Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

Estado da arte dos critérios de noticiabilidade

Estado da arte dos Critérios de noticiabilidade. Trecho retirado da dissertação de mestrado, defendida em abril de 2017.

15 Os jornalistas têm “óculos” especiais a partir dos quais veem certas coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado. Bourdieu, 1997, p. 25. 1. JORNALISMO 1.1 Sistematização de critérios O número de pesquisas desenvolvidas em países da Europa e Estados Unidos sobre critérios de noticiabilidade ainda é reduzido. Se fizer um comparativo com relação a outras temáticas do jornalismo o resultado será mais alarmante. No Brasil, o número reduz em larga escala, pois são poucos pesquisadores interessados no assunto. Esta pesquisa não pretende mais uma vez elaborar uma lista de valores-notícia dos autores de referência mundial no assunto. Pretende-se promover uma discussão sobre as conceituações e classificações já desenvolvidas, pois é notável que muitas se assemelham nas classificações, apenas repetem a listagem, sem realizar um estudo sobre os critérios de noticiabilidade. O português Traquina (2008, p. 63) defende “Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia”. No Brasil a definição de noticiabilidade apresentada pela professora Gislene Silva ganhou visibilidade e tornou-se referência para pesquisas desenvolvidas no país. Devemos investigar a rede de critérios de noticiabilidade, compreendendo noticiabilidade (newsworthiness) como todo e qualquer fator potencialmente capaz de agir no processo da produção da notícia, desde características do fato, julgamentos pessoais do jornalista, cultura profissional da categoria, condições favorecedoras ou limitantes da empresa de mídia, qualidade do material (imagem e texto), relação com as fontes e com o público, fatores éticos e ainda circunstâncias históricas, políticas, econômicas e sociais (SILVA, 2014, p.52). 16 Percebe-se que Silva (2014) corrobora com a definição de noticiabilidade do italiano Wolf (2008, p.196) “A noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os aparatos de informação enfrentam a tarefa de escolher cotidianamente, de um número imprevisível e indefinido de acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias”. As três definições conduzem para uma compreensão de noticiabilidade a partir de uma visão ampla das diversas relações estabelecidas pelo jornalista: desde a empresa, a cultura jornalística, suas relações interpessoais, às suas subjetividades. Por ser um estudo complexo, primordialmente os conceitos de fato e de acontecimento serão retomados como base para o desenvolvimento de uma sistematização dos estudos de critérios. Embora, na maioria das vezes, fato e acontecimento sejam apontados como sinônimos, estes substantivos possuem definições diferentes. O estudo parte da premissa de que fato e acontecimento provocam a existência da notícia. As discussões sobre a concepção de fato são encontradas em diversos autores. Porém, Sponholz (2009) e Gomes (2009) apresentam definições com bons embasamentos. A primeira cita definições filosóficas “Fatos podem ser definidos tanto do ponto de vista ontológico, ou seja, daquilo que existe, como do ponto de vista epistemológico, daquilo que se conhece. A estas dimensões pode acrescentar-se ainda a dimensão comunicativa” (SPONHOLZ 2009, p. 57). O clássico Jornalismo, fatos e interesses do professor Wilson Gomes (2009, p. 30-31), apresenta definições de fato também a partir da filosofia. “[...] um complexo que inclui eventos envolvendo coisas, pessoas e textos” ou ainda “[...] um relevo de movimento isolado por intervalos de quietude”. Segundo Gomes (2009, p. 30) o fato tem como marcas características a atividade, a relação e a temporalidade. Atividade porque é consequência de uma ação. Relação entre coisas, conexão unitária de entidades. Temporalidade porque o fato é concebido como uma consequência, um efeito. As definições de Gomes (2009) mostram que o fato não é a ação, mas uma consequência dela, que estabelece relações, ligações em um dado tempo. A concepção de acontecimento também é apontada principalmente nas pesquisas de Rodrigues (1993) e posteriormente Sponholz (2009, p. 61) “[...] nem todo fato é um acontecimento [...]”. Para a autora, os conceitos de acontecimento e fato se igualam a partir da perspectiva ontológica, mas o acontecimento está situado em um tempo e um espaço, enquanto o fato é “algo no mundo”. Sponholz (2009) distingue e explica acontecimento 17 jornalístico como matéria-prima e produto do jornalismo. A autora ainda chama a atenção para as distinções entre acontecimento e notícia “[...] o acontecimento jornalístico é notícia, embora nem toda notícia seja um acontecimento jornalístico. Isto porque a maior parte dos acontecimentos que os jornalistas cobrem não são imprevisíveis nem rompem com alguma continuidade” (SPONHOLZ 2009, p. 62). A autora defende o acontecimento como o rompimento da cotidianidade, pois parte de definições filosóficas. Cardoso (1995); Lana e França (2008) também partem da filosofia para explicar a conceituação de acontecimento. Cardoso (1995, p. 59) desenvolve um estudo a partir de Foucault “Foucault entende o acontecimento como a irrupção de uma singularidade única e aguda, no lugar e no momento de sua produção” (LANA; FRANÇA, 2008, p.4). Corrobora com as afirmativas de Deleuze e Louis Quéré. “O acontecimento está, então, diretamente ligado à ideia de provável, funcionando como força que rompe com as expectativas, efetuando-se sobre o sujeito, que é incapaz de uma contra-afetação, pois não há sentido na ação que se dá” (LANA; FRANÇA, 2008, p. 4). A partir das definições, é possível afirmar que o acontecimento rompe a superfície lisa da estabilidade. O fato é a consequência desse rompimento, ao passo que, envolve pessoas em um determinado local e tempo. A definição de acontecimento apresentada por Lana; França (2008) conduz para uma reflexão sobre horizonte de expectativas, (Jauss, 1994). O autor observa a expectativa do leitor em relação ao texto, a partir de suas experiências. Levase também em consideração, a expectativa do emissor em relação ao leitor. O estudo sobre critérios de noticiabilidade emerge do grande volume de acontecimentos na sociedade e da necessidade de um “filtro” para selecionar aqueles que se tornarão notícia. O que faz um acontecimento ser notícia? Como ocorre esse processo? São questionamentos recorrentes nas pesquisas de comunicação. Vários estudos já foram desenvolvidos. Este capítulo pretende dialogar com as pesquisas desenvolvidas e seus impactos por meio de uma abordagem histórica e sociológica, sobre os estudos de critérios mais relevantes que influenciaram pesquisas desenvolvidas no Brasil. Parte-se do início do século XX, marcado pela primeira guerra mundial. Logo após esse crítico período, os estudos sobre jornalismo são marcados pela publicação em 1922, do livro Opinião Pública, do jornalista e escritor americano, Walter Lippmann, que antes mesmo da publicação do livro, em 1919, aponta o “jogo” entre objetividade e subjetividade no jornalismo como ponto crucial da busca pela profissionalização. Alguns pontos discutidos pelo autor fizeram do livro, referência para o campo do jornalismo, mesmo quase cem anos 18 após sua primeira publicação. É considerado o primeiro autor a trazer a definição de notícia. Porém, Opinião Pública tornou-se referência para os estudos sobre Critérios de Noticiabilidade (CN), termo que ele não cita, mas aborda com a denominação de “valores informativos”. Lippmann (1922/2010, p. 290) afirma: “[...] antes que uma série de eventos tornese notícia eles têm que se fazer noticiáveis num ato mais ou menos aberto”. Complementa: “Quanto maior o número de aspectos, então, que cada ocorrência pode ser capturada, objetivada, medida, nomeada, mais pontos existem nos quais as notícias podem acontecer” (LIPPMANN, 1922/2010, p. 291). Para o autor, há um código na sociedade, formado pela opinião pública e pelos “estereótipos”, que são emprestados ao mundo a partir dos códigos morais, filosofias sociais e agitações políticas que cada um possui. Os estereótipos funcionariam como defesa, a partir da concepção de que um fato para se tornar notícia, é o resultado de visões diferenciadas “Os fatos que vemos, dependem de onde estamos posicionados e dos hábitos de nossos olhos” (LIPPMANN, 1922/2010, p. 84). Mais uma vez recorre aos “estereótipos”. O teórico cultural e sociólogo jamaicano Stuart Hall, durante os anos 1990, em um dos seus artigos tratou sobre as práticas de representação. Segundo o autor existem dois sistemas de representação. No primeiro, todos os tipos de objetos, pessoas e eventos estão correlacionados com um conjunto de conceitos ou representações mentais que carregamos. Sem eles, não poderia haver interpretação do mundo. Em segundo lugar, o sentido depende do sistema de conceitos e imagens formadas em nossos pensamentos que podem estar a favor ou "representar" o mundo, o que permite referir coisas interiores e exteriores ao ser (HALL, 1997, p. 17). O pensamento de Hall (1997) corrobora com o de Lippmann, porque ambos afirmam que a construção textual dependerá também da “bagagem” trazida pelos emissores. As afirmativas de Lippmann (1922/2010) são retomadas em meados do século XX, por David White (1950/1993) durante a publicação do artigo O Gatekeeper: uma análise de caso na seleção de notícias. O autor apresenta sua pesquisa com foco na produção jornalística. O conceito foi desenvolvido em 1947 por Kurt Lewin com base em um estudo sobre as dinâmicas de interação em grupos sociais, para a compreensão do processo de seleção noticiosa. “Lewin afirmou que certos setores dos gates são regidos ou por regras imparciais ou por um grupo “no poder” tomar a decisão de “deixar entrar” ou de “rejeitar” (WHITE, 1950/1993, p. 142). É possível destacar a lacuna evidenciada por White 19 (1950/1993), pois apenas refere-se às escolhas filosóficas e políticas do jornalista para que um fato seja ou não notícia. “Assim, podemos verificar que muitas das razões que o “Mr. Gates” apresenta para a rejeição das notícias caem na categoria de juízos de valor muito subjetivos” (WHITE, 1950/1993, p. 145). Há muito mais a ser discutido no campo da comunicação no que se refere à seleção noticiosa. Não é concebível considerar apenas a subjetividade como fator predominante no processo de seleção e construção noticiosa. É um assunto complexo, que requer observação de fatores profissionais, pessoais e administrativos. A concepção de Gatekeeper foi revisitada recentemente pelos pesquisadores Pamela J. Shoemaker e Tim P. Vos (2011). A teoria é visualizada em três momentos. Observam e analisam o que já existe sobre o assunto, catalogam os fatores explicativos sobre a mídia na literatura, organizam-nos em cinco níveis de análise (individual, das rotinas de comunicação, organizacional, das instituições sociais, do sistema social), estabelecem um modelo de gatekeeping a partir da relação entre os cinco níveis. Os autores ainda dialogam sobre as características do gatekeeper. Citam os valores a partir da afirmativa de Gans sobre a existência de oito valores sociais duradouros que guiam as produções jornalísticas. Os autores afirmam que em operacionalização: “A teoria do gatekeeping descreve o processo pelo qual os eventos são cobertos pelos veículos de comunicação em massa, explica-o considerando conceitos em cinco níveis de análise e mostra como é difícil prever qualquer coisa que envolva pessoas” (2011, p.14). Chamam a atenção mais uma vez para a subjetividade, mas diferentemente da definição de White em meados do século XX, observam o gatekeeper em cinco níveis que envolvem o pessoal, o institucional e o social. Em meados da década de 1960 os noruegueses Galtung e Ruge (1965/1993) produziram o artigo A estrutura do noticiário estrangeiro – A apresentação das crises no Congo, Cuba e Chipre em quatro jornais estrangeiros, originalmente dividido em três partes, mas na tradução para o livro Jornalismo, questões e “estórias” contempla apenas duas partes. Segundo Harcup e O’Neill (2016) o artigo tornou-se referência mundial para os estudos de critérios, por serem os primeiros a realizar uma sistematização de 12 fatores, considerados primordiais na seleção noticiosa. F1: Frequência; F2: Amplitude; F2.1: Intensidade absoluta; F2.2: Aumento de intensidade; F3: Inequivocidade; F4: Significância; F4.1: Proximidade cultural; F4.2: Relevância; F5: Consonância; F5.1: Predicabilidade; F5.2: Exigência; F6: Imprevisibilidade; F6.1: Impredicabilidade; F6.2: Escassez; F7: Continuidade; F8: Composição; F9: Referência a nações de elite; F10: 20 Referência a pessoas de elite; F11: Referência a pessoas; F12: Referência a algo negativo (GALTUNG; RUGE, 1993, p. 71). Quatro fatores possuem subdivisões. Tanto estes quanto os demais, não podem ser vistos separadamente, pois se inter-relacionam, mas percebem com dificuldade o modo como acontece essa relação entre os fatores para culminar em um produto final. Os autores também afirmam que para um fato se tornar notícia é preciso que possua “pontuação alta”, ou seja, a presença de mais de um fator em um acontecimento. Esses fatores, posteriormente chamados de valor-notícia, tornaram-se base para diversas pesquisas desenvolvidas no mundo. Muitos autores criaram classificações, mas sempre tendo como base os 12 fatores elencados por Galtung e Ruge (1965/1993). Ademais, é possível perceber a pesquisa realizada por Galtung e Ruge (1965/1993) como uma pesquisa empírica que se utiliza de fórmulas matemáticas. Voltada para o rádio, se amplia ao se tornar a primeira experiência em tipologias de critérios para a seleção das notícias. A professora e pesquisadora Tuchmann (1993), durante a década de 1970, vai de encontro ao pensamento apresentado por White (1993) durante a década de 1950. A autora defende a existência da objetividade como “ritual estratégico”: “[...] um procedimento de rotina que tem relativamente pouca relevância tangencial para o fim procurado” (TUCHMANN, 1993, p. 75). Traz à tona a realização de procedimentos formais no campo do jornalismo, como uma forma de proteção dos profissionais às criticas de outras áreas, com vistas a justificar a existência da objetividade e da veracidade dos fatos apresentados, além de um ideal de jornalismo “imparcial”. Reafirma a definição de Gomes (2009, p. 12) sobre o jornalismo como “[...] um sistema que atua no ramo da verdade. Os seus produtos se oferecem como verdadeiros, tendo a sua verdade garantida por procedimentos bem codificados de verificação e certificação”. A década de 1970 foi marcada pelo desenvolvimento de duas importantes pesquisas. O trabalho de Herbert Gans (1979/2004) e a pesquisa de Golding e Elliott (1979). Golding e Elliott (1979) defendem a existência de duas formas de utilização dos valoresnotícia: como critérios de seleção de material que merece ser incluído; ou orientações para a apresentação de itens, ou seja, sugere o que enfatizar, o que omitir, onde dar prioridade. Para Golding e Elliott (1979) os valores-notícia derivam de suposições ou julgamentos implícitos sobre três coisas: 21 1. The audience. Is this importante to the audience or will it hold their attention? Is it of known interest, will it be understood, enjoyed, registered, perceived as relevant? 2. Accessibility – in two senses, prominence ande ase of capture. Prominence to what extent is the event known to the News organisation, how obvious is it, has it made itself apparent. Ease of capture: how available to journalists is the event, is it physically accessible, manageable technically, in a form amenable to journalism, is it ready-prepared for easy coverage, will it require great resources to obtain? 3. Fit. Is the item consonante with the pragmatics of production routines, is it commensurate with technical and organisational possibilities, is it homologous with the exigencies and constraints in programme making and the limitations of the médium? Does it make sense in terms of what is already known about the subject (GOLDING e ELLIOTT, 1979, p. 114-115) Em resumo, Golding e Elliott (1979) afirmam que os valores-notícia derivam de duas determinações imediatas: a percepção do público e a capacidade de avaliação do material. Vem imbuir as necessidades do jornalismo, por meio da prática. São onze valoresnotícia, a saber: drama, atrativos visuais, entretenimento, importância, magnitude, proximidade, brevidade, negatividade, novidade, elites, personalidades. Afirmam que os quatro primeiros derivam de considerações do público. Os demais, dos fatores descritos anteriormente. Gans (2004) apresenta uma divisão de valores inovadora. Primeiro, a classificação de valores próxima aos valores humanos. Para ele, as notícias não são apenas julgamentos de realidade, mas também valores e declarações de preferência: “É possível sugerir que há, subjacente à notícia, uma imagem da nação e da sociedade como deveria ser” (GANS, 2004, p. 39). Faz uma aproximação com as relações sociais, defende a existência de uma tentativa exacerbada, por parte dos profissionais de comunicação, em demonstrar o trabalho com a objetividade no jornalismo, mas há a presença de fatores sociais, históricos, econômicos e culturais durante o processo de seleção e construção noticiosa. Organiza os valores em duas categorias: topicais e duradouros. Os valores topicais são as opiniões expressas por atores específicos ou atividades do momento. Estas se manifestam nas opiniões explícitas de notícias de revistas e de televisão, bem como nos julgamentos implícitos que entram em todas as histórias. Os valores duradouros podem ser encontrados em muitos tipos diferentes de notícias por um longo período de tempo. Podem mudar um pouco ao longo dos anos. Além disso, eles também ajudam a moldar as opiniões, e muitas vezes, as opiniões são apenas especificações de valores duradouros. Organizam-se em oito grupos: etnocentrismo, a democracia altruística, o capitalismo responsável, o 22 pastoralismo de pequena cidade, o individualismo, o moderantismo, a ordem social e a liderança nacional. Afirma que os dois últimos são mais marcantes que os demais. No mesmo compêndio, apresenta sua classificação dos valores-notícia. Divide-os em três categorias: considerações substantivas – julga o conteúdo da história e de que fonte parte a notícia; considerações do produto – avaliam quão boas são as histórias; considerações competitivas – testam histórias com capacidade de servir na rivalidade contínua entre as organizações de notícia mais adequadas. Afirma que há histórias adequadas a serem notícia. Segundo Gans (2004, p. 146) existe um grande número de adequações, todas interrelacionadas. Sobre as considerações substantivas, as histórias são divididas em importantes e interessantes. A importância é julgada a partir de quatro considerações: 1. Rank em hierarquias governamentais e outras hierarquias – grau hierárquico; 2. Impacto sobre a nação e o interesse nacional – proximidade (geográfica e cultural); 3. Impacto em um grande número de pessoas – magnitude; 4. Significância para o passado e futuro – atualidade. (Gans, 2004, p. 155) defende: “Histórias importantes são chamadas às vezes de necessárias, o que significa a extensão a que sua seleção é obrigatória. Histórias interessantes são, prototipicamente, “histórias de pessoas”” (tradução nossa).1 Defende a utilização das histórias interessantes por duas razões. As notícias importantes em sua maioria são histórias relacionadas a assuntos negativos, precisam ser equilibradas por boas notícias. Histórias interessantes são atemporais, utilizadas em substituições de última hora. Afirma que a escolha dessas histórias gravita ao redor de certos tipos de histórias: 1. Histórias pessoais – personalidades ou pessoas de elite agindo de forma incomum, em público ou de maneira não oficial; 2. Inversão de papeis – histórias incomuns, com características humorísticas; 3. Histórias de interesse humano – histórias de pessoas comuns que passam por experiência incomum. Desperta audiência, simpatia, piedade ou admiração. Vão desde pessoas vítimas de doenças trágicas a atos heroicos em desastres; 4. Anedotas – relatos que implicitamente, condenam atores e atividades que os seletores de histórias não gostam, geralmente porque violam os valores duradouros; 5. Histórias de herói – histórias de superação do homem, como pessoas que escalam grandes montanhas nunca acessadas; 6. Histórias de surpresa – histórias que evocam surpresa. Relatos de modismos. Extraordinário, incomum. 1 Versão original: Important stories are sometimes called necessities, signifying the extent to which their selection is obligatory. Interesting stories are, prototypically, “people stories”. 23 Apresenta as considerações em relação ao produto. Subdivide-as em: 1. considerações do meio – a utilização de tecnologias nas notícias – audiovisual; 2. considerações do formato – formato; 3. novidade – novidade; 4. qualidade – qualidade; 5. balance – equilíbrio. Para finalizar sua classificação de valores-notícia defende as considerações competitivas – concorrência como controle de qualidade – concorrência. Vinte anos após a pesquisa de Galtung e Ruge, em meados da década de 1980, o italiano Mauro Wolf trouxe como novidade, a estruturação das reflexões de Gans (1979/2004) e Golding e Elliott (1979) em compêndio, como um manual, ainda estudadas por diversos pesquisadores, sobre os critérios de noticiabilidade. Escreveu uma tese, que se transformou no livro Teorias das Comunicações de Massa. Baseia-se nas pesquisas realizadas por Golding e Elliott (1979) e Gans (1979/2004). O primeiro, segundo Wolf (2008) defende os valoresnotícia como “qualidade dos eventos”, enquanto o segundo defende a aplicação dos critérios de noticiabilidade de maneira fácil e rápida, pois o processo de seleção noticiosa ocorre rapidamente. Wolf (2008) defende o produto informativo como o resultado de uma série de negociações e define noticiabilidade como “o conjunto de elementos por meio dos quais o aparato informativo controla e administra a quantidade e o tipo de acontecimentos que servirão de base para a seleção das notícias” (WOLF, 2008, p. 202). O autor ainda define valor-notícia como componente da noticiabilidade: “[...] critérios de relevância difundidos ao longo de todo o processo de produção e estão presentes tanto na seleção das notícias como também permeiam os procedimentos posteriores, porém com importância diferente” (WOLF, 2008, p. 202). Com base nessa concepção, classifica os valores-notícia em critérios substantivos, relativos ao produto, ao meio, ao público e à concorrência. Os valores/notícia derivam de admissões implícitas ou de considerações relativas a: a. os caracteres substantivos das notícias; o seu conteúdo; b. a disponibilidade do material e os critérios relativos ao produto informativo; c. o público; d. a concorrência (WOLF, 2008, p. 207). Wolf (2008) corrobora com Gans (1979/2004). Defende que os critérios substantivos se articulam entre a importância e o interesse da notícia. A importância é determinada por quatro variáveis: 1. Grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável; 2. Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional; 3. 24 Quantidade de pessoas que o acontecimento envolve; 4. Relevância e significatividade do acontecimento em relação aos desenvolvimentos futuros de uma determinada situação. A segunda classe de valores-notícia, como denomina Wolf (2008) são os critérios relativos ao produto, que se referem às características específicas do produto e ao material disponível. Os critérios relativos ao meio vinculam-se com os critérios de relevância, que se referem ao público, como frequência e formato. Os critérios relativos ao público referem-se, “[...] ao papel que reveste a imagem do público, compartilhada pelos jornalistas” (WOLF 2008, p. 222). Os critérios relativos à concorrência partem das três tendências de competição elencadas por Gans e citadas por Wolf, a saber: órgãos de informação rivais, a competição que gera expectativas recíprocas e a competição que contribui para a criação de modelos de referência e parâmetros. (Wolf, 2008, p. 228) afirma: “[...] esses valores devem ser contextualizados nos procedimentos de produção, pois é neles que adquirem seu significado, desenvolvem a sua função e se cobrem da camada de “bom senso” que os tornam aparentemente elementos previsíveis.” Wolf (2008) foi também o primeiro a defender os valores-notícia como critérios de relevância presentes em todo o processo de produção. Para os pesquisadores norte-americanos Pamela Shoemaker e Stephen D. Reese (1996) os valores-notícia tornaram-se bastante previsíveis por ter havido poucas variações ao longo dos tempos. Acreditam em uma relação de forças presente na sociedade, que determinam o processo de seleção e construção da notícia: Figura 1 – Modelo de gráfico adaptado de Shoemaker e Reese (1996) 2 2 Fonte: Gráfico apresentado por Silva (2014, p. 123), com base na classificação de Shoemaker; Reese (1996). 25 Dentro do primeiro nível, das influências individuais, os autores elencam cinco categorias: Communicators' professional backgrounds and experiences. Communicators' professional roles and ethics. Communicators' personal attitudes, values, and beliefs Communicators' power within the organization Effects of communicators' characteristics, backgrounds, experiences, attitudes, values, beliefs, roles, ethics, and power on mass media content (SHOEMAKER; REESE, 1996, p. 61). É perceptível, diante da categorização e explanação dos autores, quão pequena é considerada a influência individual no processo seletivo e produtivo da notícia. Em contra partida, preveem que as influências das rotinas profissionais têm impacto direto no conteúdo noticioso. Para os autores, os princípios éticos estabelecidos por um conjunto social tem mais “peso” no desenvolvimento da atividade jornalística do que seus valores pessoais. Shoemaker; Reese (1996) quando se referem às influências das rotinas profissionais, defendem um posicionamento que se assemelha à defesa de Tuchmann (1993), ao tratar das rotinas de produção como relevantes e capazes de influenciar os valores-notícia. Segundo Silva (2014, p. 124) “[...] os fatores presentes nas rotinas profissionais são apresentados por Shoemaker & Reese (1996) como detentores de impacto direto no conteúdo noticioso”. Os autores ainda complementam que as rotinas respondem aos anseios empresariais, por meio de três aspectos: “fontes, audiência e rotinas” (SHOEMAKER; REESE, 2014, p. 104). Para eles há um compartilhamento de rotinas noticiosas, mesmo quando os jornalistas não pertencem à mesma organização. Pensamento que se aproxima da visão de Tuchman (1993) sobre a objetividade jornalística utilizada como estratégia: Três fatores que influenciam a noção de objetividade dos jornalistas: a forma, as relações interorganizacionais e o conteúdo. Por forma, entendo aqueles atributos das notícias e dos jornais que exemplificam os processos noticiosos, como o uso das aspas. Por conteúdo entendo aquelas noções da realidade social que os jornalistas consideram como adquiridas. O conteúdo é também relacionado com as relações interorganizacionais do jornalista, pois as suas experiências com essas organizações levam-no a tomar por certas algumas coisas acerca delas (TUCHMAN, 1993, p. 75). O terceiro nível de influência definido por influências organizacionais, segundo Shoemaker & Reese (1996) é pouco estudado em relação às rotinas profissionais, mas possui grande impacto no conteúdo da mídia. As organizações objetivam o lucro e, no entanto tem passado por fortes pressões econômicas para continuar funcionando. Já as influências extra- 26 organizacionais possuem diversos níveis de autorregulação, classificadas pelos autores em fatores específicos: “[...] fontes de receita, como anunciantes e públicos-alvo; outras instituições sociais, como empresas e governo; o ambiente econômico; a tecnologia” 3 (SHOEMAKER & REESE, 1996, p. 166). O quinto e mais amplo nível de influência elencado, influências do sistema social, é previsto como aquele capaz de perpassar pelos demais níveis. Silva (2014) contribui para a compreensão das notícias a partir de uma releitura da pesquisa de Shoemaker & Reese: Como uma série de fatores concomitantes, ambicionam formulações sistêmicas para o assunto em tentativas que procuram dar conta da utópica tarefa de contemplar toda a multiplicidade de aspectos que caracterizam a seleção dos acontecimentos jornalísticos e a construção da narrativa noticiosa – modo de abordagem que, por privilegiar os aspectos pragmáticos e operacionais da questão, pode também resultar, inversamente, na redução de sua própria complexidade (SILVA, 2014, p. 128). Elencar os níveis de influência citados por Shoemaker & Reese no processo de noticiabilidade contribui para a compreensão dos valores-notícia definidos pelos autores, que preveem uma relação de forças entre esses níveis para a transformação de um fato em notícia. Afirmam que valores-notícia são elementos capazes de prever o que o público encontrará de atraente e importante. Conduzem os gatekeepers na realização de uma escolha consistente na construção de uma história. 1. Prominence/importance. The importance of a story is measured in its impact: how many lives it affects. Fatalities are more important than property damage. Actions of the powerful are newsworthy, because what the powerful do affects the general public. 2. Human interest. In addition, though, people are interested in lots of things that don't have any direct effect on their lives: celebrities, political gossip, and human dramas. Stories with a human element elicit this kind of interest. That's why television news, in particular, illustrates issues through the people affected. 3. Conflict/controversy. Why are we so interested in controversy? It signals conflict and alerts us to important issues. Conflict is inherently more interesting than harmony. Maybe we assume that most of the time things are harmonious, but when they aren't we want to know about it. 4. The unusual. The unusual also interests us. We assume that the events of one day will be pretty much like the next, and the unusual is the exception to that rule. 5. Timeliness. News is timely. We have limited attention and want to know what's happening now. Timely events are also more likely to require action. 6. Proximity. Events that happen near are considered more newsworthy. Local events usually have more effect than distant ones. Local media seek 3 Versão original: revenue sources, such as advertisers-and audiences; other social institutions, such as business and government; the economic environment; and technology. 27 local angles in national stories so as to better interest the audience (SHOEMAKER; REESE, 1996, p. 106). Segundo a pesquisadora Gislene Silva em Para pensar critérios de noticiabilidade, artigo que se tornou referência em pesquisa sobre critérios no Brasil, a classificação estabelecida por Shoemaker et all não se resume a seis valores-notícia, mas dez, a saber: “oportunidade, proximidade, importância, consequência, interesse, conflito, controvérsia, sensacionalismo, proeminência, novidade (raro)” (SILVA, 2014, p. 62). Um pouco antes de Gislene Silva, em 2003, o pesquisador Carlos Eduardo Franciscato em A atualidade no jornalismo. Bases para sua delimitação teórica trouxe para a pesquisa brasileira de comunicação, referências importantes sobre a temporalidade como elemento central no jornalismo. Defende os critérios de noticiabilidade como questão preliminar sobre a noção de atualidade no jornalismo. “Uma expressão empregada para delimitar um conjunto de referências estáveis na rotina jornalística de trabalho que, analisadas em sua regularidade, revelariam a noticiabilidade de um evento” (FRANCISCATO, 2003, p. 26). Representa mais um autor que corrobora com o pensamento de Tuchman (1993) sobre a necessidade das rotinas de produção como “reforço” da objetividade no jornalismo. Franciscato afirma que os critérios de noticiabilidade “[...] reforçam o processo de fragmentação do real” (FRANCISCATO, 2003, p. 42). Recorre a Hall para explicar os aspectos intersubjetivos nos critérios de noticiabilidade a partir dos Estudos Culturais. Classifica-os como pertencentes a dois frames. A primeira perspectiva defende a noção de atualidade jornalística reduzida, de ordem operacional, ou seja, pelo olhar de quem produz. A segunda perspectiva é formada pelo olhar acadêmico que classifica, constrói e tipifica. Mas, segundo o autor, apesar dos estudos desenvolvidos no jornalismo terem predominância sociológica, não há um consenso sobre os conceitos tidos como fundamentais no jornalismo: neutralidade, objetividade, imparcialidade e atualidade. O pensamento do autor traz uma aproximação com as reflexões de Gans em Deciding what’s news ao tratar de seleção noticiosa em dois processos de julgamento, da disponibilidade e da adequabilidade. Reflete a intensidade de estudos desenvolvidos ao longo das décadas com vistas a uma definição sobre notícia ou noticiabilidade. Em muitos, há uma categorização de critérios que indicam a noticiabilidade do evento. Porém, chama a atenção para os avanços a partir de pesquisas desenvolvidas sob a perspectiva do newsmaking: 28 Os estudos de newsmaking trouxeram também o avanço teórico de possibilitar uma melhor sistematização das relações entre o ato de selecionar, a noticiabilidade e o ambiente da produção jornalística. A organização jornalística, por um lado, e as demais instituições que os jornalistas frequentam para colher informações, por outro, tornam-se dois ambientes privilegiados de estudo, pois elas oferecem tanto as condições operacionais para a apuração e edição quanto às rotinas produtivas da organização (FRANCISCATO, 2003, p. 205). As reflexões do autor conduzem seu trabalho para uma observação ampla sobre os critérios de noticiabilidade não apenas como fruto das rotinas produtivas ou a partir da subjetividade do jornalista, como afirmou White (1993). Mas para Franciscato (2003, p. 206) “[...] as notícias são socialmente construídas, e os critérios de noticiabilidade são resultantes deste partilhamento e consenso de valores em uma comunidade”. Ou seja, a notícia é resultado de um conjunto que perpassa desde o momento da seleção noticiosa por fatores tanto internos quanto externos ao evento, o que faz com que o resultado final dependa de elementos culturais, sociais, profissionais, econômicos e políticos. É preciso ressaltar que não se pode pensar os critérios de noticiabilidade estritamente como elementos profissionais, mas elementos culturais partilhados a partir de valores defendidos pela comunidade social. Sobre esse viés, pode-se citar o Trabalho de Conclusão de Curso de Estela Marques (2016). Trata da relação existente entre valores-notícia e valores humanos a partir da análise noticiosa de Estadão e Fala Barreiras. Para a pesquisadora, com base em estudos da psicologia social, os valores humanos defendidos pelo grupo social e os valores-notícia são interdependentes. O desenvolvimento deste trabalho de conclusão de curso nos permitiu ver algumas nuances dessa relação, que chega a ser de influência, mas também nos permite sugerir como sendo origem daquilo que nos chama a atenção, enquanto jornalistas, para o que pode ser noticiável (MARQUES, 2016). Apresenta a tabela classificatória de Schwartz (2006) dos tipos motivacionais de valores humanos que provocam valores defendidos pela sociedade, com base em um estudo desenvolvido com 20 países: 29 Quadro 1 – Classificação de tipos motivacionais e exemplos de valores humanos TIPO MOTIVACIONAL DE VALOR4 Poder: status social sobre as pessoas e os recursos EXEMPLO DE VALORES Poder social; autoridade; riqueza Realização: sucesso pessoal mediante a demonstração de Bem-sucedido; capaz; competência, segundo critérios sociais ambicioso Hedonismo: prazer e gratificação sensual para si mesmo Prazer; desfrutar a vida Estimulação: entusiasmo, novidade e desafio na vida Audacioso; uma vida variada; uma vida excitante Autodeterminação: pensamento independente e escolha da Criatividade; curioso; liberdade ação, criatividade, exploração Universalismo: compreensão, apreço, tolerância e atenção Tolerância; justiça social; com o bem-estar de todas as pessoas e da natureza igualdade; proteção do meio ambiente Benevolência: preservação o intensificação do bem-estar das Ajuda; honesto; não rancoroso pessoas com as quais se está em contato pessoal e frequente Tradição: respeito, compromisso e aceitação dos costumes e Humilde; devoto; aceitar minha ideias oferecidas pela cultura tradicional ou a religião parte na vida Conformidade: restrição das ações, tendências e impulsos que Polidez; obediente; honra aos possam incomodar ou ferir os outros e contrariar expectativas pais e pessoas mais velhas ou normas sociais Segurança: segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, Segurança nacional; ordem das relações e de si mesmo social; idôneo Segundo a autora, os dez tipos motivacionais têm derivações de três requisitos universais: “[...] necessidades enquanto organismos biológicos, interação social coordenada e 4 Tabela apresentada por Marques, 2016 com base em Schwartz, 2006, pp. 58-59 30 sobrevivência em grupos” (MARQUES, 2016). Identificou as combinações mais frequentes entre noticiabilidade e valores humanos. A autora propõe: “[...] jornalistas e não jornalistas atribuem noticiabilidade a acontecimentos a partir dos valores-humanos que utilizam como critério de avaliação de comportamento e situações” (MARQUES, 2016). O português Traquina (2008) faz um mergulho em Galtung e Ruge (1993), aproxima-se do pensamento de Wolf (2008) para classificar os valores-notícia em valores de seleção, subdivididos em substantivos e contextuais, e valores-notícia de construção. O valores-notícia de seleção estão divididos em dois sub-grupos: a) os critérios substantivos que dizem respeito à avaliação direta do acontecimento em termos da sua importância ou interesse como notícia, e b) os critérios contextuais que dizem respeito ao contexto de produção da notícia. Os valores-notícia de construção são qualidades da sua construção como notícia e funcionam como linhas-guia para a apresentação do material, sugerindo o que deve ser realçado, o que deve ser omitido, o que deve ser prioritário na construção do acontecimento como notícia (TRAQUINA, 2008, p. 78). Os valores-notícia de seleção não serão analisados neste trabalho, mas é necessário a apresentação da relação de cada um com o jornalismo. A disponibilidade pertence à natureza do campo jornalístico, a possibilidade de realizar a cobertura do acontecimento. O equilíbrio se relaciona com as editorias, presente no jornalismo impresso e websites noticiosos que migraram do impresso. A concorrência também pertence à natureza do campo jornalístico, pois a lógica do jornalismo é a concorrência, principalmente a busca pelo furo da notícia. A visualidade pode ser considerada como um critério relativo ao produto. Se a análise trata sobre TV, é logico que elementos visuais e audiovisuais são de extrema importância para o formato da notícia. Abaixo é possível visualizar como ficou a classificação de Traquina, dos valoresnotícia de seleção e construção: Quadro 2 – Classificação dos valores-notícia, segundo Traquina VALORES-NOTÍCIA DE SELEÇÃO SUBSTANTIVOS CONTEXTUAIS Morte, notoriedade, proximidade, Disponibilidade, relevância, novidade, notabilidade, controvérsia, infração. CONSTRUÇÃO equilíbrio, Simplificação, tempo, visualidade, concorrência, dia relevância, inesperado, noticioso. amplificação, personalização, dramatização, consonância. 31 Nota-se que a classificação estabelecida por Traquina (2008) segue a divisão estabelecida por Wolf (2008) anos anteriores, pois o italiano previu os valores-notícia presentes em todo o processo de produção da notícia, desde a seleção à edição. Traquina faz essa classificação e elenca nomes já conhecidos a partir da visão de Galtung e Ruge (1993), de Wolf (2008) bem como, valores elencados por ele. Traquina (2008, p. 94) ainda defende que os valores-notícia “[...]são um elemento básico da cultura jornalística que os membros desta comunidade interpretativa partilham”. Reafirmando a existência de uma complexidade para delimitação desses elementos, pois um amplo “leque” de fatores. Em Para pensar critérios de noticiabilidade a brasileira Gislene Silva, em meados dos anos 2000 realizou uma sistematização dos critérios de noticiabilidade em três instâncias: na origem, no tratamento e na visão dos fatos. A autora afirma ter como objetivo “operacionalizar análises de notícias”: (a) na origem dos fatos (seleção primária dos fatos/valores-notícia), considerando atributos próprios ou características típicas, que são reconhecidos por diferentes profissionais e veículos de imprensa; (b) no tratamento dos fatos, centrando-se na seleção hierárquica dos fatos e levando-se em conta, para além dos valores-notícia dos fatos escolhidos, fatores inseridos dentro da organização, como formato do produto, qualidade do material jornalístico apurado (texto e imagem), prazo de fechamento, infra-estrutura, tecnologia etc, como também fatores extra-organizacionais direta e intrinsecamente vinculados ao exercício da atividade jornalística, como relações do repórter com fontes e públicos; (c) na visão dos fatos, a partir de fundamentos éticos, filosóficos e epistemológicos do jornalismo, compreendendo conceitos de verdade, objetividade, interesse público, imparcialidade, que orientam inclusive as ações e intenções das instâncias ou eixos anteriores (SILVA, 2014, p. 52-53). Por meio de uma concepção, Silva (2014) aponta as principais classificações desenvolvidas no mundo sobre critérios de noticiabilidade. Coaduna com Wolf (1985/2008) ao afirmar que comumente valor-notícia e critérios de noticiabilidade são conceitos distintos. Valor-notícia é considerado pela autora como um conceito específico que pertence ao conceito mais amplo, a noticiabilidade. Em De que se trata a noticiabilidade, Seixas e Alves (2017) destacam: “[...] assim como a combinação, é a separação en-tre valores e critérios, ou seja, intrínsecos e extrínsecos. Em 1985, o italiano Mauro Wolf, muito aplicado na graduação e pós em comunicação, já havia fortalecido essa diferenciação” (SEIXAS e ALVES, 2017, p. 159). 32 Silva (2014) lista os atributos elencados por Lippmann, a saber: clareza, surpresa, proximidade geográfica, impacto e conflito pessoal, que posteriormente são encontrados nas citações de outros autores, com outras palavras, mas que refletem a necessidade de observação da seleção noticiosa como um processo complexo, que não pode ser observado apenas pelo âmbito da subjetividade, como no caso do “Mr. Gates”, mas por um conjunto de fatores que envolvem o campo jornalístico, como o “horizonte de expectativas” (JAUSS, 1994) tanto do emissor, quanto do receptor. No início dos anos 2000 a pesquisa de Galtung e Ruge foi revisitada pelos britânicos Tony Harcup e Deirdre O’Neill, que recentemente realizaram uma atualização de sua “revisita” ao trabalho dos noruegueses. Harcup & O’Neill (2016) prometem analisar possíveis mudanças ocorridas com os valores-notícia após quinze anos de escrita do primeiro artigo, com vistas a atualizá-lo, por meio da análise de conteúdo. Os autores continuam a defender a necessidade de um evento atender a um ou mais fatores para que seja noticiável. Apresentam a lista de fatores defendidos por eles na primeira edição do artigo, em 2001: 1. The power elite: Stories concerning powerful individuals, organisations or institutions. 2. Celebrity: Stories concerning people who are already famous. 3. Entertainment: Stories concerning sex, showbusiness, human interest, animals, an unfolding drama, or offering opportunities for humorous treatment, entertaining photographs or witty headlines. 4. Surprise: Stories that have an element of surprise and/or contrast. 5. Bad news: Stories with particularly negative overtones, such as conflict or tragedy. 6. Good news: Stories with particularly positive overtones, such as rescues and cures. 7. Magnitude: Stories that are perceived as sufficiently significant either in the numbers of people involved or in potential impact. 8. Relevance: Stories about issues, groups and nations perceived to be relevant to the audience. 9. Follow-up: Stories about subjects already in the news. 10. Newspaper agenda: Stories that set or fit the news organisation’s own agenda (HARCUP AND O’NEILL 2001, 278–279 apud HARCUP AND O’NEILL, 2016, p. 2). Em seguida, por meio da análise de conteúdo, defendem a existência de uma nova lista devido às diversas mudanças ocorridas nos processos comunicacionais, como por exemplo, a expansão da internet, a utilização da rede social Facebook como veículo de informação por meio dos usuários. Propõem uma lista de “valores-notícia contemporâneos”: 33 . Exclusivity: Stories generated by, or available first to, the news organisation as a result of interviews, letters, investigations, surveys, polls, and so on. . Bad news: Stories with particularly negative overtones such as death, injury, defeat and loss (of a job, for example). . Conflict: Stories concerning conflict such as controversies, arguments, splits, strikes, fights, insurrections and warfare. . Surprise: Stories that have an element of surprise, contrast and/or the unusual about them. . Audio-visuals: Stories that have arresting photographs, video, audio and/or which can be illustrated with infographics. . Shareability: Stories that are thought likely to generate sharing and comments via Facebook, Twitter and other forms of social media. . Entertainment: Soft stories concerning sex, showbusiness, sport, lighter human interest, animals, or offering opportunities for humorous treatment, witty headlines or lists. . Drama: Stories concerning an unfolding drama such as escapes, accidents, searches, sieges, rescues, battles or court cases. . Follow-up: Stories about subjects already in the news. . The power elite: Stories concerning powerful individuals, organisations, institutions or corporations. . Relevance: Stories about groups or nations perceived to be influential with, or culturally or historically familiar to, the audience. . Magnitude: Stories perceived as sufficiently significant in the large numbers of people involved or in potential impact, or involving a degree of extreme behaviour or extreme occurrence. . Celebrity: Stories concerning people who are already famous. . Good news: Stories with particularly positive overtones such as recoveries, breakthroughs, cures, wins and celebrations. . News organisation’s agenda: Stories that set or fit the news organisation’s own agenda, whether ideological, commercial or as part of a specific campaign (HARCUP AND O’NEILL, 2016, p. 13). Reiteram que os critérios elencados por eles durante o artigo recente, não podem ser considerados estanques, nem a verdade absoluta, mas o resultado de uma análise sofre influências sociais, educacionais, ideológicas, as influências da cultura jornalística, do seu local de trabalho e do tipo de público à qual a notícia é produzida. Os valores-notícia devem ser considerados ferramentas para provocar mais análise e investigação. Não são a verdade, mas aquele utilizado no momento, no contexto, naquela instituição a partir de um recorte. Após esta reflexão sobre os critérios de noticiabilidade é possível concluir a extrema necessidade de levar em consideração a defesa de Schudson (2010) da notícia como um produto cultural. Reforça o pensamento de Shoemaker & Reese (1996) de haver uma relação de forças para a elaboração da notícia. Dessa maneira, os critérios de noticiabilidade são fruto dessas negociações que envolvem diversos aspectos da sociedade, até mesmo os valores humanos (MARQUES, 2016). 34 A partir do histórico anterior, elaborou-se um quadro comparativo dos principais autores, citados durante o desenvolvimento da pesquisa sobre o assunto. Justifica-se a escolha de cada um dos autores a partir de características e contribuições específicas. O americano Walter Lippmann foi o primeiro a tratar em suas pesquisas sobre o assunto, em seu clássico Opinião Pública,1922. O autor não cita exatamente o nome valornotícia, mas apresenta “valores informativos”, como afirma Kunczik (2001, p. 242). Durante o desenvolvimento desta pesquisa, buscou-se encontrar a lista dos valores-notícia apresentados por Lippmann. Descobriu-se que o autor não elaborou lista, mas nas entrelinhas, especificamente nos capítulos O mundo exterior e as imagens em nossas mentes, O público consumidor, O leitor habitual e A natureza das notícias apresenta suas escolhas de valores informativos. Dessa maneira, optou-se listar as denominações apresentadas por Kunczik (2001), pois o autor que virou referência nas pesquisas, quando se refere à lista de valoresnotícia de Lippmann. Galtung e Ruge, noruegueses, desenvolvem e apresentam sua pesquisa sobre o jornalismo estrangeiro, em meados da década de 1960, tendo como base o rádio. Primeiros a elaborar uma lista com 12 fatores, mais tarde denominados valores-notícia, apresentam a tese de que quanto mais fatores presentes em um acontecimento, mais chances ele terá de ser noticiado. Não fazem divisão, mas apresentam as ideias de seleção e distorção. Galtung e Ruge ao mesmo tempo em que vão de encontro à pesquisa de David White na década de 1950, também complementam o pensamento desenvolvido pelo pesquisador, anos antes. O autor defendeu a tese da existência de gatekeepers (porteiros) que selecionam o que deve ou não ser noticiado. [...]”Tem por base o conjunto de experiências, atitudes e expectativas” (WHITE, 1993, p. 151). Em Galtung e Ruge há também o pensamento de porteiros, mas há uma defesa de escolhas a partir de rotinas profissionais. Nos anos finais da década de 1970 os irlandeses Peter Golding e Philip Elliott publicaram Making the News, que posteriormente se tornaria um clássico dos estudos de comunicação. Um dos seus capítulos trata especificamente dos valores-notícia como seleção e ordenação. Pioneiros na pesquisa sobre valores-notícia em telejornais elencaram 11 valoresnotícia a partir do público, da acessibilidade e do ajuste. Os autores foram base para a pesquisa de Wolf (1985/2008). 35 Gans (2004), alemão naturalizado americano, referência para os estudos de valores-notícia em diversas pesquisas, também é imprescindível para esta análise. Apresentou duas classificações de valor-notícia. Na primeira, os valores se assemelham aos valores humanos. A classificação de valor-notícia apresentada por Gans (2004) subdivide-se em: substantivos – importância e interesse, considerações ao produto, considerações de concorrência. Modelo observado por Wolf (2008), bem como, referência para pesquisas posteriores. O italiano Mauro Wolf, em meados da década de 1980 apresenta os valoresnotícia de forma categorizada, pois afirma sua presença durante todo o processo de produção da notícia. A divisão apresentada toma como base as classificações de Golding e Elliott (1979) e Gans (2004). Seu livro tornou-se um “manual” utilizado nas mais diversas universidades brasileiras, quando se pretende discutir sobre Teorias da Comunicação. “A divisão de Wolf é uma das mais acatadas, juntamente com a do português Nelson Traquina (2005). Certamente, a obra de Wolf é mais conceitual e fundamentada” (SEIXAS e ALVES, 2017, p. 160). A americana Pâmela Shoemaker e seu colega, também pesquisador norteamericano Stephen Reese, fizeram história na teoria do newsmaking, com uma tentativa de sistematização do conteúdo das notícias. Publicaram em 1996 o famoso livro Mediating the message, base para várias pesquisas. Buscam compreender como o conteúdo de mídia é produzido. Defendem a existência de forças responsáveis pela formação do conteúdo de mídia de massa, ou seja, níveis de influência sobre as notícias. Elencam seis valores-notícia, destacados posteriormente pela brasileira Gislene Silva. Quando se refere a pesquisas sobre valor-notícia no Brasil é primordial a escolha de dois pesquisadores: Carlos Eduardo Franciscato e Gislene Silva. O primeiro, por meio do estudo sobre uma das propriedades do jornalismo, a atualidade, elencou valores-notícia, parte do princípio da dualidade, da ambiguidade. Gislene Silva sistematiza critérios de noticiabilidade a partir da premissa tripla: critérios de noticiabilidade na origem dos fatos, critérios de noticiabilidade no tratamento dos fatos, critérios de noticiabilidade na visão dos fatos. Elabora uma tabela com 12 valores-notícia. Segundo a autora, estes valores são operacionalizadores em análise sobre acontecimentos noticiados ou noticiáveis. 36 O português Nelson Traquina não poderia ser excluído do quadro comparativo, pois seu trabalho, desenvolvido em 2005, “[...] adotado nos cursos de jornalismo do Brasil, constitui um manual didático” (SEIXAS e ALVES, 2017, p. 160) faz um apanhado da pesquisa desenvolvida por Galtung e Ruge, década de 1960 e a tese de Mauro Wolf de 1985. Para o autor, os valores-notícia precisam ser divididos em seleção e construção. Quanto trata de valores-notícia de seleção, o autor elabora a divisão de critérios substantivos e critérios contextuais. Por substantivos compreende a avaliação direta dos acontecimentos, ou seja, sua importância ou interesse como notícia. Por contextuais, compreende o contexto de produção da notícia. Quando trata de valores-notícia de construção, Traquina (2008) se refere ao processo produtivo da notícia, as lapidações para a obtenção da notícia. Os últimos autores da planilha, mas não menos importantes que os demais, são os pesquisadores Tony Harcup e Deirdre O’Neill (2016). Professores da Universidade de Oxford visitaram o trabalho de Galtung e Ruge em 2001. Após 15 anos, em 2016 produziram um novo artigo, What is news. Segundo o site da Universidade de Sheffield, onde atua Tony Harcup, o artigo foi o mais lido da história do diário Estudos do Jornalismo. Harcup e O’Neill (2016) afirmam terem revisitado Galtung e Ruge (1993) e elaborado uma lista atual dos valores-notícia, levando em consideração a atualização na comunicação de massa. Após a apresentação dos motivos de escolha dos autores, pretende-se realizar uma discussão, a partir de cada critério de noticiabilidade. O quadro foi organizada com base na reflexão das aproximações dos valores definidos por cada autor, pois se presume a existência de denominações diferentes para um mesmo valor-notícia. Quadro 3 – Comparativo de valores-notícia 37 COMPARATIVO DE VALORES-NOTÍCIA Walter Lippmann (1922/2010) Impacto Clareza do fato Proximidade geográfica Galtung e Ruge (1965/1993) Golding e Elliott (1979) Gans (1979/2004) Mauro Wolf (1985/2008) Frequência Relativo ao meio: Frequência Amplitude Substantivo: Potencialidade (amplitude) Inequivocidade Significância Magnitude Substantivo: Magnitude Brevidade Relativo ao produto: Relativo ao produto: Brevidade Qualidade Relativo ao publico: Simplificação Proximidade Substantivo: Proximidade geográfica e cultural Substantivo: Significância (proximidade geográfica e cultural) Shoemaker e Reese (1991/1996) Imprevisibilidade Gislene Silva (2005/2014) Proximidade geográfica Incomum Impacto Magnitude compartillhabilidade (Sherability) Proximidade e distância Seleção substantivo: Proximidade Construção: Relevância Proximidade (geográfica e cultural) Relevância Normalidade e anormalidade Construção: Consonância Normalidade e anormalidade Continuidade e ruptura Seleção substantivo: Inesperado Boa notícia (good news) Surpresa Raridade Continuidade e ruptura Composição Importância Elites Seleção contextual: Equilíbrio Substantivo: Grau hierárquico Seleção substantivo: Notoriedade Seleção contextual: Dia noticioso Proeminência/ importância Importância e interesse Surpresa Acompanhamento (folow-up) Relativo ao produto: Balanceamento Relativo ao produto: (composição Equilíbrio equilibrada) Formato Relativo ao meio: Formato Substantivo: Grau hierárquico Harcup e O'Neill (2001/2016) Construção: Simplificação Continuidade Referência a nações de elite Referência a pessoas de elite Traquina (2005/2008) Seleção – substantivo: Notabilidade Relevância Construção: Amplificação Consonância Elemento surpresa Franciscato (2002/2014) Proeminência Governo A elite poderosa Organização da agenda de notícias 38 Referência a pessoas Construção: Personalização Personalidades Referência a algo Negatividade negativo Drama Relativo ao produto: Infração Conflito pessoal Conflito Novidade Substantivo: Atualidade Relativo ao produto: Relativo ao produto: Novidade Novidade Pontualidade (timeliness) Atualidade e distanciamento do tempo presente Entretenimento Substantivo: Interesse (interesse humano e entreter) Interesse humano Importância e interesse Atrativos visuais Relativo ao produto: Relativo ao meio: Material audiovisual Material visual Substantivo: Interesse (capacidade de entreter) Celebridade Seleção substantivo: Infração Morte Construção: Dramatização Justiça Tragédia/ drama Má notícia (bad news) Drama Seleção substantivo: Conflito (controvérsia) Conflito Polêmica Conflito Seleção substantivo: Novidade Tempo Conhecimento/ Cultura Entretenimento Entretenimento / curiosidade Seleção contextual: Visualidade Audiovisual Seleção contextual: Disponibilidade Competitividade: Concorrência Seleção contextual: Concorrência (exclusividade) Exclusividade 39 Frequência é apresentada por Galtung e Ruge como uma metáfora da frequência radiofônica para explicar a relação temporal entre o acontecimento e o meio. “Quanto mais a frequência do acontecimento se assemelhar à frequência do meio noticioso, mais hipóteses existem de ser registrado como notícia por esse mesmo meio noticioso” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 64). Para os autores, frequência se refere ao espaço de tempo necessário para que um acontecimento ganhe significado e seja notícia. Wolf (2008) reafirma a metáfora. Categoriza-a como valor-notícia relativo ao meio. A partir das afirmativas dos autores é possível concluir que a frequência não pode ser considerada valor-notícia, pois há frequências diferentes para produtos diferentes. Uma mesma temática pode ser abordada por um website noticioso, como a Folha de S. Paulo e a Revista Piauí. O primeiro preocupa-se com a instantaneidade, a atualização, enquanto o segundo, por meio de grandes textos, trabalha com assuntos atuais como “ganchos” para desenvolver uma temática maior. Wolf (2008, p. 221) “Na informação radiotelevisiva, esse critério privilegia os eventos pontuais, únicos, concluídos num breve período, uma vez que se tornam mais funcionais para os ritmos produtivos da organização do trabalho”. Argumento incompatível com os produtos analisados, semanais que abordam temáticas relevantes para o contexto social brasileiro. Assuntos atemporais, relevantes em qualquer época, independem da necessidade do “lapso” de tempo explicitado pelos autores. Dessa maneira, não pode ser considerado valor-notícia. Amplitude se apresentada com denominações diferentes, mas objetivos parecidos, aparece na classificação da maioria dos autores da tabela. Desde 1922, como valor informativo em Lippmann (2010, p. 296). Para o autor, notícias como um incêndio ou greve, ganham grande proporção, e por si só, já são noticiáveis. Possuem impacto, mexem com o cotidiano da sociedade. De maneira semelhante, Galtung e Ruge (1993, p. 63) apresentam amplitude. Trabalham com a metáfora: “Quanto mais forte for o sinal e quanto maior a amplitude, mais provável será a audição”. Para os autores, ela está subdividida em intensidade absoluta e aumento de intensidade. Por intensidade absoluta pode-se compreender a amplitude presente no acontecimento antes mesmo de ser notícia. Já o aumento de intensidade são os recursos utilizados no processo de produção, como vídeos, imagens, ou mesmo a construção textual da notícia, para aumentar a amplitude do evento. Golding e Elliott (1979) utilizam a denominação magnitude, para a ampliação ou não, que é atribuída à história. “[...] O tamanho do critério é solicitado para decidir quais são os eventos noticiosos mais 40 importantes”5 (tradução nossa) (GOLDING e ELLIOTT, 1979, p. 119). A partir das considerações substantivas Gans (2004) afirma que histórias de importância precisam determinar impacto em um grande número de pessoas. Defende a magnitude como valornotícia inerente ao acontecimento. Wolf (2008) denomina potencialidade (amplitude) presente nos critérios substantivos. Para o autor, este valor-notícia refere-se à quantidade de pessoas que o acontecimento envolve. Em Traquina (2008), são encontrados três valoresnotícia com significados e utilizações aproximadas, a saber: relevância, amplificação e notabilidade. Por amplificação, leva-se em consideração uma das vertentes apresentadas por Galtung e Ruge, aumento de intensidade. A capacidade, no momento de produção, de amplificar o evento para que ele seja noticiado. Relevância aparece em dois momentos na classificação de Traquina (2008, p. 80): “[...] responde à preocupação de informar o público dos acontecimentos que são importantes porque têm um impacto sobre a vida das pessoas”. Apresenta como exemplos, acontecimentos muito dramáticos e grandes desastres. Notabilidade, capacidade de ser tangível. Para Traquina (2008, p. 83) existem várias formas de registro desse valor-notícia. Destaca “[...] notícias que dizem respeito a muitas pessoas e quanto mais elevado for o número de pessoas envolvidas num desastre ou quanto mais elevada for a presença de “grandes nomes”, maior é a notabilidade desses acontecimentos”. Relevância e notabilidade são classificados como critérios de seleção – substantivos. Amplificação, critério de construção. Para Gislene Silva, este valor-notícia denomina-se conflito e envolve uma categoria de eventos, a saber: guerra, rivalidade, disputa, briga, greve e reivindicação. Dessa maneira, a autora prevê o valor-notícia apenas pelo aspecto da intensidade absoluta. Para Harcup e O’Neill(2016) que revisitaram Galtung e Ruge (1993), há dois valores com essas características: magnitude compreendida como eventos que são noticiáveis por suas próprias características, ou seja, a intensidade absoluta. O termo shareability, traduzido como a capacidade de compartilhamento inerente ao evento. Ou seja, um fato atinge a forma de notícia por sua magnitude. Após ganhar o status de notícia, caso ganhe mais amplitude, terá capacidade de grande compartilhamento, essa capacidade é denominada de shareability. Os autores citam como exemplo, as redes sociais, como Twitter e Facebook. É possível constatar que todas as denominações conduzem às duas características: amplitude como inerente ao acontecimento, capaz de impulsioná-lo a ser notícia, pois atinge um grande número de pessoas e produz impacto na sociedade. Amplificação como a 5 Versão original: [...]the criterion size is applied to decide which are the most importante news events. 41 possibilidade de agregar, por meio de recursos na produção noticiosa, mais capacidade de impacto do acontecimento à sociedade. Dessa maneira, este valor-notícia pode ser considerado como presente no processo de seleção, como também na construção noticiosa. Porém, a compartilhabilidade (shareability) apresentada por Harcup e O’Neill (2016) apresenta-se após os dois processos. É uma forma de maior visibilidade do produto. Uma estratégia de comercialização, concorrência entre os veículos. Clareza também é compreendida como valor-notícia. Primeiro por Lippmann (2010), denominado como clareza do fato. A justificativa para este valor-notícia parte do rádio e do telégrafo. Segundo o autor havia a necessidade de tratar sobre um assunto com texto curto em tempo hábil. Pelas características apresentadas por Lippmann (2010) este valor está presente na fase de construção da notícia. Galtung e Ruge por sua vez, chamam de inequivocidade e afirmam: “[...] quanto menos ambiguidade mais o acontecimento será notado” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 65). Em notas de rodapé, os autores chegam a destacar a relação entre ambiguidade/clareza e as vendas dos jornais. O aumento da ambiguidade pode baixar as vendas. Dessa maneira, percebe-se uma observação do valornotícia em todo o processo produtivo da notícia. Golding e Elliott (1979) denomina este valor-notícia de brevidade, refere-se à objetividade da notícia. O texto noticioso precisa ser breve, para manter a atenção do público. É preciso destacar que Golding e Elliott (1979) referem-se em sua pesquisa à televisão. Gans (2004, p. 173) denomina qualidade a capacidade de “melhorar” a qualidade da notícia. Cita como exemplo, os ensaios realizados por apresentadores de TV com seus entrevistados antes do início do programa, para obter respostas mais curtas e provocar mais dramaticidade. Wolf (2008) apresenta dois valoresnotícia que se correlacionam, a saber: simplificação e brevidade. A brevidade aparece como critério relativo ao produto. O autor reafirma a proposição de Golding e Elliott (1979). Simplificação está classificada como critério relativo ao público, parte da imagem que os jornalistas possuem do público. A defesa de estratégias para a “inibição” da ambiguidade presente no acontecimento. Traquina (2008) reafirma os conceitos anteriores e apresenta a simplificação como valor-notícia de construção, a partir da lógica “[...] quanto mais o acontecimento é desprovido de ambiguidade e de complexidade, mais possibilidades tem a notícia de ser notada e compreendida” (TRAQUINA, 2008, p. 91). As observações dos autores conduzem o valor-notícia para o pertencimento tanto ao processo de seleção, quanto à construção. A clareza pode ser inerente ao fato, mas também 42 pode ser agregada a este a partir da produção noticiosa, pela utilização da simplificação ou da brevidade. É observável que os valores-notícia são interligados, pertencem a todo o processo noticioso: o limiar entre a seleção e a construção. Proximidade. Para Lippmann (2010) a proximidade geográfica é vinculada à confiabilidade do jornal. Se ele publica situações do cotidiano de determinada comunidade, ele adquire confiabilidade pelo público. Galtung e Ruge (1993) apresentam significância compreendida como proximidade cultural e relevância. A primeira dimensão defende: “aquele que procura o acontecimento dará particular atenção ao familiar, ao semelhante culturalmente” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 65). Já a segunda dimensão prevê: “um acontecimento pode acontecer num lugar culturalmente distante, mas pode ainda estar carregado de significado em termos do que pode implicar para o leitor ou o ouvinte” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 65-66). Golding e Elliott (1979) denominam proximidade. Observam-na em dois sentidos: geográfico e cultural. Compreendem a proximidade geográfica sob dois binários: se o evento for mais distante geograficamente, necessita ser grande. Eventos próximos têm “superioridade” em relação a eventos similares e distantes. Para a proximidade cultural os autores justificam a capacidade das histórias, pelo contexto doméstico explicarem sua importância e sua significância. Gans (2004) classifica como valornotícia substantivo a proximidade geográfica e cultural. Para o autor, emana do impacto sobre a nação e o interesse nacional. Wolf (2008) apresenta conceito semelhante a Golding e Elliott (1979) ao denominar a significância como proximidade cultural ou geográfica. Os autores Shoemaker e Reese (1996) trabalham com a hipótese da proximidade geográfica para justificar as necessidades do público. Quanto mais o assunto se refere ao contexto do público, mais terá chance de ser notícia. Carlos Eduardo Franciscato apresenta os valores-notícia como binários. Defende que as notícias ora estão em um, ora no seu oposto. Nesta classificação específica apresenta proximidade e distância como elementos de complementaridade. Justifica a necessidade da notícia a partir da relação entre proximidade geográfica e cultural, ao passo que, o fato de, por exemplo, uma celebridade ser atingida pelo acontecimento, também ser notícia, mesmo em circunstâncias culturais e geográficas distantes. Para Traquina (2008) existem duas denominações, a saber: proximidade e relevância. Para o autor, a proximidade por ser observada a partir das relações geográficas e culturais, mas destaca a proximidade geográfica. O valor da relevância é expresso com base no pensamento de Wolf (2008) sobre o impacto na vida da nação, ou seja, eventos relacionados ao cotidiano de um grupo, que causam impactos a um grande número de pessoas. Gislene Silva (2014) como os 43 demais, apresenta a proximidade geográfica e cultural. Harcup e O’Neill (2016) apresentam a relevância como histórias que envolvam um grande grupo de pessoas e possuam relação de proximidade ou influência cultural e histórica. Todos os autores citam este valor notícia. Dessa maneira, percebe-se um consenso entre os pesquisadores sobre a existência da proximidade e/ou relevância como valor-notícia durante o processo de seleção da notícia. A proximidade pertence tanto à seleção quanto à construção. O acontecimento pode ter relação proximal tanto cultural quanto geográfica, bem como, por meio de recursos do processo produtivo, pode-se atribuir proximidade ao evento. Constrói-se o produto demonstrando ao receptor a relevância da notícia para sua vida, criam-se laços de proximidade. A definição apresentada por Galtung e Ruge (1993) reflete melhor esta hipótese. Os autores apresentam a significância a partir de dois âmbitos, proximidade cultural e relevância. A relevância atrela-se ao processo de produção, pois se relaciona a acontecimentos em lugares culturalmente distantes, mas que podem ser noticiados, por carregarem significados. Com exemplo, os conflitos no Oriente Médio, que diversas vezes dificultaram as visitas de turistas à Terra Santa. Consonância apresentada por Galtung e Ruge (1993) a partir da metáfora “Quanto mais consonante for o sinal com a imagem mental do que se espera encontrar, mais provável será a audição dessa frequência” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 64). Os autores expandem o valor-notícia em duas denominações, predicatibilidade e exigência. Partem da premissa do que se espera e do que é apresentado no evento. É possível pensar este valor-notícia a partir da concepção de horizonte de expectativas de JAUSS (1994) bem como, os modos de endereçamento de Hartley (2001). Para Jauss e Hartley há uma forte relação entre o público e o que os veículos de comunicação apresentam. Por mais que não se tenha uma noção completa de quem é o seu público, o veículo elaborará seu produto em busca de maiores audiências. Franciscato (2014) apresenta os extremos, normalidade e anormalidade. A anormalidade é compreendida pelas relações daquilo que rompe com as relações habituais. Já a normalidade reflete a constância das coisas dentro da normalidade. Para Traquina (2008) a consonância é um valor-notícia de construção. Quanto mais se insere o acontecimento em uma narrativa já estabelecida, mais terá possibilidade de ser noticiado. Para Harcup e O’Neill (2016) este valor-notícia é traduzido pela boa notícia (good news), ou seja, histórias particularmente positivas. Pensar as notícias positivas relacionadas à consonância apresentada 44 pelos demais autores é refletir o pensamento de normalidade apresentado por Franciscato (2014). A consonância está presente no processo de construção noticiosa, está no saber compartilhado entre emissor e receptor. Deve corresponder às expectativas do receptor. Pode também ser atribuída às relações de concorrência. Preocupa-se com a facilidade de recepção. Por sua estruturação, a consonância também se relaciona aos valores humanos, ou seja, aquilo que o receptor cria em sua imagem mental, o que deseja, o que espera. Imprevisibilidade. Em 1922, Lippmann (2010) já alertava sobre a presença da imprevisibilidade nos acontecimentos. Denominou de elemento surpresa, pois para o autor, todo acontecimento necessita da surpresa, do inesperado para adquirir a capacidade de ser noticiado. Galtung e Ruge (1993) tratam de imprevisibilidade, abordam-na sob a perspectiva da metáfora radiofônica, “quanto mais inesperado for o sinal, mais provável será a audição dessa frequência” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 64). Para os autores, este fator vem corrigir a significância e a consonância, e pode ser observado sob as perspectivas da impredictabilidade e escassez, ou seja, pode ser imprevisível ou raro. Defendem que a imprevisibilidade serve para mostrar a necessidade do inesperado ou raro. O que é “[...] contínuo e repetitivo em intervalos regulares e pequenos, não atrai praticamente muita atenção” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 66). Shoemaker e Reese (1996) apresentam o incomum. Afirmam que nosso pensamento sempre reflete acontecimentos futuros, semelhantes aos atuais. Quando o incomum acontece, desperta interesse. Franciscato (2014) apresenta, continuidade e ruptura, normalidade e anormalidade. Sobre o primeiro, corrobora com o pensamento de Shoemaker e Reese (1996) a respeito do cotidiano e o rompimento desta rotina. Em normalidade e anormalidade, afirma que esta é uma forma de ruptura das coisas ordinárias, do padrão. Para Traquina (2008) inesperado é classificado como valornotícia de seleção, um critério substantivo, ou seja, inerente ao fato. “Aquilo que irrompe e surpreende a expectativa da comunidade jornalística” (TRAQUINA, 2008, p. 84). A brasileira Gislene Silva apresenta dois valores-notícia que podem se enquadrar nesta classificação: surpresa, que contempla o inesperado, e raridade, que contempla o incomum, original e inusitado. Harcup e O’Neill (2016) denominam surpresa o valor-notícia caracterizado como histórias com elemento surpresa, contraste e o incomum. É interessante destacar que os autores corroboram com a definição de Lippmann (2010) quando se referem ao elemento 45 surpresa, apesar de suas pesquisas terem como base a produção e definições de Galtung e Ruge (1993). Este valor-notícia une acontecimentos relacionados ao inesperado, mas também às situações incomuns. Uma denominação adequada para abarcar suas características é a ruptura, pois rompe com o habitual e provoca no receptor o interesse, a curiosidade. É inerente ao acontecimento, não precisa ser construído. Acontecimentos imprevisíveis ou raros assumem a forma de notícia com maior facilidade, tem grande notoriedade, pois fogem da normalidade habitual, do desejado pelo receptor. Este valor-notícia provoca a relevância apontada por Galtung e Ruge (1993). Um acontecimento imprevisível, mesmo sem relação cultural ou geográfica, pode ser relevante para o receptor devido à imprevisibilidade. Continuidade. Elencado por Galtung e Ruge (1993, p. 64) “Se um sinal for sintonizado é provável que mereça a pena escutá-lo”. Para os autores, logo que algo se torna notícia, permanecerá por um período de tempo sendo noticiado. É o desenrolar da história. Franciscato (2014) apresenta a dualidade dimensional, continuidade e ruptura, um espaço compreendido entre o surgimento de eventos que rompam com a normalidade e a continuidade desses eventos. Como exemplo, pode-se citar um assassinato. Ao ser noticiado pela primeira vez, representa a ruptura, o desenrolar do caso, o acompanhamento do assunto será a continuidade. Mas é preciso destacar que ao mesmo tempo em que um evento pode ser continuidade ele também pode estar carregado de ruptura. Isso pode ser percebido quando o caso já vem sendo noticiado e descobre-se o acusado pelo crime. Acompanhamento é a denominação atribuída por Harcup e O’Neill (2016) para expressar o interesse sobre histórias de assuntos que já são notícia. Percebe-se que há um consenso geral dos autores. A continuidade pode ser compreendida como valor-notícia relativo ao meio. Relaciona-se com os demais valores. Como exemplo, pode-se citar um acidente aéreo, acontecimento com grande imprevisibilidade e magnitude que toma as páginas dos principais jornais do país. Apenas uma matéria em cada empresa jornalística não será suficiente para fornecer informações detalhadas sobre o assunto, mas diversas reportagens sobre as vítimas, causas do acidente e investigação. A continuidade será atribuída não somente aos acontecimentos imprevisíveis, mas a qualquer acontecimento que ganhe notoriedade. Equilíbrio. Galtung e Ruge (1993) apresentam a composição como um fator “Quanto mais um sinal for sintonizado, mais valerá a pena sintonizar um tipo de sinal 46 diferente da próxima vez” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 64). Afirmam a existência da composição de unidades, do formato de um jornal estabelecido a partir dos mais diversos formatos, como: entretimento, informação, atualidade. Defendem que um veículo não pode ser estruturado com apenas um formato de notícias. Gans (2004) se utiliza de dois valoresnotícia relativos ao produto, a saber: equilíbrio e formato. O equilíbrio, como a necessidade de selecionar em um grupo de histórias que contemplem todas as editorias. O formato, relacional a organização do produto. A partir dele, a estrutura informativa será organizada. “O formato existe por várias razões. Concretizam más lembranças e proporcionam ao público uma audiência familiar [...]”6 (tradução nossa) (GANS, 2004, p. 160). Wolf (2008) apresenta dois valores-notícia com a mesma especificidade, a saber: balanceamento (equilíbrio) e formato. Classifica balanceamento a partir de Galtung e Ruge (1993), como relativo ao produto, mas também complementa: “O valor de noticiabilidade de certos acontecimentos é, portanto, desenvolvido pelo fato de que eles representam categorias que concorrem para não desequilibrar o produto informativo” (WOLF, 2008, p. 218). Para o autor, o equilíbrio é uma prática consolidada. Como formato Wolf (2008) define as relações de espaço e tempo de um produto jornalístico específico. Está classificado como valor-notícia relativo ao meio. Para Traquina (2008) o termo correto é equilíbrio, valor-notícia de construção, pois é a capacidade de racionalizar, dividir e categorizar notícias, organizando-as de maneira que agrade ao público. O autor baseia-se na obra de Galtung e Ruge (1993) para estabelecer sua definição, mas vai além na categorização, não refletida pelos antecessores. O equilíbrio pode ser compreendido como valor-notícia relativo ao produto. Reflete-se como ponto de partida os programas que serão analisados nesta pesquisa. São semanais, exibidos em TV aberta, próximos ao horário nobre. A maioria apresenta apenas uma temática em cada edição, não há possibilidade de utilizar o equilíbrio como valor-notícia na composição do episódio. Mas se este valor-notícia for considerado para aplicação em impressos ou websites noticiosos, estará totalmente relacionado à mídia. Grau hierárquico. Em uma segunda fase de nomeações dos fatores, Galtung e Ruge (1993) apresentam quatro “fatores culturais”. Segundo os autores, estes influenciam na transição de acontecimento para notícia. “Quanto mais um acontecimento diga respeito às nações de elite, mais provável será a sua transformação em notícia” ou “Quanto mais o acontecimento diga respeito às pessoas de elite, mais provável será a sua transformação em 6 Versão original: Format exist for several reasons. They concretize médium considerations and provide the audience with a familiar structure [...]. 47 notícia” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 67). A partir da metáfora, os autores destacam as pessoas ou nações que detenham poder simbólico. “As pessoas de elite estão disponíveis não só para servir de objetos da identificação geral, mas também por causa da sua importância intrínseca” (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 67-68). Golding e Elliott (1979) encontram dois valores-notícia correspondentes, importância e elites. Definem elites como um valor-notícia dentro de outros valores. “[...] Grandes nomes são melhores notícias do que ninguém” 7 (tradução nossa) (GOLDING e ELLIOTT, 1979, p. 122). Compreende-o como valor-notícia de produção. “Elites são cobertas na medida em que suas atividades são acessíveis e na medida em que essas atividades coincidem com outros valores-notícia”8 (tradução nossa) (GOLDING e ELLIOTT, 1979, p. 122). Como importância, compreendem a inclusão de notícias que repercutam para um grande número de pessoas. Apresentam como principal exemplo, notícias relacionadas à política. Por esse motivo, importância relaciona-se com elites, pois volta-se para situações de poder. Gans (2004) aponta o representante governamental como potencial grau hierárquico. “A hierarquia governamental é visível e bem classificada, o que facilita para os jornalistas na tomada de decisões de importância”9(tradução nossa) (GANS, 2004, p.147). Para defender a existência do valornotícia grau hierárquico, classificado como critério substantivo, Wolf (2008) busca base teórica em Galtung e Ruge (1993) e na pesquisa sobre TV de Golding e Elliott (1979). Sua premissa parte da “medida” da importância do acontecimento noticiável a partir da hierarquia do poder. Shoemaker e Reese (1996) referem-se à quantidade de vidas impactadas por um acontecimento. Por essa primeira definição poder-se-ia dizer que proeminência/importância seria relacionado à amplitude. Mas os autores defendem a existência desse valor-notícia a partir de ações que envolvam detentores de poder e que afetem um grande público, por isso, relaciona-se ao pensamento de elite como valor-notícia. A vertente de Franciscato (2014) ao abordar os valores-notícia duplamente, aponta nesta relação, importância e interesse. “[...] outra dimensão dual bastante recorrente é a polaridade entre a qualidade de importância de uma notícia e a qualidade de ser uma notícia interessante” (FRANCISCATO, 2014, p. 104). Afirma que importância está vinculada aos processos de gestão e organização pessoal, mas interesse está associado a eventos ligados ao prazer, fruição da vida pública e privada. Traquina (2008) apresenta dois valores-notícia com características semelhantes, ambos 7 Versão original: [...] big names are better news than nobodies. Versão original: Elites are covered to the extent that their activities are accessible and to the extent that these activities match other news values. 9 Versão original: The governamental hierarchy is visible and nicely rank-ordered, which facilitates journalists in making importance judgments 8 48 classificados como pertencentes ao processo de seleção noticiosa. Pela concepção do pesquisador subdividem-se nessa categoria em substantivo – notoriedade. E contextual – dia noticioso. Define notoriedade como o valor-notícia vinculado às caracterizações apresentadas anteriormente por Galtung e Ruge (1993) sobre eventos relacionados às pessoas de elite e nações de elite. Dia noticioso se refere a duas situações. Primeiro, à concorrência entre os acontecimentos. Como exemplo, quando um evento programado cede lugar a uma catástrofe. Segundo, à necessidade de acontecimentos noticiáveis. O autor destaca que há dias carregados de acontecimentos, mas também há dias “pobres”. São nesses dias que acontecimentos carregados de pouca noticiabilidade conseguem virar notícia para “preencher espaço”. Gislene Silva (2014) denomina proeminência, subdividido em notoriedade, celebridade, posição hierárquica, elite (indivíduo, instituição, país), sucesso/herói; bem como a presença de governo, que agrupa: interesse nacional, decisões e medidas, inaugurações, eleições, viagens, pronunciamentos. Pela forma de classificação da autora, percebe-se a relação de proeminência com a classificação de elite em Galtung e Ruge (1993) e governo associado a importância, apresentada por Golding e Elliott (1979). No texto mais atual, Harcup e O’Neill (2016) apresentam dois valores-notícia com sentidos semelhantes, a elite poderosa e organização da agenda de notícias. O primeiro, sobre assuntos relacionados a grupos que detém poder, seja individual, por meio de organizações ou corporações. Já o valor-notícia organização da agenda de notícias é definido como histórias que se enquadram na agenda da organização de notícias. É interessante destacar que essa agenda da organização vincula-se à elite. Dessa forma, essas histórias, vinculadas a elite, se relacionam também ao poder. O grau hierárquico ou elite é um valor-notícia de seleção, inerente ao fato. A lógica para consideração deste valor é simples: quando um acontecimento envolve uma pessoa de grau hierárquico e/ou notoriedade, haverá mais facilidade de ser notícia. O interesse do receptor se torna maior, quando um fato refere-se a alguém de poder. Como exemplo, um esquema de corrupção. Delatores citam os nomes de governadores e/ou deputados federais. A infração pode transformar este acontecimento em notícia, mas o envolvimento de pessoa de elite possibilita maior chance. Personalização. Galtung e Ruge (1993) apresentam referência a pessoas como valor-notícia. “Quanto mais o acontecimento puder ser visto em termos pessoais, devido à ação de indivíduos específicos, mais provável será a sua transformação em notícia” 49 (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 67). Caracteriza o valor-notícia como personificação e apresenta justificativas: 1. A personificação é um resultado do idealismo cultural segundo o qual o homem é dono do seu próprio destino e os acontecimentos podem ser vistos como o resultado de um ato de livre vontade. Numa cultura com uma visão mais materialista, não deve ser este o caso. Os fatores estruturais devem ser realçados, haverá mais eventos envolvendo as pessoas ou tendo as pessoas como instrumentos, do que acontecimentos causados pelas pessoas. 2. A personificação é uma consequência da necessidade de significado e consequentemente de identificação; as pessoas podem servir mais facilmente como objetos de identificação positiva e negativa através de uma combinação de projeção e empatia. 3. A personificação é um resultado do fator-frequência: as pessoas podem agir durante um espaço de tempo a adequado à frequência dos media noticiosos, as “estruturas” são mais difíceis de fixar no tempo e no espaço. 4. A personificação pode ser vista como uma consequência direta da concentração elitista, mas distinta dela. 5. A personificação está mais de acordo com as modernas técnicas de recolha e apresentação das notícias (GALTUNG e RUGE, 1993, p. 68). Apontam o que se percebe ao longo das décadas nos mais variados veículos de comunicação: a utilização de pessoas para fornecer credibilidade à notícia, a presença dos personagens que são a própria história ou testemunhas dela. Golding e Elliott (1979) definem como personalidades. Este valor-notícia surge da necessidade de tornar as histórias compreensíveis, ou seja, reduzir atos complexos a ações de indivíduos. Traquina (2008, p. 92) “[...] por personalizar, entendemos valorizar as pessoas envolvidas no acontecimento: acentuar o valor pessoa”. A personalização é categorizada como valor-notícia de construção. Tornou-se importante, pois estudos comprovam que pessoas se interessam por notícias sobre outras pessoas. Harcup e O’Neill (2016) apresentam celebridade, valor-notícia com características e traços diferenciados dos demais valores já apresentados nesta classificação. Enquanto as afirmativas de Galtung e Ruge, Golding e Elliott e Traquina apontam para a referência a pessoas de forma geral, celebridade, apresentada por Harcup e O’Neill é compreendida como histórias voltadas para pessoas famosas, as celebridades. O formato atribuído às notícias sempre busca envolver personagens, em algumas situações, os próprios repórteres se transformam nos personagens com o objetivo de fornecer confiabilidade para o receptor. Este valor-notícia está presente na seleção, mas também na construção. Quando um acontecimento envolve uma personalidade, ganha notoriedade e facilmente será notícia. Mas como citado anteriormente, na estruturação do produto, pode-se utilizar da personalização para atribuir notoriedade ao assunto, como repórteres que se vestem 50 de boias-frias para mostrar a realidade dos trabalhadores. Ou mesmo, quando uma equipe de reportagem pauta-se na história de vida de uma pessoa comum, com o objetivo de fornecer “credibilidade” para o telespectador. A personagem já existe, mas irão lhe atribuir personalização. O último valor-notícia apresentado por Galtung e Ruge (1993, p. 67) é a referência a algo negativo definido em metáfora como “Quanto mais negativo for o acontecimento nas suas consequências, mais provável será sua transformação em notícia”. Assim como sobre o valor-notícia referência a pessoas, também apresenta destaque para justificar sua presença: 1. As notícias negativas entram no canal noticioso mais facilmente porque satisfazem melhor o critério de frequência. [...] 2. As notícias negativas serão mais facilmente consensuais e inequívocas no sentido de que haverá acordo acerca da interpretação do acontecimento como negativo. Um acontecimento “positivo” pode sê-lo para algumas pessoas e não o ser para outras, e por isso não satisfazer o critério de clareza. [...] 3. Diz-se que as notícias negativas são mais consonantes com, pelo menos, algumas pré-imagens dominantes do nosso tempo. Importa é que as notícias negativas preencham algumas necessidades latentes ou manifestas e de que muitas pessoas têm essas necessidades. [...] 4. As notícias negativas são mais inesperadas do que as positivas, tanto no sentido de que os acontecimentos referidos são mais raros, como no sentido de que são menos previsíveis. [...] Negatividade. Para justificar sua afirmativa Galtung e Ruge (1993) apresentam referência a algo negativo como um valor-notícia composto de outros valores-notícia, como: frequência, inequivocidade, consonância e imprevisibilidade. Reafirmam, dessa maneira, sua tese de que quanto mais fatores existentes em um acontecimento, mais chances ele terá de ser noticiado. Golding e Elliiott (1979) apresentam dois valores-notícia pertencentes a esta categoria. Negatividade, relacionado ao inesperado. Relatam que notícias positivas geralmente já estão no cotidiano das pessoas, enquanto as notícias negativas ocorrem quando há algo fora da normalidade, por isso sua presença em um grande número de notícias. Drama, a partir de dois âmbitos, seja a capacidade de alguns acontecimentos possuírem o drama, ou da dramaticidade ser ampliada no processo de construção. Mas pela classificação dos autores, o valor-notícia se enquadra principalmente no primeiro âmbito (drama inerente ao acontecimento). Os autores ainda fazem uma consideração sobre o drama e sua relação com o conflito “A estrutura dramática é muitas vezes alcançada pela apresentação de conflitos” 10 10 Versão original: Dramatic structure is often achieved by the presentation of conflict. 51 (tradução nossa) (GOLDING e ELLIOTT, 1979, p. 115).Wolf (2008) apresenta infração como valor-notícia relativo ao produto. Justifica sua escolha a partir das definições apresentadas por Galtung e Ruge (1993). Estabelece destaque para a relação entre infração e imprevisibilidade. (Traquina, 2008, p. 85) infração está classificada como valor-notícia de seleção – substantivo. Definido como “a violação, a transgressão de regras”. Em seu discurso, defende a relação desse valor-notícia com as noticias que tratam sobre crimes. A dramatização, valor-notícia de construção “[...] é o reforço dos aspectos mais críticos, o reforço do lado emocional, a natureza conflitual” (TRAQUINA, 2008, p.92). Gislene Silva (2014) apresenta justiça como valor-notícia que agrega: julgamentos, denúncias, investigações, apreensões, decisões judiciais e crimes. Uma relação com as ideias apresentadas por Traquina (2008). Em Harcup e O’Neill (2016) encontra-se má notícia (bad news), histórias com aspectos particularmente negativos. O segundo valor-notícia apresentado pelos autores, que também se enquadra nesta classificação é o drama, ou seja, histórias sobre: batalhas judiciais, resgates ou acidentes. Este valor-notícia permeia entre a seleção e a construção. Um drama e/ou tragédia é considerado como acontecimento relevante para ser transformado em notícia. Mas os aspectos melodramáticos também podem ser reforçados no processo de construção, para conceder maior visibilidade ao produto. Este valor-notícia também poderia relacionar-se à magnitude, pois à medida que os aspectos dramáticos são reforçados a amplificação também é construída. Dessa maneira, drama e/ou dramatização são valores-notícia que se enquadram em todo o processo noticioso. Conflito. Lippmann (2010) apresenta o conflito pessoal como valor-notícia. O autor defende que para um acontecimento adquirir o caráter de notícia, necessita de uma relação conflituosa para atrair a atenção do receptor. Shoemaker e Reese (1996) justificam a presença do conflito a partir da relação da sociedade com a harmonia e o conflito. Para eles, quando as relações estão harmoniosas não possuem valor noticioso, mas ao adquirirem aspecto conflitante, tornam-se acontecimentos carregados de noticiabilidade, pois as pessoas querem saber mais sobre o conflito. Para Traquina (2008) conflito ou controvérsia faz parte dos valores-notícia de seleção – critérios substantivos. É compreendido sob o aspecto da violência física ou simbólica, ou seja, a quebra da ordem social, a ruptura da harmonia. Gislene Silva (2014) apresenta dois valores-notícia com estas características, o primeiro é o conflito, que agrega: guerra, rivalidade, disputa, briga, greve e reivindicação. O segundo 52 valor-notícia citado por Gislene Silva (2014) é a polêmica, com a presença da controvérsia e escândalo, assemelhando-se à definição apresentada por Traquina (2008). Para Harcup e O’Neill (2016) conflito refere-se a histórias sobre conflitos e controvérsias, ressaltando a definição apresentada por Traquina (2008). Os autores corroboram ao tratar do conflito, como valor-notícia de seleção – substantivo. A partir da análise é possível traçar uma reflexão semelhante, pois o conflito pertence ao acontecimento, não é construído. Reflete a quebra de ordem social. Dessa maneira, classifica-se este valor-notícia como de seleção – substantivo. Novidade. Apresentado pela primeira vez por Golding e Elliott (1979) como requisito de produção. Deriva de dois fatores: da competição jornalística tradicional, da busca pela exclusividade; Mas também da periodicidade da produção de notícias, que vive sempre em um ritmo acelerado. Novidade provém da cobrança pela velocidade da coleta e processamento. Gans (2004) ao apresentar as considerações substantivas defende a necessidade da significância entre passado e futuro, ou seja, a atualidade. Afirma que notícias retomam acontecimentos passados, em épocas denominadas “aniversários”. Como valor relativo ao produto, traz a novidade: “A novidade faz parte da definição de notícias e está circunscrita pelo período entre os prazos anteriores e os atuais” 11(GANS, 2004, p. 167). O autor defende que a novidade é inerente às notícias. Wolf (2008) apresenta novidade como relativo ao produto. A definição apresentada é a mesma trazida por Golding e Elliott (1979) anos anteriores. Shoemaker e Reese (1996) apresentam, oportuno (timeliness). Para os autores, nós, humanos temos uma atenção limitada. Desejamos sempre saber o que está acontecendo. Dessa forma, há a necessidade de expor eventos em tempo hábil. Atualidade e distanciamento do tempo presente é a dimensão dual apresentada por Franciscato (2014). Afirma que a temporalidade indica um fenômeno como noticiável por suas qualidades temporais. Mesmo que um evento seja passado, mas faça parte de um calendário, ele poderá ser lembrado. Como exemplo, o dia da independência do Brasil, aconteceu em 1822, mas todos os anos, é lembrado nos mais diversos veículos de comunicação do país. A essas características o autor atribui tanto atualidade, como distanciamento do tempo presente. Traquina (2008) apresenta dois valores-notícia classificados como seleção – substantivos, correspondentes às características apresentadas, novidade e tempo. Novidade é definida como algo novo para voltar a falar sobre um determinado assunto. Tempo é definido como um fator 11 Versão original: Novelity is part of the definition of news and is circumscribed by the period between the previous and current deadlines. 53 na forma de atualidade, o autor cita como exemplo os aniversários. Gislene Silva (2014) denomina conhecimento/cultura, composto por descobertas, invenções, pesquisas, progresso, atividades e valores culturais, religião. Elementos presentes quando deseja tratar de novidades, temporalidades. A discussão sobre novidade e atualidade aponta para os princípios fundamentais do jornalismo, conceituados por Groth (2011). A atualidade é designada pelo autor como característica da tarefa do jornal, de oferecer, mediar algo atual. Uma relação puramente temporal, definida como a aproximação do presente. Groth ainda faz a distinção entre novidade e atualidade, pois a primeira não é conceito temporal, mas relaciona-se ao conhecer, significa que o sujeito até o momento não sabia de algo e agora o faz. O autor se utiliza do termo atual-novo como sendo o âmago do conteúdo do jornal. Para ele, significa aguçar o interesse, incitar o interesse mais avivado do leitor. E aliado a isso, como especificidade do jornal encontra-se a simultaneidade, que sobrepassa o presente e antecipa o futuro, o extremo da atualidade, um ideal ainda não alcançando. Embora este último não seja uma especifidade do jornal sua presença se dá por causa da atualidade, na medida em que o jornalista quer informar, coloca-se voltado para o futuro. Dessa maneira, a novidade é considerada valor-notícia relativo ao meio, pois a partir da definição de Groth (2001) e dos demais pesquisadores apresentados pelo quadro comparativo, é fator necessário para a produção noticiosa. Atemporal, proporciona ao receptor fazer saber o que antes era desconhecido. Compreende-se, que a novidade é um conceito atemporal, enquanto a atualidade está relacionada ao tempo. São critérios de noticiabilidade fundamentais no processo noticioso, se inter-relacionam. Entretenimento. Apresentado por Golding e Elliott (1979, p. 117) como um valornotícia utilizado pelos veículos com vistas a alcançar audiências. Fornecem dessa maneira material humorístico. “A história de ‘interesse humano’ foi inventada justamente para este fim”12 (tradução nossa). Gans (2004) denomina interesse (interesse humano e entreter). Afirma que histórias interessantes são histórias de pessoas, evocam o entusiasmo do público, pois são livres das tensões encontradas em histórias importantes. Wolf (2008) utiliza interesse, a partir das afirmativas de Golding e Elliott (1979), ou seja, trabalha com a mesma definição de entretenimento apresentada anteriormente. Shoemaker e Reese (1996) 12 Versão original: The ‘human interest’ story was invented for just this purpose. 54 denominam interesse humano. Para os autores, as pessoas se interessam por coisas que não afetam suas vidas, como as fofocas, dramas humanos e celebridades. Franciscato (2014) denomina importância e interesse. O interesse, tratado nesta classificação é compreendido pelo autor como “[...] eventos de prazer ligados a um prazer de fruição da vida pública e privada, sendo-lhe atribuído um sentido leve, quase lúdico” (FRANCISCATO, 2014, p. 105). Gislene Silva (2014) atribui entretenimento/curiosidade, valor-notícia composto por aventura, divertimento, esporte e comemoração. Harcup e O’Neill (2016) apresentam entretenimento como histórias suaves com tratamento humorístico. Nota-se na caracterização desses valores por seus autores a preocupação com o público, ou seja, o que Jauss (1994) definiu como horizonte de expectativa, John Hartley (2001) chama de modos de endereçamento e Vizeu (2005) denominou audiência presumida, ou seja, a adequação do que será noticiado, com o objetivo de agradar o receptor. O interesse no processo noticioso está presente na seleção e na construção. Podese selecionar um assunto pelo interesse que ele desperta, mas também, pode-se provocar o interesse por este assunto a partir da construção. Uma das estratégias utilizada como recurso de construção é o entretenimento. Dessa forma, interesse possui relação proximal com personalidades e pessoas de elite. O público desperta curiosidade sobre a vida de artistas ou de pessoas de notoriedade. Como exemplo, episódio do programa Conexão Repórter sobre a vida do deputado Eduardo Cunha. Foi apresentado para o receptor o Eduardo pessoa comum, em sua residência, ao redor da família. Questionamentos como: Quem é esta pessoa? Que histórias ela tem para contar? São despertados a partir do interesse. Também se relaciona com o equilíbrio. Geralmente notícias com este valor-notícia como predominante são inseridas para provocar no receptor momentos de distração, entre histórias que comumente se relacionam a fatores negativos. Como exemplo, assuntos tratados em telejornais. Organizamse com o binário: uma notícia ruim e uma notícia boa, geralmente nesta notícia boa estão o entretenimento e o interesse humano. Visualidade. Golding e Elliott (1979), já durante a década de 1970, demonstraram preocupação com os elementos visuais nas notícias. Como desenvolveram a pesquisa no âmbito televisivo, percebiam a impossibilidade de produzir alguma notícia na TV sem imagens, pois esta é a base de sustentação deste veículo. Apresentam atrativos visuais como a capacidade dos veículos em explorar o poder dos meios visuais. “Grande importância é 55 atribuída à apresentação visual”13 (tradução nossa) (GOLDING e ELLIOTT, 1979, p. 116). Gans (2004) denomina material audiovisual, o valor-notícia que se refere aos aspectos tecnológicos inseridos no produto noticioso, com o objetivo de “chamar a atenção” do público. Especifica-o como valor relativo ao produto. Compreende-se a reflexão de Gans a partir de sua pesquisa, voltada em sua maioria, para os aspectos da TV. Mas, por meio de analise geral, este valor-notícia relaciona-se ao meio. Wolf (2008) afirma que esse valornotícia é relativo ao meio e o denomina de material visual, baseado nas concepções apresentadas por Golding e Elliott (1979), mas também complementa: Na informação televisiva, a avaliação da noticiabilidade de um acontecimento concerne também à possibilidade de ele fornecer um “bom” material visual, ou seja, imagens que não apenas correspondam aos padrões técnicos normais, mas que também sejam significativas, que ilustrem os pontos de destaque do evento noticiado (WOLF, 2008, p. 219). Traquina (2008) denomina como valor-notícia de seleção – contextual a visualidade, não cita Wolf, mas utiliza a mesma justifica “bom” material visual. Harcup e O’Neill (2016) chamam audiovisual histórias que possuem vídeos ou fotografias, ou mesmo que possam ser ilustradas por infográficos. Ou seja, são justificativas que se complementam, apenas com nomeações diferentes. Portanto, a visualidade, recursos visuais ou audiovisual são relativos ao meio, pois independe o formato do produto jornalístico. Sempre serão utilizadas como recursos para atrair a atenção do receptor. O impresso se utilizará da fotografia, a TV do vídeo, seja ele profissional ou amador, dependerá da necessidade e da possibilidade de exploração da imagem. Os websites também têm se utilizado dos vídeos para complementar seus textos. Ou seja, é um valor-notícia de seleção e construção. A escolha do evento para ser noticiado pode partir da existência de material visual, enquanto o outro evento não tem. Mas a visualidade pode também ser construída por meio de vídeos e imagens jornalísticas. Este critério pode ser relacionado também à concorrência, pois à medida que o veículo apresenta uma imagem e/ou vídeo inédito, haverá maior probabilidade de consumo. Disponibilidade. Valor-notícia apresentado apenas por Traquina (2008), mas tratado pelos demais autores como rotina jornalística. Classificado como valor-notícia de seleção – contextual. “[...] É a facilidade com que é possível fazer a cobertura do acontecimento” (TRAQUINA, 2008, p. 88) . Parte do princípio da impossibilidade de cobrir 13 Versão original: Great importance is attached to visual presentation. 56 todos os eventos, devido os custos gerados e a realidade de recursos limitados. A instituição jornalística precisa selecionar alguns acontecimentos para dar visibilidade. A defesa de Traquina deste valor-notícia relativo ao meio é pertinente. Cada veículo tem seu financiamento, seus recursos. Há impossibilidade de cobertura de determinados acontecimentos, mas outros, devido à facilidade de cobertura são compreendidos como “disponíveis”. Independente de grandes ou pequenos, todos os veículos comunicação vivenciam este fator. Concorrência. Gans (2004) elenca concorrência como valor-notícia. A necessidade de fornecer exclusividade para o receptor é provocada pela concorrência. Buscase o “furo” da reportagem. A lógica seguida pelas empresas é simples: se um jornal e/ou telejornal sempre apresenta exclusividades, terá um público maior e, por conseguinte, a possibilidade de maiores patrocínios, o investimento de novos patrocinadores. Traquina (2008) também apresenta um valor de seleção – contextual relativo à concorrência noticiosa. Concorrência (exclusividade) traduz-se na busca pelo “furo” de reportagem. Harcup e O’Neill (2016) chamam de exclusividade histórias disponibilizadas primeiro, àquelas que são resultados de investigação. A justificativa dos irlandeses se assemelha à caracterização apresentada por Traquina. Dessa maneira, a concorrência (exclusividade) pode ser considerada valor-notícia relacionado ao meio. É a partir das exigências do meio jornalístico que emana a exclusividade como característica da concorrência, da competitividade. Compreende-se a exclusividade como valor-notícia a partir da premissa: se um acontecimento é exclusivo, terá mais chance de ser notícia do que algo que já foi noticiado. A partir da análise dos valores-notícia de Lippmann – 1922; Galtung e Ruge – 1965; Golding e Elliott – 1979; Gans – 1979; Wolf – 1985; Shoemaker e Reese – 1991; Franciscato – 2002; Gislene Silva – 2004; Traquina – 2005; Harcup e O’Neill – 2016, pode-se constatar a existência constante das listagens de valores-notícia ao longo das décadas, além de diversas classificações estabelecidas. Mas é possível notar denominações diferentes para um mesmo valor-notícia, um mesmo significado. Ao longo das décadas, os 12 fatores citados por Galtung e Ruge (1993) ainda prevalecem e são constantemente pesquisados, visitados e revisitados, como fizeram os Irlandeses Harcup e O’Neill em duas publicações, 2001 e 2016. Com esta pesquisa, pode-se observar as relações de mutualidade entre os valoresnotícia, ou seja, há uma interdependência. Como exemplo, cabe destacar a utilização de Traquina (2008) do valor relevância como seleção e como construção, pois foi essa a 57 constatação da pesquisa, um mesmo valor pode estar presente, seja no processo de seleção ou construção, como substantivo, como relativo ao meio, ao produto, ao público ou mesmo à concorrência. Nota-se que os autores classificaram os valores-notícia com vistas a organizálos, mas alguns foram além do tempo, como: Golding e Elliott (1979), Gans (2004) e Lippmann (2010). Após diversas décadas ainda são as grandes referências quando se trata sobre noticiabilidade. Portanto, fez-se necessário a classificação dos valores-notícia apresentados pelos autores, denominados fatores, critérios de noticiabilidade, critérios relativos ao meio, produto e concorrência ou mesmo, valores-notícia. A compilação dos critérios no quadro a seguir, servirá como base de classificação para a análise dos episódios dos programas A Liga, Conexão Repórter e Profissão Repórter. Segue-se a divisão: critérios de seleção e critérios de construção. Para observar os critérios de seleção presentes no programas, foram observados os títulos de todas as edições: temporadas de 2010 a 2015. Os critérios de construção foram analisados a partir da seleção de 36 episódios: 6 episódios de cada programa em 2010, total de 18 na temporada e 6 episódios de cada programa em 2015, total de 18 na temporada de 2015. Quadro 4 – Critérios – reelaboração QUADRO DE CRITÉRIOS - REELABORAÇÃO CRITÉRIOS DE CONSTRUÇÃO CRITÉRIOS DE SELEÇÃO SUBSTANTIVOS RELATIVOS AO MEIO RELATIVOS AO PRODUTO RELATIVOS À CONCORRÊNCIA Magnitude Amplificação Brevidade e simplificação Clareza do fato Imprevisibilidade Grau hierárquico Referência a pessoas Personalidade Infração Drama Conflito Novidade Interesse Personalização Dramatização Entretenimento Proximidade geográfica e cultural Relevância Proximidade geográfica e cultural Consonância Continuidade Atualidade Continuidade Equilíbrio Visualidade Disponibilidade Visualidade Exclusividade