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Epitáfio romano de Donas (Fundão)

Estuda-se um bloco que ostenta um epitáfio romano, que tem como singularidade o facto de os antrop´´onim0os nele patentes serem etimologicamente latinos - Laurus, Rufus, Primula e Varus - usados, porém, à maneira indígena, a denotar a fácil apropriação, logo no início do contacto com os Romanos, dos nomes próprios eminentemente relacionáveis com características concretas dos indivíduos assim identificados.

FACULDADE DE LETRAS UNIVERSIDADE DE COIMBRA FICHEIRO EPIGRÁFICO (Suplemento de «Conimbriga») 166 INSCRIÇÕES 645-647 INSTITUTO DE ARQUEOLOGIA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, ESTUDOS EUROPEUS, ARQUEOLOGIA E ARTES COIMBRA 2018 ISSN 0870-2004 FICHEIRO EPIGRÁFICO é um suplemento da revista CONIMBRIGA, destinado a divulgar inscrições romanas inéditas de toda a Península Ibérica, que começou a publicar-se em 1982. Dos fascículos 1 a 66, inclusive, fez-se um CD-ROM, no âmbito do Projecto de Culture 2000 intitulado VBI ERAT LVPA, com a colaboração da Universidade de Alcalá de Henares. A partir do fascículo 65, os volumes estão disponíveis no endereço http://www.uc.pt/luc/iarq/documentos_index/icheiro. Publica-se em fascículos de 16 páginas, cuja periodicidade depende da frequência com que forem recebidos os textos. As inscrições são numeradas de forma contínua, de modo a facilitar a preparação de índices, que são publicados no termo de cada série de dez fascículos. Cada «icha» deverá conter indicação, o mais pormenorizada possível, das condições do achado e do actual paradeiro da peça. Far-se-á uma descrição completa do monumento, a leitura interpretada da inscrição e o respectivo comentário paleográico. Será bem-vindo um comentário de integração histórico-onomástica, ainda que breve. José d'Encarnação Toda a colaboração deve ser dirigida a: Instituto de Arqueologia Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes Faculdade de Letras | Universidade de Coimbra Rua de Sub-Ripas | Palácio Sub-Ripas P-3000-395 COIMBRA A publicação deste fascículo só foi possível graças ao patrocínio de: Composto em ADOBE in Design CS4, Versão 6.0.6 | José Luís Madeira | IA | DHEEAA | FLUC | UC | 2018 646 EPITÁFIO ROMANO DE DONAS (FUNDÃO) (Conventus Emeritensis) A epígrafe foi identificada, em Dezembro de 2017, no decurso do acompanhamento arqueológico de reconstrução do imóvel localizado na Travessa de S. Roque, nº 9, na aldeia das Donas, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco. Encontrava-se no espaço correspondente à loja de um edifício de época moderna ou contemporânea, reutilizada na ombreira de uma porta, do lado interior, invertida (Fig. 1 e 2), mas com o campo epigráfico visível e unida às restantes com ligante de cimento, fruto de arranjo recente que, ainda assim, não terá implicado a sua deslocação de forma significativa. Muito embora da execução da obra não resultasse qualquer prejuízo para a peça, o proprietário, Sr. José Carlos Ramalhete, a quem expressamos o nosso reconhecido agradecimento, concordou prontamente em que fosse removida, com vista a facilitar o seu estudo e futura musealização no Museu Arqueológico José Alves Monteiro, no Fundão. Trata-se de um bloco paralelepipédico, de granito de grão médio, rosado, rudemente desbastado nas faces, que apresenta, contudo, afeiçoamento junto às arestas da face dianteira, a denunciar alguma preocupação estética, pois o bloco se destinava a ser embutido na parede, ficando, portanto, visível essa pequena porção mais cuidada (Fig. 3). Não há, todavia, indício de ter existido qualquer moldura a delimitar o campo epigráfico, que é, de facto, toda a superfície frontal. Ficheiro Epigráico, 166 [2018] Dimensões: 22,2 x 37,9 x 19,7. Campo epigráfico: 17,4 x 33,2. LA[V?]RO · RVFI · F(ilio) / [P]RIMVLA · VARI [F(ilia)?] / F(ilio) · P(ientissimo) · F(aciendum) · C(uravit) A Lauro, filho de Rufo. Prímula, filha de Varo, ao filho modelo de piedade mandou fazer. Altura das letras: 4,9 (O =5,1). Espaços interlineares: 1: 1,6; 2: 1,2; 3: 1,6; 4: 1,9. Paginação tendencialmente a ocupar todo o espaço disponível, com alinhamento à esquerda e à direita; as siglas da última linha assaz distanciadas entre si. Pontos redondos. Caracteres capitais quadrados: o A largo, simétrico, com travessão, ainda que pouco perceptível; circularidade perfeita do O; M muito largo; R feito a partir do P e de perna bem lançada para a frente; na l. 2, o vértice final do L toca no A. Padece a nossa interpretação de algumas dúvidas: 1) Na l. 1, com determinada iluminação, afigurou-se-nos ver, não muito perceptível, a haste da direita do V, passível de estar em nexo com o A. Ainda que o esboroamento do granito nos impeça de ter certezas, optamos por o reconstituir, na medida em que um antropónimo Larus não foi até agora documentado.1 Preconizamos a sua existência em minuta, eventualmente em nexo, não compreendida pelo lapicida. 2) O mau estado da superfície epigrafada no fim da l. 1 e o facto de ser necessário um P para formar a palavra Primula A única referência a um possível Larus seria a do fragmento dee uma estela de granito, identiicada em Puerto de Santa Cruz, na província espanhola de Cáceres; contudo, a fotograia apresentada por Esteban Ortega é clara: antes do A, vê-se parte da barra inferior de um L ou de um E e a pedra está partida, de modo que poderá ser Hilarus, Clarus ou, até, Mearus. Ver: AE 1983 496 e EstEban OrtEga (Julio), Corpus de Inscripciones Latinas de Cáceres. II. Turgalium, Universidad de Extremadura, Cáceres, 2012, nº 674, p. 196-197. 1 Ficheiro Epigráico, 166 [2018] suscitam perplexidade: estará aí o P e não um F? Parece-nos o F o mais plausível. Ou será que o lapicida se esqueceu mesmo dessa letra? Outra reconstituição do nome do dedicante não a cremos, no entanto, viável, apesar de também nos parecer possível ver um nexo do M com um A. 3) Idêntica perplexidade sentimos no final da l. 2; é, por isso, duvidosa a existência do F. 4) Se F(aciendum) · C(uravit) não nos traz problemas, poderão as dúvidas subsistir na restituição apontada para o começo da l. 3: um P não fechado e com o traço curvo a vir de trás supomo-lo defensável. Essas dúvidas não enfermam, todavia, o conjunto, estando nós convictos de que os antropónimos aqui testemunhados são: Laurus, Rufus, Primula e Varus. Uma onomástica etimologicamente latina, usada à maneira indígena, a denotar a fácil apropriação, logo no início do contacto com os Romanos, dos nomes próprios eminentemente relacionáveis com características concretas dos indivíduos assim identificados: Laurus, o louro (planta), símbolo de vitória2; Rufus, o que é ruivo; Primula, a primeirinha a nascer; Varus, o cambado. Note-se que não apenas a tipologia do monumento como este aspecto da antroponímia registada o aproximam muito da tipologia das epígrafes da civitas Igaeditanorum que, de resto, não fica longe no espaço. Servimo-nos do Atlas Antroponímico de la Lusitania Romana3 para assinalar as ocorrências desses antropónimos: ‒ Laurus: mapa 165, p. 211 – 6 testemunhos, dos quais 1 em Póvoa do Mileu (Guarda) e 3 na Estremadura portuguesa; ‒ Rufus: mapa 258, p. 286-287 – um dos nomes mais frequentes; ‒ Primula: mapa 244, p. 270 – 1 registo na civitas Igaeditanorum e 4 em Mérida; ‒ Varus: mapa 317, p. 335 – 4 testemunhos (em: civitas Igaeditanorum, Lisboa, Mérida e Zorita); o facto de aparecer Kajanto (Iiro), The Latin Cognomina, Helsínquia, 1965, p. 21. navarrO CaballErO (Milagros) e ramírEz sáDaba (José), Atlas Antroponímico de la Lusitania Romana, Mérida (Fundación de Estudios Romanos) – Bordéus (Ausonius Éditions), 2003. 2 3 Ficheiro Epigráico, 166 [2018] geralmente como patronímico, em genitivo, tem suscitado dúvida quanto à terminação do nominativo (Varus ou Varius); não vemos motivo para não optar pelo que é de terminação ‘cognomínica’ mais normal, Varus. Pela paleografia e atendendo à simplicidade do texto, propomos como datação a 1ª metade do século I da nossa era. JOsé D'EnCarnaçãO Carla ribEirO riCarDO C. silva 1 646 Ficheiro Epigráico, 166 [2018] 2 3 646 Ficheiro Epigráico, 166 [2018]