Comunicação e Expressão
Autora: Profa. Ana Lúcia Machado da Silva
Colaboradoras: Profa. Cielo Festino
Profa. Joana Ormundo
Profa. Tânia Sandroni
Professora conteudista: Ana Lúcia Machado da Silva
Ana Lúcia Machado da Silva é mestre em língua portuguesa pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e especialista em língua portuguesa pela mesma instituição. Foi professora do
ensino básico em rede pública e privada da disciplina Língua Portuguesa durante quase vinte anos.
Ministra aulas de Análise do Discurso, Semântica e Pragmática, entre outras, no curso de graduação
em Letras pela Universidade Paulista. Ministra também aulas em módulos para cursos de lato sensu
pela UNIP e Faculdade Atibaia.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S586c
Silva, Ana Lúcia Machado da
Comunicação e Expressão. / Ana Lúcia Machado da Silva. - São
Paulo: Editora Sol, 2011.
208 p., il.
Notas: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-035/11, ISSN 15179230.
1. Comunicação 2. Contexto 3. Textos Acadêmicos I.Título
CDU 801
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Material Didático – EaD
Comissão editorial:
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Dr. Cid Santos Gesteira (UFBA)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualiicação e Avaliação de Cursos
Projeto gráico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Leandro Freitas
Sumário
Comunicação e Expressão
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7
Unidade I
1 TEXTO E CONTEXTO ............................................................................................................................................9
2 CONHECIMENTO LINGUÍSTICO .................................................................................................................. 28
2.1 Conhecimento lexical ......................................................................................................................... 33
2.2 Conhecimento fonético/fonológico ............................................................................................. 45
3 CONHECIMENTO LINGUÍSTICO .................................................................................................................. 56
3.1 Conhecimento morfológico ............................................................................................................. 56
3.2 Conhecimento sintático .....................................................................................................................71
3.3 Conhecimento semântico ................................................................................................................. 76
4 CONHECIMENTOS DE MUNDO E INTERACIONAL ............................................................................... 90
Unidade II
5 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO TEXTO ................................................................................................ 117
6 INTERTEXTUALIDADE....................................................................................................................................128
7 INFORMAÇÕES IMPLÍCITAS E ALTERAÇÃO NO SENTIDO ...............................................................153
7.1 Pressuposto e subentendido ..........................................................................................................153
7.2 Metáfora e metonímia .....................................................................................................................156
7.3 Procedimentos argumentativos ...................................................................................................161
8 GÊNEROS DISCURSIVOS OPINATIVOS E INFORMATIVOS ..............................................................172
8.1 Artigo de opinião................................................................................................................................172
8.2 Resenha ..................................................................................................................................................184
8.3. Divulgação cientíica .......................................................................................................................191
APRESENTAÇÃO
Caro aluno,
Quando falamos em comunicação, a abrangência é ilimitada. Na interação humana, a comunicação
pode ser realizada por meio de um simples gesto, ou até por meio da complexidade de um texto
cientíico escrito. Dois conhecidos se encontram na rua, cada um de um lado dela, e o meio mais fácil de
cumprimento acaba se tornando o gestual: ambas as pessoas, então, levantam a mão e a gesticulam de
forma típica. Uma mãe, preocupada com o atraso da ilha, liga e elas conversam, ou seja, comunicam-se
por meio da língua portuguesa.
Dado o alcance da comunicação e de suas formas de expressão, os objetivos gerais da disciplina
Comunicação e Expressão são: ampliar os conhecimentos e vivências de comunicação e de novas leituras
do mundo, por meio da relação texto/contexto; propiciar a compreensão e valorização das linguagens
utilizadas nas sociedades atuais e de seu papel na produção de conhecimento; vivenciar processos
especíicos da linguagem e produção textual: ouvir e falar; ler e escrever – como veículos de integração
social; e desenvolver recursos para utilizar a língua, por meio de textos orais e escritos, não apenas como
veículo de comunicação, mas como ação e interação social.
Quanto aos objetivos especíicos, pretendemos desenvolver: o universo linguístico do aluno,
incorporando recursos de comunicação oral e escrita; a capacidade de leitura e redação, a partir da
análise e criação de textos; o pensamento analítico e crítico, estabelecendo associações e correlações de
conhecimentos e experiências; seus recursos pessoais para identiicação, criação, seleção e organização
de ideias na expressão oral e escrita; a atitude de respeito ao desaio que constitui a interpretação e
construção de um texto.
INTRODUÇÃO
A comunicação relaciona-se com a linguagem, em particular com a linguagem verbal, ou seja, a
língua, sendo que, no caso do Brasil, a língua portuguesa. Sobre a linguagem verbal, como esclarece
Baccega (1998, p. 22), “só o código linguístico, a palavra, possui a condição de penetrar todos os campos,
de se fazer presente em todos os domínios, de interpretá-los, inter-relacionando-os e facultando,
portanto, as mudanças”.
A comunicação é um processo de elaboração do real, do vivido, nas inter-relações entre os indivíduos,
ambos construindo os valores da sociedade, cujo resultado aparece manifestado na expressão: produção
e leitura do produto cultural – o texto.
Assim, unimos comunicação e expressão por meio do texto. Esperamos de você, caro aluno, aptidão
para ler e produzir textos de forma eiciente, aliando o conhecimento da língua à formação do indivíduo
crítico, consciente e participativo do processo de transformação social.
O mundo é efeito da linguagem e a linguagem verbal inluencia nosso modo de percepção da
realidade. Mais, todo texto tem uma intencionalidade e precisamos conhecer os mecanismos que a
sustentam. Ao dialogar com o outro, desvelamos a sua intenção.
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Enim, por meio da linguagem, construímos ou desconstruímos todo um universo. Para isso,
precisamos ser leitores dos textos que estão a nossa volta e poder avaliar criticamente o mundo,
interagindo e deixando marcas de transformações.
Convido-o, caro aluno, à leitura do poema “Quadrilha da sujeira”, do poeta Ricardo Azevedo:
Quadrilha da sujeira
João joga um palitinho de sorvete na
rua de Teresa que joga uma latinha de
refrigerante na rua de Raimundo que
joga um saquinho plástico na rua de
Joaquim que joga uma garrainha
velha na rua de Lili.
Lili joga um pedacinho de isopor na
rua de João que joga uma embalagenzinha
de não sei o que na rua de Teresa que
joga um lencinho de papel na rua de
Raimundo que joga uma tampinha de
refrigerante na rua de Joaquim que joga
um papelzinho de bala na rua de J. Pinto
Fernandes que ainda nem tinha
entrado na história.
(AZEVEDO, 2007).
Você tem a impressão de que já conhece o texto “Quadrilha da sujeira”? Deixo para você uma
situação-problema, que pode ser respondida à medida que você for lendo este livro-texto.
Situação-problema:
• Por que “Quadrilha da sujeira” é considerado um texto?
• Quando lemos “Quadrilha da sujeira”, temos a impressão ou a certeza de que já o conhecemos,
contudo com outra “cara”. Você sabe com qual outro texto “Quadrilha da sujeira” faz intertexto
(referência)? Na relação com outro texto, houve manutenção ou mudança em relação à estrutura
(forma como está montado o texto) e ao tema?
• Relacionando o texto “Quadrilha da sujeira” ao contexto atual de nosso sistema de vida, qual é a
intencionalidade do autor? O que ele espera de nós, leitores, por meio desse texto?
• A nossa leitura é possível porque conhecemos a língua portuguesa e sabemos que existe nela,
por exemplo, diminutivo. No texto, há palavras no diminutivo: “palitinho”, “garrainha” etc. O
diminutivo, no entanto, não indica tamanho reduzido das coisas. O que está subentendido no
emprego do diminutivo no texto?
Boa leitura do nosso livro-texto e desejo a você ótimo aproveitamento dele.
8
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Unidade I
1 TEXTO E CONTEXTO
Caro aluno, considere as duas ocorrências a seguir. A primeira delas é a disposição das letras M H
no teclado do computador e na atividade de alfabetização de uma criança. A segunda é o alinhamento
das letras
M
H
cada uma delas em uma porta no interior do restaurante.
Dadas as ocorrências, em qual delas nós temos uma situação verdadeira de comunicação?
Com certeza, você precisou apenas de um segundo para responder que a segunda situação forma um
contexto comunicativo. Ainal, qualquer brasileiro (ou conhecedor da nossa cultura) identiicará as letras
alinhadas em portas distintas em um restaurante como indicadoras de banheiros, respectivamente, (M)
para mulheres e (H) para homens. Temos, portanto, uma situação comunicativa, cujo sentido depende
do contexto especíico e da interação entre os interlocutores; no caso, o dono do restaurante que
escolheu tal forma para indicar o banheiro e o cliente do restaurante, usuário do banheiro. Podemos
considerar, então, que as letras M e H formam um texto.
Vejamos outro caso. Já parou para pensar em cédulas; isso mesmo, no nosso dinheiro em forma de
papel? Será que também nela se constitui um texto e, por conseguinte, uma situação de comunicação?
Destaco duas cédulas, de épocas diferentes.
Figura 1
É uma cédula brasileira de 1932. Nela nós encontramos as seguintes informações:
“Thesouro do Estado de S. Paulo. Brazil
Pró-Constituição – Domingos Jorge Velho
Cinco mil reis
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Unidade I
O portador deste receberá no Thesouro do Estado de S. Paulo a quantia de 5$000
(cinco mil reis) de accordo com o Decreto nº 5585 de 14 de julho de 1932.”
Você se lembra da cédula de dez reais comemorativa? Ela foi lançada em 2000 em homenagem ao
aniversário do país.
Figura 2
Nessa cédula, temos as seguintes informações:
“Dez reais
Brasil 1500 – 2000
Banco Central do Brasil
Pedro Álvares Cabral”
As cédulas têm especiicações em comum, como a nacionalidade, o nome da moeda em vigor e o
valor de sua nota. Relacionadas ao mundo inanceiro e de negociações, é mediadora na interação entre
os parceiros. Podemos considerar as cédulas um texto, porque cada uma é uma unidade de sentido
com linguagem e permite aos indivíduos a comunicação. Ressalto, porém, que dependendo da situação
comunicativa, a cédula adquire um sentido textual.
Apenas para exempliicar. A cédula como recurso de compra e venda de um produto torna-se, na
situação, um papel-moeda, cujo valor é o aspecto mais importante para vendedor e comprador. Para
estes, não importa se a cédula é deste ano ou foi feita dez anos atrás; se nela consta ou não o nome de
alguma personalidade histórica brasileira etc.
Já para dois numismatas, as cédulas acima assumem o sentido textual de estudo ou de coleção.
Nesse caso, os interlocutores discutem a época em que as cédulas foram criadas, a relevância para o
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COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
mercado de colecionadores, o estado de conservação delas e o valor no mercado. Por ser recente, a
cédula de 10 reais seria desconsiderada, talvez, pelos estudiosos; resta a cédula anterior, cujo valor atual
seria discutido entre os colecionadores.
As cédulas adquirem outro sentido para historiadores ou linguistas. A cédula como documento
histórico relete dois momentos do país. Na cédula de 1932, há a expressão “Pró-Constitução”, que leva
os historiadores a relacioná-la à Revolução Constitucionalista, ocorrida durante o governo de Getúlio
Vargas em 9 de julho do mesmo ano. A cédula demonstra tanto a mudança no país com a Constituição
(re)criada, quanto a aceitação dessa mudança por parte de um grupo sociopolítico. Na cédula de 2000,
por sua vez, os historiadores podem veriicar que serviu para comemorar o aniversário do descobrimento
do Brasil. Ela, assim, relete um posicionamento ideológico e político, porque mostra o país a partir do
colonizador, desconsiderando o povo indígena e sua história, ou seja, é como se o país passasse a existir
apenas com a presença dos colonizadores. Nesse sentido, ambas as cédulas exempliicadas reforçam
a história dos heróis, das grandes personalidades do país, não atendendo à concepção crítica atual
de que podemos também tratar sobre pessoas comuns. Ainal, nas duas cédulas, há retrato de duas
personalidades: Domingos Jorge Velho, bandeirante, explorador do país e caçador e matador de índios;
Pedro Álvares Cabral, considerado símbolo do descobrimento do Brasil, fato que deu início à dizimação
indígena.
Saiba mais
A história tradicional, ou história vista de cima, interpreta a história
por meio de grandes fatos ou personalidades de destaque do país.
Diferentemente desse paradigma, a nova história, ou história vista de baixo,
preocupa-se com as pessoas comuns e fatos ocorridos com a colaboração
do povo. Para saber mais, indico a obra A escrita da história, de Peter Burke,
em especial o capítulo A história vista de baixo.
BURKE, P(Org.). A escrita da história. São Paulo: UNESP, 1992.
Para fechar nossos exemplos, falaremos sobre charge.
Charge é um estilo de ilustração que tem por inalidade satirizar, por
meio de uma caricatura, algum acontecimento atual com uma ou mais
personagens envolvidas. A palavra é de origem francesa e signiica carga, ou
seja, exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo burlesco.
Muito utilizadas em críticas políticas no Brasil. Apesar de ser confundido com
cartoon (ou cartum), que é uma palavra de origem inglesa, é considerado
como algo totalmente diferente, pois ao contrário da charge, que sempre é
uma crítica contundente, o cartoon retrata situações mais corriqueiras do
dia a dia da sociedade. Mais do que um simples desenho, a charge é uma
crítica político-social onde o artista expressa graicamente sua visão sobre
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Unidade I
determinadas situações cotidianas através do humor e da sátira (http://
pt.wikipedia.org/wiki/Charge).
Uma pessoa querendo saber sobre charge pode encontrar na internet, no site Wikipédia, as
informações acima. O autor explica o que é charge, sua função comunicativa, compara-a com o cartum.
Devido à estrutura tradicional, com palavras, orações completas, parágrafo, bem como à coerência e à
pertinência do assunto, reconhecemos nessas informações e como elas são formalizadas um texto e
ninguém contrariaria nossa airmação.
Enim, podemos concluir que texto constitui-se de uma letra, uma frase ou conjunto de período. O
texto não precisa ser grande, como diz Antunes (2010); pode ter qualquer extensão, desde que seja um
todo uniicado e cumpra uma função comunicativa.
Exemplo de aplicaçâo
Em situação de comunicação, o que falamos/ouvimos e escrevemos/lemos são sempre textos.
Façamos uma amostra.
Amostra:
A - Textos ouvidos:
1. Faça um comentário sobre uma notícia ouvida pelo rádio ou televisão ontem à noite ou hoje de manhã.
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2. Tente fazer um resumo de uma conversa (depende do local onde você esteja neste momento, pode
ser entre colegas, familiares, ou mesmo pessoas desconhecidas) ouvida por você.
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B – Textos falados:
3. Quando foi sua última conversa com seu pai ou sua mãe? Lembra-se do assunto da conversa?
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COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
4. Você já participou de palestra, congresso ou outro evento acadêmico? Se sim, qual foi o assunto
escolhido por você?
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C – Textos lidos:
5. Tente se lembrar da última história de icção lida por você. Conte-nos um pouquinho sobre como
ela é.
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6. Gosta de cozinhar? Fazer experiências malucas culinárias? Qual foi a última receita consultada
por você?
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D – Textos escritos:
7. Escreva aqui um recado para ser deixado para seu (sua) companheiro(a), lembrando-o(a) de um
encontro (passeio etc.) combinado previamente.
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8. Você já sabe o que pesquisará para o TCC (aquele trabalho de conclusão de curso)? Qual é a sua
preferência quanto ao assunto?
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Unidade I
Deve ter faltado espaço para tantas produções. As notícias lidas ou ouvidas são texto; aquelas
conversas, de que fazemos ou não parte, são um texto; o que o palestrante diz é um texto; os poemas,
os contos etc. são textos; enim, estamos rodeados de textos, uma vez que, repetindo: quando falamos,
ouvimos, lemos e escrevemos, produzimos textos. Por isso, texto é:
Quadro 1
Ouvido
Você ouve conversas ocorridas entre duas ou mais pessoas; noticiários ouvidos pelas rádios ou
televisão; palestras; discursos em época de eleição; letras de música; entre tantos outros textos.
Falado
Você produz textos falados, quando participa de conversas (entre você e outra(s) pessoa(s)); uma
aula que você ministra (caso seja professor(a)); apresentação de um tópico em reunião de trabalho;
uma declaração de amor; entre tantos outros textos.
Lido
Você lê textos escritos: notícias, horóscopos, carta do leitor, editorial em revista ou jornal; romances,
contos, poemas etc. em livros impressos; email, Orkut e outros textos virtuais; recados, bilhetes,
receitas, bula e outros do cotidiano.
Escrito
Você escreve bilhetes, recados e outros do cotidiano; email, cartas comerciais, memorandos,
relatórios e outros possíveis de trabalho; talvez poemas, contos, crônicas do mundo da literatura;
e outros, conforme a necessidade e vontade.
Em resumo, quando queremos nos comunicar, recorremos ao texto e, por meio dele, nos expressamos.
Assim, o texto é expressão. Além disso, porque em cada situação comunicativa nós temos um propósito,
o texto exerce uma função, isto é, tem uma serventia. A notícia serve para informar um fato recente e
relevante à sociedade; um recado, para lembrar ou pedir algo combinado; uma receita culinária, para
orientar; e assim por diante. Como exempliica Antunes (2010, p. 34-5):
O absolutamente evidente é que falamos sempre em um lugar, onde acontece
determinado evento social, e com a inalidade de, intervindo na condução
desse evento, executar qualquer ato de linguagem: expor, defender ou refutar
um ponto de vista, fazer um comentário, dar uma justiicativa, uma ordem,
fazer o relato de um fato, convencer, expressar um sentimento, apresentar
um plano, uma pessoa, um lugar, fazer uma proposta, ressaltar as qualidades
de um produto, pedir ou oferecer ajuda, fazer um desabafo, defender-se,
protestar, reivindicar, dar um parecer, sintetizar uma ideia, expor uma teoria;
enim, fazemos o dia todo e todos os dias, inúmeras ações de linguagem,
cada uma, parte constitutiva de uma situação social qualquer.
Todo texto é instituído de intenção, uma vez que recorremos a ele com um objetivo especíico.
Produzimos – fala, escrita – com a intenção de fazer algo e o sucesso da comunicação está na
identiicação dessa intenção por parte do interlocutor (o outro, com quem falamos ou para quem
escrevemos). No percurso da interação – entre nós e o outro – damos instrução necessária para que o
outro faça, com eicácia, essa identiicação. Consequentemente, todo texto é expressão de atividade
social e comunicativa, não existindo fora das inter-relações pessoais. Qualquer texto está ancorado em
um contexto social concreto.
O texto, como expressão de uma atividade social de comunicação, envolve um parceiro, um
interlocutor, porque construímos nossa expressão com o outro, a dois. Esforçamo-nos, sem ter muita
14
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
consciência disso, para o texto ser relevante, supondo ser da necessidade, do interesse ou do gosto do
outro. Na concepção de Antunes (2010), o texto é construído como uma resposta ao que supomos ser
a pergunta do outro.
A estudiosa brasileira Koch, em sua obra sobre texto, defende a posição de que:
a. a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de ins sociais e,
portanto, inserida em contextos mais complexos de atividade;
b. trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o
desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios
adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade
intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as
quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus
propósitos ao destinatário através da manifestação verbal;
c. é uma atividade interacional, visto que os interactantes, de maneiras
diversas, se acham envolvidos na atividade de produção textual (KOCH,
1998, p. 22).
Outro aspecto importante sobre o texto é o tema, ou seja, o núcleo semântico, que dá ao texto
continuidade e unidade. O texto não é um conjunto aleatório de palavras ou de frases; ao contrário, é
composto de sentenças interconectadas. O texto depende, também, de situações fora da língua, como o
contexto, o objetivo do produtor, do interlocutor etc.
Podemos dizer que o texto se constrói com base em uma interação comunicativa, diante de
uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma rede de fatores de ordem situacional,
sociocultural e interacional, capazes de construir determinado sentido. Desse modo, o sentido não está
no texto, mas se constrói a partir dele. Conforme Roncarati (2010, p. 48) “o sentido é uma construção
sociointeracional, pois só surge após colaboração entre leitor e texto”.
Partindo do pressuposto de que um texto não é uma mera soma de frases, o que o diferencia de um
não texto é a sua textualidade, que se manifesta em diferentes graus. Os sete fatores de textualidade
são:
1. a coesão: a relação de encadeamento de partes e de unidades;
2. a coerência: o sentido atribuído por um interlocutor;
3. a intencionalidade: o que o autor quer do leitor;
4. a aceitabilidade: o que o leitor espera;
5. a informatividade: os dados novos;
6. a situacionalidade: os atores e o lugar da comunicação e
7. a intertextualidade: a referência a outros textos.
15
Unidade I
Enquanto a coesão e a coerência formam os fatores linguísticos da textualidade, a intencionalidade,
a aceitabilidade, a informatividade, a situacionalidade e a intertextualidade formam os fatores
pragmáticos.
A organização interna do texto envolve dois fatores: a coerência no aspecto semântico; e a coesão, no
aspecto formal. A coesão faz referência às ligações que se estabelecem entre os elementos da superfície
textual: organização das frases, períodos e parágrafos do texto, tendo inluência na organização das ideias.
Coesão é o processo de encadeamento das ideias no texto, por meio de elementos gramaticais
(conectivos) que estabelecem esse nexo entre as ideias. Diferente do processo de coerência, a coesão
dispõe de marcas linguísticas de referência, substituição, repetição etc.
Platão e Fiorin (2001) apresentam uma classiicação dos mecanismos de coesão segundo a função
dos conectivos envolvidos. Retomada de termos, ou antecipação e encadeamento de segmentos no
texto são os mecanismos utilizados quando é necessário retomar algo que já foi dito. Os termos que
retomam o dito se chamam anafóricos. Por exemplo: As crianças são o espelho de uma educação. Elas
nos oferecem os parâmetros para uma relexão social. O pronome pessoal “elas” é um anafórico, pois
retoma crianças.
Os termos catafóricos antecipam ou anunciam um fato ainda por ser apresentado. Por exemplo: O
professor disse isto: vale a pena pesquisar os estudos da linguística textual. O pronome demonstrativo
“isto” anuncia a informação seguinte.
O encadeamento de segmentos textuais é feito por conectivos responsáveis pelas relações lógicas
de causa, inalidade, conclusão, contradição, condição etc. As conjunções ou locuções conjuntivas
estabelecem essas relações. Veja um exemplo para uma delas: A crise econômica é uma realidade, mas a
economia do Brasil continua aquecida. A conjunção “mas” estabelece uma relação lógica de contradição
entre as ideias apresentadas no enunciado, uma vez que a crise, pressupostamente, deveria mexer com
a economia do país.
Quanto ao processo de desenvolvimento de um texto, os conectivos determinam os seguintes
processos lógicos:
• gradação: é marcada por uma direção dos argumentos para uma determinada conclusão. O
argumento mais forte será enfatizado por conectivos do tipo: até mesmo, inclusive, no mínimo
etc. Por exemplo: Todos os brasileiros estão preocupados com a crise econômica, inclusive os
jovens que ainda aguardam uma oportunidade de emprego;
• conjunção argumentativa: determina uma relação lógica em que os conectivos devem ligar
argumentos em favor de uma mesma conclusão. Utilizam-se conectivos do tipo e, também,
ainda, mas também, além disso etc. Por exemplo: Uma série de questionamentos fazem parte das
discussões sobre a política de preservação do meio ambiente em nosso país. Muito se discute, mas
pouco se propõe. Além disso, é repugnante observar como alguns governantes enriquecem por
conta do desmatamento na Amazônia;
16
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
• disjunção argumentativa: determina uma relação lógica em que os conectivos enfatizam
conclusões opostas. Utilizam-se conectivos como ou, ou então, caso contrário etc. Por exemplo:
É preciso reconhecer a urgência de uma política para a preservação do meio ambiente, caso
contrário, problemas como o desmatamento se agravarão;
• conclusão: estabelecida entre dois enunciados. Utilizam-se conectivos do tipo logo, portanto, pois
etc. Por exemplo: O meio ambiente é uma questão mundial, portanto é imprescindível que o país
tenha uma política para a sua preservação;
• explicação ou justiicativa sobre a informação anunciada. Utilizam-se conectivos como porque,
já que, pois etc. Por exemplo: A preservação do meio ambiente é condição para a sobrevida
das próximas gerações, porque garantirá o uso de elementos de primeira necessidade como a
água;
• contrajunção: é a relação lógica marcada pela contraposição entre as ideias. Utilizam-se conectivos
do tipo mas, porém, entretanto etc. Por exemplo: A sociedade se preocupa com a preservação do
meio ambiente, porém ainda é minoria os que se educam para a preservação;
• argumento decisivo: é apresentado para indicar um acréscimo de informação para enfatizar
um argumento contrário. Utilizam-se conectivos como aliás, além do mais, além de tudo
etc. Por exemplo: São tantos os discursos vazios sobre a preservação do meio ambiente.
Além do mais, em quais políticos a sociedade pode confiar diante dos escândalos que os
envolvem?
• generalização ou ampliação da informação. Utilizam-se conectivos do tipo de fato, realmente,
aliás etc. Por exemplo: A sociedade pede providências políticas para a preservação do
meio ambiente; de fato a urgência se justiica pela qualidade de vida que está totalmente
comprometida.
A coerência relaciona-se ao sentido do texto. Manifesta-se na construção de sentido da unidade
textual e implica uma continuidade de sentidos entre as ideias presentes no texto.
A partir dos estudos recentes de Koch e Travaglia (1990), a coerência é entendida como o
estabelecimento do sentido no texto, construído pelas relações semânticas e pragmáticas entre os
elementos de um enunciado linguístico. Ao se escolher um tema, é necessário encadear as informações,
de maneira que não haja contradição entre tema e informação. O sujeito que produz o texto precisa
garantir ao seu leitor ou receptor essa lógica. Há um contrato de entendimento entre quem elabora e
quem lê o texto para que haja interpretabilidade. Portanto, a coerência é construída pelo leitor, à medida
que o texto faz sentido para ele.
Observação
Pragmática - Segundo Dubois (1973), o aspecto pragmático da
linguagem diz respeito às características de sua utilização: motivação do
falante, reações do interlocutor, registros de fala (formal ou informal) etc.
17
Unidade I
Platão e Fiorin (2001, p. 397) apresentam diferentes níveis de coerência:
Coerência narrativa é a que ocorre quando se respeitam as implicações lógicas existentes entre as
partes da narrativa. Assim, por exemplo, para que uma personagem realize uma ação, é preciso que ela
tenha capacidade, ou seja, saiba e possa fazê-la. Isso quer dizer que a realização de uma ação pressupõe
um poder e um saber, na narrativa; o que é posterior depende do que é anterior. Constitui, portanto,
incoerência narrativa relatar uma ação realizada por um sujeito que não tem condições de executá-la.
Veja-se, por exemplo, esse texto de uma redação de vestibular:
“Lá dentro havia uma fumaça espessa que não deixava que víssemos ninguém.
Meu colega foi à cozinha, deixando-me sozinho. Fiquei encostado na parede da sala, observando
as pessoas que lá estavam. Na festa, havia pessoas de todos os tipos: ruivas, brancas, pretas, amarelas,
altas, baixas etc.”
Nesse caso, há uma incoerência, pois a personagem não podia ver e viu.
Coerência argumentativa diz respeito às relações de implicação ou adequação que se estabelecem
entre certos pressupostos ou airmações explícitas, colocadas no texto e as conclusões que se tira deles.
Se, por exemplo, o texto disser que o descontrole orçamentário é a causa da inlação e que esta é o
problema mais grave do país, será contraditório se concluir que o governo deve aumentar os gastos
públicos para aquecer a economia.
Coerência igurativa diz respeito à combinatória de iguras para manifestar um dado tema ou
à compatibilidade de iguras entre si. Na frase Os peixes durante a gravidez icam agressivos, há uma
incompatibilidade lagrante entre as iguras peixe e gravidez.
Coerência temporal é aquela que respeita as leis da sucessividade dos eventos ou apresenta uma
compatibilidade entre os enunciados do texto, do ponto de vista da localização no tempo. O período
Maria pôs o arroz no fogo, depois o escolheu é incoerente, pois subverte a sucessividade dos eventos do
processo de preparo do arroz: primeiro, escolher; depois, pôr no fogo.
Coerência espacial diz respeito à compatibilidade entre os enunciados do ponto de vista
da localização no espaço. Seria incoerente dizer Embaixo do único lustre, colocado bem no
meio do teto, um grupo de pessoas conversava animadamente. Quando ela entrou, todos
pararam de falar e olharam para ela. Ela não se importou e foi também postar-se embaixo do
lustre num dos cantos do salão , pois, se o único lustre era o meio do salão, não poderia ser
num dos cantos.
Coerência no nível da linguagem é a compatibilidade, do ponto de vista da variante
linguística escolhida, no nível do léxico e das estruturas sintáticas utilizados no texto: é
incoerente colocar expressões chulas ou da linguagem informal em um texto caracterizado
pela norma culta.
18
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Atribuir um conceito de verdade aos fatos é uma questão de coerência, porém, é imprescindível
considerar que a verdade só pode ser avaliada no discurso. Por exemplo, o que garantirá o sucesso
da arguição de um advogado, ao apresentar a defesa para o delito de um suposto cliente, é a relação
de compatibilidade e não contradição dos argumentos; os recursos retóricos garantem uma “verdade”
no contexto desse discurso: o cliente pode ter cometido o delito, mas será absolvido pelo poder de
persuasão de seu advogado. A coerência que se estabelece pela compatibilidade, adequação e não
contradição é intratextual.
Há também situações em que o estabelecimento de uma “verdade” implica adequação do texto
com fatos exteriores a ele: dados retirados da cultura de uma sociedade, informações cientíicas etc. O
processo é de coerência extratextual.
A organização e inter-relação de ideias envolvem também aspectos externos ao texto. Tais aspectos
afetam a produção e a recepção de textos e são eles:
Intencionalidade: concerne ao empenho do produtor em construir um texto coerente, coeso e
capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente numa determinada situação comunicativa. A meta
pode ser informar, impressionar, alarmar, convencer, persuadir, ou defender etc., e é ela que vai orientar
a confecção do texto.
Aceitabilidade: o outro lado da moeda da intencionalidade (que envolve o produtor) é a
aceitabilidade, que diz respeito à expectativa do recebedor do texto. O leitor espera que o conjunto
de ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá-lo a
adquirir conhecimentos ou a cooperar com objetivos do produtor.
Situacionalidade: refere-se ao lugar e ao momento da comunicação. Todos os dados situacionais
interferem na produção e recepção do texto; diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência
e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a adequação do texto à situação
sociocomunicativa.
Intertextualidade: é o diálogo entre textos para aumentar o poder de argumentação. Inúmeros textos
só fazem sentido quando entendidos em relação a outros textos, que funcionam como contexto.
Informatividade: refere-se ao grau de previsibilidade (expectativa) da informação presente no
texto. É importante para o produtor saber com que conhecimentos do recebedor ele pode contar e
que, portanto, não precisa explicitar no seu texto. Esses conhecimentos podem advir do contexto
imediato ou podem preexistir ao ato comunicativo. O interesse do leitor/ouvinte pelo texto vai
depender do grau de informatividade de que é portador. Esse fator de textualidade trata da medida
na qual as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não, no plano conceitual
e no formal.
Como a textualidade forma o texto seguinte, ou seja, como os fatores de textualidade fazem do
texto um texto? A proposta de análise é de Antunes (2010).
19
Unidade I
A mercadoria alucinógena
Em vez de argumentar para a razão do telespectador, a publicidade apela para o
psicodelismo.
Enquanto o consumidor imagina que é um ser racional, dotado de juízo e de bomsenso, a publicidade na TV abandona progressivamente essa ilusão. Em vez de argumentar
para a razão do telespectador, ela apela para as sensações, para as revelações mágicas mais
impossíveis. A marca de chicletes promete transportar o freguês para um tal “mundo do
sabor” e mostra o garoto-propaganda levitando em outras esferas cósmicas. O adoçante faz
surgirem do nada violinistas e guitarristas. O guaraná em lata provoca visões amazônicas
no seu bebedor urbano, que passa a enxergar um índio, com o rosto pintado de bravura, no
que seria o pálido semblante de um taxista. Seria o tal refrigerante uma versão comercial
das beberagens do Santo Daime? Não, nada disso. São apenas os baratos astrais da nova
tendência da publicidade. Estamos na era das mercadorias alucinógenas. Imaginariamente
alucinógenas.
É claro que ninguém há de acreditar que uma goma de mascar, um adoçante ou um
guaraná proporcionem a transmigração das almas. Ninguém leva os comerciais alucinógenos
ao pé da letra, mas cada vez mais gente se deixa seduzir por eles. É que o encanto das
mercadorias não está nelas, mas fora delas — e a publicidade sabe disso muito bem. Ela sabe
que esse encanto reside na relação imaginária que ela, publicidade, fabrica entre a mercadoria
e seu consumidor. Pode parecer um insulto à inteligência do telespectador, mas ele bem
que gosta. É tudo mentira, mas é a maior viagem, bicho. A julgar pelo crescimento dessas
campanhas, o público vibra ao ser tratado como quem se esgueira pelos supermercados à
cata de alucinações.
Por isso, a publicidade se despe momentaneamente de sua alegada função cívica — a de
informar o comprador para que ele exerça o seu direito de escolha consciente na hora da
compra — e apenas oferece o transe, a felicidade etérea, irreal e imaterial, que nada tem a
ver com as propriedades físicas (ou químicas) do produto. A publicidade é a fábrica do gozo
ictício — e este gozo é a grande mercadoria dos nossos tempos, confortavelmente escondida
atrás das bugigangas oferecidas. Quanto ao consumidor, compra satisfeito a alucinação
imaginária. Ele também está cercado de muito conforto, protegido pela aparência de razão
que todos ingem ser sua liberdade. Supremo ingimento. O consumidor não vai morrer
de overdose dessa droga. Ele só teme ser barrado nos portais eletrônicos do imenso festim
psicodélico. Morreria de frio e de abandono. Ele só teme passar um dia que seja longe de seu
pequeno gozo alucinado (BUCCI, 1998).
Os fatores de textualidade manifestam-se no texto da seguinte forma:
• Coerência: o texto tem unidade de sentido e se desenvolve em torno de um mesmo tema: a
publicidade na TV, delimitado por uma perspectiva, a de que a publicidade apela para os efeitos
mágicos dos produtos que apresenta. O título aponta para esse tema e o início do texto sintetiza o
20
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
tema. A perspectiva de que a publicidade é criadora de sonhos utópicos continua na apresentação
detalhada de alguns objetos em que esse poder mágico pode acontecer: o chiclete, o adoçante,
o guaraná. Os efeitos que provocam no consumidor são: transportar, pela levitação, para esferas
cósmicas; fazer surgir do nada; provocar visões. Tal encanto não está nos produtos, mas na relação
imaginária que a publicidade fabrica entre a mercadoria e seu consumidor. O consumidor, apesar
de não levar os comerciais “ao pé da letra”, compra satisfeito a alucinação. O tema, enim, perpassa
todo o texto, mantendo a coerência.
• Coesão: entre outros usos da língua, encontramos no texto: a) simultaneidade temporal entre o que
o consumidor imagina e o que a publicidade faz em relação a isso: “Enquanto o consumidor imagina
que é um ser racional, dotado de juízo e de bom senso, a publicidade na TV abandona progressivamente
essa ilusão”. b) equivalência nas relações entre as palavras imaginar e iludir-se: “o consumidor imagina
que é um ser racional” e “a TV abandona essa ilusão”. c) a pergunta retórica “Seria o tal refrigerante
uma versão comercial das beberagens do Santo Daime?”, feita com propósito de interessar o leitor,
sem esperar obter, portanto, resposta, que, na verdade, já é sabida. d) uso de linguagem contundente,
cheia de certeza: “É claro que ninguém há de acreditar. Ninguém leva”. e) uso da gíria “é a maior
viagem, bicho”, que revela que o autor conhece a questão do mundo alucinógeno.
• Situacionalidade: o texto aborda uma questão do mundo real, do cotidiano das pessoas, expostas
aos muitos apelos do consumo de mercadorias. Insere-se no domínio do jornalismo formador
de opinião, cujo objetivo é deixar os leitores mais críticos e conscientes frente a determinadas
questões da vida. Os leitores previstos são os leitores da revista, identiicados como pertencentes,
em geral, a uma classe, no mínimo, medianamente letrada e crítica. Essa condição dos possíveis
leitores e a própria exigência discursiva da revista levam o texto a ter certo nível de formalidade,
fora da oralidade cotidiana (coloquial), e com abordagem do problema mais elaborada, com
seleção vocabular mais especializada e distante do comum.
• Intencionalidade: pode ser relacionada ao propósito da comunicação. O texto tem claramente
o objetivo de esclarecer e de advertir ao leitor consumidor em relação à cilada dos anúncios
publicitários, que atribuem ao produto anunciado poderes mágicos e alucinantes. O autor reforça
essa pretensão de advertência quando explicita que, pelo viés alucinógeno, a publicidade deixa
de lado sua função cívica, que é “a de informar o comprador para que ele exerça o seu direito
de escolha consciente na hora da compra”, prometendo “o transe, a felicidade etérea, irreal e
imaterial, que nada tem a ver com as propriedades físicas (ou químicas) do produto”.
• Informatividade: o autor não foge de ideias óbvias e utiliza metaforicamente o universo dos
alucinógenos para caracterizar como a publicidade apresenta os produtos; a publicidade oferece
“o transe, a felicidade etérea, irreal e imaterial”. A novidade maior do texto está em diminuir
o poder da publicidade: atenuar o “gozo alucinado” atribuído socialmente à publicidade; e em
tirar do foco seus poderes mágicos e encantatórios. O leitor (também consumidor) precisa ser
informado para fazer escolhas (compras) de forma consciente.
• Intertextualidade: no âmbito da intertextualidade ampla, o texto está conforme as regularidades
dos textos opinativos. Além disso, todo o conhecimento pressuposto ou implícito faz parte do
nosso repertório de saberes, resultantes de nossas experiências anteriores. Por exemplo, o autor
21
Unidade I
supõe que podemos entender por que o “guaraná em lata provoca visões amazônicas” ou quais
são os “portais eletrônicos do imenso festim psicodélico”. Ou seja, já conhecemos muito do que
é dito no texto, implicando a inevitável condição de intertextualidade da linguagem. No âmbito
da intertextualidade restrita, destacamos a referência feita ao refrigerante, como “uma versão
comercial das beberagens do Santo Daime”, ou seja, há referência a outro texto, no caso, um
anúncio publicitário do chá Santo Daime, considerado alucinógeno.
• Aceitabilidade: devido ao conhecimento do leitor sobre a revista, o tipo de leitor dela, a função
comunicativa de um artigo de opinião, o leitor espera um ponto de vista sobre uma questão
controvertida, argumentos consistentes, percurso e unidade temática. Enim, o leitor prepara-se para
aceitar o texto, considerando seu conhecimento sobre a língua, o tema, o tipo de texto, a interação.
A construção e a compreensão do sentido do texto resultam de vários sistemas de conhecimento, tratados
no próximo tópico. No momento, para apresentação, os quatro grandes conjuntos de conhecimentos:
• conhecimento linguístico, que abrange o léxico e a gramática;
• conhecimento de mundo (ou enciclopédico), que inclui os protótipos, esquemas, ou os modelos
de eventos e episódios em vigor nos grupos a que pertencemos;
• conhecimento de modelos globais de texto, que inclui as regularidades de construção dos tipos e gêneros;
• conhecimento sociointeracional, que trata do saber acerca da realização social das ações verbais
ou de como as pessoas devem se comportar para interagir em diferentes situações sociais.
Neste livro-texto não haverá aprofundamento sobre o conhecimento de modelos globais de texto,
que inclui as regularidades de construção dos tipos e gêneros. Tal conhecimento é explorado no livrotexto Interpretação e Produção de Textos (IPT). Apenas para dar uma noção sobre os modelos, podemos
airmar que texto é tipo e gênero ao mesmo tempo.
No âmbito das atividades concretas de linguagem, temos gêneros textuais, que são:
Quadro 2
Domínios discursivos
22
Gêneros textuais
Literatura
Crônicas, contos, poemas, romance, épico, novela, peça de teatro...
Jornalismo
Anúncios, editoriais, notícias, artigos de divulgação, cartas do leitor,
entrevista, crônicas, reportagem, horóscopos...
Academia/ciência
Artigo cientíico, monograia, dissertação (Mestrado), tese (Doutorado),
resumo, ichamento...
Religião
Oração, prece, mandamentos, hinos, cultos...
Jurídico
Leis, sentenças judiciais, atas, relatórios...
Empresa
Atas, atestados, protocolos, atestados, email, conversação...
Escola
Anotações, diários de classe, atas, dissertações, resumos, divulgação
cientíica, textos didáticos...
Outros domínios Sociais
Tantos outros gêneros
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Segundo Marcuschi (2005, p. 19), o surgimento dos gêneros textuais se deu em três fases: primeiro,
no período em que a oralidade era o principal meio de comunicação e os povos começavam a ver a
necessidade de criar alguns tipos de gêneros, entre eles a própria conversação, mitos, lendas, poemas,
todos eles falados. Segundo, com o surgimento da escrita, no século VII A.C, os gêneros foram ampliados
para poemas escritos, tratados ilosóicos, gramáticas, peças de teatro escritas, epopeias (antes orais,
passaram a ser escritas), leis etc. Por último, com a industrialização no século XVIII, os gêneros tiveram
seu alto grau de desenvolvimento. Fazendo uma comparação entre o seu surgimento e o momento
atual, os gêneros estão no ápice de seu desenvolvimento e expansão e isso se deu devido ao surgimento
da cultura eletrônica, em especial à internet.
Os meios tecnológicos tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por estarem nas
atividades comunicativas na vida social, acabam gerando o surgimento de novos gêneros textuais como
editoriais, artigos, cartas eletrônicas, e-mails, chats, blogs e mais.
Marcuschi (2005, p. 20) explica que “gêneros textuais são fenômenos históricos, profundamente
vinculados à vida cultural e social”. Para ele, devido aos gêneros não serem limitados e estáticos, eles
mudam, crescem e se diversiicam de acordo com o desenvolvimento das atividades comunicativas e
sociais diárias.
Os gêneros são inseridos na sociedade mais por suas funções comunicativas e cognitivas do que por
sua função linguística e estrutural. O uso frequente, principalmente na comunicação diária, com a ajuda
dos meios de comunicação tais como a televisão e o rádio, faz com que novos gêneros surjam e que haja
ligação com outros gêneros já existentes. Podemos citar o exemplo das cartas e bilhetes, agora como
suas sucessoras as cartas eletrônicas, que são gêneros novos com características próprias.
Ainda segundo Marcuschi (2005, p. 22) “é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum
gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto”.
Os tipos textuais são caracterizados por seus aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais e relações
lógicas, e estes estão inseridos na narração, argumentação, exposição, opinião, descrição e injunção. Já
gêneros textuais são textos materializados e com características sociocomunicativas existentes no dia a
dia, deinidos por conteúdos, propriedades, estilos e composição.
Se de um lado gêneros textuais são realizações concretas da língua deinidas por propriedades
sociocomunicativas, de outro, tipos textuais são realizações deinidas por propriedades intrínsecas. Se os
primeiros são textos empíricos e cumprem seu papel em situações comunicativas, os segundos cumprem
seu papel no interior dos gêneros e não são empíricos.
Para fazer a escolha de qual gênero textual usar em determinado contexto também é necessário
determinar os seguintes fatores:
• sujeito enunciador (autor);
• interlocutor (o público ao qual o autor se dirige);
23
Unidade I
• inalidade da interação (o objetivo do autor);
• lugar e momento da produção (o contexto em que o autor produz seu texto);
• canal (o meio de circulação do texto).
Os gêneros textuais compreendem um agrupamento não limitado de denominações concretas
determinadas pelo canal, conteúdo, composição e função, enquanto os tipos textuais compreendem
um agrupamento limitado de categorias teóricas deinidas por aspectos lexicais, sintáticos, relações
lógicas e pelo tempo verbal.
Sobre o domínio discursivo, não pode ser chamado exatamente de texto nem de discurso,
porém destes surgem os discursos com características próprias. Isso se dá devido a esses tipos de
discursos não terem um gênero específico, como por exemplo: o jurídico, jornalístico e religioso
entre outros.
Marcuschi (2005, p. 24) cita um exemplo de domínio discursivo religioso conforme abaixo.
Senhora Aparecida, milagrosa padroeira, sede nossa guia nesta mortal
carreira!
Ó Virgem Aparecida, sacrário de redentor, dai à alma desfalecida vosso poder
e valor.
Ó Virgem Aparecida, iel e seguro norte, alcançai-nos graças na vida,
favorecei-nos na morte!
Chamado de jaculatória, esse gênero contém um alto grau de religiosidade, o que caracteriza o
discurso como religioso.
O autor chama a atenção para que não tomemos texto e discurso como tendo o mesmo
significado. O primeiro é “uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada em
algum gênero textual” enquanto o segundo é “aquilo que um texto produz ao se manifestar
em alguma instância discursiva”. Marcuschi, seguindo Robert de Beaugrande, diz que “os
textos são acontecimentos discursivos para os quais convergem ações linguísticas, sociais e
cognitivas”.
Em resumo, o tipo textual caracteriza-se por sequências linguísticas típicas, e gêneros textuais
caracterizam-se por ação prática e fazem parte de um domínio discursivo, o lugar da atividade social
em que os textos se inserem ou circulam.
Costumamos confundir tipo e gênero principalmente quando estes se referem a cartas pessoais,
visto que troca-se o termo gênero de texto por tipo de texto. Em um gênero textual pode haver
vários tipos textuais, sendo ele “dado por um conjunto de traços que forma uma sequência e não um
texto”.
24
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Quadro 3 – Carta pessoal
Sequências tipológicas
Gênero textual
Descrição
Rio, 11/08/1991
Injuntiva
Amiga A.P.
Oi!
Descritiva
Expositiva
Para ser mais preciso estou no meu quarto,
escrevendo na escrivaninha, com um Micro System
ligado na minha frente (bem alto, por sinal).
Está ligado na Manchete FM – ou rádio dos funks
– eu adoro funk, principalmente com passos
marcados...
Injuntiva: está situada a sequência imperativa
Descritiva: está situada a localização
Expositiva: está situada a sequência explicativa
Em uma carta há diversas sequências tipológicas ou “armação de base” e isso faz com que haja uma
coesão estrutural do texto. É essa diversidade tipológica que possibilita aos gêneros ter a lexibilidade
de se adaptar à ação social.
A atualidade trouxe a necessidade de novos conceitos de ensinar e aprender, lidar com as novas
tecnologias. É essencial que a pessoa saiba se portar em uma entrevista de emprego, elaborar cartas
argumentativas como solicitação de emprego, preencher o curriculum vitae. Ou seja, conhecimento
sobre gêneros textuais.
Outros tipos de conhecimento, diferentes do conhecimento de modelos globais de texto, que inclui
as regularidades de construção dos tipos e gêneros, serão tratados a seguir.
Exemplo de aplicação
1. Leia a seguinte passagem:
Mamífero voraz
É preciso 100 pontos para ganhar um relógio de plástico. Teremos imenso prazer em lhe mostrar
o nosso país. Já está nas lojas Tok & Stok a Linha Garden Verão 97. Dizia-se lá em casa que éramos de
origem francesa. Tenho um pequeno museu em casa.
Seu próximo passo é ter um cartão com 6 meses de anuidade grátis.
- Jamais abandonarei a senhora.
Bom mesmo é viver numa cabana no meio do mato. O próprio banco ajuda a descobrir quais são os
melhores produtos para montar sua carteira de investimentos.
25
Unidade I
Dada a passagem acima, qual é o núcleo de sentido? Dá para saber o que diz de forma geral, em
forma de resumo? Qual é a função comunicativa pertinente a um determinado contexto?
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2. Sabendo que os textos enquadrados constituem o gênero “quadro de aviso” e que, em cada um,
há um convite ou orientação para o leitor, constituem também o tipo “injuntivo”, a que conclusão você
chega sobre a situação comunicativa e o contexto, no qual o texto está inserido?
Quadro 4
Dengue: Previna-se
Curso de Gestante
Não deixe água parada.
Mantenha caixa d´água fechada.
Não deixe acumular água em pneus e
garrafas.
Dia 21/03 às 10h será o dia da gestante. Gestantes
dirijam-se ao auditório amarelo, 2 andar para uma
demonstração de como cuidar de seu bebê.
Aguardamos você!
Prevenir ainda é a melhor arma contra a dengue!
Aniversariantes do mês
Caro colaborador
Você que faz ou fez aniversário este mês venha
participar do café da manhã oferecido a você.
Local: Restaurante Lavor
Data: 30/03
Hora: 08h
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26
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
3. Leia o texto abaixo:
Figura 3
Você não quer contar esta história para seus ilhos, quer?
Ajude a gente a combater o desmatamento da Amazônia. Fique sócio do Greenpeace.
Acesse o nosso site www.greenpeace.org.br ou ligue 0300 789 2510
a) Em que contexto se insere o texto acima e qual a função comunicativa?
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b) Dentre os fatores de textualidade que constituem o texto, a intertextualidade é muito relevante.
Discuta o motivo.
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27
Unidade I
Resolução dos exercícios:
1. Você pode ter icado confuso pelo exemplo, mas com certeza percebeu que não se trata de
um texto. Ainal, texto não é um conjunto aleatório de palavras ou de frases soltas. Além disso, falta
nele uma unidade de sentido possível. Na verdade, por esse exemplo, percebemos que não esbarramos
facilmente em não textos. Nós temos um discernimento intuitivo sobre o que é ou não texto.
2. Os textos exempliicados, que são ao mesmo tempo injuntivos e quadro de aviso, podem ser
inseridos em uma situação comunicativa de trabalho, por exemplo, em que há homens e mulheres
(entre elas, gestantes) considerados “colaboradores”. Há preocupação com aspectos externos à empresa,
como no caso da prevenção contra a dengue. Os quadros de aviso servem para uma interação maior
entre a empresa e os funcionários.
3. a) Você pode ressaltar o contexto em que vivemos hoje de maior consciência sobre o meio ambiente
e de grupos sociais preocupados com o ambiente, como Greenpeace, uma organização a favor do meio
ambiente e da sua preservação. Devido ao desrespeito contra a natureza, a função comunicativa é,
então, conseguir adesão de pessoas que também são contra o desmatamento.
b) A intertextualidade trata da relação entre textos. Nós temos uma propaganda – campanha a favor da
natureza – e nela encontramos outro texto: a história da Chapeuzinho Vermelho. A história (Chapeuzinho
caminhar na loresta, encontrar o lobo etc.) não é possível hoje, porque estamos perdendo nossas árvores.
2 CONHECIMENTO LINGUÍSTICO
Caro aluno, conhecimento linguístico signiica, de forma óbvia, conhecer uma língua, seja ela
portuguesa, russa, tupi. Vejamos um caso: “Hier kannst du einen bereits vorformatierten Eintrag fur ein
deutschsprachiges Wort auswählen und bearbeiten. Die vereinfachten Formatvorlagen sind einfacher
zu handhaben und schneller auszufullen, aber naturlich können sie (später) noch ergänzt werden.
Klicke einfach auf die richtige Wortart.”. Eu não conheço a língua em que está escrito o texto e não
saberia dizer, portanto, sobre o tema do texto, o seu objetivo, a função comunicativa. Não tenho, enim,
conhecimento linguístico e sem esse conhecimento não posso ler/ouvir, falar/escrever textos.
Observação
Com a formalização da alfabetização, aprendemos a ler e a escrever na
língua especíica da nossa comunidade.
Nós aprendemos desde bebê a língua da comunidade na qual nascemos, conseguindo entender
o que as pessoas falam e passando também a falar. Devido a esse aprendizado, de forma intuitiva,
reconhecemos quando algo faz ou não parte da nossa língua. Por exemplo:
• Bola que a competentemente eu feito.
28
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Você identiica o exemplo acima como parte da nossa língua? As palavras, individualmente, são da
língua portuguesa, mas da forma como estão dispostas não formam uma frase aceita por nós.
Outra situação: visualize a palavra cheiro com o suixo –oso; conseguiu? O resultado é: cheiroso.
O suixo -oso forma adjetivos (cheiroso, gostoso, bondoso etc.) e tem o sentido de “provido ou cheio
de...”. Um bebê depois do banho ica cheiroso, ou seja, cheio de cheiro bom. Visualize agora a palavra
lua com o suixo –oso. Deu certo? O conhecimento que nós temos da língua não permite fazer tal
junção.
Existem outras ocorrências, entre elas a frase:
• Tenho um fundo de reserva de comprar um carro.
O usuário da língua portuguesa estranhará o uso da preposição “de” colocada antes do verbo
comprar, porque ele sabe que a preposição adequada para o sentido da frase é “para”. A pessoa pode
não ter o conhecimento formal sobre os tipos de relação da preposição, que no caso de “de” estabelece
relação de posse, de causa, e a preposição “para”, im ou inalidade, mas identiica de forma intuitiva
qual a preposição certa.
Apesar de a nossa disciplina não ser de gramática, é importante ressaltar alguns conhecimentos
escolares que possuímos sobre esta. Nos estudos gramaticais do ensino básico, aprendemos, por exemplo,
que verbos com sujeito e objeto direto podem aparecer na voz passiva. Está lembrado disso, caro aluno?
Vejamos:
• Eu li o livro Quem comeu meu queijo.
• O livro Quem comeu meu queijo foi lido por mim.
A primeira frase está na voz ativa: sujeito (eu) pratica uma ação (ler), constando que o
praticante do verbo ler é o sujeito. Nesse tipo de verbo, podemos transformar em voz passiva,
como na segunda frase: o sujeito da oração agora é “o livro Quem comeu meu queijo”, porém
não pratica a ação (ler); o praticante, na verdade, é o termo “por mim”, classificado como agente
da passiva.
Seguindo esse raciocínio da gramática tradicional, aprendido na escola e encontrado em livros,
podemos então criar frases passivas como:
a) O vaso de cristal foi quebrado pelas crianças.
b) As lâmpadas dos postes foram quebradas pela multidão.
c) O pãozinho foi comprado por mim.
d) O cabelo foi penteado pela Maria.
e) A perna foi quebrada pelo Pedro.
29
Unidade I
f) O amigo foi perdido pelo meu irmão.
g) A carona foi perdida pelo João.
h) O ligamento foi rompido pelo Pedro durante o jogo.
i) Os ilhos icam amados pelos pais.
Algum estranhamento ou você considera todas as frases acima possíveis? Com certeza, você deve
ter se questionado sobre meu conhecimento linguístico. Você está certo. Contrariando a gramática, não
construímos frases passivas como em: e, f, g, h, i. Intuitivamente, não transformamos a frase “O Pedro
rompeu o ligamento durante o jogo” em passiva, assim como não transformamos em passiva a frase
“Meu irmão perdeu o amigo.”
Saiba mais
Vários exemplos dados neste tópico sobre como usamos a língua
de forma intuitiva e desprezamos muitas formas dadas pela gramática
normativa podem ser mais aprofundados no capítulo A competência
linguística, encontrado em: FIORIN, José Luiz (Org.). Introdução à linguística
I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2006.
Outra situação: verbo que não precisa de complemento, classiicado como intransitivo. Pela gramática
tradicional, a ordem na frase pode ser: sujeito-verbo ou verbo-sujeito. Vejamos exemplos:
• O bebê caiu.
• Caiu o bebê.
• O livro chegou ontem.
• Chegou o livro ontem.
Novamente, seguindo nossa intuição, não construímos frases como a seguinte:
• Riem alguns alunos à toa.
• Trabalham os professores duro.
Os dois últimos exemplos mostram que a ordem verbo-sujeito não é possível na nossa língua.
Nas frases abaixo, empregamos verbo no particípio (rido, cantado, chegado etc.). Qual delas você
assinalaria como possíveis em nossa língua e quais não são possíveis?
a) Uma vez ridos os alunos, todos foram impedidos de terminar a prova.
b) Uma vez dançadas várias meninas, a professora decidiu quais iriam participar do espetáculo.
30
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
c) Uma vez corridos os amigos, todos foram celebrar no bar da esquina.
d) Uma vez andadas várias pessoas, os dirigentes do parque fecharam os portões.
e) Uma vez chegado o livro, dei início imediato à leitura.
f) Uma vez crescidas as lores, pude chamar os fotógrafos para registrarem aquela beleza.
g) Uma vez mortos vários brasileiros, o Itamaraty teve de tomar providências.
h) Uma vez ocorridos vários acidentes na marginal, a prefeitura decidiu remodelar a pista.
Você está tomando consciência de que temos uma percepção da nossa própria língua que nos torna
competentes para usá-la, bem como para não seguir muitas regras da gramática normativa/tradicional.
No caso das frases “a” até “h” acima, estamos diante de fatos linguísticos que sugerem que determinadas
situações admitem ou não o verbo no particípio. As frases “a, b, c”, d mostram a impossibilidade de uso
de verbo no particípio.
Observação
Os verbos em português podem terminar em: -r, indicador de ininitivo
(andar, ler...), -ndo, indicador de gerúndio (andando, lendo...) e -ido/-ado,
indicadores de particípio (andado, lido...).
Também independentes do ensino formal, criamos textos em que há frases com verbos que, em uma
situação, podem ter sujeito e objeto, e em outra situação, apenas sujeito. Exemplos:
a) Verbo quebrar (que para gramática tradicional precisa de sujeito e objeto):
• O Pedro quebrou a jarra de água.
• A jarra de água quebrou.
• Quebrou a jarra de água.
b) Verbo abrir (idem):
• Os porteiros já abriram a porta do cinema.
• A porta do cinema já abriu.
• Já abriu a porta do cinema.
Veriicamos que os usuários da língua portuguesa diversiicam o emprego dos verbos destacados
acima, saindo do uso especíico dado pela gramática.
Em conclusão, todos nós temos um conhecimento da nossa língua que nos permite ver as
diferenças de uso, sem que jamais tenhamos sido expostos a qualquer ensino formal a respeito delas. É
o conhecimento linguístico que nos permite ouvir/falar e ler/escrever textos.
31
Unidade I
Exemplo de aplicação
Considere os pares de frases abaixo e indique a(s) frase(s) com impossibilidades apresentadas sobre
o uso da língua:
(1) a. A Maria está lavando suas camisetas importadas.
b. As camisetas importadas lavam fácil.
(2) a. A tempestade afundou o barco.
b. O barco afundou.
(3) a. Poirot prendeu o criminoso.
b. O criminoso foi preso.
(4) a. As crianças já comeram o bolo.
b. As crianças já comeram.
(5) a. O Pedro vai comprar aquela casa de esquina.
b. Aquela casa de esquina compra fácil.
(6) a. O professor escreveu o artigo.
b. O artigo escreveu.
(7) a. A atitude do marido chateava Ana.
b. A Ana era chateada.
(8) a. As crianças devoraram o bolo.
b. As crianças devoraram.
Comentários: há frases que causaram estranheza em você, porque com certeza nunca as ouviu
ou leu: Aquela casa da esquina compra fácil; O artigo escreveu; A Ana era chateada; As crianças
devoraram.
Na construção de textos falados e escritos, a pessoa recorre aos seus conhecimentos
sobre a língua, adquiridos ao longo da vida e em sua prática comunicativa, além do ensino
formal na escola. O conhecimento consiste na fonética/fonologia, morfologia/ léxico, sintaxe
e semântica.
32
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
2.1 Conhecimento lexical
Conhecimento lexical signiica conhecer palavras da língua que falamos. Proponho, então, um teste,
caro aluno.
1. Quantas palavras da língua portuguesa você conhece? Dê um número exato.
2. Quantas palavras usuais, empregadas no dia a dia, você fala? Dê um número exato.
3. De todas as palavras da língua portuguesa, você desconhece apenas ___________.
Você percebeu a brincadeira do teste devido à inviabilidade das respostas exatas. No entanto,
as perguntas suscitam algumas relexões. Ainal, o que nós conhecemos da nossa própria língua?
Conhecemos e aplicamos em nossos textos orais e escritos cem, quinhentas, mil palavras? As perguntas
seguintes do nosso teste são mais viáveis:
4. Quando você está com pessoas íntimas (família, companheiro, amigos), que palavras você costuma
usar para um chamamento?
5. No seu campo de atuação, quais são as palavras mais especíicas?
O léxico tem função signiicativa na estruturação do texto, na construção dos seus sentidos, na
deinição de sua adequação aos contextos de uso.
Nas palavras de Antunes (2010, p. 179), não podemos nos esquecer de que as situações de uso da
língua – incluindo o uso do léxico – são imensamente diversiicadas, uma vez que:
Variam os eventos sociais em que atuamos; variam os interlocutores;
variam os propósitos com que interagimos; variam os gêneros textuais em
que nos expressamos; ou seja, tudo é bastante próprio de cada situação
comunicativa.
Nesse sentido, o uso do léxico exige dos interlocutores grande versatilidade e para isso quanto mais
amplo e diversiicado for o repertório lexical da pessoa, melhor se torna o desempenho comunicativo,
sendo mais participativo, funcional e relevante.
A unidade de sentido do texto condiciona a escolha das palavras. Ou seja, a seleção do
tema, os argumentos, os objetivos direcionam a carga semântica das palavras. Por isso, antes
mesmo da nossa produção muitas palavras são excluídas porque não têm relação com o sentido
pretendido.
Exemplo de aplicação
Dadas as palavras a seguir, selecione aquelas que têm relação com cada tema indicado:
33
Unidade I
tradução religião autor mulher esperança mar
ornamento produção Itália resumo poesia
cliente mercado página deinição medo coniante
Senado posição Machado de Assis jogarão
Tema 1 – honestidade na política brasileira:
_____________________________________________________
Tema 2 – como cuidar bem de um recém-nascido:
_____________________________________________________
Tema 3: relevância da poesia de Machado de Assis:
_____________________________________________________
Comentário: você percebeu que há palavras que podem ser selecionadas, outras que
permanecem enquadradas. Para determinado tema, como tema 2, há pouquíssimas palavras que
podem ser relacionada a ele. Tantas outras vieram a sua mente, porque estão adequadas para
cada tema.
De forma intuitiva ou com base em conhecimento formal, constituímos campos lexicais: conjunto
de léxico com sentido análogo (ILARI, 2003). Por exemplo, unimos palavras que nomeiam cores, porque
elas fazem parte da experiência visual; unimos palavras que nomeiam animais, porque se referem a
nossa experiência dos seres vivos.
Vejamos: dados dois grupos de palavras, constitua campo lexical.
Grupo A – cadeira, banco, caminhão, carroça, pufe, banquinho, motocicleta;
Grupo B – sofá, charrete, trenó de neve, poltrona, automóvel, trator.
Campo lexical:
de veículo: ________________________________________________
de móvel para sentar: ________________________________________
Devido ao seu conhecimento sobre o signiicado das palavras, você deve ter separado assim:
Campo lexical de veículo: caminhão, carroça, motocicleta, charrete, trenó de neve, automóvel, trator.
34
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Campo lexical de móvel para sentar: cadeira, banco, pufe, banquinho, sofá, poltrona.
Na produção de um texto (uma conversação entre você e seu (sua) companheiro (a)) sobre o que
comprar para casa, muitas palavras são selecionadas e tantas outras nem vêm à mente, porque não
fazem parte do campo lexical da situação comunicativa. Assim, sobre o que comprar, vocês podem falar
sobre cadeira, sofá, bufe, mas nunca trator, charrete etc.
Insisto: é o nosso conhecimento linguístico, no caso, lexical, que nos faz capazes de produzir ou ler texto
adequado e de perceber quando ouvimos ou lemos que aquilo é um texto ou não; que faz ou não parte da língua.
Exemplo de aplicação
As propostas são do estudioso Ilari (2003).
1. Entre as palavras dispostas a seguir, há uma relação hierárquica que pode ser intuitivamente
recuperada, mesmo sem grandes conhecimentos de zoologia. Mostre essa relação hierárquica organizando
todas essas palavras por meio de um quadro sinótico:
vertebrado
mamífero
felino
gato
roedor
rato
canídeo
raposa
cão
pitbull
doberman
bovídeo
rena
boi
réptil
cobra
cascavel
Comentário: Provavelmente você montou um quadro com as seguintes colunas:
... canídeo – cão – pitbull – doberman - felino – gato...
2. O campo lexical pode indicar conjunto de palavras que designam as partes de um objeto. Para os
não especialistas, é normalmente difícil enumerar todas as palavras desse campo lexical; em geral, eles
lembram algumas, compreendem algumas outras quando as ouvem e desconhecem as restantes. Tente
lembrar os nomes de todas as peças que compõem uma bicicleta.
35
Unidade I
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09
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07
02
11
16
15
06
05
23
10
11
Figura 4
1.___________________________
12. __________________________
2.___________________________
13. __________________________
3. ___________________________
14. __________________________
4. ___________________________
15. __________________________
5. ___________________________
16. __________________________
6. ___________________________
17. __________________________
7. ___________________________
18. __________________________
8. ___________________________
19. __________________________
9. ___________________________
20. __________________________
10. __________________________
21. __________________________
11. __________________________
22. __________________________
23. __________________________
Agora, compare a lista a que você chegou com a lista das legendas da igura abaixo. Separe aquelas
legendas em três conjuntos, conforme constituem para você (a) um vocabulário ativo, (b) um vocabulário
passivo, (c) um vocabulário desconhecido.
a) ___________________________________________________________
b) ___________________________________________________________
c) ___________________________________________________________
36
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
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16
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10
11
Figura 5
1.Quadro
2.Garfo dianteiro
3.Movimento de direção
4.Guidão
5.Suporte de guidão
6.Pedivela
7.Movimento central
8.Pedais
9.Freios (dianteiro/traseiro)
10.Pneus
11.Aros
12.Selim
13.Alavancas de câmbio
14.Descarrilhador dianteiro
15.Descarrilhador traseiro
16.Protetor de câmbio
17.Protetor de raios
18.Porca da abraçadeira do selim
19.Alavanca de freio
20.Canote do selim
21.Corrente
22.Rodas dentadas
23.Blocagem rápida da roda
A seleção lexical está vinculada à ideia central do texto. Com base nessa assertiva, seguiremos a
análise de Antunes (2010) sobre o texto a seguir:
A geração digital entra em cena
Julia Baldacci Orlovsky brinca de boneca e faz roupinhas como toda criança de 5 anos
fazia na época de sua mãe e continua fazendo ainda hoje. Com uma diferença: ela desenha
no computador os vestidos, que depois são impressos em tecido. O im da velha brincadeira
de casinha? Não, sinal dos tempos. A nova geração, nascida sob o signo da revolução
da informática, sabe manejar computadores com a mesma agilidade com que suas avós
manejavam dedal, agulha e linha. Muito diferente de seus pais, que só foram conhecer os
recursos do micro quando adultos, a maior parte no ambiente de trabalho.
37
Unidade I
A geração que amava os Beatles e os Rolling Stones tem pesadelos diários com
os manuais de instrução dos aparelhos eletrônicos. Seus filhos nem precisam se
valer deles. Leonardo Sá Freire de Oliveira, de 9 anos, aprendeu a ligar aparelho de
som aos 2 anos para apreciar seus CD prediletos. Depois, conheceu o videocassete,
o videogame e o computador. Aos 4, decepcionou-se com a aula de informática da
pré-escola que frequentava porque os micros eram antiquados. “Não tem Windows?
Então não quero”, declarou à professora atônita na época. Os pedagogos reagem
desconcertados ao fenômeno que ameaça fugir de seu controle. Como lidar com
crianças assim?
André Matias Ribeiro, de 4 anos, não sabe ler nem escrever, mas desde os 3 mexe no
micro. Para ele, o mouse é mais fácil de movimentar que a caneta. Ana Luiza Pires da
Cunha, de 10, desmonta e monta aparelhos eletrônicos desde pequena. Para crianças como
essas, a vida de hoje sem controles remotos nem computadores equivaleria a uma idade
das trevas. Todas têm extrema facilidade em lidar com novas tecnologias. Pesquisas feitas
nos Estados Unidos mostraram que 70% das crianças daquele país usam computador em
casa ou na escola. Algumas aprenderam com 18 meses a manusear o mouse. Em 1994,
50% dos jovens consideravam “in” acessar a internet. Essa porcentagem pulou para 88%
no ano passado.
E no Brasil? Pesquisa exclusiva encomendada por Época ao Instituto Vox Populi,
realizada em cinco capitais (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife e Belo
Horizonte) confirma que os brasileiros estão se digitalizando. Crianças como as
paulistas Julia e Ana Luiza, o baiano André e o carioca Leonardo não são exceções. A
maioria dos jovens de sua geração sabe usar aparelhos como computador, videocassete,
micro-ondas e radiorrelógio. Muitos dos que têm computador passam longas horas
rodando programas, jogos ou acessando a internet. Quando ligados à rede mundial,
navegam pelos sites, mas também não perdem a oportunidade de frequentar salas de
bate-papo. (SHIMIZU, Heitor e JONES, Frances. Época. São Paulo, Globo, 19 out 1998.
Fragmento)
Os autores partem do confronto entre as gerações – a mais nova, nascida sob o signo do computador,
e a mais velha, conhecedora da nova tecnologia apenas na fase adulta – para construir o tema central
do texto que é desenvoltura das crianças em relação à tecnologia. Com base no tema, temos a seleção
lexical:
• as palavras recaem na tecnologia: micro, mouse, controle remoto, novas tecnologias, aparelhos
eletrônicos, informática, videocassete, videogame, computador, internet, rede mundial, sites,
salas de bate-papo etc., além de verbos especíicos: digitalizar, acessar, ligar, manusear, manejar,
navegar etc.
As palavras constituem a seleção lexical específica da área da informática, formando o eixo
temático do texto. As palavras de outras áreas (navegar, por exemplo), que emigraram, foram
ressignificadas.
38
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Outro aspecto importante sobre conhecimento lexical é a caracterização de uma deinição. A
deinição é um texto curto que deine o signiicado de uma palavra. O texto precisa ser claro e preciso
nas informações. De modo geral, identiica a classe maior à qual pertencem os objetos que a palavra
nomeia e aponta as propriedades que distinguem esses objetos no interior dessa classe maior. Exemplo
dado por Ilari (2003):
Quadro 5
[Monarquia] é [uma forma de governo] [em que o poder supremo é exercido por uma só pessoa]
↓
↓
↓
Palavra deinida
Expressão delimita classe maior
Expressão recorta uma subclasse
dentro da classe maior
Entre as razões para deinir, apontamos para:
• Aumentar o vocabulário: diante de palavras desconhecidas, a compreensão melhora se deinir o
que foi dito/lido.
• Eliminar ambiguidades: a palavra em um contexto pode não estar empregada de forma em um
sentido claro; assim, convém deinir a palavra.
• Tornar exatos os limites de aplicação de palavras desconhecidas, mas vagas: quando a palavra é
usada em nosso cotidiano, mas é vaga (por exemplo: produto), é importante deinir o sentido da
palavra naquele contexto.
Uma deinição não pode ser mera enumeração de exemplos circular (ex.: azul é a cor do que é azul),
nem obscura, com termos difíceis. Ela também não pode ser muito ampla. Por exemplo: sapato é uma
coisa que se põe nos pés (as meias também cobrem os pés). Não pode ser demasiado estreita, como
no caso: bonde é o veículo que circula no Parque Taquaral, em Campinas (existem outros bondes no
mundo). Além disso, não pode ser igurada: uma árvore é um cabide de folhas.
Um texto bem-redigido é aquele que consegue deinir com precisão as situações descritas. Veja
o caso das infrações previstas no código nacional de trânsito, em cujo texto não ocorre deinição
correta:
• “Dirigir com fones de ouvido conectados a aparelho de som ou telefone celular”
• “Ultrapassar veículo em movimento que integre cortejo ou desile, sem autorização”
Lanço-lhe um grande desaio: reconstrua o texto do novo código de transito. Tente resolver o problema
deixado pelo texto original, porque, pela redação, seria possível multar o motorista que responde a uma
chamada de telefone celular enquanto guia? Quem ultrapassa um dos veículos autorizados a integrar
o desile comete uma infração?
A atividade linguística é simbólica, signiicando que as palavras criam conceitos e esses conceitos
ordenam a realidade, categoriza o mundo. Conforme Fiorin (2006, p. 56):
39
Unidade I
No léxico de uma língua, agrupamos nomes em classes. Violeta, rosa,
margarida pertencem à classe das lores. Mostrar uma margarida não
exprimiria a classe lor. Exibir um objeto não exprime as categorias
gramaticais, como a do singular ou do plural. A língua não é um sistema
de mostração de objetos, pois a linguagem humana pode falar de objetos
presentes ou ausentes da situação de comunicação. Aliás, o objeto nem
precisa existir para que falemos dele, pois a língua pode criar universos de
coisas inexistentes.
Com base nessa explicação, o autor dá o exemplo da palavra pôr do sol. Do ponto de vista cientíico,
não existe pôr do sol, porque, se existisse, o Sol giraria em torno da Terra. Esse conceito foi criado pela
língua e determina uma realidade que encanta a todos nós. Ainda segundo o autor, uma “nova realidade,
uma nova invenção, uma nova ideia exigem novas palavras, mas é sua denominação que lhes confere
existência.” (FIORIN, 2006, p. 56)
A maneira como vemos o mundo varia de língua para língua. Por exemplo, como deinir a palavra
prima em português? A palavra tem mais de um conceito; então, a restringiremos ao campo lexical da
música. Como resultado, podemos ter:
Prima signiica corda que emite som mais agudo em instrumento como violino, guitarra.
Por que usamos a palavra “corda”? Ela é sinônimo de barbante. Por que não definimos prima
como “barbante que emite som mais agudo...”? O conhecimento intuitivo juntamente com nossa
convivência com outros falantes da língua portuguesa nos leva a selecionar o léxico. Outros
casos:
• matar a fome (e não assassinar a fome);
• dormir profundamente (e não dormir exatamente);
• comer frutas, verduras, acarajé, peixe, bolo (e não laranja, manga, pirulito, picolé);
• chupar picolé, pirulito, laranja, manga (e não verduras, peixe, bolo);
• tomar sorvete, caldo, sopa, mingau (e não peixe, pirulito, manga).
Para encerrar esta parte de conhecimento lexical, que envolve tantos aspectos e nuances devido à
riqueza de uso, apontarei mais dois casos.
Temos na nossa língua os numerais, que são palavras que indicam quantidade (um, dois, três...),
a ordem em que os seres se encontram (primeiro, segundo...), aumento proporcional de quantidade
(duplo, triplo, quádruplo...) e a divisão dos seres (um meio, um terço...).
No entanto, ao contrário do que pensamos ou a gramática nos ensina, os números são frequentemente
usados para dar qualidade aos objetos. O que signiica, caro aluno descrente da minha airmação, cada
numeral a seguir?
40
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
• revólver trinta e oito;
• gol mil;
• ouro dezoito;
• álcool noventa;
• carro zero;
• máquina zero (no cabeleireiro, depois do vestibular);
• carro quatro por quatro.
No caso do revólver, o numeral trinta e oito é o calibre da arma; o numeral mil é a cilindrada do
motor do carro e assim por diante.
O léxico formado por numerais também é constantemente empregado em frases feitas. O que
signiicam nos numerais das frases feitas seguintes e como elas podem ter surgido?
• quintos do inferno;
• bater com as dez;
• estar a mil;
• como dois e dois são cinco;
• ser um zero à esquerda.
Veriicamos que os numerais nas frases feitas não são indicadores de quantidade, ordem etc. Damos
outros sentidos a eles.
Exemplo de aplicação
Escreva o nome de cada signiicação, sabendo que cada nome é um numeral:
____________ - corda que emite som mais agudo como em violino, guitarra;
____________ - reza;
____________ - aposento;
____________ - descanso depois do almoço;
____________ - intervalo entre notas musicais;
____________ - contribuição (religiosa);
____________ - período do calendário litúrgico cristão, que precede a Páscoa;
____________ - período de isolamento de animais ou pessoas suspeitos de serem portadores de
doença contagiosa.
41
Unidade I
Comentário: As palavras listadas são:
prima - corda que emite som mais agudo como em violino, guitarra);
terço – reza;
quarto – aposento;
sesta - descanso depois do almoço;
oitava - intervalo entre notas musicais;
dízimo - contribuição (religiosa);
quaresma - período do calendário litúrgico cristão, que precede a Páscoa;
quarentena - período de isolamento de animais ou pessoas suspeitos de serem portadores de
doença contagiosa.
Segundo Ilari (2003), as palavras listadas eram numerais em sua origem, mas hoje essa ideia de
número foi perdida, prevalecendo as signiicações atuais.
Por im, falaremos sobre a relação entre a seleção lexical e o campo de trabalho. Cada setor da
vida social é marcado por diferenciações em relação a situações, objetos, mecanismos, procedimentos
próprios. A especialização lexical dispõe de uma seleção de conjunto de palavras, as quais recebem um
signiicado especíico e permitem a interação entre os participantes.
Assim, cada área tem suas especiicidades, seja na área pedagógica, jornalística, médica, entre tantas
outras. A adequação vocabular no âmbito da especialização ocorre também dentro da mesma área.
Uma área como letras, por exemplo, possui várias linhas teóricas, que convergem, mas também têm
divergência. Assim, a seleção lexical (estrutura, sistema, dicotomia, diacronia/sincronia etc.) faz parte da
linha teórica chamada estruturalismo. Tal seleção não pode ser apresentada na análise do discurso devido
à divergência de ideias. Nesta, a seleção é outra (discurso, sujeito, ideologia, opacidade, materialidade
etc.).
O proissional contextualiza sua linguagem e, consciente, faz a seleção lexical adequada e especíica
da área a qual ele faz parte, conseguindo êxito na comunicação.
O texto abaixo é a introdução de um artigo cientíico da área médica:
A fibrilação atrial representa um importante problema clínico; é o mais frequente
distúrbio do ritmo cardíaco que requer intervenção terapêutica, pode gerar sintomas
incapacitantes, é uma causa frequente de internações hospitalares, agrava clínica
e hemodinamicamente a insuficiência cardíaca, está associada com aumento de
mortalidade e, de maneira consistente, está implicada em acidentes tromboembólicos
sistêmico.
Em alguns países, hoje, a cardiopatia hipertensiva e a insuiciência cardíaca correspondem
às principais anormalidades cardíacas associadas à ibrilação atrial. Em nosso meio, porém, a
42
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
cardiopatia reumática ainda tem prevalência elevada, suas sequelas estruturais correspondem
a uma das principais causas de tratamento cirúrgico valvar e, nesse contexto, a ibrilação
atrial de natureza reumática, obviamente, continua a ser para nós um importantíssimo
problema clínico.
Em pacientes com valvopatia mitral e ibrilação atrial, a correção cirúrgica da disfunção
valvar não resulta, em geral, em uma solução para a arritmia, pois os índices de recorrência
são elevados, atingindo até 80% em 6 meses.
(VASCONCELOS et al., 2004.)
No texto, há o campo lexical da área medica, constando:
• ibrilação, sintomas, internações hospitalares, clínica e hemodinamicamente, insuiciência cardíaca,
tromboembólicos, disfunção etc.
A sua proissão e o seu curso nesta Instituição de ensino, caro aluno, possuem, respectivamente, um
campo lexical especíico. Entre os cursos, encontra-se o de Pedagogia. Mesmo que você não faça parte
do curso de Pedagogia, convido-o a ler o texto seguinte e veriicar nele termos ou expressões que são
pedagógicos típicos.
Ensinar exige rigorosidade metódica
O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente,
reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua submissão. Uma
de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica
com que devem se “aproximar” dos abjetos cognoscíveis. E esta rigorosidade
metódica não tem nada que ver com o discurso “bancário” meramente transferido
do perfil do objeto ou do conteúdo. É exatamente neste sentido que ensinar
não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo, superficialmente
feito, mas se alonga à produção das condições em que aprender criticamente é
possível. E essas condições implicam ou exigem a presença de educadores e de
educandos criadores, instigadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e
persistentes. Faz parte das condições em que aprender criticamente é possível a
pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua
tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles,
os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de
verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da
construção e da reconstrução do saber ensinando, ao lado do educador, igualmente
sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinando, em
que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido
pelos educandos.(FREIRE, 2008).
43
Unidade I
São várias palavras e expressões desse texto do campo lexical pedagogia, entre elas:
• educador, educandos, reais sujeitos (referentes aos sujeitos da educação),
• capacidade crítica, rigorosidade metódica, ensinar, aprender criticamente, verdadeira
aprendizagem, construção e da reconstrução do saber (referentes à finalidade da
educação).
Convido-o a fazer um levantamento do campo lexical pertencente à área da matemática no texto
abaixo:
Exemplos de possíveis conexões entre a matemática e a ciência
Exemplo 1: medidas
I Explore a questão
Quão distante representa um ano-luz (em quilômetros)?
II O que você pensa ?
Para os companheiros Milkiwanianos, é difícil imaginar quão longe a Terra está
do planeta deles. Você deve ter alguma ideia por que a viagem deles para a Terra leva
bastante tempo. Mas eles somente sabem que foram “anos-luz”. Quão distante isto
significa?
O termo ano-luz soa como se fosse uma unidade de tempo, porque a palavra ano faz
parte da expressão. De fato é uma medida de distância, da mesma forma que polegadas,
metros ou milhas. Porém ano-luz signiica uma distância muito maior. É a distância que a
luz percorre em um ano.
É um conceito difícil de ser entendido. Vamos começar com algo mais fácil. Vamos
começar com uma medida que chamaremos de ano-carro, isto é, a distância que um carro
percorre em um ano.
Supondo que em Milwane os carros não sejam tão diferentes dos carros da Terra, eles
viajam, em média, cerca de 60 milhas ou 98 quilômetros (km) por hora. (PREFEITURA DE
SALVADOR, 2011)
Entre as palavras e expressões da área matemática, encontramos:
• medidas, unidade, medida de distância, polegadas, metros, milhas, ano-luz (referentes a
medidas).
44
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Exemplo de aplicação
Faça você, agora, um levantamento de termos/expressões especíicas da sua área de atuação no
quadro, referentes a:
Quadro 6
Atuação proissional
Procedimentos
Recursos
2.2 Conhecimento fonético/fonológico
Não seja tímido, caro aluno: esteja onde estiver neste momento da leitura do livro-texto, pronuncie
em voz alta: casa.
Você sabe quantos sons foram pronunciados para formar a palavra “casa”? Distinguimos /k/, /a/, /z/,
/a/, ou seja, quatro sons, chamados também fonemas.
Nascer e crescer em uma comunidade linguística implica:
• ouvir e entender a língua da comunidade;
• falar a mesma língua da comunidade;
• e, também, preparar, nos primeiros anos de vida, o nosso físico (corpo) para produzir os fonemas
da língua da comunidade.
Significa que, ao pronunciar “casa”, seu organismo está preparado para ouvir e falar os fonemas
/k,a,z,a/ com facilidade e sem estranheza. Assim, pronuncie, em voz alta, brasileiro, festa, atraso.
Não houve também problema quanto à pronúncia, porque os sons saíram com facilidade da
cavidade bucal.
Quando pronunciamos um fonema, parte de nossos órgãos (aparelho fonador) entra em
funcionamento. Veja a figura 4, a seguir, em que há um desenho esquemático do aparelho
fonador.
45
Unidade I
Figura 6
Como bem dizem Massini-Cagliari e Cagliari (In: MUSSALIN e BENTES, 2005, p. 107):
Para falar, uma pessoa usa mais da metade do corpo: do abdômen até a
cabeça. Os linguistas não sabem ao certo onde ica o centro processador da
linguagem, mas, tradicionalmente, atribui-se ao cérebro ou à alma. A verdade
é que, antes de abrir a boca para falar, uma pessoa necessita planejar o que
vai dizer e enviar comandos neuromusculares para que sua fala se realize.
Como a linguagem é um composto de ideias e de sons, é preciso organizar
as ideias e os sons que irão carrear essas ideias.
Sem consciência do fato, desde os primeiros meses de vida, passamos a utilizar os órgãos do aparelho
fonador para pronunciar determinados sons da língua da comunidade. Assim, abrimos a boca para
pronunciar os fonemas vogais:
Quadro 7
46
Símbolo
fonético
Letras correspondentes
na ortograia
Exemplos
i
I
/mininu/ menino
e
ε
E
/ve/ vê, /akeli/ aquele
É
/pε/ pé, /akεla/ aquela
a
A
/la/ lá /kaza/ casa
Ó
/p / pó
o
O
/todu/ todo
u
U
/tudu/ tudo, /sautu/ salto
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Treinamos a nossa língua (órgão) para pronunciar as vogais. Preste atenção em que posição ica a
língua quando pronunciamos a vogal /a/. A língua ica parada (em posição central). Agora, fale /e/; o
dorso da língua vai para frente (em posição anterior). Fale /o/; o dorso da língua é deslocado para trás
(em posição posterior). Tais movimentos da língua foram treinados por nós desde bebês, preparando tal
órgão para a articulação desses fonemas.
Tente pronunciar o som “i” francês, aquele famoso que exige biquinho. Nós temos diiculdade, não
é natural, porque nós não colocamos em treinamento nosso aparelho fonador para pronunciar tal som
vogal francês. Da mesma forma, tente pronunciar Brasil, sem inalizar com som /u/ no inal, mas com
som típico do Sul do país: Brasil /braziu/ - /braził/.
Temos, então, sete fonemas vogais na língua portuguesa e eles são pronunciados com a boca aberta
e o dorso da língua muda de posição (central, anterior ou posterior) dependendo do som. A corrente de
ar sai da boca sem obstáculo e leva o som até o ouvido do nosso interlocutor.
A corrente de ar chega à parte superior da faringe e encontra dois caminhos: a passagem oral,
pela boca, e a passagem nasal, pela cavidade nasal. O ar pode seguir um desses caminhos ou ambos.
~~
~
Quando segue em ambos os caminhos, produzimos os sons vogais nasais /ã, e, , õ, u/. O falante da língua
portuguesa sabe que ao ouvir/falar /la/ e /lã/ há diferença de signiicado: lá signiica lugar distante da
pessoa que fala e lã, um tipo de tecido. Na nossa língua, nós precisamos identiicar /a/ e /ã/, porque esses
fonemas criam palavras distintas com signiicados diferentes.
Em relação aos fonemas consonantais, o nosso aparelho fonador entra em cena de forma diferenciada.
Todo e qualquer som consonantal não sai da boca como sai o som vogal. Pronuncie: /b/. Os lábios se
encontram para a formação deste fonema, criando um obstáculo para a corrente de ar.
O modo de articulação da consoante pode ser:
• Oclusivo: o som é produzido com bloqueio total à corrente de ar em algum ponto do aparelho
fonador. Ex.: /p/, /g/, /d/.
• Nasal: som produzido com bloqueio à corrente de ar na cavidade oral, com concomitante
abaixamento do véu palatino (item 6 da igura 6), permitindo a saída da corrente de ar pelas
narinas. Ex.: /m/, /n/, /nh/.
• Fricativo: o som é produzido com estreitamento em qualquer parte do aparelho fonador de tal
modo que o ar produza fricção. Ex.: /f/, /v/, /s/, /j/.
• Lateral: o som bloqueia a passagem central da corrente de ar na parte anterior da cavidade oral,
permitindo um escape lateral. Ex.: /l/, /lh/.
Os fonemas consonantais são produzidos pelos lugares de articulação:
• Bilabial: som produzido com um estreitamento ou fechamento pela aproximação dos lábios.
Fonemas: /p, b, m/.
47
Unidade I
• Labiodental: som produzido com o contato do lábio superior com dos dentes incisivos superiores.
Fonemas: /f, v/.
• Dental: é o som produzido com a ponta da língua entre os dentes incisivos superiores e inferiores
ou com a ponta da língua contra a parte posterior dos dentes incisivos superiores.
Fonemas: /t, d, n, r (mar), r (caro), l/.
• Alveolar: é o som produzido com a parte da frente da língua em direção aos alvéolos dos dentes
incisivos superiores.
Fonemas: /s, z, r (carro)/.
• Palatal: som produzido com a parte central da língua contra a parte central (mais alta) da abóbada
palatina, indo até o fundo do palato duro.
Fonemas: /nh, lh/.
• Velar: som produzido com o dorso da língua contra o palato mole.
Fonemas: /k, g, x/.
Além do preparo que fazemos com o nosso aparelho fonador para a produção dos sons especíicos
da língua portuguesa, quando falamos, juntamos os sons das palavras.
Quadro 8
Não falamos assim
Juntamos os sons
o...j...e = (hoje)
/oje/ = hoje
Hoje... está... chovendo... bastante
hojeestáchovendobastante
Separar as palavras de um mesmo texto é ocorrência na escrita, não na fala. Ressalto, porém, que
pode ocorrer a segmentação dos sons. Devido à segmentação dos sons, casos divertidos resultam em
sentidos diferentes. Façamos algumas atividades propostas por Ilari (2001):
Exemplo de aplicação
1. Há uma conhecida letra de forró que fala do gato Tico. Ou será que fala de outra coisa?
Tico mia na cama,
Tico mia no quarto...
2. O que há de singular com estes concursos de miss?
Miss Java, Miss Japão
Miss Gana, Miss Garça
Miss Malta, Miss Capa
Miss Angra, Miss Obra
48
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Miss Pinho, Miss Pano
Miss Barra, Miss Torno
3. Descubra mais algumas adivinhas como as que seguem:
Quais são as gatas que andam debaixo dos pés? – As alpargatas.
Qual o pedaço da sacola que gruda? – A cola.
4. A ambiguidade de segmentação é um dos recursos de construção da poesia contemporânea.
Transcreva as passagens em que a ambiguidade de segmentação foi usada como um recurso, neste
poema de José Paulo Paes:
Adivinha dos peixes
Quem tem cama no mar? O camarão.
Quem é sardenta? Adivinha. A sardinha.
Quem não paga o robalo? Quem roubá-lo.
Quem é o barão no mar? Só tubarão.
Gosta a lagosta do lago? Ela gosta.
Quantos pés cada pescada tem, hem?
Quem pesca alegria? O pescador.
Quem pôs o polvo em polvorosa? A rosa.
Os fonemas de uma língua são organizados em sílaba, cuja estrutura básica nas línguas do mundo é
CV: consoante seguida de vogal. Na estrutura, as vogais tornam-se o centro da sílaba. No caso da língua
portuguesa, não existe sílaba sem vogal, por isso aqueles agrupamentos de sons mudos (sem vogal)
associam-se à sílaba anterior.
Os tipos de sílabas em língua portuguesa são:
a) a. cor. do ---------------- V. CVC. CV
b) pers. pec. ti. va -------- CVCC. CVC. CV. CV
c) prá. ti. co ---------------- CCV. CV. CV
d) a. gru. par --------------- V. CCV. CVC
Normalmente, pronunciamos as sequencias de palavras “casa amarela” como /kazamarela/; “casa
horrível”, como /kazoriveu/; “toda a amizade”, como /todamizade/. Segundo Cagliari (2006), ocorre a
juntura: juntamos sílabas em palavras.
O fenômeno de juntura pode envolver até três vogais, como é o caso de “toda a amizade”, que perde
duas vogais. Na fala, to-da-a-a-mi-za-de pode ser pronunciada /todamizade/.
49
Unidade I
Observação
Obviamente, a escrita ortográica não acompanha esse conhecimento
fonético/fonológico que possuímos. Outra sabedoria nossa é distinguir os
fatos da fala e os fatos da escrita.
Outro aspecto da sílaba – além da juntura – é o acento. A escrita não tem sílaba tônica ou átona;
isso só ocorre na fala. Para a gramática tradicional, o artigo “a” é átono e o verbo “há” é tônico; no
entanto, foneticamente, essa distinção não é possível, uma vez que as pronunciamos da mesma
maneira.
Cagliari (2006) nos dá um exemplo ótimo de como acentuação ocorre na fala, colocando em negrito
o destaque que damos na fala para as sílabas:
a) Ele não comprou um carro novo.
b) Ele não comprou um carro novo.
c) Ele não comprou um carro novo.
Assim, conforme nossa intenção ao falar, destacamos as sílabas, acentuando-as. Tal destaque difere
o sentido da frase. Entre outros sentidos, percebemos que:
• a frase a) pode ser resposta para a pergunta: “O que ele não comprou?”
• a frase b) pode ser resposta para a pergunta: “O que ele não fez?”
• a frase c) pode ser resposta para a pergunta: “Quantos carros novos ele não comprou?”
Então:
A saliência da sílaba tônica provém de uma duração maior, ou de uma
intensidade de pressão da corrente de ar, resultado de um maior esforço
dos músculos da respiração, ou de uma intensidade acústica maior, ou de
uma altura melódica maior, ou até de uma mudança marcante na direção
do contorno melódico (CAGLIARI, 2006, p. 75).
O acento, por im, tem função de distinguir palavras como sábia, sabia e sabiá e destacar as sílabas
segundo as intenções do falante.
Exemplo de aplicação
A letra de música de Chico Buarque e Gilberto Gil icou famosa devido ao jogo fonético causado pelo
título. Quando ouvimos /kalise/, atribuímos dois sentidos distintos à palavra cálice. Quais são?
50
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como beber dessa bebida amarga;
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito.
Silêncio na cidade não se escuta.
De que me vale ser ilho da santa?!
Melhor seria ser ilho da outra;
Outra realidade menos morta;
Tanta mentira, tanta força bruta.
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano.
Quero lançar um grito desumano,
Que é uma maneira de ser escutado.
Esse silêncio todo me atordoa...
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa.
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
De muito gorda a porca já não anda. (Cálice!)
De muito usada a faca já não corta.
Como é difícil, Pai, abrir a porta... (Cálice!)
Essa palavra presa na garganta...
Esse pileque homérico no mundo.
De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade.
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue...
Talvez o mundo não seja pequeno, (Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado. (Cale-se!)
51
Unidade I
Quero inventar o meu próprio pecado. (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno. (Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel. (Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça. (Cale-se!)
(BUARQUE, 1978)
Comentário: os fonemas /kalise/ nos remetem a duas possibilidades auditivas: à palavra cálice
/kalise/ ou às palavras cale-se (verbo calar e pronome se). Tanto a palavra cálice quanto o verbo
cale têm acento – na fala – na mesma sílaba /ka/. O acento ajuda também na remissão às duas
possibilidades.
Ressalto que na época ditatorial brasileira, quando a música foi lançada, essa ambiguidade dos
fonemas /kalise/ é contextualizada à situação histórica.
A música e outros textos, que exploram a sonoridade, agradam ou desagradam nossa
sensibilidade auditiva, além de sugerirem ideias. A palavra assovio, por exemplo, traz-nos noções
de ruído agudo, de produção de sopro e de nota aguda encontradas no significado e essas
noções correspondem à consoante de ruído agudo [s], ao fonema produtor de sopro [v] e à vogal
de nota aguda [i].
Quadro 9
Signiicado
ruído agudo
produção de sopro
nota aguda
sons
…… /s/ ………
……../v/………
……./i/………
consoante de ruído agudo
fonema produtor de sopro
vogal de nota aguda
Os textos literários, publicitários, letras de músicas, mitos, lendas, contos e tantos outros textos
lúdicos recorrem aos processos da linguagem que aproveitam e valorizam as sonoridades do sistema
fonológico, como a aliteração, assonância, homeoteleuto e a rima.
Aliteração é a repetição dos mesmos sons consonantais, e assonância é a repetição vocálica em
sílabas tônicas. Há um poema muito agradável auditivamente, de Cecília Meireles:
Colar de Carolina
Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
52
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
da colina.
O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.
E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.
(MEIRELES, 2002)
Nós somos leitores ou ouvintes de textos poéticos e reconhecemos nesses o trabalho com os fonemas.
No caso do poema Colar de Carolina, temos a repetição do fonema consonantal /k/, transcrito com a
letra c nas palavras: com, colar, coral, Carolina, corre, colunas, colina, colore, colo, cal, corada, cor, coroas.
A esse recurso damos o nome de aliteração.
Há também repetição dos fonemas vogais /a/, /o/ nas palavras: com, colar, Carolina, colunas, colina,
colore, colo, cal, corada, coroas. Esse recurso é a assonância.
Tais recursos são muito usados por poetas e compositores de música. Nós encontramos também em
slogan de anúncios publicitários:
• Abuse e use (da loja de roupas C&A).
• Beba Coca-Cola (da franquia Coca-Cola).
Outros recursos sonoros são o homeoteleuto, que é a repetição de sons no inal das palavras, bastante
comum na enumeração, e a rima, que se trata da coincidência de sons, geralmente em inal de palavras
que se dá na poesia.
Um exemplo de homeoteleuto vem do escritor brasileiro Guimarães Rosa:
• “O sol cresce, amadurece"
• “Cassiano pensou, fumou, imaginou, trotou, cismou, e, já a duas léguas do arraial, os seus cálculos
acharam conclusão.”
No primeiro trecho temos a repetição dos fonemas /e,c,e/ em “cresce” e “amadurece” e, no segundo
trecho, a repetição dos fonemas /o,u/ em “pensou”, “fumou”, “imaginou”, “trotou”, “cismou”, formando
uma rima interna chamada homeoteleuto.
Nos casos da rima, encontramos diversas em poema e letras de música.
A onomatopeia é um recurso sonoro extremamente usado em história em quadrinhos (HQ), mas
aparece em outros tipos de texto. Em um sentido mais amplo, signiica a reprodução (ou a tentativa)
53
Unidade I
de um ruído. É a transposição na língua humana de gritos e ruídos inarticulados. As onomatopeias são
convencionais e não recriadas espontaneamente pelo falante.
Entre os exemplos, temos novamente um trecho da obra de Guimarães Rosa “Tinha dado o vento,
caíam uns pingos grossos, chuva quente. O vento vuvo: viiv… viiv”. Nesse fragmento, a onomatopeia
consiste na reprodução auditiva do barulho do vento: viiv... viiv.
Há substantivos onomatopaicos: pio, uivo, estalo, ribombo; verbos: tilintar, zumbir; e frases: bemte-vi; to fraco.
O onomatopeísmo, então, dá expressividade às palavras que designam fenômenos sonoros, às que
designam vozes de animais, ou atos sonoros produzidos pelas cordas vocais e ains.
Vejamos estes versos de Pedro Dinis que ilustram a segunda situação apontada (designação de vozes
de animais). Quais são as onomatopeias?
Palram pega e papagaio
E cacareja a galinha,
Os ternos pombos arrulham,
Geme a rola inocentinha.
Muge a vaca, berra o touro
Grasna a rã, ruge o leão,
O gato mia, uiva o lobo
Também uiva e ladra o cão.
Relincha o nobre cavalo
Os elefantes dão urros,
A tímida ovelha bala,
Zurrar é próprio dos burros.
Regouga a sagaz raposa,
Brutinho muito matreiro;
Nos ramos cantam as aves;
Mas pia o mocho agoureiro.
Sabem as aves ligeiras
O canto seu variar:
Fazem gorjeios às vezes,
Às vezes põem-se a chilrar.
O pardal, daninho aos campos,
Não aprendeu a cantar;
Como os ratos e as doninhas,
Apenas sabe chiar.
54
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
O negro corvo crocita,
Zune o mosquito enfadonho,
A serpente no deserto
Solta assobio medonho.
Chia a lebre, grasna o pato,
Ouvem-se os porcos grunhir,
Libando o suco das lores,
Costuma a abelha zumbir.
Bramam os tigres, as onças,
Pia, pia o pintainho,
Cucurica e canta o galo,
Late e gane o cachorrinho.
A vitelinha dá berros,
O cordeirinho balidos,
O macaquinho dá guinchos,
A criancinha vagidos.
A fala foi dada ao homem,
Rei dos outros animais:
Nos versos lidos acima
Se encontram em pobre rima
As vozes dos principais.
Disponível em: <http://bibliodrruydandrade.no.sapo.pt/paginas/livros/textos_e_livros/textos/006.pdf>
São várias as onomatopeias neste poema. Elas representam as vozes de animais e são palavras
classiicadas como verbos:
• cacareja (verbo cacarejar), arrulham (verbo arrulhar);
• muge (verbo mugir), berra (verbo berrar), grasna (verbo grasnar);
• ruge (verbo rugir), mia (verbo miar), uiva (verbo uivar), ladra (verbo ladrar);
• relincha (verbo relinchar), bala (balar), zurrar, regouga, pia (verbo piar), chilrar, chiar etc.
Enfim, o conhecimento linguístico relacionado à fonética/fonologia significa ter o aparelho
fonador preparado para pronunciar os fonemas típicos da língua. Além disso, significa também
preparar nosso aparelho auditivo para identificar e reconhecer determinado som como pertencente
à nossa língua.
Conhecimento linguístico fonético/fonológico torna a pessoa capaz de ouvir/entender e produzir
textos orais, sejam eles a conversação, piada, palestra, letra de música etc., desde textos mais informais, do
55
Unidade I
dia a dia, até mais formais, em situações especíicas (como palestras); textos mais práticos (conversação)
até textos mais lúdicos (mitos, letras de música).
3 CONHECIMENTO LINGUÍSTICO
3.1 Conhecimento morfológico
Outro conhecimento necessário para a compreensão ou produção de um texto dentro da língua é o
morfológico. Você sabe o que signiica morfologia? Você sabia que em várias áreas a palavra morfologia
é empregada?
A igura abaixo faz parte da área da medicina, em especial da anatomia. Não é uma ilustração atual;
na verdade, é de 1728, mas continua servindo para os nossos propósitos. O que signiica morfologia
nesta ilustração? Qual é sua serventia?
Figura 7
A Figura 8, a seguir, é da área da biologia, cuja legenda é “Exemplo de seção transversal e longitudinal
de um caule”. Também nesse caso nós temos uma morfologia. A pergunta se repete: o que signiica
morfologia na ilustraçao abaixo e qual é sua serventia?
56
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Câmbio vascular
Iniciais fusiformes
Iniciais radiais imento
sc
Cre
Medula
Xilema primário
Câmbio vascular
Floema primário
Córtex
Medula
Xilema primário
Câmbio vascular
Floema primário
o
ent
scim
Raio do loema
Raio do xilema
Cre
Xilema primário
Xilema secundário
Câmbio vascular
Floema secundário
Floema primário
Felogênio
(Câmbio da casca)
Madeira de verão
Madeira de
primavera
Medula
Xilema primário
Xilema secundário
Câmbio vascular
Floema secundário
o
Xilema secundário
Câmbio vascular
Floema secundário
Felogênio
(Câmbio da casca)
ent
scim
Cre
Súber
Casca
Periderme
Figura 8
Já deu para perceber que quando falamos em morfologia, estamos tratando das partes constituintes
de um todo. No caso da igura 7, que faz parte da área da medicina, a morfologia é o estudo do corpo
humano, distinguindo suas partes anatômicas. Trata-se da mesma função na área da Biologia: detalhar
as partes do caule.
E em relação à área da língua, o que signiica morfologia? O nosso conhecimento morfológico
refere-se às partes constituintes das palavras e às relações entre as palavras não no que se refere aos
sentidos (conhecimento semântico), mas à função gramatical.
Exemplos de quadro morfológico na área da língua:
Quadro 10 – Morfologia de um substantivo em português
Menin
Menin
Menin
Menin
menin
menin
menin
menin
o
o
a
a
R
G
s
Legenda
s
N
inh
inh
inh
inh
o
o
a
a
s
Af
G
N
s
R - radical
G - gênero (fem./masc.)
N - número (sing./plural)
Af - aixo (diminutivo)
57
Unidade I
Segundo nosso conhecimento intuitivo, uma palavra em língua portuguesa pode ser feminina e
masculina, sendo que usualmente o inal das palavras é “o” para indicar masculino e “a” para indicar
feminino:
menino – menina
Sabemos também que as palavras podem indicar uma só unidade ou várias unidades, ou seja, a
palavra pode estar no singular ou no plural, sendo que “-s” é um indicador de plural na nossa língua e a
ausência (ø) desse indicador signiica que a palavra está no singular:
meninoø/meninos – meninaø/meninas
Outro conhecimento adquirido com a convivência com outros falantes da nossa língua é sobre o
aixo, parte da palavra que deve ser colocada antes (preixo) ou depois (suixo) do radical:
menininho – menininha
São vários os aixos, mas para caráter de exemplo indico alguns:
Quadro 11
aixo (preixo)
exemplos
aixo (suixo)
exemplos
i, im, in
infeliz
inho(a)
bolinha
re, bi
retomar
esa, eza
beleza
des
desiado
al
fenomenal
Vejamos outro caso de morfologia:
Quadro B
Quadro 12– Morfologia de lexão nominal em português
Legenda: A = artigo S = substantivo
O
menino
livro
fato
atletismo
os
meninos
livros
fatos
atletismos
a
menina
as
casa
análise
operação
meninas
casas
análises
operações
A
S
A
S
A
S
S
singular/masculino
plural/masculino
singular/feminino
A
plural/feminino
No quadro B, acima, as operações linguísticas feitas por nós referem-se às lexões nominais, ou
seja, às combinações entre o artigo e o substantivo em relação ao gênero e número. Normalmente, em
nossos textos orais e escritos, fazemos a combinação (lexão) entre as palavras: se uma (livro) está no
58
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
singular, a outra (o) que acompanha também é colocada no singular (o livro); se uma (livros) está no
plural, a acompanhante (os) ica no plural (os livros). É a mesma situação para palavras combinadas em
relação ao gênero: o menino (palavras no masculino), a menina (palavras no feminino). É um tipo de
conhecimento sobre a língua que passamos a adquirir desde crianças e realizamos a lexão, mesmo não
conhecendo o termo “lexão nominal”.
A lexão nominal tem como centro – termo mais importante – o substantivo (a palavra nominal,
que dá nome aos seres). A partir desse centro, outras palavras concordam com esse centro em gênero e
número. Vejamos os quadros 13 e 14.
Quadro 13 – Morfologia de lexão nominal em português
os
(artigo)
fatos
(substantivo)
históricos
(adjetivo)
primeiros
(numeral)
Em relação à lexão nominal, o quadro 13 é um exemplo de concordância/combinação possível entre
o substantivo e as outras palavras, em especial o artigo, o adjetivo, o pronome e o numeral. No quadro
13, o centro é constituído pelo substantivo “fatos”, palavra que se encontra no plural e é masculina. No
seu entorno, as palavras, com destaque a um artigo, adjetivo e numeral, também estão no plural e no
gênero masculino. Temos, então, uma possível lexão entre as palavras.
Veremos, a seguir, outra possibilidade de lexão, tendo como centro um substantivo feminino.
Quadro 14 - Morfologia de lexão nominal em português
minha
(pronome)
análise
(substantivo)
adequada
(adjetivo)
empírica
(adjetivo)
No quadro 14, a lexão nominal parte de uma palavra feminina e singular – análise – tendo como
palavras acompanhantes colocadas também no mesmo gênero e número.
59
Unidade I
Nosso poeta Affonso R. Sant’Anna recorre à lexão nominal para criar um dos poemas mais famosos
em relação à economia de palavras empregadas, porém, com riqueza de imagem. Convido-o, caro aluno,
a fazer um quadro morfológico com dados do poema A pesca.
A pesca
o anil
o anzol
o azul
o silêncio
o tempo
o peixe
a agulha
vertical
mergulha
a água
a linha
a espuma
o tempo
o peixe
o silêncio
a garganta
a âncora
o peixe
a boca
o arranco
o rasgão
aberta a água
aberta a chaga
aberto o anzo
aquelíneo
agil-claro
estabanado
o peixe
a areia
o sol
(SANT’ANNA, 2010).
60
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Na primeira estrofe, por exemplo, temos o artigo “o” que acompanha três substantivos – anil, anzol,
azul – combinando com eles em gênero (masculino) e número (singular). Uma forma de fazer um
quadro morfológico pode ser como o abaixo.
Quadro 15
O
(artigo)
anil
(substantivo)
anzol
(substantivo)
azul
(substantivo)
Tal esquema morfológico pode ser aplicado em todas as estrofes. Na penúltima estrofe está
subentendido que a palavra central, com a qual concordam os adjetivos “aquelíneo”, “ágil-claro” e
“estabanado”, é o substantivo peixe.
Observação
O quadro morfológico é apenas um recurso para melhor compreensão
nossa, caro aluno. Não há nenhum procedimento rígido e oicial sobre ele.
As palavras têm estrutura que o falante nativo de uma língua reconhece, mesmo sem o conhecimento formal
sobre como se chama cada parte estrutural. Enim, um dos saberes adquiridos por nós desde bebês é que na nossa
língua há a ideia de quantidade (ou número: singular e plural). Flexionamos as palavras, acrescentado –s. Dizemos
livro para indicar singular (única unidade) ou livros para indicar plural (mais de uma unidade). Outro aspecto
da nossa língua é o gênero das palavras. Existem palavras que são femininas: casa, avó, gata; e outras que são
masculinas: livro, avô, gato. O grau das palavras é outro saber que temos sobre a língua. As palavras podem variar
em relação ao grau, icando sem alteração (normal) ou sofrendo alteração em diminutivo ou aumentativo. Temos,
então, palavra como porco (grau normal), porquinho (grau diminutivo) e porcão/porcaço (grau aumentativo).
Esse conhecimento constitui o que a gramática chama de lexão nominal, representada no quadro abaixo:
Quadro 16
Flexão
Gênero
masculino x
feminino
Número singular x
plural
Grau
normal x
diminutivo x
aumentativo
normal x
comparativo
x superlativo
Substantivos
Adjetivos
avô/avó
porco/porca
gato/gata
bom/boa
porco/porcos
gato/gatos
bom livro/ bons livros
porco/porquinho
porcão (porcaço)
bonzinho/bonzão
alto/altíssimo
61
Unidade I
A gramática apresenta como terminação típica –a para o feminino e –s para o plural, porém sabemos
que existem outras formas indicadoras de gênero e número. As mudanças de timbre, por exemplo,
indicam o gênero e o número de determinadas palavras, como ocorre em porco/porcos; mudamos o
fonema de ô (som fechado) indicador de singular para ó (som aberto) para indicar plural; ou avô (fonema
o fechado) para indicar palavra masculina e avó (ó, som aberto) para indicar palavra feminina.
Quanto ao grau, a gramática nos ensina que o grau indica tamanho. No entanto, quando uma
pessoa é chamada de Paulão, em vez de Paulo, pode haver mais de uma explicação, além do tamanho:
“porque ele é alto”, “porque ele é grande”, “porque ele é grosseiro”, “porque ele é desajeitado” ou “porque
é uma pessoa com quem todos se sentem à vontade”.
Saiba mais
O estudioso brasileiro Rodolfo Ilari nos apresenta de forma muito
agradável as diversas formas de uso da língua portuguesa na obra Introdução
ao estudo do léxico: brincando com as palavras. Indico a obra a você, caro
aluno, independente de sua área de atuação.
ILARI, R. Introdução ao estudo do léxico: brincando com as palavras.
2.ed. São Paulo: Contexto, 2003.
Sobre os casos seguintes, caro aluno, exclua aqueles em que as terminações não se associam
naturalmente à palavra, formando combinações inexistentes na língua:
casa + s = casas
dente + íssimo = dentíssimo
feijão + zinho = feijãozinho
arroz + avam = arrozavam
telefone + érrimo = telefonérrimo
fácil + mente = facilmente
cantar + mente = cantarmente
cantar + s = cantars
Você deve ter considerado algumas associações, tais como: casas, feijãozinho, facilmente,
e ignorado associações como arrozavam e cantarmente, por exemplo, por saber de forma até
intuitiva que um falante nunca faria a associação. Afinal, sabemos que a terminação –avam é
típica de verbo, sendo –va marca de passado e –m marca da pessoa “eles”: (eles) continuavam,
(eles) pensavam, (eles) beijavam etc. Tais terminações (-va e -m) ao serem colocadas após a palavra
arroz, tornam a palavra, em consequência, um verbo: (eles) arrozavam, situação inexistente na
nossa língua.
62
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Voltemos ao poema A pesca, especiicamente à estrofe três:
a agulha
vertical
mergulha
Diferente da maioria das estrofes, constituídas de lexão nominal, esta terceira têm dois tipos de
lexão, uma nominal e outra verbal. A lexão nominal consiste na combinação do substantivo com seus
acompanhantes:
A
agulha
vertical
Artigo substantivo adjetivo
A palavra “agulha” é feminina e está no singular; logo, seus acompanhantes (a/vertical) seguem a
mesma lexão.
A lexão verbal, por sua vez, consiste na concordância entre o substantivo, palavra no centro da
combinação nominal, e o verbo:
agulha
mergulha
A palavra “agulha” está no singular e o verbo também ica no singular. A palavra agulha pode
ser substituída pelo pronome “ela” (terceira pessoa); por conseguinte, o verbo concorda, então, com a
terceira pessoa do singular. Vejamos um quadro morfológico do verbo em português, ou seja, as partes
constitutivas de um verbo.
Quadro 17 – Morfologia de verbo em português
mergulh
mergulh
mergulh
mergulh
mergulh
mergulh
ø
a
a
a
a
a
o
s
ø
mos
is
m
R
VT
PN
Legenda:
R = radical
VT = vogal temática
DP = pessoa e número
Os nossos verbos, de modo geral, possuem esta estrutura: radical, vogal temática e terminação de
pessoa e número. Como lembrete:
• radical é a parte da palavra que não muda e que traz o signiicado dela;
• vogal temática é a parte do verbo indicadora da conjugação a qual o verbo faz parte. São três
vogais temáticas: a, e, i. Elas são colocadas após o radical. Exemplos:
63
Unidade I
- mergulhar, analisar, andar: vogal temática -a indica 1ª conjugação;
- compreender, oferecer, ver: vogal temática -e indica 2ª conjugação;
- atribuir, discutir, distinguir: vogal temática -i indica 3ª conjugação.
• terminação de pessoa refere-se às pessoas verbais: eu/nós (1ª pessoa singular/plural); tu/vós (2ª
pessoa singular/plural); ele/eles (3ª pessoa singular/plural).
Os nossos verbos terminam sempre com indicação de pessoa:
• canto: indica “eu” (1ª pessoa do singular);
• cantavas: indica “tu” (2ª pessoa do singular);
• cantaremos: indica “nós” (1ª pessoa do plural) e assim por diante.
Quando lemos ou ouvimos um texto, o nosso conhecimento sobre lexão verbal é ativado e
fazemos a ponte entre o verbo e a palavra com a qual o verbo concorda. Considere o texto retirado do
Manual de redação e estilo do jornal O Estado de S. Paulo no que concerne à relação entre o verbo e o
substantivo:
Opiniões. 1 - O jornal, como um todo, tem opiniões sobre os assuntos que publica e as
expressa em editoriais. O noticiário, por isso, deve ser essencialmente informativo, evitando
o repórter ou redator interpretar os fatos segundo sua ótica pessoal. Por interpretar os
fatos entenda-se também a distorção ou condução do noticiário. Exemplos: ao tratar dos
trabalhos de remoção de favelados de um local, o repórter entra em considerações sobre as
injustiças sociais e os desfavorecidos da sorte ou, ao tratar de um assalto, coloca a miséria
como fator determinante da formação do criminoso. Deixe esse gênero de ilação a cargo
dos especialistas ou editorialistas e apenas descreva os acontecimentos.
2 - Para oferecer ao leitor maior diversidade de pontos de vista, o jornal tem críticos,
comentaristas, analistas, articulistas, correspondentes e outros que, em textos assinados,
poderão expor suas opiniões, nem sempre coincidentes com as do Estado. Em casos
excepcionais, nas reportagens mais amplas ou delicadas se permitirá algum tipo de
interpretação. É obrigatório, porém, que sejam submetidas à Direção da Redação.(MARTINS,
2001).
As relações de combinação entre verbo e substantivo no texto acima são:
• jornal
• noticiário
• repórter
• (leitor, você)
64
tem, publica, expressa
deve ser
entra, coloca
deixe, descreva
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
• (críticos, comentaristas, analistas, articulistas, correspondentes e outros) que
expor
poderão
No Manual, ica claro que a concordância verbal consiste na relação entre o ser responsável pela
ação do verbo e o verbo. Assim, se o repórter, por exemplo, “entrar” com opiniões no fato descrito
ou “colocar” uma justiicativa para um determinado evento, assume os atos de entrar e colocar (ou
melhor, de dar opinião), mas ao assumir tais atos desconsidera seu papel como mero transmissor de
informação. O ser que tem opinião, que pode expressar seus julgamentos, é o próprio jornal, um ser sem
existência autônoma. Ainal, quem expressa sua opinião? O autor do Manual completa que as opiniões
são expressas em editoriais, signiicando que o editor é o único com direito à função opinativa no
mundo das notícias.
Seguindo esse mundo, em confronto com nosso conhecimento morfológico quanto à lexão verbal,
encontramos manchetes jornalísticas interessantes:
• Desemprego sobe pelo 2º mês e é o maior desde agosto, aponta IBGE.
• Crise traz de volta ao país 400 mil “expatriados”.
• Ônibus param de novo no Rio.
De jornais diferentes, o leitor recebe essas e outras manchetes diariamente. Nelas, há a relação de
combinação entre o substantivo e o verbo:
• desemprego
• crise
• ônibus
sobe
traz
param
Em uma sociedade cada vez mais impessoal, não estranhamos esses tipos de relação, exceto se
aparecer “desempregos sobe” em clara falta de concordância. Não discutimos, em resumo, a relação
de responsabilidade entre o substantivo e o verbo. Nos casos exempliicados acima, o desemprego
é responsável pela ação subir; a crise, pelo ato trazer; os ônibus, por pararem. À parte a linguagem
metafórica, metonímica etc., presenciamos a ausência dos verdadeiros responsáveis pelos atos
noticiados: a) qual é a causa da aumento do desemprego no país? Que grupo ou grupos sociais são
os causadores? b) qual é a causa da crise? Que grupo ou grupos sociais são os causadores? c) se
ônibus param é devido ao ato dos motoristas e, se estes param de trabalhar, qual grupo ou sociais
causadores?
Outro conhecimento intuitivo que temos da língua é sobre o afixo -mente, que não é
acrescentado a qualquer palavra, tal como na associação “cantar + mente = cantarmente”,
apresentada em páginas anteriores neste livro-texto. Assim, em qual palavra você acrescentaria
esse sufixo?
65
Unidade I
Quadro 18
verbo
substantivo
advérbio
adjetivo
cantar
livro
nunca
feliz
mergulhar
personalidade
mal
histórico
variar
construção
apenas
alto
Nas tentativas, você associou cantar + mente, resultando em cantarmente, livro + mente, com
resultado livromente, nunca + mente, chegando a nuncamente e feliz + mente, veriicando a possibilidade
de felizmente. Não são em todas as palavras que podemos acrescentar o aixo –mente; nos casos acima,
a associação pode ocorrer com os adjetivos, que deixam de indicar uma característica do ser (João é
feliz) e passam a funcionar como advérbio, modiicador de uma circunstância do verbo (João fez o
trabalho felizmente).
Em especial sobre o advérbio felizmente, veja como trata o autor do Manual de redação e estilo:
• “Felizmente. Não use nas notícias e reportagens em frases como: Felizmente não houve mortos
no acidente. / Felizmente o Brasil começa a conter a inlação. O texto deve ser objetivo e felizmente
expressa uma opinião” (MARTINS, 2001).
Que outros advérbios devem ser banidos de textos jornalísticos pelos mesmos critérios?
Ilari (2003) ressalta a diferença entre a função atribuída ao advérbio pelas gramáticas e por nós,
usuários da língua. Para a gramática, a função do advérbio é indicar uma circunstância ao verbo, seja
circunstância de modo, de tempo, lugar, entre outras, e para nós, além dessa função, atribuímos aos
advérbios o caráter opinativo.
Advérbios de modo
assim, bem, mal, acinte (de propósito, deliberadamente), debalde
(inutilmente), depressa, devagar, melhor, pior, bondosamente, generosamente,
cuidadosamente e muitos outros terminados em mente.
Locuções adverbiais de modo
às pressas, às claras, às cegas, à toa, à vontade, às escondidas, aos poucos,
desse jeito, desse modo, dessa maneira, em geral, frente a frente, lado a lado,
a pé, de cor, em vão.
Advérbios de lugar
abaixo, acima, adentro, adiante, afora, aí, além, algures (em algum lugar),
alhures (em outro lugar), nenhures (em nenhum lugar), ali, aqui, aquém,
atrás, cá, dentro, embaixo, externamente, lá, longe, perto.
Locuções adverbiais de lugar
à distância, à distância de, de longe, de perto, em cima, à direita, à esquerda,
ao lado, em volta, por aqui.
66
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Advérbios de tempo
ainal, agora, amanhã, amiúde (da expressão a miúdo - repetidas vezes,
frequentemente, a miúdo), ontem, breve, cedo, constantemente, depois,
enim, entrementes (enquanto isso), hoje, imediatamente, jamais, nunca,
sempre, outrora, primeiramente, tarde, provisoriamente, sucessivamente, já.
Locuções adverbiais de tempo
às vezes, à tarde, à noite, de manhã, de repente, de vez em quando, de
quando em quando, a qualquer momento, de tempos em tempos, em breve,
hoje em dia.
Advérbios de negação
não, tampouco (também não), nunca, jamais.
Locuções adverbiais de negação
de modo algum, de jeito nenhum, de forma nenhuma, não etc.
Advérbios de dúvida
acaso, casualmente, porventura, possivelmente, provavelmente, talvez,
quiçá.
Locuções adverbiais de dúvida
por certo, quem sabe.
Advérbios de intensidade
assaz (bastante, suicientemente), bastante, demais, mais, menos, muito,
quanto, quão, quase, tanto, pouco.
Locuções adverbiais de intensidade
em excesso, de todo, de muito, por completo, por demais.
Advérbios de airmação
sim; certamente; realmente; decerto; efetivamente etc.
Locuções adverbiais de airmação
com certeza; com efeito; de fato; na verdade; sem dúvida; certo que etc.
Quando dizemos de uma pessoa próxima que ela foi inalmente promovida, não descrevemos o
modo como se deu a promoção; fazemos um comentário sobre ela, dando a entender que a espera foi
além do necessário.
São vários, então, os conhecimentos morfológicos que possuímos sobre a nossa língua e todos eles
nos ajudam na comunicação e, acima de tudo, na contextualização.
67
Unidade I
Exemplo de aplicação
1. Compare as palavras da coluna da esquerda com as palavras da coluna da direita e veriique se as
palavras da direita representam o mesmo objeto, porém menor.
colar x colarinho
calças x calcinhas
corrente x correntinha
pão x pãozinho
bolo x bolinho
burro x burrinho (peça da mecânica do automóvel)
Comentário: Você veriicou que há palavras na nossa língua que parecem, mas não são associadas
a outras. Devido à terminação –inho na palavra, por exemplo, colarinho, dá-se a impressão de ser o
diminutivo de colar; no entanto, em uso corrente hoje, colar e colarinho são palavras extremamente
distintas com signiicados bem diferenciados. Em situação como pão x pãozinho, de fato, o suixo –inho
é indicador de diminutivo e ambas as palavras se referem ao mesmo objeto.
2. Monte um quadro morfológico das palavras: pedra, pedras, pedrinha, pedrinhas, pedrada, pedreiro,
pedreiros.
pedr a
pedr
Comentário: Fazer quadro morfológico de uma palavra é dissecá-la em suas partes mínimas. Assim,
nas palavras pedra (pedr +a), (pedr+a+s), temos radical (pedr), gênero da palavra (-a) e a terminação
–s indicadora de plural. Encontramos também o aixo (suixo –inh), nesse caso, indicador de tamanho,
suixos -ada e –eir. Veja uma possibilidade de desmontar as partes constitutivas das palavras abaixo.
pedr a
pedr a s
pedr
pedr
pedr
pedr
pedr
68
inh a
inh a
ada
eir o
eir o
s
s
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
3. Nas frases abaixo, as palavras em caixa alta foram inventadas, mas nós conseguimos entender as
frases. Que sentido cada palavra inventada adquire? Por que nós conseguimos entender as frases, apesar
dessas palavras? (As frases seguintes encontram-se na obra organizada por Fiorin, 2005.)
1) a. Como eu estava cansado, selei os olhos três ou quatro vezes.
b. Disso isso selando o punho e proferi outras ameaças.
c. José Dias sorriu deliciosamente, mas fez um esforço grande e selou outra vez o rosto.
d. O beijo de Capitu selava-me os lábios.
2) a. E a voz não lhe saía dolma, mas velada e esganada.
b. Já agora acabo com as coisas dolmas.
c. A cabeça da minha amiga sabia pensar dolma e depressa.
d. Senti que não poderia falar dolmamente.
3) a. Fiquei tão mupestre com esta ideia, que ainda agora me treme a pena na mão.
b. As horas tristes e compridas eram breves e mupestres.
c. Ele me explicou por estas palavras mupestres.
4) a. Era o pai de Capitu, que voltava da repartição um pouco mais bodro, como usava às vezes.
b. Não quero saber dos santos óleos da teologia; desejo sair daqui o mais bodro que puder, ou
já…
c. Íamos sempre muito bodro, logo depois do almoço, para gozarmos o dia compridamente.
Comentário: 1) a. Como eu estava cansado, selei os olhos três ou quatro vezes.
b. Dito isso, selando o punho e proferi outras ameaças.
c. José Dias sorriu deliciosamente, mas fez um esforço grande e selou outra vez o rosto.
d. O beijo de Capitu selava-me os lábios.
Pelo contexto conseguimos entender a palavra inventada, que passa a ter o mesmo signiicado
de “fechar”. Pelas terminações da palavra inventada, podemos dizer que se trata de um verbo, pois
contém marcas que indicam a 1ª pessoa do singular (eu) pela terminação –ei (selei, joguei, analisei...);
a terminação –ndo, especíica de verbo no gerúndio (selando, jogando, analisando...) e marcas
indicadoras -ou e –va em selou (jogou, analisou...), em que –ou indica 3ª pessoa do singular (ele),
e em selava (jogava, analisava...), em que –va indica marca inal em determinado tempo do verbo.
Selou e selava têm lexão verbal e concordam com os substantivos, respectivamente, José Dias e
beijo.
69
Unidade I
2) a. E a voz não lhe saía dolma, mas velada e esganada.
b. Já agora acabo com as coisas dolmas.
c. A cabeça da minha amiga sabia pensar dolma e depressa.
d. Senti que não poderia falar dolmamente.
O item lexical inventado dolma pode ter seu signiicado entendido pelo contexto e pela relação
estabelecida com outras palavras nas frases. Em 2.a., a palavra dolma está equivalente às palavras velada
e esganada, que caracterizam voz e variam em gênero e número. Assim, dolma, velada e esganada são
palavras que estão no entorno da palavra voz, combinando com esta em gênero (feminino) e número
(singular). Podemos dizer, então, que dolma é um adjetivo.
Em 2.b, dolma acompanha a palavra coisas, concordando com esta em gênero e número, bem como
lhe dá uma característica. Nessa frase, dolma também é um adjetivo, cujo signiicado é entendido pelo
contexto.
Em 2c e 2d, veriicamos uma modiicação do item lexical em relação a 2a. Dolma e dolmamente
não combinam em gênero e número com outra palavra das frases, ambas acompanham um verbo,
indicando-lhe uma circunstância (de modo). Podemos reconhecer nessas palavras um advérbio. Além
disso, a terminação –mente é especíica de advérbio.
3) a. Fiquei tão mupestre com esta ideia, que ainda agora me treme a pena na mão.
b. As horas tristes e compridas eram breves e mupestres.
c. Ele me explicou por estas palavras mupestres.
Em 3a, b, c, a palavra mupestre sugere pertencer à classe do adjetivo por variar em número e atribuir
uma característica.
4) a. Era o pai de Capitu, que voltava da repartição um pouco mais bodro, como usava às vezes.
b. Não quero saber dos santos óleos da teologia; desejo sair daqui o mais bodro que puder, ou
já…
c. Íamos sempre muito bodro, logo depois do almoço, para gozarmos o dia compridamente.
Ao analisar 4a, notamos, mais uma vez, que estamos diante de um item lexical que denota
característica. Podemos destacar que se trata de um adjetivo. Já em 4b e 4c temos evidência para propor
que bodro pertence à classe do advérbio.
As palavras inventadas exibem o comportamento gramatical próprio da nossa língua. Por isso,
reconhecemos essas palavras como integrantes da língua.
70
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
3.2 Conhecimento sintático
Saber como o léxico de uma língua se estrutura em uma sentença é uma das competências esperadas
ao produzir e ler um texto. Como bem esclarecem os autores Negrão, Scher e Viotti (In: FIORIN, 2005,
p. 81):
O falante de qualquer língua natural tem um conhecimento inato sobre
como os itens lexicais de sua língua se organizam para formar expressões
mais e mais complexas, até chegar ao nível da sentença.
Esses autores nos propõem imaginar o léxico de nossa língua como um dicionário mental composto
por um conjunto de palavras a ser utilizado para construção de sentenças. Nossa intuição nos leva a
distinguir algumas propriedades das palavras e, por exemplo, no processo de aquisição de nossa língua
materna, sabemos, desde muito cedo, que uma palavra como “mesa” é diferente da palavra como “cair”.
Uma criança logo diz “caiu”, mas nunca diz “mesou”. Essa distinção indica que ela sabe que “cair” faz
parte de um grupo de palavras – como “chorar”, “querer”, “papar” – que pode combinar-se com um tipo
particular de suixos, como –ou, -eu, -iu. Ao mesmo, ela sabe que “mesa” faz parte de um outro grupo
de palavra – como “cadeira”, “berço”, “brinquedo” – que, por sua vez, pode combinar com outro tipo de
suixo.
Nosso conhecimento sobre a língua também nos ajuda a perceber que as sentenças de nossa
língua não são resultado da mera ordenação de léxicos em uma sequência linear. Sabemos que uma
sequência de palavras como “menino bicicleta o da caiu” não é uma frase do português. Sabemos
também que
para termos uma sentença do português formada por esses mesmos itens
lexicais, precisamos, antes, fazer combinações intermediárias: compor “o” com
“menino”, compor “da” com “bicicleta”; compor “caiu” com “da bicicleta”; e,
inalmente, compor “o menino” com “caiu da bicicleta”. Sabemos, portanto, que
a estrutura da sentença não é linear, mas sim hierárquica. (FIORIN, 2005, p. 82)
Enim, sabemos que a frase “a” é bem formada em português e a frase “b” não é possível em nossa
língua:
a) O menino comprou uma bicicleta nova com a mesada.
b) A comprou uma menino nova o com bicicleta mesada.
Na frase “a”, o léxico nova deve se juntar ao léxico bicicleta para formar um constituinte superior
– bicicleta nova – que, por sua vez, se junta à palavra uma, para formar um constituinte ainda superior:
uma bicicleta nova. O mesmo acontece com a palavra menino e o, que formam constituinte superior:
o menino, e com as palavras a e mesada, que forma constituinte: a mesada. Este último par juntase à palavra com e formam, então, o constituinte: com a mesada. O verbo comprou junta-se a esses
constituintes, formando um constituinte ainda mais alto na hierarquia: comprou uma bicicleta nova
71
Unidade I
com a mesada. Por im, os constituintes complexos o menino e comprou uma bicicleta nova com a
mesada se juntam para formar a frase.
A estrutura de constituintes da frase pode ser representada pelo seguinte diagrama:
Quadro 19
o menino comprou uma bicicleta nova com a mesada
o menino
comprou uma bicicleta nova com a mesada
o
comprou
menino
uma bicicleta nova
uma
bicicleta nova
bicicleta
nova
com a mesada
com
a
a mesada
mesada
Justamente por não podermos atribuir uma estrutura constituinte ao exemplo “b” que o torna
impossível em nossa língua. As palavras “a comprou” não formam constituintes; não é possível unir tais
palavras.
Dependendo do contexto e do que queremos destacar na frase, colocamos um constituinte no início
da frase. Vejamos a frase original:
• O João vai comprar o último livro do Bauman na Saraiva amanhã.
Essa frase possui os seguintes constituintes superiores:
o João
vai comprar
o último livro do Bauman
na Saraiva
amanhã
A frase pode permanecer na ordem em que está no original, que é a ordem direta dos constituintes:
sujeito da oração + verbo + complemento + complemento acessório, ou seja, SVC. Ou a frase pode sofrer
mudanças, com o deslocamento de um dos seus constituintes, como nos casos abaixo:
• Amanhã, o João vai comprar o último livro do Bauman na Saraiva.
• Na Saraiva, o João vai comprar o último livro do Bauman amanhã.
• O último livro do Bauman, o João vai comprar na Saraiva amanhã.
• Do Bauman, o João vai comprar o último livro na Saraiva amanhã.
• Comprar o último livro Bauman, o João vai amanhã, na Saraiva.
Imagine que alguém lhe faça a seguinte pergunta: Quando o João vai comprar o livro? A pergunta
ressalta a noção de tempo. Por conseguinte, a sua resposta também destacará o tempo: Amanhã, o João
72
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
vai comprar o último livro do Bauman na Saraiva. Assim, dependendo do contexto, das intenções dos
falantes, um dos constituintes da frase pode ser deslocado para o início da frase.
Vejamos os trechos de textos de áreas diversas:
Grupo A:
i. Administração é o processo de planejar, organizar, dirigir e controlar o uso de recursos a im de
alcançar objetivos.
ii. Como administrador você deslocará dos trabalhos operacionais para o campo da ação.
Grupo B:
i. Os conhecimentos prévios dos alunos cumprem um papel fundamental nos processos de
aprendizagem.
ii. Nos últimos anos, vimos assistindo ao resgate de uma metodologia de trabalho antiga: o Método
de Projetos.
Grupo C:
i. O conhecimento é procurado para nos fornecer uma consciência mais crítica e esclarecida de nós
mesmos, através da análise histórica da época em que estamos eniados.
ii. Na América Central, desde o início do século XX registram-se sucessivas repressões aos movimentos
sociais.
Não há necessidade de veriicar cada constituinte de cada frase acima. Faremos uma análise sobre
cada uma no que concerne à ordem direta ou deslocamento de constituinte.
Nas frases i, de cada grupo, temos a ordem direta – SVC (sujeito, verbo, complemento), como em:
i. Os conhecimentos prévios dos alunos cumprem um papel fundamental nos processos de
aprendizagem.
os conhecimentos prévios dos alunos
constituinte (S)
cumprem
constituinte (V)
um papel fundamental
constituinte (C)
nos processos de aprendizagem
constituinte (C)
No Grupo A i, por exemplo, a ordem direta é importante, porque trata de uma deinição. O texto de
deinição precisa ser o mais objetivo e direto possível em sua linguagem.
73
Unidade I
Nas frases ii, temos deslocamento de um dos constituintes para o início da frase. Na frase ii do Grupo
A, o constituinte “Como administrador” é destacado para dar ênfase ao papel do proissional; na frase ii
do Grupo B, o constituinte “Nos últimos anos”, porque, para o autor, a noção de tempo é a informação
mais importante; por im, na frase ii do Grupo C, o constituinte “Na América Central” é destacado para
dar destaque ao local reprimido politicamente. Todos os constituintes deslocados assumiriam posição
no inal da frase se não houvesse o deslocamento.
Dependendo do contexto e do conhecimento sintático, o produtor do texto faz escolhas e segue
a ordem direta ou faz inversão. No texto jornalístico, em especial notícia, a ordem direta torna-se
praticamente uma obrigação, recomendação clara no Manual de redação do jornal O Estado de S. Paulo.
Nas orientações gerais, o jornalista encontra:
4 - Adote como norma a ordem direta, por ser aquela que conduz mais
facilmente o leitor à essência da notícia. Dispense os detalhes irrelevantes e
vá diretamente ao que interessa, sem rodeios (MARTINS, 2001)
O jornalista, então, precisa saber qual é a ordem direta – SVC, bem como os constituintes da
frase que funcionam como sujeito, verbo e complemento. Ele precisa, portanto, ter conhecimento
sintático.
Situação diferente é do autor de texto literário. O criador de poema, por exemplo, geralmente
explora a ordem inversa como um recurso estilístico. Os leitores não conseguem entender o poema
devido à diiculdade na identiicação dos constituintes SVC. Às vezes, eles têm impressão de estar lendo
“A comprou uma menino nova o com bicicleta mesada”. Os poemas de Luis Vaz de Camões são exemplos
clássicos:
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Se nela está minha alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.
Mas esta linda e pura semideia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim co’a alma minha se conforma,
Está no pensamento como ideia;
[E] o vivo e puro amor de que sou feito,
Como matéria simples busca a forma.
74
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
As ordens diretas seriam:
• o amador
S
•
tenho
S (eu) V
transforma-se
V
a parte desejada
C
• minha alma transformada
S
• o corpo
S
na cousa amada (1º verso)
C
deseja
V
em mim (4º verso)
C
está
V
alcançar
V=C
nela (5º verso)
C
[o] que mais?
C
Apesar das diiculdades na leitura, a ordem inversa deixa o poema camoniano mais rico e intrigante,
diferenciando-o no mundo da literatura. Sobre essa relação entre texto literário e a ordem inversa,
temos um interessante artigo jornalístico:
Saiba mais
Ordem inversa valoriza discurso
Thaís Nicoleti de Camargo
CAMARGO, T. N. Ordem direta e inversa. Folha.com. São Paulo 20 ou.
2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/
ult305u446.shtml>. Acesso em: 17 jun. 2011.
Outro aspecto sobre os constituintes da frase refere-se às intercalações. Dentro de uma frase,
podemos encaixar outra. Por exemplo:
• O livro chegou ontem.
• Encomendei o livro.
Para evitar repetição de termos, podemos unir as frases acima em um único enunciado:
• O livro, que encomendei, chegou ontem.
Nesse enunciado, ocorre a intercalação: uma frase é inserida na outra. Como na situação anterior
sobre ordem direta e ordem inversa, a formação de frases intercaladas depende do contexto. No mesmo
Manual de redação, em instruções gerais, o autor aconselha:
75
Unidade I
1 - Seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. Use frases curtas e evite
intercalações excessivas ou ordens inversas desnecessárias. Não é justo exigir
que o leitor faça complicados exercícios mentais para compreender o texto
(MARTINS, 2001).
Deparamo-nos muitas vezes com parágrafos longos e cheios de intercalações, diicultando nossa leitura
e, logo, nosso entendimento do texto. No entanto, quando a pessoa sabe fazer intercalações e veriica se o
produto inal icou coerente e bom, não há problema em fazer esse tipo de construção sintática.
Para encerrar esta seção, trataremos das exigências de determinados verbos. Tomemos a frase “O João
construiu uma casa”. Intuitivamente, sabemos que o verbo construir é uma palavra que faz exigências e
determina que outras palavras podem satisfazê-las. Construir precisa ser acompanhado de duas outras
expressões: uma que corresponde ao objeto a ser construído e outra, ao agente construtor. Na frase,
“uma casa” e “o João” são as expressões que, respectivamente, satisfazem essas exigências impostas por
construir.
Assim acontece com “Criança adora gato”, “As análises mostram a porcentagem de carbono no
produto x” etc. O verbo adorar também exige outros constituintes, tanto o constituinte na função de
sujeito (criança), quanto o constituinte na função de complemento (gato). No caso do verbo mostrar,
sua exigência recai igualmente em possuir um constituinte como sujeito (as análises) e outro como
complemento (a porcentagem de carbono no produto x).
Dessa forma, se o falante for exposto à frase em que falta um dos constituintes exigidos pelo verbo,
ele perceberá imediatamente. Por exemplo, se alguém diz “construiu uma casa”, a reação do ouvinte é
imediata, perguntando logo “quem construiu a casa?” O ouvinte pede ao seu interlocutor que acerte a
frase, de modo a que as imposições feitas pelo verbo construir sejam satisfeitas.
Lembrete
Na gramática escolar, o verbo que exige outro(s) constituinte é
classiicado verbo transitivo direto e/ou indireto.
3.3 Conhecimento semântico
Refere-se aos signiicados que atribuímos aos textos. O signiicado pode ser geral ou veriicado na
relação entre palavras ou entre frases.
O signiicado geral relaciona-se à unidade semântica do texto, que se desenvolve em torno de um
tema, chamado também de ideia central. Essa unidade é um eixo, o qual faz cada parte textual convergir
para um centro (veriicar ANTUNES, 2010).
É a unidade semântica, central, que permite a elaboração de uma síntese, o entendimento dos títulos
e subtítulos, o discernimento entre as ideias principais e as secundárias. Essa unidade deixa o texto como
um conjunto delimitado.
76
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Textos orais e escritos realizam-se dentro dos parâmetros de unidade. Assim, textos orais como
conferência, palestra, debate, aula e outros similares são sempre em torno de um determinado tema.
Ressalto que, devido às circunstâncias comunicativas, a conversação em MSN, por exemplo, têm mais
abrangência, não se ixando a um tema.
O tema é desenvolvido sob um ponto de vista. Em seu percurso, o tema progride, mantendo informação
já dada e com acréscimo de algo diferente. Ideias novas são acrescentadas acerca do mesmo tema. O
resultado é uma progressão articulada com as partes do texto integradas. Diante do que ouvimos ou
lemos, temos a sensação de que estamos diante de uma unidade, reconhecendo o começo e o im do
texto.
A unidade de um texto, então, é o principal atributo para ele ser considerado em sua completude.
Vejamos o exemplo dado por Siqueira (2000):
Menino do Rio
Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Dragão tatuado no braço
Calção corpo aberto no espaço
Coração, de eterno lerte
Adoro ver-te...
Menino vadio
Tensão lutuante do Rio
Eu canto pra Deus proteger-te...
O Hawaí
Seja aqui
Tudo o que sonhares
Todos os lugares
As ondas dos mares
Pois quando eu te vejo eu desejo o teu desejo
Menino do Rio
Calor que provoca arrepio
Toma esta canção como um beijo
(VELOSO, 1981)
O autor Siqueira nos pergunta se o texto tem unidade, falando do mesmo tema do começo ao im.
Propõe-nos veriicar:
• Quem provoca arrepio?
• Quem tem dragão tatuado no braço?
• Quem usa calção?
77
Unidade I
• Quem tem o corpo aberto no espaço?
• Quem tem o coração de eterno lerte?
• Quem é visto?
• Quem é a tensão lutuante do Rio?
• A quem Deus deve proteger?
• Quem sonha com o Havaí?
• Quem é visto e desejado?
• Quem toma a canção como um beijo?
A resposta é uma só: o menino do rio. O texto, portanto, tem unidade: diversas partes se juntam
e se articulam formando um todo único. Quando, ao contrário, o texto está incompleto, conseguimos
perceber que falta parte dele, tal como ocorre no exemplo:
O primeiro informou:
Eu, uma vez, cheguei atrasado à usina e fui preso por estar sabotando o trabalho
coletivo.
E o outro contou:
-
Pois eu, como chegava todo dia mais cedo, fui preso por espionagem.
E o terceiro:
Eu sempre cheguei na hora exata, todos os dias, durante anos, e fui preso por
conformismo pequeno-burguês.
(ZIRALDO, 1982).
O início do texto “O primeiro informou” nos leva a perguntar quem informou a quem? Em que
situação os três foram presos? A que esse texto se refere ainal? Falta, portanto, uma parte do texto. Já
se o texto fosse assim na introdução: “Três sujeitos lá no fundão da Sibéria discutiam as razões de sua
prisão”, saberíamos desde o início que se trata de presos políticos da União Soviética e o autor Ziraldo
faz uma crítica à postura política adotada pelos socialistas. Somente assim o texto faria sentido.
Com base nos exemplos, podemos airmar que temos uma competência textual. Diante de um texto,
detectamos se ele está completo ou interrompido, bem como identiicar o tema global do texto.
Veremos mais dois exemplos de unidade temática. Primeiro é uma crônica da grande escritora
brasileira Rachel de Queiroz.
78
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Talvez o último desejo
Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para
o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública
e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?
Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real
desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e
lhe dizer na cara: Te dana!
Sim, te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente,
ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se!
Vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar.
Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu
bem! Doravante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pegar dançarinas,
pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha
Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo! Chegar junto ao respeitável
público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me
importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior
indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para
acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis
o escriba que de vós se libertou!
Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que
me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca,
que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege
quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão
gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo?
Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua,
serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.
Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar
parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços ains, me sentir
como ilho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.
Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, icar balançando devagar
para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir
na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois
abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao
mormaço.
Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e
se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois,
79
Unidade I
aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele
deseja é mesmo servidão e tranquilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se
romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as vontades, e atormentálo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única
felicidade.
Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que
ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os
demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que
esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz
- o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe,
nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir
e gemer e se saber seu irmão.
E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha,
tão longe dos nossos braços.
E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora,
tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o
seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a ilho.
E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os
cachorros e as roseiras.
E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não
adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os
amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.
E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita,
e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e
tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que
se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter
medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter
coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa
obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em
paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.
E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que
se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral,
o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se
dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.
Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por
que lutar contra as tuas grades?
80
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e
botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana,
coração, te dana!
(QUEIROZ, 2007).
Segundo Antunes (2010), a unidade temática do texto de Rachel de Queiroz desenvolve-se em torno
da descrição de um possível desejo da autora Rachel na passagem de ano de 1950. No texto há detalhes
sobre o que seria o desejo verdadeiro e inconfessável e depois a rendição dela aos desejos do coração. Os
pormenores desse desejo e as razões para ele não ser atendido marcam o percurso do texto.
Esse tema progride no decorrer do texto e veriicamos que, ainda de acordo com Antunes (2010, P.
91-92):
(a) O pretexto inicial do texto – um desejo para o ano que começa – passa
a ser o io condutor de todo o seu desenvolvimento.
(b) O ponto de partida é a conissão desse desejo: que tudo se dane!. Um
desejo sentido, mas inaceitável e, por isso, inconfessável (a verdade
verdadeira que eu falar não posso). Esse desejo, nos cinco parágrafos
seguintes, é detalhadamente descrito. Que se dane o mundo, que se
dane o homem amado, que se dane o público leitor, que se dane a
pátria, o dinheiro, o bom nome, o respeito, a amizade, o amor. Que
se dane a parentela. A consciência de que esse desejo não é de todo
legitimo, pois fere os princípios elementares da boa convivência, está
expressa já no título, pelo recurso ao advérbio “talvez”: Talvez o último
desejo.
(c) O tema avança na conissão da autora de que “o seu maior desejo”
seria tomar essa atitude de desprezo por tudo. Mas não o faz. E aí
prossegue no detalhamento de todos os motivos por que não o faz,
repassando quase todos os elementos considerados no bloco anterior:
o amado, o mundo, a pátria, a parentela, o respeitável público etc.
(d) E como abertura e coroamento desses detalhes, sobressai a ideia de
que o desejo de mandar que “tudo se dane!” não é viável porque o
insolente coração não deixa.
(e) Essa ideia da total submissão às leis do coração é expressa nos
fragmentos O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode
viver; Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas
com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?; cativeiro sem
remédio. Ou seja, render-se à servidão do amor constitui um destino
incorrigível, uma espécie de sina fatal de nós todos, da qual não
81
Unidade I
podemos fugir. Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras,
trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades.
(f) A aceitação da impotência humana, frente aos imperativos do
coração, se expressa também no fragmento: fraternidade que não
acha nenhuma China demasiado longe. Isto é, a realidade objetiva se
neutraliza frente à incorrigível servidão do amor.
(g) Todo o texto é costurado em torno da expressão de um desejo e
da impossibilidade de se render a ele. Constitui, assim, uma peça só:
razões de um desejo, detalhadamente descrito, que não pode ser
cumprido, por razões que são também apresentadas.
(h) A consciência dessa impossibilidade se manifesta, no inal da crônica,
com a expressão: Te dana, coração. Ou seja, é melhor entregar-se,
deixar que o coração comande, sem questionamentos.
O segundo texto constitui-se de ideias e concepções da estudiosa Sílvia Brandão sobre a língua:
A geograia linguística no Brasil
É por meio da língua que o homem expressa suas ideias, as ideias de sua geração, as
ideias da comunidade a que pertence, as ideias de seu tempo. A todo instante, utiliza-a
de acordo com uma tradição que lhe foi transmitida, e contribui para sua renovação e
constante transformação. Cada falante é, a um tempo, usuário e agente modiicador de sua
língua, nela imprimindo marcas geradas pelas novas situações com que se depara. Nesse
sentido, pode-se airmar que, na língua, se projeta a cultura de um povo, compreendendose cultura no seu sentido mais amplo, aquele que abarca “o conjunto dos padrões de
comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores espirituais e materiais
transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade”, segundo o novo Aurélio.
Ao falar, um indivíduo transmite, além da mensagem contida em seu discurso, uma série
de dados que permite a um interlocutor atento não só depreender seu estilo pessoal – seu
idioleto – mas também iliá-lo a um determinado grupo.
A entonação, a pronúncia, a escolha vocabular, a preferência por determinadas
construções frasais, os mecanismos morfológicos que lhe são peculiares podem servir de
índices que identiiquem:
(a) o país ou a região de que se origina;
(b) o grupo social de que faz parte (seu grau de instrução, sua faixa etária, seu nível
socioeconômico, sua atividade proissional);
82
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
(c) a situação (formal ou informal) em que se encontra.
O Brasil, em decorrência do processo de povoamento e colonização a que foi submetido
bem como das condições em que se deu sua independência política e seu posterior
desenvolvimento, apresenta grandes contrastes regionais e sociais, estes últimos perceptíveis
mesmo em grandes centros urbanos, em cuja periferia se concentram comunidades mantidas
à margem do progresso.
Um retrato iel, atual, de nosso país teria de colocar lado a lado: executivos de grandes
empresas; técnicos que manipulam, com desenvoltura, o computador; operários de
pequenas, médias e grandes indústrias; vaqueiros isolados em latifúndios; cortadores de
cana; pescadores artesanais; plantadores de mandioca em humildes roças; pombeiros que
comerciam pelo sertão; indígenas aculturados.
Detentores de antigos costumes portugueses aqui reelaborados pelo contato com
outra terra e outras gentes ou, já em acelerado processo de mestiçagem étnica e
linguística, esquecidos das origens, esses homens e mulheres guardam, na sua forma de
expressão oral, as marcas de nossa identidade linguístico-cultural e a resposta a muitas
indagações e a diversas hipóteses sobre a história e o estado atual do português do
Brasil.
(BRANDÃO, 1991, p. 5-17, Adaptação.)
A unidade temática do texto de Brandão é desenvolvida na ideia de que a língua é lexível e se altera
devido a situações deparadas pelo falante. O falante é usuário da língua e seu agente modiicador,
contribuindo com as transformações da língua.
O falante faz parte de um grupo, o qual, por sua vez, é marcado por fatos históricos. Tais fatos
determinam a identidade linguístico-cultural do grupo, incluindo a nossa língua em seu estado atual.
Esse tema progride no decorrer do texto e veriicamos que, ainda de acordo com Antunes (2010,
106-107):
(a) A progressão do tema se dá a partir da referência à função do uso
da língua: um meio de o homem expressar suas ideias, as ideias
de sua geração, as ideias da comunidade a que pertence, as ideias
de seu tempo. Essa afirmação serve de gancho para a introdução
de um tópico que vai dominar toda a exposição: o falante usa a
língua conforme as particularidades culturais de seu grupo, que,
assim, transparecem em sua fala, como “índices” de identificação
dos sujeitos e dos grupos.
(b) Dessa vinculação da língua a suas circunstâncias de uso resulta a
heterogeneidade desses usos (Cada falante é, a um tempo, usuário e
83
Unidade I
agente modiicador de sua língua). Chega-se, portanto, à compreensão
da historicidade das línguas e daí à análise do que poderia ser um
retrato iel de nosso país, o qual – em decorrência do processo de
povoamento e colonização a que foi submetido bem como das
condições em que se deu sua independência política e seu posterior
desenvolvimento – propicia a mestiçagem étnica e linguística de seu
povo, além de grandes contrastes regionais e sociais.
(c) O remate da abordagem do tema reitera o ponto inicial: na sua forma
de expressão oral, cada povo revela as marcas de sua identidade
linguístico-cultural. No caso brasileiro, negar esse princípio seria
perder a resposta a muitas indagações e a diversas hipóteses sobre a
história e o estado atual do português do Brasil.
Como veriicamos, o tema atravessa o texto do início ao im, assumindo em sua continuidade
acréscimos que reiteram seu núcleo maior.
A semântica engloba o tema geral do texto e também a relação de sentido estabelecido entre as
palavras. Entre as relações possíveis de signiicado entre as palavras, ocorre a polissemia.
Muitas palavras têm mais de um signiicado, ou seja, são polissêmicas. A palavra rede, por exemplo,
tem mais de um sentido. Até há pouco anos, ela se referia ao objeto de descanso. Devido ao mundo da
informática, ela passou a ter um a mais: rede na Internet é a interligação entre computadores.
No quadro abaixo, encontramos uma lista de datas e fatos que tiveram repercussão na mídia. Todos
os fatos poderiam ser chamados de operação: militar, cirúrgica etc.
Quadro 20
Datas
Fatos
1967
O Dr. Christian Barnard realiza o primeiro transplante de coração humano, no hospital
Groote Schuur, Cidade do Cabo, África do Sul.
1968
A Tchecoslováquia é invadida por tropas do Pacto de Varsóvia.
1969
A General Motors americana convoca os proprietários de cerca de 5 milhões de
automóveis para que reparem gratuitamente defeitos de fabricação constatados em seus
veículos.
1975
As naves espaciais Apollo (americana) e Soyuz (soviética) encontram-se a uma altura de
140 milhas acima da Terra.
1976
Comandos aerotransportados de Israel resgatam no aeroporto de Entebbe (Uganda)
103 passageiros de um voo da Air-France tomados como reféns por sequestradores
palestinos. Trinte e sete pessoas morrem durante o ataque.
A palavra operação é polissêmica e em cada situação adquire um sentido. Devido ao nosso
conhecimento da língua portuguesa, não prestamos atenção a uma determinada palavra, contudo ela
é empregada por nós em vários contextos diferenciados. A palavra operação é uma delas; outra, para
nosso exemplo, é a palavra fechar. Vejamos:
84
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
• Fechei os olhos.
• Para controlar a raiva, fechei os punhos.
Sem realmente pensar, usamos a mesma palavra, atribuindo-lhe signiicado diverso em cada uso.
Quando lemos um texto, o fenômeno também ocorre; sem precisar consultar um dicionário e com
naturalidade entendemos o texto e, em especial, o sentido da palavra.
Outra situação interessante é a palavra “explodida”, empregada em textos técnicos, manuais, na área
da mecânica. Vários componentes da mesma máquina aparecem separados, mas em uma posição que
orienta sua montagem. A ilustração recebe o nome de “Visão explodida” ou “Vista explodida”. Ainal, que
ideia se quer passar com a palavra “explodida”?
Figura 9
Para fechar esta seção, veremos que a semântica relaciona-se à paráfrase. A paráfrase é a
reescrita de uma palavra ou do texto todo e nela o autor se apropria, sem tirar o sentido do texto
original.
Por exemplo: “A estrutura direta das frases em português é SVC, isto é, sujeito, verbo, complemento.”
A segunda parte da frase, iniciada com a expressão “isto é” consiste em uma reescrita da primeira parte;
é uma paráfrase.
A paráfrase volta a dizer o mesmo que se disse antes, mas com outras palavras, sob outra formulação.
Um segmento textual só pode considerado paráfrase se está articulado a um outro anterior pela
equivalência de sentido. A paráfrase se destaca, então, como um recurso da continuidade semântica do
texto.
85
Unidade I
A paráfrase pode ser observada também na relação entre texto verbal e texto não verbal. Assim,
construa ilustrações para o texto abaixo sobre horta comunitária.
Que tal começar a pensar na sua?
- Fique atento para a escolha do local: o canteiro deve ter pelo menos quatro horas de luz direta por dia.
- É importante que a área tenha uma boa drenagem, para evitar água empoçada em período de chuvas.
- Alise a terra com delicadeza, abrindo pequenos sulcos paralelos com meio palmo entre eles.
- Distribua as sementes nos buracos, cobrindo-as com terra ina.
- Regue de manhã cedo e à tarde. Quando as raízes já estiveram desenvolvidas, basta regar uma vez por dia.
- Se precisar transplantar uma muda, abra a cova e retire-a com o pouco da terra que vem agregada às raízes.
Coloque a muda na nova cova, acrescentando terra e apertando até sentir que icou irme.
Exemplo de aplicação
1. Neste tópico do livro-texto, tratamos do conhecimento linguístico, que nos permite ler/ouvir
textos e entendê-los. Com base nesse tipo de conhecimento, indique o texto (ou textos) que você
consegue entender devido ao seu conhecimento na língua usada.
I - Sandra Rosa is very beautiful, young, and successful. She’s a famous actress. She’s also very rich.
Her house near the beach is big and beautiful, and her car is very expensive. Her fans love her.
But is she happy?
Disponível em: <http:// denilsodelima.blogspot.com/2008/10/texto-de-ingls-alunos-de-nvel-bsico.html>
II - ¡Holla! Me llamo Julian, tengo 26 años de edad, soy estudiante, estoy en el tercer año de periodismo
en la universidad, vivo en Madrid desde chiquito, pero mis padres son brasileños de Rio de Janeiro.
Disponível em: <http://www.espanholgratis.net/textos_em_espanhol/apresentacao_texto.htm>
III - “boku ga soba ni iru kara
hanareba nare no yoru datte
boku ga soba ni iru kara”
IV - Cembyua Ypiranga çuí, pitúua,
Ocendu kirimbáua çacemoçú
Coaracy picirungára, cedyua,
Retama yuakaupé, berabuçu.
Disponível em: <http://tupi.wikispaces.com/YRL+-+textos+-+Nheengarisaua+Retamauara>
Comentário: Se você conseguiu ler e entender um ou todos os textos acima, você tem conhecimento
da língua em que os textos foram escritos. Você conhece então: I – língua inglesa; II – língua espanhola;
III – língua japonesa; IV – língua tupi.
86
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
2. As palavras cruzadas são um jogo linguístico em que se fornece a deinição, esperando que o
jogador dê a palavra deinida. Tente resolver este problema de palavras cruzadas e explique em seguida
os problemas que você teve, por conta de deinições mal-formuladas.
Figura 10
Comentário: Ao preencher a cruzadinha, você pode não ter tido diiculdades, porque as deinições
apresentadas podem estar bem formuladas. Ou você teve diiculdade justamente porque elas não
estavam bem-formuladas.
3. Frases como “a orelha do urso rasgou” ou “a mão do santo esfarelou” não são boas se o urso for
um bicho e o santo for uma pessoa; mas essas mesmas frases tornam-se perfeitamente possíveis se o
urso for de pano e se o santo for uma estátua de gesso. Invente uma história em que uma das frases
abaixo possa ser interpretada:
• O rabo de cavalo quebrou.
• A água da lagoa furou.
87
Unidade I
• A fumaça do trem caiu.
• O azul do céu manchou.
Comentário: As restrições lexicais relacionam-se ao conhecimento que nós temos sobre determinados
usos da língua. No caso, não relacionamos rabo de cavalo com o verbo quebrar, a não ser que seja
metaforicamente. A sua história então é metáfora para dar conta do sentido de uma das expressões
propostas
4. Piada:
“Sabe aquela da loira no estacionamento? Ela colocou a mão na cabeça e disse: ‘Não me lembro
qual é o meu carro’. O rapaz do estacionamento respondeu: ‘Celta preto’. ‘É mesmo; parece que vai
chover.’”
Explique por que a ambiguidade de segmentação é o recurso de construção do humor da piada.
Comentário: A ambiguidade de segmentação ocorre na frase “Celta preto”, que, ouvida, /seutapreto/
pode ser interpretada como Celta (carro) preto (cor do carro) ou céu tá (redução do verbo “está”) preto
(a cor do céu indiciadora de chuva). Tanto celta quanto céu têm som /ε/, “e” aberto (é).
5. Fazendo uma análise semântica do texto abaixo, convido-o a veriicar e reletir sobre a unidade
temática e seu desenvolvimento.
A missa dos inocentes
Se não fora abusar da paciência divina
Eu mandaria rezar missa pelos poemas que não
Conseguiram ir além da terceira ou quarta linha,
Vítimas dessa mortalidade infantil que, por ignorância dos pais,
Dizima as mais inocentes criaturinhas, as pobres…
Que tinham tanto azul nos olhos,
Tanto que dar ao mundo!
Eu mandaria rezar o réquiem mais profundo
Não só pelos meus
Mas por todos os poemas inválidos que se arrastam pelo mundo
E cuja comovedora beleza ultrapassa a dos outros
Porque está, antes e depois de tudo,
No seu inatingível anseio de beleza!
(QUINTANA, 2006).
Comentário: Por tratar de texto literário, tomamos cuidado em não airmar que existe apenas uma
maneira de ler o poema, ou seja, de enquadrá-lo em uma unidade temática. Seguindo a análise de Antunes
88
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
(2010), a unidade temática do poema constitui-se de semelhança entre os poemas (pensados, queridos,
mas interrompidos logo no começo) e as crianças mortas prematuramente. A morte é relacionada à
religião e, assim, o poema fala de rezar missa, réquiem.
Quanto à progressão do tema:
(a) O tema, na imagem do poeta, percorre um curso que vai dos seu próprios poemas até todo e
qualquer outro (todos os poemas inválidos que se arrastam pelo mundo).
(b) Em princípio, o letramento se estende a todos os poemas que tiveram morte prematura;
pretende-se mandar rezar missa, rezar o réquiem mais profundo por eles. No final, o poeta exalta
esses poemas não consumados, exatamente por eles não terem assumido os limites de nenhuma
forma concreta e poderem representar, assim, a beleza plena. Ou seja, os poemas vítimas da
mortalidade infantil acabam por constituir uma comovedora beleza que ultrapassa a dos outros
já existentes.
6. As palavras que indicam relação são mais tipicamente os verbos transitivos. Utilizando as
informações dadas pelo poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, e aproveitando as duas
listas de nomes, construa um diagrama de Euler para o verbo amar, entendendo que o 1º conjunto
representa quem ama, e o 2º, quem é amado. (Obs.: basta acrescentar setas para a construção do
diagrama.)
João
Lili
Maria
Raimundo
Joaquim
Teresa
J. P. Fernandes
João
Lili
Maria
Raimundo
Joaquim
Teresa
J. P. Fernandes
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria icou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história
(ANDRADE, 1980).
89
Unidade I
Comentário: Na semântica, vemos as relações entre as palavras e, na sintaxe, uma das relações
típicas é entre o verbo transitivo e seu complemento (objeto direto). Na primeira parte do poema
Quadrilha, predomina tal relação, podendo formar o diagrama de Euler assim:
João
Lili
Maria
Raimundo
Joaquim
Teresa
J. P. Fernandes
João
Lili
Maria
Raimundo
Joaquim
Teresa
J. P. Fernandes
Por meio do diagrama, o leitor percebe que, por exemplo, o primeiro personagem João não é amado,
ou seja, nenhuma das presenças femininas o ama. Percebemos também que nem Lili nem J. P. Fernandes
se amam mutuamente. Por im, outro aspecto interessante é a própria seta do diagrama; ela tem
apenas um sentido (
), indicando quem ama, em uma relação unilateral. No diagrama não há seta
interacional (
). O tema deste poema é, então, o desencontro amoroso.
7. Em muitos nomes de produtos, o consumidor encontra recurso estilístico sonoro. Qual é o recurso
empregado no nome do produto abaixo?
Figura 11
Comentário: O nome do produto é Tic-Tac que simboliza um barulho; temos, assim, no nome do
produto uma onomatopeia.
4 CONHECIMENTOS DE MUNDO E INTERACIONAL
Caro aluno, abaixo há um texto curto e sobre ele responda: quem caminhava apoiando-se numa
bengala? Quem é o velhinho?
• Hoje Pedrinho veio buscar o avô. O velhinho caminhava apoiando-se numa bengala.
90
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Sobre a primeira pergunta é fácil: quem caminhava apoiando-se numa bengala é o velhinho. A
diiculdade está na segunda pergunta: ainal, quem é o velhinho? O texto menciona dois indivíduos:
Pedrinho e avô, mas não esclarece qual dos dois é o velhinho.
Sei, no entanto, que apesar da falta de esclarecimento textual você relacionou velhinho ao termo
avô. Essa ligação entre velhinho e avô não está expressa no texto e só é possível elaborar essa inferência
por causa do conhecimento que você tem sobre avô, que inclui não somente signiicado básico da
palavra – pai do pai ou pai da mãe – mas também que em geral os avós são pessoas mais velhas. Esse
conhecimento privilegia a ligação entre velhinho e avô e descarta uma possível ligação entre Pedrinho
e velhinho.
O nosso conhecimento prévio nos leva a compreender o que está expresso de forma explícita no
texto e a completar o que não está expresso claramente. Nesse sentido, o texto pode estar estruturado
adequadamente com as relações sintáticas, semânticas etc. bem-compostas, mas, ainda assim,
incompreensível para o leitor. Isso ocorre porque o texto não é formado apenas do material linguístico.
Segundo Liberato e Fulgêncio (2007, p. 31):
Quando lemos, não estamos jogando unicamente com aquilo que é expresso
explicitamente, mas também com um mundo de informação implícita, não
expressa claramente no texto, mas totalmente imprescindível para poder
compor o signiicado.
Nós devemos, então, acrescentar conhecimentos extras ao que é lido para criar lógica ao texto e
compreensão daquilo que o autor quer comunicar. A esse processo de elaboração ativa de conhecimentos
damos o nome de inferência.
É devido a essa nossa capacidade de inferência que se permite a qualquer autor não colocar no
texto toda a informação necessária à sua compreensão. Na verdade, seria inviável a comunicação se
as pessoas precisassem explicar cada item. Já imaginou explicar a frase: “Fernando queria consertar o
armário.”? Fernando, um humano, bípede, meu irmão (ou cunhado, ou...), irmão tem relação sanguínea
(relação sanguínea signiica...), consertar é o ato de..., armário é o objeto em que se guarda...
Vamos examinar outro texto:
• Amanhã é o aniversário da Laurinha. Ana e Luísa foram comprar um presente. Elas estão pensando
em comprar uma boneca. (LIBERATO E FULGÊNCIO, 2007, p. 35)
Em primeiro lugar, se amanhã é o aniversario da Laurinha, supomos que ela ganhará presentes. Essa
inferência é baseada no conhecimento cultural, uma vez que há países onde presentes não são oferecidos
no dia de aniversário. Portanto, nem todas as pessoas poderiam construir aqui essa inferência.
Outro aspecto é que a compra da boneca feita por Ana e Luísa é para Laurinha. Sabemos disso devido
ao nosso conhecimento de que quando alguém faz aniversário, compramos presente.
91
Unidade I
Por im, inferimos a idade de Laurinha, que deve ser uma criança, porque o presente é uma boneca.
A reconstrução das inferências envolvidas na interpretação desse pequeno texto pode parecer
extensa, mas quem compreendeu o texto fez todas essas relações. Essas operações mentais são realizadas
com facilidade e automaticamente. Assim:
A compreensão da linguagem é então um verdadeiro jogo entre aquilo que
está explícito no texto (que é em parte percebido, em parte previsto) e entre
aquilo que o leitor insere no texto por conta própria, a partir de inferências
que faz, baseado no seu conhecimento do mundo (LIBERATO E FULGÊNCIO,
2007, p. 36).
Concordamos, então, com a síntese feita por Dell’Isola (2001, p. 44):
Inferência é, pois, uma operação mental em que o leitor constrói novas
proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas quando o
leitor estabelece elos lexicais, organiza redes conceituais no interior
do texto, mas também quando o leitor busca, extratexto, informações
e conhecimentos adquiridos pela experiência de vida, com os quais
preenche os “vazios” textuais. O leitor traz para o texto um universo
individual que interfere na sua leitura, uma vez que extrai inferências
determinadas por contextos psicológico, social, cultural, situacional,
dentre outros.
Luís Fernando Veríssimo, grande cronista, retrata bem no texto abaixo os vários conhecimentos de
mundo que possuímos e que nos ajudam nas cortesias sociais.
Grande Edgar
Já deve ter acontecido com você.
-
Não está se lembrando de mim?
Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, em todas as ichas armazenadas
na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para
procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados,
antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?
Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.
Um, o curto, grosso e sincero.
92
Não.
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O “Não” seco pode
até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente
embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter
vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.
Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, é o da dissimulação.
-
Não me diga. Você é o... o...
“Não me diga”, no caso, quer dizer “Me diga, me diga”. Você conta com a piedade dele
e sabe que cedo ou tarde ele se identiicará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode
dizer algo como:
-
Desculpe deve ser a velhice, mas...
Este também é um apelo à piedade. Signiica “Não torture um pobre desmemoriado,
diga logo quem você é!” É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor ideia
de quem ele é, mas que isso não se deve à insigniicância dele e sim a uma deiciência de
neurônios sua. E há o terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à
tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.
-
Claro que estou me lembrando de você!
Você não quer magoá-lo, é isso. Há provas estatísticas que o desejo de não magoar os
outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense
que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase
não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:
-
Há quanto tempo!
Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desaiará.
-
Então me diga quem eu sou.
Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar,
falsamente desacordado, que a ambulância venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso
e dizer apenas:
-
Pois é.
Ou:
-
Bota tempo nisso.
93
Unidade I
Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus?
Enquanto resgata caixotes com ichas antigas do meio da poeira e das teias de aranha do
fundo do cérebro, o mantém à distância com frases neutras como “jabs” verbais.
-
Como cê tem passado?
-
Bem, bem.
-
Parece mentira.
-
Puxa.
(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu
Deus?)
Ele está falando:
-
Pensei que você não fosse me reconhecer...
-
O que é isso?!
-
Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.
-
E eu ia esquecer você? Logo você?
-
As pessoas mudam. Sei lá.
-
Que ideia!
(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o
nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna
mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas.
“Que bom encontrar você!” e paf, chuta uma perna. “Que saudade!” e paf, chuta a outra.
Quem é esse cara?)
-
É incrível como a gente perde contato.
-
É mesmo.
Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.
94
-
Cê tem visto alguém da velha turma?
-
Só o Pontes.
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
-
Velho Pontes!
(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual
trabalhar. Uma segunda icha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)
-
Lembra do Croarê?
-
Claro!
-
Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.
-
Velho Croarê!
(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil.
As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance
decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)
-
Rezende...
-
Quem?
Não é ele. Pelo menos isso está esclarecido.
-
Não tinha um Rezende na turma?
-
Não me lembro.
-
Devo estar confundindo.
Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.
-
Sabe que a Ritinha casou?
-
Não!
-
Casou.
-
Com quem?
-
Acho que você não conheceu. O Bituca.
Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame
é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia
terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?
95
Unidade I
-
Claro que conheci! Velho Bituca...
-
Pois casaram...
É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.
-
E não me avisaram nada?!
-
Bem...
Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo, a Ritinha casando
com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!
-
É que a gente perdeu contato e...
Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar
um convite.
mim!
É...
E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. Vocês é que esqueceram de
-
Desculpe, Edgar. É que...
-
Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...
(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com
outro. Ele também não tem a mínima ideia de quem você é. O melhor é acabar logo com
isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de “Já?!”)
96
-
Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?
-
Certo, Edgar. E desculpe, hein?
-
O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.
-
Isso.
-
Reunir a velha turma.
-
Certo.
-
E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
-
Bituca.
-
E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?
-
Tchau, Edgar!
Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer “Grande Edgar”. Mas jura que é a última
vez que fará isso. Na próxima vez que alguém lhe perguntar “Você está me reconhecendo?”
não dirá nem não. Sairá correndo.
(VERISSIMO, 2001).
Na crônica, temos o seguinte fragmento:
Ou você pode dizer algo como:
— Desculpe deve ser a velhice, mas...
Quando a personagem usa a velhice como desculpa, o autor espera que o interlocutor da personagem,
e também o leitor, pressuponham que um dos fatores comuns do envelhecimento é a perda da memória.
Essa consideração trata-se de um conhecimento compartilhado entre a maior parte das pessoas como
conhecimento de mundo.
Se precisamos preencher o texto, completando-o com nossos conhecimentos de diversos tipos
(social, cultural etc.), imagine o que faria um jovem nascido em 2.100 e com 17, 18 anos, quando
aloram os gostos musicais, ao deparar com a letra de música abaixo, escrita cem anos antes. Considere
as diiculdades que ele teria para fazer referência a certos nomes, alusões a outras músicas e programas
televisivos.
Televisão
Brasil anos 60 eles diziam
“bola pra frente não desista não não!”
Mas mataram estudantes
Proibiram o acesso as estantes
Nas ruas tantos ignorantes
A cabeça do povo murchou
Bomba de efeito retardado pertado pesado
Só agora estourou e quem lucrou? eu não!
Vou caminhando cantando e seguindo a canção
De domingão a domingão segue a culturação
Processo de alienação através da televisão
E aí Faustão! quem sabe faz ao vivo!
Motivo pra eu dar um role na área
97
Unidade I
Junto com a rapaziada
Não vou perder o domingo vendo vídeo cacetada!
Junto com a mídia na mira realidade me inspira
Sou rapper do interior nem por isso inferior
Não tenho trava na fala aliado g nunca se cala!
Conheço um cara seu sobrenome é Massa
Foi eleito deputado e não lutou pelas massas
Votou a favor do Collor traidor da nação!
Agora na televisão quer dar uma de santinho
Não vou dizer seu nome ele é patrão do Xaropinho
Rotulado como defensor do pobre
Na verdade o que interessa são os pontos no ibope
Cascalho caralho! faz o povo de otário!
Não me engano eu não sou bobo
Sou rapper da rede povo
Não queremos sua pena de sua gente não precisa
Brasileiro não tem preguiça quer oportunidade
Através do trabalho alcançar a qualidade de vida
Que é negada pra nós periferia esquecida
Desacredita? então pague pra ver
Enquanto você assiste à televisão
Vou caminhando cantando e seguindo a canção
Vem vamos embora! que esperar não é saber
Que sabe faz a hora não espera acontecer
E a Hebe que gracinha já passou dos sessentinha
Com espírito de mocinha a mim você não ilude
Apoia o Paulo Maluf que faz Singapura fartura
Faz Pitta que não apita nada!
Permite a máia dos iscais o povo não aguenta mais
Esse papo de “rouba mas faz”
Nem a pau nem fudendo não bebo “suave veneno”
Agora “note e anote”
Que a tv é um “leão livre” sempre pronto pro bote!
Não to andando nas nuvens mantenho os meus pés no chão!
Na minha opinião fantástico é ver a luta do MST
Sol a sol dia a dia em prol da cidadania
É o lado bom que ela não mostra
Agora tem outra novela com o nome de Terra Nostra
Mais uma bosta!
Doutor Roberto Marinho tem a receita perfeita
Um analgésico fatal áudio visual!
Vejo uma dose diária de jornal nacional
A impressão que se tem é que o mundo inteiro vai mal
Mas o Brasil tá normal sobre o controle remoto do FMI
98
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Gente que nunca veio aqui pra saber o que é sofrer
Não imagina o que é isso mas é razão e motivo de eu ver
Criança abandonada querendo sobreviver
De pé no chão garimpando no lixão
Que é pra não morrer de fome quando acha um Danone
Olha pro céu azul agradece a deus
Disputa com o urubu
Pelo estoque vencido que veio do Carrefu
Enquanto você assiste à televisão
Vou caminhando catando e seguindo a canção
Dona Maria lava a roupa e lota a vassoura
Recupera as energia assistindo “A Usurpadora”
Já criou suas crianças
As 5 da manhã ela abre as portas da esperança
Do barraco de aluguel
Sua vida não é doce é amarga como um fel
Ficou doente faltou grana pra pagar a mensalidade
Do carnê de mercadorias do Baú da Felicidade
Cada vez mais doente fez promessa pro seu santo
O prejuízo dela é o lucro do Silvio Santos
Isso é o que eu chamo de “golpe do baú” vai tomar nogugu!
Tem o domingo legal um programinha banal
Só tá faltando aparecer cena de sexo anal
Meninas de 5 anos ralando a tcheca normal
Dá audiência aquela porra toda
O povão tá gostando então se foda!
Mas chega a segunda-feira e você cai na real
Mete a mão no bolso vê que não tem 1 real
Procura emprego e não acha alguns se entregam a cachaça
Outros não então a maioria se acomoda
E não se incomoda com a situação
Escravo da televisão e é desse jeito que eles querem
O povo na maresia e segue a dominação
Da minoria sobre a maioria
O mundo gira e gira o mundo
E só a gente leva bucha
Mas logo é domingo dia de planeta Xuxa
Eleições vem aí você decide
Se vale a pena ver denovo
Outro Fernando ou Ciro Gomes fabricado pela globo
Enquanto você assiste à televisão
Vou caminhando cantando e seguindo a canção
Com seus rostos maquiados sorrisos forçados
Programas ao vivo ou gravados
99
Unidade I
Eles são os serviçais do poder
Fazem um jogo sujo e esbanjam você
Qual o signiicado?
Sasha e seu quarto de 130 metros quadrados!
Hebe Camargo perguntava em seu programa
Por que todo pobre tem calcanhar rachado
Aqui vai a resposta
Por outro lado o que importa é o cascalho
1 milhão de reais por mês de salário
O que você recebe por ano eles faturam por hora
Eles são “os ricos que o meu povo adora.
(FACE DA MORTE, 1999)
Talvez a diiculdade em entender a letra de música comece pelo título. Com o desenvolvimento
da tecnologia, pode ser que daqui a cem anos não exista mais televisão, como não existem mais hoje
gravador, ita cassete, máquina de datilograia, disco vinil, disquete. Televisão pode não fazer mais parte
das vidas no futuro. Sem esse conhecimento de mundo, o jovem leitor do futuro sentirá diiculdades na
sua leitura.
As diiculdades continuam: terá ele conhecimento geral do mundo para identiicar na letra de música
as referências destacadas?
• “Vou caminhando cantando e seguindo a canção”
Referência à letra de música de Geraldo Vandré Pra não dizer que não falei das lores. Logo no início
da letra, temos estes versos:
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção(...)
(VANDRÉ, 2000)
• “De domingão a domingão segue a culturação
Processo de alienação através da televisão
E aí Faustão! quem sabe faz ao vivo!”
100
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Estes versos remetem de forma crítica ao programa televisivo que ocorre na Rede Globo de Televisão
aos domingos. O jovem leitor não terá o conhecimento geral: o programa se chama Domingão do
Faustão e o apresentador é Fausto Silva. A frase “quem sabe faz ao vivo” é o bordão sempre repetido no
programa pelo apresentador.
• “Conheço um cara seu sobrenome é Massa
Foi eleito deputado e não lutou pelas massas
Agora na televisão quer dar uma de santinho
Não vou dizer seu nome ele é patrão do xaropinho”
Outra referência à televisão é sobre o apresentador Carlos Roberto Massa, conhecido como Ratinho.
No seu programa, há um personagem que é chamado de Xaropinho.
• “E a Hebe que gracinha já passou dos sessentinha
Com espírito de mocinha a mim você não ilude”
Outro conhecimento que o jovem não terá é da existência da apresentadora Hebe Camargo.
• “Do carnê de mercadorias do Baú da Felicidade
Cada vez mais doente fez promessa pro seu santo
O prejuízo dela é o lucro do Silvio Santos”
O apresentador de televisão Sílvio Santos é outro referido na letra de música. O apresentador tem
um sistema de loteria, cujo nome é Baú da Felicidade. Duas informações necessárias para o leitor do
futuro.
Há referências a outros programas televisivos na letra de música. Assim, o leitor precisa também ter
vasto conhecimento de mundo:
• conhecimento político: a repressão no país de 1954 a 1964, com repercussões até a década 1980;
personalidades do quadro político: ex-prefeito Paulo Maluf, ex-presidente Fernando Collor de
Mello; político Ciro Gomes;
• conhecimento econômico: a desigualdade entre os brasileiros; a dívida externa do país; a existência
do FMI (Fundo Monetário Internacional);
• conhecimento cultural: concepção de televisão como algo alienante; os apresentadores de
programa de auditório; os apresentadores de destaque; a existência de novela etc.
O leitor precisa ativar conhecimentos das coisas do mundo para produzir sentido com base no uso
da língua constituída no texto. Koch (2004) deine que os conhecimentos prévios são importantes para
o processamento textual e para o estabelecimento de coerência. O conhecimento partilhado entre os
interlocutores serve para balancear o que precisa ser especiicado e o que pode icar implícito no texto,
para evitar mal entendidos, impossibilidade de construção da coerência ou processamento inadequado
do texto.
101
Unidade I
O conhecimento pode ser configurado como uma seriação de elementos dispostos em ordem;
não uma ordem hierárquica, mas bem definida. Por exemplo, Brasil, para um estrangeiro, pode
ser:
Brasil
país
América do Sul
Pelé
capital: Brasília
Rio de Janeiro
carnaval
samba
mulata
No ilme Rio, desenho animado americano dirigido, na verdade, por um brasileiro, encontramos um
conhecimento sobre o Brasil como no esquema acima, cheio de clichês (ideias repetidas, sem novidade).
A história acontece no Rio de Janeiro, cidade notória internacionalmente, na época de carnaval e com
cenas ocorridas tanto em loresta quanto em favela.
Faça um esquema em que mostre seu conhecimento sobre violão, sem preocupação com hierarquia
nos dados informados:
violão
Quando o conceito de violão foi acionado na memória, ativaram-se simultaneamente todas as
informações ligadas a ele. Talvez você tenha relacionado a palavra violão com música, instrumento,
102
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
corda, serenata etc. Esse tipo de conhecimento é responsável por recuperar automaticamente as lacunas
no texto a seguir:
• O violão de Aninha não estava ainado: as cordas estavam enferrujadas.
Entre o primeiro enunciado (O violão de Aninha não estava ainado) e o segundo (as cordas estavam
enferrujadas), há uma lacuna em que inserimos automaticamente: um violão tem cordas. Garantimos,
assim, a coerência entre um e outro.
Observamos o enunciado a seguir:
• Minha casa foi assaltada. Estou pensando em comprar um porquinho-da-índia.
Fica difícil estabelecer uma relação lógica no texto, uma vez que porquinho-da-índia não inclui
expectativas que poderiam se relacionar às expectativas acionadas pela primeira sentença. Entenderíamos
o texto se ele fosse completado por cachorro. Ainal, a sequência de um assalto a nossa casa pode ensejar
a compra de um cachorro para proteger a casa de futuros assaltos. Não esperamos como sequência a
um assalto a compra de um porquinho-da-índia, bicho pequenino, um pouco maior que um rato, para
servir de proteção. Veremos outra situação:
• João matou Maria. Amanhã vou visitar João na cadeia.
Todos conseguem compreender essas duas sentenças como um texto, vendo-as como relacionadas
e não como duas frases isoladas. Quando encontramos a situação “X matar Y” ativamos imediatamente
na nossa memória uma série de outros conhecimentos ligados a essa situação:
• assassinatos são crimes, proibidos por lei;
• as transgressões à lei são passíveis de punição;
• uma das formas de punição é colocar o infrator na cadeia.
Baseados nesses conhecimentos, relacionamos as frases acima, porque a prisão do assassino é uma
consequência desse tipo de evento. Diante de uma narrativa, sequências de eventos são ativados. Um
esquema para crime em relação à sucessão de eventos pode ser:
x cometer um crime – x ser preso – x ser julgado por y – x ser sentenciado por y
|
|
|
|
x ser criminoso x ser prisioneiro
x ser réu x ser culpado ou inocente
y ser juiz
Com base nesse tipo de conhecimento, inferimos que João está na cadeia porque matou Maria.
Marcuschi (apud DELL’ISOLA, 2001) propõe uma classiicação da inferência em três grandes grupos
para dar conta dos processos seguidos na organização de compreensão, interpretação, paráfrase etc. de
todo e qualquer tipo de texto.
103
Unidade I
Quadro 21 – Esquema geral das inferências
(A) INFERÊNCIAS LÓGICAS
- dedutivas
- indutivas
- condicionais
baseadas sobretudo nas relações lógicas e
submetidas aos valores-verdade na relação entre
as proposições
(B) INFERÊNCIAS ANALÓGICO-SEMÂNTICAS
-
por identiicação referencial
baseadas sempre nas palavras explícitas textuais e
por generalização
no conhecimento de itens lexicais e relações
por associações
semânticas
por analogia
por composições ou decomposições
(C) INFERÊNCIAS PRAGMÁTICO-CULTURAIS
-
conversacionais
experienciais
avaliativas
cognitivo-culturais
baseadas nos conhecimentos, experiências,
crenças, ideologias e axiologias individuais
As inferências lógicas ocorrem frequentemente em situações do dia a dia, quando chegamos a uma
conclusão menos geral com base em enunciado mais geral. Exemplo:
• A lei assegura a toda criança na faixa etária de 7 a 14 anos o direito de frequentar a escola.
Maria tem 10 anos de idade. Portanto, Maria tem direito de frequentar a escola.
A inferência indutiva, por sua vez, parte do registro de fatos singulares ou menos gerais para chegar
à conclusão. Por exemplo:
• Numa cidade, feitas as veriicações em diversos bairros, constatou-se a existência de muitos focos
de barbeiros, transmissores da doença de Chagas.
No caso da inferência condicional, é gerada de enunciado hipotético. Por exemplo:
• Se riscarmos um fósforo, em perfeitas condições, o fogo se acenderá.
As inferências analógico-semânticas são feitas por meio de palavras que remetem a outras no texto.
Exemplo:
104
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
• Carlos resolveu bater no cachorro.
Ele fez isso à noite.
O pronome “ele” remete ao nome Carlos e o pronome “isso”, à ação de bater no cachorro. Nós
inferimos que tais pronomes se referem a itens da frase anterior.
Podemos, também, fazer inferência por generalização, atribuindo propriedades, características ou
qualidades comuns a partir de alguns casos observados. Por associações, a pessoa relaciona um fato a
outro em uma série de acontecimentos.
• João tomou Aspirina e curou-se da gripe persistente. Aspirina corta gripe persistente.
Nesse exemplo acima, encontramos uma associação provável.
Outra inferência pode ocorrer por analogia, gerada com base em uma comparação em que a
pessoa veriica uma série de formas e transfere as propriedades de um sistema para outro sistema. Por
exemplo:
• Um médico realiza alguns experimentos com babuínos para determinar os efeitos de uma nova
substância sobre o organismo humano. Conclui que a substância ministrada aos babuínos provoca
o aparecimento de alguns efeitos secundários indesejáveis.
O leitor pode inferir que, sendo babuínos e humanos semelhantes do ponto de vista isiológico, a
nova substância acarretará o aparecimento, no homem, de efeitos secundários indesejáveis.
As inferências por composição ou decomposição são geradas das partes do discurso para a sua
totalidade – composição – ou do todo para as partes (decomposição), como no exemplo:
• A mãe vestiu o bebê.
As roupas eram feitas de lã.
Inferimos que o termo “roupas” é igual a roupas com que a mãe vestiu o bebê, quando lemos “vestiu”.
“Roupas” é representado como parte da decomposição “vestiu”.
Por im, as inferências pragmático-culturais são as mais presentes na leitura de textos. Estão
relacionadas com os conhecimentos pessoais, crenças e ideologia dos indivíduos. Entre essas inferências,
há as inferências conversacionais, que ocorrem nas manifestações orais. A conversação está cercada de
fatores extralinguísticos que interferem na geração de inferências pelo ouvinte. As expressões da face, o
olhar, a postura, o movimento das mãos, as entonações são exemplos de interferência extralinguística.
As inferências experienciais ocorrem com base nas experiências da pessoa. Quando leio ou ouço:
• A polícia está ali!
105
Unidade I
A polícia não costuma estar no pátio da universidade e saio para ver. Crio uma expectativa sobre o
motivo de a polícia estar no local. Do ponto de vista da minha experiência, eu tenho um esquema:
... polícia por perto – há alguma coisa a mais do que uma simples festa...
Polícia ------------ ordem ou segurança públicas
|
Órgão auxiliar da Justiça
Prevenir ou descobrir crimes
Fazer respeitar e cumprir a lei
As inferências avaliativas são próprias do julgamento do leitor/ouvinte. O assunto “nudez”, por
exemplo, pode ser avaliado de formas completamente diferentes, desde a total aceitação como uma
manifestação de beleza (o nu artístico), até o extremo oposto, como escândalo, agressão à moral e aos
bons costumes (o nu pornográico).
As inferências cognitivo-culturais ocorrem pela interferência da cultura do indivíduo: sua linguagem,
seus valores, seus costumes, instituições que cria, maneira de viver e de ver a vida.
O quadro de inferência proposto por Marcuschi fundamenta-se, enim, em um determinado contexto.
Exemplo de aplicação
Qual é a importância da inferência com vistas à compreensão do texto? Divido o texto a ser lido para
o exercício consciente de inferência. Após, o texto encontra-se em sua totalidade.
1ª parte:
Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e, tendo
ao lado, uma bela piscina.
Perguntas inferenciais:
• Onde ica a Lagoa Rodrigo de Freitas?
• Como você imagina que seja a região onde está a residência?
• Como é uma esplêndida residência? Como são as pessoas que moram nela?
2ª parte:
Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro,
comprometesse tanto a paisagem.
106
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Perguntas inferenciais:
• Como são “barracos grotescos”? Por que eles “se alastravam” pela encosta do morro?
• Por que é “pena” existir uma favela por perto?
• Como você acha que devem ser as pessoas que moram na favela?
3ª parte:
Diariamente desilavam diante do portão aquelas mulheres silenciosas e magras, lata
d’ água na cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade a carinha de uma criança,
olhos grandes e atentos, espiando o jardim. Outras vezes eram as próprias mulheres que
se detinham e icavam olhando.
Perguntas inferenciais:
• Por que as mulheres e as crianças icavam olhando em direção à casa?
• O que elas pensavam?
4ª parte:
Naquela manhã de sábado ele tomava seu gim-tônica no terraço, e a mulher ,um
banho de sol, estirada de maiô à beira da piscina, quando perceberam que alguém os
observava pelo portão entreaberto.
Perguntas inferenciais:
• Naquela manhã de sábado quem tomava gim tônico no terraço?
• Quem era ele?
• Como estava a mulher?
• Quem observava pelo portão entreaberto? Quem você acha que era? O que queria? Para que
estava ali?
5ª parte:
Era um ser encardido, cujos trapos em forma de saia não bastavam para deini-la
como mulher. Segurava uma lata na mão, e estava parada, à espreita, silenciosa como um
bicho. Por um instante as duas mulheres se olharam, separadas pela piscina.
107
Unidade I
Perguntas inferenciais:
• As duas mulheres se olharam separadas pela piscina. Evidencie as diferenças entre a dona da casa
e a mulher da favela quanto:
- à habitação
- ao vestuário
- à postura física
- à ocupação na manhã de sábado
• O que vai acontecer agora?
6ª parte:
De súbito pareceu à dona de casa que a estranha criatura se esgueirava, portão adentro,
sem tirar dela os olhos. Ergue-se um pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que
ela se aproximava lentamente:
Perguntas inferenciais:
• Por que a mulher dona da casa sentiu terror com a aproximação da outra mulher?
• O que a dona da casa pensou?
• Para que a mulher da favela entrou na residência? O que de fato ela queria entrando pelo portão?
7ª parte:
já atingia a piscina, agachava-se junto à borda de azulejos, sempre a olhá-la, em
desaio, e agora colhia água com a lata. Depois, sem uma palavra, iniciou uma cautelosa
retirada, meio de lado, equilibrando a lata na cabeça – e em pouco sumia-se pelo portão.
Perguntas inferenciais:
• Por que a mulher da favela decidiu encher a lata na piscina, em vez de buscar água no local de costume?
• De que forma a invasora colheu a água da piscina?
• Por que o olhar em desaio?
• Qual era o combate? O que se pretendia defender? Qual o objeto de combate?
• O que vai acontecer agora? O que os donos da casa vão fazer?
108
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
8ª parte:
Lá no terraço o marido, fascinado, assistiu a toda acena. Não durou mais de um ou
dois minutos, mas lhe pareceu sinistra como os instantes tensos de silêncio e de paz que
antecedem um combate.
Perguntas inferenciais:
• Quem eram os combatentes?
• Qual o objeto do combate?
• Que combate era esse?
• O que signiica fascinado neste contexto?
9ª parte:
Não teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
Perguntas inferenciais:
• Por que o dono vendeu a casa?
• Se você fosse o dono da casa e esse fato tivesse acontecido com você, você venderia a casa? Por quê?
• Qual seria sua reação? Que providências você tomaria?
A seguir a crônica de Fernando Sabino em sua integridade:
Piscina
Era uma esplêndida residência, na Lagoa Rodrigo de Freitas, cercada de jardins e, tendo
ao lado, uma bela piscina. Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela
encosta do morro, comprometesse tanto a paisagem.
Diariamente desilavam diante do portão aquelas mulheres silenciosas e magras, lata
d’água na cabeça. De vez em quando surgia sobre a grade a carinha de uma criança, olhos
grandes e atentos, espiando o jardim. Outras vezes eram as próprias mulheres que se
detinham e icavam olhando.
Naquela manhã de sábado ele tomava seu gim-tônica no terraço, e a mulher um banho
de sol, estirada de maiô à beira da piscina, quando perceberam que alguém os observava
pelo portão entreaberto.
109
Unidade I
Era um ser encardido, cujos trapos em forma de saia não bastavam para deini-la como
mulher. Segurava uma lata na mão, e estava parada, à espreita, silenciosa como um bicho.
Por um instante as duas mulheres se olharam, separadas pela piscina.
De súbito pareceu à dona de casa que a estranha criatura se esgueirava, portão adentro,
sem tirar dela os olhos. Ergue-se um pouco, apoiando-se no cotovelo, e viu com terror que
ela se aproximava lentamente: já atingia a piscina, agachava-se junto à borda de azulejos,
sempre a olhá-la, em desaio, e agora colhia água com a lata. Depois, sem uma palavra,
iniciou uma cautelosa retirada, meio de lado, equilibrando a lata na cabeça – e em pouco
sumia-se pelo portão.
Lá no terraço o marido, fascinado, assistiu a toda acena. Não durou mais de um ou
dois minutos, mas lhe pareceu sinistra como os instantes tensos de silêncio e de paz que
antecedem um combate.
Não teve dúvida: na semana seguinte vendeu a casa.
(SABINO, 1976).
Comentário: Nós captamos uma ou várias informações dadas pelo texto, reconhecendo as expressões
e os recursos da língua utilizados, de acordo com a noção que possuímos dessas informações. Apenas
para exempliicar sobre as possíveis inferências, vamos recuperar a segunda parte do texto:
Pena que a favela, com seus barracos grotescos se alastrando pela encosta do morro,
comprometesse tanto a paisagem.
Dependendo do conhecimento experiencial adquirido no meio social e cultural, a segunda parte
destacada da crônica, em especial à pergunta “Como são barracos grotescos”?, pode ser inferida como:
• feitos de papelão; pequenos; pobres; um quartinho só; quarto, sala e cozinha em um cômodo só;
sujos e sem fundos; casas que são feitas de pedaços de madeira; dorme todo mundo amontoado
etc.
• favela é onde moro, um lugar cheio de barracos e becos; morro só não tem asfalto, porque tem
luz, água, posto médico, posto policial etc.
São dois pontos de vista. Na primeira inferência, trata-se do ponto de vista de quem é exterior à
favela e nela são inferidos fragilidade, espaço e pobreza. Na segunda, o ponto de vista é de quem mora
na favela e pode, como no exemplo, associar pobreza a um certo conforto.
Caro aluno, faça uma comparação entre suas inferências com as dos colegas para veriicar os
diferentes pontos de vista.
110
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Além do conhecimento de mundo, temos também o conhecimento interacional, que compreende
dimensão interpessoal da linguagem, ou seja, com a realização de certas ações por meio da linguagem.
Conforme Koch e Elias (2009), divide-se em:
• conhecimento ilocucional: meios diretos e indiretos para atingir um objetivo;
• conhecimento comunicacional: meios adequados para atingir os objetivos desejados;
• conhecimento metacomunicativo: meios de prevenir e evitar distúrbios na comunicação –
atenuação, paráfrases, parênteses de esclarecimento etc.;
• conhecimento superestrutural: modelos textuais globais que permitem aos usuários reconhecer
um texto como pertencente a determinado gênero ou certos esquemas cognitivos.
Com base no conhecimento interacional, o produtor do texto conigura na escrita sua intenção e dá
ao leitor possibilidade de este reconhecer o objetivo ou propósito pretendido, como no exemplo dado
por Koch e Elias (2009):
Vó Doca
(Minha avó)
Vó é coisa pra sempre...
Fiz essa poesia em homenagem a uma das minhas avós
Que já se foi... espero que gostem
Minha avó
Com beleza e vontade,
Recebia visitas,
Tinha muitas amizades!
O início do poema acima é suiciente para sinalizar o propósito do texto: homenagear a uma avó
muito querida e o autor espera também que os leitores apreciem-na.
O autor determina também a quantidade de informação necessária para o leitor ser capaz de
reconstruir o objetivo do texto. Exemplo de texto:
Figura 12
111
Unidade I
Lembrete
Um dos fatores de textualidade é justamente a aceitabilidade. O autor
precisa apresentar informações, argumentos etc. que levam o leitor a
aceitar o texto.
No que diz respeito às placas, elas devem conter informações breves, rápidas, considerando que os
leitores – os motoristas – não dispõem de muito tempo de leitura por estarem dirigindo.
Outro conhecimento interacional relaciona-se com o autor assegurar a compreensão do texto por
parte do leitor. Para isso, o autor utiliza vários tipos de recursos linguísticos por meio do uso de sinais
de articulação ou apoios textuais, tal como o uso de parênteses para inserir uma explicação. Outros
recursos possíveis são: negrito, grifo de palavras, caixa alta. Um exemplo foi publicado no jornal O
Estado de S. Paulo, em 7 de agosto de 2008:
Como transformar um vegetal insípido, sem personalidade, coadjuvante da
canja e da salada (e que além disso tem cor de comida de hospital) em
receitas tão saborosas e tão deliciosas que nem parecem feitas com um
ingrediente sem graça, pouco apetitoso e quase irrelevante (cujo nome não
tivemos a coragem de escrever na capa do caderno) .
O texto fala do chuchu, vegetal considerado sem graça, e na publicação original as palavras
insípido, coadjuvante, sem graça, irrelevante estão na cor verde. Além disso, há uso de parênteses para
comentários.
Por im, outro aspecto do conhecimento interacional é identiicar a qual tipo e gênero faz parte o
texto. No exemplo abaixo, temos um texto que é um anúncio publicitário:
O vizinho
- Essa pessoa que adora ouvir música alta à noite,
mas reclama de qualquer barulhinho.
- Esse sujeito que só usa martelo e furadeira
quando você precisa dormir.
- Esse amigo que conversa com você tentando ver
o que tem dentro da sua casa.
- Esse cavalheiro que se mantém bem-informado lendo
o seu jornal e empresta a sua vaga na garagem para as visitas dele.
- Esse ser humano que, além de tudo, vive espalhando
por aí que tem um péssimo vizinho: você.
112
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
Já tem muita gente tentando tirar o sabor da sua vida. Por isso, só tiramos as calorias.
Caloria de menos BRAHMA LIGHT gostosa demais
(VEJA. 22 out. 2003).
Veriicamos que se trata de um anúncio no inal do texto ao ver enunciada uma marca de cerveja. O
texto discorre sobre como pode ser um vizinho, dando possíveis características e no inal as características
passam a se do produto anunciado. Assim, aparentemente, trata de um texto do tipo descritivo. No
entanto, a descrição é usada como recurso para convencer o leitor a consumir/comprar o produto;
consequentemente, o tipo de texto do anúncio – na verdade, de qualquer anúncio publicitário – é o
injuntivo, levar o leitor a fazer algo, no caso, a comprar um produto.
Tendo em vista as relexões, concluímos que é fundamental para a eicácia da comunicação o autor
avaliar o conhecimento prévio do seu provável leitor e construir um texto que não demande inferências
que o leitor é incapaz de elaborar.
Exemplo de aplicação
Indique a(s) inferência(s) principal(is) ocorridas durante a leitura do anúncio abaixo:
O vizinho
- Essa pessoa que adora ouvir música alta à noite,
mas reclama de qualquer barulhinho.
- Esse sujeito que só usa martelo e furadeira
quando você precisa dormir.
- Esse amigo que conversa com você tentando ver
o que tem dentro da sua casa.
- Esse cavalheiro que se mantém bem-informado lendo
o seu jornal e empresta a sua vaga na garagem para as visitas dele.
- Esse ser humano que, além de tudo, vive espalhando
por aí que tem um péssimo vizinho: você.
Já tem muita gente tentando tirar o sabor da sua vida. Por isso, só tiramos as calorias.
Caloria de menos BRAHMA LIGHT gostosa demais
(VEJA. 22 out. 2003).
Comentário: No anúncio, temos uma interessante ocorrência de inferência, em que o leitor precisa
relacionar os termos “pessoa, sujeito, amigo, cavalheiro, ser humano” ao termo do título “vizinho”.
Outra inferência interessante é “Já tem muita gente tentando tirar o sabor da sua vida. Por isso, só
113
Unidade I
tiramos as calorias.” A expressão “tirar o sabor” precisa ser relacionada com as atitudes dos vizinhos
caracterizadas no texto, e a expressão “tiramos as calorias” relaciona-se com o produto anunciado; há
um deslocamento de sentido: da vida sem sabor do leitor (por causa do vizinho) para o produto que
trará ao leitor justamente o que este perdeu, o sabor.
Resumo
Nesta unidade, tratamos da relação entre texto e contexto. Este pode
transformar uma simples letra em um texto, tal como a letra M na porta
de um banheiro. Nesse caso, a letra adquire um sentido especíico e para
o texto ser entendido o leitor precisa ter determinados conhecimentos,
sendo eles:
• conhecimento linguístico: no caso, a letra faz parte da língua portuguesa;
• conhecimento de mundo: pela experiência cultural, sabemos que em
lugar especíico – em porta localizada em ambiente público, como
restaurante – a letra M representa “mulher”; assim, é indicadora de
banheiro feminino;
• conhecimento interacional: um dos aspectos da comunicação é
fornecer quantidade de informação necessária. A letra M é suiciente,
então, para o usuário do restaurante identiicar qual banheiro usar.
Exercícios
1. Considere a charge do Angeli, o poema de Manuel Bandeira e as airmações que seguem.
Figura 13
114
COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
(BANDEIRA, 1993).
I. A charge critica o problema da fome no Brasil, assim como o poema, mas aponta o lado positivo
da modernização, como se pode ver no título: Brasil e a revolução digital.
II. Os números que aparecem sobre os personagens na charge são meramente ilustrativos, sem
signiicado, já que a fome não pode ser quantiicada.
III. Em ambos os textos, os autores evidenciam que a fome compromete a dignidade humana.
Está correto somente o que se airma em:
A) I.
B) II.
C) III.
D) I e III.
E) II e III.
Resposta: C
Análise das airmativas.
I. Airmativa falsa.
Justiicativa. A charge expõe a miséria de parte da população, mostrando que resolver o problema
da fome é mais urgente e mais importante do que a “inclusão digital”. Não há qualquer referência
aos aspectos positivos da revolução digital.
115
Unidade I
II. Airmativa falsa.
Justiicativa. Os números fazem referência à classiicação usada em equipamentos tecnológicos
e aparecem na charge “classiicando” a fome de cada personagem. São, portanto, utilizados de
forma irônica pelo autor e não são meramente ilustrativos.
III. Airmativa verdadeira.
Justiicativa. A charge e o poema denunciam o problema da fome que alige parte da população
e faz com que as pessoas percam sua dignidade, tendo que procurar comida no lixo ou pedir
esmolas.
2. Leia a charge abaixo e considere as airmações a seguir.
Figura 14
I. A pergunta de Helga, no primeiro quadrinho, revela que ela quer pedir o divórcio.
II. O humor da tira se constrói a partir da possibilidade de Helga ter se casado por duas vezes.
III. A pergunta de Eddie Sortudo, no segundo quadrinho, evidencia a ideia de que Hagar é um bom
marido.
IV. A graça da tira está no fato de Eddie Sortudo partir da pressuposição de que Helga não estivesse
se referindo a Hagar, seu único marido.
Levando-se em conta os aspectos textuais e visuais da tirinha, está correto apenas o que se airma em:
A) I.
B) II e III.
C) IV.
D) III e IV.
E) III.
Resolução deste exercício na plataforma
116