documentário. A câmera pode ser colocada em um tripé, virada e retirada freqüentemente se a ação que está sendo registrada permanece estável em frente da mesma. Mesmo com uma câmera manual podese mover lentamente e suavemente. Pelo uso judicioso e lento das lentes zoom, pode-se evitar chegar junto das pessoas cuja interação está sendo registrada. Deve ser mencionado que tem havido considerável debate sobre os méritos relativos de filmar para propósitos de pesquisa com uma câmera fixa ou móvel. Algumas das questões neste debate são resumidas por GRIMSHAW (1982: 121-144) que argumenta por uma câmera móvel. Dada a análise feita neste capítulo, porém, a filmagem com uma câmera relativamente fixa é a mais apropriada, especialmente nos primeiros estágios do registro de campo. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 123 Manter a câmera relativamente estacionária em um tripé, ou mesmo manual e incluir dentro da moldura visual tanto quanto possível todos os corpos dos participantes do evento interacional que esteja sendo registrado, propicia documentos de pesquisa mais compreensíveis. É bom começar a gravar alguns minutos antes do evento no qual estiver especialmente interessado começar e continuar a gravar por alguns minutos após julgar que o evento terminou. (“Inícios” e “fins” são julgamentos analíticos feitos por pesquisadores e membros. No início de um estudo, suas noções dos limites do evento podem não combinar com aquelas dos membros. Além disto, a atividade dos membros no pré início e pós conclusão dos eventos freqüentemente parece ser significativa quando se está revendo o filme; assim, registrar material que possa parecer na cena ser extra filme freqüentemente aparece como útil mais tarde.) Existem arranjos, naturalmente. Sacrificam-se os detalhes visuais e auditivos pela compreensão no registro. Enquanto a observação participativa continua e você se torna mais Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 124 familiar com a organização dos eventos de rotina que estão sendo registrados, você pode desejar se tornar mais seletivo no registro para aumentar os detalhes visuais e auditivos. Para maior seletividade visual você poderia estreitar as filmagens usando de algum modo as lentes zoom ou poderia segurar a câmera. Para maior seletividade auditiva, você poderia usar microfones suspensos do teto, um “microfone espingarda” seguro por um assistente, ou um microfone sem fio de rádio colocado sobre um dos participantes que você está registrando. Sua filmagem poderia ser ainda mais ampla (na moldura visual e auditiva) do que em documentário comum ou transmissão de filmagens. Isto tornará os filmes não tão bonitos e o som mais penetrado pelo ruído ambiente do que na filmagem profissional, mas seu filme será mais útil para a microanálise. Certifique-se de evitar a convenção de “show de fala”do cinema e tele-difusão de mover a câmera para trás e para a frente entre os que falam quando é sua vez de falar. Tanto quanto possível mantenha participantes relevantes na moldura visual. todos os Os detalhes Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 125 visuais que você sacrifica (e as partes de trás do pescoço de alguns participantes que você irá filmar) valerão a pena por causa do valor da filmagem compreensiva que o torna capaz de ver as reações dos ouvintes enquanto o que fala o estiver fazendo. Isto porque as interações são o fenômeno de interesse, e a interação é mutuamente construída nas atividades simultâneas dos que falam e dos que ouvem, a moldura visual necessita incluir tantos ouvintes quanto possível, juntamente com os que falam. Especialmente nas salas de aula, pode ser útil usar dois sistemas de gravação simultaneamente. Uma câmera estacionária, filmando continuamente com um ângulo largo e registrando o som com o microfone da câmera, pode ser usada junto com uma câmera portátil que registra o som com um microfone externo e registra uma moldura visual focalizada mais estreitamente. Desta maneira se maximiza tanto o escopo documentados. como especificidade nos eventos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 126 Uma nota final sobre registro. Quando comprar equipamento, é bom procurar uma câmera com um aspecto de cronômetro digital pelo qual a hora em minutos, segundos e microsegundos pode ser impressa na fita quando ela é inicialmente registrada. Durante o play-back o cronômetro é visível na tela. Isto é muito útil para a análise subseqüente. Se você não puder registrar uma imagem de cronômetro digital na película original, então use um gerador de hora/data para registrar uma imagem de relógio em uma cópia de trabalho do original. (Seu orçamento de pesquisa deve incluir, além do filme que você planeja fazer no campo, 25% de filme adicional para copiar para a microanálise posterior. Não use seu filme original para analisar: Sempre o copie primeiro.) Os filmes devem ser armazenados com etiquetas, contendo os códigos para indivíduos e locais (não os nomes reais) e a data da gravação. Se forem escritas notas de campo, elas devem ser arquivadas usando o mesmo código de identificação e a mesma ordem de série que as fitas. Mesmo se não foi possível escrever notas de campo contínuas enquanto registrava, deve- Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 127 se manter notas em rascunho indicando as horas em que os eventos mudaram durante o tempo de registro. Um cartão resumindo as atividades registradas e suas durações pode ser preso à fita ou arquivado separadamente para ser usado como um índice a grosso modo durante a análise subseqüente. As notas de campo devem indicar também as horas reais nas quais a atividade se elevou durante a gravação. Estas notas servem como uma função de indexação. Ter um índice economiza muito tempo na revisão posterior das fitas. 4. Questões sobre análise de dados Como uma observação participativa comum, a análise realmente começa no próprio campo. Escolher que eventos ou pessoas registrar envolve tomar decisões analíticas iniciais. Moverse para maior seletividade visual e auditiva em estágios posteriores da gravação representa outro conjunto de julgamentos analíticos. A maior parte do trabalho analítico, porém, é feito após o trabalho de campo estar completado. A abordagem da análise revista aqui é discutida em maiores detalhes em ERICKSON (1982) e em ERICKSON & SHULTZ Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 128 (1982). Na essência, ela procede similarmente à análise de outros tipos de dados observacionais participativos: começase considerando os eventos como um todo, continua por decompô-los analiticamente em fragmentos menores e então conclui recompondo-os em um todo. O último dos três estágios distingue a microanálise etnográfica do trabalho analítico detalhado tal como a análise morfofonêmica e fonética na lingüística ou a análise micro-comportamental na psicologia. Na moderna análise do discurso em lingüística, unidades pequenas, uma vez identificadas analiticamente não são freqüentemente recompostas no relatório de pesquisa. A reconstrução etnográfica dos fenômenos detalhados do comportamento interacional volta então a um nível de ação social seqüencialmente conectada, como vista em um tipo de compreensão narrativa que é semelhante à mantida pelos atores nos eventos em si. Os estudos de casos microanalíticos de interação que resultam se tornam parte das estórias maiores e conjuntos de estórias dos quais o relatório de um etnógrafo é construído. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 129 5. Estágio um: revisar o evento todo Usando o filme original, começa-se por revisar um evento todo a velocidade regular, sem parar em nenhum ponto do caminho. Iniciando a revisão alguns minutos antes do início do evento mencionado e continuando a revisão alguns minutos após o final do evento mencionado, o pesquisador observa, ouve e escreve o equivalente a notas de campo que descrevam a atividade na fita. As notas identificam as localizações aproximadas em tempo das principais elevações de atividade dentro do evento e identificam faixas de ação verbal e não verbal que possam ser de especial interesse em vários pontos. 6. Estágio dois: partes constituintes principais identificadoras do evento As localizações dos limites principais de segmentos são verificadas em uma segunda visão, durante a qual o pesquisador pode passar a fita para trás e para frente através de um limite mencionado para identificá-lo mais precisamente. Freqüentemente existem ao menos três partes seqüenciais principais em um evento interacional: uma fase de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 130 início, uma fase de foco instrumental principal e uma fase transição ao próximo evento. A parte central do evento pode às vezes ser mais diferenciada, como o podem ser as fases de abertura e fechamento. Mudanças na arrumação física dos participantes no espaço freqüentemente acompanham as mudanças na arrumação local. A atenção às mudanças na arrumação física pode fornecer pistas para mudanças sutis na natureza da atividade no evento. A postura, olhares trocados e distância interpessoal definem os padrões das relações físicas entre os participantes, chamadas formações-F por KENDON (1990: 209-237). Os papéis relacionais, identidades sociais e hierárquicas são aspectos do padrão total da organização social, chamada a moldura de participação por Goffman (1981:137) e a estrutura de participação social por ERICKSON & SHULTZ (ERICKSON & SHULTZ, 1977, 1982: 17-18; ERICKSON, 1986 e1990). Geralmente de uma fase constituinte principal de um evento para o próximo existe uma arrumação na formação em F e na estrutura de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 131 participação social. Como a atividade muda de momento a momento, assim acontece com a ecologia das relações entre os atores sociais. 7. Estágio três: aspectos identificadores da organização do evento principal Tendo identificado os limites dos segmentos principais do evento, o pesquisador examina segmentos particulares de interesse. Estes serão freqüentemente encontrados contendo partes constituintes ou subsegmentos. Os limites dessas partes são identificados, usando-se a mesma abordagem empregada no estágio dois. Várias faixas seqüenciais de atividade serão identificadas. Neste nível de análise, as faixas de fala ou de ação não verbal são identificadas pela fala tipicamente conectada e pelos vários tipos de rotinas de discurso, ou ainda podem ser definidas primariamente por seqüências conectadas de ação não verbal (ex: uma criança empilhando uma série de blocos e então os derrubando, um professor e um aluno arrumando aparato de laboratório para uma experiência de química). Dentro das faixas assim definidas, o analista define a estrutura de participação social Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 132 em detalhes ainda maiores do que no estágio dois, especificando as contribuições participantes do evento. relativas dos vários Por exemplo: em uma faixa, um falante primário pode ser acompanhado por alguns ouvintes que falam um pouco enquanto ouvem e por outros ouvintes que mostram atenção por olharem e aquiescerem. Na próxima faixa, três falantes primários podem sobrepor suas falas, enquanto os membros restantes da audiência mostram atenção verbalmente e em rápidas falas. Poderíamos caracterizar as duas faixas globalmente dizendo que a participação foi mais animada na segunda do que na primeira. Mais precisamente, porém, poderíamos identificar uma mudança na ecologia da participação social notando que existiu um falante primário na primeira faixa, recebendo dois tipos diferentes de atenção de diferentes partes da audiência, enquanto na segunda faixa a participação se dividiu em dois tipos principais: o dos três falantes primários e o do resto do grupo como audiência. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 133 A ênfase aqui está nas relações dialéticas e ecológicas da influência mútua entre os participantes do evento, não nas ações de pessoas individuais consideradas isoladamente das ações dos outros. 8. Estágio Quatro: Foco nas Ações dos Indivíduos O quarto estágio envolve a transcrição detalhada do comportamento verbal e não verbal dos indivíduos nas faixas de ação conectada seqüencialmente que foram identificadas no estágio três. lingüistas, Aqui os tipos de transcrição feitos pelos analistas de discurso e pesquisadores em comunicação não verbal são preparados. A transcrição é teoricamente guiada; isto é, as convenções de transcrição variam dependendo dos propósitos analíticos do pesquisador (para discussão, ver OCHS, 1979). Idealmente uma transcrição deve mostrar as relações entre a atividade dos vários participantes. Por exemplo, se a fala de uma pessoa é mostrada, as ações não verbais de ouvir, simultâneas de um ouvinte, podem ser mostradas na transcrição de tal modo que não somente a ocorrência da ação não verbal do ouvinte é Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 134 notada, mas sua posição seqüencial (e, possivelmente, sua duração em tempo real) em relação à fala do falante que é mostrada. Neste nível de detalhe, as diferenças culturais nas maneiras costumeiras de organizar a interação se tornam mais aparentes. As maneiras culturalmente diferentes de organizar a condução específica da interação podem confundir os estudantes, tornando eventos que estejam organizados de maneiras culturalmente não familiares, tipos bem distintos de ambientes de aprendizagem para eles subjetivamente, em contraste com eventos nos quais os padrões de organização interacional que ocorrem sejam culturalmente familiares. Tais diferenças na organização detalhada da interação podem produzir para a experiência de eventos assim organizados tipos muito qualitativamente diferentes de ambientes de aprendizagem para as pessoas de diferentes origens ou disposição temperamental. Este é o motivo pelo qual uma compreensão detalhada da organização comportamental dos eventos interacionais tem significado potencial na pesquisa Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 135 educacional: pode ajudar-nos a entender porque diferentes tipos de interação nas situações de ensino e aprendizagem podem ser experimentados como mais ou menos educativos (ver a discussão em CAZDEN, 1988: 99-135). 9. Estágio cinco: análise comparativa de casos ao longo do corpo da pesquisa A microanálise, neste nível de detalhes descrito no estágio quatro, é feita em faixas de interação que são ou típicas ou atípicas da interação que ocorre geralmente dentro do corpo de interação gravado, dentro do corpo maior da interação que foi observado e documentado nas notas de campo, mas não foi registrado. Após preparar uma microanálise de um único caso, ou de alguns casos, é necessário demonstrar a representatividade dos casos. Isto é feito buscando-se no corpo de registros e notas de campo outros casos que sejam análogos ao primeiro. A analogia pode ser ao nível do evento nomeado mesmo (ex: todas as lições de leitura com um certo grupo de estudantes podem ser buscadas e revistas); pode ser ao nível de uma função específica ou atividade interacional (ex: buscar todos os casos de interação nos quais alguém usou Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 136 humor para persuadir, ou todos os casos nos quais o professor redirecionou a atenção dos estudantes após eles terem se distraído). As amostras do conjunto total de casos análogos são analisadas mais globalmente, em menos detalhes do que a primeira. Os casos típicos e atípicos podem ser comparados e suas freqüências relativas são relatadas em quadros sinóticos ou quadros de freqüência. Mesmo se cada caso possível no corpo não seja analisado, o pesquisador deve demonstrar que ele buscou no corpo inteiro, exaustivamente. Deste modo o pesquisador pode declarar que casos discrepantes possíveis, que poderiam invalidar as conclusões, não foram inadvertidamente ignorados. A pesquisa sistemática por padrões de generalização dentro do corpo reforça o argumento da representatividade dos casos escolhidos para a microanálise. Assim, a microanálise etnográfica é feita pelo método da indução analítica de identificar fenômenos significativos e dimensões de contraste. Esta é a mesma abordagem indutiva da resolução progressiva de problemas que caracteriza a etnografia geral e tipos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 137 relacionados de pesquisa social qualitativa (ver a discussão clássica por LINDESMITH (1947) e a discussão mais recente por HAMMERSLEY & ATKINSON (1983) e ERICKSON (1986 e 1990)). Como os casos análogos são identificados? As faixas de interação dentro das fases constituintes principais dos eventos interacionais completos exibem relações funcionais de interesse (ex: uma maneira particular de persuadir ou explicar, uma configuração particular de atenção da audiência e sua influência sobre o falante, uma organização rítmica particular de atividade não verbal e fala). Estas atividades dentro dos eventos são identificadas e buscadas através de muitos eventos interacionais diferentes que são nomeados pelos participantes. Na pesquisa em sala de aula, por exemplo, os padrões de atenção da audiência que influenciam os falantes podem ser investigados observando-se microanaliticamente faixas comparáveis de fala a audiências em lições de matemática, em lições de artes da linguagem, em Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 138 discussões de início da manhã e em interações entre estudantes no playground. A organização da atenção da audiência varia sistematicamente através de diferentes tipos de falantes e diferentes combinações de membros de audiência? Ela varia através de momentos estratégicos diferentes dentro dos eventos? A atenção da audiência é tipicamente diferente no início de certos tipos de eventos de classe do que nos finais de tais eventos? Tais questões de comparação podem ser respondidas identificando-se casos através de diferentes eventos e através de diferentes fases dentro deles. As notas gerais feitas nos estágios um e dois da revisão do vídeo-teipe servem como um índice para a comparação dentro e através de eventos que foram registrados no corpo de interação. As informações derivadas da observação participativa e intervenção também têm um lugar na microanálise comparativa de casos. As identidades sociais locais especiais, atitudes e costumes (bem como identidades e culturas mais gerais que variam ao longo de linhas de classe, sexo, raça ou Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 139 etnicidade) podem pesar significativamente na organização da interação que está sendo estudada. Por exemplo, em uma classe do início do primeiro grau, a melhor leitora entre as meninas pode tipicamente receber um tipo de atenção diferente dos seus companheiros do que o recebido por uma garota que não é uma boa leitora; as crianças inglesas que são leitoras medíocres podem receber atenção dos seus companheiros bastante diferente do que recebem as latinas que são leitoras medíocres. O conhecimento do pesquisador, através do conhecimento e intervenção de um professor ou pai, também pode modelar a interpretação analítica daquela interação do adulto com uma criança. Para evitar invocação ao azar de informações de base para "explicar” o que pode ser visto no material registrado de pesquisa, é necessário disciplinar o uso interpretativo das informações além da tela. Uma boa regra é localizar as informações de base somente em relação a evidências precisas de comportamento disponíveis através da gravação. Por exemplo, se certos tons de voz ou expressões faciais foram Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 140 usados no comportamento de escuta dos estudantes somente quando o melhor leitor entre as meninas estava falando para eles, então a inferência de que sua identidade social como uma excelente leitora foi relevante para o tipo de atenção que ela recebeu de seus companheiros é mais justificada que se aquele tipo particular de comportamento de audição fosse dado a uma mais larga variedade de falantes. 10. Conclusão A microanálise de interação na etnografia da educação foi discutida em um trabalho que começou comparando a microanálise com a observação participativa, continuou descrevendo as questões éticas e de procedimento na coleta de dados e concluiu revisando questões de análise de dados. As conexões entre a etnografia geral e a microanálise foram enfatizadas em todo o trabalho. É de se notar que mesmo quando o foco analítico está mais estreito e mais preciso na transcrição das ações de indivíduos, em detalhes comportamentais muito pequenos, esta abordagem enfatiza a ecologia social e cultural do significado Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 141 e a ação, exatamente como o faz a etnografia mais geral. Este não é um "micro” estudo isolado dos processos macro-sociais, nem é comportamentalista em orientação, apesar de sua estreita atenção a detalhes do comportamento interacional. A transcrição e a análise se focalizam nas relações de influência mútua que ocorrem entre os participantes, inclusive nas relações ecológicas entre falantes e ouvintes que ocorrem durante o tempo real de acontecimento da interação. O de interesse na interação, como é socialmente e culturalmente organizada, é assim vista analiticamente e caracterizada no relatório como fundamentalmente social, um assunto das ações de vários participantes constituindo ambientes de significado e influência para as ações dos outros. Assim, esta abordagem não relata simplesmente o que um ator social isolado faz em um momento particular. Ao invés disto, ela mostra professores e aprendizes, em quaisquer combinações e em quaisquer cenários que possam ser encontrados, como constituindo mutuamente a atividade um do outro em Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 142 ambientes vivos de aprendizagem que se estendem através de momentos sucessivos no tempo real. Temos assim a microanálise etnograficamente orientada, não somente porque tenta uma descrição cultural das ações comunicativas e de seus significados locais, mas porque tal microanálise fornece uma perspectiva holística sobre a conduta da interação e dos processos pelos quais a aprendizagem humana e mudança têm lugar. Fundamentalmente, esta análise não é “micro”, mas “macro” em seus interesses, exatamente como a microbiologia e o DNA e RNA têm importância fundamental no estudo da ecologia. A microanálise etnográfica retrata a interação humana imediata como atividade coletiva de indivíduos em relações institucionalizadas que, atuando localmente na vida diária de modos reincidentes, estão reproduzindo e transformando suas próprias histórias e a da sociedade maior dentro da qual eles vivem. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 143 11. Referências AU, Kathryn H. 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Reprint from Language Arts, March 1989. Pp. 430-440. Nota do Editor original - Muito da vida é uma procura de colaboração bem-sucedida sejam os colaboradores participantes de sala de aula, membros de família, escritores ou atletas de um time. Nesta última publicação do ano acadêmico, Frederick Erickson discute os significados da colaboração sob sua perspectiva como participante em pesquisa de sala de aula. Leitores vão reconhecer temas familiares entrelaçados ao longo desta história de desenvolvimento: temas como o diálogo como um modo primário de interação, o papel e a natureza da pesquisa de sala de aula, aprendizagem como fortalecimento, colaboração no ensino e pesquisa com a convivência com dilemas. Conforme ele apresenta o que a colaboração foi para ele, Erickson também nos fala o que ela não foi: a colaboração não foi um processo de alcançar um pleno acordo entre os participantes, nem foi a execução do acordo sob metas curriculares. Ao contrário, a colaboração foi uma negociação contínua e nunca simples dos diferentes pontos de vista dos participantes, com o objetivo de compreender esses enfoques e melhorar a educação na escola participante. Com a sua estória, Erickson lembra a coluna de Maxini GREENE (1988), primeira deste ano acadêmico: Para ela, promover a clareza de expressão em público e o compartilhamento de crenças é o objetivo das artes da linguagem numa sociedade democrática. As negociações entre Erickson e seus colaboradores os ajudaram a progredir em direção a uma meta. Através desta colaboração, eles criaram uma comunidade de alunos e professores que se aperfeiçoaram juntos, Frederick Erickson é professor de Educação e Coordenador da Divisão de Liderança Educacional da Escola de Graduação em Educação da Universidade da Pensilvânia. Entre suas muitas publicações “The Counselor as Gatekeeper” ( com Jeffrey J. SHULTZ, Academic Press, 1982) e os capítulos do Manual de Pesquisa no Ensino – “Handbook of Research on Teaching”- (Macmillan, 1986) e o livro do ano 1986 – “1986 Yearbook”- da Associação para Supervisão e Desenvolvimento Curricular têm tido influência, especialmente, em expandir o entendimento de educadores sobre pesquisa qualitativa e seu potencial para sustento humano e para discussões razoáveis sobre dilemas da educação. C.G/ A.H.D. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 147 educacional do ensino que favorece o raciocínio e o entendimento dos estudantes e o fortalecimento profissional de professores. Colaboração parece ser uma condição necessária se a prática no ensino for aprimorada de forma fundamental e duradoura. No entanto esta mudança pode ser meramente cosmética e passageira o que é sempre um perigo quando começamos a falar sobre aperfeiçoamento ou sobre reforma nas escolas. Deveríamos colocar de maneira a mais clara possível o nosso objetivo em relação à colaboração na profissão de ensinar. Pensemos sobre o que a palavra em si mesma pode significar ao ser usada na linguagem comum. Colaboração significa trabalhar junto de modo que possibilite o intercâmbio de ajuda mútua. A troca de ajuda deve ser genuína e não apenas uma ação que parece ajuda - manifestando- se através dos gestos mutuamente úteis. Colaboração como ajuda mútua tem pelo menos dois aspectos fundamentalmente diferentes; pode afetar tanto a quantidade de trabalho como a qualidade deste. Em termos de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 148 quantidade de trabalho, a articulação dos esforços dos parceiros permite a todos realizarem mais como grupo, do que qualquer outra pessoa trabalhando sozinha. Porém, ao usarmos o termo colaboração, ele não se refere apenas à quantidade de trabalho que é feito, mas também expressa algo sobre a qualidade de vida do trabalho que ocorre. Parece que assumimos que ter colegas genuinamente úteis um ao outro, realça o trabalho individual de cada colega, fazendo o trabalho deles ser mais fácil ou menos solitário ou, ter mais sentido, ou de alguma outra forma ser mais satisfatório do que se o mesmo trabalho fosse feito sozinho. Nós também esperamos que ao longo da colaboração resulte um produto de melhor qualidade. Colaboração não produz sempre os melhores processos de trabalho e os melhores produtos. Poesia, por exemplo, é provavelmente melhor escrita por um único autor. Mesmo o poeta, no entanto, tem que se considerar escrevendo para audiências passadas e futuras. Alguns tipos de trabalho somente são bem feitos de forma colaborativa. Acredito que o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 149 ensino é um exemplo disso; requer colaboração se for para ser bem feito. Nada duradouro pode ser executado de maneira educacional sem alguma acomodação mútua e sem pensamento compartilhado por professores e seus alunos, que são seus principais colaboradores. Quando tentamos ensinar sem colaboração dos que estão aprendendo, nós deturpamos o ensino de forma quase irreconhecível, inibindo os tipos de aprendizagem possíveis. Se esta suposição está correta, então colaboração não é uma opção que devemos acrescentar se nós quisermos fazer o ensino ser mais agradável ou mais atualizado. Mais precisamente, a colaboração pode e deve ser a condição essencial para o sucesso da prática profissional dos professores e alunos. Todavia, é muito fácil assumir romanticamente que a colaboração entre professores, estudantes, administradores e pais - é um benefício puro, tão vantajoso para o espírito como para a produtividade no trabalho. Quando nós colocamos um peso muito grande na colaboração, nós podemos considerá-la capaz de resolver tudo - esgotamento do professor, alienação Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 150 e baixo rendimento do estudante, decisões dos administradores arbitrárias e mal direcionadas, hostilidade por parte dos pais, irrelevância na pesquisa educacional e impraticabilidade das prescrições para a reforma educacional. Espero que, dentro de poucos anos, nós olhemos a colaboração de forma crítica para tentar ver onde ela é essencial no trabalho de ensinar e onde ela não é essencial e, talvez mesmo, inapropriada. Colaboração suscita velhos temas e dilemas do ensino: Como pode alguém planejar com antecedência e também responder aos interesses imediatos dos estudantes à medida que eles se tornem aparentes durante a lição? Como pode alguém confiar nos estudantes com autoridade compartilhada (ou administradores para este assunto) e mesmo assim estabelecer limites para preservar a integridade de alguém? Como podem interesses rivais serem resolvidos quando o que estudantes e professores querem ou o que administradores e professores querem está em conflito? Se estes forem dilemas verdadeiros conflitos inerentes entre mercadorias igualmente valiosas - Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 151 então eles não são "problemas" capazes de terem "solução", mas tensões que devem ser vividas continuamente na prática de ensino. O discernimento dos problemas pode ajudar-nos a conviver melhor com os dilemas, mas nós não devemos esperar que mesmo um profundo discernimento vá prover um "arranjo" para os dilemas do ensino colaborativo. É preciso, definitivamente, conviver com os dilemas ! 5 Alguns tópicos considerando de três colaboração diferentes tipos são de aqui ilustrados, relacionamentos colaboradores no ensino: colaboração entre professores e alunos, entre professores e administradores e entre professores e pesquisadores. Começarei com a última dessas associações, porque é ao longo desta pesquisa e da ação colaboradora com os professores que tenho aprendido muito sobre relacionamentos colaboradores na profissão. 1. Professores e Pesquisadores em Colaboração Em fevereiro de 1985 me envolvi em um projeto com professores do grau primário e diretores que combinaram 5 Para mais discussão sobre a idéia de que na prática do ensino enfrentamos dilemas que não têm solução mas que é preciso conviver com eles, veja Lampert, 1985 Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 152 pesquisa colaboradora com desenvolvimento de equipe . 6 Quatro colegas da universidade, um professor colaborador (um experiente professor contratado para meio expediente pelo instituto de pesquisa da universidade), e dois estudantes graduados se encontravam regularmente com três professores de primeiro grau e o seu diretor. A equipe com base universitária ultrapassava em número a equipe básica da escola e isto poderia ter levado à coação. Não levou. Isto ocorreu, em parte, porque os professores sustentaram sua própria força como experientes profissionais, e também devido a um acordo explícito feito, desde o início, pelos participantes do projeto que as direções para a reflexão sobre a prática e para a mudança elaboradas em conjunto passariam a ser identificadas pelos próprios professores e não por administradores ou por pesquisadores da universidade. Nenhum de nós sabia como orientar a equipe direcionada 6 O projeto intitulado "Teacher Development and Organizational Change", foi patrocinado pela Universidade do Estado de Michigam financiada pelo Instituto Nacional de Educação. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 153 para o desenvolvimento do professor, mas aquilo foi o que nós tentamos. Creio que uma outra razão para que o nosso trabalho tenha se desenvolvido como colaboração genuína é porque ele foi estruturado sistematicamente como diálogo. Cada semana todos os participantes trocavam apontamentos em jornais de diálogo. Em intervalos regulares nós nos encontrávamos em sessões de planejamento onde mantínhamos diálogo face a face. Oralmente e por escrito os professores e o diretor relatavam um para o outro as reflexões sobre a própria prática e exprimiam seus interesses e preocupações em relação à mudança. Reuniões e intercâmbio em jornal com os visitantes universitários na escola e nas salas de aula forneceram uma oportunidade para ocorrer uma troca mais intensa de opiniões entre os professores e o diretor do que em qualquer outra situação. Nas reuniões, a equipe com base universitária também tinha voz. Eles relatavam suas observações como visitantes - visitantes freqüentes, mas ainda alheios à prática Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 154 diária. Eles exprimiam seus interesses, preocupações e opiniões sobre o ensino e a administração da escola. Eu nunca tinha experimentado como pesquisador trabalhando com professores uma troca de idéias tão completa e franca. Por que foi assim? Porque eu acho que no trabalho anterior com professores, meu papel como pesquisador etnográfico inibiu o diálogo com eles. Tenho me especializado em aprofundar a observação participante de longo-prazo de professores, individualmente, algumas vezes chamado de "etnográfico", "qualitativo" ou "naturalístico" no qual muitas relações se desenvolvem e os professores falam de sua aprendizagem por terem sido estudados . É claro que 7 nesta abordagem, pesquisadores chegam mais próximo dos professores do que em qualquer outro tipo de pesquisa educacional. Contudo, há ainda uma barreira à colaboração total. O pesquisador percorre grandes distâncias para evitar o 7 Meus pontos de vista sobre esta abordagem estão apresentados em Erickson 1986. Nesta discussão eu concluí exprimindo a esperança de que tal pesquisa sobre aprendizagem iria cada vez mais ser feita pelos próprios professores, ou pelos professores orientadores e/ou pesquisadores da Universidade. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 155 julgamento e a interferência na prática normal do professor. O pesquisador tenta evitar junto com os professores afastar os relacionamentos de poder desigual que eles tiveram no passado com visitantes que foram às suas salas de aula como supervisores ou avaliadores. Apesar do pesquisador tentar arduamente não julgar ou influenciar o professor, alguma coisa artificial se desenvolve no relacionamento entre pesquisador e professor. O relacionamento torna-se um pouco como aquele entre um terapeuta não-diretivo e seu cliente. Em entrevistas de pesquisa etnográfica, por exemplo, o papel do pesquisador é, freqüentemente, o do terapeuta estereotipado, repetindo e parafraseando o que o paciente acabou de falar. Este tipo de entrevista não é um diálogo porque o entrevistador não adiciona conteúdo (ao menos idealmente). O entrevistado conta todas as estórias. Na conversação ordinária os parceiros trocam estórias, tal como professores fazem: “Aquilo aconteceu com você? Algo parecido aconteceu uma vez Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 156 comigo. Eu estava carregando os livros de matemática quando..." Em pesquisa etnográfica tradicional, o pesquisador sempre se auto-censura, conta relativamente pouco da própria estória dele e, em conseqüência, nunca chega a dizer o que ele pensa ou quer! Isto pode ser bastante libertador para o professor que está trabalhando com um pesquisador etnográfico, da mesma forma como falar com o terapeuta pode libertar o paciente de julgamentos internos e externos que são desagradáveis e abruptos. Mas nem a entrevista terapêutica nem a etnográfica são um diálogo verdadeiro porque ambos os parceiros não são colaboradores iguais no compartilhamento de idéias. Em nosso diálogo escrito e oral no projeto, os professores exprimiram preocupação com "gerenciamento". Cada um tem ensinado pelo menos por 12 anos. Eles se sentiram sobrecarregados devido ao número de coisas pelas quais eles eram responsáveis: comportamento do estudante, trabalho escrito, aproveitamento escolar do estudante e bem-estar emocional do estudante e dos próprios professores. "Cem por Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 157 cento de responsabilidade", foi a maneira que colocou um professor. Outra professora disse que ela se deparou, ocasionalmente, se sentindo responsável pelas situações das crianças quando a vida dentro de casa era difícil. Estes foram professores conscienciosos. Eles acharam o trabalho deles solitário e o encargo de "cem por cento de responsabilidade" exaustivo. A equipe de base universitária percebeu as coisas de forma diferente. Nós podíamos ver as frustrações dos professores com a administração e a responsabilidade pessoal. Porém, alguns de nós estávamos preocupados com o "currículo" relacionado às preocupações expressas pelos professores com o gerenciamento. Um de nós era especialista em artes de linguagem e no ensino da escrita. Nós identificamos problemas no ensino tradicional de leitura nas salas de aula, nos grupos de leitura ordenados segundo a habilidade reunidos um por um, enquanto o resto da sala fazia trabalho sentado (individualizado) - completando páginas de livros de exercícios e cópias de papéis que forneciam a prática em Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 158 habilidades específicas de leitura e matemática. À medida que o tempo do grupo de leitura passava, o "gerenciamento" perdia entusiasmo, e enquanto alguns estudantes acabavam rapidamente o trabalho sentado e mudavam para outras coisas (incluindo leitura de livros num canto da sala), outros permaneciam nos trabalhos sentados e pediam ajuda a outros estudantes ou desistiam frustrados de seu trabalho. Se os alunos do trabalho individualizado pediam ajuda a outros alunos ou começavam a tagarelar ou cochichar com outros colegas para se divertirem, as suas ações, vistas da cadeira do professor, pareciam ser no grupo de leitura uma "conversa com seu vizinho" o que não era permitido porque era visto como "fora da tarefa". Além disso, após o trabalho ser terminado, o professor tinha que encarar a correção de todos estes trabalhos. Os produtos desse trabalho individualizado foram juntando-se à carga de trabalho com os papéis dos professores. A um número de pesquisadores da universidade parecia que estas maneiras de ensino da leitura e da escrita estavam Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 159 exacerbando o gerenciamento dos problemas de sala de aula e exaurindo a energia dos professores. Alguns pesquisadores estavam frustrados ao observar o que pareciam ser estratégias de ensino de auto-anulação. Entretanto, os pesquisadores enfrentavam o dilema. Por um lado, o contrato feito com os professores era que eles tomariam a iniciativa de identificar os problemas para reflexão e atuação naquilo que enfocássemos juntos. Por outro lado, parecia que os professores não estavam cientes de um importante aspecto do problema que eles apresentaram como o mais importante para eles. Se a equipe da universidade apenas "diagnosticasse" os professores, agindo como típicos desenvolvimento e os supervisores ou equipe assessorasse para definir de o gerenciamento, seriam repetidos velhos padrões pragmáticos de ensino. Dar aos professores um conselho sem este ter sido pedido não é colaboração. mantivessem Contudo, suas bocas se os pesquisadores fechadas e apenas concordassem completamente com a agenda estabelecida pelos professores, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 160 esta atitude não seria colaborativa porque envolveria falsidade; seria um silenciar não autêntico de opiniões da equipe da universidade. Ambos os grupos de atores possuem peças do quebra-cabeça, mas as peças são diferentes. Se um tipo diferente de ensino da arte de linguagem fosse tentado (escrita com fim em aberto, trabalho cooperativo, grupo heterogêneo de leitura), o trabalho do estudante em sala de aula pareceria bem diferente. A orientação do trabalho do estudante mudaria necessariamente em termos do currículo e modos de instrução. Assim, não se poderia dizer que os professores estavam simplesmente errados em estabelecer a coordenação a partir da preocupação mais importante ou que a equipe da universidade estava simplesmente certa em identificar o currículo como um problema fundamental. 2. Professores e Estudantes em Colaboração Ao final de setembro de 1985, os professores, o diretor e a equipe de pesquisa estiveram trabalhando juntos por 5 meses, sem contar o verão que tinha recém terminado. Havia um professor novo também. Um dos professores da primeira série Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 161 ficou doente, não retornou à escola e foi substituído por um professor de segunda série, um voluntário que se juntou ao projeto. O intercâmbio semanal no jornal tinha começado com o início do ano escolar, assim como os "encontros do time" semanais para discussão e entrevista da equipe da universidade com os professores e também os encontros de duas em duas semanas de todos os participantes envolvidos no projeto. Subitamente, nas primeiras semanas de outubro, todos os três professores iniciaram tentativas para novas abordagens em suas salas de aula. Kathy, uma professora de primeira série, descobriu que um exercício de matemática que ela adotara para dar continuidade à lição sobre o conceito de "mais um" estava confundindo os estudantes. No dia seguinte, ela trouxe cubos manipulativos e unifixos e colocou as crianças trabalhando juntas em pequenos grupos utilizando os cubos para demonstrar "mais um". Usando os blocos as crianças podiam observar o pensamento umas das outras, e o professor era capaz de percebê-lo também. Isso era um tipo de colaboração Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 162 - não apenas trabalhar em grupos, mas fazê-lo de maneira a revelar, de forma mais clara, o pensamento de uma pessoa para as outras - compartilhando revelações do pensamento entre estudantes e também entre os estudantes e o professor. Fran, a professora de segunda série, estava preocupada com a "dispersão" dos estudantes na sala aquele ano. Ela tinha duas crianças que eram consideradas talentosas e alguns poucos estudantes cujos desempenhos na leitura eram os mais baixos que ele havia tido em anos. Ela também estava preocupada em fazer da sala de aula um lugar social e emocionalmente seguro para os alunos, no qual eles pudessem cometer erros e tivessem oportunidade de experimentar coisas novas. Um dia o grupo "fraco" de leitura estava "martirizado" em todos os sentidos: os estudantes se tornaram desinteressados à medida que um aluno após o outro lia de forma vacilante, em comparação ao leitor básico; o professor olhou o pesquisador com uma expressão penalizada quando o último leitor capacitado na sala não prosseguiu na sua vez de ler em voz alta, e o pesquisador se sentiu extremamente desconfortável Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 163 ao observar e tomar notas.Ele escreveu no intercâmbio do jornal no dia em que o grupo fraco de leitura parecia contradizer o objetivo de segurança do professor - parecia ser um lugar para "a demonstração pública de incompetência". Quando a professora leu isto, ficou primeiramente ofendida, mas ela se lembrou que no diálogo com o pesquisador, ele tinha se mostrado genuinamente preocupado com ela e com os estudantes. Ela falou com Kathy, que lhe sugeriu tentar usar o próprio material escrito pelas crianças como o material para os grupos de leitura. Fran começou a fazer isto, pedindo aos mais habilitados leitores e escritores para escreverem suas próprias estórias e aos menos habilitados ditarem as estórias para ela. Ela decidiu chamar cinco crianças de uma vez para formarem um grupo, combinando níveis de habilidade. Trabalhando com a equipe da universidade, ela planejou meios adicionais para colocar os alunos de melhor e os de pior desempenho da sala juntos, num trabalho cooperativo em atividades de grande interesse. Os alunos começaram a colaborar mais entre si e com o professor. A professora Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 164 colaborou com seu colega que sugeriu uma nova estratégia de ensino e também com os pesquisadores visitantes em sua sala de aula, com quem ela debateu idéias e desenvolveu novas estratégias para lidar pedagogicamente com os temas de "segurança" e "dispersão". Na mesma semana, Teresa também começou a instituir mudanças fundamentais em sua sala de aula. Ela estava particularmente preocupada com os resultados do trabalho em sala de aula. Ela queria reduzir a quantidade de papéis de trabalho que os professores tinham a cada semana e estava preocupada com o desenvolvimento de responsabilidade nos alunos por suas próprias ações. (De fato, foi Teresa quem inventou o termo "cem por cento de responsabilidade" em uma de nossas primeiras reuniões do projeto). Segundo ela, "responsabilidade do aluno" era, primeiramente, as crianças seguirem regras de sala de aula que o professor havia definido. Mas então a natureza da "responsabilidade" começou a mudar em seu entendimento e prática. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 165 Teresa recebeu vários estímulos que contribuíram para a mudança. Alguns deles vieram dela mesma ao refletir sobre seus objetivos, alguns vieram da reflexão e mudança percebida em seus colegas. Um estímulo veio de um comentário de um integrante da equipe da universidade que levantou a questão sobre o valor educacional dos métodos de ensino de leitura da que ela usava. Quando esta questão foi levantada, ela ficou inicialmente ofendida, como Fran tinha ficado quando um pesquisador questionou o que ela estava fazendo. No entanto, Teresa sentiu que vinha questionando seu próprio método de ensino cada vez mais profundamente e o comentário do pesquisador tinha ressonância dentro dela ainda que os sentimentos mobilizados fossem desagradáveis. Teresa decidiu então organizar suas crianças em grupos de aprendizagem cooperativa que iriam circular pelos centros de ensino. Responsabilidade pela aprendizagem e para a avaliação do aprendizado seriam partilhadas de novas maneiras pelo professor com os estudantes. As mudanças no tempo de trabalho individualizado que Teresa havia Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 166 começado finalmente se desenvolveram em profundas transformações da visão social e acadêmica do ensino de leitura e escrita e, também, da ciência e matemática. Nos centros de aprendizagem os estudantes desenvolveram muito mais a escrita com final em aberto do que antes. Tarefas mais ricas em opções do que as fichas de trabalho individualizado usadas, tornaram-se o foco dos centros de aprendizagem. Teresa levou tempo para planejar aquelas tarefas, mas foi bem-sucedida em reduzir consideravelmente o tempo despendido em revisões de trabalhos escritos, uma vez que os alunos estavam fazendo menos trabalhos por semana. O velho padrão de "conduta" desinteressada foi substituído, à medida que o tempo do trabalho individualizado se reduzia passava, por um compromisso mais firme em altos níveis de desempenho acadêmico. Esta substituição aconteceu com dificuldade ocorrendo na medida que a própria natureza do "trabalho" ia mudando. Todos os três professores descobriram que o nível de envolvimento do aluno aumentou conforme as tarefas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 167 designadas para eles se tornavam mais interessantes, envolvendo mais escolha e dividindo mais responsabilidade entre os estudantes e entre eles e os professores. A escrita do estudante representou um papel importante nas mudanças em sala de aula feitas por cada professor. Anteriormente, a escrita do aluno (além daquela feita nas páginas do caderno) envolvia construções de sentenças a partir de listas de palavras escritas pelos professores no quadro de giz a cada manhã antes da aula. Conforme os professores começavam a experimentar novas maneiras de ensino em várias áreas de assuntos, eles passavam a usar mais escrita com final em aberto e também consulta de escrita cooperativa entre os estudantes como uma solução para ganhar e manter a atenção dos estudantes. Não só o nível de envolvimento dos estudantes aumentou conforme as tarefas de sala de aula iam se tornando mais colaborativas e mais ricas intelectualmente, mas também a qualidade do desempenho dos alunos aumentou. Os alunos estavam trabalhando mais tempo em tarefas mais difíceis, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 168 produzindo um trabalho melhor do que antes. Os professores consideraram esta animação a recompensa pelo esforço empregado em mudar a sua prática. Eles perceberam que eles mesmos estavam esperando mais de seus alunos do que antes. Em uma de nossas reuniões de planejamento Teresa apresentou um "insight" sobre expectativas usando uma imagem forte. Ela falou que estava pensando sobre o recipiente que vinha todo ano com grilos para um dos projetos de ciência do S.C.I.S.. Ela observou que quando se tirava a tampa do recipiente, os grilos não pulavam para fora. Presumidamente, eles tinham aprendido onde estava o teto formado pela tampa e não pulavam mais alto que este. Aquilo era o que tinha acontecido com seus alunos e com ela. Eles tinham, inadvertidamente, construído um teto-máximo de desempenho na sala que era menor do que as suas possibilidades. Conforme o teto-máximo de desempenho crescia na sala, professores e alunos perceberam que podiam fazer melhor do que vinham experimentando. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 169 3. Professores e Administradores em Colaboração A diretora prestava atenção ao que Teresa falava e só tomou a palavra quando Teresa acabou. Ela já vinha discutindo com a equipe da universidade e com seus colegas da equipe da escola, questões sobre o seu papel de liderança. Sentindo-se tocada pelo que Teresa acabara de falar, a diretora percebeu um paralelo entre o que os professores estavam experimentando em suas salas de aula e o que ela estava experimentando em seus relacionamentos com a equipe da escola. Ambos estavam compartilhando de novas maneiras com seus subordinados. Na medida em que a diretora pedia ao corpo docente que tomasse decisões sobre seus trabalhos, ela percebia que o teto de desempenho deles subia. O antigo "efeito do teto" que limitava o que as pessoas tentavam realizar parecia ter funcionado tanto na equipe de professores como entre os professores e as estudantes. Quando a diretora começou a dividir autoridade, o teto de desempenho e expectativa começou a aumentar na equipe de professores. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 170 Poucos meses após esta reunião da equipe do nosso projeto, um encontro da equipe de professores foi marcado para antes do horário da escola. Durante a noite, neve e chuva começaram a cair. A diretora vivia bem longe dali. Considerando que o tempo e o tráfego iriam impedi-la de chegar na escola a tempo para a reunião, ela telefonou a para escola e deixou um recado dizendo que os professores deveriam ir em frente e fazer a reunião mesmo sem ela. Os professores, reunidos, tomaram algumas decisões, adiaram outras até que eles pudessem se encontrar com a diretora e identificaram novos assuntos a serem considerados na próxima reunião. Quando a diretora chegou, logo após a abertura da escola, ela recebeu a notícia da reunião. Todo mundo concordou que tal tipo de reunião nunca teria acontecido durante a gestão do último diretor. Se o outro diretor não pudesse comparecer, a reunião teria sido cancelada. A nova diretora era um novo tipo de líder. Juntos, ela e os professores, estavam vivenciando tipos de liderança que eles nunca tinham assumido antes. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 171 4. Conclusão É notável como a confiança e risco estão envolvidos na colaboração. A nova diretora confiou na equipe de professores de outras formas, mas não sem risco. Os professores confiaram, em seus alunos, de outras formas, mudando a natureza de alguns trabalhos diários de sala de aula. Isto envolvia risco. Na medida em que as tarefas de sala de aula ficavam mais em aberto, o que poderia ocorrer se os estudantes se perdessem nelas ou as abandonassem? Seriam os estudantes mais difíceis de lidar do que antes? O que a nova diretora pensaria dos professores, o que pensariam outros professores na escola, se suas experiências de dividir autoridade e responsabilidade com seus estudantes tivessem fracassado redondamente? Havia riscos para os estudantes também - à medida que o trabalho da sala de aula assumia uma direção colaborativa, mostrava o pensamento deles de forma mais clara, para o professor e para outros alunos. Tal avaliação envolveu risco. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 172 Por sua vez, os pesquisadores corriam novos tipos de risco. Eles concordaram com os professores e com a diretora não apenas em fazer pesquisa, mas também em desenvolver um relacionamento que criasse uma equipe colaboradora. O acordo foi estabelecido de maneira que os professores iriam agendar sua própria aprendizagem e mudança. O que aconteceria se os pesquisadores falassem e escrevessem o que eles pensavam durante o diálogo com os professores, quando parte do que os pesquisadores pensavam eram críticas sobre a prática dos professores? Como ser honesto sem ser coercitivo ou arrogante? Todos os participantes enfrentaram um risco que é fundamental numa situação de colaboração prolongada. O risco era o salto de fé requerido para confiar que um colega de trabalho não iria "tirar o corpo fora" uma vez que todos adquirimos mais confiança um no outro, descobrindo que podíamos contar cada vez mais um com o outro. Apesar da insegurança e apesar de alguma raiva e lágrimas, nós conseguimos executar mais trabalho em conjunto do que se Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 173 qualquer um de nós estivesse trabalhando sozinho. Colaboração envolve a exposição do trabalho de alguém para os companheiros de trabalho. Isto pode ser, a princípio, ameaçador. Em nosso projeto, os participantes expuseram, através do diálogo oral e escrito, seu trabalho e o seu pensamento. O diálogo ocorreu dentro e entre conjuntos de papéis - professor, aluno, administrador, pesquisador - que não estão normalmente ligados pela comunicação em mãodupla tão intimamente como nós experimentamos. O diálogo, na situação de colaboração, coloca mais visíveis as diferenças entre pontos de vista que as diversas pessoas trazem para seu trabalho. Tornar mais explícita a divergência de ponto de vista poderia ser encarado como motivo de divisão. Todavia, nós não sentimos assim. Parecia que quanto mais as pessoas em diferentes papéis viam a perspectiva das outras, mais elas percebiam o trabalho de elaboração mental de cada uma, o que significava olhar a outra como um ser razoável, sensato, que faz sentido. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 174 Isso não aconteceu sem haver conflito. Basta lembrar das tensões entre os pesquisadores e os professores. Houve também tensões entre os professores e seus alunos à medida que o relacionamento entre ambos ficava mais colaborador. Apesar disso, quando os diversos membros da equipe mostravam cada vez mais sua diversidade de pontos de vista, eles não acabavam todos pensando de forma semelhante.Pelo contrário, parece que as tentativas de colaborar e de ser progressivamente mais explícito sobre as diferenças de opinião permitiram aos participantes do projeto elaborarem as tensões que foram resolvidas mais facilmente do que se tivesse havido menos diálogo e, conseqüentemente, menos clareza de compreensão sobre o que os outros estavam pensando. Estou seguro de que nossa experiência não foi única, e que existem lições gerais a serem tiradas das estórias particulares relatadas aqui. Especialmente significativo foi o papel que a escrita teve em nosso diálogo e na colaboração. Foi um meio importante através do qual os adultos do projeto exploraram Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 175 novos tipos de comunicação e mudaram as relações de ensino e aprendizagem em sala de aula. Outra característica significativa de nossa experiência foi que, os professores, uma vez aptos, se movimentavam rapidamente para fazer mudanças na prática de sala de aula, que, com o tempo, se transformaram em mudanças fundamentais.Ao darem os primeiros passos para a mudança eles não contaram principalmente com o conselho da equipe da universidade consultaram ou da diretora. primeiramente entre Os professores eles, usando se o conhecimento sobre as novas práticas (escrita com final em aberto, centros de ensino, manipulativos em matemática) que eles já conheciam, mas ainda não havia tentado usar plenamente na sua prática de ensino. Logo, com o desenvolvimento da mudança, os professores procuraram alguma assistência técnica por parte dos pesquisadores e da diretora. Todavia eles começaram por si próprios. A equipe da universidade pode ter sido um catalizador da mudança, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 176 mas a mudança que ocorreu foi iniciada e pertenceu aos professores. Se isso for verdade de forma ampla, é um sinal de esperança. Se os professores experientes já possuem muito do conhecimento de que eles precisam para melhorar sua prática, então o seu conhecimento pode ser ativado (deslanchado) através de esforços de colaboração na profissionalização, nos quais as próprias iniciativas dos professores e as respostas de seus alunos em sala de aula tornaram-se a maior força motivadora na reforma educacional. Novas e melhores formas de associação entre professores e estudantes em sala de aula, com os administradores, com seus colegas professores e com os pesquisadores que também são educadores de professores podem estimular a aprendizagem em todos aqueles que participam da colaboração. Nesse tipo de aprendizagem, ninguém escapa dos clássicos dilemas da aprendizagem. Mas nessa aprendizagem pode-se conviver com tais dilemas e o conflito inerente a eles de forma mais criativa, usando sua própria energia mais positivamente que antes. Isto constitui a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 177 própria reforma educacional, porque aprendizagem que é profunda e genuína nos re-forma e fortalece, assim como fortalece nosso trabalho e nossa colaboração com os outros. 5. REFERÊNCIAS CAMPBELL, D. Collaboratioon and contradiction in Staff Development Project Teachers College Record 90 (1988), No prelo. ERICKSON, F. Qualitative Research on Teaching In Handbook of Research on Teaching. 3rd Ed., edited by M. Wittorock. New York: Macmillan, 1986. LAMPERT, M. How Do Teachers Manage to Teach? Perspectives on Problems in Practice. Harvard Educational Review 55 (1985): 178- 194. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 178 Capítulo 5 Registros audiovisuais como fonte primária de dados 8 A compreensão completa da reflexibilidade da ação social necessita de especificação dos modos da coordenação interacional através da investigação (1) dos conteúdos diretamente observáveis da ação, e (2) das interpretações dos significados mantidos pelos atores. Esse artigo vai delinear os procedimentos para a análise dos registros de Som-Imagem (RSI) da interação, identificando a organização hierárquica, sub-eventos constituintes e comportamentos mais ou menos típicos. A abordagem defendida é a de se movimentar a partir de um evento como um todo, para os sub-eventos 8 ESSE TEXTO TRADUZIDO COM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR, POR CARMEN LÚCIA GUIMARÃES DE MATTOS. FOI ORIGINARIAMENTE PUBLICADO SOB O TÍTULO AUDIOVISUAL RECORDS AS A PRIMARY DATA SOURCE.IN A. GRIMSHAR (EDITORS) SOCIOLOGICAL METHODS AND RESEARCH (SPECIAL ISSUE ON SOUND-IMAGE RECORDS IN SOCIAL INTERACTION RESEARCH), 1989, 11 (2) 213-232. NOTA DO EDITOR DO ORIGINAL. PODEMOS DIZER QUE QUASE METADE DO ARTIGO ORIGINAL DO PROFESSOR ERICKSON FOI CORTADA. OS MAIORES CORTES FORAM FEITOS NO MATERIAL DE (1) EMBASAMENTO TEÓRICO, E (2) CUJA SUPERPOSIÇÃO OCORRE SUBSTANCIALMENTE COM OUTROS ARTIGOS SOBRE ESTA QUESTÃO DOS MÉTODOS E PESQUISA SOCIOLÓGICA. NO DECORRER DESSES CORTES, MUITAS REFERÊNCIAS CRÍTICAS TAMBÉM FORAM PERDIDAS: O PROFESSOR ERICKSON NÃO É RESPONSÁVEL POR SUA AUSÊNCIA. SENTIMOS QUE POR CAUSA DAS LIMITAÇÕES DE ESPAÇO, NÃO PUDEMOS PUBLICAR O ARTIGO EM SUA ÍNTEGRA. ADG E DH. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 179 constituintes e os comportamentos mais ou menos típicos. O método da Microetnografia é contrastado com a observação participante mais tradicional. Como outros estudantes de interação face a face, desde o tempo de WEBER (1922:30) e mesmo antes, eu vejo o fenômeno como um fenômeno de reciprocidade e de complementaridade em sua atuação no tempo, e cultural e socialmente organizado. A compreensão total da reflexibilidade da ação social requer uma especificação dos modos de coordenação interacional pela investigação (1) do conteúdo da ação diretamente observável, e (2) das interpretações dos significados mantidos pelos atores, que devem ser deduzidos da observação das reações dos parceiros um com relação ao outro durante o evento, e das entrevistas dos participantes (e de outros informantes) após o evento para esclarecer suas interpretações do que estava sendo feito. Parte do conteúdo dessas interpretações é geralmente compartilhado entre os informantes, derivando de padrões culturalmente apreendidos para julgar o significado e a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 180 adequação. Outros aspectos do conteúdo das interpretações são específico-pessoais e específicos dos eventos, e são proveniente das diferentes biografias e personalidades dos participantes no evento (ou outras pessoas como tópicos) e da estória interna exclusiva do evento propriamente dito. Um aspecto chave dessa perspectiva teórica é o que os parceiros em interação consideram das ações uns dos outros no tempo real. A organização social de uma interação face a face possui duas dimensões: a recíproca (num sentido menos abrangente do que considerou WEBER) e a complementar. A dimensão recíproca, como foi usada aqui, se refere às relações de alternância e de seqüência através de momentos sucessivos do tempo real. Os parceiros em interação levam em consideração as ações uns dos outros retrospectivamente, reagindo ao que foi feito por alguém no momento exatamente anterior. Eles também levam em conta as ações uns dos outros perspectivamente antecipando o que acontecerá em seguida e ao fazer isso, freqüentemente sinalizam a alteração do que o ego espera que aconteça em seguida. Em pesquisas recentes, a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 181 dimensão recíproca (seqüencial) da organização social da interação foi considerada mais inteiramente pelos analistas conversacionais (SACKS et al., 1974; SCHENKEIN, 1973). Um exemplo de organização recíproca é a relação de proximidade e seqüência em uma série de rodadas de perguntas e respostas em uma conversa. A interação face a face também possui uma dimensão complementar de organização no tempo real. Isto envolve as relações entre as ações simultâneas dos parceiros em interação. Verbalmente e não-verbalmente, a qualquer momento, os interlocutores levam em conta o que os outros estão fazendo naquele momento, ou acabaram de fazer, ou ainda estão para fazer em seguida. Por exemplo, enquanto os interlocutores estão falando, os ouvintes estão ouvindo ao mesmo tempo. O comportamento de ouvir e de falar coocorrem simultaneamente e em sincronia, cada parceiro completando (complementando) a ação do outro. Em pesquisa recente, (simultânea) da a dimensão organização de social complementaridade da interação foi Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 182 considerada mais inteiramente pelos analistas de contexto, notadamente por CONDON (1974, 1976), KENDON (1977), e por SHEFLEN (1973), que foram influenciados pelos antropologistas BATESON (1956, 1972) e por BIRDWHISTELL (1970). A realização bem sucedida da interação conversacional requer que os participantes compartilhem de pelo menos algum conhecimento das regras gerativas, ou dos princípios operacionais, para a adequada ação verbal e não-verbal; isso é o que HYMES (1974) chamou de competência comunicativa. O conhecimento das prescrições de papel ou das regras para a produção da fala não precisam ser nem idênticas entre os indivíduos nem completas dentro de todo o grupo a fim de que a interação prossiga; no entanto, diferenças bem pequenas nas regras podem gerar dificuldades ainda maiores na comunicação (ERICKSON & SCHULTZ, 1982; GUMPERZ, 1982; SCOLLON, 1982). Alguns dos tipos de perguntas levantadas pela perspectiva teórica foram delineadas aqui por mim: Como podemos saber Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 183 quando alguém está zangado, feliz ou sendo irônico? Como podemos saber quando uma coisa nova e importante está começando a acontecer em um evento? Como as pessoas se reconhecem e reagem às rupturas na ordem social da interação? Como é que as sanções positivas e negativas são feitas comportamentalmente, e o que fica sancionado? Como é que as mesmas pessoas se movem, dentro da interação, de um conjunto de papéis e relações de “status” para outro, dentro e através de eventos - de super-ordenação e de subordinação para um relacionamento de maior igualdade, da informalidade para a formalidade, da conduta de acordo com regras burocráticas e protocolares para um modo mais pragmático, modos de relação menos sacramentais, no qual procedimento padrão de operação podem ser suspensos? Qual é a extensão do conhecimento e habilidade comunicativas de que um indivíduo precisa para estar capacitado a interagir efetivamente e apropriadamente dentro e através de uma variedade de ocasiões sociais - qual é o repertório de interação de um indivíduo? Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 184 Essas são questões sobre a organização da interação face a face que se articulam com questões de interesse clássico para a sociologia: burocracia, conflito social, cooperação, status social com relação ao poder, influência e autoridade. As questões presumem que os construtos sociológicos tal como status, são construídos dentro da interação, e que é importante entender a vida social como ela acontece. Uma perspectiva particular é tomada sobre a natureza da sociedade e sobre a ordem social propriamente dita. O restante deste artigo é dirigido para a demonstração de como, através da análise conversacional realizada por sociolingüistas contemporâneos, através da microetnografia feita por antropólogos e através de estudos sobre a coerência do discurso feita por lingüistas, poderemos começar a encontrar respostas para tais questões. 1. Duas preliminares Antes de voltar a uma descrição dos procedimentos analíticos, quero enfatizar dois pontos tratados nos artigos sobre essa questão por CORSARO & GRIMSHAW. Primeiramente, como ambos observaram, nenhum RSI constitui um registro Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 185 completo de qualquer evento ou comportamento em um evento, e o registro do RSI de valor teórico ótimo necessita cuidadosa atenção nas considerações de amostragem. Para meus propósitos, isso significou a identificação da extensão completa da variação na organização da interação em qualquer ambiente, rede de trabalho ou comunidade que seja a unidade de análise, e estabelecendo-se a tipicalidade e atipicalidade (freqüência relativa de ocorrência) de vários tipos de eventos e modos de organização de interação das fases constituintes dentro de um evento, e de casos particulares destes através da extensão total de diversificação a ser encontrada no ambiente, rede de trabalho ou comunidade. Em segundo lugar, ao se estabelecer essa extensão, e ao se especificar a tipicalidade e a atipicalidade, é necessário antes que haja um trabalho de campo etnográfico contínuo. A progressiva resolução dos problemas é inerente aos métodos de observação participativa etnográfica e aos métodos de análise microetnográfica ou da análise sociolingüística do RSI da interação humana face a face. Na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 186 observação participante, o pesquisador utiliza seu tempo repetidamente observando eventos recorrentes. Na análise microetnográfica do RSI, o pesquisador repetidamente revê os arquivos do mesmo evento. Em ambas as abordagens, o pesquisador estará tentando entender os eventos cujas estruturas são muito complexas para serem compreendidas todas de uma só vez; a permanência do RSI e a descoberta do contexto possibilitada pelo trabalho de campo, conjuntamente, ajudam a suplantar os limites da capacidade de processamento cognitivo humano. Enquanto eu não trato especificamente do contexto situacional na discussão que se segue, eu a considero como sendo fundamental para um embasamento para a análise do RSI. 2. Analisando o registro áudio-visual A interação face a face é hierarquicamente organizada no tempo real, como um evento completo divisível (tanto pelos analistas quanto pelos participantes no evento) em subeventos constituintes ou atividades, que são por sua vez divisíveis em unidades de ação ainda menores. Essas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 187 atividades em todos os seus níveis de organização podem ser consideradas como trabalho. Em uma análise, o interesse está em se identificar a divisão de tarefas naquele trabalho, mostrando como, por exemplo, o comportamento de ouvir do ouvinte está funcionalmente relacionado ao comportamento da fala do interlocutor. O interesse é em mostrar como comportamentalmente o que da ação social é feito; a ação social que é significativa para os atores mesmos, se sua compreensão do significado está explícita e refletida ou se está implícita e fora da compreensão consciente. Ao se rever o RSI, as unidades de ação social analiticamente distinguíveis são encontradas registradas em faixas de filmes ou fitas. Concretamente a tarefa do analista é de recuperar os dados comportamentais dessas faixas de gravações. Mecanicamente, as faixas de fitas ou filmes podem ser repassadas para frente ou para trás no tempo de duração real da gravação original ou (com algum equipamento) de trás para frente e de frente para trás em velocidades maiores ou menores do que a do tempo real de duração. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 188 O trabalho do analista envolve uma interface comum entre a capacidade da máquina para o armazenamento de informações através de gravação, (e para a recuperação de informações através de uma variedade de modos de retrocesso) e a capacidade humana para o processamento de informações através da observação visual e auditiva do arquivo audiovisual. A máquina ajuda o observador a recordar e a refletir, mas é o observador quem tem que analisar. Os RSI, como notas de campo do observador são fontes de dados, dos quais os dados serão construídos. Logo no início da análise, o investigador tem que fazer duas escolhas estratégicas: (1) Que faixas (de que extensão) devo olhar mais atentamente? (2) O que vou procurar? Há três princípios gerais que devem ser considerados ao se selecionar uma faixa da fita para seja revisado e para se selecionar o foco particular de atenção em repetidas observações. (1) Ao ver pedaços de fita de um todo, proceda do todo para o específico; primeiramente reveza as faixas completas, depois faça a revisão das unidades constituintes menores dentro da Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 189 faixa maior, aumentando o foco de atenção à medida que o comprimento da faixa de fita se torna mais curto. (2) Mantenha um foco de atenção através da revisão de uma dada fita. (3) Em repetidas revisões de uma faixa de fita, primeiramente olhe para a forma global da ação, então depois para as unidades comportamentais constituintes que formam a ação e então retorne à consideração das unidades comportamentais em termos de ações que compreende. 3. Análise de cima para baixo, do todo para o particular A abordagem que recomendo é de se mover considerando o evento como um todo para partes constituintes menores. Nas páginas seguintes, descreverei esse processo mais concretamente; os leitores devem manter em mente que a progressão de estágio para estágio raramente é diretamente seqüencial; descobertas em níveis de maior precisão de análise freqüentemente respondem às perguntas geradas por revisões das unidades mais inclusivas. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 190 4. Estágio 1: revisando o evento todo. Simplesmente o que constitui o evento todo nem sempre é claro. HYMES (1974) faz a distinção entre as situações de fala (cerimônias, jantares, festas, seminários), eventos de fala (situações do dia-a-dia engraçadas, conversas, apresentações de teses), e atos de fala (piadas, narrativas, perguntas). Os participantes nomeiam as faixas de interação: eles relatarão que tiveram uma entrevista para um emprego novo ou uma conversa ou que foram chamados atenção. O problema é, naturalmente, que essas distinções analíticas se tornam confusas quando os eventos e atos da fala são simultâneos (por exemplo, um aviso que é feito aos gritos) ou quando os eventos estão agrupados (argumentos que estão dentro de conversas que estão dentro de entrevistas). Quando me refiro a eventos como um todo, quero me referir a fenômenos como entrevistas para um emprego, ou defesas de teses. Como será visto, diferentes procedimentos de segmentações podem ser empregados para a identificação de faixas de fita que serão estudados dentro de tais eventos. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 191 A localização do início e do final de um evento como um todo também pode ser problemático; por esta razão, o ideal é que o investigador colete o comprimento do RSI antes do suposto início e depois do final suposto - os quais não são freqüentes pontos discretos. A identificação desses pontos (ou regiões aproximadas) é uma decisão analítica que deve ser documentada. A principal fonte de evidência para um ponto de transição, ou junção, é o contraste na forma de comportamento de continuidade - por exemplo, na entrada ou saída dos participantes de um lugar ou para um lugar no tempo e no espaço, um reposicionamento das posições posturais e na distância interpessoal entre os participantes, mudanças de quem fala e de quem ouve, mudanças do tom de voz e velocidade da fala, mudança da orientação do olhar. Todas essas mudanças no comportamento manifestam uma alteração do trabalho coletivo que está sendo feito interacionalmente, e uma alteração na divisão das tarefas daquele trabalho. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 192 2. Começando antes mesmo que um novo trabalho (evento) tenha sido iniciado e continuando depois que ele tenha sido concluído e que alguma nova atividade tenha começado, o filme ou a fita é visto a uma velocidade regular, com retrocesso tanto do som quanto da imagem sem parar. Enquanto a fita ou o filme é assistido, é feita a anotação de observações, exatamente o mesmo tipo que é feito quando se faz a observação participante. Essas observações descrevem o curso global da ação, como ela pode ser vista no tempo real. Elas incluem uma primeira aproximação da transcrição literal/textual de partes da conversa, uma descrição dos padrões globais de comportamento não-verbal, e uma nota sobre a localização aproximada das ocorrências observadas no tempo real. A atenção é focalizada nas ações de todos os participantes do evento, não apenas nas ações de um único indivíduo. Após a visão inicial, todo o evento poderá ser revisado muito outras vezes sem interrupção, possivelmente adicionando informações extras. O investigador deve principalmente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 193 observar e ouvir, a fim de obter mais sentido do evento como um todo, e para identificar a localização aproximada dos principais segmentos constituintes e suas estruturas de participação, como, por exemplo, aberturas, fechamentos e outras principais mudanças de atividades. O último passo desse estágio, é a preparação de um resumo e de um comentário interpretativo, e tendo decidido sobre os limites do evento como um todo, de se fazer uma cópia para uma análise mais detalhada. Essa cópia deve começar a partir de trinta segundos até um minuto antes do suposto início do evento, deve continuar cerca do mesmo tempo após o fim do suposto final, e deve ainda incluir um código de tempo visível. 3. O código de tempo permite que o analista localize com precisão o local e a co-ocorrência no tempo real do comportamento verbal e não-verbal de um único indivíduo e de todos os participantes. Após a colocação do código de tempo na cópia da fita ou do filme, o analista está pronto para Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 194 começar a revisá-la repetidas vezes, fazendo paradas freqüentes para repassar segmentos curtos. 5. Estágio dois: identificando os principais segmentos constituintes do evento. Há geralmente cerca de três a cinco segmentos primários constituintes de ação dentro de um evento. Em eventos com um foco instrumental central, tal como o de se alimentar um bebê, ler uma estória para uma criança ou de ser participar de uma reunião de um comitê, três principais segmentos constitutivos são freqüentemente encontrados, chamadas, fases de começar, de principal foco instrumental e de conclusão (durante o qual, a atividade do principal foco instrumental é concluída e a transição para o evento seguinte é prefigurada). A fase do foco instrumental principal freqüentemente tem partes constituintes distintas. Os limites entre as principais partes constituintes podem ser localizados por procedimentos de observação como aqueles utilizados para a localização do início e do final do evento como um todo. Os limites dos segmentos são marcados pelos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 195 contrastes do comportamento não-verbal de continuidade; os contrastes na forma comportamental são freqüentemente mais sutis do que aqueles encontrados em limites mais amplos. Em um limite entre um evento e o seguinte, as mudanças na posição postural e na distância interpessoal podem resultar de uma mudança do pessoal especializado encarregado de um evento para o seguinte; por exemplo, duas das quatro pessoas que estavam sentadas em uma mesa se levantam e saem da sala, então as duas restantes começam o próximo evento interacional . 4. Um limite inter-eventos poderá ocorrer quando uma das pessoas se inclina para a frente para alcançar um cinzeiro, enquanto que outra cruza as pernas; como as mudanças no trabalho a ser feito são menos extremas, assim também são pequenas as mudanças de comportamento necessárias para o cumprimento e a evidenciação daquele trabalho. Muito embora alguns aspectos de limites marcantes sejam convenções compartilhadas (isto é, observação monitorada) ou típicas de indivíduos (exemplo: vários tipos de trabalhos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 196 especializados com cigarros ou papéis ou aparato pessoal), outras variam. Por exemplo, no limite do final, o segmento que tem seu início marcado pela tentativa de alcance de um cinzeiro e do cruzamento das pernas, a pessoa que cruzou as pernas poderá mantê-las cruzadas e não fazer nenhuma modificação postural, mas sim mudar a orientação de seu olhar e o tom de sua voz. Ao mesmo tempo, a pessoa que anteriormente pegou o cinzeiro poderá se encontrar e descansar suas costas na cadeira, então fazendo uma mudança de postura, mas não mudando seu tom de voz. Algumas características serão modificadas. Os segmentos principais dentro dos eventos também são marcados por mudanças nos tópicos ou em outras unidades do discurso. Em nosso exemplo hipotético, o casal poderia ter começado sua conversa na mesa falando sobre o tempo, e então no que a mulher se reclina e o homem muda a direção de seu olhar e seu tom de voz, o casal poderia começar a conversar sobre o que eles pretendem comer no piquenique se não chover. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 197 A estrutura da participação social também deve ser considerada; à medida que a natureza do trabalho interacional muda, também muda a divisão de trabalho. Enquanto a mulher foi pegar o cinzeiro e o casal conversava sobre o tempo, a mulher pode ter sido uma interlocutora mais volúvel, tendo uma elocução mais longa, enquanto que o homem acompanhou sua fala com breves interrupções vocálicas como (sim, umhm) e respondia às suas perguntas com respostas curtas. Após a mudança de tópico, durante o qual ele fez mudanças no tom de voz e na direção do olhar no momento em que ela se reclinou na cadeira, o homem poderia ter assumido um papel de maior volubilidade e os papéis de quem as faria perguntas e de quem as responderia poderiam ter sido trocados. Durante este estágio de análise, o observador utiliza o código do tempo para a localização de comportamentos e junções no tempo real, preparando um esquema que forneça tanto uma visão sinótica da estória completa do evento, quanto um índice bruto para as informações que foram até então armazenadas e que estão Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 198 disponíveis para serem examinadas em maiores detalhes nos próximos estágios de análise. 6. Estágio três: identificando aspectos de organização dentro de um segmento principal particular no evento Nesse ponto o analista escolhe entre um segmento particular para maior estudo ou se volta para o estudo de alguma questão genérica da organização da interação (isto é, transições de retorno, ou pedidos, ou formação de coalizões, ou o que seja) que possa ser investigada em mais de um segmento constituinte. Suponhamos que ao analisar uma fita de um jantar em família, consideremos a questão da colaboração de uma audiência falante, em uma pessoa tendo e mantendo a atenção da conversa por um extensivo período. Como é que um membro da família consegue obter e manter essa atenção? Qual é a relação entre o comportamento de atenção dos membros da família que estão ouvindo e o comportamento de fala do membro da família que retém a atenção? Um primeiro passo desse estudo é o de se revisar a totalidade das Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 199 observações sobre o evento como um todo (o jantar) e as observações mais detalhadas sobre junções principais e segmentos dentro do evento para localizar os segmentos nos quais as pessoas levam longos períodos em suas falas. É possível que em alguns momentos do jantar ninguém tenha tido interlocuções extensas enquanto que com outros isso tenha acontecido. Tendo identificado tal segmento, ele então será revisto tendo em mente as questões específicas da pesquisa. Vamos dizer que o pai da família teve a mais extensa fala dentro do segmento do evento no qual a maior parte das falas prolongadas ocorreram. Pode-se então começar com a vez do pai e se procurar a colaboração da audiência de fala na faixa da fita na qual a fala do pai foi gravada. A fita seria então revisada algumas vezes, inicialmente focalizando o que os membros da audiência estavam fazendo, verbal e nãoverbalmente, enquanto que procurando diferenças de o pai estava quantidade e falando, tipos e de comportamento de audição dos vários membros da audiência. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 200 Só então o analista voltaria sua atenção para a fala do pai, transcrevendo-a, de forma que sua organização no tempo real fosse mostrada (uma discussão sobre isso aparecerá na próxima parte). Após a transcrição de toda ou de uma parte do pai, o analista pode então se voltar para o comportamento de audição dos membros da audiência. Talvez o comportamento de ouvir da mãe seja o mais diferente de todos os membros da família que estavam ouvindo o pai. Caso isso seja verdade, o comportamento verbal e não-verbal dela seria transcrito na mesma escala de tempo que foi utilizada para transcrever o do pai. Se maiores diferenças no estilo de ouvir forem encontradas entre os membros restantes da família, suas ações de ouvir poderiam ser transcritas em agregados de indivíduos (por exemplo, transcrevendo junto o comportamento de ouvir dos dois filhos mais jovens, já que eles estavam colaborando como um time de ouvintes, como foi evidenciado pela forma e função de seus comportamentos de ouvir, e então transcrevendo individualmente o comportamento do irmão mais velho, cujo comportamento de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 201 ouvir diferiu dos dois irmãos mais jovens). Por outro lado, o comportamento de ouvir dos vários membros da família poderá diferir muito pouco em forma e função; nesse caso, como estavam trabalhando juntos como um time unido, seu comportamento poderá ser descrito mais globalmente. Decisões sobre a transcrição devem ser baseadas na evidência comportamental da divisão do trabalho no relacionamento colaborativo entre os interlocutores e os ouvintes. Tal tipo de transcrição facilita a análise tanto da organização da atribuição de papéis da comunicação, quanto o uso de variados métodos comunicativos ao se fazer um trabalho interacional. 7. Estágio quatro: ações de indivíduos. Entender a função das ações dos indivíduos na divisão total das tarefas para o trabalho interativo requer uma análise do padrão emergente, sustentado e mutante de reciprocidade e complementaridade. As ações dos indivíduos são consideradas sub-sistemas dentro do sistema total da ação do grupo. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 202 Como a análise não separa as ações de um indivíduo das dos outros, então ela não trata separadamente os vários tipos de ações comunicativas executadas por um indivíduo. A total extensão das ações comunicativas de um indivíduo através dos canais vocais e não-vocais são vistas como componentes relacionados ou sub-sistemas dentro do sistema total do desempenho comunicativo de um indivíduo; a transcrição e a análise de um comportamento de olhar de um indivíduo como interlocutor deveria ser feita ao mesmo tempo com aquela da fala do mesmo indivíduo. Enquanto a natureza da pesquisa questiona (juntamente com os limites do tempo e dinheiro para a pesquisa) os embaraços na compreensão possível da transcrição e análise, pelo menos um aspecto do comportamento vocal do indivíduo deve ser considerado em relação a pelo menos um aspecto de seu comportamento nãovocal. A transcrição através dos canais vocal e não-vocal no tempo real requer algum modo de mostrar a relação de um evento com outro no tempo. Várias abordagens já foram Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 203 experimentadas com relação a isso por diferentes grupos de pesquisadores. Os analistas de conversação desenvolveram convenções para a transcrição da fala, incluindo modos de se indicar a superposição de falas entre os interlocutores, o tamanho dos intervalos nas junções entre as rodadas de fala, e a duração das pausas dentro e entre as rodadas. (SACKS et al., 1974; e SCHENKEIN, 1978). As convenções para a notação da prosódia (tom, volume, ritmo) foram recentemente desenvolvidas por GUMPERZ (1982) adaptando aspectos de notação desenvolvidos por vários lingüístas americanos e britânicos. SCHEFLEN (1973) mostrou as relações entre as configurações posturais, tópicos de conversa e relações de papéis entre interlocutores estabelecendo desenhos de linhas e diagramas ao longo de uma linha de tempo para a duração de uma conversa inteira. KENDON (1977) desenvolveu variações que mostram orientação e distância interpessoal no tempo real, outras adaptações MCDERMOTT et de SCHEFLEN aparecem em al. (1978) e em DORR-BREMME (1982). CONDON (1967) desenvolveu um sistema para a anotação Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 204 dos movimentos das várias partes do corpo de um indivíduo com relação à sua fala e a fala e o comportamento não-verbal de outros indivíduos. Todos esses sistemas estão no trabalho pioneiro de BIRDWHISTELL (1970). Uma abordagem da notação que combina aquelas desenvolvidas por estudantes dos comportamentos proxêmicos e cinéticos, com aquelas desenvolvidas pelos analistas conversacionais e que também incluem transcrições da fala que dá a cada grupo de respiração ou grupo de equipe, uma única linha de transcrição, pode ser encontrado em ERICKSON & SHULTZ (1982). Uma visão ainda mais clara da organização rítmica da fala em um pequeno grupo em que esteja havendo interação, é a notação musical que atualmente está sendo desenvolvida por ERICKSON (1982) e por SCOLLON (1982). Todos esses sistemas de observação têm o intuito de mostrar os relacionamentos de adjacência no tempo real, ressaltando a dimensão recíproca das relações entre as ações dos indivíduos em um grupo. Alguns desses sistemas, àqueles derivados de BIRDWHISTELL, e dos sistemas da observação musical - Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 205 também mostram a ocorrência simultânea das ações através dos indivíduos a qualquer momento do tempo real. Estes últimos sistemas complementaridade, mostram assim como a dimensão também a de dimensão recíproca da organização social. 8. Considerando as percepções ordinárias Como participantes interacionalmente competentes nos eventos diários, aprendemos a apreender como sendo “gestalten” os conjuntos de dicas que ocorrem nas junções; como analistas devemos decompor a “gestalten” comportamental em seus vários componentes. Isso requer uma deliberada fuga de nossos padrões normais de perceber e agir para propósitos da análise, como se não soubéssemos as intenções e os significados assinalados pelos comportamentos observados. Na linguagem dos fenomenologistas, fazemos a tentativa de apoiar nossas deduções sobre significado e propósito, visando a ação social de uma maneira radicalmente alienada, simplesmente como uma forma comportamental. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 206 Uma maneira de se atingir essa mudança na estância perceptual, é variar deliberadamente o foco da atenção analítica através de revisões do mesmo pedaço do filme ou fita. Voltando-a para trás de uma junção cuja localização aproximada tenha sido identificada, o investigador fará a repetição da fita passando pela junção. Para cada repetição, um foco de atenção particular é adotado - sobre a fala dos participantes, em suas posições posturais, em seus olhares, e assim por diante. É de grande ajuda variar a experiência sensorial do material, por exemplo, passando a fita ou o filme sem o som, ou apenas ouvindo a fita ou o filme. O RSI também pode ser passado a várias velocidades, diminuindose ou parando o comportamento que seja complexo demais para que seja processado e analisado a uma velocidade normal, ou de trás para frente. A atenção também pode ser colocada numa ampla escala de tipos de meios comunicativos (postura, olhar, gesticulação, léxico, gramática, fonologia e entonação, volume de voz, sonoridade e ritmo cinético). Utilizando-se uma lista de verificação de observações Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 207 potenciais, reduz-se o perigo de aspectos que poderiam ser de significado funcional para a organização social da interação serem negligenciados. As variações do foco de atenção ajudam os observadores a tratar da forma comportamental e se livrar das pressuposições tomadas por certo sobre os relacionamentos entre o quê e o como do comportamento comunicativo. As relações entre o conteúdo semântico e a forma comportamental que são ordinariamente perdidos, porque ambos são sutis e acontecem muito rapidamente e, mais criticamente, porque eles são tão familiares para nós que somos incapazes de tratá-los conscientemente, e então serem descobertos, descritos e analisados. 9. Análise interpretativa Armados com transcrições cronológicas de comportamento em diferentes canais, com descrições analíticas detalhadas das relações entre comportamentos nos vários canais, e com documentação de como a complementaridade e a reciprocidade são manifestadas nos comportamentos dos contra-atuantes, o analista pode agora sair da consideração da Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 208 ação como comportamento e ir para a consideração do comportamento como uma ação significativa - e para a descoberta de princípios culturais (regras e normas) que determinam a organização social da interação face a face. De acordo com MEHAN (1979: 100-110) e parafraseando a discussão em DORR-BREMME (1982: 71-77), quatro regras de evidência podem ser determinadas para a dedução de regras subjacentes ou princípios de adequabilidade das regularidades observadas nas ações dos contra-atuantes. Esses princípios comprobatórios tratam de quatro tipos de fenômenos observáveis: a consistência de co-ocorrência; a consideração das ausências; consistência de sanções positivas e negativas e a normalização das formas ambíguas. 9.1. Princípio 1: Consistência da co-ocorrência. Quando vários aspectos (1) que regularmente ocorrem juntos como num conjunto e esse conjunto é (2) regularmente seguido por outro conjunto (resposta) e não por (3) agir como se ele não fosse de alguma forma inadequado (reação), podemos deduzir que o primeiro conjunto foi uma forma apropriada. Por exemplo, se Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 209 há a co-ocorrência do olhar da professora em direção aos alunos no momento em que ela diz as palavras “Tudo Bem”, e isto é regularmente seguido pelo início das atividades acadêmicas, então os comportamentos co-ocorrentes podem ser tomados como sendo uma dica para os alunos sentarem e começarem suas atividades acadêmicas. 9.2. Princípio 2: Considerar a ausência. Quando os participantes de interações consistentemente acusam uns aos outros de serem os responsáveis por terem falhado em fazer alguma coisa, podemos deduzir que existe uma regra sóciocultural prescrevendo a adequação da falta da ação. Retornando ao exemplo anterior: se os alunos não começassem a trabalhar após a professora ter dito, “Tudo Bem”, e de ter olhado para eles; se então ela reiterasse a dica, ou de alguma forma indicasse que a falha dos alunos em cumprir estava sendo esperada, isto seria uma evidência de violação da regra de adequação. 9.3. Princípio 3: Consistência das sanções positivas e negativas. A sanção negativa que responsabiliza alguém por Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 210 ter falhado em fazer alguma coisa que deveria ter sido feito, é apenas um tipo de sanção negativa aplicada pelos participantes da interação. A ocorrência de uma ação inapropriada, também pode ser negativamente sancionada. Contrariamente, a ocorrência de uma ação apropriada pode ser sancionada positivamente. Ao reagir às ações de outras pessoas com sanções positivas ou negativas, os participantes poderão estar invocando as regras subjacentes de adequação, pelas quais a interação é organizada. As buscas por essas regras são freqüentemente bem explícitas, por exemplo: “Não posso entender o que vocês estão falando, se todos falam ao mesmo tempo”. Algumas vezes, porém, um comportamento que foi sancionado negativamente num ponto em um evento, não o é em outro. Não se pode apenas deduzir simplesmente que a sanção foi injustificada, ou se a dedução de uma regra no momento anterior estava errada. Quando os comportamentos recebem sanções inconsistentes, é necessário que haja uma maior análise dos dados e uma adaptação do sistema à regra deduzida (MEHAN, 1979: 105). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 211 9.4. Princípio 4: Normalização das formas ambíguas. Como é aparente para qualquer pessoa que tenha lido uma transcrição literal e não editada de uma conversa comum, muitas ações comunicativas dos eventos do dia-a-dia são elípticas e muitas vezes são ambíguos em seu significado explícito e implícito. As maneiras pelas quais os parceiros em interação respondem às ações ambíguas, que tenham sido executadas por outras pessoas, fornecem outro aspecto para a dedução de regras ou princípios de adequabilidade. Pelo menos entre a classe média americana, e também provavelmente entre outros grupos, parece haver uma tendência para se normalizar uma forma comunicativa ambígua - ao invés de simplesmente reagir com uma sanção positiva ou negativa - tratá-la como se fosse uma forma apropriada, mesmo que não seja. Desse modo, os participantes concertam os tropeços interacionais uns dos outros e corrigem os erros. É como se houvesse um princípio cooperativo ordenando “o show deve continuar”. O analista pode julgar a adequação ao examinar esses movimentos de reparo e olhando na direção para a qual que eles tendem; Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 212 identificando a pressuposição dos movimentos de reparo que apontam para uma interpretação de que a forma ambígua anterior deveria ter sido. Exemplos de normalização são freqüentemente encontrados nas interações entre neófitos e parceiros de conversação mais experientes. Baseado em um movimento ambíguo de mãos ou um olhar de um bebê, a mãe diz “Ah, você quer suco!” Uma rejeição subseqüente ou aceitação do suco pelo bebê sugere que a normalização interpretativa da mãe identificou ou não corretamente a intenção da criança. Numa entrevista para um emprego, o entrevistador poderia dizer com uma exagerada entonação declinante que precede uma inalação, “Bem...” que poderia significar, “Bem, vamos terminar com isso agora” ou “Bem, há mais alguma coisa?”. Caso o entrevistado tivesse mais alguma coisa a dizer, ele poderia responder, “Vamos falar sobre os benefícios e as licenças”, nesse caso então abrindo mais uma porção substancial da entrevista, do que simplesmente abrindo apenas a porção da conclusiva da entrevista. O bebê e a entrevista para o emprego são neófitos nessas cenas. A Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 213 maneira pela qual um participante mais experimentado interpreta as ações ambíguas dos pontos de vista dos neófitos indicam a adequação das formas. Isso é útil para orientar as deduções do analista da interação e do membro neófito que pelas dicas de normalização pode ser guiado por entre canais por ele não conhecidos pelos participantes mais experientes, ou serem guiados gentilmente, porém firmemente à medida que eles agem de acordo somente com relutância com a direção da interação, para onde as ações de outras pessoas em cena estejam tendendo. Os padrões ou regras de sistemas são inicialmente identificados dentro de um evento ou dentro dos segmentos constituintes, de um evento, ao se aplicar estas regras de evidência aos arquivos de dados construídos a partir do RSI. A generabilidade da teoria emergente da organização interacional pode então ser testada, ao se examinar outros casos análogos indexados ao corpo do material registrado. Os atributos definidores de relação analógica podem ser formais (olhando por um conjunto de situações de jantares dentro e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 214 através de famílias) ou funcionais (olhando para os inícios de jantares, aulas escolares, entrevistas para empregos ou para padrões de diálogos no início dos eventos. Algumas das questões envolvidas na escolha dos casos análogos de acordo com um critério formal ou funcional, são discutidos em maior profundidade por SHUTZ et al., 1982). Já que pesquisa contínua é informada pelas descobertas e interpretações das análises iniciais, os casos subseqüentes poderão requerer um exame menos abrangente - novas indagações requerendo estudos detalhados freqüentemente emergem quando faixas adicionais são revistas. Se as regras deduzidas nas análises iniciais foram congruentes com os dados nos casos subseqüentemente examinados, então a tipicalidade do primeiro caso foi estabelecida. Normalmente a situação não é assim tão clara. Análises dos casos subseqüentes com freqüência revelam variações nas regras que foram inicialmente deduzidas e será necessário fazer modificações na teoria emergente de organização do evento. Os casos discrepantes serão encontrados, e isso Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 215 impulsionará o analista a reconsiderar toda a base da teoria originalmente deduzida. O corpus é investigado para tais casos, ou exaustivamente (todas os casos do corpus serão examinados) ou de acordo com um procedimento de exemplificação (se houver um número muito grande de casos presentes); essa busca sistemática minimiza a possibilidade do analista não ver os casos discrepantes. Sessões de revisão são outra abordagem para se testar a coerência de validade da perspectiva teórica emergente do analista, através do que CICOUREL (1976) chamou de triangulação da evidência. Os participantes do evento registrado são convidados a ver o RSI e suas impressões são inferidas e arquivadas (ERICKSON & SHULTZ, 1982). Os participantes são convidados a ver o que estava acontecendo e podem ser indagados sobre comportamentos específicos; alguns analistas formulam suas teorias emergentes e interpretações e solicitam as reações críticas de seus colaboradores (GRIMSHAW, 1982). As interpretações dos participantes freqüentemente são exageradamente racionais, e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 216 freqüentemente divergem profundamente daquelas dos analistas; mesmo assim, essas hipóteses e interpretações alternativas podem ser de grande valia para o investigador, particularmente quando estratégias de dedução que tenham o final em aberto são empregadas. Os informantes podem ser requisitados a parar um filme ou uma fita e fazer comentários todas as vezes que aparecer alguma coisa nova ou importante, ou todas as vezes que aparecer alguém zangado. Se vários informantes forem entrevistados desse modo em sessões separadas de revisão, e cada um parar a fita e fizer comentários sobre os mesmos pontos do RSI original, a comparação de seus relatórios pode ser altamente reveladora. Isso foi especialmente verdadeiro nos estudos de ERICKSON & SHULTZ (1982) nos quais os comentários da sessão de revisão de entrevistadores e entrevistados para um emprego e do corpo docente e discente foram os mais divergentes possíveis nas entrevistas onde houve a maior dificuldade interacional e irregularidade de comportamento. Isso sugeriu que os problemas na coordenação da ação nas entrevistas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 217 estavam relacionados com diferentes padrões de inferência interacional entre o entrevistador e o entrevistado. Além de manter sessões de revisão com os participantes elas podem ser feitas com painéis de informantes que não eram eles próprios participantes, mas que têm fundamentos de origem similar a um ou mais dos participantes. As interpretações que forem assim conseguidas podem ser utilizadas para medir a generalização das impressões e atribuições relatadas pelos participantes. 5 O procedimento da análise interpretativa que descrevi, parece muito familiar com o do sociólogo que faz um trabalho de campo de observação participativa. As regras de evidencia descritas neste trabalho, são similares àquelas utilizadas pelos pesquisadores que fazem trabalho de campo no desenvolvimento de sólidas teorias de ação social e para uso dos lingüistas na construção de teorias gramaticais quando eles encontrarem uma nova língua. Eles estão familiarizados com os sociólogos através das discussões feitas por GLASER & STRAUSS (1973) e pro DENZIN (1970), dentre outros. Os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 218 procedimentos de busca para a localização de casos não confimados derivam diretamente do método de análise de caso discrepante de LINDESNITH (1938, 1947). 10. Relatório O veículo transmissor de impressão não pode demonstrar a imagem e o som do registro audiovisual na qual a análise foi baseada, por isso o relato de dados e a análise por escrito é um eterno problema de trabalho ao se usar o RSI. A melhor solução parece ser a de se fornecer uma cópia do filme ou da fita juntamente com o relatório escrito. Infelizmente isso nem sempre é possível, mesmo que para livros publicados, muito menos para artigos de periódicos. Há três tipos de relatórios que são usados com mais freqüência: transcrição detalhada da fala e comportamento não-verbal; sinopse dos dados transcritos por meio de um resumo quantitativo, diagramas esquematizados, ou narrativas sinóticas, e expansão dos dados transcritos por meio dos comentários interpretativos. Múltiplas abordagens Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 219 freqüentemente são utilizadas em um mesmo relatório; algumas vezes todos os três tipos são empregados. A transcrição é direcionada pela teoria. Certamente uma transcrição representa uma teoria dos eventos que ela relata (KEENAN & SCHIEFFELIN, 1979). Conseqüentemente, os métodos de transcrição variam de acordo com os problemas de pesquisa que o analista defronta. O leitor mais interessado deve consultar as citações sobre os sistemas de anotações mencionados anteriormente para obter um sentido da extensão das abordagens à transcrição. Uma sinopse analítica pode ser relatada estatisticamente (SHULTZ, 1980; ERICKSON E SHULTZ, 1982; DORRBREMME, 1982), esquematicamente por meio de gráficos e de tabelas (MCDERMOTT et al. 1978; SHULTZ & FLORIO, 1980; e MEHAN, 1979) e por uma narrativa sinótica (ERICKSON, 1979). A sinopse assim como a transcrição refletem uma teoria dos eventos descritos. Isto é geralmente reconhecido no caso de resumo quantitativo e de gráficos, mas não é geralmente reconhecido para a descrição narrativa. Uma narrativa Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 220 sumária não é uma mera descrição: os substantivos, verbos, adjetivos e advérbios de suas sentenças, as unidades da narrativa, a linha da estória e outros aspectos da estrutura do discurso, dirigem o leitor para as afirmações teóricas sobre a organização dos eventos descritos (ERICKSON, 1979). Uma das vantagens de se trabalhar a partir do RSI é que seu caráter radicalmente irredutível destaca para os analistas as questões teóricas na redução analítica encontrada na narrativa. Estas questões são mais proeminentes para o microanalista do que para os observadores participantes que estão tomando suas notas de campo, porque as próprias notas de campo são elas próprias registros de eventos relatados altamente redutíveis (e carregadas de teorias). Em qualquer relatório, a expansão interpretativa de uma transcrição ou sinopse, é encontrada no texto do próprio relatório. Alguns analistas tomaram isto como um avanço ao apresentarem transcrições e nelas incluírem comentários interpretativos em colunas que fazem um paralelo com as linhas da transcrição (GUMPERZ & HERASIMCHUK, 1972; Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 221 CORSARO, 1977; LABOV & FANSHEL, 1977; GRIMSHAW, 1982). Isso ajuda o leitor a acompanhar com mais facilidade a organização da interação refletida na transcrição. Por exemplo, um comentário interpretativo que apareça junto de uma elocução transcrita pode tornar evidente para quem o falante endereçou a elocução; aparecendo com a transcrição da orientação do olhar e é feita uma confirmação, podendo ambos identificar o significado social do comportamento nãoverbal e indicar para quem a elocução não-verbal foi endereçada. Para resumir, os pontos do comentário interpretativo explicitam ambos para a relação entre forma e significado na interação e para a relação entre ações específicas e seus contextos dentro das interações registradas na transcrição. 11. Conclusão Esse artigo revisou questões substanciais numa abordagem particular à microanálise do RSI, que foi chamada de microetnografia. Os métodos de microetnografia foram comparados e contrastados com métodos etnográficos mais Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 222 padronizados, encontrados na pesquisa de observação participativa, e procedimentos específicos de revisão de filmes e fitas, foram discutidos analiticamente. O que resta para o leitor é localizar o RSI das interações humanas que ocorrem naturalmente (registros que foram feitos continuamente através de um evento) e tentar os procedimentos analíticos. A experiência do conselho dado aqui estará no trabalho a ser feito por aqueles que o aceitaram. 12. Observações 1 - Ver GUMPERZ (1982) sobre contextualização. HOLLIDAY & HASAN (1976) sobre contexto de situações de texto e contexto e CORSARO (esse volume) sobre a necessidade de uma etnografia prioritária. 2 - Alguns episódios de segmentos de investigação pela identificação de mudança de tópico de impressão cumulativa. (Ver LABOV & FANSHEL, 1977; GRIMSHAW, 1982 e a discussão abaixo). 3 - Em filmes de cinema isso é feito ao se imprimir quadros de números de impressão cumulativos. O código de tempo na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 223 fita é feito ao se usar um gerador de tempo-data, que imprime eletronicamente o tempo decorrido em horas, minutos, segundos (e, com o equipamento adequado, micro-segundos) na fita; o número aparecerá na tela do vídeo durante a passagem da fita. O gerador de tempo-data também pode mostrar números que indicam a data em que se o filme foi originalmente gravado, ou um número código que identifica a localização dos segmentos de cópias na fita original, e ainda a localização da fita no corpus principal. Esses números de referência são úteis para a indexação. 4 - Os eventos podem continuar, naturalmente, com a mudança dos participantes. Ver CORSARO, nesse volume. 5 - Tais técnicas são familiares do trabalho dos psicólogos sociais que estudam a cONVERSAÇÃO E A INTERAÇÃO EM PEQUENOS GRUPOS. VER GILES & POWESLAND, 1975, E ROSENTHAL et al., 1979. Frederick ERICKSON é Professor de Educação - Pedagogia e Medicina (e Professor Adjunto de Antropologia) e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 224 Pesquisador senior do Instituto de Pesquisa do Ensino (IRT) da Universidade Estadual de Michigan. Ele já escreveu amplamente sobre a utilização do RSI em análises de interação. Seu texto The Counselor as Gatekeeper: Social Interaction in Interviews/ O conselheiro como porteiro: A interação social em entrevistas (escrita em co-autoria com Jeffrey Shultz) foi publicado no início desse ano pela Academic Press. Está para ser publicado pela IRT, Sights and Sounds of Life in Schools: A Resource Guide to Film and Video for Research and Education/Imagens e Sons da Vida na Escola: Um Guia de Recursos em Filmes e Fitas de Vídeo Para Pesquisa e Educação (em co-autoria com Jan Wilson). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 225 Capítulo 6 O que faz a etnografia da escola “etnografica”? 9 A principal idéia deste ensaio é que a etnografia deve ser considerada um processo deliberado de investigação orientado por um ponto de vista, ao invés de um relato de um processo guiado por uma técnica padrão ou um conjunto delas, ou mesmo por um processo totalmente intuitivo que não envolve reflexão. O modo de utilizar as técnicas e instrumentos de pesquisa no trabalho de campo é determinado pelo processo implícito de questionamento do pesquisador, bem como é informado por sua experiência na 9 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi originariamente publicado sob o título What Makes School Ethnography "Ethnographic"? Harvard Graduate School of Education Council on Anthropology an Education Newsletter Vol IV, no.2 July, pp. 10-19. 1973 Nota do autor -Este artigo começou como um longo memorando para participantes de um curso em pesquisa etnográfica conduzida pela American Educational Research em 1972. Um dos participantes deste curso foi Arthur A. Katz, um dos alunos de Jonh Singleton, na época. Katz editou meu ensaio para publicação na ANTROPOLOGY AND EDUCATION NEWSLETTER. A edição foi feita com muita propriedade e eu sou lhe muito grato por isso. Ao rever o artigo fiz algumas poucas mudanças para esta reedição, que consistiram na recuperação de materiais do ensaio original, notadamente as referências sobre a interdependência da etnografia e etnologia. Eliminei também todas as citações, uma vez que muitas das originais estão desatualizadas. Isto em si mesmo é testemunho do crescimento do campo nos quatorze anos que se passaram. Palavras-chave: pesquisa etnográfica; etnologia; trabalho de campo; processo de investigação. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 226 situação de campo e ser conhecimento prévio de pesquisa antropológica. O pesquisador de campo gera um processo de investigação baseado na situação, aprendendo com o tempo a levantar questões sobre o contexto de campo, de tal forma que este, por suas respostas, indica as questões seguintes situacionalmente apropriadas. A estruturas das questões pesquisáveis também é influenciada pelo conhecimento do pesquisador sobre a literatura de antropologia e sociologia. O trabalho de campo é fortemente indutivo, mas não há induções puras. O etnógrafo leva para o campo um ponto de vista teórico e um conjunto de questões, explicitas ou implícitas. A perspectiva e as questões podem mudar no campo, mas o pesquisador tem uma idéia-base a partir da qual inicia a investigação. O que resulta do questionamento em campo é uma descrição: 1) da regularidade do comportamento social em uma situação social considerada como um todo; 2) de como o etnógrafo experienciou aquelas regularidades estando lá na situação social; e 3) de como ele vê a situação e o comportamento situacional a luz da ampla Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 227 variedade de comportamento humano já encontrado. O que eu entendo pelos termos desta proposição - “regularidade”, “situação social”, “todo”, “estar lá”, “sua visão”, “variedade de comportamento humano”- forma o conteúdo do que se segue neste ensaio. Etnografia e etnologia: definições etmologicas “Etnografia” literalmente significa “escrever sobre as nações”; “grafia” vem do verbo grego “escrever” e “etno”, do nome grego ethnos, usualmente traduzido no dicionário inglês como “nação”, “tribo” ou “povo”. A definição mais refinada de ethnos é encontrada no Lexicon Grego de LIDDELL & SCOTT: um número de pessoas acostumadas a viverem juntas, uma companhia, um corpo de homens. O que isto implica é que “ethnos”, a unidade de analise para o etnógrafo, não precisa ser uma nação, grupo lingüístico, região ou vila, mas qualquer rede social formando uma entidade corporativa, na qual as relações sociais são reguladas por costumes. Nas sociedades modernas uma família, uma Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 228 sala de aula, um grupo de trabalho numa fábrica, ou uma fabrica toda são unidades sociais que podem ser descritas etnograficamente (assim como não etnograficamente). O que faz com que um estudo se caracterize como etnográfico não é apenas o fato de o mesmo tratar de uma unidade social de qualquer tamanho como um todo, mas, sim, por retratar eventos, pelo menos em parte, a partir do ponto de vista dos atores envolvidos nesses eventos. Esta ênfase sobre o significado local é essencial na definição de etnografia que MALINOWSKY faz em Argonauts of the Western Pacific. Antes de MALINOWSKY houve muitos relatos de povos primitivos escritos por viajantes. O que distinguiu a etnografia de MALINOWSKY dos relatos destes últimos foi sua tentativa (nem sempre bem sucedida) de caracterizar o significado a partir do ponto de vista do autor. Etnologia contrasta com etnografia, e as duas são interdependentes na conduta de investigação do pesquisador. “Etnologia” literalmente significa o estudo do significado, ou significância, dos costumes e organização dos grupos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 229 humanos. O “significado” a ser elucidado pela etnologia não é o dignificado de um comportamento complexo no contexto de uma cultura particular na qual o mesmo é encontrado, como ocorre na análise etnográfica. O projeto da etnologia é identificar os princípios de ordem do comportamento social dos seres humanos como um todo. Seu método é comparativo. Cada sociedade é vista contra o cenário de todas as formas de organização humana, onde as formas de vida de uma dada sociedade são contrastadas com todas as outras formas conhecidas de conduzir as coisas diárias e eventos especiais. O interesse pela variedade de formas costumeiras do comportamento humano começou no Ocidente, entre os gregos. HERODOTO tinha interesse que eram etnológicos bem como etnográficos. No século II d.C. o filósofo cético grego Sextus EMPIRICUS conduziu um levantamento trans cultural sobre moralidade, mostrando que aquilo que foi considerado certo em uma sociedade foi considerado errado em outras. Ele trabalhou a partir de relato de viajantes, que Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 230 continuou constituindo a base para o conhecimento comparativo sobre o comportamento humano até o século XIX. Podemos ver, pois, que tanto a etnografia como a etnologia não são novas. A etnografia pré-científica difere da etnografia científica, a qual pode ser considerada como sendo aquela que começou com o trabalho de campo de MALINOWSKY nas ilhas Trobriand na primeira década deste século. Diferentemente do viajante, o experiente antropólogo levou para o campo uma explícita - mais freqüentemente implícita perspectiva etnológica, dentro da qual sua descrição foi conduzida. Além disto, levou uma preocupação (concern) etnográfica pelos significados locais do comportamento. O viajante pode ter sido um excelente jornalista, mas em seu relato faltou uma perspectiva comparativa e um compromisso para descobrir os significados locais que tinha em mãos. O etnógrafo combinou experiência de primeira mão com uma consciência de outras formas de vida social além da sua própria. O que resultou, quando muito, foi: 1) descrições mais Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 231 apuradas de todos os aspectos parciais essenciais de uma sociedade, descrita com referência a sociedade como um todo e, pelo menos implicitamente, a outra sociedade como todos; 2) definições mais sistemáticas do todo social e suas partes em termos estabelecidos pelas então crescentes disciplinas da sociologia e etnologia; 3) explanações menos etnocêntricas dos costumes “estranhos” em termos das suas funções e significados inteligíveis na sociedade descrita. A etnografia se tornou, então, mais meticulosa na coleta de dados e mais ligada ao corpo teórico da ciência social emergente. Este processo continuou durante os anos 20 e 30, a medida em que os etnógrafos estreitaram os contatos, tomando cada vem mais conhecimento das principais idéias e questões formuladas por cada um muito embora tenha havido considerável desacordo entre eles quanto a melhor forma de conduzi-las. O que tudo isso tem com o estudo da escolarização ou educação na sociedade americana? Eu apresentei esta breve revisão da história da etnografia (evidentemente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 232 supersimplificada) para servir como um pano de fundo para a consideração de como se pode fazer etnografia nas escolas americanas. Nós somos obrigados a começar reconhecendo que as especificidades que caracterizam o trabalho de campo de um antropólogo como MALINOWSKY, nas ilhas Trobriand, não funcionará nas escolas americanas. Alguns de seus princípios gerais de trabalho de campo e relatos podem servir como um modelo para etnógrafos educacionais, mas não seus métodos específicos, uma vez que sua unidade social difere da nossa em tamanho e tipo. Uma escola americana não é uma aldeia Trobriand. Pode haver pontos de analogia entre as duas, mas há, de outro lado, pontos em que a analogia não se sustenta. Por exemplo, a aldeia envolve a vida de seus membros 24 horas por dia por muitas gerações; a escola, não. Na aldeia, a autoridade política e as relações de troca são fortemente influenciadas por status e regra de relação familiar, enquanto na escola tratamento especial de acordo com status de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 233 relações familiais é expressamente proibido por um sistema de regras burocráticas (e meritocráticas). Por conseguinte, nós não podemos transferir os métodos particulares da pesquisa etnográfica padrão para o estudo de escolas. Mas nós podemos identificar os princípios gerais de fazer etnografia de uma aldeia primitiva - uma comunidade total na qual os membros mantém status designados, limitados igualmente por direitos e obrigações recíprocas, trocam bens, e na qual o conhecimento é tradicional e muda vagarosamente e os sistemas de significados locais são identificados. Nós podemos tentar identificar quais destes princípios gerais ainda se aplicam quando se faz etnografia de uma escola - uma comunidade parcial, cujos membros (idealmente) mantêm status alcançados, na qual direitos e obrigações não são recíprocos, na qual os bens e serviços trocados diferem marcadamente em tipo, e na qual o conhecimento é não tradicional e muda rapidamente. As teorias e métodos de MALINOWSKY não funcionam nas escolas porque estes métodos não são apropriados a tal Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 234 situação. Todavia, este exemplo, que se tornou o paradigma para toda uma geração de etnógrafos, pode seu útil para nós, assim como alertar-nos para não tomar seu modelo literalmente. Para fins analíticos, MALINOWSKY viu a sociedade como divisível em categorias de atividades que preenchiam a maior parte das necessidades humanas básicas organização social (incluindo as de parentesco, casamento e regras de descendência), economia, tecnologia, língua, sistema de crenças. 1. Visão da escola de acordo com as categorias de MALINOWSKY 1.1. Organização Social Como forma de pensar a escola como uma pequena comunidade, nós poderíamos aplicar à mesma os termos fundamentais do discurso sobre organização social - pessoas, status, papel, direitos, obrigações - tomando, de início, muito pouco disto como certo. Nós podemos construir proposições sobre os status e papéis que existem para as pessoas na escola, e as redes de direitos e obrigações que ligam vários dos status uns aos outros. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 235 Os professores são obrigados a obedecer ao diretor, cujo direito é o de ser obedecido. O direito e obrigado a proteger o professor de interferência externa e só professores tem o direito de serem protegidos pelo diretor. 1.2. Economia No modelo de MALINOWSKY, comportamento social é visto como um intercâmbio. Intercâmbio inclui troca de bens de valor, troca de símbolos de valor em um mercado de dinheiro, ou a troca de comportamentos de forma igualitária. As salas de aula podem ser vista como um sistema econômico de comportamento - uma economia política - na qual os estudantes prestam deferência para os professores em troca de um tipo de tratamento e do fornecimento de conhecimento. 1.3. Sistema de crenças: religião, filosofia popular e ritual A escola pode ser vista como tendo uma visão de mundo ou ideologia perpetuada pela inculcação da crença religiosa (através de mitos e rituais) é fundamentada numa filosofia popular, cujos elementos são: termo de definição princípios de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 236 valoração (ou de avaliação?), regras de lógica, métodos de explicação causal e formas de afirmação predicativas. 1.4. Mito As características da “religião” escolar que mais tem recebido atenção nós últimos anos, são os arquétipos míticos e temas curriculares. 1.5. Mitos de criação A vinda dos peregrinos, a guerra revolucionária, o debravamento do oeste, a guerra civil, a melhoria do padrão de vida. 1.6. Ancestrais míticos nas estórias heróicas de mito de criação Jonh Smith, os peregrinos, Washington, Jefferson, Lincoln, Lee, Andrew Carnegie. 1.7.Figuras subsidiárias que promovem a ação do herói O demoníaco rei inglês (Charles I, George III); O índio traiçoeiro e selvagem, mas ocasionalmente nobre e leal (Pontiac, Blackhawk, Crazy Horse, Sitting Bull, Squanto, Pocahontas, Sacajawea). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 237 1.8. O feliz e preguiçoso escravo. O imigrante competente e trabalhador que clareou as florestas, nomeou os campos, glorificou o nome de Deus em se caminho, chegou ao trabalho na hora certa, e não fez greve. 2. Filosofia folclórica O sistema de ocupações de vários status na estrutura social da escola é outro aspecto a ser pesquisado sobre a visão cultural do mundo na escola. A variante filosofia folclórica (metafísica, epistemológica, lógica e ética) inerente na cultura do professor, na cultura do administrador, e na cultura do estudante pode prover lentes culturais, através da qual mesmos eventos são muito diferentes. Percepções diferentes através de lentes diferentes podem parcialmente resultar em diferenças entre administradores, professores, e estudantes dentro da interação na escola. Por exemplo: Parece para mim, depois de trabalhar internamente no treinamento de professores de variadas escolas, cidades e subúrbios, particulares e públicos, que algumas constantes características no sistema de crença dos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 238 professores, um corpo de sabedoria convencional, pode ser identificado. Esse sistema de filosofia folclórica pode ser visto como sendo composto pelos seguintes elementos: (1) termos básicos, (2) relações entre os termos básicos na forma de afirmações de premissas básicas, e (3) relações entre termos e premissas na forma de afirmações de correlação/probabilidade, explicação causal, e previsão. Mais concretamente, alguns termos básicos são “aluno”, “criança”, “indivíduo”, “leitor”, “Pais”, “trabalhador”, “alto”, “baixo”, “bom”, “abaixo”, “impulsionando”, “atencioso”, “além”, “devagar”, “leitura”, “problemático”. Termos individuais podem ser juntados para formar termos de combinações de dois elementos, como: “bom-aluno”, “abaixo da média”, “leitor lento”. E termos mais complexos como: Acompanhar o resto da turma, família de pai ausente (lar desfeito), sem livros em casa, carência cultural (ambiente familiar ruim), bom ambiente familiar. Um aspecto da Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 239 pesquisa dos termos é definir precisamente o que é significado por termos como indivíduo, bom aluno, causador de problemas, bom ambiente familiar. Os termos básicos são relacionados um com o outro em premissas de definição e causalidade - cada criança é um indivíduo, um bom aluno é um bom trabalhador, um lar culturalmente carente não tem livros, um bom ambiente familiar leva a alta prontidão para a leitura. 2.1. Proposições de fator causal As premissas são unidas em proposições que relacionam pessoas e eventos particulares a fatores causais, probabilidade/correlação ou declarações previsíveis na forma de “se X então Y". “João é um (causador de problemas/aluno lento/leitor lento) porque ele vem de uma (família de pai ausente/lar desfeito/ambiente culturalmente carente)". “Judith é uma leitora lenta, mas vem de um bom ambiente familiar de modo que deve ser uma sub-empreendedora.” Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 240 2.2. Probabilidade/Proposições de Correlação “Os alunos que vem de um ambiente culturalmente carente provavelmente terão baixa prontidão para leitura". " Seu causador de problemas é freqüentemente um leitor lento e pode vir ou de um lar desfeito ou de um bom ambiente familiar no qual os pais empurram demais." 2.3. Predições "Se João prestasse mais atenção ele seria capaz de acompanhar a turma." "Sem mais atenção individual, os leitores lentos não serão capazes de acompanhar a turma." " Se você for para a porta logo antes que a sineta toque, os estudantes ficarão em fila, caminharão em ordem para fora até o corredor e não debandarão." " Se você não mantiver as crianças quietas, o diretor lhe dará uma má avaliação e você não conseguirá outro período" . Algumas destas declarações que resultam de lógica de professor não são totalmente falsas. Muitas das práticas recomendadas funcionam, muitas das previsões se transformam em verdade. Mas as práticas e previsões podem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 241 ser confirmadas por outras razões que as causas presumidas pelo sistema de sabedoria convencional do professor, no qual os termos e premissas freqüentemente não são examinados e a lógica não é rigorosa (de acordo com os padrões tradicionais). Por exemplo, as crianças de famílias de pai ausente podem ter problemas para aprender a ler, mas por causa da profecia de auto-consecução ao invés de por qualquer falta de habilidade inerente à falta de um pai. Se as expectativas do professor forem abaixadas porque ele sabe que uma criança não tem pai, a criança pode ter dificuldade em aprender a ler. (A existência de órfãos que aprendem a ler torna a “ausência do pai que causa falta de habilidade de leitura" uma premissa logicamente absurda. A relação se existe de todo (e pode) não é tão simples quanto a da causalidade direta). Um padrão total na lógica do sistema de crenças popular dos professores parece ser aquela culpa por um resultado avaliado baixo geralmente, é geralmente estabelecida fora da sala de aulas - “baixa e fora" ao lar ou “alta e fora" ao diretor, ou ao sistema. Este padrão torna os pesquisadores suspeitos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 242 da sabedoria popular dos professores. Talvez a suspeita não seja justificada, porque a sabedoria gerada através da experiência diária pode funcionar razoavelmente bem na vida diária mesmo se o sistema pode estar prevendo resultados enganadores por razões parcialmente ou mesmo totalmente erradas. Falsa ou não, se a sabedoria popular do professor existe, ela é um fator que deve ser combatido, na descrição etnográfica e nos planos para mudança educacional. 2.4. Ritual Os microrituais de ano escolar que envolvem somente parte de toda a escola (cada sala de aula), tais como Juramento de Lealdade, e os macrorituais que envolvem a sociedade escolar total, tais como o Programa de Natal, acompanham uma diminuição aguda ou aumento nos índices de interação. O Juramento de Lealdade acompanha a intensificação da interação somente em um ciclo de tempo diário (o contato entre o professor e os alunos está para começar para o dia) e o Programa de Natal acompanha a diminuição uma diminuição Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 243 da interação em um ciclo trimestral (o período semestral está para terminar e os alunos e professores estão para partir). O fator de mudança em índices interacionais entre os participantes do ritual também pode ser acompanhado pelo fator mudança de status entre os participantes. Isto é verdadeiro em rituais de escola secundária como premiação em competições atléticas e iniciação em uma sociedade de honra nacional, que reconhecem publicamente que não somente alguns indivíduos entraram em status novos e mais altos, mas que eles também entraram em novas formas de relações sociais com os membros companheiros de alto status e novas relações com os antigos companheiros, que são agora estrangeiros de status relativo mais baixo. Os rituais dão expressão formal ao fato social de que os atletas se associam mais um com o outro (por participação em um time) e com as garotas de mais prestígio social do que com não atletas e garotas de menos prestígio social, e que os estudantes de honra tendem a se associar mais um com o outro (ou menos com membros do sistema de prestígio informal dos atletas) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 244 porque constituem uma hierarquia de status separada dentro da escola e porque dentro de seu grupo o status sócio econômico mais alto é provável de ser representado demais. Nos ritos de iniciação para honras atléticas e acadêmicas, a existência do sistema dual de status e associação é proclamada formalmente e celebrada. A escola assim dá sanção oficial ao sistema dual. Idealmente o sistema acadêmico é mais lícito do que o atlético, mas na operação diária da escola ambos os sistemas existem e ambos devem ser legitimados de modo que a ordem possa ser regulada e mantida. Através do sistema dual um princípio de obtenções de justiça distributiva, pelo qual os empreendedores acadêmicos e não empreendedores, WASPS (brancos da classe alta) e não WASPS, SES (status sócio econômico) altos e SES mais baixos, os alunos da corrente culturalmente principal e os culturalmente diferentes todos podem derivar bens valorizados (status de prestígio com direitos e privilégios particulares) através da participação na escola. Se todos não podem apanhar a placa de bronze, todos ao menos podem montar no carrossel. Quando se Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 245 permanece em seu cavalo e não se causa problema, eventualmente a pessoa se gradua para o carrossel dos adultos. 3. Algumas razões pelas quais a etnografia tradicional é inadequada para o estudo de escolas Mas as escolas são mais que tudo isto. Minhas descrições das crenças e organização social das escolas podem não ser exatamente verdadeiras, por causa de sarcasmo ou porque deixei de fora detalhes cruciais. A crença em máximas, se em Washington, a bandeira, o time ou na inteligência das crianças de boas famílias - ou crença contrária - no jornal underground, na motocicleta, na beleza da negritude ou na escatologia da greve geral - geralmente parece absurda de fora do sistema dentro do qual as máximas têm significado e valor. O mito pode não somente ser necessário como subjacente à vida social, mas a velha proposição filosófica pode ser verdadeira ao inverso - a vida não mítica pode não ser digna de viver. Não é suficiente para um etnógrafo somente ficar de fora e bisbilhotar. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 246 A escola é muito mais complexa do que minhas descrições dela. Na melhor das hipóteses, minhas descrições são somente caricaturas. Elas não podem ser tomadas pela vida real mesmo se concordar que algumas delas são verdadeiras para a vida. A caricatura é uma distorção sistemática - abstraindo o que o artista percebe como sendo os aspectos mais salientes de seu assunto e apresentando aqueles aspectos em uma forma exagerada, com largos golpes de pena. Os detalhes finos são deixados fora intencionalmente, porque eles podem distrair a pessoa que vê do padrão geral dos aspectos principais que o artista quer enfatizar. A habilidade do caricaturista em abstrair, que lhe permite atingir seu alvo em ambigüidade, é sua maior força e maior fraqueza. Escolhendo detalhes diferentes para enfatizar ele pode apresentar seu sujeito como um titão ou um asno pomposo, amante ou libertino, santo ou louco. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 247 Similarmente, o etnógrafo, relatando seletivamente detalhes da vida diária em sua descrição de uma sociedade - deixando muito de fora e exagerando sua descrição daqueles detalhes que coloca - produz não somente uma caricatura (o que é inevitável, já que ele não pode apresentar todos os detalhes), mas uma caricatura que é feita de um ponto de vista particular e que comunica aquele ponto de vista inexoravelmente. Assim as seguintes “perguntas teste" devem ser feitas a minha etnografia, e a todas as etnografias: Como você atingiu seu ponto de vista total? O que você deixou de fora e o que colocou? Qual foi seu raciocínio para seleção? Do universo de comportamento disponível, quanto você monitorou? Por que você monitorou o comportamento em algumas situações e não em outras? Que base você tem para determinar o significado do ponto de vista dos atores? Acredito que uma boa etnografia deve não somente ser capaz de responder aquelas perguntas, mas deve fornecer dados Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 248 para ilustrar as decisões tomadas durante o processo de pesquisa e (talvez em um apêndice) descrições dos tipos e quantidades de dados que não estiveram disponíveis, mais exemplos de dados disponíveis que foram consistentes com o ponto de vista total apresentado na etnografia. Em outras palavras, o etnógrafo deve fornecer aos leitores instruções para a falsificação da análise, se o leitor decidir replicar o estudo. Isto quase nunca é feito em relatórios etnográficos. Isto deixa a etnografia bem aberta a cargas de subjetividade, periodicidade ideologia por críticos positivistas. Enquanto não concordo com os positivistas, especialmente aqueles que dominam a pesquisa educacional, não vejo razão para deixar a etnografia educacional em uma posição sem defesa ante seus críticos. Os positivistas têm razão. Embora possa objetar a suas regras particulares de evidência. Sou forçado a admitir que algumas regras de evidencia sistemáticas são necessárias. Seja quais forem as regras de evidência que os etnógrafo escolham, eles devem escolher algumas, viver de acordo com Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 249 elas e tornar claro a sua audiência quais são elas e como afetam o curso da pesquisa. Porém, cada antropólogo que conheci tinha sua própria opinião sobre o que ele ou ela pensava que as regras de evidência deveriam ser. Alguns pensam que não deve haver "regras" de todo - que o processo é complexo demais e intuitivo demais para refletir enquanto se o executa. Mas penso que é melhor tornar o processo de pesquisa tão reflexivo quanto possível - que isto informa e dá força à intuição ao invés de enrijece-la. 4. Fazendo etnografia escolar Aqueles de nós que escolhem fazer etnografia escolar escolhem fazer isto em sociedades complexas modernas (ou em sociedades tradicionais em rápido desenvolvimento), porque nas sociedades tradicionais a transmissão de cultura mais intencional (educação) não é a escolaridade institucionalizada. Assim começamos com uma unidade de análise, a instituição da escolaridade, que envolve somente alguns membros da sociedade, algumas horas de cada dia, alguns dias a cada ano. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 250 A escola transmite somente algum do material cultural da sociedade. A forma organizacional da instituição escolar, a escola, está localizada em um ambiente limitado geográficodemográfico, com relações de direitos e obrigações entre a escola e aquele lugar e suas pessoas. A escola também está ligada por uma rede de comunicação, direitos e obrigações para com as unidades sociais maiores - o sistema escolar e o gabinete escolar (que nos Estados Unidos é uma entidade governamental), com o governo municipal, estadual e federal. A escola é ligada pelo processo político formal e informal à étnica econômica e interesses de grupos religiosos que ativam o processo político. Além de ser uma parte dentro de uma escala maior, a escola é um todo composto de partes - diferenciação de pessoas de acordo com diferentes classes de status e papéis formais e informais (professores, alunos, administradores, para profissionais, responsáveis, pais) com diferentes índices e modos de interação entre status e diferentes esferas e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 251 quantidades de autoridade e influência pertinentes aos vários status. Mas isto são informações demais disponíveis aos etnógrafos. Eles devem, me parece, ter estratégias para eliminar algumas do colosso de informações, distribuindo em categorias o comportamento confrontam. e regras de comportamento que as Tudo o que acontece dentro da escola é potencialmente significativo, mas algumas coisas são mais significativas que outras. Segundo MALINOWSKY a maior parte do que acontece dentro da escola está de algum modo relacionado com o que acontece fora dela, mas algumas destas relações são mais fortes que outras. Não se pode estudar a cidade como ou todo ou a vizinhança da escola, ou a escola mesmo. Há demais aí para monitorar holisticamente, ainda que o holismo não possa ser eliminado, ou podem resultar caricaturas baseadas em visão de túnel. Os problemas de definição de unidade social, como estudar a interação como limites de unidade, decidir sobre uma Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 252 amostra, gerar questões pesquisáveis, operacionalização, tudo se torna crescentemente insistente quando se pensa em fazer uma etnografia escolar. O processo de pesquisa começa a parecer como a pesquisa educacional comum, com o que muitos de nós já estamos desiludidos. Além do problema de como fazer etnografia em uma instituição única dentro de uma sociedade complexa, existe o problema de como os etnógrafos que são membros daquela sociedade pensam e sentem sobre sua sociedade, e como seu ponto de vista afeta sua descrição. Alguns de vocês discordaram do tom de minhas caricaturas das escolas americanas apresentado anteriormente no artigo porque discordam de minhas opiniões e sentimentos para com a sociedade americana como um todo. Minhas caricaturas não seriam verdadeiras para com a vida em termos de sua teoria social. Era eu que estava lá fazendo o trabalho de campo, não outra pessoa. Minhas presunções fundamentais e preconceitos são parte de meu eu. Não posso deixá-los em casa quando entro Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 253 em um local. Devo estudar o local como eu. Mas você não é eu e você não está lá. Fui eu que estive lá. Assim devo ao menos tornar explícito para você o ponto de vista que eu trouxe ao local e sua evolução enquanto eu estava lá, bem como o ponto de vista com o qual saí. A meta desejável não é aquela impossível de objetividade sem corpo (Eu sou um sujeito, não um objeto), mas da clareza em comunicar o ponto de vista como um sujeito, para mim e para minha audiência. Além de ser eu para minha audiência, como um etnógrafo, tenho uma obrigação de ter estado lá. Realmente estar lá significa experimentar fortes relações com seja mais quem esteja lá (os informantes da pessoa). Algumas destas relações podem parecer boas e outras podem doer. Todas elas me afetam e me mudam. Porém uma pessoa que faz observação participativa - como na maior parte observador ou como na maior parte participante - não um envolvimento total com um local. Uma razão pela qual não tenho ainda suficiente material de sabedoria popular de professor à mão é que minhas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 254 experiências de campo mais intensas foram com crianças, não com professores. Minhas descrições de professores são ainda de uma distância; elas parecem verdadeiras, mas não o suficiente verdadeiras. Somente após ter realmente estado lá com professores serei capaz de mostrar quão sensível é o sistema de sabedoria convencional dos professores não examinado quando visto de dentro do sistema. É a prova de força do etnógrafo: tirar sentido dos complexos de comportamento " ultrajantes" (comer sopa de coágulos, a circuncisão pública de adolescentes do sexo masculino [sem anestesia], humor negro, partilhar a esposa com uma visita, as explicações do professor sobre porque uma criança fracassa) colocando o complexo comportamental em seu contexto sócio cultural. Para empurrar isto como um etnógrafo a pessoa deve não somente suprimir um sentido de raiva ultrajada enquanto no campo, mas ainda ficar lá e tirar vantagem de sua raiva, usando-a como um barômetro para indicar alta saliência. Aqueles aspectos de uma cultura que simplesmente são intoleráveis são provavelmente a chave para a diferença entre Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 255 aquela cultura e a própria. O método não é aquela da objetividade, mas da subjetividade disciplinada. Se existe uma cultura de professores da escola primária não é certamente, em seus aspectos distintos, a minha própria. Se eu quero descrevê-la adequadamente, devo permanecer perto até que ela faça sentido e então relatá-la de modo que ela faça sentido. Em meu relatório posso escolher condená-la ou não condená-la, mas em qualquer dos casos estou obrigado a torná-la inteligível como vista de dentro, e retratar os atores na situação como humanos - não como figuras de madeira ou monstros. Talvez não bons ou maus ou pessoas sábias mas seres humanos. Parece me que muito da etnografia escolar em nossa própria sociedade ficou longe deste ponto. Como etnógrafos, (e como descritores jornalísticos de escolas) damos lugar a nossa raiva muito auto-indulgentemente e apresentamos as escolas, professores e alunos como essencialmente e irredimivelmente desumanos; na melhor das hipóteses guiados por uma Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 256 ignorância impenetrável ou na pior das hipóteses, motivados por uma malevolência zelosa. Não estou propondo aqui um relativismo fraco. Mas mostrar que um processo social tendo resultados ruins, não é necessário descrever cada ator no processo ou como vilão ou como uma vítima. Para caricaturar uma comunidade escolar americana de um modo que seja verdadeiro em si, deve-se mostrar que professores, alunos, administradores, pais, políticos, homens de negócios, são motivados pelo bem e pelo mal, guiados pela sabedoria bem como pela tolice em suas sabedorias convencionais, freqüentemente confusos, algumas vezes fortemente conscientes do que está acontecendo, se imiscuindo. Tal caricatura não deve excluí-los, mas seria verdadeira a eles de um modo em que muitos escritos recentes sobre escolas não o são, se o escritor for um defensor ou atacante do sistema. Alguns podem achar que usar o ultraje de alguém como um instrumento no trabalho de campo, para explicar o ato ultrajoso como inteligível, é em si mesmo ultrajoso - uma Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 257 perversão esquizóide do emocionalmente e eticamente "normal". Então não se deve tentar fazer etnografia, porque naquele processo de pesquisa a lei mais alta é fidelidade ao assunto, quão esquizóide se possa tornar no processo de pesquisa. Os antropólogos tentaram muito fazer isto quando descrevem tais instituições “ultrajantes" como a Cerimônia Kachina, na qual os homens Navajo se vestem como deuses com máscaras e chicoteiam as crianças, mas os antropólogos freqüentemente deixam de fazer isto quando descrevem as instituições " ultrajantes" da escola americana. Caracterizei a etnografia como um processo de pesquisa com um pé na situação de campo e o outro na literatura antropológica. Em conclusão, quero ilustrar isto esquematizando os primeiros passos de um processo de pesquisa de campo - que tipos de perguntas poder-se-ia trazer para o que se está vendo, que tipos de significado poder-se-á assinalar para o que se vê e que tipos de lógica e premissas básicas poder-se-ia usar ao fazer isto. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 258 5. Tornando o familiar estranho A pergunta contínua que se pode fazer no campo é esta: Por que isto é (ato, pessoa, status, conceito) da maneira que é e não diferente? A presunção por trás da pergunta é que o comportamento humano varia o suficiente pelo mundo para que em alguma outra sociedade haja ou uma maneira convencional bem diferente de fazer seja qual for atividade que aconteça eu estar vendo, ou em alguma sociedade ela não possam fazer a atividade de todo e passem bem sem ela. Não presto atenção consciente aquela pergunta todo o tempo, mas ela está sempre ali. Especialmente ao fazer etnografia em nossa própria sociedade é importante manter em mente que a natureza estranha e arbitrária do comportamento diário comum que nós, como membros, consideramos usual. Esta é a técnica do filósofo de tornar deliberadamente o familiar estranho. Ao entrar em uma sociedade não Ocidental o trabalhador de campo não tem que fazer isto. Tudo não é familiar e muito é estranho. Mas quando descrevendo as instituições de sua própria sociedade, o etnógrafo deve adotar Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 259 a posição crítica do filósofo, continuamente questionando os terrenos do convencional, examinando o óbvio, que é considerado tão usual pelos do meio cultural que se torna invisível para eles. Freqüentemente são os aspectos considerados usuais de uma instituição que na análise final aparecem como os mais significativos. O instrumento para desmascarar o óbvio é a pergunta, Por que isto da maneira que é e não diferente? Em formas mais particulares esta pergunta poderia ser: 1. Por que há uma bandeira americana pendurada nesta sala de aulas? Existem alguns casos em que ela está ausente? O que acontece nestes casos? 2. Por que o professor toca na cabeça de seus alunos? Existem algumas regularidades em quem ela toca e em quem não? O que poderia acontecer se ela começasse a tocar os não tocados ou parasse de tocar de todo? Comparadas com as maneiras mais comuns nas quais a educação tem sido praticada através da maior parte da Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 260 história humana, as salas de aula americanas são estranhas não somente em termos do que acontece lá, mas em termos do que não acontece. Poderíamos perguntar, “Por que não há rito de circuncisão para os garotos do oitavo ano?”. Assim a primeira presunção é que muito do que acontece na escola, enquanto pode ser lugar comum para nós observadores e para os participantes, é apesar disto extraordinário. A próxima presunção é que o que acontece na escola não é somente uma questão de relações entre indivíduos professores e alunos e pais, mas de relações entre alunos como grupos, entre professores como grupos e entre a escola como um todo interagindo com outras unidades sociais como todos fora dela (grupos comunitários, o sistema escolar mais abrangente, entidades políticas e econômicas). Em resumo, é presumido que o significado total de muitos eventos dentro da escola pode ser visto somente no contexto dos eventos através de toda a escola, influências do exterior sobre a escola e influências da escola na sociedade mais abrangente. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 261 6. Fazendo perguntas pesquisáveis Neste ponto poderia ser apropriado dar um passo atrás, passar para um nível mais alto de abstração, e fazer perguntas que definam mais claramente os termos da pesquisa, bem como nos levem a evidencias sobre a relação das escolas com outras entidades sócio culturais. Aqui estão alguns exemplos de perguntas possíveis que falam das relações entre a organização do ensino em escolas urbanas e a questão da sucessão étnica em posições ocupacionais. Se se queria estudar tal questão, existem tipos de perguntas de pesquisa que podem guiar a pesquisa. 1. Existem grupos (que vão de encontro a quaisquer critérios para a definição de " grupo" que pudéssemos escolher para estabelecer ou adotar) nos quais o status étnico é um atributo criterial para se ser membro? O que acontece em grupos baseados em status comercial e financeiro e grupos compostos de ocupantes de cargos políticos? 2. Como estes grupos são distribuídos em termos de residência, ocupação, classe sócio econômica, afiliação Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 262 religiosa, afiliação política e o envolvimento e exercício de autoridade? 3. Qual é a natureza das relações entre grupos? Alguns grupos são subordinados a outros? Quais são e como? Onde estão os grupos mais recentemente chegados localizados na estrutura social relativa aos grupos menos recentemente chegados? Existem redes de amizade entre indivíduos dos diferentes grupos? Existem redes de amizade de foco individual ou dentro do grupo? Quem está na rede? Os diferentes grupos são super representados em certos status ocupacionais e outros tipos de status? Em organizações dominadas por uma maioria super representada, qual é a natureza de suas relações com a minoria sub representada? Existem entendimentos formais ou informais pelos quais os sub-representados tem acesso a certos tipos de emprego, influência, contratos e os super-representados tem controle sobre outras áreas da pista organizacional? Quem controla o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 263 que? Uma relação de paridade ou justiça distributiva é obtida com a qual ambos os grupos concordam? Por que processo a paridade é determinada? 4. Se as relações sugeridas nas perguntas 1-3 obtém para padrões residencial , étnico e ocupacional nas vizinhanças, as organizações de negócios e governamentais a cidade como um todo, como isto se relaciona com a estrutura , operação e função das escolas? Há super representação de algumas categorias de pessoas étnica, residencial, religiosa - nos vários status nas escolas (ex: administradores locais, professores, zeladores, auxiliares de escritório, alunos , pessoal de agencia social relacionado com a escola)? Como esta distribuição vê os vários níveis organizacionais ex: administradores do escalão superior, a direção da escola, os contratadores de construção e manutenção, aqueles que alugam a propriedade da escola, etc? Qual é a distribuição de renda (e outros benefícios especificáveis) entre as categorias? Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 264 Em uma dada escola local e para o sistema como um todo, várias categorias de pessoas (que se identificam como tal) percebem a paridade ante outros grupos? Quem faz e quem não faz? Qual é sua definição de paridade? 5. Qual é o efeito de 1-4 acima sobre a organização da vida diária em uma dada escola ? O que as diferentes categorias de pessoas fazem a maior parte do tempo? A etnicidade, residência, afiliação religiosa, etc, afeta a qualidade das relações entre administradores e professores? Entre professores e professores? Entre os auxiliares de escritório e os professores? Entre professores e alunos? Etc. O que é “comportamento não afetado por fatores étnicos"? O que é “comportamento positivamente afetado por fatores étnicos"? O que é “comportamento negativamente afetado por fatores étnicos"? Quem se relaciona com quem e de que modo? Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 265 O que várias categorias de pessoas dizem sobre isto em conversa formal-informal? Dentro e fora da escola? O que elas fazem sobre isto formalmente e informalmente? 6. Quais sãos os resultados escolares altamente valorizados pelas várias categorias de pessoas? Resultados para professores e administradores? Para alunos? Para os pais? Para homens de negócios? Para autoridades governamentais? Qual é a distribuição de opinião dentro de um dado agregado? Qual é a distribuição de resultados desejáveis e indesejáveis (como definidos por qualquer dos agregados acima) entre uma dada classe de pessoas étnica, residencial, religiosa, sócio econômica? Se resultados desejáveis são pesadamente super representados, como isto se relaciona com aquela definição de agregado de “justiça distributiva"? Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 266 8. Um processo de pesquisa Obviamente, nenhum etnógrafo poderia cobrir todas estas perguntas em detalhes uniformes. Mas se da leitura da literatura, de informantes e pelas observações, se começa a sentir que fatores étnicos poderiam explicar o comportamento padronizado em uma comunidade escolar, então se necessitaria se basear em vários tipos de informações sobre fatores étnicos que operam nas unidades sociais mais amplas das quais a comunidade escolar faz parte e em unidades sociais menores dentro da comunidade escolar, bem dentro da sala de aulas ou do confronto individual pais-professor. O etnógrafo seria levado a este corpo de informações por uma variedade de perguntas de pesquisa. Quando considerando as questões de pesquisa para pesquisa, minha regra é que as microperguntas de uma pessoa devem sempre levar a macroperguntas e vice versa. Quando considerando a garantia evidenciária para as asserções, minha regra de evidencia é que para qualquer asserção de um alto nível de abstração devemos ser capazes de mostrar ligações claras Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 267 através de uma cadeia de perguntas e respostas de pesquisa de ordem mais baixa, para os níveis mais baixos possíveis de inferência em observação e interpretação da ação humana visível e audível. Penso que a etnografia, por causa de seu holismo e por causa de sua perspectiva cultural cruzada, fornece um processo de pesquisa pelo qual podemos fazer perguntas de extremidade aberta que resultariam em novos insights sobre a escola na sociedade americana. Muitos destes insights podem ser úteis para planejadores políticos e grupos comunitários. Mas não como a "Verdade Absoluta" que eles poderiam querer ontem. Nenhum de nossos insights pode ser taxado de “conhecimento positivo" nem devem sê-lo. Apresentando nossas conclusões como possíveis ao invés de como certas, penso que podemos adquirir credulidade sem mistificação. Para pessoas de ação, nossa pesquisa etnográfica pode ser útil fornecendo novos pontos de vantagem para reflexão; uma meta modesta, mas uma resistência honesta a esta inflação de esperança cujo final é o cinismo. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 268 Documento original sem referências Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 269 Capítulo 7 O discurso em sala de aula como improvisação As relações entre a estrutura das tarefas acadêmicas e a estrutura de participação social nas aulas10 A conversa entre professores e alunos nas aulas - conversa que é não somente inteligível mas situacionalmente apropriada e efetiva - pode ser vista como a improvisação coletiva de significado e organização social de momento a momento. Como esta improvisação acontece e qual o significado pedagógico que a improvisação pode ter, irei discutir neste capítulo. Primeiro alguns pontos gerais: (a) os aspectos acadêmico e social da estrutura das tarefas das aulas como ambientes de aprendizagem; (b) o papel da cronometragem na organização social e acadêmica da interação nas aulas; (c) o padrão cultural de interação; e (d) as implicações dos três pontos 10 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi originariamente publicado sob o título Classroom Discourse as Improvisation: Relationship between Academic Task Structure and Social Participation Structure in Lessons. In L.C. Wilkinson (Ed.) Communicating in the classroom. NY: Academic Press. Pp. 153-181, 1982. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 270 anteriores em nossa compreensão da conduta de ensino e aprendizagem como socialização. Apresentarei então exemplos específicos de uma aula de matemática ministrada em uma sala de aula do primeiro ano. Concluirei com a discussão da implicação pedagógica e sociolingüística de um quadro de referência e uma análise que considera as aulas escolares como encontros e considera a interação nas aulas como uma variação situacional dos temas socioculturais gerais. 1. Ambientes de tarefa de aprendizagem Os professores e alunos engajados em fazer uma aprendizagem juntos podem ser vistos como trabalhando em dois conjuntos de conhecimentos procedurais simultaneamente: o conhecimento da estrutura da tarefa acadêmica e da estrutura de participação social. A estrutura da tarefa acadêmica (STA) (Deve ser notado que este é um sentido muito mais específico do termo que o usado por BOSSET (1979), cuja "Estrutura da Atividade de Tarefa" é uma noção muito mais geral de tarefa e deriva de uma referência Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 271 teórica muito diferente) é imaginada como um conjunto padronizado de restrições fornecidas pela lógica do sequenciamento do conteúdo sujeito-objeto da aula. A estrutura de participação social (EPS) é considerada como de um conjunto de restrições sobre a alocação de direitos interacionais e obrigações dos vários membros do grupo de interação (ERICKSON & SCHULTZ, 1977, 1981; SHULTZ, FLORIO & ERICKSON, no prelo). A estrutura da tarefa acadêmica governa o sequenciamento lógico dos "movimentos" instrucionais do professor e dos alunos. Considere, por exemplo, o seguinte problema de soma: 14+8= 22 Ao resolver esta equação no estilo da "matemática antiga" (e ao ensinar os passos em sua solução) é necessário começar (a) com a coluna mais à direita (a "1°”); (b) adicionar os números naquela coluna; (c) já que a soma daquela coluna é maior que 10, "levar" as 10 unidades para a coluna próxima à esquerda (a coluna dos 10), e (d) adicionar os dois 10 naquela coluna. A seqüência de passos é restringida pela lógica da computação; Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 272 não se sabe que os dois 10 devem ser adicionados na coluna dos 10 até que se tenha primeiro somado os números na coluna dos 1. Assim os passos na adição ficam em relações de pares adjacentes um ao outro que são análogos às relações de pares adjacentes na conversa que foi discutida pelos analistas conversacionais (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974), por exemplo, seqüências de perguntas e respostas. Na conversa e em computação estas são relações invariáveis de uma posição de série, hierarquicamente e seqüencialmente ordenadas. Existem pelo menos quatro aspectos definíveis de ambiente de tarefa acadêmica em uma aula: (a) a lógica do seqüênciamento sujeito-objeto; (b) o conteúdo de informações dos vários passos seqüenciais; (c) as dicas de " metaconteúdos para os passos e estratégias para se completar a tarefa; e (d) os materiais físicos através dos quais as tarefas e os componentes das tarefas são manifestados e com que tarefas são executados. Estes quatro aspectos juntos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 273 manifestam a estrutura da tarefa acadêmica da aula como um ambiente de aprendizagem. A estrutura de participação social governa o seqüenciamento e articulação da interação; ela envolve dimensões múltiplas da sociedade interacional de acordo com a qual o trabalho interacional é dividido em conjuntos de papéis comunicativos articulados, por exemplo: papéis de ouvinte em relação aos papéis de falante. 2 (Papel aqui se refere a um conjunto de direitos e obrigações vis a vis com outros). Considerada como um padrão total, a estrutura de participação pode ser considerada como a configuração de todos os papéis de todos os padrões em um evento interacional (ERICKSON E SHULTZ, 1977, 1981). Alguns aspectos destas relações de papel envolvem padrões nas maneiras que os padrões interacionais trocam de turno durante a fala, pares ligados de turnos, juntados semanticamente em seqüências de perguntas e respostas, e comportamento de ouvinte coordenado em relação ao comportamento de fala. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 274 Paralelamente aos quatro aspectos do ambiente de tarefa acadêmica de uma aula estão quatro aspectos definíveis do ambiente de tarefa social: (a) a guarda social do portão de acesso para pessoas e outras fontes de informações durante a aula; (b) a alocação de direitos e obrigações comunicativos entre os vários parceiros interacionais no evento; (c) o seqüenciamento e cronometragem dos sucessivos "encaixes" funcionais na interação; e (d) as ações simultâneas de todos aqueles engajados na interação durante a aula. Tomados juntos, estes quatro aspectos manifestam a estrutura de participação social da aula como um ambiente de aprendizagem. Os aspectos da estrutura de participação social foram estudados por analistas conversacionais e por etnógrafos de comunicação (SACKS et. al., 1974 sobre alocação de turno; SCHEGLOFF, 1968 sobre seqüências de perguntas e respostas; e DUNCAN & FISKE, 1977, ERICKSON, 1979 & KENDON, 1967, sobre coordenação ouvinte-falante). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 275 Todo este trabalho presume uma definição do social em termos do WEBSTER como a ação feita devido as ações de outros (WEBER, [1922]1978). A ação social é distinguida do comportamento social na medida em que é articulada e orientada para o que os outros estão fazendo na cena, bem como para o que os outros podem estar fazendo fora da cena imediata. As ocasiões das interações sociais são nos termos de GOFFMAN, encontros; ajuntamentos focalizados nos quais o foco está no que os outros estão fazendo ali (GOFFMAN, 1961). A fronteira entre o encontro e o mundo exterior não é impermeável; as influências externas não se impingem nela. Mas a ação dentro do encontro tem, em alguma extensão, uma vida própria. Ela é, em parte ao menos, imediatamente social. O lugar no qual o que os etnometodólogos nomeiam “produção local” é feita; a ação é situada em seu local imediato. Nos encontros, as ações dos vários parceiros interacionais são articuladas de modos imediatamente sociais seqüencial e simultaneamente. As ações recíprocas são articuladas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 276 seqüencialmente, por exemplo, em pares de perguntas e respostas, nos quais a pergunta feita pelo parceiro conversacional obriga a uma resposta por outro no próximo encaixe sucessivo da conversa. As ações complementares são articuladas simultaneamente, por exemplo, nas respostas do ouvinte tais como assentimentos que podem ocorrer no mesmo momento em que o falante fala. Em suma, a ação que é imediatamente social é vista como radicalmente cooperativa e interdependente. Os aspectos seqüencial e simultâneo da organização social da interação em sala de aula foram consideradas recentemente por alguns ERICKSON pesquisadores, (1977), notadamente, ERICKSON E BREMME MOHATT & (1982), GUMPERZ E COOK-GUMPERZ (1979), MEHAN (1979), MERRIT (neste Volume), MICHAELS & COOK-GUMPERZ (1979), SHULTZ et. al. (no prelo), SINCLAIR & COULTHARD (1975) e WILKINSON, CLEVENGER & DOLLAGHAN (1981). Somente os autores do trabalho mais recente começaram a considerar os aspectos social e acadêmico das tarefas de aula Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 277 juntos (ver AU, 1980; COLLINS & MICHAELS, 1980; COOPER, MARQUIS & AYERS-LOPEZ, Capítulo 5, neste volume; GRIFFIN, COLE & NEWMAN, em preparação; MEHAN & GRIFFIN, 1980). Isto é necessário, como argumentei em outra parte (ERICKSON, 1980), se vamos desenvolver uma teoria interacional da aprendizagem e ensino cognitivo em ocasiões sociais (tais como aulas) que sejam ambientes interacionais de aprendizagem. Algumas pesquisas anteriores de sala de aula enfatizaram o ambiente de tarefa cognitiva (SMITH, n.d.; TABA, 1964) enquanto ignoravam o ambiente de tarefa social. Uma tentativa notável foi feita por BELLACK, KLIEBARD, HYMAN & SMITH (1966) para combinar aspectos de organização social e acadêmica no estudo das aulas. Desde então, pesquisadores sociolinguisticamente orientados estudaram principalmente a estrutura de participação social das aulas, enquanto pesquisadores de currículo e psicólogos cognitivos se preocuparam primariamente com a estrutura de tarefa acadêmica das aulas. É necessário considerar ambos os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 278 aspectos de organização como mutuamente constitutivos. Como MEHAN colocou sucintamente, para um aluno dar uma resposta certa em uma aula, a resposta deve ser "certa" no conteúdo acadêmico e na forma social (MEHAN, 1979, p.1). Na extensão em que a conversa em uma aula diz respeito ao assunto, a participação bem sucedida na aula envolve conhecimento de informações sobre o assunto e sua organização lógica, bem como conhecimento do discurso e de sua organização local. 2. Tempo e seqüência na coordenação da interação social Se a interação face a face é uma empresa radicalmente cooperativa, "localmente" produzida em termos de ações localmente situadas e seus significados, então os parceiros interacionais devem ter meios disponíveis para estabelecer e manter interdependência em sua ação coletiva. Estes meios são os padrões de cronometragem e seqüenciamento na execução do comportamento verbal e não verbal. Os padrões funcionam como um sistema de sinais - um mecanismo de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 279 guia social - pelo qual os parceiros interacionais são capazes de dizer um ao outro o que está acontecendo de momento a momento. Começarei esta discussão considerando as funções e manifestações comportamentais diferentes de sinais de coordenação e então discutiremos a organização destes sinais na duração de tempo real da interação. Os sinais são explícitos e implícitos. Eles podem comunicar informações sobre um momento que é passado, este momento agora, e/ou o momento que vem a seguir. Os sinais explícitos podem ser encontrados no significado literal (conteúdo referencial) da fala. A última sentença do parágrafo anterior é um exemplo deste discurso escrito; ela aponta as expectativas do leitor para o que vem em seguida no texto. Nas aulas algumas destas orientações são feitas explicitamente na fala. Freqüentemente a fala tem a ver com o conteúdo do assunto e com a STA. Consideremos o problema de adição discutido anteriormente. Se o professor estava demonstrando a solução deste problema à sua classe, o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 280 discurso da aula poderia ser algo assim quando o professor apontou os vários números e colunas em um quadro de giz: Professor: Quanto é quatro mais oito? (apontando para a coluna dos 1º). Classe: Doze. Professor: Certo, assim escrevemos os dois aqui (O professor o faz) e então? Classe: (Sem resposta) Professor: O que eu disse da última vez? (ex: no problema anterior) Classe: Levar. Professor: Levar o 10 para a coluna dos 10 e somar os dois 10 lá... assim a resposta é ... Vinte e dois. Muito bem. Agora “sete mais cinco". (O professor passa para o próximo problema). A questão no turno 1, “Quanto são quatro mais oito?” (mesmo se não acompanhada da ação não verbal de apontar para o quadro), identifica explicitamente e acompanha a ação no passo na estrutura de tarefa acadêmica que está sendo feita naquele momento. Além disto, a forma da pergunta também assinala que uma resposta é devida no momento a seguir; daí a pergunta não somente permite à classe identificar o que está Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 281 acontecendo no momento presente mas antecipar, através de interpretação prospectiva, o que deve acontecer no momento seguinte. O turno 5 aponta explicitamente para a necessidade de interpretação retrospectiva pela turma, pedindo para lembrar o que foi ensinado sobre "levar" no problema anterior. Os sinais que apontam para um estágio seqüencial particular na aula podem ser mesmo mais explicitamente formulados do que na ilustração anterior. Por exemplo, o professor poderia ter precedido a pergunta no turno 1 pela declaração: “Vamos começar somando os números na coluna dos 1”. Isto teria apontado explicitamente para o estágio seqüencial na STA mesma antes de entrar na operação computacional necessária naquele estágio. As formulações específicas deste tipo podem ocorrer no início da aula, como no seguinte exemplo hipotético: Agora teremos nosso teste de ortografia. Primeiro peguem uma folha de papel, escrevam seu nome no canto de cima e então começarei a ler as palavras que vocês vão soletrar. (Este é o mesmo tipo de função executada pela frase Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 282 no final do primeiro parágrafo desta seção. Começarei esta discussão considerando diferentes funções e manifestações comportamentais de sinais de coordenação e então discutiremos a organização destes sinais na duração de tempo real da interação.) O mesmo tipo de orientação para posição de seqüência em uma aula pode também ser assinalado através de elipse. Os sinais elípticos podem ser usados com sucesso por causa da familiaridade com as rotinas seqüenciais do procedimento em sala de aula. Um exemplo é encontrado no Turno 9 da ilustração anterior. Uma palavra mais uma pausa, Agora... pode funcionar como uma formulação de posição seqüencial que é equivalente à frase inteira. Vamos começar somando os números na seqüência de 1s. Através da elipse, a primeira palavra do Turno 3 , Certo, aponta retrospectivamente para a exatidão da resposta no Turno 2. O apontamento semântico é elítico, mas é ainda explicitamente comunicado no item léxico. Certo. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 283 Apontar para uma posição de seqüência é feito mais implicitamente. Esta função pode ser feita por palavras e sintaxe, e por pistas paralingüísticas e não verbais. Um exemplo de uma dica léxica é encontrado no Turno 3, onde a palavra “Certo” funciona explicitamente para assinalar que a resposta anterior estava correta. Ela também funciona implicitamente para assinalar perspectivamente que, já que a resposta anterior estava correta, o professor vai mudar para algo novo no momento seguinte. Uma pista sintática tem uma função de sinalização prospectiva similar no final do Turno 7, na qual uma pausa interrompe o completar da frase verbal: assim a resposta é ..."3 (Os aspectos de sinalização de seqüencia-posição discutidos até agora foram todos notados por outros pesquisadares, notadamente SACKS et al. (1974), SCHEGLOFF (1968), MEHAN & WOOD (1975) e em aplicações da teoria do ato da fala ao discurso da aula, como em SINCLAIR & COULTHARD (1975). A sinalização implícita prospectiva e retrospectiva também pode ser feita pelos chamados padrões "supra-segmentais" de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 284 comportamento não-verbal e paralingüístico; assim chamados porque são mantidos através de unidades fonológicas e sintáticas menores na corrente da fala. As mudanças na posição postural e na distância freqüentemente marcam o final da unidade do discurso de alguém e o início de outra (ERICKSON, 1975; SCHEFLEN, 1973; e a análise do posicionamento postural em sala de aula por MCDERMOTT, 1976). As mudanças em registro de tom e na prosódia da fala (tom, entonação, entonação de volume, tempo) podem também assinalar o completar da série de "quedas" de discurso conectadas como os níveis de tom que caem sucessivamente na "entonação de escuta" encontrada no exemplo hipotético: Professor: O que os gregos antigos consideravam como os elementos essenciais? Turma: Terra. Fogo Água Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 285 Aqui não somente a queda de tom no final de água assinala o final da lista, mas a leve elevação de tom em água e fogo assinalam que o ponto final ainda está por vir. GUMPERZ (1977) usa o termo pistas de contextualização para se referir a todos os meios superficiais- estruturais pelos quais a intenção comunicativa e forma interpretativa são assinaladas. Os procedimentos de pistas de contextualização são aprendidos e seu uso é compartilhado dentro das comunidades de fala. As dicas para esta turma em geral apontam para vários contextos de interpretação, não somente para os aspectos de contexto seqüencial discutidos aqui, mas também para outros aspectos do contexto. Estes incluem: ironia, sinceridade, polidez e enquadramento como atividades de fala de conjuntos particulares de funções comunicativas; por exemplo, conversar sobre o tempo, mudar de assunto, pedir uma refeição em um restaurante. (GOFFMAN, 1974; e TANNEN, 1979, sobre as noções de pistas e enquadramento. Ver também SCHANK & ABELSON, 1977, para uma noção mais idealizada de enquadramento, plano e expectativa). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 286 TANNEN & GUMPERZ presumem que o contexto não é meramente dado na cena de ação. A cena é complexa e grande demais para ser informativa por si mesma. Os aspectos específicos do contexto devem ser apontados continuamente e mantidos através do comportamento comunicativo. As pistas são manifestadas através de muitos níveis de organização de fala e comportamento não verbal, em sintaxe, léxica, estilística, registro da fala, prosódia da fala, no movimento do corpo, olhar, posição postural e distância interpessoal. A habilidade de "ler" o sistema de sinais das pistas de contextualização é um aspecto crucial do que HYMES (1974) chama competência comunicativa, que abrange, pistas de contextualização e os processos inferenciais pelos quais elas são lidas como um requisito fundamental para executar a comunicação que não seja somente inteligível, mas apropriada e efetiva em seu uso. Os aspectos particulares das pistas de contextualização que eu quero enfatizar aqui são aqueles de (a) apontar para o lugar Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 287 seqüencialmente funcional do momento agora e o momento seguinte e (b) apontar para a localização em tempo real dos momentos agora e seguinte. Temos revisado a importância, para o compartilhamento interacional, de todos os participantes, em um evento interacional, serem capazes de apontar um para o outro os encaixes seqüencialmente funcionais na interação quando ela se desdobra. Isto é importante no nível dos encaixes imediatamente adjacentes tais como aqueles da frase nominal e da frase verbal dentro de uma sentença, ou em pares de perguntas e respostas através de turnos de fala. É também importante saber onde alguém está na seqüência de maiores "quedas", os conjuntos seqüenciais de encaixes funcionais em níveis hierarquicamente mais altos de organização seqüencial; por exemplo, saber quando alguém chegou ao final de um "conjunto topicamente relevante: de pares de perguntas e respostas semanticamente ligados dentro de uma aula, sabendo que a fase preparatória da aula está terminando e que a fase instrumentalmente focalizada da aula está para Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 288 começar (ERICKSON & SCHULTZ, 1977, 1981), ou sabendo que o ponto de climax interacional - a "linha de ímpeto" na estrutura da tarefa acadêmica - chegou (ver SCHULTZ et al., no prelo). Estes assuntos de seqüenciamento na ordenação dos seqüenciais, encaixes funcionais e quedas definem o tempo de "agora" e "momento seguinte" em um sentido especial; aquele do tempo estratégico, em contraste com aquele do tempo do relógio (ERICKSON, 1981). Os gregos antigos faziam uma distinção entre tempo estratégico e do relógio. O primeiro era chamado kairos; o tempo certo, o tempo apropriado. Este é o tempo da história humana, estações e clima. O último tipo de tempo era chamado chronos; o tempo da duração literal, mecanicamente mensurável. O antropólogo HALL faz uma distinção similar entre os tipos de tempo, chamando kairos o tempo formal e chronos o tempo técnico (HALL, 1959). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 289 Na interação face a face, ambos kairos e chronos devem ser claros para os parceiros interacionais se eles devem ser capazes de coordenar socialmente sua ação, levando em conta as ações uns dos outros simultaneamente e seqüencialmente. Os parceiros devem ser capazes de antecipar que um encaixe significativo funcionalmente está para ser atingido no momento seguinte; eles também devem ser capazes de antecipar o ponto no tempo real no qual o próximo momento funcional pode acontecer apropriadamente. Isto é feito através de pistas de contextualização de um tipo especial, que formam padrões do que pode ser chamado prosódia verbal e não verbal. Os pontos de ênfase na corrente de fala - elevações em tom, volume e tempo, o estabelecimento e retirada de junções sintáticas - aparecem em intervalos periódicos regulares. Os pontos de ênfase na corrente do comportamento não verbal concorrem com aqueles da corrente de fala, ou substituem o canal verbal, marcando o "próximo" intervalo rítmico na série. Estes pontos de ênfase ocorrem na mudança de direção do movimento em gestos das Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 290 mãos, em assentimentos, no estabelecimento ou retirada de envolvimentos de entrada, e em mudanças da posição postural e distância interpessoal. Simultaneamente através dos canais verbal e não verbal, estes pontos de ênfase ressaltam um ritmo interacional que é quase, mas não completamente, metronômico. Em suma, os mesmos meios comunicativos são usados para delinear o conteúdo semântico com seus encaixes seqüenciais de organização de kairos, e a forma rítmica, que consiste em períodos regulares de organização de chronos. Os pontos no tempo real, bem como os pontos de uma posição de série em uma relação de seqüência, são essenciais para o "contexto" da ação prática e tomada de decisões que está sendo criado e apoiado no comportamento verbal e não verbal articulado dos parceiros interacionais. A manutenção de padrões previsíveis de convergência entre a organização de kairos e a organização de chronos pode ser vista como fundamentalmente constitutiva da coordenação social da interação face a face no sentido do termo de WEBER ([1922], 1978). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 291 (Para discussão adicional e exemplos de interação entre adultos, ver ERICKSON & SCHULTZ, 1981; e SCOLLON, 1981. Para discussão do papel do ritmo na organização da interação entre crianças recém nascidas e os que tomam conta delas, ver BRAZELTON, KOSLOWSKI & MAIN, 1974; CONDON, 1974; e STEM & GIBBON, 1979. Embora ritmos de interação particulares e padrões de articulação pareçam ser específicos da cultura, a função constitutiva do ritmo como um aparato de organização social parece ser um universal humano; ver BYERS, 1972) 3. Improvisação com ação estrategicamente adaptativa em aulas Embora a previsibilidade de kairos e chronos defina as oportunidades potenciais da ação social por um professor e alunos em uma aula, as oportunidades reais acontecem não somente nas horas e locais funcionais que podem ser formalmente modeladas, mas em pontos de acontecimento fortuito que não são consideradas no modelo formal. Isto porque as aulas escolares, consideradas como ambientes para aprendizagem e ensino, são ocasiões sociais distintivamente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 292 caracterizadas pela fortuidade. Consideradas em termos da etnografia da fala, as aulas ficam em um meio ponto no continuam entre os eventos altamente ritualizados, com fórmulas de fala, nos quais todos os encaixes funcionais e seus conteúdos formais são pré-especificados, e os eventos de fala altamente espontâneos, nos quais nem os encaixes sucessivos nem seu conteúdo são pré-especificados. Consideradas em termos da teoria social e da teoria da socialização, as aulas escolares são de interesse especial porque são anômalas nos paradigmas dos extremos teóricos de determinismo social ou psicológico por um lado, e o do contextualismo radical por outro lado. Primeiro discutirei o caráter especial das aulas como ocasiões sociais e então discutirei as implicações disto para a teoria social e para a teoria da socialização. As aulas são antes de tudo ocasiões para a aprendizagem e o ensino. O que isto significa para a condução leve e bem sucedida da interação é que as aulas são especialmente locais de truques locais, já que existem situações em que é certo que erros serão cometidos e será fornecida correção e assistência. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 293 Na verdade, os erros e hesitações dos estudantes e as respostas adaptativas dos professores são a razão de ser da aula. Os erros são inevitáveis, já que os alunos são aprendizes; aprender é por definição a aquisição de maestria, não a possessão dela. A oportunidade para aprender é a oportunidade de cometer erros. Além disto, os erros dos alunos fornecem ao professor a oportunidade de ensinar. O nível de maestria do aluno é revelado pelo nível de dificuldade na tarefa acadêmica no qual os erros são cometidos. Tendo identificado o nível de maestria do aluno, o professor deve ser capaz de ajustar o ambiente de aprendizagem da aula para acomodar o aluno; isto é na linguagem "folclórica" da educação de professores chamado "considerar o aluno onde ele está". (Sobre este ponto, ver também a discussão em MEHAN, 1979, pp. 122-124). Podem ser feitos ajustes através de ambas as dimensões da aula como ambiente de aprendizagem - a Estrutura de Tarefas Acadêmicas (ETA) e a Estrutura de Participação Social (EPS) - Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 294 ou através de cada dimensão separadamente. A ETA pode ser simplificada, abaixando-se o nível de dificuldade de uma dada pergunta ou de um conjunto de perguntas. A EPS também pode ser simplificada através da relocação de direitos de falar e ouvir. Isto será ilustrado na análise de uma aula de aritmética que se segue. Neste ponto é suficiente notar que não somente a tarefa total cognitiva da aula pode ser tornada mais fácil para uma criança simplificando-se a ETA bem como a EPS, mas que mudanças na estrutura de participação social também fornecem ao professor oportunidades de diagnosticar mais totalmente a capacidade de aprendizagem da criança. Mudar a EPS de modo a permitir à criança responder junto com outra criança, ou com o professor, dá ao professor acesso observacional ao que VYGOTSKY (1978) chama da zona de desenvolvimento proximal da criança - a escala através da qual a criança pode executar com ajuda tendo sucesso, como contrastada com o ponto no qual a maestria da criança pára quando esta está fazendo a tarefa de aprendizagem sozinha. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 295 Perguntas diretas em aula são um modo para o professor ganhar insight no que a criança sabe ou não sabe. Admitidamente, este dogma central da pedagogia não é universalmente compartilhado entre os humanos. Existem grupos socioculturais nos quais o ensino é feito sem nenhum questionamento direto dos aprendizes (ver a discussão dos estilos de aprendizagem e ensino dos nativos americanos em ERICKSON & MOHART, no prelo; e PHILLIPS, 1972). Ainda, para os europeus ocidentais e americanos, a existência da aula interacional como um evento de fala pressupõe que é necessário para o professor fazer perguntas diretas às crianças porque não é claro se a criança sabe a informação antiga que está sendo revisada, ou as informações novas que vão ser ensinadas. O paradoxo é que os vários tipos de erros dos alunos ao responder - mesmo se alguns deles são essenciais como oportunidades para ensinar e aprender - podem destruir a manutenção de uma estrutura de tarefa social e acadêmica coerente na aula. Os erros de conteúdo na ETA podem causar Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 296 problemas na manutenção da EPS, como no caso de uma hesitação por um aluno que quebra o ritmo interacional. Os erros de conteúdo acadêmico que são corretos na forma social (EPS) também podem causar problemas na ETA, como no caso de um aluno que dá uma resposta errada que viola as expectativas do professor e dos outros alunos quanto ao fluxo logicamente seqüencial de idéias na aula, mesmo se a resposta é dada no tempo socialmente "certo" e não distorce o fluxo rítmico suave de alternação entre pergunta e resposta. Ao contrário, os erros em termos de EPS podem danificar a ETA, como no caso de um aluno que dá a reposta academicamente “certa" no momento socialmente "errado". Por causa disto, as aulas são eventos de fala caracterizados pela presença de freqüentes problemas cognitivos e interacionais e trabalho de conserto. Quando as aulas escolares são comparadas com outros eventos de fala, de acordo com a referência da "etnografia do modelo de falar" de HYMES (1964, 1974), as aulas ficam em um ponto médio entre o ritual formal e a espontaneidade Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 297 informal. Na fala mais altamente estilizada a seqüência de turnos de fala é pré-especificada, como na alocação de turnos entre os vários parceiros, o conteúdo semântico de cada turno, e as ações não verbais apropriadas que acompanham a fala. Consideremos o seguinte exemplo de diálogo da missa Católica Romana: Pessoas: (se levantam quando o celebrante volta a olhálas) Celebrante: O Senhor esteja convosco (mãos abertas, braços estendidos). Pessoas: E contigo também. Celebrante: Corações ao alto. Pessoas: O Nosso Corarão está em Deus. Em contraste, o diálogo entre um ministro Protestante evangélico e a congregação durante o sermão é organizado mais informalmente. A alternação de turnos não é pré- especificada, o conteúdo dos turnos do ministro não é totalmente pré-especificado, embora a reiteração formular do que acabou de ser dito ocorra freqüentemente. O conteúdo dos turnos para os membros da congregação não é préespecificado, embora os "enchimentos" opcionais do encaixe Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 298 de resposta (ex.: Amém, Isto está certo, Obrigada Jesus, gritos, começar a cantar) sejam mais estreitos em escala do que a escala de opções disponíveis ao pregador (ver a discussão em ROSEMBERG, 1975). A organização de uma fala em um encontro QUAKER (BAUMAN, 1974) é mesmo mais constrangida em termos de alocação de turno, seqüência de turno e conteúdo do turno. Esta organização não é, porém de nenhum modo ao acaso. Na verdade, o princípio de que um falante auto-elege um turno, e a ausência de uma relação líder-seguidor entre a audiência e o falante são ambos aspectos da organização interacional consistente com um princípio organizacional social mais geral subjacente ao todo da educação Quaker, o princípio da igualdade absoluta de todos os indivíduos diante de Deus e diante uns dos outros. A conversa comum da classe média entre os americanos (como discutido em SACKS et al., 1974) é mesmo mais restringida que em um encontro Quaker. Os falantes na conversa comum podem designar novos falantes bem como Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 299 auto-elegerem seu próprio turno. A escala de tópicos é mais larga que em um encontro Quaker; por exemplo, uma piada suja contada na conversa comum não seria apropriada em um encontro Quaker. Ainda, mesmo em uma conversa comum a ordem subjacente não fica ao acaso, como a análise de SACKS et al., sugere. O que é distinto sobre a conversa comum, em contraste com os outros exemplos, é a natureza radicalmente "local" da ordem. Os princípios de ordem se aplicam ao momento imediato - a pares adjacentes tais como este turno próximo turno. Este é um tipo de regra muito geral; na verdade um termo melhor é princípio operatório ou máxima, para usar o termo de GRICE (1975). A máxima conversacional de GRICE "seja relevante" é um conselho que deve ser levado grandemente em conta em termos de contexto local, dentro da conversa em si. A generalidade de princípios subjacentes e a localidade da relevância para suas aplicações é o que distingue os eventos de fala tais como a missa Católica Romana dos eventos de fala da conversa comum. A missa como um encontro é Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 300 radicalmente não local em sua abertura à influência do exterior, através do espaço e através do tempo. Em sua versão em Latim, a seqüência e conteúdo da amostra de diálogo anteriormente apresentada existiam virtualmente imutável por 1700 anos. O uso começou dentro da congregação Cristã em Roma (que mudou do grego para o latim como sua linguagem litúrgica em 300 DC). Desde então o uso Romano se espalhou pelo mundo. A missa é também modelada por conjuntos de regras altamente especificadas: na verdade, pelos algoritmos exatos de sua execução. Diferentemente das regras de Chomsky de gramática, as regras para a execução da missa não são generativas, mas compartilham o atributo da especificidade de referencia com as regras de CHOMSKY. Nem a missa nem uma versão sociolingüística da gramática de CHOMSKY podem ser responsabilizadas pela organização de eventos de fala tais como aulas escolares. A missa não tem lugar para acidentes - seus algoritmos são inteiramente não locais e definem um sistema fechado de opções. Todos os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 301 acontecimentos locais podem ser responsabilizados por um sistema de regras específicas, sistema de regras não local. A aula escolar, como um evento de fala, fica em algum lugar entre a missa Romana e o sermão evangélico com participação da audiência. acadêmicas de Alguns aspectos da estrutura de tarefas uma aula são, como a missa, mais predeterminados do que é o conteúdo de um sermão de pregador evangélico; as restrições sobre o conteúdo das respostas dos alunos são mais estreitas do que aquelas colocadas nas respostas da audiência do pregador evangélico. A estrutura de participação social da aula se parece com o sermão evangélico mais do que com a missa, pois a alternância de turnos não é totalmente pré-especificada, e o conteúdo do que é dito pelo professor e aluno não é totalmente pré-especificado, embora muito dele seja influenciado por normas culturais que ficam, como são, fora da situação de uso. A aula em sua estrutura de tarefas acadêmicas é como o sermão no que ela é conduzida de acordo com um plano moderadamente especificado. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 302 Similarmente a um encontro Quaker e uma conversa comum, a aula também é organizada em torno de princípios operatórios que são bem gerais na referência. conseqüência a aula é moderadamente aberta Em a acontecimentos fortuitos e inclui princípios de organização local e não-local na produção da interação. Assim a aula escolar, como um evento de fala, tem a face de Juno. Os membros da aula são capazes de tirar vantagem das normas culturais compartilhadas de interpelação e atuação que ajudam a definir os pontos de estrutura, e são capazes de serem abertos às circunstancias únicas de um acontecimento fortuito. Esta combinação de terrenos locais e não locais de atuação é o que permite à aula ser conduzida como improvisação. Os gramáticos Chomskianos não fornecem material para improvisação - não há conjunto limitado de restrições para fornecer um "tema" em torno do qual variações podem ser construídas. É precisamente a combinação do predeterminado e formalizado com algumas dimensões de organização, junto com abertura à variação junto com outras Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 303 dimensões que dão oportunidade à improvisação. Nos azuis de 12 barras, por exemplo, a seqüência de mudanças harmônicas é pré-especificada, e os pontos no tempo nos quais as cordas irão mudar são pré-especificados, mas as opções melódicas em qualquer ponto no tempo são muito largas em escala. O mesmo é verdadeiro para o teatro de improvisação da Renascença Italiana, a comedia dell´ arte. Os papéis dos personagens eram pré-especificados, certos pedaços de diálogo eram formalmente padronizados, mas havia muitas oportunidades para variações localmente situadas em torno dos temas não localmente prescritos. Voltando agora a considerar a aula em termos das teorias de sociedade e de socialização, é extremamente importante manter a noção da aula escolar como um encontro, o que quer dizer, uma ocasião social parcialmente limitada, influenciada por normas culturais e tendo dentro de sua própria moldura alguma coisa de vida em si mesma. Tal visão da aula evita os extremos de determinismo social ou psicológico por um lado, e contextualismo radical por outro. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 304 4. (Na discussão seguinte devo muito a comentários por Jenny COOK-GUMPERZ e por Hugh MEHAN. Ver também sua discussão em MEHAN, pp. 126-130 e em MEHAN & GRIFFIN, 1980.) As teorias funcionalmente deterministas de sociedade, cultura e educação, tais como aquelas de DURKHEIM, não deixam lugar para a escolha humana. O modelo é de um indivíduo super-socializado que aprendeu a agir em cada cena social como se ela fosse a missa Romana. (No modelo de DURKHEIM, o indivíduo aprendeu a querer isto). Um modelo similarmente supersocializado de indivíduo pode ser visto nas teorias psicologicamente deterministas, sejam Skinerianas ou Freudianas. (No modelo de FREUD, o indivíduo resiste à socialização, mas é sobrepujado por ela). Ambos os determinismos psicológico e sociocultural localizam as causas principais da ação do indivíduo fora da cena imediata da ação. Elas pressupõem um indivíduo que é quase totalmente programado pela experiência anterior; no termo de GARFINKEL (1967), um "dopado cultural" que opera como um robô (GARFINKEL, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 305 1967). A socialização é um processo de um só caminho em um mundo sem liberdade. No outro extremo está a posição do contextualismo radical. Aqui as circunstâncias imediatamente locais de produção (ex: este turno, próximo turno) são focalizadas tão estreitamente que excluem a relevância, se não a possibilidade de influências não locais, por exemplo, padrões culturalmente aprendidos de expectativa e atuação, restrições de uma sociedade mais ampla nas escolhas possíveis na cena de ação. Não há necessidade de socialização nesta teoria. Virtualmente tudo pode ser explicado em termos de fazer sentido na cena imediata de ação momentânea. A conclusão lógica desta posição teórica leva ao solecismo: Não existe opressão em tal mundo, mas não existe tampouco liberdade, porque não existe nem um indivíduo nem uma sociedade, somente a interação do momento; não existem oportunidades para escolha que tenham conseqüências além do momento e da cena imediata. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 306 Cada extremo não é utilizável como terreno para uma teoria da educação, que deve pressupor ao menos três níveis de organização - sociedade e cultura geral, situações específicas e indivíduos específicos - e alguns processos de relação entre os níveis, um dos quais é a socialização do indivíduo. O que é argumentado aqui é um meio caminho entre os dois extremos: um caminho que preserve a integridade de cada nível de organização em seu próprio direito e que nos permita ver a socialização como um processo de duas vias. Isto nos deixa um lugar para uma teoria de aulas escolares como encontros educacionais; situações parcialmente limitadas nas quais professores e alunos seguem "regras" anteriormente aprendidas e culturalmente normativas e também inovam criando novos significados juntos ao se adaptarem às circunstâncias fortuitas do momento. Os alunos são vistos como participantes ativos neste processo, não simplesmente como recipientes passivos de moldagem externa. Os professores e alunos são vistos como engajados na práxis, improvisando variações situacionais dentro e em Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 307 torno de material ocasionalmente improvisação, temático prescrito, descobrindo socioculturalmente dentro novas do e processo de possibilidades de aprendizagem e vida social. 4. Visão Geral O que se segue são extratos de uma aula de matemática dada na manhã do quarto dia de escola em uma turma do quarto ano 5 (A aula vem de um estudo de turmas bilingües atualmente em processo. Para discussão adicional do estudo total, ver CANDEN, CARRASCO, MALDONADO-GUZMAN E ERICKSON, 1980 e ERICKSON, CANDEN, CARRASCO & MALDONADO-GUTMAN, 1980). É uma aula de revisão uma versão prática de uma aula de matemática, já que é tão cedo no ano. Os alunos e o professor nesta turma são bilíngües em espanhol e inglês. A aula é conduzida quase inteiramente em espanhol, porque o assunto é simples; porém o leitor que fala inglês não necessita muito conhecimento de espanhol a fim de acompanhar a conduta da aula. A linguagem da tarefa Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 308 escolar é simples. Assim seria a organização social da ação na aula, mas seria um erro tal presunção. A aula como uma atividade numérica envolve a identificação correta de numerais, um por um e em um conjunto seqüencial. Existem alguns turnos na aula. Em cada, uma criança ou um grupo de crianças deve contar alto os números de um a sete enquanto apontam simultaneamente para o numeral correspondente escrito no quadro. Então a criança ou o grupo de crianças deve identificar dizendo e apontando para numerais únicos que a professora pede. Conseqüentemente, a estrutura da tarefa acadêmica envolve, entre outros, o acompanhamento de operações lógicas e passos seqüenciais: Parte A. Identificar os numerais (1-7) como um conjunto conectado lendo em voz alta e apontando. Comece com o numeral 1 e continue até o numeral 7. Parte B. Identificar numerais no conjunto (1-7) como números individuais. Identificar o numeral "fora da seqüência" como o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 309 professor pede: um por um, os numerais que não estão em posição de série adjacente dentro do conjunto (1-7). É aparente que nas partes A e B, diferentes tipos de habilidades cognitivas são pedidos ao aluno. A tarefa de reconhecer e lembrar na identificação do conjunto conectado de numerais difere daquela de identificar os numerais apresentados isoladamente e fora da posição de série. Além disto, diferentes tipos de organização de discurso e estruturas de participação social estão envolvidos a fim de produzir as partes A e B em uma arrumação conversacional. Na parte A o papel do que responde envolve produzir uma série conectada de pedaços de informação, enquanto na parte B o papel do que responde consiste em produzir um breve início seguido por um período de "momentos de resposta conectados". Na parte B o que pergunta inicia uma série conectada de momentos de pergunta intercalados com breves momentos de espera da resposta curta. O resultado são duas rotinas muito diferentes de discurso na parte A e na parte B. Estas podem ser representadas esquematicamente como se segue: Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 310 A. 1. Professor (o que pergunta): Responda à Pergunta 1 (e designa quem vai responder). 2. Aluno (o que responde): Produz o conjunto de respostas de a-g a. Diga e aponte o primeiro numeral do conjunto (1-7) b. Diga e aponte o segundo numeral do conjunto (1-7) c. Diga e aponte o terceiro numeral do conjunto (1-7) B. 3. Professor (o que pergunta): (opcionalmente) Avalia a anterior, completa a resposta, avalia a resposta incompleta ou faz a próxima pergunta. a. Próxima pergunta: Nomeie qualquer numeral no conjunto (1-7) 4. Aluno (o que responde): Produz uma resposta única a. Aponta para o numeral anteriormente nomeado 5. Professor (o que pergunta): Faz a próxima pergunta a. Próxima pergunta: Nomeie qualquer numeral no conjunto (1-7) que não seja adjacente ao numeral nomeado na pergunta anterior 6. Aluno e Professor: Reiteram os passos 4 e 5 tantas vezes quanto desejado pelo professor 7. Professor: (opcionalmente) Avalia as respostas do aluno para a parte B ou para as partes A e B, ou prossegue para designar o próximo a responder. Esta formalização ajuda a pessoa a ver algumas relações entre a lógica da exposição do assunto (estrutura acadêmica de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 311 tarefa) e a organização social do discurso (estrutura de participação social). O tipo mais fácil cognitivamente de tarefa acadêmica é apresentado primeiro, o tipo mais difícil é apresentado em segundo lugar. As tarefas sociais diferem também. O papel do que pergunta difere do papel do que responde dentro de cada um dos dois tipos de tarefas e os papéis do que pergunta e do que responde diferem ambos nos dois tipos de tarefas (ex.: o papel do que responde na parte A envolve dizer e apontar, enquanto o papel do que responde na parte B envolve somente apontar). O modelo formal é profundamente inadequado, porém, como um guia para a ação prática na atuação real da aula. A fim de "passar" pelas partes A e B na atuação real, é necessária coordenação nas (sucessivamente) ações complementares recíprocas e (simultaneamente), nas ações complementares do professor e do aluno de momento a momento. Muito pouco desta coordenação é mostrado no modelo. Primeiro, o modelo presume que o aluno somente irá responder corretamente. Segundo, o modelo presume que não existem outros atores na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 312 cena além do professor e um aluno - ela não diz nada sobre a participação de outras crianças presentes na aula. Finalmente, e mais fundamentalmente, o modelo não diz nada sobre o caráter de tempo real da ação como uma sucessão de "próximos momentos" estrategicamente cruciais (ERICKSON, 1981). As partes A e B e suas quedas seqüenciais constitutivas são momentos no tempo real, com diferentes exigências práticas de momento a momento que são freqüentemente fortuitas, dado o contexto da ação no tempo. A formalização, tomada por si mesma, enganosamente limpa esta confusão, ambigüidade e suspense no momento da ação. Na parte A, por exemplo, a cronometragem regularmente rítmica e a continuidade da entonação na fala do que responde são pistas culturalmente convencionais que "nos dizem" que o que está sendo produzido são itens de uma lista conectada: um, dois, três, quatro. O que aconteceria se, tendo dito três, a criança não dissesse quatro no próximo intervalo rítmico a seguir? Isto significa que a criança não sabe o próximo item na lista? A criança sabe o próximo item, mas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 313 está distraída por alguma outra coisa que está acontecendo? O professor deve mudar o papel do que pergunta e inserir uma entrada neste ponto? O professor deve dar à criança mais tempo para responder? Outra criança irá “soprar” enquanto o professor espera pelo que responde designado para falar? 6. (Estas não são simplesmente questões retóricas. O suspense genuíno é parecido com aquele das perguntas que o anunciante faz no final do episódio diário de uma novela, ou que o espectador faz enquanto assiste a uma peça pela primeira vez. Hamlet irá se matar ou seu tio, ou sua mãe e quando? Continue com isto Hamlet! A tensão da espera é essencial no teatro, na música e também nas interações do dia a dia.) Estas são só algumas das contingências envolvidas na ação real do plano subjacente ou script para a estrutura de tarefa acadêmica e estrutura de participação social. O que é praticamente necessário no momento não é simplesmente conhecimento do próximo passo canônico na organização seqüencial do plano acadêmico e social. O que é necessário para o professor, e ao aluno designado para responder e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 314 outros alunos presentes é a capacidade de improvisar coletivamente uma variação da ação sobre o tema ideal ou plano. Os textos subseqüentes e comentários irão mostrar que os professores e alunos na verdade improvisam, e que seus desvios de uma ordem formal ideal não são somente para serem considerados como erros ao azar (ruído no sistema), mas são mais bem caracterizados como adaptação às exigências do momento - ações que fazem sentido dentro de um contexto adequadamente especificado. O "tema" ideal se parece com isto, quando apresentado em notação quase musical (O exemplo hipotético que segue deve ser lido em voz alta, ritmicamente). Parte A P: (nome da criança) Juan A: U-m dois três quatro cinco seis sete Muito bem Categoria Mohan [Início] [Resposta} [Avaliação] Parte B P: número um A: aponta P: número seis A: aponta P: número três Categoria Mohan [Início] [Resposta] [Início/Avaliação Implícita] [Resposta] Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 315 Antes de continuar a revisar algumas das variações reais deste tema ideal, é necessário discutir as convenções de transcrição de texto mais totalmente. Nos transcritos, a superposição (fala que ocorre simultaneamente) é indicada por uma linha vertical com duas “bandeirolas" viradas para a direita -["trancamento", isto é, fala de uma segunda pessoa que segue imediatamente àquela do falante anterior sem pausa, mas também sem sobreposição, é indicado por uma linha vertical com uma bandeirola superior virada para a esquerda e uma bandeirola inferior virada para a direita -. As linhas cortadas indicam pausa; as linhas com duplo corte -//- indicam uma pausa terminal de sentença que é o equivalente ao descanso da quarta nota na notação musical. A linha única cortada indica uma cláusula ou pausa terminal de grupo de respiração de aproximadamente metade da duração da pausa anterior, isto é, a pausa da linha única cortada é o equivalente ao descanso da oitava nota na notação musical. O alongamento de um fonema é indicado por vírgulas sucessivas -,,,,,. Geralmente, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 316 nos transcritos, cada linha do texto representa um grupo de respiração na corrente da fala. A primeira sílaba da linha é geralmente a sílaba que recebe o maior volume ou enfatização do tom. Se existem sílabas “antecipatórias" ou palavras antecedentes à sílaba que recebe enfatização primária ou secundária, estas sílabas antecedentes ou palavras aparecem na beirada mais à direita da linha anterior: A- Oi Carlos/ onde está?/// Como a sílaba mais à esquerda em uma linha é geralmente a sílaba que recebe enfatização, e porque existe freqüentemente um intervalo rítmico constante entre pontos de enfatização, é possível ler o transcrito em voz alta, reproduzindo não somente os pontos de enfatização, mas a organização rítmica da fala, dentro e através de turnos de fala. Ajude-o Carlos. Onde está? O leitor deve ler os exemplos em voz alta mesmo se não fala espanhol. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 317 5. Lição 1. Variação 1 Voltando agora à ação real da aula, vê-se que em quase cada caso de reiteração de um turno de discurso de rotina que consiste das partes A e B, alguma variação no modelo ideal é executada. Na verdade, quando o professor introduziu a tarefa acadêmica-social no início da aula, a parte A do tema ideal foi suprimida, e a vez da primeira criança escolhida para responder consistiu somente da parte B. 6. Lição 1. Variação 2 Em um segundo turno da lição, ambas as partes A e B foram incluídas, mas a atuação das partes não envolveu variação sobre o modelo ideal (ver Figura 9.1). Na Parte A, a variação consistiu em alteração dos direitos e obrigações comunicativos envolvidos no papel de quem responde, e no status das pessoas que ocupam aquele papel. O professor foi um dos “respondedores" à sua própria pergunta, e um grupo de crianças se alternou com o professor respondendo, quando o professor tomou o grupo inteiro em uma revisão ou tentativa de prática na Parte A do turno. Além disto, a relação Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 318 rítmica entre cada "pedaço" de informação na primeira resposta (ex: dizer a apontar sucessivamente para um, dois, três, etc) não é um intervalo constante. Ao invés disto, o professor e o coro de crianças se superpõem um ao outro em um padrão de pergunta-resposta. A superposição das crianças não é levada em conta como interrupção pelo professor. Em nenhum ponto o professor sanciona como uma “violação" os aspectos da variação do modelo ideal. O professor está se comportando como se as variações fizessem sentido. Note o trancamento e superposição dos segmentos de resposta entre o professor e o aluno na parte A. Esta superposição e trancamento ocorrem em pontos 21 e 22 no transcrito. Então no ponto 23 o professor inicia o primeiro segmento da segunda rotina de discurso, parte B. A pergunta é “Onde está o número um?” No ponto 24 o aluno responde “um”, mas não aponta o numeral escrito no quadro. Sua resposta está incorreta em forma e conteúdo, ou ao menos é ambígua porque não temos a certeza se ele não está Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 319 simplesmente repetindo o que o professor acabou de dizer. (A tarefa acadêmica aqui é mostrar conhecimento do numeral apontando para ele no quadro). No ponto 25 o professor reitera a pergunta, “Um". Então no Ponto 27 o professor pede a outro garoto, Carlos, para ajudar ao aluno escolhido. No final do ponto 27, enquanto outra criança está dizendo em minha casa, a criança que responde finalmente aponta para o numeral um no quadro. Então no ponto 29 o professor continua números a perguntar individuais. Mas diferentemente do modelo ideal, o professor pergunta por números sucessivos na série. (Talvez porque a criança tenha tido tanto trabalho com o número um, o professor simplifica a tarefa acadêmica. Ele poderia estar usando esta variação para ver se a criança sabe o conjunto completo de numerais. Além disto, o padrão de ritmo ideal é quebrado; nos vários pares de perguntas-respostas no ponto 29 o professor espera mais por uma determinada resposta do que por outras, por exemplo, a única pausa terminal de sentença dada ao encaixe de resposta Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 320 após o número quatro, seguido por uma pausa terminal de sentença dupla após o número cinco). Todas estas variações podem ser vistas como respostas às exigências práticas do momento. As diferenças em tempo de espera para as respostas no ponto 29 seriam uma resposta à hesitação da criança em responder. O professor adapta sua ação perguntando para a ação recíproca da criança em responder. Vemos adaptação análoga na cronometragem entre o professor e o aluno no ponto 21, no eco e ação de pergunta-resposta do segmento da primeira resposta. Aqui também, a variação permitida do professor na organização social do discurso - a estrutura de participação social simplifica a estrutura de tarefa acadêmica. É cognitivamente mais fácil dizer a lista de números ajudado no início pelo professor, e assim falando a resposta junto com as crianças no modo pergunta-resposta e superposição o professor mudou a estrutura de tarefa acadêmica variando a estrutura de participação social. A mudança nos modos de falar pode assim ser vista como fornecendo uma oportunidade para Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 321 mudança nos modos de pensar-diferenças no ambiente de aprendizagem. 7. Lição 1: Variação 3 Na terceira reiteração do turno na lição agora é a vez de Carlos. Durante a parte A do turno, Carlos responde junto com um coro de outras crianças ao invés de sozinho. (Esta forma de resposta simplifica a tarefa acadêmica). O professor inicia a resposta ele mesmo com uma iniciação no ponto 38 do transcrito, e a resposta em coro segue no ponto 39. Na parte B do turno, começando no ponto 40, Carlos responde sozinho (ver Figura 9.2) 8. Lição 1: Variação 6 Agora a vez é dada pelo professor a Janet (ver Figura 9.2, Ponto 86). Janet recita os números na série, acompanhada por um coro de crianças. Nesta variação da parte A, o professor não somente não considera o coro como interrupções, mas lhes pede, inclusive a Janet, para dizer a série novamente, mais alto (ver Ponto 88). Note também que quando o coro diz a série de números, eles param em seis (Ponto 87), e ainda o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 322 professor não dá sanção negativa a esta violação. No ponto 90, quando as crianças repetem a lista de números, eles vão até um a mais (como para disfarçar) contando até oito. Isto também é uma discrepância do modelo ideal da tarefa, mas não é sancionada como uma violação pelo professor. (Aparentemente neste ponto as duas aproximações da tarefa são suficientes). No ponto 91 começa a Parte B. Quando Janet completa esta parte da tarefa, a criança E (Ernesto) está produzindo o que parece ser um ruído literal no sistema (ver pontos 92 e 94 na Figura 9.3). Mas este não é somente um ruído ao acaso, como é aparente no ponto 97. Nesta ocasião a vez de Janete está completa e o professor disse (ponto 95) “Dê a vez a alguém que não teve a oportunidade”. Ernesto no ponto 97 diz que não havia tido vez. Ele dissera isto por algum tempo já durante a aula, como o fizeram outras crianças, falando: “Eu, Eu”. No ponto 64 ele disse, “Eu não tive vez”, intensificando sintaticamente (não tive mesmo) e prosodicamente (por enfatização de volume e tom) e pela Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 323 mudança de código léxico para o inglês combinado com o marcador prosódico de alongamento do fonema. Assim o ruído de Ernesto parece não ser somente para perturbar. Obter o próximo turno é um assunto de suspense. Ernesto parece estar protestando sua exclusão dos direitos de acesso ao patamar conversacional. Este protesto aparente toma uma forma mesmo mais interessante durante a próxima reiteração do turno que também não foi dado a Ernesto. (Aqui o leitor deve continuar no transcrito, começando no ponto 96 da figura 9.2 antes do turno seguinte ter iniciado, e continuando através do ponto 114 no qual as partes A e B foram completadas. Note a exclamação de Ernesto no ponto 104 após não lhe ter sido dada a vez, e sua "contribuição" para os encaixes de resposta que estão sendo dadas pelo aluno que responde nos pontos 109, 111 e 113). Finalmente, após o suspense de tentar a vez novamente e não obtê-la (ponto 103), Ernesto exclama no ponto 104. Então após o completar da parte A da tarefa, a parte B se inicia, consistindo da rotina de discurso de alternação entre a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 324 pergunta do professor pedindo um único encaixe de resposta. Aqui Ernesto está aparentemente brincando com seu conhecimento implícito (competência comunicativa) como um membro da comunidade de fala da turma. Ele aparentemente sabe (não necessariamente conscientemente) a organização social do discurso na parte B que os encaixes de respostas curtas seguem os encaixes de pergunta do professor previamente adjacentes, e que a relação de adjacência é agida através de cronometragem rítmica regular da alternância entre encaixes. Também Ernesto aparentemente sabe que a forma social para comunicar o conteúdo semântico da resposta é apontar, uma forma de resposta que por definição não faz barulho. Daí, o encaixe de resposta canalizada não verbalmente pode ser ocupado por algum tipo de ruído do canal do auditório sem " danificar" a organização do discurso tanto que toda a seqüência tenha que ser reciclada. Assim, Ernesto pode continuar a encher os encaixes de resposta ritmicamente definidos de outra criança com sua própria "resposta" rítmica consistindo em bater com seus lápis na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 325 carteira. As batidas são perfeitamente cronometradas para coincidirem com os pontos de transição de troca de turno no padrão de discurso que está acontecendo. O professor me parece estar colaborando, não dando atenção planejadamente ao que Ernesto está fazendo. Isto me parece uma variação situacional absolutamente brilhante em um elemento "tema" organizacional social normativo na aula. Ernesto pode ser visto aqui como um mestre da estrutura social e da tarefa acadêmica. A engenhosidade e decisão do papel de Ernesto pode ser mesmo mais claramente do que no transcrito mostrando a seqüência de notação quase musical: Do Transcrito: Pontos 108-113 Muito bem número cinco Ernesto bate na carteira número seis Ernesto bate quatro Ernesto bate 10. Discussão Do exame de alguns casos da atuação de uma pequena seqüência de aula, um modelo subjacente ideal foi inferido. O modelo ressalta alguns aspectos relevantes da estrutura de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 326 participação social e da estrutura de tarefa acadêmica - que pode ser chamada a estrutura acadêmica e de tarefa social. Observando cuidadosamente a atuação de um exemplo da seqüência de aula, porém, vê-se que é geralmente discrepante em alguns aspectos da organização específica do modelo geral inferido. Se não se está simplesmente olhando para estas discrepâncias como erro ao acaso (variação livre), tem-se ao menos duas opções: elaborar a formalização do modelo estabelecendo um sistema embebido de regras sociais; ou presumir que o que está acontecendo é uma variação adaptativa, específica para as circunstâncias imediatas da ação prática no momento da ação. Eu tomei o último destes dois cursos. A análise interpretativa de casos da aula foi feita para argumentar que as discrepâncias do modelo ideal representam ação adaptativa executada, na maioria dos casos, pelo professor como um líder instrucional, e em um caso, pelo aluno Ernesto. Já que o discurso da aula, como todas as outras interações face a face, é conjuntamente produzido quando os vários atores no evento Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 327 agem como resultado das ações de outros, as variantes escolhidas pelo professor têm conseqüências para o que os alunos farão e vice-versa. Além disto, tentei mostrar como mudanças adaptativas na estrutura da tarefa acadêmica têm conseqüências para a estrutura de participação social e viceversa. Este é um ponto importante para a pedagogia, e têm sido negligenciado em muitas pesquisas recentes. 11. References Au, K. Hu-pei. Participation structures in a reading lesson with Hawaiian children: Analysis of a culturally appropriate instructional event. Anthropology and Education Quarterly. 1980. 11(2), 91115. Bauman, R. Speaking in the light: The role of the Quaker minister. In R. Bauman & J. Scherzer (Eds.). Explorations in the Ethnograpy of speaking. Cambridge. Mass.: Cambridge University Press, 1974. Bellback, A., Kliebard, H., Hyman, R., & Smith, F. The language of the classrom. New York: Teachers College Press, 1966. Bossert, S. T. Tasks and social relationschips in classroms. Cambridge, Massa.: Cambridge University Press, 1979. Brazelton, T. B. K Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 328 Capítulo 8 Where is the Floor? Aspectos da organização cultural das relações sociais em comunicação em casa e na escola. Alguns educadores, psicólogos e antropólogos interessam-se por uma realidade muito básica da infância - a de que o crescimento e a aprendizagem ocorrem em casa e na comunidade tanto quanto na escola. Esta realidade tem implicações para aqueles que se preocupam com a estruturação do ambiente do aprendizado na escola como também por aqueles que são responsáveis pela avaliação do desempenho escolar das crianças. O estudo a seguir tenta lançar luz, por meio de análises próximas de fatias da vida das crianças, sobre os diferentes modos de se participar das interações sociais existentes em casa e na escola. Especula sobre estas diferenças como fontes de desentendimento potencial entre professores e alunos à medida que ambos se engajam nas atividades acadêmicas. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 329 Ao conduzir este estudo, estivemos interessados em aprender mais a respeito das formas em que se organizam os eventos interacionais - aqueles ambientes sociais ou "contextos" através dos quais as crianças devem aprender a navegar na vida cotidiana tanto em casa quanto na escola. Ao examinarmos de perto as experiências de alunos que eram ao mesmo tempo novatos na escola primária e diferentes culturalmente de seu professor ou professora, tínhamos a esperança de entender melhor a natureza das diferenças nos contextos interacionais domésticos e escolares que pareciam provocar "a diferença" entre professores e alunos na sala de aula. Por que estas diferenças deveriam se tornar um problema para alunos e professores? Poder-se-ia dizer que "A escola é a escola e a casa é a casa e eles estão destinados a serem diferentes”.Mas a questão da descontinuidade entre a casa e a escola não é tão simples assim. Em alguns casos, parece haver padrões diferenciados entre a casa e a escola naquilo que pode ser chamado de etiqueta comunicativa ou interacional. O Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 330 conhecimento desta etiqueta foi chamado de competência comunicativa (consulte HYMES, 1972 para uma discussão a respeito). Este termo foi utilizado como referência a todos os tipos de conhecimento comunicativo que os membros individuais de um grupo cultural precisam possuir para que sejam capazes de interagir entre si de formas que são ao mesmo tempo socialmente apropriadas e eficazes do ponto de vista estratégico. Três aspectos do conhecimento nos parecem especialmente importantes: (1) o conhecimento do conjunto partilhado de comunicativas pressupostos implícitos - as tradições a respeito dos modos que são corretos e esperados quando as pessoas interagem em diversas ocasiões sociais, (2) a posse de habilidades de desempenho verbal e não verbal necessárias à produção da ação comunicativa que seja apropriada e eficaz numa dada situação e (3) a poses de habilidades interpretativas necessárias para se dar sentido às intenções comunicativas das outras pessoas com as quais se interage numa dada situação (veja GUMPERS 1977, 1979). Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 331 A competência necessária para se participar de uma interação face-a-face com outras pessoas é um pacote extremamente complexo de conhecimento e habilidades. Os antropólogos e sociólogos mostraram que o conteúdo deste conhecimento partilhado varia enormemente de um grupo humano para outro. É verdade que não apenas entre os grupos de grande escala, tais como os grupos étnicos, as classes sociais ou as nações, mas também entre grupos de pequena escala - entre uma família e outra dentro de um mesmo grupo étnico, racial ou de classe social, entre uma rede de amizades de vizinha e outra e entre uma sala de aula numa escola e a sala ao lado na mesma escola (GOODENOUGH 1971, HALL 1976). Os padrões compartilhados referentes à etiqueta comunicativa são culturalmente relativos em todos os tipos de grupos humanos, de modo que o termo competência comunicativa não implica num padrão único de conhecimento e habilidade ao longo do qual todas as crianças e adultos possam ser hierarquizados de baixo para cima, de menos integralmente desenvolvidos ou maduros mais desenvolvidos. Devido ao Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 332 fato do conteúdo e habilidade no pacote de competência comunicativa variar de um grupo e cenário social a outro, o significado de "competência" aqui pretendido é o de todo e qualquer conhecimento prático do indivíduo acerca do modo, do momento e do lugar da comunicação, qualquer que sejam as suas finalidades. Neste sentido, quase todos os indivíduos são "competentes." 1 O que desperta interesse, então, não é a resposta à pergunta "Quem é mais ou menos competente aqui?". Ao contrário, o interesse está na pergunta dupla "Qual é o conteúdo do conhecimento prático de cada indivíduo sobre o modo de interagir (competência comunicativa) e como este conhecimento se realiza no desempenho padronizado da interação face-a-face?" Para responder a esta questão há uma grande ordem e o estado atual da pesquisa sociolingüística não é tal que possa responder à primeira parte de tal pergunta. Mas a segunda parte, que diz respeito à descrição de padrões de desempenho comunicativo, pode ser respondida e acreditamos que ela lance luz às respostas à primeira parte da pergunta, que diz respeito ao conteúdo do Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 333 conhecimento prático que alunos e professores têm sobre o modo de interagir quando estão face a face. 1. Incongruência Comunicativa Aluno-Professor Estamos preocupados com as dificuldades interacionais encontradas pelos alunos e seus professores na medida em que ambos se engajam em tarefas de aprendizagem acadêmicas. Nas salas de aula parece haver crianças que repetidamente aborrecem o professor dificultando sua atividade didática, como também parece haver professores que são muito mais severos com alguns alunos do que com outros. Pressupomos que tais dificuldades sejam recorrentes e que reduzem a eficácia do ambiente de aprendizado na sala de aula. Há pelo menos quatro tipos de explicações para a razão pela qual alunos e professores têm problemas recorrentes de interação entre si. Um conjunto de explicações atribui o maior peso explicativo às características individuais do aluno - na patologia de inadequação por parte da criança em termos de motivação, inteligência ou estado físico ou emocional. (O Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 334 campo da educação como um todo se baseia neste tipo de explicação, tal como era o campo da educação compensatória que visava remediar a assim chamada "carência cultural" das crianças de origem pobre. Veja como exemplo de literatura sobre a "carência cultural" RIESMAN 1962 & PASSOW, GOLDBERG & TANNENBAUM 1967 e a crítica desta posição por KEDDIE 1973. Os pressupostos da "carência cultural" entre crianças pobres são atualmente considerados inválidos por muitos cientistas sociais, mas tais pressupostos continuam a ser encontrados nos currículos de formação de professores e nos programas de reciclagem dos mesmos). Um segundo conjunto de explicações localiza a responsabilidade principal fora dos indivíduos, na estrutura de uma sociedade baseada na divisão de classes. Nesta visão, tanto quanto se possa culpar alguém pelos problemas interacionais, a culpa recai sobre o professor mais do que sobre o aluno. O professor é visto como um agente das classes dominantes que organiza propositalmente ou sem o saber a vida cotidiana da sala de aula de modo que dos alunos com Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 335 bagagem das classes inferiores (e/ou com bagagem de grupos minoritários desprovidos de poder) espera-se consistentemente menos do que dos alunos das classes médias. As crianças de classes baixas são vistas como caindo na ratoeira do mau comportamento e do rendimento fraco no presente, o que lhes assegura sua atribuição às classes inferiores adultas ou desempregadas no futuro. Deste modo, pelo trabalho de processos interacionais no nível micro-social da sala de aula, a estrutura opressiva das classes da sociedade como um todo é reproduzido de uma geração a outra (PARSONS 1959; BOWLES E GINTIS 1976; BOURDIEU E PASSERON 1977; BERNSTEIN 1975; OGBU 1978). Num terceiro conjunto de explicações, professor e aluno são vistos como igualmente responsáveis pela produção de dificuldades interacionais recíprocas e mau comportamento. Resultante de um modelo de psicopatologia, que os psiquiatras chamam de “o duplo laço”, esta formulação sustenta que o professor e o aluno repetente estão presos numa transação escapável e tumultuada. Embora possam Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 336 alternar os papéis de "vítima" e "perpetrador", os interagentes da sala de aula dedicam-se em comunicar-se inapropriadamente entre si e, em última análise, em assegurar o fracasso acadêmico (veja BATESON 1872 [1956], quanto à formulação original da teoria do duplo laço). A aparente disposição de alguns alunos e professores esgotar-se mutua e implacavelmente na interação face a face pode estar relacionada a questões de classe social e diferença cultural. Estas disposições são vistas por MCDERMOTT & GOSPODINOFF (1979) como tendo causas múltiplas. O comportamento interacional é considerado como sendo influenciado pela pressão da ordem social mais ampla e sua estrutura de classe por um lado, e pelas personalidades dos indivíduos por outro. Um quarto conjunto de explicações situa o problema do mau comportamento consistente das crianças na falta de conhecimento por parte destas como também por parte dos professores culturalmente das em mútuas relação expectativas ao aprendidas comportamento social Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 337 apropriado. Esta visão pressupõe um desencontro entre conjuntos de padrões de etiqueta comunicativa. Neste artigo, é o quarto conjunto de explicações - o a teoria do "desencontro" ou "divergência" cultural - que irá receber a maior ênfase. Foi este conjunto de pressupostos que guiou a análise dos dados relatados a seguir. Devemos admitir aqui que acreditamos que este tipo de explicação seja o de aplicação mais geral: Tem mais chances de explicar mais casos de mau comportamento infantil do que os outros, pelo menos no tocante aos primeiros anos escolares. Nosso palpite é que expectativas diferentes acerca da etiqueta comunicativa constituem uma razão importante para crianças novas que provêm de populações culturalmente "diferentes" agindo na escola com modos que são julgados pelos professores como sendo mau comportamento. Dizemos "uma razão importante" porque não a vemos como a única razão e também porque não possuímos um amplo corpus de dados "firmes" através dos quais poderíamos demonstrar nosso palpite. Além do mais, nossa explicação predileta não exclui as explicações alternativas. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 338 Cada um dos quatro conjuntos de evidência pode explicar parte da variação. Poderia ser que os duplos laços professoraluno ocorressem freqüentemente nas salas de aula e que, embora tais relações entre os professores e as crianças pudessem partir da simples ingenuidade destas quanto ao modo de agir na escola, o duplo enlaçamento poderia ser o processo através do qual crianças e professores continuam em modos mais complexamente motivados a se tratar durante o resto do ano letivo. Devemos conceder ainda que a simples ignorância das regras sociais da sala de aula não é, em si mesma, uma explicação adequada do mau comportamento das crianças quando estas atingem a idade de 12 a 14 anos e a idade dos 14 aos 18 anos. Algumas crianças podem, de fato, ser HUCKLEBERRY FINNS, tendo conhecimento de expectativas culturais, mas recusando-se a ser constrangidos por elas, seja porque, como argumentaria Freud, o id sempre reage a impulsos civilizados com descontentamento, seja porque, como Marx argumentaria, as pessoas que se encontram na posição mais baixa de uma ordem social Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 339 tendem a resistir através da luta e da rebelião. Nossa explicação predileta do "desencontro" não é irreconciliável com uma visão da escola como instituição opressiva cuja função primária seja a de manter a estrutura de classes existente. Finalmente, é claro que algumas crianças tomadas individualmente de fato apresentam debilidades neurológicas ou estados metabólicos que estão fora do comum e isto pode ser a explicação do fato de serem "hiperativas". Algumas crianças podem ter constitucionalmente uma inteligência inferior e serem incapazes de "sintonizar-se" com os ambientes social e de tarefas cognitivas da sala de aula. Mas mesmo as crianças com estados individuais de patologia, os padrões culturais para a conduta na interação (e a violação destes padrões pelas crianças) podem estar envolvidos com a maneira pela qual as crianças são "diagnosticadas" e "tratadas”. Suspeitamos que rótulos clínicos formais e informais atribuídos aos alunos que são difíceis de se ensinar - Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 340 "hiperativo”, “disléxico”, “imaturo”, “lento”, - freqüentemente não refletem diagnósticos precisos dos estados cognitivos e emocionais das crianças. Antes, acreditamos que os rótulos clínicos tendem a ser aplicados a crianças que interagem de modo impróprio com outras crianças e com o professor, p.ex., o termo "hiperativo" pode simplesmente significar que "este garoto não fica sentado e interrompe o tempo todo”.Isto parece um uso quotidiano perfeitamente razoável de um termo clínico. O que nos faz indagar acerca da validade diagnóstica de tais rótulos é o fato de serem com freqüência aplicados a crianças provindas dos assim chamados bases “culturalmente diferentes”. Alguns críticos da escola argumentariam que o termo "diference cultural" é em si mesmo meramente um rótulo clínico, que obscurece o fato subjacente da classe social da criança, uma vez que as crianças rotuladas de diferentes culturalmente são também provavelmente pobres. Achamos que ler a "diferença cultural" como um rótulo estrutural social é na verdade uma simplificação exagerada como também o é lê-la de modo Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 341 acrítico como um rótulo clínico. Os agrupamos de classe social e os agrupamentos culturais não são conjuntos mutuamente exclusivos, mas tampouco são conjuntos idênticos. Em nossa experiência, algumas crianças vindas de famílias que não são pobres são rotuladas de "culturalmente diferentes”, enquanto outras vindas de famílias que são pobres não rotuladas deste modo pela escola. Conseqüentemente, não achamos que o rótulo da diferença cultural seja simplesmente um índice ou indicador da classe social. Parece haver um conjunto geral de padrões a respeito de como agir na escola, uma espécie de "cultura da sala de aula" americana. Alguns de seus aspectos foram especificados em pesquisas recentes. Padrões semelhantes de etiqueta na conduta durante as aulas em classe foram encontrados em salas de aula de escolas públicas e particulares os quais diferem marcadamente quanto à etnicidade, raça e classe social dos alunos (MEHAN, In GRIFFIN & SHUY, 1979 no prelo). Estes estudos enfocaram principalmente os padrões de tomada da fala na conversação durante as aulas. O tipo de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 342 aula que iremos descrever mais adiante neste artigo apresenta padrões de tomada da fala semelhantes aos identificados por MEHAN, In GRIFFIN & SHUY, 1979. O "mau comportamento" do aluno que iremos descrever envolve o falar em modos que, dada a etiqueta de tomada da fala na aula, são rotulados pelo professor como sendo "falar fora de hora" ou "interrupção." Estes mesmos modos de falar das crianças em casa, entretanto, nem sempre são tomados como interrupção pelos pais ou irmãos destas crianças. Que as crianças possam agir de maneiras consideradas apropriadas em casa, mas inapropriadas na escola, nos impressiona como algo importante para compreender algumas das origens do mau comportamento da criança na escola, especialmente nas séries iniciais. Impressiona-nos também com a necessidade de entender melhor a socialização da criança nas tradições comunicativas em casa e na escola, tradições podem ser mutuamente congruentes ou incongruentes. Um estudo iluminador destas questões foi realizado por PHILIPS (1972, 1975), que estudou crianças nativas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 343 americanas na escola e vida comunitária fora da escola na reserva de Warm Springs no estado de Oregon. No início de sua pesquisa, a autora identificou uma possível fonte de fracasso escolar para crianças em sua fala aparentemente mínima durante as aulas. Após exame minucioso de estilos interacionais das crianças em cenários de execução de tarefas tanto em casa como na escola, Philips observou que "as condições sociais que definem quando uma pessoa utiliza a fala em situações indígenas estão presentes em situações na sala de aula nas quais as crianças índias utilizam bastante a fala, e estão ausentes em situações na sala de aula mais prevalecentes nas quais elas não conseguem participar verbalmente" (PHILIPS 1972:371). No trabalho de PHILIPS encontramos exemplos, por um lado, de experiência anterior das crianças que é congruente com expectativas de interações em algumas situações sociais da sala de aula, p.ex., interação com pares em pequenos grupos. Nestas situações, os comportamentos internacionais das crianças índias parecem "normais, naturais" - de modo a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 344 passarem despercebidos. Por outro lado, a evidência colhida por PHILIPS sugere que onde as expectativas situacionais são inconsistentes entre escola e lar - tal como na situação de aula com o grupo amplo - a percepção das crianças, que continua a ser razoável nos termos de sua experiência anterior, pode ser mal interpretado pelos professores. Assim, à medida que os padrões de vida existente em casa e na comunidade de crianças de Warm Springs diferem dos padrões na sala de aula e não encontram ali um lugar legítimo, o resultados foram, nas palavras de PHILIPS, "dificuldades no aprendizado e sentimentos de inferioridade" (1972:392). Em suma, achamos que o fator cultura sempre desempenha um papel nos problemas da interação face-a-face que crianças e professores têm entre si. Devido ao fato destas pessoas e seus problemas interacionais serem complexos, o fator cultural tem chances de não ser operacional por si mesmo, mas juntamente com outros fatores. Isto sugere que as análises simples e a proposição de soluções simples e rápidas seriam inadequadas. Mas se os fatores culturais são parte do Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 345 problema, merecem serem investigados e não apenas de forma global. É necessário ser muito específico a respeito das diferenças culturais particulares entre o lar e a escola que possam ter um efeito sobre a conduta da vida cotidiana na sala de aula. Se as crianças que "se comportam mal" reiteradamente em seus primeiros anos escolares o fazem, em parte por causa de diferenças nas expectativas quanto à etiqueta interacional (não simplesmente porque lhes falta respeito pelos professores, nem simplesmente por causa de distúrbios emocionais, inteligência inferior, pobreza ou falta do café da manhã), então o que, especificamente, se trata da organização da interação em sala de aula que confuso para as crianças de um grupo particular com tradições comunicativas culturais distintas? Se o fator cultural é de fato importante, esta é uma questão que deve ser feita e respondida reiteradamente, grupo cultural por grupo cultural, e talvez família por família. A análise a seguir é uma tentativa inicial de responder a esta questão numa sala de aula em particular ocupada Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 346 predominantemente por crianças de um grupo étnico americano em particular, membros do qual vivem numa vizinhança de classe trabalhadora num subúrbio de Boston. O grupo étnico é ítalo-americano. A pesquisa enfoca aspectos selecionados da vida doméstica em duas famílias desta vizinhança bem como aspectos selecionados da vida numa sala de aula na escola desta mesma vizinhança. 2. O Estudo As características do estudo encontram-se detalhadas em outro lugar (FLORIO 1978, SHULTZ & FLORIO 1979, BREMME & ERICKSON 1977). Aqui iremos resumir aquelas que são relevantes trabalhadores de para campo a presente conduziram discussão. a Os observação participante e filmagem periódica em vídeo tape num subúrbio Boston. predominantemente Durante dois anos ítalo-americano de coleta de perto de dados, os pesquisadores observaram tanto a interação em sala de aula num jardim de infância/primeira série e as interações de dois membros da classe em casa com suas famílias. Dias inteiros Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 347 foram observados na escola, primeiro periodicamente e depois vários dias da semana. Os videoteipes periódicos foram feitos em atividade de sala de aula durante os dois anos. Ainda durante o primeiro ano do estudo, as duas crianças alvo foram acompanhadas periodicamente até em casa após a escola, quando suas tardes e noites inteiras foram documentadas por meio de observação participante e gravação em vídeo de atividades que ocorressem naturalmente. Em última análise, os pesquisadores esperavam que ao compreender a organização da interação face-a-face em ambos os cenários, contrastes e comparações úteis poderiam ser feitas entre ambos. No processo de análise dos dados, os pesquisadores desenvolveram modos de trabalhar que foram úteis para se chegar a entender a organização dos eventos interacionais que ocorriam em cada local - na escola e no lar (para obter detalhes, consulte ERICKSON & SHULTZ 1977). Descobrir modos para comparar e contrastar, de maneira válida e útil, os contextos interacionais entre os dois locais, foi um esforço Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 348 muito mais difícil. O trabalho de Philips tinha nos ensinado que alguns contextos para a interação na escola assemelhavam-se a contextos interacionais domésticos mais do que outros. Esta descoberta implicava em precisarmos ser capazes de identificar pontos de relevância contrastantes entre os contextos. Tais contrastes poderiam ter grande ou pequena sutileza, entretanto, e precisávamos localizar estas diferenças que "faziam a diferença" a partir da perspectiva dos participantes. Procurávamos similaridades e diferenças entre os diferentes tipos de contextos para interação; ou aquilo que Wittgenstein chama de "jogos”. Na medida em que peneirávamos notas de campos e videoteipes e conversávamos com os informantes, mantínhamos em mente a noção de Wittgenstein de "semelhança familiar": Seção 66. Considere por exemplo os procedimentos que denominamos "jogos”. Refiro-me aos jogos de tabuleiro, aos jogos de cartas, aos jogos de salão, aos jogos olímpicos e assim por diante. O que há de comum entre eles? - Não diga: "Deve Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 349 haver algo em comum entre eles, ou não seriam chamados de "jogos.”- Mas examine se há algo comum a todos. Pois se examiná-los, não encontrará algo que é comum a todos, mas sim similaridades, relações e uma série completa delas neste aspecto. Repetindo: não pense, mas observe!... E o resultado deste exame é: Encontramos uma complicada rede de similaridades coincidentes e cruzadas: às vezes similaridades gerais, às vezes similaridades de detalhe”. Seção 67. Não encontro expressão melhor para caracterizar estas similaridades do que "semelhança de família": pois as várias semelhanças entre os membros de uma família: compleição, traços, cor dos olhos, modo de andar, temperamento, etc., etc., sobrepõem-se e cruzam-se da mesma maneira - E devo dizer: os "jogos" formam uma família. (WITTGENSTEIN 1958:31-32) Para encontrar semelhanças de família entre os jogos, WITTGENSTEIN aconselha, “Não pense, mas sim observe!” Implícito nesta admoestação está o fato de que aquilo que poderia parecer num primeiro relance como sendo útil modos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 350 formais de anotar a comparação e o contraste poderiam ser, de fato, arenques vermelhos. Quando começamos a procurar os contextos interacionais no lar e na escola que poderiam ser de utilidade para contraste, observávamos aquele que se assemelhavam entre si de forma superficial. Desta maneira, pensamos em contrastar a hora do jantar em casa com a hora do lanche na escola e a hora de se contar estória na escola com a estória contada antes de dormir em casa. Então percebemos que estávamos mais pensando do que observando. Parecia que, a despeito das semelhanças superficiais na forma interacional, estes eventos não conseguiam assemelhar-se entre si em relação aos padrões de organização da função interacional interior a eles - os usos que as pessoas estavam fazendo umas das outras, do espaço e apoios, dos direitos e obrigações interacionais permanentes dos participantes. Todos estes aspectos da organização da função estavam envolvidos com a obtenção do trabalho instrumental dos eventos realizados. Havíamos sido observadores participantes em jantares familiares e em horas do lanche na escola, na hora da estória Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 351 em casa e na escola. Nossas intuições sobre estes eventos, bem como nossas impressões furtivas de que havia algo errado na medida em que assistíamos aos videoteipes numa tentativa inicial de comparação dos momentos do comer e de se contar estórias tanto em casa quanto na escola, sugeriam que estávamos sendo excessivamente literais em nossas tentativas de comparação. Estávamos em busca de exemplos nos quais as crianças confrontadas com eventos interacionais na escola semelhantes àqueles que lhes eram mais familiares poderiam ser observados para aplicar estratégias consideradas apropriadas no cenário doméstico mas inadequadas na escola. Nossas observações iniciais mostraram-nos que comparação e contraste não seriam encontrados no nível do evento em si. Procuramos também pela comparação no nível do ato da fala novamente sem sucesso. Pensávamos que conseguiríamos asseverar que uma "reprimenda”, por exemplo, em casa poderia ser contrastada com uma na escola. Mas não constatamos crianças "fazendo uma leitura errada" das Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 352 reprimendas escolares - ao menos não do modo como esperávamos. Atentando para similaridades funcionais mais do que formais, começamos a perceber que estávamos interessados em contrastar padrões de comportamento que poderiam ser construídos vagamente como aspectos do estilo ou estratégia. Como tal, estávamos em busca dos modos de interagir que recortam - e portanto estavam disponíveis para análise por dentro - os nível de organização do desempenho a partir da fonologia e sintaxe na fala ao nível da estrutura seqüencial do evento como um todo, p.ex., a seqüência inteira de arrumação da mesa, do jantar e da limpeza posterior. (Estes níveis de organização são geralmente mantidos analiticamente separados por lingüistas, por um lado, e por etnógrafos, por outro. Veja HYMES 1974:177-178, 196-199). A partir deste insight, retornamos a nossas anotações de campo e lembranças das experiências em campo e assistimos mais aos teipes. Refletimos sobre aqueles modos de interagir em casa e na escola que tinham parecido como se fossem ao Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 353 menos potencialmente comparáveis em termos dos aspectos estilísticos e estratégicos da organização. Tínhamos a sensação de que os momentos de refeição e as lições em grupo dirigidas pela professora poderiam ser tais exemplos. Embora não estivéssemos mais procurando o isomorfismo nas tarefas literais a serem executadas, nos apoios a serem utilizados, a configuração no espaço ou os atos de fala realizados, estávamos identificando eventos dentro dos quais as estruturas de participação, ou padrões na alocação de direitos e obrigações interacionais entre todos os membros que estavam encenando uma ocasião social em conjunto (cf. PHILIPS 1972), pareciam ser comparáveis. O trabalho de Philips demonstra que, particularmente em grupos culturais diferentes com tradições sociolingüísticas distintas, pode-se lançar mão de diferentes estruturas participativas para realizar o que na superfície parecem ser as "mesmas" ocasiões interacionais. De modo semelhante, nossa investigação sugeria que as mesmas estruturas participativas - talvez em diferentes relações poderiam constituir formalmente eventos "diferentes." Assim, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 354 segue-se que o estudo da comunicação equivocada entre as culturas conduz à descoberta de pontos específicos de diferença na organização das estruturas participativas. Examinamos detalhadamente três exemplos de videoteipe das refeições em duas famílias e três exemplos de lições de matemática em sala de aula. Observamos, primeiramente, similaridades funcionais importantes entre as refeições e as lições. Ambos os eventos envolvem um ou vários adultos e um grupo de crianças na execução de uma tarefa instrumental. Em cada caso, a ocasião para reunir-se é mais do que a mera conversação - uma refeição deve ser consumida, uma lição realizada. Locais especiais são adequados para a encenação do jantar e da lição de matemática. Cada uma destas ocasiões sociais, dentro do seu próprio "quadro" espacial, temporal e institucional (GOFFMAN 1974) tem um conjunto, específico segundo a ocasião, de apoios relacionados à execução da tarefa instrumental que é focal para a ocasião há pratos de comida a serem passados e utensílios a serem utilizados nos jantares, e blocos de conceitos a serem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 355 mantidos e dispostos no chão em lições "práticas" de matemática. Em geral, os participantes parecem estar transportando para tais contextos interacionais expectativas referentes às tarefas focais a serem realizadas, os direitos e deveres relativos dos participantes para a execução destas tarefas e faixa de comportamentos prováveis de serem consideradas apropriadas naquela ocasião. Parece haver um consenso ativo entre os participantes sobre estas expectativas; uma ordem à qual, em diversas maneiras verbais e não verbais, eles se mantém mutuamente responsáveis. COOK-GUMPERZ & CORSARO (1976:11) utilizaram o termo "ambiente ecológico” para referir-se à totalidade dos traços sociais e físicos do cenário, os quais parecem dar dicas aos participantes quando a uma ordem em particular pela qual são responsáveis de acordo com a qual uma tal ocasião deve ser encenada. Estas ordens pelas quais se é responsável para a encenação de ocasiões sociais podem ser chamadas de estruturas participativas, seguindo PHILIPS (1972:34). Em pesquisas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 356 anteriores, tornara-se patente que as estruturas participativas diferiam não apenas entre as ocasiões sociais, mas no interior das próprias ocasiões, de um momento ao seguinte (ERICKSON & SHULTZ 1977). Havíamos encontrado mudanças nos padrões de alocação dos direitos e deveres interacionais entre os indivíduos através do que pudemos identificar como sendo as unidades constitutivas primárias ou “fatias” de ação dentro de uma ocasião social. Como nós olhamos nos vídeo teipes de jantares familiares e lições de matemática, especialmente os jantares, isto nos impressionou que um aspecto da estrutura de participação é a noção de “chão”; o direito de acesso do indivíduo por uma vez para falar que é atendido por outros indivíduos que ocupam agora o papel de ouvintes. A simples conversa, em si mesma, não se constitui tendo um chão. O chão é interacionalmente produzido, neste, falantes e ouvintes devem trabalhar juntos e mantendo isto. Se os partidos interdependentes falham no fim do seu registro interacional, não há mais nenhum chão, mas somente (a) uma pessoa Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 357 falando sem ser assistido por uma audiência ou (b) uma audiência que assiste uma pessoa fracassar em seu discurso. Por um tempo nós estivemos preocupados com um recente modo nos turnos da fala na conversa (SACKS, SHEGLOFF, & JEFFERSON 1974) que tinham feito afirmações sobre a alocação do acesso a turnos assistidos na fala – o que foi chamado uma “economia de troca de turnos” – que não foi válido através da cultura. O modelo foi afirmado como universalmente aplicável para as conversas humanas. Presumiu-se que tendo e mantendo o chão, havia sempre um falante em um tempo, e, portanto, uma audiência em um tempo. “Troca de turno” significou mudança, entre vários indivíduos em um grupo, o papel do falante; um falante falando em um tempo levando adiante este papel, e então voltando ao papel de membro da audiência como outro falante que cessou em ser (não falante) membro da audiência e observar seu próprio turno na fala. Quando assistimos aos vídeo tapes dos jantares de família e aulas de matemática, percebemos que o modelo de SACKS, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 358 SHEGLOFF e JEFFERSON da economia de troca de turno um aspecto das estruturas de participação total não levava em conta como as pessoas que observamos estavam se comportando ao falar e ouvir umas às outras. Isto foi especialmente aparente nas fitas de jantares familiares. Algumas vezes, havia mais de um falante falando simultaneamente, ainda que ninguém na cena (inclusive nós mesmos, que havíamos sido participantes nas refeições bem como as gravando em vídeo tape) parecesse estar agindo como se qualquer dos falantes que falava simultaneamente estivesse "interrompendo" qualquer dos outros. Outras vezes quando várias pessoas estavam falando simultaneamente, alguma pessoa (sempre um adulto ou outro parente) viraria para uma das crianças mais novas e a repreenderia, como se por "interromper", mas estas eram ocorrências muito raras. Parecia que durante estes jantares, era quase (mas não completamente) impossível "interromper" qualquer outra pessoa que estivesse falando. Nossas fitas de mesa de jantar pareciam e soavam muito como a cena de jantar da família de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 359 Nova York no filme de WOODY ALLEN "Annie Hall" quando contrastada com a cena de jantar familiar da "pequena cidade de Wisconsin" naquele filme, na qual a troca de turno era conduzida de acordo com o modelo de SACKS, SHEGLOFF e JEFFERSON. Além disto, quando observamos nossas fitas tornou-se aparente que às vezes havia não somente pessoas múltiplas falando simultaneamente, mas parecia haver audiências simultâneas múltiplas também. Dentro destas audiências diferentes ouvindo falantes múltiplos (ou talvez mais exatamente, diferentes níveis de participação na audição, por indivíduos diferentes e subgrupos dentro do conjunto total de indivíduos que interagiam), havia maneiras aparentes de ouvir diferentes. Algumas maneiras de ouvir envolviam permanecer silencioso e manter o contato do olhar com o falante ou falantes. Outras maneiras de ouvir envolviam "inserir" breves comentários que se superpunham à fala dos outros falantes simultâneos. Tais comentários , que pareciam ser um modo de mostrar atenção falando ao invés de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 360 permanecendo calado, nunca recebiam reação por outros membros da família como "interromper". Que aqueles comentários não constituíam "interrupção" parecia ser parte do consenso de trabalho sobre um aspecto da estrutura de participação apropriada para a conversa na mesa de jantar. Em suma, nos jantares parecia haver não só falantes simultâneos múltiplos, mas também audiências múltiplas e modos de ouvir como membros da audiência. Isto significava que havia chãos conversacionais múltiplos aos quais os falantes podiam se dirigir. As perguntas de pesquisa mais apropriadas então pareciam não ser ao longo das linhas da pergunta "Quem tem o chão agora e como o conseguiu?" As linhas de perguntas mais apropriadas pareciam ficar na direção de tais perguntas " Where is the floor? Quantos tipos deles existem, quando?" Ocorreu-nos que em salas de aula escolares, manter o chão, defendê-lo de interrupções e alocá-lo em ocasiões apropriadas aos alunos são preocupações significativas para professores. Quando observamos nossas fitas de aulas de matemática, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 361 mais dos processos de alocação de chão e troca de turno pareceu ocorrer de acordo com o modelo de SACKS, SHAGLOFF e JEFFERSON do que havia sido o caso com os jantares de família. Mesmo nas lições práticas de matemática, porém, parecia haver vezes nas quais muitas crianças e o professor estavam falando simultaneamente, sem ninguém apontando ninguém como culpado por "interromper". Falar enquanto outra pessoa estava falando não parecia algumas vezes nas aulas ser interromper e naqueles momentos o professor invocaria a regra “oficial de sala de aula”, “um só falante de cada vez”. Outras vezes nas aulas, falar enquanto outros estavam falando parecia ser uma maneira aceitável de ouvir. Imaginamos o que poderia ser responsável por estas inconsistências aparentes; pela variação na estrutura de participação dentro das aulas e jantares bem como através deles. Quando observamos as fitas mais cuidadosamente, pareceu que as mudanças no padrão do chão conversacional e as mudanças no que GUMPERZ e COOK-GUMPERZ chamaram Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 362 "atividades de fala" (GUMPERZ) estavam ocorrendo juntas. As atividades de fala são unidades de discurso na conversa que são maiores que uma sentença e podem consistir de um tópico do discurso, ou podem consistir de um conjunto de tópicos conectados e subtópicos. A melhor maneira de caracterizar o que quero dizer por "atividade de fala" é nomear algumas, usando frases descritivas tais como "discutindo política", "falando sobre o tempo", "tentando chamar a atenção de alguém" e "ensinando lingüística". Tais descrições implicam certas expectativas sobre a progressão temática , regras de tomada de turno, forma e resultado da interação, bem como restrições no conteúdo... Em um sentido, as atividades de fala funcionam um pouco como os "planos" ou "scripts" dos psicólogos. Note, porém, que as frases descritivas que usamos contém um verbo e um substantivo, o que sugere restrições de conteúdo. Os verbos sozinhos ou nomes únicos como "discussão" ou "aula" não são suficientes para caracterizar atividades... Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 363 As distinções entre tais atividades como conversar, discussão, tomar parte em rituais religiosos existem em todas as culturas, mas cada cultura tem suas próprias restrições não somente em conteúdo, mas também nos modos nos quais as atividades particulares são levadas a efeito e assinaladas. Mesmo dentro de uma cultura , o que uma pessoa poderia identificar como "ensinar" outra poderia interpretar como "conversar com uma criança" e assim por diante. Tais atividades de fala são realizadas em ação e já que sua identificação é uma função da base étnica e comunicativa, surgem problemas especiais porque a sociedade moderna é feita de pessoas de origem comunicativa e cultural largamente variada. Como podemos estar certos de que nossa interpretação de qual atividade está sendo assinalada é a mesma que a atividade que o interlocutor tem em mente, se nossas origens comunicativas não são idênticas? (GUMPERZ, 1977: 205-206) A noção de atividade de fala parecia útil ao pensar-se sobre as diferenças entre o lar e a escola na organização dos "chãos" Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 364 conversacionais: nas relações recíprocas entre os papéis da audiência e do falante na atuação dos chãos. A combinação de um verbo atuante caracterizando a ação comunicativa do momento (ex: conversando em contraste com ensinando) juntos com nomes caracterizando o tópico de conversa nos permitiu fazer distinções úteis entre "pedaços" de discurso nos jantares e aulas. Em uma das fitas de jantares, por exemplo, falar sobre quanto tudo custa nas lojas hoje em dia e explicar por que e para onde o pai (um professor de artes manuais) está saindo da cidade para uma oficina de serviço interno este fim de semana são atividades de fala diferentes não somente no conteúdo dos dois tópicos de conversa. Elas diferem na estrutura de participação - nas relações entre os papéis dos falantes e nas estratégias que são apropriadas. A primeira atividade de fala é aquela na qual chãos conversacionais múltiplos são apropriados e na qual sobrepor a fala é apropriado. A segunda atividade de fala tem somente um chão - os pais participando dele como falantes primários, e todas as crianças, sem importar a idade, participam como Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 365 ouvintes primários da explicação. Interessantemente, porém, sobrepor a fala pelas crianças ouvintes como um modo de mostrar que estão escutando é ainda inteiramente apropriado durante a (às vezes sobreposta) fala dos pais na explicação sobre a oficina de serviço interno. Tal fala sobreposta pelos ouvintes durante uma explicação por um adulto não é geralmente apropriada nas salas de aula do jardim de infância do primeiro ano freqüentada pela criança mais nova nesta família. Ele e outras crianças ítalo-americanas naquela sala de aula continuamente "interrompem" as explicações do professor sobrepondo comentários quando ele está falando. Descobrimos que nas aulas escolares práticas de matemática e nos jantares familiares quando a atividade de fala muda, assim o faz a estrutura de participação. Também descobrimos este ser o caso mesmo na interação de duas pessoas, em um estudo anterior de conversas entre conselheiros escolares e os alunos, em combinações étnicas variadas (ERICKSON & SHULTZ 1981). Porém, a noção de atividade de fala, por si mesma, não é totalmente responsável pelo padrão total de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 366 mudanças ou nas aulas escolares ou nos jantares familiares. Para entender o padrão total de variação na estrutura de participação dentro destas ocasiões sociais, bem como entre elas, é necessário ter uma visão mais compreensiva e considerar a ação-forma ou evento-história total das ocasiões do jantar e da aula como todos. 4. Um resumo dos resultados Os eventos interacionais são geralmente observados e experimentados como um fluxo contínuo inteiro de atividade. Para identificar para análise as estruturas de participação que constituem a ação social é necessário segmentar o fluxo de atividade em suas unidades constituintes primárias. A Figura 1 mostra nossa segmentação dos eventos inteiros, jantar e aula de matemática, em seus subeventos principais ou fases. Estas fases foram inferidas por observação sistemática de vídeo tapes e com base em nossa experiência como observadores participativos. As mudanças de fase na Figura 1 foram notadas quando um participante relata explicitamente que "as coisas mudaram". Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 367 Quando tal informação não está disponível (ou quando os comentários de sessão de assistência por participantes estão disponíveis mas os participantes não são capazes de articular aquela informação explicitamente), identificamos fases através da observação de vídeo tapes de mudanças comportamentais através de alguns canais comunicativos (ex: mudanças posturais, mudanças no registro de tom vocal, altura, contorno de entonação, tempo e outros aspectos de prosódia da fala) e quando também vemos que após tais mudanças comportamentais os padrões subseqüentes de interação dos participantes são organizados diferentemente da maneira de antes das mudanças em postura e prosódia da fala. Nas aulas e jantares, este tipo de segmentação revela similaridades na organização seqüencial total dos dois eventos, que parecem na superfície serem tais tipos diferentes de ocasiões sociais (ver Figura 1). Por exemplo, cada evento requer uma fase inicial de preparação supervisionada e estabelecimento de deixas. Em seguida, cada evento inclui Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 368 uma fase central de foco instrumental - a atuação da razão de ser do evento - "fazer a refeição" ou "ensinar e aprender" o material acadêmico. Finalmente cada evento envolve um envolvimento gradual do trabalho instrumental que foi feito apagar os quadros - antes que os participantes possam apropriadamente sair de seu espaço de vida social/ecológico. 5. Figura 1 Ordem invariável das fases constituintes Cena ou evento anterior - "Estabelecimento" Preparação "Atividade focalizada" - "Envolvimento" (inclusive) "Limpar" Cena ou evento subseqüente. Na fase central focalizada, não somente a atividade instrumental predomina, mas em alguns tipos de eventos existem pontos de clímax instrumental para os quais a ação tende, após o que o foco é levemente diminuído, em um padrão de teia e fluxo. Assim o diagrama aponta não somente para relações de adjacência em uma ordem seqüencial atuada no e através do tempo real. O diagrama também aponta para a teleologia da ordem seqüencial, ao nível das fases constituintes primárias dentro do evento inteiro. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 369 A Figura 2 contém a ordem seqüencial invariável das fases constituintes primárias através de ambos os tipos de cenas jantares e aulas de matemática. 6. Jantar Cena anterior - preparação: “conversar" - curso principal do foco: “comer" - Envolvimento: “conversar" Opção 1: reciclar para a sobremesa Opção 2: Tirar a mesa Lição de matemática Cena anterior: "Aula de leitura" - Preparação - Foco: "ensino/aprendizagem instrumental" - Envolvimento: elevação: "clímax instrucional" - limpar Seguem duas narrativas que descrevem os tipos de atividade que tem lugar durante cada uma das fases constituintes primárias de jantares a aulas de matemática. 6.1. Narrativa de cena de jantar I. Preparação do curso principal. Durante esta fase, há mais movimento do que fala enquanto a mãe põe a mesa e as crianças tomam seus lugares uma a uma. A mãe "administra" esta fase quando ela (1) prepara e delimita o espaço no qual a interação ocorrerá; (2) estabelece as deixas que serão usadas pelos membros da família para levar a efeito a atividade; e (3) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 370 emite comandos e reprimendas pelas quais torna explicita alguma coisa da etiqueta operante nos contextos que se seguem. O nível de ruído é alto quando as pessoas começam a se servirem e a fala é relacionada com a refeição. II. Foco: Curso principal. Quando esta fase começa, o nível de ruído cai. Os membros da família gastam mais tempo comendo do que falando. As pessoas se posicionam em torno da mesa em um "modo de carpinteiro" e seus olhos estão focalizados em seus pratos. As vasilhas são passadas em torno da beirada da mesa e as pessoas se inclinam através dela para alcançar a comida. Estas ações servem à função de ligar fisicamente o grupo. Durante esta fase, os tópicos conversacionais são, em geral, não relacionados com a refeição. III. Envolvimento do curso principal e preparação da sobremesa. Quando as pessoas acabam de comer o ruído ambiente e as vozes dos membros da familia se tornam mais altas. Há mais fala e diferentes tipos de fala. Os membros da família se recostam nas cadeiras e se orientam para alguns dos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 371 participantes e para longe de outros. Mais de uma conversa está ocorrendo ao mesmo tempo. As pessoas fora da área da mesa são chamadas, expandindo assim o espaço dentro do qual a interação tem lugar. Dois ou três participantes falam simultaneamente a maior parte do tempo. Durante esta fase, a mãe tira a mesa enquanto o pai e as crianças permanecem sentados. A mãe anda para cada lugar, em volta das beiradas da mesa enquanto remove os pratos sujos e os substitui por limpos. A conversa entre todos os membros da família gradualmente diminui enquanto as pessoas mudam de lugar e voltam para a posição focalizada para a sobremesa. A conversa é novamente relacionada com a refeição enquanto a mãe distribui a sobremesa. IV. Foco: sobremesa. Enquanto a mãe se inclina sobre a mesa servindo a sobremesa, outros membros da família estão inclinados sobre sua comida. Eles não formam mais subgrupos posturais mas ao invés disto estão orientados para o centro da mesa. A conversa que ocorre não é relacionada com a refeição. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 372 V. Retirada da sobremesa. Durante esta fase, quando as pessoas terminam de comer, elas deixam a mesa. Porém, enquanto isto está acontecendo, conversas múltiplas se desenvolvem entre os membros da família. Elas são mais exageradas que as conversas múltiplas que tem lugar durante a retirada do prato principal, já que alguns membros da família estão agora fisicamente separados da mesa. Alguns membros da família realmente se levantam e ficam de pé perto de seus parceiros conversacionais. As crianças saem primeiro, deixando os adultos sentados na mesa. 6.2. Narrativa da cena aula prática de matemática I. Preparação. Quando a atividade anterior (freqüentemente uma aula de leitura) está terminando o professor vai para sua mesa para pegar materiais para a próxima lição. Ela traz os materiais em uma ou mais viagens para a "área circular" da sala. Quando ela o faz, algumas crianças que terminaram seu trabalho sentado da aula anterior já estão se sentando no chão em uma formação de círculo parcial. Outros alunos ainda estão em suas mesas terminando. Há considerável ruído Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 373 ambiente com pequenos grupos de crianças conversando juntas em vários lugares da sala; nas mesas e no cão (atapetado) na área do círculo. Então a professora começa a chamar os alunos para o círculo. Geralmente há mais de uma chamada, mas não mais que três. II. Foco. Existem duas ou mais subfases constituintes dentro desta fase: uma ou mais fases introdutórias e então uma fase "clímax" para a qual as instruções introdutórias tendem. As fases introdutórias são executadas por uma série de "rodadas interrogativas" nas quais várias crianças são chamadas para manipular os materiais (tais como blocos) e, com a direção interrogativa do professor, demonstram para as outras crianças os princípios e conceitos a serem aprendidos (tais como o conceito "conjunto"). Durante cada rodada há um espaço interrogatório, um espaço de demonstração e um espaço de avaliação, que aparecem em uma ordem seqüencial invariável (embora o espaço de avaliação possa ser opcionalmente suprimido). Durante cada rodada o falante/ouvintes primários são o professor e o aluno Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 374 selecionado para fazer a demonstração. Os outros alunos participam de uma maneira secundária como "audiência". (Após a última chamada para ordenar o círculo no final da fase de preparação, esta organização geral persiste até a faze de limpeza final). Se os membros da audiência falam se sobrepondo com o professor e o aluno focalmente dirigido que está demonstrando, o professor sanciona negativamente os falantes que se sobrepões. Após ter começado a fase clímax, porém, e o professor e as crianças terem se inclinado para frente intencionalmente para o centro do círculo que seus corpos delineiam enquanto sentam no chão, o professor não mais sanciona negativamente sobrepor a fala. Nas fases introdutórias anteriores, as crianças às vezes respondiam em uníssono às perguntas feitas pelo professor. Na fase clímax elas dão muito mais respostas corais em uníssono "rústico”, que são intercaladas e sobrepostas com comentários sobrepostos sobre a ação. III. Terminar/Limpar. O professor e alunos sentam-se mais eretamente quando o professor dá direções sobre a limpeza. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 375 Durante aqueles avisos o professor é o único foco de atenção e o falante primário. Ele sanciona negativamente as sobreposições de fala novamente. Então enquanto as crianças começam a limpar, conversas múltiplas surgem, como na fase de preparação. 7. Estruturas de participação Para examinar as diferenças em como as atividades interacionais foram executadas em casa e na escola, uma tipologia de estruturas de participação pela qual as pessoas coletivamente executaram a atividade interacional "conversar durante o jantar" foi desenvolvida. Esta tipologia se segue. Uma descrição narrativa curta de cada estrutura de participação é apresentada, seguida por uma descrição dos diferentes papéis que os membros da família podem ter na atuação destas estruturas de participação. Estrutura de Participação Tipo I. Chão conversacional único com somente algumas das pessoas presentes participando no "chão" como falantes e ouvintes primários. Os outros Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 376 presentes participam minimamente como ouvintes secundários. Há pouca sobreposição de fala. Uma conversa está ocorrendo entre um subgrupo do grupo inteiro. As pessoas envolvidas nesta conversa são referidas como "falantes/ouvintes primários". O restante do grupo está sentado e ouvindo esta conversa. Aqueles não envolvidos diretamente na conversa serão referidos como "ouvintes secundários". Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis): Falante primário: endereça frases a pequenos grupos de outros (ouvintes primários) e então espera pelas frases ditas por outros falantes primários: Ouvintes primários: prestam atenção: não é requerida audição ativa. Porém atenção suficiente é requerida para saber não interromper o falante primário. Estrutura de Participação tipo II. Chão conversacional único com todas as pessoas presentes participando dele. Há somente um falante primário, que está se dirigindo a todos os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 377 presentes. Todos que são dirigidos participam de modos similares como ouvintes. Há pouca fala sobreposta. Uma conversa está ocorrendo, com um falante se dirigindo a todo o grupo. Neste caso, não há distinção feita entre ouvintes. Existem basicamente dois papéis que tem lugar: falante e ouvinte. Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) Falante: para falar com todo o grupo e para continuar a fazêlo enquanto um ou mais membros do grupo estão fornecendo comportamento de escuta apropriado. Qualquer membro do grupo pode fornecer a retroalimentação de ouvinte e pode ser um membro diferente de cada vez; Ouvinte: mostra um modo de atenção para o que o falante está dizendo e não o interrompe. Também de vez em quando fornece retroalimentação de escuta "de canal de volta" (ex: anuências, mudanças de olhar, resmungos, etc.) Estrutura de Participação Tipo III. Chão conversacional único com todas as pessoas presentes participando dele. Há Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 378 sobreposição de fala considerável. Dois subtipos podem ser distinguidos: Chão único com níveis múltiplos de chão. Níveis primário e secundário de participação, considerável fala sobreposta. Uma conversa tipo I está ocorrendo entre falantes/ouvintes primários. Um ou mais dos ouvintes secundários diz alguma coisa topicamente ligada com o que o falante/ouvintes primário está dizendo. Estes comentários por participantes secundários (que então se tornam falantes secundários) são "jogados" na conversa do grupo e não requerem uma resposta ou reconhecimento de ninguém. A conversa primária entre falantes e ouvintes primários continua enquanto estão sendo feitos comentários por falantes/ouvintes secundários. Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) Falante/ouvinte primário: O mesmo que para o Tipo I. Porém um aspecto adicional para os participantes primários é evitar prestar atenção e responder ativamente aos comentários Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 379 sobrepostos que estão sendo jogados na conversa por participantes secundários; Falante/ouvinte secundário: o mesmo que para o Tipo I, com o direito adicional de fazer comentários relacionados com a conversa primária. Porém estes comentários podem não ser reconhecidos ou prestados atenção pelos outros membros do grupo. Tipo III-B. Chão único interpolado com nível único de chão. Um comentário coletivo sobre a nota de um falante primário anterior, durante o qual o chão conversacional anterior é suspenso. Uma conversa do Tipo II ou do Tipo I está ocorrendo e é interrompida por um interlúdio ou “seqüência lateral” durante a qual um ou mais dos participantes faz comentários relacionados com o que o último falante estava dizendo. Estes “comentários” se sobrepõem ao que os outros comentadores estão dizendo e às vezes falam continuamente e simultaneamente. A conversa que estava tendo lugar quando os comentários começaram a serem feitos para seu progresso. O falante primário na conversa que está tendo lugar pode ou Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 380 não deixar o chão anterior; em alguns casos aquele chão é momentaneamente suspenso para comentários coletivos, nos quais o falante primário pode participar também. Em outros casos, a primeira conversa pode ser deixada inteiramente quando uma nova conversa aparece. 8. Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) Falante: Joga comentários na conversa, com a compreensão de que tal comentário pode não ser dado atenção ou reconhecido; Ouvinte: O mesmo que para o Tipo II, exceto que no Tipo III-B os ouvintes tem o direito de fazer comentários enquanto outros estão comentando, sem ter tais comentários levados em conta como ato de fala/interrupção. Estrutura de Participação tipo IV. “Chãos” conversacionais múltiplos, com subgrupos das pessoas presentes participando de conversas simultâneas topicamente distintas. Muita fala sobreposta através e dentro dos vários chãos. Muitas conversas do Tipo I estão ocorrendo simultaneamente, conduzidas por atos de falantes/ouvintes primários. Na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 381 maioria dos casos observados, cada pessoa presente é um participante primário em ao menos uma destas conversas. Se uma pessoa presente não participa de modo primário, então ele (ela) participa como um ouvinte secundário em um ou mais dos conjuntos de falantes/ouvintes primários. 9. Alocação de direitos e obrigações - Dentro de cada uma das conversas simultâneas, o mesmo que para o tipo I. As estruturas de participação diferem ao longo de três dimensões. Estas dimensões, que podem ser consideradas como sendo análogas a distintos aspectos são, (a) número de pessoas que falam de cada vez, uma ou mais que uma; (b) tipos de papéis dos participantes; isto é, todos os participantes têm papéis equivalentes, como nas conversas Tipo II e Tipo III-B ou há uma distinção feita entre participantes primários e secundários, como nas conversas Tipo I e Tipo III-A; e (c) o número de chãos conversacionais, um ou mais que um. Cada uma das dimensões tem duas possibilidades: há mais de uma pessoa falando ao mesmo tempo, ou há somente uma pessoa falando; todos os participantes têm papéis equivalentes ou Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 382 não; e há mais de um chão conversacional ou somente um. A presença ou ausência de cada um destes aspectos é notada no Quadro 1. 10. Qua dro 1. Aná lise de Asp ect os dist into s de Estr utur as de Part icip açã o Estrutura Mais de Uma Todos de Pessoa falando Participantes chão Participação de cada vez têm os Mais de um papéis conversacional equivalentes Tipo I - - - Tipo II - + - Tipo III-A + - - Tipo III-B + + - Tipo IV + + ou - + Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 383 Nota: As conversas do Tipo IV são feitas de conversas do Tipo I múltiplas. É possível que todos os participantes pudessem ser participantes primários em ao menos uma das conversas. Se este é o caso, então todos os participantes têm papéis equivalentes. Se algum dos participantes é um participante secundário em uma ou mais das conversas, então todos os participantes não têm papéis equivalentes. O método usado para se chegar a esta tipologia de estruturas de participação é descrito em ERICKSON & SHULTZ (1977). Primeiro, uma das fitas de hora do jantar foi examinada em detalhes através de vistas repetidas e uma tipologia inicial de estruturas de participação foi formulada. Após a tipologia ter sido refinada através de mais vistas da fita, a validade da tipologia foi testada examinando-se outras fitas de hora do jantar para ver se os mesmos tipos de estruturas de participação estavam presentes nestas. A hora do jantar em casa de outro aluno foi estudada, além de outra Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 384 fita de hora do jantar na casa do aluno onde a fita foi originalmente analisada foi feita. A tipologia foi encontrada para manter-se verdadeira para ambas as horas de jantar em outra casa, e para a hora de jantar adicional na casa original. Ao todo, ao menos 60 horas de visão de vídeo tape estiveram envolvidas na análise relatada aqui. As evidencias para a validade da tipologia vieram de várias fontes. A observação participativa nas duas casas e em sala de aula nos forneceram intuições com relação a como os jantares e aulas de matemática eram executados. Além disto tivemos cada participante em vários jantares em nossas próprias casas e ensinamos e fizemos pesquisa em outras salas de aula. Estas fontes de observação pessoal foram chamadas à cena enquanto observávamos os vídeo tapes de jantares e aulas de matemática enquanto aplicamos nossos procedimentos interpretativos para fazer sentido dos eventos registrados. Neste processo de fazer sentido, confiamos menos na observação pessoal e experiência do que é de costume na etnografia tradicional, mas confiamos mais nestas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 385 fontes de evidencia do que é comum na análise etnometodológica de registros de comportamento. Ao assistir aos vídeo tapes, tentamos usar as mesmas evidencias comportamentais que os participantes pareciam estar usando para fazer sentido da situação. Consideramos várias formas de comportamento verbal e não verbal na distinção entre as diferentes estruturas de participação. Por exemplo, a principal diferença entre as estruturas de participação Tipo I e tipo II é que as conversas Tipo I envolvem dois níveis diferentes de participação entre ouvintes, enquanto nas conversas Tipo II não é feita distinção entre os ouvintes. As diferenças em participação entre ouvintes nas conversas do Tipo I são manifestadas nestas áreas: (a) postura e orientação do corpo; b) direção do olhar e (c) retroalimentação da audição por canal de volta. Os ouvintes primários nas conversas Tipo I são requeridos orientar seus corpos para o falante primário, direcionar seu olhar para aquela pessoa tanto quanto possível e fornecer algum Tipo de resposta de audição de canal de volta. Os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 386 ouvintes secundários, por outro lado, não são requeridos fornecer o mesmo tipo de comportamento não verbal como os ouvintes primários. Eles podem olhar para longe das pessoas que levam a efeito a conversa, eles podem orientar seus corpos para o centro da mesa ao invés de para os falante/ouvintes primários, retroalimentação de audição. e não têm que fornecer Nas conversas do Tipo II, alguns dos ouvintes têm que fornecer retroalimentação de escuta (de outro modo o falante iria provavelmente parar de falar), mas seu comportamento de escuta não tem que ser tão intenso como o do ouvinte primário nas conversas do Tipo I. Em outras palavras, a quantidade de atenção fornecida pelos ouvintes nas conversas do Tipo II caem em alguma parte entre a quantidade de atenção esperada de ouvintes primários nas conversas do Tipo I e a quantidade de atenção esperada dos ouvintes secundários nas conversas do Tipo I. Tipos similares de evidencias de diferenças em comportamento verbal e não verbal foram usados para distinguir entre todos os tipos de estruturas de participação. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 387 Uma segunda fonte de evidencias comportamentais com relação à validade da tipologia apresentada está contida na reação dos membros da família a violações de qualquer dos padrões descritos. Dois tipos de violação foram notados: (a) produção de comportamento não apropriado: o filho mais novo em uma das famílias, durante duas conversas do Tipo I nas quais era um ouvinte secundário, tentou chamar a atenção de um dos falantes/ouvintes primários. Foi-lhe dito por um dos irmãos mais velhos para ficar quieto porque "as pessoas estavam falando". Tal reprimenda não faria sentido durante uma conversa Tipo III (A ou B) ou Tipo IV durante as quais mais de um falante pode ter a vez de falar ao mesmo tempo; (b) ausência de comportamento apropriado: durante outra conversa do Tipo I na qual o mesmo filho era suposto ser um ouvinte primário, ele não forneceu o tipo de resposta de escuta requerido de uma pessoa em tal papel. Seu pai, que era o falante primário na ocasião, tornou a ausência desta resposta de escuta computável (cf. MEHAN e WOOD, 1975: 132) dizendo o nome de seu filho seguido de "Estou falando Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 388 com você". Este tipo de reprimenda não faria sentido durante uma conversa do Tipo II, porque nem todos os ouvintes são requeridos fornecer retroalimentação ativa de escuta. Estes quatro tipos de estruturas de participação ou "arrumações conversacionais" empregados para executar a atividade de fala "falar durante o jantar" são representados esquematicamente na Figura 3, que mostra a arrumação física da família em torno da mesa de jantar (representada pelo retângulo), bem como suas orientações posturais e de olhar nas várias estruturas de participação. Como foi notado anteriormente, as estruturas de participação mostradas na Figura 3 são aquelas usadas para executar a atividade de fala "falar durante o jantar". Elas foram desenvolvidas por cuidadosa observação dos vídeo tapes da hora de jantar nas casas. Na escola, os tipos de estruturas de participação encontradas em casa são também encontradas em versões levemente diferentes de "semelhança familiar" que parecem ser equivalentes funcionais daquelas usadas em casa. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 389 Existe algumas diferenças específicas entre as versões do lar e da escola de atuação das estruturas de participação. Primeiro de tudo, existe 11. Figura 3. Participação Representação esquemática das Estruturas de Tipo I Tipo II falante primário falante ouvinte primário ouvinte ouvinte secundário Tipo III-A Tipo III-B falante primário falante ouvinte primário ouvinte falante secundário ouvinte secundário Tipo IV falante primário ouvinte primário ouvinte secundário Legenda:as setas e linhas indicam a orientação do olhar. = orientação postural um limiar de tolerância muito mais alto em casa para uma entonação de fala de tom mais alto, fala mais alta, e elevação e queda brusca de entonação do que na escola com o professor, que não seja ítalo-americano. Segundo, dado o grande número de participantes na sala de aula, particularmente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 390 quando o professor e todos os alunos estão reunidos como um grupo, a negociação e administração dos direitos e obrigações interacionais se torna mais difícil. Muito mais orquestração e administração é feita pelo adulto presente (o professor) e mais direções específicas sobre como interagir são dadas. (Por exemplo, Professor: Não falem agora, é minha vez. Joey, é a vez de quem agora?). Embora tais reprimendas sejam ocasionalmente emitidas em casa, direcionadas em sua maior parte aos membros mais novos da família, elas são ouvidas muito mais freqüentemente na sala de aula, onde o índice de participantes jovens para velhos é muito mais alto. E finalmente, dada a proximidade física dos membros da família na mesa de jantar e o fato de que cada membro é capaz de encarar qualquer outro membro com um mínimo de esforço, é muito mais fácil para a família agir como um grupo, focalizando posturalmente um ponto no centro da mesa. Na sala de aula, quando o professor está reunido com todos os alunos, nem todos podem encarar todos. E assim por necessidade, alguns participantes têm suas costas para outros. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 391 Estas estruturas de participação são distribuídas diferencialmente através das fases constituintes dos dois eventos. (Rever Figura 1). O Quadro 2 mostra a distribuição das estruturas de participação através das fases dos dois eventos. Pode ser visto do Quadro 2 que as estruturas de participação Tipo I, II e IV ocorreram na escola bem como em casa. As estruturas de participação Tipo III ocorreram em todas as três fases do jantar, mas ocorreram somente sem freqüência durante a aula de matemática. Para a maior parte, este modo de participar nas aulas é referido como "chamar" e não é permissível em situações de aula. As estruturas de participação Tipo III foram permitidas durante a subfase instrumentalmente de clímax focalizada da instrucional aula de da fase matemática. Durante esta subfase, o foco do professor está no "ponto" da aula e as regras sociais interacionais não parecem mais serem o foco de sua atenção. Mesmo se todas as quatro estruturas de participação ocorram durante os jantares e aulas de matemática, elas são Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 392 distribuídas diferentemente através das fases constituintes dos dois eventos. Ao nível do evento, então, os tipos de estruturas de participação que ocorrem e os direitos e obrigações dos participantes são essencialmente os mesmos. É somente quando se olha ao nível de fases constituintes que diferenças na atuação dos dois eventos aparecem. O que é distintivo sobre cada uma das fases dos dois eventos é o conjunto de estruturas de participação que ocorrem, e a freqüência relativa com que cada uma das estruturas de participação ocorre. A ordem seqüencial das estruturas de participação dentro de uma dada fase não parece ser obrigatória, exceto que as estruturas de participação Tipo IIIA e III-B devem sempre se originar das conversas do Tipo I ou do Tipo II. Nem todos as estruturas de participação ocorrem em cada uma das fases; e as estruturas de participação que ocorrem não o fazem com a mesma freqüência Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 393 Por exemplo, durante a fase focalizada de jantar, as estruturas de participação Tipo I e Tipo II estão ocorrendo mais freqüentemente, mas as estruturas de participação Tipo III-B, quando ocorrem, são negativamente sancionadas pelo professor. Isto pode ser visto no seguinte exemplo de texto da aula. Este exemplo começa pelo final da fase de instrução focalizada da aula. A organização do discurso daquela fase envolveu uma série de rodadas interrogativas sucessivas (ver BELLACK, KLIEBARD, HYMAN & SMITH 1966; MEHAN 1979 e MEHAN, este volume). Fase Constituinte Evento Preparação Foco Término Jantar I, II, III-B I, II, III-A, III-B, IV, I III-B Aula de IV, I matemática I, II I, III-A (durante clímax instrucional) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 394 e II, IV (durante a limpeza) 12. Quad ro 2. Distribuição das Estruturas de Participação Através das Fases Constituintes Primárias dos Dois Eventos Nota: Para cada fase constituinte, as estruturas de participação são listadas de acordo com a freqüência de ocorrência. Aquelas estruturas de participação que ocorrem mais freqüentemente são listadas primeiro, enquanto aquelas que ocorrem menos freqüentemente são listadas por último. Em cada uma das rodadas um aluno foi designado o "respondedor" e se envolveu com o professor em uma série de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 395 rodadas de perguntas-respostas. Esta é uma estrutura de participação do Tipo I, de acordo com nossa tipologia - dois falantes principais, aluno e professor, com outros membros do grupo de interação nos papéis de assistentes ao invés de falantes. (As crianças são ocasionalmente permitidas ecoar em coro a resposta do respondedor designado, e rirem no final de uma rodada, mas de outro modo tem que permanecer em silêncio). Durante as rodadas interrogativas, e especialmente no final delas, quando o professor está para se voltar para um novo aluno como respondedor designado, as crianças que foram ouvintes freqüentemente fazem coisas às quais o professor reage como "interromper". Uma coisa reagida deste modo foi quando uma criança individual que não é designada como respondedor tenta obter vez de falar. Se isto fosse permitido acontecer tornaria a arrumação conversacional uma estrutura de participação do Tipo III-B (mais de dois falantes/ouvintes primários). Outra coisa a qual o professor reagiu como interrupção foi uma ou mais crianças que não eram o respondedor designado fazerem comentários Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 396 sobrepostos sobre algo que um dos dois falantes primários havia dito. Se isto fosse permitido acontecer faria a arrumação conversacional que chamamos estrutura de participação Tipo III-A (na qual existem falantes e ouvintes secundários bem como primários, participando simultaneamente em chãos conversacionais de camadas múltiplas). 13. Exemplo de aula de matemática No texto que se segue, a conexão de linhas com parênteses (I) indica a fala sobreposta, a conexão de linhas por parênteses com "bandeiras" nas direções opostas (Z) indica que a fala do segundo falante começa abruptamente exatamente no final da palavra do falante anterior. Marcadamente a fala lenta é indicada pelo espaçamento entre sílabas. Dois pontos múltiplos indicam alongamento de uma sílaba. Uma pausa terminal de sentença completa de aproximadamente um segundo é indicada por duas diagonais (//) e uma meia pausa de aproximadamente meio segundo é indicada por uma diagonal única (/). (Estes são equivalentes a grosso modo ao Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 397 período e vírgula). A enfatização (altura) é indicada pelas letras maiúsculas na sílaba enfatizada ou por marcas verticais que precedem a sílaba enfatizada. Se o tom da sílaba enfatizada é alto, a marca vertical aparece acima da linha, ex: 'BOM. Se o tom da sílaba enfatizada é baixo, a marca vertical aparece abaixo da linha, ex: BOM. Estas marcas são responsáveis pela enfatização e tom na ausência de uma mudança de tom. Quando a enfatização é combinada com uma mudança de tom, marcas diagonais são usadas. Se o lado esquerdo da diagonal é alto isto indica uma mudança de tom mais alto para mais baixo, ex: BOM. Se o lado direito da diagonal é alto isto indica uma mudança de tom mais baixo para mais alto, ex: BOM. (Cena: Aula prática de matemática em uma sala de aula de jardim de infância do primeiro ano. A professora, Senhorita Wright, e 14 alunos do primeiro ano estão sentados no chão em uma formação de círculo. Eles se orientam para objetos no centro da área do círculo que foi definida por seus corpos. No chão estão dois anéis de corda que circulam conjuntos de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 398 blocos de madeira. Em um dos conjuntos todos os blocos são de formatos diferentes, mas tem a mesma cor (amarelo). A professora esteve introduzindo as crianças ao conceito de "propriedade de conjunto". Neste ponto da aula ela vai rever o que as crianças aprenderam na aula até agora.) (a) P: O.K. (A senhorita Wright fala mais alto e mantém o dedo indicador em seus lábios. Há um contorno de intonação que cai abrupta no "K" de "O.K.") Agora vamos olhar (o riso para) (O riso geral das crianças é suspenso e a professora fala , e para em sincronia exata com o " k" do final da palavra dela , " look") O que decidimos foi (o riso começa - - -decidimos QUE - - para] (No " THAT" enfatizado, todas as crianças param instantaneamente de rir e algumas se sentam mais eretas) Estes blocos todos tem a propriedade da mesma ,what// (A professora aponta para o anel de forma e seus blocos) (b) T: SHA:::PE (A turma responde em coro com duas respostas individuais em " eco") Shape Shape (c) P: Forma/ assim eles pertencem aqui mesmo se (risadinhas começam - - - - - ) cores [ diferentes S//::://SH'] Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 399 GS: [e são da mesma forma ] (os risos continuam - - - - -param) (Durante o riso geral um garoto se sobrepões a fala da professora. (d) (Alice pega um bloco) (e) P:a'right// (muito rapidamente) coloque isto no chão (gentilmente, em um lado de Alice) Estes conjuntos todos tem a propriedade da mesma [O QUE? (alto, com registro de tom mais alto durante toda a fala) [ B= amarelo (Bobby sobrepõe) Sh ( a professora diz isto gentilmente a Bobby) (f) Es: Forma C: forma FORMA (g) B: Forma (alunos individuais dizem " forma" , um coro diz " forma" e então Bobby o faz) h) P: Cor Z (Para Bobby e para toda a turma) (i) C: cor (resposta em coro, volume diminuido) (j) Eles não são todos da mesma forma// (volume baixo, registro de tom) Este não é da mesma forma// (segura um bloco) Eles são da mesma COR// (levanta o bloco mais alto) (k) B: Veja este não é - - (Bobby se dirige a Vito) (l) P: ' CERTO// (as crianças estão rindo) (mais alto, registro de tom mais alto) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 400 AGORA// ' ESPEREM (todas as crianças caladas) FA«AM ESTES BLOCOS AQUI TEREM (o riso começa - - - A PROPRIEDADE DE// - - - - - - - - - -para) (na pausa a professora põe o dedo nos lábios) (barulho de carro de entrega no corredor) [ COR?// // (pausa de dois segundos) (segundo barulho) (Bobby olha para a porta) (C olha para a porta) (V olha para a porta) (m) Vamos ver aqui // // // (mais gentil, registro de tom mais baixo) (pausa de três segundos) wwht (meio assobio endereçado a Bobby) (Bobby olha de volta para a área do círculo) Vito/ Vamos olhar aqui// Isto é importante (registro de tom baixo, ainda mais intensamente) ( o foco postural do círculo é reestabelecido) Estes blocos aqui tem a (rapidamente para Bobby) propriedade de cor E a propriedade da forma ?// Eles pertencem aos DOIS conjuntos ? (n) R: Não (outros): não, não coro N√O::::::::::::::::: P: Por que não? ] (Para Bobby) B: (Vira para a criança a sua esquerda e diz algo inintelegível) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 401 P: Sh] (para toda a classe) (p) Estes são ' AMArelos (q) (duas crianças dão respostas inintelegíveis) (r) P: Eu sei, mas neste CONJUNTO/ tudo que me importa é a cor (duas crianças opostas a professora escorregam sobre seus estomagos, tocando uma à outra , olhando para os blocos) Vamos, sentem-se// Este conjunto, tudo que me importa é a cor. Estes blocos/ Eu quero blocos amarelos aqui// (dirigida a Carol) Eles pertencem a este conjunto ? (s) C: Sim z P: Sim, ' porque eles são'AMArelos tudo o que eu queria aqui são blocos em triangulo eles pertencem aqui?// (mais rápido) (t) N√O [:::::: Por que não// Eles são' TRIANgulos (registro de tom mais alto) Mas eles não são th/ (v) L: você dev Eu não me ' IMPORTO de que cor eles são aqui// Se eles são ' TRIANGULOS é o que quero saber// (x) C: Sim:::::::: sim sim sim sim assim eles podem pertencer a este / conjunto?// Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 402 sim sim sim não::::::::::::: sim não não não não eles podem pertencer a ambos os conjuntos?// (aa) C: N√O :::::::: (gentilmente) não P: Pare com isto (dirigindo-se a uma criança que se balança para frente e para trás sentada na formação do círculo) (bb) D: SIM: (resposta errada) (cc) P: VAMOS ' A: PREN: ER!/ (dirige-se à criança que esteve se balançando para a frente e para trás. O balanço para) C: Eles pertencem a ' AMBOS os conjuntos ?// (dirige-se a D) (dd) sim sim sim:::::::::a::::::::hN√O:// (mudança final para N√O: é a resposta correta) (ee) P: Por que não?// (dirige-se a Bobby e a todo o grupo) (ff) B: Poque eles também poderiam pertencer aqui (Bobby toma um triangulo amarelo do conjunto de " triangulos" e o coloca no conjunto " cor") (gg) P:// ( A professora pega o triangulo amarelo e o coloca de volta no conjunto de " triangulos") Mas eles também poderiam pertenter 'aqui porque são ,triangulos (dirige-se a Bobby e a todo o grupo, caindo a intonação em " triangulos") Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 403 (hh) C: S::IM (coro) sim sim (falantes múltiplos começam a introduzir novos comentários - - -[ o comentário para) [ Alri// A-/ (levantam o dedo para responder) (ii) P: Está bem é o suficiente// Voltaremos a isto amanhã// (mais rápido, menos volume) Estes blocos tem duas propriedades (mais lentamente, mais alto, manuseando os blocos) Eles pertencem a [ AMBOS os conjuntos// B: [ Um:: Assim os intrelaçamos// (coloca a beirada de uma corda sobre a outra) e os colocamos aqui// e esta é uma nova palavra/ É chamado uma IN TER SE «√O de conjuntos// ( ainda mais baixo, larga queda de intonação) e falaremos sobre isto mais tarde …está quase na hora de ir para casa. A fase de término começa (aqui uma mudança marcante de postura ocorre. A professora que estava sentada inclinada para frente até este ponto se senta com as costas para trás e simultaneamente as crianças se movem para trás um pouco Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 404 para alargar a formação de círculo e se sentam. Falando mais rapidamente a professora explica a "interseção de conjuntos" novamente para outra criança que não Bobby). Então ela esclarece a partir das respostas de Bobby sobre a "interseção" em um cruzamento de trafego , demonstra a analogia entre aquele tipo de interseção e os anéis entrelaçados no chão (durante qual demonstração todas as crianças olham novamente para os anéis), então diz as crianças para colocarem os blocos em sua bolsa e coloca suas cadeiras nas mesa. As crianças se dispersam, limpam e então deixam a sala). 14. Discussão: Quando este exemplo começa a turma ainda está em uma estrutura de participação do Tipo I. Porque um falante falar enquanto outro está falando é uma "interrupção", como é evidenciado pelas reações da professora à fala sobreposta pelas crianças. Ela reage implicitamente e explicitamente à fala sobreposta. No turno (a) a reação é implícita. Quando a professora enfatizou a palavra "QUE" na frase "o que decidimos, decidimos QUE", as crianças param Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 405 com a fala sobreposta instantaneamente. A enfatização em QUE parece funcionar como uma dica implícita para as crianças pararem de interromper. No turno (c) , porém, as dicas da professora são explícitas. "Sh:::/SH!". Novamente, os alunos param instantaneamente de sobrepor a fala. No turno (e) a professora dirige um "Sh" a Bobby após ele ter sobreposto sua fala. No turno (l) a professora emprega uma dica não verbal para sancionar negativamente a ocorrência de fala sobreposta - no instante em que o dedo da professora é levado aos lábios as crianças param de falar. Dos turnos (a) até (l) a professora tem estado consistentemente reforçando uma arrumação conversacional do Tipo I como a estrutura de participação pela qual o discurso da aula está sendo conduzido. Nas próximas poucas rodadas interrogativas a professora continua a reforçar o princípio aparente "somente dois falantes designados de cada vez".Então, exatamente antes do ponto de clímax instrucional da aula (que chega logo antes da transição para a fase final de término/limpeza), a professora Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 406 faz algo diferente do que vinha fazendo anteriormente durante a fase de instrução focalizada. Agora (turnos n - hh) a professora não mais reforça o princípio de "dois falantes primários". O clímax instrucional da aula - sua "linha" conceitual envolve a noção de "interseção de conjuntos" que é anunciada com ênfase pela professora no final do turno (ii) no exemplo: " e isto é uma nova palavra// É chamado uma in ter seção de conjuntos (em uma entrevista, a professora disse que o propósito da aula era introduzir este novo conceito. Nas rodadas interrogativas que levavam ao clímax a professora revê as noções de conjunto e propriedade dos conjuntos colocando blocos dentro de dois anéis de corda no chão. Um conjunto consiste de blocos de formatos variados que são todos amarelos [a propriedade de conjunto de cor]. Outro conjunto consiste de triângulos. A maioria dos blocos triangulares é Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 407 verde, mas alguns triângulos são amarelos. Eles pertencem ao conjunto triângulos de acordo com a propriedade de forma, mas pertencem ao conjunto amarelo de acordo com a propriedade de cor. Os triângulos amarelos que parecem anômalos podem ser computados sobrepondo-se as beiradas dos dois anéis de corda uma sobre a outra e colocando os triângulos amarelos neste recém criado espaço, que é uma interseção de conjuntos; uma abstração lógica concretamente manifestada em uma arrumação de blocos e cordas.) No início do turno no qual ela dá a linha conceitual (turno ii), a professora começa a reforçar novamente o princípio de "somente dois falantes designados de cada vez", como ela havia feito durante a primeira parte da fase de instrução focalizada. Mas nos 20 turnos imediatamente anteriores a este ponto do clímax instrucional, a professora não reforça o princípio "dois falantes designados de cada vez". Isto pode ser visto nos conjuntos de turnos adjacentes (t-u-v), (w-x-y), (y,z) e (aa-bb). No primeiro destes casos (t-u-v) a professora se sobrepões à turma e então responde a uma pergunta Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 408 iniciada por um falante não designado. A professora responde à pergunta da criança e o faz sobrepondo a fala do que pergunta. A criança que faz a pergunta é a mesma cuja tentativa de fazer uma pergunta alguns momentos antes no turno (b) foi sancionada negativamente pela professora com um "SH::::". Aparentemente no ponto dos turnos (t-u-v), o princípio de alocação de turno anteriormente invocado havia sido temporariamente suspenso. Nos próximos turnos a fala da professora é sobreposta pela das crianças (turnos x-y-z) e a fala das crianças é sobreposta pela da professora, ainda que a professora não reaja à sobreposição como se fosse interrupção. Isto também pode ser visto nos turnos (cc-dd). Ali a pergunta da professora é sobreposta pela resposta, dita por vários indivíduos e por um coro, enquanto a professora está engajada em dirigir a pergunta a um único indivíduo, Carol, que é designada como respondedora pelo olhar da professora e pelo aceno de sua cabeça em direção a Carol. Não somente a professora não sanciona negativamente a fala sobreposta das crianças dando a resposta à pergunta dirigida a Carol, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 409 mas o comportamento da criança que a professora sanciona negativamente no mesmo turno (dizendo VAMOS APRENDER) é o comportamento cinético (balançar-se para a frente e para trás) ao invés do comportamento de fala. O "VAMOS APRENDER" diretivo pode ser interpretado como evidencia de que a professora ainda está reforçando alguns padrões de adequação na participação das crianças - ainda existem para a professora alguns limiares de atividade além dos quais as crianças estão fazendo demais - mas os limiares mantidos são aqueles que envolvem comportamento não verbal. Os limiares para o comportamento de sobrepor a fala além dos quais as crianças estão interrompendo verbalmente não parecem mais se aplicar. Em resumo, neste ponto da aula, a professora age como se o que chamamos estruturas de participação de Tipos III-A e IIIB fossem modos legítimos de alocar turnos, através de chãos conversacionais de camadas múltiplas. Momentaneamente, algumas das restrições sobre a fala sobreposta foram afrouxadas. Então elas estão de volta ao lugar. Quando a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 410 professora começa o turno (ii) ela leva o dedo aos lábios e repete as primeiras sílabas da primeira palavra da próxima frase "Alri-//A-//Certo, isto é tudo." Quando ela diz isto, as crianças (que estiveram se sobrepondo uma à outra e à professora no turno anterior) param de salpicar sobreposições a partir daquele turno. Daí até a fase de limpeza começar, quando as crianças começam a sobrepor a fala a professora as pára dizendo "SH::" levantando seu dedo aos lábios ou usando enfatização e pausa antes de continuar o que ela estava dizendo, como no turno (a), durante uma fase anterior da aula: P: O que decidimos, decidimos QUE] // estes blocos (Começa o riso - - - - - - -para] Todos têm a propriedade... Um problema constante de administração de grupo para a professora no início do ano é as crianças "entrando" como falantes/ouvintes secundários enquanto um diálogo está sendo conduzido durante uma aula por dois falantes/ouvintes primários. Esta "entrada" ocorreu não somente em aulas de matemática, mas em outros contextos instrucionais de grupos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 411 grandes. Em contraste, a participação por "entrada" era freqüentemente apropriada para aquelas crianças em casa, como pode ser visto pela transcrição de uma das conversas de jantar gravadas em vídeo tape na casa de Bobby, que foi um dos respondedores designados na transcrição da aula acabada de apresentar. 15. Exemplo de conversa durante o jantar Cena: Hora do jantar em uma cozinha em um lar ítaloamericano. Os quatro filhos, a filha, a mãe e um dos pesquisadores estão sentados na mesa de jantar colocando a comida nos pratos. O pai está na pia da cozinha lavando as mãos. (a) Filho mais velho: O que há além de galinha e... cenouras...para a refeição.. (b) Filha: Sobremesa? (A mãe se levanta para começar a servir a comida a suas crianças. Quando o filho mais velho faz sua pergunta, a filha interrompe em uma voz alta, de tom alto para perguntar sobre a sobremesa. Ela olha para a mãe que está andando a volta da mesa. Todos os outros estão olhando para seus pratos.) (c) Mãe: (Ininteligível) (d) ALGUMA SOBREMESA? (Não obtendo resposta para sua pergunta inicial, a filha a repete novamente, elevando o volume de sua voz quando o faz.) (e) Mãe: Sim Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 412 (f) Filha: Oh. (g) Mãe: Você não tem que gritar. (A mãe continua a servir a comida nos pratos a suas crianças enquanto anda em torno da mesa. O resto da família está concentrado em seus pratos.) (h) Filha: Sim, eu tenho. (i) Filho: (Ininteligível) (j) Filha: Sim, você é (dirigida a filho) (k) Pesquisador: É uma sobremesa fantasia feita pela criança Julia Filho: (Ininteligível) (O pai fecha a água e enxuga suas mãos enquanto anda para a mesa. O pesquisador esfrega suas mãos e sorri enquanto faz seu comentário.) (l) Mãe: Feita por... (m) Pai: Onde ela está , onde ela está? (O pai fica de pé junto da mesa enxugando suas mãos e se junta à conversa pela primeira vez.) (n) Mãe: O que não é ela? (o) Pesquisador: Julia Grown up. (enquanto enrola suas mangas da camisa) (p) Filho mais velho: A melhor// (q) Mãe: Barulhento? (?) (r) Filho mais velho: As melhores sobremesas são feitas por minha mãe. (s) Pesquisador: (ri) Pai: Alguma, alguma sobremesa? Toda noite a mesma coisa. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 413 (t) Mãe: (ininteligível) (Várias pessoas estão agora falando ao mesmo tempo. O pai repete a pergunta de sua filha, imitando sua entonação e volume alto. Quando ele faz isto a filha e o pesquisador levantam seus olhos e o seguem com o olhar enquanto ele anda de volta para a pia para colocar de volta o pano de pratos.) (u) Filho mais velho: As melhores sobremesas são feitas por minha mãe. (O pesquisador se volta para olhar para o filho mais velho e a mãe volta para seu lugar do outro lado da mesa mas ainda não se senta. Ela continua a servir a comida nos pratos.) (v) Pesquisador: Eu vejo. (w) Filho: Certo. (x) Mãe: Oooh. (y) Filho: Você faria melhor em experimentar algumas cenouras. (O pai volta da pia para a mesa) (z) Filho mais novo: E as me:lhores sobremesas são... (aa) Pesquisador: Um comercial (referindo-se ao elogio do filho à sobremesa da mãe) (bb) Mãe: (nome da filha) você não vai comer cenouras? (A mãe se senta e olha para a filha quanto lhe pergunta sobre as cenouras.) (cc) Filha: Mm, mm. (O ruído no aposento caiu significativamente. Somente uma pessoa está falando de cada vez.) (dd) Mãe: N√ããO? (ee) Uh, uh, uh. (O pai se senta e a filha se volta para a camera de video.) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 414 (dois segundos e meio de silencio) (ff) Pai: O que ela não quer ? (O pai que acabou de se sentar se junta à conversa entre a mãe e a filha.) (gg) Mãe: Cenouras. 16. Discussão: O exemplo do jantar ocorrido na fase de preparação estava terminando e a fase de foco estava começando. Quando a comida estava sendo servida em torno da mesa, a filho mais velho fez uma pergunta em relação à refeição (linha a). A filha entrou com uma pergunta própria sobre a sobremesa (linha b). A mãe respondeu à pergunta da filha e a conversa até então era do Tipo I. Na linha (j) o pesquisador, que se juntou à família para o jantar , trouxe novamente o tópico da sobremesa e neste momento abriu as portas do fluxo que levaram a uma conversa do Tipo III-B. Da linha (k) até a linha (aa) os membros da família entraram com comentários com relação à qualidade das sobremesas feitas pela mãe e comentários sobre Julia Child. Esta entrada, com várias pessoas falando ao mesmo tempo (como na linha (n) até a linha (t)) é característica das conversas do Tipo III-B. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 415 Na linha (bb), a mãe perguntou à filha se ela ia comer cenouras. Quando ela fez isto, os outros participantes no jantar ser envolveram no ato de comer e a característica de entradas da conversa anterior parou. O nível de ruído no aposento caiu consideravelmente, e de fato, houve dois segundos e meio de silencio que ocorreram entre a linha (ee) e a linha (ff). Esta foi a primeira vez desde o início do jantar em que ninguém estava falando. O padrão uma pessoa falando de cada vez, entremeado por momentos de silencio , como é encontrado na linha (bb) até a linha (gg) é característico das conversas do Tipo I. As conversas nas quais somente uma pessoa estava falando de cada vez continuaram na maior parte do restante da parte focalizada do jantar. Como pode ser visto da transcrição, a transição de uma conversa do Tipo I para uma conversa do Tipo III-B e de volta a uma conversa do Tipo I foi feita suavemente e sem nenhuma influencia pelos participantes no jantar. Não houve menção explicita de que mais de uma pessoa estava falando ao mesmo tempo, e o único tipo de comportamento verbal que foi Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 416 negativamente sancionado foi o volume das perguntas da filha nas linhas (b) e (d). A conversa durante o jantar incluiu muitas mudanças de um tipo de conversa para outro, sem muito trabalho de administração conversacional sendo feito explicitamente por nenhum dos participantes. Isto está em contraste direto com o exemplo de transcrição da aula de matemática apresentado anteriormente, onde a professora faz muito mais administração, como conduzindo uma orquestra, para indicar o tipo de conversa que é permissível no momento. 17. Conhecimento interacional de crianças e professores em casa e na escola Um aluno em uma aula de matemática, na transição entre a fase preparatória da aula e a fase instrucional focalizada, pode interpretar o que está acontecendo em termos das normas de interação que ele ou ela usa em casa e pode decidir o tipo de comportamento que é provável ser considerado apropriado em casa. Porém, durante a aula de matemática, é percebida uma quebra da etiqueta interacional e é negativamente sancionada pela professora. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 417 Assim não é suficiente para uma criança na sala de aula saber qual fase constituinte de um evento ele ou ela está e como se comportar adequadamente de acordo com as normas de sala de aula para interação. O estágio preparatório do jantar coloca questões interacionais sobre a criança diferentes das do estágio preparatório da aula de matemática. Uma criança que vai à escola pela primeira vez pode cometer erros relativos às normas de sala de aula para interação por que as estruturas de participação e fases constituintes estão combinadas na sala de aula quando contrastadas com a maneira que são combinadas em casa. Uma situação em casa na qual mais de uma conversa é permitida pode aparecer como uma situação na sala de aula na qual somente uma conversa com o professor como o foco é a norma. Mas exceções a este princípio geral podem ocorrer também. Durante certas atividades, o professor pode permitir que os alunos usem a escala total de estruturas de participação que usam em casa. Isto foi especialmente verdade para a subfase de clímax da aula. É durante tais ocasiões que aos alunos é Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 418 permitido usar as estruturas de participação do Tipo III aquelas que são mais como de casa e menos como de escola de todos os modos de levar a efeito conversas. Permitir o uso de uma larga escala de estruturas de participação pode ser adaptativo para o professor. No lugar mais crucial do ambiente de tarefa cognitiva da aula ele "abre" a estrutura organizacional da aula a modos de agir que são culturalmente congruentes com os modos de agir aceitáveis em casa. Ao contrário, a "abertura" pelo professor da ordem social em direção da relatividade cultural em tais momentos pode causar má adaptação. As crianças novas na sala de aulas podem ficar confusas por esta semelhança de inconsistência e isto pode ser porque elas tentam usar as estruturas de participação Tipo III em outras ocasiões durante o dia escolar quando tal comportamento é reagido como inadequado pelo professor. É necessária mais pesquisa para desenvolver esta idéia. Existe, porém, considerável evidencia emergindo de nosso próprio trabalho com professores nativos americanos e alunos (VAN NESS 1977; ERICKSON & MOHATT 1982) e o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 419 do Programa de Educação Elementar de Kamehameha no Havaí (AU 1979; AU & JORDAN 1981) sugerindo que adaptações mínimas estruturas de pelos professores participação que na sejam direção de culturalmente congruentes com as tradições comunicativas que governam a interação das crianças em casa podem não somente não interferir com a aprendizagem das crianças em sala de aula, mas podem facilitar tal aprendizagem. Tal adaptação cultural pelos professores não é ao nível de conteúdo acadêmico - isto é, ensinar sobre cultura formal, herança cultural e heróis do grupo cultural - mas ao nível do processo interacional e sua consciência exterior informal, estrutura de regra " transparente" - ao nível da "cultura invisível" como PHILLIPS (1975) o colocou tão habilmente. 17. Implicações para os professores Estudar a interface entre o lar e a escola como é manifestada nas demandas interacionais diferentes de estruturas de participação tem muito a dizer aos professores preocupados com o estruturamento dos ambientes escolares para Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 420 aprendizagem e com a obtenção da atuação dos alunos. Nossas descobertas preliminares sugerem um paradoxo interessante. As diferenças em etiqueta interacional obtidas entre o lar e a escola criam uma situação na qual a escolaridade de qualidade parece estar diretamente relacionada com o reconhecimento pela escola de que não é a única força educativa na vida da criança. O reconhecimento da existência e legitimidade de sistemas de aprendizagem diferentes de etiqueta interacional leva à aceitação da existência e legitimidade das culturas não escolares nas quais alguns daqueles sistemas são aprendidos. Tal reconhecimento também leva a um desejo por parte dos educadores de pensar em termos de tipos de competência diferentes que mudam sistematicamente de situação para situação, ao invés de pensar em "incompetência” ou "deficiência". Praticamente falando, pode acontecer ser o caso em que professores podem comportalmentalmente se tornar envolvidos bem em diretamente e facilitar as Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 421 dificuldades que resultam de diferenças em contextos interacionais em casa e na escola. Certamente os exemplos mencionados aqui para o estudo de Odawa e para o Projeto de Educação Elementar de Kamehameha atestam que o processo interacional pode ser renegociado nas salas de aula, ou para acomodar os estilos que as crianças trazem com elas para a escola ou para comunicarem com maior consistência e clareza as demandas interacionais de tarefas de aprendizagem às crianças quando contrastadas com tarefas mais familiares e aparentemente similares executadas aprendizagem menos formais. em ambientes de Foi ainda sugerido que tal sensibilidade e clareza, vindo da análise cuidadosa das interações que constituem tipos diferentes de tarefas de aprendizagem, poderiam ser aplicadas à empresa de avaliação - assim tornando as situações de testagem escolar mais "ecologicamente válidas" também (COLE, HOOD & MCDERMOTT 1978). Porém, seria temerário simplificar as implicações deste tipo de pesquisa ou generalizar de tais estudos de caso único Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 422 inadequadamente para muitas salas de aula do mesmo ano, muitas crianças da mesma idade ou muitas famílias do mesmo grupo étnico. Como foi mencionado anteriormente, as diferenças estilísticas culturais de interesse obtidas aqui, não somente nos níveis "macro-culturais" de grupo étnico ou vizinhança, mas existem também diferenças importantes e sistemáticas na etiqueta interacional aos níveis mais "microculturais" também - de sala de aula para sala de aula dentro da mesma escola, de família para família dentro da mesma vizinhança. Os professores bem intencionados que reconhecem e valorizam as diferenças estilísticas como parte da riqueza e diversidade da vida americana ainda se encontram diariamente tendo que organizar grupos para o propósito de aprendizagem acadêmica. Até contra uma escala de variações estilísticas trazidas de casa pelas crianças, os professores podem não estar em uma posição de decidir - particularmente na atividade de sala de aula de momento a momento - que Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 423 diferenças mínimas no comportamento interacional vão facilitar a participação para quais crianças. Se pensamos sobre os tipos de atividades em que os professores se engajam como parte de seu papel, porém, começamos a ver os modos de conhecimento sobre tais variações culturais de estilo (e o requisito competência interacional subjacente a elas) pode enriquecer a prática do ensino e pode enriquecer também a consecução a autoconceito do aluno. De suas observações eles desenvolvem hipóteses sobre as crianças - hipóteses sobre a competência da criança e sobre os tipos de atenção especial que elas podem necessitar. Os professores são assim planejadores. Eles pensam sobre o que acontecerá amanhã à luz do que aconteceu hoje. Os professores pensam sobre indivíduos, eles pensam sobre montes de indivíduos em grupos de atividade e pensam sobre os ambientes de tarefa cognitiva nos quais aqueles indivíduos e grupos irão trabalhar. Em resumo, os professores são clínicos no sentido que estão continuamente observando, fazendo julgamentos sobre o que foi observado e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 424 planejando e agindo de acordo com aqueles julgamentos. Assim a atividade de ensino segue de um modo enraizado e interativo. Os insights sobre o fazer sentido interacional dos alunos e sobre os possíveis conflitos entre aqueles modos de fazer sentido e os modos de fazer sentido usados pelo professor podem contribuir para um tipo de teoria clínica sobre ensino e aprendizagem que é potencialmente mais compreensiva que a que se obtém no estado atual da arte. Quando os professores têm a oportunidade de pensar mais largamente sobre seus alunos como aprendizes eles logo descobrem que a aprendizagem ocorre em outros locais que não a escola, e que o grupo social é uma força educativa poderosa na maior parte das situações de aprendizagem na vida de uma criança. Estes insights podem enriquecer a tomada de decisões do professor sobre os alunos e seu progresso bem como sobre a organização das tarefas de aprendizagem na escola. Quando não se está ligado a ou uma teoria sobre a atuação da criança na escola que repousa inteiramente na "personalidade" Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 425 hipotética da criança ou em uma teoria sobre currículo e administração dentro da sala de aula, se começa a ver que o que está realmente em questão é a interseção de tais fatores como diferença individual (física, psíquica, cultural), a estrutura das tarefas acadêmicas e do ambiente social no qual elas são executadas, e o aspecto muito especial do "ambiente de tarefa sócio-cognitivo" que é criado quando as pessoas que diferem em experiências de vida e padrões culturalmente aprendidos de expectativas são juntadas em grupos face a face para o propósito de execução de tarefas. Tal visão compreensiva dos processos e forças que operam me qualquer interação de sala de aula assegura ao professor que ele ou ela não é inteiramente responsável pelas coisas que saem errado para crianças individuais e para grupos de crianças. Simultaneamente, porém, a identificação da escala e diversidade de influencias que agem na experiência escolar das crianças coloca em grande relevo os tipos de coisas pelas quais um professor pode ser responsável quando ele/ela planeja a vida de sala de aula das crianças. O reconhecimento, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 426 por exemplo, que uma fonte de inferências poderosa e freqüentemente tácita sobre a competência intelectual das crianças, sua atuação interacional, pode não apontar diretamente para mudanças no comportamento de ensino que tornaria mais fácil para as crianças "atuar" de modos mais apropriados à escola. O que é realmente de interesse e potencialmente mutáveis são os critérios dos professores para decidir o que constitui atuação "competente" e em que terrenos pode ser inferido pelo professor que a atuação das crianças "faz sentido". O simples reconhecimento de que algumas crianças "interrompem" não por teimosia ou permissibilidade, mas por causa da incongruência entre professor e alunos em tradições comunicativas que definem os modos apropriados de organizar a troca de termos de fala nas conversas, pode introduzir um ingrediente extra importante na lógica prática do professor para o estabelecimento informal - como o professor decide se os interruptores são de fato "crianças problema" ou não. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 427 Similarmente, o reconhecimento da complexidade interacional da interação de grupo - particularmente quando aquela interação é complicada por diferenças culturalmente estilísticas entre interatores - introduz uma dimensão acrescentada à concepção do professor de tarefa de aprendizagem escolar. Repentinamente a carga cognitiva é vista como muito mais pesada para as crianças - obedecer a turnos, por exemplo, envolve monitoramento contínuo da situação de aula e formação de estratégia sobre a atuação interacional pelas crianças e pelo professor. Estas atividades acontecem além da agenda acadêmica estabelecida do grupo, tal como maestria de fatos matemáticos ou leitura de uma história pela primeira vez. Os insights da pesquisa nas interfaces entre o lar e a escola ressaltam que (a) as crianças são potencialmente mais sensíveis do que se poderia pensar se observadas somente em suas atuações interacionais em situações limitadas de sala de aula; (b) as tarefas de aprendizagem de sala de aula são eventos mais complicados e exigentes do que se poderia Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 428 pensar, com um "consenso de trabalho" de padrões de comportamento adequado que mudam através e dentro das estruturas de participação como uma parte de se obter atividade acadêmica executada; e (c) as mudanças no pensamento do professor sobre a competência da criança e a complexidade interacional dos ambientes de tarefa pode informar o planejamento e estabelecimento - talvez a um nível ultimamente mais significativo do que meras mudanças em "comportamentos de ensino" analiticamente isolados hipotetizados como associados com mudanças em comportamentos ou resultados isolados do aluno. Finalmente tal teoria cultural/interacional sobre o ensino e tal método para a análise situacional da ação dos pontos de ensino real para as muito poucas mas potencialmente poderosas áreas nas quais os professores podem efetuar mudanças nas vidas dos alunos. Praticamente falando, dentro de uma escola, ou em uma sala de aula, não muito pode ser feito para mudar a raça ou etnicidade de uma criança ou sua primeira língua (nem se pode discutir em terrenos éticos, se tais atributos das Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 429 crianças devem ser mudados ou ignorados). Dentro da sala de aula, não se pode fazer muito para mudar um estado neurológico de uma criança ou mudar o tipo de vida de família que ele ou ela tem. Estes são alguns dos dados com os quais as crianças entram na sala de aula. Algumas destas coisas podem e devem ser mudadas, mas isto que deve ter lugar na "sociedade maior”, que não é onde as crianças e professores estão a cada manhã de Segunda-feira. Mas de vez em quando, os professores podem fazer muito sobre estruturar a vida de sala de aula e sobre monitorar a atuação de indivíduos e grupos daí. Além disto, os professores podem enriquecer a prática convencional de observação da atuação da criança procurando evidencias do fazer sentido da criança, que irá mudar os modos de pensar do professor sobre o que a criança sabe e faz, e como ela o faz. Focalizando o "como" da interação bem como o "que" dela, quando a vida diária está acontecendo na sala de aula, os professores podem aprender a pensar de maneiras enriquecidas sobre as crianças com quem trabalham apesar - quase em virtude de - as Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 430 variações estilísticas possíveis nas atuações interacionais das crianças dentro da riqueza e diversidade de suas vidas reais fora e dentro das escolas. 18. Notas 1. Por causa de suas conotações infelizes no uso científico de outras pessoas evitaremos daqui em diante usar o termo "competência". Porém, porque "competência comunicativa" ser tão importante como conceito em nosso campo especializado de estudo, achamos melhor definí-la em alguma extensão de modo que a maneira que a interpretamos não seja mal interpretada. 2. Algumas vezes os vídeo tapes foram vistos junto com alguns dos participantes das cenas que foram gravadas. Observamos as fitas de aulas com o professor de classe em sessões de visão e as discutimos com ele. Não fizemos isto com os pais e crianças nas duas famílias cujos jantares foram gravados (teria sido desejável fazer isto, mas o tempo e restrições financeiras nos impediram de fazê-lo). Fomos observadores participativos na escola e no lar, e em dois dos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 431 três jantares gravados e analisados, dois de nós (FLORIO & ERICKSON) foram participantes ativos nas refeições (um de nós comia enquanto o outro operava a câmera e então na metade do jantar mudamos os papéis). Além disto, um membro do grupo de pesquisa (FLORIO) é um ítaloamericano e foi criado em uma comunidade de fala similar àquela que as famílias que estudamos pertenciam. 3. Existem oito combinações possíveis dos aspectos distintivos. Seis delas são apresentadas na figura 3. As únicas duas que não são (- + e -++) seriam os casos nos quais não mais de uma pessoa estava falando e havia mais de um chão conversacional. Embora esta combinação de aspectos distintivos seja teoricamente possível não é logicamente possível já que seria difícil dizer que havia de fato dois chãos conversacionais quando somente uma pessoa estava falando. As únicas vezes em que isto ocorreu seria em uma pausa em uma das conversas e estas pausas, se a conversa fosse continuar, tenderiam a ser de muito curta duração. As Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 432 estruturas de participação descritas nesta tipologia assim exaurem todas as combinações lógicas destes aspectos. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 433 Capítulo 9 Transformação e sucesso escolar: a política e cultura do êxodo educacional Entre as várias explicações para o baixo resultado dos alunos provenientes de grupos minoritários encontram-se as relacionadas à diferença cultural entre professor e aluno e à baixa motivação dos alunos, que decorre do cinismo com que vêem suas oportunidades no mercado de trabalho. Tais explicações são comparadas, criticadas e reconsideradas em termos da teoria social crítica, mais especificamente, em termos da teoria da resistência. O artigo considera a legitimidade reconhecida da escola e dos seus professores e o desenvolvimento da cultura de oposição pelos alunos. A transformação da prática educacional rotineira é necessária, e a pedagogia transformação. culturalmente sensível é um meio de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 434 Palavras-chave: pedagogia culturalmente sensível, êxito dos alunos provenientes de grupos minoritários, teoria da resistência, cultura de oposição. Há numerosas explicações para o resultado escolar geralmente baixo dos alunos provenientes de grupos minoritários e de classes trabalhadoras nas escolas nos Estados Unidos e em outras sociedades desenvolvidas. Uma explicação comum tem sido a do déficit genético -- crianças pobres de cor ou de base cultural lingüística minoritária têm sido consideradas como inerentemente inferiores, intelectual e moralmente, a crianças de classe média. Nos anos sessenta, entre os educadores profissionais, as explicações de déficit genético começaram a ser substituídas por explicações de déficit cultural. A nutrição substituiu a natureza como a principal razão para o fracasso escolar. Argumentava-se que as crianças provenientes de grupos minoritários não obtinham bons resultados porque não viviam num ambiente cognitivamente estimulante (BEREITER & ENGELMAN 1966; DEUTSCH et al. 1967; HESS & SHIPMAN 1965). Sua língua e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 435 estilo de vida eram intelectualmente empobrecidos. Elas eram consideradas " culturalmente. À medida que a antropologia da educação tornava-se um campo independente, em meados dos anos sessenta, os pesquisadores desta área iam ficando geralmente estarrecidos com o etnocentrismo da explicação do déficit cultural. Ela não é literalmente racista, como a explicação do déficit genético. Porém parecia culturalmente preconceituosa. As crianças pobres continuavam a ser caracterizadas ofensivamente não só como carentes, mas também como corrompidas. A explicação do déficit cultural parecia especialmente repreensível a muitos porque seu etnocentrismo estava encoberto pela legitimidade de ciência social. Várias críticas foram apresentadas (e.g. BARATZ & BARATZ 1970; VALENTINE 1968). Elas não receberam muita atenção na comunidade de educadores profissionais, talvez porque a explicação do déficit cultural era muito atraente, pois permitia que os educadores, frustrados pelas dificuldades com crianças Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 436 provenientes de grupos minoritários, colocassem a responsabilidade pelo No final dos anos sessenta, antropólogos de orientação sociolingüística identificaram no interior da escola um fator que desempenhava papel importante no baixo rendimento escolar e no ânimo dos alunos provenientes de grupos minoritários. Este fator consistia na diferença no estilo de comunicação entre professores e seus alunos. Esta era uma posição culturalmente relativista. Não colocava a culpa nem nas crianças pobres nem no estafe escolar. Antes, fornecia um modo de encarar as dificuldades de sala de aula como falhas inadvertidas de compreensão-- professores e alunos lidando mutuamente com seus "buracos negros" culturais. Em meados dos anos setenta, a posição sociolingüística começou a ser fortemente criticada por OGBU (1978a, 1982). Ele identificava a causa do fracasso escolar fora da própria escola. Injustiças no acesso a emprego, ele argumentava, ao longo de muitas gerações, tornaram os grupos minoritários cínicos a respeito de suas oportunidades de vida na sociedade Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 437 americana. Eles transmitem este cinismo às suas crianças e isto colabora para o fracasso escolar destas. Neste artigo revejo a posição de orientação sociolingüística e a de OGBU. Vou caracterizar a posição sociolingüística como "Explicação do processo comunicativo" e a posição de OGBU como "Explicação da percepção do mercado de trabalho". Discutirei ambas as posições em termos de um quadro referencial mais abrangente, no qual as duas linhas de explicação podem ser consideradas complementares em alguns aspectos, ainda que contraditórias em outros. Considerarei também a natureza do fracasso e sucesso escolares. Fracasso escolar nesta discussão será usado em dois sentidos. Refere-se as maneiras reflexivas com as quais a escola "trabalha" para reprovar seus alunos e as formas como os alunos "trabalham" para não obter rendimento na escola. Sucesso escolar é usado num sentido igualmente reflexivo, como algo que tanto a escola como alunos fazem. Vou concluir, argumentando que, sejam quais forem as razões do fracasso escolar nas escolas, é necessário que os educadores Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 438 transformem as práticas rotineiras e os sistemas simbólicos em suas próprias escolas, bem como trabalhem para modificar a sociedade mais ampla. Mudar a sociedade é um objetivo muito vasto, mudar as sociedades escolares é também um objetivo amplo, pois envolve uma reorientação nas lutas diárias da prática escolar de um trabalho coletivo que visa ao fracasso para um trabalho coletivo que visa ao sucesso. 1. Tese: A explicação do processo comunicativo Esta posição enfatiza o papel dos estilos comunicativos verbais e não-verbais, culturalmente adquiridos, na explicação dos altos índices de fracasso escolar dos alunos de status socioeconômico baixo e base étnica e cultural minoritária. O argumento consiste em que, especialmente nas séries iniciais, se os professores e alunos diferem nas expectativas implícitas com relação ao comportamento apropriado, eles se comportam de tal maneira que cada um deles comete falhas de interpretação. Suas expectativas são derivadas das experiências fora da escola, naquilo que os sociolingüistas denominam comunidades de fala (GUMPERZ 1972) ou, mais Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 439 recentemente, redes de fala. As redes são conjuntos de pessoas que se associam estreitamente e que passam a compartilhar suposições comuns sobre os estilos e usos apropriados de comunicação. Modos de falar (HYMES 1974) culturalmente distintos diferem de uma rede de fala para outra. As fronteiras entre redes tendem a correr paralelas as linhas das principais divisões sociais nas modernas sociedades de massa, tais como classe, raça, etnicidade e base de língua materna. Assim, muitas pessoas nos Estados Unidos pertencem à mesma comunidade de língua, (i.e., conhecem o sistema sonoro, a gramática e o vocabulário do inglês), mas são membros de diferentes redes de fala (i.e.mantêm diferentes suposições sobre as formas de se comunicar que demonstram intenções funcionais, tais como ironia, sinceridade, aprovação, preocupação positiva, atenção arrebatada, desinteresse, desaprovação, etc. Ademais, outras diferenças culturais sutis existem de uma rede para outra _ diferenças nas expectativas em relação a quanto de emoção pode ser manifestado ou sentido,ou quanto controle social exercido. Há diferenças na Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 440 arrumação preferida de uma sala, nos ornamentos pessoais, nos estilos de roupas. Entretanto,como são os aspectos verbais e não verbais do estilo interacional que têm sido mais intensivamente estudantes na antropologia. Diferenças culturais nos modos de falar e de escutar entre a rede de fala da criança e a do professor, de acordo com a explicação do processo comunicativo, levam a sistemáticas e recorrentes falhas de comunicação na sala de aula. (HYMES 1972:xix-xxv). Por exemplo, se uma criança vem de uma rede de fala na qual as perguntas diretas são evitadas porque são consideradas intrometidas, quando o professor faz rotineiramente perguntas diretas na sala de aula, a criança pode ficar perplexa com o comportamento estranho do professor e supor que ele está zangado. Se o professor vem de uma rede de fala na qual espera-se que os ouvintes demonstrem atenção por meio de contato direto de olhos e se a criança vem de uma rede na qual é considerado impolido olhar diretamente para o falante, o professor pode inferir que Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 441 a criança que o está escutando com o olhar desviado esteja aborrecida, confusa ou zangada. Na medida em que o comportamento de ambos os participantes nestas interações rotineiras se reflete sobre a situação, explicações culturais para o que está acontecendo não ocorrem a eles. O professor tende a usar rótulos clínicos e a atribuir traços internos ao aluno (ex. "desmotivado") em vez de perceber o que está acontecendo em termos de diferenças culturais invisíveis. Tampouco o professor vê o comportamento do aluno como sendo interacionalmente produzido - uma relação dialética na qual o professor está produzindo, juntamente com os alunos, o próprio comportamento que ele ou ela está considerando como evidência de uma característica individual do aluno. Considerando-se a diferença de poder entre professor e estudantes, o que poderia ser visto como um fenômeno interacional, para o qual tanto o professor quanto o aluno contribuem, termina por ser institucionalizado como um Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 442 diagnóstico oficial da deficiência do aluno (MEHAN 1978, 1980, 1987.). A explicação do processo de comunicação conta com considerável apoio empírico. Estudos numerosos têm documentado dificuldade interacional na escola primária relacionada a diferenças culturais no estilo de comunicação (e.g., BARNHARDT 1982, ERICKSON & MOHATT 1982 e PHILIPS 1982, que relatam estudos sobre índios americanos no Alasca, Norte de Ontário e Oregon; e Heath 1983, MICHAELS & COLLINS 1984; PIESTRUP 1973, que relatam estudos sobre americanos negros urbanos e rurais). Além desses, BARNHARDT & HEATH, entre outros, foram além da documentação da existência de dificuldade relacionada com diferenças culturais. Eles também afirmam que a pedagogia culturalmente sensível resultou em melhor aproveitamento escolar e ânimo mais elevado do que o aproveitamento e o ânimo típicos entre os alunos índios e negros na maioria das escolas americanas. Deve-se enfatizar, entretanto, que a relação entre diferença cultural na comunicação e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 443 aproveitamento escolar real não está clara, pois a maioria das pesquisas sobre diferenças culturais no estilo comunicativo entre o lar e a escola não foi delineada para testar diretamente uma relação de causa e efeito com aproveitamento escolar. (Muitos etnógrafos argumentariam sem dúvida que tal inferência não é possível em ciências sociais.). Um conjunto de estudos (AU & MASON 1981) chegou o mais perto possível da demonstração de uma conexão causal entre os padrões de comunicação no discurso de sala de aula e aproveitamento acadêmico. Este trabalho é parte de uma pesquisa e esforços de aperfeiçoamento no Projeto Kamehameha de Educação Elementar no Havaí (para discussão, ver JORDAN 1985). Em experimentos controlados, dois modos de ensino de leitura culturalmente distintos foram realizados com havaianos nativos na primeira série. Numa modalidade os alunos seguiram padrões anglos da cultura dominante para a conduta de tomada de turno enquanto discutiam estórias lidas. Estes padrões exigem que somente uma criança fale de cada vez. Na outra modalidade permitia- Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 444 se aos alunos a sobreposição de turnos, isto é, que falassem quando outros estavam falando. Isto permitia que os alunos comentassem e desenvolvessem os comentários alheios. Fala sobreposta desse tipo era característica de certas situações de fala comuns na experiência dos alunos na vida da família e comunidade, especialmente no evento denominado "conversa sobre estórias”. A forma de ensinar que incorporava este modo de falar pode ser considerada pedagogia culturalmente sensível porque acomoda normas culturais comunitárias de conversação. Quando a conversa na aula de leitura era organizada na forma de conversa sobre estórias, a participação dos alunos era manifestamente mais entusiástica do que quando a sobreposição de turnos de fala era proibida. Ademais, a compreensão dos textos lidos, medida por testes aplicados imediatamente após cada aula, foi marcadamente maior quando o formato conversacional de conversa sobre estórias foi usado pelos professores. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 445 Por que uma adaptação aparentemente tão simples, qual seja a alteração da estrutura da mudança de turno na aula pode melhorar o rendimento escolar de alunos provenientes de grupos minoritários? Uma linha de explicação provém da antropologia - a adaptação cultural pode reduzir o choque cultural na sala de aula, permitindo que os alunos sintam-se verbalmente competentes em modos de falar que lhes são familiares, mesmo num ambiente estranho. Além disso, a aceitação pela escola de maneiras de atuar que as crianças usam numa modalidade de interação que é avaliada positivamente em sua comunidade pode ser percebido mesmo por crianças pequenas, em algum nível, como uma afirmação simbólica delas próprias e de seu grupo pela escola. Surge então a oportunidade de sentirem-se um pouco como em casa, sentir que sabem o que estão fazendo e o que faz sentido para os outros. Pode-se sentir assim que há segurança na escola e que se é querido pela professora. Outra linha de explicação vem da psicologia cognitiva e de teorias de instrução de leitura cognitivamente orientadas. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 446 Usando-se uma organização conversacional familiar para abordar a prática de conceitos e habilidades que não são familiares (a leitura de um texto), a estrutura da tarefa cognitiva como um todo se torna mais simples do que quando tanto os aspectos organizacionais da tarefa quanto os aspectos organizacionais do conteúdo acadêmico da tarefa não são familiares. Desta forma os alunos podem concentrar o esforço mental na leitura e não na leitura e na fala simultaneamente. Além disso, a natureza da conversa sobre estórias, na qual os participantes repetem e ampliam as idéias uns dos outros torna apropriado o ambiente conversacional para o tipo de leitura que está sendo solicitado das crianças - "compreensão" de sentenças completas e até de unidades do discurso maiores no texto escrito, o que contrasta com a "decodificação" de unidades textuais menores, tais como as combinações letra/som, morfemas e palavras. Quando os alunos falam simultaneamente sobre o sentido da estória, ecoando uns aos outros e acrescentando idéias na conversa tipo dagwood sandwich de muitas camadas, podem, pela própria repetição e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 447 sobreposição de sua fala, fornecer mutuamente um apoio cognitivo construído um para o outro. Esta forma de conversação pode tornar mais fácil para os alunos captar a idéia da estória do que se essas idéias fossem desfiadas um a um, numa maneira mais linear com menos repetições. Em suma, a explicação do processo comunicativo parece razoável. É garantida pela teoria antropológica e psicológica e por evidência empírica. Voltemo-nos agora para o que tem sido apresentado como uma explicação competitiva para o sucesso e o fracasso escolares. 2. Antítese: a explicação da percepção do mercado de trabalho Esta posição, articulada por seu principal proponente, John OGBU (1974, 1978a, 1982, 1987b) defende que a principal razão para o baixo rendimento de muitos alunos provenientes de minorias nos Estados Unidos é que esses alunos (bem como seus pais e companheiros) estão convencidos de que o sucesso escolar não vai ajudá-los a quebrar o ciclo de pobreza que atribuem ao racismo endêmico na sociedade americana. Tais alunos fazem parte do que OGBU chama de grupos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 448 minoritários que formam castas (e.g. negros, chicanos, portoriquenhos) que há gerações vivem nos Estados Unidos em situação de opressão. Esses grupos distinguem-se de grupos imigrantes minoritários que não têm sofrido opressão ao longo de muitas gerações (punjabis e asiáticos do sudeste). Os membros dos grupos minoritários que formam castas, de acordo com OGBU, partilham uma perspectiva fatalista jamais haverá empregos (por causa do racismo), então por que se esforçar para ter êxito na escola? OGBU considera os membros de grupos minoritários imigrantes mais otimistas a respeito de suas chances na sociedade americana. As coisas podem ser ruins ali, mas não tão ruins como na velha pátria. As pessoas de grupos imigrantes minoritários nos Estados Unidos podem ainda estar comprometidas com sua herança étnica, no entanto vêem os Estados Unidos com uma luz basicamente positiva. Já que as condições nos Estados Unidos são melhores que as condições extremamente negativas que deixaram ao partir de seus países de origem, os imigrantes vêem a América, apesar de suas deficiências, como sendo a Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 449 terra da oportunidade para eles. Em conseqüência os alunos oriundos de minorias imigrantes e seus pais acreditam que o esforço devotado ao sucesso escolar será recompensado com um emprego futuro, Os alunos persistem em seu trabalho escolar, encorajados por seus pais, e esta persistência explica seu sucesso na escola. A explicação do mercado de trabalho é bem fundamentada. Em primeiro lugar, parece haver apoio empírico que a sustenta. Dados demográficos sobre rendimento escolar em comunidades estudantes desempenho mistas (OGBU provenientes inferior de àquele 1987b) minorias dos indicam que domésticas alunos de os têm minorias imigrantes. De fato, alunos dessas minorias, que provêm de grupos domésticos minoritários, em seu país de origem, em alguns casos parecem ter melhor desempenho escolar nos Estados Unidos que alunos nas mesmas condições no país de origem. Parece haver também evidência que vai além da pesquisa formal. O recente e espetacular sucesso em escolas americanas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 450 de muitos alunos que foram refugiados do Sudeste Asiático tem sido mencionado na imprensa e no debate político como evidência que alunos culturalmente diferentes, cuja primeira língua não é o inglês, podem ser bem sucedidos na escola sem auxílio especial de programas educacionais bilíngües ou multiculturais. Estudantes asiático-americanos representam uma proporção sempre crescente da população graduada nas universidades americanas. Isto também tem sido apontado como evidência de que a diferença cultural não é necessariamente uma barreira para o sucesso escolar. A evidência demográfica apresentada por OGBU parece ter sustentação em estudos etnográficos de caso de grupos imigrantes minoritários. Por exemplo, um estudo de imigrantes punjabis numa pequena cidade na Califórnia (GIBSON 1987b) relata que, a despeito das diferenças lingüísticas e culturais entre o lar e a escola, e do estigma aberto que sofrem os alunos punjabis na escola secundária, esses alunos tiveram notas mais altas, aferidas na formatura e melhor desempenho acadêmico que os alunos provenientes Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 451 de minorias domésticas no mesmo sistema escolar. Estudos análogos de caso foram conduzidos em outras comunidades étnicas imigrantes. A explicação do mercado de trabalho pode também ser justificada por sua força teórica. É abrangente em seu alcance, reunindo fenômenos em diversos níveis de organização social. A análise de OGBU mostra como as condições de mercado de trabalho podem ser relacionadas com as decisões locais de indivíduos na vida diária, mediadas por percepções socialmente partilhadas e derivadas da experiência de membros de um grupo social que constitui um grupo doméstico ou uma comunidade étnica minoritária imigrante. A explicação relaciona a ação e o pensamento coletivos com a situação de indivíduos no nível da escola e comunidade locais, a sociedade mais ampla e a economia política. Em suma, tanto no campo teórico como no empírico, parece que a explicação da percepção do mercado de trabalho para o fracasso escolar tem sustentação. Porém também o tem a explicação do processo comunicativo. As duas posições não Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 452 são mutuamente exclusivas. OGBU, entretanto, tem repetidamente sustentado que elas o são, argumentando que a explicação do mercado de trabalho é fator bem mais poderoso (OGBU 1982). O autor distingue diferenças culturais primárias de secundárias – que caracterizam, respectivamente, grupos minoritários domésticos e imigrantes. Usando tal distinção, argumenta que as diferenças entre redes de fala numa sociedade de massa são tão tênues que chegam a ser triviais (OGBU 1982, 1987b: 276). Esta posição parece ser muito extremada. É necessário que reexaminemos as duas posições, uma em relação à outra. 3. Síntese: a política e cultura do fracasso e sucesso escolar Uma forma de se conciliarem as duas posições é considerar a motivação e o rendimento escolares como um processo político no qual questões de legitimidade institucional e pessoal, identidade e interesse econômico são centrais. Para fazer isto, temos que considerar também a natureza do discurso simbólico por meio do qual questões de legitimidade, identidade e interesse são apreendidas e Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 453 entendidas pelos alunos e professores individualmente nas comunidades locais e escolas. A teoria social relacionada à teoria pedagógica – mais especificamente, implicações da teoria da resistência _ fornece o quadro no qual as explicações alternativas podem ser reconsideradas (ver GIROUX 1983; ver também APPLE & WEISS 1983; EVERHART 1983). Inicio a síntese com uma crítica negativa das duas posições como originalmente enunciadas. Nessa crítica, algumas facetas da teoria da resistência serão mencionadas. Estas serão elaboradas mais tarde na discussão. Tanto a explicação do processo comunicativo quanto a do mercado de trabalho têm inadequações. O primeiro tipo de inadequação envolve a falta de explicação para certos tipos de sucesso escolar. Os tipos de sucesso escolar que deixam de ser explicados diferem nas duas propostas. Vou considerar primeiro a do processo comunicativo. Esta pode explicar o sucesso de estratégias de ensino de alunos de castas minoritárias que envolvem pedagogia culturalmente sensível. Mas algumas estratégias que não envolvem a pedagogia Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 454 culturalmente sensível têm sido bem sucedidas - ou pelo menos as que não envolvem o uso de estilos comunicativos encontrados nos lares das crianças. Podemos encontrar exemplos de ensino a alunos de minorias domésticas (alunos de castas minoritárias, segundo OGBU) nos quais os professores esforçam-se para que a interação em sala de aula não se assemelhe aos padrões interativos encontrados nas casas e comunidades dos alunos. Pode-se pensar imediatamente nas escolas muçulmanas negras, nas escolas paroquiais católicas romanas de professores brancos, em escolas especiais não-sectárias, tal como a Marva COLLINS em Chicago (na qual o currículo baseia-se na literatura clássica da Europa ocidental) e em programas especiais elaborados para populações minoritárias, tais como as sessões de intenso exercício e prática conduzidas de acordo com os scripts no modelo DISTAR para educação elementar. Pensa-se também nos incontáveis casos de professores individuais que são excepcionalmente eficientes com alunos minoritários domésticos, mas que sabem muito pouco dos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 455 padrões culturais de comunicação das casas dos alunos e que não lecionam fazendo uso desses padrões instrucionalmente. Há casos, já discutidos, de estudantes imigrantes minoritários, que têm êxito na escola sem que sejam submetidos a instrução bilíngüe especial ou a pedagogia culturalmente sensível. Esses exemplos são muito distintos entre si. Num determinado nível, contudo, em cada um deles os alunos são despertados para o desafio, empreendem esforço, e parecem estar saindo-se bem academicamente, em termos do rendimento medido por testes padronizados. (O fato de que tais testes podem ser criticados por serem uma forma muito estreita e literal de se definir rendimento escolar é uma questão que vai além do alcance deste artigo.). Como pode ser possível esse êxito escolar se os processos instrucionais violam as expectativas dos alunos em relação às normas e rotinas comunicativas? A explicação do processo comunicativo, como apresentado acima, não justifica o rendimento escolar exceto aquele atribuído à pedagogia culturalmente sensível. Isto faz da explicação do processo comunicativo, tomada literalmente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 456 ou lida de forma estreita, uma posição implicitamente determinista em termos culturais, segundo a qual a diferença cultural é vista necessariamente como causadora de dificuldade e conflito e a semelhança cultural como necessariamente garantia de boa relação e ausência de conflito. A explicação da percepção do mercado de trabalho dá conta do rendimento escolar dos alunos de minorias imigrantes. Não explica, porém o êxito dos alunos das minorias domésticas, nem nos casos em que as condições desse êxito envolvem a pedagogia culturalmente sensível nem nos demais casos. Contudo, casos de êxito de alunos de minorias domésticas e de seus professores ocorrem. Ainda que, na maioria dos casos, os alunos dessas minorias não obtenham taxas altas de rendimento escolar, muitas exceções ao padrão geral podem ser encontradas, de modo a levantar sérias questões sobre a adequação da explicação da percepção do mercado de trabalho, da forma que vem sendo articulada. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 457 Este argumento apresenta duas fragilidades principais na minha opinião. Primeiro e fundamentalmente, se tomado literalmente e interpretado de maneira estreita, é um argumento econômico determinista. Parece pressupor uma teoria social estritamente funcionalista a maneira de COMTE e DURKHEIM ou dos últimos escritos de MARX ou ALTHUSSER - uma visão orgânica ou mecânica da sociedade na qual existem conexões causais intrincadas e invariantes entre os subsistemas, de tal forma que a estrutura social geral conduz as ações, percepções e sentimentos dos atores específicos no cenário local da ação. Nesta visão, não há espaço para a iniciativa humana.Tal teoria social, quando aplicada a educação, implica que nem os alunos das minorias domésticas nem os seus professores podem fazer qualquer coisa positiva no campo educacional. A segunda fragilidade na explicação do mercado de trabalho é menos fundamental, mas igualmente séria. Tem a ver com a validade empírica do trabalho. A própria abrangência do argumento causal, ainda que seja satisfatória teoricamente, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 458 torna o argumento muito frágil em nível empírico. Nos modelos que OGBU tem publicado há referência a relações causais entre níveis do sistema. Tais relações causais, porém, são meramente mencionadas, nunca demonstradas diretamente. Nos casos em que evidência quantitativa empírica relaciona-se às asserções esta é inteiramente correlacional e evidência correlacional não pode demonstrar causa. Nos casos em que evidência etnográfica empírica é apresentada, como nos estudos de caso de alunos de minorias imigrantes com alto rendimento escolar, não se demonstram também relações causais. Ademais, estes estudos de caso não nos revelam como estes alunos de minorias imigrantes se sairiam em ambientes escolares culturalmente menos estranhos do que os que eles encontram nos Estados Unidos. É possível que os estudantes de minorias imigrantes tivessem ainda melhor desempenho do que já têm, se fossem educados em ambiente de aprendizagem culturalmente sensível. Parece necessário considerar-se a natureza do sucesso e fracasso escolares de pontos de vista não diretamente cobertos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 459 por qualquer das explicações alternativas como eu as apresentei sumariamente. Falar de sucesso ou fracasso escolar é falar de aprendizagem ou falta de aprendizagem daquilo que é deliberadamente ensinado na escola. A aprendizagem é ubíqua na experiência humana ao longo do ciclo vital e os humanos são muito bons nisso. Eles também são bons para desenvolver aprendizagem através de instrução deliberada. Entretanto nas escolas a aprendizagem do que é deliberadamente ensinado parece ser um problema e é diferentemente distribuída de acordo com classe, raça, etnicidade e base lingüística. Os alunos na escola, como os outros seres humanos, aprendem constantemente. Quando dizemos que eles "não estão aprendendo" o que queremos dizer é que eles não estão aprendendo o que as autoridades escolares, professores e administradores querem que eles aprendam como resultado da instrução intencional. O aprendizado do que é deliberadamente ensinado pode ser encarado como uma Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 460 forma de assentimento político. A não-aprendizagem, como uma forma de resistência política. O assentimento ao exercício da autoridade envolve a confiança de que este exercício será benigno. Isto envolve um salto de fé - confiança na legitimidade da autoridade e nas boas intenções daqueles que a exercem, confiança em que a própria identidade da pessoa será mantida positivamente em relação à autoridade, e confiança de que os próprios interesses da pessoa serão atendidos com o exercício da autoridade. Ao dar este salto de fé, o indivíduo enfrenta risco. Se não houvesse risco, a confiança seria desnecessária. (Devo observar a esta altura que não pretendo nesta discussão afirmar que as escolhas existenciais que fazemos são feitas necessariamente ao nível da consciência refletida. Elas podem ser feitas intuitivamente. Mas de uma forma ou de outra, um sentido de confiança implica um sentido de risco). Em pedagogia é essencial que professor e alunos estabeleçam e mantenham confiança mútua no limiar do risco (HOWARD van NESS, comunicação pessoal). Aprender é correr risco, Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 461 pois a aprendizagem envolve ir além do nível de competência já dominado até a região mais próxima de incompetência que ainda não se domina. À medida que a aprendizagem ocorre, o limite frontal da região de incompetência está continuamente movendo-se. Uma analogia útil é de um surfista - quando está aprendendo a surfar, ele tem de inclinar-se para frente numa relação com a crista da onda que está em permanente mudança. Na interação professor/aprendiz, este se coloca no limite frontal da incompetência e é puxado para frente com a assistência do professor e/ou de outros alunos.VYGOTSKY (1978:84-91) refere-se a isto como a “zona de desenvolvimento proximal" - aquela região na qual o aprendiz pode funcionar com o auxílio de outro parceiro mais competente. À medida que o limite inferior da competência do aprendiz se eleva (aquele nível em que ele pode funcionar sem assistência) também se eleva o limite superior (o nível além do qual o aluno não pode funcionar efetivamente mesmo com a ajuda de um professor). Assim vemos a zona de desenvolvimento proximal em constante movimento ascensional. Porém, no Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 462 momento em que ocorre nova aprendizagem com o professor, o estudante novamente se envolve em risco, pois entra de novo na zona na qual não pode funcionar com êxito sozinho. Se o professor não for confiável, o aluno não poderá contar com o seu efetivo auxílio; há então um alto risco de revelar-se (a si próprio e aos outros) como incompetente. Existe risco também para o professor. Se este se envolve com o aluno com a genuína intenção de desenvolver-lhe a aprendizagem, e o aluno deixa de aprender, o que o professor pretendeu ensinarlhe, este se revela, na melhor das hipóteses, como pedagogicamente incompetente. O risco é interessante, contudo perigoso. Tanto para o aluno quanto para o professor, o risco, na forma de uma ameaça potencial a identidade social positiva, parece inerente ao processo de aprendizagem. Conseqüentemente, a legitimidade da escola e dos professores, afirmada no nível existencial pela confiança que se lhes depositam os alunos, é essencial ao êxito da instrução deliberada. O sucesso escolar deve ser atingido pelo estafe da escola bem como pelos alunos Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 463 num processo de retórica política por meio do qual os subordinados na instituição são persuadidos a assentir na autoridade de seus superiores. Legitimidade, confiança e interesse são fenômenos tanto institucionais quanto existenciais. Como fenômenos institucionais, localizam-se na estrutura social e nos padrões de relações de papel que recorrem em longos intervalos de tempo e são diferentemente alocados de acordo com o acesso ao capital monetário e cultural. Mas legitimidade, confiança e interesse são também fenômenos existenciais e emergentes, continuamente negociados no âmbito das circunstâncias íntimas e da escala de curto tempo dos encontros diários entre professores, alunos e pais. A legitimidade institucional da escola afirma-se existencialmente na forma de confiança nos encontros face a face entre o estafe escolar e os alunos e seus pais. As injustiças do mercado de trabalho, da forma como são percebidas pelos membros de uma comunidade minoritária doméstica, e a interação conflitiva entre professor e aluno, que Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 464 deriva em parte de estilos comunicativos culturalmente distintos, ambos podem ser percebidos como impedimentos à confiança que constitui uma fundação existencial da legitimidade da escola. É apropriado, portanto, olhar para fora da escola, para a comunidade local e a ordem social mais abrangente, bem como para dentro da escola, para a interação da sala de aula, a fim de identificar-se as raízes do fracasso ou sucesso educacionais, confiança ou desconfiança, assentimento ou dissentimento. Desejo agora alterar a discussão prévia da explicação do processo comunicativo. Podemos aplicar a noção de resistência _ suspensão do assentimento - ao desenvolvimento progressivo que ocorre entre professores e alguns alunos de minoria doméstica. Ao considerar as relações entre as culturas de grupos minoritários e a resistência dos alunos em ambientes de aprendizagem interculturais, podemos fazer uma distinção bastante útil. Trata-se da distinção entre fronteiras culturais e barreiras culturais. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 465 Fronteiras culturais podem ser consideradas como evidência comportamental de padrões distintos de comportamentos apropriados _ por exemplo, duas maneiras subculturalmente distintas de se pronunciar consoantes finais. Fronteiras _ a presença manifesta de diferenças culturais - são fenômenos politicamente neutros; nenhuma diferença em direitos e obrigações é atribuída a pessoas que se comportam de um ou de outro modo culturalmente distinto. Em situações de conflito intergrupal, entretanto, fronteiras culturais podem ser tratadas como barreiras culturais, isto é, os traços de diferenças de cultura deixam de ser fenômenos politicamente neutros; direitos e obrigações são distribuídos diferentemente, dependendo de a pessoa revelar-se como portadora de um tipo de conhecimento cultural e não de outro. Grupos diferentes com diferentes interesses em questão podem tratar politicamente a existência de itens comportamentalmente similares como oportunidades para ação de fronteira cultural ou de barreira cultural. Isto ficou dramaticamente aparente em minhas próprias primeiras Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 466 pesquisas sobre diferenças culturais, étnicas e raciais, no estilo de comunicação dos Estados Unidos (ERICKSON 1975; ERICKSON & SHULTZ 1982). Em análise detalhada de entrevistas filmadas entre conselheiros universitários ou entrevistadores para emprego e alunos ou candidatos a emprego, ficou claro que algumas vezes diferenças culturais sutis fazem um grande diferença para o bom relacionamento e a compreensão; outras vezes diferenças culturais não parecem prejudicar nem o bom relacionamento nem a compreensão. Na ausência de motivação especial positiva para se comunicar, a diferença cultural aparentemente não tornou a interação difícil. Mas este nem sempre foi o caso, e variou de ocasião para ocasião para o mesmo indivíduo. A distinção entre fronteiras e barreiras culturais permite que se considere significante a diferença cultural nas relações intergrupais sem que se caia na armadilha de um argumento cultural determinista. Como BEKKER e eu observamos recentemente, “diferenças culturais podem ser consideradas como um fator de risco na experiência escolar de alunos e professores; elas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 467 não têm necessariamente freqüentemente fornecem de causar problemas, as oportunidades para mas os problemas… estas oportunidades podem servir de fomento para a escalada do conflito que pode já existir por outras razões, tais como conflito entre grupos sociais, sexos ou raças” (ERICKSON & BEKKER 1986:175, 177). Para se compreender este argumento bastante abstrato mais completamente, voltemo-nos para um exemplo de pesquisa em sala de aula feita por PIESTRUP (1973). Ela estudou salas desagregadas de primeira série nas quais crianças predominantemente negras e de classe operária estudavam juntamente com crianças predominantemente brancas e de classe média. Veremos primeiramente um único momento no ano escolar: uma aula de leitura. Em seguida vamos considerar o que PIESTRUP relata como padrões de resistência que se desenvolveram ao longo do curso de todo o ano. Podemos considerar um exemplo do estudo de PIESTRUP com as crianças negras de classe operárias e crianças branca Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 468 de classe média e seus professores. Neste exemplo, de uma aula de leitura do primeiro ano, todas as crianças são negras. (CC na transcrição significa crianças lendo alto em coro): 1 T: All right, class, read that and remember your endings. Certo, turma, leia e lembre seus finais. 2 CC: "What did Little Duck see?" (final t of "what" deleted) “O que o pequeno pato viu?” (final de “what” com t omitido. 3 T: What. O que 4 CC: What (final t deleted, as in turn 2) O que (final t omitido, como no turno 2). 5 T: I still don't hear this sad little "t" Eu ainda não ouço este pequeno e triste “t”. 6 CC: "What did - What did - What (final t's deleted) Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 469 O que-O que-O que – (final “t” é omitido) 7 T: What O que 8 T&CC: "What did Little Duck see? " (final t spoken) O que o pequeno pato viu? (final t é pronunciado) 9 T: OK, very good. Ok, muito bom. Ao dizer "what" (linha 3) dando ênfase especial ao /t/ final a professora adotou uma correção a meio curso a fim de enfatizar e corrigir um detalhe específico da performance oral. Ao fazer isto, a professora abandonou o objetivo da pergunta inicial, que focalizava o conteúdo geral do enunciado que estava sendo lido. Implementar a pronúncia do inglês padrão na leitura em voz alta é um objetivo pedagógico; implementar a compreensão do texto que estava sendo lido é outro objetivo pedagógico. O que afinal o Litle Duck (pequeno pato) viu? Não sabemos. Se a transcrição continuasse poderíamos confirmar ou não se o ponto de compreensão perdeu-se Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 470 inteiramente quando a professora continuou depois de ter desviado os alunos em função de seu estilo de pronúncia não padrão. A ênfase da professora no /t/ final não é necessária em termos do objetivo do ensino da compreensão. Podemos inferir que isso não foi apenas um problema de simples dificuldade de comunicação _ a professora não compreendendo as respostas das crianças. Podemos inferir que ela ouviu as crianças dizendo "wha" (nos turnos 2 e 4) como equivalente a "what", com o /t/ final pronunciado. Antes, podemos ver isto como uma lição deliberada de pronúncia (no turno 1 a professora dissera “...e lembre de seus finais”). Com isso chamava a atenção para o estilo cultural de comunicação das crianças negras e o fazia de forma negativa. Este trabalho de barreira cultural _ tornar o estilo cultural comunicativo um fenômeno negativo em sala de aula _ parece ter estimulado a resistência dos alunos manifestada lingüisticamente. Em algumas das classes a professora era branca, em outras era negra. PIESTRUP monitorou o estilo de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 471 fala das crianças negras de classe operária durante todo o ano escolar. Nas classes onde o/a professor/a, fosse negro ou branco, sancionava negativamente o uso pelas crianças do vernáculo inglês negro, ao final do ano as crianças falavam uma forma mais exagerada desse dialeto do que o faziam no começo do ano. O oposto ocorreu nas classes em que o/a professor/a fosse negro ou branco, não sancionava negativamente o vernáculo inglês negro falado pelos alunos negros. Nessas classes, ao final do ano, as crianças negras estavam usando em sala de aula modos de falar mais aproximados do inglês padrão do que seus modos de falar no começo do ano. Consideremos as implicações disso. O desempenho oral culturalmente distintivo das crianças negras de classe operária estava inicialmente presente em ambos os tipos de classes. Neste último tipo de classe, o estilo de fala dos alunos não se tornou um pretexto para estigma e resistência. No primeiro tipo de classe, entretanto, o uso do vernáculo inglês negro tornou-se uma ocasião para um estigmatizante trabalho de barreira para professores e de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 472 resistência para as crianças. Tendo ocorrido isto, à medida que o ano corria, o estilo de fala das crianças tornou-se mais e mais diferente do estilo dos professores. Isto significava que a diferença cultural estava crescendo numa situação de contato transcultural. Este é um exemplo de um fenômeno mais geral - progressiva diferenciação cultural ao longo do tempo como meio de distanciamento simbólico entre grupos competidores que são subsistemas de um sistema maior. Este fenômeno foi denominado desavença complementar por BATESON (1975), que o viu como um processo básico de mudança cultural. Ao complementar a explicação de processo de comunicação sociolingüístico para o fracasso escolar e ao considerar o caso de uma aula de leitura podemos ver que a diferença cultural pode, por um conjunto de razões, ser uma fonte inicial de dificuldade entre professores e alunos. Mas aparentemente a estória não termina aí. O que pode ter começado como uma simples falha de interpretação da intenção e do significado literal pode desenvolver-se ao longo do tempo em conflito enraizado e emocionalmente intenso entre professor e alunos. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 473 O ciclo pode repetir-se de ano para ano durante a escola primária. Professores e alunos em tais relações regressivas não estabelecem vínculos uns com os outros. A confiança mútua é sacrificada. Com o passar do tempo os alunos tornam-se crescentemente alienados da escola. Já não é uma questão de diferença entre professor e aluno que deriva das tradições comunicativas transmitidas inter-geracionalmente. É também uma questão de invenção cultural como um meio de resistência numa situação de conflito político. À medida que os alunos se tornam mais velhos e experimentam fracassos repetidos e repetidos encontros negativos com professores, desenvolvem padrões culturais oposicionais como um símbolo de sua desafiliação daquilo que eles percebem (não necessariamente com plena consciência reflexiva) como um sistema ilegítimo e opressivo. Quanto mais alienados tornamse os alunos, tanto menos persistem no trabalho escolar. Assim declinam mais e mais no rendimento acadêmico. O aluno ou se torna ativamente resistente - visto como saliente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 474 ou incorrigível - ou passivamente resistente - obscurecido num quadro como um bem comportado e anônimo aluno de baixo rendimento. BEKKER e eu observamos: Por que deveria ser ofensa passível de punição um jovem negro numa escola secundária urbana americana usar uma jaqueta de couro preta no hall da escola?… Se um diretor pode suspender um adolescente por usar um casaco de couro, algum tipo de processo interacional de avaliação está ocorrendo no qual julgamentos da identidade social mudam em direções negativas. Se os alunos estão se vestindo dessa forma, então talvez o problema não seja simplesmente uma questão de padrões culturais que não se ajustam. Antes, parece que uma luta está em curso - luta que é mutuamente construída por professores e alunos que, à medida que o conflito aumenta e sua tolerância mútua decresce, encerramse em relações sociais regressivas para as quais todos os componentes no sistema social local contribuem como em sistemas de interação patológicos em famílias. MCDERMOTT & TYLBOR (1983) usam o termo cooperação fraudulenta Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 475 quando descrevem este ciclo de conflito progressivamente intenso. (ERICKSON & BEKKER 1986:177) Algumas das pesquisas recentes de OGBU sugerem que quando os alunos negros americanos chegam à idade da escola secundária, a diferenciação cultural por meio da resistência já se desenvolveu a um ponto que uma aguda distinção se estabelece entre "comportar-se como negro" e "comportar-se como branco". A definição política da instrução escolar como legítima ou ilegítima encerra-se nesta oposição simbólica. Em um capítulo recente, OGBU notou este fenômeno, citando DEVOS (1982) no desenvolvimento da identidade oposicional pó estudantes minoritariamente domésticos. OGBU observa que: Estudantes minoritários que adotam o estilo da escola na comunicação, interação, ou aprendizagem, podem ser acusados de “agir como brancos”. Até um problema maior é o que estudantes de castas minoritárias podem definir esforço acadêmico ou sucesso como uma parte de uma moldura cultural branca de referência ou forma branca de comportamento. (1987b: 268) OGBU se refere aqui à pesquisa de Signithia FORDHAM (FORDHAM & OGBU 1986). Suas descobertas descritas no Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 476 Rádio Público Nacional (“Todas as coisas consideradas”, 12 de junho de 1987). Phyllis CROCKETT, um repórter do Rádio Público Nacional, entrevistou duas adolescentes negras de ensino médio: Repórter: Estudantes (de ensino médio) negras que passam boa parte do tempo estudando e que falam um inglês avançado podem ser acusados de agir como brancos... Este estudante, nós iremos chamá-lo de Eric, estuda em uma escola do centro de Washington, D.C. Eric: As pessoas têm medo de mostrar que elas podem falar o inglês gramaticalmente correto. Quando eu o faço, meus amigos de minha vizinhança dizem “seu nerd!” ou “Fale inglês! Fale conosco na língua em que falamos com você.” Repórter: Estudantes de ensino médio, como esta estudante que nós chamaremos de Paula, que estuda em cursos preparatórios para a faculdade, às vezes é chamada de “oreos” – como o biscoito, preto por fora e branco por dentro. Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 477 Paula: Tenho sido eu mesma chamada de oreo porque sendo negra como sou, e brilhante, todos acham que sou muito correta e falo como branca....e as pessoas implicam comigo. Note que os amigos de Eric e Paula focam em seus estilos de fala como distintivos de identificação do grupo. Dois pontos são relevantes aqui – os detalhes dos julgamentos culturais envolvidos e o processo de identidade oposicional que é revelado. Conforme evidenciado pelo seu discurso gravado pelo repórter da Rádio Pública Nacional, Eric e Paula não falam, de fato, inglês completamente avançado. Sua gramática é avançada, mas na pronúncia, em tom e em tonicidade padrões, e na escolha de palavras. (por exemplo, Paula usa um termo desnecessário, eu mesma), o discurso de Eric e Paula é característico de um não-avançado inglês negro. Portanto, a atenção de Eric e Paula está gerando um grande problema de pequena divergência da norma cultural. Pequenas nuances de performance cultural estão sendo vistas como salientes, não como largas diferenças culturais, como as existentes entre estudantes imigrantes e estudantes Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 478 americanos. Estas são diferenças culturais secundarias, de acordo com a taxonomia de OGBU (1982). As diferenças culturais são pequenas, mas não são triviais como OGBU afirmou (1987b) porque elas não estão sendo tratadas como triviais pelos atores. Pelo contrário, os amigos de Eric e Paula parecem estar tratando diferenças culturais como um símbolo político poderoso. Os amigos dos estudantes de ensino médio usam fortes sanções para forçar um avanço do nível cultural que simboliza ser membro do grupo. Isto é trabalho de manutenção de limite. É interessante que os estudantes não invocam a injustiça do mercado de trabalho. Eles não dizem: “Você não consegue um emprego na América branca”. Em vez disso, suas mensagens são muito mais indiretas. Seu foco imediato está na manutenção da identidade oposicional dentro da vida diária dentro da escola. No exemplo de Eric e Paula, a veemência do exercício de sanção e o foco em importâncias pouco notáveis de distinção cultural lembram o exemplo de sala de aula anterior no qual o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 479 professor fez de uma consoante final um grande dilema (“What did Little Duck see?” “O que o pequeno pato vê?”). O professor de primeira série estava forçando em aula crianças negras a falarem um bom nível de inglês. Na visão invertida de um espelho, os amigos de turma adolescentes e negros de Eric e Paula os estavam forçando a falar um inglês de um nível não muito bom. Definição de identidade está presente nos dois casos. É a voz e o foco de autoridade e definição que mudaram, da voz do professor como um indivíduo oficial institucional fazendo um trabalho de limite de cultura branca às vozes dos alunos fazendo coletivamente e institucionalmente ilegítimo trabalho de limite de cultura negra. Nos dois exemplos a performance cultural do discurso entre parceiros se torna um símbolo médio dentro do qual um estudante é forcado e escolher os lados entre “nós” e “eles”. A situação contada pelos estudantes Americanos negros é remanescente da resistência ao alcance escolar entre meninos de ensino médio ingleses, conforme diz Willis (1977). Também é remanescente a especulação de SCOLLON & SCOLLON Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 480 (1981) que muitos alunos de escolas nativas americanas nas vilas de Koyukon Athabascan do interior do Alasca associam o letramento à traição da identidade étnica. Como os estudantes vêem tantos membros da comunidade não letrados (inclusive seus pais), aprender a ler e escrever fluentemente poderia parecer metaforicamente estar deixando a comunidade e não ser mais um Koyukon. Resumindo, padrões consistentes de recusa de aprendizagem na escola podem ser vistos como uma forma de resistência a uma identidade étnica ou de classe social estigmatizada que esta sendo atribuída pela escola. Os alunos podem recusar-se a aceitar essa identidade negativa, recusando-se a aprender. Entretanto a sensibilidade e a saliência da identidade étnica estigmatizada entre adolescentes que são membros de grupos domésticos minoritários (e de identidade de classe baixa mais genericamente) não é um fenômeno que deriva exclusivamente do interior de uma escola. As experiências dos alunos na escola podem contribuir para sua necessidade de resistir a aceitação de uma identidade estigmatizada, mas as Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 481 fontes de tal identidade estão em parte fora da escola, nas condições de acesso ao mercado de trabalho e nas suposições gerais que os membros não estigmatizados da sociedade têm em relação aos grupos estigmatizados. É por isso que, dentro da perspectiva da teoria da resistência, as explicações do processo comunicativo e do mercado de trabalho para o fracasso escolar podem ser vistos como complementares. É importante que se levem em conta as influências externas à experiência escolar imediata de alunos e professores, inclusive as oportunidades no mercado de trabalho da forma como são percebidas pelos pais e outros membros a comunidade minoritária , especialmente entre os alunos mais velhos para quem as questões de um emprego futuro tornam-se mais e mais salientes.Mas é também importante que se considere a experiência escolar imediata de alunos e professores, inclusive os estilos de comunicação culturalmente distintos, especialmente quando as crianças mais novas encontram a escola inicialmente nas primeiras séries e continuam pela escola secundária. A percepção do Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 482 mercado de trabalho e a diferença de estilo cultural parecem estar ambas envolvidas no desenvolvimento de uma identidade oposicional pelos estudantes das minorias domésticas na escola. Eu argumentei neste texto que tanto a explicação da percepção do mercado de trabalho quanto a do processo comunicativo tem sérias limitações. Cada uma delas pode ser vista ao menos como implicitamente determinista, deixando pouco espaço para a ação humana. Cada uma delas tem dificuldade para dar conta de certos tipos de sucesso escolar. É, portanto apropriado acrescentar uma coda que considere algumas das razões por que o sucesso escolar pode ocorrer com populações de alunos para quem tal sucesso parece demograficamente improvável. Digamos que desejamos tentar transformar a luta da escola de um trabalho voltado para o fracasso para algo mais produtivo. Por onde então deveríamos começar? 4. Coda Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 483 Se a educação for não mais que um epifenômeno ligado diretamente às exigências de uma economia, então pouco pode ser feito no âmbito da própria educação. Ela é uma instituição totalmente determinada. Entretanto, se as escolas (e as pessoas) não forem espelhos passivos de uma economia mas, ao contrário, agentes ativos nos processos de reprodução e contestação das relações sociais dominantes, então a compreensão do que eles fazem e a ação sobre eles tornam-se importantes. Pois,se as escolas são parte de um "terreno contestado" ,…então a luta dura e contínua do dia a dia ao nível do currículo e prática de ensino é parte desses conflitos mais amplos também Uma chave está ligando estas lutas do dia a dia no interior da escola à outra ação para uma sociedade mais progressiva numa arena mais ampla. (APPLE & WEISS 1983:22) Como um educador, não posso aceitar a premissa que não há nada que nos possamos fazer para melhorar a situação educacional da minoria dos estudantes domésticos dos Estados Unidos. Eu não desejo simplesmente esperar por uma Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 484 revolução na sociedade em geral. Como APPLE & WEISS apontaram, existem progressivas escolhas que as pessoas podem fazer em suas circunstancias imediatas enquanto elas trabalham também por uma mudança social na ampla sociedade. A tarefa não é apenas analisar as condições estruturais pela qual a injustiça é reproduzida na sociedade, mas buscar em todos os lugares possibilidades na luta por transformação progressiva onde elas possam estar. A escola é uma das arenas na qual pessoas podem trabalhar para mudar as existentes distribuições de poder e conhecimento em nossa sociedade. Quando a prática da escola é conduzida de acordo com o conselho convencional existente, estudantes minoritários – especialmente estudantes domésticos minoritários – geralmente não se dão bem. O conselho convencional envolve a crença de que é parte da hegemonia cultural das classes estabelecidas na sociedade. A hegemonia se refere à onipresença e um status tido como verdadeiro de uma cultura dominante dentro de uma sociedade culturalmente plural e estratificada como os Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 485 Estados Unidos. Devido à onipresença da cultura dominante e os planos institucionais que são consoantes com suas crenças, não é necessário para grupos dominantes usar meios claros, como forca nua, para manter suas posições de vantagem. Como membros da sociedade, dominantes e subordinados agem rotineiramente em concerto com as crenças culturais e interesses do grupo dominante, relações de poder existentes podem ser mantidas, como foi, por uma mão invisível. Este é o elemento essencial da noção de hegemonia de Gramsci (BLUCI-GLUCKSMANN 1982), Através da influencia, liderança, e pelo consentimento das massas, a dominação vem aparecer como razoável. Práticas hegemônicas são ações rotineiras e crenças infundadas que são consoantes com o sistema cultural de significado e ontologia dentro dos quais faz sentido ter certas ações, totalmente sem intenção malevolente, que apesar deste fato limita sistematicamente as chances da vida dos membros de grupos estigmatizados. Não fosse pela regularização das práticas hegemônicas, a resistência pelos estigmatizados não Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 486 seria necessária. Não fosse pela capacidade do estabelecido julgar as praticas hegemônicas como razoáveis e justas, a resistência seria mais clara. A resistência poderia ser informada por uma explicita análise social que desmascarasse as práticas opressivas. Já atualmente nem o opressor nem o oprimido encaram exatamente o caráter de sua situação, a resistência é freqüentemente não desenvolvida como a opressão não é deliberadamente intencionada. As práticas hegemônicas não são somente ramificadas através da sociedade e na comunidade local fora da escola, como também estão vivas dentro da sala de aula. Elas permeiam e molduram a experiência escolar dos estudantes que são membros de grupos sociais estigmatizados. Estas práticas são praticadas por atores sociais particulares. Dominação e alienação dos oprimidos não acontece simplesmente por trabalhos anônimos das forcas estruturais sociais. Pessoas fazem isso. É o resultado da escolha (não necessariamente deliberada) cooperar com as definições ideológicas reinantes Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 487 do que os estudantes minoritários são, o que o currículo é, o que o bom ensino é. Se as práticas hegemônicas são o resultado de uma escolha humana, elas não são inevitáveis. Indivíduos particulares podem examinar as opções animadas pela convencional experiência da prática. Eles podem decidir quais aspectos da experiência prática adotar e quais rejeitar, criando ambientes de aprendizagem que não somente não estigmatizam estudantes minoritários, mas os estimulam a alcançar objetivos. Reconsidere o que a professora de PIESTRUP fez na lição de leitura. Ela insistiu que as crianças pronunciassem o final /t/ na palavra “What” (O que), quando lia a frase, “O que o pequeno pato viu?”. Isto pode ser visto como uma instância da prática hegemônica (James COLLINS, comunicação pessoal). O que isso faz para que o exercício do professor de uma opção pedagógica particular em um certo ponto da lição é consoante com uma teoria amplamente utilizada ou filosofia de instrução de leitura. De acordo com uma visão bem Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 488 estabelecida de bom ensino de leitura, repetição em uma isolada subcategoria, como reconhecimento e pronunciação de um /t/ final, e mestrado nesta subcategoria deve necessariamente preceder movendo o mestrado o tão chamado mais alta ordem de habilidade de compreensão. De acordo com outra visão bem estabelecida, a compreensão próxima da “linguagem inteira” ou “experiência em linguagem” de unidades semânticas mais largas no discurso escrito toma procedência nas repetições isoladas em subcategorias. A professora em seu exemplo não estava, podemos inferir, deliberadamente escolhendo fazer saliente de um modo negativo a pronuncia culturalmente padrão que as crianças haviam aprendido em suas casas. Em vez disso, a professora estava agindo com uma crença fortemente apoiada sobre bom ensino de leitura. Envolvida na escolha de uma estratégia pedagógica em vez de outra é a oportunidade de fazer uma cultura com traços negativamente salientes ou não. Se a professora enfatizou o significado do texto, focando no que o pequeno pato viu, o estilo da pronúncia das crianças Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 489 não teria se tornado visível na interação da lição como uma bagagem estigmatizante de identidade social e racial. Nós poderíamos simplesmente escrever o exemplo da lição de leitura como um em que o professor produziu contradição e confusão cognitiva começando de um modo e depois partindo para uma outra direção de instrução. Mas eu acho que o exemplo mostra mais do que isso, já que a nova opção que foi seguida – correção da pronúncia – fez saliente o estilo cultural dos lares das crianças e avaliou negativamente aquele estilo. Portanto nós não poderíamos somente dizer para esta professora, “Seja consistente”. Nós gostaríamos que a professora aprendesse a refletir em sua prática e dizer, “Quais são as conseqüências de meu ser consistente em seguir um padrão pedagógico em vez de outro?” Do ponto de vista de uma pedagogia culturalmente sensível como informada pela teoria de resistência, a professora............concluir que escolher lutar e temporariamente vencer uma pequena batalha sobre a pronúncia de uma consoante final é arriscar perder a guerra, por começar um processo longo de conflito cultural de Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 490 controvérsia genética. O trato de confiança inerente ao compromisso na batalha da pronúncia pode simplesmente não ser válido na longa jornada. Na cultura política da pedagogia nas primeiras series um caminho para manter a confiança e ganhar a credibilidade do aluno para aprender é adaptar instrução na direção do estilo da comunicação cultural do lar do aluno. Nós vimos isto na adaptação do padrão de turno de fala de conversação havaiano, e nós consideramos uma estratégia hipotética para evitar o conflito sobre a pronúncia das crianças negras americanas enquanto liam em voz alta. A pedagogia culturalmente sensível não é o único caminho para estabelecer e manter a confiança e a legitimidade entre professores e alunos, no entanto. Se crianças e seus pais acreditam firmemente na legitimidade da equipe da escola e nos conteúdos e nos padrões do programa escolar, como no caso da escola muçulmana (ou no caso de alguns estudantes imigrantes minoritários e seus pais como eles encontraram uma escola pública americana arbitrária), então mesmo se o Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 491 estilo cultural da interação da sala de aula é muito descontínua com a experiência da criança do início de sua infância, eles podem bem aprender novos estilos culturais sem começar uma reação de resistência e controvérsia genética cultural. O mesmo poderia valer para os modelos de “instrução direta” correntemente proposta. Se padrões instrucionais são muito claros e resistentes (diferente da lição de leitura sobre o pequeno pato), a professora acredita firmemente no que ela está fazendo, e crianças e pais podem reconhecer o estilo autoritário e não ambivalente do professor como uma atenção sincera para a aprendizagem de crianças minoritárias, então a criança pode confiar no professor e aprender, mesmo que o estilo interativo de instrução viole as normas da comunidade minoritária atentando o estilo de comunicação apropriada. Para concluir, as políticas de legitimidade, confiança, e concordância parecem ser os fatores fundamentais no sucesso escolar. Para estudantes de cultura minoritária, sejam imigrantes ou domésticos, o papel da cultura e da diferença Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 492 cultural varia em relação ao sucesso escolar. Em algumas circunstâncias excepcionais, devido a alta motivação para o sucesso na escola, a diferença cultural não parece prevenir estudantes de persistirem e alcançarem objetivos. Um outro padrão muito mais prevalente, eu argumentei, é para diferenças culturais fazerem diferença negativa, (1) porque eles contribuem para o desentendimento na comunicação nas primeiras series e (2) porque estes problemas iniciais de desentendimento na comunicação contribuíram para a desconfiança dos alunos e resistência em séries posteriores. Além do mais, é importante notar que para escolas públicas típicas (distintas de escolas especiais com programas alternativos), aparece que ao lidar com a maioria dos estudantes minoritários domésticos, os trabalhadores da escola não podem contar em serem percebidos como altamente legítimos, nem podem contar com alta motivação para aprender quando eles tentam ensinar em ambientes de aprendizagem que são culturalmente alienados para os alunos. Se a escola pública comum deve ser percebida como Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 493 legítima, a escola deve ganhar esta percepção por sua comunidade minoritária local. Isto envolve um profundo movimento na direção da prática diária e seu simbolismo, fora da prática hegemônica e com uma prática transformadora. Na ausência de um esforço especial da escola, a profunda desconfiança em sua legitimidade cresce entre os alunos com o passar dos anos e os recursos de resistência através do desenvolvimento de identidade oposicional que a escola providencia (na hegemonia cultural que está envolvida em seus meios rotineiros para fazer tarefas diárias) cria um sério acordo para a legitimidade percebida da escola. Por outro lado, parece que estudantes imigrantes minoritários podem tender a confiar na legitimidade da escola como correntemente existe e esperar se beneficiar participando do mercado de trabalho americano. A pedagogia culturalmente sensível é um tipo de empenho especial da escola que pode reduzir desentendimento na comunicação entre estudantes e professores, confiança, e prevenir as gênesis de conflito que se movem rapidamente Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 494 através de desentendimento intercultural para grandes batalhas de identidade negativa trocada entre alguns estudantes e seus professores. Na luz da discussão precedente, a pedagogia culturalmente sensível parece mais apropriada e mais importante nas séries iniciais. Pode ser especialmente importante para estudantes minoritários domésticos e menos importante para a primeira geração de estudantes imigrantes minoritários. É somente uma pequena peca de um quebra cabeça, isto nos dá uma opção positiva para educadores que desejam, através de uma pratica reflexiva, aumentar as chances para um aprendizado pelos seus alunos e melhorar seus próprios afazeres da vida também. A pedagogia culturalmente sensível não é a solução total. Ela pode, no entanto, ser vista como uma parte de uma solução total que também inclui trabalho para transformar a sociedade geral dentro da qual a escola tem seu lugar. 5. Notas Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 495 Agradecimentos – Desejo agradecer Cathie Jordan, Evelyn Jacob, Rosemary Henze, e Marge Murray por sugestões editoriais. As contribuições de Howard van Ness e James Collins são agredecimentos no próprio texto. Defeitos na interpretação apresentada são de minha própria responsabilidade. Admitidamente também é importante para o sucesso escolar que os alunos aprendam, ou pelo menos pareçam concordar com, o que é não deliberadamente ensinado (isto é, o “currículo oculto”). O que me parece crucial para o sucesso escolar é que estudantes pareçam concordar com o que os trabalhadores da escola pensam que eles estão tentando ensinar (isto é, o currículo acadêmico e habilidades sociais e conhecimento que se manifestam). A distinção entre aspectos institucionais e existenciais de legitimidade, e a distinção e conexão entre os longos e curtos termos padrões pelos quais podemos ver conexões entre história geral e ordem social e específica, história concreta e ordem social, é feito em um recente escrito de teoria social por Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 496 GIDDENS (1984). Uma noção relatada na aproximação com a historia intelectual dada por FOUCAULt (1979), e na teoria de literatura de BAKHTIN (1981). A distinção entre bordas culturais e limites foi feito inicialmente por BARTH (1969), e tem sido elaborada em termos de suas implicações para educação por MCDERMOTT & GOSPODINOFF (1979) e por ERICKSON & BEKKER (1986). O estudo de PIESTRUP é um estudo singular, para ser exato, e alguns podem argumentar que muito peso não deve estar sobre a linha de explicação dada por aqui. Mas o fenômeno PIESTRUP reportado foi encontrado mais geralmente. O fenômeno é o crescimento do estilo do discurso e a diferenciação entre falantes através do tempo em situações de conflito. Isto foi reportado em tempo mais curto e mais longo de duração que um único ano escolar estudado por PIESTRUP. GILES e POWESLAND (1975) mostraram que classe social e estilos de dialetos regionais divergiram através meia hora de experimentalmente conversas induzido. em Ao que o conflito reportar foi pesquisa Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 497 naturalista, LABOV (1963) mostrou como, através de uma geração, algumas características do dialeto dos imigrantes de ilhas se tornaram progressivamente mais e mais distintas daquelas de turistas que visitam a ilha no verão. Para o significado da natureza coletiva das ações dos estudantes, ver EVERHART 1983: 186-187. Considerado nesta luz, GRAMSCI parece um antropólogo. Ele pode ser visto como um apresentador da análise cultural da plausibilidade da dominação. Para profunda discussão, ver GIROUX 1983). Poderíamos argumentar que tais batalhas de pronuncia sempre fazem um mau sentido em instrução de escrita – claro, que ler em voz alta por si só é desnecessário em lições de leitura – mas estas são questões de dentro das discussões deste artigo. 6. Referências Bateson, G. 1955. A Teory of play and Fantasy. In Approaches to the Study of Human Personality. (Also in Steps Toward an Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 498 Ecology of mind, Gregory Bateson (pp. 177-193), 1972. New York: Ballantine Books). Connell, R. W., Ashenden, D. J., Kessler, S., & Dowsett, G. W. 1981. Who’s got the floor? In Language in Society 10:4, pp. 383-421. Erickson, F., & Shultz, J. 1977. 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