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Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Cristóvão Domingos de Almeida Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. Gustavo H. Cepolini Ferreira Prof. Dr. Humberto Pereira da Silva Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Profa. Dra. Ligia Vercelli Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Prof. Dr. Marco Morel Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Narciso Laranjeira Telles da Silva Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Rosemary Dore Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt ©2019 Juliana Maria Martins Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M381m Martins, Juliana Maria Memória e cultura material: cemitério Campo da Saudade, município de Couto de Magalhães (TO)/ Juliana Maria Martins – 1. ed. - Jundiaí [SP]: Paco Editorial, 2019. 220p.: il.; 21cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-462-1911-7 1. Cemitério 2. Campo da Saudade 3. Cultura Tocantins I. Título. Livia Dias Vaz - Bibliotecária – CRB – 1681352 CDD 981.17 Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br Foi feito Depósito Legal. Aos meus queridos irmãos Joeldes e Henrique. Aos meus avós Guiomar e José, e aos meus pais Kátia e Edmilson. AGRADECIMENTOS Durante o último ano da minha pesquisa, sempre pensei em como escreveria os meus agradecimentos, devido ao fato de ser grata a pessoas que admiro, amigos que sempre estiveram presentes em todas as etapas do desenvolvimento da minha pesquisa. No primeiro ano, em 2017, conheci a profa. Maria Auxiliadora na disciplina de Produção do Texto Científico, mas foi no curso de Estudos Comparados e Interdisciplinaridades de Língua e Literatura que tive a sensibilidade de perceber o quanto o pensamento literário estava contribuindo para o meu conhecimento linguístico, proporcionando experiências que, de certa maneira, certamente me moldam como leitora. Nesse momento, compreendi que a literatura fazia com que os meus horizontes fossem ampliados, possibilitando novas perspectivas, e isso facilitou muito o processo de desenvolvimento do tema que eu já havia proposto. No entanto, não posso deixar de fora todas as demais disciplinas cujos professores foram de suma importância para o meu desenvolvimento. Aqui se destaca, então, meu primeiro agradecimento, à minha orientadora, profa. dra. Maria Auxiliadora Fontana Baseio, não apenas pela firme, competente e exigente orientação desta pesquisa, mas também por todos os ensinamentos que recebi desde o dia em que tive contato com as suas aulas. Sou grata pela paciência, por ter aceitado o tema da minha pesquisa, pela confiança e experiências no grupo de pesquisa Arte, Cultura e Imaginário. Por ocasião de defesa da dissertação, a banca foi composta por mais professores, o dr. Marcos Júlio Serg (Unisa) e o dr. Vagner Cavalheiro Porto (USP). A cada um os meus agradecimentos por terem aceitado o convite. Da mesma maneira, agradeço imensamente à profa. dra. Marília Gomes Ghizzi Godoy por ter colaborado com textos, pelas aulas de memória e patrimônio e pelos incentivos quanto ao tema da minha pesquisa. À profa. ma. Rita de Cassia Caparroz, que me ajudou com a revisão dos textos e apontamentos sobre o tema proposto, meus sinceros e profundos agradecimentos por ter acompanhado o desenvolvimento desta pesquisa. Com relação ao apoio e incentivos iniciais ao desenvolvimento do projeto desta pesquisa, realizado no final do ano de 2016, agradeço ao arqueólogo Fernando José Cantele, que me ajudou com as leituras textuais e a programação dos trabalhos realizados em campo, no distrito de Porto Franco do Araguaia/TO. Não poderia deixar de agradecer ao meu amigo Eliodorio Oliveira dos Santos, estudante de psicologia do Centro Universitário Luterano de Palmas (Ceulp)/Ulbra, por ter aceitado se deslocar do Paraíso do Tocantins/TO até Porto Franco, para participar de todas as etapas de campo. Sem a sua ajuda, não conseguiríamos finalizar os trabalhos no prazo determinado. Agradeço também à arqueóloga Dra. Elaine Cristina da Silva, que dedicou parte do seu tempo para contribuir com os comentários sobre a obra, e ao Edson Alves Filho, doutorando em geografia física, que me ajudou com o processo de revisão sistemática dos mapas que fazem parte da estrutura desta obra. Por fim, os últimos agradecimentos serão dedicados aos meus familiares, que sempre me apoiaram e confiaram em mim, incentivando-me e me encorajando nos momentos mais difíceis. Ademais, deixo os meus sinceros agradecimentos a todos os meus colegas de trabalho, que me incentivaram na reta final das minhas pesquisas. O universo dura. Quanto mais aprofundarmos a natureza do tempo, melhor compreendemos que duração significa invenção, criação de formas, elaboração continuada do absolutamente novo. (Bergson, 2005, p. 12) SUMÁRIO Prefácio 9 Introdução 13 Capítulo 1: A memória e o universo material 1. Da história e memória ao lugar de memória 2. O impossível resgate da memória 3. O “ser” do tempo na filosofia de Bergson, uma concepção de duração 4. Memória e universo material na teoria bergsoniana 23 29 50 Capítulo 2: A morte e os mortos no Brasil 1. O imaginário do além-cristão 2. As regras eclesiásticas quanto ao destino do corpo 3. A campanha sanitarista, o fim dos sepultamentos nas igrejas e o surgimento dos cemitérios públicos 4. A relação entre os vivos e os mortos em um sistema relacional 77 80 90 55 63 99 125 Capítulo 3: O cemitério Campo da Saudade e a sua compreensão no tempo-espaço 137 1. A formação do município de Couto de Magalhães/TO 139 2. Cemitério Campo da Saudade, variações de enterramentos, padrões e formas específicas de ocupação espacial 171 Considerações finais 195 Referências 197 Anexos 207 PREFÁCIO Um ponto longínquo na memória do mundo, um cemitério, muitas saudades. Um ponto qualquer no mapa, imagem de satélite, Google Earth, um zoom e lá vemos Couto de Magalhães, Tocantins. Vemos a morada dos que creem, dos que almejam a lembrança, a rememoração dos que ficam. Vemos as cruzes, as sepulturas, as flores, as lágrimas. A memória que para Drummond, é o amar perdido, que resume em sublimes palavras, que as coisas findas, muito mais que lindas, que sim, claro, hão de ficar. Abordagem ousada e necessária é a de materializar a morte, materializar a análise da forma com que se vê a morte e os mortos. Abordagem ousada de sentir a possibilidade de aprender ou ensinar algo a partir das coisas que fazem nosso entendimento de necrópole. Como Emily Dickinson afirmou, o cemitério, este pó que foram damas, cavalheiros, rapazes e meninas; que foi riso, que foram espírito e suspiro, vestidos e tranças finas. Este lugar que foram jardins que abelhas e flores alegraram. Findo o verão, findava o seu destino... E como estes, passaram. Mas o lugar ficou, sim, ele sempre fica. Desde períodos ainda pré-históricos em que o homem buscava entendimento para aqueles que cessavam o respirar e interrompiam sua jornada. Desde as reflexões dos filósofos gregos como Sócrates que entendia a morte como uma mudança de existência e que a alma havia de migrar para um outro lugar. Assim as mortes felizes de gregos guerreiros alçavam-nos aos Campos Elísios num balé de movimentos leves e doces. A trilha sonora de Win Mestens, em “nós que aqui estamos por vós esperamos” nos lembra que existe lugar para melancolia na morte. Marcelo Masagão traduziu a fragilidade da vida humana: cena final, letreiro do cemitério, todos, sem exceção, se igualam na hora da morte, não há escapatória para este destino, não há drible, não há tergiversar, não há vitória. Por isso, Bergman, talvez no filme mais profundo que o cinema conseguiu produzir, colocou na fala da morte: a maioria das pessoas não pensam nem na morte ou no nada. Como disse, não há vitória sobre ela, há somente o aceitar e o lugar material, tangível, palpável é o refúgio dos que ficam. 9 Juliana Maria Martins O lugar físico que Juliana Maria Martins ousou decifrar – uma memória por traz de sua cultura material, a apreensão dos três sentidos desta palavra: material, simbólico e funcional, simultaneamente, mesmo em graus diversos, tal qual Pierre Nora em seus “lugares de memória” tão belamente nos nutriu de reflexões – resiste ao tempo, às indiferenças, aos nasceres e pores de sol. A memória é o essencial, sim, Jorge Luis Borges nos brindou com este entendimento, visto que a literatura está feita de sonhos e os sonhos fazem-se combinando recordações. Ou como tão lindamente cantou Milton “os sonhos não envelhecem...”. A memória está no chapéu de palha, bem ali naquele cemitério, sobre a cruz por vezes pintada, muitas vezes desbotada pelo descuido do tempo; a memória na alvenaria revestida com argamassa; no oratório com a imagem de São Francisco de Assis ou algum outro santo qualquer, ou Jesus, ou Maria sua mãe, ou mesmo José, seu pai. A memória está na demarcação circular das covas, no engomar a calça daquele que ali dormirá para sempre; a memória está nos tipos de demarcação dos sepulcros. Mausolo, governante da distante Caria, então Império Aquemênida, dá nome ao famoso Mausoléu de Halicarnasso, uma das sete maravilhas do mundo antigo. Num ato de amor, sua irmã Artemísia, mandou construir este suntuoso lugar para abrigar seu querido irmão. Não mais pararam de suntuosidades quando o assunto era a morte, ou melhor, a casa de algum morto proeminente. Taj Mahal, erigido em memória do amor, ecoa na paisagem indiana como que chamando a todos para vivenciar junto do infortunado casal as angústias e dores da perda. A morte é perda, é busca, é encontro. Não há desencontro com a morte, a fisicalidade da morte se encontra com a materialidade da crença, da fé. A memória dos que se foram está na opulência material de alguns, mas está também na simplicidade material de outros, na brandura dos atos de fé e amor dos que ficam. Muito bem, o “tempo humano está para variações subjetivas”, não há controle, não há certezas, enquanto que “a inteligência humana atua na organização das coisas inseridas no espaço”, como 10 Memória e cultura material: cemitério Campo da Saudade, município de Couto de Magalhães (TO) bem salientou Juliana Martins. O circunscrever o lugar do ente querido é recortar a esfera do humano e projetar a esfera do sagrado: eis o ponto máximo das perenes jornadas no mundo aqueles que sonham um dia alcançar a mais aspirada eternidade. Vagner Carvalheiro Porto1 1. Doutor e mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (USP). Desenvolveu como pesquisador da USP, em parceria com o Instituto de Gestão do Patrimônio Arquitetônico e Arqueológico (Igespar, Portugal), e com a Universidade de Brown (EUA), escavações arqueológicas sobre as formas de contato entre o Império Romano e as populações locais de Portugal. Desenvolveu como pesquisador da USP, em parceria da Universidade de TelAviv, escavações em Apollonia, Israel. Atualmente, é professor doutor no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Tem experiência na área de Arqueologia, com ênfase em Arqueologia mediterrânica e do Oriente Próximo, atuando principalmente nos temas: arqueologia romana provincial, numismática do Mundo Antigo, curadoria de exposições e humanidades digitais. É co-coordenador do Laboratório de Arqueologia Romana Provincial da USP, no qual desenvolve pesquisa docente sobre as províncias romanas da Síria-Palestina e da Península Ibérica. É editor chefe da Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. 11 INTRODUÇÃO O cemitério Campo da Saudade foi o primeiro ambiente fúnebre a ser construído em Porto Franco do Araguaia, distrito do município de Couto de Magalhães/TO. O fato de ainda estar em uso transforma-o em um ambiente de suma significação para os habitantes da região. Ao que consta, esse espaço faz parte da história do município de Couto de Magalhães, região que, primeiramente, foi ocupada pelos representantes da Coroa Portuguesa, em virtude do Aviso de 5 de setembro de 1811, incorporado por Fernando Delgado de Castilho, governador da província de Goiás. Em seu contexto, existem diversos tipos de sepultamentos, variações tumulares e elementos religiosos que, em sua maioria, representam traços culturais dos enterramentos que permeiam a cosmovisão do catolicismo. Toda a memória relacionada com o espaço é construída acerca da sua representatividade, da dimensão concreta das relações sociais, é um segmento físico de que o homem se apropria como suporte para as suas produções e reproduções em meio à vida cotidiana. São vetores que conduzem as relações sociais e a sua organização, é um canalizador que exprime determinado valor simbólico e, ao mesmo tempo, exerce o papel funcional em meio à coletividade. As características do universo funerário remetem esse ambiente a um tempo onírico e mítico de lembranças indeléveis e inesgotáveis. O cemitério é um espaço onírico porque, de certa forma, projeta-se nele um discurso mítico que cria a realidade, é um lugar de crenças míticas, uma forma de apreender a realidade que cerca as sociedades de maneiras distintas. São lugares como esses que reúnem seres animados e inanimados que ali se encontram em um conjunto palpável. Também congregam experiências, histórias, pensamentos, afetividades e objetos pessoais dos mortos. À vista disso, o cemitério se contempla como espaço de relevância cultural, evocando lembranças de um passado que, mesmo aparentando ser remoto, é capaz de produzir sentimentos e sensações que parecem fazer reviver momentos e 13 Juliana Maria Martins fatos ali ocorridos. Esse quadro de expressões do universo fúnebre tende a reproduzir-se em meio à dinâmica da memória, de natureza igual aos mecanismos de adaptação que geram mudanças de interpretações sobre o mundo que nos cerca. Esse registro não alcança somente a memória pessoal, aquela que o espírito conserva em si. Desde sua concepção, este trabalho situa-se, portanto, naquela fronteira em que se cruzam os modos de ser dos indivíduos em relação aos seus hábitos culturais, tema que pode ser associado aos estudos da construção do consciente e inconsciente. Quando se trata de compreender a memória em relação ao contexto do referido cemitério, o Campo da Saudade, buscou-se, a princípio, resolver o problema das variações tumulares e padrões de ocupação espacial dos enterramentos. Pensando na filosofia de Henri Bergson, sabe-se que a duração ou passagem do tempo é um lugar ao qual a memória sempre retoma, porque consiste em continuidade. O filósofo ensina que cada indivíduo percebe diferentemente a dimensão temporal e é no tempo que ocorre uma espécie de prolongamento do passado no presente, mas de maneira atualizadora. As mudanças que ocorrem no presente em relação aos nossos costumes culturais do passado necessitam de maior aprofundamento no que diz respeito à compreensão fenomenológica da incorporação dos indivíduos sobre as experiências internas e externas, em relação ao mundo que os cerca. Deste modo, a pesquisa analisa as experiências do sujeito no âmbito da ação e representação do mundo material que o rodeia, partindo de dois aspectos trazidos pela fi losofia bergsoniana: memória e percepção dos indivíduos sobre o universo material, com a finalidade de elucidar os fenômenos que ocorrem na construção da memória e, por fim, a temática do espaço vazio e homogêneo como uma maneira de compreender a manifestação da inteligência humana em relação ao mundo material. O objetivo de trabalhar com o esboço fenomenológico da memória trazido por Bergson foi por termos percebido que as representações coletivas, ou ideias que determinadas sociedades compartilham, não podem perder o vínculo com a “psique”, ou com o “espírito” humano. 14 Memória e cultura material: cemitério Campo da Saudade, município de Couto de Magalhães (TO) Dessa maneira, a pesquisa sugere a hipótese de que as representações compartilhadas pela coletividade por si só não bastam para compreender o processo das variações de sepultamentos ou padrões específicos de ocupação espacial dos enterramentos, pois eles implicam fenômenos mútuos que se cruzam. A intenção desta pesquisa não é negar a importância do espaço funerário como um ambiente de relações sociais dos seres humanos em coletividade, como demonstra Halbwachs; é sabido que a memória dos indivíduos, para “sobreviver”, de maneira coletiva, depende de um grupo com o qual se identifica ou se relaciona. Todavia, é de suma importância compreender as ações e representações da mente humana como fenômenos que se desenvolvem de maneira única nos indivíduos, para o entendimento do contexto cemiteral como um ambiente propício a agregar contextos constituídos de maneira individual. Quando se trata de pessoas, não podemos deixar de lado a natureza da memória e as suas funções múltiplas; os debates sobre a duração do tempo, memória e espaço ajudam a repensar os limites que unem lembranças passadas e a consciência das coisas no presente. É necessário acrescentar a relação entre o corpo, espírito e o espaço; este último, o espaço, está para a multiplicidade numérica, a lógica. É a partir desses dois domínios qualitativos e quantitativos que fica inteligível que uma das condições do ser-no-mundo é o ser-no-espaço. A produção do conhecimento desta pesquisa implica o diálogo de teorias e metodologias de cunho qualitativo e quantitativo, cuja interdisciplinaridade envolve o âmbito da Filosofia, História e Antropologia. Este é o caminho que procura atender à natureza múltipla da complexidade dos fenômenos sociais. Seguindo o pensamento de Hilton Japiassu sobre o método da interdisciplinaridade, este estudo busca ser interdisciplinar, pois os caminhos percorridos foram formados por mais de uma disciplina, unificando-se pelos mesmos objetivos. Os contatos integrativos entre as ciências exercem vantagens, pois o conhecimento sobre o objeto desta pesquisa exige complementos de outras áreas. Esse processo de entroncamento ocorre no 15 Juliana Maria Martins instante da comparação dos resultados obtidos entre as várias disciplinas, ademais, pelo confronto e perspectivas de entendimentos quanto aos enfoques diferentes. O Capítulo 1 aborda, em termos teóricos, como o universo material apresenta-se para nós, ou seja, como se dá a relação do indivíduo com o exterior, mais precisamente, com a matéria. As indagações que se apresentam sintetizam como a consciência, que dura tanto, distingue-se do mundo externo, e como este se relaciona com o que nos cerca. A partir desses questionamentos, faz-se necessária a elaboração teórica das representações, que ocorrem por meio do momento em que o sujeito necessita apreender a matéria. Buscamos compreender o método de Bergson, que possui como base inicial não apenas o campo dos estudos fenomenológicos das imagens, mas como se realiza a possibilidade da consciência humana sobre as coisas. Isso implica compreender os fenômenos da aparição, o reconhecimento das imagens, a memória e o cérebro. A sobrevivência das imagens na memória é essencial para atender ao processo de evocação e releitura das coisas. Este tema foi desenvolvido para compreender a formação da memória do universo material e a importância do tempo-espaço. No decorrer do texto, retoma-se com mais aprofundamento a noção de “Memória Hábito” e “Memória Pura”, compreendendo também que a memória, ligada ao corpo, permite que o passado dos indivíduos coexista no presente. São recordações de eventos que ocorreram no passado, mas que não se repetem no presente; entretanto, modificam-se constantemente. O esboço fenomenológico do tempo e do espaço é essencial, porque, antes de desenvolver os estudos fenomenológicos da memória, o estudo do tempo deve ser desenvolvido, para que, no último capítulo desta obra, ele possa ser mais bem compreendido. O corpo teórico dispõe também da obra Matéria e memória, Ensaio Sobre a Relação do Corpo com o Espírito, do filósofo Henri Bergson, que discute a relação entre o corpo, espírito e o mundo material envoltório, por meio dos estudos da memória. É possível notar que, no decorrer deste capítulo, a referida obra ajuda-nos a compreender que as nossas lembranças passadas se armazenam no 16 Memória e cultura material: cemitério Campo da Saudade, município de Couto de Magalhães (TO) cérebro e estas, por serem imagens, são, por conseguinte, materiais. Compreende-se que a memória é oriunda do espírito e o corpo é interpretado como o centro das ações humanas. O Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência, publicado por Henri Bergson, desenvolve os conceitos do tempo heterogêneo e do espaço homogêneo. Esta obra possibilita compreender melhor o tema proposto nos ensaios de Matéria e Memória, é essencial porque diz respeito à consciência humana. Embora não seja a intenção fazer uma análise detalhada da obra, pretendemos apontar que o espaço significa uma realidade que não apresenta qualidades; o espaço é homogêneo, é nele que a matéria se desdobra e pertence ao domínio do universo quantitativo. O espaço é perceptível pela inteligência humana, ele possibilita distinguir formas, contar e abstrair os objetos que nos cercam. Isso justificaria a importância do espaço para o “ser”, ele é essencial para compreender o domínio do homem em relação às coisas que estão inseridas nele. O Capítulo 2, foi desenvolvido a partir das observações sobre a memória e a percepção em relação ao universo material desenvolvidas por Henri Bergson. Como aponta Ecléa Bosi, as ideias de Bergson são restritas, não disponibilizam um entendimento sobre as sociedades em relação aos objetos que são pensados, no nosso caso, o espaço funerário. Para isso, foi desenvolvido um diálogo sobre as ideias, funções e representações inerentes à morte, aos mortos e aos espaços fúnebres no Brasil. Esta etapa da pesquisa é composta por caminhos interpretativos que nos levam a considerar que o além-cristão foi desenvolvido como plano simbólico-espacial. A noção de espaço é essencial para compreender como as sociedades organizam-se em diferentes espaços no mundo físico, acredita-se que existe uma relação mútua na maneira como as sociedades procuram se organizar no mundo terreno e no espaço do “outro mundo”. Para as sociedades que seguem as concepções do catolicismo no Brasil, por exemplo, existem elos morais que as unem à sociedade dos mortos. Essas questões podem ser observadas a partir de determinados fatores históricos oriundos da Idade Média. 17 Juliana Maria Martins Para esse tema, a pesquisa traz estudos sobre a concepção da morte e dos mortos nas sociedades tradicionais brasileiras. O foco inicial é a construção dos elementos religiosos que ainda permanecem no imaginário das sociedades, incluindo os fatores que levaram ao surgimento dos cemitérios públicos e, consequentemente, aponta para a importância deste espaço como propulsor de experiências internas e externas para as sociedades. A fundamentação teórica sobre a compreensão do universo simbólico da morte e a sua relação com as práticas funerárias, é obtida a partir das abordagens de Van Gennep no livro Os ritos de passagem. Para o autor, as sociedades tradicionais que concebem a morte como uma “passagem” podem ser analisadas em três fases distintas: a primeira são os ritos de separação do morto, momento que ele é privado da vida terrena; a segunda observação enfatiza os ritos de margem, que correspondem aos valores e crenças referentes ao novo status dos indivíduos e, por último, o processo de agregação dos mortos no outro mundo. O trabalho do antropólogo Van Gennep corroborou com fatores múltiplos direcionados para o entendimento do complexo da morte e de como a consciência dos indivíduos em determinados sistemas sociais tradicionais comporta-se diante deste fenômeno. Os estudos sobre O nascimento do purgatório e A bolsa e a vida: economia e religião na Idade Média, traçados por Jacques Le Goff, também apresentam as bases da formação do sistema do além-cristão católico, destacando-se, com maior profundidade, o tema do Purgatório. Esse é um elemento complexo porque, desde muito cedo, o Purgatório foi desenvolvido como espaço-tempo. A contribuição deixada aponta para algo essencial às sociedades, isto é, para a noção de um plano simbólico-espacial constituído sobre o “outro mundo”. Quem se destacou nos estudos historiográficos sobre o processo de implantação dos cemitérios no Brasil, enfatizando, também, o universo simbólico da morte e os costumes funerários até meados do século XIX, foi o historiador João José Reis, com a obra A Morte é uma Festa: Ritos Fúnebres e Revolta Popular no Brasil do Século XIX, analisando os motivos pelos quais ocorreu a revolta da popula18 Memória e cultura material: cemitério Campo da Saudade, município de Couto de Magalhães (TO) ção soteropolitana diante da implantação do cemitério Campo Santo, na Bahia. A cemiterada foi um dos eventos mais importantes no que diz respeito à reação da população diante da obrigatoriedade do uso dos cemitérios. Observa-se que a necessidade da utilização dos cemitérios públicos modificou, tradicionalmente, as práticas fúnebres em Salvador e, posteriormente, em todas as cidades brasileiras. A abordagem de Cláudia Rodrigues na obra Lugares dos mortos nas cidades dos vivos: tradições e transformações fúnebres na corte contribuiu para compreender as atitudes dos cariocas diante da morte e os desdobramentos da proibição do uso de sepultura eclesiástica, em função da ocorrência de graves epidemias na capital do Império. Muitas províncias passaram pelo mesmo desencadeamento de secularização da morte, até a segunda metade do século XIX. Tanto João Reis quanto Cláudia Rodrigues indagam sobre determinados fatores históricos que contribuíram para a proibição dos enterramentos nas igrejas e, principalmente, os motivos pelos quais surgiram os cemitérios públicos no Brasil. Autores como Philippe Ariès permitiram analisar como se deu todo o processo de mudança gradual na percepção sobre a morte, a partir dos livros O homem diante da morte e História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. As obras referem-se à Europa, embora algumas das conclusões a respeito das mudanças culturais, em relação à morte, podem ser encontradas em outros países, mesmo naqueles em que o catolicismo tenha grande influência, como o Brasil. Todos os autores já citados são excepcionalmente necessários para delinear as formas do “bem morrer” para os católicos, sobre os hábitos impostos pelos representantes da igreja. Por fim, o referido capítulo trata de trazer reflexões sobre os estudos do antropólogo Roberto da Matta, inerentes à obra A casa & a rua, espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil, que desenvolve o capítulo “A morte nas sociedades relacionais: reflexões a partir do caso brasileiro”, cujas indagações apontam para os elos entre os vivos e os mortos. Todas as atitudes são atribuídas aos parâmetros das sociedades relacionais, um sistema social que acredita mais nos elos 19 Juliana Maria Martins morais do que nos próprios indivíduos. Aqui, são os elos morais que se sobrepõem às nossas vontades, induzindo-nos a fazer coisas, não porque realmente queremos, mas porque existe uma demanda relacional, algo que constantemente é introduzido de fora para dentro. Toda essa abordagem teórica é de suma importância, visto que os caminhos percorridos para a compreensão do contexto do cemitério Campo da Saudade necessitam de um pensamento analítico sobre o que o lugar representa, simbolicamente, para os indivíduos, e como esses fatos são construídos e reconstruídos pelas sociedades. O Capítulo 3, inicialmente, é composto pelo contexto histórico do município de Couto de Magalhães, a fim de explanar o processo de ocupação local e as influências europeias no que diz respeito à religiosidade daquela região. Os estudos foram realizados a partir de fontes primárias e secundárias, visto que poucos são os registros que falam sobre a formação dos habitantes desta região. O livro Anais da Província de Goiás, do autor José de Alencastre, foi utilizado como uma forma de compreender os motivos pelos quais a região do município de Couto de Magalhães foi ocupada por representantes da guarnição da Coroa Portuguesa, em consequência do Aviso de 5 de setembro de 1811, incorporado por Fernando Delgado de Castilho. No decorrer deste capítulo, é possível notar que as análises de campo foram elaboradas e discutidas de acordo com o aporte teórico visto nos capítulos anteriores. As discussões finais deste capítulo retomam os diálogos sobre as variações tumulares, seus padrões e formas de ocupação espacial no cemitério Campo da Saudade, com a finalidade de compreender como todo esse processo sofre interferências de fenômenos múltiplos sociais, que envolvem a memória e a percepção. Por isso, houve a necessidade de retomar alguns conceitos desenvolvidos no livro Matéria e Memória. Os esclarecimentos desta obra continuarão tendo o apoio teórico do Ensaio sobre os dados imediatos da consciência, cujas abordagens fortalecem a compreensão sobre consciência do espírito. Em A Evolução Criadora, Bergson analisa mais a fundo o desenvolvimento da consciência, principalmente, quando se trata de 20 Memória e cultura material: cemitério Campo da Saudade, município de Couto de Magalhães (TO) compreender a ação real; no entanto, esta concepção do filósofo foi inserida como forma de compreender as distinções entre o ato de agir e de representar as coisas. Quando todas essas ideias foram postas em análise no referido cemitério, foi possível associar as ações do consciente ao fenômeno que atua nas atividades de organização das estruturas internas do cemitério. Quanto às variações tumulares, foi possível associá-las a uma ação do inconsciente, visto que estas variações têm a ver com o processo de releitura do passado que os habitantes de Porto Franco do Araguaia fazem sobre o espaço que ocupa socialmente ao longo do tempo. 21