Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__
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Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__
Capitulo 1. Descrição Etnográfica
P. 3
Capítulo 2. Etnicidade
P. 33
Capítulo 3. Microanálise Etnográfica de Interação
P. 42
Capítulo 4. Aprendizagem e Colaboração no Ensino. P. 71
Capítulo 5. Registros Audiovisuais como Fonte P.87
Primária
de Dados
Capítulo 6. O Que Faz a Etnografia da Escola P. 111
“Etnográfica”?
Capítulo 7. O Discurso em Sala de Aula como P. 133
Improvisação.
Capítulo 8. Where is the Floor?Aspectos da P. 193
Organização Cultural das Relações Sociais em
Comunicação em Casa e na Escola
Capítulo 9. Transformação e Sucesso Escolar: A P. 214
Política e Cultura do Êxodo Educacional
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Capítulo 1
Descrição Etnográfica
1. Introdução
Os objetivos centrais da descrição etnográfica na pesquisa
sociolingüística
são
documentar
e
analisar
aspectos
específicos nas práticas da fala, da maneira que estas práticas
estão situadas na sociedade em que elas ocorrem. O foco,
então, está nas situações sociais de uso, nos hábitos comuns e
persistentes
de
uso,
e
na
organização
lingüística
e
comportamental específicas do uso em si.
Na condução real da pesquisa etnográfica, coleta e análise de
dados são mutuamente constituídos. Por isso, Perspectivas
reais que informam a análise etnográfica precisam ser
discutidas, bem como os processos de observação e de criação
1 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi
originariamente publicado sob o título Ethnographic
Description no
Sociolinguistics - An
International Handbook of the Science of Language and Society, e editado por Herausgegeben
von Ulrich Ammon, Norbert Dittmar Klaus J. Matteir, Vol. 2 Walter de Gruyter, Berlin. New
York, p. 1081-1095. 1988
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de registros de dados sobre os quais um relato descritivo é
baseado. Por esta razão, este artigo se inicia considerando a
principal importância real da descrição etnográfica.
Inicialmente uma definição de etnografia e uma breve visão
geral de sua origem são apresentadas. Segue-se uma
discussão de quatro características essenciais da etnografia: (1)
Seu foco particular nas especificidades da performance
naturalmente ocorrentes na fala; (2) Seu foco geral nas
entidades sociais e culturais, consideradas e descritas como
sistemas inteiros em comparação com outros sistemas em
outras sociedades; (3) Seu foco no significado social da fala em
adição aos seus significados referenciais; (4) seu foco nos
significados da ação social que ocorre naturalmente do ponto
de vista dos atores nela engajados.
As
duas
primeiras
características
são
especialmente
distintivas da etnografia em contraste com outras abordagens
sobre
pesquisa
sociolingüística.
As
duas
últimas
características são compartilhadas com algumas abordagens
em
sociolingüística,
mas
não
com
outras.
Pesquisa
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correlacional em sociolingüística é o tipo de trabalho que mais
difere da descrição etnográfica. Estudos correlacionais têm
sido de dois tipos principais. No primeiro tipo, algum aspecto
da escolha de linguagem (ex: Código, dialeto, registro ou
fórmula de delicadeza) é considerado uma discreta variável
que é correlacionada com um ou mais atributos da identidade
social dos indivíduos falantes. (ex: renda, nível educacional ou
afiliação política). No outro tipo de estudo, a direção da
correlação é revertida; um ou mais aspectos discretos da
identidade social (ex: gênero, etnicidade ou classe) estão
correlacionados com um discreto aspecto do estilo da
linguagem. Os dados sobre esses estudos são tipicamente
coletados por métodos de pesquisa, e os aspectos da
linguagem e do discurso que são estudados, são considerados
em abstração de suas situações de uso. Em contraste, existe a
etnografia como uma abordagem naturalística para os
procedimentos de pesquisa social através da observação
direta de situações concretas. Ela situa a fala que ocorre
naturalmente no centro do interesse da pesquisa, considerada
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como um modo de atividade social que está situada em um
contexto completo que inclui a comunidade inteira ou a
sociedade bem como a cena imediata da vida social local em
que o discurso ocorreu por si mesmo.
2. Questões de importância na pesquisa etnográfica
2.1. Definição e origem
Etnografia significa literalmente escrever sobre os outros. O
termo deriva do verbo grego para escrita e do substantivo
grego (ethnos) que se refere a grupos de pessoas que não
foram gregos; por exemplo: társios, persas e egípcios. A
palavra foi inventada no fim do século XIX para caracterizar
cientificamente os relatos de narrativa sobre os modos de vida
dos povos não ocidentais. Monografias etnográficas diferiam
das descrições em livros que foram escritos por viajantes e
que se tornaram populares entre os europeus ocidentais
educados com um interesse no exótico. Relatos de viajantes
foram
vistos
por
antropólogos
como
incompletas
e
superficiais. Etnografia foi considerada como mais completa e
cientificamente substantiva.
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Da época da publicação da monografia pioneira de
MALINOWSKI, “Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922),
outro critério de descrição etnográfica foi acrescentado:
retrato dos meios de vida do grupo social estudado de forma
que manifestasse seus pontos de vista. O objetivo era mostrar
como as ações de povos exóticos faziam sentido dentro de
seus julgamentos, ao invés de retratar suas ações individuais
como bizarras e normativamente deficientes quando julgadas
de acordo com os padrões normativos europeus ocidentais.
Para atingir esse objetivo, a etnografia malinowskiana se
propôs à tarefa de produzir uma descrição válida e análise do
sistema de significados do grupo social que era estudado.
Esta tarefa se parece e difere ao mesmo tempo do que era
pretendido para a lingüística por SAUSSURE. Os dois,
MALINOWSKI e Saussure estavam interessados em aspectos
de ordem e significado que estavam fora do consciente das
pessoas que os empregavam. Eles diferiam, no entanto, em
seus interesses nas particularidades das ações costumeiras em
situações específicas. Saussure viu a descoberta da ordem
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subjacente como requerendo a extração dos particulares de
uso e situação. Assim seu programa estruturalista era
construir através de uma análise lógica rigorosa um relato
deliberadamente descontextualizado das relações estruturais
que
obteve
entre
formas
lingüísticas.
Essa
limitação
estratégica de interesse, a centralização da atenção na
“langue” (língua), na atenção dada na “parole”, forneceu
grande coerência analítica, mas custos de acompanhamento se
tornaram crescentemente aparentes com o desenvolvimento
da pesquisa empírica e da teoria em sociolingüística.
MALINOWSKI mesmo falou diretamente a essa questão
quando ele usou uma revisão de livro como ocasião para fazer
um relato programático (MALINOWSKI 1936):
“Podemos tratar a linguagem como um objeto independente de estudo: Existe
uma ciência legítima de palavras sozinhas, ou de fonética, gramática e
lexicografia? Ou todo estudo da fala deve levar a investigação sociológica, para
o tratamento da lingüística como um ramo da ciência geral da cultura? O
dilema da lingüística contemporânea tem importantes implicações. Isso
realmente significa a decisão sobre se a ciência da linguagem se tornará
primariamente um estudo empírico, feito sobre os seres humanos dentro do
contexto de suas atividades práticas, ou se permanecerá grandemente
confinada a argumentos dedutivos, consistindo na especulação baseada em
escritos ou em evidências impressas isoladas”.
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Poder-se-ia descrever o programa de MALINOWSKI como
aquele de um estruturalismo contextualizado. Ele viu o
significado
como
incorporado
nos
particulares
da
performance situada (MALINOWSKI 1923). Nos termos de
Saussure,
MALINOWSKI
propôs
descobrir
a
ordem
subjacente ou geral da língua através da investigação de perto
da ação verbal e não verbal (parole) em situações de uso em
que eram em si para serem entendidas em relação com a
escala total de situações que construiriam as vidas diárias dos
membros da comunidade a ser estudada. Além disso,
MALINOWSKI estava interessado em ordem no nível da
“parole”
em
si,
vendo
seu
ordenamento
como
que
manifestando um nível de significado que não poderia ser
reduzido a outros níveis.
2.2. Foco no Particular
O interesse central da descrição etnográfica em pesquisa
sociolingüística está nos particulares da performance situada
como ela ocorre naturalmente na interação social diária. A
etnografia documenta o que as pessoas fazem na realidade ao
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falarem, e isso descreve tanto o discurso quanto as situações
do uso de formas bem específicas. Observação participante é o
meio pelo qual o pesquisador aprende os específicos da
atuação contextualizada, e nos trabalhos mais recentes isto é
de vez em quando combinada com gravações em áudio e
vídeo. Essas técnicas de coleta de dados serão revisadas mais
tarde no artigo; aqui é suficiente notar que um interesse em
especificidade de descrição é uma marca registrada da
etnografia.
2.3. Foco no Geral
A etnografia enfatiza tanto o escopo descritivo quanto a
especificidade. Conseqüentemente, outro critério essencial de
etnografia é sua preocupação com a amplitude da visão. Essa
preocupação tem dois aspectos: uma ênfase no holismo e na
comparação. Por elas serem características tão distintas de
etnografia elas merecem uma descrição aqui.
O primeiro importante aspecto, holismo, refere-se a um
interesse na descrição completa do caso a mão. A etnografia
geral , como a encontrada na típica monografia etnográfica, é
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a sistemática tentativa em descrever e relatar analiticamente
toda forma de vida do grupo humano estudado; sua
economia, leis, sistemas familiares, religião, tecnologia,
cosmologia, ciência e magia, ritual, e artes, assim como a
linguagem. Uma etnografia retrataria tipicamente o ciclo
anual de atividades na comunidade. Freqüentemente ela
poderia descrever o ciclo de vida individual e seus pontos
cruciais de direção, junto com os rituais da comunidade (ritos
de passagem) que os acompanharem. O sistema social inteiro
seria levado em conta; as muitas dimensões dos laços sociais e
diferença de status (classe social) que fossem salientes ao
longo de linhas de descendência, casamento e outros tipos de
relações, idade, gênero, e saúde, ou identidade como alguém
com status especial (especialista religioso, escravo, paria ou
outra classe social, estrangeiro).
Apesar da tentativa de levar em conta todo sistema de
relações sociais e padrões culturais, o ideal do holismo na
descrição etnográfica nunca é completamente realizado. Existe
uma tensão inevitável entre extensão e profundidade na
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descrição, entre escopo e especificidade. Além disso, nas
sociedades pluralistas modernas (e de acordo com alguns
críticos, mesmo em sociedades tradicionais de pequena escala)
pode ser muito difícil identificar uma “maneira inteira de
vida” exatamente como é muito difícil identificar uma
comunidade limitada e uma cultura limitada. (O debate atual
em sociolingüística sobre a utilidade da noção que a
comunidade tem sobre a fala está relacionado com este
problema). A concepção dos todos sociais e de culturas
internamente integradas tem freqüentemente pressuposto
uma teoria social funcionalista em que a homeostase social é o
principal processo dinâmico. Essa teoria social não leva muito
em conta o conflito social e a mudança. Da perspectiva da
teoria do conflito (ex: Teoria crítica do neo-Marxismo e
Marxismo
clássico),
contradição
estrutural
e
compartilhamento parcial da cultura podem ser vistas como
normais dentro e através de níveis de organização social.
Desta perspectiva a noção de unidades socioculturais totais
fechadas
para
influência
exterior
parece
artificial
e
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enganadora. Já a teoria social do conflito é holística também,
pois as contradições, diversidade e tensões que ela identifica
podem
ser
como
parte
de
um
padrão
ainda
mais
compreensivo – uma organização de ordem mais alta – que
aquele compreendido pela teoria funcionalista.
Mais fundamentalmente, a perspectiva do holismo é ecológica
e dialética. Seja qual for a teoria social que emoldura um caso
particular de pesquisa etnográfica, isto é, seja ela uma teoria
de ordem ou uma teoria de conflito, o holismo etnográfico
indica diferenciação e conecções de influências mútuas dentro
e através dos níveis de organização social. Assim, as unidades
fundamentais de análise em etnografia são lugares de relações
ao invés de entidades isoladas. Neste sentido, o holismo
etnográfico pode obter diferentes níveis. Isso é ilustrado pelos
exemplos a seguir de tópicos de etnografia sociolingüística: (1)
Dentro de uma dada sociedade pode-se considerar a
linguagem em relação com a política econômica, (2) Em um
agregado social constituinte dentro de uma sociedade inteira,
por exemplo, uma população regional, classe social, ou grupo
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étnico, poder-se-ia considerar uma escala de maneiras
(incluindo diferenciação nas formas da fala) em que relações
de aliança ou oposição são estabelecidos dentro de um grupo
e entre membros desse agregado social e membros de outros
agregados, (3) Dentro de uma organização formal pode-se
considerar o relacionamento entre estrutura social formal e
informal,
rituais
organizados
e
deliberada
registros
e
não
respectivos
deliberadamente
de
fala
que
são
apropriados em cada tipo de situação de ritual, (4) Dentro de
uma família pode-se considerar a ecologia dos papéis
familiares, dentro dos quais as variações dos direitos e
deveres e em formas distintas da fala podem ocorrer ao longo
de linhas de níveis de geração, grau de parentesco, gênero e
temperamento
individual.
Descrever
um
padrão
de
integração, sentimentos e crenças que se obtém em qualquer
um dos papéis (ex: mãe e filho mais velho) e os direitos
anexados e deveres que se obtém entre eles, é dar atenção não
somente às ações da mãe e do filho mais velho como
indivíduos, mas para as ações da mãe dadas na presença do
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filho mais velho e para as ações do filho mais velho dadas na
presença de sua mãe. (5) Dentro de uma cidade ocupada em
conversação pode-se considerar as conseqüências para o
discurso oral de relações de mútua influência entre as reações
do ouvinte e o que o falante fará depois dentro da cláusula
que está sendo pronunciada no momento.
Cada um desses exemplos de tópicos de interesse em
descrição etnográfica têm diferido no nível de organização
social envolvido. Cada um dos exemplos ilustra um aspecto
da perspectiva ecológica do holismo em etnografia. No último
exemplo o fenômeno observado pode ser curto em duração e
as relações sistemáticas consideradas podem envolver sobras
sutis de nuances que somente são aparentes através de
descrições detalhadas que mostram a cinética e a prosódia do
ouvinte e do falante. No primeiro exemplo (linguagem em
relação a política econômica), pode-se observar padrões que
ocorrem e recorrem através de gerações e podem ser descritas
com amplos golpes em relatos, incluindo sumarização
estatística. Seja qual for o nível de organização social que
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pode ser considerado, no entanto, a unidade de análise é uma
relação dialética ocorrente em um específico momento
histórico, não uma entidade considerada destacada de outras
entidades ou fora da situação de sua ocorrência no tempo,
espaço, e meio social.
A preocupação da etnografia por uma descrição completa é
manifestada não somente no holismo descritivo, mas também
em um foco na comparação. O relato etnográfico individual é
um estudo de caso de uma situação particular ou grupo
social.
Ainda
implicitamente,
e
freqüentemente
explicitamente, o caso a mão é escrito em termos de
similaridades e diferenças de outras sociedades relatadas na
literatura etnográfica. Este interesse em comparação deriva de
um campo de pesquisa dentro da antropologia, que é anterior
a etnografia em si. Esse campo é chamado etnologia, a
comparação
sistemática
dos
modos
de
organização
sociocultural através da escala mais larga possível de grupos
humanos conhecidos, passados e presentes. A etnologia serve
como base para todos os estudos etnográficos.
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Essa moldura de comparação é outra das características que
distinguiram a etnografia do gênero de relatos de viajantes,
que eram escritos sem levar em conta uma análise
comparativa. Atualmente um dos elementos essenciais da
educação em etnografia é ter uma vasta leitura da literatura
de estudos de casos etnográficos e da teoria antropológica e
sociológica de modo a ser capaz de trazer para sua própria
pesquisa uma moldura etnológica de referência.
2.4. Foco no significado
Os dois últimos focos da descrição etnográfica e serem
considerados aqui são compartilhados com alguns outros
métodos em sociolingüística, como pesquisas e entrevistas.
Estas são as preocupações para (1) identificar o significado
social ou metafórico da fala bem como seu significado literal
ou referencial, e (2) identificar significados dos pontos de vista
dos atuantes nos eventos observados.
A etnografia é especialmente interessada nos aspectos de
significado
que
não
podem
ser
obtidos
diretamente
questionando informantes. Isto envolve o uso direto da
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observação para gerar inferências em relação às ações
habituais, julgamentos e avaliações que estariam operando
fora do desinteresse consciente do falante ou do ouvinte.
Inferências
interpretativas
podem
descrever
ações
preocupantes como o uso habitual da ironia ou indiretas
metafóricas em certas situações freqüentemente ocorrentes, ou
inferências que podem dizer respeito a julgamentos com
relação ao uso da linguagem. Ao invés disto o pesquisador
deve utilizar a observação participante ou máquina de
gravação para documentar um uso que ocorre naturalmente
ao informante e então verificar as inferências sobre o
significado
social
das
escolhas
entrevistas
subseqüentes,
nas
estilísticas
quais
o
através
pesquisador
de
e
informante revisam juntos o texto escrito ou gravado a
maquina
da
performance
da
fala
contextualizada
do
informante.
2.5. Conceitos Chave
As noções analíticas centrais em torno das quais a observação
é focalizada incluem o seguinte, embora a lista não seja tão
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exaustiva: situação, evento da fala, atividade da fala, modos
da fala, e competência comunicativa (veja a discussão em
SAVILLE-TROIKE 1982, 12-50). A unidade central de
observação é a situação, a cena da performance da fala.
GOFFMAN (1964, 134) define a situação como “... um
ambiente de possibilidades de monitoração mútuas, qualquer
lugar no qual o indivíduo se encontre acessível aos sentidos
nus de todos os outros que estão ‘presentes’ e similarmente os
encontre acessíveis a ele”.
Dentro de uma situação os indivíduos se engajam em vários
tipos de trabalhos interacionais, usando comportamento
comunicativo verbal e não verbal como recursos de produção
ao executarem este trabalho. Alguns desses comportamentos
são às vezes relativamente altamente estilizados e são
governados por regras relativamente explícitas e fixas, por
exemplo, fazer um brinde, dizer votos de casamento, fazer
uma oração fúnebre, contar uma caçada ou uma batalha,
participar
de
uma
lição
de
recitação
na
escola.
Freqüentemente esta performance estilizada de discurso
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define a situação na qual esta ocorre; isto é, o trabalho
interacional a mão é constituído pelo tipo especial de fala que
está ocorrendo.
Tal performance em tais situações é denominada um evento de
fala por HYMES (1974, 52). Os eventos comumente ocorrentes
da fala em sociedades modernas são uma visita ao médico,
uma entrevista de emprego, uma piada contada em uma festa.
Existem limites bem explícitos de adequação que definem as
relações comuns entre os eventos da fala e as situações da fala;
por exemplo, uma não espera ouvir votos matrimoniais
trocados em um funeral, fazer brindes durante uma visita ao
médico, ou contar uma piada de sexo explícito em uma festa
formal. As expectativas de co-ocorrência culturalmente
aprendidas para relações entre situações e eventos da fala
como ela ocorre na vida diária e na literatura são chamadas de
cena ou ato proporcional pelo crítico literário KENNETH
BURKE (BURKE 1969, 3).
Outros tipos de performance oral nas situações da fala são
menos altamente estilizados que aqueles caracterizados pelo
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termo evento da fala. Estes têm sido chamados atividades da
fala por GUMPERZ (1982a, 166). Eles são escritos de discursos
nos quais um conjunto conectado de funções está sendo
alcançado, um tipo particular de trabalho interacional.
Exemplos de atividades da fala são: conversar sobre o tempo
ou sobre esportes, fazer o ponto mais importante em um
discurso, mostrar ao falante anterior que entendeu o ponto
principal que ele falou, e implicitar ao interlocutor que o que
ele disse está aberto (ou não) a negociações ou discordâncias.
A atividade da fala não constitui a situação, como fazem
alguns eventos da fala. Na verdade a atividade da fala pode
acompanhar trabalho individual ou interacional que é
primariamente não verbal, por exemplo, emendar redes de
pesca ou preparar comida para uma refeição. Outra diferença
entre atividade da fala e evento da fala é que para a atividade
da fala os constrangimentos da co-ocorrência para relações
entre situação e modo de fala são muito mais fluidas e muito
menos explícitas do que são os padrões de constrangimento
que se obtém entre a situação e o evento da fala. As atividades
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da fala podem ser bem conduzidas de acordo com princípios
culturais de apropriação. Mas os princípios podem envolver
aspectos muito sutis de escolha estilística, e existem escalas
mais largas de operações paradigmáticas para meios
alternativos de alcançar as atividades da fala do que existe
para uma performance apropriada de fala em um evento de
fala. Uma ênfase no estudo das atividades da fala está em
nuances sutis da fala –seu refinamento- e no implícito mais do
que no padrão cultural explícito.
A noção de atividade da fala se limita e é informada pela
noção
de
produção
local
como
usada
por
analistas
conversacionais que são etnometodólogos (ver meu artigo em
métodos de análise conversacional). Esta tradição de pesquisa
dá ênfase a concepção da performance e organização social
que se coloca em primeiro lugar a execução de papéis, status,
e rotinas da fala que em algum sentido podem ser pensadas
como pré-existentes.
Do ponto de vista da etnografia da comunicação, a execução
da fala tem sido vista a ser feita principalmente seguindo
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regras
culturalmente
convencionais
da
fala
que
são
tipicamente apropriadas para uma situação dada e um papel
dado. Para um analista conversacional a ênfase tem sido em
ver os padrões nos modos da fala como invenção repetida de
estratégias para fala e sua regulação que são adaptáveis no
momento à mão. Para o etnógrafo de comunicação, a ênfase
tem sido em ver os padrões nos modos da fala como evidência
de aprendizagem anterior pelo falante – a aquisição de
conhecimento e habilidade comunicativos culturalmente
compartilhados (ver discussão de competência comunicativa
abaixo). Um interesse nas atividades da fala pode ser
concebido como partilhando ambos os interesses etnográficos
em padrões culturais da fala e dos etnometodológicos
interesses em produção local e a local organização social da
fala.
O termo modos da fala se refere à variação estilística na
performance oral e seus acompanhantes não verbais (HYMES
1974,45). Este é um termo abrangente que envolve o evento da
fala e a atividade da fala, os mais e os menos estilizados tipos
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de variação em performance. Uma etnografia geral completa
da fala poderia identificar a escala total de tipos de situações
da fala que membros de um grupo social encontram em suas
vidas diárias. Ela identificaria a escala total dos modos da fala
que ocorrem em tais situações e identificaria relações entre a
variação em situação e na performance oral (HYMES 1974, 1718). Tal estudo poderia ser um trabalho muito intensivo. Os
exemplos de etnografia da fala que existem são quase sempre
de algum modo focado em um tópico, freqüentemente dão
ênfase aos eventos chave da fala de interesse teórico (ver a
discussão no artigo de revisão de SHERZER 1977), enquanto
mantém a maior amplitude de escopo possível. Entre os mais
notáveis exemplos destes estudos de larga escala nos quais
toda uma comunidade é a unidade de análise, e os eventos
chave da fala são de interesse central são: IRVINE (1973);
SHERZER (1974); BASSO (1979) e PHILIPS (1973). Trabalhos
microetnográficos nos quais encontros particulares dentro de
um ambiente institucional são de interesse central são:
CORSARO
(1972);
MEHAN
(1979);
AHINNASO
&
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AJIROTUTU (1982); ERICKSON & SHULTZ (1982); GUMCOOK-GUMPERZ
(1982);
FISHER
&
TODD
(1983);
MICHAELS & COLLINS (1984); e TANNEN (1984).
Competência comunicativa se refere ao conhecimento e à
habilidade
necessários
para
falar
adequadamente
em
qualquer situação na qual um membro de uma comunidade
de fala pode se encontrar (HYMES, 1974, 75). O termo é
escolhido
em
contraste
deliberado
para
a
noção
de
CHOMSKY sobre competência lingüística (1965, 3-10), uma
habilidade generalizada para produzir e compreender
gramaticamente emissões bem formadas que são consideradas
independentes
das
considerações
específicas
de
adequabilidade que possam se aplicar à atuação em uma
situação real de uso. Um dos objetivos de estudos etnográficos
em sociolingüística é identificar como se distribui a
competência comunicativa dentro de uma população de
interesse de pesquisa. Outro objetivo, em alguns destes
trabalhos, é identificar os campos de interação dos enganos de
comunicação
e
conflitos
entre
pessoas
que
podem
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compartilhar a mesma competência comunicativa, mas que
diferem subculturalmente em sua competência comunicativa
(ver GUMPERZ 1982, 172-186; ERICKSON & SHULTZ 1982,
5-12, 183-190).
3. Questões de Método em Pesquisa Etnográfica
Tendo abordado algumas das principais preocupações
substantivas da etnografia sociolingüística, podemos agora
partir para considerar os principais métodos de coleta de
dados e análise que são usados na pesquisa etnográfica. Nos
últimos anos são várias as publicações sobre esses métodos:
SCHATZMAN & STRAUSS (1973); PELTO & PELTO (1978);
AGAR (1980); BOGDAN & BIKLEN (1982); HEMMERLEY &
ATKINSON (1983); e ERICKSON (1986). Conseqüentemente
nossa discussão aqui será breve, com citações freqüentes da
literatura sobre métodos, à qual o leitor é referido para maior
elaboração sobre as questões complexas que estão envolvidas
na conduta da pesquisa etnográfica.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 28
3.1. Coleta de Dados: Observação Participativa, Gravação e Entrevista
O principal método de coleta de dados é a observação
participativa
que,
em
etnografia
sociolingüística,
é
acompanhada freqüentemente por gravação em áudio e,
quando possível, por gravação em vídeo tape. A transcrição
de
gravações
fornece
evidências
detalhadas
do
comportamento verbal e não verbal dos informantes. Da
perspectiva da etnografia, no entanto, as transcrições de
registros não são interpretáveis sem serem acompanhadas
pela observação participativa e entrevistas informais.
A natureza da observação participativa é indicada pelo
próprio termo no qual o método envolve participação ativa
com aqueles que são observados. A participação do
pesquisador pode variar ao longo de uma continuidade, com
participação mínima envolvendo em primeiro lugar a
presença durante os eventos que são descritos e máxima
participação envolvendo as ações do pesquisador quase como
qualquer outro membro o faz nos eventos que ocorrem
enquanto o pesquisador está presente. Na extremidade desta
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continuidade, a única diferença entre a participação do
observador participante e de qualquer outro membro é que o
observador
participante
atenta
fortemente
para
não
influenciar o curso que os eventos podem tomar. Um
participante integral deve atentar para o mesmo também. O
participante integral pode ser altamente avaliativo do
comportamento dos outros nos eventos, julgando-os de
acordo com os seus valores pessoais e suas crenças. Em
contraste, um observador participante tenta ver os eventos
nos quais ele ou ela participa do ponto de vista do relativismo
cultural, tentando não fazer julgamentos finais e tentando
entender os eventos como eles acontecem do ponto de vista e
estabelecimento de valores dos vários atores nos mesmos.
A posição de relativismo do observador é difícil de manter.
Talvez ele nunca seja bem sucedido nisto, porém a ênfase na
observação participativa é tentar entender os eventos e
pessoas enfaticamente adotando os papéis e perspectivas
daqueles que se estuda. A ênfase na empatia e em se evitar
uma pressa de julgamento avaliativo, ao menos na primeira
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 30
visão de um novo evento, deriva do foco comparativo em
etnografia que foi notado anteriormente. O etnógrafo está
consciente de que o que está sendo visto é a execução de um
entre vários conjuntos de possibilidades humanamente
disponíveis para organizar a interação social que está sendo
observada. Portanto observação etnográfica é inerentemente
crítica, mas não negativa, necessariamente. Ela simplesmente
não leva nenhuma realidade costumeira em conta, como
fazem os participantes integrais em eventos diários. Sua
posição é aquela do realismo crítico. Nos termos usados por
POWDERMAKER em uma monografia clássica sobre trabalho
de campo etnográfico, o observador participativo tenta
continuamente ser simultaneamente um estranho e um amigo
no ambiente do campo (POWDERMAKER 1966; WAX 1971).
A observação participativa ocorre através da presença em
primeiro lugar em cenas imediatas das vidas diárias dos
membros do grupo social que está sendo estudado. Isto coloca
a situação social no centro do trabalho do observador
participativo. O pesquisador tenta seguir os informantes-
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 31
chave através da escala mais ampla possível de situações que
ocorrem em suas órbitas diárias (na órbita diária como uma
unidade de análise de pesquisa sociolingüística, ver a
discussão no artigo sobre etnicidade, número 13). As questões
cruciais para a representatividade e adequabilidade na coleta
de dados envolvem as decisões do pesquisador sobre onde
ficar no tempo, espaço e relação social com as outras pessoas
na comunidade ou ambiente social que está sendo estudado.
Estas são decisões sobre como participar com os outros, que
situações monitorar repetidamente, quais monitorar não
freqüentemente e quais não monitorar de modo algum. O
pesquisador pode escolher evitar monitorar certas situações
porque elas não têm interesse científico. Situações podem
também não ser monitoradas por considerações éticas ou
logísticas.
Idealmente o pesquisador tenta variar os tipos de participação
e maximizar tanto a escala de situações monitoradas e a
freqüência de situações monitoradas em vários pontos ao
longo da escala. É necessário “revisitar” situações similares
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 32
freqüentemente, porque a complexidade do fenômeno
observado é tão grande que o pesquisador não pode
compreender tudo em uma única observação, dado os limites
humanos de processamento de informação. Através de
repetidas observações de um tipo particular de evento, o
pesquisador pode dar atenção seletivamente a diferentes
aspectos do evento, desenvolvendo assim com o tempo uma
compreensão cumulativa de todo o evento, o que não seria
possível em uma única observação. A gravação permite uma
revisitação dos eventos vivenciados, e isso pode promover
uma
grande
performance
na
descrição
comportamental
de
pequenos
(ver
detalhes
CORSARO
da
1982,
combinando gravador com observação participante). Mas
repassar a fita repetidamente não permite a experiência de
aprendizado crucial de observação participante. Esta é apenas
disponível primeiramente através de participação pela qual o
observador, adotando parcialmente os papéis dos membros
do evento, pode testar através da ação várias hipóteses de
trabalho sobre convenções de apropriação e pode também
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 33
desenvolver entendimento enfático de perspectivas de
membros.
Durante a observação ou imediatamente após, o observador
escreve
narrativamente
notas
descritivas
sobre
o
comportamento verbal e não verbal dos participantes nos
eventos observados. Além da descrição das notas de campo
pode incluir breves passagens de especulação teórica sobre o
significado do que foi observado, bem como breves notas
sobre as suas reações emocionais. Estas notas de comentário,
bem como o conteúdo de descrição nas notas se torna um
registro da perspectiva do observador sobre as ações e
eventos observados. Muitos pesquisadores mantêm um diário
adicional no qual maiores reflexões e impressões são
registradas. As notas de campo e as entradas no diário podem
ser estudadas mais tarde para a evidência de mudanças na
perspectiva do observador, já que a lógica da pesquisa no
campo envolve um processo de resolução progressivo de
problemas no qual o observador está aberto a novas
perspectivas que se desdobram durante o curso do trabalho
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 34
de campo. O observador participante está assim criando um
corpo de registros documentais para revisão futura, em
contraste com o historiador que busca documentos já
existentes para revisar.
Se as notas são escritas in situ elas são escritas mais
plenamente na primeira oportunidade, antes de voltar ao
cenário do campo. Uma regra de ouro é que o tempo levado
para escrever as notas deve ser aproximadamente o mesmo
que na observação de campo. Freqüentemente em etnografia
sociolingüística,
registro
em
áudio
e
vídeo
podem
acompanhar a escrita de notas de campo. Neste caso as notas
de campo incluem informações sobre os registros, e a
descrição escrita forma um índice dos conteúdos das
gravações. Quando a gravação acompanha as notas de campo,
o observador está de algum modo livre para cobris
largamente a observação já que a gravação irá fornecer
informações para uma transcrição literal. O registro é feito
muito simplesmente, já que o propósito não é produzir um
registro tecnicamente ou esteticamente de alta qualidade,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 35
somente uma fonte de dados razoavelmente exata. A
simplicidade do registro deixa o pesquisador livre para
escrever ou tomar algumas notas. Mesmo quando a gravação
está sendo feitas, o observador tenta escrever um relato tão
completo nas notas quanto possível, já que as notas escritas
contêm uma perspectiva interpretativa e foco que não estão
disponíveis na gravação. Para descrição da escrita de notas de
campo, ver SCHATZMAN & STRASSUS 1973, 94-107; Agar
1979, 11; e BOGDAN & BIKLEN 1982, 1982, 74-93. Para
discussão de áudio e gravação visual em trabalho de campo
em sociolingüística, ver GRIMSHAW 1982 a e b, e ERICKSON
1986.
O segundo método principal de coleta de dados em etnografia
é a entrevista. Esta fornece evidências das perspectivas dos
participantes bem como evidências com relação aos eventos
que o pesquisador não foi capaz de observar em primeira
mão. Freqüentemente no trabalho de campo etnográfico a
entrevista é feita informalmente. Quando um evento está
acontecendo o pesquisador poderá fazer algumas perguntas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 36
sobre as ações que estão ocorrendo, ou poderá fazê-las
imediatamente depois. Geralmente nestes períodos informais
e breves de obtenção de respostas, o etnógrafo está seguindo
intuições interpretativas que surgem no momento. Em
entrevistas mais formais o pesquisador pode testar hipóteses
interpretativas
mais
exaustivamente,
usando
técnicas
etnosemânticas de obtenção de respostas (TYLER 1969; Agar
1980,
97-98),
Técnicas
Q-tipos
(KERLINGER
1972;
STEPHENSON 1953), uma pesquisa sociolingüística, ou um
cronograma de entrevistas estruturadas no qual questões
abertas podem ser exploradas em profundidade: IVES (1974);
e GORDON (1980). Se uma entrevista formal é gravada em
áudio será ainda bom tomar notas durante a entrevista. Estas
notas servem mais tarde como um índice pra os conteúdos do
registro em fita. Geralmente em pesquisa etnográfica, porém,
a entrevista é feita menos formalmente do que em outras
abordagens para pesquisa que não empregam observação
participativa extensiva como fonte principal de dados. As
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 37
notas de entrevista informal na entrevista são escritas
retrospectivamente.
Um dos propósitos principais da entrevista é fornecer
evidências referentes aos pontos de vista dos participantes
que estão sendo estudados. As evidências das entrevistas
podem confirmar ou não confirmar as inferências sobre os
pontos de vista dos participantes que foram feitas pelo
pesquisador com base na observação participativa. Esta
comparação de evidências através de fontes de dados
diferentes
é
chamada
triangulação.
Ela
fornece
uma
verificação de validade e é uma das razões principais porque
a pesquisa etnográfica emprega métodos múltiplos de coleta
de dados.
Os documentos locais são outra fonte de evidências
importante, se a população estudada é alfabetizada. A
entrevista, a coleta de cópias de registros escritos, anúncios,
memorandos e cartas no cenário fornecem maior triangulação
pala qual as inferências interpretativas podem ser testadas, já
que fornecem evidências sobre eventos que o observador não
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 38
pode testemunhar diretamente. Para discussão sobre coleta e
uso de documentos locais, ver BOGDAN & BIKLEN 1982, 97102; HAMMERSLEY & ATKINSON 1983, 127-143.
3.2. ANÁLISE DE DADOS
O trabalho de campo etnográfico já foi descrito como um
processo progressivo de resolução de problemas. É assim
importante notar que a análise de dados começa quando o
observador ainda está no cenário de campo e continua mesmo
após o tê-lo deixado. Geralmente o tempo que é necessário
para a análise de dados e relato após deixar o cenário de
campo deve ser tão longo quanto o tempo gasto fazendo
trabalho de campo. Esta é uma importante consideração
prática
ao
planejar-se
pesquisa
etnográfica
em
sociolingüística, já que tal pesquisa é trabalho intensivo
durante não só a análise como durante a coleta de dados.
A análise de dados envolve uma revisão repetida dos
registros documentais que foram coletados durante o trabalho
de campo. Enquanto a observação participativa progride, o
pesquisador pode reler as notas de campo e ouvir as fitas de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 39
áudio
enquanto
as
hipóteses
interpretativas
estão
se
desenvolvendo, sinalizando as decisões estratégicas sobre os
próximos passos da coleta de dados , quais os tipos de
eventos a serem mais observados, a quem entrevistar, etc.
Após a fase da coleta de dados, o pesquisador revisa o corpo
inteiro de notas de campo e os documentos locais. Os
registros de entrevistas e das interações que ocorreram
normalmente podem ser revistos em sua totalidade ou podem
ser revistos mais seletivamente, usando-se os índices
disponíveis nas notas que foram tomadas na hora do registro.
Neste ponto o pesquisador trabalha muito como um
historiador que também revê o corpo total dos registros
documentais disponíveis. Os propósitos da revisão de dados
extensiva são três: (1) descobrir os padrões recorrentes e
temas no cenário que foi estudado (ex: descobrir que um certo
registro foi tipicamente usado em uma certa situação ou que
recursos similares retóricos ou narrativos foram usados por
vários indivíduos em um certo papel); (2) descobrir casos
discrepantes que não se encaixam nos padrões gerais
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 40
inicialmente identificados e (3) identificar as mudanças do
pesquisador na perspectiva interpretativa durante o curso do
trabalho de campo, como evidenciado pela análise do
conteúdo da descrição narrativa e dos comentários adicionais
que apareceram nas notas de campo.
Os registros em áudio e vídeo são, neste estágio, convertidos
em documentos pela transcrição de informações que eles
contêm sobre comportamento verbal e não verbal na atuação
de falar. A seleção do material a transcrever - que eventos,
quantos de cada, que seções de evento, quais porções de
entrevistas - é feita inicialmente com base nos padrões que
apareceram nas notas de campo. Estes padrões então são
verificados pela triangulação cruzada com as evidências que
aparecem nas transcrições. Os objetivos da microanálise
sociolingüística de registros são (1) fornecer um registro
detalhado do comportamento em eventos típicos; (2)
descobrir nos registros detalhados, discrepâncias dos padrões
típicos que emergiram das evidências descritivas encontradas
largamente nas notas de campo e (3) descobrir princípios
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 41
subjacentes de organização na conduta de fala (ex: relações de
influência mútua entre falantes e ouvintes, a negociação
conjunta dos inícios, padronização cultural do uso da
prosódia verbal e gestual como sinais de coerência no
discurso e tomada de rumo conversacional). Para discussão
de questões substantivas e métodos na análise de dados
transcritos de registros por máquina, ver ERICKSON (1982);
KENDON (1977, 440-505; 1981 1-56); e GUMPERZ, AULAKH
& KALTMAN (1982).
A questão chave em análise de dados é contrastar ao longo de
certas linhas analíticas. O pesquisador busca padrões
recorrentes de co-ocorrência entre modos contrastantes de
falar, situações sociais, papéis e identidades sociais, diferenças
de grupo e subgrupo (inclusive diferenças culturais) e
diferenças individuais dentro da população que está sendo
estudada. Ao identificar estes contrastes e padrões de covariação, a distinção entre ocorrências típicas e atípicas é
crucial. Esta é a razão da pesquisa por casos de discrepância
estatisticamente esporádica ser tão importante na análise de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 42
dados etnográficos. O caso estatisticamente esporádico pode
ser especialmente analiticamente revelador também, porque
força o pesquisador a mudar inteiramente a análise padrão
que era baseada nos casos típicos estatisticamente freqüentes,
ou porque um aspecto particular do caso de discrepância dá
uma nova luz no padrão inteiro, ou seja, é uma das exceções
que prova a regra.
É, portanto desejável pesquisar o corpo de dados pelos casos
discrepantes, ou por revisão exaustiva de todos os casos em
um dado fenômeno de interesse ou usando alguns meios
sistemáticos de amostragem através do número total de casos.
Estes procedimentos de revisão reduzem o risco de que o
pesquisador irá inadvertidamente passar por cima de casos
discrepantes.
A tendência de se ignorar os casos discrepantes é um
problema na análise etnográfica, especialmente em seus
primeiros estágios. Ela leva ao que pode ser chamada a falácia
da hiper tipificação. Esta falácia deriva do fechamento
prematuro na análise indutiva de dados. Durante a análise de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 43
dados, que começa quando a coleta de dados ainda está sendo
feita, o pesquisador necessita continuar a gerar interpretações
competitivas após ter induzido uma interpretação inicial. No
entanto a ambigüidade envolvida em se fazer interpretações
alternativas pode não ser satisfatória. A necessidade de
fechamento pelo pesquisador pode levá-lo a cortar hipóteses
alternativas muito cedo. Uma vez descobrindo o que parece
ser um padrão regular de co-variação de dados, o pesquisador
tende daquele ponto em diante a ignorar as exceções ao
padrão recentemente descoberto. Assim ele
deixa de
apreender a partir das evidências não confirmadoras.
Conduzir
pesquisas
deliberadas
para
um
fechamento
prematuro e analítico e hipertificação. Para a discussão de
análise de dados discrepantes e do processo mais amplo de
indução analítica da qual ela é parte, ver o ensaio original por
LINDESMITH (1947) e o comentário mais recente por
SCHATZMAN & STRASSUS (1973), HAMMERSLEY &
ATKINSON (1983, 200-2004) e ERICKSON (1986, 144, 146149).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 44
3.3. RELATO DE DADOS
Relativamente pouco tem sido escrito sobre relato de dados.
Muito mais tem sido escrito sobre as questões éticas
envolvidas do que sobre as questões técnicas da construção de
relatos em pesquisa etnográfica.
Talvez a melhor maneira de se aprender sobre as questões
técnicas de relato de dados seja ler alguns exemplos clássicos
de etnografia criticamente, considerando a monografia
etnográfica em forma de livro como um gênero literário.
Exemplos particularmente bons para este propósito são os
relatos em forma de livro tais como MALINOWSKI
(1922/1961); FITH (1936/1963); SHIEFFELIN (1975); e BASSO
(1979); e os relatos em forma de capítulo em BAUMAN &
SHERZER (1974); GUMPERZ (1982b) e TANNEN (1984).
Outro recurso para exemplos é o artigo de revisão por
SHERZER (1977).
Ao se revisar exemplos de relatos é importante ter em mente
dois conjuntos de distinções: aquelas entre distinção geral e
particular e aquelas entre relato descritivo e comentário
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 45
interpretativo de acompanhamento. Qualquer relato de
pesquisa etnográfica se alterna entre estes tipos de escrito
enquanto um meio de apresentar evidências e de tornar as
evidências compreensíveis ao leitor.
A descrição particular é o centro do relato. Ela é encontrada
em vinhetas narrativas ricamente descritivas da interação
social
observada
durante
o
trabalho
de
campo,
em
transcrições de fala e comportamento não verbal por máquina
e em cotações diretas de entrevistas com informantes. Tais
descrições relatam evidências e explicam ao leitor os
construtos analíticos mais significativos que emergiram da
pesquisa.
Tanto
o
relato
como
a
explicação
são
feitos
por
exemplificação. Considere, por exemplo, uma asserção geral
como “Pessoas são muito indiretas exercendo controle social
através da fala” ou “A narrativa oral é um meio altamente
valorizado de arte verbal na comunidade.” As ilustrações
dessas generalizações por vinhetas narrativas especificam ou
transcrições detalhadas não somente mostra que a não direção
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 46
e a região positiva da comunidade à narrativa oral realmente
ocorreu no cenário de campo, mas também ajuda a explicar o
que significam as noções de não direção, controle social,
narrativa oral e reação positiva da comunidade à execução da
narrativa oral. Sem a descrição particular, um relato
etnográfico é ambíguo, porque seus construtos analíticos são
altamente abstratos, enquanto os aspectos da atuação verbal e
não verbal, são altamente concretos e específicos à situação. A
descrição particular ajuda ao leitor ver e ouvir como se
estivesse vivenciando a performance situada que está sendo
relatada.
Sem enquadramento interpretativo, porém, os detalhes de
comportamento
da
descrição
particular
podem
ficar
inarticulados. A visão geral é necessária para tornar claras as
relações figura-fundo ao leitor. Este enquadramento é
fornecido de duas maneiras: por descrição geral que é
sumária em potencial e por comentário interpretativo que
acompanha casos de descrição particular no texto do relato.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 47
A descrição geral ou sumária relata padrões que se obtém
através de conjuntos de casos tais como aqueles que são
relatados por descrição particular na forma de vinhetas
narrativas ou transcrições de fala. Nem todos os casos de um
fenômeno particular que estejam disponíveis no corpo de
dados podem ser relatados. O pesquisador relata somente os
casos que são mais vívidos ou que contém aspectos de
especial interessa analítico. A descrição geral torna claro onde
os exemplos relatados se encaixam nos padrões totais de
dados. Freqüentemente isto é feito mostrando-se formalmente
como os vários exemplos relatados são casos típicos ou
atípicos de um fenômeno. (A distinção entre tipicalidade e
atipicalidade foi notada na seção anterior como sendo
analiticamente crucial). As evidências para tipicalidade e
atipicalidade são um assunto de distribuição freqüente e
algumas
descrições
gerais
relatam
as
distribuições
sumariamente, ou em palavras ou em números que aparecem
em quadros de freqüência simples.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 48
Enquanto a descrição geral não ajuda ao quadro da descrição
particular, a descrição geral em si pode necessitar de algum
enquadramento. Assim um texto etnográfico também inclui
comentários
interpretativos
que
acompanham
relatos
descritivos. Os segmentos de descrição são usualmente
precedidos e seguidos por segmentos de comentários, com
relato e comentários se alternando no texto como contas em
uma corrente. Por causa da tendência do leitor em ficar
confuso com
os
detalhes
da
descrição particular
os
comentários interpretativos são necessários para ele não
perder o sentido do quadro geral do estudo.
Os dois erros mais comuns dos iniciantes em relato
etnográfico têm a ver com o balanço entre descrição e
comentários de enquadramento no texto. Muitos iniciantes
subestimam a necessidade do leitor de comentários e
produzem um texto que é rico em detalhes mas virtualmente
ininteligível para alguém que não tenha sido um observador,
em primeiro lugar, no cenário descrito. Alguns iniciantes, em
uma tentativa de manter a visão sinótica clara ao leitor,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 49
apresentam muito poucas descrições particulares. Tal texto
pode
ser
altamente
coerente,
mas
é
empiricamente
inadequado já que as evidências primárias às declarações
analíticas do autor, que são encontradas na descrição
particular, não são registradas. O autor faz declarações sem
garantia
de
fornecendo
evidências.
muito
Qualquer dos
poucas
evidências
dois
extremos,
detalhadas,
ou
fornecendo muito poucos comentários de enquadramento,
devem ser evitados ao se relatar pesquisa etnográfica. Para
discussão das questões técnicas do relato ver BOGDAN &
BIKLEN 1982 171-183; HAMMERSLEY & ATKISON 1983,
207-232 e ERICKSON 1986, 149-156.
Além das questões técnicas de relato, existem questões éticas
envolvidas também. As principais questões éticas em relatos
etnográficos dizem respeito ao risco pela publicação de
descrição particular de ações diárias daqueles que estão sendo
estudados. A descrição geral e os comentários interpretativos
geralmente não colocam os indivíduos em risco porque suas
identidades como indivíduos não ficam claras. Algum risco
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 50
pode surgir de uma tendência a estereotipação que é inerente
em asserções pejorativas feitas sobre uma população como um
todo, por exemplo. “Nesta cidade esconder a verdade dos
oficiais do governo e forasteiros era ubíquo”. Com alguma
sensibilidade à reputação do grupo social local sendo
estudado, tais convites a julgamentos prejudiciais pelos
leitores podem ser evitados.
O assunto da descrição particular levanta dilemas éticos
complexos. Por um lado, a descrição particular (quando
acompanhada
por
descrição
geral
que
estabelece
a
tipicalidade) fornece a base empírica mais forte possível para
conclusões analíticas que são estabelecidas pelo pesquisador.
Por outro lado, a descrição particular revela detalhes
específicos das ações diárias de indivíduos que podem ser
embaraçosas. Um modo de minimizar o risco de embaraço ou
sanções legais dirigidas contra aqueles que se estudou é pedir
a membros representativos do grupo estudado para revisarem
um rascunho do relato de pesquisa. Isto é possível quando a
população
estudada
contém
membros
que
sejam
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 51
alfabetizados na língua na qual o relato vai ser escrito. Outra
maneira de minimizar o risco, uma que é possível se o relato
puder ou não ser revisado pelos que este descreve, é ter o
relato revisado por questões éticas de um colega cientista.
Dada a complexidade dos dilemas éticos que podem surgir, é
uma boa precaução submeter o relato a algum tipo de revisão
com as questões éticas em mente.
As gravações do cenário que foi estudado nunca devem ser
passadas para audiências de fora sem o consentimento
explícito daqueles cujo comportamento foi registrado, mesmo
se as audiências forem reuniões profissionais de colegas
cientistas ou estudantes. Se áudio-teipes ou filmes editados
forem antecipados ou a transmissão do material o for, deve
ser buscado o consentimento por escrito para tais usos. É bom
fazer os informantes mesmo revisarem as porções do registro
em áudio ou vídeo que serão mostradas à audiência. Em
algumas nações, por exemplo, os Estados Unidos, o
consentimento informado para pesquisa social é agora
legalmente exigido e isto inclui o uso da média de gravações.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 52
Em alguns casos o consentimento verbal dos informantes
pode ser suficiente, e em outros casos há necessidade do
consentimento escrito.
Para discussão das questões éticas
envolvidas na pesquisa que usa a observação participante, ver
CASSELL & WAX 1980.
3.4. PROBLEMAS E PROPRIEDADES DA DESCRIÇÃO ETNOGRÁFICA
Como em todos os outros métodos de pesquisa, a etnografia
tem sérios limites bem como forças significativas. O problema
principal de adequabilidade nas descrições etnográficas será
revisado brevemente, começando com o problema mais
tratável e concluindo com o menos tratável, assim as
possibilidades mais significativas desta abordagem de
pesquisa serão revisadas.
O mais tratável dos problemas da etnografia é ela não ser
sistemática na coleta e análise de dados, produzindo
conclusões que são incorrigíveis, isto é, não falsificáveis. Na
análise final de dados, naturalmente, as conclusões da
pesquisa interpretativa nunca são fixas ou finais.
Para a
etnografia, porém, em parte o equívoco é devido à dificuldade
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 53
na tentativa do trabalho empírico. O observador participante
não pode estar em toda parte ao mesmo tempo. Nos dados de
trabalho de campo, a qualidade em um aspecto do estudo
deve continuamente ser sacrificada no interesse de maximizar
a qualidade dos dados em outro aspecto do estudo. Após ter
deixado o local de campo, o pesquisador pode perceber em
retrospecto porque algumas das decisões de triagem na coleta
de dados parece terem sido erradas.
Admitidamente, alguns etnógrafos têm sido não sistemáticos
ao manusear as evidências após terem sido coletadas. A
preocupação com a validade e com a produção de descobertas
significativas muitas vezes encobre a preocupação com
a
confiabilidade dos dados e com apresentação de evidências
claras para as conclusões.
Além disto, por causa da
abrangência da descrição etnográfica, é difícil agrupar as
evidências adequadamente através da escala completa de
questões abordadas em um estudo típico. Um relato
etnográfico contém proposições altamente abstratas em
relação aos padrões da estrutura social, cultura e uso da
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 54
língua e ao mesmo tempo contém descrição muito concreta.
Um destes níveis de discurso em relato é freqüentemente
encoberto no interesse de enfatizar o outro.
Os problemas de adequabilidade comprovado não são
inteiramente intratáveis, no entanto. A discussão da coleta de
dados e a análise aqui apresentada, e a literatura recente sobre
métodos de pesquisa enfatizam para se tomar cuidado ao
agrupar as evidências no sentido de garantir as asserções.
Combinar descrição particular com pesquisas sinóticas de
padrões mais amplos de dados é um modo de mostrar as
evidências mais claramente do que eram feitos em relatos
etnográficos
anteriores.
No
trabalho
sociolingüístico,
combinar evidências de transcrições gravações é outro modo
de ser explícito sobre a garantia comprovada para certos tipos
de asserções. O problema permanece, porém, dado o escopo e
complexidade da tarefa da pesquisa etnográfica.
Menos tratável do que os problemas da adequabilidade é a
tendência para se tornar a análise mais clara e nítida do que a
vida, ignorando as contradições que aparecem
nos casos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 55
discrepantes. O retrato da vida diária como hipertípico é uma
responsabilidade séria em etnografia porque ela tem raízes
não somente nas dificuldades empíricas, mas também nos
fundamentos teóricos subjacentes da pesquisa. Os terrenos
empíricos para hipertipificação já foram discutidos.
Eles
aparecem primeiro na coleta primária de dados.
O
trabalhador de campo coleta a maior parte das evidências em
eventos que ocorrem freqüentemente, menos evidências em
ocorrências atípicas daqueles eventos, e a menor evidência em
eventos raros.
Os eventos observados são fenômenos
extremamente complexos. Por causa da natureza da análise
etnográfica como resolução progressiva de problemas, o
pesquisador é capaz de aprender mais sobre os eventos
típicos
do
que
freqüentemente,
sobre
já
que
aqueles
o
que
mesmo
ocorrem
tem
menos
muito
oportunidades de observar os eventos típicos.
mais
Então a
tendência a fechamento prematuro na geração de hipóteses e
testagem leva o pesquisador a ignorar casos discrepantes. O
resultado é uma ênfase no relato feito: sobre a ubiqüidade dos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 56
padrões que se ramificam através de muitas situações e redes
sociais nas vidas diárias da população estudada.
Nesta
consistência descoberta dos padrões uma ilusão, um artefato
de coleta de dados e análises? Por causa das dificuldades
inerentes ao trabalho empírico a resposta àquela questão às
vezes não é clara.
Os fundamentos da etnografia na teoria social subjacente são
outra fonte de influência na direção da hipertipificação,
apresentando problemas muito sérios para o pesquisador. As
comunidades primitivas, estudadas pelos antropólogos,
foram vistas primeiro como discretas e isoladas. Elas foram
vistas como geográfica e historicamente separadas de outras
comunidades e foram observadas em um ponto no tempo
somente, isto é, os padrões de organização social e cultural
que
os
pesquisadores
descobriram
foram
analisados
sincronicamente, sem referência a influências históricas
anteriores. (Isto foi parcialmente devido a uma reação contra
o historicismo que prevalece na antropologia do século XIX
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 57
com seus interesses centrais e teorias de testagem da evolução
cultural).
A ênfase na consistência do padrão e no sincrônico na
pesquisa etnográfica tradicional resultaram em uma visão
estática da ordem social e uma visão homeostática do
processo social. A teoria social subjacente, uma versão
formalizada a qual é chamado funcionalismo estrutural, não
leva em conta adequada as contradições internas, o conflito e
a mudança, nem fornece um modo de localizar as
comunidades locais na estrutura social mais ampla e na
economia política de entidades como a estado-nação.
Enquanto esta perspectiva teórica, parcialmente explícita e
parcialmente implícita e intuitivamente mantida pelos
pesquisadores, poderia servir ao propósito de pequena escala
de se dar um primeiro olhar nas unidades sociais de pequena
escala das sociedades primitivas, pareceu crescentemente
inadequada quando o desenvolvimento político e econômico
ocorreu nas antigas sociedades coloniais, e quando a atenção
da pesquisa se voltou para as populações locais dentro das
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 58
sociedades complexas caracterizadas pela diversidade e
estratificação em classe social, raça, língua e cultura.
Duas linhas de crítica emergiram que levam a etnografia
tradicional seriamente à tarefa pela inadequabilidade teórica.
A primeira é a teoria Marxista e a teoria crítica neo-Marxista.
A partir destas perspectivas a tendência da etnografia em
tomar uma posição de relativismo cultural e de ignorar as
contradições internas nas vidas das pessoas estudadas é vista
como
politicamente
tola
e
irresponsável,
fornecendo
justificativa romântica para um status quo social por análise
que mascara a opressão do menos poderoso pelo mais
poderoso.
A segunda linha de crítica vem da teoria
etnometodológica em sociologia.
Desta perspectiva a
tendência da etnografia para enfatizar as regras culturais e a
socialização
como
influencias
principais
sobre
o
comportamento é vista como produzindo uma visão muito
estática
da
atuação
contextualizada,
subestimando
a
importância da produção local e retratando a ação social
mecanicamente como se os atores sociais não fossem
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 59
fazedores
de
sentido
ativos
que
tomam
a
ação
adaptativamente, mas fossem autômatos que seguissem
roteiros culturais pré-programados para comportamento
apropriado.
Estas são críticas sérias, mas infelizmente só podem ser
mencionadas aqui de passagem.
Cada abordagem de
pesquisa tem limites e fraqueza e cada uma tem forças e
produções compensadoras. As principais produções da
etnografia para a pesquisa sociolingüística estão na amplidão
de sua visão e em seu interesse em detalhes concretos de uso
de linguagem em atuação contextualizada.
Vamos revisar brevemente as produções da descrição
etnográfica que compensam por suas responsabilidades
reconhecidas. A amplitude de visão da etnografia é
encontrada na perspectiva do holismo e no foco em
comparação societária cruzada e cultural cruzada.
Ela
compartilha esta amplitude de visão, mostrada em uma
manifestação de algum modo diferente, com a teoria Marxista
e neo-Marxista. O interesse da etnografia no concreto está na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 60
preocupação
por
atividades
de
rotina
que
ocorrem
naturalmente em indivíduos específicos quando retratadas em
descrição narrativa vívida ou em transcrições de seu
comportamento verbal e não verbal. Em comum com outras
formas de pesquisa interpretativa, a etnografia vê a interação
social diária como um texto que seja multivocal e assim aberto
a uma variedade de leituras.
A etnografia, especialmente
quando focaliza os modos menos estilizados de falar em
atividades de fala, compartilha com o analista conversacional
em etnometodologia um interesse no uso improvisado e
adaptativo de padrões culturais como recursos de produção
em atuação contextualizada.
Em suma, o valor da descrição etnográfica em sociolingüística
pode ser maior quando combina seu interesse em amplitude e
generalidade com seu interesse específico concreto.
Tal
pesquisa nos ajuda a ver mais claramente as relações de
influência mútua que se obtém que HYMES (1974, 29ff)
chamou “a interação da linguagem e vida social”.
A
etnografia nos mostra esta interação social em relação com os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 61
modos específicos de falar. Ao fazer isto a boa etnografia faz
uso deliberado de métodos múltiplos de coleta de dados e de
modos variados de descrição e análise.
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Capítulo 2
Etnicidade
2
1. Definição
Etnicidade é um termo cuja definição é genérica. No emprego
usual há uma considerável superposição entre os termos em
inglês etnicidade, nacionalidade e raça (especialmente ao
considerar o uso deste termo no século XIX e no início do
século XX) e a palavra alemã “Volk”. Há níveis etimológicos
para esta polissemia uma vez que o nome original grego no
plural “ethnoi” se refere a tribos e nações não helênicas do
mundo antigo (por exemplo, trácios, persas, egípcios). O
“ethnos” foi um grupo que ocupou um território particular
cujos membros partilhavam língua e cultura distintas. No
entendimento popular, etnicidade significa ainda uma cultura
2
-
Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi
originariamente publicado
sob o título
Etninicity, In
Sociolinguistics
An
International
Handbook of the Science of Language and Society e editado por Herausgegeben von Ulrich
Ammon, Norbert Dittmar Klaus J. Mattheir, First Vol. Walter de Gruyter, Berlin. New York, pp. 9195, em 1987
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 70
distinta dentro do grupo. Em um entendimento mais técnico,
cultura partilhada e estilo de linguagem distinto não são
necessariamente atributos definidores de etnicidade.
O termo etnicidade, correntemente adotado pelas ciências
sociais, se refere à uma coletividade na qual os integrantes são
socialmente definidos em termos de descendência (FRANCIS
1976,6). Portanto, status étnico é atribuído e não alcançado. O
status étnico é também ecologicamente relacional no sentido
de que o agregado étnico, enquanto grupo de interesse
político baseado na descendência, é um grupo dentre outros,
pertencente à uma entidade política mais ampla, hoje
normalmente chamada de nação-estado. Por isso, a ecologia
política e cultural do grupo étnico é fundamental para a
própria organização interna, social, cultural e lingüística.
A inclusão de um grupo étnico, dentro de uma unidade social
mais ampla pode ocorrer de diversas maneiras. O grupo
étnico pode ser um conjunto de pessoas vindas de uma nação
residindo em outra como minoridade imigrante, por exemplo,
os turcos na Alemanha, molucanos na Holanda, italianos nos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 71
Estados Unidos e Austrália. Entretanto, o grupo étnico não
precisa ser necessariamente um grupo imigrante. Pode ser um
conjunto de pessoas que, devido a deslocamentos históricos
de fronteiras nacionais, são um grupo minoritário em uma
região e majoritário em outra região (ex: suecos na Finlândia e
na Suíça, Pathans na Índia e no Afeganistão, mexicanos no
estado do Novo México, nos Estados Unidos e no estado de
Sonora no México). Nos países em desenvolvimento, os
grupos tribais indígenas que formaram entidades políticas e
territoriais distintas anteriormente ao período colonial, podem
funcionar como grupos étnicos no estado-nação pós-colonial.
Este processo de etnização pela inclusão em uma maior
entidade política ocorreu, outrora, quando os impérios foram
estabelecidos e, dentro dos quais, um ou mais grupos étnicos
puderam constituir um estado cliente, (por exemplo: tchecos e
eslovacos dentro do império Austro-Húngaro, judeus e
fenícios dentro da província da Palestina no Império Romano
- HUNT & WALTER 1974). Devido a mudanças freqüentes
sofridas pelas fronteiras nacionais, ao surgimento do estado-
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 72
nação e à atual ubiqüidade da migração mundial, a
diferenciação étnica caracteriza virtualmente toda a sociedade
moderna.
Os termos de auto-referência usados pelos grupos étnicos
imigrantes apontam para a prioridade de se estabelecer uma
definição político-social a propósito da cultura comum como
atributo definidor do status étnico. Entre os grupos
imigrantes, uma categoria de identificação mais abrangente,
como termo de auto-referência, freqüentemente substitui uma
categoria de identificação mais específica e local, que teve
destaque no país de origem. Neste sentido, diferenças
regionais podem ser transferidas, como por exemplo, de
imigrantes da Saxônia e Bavária nos Estados Unidos adotando
o termo germano-americano como termo de auto-referência e,
imigrantes da Calábria, Sicília e Toscana chamando-se a si
próprios de ítalo-americanos. Em ambos os casos, os
imigrantes começaram a usar um termo de identificação
nacional no seu novo país, antes da unificação política das
regiões em um único estado-nação ter ocorrido em seu país de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 73
origem. Esta relação entre definição política e membros de um
grupo aponta para uma ocorrência comum de diversidade
cultural e lingüística dentro de um agregado de identificação
étnica, como por exemplo, as diferenças dialéticas entre
italianos do norte e do sul que foram tão grandes que nos
casamentos entre calabreses e toscanos, o inglês passou a ser a
língua falada pelos cônjuges como uma língua franca
(ZORBAUGH 1929, 170).
Tanto nos grupos étnicos imigrantes quanto nos grupos
étnicos indígenas residentes, a relação entre a pertinência a
um grupo étnico e a pertinência a um grupo lingüístico e
cultural é uma questão em aberto. Pode-se esperar uma
variação lingüística considerável dentro de um grupo étnico.
(Na verdade o que pode ser mais surpreendente não é a
diferença cultural dentro de um agregado étnico, mas a sua
similaridade cultural). Esta variação pode ocorrer em outras
dimensões da identidade social, consideradas neste volume
como, por exemplo, gênero, idade, geração, classe social, bem
como
em
função
da
residência
e
da
infra-estrutura
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 74
institucional. Populações étnicas específicas diferem na
extensão em que os membros do grupo étnico tendem a
residir geograficamente próximos (como em vilas rurais
etnicamente homogêneas ou guetos urbanos) e tendem a altas
proporções de contato grupal diário, devido à especialização
ocupacional étnica e à participação freqüente em organizações
etnicamente homogêneas religiosas, educacionais fraternais e
políticas.
2. Etnicidade e Outros Componentes da Estrutura Social
A chave para o entendimento da variação cultural dentro de
um grupo pode estar em descobrir as rotinas diárias dos
indivíduos para determinar se as diferenças sistemáticas
ocorrem entre, por exemplo, mulheres e homens de uma dada
classe social nos seus contatos inter e intra-étnicos. A rotina é
a seqüência inteira de situações sociais em que o indivíduo
durante sua vida diária encontra-se apenas com colegas de
etnia da mesma classe social. Outro indivíduo durante a
rotina diária pode encontrar-se com pessoas de diferentes
etnias e classe. Portanto, os dois indivíduos experimentam
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 75
rotineiramente ambientes distintos em termos de fala. Nós
podemos
esperar
que
eles
adquiram
repertórios
sociolingüísticos distintos.
As rotinas diárias enquanto ambientes de comunicação verbal
podem variar, não apenas, do ponto de vista da quantidade
de contato que ocorre com outras etnias, mas também, do tipo
de contato por exemplo: há distinções na política da diferença
cultural e na diferença de linguagem ao longo das diversas
situações
de
contato,
e
estas
podem
influenciar
no
aparecimento de aversão ou receptividade na adoção dos
estilos dos outros. Por isso, a micropolítica de interação em
situações de contato intergrupal pode influenciar nos padrões
de aquisição e uso de uma amplitude maior de estilos
sociolingüísticos por membros de uma comunidade ou rede
de fala dentro de um grupo étnico.
Estas observações foram constatadas por PIESTRUP (1973),
em um estudo sobre crianças negras da classe trabalhadora
em escolas. Ela estudou as crianças em dois diferentes tipos
de salas de aula: no primeiro tipo, as crianças eram
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 76
continuamente corrigidas por aquilo que a professora
aparentemente considerava como erros em sua fala (por
exemplo: os professores reagiram de forma negativa ao uso de
características fonológicas, sintáticas e de discurso do inglês
falado pelos negros); no segundo tipo de sala de aula, os
professores não reagiram negativamente à utilização pelas
crianças do inglês falado pelos negros. Curiosamente, nas
salas do primeiro tipo, a fala das crianças negras se tornou
cada vez mais fora do padrão, conforme o ano escolar
progredia, enquanto que nas salas de aula do segundo tipo
(nas quais o uso do inglês falado por negros não foi de forma
contínua considerado negativo) a fala das crianças se
aproximou mais do padrão de inglês conforme transcorria o
ano letivo. No primeiro conjunto de salas de aula, o estilo da
fala divergia entre o professor e os alunos, através de um
processo não-deliberado de resistência do aluno através do
qual a cultura oposicionista estava se desenvolvendo ao longo
do tempo. No segundo conjunto de salas de aula, no qual a
diferença de estilo de fala não era motivo de conflito
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 77
recorrente, a cultura oposicionista não se desenvolvia, pelo
menos não como um fenômeno lingüístico.
3. Auto-Apresentação e Identificação do Grupo.
3.1. Fronteiras e Limites Culturais
O caso de PIESTRUP pode ser entendido fazendo-se uma
distinção entre duas situações diferentes da política de
diferença cultural e lingüística entre grupos: situações que
envolvem fronteiras e situações que envolvem limites. Uma
fronteira cultural é uma noção semelhante à usada pelos
dialetólogos. Pode ser dita existente, sempre que alguma
diferença cultural regularmente identificável está presente
(por exemplo: as características - fonológica, sintática e de
discurso - pelas quais o inglês falado por negros e o inglês
padrão podem ser distinguidos). Em contraste, um limite
cultural existe quando a diferença cultural se transforma em
base para a localização diferenciada de direitos e obrigações
entre aqueles que estão em interação. Em um limite cultural, a
diferença de cultura é considerada como evidência de uma
categoria social superior ou inferior, ao longo das linhas de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 78
etnicidade, classe, gênero e tipo. Diferença cultural, neste tipo
de situação, se transforma em motivo para dominação ou para
conflito. Em contraste, na fronteira cultural a diferença de
cultura, que está presente, pode ser politicamente neutra,
pode ser conduzida de forma pragmática ou mesmo
desapercebida. Não é o que é mais ressaltado na interação e
não se transforma em áreas de conflito (veja discussão em
MCDERMOTT & GOSPODINOFF 1979, e em MCDERMOTT
& TYLBOR 1983, que elabora a formulação original de Barth
1969, 10-15).
As descobertas de PIESTRUP que ilustram exemplarmente a
distinção entre fronteiras e limites, não são únicas. As
descobertas lembram as de GILES & POWESLAND (1975)
que observaram que quando o afeto negativo era introduzido,
experimentalmente, nas conversações entre oradores de
diferentes dialetos regionais na Inglaterra, ao finalizarem a
conversação, tinham aumentado os traços do dialeto,
divergindo em seus estilos de fala, à medida que a
conversação progredia. Inversamente, se afeto positivo fosse
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 79
experimentalmente introduzido, o estilo da fala dos dois
interlocutores convergia. LABOV (1973) relatou que o dialeto
de habitantes de “Martha’s Vineyard”, uma ilha fora da costa
de Massachusetts, se tornou crescentemente divergente dos
do inglês-padrão através de uma geração. Durante o mesmo
tempo, veranistas que falavam o inglês padrão estavam indo
para a ilha em números crescentes e comprando propriedades
lá. Isto sugere que apesar dos habitantes da ilha estarem tendo
um contato cada vez mais intenso com as pessoas que falavam
o
inglês
padrão,
este
contato
se
deu
sob
algumas
circunstâncias negativas. Os moradores da ilha pareciam
demonstrar ambivalência em relação aos veranistas que, ao
mesmo tempo, eram fonte de benefício econômico e razão
para mudanças no modo de vida tradicional da ilha.
3.2. Esquizomogênese
PIESTRUP e LABOV ressaltam o fenômeno de cultura
oposicionista, neste caso o desenvolvimento progressivo de
divergência no estilo da fala entre os grupos. BATESON (1972,
107-127) inventou o termo esquizomogênese para se referir ao
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 80
processo de divergência progressiva entre grupos. Autoidentificação pela demonstração de traços culturais é um
fenômeno que se aplica não só ao estilo da fala e linguagem,
como também a outros meios de auto-apresentação tais como
as roupas, os hábitos alimentares, lei de comportamento do
gênero. Este tipo de auto-apresentação se torna a marca de
identificação do grupo. A identificação pode ir além das
linhas étnicas, por exemplo: alguém pode se vestir de forma
distinta como um jovem ou como um cosmopolita urbano,
como um homossexual ou como um membro de um grupo
religioso. Freqüentemente o estilo da fala e outros aspectos do
desempenho, como vestimentas e hábitos alimentares, podem
encobrir os sinais distintivos de membros de um grupo; são
redundantemente codificados através de diferentes canais de
desempenho.
BARTH (1969, 14-18) se refere à codificação da identidade de
grupo em termos de desempenho estilístico visível e ou
audível como uma marca diacrítica de status. Portanto, o
estilo da fala pode ser uma marca de identidade étnica assim
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 81
como de outros tipos de identidade do grupo. A ênfase e o
significado simbólico destas características de identidade
lingüística (e a vontade dos indivíduos mostrarem-se ou
esconderem-se em situações de contato intergrupal) variam
de acordo com a situação política do grupo de identidade em
relação aos outros grupos na sociedade. A formulação de
Barth é útil por focalizar a etnicidade como uma classe de
identificação independente de cultura ou traços lingüísticos
como atributos de definição.
Esta teoria tem sido criticada por outros teóricos no sentido de
ser uma definição irrestrita, uma vez que, por sua extensão,
pode adequar-se a uma vasta classificação de categorias de
identidade, por exemplo: gênero, classe, orientação sexual. A
questão de classe é intrigante neste aspecto, uma vez que em
sociedades estratificadas em classes, nas quais a mobilidade
social de uma geração para a próxima é bastante improvável,
a classe social funciona como um grupo de origem. Assim, nas
sociedades altamente estratificadas em classes, as marcas de
cultura e lingüística do status de classe podem ser
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 82
consideradas
análogas
características
de
àquelas
identidade
de
étnica
etnicidade.
e
de
classe
Estas
são
reproduzidas de geração para geração (BOURDIEU &
PASSERON 1977) e são freqüentemente tomadas como
indicadoras de habilidade e motivação por aqueles que
tomam decisões institucionais que afetam a mobilidade de
outros, por exemplo: os que fazem recrutamento e seleção
para emprego, trabalhadores ligados à saúde e ao serviço
social, educadores. Estes julgamentos podem estar fortemente
balizados por preconceitos étnicos e de classe, mascarados por
uma ideologia de decisões racionais e universalísticas dentro
das quais as particularidades comportamentais características
da identidade de grupo são interpretadas como indicadores
de mérito individual (veja ERICKSON & SHULTZ 1982,
GUMPERZ 1982).
4. Etnicidade e Conflito Social
Em situação na qual haja pequeno conflito entre os interesses
de grupos étnicos e na qual as rotinas incluem freqüentemente
situações de contato inter-étnico, considerável assimilação
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 83
cultural e lingüística pode ser estabelecida ao longo das linhas
étnicas, especialmente dentro do mesmo nível de classe social.
Isto pode ser especialmente notado nos Estados Unidos: em
Boston, por exemplo, a classe trabalhadora de católicos
romanos ítalo-americanos e irlandeses-americanos ambos
falam um dialeto denominado em termos leigos de “irlandês
de Boston”. Trata-se de um registro de identificação religiosa
e de classe social que generaliza grupos étnicos, um exemplo
de
solidariedade
simbolizada
entre
descendentes
de
imigrantes católicos, em contraste com a elite nativa de
ingleses protestantes. Isto não significa que não possa haver
competição econômica e distinções residenciais traçadas entre
os ítalo-americanos e os irlandeses americanos, mas o registro
lingüístico fornece para ambos um símbolo de distinção do
chamado estilo cultural Branco Anglo-Saxão Protestante
(BANSP) e White Anglo-Saxon Protestant-(WASP). Um
fenômeno similar parece estar ocorrendo em Londres onde,
apesar da intensa competição econômica entre a classe
trabalhadora de afro-caribenhos e a classe nativa de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 84
trabalhadores ingleses, os afro-caribenhos falam o mesmo
estilo de inglês da classe branca de trabalhadores ingleses.
Entretanto, em cidades dos Estados Unidos, afro-americanos
falam “o inglês dos negros”, um dialeto ou um registro que
difere do modo de falar da classe branca trabalhadora. Nas
cidades americanas se constata que adolescentes hispânicos
utilizam algumas características do inglês dos negros. O
resultado é que há uma “linguagem de rua” comum entre os
jovens não anglos da classe trabalhadora.
Parece que a assimilação do registro, sua manutenção e
desenvolvimento
de
novos
registros
como
cultura
oposicionista estão relacionados à presença ou à ausência de
conflitos políticos entre os grupos. Estes relacionamentos não
são simples como sugere o exemplo de inglês afro-caribenho
de Londres. Neste caso, a cor da pele pode ser a marca mais
relevante de identidade racial para londrinos brancos e negros
e, conseqüentemente, o estilo da fala não funciona como
marca de identidade racial. Alguns se surpreendem porque
este não é o caso nos Estados Unidos onde a cor de pele
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 85
funciona também como uma marca de identidade racial e
onde há o conflito inter-racial e o estigma não menos intenso
que o de Londres. Uma possibilidade pode ser a escala de
tempo envolvida. A imigração afro-caribenha em larga escala
para Londres é um fenômeno relativamente recente, enquanto
que nos Estados Unidos, negros e brancos têm residido juntos
por centenas de anos - o suficiente para a esquizomogênese
cultural desenvolver-se e espalhar-se consideravelmente
através do tempo.
Para concluir, um ponto crucial nesta discussão foi o fato da
assimilação cultural e lingüística não serem inevitáveis em
sociedades multi-étnicas, sustentado por estudiosos como
GORDON (1964). Identidade étnica e estilo de fala não andam
juntos necessariamente, apesar de poderem fazê-lo. Pesquisa
trans-cultural e trans-nacional mostra que a identificação
étnica pode ser fortemente marcada pelo estilo de fala em
algumas situações e pode ser assinalada por outros tipos de
demarcação diacrítica em outras situações. Além disso, a
ênfase da identidade étnica pode variar de acordo com as
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 86
regiões dentro de uma nação bem como entre nações.
Portanto, parece que o significado simbólico do estilo de fala
em relação à etnicidade não pode ser presumido “a priori”.
Mas precisamente, no estágio de nosso conhecimento a
valência e a ênfase de identidade étnica e a relação disto com
o estilo de linguagem e o uso de linguagem devem ser
investigadas empiricamente, grupo étnico por grupo étnico e
sociedade por sociedade.
5. Referências
BARTH, Frederick Ethnic groups and boundaries: The social organization of culture difference,
Boston. 1969
BATESON, Gregory Bali: The value system of steady state, In: Bateson, G., Steps to an ecology of
mind, New York, 107-127. 1972
Bateson, Gregory (1972) “Culture contact and schizmogenesis”, in: Bateson, G., Steps to an ecology
of mind, New York, 61-72.
BOURDIEU, Pierre & PASSERON, Jean-Claude Reproduction: in education, society and culture,
Beverly Hills, California. 1977
ERICKSON, Frederick & SHULTZ, Jeffrey The counselor as gatekeeper: Social interaction in
interviews, New York. 1982
GILES, Howard & POWESLAND, Peter F. Speech style and social evaluation, London. 1975
FRANCIS, Emerich K Interethnic relations: An essay in sociological theory, New York.1976.
HUNT, Chester L. & Walter, LEWIS Ethnic dynamics: Patterns of intergroup relations in various
societies, Homewood, Illinois. 1974.
GORDON, Milton Assimilation in American Life, New York. 1964.
GUMPERZ, John Discourse strategies, Cambridge, England. 1982.
LABOV, Willian The social motivation of a sound change, In: sociolinguistic patterns,
Philadelphia, Pennsylvania. 1963 e 1973.
MCDERMOTT, Raymond & TYLBOR, Henry On the necessity of collusion in conversation, In:
Text, 3, 3, 277-297. 1983.
PIESTRUP, Ann Black dialect interference and accomodation of reading instruction in first grade.
Language-Behavior Research Laboratory, Berkeley, California. 1973
ZOBAUGH, Harvey The gold coast and the slum: A sociological study of Chicago’s near north
side, Boston. 1929.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 87
capítulo 3
Microanálise etnográfica de interação
3
A interface entre a etnografia e a microanálise: antecedentes
intelectuais e objetivos da microanálise
Um dos propósitos principais da etnografia na pesquisa
educacional é revelar o que está dentro das “caixas pretas” da
vida rotineira nos ambientes educacionais, identificando e
documentando os processos pelos quais os resultados
educacionais são produzidos. Os processos consistem em
ações de rotina e compreensão dos participantes em
ambientes educacionais que, porque são habituais e locais,
podem
passar
desapercebidos
pelos
praticantes
e
pesquisadores. O estudo minucioso da interação através da
análise etnograficamente orientada dos registros audiovisuais
é um componente potencialmente útil de um estudo
etnográfico de educação.
Não é uma alternativa para a
3 Esse texto traduzido com autorização do autor, por carmen lúcia guimarães de mattos. foi
originariamente escrito sob o título ethnographic microanalysis if interaction. foi divulgado na
university of pennsylvania, usa e até ser entregue a tradutora em 1991, não havia sido publicado, p.
1-38.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 88
etnografia mais geral, mas, ao invés disto, um complemento a
ela.
Para entender as relações entre a microanálise etnográfica e a
etnografia mais geral, revisar as raízes intelectuais da
abordagem da microanálise de interação que está sendo
discutida neste capítulo é útil. A microanálise etnográfica da
interação deriva de cinco correntes de trabalho das quais, as
primeiras quatro estão relacionadas substantivamente e
historicamente.
A primeira abordagem, freqüentemente chamada de análise
de contexto, emergiu no início dos anos 50. Ela foi fortemente
influenciada
por
BATESON
e
MEAD
e
envolveu
antropólogos, lingüístas e psiquiatras (KENDON, 1990;
BIRDWHISTELL, 1970; MCQUOWN, 1971; PITTENGER,
HOCKETT & DANEBY, 1960; SCHEFLEN, 1973). Um esforço
paralelo foi empreendido por HALL & TRAGER (1953) e por
HALL (1968).
A análise de contexto leva em conta a
organização do comportamento verbal e não verbal, como eles
ocorrem simultaneamente durante a conduta de interação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 89
Isto foi feito através da transcrição detalhada de filmes
cinematográficos de interações ocorridas naturalmente e pela
análise das transcrições. Por causa do custo e dos limites
técnicos
(por
exemplo:
por
quanto
tempo
o
filme
cinematográfico poderia ser feito continuamente) os eventos
considerados pela análise de contexto tenderam a ser casos
únicos, geralmente não durando mais que uma hora e
freqüentemente até mais curtos.
A segunda influência na microanálise etnográfica veio da
etnografia da comunicação. Esta abordagem foi desenvolvida
pelos antropólogos lingüistas (ver especialmente as coleções
editadas por GUMPERZ & ZYMES, 1964, 1972; BAUMAN &
SHERZER, 1974; e ensaios por BAUMAN & SHERZER, 1975;
HYMES, 1974).
A etnografia da comunicação focaliza o
significado social da variação estilística na comunicação
dentro e através de grupos culturais ligados que eram
considerados comunidades lingüísticas. Muito desse trabalho
foi
feito
primariamente
pela
(FRAKE, 1975; IRVINE, 1974).
observação
participativa
GUMPERZ especialmente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 90
esteve interessado na organização momento por momento da
conduta de interação. Para a coleta e análise de dados, ele
usou registro em áudio por várias horas de cada vez e, mais
recentemente,
usou
registro
em
vídeo
(
BLOOM
&
GUMPERZ, 1972; GUMPERZ, 1982).
Uma terceira influência importante foi a perspectiva sobre
interação e sobre a apresentação do eu em encontros que se
desenvolveu no trabalho do sociólogo GOFFMAN (1959, 1961,
1981); ver também os ensaios de revisão em DREW &
WOOTON, 1988). GOFFMAN enfatizou o encontro como uma
reunião intencionalmente focalizada na qual aspectos do eu
são estrategicamente revelados e escondidos através de
amostra do ritual e rotina interacional. Para coletar
evidências, GOFFMAN usou primariamente a observação
participativa. O autor revisou a literatura e ainda a filosofia
para buscar insights sobre os momentos significativos na
interação.
As três primeiras influências descritas aqui emergiram antes
do desenvolvimento da microanálise etnográfica; a quarta e a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 91
quinta influências se desenvolveram contemporaneamente. A
quarta influência vem da análise conversacional em sociologia
(SCHEGLOFF, 1968; SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON,
1974; SCHENKEIN, 1978). Em contraste com a ênfase sobre
os padrões culturais e lingüísticos dos aspectos ritualizados
da interação (fontes exógenas de ordem na interação) que
caracterizam a etnografia da comunicação e o trabalho de
GOFFMAN, a análise conversacional enfatiza a organização
emergente endógena da interação e a compreensão ativa por
seus participantes.
A análise conversacional considera a
interação como ela é improvisada por atores sociais que
ouvem cuidadosamente o que um está fazendo ao outro e que
acabaram de fazer em momentos imediatamente presentes e
passados durante o decorrer do curso da interação.
Uma quinta influência sobre a microanálise etnográfica vem
dos vários estudiosos continentais que vêem a ação
comunicativa como uma prática discursiva que manifesta
relações de poder entre atores sociais (BOURDIEU, 1977;
HABERMAS, 1979; FOUCAULT, 1979; BAKHTIN, 1981).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 92
Desta perspectiva, certas relações - chave institucionais
manifestadas em interação (por exemplo: entre carcereiros e
prisioneiros,
médicos
e
pacientes,
supervisores
e
trabalhadores na indústria e educadores e estudantes) são
vistas como reproduzindo em microcosmo relações simbólicas
de assimetria de poder que se obtém em sociedade como um
todo e são ramificadas através dela.
(Tal análise de
sociedades modernas de larga escala lembram a análise
intencionalmente focalizada de uma sociedade tradicional de
pequena escala feita por BATESON (apud NAVEN, 1958). A
interação em ambientes institucionais é vista como definições
de moldura distinta do eu e da voz, marcando os limites
possíveis da agência humana que são, em sociedades
modernas estratificadas. (Este capítulo representa uma
discussão resumida da orientação e condução da microanálise
etnográfica. Para noções mais ricas deste trabalho, o leitor
deve
consultar
especialmente
KENDON
(1990:
15-49),
SCHEFLEN (1973) e MCDERMOTT & ROTH (1978) e , em
seus antecedentes intelectuais e objetivos, HYMES (1974).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 93
Discussões mais detalhadas do método são encontradas em
ERICKSON (1982), ERICKSON & SHULTZ (1977, 1982) e
GRIMSHAW (1982). Discussões de conexões entre os métodos
etnográficos
em
educação
e
em
sociolinguística
são
encontradas em Erickson (1986/1990/1988). Alguns exemplos
de pesquisa microanalítica em educação são encontrados em
AU (1980), BARNHARDT (1982), BREMME & ERICKSON
(1977), ERICKSON & MOHATT (1982), FIKSDAL (1990), os
capítulos em GREEN & WALLAT (1981), SHULTZ (1979) E
SHULTZ & FLORIO (1979)).
Temos considerado as origens e influências da microanálise
etnográfica de interação.
Agora vamos considerar suas
ênfases substantivas dentro da pesquisa educacional.
microanálise
de
interação
etnograficamente
A
orientada
compartilha com a etnografia educacional mais geral o
objetivo de especificar e descrever aqueles processos locais
que produzem resultados em ambientes educacionais, mas
seu propósito é documentar os processos em detalhes e
precisão ainda maiores do que é possível com a observação
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 94
participativa comum e entrevistas.
Outro propósito de
observar-se atentamente a interação é testar cuidadosamente a
validade das caracterizações de intenção e significado que a
etnografia mais geral pode pedir dos participantes que são
estudados.
Ainda outro propósito da microanálise é
identificar como os processos de interação de rotina são
organizados, em contraste com descrever que interação
ocorre.
Dado que a microanálise etnográfica é trabalho ainda mais
intensivo que a etnografia comum, ela não deve ser usada a
menos que seja realmente necessário. Nem todos os tópicos
da pesquisa devem ser tratados por esta abordagem. Quais
são as razões para investir tempo e esforço necessários para a
microanálise de interação dentro de um estudo etnográfico da
educação?
A microanálise etnográfica de registros audiovisuais é um
meio de especificar os ambientes de aprendizagem e
processos de influência social que ocorrem na interação face a
face.
É especialmente apropriada quando tais eventos são
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 95
raros ou flutuantes em duração ou quando o formato e caráter
distintos de tais eventos se desdobram momento a momento,
durante os quais é importante ter informações exatas sobre a
fala e comportamento não verbal de participantes particulares
na cena. É também importante quando se deseja identificar
nuances sutis de significado que ocorrem na fala e ação não
verbal; sutilezas que podem surgir no curso onde a atividade
tem lugar.
A verificação destas nuances de significado,
especialmente de significado implicitamente ou criticamente
expresso, pode nos ajudar a ver mais claramente a experiência
em prática dos praticantes educacionais: alunos, professores,
administradores.
O estudo microanalítico de como ocorre a interação é
especialmente apropriado quando alguém deseja reproduzir
uma prática exemplar (por exemplo: a tipo de conversa de
sala de aula onde estudantes e professores estão muito
ocupados em raciocinar juntos, em contraste com uma
conversa que sai completamente do terreno intelectualmente
ou que falhou em manter a moral do grupo).
A análise
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 96
detalhada do como da interação, em contraste com a ênfase em
seu o quê, é também apropriada quando se quer mudar uma
prática educacional existente (ex: alterar uma conversa que
nunca se inicia ou atinge o ponto de modo a se tornar um
ambiente interacional rico e atraente para a aprendizagem).
Ao tentar mudar os padrões de interação é importante ver sua
ecologia social tão ricamente e precisamente quanto possível
para observar, por exemplo, como os ouvintes influenciam
aqueles que estão falando, como a cronometragem da fala e
ação não verbal podem causar pontos intelectuais mais ou
menos salientes e coerentes na discussão de grupo, ou como a
evocação de alguma coisa dita anteriormente em uma
conversa pode tornar claro para os participantes como o
pensar junto está sendo conduzido e como ele está se
desenvolvendo.
Conselhos aos professores tais como
“estabeleça objetivos” ou “esclareça quando os estudantes
estão confusos” não são de muito uso, a menos que aquele
que dá o conselho possa especificar e ilustrar os processos do
discurso oral que estejam sendo recomendados. Quando os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 97
educadores tentam executar uma instrução mais ricamente
intelectual com uma grande variedade de alunos, ensinando
mais raciocínio do que o conhecimento de fatos simples,
envolvendo os alunos em interação com suas várias “zonas de
desenvolvimento
interação
que
proximais”
sejam
e
fornecer
inerentemente
instruções
motivadoras,
na
a
organização da interação como um meio de instrução de alta
qualidade se torna mais e mais significativa como um foco de
atenção na pesquisa educacional.
Se, porém, a descrição narrativa comum de eventos relata os
processos educacionais em detalhes suficientes de modo que a
sua organização seja clara para um leitor (ou se os tipos mais
cruciais de influência social no ambiente sejam mediados
através de escrita ou outros canais de comunicação que
estendem o exercício da influência social no tempo e espaço
além de encontros imediatos), então o pesquisador é
aconselhado a não tentar a microanálise de vídeo-teipes ou
filmes das interações face a face que ocorrem naturalmente.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 98
Esta coleta e análise de dados não seriam prudentes em tais
casos porque demanda trabalho intensivo.
Além disto, mesmo a pesquisa microanalítica, quando é feita
de uma perspectiva etnográfica, sempre envolve uma
combinação de escalas em escopo e especificidade de atenção
e em métodos de trabalho mais ou menos intensivos. No
trabalho que descreverei aqui, o interesse etnográfico em
combinar
níveis
ou
aspectos
da
organização
social,
descrevendo os padrões abrangentes que caracterizam as
instituições e comunidades e focalizando estreitamente e
precisamente
as
ações
comunicativas
particulares
de
indivíduos específicos, leva o pesquisador a prestar atenção
não somente às informações que estão disponíveis “na
tela”mas as informações que vem detrás da tela , da
observação mais ampla do participante e da pesquisa social
mais geral.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 99
1. Microanálise etnográfica como amostragem: uma visão geral dos
processos de pesquisa
Duas questões são cruciais para a microanálise etnográfica: (1)
identificar a escala completa de variação na organização da
interação em qualquer ambiente, rede de trabalho ou
comunidade que se está estudando e (2) estabelecer a
tipicalidade
e
a
atipicalidade
(freqüência
relativa
de
ocorrência) dos vários tipos de eventos e modos de
organização interacional (e de casos particulares destes)
através da escala completa de diversidade nas relações sociais
a serem encontradas no ambiente, rede de trabalho ou
comunidade.
Determina-se a escala de variação e a
tipicalidade ou atipicalidade relativa dos casos no corpo de
dados através da coleta de dados que envolve a amostragem
deliberada. A amostragem é fundamental nesta abordagem
de pesquisa por causa de um interesse substantivo primário:
determinar a escala e condições de variação na organização da
interação
dentro
e
através
de
eventos
interacionais
particulares que ocorrem nas vidas dos membros daqueles
grupos ou redes de trabalho.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 100
Para colocar isto em termos ligeiramente diferentes, estamos
interessados aqui em unir o que os antropólogos vieram a
chamar a etnografia da comunicação com sua microanálise. A
pesquisa
começa
mostrando
a
observação
geral
do
participante e então movendo se em estágios sucessivos para
uma amostragem mais restrita através da observação
focalizada crescente e registro audiovisual.
Consideremos,
por exemplo, um ambiente social particular: a sala de aula da
escola elementar na qual todos os membros estão presentes
durante o dia escolar. No início do estudo de tal ambiente,
far-se-ia primeiro a observação do participante neste ambiente
durante o dia inteiro e então, idealmente, o vídeo-teipe ou
filme de um ou mais dias completos, ligando a câmera ou
câmeras antes da aula começar, continuando a registrar até
quando os membros tiverem saído da sala de aula. Observarse-ia também e se registraria as interações de rotina dos
estudantes fora da escola, para comparar a variação na
organização da interação dentro da escola com aquela
experimentada fora dela, nas vidas totais dos participantes.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 101
Tendo coletado exemplos ao longo da escala completa dos
diferentes tipos de eventos nos vários ambientes de interesse,
a próxima questão é determinar a tipicalidade dos eventos e
modos de organização dentro dos eventos. Isto pode ser feito
pela observação repetida do participante ou por filmagem em
vídeo-teipe de algum modo mais seletivo, na qual os tipos
contrastantes de eventos durante porções do dia seriam
repetidamente filmados.
Fazer um
filme ou vídeo-teipe envolve
decisões
de
amostragem, das quais as mais óbvias são quando ligar e
desligar a câmera e para onde apontá-la. Qualquer registro
audiovisual é um documento incompleto do que realmente
aconteceu, mesmo embora um filme continuamente tomado
ou fita seja um registro mais completo do que as notas de
campo do observador participante. As decisões sobre o que
registrar e como registrá-lo, então, não são neutras. Elas são
decisões de pesquisa que devem ser informadas pela conduta
total da observação do participante no estudo.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 102
Os vídeos-teipes são indexados de acordo com os eventos e
participantes que neles aparecem.
Revisando eventos
contrastantes e conjuntos de participantes nas fitas e pela
revisão dos índices que mostram casos múltiplos destes
eventos
contrastantes,
o
pesquisador
pode
identificar
contrastes chaves baseado na escala, no foco instrumental ou
expressivo, no modo de liderança ou qualquer outra
dimensão de interesse teórico no estudo, de acordo com a
qual os eventos podem ser caracterizados e contrastados. Por
este processo, o pesquisador identifica um conjunto de tipos
de eventos contrastantes ou um conjunto de modos
contrastantes de organização interacional que aparecem em
uma variedade de tipos de eventos.
destes
tipos
de
eventos
Os casos adicionais
contrastantes
ou
modos
de
organização contrastantes dentro de um evento são então
coletados.
Até este ponto, a atenção foi focalizada principalmente em
eventos reincidentes. Uma vez tomadas as decisões sobre os
contrastes analíticos-chave de acordo com os quais a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 103
amostragem de eventos pode ser feita, eventos raros ou
únicos podem se tornar de interesse.
Estes podem ser
registrados, juntamente com os casos múltiplos de eventos de
reincidência freqüente que sejam de interesse especial.
Neste processo, o pesquisador começa com um registro
excessivamente inclusivo no início da pesquisa para se
assegurar de que uma larga escala de tipos de eventos e
modos de organização estejam presentes no corpo do material
registrado. A pesquisa se move, em estágios posteriores para
uma abordagem mais focalizada do registro, de modo a
assegurar que casos múltiplos de certos tipos estejam
presentes no corpo dos materiais de pesquisa.
Assim, a
generalização dentro do corpo de conclusões derivado da
análise de perto de alguns casos pode ser testada. Tendo
demonstrado a generalização dentro do caso (aqui, uma sala
de aula de escola), o pesquisador pode então conduzir a
pesquisa para testar a generalização das descobertas através
dos casos (outras salas de aula, outros tipos de ambientes).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 104
2. Comparação e Contraste com a Observação do Participante
A progressiva resolução de problemas é inerente dos métodos
de observação etnográfica participante e nos métodos da
microanálise sociolingüística dos registros audiovisuais das
interações humanas. Em ambas as abordagens, o pesquisador
está tentando entender os eventos cuja estrutura é complexa
demais para ser compreendida de uma vez, dados os limites
no processamento das informações humanas. Estes limites
são compensados em uma observação participante gastandose tempo no ambiente de campo. Os limites são compensados
em microanálise gastando-se tempo revisando o registro
audiovisual e freqüentemente revisando as notas de campo
também.
No ambiente de trabalho de campo, o observador participante
espera por tipos particulares de eventos reincidentes para se
manter alerta (ex: disputas sobre posse de terra, mortes,
nascimentos, preparar a refeição principal do dia, ver o
primeiro cliente em um escritório para desempregados). O
pesquisador pode buscar locais particulares como um
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 105
ambiente de campo onde um tipo particular de evento tem
mais probabilidade de ocorrer.
Isto dá ao observador
participante uma situação análoga àquela do sujeito em um
experimento de aprendizagem: a oportunidade de ter testes
múltiplos para uma tarefa similar (neste caso, a tarefa de
observar e analisar um tipo de evento particular).
Através de cada tentativa de observar um evento reincidente,
o observador participante pode alterar levemente o foco da
atenção analítica, cada vez atendendo a alguns aspectos do
que está ocorrendo e não atendendo a outros. O observador
pode também variar o foco de atenção relendo as notas de
campo tomadas durante o evento.
Apesar dos limites da
capacidade de processamento de informações do pesquisador,
a observação de longo termo e a reflexão tornam o observador
capaz de desenvolver um modelo interpretativo para a
organização do evento. Estes modelos são progressivamente
construídos através da aprendizagem de uma série de
observações parciais.
Daí, o trabalho de campo pode ser
considerado como um tipo de experimento de aprendizagem
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 106
que ocorre naturalmente, no qual o aluno adquire maestria
através de experimentos repetidos.
No trabalho de campo, dois conjuntos de decisões de
procedimento têm especial importância para corrigir o que é
tradicionalmente
considerado
como
um
prejuízo
na
amostragem e observação: (1) as decisões que o observador
toma sobre onde estar em espaço físico e social e tempo no
ambiente de campo e (2) as decisões que o observador toma
sobre os focos de atenção em qualquer ocasião de observação.
O primeiro afeta a amostragem total dos eventos que o
observador participante faz; o último afeta a totalização das
observações feitas cumulativamente através de um conjunto
de experimentos.
Uma força principal da observação participativa é a
oportunidade para aprender através da participação ativa:
pode se testar uma teoria da organização de um evento
tentando vários tipos de participação nele.
As limitações
principais são a parcialidade da visão de qualquer evento
isolado e, assim a tendência que pode prejudicar a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 107
amostragem em favor de tipos de eventos que ocorrem
freqüentemente
(porque
aqueles
são
os
que
compreender mais totalmente através do tempo).
vêm
a
Existe
também um prejuízo para com o típico em outro sentido:
dados os limites no que pode ser observado durante qualquer
experimento, a atenção do observador pode ficar dominada
cedo pelo foco da teoria de organização emergente.
A
observação pode se devotada principalmente para aqueles
aspectos da ação que confirmam a teoria, deixando de lado
outros aspectos da ação que possam desconfirmá-los.
Conseqüentemente,
as
evidências
potencialmente
desconfirmadoras são provavelmente menos registradas nas
notas de campo do que as evidências potencialmente
confirmadoras. Chamei isto em outra parte de uma tendência
para a hipertipificação na coleta de dados primária
(ERICKSON, 1988).
Em contraste ao observador participativo, o analista de
documentos audiovisuais não tem que esperar pela ocorrência
de casos de um tipo particular de evento.
O pesquisador
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 108
revisita um conjunto particular de casos passando novamente
a fita ou filme. A habilidade de revisitar o mesmo evento para
observações repetidas é a inovação principal na pesquisa
documental audiovisual. Deste modo, o analista está livre dos
limites das ocorrências seqüenciais dos eventos em tempo
real.
Ele busca no corpo registrado de fitas por casos de
eventos, movendo-as para trás e para frente no tempo e
espaço para identificar casos análogos.
Esta inovação de
revisitar os registros de tempo real de interação nos eventos
tem forças e limitações distintas.
A primeira força é a capacidade para completar a análise. Por
causa (teoricamente) das oportunidades ilimitadas de revisitar
o caso registrado, passando-o novamente, há a possibilidade
de serem observados uma variedade de focos atencionais.
Isto permite uma descrição muito mais completa do que as
notas de campo preparadas por um observador participante.
Uma segunda força é o potencial para reduzir a dependência
do observador em interpretação prematura. Porque um caso
registrado pode ser visto novamente, o observador tem
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 109
oportunidade de deliberação. Ele pode aguardar julgamentos
interpretativos sobre a função (significado) das ações
observadas, especialmente nos primeiros estágios do trabalho
de campo, quando estas inferências interpretativas podem ser
falhas. Na microanálise, a oportunidade de ver e ouvir mais
de uma vez permite ao observador chegar muito rapidamente
a inferências de intenção, pulando de momento a momento no
tempo real.
Uma terceira força na análise dos registros audiovisuais é que
ela reduz a dependência do observador em eventos que
ocorrem freqüentemente como a melhor fonte de dados. Na
observação parcial é o evento freqüente que se vem a entender
melhor.
O evento raro pode ser somente parcialmente
entendido. Para o analista de um registro audiovisual, porém,
o evento raro pode ser também estudado totalmente através
de revisão repetida.
A independência dos limites do tempo real em observação
produz uma diferença qualitativa profunda na conduta da
pesquisa no que caracteriza a observação participante. No
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 110
entanto, o uso de registros audiovisuais como fonte primária
de dados tem duas fraquezas ou limitações principais.
A
primeira e mais fundamental é que repassar um filme ou
vídeo-teipe somente permite ao analista interagir com ele
vicariamente.
Não há a oportunidade de testar as teorias
interpretativas de alguém, testando-as como um participante
ativo na cena.
Tal oportunidade é a marca registrada da
observação participativa, mas este tipo de aprendizagem não
está disponível para o observador não participativo que
repassa um registro audiovisual.
A segunda limitação é que a fim de extrair sentido
interpretativo do material registrado o analista geralmente
necessita ter acesso às informações contextuais que não estão
disponíveis no registro. O evento do dia a dia da interação
face a face que é registrado está imbuído em uma variedade
de circunstâncias: nas histórias de vida e redes sociais dos
participantes nos eventos e nas circunstâncias sociais maiores
dos eventos, inclusive a composição étnica, de classe social e
grupo social dos participantes. MARX disse que as pessoas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 111
fazem a história, mas não nas circunstâncias de sua própria
escolha.
Analisar a interação que ocorre em um evento
particular em relação com às circunstâncias mais amplas de
escolha e constrangimento dentro das quais o evento ocorre é
o que torna a microanálise etnográfica “etnográfica.” As
circunstâncias mais amplas são identificadas, documentadas e
coletadas por outros meios diferentes do registro audiovisual,
transcrição e microanálise.
Ambas as limitações - a ausência de participação como um
meio de aprender e a ausência de informações contextuais
além da moldura da tela - podem ser sobrepujadas
combinando - se a observação participativa e a análise dos
dados demográficos e históricos com a análise dos registros
audiovisuais (CORSARO, 1982). A descrição da coleção de
dados audiovisuais e análise que se seguem presume que a
observação participativa foi feita além da filmagem ou
gravação em vídeo teipe, de modo a colocar os eventos nas
fitas dentro de histórias mais amplas das quais eles fazem
parte.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 112
3. Método de coleta de dados: entrada, ótica e obstáculos
Entrar e trabalhar em um ambiente como um pesquisador
envolve um processo contínuo de negociação, seja alguém um
observador
participativo
que
visita
o
ambiente
intermitentemente ou alguém que seja um “observador
participativo” continuamente presente como membro.
Minha experiência tem sido que a entrada para se fazer
pesquisa com observação participante, que também envolva
registro audiovisual, não é mais ou menos difícil que a
entrada para fazer observação participativa geral. O crescente
uso de câmeras domésticas de vídeo desmistifica o processo
de registro.
A ubiqüidade do “replay instantâneo” em
radiações de eventos esportivos torna intuitivamente sensível
a noção de que o pesquisador (e freqüentemente aqueles
estudados também) irá aprender revendo as fitas das
ocorrências do dia a dia. Assim, o registro audiovisual para
propósitos de pesquisa é crescentemente fácil de explicar e
justificar.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 113
Um obstáculo principal diz respeito ao medo das pessoas de
embaraço potencial. O mais sério embaraço poderia resultar
da exposição da conduta de rotina das pessoas para seus
supervisores no ambiente, se estas pessoas tiverem de alguma
forma acesso às fitas. A possibilidade de que audiências de
pesquisadores em conferências, ou de estudantes em classes
na universidade, poderiam ver as fitas parece muito menos
ameaçadora que a possibilidade de avaliação por colegas e
superiores imediatos.
De acordo com isto, se seguranças
explícitas são feitas sobre os limites estritos ao acesso às fitas
por outros no ambiente local, então o processo de entrada é
enormemente facilitado. Por causa disto, a discussão que se
segue enfatiza as questões de acesso as fitas e o consentimento
genuinamente informado.
Quando estas questões são
dirigidas diretamente, a entrada não apresenta problemas
especiais.
Antes de começar a filmar em vídeo-teipe em um ambiente,
há necessidade de explicar os seus propósitos e ter obter
consentimento escrito ou verbal daqueles a quem diz respeito
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 114
o estudo. Os procedimentos apropriados para obter o
consentimento variam de acordo com as situações. Na maior
parte das vezes, estes procedimentos são os mesmos para
registro audiovisual e análise e para os tipos mais comuns de
observação participativa. Os procedimentos de consentimento
para a pesquisa etnográfica são discutidos geralmente em
textos padrão (HAMMERSLEY & ATKINSON, 1983).
Com registros audiovisuais, a confiança é a questão ética que
parece mais importante. É na verdade importante, mas não
como uma questão em si mesma. Ao invés disto, a confiança
pode ser vista como parte de uma questão mais ampla: a
necessidade ética fundamental do pesquisador prevenir que
danos sejam causados aos estudados através dos processos
pelos quais são estudados. O “dano” varia de acordo com os
diferentes tipos de pesquisa. Na pesquisa médica, o dano
pode envolver dor física, doença ou mesmo morte. Na
pesquisa
social,
o
dano
envolve
embaraço,
punição
administrativa ou punição legal. O embaraço é geralmente o
dano mais sério que ocorre.
Manter a confiança, não
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 115
revelando as identidades individuais dos estudados é um
meio pelo qual os pesquisadores sociais reduzem o risco de
dano.
Na pesquisa etnográfica, no entanto, é freqüentemente difícil
mascarar as identidades de todas as pessoas estudadas em um
ambiente ou comunidade. As pessoas temem serem filmadas
porque isto poderia tirar seu disfarce instantaneamente. Elas
poderiam ser registradas fazendo alguma coisa errada e então
poderiam ser vistas neste delito por aqueles com poder de
embaraçar ou punir.
O que é sensível então não é
necessariamente o que é registrado, mas quem poderia vê-lo e
quando. O risco pode ser minimizado através de acordos
negociados sobre quem terá acesso às fitas. Se as pessoas em
uma posição de punir nunca forem ver as fitas, ou somente
forem vê-las muito depois dos eventos registrados tiverem
ocorrido, então o risco de dano de ter sido filmado é bastante
reduzido.
Em um estudo de interação de sala de aula, por exemplo, se o
professor sabe que nenhum dos colegas professores ou
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 116
administradores irá ver as fitas feitas na sala de aula, ou
somente irão ver filmes previamente revistos pelo professor,
ou ainda que o filme seja feito somente no final do ano
escolar, as condições de risco são bem diferentes daquelas que
existiriam se o acesso às fitas fosse irrestrito quando o
consentimento foi negociado. (Deve ser notado que os
estudantes ou auxiliares de classe podem necessitar proteção
similar de revisão pelo professor se forem filmados fazendo
coisas que o professor não esperaria no curso normal de
ensino). Ao contrário, o acesso à revisão da fita poderia ser
grande, se cuidadosamente negociado. Por exemplo, em um
projeto de pesquisa de ação colaborativa, um grupo de
professores e o diretor poderiam concordar em revisar as fitas
nas salas de aula logo após o tempo de gravação. Em tal
situação, o acesso poderia ser restrito a excluir aqueles de fora
da equipe colaborativa, tal como o pessoal do escritório
central e os membros da diretoria da escola.
Um acordo
estipularia que tais pessoas não procurariam acesso às fitas,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 117
enquanto o acesso estaria aberto dentro da equipe de pesquisa
de ação.
Em cada ambiente particular, os pesquisadores e aqueles que
eles estudam devem determinar juntos que tipos de pessoas
são susceptíveis a determinados tipos de danos quando vários
indivíduos revisam juntos tipos particulares de filmes
registrados em molduras de tempo específicas e em
circunstâncias sociais distintas sob as quais ocorre a pesquisa.
Consentimentos escritos podem ser preparados, de modo a
proteger os interesses daqueles mais em risco, dadas as
circunstâncias locais particulares.
Em todos os casos,
armazenar as fitas originais e arquivos de notas sob códigos
específicos que não identifiquem os indivíduos ou locais pelo
nome, pode ajudar a reduzir o risco e a ansiedade.
Os usos a longo termo da fita também podem ser antecipados.
Durante as negociações iniciais um comitê ético de revisão
pode ser estabelecido para o projeto.
Tal comitê poderia
decidir sobre os usos futuros das fitas após o trabalho de
campo ser completado ou mesmo um relatório final ser
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 118
preparado. A microanálise leva tanto tempo, que é do
interesse do pesquisador ser capaz de identificar as fitas para
estudo futuro; porém, isto necessita ser feito de um modo
eticamente responsável.
Em meu trabalho anterior, negociação completa dos usos de
filme registrado, longe de tornar as pessoas ansiosas, reduz
seus medos e torna o processo do registro audiovisual algo
comum e compreensível. Este não é somente valioso para as
pessoas estudadas, mas também para o pesquisador.
Especialmente
quando
inexperiente
em
usar
registro
audiovisual em um estudo etnográfico, o pesquisador pode
ficar ansioso demais sobre a mística da maquinaria e seus
usos. Se o mesmo pensa na câmera como um olho penetrante
e nas fitas como radioativas e pulsantes enquanto estão na
gaveta, aquela ansiedade será comunicada às pessoas que
estiverem sendo estudadas. Em outras palavras, a prudência
e a abertura ao negociar as questões éticas envolvidas na
filmagem não somente impedem quebras de ética mas
também reduzem a sensibilidade da filmagem e das projeções
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 119
que podem surgir em torno dela para todas as partes
envolvidas, inclusive o pesquisador.
O mesmo é verdadeiro para o processo do registro
audiovisual no campo. BYERS (1966) notou que as câmeras
não tiram retratos, as pessoas sim. O registro de campo é uma
transação humana, exatamente como todas as outras
interações durante a pesquisa observacional participativa. Se
o pesquisador é de confiança e não causa obstáculos na cena
da pesquisa, então o equipamento também o será. Se a pessoa
do pesquisador é de algum modo suspeita, então o
equipamento também será suspeito. As mesmas atividades
pelas quais a inter-relação e confiança foram estabelecidas
pelo pesquisador humano no ambiente - seguindo a
negociação eticamente responsável da entrada - são aquelas
pelas quais o processo de registro fica longe de ser um
obstáculo.
Segue-se que os esforços para reduzir a visibilidade da
gravação (ex: espelhos de um lado só e microfones
escondidos) não são necessários.
Se as pessoas sendo
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 120
filmadas sabem sobre isto e concordam com os propósitos da
filmagem e confiam no pesquisador, o equipamento de vídeo
não será um obstáculo como não o é um caderno de notas ou
um gravador. Uma nota de aviso é necessária, porém. É
importante que o pesquisador esteja familiarizado com o
equipamento e sua operação. Antes de entrar em cena, é bom
ensaiar como gravar totalmente em todos os seus estágios:
carregar o equipamento em um espaço, posicioná-lo, gravar,
retirá-lo e empacotá-lo e levá-lo embora. Isto é especialmente
importante quando estiver trabalhando com uma equipe de
pesquisadores.
Cada membro da equipe deve estar
familiarizado com o que necessita ser feito de modo que o
equipamento e as relações de trabalho dentro da equipe
possam ser manejados suavemente. Quando possível, é
também bom trazer o equipamento para o ambiente e testá-lo
antes da gravação regular começar, verificando as condições
de iluminação, localização dos microfones, qualidade do som
e da imagem e assuntos do trabalho em equipe.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 121
Uma vez começado o registro, simplicidade é a palavra-chave.
O filme de pesquisa mais útil é feito dos modos técnicos mais
simples.
A câmera não se move muito, tantas pessoas o
quanto possível aparecem dentro da moldura visual e a
filmagem é contínua por longas faixas e interação no cenário.
Isto é o oposto ao modo com que os filmes documentários
editados por estúdio aparecem em um filme acabado ou como
um filme de vídeo caseiro “câmera-editado”, em uma
tentativa de imitar as convenções da narrativa do filme
documentário. Para uso como um documento de pesquisa
primário, um registro em vídeo necessita somente três coisas:
(1) moldura visual que seja consistente através do tempo (não
aproximando nem distanciando muito ou indo de um lado a
outro para ênfase narrativa), (2) uma imagem clara e (3) um
som claro.
Na abordagem da microanálise discutida aqui, as seqüências
contínuas de atividade são enfatizadas, porque a interação em
seu sentido completo é o fenômeno de interesse da pesquisa
(ex: que toda a atividade verbal e não verbal dos parceiros
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 122
interacionais esteja contribuindo para a ecologia social total de
comunicação no evento). Daí, ao fazer o filme de pesquisa
primário, não é necessário mover o equipamento ou ajustá-lo
de modo tão freqüente como quando se está fazendo um filme
documentário.
A câmera pode ser colocada em um tripé,
virada e retirada freqüentemente se a ação que está sendo
registrada permanece estável em frente da mesma. Mesmo
com uma câmera manual podese mover lentamente e
suavemente.
Pelo uso judicioso e lento das lentes zoom,
pode-se evitar chegar junto das pessoas cuja interação está
sendo registrada.
Deve ser mencionado que tem havido considerável debate
sobre os méritos relativos de filmar para propósitos de
pesquisa com uma câmera fixa ou móvel.
Algumas das
questões neste debate são resumidas por GRIMSHAW (1982:
121-144) que argumenta por uma câmera móvel. Dada a
análise feita neste capítulo, porém, a filmagem com uma
câmera relativamente fixa é a mais apropriada, especialmente
nos primeiros estágios do registro de campo.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 123
Manter a câmera relativamente estacionária em um tripé, ou
mesmo manual e incluir dentro da moldura visual tanto
quanto possível todos os corpos dos participantes do evento
interacional que esteja sendo registrado, propicia documentos
de pesquisa mais compreensíveis. É bom começar a gravar
alguns minutos antes do evento no qual estiver especialmente
interessado começar e continuar a gravar por alguns minutos
após julgar que o evento terminou. (“Inícios” e “fins” são
julgamentos analíticos feitos por pesquisadores e membros.
No início de um estudo, suas noções dos limites do evento
podem não combinar com aquelas dos membros. Além disto,
a atividade dos membros no pré início e pós conclusão dos
eventos freqüentemente parece ser significativa quando se
está revendo o filme; assim, registrar material que possa
parecer na cena ser extra filme freqüentemente aparece como
útil mais tarde.)
Existem arranjos, naturalmente.
Sacrificam-se os detalhes
visuais e auditivos pela compreensão no registro. Enquanto a
observação participativa continua e você se torna mais
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 124
familiar com a organização dos eventos de rotina que estão
sendo registrados, você pode desejar se tornar mais seletivo
no registro para aumentar os detalhes visuais e auditivos.
Para maior seletividade visual você poderia estreitar as
filmagens usando de algum modo as lentes zoom ou poderia
segurar a câmera.
Para maior seletividade auditiva, você
poderia usar microfones suspensos do teto, um “microfone
espingarda” seguro por um assistente, ou um microfone sem
fio de rádio colocado sobre um dos participantes que você
está registrando. Sua filmagem poderia ser ainda mais ampla
(na moldura visual e auditiva) do que em documentário
comum ou transmissão de filmagens. Isto tornará os filmes
não tão bonitos e o som mais penetrado pelo ruído ambiente
do que na filmagem profissional, mas seu filme será mais útil
para a microanálise. Certifique-se de evitar a convenção de
“show de fala”do cinema e tele-difusão de mover a câmera
para trás e para a frente entre os que falam quando é sua vez
de
falar.
Tanto
quanto
possível
mantenha
participantes relevantes na moldura visual.
todos
os
Os detalhes
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 125
visuais que você sacrifica (e as partes de trás do pescoço de
alguns participantes que você irá filmar) valerão a pena por
causa do valor da filmagem compreensiva que o torna capaz
de ver as reações dos ouvintes enquanto o que fala o estiver
fazendo.
Isto porque as interações são o fenômeno de
interesse, e a interação é mutuamente construída nas
atividades simultâneas dos que falam e dos que ouvem, a
moldura visual necessita incluir tantos ouvintes quanto
possível, juntamente com os que falam.
Especialmente nas salas de aula, pode ser útil usar dois
sistemas de gravação simultaneamente.
Uma câmera
estacionária, filmando continuamente com um ângulo largo e
registrando o som com o microfone da câmera, pode ser
usada junto com uma câmera portátil que registra o som com
um microfone externo e registra uma moldura visual
focalizada mais estreitamente. Desta maneira se maximiza
tanto
o
escopo
documentados.
como
especificidade
nos
eventos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 126
Uma nota final sobre registro.
Quando comprar equipamento, é bom
procurar uma câmera com um aspecto de cronômetro digital
pelo qual a hora em minutos, segundos e microsegundos
pode ser impressa na fita quando ela é inicialmente
registrada. Durante o play-back o cronômetro é visível na
tela. Isto é muito útil para a análise subseqüente. Se você não
puder registrar uma imagem de cronômetro digital na
película original, então use um gerador de hora/data para
registrar uma imagem de relógio em uma cópia de trabalho
do original. (Seu orçamento de pesquisa deve incluir, além do
filme que você planeja fazer no campo, 25% de filme adicional
para copiar para a microanálise posterior. Não use seu filme
original para analisar: Sempre o copie primeiro.)
Os filmes devem ser armazenados com etiquetas, contendo os
códigos para indivíduos e locais (não os nomes reais) e a data
da gravação. Se forem escritas notas de campo, elas devem
ser arquivadas usando o mesmo código de identificação e a
mesma ordem de série que as fitas. Mesmo se não foi possível
escrever notas de campo contínuas enquanto registrava, deve-
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 127
se manter notas em rascunho indicando as horas em que os
eventos mudaram durante o tempo de registro. Um cartão
resumindo as atividades registradas e suas durações pode ser
preso à fita ou arquivado separadamente para ser usado como
um índice a grosso modo durante a análise subseqüente. As
notas de campo devem indicar também as horas reais nas
quais a atividade se elevou durante a gravação. Estas notas
servem como uma função de indexação. Ter um índice
economiza muito tempo na revisão posterior das fitas.
4. Questões sobre análise de dados
Como uma observação participativa comum, a análise
realmente começa no próprio campo. Escolher que eventos
ou pessoas registrar envolve tomar decisões analíticas iniciais.
Moverse para maior seletividade visual e auditiva em
estágios posteriores da gravação representa outro conjunto de
julgamentos analíticos. A maior parte do trabalho analítico,
porém, é feito após o trabalho de campo estar completado.
A abordagem da análise revista aqui é discutida em maiores
detalhes em ERICKSON (1982) e em ERICKSON & SHULTZ
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 128
(1982). Na essência, ela procede similarmente à análise de
outros tipos de dados observacionais participativos: começase considerando os eventos como um todo, continua por
decompô-los analiticamente em fragmentos menores e então
conclui recompondo-os em um todo.
O último dos três
estágios distingue a microanálise etnográfica do trabalho
analítico detalhado tal como a análise morfofonêmica e
fonética na lingüística ou a análise micro-comportamental na
psicologia. Na moderna análise do discurso em lingüística,
unidades pequenas, uma vez identificadas analiticamente não
são freqüentemente recompostas no relatório de pesquisa. A
reconstrução etnográfica dos fenômenos detalhados do
comportamento interacional volta então a um nível de ação
social seqüencialmente conectada, como vista em um tipo de
compreensão narrativa que é semelhante à mantida pelos
atores nos eventos em si. Os estudos de casos microanalíticos
de interação que resultam se tornam parte das estórias
maiores e conjuntos de estórias dos quais o relatório de um
etnógrafo é construído.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 129
5. Estágio um: revisar o evento todo
Usando o filme original, começa-se por revisar um evento
todo a velocidade regular, sem parar em nenhum ponto do
caminho. Iniciando a revisão alguns minutos antes do início
do evento mencionado e continuando a revisão alguns
minutos após o final do evento mencionado, o pesquisador
observa, ouve e escreve o equivalente a notas de campo que
descrevam a atividade na fita.
As notas identificam as
localizações aproximadas em tempo das principais elevações
de atividade dentro do evento e identificam faixas de ação
verbal e não verbal que possam ser de especial interesse em
vários pontos.
6. Estágio dois: partes constituintes principais identificadoras do
evento
As localizações dos limites principais de segmentos são
verificadas em uma segunda visão, durante a qual o
pesquisador pode passar a fita para trás e para frente através
de
um
limite
mencionado
para
identificá-lo
mais
precisamente. Freqüentemente existem ao menos três partes
seqüenciais principais em um evento interacional: uma fase de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 130
início, uma fase de foco instrumental principal e uma fase
transição ao próximo evento. A parte central do evento pode
às vezes ser mais diferenciada, como o podem ser as fases de
abertura e fechamento.
Mudanças na arrumação física dos participantes no espaço
freqüentemente acompanham as mudanças na arrumação
local.
A atenção às mudanças na arrumação física pode
fornecer pistas para mudanças sutis na natureza da atividade
no evento.
A postura, olhares trocados e distância
interpessoal definem os padrões das relações físicas entre os
participantes, chamadas formações-F por KENDON (1990:
209-237).
Os papéis relacionais, identidades sociais e
hierárquicas são aspectos do padrão total da organização
social, chamada a moldura de participação por Goffman
(1981:137) e a estrutura de participação social por ERICKSON
& SHULTZ (ERICKSON & SHULTZ, 1977, 1982: 17-18;
ERICKSON,
1986
e1990).
Geralmente
de
uma
fase
constituinte principal de um evento para o próximo existe
uma arrumação na formação em F e na estrutura de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 131
participação social. Como a atividade muda de momento a
momento, assim acontece com a ecologia das relações entre os
atores sociais.
7. Estágio três: aspectos identificadores da organização do evento
principal
Tendo identificado os limites dos segmentos principais do
evento, o pesquisador examina segmentos particulares de
interesse. Estes serão freqüentemente encontrados contendo
partes constituintes ou subsegmentos.
Os limites dessas
partes são identificados, usando-se a mesma abordagem
empregada no estágio dois.
Várias faixas seqüenciais de
atividade serão identificadas. Neste nível de análise, as faixas
de fala ou de ação não verbal são identificadas pela fala
tipicamente conectada e pelos vários tipos de rotinas de
discurso, ou ainda podem ser definidas primariamente por
seqüências conectadas de ação não verbal (ex: uma criança
empilhando uma série de blocos e então os derrubando, um
professor e um aluno arrumando aparato de laboratório para
uma experiência de química).
Dentro das faixas assim
definidas, o analista define a estrutura de participação social
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 132
em detalhes ainda maiores do que no estágio dois,
especificando
as
contribuições
participantes do evento.
relativas
dos
vários
Por exemplo: em uma faixa, um
falante primário pode ser acompanhado por alguns ouvintes
que falam um pouco enquanto ouvem e por outros ouvintes
que mostram atenção por olharem e aquiescerem. Na próxima
faixa, três falantes primários podem sobrepor suas falas,
enquanto os membros restantes da audiência mostram
atenção verbalmente e em rápidas falas.
Poderíamos
caracterizar as duas faixas globalmente dizendo que a
participação foi mais animada na segunda do que na
primeira. Mais precisamente, porém, poderíamos identificar
uma mudança na ecologia da participação social notando que
existiu um falante primário na primeira faixa, recebendo dois
tipos diferentes de atenção de diferentes partes da audiência,
enquanto na segunda faixa a participação se dividiu em dois
tipos principais: o dos três falantes primários e o do resto do
grupo como audiência.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 133
A ênfase aqui está nas relações dialéticas e ecológicas da
influência mútua entre os participantes do evento, não nas
ações de pessoas individuais consideradas isoladamente das
ações dos outros.
8. Estágio Quatro: Foco nas Ações dos Indivíduos
O quarto estágio envolve a transcrição detalhada do
comportamento verbal e não verbal dos indivíduos nas faixas
de ação conectada seqüencialmente que foram identificadas
no estágio três.
lingüistas,
Aqui os tipos de transcrição feitos pelos
analistas
de
discurso
e
pesquisadores
em
comunicação não verbal são preparados. A transcrição é
teoricamente guiada; isto é, as convenções de transcrição
variam dependendo dos propósitos analíticos do pesquisador
(para discussão, ver OCHS, 1979). Idealmente uma transcrição
deve mostrar as relações entre a atividade dos vários
participantes.
Por exemplo, se a fala de uma pessoa é
mostrada, as ações não verbais de ouvir, simultâneas de um
ouvinte, podem ser mostradas na transcrição de tal modo que
não somente a ocorrência da ação não verbal do ouvinte é
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 134
notada, mas sua posição seqüencial (e, possivelmente, sua
duração em tempo real) em relação à fala do falante que é
mostrada.
Neste nível de detalhe, as diferenças culturais nas maneiras
costumeiras de organizar a interação se tornam mais
aparentes. As maneiras culturalmente diferentes de organizar
a condução específica da interação podem confundir os
estudantes, tornando eventos que estejam organizados de
maneiras culturalmente não familiares, tipos bem distintos de
ambientes de aprendizagem para eles subjetivamente, em
contraste com eventos nos quais os padrões de organização
interacional que ocorrem sejam culturalmente familiares. Tais
diferenças na organização detalhada da interação podem
produzir para a experiência de eventos assim organizados
tipos muito qualitativamente diferentes de ambientes de
aprendizagem para as pessoas de diferentes origens ou
disposição temperamental. Este é o motivo pelo qual uma
compreensão detalhada da organização comportamental dos
eventos interacionais tem significado potencial na pesquisa
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 135
educacional: pode ajudar-nos a entender porque diferentes
tipos de interação nas situações de ensino e aprendizagem
podem ser experimentados como mais ou menos educativos
(ver a discussão em CAZDEN, 1988: 99-135).
9. Estágio cinco: análise comparativa de casos ao longo do corpo da
pesquisa
A microanálise, neste nível de detalhes descrito no estágio
quatro, é feita em faixas de interação que são ou típicas ou
atípicas da interação que ocorre geralmente dentro do corpo
de interação gravado, dentro do corpo maior da interação que
foi observado e documentado nas notas de campo, mas não
foi registrado. Após preparar uma microanálise de um único
caso, ou de alguns casos, é necessário demonstrar a
representatividade dos casos. Isto é feito buscando-se no
corpo de registros e notas de campo outros casos que sejam
análogos ao primeiro. A analogia pode ser ao nível do evento
nomeado mesmo (ex: todas as lições de leitura com um certo
grupo de estudantes podem ser buscadas e revistas); pode ser
ao nível de uma função específica ou atividade interacional
(ex: buscar todos os casos de interação nos quais alguém usou
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 136
humor para persuadir, ou todos os casos nos quais o professor
redirecionou a atenção dos estudantes após eles terem se
distraído). As amostras do conjunto total de casos análogos
são analisadas mais globalmente, em menos detalhes do que a
primeira. Os casos típicos e atípicos podem ser comparados e
suas freqüências relativas são relatadas em quadros sinóticos
ou quadros de freqüência. Mesmo se cada caso possível no
corpo não seja analisado, o pesquisador deve demonstrar que
ele buscou no corpo inteiro, exaustivamente. Deste modo o
pesquisador pode declarar que casos discrepantes possíveis,
que
poderiam
invalidar
as
conclusões,
não
foram
inadvertidamente ignorados.
A pesquisa sistemática por padrões de generalização dentro
do corpo reforça o argumento da representatividade dos casos
escolhidos para a microanálise.
Assim, a microanálise
etnográfica é feita pelo método da indução analítica de
identificar fenômenos significativos e dimensões de contraste.
Esta é a mesma abordagem indutiva da resolução progressiva
de problemas que caracteriza a etnografia geral e tipos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 137
relacionados de pesquisa social qualitativa (ver a discussão
clássica por LINDESMITH (1947) e a discussão mais recente
por HAMMERSLEY & ATKINSON (1983) e ERICKSON (1986
e 1990)).
Como os casos análogos são identificados?
As faixas de
interação dentro das fases constituintes principais dos eventos
interacionais completos
exibem relações
funcionais
de
interesse (ex: uma maneira particular de persuadir ou
explicar, uma configuração particular de atenção da audiência
e sua influência sobre o falante, uma organização rítmica
particular de atividade não verbal e fala). Estas atividades
dentro dos eventos são identificadas e buscadas através de
muitos eventos interacionais diferentes que são nomeados
pelos participantes.
Na pesquisa em sala de aula, por
exemplo, os padrões de atenção da audiência que influenciam
os
falantes
podem
ser
investigados
observando-se
microanaliticamente faixas comparáveis de fala a audiências
em lições de matemática, em lições de artes da linguagem, em
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 138
discussões de início da manhã e em interações entre
estudantes no playground.
A
organização
da
atenção
da
audiência
varia
sistematicamente através de diferentes tipos de falantes e
diferentes combinações de membros de audiência? Ela varia
através de momentos estratégicos diferentes dentro dos
eventos? A atenção da audiência é tipicamente diferente no
início de certos tipos de eventos de classe do que nos finais de
tais eventos?
Tais questões de comparação podem ser
respondidas identificando-se casos através de diferentes
eventos e através de diferentes fases dentro deles. As notas
gerais feitas nos estágios um e dois da revisão do vídeo-teipe
servem como um índice para a comparação dentro e através
de eventos que foram registrados no corpo de interação.
As informações derivadas da observação participativa e
intervenção
também
têm
um
lugar
na
microanálise
comparativa de casos. As identidades sociais locais especiais,
atitudes e costumes (bem como identidades e culturas mais
gerais que variam ao longo de linhas de classe, sexo, raça ou
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 139
etnicidade) podem pesar significativamente na organização
da interação que está sendo estudada. Por exemplo, em uma
classe do início do primeiro grau, a melhor leitora entre as
meninas pode tipicamente receber um tipo de atenção
diferente dos seus companheiros do que o recebido por uma
garota que não é uma boa leitora; as crianças inglesas que são
leitoras
medíocres
podem
receber
atenção
dos
seus
companheiros bastante diferente do que recebem as latinas
que são leitoras medíocres. O conhecimento do pesquisador,
através do conhecimento e intervenção de um professor ou
pai, também pode modelar a interpretação analítica daquela
interação do adulto com uma criança.
Para evitar invocação ao azar de informações de base para
"explicar” o que pode ser visto no material registrado de
pesquisa, é necessário disciplinar o uso interpretativo das
informações além da tela. Uma boa regra é localizar as
informações de base somente em relação a evidências precisas
de comportamento disponíveis através da gravação.
Por
exemplo, se certos tons de voz ou expressões faciais foram
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 140
usados no comportamento de escuta dos estudantes somente
quando o melhor leitor entre as meninas estava falando para
eles, então a inferência de que sua identidade social como
uma excelente leitora foi relevante para o tipo de atenção que
ela recebeu de seus companheiros é mais justificada que se
aquele tipo particular de comportamento de audição fosse
dado a uma mais larga variedade de falantes.
10. Conclusão
A microanálise de interação na etnografia da educação foi
discutida em um trabalho que começou comparando a
microanálise com a observação participativa, continuou
descrevendo as questões éticas e de procedimento na coleta de
dados e concluiu revisando questões de análise de dados. As
conexões entre a etnografia geral e a microanálise foram
enfatizadas em todo o trabalho.
É de se notar que mesmo quando o foco analítico está mais
estreito e mais preciso na transcrição das ações de indivíduos,
em
detalhes
comportamentais
muito
pequenos,
esta
abordagem enfatiza a ecologia social e cultural do significado
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 141
e a ação, exatamente como o faz a etnografia mais geral. Este
não é um "micro” estudo isolado dos processos macro-sociais,
nem é comportamentalista em orientação, apesar de sua
estreita atenção a detalhes do comportamento interacional. A
transcrição e a análise se focalizam nas relações de influência
mútua que ocorrem entre os participantes, inclusive nas
relações ecológicas entre falantes e ouvintes que ocorrem
durante o tempo real de acontecimento da interação. O de
interesse na interação, como é socialmente e culturalmente
organizada, é assim vista analiticamente e caracterizada no
relatório como fundamentalmente social, um assunto das
ações de vários participantes constituindo ambientes de
significado e influência para as ações dos outros. Assim, esta
abordagem não relata simplesmente o que um ator social
isolado faz em um momento particular. Ao invés disto, ela
mostra professores e aprendizes, em quaisquer combinações e
em quaisquer cenários que possam ser encontrados, como
constituindo mutuamente a atividade um do outro em
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 142
ambientes vivos de aprendizagem que se estendem através de
momentos sucessivos no tempo real.
Temos assim a microanálise etnograficamente orientada, não
somente porque tenta uma descrição cultural das ações
comunicativas e de seus significados locais, mas porque tal
microanálise fornece uma perspectiva holística sobre a
conduta da interação e dos processos pelos quais a
aprendizagem
humana
e
mudança
têm
lugar.
Fundamentalmente, esta análise não é “micro”, mas “macro”
em seus interesses, exatamente como a microbiologia e o
DNA e RNA têm importância fundamental no estudo da
ecologia.
A microanálise etnográfica retrata a interação
humana imediata como atividade coletiva de indivíduos em
relações institucionalizadas que, atuando localmente na vida
diária
de
modos
reincidentes,
estão
reproduzindo
e
transformando suas próprias histórias e a da sociedade maior
dentro da qual eles vivem.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 143
11. Referências
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Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 146
Capítulo 4
Aprendizagem e colaboração no ensino: pesquisas em andamento
4
Acredito que a prática colaboradora é essencial para um
ensino e um aprendizado excelentes em salas de aula. Isto
parece especialmente verdade dada a atual ênfase na reforma
4 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi
originariamente publicado sob o título Research Currents: Learning and Collaboration In
Teaching. Reprint from Language Arts, March 1989. Pp. 430-440.
Nota do Editor original - Muito da vida é uma procura de colaboração bem-sucedida sejam os
colaboradores participantes de sala de aula, membros de família, escritores ou atletas de um time.
Nesta última publicação do ano acadêmico, Frederick Erickson discute os significados da
colaboração sob sua perspectiva como participante em pesquisa de sala de aula. Leitores vão
reconhecer temas familiares entrelaçados ao longo desta história de desenvolvimento: temas como
o diálogo como um modo primário de interação, o papel e a natureza da pesquisa de sala de aula,
aprendizagem como fortalecimento, colaboração no ensino e pesquisa com a convivência com
dilemas. Conforme ele apresenta o que a colaboração foi para ele, Erickson também nos fala o que
ela não foi: a colaboração não foi um processo de alcançar um pleno acordo entre os participantes,
nem foi a execução do acordo sob metas curriculares. Ao contrário, a colaboração foi uma
negociação contínua e nunca simples dos diferentes pontos de vista dos participantes, com o
objetivo de compreender esses enfoques e melhorar a educação na escola participante. Com a sua
estória, Erickson lembra a coluna de Maxini GREENE (1988), primeira deste ano acadêmico: Para
ela, promover a clareza de expressão em público e o compartilhamento de crenças é o objetivo das
artes da linguagem numa sociedade democrática. As negociações entre Erickson e seus
colaboradores os ajudaram a progredir em direção a uma meta. Através desta colaboração, eles
criaram uma comunidade de alunos e professores que se aperfeiçoaram juntos,
Frederick Erickson é professor de Educação e Coordenador da Divisão de Liderança Educacional
da Escola de Graduação em Educação da Universidade da Pensilvânia. Entre suas muitas
publicações “The Counselor as Gatekeeper” ( com Jeffrey J. SHULTZ, Academic Press, 1982) e os
capítulos do Manual de Pesquisa no Ensino – “Handbook of Research on Teaching”- (Macmillan,
1986) e o livro do ano 1986 – “1986 Yearbook”- da Associação para Supervisão e Desenvolvimento
Curricular têm tido influência, especialmente, em expandir o entendimento de educadores sobre
pesquisa qualitativa e seu potencial para sustento humano e para discussões razoáveis sobre
dilemas da educação. C.G/ A.H.D.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 147
educacional do ensino que favorece o raciocínio e o
entendimento dos estudantes e o fortalecimento profissional
de professores. Colaboração parece ser uma condição
necessária se a prática no ensino for aprimorada de forma
fundamental e duradoura. No entanto esta mudança pode ser
meramente cosmética e passageira o que é sempre um perigo
quando começamos a falar sobre aperfeiçoamento ou sobre
reforma nas escolas.
Deveríamos colocar de maneira a mais clara possível o nosso
objetivo em relação à colaboração na profissão de ensinar.
Pensemos sobre o que a palavra em si mesma pode significar
ao ser usada na linguagem comum. Colaboração significa
trabalhar junto de modo que possibilite o intercâmbio de
ajuda mútua. A troca de ajuda deve ser genuína e não apenas
uma ação que parece ajuda - manifestando- se através dos
gestos mutuamente úteis.
Colaboração como ajuda mútua tem pelo menos dois aspectos
fundamentalmente diferentes; pode afetar tanto a quantidade
de trabalho como a qualidade deste. Em termos de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 148
quantidade
de trabalho, a articulação dos esforços dos
parceiros permite a todos realizarem mais como grupo, do
que qualquer outra pessoa trabalhando sozinha. Porém, ao
usarmos o termo colaboração, ele não se refere apenas à
quantidade de trabalho que é feito, mas também expressa algo
sobre a qualidade de vida do trabalho que ocorre. Parece que
assumimos que ter colegas genuinamente úteis um ao outro,
realça o trabalho individual de cada colega, fazendo o
trabalho deles ser mais fácil ou menos solitário ou, ter mais
sentido, ou de alguma outra forma ser mais satisfatório do
que se o mesmo trabalho fosse feito sozinho. Nós também
esperamos que ao longo da colaboração resulte um produto
de melhor qualidade.
Colaboração não produz sempre os melhores processos de
trabalho e os melhores produtos. Poesia, por exemplo, é
provavelmente melhor escrita por um único autor. Mesmo o
poeta, no entanto, tem que se considerar escrevendo para
audiências passadas e futuras. Alguns tipos de trabalho
somente são bem feitos de forma colaborativa. Acredito que o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 149
ensino é um exemplo disso; requer colaboração se for para ser
bem feito. Nada duradouro pode ser executado de maneira
educacional
sem
alguma
acomodação
mútua
e
sem
pensamento compartilhado por professores e seus alunos, que
são seus principais colaboradores. Quando tentamos ensinar
sem colaboração dos que estão aprendendo, nós deturpamos
o ensino de forma quase irreconhecível, inibindo os tipos de
aprendizagem possíveis. Se esta suposição está correta, então
colaboração não é uma opção que devemos acrescentar se nós
quisermos fazer o ensino ser mais agradável ou mais
atualizado. Mais precisamente, a colaboração pode e deve ser
a condição essencial para o sucesso da prática profissional dos
professores e alunos.
Todavia, é muito fácil assumir romanticamente que a
colaboração entre professores, estudantes, administradores e
pais - é um benefício puro, tão vantajoso para o espírito como
para a produtividade no trabalho. Quando nós colocamos um
peso muito grande na colaboração, nós podemos considerá-la
capaz de resolver tudo - esgotamento do professor, alienação
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 150
e
baixo
rendimento
do
estudante,
decisões
dos
administradores arbitrárias e mal direcionadas, hostilidade
por parte dos pais, irrelevância na pesquisa educacional e
impraticabilidade das prescrições para a reforma educacional.
Espero que, dentro de poucos anos, nós olhemos a
colaboração de forma crítica para tentar ver onde ela é
essencial no trabalho de ensinar e onde ela não é essencial e,
talvez mesmo, inapropriada.
Colaboração suscita velhos temas e dilemas do ensino: Como
pode alguém planejar com antecedência e também responder
aos interesses imediatos dos estudantes à medida que eles se
tornem aparentes durante a lição? Como pode alguém confiar
nos
estudantes
com
autoridade
compartilhada
(ou
administradores para este assunto) e mesmo assim estabelecer
limites para preservar a integridade de alguém? Como podem
interesses rivais serem resolvidos quando o que estudantes e
professores querem ou o que administradores e professores
querem está em conflito? Se estes forem dilemas verdadeiros conflitos inerentes entre mercadorias igualmente valiosas -
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 151
então eles não são "problemas" capazes de terem "solução",
mas tensões que devem ser vividas continuamente na prática
de ensino. O discernimento dos problemas pode ajudar-nos a
conviver melhor com os dilemas, mas nós não devemos
esperar que mesmo um profundo discernimento vá prover
um "arranjo" para os dilemas do ensino colaborativo. É
preciso, definitivamente, conviver com os dilemas !
5
Alguns
tópicos
considerando
de
três
colaboração
diferentes
tipos
são
de
aqui
ilustrados,
relacionamentos
colaboradores no ensino: colaboração entre professores e
alunos,
entre
professores
e
administradores
e
entre
professores e pesquisadores. Começarei com a última dessas
associações, porque é ao longo desta pesquisa e da ação
colaboradora com os professores que tenho aprendido muito
sobre relacionamentos colaboradores na profissão.
1. Professores e Pesquisadores em Colaboração
Em fevereiro de 1985 me envolvi em um projeto com
professores do grau primário e diretores que combinaram
5 Para mais discussão sobre a idéia de que na prática do ensino enfrentamos dilemas que não têm
solução mas que é preciso conviver com eles, veja Lampert, 1985
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 152
pesquisa colaboradora com desenvolvimento de equipe .
6
Quatro colegas da universidade, um professor colaborador
(um experiente professor contratado para meio expediente
pelo instituto de pesquisa da universidade), e dois estudantes
graduados se encontravam regularmente com três professores
de primeiro grau e o seu diretor. A equipe com base
universitária ultrapassava em número a equipe básica da
escola e isto poderia ter levado à coação. Não levou. Isto
ocorreu, em parte, porque os professores sustentaram sua
própria força como experientes profissionais, e também
devido a um acordo explícito feito, desde o início, pelos
participantes do projeto que as direções para a reflexão sobre
a prática e para a mudança elaboradas em conjunto passariam
a ser identificadas pelos próprios professores e não por
administradores ou por pesquisadores da universidade.
Nenhum de nós sabia como orientar a equipe direcionada
6 O projeto intitulado "Teacher Development and Organizational Change", foi patrocinado pela
Universidade do Estado de Michigam financiada pelo Instituto Nacional de Educação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 153
para o desenvolvimento do professor, mas aquilo foi o que
nós tentamos.
Creio que uma outra razão para que o nosso trabalho tenha se
desenvolvido como colaboração genuína é porque ele foi
estruturado sistematicamente como diálogo. Cada semana
todos os participantes trocavam apontamentos em jornais de
diálogo. Em intervalos regulares nós nos encontrávamos em
sessões de planejamento onde mantínhamos diálogo face a
face. Oralmente e por escrito os professores e o diretor
relatavam um para o outro as reflexões sobre a própria prática
e exprimiam seus interesses e preocupações em relação à
mudança. Reuniões e intercâmbio em jornal com os visitantes
universitários na escola e nas salas de aula forneceram uma
oportunidade para ocorrer uma troca mais intensa de opiniões
entre os professores e o diretor do que em qualquer outra
situação. Nas reuniões, a equipe com base universitária
também tinha voz. Eles relatavam suas observações como
visitantes - visitantes freqüentes, mas ainda alheios à prática
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 154
diária. Eles exprimiam seus interesses, preocupações e
opiniões sobre o ensino e a administração da escola.
Eu
nunca
tinha
experimentado
como
pesquisador
trabalhando com professores uma troca de idéias tão
completa e franca. Por que foi assim? Porque eu acho que no
trabalho
anterior
com
professores,
meu
papel
como
pesquisador etnográfico inibiu o diálogo com eles. Tenho me
especializado em aprofundar a observação participante de
longo-prazo de professores, individualmente, algumas vezes
chamado de "etnográfico", "qualitativo" ou "naturalístico" no
qual muitas relações se desenvolvem e os professores falam
de sua aprendizagem por terem sido estudados . É claro que
7
nesta abordagem, pesquisadores chegam mais próximo dos
professores do que em qualquer outro tipo de pesquisa
educacional. Contudo, há ainda uma barreira à colaboração
total. O pesquisador percorre grandes distâncias para evitar o
7 Meus pontos de vista sobre esta abordagem estão apresentados em Erickson 1986. Nesta
discussão eu concluí exprimindo a esperança de que tal pesquisa sobre aprendizagem iria cada
vez mais ser feita pelos próprios professores, ou pelos professores orientadores e/ou
pesquisadores da Universidade.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 155
julgamento e a interferência na prática normal do professor. O
pesquisador tenta evitar junto com os professores afastar os
relacionamentos de poder desigual que eles tiveram no
passado com visitantes que foram às suas salas de aula como
supervisores ou avaliadores.
Apesar do pesquisador tentar arduamente não julgar ou
influenciar o professor, alguma coisa artificial se desenvolve
no
relacionamento
entre
pesquisador
e
professor.
O
relacionamento torna-se um pouco como aquele entre um
terapeuta não-diretivo e seu cliente. Em entrevistas de
pesquisa etnográfica, por exemplo, o papel do pesquisador é,
freqüentemente, o do terapeuta estereotipado, repetindo e
parafraseando o que o paciente acabou de falar. Este tipo de
entrevista não é um diálogo porque o entrevistador não
adiciona conteúdo (ao menos idealmente). O entrevistado
conta todas as estórias. Na conversação ordinária os parceiros
trocam estórias, tal como professores fazem: “Aquilo
aconteceu com você? Algo parecido aconteceu uma vez
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 156
comigo. Eu estava carregando os livros de matemática
quando..."
Em pesquisa etnográfica tradicional, o pesquisador sempre se
auto-censura, conta relativamente pouco da própria estória
dele e, em conseqüência, nunca chega a dizer o que ele pensa
ou quer! Isto pode ser bastante libertador para o professor que
está trabalhando com um pesquisador etnográfico, da mesma
forma como falar com o terapeuta pode libertar o paciente de
julgamentos internos e externos que são desagradáveis e
abruptos. Mas nem a entrevista terapêutica nem a etnográfica
são um diálogo verdadeiro porque ambos os parceiros não
são colaboradores iguais no compartilhamento de idéias.
Em nosso diálogo escrito e oral no projeto, os professores
exprimiram preocupação com "gerenciamento". Cada um tem
ensinado pelo menos por 12 anos. Eles se sentiram
sobrecarregados devido ao número de coisas pelas quais eles
eram responsáveis: comportamento do estudante, trabalho
escrito, aproveitamento escolar do estudante e bem-estar
emocional do estudante e dos próprios professores. "Cem por
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 157
cento de responsabilidade", foi a maneira que colocou um
professor. Outra professora disse que ela se deparou,
ocasionalmente, se sentindo responsável pelas situações das
crianças quando a vida dentro de casa era difícil. Estes foram
professores conscienciosos. Eles acharam o trabalho deles
solitário e o encargo de "cem por cento de responsabilidade"
exaustivo.
A equipe de base universitária percebeu as coisas de forma
diferente. Nós podíamos ver as frustrações dos professores
com a administração e a responsabilidade pessoal. Porém,
alguns de nós estávamos preocupados com o "currículo"
relacionado às preocupações expressas pelos professores com
o gerenciamento. Um de nós era especialista em artes de
linguagem e no ensino da escrita. Nós identificamos
problemas no ensino tradicional de leitura nas salas de aula,
nos grupos de leitura ordenados segundo a habilidade
reunidos um por um, enquanto o resto da sala fazia trabalho
sentado (individualizado) - completando páginas de livros de
exercícios e cópias de papéis que forneciam a prática em
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 158
habilidades específicas de leitura e matemática. À medida que
o tempo do grupo de leitura passava, o "gerenciamento"
perdia entusiasmo, e enquanto alguns estudantes acabavam
rapidamente o trabalho sentado e mudavam para outras
coisas (incluindo leitura de livros num canto da sala), outros
permaneciam nos trabalhos sentados e pediam ajuda a outros
estudantes ou desistiam frustrados de seu trabalho. Se os
alunos do trabalho individualizado pediam ajuda a outros
alunos ou começavam a tagarelar ou cochichar com outros
colegas para se divertirem, as suas ações, vistas da cadeira do
professor, pareciam ser no grupo de leitura uma "conversa
com seu vizinho" o que não era permitido porque era visto
como "fora da tarefa". Além disso, após o trabalho ser
terminado, o professor tinha que encarar a correção de todos
estes trabalhos. Os produtos desse trabalho individualizado
foram juntando-se à carga de trabalho com os papéis dos
professores.
A um número de pesquisadores da universidade parecia que
estas maneiras de ensino da leitura e da escrita estavam
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 159
exacerbando o gerenciamento dos problemas de sala de aula e
exaurindo a energia dos professores. Alguns pesquisadores
estavam frustrados ao observar o que pareciam ser estratégias
de ensino de auto-anulação. Entretanto, os pesquisadores
enfrentavam o dilema. Por um lado, o contrato feito com os
professores era que eles tomariam a iniciativa de identificar os
problemas para reflexão e atuação naquilo que enfocássemos
juntos. Por outro lado, parecia que os professores não estavam
cientes de um importante aspecto do problema que eles
apresentaram como o mais importante para eles. Se a equipe
da universidade apenas "diagnosticasse" os professores,
agindo
como
típicos
desenvolvimento
e
os
supervisores
ou
equipe
assessorasse
para
definir
de
o
gerenciamento, seriam repetidos velhos padrões pragmáticos
de ensino.
Dar aos professores um conselho sem este ter sido pedido não
é
colaboração.
mantivessem
Contudo,
suas
bocas
se
os
pesquisadores
fechadas
e
apenas
concordassem
completamente com a agenda estabelecida pelos professores,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 160
esta atitude não seria colaborativa porque envolveria
falsidade; seria um silenciar não autêntico de opiniões da
equipe da universidade. Ambos os grupos de atores possuem
peças do quebra-cabeça, mas as peças são diferentes. Se um
tipo diferente de ensino da arte de linguagem fosse tentado
(escrita com fim em aberto, trabalho cooperativo, grupo
heterogêneo de leitura), o trabalho do estudante em sala de
aula pareceria bem diferente. A orientação do trabalho do
estudante mudaria necessariamente em termos do currículo e
modos de instrução. Assim, não se poderia dizer que os
professores estavam simplesmente errados em estabelecer a
coordenação a partir da preocupação mais importante ou que
a equipe da universidade estava simplesmente certa em
identificar o currículo como um problema fundamental.
2. Professores e Estudantes em Colaboração
Ao final de setembro de 1985, os professores, o diretor e a
equipe de pesquisa estiveram trabalhando juntos por 5 meses,
sem contar o verão que tinha recém terminado. Havia um
professor novo também. Um dos professores da primeira série
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 161
ficou doente, não retornou à escola e foi substituído por um
professor de segunda série, um voluntário que se juntou ao
projeto.
O intercâmbio semanal no jornal tinha começado com o início
do ano escolar, assim como os "encontros do time" semanais
para discussão e entrevista da equipe da universidade com os
professores e também os encontros de duas em duas semanas
de todos os participantes envolvidos no projeto. Subitamente,
nas primeiras semanas de outubro, todos os três professores
iniciaram tentativas para novas abordagens em suas salas de
aula. Kathy, uma professora de primeira série, descobriu que
um exercício de matemática que ela adotara para dar
continuidade à lição sobre o conceito de "mais um" estava
confundindo os estudantes. No dia seguinte, ela trouxe cubos
manipulativos e unifixos e colocou as crianças trabalhando
juntas em pequenos grupos utilizando os cubos para
demonstrar "mais um". Usando os blocos as crianças podiam
observar o pensamento umas das outras, e o professor era
capaz de percebê-lo também. Isso era um tipo de colaboração
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 162
- não apenas trabalhar em grupos, mas fazê-lo de maneira a
revelar, de forma mais clara, o pensamento de uma pessoa
para as outras - compartilhando revelações do pensamento
entre estudantes e também entre os estudantes e o professor.
Fran, a professora de segunda série, estava preocupada com a
"dispersão" dos estudantes na sala aquele ano. Ela tinha duas
crianças que eram consideradas talentosas e alguns poucos
estudantes cujos desempenhos na leitura eram os mais baixos
que ele havia tido em anos. Ela também estava preocupada
em fazer da sala de aula um lugar social e emocionalmente
seguro para os alunos, no qual eles pudessem cometer erros e
tivessem oportunidade de experimentar coisas novas. Um dia
o grupo "fraco" de leitura estava "martirizado" em todos os
sentidos: os estudantes se tornaram desinteressados à medida
que um aluno após o outro lia de forma vacilante, em
comparação ao leitor básico; o professor olhou o pesquisador
com uma expressão penalizada quando o último leitor
capacitado na sala não prosseguiu na sua vez de ler em voz
alta, e o pesquisador se sentiu extremamente desconfortável
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 163
ao observar e tomar notas.Ele escreveu no intercâmbio do
jornal no dia em que o grupo fraco de leitura parecia
contradizer o objetivo de segurança do professor - parecia ser
um lugar para "a demonstração pública de incompetência".
Quando a professora leu isto, ficou primeiramente ofendida,
mas ela se lembrou que no diálogo com o pesquisador, ele
tinha se mostrado genuinamente preocupado com ela e com
os estudantes. Ela falou com Kathy, que lhe sugeriu tentar
usar o próprio material escrito pelas crianças como o material
para os grupos de leitura. Fran começou a fazer isto, pedindo
aos mais habilitados leitores e escritores para escreverem suas
próprias estórias e aos menos habilitados ditarem as estórias
para ela. Ela decidiu chamar cinco crianças de uma vez para
formarem um grupo, combinando níveis de habilidade.
Trabalhando com a equipe da universidade, ela planejou
meios adicionais para colocar os alunos de melhor e os de pior
desempenho da sala juntos, num trabalho cooperativo em
atividades de grande interesse. Os alunos começaram a
colaborar mais entre si e com o professor. A professora
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 164
colaborou com seu colega que sugeriu uma nova estratégia de
ensino e também com os pesquisadores visitantes em sua sala
de aula, com quem ela debateu idéias e desenvolveu novas
estratégias para lidar pedagogicamente com os temas de
"segurança" e "dispersão".
Na mesma semana, Teresa também começou a instituir
mudanças fundamentais em sua sala de aula. Ela estava
particularmente preocupada com os resultados do trabalho
em sala de aula. Ela queria reduzir a quantidade de papéis de
trabalho que os professores tinham a cada semana e estava
preocupada com o desenvolvimento de responsabilidade nos
alunos por suas próprias ações. (De fato, foi Teresa quem
inventou o termo "cem por cento de responsabilidade" em
uma de nossas primeiras reuniões do projeto). Segundo ela,
"responsabilidade do aluno" era, primeiramente, as crianças
seguirem regras de sala de aula que o professor havia
definido. Mas então a natureza da "responsabilidade"
começou a mudar em seu entendimento e prática.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 165
Teresa recebeu vários estímulos que contribuíram para a
mudança. Alguns deles vieram dela mesma ao refletir sobre
seus objetivos, alguns vieram da reflexão e mudança
percebida em seus colegas. Um estímulo veio de um
comentário de um integrante da equipe da universidade que
levantou a questão sobre o valor educacional dos métodos de
ensino de leitura da que ela usava. Quando esta questão foi
levantada, ela ficou inicialmente ofendida, como Fran tinha
ficado quando um pesquisador questionou o que ela estava
fazendo. No entanto, Teresa sentiu que vinha questionando
seu próprio método de ensino cada vez mais profundamente e
o comentário do pesquisador tinha ressonância dentro dela
ainda que os sentimentos mobilizados fossem desagradáveis.
Teresa decidiu então organizar suas crianças em grupos de
aprendizagem cooperativa que iriam circular pelos centros de
ensino. Responsabilidade pela aprendizagem e para a
avaliação do aprendizado seriam partilhadas de novas
maneiras pelo professor com os estudantes. As mudanças no
tempo de trabalho individualizado que Teresa havia
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 166
começado finalmente se desenvolveram em profundas
transformações da visão social e acadêmica do ensino de
leitura e escrita e, também, da ciência e matemática. Nos
centros de aprendizagem os estudantes desenvolveram muito
mais a escrita com final em aberto do que antes. Tarefas mais
ricas em opções do que as fichas de trabalho individualizado
usadas, tornaram-se o foco dos centros de aprendizagem.
Teresa levou tempo para planejar aquelas tarefas, mas foi
bem-sucedida
em
reduzir
consideravelmente
o
tempo
despendido em revisões de trabalhos escritos, uma vez que os
alunos estavam fazendo menos trabalhos por semana. O velho
padrão de "conduta" desinteressada foi substituído, à medida
que o tempo do trabalho individualizado se reduzia passava,
por um compromisso mais firme em altos níveis de
desempenho acadêmico. Esta substituição aconteceu com
dificuldade ocorrendo na medida que a própria natureza do
"trabalho" ia mudando.
Todos os três professores descobriram que o nível de
envolvimento do aluno aumentou conforme as tarefas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 167
designadas para eles se tornavam mais interessantes,
envolvendo mais escolha e dividindo mais responsabilidade
entre os estudantes e entre eles e os professores. A escrita do
estudante representou um papel importante nas mudanças
em sala de aula feitas por cada professor. Anteriormente, a
escrita do aluno (além daquela feita nas páginas do caderno)
envolvia construções de sentenças a partir de listas de
palavras escritas pelos professores no quadro de giz a cada
manhã antes da aula. Conforme os professores começavam a
experimentar novas maneiras de ensino em várias áreas de
assuntos, eles passavam a usar mais escrita com final em
aberto e também consulta de escrita cooperativa entre os
estudantes como uma solução para ganhar e manter a atenção
dos estudantes.
Não só o nível de envolvimento dos estudantes aumentou
conforme as tarefas de sala de aula iam se tornando mais
colaborativas e mais ricas intelectualmente, mas também a
qualidade do desempenho dos alunos aumentou. Os alunos
estavam trabalhando mais tempo em tarefas mais difíceis,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 168
produzindo um trabalho melhor do que antes. Os professores
consideraram esta animação a recompensa pelo esforço
empregado em mudar a sua prática. Eles perceberam que eles
mesmos estavam esperando mais de seus alunos do que antes.
Em uma de nossas reuniões de planejamento Teresa
apresentou um "insight" sobre expectativas usando uma
imagem forte. Ela falou que estava pensando sobre o
recipiente que vinha todo ano com grilos para um dos
projetos de ciência do S.C.I.S.. Ela observou que quando se
tirava a tampa do recipiente, os grilos não pulavam para fora.
Presumidamente, eles tinham aprendido onde estava o teto
formado pela tampa e não pulavam mais alto que este. Aquilo
era o que tinha acontecido com seus alunos e com ela. Eles
tinham, inadvertidamente, construído um teto-máximo de
desempenho na sala que era menor do que as suas
possibilidades. Conforme o teto-máximo de desempenho
crescia na sala, professores e alunos perceberam que podiam
fazer melhor do que vinham experimentando.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 169
3. Professores e Administradores em Colaboração
A diretora prestava atenção ao que Teresa falava e só tomou a
palavra quando Teresa acabou. Ela já vinha discutindo com a
equipe da universidade e com seus colegas da equipe da
escola, questões sobre o seu papel de liderança. Sentindo-se
tocada pelo que Teresa acabara de falar, a diretora percebeu
um
paralelo
entre
o
que
os
professores
estavam
experimentando em suas salas de aula e o que ela estava
experimentando em seus relacionamentos com a equipe da
escola. Ambos estavam compartilhando de novas maneiras
com seus subordinados. Na medida em que a diretora pedia
ao corpo docente que tomasse decisões sobre seus trabalhos,
ela percebia que o teto de desempenho deles subia. O antigo
"efeito do teto" que limitava o que as pessoas tentavam
realizar parecia ter funcionado tanto na equipe de professores
como entre os professores e as estudantes. Quando a diretora
começou a dividir autoridade, o teto de desempenho e
expectativa começou a aumentar na equipe de professores.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 170
Poucos meses após esta reunião da equipe do nosso projeto,
um encontro da equipe de professores foi marcado para antes
do horário da escola. Durante a noite, neve e chuva
começaram a cair. A diretora vivia bem longe dali.
Considerando que o tempo e o tráfego iriam impedi-la de
chegar na escola a tempo para a reunião, ela telefonou a para
escola e deixou um recado dizendo que os professores
deveriam ir em frente e fazer a reunião mesmo sem ela. Os
professores, reunidos, tomaram algumas decisões, adiaram
outras até que eles pudessem se encontrar com a diretora e
identificaram novos assuntos a serem considerados na
próxima reunião. Quando a diretora chegou, logo após a
abertura da escola, ela recebeu a notícia da reunião. Todo
mundo concordou que tal tipo de reunião nunca teria
acontecido durante a gestão do último diretor. Se o outro
diretor não pudesse comparecer, a reunião teria sido
cancelada. A nova diretora era um novo tipo de líder. Juntos,
ela e os professores, estavam vivenciando tipos de liderança
que eles nunca tinham assumido antes.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 171
4. Conclusão
É notável como a confiança e risco estão envolvidos na
colaboração. A nova diretora confiou na equipe de professores
de outras formas, mas não sem risco. Os professores
confiaram, em seus alunos, de outras formas, mudando a
natureza de alguns trabalhos diários de sala de aula. Isto
envolvia risco. Na medida em que as tarefas de sala de aula
ficavam mais em aberto, o que poderia ocorrer se os
estudantes se perdessem nelas ou as abandonassem? Seriam
os estudantes mais difíceis de lidar do que antes? O que a
nova diretora pensaria dos professores, o que pensariam
outros professores na escola, se suas experiências de dividir
autoridade e responsabilidade com seus estudantes tivessem
fracassado redondamente? Havia riscos para os estudantes
também - à medida que o trabalho da sala de aula assumia
uma direção colaborativa, mostrava o pensamento deles de
forma mais clara, para o professor e para outros alunos. Tal
avaliação envolveu risco.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 172
Por sua vez, os pesquisadores corriam novos tipos de risco.
Eles concordaram com os professores e com a diretora não
apenas em fazer pesquisa, mas também em desenvolver um
relacionamento que criasse uma equipe colaboradora. O
acordo foi estabelecido de maneira que os professores iriam
agendar sua própria aprendizagem e mudança. O que
aconteceria se os pesquisadores falassem e escrevessem o que
eles pensavam durante o diálogo com os professores, quando
parte do que os pesquisadores pensavam eram críticas sobre a
prática dos professores? Como ser honesto sem ser coercitivo
ou arrogante?
Todos
os
participantes
enfrentaram um
risco que
é
fundamental numa situação de colaboração prolongada. O
risco era o salto de fé requerido para confiar que um colega de
trabalho não iria "tirar o corpo fora" uma vez que todos
adquirimos mais confiança um no outro, descobrindo que
podíamos contar cada vez mais um com o outro. Apesar da
insegurança e apesar de alguma raiva e lágrimas, nós
conseguimos executar mais trabalho em conjunto do que se
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 173
qualquer
um
de
nós
estivesse
trabalhando
sozinho.
Colaboração envolve a exposição do trabalho de alguém para
os companheiros de trabalho. Isto pode ser, a princípio,
ameaçador. Em nosso projeto, os participantes expuseram,
através do diálogo oral e escrito, seu trabalho e o seu
pensamento. O diálogo ocorreu dentro e entre conjuntos de
papéis - professor, aluno, administrador, pesquisador - que
não estão normalmente ligados pela comunicação em mãodupla tão intimamente como nós experimentamos. O diálogo,
na situação de colaboração, coloca mais visíveis as diferenças
entre pontos de vista que as diversas pessoas trazem para seu
trabalho. Tornar mais explícita a divergência de ponto de
vista poderia ser encarado como motivo de divisão. Todavia,
nós não sentimos assim. Parecia que quanto mais as pessoas
em diferentes papéis viam a perspectiva das outras, mais elas
percebiam o trabalho de elaboração mental de cada uma, o
que significava olhar a outra como um ser razoável, sensato,
que faz sentido.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 174
Isso não aconteceu sem haver conflito. Basta lembrar das
tensões entre os pesquisadores e os professores.
Houve
também tensões entre os professores e seus alunos à medida
que o relacionamento entre ambos ficava mais colaborador.
Apesar disso, quando os diversos membros da equipe
mostravam cada vez mais sua diversidade de pontos de vista,
eles não acabavam todos pensando de forma semelhante.Pelo
contrário, parece que as tentativas de colaborar e de ser
progressivamente mais explícito sobre as diferenças de
opinião permitiram aos participantes do projeto elaborarem as
tensões que foram resolvidas mais facilmente do que se
tivesse havido menos diálogo e, conseqüentemente, menos
clareza de compreensão sobre o que os outros estavam
pensando.
Estou seguro de que nossa experiência não foi única, e que
existem lições gerais a serem tiradas das estórias particulares
relatadas aqui. Especialmente significativo foi o papel que a
escrita teve em nosso diálogo e na colaboração. Foi um meio
importante através do qual os adultos do projeto exploraram
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 175
novos tipos de comunicação e mudaram as relações de ensino
e aprendizagem em sala de aula.
Outra característica significativa de nossa experiência foi que,
os
professores,
uma
vez
aptos,
se
movimentavam
rapidamente para fazer mudanças na prática de sala de aula,
que, com o tempo,
se transformaram em mudanças
fundamentais.Ao darem os primeiros passos para a mudança
eles não contaram principalmente com o conselho da equipe
da
universidade
consultaram
ou
da
diretora.
primeiramente
entre
Os
professores
eles,
usando
se
o
conhecimento sobre as novas práticas (escrita com final em
aberto, centros de ensino, manipulativos em matemática) que
eles já conheciam, mas ainda não havia tentado usar
plenamente na sua prática de ensino. Logo, com o
desenvolvimento da mudança, os professores procuraram
alguma assistência técnica por parte dos pesquisadores e da
diretora. Todavia eles começaram por si próprios. A equipe
da universidade pode ter sido um catalizador da mudança,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 176
mas a mudança que ocorreu foi iniciada e pertenceu aos
professores.
Se isso for verdade de forma ampla, é um sinal de esperança.
Se
os
professores
experientes
já
possuem
muito do
conhecimento de que eles precisam para melhorar sua prática,
então o seu conhecimento pode ser ativado (deslanchado)
através de esforços de colaboração na profissionalização, nos
quais as próprias iniciativas dos professores e as respostas de
seus alunos em sala de aula tornaram-se a maior força
motivadora na reforma educacional. Novas e melhores formas
de associação entre professores e estudantes em sala de aula,
com os administradores, com seus colegas professores e com
os pesquisadores que também são educadores de professores
podem estimular a aprendizagem em todos aqueles que
participam da colaboração. Nesse tipo de aprendizagem,
ninguém escapa dos clássicos dilemas da aprendizagem. Mas
nessa aprendizagem pode-se conviver com tais dilemas e o
conflito inerente a eles de forma mais criativa, usando sua
própria energia mais positivamente que antes. Isto constitui a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 177
própria reforma educacional, porque aprendizagem que é
profunda e genuína nos re-forma e fortalece, assim como
fortalece nosso trabalho e nossa colaboração com os outros.
5. REFERÊNCIAS
CAMPBELL, D. Collaboratioon and contradiction in Staff Development Project Teachers College
Record 90 (1988), No prelo.
ERICKSON, F. Qualitative Research on Teaching In Handbook of Research on Teaching. 3rd Ed.,
edited by M. Wittorock. New York: Macmillan, 1986.
LAMPERT, M. How Do Teachers Manage to Teach? Perspectives on Problems in Practice. Harvard
Educational Review 55 (1985): 178- 194.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 178
Capítulo 5
Registros audiovisuais como fonte primária de dados
8
A compreensão completa da reflexibilidade da ação social
necessita de especificação dos modos da coordenação
interacional através da investigação (1) dos conteúdos
diretamente observáveis da ação, e (2) das interpretações dos
significados mantidos pelos atores. Esse artigo vai delinear os
procedimentos para a análise dos registros de Som-Imagem
(RSI) da interação, identificando a organização hierárquica,
sub-eventos constituintes e comportamentos mais ou menos
típicos. A abordagem defendida é a de se movimentar a partir
de um evento como um todo, para os sub-eventos
8 ESSE TEXTO TRADUZIDO COM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR, POR CARMEN LÚCIA
GUIMARÃES DE MATTOS. FOI
ORIGINARIAMENTE PUBLICADO
SOB O TÍTULO
AUDIOVISUAL RECORDS AS A PRIMARY DATA SOURCE.IN A. GRIMSHAR (EDITORS)
SOCIOLOGICAL METHODS AND RESEARCH (SPECIAL ISSUE ON SOUND-IMAGE RECORDS
IN SOCIAL INTERACTION RESEARCH), 1989, 11 (2) 213-232.
NOTA DO EDITOR DO ORIGINAL. PODEMOS DIZER QUE QUASE METADE DO ARTIGO
ORIGINAL DO PROFESSOR ERICKSON FOI CORTADA. OS MAIORES CORTES FORAM FEITOS
NO MATERIAL DE (1) EMBASAMENTO TEÓRICO, E (2) CUJA SUPERPOSIÇÃO OCORRE
SUBSTANCIALMENTE COM OUTROS ARTIGOS SOBRE ESTA QUESTÃO DOS MÉTODOS E
PESQUISA SOCIOLÓGICA.
NO DECORRER DESSES CORTES, MUITAS REFERÊNCIAS
CRÍTICAS TAMBÉM FORAM PERDIDAS: O PROFESSOR ERICKSON NÃO É RESPONSÁVEL
POR SUA AUSÊNCIA. SENTIMOS QUE POR CAUSA DAS LIMITAÇÕES DE ESPAÇO, NÃO
PUDEMOS PUBLICAR O ARTIGO EM SUA ÍNTEGRA. ADG E DH.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 179
constituintes e os comportamentos mais ou menos típicos. O
método da Microetnografia é contrastado com a observação
participante mais tradicional.
Como outros estudantes de interação face a face, desde o
tempo de WEBER (1922:30) e mesmo antes, eu vejo o
fenômeno como um fenômeno de reciprocidade e de
complementaridade em sua atuação no tempo, e cultural e
socialmente
organizado.
A
compreensão
total
da
reflexibilidade da ação social requer uma especificação dos
modos de coordenação interacional pela investigação (1) do
conteúdo da ação diretamente observável, e (2) das
interpretações dos significados mantidos pelos atores, que
devem ser deduzidos da observação das reações dos parceiros
um com relação ao outro durante o evento, e das entrevistas
dos participantes (e de outros informantes) após o evento para
esclarecer suas interpretações do que estava sendo feito. Parte
do
conteúdo
dessas
interpretações
é
geralmente
compartilhado entre os informantes, derivando de padrões
culturalmente apreendidos para julgar o significado e a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 180
adequação. Outros aspectos do conteúdo das interpretações
são específico-pessoais e específicos dos eventos, e são
proveniente das diferentes biografias e personalidades dos
participantes no evento (ou outras pessoas como tópicos) e da
estória interna exclusiva do evento propriamente dito.
Um aspecto chave dessa perspectiva teórica é o que os
parceiros em interação consideram das ações uns dos outros
no tempo real. A organização social de uma interação face a
face possui duas dimensões: a recíproca (num sentido menos
abrangente do que considerou WEBER) e a complementar. A
dimensão recíproca, como foi usada aqui, se refere às relações
de alternância e de seqüência através de momentos sucessivos
do tempo real. Os parceiros em interação levam em
consideração as ações uns dos outros retrospectivamente,
reagindo ao que foi feito por alguém no momento exatamente
anterior. Eles também levam em conta as ações uns dos outros
perspectivamente antecipando o que acontecerá em seguida e
ao fazer isso, freqüentemente sinalizam a alteração do que o
ego espera que aconteça em seguida. Em pesquisas recentes, a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 181
dimensão recíproca (seqüencial) da organização social da
interação foi considerada mais inteiramente pelos analistas
conversacionais (SACKS et al., 1974; SCHENKEIN, 1973). Um
exemplo de organização recíproca é a relação de proximidade
e seqüência em uma série de rodadas de perguntas e respostas
em uma conversa.
A interação face a face também possui uma dimensão
complementar de organização no tempo real. Isto envolve as
relações entre as ações simultâneas dos parceiros em
interação. Verbalmente e não-verbalmente, a qualquer
momento, os interlocutores levam em conta o que os outros
estão fazendo naquele momento, ou acabaram de fazer, ou
ainda estão para fazer em seguida. Por exemplo, enquanto os
interlocutores estão falando, os ouvintes estão ouvindo ao
mesmo tempo. O comportamento de ouvir e de falar coocorrem simultaneamente e em sincronia, cada parceiro
completando (complementando) a ação do outro. Em
pesquisa
recente,
(simultânea)
da
a
dimensão
organização
de
social
complementaridade
da
interação
foi
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 182
considerada mais inteiramente pelos analistas de contexto,
notadamente por CONDON (1974, 1976), KENDON (1977), e
por SHEFLEN
(1973), que
foram influenciados
pelos
antropologistas BATESON (1956, 1972) e por BIRDWHISTELL
(1970).
A realização bem sucedida da interação conversacional requer
que os participantes compartilhem de pelo menos algum
conhecimento
das
regras
gerativas,
ou
dos
princípios
operacionais, para a adequada ação verbal e não-verbal; isso é o
que HYMES (1974) chamou de competência comunicativa. O
conhecimento das prescrições de papel ou das regras para a
produção da fala não precisam ser nem idênticas entre os
indivíduos nem completas dentro de todo o grupo a fim de
que a interação prossiga; no entanto, diferenças bem pequenas
nas regras podem gerar dificuldades ainda maiores na
comunicação (ERICKSON & SCHULTZ, 1982; GUMPERZ,
1982; SCOLLON, 1982).
Alguns dos tipos de perguntas levantadas pela perspectiva
teórica foram delineadas aqui por mim: Como podemos saber
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 183
quando alguém está zangado, feliz ou sendo irônico? Como
podemos saber quando uma coisa nova e importante está
começando a acontecer em um evento? Como as pessoas se
reconhecem e reagem às rupturas na ordem social da
interação? Como é que as sanções positivas e negativas são
feitas comportamentalmente, e o que fica sancionado? Como é
que as mesmas pessoas se movem, dentro da interação, de um
conjunto de papéis e relações de “status” para outro, dentro e
através de eventos - de super-ordenação e de subordinação
para
um
relacionamento
de
maior
igualdade,
da
informalidade para a formalidade, da conduta de acordo com
regras burocráticas e protocolares para um modo mais
pragmático, modos de relação menos sacramentais, no qual
procedimento padrão de operação podem ser suspensos?
Qual
é
a
extensão
do
conhecimento
e
habilidade
comunicativas de que um indivíduo precisa para estar
capacitado a interagir efetivamente e apropriadamente dentro
e através de uma variedade de ocasiões sociais - qual é o
repertório de interação de um indivíduo?
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 184
Essas são questões sobre a organização da interação face a
face que se articulam com questões de interesse clássico para a
sociologia: burocracia, conflito social, cooperação, status social
com relação ao poder, influência e autoridade. As questões
presumem que os construtos sociológicos tal como status, são
construídos dentro da interação, e que é importante entender
a vida social como ela acontece. Uma perspectiva particular é
tomada sobre a natureza da sociedade e sobre a ordem social
propriamente dita. O restante deste artigo é dirigido para a
demonstração de como, através da análise conversacional
realizada por sociolingüistas contemporâneos, através da
microetnografia feita por antropólogos e através de estudos
sobre a coerência do discurso feita por lingüistas, poderemos
começar a encontrar respostas para tais questões.
1. Duas preliminares
Antes de voltar a uma descrição dos procedimentos analíticos,
quero enfatizar dois pontos tratados nos artigos sobre essa
questão por CORSARO & GRIMSHAW. Primeiramente, como
ambos observaram, nenhum RSI constitui um registro
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 185
completo de qualquer evento ou comportamento em um
evento, e o registro do RSI de valor teórico ótimo necessita
cuidadosa atenção nas considerações de amostragem. Para
meus propósitos, isso significou a identificação da extensão
completa da variação na organização da interação em
qualquer ambiente, rede de trabalho ou comunidade que seja
a unidade de análise, e estabelecendo-se a tipicalidade e
atipicalidade (freqüência relativa de ocorrência) de vários
tipos de eventos e modos de organização de interação das
fases constituintes dentro de um evento, e de casos
particulares destes através da extensão total de diversificação
a ser encontrada no ambiente, rede de trabalho ou
comunidade. Em segundo lugar, ao se estabelecer essa
extensão, e ao se especificar a tipicalidade e a atipicalidade, é
necessário antes que haja um trabalho de campo etnográfico
contínuo. A progressiva resolução dos problemas é inerente
aos métodos de observação participativa etnográfica e aos
métodos
de
análise
microetnográfica
ou
da
análise
sociolingüística do RSI da interação humana face a face. Na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 186
observação participante, o pesquisador utiliza seu tempo
repetidamente observando eventos recorrentes. Na análise
microetnográfica do RSI, o pesquisador repetidamente revê os
arquivos do mesmo evento. Em ambas as abordagens, o
pesquisador estará tentando entender os eventos cujas
estruturas são muito complexas para serem compreendidas
todas de uma só vez; a permanência do RSI e a descoberta do
contexto
possibilitada
pelo
trabalho
de
campo,
conjuntamente, ajudam a suplantar os limites da capacidade
de processamento cognitivo humano. Enquanto eu não trato
especificamente do contexto situacional na discussão que se
segue, eu a considero como sendo fundamental para um
embasamento para a análise do RSI.
2. Analisando o registro áudio-visual
A interação face a face é hierarquicamente organizada no
tempo real, como um evento completo divisível (tanto pelos
analistas quanto pelos participantes no evento) em subeventos constituintes ou atividades, que são por sua vez
divisíveis em unidades de ação ainda menores. Essas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 187
atividades em todos os seus níveis de organização podem ser
consideradas como trabalho. Em uma análise, o interesse está
em se identificar a divisão de tarefas naquele trabalho,
mostrando como, por exemplo, o comportamento de ouvir do
ouvinte está funcionalmente relacionado ao comportamento
da fala do interlocutor. O interesse é em mostrar como
comportamentalmente o que da ação social é feito; a ação
social que é significativa para os atores mesmos, se sua
compreensão do significado está explícita e refletida ou se está
implícita e fora da compreensão consciente.
Ao se rever o RSI, as unidades de ação social analiticamente
distinguíveis são encontradas registradas em faixas de filmes
ou fitas. Concretamente a tarefa do analista é de recuperar os
dados
comportamentais
dessas
faixas
de
gravações.
Mecanicamente, as faixas de fitas ou filmes podem ser
repassadas para frente ou para trás no tempo de duração real
da gravação original ou (com algum equipamento) de trás
para frente e de frente para trás em velocidades maiores ou
menores do que a do tempo real de duração.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 188
O trabalho do analista envolve uma interface comum entre a
capacidade
da
máquina
para
o
armazenamento
de
informações através de gravação, (e para a recuperação de
informações através de uma variedade de modos de
retrocesso) e a capacidade humana para o processamento de
informações através da observação visual e auditiva do
arquivo audiovisual. A máquina ajuda o observador a
recordar e a refletir, mas é o observador quem tem que
analisar. Os RSI, como notas de campo do observador são
fontes de dados, dos quais os dados serão construídos. Logo
no início da análise, o investigador tem que fazer duas
escolhas estratégicas: (1) Que faixas (de que extensão) devo
olhar mais atentamente? (2) O que vou procurar? Há três
princípios gerais que devem ser considerados ao se selecionar
uma faixa da fita para seja revisado e para se selecionar o foco
particular de atenção em repetidas observações. (1) Ao ver
pedaços de fita de um todo, proceda do todo para o
específico; primeiramente reveza as faixas completas, depois
faça a revisão das unidades constituintes menores dentro da
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 189
faixa maior, aumentando o foco de atenção à medida que o
comprimento da faixa de fita se torna mais curto. (2)
Mantenha um foco de atenção através da revisão de uma dada
fita. (3) Em repetidas revisões de uma faixa de fita,
primeiramente olhe para a forma global da ação, então depois
para as unidades comportamentais constituintes que formam
a ação e então retorne à consideração das unidades
comportamentais em termos de ações que compreende.
3. Análise de cima para baixo, do todo para o particular
A abordagem que recomendo é de se mover considerando o
evento como um todo para partes constituintes menores. Nas
páginas
seguintes,
descreverei
esse
processo
mais
concretamente; os leitores devem manter em mente que a
progressão de estágio para estágio raramente é diretamente
seqüencial; descobertas em níveis de maior precisão de análise
freqüentemente respondem às perguntas geradas por revisões
das unidades mais inclusivas.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 190
4. Estágio 1: revisando o evento todo.
Simplesmente o que constitui o evento todo nem sempre é
claro. HYMES (1974) faz a distinção entre as situações de fala
(cerimônias, jantares, festas, seminários), eventos de fala
(situações do dia-a-dia engraçadas, conversas, apresentações
de teses), e atos de fala (piadas, narrativas, perguntas). Os
participantes nomeiam as faixas de interação: eles relatarão
que tiveram uma entrevista para um emprego novo ou uma
conversa ou que foram chamados atenção. O problema é,
naturalmente, que essas distinções analíticas se tornam
confusas quando os eventos e atos da fala são simultâneos
(por exemplo, um aviso que é feito aos gritos) ou quando os
eventos estão agrupados (argumentos que estão dentro de
conversas que estão dentro de entrevistas). Quando me refiro
a eventos como um todo, quero me referir a fenômenos como
entrevistas para um emprego, ou defesas de teses. Como será
visto, diferentes procedimentos de segmentações podem ser
empregados para a identificação de faixas de fita que serão
estudados dentro de tais eventos.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 191
A localização do início e do final de um evento como um todo
também pode ser problemático; por esta razão, o ideal é que o
investigador colete o comprimento do RSI antes do suposto
início e depois do final suposto - os quais não são freqüentes
pontos discretos. A identificação desses pontos (ou regiões
aproximadas) é
uma
decisão analítica
que
deve ser
documentada. A principal fonte de evidência para um ponto
de transição, ou junção, é o contraste na forma de
comportamento de continuidade - por exemplo, na entrada ou
saída dos participantes de um lugar ou para um lugar no
tempo e no espaço, um reposicionamento das posições
posturais e na distância interpessoal entre os participantes,
mudanças de quem fala e de quem ouve, mudanças do tom
de voz e velocidade da fala, mudança da orientação do olhar.
Todas essas mudanças no comportamento manifestam uma
alteração
do
trabalho
coletivo
que
está
sendo
feito
interacionalmente, e uma alteração na divisão das tarefas
daquele trabalho.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 192
2. Começando antes mesmo que um novo trabalho (evento)
tenha sido iniciado e continuando depois que ele tenha sido
concluído e que alguma nova atividade tenha começado, o
filme ou a fita é visto a uma velocidade regular, com
retrocesso tanto do som quanto da imagem sem parar.
Enquanto a fita ou o filme é assistido, é feita a anotação de
observações, exatamente o mesmo tipo que é feito quando se
faz a observação participante. Essas observações descrevem o
curso global da ação, como ela pode ser vista no tempo real.
Elas incluem uma primeira aproximação da transcrição
literal/textual de partes da conversa, uma descrição dos
padrões globais de comportamento não-verbal, e uma nota
sobre a localização aproximada das ocorrências observadas no
tempo real. A atenção é focalizada nas ações de todos os
participantes do evento, não apenas nas ações de um único
indivíduo.
Após a visão inicial, todo o evento poderá ser revisado muito
outras vezes sem interrupção, possivelmente adicionando
informações extras. O investigador deve principalmente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 193
observar e ouvir, a fim de obter mais sentido do evento como
um todo, e para identificar a localização aproximada dos
principais segmentos constituintes e suas estruturas de
participação, como, por exemplo, aberturas, fechamentos e
outras principais mudanças de atividades. O último passo
desse estágio, é a preparação de um resumo e de um
comentário interpretativo, e tendo decidido sobre os limites
do evento como um todo, de se fazer uma cópia para uma
análise mais detalhada. Essa cópia deve começar a partir de
trinta segundos até um minuto antes do suposto início do
evento, deve continuar cerca do mesmo tempo após o fim do
suposto final, e deve ainda incluir um código de tempo
visível.
3.
O código de tempo permite que o analista localize com
precisão o local e a co-ocorrência no tempo real do
comportamento verbal e não-verbal de um único indivíduo e
de todos os participantes. Após a colocação do código de
tempo na cópia da fita ou do filme, o analista está pronto para
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 194
começar a revisá-la repetidas vezes, fazendo paradas
freqüentes para repassar segmentos curtos.
5. Estágio dois: identificando os principais segmentos constituintes do
evento.
Há geralmente cerca de três a cinco segmentos primários
constituintes de ação dentro de um evento. Em eventos com
um foco instrumental central, tal como o de se alimentar um
bebê, ler uma estória para uma criança ou de ser participar de
uma reunião de um comitê, três principais segmentos
constitutivos são freqüentemente encontrados, chamadas,
fases de começar, de principal foco instrumental e de
conclusão (durante o qual, a atividade do principal foco
instrumental é concluída e a transição para o evento seguinte
é prefigurada). A fase do foco instrumental principal
freqüentemente tem partes constituintes distintas.
Os limites entre as principais partes constituintes podem ser
localizados por procedimentos de observação como aqueles
utilizados para a localização do início e do final do evento
como um todo. Os limites dos segmentos são marcados pelos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 195
contrastes do comportamento não-verbal de continuidade; os
contrastes na forma comportamental são freqüentemente mais
sutis do que aqueles encontrados em limites mais amplos. Em
um limite entre um evento e o seguinte, as mudanças na
posição postural e na distância interpessoal podem resultar de
uma mudança do pessoal especializado encarregado de um
evento para o seguinte; por exemplo, duas das quatro pessoas
que estavam sentadas em uma mesa se levantam e saem da
sala, então as duas restantes começam o próximo evento
interacional .
4.
Um limite inter-eventos poderá ocorrer quando uma das
pessoas se inclina para a frente para alcançar um cinzeiro,
enquanto que outra cruza as pernas; como as mudanças no
trabalho a ser feito são menos extremas, assim também são
pequenas as mudanças de comportamento necessárias para o
cumprimento e a evidenciação daquele trabalho. Muito
embora
alguns
aspectos
de
limites
marcantes
sejam
convenções compartilhadas (isto é, observação monitorada)
ou típicas de indivíduos (exemplo: vários tipos de trabalhos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 196
especializados com cigarros ou papéis ou aparato pessoal),
outras variam. Por exemplo, no limite do final, o segmento
que tem seu início marcado pela tentativa de alcance de um
cinzeiro e do cruzamento das pernas, a pessoa que cruzou as
pernas poderá mantê-las cruzadas e não fazer nenhuma
modificação postural, mas sim mudar a orientação de seu
olhar e o tom de sua voz. Ao mesmo tempo, a pessoa que
anteriormente pegou o cinzeiro poderá se encontrar e
descansar suas costas na cadeira, então fazendo uma mudança
de postura, mas não mudando seu tom de voz. Algumas
características serão modificadas.
Os segmentos principais dentro dos eventos também são
marcados por mudanças nos tópicos ou em outras unidades
do discurso. Em nosso exemplo hipotético, o casal poderia ter
começado sua conversa na mesa falando sobre o tempo, e
então no que a mulher se reclina e o homem muda a direção
de seu olhar e seu tom de voz, o casal poderia começar a
conversar sobre o que eles pretendem comer no piquenique se
não chover.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 197
A estrutura da participação social também deve ser
considerada; à medida que a natureza do trabalho interacional
muda, também muda a divisão de trabalho. Enquanto a
mulher foi pegar o cinzeiro e o casal conversava sobre o
tempo, a mulher pode ter sido uma interlocutora mais
volúvel, tendo uma elocução mais longa, enquanto que o
homem acompanhou sua fala com breves interrupções
vocálicas como (sim, umhm) e respondia às suas perguntas
com respostas curtas. Após a mudança de tópico, durante o
qual ele fez mudanças no tom de voz e na direção do olhar no
momento em que ela se reclinou na cadeira, o homem poderia
ter assumido um papel de maior volubilidade e os papéis de
quem as faria perguntas e de quem as responderia poderiam
ter sido trocados. Durante este estágio de análise, o
observador utiliza o código do tempo para a localização de
comportamentos e junções no tempo real, preparando um
esquema que forneça tanto uma visão sinótica da estória
completa do evento, quanto um índice bruto para as
informações que foram até então armazenadas e que estão
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 198
disponíveis para serem examinadas em maiores detalhes nos
próximos estágios de análise.
6. Estágio três: identificando aspectos de organização dentro de um
segmento principal particular no evento
Nesse ponto o analista escolhe entre um segmento particular
para maior estudo ou se volta para o estudo de alguma
questão genérica da organização da interação (isto é,
transições de retorno, ou pedidos, ou formação de coalizões,
ou o que seja) que possa ser investigada em mais de um
segmento constituinte.
Suponhamos que ao analisar uma fita de um jantar em
família, consideremos a questão da colaboração de uma
audiência falante, em uma pessoa tendo e mantendo a atenção
da conversa por um extensivo período. Como é que um
membro da família consegue obter e manter essa atenção?
Qual é a relação entre o comportamento de atenção dos
membros da família que estão ouvindo e o comportamento de
fala do membro da família que retém a atenção? Um primeiro
passo desse estudo é o de se revisar a totalidade das
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 199
observações sobre o evento como um todo (o jantar) e as
observações mais detalhadas sobre junções principais e
segmentos dentro do evento para localizar os segmentos nos
quais as pessoas levam longos períodos em suas falas. É
possível que em alguns momentos do jantar ninguém tenha
tido interlocuções extensas enquanto que com outros isso
tenha acontecido. Tendo identificado tal segmento, ele então
será revisto tendo em mente as questões específicas da
pesquisa.
Vamos dizer que o pai da família teve a mais extensa fala
dentro do segmento do evento no qual a maior parte das falas
prolongadas ocorreram. Pode-se então começar com a vez do
pai e se procurar a colaboração da audiência de fala na faixa
da fita na qual a fala do pai foi gravada. A fita seria então
revisada algumas vezes, inicialmente focalizando o que os
membros da audiência estavam fazendo, verbal e nãoverbalmente,
enquanto
que
procurando
diferenças
de
o
pai
estava
quantidade
e
falando,
tipos
e
de
comportamento de audição dos vários membros da audiência.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 200
Só então o analista voltaria sua atenção para a fala do pai,
transcrevendo-a, de forma que sua organização no tempo real
fosse mostrada (uma discussão sobre isso aparecerá na
próxima parte). Após a transcrição de toda ou de uma parte
do pai, o analista pode então se voltar para o comportamento
de
audição
dos
membros
da
audiência.
Talvez
o
comportamento de ouvir da mãe seja o mais diferente de
todos os membros da família que estavam ouvindo o pai.
Caso isso seja verdade, o comportamento verbal e não-verbal
dela seria transcrito na mesma escala de tempo que foi
utilizada para transcrever o do pai. Se maiores diferenças no
estilo de ouvir forem encontradas entre os membros restantes
da família, suas ações de ouvir poderiam ser transcritas em
agregados de indivíduos (por exemplo, transcrevendo junto o
comportamento de ouvir dos dois filhos mais jovens, já que
eles estavam colaborando como um time de ouvintes, como
foi evidenciado pela forma e função de seus comportamentos
de
ouvir,
e
então
transcrevendo
individualmente
o
comportamento do irmão mais velho, cujo comportamento de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 201
ouvir diferiu dos dois irmãos mais jovens). Por outro lado, o
comportamento de ouvir dos vários membros da família
poderá diferir muito pouco em forma e função; nesse caso,
como estavam trabalhando juntos como um time unido, seu
comportamento poderá ser descrito mais globalmente.
Decisões sobre a transcrição devem ser baseadas na evidência
comportamental da divisão do trabalho no relacionamento
colaborativo entre os interlocutores e os ouvintes. Tal tipo de
transcrição facilita a análise tanto da organização da
atribuição de papéis da comunicação, quanto o uso de
variados métodos comunicativos ao se fazer um trabalho
interacional.
7. Estágio quatro: ações de indivíduos.
Entender a função das ações dos indivíduos na divisão total
das tarefas para o trabalho interativo requer uma análise do
padrão emergente, sustentado e mutante de reciprocidade e
complementaridade.
As
ações
dos
indivíduos
são
consideradas sub-sistemas dentro do sistema total da ação do
grupo.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 202
Como a análise não separa as ações de um indivíduo das dos
outros, então ela não trata separadamente os vários tipos de
ações comunicativas executadas por um indivíduo. A total
extensão das ações comunicativas de um indivíduo através
dos canais vocais e não-vocais são vistas como componentes
relacionados ou sub-sistemas dentro do sistema total do
desempenho comunicativo de um indivíduo; a transcrição e a
análise de um comportamento de olhar de um indivíduo
como interlocutor deveria ser feita ao mesmo tempo com
aquela da fala do mesmo indivíduo. Enquanto a natureza da
pesquisa questiona (juntamente com os limites do tempo e
dinheiro para a pesquisa) os embaraços na compreensão
possível da transcrição e análise, pelo menos um aspecto do
comportamento vocal do indivíduo deve ser considerado em
relação a pelo menos um aspecto de seu comportamento nãovocal.
A transcrição através dos canais vocal e não-vocal no tempo
real requer algum modo de mostrar a relação de um evento
com
outro
no
tempo.
Várias
abordagens
já
foram
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 203
experimentadas com relação a isso por diferentes grupos de
pesquisadores. Os analistas de conversação desenvolveram
convenções para a transcrição da fala, incluindo modos de se
indicar a superposição de falas entre os interlocutores, o
tamanho dos intervalos nas junções entre as rodadas de fala, e
a duração das pausas dentro e entre as rodadas. (SACKS et al.,
1974; e SCHENKEIN, 1978). As convenções para a notação da
prosódia
(tom,
volume,
ritmo)
foram
recentemente
desenvolvidas por GUMPERZ (1982) adaptando aspectos de
notação desenvolvidos por vários lingüístas americanos e
britânicos. SCHEFLEN (1973) mostrou as relações entre as
configurações posturais, tópicos de conversa e relações de
papéis entre interlocutores estabelecendo desenhos de linhas e
diagramas ao longo de uma linha de tempo para a duração de
uma conversa inteira. KENDON (1977) desenvolveu variações
que mostram orientação e distância interpessoal no tempo
real,
outras adaptações
MCDERMOTT et
de
SCHEFLEN aparecem em
al. (1978) e em DORR-BREMME (1982).
CONDON (1967) desenvolveu um sistema para a anotação
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 204
dos movimentos das várias partes do corpo de um indivíduo
com relação à sua fala e a fala e o comportamento não-verbal
de outros indivíduos. Todos esses sistemas estão no trabalho
pioneiro de BIRDWHISTELL (1970). Uma abordagem da
notação que combina aquelas desenvolvidas por estudantes
dos comportamentos proxêmicos e cinéticos, com aquelas
desenvolvidas pelos analistas conversacionais e que também
incluem transcrições da fala que dá a cada grupo de
respiração ou grupo de equipe, uma única linha de
transcrição, pode ser encontrado em ERICKSON & SHULTZ
(1982). Uma visão ainda mais clara da organização rítmica da
fala em um pequeno grupo em que esteja havendo interação,
é a notação musical que atualmente está sendo desenvolvida
por ERICKSON (1982) e por SCOLLON (1982). Todos esses
sistemas de observação têm o intuito de mostrar os
relacionamentos de adjacência no tempo real, ressaltando a
dimensão recíproca das relações entre as ações dos indivíduos
em um grupo. Alguns desses sistemas, àqueles derivados de
BIRDWHISTELL, e dos sistemas da observação musical -
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 205
também mostram a ocorrência simultânea das ações através
dos indivíduos a qualquer momento do tempo real. Estes
últimos
sistemas
complementaridade,
mostram
assim
como
a
dimensão
também
a
de
dimensão
recíproca da organização social.
8. Considerando as percepções ordinárias
Como
participantes
interacionalmente
competentes
nos
eventos diários, aprendemos a apreender como sendo
“gestalten” os conjuntos de dicas que ocorrem nas junções;
como
analistas
devemos
decompor
a
“gestalten”
comportamental em seus vários componentes. Isso requer
uma deliberada fuga de nossos padrões normais de perceber e
agir para propósitos da análise, como se não soubéssemos as
intenções e os significados assinalados pelos comportamentos
observados. Na linguagem dos fenomenologistas, fazemos a
tentativa de apoiar nossas deduções sobre significado e
propósito, visando a ação social de uma maneira radicalmente
alienada, simplesmente como uma forma comportamental.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 206
Uma maneira de se atingir essa mudança na estância
perceptual, é variar deliberadamente o foco da atenção
analítica através de revisões do mesmo pedaço do filme ou
fita. Voltando-a para trás de uma junção cuja localização
aproximada tenha sido identificada, o investigador fará a
repetição da fita passando pela junção. Para cada repetição,
um foco de atenção particular é adotado - sobre a fala dos
participantes, em suas posições posturais, em seus olhares, e
assim por diante. É de grande ajuda variar a experiência
sensorial do material, por exemplo, passando a fita ou o filme
sem o som, ou apenas ouvindo a fita ou o filme. O RSI
também pode ser passado a várias velocidades, diminuindose ou parando o comportamento que seja complexo demais
para que seja processado e analisado a uma velocidade
normal, ou de trás para frente. A atenção também pode ser
colocada numa ampla escala de tipos de meios comunicativos
(postura, olhar, gesticulação, léxico, gramática, fonologia e
entonação, volume de voz, sonoridade e ritmo cinético).
Utilizando-se uma lista de verificação de observações
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 207
potenciais, reduz-se o perigo de aspectos que poderiam ser de
significado funcional para a organização social da interação
serem negligenciados. As variações do foco de atenção
ajudam os observadores a tratar da forma comportamental e
se livrar das pressuposições tomadas por certo sobre os
relacionamentos entre o quê e o como do comportamento
comunicativo. As relações entre o conteúdo semântico e a
forma comportamental que são ordinariamente perdidos,
porque ambos são sutis e acontecem muito rapidamente e,
mais criticamente, porque eles são tão familiares para nós que
somos incapazes de tratá-los conscientemente, e então serem
descobertos, descritos e analisados.
9. Análise interpretativa
Armados com transcrições cronológicas de comportamento
em diferentes canais, com descrições analíticas detalhadas das
relações entre comportamentos nos vários canais, e com
documentação
de
como
a
complementaridade
e
a
reciprocidade são manifestadas nos comportamentos dos
contra-atuantes, o analista pode agora sair da consideração da
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 208
ação como comportamento e ir para a consideração do
comportamento como uma ação significativa - e para a
descoberta de princípios culturais (regras e normas) que
determinam a organização social da interação face a face.
De acordo com MEHAN (1979: 100-110) e parafraseando a
discussão em DORR-BREMME (1982: 71-77), quatro regras de
evidência podem ser determinadas para a dedução de regras
subjacentes
ou
princípios
de
adequabilidade
das
regularidades observadas nas ações dos contra-atuantes. Esses
princípios comprobatórios tratam de quatro tipos de
fenômenos observáveis: a consistência de co-ocorrência; a
consideração das ausências; consistência de sanções positivas
e negativas e a normalização das formas ambíguas.
9.1. Princípio 1: Consistência da co-ocorrência. Quando vários
aspectos (1) que regularmente ocorrem juntos como num
conjunto e esse conjunto é (2) regularmente seguido por outro
conjunto (resposta) e não por (3) agir como se ele não fosse de
alguma forma inadequado (reação), podemos deduzir que o
primeiro conjunto foi uma forma apropriada. Por exemplo, se
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 209
há a co-ocorrência do olhar da professora em direção aos
alunos no momento em que ela diz as palavras “Tudo Bem”, e
isto é regularmente seguido pelo início das atividades
acadêmicas, então os comportamentos co-ocorrentes podem
ser tomados como sendo uma dica para os alunos sentarem e
começarem suas atividades acadêmicas.
9.2.
Princípio
2:
Considerar
a
ausência.
Quando
os
participantes de interações consistentemente acusam uns aos
outros de serem os responsáveis por terem falhado em fazer
alguma coisa, podemos deduzir que existe uma regra sóciocultural prescrevendo a adequação da falta da ação.
Retornando
ao
exemplo
anterior:
se
os
alunos
não
começassem a trabalhar após a professora ter dito, “Tudo
Bem”, e de ter olhado para eles; se então ela reiterasse a dica,
ou de alguma forma indicasse que a falha dos alunos em
cumprir estava sendo esperada, isto seria uma evidência de
violação da regra de adequação.
9.3. Princípio 3: Consistência das sanções positivas e
negativas. A sanção negativa que responsabiliza alguém por
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 210
ter falhado em fazer alguma coisa que deveria ter sido feito, é
apenas
um
tipo
de
sanção
negativa
aplicada
pelos
participantes da interação. A ocorrência de uma ação
inapropriada, também pode ser negativamente sancionada.
Contrariamente, a ocorrência de uma ação apropriada pode
ser sancionada positivamente. Ao reagir às ações de outras
pessoas com sanções positivas ou negativas, os participantes
poderão estar invocando as regras subjacentes de adequação,
pelas quais a interação é organizada. As buscas por essas
regras são freqüentemente bem explícitas, por exemplo: “Não
posso entender o que vocês estão falando, se todos falam ao
mesmo tempo”. Algumas vezes, porém, um comportamento
que foi sancionado negativamente num ponto em um evento,
não o é em outro. Não se pode apenas deduzir simplesmente
que a sanção foi injustificada, ou se a dedução de uma regra
no
momento
anterior
estava
errada.
Quando
os
comportamentos recebem sanções inconsistentes, é necessário
que haja uma maior análise dos dados e uma adaptação do
sistema à regra deduzida (MEHAN, 1979: 105).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 211
9.4. Princípio 4: Normalização das formas ambíguas. Como é
aparente para qualquer pessoa que tenha lido uma transcrição
literal e não editada de uma conversa comum, muitas ações
comunicativas dos eventos do dia-a-dia são elípticas e muitas
vezes são ambíguos em seu significado explícito e implícito.
As maneiras pelas quais os parceiros em interação respondem
às ações ambíguas, que tenham sido executadas por outras
pessoas, fornecem outro aspecto para a dedução de regras ou
princípios de adequabilidade. Pelo menos entre a classe média
americana, e também provavelmente entre outros grupos,
parece haver uma tendência para se normalizar uma forma
comunicativa ambígua - ao invés de simplesmente reagir com
uma sanção positiva ou negativa - tratá-la como se fosse uma
forma apropriada, mesmo que não seja. Desse modo, os
participantes concertam os tropeços interacionais uns dos
outros e corrigem os erros. É como se houvesse um princípio
cooperativo ordenando “o show deve continuar”. O analista
pode julgar a adequação ao examinar esses movimentos de
reparo e olhando na direção para a qual que eles tendem;
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 212
identificando a pressuposição dos movimentos de reparo que
apontam para uma interpretação de que a forma ambígua
anterior deveria ter sido. Exemplos de normalização são
freqüentemente encontrados nas interações entre neófitos e
parceiros de conversação mais experientes. Baseado em um
movimento ambíguo de mãos ou um olhar de um bebê, a mãe
diz “Ah, você quer suco!” Uma rejeição subseqüente ou
aceitação do suco pelo bebê sugere que a normalização
interpretativa da mãe identificou ou não corretamente a
intenção da criança. Numa entrevista para um emprego, o
entrevistador poderia dizer com uma exagerada entonação
declinante que precede uma inalação, “Bem...” que poderia
significar, “Bem, vamos terminar com isso agora” ou “Bem, há
mais alguma coisa?”. Caso o entrevistado tivesse mais alguma
coisa a dizer, ele poderia responder, “Vamos falar sobre os
benefícios e as licenças”, nesse caso então abrindo mais uma
porção substancial da entrevista, do que simplesmente
abrindo apenas a porção da conclusiva da entrevista. O bebê e
a entrevista para o emprego são neófitos nessas cenas. A
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 213
maneira pela qual um participante mais experimentado
interpreta as ações ambíguas dos pontos de vista dos neófitos
indicam a adequação das formas. Isso é útil para orientar as
deduções do analista da interação e do membro neófito que
pelas dicas de normalização pode ser guiado por entre canais
por ele não conhecidos pelos participantes mais experientes,
ou serem guiados gentilmente, porém firmemente à medida
que eles agem de acordo somente com relutância com a
direção da interação, para onde as ações de outras pessoas em
cena estejam tendendo.
Os
padrões
ou
regras
de
sistemas
são
inicialmente
identificados dentro de um evento ou dentro dos segmentos
constituintes, de um evento, ao se aplicar estas regras de
evidência aos arquivos de dados construídos a partir do RSI.
A generabilidade da teoria emergente da organização
interacional pode então ser testada, ao se examinar outros
casos análogos indexados ao corpo do material registrado. Os
atributos definidores de relação analógica podem ser formais
(olhando por um conjunto de situações de jantares dentro e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 214
através de famílias) ou funcionais (olhando para os inícios de
jantares, aulas escolares, entrevistas para empregos ou para
padrões de diálogos no início dos eventos. Algumas das
questões envolvidas na escolha dos casos análogos de acordo
com um critério formal ou funcional, são discutidos em maior
profundidade por SHUTZ et al., 1982). Já que pesquisa
contínua é informada pelas descobertas e interpretações das
análises iniciais, os casos subseqüentes poderão requerer um
exame menos abrangente - novas indagações requerendo
estudos detalhados freqüentemente emergem quando faixas
adicionais são revistas. Se as regras deduzidas nas análises
iniciais
foram
congruentes
com
os
dados
nos
casos
subseqüentemente examinados, então a tipicalidade do
primeiro caso foi estabelecida.
Normalmente a situação não é assim tão clara. Análises dos
casos subseqüentes com freqüência revelam variações nas
regras que foram inicialmente deduzidas e será necessário
fazer modificações na teoria emergente de organização do
evento. Os casos discrepantes serão encontrados, e isso
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 215
impulsionará o analista a reconsiderar toda a base da teoria
originalmente deduzida. O corpus é investigado para tais
casos, ou exaustivamente (todas os casos do corpus serão
examinados) ou de acordo com um procedimento de
exemplificação (se houver um número muito grande de casos
presentes); essa busca sistemática minimiza a possibilidade do
analista não ver os casos discrepantes.
Sessões de revisão são outra abordagem para se testar a
coerência de validade da perspectiva teórica emergente do
analista, através do que CICOUREL (1976) chamou de
triangulação da evidência. Os participantes do evento
registrado são convidados a ver o RSI e suas impressões são
inferidas e arquivadas (ERICKSON & SHULTZ, 1982). Os
participantes são convidados a ver o que estava acontecendo e
podem ser indagados sobre comportamentos específicos;
alguns analistas formulam suas teorias emergentes e
interpretações e solicitam as reações críticas de seus
colaboradores (GRIMSHAW, 1982). As interpretações dos
participantes freqüentemente são exageradamente racionais, e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 216
freqüentemente divergem profundamente daquelas dos
analistas; mesmo assim, essas hipóteses e interpretações
alternativas podem ser de grande valia para o investigador,
particularmente quando estratégias de dedução que tenham o
final em aberto são empregadas. Os informantes podem ser
requisitados a parar um filme ou uma fita e fazer comentários
todas as vezes que aparecer alguma coisa nova ou importante,
ou todas as vezes que aparecer alguém zangado. Se vários
informantes forem entrevistados desse modo em sessões
separadas de revisão, e cada um parar a fita e fizer
comentários sobre os mesmos pontos do RSI original, a
comparação de seus relatórios pode ser altamente reveladora.
Isso foi especialmente verdadeiro nos estudos de ERICKSON
& SHULTZ (1982) nos quais os comentários da sessão de
revisão de entrevistadores e entrevistados para um emprego e
do corpo docente e discente foram os mais divergentes
possíveis nas entrevistas onde houve a maior dificuldade
interacional e irregularidade de comportamento. Isso sugeriu
que os problemas na coordenação da ação nas entrevistas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 217
estavam relacionados com diferentes padrões de inferência
interacional entre o entrevistador e o entrevistado.
Além de manter sessões de revisão com os participantes elas
podem ser feitas com painéis de informantes que não eram
eles próprios participantes, mas que têm fundamentos de
origem similar a um ou mais dos participantes. As
interpretações que forem assim conseguidas podem ser
utilizadas para medir a generalização das impressões e
atribuições relatadas pelos participantes.
5
O procedimento da análise interpretativa que descrevi,
parece muito familiar com o do sociólogo que faz um trabalho
de campo de observação participativa. As regras de evidencia
descritas neste trabalho, são similares àquelas utilizadas pelos
pesquisadores
que
fazem
trabalho
de
campo
no
desenvolvimento de sólidas teorias de ação social e para uso
dos lingüistas na construção de teorias gramaticais quando
eles encontrarem uma nova língua. Eles estão familiarizados
com os sociólogos através das discussões feitas por GLASER
& STRAUSS (1973) e pro DENZIN (1970), dentre outros. Os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 218
procedimentos de busca para a localização de casos não
confimados derivam diretamente do método de análise de
caso discrepante de LINDESNITH (1938, 1947).
10. Relatório
O veículo transmissor de impressão não pode demonstrar a
imagem e o som do registro audiovisual na qual a análise foi
baseada, por isso o relato de dados e a análise por escrito é um
eterno problema de trabalho ao se usar o RSI. A melhor
solução parece ser a de se fornecer uma cópia do filme ou da
fita juntamente com o relatório escrito. Infelizmente isso nem
sempre é possível, mesmo que para livros publicados, muito
menos para artigos de periódicos.
Há três tipos de relatórios que são usados com mais
freqüência: transcrição detalhada da fala e comportamento
não-verbal; sinopse dos dados transcritos por meio de um
resumo
quantitativo,
diagramas
esquematizados,
ou
narrativas sinóticas, e expansão dos dados transcritos por
meio dos comentários interpretativos. Múltiplas abordagens
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 219
freqüentemente são utilizadas em um mesmo relatório;
algumas vezes todos os três tipos são empregados.
A transcrição é direcionada pela teoria. Certamente uma
transcrição representa uma teoria dos eventos que ela relata
(KEENAN & SCHIEFFELIN, 1979). Conseqüentemente, os
métodos de transcrição variam de acordo com os problemas
de pesquisa que o analista defronta. O leitor mais interessado
deve consultar as citações sobre os sistemas de anotações
mencionados anteriormente para obter um sentido da
extensão das abordagens à transcrição.
Uma sinopse analítica pode ser relatada estatisticamente
(SHULTZ, 1980; ERICKSON E SHULTZ, 1982; DORRBREMME, 1982), esquematicamente por meio de gráficos e de
tabelas (MCDERMOTT et al. 1978; SHULTZ & FLORIO, 1980;
e MEHAN, 1979) e por uma narrativa sinótica (ERICKSON,
1979). A sinopse assim como a transcrição refletem uma teoria
dos eventos descritos. Isto é geralmente reconhecido no caso
de resumo quantitativo e de gráficos, mas não é geralmente
reconhecido para a descrição narrativa. Uma narrativa
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 220
sumária não é uma mera descrição: os substantivos, verbos,
adjetivos e advérbios de suas sentenças, as unidades da
narrativa, a linha da estória e outros aspectos da estrutura do
discurso, dirigem o leitor para as afirmações teóricas sobre a
organização dos eventos descritos (ERICKSON, 1979). Uma
das vantagens de se trabalhar a partir do RSI é que seu caráter
radicalmente irredutível destaca para os analistas as questões
teóricas na redução analítica encontrada na narrativa. Estas
questões são mais proeminentes para o microanalista do que
para os observadores participantes que estão tomando suas
notas de campo, porque as próprias notas de campo são elas
próprias registros de eventos relatados altamente redutíveis (e
carregadas de teorias).
Em qualquer relatório, a expansão interpretativa de uma
transcrição ou sinopse, é encontrada no texto do próprio
relatório. Alguns analistas tomaram isto como um avanço ao
apresentarem transcrições e nelas incluírem comentários
interpretativos em colunas que fazem um paralelo com as
linhas da transcrição (GUMPERZ & HERASIMCHUK, 1972;
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 221
CORSARO, 1977; LABOV & FANSHEL, 1977; GRIMSHAW,
1982). Isso ajuda o leitor a acompanhar com mais facilidade a
organização da interação refletida na transcrição. Por
exemplo, um comentário interpretativo que apareça junto de
uma elocução transcrita pode tornar evidente para quem o
falante endereçou a elocução; aparecendo com a transcrição
da orientação do olhar e é feita uma confirmação, podendo
ambos identificar o significado social do comportamento nãoverbal e indicar para quem a elocução não-verbal foi
endereçada.
Para
resumir,
os
pontos
do
comentário
interpretativo explicitam ambos para a relação entre forma e
significado na interação e para a relação entre ações
específicas e seus contextos dentro das interações registradas
na transcrição.
11. Conclusão
Esse artigo revisou questões substanciais numa abordagem
particular à microanálise do RSI, que foi chamada de
microetnografia. Os métodos de microetnografia foram
comparados e contrastados com métodos etnográficos mais
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 222
padronizados, encontrados na pesquisa de observação
participativa, e procedimentos específicos de revisão de filmes
e fitas, foram discutidos analiticamente. O que resta para o
leitor é localizar o RSI das interações humanas que ocorrem
naturalmente (registros que foram feitos continuamente
através de um evento) e tentar os procedimentos analíticos. A
experiência do conselho dado aqui estará no trabalho a ser
feito por aqueles que o aceitaram.
12. Observações
1 - Ver GUMPERZ (1982) sobre contextualização. HOLLIDAY
& HASAN (1976) sobre contexto de situações de texto e
contexto e CORSARO (esse volume) sobre a necessidade de
uma etnografia prioritária.
2 - Alguns episódios de segmentos de investigação pela
identificação de mudança de tópico de impressão cumulativa.
(Ver LABOV & FANSHEL, 1977; GRIMSHAW, 1982 e a
discussão abaixo).
3 - Em filmes de cinema isso é feito ao se imprimir quadros de
números de impressão cumulativos. O código de tempo na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 223
fita é feito ao se usar um gerador de tempo-data, que imprime
eletronicamente o tempo decorrido em horas, minutos,
segundos (e, com o equipamento adequado, micro-segundos)
na fita; o número aparecerá na tela do vídeo durante a
passagem da fita. O gerador de tempo-data também pode
mostrar números que indicam a data em que se o filme foi
originalmente gravado, ou um número código que identifica a
localização dos segmentos de cópias na fita original, e ainda a
localização da fita no corpus principal. Esses números de
referência são úteis para a indexação.
4 - Os eventos podem continuar, naturalmente, com a
mudança dos participantes. Ver CORSARO, nesse volume.
5 - Tais técnicas são familiares do trabalho dos psicólogos
sociais que estudam a cONVERSAÇÃO E A INTERAÇÃO EM
PEQUENOS GRUPOS. VER GILES & POWESLAND, 1975, E
ROSENTHAL et al., 1979.
Frederick ERICKSON é Professor de Educação - Pedagogia e
Medicina
(e
Professor
Adjunto
de
Antropologia)
e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 224
Pesquisador senior do Instituto de Pesquisa do Ensino (IRT)
da Universidade Estadual de Michigan. Ele já escreveu
amplamente sobre a utilização do RSI em análises de
interação. Seu texto The Counselor as Gatekeeper: Social
Interaction in Interviews/ O conselheiro como porteiro: A
interação social em entrevistas (escrita em co-autoria com
Jeffrey Shultz) foi publicado no início desse ano pela
Academic Press. Está para ser publicado pela IRT, Sights and
Sounds of Life in Schools: A Resource Guide to Film and
Video for Research and Education/Imagens e Sons da Vida na
Escola: Um Guia de Recursos em Filmes e Fitas de Vídeo Para
Pesquisa e Educação (em co-autoria com Jan Wilson).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 225
Capítulo 6
O que faz a etnografia da escola “etnografica”?
9
A principal idéia deste ensaio é que a etnografia deve ser
considerada
um
processo
deliberado
de
investigação
orientado por um ponto de vista, ao invés de um relato de um
processo guiado por uma técnica padrão ou um conjunto
delas, ou mesmo por um processo totalmente intuitivo que
não envolve reflexão. O modo de utilizar as técnicas e
instrumentos
de
pesquisa
no
trabalho
de
campo
é
determinado pelo processo implícito de questionamento do
pesquisador, bem como é informado por sua experiência na
9 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de
Mattos. Foi originariamente publicado sob o título What Makes School Ethnography
"Ethnographic"? Harvard Graduate School of Education Council on Anthropology an
Education Newsletter Vol IV, no.2 July, pp. 10-19. 1973
Nota do autor -Este artigo começou como um longo memorando para participantes de um curso em
pesquisa etnográfica conduzida pela American Educational Research em 1972. Um dos
participantes deste curso foi Arthur A. Katz, um dos alunos de Jonh Singleton, na época. Katz
editou meu ensaio para publicação na ANTROPOLOGY AND EDUCATION NEWSLETTER. A
edição foi feita com muita propriedade e eu sou lhe muito grato por isso. Ao rever o artigo fiz
algumas poucas mudanças para esta reedição, que consistiram na recuperação de materiais do
ensaio original, notadamente as referências sobre a interdependência da etnografia e etnologia.
Eliminei também todas as citações, uma vez que muitas das originais estão desatualizadas. Isto em
si mesmo é testemunho do crescimento do campo nos quatorze anos que se passaram.
Palavras-chave: pesquisa etnográfica; etnologia; trabalho de campo; processo de investigação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 226
situação de campo e ser conhecimento prévio de pesquisa
antropológica. O pesquisador de campo gera um processo de
investigação baseado na situação, aprendendo com o tempo a
levantar questões sobre o contexto de campo, de tal forma que
este, por suas respostas, indica as questões seguintes
situacionalmente apropriadas. A estruturas das questões
pesquisáveis também é influenciada pelo conhecimento do
pesquisador sobre a literatura de antropologia e sociologia.
O trabalho de campo é fortemente indutivo, mas não há
induções puras. O etnógrafo leva para o campo um ponto de
vista teórico e um conjunto de questões, explicitas ou
implícitas. A perspectiva e as questões podem mudar no
campo, mas o pesquisador tem uma idéia-base a partir da
qual inicia a investigação. O que resulta do questionamento
em campo é uma descrição: 1) da regularidade do
comportamento social em uma situação social considerada
como um todo; 2) de como o etnógrafo experienciou aquelas
regularidades estando lá na situação social; e 3) de como ele
vê a situação e o comportamento situacional a luz da ampla
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 227
variedade de comportamento humano já encontrado. O que
eu entendo pelos termos desta proposição - “regularidade”,
“situação social”, “todo”, “estar lá”, “sua visão”, “variedade
de comportamento humano”- forma o conteúdo do que se
segue neste ensaio.
Etnografia e etnologia: definições etmologicas
“Etnografia”
literalmente
significa
“escrever
sobre
as
nações”; “grafia” vem do verbo grego “escrever” e “etno”, do
nome grego ethnos, usualmente traduzido no dicionário
inglês como “nação”, “tribo” ou “povo”. A definição mais
refinada de ethnos é encontrada no Lexicon Grego de
LIDDELL & SCOTT: um número de pessoas acostumadas a
viverem juntas, uma companhia, um corpo de homens.
O que isto implica é que “ethnos”, a unidade de analise para o
etnógrafo, não precisa ser uma nação, grupo lingüístico,
região ou vila, mas qualquer rede social formando uma
entidade corporativa, na qual as relações sociais são reguladas
por costumes. Nas sociedades modernas uma família, uma
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 228
sala de aula, um grupo de trabalho numa fábrica, ou uma
fabrica toda são unidades sociais que podem ser descritas
etnograficamente (assim como não etnograficamente). O que
faz com que um estudo se caracterize como etnográfico não é
apenas o fato de o mesmo tratar de uma unidade social de
qualquer tamanho como um todo, mas, sim, por retratar
eventos, pelo menos em parte, a partir do ponto de vista dos
atores envolvidos nesses eventos. Esta ênfase sobre o
significado local é essencial na definição de etnografia que
MALINOWSKY faz em Argonauts of the Western Pacific.
Antes de MALINOWSKY houve muitos relatos de povos
primitivos escritos por viajantes. O que distinguiu a
etnografia de MALINOWSKY dos relatos destes últimos foi
sua tentativa (nem sempre bem sucedida) de caracterizar o
significado a partir do ponto de vista do autor.
Etnologia
contrasta
com
etnografia,
e
as
duas
são
interdependentes na conduta de investigação do pesquisador.
“Etnologia” literalmente significa o estudo do significado, ou
significância, dos costumes e organização dos grupos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 229
humanos. O “significado” a ser elucidado pela etnologia não é
o dignificado de um comportamento complexo no contexto de
uma cultura particular na qual o mesmo é encontrado, como
ocorre na análise etnográfica. O projeto da etnologia é
identificar os princípios de ordem do comportamento social
dos seres humanos como um todo.
Seu método é
comparativo. Cada sociedade é vista contra o cenário de todas
as formas de organização humana, onde as formas de vida de
uma dada sociedade são contrastadas com todas as outras
formas conhecidas de conduzir as coisas diárias e eventos
especiais.
O interesse pela variedade de formas costumeiras do
comportamento humano começou no Ocidente, entre os
gregos. HERODOTO tinha interesse que eram etnológicos
bem como etnográficos. No século II d.C. o filósofo cético
grego Sextus EMPIRICUS conduziu um levantamento trans
cultural sobre moralidade, mostrando que aquilo que foi
considerado certo em uma sociedade foi considerado errado
em outras. Ele trabalhou a partir de relato de viajantes, que
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 230
continuou
constituindo
a
base
para
o
conhecimento
comparativo sobre o comportamento humano até o século
XIX.
Podemos ver, pois, que tanto a etnografia como a etnologia
não são novas. A etnografia pré-científica difere da etnografia
científica, a qual pode ser considerada como sendo aquela que
começou com o trabalho de campo de MALINOWSKY nas
ilhas
Trobriand
na
primeira
década
deste
século.
Diferentemente do viajante, o experiente antropólogo levou
para o campo uma explícita - mais freqüentemente implícita perspectiva etnológica, dentro da qual sua descrição foi
conduzida. Além disto, levou uma preocupação (concern)
etnográfica pelos significados locais do comportamento. O
viajante pode ter sido um excelente jornalista, mas em seu
relato faltou uma perspectiva comparativa e um compromisso
para descobrir os significados locais que tinha em mãos. O
etnógrafo combinou experiência de primeira mão com uma
consciência de outras formas de vida social além da sua
própria. O que resultou, quando muito, foi: 1) descrições mais
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 231
apuradas de todos os aspectos parciais essenciais de uma
sociedade, descrita com referência a sociedade como um todo
e, pelo menos implicitamente, a outra sociedade como todos;
2) definições mais sistemáticas do todo social e suas partes em
termos estabelecidos pelas então crescentes disciplinas da
sociologia e etnologia; 3) explanações menos etnocêntricas dos
costumes “estranhos” em termos das suas funções e
significados inteligíveis na sociedade descrita.
A etnografia se tornou, então, mais meticulosa na coleta de
dados e mais ligada ao corpo teórico da ciência social
emergente. Este processo continuou durante os anos 20 e 30, a
medida em que os etnógrafos estreitaram os contatos,
tomando cada vem mais conhecimento das principais idéias e
questões formuladas por cada um muito embora tenha havido
considerável desacordo entre eles quanto a melhor forma de
conduzi-las.
O que tudo isso tem com o estudo da escolarização ou
educação na sociedade americana? Eu apresentei esta breve
revisão
da
história
da
etnografia
(evidentemente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 232
supersimplificada) para servir como um pano de fundo para a
consideração de como se pode fazer etnografia nas escolas
americanas.
Nós somos obrigados a começar reconhecendo que as
especificidades que caracterizam o trabalho de campo de um
antropólogo como MALINOWSKY, nas ilhas Trobriand, não
funcionará nas escolas americanas. Alguns de seus princípios
gerais de trabalho de campo e relatos podem servir como um
modelo para etnógrafos educacionais, mas não seus métodos
específicos, uma vez que sua unidade social difere da nossa
em tamanho e tipo. Uma escola americana não é uma aldeia
Trobriand. Pode haver pontos de analogia entre as duas, mas
há, de outro lado, pontos em que a analogia não se sustenta.
Por exemplo, a aldeia envolve a vida de seus membros 24
horas por dia por muitas gerações; a escola, não. Na aldeia, a
autoridade política e as relações de troca são fortemente
influenciadas por status e regra de relação familiar, enquanto
na escola tratamento especial de acordo com status de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 233
relações familiais é expressamente proibido por um sistema
de regras burocráticas (e meritocráticas).
Por conseguinte, nós não podemos transferir os métodos
particulares da pesquisa etnográfica padrão para o estudo de
escolas. Mas nós podemos identificar os princípios gerais de
fazer etnografia de uma aldeia primitiva - uma comunidade
total na qual os membros mantém status designados,
limitados igualmente por direitos e obrigações
recíprocas,
trocam bens, e na qual o conhecimento é tradicional e muda
vagarosamente
e os sistemas de significados locais são
identificados. Nós podemos tentar identificar quais destes
princípios gerais ainda se aplicam quando se faz etnografia de
uma escola - uma comunidade parcial, cujos membros
(idealmente) mantêm status alcançados, na qual direitos e
obrigações não são recíprocos, na qual os bens e serviços
trocados
diferem marcadamente em tipo, e na qual o
conhecimento é não tradicional e muda rapidamente.
As teorias e métodos de MALINOWSKY não funcionam nas
escolas porque
estes métodos não são apropriados a tal
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 234
situação. Todavia, este exemplo, que se tornou o paradigma
para toda uma geração de etnógrafos, pode seu útil para nós,
assim como alertar-nos para não tomar seu modelo
literalmente. Para fins analíticos, MALINOWSKY viu a
sociedade como divisível em categorias de atividades que
preenchiam a maior parte das necessidades humanas básicas organização social (incluindo as de parentesco, casamento e
regras de descendência), economia, tecnologia, língua, sistema
de crenças.
1. Visão da escola de acordo com as categorias de MALINOWSKY
1.1. Organização Social
Como forma de pensar a escola como uma pequena
comunidade, nós poderíamos aplicar à mesma os termos
fundamentais do discurso sobre organização social - pessoas,
status, papel, direitos, obrigações - tomando, de início, muito
pouco disto como certo. Nós podemos construir proposições
sobre os status e papéis que existem para as pessoas na escola,
e as redes de direitos e obrigações que ligam vários dos status
uns aos outros.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 235
Os professores são obrigados a obedecer ao diretor, cujo
direito é o de ser obedecido.
O direito e obrigado a proteger o professor de interferência
externa e só professores tem o direito de serem protegidos
pelo diretor.
1.2. Economia
No modelo de MALINOWSKY, comportamento social é visto
como um intercâmbio. Intercâmbio inclui troca de bens de
valor, troca de símbolos de valor em um mercado de dinheiro,
ou a troca de comportamentos de forma igualitária.
As salas de aula podem ser vista como um sistema econômico
de comportamento - uma economia política - na qual os
estudantes prestam deferência para os professores em troca
de um tipo de tratamento e do fornecimento de conhecimento.
1.3. Sistema de crenças: religião, filosofia popular e ritual
A escola pode ser vista como tendo uma visão de mundo ou
ideologia perpetuada pela inculcação da crença religiosa
(através de mitos e rituais) é fundamentada numa filosofia
popular, cujos elementos são: termo de definição princípios de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 236
valoração (ou de avaliação?), regras de lógica, métodos de
explicação causal e formas de afirmação predicativas.
1.4. Mito
As características da “religião” escolar que mais tem recebido
atenção nós últimos anos, são os arquétipos míticos e temas
curriculares.
1.5. Mitos de criação
A
vinda
dos
peregrinos,
a
guerra
revolucionária,
o
debravamento do oeste, a guerra civil, a melhoria do padrão
de vida.
1.6. Ancestrais míticos nas estórias heróicas de mito de criação
Jonh Smith, os peregrinos, Washington, Jefferson, Lincoln,
Lee, Andrew Carnegie.
1.7.Figuras subsidiárias que promovem a ação do herói
O demoníaco rei inglês (Charles I, George III);
O índio traiçoeiro e selvagem, mas ocasionalmente nobre e
leal (Pontiac, Blackhawk, Crazy Horse, Sitting Bull, Squanto,
Pocahontas, Sacajawea).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 237
1.8. O feliz e preguiçoso escravo.
O imigrante competente e trabalhador que clareou as
florestas, nomeou os campos, glorificou o nome de Deus em
se caminho, chegou ao trabalho na hora certa, e não fez greve.
2. Filosofia folclórica
O sistema de ocupações de vários status na estrutura social da
escola é outro aspecto a ser pesquisado sobre a visão cultural
do mundo na escola. A variante filosofia folclórica (metafísica,
epistemológica, lógica e ética) inerente na cultura do
professor, na cultura do administrador, e na cultura do
estudante pode prover lentes culturais, através da qual
mesmos eventos são muito diferentes. Percepções diferentes
através de lentes diferentes podem parcialmente resultar em
diferenças entre administradores, professores, e estudantes
dentro da interação na escola.
Por exemplo: Parece para mim, depois de trabalhar
internamente no treinamento de professores de variadas
escolas, cidades e subúrbios, particulares e públicos, que
algumas constantes características no sistema de crença dos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 238
professores, um corpo de sabedoria convencional, pode ser
identificado. Esse sistema de filosofia folclórica pode ser visto
como sendo composto pelos seguintes elementos: (1) termos
básicos, (2) relações entre os termos básicos na forma de
afirmações de premissas básicas, e (3) relações entre termos e
premissas
na
forma
de
afirmações
de
correlação/probabilidade, explicação causal, e previsão.
Mais concretamente, alguns termos básicos são “aluno”,
“criança”, “indivíduo”, “leitor”, “Pais”, “trabalhador”, “alto”,
“baixo”,
“bom”,
“abaixo”,
“impulsionando”, “atencioso”,
“além”,
“devagar”,
“leitura”, “problemático”.
Termos individuais podem ser juntados para formar termos
de combinações de dois elementos, como: “bom-aluno”,
“abaixo da média”, “leitor lento”.
E termos mais complexos como:
Acompanhar o resto da turma, família de pai ausente (lar
desfeito), sem livros em casa, carência cultural (ambiente
familiar ruim), bom ambiente familiar.
Um aspecto da
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 239
pesquisa dos termos é definir precisamente o que é
significado por termos como indivíduo, bom aluno, causador
de problemas, bom ambiente familiar.
Os termos básicos são relacionados um com o outro em
premissas de definição e causalidade - cada criança é um
indivíduo, um bom aluno é um bom trabalhador, um lar
culturalmente carente não tem livros, um bom ambiente
familiar leva a alta prontidão para a leitura.
2.1. Proposições de fator causal
As premissas são unidas em proposições que relacionam
pessoas
e
eventos
particulares
a
fatores
causais,
probabilidade/correlação ou declarações previsíveis na forma
de “se X então Y". “João é um (causador de problemas/aluno
lento/leitor lento) porque ele vem de uma (família de pai
ausente/lar desfeito/ambiente culturalmente carente)". “Judith
é uma leitora lenta, mas vem de um bom ambiente familiar de
modo que deve ser uma sub-empreendedora.”
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 240
2.2. Probabilidade/Proposições de Correlação
“Os alunos que vem de um ambiente culturalmente carente
provavelmente terão baixa prontidão para leitura".
" Seu
causador de problemas é freqüentemente um leitor lento e
pode vir ou de um lar desfeito ou de um bom ambiente
familiar no qual os pais empurram demais."
2.3. Predições
"Se João
prestasse mais atenção ele seria capaz de
acompanhar a turma."
"Sem mais atenção individual, os
leitores lentos não serão capazes de acompanhar a turma." "
Se você for para a porta logo antes que a sineta toque, os
estudantes ficarão em fila, caminharão em ordem para fora até
o corredor e não debandarão." " Se você não mantiver as
crianças quietas, o diretor lhe dará uma má avaliação e você
não conseguirá outro período" .
Algumas destas declarações que resultam de lógica de
professor não são totalmente falsas. Muitas das práticas
recomendadas
funcionam,
muitas
das
previsões
se
transformam em verdade. Mas as práticas e previsões podem
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 241
ser confirmadas por outras razões que as causas presumidas
pelo sistema de sabedoria convencional do professor, no qual
os termos e premissas freqüentemente não são examinados e a
lógica não é rigorosa (de acordo com os padrões tradicionais).
Por exemplo, as crianças de famílias de pai ausente podem ter
problemas para aprender a ler, mas por causa da profecia de
auto-consecução ao invés de por qualquer falta de habilidade
inerente à falta de um pai. Se as expectativas do professor
forem abaixadas porque ele sabe que uma criança não tem
pai, a criança pode ter dificuldade em aprender a ler. (A
existência de órfãos que aprendem a ler torna a “ausência do
pai que causa falta de habilidade de leitura" uma premissa
logicamente absurda. A relação se existe de todo (e pode) não
é tão simples quanto a da causalidade direta).
Um padrão total na lógica do sistema de crenças popular dos
professores parece ser aquela culpa por um resultado
avaliado baixo geralmente, é geralmente estabelecida fora da
sala de aulas - “baixa e fora" ao lar ou “alta e fora" ao diretor,
ou ao sistema. Este padrão torna os pesquisadores suspeitos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 242
da sabedoria popular dos professores. Talvez a suspeita não
seja justificada, porque a sabedoria gerada através da
experiência diária pode funcionar razoavelmente bem na vida
diária mesmo se o sistema pode estar prevendo resultados
enganadores por razões parcialmente ou mesmo totalmente
erradas. Falsa ou não, se a sabedoria popular do professor
existe, ela é um fator que deve ser combatido, na descrição
etnográfica e nos planos para mudança educacional.
2.4. Ritual
Os microrituais de ano escolar que envolvem somente parte
de toda a escola (cada sala de aula), tais como Juramento de
Lealdade, e os macrorituais que envolvem a sociedade escolar
total, tais como o Programa de Natal, acompanham uma
diminuição aguda ou aumento nos índices de interação. O
Juramento de Lealdade acompanha a intensificação da
interação somente em um ciclo de tempo diário (o contato
entre o professor e os alunos está para começar para o dia) e o
Programa de Natal acompanha a diminuição uma diminuição
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 243
da interação em um ciclo trimestral (o período semestral está
para terminar e os alunos e professores estão para partir).
O fator de mudança em índices interacionais entre os
participantes do ritual também pode ser acompanhado pelo
fator mudança de status entre os participantes.
Isto é
verdadeiro em rituais de escola secundária como premiação
em competições atléticas e iniciação em uma sociedade de
honra nacional, que reconhecem publicamente que não
somente alguns indivíduos entraram em status novos e mais
altos, mas que eles também entraram em novas formas de
relações sociais com os membros companheiros de alto status
e novas relações com os antigos companheiros, que são agora
estrangeiros de status relativo mais baixo.
Os rituais dão
expressão formal ao fato social de que os atletas se associam
mais um com o outro (por participação em um time) e com as
garotas de mais prestígio social do que com não atletas e
garotas de menos prestígio social, e que os estudantes de
honra tendem a se associar mais um com o outro (ou menos
com membros do sistema de prestígio informal dos atletas)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 244
porque constituem uma hierarquia de status separada dentro
da escola e porque dentro de seu grupo o status sócio
econômico mais alto é provável de ser representado demais.
Nos ritos de iniciação para honras atléticas e acadêmicas, a
existência do sistema dual de status e associação é proclamada
formalmente e celebrada. A escola assim dá sanção oficial ao
sistema dual. Idealmente o sistema acadêmico é mais lícito do
que o atlético, mas na operação diária da escola ambos os
sistemas existem e ambos devem ser legitimados de modo que
a ordem possa ser regulada e mantida. Através do sistema
dual um princípio de obtenções de justiça distributiva, pelo
qual os empreendedores acadêmicos e não empreendedores,
WASPS (brancos da classe alta) e não WASPS, SES (status
sócio econômico) altos e SES mais baixos, os alunos da
corrente culturalmente principal e os culturalmente diferentes
todos podem derivar bens valorizados (status de prestígio
com direitos e privilégios particulares) através da participação
na escola. Se todos não podem apanhar a placa de bronze,
todos ao menos podem montar no carrossel. Quando se
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 245
permanece em seu cavalo e não se causa problema,
eventualmente a pessoa se gradua para o carrossel dos
adultos.
3. Algumas razões pelas quais a etnografia tradicional é inadequada
para o estudo de escolas
Mas as escolas são mais que tudo isto. Minhas descrições das
crenças e organização social das escolas podem não ser
exatamente verdadeiras, por causa de sarcasmo ou porque
deixei de fora detalhes cruciais.
A crença em máximas, se em Washington, a bandeira, o time
ou na inteligência das crianças de boas famílias - ou crença
contrária - no jornal underground, na motocicleta, na beleza
da negritude ou na escatologia da greve geral - geralmente
parece absurda de fora do sistema dentro do qual as máximas
têm significado e valor.
O mito pode não somente ser
necessário como subjacente à vida social, mas a velha
proposição filosófica pode ser verdadeira ao inverso - a vida
não mítica pode não ser digna de viver. Não é suficiente para
um etnógrafo somente ficar de fora e bisbilhotar.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 246
A escola é muito mais complexa do que minhas descrições
dela.
Na melhor das hipóteses, minhas descrições são
somente caricaturas. Elas não podem ser tomadas pela vida
real mesmo se concordar que algumas delas são verdadeiras
para a vida.
A caricatura é uma distorção sistemática - abstraindo o que o
artista percebe como sendo os aspectos mais salientes de seu
assunto e apresentando aqueles aspectos em uma forma
exagerada, com largos golpes de pena. Os detalhes finos são
deixados fora intencionalmente, porque eles podem distrair a
pessoa que vê do padrão geral dos aspectos principais que o
artista quer enfatizar.
A habilidade do caricaturista em abstrair, que lhe permite
atingir seu alvo em ambigüidade, é sua maior força e maior
fraqueza. Escolhendo detalhes diferentes para enfatizar ele
pode apresentar seu sujeito como um titão ou um asno
pomposo, amante ou libertino, santo ou louco.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 247
Similarmente, o etnógrafo, relatando seletivamente detalhes
da vida diária em sua descrição de uma sociedade - deixando
muito de fora e exagerando sua descrição daqueles detalhes
que coloca - produz não somente uma caricatura (o que é
inevitável, já que ele não pode apresentar todos os detalhes),
mas uma caricatura que é feita de um ponto de vista
particular
e
que
comunica
aquele
ponto
de
vista
inexoravelmente.
Assim as seguintes “perguntas teste" devem ser feitas a minha
etnografia, e a todas as etnografias:
Como você atingiu seu ponto de vista total? O que você
deixou de fora e o que colocou? Qual foi seu raciocínio para
seleção? Do universo de comportamento disponível, quanto
você monitorou? Por que você monitorou o comportamento
em algumas situações e não em outras? Que base você tem
para determinar o significado do ponto de vista dos atores?
Acredito que uma boa etnografia deve não somente ser capaz
de responder aquelas perguntas, mas deve fornecer dados
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 248
para ilustrar as decisões tomadas durante o processo de
pesquisa e (talvez em um apêndice) descrições dos tipos e
quantidades de dados que não estiveram disponíveis, mais
exemplos de dados disponíveis que foram consistentes com o
ponto de vista total apresentado na etnografia. Em outras
palavras, o etnógrafo deve fornecer aos leitores instruções
para a falsificação da análise, se o leitor decidir replicar o
estudo.
Isto quase nunca é feito em relatórios etnográficos. Isto deixa
a
etnografia
bem
aberta
a
cargas
de
subjetividade,
periodicidade ideologia por críticos positivistas.
Enquanto
não concordo com os positivistas, especialmente aqueles que
dominam a pesquisa educacional, não vejo razão para deixar
a etnografia educacional em uma posição sem defesa ante
seus críticos. Os positivistas têm razão. Embora possa objetar
a suas regras particulares de evidência. Sou forçado a admitir
que algumas regras de evidencia sistemáticas são necessárias.
Seja quais forem as regras de evidência que os etnógrafo
escolham, eles devem escolher algumas, viver de acordo com
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 249
elas e tornar claro a sua audiência quais são elas e como
afetam o curso da pesquisa. Porém, cada antropólogo que
conheci tinha sua própria opinião sobre o que ele ou ela
pensava que as regras de evidência deveriam ser. Alguns
pensam que não deve haver "regras" de todo - que o processo
é complexo demais e intuitivo demais para refletir enquanto
se o executa. Mas penso que é melhor tornar o processo de
pesquisa tão reflexivo quanto possível - que isto informa e dá
força à intuição ao invés de enrijece-la.
4. Fazendo etnografia escolar
Aqueles de nós que escolhem fazer etnografia escolar
escolhem fazer isto em sociedades complexas modernas (ou
em sociedades tradicionais em rápido desenvolvimento),
porque nas sociedades tradicionais a transmissão de cultura
mais
intencional
(educação)
não
é
a
escolaridade
institucionalizada.
Assim começamos com uma unidade de análise, a instituição
da escolaridade, que envolve somente alguns membros da
sociedade, algumas horas de cada dia, alguns dias a cada ano.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 250
A escola transmite somente algum do material cultural da
sociedade. A forma organizacional da instituição escolar, a
escola, está localizada em um ambiente limitado geográficodemográfico, com relações de direitos e obrigações entre a
escola e aquele lugar e suas pessoas. A escola também está
ligada por uma rede de comunicação, direitos e obrigações
para com as unidades sociais maiores - o sistema escolar e o
gabinete escolar (que nos Estados Unidos é uma entidade
governamental), com o governo municipal, estadual e federal.
A escola é ligada pelo processo político formal e informal à
étnica econômica e interesses de grupos religiosos que ativam
o processo político.
Além de ser uma parte dentro de uma escala maior, a escola é
um todo composto de partes - diferenciação de pessoas de
acordo com diferentes classes de status e papéis formais e
informais
(professores,
alunos,
administradores,
para
profissionais, responsáveis, pais) com diferentes índices e
modos de interação entre status e diferentes esferas e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 251
quantidades de autoridade e influência pertinentes aos vários
status.
Mas isto são informações demais disponíveis aos etnógrafos.
Eles devem, me parece, ter estratégias para eliminar algumas
do colosso de informações, distribuindo em categorias o
comportamento
confrontam.
e
regras
de
comportamento
que
as
Tudo o que acontece dentro da escola é
potencialmente significativo, mas algumas coisas são mais
significativas que outras. Segundo MALINOWSKY a maior
parte do que acontece dentro da escola está de algum modo
relacionado com o que acontece fora dela, mas algumas destas
relações são mais fortes que outras.
Não se pode estudar a cidade como ou todo ou a vizinhança
da escola, ou a escola mesmo. Há demais aí para monitorar
holisticamente, ainda que o holismo não possa ser eliminado,
ou podem resultar caricaturas baseadas em visão de túnel.
Os problemas de definição de unidade social, como estudar a
interação como limites de unidade, decidir sobre uma
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 252
amostra, gerar questões pesquisáveis, operacionalização, tudo
se torna crescentemente insistente quando se pensa em fazer
uma etnografia escolar. O processo de pesquisa começa a
parecer como a pesquisa educacional comum, com o que
muitos de nós já estamos desiludidos.
Além do problema de como fazer etnografia em uma
instituição única dentro de uma sociedade complexa, existe o
problema de como os etnógrafos que são membros daquela
sociedade pensam e sentem sobre sua sociedade, e como seu
ponto de vista afeta sua descrição.
Alguns de vocês
discordaram do tom de minhas caricaturas das escolas
americanas apresentado anteriormente no artigo porque
discordam de minhas opiniões e sentimentos para com a
sociedade americana como um todo. Minhas caricaturas não
seriam verdadeiras para com a vida em termos de sua teoria
social.
Era eu que estava lá fazendo o trabalho de campo, não outra
pessoa. Minhas presunções fundamentais e preconceitos são
parte de meu eu. Não posso deixá-los em casa quando entro
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 253
em um local. Devo estudar o local como eu. Mas você não é
eu e você não está lá. Fui eu que estive lá. Assim devo ao
menos tornar explícito para você o ponto de vista que eu
trouxe ao local e sua evolução enquanto eu estava lá, bem
como o ponto de vista com o qual saí. A meta desejável não é
aquela impossível de objetividade sem corpo (Eu sou um
sujeito, não um objeto), mas da clareza em comunicar o ponto
de vista como um sujeito, para mim e para minha audiência.
Além de ser eu para minha audiência, como um etnógrafo,
tenho uma obrigação de ter estado lá. Realmente estar lá
significa experimentar fortes relações com seja mais quem
esteja lá (os informantes da pessoa). Algumas destas relações
podem parecer boas e outras podem doer. Todas elas me
afetam e me mudam. Porém uma pessoa que faz observação
participativa - como na maior parte observador ou como na
maior parte participante - não um envolvimento total com um
local.
Uma razão pela qual não tenho ainda suficiente material de
sabedoria popular de professor à mão é que minhas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 254
experiências de campo mais intensas foram com crianças, não
com professores. Minhas descrições de professores são ainda
de uma distância; elas parecem verdadeiras, mas não o
suficiente verdadeiras. Somente após ter realmente estado lá
com professores serei capaz de mostrar quão sensível é o
sistema de sabedoria convencional dos professores não
examinado quando visto de dentro do sistema.
É a prova de força do etnógrafo: tirar sentido dos complexos
de comportamento " ultrajantes" (comer sopa de coágulos, a
circuncisão pública de adolescentes do sexo masculino [sem
anestesia], humor negro, partilhar a esposa com uma visita, as
explicações do professor sobre porque uma criança fracassa)
colocando o complexo comportamental em seu contexto sócio
cultural. Para empurrar isto como um etnógrafo a pessoa deve
não somente suprimir um sentido de raiva ultrajada enquanto
no campo, mas ainda ficar lá e tirar vantagem de sua raiva,
usando-a como um barômetro para indicar alta saliência.
Aqueles aspectos de uma cultura que simplesmente são
intoleráveis são provavelmente a chave para a diferença entre
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 255
aquela cultura e a própria. O método não é aquela da
objetividade, mas da subjetividade disciplinada.
Se existe uma cultura de professores da escola primária não é
certamente, em seus aspectos distintos, a minha própria. Se eu
quero descrevê-la adequadamente, devo permanecer perto até
que ela faça sentido e então relatá-la de modo que ela faça
sentido. Em meu relatório posso escolher condená-la ou não
condená-la, mas em qualquer dos casos estou obrigado a
torná-la inteligível como vista de dentro, e retratar os atores
na situação como humanos - não como figuras de madeira ou
monstros. Talvez não bons ou maus ou pessoas sábias mas
seres humanos.
Parece me que muito da etnografia escolar em nossa própria
sociedade ficou longe deste ponto. Como etnógrafos, (e como
descritores jornalísticos de escolas) damos lugar a nossa raiva
muito auto-indulgentemente e apresentamos as escolas,
professores e alunos como essencialmente e irredimivelmente
desumanos; na melhor das hipóteses guiados por uma
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 256
ignorância impenetrável ou na pior das hipóteses, motivados
por uma malevolência zelosa.
Não estou propondo aqui um relativismo fraco. Mas mostrar
que um processo social tendo resultados ruins, não é
necessário descrever cada ator no processo ou como vilão ou
como uma vítima. Para caricaturar uma comunidade escolar
americana de um modo que seja verdadeiro em si, deve-se
mostrar que professores, alunos, administradores, pais,
políticos, homens de negócios, são motivados pelo bem e pelo
mal, guiados pela sabedoria bem como pela tolice em suas
sabedorias convencionais, freqüentemente confusos, algumas
vezes fortemente conscientes do que está acontecendo, se
imiscuindo.
Tal caricatura não deve excluí-los, mas seria
verdadeira a eles de um modo em que muitos escritos
recentes sobre escolas não o são, se o escritor for um defensor
ou atacante do sistema.
Alguns podem achar que usar o ultraje de alguém como um
instrumento no trabalho de campo, para explicar o ato
ultrajoso como inteligível, é em si mesmo ultrajoso - uma
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 257
perversão esquizóide do emocionalmente e eticamente
"normal". Então não se deve tentar fazer etnografia, porque
naquele processo de pesquisa a lei mais alta é fidelidade ao
assunto, quão esquizóide se possa tornar no processo de
pesquisa. Os antropólogos tentaram muito fazer isto quando
descrevem tais instituições “ultrajantes" como a Cerimônia
Kachina, na qual os homens Navajo se vestem como deuses
com máscaras e chicoteiam as crianças, mas os antropólogos
freqüentemente deixam de fazer isto quando descrevem as
instituições " ultrajantes" da escola americana.
Caracterizei a etnografia como um processo de pesquisa com
um pé na situação de campo e o outro na literatura
antropológica.
Em
conclusão,
quero
ilustrar
isto
esquematizando os primeiros passos de um processo de
pesquisa de campo - que tipos de perguntas poder-se-ia trazer
para o que se está vendo, que tipos de significado poder-se-á
assinalar para o que se vê e que tipos de lógica e premissas
básicas poder-se-ia usar ao fazer isto.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 258
5. Tornando o familiar estranho
A pergunta contínua que se pode fazer no campo é esta: Por
que isto é (ato, pessoa, status, conceito) da maneira que é e
não diferente? A presunção por trás da pergunta é que o
comportamento humano varia o suficiente pelo mundo para
que em alguma outra sociedade haja ou uma maneira
convencional bem diferente de fazer seja qual for atividade
que aconteça eu estar vendo, ou em alguma sociedade ela não
possam fazer a atividade de todo e passem bem sem ela.
Não presto atenção consciente aquela pergunta todo o tempo,
mas ela está sempre ali. Especialmente ao fazer etnografia em
nossa própria sociedade é importante manter em mente que a
natureza estranha e arbitrária do comportamento diário
comum que nós, como membros, consideramos usual. Esta é
a técnica do filósofo de tornar deliberadamente o familiar
estranho.
Ao entrar em uma sociedade não Ocidental o
trabalhador de campo não tem que fazer isto. Tudo não é
familiar e muito é estranho.
Mas quando descrevendo as
instituições de sua própria sociedade, o etnógrafo deve adotar
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 259
a posição crítica do filósofo, continuamente questionando os
terrenos do convencional, examinando o óbvio, que é
considerado tão usual pelos do meio cultural que se torna
invisível para eles.
Freqüentemente são os aspectos
considerados usuais de uma instituição que na análise final
aparecem como os mais significativos.
O instrumento para desmascarar o óbvio é a pergunta, Por
que isto da maneira que é e não diferente? Em formas mais
particulares esta pergunta poderia ser:
1. Por que há uma bandeira americana pendurada nesta sala
de aulas? Existem alguns casos em que ela está ausente? O
que acontece nestes casos?
2. Por que o professor toca na cabeça de seus alunos? Existem
algumas regularidades em quem ela toca e em quem não? O
que poderia acontecer se ela começasse a tocar os não tocados
ou parasse de tocar de todo?
Comparadas com as maneiras mais comuns nas quais a
educação tem sido praticada através da maior parte da
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 260
história humana, as salas de aula americanas são estranhas
não somente em termos do que acontece lá, mas em termos do
que não acontece. Poderíamos perguntar, “Por que não há
rito de circuncisão para os garotos do oitavo ano?”.
Assim a primeira presunção é que muito do que acontece na
escola,
enquanto
pode
ser
lugar
comum
para
nós
observadores e para os participantes, é apesar disto
extraordinário. A próxima presunção é que o que acontece na
escola não é somente uma questão de relações entre
indivíduos professores e alunos e pais, mas de relações entre
alunos como grupos, entre professores como grupos e entre a
escola como um todo interagindo com outras unidades sociais
como todos fora dela (grupos comunitários, o sistema escolar
mais abrangente, entidades políticas e econômicas).
Em
resumo, é presumido que o significado total de muitos
eventos dentro da escola pode ser visto somente no contexto
dos eventos através de toda a escola, influências do exterior
sobre a escola e influências da escola na sociedade mais
abrangente.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 261
6. Fazendo perguntas pesquisáveis
Neste ponto poderia ser apropriado dar um passo atrás,
passar para um nível mais alto de abstração, e fazer perguntas
que definam mais claramente os termos da pesquisa, bem
como nos levem a evidencias sobre a relação das escolas com
outras entidades sócio culturais. Aqui estão alguns exemplos
de perguntas possíveis que falam das relações entre a
organização do ensino em escolas urbanas e a questão da
sucessão étnica em posições ocupacionais.
Se se queria
estudar tal questão, existem tipos de perguntas de pesquisa
que podem guiar a pesquisa.
1. Existem grupos (que vão de encontro a quaisquer critérios
para a definição de " grupo" que pudéssemos escolher para
estabelecer ou adotar) nos quais o status étnico é um atributo
criterial para se ser membro?
O que acontece em grupos
baseados em status comercial e financeiro e grupos compostos
de ocupantes de cargos políticos?
2. Como estes grupos são distribuídos em termos de
residência,
ocupação, classe sócio econômica, afiliação
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 262
religiosa, afiliação política e o envolvimento e exercício de
autoridade?
3. Qual é a natureza das relações entre grupos?
Alguns grupos são subordinados a outros? Quais são e como?
Onde
estão
os
grupos
mais
recentemente
chegados
localizados na estrutura social relativa aos grupos menos
recentemente chegados?
Existem redes de amizade entre indivíduos dos diferentes
grupos?
Existem redes de amizade de foco individual ou
dentro do grupo? Quem está na rede?
Os diferentes grupos são super representados em certos status
ocupacionais e outros tipos de status?
Em organizações
dominadas por uma maioria super representada, qual é a
natureza de suas relações com a minoria sub representada?
Existem entendimentos formais ou informais pelos quais os
sub-representados tem acesso a certos tipos de emprego,
influência, contratos e os super-representados tem controle
sobre outras áreas da pista organizacional? Quem controla o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 263
que? Uma relação de paridade ou justiça distributiva é obtida
com a qual ambos os grupos concordam? Por que processo a
paridade é determinada?
4. Se as relações sugeridas nas perguntas 1-3 obtém para
padrões residencial , étnico e ocupacional nas vizinhanças, as
organizações de negócios e governamentais a cidade como
um todo, como isto se relaciona com a estrutura , operação e
função das escolas?
Há super representação de algumas categorias de pessoas étnica, residencial, religiosa - nos vários status nas escolas (ex:
administradores locais, professores, zeladores, auxiliares de
escritório, alunos , pessoal de agencia social relacionado com a
escola)?
Como esta distribuição vê os vários níveis organizacionais ex: administradores do escalão superior, a direção da escola,
os contratadores de construção e manutenção, aqueles que
alugam a propriedade da escola, etc? Qual é a distribuição de
renda (e outros benefícios especificáveis) entre as categorias?
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 264
Em uma dada escola local e para o sistema como um todo,
várias categorias de pessoas (que se identificam como tal)
percebem a paridade ante outros grupos? Quem faz e quem
não faz? Qual é sua definição de paridade?
5. Qual é o efeito de 1-4 acima sobre a organização da vida
diária em uma dada escola ?
O que as diferentes categorias de pessoas fazem a maior parte
do tempo?
A etnicidade, residência, afiliação religiosa, etc, afeta a
qualidade das relações entre administradores e professores?
Entre professores e professores?
Entre os auxiliares de
escritório e os professores? Entre professores e alunos? Etc.
O que é “comportamento não afetado por fatores étnicos"?
O que é “comportamento positivamente afetado por fatores
étnicos"?
O que é “comportamento negativamente afetado por fatores
étnicos"?
Quem se relaciona com quem e de que modo?
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 265
O que várias categorias de pessoas dizem sobre isto em
conversa formal-informal? Dentro e fora da escola? O que
elas fazem sobre isto formalmente e informalmente?
6. Quais sãos os resultados escolares altamente valorizados
pelas várias categorias de pessoas?
Resultados para professores e administradores? Para alunos?
Para os pais? Para homens de negócios? Para autoridades
governamentais?
Qual é a distribuição de opinião dentro de um dado
agregado?
Qual é a distribuição de resultados desejáveis e indesejáveis
(como definidos por qualquer dos agregados acima) entre
uma dada classe de pessoas étnica, residencial, religiosa, sócio
econômica?
Se
resultados
desejáveis
são
pesadamente
super
representados, como isto se relaciona com aquela definição de
agregado de “justiça distributiva"?
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 266
8. Um processo de pesquisa
Obviamente, nenhum etnógrafo poderia cobrir todas estas
perguntas em detalhes uniformes.
Mas se da leitura da
literatura, de informantes e pelas observações, se começa a
sentir que fatores étnicos poderiam explicar o comportamento
padronizado
em
uma
comunidade
escolar,
então
se
necessitaria se basear em vários tipos de informações sobre
fatores étnicos que operam nas unidades sociais mais amplas
das quais a comunidade escolar faz parte e em unidades
sociais menores dentro da comunidade escolar, bem dentro da
sala de aulas ou do confronto individual pais-professor. O
etnógrafo seria levado a este corpo de informações por uma
variedade de perguntas de pesquisa. Quando considerando
as questões de pesquisa para pesquisa, minha regra é que as
microperguntas de uma pessoa devem sempre levar a
macroperguntas e vice versa.
Quando considerando a
garantia evidenciária para as asserções, minha regra de
evidencia é que para qualquer asserção de um alto nível de
abstração devemos ser capazes de mostrar ligações claras
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 267
através de uma cadeia de perguntas e respostas de pesquisa
de ordem mais baixa, para os níveis mais baixos possíveis de
inferência em observação e interpretação da ação humana
visível e audível.
Penso que a etnografia, por causa de seu holismo e por causa
de sua perspectiva cultural cruzada, fornece um processo de
pesquisa pelo qual podemos fazer perguntas de extremidade
aberta que resultariam em novos insights sobre a escola na
sociedade americana. Muitos destes insights podem ser úteis
para planejadores políticos e grupos comunitários. Mas não
como a "Verdade Absoluta" que eles poderiam querer ontem.
Nenhum
de
nossos
insights
pode
ser
taxado
de
“conhecimento positivo" nem devem sê-lo. Apresentando
nossas conclusões como possíveis ao invés de como certas,
penso que podemos adquirir credulidade sem mistificação.
Para pessoas de ação, nossa pesquisa etnográfica pode ser útil
fornecendo novos pontos de vantagem para reflexão; uma
meta modesta, mas uma resistência honesta a esta inflação de
esperança cujo final é o cinismo.
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Documento original sem referências
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 269
Capítulo 7
O discurso em sala de aula como improvisação
As relações entre a estrutura das tarefas acadêmicas e a estrutura de
participação social nas aulas10
A conversa entre professores e alunos nas aulas - conversa
que
é
não
somente
inteligível
mas
situacionalmente
apropriada e efetiva - pode ser vista como a improvisação
coletiva de significado e organização social de momento a
momento.
Como esta improvisação acontece e qual o
significado pedagógico que a improvisação pode ter, irei
discutir neste capítulo.
Primeiro alguns pontos gerais: (a) os aspectos acadêmico e
social da estrutura das tarefas das aulas como ambientes de
aprendizagem; (b) o papel da cronometragem na organização
social e acadêmica da interação nas aulas; (c) o padrão
cultural de interação; e (d) as implicações dos três pontos
10 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi
originariamente publicado sob o título Classroom Discourse as Improvisation: Relationship
between Academic Task Structure and Social Participation Structure in Lessons. In L.C. Wilkinson
(Ed.) Communicating in the classroom. NY: Academic Press. Pp. 153-181, 1982.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 270
anteriores em nossa compreensão da conduta de ensino e
aprendizagem
como
socialização.
Apresentarei
então
exemplos específicos de uma aula de matemática ministrada
em uma sala de aula do primeiro ano. Concluirei com a
discussão da implicação pedagógica e sociolingüística de um
quadro de referência e uma análise que considera as aulas
escolares como encontros e considera a interação nas aulas
como uma variação situacional dos temas socioculturais
gerais.
1. Ambientes de tarefa de aprendizagem
Os
professores
e
alunos
engajados
em
fazer
uma
aprendizagem juntos podem ser vistos como trabalhando em
dois
conjuntos
de
conhecimentos
procedurais
simultaneamente: o conhecimento da estrutura da tarefa
acadêmica e da estrutura de participação social. A estrutura
da tarefa acadêmica (STA) (Deve ser notado que este é um
sentido muito mais específico do termo que o usado por
BOSSET (1979), cuja "Estrutura da Atividade de Tarefa" é uma
noção muito mais geral de tarefa e deriva de uma referência
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 271
teórica muito diferente) é imaginada como um conjunto
padronizado
de
restrições
fornecidas
pela
lógica
do
sequenciamento do conteúdo sujeito-objeto da aula. A
estrutura de participação social (EPS) é considerada como de
um conjunto de restrições sobre a alocação de direitos
interacionais e obrigações dos vários membros do grupo de
interação (ERICKSON & SCHULTZ, 1977, 1981; SHULTZ,
FLORIO & ERICKSON, no prelo).
A estrutura da tarefa acadêmica governa o sequenciamento
lógico dos "movimentos" instrucionais do professor e dos
alunos.
Considere, por exemplo, o seguinte problema de
soma: 14+8= 22
Ao resolver esta equação no estilo da "matemática antiga" (e
ao ensinar os passos em sua solução) é necessário começar (a)
com a coluna mais à direita (a "1°”); (b) adicionar os números
naquela coluna; (c) já que a soma daquela coluna é maior que
10, "levar" as 10 unidades para a coluna próxima à esquerda (a
coluna dos 10), e (d) adicionar os dois 10 naquela coluna. A
seqüência de passos é restringida pela lógica da computação;
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 272
não se sabe que os dois 10 devem ser adicionados na coluna
dos 10 até que se tenha primeiro somado os números na
coluna dos 1. Assim os passos na adição ficam em relações de
pares adjacentes um ao outro que são análogos às relações de
pares adjacentes na conversa que foi discutida pelos analistas
conversacionais (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974),
por exemplo, seqüências de perguntas e respostas.
Na
conversa e em computação estas são relações invariáveis de
uma posição de série, hierarquicamente e seqüencialmente
ordenadas.
Existem pelo menos quatro aspectos definíveis de ambiente
de tarefa acadêmica em uma aula: (a) a lógica do
seqüênciamento sujeito-objeto; (b) o conteúdo de informações
dos vários passos seqüenciais; (c) as dicas de " metaconteúdos para os passos e estratégias para se completar a
tarefa; e (d) os materiais físicos através dos quais as tarefas e
os componentes das tarefas são manifestados e com que
tarefas
são
executados.
Estes
quatro
aspectos
juntos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 273
manifestam a estrutura da tarefa acadêmica da aula como um
ambiente de aprendizagem.
A estrutura de participação social governa o seqüenciamento
e articulação da interação; ela envolve dimensões múltiplas da
sociedade interacional de acordo com a qual o trabalho
interacional é dividido em conjuntos de papéis comunicativos
articulados, por exemplo: papéis de ouvinte em relação aos
papéis de falante. 2 (Papel aqui se refere a um conjunto de
direitos e obrigações vis a vis com outros). Considerada como
um padrão total, a estrutura de participação pode ser
considerada como a configuração de todos os papéis de todos
os padrões em um evento interacional (ERICKSON E
SHULTZ, 1977, 1981).
Alguns aspectos destas relações de
papel envolvem padrões nas maneiras que os padrões
interacionais trocam de turno durante a fala, pares ligados de
turnos, juntados semanticamente em seqüências de perguntas
e respostas, e comportamento de ouvinte coordenado em
relação ao comportamento de fala.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 274
Paralelamente aos quatro aspectos do ambiente de tarefa
acadêmica de uma aula estão quatro aspectos definíveis do
ambiente de tarefa social: (a) a guarda social do portão de
acesso para pessoas e outras fontes de informações durante a
aula; (b) a alocação de direitos e obrigações comunicativos
entre os vários parceiros interacionais no evento; (c) o
seqüenciamento e cronometragem dos sucessivos "encaixes"
funcionais na interação; e (d) as ações simultâneas de todos
aqueles engajados na interação durante a aula.
Tomados
juntos, estes quatro aspectos manifestam a estrutura de
participação
social
da
aula
como
um
ambiente
de
aprendizagem.
Os aspectos da estrutura de participação social foram
estudados por analistas conversacionais e por etnógrafos de
comunicação (SACKS et. al., 1974 sobre alocação de turno;
SCHEGLOFF, 1968 sobre seqüências de perguntas e respostas;
e DUNCAN & FISKE, 1977, ERICKSON, 1979 & KENDON,
1967, sobre coordenação ouvinte-falante).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 275
Todo este trabalho presume uma definição do social em
termos do WEBSTER como a ação feita devido as ações de
outros (WEBER, [1922]1978). A ação social é distinguida do
comportamento social na medida em que é articulada e
orientada para o que os outros estão fazendo na cena, bem
como para o que os outros podem estar fazendo fora da cena
imediata. As ocasiões das interações sociais são nos termos de
GOFFMAN, encontros; ajuntamentos focalizados nos quais o
foco está no que os outros estão fazendo ali (GOFFMAN,
1961). A fronteira entre o encontro e o mundo exterior não é
impermeável; as influências externas não se impingem nela.
Mas a ação dentro do encontro tem, em alguma extensão, uma
vida própria. Ela é, em parte ao menos, imediatamente social.
O lugar no qual o que os etnometodólogos nomeiam
“produção local” é feita; a ação é situada em seu local
imediato.
Nos encontros, as ações dos vários parceiros interacionais são
articuladas de modos imediatamente sociais seqüencial e
simultaneamente.
As
ações
recíprocas
são
articuladas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 276
seqüencialmente, por exemplo, em pares de perguntas e
respostas,
nos
quais
a
pergunta
feita
pelo
parceiro
conversacional obriga a uma resposta por outro no próximo
encaixe sucessivo da conversa. As ações complementares são
articuladas simultaneamente, por exemplo, nas respostas do
ouvinte tais como assentimentos que podem ocorrer no
mesmo momento em que o falante fala. Em suma, a ação que
é imediatamente social é vista como radicalmente cooperativa
e interdependente.
Os aspectos seqüencial e simultâneo da organização social da
interação em sala de aula foram consideradas recentemente
por
alguns
ERICKSON
pesquisadores,
(1977),
notadamente,
ERICKSON
E
BREMME
MOHATT
&
(1982),
GUMPERZ E COOK-GUMPERZ (1979), MEHAN (1979),
MERRIT (neste Volume), MICHAELS & COOK-GUMPERZ
(1979), SHULTZ et. al. (no prelo), SINCLAIR & COULTHARD
(1975) e WILKINSON, CLEVENGER & DOLLAGHAN (1981).
Somente os autores do trabalho mais recente começaram a
considerar os aspectos social e acadêmico das tarefas de aula
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 277
juntos (ver AU, 1980; COLLINS & MICHAELS, 1980;
COOPER, MARQUIS & AYERS-LOPEZ, Capítulo 5, neste
volume; GRIFFIN, COLE & NEWMAN, em preparação;
MEHAN & GRIFFIN, 1980).
Isto é necessário, como
argumentei em outra parte (ERICKSON, 1980), se vamos
desenvolver uma teoria interacional da aprendizagem e
ensino cognitivo em ocasiões sociais (tais como aulas) que
sejam ambientes interacionais de aprendizagem.
Algumas pesquisas anteriores de sala de aula enfatizaram o
ambiente de tarefa cognitiva (SMITH, n.d.; TABA, 1964)
enquanto ignoravam o ambiente de tarefa social.
Uma
tentativa notável foi feita por BELLACK, KLIEBARD,
HYMAN & SMITH (1966) para combinar aspectos de
organização social e acadêmica no estudo das aulas. Desde
então,
pesquisadores
sociolinguisticamente
orientados
estudaram principalmente a estrutura de participação social
das aulas, enquanto pesquisadores de currículo e psicólogos
cognitivos se preocuparam primariamente com a estrutura de
tarefa acadêmica das aulas. É necessário considerar ambos os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 278
aspectos de organização como mutuamente constitutivos.
Como MEHAN colocou sucintamente, para um aluno dar
uma resposta certa em uma aula, a resposta deve ser "certa"
no conteúdo acadêmico e na forma social (MEHAN, 1979,
p.1).
Na extensão em que a conversa em uma aula diz respeito ao
assunto, a participação bem sucedida na aula envolve
conhecimento de informações sobre o assunto e sua
organização lógica, bem como conhecimento do discurso e de
sua organização local.
2. Tempo e seqüência na coordenação da interação social
Se a interação face a face é uma empresa radicalmente
cooperativa, "localmente" produzida em termos de ações
localmente situadas e seus significados, então os parceiros
interacionais devem ter meios disponíveis para estabelecer e
manter interdependência em sua ação coletiva. Estes meios
são os padrões de cronometragem e seqüenciamento na
execução do comportamento verbal e não verbal. Os padrões
funcionam como um sistema de sinais - um mecanismo de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 279
guia social - pelo qual os parceiros interacionais são capazes
de dizer um ao outro o que está acontecendo de momento a
momento. Começarei esta discussão considerando as funções
e manifestações comportamentais diferentes de sinais de
coordenação e então discutiremos a organização destes sinais
na duração de tempo real da interação.
Os sinais são explícitos e implícitos. Eles podem comunicar
informações sobre um momento que é passado, este momento
agora, e/ou o momento que vem a seguir. Os sinais explícitos
podem ser encontrados no significado literal (conteúdo
referencial) da fala. A última sentença do parágrafo anterior é
um exemplo deste discurso escrito; ela aponta as expectativas
do leitor para o que vem em seguida no texto.
Nas
aulas
algumas
destas
orientações
são
feitas
explicitamente na fala. Freqüentemente a fala tem a ver com o
conteúdo do assunto e com a STA. Consideremos o problema
de adição discutido anteriormente. Se o professor estava
demonstrando a solução deste problema à sua classe, o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 280
discurso da aula poderia ser algo assim quando o professor
apontou os vários números e colunas em um quadro de giz:
Professor: Quanto é quatro mais oito? (apontando para a
coluna dos 1º).
Classe: Doze.
Professor: Certo, assim escrevemos os dois aqui (O
professor o faz) e então?
Classe: (Sem resposta)
Professor: O que eu disse da última vez? (ex: no
problema anterior)
Classe: Levar.
Professor: Levar o 10 para a coluna dos 10 e somar os
dois 10 lá... assim a resposta é ...
Vinte e dois.
Muito bem. Agora “sete mais cinco". (O professor passa
para o próximo problema).
A questão no turno 1, “Quanto são quatro mais oito?” (mesmo
se não acompanhada da ação não verbal de apontar para o
quadro), identifica explicitamente e acompanha a ação no
passo na estrutura de tarefa acadêmica que está sendo feita
naquele momento. Além disto, a forma da pergunta também
assinala que uma resposta é devida no momento a seguir; daí
a pergunta não somente permite à classe identificar o que está
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 281
acontecendo no momento presente mas antecipar, através de
interpretação prospectiva, o que deve acontecer no momento
seguinte. O turno 5 aponta explicitamente para a necessidade
de interpretação retrospectiva pela turma, pedindo para
lembrar o que foi ensinado sobre "levar" no problema
anterior.
Os sinais que apontam para um estágio seqüencial particular
na aula podem ser mesmo mais explicitamente formulados do
que na ilustração anterior. Por exemplo, o professor poderia
ter precedido a pergunta no turno 1 pela declaração: “Vamos
começar somando os números na coluna dos 1”. Isto teria
apontado explicitamente para o estágio seqüencial na STA
mesma antes de entrar na operação computacional necessária
naquele estágio. As formulações específicas deste tipo podem
ocorrer no início da aula, como no seguinte exemplo
hipotético: Agora teremos nosso teste de ortografia. Primeiro
peguem uma folha de papel, escrevam seu nome no canto de
cima e então começarei a ler as palavras que vocês vão
soletrar. (Este é o mesmo tipo de função executada pela frase
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 282
no final do primeiro parágrafo desta seção. Começarei esta
discussão considerando diferentes funções e manifestações
comportamentais
de
sinais
de
coordenação
e
então
discutiremos a organização destes sinais na duração de tempo
real da interação.)
O mesmo tipo de orientação para posição de seqüência em
uma aula pode também ser assinalado através de elipse. Os
sinais elípticos podem ser usados com sucesso por causa da
familiaridade com as rotinas seqüenciais do procedimento em
sala de aula. Um exemplo é encontrado no Turno 9 da
ilustração anterior. Uma palavra mais uma pausa, Agora...
pode funcionar como uma formulação de posição seqüencial
que é equivalente à frase inteira. Vamos começar somando os
números na seqüência de 1s. Através da elipse, a primeira
palavra do Turno 3 , Certo, aponta retrospectivamente para a
exatidão da resposta no Turno 2. O apontamento semântico é
elítico, mas é ainda explicitamente comunicado no item léxico.
Certo.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 283
Apontar para uma posição de seqüência é feito mais
implicitamente.
Esta função pode ser feita por palavras e
sintaxe, e por pistas paralingüísticas e não verbais.
Um
exemplo de uma dica léxica é encontrado no Turno 3, onde a
palavra “Certo” funciona explicitamente para assinalar que a
resposta anterior estava correta.
Ela também funciona
implicitamente para assinalar perspectivamente que, já que a
resposta anterior estava correta, o professor vai mudar para
algo novo no momento seguinte. Uma pista sintática tem uma
função de sinalização prospectiva similar no final do Turno 7,
na qual uma pausa interrompe o completar da frase verbal:
assim a resposta é ..."3 (Os aspectos de sinalização de
seqüencia-posição discutidos até agora foram todos notados
por outros pesquisadares, notadamente SACKS et al. (1974),
SCHEGLOFF (1968), MEHAN & WOOD (1975) e em
aplicações da teoria do ato da fala ao discurso da aula, como
em SINCLAIR & COULTHARD (1975).
A sinalização implícita prospectiva e retrospectiva também
pode ser feita pelos chamados padrões "supra-segmentais" de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 284
comportamento não-verbal e paralingüístico; assim chamados
porque são mantidos através de unidades fonológicas e
sintáticas menores na corrente da fala.
As mudanças na
posição postural e na distância freqüentemente marcam o
final da unidade do discurso de alguém e o início de outra
(ERICKSON, 1975; SCHEFLEN, 1973; e a análise do
posicionamento postural em sala de aula por MCDERMOTT,
1976). As mudanças em registro de tom e na prosódia da fala
(tom, entonação, entonação de volume, tempo) podem
também assinalar o completar da série de "quedas" de
discurso conectadas como os níveis de tom que caem
sucessivamente na "entonação de escuta" encontrada no
exemplo hipotético:
Professor: O que os gregos antigos consideravam como os
elementos essenciais?
Turma:
Terra.
Fogo
Água
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 285
Aqui não somente a queda de tom no final de água assinala o
final da lista, mas a leve elevação de tom em água e fogo
assinalam que o ponto final ainda está por vir.
GUMPERZ (1977) usa o termo pistas de contextualização para
se referir a todos os meios superficiais- estruturais pelos quais
a
intenção
comunicativa
e
forma
interpretativa
são
assinaladas. Os procedimentos de pistas de contextualização
são aprendidos e seu uso é compartilhado dentro das
comunidades de fala.
As dicas para esta turma em geral
apontam para vários contextos de interpretação, não somente
para os aspectos de contexto seqüencial discutidos aqui, mas
também para outros aspectos do contexto. Estes incluem:
ironia, sinceridade, polidez e enquadramento como atividades
de fala de conjuntos particulares de funções comunicativas;
por exemplo, conversar sobre o tempo, mudar de assunto,
pedir uma refeição em um restaurante. (GOFFMAN, 1974; e
TANNEN, 1979, sobre as noções de pistas e enquadramento.
Ver também SCHANK & ABELSON, 1977, para uma noção
mais idealizada de enquadramento, plano e expectativa).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 286
TANNEN & GUMPERZ presumem que o contexto não é
meramente dado na cena de ação.
A cena é complexa e
grande demais para ser informativa por si mesma.
Os
aspectos específicos do contexto devem ser apontados
continuamente
e mantidos através do comportamento
comunicativo. As pistas são manifestadas através de muitos
níveis de organização de fala e comportamento não verbal, em
sintaxe, léxica, estilística, registro da fala, prosódia da fala, no
movimento do corpo, olhar, posição postural e distância
interpessoal.
A habilidade de "ler" o sistema de sinais das pistas de
contextualização é um aspecto crucial do que HYMES (1974)
chama competência comunicativa, que abrange, pistas de
contextualização e os processos inferenciais pelos quais elas
são lidas como um requisito fundamental para executar a
comunicação que não seja somente inteligível, mas apropriada
e efetiva em seu uso.
Os aspectos particulares das pistas de contextualização que eu
quero enfatizar aqui são aqueles de (a) apontar para o lugar
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 287
seqüencialmente funcional do momento agora e o momento
seguinte e (b) apontar para a localização em tempo real dos
momentos agora e seguinte.
Temos revisado a importância, para o compartilhamento
interacional, de todos os participantes, em um evento
interacional, serem capazes de apontar um para o outro os
encaixes seqüencialmente funcionais na interação quando ela
se desdobra.
Isto é importante no nível dos encaixes
imediatamente adjacentes tais como aqueles da frase nominal
e da frase verbal dentro de uma sentença, ou em pares de
perguntas e respostas através de turnos de fala. É também
importante saber onde alguém está na seqüência de maiores
"quedas", os conjuntos seqüenciais de encaixes funcionais em
níveis hierarquicamente mais altos de organização seqüencial;
por exemplo, saber quando alguém chegou ao final de um
"conjunto topicamente relevante: de pares de perguntas e
respostas semanticamente ligados dentro de uma aula,
sabendo que a fase preparatória da aula está terminando e
que a fase instrumentalmente focalizada da aula está para
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 288
começar (ERICKSON & SCHULTZ, 1977, 1981), ou sabendo
que o ponto de climax interacional - a "linha de ímpeto" na
estrutura da tarefa acadêmica - chegou (ver SCHULTZ et al.,
no prelo).
Estes assuntos
de
seqüenciamento
na
ordenação dos
seqüenciais, encaixes funcionais e quedas definem o tempo de
"agora" e "momento seguinte" em um sentido especial; aquele
do tempo estratégico, em contraste com aquele do tempo do
relógio (ERICKSON, 1981).
Os gregos antigos faziam uma distinção entre tempo
estratégico e do relógio. O primeiro era chamado kairos; o
tempo certo, o tempo apropriado. Este é o tempo da história
humana, estações e clima.
O último tipo de tempo era
chamado chronos; o tempo da duração literal, mecanicamente
mensurável. O antropólogo HALL faz uma distinção similar
entre os tipos de tempo, chamando kairos o tempo formal e
chronos o tempo técnico (HALL, 1959).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 289
Na interação face a face, ambos kairos e chronos devem ser
claros para os parceiros interacionais se eles devem ser
capazes de coordenar socialmente sua ação, levando em conta
as ações uns dos outros simultaneamente e seqüencialmente.
Os parceiros devem ser capazes de antecipar que um encaixe
significativo funcionalmente está para ser atingido no
momento seguinte; eles também devem ser capazes de
antecipar o ponto no tempo real no qual o próximo momento
funcional pode acontecer apropriadamente.
Isto é feito
através de pistas de contextualização de um tipo especial, que
formam padrões do que pode ser chamado prosódia verbal e
não verbal.
Os pontos de ênfase na corrente de fala -
elevações em tom, volume e tempo, o estabelecimento e
retirada de junções sintáticas - aparecem em intervalos
periódicos regulares.
Os pontos de ênfase na corrente do
comportamento não verbal concorrem com aqueles da
corrente de fala, ou substituem o canal verbal, marcando o
"próximo" intervalo rítmico na série. Estes pontos de ênfase
ocorrem na mudança de direção do movimento em gestos das
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 290
mãos, em assentimentos, no estabelecimento ou retirada de
envolvimentos de entrada, e em mudanças da posição
postural e distância interpessoal. Simultaneamente através
dos canais verbal e não verbal, estes pontos de ênfase
ressaltam um ritmo interacional que é quase, mas não
completamente, metronômico.
Em suma, os mesmos meios comunicativos são usados para
delinear o conteúdo semântico com seus encaixes seqüenciais
de organização de kairos, e a forma rítmica, que consiste em
períodos regulares de organização de chronos. Os pontos no
tempo real, bem como os pontos de uma posição de série em
uma relação de seqüência, são essenciais para o "contexto" da
ação prática e tomada de decisões que está sendo criado e
apoiado no comportamento verbal e não verbal articulado dos
parceiros interacionais. A manutenção de padrões previsíveis
de convergência entre a organização de kairos e a organização
de
chronos
pode
ser
vista
como
fundamentalmente
constitutiva da coordenação social da interação face a face no
sentido do termo de WEBER ([1922], 1978).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 291
(Para discussão adicional e exemplos de interação entre
adultos, ver ERICKSON & SCHULTZ, 1981; e SCOLLON,
1981. Para discussão do papel do ritmo na organização da
interação entre crianças recém nascidas e os que tomam conta
delas, ver BRAZELTON, KOSLOWSKI & MAIN, 1974;
CONDON, 1974; e STEM & GIBBON, 1979. Embora ritmos de
interação particulares e padrões de articulação pareçam ser
específicos da cultura, a função constitutiva do ritmo como
um aparato de organização social parece ser um universal
humano; ver BYERS, 1972)
3. Improvisação com ação estrategicamente adaptativa em aulas
Embora a previsibilidade de kairos e chronos defina as
oportunidades potenciais da ação social por um professor e
alunos em uma aula, as oportunidades reais acontecem não
somente nas horas e locais funcionais que podem ser
formalmente modeladas, mas em pontos de acontecimento
fortuito que não são consideradas no modelo formal. Isto
porque as aulas escolares, consideradas como ambientes para
aprendizagem e ensino, são ocasiões sociais distintivamente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 292
caracterizadas pela fortuidade. Consideradas em termos da
etnografia da fala, as aulas ficam em um meio ponto no
continuam entre os eventos altamente ritualizados, com
fórmulas de fala, nos quais todos os encaixes funcionais e seus
conteúdos formais são pré-especificados, e os eventos de fala
altamente espontâneos, nos quais nem os encaixes sucessivos
nem seu conteúdo são pré-especificados. Consideradas em
termos da teoria social e da teoria da socialização, as aulas
escolares são de interesse especial porque são anômalas nos
paradigmas dos extremos teóricos de determinismo social ou
psicológico por um lado, e o do contextualismo radical por
outro lado. Primeiro discutirei o caráter especial das aulas
como ocasiões sociais e então discutirei as implicações disto
para a teoria social e para a teoria da socialização.
As aulas são antes de tudo ocasiões para a aprendizagem e o
ensino.
O que isto significa para a condução leve e bem
sucedida da interação é que as aulas são especialmente locais
de truques locais, já que existem situações em que é certo que
erros serão cometidos e será fornecida correção e assistência.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 293
Na verdade, os erros e hesitações dos estudantes e as
respostas adaptativas dos professores são a razão de ser da
aula.
Os erros são inevitáveis, já que os alunos são aprendizes;
aprender é por definição a aquisição de maestria, não a
possessão dela.
A oportunidade para aprender é a
oportunidade de cometer erros.
Além disto, os erros dos
alunos fornecem ao professor a oportunidade de ensinar. O
nível de maestria do aluno é revelado pelo nível de
dificuldade na tarefa acadêmica no qual os erros são
cometidos. Tendo identificado o nível de maestria do aluno, o
professor deve ser capaz de ajustar o ambiente de
aprendizagem da aula para acomodar o aluno; isto é na
linguagem "folclórica" da educação de professores chamado
"considerar o aluno onde ele está". (Sobre este ponto, ver
também a discussão em MEHAN, 1979, pp. 122-124).
Podem ser feitos ajustes através de ambas as dimensões da
aula como ambiente de aprendizagem - a Estrutura de Tarefas
Acadêmicas (ETA) e a Estrutura de Participação Social (EPS) -
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 294
ou através de cada dimensão separadamente. A ETA pode
ser simplificada, abaixando-se o nível de dificuldade de uma
dada pergunta ou de um conjunto de perguntas.
A EPS
também pode ser simplificada através da relocação de direitos
de falar e ouvir. Isto será ilustrado na análise de uma aula de
aritmética que se segue. Neste ponto é suficiente notar que
não somente a tarefa total cognitiva da aula pode ser tornada
mais fácil para uma criança simplificando-se a ETA bem como
a EPS, mas que mudanças na estrutura de participação social
também fornecem ao professor oportunidades de diagnosticar
mais totalmente a capacidade de aprendizagem da criança.
Mudar a EPS de modo a permitir à criança responder junto
com outra criança, ou com o professor, dá ao professor acesso
observacional ao que VYGOTSKY (1978) chama da zona de
desenvolvimento proximal da criança - a escala através da
qual a criança pode executar com ajuda tendo sucesso, como
contrastada com o ponto no qual a maestria da criança pára
quando esta está fazendo a tarefa de aprendizagem sozinha.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 295
Perguntas diretas em aula são um modo para o professor
ganhar insight no que a criança sabe ou não sabe.
Admitidamente, este dogma central da pedagogia não é
universalmente compartilhado entre os humanos.
Existem
grupos socioculturais nos quais o ensino é feito sem nenhum
questionamento direto dos aprendizes (ver a discussão dos
estilos de aprendizagem e ensino dos nativos americanos em
ERICKSON & MOHART, no prelo; e PHILLIPS, 1972). Ainda,
para os europeus ocidentais e americanos, a existência da aula
interacional como um evento de fala pressupõe que é
necessário para o professor fazer perguntas diretas às crianças
porque não é claro se a criança sabe a informação antiga que
está sendo revisada, ou as informações novas que vão ser
ensinadas.
O paradoxo é que os vários tipos de erros dos alunos ao
responder - mesmo se alguns deles são essenciais como
oportunidades para ensinar e aprender - podem destruir a
manutenção de uma estrutura de tarefa social e acadêmica
coerente na aula. Os erros de conteúdo na ETA podem causar
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 296
problemas na manutenção da EPS, como no caso de uma
hesitação por um aluno que quebra o ritmo interacional. Os
erros de conteúdo acadêmico que são corretos na forma social
(EPS) também podem causar problemas na ETA, como no
caso de um aluno que dá uma resposta errada que viola as
expectativas do professor e dos outros alunos quanto ao fluxo
logicamente seqüencial de idéias na aula, mesmo se a resposta
é dada no tempo socialmente "certo" e não distorce o fluxo
rítmico suave de alternação entre pergunta e resposta. Ao
contrário, os erros em termos de EPS podem danificar a ETA,
como no caso de um aluno que dá a reposta academicamente
“certa" no momento socialmente "errado". Por causa disto, as
aulas são eventos de fala caracterizados pela presença de
freqüentes problemas cognitivos e interacionais e trabalho de
conserto.
Quando as aulas escolares são comparadas com outros
eventos de fala, de acordo com a referência da "etnografia do
modelo de falar" de HYMES (1964, 1974), as aulas ficam em
um ponto médio entre o ritual formal e a espontaneidade
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 297
informal. Na fala mais altamente estilizada a seqüência de
turnos de fala é pré-especificada, como na alocação de turnos
entre os vários parceiros, o conteúdo semântico de cada turno,
e as ações não verbais apropriadas que acompanham a fala.
Consideremos o seguinte exemplo de diálogo da missa
Católica Romana:
Pessoas: (se levantam quando o celebrante volta a olhálas)
Celebrante: O Senhor esteja convosco (mãos abertas,
braços estendidos).
Pessoas: E contigo também.
Celebrante: Corações ao alto.
Pessoas: O Nosso Corarão está em Deus.
Em contraste, o diálogo entre um ministro Protestante
evangélico e a congregação durante o sermão é organizado
mais informalmente.
A alternação de turnos não é pré-
especificada, o conteúdo dos turnos do ministro não é
totalmente pré-especificado, embora a reiteração formular do
que acabou de ser dito ocorra freqüentemente. O conteúdo
dos turnos para os membros da congregação não é préespecificado, embora os "enchimentos" opcionais do encaixe
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 298
de resposta (ex.: Amém, Isto está certo, Obrigada Jesus, gritos,
começar a cantar) sejam mais estreitos em escala do que a
escala de opções disponíveis ao pregador (ver a discussão em
ROSEMBERG, 1975).
A organização de uma fala em um encontro QUAKER
(BAUMAN, 1974) é mesmo mais constrangida em termos de
alocação de turno, seqüência de turno e conteúdo do turno.
Esta organização não é, porém de nenhum modo ao acaso.
Na verdade, o princípio de que um falante auto-elege um
turno, e a ausência de uma relação líder-seguidor entre a
audiência e o falante são ambos aspectos da organização
interacional consistente com um princípio organizacional
social mais geral subjacente ao todo da educação Quaker, o
princípio da igualdade absoluta de todos os indivíduos diante
de Deus e diante uns dos outros.
A conversa comum da classe média entre os americanos
(como discutido em SACKS et al., 1974) é mesmo mais
restringida que em um encontro Quaker.
Os falantes na
conversa comum podem designar novos falantes bem como
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 299
auto-elegerem seu próprio turno. A escala de tópicos é mais
larga que em um encontro Quaker; por exemplo, uma piada
suja contada na conversa comum não seria apropriada em um
encontro Quaker. Ainda, mesmo em uma conversa comum a
ordem subjacente não fica ao acaso, como a análise de SACKS
et al., sugere. O que é distinto sobre a conversa comum, em
contraste com os outros exemplos, é a natureza radicalmente
"local" da ordem.
Os princípios de ordem se aplicam ao
momento imediato - a pares adjacentes tais como este turno próximo turno.
Este é um tipo de regra muito geral; na
verdade um termo melhor é princípio operatório ou máxima,
para
usar
o
termo
de
GRICE
(1975).
A
máxima
conversacional de GRICE "seja relevante" é um conselho que
deve ser levado grandemente em conta em termos de contexto
local, dentro da conversa em si.
A generalidade de princípios subjacentes e a localidade da
relevância para suas aplicações é o que distingue os eventos
de fala tais como a missa Católica Romana dos eventos de fala
da conversa comum.
A missa como um encontro é
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 300
radicalmente não local em sua abertura à influência do
exterior, através do espaço e através do tempo. Em sua versão
em Latim, a seqüência e conteúdo da amostra de diálogo
anteriormente apresentada existiam virtualmente imutável
por 1700 anos. O uso começou dentro da congregação Cristã
em Roma (que mudou do grego para o latim como sua
linguagem litúrgica em 300 DC). Desde então o uso Romano
se espalhou pelo mundo.
A missa é também modelada por conjuntos de regras
altamente especificadas: na verdade, pelos algoritmos exatos
de sua execução. Diferentemente das regras de Chomsky de
gramática, as regras para a execução da missa não são
generativas, mas compartilham o atributo da especificidade
de referencia com as regras de CHOMSKY.
Nem a missa nem uma versão sociolingüística da gramática
de CHOMSKY podem ser responsabilizadas pela organização
de eventos de fala tais como aulas escolares. A missa não tem
lugar para acidentes - seus algoritmos são inteiramente não
locais e definem um sistema fechado de opções. Todos os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 301
acontecimentos locais podem ser responsabilizados por um
sistema de regras específicas, sistema de regras não local.
A aula escolar, como um evento de fala, fica em algum lugar
entre a missa Romana e o sermão evangélico com participação
da audiência.
acadêmicas
de
Alguns aspectos da estrutura de tarefas
uma
aula
são,
como a
missa,
mais
predeterminados do que é o conteúdo de um sermão de
pregador evangélico; as restrições sobre o conteúdo das
respostas dos alunos são mais estreitas do que aquelas
colocadas nas respostas da audiência do pregador evangélico.
A estrutura de participação social da aula se parece com o
sermão evangélico mais do que com a missa, pois a
alternância de turnos não é totalmente pré-especificada, e o
conteúdo do que é dito pelo professor e aluno não é
totalmente
pré-especificado,
embora
muito
dele
seja
influenciado por normas culturais que ficam, como são, fora
da situação de uso.
A aula em sua estrutura de tarefas
acadêmicas é como o sermão no que ela é conduzida de
acordo
com
um
plano
moderadamente
especificado.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 302
Similarmente a um encontro Quaker e uma conversa comum,
a aula também é organizada em torno de princípios
operatórios que são bem gerais na referência.
conseqüência
a
aula
é
moderadamente
aberta
Em
a
acontecimentos fortuitos e inclui princípios de organização
local e não-local na produção da interação.
Assim a aula escolar, como um evento de fala, tem a face de
Juno. Os membros da aula são capazes de tirar vantagem das
normas culturais compartilhadas de interpelação e atuação
que ajudam a definir os pontos de estrutura, e são capazes de
serem abertos às circunstancias únicas de um acontecimento
fortuito. Esta combinação de terrenos locais e não locais de
atuação é o que permite à aula ser conduzida como
improvisação. Os gramáticos Chomskianos não fornecem
material para improvisação - não há conjunto limitado de
restrições para fornecer um "tema" em torno do qual variações
podem ser construídas.
É precisamente a combinação do
predeterminado e formalizado com algumas dimensões de
organização, junto com abertura à variação junto com outras
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 303
dimensões que dão oportunidade à improvisação. Nos azuis
de 12 barras, por exemplo, a seqüência de mudanças
harmônicas é pré-especificada, e os pontos no tempo nos
quais as cordas irão mudar são pré-especificados, mas as
opções melódicas em qualquer ponto no tempo são muito
largas em escala. O mesmo é verdadeiro para o teatro de
improvisação da Renascença Italiana, a comedia dell´ arte. Os
papéis dos personagens eram pré-especificados, certos
pedaços de diálogo eram formalmente padronizados, mas
havia muitas oportunidades para variações localmente
situadas em torno dos temas não localmente prescritos.
Voltando agora a considerar a aula em termos das teorias de
sociedade e de socialização, é extremamente importante
manter a noção da aula escolar como um encontro, o que quer
dizer, uma ocasião social parcialmente limitada, influenciada
por normas culturais e tendo dentro de sua própria moldura
alguma coisa de vida em si mesma.
Tal visão da aula evita os extremos de determinismo social ou
psicológico por um lado, e contextualismo radical por outro.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 304
4. (Na discussão seguinte devo muito a comentários por Jenny
COOK-GUMPERZ e por Hugh MEHAN. Ver também sua
discussão em MEHAN, pp. 126-130 e em MEHAN &
GRIFFIN, 1980.) As teorias funcionalmente deterministas de
sociedade, cultura e educação, tais como aquelas de
DURKHEIM, não deixam lugar para a escolha humana. O
modelo é de um indivíduo super-socializado que aprendeu a
agir em cada cena social como se ela fosse a missa Romana.
(No modelo de DURKHEIM, o indivíduo aprendeu a querer
isto).
Um
modelo
similarmente
supersocializado
de
indivíduo pode ser visto nas teorias psicologicamente
deterministas, sejam Skinerianas ou Freudianas. (No modelo
de FREUD, o indivíduo resiste à socialização, mas é
sobrepujado por ela). Ambos os determinismos psicológico e
sociocultural localizam as causas principais da ação do
indivíduo fora da cena imediata da ação. Elas pressupõem
um indivíduo que é quase totalmente programado pela
experiência anterior; no termo de GARFINKEL (1967), um
"dopado cultural" que opera como um robô (GARFINKEL,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 305
1967). A socialização é um processo de um só caminho em
um mundo sem liberdade.
No outro extremo está a posição do contextualismo radical.
Aqui as circunstâncias imediatamente locais de produção (ex:
este turno, próximo turno) são focalizadas tão estreitamente
que excluem a relevância, se não a possibilidade de
influências não locais, por exemplo, padrões culturalmente
aprendidos de expectativa e atuação, restrições de uma
sociedade mais ampla nas escolhas possíveis na cena de ação.
Não
há
necessidade
de
socialização
nesta
teoria.
Virtualmente tudo pode ser explicado em termos de fazer
sentido na cena imediata de ação momentânea. A conclusão
lógica desta posição teórica leva ao solecismo: Não existe
opressão em tal mundo, mas não existe tampouco liberdade,
porque não existe nem um indivíduo nem uma sociedade,
somente a interação do momento; não existem oportunidades
para escolha que tenham conseqüências além do momento e
da cena imediata.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 306
Cada extremo não é utilizável como terreno para uma teoria
da educação, que deve pressupor ao menos três níveis de
organização - sociedade e cultura geral, situações específicas e
indivíduos específicos - e alguns processos de relação entre os
níveis, um dos quais é a socialização do indivíduo. O que é
argumentado aqui é um meio caminho entre os dois extremos:
um caminho que preserve a integridade de cada nível de
organização em seu próprio direito e que nos permita ver a
socialização como um processo de duas vias.
Isto nos deixa um lugar para uma teoria de aulas escolares
como
encontros
educacionais;
situações
parcialmente
limitadas nas quais professores e alunos seguem "regras"
anteriormente aprendidas e culturalmente normativas e
também inovam criando novos significados juntos ao se
adaptarem às circunstâncias fortuitas do momento. Os alunos
são vistos como participantes ativos neste processo, não
simplesmente como recipientes passivos de moldagem
externa. Os professores e alunos são vistos como engajados
na práxis, improvisando variações situacionais dentro e em
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 307
torno
de
material
ocasionalmente
improvisação,
temático
prescrito,
descobrindo
socioculturalmente
dentro
novas
do
e
processo
de
possibilidades
de
aprendizagem e vida social.
4. Visão Geral
O que se segue são extratos de uma aula de matemática dada
na manhã do quarto dia de escola em uma turma do quarto
ano
5 (A aula vem de um estudo de turmas bilingües
atualmente em processo. Para discussão adicional do estudo
total, ver CANDEN, CARRASCO, MALDONADO-GUZMAN
E ERICKSON, 1980 e ERICKSON, CANDEN, CARRASCO &
MALDONADO-GUTMAN, 1980). É uma aula de revisão uma versão prática de uma aula de matemática, já que é tão
cedo no ano.
Os alunos e o professor nesta turma são bilíngües em
espanhol e inglês. A aula é conduzida quase inteiramente em
espanhol, porque o assunto é simples; porém o leitor que fala
inglês não necessita muito conhecimento de espanhol a fim de
acompanhar a conduta da aula.
A linguagem da tarefa
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 308
escolar é simples. Assim seria a organização social da ação na
aula, mas seria um erro tal presunção.
A aula como uma atividade numérica envolve a identificação
correta de numerais, um por um e em um conjunto
seqüencial. Existem alguns turnos na aula. Em cada, uma
criança ou um grupo de crianças deve contar alto os números
de um a sete enquanto apontam simultaneamente para o
numeral correspondente escrito no quadro. Então a criança ou
o grupo de crianças deve identificar dizendo e apontando
para numerais únicos que a professora pede.
Conseqüentemente, a estrutura da tarefa acadêmica envolve,
entre outros, o acompanhamento de operações lógicas e
passos seqüenciais:
Parte A. Identificar os numerais (1-7) como um conjunto
conectado lendo em voz alta e apontando. Comece com o
numeral 1 e continue até o numeral 7.
Parte B. Identificar numerais no conjunto (1-7) como números
individuais. Identificar o numeral "fora da seqüência" como o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 309
professor pede: um por um, os numerais que não estão em
posição de série adjacente dentro do conjunto (1-7).
É aparente que nas partes A e B, diferentes tipos de
habilidades cognitivas são pedidos ao aluno.
A tarefa de
reconhecer e lembrar na identificação do conjunto conectado
de numerais difere daquela de identificar os numerais
apresentados isoladamente e fora da posição de série. Além
disto, diferentes tipos de organização de discurso e estruturas
de participação social estão envolvidos a fim de produzir as
partes A e B em uma arrumação conversacional. Na parte A o
papel do que responde envolve produzir uma série conectada
de pedaços de informação, enquanto na parte B o papel do
que responde consiste em produzir um breve início seguido
por um período de "momentos de resposta conectados". Na
parte B o que pergunta inicia uma série conectada de
momentos de pergunta intercalados com breves momentos de
espera da resposta curta. O resultado são duas rotinas muito
diferentes de discurso na parte A e na parte B. Estas podem
ser representadas esquematicamente como se segue:
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 310
A.
1. Professor (o que pergunta): Responda à Pergunta 1 (e
designa quem vai responder).
2. Aluno (o que responde): Produz o conjunto de
respostas de a-g
a. Diga e aponte o primeiro numeral do conjunto (1-7)
b. Diga e aponte o segundo numeral do conjunto (1-7)
c. Diga e aponte o terceiro numeral do conjunto (1-7)
B.
3. Professor (o que pergunta): (opcionalmente) Avalia a
anterior, completa a resposta, avalia a resposta
incompleta ou faz a próxima pergunta.
a. Próxima pergunta: Nomeie qualquer numeral no
conjunto (1-7)
4. Aluno (o que responde): Produz uma resposta única
a. Aponta para o numeral anteriormente nomeado
5. Professor (o que pergunta): Faz a próxima pergunta
a. Próxima pergunta: Nomeie qualquer numeral no
conjunto (1-7) que não seja adjacente ao numeral
nomeado na pergunta anterior
6. Aluno e Professor: Reiteram os passos 4 e 5 tantas
vezes quanto desejado pelo professor
7. Professor: (opcionalmente) Avalia as respostas do
aluno para a parte B ou para as partes A e B, ou
prossegue para designar o próximo a responder.
Esta formalização ajuda a pessoa a ver algumas relações entre
a lógica da exposição do assunto (estrutura acadêmica de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 311
tarefa) e a organização social do discurso (estrutura de
participação social).
O tipo mais fácil cognitivamente de
tarefa acadêmica é apresentado primeiro, o tipo mais difícil é
apresentado em segundo lugar. As tarefas sociais diferem
também. O papel do que pergunta difere do papel do que
responde dentro de cada um dos dois tipos de tarefas e os
papéis do que pergunta e do que responde diferem ambos nos
dois tipos de tarefas (ex.: o papel do que responde na parte A
envolve dizer e apontar, enquanto o papel do que responde
na parte B envolve somente apontar).
O modelo formal é profundamente inadequado, porém, como
um guia para a ação prática na atuação real da aula. A fim de
"passar" pelas partes A e B na atuação real, é necessária
coordenação nas (sucessivamente) ações complementares
recíprocas e (simultaneamente), nas ações complementares do
professor e do aluno de momento a momento. Muito pouco
desta coordenação é mostrado no modelo. Primeiro, o modelo
presume que o aluno somente irá responder corretamente.
Segundo, o modelo presume que não existem outros atores na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 312
cena além do professor e um aluno - ela não diz nada sobre a
participação de outras crianças presentes na aula. Finalmente,
e mais fundamentalmente, o modelo não diz nada sobre o
caráter de tempo real da ação como uma sucessão de
"próximos momentos" estrategicamente cruciais (ERICKSON,
1981). As partes A e B e suas quedas seqüenciais constitutivas
são momentos no tempo real, com diferentes exigências
práticas de momento a momento que são freqüentemente
fortuitas, dado o contexto da ação no tempo.
A formalização, tomada por si mesma, enganosamente limpa
esta confusão, ambigüidade e suspense no momento da ação.
Na parte A, por exemplo, a cronometragem regularmente
rítmica e a continuidade da entonação na fala do que
responde são pistas culturalmente convencionais que "nos
dizem" que o que está sendo produzido são itens de uma lista
conectada: um, dois, três, quatro. O que aconteceria se, tendo
dito três, a criança não dissesse quatro no próximo intervalo
rítmico a seguir?
Isto significa que a criança não sabe o
próximo item na lista? A criança sabe o próximo item, mas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 313
está distraída por alguma outra coisa que está acontecendo?
O professor deve mudar o papel do que pergunta e inserir
uma entrada neste ponto? O professor deve dar à criança mais
tempo para responder? Outra criança irá “soprar” enquanto o
professor espera pelo que responde designado para falar? 6.
(Estas não são simplesmente questões retóricas. O suspense
genuíno é parecido com aquele das perguntas que o
anunciante faz no final do episódio diário de uma novela, ou
que o espectador faz enquanto assiste a uma peça pela
primeira vez. Hamlet irá se matar ou seu tio, ou sua mãe e
quando? Continue com isto Hamlet! A tensão da espera é
essencial no teatro, na música e também nas interações do dia
a dia.) Estas são só algumas das contingências envolvidas na
ação real do plano subjacente ou script para a estrutura de
tarefa acadêmica e estrutura de participação social. O que é
praticamente necessário no momento não é simplesmente
conhecimento do próximo passo canônico na organização
seqüencial do plano acadêmico e social. O que é necessário
para o professor, e ao aluno designado para responder e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 314
outros alunos presentes é a capacidade de improvisar
coletivamente uma variação da ação sobre o tema ideal ou
plano. Os textos subseqüentes e comentários irão mostrar que
os professores e alunos na verdade improvisam, e que seus
desvios de uma ordem formal ideal não são somente para
serem considerados como erros ao azar (ruído no sistema),
mas são mais bem caracterizados como adaptação às
exigências do momento - ações que fazem sentido dentro de
um contexto adequadamente especificado.
O "tema" ideal se parece com isto, quando apresentado
em notação quase musical (O exemplo hipotético que
segue deve ser lido em voz alta, ritmicamente).
Parte A
P: (nome da criança) Juan A: U-m dois três quatro
cinco seis sete Muito bem
Categoria Mohan [Início] [Resposta}
[Avaliação]
Parte B
P: número um A: aponta P: número seis A: aponta P:
número três
Categoria Mohan [Início] [Resposta] [Início/Avaliação
Implícita] [Resposta]
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 315
Antes de continuar a revisar algumas das variações reais deste
tema ideal, é necessário discutir as convenções de transcrição
de texto mais totalmente.
Nos
transcritos,
a
superposição
(fala
que
ocorre
simultaneamente) é indicada por uma linha vertical com duas
“bandeirolas" viradas para a direita -["trancamento", isto é,
fala de uma segunda pessoa que segue imediatamente àquela
do falante anterior sem pausa, mas também sem sobreposição,
é indicado por uma linha vertical com uma bandeirola
superior virada para a esquerda e uma bandeirola inferior
virada para a direita -. As linhas cortadas indicam pausa; as
linhas com duplo corte -//- indicam uma pausa terminal de
sentença que é o equivalente ao descanso da quarta nota na
notação musical. A linha única cortada indica uma cláusula
ou
pausa
terminal
de
grupo
de
respiração
de
aproximadamente metade da duração da pausa anterior, isto
é, a pausa da linha única cortada é o equivalente ao descanso
da oitava nota na notação musical. O alongamento de um
fonema é indicado por vírgulas sucessivas -,,,,,. Geralmente,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 316
nos transcritos, cada linha do texto representa um grupo de
respiração na corrente da fala. A primeira sílaba da linha é
geralmente a sílaba que recebe o maior volume ou enfatização
do tom.
Se existem sílabas “antecipatórias" ou palavras
antecedentes à sílaba que recebe enfatização primária ou
secundária, estas sílabas antecedentes ou palavras aparecem
na beirada mais à direita da linha anterior:
A- Oi Carlos/ onde está?///
Como a sílaba mais à esquerda em uma linha é geralmente a
sílaba que recebe enfatização, e porque existe freqüentemente
um intervalo rítmico constante entre pontos de enfatização, é
possível ler o transcrito em voz alta, reproduzindo não
somente os pontos de enfatização, mas a organização rítmica
da fala, dentro e através de turnos de fala.
Ajude-o Carlos. Onde está?
O leitor deve ler os exemplos em voz alta mesmo se não fala
espanhol.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 317
5. Lição 1. Variação 1
Voltando agora à ação real da aula, vê-se que em quase cada
caso de reiteração de um turno de discurso de rotina que
consiste das partes A e B, alguma variação no modelo ideal é
executada.
Na verdade, quando o professor introduziu a
tarefa acadêmica-social no início da aula, a parte A do tema
ideal foi suprimida, e a vez da primeira criança escolhida para
responder consistiu somente da parte B.
6. Lição 1. Variação 2
Em um segundo turno da lição, ambas as partes A e B foram
incluídas, mas a atuação das partes não envolveu variação
sobre o modelo ideal (ver Figura 9.1). Na Parte A, a variação
consistiu
em
alteração
dos
direitos
e
obrigações
comunicativos envolvidos no papel de quem responde, e no
status das pessoas que ocupam aquele papel. O professor foi
um dos “respondedores" à sua própria pergunta, e um grupo
de crianças se alternou com o professor respondendo, quando
o professor tomou o grupo inteiro em uma revisão ou
tentativa de prática na Parte A do turno. Além disto, a relação
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 318
rítmica entre cada "pedaço" de informação na primeira
resposta (ex: dizer a apontar sucessivamente para um, dois,
três, etc) não é um intervalo constante.
Ao invés disto, o
professor e o coro de crianças se superpõem um ao outro em
um padrão de pergunta-resposta.
A superposição das
crianças não é levada em conta como interrupção pelo
professor. Em nenhum ponto o professor sanciona como uma
“violação" os aspectos da variação do modelo ideal.
O
professor está se comportando como se as variações fizessem
sentido.
Note o trancamento e superposição dos segmentos de
resposta entre o professor e o aluno na parte A. Esta
superposição e trancamento ocorrem em pontos 21 e 22 no
transcrito. Então no ponto 23 o professor inicia o primeiro
segmento da segunda rotina de discurso, parte B. A pergunta
é “Onde está o número um?” No ponto 24 o aluno responde
“um”, mas não aponta o numeral escrito no quadro.
Sua
resposta está incorreta em forma e conteúdo, ou ao menos é
ambígua porque não temos a certeza se ele não está
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 319
simplesmente repetindo o que o professor acabou de dizer.
(A tarefa acadêmica aqui é mostrar conhecimento do numeral
apontando para ele no quadro).
No ponto 25 o professor
reitera a pergunta, “Um". Então no Ponto 27 o professor pede
a outro garoto, Carlos, para ajudar ao aluno escolhido. No
final do ponto 27, enquanto outra criança está dizendo em
minha casa, a criança que responde finalmente aponta para o
numeral um no quadro.
Então no ponto 29 o professor
continua
números
a
perguntar
individuais.
Mas
diferentemente do modelo ideal, o professor pergunta por
números sucessivos na série. (Talvez porque a criança tenha
tido tanto trabalho com o número um, o professor simplifica a
tarefa acadêmica. Ele poderia estar usando esta variação para
ver se a criança sabe o conjunto completo de numerais. Além
disto, o padrão de ritmo ideal é quebrado; nos vários pares de
perguntas-respostas no ponto 29 o professor espera mais por
uma determinada resposta do que por outras, por exemplo, a
única pausa terminal de sentença dada ao encaixe de resposta
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 320
após o número quatro, seguido por uma pausa terminal de
sentença dupla após o número cinco).
Todas estas variações podem ser vistas como respostas às
exigências práticas do momento. As diferenças em tempo de
espera para as respostas no ponto 29 seriam uma resposta à
hesitação da criança em responder. O professor adapta sua
ação perguntando para a ação recíproca da criança em
responder.
Vemos adaptação análoga na cronometragem
entre o professor e o aluno no ponto 21, no eco e ação de
pergunta-resposta do segmento da primeira resposta. Aqui
também, a variação permitida do professor na organização
social do discurso - a estrutura de participação social simplifica a estrutura de tarefa acadêmica. É cognitivamente
mais fácil dizer a lista de números ajudado no início pelo
professor, e assim falando a resposta junto com as crianças no
modo pergunta-resposta e superposição o professor mudou a
estrutura de tarefa acadêmica variando a estrutura de
participação social. A mudança nos modos de falar pode
assim ser vista como fornecendo uma oportunidade para
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 321
mudança nos modos de pensar-diferenças no ambiente de
aprendizagem.
7. Lição 1: Variação 3
Na terceira reiteração do turno na lição agora é a vez de
Carlos. Durante a parte A do turno, Carlos responde junto
com um coro de outras crianças ao invés de sozinho. (Esta
forma de resposta simplifica a tarefa acadêmica). O professor
inicia a resposta ele mesmo com uma iniciação no ponto 38 do
transcrito, e a resposta em coro segue no ponto 39. Na parte B
do turno, começando no ponto 40, Carlos responde sozinho
(ver Figura 9.2)
8. Lição 1: Variação 6
Agora a vez é dada pelo professor a Janet (ver Figura 9.2,
Ponto 86). Janet recita os números na série, acompanhada por
um coro de crianças. Nesta variação da parte A, o professor
não somente não considera o coro como interrupções, mas
lhes pede, inclusive a Janet, para dizer a série novamente,
mais alto (ver Ponto 88). Note também que quando o coro diz
a série de números, eles param em seis (Ponto 87), e ainda o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 322
professor não dá sanção negativa a esta violação. No ponto
90, quando as crianças repetem a lista de números, eles vão
até um a mais (como para disfarçar) contando até oito. Isto
também é uma discrepância do modelo ideal da tarefa, mas
não é sancionada como uma violação pelo professor.
(Aparentemente neste ponto as duas aproximações da tarefa
são suficientes). No ponto 91 começa a Parte B. Quando Janet
completa esta parte da tarefa, a criança E (Ernesto) está
produzindo o que parece ser um ruído literal no sistema (ver
pontos 92 e 94 na Figura 9.3). Mas este não é somente um
ruído ao acaso, como é aparente no ponto 97. Nesta ocasião a
vez de Janete está completa e o professor disse (ponto 95) “Dê
a vez a alguém que não teve a oportunidade”. Ernesto no
ponto 97 diz que não havia tido vez. Ele dissera isto por
algum tempo já durante a aula, como o fizeram outras
crianças, falando: “Eu, Eu”. No ponto 64 ele disse, “Eu não
tive vez”, intensificando sintaticamente (não tive mesmo) e
prosodicamente (por enfatização de volume e tom) e pela
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 323
mudança de código léxico para o inglês combinado com o
marcador prosódico de alongamento do fonema.
Assim o ruído de Ernesto parece não ser somente para
perturbar. Obter o próximo turno é um assunto de suspense.
Ernesto parece estar protestando sua exclusão dos direitos de
acesso ao patamar conversacional.
Este protesto aparente
toma uma forma mesmo mais interessante durante a próxima
reiteração do turno que também não foi dado a Ernesto. (Aqui
o leitor deve continuar no transcrito, começando no ponto 96
da figura 9.2 antes do turno seguinte ter iniciado, e
continuando através do ponto 114 no qual as partes A e B
foram completadas. Note a exclamação de Ernesto no ponto
104 após não lhe ter sido dada a vez, e sua "contribuição" para
os encaixes de resposta que estão sendo dadas pelo aluno que
responde nos pontos 109, 111 e 113).
Finalmente, após o suspense de tentar a vez novamente e não
obtê-la (ponto 103), Ernesto exclama no ponto 104.
Então
após o completar da parte A da tarefa, a parte B se inicia,
consistindo da rotina de discurso de alternação entre a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 324
pergunta do professor pedindo um único encaixe de resposta.
Aqui Ernesto está aparentemente brincando com seu
conhecimento implícito
(competência comunicativa) como
um membro da comunidade de fala da turma.
Ele
aparentemente sabe (não necessariamente conscientemente) a
organização social do discurso na parte B que os encaixes de
respostas curtas seguem os encaixes de pergunta do professor
previamente adjacentes, e que a relação de adjacência é agida
através de cronometragem rítmica regular da alternância
entre encaixes. Também Ernesto aparentemente sabe que a
forma social para comunicar o conteúdo semântico da
resposta é apontar, uma forma de resposta que por definição
não faz barulho. Daí, o encaixe de resposta canalizada não
verbalmente pode ser ocupado por algum tipo de ruído do
canal do auditório sem " danificar" a organização do discurso
tanto que toda a seqüência tenha que ser reciclada. Assim,
Ernesto pode continuar a encher os encaixes de resposta
ritmicamente definidos de outra criança com sua própria
"resposta" rítmica consistindo em bater com seus lápis na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 325
carteira. As batidas são perfeitamente cronometradas para
coincidirem com os pontos de transição de troca de turno no
padrão de discurso que está acontecendo. O professor me
parece estar colaborando, não dando atenção planejadamente
ao que Ernesto está fazendo. Isto me parece uma variação
situacional absolutamente brilhante em um elemento "tema"
organizacional social normativo na aula. Ernesto pode ser
visto aqui como um mestre da estrutura social e da tarefa
acadêmica.
A engenhosidade e decisão do papel de Ernesto pode ser
mesmo mais claramente do que no transcrito mostrando a
seqüência de notação quase musical:
Do Transcrito: Pontos 108-113
Muito bem número cinco Ernesto bate na carteira número
seis Ernesto bate quatro Ernesto bate
10. Discussão
Do exame de alguns casos da atuação de uma pequena
seqüência de aula, um modelo subjacente ideal foi inferido. O
modelo ressalta alguns aspectos relevantes da estrutura de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 326
participação social e da estrutura de tarefa acadêmica - que
pode ser chamada a estrutura acadêmica e de tarefa social.
Observando cuidadosamente a atuação de um exemplo da
seqüência de aula, porém, vê-se que é geralmente discrepante
em alguns aspectos da organização específica do modelo geral
inferido. Se não se está simplesmente olhando para estas
discrepâncias como erro ao acaso (variação livre), tem-se ao
menos duas opções: elaborar a formalização do modelo
estabelecendo um sistema embebido de regras sociais; ou
presumir que o que está acontecendo é uma variação
adaptativa, específica para as circunstâncias imediatas da ação
prática no momento da ação.
Eu tomei o último destes dois cursos. A análise interpretativa
de casos da aula foi feita para argumentar que as
discrepâncias do modelo ideal representam ação adaptativa
executada, na maioria dos casos, pelo professor como um
líder instrucional, e em um caso, pelo aluno Ernesto. Já que o
discurso da aula, como todas as outras interações face a face, é
conjuntamente produzido quando os vários atores no evento
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 327
agem como resultado das ações de outros, as variantes
escolhidas pelo professor têm conseqüências para o que os
alunos farão e vice-versa. Além disto, tentei mostrar como
mudanças adaptativas na estrutura da tarefa acadêmica têm
conseqüências para a estrutura de participação social e viceversa. Este é um ponto importante para a pedagogia, e têm
sido negligenciado em muitas pesquisas recentes.
11. References
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culturally appropriate instructional event. Anthropology and Education Quarterly. 1980. 11(2), 91115.
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Bossert, S. T. Tasks and social relationschips in classroms. Cambridge, Massa.: Cambridge
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Brazelton, T. B. K
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 328
Capítulo 8
Where is the Floor? Aspectos da organização cultural das relações
sociais em comunicação em casa e na escola.
Alguns educadores, psicólogos e antropólogos interessam-se
por uma realidade muito básica da infância - a de que o
crescimento e a aprendizagem ocorrem em casa e na
comunidade tanto quanto na escola. Esta realidade tem
implicações
para
aqueles
que
se
preocupam
com
a
estruturação do ambiente do aprendizado na escola como
também por aqueles que são responsáveis pela avaliação do
desempenho escolar das crianças. O estudo a seguir tenta
lançar luz, por meio de análises próximas de fatias da vida
das crianças, sobre os diferentes modos de se participar das
interações sociais existentes em casa e na escola. Especula
sobre estas diferenças como fontes de desentendimento
potencial entre professores e alunos à medida que ambos se
engajam nas atividades acadêmicas.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 329
Ao conduzir este estudo, estivemos interessados em aprender
mais a respeito das formas em que se organizam os eventos
interacionais - aqueles ambientes sociais ou "contextos"
através dos quais as crianças devem aprender a navegar na
vida cotidiana tanto em casa quanto na escola. Ao
examinarmos de perto as experiências de alunos que eram ao
mesmo tempo novatos na escola primária e
diferentes
culturalmente de seu professor ou professora, tínhamos a
esperança de entender melhor a natureza das diferenças nos
contextos interacionais domésticos e escolares que pareciam
provocar "a diferença" entre professores e alunos na sala de
aula.
Por que estas diferenças deveriam se tornar um problema
para alunos e professores? Poder-se-ia dizer que "A escola é a
escola e a casa é a casa e eles estão destinados a serem
diferentes”.Mas a questão da descontinuidade entre a casa e a
escola não é tão simples assim. Em alguns casos, parece haver
padrões diferenciados entre a casa e a escola naquilo que pode
ser chamado de etiqueta comunicativa ou interacional. O
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 330
conhecimento desta etiqueta foi chamado de competência
comunicativa (consulte HYMES, 1972 para uma discussão a
respeito). Este termo foi utilizado como referência a todos os
tipos de conhecimento comunicativo que os membros
individuais de um grupo cultural precisam possuir para que
sejam capazes de interagir entre si de formas que são ao
mesmo tempo socialmente apropriadas e eficazes do ponto de
vista estratégico. Três aspectos do conhecimento nos parecem
especialmente importantes: (1) o conhecimento do conjunto
partilhado
de
comunicativas
pressupostos
implícitos
-
as
tradições
a respeito dos modos que são corretos e
esperados quando as pessoas interagem em diversas ocasiões
sociais, (2) a posse de habilidades de desempenho verbal e
não verbal necessárias à produção da ação comunicativa que
seja apropriada e eficaz numa dada situação e (3) a poses de
habilidades interpretativas necessárias para se dar sentido às
intenções comunicativas das outras pessoas com as quais se
interage numa dada situação (veja GUMPERS 1977, 1979).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 331
A competência necessária para se participar de uma interação
face-a-face com outras pessoas é um pacote extremamente
complexo de conhecimento e habilidades. Os antropólogos e
sociólogos mostraram que o conteúdo deste conhecimento
partilhado varia enormemente de um grupo humano para
outro. É verdade que não apenas entre os grupos de grande
escala, tais como os grupos étnicos, as classes sociais ou as
nações, mas também entre grupos de pequena escala - entre
uma família e outra dentro de um mesmo grupo étnico, racial
ou de classe social, entre uma rede de amizades de vizinha e
outra e entre uma sala de aula numa escola e a sala ao lado na
mesma escola (GOODENOUGH 1971, HALL 1976).
Os padrões compartilhados referentes à etiqueta comunicativa
são culturalmente relativos em todos os tipos de grupos
humanos, de modo que o termo competência comunicativa
não implica num padrão único de conhecimento e habilidade
ao longo do qual todas as crianças e adultos possam ser
hierarquizados de baixo para cima, de menos integralmente
desenvolvidos ou maduros mais desenvolvidos. Devido ao
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 332
fato do conteúdo e habilidade no pacote de competência
comunicativa variar de um grupo e cenário social a outro, o
significado de "competência" aqui pretendido é o de todo e
qualquer conhecimento prático do indivíduo acerca do modo, do
momento e do lugar da comunicação, qualquer que sejam as suas
finalidades. Neste sentido, quase todos os indivíduos são
"competentes."
1
O que desperta interesse, então, não é a
resposta à pergunta "Quem é mais ou menos competente
aqui?". Ao contrário, o interesse está na pergunta dupla "Qual
é o conteúdo do conhecimento prático de cada indivíduo
sobre o modo de interagir (competência comunicativa) e como
este conhecimento se realiza no desempenho padronizado da
interação face-a-face?" Para responder a esta questão há uma
grande ordem e o estado atual da pesquisa sociolingüística
não é tal que possa responder à primeira parte de tal
pergunta. Mas a segunda parte, que diz respeito à descrição
de
padrões
de
desempenho
comunicativo,
pode
ser
respondida e acreditamos que ela lance luz às respostas à
primeira parte da pergunta, que diz respeito ao conteúdo do
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 333
conhecimento prático que alunos e professores têm sobre o
modo de interagir quando estão face a face.
1. Incongruência Comunicativa Aluno-Professor
Estamos preocupados com as dificuldades interacionais
encontradas pelos alunos e seus professores na medida em
que ambos se engajam em tarefas de aprendizagem
acadêmicas. Nas salas de aula parece haver crianças que
repetidamente aborrecem o professor dificultando sua
atividade didática, como também parece haver professores
que são muito mais severos com alguns alunos do que com
outros. Pressupomos que tais dificuldades sejam recorrentes e
que reduzem a eficácia do ambiente de aprendizado na sala
de aula.
Há pelo menos quatro tipos de explicações para a razão pela
qual alunos e professores têm problemas recorrentes de
interação entre si. Um conjunto de explicações atribui o maior
peso explicativo às características individuais do aluno - na
patologia de inadequação por parte da criança em termos de
motivação, inteligência ou estado físico ou emocional. (O
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 334
campo da educação como um todo se baseia neste tipo de
explicação, tal como era o campo da educação compensatória
que visava remediar a assim chamada "carência cultural" das
crianças de origem pobre. Veja como exemplo de literatura
sobre a "carência cultural" RIESMAN 1962 & PASSOW,
GOLDBERG & TANNENBAUM 1967 e a crítica desta posição
por KEDDIE 1973. Os pressupostos da "carência cultural"
entre crianças pobres são atualmente considerados inválidos
por muitos cientistas sociais, mas tais pressupostos continuam
a ser encontrados nos currículos de formação de professores e
nos programas de reciclagem dos mesmos).
Um
segundo
conjunto
de
explicações
localiza
a
responsabilidade principal fora dos indivíduos, na estrutura
de uma sociedade baseada na divisão de classes. Nesta visão,
tanto quanto se possa culpar alguém pelos problemas
interacionais, a culpa recai sobre o professor mais do que
sobre o aluno. O professor é visto como um agente das classes
dominantes que organiza propositalmente ou sem o saber a
vida cotidiana da sala de aula de modo que dos alunos com
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 335
bagagem das classes inferiores (e/ou com bagagem de grupos
minoritários
desprovidos
de
poder)
espera-se
consistentemente menos do que dos alunos das classes
médias. As crianças de classes baixas são vistas como caindo
na ratoeira do mau comportamento e do rendimento fraco no
presente, o que lhes assegura sua atribuição às classes
inferiores adultas ou desempregadas no futuro. Deste modo,
pelo trabalho de processos interacionais no nível micro-social
da sala de aula, a estrutura opressiva das classes da sociedade
como um todo é reproduzido de uma geração a outra
(PARSONS 1959; BOWLES E GINTIS 1976; BOURDIEU E
PASSERON 1977; BERNSTEIN 1975; OGBU 1978).
Num terceiro conjunto de explicações, professor e aluno são
vistos como igualmente responsáveis pela produção de
dificuldades interacionais recíprocas e mau comportamento.
Resultante de um modelo de psicopatologia, que os
psiquiatras chamam de “o duplo laço”, esta formulação
sustenta que o professor e o aluno repetente estão presos
numa transação escapável e tumultuada. Embora possam
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 336
alternar os papéis de "vítima" e "perpetrador", os interagentes
da
sala
de
aula
dedicam-se
em
comunicar-se
inapropriadamente entre si e, em última análise, em assegurar
o fracasso acadêmico (veja BATESON 1872 [1956], quanto à
formulação original da teoria do duplo laço). A aparente
disposição de alguns alunos e professores esgotar-se mutua e
implacavelmente na interação face a face pode estar
relacionada a questões de classe social e diferença cultural.
Estas
disposições
são
vistas
por
MCDERMOTT
&
GOSPODINOFF (1979) como tendo causas múltiplas. O
comportamento interacional é considerado como sendo
influenciado pela pressão da ordem social mais ampla e sua
estrutura de classe por um lado, e pelas personalidades dos
indivíduos por outro.
Um quarto conjunto de explicações situa o problema do mau
comportamento
consistente
das
crianças
na
falta
de
conhecimento por parte destas como também por parte dos
professores
culturalmente
das
em
mútuas
relação
expectativas
ao
aprendidas
comportamento
social
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 337
apropriado. Esta visão pressupõe um desencontro entre
conjuntos de padrões de etiqueta comunicativa.
Neste artigo, é o quarto conjunto de explicações - o a teoria do
"desencontro" ou "divergência" cultural - que irá receber a
maior ênfase. Foi este conjunto de pressupostos que guiou a
análise dos dados relatados a seguir. Devemos admitir aqui
que acreditamos que este tipo de explicação seja o de
aplicação mais geral: Tem mais chances de explicar mais casos
de mau comportamento infantil do que os outros, pelo menos
no tocante aos primeiros anos escolares. Nosso palpite é que
expectativas diferentes acerca da etiqueta comunicativa constituem
uma razão importante para crianças novas que provêm de
populações culturalmente "diferentes" agindo na escola com
modos que são julgados pelos professores como sendo mau
comportamento. Dizemos "uma razão importante" porque não
a vemos como a única razão e também porque não possuímos
um amplo corpus de dados "firmes" através dos quais
poderíamos demonstrar nosso palpite. Além do mais, nossa
explicação predileta não exclui as explicações alternativas.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 338
Cada um dos quatro conjuntos de evidência pode explicar
parte da variação. Poderia ser que os duplos laços professoraluno ocorressem freqüentemente nas salas de aula e que,
embora tais relações entre os professores e as crianças
pudessem partir da simples ingenuidade destas quanto ao
modo de agir na escola, o duplo enlaçamento poderia ser o
processo através do qual crianças e professores continuam em
modos mais complexamente motivados a se tratar durante o
resto do ano letivo. Devemos conceder ainda que a simples
ignorância das regras sociais da sala de aula não é, em si
mesma, uma explicação adequada do mau comportamento
das crianças quando estas atingem a idade de 12 a 14 anos e a
idade dos 14 aos 18 anos. Algumas crianças podem, de fato,
ser
HUCKLEBERRY
FINNS,
tendo
conhecimento
de
expectativas culturais, mas recusando-se a ser constrangidos
por elas, seja porque, como argumentaria Freud, o id sempre
reage a impulsos civilizados com descontentamento, seja
porque, como Marx argumentaria, as pessoas que se
encontram na posição mais baixa de uma ordem social
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 339
tendem a resistir através da luta e da rebelião. Nossa
explicação predileta do "desencontro" não é irreconciliável
com uma visão da escola como instituição opressiva cuja
função primária seja a de manter a estrutura de classes
existente.
Finalmente,
é
claro
que
algumas
crianças
tomadas
individualmente de fato apresentam debilidades neurológicas
ou estados metabólicos que estão fora do comum e isto pode
ser a explicação do fato de serem "hiperativas". Algumas
crianças podem ter constitucionalmente uma inteligência
inferior e serem incapazes de "sintonizar-se" com os
ambientes social e de tarefas cognitivas da sala de aula. Mas
mesmo as crianças com estados individuais de patologia, os
padrões culturais para a conduta na interação (e a violação
destes padrões pelas crianças) podem estar envolvidos com a
maneira pela qual as crianças são "diagnosticadas" e
"tratadas”.
Suspeitamos que rótulos clínicos formais e informais
atribuídos aos alunos que são difíceis de se ensinar -
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 340
"hiperativo”,
“disléxico”,
“imaturo”,
“lento”,
-
freqüentemente não refletem diagnósticos precisos dos
estados
cognitivos
e
emocionais
das
crianças.
Antes,
acreditamos que os rótulos clínicos tendem a ser aplicados a
crianças que interagem de modo impróprio com outras
crianças e com o professor, p.ex., o termo "hiperativo" pode
simplesmente significar que "este garoto não fica sentado e
interrompe o tempo todo”.Isto parece um uso quotidiano
perfeitamente razoável de um termo clínico. O que nos faz
indagar acerca da validade diagnóstica de tais rótulos é o fato
de serem com freqüência aplicados a crianças provindas dos
assim chamados bases “culturalmente diferentes”. Alguns
críticos da escola argumentariam que o termo "diference
cultural" é em si mesmo meramente um rótulo clínico, que
obscurece o fato subjacente da classe social da criança, uma
vez que as crianças rotuladas de diferentes culturalmente são
também provavelmente pobres. Achamos que ler a "diferença
cultural" como um rótulo estrutural social é na verdade uma
simplificação exagerada como também o é lê-la de modo
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 341
acrítico como um rótulo clínico. Os agrupamos de classe social
e os agrupamentos culturais não são conjuntos mutuamente
exclusivos, mas tampouco são conjuntos idênticos. Em nossa
experiência, algumas crianças vindas de famílias que não são
pobres são rotuladas de "culturalmente diferentes”, enquanto
outras vindas de famílias que são pobres não rotuladas deste
modo pela escola. Conseqüentemente, não achamos que o
rótulo da diferença cultural seja simplesmente um índice ou
indicador da classe social.
Parece haver um conjunto geral de padrões a respeito de
como agir na escola, uma espécie de "cultura da sala de aula"
americana. Alguns de seus aspectos foram especificados em
pesquisas recentes. Padrões semelhantes de etiqueta na
conduta durante as aulas em classe foram encontrados em
salas de aula de escolas públicas e particulares os quais
diferem marcadamente quanto à etnicidade, raça e classe
social dos alunos (MEHAN, In GRIFFIN & SHUY, 1979 no
prelo). Estes estudos enfocaram principalmente os padrões de
tomada da fala na conversação durante as aulas. O tipo de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 342
aula que iremos descrever mais adiante neste artigo apresenta
padrões de tomada da fala semelhantes aos identificados por
MEHAN,
In
GRIFFIN
&
SHUY,
1979.
O
"mau
comportamento" do aluno que iremos descrever envolve o
falar em modos que, dada a etiqueta de tomada da fala na
aula, são rotulados pelo professor como sendo "falar fora de
hora" ou "interrupção." Estes mesmos modos de falar das
crianças em casa, entretanto, nem sempre são tomados como
interrupção pelos pais ou irmãos destas crianças. Que as
crianças possam agir de maneiras consideradas apropriadas
em casa, mas inapropriadas na escola, nos impressiona como
algo importante para compreender algumas das origens do
mau comportamento da criança na escola, especialmente nas
séries iniciais. Impressiona-nos também com a necessidade de
entender melhor a socialização da criança nas tradições
comunicativas em casa e na escola, tradições podem ser
mutuamente congruentes ou incongruentes.
Um estudo iluminador destas questões foi realizado por
PHILIPS
(1972,
1975),
que
estudou
crianças
nativas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 343
americanas na escola e vida comunitária fora da escola na
reserva de Warm Springs no estado de Oregon. No início de
sua pesquisa, a autora identificou uma possível fonte de
fracasso escolar para crianças em sua fala aparentemente
mínima durante as aulas. Após exame minucioso de estilos
interacionais das crianças em cenários de execução de tarefas
tanto em casa como na escola, Philips observou que "as
condições sociais que definem quando uma pessoa utiliza a
fala em situações indígenas estão presentes em situações na
sala de aula nas quais as crianças índias utilizam bastante a
fala, e estão ausentes em situações na sala de aula mais
prevalecentes nas quais elas não conseguem participar
verbalmente" (PHILIPS 1972:371).
No trabalho de PHILIPS encontramos exemplos, por um lado,
de experiência anterior das crianças que é congruente com
expectativas de interações em algumas situações sociais da
sala de aula, p.ex., interação com pares em pequenos grupos.
Nestas situações, os comportamentos internacionais das
crianças índias parecem "normais, naturais" - de modo a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 344
passarem despercebidos. Por outro lado, a evidência colhida
por PHILIPS sugere que onde as expectativas situacionais são
inconsistentes entre escola e lar - tal como na situação de aula
com o grupo amplo - a percepção das crianças, que continua a
ser razoável nos termos de sua experiência anterior, pode ser
mal interpretado pelos professores. Assim, à medida que os
padrões de vida existente em casa e na comunidade de
crianças de Warm Springs diferem dos padrões na sala de
aula e não encontram ali um lugar legítimo, o resultados foram,
nas palavras de PHILIPS, "dificuldades no aprendizado e
sentimentos de inferioridade" (1972:392).
Em suma, achamos que o fator cultura sempre desempenha
um papel nos problemas da interação face-a-face que crianças
e professores têm entre si. Devido ao fato destas pessoas e
seus problemas interacionais serem complexos, o fator
cultural tem chances de não ser operacional por si mesmo,
mas juntamente com outros fatores. Isto sugere que as
análises simples e a proposição de soluções simples e rápidas
seriam inadequadas. Mas se os fatores culturais são parte do
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 345
problema, merecem serem investigados e não apenas de
forma global. É necessário ser muito específico a respeito das
diferenças culturais particulares entre o lar e a escola que
possam ter um efeito sobre a conduta da vida cotidiana na
sala de aula. Se as crianças que "se comportam mal"
reiteradamente em seus primeiros anos escolares o fazem, em
parte por causa de diferenças nas expectativas quanto à
etiqueta interacional (não simplesmente porque lhes falta
respeito pelos professores, nem simplesmente por causa de
distúrbios emocionais, inteligência inferior, pobreza ou falta
do café da manhã), então o que, especificamente, se trata da
organização da interação em sala de aula que confuso para as
crianças de um grupo particular com tradições comunicativas
culturais distintas? Se o fator cultural é de fato importante,
esta é uma questão que deve ser feita e respondida
reiteradamente, grupo cultural por grupo cultural, e talvez
família por família.
A análise a seguir é uma tentativa inicial de responder a esta
questão
numa
sala
de
aula
em
particular
ocupada
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 346
predominantemente por crianças de um grupo étnico
americano em particular, membros do qual vivem numa
vizinhança de classe trabalhadora num subúrbio de Boston. O
grupo étnico é ítalo-americano. A pesquisa enfoca aspectos
selecionados da vida doméstica em duas famílias desta
vizinhança bem como aspectos selecionados da vida numa
sala de aula na escola desta mesma vizinhança.
2. O Estudo
As características do estudo encontram-se detalhadas em
outro lugar (FLORIO 1978, SHULTZ & FLORIO 1979,
BREMME & ERICKSON 1977). Aqui iremos resumir aquelas
que
são
relevantes
trabalhadores
de
para
campo
a
presente
conduziram
discussão.
a
Os
observação
participante e filmagem periódica em vídeo tape num
subúrbio
Boston.
predominantemente
Durante
dois
anos
ítalo-americano
de
coleta
de
perto
de
dados,
os
pesquisadores observaram tanto a interação em sala de aula
num jardim de infância/primeira série e as interações de dois
membros da classe em casa com suas famílias. Dias inteiros
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 347
foram observados na escola, primeiro periodicamente e
depois vários dias da semana. Os videoteipes periódicos
foram feitos em atividade de sala de aula durante os dois
anos. Ainda durante o primeiro ano do estudo, as duas
crianças alvo foram acompanhadas periodicamente até em
casa após a escola, quando suas tardes e noites inteiras foram
documentadas por meio de observação participante e
gravação
em
vídeo
de
atividades
que
ocorressem
naturalmente. Em última análise, os pesquisadores esperavam
que ao compreender a organização da interação face-a-face
em ambos os cenários, contrastes e comparações úteis
poderiam ser feitas entre ambos.
No processo de análise dos dados, os pesquisadores
desenvolveram modos de trabalhar que foram úteis para se
chegar a entender a organização dos eventos interacionais que
ocorriam em cada local - na escola e no lar (para obter
detalhes, consulte ERICKSON & SHULTZ 1977). Descobrir
modos para comparar e contrastar, de maneira válida e útil,
os contextos interacionais entre os dois locais, foi um esforço
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 348
muito mais difícil. O trabalho de Philips tinha nos ensinado
que
alguns
contextos
para
a
interação
na
escola
assemelhavam-se a contextos interacionais domésticos mais
do que outros. Esta descoberta implicava em precisarmos ser
capazes de identificar pontos de relevância contrastantes entre
os contextos. Tais contrastes poderiam ter grande ou pequena
sutileza, entretanto, e precisávamos localizar estas diferenças
que "faziam a diferença" a partir da perspectiva dos
participantes.
Procurávamos similaridades e diferenças entre os diferentes
tipos de contextos para interação; ou aquilo que Wittgenstein
chama de "jogos”. Na medida em que peneirávamos notas de
campos e videoteipes e conversávamos com os informantes,
mantínhamos em mente a noção de Wittgenstein de
"semelhança familiar":
Seção 66.
Considere por exemplo os procedimentos que
denominamos "jogos”. Refiro-me aos jogos de tabuleiro, aos
jogos de cartas, aos jogos de salão, aos jogos olímpicos e assim
por diante. O que há de comum entre eles? - Não diga: "Deve
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 349
haver algo em comum entre eles, ou não seriam chamados de
"jogos.”- Mas examine se há algo comum a todos. Pois se
examiná-los, não encontrará algo que é comum a todos, mas
sim similaridades, relações e uma série completa delas neste
aspecto. Repetindo: não pense, mas observe!... E o resultado
deste exame é: Encontramos uma complicada rede de
similaridades coincidentes e cruzadas: às vezes similaridades
gerais, às vezes similaridades de detalhe”.
Seção 67.
Não encontro expressão melhor para caracterizar
estas similaridades do que "semelhança de família": pois as
várias semelhanças entre os membros de uma família:
compleição,
traços,
cor
dos
olhos,
modo
de
andar,
temperamento, etc., etc., sobrepõem-se e cruzam-se da mesma
maneira -
E devo dizer: os "jogos" formam uma família.
(WITTGENSTEIN 1958:31-32)
Para encontrar semelhanças de família entre os jogos,
WITTGENSTEIN aconselha, “Não pense, mas sim observe!”
Implícito nesta admoestação está o fato de que aquilo que
poderia parecer num primeiro relance como sendo útil modos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 350
formais de anotar a comparação e o contraste poderiam ser, de
fato, arenques vermelhos. Quando começamos a procurar os
contextos interacionais no lar e na escola que poderiam ser de
utilidade para contraste, observávamos aquele que se
assemelhavam entre si de forma superficial. Desta maneira,
pensamos em contrastar a hora do jantar em casa com a hora
do lanche na escola e a hora de se contar estória na escola com
a estória contada antes de dormir em casa. Então percebemos
que estávamos mais pensando do que observando. Parecia que, a
despeito das semelhanças superficiais na forma interacional,
estes eventos não conseguiam assemelhar-se entre si em
relação aos padrões de organização da função interacional
interior a eles - os usos que as pessoas estavam fazendo
umas das outras, do espaço e apoios, dos direitos e obrigações
interacionais permanentes dos participantes. Todos estes
aspectos da organização da função estavam envolvidos com a
obtenção do trabalho instrumental dos eventos realizados.
Havíamos sido observadores participantes em jantares
familiares e em horas do lanche na escola, na hora da estória
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 351
em casa e na escola. Nossas intuições sobre estes eventos, bem
como nossas impressões furtivas de que havia algo errado na
medida em que assistíamos aos videoteipes numa tentativa
inicial de comparação dos momentos do comer e de se contar
estórias tanto em casa quanto na escola, sugeriam que
estávamos sendo excessivamente literais em nossas tentativas
de comparação. Estávamos em busca de exemplos nos quais
as crianças confrontadas com eventos interacionais na escola
semelhantes àqueles que lhes eram mais familiares poderiam
ser
observados
para
aplicar
estratégias
consideradas
apropriadas no cenário doméstico mas inadequadas na escola.
Nossas observações iniciais mostraram-nos que comparação e
contraste não seriam encontrados no nível do evento em si.
Procuramos também pela comparação no nível do ato da fala novamente sem sucesso. Pensávamos que conseguiríamos
asseverar que uma "reprimenda”, por exemplo, em casa
poderia ser contrastada com uma na escola. Mas não
constatamos crianças "fazendo uma leitura errada" das
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 352
reprimendas escolares - ao menos não do modo como
esperávamos.
Atentando para similaridades funcionais mais do que formais,
começamos a perceber que estávamos interessados em
contrastar padrões de comportamento que poderiam ser
construídos vagamente como aspectos do estilo ou estratégia.
Como tal, estávamos em busca dos modos de interagir que
recortam - e portanto estavam disponíveis para análise por
dentro - os nível de organização do desempenho a partir da
fonologia e sintaxe na fala ao nível da estrutura seqüencial do
evento como um todo, p.ex., a seqüência inteira de arrumação
da mesa, do jantar e da limpeza posterior. (Estes níveis de
organização
são
geralmente
mantidos
analiticamente
separados por lingüistas, por um lado, e por etnógrafos, por
outro. Veja HYMES 1974:177-178, 196-199).
A partir deste insight, retornamos a nossas anotações de
campo e lembranças das experiências em campo e assistimos
mais aos teipes. Refletimos sobre aqueles modos de interagir
em casa e na escola que tinham parecido como se fossem ao
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 353
menos potencialmente comparáveis em termos dos aspectos
estilísticos e estratégicos da organização. Tínhamos a sensação
de que os momentos de refeição e as lições em grupo dirigidas
pela professora poderiam ser tais exemplos. Embora não
estivéssemos mais procurando o isomorfismo nas tarefas
literais a serem executadas, nos apoios a serem utilizados, a
configuração no espaço ou os atos de fala realizados,
estávamos identificando eventos dentro dos quais as
estruturas de participação, ou padrões na alocação de direitos e
obrigações interacionais entre todos os membros que estavam
encenando uma ocasião social em conjunto (cf. PHILIPS 1972),
pareciam ser comparáveis. O trabalho de Philips demonstra
que, particularmente em grupos culturais diferentes com
tradições sociolingüísticas distintas, pode-se lançar mão de
diferentes estruturas participativas para realizar o que na
superfície parecem ser as "mesmas" ocasiões interacionais. De
modo semelhante, nossa investigação sugeria que as mesmas
estruturas participativas - talvez em diferentes relações poderiam constituir formalmente eventos "diferentes." Assim,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 354
segue-se que o estudo da comunicação equivocada entre as
culturas conduz à descoberta de pontos específicos de
diferença na organização das estruturas participativas.
Examinamos detalhadamente três exemplos de videoteipe das
refeições em duas famílias e três exemplos de lições de
matemática em sala de aula. Observamos, primeiramente,
similaridades funcionais importantes entre as refeições e as
lições. Ambos os eventos envolvem um ou vários adultos e
um
grupo de
crianças
na
execução
de
uma
tarefa
instrumental. Em cada caso, a ocasião para reunir-se é mais do
que a mera conversação - uma refeição deve ser consumida,
uma lição realizada. Locais especiais são adequados para a
encenação do jantar e da lição de matemática. Cada uma destas
ocasiões sociais, dentro do seu próprio "quadro" espacial,
temporal e institucional (GOFFMAN 1974) tem um conjunto,
específico segundo a ocasião, de apoios relacionados à
execução da tarefa instrumental que é focal para a ocasião há pratos de comida a serem passados e utensílios a serem
utilizados nos jantares, e blocos de conceitos a serem
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 355
mantidos e dispostos no chão em lições "práticas" de
matemática.
Em geral, os participantes parecem estar transportando para
tais contextos interacionais expectativas referentes às tarefas
focais a serem realizadas, os direitos e deveres relativos dos
participantes para a execução destas tarefas e faixa de
comportamentos
prováveis
de
serem
consideradas
apropriadas naquela ocasião. Parece haver um consenso ativo
entre os participantes sobre estas expectativas; uma ordem à
qual, em diversas maneiras verbais e não verbais, eles se
mantém mutuamente responsáveis. COOK-GUMPERZ &
CORSARO (1976:11) utilizaram o termo "ambiente ecológico”
para referir-se à totalidade dos traços sociais e físicos do
cenário, os quais parecem dar dicas aos participantes quando
a uma ordem em particular pela qual são responsáveis de
acordo com a qual uma tal ocasião deve ser encenada.
Estas ordens pelas quais se é responsável para a encenação de
ocasiões
sociais
podem
ser
chamadas
de
estruturas
participativas, seguindo PHILIPS (1972:34). Em pesquisas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 356
anteriores, tornara-se patente que as estruturas participativas
diferiam não apenas entre as ocasiões sociais, mas no interior
das próprias ocasiões, de um momento ao seguinte (ERICKSON
& SHULTZ 1977). Havíamos encontrado mudanças nos
padrões de alocação dos direitos e deveres interacionais entre
os indivíduos através do que pudemos identificar como sendo
as unidades constitutivas primárias ou “fatias” de ação dentro
de uma ocasião social.
Como nós olhamos nos vídeo teipes de jantares familiares e
lições de matemática, especialmente os jantares, isto nos
impressionou que um aspecto da estrutura de participação é a
noção de “chão”; o direito de acesso do indivíduo por uma
vez para falar que é atendido por outros indivíduos que
ocupam agora o papel de ouvintes. A simples conversa, em si
mesma, não se constitui tendo um chão. O chão é
interacionalmente produzido, neste, falantes e ouvintes
devem trabalhar juntos e mantendo isto. Se os partidos
interdependentes falham no fim do seu registro interacional,
não há mais nenhum chão, mas somente (a) uma pessoa
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 357
falando sem ser assistido por uma audiência ou (b) uma
audiência que assiste uma pessoa fracassar em seu discurso.
Por um tempo nós estivemos preocupados com um recente
modo nos turnos da fala na conversa (SACKS, SHEGLOFF, &
JEFFERSON 1974) que tinham feito afirmações sobre a
alocação do acesso a turnos assistidos na fala – o que foi
chamado uma “economia de troca de turnos” – que não foi
válido através da cultura. O modelo foi afirmado como
universalmente
aplicável
para
as
conversas
humanas.
Presumiu-se que tendo e mantendo o chão, havia sempre um
falante em um tempo, e, portanto, uma audiência em um
tempo. “Troca de turno” significou mudança, entre vários
indivíduos em um grupo, o papel do falante; um falante
falando em um tempo levando adiante este papel, e então
voltando ao papel de membro da audiência como outro
falante que cessou em ser (não falante) membro da audiência
e observar seu próprio turno na fala.
Quando assistimos aos vídeo tapes dos jantares de família e
aulas de matemática, percebemos que o modelo de SACKS,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 358
SHEGLOFF e JEFFERSON da economia de troca de turno um aspecto das estruturas de participação total não levava em
conta como
as pessoas que observamos estavam se
comportando ao falar e ouvir umas às outras.
Isto foi
especialmente aparente nas fitas de jantares familiares.
Algumas
vezes,
havia
mais
de
um
falante
falando
simultaneamente, ainda que ninguém na cena (inclusive nós
mesmos, que havíamos sido participantes nas refeições bem
como as gravando em vídeo tape) parecesse estar agindo
como se qualquer dos falantes que falava simultaneamente
estivesse "interrompendo" qualquer dos outros. Outras vezes
quando várias pessoas estavam falando simultaneamente,
alguma pessoa (sempre um adulto ou outro parente) viraria
para uma das crianças mais novas e a repreenderia, como se
por "interromper", mas estas eram ocorrências muito raras.
Parecia que durante estes jantares, era quase (mas não
completamente) impossível "interromper" qualquer outra
pessoa que estivesse falando. Nossas fitas de mesa de jantar
pareciam e soavam muito como a cena de jantar da família de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 359
Nova York no filme de WOODY ALLEN "Annie Hall" quando
contrastada com a cena de jantar familiar da "pequena cidade
de Wisconsin" naquele filme, na qual a troca de turno era
conduzida de acordo com o modelo de SACKS, SHEGLOFF e
JEFFERSON.
Além disto, quando observamos nossas fitas tornou-se
aparente que às vezes havia não somente pessoas múltiplas
falando simultaneamente, mas parecia haver audiências
simultâneas múltiplas também.
Dentro destas audiências
diferentes ouvindo falantes múltiplos (ou talvez mais
exatamente, diferentes níveis de participação na audição, por
indivíduos diferentes e subgrupos dentro do conjunto total de
indivíduos que interagiam), havia maneiras aparentes de
ouvir diferentes.
Algumas maneiras de ouvir envolviam
permanecer silencioso e manter o contato do olhar com o
falante ou falantes.
Outras maneiras de ouvir envolviam
"inserir" breves comentários que se superpunham à fala dos
outros falantes simultâneos. Tais comentários , que pareciam
ser um modo de mostrar atenção falando ao invés de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 360
permanecendo calado, nunca recebiam reação por outros
membros da família como "interromper".
Que aqueles
comentários não constituíam "interrupção" parecia ser parte
do consenso de trabalho sobre um aspecto da estrutura de
participação apropriada para a conversa na mesa de jantar.
Em suma, nos jantares parecia haver não só falantes
simultâneos múltiplos, mas também audiências múltiplas e
modos de ouvir como membros da audiência. Isto significava
que havia chãos conversacionais múltiplos aos quais os
falantes podiam se dirigir. As perguntas de pesquisa mais
apropriadas então pareciam não ser ao longo das linhas da
pergunta "Quem tem o chão agora e como o conseguiu?" As
linhas de perguntas mais apropriadas pareciam ficar na
direção de tais perguntas " Where is the floor? Quantos tipos
deles existem, quando?"
Ocorreu-nos que em salas de aula escolares, manter o chão,
defendê-lo de interrupções e alocá-lo em ocasiões apropriadas
aos alunos são preocupações significativas para professores.
Quando observamos nossas fitas de aulas de matemática,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 361
mais dos processos de alocação de chão e troca de turno
pareceu ocorrer de acordo com o modelo de SACKS,
SHAGLOFF e JEFFERSON do que havia sido o caso com os
jantares de família. Mesmo nas lições práticas de matemática,
porém, parecia haver vezes nas quais muitas crianças e o
professor estavam falando simultaneamente, sem ninguém
apontando ninguém como culpado por "interromper". Falar
enquanto outra pessoa estava falando não parecia algumas
vezes nas aulas ser interromper e naqueles momentos o
professor invocaria a regra “oficial de sala de aula”, “um só
falante de cada vez”. Outras vezes nas aulas, falar enquanto
outros estavam falando parecia ser uma maneira aceitável de
ouvir. Imaginamos o que poderia ser responsável por estas
inconsistências aparentes; pela variação na estrutura de
participação dentro das aulas e jantares bem como através
deles.
Quando observamos as fitas mais cuidadosamente, pareceu
que as mudanças no padrão do chão conversacional e as
mudanças no que GUMPERZ e COOK-GUMPERZ chamaram
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 362
"atividades de fala" (GUMPERZ) estavam ocorrendo juntas.
As atividades de fala são unidades de discurso na conversa
que são maiores que uma sentença e podem consistir de um
tópico do discurso, ou podem consistir de um conjunto de
tópicos conectados e subtópicos.
A melhor maneira de caracterizar o que quero dizer por
"atividade de fala"
é nomear algumas, usando frases
descritivas tais como "discutindo política", "falando sobre o
tempo", "tentando chamar a atenção de alguém" e "ensinando
lingüística". Tais descrições implicam certas expectativas
sobre a progressão temática , regras de tomada de turno,
forma e resultado da interação, bem como restrições no
conteúdo...
Em um sentido, as atividades de fala funcionam um pouco
como os "planos" ou "scripts" dos psicólogos. Note, porém,
que as frases descritivas que usamos contém um verbo e um
substantivo, o que sugere restrições de conteúdo. Os verbos
sozinhos ou nomes únicos como "discussão" ou "aula" não são
suficientes para caracterizar atividades...
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 363
As distinções entre tais atividades como conversar, discussão,
tomar parte em rituais religiosos existem em todas as culturas,
mas cada cultura tem suas próprias restrições não somente em
conteúdo, mas também nos modos nos quais as atividades
particulares são levadas a efeito e assinaladas. Mesmo dentro
de uma cultura , o que uma pessoa poderia identificar como
"ensinar" outra poderia interpretar como "conversar com uma
criança" e assim por diante.
Tais atividades de fala são realizadas em ação e já que sua
identificação é uma função da base étnica e comunicativa,
surgem problemas especiais porque a sociedade moderna é
feita de pessoas de origem comunicativa e cultural largamente
variada.
Como podemos estar certos de que nossa
interpretação de qual atividade está sendo assinalada é a
mesma que a atividade que o interlocutor tem em mente, se
nossas origens comunicativas não são idênticas? (GUMPERZ,
1977: 205-206)
A noção de atividade de fala parecia útil ao pensar-se sobre as
diferenças entre o lar e a escola na organização dos "chãos"
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 364
conversacionais: nas relações recíprocas entre os papéis da
audiência e do falante na atuação dos chãos. A combinação
de um verbo atuante caracterizando a ação comunicativa do
momento (ex: conversando em contraste com ensinando)
juntos com nomes caracterizando o tópico de conversa nos
permitiu fazer distinções úteis entre "pedaços" de discurso nos
jantares e aulas. Em uma das fitas de jantares, por exemplo,
falar sobre quanto tudo custa nas lojas hoje em dia e explicar
por que e para onde o pai (um professor de artes manuais)
está saindo da cidade para uma oficina de serviço interno este
fim de semana são atividades de fala diferentes não somente
no conteúdo dos dois tópicos de conversa. Elas diferem na
estrutura de participação - nas relações entre os papéis dos
falantes e nas estratégias que são apropriadas. A primeira
atividade de fala é aquela na qual chãos conversacionais
múltiplos são apropriados e na qual sobrepor a fala é
apropriado. A segunda atividade de fala tem somente um
chão - os pais participando dele como falantes primários, e
todas as crianças, sem importar a idade, participam como
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 365
ouvintes primários da explicação. Interessantemente, porém,
sobrepor a fala pelas crianças ouvintes como um modo de
mostrar que estão escutando é ainda inteiramente apropriado
durante a (às vezes sobreposta) fala dos pais na explicação
sobre a oficina de serviço interno. Tal fala sobreposta pelos
ouvintes durante uma explicação por um adulto não é
geralmente apropriada nas salas de aula do jardim de infância
do primeiro ano freqüentada pela criança mais nova nesta
família. Ele e outras crianças ítalo-americanas naquela sala de
aula
continuamente
"interrompem"
as
explicações
do
professor sobrepondo comentários quando ele está falando.
Descobrimos que nas aulas escolares práticas de matemática e
nos jantares familiares quando a atividade de fala muda,
assim o faz a estrutura de participação. Também descobrimos
este ser o caso mesmo na interação de duas pessoas, em um
estudo anterior de conversas entre conselheiros escolares e os
alunos, em combinações étnicas variadas (ERICKSON &
SHULTZ 1981). Porém, a noção de atividade de fala, por si
mesma, não é totalmente responsável pelo padrão total de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 366
mudanças ou nas aulas escolares ou nos jantares familiares.
Para entender o padrão total de variação na estrutura de
participação dentro destas ocasiões sociais, bem como entre
elas, é necessário ter uma visão mais compreensiva e
considerar a ação-forma ou evento-história total das ocasiões
do jantar e da aula como todos.
4. Um resumo dos resultados
Os eventos interacionais são geralmente observados e
experimentados como um fluxo contínuo inteiro de atividade.
Para identificar para análise as estruturas de participação que
constituem a ação social é necessário segmentar o fluxo de
atividade em suas unidades constituintes primárias. A Figura
1 mostra nossa segmentação dos eventos inteiros, jantar e aula
de matemática, em seus subeventos principais ou fases. Estas
fases foram inferidas por observação sistemática de vídeo
tapes e com base em nossa experiência como observadores
participativos.
As mudanças de fase na Figura 1 foram notadas quando um
participante relata explicitamente que "as coisas mudaram".
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 367
Quando tal informação não está disponível (ou quando os
comentários de sessão de assistência por participantes estão
disponíveis mas os participantes não são capazes de articular
aquela
informação
explicitamente),
identificamos
fases
através da observação de vídeo tapes de mudanças
comportamentais através de alguns canais comunicativos (ex:
mudanças posturais, mudanças no registro de tom vocal,
altura, contorno de entonação, tempo e outros aspectos de
prosódia da fala) e quando também vemos que após tais
mudanças comportamentais os padrões subseqüentes de
interação dos participantes são organizados diferentemente
da maneira de antes das mudanças em postura e prosódia da
fala.
Nas aulas e jantares, este tipo de segmentação revela
similaridades na organização seqüencial total dos dois
eventos, que parecem na superfície serem tais tipos diferentes
de ocasiões sociais (ver Figura 1). Por exemplo, cada evento
requer uma fase inicial de preparação supervisionada e
estabelecimento de deixas. Em seguida, cada evento inclui
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 368
uma fase central de foco instrumental - a atuação da razão de
ser do evento - "fazer a refeição" ou "ensinar e aprender" o
material acadêmico.
Finalmente cada evento envolve um
envolvimento gradual do trabalho instrumental que foi feito apagar os quadros - antes que os participantes possam
apropriadamente sair de seu espaço de vida social/ecológico.
5. Figura 1 Ordem invariável das fases constituintes
Cena ou evento anterior - "Estabelecimento" Preparação "Atividade focalizada" - "Envolvimento" (inclusive) "Limpar" Cena ou evento subseqüente.
Na fase central focalizada, não somente a atividade
instrumental predomina, mas em alguns tipos de eventos
existem pontos de clímax instrumental para os quais a ação
tende, após o que o foco é levemente diminuído, em um
padrão de teia e fluxo. Assim o diagrama aponta não somente
para relações de adjacência em uma ordem seqüencial atuada
no e através do tempo real. O diagrama também aponta para
a teleologia da ordem seqüencial, ao nível das fases
constituintes primárias dentro do evento inteiro.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 369
A Figura 2 contém a ordem seqüencial invariável das fases
constituintes primárias através de ambos os tipos de cenas jantares e aulas de matemática.
6. Jantar
Cena anterior - preparação: “conversar" - curso principal
do foco: “comer" - Envolvimento: “conversar"
Opção 1: reciclar para a sobremesa
Opção 2: Tirar a mesa
Lição de matemática
Cena anterior: "Aula de leitura" - Preparação - Foco:
"ensino/aprendizagem instrumental" - Envolvimento:
elevação: "clímax instrucional" - limpar
Seguem duas narrativas que descrevem os tipos de
atividade que tem lugar durante cada uma das fases
constituintes primárias de jantares a aulas de
matemática.
6.1. Narrativa de cena de jantar
I. Preparação do curso principal. Durante esta fase, há mais
movimento do que fala enquanto a mãe põe a mesa e as
crianças tomam seus lugares uma a uma. A mãe "administra"
esta fase quando ela (1) prepara e delimita o espaço no qual a
interação ocorrerá; (2) estabelece as deixas que serão usadas
pelos membros da família para levar a efeito a atividade; e (3)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 370
emite comandos e reprimendas pelas quais torna explicita
alguma coisa da etiqueta operante nos contextos que se
seguem. O nível de ruído é alto quando as pessoas começam a
se servirem e a fala é relacionada com a refeição.
II. Foco: Curso principal. Quando esta fase começa, o nível de
ruído cai.
Os membros da família gastam mais tempo
comendo do que falando. As pessoas se posicionam em torno
da mesa em um "modo de carpinteiro" e seus olhos estão
focalizados em seus pratos.
As vasilhas são passadas em
torno da beirada da mesa e as pessoas se inclinam através dela
para alcançar a comida. Estas ações servem à função de ligar
fisicamente o grupo.
Durante esta fase, os tópicos
conversacionais são, em geral, não relacionados com a
refeição.
III. Envolvimento do curso principal e preparação da
sobremesa. Quando as pessoas acabam de comer o ruído
ambiente e as vozes dos membros da familia se tornam mais
altas. Há mais fala e diferentes tipos de fala. Os membros da
família se recostam nas cadeiras e se orientam para alguns dos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 371
participantes e para longe de outros. Mais de uma conversa
está ocorrendo ao mesmo tempo. As pessoas fora da área da
mesa são chamadas, expandindo assim o espaço dentro do
qual a interação tem lugar. Dois ou três participantes falam
simultaneamente a maior parte do tempo. Durante esta fase,
a mãe tira a mesa enquanto o pai e as crianças permanecem
sentados. A mãe anda para cada lugar, em volta das beiradas
da mesa enquanto remove os pratos sujos e os substitui por
limpos.
A conversa entre todos os membros da família
gradualmente diminui enquanto as pessoas mudam de lugar
e voltam para a posição focalizada para a sobremesa.
A
conversa é novamente relacionada com a refeição enquanto a
mãe distribui a sobremesa.
IV. Foco: sobremesa. Enquanto a mãe se inclina sobre a mesa
servindo a sobremesa, outros membros da família estão
inclinados sobre sua comida.
Eles não formam mais
subgrupos posturais mas ao invés disto estão orientados para
o centro da mesa. A conversa que ocorre não é relacionada
com a refeição.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 372
V. Retirada da sobremesa. Durante esta fase, quando as
pessoas terminam de comer, elas deixam a mesa.
Porém,
enquanto isto está acontecendo, conversas múltiplas se
desenvolvem entre os membros da família. Elas são mais
exageradas que as conversas múltiplas que tem lugar durante
a retirada do prato principal, já que alguns membros da
família estão agora fisicamente separados da mesa. Alguns
membros da família realmente se levantam e ficam de pé
perto de seus parceiros conversacionais. As crianças saem
primeiro, deixando os adultos sentados na mesa.
6.2. Narrativa da cena aula prática de matemática
I. Preparação. Quando a atividade anterior (freqüentemente
uma aula de leitura) está terminando o professor vai para sua
mesa para pegar materiais para a próxima lição. Ela traz os
materiais em uma ou mais viagens para a "área circular" da
sala. Quando ela o faz, algumas crianças que terminaram seu
trabalho sentado da aula anterior já estão se sentando no chão
em uma formação de círculo parcial. Outros alunos ainda
estão em suas mesas terminando.
Há considerável ruído
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 373
ambiente com pequenos grupos de crianças conversando
juntas em vários lugares da sala; nas mesas e no cão
(atapetado) na área do círculo. Então a professora começa a
chamar os alunos para o círculo. Geralmente há mais de uma
chamada, mas não mais que três.
II. Foco. Existem duas ou mais subfases constituintes dentro
desta fase: uma ou mais fases introdutórias e então uma fase
"clímax" para a qual as instruções introdutórias tendem. As
fases introdutórias são executadas por uma série de "rodadas
interrogativas" nas quais várias crianças são chamadas para
manipular os materiais (tais como blocos) e, com a direção
interrogativa do professor, demonstram para as outras
crianças os princípios e conceitos a serem aprendidos (tais
como o conceito "conjunto"). Durante cada rodada há um
espaço interrogatório, um espaço de demonstração e um
espaço de avaliação, que aparecem em uma ordem seqüencial
invariável (embora o espaço de avaliação possa ser
opcionalmente
suprimido).
Durante
cada
rodada
o
falante/ouvintes primários são o professor e o aluno
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 374
selecionado para fazer a demonstração. Os outros alunos
participam de uma maneira secundária como "audiência".
(Após a última chamada para ordenar o círculo no final da
fase de preparação, esta organização geral persiste até a faze
de limpeza final).
Se os membros da audiência falam se
sobrepondo com o professor e o aluno focalmente dirigido
que está demonstrando, o professor sanciona negativamente
os falantes que se sobrepões.
Após ter começado a fase
clímax, porém, e o professor e as crianças terem se inclinado
para frente intencionalmente para o centro do círculo que seus
corpos delineiam enquanto sentam no chão, o professor não
mais sanciona negativamente sobrepor a fala.
Nas fases
introdutórias anteriores, as crianças às vezes respondiam em
uníssono às perguntas feitas pelo professor. Na fase clímax
elas dão muito mais respostas corais em uníssono "rústico”,
que
são
intercaladas
e
sobrepostas
com
comentários
sobrepostos sobre a ação.
III. Terminar/Limpar. O professor e alunos sentam-se mais
eretamente quando o professor dá direções sobre a limpeza.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 375
Durante aqueles avisos o professor é o único foco de atenção e
o
falante
primário.
Ele
sanciona
negativamente
as
sobreposições de fala novamente. Então enquanto as crianças
começam a limpar, conversas múltiplas surgem, como na fase
de preparação.
7. Estruturas de participação
Para examinar as diferenças em como as atividades
interacionais foram executadas em casa e na escola, uma
tipologia de estruturas de participação pela qual as pessoas
coletivamente executaram a atividade interacional "conversar
durante o jantar" foi desenvolvida. Esta tipologia se segue.
Uma descrição narrativa curta de cada estrutura de
participação é apresentada, seguida por uma descrição dos
diferentes papéis que os membros da família podem ter na
atuação destas estruturas de participação.
Estrutura de Participação Tipo I. Chão conversacional único
com somente algumas das pessoas presentes participando no
"chão" como falantes e ouvintes primários.
Os outros
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 376
presentes
participam
minimamente
como
ouvintes
secundários. Há pouca sobreposição de fala.
Uma conversa está ocorrendo entre um subgrupo do grupo
inteiro. As pessoas envolvidas nesta conversa são referidas
como "falantes/ouvintes primários". O restante do grupo está
sentado e ouvindo esta conversa. Aqueles não envolvidos
diretamente na conversa serão referidos como "ouvintes
secundários".
Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis):
Falante primário: endereça frases a pequenos grupos de
outros (ouvintes primários) e então espera pelas frases ditas
por outros falantes primários: Ouvintes primários: prestam
atenção: não é requerida audição ativa.
Porém atenção
suficiente é requerida para saber não interromper o falante
primário.
Estrutura de Participação tipo II. Chão conversacional único
com todas as pessoas presentes participando dele.
Há
somente um falante primário, que está se dirigindo a todos os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 377
presentes.
Todos que são dirigidos participam de modos
similares como ouvintes. Há pouca fala sobreposta.
Uma conversa está ocorrendo, com um falante se dirigindo a
todo o grupo.
Neste caso, não há distinção feita entre
ouvintes. Existem basicamente dois papéis que tem lugar:
falante e ouvinte.
Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) Falante: para falar com todo o grupo e para continuar a fazêlo enquanto um ou mais membros do grupo estão fornecendo
comportamento de escuta apropriado. Qualquer membro do
grupo pode fornecer a retroalimentação de ouvinte e pode ser
um membro diferente de cada vez; Ouvinte: mostra um modo
de atenção para o que o falante está dizendo e não o
interrompe.
Também
de
vez
em
quando
fornece
retroalimentação de escuta "de canal de volta" (ex: anuências,
mudanças de olhar, resmungos, etc.)
Estrutura de Participação Tipo III. Chão conversacional único
com todas as pessoas presentes participando dele.
Há
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 378
sobreposição de fala considerável. Dois subtipos podem ser
distinguidos:
Chão único com níveis múltiplos de chão. Níveis primário e
secundário de participação, considerável fala sobreposta.
Uma conversa tipo I está ocorrendo entre falantes/ouvintes
primários.
Um ou mais dos ouvintes secundários diz alguma coisa
topicamente ligada com o que o falante/ouvintes primário está
dizendo.
Estes comentários por participantes secundários
(que então se tornam falantes secundários) são "jogados" na
conversa do grupo e não requerem uma resposta ou
reconhecimento de ninguém.
A conversa primária entre
falantes e ouvintes primários continua enquanto estão sendo
feitos comentários por falantes/ouvintes secundários.
Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) Falante/ouvinte primário: O mesmo que para o Tipo I. Porém
um aspecto adicional para os participantes primários é evitar
prestar atenção e responder ativamente aos comentários
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 379
sobrepostos que estão sendo jogados na conversa por
participantes secundários; Falante/ouvinte secundário: o
mesmo que para o Tipo I, com o direito adicional de fazer
comentários relacionados com a conversa primária. Porém
estes comentários podem não ser reconhecidos ou prestados
atenção pelos outros membros do grupo.
Tipo III-B. Chão único interpolado com nível único de chão.
Um comentário coletivo sobre a nota de um falante primário
anterior, durante o qual o chão conversacional anterior é
suspenso.
Uma conversa do Tipo II ou do Tipo I está ocorrendo e é
interrompida por um interlúdio ou “seqüência lateral”
durante a qual um ou mais dos participantes faz comentários
relacionados com o que o último falante estava dizendo. Estes
“comentários” se sobrepõem ao que os outros comentadores
estão
dizendo
e
às
vezes
falam
continuamente
e
simultaneamente. A conversa que estava tendo lugar quando
os comentários começaram a serem feitos para seu progresso.
O falante primário na conversa que está tendo lugar pode ou
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 380
não deixar o chão anterior; em alguns casos aquele chão é
momentaneamente suspenso para comentários coletivos, nos
quais o falante primário pode participar também. Em outros
casos, a primeira conversa pode ser deixada inteiramente
quando uma nova conversa aparece.
8. Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) Falante: Joga comentários na conversa, com a compreensão de
que tal comentário pode não ser dado atenção ou reconhecido;
Ouvinte: O mesmo que para o Tipo II, exceto que no Tipo III-B
os ouvintes tem o direito de fazer comentários enquanto
outros estão comentando, sem ter tais comentários levados em
conta como ato de fala/interrupção.
Estrutura de Participação tipo IV. “Chãos” conversacionais
múltiplos, com subgrupos das pessoas presentes participando
de conversas simultâneas topicamente distintas. Muita fala
sobreposta através e dentro dos vários chãos.
Muitas conversas do Tipo I estão ocorrendo simultaneamente,
conduzidas por atos de falantes/ouvintes primários.
Na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 381
maioria dos casos observados, cada pessoa presente é um
participante primário em ao menos uma destas conversas. Se
uma pessoa presente não participa de modo primário, então
ele (ela) participa como um ouvinte secundário em um ou
mais dos conjuntos de falantes/ouvintes primários.
9. Alocação de direitos e obrigações - Dentro de cada uma
das conversas simultâneas, o mesmo que para o tipo I.
As estruturas de participação diferem ao longo de três
dimensões.
Estas dimensões, que podem ser consideradas
como sendo análogas a distintos aspectos são, (a) número de
pessoas que falam de cada vez, uma ou mais que uma; (b)
tipos de papéis dos participantes; isto é, todos os participantes
têm papéis equivalentes, como nas conversas Tipo II e Tipo
III-B ou há uma distinção feita entre participantes primários e
secundários, como nas conversas Tipo I e Tipo III-A; e (c) o
número de chãos conversacionais, um ou mais que um. Cada
uma das dimensões tem duas possibilidades: há mais de uma
pessoa falando ao mesmo tempo, ou há somente uma pessoa
falando; todos os participantes têm papéis equivalentes ou
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 382
não; e há mais de um chão conversacional ou somente um. A
presença ou ausência de cada um destes aspectos é notada no
Quadro 1.
10.
Qua
dro
1.
Aná
lise
de
Asp
ect
os
dist
into
s de
Estr
utur
as
de
Part
icip
açã
o
Estrutura
Mais de Uma Todos
de
Pessoa falando Participantes chão
Participação de cada vez
têm
os Mais de um
papéis conversacional
equivalentes
Tipo I
-
-
-
Tipo II
-
+
-
Tipo III-A
+
-
-
Tipo III-B
+
+
-
Tipo IV
+
+ ou -
+
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 383
Nota: As conversas do Tipo IV são feitas de conversas do Tipo
I múltiplas. É possível que todos os participantes pudessem
ser participantes primários em ao menos uma das conversas.
Se este é o caso, então todos os participantes têm papéis
equivalentes. Se algum dos participantes é um participante
secundário em uma ou mais das conversas, então todos os
participantes não têm papéis equivalentes.
O método usado para se chegar a esta tipologia de estruturas
de participação é descrito em ERICKSON & SHULTZ (1977).
Primeiro, uma das fitas de hora do jantar foi examinada em
detalhes através de vistas repetidas e uma tipologia inicial de
estruturas de participação foi formulada.
Após a tipologia ter sido refinada através de mais vistas da
fita, a validade da tipologia foi testada examinando-se outras
fitas de hora do jantar para ver se os mesmos tipos de
estruturas de participação estavam presentes nestas. A hora
do jantar em casa de outro aluno foi estudada, além de outra
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 384
fita de hora do jantar na casa do aluno onde a fita foi
originalmente analisada foi feita. A tipologia foi encontrada
para manter-se verdadeira para ambas as horas de jantar em
outra casa, e para a hora de jantar adicional na casa original.
Ao todo, ao menos 60 horas de visão de vídeo tape estiveram
envolvidas na análise relatada aqui.
As evidencias para a validade da tipologia vieram de várias
fontes. A observação participativa nas duas casas e em sala
de aula nos forneceram intuições com relação a como os
jantares e aulas de matemática eram executados. Além disto
tivemos cada participante em vários jantares em nossas
próprias casas e ensinamos e fizemos pesquisa em outras salas
de aula. Estas fontes de observação pessoal foram chamadas à
cena enquanto observávamos os vídeo tapes de jantares e
aulas
de
matemática
enquanto
aplicamos
nossos
procedimentos interpretativos para fazer sentido dos eventos
registrados.
Neste processo de fazer sentido, confiamos
menos na observação pessoal e experiência do que é de
costume na etnografia tradicional, mas confiamos mais nestas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 385
fontes
de
evidencia
do
que
é
comum
na
análise
etnometodológica de registros de comportamento.
Ao assistir aos vídeo tapes, tentamos usar as mesmas
evidencias comportamentais que os participantes pareciam
estar usando para fazer sentido da situação. Consideramos
várias formas de comportamento verbal e não verbal na
distinção entre as diferentes estruturas de participação. Por
exemplo, a principal diferença entre as estruturas de
participação Tipo I e tipo II é que as conversas Tipo I
envolvem dois níveis diferentes de participação entre
ouvintes, enquanto nas conversas Tipo II não é feita distinção
entre os ouvintes.
As diferenças em participação entre
ouvintes nas conversas do Tipo I são manifestadas nestas
áreas: (a) postura e orientação do corpo; b) direção do olhar e
(c) retroalimentação da audição por canal de volta.
Os
ouvintes primários nas conversas Tipo I são requeridos
orientar seus corpos para o falante primário, direcionar seu
olhar para aquela pessoa tanto quanto possível e fornecer
algum Tipo de resposta de audição de canal de volta. Os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 386
ouvintes secundários, por outro lado, não são requeridos
fornecer o mesmo tipo de comportamento não verbal como os
ouvintes primários. Eles podem olhar para longe das pessoas
que levam a efeito a conversa, eles podem orientar seus
corpos para o centro da mesa ao invés de para os
falante/ouvintes
primários,
retroalimentação de audição.
e
não
têm
que
fornecer
Nas conversas do Tipo II,
alguns dos ouvintes têm que fornecer retroalimentação de
escuta (de outro modo o falante iria provavelmente parar de
falar), mas seu comportamento de escuta não tem que ser tão
intenso como o do ouvinte primário nas conversas do Tipo I.
Em outras palavras, a quantidade de atenção fornecida pelos
ouvintes nas conversas do Tipo II caem em alguma parte
entre a quantidade de atenção esperada de ouvintes primários
nas conversas do Tipo I e a quantidade de atenção esperada
dos ouvintes secundários nas conversas do Tipo I.
Tipos
similares de evidencias de diferenças em comportamento
verbal e não verbal foram usados para distinguir entre todos
os tipos de estruturas de participação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 387
Uma segunda fonte de evidencias comportamentais com
relação à validade da tipologia apresentada está contida na
reação dos membros da família a violações de qualquer dos
padrões descritos. Dois tipos de violação foram notados: (a)
produção de comportamento não apropriado: o filho mais
novo em uma das famílias, durante duas conversas do Tipo I
nas quais era um ouvinte secundário, tentou chamar a atenção
de um dos falantes/ouvintes primários. Foi-lhe dito por um
dos irmãos mais velhos para ficar quieto porque "as pessoas
estavam falando". Tal reprimenda não faria sentido durante
uma conversa Tipo III (A ou B) ou Tipo IV durante as quais
mais de um falante pode ter a vez de falar ao mesmo tempo;
(b) ausência de comportamento apropriado: durante outra
conversa do Tipo I na qual o mesmo filho era suposto ser um
ouvinte primário, ele não forneceu o tipo de resposta de
escuta requerido de uma pessoa em tal papel. Seu pai, que
era o falante primário na ocasião, tornou a ausência desta
resposta de escuta computável (cf. MEHAN e WOOD, 1975:
132) dizendo o nome de seu filho seguido de "Estou falando
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 388
com você". Este tipo de reprimenda não faria sentido durante
uma conversa do Tipo II, porque nem todos os ouvintes são
requeridos fornecer retroalimentação ativa de escuta.
Estes quatro
tipos
de
estruturas
de
participação ou
"arrumações conversacionais" empregados para executar a
atividade de fala "falar durante o jantar" são representados
esquematicamente na Figura 3, que mostra a arrumação física
da família em torno da mesa de jantar (representada pelo
retângulo), bem como suas orientações posturais e de olhar
nas várias estruturas de participação.
Como foi notado anteriormente, as estruturas de participação
mostradas na Figura 3 são aquelas usadas para executar a
atividade de fala "falar durante o jantar".
Elas foram
desenvolvidas por cuidadosa observação dos vídeo tapes da
hora de jantar nas casas. Na escola, os tipos de estruturas de
participação encontradas em casa são também encontradas
em versões levemente diferentes de "semelhança familiar" que
parecem ser equivalentes funcionais daquelas usadas em casa.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 389
Existe algumas diferenças específicas entre as versões do lar e
da escola de atuação das estruturas de participação. Primeiro
de tudo, existe
11. Figura 3.
Participação
Representação
esquemática
das
Estruturas
de
Tipo I
Tipo II
falante primário
falante
ouvinte primário
ouvinte
ouvinte secundário
Tipo III-A
Tipo III-B
falante primário
falante
ouvinte primário
ouvinte
falante secundário
ouvinte secundário
Tipo IV
falante primário
ouvinte primário
ouvinte secundário
Legenda:as setas e linhas indicam a orientação do olhar.
= orientação postural
um limiar de tolerância muito mais alto em casa para uma
entonação de fala de tom mais alto, fala mais alta, e elevação e
queda brusca de entonação do que na escola com o professor,
que não seja ítalo-americano.
Segundo, dado o grande
número de participantes na sala de aula, particularmente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 390
quando o professor e todos os alunos estão reunidos como um
grupo, a negociação e administração dos direitos e obrigações
interacionais se torna mais difícil. Muito mais orquestração e
administração é feita pelo adulto presente (o professor) e mais
direções específicas sobre como interagir são dadas. (Por
exemplo, Professor: Não falem agora, é minha vez. Joey, é a
vez de quem agora?).
Embora tais reprimendas sejam
ocasionalmente emitidas em casa, direcionadas em sua maior
parte aos membros mais novos da família, elas são ouvidas
muito mais freqüentemente na sala de aula, onde o índice de
participantes jovens para velhos é muito mais alto.
E
finalmente, dada a proximidade física dos membros da
família na mesa de jantar e o fato de que cada membro é capaz
de encarar qualquer outro membro com um mínimo de
esforço, é muito mais fácil para a família agir como um grupo,
focalizando posturalmente um ponto no centro da mesa. Na
sala de aula, quando o professor está reunido com todos os
alunos, nem todos podem encarar todos.
E assim por
necessidade, alguns participantes têm suas costas para outros.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 391
Estas
estruturas
de
participação
são
distribuídas
diferencialmente através das fases constituintes dos dois
eventos. (Rever Figura 1). O Quadro 2 mostra a distribuição
das estruturas de participação através das fases dos dois
eventos. Pode ser visto do Quadro 2 que as estruturas de
participação Tipo I, II e IV ocorreram na escola bem como em
casa. As estruturas de participação Tipo III ocorreram em
todas as três fases do jantar, mas ocorreram somente sem
freqüência durante a aula de matemática. Para a maior parte,
este modo de participar nas aulas é referido como "chamar" e
não é permissível em situações de aula.
As estruturas de participação Tipo III foram permitidas
durante
a
subfase
instrumentalmente
de
clímax
focalizada
da
instrucional
aula
de
da
fase
matemática.
Durante esta subfase, o foco do professor está no "ponto" da
aula e as regras sociais interacionais não parecem mais serem
o foco de sua atenção.
Mesmo se todas as quatro estruturas de participação ocorram
durante os jantares e aulas de matemática, elas são
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 392
distribuídas diferentemente através das fases constituintes
dos dois eventos.
Ao nível do evento, então, os tipos de
estruturas de participação que ocorrem e os direitos e
obrigações dos participantes são essencialmente os mesmos.
É somente quando se olha ao nível de fases constituintes que
diferenças na atuação dos dois eventos aparecem.
O que é distintivo sobre cada uma das fases dos dois eventos
é o conjunto de estruturas de participação que ocorrem, e a
freqüência relativa com que cada uma das estruturas de
participação ocorre. A ordem seqüencial das estruturas de
participação dentro de uma dada fase não parece ser
obrigatória, exceto que as estruturas de participação Tipo IIIA e III-B devem sempre se originar das conversas do Tipo I ou
do Tipo II.
Nem todos as estruturas de participação ocorrem em cada
uma das fases; e as estruturas de participação que ocorrem
não o fazem com a mesma freqüência
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 393
Por exemplo, durante a fase focalizada de jantar, as estruturas
de participação Tipo I e Tipo II estão ocorrendo mais
freqüentemente, mas as estruturas de participação Tipo III-B,
quando ocorrem, são negativamente sancionadas pelo
professor. Isto pode ser visto no seguinte exemplo de texto da
aula. Este exemplo começa pelo final da fase de instrução
focalizada da aula. A organização do discurso daquela fase
envolveu uma série de rodadas interrogativas sucessivas (ver
BELLACK, KLIEBARD, HYMAN & SMITH 1966; MEHAN
1979 e MEHAN, este volume).
Fase Constituinte
Evento
Preparação
Foco Término
Jantar
I, II, III-B
I, II, III-A, III-B, IV, I
III-B
Aula
de IV, I
matemática
I, II
I,
III-A
(durante
clímax instrucional)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 394
e II, IV (durante a
limpeza)
12.
Quad
ro 2. Distribuição das Estruturas de Participação Através das Fases
Constituintes Primárias dos Dois Eventos
Nota:
Para cada fase constituinte, as estruturas de participação
são listadas de acordo com a freqüência de ocorrência.
Aquelas estruturas de participação que ocorrem mais
freqüentemente são listadas primeiro, enquanto aquelas que
ocorrem menos freqüentemente são listadas por último.
Em cada uma das rodadas um aluno foi designado o
"respondedor" e se envolveu com o professor em uma série de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 395
rodadas de perguntas-respostas.
Esta é uma estrutura de
participação do Tipo I, de acordo com nossa tipologia - dois
falantes principais, aluno e professor, com outros membros do
grupo de interação nos papéis de assistentes ao invés de
falantes. (As crianças são ocasionalmente permitidas ecoar em
coro a resposta do respondedor designado, e rirem no final de
uma rodada, mas de outro modo tem que permanecer em
silêncio). Durante as rodadas interrogativas, e especialmente
no final delas, quando o professor está para se voltar para um
novo aluno como respondedor designado, as crianças que
foram ouvintes freqüentemente fazem coisas às quais o
professor reage como "interromper". Uma coisa reagida deste
modo foi quando uma criança individual que não é designada
como respondedor tenta obter vez de falar.
Se isto fosse
permitido acontecer tornaria a arrumação conversacional uma
estrutura de participação do Tipo III-B (mais de dois
falantes/ouvintes primários). Outra coisa a qual o professor
reagiu como interrupção foi uma ou mais crianças que não
eram
o
respondedor
designado
fazerem
comentários
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 396
sobrepostos sobre algo que um dos dois falantes primários
havia dito.
Se isto fosse permitido acontecer faria a
arrumação conversacional que chamamos estrutura de
participação Tipo III-A (na qual existem falantes e ouvintes
secundários
bem
como
primários,
participando
simultaneamente em chãos conversacionais de camadas
múltiplas).
13. Exemplo de aula de matemática
No texto que se segue, a conexão de linhas com parênteses (I)
indica a fala sobreposta, a conexão de linhas por parênteses
com "bandeiras" nas direções opostas (Z) indica que a fala do
segundo falante começa abruptamente exatamente no final da
palavra do falante anterior.
Marcadamente a fala lenta é
indicada pelo espaçamento entre sílabas. Dois pontos
múltiplos indicam alongamento de uma sílaba. Uma pausa
terminal de sentença completa de aproximadamente um
segundo é indicada por duas diagonais (//) e uma meia pausa
de aproximadamente meio segundo é indicada por uma
diagonal única (/). (Estes são equivalentes a grosso modo ao
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 397
período e vírgula). A enfatização (altura) é indicada pelas
letras maiúsculas na sílaba enfatizada ou por marcas verticais
que precedem a sílaba enfatizada.
Se o tom da sílaba
enfatizada é alto, a marca vertical aparece acima da linha, ex:
'BOM. Se o tom da sílaba enfatizada é baixo, a marca vertical
aparece abaixo da linha, ex: BOM.
Estas marcas são
responsáveis pela enfatização e tom na ausência de uma
mudança de tom. Quando a enfatização é combinada com
uma mudança de tom, marcas diagonais são usadas. Se o
lado esquerdo da diagonal é alto isto indica uma mudança de
tom mais alto para mais baixo, ex: BOM. Se o lado direito da
diagonal é alto isto indica uma mudança de tom mais baixo
para mais alto, ex: BOM.
(Cena: Aula prática de matemática em uma sala de aula de
jardim de infância do primeiro ano. A professora, Senhorita
Wright, e 14 alunos do primeiro ano estão sentados no chão
em uma formação de círculo. Eles se orientam para objetos no
centro da área do círculo que foi definida por seus corpos. No
chão estão dois anéis de corda que circulam conjuntos de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 398
blocos de madeira. Em um dos conjuntos todos os blocos são
de formatos diferentes, mas tem a mesma cor (amarelo). A
professora esteve introduzindo as crianças ao conceito de
"propriedade de conjunto". Neste ponto da aula ela vai rever
o que as crianças aprenderam na aula até agora.)
(a) P: O.K. (A senhorita Wright fala mais alto e mantém
o dedo indicador em seus lábios. Há um contorno de
intonação que cai abrupta no "K" de "O.K.")
Agora vamos olhar (o riso para) (O riso geral das
crianças é suspenso e a professora fala , e para em
sincronia exata com o " k" do final da palavra dela , "
look")
O que decidimos foi (o riso começa - - -decidimos QUE - - para]
(No " THAT" enfatizado, todas as crianças param
instantaneamente de rir e algumas se sentam mais eretas)
Estes blocos todos tem a propriedade da mesma ,what//
(A professora aponta para o anel de forma e seus blocos)
(b) T: SHA:::PE (A turma responde em coro com duas
respostas individuais em " eco")
Shape
Shape
(c) P: Forma/ assim eles pertencem aqui mesmo se
(risadinhas começam - - - - - )
cores [ diferentes S//::://SH']
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 399
GS: [e são da mesma forma
]
(os risos continuam - - - - -param)
(Durante o riso geral um garoto se sobrepões a fala da
professora.
(d) (Alice pega um bloco)
(e) P:a'right// (muito rapidamente)
coloque isto no chão
(gentilmente, em um lado de
Alice)
Estes conjuntos todos tem a propriedade da mesma
[O QUE?
(alto, com registro de tom mais alto durante
toda a fala)
[ B= amarelo (Bobby sobrepõe)
Sh ( a professora diz isto gentilmente a Bobby)
(f) Es: Forma
C: forma
FORMA
(g) B: Forma (alunos individuais dizem " forma" , um
coro diz " forma" e então Bobby o faz)
h) P: Cor Z (Para Bobby e para toda a turma)
(i) C: cor (resposta em coro, volume diminuido)
(j) Eles não são todos da mesma forma// (volume baixo,
registro de tom)
Este não é da mesma forma// (segura um bloco)
Eles são da mesma COR// (levanta o bloco mais alto)
(k) B: Veja este não é - - (Bobby se dirige a Vito)
(l) P: ' CERTO// (as crianças estão rindo) (mais alto,
registro de tom mais alto)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 400
AGORA// ' ESPEREM (todas as crianças caladas)
FA«AM ESTES BLOCOS AQUI TEREM
(o riso começa - - - A PROPRIEDADE DE//
- - - - - - - - - -para) (na pausa a professora põe o
dedo nos lábios)
(barulho de carro de entrega no corredor)
[ COR?//
// (pausa de dois segundos)
(segundo barulho)
(Bobby olha para a porta)
(C olha para a porta)
(V olha para a porta)
(m) Vamos ver aqui // // // (mais gentil, registro de tom
mais baixo) (pausa de três segundos)
wwht (meio assobio endereçado a Bobby)
(Bobby olha de volta para a área do círculo)
Vito/ Vamos olhar aqui// Isto é importante (registro de
tom baixo, ainda mais intensamente)
( o foco postural do círculo é reestabelecido)
Estes blocos aqui tem a (rapidamente para Bobby)
propriedade de cor E a propriedade da forma ?//
Eles pertencem aos DOIS conjuntos ?
(n) R: Não
(outros): não, não
coro N√O:::::::::::::::::
P: Por que não? ] (Para Bobby)
B: (Vira para a criança a sua esquerda e diz algo
inintelegível)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 401
P: Sh] (para toda a classe)
(p) Estes são ' AMArelos
(q) (duas crianças dão respostas inintelegíveis)
(r) P: Eu sei, mas neste CONJUNTO/ tudo que me
importa é a cor
(duas crianças opostas a professora escorregam sobre
seus estomagos, tocando uma à outra , olhando para os
blocos)
Vamos, sentem-se//
Este conjunto, tudo que me importa é a cor.
Estes blocos/ Eu quero blocos amarelos aqui// (dirigida a
Carol) Eles pertencem a este conjunto ?
(s) C: Sim z
P: Sim, ' porque eles são'AMArelos
tudo o que eu queria aqui são blocos em triangulo eles
pertencem aqui?// (mais rápido)
(t) N√O [::::::
Por que não// Eles são' TRIANgulos (registro de tom
mais alto)
Mas eles não são th/
(v) L:
você dev
Eu não me ' IMPORTO de que cor eles são aqui//
Se eles são ' TRIANGULOS é o que quero saber//
(x) C: Sim::::::::
sim sim
sim
sim
assim eles podem pertencer a este / conjunto?//
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 402
sim sim sim não:::::::::::::
sim não não não
não
eles podem pertencer a ambos os conjuntos?//
(aa) C: N√O ::::::::
(gentilmente) não
P: Pare com isto (dirigindo-se a uma criança que se
balança para frente e para trás sentada na formação do
círculo)
(bb) D: SIM: (resposta errada)
(cc) P: VAMOS ' A: PREN: ER!/ (dirige-se à criança que
esteve se balançando para a frente e para trás. O balanço
para)
C: Eles pertencem a ' AMBOS os conjuntos ?// (dirige-se a
D)
(dd) sim sim
sim:::::::::a::::::::hN√O:// (mudança final para N√O: é a
resposta correta)
(ee) P: Por que não?// (dirige-se a Bobby e a todo o
grupo)
(ff) B: Poque eles também poderiam pertencer aqui
(Bobby toma um triangulo amarelo do conjunto de "
triangulos" e o coloca no conjunto " cor")
(gg) P:// ( A professora pega o triangulo amarelo e o
coloca de volta no conjunto de " triangulos")
Mas eles também poderiam pertenter 'aqui porque são
,triangulos (dirige-se a Bobby e a todo o grupo, caindo a
intonação em " triangulos")
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 403
(hh) C: S::IM (coro)
sim sim (falantes múltiplos começam a introduzir novos
comentários - - -[ o comentário para)
[ Alri// A-/ (levantam o dedo para responder)
(ii) P: Está bem é o suficiente//
Voltaremos a isto amanhã// (mais rápido, menos volume)
Estes blocos tem duas propriedades
(mais lentamente, mais alto, manuseando os blocos)
Eles pertencem a [ AMBOS os conjuntos//
B: [ Um::
Assim os intrelaçamos// (coloca a beirada de uma corda
sobre a outra)
e os colocamos aqui//
e esta é uma nova palavra/
É chamado uma IN
TER
SE
«√O
de conjuntos// ( ainda mais baixo, larga queda de
intonação)
e falaremos sobre isto mais tarde
…está quase na hora de ir para casa.
A fase de término começa (aqui uma mudança marcante de
postura ocorre. A professora que estava sentada inclinada
para frente até este ponto se senta com as costas para trás e
simultaneamente as crianças se movem para trás um pouco
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 404
para alargar a formação de círculo e se sentam. Falando mais
rapidamente a professora explica a "interseção de conjuntos"
novamente para outra criança que não Bobby).
Então ela esclarece a partir das respostas de Bobby sobre a
"interseção" em um cruzamento de trafego , demonstra a
analogia entre aquele tipo de interseção e os anéis
entrelaçados no chão (durante qual demonstração todas as
crianças olham novamente para os anéis), então diz as
crianças para colocarem os blocos em sua bolsa e coloca suas
cadeiras nas mesa. As crianças se dispersam, limpam e então
deixam a sala).
14. Discussão:
Quando este exemplo começa a turma ainda está
em uma estrutura de participação do Tipo I. Porque um
falante falar enquanto outro está falando é uma "interrupção",
como é evidenciado pelas reações da professora à fala
sobreposta pelas crianças. Ela reage implicitamente e
explicitamente à fala sobreposta.
No turno (a) a reação é
implícita. Quando a professora enfatizou a palavra "QUE" na
frase "o que decidimos, decidimos QUE", as crianças param
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 405
com a fala sobreposta instantaneamente. A enfatização em
QUE parece funcionar como uma dica implícita para as
crianças pararem de interromper. No turno (c) , porém, as
dicas da professora são explícitas. "Sh:::/SH!". Novamente, os
alunos param instantaneamente de sobrepor a fala. No turno
(e) a professora dirige um "Sh" a Bobby após ele ter
sobreposto sua fala. No turno (l) a professora emprega uma
dica não verbal para sancionar negativamente a ocorrência de
fala sobreposta - no instante em que o dedo da professora é
levado aos lábios as crianças param de falar. Dos turnos (a)
até (l) a professora tem estado consistentemente reforçando
uma arrumação conversacional do Tipo I como a estrutura de
participação pela qual o discurso da aula está sendo
conduzido.
Nas próximas poucas rodadas interrogativas a professora
continua a reforçar o princípio aparente "somente dois
falantes designados de cada vez".Então, exatamente antes do
ponto de clímax instrucional da aula (que chega logo antes da
transição para a fase final de término/limpeza), a professora
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 406
faz algo diferente do que vinha fazendo anteriormente
durante a fase de instrução focalizada. Agora (turnos n - hh) a
professora não mais reforça o princípio de "dois falantes
primários".
O clímax instrucional da aula - sua "linha" conceitual envolve a noção de "interseção de conjuntos" que é anunciada
com ênfase pela professora no final do turno (ii) no exemplo: "
e isto é uma nova palavra// É chamado uma in
ter
seção
de
conjuntos
(em uma entrevista, a professora disse que o propósito da
aula era introduzir este novo conceito. Nas rodadas
interrogativas que levavam ao clímax a professora revê as
noções de conjunto e propriedade dos conjuntos colocando
blocos dentro de dois anéis de corda no chão. Um conjunto
consiste de blocos de formatos variados que são todos
amarelos [a propriedade de conjunto de cor]. Outro conjunto
consiste de triângulos. A maioria dos blocos triangulares é
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 407
verde, mas alguns triângulos são amarelos. Eles pertencem ao
conjunto triângulos de acordo com a propriedade de forma,
mas pertencem ao conjunto amarelo de acordo com a
propriedade de cor.
Os triângulos amarelos que parecem
anômalos podem ser computados sobrepondo-se as beiradas
dos dois anéis de corda uma sobre a outra e colocando os
triângulos amarelos neste recém criado espaço, que é uma
interseção de conjuntos; uma abstração lógica concretamente
manifestada em uma arrumação de blocos e cordas.)
No início do turno no qual ela dá a linha conceitual (turno ii),
a professora começa a reforçar novamente o princípio de
"somente dois falantes designados de cada vez", como ela
havia feito durante a primeira parte da fase de instrução
focalizada. Mas nos 20 turnos imediatamente anteriores a este
ponto do clímax instrucional, a professora não reforça o
princípio "dois falantes designados de cada vez". Isto pode
ser visto nos conjuntos de turnos adjacentes (t-u-v), (w-x-y),
(y,z) e (aa-bb). No primeiro destes casos (t-u-v) a professora
se sobrepões à turma e então responde a uma pergunta
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 408
iniciada por um falante não designado.
A professora
responde à pergunta da criança e o faz sobrepondo a fala do
que pergunta. A criança que faz a pergunta é a mesma cuja
tentativa de fazer uma pergunta alguns momentos antes no
turno (b) foi sancionada negativamente pela professora com
um "SH::::". Aparentemente no ponto dos turnos (t-u-v), o
princípio de alocação de turno anteriormente invocado havia
sido temporariamente suspenso. Nos próximos turnos a fala
da professora é sobreposta pela das crianças (turnos x-y-z) e a
fala das crianças é sobreposta pela da professora, ainda que a
professora não reaja à sobreposição como se fosse interrupção.
Isto também pode ser visto nos turnos (cc-dd). Ali a pergunta
da professora é sobreposta pela resposta, dita por vários
indivíduos e por um coro, enquanto a professora está
engajada em dirigir a pergunta a um único indivíduo, Carol,
que é designada como respondedora pelo olhar da professora
e pelo aceno de sua cabeça em direção a Carol. Não somente
a professora não sanciona negativamente a fala sobreposta
das crianças dando a resposta à pergunta dirigida a Carol,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 409
mas o comportamento da criança que a professora sanciona
negativamente
no
mesmo
turno
(dizendo
VAMOS
APRENDER) é o comportamento cinético (balançar-se para a
frente e para trás) ao invés do comportamento de fala. O
"VAMOS APRENDER" diretivo pode ser interpretado como
evidencia de que a professora ainda está reforçando alguns
padrões de adequação na participação das crianças - ainda
existem para a professora alguns limiares de atividade além
dos quais as crianças estão fazendo demais - mas os limiares
mantidos são aqueles que envolvem comportamento não
verbal. Os limiares para o comportamento de sobrepor a fala
além dos quais as crianças estão interrompendo verbalmente
não parecem mais se aplicar.
Em resumo, neste ponto da aula, a professora age como se o
que chamamos estruturas de participação de Tipos III-A e IIIB fossem modos legítimos de alocar turnos, através de chãos
conversacionais de camadas múltiplas. Momentaneamente,
algumas das restrições sobre a fala sobreposta foram
afrouxadas. Então elas estão de volta ao lugar. Quando a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 410
professora começa o turno (ii) ela leva o dedo aos lábios e
repete as primeiras sílabas da primeira palavra da próxima
frase "Alri-//A-//Certo, isto é tudo." Quando ela diz isto, as
crianças (que estiveram se sobrepondo uma à outra e à
professora no turno anterior) param de salpicar sobreposições
a partir daquele turno. Daí até a fase de limpeza começar,
quando as crianças começam a sobrepor a fala a professora as
pára dizendo "SH::" levantando seu dedo aos lábios ou
usando enfatização e pausa antes de continuar o que ela
estava dizendo, como no turno (a), durante uma fase anterior
da aula:
P: O que decidimos, decidimos QUE] // estes blocos
(Começa o riso - - - - - - -para]
Todos têm a propriedade...
Um problema constante de administração de grupo para a
professora no início do ano é as crianças "entrando" como
falantes/ouvintes secundários enquanto um diálogo está
sendo conduzido durante uma aula por dois falantes/ouvintes
primários. Esta "entrada" ocorreu não somente em aulas de
matemática, mas em outros contextos instrucionais de grupos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 411
grandes.
Em contraste, a participação por "entrada" era
freqüentemente apropriada para aquelas crianças em casa,
como pode ser visto pela transcrição de uma das conversas de
jantar gravadas em vídeo tape na casa de Bobby, que foi um
dos respondedores designados na transcrição da aula acabada
de apresentar.
15. Exemplo de conversa durante o jantar
Cena: Hora do jantar em uma cozinha em um lar ítaloamericano. Os quatro filhos, a filha, a mãe e um dos
pesquisadores estão sentados na mesa de jantar
colocando a comida nos pratos. O pai está na pia da
cozinha lavando as mãos.
(a) Filho mais velho: O que há além de galinha e...
cenouras...para a refeição..
(b) Filha: Sobremesa?
(A mãe se levanta para começar
a servir a comida a suas crianças. Quando o filho mais
velho faz sua pergunta, a filha interrompe em uma voz
alta, de tom alto para perguntar sobre a sobremesa. Ela
olha para a mãe que está andando a volta da mesa.
Todos os outros estão olhando para seus pratos.)
(c) Mãe: (Ininteligível)
(d) ALGUMA SOBREMESA?
(Não obtendo resposta
para sua pergunta inicial, a filha a repete novamente,
elevando o volume de sua voz quando o faz.)
(e) Mãe: Sim
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 412
(f) Filha: Oh.
(g) Mãe: Você não tem que gritar. (A mãe continua a
servir a comida nos pratos a suas crianças enquanto anda
em torno da mesa. O resto da família está concentrado
em seus pratos.)
(h) Filha: Sim, eu tenho.
(i) Filho: (Ininteligível)
(j) Filha: Sim, você é (dirigida a filho)
(k) Pesquisador: É uma sobremesa fantasia feita pela
criança Julia
Filho: (Ininteligível) (O pai fecha a água e enxuga suas
mãos enquanto anda para a mesa. O pesquisador esfrega
suas mãos e sorri enquanto faz seu comentário.)
(l) Mãe: Feita por...
(m) Pai: Onde ela está , onde ela está? (O pai fica de pé
junto da mesa enxugando suas mãos e se junta à
conversa pela primeira vez.)
(n) Mãe: O que não é ela?
(o) Pesquisador: Julia Grown up. (enquanto enrola suas
mangas da camisa)
(p) Filho mais velho: A melhor//
(q) Mãe: Barulhento? (?)
(r) Filho mais velho: As melhores sobremesas são feitas
por minha mãe.
(s) Pesquisador: (ri) Pai: Alguma, alguma sobremesa?
Toda noite
a mesma coisa.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 413
(t) Mãe: (ininteligível) (Várias pessoas estão agora
falando ao mesmo tempo. O pai repete a pergunta de
sua filha, imitando sua entonação e volume alto.
Quando ele faz isto a filha e o pesquisador levantam seus
olhos e o seguem com o olhar enquanto ele anda de volta
para a pia para colocar de volta o pano de pratos.)
(u) Filho mais velho: As melhores sobremesas são feitas
por minha mãe. (O pesquisador se volta para olhar para
o filho mais velho e a mãe volta para seu lugar do outro
lado da mesa mas ainda não se senta. Ela continua a
servir a comida nos pratos.)
(v) Pesquisador: Eu vejo.
(w) Filho: Certo.
(x) Mãe: Oooh.
(y) Filho: Você faria melhor em experimentar algumas
cenouras. (O pai volta da pia para a mesa)
(z) Filho mais novo: E as me:lhores sobremesas são...
(aa) Pesquisador: Um comercial (referindo-se ao elogio
do filho à sobremesa da mãe)
(bb) Mãe: (nome da filha) você não vai comer cenouras?
(A mãe se senta e olha para a filha quanto lhe pergunta
sobre as cenouras.)
(cc) Filha: Mm, mm. (O ruído no aposento caiu
significativamente. Somente uma pessoa está falando de
cada vez.)
(dd) Mãe: N√ããO?
(ee) Uh, uh, uh. (O pai se senta e a filha se volta para a
camera de video.)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 414
(dois segundos e meio de silencio)
(ff) Pai: O que ela não quer ? (O pai que acabou de se
sentar se junta à conversa entre a mãe e a filha.)
(gg) Mãe: Cenouras.
16. Discussão:
O exemplo do jantar ocorrido na fase de
preparação estava terminando e a fase de foco estava
começando. Quando a comida estava sendo servida em torno
da mesa, a filho mais velho fez uma pergunta em relação à
refeição (linha a). A filha entrou com uma pergunta própria
sobre a sobremesa (linha b). A mãe respondeu à pergunta da
filha e a conversa até então era do Tipo I. Na linha (j) o
pesquisador, que se juntou à família para o jantar , trouxe
novamente o tópico da sobremesa e neste momento abriu as
portas do fluxo que levaram a uma conversa do Tipo III-B. Da
linha (k) até a linha (aa) os membros da família entraram com
comentários com relação à qualidade das sobremesas feitas
pela mãe e comentários sobre Julia Child. Esta entrada, com
várias pessoas falando ao mesmo tempo (como na linha (n)
até a linha (t)) é característica das conversas do Tipo III-B.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 415
Na linha (bb), a mãe perguntou à filha se ela ia comer
cenouras.
Quando ela fez isto, os outros participantes no
jantar ser envolveram no ato de comer e a característica de
entradas da conversa anterior parou. O nível de ruído no
aposento caiu consideravelmente, e de fato, houve dois
segundos e meio de silencio que ocorreram entre a linha (ee) e
a linha (ff). Esta foi a primeira vez desde o início do jantar em
que ninguém estava falando. O padrão uma pessoa falando
de cada vez, entremeado por momentos de silencio , como é
encontrado na linha (bb) até a linha (gg) é característico das
conversas do Tipo I. As conversas nas quais somente uma
pessoa estava falando de cada vez continuaram na maior
parte do restante da parte focalizada do jantar.
Como pode ser visto da transcrição, a transição de uma
conversa do Tipo I para uma conversa do Tipo III-B e de volta
a uma conversa do Tipo I foi feita suavemente e sem nenhuma
influencia pelos participantes no jantar. Não houve menção
explicita de que mais de uma pessoa estava falando ao mesmo
tempo, e o único tipo de comportamento verbal que foi
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 416
negativamente sancionado foi o volume das perguntas da
filha nas linhas (b) e (d). A conversa durante o jantar incluiu
muitas mudanças de um tipo de conversa para outro, sem
muito trabalho de administração conversacional sendo feito
explicitamente por nenhum dos participantes. Isto está em
contraste direto com o exemplo de transcrição da aula de
matemática apresentado anteriormente, onde a professora faz
muito mais administração, como conduzindo uma orquestra,
para indicar o tipo de conversa que é permissível no
momento.
17. Conhecimento interacional de crianças e professores em casa e na
escola
Um aluno em uma aula de matemática, na transição entre a
fase preparatória da aula e a fase instrucional focalizada, pode
interpretar o que está acontecendo em termos das normas de
interação que ele ou ela usa em casa e pode decidir o tipo de
comportamento que é provável ser considerado apropriado
em casa. Porém, durante a aula de matemática, é percebida
uma quebra da etiqueta interacional e é negativamente
sancionada pela professora.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 417
Assim não é suficiente para uma criança na sala de aula saber
qual fase constituinte de um evento ele ou ela está e como se
comportar adequadamente de acordo com as normas de sala
de aula para interação.
O estágio preparatório do jantar
coloca questões interacionais sobre a criança diferentes das do
estágio preparatório da aula de matemática. Uma criança que
vai à escola pela primeira vez pode cometer erros relativos às
normas de sala de aula para interação por que as estruturas de
participação e fases constituintes estão combinadas na sala de
aula quando contrastadas com a maneira que são combinadas
em casa.
Uma situação em casa na qual mais de uma
conversa é permitida pode aparecer como uma situação na
sala de aula na qual somente uma conversa com o professor
como o foco é a norma. Mas exceções a este princípio geral
podem ocorrer também.
Durante certas atividades, o professor pode permitir que os
alunos usem a escala total de estruturas de participação que
usam em casa. Isto foi especialmente verdade para a subfase
de clímax da aula. É durante tais ocasiões que aos alunos é
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 418
permitido usar as estruturas de participação do Tipo III aquelas que são mais como de casa e menos como de escola de
todos os modos de levar a efeito conversas. Permitir o uso de
uma larga escala de estruturas de participação pode ser
adaptativo para o professor.
No lugar mais crucial do
ambiente de tarefa cognitiva da aula ele "abre" a estrutura
organizacional da aula a modos de agir que são culturalmente
congruentes com os modos de agir aceitáveis em casa. Ao
contrário, a "abertura" pelo professor da ordem social em
direção da relatividade cultural em tais momentos pode
causar má adaptação.
As crianças novas na sala de aulas
podem ficar confusas por esta semelhança de inconsistência e
isto pode ser porque elas tentam usar as estruturas de
participação Tipo III em outras ocasiões durante o dia escolar
quando tal comportamento é reagido como inadequado pelo
professor. É necessária mais pesquisa para desenvolver esta
idéia. Existe, porém, considerável evidencia emergindo de
nosso próprio trabalho com professores nativos americanos e
alunos (VAN NESS 1977; ERICKSON & MOHATT 1982) e o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 419
do Programa de Educação Elementar de Kamehameha no
Havaí (AU 1979; AU & JORDAN 1981) sugerindo que
adaptações
mínimas
estruturas
de
pelos
professores
participação
que
na
sejam
direção
de
culturalmente
congruentes com as tradições comunicativas que governam a
interação das crianças em casa podem não somente não
interferir com a aprendizagem das crianças em sala de aula,
mas podem facilitar tal aprendizagem. Tal adaptação cultural
pelos professores não é ao nível de conteúdo acadêmico - isto
é, ensinar sobre cultura formal, herança cultural e heróis do
grupo cultural - mas ao nível do processo interacional e sua
consciência
exterior
informal,
estrutura
de
regra
"
transparente" - ao nível da "cultura invisível" como PHILLIPS
(1975) o colocou tão habilmente.
17. Implicações para os professores
Estudar a interface entre o lar e a escola como é manifestada
nas demandas interacionais diferentes de estruturas de
participação tem muito a dizer aos professores preocupados
com
o
estruturamento
dos
ambientes
escolares
para
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 420
aprendizagem e com a obtenção da atuação dos alunos.
Nossas descobertas preliminares sugerem um paradoxo
interessante. As diferenças em etiqueta interacional obtidas
entre o lar e a escola criam uma situação na qual a
escolaridade
de
qualidade
parece
estar
diretamente
relacionada com o reconhecimento pela escola de que não é a
única força educativa na vida da criança. O reconhecimento
da existência e legitimidade de sistemas de aprendizagem
diferentes de etiqueta interacional leva à aceitação da
existência e legitimidade das culturas não escolares nas quais
alguns
daqueles
sistemas
são
aprendidos.
Tal
reconhecimento também leva a um desejo por parte dos
educadores de pensar em termos de tipos de competência
diferentes que mudam sistematicamente de situação para
situação, ao invés de pensar em "incompetência” ou
"deficiência".
Praticamente falando, pode acontecer ser o caso em que
professores
podem
comportalmentalmente
se
tornar
envolvidos
bem
em
diretamente
e
facilitar
as
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 421
dificuldades que resultam de diferenças em contextos
interacionais em casa e na escola. Certamente os exemplos
mencionados aqui para o estudo de Odawa e para o Projeto
de Educação Elementar de Kamehameha atestam que o
processo interacional pode ser renegociado nas salas de aula,
ou para acomodar os estilos que as crianças trazem com elas
para a escola ou para comunicarem com maior consistência e
clareza as demandas interacionais de tarefas de aprendizagem
às crianças quando contrastadas com tarefas mais familiares e
aparentemente
similares
executadas
aprendizagem menos formais.
em
ambientes
de
Foi ainda sugerido que tal
sensibilidade e clareza, vindo da análise cuidadosa das
interações que constituem tipos diferentes de tarefas de
aprendizagem, poderiam ser aplicadas à empresa de
avaliação - assim tornando as situações de testagem escolar
mais "ecologicamente válidas" também (COLE, HOOD &
MCDERMOTT 1978).
Porém, seria temerário simplificar as implicações deste tipo de
pesquisa ou generalizar de tais estudos de caso único
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 422
inadequadamente para muitas salas de aula do mesmo ano,
muitas crianças da mesma idade ou muitas famílias do
mesmo grupo étnico. Como foi mencionado anteriormente, as
diferenças estilísticas culturais de interesse obtidas aqui, não
somente nos níveis "macro-culturais" de grupo étnico ou
vizinhança, mas existem também diferenças importantes e
sistemáticas na etiqueta interacional aos níveis mais "microculturais" também - de sala de aula para sala de aula dentro
da mesma escola, de família para família dentro da mesma
vizinhança.
Os professores bem intencionados que reconhecem e
valorizam as diferenças estilísticas como parte da riqueza e
diversidade
da
vida
americana
ainda
se
encontram
diariamente tendo que organizar grupos para o propósito de
aprendizagem acadêmica. Até contra uma escala de variações
estilísticas trazidas de casa pelas crianças, os professores
podem não estar em uma posição de decidir - particularmente
na atividade de sala de aula de momento a momento - que
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 423
diferenças mínimas no comportamento interacional vão
facilitar a participação para quais crianças.
Se pensamos sobre os tipos de atividades em que os
professores se engajam como parte de seu papel, porém,
começamos a ver os modos de conhecimento sobre tais
variações culturais de estilo (e o requisito competência
interacional subjacente a elas) pode enriquecer a prática do
ensino e pode enriquecer também a consecução a autoconceito do aluno. De suas observações eles desenvolvem
hipóteses sobre as crianças - hipóteses sobre a competência da
criança e sobre os tipos de atenção especial que elas podem
necessitar.
Os professores são assim planejadores.
Eles
pensam sobre o que acontecerá amanhã à luz do que
aconteceu hoje. Os professores pensam sobre indivíduos, eles
pensam sobre montes de indivíduos em grupos de atividade e
pensam sobre os ambientes de tarefa cognitiva nos quais
aqueles indivíduos e grupos irão trabalhar. Em resumo, os
professores são clínicos no sentido que estão continuamente
observando, fazendo julgamentos sobre o que foi observado e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 424
planejando e agindo de acordo com aqueles julgamentos.
Assim a atividade de ensino segue de um modo enraizado e
interativo.
Os insights sobre o fazer sentido interacional dos alunos e
sobre os possíveis conflitos entre aqueles modos de fazer
sentido e os modos de fazer sentido usados pelo professor
podem contribuir para um tipo de teoria clínica sobre ensino e
aprendizagem que é potencialmente mais compreensiva que a
que se obtém no estado atual da arte. Quando os professores
têm a oportunidade de pensar mais largamente sobre seus
alunos como aprendizes eles logo descobrem que a
aprendizagem ocorre em outros locais que não a escola, e que
o grupo social é uma força educativa poderosa na maior parte
das situações de aprendizagem na vida de uma criança. Estes
insights podem enriquecer a tomada de decisões do professor
sobre os alunos e seu progresso bem como sobre a
organização das tarefas de aprendizagem na escola. Quando
não se está ligado a ou uma teoria sobre a atuação da criança
na escola que repousa inteiramente na "personalidade"
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 425
hipotética da criança ou em uma teoria sobre currículo e
administração dentro da sala de aula, se começa a ver que o
que está realmente em questão é a interseção de tais fatores
como diferença individual (física, psíquica, cultural), a
estrutura das tarefas acadêmicas e do ambiente social no qual
elas são executadas, e o aspecto muito especial do "ambiente
de tarefa sócio-cognitivo" que é criado quando as pessoas que
diferem em experiências de vida e padrões culturalmente
aprendidos de expectativas são juntadas em grupos face a face
para o propósito de execução de tarefas.
Tal visão compreensiva dos processos e forças que operam me
qualquer interação de sala de aula assegura ao professor que
ele ou ela não é inteiramente responsável pelas coisas que
saem errado para crianças individuais e para grupos de
crianças. Simultaneamente, porém, a identificação da escala e
diversidade de influencias que agem na experiência escolar
das crianças coloca em grande relevo os tipos de coisas pelas
quais um professor pode ser responsável quando ele/ela
planeja a vida de sala de aula das crianças. O reconhecimento,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 426
por exemplo, que uma fonte de inferências poderosa e
freqüentemente tácita sobre a competência intelectual das
crianças,
sua
atuação interacional,
pode
não apontar
diretamente para mudanças no comportamento de ensino que
tornaria mais fácil para as crianças "atuar" de modos mais
apropriados à escola.
O que é realmente de interesse e
potencialmente mutáveis são os critérios dos professores para
decidir o que constitui atuação "competente" e em que
terrenos pode ser inferido pelo professor que a atuação das
crianças "faz sentido".
O simples reconhecimento de que
algumas crianças "interrompem" não por teimosia ou
permissibilidade, mas por causa da incongruência entre
professor e alunos em tradições comunicativas que definem os
modos apropriados de organizar a troca de termos de fala nas
conversas, pode introduzir um ingrediente extra importante
na lógica prática do professor para o estabelecimento informal
- como o professor decide se os interruptores são de fato
"crianças problema" ou não.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 427
Similarmente, o reconhecimento da complexidade interacional
da interação de grupo - particularmente quando aquela
interação
é
complicada
por
diferenças
culturalmente
estilísticas entre interatores - introduz uma dimensão
acrescentada à concepção do professor de tarefa de
aprendizagem escolar. Repentinamente a carga cognitiva é
vista como muito mais pesada para as crianças - obedecer a
turnos, por exemplo, envolve monitoramento contínuo da
situação de aula e formação de estratégia sobre a atuação
interacional pelas crianças e pelo professor. Estas atividades
acontecem além da agenda acadêmica estabelecida do grupo,
tal como maestria de fatos matemáticos ou leitura de uma
história pela primeira vez.
Os insights da pesquisa nas interfaces entre o lar e a escola
ressaltam que (a) as crianças são potencialmente mais
sensíveis do que se poderia pensar se observadas somente em
suas atuações interacionais em situações limitadas de sala de
aula; (b) as tarefas de aprendizagem de sala de aula são
eventos mais complicados e exigentes do que se poderia
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 428
pensar, com um "consenso de trabalho" de padrões de
comportamento adequado que mudam através e dentro das
estruturas de participação como uma parte de se obter
atividade acadêmica executada; e (c) as mudanças no
pensamento do professor sobre a competência da criança e a
complexidade interacional dos ambientes de tarefa pode
informar o planejamento e estabelecimento
- talvez a um
nível ultimamente mais significativo do que meras mudanças
em "comportamentos de ensino" analiticamente isolados
hipotetizados
como
associados
com
mudanças
em
comportamentos ou resultados isolados do aluno. Finalmente
tal teoria cultural/interacional sobre o ensino e tal método
para a análise situacional da ação dos pontos de ensino real
para as muito poucas mas potencialmente poderosas áreas
nas quais os professores podem efetuar mudanças nas vidas
dos alunos. Praticamente falando, dentro de uma escola, ou
em uma sala de aula, não muito pode ser feito para mudar a
raça ou etnicidade de uma criança ou sua primeira língua
(nem se pode discutir em terrenos éticos, se tais atributos das
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 429
crianças devem ser mudados ou ignorados). Dentro da sala
de aula, não se pode fazer muito para mudar um estado
neurológico de uma criança ou mudar o tipo de vida de
família que ele ou ela tem. Estes são alguns dos dados com os
quais as crianças entram na sala de aula. Algumas destas
coisas podem e devem ser mudadas, mas isto que deve ter
lugar na "sociedade maior”, que não é onde as crianças e
professores estão a cada manhã de Segunda-feira. Mas de vez
em quando, os professores podem fazer muito sobre
estruturar a vida de sala de aula e sobre monitorar a atuação
de indivíduos e grupos daí.
Além disto, os professores
podem enriquecer a prática convencional de observação da
atuação da criança procurando evidencias do fazer sentido da
criança, que irá mudar os modos de pensar do professor sobre
o que a criança sabe e faz, e como ela o faz. Focalizando o
"como" da interação bem como o "que" dela, quando a vida
diária está acontecendo na sala de aula, os professores podem
aprender a pensar de maneiras enriquecidas sobre as crianças
com quem trabalham apesar - quase em virtude de - as
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 430
variações estilísticas possíveis nas atuações interacionais das
crianças dentro da riqueza e diversidade de suas vidas reais
fora e dentro das escolas.
18. Notas
1. Por causa de suas conotações infelizes no uso científico de
outras pessoas evitaremos daqui em diante usar o termo
"competência". Porém, porque "competência comunicativa"
ser
tão
importante
como
conceito
em
nosso
campo
especializado de estudo, achamos melhor definí-la em alguma
extensão de modo que a maneira que a interpretamos não seja
mal interpretada.
2. Algumas vezes os vídeo tapes foram vistos junto com
alguns dos participantes das cenas que foram gravadas.
Observamos as fitas de aulas com o professor de classe em
sessões de visão e as discutimos com ele. Não fizemos isto
com os pais e crianças nas duas famílias cujos jantares foram
gravados (teria sido desejável fazer isto, mas o tempo e
restrições financeiras nos impediram de fazê-lo). Fomos
observadores participativos na escola e no lar, e em dois dos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 431
três jantares gravados e analisados, dois de nós (FLORIO &
ERICKSON) foram participantes ativos nas refeições (um de
nós comia enquanto o outro operava a câmera e então na
metade do jantar mudamos os papéis).
Além disto, um
membro do grupo de pesquisa (FLORIO) é um ítaloamericano e foi criado em uma comunidade de fala similar
àquela que as famílias que estudamos pertenciam.
3.
Existem
oito
combinações
possíveis
dos
aspectos
distintivos. Seis delas são apresentadas na figura 3. As únicas
duas que não são (- + e -++) seriam os casos nos quais não
mais de uma pessoa estava falando e havia mais de um chão
conversacional.
Embora
esta
combinação
de
aspectos
distintivos seja teoricamente possível não é logicamente
possível já que seria difícil dizer que havia de fato dois chãos
conversacionais quando somente uma pessoa estava falando.
As únicas vezes em que isto ocorreu seria em uma pausa em
uma das conversas e estas pausas, se a conversa fosse
continuar, tenderiam a ser de muito curta duração.
As
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 432
estruturas de participação descritas nesta tipologia assim
exaurem todas as combinações lógicas destes aspectos.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 433
Capítulo 9
Transformação e sucesso escolar: a política e cultura do êxodo
educacional
Entre as várias explicações para o baixo resultado dos alunos
provenientes
de
grupos
minoritários
encontram-se
as
relacionadas à diferença cultural entre professor e aluno e à
baixa motivação dos alunos, que decorre do cinismo com que
vêem suas oportunidades no mercado de trabalho. Tais
explicações são comparadas, criticadas e reconsideradas em
termos da teoria social crítica, mais especificamente, em
termos da teoria da resistência. O artigo considera a
legitimidade reconhecida da escola e dos seus professores e o
desenvolvimento da cultura de oposição pelos alunos. A
transformação da prática educacional rotineira é necessária, e
a
pedagogia
transformação.
culturalmente
sensível
é
um
meio
de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 434
Palavras-chave: pedagogia culturalmente sensível, êxito dos
alunos provenientes de grupos minoritários, teoria da
resistência, cultura de oposição.
Há
numerosas
explicações
para
o
resultado
escolar
geralmente baixo dos alunos provenientes de grupos
minoritários e de classes trabalhadoras nas escolas nos
Estados Unidos e em outras sociedades desenvolvidas. Uma
explicação comum tem sido a do déficit genético -- crianças
pobres de cor ou de base cultural lingüística minoritária têm
sido consideradas como inerentemente inferiores, intelectual e
moralmente, a crianças de classe média. Nos anos sessenta,
entre os educadores profissionais, as explicações de déficit
genético começaram a ser substituídas por explicações de
déficit cultural. A nutrição substituiu a natureza como a
principal razão para o fracasso escolar. Argumentava-se que
as crianças provenientes de grupos minoritários não obtinham
bons
resultados
porque
não
viviam
num
ambiente
cognitivamente estimulante (BEREITER & ENGELMAN 1966;
DEUTSCH et al. 1967; HESS & SHIPMAN 1965). Sua língua e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 435
estilo de vida eram intelectualmente empobrecidos. Elas eram
consideradas " culturalmente.
À medida que a antropologia da educação tornava-se um
campo independente, em meados dos anos sessenta, os
pesquisadores desta área iam ficando geralmente estarrecidos
com o etnocentrismo da explicação do déficit cultural. Ela não
é literalmente racista, como a explicação do déficit genético.
Porém parecia culturalmente preconceituosa. As crianças
pobres continuavam a ser caracterizadas ofensivamente não
só como carentes, mas também como corrompidas. A
explicação
do
déficit
cultural
parecia
especialmente
repreensível a muitos porque seu etnocentrismo estava
encoberto pela legitimidade de ciência social. Várias críticas
foram
apresentadas
(e.g.
BARATZ
&
BARATZ
1970;
VALENTINE 1968). Elas não receberam muita atenção na
comunidade de educadores profissionais, talvez porque a
explicação do déficit cultural era muito atraente, pois permitia
que os educadores, frustrados pelas dificuldades com crianças
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 436
provenientes
de
grupos
minoritários,
colocassem
a
responsabilidade pelo
No final dos anos sessenta, antropólogos de orientação
sociolingüística identificaram no interior da escola um fator
que desempenhava papel importante no baixo rendimento
escolar e no ânimo dos alunos provenientes de grupos
minoritários. Este fator consistia na diferença no estilo de
comunicação entre professores e seus alunos. Esta era uma
posição culturalmente relativista. Não colocava a culpa nem
nas crianças pobres nem no estafe escolar. Antes, fornecia um
modo de encarar as dificuldades de sala de aula como falhas
inadvertidas de compreensão-- professores e alunos lidando
mutuamente com seus "buracos negros" culturais.
Em meados dos anos setenta, a posição sociolingüística
começou a ser fortemente criticada por OGBU (1978a, 1982).
Ele identificava a causa do fracasso escolar fora da própria
escola. Injustiças no acesso a emprego, ele argumentava, ao
longo de muitas gerações, tornaram os grupos minoritários
cínicos a respeito de suas oportunidades de vida na sociedade
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 437
americana. Eles transmitem este cinismo às suas crianças e
isto colabora para o fracasso escolar destas.
Neste artigo revejo a posição de orientação sociolingüística e a
de OGBU. Vou caracterizar a posição sociolingüística como
"Explicação do processo comunicativo" e a posição de OGBU
como "Explicação da percepção do mercado de trabalho".
Discutirei ambas as posições em termos de um quadro
referencial mais abrangente, no qual as duas linhas de
explicação podem ser consideradas complementares em
alguns aspectos, ainda que contraditórias em outros.
Considerarei também a natureza do fracasso e sucesso
escolares. Fracasso escolar nesta discussão será usado em dois
sentidos. Refere-se as maneiras reflexivas com as quais a
escola "trabalha" para reprovar seus alunos e as formas como
os alunos "trabalham" para não obter rendimento na escola.
Sucesso escolar é usado num sentido igualmente reflexivo,
como algo que tanto a escola como alunos fazem. Vou
concluir, argumentando que, sejam quais forem as razões do
fracasso escolar nas escolas, é necessário que os educadores
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 438
transformem as práticas rotineiras e os sistemas simbólicos
em suas próprias escolas, bem como trabalhem para modificar
a sociedade mais ampla. Mudar a sociedade é um objetivo
muito vasto, mudar as sociedades escolares é também um
objetivo amplo, pois envolve uma reorientação nas lutas
diárias da prática escolar de um trabalho coletivo que visa ao
fracasso para um trabalho coletivo que visa ao sucesso.
1. Tese: A explicação do processo comunicativo
Esta posição enfatiza o papel dos estilos comunicativos
verbais e não-verbais, culturalmente adquiridos, na explicação
dos altos índices de fracasso escolar dos alunos de status
socioeconômico baixo e base étnica e cultural minoritária. O
argumento consiste em que, especialmente nas séries iniciais,
se os professores e alunos diferem nas expectativas implícitas
com
relação
ao
comportamento
apropriado,
eles
se
comportam de tal maneira que cada um deles comete falhas
de interpretação. Suas expectativas são derivadas das
experiências fora da escola, naquilo que os sociolingüistas
denominam comunidades de fala (GUMPERZ 1972) ou, mais
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 439
recentemente, redes de fala. As redes são conjuntos de pessoas
que se associam estreitamente e que passam a compartilhar
suposições comuns sobre os estilos e usos apropriados de
comunicação. Modos de falar (HYMES 1974) culturalmente
distintos diferem de uma rede de fala para outra. As
fronteiras entre redes tendem a correr paralelas as linhas das
principais divisões sociais nas modernas sociedades de massa,
tais como classe, raça, etnicidade e base de língua materna.
Assim, muitas pessoas nos Estados Unidos pertencem à
mesma comunidade de língua, (i.e., conhecem o sistema
sonoro, a gramática e o vocabulário do inglês), mas são
membros de diferentes redes de fala (i.e.mantêm diferentes
suposições sobre as formas de se comunicar que demonstram
intenções funcionais, tais como ironia, sinceridade, aprovação,
preocupação
positiva,
atenção
arrebatada,
desinteresse,
desaprovação, etc. Ademais, outras diferenças culturais sutis
existem de uma rede para outra _ diferenças nas expectativas
em relação a quanto de emoção pode ser manifestado ou
sentido,ou quanto controle social exercido. Há diferenças na
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 440
arrumação preferida de uma sala, nos ornamentos pessoais,
nos estilos de roupas. Entretanto,como são os aspectos verbais
e não verbais do estilo interacional que têm sido mais
intensivamente estudantes na antropologia.
Diferenças culturais nos modos de falar e de escutar entre a
rede de fala da criança e a do professor, de acordo com a
explicação do processo comunicativo, levam a sistemáticas e
recorrentes falhas de comunicação na sala de aula. (HYMES
1972:xix-xxv). Por exemplo, se uma criança vem de uma rede
de fala na qual as perguntas diretas são evitadas porque são
consideradas
intrometidas,
quando
o
professor
faz
rotineiramente perguntas diretas na sala de aula, a criança
pode ficar perplexa com o comportamento estranho do
professor e supor que ele está zangado. Se o professor vem de
uma rede de fala na qual espera-se que os ouvintes
demonstrem atenção por meio de contato direto de olhos e se
a criança vem de uma rede na qual é considerado impolido
olhar diretamente para o falante, o professor pode inferir que
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 441
a criança que o está escutando com o olhar desviado esteja
aborrecida, confusa ou zangada.
Na medida em que o comportamento de ambos os
participantes nestas interações rotineiras se reflete sobre a
situação, explicações culturais para o que está acontecendo
não ocorrem a eles. O professor tende a usar rótulos clínicos e
a atribuir traços internos ao aluno (ex. "desmotivado") em vez
de perceber o que está acontecendo em termos de diferenças
culturais
invisíveis.
Tampouco
o
professor
vê
o
comportamento do aluno como sendo interacionalmente
produzido - uma relação dialética na qual o professor está
produzindo,
juntamente
com
os
alunos,
o
próprio
comportamento que ele ou ela está considerando como
evidência de
uma característica individual
do aluno.
Considerando-se a diferença de poder entre professor e
estudantes, o que poderia ser visto como um fenômeno
interacional, para o qual tanto o professor quanto o aluno
contribuem, termina por ser institucionalizado como um
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 442
diagnóstico oficial da deficiência do aluno (MEHAN 1978,
1980, 1987.).
A explicação do processo de comunicação conta com
considerável
apoio
empírico.
Estudos
numerosos
têm
documentado dificuldade interacional na escola primária
relacionada a diferenças culturais no estilo de comunicação
(e.g., BARNHARDT 1982, ERICKSON & MOHATT 1982 e
PHILIPS 1982, que relatam estudos sobre índios americanos
no Alasca, Norte de Ontário e Oregon; e Heath 1983,
MICHAELS & COLLINS 1984; PIESTRUP 1973, que relatam
estudos sobre americanos negros urbanos e rurais). Além
desses, BARNHARDT & HEATH, entre outros, foram além da
documentação da existência de dificuldade relacionada com
diferenças culturais. Eles também afirmam que a pedagogia
culturalmente sensível resultou em melhor aproveitamento
escolar e ânimo mais elevado do que o aproveitamento e o
ânimo típicos entre os alunos índios e negros na maioria das
escolas americanas. Deve-se enfatizar, entretanto, que a
relação
entre
diferença
cultural
na
comunicação
e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 443
aproveitamento escolar real não está clara, pois a maioria das
pesquisas sobre diferenças culturais no estilo comunicativo
entre o lar e a escola não foi delineada para testar diretamente
uma relação de causa e efeito com aproveitamento escolar.
(Muitos etnógrafos argumentariam sem dúvida que tal
inferência não é possível em ciências sociais.).
Um conjunto de estudos (AU & MASON 1981) chegou o mais
perto possível da demonstração de uma conexão causal entre
os padrões de comunicação no discurso de sala de aula e
aproveitamento acadêmico. Este trabalho é parte de uma
pesquisa
e
esforços
de
aperfeiçoamento
no
Projeto
Kamehameha de Educação Elementar no Havaí (para
discussão, ver JORDAN 1985). Em experimentos controlados,
dois modos de ensino de leitura culturalmente distintos foram
realizados com havaianos nativos na primeira série. Numa
modalidade os alunos seguiram padrões anglos da cultura
dominante para a conduta de tomada de turno enquanto
discutiam estórias lidas. Estes padrões exigem que somente
uma criança fale de cada vez. Na outra modalidade permitia-
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 444
se aos alunos a sobreposição de turnos, isto é, que falassem
quando outros estavam falando. Isto permitia que os alunos
comentassem e desenvolvessem os comentários alheios. Fala
sobreposta desse tipo era característica de certas situações de
fala comuns na experiência dos alunos na vida da família e
comunidade, especialmente no evento denominado "conversa
sobre estórias”. A forma de ensinar que incorporava este
modo de falar pode ser considerada pedagogia culturalmente
sensível porque acomoda normas culturais comunitárias de
conversação.
Quando a conversa na aula de leitura era organizada na forma
de conversa sobre estórias, a participação dos alunos era
manifestamente
mais
entusiástica
do
que
quando
a
sobreposição de turnos de fala era proibida. Ademais, a
compreensão dos textos lidos, medida por testes aplicados
imediatamente após cada aula, foi marcadamente maior
quando o formato conversacional de conversa sobre estórias
foi usado pelos professores.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 445
Por que uma adaptação aparentemente tão simples, qual seja
a alteração da estrutura da mudança de turno na aula pode
melhorar o rendimento escolar de alunos provenientes de
grupos minoritários? Uma linha de explicação provém da
antropologia - a adaptação cultural pode reduzir o choque
cultural na sala de aula, permitindo que os alunos sintam-se
verbalmente competentes em modos de falar que lhes são
familiares, mesmo num ambiente estranho. Além disso, a
aceitação pela escola de maneiras de atuar que as crianças
usam numa modalidade de interação que é avaliada
positivamente em sua comunidade pode ser percebido
mesmo por crianças pequenas, em algum nível, como uma
afirmação simbólica delas próprias e de seu grupo pela escola.
Surge então a oportunidade de sentirem-se um pouco como
em casa, sentir que sabem o que estão fazendo e o que faz
sentido para os outros. Pode-se sentir assim que há segurança
na escola e que se é querido pela professora.
Outra linha de explicação vem da psicologia cognitiva e de
teorias de instrução de leitura cognitivamente orientadas.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 446
Usando-se uma organização conversacional familiar para
abordar a prática de conceitos e habilidades que não são
familiares (a leitura de um texto), a estrutura da tarefa
cognitiva como um todo se torna mais simples do que quando
tanto os aspectos organizacionais da tarefa quanto os aspectos
organizacionais do conteúdo acadêmico da tarefa não são
familiares. Desta forma os alunos podem concentrar o esforço
mental na leitura e não na leitura e na fala simultaneamente.
Além disso, a natureza da conversa sobre estórias, na qual os
participantes repetem e ampliam as idéias uns dos outros
torna apropriado o ambiente conversacional para o tipo de
leitura que está sendo solicitado das crianças - "compreensão"
de sentenças completas e até de unidades do discurso maiores
no texto escrito, o que contrasta com a "decodificação" de
unidades textuais menores, tais como as combinações
letra/som, morfemas e palavras. Quando os alunos falam
simultaneamente sobre o sentido da estória, ecoando uns aos
outros e acrescentando idéias na conversa tipo dagwood
sandwich de muitas camadas, podem, pela própria repetição e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 447
sobreposição de sua fala, fornecer mutuamente um apoio
cognitivo construído um para o outro. Esta forma de
conversação pode tornar mais fácil para os alunos captar a
idéia da estória do que se essas idéias fossem desfiadas um a
um, numa maneira mais linear com menos repetições.
Em suma, a explicação do processo comunicativo parece
razoável. É garantida pela teoria antropológica e psicológica e
por evidência empírica. Voltemo-nos agora para o que tem
sido apresentado como uma explicação competitiva para o
sucesso e o fracasso escolares.
2. Antítese: a explicação da percepção do mercado de trabalho
Esta posição, articulada por seu principal proponente, John
OGBU (1974, 1978a, 1982, 1987b) defende que a principal
razão para o baixo rendimento de muitos alunos provenientes
de minorias nos Estados Unidos é que esses alunos (bem
como seus pais e companheiros) estão convencidos de que o
sucesso escolar não vai ajudá-los a quebrar o ciclo de pobreza
que atribuem ao racismo endêmico na sociedade americana.
Tais alunos fazem parte do que OGBU chama de grupos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 448
minoritários que formam castas (e.g. negros, chicanos, portoriquenhos) que há gerações vivem nos Estados Unidos em
situação de opressão. Esses grupos distinguem-se de grupos
imigrantes minoritários que não têm sofrido opressão ao
longo de muitas gerações (punjabis e asiáticos do sudeste). Os
membros dos grupos minoritários que formam castas, de
acordo com OGBU, partilham uma perspectiva fatalista jamais haverá empregos (por causa do racismo), então por
que se esforçar para ter êxito na escola? OGBU considera os
membros de grupos minoritários imigrantes mais otimistas a
respeito de suas chances na sociedade americana. As coisas
podem ser ruins ali, mas não tão ruins como na velha pátria.
As pessoas de grupos imigrantes minoritários nos Estados
Unidos podem ainda estar comprometidas com sua herança
étnica, no entanto vêem os Estados Unidos com uma luz
basicamente positiva. Já que as condições nos Estados Unidos
são melhores que as condições extremamente negativas que
deixaram ao partir de seus países de origem, os imigrantes
vêem a América, apesar de suas deficiências, como sendo a
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 449
terra da oportunidade para eles. Em conseqüência os alunos
oriundos de minorias imigrantes e seus pais acreditam que o
esforço devotado ao sucesso escolar será recompensado com
um emprego futuro, Os alunos persistem em seu trabalho
escolar, encorajados por seus pais, e esta persistência explica
seu sucesso na escola.
A explicação do mercado de trabalho é bem fundamentada.
Em primeiro lugar, parece haver apoio empírico que a
sustenta. Dados demográficos sobre rendimento escolar em
comunidades
estudantes
desempenho
mistas
(OGBU
provenientes
inferior
de
àquele
1987b)
minorias
dos
indicam
que
domésticas
alunos
de
os
têm
minorias
imigrantes. De fato, alunos dessas minorias, que provêm de
grupos domésticos minoritários, em seu país de origem, em
alguns casos parecem ter melhor desempenho escolar nos
Estados Unidos que alunos nas mesmas condições no país de
origem.
Parece haver também evidência que vai além da pesquisa
formal. O recente e espetacular sucesso em escolas americanas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 450
de muitos alunos que foram refugiados do Sudeste Asiático
tem sido mencionado na imprensa e no debate político como
evidência que alunos culturalmente diferentes, cuja primeira
língua não é o inglês, podem ser bem sucedidos na escola sem
auxílio especial de programas educacionais bilíngües ou
multiculturais. Estudantes asiático-americanos representam
uma proporção sempre crescente da população graduada nas
universidades americanas. Isto também tem sido apontado
como
evidência
de
que
a
diferença
cultural
não
é
necessariamente uma barreira para o sucesso escolar.
A evidência demográfica apresentada por OGBU parece ter
sustentação em estudos etnográficos de caso de grupos
imigrantes
minoritários.
Por
exemplo,
um
estudo
de
imigrantes punjabis numa pequena cidade na Califórnia
(GIBSON 1987b) relata que, a despeito das diferenças
lingüísticas e culturais entre o lar e a escola, e do estigma
aberto que sofrem os alunos punjabis na escola secundária,
esses alunos tiveram notas mais altas, aferidas na formatura e
melhor desempenho acadêmico que os alunos provenientes
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 451
de minorias domésticas no mesmo sistema escolar. Estudos
análogos de caso foram conduzidos em outras comunidades
étnicas imigrantes.
A explicação do mercado de trabalho pode também ser
justificada por sua força teórica. É abrangente em seu alcance,
reunindo fenômenos em diversos níveis de organização social.
A análise de OGBU mostra como as condições de mercado de
trabalho podem ser relacionadas com as decisões locais de
indivíduos
na
vida
diária,
mediadas
por
percepções
socialmente partilhadas e derivadas da experiência de
membros de um grupo social que constitui um grupo
doméstico ou uma comunidade étnica minoritária imigrante.
A explicação relaciona a ação e o pensamento coletivos com a
situação de indivíduos no nível da escola e comunidade
locais, a sociedade mais ampla e a economia política.
Em suma, tanto no campo teórico como no empírico, parece
que a explicação da percepção do mercado de trabalho para o
fracasso escolar tem sustentação. Porém também o tem a
explicação do processo comunicativo. As duas posições não
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 452
são
mutuamente
exclusivas.
OGBU,
entretanto,
tem
repetidamente sustentado que elas o são, argumentando que a
explicação do mercado de trabalho é fator bem mais poderoso
(OGBU 1982). O autor distingue diferenças culturais primárias
de secundárias – que caracterizam, respectivamente, grupos
minoritários domésticos e imigrantes. Usando tal distinção,
argumenta que as diferenças entre redes de fala numa
sociedade de massa são tão tênues que chegam a ser triviais
(OGBU 1982, 1987b: 276). Esta posição parece ser muito
extremada. É necessário que reexaminemos as duas posições,
uma em relação à outra.
3. Síntese: a política e cultura do fracasso e sucesso escolar
Uma forma de se conciliarem as duas posições é considerar a
motivação e o rendimento escolares como um processo
político no qual questões de legitimidade institucional e
pessoal, identidade e interesse econômico são centrais. Para
fazer isto, temos que considerar também a natureza do
discurso
simbólico
por
meio
do
qual
questões
de
legitimidade, identidade e interesse são apreendidas e
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 453
entendidas pelos alunos e professores individualmente nas
comunidades locais e escolas. A teoria social relacionada à
teoria pedagógica – mais especificamente, implicações da
teoria da resistência _ fornece o quadro no qual as explicações
alternativas podem ser reconsideradas (ver GIROUX 1983; ver
também APPLE & WEISS 1983; EVERHART 1983). Inicio a
síntese com uma crítica negativa das duas posições como
originalmente enunciadas. Nessa crítica, algumas facetas da
teoria
da
resistência
serão
mencionadas.
Estas
serão
elaboradas mais tarde na discussão.
Tanto a explicação do processo comunicativo quanto a do
mercado de trabalho têm inadequações. O primeiro tipo de
inadequação envolve a falta de explicação para certos tipos de
sucesso escolar. Os tipos de sucesso escolar que deixam de ser
explicados diferem nas duas propostas. Vou considerar
primeiro a do processo comunicativo. Esta pode explicar o
sucesso de estratégias de ensino de alunos de castas
minoritárias que envolvem pedagogia culturalmente sensível.
Mas algumas estratégias que não envolvem a pedagogia
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 454
culturalmente sensível têm sido bem sucedidas - ou pelo
menos as que não envolvem o uso de estilos comunicativos
encontrados nos lares das crianças.
Podemos encontrar exemplos de ensino a alunos de minorias
domésticas (alunos de castas minoritárias, segundo OGBU)
nos quais os professores esforçam-se para que a interação em
sala de aula não se assemelhe aos padrões interativos
encontrados nas casas e comunidades dos alunos. Pode-se
pensar imediatamente nas escolas muçulmanas negras, nas
escolas paroquiais católicas romanas de professores brancos,
em escolas especiais não-sectárias, tal como a Marva
COLLINS em Chicago (na qual o currículo baseia-se na
literatura clássica da Europa ocidental) e em programas
especiais elaborados para populações minoritárias, tais como
as sessões de intenso exercício e prática conduzidas de acordo
com os scripts no modelo DISTAR para educação elementar.
Pensa-se também nos incontáveis casos de professores
individuais que são excepcionalmente eficientes com alunos
minoritários domésticos, mas que sabem muito pouco dos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 455
padrões culturais de comunicação das casas dos alunos e que
não lecionam fazendo uso desses padrões instrucionalmente.
Há casos, já discutidos, de estudantes imigrantes minoritários,
que
têm êxito na escola sem que sejam submetidos a
instrução bilíngüe especial ou a pedagogia culturalmente
sensível. Esses exemplos são muito distintos entre si. Num
determinado nível, contudo, em cada um deles os alunos são
despertados para o desafio, empreendem esforço, e parecem
estar
saindo-se
bem
academicamente,
em
termos
do
rendimento medido por testes padronizados. (O fato de que
tais testes podem ser criticados por serem uma forma muito
estreita e literal de se definir rendimento escolar é uma
questão que vai além do alcance deste artigo.). Como pode ser
possível esse êxito escolar se os processos instrucionais violam
as expectativas dos alunos em relação às normas e rotinas
comunicativas? A explicação do processo comunicativo, como
apresentado acima, não justifica o rendimento escolar exceto
aquele atribuído à pedagogia culturalmente sensível. Isto faz
da explicação do processo comunicativo, tomada literalmente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 456
ou lida de forma estreita, uma posição implicitamente
determinista em termos culturais, segundo a qual a diferença
cultural
é
vista
necessariamente
como
causadora
de
dificuldade e conflito e a semelhança cultural como
necessariamente garantia de boa relação e ausência de
conflito.
A explicação da percepção do mercado de trabalho dá conta
do rendimento escolar dos alunos de minorias imigrantes.
Não explica, porém o êxito dos alunos das minorias
domésticas, nem nos casos em que as condições desse êxito
envolvem a pedagogia culturalmente sensível nem nos
demais casos. Contudo, casos de êxito de alunos de minorias
domésticas e de seus professores ocorrem. Ainda que, na
maioria dos casos, os alunos dessas minorias não obtenham
taxas altas de rendimento escolar, muitas exceções ao padrão
geral podem ser encontradas, de modo a levantar sérias
questões sobre a adequação da explicação da percepção do
mercado de trabalho, da forma que vem sendo articulada.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 457
Este argumento apresenta duas fragilidades principais na
minha opinião. Primeiro e fundamentalmente, se tomado
literalmente e interpretado de maneira estreita, é um
argumento econômico determinista. Parece pressupor uma
teoria social estritamente funcionalista a maneira de COMTE e
DURKHEIM
ou
dos
últimos
escritos
de
MARX
ou
ALTHUSSER - uma visão orgânica ou mecânica da sociedade
na qual existem conexões causais intrincadas e invariantes
entre os subsistemas, de tal forma que a estrutura social geral
conduz as ações, percepções e sentimentos dos atores
específicos no cenário local da ação. Nesta visão, não há
espaço para a iniciativa humana.Tal teoria social, quando
aplicada a educação, implica que nem os alunos das minorias
domésticas nem os seus professores podem fazer qualquer
coisa positiva no campo educacional.
A segunda fragilidade na explicação do mercado de trabalho é
menos fundamental, mas igualmente séria. Tem a ver com a
validade empírica do trabalho. A própria abrangência do
argumento causal, ainda que seja satisfatória teoricamente,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 458
torna o argumento muito frágil em nível empírico. Nos
modelos que OGBU tem publicado há referência a relações
causais entre níveis do sistema. Tais relações causais, porém,
são
meramente
mencionadas,
nunca
demonstradas
diretamente. Nos casos em que evidência quantitativa
empírica relaciona-se às asserções esta é inteiramente
correlacional e evidência correlacional não pode demonstrar
causa. Nos casos em que evidência etnográfica empírica é
apresentada, como nos estudos de caso de alunos de minorias
imigrantes com alto rendimento escolar, não se demonstram
também relações causais. Ademais, estes estudos de caso não
nos revelam como estes alunos de minorias imigrantes se
sairiam
em
ambientes
escolares
culturalmente
menos
estranhos do que os que eles encontram nos Estados Unidos.
É possível que os estudantes de minorias imigrantes tivessem
ainda melhor desempenho do que já têm, se fossem educados
em ambiente de aprendizagem culturalmente sensível.
Parece necessário considerar-se a natureza do sucesso e
fracasso escolares de pontos de vista não diretamente cobertos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 459
por qualquer das explicações alternativas como eu as
apresentei sumariamente. Falar de sucesso ou fracasso escolar
é falar de aprendizagem ou falta de aprendizagem daquilo
que é deliberadamente ensinado na escola. A aprendizagem é
ubíqua na experiência humana ao longo do ciclo vital e os
humanos são muito bons nisso. Eles também são bons para
desenvolver aprendizagem através de instrução deliberada.
Entretanto
nas
escolas
a
aprendizagem
do
que
é
deliberadamente ensinado parece ser um problema e é
diferentemente distribuída de acordo com classe, raça,
etnicidade e base lingüística.
Os alunos na escola, como os outros seres humanos,
aprendem constantemente. Quando dizemos que eles "não
estão aprendendo" o que queremos dizer é que eles não estão
aprendendo o que as autoridades escolares, professores e
administradores querem que eles aprendam como resultado
da
instrução
intencional.
O
aprendizado
do
que
é
deliberadamente ensinado pode ser encarado como uma
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 460
forma de assentimento político. A não-aprendizagem, como
uma forma de resistência política.
O assentimento ao exercício da autoridade envolve a
confiança de que este exercício será benigno. Isto envolve um
salto de fé - confiança na legitimidade da autoridade e nas
boas intenções daqueles que a exercem, confiança em que a
própria identidade da pessoa será mantida positivamente em
relação à autoridade, e confiança de que os próprios interesses
da pessoa serão atendidos com o exercício da autoridade. Ao
dar este salto de fé, o indivíduo enfrenta risco. Se não
houvesse risco, a confiança seria desnecessária. (Devo
observar a esta altura que não pretendo nesta discussão
afirmar que as escolhas existenciais que fazemos são feitas
necessariamente ao nível da consciência refletida. Elas podem
ser feitas intuitivamente. Mas de uma forma ou de outra, um
sentido de confiança implica um sentido de risco).
Em pedagogia é essencial que professor e alunos estabeleçam
e mantenham confiança mútua no limiar do risco (HOWARD
van NESS, comunicação pessoal). Aprender é correr risco,
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 461
pois a aprendizagem envolve ir além do nível de competência
já dominado até a região mais próxima de incompetência que
ainda não se domina. À medida que a aprendizagem ocorre, o
limite frontal da região de incompetência está continuamente
movendo-se. Uma analogia útil é de um surfista - quando está
aprendendo a surfar, ele tem de inclinar-se para frente numa
relação com a crista da onda que está em permanente
mudança. Na interação professor/aprendiz, este se coloca no
limite frontal da incompetência e é puxado para frente com a
assistência do professor e/ou de outros alunos.VYGOTSKY
(1978:84-91) refere-se a isto como a “zona de desenvolvimento
proximal" - aquela região na qual o aprendiz pode funcionar
com o auxílio de outro parceiro mais competente. À medida
que o limite inferior da competência do aprendiz se eleva
(aquele nível em que ele pode funcionar sem assistência)
também se eleva o limite superior (o nível além do qual o
aluno não pode funcionar efetivamente mesmo com a ajuda
de um professor). Assim vemos a zona de desenvolvimento
proximal em constante movimento ascensional. Porém, no
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 462
momento em que ocorre nova aprendizagem com o professor,
o estudante novamente se envolve em risco, pois entra de
novo na zona na qual não pode funcionar com êxito sozinho.
Se o professor não for confiável, o aluno não poderá contar
com o seu efetivo auxílio; há então um alto risco de revelar-se
(a si próprio e aos outros) como incompetente. Existe risco
também para o professor. Se este se envolve com o aluno com
a genuína intenção de desenvolver-lhe a aprendizagem, e o
aluno deixa de aprender, o que o professor pretendeu ensinarlhe, este se revela, na melhor das hipóteses, como
pedagogicamente incompetente.
O risco é interessante, contudo perigoso. Tanto para o aluno
quanto para o professor, o risco, na forma de uma ameaça
potencial a identidade social positiva, parece inerente ao
processo
de
aprendizagem.
Conseqüentemente,
a
legitimidade da escola e dos professores, afirmada no nível
existencial pela confiança que se lhes depositam os alunos, é
essencial ao êxito da instrução deliberada. O sucesso escolar
deve ser atingido pelo estafe da escola bem como pelos alunos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 463
num processo de retórica política por meio do qual os
subordinados na instituição são persuadidos a assentir na
autoridade de seus superiores.
Legitimidade, confiança e interesse são fenômenos tanto
institucionais
quanto
existenciais.
Como
fenômenos
institucionais, localizam-se na estrutura social e nos padrões
de relações de papel que recorrem em longos intervalos de
tempo e são diferentemente alocados de acordo com o acesso
ao capital monetário e cultural. Mas legitimidade, confiança e
interesse são também fenômenos existenciais e emergentes,
continuamente negociados no âmbito das circunstâncias
íntimas e da escala de curto tempo dos encontros diários entre
professores, alunos e pais. A legitimidade institucional da
escola afirma-se existencialmente na forma de confiança nos
encontros face a face entre o estafe escolar e os alunos e seus
pais.
As injustiças do mercado de trabalho, da forma como são
percebidas pelos membros de uma comunidade minoritária
doméstica, e a interação conflitiva entre professor e aluno, que
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 464
deriva em parte de estilos comunicativos culturalmente
distintos, ambos podem ser percebidos como impedimentos à
confiança
que
constitui
uma
fundação
existencial
da
legitimidade da escola. É apropriado, portanto, olhar para
fora da escola, para a comunidade local e a ordem social mais
abrangente, bem como para dentro da escola, para a interação
da sala de aula, a fim de identificar-se as raízes do fracasso ou
sucesso
educacionais,
confiança
ou
desconfiança,
assentimento ou dissentimento.
Desejo agora alterar a discussão prévia da explicação do
processo
comunicativo.
Podemos
aplicar
a
noção
de
resistência _ suspensão do assentimento - ao desenvolvimento
progressivo que ocorre entre professores e alguns alunos de
minoria doméstica. Ao considerar as relações entre as culturas
de grupos minoritários e a resistência dos alunos em
ambientes de aprendizagem interculturais, podemos fazer
uma distinção bastante útil. Trata-se da distinção entre
fronteiras culturais e barreiras culturais.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 465
Fronteiras culturais podem ser consideradas como evidência
comportamental de padrões distintos de comportamentos
apropriados _ por exemplo, duas maneiras subculturalmente
distintas de se pronunciar consoantes finais. Fronteiras _ a
presença manifesta de diferenças culturais - são fenômenos
politicamente neutros; nenhuma diferença em direitos e
obrigações é atribuída a pessoas que se comportam de um ou
de outro modo culturalmente distinto. Em situações de
conflito intergrupal, entretanto, fronteiras culturais podem ser
tratadas como barreiras culturais, isto é, os traços de
diferenças de cultura deixam de ser fenômenos politicamente
neutros; direitos e obrigações são distribuídos diferentemente,
dependendo de a pessoa revelar-se como portadora de um
tipo de conhecimento cultural e não de outro.
Grupos diferentes com diferentes interesses em questão
podem
tratar
politicamente
a
existência
de
itens
comportamentalmente similares como oportunidades para
ação de fronteira cultural ou de barreira cultural. Isto ficou
dramaticamente aparente em minhas próprias primeiras
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 466
pesquisas sobre diferenças culturais, étnicas e raciais, no estilo
de comunicação dos Estados Unidos (ERICKSON 1975;
ERICKSON & SHULTZ 1982). Em análise detalhada de
entrevistas filmadas entre conselheiros universitários ou
entrevistadores para emprego e alunos ou candidatos a
emprego, ficou claro que algumas vezes diferenças culturais
sutis fazem um grande diferença para o bom relacionamento e
a compreensão; outras vezes diferenças culturais não parecem
prejudicar nem o bom relacionamento nem a compreensão.
Na ausência de motivação especial positiva para se
comunicar, a diferença cultural aparentemente não tornou a
interação difícil. Mas este nem sempre foi o caso, e variou de
ocasião para ocasião para o mesmo indivíduo. A distinção
entre fronteiras e barreiras culturais permite que se considere
significante a diferença cultural nas relações intergrupais sem
que se caia na armadilha de um argumento cultural
determinista. Como BEKKER e eu observamos recentemente,
“diferenças culturais podem ser consideradas como um fator
de risco na experiência escolar de alunos e professores; elas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 467
não
têm
necessariamente
freqüentemente
fornecem
de
causar
problemas,
as
oportunidades
para
mas
os
problemas… estas oportunidades podem servir de fomento
para a escalada do conflito que pode já existir por outras
razões, tais como conflito entre grupos sociais, sexos ou raças”
(ERICKSON & BEKKER 1986:175, 177).
Para se compreender este argumento bastante abstrato mais
completamente, voltemo-nos para um exemplo de pesquisa
em sala de aula feita por PIESTRUP (1973). Ela estudou salas
desagregadas
de
primeira
série
nas
quais
crianças
predominantemente negras e de classe operária estudavam
juntamente com crianças predominantemente brancas e de
classe média. Veremos primeiramente um único momento no
ano escolar: uma aula de leitura. Em seguida vamos
considerar o que PIESTRUP relata como padrões de
resistência que se desenvolveram ao longo do curso de todo o
ano.
Podemos considerar um exemplo do estudo de PIESTRUP
com as crianças negras de classe operárias e crianças branca
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 468
de classe média e seus professores. Neste exemplo, de uma
aula de leitura do primeiro ano, todas as crianças são negras.
(CC na transcrição significa crianças lendo alto em coro):
1 T:
All right, class, read that and remember your
endings.
Certo, turma, leia e lembre seus finais.
2 CC:
"What did Little Duck see?" (final t of "what"
deleted)
“O que o pequeno pato viu?” (final de “what” com t
omitido.
3 T:
What.
O que
4 CC:
What (final t deleted, as in turn 2)
O que (final t omitido, como no turno 2).
5 T:
I still don't hear this sad little "t"
Eu ainda não ouço este pequeno e triste “t”.
6 CC:
"What did - What did - What (final t's deleted)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 469
O que-O que-O que – (final “t” é omitido)
7 T:
What
O que
8 T&CC: "What did Little Duck see? " (final t spoken)
O que o pequeno pato viu? (final t é pronunciado)
9 T:
OK, very good.
Ok, muito bom.
Ao dizer "what" (linha 3) dando ênfase especial ao /t/ final a
professora adotou uma correção a meio curso a fim de
enfatizar e corrigir um detalhe específico da performance oral.
Ao fazer isto, a professora abandonou o objetivo da pergunta
inicial, que focalizava o conteúdo geral do enunciado que
estava sendo lido. Implementar a pronúncia do inglês padrão
na leitura em voz alta é um objetivo pedagógico; implementar
a compreensão do texto que estava sendo lido é outro objetivo
pedagógico. O que afinal o Litle Duck (pequeno pato) viu?
Não sabemos. Se a transcrição continuasse poderíamos
confirmar ou não se o ponto de compreensão perdeu-se
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 470
inteiramente quando a professora continuou depois de ter
desviado os alunos em função de seu estilo de pronúncia não
padrão.
A ênfase da professora no /t/ final não é necessária em termos
do objetivo do ensino da compreensão. Podemos inferir que
isso não foi apenas um problema de simples dificuldade de
comunicação _ a professora não compreendendo as respostas
das crianças. Podemos inferir que ela ouviu as crianças
dizendo "wha" (nos turnos 2 e 4) como equivalente a "what",
com o /t/ final pronunciado. Antes, podemos ver isto como
uma lição deliberada de pronúncia (no turno 1 a professora
dissera “...e lembre de seus finais”). Com isso chamava a
atenção para o estilo cultural de comunicação das crianças
negras e o fazia de forma negativa.
Este trabalho de barreira cultural _ tornar o estilo cultural
comunicativo um fenômeno negativo em sala de aula _ parece
ter
estimulado
a
resistência
dos
alunos
manifestada
lingüisticamente. Em algumas das classes a professora era
branca, em outras era negra. PIESTRUP monitorou o estilo de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 471
fala das crianças negras de classe operária durante todo o ano
escolar. Nas classes onde o/a professor/a, fosse negro ou
branco, sancionava negativamente o uso pelas crianças do
vernáculo inglês negro, ao final do ano as crianças falavam
uma forma mais exagerada desse dialeto do que o faziam no
começo do ano. O oposto ocorreu nas classes em que o/a
professor/a
fosse
negro
ou
branco,
não
sancionava
negativamente o vernáculo inglês negro falado pelos alunos
negros. Nessas classes, ao final do ano, as crianças negras
estavam usando em sala de aula modos de falar
mais
aproximados do inglês padrão do que seus modos de falar no
começo do ano. Consideremos as implicações disso. O
desempenho oral culturalmente distintivo das crianças negras
de classe operária estava inicialmente presente em ambos os
tipos de classes. Neste último tipo de classe, o estilo de fala
dos alunos não se tornou um pretexto para estigma e
resistência. No primeiro tipo de classe, entretanto, o uso do
vernáculo inglês negro tornou-se uma ocasião para um
estigmatizante trabalho de barreira para professores e de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 472
resistência para as crianças. Tendo ocorrido isto, à medida que
o ano corria, o estilo de fala das crianças tornou-se mais e
mais diferente do estilo dos professores. Isto significava que a
diferença cultural estava crescendo numa situação de contato
transcultural. Este é um exemplo de um fenômeno mais geral
- progressiva diferenciação cultural ao longo do tempo como
meio de distanciamento simbólico entre grupos competidores
que são subsistemas de um sistema maior. Este fenômeno foi
denominado desavença complementar por BATESON (1975),
que o viu como um processo básico de mudança cultural.
Ao complementar a explicação de processo de comunicação
sociolingüístico para o fracasso escolar e ao considerar o caso
de uma aula de leitura podemos ver que a diferença cultural
pode, por um conjunto de razões, ser uma fonte inicial de
dificuldade entre professores e alunos. Mas aparentemente a
estória não termina aí. O que pode ter começado como uma
simples falha de interpretação da intenção e do significado
literal pode desenvolver-se ao longo do tempo em conflito
enraizado e emocionalmente intenso entre professor e alunos.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 473
O ciclo pode repetir-se de ano para ano durante a escola
primária.
Professores e alunos em tais relações regressivas não
estabelecem vínculos uns com os outros. A confiança mútua é
sacrificada. Com o passar do tempo os alunos tornam-se
crescentemente alienados da escola. Já não é uma questão de
diferença entre professor e aluno que deriva das tradições
comunicativas transmitidas inter-geracionalmente. É também
uma questão de invenção cultural como um meio de
resistência numa situação de conflito político. À medida que
os alunos se tornam mais velhos e experimentam fracassos
repetidos e repetidos encontros negativos com professores,
desenvolvem padrões culturais oposicionais como um
símbolo de sua desafiliação daquilo que eles percebem (não
necessariamente com plena consciência reflexiva) como um
sistema ilegítimo e opressivo. Quanto mais alienados tornamse os alunos, tanto menos persistem no trabalho escolar.
Assim declinam mais e mais no rendimento acadêmico. O
aluno ou se torna ativamente resistente - visto como saliente
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 474
ou incorrigível - ou passivamente resistente - obscurecido
num quadro como um bem comportado e anônimo aluno de
baixo rendimento. BEKKER e eu observamos:
Por que deveria ser ofensa passível de punição um jovem
negro numa escola secundária urbana americana usar uma
jaqueta de couro preta no hall da escola?… Se um diretor
pode suspender um adolescente por usar um casaco de couro,
algum tipo de processo interacional de avaliação está
ocorrendo no qual julgamentos da identidade social mudam
em direções negativas. Se os alunos estão se vestindo dessa
forma, então talvez o problema não seja simplesmente uma
questão de padrões culturais que não se ajustam. Antes,
parece que uma luta está em curso - luta que é mutuamente
construída por professores e alunos que, à medida que o
conflito aumenta e sua tolerância mútua decresce, encerramse em relações sociais regressivas para as quais todos os
componentes no sistema social local contribuem como em
sistemas de interação patológicos em famílias. MCDERMOTT
& TYLBOR (1983) usam o termo cooperação fraudulenta
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 475
quando descrevem este ciclo de conflito progressivamente
intenso. (ERICKSON & BEKKER 1986:177)
Algumas das pesquisas recentes de OGBU sugerem que
quando os alunos negros americanos chegam à idade da
escola secundária, a diferenciação cultural por meio da
resistência já se desenvolveu a um ponto que uma aguda
distinção se estabelece entre "comportar-se como negro" e
"comportar-se como branco". A definição política da instrução
escolar como legítima ou ilegítima encerra-se nesta oposição
simbólica.
Em um capítulo recente, OGBU notou este fenômeno, citando
DEVOS (1982) no desenvolvimento da identidade oposicional
pó estudantes minoritariamente domésticos. OGBU observa
que:
Estudantes minoritários que adotam o estilo da escola na comunicação,
interação, ou aprendizagem, podem ser acusados de “agir como brancos”. Até
um problema maior é o que estudantes de castas minoritárias podem definir
esforço acadêmico ou sucesso como uma parte de uma moldura cultural
branca de referência ou forma branca de comportamento. (1987b: 268)
OGBU se refere aqui à pesquisa de Signithia FORDHAM
(FORDHAM & OGBU 1986). Suas descobertas descritas no
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 476
Rádio Público Nacional (“Todas as coisas consideradas”, 12
de junho de 1987). Phyllis CROCKETT, um repórter do Rádio
Público Nacional, entrevistou duas adolescentes negras de
ensino médio:
Repórter: Estudantes (de ensino médio) negras que passam
boa parte do tempo estudando e que falam um inglês
avançado podem ser acusados de agir como brancos... Este
estudante, nós iremos chamá-lo de Eric, estuda em uma escola
do centro de Washington, D.C.
Eric: As pessoas têm medo de mostrar que elas podem falar o
inglês gramaticalmente correto. Quando eu o faço, meus
amigos de minha vizinhança dizem “seu nerd!” ou “Fale
inglês! Fale conosco na língua em que falamos com você.”
Repórter: Estudantes de ensino médio, como esta estudante
que nós chamaremos de Paula, que estuda em cursos
preparatórios para a faculdade, às vezes é chamada de
“oreos” – como o biscoito, preto por fora e branco por dentro.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 477
Paula: Tenho sido eu mesma chamada de oreo porque sendo
negra como sou, e brilhante, todos acham que sou muito
correta e falo como branca....e as pessoas implicam comigo.
Note que os amigos de Eric e Paula focam em seus estilos de
fala como distintivos de identificação do grupo. Dois pontos
são relevantes aqui – os detalhes dos julgamentos culturais
envolvidos e o processo de identidade oposicional que é
revelado. Conforme evidenciado pelo seu discurso gravado
pelo repórter da Rádio Pública Nacional, Eric e Paula não
falam, de fato, inglês completamente avançado. Sua gramática
é avançada, mas na pronúncia, em tom e em tonicidade
padrões, e na escolha de palavras. (por exemplo, Paula usa
um termo desnecessário, eu mesma), o discurso de Eric e
Paula é característico de um não-avançado inglês negro.
Portanto, a atenção de Eric e Paula está gerando um grande
problema de pequena divergência da norma cultural.
Pequenas nuances de performance cultural estão sendo vistas
como salientes, não como largas diferenças culturais, como as
existentes
entre
estudantes
imigrantes
e
estudantes
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 478
americanos. Estas são diferenças culturais secundarias, de
acordo com a taxonomia de OGBU (1982). As diferenças
culturais são pequenas, mas não são triviais como OGBU
afirmou (1987b) porque elas não estão sendo tratadas como
triviais pelos atores. Pelo contrário, os amigos de Eric e Paula
parecem estar tratando diferenças culturais como um símbolo
político poderoso.
Os amigos dos estudantes de ensino médio usam fortes
sanções para forçar um avanço do nível cultural que simboliza
ser membro do grupo. Isto é trabalho de manutenção de
limite. É interessante que os estudantes não invocam a
injustiça do mercado de trabalho. Eles não dizem: “Você não
consegue um emprego na América branca”. Em vez disso,
suas mensagens são muito mais indiretas. Seu foco imediato
está na manutenção da identidade oposicional dentro da vida
diária dentro da escola.
No exemplo de Eric e Paula, a veemência do exercício de
sanção e o foco em importâncias pouco notáveis de distinção
cultural lembram o exemplo de sala de aula anterior no qual o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 479
professor fez de uma consoante final um grande dilema
(“What did Little Duck see?” “O que o pequeno pato vê?”). O
professor de primeira série estava forçando em aula crianças
negras a falarem um bom nível de inglês. Na visão invertida
de um espelho, os amigos de turma adolescentes e negros de
Eric e Paula os estavam forçando a falar um inglês de um
nível não muito bom. Definição de identidade está presente
nos dois casos. É a voz e o foco de autoridade e definição que
mudaram, da voz do professor como um indivíduo oficial
institucional fazendo um trabalho de limite de cultura branca
às
vozes
dos
alunos
fazendo
coletivamente
e
institucionalmente ilegítimo trabalho de limite de cultura
negra. Nos dois exemplos a performance cultural do discurso
entre parceiros se torna um símbolo médio dentro do qual um
estudante é forcado e escolher os lados entre “nós” e “eles”.
A situação contada pelos estudantes Americanos negros é
remanescente da resistência ao alcance escolar entre meninos
de ensino médio ingleses, conforme diz Willis (1977). Também
é remanescente a especulação de SCOLLON & SCOLLON
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 480
(1981) que muitos alunos de escolas nativas americanas nas
vilas de Koyukon Athabascan do interior do Alasca associam
o letramento à traição da identidade étnica. Como os
estudantes vêem tantos membros da comunidade não
letrados (inclusive seus pais), aprender a ler e escrever
fluentemente poderia parecer metaforicamente estar deixando
a comunidade e não ser mais um Koyukon.
Resumindo, padrões consistentes de recusa de aprendizagem
na escola podem ser vistos como uma forma de resistência a
uma identidade étnica ou de classe social estigmatizada que
esta sendo atribuída pela escola. Os alunos podem recusar-se
a aceitar essa identidade negativa, recusando-se a aprender.
Entretanto a sensibilidade e a saliência da identidade étnica
estigmatizada entre adolescentes que são membros de grupos
domésticos minoritários (e de identidade de classe baixa mais
genericamente)
não
é
um
fenômeno
que
deriva
exclusivamente do interior de uma escola. As experiências dos
alunos na escola podem contribuir para sua necessidade de
resistir a aceitação de uma identidade estigmatizada, mas as
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 481
fontes de tal identidade estão em parte fora da escola, nas
condições de acesso ao mercado de trabalho e nas suposições
gerais que os membros não estigmatizados da sociedade têm
em relação aos grupos estigmatizados.
É por isso que, dentro da perspectiva da teoria da resistência,
as explicações do processo comunicativo e do mercado de
trabalho para o fracasso escolar podem ser vistos como
complementares. É importante que se levem em conta as
influências externas à experiência escolar imediata de alunos e
professores, inclusive as oportunidades no mercado de
trabalho da forma como são percebidas pelos pais e outros
membros a comunidade minoritária , especialmente entre os
alunos mais velhos para quem as questões de um emprego
futuro tornam-se mais e mais salientes.Mas é também
importante que se considere a experiência escolar imediata de
alunos e professores, inclusive os estilos de comunicação
culturalmente distintos, especialmente quando as crianças
mais novas encontram a escola inicialmente nas primeiras
séries e continuam pela escola secundária. A percepção do
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 482
mercado de trabalho e a diferença de estilo cultural parecem
estar ambas envolvidas no desenvolvimento de uma
identidade
oposicional
pelos
estudantes
das
minorias
domésticas na escola.
Eu argumentei neste texto que tanto a explicação da
percepção do mercado de trabalho quanto a do processo
comunicativo tem sérias limitações. Cada uma delas pode ser
vista ao menos como implicitamente determinista, deixando
pouco espaço para a ação humana. Cada uma delas tem
dificuldade para dar conta de certos tipos de sucesso escolar.
É, portanto apropriado acrescentar uma coda que considere
algumas das razões por que o sucesso escolar pode ocorrer
com populações de alunos para quem tal sucesso parece
demograficamente improvável. Digamos que desejamos
tentar transformar a luta da escola de um trabalho voltado
para o fracasso para algo mais produtivo. Por onde então
deveríamos começar?
4. Coda
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 483
Se a educação for não mais que um epifenômeno ligado
diretamente às exigências de uma economia, então pouco
pode ser feito no âmbito da própria educação. Ela é uma
instituição totalmente determinada. Entretanto, se as escolas
(e as pessoas) não forem espelhos passivos de uma economia
mas, ao contrário, agentes ativos nos processos de reprodução
e contestação das relações sociais dominantes, então a
compreensão do que eles fazem e a ação sobre eles tornam-se
importantes. Pois,se as escolas são parte de um "terreno
contestado" ,…então a luta dura e contínua do dia a dia ao
nível do currículo e prática de ensino é parte desses conflitos
mais amplos também Uma chave está ligando estas lutas do
dia a dia no interior da escola à outra ação para uma
sociedade mais progressiva numa arena mais ampla. (APPLE
& WEISS 1983:22)
Como um educador, não posso aceitar a premissa que não há
nada que nos possamos fazer para melhorar a situação
educacional da minoria dos estudantes domésticos dos
Estados Unidos. Eu não desejo simplesmente esperar por uma
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 484
revolução na sociedade em geral. Como APPLE & WEISS
apontaram, existem progressivas escolhas que as pessoas
podem fazer em suas circunstancias imediatas enquanto elas
trabalham também por uma mudança social na ampla
sociedade. A tarefa não é apenas analisar as condições
estruturais pela qual a injustiça é reproduzida na sociedade,
mas buscar em todos os lugares possibilidades na luta por
transformação progressiva onde elas possam estar.
A escola é uma das arenas na qual pessoas podem trabalhar
para
mudar
as
existentes
distribuições
de
poder
e
conhecimento em nossa sociedade. Quando a prática da
escola é conduzida de acordo com o conselho convencional
existente, estudantes minoritários – especialmente estudantes
domésticos minoritários – geralmente não se dão bem. O
conselho convencional envolve a crença de que é parte da
hegemonia cultural das classes estabelecidas na sociedade. A
hegemonia se refere à onipresença e um status tido como
verdadeiro de uma cultura dominante dentro de uma
sociedade culturalmente plural e estratificada como os
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 485
Estados Unidos. Devido à onipresença da cultura dominante e
os planos institucionais que são consoantes com suas crenças,
não é necessário para grupos dominantes usar meios claros,
como forca nua, para manter suas posições de vantagem.
Como membros da sociedade, dominantes e subordinados
agem rotineiramente em concerto com as crenças culturais e
interesses do grupo dominante, relações de poder existentes
podem ser mantidas, como foi, por uma mão invisível. Este é
o elemento essencial da noção de hegemonia de Gramsci
(BLUCI-GLUCKSMANN
1982),
Através
da
influencia,
liderança, e pelo consentimento das massas, a dominação vem
aparecer como razoável.
Práticas
hegemônicas
são
ações
rotineiras
e
crenças
infundadas que são consoantes com o sistema cultural de
significado e ontologia dentro dos quais faz sentido ter certas
ações, totalmente sem intenção malevolente, que apesar deste
fato limita sistematicamente as chances da vida dos membros
de grupos estigmatizados. Não fosse pela regularização das
práticas hegemônicas, a resistência pelos estigmatizados não
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 486
seria necessária. Não fosse pela capacidade do estabelecido
julgar as praticas hegemônicas como razoáveis e justas, a
resistência seria mais clara. A resistência poderia ser
informada por uma explicita análise social que desmascarasse
as práticas opressivas. Já atualmente nem o opressor nem o
oprimido encaram exatamente o caráter de sua situação, a
resistência é freqüentemente não desenvolvida como a
opressão não é deliberadamente intencionada.
As práticas hegemônicas não são somente ramificadas através
da sociedade e na comunidade local fora da escola, como
também estão vivas dentro da sala de aula. Elas permeiam e
molduram a experiência escolar dos estudantes que são
membros de grupos sociais estigmatizados. Estas práticas são
praticadas por atores sociais particulares. Dominação e
alienação dos oprimidos não acontece simplesmente por
trabalhos anônimos das forcas estruturais sociais. Pessoas
fazem isso. É o resultado da escolha (não necessariamente
deliberada) cooperar com as definições ideológicas reinantes
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 487
do que os estudantes minoritários são, o que o currículo é, o
que o bom ensino é.
Se as práticas hegemônicas são o resultado de uma escolha
humana, elas não são inevitáveis. Indivíduos particulares
podem examinar as opções animadas pela convencional
experiência da prática. Eles podem decidir quais aspectos da
experiência prática adotar e quais rejeitar, criando ambientes
de aprendizagem que não somente não estigmatizam
estudantes minoritários, mas os estimulam a alcançar
objetivos.
Reconsidere o que a professora de PIESTRUP fez na lição de
leitura. Ela insistiu que as crianças pronunciassem o final /t/
na palavra “What” (O que), quando lia a frase, “O que o
pequeno pato viu?”. Isto pode ser visto como uma instância
da prática hegemônica (James COLLINS, comunicação
pessoal). O que isso faz para que o exercício do professor de
uma opção pedagógica particular em um certo ponto da lição
é consoante com uma teoria amplamente utilizada ou filosofia
de instrução de leitura. De acordo com uma visão bem
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 488
estabelecida de bom ensino de leitura, repetição em uma
isolada subcategoria, como reconhecimento e pronunciação de
um
/t/
final,
e
mestrado
nesta
subcategoria
deve
necessariamente preceder movendo o mestrado o tão
chamado mais alta ordem de habilidade de compreensão.
De acordo com outra visão bem estabelecida, a compreensão
próxima
da
“linguagem
inteira”
ou
“experiência
em
linguagem” de unidades semânticas mais largas no discurso
escrito
toma
procedência
nas
repetições
isoladas
em
subcategorias. A professora em seu exemplo não estava,
podemos inferir, deliberadamente escolhendo fazer saliente
de um modo negativo a pronuncia culturalmente padrão que
as crianças haviam aprendido em suas casas. Em vez disso, a
professora estava agindo com uma crença fortemente apoiada
sobre bom ensino de leitura. Envolvida na escolha de uma
estratégia pedagógica em vez de outra é a oportunidade de
fazer uma cultura com traços negativamente salientes ou não.
Se a professora enfatizou o significado do texto, focando no
que o pequeno pato viu, o estilo da pronúncia das crianças
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 489
não teria se tornado visível na interação da lição como uma
bagagem estigmatizante de identidade social e racial.
Nós poderíamos simplesmente escrever o exemplo da lição de
leitura como um em que o professor produziu contradição e
confusão cognitiva começando de um modo e depois partindo
para uma outra direção de instrução. Mas eu acho que o
exemplo mostra mais do que isso, já que a nova opção que
foi seguida – correção da pronúncia – fez saliente o estilo
cultural dos lares das crianças e avaliou negativamente aquele
estilo. Portanto nós não poderíamos somente dizer para esta
professora, “Seja consistente”. Nós gostaríamos que a
professora aprendesse a refletir em sua prática e dizer, “Quais
são as conseqüências de meu ser consistente em seguir um
padrão pedagógico em vez de outro?” Do ponto de vista de
uma pedagogia culturalmente sensível como informada pela
teoria de resistência, a professora............concluir que escolher
lutar e temporariamente vencer uma pequena batalha sobre a
pronúncia de uma consoante final é arriscar perder a guerra,
por começar um processo longo de conflito cultural de
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 490
controvérsia genética. O trato de confiança inerente ao
compromisso na batalha da pronúncia pode simplesmente
não ser válido na longa jornada.
Na cultura política da pedagogia nas primeiras series um
caminho para manter a confiança e ganhar a credibilidade do
aluno para aprender é adaptar instrução na direção do estilo
da comunicação cultural do lar do aluno. Nós vimos isto na
adaptação do padrão de turno de fala de conversação
havaiano, e nós consideramos uma estratégia hipotética para
evitar o conflito sobre a pronúncia das crianças negras
americanas enquanto liam em voz alta.
A pedagogia culturalmente sensível não é o único caminho
para estabelecer e manter a confiança e a legitimidade entre
professores e alunos, no entanto. Se crianças e seus pais
acreditam firmemente na legitimidade da equipe da escola e
nos conteúdos e nos padrões do programa escolar, como no
caso da escola muçulmana (ou no caso de alguns estudantes
imigrantes minoritários e seus pais como eles encontraram
uma escola pública americana arbitrária), então mesmo se o
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 491
estilo cultural da interação da sala de aula é muito
descontínua com a experiência da criança do início de sua
infância, eles podem bem aprender novos estilos culturais
sem começar uma reação de resistência e controvérsia
genética cultural. O mesmo poderia valer para os modelos de
“instrução direta” correntemente proposta. Se padrões
instrucionais são muito claros e resistentes (diferente da lição
de leitura sobre o pequeno pato), a professora acredita
firmemente no que ela está fazendo, e crianças e pais podem
reconhecer o estilo autoritário e não ambivalente do professor
como uma atenção sincera para a aprendizagem de crianças
minoritárias, então a criança pode confiar no professor e
aprender, mesmo que o estilo interativo de instrução viole as
normas da comunidade minoritária atentando o estilo de
comunicação apropriada.
Para concluir, as políticas de legitimidade, confiança, e
concordância parecem ser os fatores fundamentais no sucesso
escolar. Para estudantes de cultura minoritária, sejam
imigrantes ou domésticos, o papel da cultura e da diferença
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cultural varia em relação ao sucesso escolar. Em algumas
circunstâncias excepcionais, devido a alta motivação para o
sucesso na escola, a diferença cultural não parece prevenir
estudantes de persistirem e alcançarem objetivos. Um outro
padrão muito mais prevalente, eu argumentei, é para
diferenças culturais fazerem diferença negativa, (1) porque
eles contribuem para o desentendimento na comunicação nas
primeiras series e (2) porque estes problemas iniciais de
desentendimento na comunicação contribuíram para a
desconfiança dos alunos e resistência em séries posteriores.
Além do mais, é importante notar que para escolas públicas
típicas (distintas de escolas especiais com programas
alternativos), aparece que ao lidar com a maioria dos
estudantes minoritários domésticos, os trabalhadores da
escola não podem contar em serem percebidos como
altamente legítimos, nem podem contar com alta motivação
para aprender quando eles tentam ensinar em ambientes de
aprendizagem que são culturalmente alienados para os
alunos. Se a escola pública comum deve ser percebida como
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 493
legítima, a escola deve ganhar esta percepção por sua
comunidade minoritária local. Isto envolve um profundo
movimento na direção da prática diária e seu simbolismo, fora
da prática hegemônica e com uma prática transformadora. Na
ausência de um esforço especial da escola, a profunda
desconfiança em sua legitimidade cresce entre os alunos com
o passar dos anos e os recursos de resistência através do
desenvolvimento de identidade oposicional que a escola
providencia (na hegemonia cultural que está envolvida em
seus meios rotineiros para fazer tarefas diárias) cria um sério
acordo para a legitimidade percebida da escola. Por outro
lado, parece que estudantes imigrantes minoritários podem
tender
a
confiar
na
legitimidade
da
escola
como
correntemente existe e esperar se beneficiar participando do
mercado de trabalho americano.
A pedagogia culturalmente sensível é um tipo de empenho
especial da escola que pode reduzir desentendimento na
comunicação entre estudantes e professores, confiança, e
prevenir as gênesis de conflito que se movem rapidamente
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através de desentendimento intercultural para grandes
batalhas de identidade negativa trocada entre alguns
estudantes
e
seus
professores.
Na
luz
da
discussão
precedente, a pedagogia culturalmente sensível parece mais
apropriada e mais importante nas séries iniciais. Pode ser
especialmente
importante
para
estudantes
minoritários
domésticos e menos importante para a primeira geração de
estudantes imigrantes minoritários. É somente uma pequena
peca de um quebra cabeça, isto nos dá uma opção positiva
para educadores que desejam, através de uma pratica
reflexiva, aumentar as chances para um aprendizado pelos
seus alunos e melhorar seus próprios afazeres da vida
também. A pedagogia culturalmente sensível não é a solução
total. Ela pode, no entanto, ser vista como uma parte de uma
solução total que também inclui trabalho para transformar a
sociedade geral dentro da qual a escola tem seu lugar.
5. Notas
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Agradecimentos – Desejo agradecer Cathie Jordan, Evelyn
Jacob, Rosemary Henze, e Marge Murray por sugestões
editoriais. As contribuições de Howard van Ness e James
Collins são agredecimentos no próprio texto. Defeitos na
interpretação
apresentada
são
de
minha
própria
responsabilidade.
Admitidamente também é importante para o sucesso escolar
que os alunos aprendam, ou pelo menos pareçam concordar
com, o que é não deliberadamente ensinado (isto é, o
“currículo oculto”). O que me parece crucial para o sucesso
escolar é que estudantes pareçam concordar com o que os
trabalhadores da escola pensam que eles estão tentando
ensinar (isto é, o currículo acadêmico e habilidades sociais e
conhecimento que se manifestam).
A distinção entre aspectos institucionais e existenciais de
legitimidade, e a distinção e conexão entre os longos e curtos
termos padrões pelos quais podemos ver conexões entre
história geral e ordem social e específica, história concreta e
ordem social, é feito em um recente escrito de teoria social por
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GIDDENS (1984). Uma noção relatada na aproximação com a
historia intelectual dada por FOUCAULt (1979), e na teoria de
literatura de BAKHTIN (1981).
A distinção entre bordas culturais e limites foi feito
inicialmente por BARTH (1969), e tem sido elaborada em
termos de suas implicações para educação por MCDERMOTT
& GOSPODINOFF (1979) e por ERICKSON & BEKKER (1986).
O estudo de PIESTRUP é um estudo singular, para ser exato, e
alguns podem argumentar que muito peso não deve estar
sobre a linha de explicação dada por aqui. Mas o fenômeno
PIESTRUP reportado foi encontrado mais geralmente. O
fenômeno é o crescimento do estilo do discurso e a
diferenciação entre falantes através do tempo em situações de
conflito. Isto foi reportado em tempo mais curto e mais longo
de duração que um único ano escolar estudado por
PIESTRUP. GILES e POWESLAND (1975) mostraram que
classe social e estilos de dialetos regionais divergiram através
meia
hora
de
experimentalmente
conversas
induzido.
em
Ao
que
o
conflito
reportar
foi
pesquisa
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 497
naturalista, LABOV (1963) mostrou como, através de uma
geração, algumas características do dialeto dos imigrantes de
ilhas se tornaram progressivamente mais e mais distintas
daquelas de turistas que visitam a ilha no verão.
Para o significado da natureza coletiva das ações dos
estudantes, ver EVERHART 1983: 186-187.
Considerado nesta luz, GRAMSCI parece um antropólogo. Ele
pode ser visto como um apresentador da análise cultural da
plausibilidade da dominação.
Para profunda discussão, ver GIROUX 1983).
Poderíamos argumentar que tais batalhas de pronuncia
sempre fazem um mau sentido em instrução de escrita – claro,
que ler em voz alta por si só é desnecessário em lições de
leitura – mas estas são questões de dentro das discussões
deste artigo.
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