Cadernos de Estudos Leirienses – 13 * Setembro 2017
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LEIRIA
SETEMBRO DE 2017
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Cadernos de Estudos Leirienses – 13 * Setembro 2017
Ourém
Fátima
Título: CADERNOS DE ESTUDOS LEIRIENSES – 13
Editor: Carlos Fernandes
Coordenador Científico: Saul António Gomes
(Professor Associado com Agregação do Departamento de História, Arqueologia
e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)
Conselho Consultivo: Isabel Xavier, J. Pedro Tavares, Luciano Coelho
Cristino, Mário Rui Simões Rodrigues, Miguel Portela, Pedro Redol e Ricardo
Charters d’Azevedo
Coordenador do Especial Alvaiázere: Mário Rui Simões Rodrigues
Colaboração no Especial Alvaiázere: AL-BAIÄZ – Associação de Defesa do
Património e Município de Alvaiázere
Concepção e arranjo da capa: Gonçalo Fernandes
Colecção: CADERNOS – 13
©Textiverso
Rua António Augusto da Costa, 4
Leiria Gare
2415-398 LEIRIA - PORTUGAL
E-mail: textiverso@sapo.pt
Site: www.textiverso.com
Revisão e coordenação editorial: Textiverso
Montagem e concepção gráfica: Textiverso
Impressão: Artipol
1.ª edição: Setembro 2017
Edição 1192/17
Depósito Legal: 384489/14
ISSN 2183-4350
Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.
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Cadernos de Estudos Leirienses – 13 * Setembro 2017
Cenários, dinâmicas e rituais na pré-história
recente na região do Nabão
Alexandra Figueiredo*
Resumo
A região do Nabão, onde se integra o concelho de Alvaiázere, apresenta
um conjunto de vestígios de interesse bastante relevante para a compreensão dos cultos e rituais durante a pré-história recente, no centro de Portugal.
Os diversos projetos que tem recebido (TEMPOAR I, TEMPOAR II,
ANTROPE, SIPOSU-MC, e MEDICE), sob a coordenação de uma equipa do
Instituto Politécnico de Tomar e financiado pelo Centro de Geociências, FCT
e pelo Município de Alvaiázere, têm permitido traçar um quadro crono-cultural que nos aponta para determinadas direções no entendimento do que terá
sido a ocupação, comportamentos e crenças das comunidades que viveriam
neste espaço (FIGUEIREDO, 2004a; 2004b; 2004c; 2005; 2006; 2007; 2010;
2013a; 2013b; 2013c; 2014a; 2014b; LIGAS, 2012; SANTOS, 2012; PIRES,
2014; VELHO 2002; 2003).
Este artigo pretende apresentar de forma resumida os cenários, as dinâmicas e os rituais registados, com base nas interpretações obtidas pelos dados arqueográficos exumados do Complexo Megalítico e de Arte Rupestre
de Rego da Murta. Estes apontam analogias com as cavidades do Nabão,
nomeadamente com o registo deposicional da gruta dos Ossos e gruta do
Cadaval, bem como com os vestígios observados nos contextos megalíticos
vizinhos, nomeadamente a sul, presentes junto ao rio Zêzere e ao rio Tejo.
Palavras chave: Pré-história; Megalitismo; Rituais; Fossas; Enterramentos; Cavidades; Complexo megalítico.
* Doutorada em Arqueologia e Pré-História. Instituto Politécnico de Tomar. Centro de Geociências
(alexfiga@ipt.pt)
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1. Contexto Paisagístico e Arqueológico
Administrativamente, o concelho de Alvaiázere localiza-se no distrito de Leiria.
A Este regista-se os conglomerados, arenitos, calcários, calcários dolomíticos, calcários margosos e margas dos períodos Cretácio e Jurássico e os
grés vermelhos do Triásico. Ainda nesta zona observamos, com algumas
intercalações, formações do período Precâmbrico (Carta Litológica, Atlas de
Portugal, 1:1000 000).
A região é atravessada, a oeste, pelo rio Nabão e aflui ao interior do
concelho uma série de ribeiras, como é o caso da ribeira das Quebradas, que
dá depois origem à ribeira de Rego da Murta, já no seu limite sudeste.
Destacamos esta ribeira, pela grande concentração, junto às suas margens, de vestígios, no âmbito dos cultos e rituais, a que designamos de Complexo Megalítico e de Arte Rupestre de Rego da Murta (Figueiredo, 2005;
2006; 2007; 2010; 2012). Este complexo integra um conjunto de 14 sítios
arqueológicos, verificando-se em redor dos mesmos, sobretudo em zonas
mais elevadas vestígios de habitat pré-histórico (figura 1).
Figura 1 – Modelo Digital do Terreno com indicação do Nabão a este, ribeira de Rego da Murta,
sítios arqueológicos pré-históricos e sua relação com o Complexo Megalítico de Rego da Murta.
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Os mais próximos destacam-se a noroeste, com o Castelo da Loureira
(FIGUEIREDO et al. 2014b), localizado a 3 250 m e Penedos Altos, a 4 500
m; a oeste, apresenta-se a estação de Relvas, a cerca de 2 400 m; a norte, a
Serra do Mosqueiro, a cerca de 3 900 m; para és-nordeste, o Outeiro de São
Pedro, a 3 000 m; e, por fim, a gruta de Avecasta, a 2 000 m de distância, para
oés-sudoeste.
Nesta zona, na várzea, a uma menor altitude e junto à ribeira, sobretudo
na sua margem direita, implanta-se o complexo megalítico. Entre os diferentes monumentos destacam-se: duas antas já estudas e conservadas, Anta I e
II de Rego da Murta (figura 2); sete menires, de diferentes morfologias, encontrando-se dois decorados (Menir I e VII) com uma pequena fossete central, sendo que o menir VII apresenta também a representação de um pequeno báculo na parte superior lateral; uma laje horizontal, com arte rupestre
composta por covinhas e motivos lineares (figura 3) e quatro sítios relativamente atípicos.
A
B
Figura 2 – Anta I (A) e II de Rego da Murta (B) após trabalhos de conservação.
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A
Figura 3 – Localização da laje (A) e vetorização
do levantamento da gravura representado
sobre laje tridimensional (B).
B
Estes vestígios encontram-se
dispostos num espaço não superior
a 1 km2, mantendo, entre eles uma
certa intervisibilidade e interconetividade (FIGUEIREDO, 2006, Vol. I,
pp. 47-49; Vol. II, pp. 137-153; 2013c).
Esta proposição coloca-se pela presença aparente de uma disposição
semicircular dos menires em torno da
Anta II de Rego da Murta, sobretudo a nordeste (figura 4).
Para além dos monumentos megalíticos registamos, no âmbito dos cultos e rituais, a presença de arte rupestre em dois sítios, até ao momento
reconhecidos como pertencentes à pré-história recente ou proto-história. Um,
no local das Buracas da Serra, pela representação de uma gravura em
estiliforme (FIGUEIREDO et al. no prelo a), interpretada como sendo um possível cometa. E outro, compondo a presença de vários painéis, com gravuras
e possíveis pinturas de diferentes morfologias, no sítio arqueológico do Algar
da Água (FIGUEIREDO et. al. no prelo c). Este local encontra-se atualmente
em estudo, pelo projeto plurianual de 2016-2020, de acrónimo MEDICE, apro44
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Figura 4 – Distribuição espacial dos sítios do Complexo Megalítico de Rego da Murta e registo
aparente da disposição dos menires em torno da Anta II de Rego da Murta. O sítio de Covinhas 1 e
sítio XIII apresentam-se como outro tipo de estruturas. É ainda relevante referir que o Menir IV e V
e VI foram encontrados tombados à superfície, podendo-se encontrar descontextualizados do seu
posicionamento original.
vado pela DGPC (FIGUEIREDO e MONTEIRO, 2016) e revelou na unidade
estratigráfica 6 a presença de uma ocupação com presença de fauna, cerâmica manual e macrolíticos, em seixo quartzítico. Posteriormente a este nível, numa camada mais recente registamos vestígios de uma ocupação, onde
se observa uma grande lareira tardo-romano, com alguns vestígios cerâmicos
semelhantes aos recuperados na mina da gruta do Bacelinho (FIGUEIREDO
et al. 2014a) que dista deste local cerca de 1 km.
Na região foram ainda apontadas a presença de outras possíveis antas,
nomeadamente no local dos Penedos Altos e Cabreira, ainda não reconhecidas no terreno, bem como a existência de cistas na zona da serra, junto ao
povoado da Idade do Ferro (FÉLIX, 1999; 2014).
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A conexão entre os vestígios observados no complexo megalítico e o
registo exumado das cavidades mais a sul e oeste, junto ao Nabão, realidade
mais estudada da pré-história recente, é absolutamente evidente (Figueiredo,
2006; 2010 p. 85-94), permitindo compreender os cultos e rituais que existiam e os comportamentos simbólicos das populações que ocupavam
Alvaiázere. Os dados de que dispomos, devido à falta de estudos arqueológicos no concelho de Ferreira do Zêzere e a pouca investigação que foi desenvolvida no mesmo, não nos permitem tirar grandes ilações de interligação
social ou cultual com a área mais a este, permanecendo, aqui, a necessidade
de um aprofundamento de trabalhos. Estes irão ser essenciais para confirmar as propostas já levantadas (Idem, 2006; 2010; 2012) ou desenvolver
novas interpretações sobre as primeiras sociedades produtores de alimentos, que detinham a agricultura e a domesticação dos animais como formas
de subsistência e as crenças e atos simbólicos como manifestações
cosmológicas das suas preocupações e conceitos fundamentais de vida.
2. Cenários na pré-história recente de Alvaiázere
O megalitismo é um fenómeno que está normalmente associado aos monumentos arquitetónicos construídos com grandes pedras. No entanto, a utilização
do termo é uma “convenção dos arqueólogos” (Jorge, V. 2003: 401), pois implica
problemáticas e realidades que o têm vindo a considerar como extremamente
limitativo no entendimento dos rituais e comportamentos simbólicos destas sociedades. Parte desta perceção passa pelo cenário, isto é a forma como se encara e
entende o espaço, (Ingold, 1993; Tilley, 1996; Bradley, 1998; Cooneller, 2000;
Scarre, 2002), se age na paisagem e se relaciona concetualmente.
Para além disto os monumentos ditos megalíticos não devem ter sido as
estruturas mais usadas (Jorge, V. 2003: 397); muitas outras haverão que não
chegaram até nós, deixando-nos num limbo interpretativo, dependentes dos
conceitos de entendimento que possuímos e que nos remetem para as estruturas facilmente reconhecidas, isto é, as visíveis. Por exemplo, na Bretanha foram
já reconhecidos diversos monumentos construídos em materiais perecíveis,
como a madeira (Le Roux, 2000: 318; Scarre, 2002; 2004) e muitos outros elementos atípicos, não integrados no que definimos para o fenómeno megalitismo,
tem vindo a ser descobertos, incluindo na nossa região. Tal é o caso do sítio III,
X e XIII de Rego da Murta (FIGUEIREDO, 2004a; in prelo c), onde se registaram
estruturas sem conexão com vestígios osteológicos e sem referências das ca-
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racterísticas megalíticas. Um pouco mais a sul temos outro exemplo como é o
caso do monumento de Colos (Gaspar e Baptista, 2001), ou o Monumento 5 da
Jogada (Cruz, A. 2003: 9-21; 2004: 89-114), que conjuga estruturas de fossa
abertas em afloramentos, ambos localizados em Abrantes.
Na região junto ao Nabão, onde o concelho de Alvaiázere está posicionado, ocorre um cenário composto por rituais funerários, associados a
deposições votivas, organizados e realizados em cavidades, monumentos
atípicos e megalíticos. Alguns comportamentos simbólicos artísticos são
registados nestes espaços, também de culto aos antepassados, como é o
caso do Complexo Megalítico de Rego da Murta, onde se reconheceu o painel de Covinhas 1 e onde se observou a presença de uma diversidade de
menires (FIGUEIREDO, 2013c), alguns decorados e outras estruturas sem
associação a vestígios osteológicos. Outros locais terão sido somente espaços de culto circunstancial, como é o caso das Buracas da Serra, onde somente observamos uma gravura, sem qualquer outro resto arqueológico associado (FIGUEIREDO et al. em prelo a).
Conectados com estes sítios, relativamente próximos, e ocupando sobretudo os topos das elevações, observamos os possíveis habitats, alguns
deles fortificados.
A destacar, mencionamos o sítio do Castelo da Loureira e o da serra de
Alvaiázere (ambos com registos que se prolongam até à idade do ferro), mas
que acreditamos possuírem vestígios da pré-história. No caso do Castelo da
Loureira (FIGUEIREDO et al. 2014b; PIRES, 2014), a base da camada C2
(sem datação absoluta até ao momento), apresenta cerâmica carenada, semelhante à registada na Anta II de Rego da Murta, isto é, característica de um
período anterior. Estes sítios, na sua maioria, não possuem grandes estruturas pétreas de habitação. Os dados provenientes do Castelo da Loureira
registam áreas semicirculares de 2 a 3 metros de diâmetro, com solo preparado, onde as cabanas seriam erguidas com base em suportes perecíveis e
postes em madeira. Em associação, neste caso em concreto, observamos
uma grande quantidade de seixos quartzíticos talhados, situação não ocorrida, na mesma dimensão, no povoado da serra de Alvaiázere, mas observada
no nível 6 do Algar da Água, que se localiza dentro da muralha que circunda
a serra de Alvaiázere e onde integra o referido habitat.
Os dados são ainda muito deficientes para traçar uma imagem clara
destas ocupações, restando-nos o levantamento de algumas hipóteses, com
maior ou menor consistência.
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Desta forma, podemos equacionar que no neolítico, a região estaria
ocupada por grupos de unidades familiares, não muito extensos, que começavam a implementar, pela primeira vez, a atividade agrícola e a
domesticação dos animais. O registo apresenta, para o calcolítico, dados
já muito sólidos da existência de uma economia produtiva no âmbito do
pastoreio. A análise aos restos osteológicos dos indivíduos enterrados nas
Antas I e II de Rego da Murta não apresentam grande stress nutricional,
que em parte é comprovado pela grande quantidade de fauna que
registamos em associação com as deposições em fossa, seja ela selvagem ou doméstica. Regista-se com alguma frequência a cabra/ovelha, o
porco, a raposa, o boi, o coelho e a lebre e em menor número, o equídeo, o
corso, o veado e o cão (FIGUEIREDO, 2006; 2010).
Pelo que é observado nas prospeções, os habitats encontram-se relativamente dispersos, havendo possibilidades de fortes relações entre os mesmos, quer a nível social, económico ou cultual (FIGUEIREDO, 2006). Esta
proposição é, sob o nosso ponto de vista, apoiada pela grande concentração
de monumentos no complexo megalítico, levando-nos a acreditar numa zona
de culto que seria partilhada por todos os membros das diferentes comunidades que se registavam nas proximidades. A sua posição estratégica, na área
de maior afluência de passagem e circulação nesta região, também faz levantar a preposição de uma intenção de ligação da vida social à vida passada, incidindo em conceitos de identidade, territorialidade e comunhão entre
os habitantes desta região.
Se considerarmos uma partilha destes conceitos entre as comunidades
residentes, teremos que equacionar algo semelhante às nossas romarias religiosas.
3. Rituais e deposições observados
No âmbito dos rituais, tal como já mencionámos, registamos que o complexo megalítico de Rego da Murta possui bastantes analogias com as cavidades, localizadas junto ao Nabão, onde se reconheceram enterramentos,
quer em termos de deposições votivas ou rituais associados.
Esta situação é facilmente explicada pelo fácil acesso, através da ribeira
de Rego da Murta, que se conecta com o Nabão, ou pela zona terrestre, da
várzea, que segue desde Ourem até ao interior de Alvaiázere (figura 5).
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Figura 5 – Localização das cavidades mais relevantes do Nabão e o Complexo Megalítico de Rego
da Murta.
As estruturas registadas no interior dos monumentos megalíticos são
em fossa, não havendo distinção sexual ou etária, ou, de acordo com os
estudos dos isótopos de estrôncio (WATERMAN et al. 2013), importância no
facto dos indivíduos serem originários da região ou elementos que se haviam
integrado nestes grupos, após a sua infância.
De acordo, ainda com as datações registadas, as deposições seriam
intervaladas e procedentes de um ritual que consideramos que poderia levar
vários dias. Esta hipótese é considerada atendendo à necessidade de um
possível desenterramento, uma vez que registamos sedimentos, presentes
nas fossas, provenientes de outro local (FIGUEIREDO, 2006); da escolha da
área onde jazeriam para integrar no ritual, talvez presente, neste caso, em
enterramentos primários; sua transladação; ritual e ações associadas, quer
fossem festivas ou não; bem como a posterior deposição destes dentro dos
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monumentos megalíticos, já em fossa. Isto vem ao encontro da ideia de que
a grande maioria dos indivíduos seria sepultada em estruturas invisíveis ao
nosso registo arqueológico (Jorge, V. 2003: 401) e provavelmente sob outro
tipo de rituais, também eles impercetíveis.
Os dados que detemos referem-se à deposição concreta dentro das
antas, sendo as hipóteses referidas para os atos externos, meramente consideradas em teoria. Os sedimentos externos registados em associação com
as deposições, apresentam, de forma relativamente dispersa, materiais bastante fraturados, que só os conseguimos entender como tendo sido transportados, juntamente com os sedimentos e os restos osteológicos.
Estes terão sido, num novo ritual, depositados a par com novas ofertas
de bens e objetos procedentes daquele ato. Estes novos bens, sobretudo as
cerâmicas, foram exumadas, por nós, relativamente inteiras, encontrandose, na maior parte das vezes, emborcadas e coroado as deposições.
As deposições terminariam com a colocação de um conjunto de
empedrado, que tapariam os vestígios osteológicos e as oferendas associadas. Este comportamento, integrando rituais com transladação de restos, em
contextos secundários, culminando em estruturas de condenação é também
visível na gruta dos Ossos (OOSTERBEEK, 1993b) onde as deposições têm
analogias com a fossa 7, datada de 4290+/- 40 BP (tabela 1) e sobretudo com
a fossa n.º 10, sem datação, observada no corredor da Anta II de Rego da
Murta. As outras fossas da Anta II apresentam já contextos distintos das cavidades, bem como as suas datações são posteriores aos depósitos da fossa 7
e da gruta dos Ossos e da gruta do Cadaval (tabela 1).
Tabela 1 – Datações absolutas registadas na Anta I e II de Rego da Murta.
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Esta diferenciação é reveladora das tendências e modas que afluíam à
região. Na Anta II de Rego da Murta, que se encontrava extremamente bem
preservada, foi possível identificar a existência provável de pelo menos 12
ossários. Desta forma em cada um dos ossários observa-se um espólio que o
caracteriza; e quase todos revelam uma certa diferenciação relativamente
aos ossários vizinhos (FIGUEIREDO, 2006). Esta observação levou-nos ao
pressuposto de um ritual, onde os objetos utilizados estariam relacionados
com as trocas de bens e importância dada a cada item na altura do depósito.
É relevante ainda referir que morfologicamente a Anta I é diferente da
Anta II, tendo, contudo, ambas, sofrido algumas reutilizações e manutenções
ao longo da pré-história.
Verificou-se na Anta I a presença da construção de um muro sobre uma
laje do corredor, quando esta caiu, no neolítico final. O intervalo cronológico é
inferior a 100 anos, entre os dois depósitos, considerado pela presença de dois
contextos que foram datados, um verificado por baixo do esteio, com datação
4400 ± 40 BP, e outro junto ao murete, sobre o esteio, 4370 ± 40 BP. No caso da
Anta II, esta apresenta um lajeado que terá sido desenvolvido entre o neolítico
final e o calcolítico inicial. Acreditamos que nesta altura as lajes de tampa, que
cobririam a Anta II terão sido retiradas e inutilizadas, dando lugar às deposições
em fossa, sobre o topo, já referidas. Antes do lajeado da camara temos vestígios de terem existido deposições, tendo as mesmas sido datadas de 4540 ± 30
BP. Contudo, não nos foi possível percecionar se os mesmos se fizeram por
enterramentos primários, como os rituais mais antigos presentes na gruta dos
Ossos e Cadaval, ou se também em fossa.
4. Dinâmicas e habitus comportamentais
Os dados arqueográficos já publicados em diversos artigos sobre os
comportamentos, atos ritualísticos e depósitos votivos na região apontam estas
construções como pertencentes a uma quadro crono-cultural que se regista
entre o neolítico final e a idade do bronze inicial (tabela 1).
Numa conjugação dos atos observados no complexo megalítico, com as
informações recolhidas nas cavidades do Nabão, até sensivelmente 4000
a.C., as comunidades praticavam os seus cultos em grutas, inicialmente desenvolvendo enterramentos individuais, sob inumação. Tal situação verificase na gruta do Caldeirão (ZILHÃO, 1984; 1992), na gruta da N.ª Sr.ª das
Lapas (OOSTERBEEK, 1993a) ou na gruta do Cadaval, e que a partir de
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meados do IV.º milénio “cedem lugar a enterramentos coletivos” (OOSTERBEEK, 1994: 144; 2004) como se observa na Gruta do Cadaval
(OOSTERBEEK, 1997), na Gruta dos Ossos (OOSTERBEEK, 1993b) ou
Morgado Superior.
Sensivelmente, por esta mesma altura ter-se-ão construído os primeiros
monumentos megalíticos e dado lugar às primeiras deposições.
Nesta altura, as comunidades viveriam numa rede de intercâmbios sociais, comprovado pelas análises aos isótopos de estrôncio dos indivíduos da
Anta I e II de Rego da Murta (WATERMAN, et al. 2013), onde os dados apontam uma percentagem superior aos 20% de elementos que teriam chegado à
região já em fase adulta e integrados socialmente nestes grupos, permitindolhes acompanhar os mesmos espaços sagrados e os mesmos cultos dos
seres exógenos.
Este processo manteve-se quer nas grutas, quer nos monumentos
megalíticos em dinâmicas próprias, com recuos e avanços, reutilizações, limpezas e manutenções das estruturas edificantes. Por exemplo, como podemos verificar no quadro cronológico da Anta I e II de Rego da Murta (quadro
1), com base nas datações absolutas obtidas, verificamos a existência de
três fases na ocupação do complexo. Uma primeira com deposições, que
aparentemente se terão iniciado ao mesmo tempo em ambos os monumentos, correspondente ao período entre 3370 e 2900 a.C., à qual se seguiu uma
ocupação somente pelo uso da Anta II, que se prolongou até 2500 a.C. Nesta
altura terão deixado de ocupar a Anta II, tendo regressado às deposições na
Anta I, que se prolongou até à idade do Bronze inicial, por volta de 1700 a.C.
Às estruturas de fossa condenadas por empedrados observadas no
calcolítico médio, presentes na Anta II de Rego da Murta, terá dado lugar, na
idade do bronze em deposições de fossas, mas aparentemente sem essas
estruturas de condenação. Contudo, considerando que na Anta II as mesmas
ocorriam pelo topo, não existindo uma estrutura de teto no monumento, poderão, no caso da Anta I, ter considerado desnecessário tal construção, pela
presença da tampa.
Após o bronze inicial, tal como nas cavidades, registou-se uma nova
mudança nas praxis rituais, desaparecendo as deposições nos monumentos
megalíticos. Registamos depois, em associação com o povoado da idade do
ferro, na serra de Alvaiázere, a presença de cistas (MENDES, 2008, p.63),
podendo as mesmas ter começado a ser construídas após este período de
abandono dos monumentos megalíticos e das cavidades, por influências dos
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Quadro 1 – Distribuição das datações registadas na Anta I e II de Rego da Murta e sua
organização interpretativa por fases de ocupação.
cultos e crenças que começam, no bronze, a ocorrer por toda a península
ibérica e se prolongam ao ferro, pela deposição por incinerações, normalmente individuais, em cistas.
5. Considerações finais
Ainda que tenhamos falado essencialmente nas estruturas dolménicas,
estes espaços não deverão ser encarados como simples locais de culto ou
necrópoles. Na realidade estes lugares encontravam-se interconectados com
todos os outros espaços, fazendo parte de um complexo de significados que
interfeririam na vivência diária destas comunidades, fossem zonas de passagem, de culto, de captação de recursos, ou de atividade.
Os atos que se verificavam nestes monumentos teriam uma grande carga simbólica, transcendendo o mero espaço arquitetónico ou de implantação,
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e conjugando conceitos de relação com todos os outros espaços envolventes
de ação da comunidade, monumentalizando e organizando a própria paisagem. Esta extrapolação ocorreria incluindo em termos temporais, para além
do momento das deposições e rituais concretos. As comunidades seriam
reconhecedoras de todos esses conceitos e das mensagens que todo o complexo pretenderia transmitir, fosse como marcador territorial, de veneração
aos antepassados, deuses ou referente a crenças de superstição.
As diferentes comunidades partilhariam as mesmas preocupações.
Numa comunhão sobre um espaço, que ganhava continuamente conceitos de territorialidade e pertença, os grupos organizavam-se, explorando
os recursos e as oportunidades que o meio lhes oferecia. Esta ligação era,
como os dados revelam, feita incluindo, por laços sociais. Esta rede levaria
com frequência à troca de elementos do grupo, influências culturais e bens,
adaptando os seus comportamentos conforme as modas e habitus que se
registavam ou que estavam mais em voga entre as comunidades. Esta situação levaria a deposições diferenciadas, conforme os objetos que eram
comercializados, em associação com os rituais que seriam empreendidos
nestes espaços sagrados.
Estes, só podem ser compreendidos no tempo e no processo se analisados em microescala, com elementos bem datados, criando um quadro cronológico preciso, e depois, subindo, sucessivamente, na interpretação, com
vista a conexões com outros sítios regionais também bem datados, para poder ver semelhanças e diferenças nos atos.
Para além das analogias apresentadas, tendo que o objetivo seria uma
análise dos atos observados na pré-história de Alvaiázere, os espólios
registados possuem também semelhanças e conexões com a Beira Alta,
Estremadura e Alentejo, evidenciando uma sociedade interconectada e em
rede (FIGUEIREDO, 2006).
6. Referências Bibliográficas
– BRADLEY, R. (1998) – The Significance of the Monuments. London: Routledge.
– Carta Litológica, Atlas de Portugal, Comissão nacional do Ambiente. Elipsóide
Internacional – Projecção Gauss 1:1000 000.
– CONNELLER, C. J. (2000) – “Fragmented Space? Hunter-Gather landscapes of
the Vale of Pickering”. Archaeological Review from Cambridge. 17 (1), pp. 139150.
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– CRUZ, A. R. (2003) – “Monumento 5 da Jogada”, in TECHNE 8, ed. Arqueojovem,
Tomar, pp. 9-21.
– FELIX, P. – “O Final da Idade do Bronze no Centro-Oeste Peninsular: a
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