Uso de elementos da paisagem como ferramenta para a
escolha de áreas adequadas para implantação de
loteamentos urbanos – estudo de caso
Dagoberto Port *
Fabiane Fisch**
Resumo
A partir da segunda metade do século XX, os países em
desenvolvimento tiveram um grande aumento no número de
habitantes em áreas urbanas, sem o correspondente aumento do
número de moradias. Como consequência, praticamente em todos
os países do terceiro mundo, um grande contingente de pessoas
vive em áreas sem infraestrutura e com conflitos ambientais. Neste
contexto, a questão habitacional é um dos principais desafios a
serem vencidos pelos governantes de todos os países. No presente
trabalho avaliamos a adequação de seis áreas, na província de
Kwanza Sul, Angola. Realizamos a avaliação utilizando elementos
da paisagem como ferramenta para a determinação de sua
adequação para a implantação de loteamentos. Das seis áreas
avaliadas consideramos duas adequadas para o fim a que se
destinam, outras três adequadas com restrições e uma avaliamos
como inadequada para fins de loteamentos urbanos.
Palavras-chave: Análise da paisagem; Loteamentos; Angola;
África.
Use of landscape elements as a tool for the selection of
appropriate areas for urban lots deployment - case study
**
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) – Novo Hamburgo-RS
(dagoberto_port@hotmail.com).
****
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) – Novo HamburgoRS (fabianebarragens@hotmail.com)
Geosul, Florianópolis, v. 30, n. 60, p 207-224, jul./dez. 2015
PORT, D. & FISCH, F.. Uso de elementos da paisagem como ferramenta...
PORT
Abstract
From the second half of the twentieth century, developing countries
had a large increase in the number of inhabitants in urban areas
without a corresponding increase in public services. As a result, in
almost all third world countries, a large contingent of people lives
in areas without infrastructure and with environmental conflicts. In
this context, the housing issue is one of the main challenges to be
overcome by governments of all countries. In this paper we
evaluated the suitability of six areas in the province of Kwanza Sul,
Angola. We performed the evaluation using landscape features of
each area as a tool to determine its suitability for deploying urban
settlements. Of the six areas evaluated we consider two suitable for
the purpose it was intended, other three appropriate with
restrictions and the last one assessed as unsuitable for urban lots.
Key words: Landscape analysis; Allotments; Angola; Africa.
Introdução
A partir da segunda metade do século XX, os países em
desenvolvimento tiveram um grande incremento no número de
habitantes em áreas urbanas, sem o correspondente aumento dos
serviços públicos, entre eles as moradias. Como consequência,
praticamente em todas as nações do terceiro mundo, um grande
contingente de pessoas vive em áreas sem infraestrutura básica, muitas
vezes inadequadas e com conflitos ambientais (ABREU, 1987).
Seguindo esta tendência, a rápida urbanização nos países africanos,
associada com condições econômicas desfavoráveis, tornou
praticamente impossível prever as necessidades habitacionais da
população, resultando em uma ocupação desordenada das cidades,
forçando as pessoas a residir em aglomerados, favelas e assentamentos
informais (BOADI et al., 2005). Neste contexto, a questão
habitacional é um dos principais desafios a serem vencidos pelos
governantes de todos os países, em especial aqueles em
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208
PORT, D. & FISCH, F.. Uso de elementos da paisagem como ferramenta...
PORT
desenvolvimento. Preocupado com esta questão em seu país, o
Governo da República de Angola lançou no ano de 2009, o Programa
Nacional de Urbanismo e Habitação (PNUH), que visa promover o
bem-estar da população, fornecendo habitações adequadas a preço
razoável para os cidadãos. De acordo com este programa, está prevista
a construção de um milhão de novas casas naquele país até 2012
(ANGOLA, 2011). Por outro lado, conciliar este desafio de ter
moradias dignas para todos, sem provocar danos ambientais é algo
extremamente difícil, pois a habitação com qualidade é uma
necessidade que deve ser satisfeita sem comprometimento dos
ecossistemas existentes (FLORIM & QUELHAS, 2004).
Infelizmente, a questão ambiental, na escolha de áreas para a
implantação de empreendimentos habitacionais, é em geral, relegada
ao segundo plano, sendo a seleção dos locais, muitas vezes, feita com
base em outros critérios, em especial os econômicos, em detrimento
dos ambientais. Neste sentido, no presente trabalho avaliamos a
adequação de seis áreas definidas como Reservas Fundiárias, na
província de Kwanza Sul, Angola, no âmbito do PNUH daquele país,
utilizando elementos da paisagem de cada uma como ferramenta para
a determinação de sua adequação para a implantação de loteamentos.
Material e métodos
Área de estudo
Para a realização deste trabalho estudamos as características
da paisagem de seis áreas (Sumbe, Sumbe I, Porto Amboim, Waku
Kungo, Kibala e Amboim-Gabela), todas localizadas na província
de Kwanza Sul, em Angola (Figura 1). Estes locais avaliados
constituem-se em Reservas Fundiárias do Governo da República de
Angola, instituídos pelos Decretos 107/08 e 108/08 de 26 de
setembro de 2008, com a finalidade de implementação de
loteamentos urbanos.
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Figura 1: Mapa de localização da República de Angola, da Província de
Kwanza Sul, dos municípios e das áreas avaliadas (1 = Sumbe;
2 = Sumbe I; 3 = Porto Amboim; 4 = Waku Kungo; 5 = Kibala;
6 = Amboim-Gabela).
A seguir descrevemos as principais características de cada
uma das Reservas Fundiárias avaliadas.
Sumbe
A Reserva Fundiária de Sumbe, com uma área de 4.371 ha e
25.835,23 m de perímetro, localiza-se no município de Sumbe,
distante aproximadamente 6 km da sede municipal, junto a Estrada
Nacional nº 100, no sentido Sumbe-Luanda. O acesso a reserva é
facilitado, além da Estrada Nacional, por diversas vias secundárias
que cortam a mesma (Figura 2). Nesta região são desenvolvidas
diversas atividades de subsistência, por parte de moradores da
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PORT, D. & FISCH, F.. Uso de elementos da paisagem como ferramenta...
PORT
própria reserva e do entorno, entre estas podemos destacar:
extração de lenha, construção de represas para contenção de águas
pluviais, agricultura e pecuária.
Figura 2: Vista geral da Reserva Fundiária de Sumbe (Fonte: imagem de
satélite, Google Earth™, à esquerda e foto feita pelos autores, à
direita).
A Reserva Fundiária de Sumbe encontra-se numa região de
limite de rochas de idade variando de Proterozóicas até Cretácicas,
ocorrendo ainda sedimentos recentes - quaternários. Localiza-se na
faixa litoral, apresentando um relevo relativamente plano. Os solos
são Arídicos Tropicais, caracterizados por serem solos de
ocorrência normal nos climas secos (árido e semiárido), em que a
fração fina é dominada por argila, com proporção variável de
minerais, fortemente saturados em bases e elevada capacidade de
troca catiônica, podendo apresentar profundidade variável, além de
horizontes de acumulação de calcário ou gesso. Apresentam
coloração pardo-acinzentada e menos vezes pardo-avermelhada
(DINIZ, 2005). A área pertence a bacia do rio Cambongo-Negunza,
entre as bacias dos rios Cuvo-Queve e Cubal-Quicombo, porém
não existe nenhum curso de água permanente na mesma
(AMARAL, 2006). A Reserva Fundiária de Sumbe localiza-se no
bioma Zambezeano, o qual ocupa mais de 85% do país
(ROOSBROECK et al., 2006), na zona de domínio da vegetação
caracterizada como Savana com ou sem árvores. A cobertura
vegetal é um mosaico de savanas, estepes e balcedos xerófitos,
com ou sem árvores dispersas, sublitorais (BARBOSA, 1970). Esta
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zona possui uma flora de porte herbáceo/arbustivo, xerófita, com
alguns exemplares de porte arbóreo, destacando-se entre estes o
embondeiro (Adansonia digitada), palmeiras e exemplares de
Euphorbiaceae. Apesar da dominância da vegetação herbáceo/
arbustiva, existem grandes extensões de solo exposto, o que
contribui para a aceleração dos processos erosivos. O aspecto geral
da flora na área da reserva fundiária reflete as condições
dominantes do clima local - tropical seco e de altitude, do tipo de
estepe, com uma precipitação pluviométrica inferior à evaporação,
podendo-se observar representantes típicos deste clima, como
cactáceas e agaváceas. A fauna desta região encontra-se totalmente
descaracterizada, tendo sido registrados apenas exemplares da
avifauna e alguns répteis (lagartos), além de invertebrados.
Sumbe I
A Reserva Fundiária de Sumbe I, com área de 465,56 ha e
9.606,18 m de perímetro, localiza-se no município de Sumbe,
distante aproximadamente 3 km da sede municipal, pela estrada
Sumbe-Seles. Além desta via principal, o acesso a reserva é
facilitado, por diversas vias secundárias que cortam a mesma. A
área da Reserva Fundiária de Sumbe I possui instaladas várias
residências, em pequenos conjuntos habitacionais, com uma
distribuição desordenada. Nesta local são desenvolvidas atividades
de subsistência, por parte de moradores da própria reserva e do
entorno, dentre estas podemos destacar a agricultura e a pecuária
(Figura 3).
Com relação aos aspectos da Geologia, Geomorfologia,
Solos, Relevo, Hidrografia, Vegetação e Fauna, esta área é similar a
anterior.
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Figura 3: Vista geral da Reserva Fundiária de Sumbe I (Fonte: imagem de
satélite, Google Earth™, à esquerda e foto feita pelos autores, à
direita).
Porto Amboim
A Reserva Fundiária de Porto Amboim possui uma área de
372,69 ha e 8.050,98 m de perímetro. Localiza-se no município de
Porto Amboim, distante aproximadamente 1 km da sede municipal,
com acesso pela Estrada Nacional nº 100, no sentido SumbeLuanda. Neste local desenvolvem-se atividades de subsistência por
parte de moradores do entorno, tais como agricultura e pecuária
(Figura 4).
Com relação aos aspectos da Geologia, Geomorfologia,
Solos, Relevo, Vegetação e Fauna, esta área apresenta
características similares a Reserva Fundiária de Sumbe. No que se
refere a hidrografia, situa-se na bacia hidrográfica do rio CuvoQueve, porém na reserva não existem cursos de água permanentes.
Waku Kungo
A Reserva Fundiária de Waku Kungo possui uma área de
138,539 ha e 5.686,89 m de perímetro. Localiza-se no município
da Cela (Waku Kungo) distante aproximadamente 3 km da sede
municipal. O acesso a mesma é feito pela Estrada Nacional nº 240
(Sumbe-Kibala) e Estrada Nacional nº 120 (Kibala-Waku Kungo).
Existem no local algumas residências, em pequenos conjuntos
habitacionais, com uma distribuição desordenada. Na região são
realizadas atividades de subsistência, por parte de moradores da
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PORT
própria reserva e do entorno, destacando-se a vocação agrícola da
mesma, tendo quase toda a sua extensão cultivada com milho,
feijão, girassol, entre outras (Figura 5).
Figura 4: Vista geral da Reserva Fundiária de Porto Amboim (Fonte:
imagem de satélite, Google Earth™, à esquerda e foto feita
pelos autores, à direita).
Figura 5: Vista geral da Reserva Fundiária de Waku Kungo (Fonte:
imagem de satélite, Google Earth™, à esquerda e foto feita
pelos autores, à direita).
A Reserva Fundiária de Waku Kungo encontra-se numa
região de rochas de idade Proterozóicas do Grupo Oendolongo
(ARAÚJO & GUIMARÃES, 1992). É possível encontrar no local
diversos afloramentos rochosos. A área da reserva apresenta um
relevo relativamente plano, sendo os solos do tipo hidromórfico,
que segundo o ZEE-RJ (2008) é um termo utilizado para solos
formados sob condições de drenagem deficiente, em pântanos,
brejos, áreas de surgência ou planícies, podendo ser orgânicos ou
minerais. Com relação aos recursos hídricos, a região faz parte da
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bacia hidrográfica do Cuvo-Queve, existindo na mesma uma área
alagada. No que se refere a vegetação e a fauna, esta área apresenta
condições similares a Reserva Fundiária de Sumbe.
Kibala
A Reserva Fundiária de Kibala tem uma área de 172, 34 ha e
6.051,22 m de perímetro e localiza-se no município de mesmo
nome, do qual fica distante aproximadamente 1 km da sede
municipal. O acesso ao local é feito pela Estrada Nacional nº 240
(Sumbe-Kibala) e por estradas municipais não pavimentadas. A
população do entorno da área utiliza algumas porções da mesma
para agricultura de subsistência (Figura 6).
Figura 6: Vista geral da Reserva Fundiária de Kibala (Fonte: imagem de
satélite, Google Earth™, à esquerda e foto feita pelos autores, à
direita).
Este local também se encontra numa região de rochas de
idade Proterozóica do Grupo Oendolongo (ARAÚJO &
GUIMARÃES, 1992). Caracteriza-se como uma zona de transição,
apresentando um relevo muito acidentado, praticamente todo
ocupado por afloramentos rochosos. Os solos classificam-se em
ferralítico e paraferralítico, que são solos minerais de texturas fina
ou média/fina (DINIZ, 2005). A Reserva Fundiária de Kibala
localiza-se entre as bacias dos rios Longa e Nhia, sendo que na área
da reserva não existem cursos de água permanentes. Durante a
vistoria em campo, foi possível constatar a presença de um açude
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PORT
temporário. Com relação a vegetação, o local localiza-se no bioma
Zambezeano (ROOSBROECK et al., 2006), na zona de domínio da
Floresta Aberta. De acordo com Diniz (1998), a Floresta Aberta
constitui a comunidade fito-climática do centro planáltico
angolano, que se caracteriza por uma alternância de estações
chuvosa e seca, bem definidas e em geral correlacionando-se com
solos Ferralíticos argiláceos. A flora da reserva fundiária encontrase pouco alterada por ação antrópica, principalmente em função de
seu relevo, que praticamente inviabiliza sua ocupação. Tal situação
permite que a área ainda tenha condições de abrigar uma
diversidade de representantes da fauna.
Amboim-Gabela
A Reserva Fundiária de Amboim-Gabela tem uma área de
462,28 ha e 9.465,73 m de perímetro e localiza-se na cidade de
Gabela, distante aproximadamente 1 km da sede municipal, junto a
Estrada Nacional nº 240, no sentido Sumbe-Gabela, sendo que
possui instaladas inúmeras comunidades. Na área são
desenvolvidas diversas atividades, por parte de moradores que
ocupam a mesma. Dentre estas podemos destacar: agricultura e
pecuária, que tem caráter familiar e são de subsistência, além de
pequenos comércios (Figura 7).
Figura 7: Vista geral da Reserva Fundiária de Amboim-Gabela (Fonte:
imagem de satélite, Google Earth™, à esquerda e foto feita
pelos autores, à direita).
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A Reserva Fundiária de Amboim-Gabela encontra-se numa
região de limite de rochas de idade Proterozóicas (Proterozóico
Inferior, Grupo Oendolongo), com composição média e ácida
(ARAÚJO & GUIMARÃES, 1992). Na área é possível encontrar
diversos afloramentos rochosos, sendo o relevo acidentado, com
algumas áreas planas. A região situa-se na bacia hidrográfica do rio
Cuvo-Queve, sendo que na área da reserva não existem cursos de
água permanentes. Com relação a vegetação e a fauna, as
características desta área são similares a anterior (Kibala).
Métodos
Para realização deste trabalho utilizamos mapas temáticos
impressos (BARBOSA, 1970; ARAÚJO et al., 1988; ARAÚJO &
GUIMARÃES, 1992; ANGOLA, 2011) e digitalizados (FAO,
2011), referentes aos seguintes temas: geologia; geomorfologia;
hidrografia; solos; vegetação; rodovias, além de imagens de satélite
(Google Earth™). Para o processamento de todos os mapas e
imagens utilizamos o software ArcGis®, versão 10.0.
Fizemos ainda o levantamento de material bibliográfico
pertinente e visitas a campo, em todas as áreas avaliadas, para o
inventariamento expedito da fauna e flora, e verificação no local
das características identificadas através das imagens analisadas.
Após o estudo detalhado dos mapas temáticos, imagens e
dados obtidos das vistorias em campo de cada área, passamos a
escolha dos elementos da paisagem mais adequados à
caracterização de cada área para o fim previsto, ou seja,
implementação de loteamentos urbanos. Utilizamos para tanto uma
adaptação do Método Indireto das Componentes da Paisagem
(GRIFFITH, 1979). Este método é definido por Pires (1993) como
sendo a valoração realizada através da desagregação da paisagem e
da análise de seus componentes, de acordo com diferentes juízos de
valor e utilizando critérios de pontuação e classificação
estabelecidos por especialistas. Griffith et al. (1997) sugerem,
como levantamento básico para avaliação, os seguintes
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componentes da paisagem: clima, geologia, geomorfologia, solos,
recursos hídricos, vegetação, fauna, uso atual da terra, aspectos
socioeconômicos, políticas públicas existentes para a área e
recursos paisagísticos. Desta forma, selecionamos características
do meio físico (tamanho da área; distância de curso de água;
relevo); biótico (vegetação e fauna); e socioeconômico (uso do
solo; distância de centro urbano; acessos), importantes para a
avaliação da função para qual cada área foi destinada.
Na sequência, atribuímos valores individuais de qualidade
para cada característica, definidos de forma subjetiva, de acordo
com a importância de cada elemento da paisagem em relação ao
uso futuro das áreas. A escala utilizada para a avaliação da
qualidade da paisagem é composta por valores inteiros,
equivalentes a 1, 2, 3, 4 e 5, correspondendo às classes de
qualidade baixa, média baixa, média, média alta e alta,
respectivamente (LANDOVSKY et al., 2006) (Quadro 1).
Valores
Meios
Físico
Características
Tamanho da área
(ha)
Distância de curso
de água (km)
Relevo
(% declividade)
Uso do solo
Socioeconômico
Alta
(= 5)
Média-alta
(= 4)
Média
(= 3)
Média-baixa
(= 2)
Baixa
(=1)
> 550
400–550
250–400
100–250
< 100
na área
<1
1–2
2–3
>3
Plano
(0 a 3%)
ondulado
(12 a 24%)
forte ondulado
(24 a 45%)
montanhoso
(> 45%)
residencial
suave
ondulado
(3 a 12%)
degradado
natural
misto
agricultura
Distância de centro
urbano (km)
Acessos
<1
1-2
2-3
3-4
>5
muito fácil
fácil
moderado
difícil
muito difícil
Vegetação nativa
muito pobre
pobre
média
rica
muito rica
Fauna nativa
muito pobre
pobre
média
rica
muito rica
Biótico
Quadro 1: Valores atribuídos às características das áreas avaliadas.
Os critérios para a atribuição do valor de cada característica,
por área, foram os seguintes: a) Tamanho da área em hectares (ha);
b) Distância de curso de água: distância a partir do centro da área
avaliada até o corpo hídrico mais próximo, em quilômetros (km);
c) Relevo (percentual de declividade): 0 a 3% = plano; 3 a 12% =
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suave ondulado; 12 a 24% = ondulado; 24 a 45 % = forte ondulado;
e > 45% montanhoso; d) Uso do solo: predominantemente
residencial; área degradada; residencial e degradado;
predominantemente agrícola; ambiente natural preservado; e)
Distância de centro urbano: distância a partir do centro da área
avaliada até a área urbana mais próxima, em quilômetros (km); f)
Acessos: por via asfaltada; predominantemente por via asfaltada e
com outros tipos de vias em bom estado de conservação; por vias
não asfaltadas em bom estado de conservação; por vias não
asfaltadas com razoável estado de conservação; por vias não
asfaltadas em péssimo estado de conservação; g) Vegetação nativa:
sem vegetação nativa; predominância de agricultura; áreas de
vegetação nativa e áreas com outros usos; predominância de
vegetação nativa; área preservada com vegetação nativa; h) Fauna
(anfíbios, répteis, mamíferos, aves e invertebrados): apenas
presença de um grupo; presença de dois grupos; presença de três
grupos; presença de quatro grupos; presença de cinco grupos.
O total de pontos que uma determinada Reserva Fundiária
poderá obter é de 40 pontos. Para verificação da adequação das
áreas instituídas para a implantação de loteamentos, foi definido
um índice de adequação, calculado pela seguinte equação:
Onde, IA = índice de adequação (%); VO = valor total
obtido; e VP = máximo valor total possível.
Consideramos que uma área é inadequada para fins de
loteamento urbano quando o valor do Índice de Adequação for
menor ou igual a 50% (IA ≤ 50%). Quando IA for maior do que
50% e menor do que 75% (50% < IA > 75%) consideramos a área
adequada com restrições e quando o IA for maior ou igual a 75%
(IA ≥ 75%) consideramos a área adequada.
Resultados e discussão
Geosul, v.30, n.60, 2015
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Atribuindo os valores propostos para as características de
cada Reserva Fundiária avaliada obtivemos os resultados do
Quadro 2.
Meios
Características
Rese
Reservas
servas Fundiárias/Val
Fund
undiárias/Valores
as/Valores
Porto
Waku
Sumbe Sumbe I
Kibala Amboim-Gabela
Amboim Kungo
Tamanho da área
Distância de
curso de água
5
4
3
2
2
4
1
3
4
5
2
1
Relevo
4
4
3
5
1
2
Uso do solo
3
3
3
2
1
3
1
3
4
3
4
4
Acessos
5
5
5
4
2
4
Vegetação
4
3
4
5
2
3
Fauna
3
2
4
4
3
2
Total
26
27
30
30
17
23
Índice dee Adequação (%)
65
67,5
75
75
42,5
57,5
Físico
Distância de
Socioeconômico centro urbano
Biótico
Quadro 2: Síntese dos valores obtidos, para as características da
paisagem de cada Reserva Fundiária avaliada.
Analisando os resultados obtidos verificamos que, das seis
Reservas Fundiárias avaliadas neste estudo, duas delas (Porto
Amboim e Waku Kungo) poderiam ser consideradas adequadas para a
implementação de loteamentos urbanos, uma vez que obtiveram um
índice de adequação (IA) de 75% cada. Outras três áreas (Sumbe,
Sumbe I e Amboim-Gabela), apresentaram o IA de 65%, 67,5% e
57,5%, respectivamente, e portanto, poderiam ser utilizadas para a
atividade para a qual foram instituídas, porém com alguns cuidados
que no caso de Sumbe referem-se às distâncias de corpos hídricos e
centros urbanos, fatores estes que podem dificultar a implantação de
infraestrutura neste local. Por sua vez, na área de Sumbe I, serão
necessários maiores cuidados para evitar impactos na fauna nativa
uma vez que esta área ainda abriga uma riqueza considerável,
principalmente representantes de aves e répteis. No caso de AmboimGeosul, v.30, n.60, 2015
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PORT
Gabela, as principais restrições estão relacionadas à distância de
recursos hídricos, o relevo (forte ondulado) e a riqueza de fauna ainda
existente na área. Finalmente, a área Kibala, consideramos inadequada
para a implantação de loteamentos urbanos (IA = 42,5). Esta reserva é
a que apresenta o pior conjunto de características para a implantação
de loteamentos urbanos devido ao seu tamanho, distância de curso
d’água, relevo (montanhoso), rochas aflorantes, difícil acesso e
vegetação nativa preservada.
A partir da valoração dos componentes da paisagem
verificamos que quanto maior o nível de integridade ambiental, em
especial os componentes do meio físico e biótico, bem como a
inexistência ou maior distância de infraestrutura urbana
caracterizam as áreas inadequadas para fins de loteamentos
urbanos. Por outro lado, áreas já degradadas ambientalmente por
ação antrópica, próximas a centros urbanos já consolidados e com
alguma infraestrutura, principalmente de acessos, são aquelas mais
adequadas para receberem novos empreendimentos habitacionais.
Tal resultado seria o esperado e já havia sido verificado em
outros trabalhos que constataram que a depleção de componentes
naturais da paisagem torna-se o principal fator para depreciação
paisagística de uma região (GRIFFITH, 1979, MILANO, 1990;
ALVAREZ-ALFONSO, 1990; HARDT, 2000). Da mesma forma,
zonas urbanizadas com elevado nível de degradação ambiental
provocam a depreciação da paisagem (MARENZI, 1976;
GRIFFITH, 1979; FORMAM & GODRON, 1986; ALVAREZALFONSO, 1990; HARDT, 2000).
Considerações finais
Com base nos resultados obtidos, verificamos que no intuito
de resolver um problema (déficit habitacional), é possível que os
gestores venham a criar outros, principalmente relacionados a
impactos sobre o ambiente natural, e técnicos, ligados à dificuldade
de instalação da infraestrutura necessária nas diferentes áreas.
Geosul, v.30, n.60, 2015
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PORT, D. & FISCH, F.. Uso de elementos da paisagem como ferramenta...
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A incorporação de mecanismos de análise de paisagem no
processo decisório de escolha de áreas para instalação de atividades
antrópicas é uma ferramenta de grande valia, pois permite ao
administrador público uma melhor avaliação das consequências
ambientais e técnicas, em relação às escolhas feitas, eliminando
áreas consideradas inadequadas e privilegiando aquelas com os
melhores atributos para a finalidade prevista.
Acreditamos que trabalhos desta natureza possam orientar a
avaliação e seleção de áreas potenciais à expansão urbana, visando,
sobretudo, a redução de custos operacionais e ambientais.
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Aceito em agosto de 2015
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