Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 2, e2302 (2018)
www.scielo.br/rbef
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0177
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Sobre a teoria de Einstein para ondas gravitacionais e sua
aplicação no estudo da radiação emitida por um pulsar
binário
On Einstein’s theory for gravitational waves and their application in the study of the radiation emitted by a
binary pulsar
Matheus Pinheiro Ramos1 , Roberto Vinhaes Maluf∗1
1
Universidade Federal do Ceará, Departamento de Fı́sica, Campus do Pici, Fortaleza, CE, Brasil.
Recebido em 31 de Maio, 2017. Revisado em 01 de Agosto, 2017. Aceito em 04 de Agosto, 2017.
Neste trabalho mostramos de forma didática a dedução da equação de onda relacionada com as chamadas
ondas gravitacionais. Veremos que as referidas ondas surgem naturalmente como soluções das equações de Einstein
linearizadas, após a escolha de um sistema de coordenada (gauge) adequado. Discutiremos ainda a geração de
ondas gravitacionais e a natureza quadrupolar da radiação gravitacional emitida por um sistema binário em órbita
circular. Por fim, aplicaremos a teoria desenvolvida nos dados observacionais da binária de Hulse-Taylor, obtendo
assim uma noção dos valores que cercam este tipo de evento e também do quão precisa é a teoria apresentada.
Palavras-chave: Relatividade geral, Radiação gravitacional, Binária de Hulse-Taylor.
In this work we show a deduction of the wave equation related to the so-called gravitational waves. We will
see that these waves arise naturally as solutions of the linearized Einstein equations, after choosing a suitable
coordinate system (gauge). We will also discuss the generation of gravitational waves and the quadrupolar nature
of gravitational radiation emitted by a binary system in circular orbit. Finally, we will apply the theory developed
in the observational data of the Hulse-Taylor binary, thus obtaining notion of the values that involve this kind of
event and how accurate the theory is.
Keywords: General Relativity, Gravitational Radiation, Hulse-Taylor binary.
1. Introdução
A nossa civilização, em todas as culturas, sempre foi
fascinada pelo conceito de espaço (céu, inferno, etc.)
e tempo (o inı́cio, meio e fim de tudo). Ao longo do
tempo esses conceitos se enraizaram na nossa consciência,
dando-nos as imagens mentais que usamos. Pensamos
no espaço como uma entidade tridimensional (largura,
altura e espessura) que nos rodeia, e pensamos no tempo
como uma espécie de fluxo, que guia a evolução do nosso
universo. Juntos eles funcionam como um palco, onde se
dá a peça que descreve o universo. Nessa peça, os atores
são tudo que podemos imaginar - planetas, estrelas ou
até nós mesmos. Na antiga visão Newtoniana de mundo,
esse palco é o mesmo, seja você um ator ou um mero
espectador.
Porém, de acordo com Einstein em sua teoria da Relatividade Geral (RG), o espaço e o tempo deixam de
ser apenas esse palco rı́gido, e passam a ser um ator da
própria peça: o chamado espaço-tempo, um contı́nuo de
quatro dimensões. Esse novo “ator” é modificado pela
presença de matéria e energia. A presença de planetas,
estrelas e galáxias (matéria e energia) curvam a estrutura
∗ Endereço
de correspondência: r.v.maluf@fisica.ufc.br.
Copyright by Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.
do espaço-tempo de forma semelhante a uma bola pesada
esticando uma cama elástica.
Um dos resultados mais interessantes previsto na RG
foi a existência de ondas gravitacionais. As ondas gravitacionais podem ser pensadas, de um modo grosseiro, como
as ondas criadas quando jogamos pedrinhas na superfı́cie
de um lago: elas são ondulações (perturbações) na geometria do próprio espaço-tempo geradas por qualquer
tipo de matéria acelerada, e se propagam pelo Universo
à velocidade da luz. Contudo, diferentemente das ondas
no lago, as ondas gravitacionais podem se propagar no
espaço vazio (vácuo). Além disso, uma vez que a força
gravitacional é muito fraca, as ondas geradas são extremamente pequenas, sendo consideravelmente intensas
apenas em regiões que concentram uma grande quantidade de massa e energia, como na região próxima de um
buraco negro.
O real existência dessas ondas ficou por um longo
perı́odo restrito a discussões teóricas. Só a partir da
década de 60 [1] os fı́sicos passaram a buscar mais seriamente a detecção dessas pequenas ondulações do espaçotempo, sem ter tido nenhum resultado confiável até fevereiro do ano passado. A descoberta anunciada pelos
detectores LIGO (Laser Interferometer for Gravitatio-
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Sobre a teoria de Einstein para ondas gravitacionais e sua aplicação no estudo da radiação...
nal waves Observatory) [2], e publicada na prestigiosa
revista cientı́fica Physical Review Letters [3], não apenas confirma a existência das ondas gravitacionais como
também fornece a primeira medição direta da existência
de buracos negros.
O enorme interesse gerado pela descoberta do LIGO
trouxe a necessidade de mostrar aos alunos de graduação
como essa descoberta se deu e também como a teoria
de Einstein prevê essas ondas. Excelentes artigos sobre
este tema foram publicados no fim do ano passado na
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica (RBEF) e ao leitor
sugerimos consultá-los para maiores detalhes a cerca do
experimento e resultados [4–7].
Neste artigo nós propomos revisitar os aspectos matemáticos da RG que estão diretamente ligados ao tema.
Nosso objetivo é apresentar de forma didática ao aluno
de graduação o cálculo explı́cito das ondas gravitacionais a partir de primeiros princı́pios, isto é, partindo
diretamente da equação de Einstein, acessando o regime
linear de campo fraco e obtendo uma solução geral para
a equação de onda resultante. Como aplicação, estudamos a radiação gravitacional emitida por um sistema
binário de massas girando em órbita circular. Os resultados teóricos são então aplicados na análise dos dados
do evento denominado por PSR 1913+16 ou “Binária de
Hulse-Taylor”, cuja observação possibilitou a primeira
detecção indireta da emissão de ondas gravitacionais [8].
Dessa forma, pretendemos fornecer ao leitor iniciante
em RG uma visão concreta sobre a dedução da solução
das equações de Einstein que dão origem às ondas gravitacionais e como usá-las para confrontar os resultados
experimentais. Tais estudos não são geralmente cobertos
pelos cursos de introdução a RG em nı́vel de graduação ou
mesmo de pós-graduação e por isso achamos conveniente
apresentá-los aqui.
A notação e as convenções adotadas são as mesmas da
referência [9] e o restante do trabalho está organizada
como segue. Na seção 2, faremos uma breve apresentação
da equação de Einstein e e suas implicações. Na seção
3, usaremos o método perturbativo para linearizar a
equação de Einstein e mostrar que a perturbação obedece a uma equação de onda. Na seção 4, discutiremos a
geração de ondas gravitacionais e a natureza quadrupolar
da radiação gravitacional. Em seguida, calcularemos a
energia emitida via radiação gravitacional por um sistema binário em órbita circular. Aplicaremos então a
teoria desenvolvida nos dados observacionais na binária
de Hulse e Taylor, comparando teoria e experiência. Por
fim, na seção 5 teceremos nossas considerações finais.
2. A equação de Einstein
Na teoria geral da Relatividade (RG), publicada em 1916
por Albert Einstein [10], a noção newtoniana de espaço
como um vasto vazio no qual os eventos acontecem e,
portanto, não tendo efeito sobre o movimento da matéria
é transformado em uma rede “espaço-tempo” que acolhe
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essa matéria e guia o seu curso. Nesse contexto, a própria
ideia do que pensamos por forças gravitacionais, nada
mais é do que uma expressão do espaço-tempo ser curvo.
Segundo a RG de Einstein, os efeitos gravitacionais são
incluı́dos em sistemas fı́sicos através da métrica gµν (x) e,
uma vez conhecida a distribuição de matéria e energia, a
equação que nos permite obter tal métrica é a chamada
equação de Einstein (uma maneira interessante de se
deduzir a equação de Einstein baseada em argumentos
fı́sicos de simetria pode ser encontrada na referência [11]):
Gµν =
8πG
Tµν ,
c4
(1)
onde G = 6, 672 × 10−11 N · m2 /kg2 é a constante gravitacional, c = 2, 997 × 108 m/s é a velocidade da luz
no vácuo e Tµν é o chamado tensor momento-energia.
Trata-se do objeto mais geral que carrega a informação
da massa, energia e momento do sistema a ser analisado.
Do lado esquerdo da equação (1), temos o chamado tensor de Einstein (Gµν ) que traz consigo informação acerca
da curvatura do espaço-tempo em questão. Tal tensor é
definido em termos de dois outros objetos
1
Gµν = Rµν − gµν R,
2
(2)
são eles: o Tensor de Ricci
Rµν ≡ Rρµρν = ∂ρ Γρµν − ∂ν Γρρµ + Γρρλ Γλνµ − Γρνλ Γλρµ ,
(3)
e o escalar de curvatura
R ≡ Rµµ = g µν ∂ρ Γρµν − ∂ν Γρρµ + Γρρλ Γλνµ − Γρνλ Γλρµ ,
(4)
que, por sua vez, são definidos em termos da conexão
afim
Γρνµ =
1 ρλ
g (∂ν gµλ + ∂µ gνλ − ∂λ gνµ ) .
2
(5)
O motivo de definirmos as expressões acima deve-se ao
fato que posteriormente iremos linearizá-las.
A equação de Einstein constitui um conjunto de 10
equações diferenciais parciais não lineares em gµν . Conforme citado, essa equação nos permite obter a métrica
gµν quando conhecido o tensor momento-energia do sistema fı́sico em questão1 . Dessa forma, saberemos como o
espaço-tempo tem sua estrutura geométrica modificada
pela presença de matéria. Não discutiremos a inclusão
da constante cosmológica. Considerações acerca desta
podem ser encontradas em vários livros texto. Consulte,
por exemplo, [12] ou [13].
Vale ressaltar que as equações de campo da RG são
consideravelmente mais complexas do que as equações
de campo presentes na fı́sica clássica, como por exemplo as equações de Maxwell do eletromagnetismo. Tal
1 Como
de fato temos um conjunto de equações é comum o uso do
termo equações de Einstein no plural.
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Ramos e Maluf
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complexidade surge por causa da natureza não-linear do
campo gravitacional. Enquanto no eletromagnetismo as
equações de Maxwell são lineares justamente pelo fato do
campo eletromagnético não transportar carga e não interagir consigo próprio. Em uma teoria de campo efetiva,
o campo gravitacional é portador de energia e momento
e, portanto, acaba gerando auto-interação, uma vez que
no contexto da relatividade, energia e momento, além
da massa, também são fontes de campo gravitacional.
Uma discussão mais completa acerca desse tema pode
ser encontrada em [9].
3. Teoria da perturbação
2.1. Transformação de calibre
3.1. A equação de Einstein no regime linear
O tensor de Einstein, dado por (2), é simétrico (pois
Rµν e gµν são simétricos) e o fato de trabalharmos num
espaço-tempo quadridimensional implica que ele possui
apenas 10 componentes independentes, da mesma maneira que a métrica gµν . Portanto, a equação (1) consiste
em um conjunto de dez equações algebricamente independentes. Poderı́amos supor que a equação de Einstein
acrescida das condições de contorno, seria suficiente para
que determinássemos a métrica univocamente. No entanto, isso não ocorre pois as dez componentes de Gµν
estão relacionadas pela identidade de Bianchi
A teoria linearizada da gravitação é baseada no pressuposto de que em regiões do espaço-tempo distantes
de qualquer fonte gravitacional, o campo é fraco e a
métrica se desvia apenas levemente da de Minkowski
(ηµν = (−1, 1, 1, 1), com os demais elementos fora da
diagonal nulos) [14]. O que torna essa suposição válida,
é o fato de encontrarmos frequentemente na natureza
situações nas quais a distribuição de matéria é cercada
pelo vácuo e os corpos mais próximos estão muito afastados; de forma que o campo gravitacional pode ser tido
como fraco pelo menos em uma região intermediária
onde a métrica é a minkowskiana mais uma pequena
perturbação. Tal região é conhecida como zona de campo
distante (ou far field) e em geral o estudo das soluções ondulatórias das equações de campo são restritos às soluções
que exibem tal região.
Matematicamente, a aproximação mencionada acima é
descrita como uma perturbação linear de primeira ordem
na métrica de Minkowski5 , na forma
∇µ Gµν = 0,
(6)
que formam um conjunto de quatro identidades diferenciais que devem ser respeitadas.
Como consequência, as dez equações de Einstein para
Gµν se reduzem a apenas seis verdadeiramente independentes, deixando-nos aparentemente impedidos de
determinar todas as dez componentes da métrica. Entretanto, se gµν é solução de (1), então fazendo-se uma
transformação de coordenada geral (x → x′ ) obtemos
′
uma nova métrica gµν
que também será solução de (1).
′
Isto significa que gµν possui quatro graus de liberdade que
dependem da escolha das coordenadas x′ e não podem
representar graus de liberdade genuinamente fı́sicos.
No eletromagnetismo, temos um problema semelhante
que é o de determinar univocamente o quadripotencial2
Aµ através das quatro equações de Maxwell. Tal problema
só é resolvido quando adotamos um calibre (ou gauge 3 )
particular4 . O problema da unicidade da métrica pode
ser resolvida de forma análoga, basta simplesmente que
adotemos um sistema de coordenadas especı́fico, que
será o nosso gauge. É a escolha desse sistema (que pode
ser expressa por quatro condições), em adição às seis
equações independentes que já possuı́mos devido a (1),
que nos permite determinar a métrica univocamente.
Voltaremos a esse assunto nas próximas seções, quando
se fará necessário adotarmos um gauge.
Obteremos a seguir a equação de Einstein no regime
linear. Primeiramente, usaremos o método perturbativo
que consiste, neste caso, em escrevermos a métrica gµν
como a de Minkowski mais uma pequena perturbação;
substituir essa métrica perturbada na equação de Einstein
e então linearizá-la, de modo a obter a perturbação em
função de algum parâmetro ou classe de parâmetros.
Dentro do regime linear, discutiremos ainda o problema
da invariância de gauge.
gµν = ηµν + hµν ,
(7)
onde |hµν | << 1. A inversa da métrica fica dada por
g µν = η µν − hµν .
(8)
Pode-se interpretar a versão linearizada da RG (onde
todos os efeitos são determinados em primeira ordem
de hµν ), como uma teoria que descreve a propagação da
perturbação ao longo de um espaço-tempo minkowskiano6 . Nesse regime, as equações (5), (3) e (4) são escritas,
respectivamente, como
1 ρλ
g (∂ν gµλ + ∂µ gνλ − ∂λ gµν )
2
1
= η ρλ (∂ν hµλ + ∂µ hνλ − ∂λ hµν ),
2
Γρµν =
(9)
5 Esse
fato também nos permitirá usar ηµν e η µν para levantar e
descer ı́ndices, respectivamente.
6 Estamos considerando pequenas perturbações apenas sobre o
espaço-tempo de Minkowski e isso não precisa ser sempre assim. Poderı́amos, por exemplo, considerar essas mesmas perturbações sobre
(0)
um outro espaço-tempo qualquer de métrica gµν e, para esses casos,
(0)
2A
µ
3 Do
= (φ, A), onde φ é o potencial escalar e A o potencial vetor.
original em inglês.
4 Como, por exemplo, ∂ Aµ = 0 que é o chamado gauge de Lorentz.
µ
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escreverı́amos nossa métrica perturbada como gµν = gµν +hµν . Obtendo assim uma teoria que descreve a propagação da perturbação
(0)
ao longo de um espaço-tempo de métrica gµν . Essa abordagem é
necessária, por exemplo, na cosmologia.
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e2302-4
Sobre a teoria de Einstein para ondas gravitacionais e sua aplicação no estudo da radiação...
o tensor de Ricci7
Rνσ = g µρ Rµνρσ
1
= η µρ (∂ρ ∂ν hµσ + ∂σ ∂µ hνρ − ∂σ ∂ν hµρ − ∂ρ ∂µ hνσ )
2
1
= (∂µ ∂ν hµσ + ∂µ ∂σ hµν − ∂σ ∂ν h − ∂µ ∂ µ hνσ ),
2
que como esperado é um tensor simétrico. Fazendo uma
contração no tensor de Ricci, obtemos o escalar de curvatura
µν
R = g Rµν
1
= η µν (∂σ ∂ν hσµ + ∂σ ∂µ hσν − ∂µ ∂ν h − hµν )
2
1
= (∂σ ∂ν hσν + ∂σ ∂µ hσµ − ∂µ ∂ µ h − h)
2
= ∂µ ∂ν hµν − h,
(10)
e, dessa forma, a equação de campo linearizada é escrita
como
∂σ ∂ν hσµ + ∂σ ∂µ hσν − ∂µ ∂ν h − hµν
−ηµν ∂ρ ∂λ hρλ + ηµν h = 16πGTµν ,
(11)
onde Tµν é o tensor momento-energia calculado na ordem zero em hµν , tal que sua magnitude é da mesma
ordem da pertubação e satisfaz a lei de conservação ordinária ∂µ T µν = 0. Esta é uma suposição razoável, uma
vez que a quantidade de energia e momento devem ser
pequenas no limite de campos fracos [9]. Notemos que
aqui, e no restante do trabalho, estamos assumindo c = 1
por simplicidade. Uma vez de posse das equações de
campo linearizadas, devemos agora lidar com a questão
da invariância de gauge.
3.2. Invariância de gauge
Como explicitado anteriormente, o problema da invariância
de gauge aparece porque a procura por uma métrica
gµν = ηµν + hµν não especı́fica completamente o sistema
de coordenadas no espaço-tempo; podemos ter outros
sistemas de coordenadas em que a métrica continue a
ser escrita como a de Minkowski acrescida de uma pequena perturbação, mas a perturbação será diferente.
Assim, a decomposição da métrica como feita em (7) não
é unı́voca.
Não devemos esperar, portanto, que as equações de
campo nos deem uma única solução, pois qualquer solução
obtida dessas equações sempre pode gerar outras através
de uma transformação de coordenadas (tal caracterı́stica
é assegurada pelo princı́pio da covariância geral). Precisamos então especificar de maneira unı́voca a perturbação
hµν . Segundo [13], a transformação de coordenadas mais
geral que preserva o limite de campo fraco é da forma
xµ → x′µ = xµ + ξ µ (x),
7 Onde
(12)
h = η µν hµν .
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onde ∂ξ µ /∂xν é, no máximo, da mesma ordem de magnitude que hµν .
Partindo-se da lei de transformação tensorial para a
métrica dada por
g ′µν =
∂x′µ ∂x′ν ρσ
g ,
∂xρ ∂xσ
(13)
pode-se mostrar que a perturbação hµν transforma-se,
segundo (12), na forma
h′µν = hµν − ∂µ ξν − ∂ν ξµ ,
(14)
onde ξµ = ηµν ξ ν . A equação (14) é a chamada transformação de gauge para a teoria linearizada, e a invariância da teoria perante estas transformações é a chamada invariância de gauge. Pode-se provar, por inspeção
direta, que a transformação (14) deixa o tensor de curvatura linearizado invariante. Isto é de suma importância,
uma vez que a fı́sica do problema está principalmente
no tensor de curvatura (ou de Riemann) Rµνρσ . Consequentemente, a equação de campo dada por (11) também
é invariante sobre a mesma transformação8 . Assim, fixando as quatro funções representadas por ξ µ , estaremos
especificando univocamente a perturbação.
4. Radiação gravitacional
Nesta seção discutiremos a geração de ondas gravitacionais e a natureza quadrupolar da radiação gravitacional.
Por fim, aplicaremos a teoria aqui desenvolvida aos dados
observacionais da binária de Hulse e Taylor.
4.1. Produção de ondas gravitacionais
Conforme mencionamos acima, a equação de Einstein
linearizada (11) é invariante de gauge e sua forma parece
proibitiva para qualquer tentativa de solucioná-la. Entretanto, a liberdade de gauge nos permite escolher um
sistema de coordenada que possa simplificar bastante a
forma da equação. Uma das escolhas mais comuns é o
chamado sistema de coordenada harmônico (ou simplesmente gauge harmônico), definido por
g µν Γλµν = 0,
(15)
cuja forma linearizada é dada por
∂ µ hµν =
1
∂ν h.
2
(16)
Tal escolha particular de gauge é sempre possı́vel pois
mesmo que a perturbação original hµν não a obedeça,
8 Essa
invariância a qual nos referimos é semelhante a invariância de
gauge do eletromagnetismo. Na teoria eletromagnética, a fı́sica está
contida nos campos eletromagnéticos, que são geralmente escritos
em termos do quadripotencial Aµ . O problema reside no fato de
o quadripotencial não ser unı́voco (diferentes quadripotenciais
podem gerar os mesmos campos). Tal problema é resolvido fixando
o quadripotencial através de uma transformação, geralmente Aµ →
Aµ + ∂µ λ.
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Ramos e Maluf
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podemos usar (14) e obter uma nova perturbação h′µν
que satisfaz a condição (16). De fato, basta realizar uma
transformação de coordenada que seja solução de
1
ξν = ∂ µ hµν − ∂ν h.
2
(17)
Assim, no gauge de harmônico, a equação de Einstein
(11) assume a forma
1
hµν − ηµν h = −16πGTµν .
(18)
2
A equação anterior indica que seja conveniente introduzirmos a perturbação de traço reverso9 , definida por
1
hµν = hµν − ηµν h,
2
(19)
sendo esse nome é justificado pelo fato de que h = −h.
Para tal perturbação, a condição de gauge harmônico
(16) implica em ∂ µ hµν = 0.
Devido à enorme semelhança com o gauge de Lorentz
(∂µ Aµ = 0) do eletromagnetismo, a condição acima
(∂ µ hµν = 0) recebe o mesmo nome10 . Assim, no gauge
de Lorentz, a equação de Einstein assume a forma simplificada
hµν = −16πGTµν ,
(20)
sendo portanto uma equação de onda para cada uma das
componentes da perturbação.
Dada uma fonte Tµν , nosso objetivo é encontrar a
solução geral para a equação (20) e trabalhar as propriedades da radiação emitida por um sistema em diferentes
tipos de movimento. Matematicamente, isso é semelhante
ao problema de encontrar a solução para as equações de
Maxwell na presença de fontes, onde tı́nhamos de resolver Aµ = −4πJ µ para determinar o quadripotencial. A
solução da equação (20) é obtida a partir do método da
função de Green, cuja a solução é
Z
1
hµν (t, x) = 4G
Tµν (t − |x − y|, y)d3 y, (21)
|x − y|
onde t = x0 . A quantidade tr ≡ t − |x − y| é chamada de
tempo retardado e sua ocorrência no argumento de (21)
implica que a perturbação gravitacional se propague com
velocidade unitária, que assumimos ser precisamente a
velocidade da luz no vácuo.
A solução (21) pode ser interpretada da seguinte maneira: a perturbação no campo gravitacional em (t, x) é
a soma das influências da energia e momento da fonte
no ponto (tr , x − y) no cone de luz passado. Percebemos que enquanto a gravitação newtoniana possui uma
dinâmica trivial (isto é, todas as interações acorrem de
9 Podemos
reconstruir a perturbação original a partir de hµν . Assim,
nenhuma informação é perdida ao fazermos essa mudança.
10 Vale ressaltar que a perturbação original não é transversa nesse
gauge pois ∂µ hµν = 12 ∂ν h.
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forma instantânea), a gravitação einsteiniana é não trivial, ou seja, a perturbação gerada na fonte deve levar um
certo tempo até chegar a outro ponto do espaço-tempo.
Vale ressaltar que existe ainda uma outra solução para a
equação (20) que está relacionada com o tempo avançado
ta ≡ t + |x − y|, no entanto a descartamos, pois viola
causalidade.
4.2. A natureza quadrupolar da radiação
gravitacional
Nosso próximo passo será extrair informações acerca
da radiação gravitacional emitida por uma fonte Tµν .
Antes de prosseguir, será conveniente eliminarmos a dependência de Tµν no tempo retardado, o que pode ser
conseguido através de uma transformada de Fourier na
˜ (ω, x) são, resvariável tempo [9, 12]. Se T̃µν (ω, y) e h
µν
pectivamente, as transformadas de Fourier de Tµν (t, y) e
hµν (t, x), então
Z
1
˜
√
dt eiωt hµν (t, x)
hµν (ω, x) =
2π
Z
Z
4G
Tµν (t − |x − y|, y)
=√
dt eiωt d3 y
|x − y|
2π
Z
Z
iω|x−y|
4G
e
=√
dtr eiωtr d3 y
Tµν (tr , y)
|x − y|
2π
Z
eiω|x−y|
= 4G d3 y
T̃µν (ω, y).
(22)
|x − y|
Na equação acima, a primeira linha representa simplesmente a definição da transformada de Fourier no tempo,
na segunda linha nós inserimos a solução (21), na terceira linha usamos a definição do tempo retardado tr =
t − |x − y| e o fato de dtr = dt para implementar uma
mudança na variável de integração de t para tr , e finalmente, na quarta linha usamos novamente a definição da
transformada de Fourier.
Vamos agora nos restringir a situação na qual a fonte
encontra-se isolada, muito distante e é composta apenas
por matéria não relativista11 . Tais aproximações são
adequadas e suficientes para o estudo da radiação emitida
por um sistema binário em orbita circular que trataremos
a seguir.
Pondo a origem do sistema de coordenadas perto da
fonte, a aproximação adotada nos permite trocar na
equação (22) |x − y| por r = |x|, o que faz com que o
termo eiω|x−y| /|x − y| possa ser reescrito como eiωr /r. A
aproximação de baixas velocidades (quando comparadas
à velocidade da luz) nos permite assumir que r é praticamente constante, pois demora muito tempo até que a
distância entre a fonte e o observador tenha alguma diferença significativa. Com tudo isso, podemos reescrever
(22) como
Z
eiωr
˜
d3 y T̃µν (ω, y).
(23)
hµν (ω, x) = 4G
r
11 Matéria
cuja a velocidade tı́pica é muito menor que a da luz.
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Sobre a teoria de Einstein para ondas gravitacionais e sua aplicação no estudo da radiação...
Felizmente, precisaremos calcular apenas as componen˜ (ω, x), e as razões para isso são duas:
tes espaciais de h
µν
uma de caráter fı́sico e outra matemático. A motivação
de caráter fı́sico reside no fato de que a lei de conservação
∂µ T µν = 0 implica que todas as integrais sobre T 0ν são
conservadas e independentes do tempo12 . Dito de outra
maneira, a transformada de Fourier de T 0ν com respeito
à variável tempo conterá apenas termos estáticos (ω = 0).
Isso nos mostra que a parte dependente do tempo da
métrica, que é o que caracteriza a radiação, está contida
nas componentes espaciais da perturbação [12].
A razão de ordem matemática está associada com
µν
o gauge adotado ∂µ h = 0 (que implica ∂µ T µν = 0
por causa de (20)). Esta por sua vez, estabelece uma
relação entre as componentes da perturbação no espaço
de Fourier, dada por:
0ν
jν
˜ (ω, x) + ∂ h
˜ (ω, x) = 0.
−iω h
j
(24)
˜ 0j pode ser determinado a
Tal equação nos mostra que h
˜ ij . Além disso, juntando o conhecimento de que
partir de h
˜ 0i = h
˜ i0 com a equação (24), é possı́vel determinar h
˜ 00 .
h
Portanto, precisamos calcular apenas as componentes
espaciais da perturbação, pois todas as outras podem ser
obtidas a partir delas.
Dadas as devidas motivações, passamos então a resolver
(23) apenas para as componentes espaciais. Começamos
por efetuar uma integração por partes
Z
Z
d3 y T̃ ij (ω, y) = d3 y ∂k y i T̃ kj
Z
− d3 y y i ∂k T̃ kj .
(25)
onde o primeiro termo do lado direito da igualdade é uma
integral de superfı́cie que irá desaparecer pelo fato de
a fonte se encontrar isolada; enquanto o segundo termo
pode ser relacionado com T̃ 0j , uma vez que a lei de
conservação ∂µ T µν = 0, quando escrita no espaço de
Fourier, impõe que
∂k T̃ kµ = iω T̃ 0µ .
Assim,
Z
3
ij
d y T̃
Z
iω
=−
2
Z
iω
=−
2
Z
ω2
=−
2
(ω, y) = −iω
d3 y y i T̃ 0j
d3 y y i T̃ 0j + y j T̃ 0i
d3 y ∂k (y i y j T̃ 0k ) − y i y j (∂k T̃ 0k )
d3 y y i y j T̃ 00 .
R
12 Explicitamente: d
dt
− dsi T iν = 0, pois
H
Z
(26)
d3 xT 0ν =
R
d3 x∂0 T 0ν = −
as fontes são localizadas.
R
(27)
d3 x∂i T iν =
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 2, e2302, 2018
A segunda linha é justificada por conta da simetria dos
ı́ndices i e j, enquanto as duas últimas foram novamente
aplicações da integração por partes e a equação (26). É
convencional na literatura [9, 12, 13], definir o chamado
tensor momento de quadrupolo da distribuição de matéria,
como sendo
Z
ij
I (t) = d3 y y i y j T 00 (t, y),
(28)
que juntamente com (27) nos permite escrever a equação
(23) na forma
iωr
˜ (ω, x) = −2Gω 2 e
h
ij
r
I˜ij (ω).
(29)
Retornando para a dependência temporal, a equação
anterior é reescrita como
hij (t, x) =
2G d2
Iij (tr ),
r dt2
(30)
que é a chamada fórmula de quadrupolo onde tr = t − r.
Esse resultado nos revela que a radiação gravitacional
emitida por uma fonte, nas condições descritas, é proporcional à derivada temporal de segunda ordem do tensor
momento de quadrupolo da distribuição de matéria. Podemos observar que isso contrasta com a radiação eletromagnética, em que a maior contribuição é proporcional
à derivada temporal de segunda ordem do momento de
dipolo da distribuição de cargas, e o motivo disso é fácil
de entendermos.
O momento de dipolo no eletromagnetismo é definido
usando-se a distribuição de cargas, e para um sistema
feito de cargas com diferentes taxas q/m, ele pode mudar.
No caso gravitacional, o momento de dipolo d de um
sistema de massas é dado por:
d = M RCM ,
(31)
onde M é a massa total do sistema e RCM é o vetor que
localiza o centro de massa. No caso de distribuições isoladas, temos que o centro de massa se move com velocidade
constante e, portanto, R̈CM = 0. Concluı́mos, então, que
não podemos ter radiação gravitacional proveniente do
momento de dipolo [12]. Assim, na decomposição multipolar, o termo de ordem mais baixa para a radiação
gravitacional é o momento de quadrupolo. Vale ressaltar
também que o momento de quadrupolo é geralmente
menor que o de dipolo, e é por essa razão, bem como o
fraco acoplamento de matéria a gravidade, que implica
que a radiação gravitacional é tipicamente muito menor
do que a eletromagnética [9].
4.3. A energia transportada por ondas
gravitacionais
Vamos agora a uma das questões mais delicadas da teoria: a energia transportada por ondas gravitacionais.
Assunto por sinal muito importante, pois nas teorias de
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0177
Ramos e Maluf
e2302-7
campo tratadas por intermédio da RG, temos que o fator
decretório para a existência de ondas não é apenas que
os campos sejam dependentes do tempo; mas que, além
disso, haja transporte de energia e momento sem haver
transporte de matéria. No entanto, essa é uma questão
muito difı́cil de se lidar [15, 16].
As complexidades desse assunto não são apenas de
origem técnica, mas também conceituais, uma vez que
o próprio princı́pio da equivalência - pilar básico da
RG - não nos permite definir a energia associada a um
campo gravitacional13 . Neste trabalho, não discutiremos
o mecanismo pelo qual calcula-se a energia transportada
por ondas gravitacionais. Apenas usaremos a relação, já
existente na literatura [9,12], de que a potência irradiada
(LGW ) por sistemas fı́sicos devido a emissão de ondas
gravitacionais é dada por
+
*
T T 3 ij
d IT T
dEGW
G d3 Iij
LGW =
,
(32)
=−
dt
5
dt3
dt3
TT
onde Iij
é a versão transversal e de traço nulo do momento de quadrupolo calculado, como antes, no tempo
retardado. A fórmula acima representa a média temporal
da taxa de energia que é trocada, e fontes irradiantes
estão perdendo energia, por isso o sinal negativo na igualdade.
4.4. Ondas gravitacionais emitidas por um
sistema binário em órbita circular
Como aplicação dos resultados obtidos até agora, usaremos a fórmula (32) para calcular a energia emitida, via
radiação gravitacional, por um sistema bem simples: dois
corpos de massas m1 e m2 efetuando órbitas circulares
em torno de um centro de massa em comum. Tal situação
é descrita na figura 1.
Faremos uma análise dessa situação através da mecânica
newtoniana, válida em baixas ordens. Neste caso, os
parâmetros orbitais são completamente determinados
pela massa reduzida µ e pela distância l0 entre os dois
corpos envolvidos. Baseando-se na figura acima para a
nossa análise, onde adotamos a origem do sistema de
coordenadas coincidindo com o centro de massa do sistema, podemos escrever, em termos da massa reduzida
µ = m1 m2 /M e a separação orbital l0 = r1 + r2 , que as
distâncias r1 e r2 valem respectivamente
m2 l 0
,
M
m1 l 0
r2 =
,
M
r1 =
(33)
(34)
onde M = m1 + m2 é a massa total do sistema.
13 Na
RG a definição de energia (componente 00 do tensor momentoenergia) depende do observador. Uma forma simples de ver isto
é a seguinte: não sabemos dizer se a gravidade sentida é devido
ao referencial está acelerado ou por existir realmente um campo
gravitacional.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0177
Figura 1: Dois corpos de massas m1 e m2 efetuando órbitas
circulares em torno de um centro de massa em comum.
A frequência orbital Ω é obtida igualando-se a força
gravitacional newtoniana, a resultante centrı́peta. Para
cada uma das massas teremos
m2 l 0
m1 m2
= m1 Ω 2
,
l02
M
m1 l 0
m1 m2
,
G 2 = m2 Ω 2
l0
M
G
o que implica que para ambas as massas
s
GM
Ω=
,
l03
(35)
(36)
(37)
e, portanto, as equações de movimento serão
m2 l 0
cos(Ωt) ,
M
m1 l 0
cos(Ωt) ,
x2 = −
M
x1 =
m2 l 0
sen(Ωt),
M
m1 l0
y2 = −
sen(Ωt).
M
y1 =
(38)
(39)
De posse dessas equações estamos aptos a computar o
tensor momento de quadrupolo, definido por (28). Para
este caso temos
T 00 =
2
X
n=1
mn δ(x − xn )δ(y − yn )δ(z),
(40)
o que resulta em
Z
Ixx = m1 x2 δ(x − x1 )δ(y − y1 )δ(z)dxdydz
Z
+ m2 x2 δ(x − x2 )δ(y − y2 )δ(z)dxdydz
= m1 x21 + m2 x22
= µl02 cos2 (Ωt)
µ
µ
= l02 cos(2Ωt) + l02 .
2
2
(41)
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 2, e2302, 2018
e2302-8
Sobre a teoria de Einstein para ondas gravitacionais e sua aplicação no estudo da radiação...
Aplicando-se o mesmo procedimento para as outras componentes, encontramos que todas são nulas, exceto
µ
µ
Iyy = − l02 cos(2Ωt) − l02 ,
(42)
2
2
µ
Ixy = l02 sen(2Ωt).
(43)
2
No entanto, note que precisaremos apenas da parte
temporal dessas componentes e, portanto, as contas serão
efetuadas tomando-se
µ
Ixx = −Iyy = l02 cos(2Ωt),
(44)
2
µ 2
(45)
Ixy = l0 sen(2Ωt).
2
Antes de prosseguirmos é interessante notar que a
frequência das ondas gravitacionais emitidas é o dobro
da frequência orbital. Em uma forma matricial o tensor
momento de quadrupolo é escrito como
cos(2Ωt) sen(2Ωt) 0
µ 2
sen(2Ωt) −cos(2Ωt) 0 ,
Iij = l0
2
0
0
0
ou de forma mais reduzida
µ 2
l Aij ,
(46)
2 0
onde Aij são os elementos da matriz apresentada acima.
Substituindo esse resultado em (32), encontramos que a
magnitude da radiação gravitacional emitida pelo sistema
binário é dada por
Iij =
LGW =
dEGW
32 G4 µ2 M 3
,
=
dt
5
c5 l05
(47)
onde reinserimos a constante c no resultado acima.
A ordem de magnitude da amplitude dessas ondas
pode ser calculada substituindo-se (46) na fórmula do
quadrupolo, o que resulta em
h0 =
4µM G2
.
rl0 c4
(48)
4.5. A binária de Hulse e Taylor
Em 1974, no Observatório de Arecibo, dois astrônomos
Russell Hulse e Joseph Taylor fizeram uma importante
descoberta: uma estrela binária formada por um pulsar
e outra estrela de nêutrons que orbitam um baricentro
comum. Tal sistema foi designado por P SR 1913 + 16,
e foi o primeiro a possibilitar uma detecção indireta de
ondas gravitacionais. O que faremos agora é aplicar os
resultados obtidos na subseção anterior a este sistema,
a fim de termos uma ideia dos valores envolvidos nesse
tipo de evento; por exemplo, a taxa da liberação de
energia devido à emissão de ondas gravitacionais. Como
consultado em [8, 17], os dados do referido evento são:
m1 ∼ 1, 441M⊙ ,
m2 ∼ 1, 387M⊙ ,
l0 = 0, 19 · 1010 m,
P = 7h 45m 7s,
r = 1, 5 · 1020 m,
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 2, e2302, 2018
onde M⊙ = 1, 99 × 1030 kg e R⊙ = 6, 96 × 108 m são,
respectivamente, a massa e o raio do Sol. Os outros
parâmetros acima são os mesmos descritos na subseção
anterior; P o perı́odo e r a distância binária-Terra. De
posse desses dados, podemos concluir que a frequência
νGW das ondas emitidas nesse evento são da ordem de
νGW =
2Ω
∼ 7, 2 · 10−5 Hz,
2π
(49)
além disso, usando-se (47) e (48) encontramos também
LGW ∼ 7, 0 · 1023 W,
−23
h0 ∼ 6, 12 · 10
.
(50)
(51)
Os resultados acima nos permitem tirar algumas conclusões imediatas. Primeiro, a amplitude de tais ondas é
ı́nfima. Incrivelmente, por mais alta que seja a energia
irradiada nesse evento, nem mesmo os observatórios do
Advanced LIGO seriam capazes de detectar essas ondas.
As curvas de sensibilidade do LISA e LIGO são mostradas
na Figura 2. Neste gráfico, a amplitude adimensional caracterı́stica está em unidades “por raiz quadrada de Hz”.
Aplicando os valores obtidos em (49) e (51) na fórmula
−1
2
de conversão h0 νGW
, obtemos o valor aproximado de
1
−
−21
2
7, 2 × 10 Hz
para o sistema binário P SR 1913 + 16
( para maiores detalhes sobre as convenções utilizadas na
literatura para as curvas de sensibilidade de ondas gravitacionais, sugerimos ao leitor consultar a referência [18]).
Notemos que sua localização está fora das regiões de
detecção dos aparelhos 14 . Entretanto, outros sistemas
binários mais próximos da Terra poderiam ser detectados. Por exemplo, os sistemas detectados pelo LIGO,
teriam sido detectados pelo LISA, uns 10 anos antes, se
ele já estivesse existindo (ver seminário apresentado na
conferência Amaldi12 [19], recentemente).
Observamos ainda que a perda de energia devido à
emissão de ondas gravitacionais é altı́ssima. Para se ter
uma ideia de quanta energia estamos falando, o próprio
Sol irradia uma quantidade equivalente a 4, 3 · 1026 W
através de radiação eletromagnética, mas apenas 5·103 W
via radiação gravitacional. É de se esperar que com a
perda de toda essa energia as componentes da binária
acabem se aproximando, o que acarreta na diminuição
do perı́odo orbital. Para finalizar o trabalho, o que faremos agora é aproveitar todos os resultados obtidos até
aqui para calcular essa diminuição no perı́odo. Isso nos
possibilitará ter uma noção de quando irá acontecer a
coalescência das referidas componentes.
A expressão (47) foi obtida a partir de (32). Isto implica
que ela deve ser considerada como uma média de muitos
comprimentos de onda ou, equivalentemente, sobre um
número muito grande de perı́odos. Portanto, a fim de
que LGW seja uma grandeza definida, devemos estar em
14 Podemos
criar nossa própria curva de sensibilidade e as regiões
de localização dos eventos através dos aplicativos online disponı́veis em http://www.srl.caltech.edu/˜shane/sensitivity/
MakeCurve.html e http://rhcole.com/apps/GWplotter/.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0177
Ramos e Maluf
e2302-9
e tomando-se a derivada temporal da expressão acima
dEorb
1 dl0
GµM 1 dl0
= −Eorb
. (57)
=
dt
2l0
l0 dt
l0 dt
No entanto, a expressão acima pode ser escrita de uma
maneira mais sugestiva, para isso, reescreveremos dl0 /dt
em termos da derivada temporal de Ω. De (37), temos
3 dl0
1 dΩ
=−
,
Ω dt
2 dt
(58)
e substituindo (58) em (57), ficamos com
Figura 2: Em vermelho, temos a curva de sensibilidade dos equipamentos LISA (Laser Interferometer Space Antenna Project).
Em azul, a curva de sensibilidade dos equipamentos do Advanced
LIGO. Apenas eventos localizados acima de tais curvas podem
ser detectados. No entanto, como pode ser visto, P SR 1913+16
não se encontra em nenhuma dessas regiões e, portanto, não
poderia ser detectado.
uma região onde os parâmetros orbitais não mudam significativamente durante o intervalo de tempo necessário
para executar tal média. Esta hipótese é chamada de
aproximação adiabática e, certamente, é aplicável a sistemas tais como P SR 1913 + 16 que estão muito longe da
coalescência15 .
No regime adiabático, o sistema tem tempo de ajustar
a órbita para compensar a energia perdida pela emissão
de ondas gravitacionais com uma mudança na energia
orbital, de tal maneira que:
dEorb
+ LGW = 0.
(52)
dt
Vejamos agora as consequências dessa equação.
A energia orbital é igual à energia cinética Ec de cada
uma das componentes, acrescida da energia potencial U
de ligação (que neste caso é de origem gravitacional), isto
é
Eorb = Ec + U,
(53)
onde
1
2
m1 (Ωr1 ) +
2
1
m1 m22 l02
= Ω2
2
M2
GµM
=
,
2l0
Ec =
1
2
m2 (Ωr2 )
2
m2 m 2 l 0
+ 1 2
M
(54)
e
GµM
Gm1 m2
=−
.
U=−
l0
l0
Substituindo (54) e (55) em (53), obtemos
Eorb = −
GµM
,
2l0
15 Os
(55)
(56)
dados mostrados acima indicam que essa coalescência está
longe de ocorrer. O que queremos é ter ideia do quão longe.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0177
2 Eorb dΩ
dEorb
=
.
dt
3 Ω dt
(59)
Por outro lado, a frequência orbital Ω é relacionada com
o perı́odo P pela relação Ω = 2πP , o que implica em
1 dP
1 dΩ
=−
,
Ω dt
P dt
(60)
pondo isso na equação (59), obtemos
3 P dEorb
dP
=−
,
dt
2 Eorb dt
(61)
ou, fazendo uso de (52)
dP
3 P
LGW .
=
dt
2 Eorb
(62)
A relação acima nos permite calcular o quanto o
perı́odo da órbita muda devido a emissão de ondas gravitacionais. Supondo que nossa órbita seja circular e,
portanto, que os dados acima são verdadeiros, temos que
P = 27907 s
Eorb ∼ −1, 4 · 1041 J
LGW = 7, 0 · 1023 W
logo
dP
∼ −2, 2 · 10−13 s/s.
(63)
dt
No entanto, o valor de dP/dt foi obtido a partir de
medições. Tal valor, medido com uma precisão altı́ssima,
foi encontrado depois de aproximadamente três décadas
de monitoramento e vale:
dP
= −(2, 4184 ± 0, 0009) · 10−12 s/s,
dt
(64)
o que implica em uma taxa de redução de perı́odo orbital
de aproximadamente 76,5 microssegundos por ano. Com
isso, o tempo de vida calculado para a espiral final é de
300 milhões de anos [8].
Como pode ser visto, existe uma grande diferença entre
o valor obtido teoricamente e o medido. Na verdade, tal
discrepância já era de ser esperada. Isto porque a órbita
real do sistema não é circular, mas sim uma elipse de
excentricidade ǫ ≈ 0, 617 [8]. Como explicado em [12], se
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 2, e2302, 2018
e2302-10
Sobre a teoria de Einstein para ondas gravitacionais e sua aplicação no estudo da radiação...
refizéssemos os cálculos usando as equações de movimento
apropriadas para uma órbita excêntrica, obterı́amos
dP
∼ −2, 4 · 10−12 s/s
dt
(65)
que é incrivelmente próximo do valor medido.
Em 2004, Joseph H. Taylor e Joel M. Weisberg publicaram uma nova análise dos dados experimentais, concluindo que a disparidade de 0, 2% entre os dados e
os resultados previstos é devido a constantes galácticas
pouco conhecidas, incluindo a distância do Sol ao centro
da galáxia, movimento próprio do pulsar e sua distância
da Terra [8, 17].
5. Conclusão
O objetivo deste trabalho foi fazer um estudo introdutório
sobre ondas gravitacionais. Começamos por fazer, na
seção 2, uma breve revisão sobre a equação de Einstein
da RG. Em seguida, na seção 3, aplicamos o método
perturbativo nas equações de Einstein e em seguida as
linearizamos. Na seção 4, estudamos a geração de ondas
gravitacionais. Para isso, adotamos o gauge harmônico
o que nos permitiu reescrever a equação de Einstein na
forma de uma equação de onda com termo de fonte, isto
é, considerando a presença de matéria. Passamos então
a discutir a natureza quadrupolar da radiação e suas diferenças em relação à radiação eletromagnética que é de
natureza dipolar. Por fim, computamos a energia emitida
via radiação gravitacional por sistemas binários em órbita
circular e aplicamos nossos resultados aos dados experimentais da P SR 1913 + 16 (Binária de Hulse e Taylor).
Os dados desse pulsar binário levam à previsão teórica de
que a potência irradiada nesse evento, devido exclusivamente às ondas gravitacionais, é da ordem de 7 · 1023 W .
Para se ter uma ideia do que significa essa quantidade de
energia, o próprio Sol irradia uma quantidade equivalente
a 4, 3 · 1026 W através de radiação eletromagnética, mas
apenas 5 · 103 W via radiação gravitacional.
Outro dado de suma importância obtido aqui foi a
diminuição do perı́odo orbital dessa binária, algo em
torno de dP/dt ≃ −2, 2 · 10−13 s/s. No entanto, este resultado não é tão próximo do valor medido dP/dt ≃
−(2, 4184 ± 0, 0009) · 10−12 s/s (uma redução de aproximadamente 76, 5 µs por ano). Tal medição foi resultado
de aproximadamente três décadas de muitas observações
e realizada com uma precisão altı́ssima. De fato, esse
erro já era esperado, pois a órbita do sistema real não
é circular e sim elı́ptica, com excentricidade ǫ ≃ 0, 617.
Como pode ser visto em [12], fazendo-se novamente os
cálculos, mas dessa vez usando as equações de movimento
apropriadas para uma órbita excêntrica, irı́amos encontrar dP/dt ≃ −2, 4 · 10−12 s/s, o que concorda com o
resultado experimental.
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 40, nº 2, e2302, 2018
Agradecimentos
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientı́fico e Tecnológico - CNPq (processo
305678/2015-9) e a Fundação Cearense de apoio ao Desenvolvimento Cientı́fico e Tecnológico - FUNCAP pelo
suporte financeiro.
Referências
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DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9126-RBEF-2017-0177