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AS MAGNÍFICAS BIBLIOTECAS DO IMPÉRIO DO MALI 1
MAURÍCIO WALDMAN 2
A África tem sido objeto de uma estratégia de desqualifcaaço que perdura por séculos,
estigmatizando nço apenas as populaaees africanas, mas em igual medida, o conjunto
da diáspora afrodescendente.
Formatando um racismo matricial e tendo por meta a submissço dos povos e culturas
do continente, uma das mais agressivas premissas levadas a cabo para sistematizar a
subalternidade da África foi uma pretensa “ausência de civilizaaço” a gravar as terras do
continente, que estariam ocupadas por povos bárbaros, incultos e inferiores.
Retenha-se que o continente africano corresponde a uma gigantesca poraço do Planeta,
aproximadamente um quarto das terras emersas do globo, espaao de origem de toda a
raaa humana e das primeiras e ousadas iniciativas que frmaram a presenaa humana na
Terra.
Nesta senda, pesquisas históricas, geográfcas e antropológicas têm oferecido subsídios
para desafar as peaas de fcaço construídas pela discriminaaço racial e pelo saber
eurocêntrico.
Na realidade, nço apenas o continente foi o berao da espécie humana como também,
foco do surgimento de notáveis civilizaaees, como a Núbia, a Abissínia e o antigo gito.
mais: este protagonismo perdurou por séculos.
No Oeste do continente, nas plagas savaneiras da África Ocidental, vastos e majestosos
impérios alojados entre o Golfo da Guiné e o Deserto do Saara ofereceram ao mundo
impressionante determinaaço no amparo ao conhecimento cientfco. Nesta pontuaaço,
nço haveria como nço inscrever as magnífcas bibliotecas do Império do Mali.
O Mali formava um vasto stado tradicional africano que ocupava todo o curso superior
e médio do rio Níger e o fuxo do rio Senegal (Figura 1). A prodigiosa performance deste
império, fundado pelo legendário Sundjata Keita no século XIII, alcanaou enorme fama e
projeaço no mundo muaulmano e na cristandade europeia.
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FIGURA 1 - Em verde, os territórios que compunham o Império do Mali no Século XIII, assim como os
principais centros urbanos. O mapa do império está sobreposto às fronteiras atuais dos Estados da África
Ocidental ou do Oeste (Fonte: < https://creativecommons.or//licenses/bc/3..// >. Acesso: 22-/6-2/17)
Graaas a sua prosperidade, o Mali mantinha uma numerosa populaaço. stimada entre
40 e 50 milhees de habitantes, confgurava uma das mais proeminentes concentraaees
humanas da demografa mundial de todos os tempos.
ste dado constitui um claro sinal de que o império possuía organizaaço interna à altura
de dar conta de um numeroso contingente de súditos, atendendo suas demandas
sociais, culturais, políticas e econômicas.
Sob a autoridade dos Mansas - tal como os imperadores do Mali eram conhecidos - uma
coleaço de grupos, povos e etnias convivia harmoniosamente, usufruindo de uma
conjuntura econômica viabilizada por uma sucessço de reis hábeis, argutos e sensíveis
às benesses da paz.
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Graaas à estabilidade política e operosidade dos seus habitantes, o Mali registrou
notáveis avanaos em todos os planos: técnicos, econômicos, sociais, políticos e culturais
(Figura 2).
FIGURA 2 - A Mesquita de Jenné-Jeno (Djené), exemplo da arquitetura tradicional do Mali. No Mali e em
vários outros pontos da África Ocidental existiam construções de /rande porte, que desafavam em proporção
as céleres catedrais er/uidas no continente europeu no mesmo período histórico (Fonte: Enciclopédia
Britânica, < https://www.britannica.com/place/Mali >. Acesso: 22-/6-2/17)
No mais, contestando repetidas pregaaees discriminatórias da África, o império dos
Mansas cristalizou profundo interesse para com o saber sistematizado vertido em
linguagem escrita, notaaço que igualmente pee em cheque uma difusa mitologia que
pressupee um atávico analfabetismo africano.
A saber: no território do império, pespontavam bibliotecas reunindo notável acervo de
obras em todos os temas e áreas do conhecimento. As estimativas do patrimônio de
obras estocadas no Mali estço distantes de constituir um consenso. Contudo, um
número bastante aceito aponta um acervo prodigioso: 500.000 livros, documentos e
manuscritos.
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splendidamente encadernados, mantidos a disposiaço de leitores de todos os pontos
do império, protegidos por competente corpo de bibliotecários e apoiados por uma
legiço de auxiliares, os manuscritos sob jurisdiaço das bibliotecas do Mali constituíam,
no Século XIV, uma das maravilhas da rede mundial de conhecimento.
Na comparaaço com outros polos de conhecimento do período, somente a Casa da
Sabedoria, em Bagdá, que reunia um milhço de volumes e as bibliotecas do gito,
localizadas no Cairo, com 1,6 milhço de ttulos, deixavam para trás o total acumulado
nas prateleiras deste notável império que foi o Mali. Deste modo, contradizendo a
preconceituosa aferiaço cultivada pela historiografa eurocêntrica, o Mali superava o
que a própria uropa poderia oferecer de melhor ao mundo conhecido.
Certifcando melhor, na comparaaço com a uropa, que em breve se atiraria
vorazmente para escravizar os africanos em nome da civilizaaço, enquanto os centros
de saber do Mali esbanjavam centenas de milhares de ttulos, confra-se que no mesmo
período, o rei da Franaa, Carlos V, o Sábio, patrono das artes e fundador da primeira
biblioteca real de Franaa, cantado em prosa e verso nas crônicas ocidentais, a muito
custo conseguiu reunir 900 livros na sua corte. Ainda assim um pecúlio bibliográfco que
praticamente constituía um regalo do soberano, vedado ao comum dos mortais.
Porém, o patrimônio de conhecimento do Mali infelizmente sofreu perdas imensas ao
longo dos tempos, ocorridas principalmente com a chegada dos colonialistas franceses à
regiço. Ainda assim, milhares de manuscritos das bibliotecas do Mali sobreviveram até
nossos dias, despertando admiraaço a todos que tiveram o privilégio de entrar em
contato com este acervo.
Mantidos muitas vezes em seguranaa pelas comunidades das aldeias, esta heranaa dos
Mansas reúne diversifcado conjunto de obras. Abundam tratados de religiço, álgebra,
astronomia, botânica, cartografa, flosofa, agricultura, química, geografa, medicina,
farmacologia, metalurgia, jurisprudência, música, história, matemática e engenharia.
Também sço comuns as peaas literárias e narrativas de reis e imperadores.
m suma: livros para todos os gostos, interesses e desejos. Daí que sem meias palavras,
tamanho acúmulo de saberes coloca o Mali como um dos grandes destaques no
resguardo de séculos de produaço intelectual.
De mais a mais, a multiplicidade de idiomas, temas e áreas de interesse é igualmente
demonstrativa de uma sociedade dinâmica, plural e animada por enorme curiosidade
intelectual.
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É digno de nota que embora predominem, paralelamente a textos em hebraico, turco e
tamashek, documentos em variaaees do idioma árabe, sço frequentes os manuscritos
nas línguas africanas locais, demonstraaço evidente do intercâmbio entre aportes
culturais islâmicos e o mundo africano tradicional.
Desta maneira, obras em mandinga, wolof, fula, swahili, haussá, bambara e songhai
conquistaram expressço escrita através de adaptaaees do alfabeto árabe, revelando nço
apenas o interesse dos africanos no tocante à moldura muaulmana de elaboraaço
intelectual, mas também a forte interaaço e intercomunicaaço com o mundo das ideias
em geral (Figura 3).
FIGURA 3. - Um dos célebres Manuscritos de Tomboctu, parte de um patrimônio de milhares de itens das
bibliotecas do Mali que che/aram até nossos dias. Atentar que embora praticamente todos os documentos
utilizem o alfabeto arábico, são comuns em /rande númmero de casos adaptações deste alfabeto para verter
lín/uas africanas locais. Dentre os abecedários inspirados no árabe estão o ajami, difundido entre os Haussá e
os Fula, e o wolofal, utilizado pelos Wolof (Fonte: < http://www.princeclausfund.or//en/activities/morethan-95-of-the-manuscripts-evacuated-from-timbuutu-in-time.html >. Acesso: 22-/6-2/17)
Do ponto de vista editorial, chama à atenaço a variedade de materiais de suporte dos
manuscritos: omoplatas de camelo, ovelhas e de outros animais, cascas de árvore,
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pergaminhos e diversos tipos de papéis, fabricados localmente ou importados de
centros fornecedores do exterior.
splendidamente trabalhados por copistas, formatados com rigor editorial e adereaados
por ilustraaees bem elaboradas, as qualidades estéticas dos textos, a delicadeza da
grafa e as primorosas encadernaaees transformaram as bibliotecas do Mali em alvo de
grandes campanhas dedicadas a preservar este autêntico e inestimável tesouro cultural.
Assim, desde os anos 1970, entidades como o Órgço das Naaees Unidas para ducaaço
e Cultura (UN SCO) encetaram esforaos para preservar este autêntico tesouro cultural
da Humanidade, iniciativa que resguarda uma das brilhantes contribuiaees da África em
favor do progresso da Humanidade.
Um tento merecedor do interesse de todos os que procuram romper com paradigmas
mergulhados no preconceito e na discriminaaço.
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As Ma/nífcas Bibliotecas do Império do Mali é um artigo digital motivacional
primeiramente disponibilizado na home-page do Instituto Portal Afro em 30 de Marao de
2016. A presente ediaço deste texto foi masterizada em 2017 pela Editora Kotev para fns
de acesso livre na Internet (Kotev ©). A presente ediaço deste texto foi masterizada em
Junho de 2017 pela Editora Kotev (Kotev ©), para fns de acesso livre na Internet (Kotev ©).
A ediaço de 2017 foi levemente ampliada e inclui novas imagens, incorporando também as
regras atualmente vigentes quanto à norma culta da língua portuguesa, cautelas de estilo e
normatizaaees editoriais inerentes ao formato PDF. A confecaço do formato eletrônico
contou com a Assistência de ditoraaço letrônica, Pareceres Técnicos e Tratamento Digital
de Imagens do webdesigner Francesco A. Picciolo, -mail: francesco_antonio@hotmail.com,
Site: www.harddesignweb.com.br. As Ma/nífcas Bibliotecas do Império do Mali é um
material gratuito, sendo vedada qualquer modalidade de reproduaço comercial e de
divulgaaço sem aprovaaço prévia da ditora Kotev (Kotev©). A citaaço do material deve
obrigatoriamente incorporar referências ao autor e apensos editoriais de acordo com o
padrço modelar que segue: WALDMAN, Maurício. As Magnífcas Bibliotecas do Império do
Mali. Série Africanidades Nº. 8. Sço Paulo (SP): ditora Kotev. 2018.
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MAURÍCIO WALDMAN é professor universitário, pesquisador acadêmico, jornalista, editor,
consultor e antropólogo africanista, com Graduaaço em Sociologia (USP, 1982), Mestrado
em Antropologia (USP, 1997), Doutorado em Geografa (USP, 2006), Pós-Doutorado em
Geociências (UNICAMP, 2011), Pós-Doutorado em Relaaees Internacionais (USP, 2013) e Pósdoutorado em Meio Ambiente (PNPD-CAP S, 2015). Dois dos ttulos das pesquisas do autor,
Mestrado em Antropologia (USP, 1997) e Pós-Doutorado em Relaaees Internacionais (USP,
2013), constituem trabalhos com área de concentraaço em África. Waldman foi colaborador
de Chico Mendes (1988), integrou o Centro cumênico de Documentaaço e Informaaço
(C DI, 1988-1990) e atuou como membro da diretoria da Associaaço dos Geógrafos
Brasileiros - Seaço Sço Paulo (AGB-SP, 2002-2003). No campo do conhecimento africanista,
atuou como consultor internacional da Câmara de Comércio Afro-Brasileira (2013-2017), e
durante dez anos (2004-2014), como professor nos cursos de difusço cultural do Centro de
studos Africanos da USP (C A-USP). Waldman foi consultor do Instituto Paulo Freire no
campo temático de África e realidade negra brasileira, também desenvolvendo palestras e
conferências sobre África & Africanidades em dezenas de cidades brasileiras. Maurício
Waldman responde pela autoria de 210 artigos, resenhas, projetos e textos cientfcos
centrados no temário de África & Africanidades. Dentre outros veículos de mídia impressa,
os textos de Waldman foram regularmente publicados pela revista África (C A-USP), Jornal
Cultura (Luanda, Angola), revista Brasil-Angola Magazine (Sço Paulo), revista
Contemporartes (Curitiba) e Portal Instituto Afro (Sço Paulo). É autor de Africanidade,
Espaço e Tradição: A Topologia do Imaginário Espacial Tradicional Africano na fala griot
sobre Sundjata Keita do Mali (Revista África, coediaço C A-USP/ ditora Humanitas, 19971998, volume 20/21, pp. 219-268), paper considerado internacionalmente relevante pelo
Centre Natonal de la Recherche Scientffue (CNRS), o mais infuente centro de investigaaees
da Franaa (Ficha Catalográfca: < htp://mw.pro.br/mw/cat.inist.fra_2017_kotev.pdf >).
Maurício Waldman é coautor de Memória D’África: A Temátca Africana em Sala de Aula
(Cortez ditora, 2007), obra de referência no campo africanista brasileiro.
Mais Informação:
Portal do Professor Maurício Waldman: www.mw.pro.br
Maurício Waldman - Textos Masterizados: htp://mwtextos.com.br/
Currículo Lattes-CNPq: htp://lates.cnpq.br/3749636915642474
Verbete Wiuipedia (BrE): htp://en.wikipedia.org/wiki/Mauricio_Waldman
Contato Email: mw@mw.pro.br
CONHECIMENTO INTELECTUAL ESSENCIAL
Material considerado internacionalmente relevante pelo Centre National
de la Recherche Scientifique (CNRS, Paris), o mais prestigiado centro de
investigações mantido pelo governo francês. Acesso Livre Formato PDF:
http://mw.pro.br/mw/africanidade_espaco_e_tradicao.pdf
SAIBA MAIS SOBRE O IMPÉRIO DO MALI
http://mw.pro.br/mw/africanidades_24.pdf
CONHEÇA A SÉRIE AFRICANIDADES
http://mwtextos.com.br/serie-africanidades/
Os debates sobre ÁFRICA & AFRICANIDADES são um pilar central de atuação da EDITORA KOTEV,
publicadora digital que entrou em atividades no ano de 2016. Também trabalhamos com temas
relacionados com RELAÇÕES INTERNACIONAIS, EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO AMBIENTAL.
Saiba mais sobre a EDITORA KOTEV. Acesse nossa página: http://kotev.com.br/
Qualquer dúvida nos contate. Estamos à disposição para atendê-lo: atendimento@kotev.com.br