A FIGURA DO “DECRETO” NO DIREITO BRASILEIRO E SEUS PRINCIPAIS
PROBLEMAS: UMA BREVE ANÁLISE A PARTIR DE CASOS CONCRETOS
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Janriê Rodrigues Reck1
Caroline Müller2
RESUMO
Este trabalho busca compreender a figura jurídica do “decreto regulamentar”.
Dentre as várias questões a serem respondidas, as principais envolvem o decreto
como aplicação da lei, e as dificuldades que emergem desta aplicação – feita sem a
premissa primeira da interpretação jurídica ordinária: a existência de um “caso” ou
“fatos”. Para se compreender estes problemas, primeiramente a abordagem
dogmática será analisada. Após, alguns casos paradigmáticos resolvidos pela
jurisprudência.
PalavrasChave: Decreto. Jurisprudência. Teoria do Direito. Significados
jurídicos.
INTRODUÇÃO
A pergunta sobre o significado do decreto está na ponta da língua de qualquer
operador jurídico, de estudantes de direito e mesmo de cidadãos mais bem
informados: tratase de um ato do poder executivo que regulamenta uma lei.
Regulamentar a lei significa que o conteúdo do decreto versará sobre as minúcias
que não cabe à lei detalhar, no sentido de melhor aplicação desta. Pressionandose
o interlocutor virtual mais além levará à falta de respostas, posto que este
conhecimento superficial do senso comum nem de longe responde perguntas como
“qual a situação hermenêutica do criador do decreto?”; “decreto é uma “aplicação”
da lei?”, “é possível dizer que o Decreto nº X regulamentou “mal” a Lei nº Y?”
São justamente estas perguntas – que ao ver do autor do trabalho restam
irrefletidas pela maior parte da doutrina dogmática – que justificam o interesse em
trabalhar este tema. É possível justificar socialmente o objeto do trabalho tendo em
vista, além da cotidianidade com que decretos são produzidos, regulamentando leis,
que esta atividade repercute, em muito, na vida do cidadão, posto que é no decreto
que estarão condições para o exercício de direitos ou imposição de deveres. A
ciência jurídica não responde aos reclames da cidadania, posto que não oferece,
como meios de controle cidadão, nada mais do que poucas considerações,
usualmente repetitivas e inúteis. No aspecto pessoal, a temática oferece grande
interesse, por várias razões, dentre as quais encontramse a possibilidade de melhor
compreensão do fenômeno jurídico, e o apontamento das insuficiências e
possibilidades das grandes teorias de interpretação do direito que se apresentam
contemporaneamente.
Vários são os problemas a que este trabalho se direciona a resolver, quais
sejam: 1) qual a leitura que a dogmática brasileira faz do decreto, e quais são suas
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características principais, bem como sua função, conforme esta mesma dogmática?;
2) é possível delinear, a partir de casos polêmicos, como os tribunais significam o
decreto?; 3) é possível dizer que os tribunais superiores abordam adequadamente o
instituto?
1 INTRODUÇÃO AO DECRETO
Este breve estudo tem por objetivo observar a tradição dogmática na
conceituação e definição das questões fundamentais que envolvem o decreto. É
fundamental observar como a dogmática trabalha o decreto, posto que é a ciência
jurídica uma das estruturas que selecionam novos elementos ao direito e formam a
sua tradição – tradição esta que, por sua vez, vai vincular o intérprete na aplicação
da norma.
O decreto envolve uma alta complexidade de questões possíveis de serem
trabalhadas. Este trabalho, de todo modo, vai se focar na atividade mesma de
regulamentação como interpretação da lei. Mas alguns tópicos são fundamentais, e
devem ser abordados, mesmo que rapidamente.
A principal questão é: que problema o decreto visa resolver, ou seja, qual a sua
função? Esta pergunta não pode ser respondida a partir de alguma lógica, senão a
da evolução do próprio Direito e da política. De fato, como não poderia deixar de ser,
o decreto não é, de longe, uma exigência lógica, mas sim fruto de uma evolução
histórica visando responder certos problemas. O Direito responde prontamente:
“Regulamento é a norma jurídica de caráter geral, editada pela autoridade
administrativa, em matéria de sua competência, conferida pela lei formal, com o
objetivo de facilitarlhe a aplicação”3.
Em uníssono, a doutrina e a jurisprudência respondem que a função primária4
do decreto é regulamentar a lei. Esta resposta foi fácil. Mas, adiantando o debate
com Gadamer, mais adiante colocado, qual é a pergunta que o decreto vem
responder?
A evolução particular das instituições governamentais, do poder político, da
opinião pública, do pensamento políticofilosófico e do Direito legaram a idéia de
que, em vista das arbitrariedades cometidas pelos reis absolutos, o poder deveria
ser domesticado e posto, para publicidade e estabilidade, na linguagem do Direito.
Isto é somado com o desejo de autonomia, ou seja, de procurar mecanismos para
que o sujeito possa darse a lei. Este quadrado autonomia – direito – estabilidade
legitimidade é o alter ego do trilema heteronomia – arbitrariedade – insegurança –
força. São precisamente aqueles valores que a Revolução Americana e Francesa,
diante de reclames históricos muito mais antigos, visam estipular. Fazemno
mediante lógicas organizacionais que, ao mesmo tempo que inspiradas em
experiências governamentais aqui e ali existentes, são muito mais fruto de reflexões
teóricas de época. Põese, assim, a divisão de poderes.
É o Poder Legislativo a organizaçãotipo voltada à produção de direitos e
obrigações públicas e privadas. É no Poder Legislativo que os cidadãos exercem
sua autonomia de autoconvencimento, transformando programas políticos de
vinculação da sociedade na linguagem do Direito e, procurando, com isto, darlhes
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uma estabilidade momentânea, até serem substituídos por outro programa. O Poder
Executivo é locus de execução da lei e, como tal, deriva sua legitimação das leis –
estas sim legítimas porque fruto da autonomia do cidadão. Daí a razão pela qual não
se legitima a atividade do Executivo, apenas a pessoa de seu comandante. A
legitimação das atividades do Executivo é, deste modo, indireta:
[...] opostamente às leis, os regulamentos são elaborados em gabinetes
fechados, sem publicidade alguma, libertos de qualquer fiscalização ou
controle da sociedade ou mesmo dos segmentos sociais interessados na
matéria. Sua produção se faz apenas em função da vontade, isto é, da
diretriz estabelecida por uma pessoa, o Chefe do Poder Executivo, sendo
composto por um ou poucos auxiliares diretos seus ou de seus imediatos.
Não necessita passar, portanto, nem pelo embate de tendências políticas e
ideológicas diferentes, nem mesmo pelo crivo técnico de uma pluralidade de
pessoas instrumentadas por formação ou preparo profissional variado ou
comprometido com orientações técnicas ou científicos discrepantes.
Sobremais, irrompe da noite para o dia, e assim também pode ser alterado
5
ou suprimido .
De fato, como será visto mais adiante, a dogmática está correta. Não é possível
compararse a legitimação alcançada pelos processos de formação da lei e do
decreto, por mais defeituoso que seja o primeiro e virtuoso que seja o segundo: o
déficit de legitimidade é insuportável. Daí que a idéia, aferrada, com razão, na
dogmática, de que o regulamento deve aterse à lei. A idéia de que a autonomia se
expressa em leis do legislativo, e que determinadas conquistas evolutivas, nesta
linha, devam ser preservadas, fundamentam também conceitos fundamentais, quais
sejam, o de Princípio da Legalidade e Estado Democrático. Ambos são conquistas
evolutivas que se tornaram estruturas e programas fundamentais do Direito, quase
que se tornando símbolos deste.
É que os dispositivos constitucionais caracterizadores do princípio da
legalidade no Brasil impõem ao regulamento o caráter que se lhe assinou,
qual seja, o de ato estritamente subordinado, isto é, meramente subalterno
e, ademais, dependente de lei. [...] Daí que, em nosso sistema, de direito, a
6
função do regulamento é muito modesta .
Mais, a idéia de que o Executivo apenas pode regulamentar a lei reside na
conquista evolutiva, plenamente fundamentável, do Estado Democrático de Direito:
Os regulamentos exprimem o exercício de uma competência normativa da
Administração. Uma pura transferência da competência normativa genérica
(mesmo infra legem) para o executivo contrasta com o princípio democrático
e com o princípio do Estado de Direito. É isso que explica o facto de, na
actualidade, não se conceberem regulamentos independentes que, pelo
menos, não tenham fundamento legal no que respeita à matéria a regular”7.
Até aqui, podese concluir, rasteiramente, que faz parte da compreensão do
atual Estado Democrático de Direito a idéia de que a criação da norma é um, ou pelo
menos, uma tentativa, de um exercício da autonomia. Mal ou bem, isto é feito dentro
do âmbito onde debates são levados a efeito, o Poder Legislativo. Não pode o Poder
Executivo criar leis, posto que não é o foro competente – afinal, dentro do Poder
Executivo, pelo menos dentro da atual organização, não há debates plurais no que
toca à elaboração do decreto.
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Não é necessário muito dissertar acerca das dificuldades de se criar normas
suficientemente “precisas” no Poder Legislativo. Além de uma empreitada
impossível, a vagueza normativa é parte do jogo político. Além disto, estratégia para
prolongar a vida das normas. Somamse estes fatores com a necessidade de ação
por parte dos poderes públicos e a consagração da legalidade “genérica”8, além de
um progressivo incremento da atividade administrativa, e temse como resultado um
amplo espaço aberto para a “regulamentação”. Tratase de uma necessidade
histórica e funcional: pelo menos dentro do Direito Administrativo, é praticamente
impossível concretizar políticas públicas e demais programas sem os
procedimentos9 de sua materialização:
Regulamentação – Tratase do poder de regulamentar (power of ordinance
do direito constitucional inglês); no Brasil, tal poder dissimula, por vezes, a
delegação legislativa, vedada pelo art.36, § 2º. A Constituição francesa do
ano VIII, art. 44, estatuiu que o governo proporia as leis e faria os
regulamentos necessários para lhes assegurar a execução. Nela foi que se
inspirou, nesse ponto, a Constituição imperial do Brasil. A Constituição da
República Argentina (art. 86, § 2º) ao tratar do assunto, recomendara ao
Presidente da república ter o cuidado de “não alterar o espírito” das leis
regulamentadas “com exceções regulamentares”10.
Aos poucos, a diferenciação entre poderes tornase tal, e a atividade de
regulamentação, tão consagrada, que a atividade regulamentar configurase como
uma “prerrogativa” do Poder Executivo, inviável de ser atacada pelos outros
poderes.
A crescente complexidade da atuação dos poderes governamentais torna
transparente uma visível maior quantidade de atos do Poder Executivo, atos de
cunho “geral”, e não “material”.
Inserese, portanto, o poder regulamentar como uma das formas pelas
quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser
definido como o que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos
Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para sua
fiel execução11.
Talvez seja temerário afirmar que houve uma tendência, ou que esta tendência
se mantém, de transferência da atividade de legislar do Poder Legislativo ao
Executivo. É visível que na maior parte dos países, senão na totalidade, há
incremento tanto na produção de “leis” quanto de “regulamentos”, pelo menos do
século XIX em diante. De todo modo, é verdade que há uma maior produção
normativa executiva e uma crescente realocação das tensões jurídicas em direção
ao Poder Executivo, no que talvez adquira alguma proeminência. É curioso, posto
que a autocompreensão do Estado Democrático de Direito imputa ao Poder
Executivo a tarefa de executar materialmente as normas. Isto não é tão simples,
contudo. Daí a existência da atividade de regulamentação e sua incorporação na
tradição dogmática, como essencial a regular atividade jurídica12.
Tanto é assim que o Decreto é prontamente posto no sistema piramidal,
adquirindo validade da norma superior.13
A atividade regulamentar, deste modo, é posta junto a uma atividade legislativa
latu sensu do Poder Executivo, e é justificada no sistema de freios e contrapesos. O
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Poder Executivo assume a tarefa de editar normas gerais. Pode fazêlo tanto
originariamente (o que a tradição dogmática chama de “regulamentos autônomos”)
quanto de maneira derivada, regulamentar. O Poder Executivo opera, portanto, em
uma lógica semelhante à do Poder Legislativo, isto é, em um nível de racionalidade
prática kantiana, perguntandose acerca da conduta acertada, a despeito dos fatos.
No regulamento, o Poder Executivo não faz nada imediatamente; põe, de outra
banda, programas que serão seguidos. O Poder Executivo não age motivado
também por um “caso” específico: os fatos relevantes são a edição de uma lei, seu
dever normativo de regulamentar e os fatos que motivaram a referida a lei a
regulamentar.
Materialmente, o regulamento se assemelha à lei, pois, como ela, está
voltado a uma série indeterminada de situações ou pessoas. Dela,
entretanto, se afasta pelo regime jurídico que o rege, já que, como repetidas
14
vezes acentuaremos, está hierarquicamente submetido à lei .
Todas as perplexidades que envolvem o Poder Legislativo (como é possível
leis “gerais”?) acorrem também ao Poder Executivo. Não se pode, idealisticamente,
fechar os olhos para a realidade: a despeito das dificuldades, o Poder Executivo
entende a lei, regulamentaa, os servidores compreendem a lei e o decreto, e agem
conforme estes. Fechar os olhos a esta realidade é fecharse em um mundo que se
pretende crítico, mas que na realidade é meramente uma manifestação de
chauvinismo intelectual, tantas vezes inspirador de um ceticismo artificial, noves fora
o seu terrível ônus de prova: teriam de provar que as pessoas “imaginam” que
compreendem o decreto e a lei.
A atividade legislativa15 do Executivo, no Brasil, manifestase através de
Medidas Provisórias, Leis Delegadas e Decretos Regulamentares.16 Os dois
primeiros veículos estão inseridos dentro da Constituição como espécies legislativas,
e, salvo restrições constitucionais, podem criar direitos e obrigações livremente. Para
os fins deste trabalho, contudo, esta temática não interessa. Interessa, isto sim, a
figura “decreto”.
O decreto é um tipo de ato, formal, advindo do Poder Executivo17. Geralmente
é observado mais da perspectiva do Direito Administrativo que do Direito
Constitucional. Assim, os juristas, se instados a responder qual a “natureza jurídica”
do decreto, provavelmente a maior parte responderá que se trata de um ato
administrativo, e não de uma espécie legislativa.
Os decretos podem ser “gerais” ou “particulares” (materiais). No caso do
decreto particular, assume uma forma do tipo “Nomeiese Maria para o Conselho tal”
ou “Exonerese José”. Tratase aqui meramente de manifestações do Poder
hierárquico ou disciplinar da Administração Pública. Não é também este o tipo de
decreto a preocupação do trabalho. Interessa a manifestação do Poder Normativo.
O fundamento de validade do decreto normativo, como não poderia deixar de
ser, encontra estribo constitucional:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução;
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não
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implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
A tradição, no direito brasileiro, sempre fora a de que os decretos normativos
só poderiam ser os decretos executivos, isto é, aqueles referidos na parte final do
inciso IV do art. 84: “para sua fiel execução” [da lei]. A Emenda Constitucional nº 32,
cuja intenção declarada fora desburocratizar a Administração Pública, reviveu os
decretos autônomos, isto é, decretos que podem criar ou extinguir direitos (no caso,
organização da Administração Pública, e extinção de funções e cargos públicos,
quando vagos). Novamente, é importante ressaltar que não é este tipo de
regulamento a preocupação do presente trabalho. Se bem que interessantes
questões hermenêuticas possam daí emergir, o decreto executivo já apresenta
complexidade bastante. Daqui por diante, decreto executivo e regulamento18 serão
tomados como sinônimos.
Nesta toada, o Direito cria um problema que ele tem de responder. O decreto
parece ser uma categoria fundamental para dar conta das demandas da política e da
administração. Mas esta solução cria uma série de outros problemas. O principal
deles é o da vinculação do decreto executivo à lei. Isto será deixado para mais
adiante. Estas questões serão meramente exploratórias, para deixar clara a
dimensão da problemática.
A primeira questão é: para quem o decreto é dirigido? A doutrina usualmente
tem uma interpretação restritiva, apontando que o decreto volvese à Administração
Pública:
Os regulamentos contêm comandos dirigidos, não aos indivíduos, que só
devem obediência à lei (art. 153, §2º da CF), mas aos órgãos do Poder
Executivo, subordinados hierarquicamente ao Chefe da Administração
Pública. Não produzem, pois, efeitos junto aos particulares; endereçamse,
19
sim, aos funcionários executivos, que produzem as normas individuais .
Não tão simples. Os decretos apontam, em geral, sim, à Administração Pública.
Isto é bem verdade em ramos do direito tais como o Direito Previdenciário, Tributário
e Administrativo. Mas o decreto também estabelece a forma como direitos e
obrigações, além da explicitação de significados, advindos da legislação
previdenciária, tributária e administrativa serão exercidos pelos particulares; neste
sentido, não há dúvidas que os decretos, mesmo nestes ramos, estabelecem
comportamentos para os particulares. Mas a realidade é ainda maior: vêse decretos
regulamentando o Estatuto da Terra, a Lei de Duplicatas, cheques, microempresa,
juizados especiais, descanso semanal remunerado, aprendizes, etc., enfim, parece
não haver ramo do Direito que escape à atividade regulamentar do Poder Executivo,
a despeito da opinião doutrinária.
Esta pergunta acima se liga à pergunta de se o decreto cabe em qualquer ramo
do direito. Novamente a resposta é a mesma: a doutrina vincula o decreto às
atividades administrativas; na prática, há uma plêiade de decretos regulamentando
as mais diversas atividades, como citado. Um ingrediente que aumenta a dificuldade
é o de que uma série destes decretos foram elaborados nas ordens constitucionais
anteriores. Persiste a dúvida se a ordem constitucional inaugurada em 1988
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recepcionaria decretos regulamentando direitos trabalhistas, por exemplo. De todo
modo, não é fácil alcançar, a primeira vista, uma solução constitucional, posto que a
norma constitucional aponta que o decreto regulará leis, sem dizer quais tipos de
leis.
A doutrina vacila em dizer se existe ou não um dever de regulamentar. Se, de
um lado, o Poder Executivo é independente, de outro, ele não pode ter o poder de
deixar ineficaz uma dada norma, pois aí seria invadir as atribuições do Poder
Legislativo. Interessante é o lado contrário deste debate: quais os limites de
autonomia da própria Administração, isto é, até onde ela pode resistir à legislação?
Este debate ligase aos limites da divisão de poderes, onde ao Legislativo é vedado
criar leis individuais e levar a efeito atos materiais, competências que são reservadas
ao executivo. São decorrências destes limites o direito do Poder Executivo de auto
organizarse, elaborando sua estrutura interna e planejamento governamental.
Exemplo disto são as reservas de iniciativa de lei ao Poder Executivo presentes na
Constituição. Mas casos há onde a Lei não interfere com a estrutura do Poder
Executivo, sendo saliente que a falta de um decreto regulamentar prejudica a própria
lei.
Na mesma linha de perguntas que remontam à divisão de poderes, é possível
perguntarse: pode o legislador proibir a regulamentação de uma lei? Pode o
legislador estipular prazo para a regulamentação? Provavelmente o Direito
encontrará resposta, mas terá de resignificar os textos que tratam da divisão de
poderes. A pretensão deste trabalho é mais modesta e visa, finalmente, ao problema
da vinculação do decreto à lei.
De fato, apontouse que, corretamente, a dogmática afirma que o decreto deve
apenas “regulamentar” a lei. Tratase do maior problema. A doutrina, à falta de
instrumentos mais sofisticados, defende limites para o poder regulamentar com o
que dispõe, ou seja, categorias clássicas de obrigações e direitos. As dificuldades
são compreensíveis, posto que as categorias metafísicas de subsunção e
chauvinismo jurídico são levados ao extremo no Decreto, daí a razão de um silencio
eloqüente em problematizar a vinculação leidecreto. A leitura mais crítica resumese
a protestos pelo fato de não ter o decreto seguido a lei.
Uma das questões importantes que se pretende ver enfrentada é o da
necessidade de regulamentação. Existe algum tipo de lei, pelo modo de sua
apresentação, que necessita ser regulamentada, e outro tipo, que não? A doutrina
responde que sim, há diferentes graus de densidade da norma.
Roque Carrazza, por exemplo, pensa que apenas leis não autoaplicáveis
merecem regulamento: “podemos, pois, dizer que, no Brasil, o regulamento é um ato
normativo, unilateral, inerente a função administrativa, que, especificando os
mandamentos de uma lei não autoaplicável, cria normas jurídicas gerais”20. Leis
autoaplicáveis seriam aquelas que não necessitam de maiores explicações, como o
Código Civil e as leis penais. Também é a opinião de Celso Antônio Bandeira de
Mello.
A Constituição prevê os regulamentos executivos porque o cumprimento de
determinadas leis pressupõe uma interferência de órgãos administrativos
para a aplicação do que nelas se dispõe, sem, entretanto, predeterminar
99
exaustivamente, isto é, com todas as minúcias, a forma exata da atuação
administrativa pressuposta21.
Daí porque a maioria dos doutrinadores preferir dizer que o decreto é apontado
para o Administrador público, e não para o público em geral. Afinal, é o
Administrador público que deverá materializar a lei. Difícil para a doutrina admitir
dois fenômenos conjuntos: a supremacia da lei e a possibilidade de o decreto obrigar
particulares. Como se opera em um nível lógico de observação única, não é
possível, para a doutrina, admitir a lei valer mais do que o decreto, e, ao mesmo
tempo, o cidadão ser obrigado a ambos. Ou um, ou outro. Obviamente que tal
descrição destoa da prática jurídica, motivo pelo qual é necessário encontrar
observações mais complexas.
Interessante questão é a de que se é possível encontrar uma solução
modalizada em sim/não para a questão de se a atividade regulamentar é
discricionária. Significa refletir se o Poder Executivo pode regulamentar de qualquer
maneira, ou há uma maneira ótima de regular, ou se depende, e em que casos.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a atividade regulamentar é
discricionária22. Para o referido autor, onde não houver espaço para a atuação
administrativa, descaberá decreto; do mesmo modo, quando toda a lei for vinculante.
Para Celso Antônio, contudo, uma vez aberto o espaço para a densificação, o
regulamento será discricionariamente criado.
Daí que o regulamento discricionariamente as procede e, assim, cerceia a
liberdade de comportamentos dos órgãos e agentes administrativos para
além dos cerceios da lei, impondo, destarte, padrões de conduta que
correspondem aos critérios administrativo a serem obrigatoriamente
observados na aplicação da lei aos casos particulares23.
Na opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello, a atividade regulamentar, de
outra banda, é necessária não por imperativos lingüísticos, mas por força de
uniformização do trato para com o cidadão:
Sem estes padrões impostos na via administrativa, os órgãos e agentes
administrativos guiarseiam por critérios díspares ao aplicarem a lei, do que
resultariam tratamentos desuniformes aos administrados. A mesma lei seria
executada de maneiras distintas24.
Parece, contudo, que não é tão simples assim a posição do administrativista.
De fato, existem âmbitos de regulamentação perfeitamente legítimos e abertos, e
que permitem que a Administração Pública exerça sua liberdade. Quando os fins são
postos claramente, não há porque se limitar esta liberdade, pena de interferência
entre os poderes.
Por exemplo, é irrelevante, na ótica do cidadão, se seu requerimento vai passar
por tal funcionário, ou tiver o procedimento com “n” passos; ao cidadão importa o
efetivo conhecimento de seu conteúdo por alguém competente para decidir. Este
parece ser o espaço legítimo para o decreto. Mas, novamente, outras complexidades
se impõem. Isto porque os procedimentos sempre estão mesclados com conteúdos,
e, sob determinada observação, são também eles mesmos conteúdos. Se uma lei
estabelece, por exemplo, que o segurado deverá apresentar a “documentação
100
necessária” para que faça jus a benefício previdenciário, na teoria dominante, o
decreto poderá estabelecer quaisquer documentos que sejam, de modo a inviabilizar
a concessão do referido benefício. Daí a necessidade de se estabelecer meios de
controle da discricionariedade.
A própria doutrina, por outras vias, combate a discricionariedade na
regulamentação:
Ao regulamentar uma lei tributária não autoaplicável, o Executivo precisa
interpretála. Em outros termos, a emissão do decreto, que veicula o
regulamento, deve ser precedida, lógica e cronologicamente, de um labor
exegético, ao qual não se pode furtar o Chefe da Administração Pública [...]
Tal interpretação alberga dois momentos; a saber: 1) o da determinação
exata da moldura que a lei tributária fixa, com todos os caminhos que,
dentro dela, podem prosperar; e, 2) o da opção por um desses caminhos
possíveis [...] Percebese, disto tudo, que a lei tributária ao ser
regulamentada limita o poder discricionário de que, neste particular, está
25
investido o Chefe do Executivo [...]”
Eros Roberto Grau tenta responder ao problema estabelecendo algumas
distinções.
Ora, há visível distinção entre as seguintes situações: i) vinculação da
Administração às definições da lei; ii) vinculação da Administração às
definições decorrentes – isto é, fixadas em virtude dela – de lei. No primeiro
caso estamos diante da reserva da lei; no segundo, em face da reserva da
norma (norma que pode ser tanto legal quanto regulamentar; ou
regimental)26.
Quando a lei expressamente define algum instituto, o decreto deve se ater
aquele significado. Quando a lei é vaga e permite definições, outras normas,
inclusive o decreto, poderão definir os termos. Algumas vezes, parece que a norma
necessariamente remete ao decreto, para que ganhe concretude. Eros dá o exemplo
da norma penal em branco das drogas ilícitas, cuja definição é posta em
regulamento. Novamente, a questão se põe: qualquer coisa pode ser droga
ilícita/lícita? É possível dizer que o Executivo “andou bem” ao alocar aquela droga
como ilícita/lícita?
Pontes de Miranda dá uma solução completamente diferente: quando a lei é
tão vaga que deixa dúvidas, o Executivo tem de encolherse, posto que não é sua
função fazer cessar qualquer tipo de dúvida: “Onde a lei oferece dúvida, não é ao
Poder Executivo que toca varrêla”27. Para Pontes de Miranda28, o decreto tem mera
função redundanteprocedimental.
De todo modo, a doutrina é unânime no sentido de que o decreto executivo não
pode ir além das obrigações geradas na norma legal29:
Se a regra é impositiva, ou proibitiva, isto é, de direito cogente, ao
regulamento não é dado tornála regra dispositiva ou interpretativa [...] O
regulamento é proposta de interpretação ou conjunto de normas de direito
formal administrativo. Nenhum princípio novo, ou diferente, de direito
material se lhe pode introduzir [...] Vale dentro da lei; fora da lei, a que se
reporta, ou das outras lei, não vale30.
101
Enfim, o ciclo inicial está completo. Dado o estado atual do Estado Democrático
de Direito, entendese que só a lei é produzida a partir da autonomia do sujeito.
Regulamentar, contudo, é necessário. Esta regulamentação, todavia, não poderá ir
além do que posto na lei, senão há, aí, um ataque ao próprio Estado Democrático de
Direito e à liberdade, igualdade e justiça que visa proteger. Surge, então, finalmente,
a difícil questão de se saber se o decreto regulamentou adequadamente uma norma
legal. Antes, contudo, outra discussão, que também ajuda a jogar luzes sobre o
problema.
A discussão que emerge dos defeitos do decreto é interessantíssima. Tratase
de perguntar em quais categorias de reciclagem normativa – existentes para a
autopreservação do Direito – que se encaixam os defeitos do decreto, isto é, na
ilegalidade ou na inconstitucionalidade. As dificuldades são várias, principalmente a
começar pela divisão mesma, visto que qualquer ilegalidade é, no final das contas,
uma inconstitucionalidade. O ordenamento criou, para dar conta disto, a tese da
inconstitucionalidade reflexa, que gera inúmeras dificuldades, mas é isto que se tem
para trabalhar.
Algumas proposições iniciais mais fáceis, para então se alcançar maior
dificuldade.
Como, pela topografia constitucional, o decreto não é espécie legislativa, mas
ato administrativo, ele não está sujeito, em princípio, ao controle concentrado de
constitucionalidade. Resta saber se, via difusa, isto é possível.
A proposição primeira é a mais fácil, mas também a mais difícil. Explicase: se
o decreto contraria a lei, há uma ilegalidade, e a inconstitucionalidade é apenas
reflexa. Não caberão ações de controle concentrado, e tampouco jurisdição no STF;
mas ações coletivas poderão dar conta do problema, além da solução individual.
Uma ilegalidade pode ser fácil de vislumbrar: a lei diz “não incidirá tributo na saída
da mercadoria” e o decreto diz “incidirá tributo na saída da mercadoria”. Como diz
Pontes, “os regulamentos têm de obedecer às leis, quer àquelas a que se referem,
quer a outras que rejam a sua matéria. Regulamento que foge da lei regulamentada
é regulamento ilegal”.31
O problema se torna bem mais complicado se se retomar o exemplo anterior,
de “documentação necessária”. Em princípio, parece mero procedimento, mas é um
procedimento que garante ou inviabiliza um direito. Novamente, deixase isto para
mais adiante.
Se um decreto regulamenta lei que não existe, há, aí, inconstitucionalidade,
posto que não há lei para contrastar. O decreto invadiu a competência do poder
legislativo. O curioso é que, neste caso, há aptidão para subida de recurso
extraordinário, tendo em vista a ofensa à competência prevista em norma
Constitucional. Se se interpretar de maneira ainda mais radical, o decreto sem lei
sujeitarseá a controle concentrado, posto que o art. 102, a, da Constituição
Federal, utiliza os termos “ato normativo federal”.
Toda esta argumentação se aplica também à hipótese, desta vez mais sutil, de
o decreto regulamentar “fora” ou “além” da norma constitucional. Por exemplo, a Lei
102
pode estipular “ICMS de 12% para automóveis”, e silenciar no que toca às bicicletas.
Se o decreto normatizar que os “veículos” pagarão 12% há, neste caso, uma fuga da
competência, e, neste sentido, o decreto será inconstitucional.
Se o regulamento cria direitos ou obrigações novas, estranhas à lei, ou faz
reviverem direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções,
que a lei apagou, é inconstitucional32.
Pontes tenta resumir o problema:
Se o regulamento se afasta da lei, é inconstitucional. O Poder Judiciário
pode dizêlo, de acordo com os princípios do judicial control. [...] Se o
regulamento interpretou a lei e se está a discutir se a sua interpretação foi,
ou não, acertada, o que em verdade se discute é a sua legalidade. Se o
Poder Judiciário adota outra interpretação, a que o regulamento deu tem de
33
se considerar contrária à lei .
O problema é que toda vez que um decreto regulamenta “mal” uma lei, por
qualquer motivo que seja, o Poder Executivo ultrapassou seus limites. O mais
singelo engano de significado é uma invasão daquilo que pertence ao Legislativo. Se
se pensar assim, inconstitucionalidade direta há sempre, e os decretos submeterse
iam, indiscriminadamente, ao controle difuso e concentrado de constitucionalidade.
Uma outra complexidade é adicionada à discussão. É intuitivo que, nos termos
acima, o Judiciário tem poder para invalidar, pelos motivos constitucionais, os
decretos. Agora, teria o Poder Legislativo tal poder? É claro que interessa ao
Legislativo, enquanto organização, que as leis sejam bem interpretadas, em uma
visão otimista das instituições. Isto significa que o Legislativo poder fazer este
controle por si só. A Constituição Federal responde:Art. 49. É da competência
exclusiva do Congresso Nacional: [...] V sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa; [...].
Notese que a Constituição, deste modo, autoriza ao Poder Legislativo que
proceda ao controle da legalidade/constitucionalidade dos decretos. O Poder
Legislativo utilizará do instrumento normativo idôneo às questões relativas à sua
competência exclusiva, que é o Decreto Legislativo. Para tanto, os legisladores terão
de interpretar se o decreto bem ou mal regulamentou uma lei, e é necessário
instrumentos para tanto.
Formase uma tensão delicada entre um Executivo que tem um poder
autônomo de regulamentar, e um Legislativo que tem instrumentos para fiscalizar e
neutralizar este poder.
Isso vai fazer com que novamente o argumento da incompetência e invasão de
poderes venha à tona, e, deste modo, haveria sempre ofensa direta à Constituição.
Enfim, sempre que o Poder Legislativo sustar um ato do Poder Executivo, poderá
estar sustando de maneira incorreta. Como é uma ofensa direta à Constituição, e
não uma indireta, e se trata de um ato normativo, abrirseiam tanto as portas do
Recurso Extraordinário quanto do controle concentrado. Notese a complexidade das
cadeias de observações/interpretações: o Executivo interpreta a lei, editando um
decreto; operação que por sua vez será observada a partir do Legislativo, que
103
deverá interpretar as duas normas com a edição de uma terceira (decreto legislativo)
e, finalmente, a do Judiciário, que terá de fazer a leitura de tudo isto junto, além de,
por óbvio, ter de realizar as outras operações inerentes à interpretação
contemporânea, como levar em conta o paradigma do Estado Democrático de
Direito, a supremacia da Constituição, etc.
Volvase ao primeiro problema, qual seja, o da vinculação do decreto à lei. Pela
compreensão ordinária do problema, não pode o decreto criar direitos e obrigações.
Isto não pode ser levado muito a sério, posto que, assim fosse, não haveria decreto
(se o decreto diz qual é a droga ilícita, gera o direito de perseguição e punir do
Estado, e obrigação de não consumir a droga; se o decreto diz quais são os
documentos necessários, gera ao cidadão a obrigação de trazêlos para efetivar seu
direito34). Talvez fosse menos temerário dizer que não é possível criar direitos e
obrigações que não sejam instrumentais aos direitos postos na lei. Mas isto gera
uma série de outros problemas conceituais, que não serão analisados agora.
Para que o decreto “regulamente” a lei, é necessário compreendêla. Eis aí a
delicadeza da situação. Vaise compreender normas gerais para criar normas gerais;
trocarseão universais por universais – se tais categorias ainda forem de algum uso.
O fato é: o decreto não resolve caso concreto algum, até porque ele não existe. O
decreto não tem, contudo, aquela liberdade significativa que a lei tem em face da
Constituição35. Os fatos são os de conhecimento geral (usamse drogas tais),
científicos (drogas tais costumam provocar os danos x no corpo humano) e
prospectivo (usualmente, os documentos “n” são aptos a gerar a prova de tal
situação); não há nenhum específico. A pergunta é se é um processo de dois
estágios, ou um estágio, e em que sentidos isto pode ser dito.
A doutrina aponta para esta necessidade de interpretação:
Regulamentar é mais difícil do que fazer a própria lei; exige pleno
conhecimento do alcance das regras jurídicas legais (o de que nem sempre
tem noção clara os legisladores) e do ramo do direito em que a lei
mergulha36.
Comparase a atividade regulamentar com a do intérprete doutrinário:
O poder que tem o regulamento não é mais, intrinsecamente, do que o do
intérprete doutrinário, e, às vezes é menos [...]37. [...] A interpretação que o
Executivo dá a uma lei tributária, ao regulamentála, é tão passível de
críticas como a que despede qualquer doutrinador, por maior que seja sua
idoneidade intelectual. A única interpretação que vincula a todos é a
38
realizada pelo Poder Judiciário” .
Para a doutrina, deste modo, o feitor do decreto terá de interpretálo não como
um juiz, mas sim como um intérprete doutrinário, sem a pressão do caso. Parece
estranho, posto que é a mesma doutrina a dizer, com exceção de Pontes, que a
Administração Pública tem discricionariedade para regulamentar. De todo modo, a
intuição principal parece justa: a de que Executivo é um intérprete do texto. Nem
poderia deixar de ser, visto ser irrespondível a pergunta de quando não há
interpretação. De todo modo, com certeza, e a doutrina aponta isto com certa razão,
muito embora com muita ingenuidade, os legisladores trabalhem com uma plêiade
muito maior de textos possíveis e de convencimento recíprocos; o legislador
104
responde a pergunta, enfim, da razão prática: “que devemos fazer?” Tudo indica que
o material com o qual o Executivo está autorizado a trabalhar é muito menor, mas
isto é uma hipótese a ser confirmada ou refutada mais adiante.
De todo modo, o regulamento possibilita os enlaces comunicativos, que outro
modo seriam possíveis, mas caóticos. Reduz, assim, as possibilidades significativas
possíveis, na missão constitucional de permitir a execução da lei mesma.
“Regulamentar é editar normas que se limitem a adaptar a atividade humana ao
texto, e não o texto à atividade humana, cria meios que sirvam à atividade humana
para melhor se entender o texto”39. O decreto é, enfim, um potencializador da
comunicação entre lei e destinatário, e, conforme a autocompreensão do Estado
Democrático de Direito, a isto deve se resumir.
Finalmente, Pontes chega a uma conclusão sábia, porém utópica, se levada às
últimas conseqüências: “Quanto menos se regulamenta, melhor”40. No próximo
capítulo, intentase trazer algumas discussões jurisprudenciais, para os fins de dar
maior colorido a esta discussão.
2 CASOS POLÊMICOS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Para Eros Roberto Grau, a tarefa de significação da Constituição foi conferida
ao Supremo Tribunal Federal, de modo que:
O momento é propício para a afirmação de que, em verdade, a Constituição
nada diz; ela diz o que esta Corte, seu último intérprete, diz que ela diz. E
assim é porque as normas resultam da interpretação e o ordenamento, no
seu valor históricoconcreto, é um conjunto de interpretações, isto é,
conjunto de normas; o conjunto das disposições (textos, enunciados) é
apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de
interpretação, um conjunto de normas potenciais41.
Este trabalho parte de premissas diferentes. A Constituição comunica algo. De
todo modo, esta seção tem por intento investigar algumas contribuições que a
jurisprudência traz para a o desenvolvimento do tema.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.3948, do Amazonas, relator Sr.
Ministro Eros Grau questionavase acerca da possibilidade de a Lei autorizar o
Poder Executivo a regulamentar e, mais, a estipular prazo para que o regulamento
seja criado, além de outras inconstitucionalidades. Parece que é completamente
irracional a lei autorizar e determinar prazo para regulamentação, ao mesmo tempo.
De todo modo, no que toca à autorização para regulamentar, o STF
consideroua despicienda, de modo que completamente inútil sequer declarar tal
termo inconstitucional, por inútil. No que toca ao prazo para regulamentação, o
tribunal considerouo inconstitucional, visto que invadia a independência do Poder
Executivo. Este ponto interessa, não tanto por suas questões processuais, mas de
conteúdo: o Executivo é livre, na visão do STF, pelo menos no que toca a
necessidade de regulamentar e no tempo. Não há pressão de decisão, pelo menos
jurídica, em face do Poder Executivo.
Na ADIN nº 14358, Distrito Federal, Relator Sr. Ministro Francisco Rezek, a
105
questão era saber se o decreto podia regulamentar algo antes da edição de lei, e se
isto é uma inconstitucionalidade ou uma ilegalidade. Além disso, procuravase saber
se a edição de lei após o decreto convalida os vícios deste. Decidiuse que a edição
de lei não convalida o decreto, e que se trata de uma inconstitucionalidade a
existência de decreto regulamentando lei que ainda não existe. Tanto foi assim que
se permitiu a utilização do controle concentrado, o que não seria possível, em outra
situação, conforme já explicitado no capítulo anterior, mediante recurso à antiga
doutrina. O argumento do Supremo é simples, correto e singelo: decreto
regulamenta, e regulamentar só se pode fazer com aquilo que já existe; se não há
lei, o Poder Executivo estaria legislando, e isto é ofender a tripartição de poderes.
Nesta ocasião, o Sr. Ministro ainda alegou, recorrendo à doutrina, que o decreto
dirigese à Administração Pública, e não aos demais cidadãos, muito embora isto
não tenha sido objeto da discussão.
A ADIN 9966, distrito federal, Relator Sr. Ministro Celso de Mello, discute esta
mesma questão. A discussão era saber se o regulamento, quando extravasa os
limites legais, ofende diretamente ou indiretamente a Constituição. Tratavase de
decreto federal que criava tipos administrativos, visando sancionar condutas que
prejudicavam o consumidor. O argumento do STF, reforçando jurisprudência já
consolidada, analisa a questão apenas da perspectiva doutrinária, sem observar a
partir da Constituição. A ofensa, na visão do STF, é à Lei; sendo apenas atingida a
Constituição reflexamente. Não há maiores explicações sobre como saber quando
algo ofende diretamente ou indiretamente a lei, de modo que não é possível
construir critérios para discernir como o STF criou o critério de distinção
direta/indireta. Parece ser algo que vem à tona intuitivamente e não precisa ser
fundamentado. No mesmo julgamento, apontou para uma determinada
discricionariedade na regulamentação.
No RE 343.4462, Santa Catarina, Relator Sr. Ministro Carlos Velloso, a
controvérsia residia na possibilidade de a Lei delegar ao Poder Executivo para que,
via regulamento, densifique o significado de certas normas. Ocorre que a Lei 8.212
grava, tributariamente, de maneira mais rigorosa aquelas empresas cujo ambiente
de trabalho apresente risco de acidente “leve”, “médio” e “grave”. Serão atribuídas às
empresas tais qualificações quando sua “atividade preponderante” for,
respectivamente, leve, média e grave. A lei, contudo, não estabelece parâmetros
precisos (diz apenas que serão elaborados através de estatísticas) do que vem a ser
aquelas graduações, e tampouco atividade preponderante. Delega isto ao decreto. A
pergunta é saber se a lei pode fazer isto. Na ocasião, o tribunal considerou isto
possível. Ocorre que aí não seria uma “delegação pura”, mas sim a transferência ao
Executivo de algo que, na visão do Tribunal, seria de inviável produção na esfera
legislativa. Esta delegação “regulamentar” seria possível desde que a delegação
seja revogável, seja razoável e se atenha aos parâmetros mínimos legais. O
fundamento deste poder encontrase em um princípio pragmático, de impossibilidade
legislativa de normatizar precisamente, além do próprio âmbito legítimo de
movimento do Poder Executivo dentro do esquema de divisão dos poderes.
Notese, portanto, que a jurisprudência afastase da doutrina neste aspecto.
Enquanto que a doutrina é irredutível no sentido de que o decreto nada pode criar, o
Supremo considera isto possível, desde que dentro de uma “razoabilidade” e dentro
dos standarts legais. A linguagem dos acórdãos é cuidadosa, contudo, utilizando o
106
termo “complementar”. Na terminologia do Supremo, o decreto pode ir um pouco
além de “regulamentar”; pode, também, “complementar”; “criar”, nunca.
De todo modo, o Supremo evitou fazer um exame entre a regulamentação e a
lei. Estipulou que é uma tarefa infraconstitucional e que, portanto, não poderia ser
conhecida via recurso extraordinário.
O STJ segue no sentido da validade do decreto, isto é, que seria válido o
decreto densificar a lei, mesmo que esta não traga parâmetros minimante precisos:
Desde a edição da Lei 8.212∕ 91 os enquadramentos das atividades nos
graus de risco vêm sendo feitos através de lista anexa aos decretos
regulamentares: Decretos 356∕ 91, 612∕ 92, 2.173∕ 91 e Decreto 3.048∕ 99.
Doutrinariamente, há posições contrárias, sob o argumento da
impossibilidade de o Legislativo delegar ao Executivo sem estabelecer
critério legal, permitindo, desta forma, que a alíquota da contribuição ficasse
sem o controle da legalidade. Ora, o princípio da legalidade tem por escopo
garantir que a relação entre o Fisco e contribuintes se desenvolva sem
surpresas, colocando estes últimos a salvo da discricionariedade do
Executivo, e assegurando a criação e a majoração de tributos só se faça por
ato do legislador, ressalvadas as hipóteses constitucionalmente
excepcionadas. [...] O princípio esculpido na Lei Maior é repetido no CTN,
art. 97, de sorte que ao regulamento o direito brasileiro reserva o papel de
explicitar o conteúdo da lei, para sua execução, estabelecendo os meios e
formas de cumprimento de suas disposições e, finalmente, fixando os
critérios de interpretação e aplicação. [...] E isto porque, pela universalidade
das diversas atividades empresariais, seria praticamente impossível dar o
legislador o diapasão dos graus de risco, o que ficou a critério do Executivo
[...] Perguntase então: como seria possível ao legislador descer aos
detalhes para conceituar qual a atividade do risco leve, médio ou grave? O
Decreto 2.173∕ 97, posterior ao Dec. 612∕ 92, mas a par dos já
mencionados, não perdeu de vista a atividade preponderante da empresa,
dentro de um critério de absoluta razoabilidade. Assim, em nível
infraconstitucional, não vislumbro a ilegalidade apontada no especial
interposto pela empresa42.
Questão interessantíssima fora julgada na Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1.5532, Distrito Federal, relator Marco Aurélio. A Câmara Legislativa criou uma
lei, que fora regulamentada pelo Executivo. A Câmara considerou que o decreto
desbordou os limites, e editou decreto legislativo para sustar alguns artigos do
decreto regulamentador. A contenda resumiase ao que significava remuneração
para fins de teto constitucional. Na visão do órgão legislativo, o Executivo tinha
exagerado, de modo que prejudicou vários servidores, que viram suas
remunerações diminuídas. Entendeu o Supremo que o art. 49, V, da Constituição
Federal (que prevê a competência do Congresso Nacional para sustar atos
exorbitantes do Executivo quando do seu exercício do poder regulamentar), abrange
os decretos regulamentares dos demais executivos da federação, e, neste sentido,
estariam os poderes legislativos da federação autorizados a sustar tais decretos,
mediante decretos legislativos, quando ilegais os regulamentos. Assim, se o decreto
legislativo sustasse mal o decreto, poderia haver controle de constitucionalidade
concentrado (e, com mais razão, difuso no STF), visto que, aqui, haveria sempre
ofensa direta à Constituição, conforme já explicitado. Muito embora esta opinião não
seja generalizada, visto que o STF já julgou em contrário, em 1992, na alegação era
de que o ato de sustação era um ato de efeitos concretos, e não normativo, motivo
pelo qual fugiria à lógica do controle concentrado.
107
Como o STF prefere não enfrentar as questões de adequação entre decreto e
lei, é necessário procurar algumas posições na jurisprudência do STJ.
O STJ mantém a tradição, ao afirmar que o decreto não pode criar novos
direitos e obrigações. Neste sentido, o Recurso Especial Nº 751.398 MG
(2005∕ 00817714), Relatora Ministra Denise Arruda. Nele se discute a possibilidade
de o decreto criar tipos administrativos de sanções quando a lei atribui à
Administração Pública o dever de fiscalizar. O STJ não permitiu tal interpretação43.
E seguem citações da doutrina já invocada neste trabalho.
O STJ teve de julgar, certa feita, sobre a possibilidade de o decreto estabelecer
prazos que a lei não colocou. É que a lei 9.675, que trata da regularização da
situação do estrangeiro no Brasil, não alocou prazo a esta regularização; o decreto
(Decreto 2.771/98), contudo, estabeleceu um prazo decadencial. Neste julgamento
reafirmouse a idéia de que o regulamento deve aterse a conteúdos procedimentais
e formais, ou a esclarecer a vagueza da lei44:
Desse modo, é flagrante a ilegalidade∕ inconstitucionalidade do prazo de
noventa dias fixado pelo art. 4º do Decreto 2.771∕ 98, pois, nesse ponto, o
regulamento não se restringiu a dispor sobre aspecto de ordem formal ou
procedimental, tampouco esclarecer conceito vago ou decompor o conteúdo
de preceito sintético; ao revés, criou prazo decadencial não previsto em lei,
atingindo, diretamente, o direito material objeto da regulamentação45.
Importante
notar
que,
aqui,
utilizaram
as
palavras
“ilegalidade/constitucionalidade”, enquanto que, na ementa, apenas a ilegalidade foi
mencionada. De fato, viuse que há bons motivos para tamanha confusão.
Certa feita, o STJ considerou que os únicos “regulamentos” passíveis de serem
controlados via Recurso Especial eram os que advinham em forma de decreto.
Portarias e resoluções não poderiam ser questionados no Recurso Especial46.
O STJ discutiu, também, se o decreto poderia estabelecer “condições” para o
aproveitamento de algum benefício. Ocorre que a legislação tributária estabelece
que a lei regulamentará os limites de isenção das verbas rescisórias trabalhistas em
face do Imposto de Renda. O Decreto regulamentador dispôs que tais limites serão
fixados em norma coletiva, além da própria lei.
O inciso XX do art. 39 do Decreto 3.000∕ 99 excede os limites do poder
regulamentar, na medida em que, nos termos do dispositivo legal
regulamentado, "ficam isentos do imposto de renda (...) a indenização e o
aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o
limite garantido por lei". Conforme foi dito antes, a isenção é sempre
decorrente de lei e deve ser interpretada literalmente. Logo, as indenizações
pagas por despedida ou rescisão de contrato de trabalho que excederem os
limites garantidos por lei, independentemente de estarem previstas em
acordo coletivo, não se enquadram entre os rendimentos isentos a que se
47
refere o art. 6º da Lei 7.713∕ 88 .
Noutra ocasião, o Tribunal entendeu que, se a Lei estabelece parâmetros
108
máximos e mínimos de multa tributária, poderá o decreto estabelecer gradações
entre os parâmetros, visando respeitar a proporcionalidade48.
Os acórdãos em geral, incluindo os do TJRS, evitam, todavia, tocar nas
questões de adequação, usualmente simplesmente aferindo se o decreto criou ou
não novo direito, sem maiores divagações sobre como isto é descoberto. Pretende
se, no capítulo a seguir, estabelecer algumas reflexões acerca da maneira pela qual
a hermenêutica poderia tratar da matéria.
CONCLUSÃO
A conclusão de um trabalho que se pretende crítico, e, assim, científico, na
especificidade da seara jurídica é uma seção sempre um tanto quanto
desprestigiada. Isto ocorre devido ao fato de que no conhecimento jurídico não se
asseverem fatos e os meios de reproduzilos: tratase, isto sim, de argumentações
que tem de tem de abrir os interrogantes do leitor, de modo que as construções
argumentativas provoquem, mesmo que minimamente, uma fusão de horizontes.
Estas argumentações ocorrem no transcorrer do texto, de modo que à conclusão
não sobra muita utilidade.
O desenvolvimento do trabalho alcançou as seguintes conclusões, aqui
apresentadas de maneira bastante simples, e que visam meramente retomar o que
já fora trabalhado:
1) o decreto, além de ser instituto tradicional no Direito brasileiro, encontra
guarida no texto constitucional;
2) dentre os vários tipos de decreto, interessa a este trabalho o decreto
regulamentar ou executivo, cuja função é regulamentar a lei;
3) regulamentar a lei tem sido entendido pela doutrina como uma atividade
onde a preocupação é minudenciar os termos legais;
4) isto significa que não pode o decreto dispor de maneira “criativa”, isto é,
estipulando direitos e deveres, ou dirimindo dúvidas;
5) a jurisprudência, se bem que segue a doutrina em sua maior parte, pensa o
decreto de maneira mais liberal ao Executivo, de modo que a atividade regulamentar
pode suprir as “lacunas” deixadas pela lei;
6) é o peculiar processo que rege a união entre o algoasercompreendido e a
tradição daquele que busca compreender, em um acontecer inarredável que reside
nas entranhas do diaadia da compreensão, que permite o acesso a qualquer
conhecimento;
7) se fazer o decreto tem um pouco de razão prática, estariam abertas as
portas da discricionariedade?;
8) a formação democrática da norma implica em abertura procedimental à
esfera pública; todos os participantes devem ter oportunidade de canalizar suas
considerações à esfera pública e esta aos canais institucionalizados;
109
9) do mesmo modo, o decreto guarda diferenças no que toca ao modo pelo
qual ocorre a hermenêutica e como a racionalidade prática o percebe;
10) o poder administrativo se expressa, devido à sua função operativa, ao final
da cadeia argumentativa, tenho um cunho pragmático, isto é, dos melhores meios
para alcançar um determinado fim.
THE “REGULATORY DECREE” IN BRAZILIAN LAW AND THEY MAINLY
ISSUES: SMALL
ANALYSIS ABOUT MATERIAL CASES.
ABSTRACT
This work seeks the meaning of the juridical institute “regulatory decree”. Along
the many questions to be answered, the mains stream evolves the decree as some
kind of law’s application and its difficulties – the biggest of them the inexistence of
first ordinary premise of interpretation: the “case” or “fact” existence. To understand
these problems, the first step will be the analysis of the dogmatic approach. Them,
some paradigmatic cases solved by jurisprudence.
Keywords: Decree. Jurisprudence. Law’s Theory. Legal signs.
NOTAS
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Professor do Programa de PósGraduação em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul,
Mestrado e Doutorado. Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Advogado.
Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul. Mestre em direito. Especialista em Direito
Público. Integrante do grupo de pesquisa "Jurisdição Constitucional Aberta"vinculado ao Cnpq.
Advogada.
CRETELLA Júnior, José. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1999.
p.238
Utilizouse a palavra “primária” nesta frase porque há outras funções para o decreto, emergentes
de outras problemáticas, mas que utilizam o mesmo veículo normativo.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p.321.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p.296.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed.
Coimbra: Almedina, 2000. p.716.
Isto é, a idéia de que os poderes públicos devem pautar por normas préestabelecidas, não
necessariamente “Leis”.
Tomados aqui no sentido de sucessão de atos.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VII. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.411.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo, Atlas, 2006.p.102.
CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p. 115: “A faculdade de regulamentar provém de um poder próprio da
Administração Pública”
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CRETELLA Júnior, José. Curso de Direito Administrativo. 16. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1999.
p.239: “Na hierarquia das normas, representam os regulamentos o grau mais alto na esfera
administrativa, logo abaixo das normas legais, sendo a complementação destas. Pelo nosso
sistema constitucional, são os regulamentos aprovados por decreto executivo e a sua amplitude
só encontra limites nos textos legais regulamentados”.
CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p.8.
“Legislativa” aqui tomada não no sentido técnicojurídico, mas sim no de oposição aquele de atos
concretos.
MORAIS, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.437: “O exercício
do poder regulamentar do Executivo situase dentro da principiologia constitucional da Separação
de Poderes (CF, arts. 2º, 60, § 4º, III), pois, salvo em situações de relevância ou urgência
(medidas provisórias), o Presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadoras
de direitos ou obrigações, por ser funções do Poder Legislativo. Assim, o regulamento não poderá
alterar disposição legal, tampouco criar obrigações diversas das previstas em disposição
legislativa”.
Existe também a figura do “Decreto Legislativo”, que não vem ao caso neste trabalho.
Em realidade, “regulamento” parece ser um predicado de algum veículo normativo, posto que
regulamentos podem ser entificados por portarias, ou por atos de empresas públicas, etc., e não
apenas por decretos. A dogmática ainda é muito confusa neste aspecto.
CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p. 8.
CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. 14.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p. 303.
Esta parece ser a posição mais comum. Ver, por exemplo, MORAIS, Alexandre de. Direito
Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.437: “Essa vedação não significa que o
regulamento deva reproduzir literalmente o texto da lei, pois seria de flagrante inutilidade. O poder
regulamentar somente será exercido quando alguns aspectos da aplicabilidade da lei são
conferidos ao Poder Executivo, que deverá evidenciar e explicitar todas as previsões legais,
decidindo a melhor forma de executála e, eventualmente, inclusive, suprindo suas lacunas de
ordem prática ou técnica”.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p.296. p. 305.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p.305.
CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p. 138.
GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
p.183.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.411.
Aliás, uns dos autores que mais profundamente comentou o tema.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000. p.321: “São visíveis, pois, a natural inadequação e os imensos riscos que
adviriam para os objetivos essenciais do Estado de Direito – sobreposse, repitase, em um país
ainda pouco afeito a costumes políticos mais evoluídos – de um poder regulamentar que pudesse
definir, por força própria, direitos ou obrigações de fazer ou não fazer imponíveis aos
administrados”.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.412.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.193.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.412.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.413.
Muito embora, neste caso, seria possível recorrer a outras categorias, como a de ônus e
faculdade. Isto não evitaria o problema, de todo modo.
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111
Que é outro processo delicado de compreensão.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p. 411.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p. 412.
CARRAZZA, Roque Antônio. O Regulamento no Direito Brasileiro. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1981. p.165.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p. 411.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. VI. 2. ed. Max
Limonad: São Paulo, 1953. p.411.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 346.0846 PR. Rel. Min. Ilmar Galvão. 9.11. 2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial N° 415.269 RS (2002∕ 00178924).
Relatora Ministra Eliana Calmon. Julgado em 14/04/2002.
Com efeito, da análise das Leis 8.987∕ 95 (art. 29, I e II) e 10.233∕ 2001 (art. 78A, II) e do
Decreto 2.521∕ 98 (art. 83), concluise pela legalidade da multa aplicada em razão da prática de
transporte rodoviário interestadual de passageiros sem autorização. No entanto, a penalidade de
apreensão do veículo e sua restituição condicionada ao pagamento da multa e demais encargos
(Decreto 2.521∕ 98, art. 85) não têm previsão legal, ou seja, foram instituídas, de maneira
autônoma, exclusivamente no ato regulamentar expedido pelo Chefe do Poder Executivo Federal.
A Constituição Federal, na seção que trata das atribuições do Presidente da República, prevê que
é de sua competência privativa "sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir
decretos e regulamentos para sua fiel execução" (art. 84, IV). Para o professor Hely Lopes
Meirelles, o poder regulamentar "é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo
(Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução,
ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada em
lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV), e, por isso,
indelegável a qualquer subordinado" (Direito Administrativo Brasileiro, 30ª ed., São Paulo:
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Malheiros, 2005, p. 127). Esse entendimento, porém, é minoritário na doutrina e diverge da
posição dominante, que não admite a possibilidade de o Poder Executivo editar os denominados
regulamentos autônomos ou independentes – atos destinados a prover situações não
predefinidas na lei –, mas, tãosomente, os regulamentos de execução, destinados a explicitar o
modo de execução da lei regulamentada.
Isto não pode ser levado muito a sério, pois o próprio STJ considerou o SAT possível.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 526.015 – Santa Catarina
(2003∕ 00479658), Relatora Ministra Denise Arruda. Julgado em 07∕ 02∕ 2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 947136 – São Paulo (2007/0096043
8), Relatora Ministro Castro Meira. Julgado em 18∕ 08∕ 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp 890816– São Paulo (2006∕ 02139461),
Relatora Ministra Denise Arruda. Julgado em 05∕ 06∕ 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça REsp 769404 Santa Catarina (2005∕ 01204681),
Relatora Ministra Luiz Fux. Julgado em 15∕ 03∕ 2007.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 346.0846 PR. Rel. Min. Ilmar Galvão. 9.11.
2005.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial N° 415.269 RS
(2002∕ 00178924). Relatora Ministra Eliana Calmon. Julgado em 14/04/2002.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 526.015 – Santa
Cararina (2003∕ 00479658), Relatora Ministra Denise Arruda. Julgado em
07∕ 02∕ 2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial Nº 947136 – São Paulo
(2007/00960438), Relatora Ministro Castro Meira. Julgado em 18∕ 08∕ 2007.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl no REsp 890816– São Paulo
(2006∕ 02139461), Relatora Ministra Denise Arruda. Julgado em 05∕ 06∕ 2007.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça REsp 769404
Santa Catarina
(2005∕ 01204681), Relatora Ministra Luiz Fux. Julgado em 15∕ 03∕ 2007.
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Recebido para publicação 08/12/2009
Aceito para publicação 28/12/2009