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ESPAÇO E MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO:
A Organização do Espaço Geográfio nas Primeiras Soiiedades Estatais 1
MAURÍCIO WALDMAN 2
RESUMO
Este material é parte de um estudo maior procurando identicar as iliaaçes entre
espaao, ideologia e meio ambiente em formaaçes sociais não-capitalistas, via de
regra, enquadradas no modelo do Modo de Produaão Asiátco, em tese localizado
em civilizaaçes pré-colombianas, africanas e asiátcass Tal como o texto sugere, a
análise das espacialidades consttuudas em cenários não-ocidentais e nãocapitalistas, necessariamente compreende uma ênfase para determinados aspectos
da superestrutura, a religião, por exemplo, que cumpriam simultaneamente papel de
infraestruturas Os fundadores do socialismo cientico - Marx e Engels - utlizavam a
denominaaão “Velha Ásia” para categorizar um amplo rol de civilizaaçes “orientais”
que malgrado diversas insuiciências teóricas, ainda mostra pertnência para a
compreensão de vários aspectos da reproduaão espacial e social destas antgas
civilizaaçess A partr destes estudos pioneiros, é possuvel demarcar sociedades
caracterizadas por violentos antagonismos, muito distantes da aura de um
romântco “ecologismo pré-capitalista” que alguns observam consignado no
passados Uma sociedade ecológica está por ser instaurada e não restauradas
ABSTRACT
This text is part of a larger study which searches for links between Space, Ideology
and Environment in non-capitalist social formatons, normally iied in the Asiatc
Mode of Producton model, which, in thesis, located in Pre-Colombian, African and in
the Asian civilizatonss As the text suggests, the analysis of spatal relatonships
composed by non-western and non-capitalistc scenarios, necessarily includes an
emphasis on certain features of the superstructure, religion, for instance, that
simultaneously played the role of an infrastructures The founders of the scientic
socialism - Marx and Engels - used the denominaton “Old Asia” to label a large roll
of “oriental” civilizatonss And, in spite of some theoretcal insufciency it stll shows
its pertnence for the comprehension of many features of the spatal and social
reproducton of theses ancient civilizatonss From these pioneering studies, is
possible to observe societes with violent antagonisms, far from the romantc “pre-
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capitalistc environmentalism” that some people claim to have existed in the pasts An
environmental society is stll to be created and not to be recreateds
PALAVRAS-CHAVE: Modo de Produaão
Contradiaçes, Ideologia, Estado, Geograias
Asiátco
(MPA),
Espaao,
Cultura,
KEY WORDS: Asiatc Mode of Producton (AMP), Space, Culture, Contradictons,
Ideology, State, Geographys
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INTRODUÇÃO
O conjunto das formulaaçes ilosóicas e dos sistemas de pensamento anteriores ao
Século XX esteve no ocidente sob o domínio do tempos Este enunciado, advirta-se,
também é verdadeiro para o marxismo (WALDMAN, 2006 e 1994)s
De fato, dinâmicas e categorias de cunho temporal consttuem um moto contumaz
na argumentaaão que tpiica este corpo de ideiass Atente-se para a frase que segue:
“a única ciência que conhecemos é a ciência da história”s Palavras do próprio Karl
MARX (1977: 23)s
Exatamente por esta razão, conforme salientou o geógrafo norte-americano Edward
SOJA, o surgimento de um robusto materialismo histórico não foi correspondido por
um igualmente infuente materialismo geográfco (1986: 4)s
Procurando suprir tal lacuna, uma vertente massiva de geógrafos, a partr dos anos
1970, passou a voltar-se para um resgate e a afrmaaço do espaao enquanto nexo
conceituals E neste querer, a espacializaaão de conceitos marxistas temporalizantes
deteve papel centrals
O resultado destes esforaos levou, muito sintetcamente, ao entendimento de que
modo de produaão e formaaão social, conceitos que no seio do marxismo estão
enraizados na tradiaão temporalizante ocidental, teriam uma traduaão espacials
É o que airma o geógrafo brasileiro Milton SANTOS: “O espaao, espaao-paisagem, é
o testemunho de um modo de produaão nestas suas manifestaaçes concretas, o
testemunho de um momento do mundo” (1978: 138)s
Como está implucita nesta asseraão, a modelagem do espaao geográico, os arranjos
ofertados aos elementos naturais com os quais as sociedades humanas se deparam
no ambiente, são um resultado direto de transformaaçes históricas especuicass
Traduzindo relaaçes sociais, mantdas pelos homens entre si e destes, com a
natureza, neste processo, a natureza original ou primeira, é transformada numa
natureza artifcial ou segunda, criada pelo homem (SANTOS, 1978: 201)s
Assim sendo, uma formaaão social não pode ser compreendida sem levar o espaao
em consideraaão: “não há e jamais haverá formaaão social independentemente do
espaao” (SANTOS, 1978: 199)s
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Pois então, acatando-se este axioma temos que as formaaçes sociais consttuiriam,
em últma análise, formaaões socioespaciais ou, numa formulaaão mais concisa,
formaaões espaciais.
Atente-se que nesta contextualizaaão, o espaao não é mero receptáculo das relaaçes
sociais que magnetzam a história das sociedadess O espaao não consttui um
elemento passivo na história humana e pelo contrário, é indispensável para que as
relaaçes sociais se concretzems
Neste senso, retenha-se, a ttulo de exemplo, que os condicionamentos oriundos das
heranaas legadas pelo passado, difundidas junto ao espaao transformado pela aaão
humana, agem decisivamente na organizaaão e reconaão do espaaos
Não raro, objetos espaciais 3 e adendos territoriais oriundos dos tempos de outrora,
tais como sistemas de irrigaaão, complexos templários, instalaaçes palacianas, locais
de peregrinaaão, vias de comunicaaão, centros de trocas e redes de aldeamentos,
determinam ou aliceraam a permanência e a reartculaaão do espaaos
Ensejando a contnuidade ou reviviicaaão do dinamismo social, o espaao estabelece
com o tempo um matrimônio indissolúvels É assim que sendo verdadeiro que o
tempo se transforma em espaao, é igualmente correto airmar que o espaao, por sua
vez, também se transforma em tempos
Deste modo, termos novos, tais como espacialidade, exclusão espacial, dessimetrias
socioespaciais e processos de espacializaaão, ganharam uso corrente nas análises
sobre subdesenvolvimento, dinâmicas urbanas, organizaaão polutca e territorial,
disparidades socioespaciais e divisão regional e internacional do trabalho, etcs
Claramente, abordagens com este peril demonstram a incorporaaão da dimensão
espacial em processos dantes rubricados exclusivamente como temporaiss Nesta
senda, as formaaçes espaciais podem ser explicitadas com o concurso de uma
coleaão de conceituaaçes matriciais, todas da pena de Milton Santos, a saber:
Analisar como o tempo se transforma em espaao e como o tempo
passado e o tempo presente têm cada qual, um papel especuico no
funcionamento do espaao atual (SANTOS, 1978: 105)s
Interpretar o espaao, na acepaão deste consttuir um fator, um fato e
uma instância social (idem, 130)s
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Compreender o papel pertnente às rugosidades, formas espaciais
criadas pela aaço do homem, cuja inércia espacial condiciona novas
localizaaões (ibidem, 138)s
Entender que as formas espaciais sço duráveis, infuenciando a
organizaaão do espaao mesmo com o im dos processos que lhe deram
origems Factveis, portanto, de serem reviviicadas pelo movimento
social (ibidem, 149)s
A relaaão homem-natureza é uma relaaão que produz espaao, onde a
natureza transformada, socializada, é um arranjo espacial, uma
natureza segunda (ibidem, 201)s
Em suma: o espaao é uma heranaa dinâmica, no qual temos uma
acumulaaço desigual de tempos (ibidem, 209)s
Tais contribuiaçes enriqueceram o conceito de modo de produaão, pois revelaram a
concretude das relaaçes sociais 4s Ainal, o espaao, carente da dimensão tempo, é
tço só um espaao congelados
Do mesmo modo, pensar uma sociedade pelo prisma do tempo, dissociada da
dimensão espacial, é pensar um tempo abstrato, no qual a especiicidade das
formaaçes sociais pode ser esvaziada e confundida (Cfs MOREIRA, 1982: 62)s
Deveras, em face da não-espacializaaão do tempo histórico foi adereaado ao sistema
feudal, fenômeno que como se sabe, foi espacialmente restrito a uma poraão do
contnente europeu, uma universalidade que não possuiu, justicando discussçes
sobre o modo de produaão asiátco (apud MOREIRA, 1982: 62)s
Neste prisma, tematzar a organizaaão do espaao nas sociedades que vicejaram
antes da hegemonia do padrão civilizatório ocidental, integra a pauta dos geógrafos
e da comunidade de especialistas das ciências sociaiss
Ademais, estas formaaçes sociais, submetdas ao avanao predatório e triturador da
economia de mercado - um processo que implicou em todas as letras numa aaodada
Raubwirtschaf 5 - foram sonegadas de notáveis feitos civilizatórios, uma amnésia
que apagou um empreendedorismo no espaao geográico que se confunde com os
primeiros passos dados pela Humanidade na senda de criar espaaos antropogênicos
de vidas
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É neste sentdo que, se o antgo Egito, Mesopotâmia, os impérios pré-colombianos e
muitas outras civilizaaçes “pertencem a qualquer coisa como o modo de produaão
asiátco, este corresponde então ao tempo em que a Humanidade se separa local,
mas deinitvamente da economia de ocupaaão do solo, inventa a agricultura, a
criaaão de gado, a arquitetura, o cálculo, a escrita, o comércio, a moeda, o direito,
novas religiçes, etcs” (GODELIER, 1974: 58)s
Com efeito, as sociedades não-ocidentais, engendrando premissas próprias em todas
as esferas da vida social e cultural, criaram formas singulares de artculaaão do
espaao, pondo em marcha dinamismos que não podem e nem teriam como serem
sonegados dos autos da história socials
Isto porque esta negaaão pressupçe a consecuaão de uma tabula rasa de prescriaçes
que na história extraeuropeia, não só pesaram, mas também seguem pesando na
forma como grupos, culturas e populaaçes posicionaram-se diante de uma primazia
que lhes foi imposta a partr de um processo histórico-social externo a elass
Dau que resgatar a espacialidade da formaaão social asiátca, oriental ou tributária 6 é
uma forma de questonar a rugida interpretaaão unilinear aplicada na análise da
história da Humanidade, enquadrada por um modelo de evoluaão partcularizado
exclusivamente nos pauses ocidentais do contnente europeus
Rubrique-se que nos cânones clássicos, a interpretaaão histórica é perenemente
mesmerizada por invectvas que pregam ou sugerem uma sucessão predeterminada
e inapelável de modos de produaão: comunal tribal, antgo, feudal e capitalista,
cadenciamento este que veriicou unicamente a história da Europa Ocidentals
Parâmetro que terminou investdo da condiaão de paradigma cientico, econômico,
social e polutco, a interpretaaão unilinear tem sido alvo de reparos e apensos crutcos
na voz de muitos especialistas na área das humanidadess
Disto resulta o interesse por modelos que, como no caso modo de produaão asiátco,
se sobressaem por sua aderência e operacionalidade analutca na compreensão de
realidades externas ao ocidentes
Paralelamente, o conceito de modo de produaão asiátco consttui uma ferramenta
conceitual matricial para a compreensão da natureza das contradiaçes socioespaciais
derivadas do processo de expansão planetário dos pauses ocidentais e dos arranjos
territoriais ajustados em maior ou menor grau com a imposiaão da sua supremacias
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Nesta linha de argumentaaão, a noaão revela-se adequada para apreciar e esclarecer
movimentos e fenômenos sociais que se estruturaram enquanto resposta de
múltplas texturas sociais às questçes e dilemas postados pela Modernidade 7s
Numa escala que se estende desde aaçes reatvas de populaaçes tradicionais frente
ao “progresso” a construaçes imaginárias que objetvamente questonam o ideário
ocidental, enquanto instrumental teórico o conceito de modo de produaão asiátco
viabiliza a revelar as motvaaçes que inscrevem múltplos atores sociais e polutcos
num continuum histórico mais amplos
Last, but not least, substantvando temário que não está restrito, de modo algum,
aos estudos da antguidade, a conceituaaão presta-se para elucidar o funcionamento
de sociedades também regradas por contradiaçess
Decerto distntas das que grassam na sociedade modernas Mas que exatamente por
esta razão, não podem ser omitdas da história das sociedadess
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I. MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO E GEOGRAFIA
Antes do debate que resultou no conceito de formaaão espacial, outras disciplinas
desenvolveram estudos na direaão de pensar o espaao enquanto nexo que assimila
as infexçes das sociedades, ao mesmo tempo em que modela e interfere na esfera
do socials
Deste modo, na sociologia, Émile Durkheim assinalava que a organizaaão do espaao
variava de acordo com as sociedades; Maurice Halbwachs insista na importância do
espaao na memória coletva; Georg Simmel, a proeminência de um centro espacial
num Estado eclesiástco (Kirchenstaat), caso do Tibete, onde a capital do paus, Lhasa,
expandiu seu tecido urbano a partr de um grande convento, o Potala, situado no
coraaão desta cidade e ao qual conduziam todos os caminhos, exercendo a funaão
de sede da administraaão sacerdotal e do Estado (Vide CUVILLIER, 1975: 138-161)s
Na antropologia, também é possuvel alinhar preocupaaçes com a dimensão do
espaaos Estas encontram justicatvas, dentre outros arrazoados, pela evidência de
que as sociedades ditas aborugines, primitvas ou tribais operam a todo o momento
com uma artculaaão orgânica entre espaao social e sistemas mutco-simbólicos,
acompanhada de uma percepaão ideacionada do meio natural 8, componente sine
qua non dos mecanismos que regem a reproduaão social destes gruposs
É o que justica que as investgaaçes dos acadêmicos franceses Marc AUGÉ e Claude
TARDITS (1985), dizendo respeito respectvamente à comunidade Alladian, povo
assentado na Costa do Marim 9 e no Reino Bamoun, no Camarçes pré-colonial 10,
reportem direta ou indiretamente ao espaao, sobretudo pelas interfaces que este
permanentemente mantém com os sistemas de vida destas comunidadess
Todavia, ao não pautarem conceitualmente uma totalidade socioespacial, seus
dinamismos internos e partcularmente, suas contradiaões no plano do espaaotempo, tais investgaaçes não airmaram, ou declinaram em resgatar plenamente, a
espacialidade inerente a toda formaaão socials
Reconhecidamente, analisar um espaao socialmente organizado é uma postura que
não se confunde com desvendar os dinamismos de uma espacialidades Esta se refere
a um conceito bem mais complexo, intercalando heterogênea gama de variáveiss
Cognitvamente, a espacialidade apenas se torna apreensuvel com o recurso de um
modelo explicatvo geral, uma construaço teórica do espaao, para a qual convergem
múltplas determinaaçess É o que podemos intuir da exposiaão que segue:
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“O estudo mais e mais preciso do conceito e artculaaão de formaaão econômicosocial e de modo de produaão, a par do estudo minucioso da economia polutca, das
insttuiaçes e da ideologia, sem o qual não se pode mergulhar fundo na
compreensão de uma formaaão econômico-social, e a convergência de tudo isso ao
estudo do conceito, forma e processos da formaaão espacial, eis o que nos parece
que é necessário para um bom trabalho de construaão teórica do espaao” (Vide
MOREIRA, 1982: 63)s
No prisma do que está sendo exposto, o conceito de modo de produaão asiátco,
enriquecido de contribuiaçes consignadas por investgaaçes realizadas nos marcos
da antropologia, sociologia, ciência polutca, história e geograia, dentre vários
campos do conhecimento, se prontica como modelo teórico habilitado a decriptar
grande diversidade de processos de espacializaaãos Partcularmente, os que estão
consignados em variados contextos do Terceiro Mundo 11s
De mais a mais, caracterizado por um conjunto de formaaçes sociais diferentes das
que surgiram no contnente europeu, coube, em diferentes cenários dos chamados
pauses coloniais, um relevante papel para a formaaão social asiátca (LACOSTE, 1980:
61-65)s
Em sintonia com este recorte, a par do minucioso estudo da economia polutca, da
sociologia da cultura, da antropologia econômica, da geograia cultural e da história
ambiental das sociedades orientais, tornar tanguveis os “conteúdos” da espacialidade
que lhes é inerente sugere especial atenaão quanto ao aparato ideológico postado
no comando dos sistemas de mando polutco-religioso 12s
Retenha-se que vários objetos espaciais foram, por exemplo, artculados em funaão
de pressupostos rituais e cerimoniaiss Até porque a religião nas antgas formaaçes
asiátcas era explicitamente um componente do mecanismo de poder do Estados Por
sinal, inúmeras cidades e sutos socialmente proeminentes surgem a partr de locais
de culto, semantzando e com muita frequência ressemantzando as localizaaçess
É o que comprova a arqueologias Por exemplo, no Oriente Médio é comum que uma
mesquita esteja construuda sobre as ruunas de uma igreja bizantna; esta, por sua vez,
sobre os restos de uma sinagoga ou de um templo grego ou romano; estes, erguidos
sobre um antgo suto sagrado fenucio ou surio-cananeu; por sua vez, estes vestgios
repousam sobre um local de culto neolutco; inalmente, abaixo de todas as demais
camadas arqueológicas, é possuvel encontrar um monólito ou um altar de pedra préhistórico, que anonimamente contnuou durante milênios a ser honrado por rituais e
cerimônias de todas as demais religiçes sucessorass
10
Logo, a religião enquanto ideologia, isto é, um código legitmador da ordem polutca
social e econômica, se prontica enquanto recurso explicatvo indispensável para
captar o funcionamento da sociedade oriental (passim BANU, 1978), asseraão que de
igual modo, pode obviamente ser estendida ao modus operandi do espaaos
Nesta acepaão, elaboraaçes da cartograia e as iconologias acalentadas no seio da
Velha Ásia 13, expressão de um imaginário espacial oriental, pelo mesmo azo não tem
como serem desprestgiadas nas análisess
Na cartograia, é patente a infuência deste imaginário espacial enquanto iltro na
seleaão dos dados espaciais abonados pelos map makerss No geral, a representaaão
do espaao habitado não assinala, na feitura dos mapas, referências exclusivamente
relacionadas com a ocupaaão do territórios
Fundamentalmente, a cartograia oriental espelha uma Weltanschauung 14 prenhe
de sentdos e signiicados singularess Deste modo, a representaaão cartográica é
modulada por ideaaçes que refetem as induaçes polutcas que regem o modo de
produaão asiátcos Nesta visada, os mapas reiteradamente retratam averbaaçes
mutcas, representaaçes simbólicas do espaao e alegorias imaginárias calcadas nas
expectatvas culturais e ideológicas dominantess
Quanto à iconologia, o estudo da formaaão das imagens e dos arquétpos iguratvos,
dos seus papéis simbólicos e da relaaão fenomenológica mantda com determinadas
crenaas e cosmovisçes, tendo por mote uma leitura de diversiicados nuveis de
signiicaaão em contextos civilizatórios especuicos, contribui para explicitar a lógica
que legitma e conirma orientaaçes, marcos ou bloqueios espaciaiss
Exempliicando, os mandala, costumeiros na área cultural chinesa, hindu, mongol e
tbetana, expressam uma simbologia imaginária do espaao construuda com base na
noaão de uma gradaaão valoratva axiomatzada a partr de patamares espaciais e
circunscriaçes energétcas, iconograicamente encartadas numa disposiaão de cunho
geométrico (Figura 1)s
Consistndo num diagrama simbólico formado por uma série de curculos concêntricos
incluudos um a um em quadraturas, os mandala pretendem representar a expansão e
a retraaão do universo em relaaão a um ponto central, o axis mundi.
Grosso modo, a imagem se apresenta como uma espécie de portal rumo ao
extramundo, pelo qual o espaao é aferido a partr de substantvaaçes qualitatvas, e
não somente geométricas como à primeira vista poderia ser pensados
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FIGURA 1 - Mandala tietano: teto do Paláiio do Potala7 em Lhasa7 iapital do Tiiete
(Reproduzido de CUVILLIER7 1975: 144).
No referente ao desenho em si, os mandala, tal como muitas outras “geometrias
sagradas” mergulhadas em simbolismos mágicos e esotéricos, são demonstratvos
das fortes inquietaaçes que sempre acudiram nas sociedades quanto à natureza das
relaaçes existentes entre espaao, tempo e a vida social (Vide PRICE, 1976; CUVILLIER,
1975)s
Assim, enquanto panteão espacial simbólico os mandala retratam nuveis, camadas,
patamares e anéis energétcos que se intercalam com a intenaão de expor a
geograia interna e externa do universos Consubstanciavam a seu modo, tanto um
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cosmograma quanto um psicograma, conotando uma suntese imagétca preocupada
com uma cogniaão valoratva dos impulsos espaciaiss
Exposiaão plástca e visual do espaao que integra um imaginário de cunho oriental,
os mandala não cumpriam, contudo, a mera funaão de interpretaaão culturalmente
codiicada da dimensão espacials Cabalmente, na condiaão de modelos de percepaão
do espaao, os mandala igualmente embalavam expectatvas e demandas sociaiss
Nesta linha de abordagem, os mandala cumpriam a funaão atnente aos modelos de
percepaão do espaao em imantar o imaginário da sociedade, repercutndo junto à
materialidade social no sentdo de calaar de objetvidade a consecuaão e regulaaão
dos ixos e fuxos 15, assim como a implantaaão de próteses 16s
Em suma, as regulaaçes idealizadas com assento no imaginário social combinam-se
com inferências concretas que inevitavelmente, em qualquer ambiente históricosocial, respaldam e materializam o modus operandi das sociedadess
Modelo indissociável da evoluaão social de grande número de povos, o modo de
produaão asiátco consagra a irrupaão de um sistema social no qual a consttuiaão do
Estado, a invenaão da escrita, da contabilidade e a insttuiaão de uma casta de
burocratas formada por escribas tomam para si, pela primeira vez na história, um
controle efetvo do espaao e dos grupos que nele imprimem a sua marca (Vide
CLAVAL, 1979: 95)s
Para tanto, tais proposiaçes não prescindem das infexçes imaginárias que nas
sociedades orientais são dotadas de papel crucials Tal como foi realaado, no modo de
produaão asiátco a ideologia religiosa está alaada à condiaão de inferência objetva,
que interage com a concretude do sistema, postando-se como uma raison d’etre,
norteando o protagonismo espacial destas sociedades na sua relaaão com o mundo
concreto 17s
Em suma, trata-se de um tópico que perpassando pela totalidade do edifcio social
da formaaão socioespacial asiátca, não admite que este tópico seja secundarizado e
tampouco, esteja ausente nas avaliaaçes destas primeiras sociedades estataiss
13
II. OS CONTEÚDOS DA ESPACIALIDADE ORIENTAL
Como seria plausuvel sublinhar, os conteúdos da espacialidade oriental se alinham e
harmonizam perpetuamente com os compromissos maiores do modo de produaãos
Tais compromissos têm por epicentro um Estado de molde teocrátco, personiicado
no Déspota, prócer divinizado ou semidivinizado, detendo uma unaão a lhe conferir
imensos poderess Esta convenaão, nos seus desdobramentos mais abrangentes
circunscreveria o chamado despotismo oriental 18s
No plano societário, uma divisão social do trabalho largamente resiliente quanto a
alteraaçes e mudanaas na estrutura de classes - com assiduidade deinida como uma
estraticaaão em castas 19 - está escorada em relaaçes fortemente estanques entre
os grupos, conotadas por certa infexibilidade ou mobilidade diicultosa, podendo
em algumas situaaçes partculares, estarem investdas de legitmidade religiosas
Economicamente, a estrutura de captaaão do excedente está baseada na tributaaão
das comunidades aldeãs, mecanismo que no fundamental, sintetza uma atuaaão do
aparato estatal com suporte na exaaão de tributos em espécie e em trabalho
compulsórios
No plano do imaginário polutco, o Estado Asiátco, sobrepondo-se às comunidades
aldeãs, transigurava-se aos olhos destas como uma “grande comunidade superior”,
“unidade superior”, “englobante”, “aglutnante”, encarnada na persona de monarcas
e imperadores “despótcos”, para os quais o imaginário oriental reservava as mais
fantástcas fabulaaçes 20s
Essencialmente, o aparato estatal oriental exercita uma agenda gerencial na qual os
public works (obras públicas), planejados e monitorados pelo Estado, consttuem um
poderoso pilar de sustentaaão do poders
No fundamental, o labor dos gestores estatais assegura a fruiaão dos circuitos da
produaão agropastoril 21 e ediicaaão de equipamentos e instalaaçes que raticam a
voliaão burocrátca, religiosa, de defesa e de manutenaão do Estados
Perpassando todas estas variáveis, pesponta a ideologia religiosa, que assegura uma
unidade encarnada na pessoa do Déspota, ser tribal imaginário que é o deus máximo
(MARX, 1975a: 67-68)s
14
Em funaão destes tratos é que se estrutura a organizaaão do espaao no modo de
produaão asiátco, exteriorizando dinamismos, induaçes e os móveis determinantes
da territorialidades Acatando esta ordem de consideraaçes, o espaao asiátco é um
arranjo espacial cuja reproduaão é eminentemente horizontal, dependente de
atvidades produtvas cujo motor é a comunidade aldeãs
Neste panorama, delineado por um fraco desenvolvimento das foraas produtvas 22,
as marcas naturais são necessariamente determinantes na organizaaão do territórios
É o caso dos fuxos de água, que assumem o papel de eixos no direcionamento dos
fuxos e dos circuitoss
Tal sinonumia entre água e a organizaaão polutca, econômica e estatal honraria, pois
a sugestva deiniaão que categoriza as sociedades da Velha Ásia como hidráulicas ou
civilizaaçes do regadios
É exatamente deste modo que acontece com o Nilo (Egito faraônico, Kush, NapataMeroé, Aksum), Nuger (Impérios do Ghana, Mali e Songhai), Mekong (Império Khmer
e Reino Lan Xang), Tigre e Eufrates (Assuria, Babilônia, Suméria e Império Ácade),
Hális (Império Hitta), os rios Hoang-Ho e Yang-Tsé-Kiang (Impérios chineses Zhou,
Qin, Han, Song e Ming), o Menam (Reino Thai) e com as bacias dos rios Indo e
Ganges (Civilizaaão Harapa e também os Impérios Gupta, Kushan, Chola e Maurya)s
Além das formaaçes estatais que assumiram o caudal dos grandes rios como
sustentáculo do espaao artculado, também muitos reinos, impérios e soberanias se
acomodaram em variegado rol de enquadramentos hidrológicoss
Dau que o Estado asiátco pode buscar o controle de áreas de drenagem lacustre
(Império Asteca no Vale do México e os Reinos Bunyoro, Buganda e Ankole, situados
na região dos Grandes Lagos Africanos), se empenhar em colecionar sistemas de
oásis (Hedjaz e Asir, na penunsula árabe; reinos muaulmanos da Dzungária e do
Sinkiang-Uighur, no Oriente chinês; Império Kanem-Bornu, na África centro-saariana)
ou ainda, se acomodar junto às regiçes de cabeceira dos rios, que podem desenhar a
core area 23 de uma dada formaaão estatal (Leshoto, na África Austral)s
Amiúde, dada a imbricaaão da economia e da polutca com a religião, comumente os
cursos d'água e corpos hudricos como lagos, bicas, cascatas, poaos, nascentes e
fontes, confundem-se com representaaçes cósmicas de fundo fantástco, uma
locuaão generalizada nas religiçes antgass
Veja-se o caso do Nilo, que no Egito faraônico possuua um arquétpo celestal na
forma de um Nilo replicante localizado no mundo do aléms Quanto ao rio Ganges se
reitera emblematcamente esta fabulaaão numa outra vertente: nas crenaas dos
15
hinduustas trata-se por deiniaão de um rio eminentemente sagrados Não no outro
mundo, mas aqui mesmos
Tais cosmogonias hudricas, paralelamente e/ou em conjunto com muitas outras
ideaaçes, refetem e simultaneamente reforaam uma inércia espacial especuica do
modo de produaão asiátcos
Numa acepaão geral, o espaao oriental irma-se e têm sua reproduaão assegurada
pelo Estado, cuja base tributária reporta às comunidades aldeãs, conectadas a
circuitos de apropriaaão do excedentes Tal acontecia com os Ayllu, no Império Inca e
os Calpulli entre os astecass
Justamente sobre esta base instável, consttuuda por aldeias autárquicas ciosas do
seu modo de vida, repousa a manutenaão do poder despótcos Caracteristcamente,
a comunidade aldeã se caracteriza pelo uso de tecnologias tradicionais simples e
braaais, catalogadas pelos manuais de economia como de “baixo rendimento” 24s
Portanto, tendo a autossuiciência como matriz econômica, social e culturals
Consentndo-se com esta asseraão, as demandas em tributos requeridas pelo Estado
Asiátco são gigantescas (Figuras 2a e 2b)s Para atendê-las, a construaão de vias de
acesso é um expediente fundamental para assegurar a estabilidade do espaaos
O pequeno excedente que cada aldeia produzia isoladamente era maximizado pela
ampliaaão da rede de tributaaão, equilibrando o balanao energétco requerido pelo
sistemas Os impérios asiátcos constroem, pois, intrincadas redes de estradas,
autêntcos produgios de engenharias As artérias de comunicaaão transpçem
obstáculos naturais de grande envergadura, cobrindo distâncias assombrosas 25s
É o que comprovam as pistas abertas no Twantisuyo (“Império dos Quatro Cantos da
Terra”, denominaaão patronumica do Império Inca), cruzando desiladeiros com
vertente a pique e vales inacessuveis dos Andess Neste quesito, caberia também
mencionar a Estrada Real, que um dia uniu Susa, uma das capitais do Império Persa
Aquemênida, à distante cidade de Sardes, no litoral da Ásia Menors
No entanto, a manutenaão do fuxo de tributos e do circuito de distribuiaão é tanto
frágil quanto onerosas Na realidade os fundamentos do poder asiátco são
movediaos e tremendamente suscetveis a abalos, pautando a ruptura do espaaos
Decididamente, qualquer tensão adicional no sistema, ocasionada por epidemias,
pragas, confitos, colheitas insatsfatórias ou cataclismos naturais, pode desartcular
para sempre o espaao asiátcos
16
FIGURAS 2a e 2i - Cenas do iotdiano agríiola no Egito Faraôniio
(Reproduzido de CARDOSO7 1982: 30).
Exempliica tal modalidade de desmanche do espaao o ocaso dos Reinos do Incenso
, veriicado nas terras legendárias da Felix Arábia (basicamente o atual Iêmen),
após o desmoronamento da magnuica barragem que represava as águas do Rio
Adhanat, provocado por um devastador abalo susmico em 542 dsCs
26
17
Prótese fundamental para manter o sistema de irrigaaão que transformou boa parte
da Arábia meridional num prodigioso jardim de especiarias ao longo de milênio e
meio, o rompimento do dique conigurou golpe de misericórdia para um processo de
desmantelamento que estava em curso no arranjo espacial formado pelos antgos e
renomados pauses dos perfumes e aromas, desastre do qual jamais se recuperarams
O temor de uma ruptura do espaao explica a atenaão dada pelos soberanos da
antguidade oriental para as obras de manutenaão de equipamentos como canais de
irrigaaão, diques, barragens, pontes e fortalezass A ameaaa induziu a criaaão de
mecanismos de controle e administraaão dos fuxos de energia, manifestos no
entesouramento bens preciosos e criaaão de reservas de alimentos, neste caso,
partcularmente de cereais e tubérculoss
A magnitude do excedente arrecadado podia alcanaar proporaçes fenomenaiss No
caso do Império Inca, a diversidade dos armazéns mantdos pelo Estado, assim como
seu conteúdo, era frequentemente descrito com assombro:
“Em 1547, cinco anos após a conquista europeia, Pólo foi capaz de alimentar 1s000
pessoas durante sete semanas com provisçes dos armazéns de xauxas Ele estmava
que haveria ali mais de 85 milhçes de litros de alimentos, ainda armazenados após
anos de saques e destruiaãos Não é necessário aceitar inteiramente como exatas as
declaraaçes dos cronistas para notar que, aqui, havia um superavit cuidadosamente
acumulado por operaaçes do Estado realizadas em larga escala” (Cfs TRAGTEMBERG,
1977: 26)s
A preocupaaão em construir silos e outros sistemas de armazenagem de provisçes,
que cumpriam a inalidade de acumular alimentos e calaar a seguridade diante dos
peruodos de escassez, determinou a instalaaão das primeiras formas de equivalente
universal, desde cedo identicadas com os metais preciososs
Isto posto, vis a vis a outras modalidades de gestão pecuniária, em especial os
templos transformaram-se nos primeiros bancos da antguidade, empapados de
caráter sagrado, onde se aninhavam os deuses do comércio da antguidade (apud
MARX, 1975b: 146)s
Neste esforao em abduzir o excedente, de um ponto de vista sistêmico o campo de
foraa do espaao asiátco atua sempre num sentdo centrupetos Isto é, volta-se para o
interior do espaao consolidados Em tal amarradura, os fuxos monitorados pelo
sistema (materializados nos tributos) e seus circuitos (as redes de captaaão), estão
condicionados por pressupostos de centralidade, funaão esta levada a cabo pela
rede urbanas
18
O entorno agropecuário que se espalha para além do circuito urbano está marcado
pela simplicidade do aparato produtvo, cujo modus operandi, está funcionalmente
combinado com a propensão pela autarquias As áreas dos cultvos associam-se com
múltplos encaixes articiais, identicados com objetos espaciais como cidades,
templos, palácios, vias de comunicaaão, ediicaaçes militares e obras hidrotécnicass
No entanto, as próteses, diferentemente da espacialidade que hoje conhecemos,
não estão voltadas para aprofundar o desenvolvimento das foraas produtvas do
entornos Dantes, maximizam potencialidades pela centralizaaão de esforaos, tarefa
esta assumida pelo Estado, com o qual estas próteses se confundems
As grandes cidades e centros administratvos do mundo asiátco, polos de captaaão
do excedente, conectam-se entre si ajustando papéis e atvidades, dando vida à
circulaaão interna e coesão no espaao artculados Mercadores, estafetas, cortejos
reais, procissçes rituais e deslocamentos militares animam contatos e intercâmbios,
garantdos por vias de comunicaaão como rios, canais e estradas, cruzando todo o
território e cuja seguranaa e conservaaão eram prioritários para o poder despótcos
A complexidade e o estupendo porte desta estrutura espacial, que tanto assombra
numa interpretaaão rápida e supericial, expressava, contudo, uma espacialidade
dependente de recursos escassos, dau a necessidade de concentrá-loss Na realidade,
a espacialidade asiátca sustentava-se com base em mecanismos simples de
reproduaão social e espacials
O comando, pelos estados orientais, “de quase toda populaaão não agrucola e o
domunio exclusivo do monarca e da classe sacerdotal sobre esse excedente,
proporcionavam-lhes os meios para construurem aqueles monumentos portentosos
com que encheram o paussss Para movimentar estátuas colossais e massas enormes
cujo transporte causa espanto, empregou-se, de maneira pródiga e quase
exclusivamente, trabalho humanos Bastavam o número dos trabalhadores e a
concentraaão de seus esforaos” (Richard Jones, citado in MARX, 1975b: 382-383)s
O espaao asiátco somente é compreensuvel pela permanência do arcausmo em nuvel
de aldeia, que sustenta uma estrutura da qual o Estado teocrátco é seu máximo
desdobramento funcional, com ele convivendos A tenacidade e a resistência da
aldeia às transformaaçes, que apesar de existrem são, no entanto, seguramente
lentas, determinam a inalterabilidade e o isolamento da comunidade aldeã, cerne do
sistema econômicos
Nas suas últmas consequências, a autarquia espacial desdobra-se no isolamento da
célula espacial maior, o espaao artculado pelo Estado Asiátco, dos domunios dos
19
demais reinos e impérioss Efetvamente, os Estados da Velha Ásia corporiicavam
espaaos rigorosamente compartmentados, estanques entre sis
Em paralelo, são bastante comuns ttularidades de caráter mágico e fabuloso,
exacerbadas pelo desconhecimento e desprezo para com povos estrangeiros,
diuturnamente endereaadas às áreas distantes ou escassamente conhecidas pelas
civilizaaçes antgass No geral, as comunidades destes espaaos eram universalmente
rotuladas como bárbaras ou semibárbaras, ou rebaixadas a categorias ainda mais
desprezuveis, de semi-monstros e inumanos, pela máquina de Estado dos impérios
asiátcoss
Coerentemente, os mapas chineses, tal como muitas mostras da cartograia oriental
(RAISZ, 1969: 10), identicavam a China como um império central e todos os outros
pauses como pequenas ilhas ao redor, com destaques como “montanha do espurito
do Fogo”, “paus dos homens superiores”, “grande montanha periférica”, etcs
Esta predicaaão nada mais reforaa do que o senso profundamente difundido no
imaginário das civilizaaçes asiátcas a perspectva pelo qual estas consttuuam um
portentoso “centro do universo”, responsável por abrigar e proteger o essencial da
vida civilizada (passim WALDMAN, 2006)s
Reforaando esta pulsão, os Estados asiátcos dispunham-se pelo espaao terrestre
muitas vezes cercados por imensidçes de Niemandsland 27, um confortável colchão
territorial que protegia as soberanias orientais de contatos com alienugenas, isolando
o império e amortecendo o impacto dos nômades e de outros grupos de invasoress
Neste seguimento, as divindades, os códigos jurudicos e religiosos, a iconologia e a
topoilia 28 do imaginário oriental demarcavam na percepaão do espaao, atributos
que equalizavam entre si o território controlado pelo Estado, o espaao habitado e o
meio ambiente, tomados tal como fossem uma totalidade única (WALDMAN, 2006 e
1994; TUAN, 1980)s
Não por acaso, acidentes geográicos como rios, lagos e montanhas, as cidades mais
importantes e monumentos sagrados, assim como sinais referentes a sutos dotados
de mérito econômico, tais como portos, mercados, minas e pedreiras, estão
referendados e/ou associados na cartograia asiátca, com apoio na toponumia e na
iconograia, com divindades protetoras e outras referências cósmicass
Não poderia passar despercebida no conjunto das sociedades do oriente, a
concatenaaão entre a geograia concreta e uma geograia imaginária, esta últma
conotada pela foraa, estma e seduaão suscitada por representaaçes imaginárias
20
classiicadas, pelo historiador e ilósofo romeno Mircea Eliade, como arquétpos
celestais dos territórios, dos templos e das cidadess Senão vejamos:
“Segundo as crenaas dos mesopotâmios, o Tigre tem o seu modelo na estrela Anunit
e o Eufrates na estrela da Andorinhas Um texto sumério refere o lugar das formas
dos deuses, onde se encontram os deuses dos rebanhos e dos cereaiss Também para
os povos altaicos as montanhas têm um protótpo ideal no céus Os nomes dos
lugares e das provuncias egupcias eram atribuudos de acordo com os campos celestes:
primeiro reconheciam-se os campos celestes, que depois eram identicados na
geograia terrestre” (ELIADE, 1978: 20-21)s
Destarte, frequentemente se faz uso de eputetos sacros, geocentrados e fabulosos,
relacionados a uma cartograia do sagrados Nesta averbaaão se insere Babilônia, que
signiica “Portal dos Deuses”, Cuzco, que signiica “umbigo do mundo”, México 29,
“Lugar do centro da Lua”, Lhasa, “Lugar dos deuses”s
Mais diretamente ainda, temos metrópoles como Susa, na Pérsia, topônimo que
honoriicava uma divindade regional elamita e Assur, que na antga Assuria era
simultaneamente o nome da capital do império e da divindade principal do panteão
divino 30s
Mas, por detrás desta cartograia cósmica o respaldo funcional da cartograia
asiátca são consideraaçes com viés iscal e cadastrals Foi em razão disto que os
astecas encetaram, por exemplo, detalhado levantamento cartográico dos seus
territórios, ironicamente utlizado mais tarde, com sucesso, pela milucia de Fernando
Cortez na campanha militar castelhana de conquista do Vale lacustre do México, o
núcleo espacial do Império Asteca (Figura 3)s
Pontos nevrálgicos e nódulos condensadores de fuxos, as cidades asiátcas
caracterizam-se pela funaão de centralizaaão administratva e não por uma atvidade
produtvas Os centros urbanos localizam-se, normalmente, no cruzamento de rotas
comerciais, locais propucios à captaaão de tributos, regiçes de interesse estratégico
ou de acesso seletvo, sempre controlado pelo Estado, com o exteriors
As cidades asiátcas revelam a essência do modo de produaãos Abrigam os quadros
que compçem a comunidade superior: Déspotas, sacerdotes, artesãos, soldados,
comerciantes e escribass
Mas, o esplendor dos templos e dos palácios tem contrapartda na rustcidade do
meio rurals Assim sendo, entre ambos, formou-se uma espécie de “unidade
indiferenciada de cidade e campo”, em cujo seio, a grande cidade propriamente dita,
21
FIGURA 3 - O Vale do Méxiio7 iom Tenoihttlán e loialidades vizinhas aos tempos do ionquistador
Fernando Cortez (Reproduzido de SOUSTELLE7 1972: 112).
22
“deve ser considerada como um acampamento de pruncipes, superpostos à
verdadeira estrutura econômica” (MARX, 1975a: 74)s
Em alguns casos, o Déspota e seus prepostos imediatos, deslocam-se de cidade para
cidade numa “migraaão” cujo interesse é não só aianaar a autoridade das dinastas,
mas também coletar tributos e oferendass Na Suria, durante a Idade do Bronze, “o rei
migrava de cidade a cidade, recolhendo e consumindo in loco os tributos em espécie
que lhe eram devidos” (CARDOSO, 1990: 73)s
Desta necessidade da soberania mover-se pelo território do reino advêm múltplos
casos de “descentralizaaão administratva”: faustosas capitais de verão e de inverno,
de montanha e de planucie, sedes principais e secundárias da administraaão imperial,
dispostas ao longo do espaao, enfatzando itnerários coincidentes com as principais
linhas de foraa dos impérios asiátcoss
Deste modo, no reino himalaico do Butan, tradicionalmente as cidades reais de
Punakha e Thimphu desempenhavam alternadamente o papel de capitals Entre os
governantes Aquemênidas da Pérsia, grandes centros urbanos como Susa, Ecbatana,
Persépolis e Pasárgada eram utlizados em roduzio como sede do governo,
desfrutando do status de cidades imperiais, todas abrigando magnuicos palácios,
sempre prontos para recepcionar os governantes e o séquito do monarca (RIBEIRO,
1955)s
Hipertroiadas e alheias ao campo, as cidades concentravam um aparato estatal
dedicado ao controle dos campos em nome dos céuss As urbes notabilizavam-se por
abrigar diversos serviaos, dentre estes o palácio, o templo (às vezes confundindo-se
entre si), guarniaçes militares e vasto elenco de burocratas, artesãos e comerciantes,
atores dependentes em alto grau do Estado teocrátcos
Note-se que a rede urbana não pode ser explicada pelas atvidades comerciaiss
Embora atendam às demandas locais por produtos e serviaos, o comércio com povos
alienugenas, que satsfaz a procura por bens de prestgio e produtos raros e de luxo, é
rigorosamente monitorado pelo Estados
Isto quando o próprio aparato estatal não assume diretamente a organizaaão de
expediaçes rumo aos pauses estrangeiross Neste recorte estão incluudas expediaçes
dos egupcios às terras misteriosas de Punt e Oir 31 em busca de ébano, peles raras,
animais exótcos e essências aromátcass Do mesmo modo, as realezas do Levante
encomendavam partdas de cedros-do-lubano, panos tngidos e artefatos de vidro
das cidades fenucias de Tiro, Sidon e Bibloss
23
Portanto, as trocas comerciais se resumem a um papel supletvo, descartando a
opaão de colocar sob seu comando a direaão da esfera econômica e por extensão, da
vida urbanas Portos e cidades mercants consttuem aberturas insttucionais dos
Impérios orientais, sendo rigorosamente iscalizadas pela burocracia estatal 32s
Estes poros do espaao artculado solicitam especial atenaão por se relacionarem com
o exterior, ameaaador, na ótca dos Impérios asiátcos, pelo simples fato de estar
fora do seu controles
Em suntese, a cidade está submetda a uma agenda subscritada pelo mando estatal,
que de resto monopoliza as decisçes da economia, cultura, religião e polutcas Como
resultado, nos pauses orientais a hierarquia urbana não expressa qualquer
artculaaão, mesmo em caráter embrionário, aludindo a uma autêntca geograia
urbanas
Epifenômeno de um modo de produaão que não dissociava, no plano temporal e do
espaao, o campo da cidade, a rede urbana reunia os pontos terminais dos fuxos,
mesclando-se à malha de tributaaão e aos imperatvos de sua preservaaãos À vista
disso, cidades maiores ou menores traduziam escoamentos maiores ou menores de
tributoss Por extensão, não condiziam com eventuais progressos de uma economia
urbanas
A cidade no mundo asiátco é assumidamente uma entdade acoplada ao mundo
rural, que busca subordinar de todas as formass Neste sistema de engenharia (Cfs
SANTOS, 1998, 1988 e 1978), as cidades materializavam fxos e terminais de fluxos,
adiaçes ao natural, e nesta sequência, prótesess Esta moldura funcional, garantdora
da preponderância polutca da cidade, é exacerbada, ademais, por uma “marca
cósmica” que dá o tom nas atvidades aglutnadas na cidades
Enquanto epifenômeno do dinamismo espacial asiátco, tal coniguraaão está atada a
um mecanismo social ideologicamente voltado para a perpetuaaão de uma moldura
social e econômica inseparável dos ciclos de matéria, água e energia apreendidos
pelo Estados
Consttuindo suporte funcional do espaao asiátco, o meio urbano é um intérprete
privilegiado das modulaaçes encarnadas no sistema como um todos Refetndo um
pendor pela inalterabilidade que parece estar perpetuamente guiando o sistema
como um todo, consttui, nesta lógica, uma forma espacial rugidas
Fruto e sumbolo do despotsmo oriental, a urbe asiátca reproduz esta vocaaão no
interior tecido urbano, acomodando e hierarquizando os grupos sociais presentes na
24
vida urbana a partr do papel desempenhado na estrutura de poder social, polutco e
econômicos
A espacializaaão da rigidez social, consubstanciando uma estraticaaão social pouco
afeita à mobilidade, transparecia nos bairros de castas Estes são constatados nos
mais duspares teatros geográicos: na Índia 33, no Egito faraônico 34, assim como no
Reino do Nepal 35s A saber, a extrema diferenciaaão encontrada nestes bairros não
era representatva de qualquer dinamismo socials Inversamente, era sua exata
negaaãos
Paralelamente, a combinaaão destes ixos e fuxos no arranjo espacial asiátco era de
modo quase paradoxal substantvada pela destruiaão do excedente duramente
produzido e arduamente arrecadados O consumo suntuário do Déspota, os
holocaustos oferecidos aos deuses e inclusive a realizaaão de sacrifcios humanos
acatavam uma necessidade operacional, pois desta forma, o ciclo de tributaaão não
cessava, prosseguindo em moto perpetuos
Estes autêntcos rituais e festvais de dissipaaão de excedentes buscavam
aquiescência cósmica, realimentando no plano objetvo, circuitos produtvos
acoplados aos ciclos naturais, aos quais o aparato estatal ofertava direcionamento
econômico, polutco e ideológicos
Assim, eventos aparatosos e ostensivos de liquidaaão dos tributos arrecadados
transcorrem nas sedes imperiais e sacerdotais, geralmente em templos colossais
situados no centro das capitaiss Muitas vezes materializam hecatombes que duram
dias e semanas, envolvendo a imolaaão de milhares de animais e de oferendas de
cereais e frutass Isto quando não acedem a sacrifcios de vidas humanas 36s
Não admira então que na paisagem urbana um objeto espacial de partcular
interesse ganhe destaque: o templo, um prestgiado marco das sociedades orientais
(Figura 4)s
No geral, na própria arquitetura dos santuários é possuvel apreender seu caráter
despótcos Altas muralhas circundam a construaãos As portas, além de altas, podem
estar altvamente guarnecidas por torres ou piloness Não era incomum que soldados
zelassem pela seguranaa 37s Para mais, o próprio dimensionamento do espaao
arquitetônico ritual reduzia o iel apenas à condiaão de mero espectadors
No Egito, tal como nas demais sociedades do Oriente, “a inalidade do templo é bem
expressada pela sua disposiaão: ele não se destnava a reuniçes de uma grande
comunidade de iéis, nem como habitaaão dos sacerdotes, mas à observaaão das
imagens divinas; dos utensulios sagrados e dos tesouros” (CUVILLER, 1976: 346)s
25
FIGURA 4 - Plaia iomemoratva da inauguração do Grande Templo de Tenoihttlán: 8 ianiço = 1487
(Reproduzido de LEHMANN7 1979: 35).
26
Enquanto objeto espacial emblemátco da formaaão social oriental, o templo se
converteu “numa verdadeira central energétca na qual são liberadas e se dirigem as
foraas controladas pelos deuses, conforme um plano universal conhecido pelos
técnicos, ou melhor, pelos oiciantes, que as manejam” (PUECH, 1977: 143)s
Em consonância com os templos, no interior do tecido urbano das cidades asiátcas,
se estabelece uma sinergia com outro objeto espacial, verdadeiro centro vital, que
protegia o “elo de ligaaão entre o céu e a terra”s
Era o palácio, a residência do Déspotas Generalizando a denominaaão dada ao
quarteirão que em Pequim abrigava os imperadores, o espaao palaciano e suas
dependências podiam formar uma cidade proibida, vedada ao comum dos mortaiss
Note-se que a despeito de consttuir a habitaaço do Deus vivo a cidade proibida não
estava necessariamente acoplada ao recinto ao templos Todavia, este pormenor era
insigniicante diante da simbologia religiosa que permeava a igura do Déspotas A
cidade proibida, espaao de um ser divino ou divinizado, detnha em si mesma,
conotaaçes sacerdotais, mágicas ou religiosas 38s
A cidade proibida era um ponto sensuvel do espaao asiátcos Na consciência social das
sociedades orientais, “a fertlidade da natureza, dos campos, e por extensão do ser
humano, apareciam como atributo intrunseco do Déspota” (BANU, 1978: 305)s
A sustentaaão mágico-religiosa do espaao pessoal do Déspota é evidentes Em últma
análise, a Cidade Proibida garanta, aos olhos dos que comungavam das antgas
identdades civilizatórias, os equilubrios celestais entre o céu e a terras
Rituais cósmicos desenvolviam-se neste espaaos Exempliicando, estes aconteciam
na China imperial, onde o Ming T'ang, ou Casa do Calendário (Figura 5), era uma
prerrogatva régias
Tratava-se de uma construaão impregnada de simbolismo espacial, um recôndito
privatvo do imperador, onde a disposiaão dos aposentos procurava representar o
plano do mundo e das nove provuncias do honorável Tsong Go, o “Império do
Centro”, qual seja, a Chinas
Cabia, pois ao imperador animar este autêntco mandala circulando em seu interior,
inaugurando sucessivamente as estaaçes e os meses, promulgando um novo
calendário ao término do trajeto anual (CUVILLIER, 1975: 144-146 e JOPPERT, 1978:
126-128)s
27
FIGURA 5 - O Ming T'ang ou Casa do Calendário Reionsttuição de aiordo iom os textos ilássiios (Fonte:
STEINHARDT7 Naniy. Chinese Architecture. Yale University Press7 New Haven and London/New World Press7
Beijing. 2002. In: Pinterest: < https://ir.pinterest.iom/ >. Aiesso: 12-02-2018).
Estes dimensionamentos espaciais conferem à cidade asiátca um cunho original, diferente
da polis grega, da urbe medieval e dos burgos que nascem com o alvorecer da economia
de mercados No caso asiátco, é patente sua dependência para com o Estado, razão de seu
poderio e riquezas
Surpreendentemente, o destno das cidades asiátcas contradizia a imagem de fausto
e magniicência que emanavams Intmamente relacionadas com o aparato de Estado,
eram partcularmente sensuveis a quaisquer abalos sociais, polutcos e econômicos
que interferissem com sistema de engenharias Indo direto ao ponto, sem a garanta
do poder despótco, elas não possuem razão nenhuma para contnuar existndos
Na hipótese de uma incisiva crise estrutural, a cidade asiátca chega a “desaparecer”s
Tais inadas aglomeraaçes transformam-se então em objeto de relatos fantástcos,
de menaçes que surgem nebulosamente nalgum registro cuneiforme retrado das
28
areias do deserto ou na literatura orals Tornam-se as icônicas “cidades perdidas”,
celebrizadas pela literatura romântca dos escritores europeuss
É neste prosseguimento que a selva terminou por agasalhar os audaciosos templosmontanha do Império Khmer, como Bayom e Angkor Wats As areias, por engolirem
orgulhosas urbes da antga Ásia Oriental, cidades como Nunive, Ebla, Lagash, Sippar,
Ur e Maribs Quanto às cidades Maias, estas se transformam em verdejantes colinas
da foresta equatorial no México e no Yucatán, indiscernuveis da paisagem dos
arredoress
Mas independentemente da cobertura natural que agasalha o que resta das velhas
metrópoles, estas rugosidades, doravante, estão inertes, desvencilhadas de qualquer
proatvidade espacials Por esta razão, desapropriadas de propensão inercial, se
confundem com a natureza e não mais condicionam novos dinamismos geográicoss
Ironicamente, cada vez que um sistema de engenharia asiátco é sumariamente
destruudo, por conta de invasçes de um povo estrangeiro ou por uma violenta
convulsão social, o desaparecimento das cidades não é acompanhado pelo das
velhas aldeiass Elas são reconstruudas, invariavelmente, no mesmo lugar para, talvez
um dia, serem novamente subordinadas por um novo Estado Asiátco 39s
Em nenhuma outra formaaão social do passado, a necessidade de um planejamento
espacial pressupondo uma contabilidade dos recursos naturais e humanos, assim
como um ordenamento dos fuxos foi tão palpável como no modo de produaão
asiátcos
Tal peculiaridade é observada por estudiosos como geógrafo e economista húngaro
Eugen VARGA (1978: 53-65), que sublinha ser a preocupaaão com a demograia poderuamos dizer, uma verdadeira polutca demográica 40 - e o exacerbado cuidado
na mensuraaão do solo, uma singularidade da sociedade orientals
Note-se que o sistema de engenharia, por ser frágil, necessitava de metculoso
planejamentos Os mecanismos de controle das entradas e das saudas do sistema, dos
deslocamentos e o conhecimento dos ciclos naturais dos quais estas civilizaaçes
estavam imersas, consttuuam prioridade absolutas
Logo, progridem a matemátca, hidráulica, metalurgia, contabilidade, métodos de
administraaão, agrimensura, engenharia, arquitetura e astronomias Ligada a esta
últma, a elaboraaão de calendários confeccionados com apuro rigoroso (Figuras 6a e
6b), não por outra razão senão por serem essenciais para o trabalho agrucola e rural
em gerals
29
FIGURAS 6a e 6i - Aiima: os vinte símiolos dos dias dos Maias (Reproduzido de
LEHMANN7 1979: 59). Aiaixo: Os símiolos dos dias entre os Asteias (Reproduzido
de LEHMANN7 1979: 45).
30
Porém, nenhum destes avanaos confita com a reproduaão horizontal do sistema,
estando limitados, nesta acepaão, à coniguraaão material substantvada na relaaão
com o espaaos Não admira, pois que apesar da suntuosidade das obras e da exatdão
dos cálculos matemátcos, os processos técnicos de trabalho perseveram no modo
de produaão asiátco, centrados na exploraaão direta da comunidade aldeã por meio
de tributos e da exaaão da foraa de trabalho do campesinatos
Exempliicando, a construaão das pirâmides, da muralha da China e dos imensos
reservatórios de água do antgo Sri Lanka, não transformou a capacidade de cálculos
matemátcos em tecnologia passuvel de aprimorar o processo de construaão destas
mesmas obras, que apenas contava com a foraa das mãos dos camponesess
Coerentemente, esta moldura técnica e econômica pouco soistcada, estaqueada na
concentraaão dos esforaos de unidades espaciais isoladas, induziu que os gestores do
Estado asiátco procurassem delimitar internamente o território do Estado para ins
de controle, obtenaão de tributos e requisiaão de trabalho compulsórios
Portanto, as comunidades aldeãs são cuidadosamente cadastradas e inseridas em
circunscriaçes provinciais ou então, apela-se para a chancela de molduras territoriais
que em vários contextos consttuuam heranaa espacial do passado, frequentemente
proto-reinos ou pequenos estados assimilados pelo império, a célula espacial maiors
Diferentes dinastas reinam incorporando uma heranaa espacial que pode remontar,
em alguns cenários, ao Peruodo Neolutcos
Por isso, na maioria dos casos o Estado asiátco sugere uma composiaão em mosaico,
composto por segmentos encadeados uns aos outross Nos impérios asiátcos, este
ladrilho é composto por peaas como o nomo (ou spat, no Egito), satrapias (Pérsia),
pelo lugal (Mesopotâmia) e pelo principado ou provuncia (na China)s Conigurando
unidades adjuntas do Estado asiátco, as circunscriaçes provinciais são administradas
por prepostos do Déspota, dependentes diretamente do poder central 41s
Embora colocadas sob rugido controle do imperador, que estabelece em alguns casos
sistemas de auditoria e de espionagem - caso dos olhos e ouvidos do rei, modelo
criado pioneiramente pelo Astages, rei da antga Média e posteriormente adotado
pelos soberanos persas - o controle do espaao permanece volátls
Reconhecidamente a fruiaão do poder despótco era travada pela própria natureza
autárquica das unidades provinciais, contraditoriamente reforaada pelo Estado
asiátcos No Egito, como na maioria dos impérios orientais, “paradoxalmente, a
própria centralizaaão podia fortalecer as provuncias, pois as necessidades do poder
31
central em reforaar seu controle sobre o território os levaram a criar numerosos
centros de poder, cada um tendendo à autonomia local” (TUNES, 1990: 61)s
Deste modo, enquanto o Estado asiátco como um todo tem diiculdades em manter
seus equilubrios internos, o nomo, a satrapia, o lugal e o principado mostram-se mais
persistentes e perduráveiss Em razão disto, as fronteiras provinciais são quase
sempre invariáveiss Mas não as dos impérios, que oscilam em razão do prestgio da
dinasta governante e das vicissitudes polutcass
Exempliicando, os nomos egupcios, antgos potentados locais uniicados pelas
conquistas dos faraós, perduram desde a época das primeiras dinastas até a
dominaaão romanas Na China, mesmo a violenta anarquia resultante do peruodo dos
Reinos Combatentes (206 asCs-24 dsCs), não colocou im à divisão territorial outrora
estabelecida nos tempos da Dinasta Shang (1558-1046 asCs)s
Obcecado pelo domunio de um espaao que teima, permanentemente, por escaparlhe de suas mãos, o Estado estabelece, auxiliado por sua “burocracia celestal”,
diferentes diretrizes polutcas de controles
Na Pérsia, as satrapias consttuem áreas cujas tradiaçes são, ao menos num critério
asiátco, respeitadas e fortalecidas pelo poder centrals Noutros contextos, como nos
Impérios Assurio e Neobabilônico, o poder recorreu à deportaaão em massa como
estratégia para submeter as populaaçes conquistadas, uma medida modelarmente
exempliicada no desterro do povo judeu para Babilônia (Figura 7)s
Além do mais, o Estado precisava conter a evasão de descontentes, motvando rugido
controle das fronteirass Especialmente os camponeses abandonam seus espaaos de
vida, procurando escapar da férrea dominaaão estatals
Nesta perspectva, seria lucito indagar, por exemplo, se na Indochina, a “marcha
rumo ao sul (Nam-Tien) do campesinato vietnamita, que o conduziu por dez séculos
do delta do Rio Vermelho ao delta do Mekong, não foi uma fuga rumo ao sul, uma
forma de resistr à opressão da monarquia e da burocracia estatal” (Cfs CHESNEAUX,
1975: 63)s
Aparentemente, tensçes socioespaciais também parecem explicar a eclosão do povo
ciganos Provavelmente integrantes de castas da Índia setentrional cujos ofcios eram
social e culturalmente estgmatzados, lides como a forja e artesanato dos metais,
adestramento de animais e quiromancia 42, estes segmentos teriam pouco a pouco
ingressado num processo de etnizaaão, em paralelo à adoaão do nomadismo como
forma de evasão do controle exercido pelos grupos dominantes (Cfs CLÉBERT, 1965:
125)s
32
FIGURA 7 - Deportação de população pelos Assírios (Reproduzido de PARROT7 1955: 33)
Neste pormenor, alerte-se que as sociedades orientais não raramente advogam
como norma regulamentos jurisdicionais duros e impositvos, saturados de castgos
cruéis e prátcas retaliatórias (Figura 8), sendo que predicaaçes com este mote são,
aliás corriqueiras em normatzaaçes legais como o Código de Hamurabi, que ratica
estas prátcas como base na Lei de Talião, raticando a reciprocidade entre crime e
castgo (Vide BOUZON, 1976)s
Noutras situaaçes, a evasão da populaaão consttui, a posteriori, fonte de ameaaas
permanentes para a gestão do território dos quais estas populaaçes são origináriass
Os relatos que chegam dos impérios orientais registram perseguiaão àqueles que
procuravam outras paragens para seguirem suas vidass Muitas destas tentatvas são
frustradass Todavia, não todass
33
FIGURA 8 - Baixo-relevo da antga iidade maia de Yaxihilán (Sul do Yuiatán)7 retratando o suplíiio da
língua7 uma penitêniia ritual (Reproduzido de LEHMANN7 1979: 64).
34
No antgo Oriente Médio, populaaçes inteiras, identicadas com diferentes origens
étnicas e sociais, destacando-se ou colocadas à margem do poder despótco,
originaram densas concentraaçes de habiru, palavra de origem acádica que designa
bandos de insurgentes a margem do controle estatal (passim SCHWANTES, 1984)s
Estes habiru, que nos informes das chancelarias do oriente próximo são igualmente
denominados hapiru ou apiru, formavam ajuntamentos heterogêneos, turbulentos e
incontroláveiss Reunindo atores como nômades, camponeses sem-terra, escravos
fugidos, salteadores, pastores, mercenários e rebeldes, os habiru buscavam proteaão
e seguranaa na periferia dos grandes impérios do Fértl Crescente, espaao onde o
poder despótco tnha diiculdade de alcanaá-loss
Mencionados insistentemente pelos órgãos de controle do Reino de Mari, dos
faraós, os reinos da mesopotâmia e dos principados cananeus, os hapiru consttuuam
fonte permanente de ansiedades
A despeito da disparidade militar, os habiru pressionavam contnuamente as
fronteiras, logrando sucessos pontuaiss Para muitos especialistas, os hapiru seriam
os responsáveis pela criaaão, no território surio-cananeu, de novas células espaciais,
dentre as quais os estabelecimentos hebraicos 43 da Palestna (SCHWANTES, 1984:
67-68)s
No que seria correto admoestar, a organizaaão e o planejamento burocrátcos do
espaao asiátco, além de não conterem as contnuas evasçes da populaaão, um
recurso vital para o Estado, sequer consttuuam garanta de coesão territorial internas
Frequentemente, súbitas e inesperadas incursçes de nômades rompiam as defesas
espaciais, ultrapassando longas muralhas e conquistando vastos territórioss Tudo
acontecendo sob o olhar compassivo e apata por parte da massa camponesa, para a
qual o destno da casa real lhes é indiferentes
Este quadro não é imune a contradiaçes internas que germinam no corpo dos
impérioss Crispaaçes podem se acirrar por conta de contradiaçes entre os Déspotas e
seus prepostos, provocadas pela disputa das fraaçes do excedente disponuvels Estes
litgios estmulam levantes regionais, que quando bem-sucedidos, decorriam em
novas formaaçes estatais, fraaçes em miniatura do império desmantelados
Porém, partcularmente são as revoltas camponesas, eventualmente combinadas
com a invasão de estrangeiros ou com levantes dos sátrapas, nomarcas e chefarias
locais, que colocavam em cheque a ordem estabelecidas
35
As insurgências dos “de baixo” refetam o máximo acirramento das tensçes sociais e
espaciais, cuja marca caracterustca é o fato dos recursos requeridos pelo Estado
entrarem em contradiaão com a possibilidade objetva de atendê-loss Levada às
últmas consequências, a crise asiátca colocava sob risco iminente o poder do
Déspota e a própria existência do Estados
Por isso mesmo, a ideia de unidade, fundamentada num vunculo conectando as
divindades, o Déspota e as funaçes polutco-jurudicas e de organizaaão (normatva e
repressiva) do Estado, com o funcionamento ordenado do cosmos e a fertlidade dos
campos, é de trânsito tão frequente na ilosoia das civilizaaçes asiátcas (Figura 9)s
FIGURA 9 - Imperador assírio Assurianípal ofereiendo uma liiação aos deuses
(Reproduzido de PARROT7 1955: 54)
Esta ideaaão associava-se na esfera das representaaçes especiicamente orientais, à
imagem do universo-organismo vivo ou à ideia do universo-ovo, encontradiaas por
todo o oriente (BANU, 1978: 299-303)s
Certo é que esta unidade, concretamente artculada a partr da unidade aglutnante
encarnada no Déspota, não podia sobreviver na hipótese que os circuitos espaciais
montados para aianaar o status quo fossem fragilizados e muito menos, que a
fruiaão dos tributos cessasse (Figura 10)s
36
FIGURA 10 - Chegada de triiutos da Feníiia para o Imperador assírio Salmanasar III
(Reproduzido de PARROT7 1955: 23).
Assim, a imprescindibilidade de assegurar o arranjo espacial consolidado originou
representaaçes fantástcas, nas quais a organizaaão espacial do Estado Asiátco
irma-se no plano imaginário, em arquétpos celestais situados no extra-mundo (Cfs
ELIADE, 1978: 21-35)s
As cidades, templos e sutos sagrados são considerados omphalos - “umbigos do
mundo”, “centros do universo” - ao redor dos quais são artculados diferentes nuveis,
gradientes e balanaos energétcoss Nesta cosmovisão, o apanágio da centralidade
conjuga-se a um plano geral de percepaão do espaao, refexo das tendências
objetvas que responsáveis por sua formataaãos
Artculado por uma relaaão homem-natureza que possuua um escasso conteúdo de
artifcialidade, a relaaão entre o centro e seu entorno é mediada por um arranjo
espacial que tendia para a perdurabilidades E ademais, regido por uma concepaço
cíclica do tempo, na qual este se renovava contnuamente (ELIADE, 1978: 88-106)s
A ruptura da unidade, ou seja, da espacialidade, traduzia-se, pois, pela imagem do
caos, da desordem, de crises temporo-espacial-ecológicas, que punham a perder os
ciclos socialmente controlados de matéria, água e energias
A oposiaão entre território afável, conhecido e habitado, o Cosmo e o espaao hostl,
desconhecido e não submetdo aos humanos, o Caos, tpica das sociedades
tradicionais (BETTANINI, 1982: 86-88), encontrava na ruptura da espacialidade
asiátca um momento cataclusmico, através do qual o caos triunfava sobre o cosmoss
37
A autoimagem das civilizaaçes orientais remeta a uma isolada ilha de ordem,
aglutnando uma Humanidade perfeita e tudo do que mais honorável existria no
universos
Ao mesmo tempo, este naco de civilizaaão estava solitariamente cercado pelas
foraas quase incontroláveis do caos (Figura 11), ameaaando permanentemente
submergir a ela e todos os seus habitantess Não por outro motvo porque os
guardiçes da ordem cósmica estariam, no inal das contas, sujeitos a falhar no
cumprimento de sua missão (Vide WALDMAN, 2006)s
FIGURA 11 - Atroz visão assíria do aiismo Tiamat7 tragando todas as formas de vida.
38
Nesta derivaaão, aos olhos da sociedade oriental, a desartculaaão do espaao
habitado consttuua um autêntco inal dos tempos, antecipado por preiguraaçes
simbólicas e culturaiss Assim, ao longo de toda a história, o mundo asiático travava
uma guerra sem quartel contra a abominaaço do caos e as poderosas foraas do
abismos
Para o esforao incessante em afastar esta ameaaa, equilubrios hidrotécnicos, os zelos
em manter a rede de irrigaaão 44, a administraaão dos recursos naturais numa linha
de perdurabilidade e a reposiaão do potencial produtvo dos solos - eventualmente
combinada com medidas de cunho proilátco 45 - eram fundamentaiss s
Apenas com uma criatva administraaão dos recursos, sempre sob uma base técnica
rústca, seria possuvel manter ou não a dinasta reinantes Assim, muito mais do que
um “compromisso ambiental” ou idulicas preocupaaçes ecológicas, os soberanos da
antga Ásia sabiam que das colheitas, correspondiam bons ou maus governos (MARX,
1976: 22)s
Enim, tudo conspirava em favor de uma permanente inquietaaão, da qual os
soberanos orientais jamais se distanciavams
39
III. ESPACIALIZAÇÃO E ICONOLOGIA
Sintetzando os conteúdos da espacialidade asiátca, o Gráfco Espacializaaço e
Iconologia (Figura 12), destaca as analogias e correspondências axiais existentes
entre as preiguraaçes imaginárias presentes no ideário oriental e a materialidade da
formaaão social asiátcas
FIGURA 12 - Gráfio Espaiialização e Iionologia: “Mais uma vez aqui a noção de relatvidade introduzida
por Einstein7 apareie iomo fundamental porque suisttui o ionieito de matéria pelo ionieito de iampo7
o que supõe a existêniia de relações entre a matéria e a energia. Numa iomparação talvez grosseira7 as
formas seriam iomparáveis à matéria e a energia7 à dinâmiia soiial” (SANTOS7 1978: 122).
Temos assim que a forma de espacializaaão coincide com a iconologia das
civilizaaçes asiátcass Da mesma forma que os mandalas, que reúnem uma rugida
geometria espacial com uma percepaão cósmica do espaao, temos um centro
concentrador de energias (centro do mandala/capital do Estado Asiátco) e uma
periferia dispersoras
40
O espaao é objeto de mensuraaão ou delimitaaão, substantvado na imagem do
quadrado, sacramentado por muitas civilizaaçes orientais como sua representaaão
exclusivas Quanto ao tempo, este é eternizado, representado na imagem do curculo
ou do tempo cuclico, desenvolvido até a exaustão pelos chineses, indianos, maias e
os povos da área cultural semitas
A espacializaaão efetvada pelo modo de produaão asiátco e sua iconologia
traduzem a aspiraaão pelo controle perpétuo das superfciess Romper as linhas do
mandala ou as fronteiras do Estado signiica colocar em risco uma organizaaão
cósmica, traduzida no pensamento oriental como peruodos de triunfo do caoss
Contudo, igualmente se prognostcava o esgotamento do tempo não excluua a
possibilidade de advir uma renovaaão, uma retomada do equilubrio, sinonimizada
com a restauraaão da ordem, ou seja, do Estado (passim WALDMAN, 2006 e 1994;
CARDOSO, 1990b; VARGA, 1978; ELIADE, 1978: 107-150; SOFRI, 1977)s
A restauraaão do Estado signiica retomar os ciclos naturais, a fertlidade do solo,
abundância das colheitass A prosperidade, enims Tudo isso guarda manifestas
relaaçes de intmidade com a crenaa no eterno retorno, pelo qual o futuro não se
distngue daquilo que foi 46s
Esta visão qualitatva do espaao e do tempo guarda, pois, ligaaçes untmas com as
visçes cosmológicas que grassavam na Velha Ásia, como nos mandala, imago mundi
onde estão consagradas as possibilidades tanto de ruptura quanto de perpetuaaão
da harmonia entre o céu e a terras Isto posto, destacamos no Gráfco Espacializaaço
e Iconologia:
1. Capital: É a habitaaão do Déspota e do séquito sacerdotal, assim como um centro
concentrador de tributos e organizador dos gradientes energétcoss Trata-se de um
axis mundi, associado com o centro da ordem cósmica, consttuindo, pois um
omphalos, ou seja, o “centro do universo” ou o “umbigo do mundo”, caso de
Babilônia, Mênis, Jerusalém, Cuzco, Karakorum, Aksum, etcs Assume também a
feiaão de uma cidade-templo ou templo-montanha, caso de Angkor Wat (Império
Khmer) e Borobudur (Reinos Sanjaya e Sailendra, em Java, na Indonésia)s
2. Províniias: São centros menores, geralmente com divindades próprias, que
terminam incorporadas num panteão mais abrangente (tal como ocorre no Egito, na
Índia e Mesopotâmia)s São estabelecidas pelo poder central ou resultam, mais
regularmente, da incorporaaão de unidades polutcas anteriormente independentess
Em situaaçes de crise, almejam a secessão do Estado Asiátcos
41
3. Fronteiras: São simultaneamente limites polutcos e de infuência ou alcance
máximo de uma divindade e/ou panteãos Confundem-se com os limites objetvos da
administraaão burocrátcas As fronteiras justicam um enclausuramento que é a
marca das sociedades asiátcas, condiaão fundamental para a preservaaão da ordems
Obstáculos naturais - oceanos, desertos, estepes e o curso dos rios, dentre outros assinalam os limites do impérios Na falta de obstáculos naturais, erguem-se sistemas
demarcatórios articiais, como a Muralha da China e o Muro dos Pruncipes (no antgo
Egito, rente ao delta do Nilo)s As fronteiras servem para delimitar com exatdão o
principal recurso fsico: a terras São rigidamente controladas para impedir a entrada
de estrangeiros assim como a evasão dos súditoss
4. Báriaros: Conjunto de povos que habitam as áreas ao redor do Estado Asiátco (o
Tsong Go, Império do Centro, isto é, a China; Twantisuyo, Império dos Quatro Cantos
da Terra, área Inca), parcial ou incompletamente submetdos ao poder despótcos
Eventualmente tributados por expediaçes punitvas - razzias - guardam relaaçes de
hostlidade com os impérios asiátcoss Contradiaçes entre as provuncias e o poder
central favorecem invasçes destes povoss Quando vitoriosos, geralmente terminam
incorporados como novo grupo dominante, assimilando os cânones polutcos da
sociedade invadidas É o que sucedeu relatvamente aos mongóis, na China e aos
hicsos, no Egitos
5. Arquétpo Celestal: É o paradigma imaginário da espacialidade concreta, sua
reproduaão extramundos O arquétpo é habitado por divindades dispostas em um
panteão, geralmente com uma divindade ttulars A realizaaão de holocaustos e
sepultamentos suntuários, a construaão de complexos templários, necrópoles ou de
construaçes como pirâmides, a eleiaão de pontos especuicos do espaao como
emanaaão do sagrado, formas de queima e de abduaão do excedente econômico qual seja, de energia - sustentam este plano imaginários
6. Feixes: Inputs e outputs, interligando o espaao concreto do modo de produaão
asiátco com dado arquétpo celestals Inputs (6a): fertlidade do solo, dos rebanhos e
da populaaão; ciclos hidrológicos em harmonia; paz interna; ampliaaão da área
cultvada; ausência de pragas e de cataclismos naturais; prosperidade para o reinos
Outputs (6b): holocaustos; funerais pomposos do Déspota, prepostos e dos grandes
sacerdotes; entesouramento para além vida; sacrifcios de oferendas agrucolas e
pastoris, eventualmente de seres humanoss
7. Ciriuitos e Fluxos: Da periferia para o centro, o fuxo de tributoss Do centro para a
periferia, obras públicas, proteaão militar e integraaão cósmico-ideológicas Nos
peruodos de estabilidade espacial, as foraas centrupetas são predominantess Quando
42
ocorrem crises, predominam foraas centrufugass A toraão do espaao pode ocorrer
seja pela tributaaão exacerbada ou pelo esgotamento ecológico do territórios O fato
das civilizaaçes asiátcas terem artculado o espaao predominantemente com base
na agricultura, ou seja, em ecossistemas simplifcados, tornou-as alvo de catástrofes
naturaiss Por outro lado, escassamente marcadas pela articialidade das formas e
dos conteúdos espaciais, a destruiaão da espacialidade asiátca geralmente não tem
como pressuposto a esterilizaaão ou desvitalizaaão absoluta do espaaos Quase
sempre forestas, pântanos, desertos e rios, cujos ritmos são normalmente contdos,
mas não inapelavelmente desmantelados, retomam seus ambientes originais,
encetando uma reoriginalizaaço das formas e dos processos da natureza segunda do
modo de produaão desagregado (Figura 13)s
FIGURA 13 - Imagem paradigmátia de Angkor Wat: templo-montanha Khmer agasalhado pelo retorno da
mata equatorial.
43
CONCLUSÕES
Uma consideraaão axial é que de modo universal, as estruturas asiátcas terminaram
extntas, exauridas ou numa sentenaa direta, inquestonavelmente desartculadas
pelo avanao da modernidade ocidentals
Por isto, muitas das contextualizaaçes da Velha Ásia reportam a realidades mortas,
pertencentes a um passado irremediavelmente selado, não mais consttuindo uma
referência organizadora dos arranjos espaciaiss
Consequentemente, não é mais possuvel subentender uma presenaa dinâmica dos
antgos sistemas de aldeias e da autarquia econômica, há muito tempo suprimida
pelo avanao da economia de mercados
Tampouco podemos encontrar Estados despótcos, que deixaram de existr pela
vitória universal do conceito de Estado-naaãos Aparte os remanescentes e pobres
restos do antgo modo de produaão que sobrevivem aqui e acolá, as caracterustcas
básicas de funcionamento dos antgos sistemas de engenharia do oriente pertencem
deinitvamente ao passados
Assim, o que resta da espacialidade asiátca são elementos que aguardam
propriamente não um retorno ao passado, mas, novamente, uma ressemantzaaãos
Por outro lado, nada do que foi elencado em termos do espaao concreto pode ser
transposto mecanicamente para as preaçes que habitam o imaginário dos povos da
Velha Ásias
As civilizaaçes do mundo oriental contnuam dar mostras da sua foraa inercial, não
na concretude espacial propriamente dita, mas sim, nas profundidades, no âmago do
imaginário socials
A partr do momento em que estas se mantêm vivas na consciência das populaaçes,
a Velha Ásia reúne condiaçes para irromper das brumas do passado e, desta forma,
contnuar a gerar histórias
É a partr da infuência mantda junto à psique nacional de diversos povos que o
oriente contnua a fazer-se presente, infuenciando os mais diversos processos
sociais no Terceiro Mundos
44
Deste modo, em meio a fortes tensçes sociais, polutcas e econômicas, diversas
“fantasmagorias orientais” terminaram por conquistar expressão no cenário polutco
e, em alguns momentos, inclusive num papel centrals
Recorrentes em muitos pauses do Terceiro Mundo, tais ideaaçes constantemente
advertem aos que advogam ser a globalizaaão um processo irreversuvel, coroado
pelo sistema de valores criado pelo mundo ocidental, que nada disso poderia ser tão
simples ou, então, tão fácils
Numa clara demonstraaão de que as preaçes imaginárias do espaao não ressurgem
desacompanhadas de contextos especuicos, que modelam ou reconstroem sua
tvidade, os deuses, foraas cósmicas e as divindades que reaparecem das
profundezas do passado reivindicam novo mandatos
Agora, estas divindades ressurgem para condenar o uso predatório dos recursos
naturais, para defender direitos culturais e religiosos, para reivindicar autonomia
para as minorias étnicas, para advogar a emancipaaão dos povos não-representadoss
Não por outra razão senão porque este passado asiátco, que sobrevive na memória
de grupos, povos e culturas, contnuará a gozar de grande prestgios Principalmente
porque o sistema ocidental de vida, para estes mesmos segmentos, não signiicou
nem progresso, nem desenvolvimentos
E neste momento crucial em que o Planeta observa o recrudescimento da crise
ambiental, o que se tem é um sistema hegemônico que se consttui numa ameaaa
real à contnuidade da vidas Numa escala tal, que o oriente terminou incorporado à
dimensão do naturals
Nesta refexão, irmam-se duas certezas: uma, o caráter irredutvel do espaao como
nexo primordial para a vida social; segundo, o quanto o estudo do espaao não
permite dissociaaão das formas de percepaão historicamente dadass
Uma interaaão que propicia novas frentes de investgaaão para a geograia, que não
pode se restringir ao estudo do espaao em sis
Mas primordialmente a um espaao que é substantvado por humanos em sociedade,
que irmam e renovam contnuamente suas expectatvass
45
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Espaço e Modo de Produção Asiátio: A Organização do Espaço Geográfio nas
Primeiras Soiiedades Estatais, ISBN: 12300009094957 é um texto que
primeiramente, foi disponibilizado na Plataforma Kobo pela Editora Kotev (Kotev ©)
em Fevereiro de 2016s Em Marao de 2018, este mesmo material foi transformado
em texto de acesso livre na Internet em Formato PDFs Editorialmente, Espaço e
Modo de Produção Asiátio: A Organização do Espaço Geográfio nas Primeiras
Soiiedades Estatais é um material elaborado a partr de ensaios preliminares,
partcularmente o paper Espaao e Modo de Produaço Asiático, publicado em 1994
pelo Boletm Paulista de Geograia, nºs 72, revista da Associaaão dos Geógrafos
Brasileiros (AGB), seaão local São Paulos Na ocasião em que Espaao e Modo de
Produaço Asiático era elaborado, Waldman desenvolvia dissertaaão de Mestrado na
FFLCH-USP na área da Antropologia Social, pesquisa com foco questão na percepaão
cultural do espaao-tempos Esta ediaão de Espaço e Modo de Produção Asiátio: A
Organização do Espaço Geográfio nas Primeiras Soiiedades Estatais incorpora
revisão ortográica com base nas regras vigentes quanto à norma culta da lungua
portuguesa, cautelas de estlo e normatzaaçes editoriais inerentes ao formato PDFs
Relatvamente ao paper original, a ediaão de 2018 foi ampliada, agregando
contribuiaçes advindas de pesquisas posteriores do autor em diferentes estudos e
pesquisas de pós-graduaaãos Por outro lado, as consideraaçes conceituais, matrizes
de interpretaaão e a moldura textual em seu sentdo mais amplo, são idêntdas às
de 1994s A formataaão do material, contou com a Assistência de Editoraaão e
Tratamento Digital de Imagens do webdesigner Francesco Picciolo, Contato E-mail:
francesco_antonio@hotmailscom, Site: wwwsharddesignwebscomsbrs Espaço e
Modo de Produção Asiátio: A Organização do Espaço Geográfio nas Primeiras
Soiiedades Estatais é um texto de caráter gratuito, sendo vedada a reproduaão
comercial e divulgaaão sem aprovaaão prévia da Editora Kotev (Kotev©)s A citaaão
de Espaço e Modo de Produção Asiátio: A Organização do Espaço Geográfio nas
Primeiras Soiiedades Estatais deve obrigatoriamente acatar referências
bibliográicas conforme padrão modelar que segue: WALDMAN, Maurucio. Espaao e
Modo de Produaço Asiático: A Organizaaço do Espaao Geográfco nas Primeiras
Sociedades Estatais. Série Antropologia do Espaao, Coleaão Acadêmica Nºs 1s São
Paulo (SP): Editora Kotevs 2018s
2
Mauríiio Waldman é antropólogo, jornalista, pesquisador acadêmico e professor
universitários Militante ambientalista histórico do Estado de São Paulo, Maurucio
Waldman somou a esta trajetória experiências insttucionais na área ambiental e
uma carreira acadêmica com contribuiaçes no campo da antropologia, geograia,
sociologia e relaaçes internacionaiss Waldman foi colaborador de Chico Mendes,
Coordenador de Meio Ambiente em São Bernardo do Campo (SP) e Chefe da Coleta
Seletva de Lixo na capital paulistas Nos anos 1990, partcipou no CEDI (Centro
Ecumênico de Documentaaão e Informaaão, São Paulo e Rio de Janeiro), em
movimentos em defesa da Represa Billings no Grande ABC Paulista e em diversas
entdades ecológicas, dentre as quais o Comitê de Apoio aos Povos da Floresta de
1
São Paulos Também partcipou do Comitê de Fiscalizaaão do Reator Nuclear do
Projeto Aramar, em Iperó (SP)s Autor de 18 livros e de mais de 700 artgos, textos
acadêmicos e pareceres de consultoria, Waldman é autor, dentre outras obras, de
Ecologia e Lutas Sociais no Brasil (Contexto, 1992), Antropologia & Meio Ambiente
(SENAC, 2006), primeira obra brasileira no campo da antropologia ambiental e de
Lixo: Cenários e Desafos - Abordagens básicas para entender os resíduos sólidos,
obra inalista do Prêmio Nacional jabut de 2011 ( Cortez Editoras 20100s Maurucio
Waldman é graduado em Sociologia (USP (1982), Licenciado em Geograia
Econômica (USP, 1992), Mestre em Antropologia (USP, 1997), Doutor em Geograia
(USP, 2006), Pós Doutor em Geociências (UNICAMP, 2011), Pós Doutor em Relaaçes
Internacionais (USP, 2013) e Pós Doutor em Meio Ambiente (PNPD-CAPES, 2015)s
Mais Informação:
Portal do Professor Mauríiio Waldman: wwwsmwsprosbr
Mauríiio Waldman - Textos Masterizados: hip://mwtextosscomsbr/
Curríiulo Plataforma Lattes-CNPq: hip://laiesscnpqsbr/3749636915642 474
Veriete Wikipédia (BrE): hip://enºswikipediasorg/wiki/Mauricio_Waldman
Contato Email: mw@mwsprosbr
3
A terminologia objeto espacial corresponde a um acréscimo articial resultante da
intervenaão humana em sociedade no espaao, passuvel de redeinir os fuxos
originais do meio natural e induzir aqueles que animam a paisagem antropogênica
(passim SANTOS 1998, 1988 e 1978)s
4
Este texto faz uso da noaão de concrescência tal como elaborada pelo ilósofo
britânico Alfred North Whitehead (1861-1947)s O conceito, proposto enquanto uma
leitura ampliada do processo de concreaço tem, na adiaão simultânea dos aspectos
fsicos, imaginários e espirituais, indissoluvelmente irmanados e atvos entre si, seu
nexo epistemológico fundante (ABBAGNANO, 2010: 204)s
5
Raubwirtschaf é terminologia universalizada pelo geógrafo alemão Friedrich Ratzel
(1844-1904), conotando uma economia de roubo, de pilhagem, de butim, de rapina,
ou ainda destrutivas O jargão é utlizado, mormente quando o foco da análise são as
prátcas da economia colonials
6
As denominaaçes oriental e tributária, que convivem com a forma mais tradicional
de modo de produaão asiátco, chamam a atenaão para o alcance geográico do
conceito, que não se restringe às plagas asiátcas, abrangendo em igual medida
sociedades da América pré-colombiana, da África e no escopo de certas avaliaaçes,
da Oceania e da própria Europas
7
De um modo geral, as ciências sociais deinem a Modernidade ou Ocidente como
uma sociedade surgida na Europa ocidental a partr da Baixa Idade Média, formando
um sistema cujas dinâmicas técnicas e uniicadores conquistaram crescente
supremacia, embaladas pela radicalizaaão crescente das suas demandas
civilizatóriass O mundo moderno respalda modos de vida que desvencilharam, de
um modo que não têm precedentes, a Humanidade dos modos tradicionais de
ordem socials A Modernidade se caracteriza pela autonomia do econômico como
princupio regulador, sendo lógica da produaão a diretriz básica da economia, raiz da
problemátca ambiental contemporâneas Padrçes de excelência técnica controlam
os ambientes materiais, culturais, polutcos, econômicos e sociais do mundo
contemporâneos Diante ordenaaçes de valores criadas pela Modernidade, a religião
perde prestgio, sobrepujada por modelos abstratos que fundamentam relaaçes
informais e impessoaiss A mediaaão com o meio natural passou a ser enquadrada
por determinaaçes laicas de mundo, perdendo, pois imemoriais atribuiaçes mágicas,
metafsicas e afetvas que comandaram o mundo pré-moderno (Vide POLANYI,
2000: 47, GIDDENS, 1991: 14-19 e GOUREVITCH, 1975)s
8
Cabe anotar a refexão do geógrafo brasileiro Antonio Carlos Robert MORAES: “o
ambiental não se homogeneuza num só alvo de aaão, antes se difunde como faceta
inerente a todo ato de produzir espaao” (2002: 30)s
9
O grupo Alladian é uma das etnias da famulia de povos Akan, que além da Costa do
Marim, são encontrados no Togo, Benin e Ghana, pauses da África ocidentals Os
Alladian são uma sociedade que nos anos 1990, eram estmados em 20s000 pessoas,
ocupando trechos dos sistemas lagunares do litoral da Costa do Marim situados nas
proximidades de Abidjan, a capital do pauss Este ambiente é indissociável da cultura
Alladian, do seu modo de vida e organizaaão social, por sua vez estruturada nos
princupios de linhagem e de residência, ambos interagindo entre sis
10
O Reino Bamum foi um Estado tradicional africano que irrompeu a partr da etnia
Mbun, de extraaão Bantu, no que hoje é o sudoeste do Camarçess Este reino
perdurou por cinco séculos (1394–1884), sendo a partr dos inais do século XIX
gradatvamente integrado ao domunio colonial alemão e posteriormente, da Franaas
11
Existem, contudo contestaaçes à amplitude do conceitos Não sem razão, Maurice
GODELIER (1974) e Jean SURET-CANALE (1974), propuseram, nos primórdios dos
anos 1970, adiaçes e reticaaçes ao modelo original, ressalvando que o modo de
produaão asiátco teria em realidades como a africana, gênese e conaão especuica,
diversa das outras paragenss
12
Nos marcos propostos por este texto, a ideologia está conferida de interesse
especials Mormente porque a ideologia, conforme rubricado por Milton Santos,
tanto reveste a esfera do real de uma representatvidade atribuuda, quanto por sua
vez, transforma esta mesma impostaaão imaginária num dado norteador da
realidade vividas Assevere-se que estas atribuiaçes estão conferidas de
materialidade em face do afazer ideológico, ao engendrar os próprios apensos que
terminam por conirmá-lo, se trans em si mesmo numa fatoraaão a assegurar a
reproduaão das arquiteturas de poders Neste prisma, entendendo-se que as
sociedades não podem se tornar objetvas prescindindo das formas geográicas e
que estas se artculam com sistemas de representaaão, tem-se obrigatoriamente um
papel relevante emprestado às molduras ideológicas e seus desdobramentos
concretos no plano do espaao (Cfs SANTOS, 1978: 70, 157 e 199)s
13
Terminologia com largo trânsito nos escritos de Marx e Engels na análise das
sociedades que integravam o modo de produaão asiátcos
A palavra é um calco linguustco de origem alemã, signiicando concepaço,
cosmovisço ou intuiaço de mundo, podendo também ser traduzida como visço de
mundos Em todos estes casos se refere a um quadro de ideias e crenaas através dos
quais indivuduos, povos, grupos e etnias interpretam o mundo e com ele interagems
15
As terminologias fxos e fluxos correspondem a conceituaaçes elaboradas por
Milton Santos ao longo da década de 1970s Ambas operam enquanto estacas
epistemológicas para a deiniaão de espaao proposta por esse geógrafo, entendidas
como uma relaaão entre sistemas de objetos (ixos) e sistemas de aaçes (fuxos)s
Funcionalmente, os ixos e os fuxos, isto é, os pontos de sustentaaão material do
sistema e as inferências que magnetzam sua perpetuaaão, mantêm interaaão
permanente de caráter dialétco, expressão de um dinamismo social que para o
geógrafo, é o nexo fundacional da construaão do espaao geográico (passim
SANTOS, 1988 e 1978)s
16
As próteses correspondem aos objetos espaciais que respondem por acréscimos
ou agregaaçes de mote articial, resultando da intervenaão humana em sociedade
no espaao, passuvel de redeinir e direcionar os fuxos originais presentes na
natureza e/ou induzir aqueles que animam a paisagem antropogênicas Consttuem a
mais emblemátca representaaão material do sistema (passim SANTOS, 1988 e
1978)s
17
Nada do que foi colocado obsta, evidentemente, destacar a funaão do imaginário
em qualquer sistema ou estrutura socials Contudo, as determinaaçes que regulam o
modus vivendi das sociedades não possuem o mesmo peso de um caso para outros
Nos tempos modernos, é a esfera do econômico que cumpre tal prerrogatvas Na
sociedade feudal, é a noaão de statuss Nas comunidades comunais e tribais, são as
relaaçes de parentesco que substantvam o modo de ser destas sociedadess No
mundo oriental, tal regalia é assumida por construaçes ideológicas e religiosas,
indiscernuveis das relaaçes de produaão, da organizaaão da sociedade e do mandato
polutcos
18
Tanto a noaão de Déspota quanto a deiniaão de despotsmo oriental são alvo de
diversos reparos por parte dos pesquisadoress Ambos os conceitos conm em muitos
momentos uma inculturaaão de ideaaçes impregnadas de valores que não
permitem transposiaão mecânica para aos contextos históricos, geográicos e
culturais próprios das sociedades orientaiss A imagem do Déspota todo poderoso,
por exemplo, frequentemente reporta às formas de percepcionamento dos regimes
autoritários da história ocidental, com o qual se artcula por sua vez a conceituaaão
de um despotsmo orientals Análises antropológicas pontuam com certa insistência
sobre a necessidade de uma ponderaaão mais cuidadosa destes conceitoss A isso,
atente-se para o vunculo de muitas destas interpretaaçes com a atmosfera que
permeava o ambiente intelectual durante a Guerra Fria, pelo que os dois conceitos
consttuiriam menaçes enviesadas dirigidas à União Soviétca e seus luderess Nestas
abordagens, os sistemas polutcos dos pauses comunistas seriam inclusive fenômenos
partcipes de uma mesma linha de contnuidade atando ao longo da história,
14
sociedades dotadas de forte aparato estatal e controle burocrátco da economias
Esta tese foi endossada expressamente pelo geógrafo e sinólogo alemão Karl August
Wittfogel, que frisava a existência de similaridades entre o despotsmo oriental e o
regime de Josef Stalin (Ver a respeito, SOFRI: 1977: 109-116; WITTFOGEL, 1957)s
19
Casta, nos manuais das ciências sociais, refere-se a uma forma de estraticaaão
social caracterizada pela endogamia e transmissão hereditária de uma funaão ou
atvidade, também propugnando um estlo de vida conotado por um status
hierarquicamente especuico, gravado por interdiaçes com base na noaão de pureza
rituals Na sua acepaão mais plena, apelando para as consideraaçes do texto clássico
do sociólogo indiano Govind Sadashiv GHURYE (1972), esta conaão é tpica do
mundo indostânico, e mais especiicamente do sistema religioso hinduustas Embora
o termo possa ser utlizado de modo genérico, restriaçes devem obrigatoriamente
ser levadas em consideraaão para ambientes sociais externos à Índias
20
Era assim que o máximo representante do Estado, o Déspota, passava a ser em
tese, o supremo proprietário da terra, senão o únicos Isto, no entanto, informa o
historiador brasileiro Ciro Flamarion CARDOSO, “é uma aparência, uma construaão
ideológica a posteriori” (1990b: 7)s Na realidade, as comunidades é que eram as
reais possessoras das terras aldeãs em quase todos os casoss A propriedade tribal
primitva, coletva, comunal, aldeã, era a forma fundamental da propriedades
Apenas a hipertroia do Estado e de seu máximo representante, o Déspota, é que
permita a representaaão de um proprietário supremos Neste sentdo, é a aldeia, e
não o Estado, o verdadeiro centro da economia orientals
21
Cabe admoestar que muitos estudos assinalam a consttuiaão de formaaçes
estatais asiátcas dedicadas à tributaaão do comércio, partcularmente o de longa
distância, caso, por exemplo, dos impérios sudaneses da África ocidental, de cidades
comerciais como Palmyra, na antga Suria e de muitos impérios da Ásia Central e nas
talassocracias da região do Índico e Insulundias Note-se que esta diferenciaaão não
singulariza tais contextos como integrantes de outra taxonomia de formaaçes
sociaiss Nota essencial, a construaão do poder polutco mantém-se airmada na
coleta e na gestão de tributos em sociedades largamente caracterizadas pela
produaão de excedente econômico em pequena escalas
22
A caracterizaaão dos modos de produaão pré-capitalistas como incapazes de
acelerar o desenvolvimento das foraas produtvas é recidiva na literatura marxista
tradicionals Contudo, deve ser relatvizada à luz de novas descobertas históricas e
arqueológicass No Egito faraônico, por exemplo, não é possuvel assinalar estagnaaão
inconteste do nuvel das foraas produtvass Embora o ritmo de inovaaçes tenha
diminuudo sensivelmente a partr de 2700 asCs, isto não signiica dizer “que não
tenham ocorrido inovaaçes posteriores nas técnicas de produaão” (TUNES, 1990:
59)s O mesmo pode ser dito, em linhas gerais, para a Suria na Idade do Bronze e para
a Baixa Mesopotâmia entre os III e II Milênios asCs (Ver respectvamente CARDOSO,
1990a: 69-83 e BOUZON, 1990: 17-35)s
Terminologia usual em geopolutca e geograia polutca, por core área - pivot area e
também área núcleo - se entende um espaao dinâmico que polariza determinado
entorno ou periferia territorial imediatas
24
Seria factvel, numa ótca histórico-ambiental, asseverar que os modelos
tradicionais de exploraaão da natureza efetvamente consubstanciaram utlizaaão
mais adequada dos recursos naturaiss Em muitos contextos, o “arcausmo técnico”
vigente na agricultura, na pecuária e nas atvidades extratvas desenvolvidas pelas
sociedades tradicionais, censura que sobremaneira é rubricada pelos postulados da
economia clássica, foi sinônimo de vigorosa adequaaão ambiental, desconsiderada
ou desqualiicada pelo conhecimento ocidentals Por exemplo, em muitas regiçes da
África Negra, a agricultura sobre queimadas, apesar de aparentemente insensata e
ruinosa, foi mais tarde reconsiderada e entendida como o melhor método que se
pode encontrar para fertlizar solos pobres nos tempos anteriores ao aparecimento
do adubo articial (Vide GIORDANI, 1985: 143)s
25
Destacar unicamente caminhos construudos pela aaão do Estado Asiátco seria,
contudo, uma simpliicaaãos Dado o ajuste das sociedades orientais com o espaao
natural frequentemente ocorre a cooptaaão de marcas naturais na consolidaaão de
caminhos e rotas de comércios No Egito faraônico, o famoso vale seco do wadi
hammamat, tornou-se o piso da rota que ligava a Koptos, localidade do vale do Nilo
próxima a Tebas, com o porto de Quseir, no Mar Vermelhos A mesma funaão foi
aplicada aos vales montanhosos do Cáucaso e do Himalaias Nas extensçes áridas da
Ásia Central e do Saara na África ocidental, onde os caminhos solicitavam premissas
bem claras, dentre as quais a reserva de água era a consideraaão primordial, as
trilhas estão apoiadas em oásis, poaos e brotos d’água (Ver a respeito JONES, 1966:
222-223)s
26
A Arábia meridional foi palco do surgimento de diversos reinos, tais como
Hadramaut, Qataban, Awsan e Sabá (ou Sheba), este últmo o mais proeminente de
todos, célebre por sua vistosa capital, Maribs Estes principados eram conhecidos na
Antguidade pela produaão de perfumes e essências aromátcas de toda ordem,
como oloés, mirra e evidentemente o incenso, exportados em larga escala para os
mercados do Oriente Médio através de caravanas, e para Pérsia, Índia e China por
via marutmas
27
Literalmente: terra de ninguém em alemão, expressão que estabelece um diálogo
semântco com no man’s land em inglêss
28
Atribui-se ao geógrafo sino-americano Yi-Fu TUAN a difusão de termo topoflia,
que para este autor, corresponderia “ao elo afetvo entre a pessoa e o lugar ou
ambiente fsico” (1980: 5)s Sublinhe-se, porém, que o sugestvo neologismo surge
primeiramente no texto A Poética do Espaao, obra do ilósofo e poeta francês
Gaston Bachelard, datada de 1957s Neste texto, Bachelard discute a noaão de um
espaao feliz, apreendido pela imaginaaço, “antes que demarcado pelo metro ou pela
refexão do geômetra” (BETTANINI, 1982: 120)s
29
Topônimo que para os astecas nominava seu impérios
23
Várias outras cidades, tais como Jerusalém, Meca e Medina, ainda que
etmologicamente não expressem signiicado religioso em si, consttuem, por outro
lado, polos centrais de imaginários pactuados pela fé, sacramentadas pelo fervor da
veneraaãos
31
Terras frequentemente mencionadas nas narratvas faraônicas, a localizaaão é
controversas Acredita-se, a partr de referências imagétcas e ito-geográicas, que os
dois pauses se reiram à atual Somália ou proximidadess
32
Importa neste ponto sublinhar a noaão de porto de tráfco, conceito trabalhado
pelo antropólogo e economista húngaro Karl Polanys Para este autor, nas economias
arcaicas convivem duas modalidades distntas de mercadeio: o mercado local e o
porto de tráicos A primeira responde às necessidades mais elementares da
populaaão, desempenhando um papel integrador de comunidades usualmente
auto-suicientess A segunda, responde às demandas tanto econômicas quanto
militares e polutcas do aparelho de Estado, um comércio centralmente administrado
onde os agentes de trocas não consttuem propriamente uma classe mercantl mas
antes, uma categoria de funcionários públicos (VALENSI, 1974: 18-20)s
33
Nos anos 1960, o sociólogo indiano Govind GHURYE assinalava que “nas regiçes
Tamil e Malayalam, bairros diferentes são muito frequentemente, ocupados por
castas separadas; ou algumas vezes, o povoado é dividido por partes: aquela
ocupada pela casta dominante no povoado ou pelos Bramin, aquela reservada aos
Sudra e a parte reservada aos Panchama ou intocáveis” (1972: 109-110)s
34
A planta da cidade de Kahum, mandada construir na região de Fayum pelo faraó
Sesóstris III, revela rugida separaaão das castas urbanas em bairros próprioss Além da
morada principesca composta por 70 quartos, existam bairros próprios que
congregavam escribas, artesãos, etcs (EL-NADURY et VERCOUTTER, 1979)s
35
No Nepal, temos que perfeitamente adaptados aos contornos do terreno, essas
cidades e núcleos são bastante compactos e estão dispostos em curculos
concêntricos segundo a proissão de seus habitantes - sacerdotes, mercadores,
artesãos, lavradores, até os que desempenham funaçes mais humildes na
comunidades Esses ofcios e funaçes são transmitdos de geraaão a geraaão dentro
do mesmo curculo, o que impede que eles se misturem; a populaaão cresce,
portanto dentro de um modelo vertcals Uma vez atngidos os limites permitdos,
novos núcleos vão se formando na periferia, mas seguindo o mesmo modelos Assim,
29 núcleos de tamanhos variados se formaram em volta das três cidades reais de
Katmandu, Patan e Bhatgaon (PRUSHA, 1975)s
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Neste aspecto, um fato matricial reclama atenaão: o de que na verdade, o Estado
despótco faz uma repaginaaão de antgos cultos realizados por vasta proporaão das
sociedades comunais, regrados pela oferta de dádivas e bens materiais de prestgio
em honra às divindades, na realidade uma estratégia multfuncional que também
inclua a competaão por status e lideranaa no interior das comunidadess Destarte,
como em muitas outras situaaçes, a máquina de poder dos soberanos orientais se
apropria ou coopta elementos da religiosidade tradicional, formatando-a a seu
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gosto, redeinindo prátcas e liturgias de modo a condicioná-las enquanto ideologia
a serviao do Estados
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Dadas as caracterustcas das ediicaaçes religiosas, não seria um exagero considerar
que os templos também possuuam funaão militars
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O Palácio de Korsabad, construudo pelo imperador assurio Sargão II, entre 713 e
706 AsCs, pçe a nu o caráter simultaneamente sagrado e imperial que pode coexistr
na habitaaão de um Déspotas No palácio de Korsabad, situado em Nunive, “O rei não
passava de um humilde servidor dos deuses e as suas obrigaaçes religiosas eram
absorventes, o que explica a importância do lugar ocupado pelos santuários neste
conjunto arquitetônico: seis templos - três grandes e três pequenos - dispostos ao
comprido e precedidos de estátuas cariatdicas ictcias de bronzes Dominava o
conjunto um zigurate de 43 metros de lado” (AMET, 1974: 106)s
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Ressalvou Karl MARX, “Essas comunidades se bastam a si mesmas e se
reproduzem constantemente da mesma forma e, se forem destruudas, se
reconstroem constantemente no mesmo lugar, com o mesmo nome” (1975b: 410)s
Observa também o pai do materialismo histórico, com base nas observaaçes de
Stamford Rafes, em The History of Java, que “Os habitantes não se preocupam com
o desmoronamento ou a divisão dos reinos; desde que a aldeia permaneaa untegra,
pouco lhes importa o poder a que foi transferida ou o soberano a que foi
adjudicada; sua economia interna permanece inalterada” (MARX, 1975b: 410)s Do
ponto de vista arqueológico, a imutabilidade que Marx destaca no sistema de
aldeias, transparece nos chamados tells, colinas arqueológicas contadas às dezenas
de milhares por todo oriente, resultantes de reediicaaçes imemoriais das aldeias,
sucessivamente umas sobre as outrass
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No caso do Império Inca, assinala Henri FAVRE: “Num Estado que não tnha outros
recursos além da foraa de trabalho da populaaão, o controle burocrátco da
demograia era indispensávels O poder devia sempre estar a par da quantdade de
energia humana com a qual pudesse contar de modo a administrar racionalmente
os diversos setores concorrentes da economias Era portanto preciso ter em dia a
lista de súditos que pelo casamento entravam na categoria de trabalhadores, assim
como daqueles que a doenaa, a idade ou a morte, eliminavam desta categorias Os
enormes e minuciosos recenseamentos que impressionaram os conquistadores,
tanto mais porque na Europa do Século XVI não havia nenhum equivalente, serviam
somente para este ims Eram regularmente efetuados por especialistas que se
baseavam num sistema numérico decimal e os resultados eram registrados em
cordçes com nós ou kipu!” (1974: 50)s
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A esta locuaão, que perfaz uma interpretaaão mais adequada aos moldes clássicos
de como o poder despótco é entendido, se contrapçe a outras leituras, que revelam
a realeza apelando para uma rede de alianaas representatva de uma composiaão
territorial obtda pelo encadeamento de espaaos parcelados, ladrilhados, estanques
e autárquicos, cuja coesão dependia quase exclusivamente do prestgio que o
soberano conseguia amealhars Na verdade, podemos observar variaaçes no grau de
poder usufruudo pelos reis e imperadores, que se alinham a situaaçes conjunturais e
enquadramentos culturais muito diversiicados (Ver WALDMAN, 2006)s
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Entenda-se que na mentalidade tradicional, atvidades como o fabrico de objetos
de metal e a domestcaaão dos animais, pressupondo a mudanaa de um estado
natural das coisas e substâncias, eram percepcionadas como atos mágicos, quando
aceitas socialmente, ou então, como feitaaria, quando objeto de alguma restriaão
culturals
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Não é incomum na literatura especializada a associaaão entre os termos habiru e
hebreu (Cfs SCHWANTES, 1984)s
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“Essa fertlizaaão articial do solo, dependendo de um governo central e caindo
em decadência desde que a irrigaaão ou a drenagem fosse negligenciada, explica o
seguinte tato, que de outro modo pareceria estranho: territórios inteiros, outrora
admiravelmente cultvados, como Palmyra, Petra, as ruunas do Yêmen, vastas
provuncias do Egito, da Pérsia e do Indostão, encontram-se hoje estéreis e
desértcoss Assim como explica porque uma única guerra devastadora pôde
despovoar o paus durante séculos e privá-lo de toda a sua civilizaaão” (MARX, 1976:
22)s
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Por exemplo, na antga China imperial o Estado zelava pela implantaaão e gestão
de vastas putreries, que centralizavam a coleta de excrementoss Nestas instalaaçes
os dejetos eram secos ao sol em tjolos para serem posteriormente pulverizados e
dissolvidos nos cursos dos rios do império, com isso prevenindo doenaas e
fortalecendo os ciclos agrucolass
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“Vimos que nas sociedades primitvas e nas civilizaaçes antgas, bem como em
certos povos não-europeus, o conceito de tempo que predominava não era vetorial,
mas cuclico, produzido por outro estlo de vida, por uma concepaão partcular do
mundo, por um tpo preponderante de sociedades As concepaçes de tempo nesta
ou naquela sociedade ou região cultural, refetem a cadência da evoluaão socials O
predomunio, na consciência social, do tempo cuclico sobre o tempo linear, é
condicionado pela relaaão especuica entre os elementos dinâmicos e os elementos
estátcos no processo histórico” (GOUREVITCH, 1975: 283)s
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KOTEV, publicadora digital que entrou em atividades no ano de 2016. Também trabalhamos
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