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41 Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 2, 2015 RELATO DE CASO FEBRE PERIÓDICA ASSOCIADA A ESTOMATITE AFTOSA, FARINGITE E ADENITE (PFAPA) - RELATO DE CASO PERIODIC FEVER ASSOCIATED WITH APHTHOUS STOMATITIS, PHARYNGITIS AND ADENITIS (PFAPA) - CASE REPORT Adriane Celli1, Andressa G. de Castilho2, Camila Crensiglova2, Fernanda F. Gomes2, Mayara S. Marques2, Rafaela da Silva2, Suelen S. M. F. Pinto 2 Instituição vinculada: Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências da Saúde, Departamento de Pediatria do Hospital das Clínicas do Paraná. Resumo Objetivo: relatar um caso típico de Febre periódica associada a estomatite aftosa, faringite e adenite (PFAPA), seu caráter e como diagnosticá-la em um pronto atendimento. Relato de caso: paciente feminino, 1 ano e 5 meses. Apresentando episódios recorrentes de febre, irritabilidade e lesões em mucosa oral. Os sintomas têm duração de uma semana e ocorrem mensalmente desde os cinco meses. Foram excluídas outras doenças e orientado tratamento com prednisona durante os episódios com melhora do quadro. Conclusão: existem diversas síndromes autoinflamatórias descritas, porém a PFAPA, além de ser mais frequente, é diferenciada por ser esporádica e por seu caráter benigno. A PFAPA é uma síndrome relativamente recém-descrita que necessita disseminação no meio acadêmico para que ocorra um maior índice de suspeita entre os médicos e pediatras, principalmente os que atendem pacientes no pronto atendimento evitando avaliação e tratamentos desnecessários. Palavras-chave: febre periódica, síndromes autoinflamatórias, estomatite, faringite, linfadenopatia. Abstract Objective: to report a typical case of Periodic fever associated with aphthous stomatitis, pharyngitis and adenitis (PFAPA); review its characteristics and how to diagnose it in an emergency service. Case report: female patient, 1 year and 5 months old, presented with recurrent episodes of fever, irritability and lesions of the oral mucosa. The symptoms last for a week and occur monthly since the patient was five months old. Other diseases were excluded and the patient was treated with prednisone during the episodes with improvement of symptoms. Conclusion: there are several auto-inflammatory diseases described, but the PFAPA is distinguished not only for being the most frequent, but also for being sporadic and for benign nature. The PFAPA is a relatively newly described syndrome that requires dissemination in academic circles leading to a higher index of suspicion among physicians and pediatricians, especially those who take care of patients in the emergency room avoiding unnecessary treatments and evaluation. Key words: periodic fever, Auto-inflammatory diseases, stomatitis, pharyngitis, lymphadenopathy. 1. Professora Adjunta do Departamento de Pediatria do HC-UFPR, Doutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal do Paraná. 2. Acadêmicas do curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná. AC: Rua General Carneiro, 181, 14o andar Telefone: (41) 9637-4129 Curitiba-PR e-mail: adrianecelli@yahoo.com 42 Introdução As síndromes auto-inflamatórias, previamente denominadas Febres Hereditárias Periódicas, constituem um vasto grupo de doenças caracterizadas por inflamação multisistêmica recorrente na ausência de infecções e sem causa imunológica associada1,2. Apesar de apresentar uma patogênese não completamente elucidada, presume-se que a maioria ocorre por defeitos nas proteínas do sistema imune inato associado a um gatilho ambiental3. Os defeitos genéticos responsáveis pela clínica em 30 a 70% dos casos não são identificados4. A síndrome PFAPA (Periodic fever with aphthous stomatitis, pharyngitis, and adenitis) representa a síndrome autoinflamatória mais comum na infância5. A PFAPA é uma síndrome relativamente nova, descrita por Marshall G.S. e cols em 1987. É uma síndrome classicamente esporádica (sem história familiar positiva), ao contrário da maioria das síndromes autoinflamatórias, embora alguns estudos demonstrem história familiar positiva em até 45% dos casos6. A febre periódica na criança diagnosticada com PFAPA geralmente se inicia entre dois e cinco anos de vida, com leve predominância masculina (55 a 71% dos casos), embora existam relatos de início com 1 mês de vida. Não existe predileção racial ou étnica. Na maioria dos pacientes ocorre resolução espontânea das crises febris em quatro a oito anos, entretanto a síndrome já foi identificada em adultos 7. Algumas alterações laboratoriais são leucocitose, além de aumento de VHS e Proteína C reativa durante as crises. Foi identificado aumento de diversas citocinas inflamatórias, principalmente Interferon-gama (IFN-gama), fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), e Interleucinas 6 e 18 ( IL-6 e IL-18) durante os episódios. A resposta celular também parece estar alterada, com elevação de monócitos e diminuição de eosinófilos e linfócitos durante a crise febril7. Para o diagnóstico da síndrome, todos os seguintes critérios devem estar presentes (em qualquer idade): mais de três episódios documentados de febre, com duração inferior a 7 dias e intervalos regulares entre as crises; faringite acompanhada de linfadenopatia cervical ou úlceras aftosas; parâmetros de crescimento normais e bom estado de saúde entre os episódios; e resolução dos sintomas após dose única de prednisona7. Atualmente não existe um teste laboratorial para o diagnóstico da PFAPA, permanecendo o diagnóstico essencialmente clínico. Relato do Caso Paciente feminino, 1 ano e 5 meses, natural e procedente de Curitiba, nascida de parto vaginal, 39 semanas, sem intercorrências. Apresentou riso social com 1 mês, sustentação cefálica aos 2 meses, sentou sem apoio aos 5 meses, engatinhou com 6 meses, andou com 1 ano, primeiras palavras com 9 meses. Aleitamento materno até 1 ano e 4 meses. Aos 6 meses iniciou com leite de vaca integral, papas salgadas e doces. Atualmente com cardápio familiar quali e quantativamente adequados. Reside com os pais em residência de alvenaria, sem animais domésticos e não frequenta creche. Os pais são hígidos, sem história de asma e outras alergias. Filha única do casal. A mãe informa que aos cinco meses de idade a lactente iniciou com episódios de febre (39 oC de temperatura axilar), irritabilidade e lesões em mucosa oral. Esses sinto- Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 2, 2015 mas tem duração de uma semana e ocorrem uma vez por mês. Vacinas atrasadas devido as crises ( Polio, Hib + DTP, meningo C e 2ª dose da vacina da gripe ). Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, corada, hidratada, ativa e reativa com febre de 39 oC e demais sinais vitais estáveis. Peso e estatura no score Z zero. Linfonodomegalia cervical dolorosa e exsudato em amígdalas com úlceras em mucosa oral. Abdome globoso, ruídos hidroaéreos presentes, indolor a palpação. Sem massas palpáveis, fígado palpável em rebordo costal direito de consistência normal, baço não palpável. Sem outras particularidades. A partir do quadro clínico apresentado, o diagnóstico foi de uma síndrome auto-inflamatória, mais especificamente febre periódica associada a estomatite aftosa, faringite e adenite (PFAPA). Foi utilizado prednisona 1 mg/kg, via oral, com resolução dos sintomas na reavaliação em 24 horas. Foi informado o caráter benigno da doença para a família e encaminhada para acompanhamento ambulatorial. Comentários As síndromes auto-inflamatórias são um grupo raro de doenças inflamatórias sistêmicas de evolução crônica e patogenia indefinida em que o paciente apresenta surtos de febre associada a outros sintomas, como por exemplo: dor abdominal, dor torácica, edema e dor nas articulações, alterações de pele e queixas oculares. No caso da PFAPA, os surtos febris se iniciam abruptamente e possuem intervalos de geralmente 28 dias, com duração raramente maior que sete dias. As temperaturas variam entre 38,9 a 41.1ºC por três a seis dias (4,5 ± 1,7 dias em uma coorte israelense de > 500 pacientes) e, em seguida, caem abruptamente8. Os episódios febris tem início durante os primeiros anos de vida, mais comumente entre 2 e 5 anos7,9, sendo acompanhados por um ou mais dos seguintes sintomas: faringite (exsudativa ou não), ulceração aftóide moderada, linfadenomegalia cervical, calafrios, fadiga, cefaleia, dor abdominal moderada10 e de exames laboratoriais que evidenciam a inflamação. No caso relatado, a paciente apresentou um quadro de aproximadamente 1 ano de febres periódicas, lesões orais compatíveis com ulceras aftosas, ao exame físico faringite e adenopatia cervical e, além disso, apresentou um desenvolvimento ponderoestatural e psicomotor normal e uma boa saúde nos períodos sem crise. Após o diagnóstico e uso de prednisona ocorreu resolução dos sintomas rapidamente. Tudo isso, corroborando para a confirmação do diagnóstico de PFPA. É importante destacar que o aumento das citocinas inflamatórias ocorre sem a presença de um agente infeccioso ou causa imunológica, ou seja, não há formação de auto-anticorpos, mas um defeito (mutação em gene único) na imunidade inata e/ou adquirida que leva a um aumento na produção de proteínas que participam do processo inflamatório, o que promove uma inflamação sistêmica. O Principal diagnóstico diferencial das PFAPA é a chamada Febre Familiar do Mediterrâneo (FMF), muitas vezes a suspeita inicial em pacientes com PFAPA. Porém, nos quadros de FMF as crises da doença ocorrem em períodos aleatórios e não respodem ao uso de glicocorticóides e sim a colchicina, não tem associada à presença de amidalite ou linfadenopatia e se caracteriza por um quadro de dor abdominal aguda simulando um quadro de abdome agudo e/ou artrite. Além da FMF, casos de fe- Jornal Paranaense de Pediatria - Vol. 16, Nº 2, 2015 bres recorrentes, mas não periódicas como a Síndrome da Hiperglobulina D, a Síndrome Periódica Associada ao receptor 1 de necrose tumoral ( TRAPS) ou a Síndrome de Muckle Wells podem ser confundidas com a PFAPA7, mas a apresentação clínica é diferenciada. Outros diagnósticos diferenciais: Neutropenias Cíclicas (que ocorrem em ciclos de 21 dias em média), Artrite Reumatóide Juvenil, Doença de Crohn, Doença de Behçet. O tratamento do PFAPA é incerto, mas como apresentam caráter de evolução benigna, o uso de medicamentos é feito com o objetivo do alívio dos sintomas11). O uso de prednisona ou prednisolona 1 mg/Kg no início da crise e na manhã seguinte, e se necessário, 0,5 mg/Kg nas duas manhãs seguintes tem apresentado bons resultados pois é capaz de abortar a febre e a faringite em horas, porém em 20% dos casos ocorre aumento da frequência das crises (diminuição dos intervalos)12. Alguns pacientes têm se beneficiado de terapêutica profilática com cimetidina na dose de 20-40 mg/kg/dia ou com a realização de amigdalectomia e adenoidectomia 13. A amidalectomia deve ter uma indicação restrita, já que se trata de um método invasivo e a doença em si tem um curso autolimitado14. A colchicina se mostrou ser um medicamento útil no manejo da PFAPA; é utilizada nos pacientes com frequência aumentada das crises após o uso de predinisona15. A Vitamina D também foi utilizada para a redução das crises em estudo recente. Até o presente momento, a paciente vem apresentando bons resultados com 43 o uso de prednisona como esperado segundo as recomendações7. Uma criança com episódios febris com intervalos regulares, não acompanhados por neutropenia e com bom desenvolvimento pondero estatural e história clínica compatível com faringite, estomatite aftosa e adenite cervical pode ser diagnosticada com PFAPA10. Porém, o diagnóstico muitas vezes é adiado, uma vez que exsudato tonsilar não aparece sempre no primeiro dia da crise, mas às vezes apenas no quinto ou sétimo dia. Em tais casos, é recomendado repetir a avaliação da orofaringe diariamente até o último dia de febre. Além disso, o paciente muitas vezes é avaliado no pronto atendimento por diferentes médicos a cada episódio, que avaliam a história atual e tratam o paciente com antibiótico para faringite sem valorizar os episódios anteriores. O atraso no diagnóstico, além de propiciar o uso desnecessário de antibioticoterapia, não alivia os sintomas e leva a perda de dias de trabalho dos pais e escola das crianças, gerando um aumento do estresse familiar. Assim, ao ser realizado prontamente o diagnóstico correto, o uso de corticoterapia resolve os sintomas e garante tranquilidade aos pais. Felizmente, muitas crianças deixam de apresentar a síndrome com o passar do tempo e nenhuma consequência é identificada a longo prazo7. O objetivo desse relato é alertar para a importância do alto grau de suspeita clínica no diagnóstico, que pode evitar extensa avaliação laboratorial desnecessária e prevenir tratamentos potencialmente prejudiciais. Referências Bibliográficas 1. S. Stojanov, F. Hoffmann, A. Kery et al., “Cytokine profile ´ in PFAPA syndrome suggests continuous inflammation and reduced anti-inflammatory response,” European Cytokine Network, vol. 17, no. 2, pp. 90–97, 2006. 2. A. Marcuzzi, E. Piscianz, G. Kleiner et al., “Clinical genetic testing of periodic fever syndromes,” BioMed Research International, vol. 2013, Article ID 501305, 8 pages, 2013. 3. Perko D., Debeljak M., Toplak N., Av?in T., “Clinical Features and Genetic Background of the Periodic Fever Syndrome with Aphthous Stomatitis, Pharyngitis, and Adenitis: A Single Center Longitudinal Study of 81 Patients,” Mediators of Inflammation, vol. 2015, 8 pages, 2015. 9. Sampaio IC et al. Two siblings with periodic fever, aphthous stomatitis, pharyngitis, adenitis (PFAPA) syndrome. UpToDate, Março 2015. 10. Silber M. Doenças Auto-inflamatórias e as Síndromes das Febres Periódicas da infância. VII Manual de Otorrinolaringologia Pediátrica da IAPO. 11. Feder HM, Salazar JC. A clinical review of 105 patients with PFAPA (a periodic fever syndrome). Acta Paediatr 2010; 99:178. 12. Thomas KT, Feder HM Jr, Lawton AR, Edwards KM. Periodic fever syndrome in children. Journal of Pediatrics 1999; 135:15-21. 4. Kastner DL, Aksentijevich I, Goldbach-Mansky R. Autoinflammatory disease reloaded: a clinical perspective. Cell 2010; 140:784. 13. Frenkel J, Kuis W. Overt and occult rheumatic diseases: the child with chronic fever. Best Practice & Clinical Rheumatology 2002; 16(3): 443-69. 5. S. L. Masters, A. Simon, I. Aksentijevich, and D. L. Kastner, “Horror autoinflammaticus: the molecular pathophysiology of autoinflammatory disease,” Annual Review of Immunology, vol. 27, pp. 621–668, 2009. 14. Burton MJ, Pollard AJ, Ramsden JD, et al. Tonsillectomy for periodic fever, aphthous stomatitis, pharyngitis and cervical adenitis syndrome (PFAPA). Cochrane Database Syst Rev 2014; 9:CD008669. 6. Cochard, M. et al., 2010. PFAPA syndrome is not a sporadic disease. Rheumatology (Oxford, England), 49(10), pp.1984– 70. 15. Dusser P, Neven B, Heengten V, Koné-Paut. The use of colchicine in PFAPA syndrome, the french experience and literature review. Pediatric Rheumatology 2014, 12(Suppl 1):P238. 7. Shai P.; Periodic fever with aphthous stomatitis, pharyngitis and adenitis (PFAPA syndrome) UpTo Date. Jan 2015. 8. 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