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1 ESPAÇO E MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO: A Organização do Espaço Geográfio nas Primeiras Soiiedades Estatais 1 MAURÍCIO WALDMAN 2 RESUMO Este material é parte de um estudo maior procurando identicar as iliaaçes entre espaao, ideologia e meio ambiente em formaaçes sociais não-capitalistas, via de regra, enquadradas no modelo do Modo de Produaão Asiátco, em tese localizado em civilizaaçes pré-colombianas, africanas e asiátcass Tal como o texto sugere, a análise das espacialidades consttuudas em cenários não-ocidentais e nãocapitalistas, necessariamente compreende uma ênfase para determinados aspectos da superestrutura, a religião, por exemplo, que cumpriam simultaneamente papel de infraestruturas Os fundadores do socialismo cientico - Marx e Engels - utlizavam a denominaaão “Velha Ásia” para categorizar um amplo rol de civilizaaçes “orientais” que malgrado diversas insuiciências teóricas, ainda mostra pertnência para a compreensão de vários aspectos da reproduaão espacial e social destas antgas civilizaaçess A partr destes estudos pioneiros, é possuvel demarcar sociedades caracterizadas por violentos antagonismos, muito distantes da aura de um romântco “ecologismo pré-capitalista” que alguns observam consignado no passados Uma sociedade ecológica está por ser instaurada e não restauradas ABSTRACT This text is part of a larger study which searches for links between Space, Ideology and Environment in non-capitalist social formatons, normally iied in the Asiatc Mode of Producton model, which, in thesis, located in Pre-Colombian, African and in the Asian civilizatonss As the text suggests, the analysis of spatal relatonships composed by non-western and non-capitalistc scenarios, necessarily includes an emphasis on certain features of the superstructure, religion, for instance, that simultaneously played the role of an infrastructures The founders of the scientic socialism - Marx and Engels - used the denominaton “Old Asia” to label a large roll of “oriental” civilizatonss And, in spite of some theoretcal insufciency it stll shows its pertnence for the comprehension of many features of the spatal and social reproducton of theses ancient civilizatonss From these pioneering studies, is possible to observe societes with violent antagonisms, far from the romantc “pre- 2 capitalistc environmentalism” that some people claim to have existed in the pasts An environmental society is stll to be created and not to be recreateds PALAVRAS-CHAVE: Modo de Produaão Contradiaçes, Ideologia, Estado, Geograias Asiátco (MPA), Espaao, Cultura, KEY WORDS: Asiatc Mode of Producton (AMP), Space, Culture, Contradictons, Ideology, State, Geographys 3 INTRODUÇÃO O conjunto das formulaaçes ilosóicas e dos sistemas de pensamento anteriores ao Século XX esteve no ocidente sob o domínio do tempos Este enunciado, advirta-se, também é verdadeiro para o marxismo (WALDMAN, 2006 e 1994)s De fato, dinâmicas e categorias de cunho temporal consttuem um moto contumaz na argumentaaão que tpiica este corpo de ideiass Atente-se para a frase que segue: “a única ciência que conhecemos é a ciência da história”s Palavras do próprio Karl MARX (1977: 23)s Exatamente por esta razão, conforme salientou o geógrafo norte-americano Edward SOJA, o surgimento de um robusto materialismo histórico não foi correspondido por um igualmente infuente materialismo geográfco (1986: 4)s Procurando suprir tal lacuna, uma vertente massiva de geógrafos, a partr dos anos 1970, passou a voltar-se para um resgate e a afrmaaço do espaao enquanto nexo conceituals E neste querer, a espacializaaão de conceitos marxistas temporalizantes deteve papel centrals O resultado destes esforaos levou, muito sintetcamente, ao entendimento de que modo de produaão e formaaão social, conceitos que no seio do marxismo estão enraizados na tradiaão temporalizante ocidental, teriam uma traduaão espacials É o que airma o geógrafo brasileiro Milton SANTOS: “O espaao, espaao-paisagem, é o testemunho de um modo de produaão nestas suas manifestaaçes concretas, o testemunho de um momento do mundo” (1978: 138)s Como está implucita nesta asseraão, a modelagem do espaao geográico, os arranjos ofertados aos elementos naturais com os quais as sociedades humanas se deparam no ambiente, são um resultado direto de transformaaçes históricas especuicass Traduzindo relaaçes sociais, mantdas pelos homens entre si e destes, com a natureza, neste processo, a natureza original ou primeira, é transformada numa natureza artifcial ou segunda, criada pelo homem (SANTOS, 1978: 201)s Assim sendo, uma formaaão social não pode ser compreendida sem levar o espaao em consideraaão: “não há e jamais haverá formaaão social independentemente do espaao” (SANTOS, 1978: 199)s 4 Pois então, acatando-se este axioma temos que as formaaçes sociais consttuiriam, em últma análise, formaaões socioespaciais ou, numa formulaaão mais concisa, formaaões espaciais. Atente-se que nesta contextualizaaão, o espaao não é mero receptáculo das relaaçes sociais que magnetzam a história das sociedadess O espaao não consttui um elemento passivo na história humana e pelo contrário, é indispensável para que as relaaçes sociais se concretzems Neste senso, retenha-se, a ttulo de exemplo, que os condicionamentos oriundos das heranaas legadas pelo passado, difundidas junto ao espaao transformado pela aaão humana, agem decisivamente na organizaaão e reconaão do espaaos Não raro, objetos espaciais 3 e adendos territoriais oriundos dos tempos de outrora, tais como sistemas de irrigaaão, complexos templários, instalaaçes palacianas, locais de peregrinaaão, vias de comunicaaão, centros de trocas e redes de aldeamentos, determinam ou aliceraam a permanência e a reartculaaão do espaaos Ensejando a contnuidade ou reviviicaaão do dinamismo social, o espaao estabelece com o tempo um matrimônio indissolúvels É assim que sendo verdadeiro que o tempo se transforma em espaao, é igualmente correto airmar que o espaao, por sua vez, também se transforma em tempos Deste modo, termos novos, tais como espacialidade, exclusão espacial, dessimetrias socioespaciais e processos de espacializaaão, ganharam uso corrente nas análises sobre subdesenvolvimento, dinâmicas urbanas, organizaaão polutca e territorial, disparidades socioespaciais e divisão regional e internacional do trabalho, etcs Claramente, abordagens com este peril demonstram a incorporaaão da dimensão espacial em processos dantes rubricados exclusivamente como temporaiss Nesta senda, as formaaçes espaciais podem ser explicitadas com o concurso de uma coleaão de conceituaaçes matriciais, todas da pena de Milton Santos, a saber: Analisar como o tempo se transforma em espaao e como o tempo passado e o tempo presente têm cada qual, um papel especuico no funcionamento do espaao atual (SANTOS, 1978: 105)s  Interpretar o espaao, na acepaão deste consttuir um fator, um fato e uma instância social (idem, 130)s  5 Compreender o papel pertnente às rugosidades, formas espaciais criadas pela aaço do homem, cuja inércia espacial condiciona novas localizaaões (ibidem, 138)s  Entender que as formas espaciais sço duráveis, infuenciando a organizaaão do espaao mesmo com o im dos processos que lhe deram origems Factveis, portanto, de serem reviviicadas pelo movimento social (ibidem, 149)s  A relaaão homem-natureza é uma relaaão que produz espaao, onde a natureza transformada, socializada, é um arranjo espacial, uma natureza segunda (ibidem, 201)s  Em suma: o espaao é uma heranaa dinâmica, no qual temos uma acumulaaço desigual de tempos (ibidem, 209)s  Tais contribuiaçes enriqueceram o conceito de modo de produaão, pois revelaram a concretude das relaaçes sociais 4s Ainal, o espaao, carente da dimensão tempo, é tço só um espaao congelados Do mesmo modo, pensar uma sociedade pelo prisma do tempo, dissociada da dimensão espacial, é pensar um tempo abstrato, no qual a especiicidade das formaaçes sociais pode ser esvaziada e confundida (Cfs MOREIRA, 1982: 62)s Deveras, em face da não-espacializaaão do tempo histórico foi adereaado ao sistema feudal, fenômeno que como se sabe, foi espacialmente restrito a uma poraão do contnente europeu, uma universalidade que não possuiu, justicando discussçes sobre o modo de produaão asiátco (apud MOREIRA, 1982: 62)s Neste prisma, tematzar a organizaaão do espaao nas sociedades que vicejaram antes da hegemonia do padrão civilizatório ocidental, integra a pauta dos geógrafos e da comunidade de especialistas das ciências sociaiss Ademais, estas formaaçes sociais, submetdas ao avanao predatório e triturador da economia de mercado - um processo que implicou em todas as letras numa aaodada Raubwirtschaf 5 - foram sonegadas de notáveis feitos civilizatórios, uma amnésia que apagou um empreendedorismo no espaao geográico que se confunde com os primeiros passos dados pela Humanidade na senda de criar espaaos antropogênicos de vidas 6 É neste sentdo que, se o antgo Egito, Mesopotâmia, os impérios pré-colombianos e muitas outras civilizaaçes “pertencem a qualquer coisa como o modo de produaão asiátco, este corresponde então ao tempo em que a Humanidade se separa local, mas deinitvamente da economia de ocupaaão do solo, inventa a agricultura, a criaaão de gado, a arquitetura, o cálculo, a escrita, o comércio, a moeda, o direito, novas religiçes, etcs” (GODELIER, 1974: 58)s Com efeito, as sociedades não-ocidentais, engendrando premissas próprias em todas as esferas da vida social e cultural, criaram formas singulares de artculaaão do espaao, pondo em marcha dinamismos que não podem e nem teriam como serem sonegados dos autos da história socials Isto porque esta negaaão pressupçe a consecuaão de uma tabula rasa de prescriaçes que na história extraeuropeia, não só pesaram, mas também seguem pesando na forma como grupos, culturas e populaaçes posicionaram-se diante de uma primazia que lhes foi imposta a partr de um processo histórico-social externo a elass Dau que resgatar a espacialidade da formaaão social asiátca, oriental ou tributária 6 é uma forma de questonar a rugida interpretaaão unilinear aplicada na análise da história da Humanidade, enquadrada por um modelo de evoluaão partcularizado exclusivamente nos pauses ocidentais do contnente europeus Rubrique-se que nos cânones clássicos, a interpretaaão histórica é perenemente mesmerizada por invectvas que pregam ou sugerem uma sucessão predeterminada e inapelável de modos de produaão: comunal tribal, antgo, feudal e capitalista, cadenciamento este que veriicou unicamente a história da Europa Ocidentals Parâmetro que terminou investdo da condiaão de paradigma cientico, econômico, social e polutco, a interpretaaão unilinear tem sido alvo de reparos e apensos crutcos na voz de muitos especialistas na área das humanidadess Disto resulta o interesse por modelos que, como no caso modo de produaão asiátco, se sobressaem por sua aderência e operacionalidade analutca na compreensão de realidades externas ao ocidentes Paralelamente, o conceito de modo de produaão asiátco consttui uma ferramenta conceitual matricial para a compreensão da natureza das contradiaçes socioespaciais derivadas do processo de expansão planetário dos pauses ocidentais e dos arranjos territoriais ajustados em maior ou menor grau com a imposiaão da sua supremacias 7 Nesta linha de argumentaaão, a noaão revela-se adequada para apreciar e esclarecer movimentos e fenômenos sociais que se estruturaram enquanto resposta de múltplas texturas sociais às questçes e dilemas postados pela Modernidade 7s Numa escala que se estende desde aaçes reatvas de populaaçes tradicionais frente ao “progresso” a construaçes imaginárias que objetvamente questonam o ideário ocidental, enquanto instrumental teórico o conceito de modo de produaão asiátco viabiliza a revelar as motvaaçes que inscrevem múltplos atores sociais e polutcos num continuum histórico mais amplos Last, but not least, substantvando temário que não está restrito, de modo algum, aos estudos da antguidade, a conceituaaão presta-se para elucidar o funcionamento de sociedades também regradas por contradiaçess Decerto distntas das que grassam na sociedade modernas Mas que exatamente por esta razão, não podem ser omitdas da história das sociedadess 8 I. MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO E GEOGRAFIA Antes do debate que resultou no conceito de formaaão espacial, outras disciplinas desenvolveram estudos na direaão de pensar o espaao enquanto nexo que assimila as infexçes das sociedades, ao mesmo tempo em que modela e interfere na esfera do socials Deste modo, na sociologia, Émile Durkheim assinalava que a organizaaão do espaao variava de acordo com as sociedades; Maurice Halbwachs insista na importância do espaao na memória coletva; Georg Simmel, a proeminência de um centro espacial num Estado eclesiástco (Kirchenstaat), caso do Tibete, onde a capital do paus, Lhasa, expandiu seu tecido urbano a partr de um grande convento, o Potala, situado no coraaão desta cidade e ao qual conduziam todos os caminhos, exercendo a funaão de sede da administraaão sacerdotal e do Estado (Vide CUVILLIER, 1975: 138-161)s Na antropologia, também é possuvel alinhar preocupaaçes com a dimensão do espaaos Estas encontram justicatvas, dentre outros arrazoados, pela evidência de que as sociedades ditas aborugines, primitvas ou tribais operam a todo o momento com uma artculaaão orgânica entre espaao social e sistemas mutco-simbólicos, acompanhada de uma percepaão ideacionada do meio natural 8, componente sine qua non dos mecanismos que regem a reproduaão social destes gruposs É o que justica que as investgaaçes dos acadêmicos franceses Marc AUGÉ e Claude TARDITS (1985), dizendo respeito respectvamente à comunidade Alladian, povo assentado na Costa do Marim 9 e no Reino Bamoun, no Camarçes pré-colonial 10, reportem direta ou indiretamente ao espaao, sobretudo pelas interfaces que este permanentemente mantém com os sistemas de vida destas comunidadess Todavia, ao não pautarem conceitualmente uma totalidade socioespacial, seus dinamismos internos e partcularmente, suas contradiaões no plano do espaaotempo, tais investgaaçes não airmaram, ou declinaram em resgatar plenamente, a espacialidade inerente a toda formaaão socials Reconhecidamente, analisar um espaao socialmente organizado é uma postura que não se confunde com desvendar os dinamismos de uma espacialidades Esta se refere a um conceito bem mais complexo, intercalando heterogênea gama de variáveiss Cognitvamente, a espacialidade apenas se torna apreensuvel com o recurso de um modelo explicatvo geral, uma construaço teórica do espaao, para a qual convergem múltplas determinaaçess É o que podemos intuir da exposiaão que segue: 9 “O estudo mais e mais preciso do conceito e artculaaão de formaaão econômicosocial e de modo de produaão, a par do estudo minucioso da economia polutca, das insttuiaçes e da ideologia, sem o qual não se pode mergulhar fundo na compreensão de uma formaaão econômico-social, e a convergência de tudo isso ao estudo do conceito, forma e processos da formaaão espacial, eis o que nos parece que é necessário para um bom trabalho de construaão teórica do espaao” (Vide MOREIRA, 1982: 63)s No prisma do que está sendo exposto, o conceito de modo de produaão asiátco, enriquecido de contribuiaçes consignadas por investgaaçes realizadas nos marcos da antropologia, sociologia, ciência polutca, história e geograia, dentre vários campos do conhecimento, se prontica como modelo teórico habilitado a decriptar grande diversidade de processos de espacializaaãos Partcularmente, os que estão consignados em variados contextos do Terceiro Mundo 11s De mais a mais, caracterizado por um conjunto de formaaçes sociais diferentes das que surgiram no contnente europeu, coube, em diferentes cenários dos chamados pauses coloniais, um relevante papel para a formaaão social asiátca (LACOSTE, 1980: 61-65)s Em sintonia com este recorte, a par do minucioso estudo da economia polutca, da sociologia da cultura, da antropologia econômica, da geograia cultural e da história ambiental das sociedades orientais, tornar tanguveis os “conteúdos” da espacialidade que lhes é inerente sugere especial atenaão quanto ao aparato ideológico postado no comando dos sistemas de mando polutco-religioso 12s Retenha-se que vários objetos espaciais foram, por exemplo, artculados em funaão de pressupostos rituais e cerimoniaiss Até porque a religião nas antgas formaaçes asiátcas era explicitamente um componente do mecanismo de poder do Estados Por sinal, inúmeras cidades e sutos socialmente proeminentes surgem a partr de locais de culto, semantzando e com muita frequência ressemantzando as localizaaçess É o que comprova a arqueologias Por exemplo, no Oriente Médio é comum que uma mesquita esteja construuda sobre as ruunas de uma igreja bizantna; esta, por sua vez, sobre os restos de uma sinagoga ou de um templo grego ou romano; estes, erguidos sobre um antgo suto sagrado fenucio ou surio-cananeu; por sua vez, estes vestgios repousam sobre um local de culto neolutco; inalmente, abaixo de todas as demais camadas arqueológicas, é possuvel encontrar um monólito ou um altar de pedra préhistórico, que anonimamente contnuou durante milênios a ser honrado por rituais e cerimônias de todas as demais religiçes sucessorass 10 Logo, a religião enquanto ideologia, isto é, um código legitmador da ordem polutca social e econômica, se prontica enquanto recurso explicatvo indispensável para captar o funcionamento da sociedade oriental (passim BANU, 1978), asseraão que de igual modo, pode obviamente ser estendida ao modus operandi do espaaos Nesta acepaão, elaboraaçes da cartograia e as iconologias acalentadas no seio da Velha Ásia 13, expressão de um imaginário espacial oriental, pelo mesmo azo não tem como serem desprestgiadas nas análisess Na cartograia, é patente a infuência deste imaginário espacial enquanto iltro na seleaão dos dados espaciais abonados pelos map makerss No geral, a representaaão do espaao habitado não assinala, na feitura dos mapas, referências exclusivamente relacionadas com a ocupaaão do territórios Fundamentalmente, a cartograia oriental espelha uma Weltanschauung 14 prenhe de sentdos e signiicados singularess Deste modo, a representaaão cartográica é modulada por ideaaçes que refetem as induaçes polutcas que regem o modo de produaão asiátcos Nesta visada, os mapas reiteradamente retratam averbaaçes mutcas, representaaçes simbólicas do espaao e alegorias imaginárias calcadas nas expectatvas culturais e ideológicas dominantess Quanto à iconologia, o estudo da formaaão das imagens e dos arquétpos iguratvos, dos seus papéis simbólicos e da relaaão fenomenológica mantda com determinadas crenaas e cosmovisçes, tendo por mote uma leitura de diversiicados nuveis de signiicaaão em contextos civilizatórios especuicos, contribui para explicitar a lógica que legitma e conirma orientaaçes, marcos ou bloqueios espaciaiss Exempliicando, os mandala, costumeiros na área cultural chinesa, hindu, mongol e tbetana, expressam uma simbologia imaginária do espaao construuda com base na noaão de uma gradaaão valoratva axiomatzada a partr de patamares espaciais e circunscriaçes energétcas, iconograicamente encartadas numa disposiaão de cunho geométrico (Figura 1)s Consistndo num diagrama simbólico formado por uma série de curculos concêntricos incluudos um a um em quadraturas, os mandala pretendem representar a expansão e a retraaão do universo em relaaão a um ponto central, o axis mundi. Grosso modo, a imagem se apresenta como uma espécie de portal rumo ao extramundo, pelo qual o espaao é aferido a partr de substantvaaçes qualitatvas, e não somente geométricas como à primeira vista poderia ser pensados 11 FIGURA 1 - Mandala tietano: teto do Paláiio do Potala7 em Lhasa7 iapital do Tiiete (Reproduzido de CUVILLIER7 1975: 144). No referente ao desenho em si, os mandala, tal como muitas outras “geometrias sagradas” mergulhadas em simbolismos mágicos e esotéricos, são demonstratvos das fortes inquietaaçes que sempre acudiram nas sociedades quanto à natureza das relaaçes existentes entre espaao, tempo e a vida social (Vide PRICE, 1976; CUVILLIER, 1975)s Assim, enquanto panteão espacial simbólico os mandala retratam nuveis, camadas, patamares e anéis energétcos que se intercalam com a intenaão de expor a geograia interna e externa do universos Consubstanciavam a seu modo, tanto um 12 cosmograma quanto um psicograma, conotando uma suntese imagétca preocupada com uma cogniaão valoratva dos impulsos espaciaiss Exposiaão plástca e visual do espaao que integra um imaginário de cunho oriental, os mandala não cumpriam, contudo, a mera funaão de interpretaaão culturalmente codiicada da dimensão espacials Cabalmente, na condiaão de modelos de percepaão do espaao, os mandala igualmente embalavam expectatvas e demandas sociaiss Nesta linha de abordagem, os mandala cumpriam a funaão atnente aos modelos de percepaão do espaao em imantar o imaginário da sociedade, repercutndo junto à materialidade social no sentdo de calaar de objetvidade a consecuaão e regulaaão dos ixos e fuxos 15, assim como a implantaaão de próteses 16s Em suma, as regulaaçes idealizadas com assento no imaginário social combinam-se com inferências concretas que inevitavelmente, em qualquer ambiente históricosocial, respaldam e materializam o modus operandi das sociedadess Modelo indissociável da evoluaão social de grande número de povos, o modo de produaão asiátco consagra a irrupaão de um sistema social no qual a consttuiaão do Estado, a invenaão da escrita, da contabilidade e a insttuiaão de uma casta de burocratas formada por escribas tomam para si, pela primeira vez na história, um controle efetvo do espaao e dos grupos que nele imprimem a sua marca (Vide CLAVAL, 1979: 95)s Para tanto, tais proposiaçes não prescindem das infexçes imaginárias que nas sociedades orientais são dotadas de papel crucials Tal como foi realaado, no modo de produaão asiátco a ideologia religiosa está alaada à condiaão de inferência objetva, que interage com a concretude do sistema, postando-se como uma raison d’etre, norteando o protagonismo espacial destas sociedades na sua relaaão com o mundo concreto 17s Em suma, trata-se de um tópico que perpassando pela totalidade do edifcio social da formaaão socioespacial asiátca, não admite que este tópico seja secundarizado e tampouco, esteja ausente nas avaliaaçes destas primeiras sociedades estataiss 13 II. OS CONTEÚDOS DA ESPACIALIDADE ORIENTAL Como seria plausuvel sublinhar, os conteúdos da espacialidade oriental se alinham e harmonizam perpetuamente com os compromissos maiores do modo de produaãos Tais compromissos têm por epicentro um Estado de molde teocrátco, personiicado no Déspota, prócer divinizado ou semidivinizado, detendo uma unaão a lhe conferir imensos poderess Esta convenaão, nos seus desdobramentos mais abrangentes circunscreveria o chamado despotismo oriental 18s No plano societário, uma divisão social do trabalho largamente resiliente quanto a alteraaçes e mudanaas na estrutura de classes - com assiduidade deinida como uma estraticaaão em castas 19 - está escorada em relaaçes fortemente estanques entre os grupos, conotadas por certa infexibilidade ou mobilidade diicultosa, podendo em algumas situaaçes partculares, estarem investdas de legitmidade religiosas Economicamente, a estrutura de captaaão do excedente está baseada na tributaaão das comunidades aldeãs, mecanismo que no fundamental, sintetza uma atuaaão do aparato estatal com suporte na exaaão de tributos em espécie e em trabalho compulsórios No plano do imaginário polutco, o Estado Asiátco, sobrepondo-se às comunidades aldeãs, transigurava-se aos olhos destas como uma “grande comunidade superior”, “unidade superior”, “englobante”, “aglutnante”, encarnada na persona de monarcas e imperadores “despótcos”, para os quais o imaginário oriental reservava as mais fantástcas fabulaaçes 20s Essencialmente, o aparato estatal oriental exercita uma agenda gerencial na qual os public works (obras públicas), planejados e monitorados pelo Estado, consttuem um poderoso pilar de sustentaaão do poders No fundamental, o labor dos gestores estatais assegura a fruiaão dos circuitos da produaão agropastoril 21 e ediicaaão de equipamentos e instalaaçes que raticam a voliaão burocrátca, religiosa, de defesa e de manutenaão do Estados Perpassando todas estas variáveis, pesponta a ideologia religiosa, que assegura uma unidade encarnada na pessoa do Déspota, ser tribal imaginário que é o deus máximo (MARX, 1975a: 67-68)s 14 Em funaão destes tratos é que se estrutura a organizaaão do espaao no modo de produaão asiátco, exteriorizando dinamismos, induaçes e os móveis determinantes da territorialidades Acatando esta ordem de consideraaçes, o espaao asiátco é um arranjo espacial cuja reproduaão é eminentemente horizontal, dependente de atvidades produtvas cujo motor é a comunidade aldeãs Neste panorama, delineado por um fraco desenvolvimento das foraas produtvas 22, as marcas naturais são necessariamente determinantes na organizaaão do territórios É o caso dos fuxos de água, que assumem o papel de eixos no direcionamento dos fuxos e dos circuitoss Tal sinonumia entre água e a organizaaão polutca, econômica e estatal honraria, pois a sugestva deiniaão que categoriza as sociedades da Velha Ásia como hidráulicas ou civilizaaçes do regadios É exatamente deste modo que acontece com o Nilo (Egito faraônico, Kush, NapataMeroé, Aksum), Nuger (Impérios do Ghana, Mali e Songhai), Mekong (Império Khmer e Reino Lan Xang), Tigre e Eufrates (Assuria, Babilônia, Suméria e Império Ácade), Hális (Império Hitta), os rios Hoang-Ho e Yang-Tsé-Kiang (Impérios chineses Zhou, Qin, Han, Song e Ming), o Menam (Reino Thai) e com as bacias dos rios Indo e Ganges (Civilizaaão Harapa e também os Impérios Gupta, Kushan, Chola e Maurya)s Além das formaaçes estatais que assumiram o caudal dos grandes rios como sustentáculo do espaao artculado, também muitos reinos, impérios e soberanias se acomodaram em variegado rol de enquadramentos hidrológicoss Dau que o Estado asiátco pode buscar o controle de áreas de drenagem lacustre (Império Asteca no Vale do México e os Reinos Bunyoro, Buganda e Ankole, situados na região dos Grandes Lagos Africanos), se empenhar em colecionar sistemas de oásis (Hedjaz e Asir, na penunsula árabe; reinos muaulmanos da Dzungária e do Sinkiang-Uighur, no Oriente chinês; Império Kanem-Bornu, na África centro-saariana) ou ainda, se acomodar junto às regiçes de cabeceira dos rios, que podem desenhar a core area 23 de uma dada formaaão estatal (Leshoto, na África Austral)s Amiúde, dada a imbricaaão da economia e da polutca com a religião, comumente os cursos d'água e corpos hudricos como lagos, bicas, cascatas, poaos, nascentes e fontes, confundem-se com representaaçes cósmicas de fundo fantástco, uma locuaão generalizada nas religiçes antgass Veja-se o caso do Nilo, que no Egito faraônico possuua um arquétpo celestal na forma de um Nilo replicante localizado no mundo do aléms Quanto ao rio Ganges se reitera emblematcamente esta fabulaaão numa outra vertente: nas crenaas dos 15 hinduustas trata-se por deiniaão de um rio eminentemente sagrados Não no outro mundo, mas aqui mesmos Tais cosmogonias hudricas, paralelamente e/ou em conjunto com muitas outras ideaaçes, refetem e simultaneamente reforaam uma inércia espacial especuica do modo de produaão asiátcos Numa acepaão geral, o espaao oriental irma-se e têm sua reproduaão assegurada pelo Estado, cuja base tributária reporta às comunidades aldeãs, conectadas a circuitos de apropriaaão do excedentes Tal acontecia com os Ayllu, no Império Inca e os Calpulli entre os astecass Justamente sobre esta base instável, consttuuda por aldeias autárquicas ciosas do seu modo de vida, repousa a manutenaão do poder despótcos Caracteristcamente, a comunidade aldeã se caracteriza pelo uso de tecnologias tradicionais simples e braaais, catalogadas pelos manuais de economia como de “baixo rendimento” 24s Portanto, tendo a autossuiciência como matriz econômica, social e culturals Consentndo-se com esta asseraão, as demandas em tributos requeridas pelo Estado Asiátco são gigantescas (Figuras 2a e 2b)s Para atendê-las, a construaão de vias de acesso é um expediente fundamental para assegurar a estabilidade do espaaos O pequeno excedente que cada aldeia produzia isoladamente era maximizado pela ampliaaão da rede de tributaaão, equilibrando o balanao energétco requerido pelo sistemas Os impérios asiátcos constroem, pois, intrincadas redes de estradas, autêntcos produgios de engenharias As artérias de comunicaaão transpçem obstáculos naturais de grande envergadura, cobrindo distâncias assombrosas 25s É o que comprovam as pistas abertas no Twantisuyo (“Império dos Quatro Cantos da Terra”, denominaaão patronumica do Império Inca), cruzando desiladeiros com vertente a pique e vales inacessuveis dos Andess Neste quesito, caberia também mencionar a Estrada Real, que um dia uniu Susa, uma das capitais do Império Persa Aquemênida, à distante cidade de Sardes, no litoral da Ásia Menors No entanto, a manutenaão do fuxo de tributos e do circuito de distribuiaão é tanto frágil quanto onerosas Na realidade os fundamentos do poder asiátco são movediaos e tremendamente suscetveis a abalos, pautando a ruptura do espaaos Decididamente, qualquer tensão adicional no sistema, ocasionada por epidemias, pragas, confitos, colheitas insatsfatórias ou cataclismos naturais, pode desartcular para sempre o espaao asiátcos 16 FIGURAS 2a e 2i - Cenas do iotdiano agríiola no Egito Faraôniio (Reproduzido de CARDOSO7 1982: 30). Exempliica tal modalidade de desmanche do espaao o ocaso dos Reinos do Incenso , veriicado nas terras legendárias da Felix Arábia (basicamente o atual Iêmen), após o desmoronamento da magnuica barragem que represava as águas do Rio Adhanat, provocado por um devastador abalo susmico em 542 dsCs 26 17 Prótese fundamental para manter o sistema de irrigaaão que transformou boa parte da Arábia meridional num prodigioso jardim de especiarias ao longo de milênio e meio, o rompimento do dique conigurou golpe de misericórdia para um processo de desmantelamento que estava em curso no arranjo espacial formado pelos antgos e renomados pauses dos perfumes e aromas, desastre do qual jamais se recuperarams O temor de uma ruptura do espaao explica a atenaão dada pelos soberanos da antguidade oriental para as obras de manutenaão de equipamentos como canais de irrigaaão, diques, barragens, pontes e fortalezass A ameaaa induziu a criaaão de mecanismos de controle e administraaão dos fuxos de energia, manifestos no entesouramento bens preciosos e criaaão de reservas de alimentos, neste caso, partcularmente de cereais e tubérculoss A magnitude do excedente arrecadado podia alcanaar proporaçes fenomenaiss No caso do Império Inca, a diversidade dos armazéns mantdos pelo Estado, assim como seu conteúdo, era frequentemente descrito com assombro: “Em 1547, cinco anos após a conquista europeia, Pólo foi capaz de alimentar 1s000 pessoas durante sete semanas com provisçes dos armazéns de xauxas Ele estmava que haveria ali mais de 85 milhçes de litros de alimentos, ainda armazenados após anos de saques e destruiaãos Não é necessário aceitar inteiramente como exatas as declaraaçes dos cronistas para notar que, aqui, havia um superavit cuidadosamente acumulado por operaaçes do Estado realizadas em larga escala” (Cfs TRAGTEMBERG, 1977: 26)s A preocupaaão em construir silos e outros sistemas de armazenagem de provisçes, que cumpriam a inalidade de acumular alimentos e calaar a seguridade diante dos peruodos de escassez, determinou a instalaaão das primeiras formas de equivalente universal, desde cedo identicadas com os metais preciososs Isto posto, vis a vis a outras modalidades de gestão pecuniária, em especial os templos transformaram-se nos primeiros bancos da antguidade, empapados de caráter sagrado, onde se aninhavam os deuses do comércio da antguidade (apud MARX, 1975b: 146)s Neste esforao em abduzir o excedente, de um ponto de vista sistêmico o campo de foraa do espaao asiátco atua sempre num sentdo centrupetos Isto é, volta-se para o interior do espaao consolidados Em tal amarradura, os fuxos monitorados pelo sistema (materializados nos tributos) e seus circuitos (as redes de captaaão), estão condicionados por pressupostos de centralidade, funaão esta levada a cabo pela rede urbanas 18 O entorno agropecuário que se espalha para além do circuito urbano está marcado pela simplicidade do aparato produtvo, cujo modus operandi, está funcionalmente combinado com a propensão pela autarquias As áreas dos cultvos associam-se com múltplos encaixes articiais, identicados com objetos espaciais como cidades, templos, palácios, vias de comunicaaão, ediicaaçes militares e obras hidrotécnicass No entanto, as próteses, diferentemente da espacialidade que hoje conhecemos, não estão voltadas para aprofundar o desenvolvimento das foraas produtvas do entornos Dantes, maximizam potencialidades pela centralizaaão de esforaos, tarefa esta assumida pelo Estado, com o qual estas próteses se confundems As grandes cidades e centros administratvos do mundo asiátco, polos de captaaão do excedente, conectam-se entre si ajustando papéis e atvidades, dando vida à circulaaão interna e coesão no espaao artculados Mercadores, estafetas, cortejos reais, procissçes rituais e deslocamentos militares animam contatos e intercâmbios, garantdos por vias de comunicaaão como rios, canais e estradas, cruzando todo o território e cuja seguranaa e conservaaão eram prioritários para o poder despótcos A complexidade e o estupendo porte desta estrutura espacial, que tanto assombra numa interpretaaão rápida e supericial, expressava, contudo, uma espacialidade dependente de recursos escassos, dau a necessidade de concentrá-loss Na realidade, a espacialidade asiátca sustentava-se com base em mecanismos simples de reproduaão social e espacials O comando, pelos estados orientais, “de quase toda populaaão não agrucola e o domunio exclusivo do monarca e da classe sacerdotal sobre esse excedente, proporcionavam-lhes os meios para construurem aqueles monumentos portentosos com que encheram o paussss Para movimentar estátuas colossais e massas enormes cujo transporte causa espanto, empregou-se, de maneira pródiga e quase exclusivamente, trabalho humanos Bastavam o número dos trabalhadores e a concentraaão de seus esforaos” (Richard Jones, citado in MARX, 1975b: 382-383)s O espaao asiátco somente é compreensuvel pela permanência do arcausmo em nuvel de aldeia, que sustenta uma estrutura da qual o Estado teocrátco é seu máximo desdobramento funcional, com ele convivendos A tenacidade e a resistência da aldeia às transformaaçes, que apesar de existrem são, no entanto, seguramente lentas, determinam a inalterabilidade e o isolamento da comunidade aldeã, cerne do sistema econômicos Nas suas últmas consequências, a autarquia espacial desdobra-se no isolamento da célula espacial maior, o espaao artculado pelo Estado Asiátco, dos domunios dos 19 demais reinos e impérioss Efetvamente, os Estados da Velha Ásia corporiicavam espaaos rigorosamente compartmentados, estanques entre sis Em paralelo, são bastante comuns ttularidades de caráter mágico e fabuloso, exacerbadas pelo desconhecimento e desprezo para com povos estrangeiros, diuturnamente endereaadas às áreas distantes ou escassamente conhecidas pelas civilizaaçes antgass No geral, as comunidades destes espaaos eram universalmente rotuladas como bárbaras ou semibárbaras, ou rebaixadas a categorias ainda mais desprezuveis, de semi-monstros e inumanos, pela máquina de Estado dos impérios asiátcoss Coerentemente, os mapas chineses, tal como muitas mostras da cartograia oriental (RAISZ, 1969: 10), identicavam a China como um império central e todos os outros pauses como pequenas ilhas ao redor, com destaques como “montanha do espurito do Fogo”, “paus dos homens superiores”, “grande montanha periférica”, etcs Esta predicaaão nada mais reforaa do que o senso profundamente difundido no imaginário das civilizaaçes asiátcas a perspectva pelo qual estas consttuuam um portentoso “centro do universo”, responsável por abrigar e proteger o essencial da vida civilizada (passim WALDMAN, 2006)s Reforaando esta pulsão, os Estados asiátcos dispunham-se pelo espaao terrestre muitas vezes cercados por imensidçes de Niemandsland 27, um confortável colchão territorial que protegia as soberanias orientais de contatos com alienugenas, isolando o império e amortecendo o impacto dos nômades e de outros grupos de invasoress Neste seguimento, as divindades, os códigos jurudicos e religiosos, a iconologia e a topoilia 28 do imaginário oriental demarcavam na percepaão do espaao, atributos que equalizavam entre si o território controlado pelo Estado, o espaao habitado e o meio ambiente, tomados tal como fossem uma totalidade única (WALDMAN, 2006 e 1994; TUAN, 1980)s Não por acaso, acidentes geográicos como rios, lagos e montanhas, as cidades mais importantes e monumentos sagrados, assim como sinais referentes a sutos dotados de mérito econômico, tais como portos, mercados, minas e pedreiras, estão referendados e/ou associados na cartograia asiátca, com apoio na toponumia e na iconograia, com divindades protetoras e outras referências cósmicass Não poderia passar despercebida no conjunto das sociedades do oriente, a concatenaaão entre a geograia concreta e uma geograia imaginária, esta últma conotada pela foraa, estma e seduaão suscitada por representaaçes imaginárias 20 classiicadas, pelo historiador e ilósofo romeno Mircea Eliade, como arquétpos celestais dos territórios, dos templos e das cidadess Senão vejamos: “Segundo as crenaas dos mesopotâmios, o Tigre tem o seu modelo na estrela Anunit e o Eufrates na estrela da Andorinhas Um texto sumério refere o lugar das formas dos deuses, onde se encontram os deuses dos rebanhos e dos cereaiss Também para os povos altaicos as montanhas têm um protótpo ideal no céus Os nomes dos lugares e das provuncias egupcias eram atribuudos de acordo com os campos celestes: primeiro reconheciam-se os campos celestes, que depois eram identicados na geograia terrestre” (ELIADE, 1978: 20-21)s Destarte, frequentemente se faz uso de eputetos sacros, geocentrados e fabulosos, relacionados a uma cartograia do sagrados Nesta averbaaão se insere Babilônia, que signiica “Portal dos Deuses”, Cuzco, que signiica “umbigo do mundo”, México 29, “Lugar do centro da Lua”, Lhasa, “Lugar dos deuses”s Mais diretamente ainda, temos metrópoles como Susa, na Pérsia, topônimo que honoriicava uma divindade regional elamita e Assur, que na antga Assuria era simultaneamente o nome da capital do império e da divindade principal do panteão divino 30s Mas, por detrás desta cartograia cósmica o respaldo funcional da cartograia asiátca são consideraaçes com viés iscal e cadastrals Foi em razão disto que os astecas encetaram, por exemplo, detalhado levantamento cartográico dos seus territórios, ironicamente utlizado mais tarde, com sucesso, pela milucia de Fernando Cortez na campanha militar castelhana de conquista do Vale lacustre do México, o núcleo espacial do Império Asteca (Figura 3)s Pontos nevrálgicos e nódulos condensadores de fuxos, as cidades asiátcas caracterizam-se pela funaão de centralizaaão administratva e não por uma atvidade produtvas Os centros urbanos localizam-se, normalmente, no cruzamento de rotas comerciais, locais propucios à captaaão de tributos, regiçes de interesse estratégico ou de acesso seletvo, sempre controlado pelo Estado, com o exteriors As cidades asiátcas revelam a essência do modo de produaãos Abrigam os quadros que compçem a comunidade superior: Déspotas, sacerdotes, artesãos, soldados, comerciantes e escribass Mas, o esplendor dos templos e dos palácios tem contrapartda na rustcidade do meio rurals Assim sendo, entre ambos, formou-se uma espécie de “unidade indiferenciada de cidade e campo”, em cujo seio, a grande cidade propriamente dita, 21 FIGURA 3 - O Vale do Méxiio7 iom Tenoihttlán e loialidades vizinhas aos tempos do ionquistador Fernando Cortez (Reproduzido de SOUSTELLE7 1972: 112). 22 “deve ser considerada como um acampamento de pruncipes, superpostos à verdadeira estrutura econômica” (MARX, 1975a: 74)s Em alguns casos, o Déspota e seus prepostos imediatos, deslocam-se de cidade para cidade numa “migraaão” cujo interesse é não só aianaar a autoridade das dinastas, mas também coletar tributos e oferendass Na Suria, durante a Idade do Bronze, “o rei migrava de cidade a cidade, recolhendo e consumindo in loco os tributos em espécie que lhe eram devidos” (CARDOSO, 1990: 73)s Desta necessidade da soberania mover-se pelo território do reino advêm múltplos casos de “descentralizaaão administratva”: faustosas capitais de verão e de inverno, de montanha e de planucie, sedes principais e secundárias da administraaão imperial, dispostas ao longo do espaao, enfatzando itnerários coincidentes com as principais linhas de foraa dos impérios asiátcoss Deste modo, no reino himalaico do Butan, tradicionalmente as cidades reais de Punakha e Thimphu desempenhavam alternadamente o papel de capitals Entre os governantes Aquemênidas da Pérsia, grandes centros urbanos como Susa, Ecbatana, Persépolis e Pasárgada eram utlizados em roduzio como sede do governo, desfrutando do status de cidades imperiais, todas abrigando magnuicos palácios, sempre prontos para recepcionar os governantes e o séquito do monarca (RIBEIRO, 1955)s Hipertroiadas e alheias ao campo, as cidades concentravam um aparato estatal dedicado ao controle dos campos em nome dos céuss As urbes notabilizavam-se por abrigar diversos serviaos, dentre estes o palácio, o templo (às vezes confundindo-se entre si), guarniaçes militares e vasto elenco de burocratas, artesãos e comerciantes, atores dependentes em alto grau do Estado teocrátcos Note-se que a rede urbana não pode ser explicada pelas atvidades comerciaiss Embora atendam às demandas locais por produtos e serviaos, o comércio com povos alienugenas, que satsfaz a procura por bens de prestgio e produtos raros e de luxo, é rigorosamente monitorado pelo Estados Isto quando o próprio aparato estatal não assume diretamente a organizaaão de expediaçes rumo aos pauses estrangeiross Neste recorte estão incluudas expediaçes dos egupcios às terras misteriosas de Punt e Oir 31 em busca de ébano, peles raras, animais exótcos e essências aromátcass Do mesmo modo, as realezas do Levante encomendavam partdas de cedros-do-lubano, panos tngidos e artefatos de vidro das cidades fenucias de Tiro, Sidon e Bibloss 23 Portanto, as trocas comerciais se resumem a um papel supletvo, descartando a opaão de colocar sob seu comando a direaão da esfera econômica e por extensão, da vida urbanas Portos e cidades mercants consttuem aberturas insttucionais dos Impérios orientais, sendo rigorosamente iscalizadas pela burocracia estatal 32s Estes poros do espaao artculado solicitam especial atenaão por se relacionarem com o exterior, ameaaador, na ótca dos Impérios asiátcos, pelo simples fato de estar fora do seu controles Em suntese, a cidade está submetda a uma agenda subscritada pelo mando estatal, que de resto monopoliza as decisçes da economia, cultura, religião e polutcas Como resultado, nos pauses orientais a hierarquia urbana não expressa qualquer artculaaão, mesmo em caráter embrionário, aludindo a uma autêntca geograia urbanas Epifenômeno de um modo de produaão que não dissociava, no plano temporal e do espaao, o campo da cidade, a rede urbana reunia os pontos terminais dos fuxos, mesclando-se à malha de tributaaão e aos imperatvos de sua preservaaãos À vista disso, cidades maiores ou menores traduziam escoamentos maiores ou menores de tributoss Por extensão, não condiziam com eventuais progressos de uma economia urbanas A cidade no mundo asiátco é assumidamente uma entdade acoplada ao mundo rural, que busca subordinar de todas as formass Neste sistema de engenharia (Cfs SANTOS, 1998, 1988 e 1978), as cidades materializavam fxos e terminais de fluxos, adiaçes ao natural, e nesta sequência, prótesess Esta moldura funcional, garantdora da preponderância polutca da cidade, é exacerbada, ademais, por uma “marca cósmica” que dá o tom nas atvidades aglutnadas na cidades Enquanto epifenômeno do dinamismo espacial asiátco, tal coniguraaão está atada a um mecanismo social ideologicamente voltado para a perpetuaaão de uma moldura social e econômica inseparável dos ciclos de matéria, água e energia apreendidos pelo Estados Consttuindo suporte funcional do espaao asiátco, o meio urbano é um intérprete privilegiado das modulaaçes encarnadas no sistema como um todos Refetndo um pendor pela inalterabilidade que parece estar perpetuamente guiando o sistema como um todo, consttui, nesta lógica, uma forma espacial rugidas Fruto e sumbolo do despotsmo oriental, a urbe asiátca reproduz esta vocaaão no interior tecido urbano, acomodando e hierarquizando os grupos sociais presentes na 24 vida urbana a partr do papel desempenhado na estrutura de poder social, polutco e econômicos A espacializaaão da rigidez social, consubstanciando uma estraticaaão social pouco afeita à mobilidade, transparecia nos bairros de castas Estes são constatados nos mais duspares teatros geográicos: na Índia 33, no Egito faraônico 34, assim como no Reino do Nepal 35s A saber, a extrema diferenciaaão encontrada nestes bairros não era representatva de qualquer dinamismo socials Inversamente, era sua exata negaaãos Paralelamente, a combinaaão destes ixos e fuxos no arranjo espacial asiátco era de modo quase paradoxal substantvada pela destruiaão do excedente duramente produzido e arduamente arrecadados O consumo suntuário do Déspota, os holocaustos oferecidos aos deuses e inclusive a realizaaão de sacrifcios humanos acatavam uma necessidade operacional, pois desta forma, o ciclo de tributaaão não cessava, prosseguindo em moto perpetuos Estes autêntcos rituais e festvais de dissipaaão de excedentes buscavam aquiescência cósmica, realimentando no plano objetvo, circuitos produtvos acoplados aos ciclos naturais, aos quais o aparato estatal ofertava direcionamento econômico, polutco e ideológicos Assim, eventos aparatosos e ostensivos de liquidaaão dos tributos arrecadados transcorrem nas sedes imperiais e sacerdotais, geralmente em templos colossais situados no centro das capitaiss Muitas vezes materializam hecatombes que duram dias e semanas, envolvendo a imolaaão de milhares de animais e de oferendas de cereais e frutass Isto quando não acedem a sacrifcios de vidas humanas 36s Não admira então que na paisagem urbana um objeto espacial de partcular interesse ganhe destaque: o templo, um prestgiado marco das sociedades orientais (Figura 4)s No geral, na própria arquitetura dos santuários é possuvel apreender seu caráter despótcos Altas muralhas circundam a construaãos As portas, além de altas, podem estar altvamente guarnecidas por torres ou piloness Não era incomum que soldados zelassem pela seguranaa 37s Para mais, o próprio dimensionamento do espaao arquitetônico ritual reduzia o iel apenas à condiaão de mero espectadors No Egito, tal como nas demais sociedades do Oriente, “a inalidade do templo é bem expressada pela sua disposiaão: ele não se destnava a reuniçes de uma grande comunidade de iéis, nem como habitaaão dos sacerdotes, mas à observaaão das imagens divinas; dos utensulios sagrados e dos tesouros” (CUVILLER, 1976: 346)s 25 FIGURA 4 - Plaia iomemoratva da inauguração do Grande Templo de Tenoihttlán: 8 ianiço = 1487 (Reproduzido de LEHMANN7 1979: 35). 26 Enquanto objeto espacial emblemátco da formaaão social oriental, o templo se converteu “numa verdadeira central energétca na qual são liberadas e se dirigem as foraas controladas pelos deuses, conforme um plano universal conhecido pelos técnicos, ou melhor, pelos oiciantes, que as manejam” (PUECH, 1977: 143)s Em consonância com os templos, no interior do tecido urbano das cidades asiátcas, se estabelece uma sinergia com outro objeto espacial, verdadeiro centro vital, que protegia o “elo de ligaaão entre o céu e a terra”s Era o palácio, a residência do Déspotas Generalizando a denominaaão dada ao quarteirão que em Pequim abrigava os imperadores, o espaao palaciano e suas dependências podiam formar uma cidade proibida, vedada ao comum dos mortaiss Note-se que a despeito de consttuir a habitaaço do Deus vivo a cidade proibida não estava necessariamente acoplada ao recinto ao templos Todavia, este pormenor era insigniicante diante da simbologia religiosa que permeava a igura do Déspotas A cidade proibida, espaao de um ser divino ou divinizado, detnha em si mesma, conotaaçes sacerdotais, mágicas ou religiosas 38s A cidade proibida era um ponto sensuvel do espaao asiátcos Na consciência social das sociedades orientais, “a fertlidade da natureza, dos campos, e por extensão do ser humano, apareciam como atributo intrunseco do Déspota” (BANU, 1978: 305)s A sustentaaão mágico-religiosa do espaao pessoal do Déspota é evidentes Em últma análise, a Cidade Proibida garanta, aos olhos dos que comungavam das antgas identdades civilizatórias, os equilubrios celestais entre o céu e a terras Rituais cósmicos desenvolviam-se neste espaaos Exempliicando, estes aconteciam na China imperial, onde o Ming T'ang, ou Casa do Calendário (Figura 5), era uma prerrogatva régias Tratava-se de uma construaão impregnada de simbolismo espacial, um recôndito privatvo do imperador, onde a disposiaão dos aposentos procurava representar o plano do mundo e das nove provuncias do honorável Tsong Go, o “Império do Centro”, qual seja, a Chinas Cabia, pois ao imperador animar este autêntco mandala circulando em seu interior, inaugurando sucessivamente as estaaçes e os meses, promulgando um novo calendário ao término do trajeto anual (CUVILLIER, 1975: 144-146 e JOPPERT, 1978: 126-128)s 27 FIGURA 5 - O Ming T'ang ou Casa do Calendário Reionsttuição de aiordo iom os textos ilássiios (Fonte: STEINHARDT7 Naniy. Chinese Architecture. Yale University Press7 New Haven and London/New World Press7 Beijing. 2002. In: Pinterest: < https://ir.pinterest.iom/ >. Aiesso: 12-02-2018). Estes dimensionamentos espaciais conferem à cidade asiátca um cunho original, diferente da polis grega, da urbe medieval e dos burgos que nascem com o alvorecer da economia de mercados No caso asiátco, é patente sua dependência para com o Estado, razão de seu poderio e riquezas Surpreendentemente, o destno das cidades asiátcas contradizia a imagem de fausto e magniicência que emanavams Intmamente relacionadas com o aparato de Estado, eram partcularmente sensuveis a quaisquer abalos sociais, polutcos e econômicos que interferissem com sistema de engenharias Indo direto ao ponto, sem a garanta do poder despótco, elas não possuem razão nenhuma para contnuar existndos Na hipótese de uma incisiva crise estrutural, a cidade asiátca chega a “desaparecer”s Tais inadas aglomeraaçes transformam-se então em objeto de relatos fantástcos, de menaçes que surgem nebulosamente nalgum registro cuneiforme retrado das 28 areias do deserto ou na literatura orals Tornam-se as icônicas “cidades perdidas”, celebrizadas pela literatura romântca dos escritores europeuss É neste prosseguimento que a selva terminou por agasalhar os audaciosos templosmontanha do Império Khmer, como Bayom e Angkor Wats As areias, por engolirem orgulhosas urbes da antga Ásia Oriental, cidades como Nunive, Ebla, Lagash, Sippar, Ur e Maribs Quanto às cidades Maias, estas se transformam em verdejantes colinas da foresta equatorial no México e no Yucatán, indiscernuveis da paisagem dos arredoress Mas independentemente da cobertura natural que agasalha o que resta das velhas metrópoles, estas rugosidades, doravante, estão inertes, desvencilhadas de qualquer proatvidade espacials Por esta razão, desapropriadas de propensão inercial, se confundem com a natureza e não mais condicionam novos dinamismos geográicoss Ironicamente, cada vez que um sistema de engenharia asiátco é sumariamente destruudo, por conta de invasçes de um povo estrangeiro ou por uma violenta convulsão social, o desaparecimento das cidades não é acompanhado pelo das velhas aldeiass Elas são reconstruudas, invariavelmente, no mesmo lugar para, talvez um dia, serem novamente subordinadas por um novo Estado Asiátco 39s Em nenhuma outra formaaão social do passado, a necessidade de um planejamento espacial pressupondo uma contabilidade dos recursos naturais e humanos, assim como um ordenamento dos fuxos foi tão palpável como no modo de produaão asiátcos Tal peculiaridade é observada por estudiosos como geógrafo e economista húngaro Eugen VARGA (1978: 53-65), que sublinha ser a preocupaaão com a demograia poderuamos dizer, uma verdadeira polutca demográica 40 - e o exacerbado cuidado na mensuraaão do solo, uma singularidade da sociedade orientals Note-se que o sistema de engenharia, por ser frágil, necessitava de metculoso planejamentos Os mecanismos de controle das entradas e das saudas do sistema, dos deslocamentos e o conhecimento dos ciclos naturais dos quais estas civilizaaçes estavam imersas, consttuuam prioridade absolutas Logo, progridem a matemátca, hidráulica, metalurgia, contabilidade, métodos de administraaão, agrimensura, engenharia, arquitetura e astronomias Ligada a esta últma, a elaboraaão de calendários confeccionados com apuro rigoroso (Figuras 6a e 6b), não por outra razão senão por serem essenciais para o trabalho agrucola e rural em gerals 29 FIGURAS 6a e 6i - Aiima: os vinte símiolos dos dias dos Maias (Reproduzido de LEHMANN7 1979: 59). Aiaixo: Os símiolos dos dias entre os Asteias (Reproduzido de LEHMANN7 1979: 45). 30 Porém, nenhum destes avanaos confita com a reproduaão horizontal do sistema, estando limitados, nesta acepaão, à coniguraaão material substantvada na relaaão com o espaaos Não admira, pois que apesar da suntuosidade das obras e da exatdão dos cálculos matemátcos, os processos técnicos de trabalho perseveram no modo de produaão asiátco, centrados na exploraaão direta da comunidade aldeã por meio de tributos e da exaaão da foraa de trabalho do campesinatos Exempliicando, a construaão das pirâmides, da muralha da China e dos imensos reservatórios de água do antgo Sri Lanka, não transformou a capacidade de cálculos matemátcos em tecnologia passuvel de aprimorar o processo de construaão destas mesmas obras, que apenas contava com a foraa das mãos dos camponesess Coerentemente, esta moldura técnica e econômica pouco soistcada, estaqueada na concentraaão dos esforaos de unidades espaciais isoladas, induziu que os gestores do Estado asiátco procurassem delimitar internamente o território do Estado para ins de controle, obtenaão de tributos e requisiaão de trabalho compulsórios Portanto, as comunidades aldeãs são cuidadosamente cadastradas e inseridas em circunscriaçes provinciais ou então, apela-se para a chancela de molduras territoriais que em vários contextos consttuuam heranaa espacial do passado, frequentemente proto-reinos ou pequenos estados assimilados pelo império, a célula espacial maiors Diferentes dinastas reinam incorporando uma heranaa espacial que pode remontar, em alguns cenários, ao Peruodo Neolutcos Por isso, na maioria dos casos o Estado asiátco sugere uma composiaão em mosaico, composto por segmentos encadeados uns aos outross Nos impérios asiátcos, este ladrilho é composto por peaas como o nomo (ou spat, no Egito), satrapias (Pérsia), pelo lugal (Mesopotâmia) e pelo principado ou provuncia (na China)s Conigurando unidades adjuntas do Estado asiátco, as circunscriaçes provinciais são administradas por prepostos do Déspota, dependentes diretamente do poder central 41s Embora colocadas sob rugido controle do imperador, que estabelece em alguns casos sistemas de auditoria e de espionagem - caso dos olhos e ouvidos do rei, modelo criado pioneiramente pelo Astages, rei da antga Média e posteriormente adotado pelos soberanos persas - o controle do espaao permanece volátls Reconhecidamente a fruiaão do poder despótco era travada pela própria natureza autárquica das unidades provinciais, contraditoriamente reforaada pelo Estado asiátcos No Egito, como na maioria dos impérios orientais, “paradoxalmente, a própria centralizaaão podia fortalecer as provuncias, pois as necessidades do poder 31 central em reforaar seu controle sobre o território os levaram a criar numerosos centros de poder, cada um tendendo à autonomia local” (TUNES, 1990: 61)s Deste modo, enquanto o Estado asiátco como um todo tem diiculdades em manter seus equilubrios internos, o nomo, a satrapia, o lugal e o principado mostram-se mais persistentes e perduráveiss Em razão disto, as fronteiras provinciais são quase sempre invariáveiss Mas não as dos impérios, que oscilam em razão do prestgio da dinasta governante e das vicissitudes polutcass Exempliicando, os nomos egupcios, antgos potentados locais uniicados pelas conquistas dos faraós, perduram desde a época das primeiras dinastas até a dominaaão romanas Na China, mesmo a violenta anarquia resultante do peruodo dos Reinos Combatentes (206 asCs-24 dsCs), não colocou im à divisão territorial outrora estabelecida nos tempos da Dinasta Shang (1558-1046 asCs)s Obcecado pelo domunio de um espaao que teima, permanentemente, por escaparlhe de suas mãos, o Estado estabelece, auxiliado por sua “burocracia celestal”, diferentes diretrizes polutcas de controles Na Pérsia, as satrapias consttuem áreas cujas tradiaçes são, ao menos num critério asiátco, respeitadas e fortalecidas pelo poder centrals Noutros contextos, como nos Impérios Assurio e Neobabilônico, o poder recorreu à deportaaão em massa como estratégia para submeter as populaaçes conquistadas, uma medida modelarmente exempliicada no desterro do povo judeu para Babilônia (Figura 7)s Além do mais, o Estado precisava conter a evasão de descontentes, motvando rugido controle das fronteirass Especialmente os camponeses abandonam seus espaaos de vida, procurando escapar da férrea dominaaão estatals Nesta perspectva, seria lucito indagar, por exemplo, se na Indochina, a “marcha rumo ao sul (Nam-Tien) do campesinato vietnamita, que o conduziu por dez séculos do delta do Rio Vermelho ao delta do Mekong, não foi uma fuga rumo ao sul, uma forma de resistr à opressão da monarquia e da burocracia estatal” (Cfs CHESNEAUX, 1975: 63)s Aparentemente, tensçes socioespaciais também parecem explicar a eclosão do povo ciganos Provavelmente integrantes de castas da Índia setentrional cujos ofcios eram social e culturalmente estgmatzados, lides como a forja e artesanato dos metais, adestramento de animais e quiromancia 42, estes segmentos teriam pouco a pouco ingressado num processo de etnizaaão, em paralelo à adoaão do nomadismo como forma de evasão do controle exercido pelos grupos dominantes (Cfs CLÉBERT, 1965: 125)s 32 FIGURA 7 - Deportação de população pelos Assírios (Reproduzido de PARROT7 1955: 33) Neste pormenor, alerte-se que as sociedades orientais não raramente advogam como norma regulamentos jurisdicionais duros e impositvos, saturados de castgos cruéis e prátcas retaliatórias (Figura 8), sendo que predicaaçes com este mote são, aliás corriqueiras em normatzaaçes legais como o Código de Hamurabi, que ratica estas prátcas como base na Lei de Talião, raticando a reciprocidade entre crime e castgo (Vide BOUZON, 1976)s Noutras situaaçes, a evasão da populaaão consttui, a posteriori, fonte de ameaaas permanentes para a gestão do território dos quais estas populaaçes são origináriass Os relatos que chegam dos impérios orientais registram perseguiaão àqueles que procuravam outras paragens para seguirem suas vidass Muitas destas tentatvas são frustradass Todavia, não todass 33 FIGURA 8 - Baixo-relevo da antga iidade maia de Yaxihilán (Sul do Yuiatán)7 retratando o suplíiio da língua7 uma penitêniia ritual (Reproduzido de LEHMANN7 1979: 64). 34 No antgo Oriente Médio, populaaçes inteiras, identicadas com diferentes origens étnicas e sociais, destacando-se ou colocadas à margem do poder despótco, originaram densas concentraaçes de habiru, palavra de origem acádica que designa bandos de insurgentes a margem do controle estatal (passim SCHWANTES, 1984)s Estes habiru, que nos informes das chancelarias do oriente próximo são igualmente denominados hapiru ou apiru, formavam ajuntamentos heterogêneos, turbulentos e incontroláveiss Reunindo atores como nômades, camponeses sem-terra, escravos fugidos, salteadores, pastores, mercenários e rebeldes, os habiru buscavam proteaão e seguranaa na periferia dos grandes impérios do Fértl Crescente, espaao onde o poder despótco tnha diiculdade de alcanaá-loss Mencionados insistentemente pelos órgãos de controle do Reino de Mari, dos faraós, os reinos da mesopotâmia e dos principados cananeus, os hapiru consttuuam fonte permanente de ansiedades A despeito da disparidade militar, os habiru pressionavam contnuamente as fronteiras, logrando sucessos pontuaiss Para muitos especialistas, os hapiru seriam os responsáveis pela criaaão, no território surio-cananeu, de novas células espaciais, dentre as quais os estabelecimentos hebraicos 43 da Palestna (SCHWANTES, 1984: 67-68)s No que seria correto admoestar, a organizaaão e o planejamento burocrátcos do espaao asiátco, além de não conterem as contnuas evasçes da populaaão, um recurso vital para o Estado, sequer consttuuam garanta de coesão territorial internas Frequentemente, súbitas e inesperadas incursçes de nômades rompiam as defesas espaciais, ultrapassando longas muralhas e conquistando vastos territórioss Tudo acontecendo sob o olhar compassivo e apata por parte da massa camponesa, para a qual o destno da casa real lhes é indiferentes Este quadro não é imune a contradiaçes internas que germinam no corpo dos impérioss Crispaaçes podem se acirrar por conta de contradiaçes entre os Déspotas e seus prepostos, provocadas pela disputa das fraaçes do excedente disponuvels Estes litgios estmulam levantes regionais, que quando bem-sucedidos, decorriam em novas formaaçes estatais, fraaçes em miniatura do império desmantelados Porém, partcularmente são as revoltas camponesas, eventualmente combinadas com a invasão de estrangeiros ou com levantes dos sátrapas, nomarcas e chefarias locais, que colocavam em cheque a ordem estabelecidas 35 As insurgências dos “de baixo” refetam o máximo acirramento das tensçes sociais e espaciais, cuja marca caracterustca é o fato dos recursos requeridos pelo Estado entrarem em contradiaão com a possibilidade objetva de atendê-loss Levada às últmas consequências, a crise asiátca colocava sob risco iminente o poder do Déspota e a própria existência do Estados Por isso mesmo, a ideia de unidade, fundamentada num vunculo conectando as divindades, o Déspota e as funaçes polutco-jurudicas e de organizaaão (normatva e repressiva) do Estado, com o funcionamento ordenado do cosmos e a fertlidade dos campos, é de trânsito tão frequente na ilosoia das civilizaaçes asiátcas (Figura 9)s FIGURA 9 - Imperador assírio Assurianípal ofereiendo uma liiação aos deuses (Reproduzido de PARROT7 1955: 54) Esta ideaaão associava-se na esfera das representaaçes especiicamente orientais, à imagem do universo-organismo vivo ou à ideia do universo-ovo, encontradiaas por todo o oriente (BANU, 1978: 299-303)s Certo é que esta unidade, concretamente artculada a partr da unidade aglutnante encarnada no Déspota, não podia sobreviver na hipótese que os circuitos espaciais montados para aianaar o status quo fossem fragilizados e muito menos, que a fruiaão dos tributos cessasse (Figura 10)s 36 FIGURA 10 - Chegada de triiutos da Feníiia para o Imperador assírio Salmanasar III (Reproduzido de PARROT7 1955: 23). Assim, a imprescindibilidade de assegurar o arranjo espacial consolidado originou representaaçes fantástcas, nas quais a organizaaão espacial do Estado Asiátco irma-se no plano imaginário, em arquétpos celestais situados no extra-mundo (Cfs ELIADE, 1978: 21-35)s As cidades, templos e sutos sagrados são considerados omphalos - “umbigos do mundo”, “centros do universo” - ao redor dos quais são artculados diferentes nuveis, gradientes e balanaos energétcoss Nesta cosmovisão, o apanágio da centralidade conjuga-se a um plano geral de percepaão do espaao, refexo das tendências objetvas que responsáveis por sua formataaãos Artculado por uma relaaão homem-natureza que possuua um escasso conteúdo de artifcialidade, a relaaão entre o centro e seu entorno é mediada por um arranjo espacial que tendia para a perdurabilidades E ademais, regido por uma concepaço cíclica do tempo, na qual este se renovava contnuamente (ELIADE, 1978: 88-106)s A ruptura da unidade, ou seja, da espacialidade, traduzia-se, pois, pela imagem do caos, da desordem, de crises temporo-espacial-ecológicas, que punham a perder os ciclos socialmente controlados de matéria, água e energias A oposiaão entre território afável, conhecido e habitado, o Cosmo e o espaao hostl, desconhecido e não submetdo aos humanos, o Caos, tpica das sociedades tradicionais (BETTANINI, 1982: 86-88), encontrava na ruptura da espacialidade asiátca um momento cataclusmico, através do qual o caos triunfava sobre o cosmoss 37 A autoimagem das civilizaaçes orientais remeta a uma isolada ilha de ordem, aglutnando uma Humanidade perfeita e tudo do que mais honorável existria no universos Ao mesmo tempo, este naco de civilizaaão estava solitariamente cercado pelas foraas quase incontroláveis do caos (Figura 11), ameaaando permanentemente submergir a ela e todos os seus habitantess Não por outro motvo porque os guardiçes da ordem cósmica estariam, no inal das contas, sujeitos a falhar no cumprimento de sua missão (Vide WALDMAN, 2006)s FIGURA 11 - Atroz visão assíria do aiismo Tiamat7 tragando todas as formas de vida. 38 Nesta derivaaão, aos olhos da sociedade oriental, a desartculaaão do espaao habitado consttuua um autêntco inal dos tempos, antecipado por preiguraaçes simbólicas e culturaiss Assim, ao longo de toda a história, o mundo asiático travava uma guerra sem quartel contra a abominaaço do caos e as poderosas foraas do abismos Para o esforao incessante em afastar esta ameaaa, equilubrios hidrotécnicos, os zelos em manter a rede de irrigaaão 44, a administraaão dos recursos naturais numa linha de perdurabilidade e a reposiaão do potencial produtvo dos solos - eventualmente combinada com medidas de cunho proilátco 45 - eram fundamentaiss s Apenas com uma criatva administraaão dos recursos, sempre sob uma base técnica rústca, seria possuvel manter ou não a dinasta reinantes Assim, muito mais do que um “compromisso ambiental” ou idulicas preocupaaçes ecológicas, os soberanos da antga Ásia sabiam que das colheitas, correspondiam bons ou maus governos (MARX, 1976: 22)s Enim, tudo conspirava em favor de uma permanente inquietaaão, da qual os soberanos orientais jamais se distanciavams 39 III. ESPACIALIZAÇÃO E ICONOLOGIA Sintetzando os conteúdos da espacialidade asiátca, o Gráfco Espacializaaço e Iconologia (Figura 12), destaca as analogias e correspondências axiais existentes entre as preiguraaçes imaginárias presentes no ideário oriental e a materialidade da formaaão social asiátcas FIGURA 12 - Gráfio Espaiialização e Iionologia: “Mais uma vez aqui a noção de relatvidade introduzida por Einstein7 apareie iomo fundamental porque suisttui o ionieito de matéria pelo ionieito de iampo7 o que supõe a existêniia de relações entre a matéria e a energia. Numa iomparação talvez grosseira7 as formas seriam iomparáveis à matéria e a energia7 à dinâmiia soiial” (SANTOS7 1978: 122). Temos assim que a forma de espacializaaão coincide com a iconologia das civilizaaçes asiátcass Da mesma forma que os mandalas, que reúnem uma rugida geometria espacial com uma percepaão cósmica do espaao, temos um centro concentrador de energias (centro do mandala/capital do Estado Asiátco) e uma periferia dispersoras 40 O espaao é objeto de mensuraaão ou delimitaaão, substantvado na imagem do quadrado, sacramentado por muitas civilizaaçes orientais como sua representaaão exclusivas Quanto ao tempo, este é eternizado, representado na imagem do curculo ou do tempo cuclico, desenvolvido até a exaustão pelos chineses, indianos, maias e os povos da área cultural semitas A espacializaaão efetvada pelo modo de produaão asiátco e sua iconologia traduzem a aspiraaão pelo controle perpétuo das superfciess Romper as linhas do mandala ou as fronteiras do Estado signiica colocar em risco uma organizaaão cósmica, traduzida no pensamento oriental como peruodos de triunfo do caoss Contudo, igualmente se prognostcava o esgotamento do tempo não excluua a possibilidade de advir uma renovaaão, uma retomada do equilubrio, sinonimizada com a restauraaão da ordem, ou seja, do Estado (passim WALDMAN, 2006 e 1994; CARDOSO, 1990b; VARGA, 1978; ELIADE, 1978: 107-150; SOFRI, 1977)s A restauraaão do Estado signiica retomar os ciclos naturais, a fertlidade do solo, abundância das colheitass A prosperidade, enims Tudo isso guarda manifestas relaaçes de intmidade com a crenaa no eterno retorno, pelo qual o futuro não se distngue daquilo que foi 46s Esta visão qualitatva do espaao e do tempo guarda, pois, ligaaçes untmas com as visçes cosmológicas que grassavam na Velha Ásia, como nos mandala, imago mundi onde estão consagradas as possibilidades tanto de ruptura quanto de perpetuaaão da harmonia entre o céu e a terras Isto posto, destacamos no Gráfco Espacializaaço e Iconologia: 1. Capital: É a habitaaão do Déspota e do séquito sacerdotal, assim como um centro concentrador de tributos e organizador dos gradientes energétcoss Trata-se de um axis mundi, associado com o centro da ordem cósmica, consttuindo, pois um omphalos, ou seja, o “centro do universo” ou o “umbigo do mundo”, caso de Babilônia, Mênis, Jerusalém, Cuzco, Karakorum, Aksum, etcs Assume também a feiaão de uma cidade-templo ou templo-montanha, caso de Angkor Wat (Império Khmer) e Borobudur (Reinos Sanjaya e Sailendra, em Java, na Indonésia)s 2. Províniias: São centros menores, geralmente com divindades próprias, que terminam incorporadas num panteão mais abrangente (tal como ocorre no Egito, na Índia e Mesopotâmia)s São estabelecidas pelo poder central ou resultam, mais regularmente, da incorporaaão de unidades polutcas anteriormente independentess Em situaaçes de crise, almejam a secessão do Estado Asiátcos 41 3. Fronteiras: São simultaneamente limites polutcos e de infuência ou alcance máximo de uma divindade e/ou panteãos Confundem-se com os limites objetvos da administraaão burocrátcas As fronteiras justicam um enclausuramento que é a marca das sociedades asiátcas, condiaão fundamental para a preservaaão da ordems Obstáculos naturais - oceanos, desertos, estepes e o curso dos rios, dentre outros assinalam os limites do impérios Na falta de obstáculos naturais, erguem-se sistemas demarcatórios articiais, como a Muralha da China e o Muro dos Pruncipes (no antgo Egito, rente ao delta do Nilo)s As fronteiras servem para delimitar com exatdão o principal recurso fsico: a terras São rigidamente controladas para impedir a entrada de estrangeiros assim como a evasão dos súditoss 4. Báriaros: Conjunto de povos que habitam as áreas ao redor do Estado Asiátco (o Tsong Go, Império do Centro, isto é, a China; Twantisuyo, Império dos Quatro Cantos da Terra, área Inca), parcial ou incompletamente submetdos ao poder despótcos Eventualmente tributados por expediaçes punitvas - razzias - guardam relaaçes de hostlidade com os impérios asiátcoss Contradiaçes entre as provuncias e o poder central favorecem invasçes destes povoss Quando vitoriosos, geralmente terminam incorporados como novo grupo dominante, assimilando os cânones polutcos da sociedade invadidas É o que sucedeu relatvamente aos mongóis, na China e aos hicsos, no Egitos 5. Arquétpo Celestal: É o paradigma imaginário da espacialidade concreta, sua reproduaão extramundos O arquétpo é habitado por divindades dispostas em um panteão, geralmente com uma divindade ttulars A realizaaão de holocaustos e sepultamentos suntuários, a construaão de complexos templários, necrópoles ou de construaçes como pirâmides, a eleiaão de pontos especuicos do espaao como emanaaão do sagrado, formas de queima e de abduaão do excedente econômico qual seja, de energia - sustentam este plano imaginários 6. Feixes: Inputs e outputs, interligando o espaao concreto do modo de produaão asiátco com dado arquétpo celestals Inputs (6a): fertlidade do solo, dos rebanhos e da populaaão; ciclos hidrológicos em harmonia; paz interna; ampliaaão da área cultvada; ausência de pragas e de cataclismos naturais; prosperidade para o reinos Outputs (6b): holocaustos; funerais pomposos do Déspota, prepostos e dos grandes sacerdotes; entesouramento para além vida; sacrifcios de oferendas agrucolas e pastoris, eventualmente de seres humanoss 7. Ciriuitos e Fluxos: Da periferia para o centro, o fuxo de tributoss Do centro para a periferia, obras públicas, proteaão militar e integraaão cósmico-ideológicas Nos peruodos de estabilidade espacial, as foraas centrupetas são predominantess Quando 42 ocorrem crises, predominam foraas centrufugass A toraão do espaao pode ocorrer seja pela tributaaão exacerbada ou pelo esgotamento ecológico do territórios O fato das civilizaaçes asiátcas terem artculado o espaao predominantemente com base na agricultura, ou seja, em ecossistemas simplifcados, tornou-as alvo de catástrofes naturaiss Por outro lado, escassamente marcadas pela articialidade das formas e dos conteúdos espaciais, a destruiaão da espacialidade asiátca geralmente não tem como pressuposto a esterilizaaão ou desvitalizaaão absoluta do espaaos Quase sempre forestas, pântanos, desertos e rios, cujos ritmos são normalmente contdos, mas não inapelavelmente desmantelados, retomam seus ambientes originais, encetando uma reoriginalizaaço das formas e dos processos da natureza segunda do modo de produaão desagregado (Figura 13)s FIGURA 13 - Imagem paradigmátia de Angkor Wat: templo-montanha Khmer agasalhado pelo retorno da mata equatorial. 43 CONCLUSÕES Uma consideraaão axial é que de modo universal, as estruturas asiátcas terminaram extntas, exauridas ou numa sentenaa direta, inquestonavelmente desartculadas pelo avanao da modernidade ocidentals Por isto, muitas das contextualizaaçes da Velha Ásia reportam a realidades mortas, pertencentes a um passado irremediavelmente selado, não mais consttuindo uma referência organizadora dos arranjos espaciaiss Consequentemente, não é mais possuvel subentender uma presenaa dinâmica dos antgos sistemas de aldeias e da autarquia econômica, há muito tempo suprimida pelo avanao da economia de mercados Tampouco podemos encontrar Estados despótcos, que deixaram de existr pela vitória universal do conceito de Estado-naaãos Aparte os remanescentes e pobres restos do antgo modo de produaão que sobrevivem aqui e acolá, as caracterustcas básicas de funcionamento dos antgos sistemas de engenharia do oriente pertencem deinitvamente ao passados Assim, o que resta da espacialidade asiátca são elementos que aguardam propriamente não um retorno ao passado, mas, novamente, uma ressemantzaaãos Por outro lado, nada do que foi elencado em termos do espaao concreto pode ser transposto mecanicamente para as preaçes que habitam o imaginário dos povos da Velha Ásias As civilizaaçes do mundo oriental contnuam dar mostras da sua foraa inercial, não na concretude espacial propriamente dita, mas sim, nas profundidades, no âmago do imaginário socials A partr do momento em que estas se mantêm vivas na consciência das populaaçes, a Velha Ásia reúne condiaçes para irromper das brumas do passado e, desta forma, contnuar a gerar histórias É a partr da infuência mantda junto à psique nacional de diversos povos que o oriente contnua a fazer-se presente, infuenciando os mais diversos processos sociais no Terceiro Mundos 44 Deste modo, em meio a fortes tensçes sociais, polutcas e econômicas, diversas “fantasmagorias orientais” terminaram por conquistar expressão no cenário polutco e, em alguns momentos, inclusive num papel centrals Recorrentes em muitos pauses do Terceiro Mundo, tais ideaaçes constantemente advertem aos que advogam ser a globalizaaão um processo irreversuvel, coroado pelo sistema de valores criado pelo mundo ocidental, que nada disso poderia ser tão simples ou, então, tão fácils Numa clara demonstraaão de que as preaçes imaginárias do espaao não ressurgem desacompanhadas de contextos especuicos, que modelam ou reconstroem sua tvidade, os deuses, foraas cósmicas e as divindades que reaparecem das profundezas do passado reivindicam novo mandatos Agora, estas divindades ressurgem para condenar o uso predatório dos recursos naturais, para defender direitos culturais e religiosos, para reivindicar autonomia para as minorias étnicas, para advogar a emancipaaão dos povos não-representadoss Não por outra razão senão porque este passado asiátco, que sobrevive na memória de grupos, povos e culturas, contnuará a gozar de grande prestgios Principalmente porque o sistema ocidental de vida, para estes mesmos segmentos, não signiicou nem progresso, nem desenvolvimentos E neste momento crucial em que o Planeta observa o recrudescimento da crise ambiental, o que se tem é um sistema hegemônico que se consttui numa ameaaa real à contnuidade da vidas Numa escala tal, que o oriente terminou incorporado à dimensão do naturals Nesta refexão, irmam-se duas certezas: uma, o caráter irredutvel do espaao como nexo primordial para a vida social; segundo, o quanto o estudo do espaao não permite dissociaaão das formas de percepaão historicamente dadass Uma interaaão que propicia novas frentes de investgaaão para a geograia, que não pode se restringir ao estudo do espaao em sis Mas primordialmente a um espaao que é substantvado por humanos em sociedade, que irmam e renovam contnuamente suas expectatvass 45 BIBLIOGRAFIA ABBAGNANO, Nicolas Dicionário de Filosofas Atualizado e ampliado por Giovanni Forneros 4ª ediaão, 3ª reimpressãos México (DF): Fondo de Cultura Economicas 2010; ABBAGNANO, Nicolas Diccionario de Filosofas 2ª ediaãos 8ª reimpressãos México (DF): Fondo de Cultura Econômicas 1991; AMET, Pierres As Civilizaaões Antigas do Médio Orientes Lisboa (Portugal): Publicaaçes Europa-Américas 1974; AUGÉ, Marcs Note Sur Les Rapports Entre Espace Social et Systémes Symboliquess Paris (Franaa) : Annales Économies, Sociétés, Civilisatons (ESC), n°s 6, pps 1251-1259s 1985; BANU, Ions La Formación Social "Asiatica" en Ia Perspectiva de Ia Filosofa Oriental Antiguas In El Modo de Producción Asiátco, Roger Bartra (organizador)s México (DF): Ediciones ERAs 1978; 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Espaao e Modo de Produaço Asiático: A Organizaaço do Espaao Geográfco nas Primeiras Sociedades Estatais. Série Antropologia do Espaao, Coleaão Acadêmica Nºs 1s São Paulo (SP): Editora Kotevs 2018s 2 Mauríiio Waldman é antropólogo, jornalista, pesquisador acadêmico e professor universitários Militante ambientalista histórico do Estado de São Paulo, Maurucio Waldman somou a esta trajetória experiências insttucionais na área ambiental e uma carreira acadêmica com contribuiaçes no campo da antropologia, geograia, sociologia e relaaçes internacionaiss Waldman foi colaborador de Chico Mendes, Coordenador de Meio Ambiente em São Bernardo do Campo (SP) e Chefe da Coleta Seletva de Lixo na capital paulistas Nos anos 1990, partcipou no CEDI (Centro Ecumênico de Documentaaão e Informaaão, São Paulo e Rio de Janeiro), em movimentos em defesa da Represa Billings no Grande ABC Paulista e em diversas entdades ecológicas, dentre as quais o Comitê de Apoio aos Povos da Floresta de 1 São Paulos Também partcipou do Comitê de Fiscalizaaão do Reator Nuclear do Projeto Aramar, em Iperó (SP)s Autor de 18 livros e de mais de 700 artgos, textos acadêmicos e pareceres de consultoria, Waldman é autor, dentre outras obras, de Ecologia e Lutas Sociais no Brasil (Contexto, 1992), Antropologia & Meio Ambiente (SENAC, 2006), primeira obra brasileira no campo da antropologia ambiental e de Lixo: Cenários e Desafos - Abordagens básicas para entender os resíduos sólidos, obra inalista do Prêmio Nacional jabut de 2011 ( Cortez Editoras 20100s Maurucio Waldman é graduado em Sociologia (USP (1982), Licenciado em Geograia Econômica (USP, 1992), Mestre em Antropologia (USP, 1997), Doutor em Geograia (USP, 2006), Pós Doutor em Geociências (UNICAMP, 2011), Pós Doutor em Relaaçes Internacionais (USP, 2013) e Pós Doutor em Meio Ambiente (PNPD-CAPES, 2015)s Mais Informação: Portal do Professor Mauríiio Waldman: wwwsmwsprosbr Mauríiio Waldman - Textos Masterizados: hip://mwtextosscomsbr/ Curríiulo Plataforma Lattes-CNPq: hip://laiesscnpqsbr/3749636915642 474 Veriete Wikipédia (BrE): hip://enºswikipediasorg/wiki/Mauricio_Waldman Contato Email: mw@mwsprosbr 3 A terminologia objeto espacial corresponde a um acréscimo articial resultante da intervenaão humana em sociedade no espaao, passuvel de redeinir os fuxos originais do meio natural e induzir aqueles que animam a paisagem antropogênica (passim SANTOS 1998, 1988 e 1978)s 4 Este texto faz uso da noaão de concrescência tal como elaborada pelo ilósofo britânico Alfred North Whitehead (1861-1947)s O conceito, proposto enquanto uma leitura ampliada do processo de concreaço tem, na adiaão simultânea dos aspectos fsicos, imaginários e espirituais, indissoluvelmente irmanados e atvos entre si, seu nexo epistemológico fundante (ABBAGNANO, 2010: 204)s 5 Raubwirtschaf é terminologia universalizada pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844-1904), conotando uma economia de roubo, de pilhagem, de butim, de rapina, ou ainda destrutivas O jargão é utlizado, mormente quando o foco da análise são as prátcas da economia colonials 6 As denominaaçes oriental e tributária, que convivem com a forma mais tradicional de modo de produaão asiátco, chamam a atenaão para o alcance geográico do conceito, que não se restringe às plagas asiátcas, abrangendo em igual medida sociedades da América pré-colombiana, da África e no escopo de certas avaliaaçes, da Oceania e da própria Europas 7 De um modo geral, as ciências sociais deinem a Modernidade ou Ocidente como uma sociedade surgida na Europa ocidental a partr da Baixa Idade Média, formando um sistema cujas dinâmicas técnicas e uniicadores conquistaram crescente supremacia, embaladas pela radicalizaaão crescente das suas demandas civilizatóriass O mundo moderno respalda modos de vida que desvencilharam, de um modo que não têm precedentes, a Humanidade dos modos tradicionais de ordem socials A Modernidade se caracteriza pela autonomia do econômico como princupio regulador, sendo lógica da produaão a diretriz básica da economia, raiz da problemátca ambiental contemporâneas Padrçes de excelência técnica controlam os ambientes materiais, culturais, polutcos, econômicos e sociais do mundo contemporâneos Diante ordenaaçes de valores criadas pela Modernidade, a religião perde prestgio, sobrepujada por modelos abstratos que fundamentam relaaçes informais e impessoaiss A mediaaão com o meio natural passou a ser enquadrada por determinaaçes laicas de mundo, perdendo, pois imemoriais atribuiaçes mágicas, metafsicas e afetvas que comandaram o mundo pré-moderno (Vide POLANYI, 2000: 47, GIDDENS, 1991: 14-19 e GOUREVITCH, 1975)s 8 Cabe anotar a refexão do geógrafo brasileiro Antonio Carlos Robert MORAES: “o ambiental não se homogeneuza num só alvo de aaão, antes se difunde como faceta inerente a todo ato de produzir espaao” (2002: 30)s 9 O grupo Alladian é uma das etnias da famulia de povos Akan, que além da Costa do Marim, são encontrados no Togo, Benin e Ghana, pauses da África ocidentals Os Alladian são uma sociedade que nos anos 1990, eram estmados em 20s000 pessoas, ocupando trechos dos sistemas lagunares do litoral da Costa do Marim situados nas proximidades de Abidjan, a capital do pauss Este ambiente é indissociável da cultura Alladian, do seu modo de vida e organizaaão social, por sua vez estruturada nos princupios de linhagem e de residência, ambos interagindo entre sis 10 O Reino Bamum foi um Estado tradicional africano que irrompeu a partr da etnia Mbun, de extraaão Bantu, no que hoje é o sudoeste do Camarçess Este reino perdurou por cinco séculos (1394–1884), sendo a partr dos inais do século XIX gradatvamente integrado ao domunio colonial alemão e posteriormente, da Franaas 11 Existem, contudo contestaaçes à amplitude do conceitos Não sem razão, Maurice GODELIER (1974) e Jean SURET-CANALE (1974), propuseram, nos primórdios dos anos 1970, adiaçes e reticaaçes ao modelo original, ressalvando que o modo de produaão asiátco teria em realidades como a africana, gênese e conaão especuica, diversa das outras paragenss 12 Nos marcos propostos por este texto, a ideologia está conferida de interesse especials Mormente porque a ideologia, conforme rubricado por Milton Santos, tanto reveste a esfera do real de uma representatvidade atribuuda, quanto por sua vez, transforma esta mesma impostaaão imaginária num dado norteador da realidade vividas Assevere-se que estas atribuiaçes estão conferidas de materialidade em face do afazer ideológico, ao engendrar os próprios apensos que terminam por conirmá-lo, se trans em si mesmo numa fatoraaão a assegurar a reproduaão das arquiteturas de poders Neste prisma, entendendo-se que as sociedades não podem se tornar objetvas prescindindo das formas geográicas e que estas se artculam com sistemas de representaaão, tem-se obrigatoriamente um papel relevante emprestado às molduras ideológicas e seus desdobramentos concretos no plano do espaao (Cfs SANTOS, 1978: 70, 157 e 199)s 13 Terminologia com largo trânsito nos escritos de Marx e Engels na análise das sociedades que integravam o modo de produaão asiátcos A palavra é um calco linguustco de origem alemã, signiicando concepaço, cosmovisço ou intuiaço de mundo, podendo também ser traduzida como visço de mundos Em todos estes casos se refere a um quadro de ideias e crenaas através dos quais indivuduos, povos, grupos e etnias interpretam o mundo e com ele interagems 15 As terminologias fxos e fluxos correspondem a conceituaaçes elaboradas por Milton Santos ao longo da década de 1970s Ambas operam enquanto estacas epistemológicas para a deiniaão de espaao proposta por esse geógrafo, entendidas como uma relaaão entre sistemas de objetos (ixos) e sistemas de aaçes (fuxos)s Funcionalmente, os ixos e os fuxos, isto é, os pontos de sustentaaão material do sistema e as inferências que magnetzam sua perpetuaaão, mantêm interaaão permanente de caráter dialétco, expressão de um dinamismo social que para o geógrafo, é o nexo fundacional da construaão do espaao geográico (passim SANTOS, 1988 e 1978)s 16 As próteses correspondem aos objetos espaciais que respondem por acréscimos ou agregaaçes de mote articial, resultando da intervenaão humana em sociedade no espaao, passuvel de redeinir e direcionar os fuxos originais presentes na natureza e/ou induzir aqueles que animam a paisagem antropogênicas Consttuem a mais emblemátca representaaão material do sistema (passim SANTOS, 1988 e 1978)s 17 Nada do que foi colocado obsta, evidentemente, destacar a funaão do imaginário em qualquer sistema ou estrutura socials Contudo, as determinaaçes que regulam o modus vivendi das sociedades não possuem o mesmo peso de um caso para outros Nos tempos modernos, é a esfera do econômico que cumpre tal prerrogatvas Na sociedade feudal, é a noaão de statuss Nas comunidades comunais e tribais, são as relaaçes de parentesco que substantvam o modo de ser destas sociedadess No mundo oriental, tal regalia é assumida por construaçes ideológicas e religiosas, indiscernuveis das relaaçes de produaão, da organizaaão da sociedade e do mandato polutcos 18 Tanto a noaão de Déspota quanto a deiniaão de despotsmo oriental são alvo de diversos reparos por parte dos pesquisadoress Ambos os conceitos conm em muitos momentos uma inculturaaão de ideaaçes impregnadas de valores que não permitem transposiaão mecânica para aos contextos históricos, geográicos e culturais próprios das sociedades orientaiss A imagem do Déspota todo poderoso, por exemplo, frequentemente reporta às formas de percepcionamento dos regimes autoritários da história ocidental, com o qual se artcula por sua vez a conceituaaão de um despotsmo orientals Análises antropológicas pontuam com certa insistência sobre a necessidade de uma ponderaaão mais cuidadosa destes conceitoss A isso, atente-se para o vunculo de muitas destas interpretaaçes com a atmosfera que permeava o ambiente intelectual durante a Guerra Fria, pelo que os dois conceitos consttuiriam menaçes enviesadas dirigidas à União Soviétca e seus luderess Nestas abordagens, os sistemas polutcos dos pauses comunistas seriam inclusive fenômenos partcipes de uma mesma linha de contnuidade atando ao longo da história, 14 sociedades dotadas de forte aparato estatal e controle burocrátco da economias Esta tese foi endossada expressamente pelo geógrafo e sinólogo alemão Karl August Wittfogel, que frisava a existência de similaridades entre o despotsmo oriental e o regime de Josef Stalin (Ver a respeito, SOFRI: 1977: 109-116; WITTFOGEL, 1957)s 19 Casta, nos manuais das ciências sociais, refere-se a uma forma de estraticaaão social caracterizada pela endogamia e transmissão hereditária de uma funaão ou atvidade, também propugnando um estlo de vida conotado por um status hierarquicamente especuico, gravado por interdiaçes com base na noaão de pureza rituals Na sua acepaão mais plena, apelando para as consideraaçes do texto clássico do sociólogo indiano Govind Sadashiv GHURYE (1972), esta conaão é tpica do mundo indostânico, e mais especiicamente do sistema religioso hinduustas Embora o termo possa ser utlizado de modo genérico, restriaçes devem obrigatoriamente ser levadas em consideraaão para ambientes sociais externos à Índias 20 Era assim que o máximo representante do Estado, o Déspota, passava a ser em tese, o supremo proprietário da terra, senão o únicos Isto, no entanto, informa o historiador brasileiro Ciro Flamarion CARDOSO, “é uma aparência, uma construaão ideológica a posteriori” (1990b: 7)s Na realidade, as comunidades é que eram as reais possessoras das terras aldeãs em quase todos os casoss A propriedade tribal primitva, coletva, comunal, aldeã, era a forma fundamental da propriedades Apenas a hipertroia do Estado e de seu máximo representante, o Déspota, é que permita a representaaão de um proprietário supremos Neste sentdo, é a aldeia, e não o Estado, o verdadeiro centro da economia orientals 21 Cabe admoestar que muitos estudos assinalam a consttuiaão de formaaçes estatais asiátcas dedicadas à tributaaão do comércio, partcularmente o de longa distância, caso, por exemplo, dos impérios sudaneses da África ocidental, de cidades comerciais como Palmyra, na antga Suria e de muitos impérios da Ásia Central e nas talassocracias da região do Índico e Insulundias Note-se que esta diferenciaaão não singulariza tais contextos como integrantes de outra taxonomia de formaaçes sociaiss Nota essencial, a construaão do poder polutco mantém-se airmada na coleta e na gestão de tributos em sociedades largamente caracterizadas pela produaão de excedente econômico em pequena escalas 22 A caracterizaaão dos modos de produaão pré-capitalistas como incapazes de acelerar o desenvolvimento das foraas produtvas é recidiva na literatura marxista tradicionals Contudo, deve ser relatvizada à luz de novas descobertas históricas e arqueológicass No Egito faraônico, por exemplo, não é possuvel assinalar estagnaaão inconteste do nuvel das foraas produtvass Embora o ritmo de inovaaçes tenha diminuudo sensivelmente a partr de 2700 asCs, isto não signiica dizer “que não tenham ocorrido inovaaçes posteriores nas técnicas de produaão” (TUNES, 1990: 59)s O mesmo pode ser dito, em linhas gerais, para a Suria na Idade do Bronze e para a Baixa Mesopotâmia entre os III e II Milênios asCs (Ver respectvamente CARDOSO, 1990a: 69-83 e BOUZON, 1990: 17-35)s Terminologia usual em geopolutca e geograia polutca, por core área - pivot area e também área núcleo - se entende um espaao dinâmico que polariza determinado entorno ou periferia territorial imediatas 24 Seria factvel, numa ótca histórico-ambiental, asseverar que os modelos tradicionais de exploraaão da natureza efetvamente consubstanciaram utlizaaão mais adequada dos recursos naturaiss Em muitos contextos, o “arcausmo técnico” vigente na agricultura, na pecuária e nas atvidades extratvas desenvolvidas pelas sociedades tradicionais, censura que sobremaneira é rubricada pelos postulados da economia clássica, foi sinônimo de vigorosa adequaaão ambiental, desconsiderada ou desqualiicada pelo conhecimento ocidentals Por exemplo, em muitas regiçes da África Negra, a agricultura sobre queimadas, apesar de aparentemente insensata e ruinosa, foi mais tarde reconsiderada e entendida como o melhor método que se pode encontrar para fertlizar solos pobres nos tempos anteriores ao aparecimento do adubo articial (Vide GIORDANI, 1985: 143)s 25 Destacar unicamente caminhos construudos pela aaão do Estado Asiátco seria, contudo, uma simpliicaaãos Dado o ajuste das sociedades orientais com o espaao natural frequentemente ocorre a cooptaaão de marcas naturais na consolidaaão de caminhos e rotas de comércios No Egito faraônico, o famoso vale seco do wadi hammamat, tornou-se o piso da rota que ligava a Koptos, localidade do vale do Nilo próxima a Tebas, com o porto de Quseir, no Mar Vermelhos A mesma funaão foi aplicada aos vales montanhosos do Cáucaso e do Himalaias Nas extensçes áridas da Ásia Central e do Saara na África ocidental, onde os caminhos solicitavam premissas bem claras, dentre as quais a reserva de água era a consideraaão primordial, as trilhas estão apoiadas em oásis, poaos e brotos d’água (Ver a respeito JONES, 1966: 222-223)s 26 A Arábia meridional foi palco do surgimento de diversos reinos, tais como Hadramaut, Qataban, Awsan e Sabá (ou Sheba), este últmo o mais proeminente de todos, célebre por sua vistosa capital, Maribs Estes principados eram conhecidos na Antguidade pela produaão de perfumes e essências aromátcas de toda ordem, como oloés, mirra e evidentemente o incenso, exportados em larga escala para os mercados do Oriente Médio através de caravanas, e para Pérsia, Índia e China por via marutmas 27 Literalmente: terra de ninguém em alemão, expressão que estabelece um diálogo semântco com no man’s land em inglêss 28 Atribui-se ao geógrafo sino-americano Yi-Fu TUAN a difusão de termo topoflia, que para este autor, corresponderia “ao elo afetvo entre a pessoa e o lugar ou ambiente fsico” (1980: 5)s Sublinhe-se, porém, que o sugestvo neologismo surge primeiramente no texto A Poética do Espaao, obra do ilósofo e poeta francês Gaston Bachelard, datada de 1957s Neste texto, Bachelard discute a noaão de um espaao feliz, apreendido pela imaginaaço, “antes que demarcado pelo metro ou pela refexão do geômetra” (BETTANINI, 1982: 120)s 29 Topônimo que para os astecas nominava seu impérios 23 Várias outras cidades, tais como Jerusalém, Meca e Medina, ainda que etmologicamente não expressem signiicado religioso em si, consttuem, por outro lado, polos centrais de imaginários pactuados pela fé, sacramentadas pelo fervor da veneraaãos 31 Terras frequentemente mencionadas nas narratvas faraônicas, a localizaaão é controversas Acredita-se, a partr de referências imagétcas e ito-geográicas, que os dois pauses se reiram à atual Somália ou proximidadess 32 Importa neste ponto sublinhar a noaão de porto de tráfco, conceito trabalhado pelo antropólogo e economista húngaro Karl Polanys Para este autor, nas economias arcaicas convivem duas modalidades distntas de mercadeio: o mercado local e o porto de tráicos A primeira responde às necessidades mais elementares da populaaão, desempenhando um papel integrador de comunidades usualmente auto-suicientess A segunda, responde às demandas tanto econômicas quanto militares e polutcas do aparelho de Estado, um comércio centralmente administrado onde os agentes de trocas não consttuem propriamente uma classe mercantl mas antes, uma categoria de funcionários públicos (VALENSI, 1974: 18-20)s 33 Nos anos 1960, o sociólogo indiano Govind GHURYE assinalava que “nas regiçes Tamil e Malayalam, bairros diferentes são muito frequentemente, ocupados por castas separadas; ou algumas vezes, o povoado é dividido por partes: aquela ocupada pela casta dominante no povoado ou pelos Bramin, aquela reservada aos Sudra e a parte reservada aos Panchama ou intocáveis” (1972: 109-110)s 34 A planta da cidade de Kahum, mandada construir na região de Fayum pelo faraó Sesóstris III, revela rugida separaaão das castas urbanas em bairros próprioss Além da morada principesca composta por 70 quartos, existam bairros próprios que congregavam escribas, artesãos, etcs (EL-NADURY et VERCOUTTER, 1979)s 35 No Nepal, temos que perfeitamente adaptados aos contornos do terreno, essas cidades e núcleos são bastante compactos e estão dispostos em curculos concêntricos segundo a proissão de seus habitantes - sacerdotes, mercadores, artesãos, lavradores, até os que desempenham funaçes mais humildes na comunidades Esses ofcios e funaçes são transmitdos de geraaão a geraaão dentro do mesmo curculo, o que impede que eles se misturem; a populaaão cresce, portanto dentro de um modelo vertcals Uma vez atngidos os limites permitdos, novos núcleos vão se formando na periferia, mas seguindo o mesmo modelos Assim, 29 núcleos de tamanhos variados se formaram em volta das três cidades reais de Katmandu, Patan e Bhatgaon (PRUSHA, 1975)s 36 Neste aspecto, um fato matricial reclama atenaão: o de que na verdade, o Estado despótco faz uma repaginaaão de antgos cultos realizados por vasta proporaão das sociedades comunais, regrados pela oferta de dádivas e bens materiais de prestgio em honra às divindades, na realidade uma estratégia multfuncional que também inclua a competaão por status e lideranaa no interior das comunidadess Destarte, como em muitas outras situaaçes, a máquina de poder dos soberanos orientais se apropria ou coopta elementos da religiosidade tradicional, formatando-a a seu 30 gosto, redeinindo prátcas e liturgias de modo a condicioná-las enquanto ideologia a serviao do Estados 37 Dadas as caracterustcas das ediicaaçes religiosas, não seria um exagero considerar que os templos também possuuam funaão militars 38 O Palácio de Korsabad, construudo pelo imperador assurio Sargão II, entre 713 e 706 AsCs, pçe a nu o caráter simultaneamente sagrado e imperial que pode coexistr na habitaaão de um Déspotas No palácio de Korsabad, situado em Nunive, “O rei não passava de um humilde servidor dos deuses e as suas obrigaaçes religiosas eram absorventes, o que explica a importância do lugar ocupado pelos santuários neste conjunto arquitetônico: seis templos - três grandes e três pequenos - dispostos ao comprido e precedidos de estátuas cariatdicas ictcias de bronzes Dominava o conjunto um zigurate de 43 metros de lado” (AMET, 1974: 106)s 39 Ressalvou Karl MARX, “Essas comunidades se bastam a si mesmas e se reproduzem constantemente da mesma forma e, se forem destruudas, se reconstroem constantemente no mesmo lugar, com o mesmo nome” (1975b: 410)s Observa também o pai do materialismo histórico, com base nas observaaçes de Stamford Rafes, em The History of Java, que “Os habitantes não se preocupam com o desmoronamento ou a divisão dos reinos; desde que a aldeia permaneaa untegra, pouco lhes importa o poder a que foi transferida ou o soberano a que foi adjudicada; sua economia interna permanece inalterada” (MARX, 1975b: 410)s Do ponto de vista arqueológico, a imutabilidade que Marx destaca no sistema de aldeias, transparece nos chamados tells, colinas arqueológicas contadas às dezenas de milhares por todo oriente, resultantes de reediicaaçes imemoriais das aldeias, sucessivamente umas sobre as outrass 40 No caso do Império Inca, assinala Henri FAVRE: “Num Estado que não tnha outros recursos além da foraa de trabalho da populaaão, o controle burocrátco da demograia era indispensávels O poder devia sempre estar a par da quantdade de energia humana com a qual pudesse contar de modo a administrar racionalmente os diversos setores concorrentes da economias Era portanto preciso ter em dia a lista de súditos que pelo casamento entravam na categoria de trabalhadores, assim como daqueles que a doenaa, a idade ou a morte, eliminavam desta categorias Os enormes e minuciosos recenseamentos que impressionaram os conquistadores, tanto mais porque na Europa do Século XVI não havia nenhum equivalente, serviam somente para este ims Eram regularmente efetuados por especialistas que se baseavam num sistema numérico decimal e os resultados eram registrados em cordçes com nós ou kipu!” (1974: 50)s 41 A esta locuaão, que perfaz uma interpretaaão mais adequada aos moldes clássicos de como o poder despótco é entendido, se contrapçe a outras leituras, que revelam a realeza apelando para uma rede de alianaas representatva de uma composiaão territorial obtda pelo encadeamento de espaaos parcelados, ladrilhados, estanques e autárquicos, cuja coesão dependia quase exclusivamente do prestgio que o soberano conseguia amealhars Na verdade, podemos observar variaaçes no grau de poder usufruudo pelos reis e imperadores, que se alinham a situaaçes conjunturais e enquadramentos culturais muito diversiicados (Ver WALDMAN, 2006)s 42 Entenda-se que na mentalidade tradicional, atvidades como o fabrico de objetos de metal e a domestcaaão dos animais, pressupondo a mudanaa de um estado natural das coisas e substâncias, eram percepcionadas como atos mágicos, quando aceitas socialmente, ou então, como feitaaria, quando objeto de alguma restriaão culturals 43 Não é incomum na literatura especializada a associaaão entre os termos habiru e hebreu (Cfs SCHWANTES, 1984)s 44 “Essa fertlizaaão articial do solo, dependendo de um governo central e caindo em decadência desde que a irrigaaão ou a drenagem fosse negligenciada, explica o seguinte tato, que de outro modo pareceria estranho: territórios inteiros, outrora admiravelmente cultvados, como Palmyra, Petra, as ruunas do Yêmen, vastas provuncias do Egito, da Pérsia e do Indostão, encontram-se hoje estéreis e desértcoss Assim como explica porque uma única guerra devastadora pôde despovoar o paus durante séculos e privá-lo de toda a sua civilizaaão” (MARX, 1976: 22)s 45 Por exemplo, na antga China imperial o Estado zelava pela implantaaão e gestão de vastas putreries, que centralizavam a coleta de excrementoss Nestas instalaaçes os dejetos eram secos ao sol em tjolos para serem posteriormente pulverizados e dissolvidos nos cursos dos rios do império, com isso prevenindo doenaas e fortalecendo os ciclos agrucolass 46 “Vimos que nas sociedades primitvas e nas civilizaaçes antgas, bem como em certos povos não-europeus, o conceito de tempo que predominava não era vetorial, mas cuclico, produzido por outro estlo de vida, por uma concepaão partcular do mundo, por um tpo preponderante de sociedades As concepaçes de tempo nesta ou naquela sociedade ou região cultural, refetem a cadência da evoluaão socials O predomunio, na consciência social, do tempo cuclico sobre o tempo linear, é condicionado pela relaaão especuica entre os elementos dinâmicos e os elementos estátcos no processo histórico” (GOUREVITCH, 1975: 283)s CONHEÇA A SÉRIE ANTROPOLOGIA DO ESPAÇO http://mwtextos.com.br/antropologia-do-espaco/ ANTROPOLOGIA DO ESPAÇO: TÍTULOS DO MESMO AUTOR http://mw.pro.br/mw/cartografias_do_racismo_01.pdf http://mw.pro.br/mw/cartografias_do_racismo_02.pdf Os debates sobre a temática antropológica são um pilar central de atuação da EDITORA KOTEV, publicadora digital que entrou em atividades no ano de 2016. Também trabalhamos com temas relacionados com RELAÇÕES INTERNACIONAIS, MEIO AMBIENTE, CARTOGRAFIA, AFRICANIDADES, CIÊNCIA DA RELIGIÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL. Saiba mais sobre a EDITORA KOTEV. Acesse nossa página: http://kotev.com.br/ Qualquer dúvida nos contate. Estamos à disposição para atendê-lo: atendimento@kotev.com.br