Media Effects
Universidade Federal de Roraima - UFRR
Editora da UFRR
Diretor da EDUFRR
Cezário Paulino B. de Queiroz
Reitor
Jefferson Fernandes do Nascimento
Vice-Reitor
Américo Alves de Lyra Júnior
Conselho Editorial
Alexander Sibajev
Cássio Sanguini Sérgio
Edlauva Oliveira dos Santos
Guido Nunes Lopes
Gustavo Vargas Cohen
Lourival Novais Néto
Luis Felipe Paes de Almeida
Madalena V. M. do C. Borges
Marisa Barbosa Araújo
Rileuda de Sena Rebouças
Silvana Túlio Fortes
Teresa Cristina E. dos Anjos
Wagner da Silva Dias
Editora da Universidade Federal de Roraima
Campus Paricarana – Av. Cap. Ene Garcez, 2413
Aeroporto – CEP 69310-000. Boa Vista – RR – Brasil
e-mail: editora@ufrr.br / editoraufrr@gmail.com
Fone: +55 95 3621 3111
A Editora da UFRR é filiada à:
Associação Brasileira de Editoras Universitárias
Asociación de Editoriales Universitarias de América Latina y el Caribe
Vol. 4
Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Organizadores:
Gilson Pôrto Jr.
Nelson Russo de Moraes
Daniela Barbosa de Oliveira
Vilso Junior Santi
Leila Adriana Baptaglin
φ
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
Arte de capa: Penguin Kao - www.behance.net/penguinkao
O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são
prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira
e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor.
Todos os livros publicados pela Editora Fi
estão sob os direitos da Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR
http://www.abecbrasil.org.br
Série Comunicação, Jornalismo e Educação – 27
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
PÔRTO JR., Gilson et al (Orgs.)
Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e
Fake News [recurso eletrônico] / Gilson Pôrto Jr. et al (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, Boa Vista: EdUFRR,
2018.
224 p.
ISBN - 978-85-5696-458-8
Disponível em: http://www.editorafi.org
1. Ensaios. 2. Jornalismo. 3. Ética. 4. Comunicação. 5. Cultura. I. Título. II. Série.
CDD: 177
Índices para catálogo sistemático:
1. Ética e sociedade
177
Diretor da série:
Prof. Dr. Francisco Gilson Rebouças Porto Junior
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Comitê Editorial e Científico:
Profa. Dra. Cynthia Mara Miranda
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Prof. Dr. João Nunes da Silva
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Prof. Dr. Luis Carlos Martins de Almeida Mota
Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal
Prof. Dr. Nelson Russo de Moraes
UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Prof. Dr. Rodrigo Barbosa e Silva
Universidade do Tocantins (UNITINS), Brasil
Prof. Dr. Rogério Christofoletti
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil
Prof. Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista
Universidade de Caxias do Sul:Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Profa. Dra. Thais de Mendonça Jorge
Universidade de Brasília (UnB), Brasil
Profa. Dra. Verônica Dantas Menezes
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
Prof. Dr. Fagno da Silva Soares
CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesq. em História Oral e Memória
Instituto Federal do Maranhão (IFMA)
Dr. Luís Francisco Munaro
Universidade Federal de Roraima (UFRR)
Dr. José Manuel Peláez
Universidade do Minho, Portugal
Prof. Dr. Geraldo da Silva Gomes
Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do
Ministério Público do Tocantins, CESAF/MPTO
Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade
percebida e faze-los mais salientes em um texto comunicativo,
de forma a promover uma definição particular
do problema, uma interpretação casual,
uma avaliação moral e/ou
uma recomendação de tratamento para o item descrito.
Robert Entman
(Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal
of Communication, New York, v. 43, n. 4, p. 51-58, 1993, p.52).
Sumário
Apresentação ............................................................................................... 13
Leila Adriana Baptaglin
Prefácio ........................................................................................................ 15
Os organizadores
Capítulo 1 ..................................................................................................... 19
Comunicação e reflexividade
Lavina Madeira Ribeiro
Capítulo 2..................................................................................................... 61
O texto sob as lentes da hermenêutica: afastamentos e aproximações
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga
Capítulo 3..................................................................................................... 77
Arte urbana e seu poder comunicacional: aproximação das produções
artísticas de Roraima/Brasil e Venezuela
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela
Capítulo 4................................................................................................... 105
A verdade está nublada
Luciana Moherdaui
Capítulo 5 ................................................................................................... 131
A teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de fake news
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente
Capítulo 6................................................................................................... 147
A fake news no caso marielle franco e a cobertura online do jornal do Tocantins
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy Alberto P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior
Capítulo 7 ................................................................................................... 175
O enquadramento da morte da vereadora Marielle Franco nas coberturas de
Veja e Carta Capital
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite
Capítulo 8 .................................................................................................. 201
Caso de Marielle Franco: impacto do efeito da terceira pessoa a partir de uma
fake news
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam Deisy Ghizoni; Liana Vidigal
Apresentação
Leila Adriana Baptaglin
É uma tarefa complexa realizar a apresentação de um livro
com uma densidade de discussões e problematizações com as
apresentadas nos capítulos de MEDIA EFFECTS: ensaios sobre
teorias da Comunicação e do Jornalismo - Vol. 4: Reflexividade,
hermenêutica e Fake News.
Propostas calcadas na reflexividade em um contexto “carente
de posturas reflexivas”, enquadramento em situações de “restrição
e fechamento” e, Fake News em um cenário de “imposição e
adestramento”. Talvez com um grau de exagero ou ceticismo, mas é
evidente que presenciamos um momento social, político, econômico
e cultural que tangencia o questionamento acerca de: quem somos?
Que sociedade somos?
Imbricados em situações complexas vinculas a corrupção na
política e, a falta de investimento em setores básicos como saúde e
alimentação nos levam a questionar e a problematizar a viabilidade
de investimento em setores culturais e educacionais. Afinal, se há
um boicote aos serviços básicos de sobrevivência humana, como
pensar em estratégias de mobilização social que necessitam um
aparato intelectual de articulação?
Talvez seja essa uma estratégia de manutenção da população
em seu status de miséria humana e intelectual para que assim, as
poucas “mentes brilhantes” tomem posse de seus interesses. Uma
estratégia pré-histórica mas com impacto e viabilidade indiscutível
na contemporaneidade.
Os capítulos articulados no Vol. 04 sinalizam para elementos
que transitam por estas estratégias, mas o olhar para o
14 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
enquadramento em setores pouco discutidos como a Arte Urbana,
os Povos indígenas e os processos eleitorais tomam dinamicidade e
passam a ser visualizados em um direcionamento de valorização de
outras “mentes brilhantes” que pouco foram e são investigadas.
Neste sentido, na contramão de um discurso de padronização,
os capítulos aqui apresentados nos instigam a olhar para os grupos
marginalizados e colocá-los em evidência enfatizando seus
processos organizacionais que, indubitavelmente, são distintos.
Sabemos que o discurso não basta, que ações são necessárias.
Contudo, é evidente que as investigações propostas realizaram e
vem realizando uma aproximação e ações que viabilizem este olhar,
muito embora saibamos que ainda há muito a ser feito em termos
de ações e, principalmente em termos de ética de pesquisa.
Destacamos isso pois temos ciência que somos seres humanos
e que estamos inseridos em uma sociedade institucionalizada e
organizada com determinados padrões. Quebrá-los ou driblá-los
não é tarefa fácil. Contentamo-nos no fato de que o leitor, ao ler as
proposições apresentadas neste livro questione seu discurso, suas
ações e seus posicionamentos. Pôr-se em estado de crise é o primeiro
passo para a realização de ações e de aprendizagens.
Um povo acomodado e satisfeito é um povo estagnado. E não
é esse tipo de sociedade que queremos, buscamos instigar a crise e
a mudança de pressupostos. Assim teremos um olhar crítico que
questione e não se cale diante de frases afirmativas:
É verdade esse bilhete!
Boa Vista/RR, setembro de 2018.
Prefácio
Gilson Pôrto Jr.
Nelson Russo de Moraes
Daniela Barbosa de Oliveira
Vilso Junior Santi
Leila Adriana Baptaglin
É com muito trabalho e engajamento que disponibilizamos o
vol. 4 do livro MEDIA EFFECTS: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo. Neste volume trabalhamos com
Reflexividade, hermenêutica e Fake News adentrando em questões
específicas do contexto social, político e cultural vivenciadas na
contemporaneidade.
Com um olhar atento para as teorias da comunicação, este
volume adentra as peculiaridades das distintas regiões brasileiras e
de países da América Latina problematizando a repercussão dos
fatores nos meios de comunicação. Calcadas em aprofundamentos
teóricos que instigam a reflexividade os capítulos apresentados
caminham por discursos e lugares complexos mas carentes de
investigação.
Neste quarto volume contamos com oito capítulos
trabalhados e articulados em distintos contextos e elementos de
análise. No capítulo 1: Comunicação e reflexividade, Lavina
Madeira Ribeiro nos traz uma ampla discussão referente ao modo
como as instituições de comunicação delimitam sua especificidade
discursiva.
No desenrolar do capítulo 2: O texto sob as lentes da
hermenêutica: afastamentos e aproximações, os autores Alda
16 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Cristina Costa, Nathan Nguangu Kabuenge, Sergio do Espirito Santo
Ferreira Junior, Thaís Luciana Corrêa Braga nos instigam a uma
incursão aos elementos oriundos do projeto hermenêutico de Paul
Ricoeur, a fim de apontar os trânsitos teórico-metodológicos
abarcados pelo rico corpo de conceitos presentes nas suas obras.
Apontam ainda, as leituras de J. B. Thompson a respeito da
interpretação diante da vida social, situando aproximações e
afastamentos entre as perspectivas de ambos os autores.
Já no capítulo 3: Arte urbana e seu poder comunicacional:
aproximação das produções artísticas de Roraima/Brasil e
Venezuela, de Leila Adriana Baptaglin e Norah Shallymar Gamboa
Vela temos um trabalho de campo que busca compreender como a
Arte Urbana produzida por coletivos artísticos brasileiros (Coletivo
Macu-x/BR; Movimento Urbanus/BR), do extremo norte, e
venezuelanos (rbano Aborigem/VZ e MuralEja/VZ) comunicam
suas proposições. Diante dos primeiros apontamentos é visualizado
a consolidação dos coletivos como Movimentos de Arte Urbana
(TORROW, 1997) em um cenário de construção de uma
“epistemologia do sul” (SANTOS, MENESES, 2010) no qual atende
a necessidade de “produzir e disseminar distinções”.
No capítulo 4: A verdade está nublada, Luciana Moherdaui
traz uma reflexão sobre o impacto da falsificação da verdade na
internet, em especial nas redes sociais e nos aplicativos de
comunicação instantânea, e nos critérios de noticiabilidade que
compõem o jornalismo tradicional. Tal análise parte da influência
das notícias falsas nas eleições americanas de 2016 e fundamenta-se
nas teorias do gatekeeper, do newsmaking e do agenda-setting.
No capítulo 5: A teoria do efeito da terceira pessoa no
compartilhamento de Fake News de Carlos Oliveira Santos e João
Kwanha Xerente buscam testar a teoria do efeito da terceira pessoa
no compartilhamento de Fake News. Para isso elaboraram um
questionário e o aplicam para estudantes no campus universitário
de Palmas/TO. O questionário verificou as hipóteses relativas ao
compartilhamento de Fake News, qual a percepção dos estudantes
Lavina Madeira Ribeiro | 17
sobre Fake News e se é possível aplicar a teoria do efeito da terceira
pessoa no quesito compartilhamento de Fake News.
Ainda trabalhando na perspectiva da Fake News, temos três
capítulos que tratam do caso do assassinato da vereadora Marielle
Franco. No capítulo 6: A Fake News no caso Marielle Franco e a
cobertura online do jornal do Tocantins, dos autores Cleide das
Graças Veloso dos Santos, Ruy Alberto Pereira Bucar e Francisco
Gilson Rebouças Pôrto Júnior temos uma aproximação da cobertura
do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do
motorista Anderson Gomes, ocorrido no Rio de Janeiro e que
ganhou repercussão na imprensa nacional e internacional.
Apresenta assim, a análise de 06 notícias que tratam sobre o assunto
no veículo Jornal do Tocantins online. Na análise realizada verifica o
tratamento oferecido ao fato na cobertura jornalística do veículo e
busca promover uma reflexão sobre a participação da imprensa no
processo de desconstrução das Fake News.
O capítulo 7: O enquadramento da morte da vereadora
Marielle Franco nas coberturas de veja e carta capital de autoria
de Janaína Costa Rodrigues, Maria Lúcia Adriana Silva Gomes,
Cynthia Mara Miranda e Amanda Maurício Pereira Leite trabalha
uma análise da notícia da morte da vereadora Marielle Franco,
mulher negra, lésbica e militante dos Direitos Humanos, veiculada
nas revistas semanais brasileiras, Veja e Carta Capital. Objetivou
demonstrar a influência do posicionamento ideológico dos veículos
na cobertura jornalística sobre a morte de uma pessoa pública da
esfera política municipal do Rio de Janeiro.
Por último, no capítulo 8 temos: Caso de Marielle Franco:
impacto do efeito da terceira pessoa a partir de uma Fake News
de Janaína Vilares da Silva, Glês Cristina do Nascimento, Liliam
Deisy Ghizoni e Liana Vidigal o qual trabalha com uma pesquisa
empírica sobre como o efeito da terceira pessoa pode afetar os
participantes do grupo escolhido, a partir de uma Fake News. O
grupo investigado foi escolhido na perspectiva de analisar a
18 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
existência da percepção de que outros podem ser influenciados, ou
não, por uma Fake News.
Diante de trabalhos densos e de temáticas atuais, o vol. 4
sinaliza problemáticas evidenciadas em um cenário complexo de
relações políticas, culturais e sociais extremamente vulnerável.
Permite evidenciar situações que até pouco tempo mantiveram-se
algemadas e incrustadas em uma sociedade conservadora e
repressiva que vem dando sinais de inquietação.
Instigamos aos leitores exercitarem uma leitura crítica e
questionadora das teorias e dos fatos apresentados. Só assim
conseguiremos adentrar em temáticas tão complexas empossados
de compromisso.
Capítulo 1
Comunicação e reflexividade
Lavina Madeira Ribeiro1
De que modo as instituições de comunicação delimitam sua
especificidade discursiva? A análise da ação discursiva destas
instituições, tais como emissoras de televisão, rádios, jornais e
revistas e elementos da internet expõe mecanismos e procedimentos
que revelam sua dinâmica argumentativa no espaço público
comunicativo. Há um consenso no pensamento sociológico
contemporâneo sobre a importância das instituições de
comunicação para a experiência e a formação de opiniões e
comportamentos dos indivíduos nas sociedades atuais. Reflexões
sobre processos de globalização, de rupturas da nacionalidade, de
configuração de estilos de vida e de transformações nas
configurações de posição e ação dos sujeitos sociais reconhecem
sempre a presença interventora das instituições de comunicação.
Estas instituições têm adquirido um crescente poder de
influência sobre o curso da vida social e cabe particularmente a este
ensaio pensar sobre a natureza desta influência. Parte-se do
1
Graduação em Comunicação pela Universidade de Brasília, mestrado em Comunicação e Política pela
Universidade de Brasília e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas.
Pós-Doutorado em Comunicação e Cultura pela Eco/UFRJ. Atualmente é professora Associada II da
Universidade de Brasília. Formação em Comunicação e Ciências Sociais, com especialização em
Cultura e Política. Atualmente dedicada à pesquisa teórica, no âmbito epistemológico da teoria da ação,
sobre a teoria social realista, o realismo crítico, reflexividade, no intuito de atualizar conceitos
tradicionais da área de Comunicação. Pesquisa sobre análise conceitual da Comunicação. E-mail:
lavinamadeira@yahoo.com.br.
20 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
pressuposto de que o terreno de atividades e simbolizações das
práticas comunicativas não se confunde com aqueles de outros
territórios de produção de sentido e valor. Há uma especificidade
institucional destas práticas, um lugar próprio de agenciamento
discursivo que não é o mesmo daqueles relativos à esfera da ciência,
da política e da arte e cultura em geral.
Além disso, por mais diferentes que sejam as estruturas
comunicativas, seu poder de alcance e públicos, elas mantém entre
si relações de complementariedade, conflito, concorrência e
interdependência. Isto porque há princípios e critérios institucionais
que antecedem sua diversidade estrutural. Pensar sobre estes
princípios e critérios nos remete à origem histórico-sociológica
destas instituições. Para Jürgen Habermas, a informação se
desenvolveu paralelamente à expansão da troca de
mercadorias.(HABERMAS:1984,29) Esta é uma interpretação
econômica da origem institucional da comunicação que não
esclarece a especificidade dos contornos discursivos historicamente
assumidos primeiramente pelas folhas impressas e, posteriormente,
pelas demais estruturas de comunicação.
Em outra reflexão mais filosófica sobre a origem da
modernidade, Habermas a associa à emergência de uma
“consciência temporal” que opõe o moderno ao antigo e inaugura
uma concepção histórica processual da vida, cujo horizonte é um
futuro que não pode ser previsto.(HABERMAS:2001,169)2 Diante de
um presente contingente e de um futuro incerto, o que conceitua
essencialmente a modernidade é a razão. Ela é o suporte para o
exercício da crítica e para a fundação de uma humanidade que busca
a autocompreensão criando suas próprias regras. Este movimento
gerou a diferenciação das esferas do saber – ciência, moral e arte –
e é dentro dele que se pode encontrar os fundamentos para a
institucionalização das estruturas de comunicação.
2
Segundo Habermas, “a história é então experenciada como um processo abrangente de geração de
problemas – e o tempo, como recurso escasso para o domínio desses problemas que são empurrados
para o futuro”.
Lavina Madeira Ribeiro | 21
O exercício da crítica, o julgamento subjetivo dos fatos e das
opiniões, a autoatualização demandadas pelo movimento da
processualidade histórica são os procedimentos exigidos do público
que forma o espaço público comunicativo. Se o princípio da
subjetividade está no âmago da modernidade, também se faz
presente na institucionalização da comunicação como mecanismo
que compele os indivíduos a buscarem em si os recursos críticos
para sua autonomia e autodeterminação.
As instituições de comunicação pressupõem este
procedimento de intervenção crítica sobre o mundo, a partir do
cultivo de uma subjetividade que se quer autônoma diante de “um
mundo da vida que perde de modo perturbador os seus traços de
confiança, de transparência e de fidelidade” (HABERMAS:2001,172).
O discurso comunicativo evoca a crítica e o julgamento subjetivo
sobre um pano de fundo de elementos que se sucedem em
transformações ininterruptas e imprevisíveis. As instituições de
comunicação são, portanto, formações próprias da modernidade,
ancoradas no uso público da razão.
A comunicação tem grande visibilidade no mundo
contemporâneo participando expansivamente dos processos
reflexivos da sociedade de risco. Segundo Ulrich Beck a sociedade de
risco surgiu a partir dos efeitos colaterais e das ameaças
cumulativamente produzidos pela sociedade industrial. Ela forja
uma “modernização reflexiva” em toda a sociedade – onde ela se
defronta com ameaças não absorvidas pelo industrialismo e o
modelo clássico de sociedade industrial, cujos ícones de progresso
são o capital, a tecnologia e o mercado. (BECK:1997,16)3 As
instituições de comunicação basicamente expõem a dinâmica deste
autoconfronto. Expõem exatamente aqueles momentos de ruptura
onde os riscos reais e potenciais ameaçam os limites sociais de
segurança dos indivíduos e das instituições.
Segundo Beck, “’modernização reflexiva’ significa autoconfrontação com os efeitos da sociedade de
risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema industrial”.
3
22 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Segundo Ulrich Beck, “a definição do perigo é sempre uma
construção cognitiva e social” (BECK:1997,17). Estas definições são
extensiva e ostensivamente construídas pelas instituições de
comunicação e, neste sentido, elas participam desta modernização
reflexiva e se constituem em si em instituições que produzem a sua
própria reflexividade. Estão na pauta diária dos discursos
jornalísticos, dos documentários e outros gêneros informativos
questões relativas a todas as ordens sociais e naturais. Questões
emergentes sempre em função de problemas gerados pelo curso do
processo industrial das sociedades contemporâneas, cujas rupturas
e ameaças dizem respeito a um largo espectro de variáveis, tais
como recursos naturais, recursos produtivos, como a divisão social
do trabalho, recursos culturais, concepções políticas, jurídicas,
científicas, costumes e concepções de vida.
Como os riscos emergem simultaneamente com as decisões e
opiniões formuladas no meio social, as instituições de comunicação
estão sempre se autoconfrontando com estes riscos. Interessa, em
particular, como elas exploram os seus termos, que mecanismos de
sua reflexividade entram em ação, ou seja, de que recursos dispõem
para enfrentar as ameaças que emergem cotidianamente na vida
social. Ameaças evidentes e ameaças construídas pela discursividade
pública.
Conforme Ulrich Beck, a sociedade torna-se reflexiva quando
“ela se torna um tema e um problema para si própria”
(BECK:1997,19). Há, segundo ele, dois ambientes especializados
onde estas tematizações e problematizações alcançam relevo: no
contexto das práticas científicas laboratoriais, cujos resultados têm
pouco controle sobre as consequências e repercussões sociais e no
contexto de uma “discursividade pública da experiência”
(BECK:1997,44), profundamente presa à experiência e dependente
da ação das instituições de comunicação.
Este segundo contexto, conforme o autor, está mais propenso
a suscitar dúvidas e perguntas do que a fornecer respostas e
depende, na sua argumentação pública, de referentes fornecidos
Lavina Madeira Ribeiro | 23
pela ciência universitária. A ponte com a esfera da experiência da
vida cotidiana demarca um outro princípio específico da
discursividade institucional da comunicação pública. As dúvidas e
perguntas fomentadas por esta discursividade advém desta forte
ligação com a experiência, com o cotidiano, onde a materialização
de riscos e ameaças se desdobra em inúmeras questões fornecendo
um campo quase irrestrito de temáticas e possibilidades de
problematização pública. A esfera política onde as instituições de
comunicação tecem a relação entre riscos e opiniões está fincada na
experiência da vida cotidiana, onde são tomadas decisões, feitas
escolhas, num plano essencialmente privado da existência.
As instituições de comunicação invadem desde este plano
mais íntimo e particular da vida individual àquele das grandes
organizações públicas e privadas. Seu espectro de atuação é amplo e
cada vez mais presente, devido à sua crescente sofisticação
tecnológica. Formam, segundo Scott Lash, novas comunidades de
informação e comunicação baseadas em sistemas especialistas, cuja
racionalidade opera sobre as significações compartilhadas no
sentido de reparar suas rupturas. Os discursos dos especialistas vêm
reparar estas quebras na rotina de segurança da vida cotidiana como
discursos legitimadores desta rotina. Como agentes singulares,
entretanto, cabe observar que as instituições de comunicação nem
sempre atuam como agentes reparadores de rupturas. Muitas vezes,
intervém antecipadamente criando realidades e fatos.
Com relação aos mecanismos que põem em prática a
reflexividade pública da comunicação, cabe refletir sobre a medida
em que eles são incorporações de sistemas especialistas. Para Ulrich
Beck, a modernização reflexiva requer uma “reforma da
racionalidade”, já que a racionalidade da ciência, seus padrões e
métodos explicativos tornaram-se incapazes de conter o fluxo
incessante de novas ameaças e riscos enfrentados nas sociedades
contemporâneas. A racionalidade científica deve ser, de algum
modo, substituída por uma política reflexiva, baseada na evidência
de que “o microcosmo da conduta da vida pessoal está inter-
24 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
relacionado
com
o
macrocosmo
dos
problemas
globais”(LASH:1997,182). Baseada no exercício da dúvida, que
permeia e envolve as esferas existenciais e institucionais, a ação
política consiste na assunção da dúvida como variável que não pode
mais ser controlada pelos métodos científicos, posto que a própria
ciência natural e social convive com a dúvida como parte do
conhecimento. A dúvida, segundo o autor, possibilita a
multiplicidade de vozes de todos os lados e de cada um de nós.
(BECK:1997,61) Torna possível a emergência da diversidade e do
conflito. Esta política põe em questão as soluções científicas em favor
da dúvida e exerce, assim, uma crítica sobre os sistemas especialistas
como fontes legitimadoras da reflexividade pública.
Sociedades reflexivas têm que encontrar soluções por si
próprias para os problemas criados sistemicamente pela
modernização social. Para Habermas, a reflexividade gerada pelos
atores coletivos deve ser realmente política. Os atores só podem
conter os custos dos riscos sistêmicos a partir da formação
discursiva da opinião e da vontade, de um procedimento
democrático de racionalização do mundo da vida que
constantemente restabelece consensos desfeitos e defasados com
novos arranjos normativos. A racionalidade comunicativa é, assim,
segundo Habermas, uma força produtiva “importante para os
desafios da ‘modernização reflexiva’”.4 (HABERMAS:2001,197,198)
A racionalidade comunicativa como procedimento de uma
reflexividade política que busca respostas aos impasses da
modernização deve ser compreendida como uma proposta de ação
HABERMAS, Jürgen. “Acerca da Autocompreensão da Modernidade”. Segundo ele, “a modernidade
que continua deve ser continuada com vontade política e com consciência. E para essa forma de autoinfluxo democrático é decisiva a instituição de procedimentos de formação discursiva da opinião e da
vontade. Não apenas a formação política da vontade dos cidadãos, mas também a vida privada dos
cidadãos da sociedade não pode prescindir de fonte de solidariedade gerada discursivamente. À medida
que as condições padronizadas de vida e os planos de carreira se dissolvem, os indivíduos sentem diante
das opções multiplicadas o crescente fardo das decisões (ou arranjos) que eles mesmos têm que tomar
(ou negociar). A pressão para a ‘individualização’ exige a descoberta e a construção simultâneas de
novas regras sociais. Os sujeitos livres – que não estão mais conectados a papéis tradicionais e não são
dirigidos por eles – devem criar ligações graças aos seus próprios esforços de comunicação”.
4
Lavina Madeira Ribeiro | 25
na esfera da discursividade pública. A questão que se coloca é se esta
racionalidade, do ponto de vista das instituições de comunicação, é
essencialmente política ou, em outras palavras, se ela prescinde da
ciência, do discurso especialista e, para além disso, se na busca de
alternativas para os autoconfrontos enfrentados com os riscos e
ameaças da sociedade industrial, realiza uma crítica à ciência. O que
está em questão basicamente são os mecanismos legitimadores da
reflexividade pública, seja na esfera mais ampla do debate público,
seja no interior das estruturas de comunicação.
Enquanto Habermas e Beck fixam uma proposta de ação
reflexiva essencialmente política, uma politização generalizada das
esferas da discursividade pública, Anthony Giddens, o descreve
como procedimento baseado na confiança em sistemas especialistas.
Para Giddens, o conhecimento científico tem substituído a tradição
no movimento de busca dos indivíduos por fontes de segurança
ontológica. A insegurança gerada pelas transformações sociais e
suas rupturas de estruturas tradicionais é enfrentada pela absorção
de sistemas abstratos de conhecimentos – teorias, conceitos e
descobertas – que, apesar de voláteis, mantém níveis aceitáveis de
segurança e ordem. Segundo Giddens, “em todas as sociedades, a
manutenção da identidade pessoal, e sua conexão com identidades
sociais mais amplas, é um requisito primordial de segurança
ontológica”(GIDDENS:1997,100). As sociedades atuais, enquanto
sociedades pós-tradicionais, enfrentam as incertezas da vida
incorporando o conhecimento especializado desde o âmbito mais
íntimo da vida privada àquele das instituições sociais. Esta
apropriação se impregna na experiência da vida cotidiana, nos
estilos de vida e na esfera do trabalho. Por mais que a ciência não
possa ser inconteste em sua autoridade explicativa, ela se desdobra
em sistemas especialistas, segundo Giddens, abertos e alternativos,
que são incorporados e desincorporados na relação dialética com os
estilos de vida. ”(GIDDENS:1997,112)5
5
Segundo Giddens, “o mais importante de tudo é que a confiança nos sistemas abstratos está ligada a
padrões de estilo de vida coletivos, eles próprios sujeitos a mudança. (...) Nas sociedades modernas as
26 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Esta concepção da reflexividade ancorada em sistemas
especialistas difere dos autores anteriores porque não é uma proposta
de ação, mas uma afirmação categórica com ambição explicativa sobre
os mecanismos operativos e dinamizadores da vida social. Assusta, de
certo modo, crer que esta dinâmica tenha, como recurso central,
sistemas científicos cujos critérios evolutivos nem sempre respeitam
limites éticos e humanistas. Se, para Giddens, a ciência, os sistemas
abstratos, a tecnologia têm papel central na experiência, no modo
sobretudo como indivíduos leigos se atualizam sobre questões de
relevância pessoal e pública, ao que tudo indica, ele se baseia em
evidências advindas, seja do modo como o mundo sistêmico,
econômico e tecnológico absorve suas crises, como diz Habermas,
auto-aplicando retroativamente procedimentos resultantes de suas
próprias leis internas, sem prestar contas às repercussões de seus
sistemas funcionalmente diferenciados para setores mais amplos da
sociedade, seja em razão do recurso ao conhecimento científico como
fonte legitimadora da discursividade pública política e comunicativa,
por mais provisórios, parciais e superficiais que sejam os termos deste
recurso. ”(GIDDENS:2000,40 e 41)6 Na visão de Giddens, por mais
que a ciência e a tecnologia se infiltrem em todas as esferas da vida
social, elas não são aceitas sem ressalvas. Os indivíduos já
incorporaram a idéia do “caráter essencialmente fluido da ciência”, do
fato de que ela está constantemente reformulando suas explicações e
receitas. Mas, a administração dos riscos, por mais cautelares que
sejam os indivíduos e instituições com relação às voláteis prescrições
científicas, todos ainda continuam, em última instância, presas de suas
alternativas.
escolhas de estilo de vida são ao mesmo tempo constitutivas da vida cotidiana e ligadas a sistemas
abstratos (...) As alterações nas práticas de estilo de vida podem se tornar profundamente subversivas
dos sistemas abstratos centrais.”
Em ensaio sobre a noção de “risco”, Giddens refere-se, em várias passagens, à atitude dos governos
justificando suas políticas com base em dados científicos e às escolhas dos indivíduos também baseadas
em informações desta natureza.
6
Lavina Madeira Ribeiro | 27
Há, entretanto, um conjunto de movimentos identitários que
fogem à alçada da ciência e da tecnologia. São movimentos de
minorias, conflitos de gênero, raciais e outros cujos avanços não
foram baseados em critérios de legitimação científicos, mas
essencialmente éticos e políticos. Mesmo valendo-se da oposição
tradição-modernidade com a qual Giddens analisa a questão, por
exemplo, da família e seus novos desafios na atualidade, ele próprio
não recorre a fontes científicas para apontar os indicadores das
transformações neste ambiente. Os critérios aqui são baseados no
debate sobre igualdade de direitos, sobre o eco de valores
democráticos nos relacionamentos familiares. (GIDDENS:2000,71)
Giddens vê um movimento dialético entre sistemas abstratos
e estilos de vida, onde alterações nestes últimos têm repercussões
sobre os primeiros. Até que ponto, entretanto, os estilos de vida
estariam preponderantemente comprometidos com os referenciais
destes sistemas? O conhecimento especialista já teria impregnado
todas as esferas daqueles conjuntos articulados de práticas, valores,
comportamentos, gostos, saberes, escolhas e experiências próprias
dos estilos de vida de um grupo ou de uma classe? Esta questão é
importante porque pode subsumir a própria política aos sistemas
especialistas e envolver as instituições de comunicação como
instâncias vitais na legitimação destes sistemas. Além disso, os
estilos de vida refletiriam distinções sociais (FEATHERSTONE:1995)
cultivadas pelos próprios sistemas especialistas, entre os quais, as
instituições de comunicação.
Reflexividade e o conceito de massa
A reflexividade que permeia o indivíduo e a sociedade enterra
definitivamente (e já não era sem tempo) o anacrônico conceito de
massa que muitos autores ainda insistem em usar desavisadamente.
O conceito de massa está completamente superado. Já deveria ter sido
superado pouco depois de ter sido inventado. Criado nas primeiras
décadas do século XX, para qualificar uma sociedade composta por
28 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
indivíduos anônimos, atomizados, iletrados, perdidos, atônitos, logo
após as primeiras pesquisas de Lasswell sobre as intenções de voto dos
norte-americanos, descobriu-se uma teia complexa de fatores, em que
eles votavam influenciados por inúmeras variáveis relacionais ao meio
em que viviam, a fatores educacionais, familiares, costumes herdados,
modos de relacionamento com o ambiente de trabalho, entre outros e,
portanto, não eram uma massa homogênea, sem identidade, sem
rosto.
Nos Estados Unidos houve um uso pragmático e positivista do
conceito, associado à noção de produção em larga escala de
mensagens e bens culturais. Uma só matriz teórica denominava
uma sociedade de massa, com uma cultura de massa veiculada pelos
meios de comunicação de massa. O conceito de massa reflete, em
essência, o caráter arregimentador essencialmente pragmático
prevalecente nos Estados Unidos desde a vitória dos nortistas na
guerra civil. Segundo William James, “the knower is not simply a
mirror floating with no foothold anywhere, and passively reflecting
an order that he comes upon and finds simply existing. The knower
is an actor, and co-efficient of the truth…. Mental interests,
hypotheses, postulates, so far as they are bases for human action—
action which to a great extent transforms the world— help to make
the truth which they declare. In other words, there belongs to mind,
from its birth upward, a spontaneity, a vote. It is in the game”.
(MENAND,2001,222)7
Segundo Menand, “what changes in American life made pragmatism seem to some people the right
philosophical utensil for a few decades after 1898? Though the immediate outcome of the Pullman
boycott was disastrous for labor, Dewey and Jane Addams had been right when they predicted that
the episode would eventually be seen to mark the obsolescence of nineteenth-century economic
arrangements. The year James introduced pragmatism was also the year the American economy began
to move away from an individualist ideal of unrestrained competition and toward a bureaucratic ideal
of management and regulation.(…) The state began assuming a role in economic affairs”.
(MENAND,2001, 226) Mas ele faz questão de ressaltar que “Dewey was no friend of industrial
capitalism, but he was not under the illusion that it was about to go away. His strategy was to promote,
in every area of life, including industrial life, democracy, which he interpreted as the practice of
"associated living"—cooperation with others on a basis of tolerance and equality”(MENAND,2001,228)
7
Lavina Madeira Ribeiro | 29
Eles moldaram uma sociedade voltada para o produtivismo
capitalista, onde a perspectiva que se tinha dos indivíduos era a de
peças anônimas a serviço do desenvolvimento de um país voltado
para o expansionismo econômico. O crescimento das cidades, das
populações dos centros urbanos demandou uma preocupação
crescente sobre como arregimentar estas populações que invadiu a
academia e o Estado no sentido de encontrar mecanismos capazes
de evitar perturbações no sistema de produção capitalista e na
política bipartidária tradicional. O funcionalismo parsoniano foi o
exemplo mais marcante de resposta a tal preocupação. Corrigir as
disfunções dos subsistemas funcionais interligados a fim de que a
máquina, o sistema social pudesse operar sem distúrbios.
Difundiu-se na academia americana a cultura de massa como
algo positivo, como o acesso generalizado a uma cultura antes
restrita a uma elite. Ora, esta cultura deveria ser difundida pelos
centros educacionais, para uma população de baixíssima formação.
Os meios de comunicação não foram os difusores desta cultura,
foram instrumentalizados para servirem como válvula de escape
para promover algum descanso e distração para indivíduos exaustos
após 8 a 10 horas de trabalho por dia. Seus gêneros de programação
não difundiam a cultura antes restrita à elite, mas sim programas
popularescos, comédias, noticiários, dramas, publicidade. Os meios
de comunicação eram os porta-vozes do Estado, da indústria, da
cultura do entretenimento, cumprindo a “função” de aliviar os
indivíduos das tensões de exaustivas jornadas de trabalho e ao
mesmo tempo obter deles a obediência, aprovação e o orgulho de
pertencerem à nação norte-americana.
A perspectiva do conceito de massa anula a singularidade do
indivíduo, sua capacidade de intervenção única e nova sobre o
processo social, nega ao indivíduo o poder de participação criativa.
O que é uma brutal contradição ao considerar-se a declaração de
independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de
1776, estabelecendo o direito “à vida, à liberdade e à procura da
felicidade" e inspirando os movimentos republicanos no continente
30 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
europeu, como a Revolução Francesa de 1789.8 O país berço do
conceito de livre expressão do pensamento, da democracia, dos
direitos civis e do conceito moderno de cidadania é
contraditoriamente o país berço do conceito de sociedade de massa,
de meios de comunicação de massa. Criador de um sistema de
transmissão de mensagens desprovidas de valor cultural para largas
audiências à revelia das necessidades e interesses das diferentes
etnias, nacionalidades, comunidades, setores e grupos sociais que
compunham a sociedade norte-americana.
Na Europa Ocidental, o conceito de massa foi usado pelos
frankfurtianos, nos estudos da teoria crítica, com uma conotação
pejorativa, negativa, como demonstram os escritos de Adorno e
Horkheimer no clássico Dialectic of Enlightenment 9onde eles
denunciam o fato dos indivíduos já não terem mais a capacidade de
fazer uso da razão, estavam bestializados, tornaram-se uma peça na
engrenagem do industrialismo capitalista, portanto, não passavam
de uma massa amorfa de seres humanos incapazes de pensar e agir
de acordo com seu próprio julgamento sobre os fatos da realidade.
Foram aprisionados pelo sistema industrial e pela ideologia
capitalista. Tornaram-se prisioneiros da razão instrumental,
mutilados mentalmente.
Mas o uso do conceito de massa na Europa remonta a período
anterior ao século XIX, com o crescimento das cidades em várias
regiões comerciais europeias. A partir do século XVI as cidades
instaladas próximas às cortes já eram bastante populosas, com 100 mil
a mais de 250 mil habitantes. Cidades comerciais como Londres,
Nápoles, Milão, Amsterdam, entre outras, já possuíam mais de cem
mil habitantes10. Com a formação de uma população citadina, por
8
Deve-se considerar as guerras civis britânicas entre 1640 e 1649 e a grande influência que exerceu
sobre toda a Europa e seus pensadores o modelo de uma monarquia parlamentarista, com a presença
de representantes da sociedade defendendo seus interesses junto ao Estado.
9
Em particular o ensaio “The Cultural Industry: Enlightenment as Mass Deception”. (HORKHEIMER,
ADORNO, 2002, 63-93)
De acordo com Deane, “no período compreendido entre cerca de 1700 e mais ou menos 1741, a
população da Inglaterra e do País de Gales parece ter ficado estacionária entre 5,8 e cerca de 6 milhões
10
Lavina Madeira Ribeiro | 31
oposição a uma aristocracia consolidada, criou-se a perspectiva
pejorativa de nomear esta população emergente como massa, isto
aparece com frequência na literatura e nos escritos jornalísticos desde
então. Há uma clara rejeição de uma casta aristocrática culta e
economicamente dominante em relação a uma população pobre,
oriunda e expulsa do campo, iletrada, em busca de melhores condições
de vida e trabalho.
Mas pensadores de grande relevância, como Bernard Shaw e
Bertrand Russell, entre muitos outros, neste mesmo período, voltaram
suas preocupações sobre a nova sociedade industrial emergente sob
outras perspectivas, onde predominava uma perspectiva atuante
acerca da participação dos indivíduos, como, por exemplo, os Fabians,
na Inglaterra, uma sociedade de intelectuais de grande peso, fundada
em 1884, com o objetivo de reconstruir a sociedade britânica, baseada
em um sistema competitivo e democrático de forma a assegurar o bem
estar social geral e a felicidade. Com aspirações socialistas, formaram,
ao longo das décadas, as bases econômicas e políticas do estado do bem
estar social e do partido trabalhista, levando à vitória deste em 1945,
elegendo 394 membros para a Casa dos Comuns e seu Primeiro
Ministro, Clement Attle. Sua influência econômica e política ainda se
faz presente nos fundamentos legistativos do Estado britânico e
influenciou a formação dos Estados das colônias independentes.
(FREMANTLE, 1960)
O conceito de massa não existe
O fato é que, do ponto de vista científico, o conceito de massa,
em termos analíticos, é completamente inoperável, é um muro
opaco que esconde atributos fundamentais do público receptor das
de habitantes. Entre 1741 e 1751, pode ter crescido aproximadamente 3,5% na década; entre 1751 e
1761, o índice de crescimento sofreu um aumento considerável – provavelmente 7% por década, uma
taxa que se manteve, mais ou menos, por uma década a mais. Então, expandiu-se aproximadamente
10% na década de 1780 e cerca de 11% na década de 1790 e atingiu seu auge de cerca de 16% na
segunda década do século XIX.” (DEANE, 2003,29)
32 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
mensagens midiáticas e impede a compreensão dos complexos
processos interativos que ocorrem entre eles. O argumento de que
se trata de uma difusão em larga escala não justifica o uso do termo
massa, porque ignora o processo de recepção, que é bastante
complexo e diferenciado. Argumentar que se trata de produção em
larga escala não implica que os produtos dos meios de comunicação
sejam assimilados igualmente e não esclarece o modo como são
absorvidos e incorporados pelos indivíduos e que impacto têm sobre
seus estilos de vida. O conceito de massa não permite qualquer
forma de análise empírica acerca do processo de recepção dos
produtos midiáticos, simplesmente porque não é possível realizar
um recorte formal, empírico, da ‘massa’. Porque não existem
critérios científicos capazes de delimitarem os contornos, os
atributos, as características, o perímetro espaço-temporal do
conceito de massa. Trata-se, em verdade, de um conceito ideológico,
de um senso comum, sem nenhum caráter científico.
O conceito de massa ignora a singularidade, a capacidade de
ação e pensamento únicos de cada indivíduo, a especificidade de suas
trajetórias existenciais e as redes de relacionamentos, movimentos
culturais e políticos, necessidades e intervenções a que se submetem.
Comete o erro de subsumir uma suposta centralidade da mídia na
formação do senso de realidade dos indivíduos, o que é um equívoco.
Como disse Raymond Williams, a massa são os outros menos eu. O
uso impensado do conceito de meios de comunicação de massa implica
concordar com a perspectiva de ver a sociedade como uma sociedade
de massa, com os construtos teóricos aos quais eles pertencem e
remontam no tempo. E atualmente já não é mais admissível trabalhar
com estas categorias, fatos de extrema relevância ocorreram ao longo
do século XX e têm ocorrido neste novo século XXI que cada vez mais
revelam a importância do agenciamento singular de grupos e setores,
de indivíduos que mudaram e têm mudado a teia das relações sociais
e dos sistemas sociais.
A 2ª Grande Guerra Mundial causou grande impacto sobre o
ilusionismo progressista da tecnologia. Nos anos 60 assistiu-se ao
Lavina Madeira Ribeiro | 33
mais significativo movimento cultural e político que revolucionou os
antigos modelos impostos de comportamento e pensamento sobre
família, sexualidade, diferença de gêneros, etnias, educação, política,
direitos humanos e civis, provocando imensas transformações nas
estruturas fundamentais da sociedade.11 É constrangedor observar
que Adorno tenha assistido a revolução cultural dos anos 60 e se
negado a participar dela, interpretando-a como um movimento de
selvageria. Enquanto Raymond Williams a abraçou e a levou para
dentro de Cambridge, discutindo a cultura pop, a cultura dos meios
de comunicação, para o horror de seus pares. Outro movimento de
grande importância foi a luta pelos direitos de igualdade entre
negros e brancos nos EUA, assim como os movimentos trabalhistas
dos sindicatos em todo o Ocidente obrigando o regime capitalista a
flexibilizar suas regras de trabalho e de recompensa ao trabalhador.
Estes entre outros movimentos foram movidos por indivíduos
capazes de pensar criticamente a sociedade em que viviam, capazes
de se mobilizarem e de interferirem no processo social provocando
transformações nas estruturas dos sistemas sociais, no campo
cultural, social, político e econômico. Não eram indivíduos
anônimos, isolados, atomizados, iletrados, perdidos e atônitos, uma
massa amorfa. Eles mudaram todo o modo de pensar e agir da
sociedade e criaram condições para que os indivíduos cada vez mais
se impusessem em relação ao seu meio social.
Com o desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação,
a começar pela televisão a cabo, abriu-se caminho para uma
pluralidade discursiva crescente. Canais especializados nos mais
diversificados temas, experiências de vida diversificadas de outras
Segundo Eric Hobsbawm, “ a revolução cultural de fins do século XX pode assim ser mais bem
entendida como o triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes
ligavam os seres humanos em texturas sociais. Pois essas texturas consistiam não apenas nas relações
de fato entre seres humanos e suas formas de organização, mas também nos modelos gerais dessas
relações e os padrões esperados de comportamento das pessoas umas com as outras; seus papéis eram
prescritos, embora nem sempre escritos. Daí a insegurança muitas vezes traumática quando velhas
convenções de comportamento eram derrubadas ou perdiam sua justificação; ou a incompreensão
entre os que sentiam essa perda e aqueles que eram jovens demais para ter conhecido qualquer coisa
além da sociedade anômica.” (HOBSBAWM, 1994, 328)
11
34 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
regiões do país e do mundo, perspectivas sobre a história, a cultura, a
arte, os conflitos mundiais, modos de existência e pensamento jamais
vistos levaram a um processo profundo de desterritorialização e
relativização da experiência criando processos identitários novos que
passaram a cruzar fronteiras de nacionalidade, classe, gênero, idade,
origem geográfica, etnia, entre outras variáveis.
Elemento importante na formação do caldo das identidades
contemporâneas e das noções de indivíduo e cidadania, está na
presença, cada vez mais expressiva e recorrente, do indivíduo como
lugar onde se dá algo posterior às noções de desterritorialização e
de interatividade. A experiência dos indivíduos das mais diferentes
regiões do mundo passou a tornar-se objeto de interesse midiático,
explorada em documentários, em reality shows, em diversos
gêneros de programação, elevando a diversidade, a alteridade, a
diferença como tema para uma variedade inesgotável de produções.
A vida privada do indivíduo até então anônimo tornou-se objeto de
interesse público e isto gerou um processo de fortalecimento de
identidades novas geradas neste emergente ambiente cultural. A
linha divisória entre ficção e realidade tornou-se difusa. Grande
parte da programação de muitos canais de televisão se baseiam em
experiências reais de indivíduos e eles são uma fonte inesgotável de
assunto, dado que cada indivíduo é único e sua singularidade
alimenta estas programações.
Neste âmbito, o sujeito anônimo participa do processo
identitário midiático no mesmo patamar das autoridades científicas
e do universo das celebridades artísticas e políticas. Algo além da
noção clássica de desterritorialização ocorre, porque ele não apenas
entra em contato virtual, imagético com novos espaços e tempos
históricos, ele adentra concretamente estes espaços e interage
fisicamente com eles. O que resulta numa forma mais complexa de
desterritorialização, cujos resultados não necessariamente implicam
uma hibridização cultural. Além disso, se descortinam ambientes,
cenários e experiências dos padrões culturais contemporâneos a
partir da forma como os receptores os experimentam. Isto revela
Lavina Madeira Ribeiro | 35
uma série de novas variáveis para a compreensão da força formativa
destes padrões, pois estas varáveis participam das negociações de
sentido e das transformações destes padrões.
Os indivíduos são extremamente complexos, únicos e
singulares e, portanto, não passíveis, de serem compreendidos em
termos de massa ou genericamente. O fato de dois milhões de
internautas acessarem um videoclipe na internet não faz deles uma
massa, assim como o fato de três bilhões de indivíduos terem
acompanhado o noticiário sobre o atentado às torres gêmeas em
New York também não os torna uma massa. É apenas a reunião de
um grande número de indivíduos em torno de um evento. Os
indivíduos devem ser entendidos paradigmaticamente por meio das
persistentes relações que estabelecem entre si e em grupo e as
relações que estas relações estabelecem entre si O indivíduo
anônimo, desconhecido, vem cada vez mais a público expor, das
mais variadas maneiras, seu modo particular de interagir com o
mundo, de formar valores e encontrar soluções para os confrontos
da vida em sociedade. As novas tecnologias têm-se alimentado da
singularidade dos indivíduos para criar novos produtos, novas
plataformas de comunicação virtual.
A corrente predominante nos EUA dos mass communication
research faz um uso contraditório do conceito de massa. Em recente
livro de HARRIS, Richard Harris e Fred Sanborn, há uma definição
de comunicação de massa que pergunta “what makes mass
communicatiom “mass”?” E os autores respondem “First, the
audience is large and anonymous, and often very
heterogeneous.(Wright, 1986) Groups of individuals can be
targeted, but only with limited precision”. (HARRIS, SANBORN,
2014) Ora, se a audiência é heterogênea e de difícil precisão, isto
significa um alto grau de complexidade nela, não se trata de uma
sociedade de massa. Isto bastaria para que o conceito não fosse
utilizado. Mas os autores trazem à tona outros atributos, agora
ancorados na magnitude das estruturas de comunicação de largo
alcance, ao afirmarem: “communication sources are institutional
36 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
and organizational (Wright,1986). Some, such television networks
(...) or the conglomerates that own such businesses are among the
largest and richest private corporations. Third, and perhaps most
importantly, the basic economic function of most media in most
nations is to attract and hold as large an audience as possible for the
advertisers (…) The size of the audience in turn determine the
content.” (HARRIS, SANBORN, 2014) É inegável a dimensão
transnacional alcançada pelos grandes sistemas de comunicação,
mas isto não implica que a recepção de seus produtos seja
homogênea ou que tenha impactos que superem outras dimensões
da experiência cotidiana dos indivíduos. Outra definição mais
simplista e esclarecedora do uso do conceito de massa está nos
autores Roger Wimmer e Joseph Dominick quando afirmam “What
are the mass media? The term mass media refers to any form of
communication that simultaneously reaches a large number of
people, including but not limited to radio, TV, newspapers,
magazines, billboards, films, recordings, books, and the Internet.”
(WIMMER, DOMINICK,2011,15)
Denis McQuail vem em defesa dos mass media afirmando que
“whatever changes are under way there is no doubting the
continuing significance of mass media in contemporary society, in
the spheres of politics, culture, everyday social life and economics.
In respect of politics, the mass media provide an arena of debate and
a set of channels for making policies, candidates, relevant facts and
ideas more widely known as well as providing politicians, interest
groups and agents of government with a means of publicity and
influence. In the realm of culture, the mass media are for most
people the main channel of cultural representation and expression,
and the primary source of images of social reality and materials for
forming and maintaining social identity. Everyday social life is
strongly patterned by the routines of media use and infused by its
contents through the way leisure time is spent, lifestyles are
influenced, conversation is given its topics and models of behavior
are offered for all contingencies.” (McQUAIL:2010,12) Em primeiro
Lavina Madeira Ribeiro | 37
lugar não há rigor conceitual no uso do termo mass communication,
o autor utiliza, com o mesmo sentido os termos mass media, mass
media institutional, media, old media, institutional communication,
como se fossem equivalentes, quando não o são. Esta falta de rigor
conceitual é sintomático da ausência de um fundamento teóricosociológico mais sólido que justifique o conceito de massa. Há
sempre a mesma perspectiva do fluxo unidirecional de mensagens
que moldam os indivíduos e determinam seu comportamento e
modo de pensar, em outras palavras, não foi ultrapassada a teoria
da agulha hipodérmica. Em essência o que importa é como
arregimentar e disciplinar a mente e o comportamento humanos.
É correto afirmar que a mídia de largo alcance, mas também
a mídia regional e, sobretudo, a internet, são fontes de referência
importantes para os indivíduos formarem opiniões e tomarem
decisões. A mídia alimenta o processo de cidadania. Mas o espectro
de variáveis que interferem neste processo supera a exclusividade
da mídia. Os indivíduos têm uma rede de relacionamentos privados
(família, amigos, companheiros de atividades particulares) e
públicos (trabalho, sociedades, associações, comunidades, entre
outros), além disto, têm que lidar cotidianamente com a superação
de problemas reais e concretos de ordem financeira, de saúde, de
trabalho, de estudo, de relacionamento familiar, morais, entre
muitos outros, problemas que o desafiam a refletir reflexivamente e
tomar a si mesmo como tema e problema para si mesmos o tempo
todo. Além disto, vivem numa sociedade de risco, que surgiu a partir
dos efeitos colaterais e das ameaças cumulativamente produzidos
pela sociedade industrial. Ela forja uma “modernização reflexiva”
em toda a sociedade – onde ela se defronta com ameaças não
absorvidas pelo industrialismo e o modelo clássico de sociedade
industrial, cujos ícones de progresso são o capital, a tecnologia e o
mercado.12 (BECK,GIDDENS,LASH, 1994) Neste processo reflexivo
12
Segundo Beck, “’modernização reflexiva’ significa autoconfrontação com os efeitos da sociedade de
risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema industrial”, (BECK,GIDDENS,LASH,
1994,16)
38 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
eles desenvolvem competências de crítica e ação singulares, novas,
resultantes de seus sucessos e fracassos, das relações que
estabelecem com a teia social à qual pertence e da influência da
mídia. Há uma imensa distância entre a vida concreta dos
indivíduos, suas experiências reais e os modelos estereotipados
apresentados pela mídia.Como bem definiu McQuail, “the symbolic
content or message of mass communication is typically
‘manufactured’ in standardized ways (mass production) and is
reused and repeated in identical forms. Its flow is overwhelmingly
one-directional”. (McQUAIL:2010,52)
No mundo real, na vida concreta, os indivíduos lidam com
problemas que estão muito além do universo temático fantasiado pela
mídia e eles já desenvolveram a plena capacidade de identificar a
diferença entre estes dois universos, o midiático e o da vida concreta
que levam. A tese da “imensa influência” dos “mass” media sobre os
indivíduos é completamente equivocada. E mais equivocada ainda
com a chegada da internet e sua crescente presença como fonte de
diálogo e interatividade, como fonte alternativa de informação que a
“mass” media não mostra. Padrões e modelos criados pela mídia já não
têm o impacto do passado. A criatividade dos milhares de novos
produtores de informações e tendências presentes na rede está
ganhando cada vez maior visibilidade, assim como tem crescido o
número de produtores de idéias. Como afirmou o próprio McQuail,
“while not directly supporting mass communication, the many new
possibilities for private ‘media-making’ (camcorders, PCs, printers,
cameras, mobile phones, etc.) have expanded the world of media and
forged bridges between public and private communication and
between the spheres of professional and amateur. Finally, we should
note the new kinds of ‘quasimedia’, including computer games and
virtual reality devices, that overlap with the media in their culture and
in the satisfactions of use”. (McQUAIL:2010,40 ) New media, as novas
tecnologias de comunicação, quebram o fluxo unidirecional da media
de largo alcance e abrem caminho para a voz dos indivíduos, para sua
presença pró-ativa na sociedade através da interatividade, da
Lavina Madeira Ribeiro | 39
sociabilidade, do contato com outros indivíduos, comunidades e
grupos sociais, culturais e políticos com poderes de formação de
opinião e ação social relevante, da intersubjetividade, onde cada um
pode revelar quem é e seus pontos de vista sobre a realidade, a
autonomia e independência dos sistemas midiáticos para divulgar suas
produções intelectuais e culturais. Além disto, a new media permite o
entretenimento entre os indivíduos a partir de elementos escolhidos e
criados por eles mesmos, independentes da media tradicional.
McQuail reconhece que “the term ‘mass communication’
came into use in the late 1930s, but its essential features were
already well known and have not really changed since, even if the
media themselves have in some ways become less massive”. E
contraditoriamente afirma em seguida que “the most obvious
feature of the mass media is that they are designed to reach the
many. Potential audiences are viewed as large aggregates of more
or less anonymous consumers, and the relationship between sender
and receiver is affected accordingly”. (McQUAIL:2010,52 ) Como
pensar uma teoria de mass communication que simultaneamente
reconhece a heterogeneidade da audiência e, ao mesmo tempo
mantém a perspectiva de uma audiência potencial vista como “large
aggregates of more or less anonymous consumers”? Isto é uma
contradição em termos. Na verdade, o termo audiência é o correlato
ao conceito de massa. Ao mesmo tempo em que o autor reconhece
que o público têm-se tornado menos massivo, ainda assim insiste na
perspectiva do público como um largo agregado de consumidores
anônimos. No entanto, eles são mais do que consumidores. Além
disto, nenhum produto midiático é criado sem antes ter sido bem
calculado seu público alvo, não existe a ideia de uma difusão
generalizada, os produtos são feitos para faixas específicas de
públicos, o mesmo se dá com a publicidade. E mesmo dentro destes
perfis definidos de público, a recepção é diferenciada, porque cada
indivíduo tem uma trajetória de vida singular e incorpora também
de modo singular os conteúdos das mensagens que recebe.
40 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
O estudo sobre os efeitos na tradição da mass communication
research opera com o conceito de audiência para referir-se aos
receptores das mensagens. De acordo com a definição de McQuail,
“the audiences for mass media are much more diverse, in terms of
content available and the social behaviour involved. There is no
element of public assembly. The audience remains in a state of
continuous existence, rather than reforming occasionally for specific
performances. The mass-media audience attracts a supply of
content to keep it satisfied instead of reforming in response to some
periodic performance of interest.” (McQUAIL:2010,328) Em termos
gerais, o conceito de audiência não difere do conceito de massa. Mas
em termos práticos as pesquisas reconhecem a diversidade social e
focam seus objetivos em mensurar gostos, opiniões, usos e
gratificações, comportamentos, motivações, novas necessidades,
controle de pensamento, entre outros. Metodologicamente, os
estudos (em geral com interesses manipulativos) sobre os efeitos e
impactos dos mass media baseados em modelos de estímulos e
respostas desconsideram a teia de relações sociais dos indivíduos e
têm resultados de curto alcance, em geral a serviço da indústria e de
grupos de interesse político e social. Na academia, há uma certa
diversidade de correntes metodológicas, mas infelizmente prevalece
a perspectiva do uso do conceito de massa, de audiência, de ver os
indivíduos como receptáculos de estímulos externos.
O problema metodológico das pesquisas em mass
communication reside no fato de que o objetivo está sempre, em
última instância, em encontrar respostas, produtos, mensagens que
consigam ser do interesse de audiências de largo alcance. É um
procedimento a serviço das grandes corporações midiáticas e não
dos indivíduos e que segue em sentido contrário ao curso do
processo cultural identitário contemporâneo. Com o advento das
novas tecnologias e da formação de novas redes de sociabilidade, há
uma tendência crescente a uma pulverização, diversificação imensa
dos nichos culturais, fator que transcende barreiras de
nacionalidade, etnia, gênero, classe entre outras variáveis. O modo
Lavina Madeira Ribeiro | 41
como os indivíduos se apropriam da cultura e da política já não é
mais um simples sistema de consumo, é um processo com valor e
significado simbólico. Os indivíduos personificam estes valores
singulares e autenticam diferenças, formam-se compromissos e
laços identitários que podem ser mais ou menos duráveis, fluidos,
transformáveis, passíveis de integração com outros valores. O
importante é que prevalecem relações de identidade e reciprocidade
contínuas entre os indivíduos, onde os bens culturais mediáticos
passam a ter um papel secundário. É o valor relacional que prevalece
sobre o valor de troca.
Entender o processo cultural contemporâneo e o papel da
mídia deve ser um movimento indutivo, que parte do
reconhecimento da complexidade do processo cultural
contemporâneo e da complexidade de cada indivíduo. O
entendimento da prática comunicativa contemporânea, seja dos
produtos criados pelos sistemas de comunicação, quanto dos modos
de recepção e legitimação de suas representações da realidade, parte
da perspectiva da intersubjetividade estabelecida pelos integrantes
de um grupo no sentido da instauração e desenvolvimento de
relações reais, emocionais, físicas e espirituais. Tais relações se
desenvolvem no mundo da vida e levam a trocas recíprocas de
identidades, compartilhamento de valores, unificação de vontades,
ações concretas em comum que geram uma subjetividade coletiva
com intencionalidade coletiva. Todavia, o que se concebe
genericamente como massa, configura-se, cada vez mais, como um
espectro variado de proposições sobre a experiência
contemporânea, desde o âmbito da intimidade individual, ao do
funcionamento das instituições sociais. Está intimamente associado
a novos campos semânticos e explicativos, onde noções como
reflexividade, alteridade, diferença, identidade, hegemonia, risco,
segurança ontológica, consumo e comunidade tendem a explicar
com maior clareza a proposta e dinâmica destas produções.
Habermas a associa à emergência de uma “consciência
temporal” que opõe o moderno ao antigo e inaugura uma concepção
42 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
histórica processual da vida, cujo horizonte é um futuro que não
pode ser previsto.13 Diante de um presente contingente e de um
futuro incerto, o que conceitua essencialmente a modernidade é a
razão. Ela é o suporte para o exercício da crítica e para a fundação
de uma humanidade que busca a autocompreensão criando suas
próprias regras. Este movimento gerou a diferenciação das esferas
do saber – ciência, moral e arte – e é dentro dele que se pode
encontrar os fundamentos para a institucionalização das estruturas
de comunicação.
O exercício da crítica, o julgamento subjetivo dos fatos e das
opiniões, a autoatualização reflexiva demandadas pelo movimento
da processualidade histórica são os procedimentos exigidos do
público que forma o espaço público comunicativo. Se o princípio da
subjetividade está no âmago da modernidade, também se faz
presente na institucionalização da comunicação como mecanismo
que compele os indivíduos a buscarem em si reflexivamente os
recursos críticos para sua autonomia e autodeterminação.
As instituições de comunicação pressupõem este
procedimento de intervenção crítica sobre o mundo, a partir do
cultivo de uma subjetividade que se quer autônoma diante de “um
mundo da vida que perde de modo perturbador os seus traços de
confiança, de transparência e de fidelidade”. (HABERMAS: 2001,
196) O discurso comunicativo evoca a crítica e o julgamento
subjetivo sobre um pano de fundo de elementos que se sucedem em
transformações ininterruptas e imprevisíveis. As instituições de
comunicação são, portanto, formações próprias da modernidade,
ancoradas no uso público da razão.
Segundo Habermas, “a história é então experenciada como um processo abrangente de geração de
problemas – e o tempo, como recurso escasso para o domínio desses problemas que são empurrados
para o futuro.” (HABERMAS, 2001, 169)
13
Lavina Madeira Ribeiro | 43
Reflexividade, identidade e cidadania
O entendimento da prática comunicativa contemporânea, seja
das estruturas, dos produtos criados pelos sistemas de comunicação,
quanto dos modos de recepção e legitimação de suas representações
da realidade, parte da perspectiva da intersubjetividade estabelecida
pelos integrantes de um grupo no sentido da instauração e
desenvolvimento de relações reais, emocionais, físicas e espirituais.
Tais relações se desenvolvem no mundo da vida e levam a trocas
recíprocas de identidades, compartilhamento de valores, unificação de
vontades, ações concretas em comum que geram “uma subjetividade
coletiva com intencionalidade coletiva. O resultado de nossa ação em
comum é uma conquista comum, que alcançamos juntos, de modo
cooperativo e intencional.” (VANDENBERGHE:2010, 223)
Analiticamente, há níveis diferenciados de observação a serem
considerados, sobretudo quando se tem em mente a compreensão das
representações simbólicas geradas no âmbito dos sistemas de
comunicação e o tendencial fetichismo agregado aos bens materiais
por eles valorizados, tornados públicos e envoltos em atributos de
suposta necessidade e pertinência com relação às práticas sociais dos
indivíduos.
A distinção entre forma e conteúdo pode ser analisada em um
primeiro nível etnometodológico, onde as atividades humanas são
descritas fornecendo um mapa da ordem social reflexivamente
movida pelos seus agentes. Em seguida, tal ordem social se manifesta
em função das relações das atividades de seus agentes para além do
localismo da ordem dada, revelando mecanismos de negociação e
persuasão, relações predominantes agregadoras de atividades sociais
e processos de conflito entre agentes. Em um terceiro nível busca-se a
performance das ações de indivíduos, grupos e instituições sociais
reveladora das estruturas relacionais que definem a forma dos bens
simbólicos e materiais. Neste nível é possível identificar processos de
sobredeterminação que impedem perspectivas alternativas das
relações sociais que não chegam à luz da publicidade e da discussão
44 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
pública entre os agentes sociais, permitindo então, entre outros, o
vislumbre de processos de fetichização de bens e práticas sociais. Por
meio desta proposta analítica, segundo Fréderic, é possível
desenvolver uma “sociologia da tradução” onde se é capaz de “decifrar
o artefato como conteúdo formado, i. e., como conteúdo formado pela
estrutura das relações sociais de tal modo que a aparência concreta
seja entendida em sua atualidade como uma emanação empírica de
um campo de tensões estruturais que tendem a excluir ordenações
alternativas.” (VANDENBERGHE,2010,140)
Nos processos comunicativos, o fetichismo é, em grande parte,
indissociável da formação de identidades e do compartilhamento de
valores e práticas sociais, políticas e culturais. Mas para além da
economia de mercado, ocorre uma economia do dom. As mercadorias
e bens simbólicos trocadas no sistema econômico são também
produtos sociais que acarretam relações de reciprocidade e dádiva
entre os indivíduos. Neste sentido, valores são compartilhados e
diferenças estabelecidas, criando relações entre indivíduos
permanentemente vinculados entre si. Dons se transformam em
relações identitárias com profundas repercussões sobre os processos
reflexivos e sobre as ações dos indivíduos. De acordo com Fréderic,
“graças ao dom, que restabelece a primazia das relações entre
humanos, a relação entre os não humanos torna-se derivada e
secundária. Parafraseando a célebre caracterização do fetichismo da
mercadoria, é possível dizer, com Marx, que as relações entre os
homens já não aparecem como relações entre as coisas aparece agora
como uma relação entre os homens.” (VANDENBERGHE,2010,133)
Partindo da fenomenologia de Husserl, a comunicação
coletiva forma uma consciência suprapessoal, que, ainda segundo
Frédéric, é o “correlato intencional único da comunidade psíquica” e
nisto reside a experiência, por exemplo, da cidadania, de forma
ampla, não apenas política, mas também cultural. De acordo com
Husserl, “if a man seriously desires to live the best life that is open
to him, he must learn to be critical of the tribal customs and tribal
beliefs that are generally accepted among his neighbours (…) No
Lavina Madeira Ribeiro | 45
man is wholly free, and no man is wholly a slave”.
(HUSSERL,2005,82) Os indivíduos têm relações sociais baseadas
em uma moralidade cívica e devem participar da sociedade numa
postura crítica em relação a ameaças de domínio e supressão de sua
liberdade pessoal. Este compromisso com a totalidade da ordem
social vem acompanhado de um compromisso com suas próprias
inclinações e moralidade. A vida pública está em consonância com a
vida íntima. Somente realizando seus impulsos e vocações sua vida
pode ser tolerável. Conforme Husserl, este processo é
simultaneamente coletivo e individual, não há sentido em entender
a experiência individual sem estar em conexão com as comunidades
das quais ela participa: “ the performance of public duty is not the
whole of what makes a good life; there is also the pursuit of private
excellence (…) It is dangerous to allow politics and social duty to
dominate too completely our conception of what constitutes
individual excellence”. (HUSSERL,2005,83)
Noções de pertencimento, de comunhão, de comunidade e de
identidade devem ser observadas sob a perspectiva de sujeitos plurais,
por mais que tais experiências sejam provisória e instavelmente
vividas pelo grupo. Analiticamente, para entender a formação de
comunidades e coletivos identitariamente formados, dentro de uma
perspectiva realista-construtivista há que serem considerados dois
níveis de análise. O primeiro concerne, como já foi dito, à posição dos
indivíduos na estrutura social, fatores institucionais e condições
materiais de existência aqui são considerados. O segundo nível diz
respeito à natureza simbólica das comunidades formadas e às
conexões intersubjetivas e intencionais de seus membros, neste
âmbito estão os processos de autoidentificação dos indivíduos que se
reúnem na forma de comunidades psíquicas. O que está na base deste
processo é a comunicação estabelecida entre os membros de uma
comunidade. A comunicação é uma relação real e efetiva, ao mesmo
tempo intersubjetiva e intramundana onde os indivíduos se
reconhecem e se consideram mutuamente. Ao mesmo tempo em que
ela ocorre como um fenômeno coletivo, também ocorre em um plano
46 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
subjetivo íntimo, decorrente de escolhas reflexivamente feitas por cada
indivíduo.
Os sistemas de comunicação têm grande relevância na
formação e dinâmica destas comunidades simbólicas. Fornecem um
fluxo contínuo de representações sobre a realidade, assim como
produzem perspectivas ficcionais que atuam como elementos de
coesão, transformação e mesmo ruptura de cadeias simbólicas
coletivamente partilhadas. A extrema diversidade de fontes
comunicativas, que abrangem desde meios de comunicação de largo
alcance a meios regionais, localizados e produzidos pelos próprios
grupos, assim como a força dos processos comunicativos das redes
sociais, blogs, sites e fontes diversas de informação virtual
contribuem para a formação de comunidades com as mais
diferentes feições e arcabouços simbólicos, rompendo noções
tradicionais de classe, etnia, nacionalidades, gênero e demais
variáveis sociais. A análise das condições de existência destas
comunidades na contemporaneidade deve necessariamente ser
relacional aos sistemas comunicativos.
Uma mesma informação, mensagem ou representação
produzida pelos meios de comunicação adquire sentidos diversos para
os indivíduos em função de sua própria interpretação reflexiva e das
redes comunitárias com as quais se idêntica e interage. Isto impede
que se subsuma que uma mesma mensagem surta efeito idêntico em
todos os indivíduos que ela atinge. Deve ser considerada a perspectiva
singular de cada membro de acordo com uma visão fenomenológica.
Segundo Husserl, a princípio, “thus every principle of simplicity urges
us to adopt the natural view, that there really are objects other than
ourselves and our sense-data which have an existence not dependent
upon our perceiving them”. (HUSSERL,2008,10)
Apesar da materialidade do mundo preceder a concepção que
os indivíduos têm sobre ela, tal percepção existe e ela tem grande força
performativa nas suas atividades cotidianas e ações sociais mais
amplas. É o modo como os indivíduos reconhecem, nomeiam,
atribuem qualidades e sentido aos objetos e fenômenos da realidade
Lavina Madeira Ribeiro | 47
que lhes assegura uma determinada forma de compreender e de lidar
com esta realidade. Este processo é de grande relevância na
compreensão do grau de influência dos produtos comunicativos sobre
a experiência individual. Estudos que enfocam basicamente sobre os
efeitos dos meios de comunicação em geral ou com categorias como
meios de comunicação de massa e indústria cultural operam do ponto
de vista de indivíduos atomizados e seus resultados são de pouco valor
elucidativo da ação destas mensagens sobre as concepções objetivas de
realidade que indivíduos e grupos formulam e da dinâmica de suas
ações, assim como das ações dos meios de comunicação e suas
repercussão sobre indivíduos, comunidades e instituições sociais. De
acordo com a fenomenologia de Husserl,
“when we are trying to show that there must be objects
independent of our own sense-data, we cannot appeal to the
testimony of other people, since this testimony itself consists of
sense-data, and does not reveal other people's experiences unless
our own sense-data are signs of things existing independently of
us. We must therefore, if possible, find, in our own purely private
experiences, characteristics which show, or tend to show, that
there are in the world things other than ourselves and our private
experiences. Of course it is not by argument that we originally
come by our belief in an independent external world. We find this
belief ready in ourselves as soon as we begin to reflect: it is what
may be called an instinctive belief”. (HUSSERL,2008,10)
Processos comunicativos são mediados pela linguagem, ela é
constitutiva da existência humana. Somente por intermédio da
linguagem o mundo é intelegível, assim como as relações entre os
homens. Todo pensamento e diálogo interno do indivíduo só pode
ser possível por intermédio da linguagem. Tudo o que existe se
expressa linguisticamente e permite a formação de comunidades.
Todo diálogo, seja consigo mesmo ou com o outro se apóia na
linguagem como meio de entendimento, chegando ou não a um
acordo comum. O senso de pertencimento, de não estar sozinho é
garantido pela linguagem, assim como a intersubjetividade. A
48 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
compreensão dos processos comunicativos levado a cabo pelas ações
dos meios de comunicação deve levar em conta a linguagem como
um poder causal, porque o estudo da sociedade também inclui a
interpretação dos significados linguisticamente elaborados. A
hermenêutica contribui, neste sentido, para o entendimento dos
poderes causais da linguagem, por entendê-la como base e horizonte
da comunicação humana. De acordo com Frédéric,
“unlike structuralism, hermeneutics does not analyze language
from the external perspective of the observer, but it conceives it
first and foremost as a symbol that has to be disclosed from within
through participation. Instead of searching for codes within
language from without, it searches horizons within life from
within the life-world. (…) We could say that phenomenology is
more interested in the spider that weaves the web, whereas
hermeneutics is more concerned with the web that is woven. If
phenomenology adopts the perspective of the participant of the
first person singular, hermeneutics deepens and enlarges this
perspective by replacing it into the encompassing framework of
symbolic meanings that is common to all the subjects who share a
common language (…) I would like to defend the thesis that we do
not merely have conversations with ourselves, but that we are
these conversations.” (VANDERBERGHE,2006,8-9)
O pragmatismo associado à hermenêutica permite analisar os
poderes causais da linguagem em relação à intersubjetividade e
reflexividade, assim como a discursividade no âmbito de grupos e
espaços públicos, o que aproxima a hermenêutica do humanismo. Esta
associação impede que o estudo recaia exclusivamente na linguagem e
o leva para um estudo dos indivíduos em sua subjetividade e ações
dentro de uma ordem social dada. Entra em cena o indivíduo, suas
ações e relações sociais, assim como as instituições, suas regras,
limites, funções e estruturas. No entendimento da linguagem e de
universos simbólicos, cabe considerar a relação entre agenciamento e
estrutura e o fato de que os sistemas cultural e social são, em última
instância, movidos por indivíduos reflexivos.
Lavina Madeira Ribeiro | 49
Agenciamento, estrutura, reflexividade e linguagem estão
interconectados. Os indivíduos só são capazes de agir socialmente se
reflexivamente forem capazes de se expressar linguisticamente e de
um certo distanciamento cognitivo da realidade, deste modo eles
podem analisar suas ações em relação a uma ordem social dada, seja
para formar uma opinião e se solidarizar com determinados grupos
e processos sociais, seja para mudar a realidade em que vivem,
conforme Frédéric,
“to question the rules and claim the resources presupposes
reflexivity, not the immediacy that marks routine activity. (…) It is
only if the distinction between structure and agency is maintained
that one can acknowledge that agents have the capability to
reflexively examine their projects and their feasibility, given the
objective circumstances in which they find themselves and which
they have not freely chosen. (…) Through reflection and
deliberation, the agent ponder what they want to do not only in
their life, but with their life, and the differential answers they give
to these existential questions has implications for the reproduction
and transformation of society. (…) Reflexivity is exercised through
people holding conversations with themselves in which they
clarify, organize and systematize their ‘ultimate concerns’ (Tillich)
in an existential and personal project to which they commit
themselves. To find out who they are and what their ‘mission’ is in
this life, people have to decide “what they care about”, and they do
so through an inner dialogue with themselves and significant
others.” (VANDERBERGHE,2006,13)
Pensar o processo cultural contemporâneo requer também
pensar a questão da identidade e de seus mecanismos formativos.
Segundo Martín-Barbero, a identidade está vinculada à noção de lugar,
“pois o lugar significa nossa ancoragem primordial: a corporeidade do
cotidiano e a materialidade da ação, as quais são a base da
heterogeneidade humana e da reciprocidade, forma primordial da
comunicação. Pois, ainda que atravessado pelas redes do global, o
lugar continua sendo feito do tecido e da proximidade dos parentescos
e vizinhanças. (...) Quebrar toda dependência local é ficar sem a
50 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
indispensável perspectiva temporal (...) agora entramos em um tempo
esférico que, ao desrealizar o espaço, liquida a memória, sua espessura
geológica e sua carga histórica.” (MARTÍN-BARBERO,2004,270)
Como já foi dito, diferentes grupos sociais necessitam de
representações simbólicas de si que exponham sua unidade para além
deles mesmos. Cabe considerar, para efeito compreensivo, as
entidades reais, concretas, seus mecanismos, estruturas e relações
mútuas. A noção de lugar, na contemporaneidade, tornou-se fluida
devido aos deslocamentos de tempo e espaço e das conexões de sentido
que ultrapassam barreiras geográficas e históricas. É certo, entretanto,
conceber que as relações sociais em geral sempre acontecem em
contextos materiais dados. Estruturas sociais e sistemas culturais
exercitam seus poderes causais condicionando a ação de indivíduos e
grupos a certos limites, formas, regras e constrangimentos. Tais
poderes causais são ativados na relação entre agenciamento e
estrutura. Cabe aos indivíduos e grupos a formação reflexiva de
projetos de ação que venham a entrar em um processo relacional com
tais estruturas e sistemas. Os agentes têm intenções próprias em suas
ações quando tentam se relacionar com a materialidade do mundo,
mas estas se dão em que pese as circunstâncias estruturais, históricas
e tradicionais com as quais se confrontam. Há sempre uma interrelação entre projetos pessoais dos indivíduos e grupos e os sistemas
culturais dos quais fazem parte. Assim, segundo Frédéric,
“It follows from this that neither the natural nor the cultural nor the
social elements of the situation can directly determine the course of
action. As courses of action are produced through the actor´s
reflexive deliberations about how they could possibly integrate their
‘ultimate concerns’ into sustainable life-projects that are feasible in
the given circumstances, the constraints and enablements of the
situation need to be activated by the actors themselves if they are to
exercise their causal powers.” (VANDERBERGHE,2006,16)
Exemplo marcante disto foi a importância da internet, das
redes sociais nos movimentos emancipatórios políticos das nações
Lavina Madeira Ribeiro | 51
árabes, no que foi denominado primavera árabe, um grande
processo revolucionário marcado por manifestações e protestos de
rua com milhares de pessoas reunidas pelas redes sociais, como
youtube e facebook. Indivíduos das mais diversificadas posições
sociais, de operários, professores, profissionais liberais e
funcionários públicos se reuniram em grandes movimentos de
revolta contra ditaduras seculares através de comunicações virtuais
pela internet. A primavera árabe foi o exemplo mais marcante da
força do agenciamento dos indivíduos em luta pela liberdade de
expressão e por regimes políticos democráticos.
Comunicação e identidade
Processos comunicativos devem ser também observados do
ponto de vista cognitivo e interacional. A análise de fenômenos como
a formação de opiniões, a tomada de determinado partido ou forma
de compreender a realidade, a identidade que pequenos grupos e
comunidades ou milhões de indivíduos têm em relação a produtos
comunicativos, sejam eles de largo alcance mundial ou restrito a
contextos nacionais, regionais ou locais, não podem ser entendidos
como ideologia ou fenômenos de comunicação de massa. Ocorre que
os indivíduos não baseiam sua reflexividade exclusivamente em
fatores de ordem racional e voltada para fins além de si mesmo.
Processos comunicativos são também processos de
compartilhamento de valores e emoções entre os indivíduos. De
acordo com Frédéric, “a comunicação ativa está baseada na
sintonização mútua dos participantes e pressupõe sínteses passivas
de uma natureza mais difusa e emocional, as quais precedem as
cognições na ordem fundacional. Tal como as cognições, as emoções
são fenômenos intersubjetivos, relacionais e transacionais.”
(VANDENBERGHE,2010,224)
Emoções são partilhadas entre atores em torno de um objeto de
comunicação em comum, disto decorre uma teia de interação ritual,
elas podem ser intensas ao ponto de realizarem processos de
52 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
comunhão. Sentimentos, emoções e ações se fundem interativamente
e podem dar origem a criação de ídolos e líderes. Há um sentido de
pertencimento essencial a formação de comunidades ou grupos de
qualquer natureza, isto cria a delimitação de sujeitos plurais e
processos de complementariedade ou oposição e situações de posições
alternativas entre comunidades e grupos. Para isto, segundo Frédéric,
“é preciso que cada um dos caminhantes expresse abertamente ao
outro sua intenção de andar com ele e que os mesmos concordem
conjuntamente em formar um ‘nós ambulante’, unificado pelo objetivo
comum de andarem juntos na companhia um do outro.”
(VANDENBERGHE,2010,226). A compreensão destes processos de
comunhão e de identidade compartilhada física e emocionalmente
explica a formação de coletivos, são processos de autoidentificação dos
indivíduos com um grupo.
A sociedade é plural em seus coletivos e se dinamiza em
relação à dinâmica própria de criação, desenvolvimento e
transformação deles. A identidade, deste modo, pressupõe a
diferença, o que leva a uma perspectiva de heterogeneidade de
sentidos dos processos comunicativos no modo como eles são
incorporados por grupos e comunidades. Um mesmo produto de
comunicação repercute de modo diferencial no plano das interações
humanas. Neste sentido, por mais hegemônicos que sejam, por mais
que tenham origens em sistemas transnacionais de comunicação,
não podem ser subsumidos homogeneamente em termos de sua
efetividade simbólica e das reações que pode causar na teia das
relações sociais. Ainda segundo Frédéric,
“as identidades nunca são completamente unificadas. Elas são
descentradas e deslocadas, compostas de diferentes elementos
‘colados’ ou ‘suturados’ uns aos outros através da ‘articulação’ das
diferenças em uma identidade cultural comum (...) as fronteiras
simbólicas entre grupos são necessariamente permeáveis (...) Para
chegarem a um fechamento, o qual, por definição, só pode ser
provisório, as identidades são continuamente construídas,
reconstruídas e desconstruídas.” (VANDENBERGHE,2010,227)
Lavina Madeira Ribeiro | 53
Esta perspectiva dialoga com a teoria da ação comunicativa de
Habermas onde ela parte da locução performativa dos indivíduos
como ações objetivas que permitem o entendimento mútuo, a
coordenação da ação e a socialização. Conforme Habermas, “no agir
comunicativo, a linguagem assume, além da função de entendimento,
o papel de coordenação das atividades orientadas por fins de diferentes
sujeitos da ação, e o papel de um meio da própria socialização dos
sujeitos da ação.” (HABERMAS,2012,10). Habermas foge de uma
filosofia da consciência para situar a compreensão da ordem social na
ação dos indivíduos mediada pela linguagem, de acordo com regras
socialmente construídas e intersubjetivamente validadas. A identidade
do objeto é sempre diferente da identidade dos significados que cada
agente pode atribuir em um processo comunicativo. A formação de
identidades e a ação das instituições estão simbolicamente
estruturadas. A linguagem coordena a ação social quando expressões
subjetivas dos indivíduos fazem sentido em seu contexto social mais
amplo. A liberdade e inventividade dos agentes existe a priori quando,
segundo Habermas, “a capacidade de dispor de termos singulares
libera, de certo modo, os atos de fala da rede imperativa composta
pelas interações reguladas de modo extralinguístico.”
(HABERMAS:2012,53) Proposições comunicativas são ações objetivas
dentro de uma teia de relações sociais, que quando encontram
reciprocidade e complementariedade formam comunidades e grupos
identitários abertos sempre a mudanças e negociação de sentidos. A
internalização de papéis e normas se consolida consensualmente em
instituições, generalizações sociais que passam a ter autoridade
normativa e de sansões sobre os atos de fala dos agentes. Mas isto não
impede os indivíduos de interferirem e modificarem
performativamente a natureza normativa das instituições sociais, base
para o caráter processual de qualquer ordem sociocultural.
No mundo da vida, identidades coletivas traduzem o modo de
pensar de uma sociedade, quando indivíduos se manifestam em suas
ações de fala e práticas sociais expressam sua singularidade interior e
54 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
formam, legitimam e transformam instituições sociais. “Tal programa
só pode ser remetido quando a unidade intersubjetiva de uma
comunidade de comunicação está assegurada. O grupo pode se
constituir como coletividade, uma vez que o estoque de motivos dos
indivíduos associados é apreendido simbolicamente.” Para Habermas,
este processo oferece um potencial de fundamentação “que pode ser
utilizado para a justificação da ordem política e das bases institucionais
da sociedade em geral.” (HABERMAS,2012,105).
Habermas faz uma diferença entre o mundo da vida e o mundo
sistêmico, do mercado e da tecnologia. Segundo ele, o mundo
sistêmico é institucionalizado pelo mundo da vida, mas nas sociedades
atuais se desenvolvem sem a mediação da linguagem, adquirindo certa
autonomia e controlando relações sociais a revelia de normas e valores
do mundo da vida. “Ao mesmo tempo, porém, o mundo da vida
continua sendo o subsistema definidor do sistema da sociedade como
um todo. Por isso, os mecanismos sistêmicos necessitam de uma
ancoragem no mundo da vida, o que implica institucionalização.”
(HABERMAS,2012,278). Cabe ao Estado, às organizações sociais,
movimentos e grupos da sociedade o controle das ações do mundo
sistêmico, na forma de legitimação destas ações. Quanto mais
complexo se torna o mundo sistêmico, mais complexas se tornam as
diferenciações estruturais do mundo da vida. Para que o mundo da
vida não se torne um subsistema periférico do mundo sistêmico, fazse necessário a participação consensual dos indivíduos, grupos e
instituições do mundo da vida. Neste sentido, conforme Habermas,
nas sociedades contemporâneas, os meios de comunicação têm grande
relevância, à medida que criam redes de conteúdos comunicativos
acessíveis a todos os indivíduos, integrando-os nos processos de
formação de vontade, legislativos e normativos da sociedade, apesar
também de serem passíveis de manipulações de interesses estratégicos
do mundo sistêmico. Os meios de comunicação, neste sentido, devem
ser plurais e originários dos mais diversos setores da sociedade.
A coordenação da ação dos agentes e das instituições sociais
se realiza comunicativamente na formação de consensos e os meios
Lavina Madeira Ribeiro | 55
de comunicação têm um papel fundamental na dinâmica e força
deste processo. Conforme Habermas, “as leis necessitam do
reconhecimento intersubjetivo dos cidadãos, ou seja, têm de ser
legitimadas como justas. E com isso a cultura assume a tarefa de
justificar por que a ordem política vigente merece reconhecimento.”
(HABERMAS,2012,339) E isto requer indivíduos capazes de agir
reflexivamente e meios de comunicação que defendam os princípios
dos direitos civis e públicos, a liberdade de opinião e de formação de
movimentos e grupos com perspectivas próprias sobre a ordem
social que, enfim, garantam a liberdade. Normas “necessitam de
uma justificação material, porque fazem parte das ordens legítimas
do próprio mundo da vida, configurando junto com as normas de
ação informais, o pano de fundo do agir comunicativo.”
(HABERMAS,2012,657) Normas, valores, estilos de vida, concepções
diferenciadas sobre a realidade, produções simbólicas de toda ordem
pressupõem indivíduos capazes de agir reflexivamente e de se
manifestarem publicamente interferindo na dinâmica social e, em
essência, todos estes processos são de natureza comunicativa
intersubjetivamente partilhada entre indivíduos, grupos e
instituições sociais, que dependem do entendimento como
mecanismo de coordenação da ação.
Os meios de comunicação, segundo Habermas, “à medida que
criam a simultaneidade abstrata de uma rede – virtualmente
presente – de conteúdos comunicativos distanciados no tempo e no
espaço, disponibilizando mensagens para vários tipos de contexto,
eles libertam os processos de comunicação do regionalismo de
contextos limitados no espaço e no tempo, permitindo o surgimento
de esferas públicas. Tais espaços públicos criados pelos meios
hierarquizam e, ao mesmo tempo, eliminam as barreiras que
entravam o horizonte das possíveis comunicações.”
(HABERMAS,2012,702) Quando se trata de meios de largo alcance,
de fluxo unidirecional, há o perigo de que eles venham a fortalecer
sistemas de controle social, de padronização da ação e do
pensamento, este seria seu “potencial autoritário”. Mas por outro
56 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
lado, ao difundir mensagens sobre o curso dos processos sociais, há
nos meios de comunicação também um “potencial emancipatório”.
Por mais que eles tenham o poder de controle social, têm
simultaneamente o poder de incentivar a formação de processos
interativos entre indivíduos e grupos sociais alimentando seu poder
de crítica e de intervenção ativa na sociedade.
Segundo Habermas, por mais que os meios de comunicação
possam estar atrelados a interesses econômicos particulares, não
podem impedir de expor os processos conflituosos, as rupturas de
poder, a corrupção e rupturas dentro do próprio sistema dominante,
levando a formação de perspectivas críticas por parte do público.
Também não podem se esquivar de expor jornalisticamente os fatos
do cotidiano sem entrar em conflito, muitas vezes, com seus próprios
interesses estratégicos. Além disto, “mensagens ideológicas não
atingem necessariamente seus destinatários, uma vez que o
significado visado pode se transformar no seu oposto em certas
condições de recepção e contra um determinado pano de fundo
cultural. O sentido da prática comunicativa cotidiana resiste a uma
intervenção manipuladora direta dos meios.” (HABERMAS,2012,704)
A análise dos fenômenos sociais do mundo da vida deve sempre
estar alerta a “tendências e contratendências”. Faz-se necessário estar
sempre atento a potenciais de crítica, protesto e emancipação, quanto
a potenciais de oposição e fuga. O único equívoco de Habermas é o de
sempre referir-se aos meios de comunicação de largo alcance e
sobretudo de nomeá-los como meios de comunicação de massa, o que
demonstra sua desatenção para o caráter idealizado dos meios de
acordo com uma perspectiva analítica fundada na teoria da sociedade
de massa, o que obviamente não é compatível com sua teoria crítica
da sociedade e seu permanente uso do conceito de reflexividade.
Habermas passa ao largo da compreensão dos meios em sua
multiplicidade de configurações e sua teoria do agir comunicativo é
anterior ao fenômeno da internet. Mas apesar disto, suas disposições
sobre a natureza e o potencial emancipatório dos meios, assim como
sua perspectiva de que a recepção de suas mensagens têm influências
Lavina Madeira Ribeiro | 57
distintas sobre os indivíduos é compatível com os termos aqui
apresentados.
Quando o autor refere-se a tendências e contratendências, à
concordância, oposição, protesto e fuga dos indivíduos em relação aos
fenômenos sociais, há a proposição de que é no âmbito do mundo da
vida que tem origem os processos que impulsionam as transformações
sociais. Habermas refere-se ao fato de que a sociedade civil contém
uma dinâmica onde tem origem movimentos de grupos organizados,
falas de indivíduos, que formam redes comunicativas com poder de
mobilização social com intenções ou não de legitimação jurídica junto
ao Estado. Formam espaços de debate público de alcance diversificado
com proposições críticas, inovadoras que são de vital importância para
a legitimação da ordem social, assim, por mais que o mundo sistêmico
tenda a suprimir a formação de vontade, permanece viva a força ativa
dos indivíduos. Neste aspecto, a perspectiva fundada na teoria da ação
comunicativa faz uma ponte necessária com as formulações de Stuart
Hall sobre identidades descentradas, com Raymond Williams e a
questão da hegemonia sob limites e pressões que a levam a estar em
constante estado de incorporação, resistência e mudança e com Homi
Bhabha e suas preocupações com as negociações da diferença no
espaço social.
Referências
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony and LASH, Scott. Reflexive Modernization:
Politics, Tradition and Aesthetics in the Modern Social Order, UK, Polity
Press, 1994.
BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernização Reflexiva – Política,
Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997.
____________. The Reinvention of Politics – Rethinking Modernity in the Global
Social Order. Cambridge, Polity Press, 1997.
DEANE, Phyllis. The First Industrial Revolution. London, Cambridge University
Press, 2003.
58 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. SP, Studio
Nobel, 1995.
FREMANTLE, Anne. This Little Band of Propheths: The British Fabians. NY,
Mentor Books, 1960.
GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O Que a Globalização Está Fazendo
de Nós. RJ, Record, 2000.
_______________. “A Vida em uma Sociedade Pós-Tradicional”, em BECK, U.,
_______________. LASH, S. Modernização Reflexiva– Política, Tradição e Estética
na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997.
HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. RJ, Tempo Brasileiro,
1984
______________. A Constelação Pós-Nacional – Ensaios Políticos. SP, Littera
Mundi, 2001.
______________. Teoria do Agir Comunicativo. Vol. II, SP, Martins Fontes, 2012.
______________. Pensamento Pós-Metafísico – Estudos Filosóficos. Biblioteca
Tempo Universitário vol. 90, Série Estudos Alemães, RJ, Tempo Brasileiro,
1990.
HARRIS, Richard J. e SANBORN, Fred W.. A Cognitive Psychology of Mass
Communication. London, Routleddge, 2014.
HOBSBAWN, Eric. Age of Extremes – The Short Twentieth Century: 1914-1991.
NY, Pantheon Books, 1994.
HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor. Dialectic of Enlightenment – Philosophical
Fragments. Stanford, California, Stanford Univerty Press, 2002.
HUSSERL, Bertrand. Authority and the Individual. London, Routledge, 2005.
_______________. The Problems of Philosophy. Radford VA, Wilder Publications,
2008.
Lavina Madeira Ribeiro | 59
LASH, Scott. “A Reflexividade e seus Duplos: Estrutura, Estética, Comunidade”, em
BECK, U., GIDDENS, A . LASH, S. em Modernização Reflexiva– Política,
Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de Cartógrafo – Travessias Latino-Americanas
da Comunicação na Cultura. SP, Edições Loyola, 2004.
McQUAIL, Denis. McQuail’s Mass Communication Theory. London, Sage, 2010.
MENAND, Louis. The Metaphysical Club – A Story of Ideas in America. NY, Farrar,
Straus and Giroux, 2001.
VANDENBERGHE, Frédéric. Teoria Social Realista – Um diálogo franco-britânico.
Belo Horizonte, UFMG & RJ, IUPERJ, 2010.
_________________________. “The Real is Relational”: An Epistemological
Analysis of Pierre Bourdieu’s Generative Structuralism, Sociological
Theory 17:1, American Sociological Association, Washington, March 1999.
__________________________. “Language, Self and Society. Hermeneutic
Reflections on the Internal Conversations That We Are” ensaio
apresentado no Reflexivity Forum in Warwick, 2006, em
http://frederic.vdb.brainwaves.be/Frederic_Vandenberghes_Personal_W
ebsite/Publications.html, acesso em 08.04.2018.
WIMMER, Roger and DOMINICK, Joseph. Mass Media Research – An
Introduction. Boston, MA, Wadsworth Cengage Learning, 2011.
Capítulo 2
O texto sob as lentes da hermenêutica:
afastamentos e aproximações
Alda Cristina Costa1
Nathan Nguangu Kabuenge2
Sergio do Espirito Santo Ferreira Junior 3
Thaís Luciana Corrêa Braga 4
1. Introdução
Em sua Estética da criação verbal, Bakhtin (2011) defende a
constituição por excelência do texto como objeto de pesquisa e de
1
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora do Programa de
Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCom/UFPA).
Coordenadora do projeto de pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e
do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail:
aldacristinacosta@gmail.com.
2
Mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Integrante do projeto de
pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e do grupo de pesquisa
Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail: nathannguangu@yahoo.fr.
3
Mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Integrante do projeto de
pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e do grupo de pesquisa
Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail: esferreira.sergio@gmail.com.
4
Doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho (UMinho), Mestre em Ciências
da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), jornalista do quadro de técnicoadministrativos da UFPA. Integrante do projeto de pesquisa Mídia e Violência: percepções e
representações na Amazônia e do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense
(Narramazônia). E-mail: thaislcbraga@gmail.com.
62 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
pensamento das Ciências Humanas, na medida em que sua
especificidade reside na expressão humana e na criação
marcadamente como atividades de produção textual. O humano é,
portanto, estudado dentro do texto, já que se trata sempre de
produções, feituras, obras, “pensamentos sobre pensamentos,
vivências de vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos”
(BAKHTIN, 2011, p. 307). Desse modo, quer na forma expressão
subjetiva, de organização dos mundos sócio-históricos, o texto vai
estar dentro do escopo dessas ciências por ser a forma sob a qual
pensamento, significado e sentido se dão a ver para o pesquisador
interessado em o compreender.
Uma categoria sobre a qual pesa o caráter de forma rígida a
ser estudada pelo viés da Linguística ou que diante dos fenômenos
comunicacionais abrangeria apenas a mensagem, o texto tem sido
recuperado nos estudos na Comunicação como uma possibilidade
de expandir e desenraizar perspectivas em torno do seu caráter de
feitura, de imbricação em teias de relações e mediações sociais,
assim como forma de encarar a constituição de narrativas e enredos
a respeito e em relação com o mundo sócio-histórico (CARVALHO,
2013; GOMES, M. B., 2012; GOMES, D. C. A., 2014; SOUSA;
CARVALHO, 2017).
Diante da relevância que tal postura tem na modulação de
novos olhares em torno dos processos comunicacionais, julgamos
relevante fazer uma incursão à hermenêutica, a fim de resgatar
pressupostos que nos conduzam a uma atitude diante do texto como
ente a ser interpretado no âmbito das Ciências da Comunicação.
Para tanto, interpretar e compreender os sentidos produzidos por
textos a partir um viés hermenêutico requer a consideração das
vinculações de textos à vida social como um fenômeno histórico e
cultural, por isso sua análise parte da compreensão do contexto
social (CARVALHO, 2013; LEAL, 2006).
Na construção desse olhar fazemos algumas incursões
conceituais com a finalidade de compreender o significado da
hermenêutica e sua relação com os processos comunicacionais,
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 63
marcadamente as implicações de fazer esse recurso à hermenêutica.
Desse modo, realizamos uma leitura de elementos oriundos da
hermenêutica de Paul Ricoeur (1976, 2011, 2013) a fim de apontar
os trânsitos teórico-metodológicos abarcados pelo rico corpo de
conceitos presentes nas suas obras em que o texto surge como uma
das principais preocupações no delineamento de um processo de
interpretação. Além disso, apontamos desenvolvimentos do autor
especificamente concernentes às possibilidades do texto,
juntamente com leituras de J. B. Thompson (1981, 1984, 1995) a
respeito da interpretação diante da vida social.
2. Afastamentos e aproximações
Hermenêutica não é uma palavra comum na língua
portuguesa, como é o caso da palavra interpretação. Geralmente, a
hermenêutica é definida como interpretação de um texto. A sua
etimologia não ajuda muito a clarificar ou conferir precisão a esse
respeito, já que também pode remontar ao deus Hermes,
encarregado na mitologia grega de transmitir as vontades dos
deuses aos mortais. No entanto, a hermenêutica derivaria
justamente da palavra hermeneuein, que em grego significaria
traduzir, expressar em voz alta, interpretar ou explicar. Assim, a
tradução latina posterior nos ajudaria a melhor nos aproximarmos
do significado da hermenêutica como interpretação, a partir do
termo interpretatio (SCHMIDT, 2012; ZIMMERMANN, 2015).
A esse respeito, Schmidt (2012, p. 18) se pergunta
“hermenêutica realmente significa interpretação?”, ao
mesmo tempo em que se questiona sobre o seu estatuto, como
habilidade, arte, metodologia ou uma ciência. Como resposta, o
autor, sem dizer realmente o que seria a hermenêutica,
hipoteticamente infere: “se a interpretação é necessária para
qualquer compreensão, então todos devem ter esta habilidade, já
que normalmente compreendemos uns aos outros” (SCHMIDT,
2012, p. 15). Ainda no domínio da Filosofia, Nunes (1999, p. 55)
64 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
afirma que a hermenêutica não seria somente a “arte de interpretar,
mas daquilo que lhe dá fundamento, e que, no entanto, melhor
compreendemos através dessa arte de interpretar”.
Em outro quadro de referência, Sodré (2014, p. 172) aponta
que o campo da comunicação se insere num “sistema de
inteligibilidade” enquanto “hermenêutica da existência” com uma
“redescrição” de fenômenos que situam o comum humano. “Uma
ciência da comunicação é tão só o resultado da exigência histórica
de se chegar a um entendimento ético e político do que está
subsumido nas novas formas de elaboração do comum” (SODRÉ,
2014, p. 188).
Diante desses apontamentos, podemos pensar no projeto
hermenêutico de Paul Ricoeur (1976, 2011, 2013) como postura para
nos conduzir no presente esforço de reflexão. Na perspectiva
ricoeuriana, hermenêutica é definida como a teoria das operações
da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos.
Partindo do seu projeto hermenêutico, entendemos que os textos5
nos convocam a entender nossas próprias ações e as dos outros, caso
queiramos entender o mundo – ou mundos – quando somos
confrontados por esses mesmos textos. Desse modo, eles nos
convocam a tal processo de interpretação a fim de extrairmos
sentidos sobre formas de estar no mundo e de o experienciar.
Por isso mesmo, a perspectiva ricoeuriana nos é fundamental
como ponto de partida nesse resgaste, já que nos proporciona
possibilidades teóricas, conceituais e metodológicas que nos
auxiliam na interpretação da experiência humana na forma de
inscrição textual – que requer um recurso às obras da linguagem a
fim de as reinserir no conjunto de operações que faz o texto se
destacar de outras formas de discurso, tais como a sua estruturação,
5
A preocupação com o texto, conquanto faça parte dos pressupostos canônicos de uma hermenêutica
romântica (dentre cujos expoentes se situam Schleiermacher e Dilthey), é retomada por Ricoeur no
âmbito de uma hermenêutica filosófica, podendo ser identificada sobretudo como uma hermenêutica
crítica e poética, pelas suas preocupações com identidade e alteridade, historicidade, em referência à
metáfora e à narrativa (ALVESSON; SKÖLDBERG, 2000; SCHMIDT, 2012; ZIMMERMANN, 2015).
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 65
seu caráter histórico e a projeção de mundos contingentemente
possíveis por movimentos de leitura.
3. Uma incursão hermeneuticamente (in)formada
Em ensaio publicado na obra Social theory of modern
societies, Bauman (1989) infere que a teoria social contemporânea
se configura em relação ao que é significativo na realidade do social
e à interação entre “sentidos leigos” e os produtos de uma
“hermenêutica sociológica”, entendida tanto como processo quanto
postura. Para ele, a existência do objeto “sociedade” requer a
autopercepção de que se trata de uma produção discursiva,
portanto, tributária também da reflexividade envolvida no trabalho
de análise, já que “os acontecimentos que os sociólogos, como tarefa,
escolhem interpretar estão, na sua totalidade, disponíveis para a
observação geral e, em consequência, abertos a muitas
interpretações” (BAUMAN, 1989, p. 51, tradução nossa). Refere-se,
em consequência, a uma “teoria social hermeneuticamente
informada”, algo que tem a ver com o próprio papel das Ciências
Sociais e a redefinição de seus expedientes teórico-metodológicos,
apontando para a transição de uma lógica inspirada nas Ciências
Naturais para uma lógica hermenêutica.
É pertinente, portanto, pensar a força que carrega essa
caracterização do processo mesmo de análise social como
“hermeneuticamente informado”, já que abre caminho para nos
voltarmos aos fenômenos comunicacionais a partir de um ponto de
vista que acolhe essa noção de objeto que projeta e convoca a
entendimentos sobre a sociedade, considerando tanto a
reflexividade quanto as teias de relações nas quais essas
compreensões se inserem (BECKER, 2007). Desse modo, uma
leitura que por aí enverede é hermeneuticamente informada na
medida em que está aberta àquilo que vem do mundo social, do texto
e das muitas leituras que se possam efetuar em torno de um dado
objeto, alinhavando-os, criativamente realizando sínteses que
66 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
permitam expandir o que esses domínios isolados representam ou
articulam. Ao mesmo tempo, pode também tratar-se de uma
perspectiva que acolhe orientações inspiradas em procedimentos
hermenêuticos – já que, no processo mesmo de aproximação a dado
objeto, é possível ver que postulam modos de efetuar interpretações
a seu respeito.
Em relação à pertinência dessa visada ao estudo da
comunicação, consideremos Arthos (2009), para quem a
hermenêutica desafia pressupostos metodológicos naturalizados
nas Ciências Sociais – quais sejam, de abordagem objetivista dos
fenômenos sociais – além de deslocar a própria ideia de
comunicação de uma dimensão instrumental para a sua função
constitutiva, sobretudo, no quadro de um entendimento dialógico
do comunicacional, pois parte de uma abordagem em torno de
estruturas discursivas de compreensão, que são circulares além de
se basearem em aspectos de “comunalidade”. Ora, o texto emerge
claramente como um dessas estruturas de compreensão, que requer
essa comunalidade para existir, já que sua própria escritura se
baseia na partilha de códigos culturais e saberes que são eles
mesmos a condição para que ele seja interpretável. Sendo, portanto,
possível situar a relevância dessa atitude porque
A hermenêutica sugere justamente que o processo tanto de ler
quanto de analisar um texto é algo aprimorador e criativo e –
leitores gradualmente figuram as suas categorias de compreensão
a fim de chegar a uma interpretação coerente (JENSEN, 2002, p.
21, tradução nossa).
A menção ao texto é aqui crucial, pois ancora a nossa
discussão em um ponto de partida em torno do qual uma série de
reflexões hermenêuticas se constituem, marcadamente as de
Ricoeur e Thompson, conforme as buscamos alinhavar nas seções
seguintes. Há questões de fundo, no entanto, que cumpre explanar
a fim de que possamos abordar elementos de uma postura diante do
texto. A principal delas diz respeito à discussão ricoeuriana sobre a
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 67
dialética entre compreensão (Verstehen) e explicação (Eklären), pois
explicar e compreender são duas preocupações fundamentais que
marcaram as discussões hermenêuticas que oscilam “entre a
desmistificação e a restauração do sentido” (RICOEUR, 2013, p. 7),
sendo elementos constitutivos do processo de interpretação de um
texto e que se define enquanto modo dinâmico de leitura
interpretativa (RICOEUR, 1976, p. 86).
A assunção dessa dialética embaralha a prevalente dissociação
que definia a explicação como o domínio das Ciências Naturais
(Naturwissenschaften) e a compreensão como das Ciências
Humanas (Geisteswissenschaften). Em relação às primeiras, essa
relação se estabelece por serem o campo dos fatos externos, da
observação e verificação empírica, das sistematizações e das
generalizações, no qual “o correlato apropriado da explicação é a
natureza entendida como o horizonte comum de factos, leis e
teorias, hipóteses, verificações e deduções” (RICOEUR, 1976, p. 84).
A respeito das segundas, definem-se como abarcando a experiência
de outros sujeitos e das mentes similares a partir da dimensão
significativa de signos enquanto formas de expressão – na escrita,
no som, no corpo, na materialidade de documentos, etc. – cujo
escopo é o interpretar as experiências inscritas e transmutadas em
tais signos. Na hermenêutica romântica, diz-nos Ricoeur, esses dois
elementos são parte de uma dicotomia, que resultava em uma
limitação do próprio procedimento hermenêutico que se eivou da
ideia de que era preciso “compreender um autor melhor do que ele
a si mesmo compreendeu” (RICOEUR, 1976, p. 87).
Assim, na dialética da compreensão e da explicação, esses dois
elementos se sobrepõem transitam de um para o outro, já que
constituem modos distintos de inteligibilidade, que não redutíveis a
processos estanques. Ao mesmo tempo, Ricoeur (1976, p. 84) nos
insta a uma atitude hermenêutica que deve encarar a compreensão
enquanto apreensão como um todo da cadeia dos sentidos parciais
em um único ato de síntese do texto, e a explicação como
desdobramentos do âmbito das proposições e significados desse
68 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
texto. Desse modo, a explicação surge como consequência dessa
tentativa de apanhar o texto na leitura, que parte nesse quadro de
uma atitude que é conjectural e apropriadora em relação ao sentido
do texto, sobretudo, porque ele se caracteriza pela sua autonomia
semântica (tanto de um autor quanto de seu intento, conforme a
crítica acima).
Além do mais, esse processo só é possível por conta da
dimensão do distanciamento, que tem a ver com a virtualidade de o
texto enquanto obra do discurso operar em um hiato
espaciotemporal, ao mesmo tempo em que é parte da busca por
contornar a alienação cultural diante da qual o texto é colocado em
uma nova proximidade e tem seu sentido resgatado (RICOEUR,
2013). Trata-se, portanto, de uma solução a um problema que é
constitutivo da historicidade da experiência humana, na medida em
que o texto, como produtor de distanciamento, é “muito mais que
um caso particular de comunicação inter-humana: é o paradigma
do distanciamento na comunicação” (RICOEUR, 2013, p. 52). É,
portanto, essa função do distanciamento que torna viável a assunção
da dialética do compreender e explicar como caminho metodológico,
abrindo também espaço para as problemáticas da obra e do mundo
do texto, que estão entre os desenvolvimentos que pretendemos
abordar na próxima seção.
4. O texto em Paul Ricoeur
Permanecemos aqui no projeto da hermenêutica ricoeuriana,
marcadamente na sua preocupação em torno do texto, ao mesmo
tempo em que o articularemos às leituras feitas por J. B. Thompson
na seção posterior. Relativamente a Ricoeur, é relevante destacar os
elementos constitutivos do distanciamento – a que Thompson
também identificará como formas do distanciamento (1981) –, quais
sejam, a obra estruturada e a projeção de mundo realizadas pelo
texto. Se nos referimos anteriormente ao
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 69
Texto enquanto mediação de práticas sociais, esses postulados
nos orientam rumo a uma forma de os encarar como objetos que
estão imersos na vida social de um grupo.
A esse respeito merece atenção a caracterização ricoeuriana
da experiência humana enquanto linguageira, definida nos termos
de “minha pertença a uma tradição ou a tradições passa pela
interpretação dos signos, das obras, dos textos, nos quais se
inscreveram e se ofereceram à nossa decifração as heranças
culturais” (RICOEUR, 2013, p. 50). Por meio disso, fala também do
pertencimento de um texto a um mundo sócio-histórico e da função
linguageira dessa experiência que se institui como mediadora diante
do que é dito – do mundo do texto – porque, uma vez inscrito, tratase de uma mediação pelo texto e não só pela linguagem.
Diante dessa dimensão, emerge a questão da obra
estruturada, na qual emerge a autonomia semântica do texto.
A obra se caracteriza porque é codificada de tal modo que pode ser
um poema, uma narrativa, etc. Trata-se, no entanto, sempre de um
texto que é construído, que possui uma arquitetura das partes na
composição do todo, o que é uma consideração necessária para o
processo interpretativo. Além disso, como obra, o texto deve ser
(re)construído como um indivíduo, um ser singular, que deve ser
localizado (entre outros textos, entre as estruturas, entre os campos
que o produzem, etc.) e individualizado diante do processo
conjectural. Há também a necessidade de se estar atento para a
forma como essa obra pode se atualizar, sobretudo, pela sua
dimensão simbólica e significativa, já que pode comportar sentidos
múltiplos e sentidos gerais.
O mundo do texto é, assim, tributário dessa teia de processos
porque ele surge na medida em que a experiência discursivamente
inscrita na obra se calca na inovação semântica e no “poder de
expansão maior da linguagem para o mundo, como se a criatividade
na linguagem exprimisse ao mesmo tempo um máximo de
referencialidade” (RICOEUR, 2011, p. 32, grifo do autor). Esse
máximo de referencialidade é justamente o de uma referência não
70 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
ostensiva, parte daquilo que Ricoeur chama de “semântica de
profundidade” em que cabe explicitar o modo de ser-no-mundo
exposto diante do texto (RICOEUR, 1976). Daí a inferência de que –
por meio da abolição de uma referência de primeiro grau, facilmente
identificada como a realidade ou a situação de interlocução – um
mundo projetado pelo texto se desvenda, na medida em que
O sentido de um texto não está por detrás dele, mas à sua frente.
Não é algo de oculto, mas algo de descoberto. O que importa
compreender não é a situação inicial do discurso, mas o que aponta
para um mundo possível, graças à referência não ostensiva do
texto. A compreensão tem menos do que nunca a ver com o autor
e a sua satisfação. Procura apreender as posições de mundo
descortinadas pela referência do texto. Compreender um texto é
seguir o seu movimento do sentido para a referência: do que ele
diz para aquilo de que fala (RICOEUR, 1976, p. 99).
Cumpre, finalmente, destacar que, em Ricoeur, o mundo do
texto não é o mundo da linguagem cotidiana – tanto pela sua
condição de obra quanto de mundo a ser desvelado –, já que ele é
uma distanciação da apreensão do real operada por uma espécie de
ficção, quer em relatos, quer em poemas, quer em narrativas, cujo
referente rompe com a linguagem cotidiana, a fim de abrir
caminhos para novas formas de ser no mundo, do poder-ser, que só
é possível por conta de “variações imaginativas” sobre o real, ou seja,
de uma ação fabulatória sobre o domínio das experiências humanas,
estando elas discursivamente inscritas no texto, que tanto pode
descrever quanto mimetizar a realidade na constituição desse
mundo possível.
5. O texto em J. B. Thompson
Esse conjunto de articulações e preocupações sem dúvida nos
ajuda a realizar uma incursão a um dado texto munidos de uma
postura e da percepção dos limites que pode ter tal abordagem,
sobretudo, quando pensamos em fenômenos comunicacionais. Em
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 71
razão disso mesmo, são pertinentes os comentários realizados por
Thompson ao longo de sua obra em torno à hermenêutica como
metodologia para as Ciências Sociais. Do mesmo modo que Bauman
(1989), Thompson (1995) preconiza a dimensão interpretativa da
vida social como domínio para análise, partindo do que chama de
“formas simbólicas” para estabelecer um conjunto de
procedimentos a que chama de Hermenêutica de Profundidade
(HP), por meio da qual o autor pretende expandir e conferir clareza
metodológica à semântica de profundidade de Paul Ricoeur.
Anteriormente a essa proposta, porém, Thompson (1981,
1984) analisa a teoria da interpretação de Ricoeur a fim de
perceber as suas potencialidades e limitações, já que, afirma,
Ricoeur em vários momentos reclama para seu projeto a
contribuição para as Ciências Sociais quanto à interpretação o
mundo social. Desse modo, a partir de um ponto de vista sociológico,
Thompson afirma que a concepção do texto per se não pode ter
como ponto de partida restrito a sua constituição como ente
autônomo, separado das condições sociais e históricas de sua
produção e, portanto, “endereçado a uma audiência desconhecida e
potencialmente a qualquer um que possa ler” (THOMPSON, 1984,
p. 195, tradução nossa). Diante disso, tensiona-o, afimando que
Um texto ou uma instância específica de discurso escrito, como um
editorial em um jornal, não é endereçado a ‘qualquer um’ nem a
palavra falada tem uma audiência de “alguém específico” [...] Um
texto é escrito para uma audiência e a antecipação de sua recepção
por aquela audiência é parte das condições de produção do próprio
texto. (THOMPSON, 1984, p. 195, grifo do autor, tradução nossa).
Essa consideração o leva a pôr ênfase no mundo sóciohistórico, sinalizado por Ricoeur, sendo desdobrado no texto como
lugar no qual e para o qual o texto é produzido. A esse caráter do
texto Thompson adiciona uma preocupação com as condições
sociais e históricas mais concretamente arraigadas na vida social, a
exemplo de aspectos como as estruturas sociais e a ideologia, que
72 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
representam uma ampliação sociológica criativa daquilo em que se
arraigam os postulados de Ricoeur, e que integram parte do projeto
metodológico em torno da HP (THOMPSON, 1995).
Ricoeur reforça que o objeto paradigmático de todas as disciplinas
hermenêuticas é o texto; e, em consequência disso, segue-se da
teoria da interpretação que todas essas disciplinas compartilham
de uma estrutura metodológica na qual a compreensão é mediada
por métodos explanatórios. Ricoeur está correto em contestar as
reivindicações (THOMPSON, 1981, p. 164, tradução nossa).
O lugar privilegiado para a interpretação, segundo o autor,
seria o da forma discursiva, de construções linguísticas que possuem
uma estrutura articulada, dando especial ênfase à essa textualidade
como uma das formas pelas quais o analista pode revelar os aspectos
do mundo social presentes nessa forma discursiva, já que o seu
estudo pressupõe também uma construção criativa de significado,
uma explicação interpretativa e a referência aos múltiplos elementos
que sustentam as relações sociais. É essa relação instaurada pelo
retorno ao linguageiro, como o entende Ricoeur, que caracteriza a
visada de Thompson em torno dos fenômenos sociais e em direção
a um projeto hermenêutico sobre as formas do discurso
caracterizadas como formas simbólicas, conduzindo-nos a uma
postura que enxerga tanto texto quanto significados sociais e
culturalmente situados como categorias complexamente
relacionadas, cuja interação não se dá de maneira transparente ou
sem mediações no âmbito do mundo social e histórico que
habitamos e que discursivamente renovamos.
6. Outras fontes da reflexão hermenêutica
Se tomarmos o texto nesse processo de interpretação e
pensarmos com Gadamer (2007) e sua teoria hermenêutica, vemos
que concebe a compreensão como um ato que reside na capacidade
de o intérprete se envolver com formas significativas. Para que
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 73
possa existir a hermenêutica é preciso obter mais do que
informação; é necessário a contextualização dos fatos na sociedade.
O filósofo afirma que, para Heidegger, o sentido vem do
mundo por meio da intencionalidade da compreensão do ser
humano, do mesmo modo como a compreensão vem do binômio
homem-mundo, perfazendo, conjuntamente, o sentido e a
compreensão, a base da linguagem e da interpretação. A linguagem,
portanto, não é meramente um instrumento do pensamento, mas
ela própria trabalha para nos revelar um mundo; nós nos
movimentamos dentro dele e com base nele (GADAMER, 2007).
Para Palmer (1986), a existência humana tal como a
conhecemos, implica sempre a linguagem e assim qualquer teoria
sobre interpretação humana tem que lidar com o fenômeno da
linguagem. Entre os mais variados meios simbólicos de expressão
usados pelo homem, nenhum ultrapassa a linguagem quer na
flexibilidade e poder comunicativo, quer na importância geral que
desempenha. A linguagem molda a visão do homem e o seu
pensamento – simultaneamente a concepção que ele tem de si
mesmo e do seu mundo (aspectos que podem ser pensados juntos).
A própria visão que tem da realidade é moldada pela linguagem.
Muito mais do que pensa, o homem veicula através da linguagem as
várias facetas da sua vida – aquilo que venera, aquilo que ama, os
comportamentos sociais, o pensamento abstrato; mesmo a forma
dos seus sentimentos sintoniza-se com a linguagem. “Se
considerarmos este tema em profundidade, torna-se visível que a
linguagem é o ‘medium’ no qual vivemos, nos movemos e no qual
temos o nosso ser” (PALMER, 1986, p. 21).
7. Considerações finais
Ao fazer uma reflexão em torno de elementos hermenêuticos
– texto como obra estruturada e portador de um mundo possível,
além de sua vinculação à linguagem – partimos de uma tentativa de
apontar caminhos que advêm de uma reflexão filosófica, mas que
74 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
também no impelem a pensar as potencialidades que esses trajetos
trazem para uma visada ampla em torno de textos. Trata-se de um
caminho profícuo, porquanto assinala e assume a interpretação
como modo de aproximação a esses objetos sociais – sem, no
entanto, prescindir de orientações e mesmo posturas que forneçam
uma lógica ao processo de investigação das articulações presentes
entre texto, mundo e realidade sócio-histórica.
A partir da proposição de Ricoeur (1976, p. 105), pode-se
pensar que “o texto é como uma partitura musical e o leitor
como o maestro que segue as instruções da notação”. Esse papel de
leitor pode também ser imputado ao analista, ao pesquisador, na
medida em que realiza esse movimento de insuflar ao texto uma
espécie de vida, reconstituindo-o de modo único, já que a
interpretação se baseia não em ser a correta, mas em ser possível e
aceitável, de modo que o esforço de análise necessita ser ciente
quanto à reflexividade desses textos e do processo interpretativo
(RICOEUR, 2013; THOMPSON, 1984).
Diante desses esforços, os textos permanecem ainda como
desafio, já que qualquer tentativa de os interpretar resvala nas
múltiplas mediações e na necessidade de considerar as condições
sócio-históricas de maneira concretas, ao mesmo tempo em
consonância com os objetos teórico-metodológicos das
investigações. A visada que buscamos oferecer neste trabalho tem
como ambição apresentar o domínio da hermenêutica que emerge
de maneira privilegiada quando nos referimos aos textos como
modo de agir e de dar a compreender o mundo, sendo fonte para
uma posterior expansão desse percurso rumo aos textos de diversas
ordens dos quais se ocupa a comunicação.
Referências
ALVESSON, M.; SKÖLDBERG, K. Reflexive methodology: new vistas for
qualitative research. London: Sage, 2000.
Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 75
ARTHOS, J. Hermeneutics. In: LITTLEJOHN, S. W.; FOSS, K. A. (Org).
Encyclopedia of communication theory. Thousand Oaks: Sage, 2009. p.
469-474.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2011.
BAUMAN, Z. Hermeneutics and modern social theory. In: HELD, D.; THOMPSON,
J. (Org). Social theory of modern societies. Cambridge: Cambridge
University Press, 1989. p. 34-55.
BECKER, H. S. Telling about society. Chicago: The University of Chicago Press,
2007.
CARVALHO, C. A. Apontamentos teóricos e metodológicos para compreender as
vinculações sociais das narrativas. In: LEAL, B.; CARVALHO, C. A. (Org.).
Narrativas e poéticas midiáticas: estudos e perspectivas. São Paulo:
Intermeios, 2013. p. 49-65.
GADAMER, H.-G. Hermenêutica em retrospectiva: Heidegger em retrospectiva.
v. 1. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
GOMES, D. C. A. Hermenêutica e comunicação: contribuições para compreender
a teoria da interpretação e sua aplicação na sociedade midiática. Temática,
João Pessoa, v. 11, n. 4, p. 38-52, abr. 2015.
GOMES, M. B. Hermenêutica e Comunicação: apontamentos para uma teoria
narrativa da mídia. Revista Comunicação Midiática, São Paulo, v. 7, n. 2,
p. 26-46, maio/ago. 2012.
JENSEN, K. B. The humanities in media and communication research. In:
JENSEN, K. B. (Org). A handbook of media and communication
research: qualitative and quantitative methodologies. London: Routledge,
2002. p. 15-36.
LEAL, B. S. Saber das narrativas: narrar. In: GUIMARÃES, C.; FRANÇA, V. (Org.).
Na mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte: Autêntica,
2006. p. 19-27.
NUNES, B. Hermenêutica e poesia: o pensamento poético. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 1999.
76 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
PALMER, R. Hermenêutica. Lisboa: Edições. 70, 1986
RICOEUR, P. Teoria da interpretação. Lisboa: Edições 70, 1976.
______. Escritos e conferências 2: hermenêutica. São Paulo: Loyola, 2011.
______. Hermenêutica e ideologias. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
SCHMIDT, L. W. Hermenêutica. Petrópolis: Vozes, 2012.
SODRÉ, M. A ciência do comum: notas para o método comunicacional.
Petrópolis: Vozes, 2014
SOUSA, M. T.; CARVALHO, C. A. Do texto como partitura: a escrita narrativa e a
leitura como experiência criativa e suas implicações para os estudos
comunicacionais. Comunicação & Inovação, São Caetano do Sul, v. 18, n.
36, p. 23-36, jan./mar. 2017.
THOMPSON, J. B. Critical hermeneutics. Cambridge: Cambridge University
Press, 1981.
______. Studies in the theory of ideology. Berkeley: University of California
Press, 1984.
______. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
ZIMMERMANN, J. Hermeneutics: a very short introduction. Oxford: Oxford
University Press, 2015.
Capítulo 3
Arte urbana e seu poder comunicacional:
aproximação das produções artísticas de
Roraima/Brasil e Venezuela
Leila Adriana Baptaglin1
Norah Shallymar Gamboa Vela2
Introdução
Esta
proposta
visa
adentrar
nas
práticas
sociais/políticas/econômicas e culturais de sujeitos coletivos que
interagem com diversos contextos de transformação em diferentes
escalas. O interesse pela proposta surge no contato com os
Movimentos Artísticos Urbanos de Boa Vista/RR/BR e de diferentes
províncias Venezuelanas a partir das ações realizadas na
Universidade Federal de Roraima/UFRR, em especial, pelo evento
Grafita Roraima. Este evento anual busca a participação de artistas
brasileiros, venezuelanos e países vizinhos que trabalhem com a
Arte Urbana.
Diante desta articulação, surgiu o interesse em compreender
como a Arte Urbana produzida por coletivos artísticos brasileiros,
da fronteira norte, e venezuelanos comunicam suas proposições.
1
Doutora em Educação pela UFSM 2014. Professora Efetiva do Curso de Artes Visuais da Universidade
Federal de Roraima. E-mail: leila.baptaglin@ufrr.br
2
Doutora em Ciências da Comunicação pela USP 2003. E-mail: Norahpa@gmail.com.
78 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Esta premissa investigativa surge no momento em que é
visualizada a preocupação social/política e econômica apresentada
na produção artística urbana dos Movimentos brasileiros e,
principalmente venezuelanos. Esta estruturação, de compreensão
do social é apresentada na Venezuela, devido a construção alicerçada
nos ideais da população. Com a nova Constituição, Chávez começou
a implementar um sistema onde “[…] Venezuela comenzó, ladrillo a
ladrillo, a conformar una mega estructura tan arraigada en el pueblo
que ni los opositores se atreven a cuestionarla cuando participan en
cualquier campaña electoral” (NANCILLA, 2017, p. 280).
Premissa essa que instiga o olhar para o processo
comunicativo adjacente à produção artística em Boa Vista/RR isso,
pois percebemos que a vinculação da Arte com o caráter
político/social não é tão latente nas produções artísticas urbanas dos
Movimentos Artísticos de Boa Vista/RR.
Metodologia
A estruturação metodológica da investigação parte de um
olhar para as narrativas socioculturais visuais e orais na
incumbência da compreensão da produção artística urbana de
países da América Latina. Bakhtin (1986, p. 43) ressalta que “cada
época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso
na comunicação sócio ideológica”. Assim, esta proposta permite a
investigação da construção de uma conjuntura que reflete o trabalho
artístico realizado, em alguns países, pelos Movimentos Artísticos
Urbanos. Com este olhar, buscaremos adentrar nas especificidades
brasileiras, atentando para o Estado de Roraima e, para o país
vizinho Venezuela haja vista a situação política/econômica pela qual
o país vem passando (2018).
O presidente Maduro vem realizando ações, uma delas, a
criação da Agenda Econômica Bolivariana (AEB), nela “No se le pide
sacrificios al pueblo, sino más bien lo contrário: que se active una
vigorosa economía productiva. La AEB no renuncia al carácter
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 79
humanista y democratizador dela economía defendida por el
chavismo, pero sí añade la importancia de generar riqueza, de crecer
distribuyendo” (NANCILLA, 2017, p. 295).
Na cidade de Boa Vista/RR, o Estado mais ao norte do Brasil,
apresenta um cenário distinto de muitos dos Estados brasileiros
atendendo a especificidade da construção indígena e do
pertencimento a região amazônica, mas com característica
acentuada do lavrado.
Desta formam identificados alguns Movimentos Artísticos
Urbanos que vem trabalhando com a situação social destes dois
territórios e, a partir disso realizamos um processo de
acompanhamento das ações e das produções artísticas realizadas
pelos grupos nas redes sociais.
O processo de acompanhamento das ações dos movimentos
resultaram na análise das trajetórias vivenciadas nos locais de
concretização das ações e foram o material analisado. Além deste
processo de acompanhamento nas redes sociais, daremos
continuidade a esta proposta de investigação, em outro escrito,
trabalhando com as narrativas visuais (produções artísticas) e orais
(discursos) dos membros dos Movimentos Artísticos no sentido de
compreender a construção artística e a preocupação na construção
de proposições coletivas. Connelly e Clandininn (1995, p. 12), nos
auxiliam a entender as narrativas quando nos dizem que estas são
[…] tanto el fenómeno que se investiga como el método de la
investigación. ‘Narrativa” es el nombre de esa cualidad que
estructura la experiencia que va a ser estudiada, y es también el
nombre de los patrones de investigación que van a ser utilizados
para su estudio. […] Así, decimos que la gente, por naturaleza, lleva
vidas “relatadas” y cuenta las historias de esas vidas, mientras que
los investigadores narrativos buscan describir esas vidas, recoger
u contar historias sobre ellas, y escribir relatos de experiencia.
As narrativas dos integrantes dos movimentos buscam
compreender as articulações realizadas pelo movimento artístico.
80 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Esta análise do material audiovisual (narrativas visuais e orais) nos
possibilitará compreender os percursos realizados pelos
movimentos artísticos urbanos de Boa Vista/RR e da Venezuela para
comunicarem suas proposições. Com isso a Análise de Conteúdo de
Bardin (2009) nos auxilia na construção de categorias que
dimensionam os elementos comunicativos e artísticos presentes na
proposta dos Movimentos Artísticos Urbanos da Venezuela. Isso
pode ser evidenciado pois, para Bardin (2009), a Análise de
Conteúdo, enquanto método de análise, apresenta-se composta de
uma série de técnicas de análise das comunicações as quais passam
a utilizar procedimentos de sistematização do conteúdo das
mensagens.
Arte Urbana: relação de comunicação e receptividade da obra
Discutir sobre os Movimentos Artísticos Urbanos e o trabalho
comunicacional requer a compreensão de como ocorre este processo
de comunicação e recepção. Assim, buscamos na proposta de
“Circuito da Cultura” de Johnson (1999) elementos que nos
permitam construir uma proposta de “Circuito das Artes” que
envolva a criação, mediação e consumo além de permitir pensar cada
momento do processo comunicativo. Nussbaumer (2000) nos ajuda
a desenrolar o Circuito da Arte quando nos traz o elemento do
financiamento como central no desencadear do circuito. Assim,
nessa proposta, a poética do artista apresenta-se como uma prática
sociocultural advinda das experiências do artista e a obra como
produto da cultura que, com o processo de mediação passa a atingir
e a impactar nos diferentes segmentos sociais.
O circuito da Arte pode ser assim representado, com base nas
proposições alicerçadas pelo circuito da cultura de Johnson (1999) e
pelas considerações de Nussbaumer (2000).
Figura 1 – Diagrama do Circuito da Arte
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 81
Fonte: BAPTAGLIN; SANTI (2018)
Com base nestas estruturas do circuito da Arte, percebemos
que as produções artísticas urbanas passam por processos de
comunicação que são próprios da estrutura artística delineada pelo
contexto contemporâneo e, especificamente, pela Arte
contemporânea. Isso pois o artista e o expectador ganham novas
funções neste processo e passam a requerer conhecimento de todos
os elementos Produção/Poética; Texto e Leitura/Comunicação;
Culturas Vividas/Consumo e Mecenato/Financiamento.
No elemento da produção há a estruturação das formas
culturais realizadas a partir do processo de criação, da poética do
artista. Poética aqui é entendida como processo mental e material
de produção e construção artística. Segundo Marly Meira (2003) a
poética dá a existência a um trabalho de construção dialógica, de um
compromisso entre o artista e a obra. Apresenta-se como “um
estudo da invenção e da composição, a função do acaso, da reflexão
e da imitação; a influência da cultura e do meio, e por outro lado, o
82 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
exame e a análise de técnicas, procedimentos, instrumentos,
materiais, meios e suportes de ação” (REY, 2002, p. 124).
Neste sentido a poética enquanto produção artística ocupa-se,
na Arte Urbana, de elementos ousados e cotidianos apresentandoos como elementos constituintes da obra de arte e comunicando ao
expectador a sensação de inquietude, de apropriação da coisa inútil
apresentando-a como arte vinculada a articulada ao espaço público.
No texto/leitura, adentrando ao campo comunicacional da
produção artística, o artista apropria-se de suas habilidades técnicas
de produção para abstrair e expressar para o expectador utilizandose de diferentes elementos. Contudo, neste momento a apropriação
dos conhecimentos artísticos e do espaço urbano estabelecem uma
vinculação direta com o processo de mediação a partir do momento
em que a recepção da obra adquire um status de produção de
sentido pelo expectador. Esta leitura autônoma evidencia um risco
eminente de apropriação equivocada da mensagem estabelecida
pelo artista. Segundo Escoteguy (2007, p. 121) “o risco é assumir a
autonomia da leitura em oposição a autoridade do texto, suprimindo
ainda a produção do que está sendo consumido”. Na Arte Urbana, a
autoridade do texto é deixada de lado e o leitor/expectador passam
a realizar a compreensão da obra. Passamos assim a verificar duas
condicionalidades de leitor/apreciador o que busca compreender “o
que a obra diz de mim” e/ou “o que a obra quer dizer”. Ambas as
perspectivas são plausíveis mas requerem uma percepção aguçada
do expectador. O processo de texto/leitura requer assim, “uma
conexão com as práticas de grupos sociais e os textos que estão em
circulação, realizando uma análise sócio-histórica de elementos
culturais que estejam ativos em meios sociais particulares”
(ESCOTEGUY, 2007, p. 121).
A compreensão das Culturas Vividas do artista e do
expectador são fundamentais para que haja a recepção e,
consequentemente, o Consumo da obra. Consumo aqui é vinculado
à apropriação simbólica do conceito pelo expectador e não
necessariamente o consumo em termos materiais da obra. Artista e
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 83
expectador necessitam de uma relação social que apresente
interesses comuns que os interliguem suplantando assim a
vinculação e o consumo do expectador da obra do artista. Isso
ocorre, mesmo aquele sendo um sujeito com relações sociais,
culturais e históricas distintas das expressas pelo artista. Contudo, o
artista necessita do conhecimento do lugar a ser exposto e do público
a ser atingido a fim de que sua construção ideológica seja consumida
pelo expectador. Estes fatores, mostram que
[…] nos encontramos com uma mescla realista de manipulação e
liberdade de compras, de impulso e reflexão, de comportamento
condicionado e uso social dos objetos e símbolos da sociedade de
consumo. E ao fazer do consumidor não um ser isolado e
desconectado do resto de seus contextos sociais, e sim portador de
percepções, representações e valores que se integram e completam
com o resto de seus âmbitos e esferas de atividade, passamos a
perceber o processo de consumo como um conjunto de
comportamentos que recolhem e ampliam, no âmbito privado dos
estilos de vida, as mudanças culturais da sociedade em seu
conjunto. (ALONSO, 2006, p.99)
O consumo deixa de ser a troca/compra de bens materiais e
passa a ser espaço de diálogo entre sujeitos e entre obra e expectador
adentrando ao processo de apropriação de culturas e simbologias.
Além destes elementos do circuito cultural, proposto por
Johnson (1999), Nussbaumer (2000) nos alerta para o processo de
financiamento/mecenato da produção artística o qual também passa
por modificações. Há algumas décadas o financiamento de obras e
em especial, o financiamento cultural era quase que exclusivo do
Estado ou de alguns mecenas. Hoje, a iniciativa privada começa a
ganhar espaço e a vincular-se a prerrogativa de arte como negócio,
situação que incita a preocupação sobre as produções artísticas
tendo em vista que os patrocínios/financiamentos contemporâneos
podem acabar por atender mais aos interesses da iniciativa cultural
privada do que ao artista.
84 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Neste viés percebemos que as Arte Urbana passa a dinamizar
um complexo sistema de produção, comunicação, consumo e
financiamento que, mesmo indesejavelmente, articula-se ao
mercado consumista da Arte. Situação esta bastante complexa de ser
trabalhada nos territórios investigados, Brasil e Venezuela e, no
contexto contemporâneo de produção artística.
Neste sentido então, cabe à Arte, decantar os elementos da
técnica e da organização disciplinar restando a materialidade de
imaginação e da representação das coisas. E é nesse viés que a Arte
Urbana contemporânea se estrutura, na inconstância e na
efemeridade dos materiais, dos símbolos, das identidades.
Sob o ponto de vista processual, a relação entre arte pública e
espaço urbano não é de justaposição, nem a inserção neste, de
“objetos ilustrativos” de valores culturais. Evita-se a noção de
acomodação ou “adequação” da arte. Antes, sua inscrição aí se dá
no rolar das transformações do urbano, alterando sua amplitude
qualitativamente. Não se trata, pois, de se concentrar no aspecto
“fotogênico” do lugar, mas de buscar uma inovação na sua
dimensão artística. Longe de serem maquiagem funcionalista,
certas obras ou intervenções artísticas instauradas no urbano
recentemente são iniciativas de consequências e efeitos complexos.
Algumas se presentificam em concordância com seu contexto,
aflorando-lhe
novas
orientações,
caracterizando-o
diferencialmente em sua materialização espacial. Há, porém,
situações de confronto entre um e outro, ainda que não
permanente, chegando-se a extremos de destruição da própria
obra (PALLAMIN, 2000, p. 18).
A Arte Urbana e, neste estudo um olhar mais atento ao
muralismo pois é uma das produções de Arte Urbana bastante
explorados pelos artistas venezuelanos e, ao grafite, por ser
explorado pelos coletivos de Arte Urbana em Boa Vista/RR, tornamse foco de análise e compreensão estrutural do Circuito da Arte.
Ambas, muralismo e grafite, são linguagens artísticas que passa a
ganhar corpo a partir do momento em que levam a arte para os
espaços públicos dando a possibilidade de apreciação pelos
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 85
diferentes sujeitos. Aguçam, com isso, o olhar para o processo
educativo e comunicacional bem como da recepção e consumo da
obra haja vista a ideologia proposta em suas produções e a exposição
a um público nem sempre receptivo e preparado para a
compreensão artística. E essa apropriação da obra pelo sujeito e do
sujeito pela obra é realizada de diferentes formas, mas
especificamente, a partir do século XXI, com as conexões via rede.
O Muralismo, como uma corrente artística da América Latina,
consolidada com o Muralismo Mexicano apresenta-se como uma
manifestação artística intencional e plena de significado ideológico
com o objetivo de atingir os mais diversificados ambientes sociais
(VASCONCELLOS, 2004). Este objetivo intensifica-se “Después de
la Revolución de 1910, se impone en México la necesidad modernizar
el país y de construir una identidad cultural nacional” (MANDEL,
2007, p. 38).
Nesta investigação, compreendemos que “[a] arte muralista,
quando intencionada à crítica social possui notadamente uma forte
função social, sendo um canal de comunicação direto e eficiente
entre o artista, a arte e o meio” (SOUZA, 2012, p.16). Possibilita
assim uma interlocução que atinge a públicos variados e instiga o
olhar crítico para os acontecimentos locais tomando uma construção
de Movimento social. Neste viés, o Movimento Artístico Urbano
Debido a que los movimientos rara vez tienen incentivos selectivos
o constrenimientos sobre sus seguidores, en la acción colectiva el
liderazgo tiene una función creativa de la que carecen los grupos
más institucionalizados. Los líderes inventan, adaptan y combinan
distintas formas de acción colectiva para estimular el apoyo de
gente que, en caso contrario, podría quedarse en casa. (TORROW,
1997, p. 52)
Com uma proposta de trabalho fora das galerias, o Grafite
também surge como uma proposta de Arte Urbana, mas em outro
território ocupando outro lugar. O Grafite intensifica-se e difundese nos Estados Unidos na segunda metade do século XX sendo
86 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
considerado não “simplemente un escrito en una pared. Este
requiere una técnica, un conocimiento previo sobre materiales, un
análisis sobre el muro donde se pintará, un boce tos en un cuaderno,
una evolución y constancia a lo largo del desarrollo de la acción”
(RAMOS, 2014, p. 13).
Mesmo em uma construção, territorial e temporal distinta do
muralismo, o grafite apresenta, em uma construção mais subjetiva,
uma preocupação estética, filosófica, ideológica. Ramos (2014, p. 04)
nos coloca que
Los graffitis son un medio de expresión que conllevan dentro de sí
una filosofía, una ideología, una identidad que caracteriza a la
persona. Es una vieja forma de decir “yo estuve aquí” dejando con
un trazo, una firma, un garabato, la propia personalidad. Al graffiti
se le atribuyen muchos estereotipos como adolescente rebelde,
vandalismo, criminalidad, relación con drogas o cierta similitud
con géneros musicales. Sin embargo, la dificultad que presenta
entender y definir qué se entiende por este término resulta ser de
grandes complejidades.
Percebemos assim, na Arte Urbana, uma estruturação que
perpassa os elementos do Circuito da Artes onde ações são pensadas
para captar o sujeito e fazer com que este faça parte dos propósitos
alicerçados.
Vale destaca contudo, que o termo Arte Urbana aparece nas
décadas de 80-90 do século XX englobando o Grafite, o Punk, o Rap,
o Skate, as projeções de vídeo dentre outras expressões que
consolidam o cenário da Arte de Rua (XAVIER, 2012) e que, no caso
de alguns países da América Latina, intensificam-se com a
vinculação ao Muralismo.
Assim, buscamos compreender a Arte Urbana no momento
em que ela perpassa pelo Circuito da Arte, procurando entender o
espaço social e as estratégias (educacionais e de recepção) utilizadas
para a consolidação deste processo. Estas estratégias, segundo
Torrow (1997) são alavancadas a partir do apoio das redes sociais
existentes, proporcionando a divulgação das ações e das ideologias
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 87
em maior escala. A aproximação dos meios comunicacionais
apresenta-se como uma das estratégias de comunicação dos ideais
artísticos, contudo, temos consciência de que a obra de arte urbana
vista in loco pode proporcionar interpretações distintas das que são
expostas pelos meios de comunicação. Contudo, nem sempre o
acesso à produção artística garante uma compreensão da produção.
É neste sentido que, o trabalho com estratégias comunicacionais se
torna eminentemente necessário. E, são estes momentos de
atividades em espaços formais e informais que delineiam as formas
de comunicação da produção artística.
A Arte Urbana, neste viés, beneficia-se do acesso público, mas
ainda carece de uma melhor compreensão da recepção feita pelos
distintos apreciadores. Todos estes elementos necessários à
compreensão da Arte Urbana contemporânea perpassam um
processo educacional e de recepção calcado em críticas e percepções
culturais bastante aprofundadas.
No cenário atual a Arte Urbana aparecem “[…] não somente
como uma arte, no caso de maneira conceitual, mas também como
uma nova maneira de se expressar e comunicar” (BOCCILE, 2015,
p. 01). A Arte Urbana, a partir da modificação/reorganização do
espaço urbano propõe uma estruturação crítica do pensar do
expectador sendo ela utilizada a partir de diferentes técnicas e
linguagens.
Assim, tais práticas artísticas podem contribuir para a
compreensão de alterações que ocorrem no urbano, assim como
podem também rever seus próprios papéis diante de tais
transformações: quais espaços e representações modelam ou
ajudam a modelar, quais balizas utilizam em suas atuações nesse
processo de construção social (PALLAMIN, 2000, p. 19).
A Arte Urbana passam assim, a integrar o espaço urbano
envolvendo a subjetividade do expectador e intervindo em seu
lugar-comum de forma artística. Desta forma, a Arte Urbana, em
um campo de produção artística contemporânea, proporciona a
88 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
reflexão sobre o que Cauquelin (2005) nos mostra ao referir-se ao
processo comunicacional. Passamos a vivenciar uma inevitável
mistura de papéis: produtor/artista, distribuidor/comunicador e
consumidor/expectador. Estes sujeitos, antes com características e
funções delimitadas, não mais possuem atividades específicas e, este
é um dos grandes desafios a serem consolidados para uma melhor
compreensão da produção da Arte Pública nos Coletivos
investigados.
A conotação comunicacional presente nos Movimentos
Artísticos Urbanos brasileiros e venezuelanos torna-se assim mote
central de nossa investigação buscando com isso, compreender
como a Arte Urbana produzida por estes movimentos comunicam
suas proposições.
O território: Norte brasileiro e Venezuela
Trabalhar com o Circuito da Arte pressupõe também
entender a Cultura Vivida/Consumo, a apropriação e recepção do
expectador. Assim, pressupõe o entendimento do território vivido.
Aqui o conceito de território funde-se a conceituação geográfica de
“pedaço de terra” mas adentra na conotação de “relações de poder”,
assim
O território tem uma ocupação, e essa revela intencionalidades: a
favor de que e contra que se posiciona. Nessa perspectiva, não há
territórios neutros. A ocupação de um território se dá no confronto
entre forças. Ao ocuparmos os lugares, estamos fazendo escolhas
que preencherão os espaços e os transformarão em territórios. A
escolha de uma dimensão anula a condição da outra se estabelecer.
Mesmo assumindo a possibilidade da contradição e da dialética, as
forças em tensão revelam predomínios que sinalizam disputas de
poder (CUNHA, 2008, p. 185)
Em um território fronteiriço, a região mais ao norte do Brasil
configurada a partir do Estado de Roraima apresenta peculiaridades
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 89
como; habitação indígena; habitação por migrantes de diversos
estados do Brasil; fronteira com os países da Venezuela e da Guiana.
Saquet (2010) nos traz especificações sobre essa realidade
geográfico espacial de Roraima sendo sua área espacial (46,35%)
ocupada pelos 23 territórios indígenas do Estado (104.018,00 km²)
– Raposa Serra do Sol é o maior deles. As áreas sob jurisdição da
União somam 76.242,18 Km² (34,00%) e sob controle estadual
22.411,80 Km² (10,00%). Os sítios de preservação ambiental
ocupam mais 8,40% do território (18.879,99 Km²) e as áreas sob
controle das Forças Armadas 2.747,00 Km² (1,25% do total).
Esta caracterização nos dá margem para o pensar nas
disputas de poder e nas discussões territoriais alicerçadas neste
estado uma vez que o mesmo consolidou-se como estado somente
com a Constituição de 1988, situação que sinaliza a carência do
desenvolvimento em vários setores.
Venezuela, o país que faz fronteira com o Brasil em seu
extremo norte apresenta uma construção complexa. Com um
período de mudanças e reorganização da construção do país, a
Revolução Bolivariana com a frente de Hugo Chávez passa a
alicerçar outro cenário para o século XXI.
[…] el siglo XXI se inició con un nuevo contrato social, político y
económico para la República Bolivariana de Venezuela, tal el
nombre que la Carta Magna establecía. Chávez lo había sostenido
desde antes de llegar al poder: no podría haber cambio real sin
cambiar el marco constitucional del que se derivaban las leyes que
regulaban la vida económica del país. La constitución vigente hasta
1999 cristalizaba un pacto político caducado: el de las élites
dominantes que excluyeron a las mayorías en el contrato social, el
pacto del Punto Fijo que defendía a cualquier precio una
democracia fingidas sin democracia real en el terreno económico.
(MANCILLA, 2017, p. 271)
Inicia-se com isso uma outra perspectiva de território onde
Venezuela começou a construir uma estrutura calcada no povo onde o
90 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
[…] denominado Socialismo Bolivariano del siglo XXI; tuvo que
transitar de una economía centrada en cómo resolver las urgencias
y necesidades básicas pos golpe 2002 a otra economía en la que las
necesidades y demandas se fueron redefiniendo y transformando,
gracias justamente a un proceso de cambio muy vigoroso.
(MANCILLA, 2017, p. 280)
Com a morte de Chávez, Nicolás Maduro assume e anuncia,
perante as problemáticas econômicas, uma Agenda Económica
Bolivariana (AEA) que busca trazer uma nova ordem com o objetivo
de sustentar a base do espírito social e humanista da revolução.
Contudo, percebemos que há uma evidente disputa de poderes e, a
construção econômica da Venezuela vem constantemente sendo
testada e, “la disputa de las ideas políticas y económicas está servida,
tanto em el plano teórico como em la praxis cotidiana” (MANCILLA,
2017, p. 298).
A construção destes territórios fronteiriços são exemplos
fortes de disputas de poder e, neste sentido, compreender como a
Arte Urbana vem sendo apresentada e recebida pelo expectador
passa a ser um processo bastante complexo e desafiador.
A conotação de poder e disputas pode ser percebida na força
comunicacional que a Arte Urbana apresenta quando discutida nos
diferentes pontos de conflito social, político e cultural desde
[…] el ejército Zapatista de Libertación Nacional (EZLN) en
Chiapas a la elección de Lula en Brasil: desde los piqueteros
argentinos al Movimiento Sin Tierra (MST); desde los
movimientos indígenas de Bolívia y Ecuador al Frente Amplio de
Uruguay, a las sucesivas victorias de Hugo Chávez en Venezuela y
a la elección de José Mujica en Uruguay; desde la lucha continental
contra el área de Libre Comercio de las Américas (ALCA) al
proyecto de integración regional alternativo liderado por Hugo
Chávez la Alternativa Bolivariana para las Américas (ALCA), nos
encontramos con prácticas que se reconocen como
emancipadoras, pero que no estaban prevista por las grandes
tradicionales teóricas de la izquierda eurocéntrica o que incluso las
contradicen” (SANTOS, 2010, p.17).
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 91
Como movimento de esquerda, de luta por direitos sociais, a
Arte apresente sinalizações expressivas de comunicação e consolidação
de conquistas antes impensáveis para “para o desenvolvimento do
paradigma da regulação/emancipação, o fato de esse paradigma lhes
não ser aplicável não comprometeu a sua universalidade. O
pensamento abissal moderno salienta-se pela sua capacidade de
produzir e radicalizar distinções” (SANTOS, MENEZES, 2010, p. 24).
Imagem: Mural Chávez Combativo
Fonte: Pablo Kalaka (artista de origem chilena residente na Venezuela a 40 anos)
Imagem: Lula Livre Imagem: Solidariedade MST - Brasil
Fonte: Pavel Egüez, muralista equatoriano Fonte: Pavel Egüez, muralista
equatoriano
A exemplo do que colocamos, muralistas como Pablo Kalaka e
Pavel Egüez nos mostram uma contação social, de reivindicação e
luta diante da necessidade de “produzir e radicar distinções”.
92 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Coletivos de Arte Urbana: primeiras aproximações
Nesta investigação, destacamos que estamos no momento de
reconhecimento e de investigação das produções realizadas pelos
Coletivos selecionados para este trabalho. Deixamos claro que a
investigação encontra-se em processo e, para isso passamos a nos
aproximar dos coletivos de Arte Urbana e como eles vem construindo
a proposição de radicalizar distinções e, especificamente ao tratarmos
do Estado de Roraima e do país Venezuela, adentrar nos processos
comunicacionais alicerçados por estes grupos.
Ao tratarmos da Venezuela, neste estudo damos destaque a
dois grupos que vem participando do Grafita Roraima, evento de
Arte Urbana organizado pelo Curso de Artes Visuais-Licenciatura e
o Polo Arte na Escola da Universidade Federal de Roraima/UFRR
com um objetivo de ampliar e trabalhar a Arte Urbana em uma
proposta didática, vinculada ao campo educacional.
No Estado de Roraima temos dois grupos de Arte Urbana:
Movimento Urbanus e Coletivo Macu-x. Na Venezuela optamos por
trabalhar, embora saibamos que há outros grupos com
expressividade similar ou maior, com o coletivo MURALeja e com o
coletivo Urbano Aborigem.
O Estado de Roraima, pela sua recente origem como estado
(1988) ainda carece de desenvolvimento e compreensão para com o
setor cultural e artístico.
Desta forma, destacamos que o Movimento Urbanus é um
projeto sociocultural que trabalha com eventos, palestras,
campeonatos, oficinas na área do Hip Hop e do Grafite. O
Movimento acolhe a comunidade local e vem trabalhando
expressivamente na recepção dos artistas venezuelanos dando
visibilidade ao trabalho com a Arte Urbana.
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 93
Imagem 01: Batalha de B.boy
Fonte: Facebook Movimento Urbanus
As competições ao ar livre e nos diferentes eventos da cidade
vem tomando espaço e reconhecimento ampliado a possibilidade de
territórios (CUNHA, 2008) de acolhimento e visibilidade da cultura
e da Arte Urbana.
O Coletivo Macu-x trabalha com ênfase com o desenvolvimento
do Grafite nas ruas e nas escolas de Boa Vista/RR. Com um grupo de
artistas de localidades diferentes e flutuantes, o Coletivo Macu-x vem
tomando espaço e consolidando algumas ações a partir do momento
em que ingressa em um processo de valorização da Arte Urbana e de
recepção de artistas de diferentes locais.
Imagem: Coletivo Macu-x
Fonte: III Grafita Roraima
94 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Imagem: Coletivo Macu-x durante o III Grafita Roraima
Fonte: Facebook Grafite Roraima
A Arte Urbana em Roraima é um movimento ainda em
expansão. Há somente dois grupos que trabalham com a Arte
Urbana e, mais especificamente, o Movimento Macu-x com
problemas visuais. Estes, focados na produção com a linguagem
Grafite.
Apesar da existência desses movimentos, ainda não há um
cenário para a valorização da produção artística. O que se percebe é
a inserção desses movimentos nos espaços educacionais e nas
organizações sociais.
As construções das propostas coletivas ainda permeiam a
intervenção calcada em elementos representativos da região
amazônica com animais, plantas e comunidades indígenas. A
situação apresentada vincula-se muito a uma proposta de
valorização local, de reconhecimento dos saberes e, segundo Santos
(2010, p. 51) a consolidação de uma ecologia dos saberes a qual
volta-se para “o reconocimiento de la diversidad epistemológica y la
pluralidad”. Neste sentido, Santos (2010, p. 53) ainda nos coloca que
Para una ecología de saberes, el conocimiento-comointerevención-en-la-realidad es la medida de realismo, no el
conocimiento-como-una-representación-de-la-realidad.
La
credibilidad de una construcción cognitiva es medida por el tipo de
intervención en el mundo que está permite o proviene.
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 95
Compactuamos assim da proposta de construção de
conhecimento a partir da intervenção na realidade, da alteração do
espaço público como colocado por Pallamin (2000) ao tratar da Arte
Urbana. Assim, entendemos a proposta de um olhar desenvolvido
pelos movimentos artísticos urbanos de Boa Vista/RR para uma
ecologia dos saberes locais e principalmente da região amazônica
como um todo.
O sistema cultural contemporâneo, pelo que evidenciamos,
em outros lugares como nas grandes capitais brasileiras já se
apresenta com uma abertura e uma estrutura mais democrática em
termos de reconhecimento e aceitação de produções alternativas (e
críticas a elas), no entanto, em Roraima esta situação ainda é
bastante incipiente.
Ao buscarmos compreender os processos comunicacionais
das proposições de Arte Urbana boavistense, percebemos que no
limiar do Circuito da Arte, há uma Produção/Poética urbana,
embora careça de consolidação coletiva (TORROW, 1997). No
entanto, a construção do Texto e Leitura pressupostos básicos para
a Comunicação social, ainda não são visíveis por fatores que
envolvem a falta do entendimento cultural e das problemáticas
alicerçadas nas Culturas Vividas o que influi diretamente no
Consumo e, consequentemente no Financiamento. Assim, para
adentrar na consolidação de uma proposta artística urbana que
atenda a proposição alicerçada pela Arte Urbana requer que tanto os
produtores, quanto os consumidores atentem para o conhecimento
da cultura local adentrando em uma ecologia de saberes que
compreenda os diferentes tipos de conhecimentos, uma ecologia de
saberes a qual
[...] expande el carácter testimonial de los saberes para abrazar
también las relaciones entre conocimiento científico y no científico,
por lo tanto expandir el rango de la intersubjetividad como
interconocimiento es el correlato de la inetersubjetividad e
viceversa (SANTOS, 2010, p. 54).
96 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Esta interlocução de conhecimentos científicos ou não,
adentra às especificações das tradições, das mitologias, das crenças
e valores incutidos na sociedade. Vivemos em uma sociedade que se
diz democrática e igualitária, no entanto, mesmo em produções
artísticas urbanas contemporâneas ainda estamos sujeitos a padrões
e normas estabelecidos por um circuito cultural (e de poder)
baseado em comportamentos preestabelecidos que muitas vezes,
pela falta de conhecimento e de oportunidades ainda não nos
permite a apropriação e recepção da arte como repertório de
construção cultural.
Por mais incomuns e críticas que sejam as produções de arte
contemporânea, elas carregam consigo uma carga ideológica repleta
de poder e conhecimento a que poucos têm acesso e que ainda é
pouco compreendida pelo público em geral. Roraima apresenta uma
sociedade carente desta interlocução com o Circuito da Arte o que
limita a expansão do conhecimento amazônico pelo campo artístico
local (BAPTAGLIN, SANTI, 2018).
Assim, ao trabalharmos dos movimentos artísticos urbanos
venezuelanos, destacamos que o Coletivo Urbano Aborigem
apresenta uma proposta de intervenção artística urbana vinculada a
proposições ancestrais, de construção e mobilização do sujeito para
suas origens em meio a um contexto contemporâneo alicerçado pela
efemeridade e muitas vezes pelo esquecimento (CAUQUELIN, 1996).
As proposições apresentadas pelo Coletivo dão margem para
pensarmos em […] lugares de constituição de vínculos e de
reconhecimento dos sujeitos envolvidos; que suas identidades
amplas do contexto global/local, são relacionadas aos processos de
descentramento, multiplicação de referentes e desterritorialização”
(BONIN, 2011, p. 150).
Adentram a conotação de um coletivo de Arte Urbana calcado
em reflexões críticas e vinculadas as Culturas Vividas.
Nos trabalhos apresentados pelo coletivo, sejam eles
realizados na cidade de Boa Vista ou nos diferentes lugares da
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 97
Venezuela, carregam em sua construção imagética, a estrutura de
um processo criativo crítico e reflexivo acerca da cultura e da
sociedade.
Imagem: Mural realizado em Boa Vista/RR durante o III Grafita Roraima
Fonte: Autoria de César Daniel
Imagem: Mural realizado em homenagem a Mariella Franco vereadora do Rio de
Janeiro assassinada em 2018.
Fonte: Coletivo Urbano Aborigem
98 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Imagem: Mural realizado durante o IV Grafita Roraima.
Fonte: Artista Victor Forastero
Este processo adentra nas proposições alicerçadas pelo Coletivo
MuralEja que propõe um olhar artístico na construção da cidadania
através de atividades educativas dando possibilidade da construção
social em locais e sociedades considerados à margem (BHABHA).
Santos, Menezes (2010) apregoam essa proposta no sentido de,
na construção social contemporânea dar possibilidades de “produzir e
radicalizar distinções”. Distinções essas alicerçadas nas necessidades
culturais e sociais construídas e evidenciadas pelos coletivos.
Imagem: Mural realizado durante o IV Grafita Roraima.
Fonte: Coletivo MuralEja
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 99
Imagem: Mural realizado em Venezuela
Fonte: Coletivo MuralEja
Pensar nesta estruturação de radicar distinções pressupõe um
olhar atento para as proposições coletivas apresentas pelos coletivos
de Arte Urbana Venezuelanos os quais apresentam uma proposta de
comunicação e recepção ampla, abordando demandas específicas.
Nesse sentido, Souza (2012, p.16), reforça a ação do coletivo
muralista deixando claro que "a arte muralista, quando intencional
para a crítica social, tem uma forte função social, sendo um canal de
comunicação direta e eficiente entre o artista, arte e meio". Assim,
possibilita um diálogo que atinge públicos variados e instiga uma
visão crítica dos eventos locais.
Contudo, isso só se torna possível diante da consolidação da
Produção/Poética destes coletivos os quais, em sua conotação
artística apresentam elementos de Texto e Leitura que viabilizam a
Comunicação. Para isso, é necessário o conhecimento dos saberes
culturais e sociais e isso adentra não só as tradições, crenças e
valores mas sim as construções acadêmico/científicas referentes à
Culturas Vividas. Com o conhecimento desse território (CUNHA,
2008) e o trabalho para que o receptor também conheça, implica no
Consumo e, em um patamar mais aprofundado, no Financiamento.
Sabemos das dificuldades alicerçadas na relação com o
Financiamento, contudo, entendemos ser este também um elemento
central que passará a fazer parte de nossas investigações futuras.
100 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Considerações finais
Diante dos primeiros apontamentos realizados por esta
investigação que busca compreender como a Arte Urbana produzida
por coletivos artísticos brasileiros, do extremo norte, e venezuelanos
comunicam suas proposições adentramos em situações inquietantes
e que merecem destaque ao tratarmos da aproximação para como
Circuito da Arte aqui proposto. Assim, Torrow (1997, p. 63) nos
alerta para vários elementos que podemos atentar ao nos
aproximarmos dos Coletivos de Arte Urbana “[…] en las estructuras
de oportunidad que crean incentivos para que se formen los
movimentos, em el repertorio de acciones colectivas que éstos usan,
em las redes sociales em las que se basan y em los marcos culturas
em torno a los cuales se movilizan sus seguidores”.
Todos estes elementos dialogam com as proposições do
Circuito da Arte adentrando nas especificidades de atentarmos para
a Produção/Poética dos movimentos de Arte Urbana, quais as
proposições passam a ser construídas no coletivo a fim de que o
Texto e Leitura passem a ser parte do processo de Comunicação e
recepção do público. Esta produção e recepção em uma proposta de
olhar para uma ecologia dos saberes (SANTOS, 2010) nos instiga a
entender os movimentos e os repertórios utilizados pelos coletivos
a fim de mobilizar seus seguidores e, sim seus consumidores. Isso
implica apropriação dos valores acadêmicos e sociais construídos a
partir das Culturas Vividas e, da apropriação das estruturas de
oportunidades as quais alavancam o Consumo e o Financiamento.
Adentrar nas questões do Financiamento na Arte Urbana
requer um estudo aprofundado sobre as mobilizações realizadas.
Aqui, deixamos em aberto as potencialidades deste na consolidação
dos movimentos, mas destacamos a mobilização coletiva para
buscar impulsionadores das proposições (público ou privado) que
compactuem de seus ideais.
Destacamos assim, que o estudo nos direciona para elementos
importantes na consolidação de um movimento de valorização dos
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 101
ideais sociais/políticos/econômicos e culturais que adentrem em
uma proposta de descolonização dos saberes (SANTOS, 2010) e
radicalização de distinções (SANTOS, MENESES, 2010) a partir das
intervenções Coletivos de Arte Urbana (PALLAMIN, 2000).
Intervenções essas que impulsionem a consolidação de um Circuito
da Arte e, a expansão dos saberes alicerçados por grupos sociais
antes esquecidos e que, no limiar da contemporaneidade, passam a
reivindicar suas distinções e suas especificidades.
Referências
ALONSO, L.E. La era del consumo. Madrid: Siglo XXI, 2006
BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, trad. Myriam Ávila,
Eliana Reis, Gláucia Gonçalves, 4ª reimpressão, 1987.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 3 ed. Editora Hucitec: São
Paulo, 1986.
BAPTAGLIN, L. A.; SANTI, C. J. C. As intervenções artísticas urbanas no Circuito
da Arte em Roraima eu o potencial comunicativo dos saberes artísticos
amazônicos. Revista Observatório, Palmas, v.04, nº 04, Jul-Set, 2018.
BONIN, A. B. Coletivos Culturais e espaço público midiatizado: delineamentos para
investigar as configurações de usos, apropriações e produções de mídia em
grupos étnicos. In: MALDONADO, A. E.; BARRETO, V. S.; LACERDA, J. S.
Comunicação, educação e cidadania: saberes e vivências em teorias e
pesquisa na América Latina. João Pessoa/Natal: Editora UFPB, 2011.
BOCCILE, C.V. Intervenções Urbanas: a convergência da arte e comunicação em
ambientes espaciais e culturais, sob um olhar estético e de significação.
Anais do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Centro-Oeste – Campo Grande - MS – 4 a 6/6/2015.
CAUQUELIN, A. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005.
102 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
CONNELY, F. M.; CLANDININ, D. J. Relatos de experiencias e investigación
narrativa. In: LARROSSA, J. (et.al). Déjame que te cuente: Ensayos sobre
narrativas y educación. Barcelona, S. A. de Ediciones, 1995.
CUNHA, M. I. Os conceitos de espaço, lugar e território nos processos analíticos
da formação dos docentes universitários. Revista Educação Unisinos,
12(3):182-186, setembro/dezembro, 2008.
ESCOTEGUY, A. C. Circuito da cultura/circuito de comunicação: um protocolo
analítico de integração da produção e recepção. Revista Comunicação,
Mídia e Consumo. São Paulo. Vol. 4.Nov. 2007.
JOHNSON, R. O que é, afinal, estudos culturais? In: SILVA, Tomaz Tadeu da
(Org.). O que é, afinal, estudos culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
LARROSSA, J. (et.al). Déjame que te cuente: Ensayos sobre narrativas y
educación. Barcelona, S. A. de Ediciones, 1995.
MANCILLA, A. S. El chavismo en Venezuela: orígenes, logros, retos y perspectivas.
In: SANDER, E. Las vías abiertas de América Latina: siete ensayos em
busca de una respuesta: ? fin de ciclo o repliegue temporal? Caracas:
CELAG/BANDES, 2017. (Colección Política y Hegemonía).
MANDEL, C.. Muralismo Mexicano: arte publico/identidad/memoria colectiva.
Revisa Escena 30 (61). 2007.
MEIRA, M. Filosofia da criação: Reflexões sobre o sentido do sensível. Porto
Alegre: Mediação, 2003.
NUSSBAUMER, G. M. O mercado da cultura em tempos pós-modernos. Santa
Maria: Editora UFSM, 2000.
PALLAMIN, V. M. Arte Urbana. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2000.
RAMOS, C. P. Grafite, arte callejero. Argentina, 2014.
REY, S. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais. In
BRITES, B.; TESSLER, E. (Org.) O meio como ponto zero: metodologia
da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: E. Universidade/UFRGS,
2002. p.123-140.
Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 103
SANTOS, B. S. Descolonizar el Saber, reinventar el poder. Montevideo.
Ediciones Trilce, 2010.
SANTOS, B. S; MENESES, M. P. Epistemologia do Sul. 2ª ed. Coimbra: C.G.
Gráfica de Coimbra LDA, 2010.
SAQUET, M.A. Abordagens e concepções de território. 2 ed. São Paulo:
Expressão Popular, 2010.
SOUZA, A. M. O Muralismo de Rivera e Portinari: a arte como possibilidade de
reflexão crítica e mediação com a realidade social. 2012. 60 f. Trabalho de
conclusão de curso (Artes Visuais, habilitação em Licenciatura) –
Instituto de Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
TORROW, S.. El poder en movimiento: Los movimientos sociales, las accíon
colectiva y política. Madrid: Alianza Editorial, 1997.
VASCONCELLOS, C. M. Visões da Revolução Mexicana: Arte e política nos murais
do museu nacional de história da cidade do México. In: Encontro do
ANPHLAC VI, 2004, Maringá/PR, Anais eletrônicos do VI Encontro do
ANPHLAC,
2015,
p.
1-11.
Disponível
em:
<http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/camilo_vasc
oncelos.pdf>. Acesso em: 3 de novembro de 2015.
XAVIER, A.S. Do hip hop à literatura, da literatura ao hip hop: vozes da
resistência em Ninguém é inocente em São Paulo, de Ferréz. 2012. 62 p.
Trabalho de conclusão de curso (Graduação) - Departamento de Teoria
Literária e Literaturas, Universidade de Brasília, Brasília, 2012.
Capítulo 4
A verdade está nublada
Luciana Moherdaui1
Introdução
“O pior é que o oposto da verdade, ou seja, a mentira nua e
crua, esta não escapa ao jornalismo. A mentira de imprensa é tão
antiga quanto a imprensa”, escreveu Eugênio Bucci, jornalista e
professor da Escola da Comunicações da Universidade de São Paulo
(ECA-USP), no artigo Pós-política e corrosão da verdade, que integra
o Dossiê USP Pós-Verdade e Jornalismo (2018)2.
Tem razão o professor Bucci. Tobias Peucer, considerado um
dos precursores da teoria do jornalismo, já indicava, em 1690,
quando defendeu sua tese doutoral na Universidade de Leipzig, na
Alemanha, o falso como um componente da noticiabilidade na
imprensa tradicional. Sua pesquisa sobre “relações e relatos sobre
novidades”, realizada no século XVII, ocorreu em um período de
florescimento dos jornais pelas seguintes razões: 1)
desenvolvimento da tipografia (1540); 2) expansão da indústria do
1
Jornalista, é pós-doutoranda na FAU-USP com a pesquisa Telas Urbanas - Uma contribuição para a
arquitetura reconfigurar o espaço de fluxos <https://bit.ly/2NBPzQy>. Escreveu Guia de Estilo Web,
Produção e Edição de Notícias On-line, (Senac, 2000), primeiro do gênero no Brasil, e Jornalismo sem
manchete - A implosão da página estática (Senac, 2016). Foi bolsista do UOL Pesquisa (2008),
participou da criação do iG e do Último Segundo (2000) e venceu dois Prêmios de Mídia do Estadão
(1999). E-mail: luciana.moherdaui@gmail.com.
2
A íntegra do Dossiê USP Pós-Verdade e Jornalismo está disponível em: <https://bit.ly/2Lbenlt>.
Acesso em jul. 2018.
106 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
papel; 3) interesse de negociantes nas notícias como mercadorias
lucrativas; e 4) necessidade noticiário econômico e o aumento do
fluxo de informações (SOUZA: 2004).
Naquele período, o pesquisador alemão, notava que faltava à
imprensa homogeneidade. A falsificação da verdade, percebeu,
integrava a rotina produtiva dos jornais. Sua configuração reunia
notícias sobre pessoas importantes (reis ou aristocratas), crimes,
catástrofes e batalhas, entre outros: “(...) Muitas das notícias
publicadas eram descarada e totalmente falsas, abusando da
credulidade de uma população pouco instruída, supersticiosa e
profundamente religiosa” (IBIDEM).
E a mentira atravessou o século XVII: “(...) Quando olhamos
os jornais da virada do século XVIII para o século XIX na Europa e
nos Estados Unidos, vemos um festival de calúnias e xingamentos
sem nenhum compromisso com o equilíbrio, a ponderação e a
objetividade” (BUCCI: 2018). Ou seja, a mentira faz parte da
democracia: “(...) Os diários que conquistaram na prática a
liberdade de imprensa primavam pela violência da linguagem e
mentiam à vontade” (IBIDEM).
Mesmo com a melhora da qualidade do jornalismo e com a
missão de entregar a verdade ao leitor, os séculos seguintes também
foram marcados pela publicação de inverdades na imprensa
tradicional, intencionalmente ou não, por parte de fontes e governos.
No Brasil, na metade da década de 1990, o caso mais grave foi
o da Escola Base, em São Paulo. Localizado em um bairro de classe
média alta na capital paulista, o colégio foi envolto em um escândalo
sexual: seus proprietários foram acusados de abusar de garotas de
quatro anos de idade.
Feita por pais e confirmadas pelas crianças e pelo delegado
que estava à frente do caso na época, a denúncia, amplamente
divulgada pela imprensa tradicional – jornais, revistas e emissoras
de rádio e televisão -, mais tarde se revelou inverídica: o avanço das
investigações não comprovou a materialidade das suspeitas. Mas era
Luciana Moherdaui | 107
tarde, o estrago já havia sido feito, com proporções irrecuperáveis:
a escola foi fechada e os seus donos chegaram a ser presos3.
Outro fato de grande repercussão foi a campanha de
invencionices para os Estados Unidos invadirem o Iraque, em 2003,
na época governado por George W. Bush. Anos depois, foi
confirmado que a acusação era uma fraude. Conta Bucci (2018):
“(...) Manchetes mentirosas – orientadas, toleradas ou induzidas
pelo Pentágono – davam conta de que o ditador do Iraque, Saddam
Hussein, fabricava armas químicas de destruição em massa.
Jornais de boa reputação e de altas tiragens deram destaque para
essa história, o que ajudou a convencer a opinião pública que era
acertada a decisão de enviar tropas lideradas pelos Estados Unidos,
com o apoio entusiástico de Tony Blair, primeiro-ministro
britânico, para invadirem o Iraque”.
A construção noticiosa para justificar a invasão do Iraque,
retratada anteriormente, é um de vários exemplos da atualidade que
indicam a falsificação da verdade na imprensa tradicional, sem
origem direta nas redes sociais. Cabe aqui registrar que o relato que
envolveu a Escola Base e a guerra capitaneada pelo governo George
W. Bush contra o Iraque são anteriores às criações de Facebook
(2004), Twitter (2006) e WhatsApp (2009), que atualmente estão
no epicentro das discussões envolvendo as notícias falsas.
Muito criticadas por não controlar as informações que circulam
em suas plataformas e por, muitas vezes, permitir publicações de
inverdades, tratadas também como opinião, como a recente polêmica
envolvendo o Holocausto – Mark Zuckerberg, dono do Facebook,
defendeu em entrevista do site Recode a manutenção de postagens que
negam o genocídio em massa de milhares de judeus no século XX4 –,
as redes sociais e os aplicativos de comunicação instantânea
dissociam-se dos veículos de mídia tradicional por não seguirem
3
4
Para saber mais sobre o caso da Escola Base, ver: <https://bit.ly/2NBPzQy>. Acesso em ago. 2018.
A íntegra da entrevista e sua repercussão estão disponíveis em: <https://bit.ly/2NrJEgS> e
<https://bit.ly/2zTKxwD>. Acesso em jul. 2018.
108 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
critérios
editoriais
e,
consequentemente,
amplificarem
exponencialmente conteúdos considerados falsos.
Exemplo disso é a eleição americana de 2016. Fortemente
influenciada por notícias falsas disseminadas principalmente no
Facebook, a campanha que elegeu Donald Trump à presidência dos
Estados Unidos é alvo de investigação por suposta colaboração de
agentes russos na produção e na distribuição de conteúdo elaborado
para afetar o eleitor. A mais famosa entre elas foi o apoio do Papa
Francisco a Trump. A falsa informação foi desmentida não só pela
internet, mas também pela imprensa tradicional, mas é ainda
impossível mensurar o alcance e a eficácia da correção.
Na imprensa tradicional, dificilmente uma inverdade como
essa teria a perenidade que a internet lhe confere. A mídia opera por
uma série de critérios, com mecanismos de correção incluídos e
direito de resposta legalmente constituído, ao contrário do que
ocorre nas plataformas sociais, mesmo com estratégias como
parcerias com agências de checagens. Essas regras da imprensa
tradicional e das redes, por exemplo, não podem ser auferida no
WhastApp, pois o aplicativo não foi constituído para essa finalidade.
É inexequível rastrear seu tráfego informativo.
Mas há uma questão para além das notícias falsas que
também merece reflexão: o viés. Embora as eleições americanas de
2016 tenham incluído o falso no centro do debate em todo o mundo,
em vários campos do saber, o viés (angulação, abordagem ou
recorte) escolhido por um meio de comunicação para uma
reportagem pode levar à falsificação da verdade.
Elemento do gatekeeper, do newsmaking e do agenda-setting,
o viés é um importante orientador da construção noticiosa, junto à
seleção de conteúdo a ser publicado e a seus processos produtivos,
como os critérios de noticiabilidade – a saber: atualidade, fatos
históricos, notícias negativas, como catástrofes ou corrupção, ou
sobre celebridades e temas insólitos, entre outros assuntos de
interesse do leitor. Newsmaking, gatekeeper e agenda-setting serão
detalhados mais adiante.
Luciana Moherdaui | 109
Foi o viés que levou a revista Time a publicar, em sua versão
impressa, polêmica capa em 21 de junho de 2018. A foto de uma
menina hondurenha chorando diante do presidente Trump
levantou a questão do relato falso, pois a imagem ilustra reportagem
que abordou a separação de pais e filhos detidos na fronteira do
México quando tentavam entrar ilegalmente nos Estados Unidos,
resultado da política migratória americana contra os imigrantes.
Ocorre, porém, que a pequena Yanela não foi separada dos pais
como sugere a publicação.
No mesmo dia, à noite, uma entrevista do pai ao jornal The
Washington Post e à agência de notícias Reuters recolocou a verdade
em seu lugar. Yanela e sua mãe, Sandra Sánchez, foram detidas
juntas na divisa de McAllen (Texas), contou Denis Javier Valera
Hernández.
Construções noticiosas como as relatadas anteriormente
contribuem para confundir ainda mais o leitor, já exposto a um
imenso volume de informações com checagem duvidosa, em redes
sociais e aplicativos de comunicação instantânea, a respeito da
veracidade dos fatos divulgados pela imprensa tradicional, o que o
leva a questionar sua credibilidade.
Nesse sentido, o Digital News Report 2018 é revelador: a
pesquisa do Reuters Institute feita com 74 mil pessoas em 37 países
indicou que o jornalismo de má qualidade (42%) ocupa o primeiro
lugar no ranking de desinformação. Em seguida estão: textos com
fatos distorcidos (39%), manchetes com aspectos de notícias, mas
que são, na realidade, anúncios (34%), uso do termo fake news para
desacreditar a mídia (31%), matérias elaboradas por razões
comerciais ou políticas (26%) e sátira (23%)5.
Porque, como explicou Pablo Ortellado, professor do curso de
Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), em
5
A pesquisa completa do Reuters Institute está disponível em: <https://bit.ly/2NCgL2g>. Acesso em
jul. 2018.
110 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em 26 de julho passado, “a
não ser em casos muito explícitos, a linha entre notícia falsa e
tendenciosa não é tão clara”6. É essa a zona cinzenta mencionada
por Ortellado que será abordada nas seguintes páginas.
A construção da notícia7
O jornalismo é, por definição, “a profissão principal ou
suplementar das pessoas que reúnem, detectam, avaliam e difundem
as notícias, ou que comentam os fatos do momento. O jornalista é
quem está envolvido nesse processo (KUNCZIK: 1998, p. 16). Juarez
Bahia, um dos mais importantes pesquisadores da área de
comunicação, definiu notícia como “o modo pelo qual o jornalismo
registra e leva os fatos ao conhecimento do público. Noticia é sinônimo
de acontecimento, matéria, dado, verdade, mentira, certeza, dúvida,
jornalismo, informação, comunicação” (1990, p. 35).
É de Bahia a famosa afirmação: “Toda notícia é uma
informação, mas nem toda informação é uma notícia”. Outro
estudioso de igual importância, Nilson Lage, afirma que notícia é
contar uma história: “um modo corrente de transmissão da
experiência – isto é, a articulação simbólica que transporta a
consciência do fato a quem não o presenciou” (LAGE: 2001, p 49).
Ao contrário do pressuposto na Teoria do Espelho - as notícias
são um reflexo da realidade -, a construção da notícia passa por um
processo que envolve o newsmaking, o gatekeeper e o agendasetting: a noticia é a construção social de uma suposta realidade, na
qual as informações a serem publicadas são filtradas a partir de
critérios de noticiabilidade.
O newsmaking compõe os critérios que irão definir o que é
notícia e orientar a hierarquia e a diagramação na página de um
6
A íntegra da entrevista está disponível em: <https://bit.ly/2mNg75X>. Acesso em jul. 2018.
Esse tópico foi extraído do e-book editado pelo Senac-SP Jornalismo sem manchete – A implosão da
página estática (MOHERDAUI: 2016).
7
Luciana Moherdaui | 111
jornal (nas versões impressa e digital) ou nas chamadas de rádio e
tevê. O gatekeeper selecionará quais serão noticiadas pela imprensa.
O agenda-setting lista o que é considerado interesse do público.
A reflexão sobre o jornalismo é tradicional nos Estados Unidos
desde o século XIX, embora tenha se intensificado principalmente
após o célebre livro Public Opinion, de Walter Lippmann, publicado
em 1922. Entre 1928 e 1930, o sociólogo Otto Groth lançou em
quatro volumes a obra Die Zeitung (O Jornal), resultado de um
estudo iniciado em 1910 sobre a compreensão do jornalismo e suas
implicações com a sociedade. A teoria de Groth baseia-se em
atualidade, universalidade, periodicidade e difusão.
No início do século XIX, o jornalismo passou a ser o quarto
poder e se confundiu com democracia. Para o escritor Alexis de
Tocqueville, a soberania dos povos e a liberdade de imprensa são
inseparáveis. A teoria democrática aponta que o jornalismo deve
atuar vigiando os poderes políticos e protegendo os cidadãos,
oferecendo informações à sociedade para que os cidadãos possam
usar e cobrar serviços públicos.
Autores como Jorge Pedro Sousa afirmam, porém, que a tese
de doutorado de Tobias Peucer, defendida na Universidade de
Leipzig, na Alemanha em 1690, é a pioneira em teoria do jornalismo.
Peucer apontou caminhos para a pesquisa e reflexão que outros
autores só começaram a seguir anos mais tarde. As discussões do
autor são temas centrais da teoria contemporânea8.
Para Sousa, os estudos de Peucer sugerem que a construção
da notícia não é uma invenção anglo-saxônica: “em princípio, toda
a notícia deve ater-se àquelas circunstâncias já conhecidas que se
costuma ter sempre em conta em uma ação tais como a pessoa, o
objeto, a causa, o modo, o local e o tempo” (PEUCER apud SOUSA:
2004, p. 10).
Em 1948, o pesquisador Harold Lasswell transformou essa
ação na fórmula para o texto jornalístico. Chamado lead, o primeiro
8
SOUSA, 2004, p. 1-5.
112 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
parágrafo responde às seguintes questões: o quê, a quem, quando,
onde, como, por que e para quê.
Notam-se as preocupações de Peucer com algumas das
questões em torno das quais se tenta construir atualmente uma
teoria do jornalismo: os conceitos de notícia e de jornais; as relações
entre jornalismo e história, a contribuição da retórica e da evolução
histórica para a estrutura das notícias, os critérios de noticiabilidade
e os constrangimentos à produção de informação.
Em 1947, surgiu o conceito de gatekeeper, criado pelo psicólogo
Kurt Lewin, a partir de um estudo sobre as dinâmicas que agem no
interior dos grupos sociais, em especial no que se refere aos programas
ligados à modificação dos hábitos alimentares (1947, p. 145).
Identificando os canais pelos quais flui a sequência de
comportamentos relativos a um determinado tema, Lewin notou
que existem neles zonas que podem funcionar como cancela, como
porteiro: o conjunto das forças antes e depois da zona filtro é
diferente de tal forma que a passagem, ou o bloqueio, da unidade
através de todo o canal, depende, em grande medida, do que
acontece na zona de filtro.
Isso ocorre não apenas com os canais de alimentação, mas
também com a sequência da informação, dada pelos canais de
comunicação de um grupo. As zonas de filtros são controladas por
sistemas objetivos de regras ou por gatekeepers. Neste último caso,
há um indivíduo ou grupo que tem o poder de decidir se deixa passar
a informação ou se a bloqueia.
Na década de 70, Donald Shaw e Maxwell McCombs,
formulam outra teoria que marca o campo da produção jornalística:
o agenda-setting, segundo a qual os meios de comunicação
apresentam ao público uma lista daquilo sobre o que é necessário
ter uma opinião e discutir.
O pressuposto fundamental do agenda-setting é que a
compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social
lhes é fornecida pela imprensa (SHAW, 1979, p-96-101). É o que
Michael Schudson (2003) chamou de efeitos de informação.
Luciana Moherdaui | 113
Este período é assinalado também com trabalhos de Gaye
Tuchman (1978), Herbert Gans (1979) e Philip Schlesinger (1978),
entre outros. São estudos que orientam a decisão sobre o que é
notícia, as rotinas de classificação e de cobertura dos
acontecimentos, sustentação da objetividade, procedimentos
ideológicos não expressos pelos jornalistas, o chamado newsmaking,
abordado com mais detalhes no próximo tópico.
Notícia é um produto à venda9
O newsmaking (valores/notícia) é um componente da
noticiabilidade. Ele constitui a resposta à pergunta: quais os
acontecimentos
que são
considerados
suficientemente
interessantes, significativos e relevantes para ser transformados em
notícias? Nessa seleção, os critérios de relevância funcionam em
conjunto, em pacotes, são as diferentes relações e combinações que
se estabelecem entre diferentes valores/notícia que recomendam a
escolha de um fato.
Os critérios de noticiabilidade integram o newsmaking e sua
aplicação se dá em razão de não haver espaço suficiente nos veículos
de comunicação para publicar todos os acontecimentos
considerados notícia.
Um segundo aspecto geral é que os valores/notícia são
critérios de relevância espalhados ao longo de todo o processo, isto
é, não estão presentes apenas na notícia, mas também na
composição da página. Fornecem diretrizes para apresentação do
material, sugerindo o que deve ser prioritário na preparação das
notícias. O newsmaking orienta o trabalho em uma redação e deriva
de pressupostos implícitos ou de considerações relativas (WOLF:
2002, p. 195-196):
Esse tópico foi extraído do e-book editado pelo Senac-SP Jornalismo sem manchete – A implosão da
página estática (MOHERDAUI: 2016).
9
114 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
• às características substantivas das notícias; ao seu conteúdo
(quando um acontecimento se transforma em notícia);
• disponibilidade do material e aos critérios relativos ao
produto informativo (conjunto dos processos de produção
e realização);
• ao público (imagem que os jornalistas têm acerca dos
destinatários);
• à concorrência (relações entre os mass media existentes no
mercado informativo).
Depois de Peucer, em 1965, Kaspar Stieler também
estabeleceu valores para as notícias. Para ele, os jornalistas têm de
ser capazes de distinguir entre o que é importante do que é trivial
(KUNCZIK: 1998, p. 242).
Aliás, a organização de uma redação, sobretudo em relação ao
perfil profissional, e a orientação editorial são indicações dos
critérios de noticiabilidade que nela vigoram (WOLF, op. cit. P. 200).
Para Michael Schudson, a criação das notícias é sempre uma
interação entre repórter, diretor, editor, constrangimentos da
organização, necessidade de manter os laços com as fontes, desejos
da audiência e poderosas convenções culturais dos jornalistas (apud
CORREIA: 1997).
Embora tenham sido listados pela primeira vez em 1965 por
Johan Galtung e Marie Holmboe Ruge, os fundamentos para
responder a pergunta: “how do ‘events’ become news’”? (1965, p.
65), Tobias Peucer já os selecionara nos anos 1600. Os critérios de
noticiabilidade de Peucer, Galtung e Ruge não são diferentes dos
propostos pelos teóricos citados anteriormente. Na realidade, são
complementares. De modo geral, resumem-se a: atualidade,
importância, proximidade, proeminência, negativismo e audiência.
Luciana Moherdaui | 115
O olhar pela lente do jornalismo10
A socióloga Gaye Tuchman também tratou dos
constrangimentos organizacionais no trabalho jornalístico em
Making News – A study in the construction of reality. Para
Tuchman, há uma enorme diferença entre cobrir um evento e
receber informação. Quanto mais fontes exclusivas um jornal
reunir, melhor será o conteúdo apresentado ao leitor e maior será
sua receita (1978, p. 19; 21). Como a socióloga, o alemão Tobias
Peucer já apontara a notícia como mercadoria em 1690.
Além disso, na opinião de Tuchman, a notícia é uma instituição
social e enviesada conforme decisão editorial (IBIDEM, p. 4, 23):
1) Notícia é um método institucional para tornar informações
disponíveis ao consumidor, que compra o jornal porque
tem interesse no conteúdo;
2) Notícia é uma aliada das instituições legitimadas: um
secretário de Estado pode fazer circular uma informação na
mídia;
3) Notícia é localizada, apurada e disseminada por jornalistas
que trabalham em empresas. Portanto é um produto
resultado das práticas estabelecidas pela organização a
qual pertence e essas práticas incluem associação com
instituições cujas informações são rotineiramente
divulgadas na imprensa.
Muito tempo se passou antes de se chegar às quatro
características dos jornais modernos: 1) publicidade; 2) atualidade
(ou seja, informação que se relaciona com o presente e o influencia);
3) universalidade (sem excluir nenhum tema) e 4) periodicidade
10
IBIDEM.
116 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
(distribuição regular). Já no século XVI os assuntos maravilhosos e
assustadores atraíam o maior interesse dos editores11.
Nesse sentido, merece atenção, entre as técnicas de
construção noticiosa, um dos aspectos abordados anteriormente por
Tuchman e que integra estudos de outros teóricos que se
debruçaram sobre o jornalismo desde o século XVII, datação essa
que inclui Tobias Peucer como um dos precursores dessa temática:
o viés (angulação, abordagem ou recorte).
A esse respeito, escreveu Cremilda Medina em Notícia, um
produto à venda – Jornalismo na sociedade urbana e industrial:
“toda matéria jornalística parte de uma pauta que pode ser
intencional, procurada ou ocasional (acontecimento imprevisto) e
essa pauta tem em si a primeira força do processo, que pode ser
chamada angulação” (1978).
Essa angulação, prossegue Medina, se identifica com a
caracterização da empresa jornalística que, por sua vez, está ligada
a um grupo econômico e político responsável por “conduzir o
comportamento da mensagem de captação do real à sua formulação
estilística”.
Também não se pode ignorar nessa reflexão que a angulação
da qual trata a pesquisadora inclui o fator econômico, como o
fizeram Peucer e Tuchman, entre outros:
“(...) Nota-se especialmente na formulação dos textos, nos apelos
visuais e linguísticos, na seleção das fotos, a preocupação em
corresponder a um gosto médio ou, em outros termos, a embalar
a informação com ingredientes certos de consumo. São só a
formulação está relacionada à angulação, o próprio conteúdo –
dados significativos de realidade que passam para a representação
– recebe essa influência”.
“(...) A angulação está, pois, nas aparências externas – formas de
diagramação atraente, valorização de certos ângulos e cortes
fotográficos, apelos linguísticos como títulos e narração dos fatos.
11
KUNCZIK, 1998, p. 23.
Luciana Moherdaui | 117
Está também nos conteúdos e no processo de captação desses,
extraídos de uma realidade” (IBIDEM, p. 75).
Portanto, é sobretudo essa “valorização de certos ângulos e
cortes fotográficos”, com apelos estéticos e “linguísticos”, que
orienta o tópico a seguir a respeito da polêmica capa da revista Time
cuja reportagem abordou a separação de pais e filhos detidos na
fronteira do México quando tentavam entrar ilegalmente nos
Estados Unidos, resultado da política migratória de Donald Trump,
presidente dos Estados Unidos, contra os imigrantes.
Pretende-se, a partir do arcabouço teórico já aqui apresentado,
demonstrar a seguir como a angulação pode, em alguns casos, levar à
falsificação da verdade, pressuposto desta reflexão.
O falso como critério noticioso
Como mostrado anteriormente, a construção da notícia leva
em conta uma série de fatores, desde a pauta à publicação – ou à
transmissão, no caso de rádio e tevê -, além do interesse econômico.
Não foi diferente com reportagem da Time que mostrou em 10
páginas o desastroso resultado (humanitário e político) das ações de
Donald Trump para conter a entrada de imigrantes ilegais nos
Estados Unidos.
Há na reportagem os critérios que orientaram a definição do
tema a ser coberto, como atualidade, relevância, amplitude,
negativismo e interesse da audiência, entre outros, bem como sua
escolha para o destaque daquela edição da publicação. Ou seja, a
análise do texto indica aplicação das teorias do newsmaking,
gatekeeper e agenda-setting. Ocorre, porém, que, intencionalmente
ou não, o viés aplicado à capa levou à falsificação da verdade. É nesse
contexto que o falso é incluído na lista que orienta o jornalismo
tradicional.
Anunciado no Twitter, em 21 de junho de 2018, no perfil da
Time (@time), o vídeo em que mostra a montagem da capa na qual
118 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
uma menina hondurenha está chorando diante de Donald Trump
recebeu mais de 2 milhões de visualizações12. Mas a imagem que se
tornou símbolo separação de pais de filhos detidos na fronteira do
México por tentar entrar ilegalmente nos EUA, fruto da política de
tolerância zero do presidente aos imigrantes, não era verdadeira. A
pequena Yanela, com quase dois anos na época, não foi separada dos
pais.
No mesmo dia, à noite, uma entrevista do pai ao jornal The
Washington Post e à agência de notícias Reuters recolocou a verdade
em seu lugar. Yanela e sua mãe, Sandra Sánchez, foram detidas
juntas na divisa de McAllen (Texas), contou Denis Javier Valera
Hernández: "Minha filha se tornou um símbolo da separação de
crianças na fronteira dos EUA.13"
Capa da Time, junho de 2018
12
Íntegra do vídeo disponível em: <https://bit.ly/2M8RgYn>. Acesso em ago. 2018.
13
Para saber mais sobre o caso Yanela, ver: <https://glo.bo/2KdVHjS>. Acesso em ago. 2018.
Luciana Moherdaui | 119
Foto original de Yanela feita por John
Moore, da Getty Images
Essa imagem, captada pelo fotógrafo John Moore, prêmio
Pulitzer, e reproduzida amplamente pela imprensa ao redor do
mundo, foi usada em uma campanha para arrecadar donativos ao
Centro para Educação e Serviços Legais de Refugiados e Imigrantes
(Raice), entidade sem fins lucrativos. A ação no Facebook arrecadou
mais de U$S 17 milhões.
Na matéria publicada na internet em que narra como foi a
produção da capa, a Time, em nenhum momento, menciona que a
criança não foi separada dos pais14. Questionado, o fotógrafo
respondeu: “Eu não sei qual é a verdade. Eu temo que tenham sido
separadas”. Moore informou que sabia apenas que as “duas eram de
Honduras”. E justificou: "Só posso imaginar que perigos ela
[Sanchez] passou, sozinha com a menina”15. Nem tampouco a
agência de fotos da qual faz parte Moore, Getty Images, fez menção
ao fato, apesar de a correção feita pelo pai ter sido amplamente
divulgada pela imprensa nacional e estrangeira. A Getty Images
assim titulou a imagem: “símbolo difícil de se ver da política de
tolerância zero de Trump a imigrantes, que resultou na separação
14
Para saber mais sobre como a capa da Time foi produzida, ver: <https://ti.me/2K74y3F>. Acesso
em ago. 2018.
15
Para saber mais detalhes sobre como a foto foi feita, ver: <https://bit.ly/2LWNRwx>. Acesso em
ago. 2018.
120 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
de pelo menos duas mil crianças de seus pais desde que entrou em
vigor, em abril”16.
A agência fotográfica também não informa se a garota foi
separada da mãe: “Embora Moore não saiba o que aconteceu com a
menina hondurenha de dois anos e sua mãe, é provável que elas
acabem em uma instalação de detenção como essa (ver imagem
abaixo) em McAllen, onde Moore fotografou outro jovem
hondurenho em 2014”17.
Reprodução Getty Images
A confusão é geral
O caso Yanela revela que está cada vez mais difícil separar a
verdade da mentira e o quão complexo é definir o falso no noticiário.
A confusão é geral, e não se restringe somente a redes sociais e
aplicativos de comunicação instantânea, atinge os meios de
comunicação como um todo – como já aludido na abertura da
16
Para saber mais sobre a reportagem de John Moore, ver: <https://bit.ly/2Mw36st>. Acesso em ago. 2018.
17
IBIDEM.
Luciana Moherdaui | 121
introdução a este artigo, “a mentira de imprensa é tão antiga como
a mentira” (BUCCI: 2018).
O leitor que comprou aquela edição da Time, impactado pela
imagem, pela ideia de há ali um símbolo do sofrimento das crianças
separadas de seus pais, imigrantes ilegais, levou gato por lebre. Esse
consumidor engrossa o número de pessoas que acreditam que o
jornalismo de má qualidade resulta em desinformação, segundo
levantamento feito para o Digital News Report 2018, do Reuters
Institute.
Os dados são reveladores: a pesquisa feita com 74 mil pessoas
em 37 países indicou que o jornalismo de má qualidade (42%) ocupa
o primeiro lugar no ranking de desinformação. Em seguida estão:
textos com fatos distorcidos (39%), manchetes com aspectos de
notícias, mas que são, na realidade, anúncios (34%), uso do termo
fake news para desacreditar a mídia (31%), matérias elaboradas por
razões comerciais ou políticas (26%) e sátira (23%)18.
Ranking sobre desinformação do Reuters Institute
18
A pesquisa completa do Reuters Institute está disponível em: <https://bit.ly/2NCgL2g>. Acesso em
jul. 2018.
122 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Assim, mesmo com produção que envolve técnicas jornalistas
e o que a professora Cremilda Medina apontou como “valorização
de certos ângulos e cortes fotográficos”, com apelos estéticos e
“linguísticos”, já mencionado no tópico anterior, não se pode ignorar
que o viés escolhido pela Time coloca em risco o que a filósofa Hanna
Arendt chamou de verdade factual (primeiro registro dos fatos,
frágil, efêmero) no artigo Truth and Politics, publicado na revista
New Yorker em 1967.
Para ela, “o contrário da verdade é a falsificação deliberada, a
mentira”. Mas há algo mais perigoso que a mentira, na opinião da
filósofa alemã: “a verdade dos fatos é a mais vulnerável de todas as
verdades”:
“(...) são efetivamente muito tênues as possibilidades de a verdade
de facto tem de sobreviver ao assalto do poder, ela corre o
constante perigo de ser colocada fora do mundo, através de
manobras, não apenas por algum tempo, mas, virtualmente, para
sempre. Os factos e os acontecimentos são coisas infinitamente
mais frágeis que os axiomas, as descobertas e as teorias; ocorrem
no campo perpetuamente modificável dos assuntos humanos, no
seu fluxo em que nada é mais permanente que a permanência,
relativa, como se sabe, da estrutura do espírito humano”.
É a vulnerabilidade da verdade factual que está em jogo nessa
discussão sobre a capa da Time, não mais restrita somente à
plataforma do papel, mas à de redes sociais e à de aplicativos de
comunicação instantânea, pois “a não ser em casos muito explícitos,
a linha entre notícia falsa e tendenciosa não é tão clara”, explicou
Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São
Paulo (EACH-USP), em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em
26 de julho passado19.
19
A íntegra da entrevista está disponível em: <https://bit.ly/2mNg75X>. Acesso em jul. 2018.
Luciana Moherdaui | 123
Mesmo não sendo correspondente ao significado que a Time
deu para a pequena hondurenha ao incluí-la na capa de uma
reportagem sobre crianças imigrantes separadas dos pais, apenas o
presidente Donald Trump e seus apoiadores a denominaram fake
news. O corpo editorial da revista nada mencionou a esse respeito.
Nem na edição posterior.
E o guia editorial da Time (2012) é claro a respeito de
correções em relação ao material fotográfico: “preste atenção ao
contexto em que a foto foi tirada e certifique-se de que o contexto
em que estamos usando é apropriado”20.
E continua o alerta: “quando as fotos são alteradas para fins
editoriais - para fazer uma ilustração fotográfica, ou para efeito
cômico, por exemplo - os leitores devem ser informados”. Ainda de
acordo com o documento que orienta o trabalho dos profissionais
da revista: “na redação e edição de todas as histórias, é vital que
revisemos a cópia pela imparcialidade, precisão e possível viés”21.
Isso leva aos seguintes questionamentos: se a foto não tivesse
a assinatura de um fotógrafo premiado e se não tivesse sido
publicada em uma importante revista, mas em redes sociais ou
aplicativos de comunicação, seria denominada uma falsificação da
verdade? Um erro - ou uma “barriga”, no jargão jornalístico -, é
cometido sem intenção de causar dano. Já a falsa notícia tem como
objetivo impactar o leitor, afetá-lo diante de algo. Nesse contexto, o
termo fake news integra a era da pós-verdade política, na qual,
segundo o dicionário Oxford, “fatos objetivos têm menos influência
em moldar a opinião pública do que apelo à emoção e a crenças
pessoais”22.
É correto supor que o jornalismo deseja a verdade, como
afirmou Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes
20
O guia editorial da Time está disponível em: <https://bit.ly/2Mo5HF3>. Acesso em ago. 2018.
21
IBIDEM.
22
Para ver a íntegra da definição do dicionário Oxford sobre pós-verdade, ver:
<https://bit.ly/2gP7aYv>. Acesso em ago. 2018.
124 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
da Universidade de São Paulo (ECA-USP), em artigo publicado no
Estadão em maio passado. “A verdade está sempre em processo, e
isso não é ruim, não é um defeito, é apenas natural. A verdade está
menos no que a imprensa diz e muito mais nas perguntas que ela
cobra do poder. A imprensa é menos uma fonte da verdade e mais
um desejo de verdade”23
Ora, não se pode simplesmente desejar verdades. É preciso
trazer os fatos, comprová-los, caso contrário é imenso, não há
dúvida, o risco de esse desejo de verdade se transformar em um falso
relato e viralizar não só nas redes sociais, mas em toda a mídia
tradicional. Foi o que ocorreu com a imagem da menina
hondurenha, rotulada viral photo (foto viral) pela Getty Images.
Essa tática, em vez de informar e esclarecer, desinforma e confunde
o eleitor.
Há quem recuse o uso do termo fake news por ter sido
apropriado por políticos ao se referir a notícias negativas publicadas
na imprensa (VOSOUGH et al: 2018). Nos EUA, o presidente Trump
usa desse expediente para criticar os jornalistas, a quem
denominou: “inimigos do povo”. O mais apropriado seria rotular as
notícias como falsas ou verdadeiras (true or false news) a partir da
verificação dos fatos (IBIDEM).
Para Claire Wardle, diretora de pesquisa da First Draft,
instituto ligado à Universidade de Harvard, a denominação fake
news é “inútil”, porque trata-se de algo não restrito a notícias
somente, mas a todo ecossistema de informações. E a nomenclatura
fake não dá conta da complexidade dos diferentes tipos de
desinformação, originados de jornalismo de má qualidade, paródia,
partidarismo, lucro e influência política, entre outros, conforme o
quadro abaixo24:
23
A íntegra do artigo de Eugênio Bucci ao Estadão está em: <https://bit.ly/2vRKZGk>. Acesso em
ago. 2018.
WARDLE, C. Fake news. It’s complicated. In: First Draft, 2017. Disponível em:
<https://bit.ly/2sg2Ntf>. Acesso em ago. 2018.
24
Luciana Moherdaui | 125
Reprodução First Draft
Para entender o ecossistema atual de informações, a diretora
do First Draft divide em três elementos a sua análise: a) os
diferentes tipos de conteúdo que estão sendo criados e
compartilhados; b) as motivações de quem cria esse conteúdo; e c)
as formas como este conteúdo está sendo divulgado:
“Isso importa. Como Danah Boyd descreveu em um artigo recente,
estamos em guerra. Uma guerra de informação. Nós certamente
deveríamos nos preocupar com pessoas (incluindo jornalistas)
inconscientemente compartilhando desinformação, mas muito
mais preocupantes são as campanhas sistemáticas de
desinformação. As tentativas anteriores de influenciar a opinião
pública basearam-se em tecnologias de transmissão ‘um-paramuitos’, mas as redes sociais permitem que ‘átomos’ de
propaganda sejam direcionados diretamente a usuários que têm
mais probabilidade de aceitar e compartilhar uma mensagem
específica. Uma vez que eles compartilham inadvertidamente um
artigo, uma imagem, um vídeo ou um meme enganoso ou
fabricado, a próxima pessoa que o visualizar em seu feed social
provavelmente confia no pôster original e passa a compartilhá-lo.
Esses ‘átomos’, em seguida, disparam através do ecossistema de
informações em alta velocidade, alimentados por redes peer-topeer confiáveis. Isso é muito mais preocupante do que os sites de
126 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
notícias falsas criados por adolescentes macedónios com fins
lucrativos (2017)”.
Dada à complexidade da discussão, o que se compreende é que
as notícias falsas não podem ser simplesmente comparadas a
mentiras, como defendeu Hannah Arendt na New Yorker. Mentiras
são mentiras, e existem desde sempre. E, talvez, sua distribuição
tenha se amplificado exponencialmente, como afirma Pollyana
Ferrari em Como sair das bolhas (2018), “a mentira [agora] está
tomando conta de tudo”.
No contexto atual, é coerente a definição que fez o professor o
Bucci, da ECA, em junho passado, em um evento no Estadão em que
a temática foi discutida: “misturam informações verdadeiras e
falsas, com o objetivo de persuadir o leitor. Parecem notícias, têm
aspectos de notícias, mas não são notícias. Um falso brilhante, para
comparar.”
Embora sua reflexão acerca da verdade e da mentira tenha
sido publicada na década de 1960 e tenha sido centrada
principalmente no âmbito político, a descrição de Arendt daquela
época é perfeitamente aplicável à contemporaneidade jornalística:
“uma falsificação não se esforça para alterar todo o contexto – faz
por assim dizer um buraco no tecido dos fatos.”
Esse buraco no tecido dos fatos do qual trata a filósofa alemã
tem correlação com a caracterização, mencionada anteriormente,
que faz o professor Bucci: “parecem notícias, têm aspectos de
notícias, mas não são notícias”. Por essa razão, não é incoerente
incluir, sobretudo no pós-Trump – ou na era da pós-verdade -, que
o falso é parte dos critérios de noticiabilidade que também norteiam
o jornalismo.
É prudente, porém, lembrar que, embora diversos teóricos,
como Tobias Peucer, tenham tratado da inverdade na produção
noticiosa, em nenhum momento o falso integrou suas tabelas de
noticiabilidade. É verdade que o professor Bucci, em sua definição,
se referiu às falsas notícias que circulam nas redes sociais ou em
Luciana Moherdaui | 127
aplicativos de comunicação instantânea, mas não se pode ignorar, a
partir da análise da capa da Time, que nela pode ser incluída a mídia
tradicional - a categoria poor journalism (jornalismo de má
qualidade) integra a tabela de Claire Wardle e da pesquisa do Digital
News Report 2018.
A menina, cuja imagem virou símbolo da política de tolerância
zero de Trump com migrantes, não foi separada dos pais. Diante
disso, é imprescindível perguntar: a verdade tem que ser sacrificada
pela estética? É o que se percebe ao verificar o acervo de imagens
disponíveis relacionadas àquela cobertura no banco de imagens da
Getty Images. A única que se adequa perfeitamente à composição da
Time e à mensagem que a revista quis transmitir sobre o presidente
americano é a da pequena Yanela chorando e olhando para a mãe e
para os agentes de imigração (ver p.14).
Há quem possa argumentar que “a fotografia não pode ser
pensada como um documento que vale por si próprio, neutro, isento
de manipulação; que “não existe documento inocente” (KOSSOY:
2007). Mas “a fotografia, assim como as demais fontes, deve ser
submetida ao devido exame critico que a metodologia da história
impõe aos documentos. A desmontagem implica na ideia de
decifração: o nosso estudo está centrado num contínuo exercício de
decifração” (IBIDEM).
O raciocínio de Boris Kossoy traz uma dúvida: quem tem
habilidades para fazer tal desconstrução? Lembra Arendt: “como
todo historiador sabe, pode-se detectar uma mentira observando
incongruências ou junturas dos espaços consertados. Enquanto a
textura do seu todo for considerada intacta, a mentira mostrar-se-á
imediatamente de modo espontâneo”.
Historiadores têm métodos e meios de aferir a veracidade, os
leitores não temos instrumentos nem acesso para checar as
informações que recebemos. Regra geral, a imprensa é nosso vetor
de confiança. Como ficamos?
128 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Referências
BUCCI, E. Pós política e corrosão da verdade. Dossiê USP Pós-Verdade e
Jornalismo. São Paulo, Revista da USP, 2018. Disponível em:
<https://bit.ly/2Lbenlt>. Acesso em jul. 2018.
CORREIA, Fernando. Os jornalistas e as notícias. Lisboa: Editorial Caminho, 1997.
FERRARI, P. Como sair das bolhas. São Paulo: Educ, 2018.
GALTUNG, J., RUGE, J. The structure of foreign news. Journal of Peace
Research, vol 1. Noruega, 1965. p. 64-90. Disponível em:
<http://bit.ly/Ak9NGw>. Acesso em ago. 2018.
GANS, H. Deciding what´s news. A study of CBS Evening News, NBC Nightly
News, News, Newsweek and Time. New York: Pantheon Books, 1979.
HANNAH, A. Truth and politics. The New Yorker, EUA, 1967.
KOSSOY, B. Os tempos da fotografia – O efêmero e o perpétuo. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2007.
KUNCZIK, M. Conceitos de jornalismo. São Paulo: Edusp, 1997.
LAGE, N. A estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2001,
MEDINA, C. Notícia, um produto à venda. São Paulo: Summus Editorial, 1978.
MOHERDAUI, L. Jornalismo sem manchete – A implosão da página estática,
e-book. São Paulo: Senac, 2016.
SCHLESINGER. P. Putting ‘Reality’ Together: BBC News. London: Constable &
Co., 1978.
SCHUDSON, M. The Sociology of News. New York: Jeffrey C. Alexander, 2003
SOUZA, J. P. Tobias Peucer: progenitor da Teoria do Jornalismo. Estudos em
Jornalismo em Mídia, da Universidade Federal de Santa Catarina, vol. 1, n°
2, 2004. Disponível em: <https://bit.ly/2AWp2f5>. Acesso em ago. 2018.
Luciana Moherdaui | 129
TIME
INC. Editorial guidelines. EUA. 2012.
<https://bit.ly/2Mo5HF3>. Acesso ago. 2018.
Disponível
em:
TUCHMAN, G. Making news: a study in the construction of reality. New York:
Press. 1978.
WARDLE, C. Fake news. It’s complicated. First Draft, 2017. Disponível em:
<https://bit.ly/2sg2Ntf>. Acesso em ago. 2018.
WOLF, M. Teorias da comunicação de massa. Lisboa: Presença, 1995.
VOSOUGH, S. et al. et al. The spread of true and false news online. Science, EUA,
2018, p. 1146-1150.
Capítulo 5
A teoria do efeito da terceira pessoa no
compartilhamento de fake news
Carlos Oliveira Santos1
João Kwanha Xerente2
Introdução
O tema Fake News tem estado em pauta na sociedade e é
apontado como uma coisa maliciosa e que produz algum efeito em
sua maioria negativo. A expansão da internet trouxe possibilidade
de qualquer pessoa publicar na rede, o que torna um campo fértil
para a circulação de Fakes. Não é pretensão de esta pesquisa saber
os males que a Fake News causa na sociedade. Busca se aqui testar
a teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de Fake
News. Muito se tem pesquisado sobre o efeito da comunicação de
massa nas pessoas, esses estudos apontam várias perspectivas dos
efeitos da mídia.
O efeito da terceira pessoa é uma dessas perspectivas e tem
sido objeto de estudo de diversos pesquisadores. O primeiro esforço
é demostrar que o compartilhamento também produz efeitos
negativos, pois a teoria do efeito da terceira pessoa diz respeito aos
1
Jornalista. Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Sociedade (PPGCOM-UFT). E-mail: oliveiracarlos.to@gmail.com.
2
Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade
(PPGCOM-UFT).
132 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
efeitos negativos causados pela exposição a uma comunicação
massiva que segundo DAVISON (1983) é possível que ela veja o
efeito dessa exposição somente nos outros, terceira pessoa, e não
nela mesma primeira pessoa.
Para conseguir testar a teoria foi elaborado um questionário
com 14 questões e aplicado para 120 estudantes no campus
universitário de Palmas, capital do Tocantins, durante o mês de
junho de 2018, para verificar as hipóteses relativas ao
compartilhamento de fake News, qual a percepção dos estudantes
sobre Fake News, se positiva ou negativa, e se é possível aplicar a
teoria do efeito da terceira pessoa no quesito compartilhamento de
Fake News. Os respondentes foram escolhidos de forma aleatória,
pois não é pretensão desta pesquisa ter uma amostra de um
terminado grupo de estudante da universidade. As tabelas foram
construídas a partir da aplicação dos questionários e foi utilizado o
programa estatístico SPSS – Statistical Package of Social Science
22.0, versão de teste baixado direto do site da IBM. Foi construído
um banco de dados para a realização da tabulação. Após depuração
e revisão dos dados foi enfim feita as tabelas.
Revisão da literatura
Muito se tem pesquisado sobre o efeito da comunicação de
massa nas pessoas, esses estudos apontam várias perspectivas dos
efeitos da mídia. O efeito da terceira pessoa é uma dessas
perspectivas e tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores.
A hipótese do efeito de terceira pessoa foi apresentada por W.
Phillips Davison em 1983, em um artigo com o título: “The ThirdPerson Effect in comunication” neste artigo ele aponta que quando
uma pessoa é exposta a uma comunicação persuasiva na mídia de
massa é possível que ela veja o efeito dessa exposição somente nos
outros, terceira pessoa, e não nela mesma primeira pessoa. As
pequenas experiências pessoais foi o ponto de partida do Autor na
elaboração dessa hipótese ele pontua que as pessoas fazem parte de
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 133
uma audiência, porém acreditam que a mensagem faça mais efeito
nos outros do que em si mesma. Ou seja, o outro, terceira pessoa, é
considerado mais vulnerável às mensagens da mídia. Esse
posicionamento, segundo o autor, pode leva-los a tomar alguma
atitude.
“Mais especificamente, os indivíduos que são membros de uma
audiência que é exposta a uma comunicação persuasiva (quer esta
comunicação pretenda ser persuasiva ou não) irão esperar que a
comunicação tenha um efeito maior nos outros do que em si
próprios. E se esses indivíduos estão ou não entre o público
ostensivo da mensagem, o impacto que eles esperam que essa
comunicação tenha sobre os outros pode levá-los a tomar alguma
atitude”. (DAVISON, 1983, p. 3).
Segundo Porto Junior (2009), para que Davison (1983)
estruturasse sua percepção ele “utilizou-se de quatro situações que
tendem a sustentar essa hipótese. As situações envolviam pesquisas
empíricas utilizando, na maioria dos casos, estudantes
universitários de Comunicação Social, no período de 1978 a 1982.
Nos quatro experimentos, perguntava-se, entre outras questões,
qual o efeito que eles percebiam que certa situação causava neles
(eu) e nos outros (terceira pessoa). Os resultados dos quatro
experimentos tendem a indicar a presença de um efeito de terceira
pessoa”. (PORTO JUNIOR et al, 2018).
Para Gunther (1991), esse efeito ocorre por causa da
percepção de superioridade que os indivíduos têm em relação à
maioria das pessoas,
“uma tendência em acreditar que ele é mais “inteligente” do que a
maioria. Como resultado, eles são motivados a aumentar sua
autoestima e percebem os outros como mais vulneráveis às
influências negativas dos meios de comunicação de massa”.
(GUNTHER 1991, pg. 368).
Perloff (2002), caminha no mesmo sentido de GUNTHER
(1991) e afirma que a questão principal ao se tratar da hipótese de
134 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
efeito de terceira pessoa é que toda a estimativa acerca dos efeitos
agora recai sobre o outro, e não no ‘eu’: “ao assumir que é
invulnerável aos efeitos da comunicação, ao passo que os outros são
ingenuamente suscetíveis, os indivíduos preservam um senso
positivo sobre si mesmos e reafirmam sua crença de que são
superiores aos outros”.
Essa teoria apresenta um olhar sobre a comunicação referente
aos efeitos que a mídia exerce sobre o indivíduo. Esses efeitos se
modificam de acordo com o enfoque, se positivo ou negativo, mas
sempre estará presente. A atual sociedade está marcada pela ampla
difusão de Fake News, que ocorrem principalmente por causa
convergência das tecnologias da comunicação. Nesse contexto é que
será testada a hipótese de efeito de terceira pessoa.
Fake News
A expansão da conexão e a possibilidade de qualquer pessoa
publicar na rede fez o jornalismo se transformar. O surgimento das
Fake News, também chamada de pós-verdade, têm mudado a forma
do fazer jornalístico. As notícias falsas estão tanto na internet quanto
nos meios de comunicação tradicionais. De acordo com SOUZA
(2017)
“Ao longo de sua história, o jornalismo sempre conviveu em menor
ou maior grau com notícias falsas. Boatos publicados sem
apuração, notícias pagas para favorecer alguém, notícias
simplesmente inventadas em veículos sensacionalistas – tudo isso
não vem de hoje e foi algo com que a imprensa sempre buscou
lidar. No entanto, com a internet, a proliferação das notícias falsas
aumentou exponencialmente. Um fenômeno que vem pondo em
risco a própria profissão de jornalista, que vê agora, em plena era
digital, sua credibilidade novamente em jogo”. (SOUZA 2017,
p.01):
Segundo Souza (2017), as notícias falsas que são publicadas
na internet servem motivos diversos. Seja para descredibilizar um
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 135
adversário político, exemplo da ultima campanha americana, ou seja
simplesmente para atrair um grande número de visualizações e
assim garantir mais publicidade aos sites, dentre outros motivos.
Ainda acordo com autor, o Dicionário Oxford elegeu o termo pósverdade como a expressão do ano. Esse conceito de sempre existiu,
mas, ganhou força no ano de 2016 nos contextos do referendo da
União Europeia no Reino Unido e nas eleições presidenciais dos
Estados Unidos, em razão da expressiva quantidade de notícias
falsas envolvendo esses dois eventos. A partir de então tem sido
popularmente conhecida como Fake News.
Hipóteses
O tema Fake News tem estado em pauta neste momento e é
apontado como uma coisa maliciosa e que produz algum efeito em
sua maioria negativo. Diante disso construímos duas hipóteses para
esta pesquisa.
Hipóteses 1: o estudante universitário compartilha Fake
News, porém acredita que o estudante universitário por ter uma
noção mais clara da realidade compartilha menos Fake News;
Hipóteses 2: ao acreditar que o efeito de compartilhamento
se aplica ao outro, terceira pessoa, é favorável a criação de leis que
controle dos conteúdos midiáticos
Metodologia
A pesquisa de campo que fundamenta esse artigo foi feita na
Universidade Federal do Tocantins no campus de Palmas, para tanto
foi elaborado um questionário com 14 questões (anexo) e aplicado
para 120 estudantes no campus universitário de Palmas, capital do
Tocantins, durante o mês de junho de 2018. Como o tempo para
conclusão do artigo era curto não foi possível testar a validade do
instrumento, essa necessidade foi percebida na aplicação do
questionário após muitos estudantes perguntarem se na questão de
136 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
número nove poderiam responder mais de uma afirmativa. Essas
questões foram elaboradas para verificar as hipóteses relativas ao
compartilhamento de fake News, qual a percepção dos estudantes
sobre Fake News, se positiva ou negativa, e se é possível aplicar a
teoria do efeito da terceira pessoa no quesito compartilhamento de
Fake News.
As três primeiras perguntas – “você sabe o que é uma Fake
News?”, “você acredita que o compartilhamento de fake News
produza efeito negativo para a sociedade?” e, “você acredita que a
sociedade já esteja sofrendo os efeitos negativos dos
compartilhamentos de Fake News?” – busca entender o grau de
conhecimento dos estudantes universitários sobre Fake News e se o
compartilhamento dela é percebido de forma negativa.
Saber se o estudante percebe o compartilhamento de Fake
News como negativo é importante, pois o artigo busca testar a teoria
não no efeito da notícia compartilhada, mas sim no ato de
compartilhar, assim as questões que se seguem –, “você acredita que
a mídia tenha que desempenhar um papel mais efetivo na
conscientização da sociedade para o não compartilhamento de Fake
News?” e “você acredita a mídia também seja uma geradora de Fake
News?” – tem a intenção de saber qual a percepção que os
estudantes universitários têm da mídia nesse processo tanto de
produção quanto de compartilhamento de Fake News, porque se ele
acredita que a mídia é uma geradora de Fake News e também
acredita que o ato de compartilhar Fake News é negativo, logo o
efeito negativo da mídia, objeto da teoria, está na produção de Fake
News que é compartilhada.
As questões seguintes (9 a 11) formam um bloco, pois estão
diretamente ligadas. A nona questão pergunta “o que você acredita
que possa inibir os compartilhamentos da Fake News?”, e oferece as
seguintes alternativas: a) campanhas educacionais; b) a formação
escolar. Aqui pretende verificar se ele vai se vê como participante de
um grupo com formação escolar e responder que sim a formação
escolar é importante. Já as perguntas subsequentes tentam detectar
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 137
a crença ou descrença quanto aos mecanismos citados na nona
questão, que permitiriam inibir o compartilhamento de Fake News,
como seguem: “considerando o atual contexto da sociedade, você
acredita que uma campanha de conscientização para o não
compartilhamento de Fake News surte efeito?” e “você acredita que
nosso sistema escolar consegue conduzir os estudantes a ter um
senso crítico?”.
Na décima segunda questão, o ato de compartilhamento de
Fake News passa a estar associada ao entrevistado: “você, na
condição de estudante universitário, já compartilhou alguma notícia
e depois descobriu que era Fake News?”. Essa questão busca
evidenciar que o entrevistado também compartilha Fake News, fazse abertura para a primeira hipótese, que é a percepção estando
associada ao outro, percepção dos efeitos de terceira pessoa, a
questão seguinte amarra a hipótese: “você acredita que o estudante
universitário tenha uma noção mais clara da realidade e por isso
compartilha menos Fake News?”, pois mesmo ele compartilhando
Fake News a hipótese é de que ele vai dizer que o estudante
universitário, grupo que ele pertence, tem uma noção mais clara da
realidade e por isso não compartilha Fake News. Essa hipótese está
ligada à segunda, que tenta verificar, a partir da noção de efeito
sobre o outro, a propensão para que se criem leis para o controle
dos conteúdos midiáticos. A última questão está assim disposta:
“Responda essa questão apenas se você acredita que o
compartilhamento de Fake News produza algum efeito negativo na
sociedade: Se você acredita na influência negativa do
compartilhamento de Fake News, você é favorável à criação de leis
que controlem o conteúdo da mídia?”.
É necessário lembrar, já aqui no início, que os respondentes
foram escolhidos de forma aleatória, pois não era pretensão desta
pesquisa ter uma amostra de um terminado grupo de estudante da
universidade, da mesma forma não foi guardada uma proporção
entre os sexos. As tabelas abaixo foram construídas a partir da
aplicação dos questionários. Foi utilizado o programa estatístico
138 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
SPSS – Statistical Package of Social Science 22.0, versão de teste
baixado direto do site da IBM. Foi construído um banco de dados
para a realização da tabulação. Após depuração e revisão dos dados
foi enfim feita as tabelas.
Resultados
Esse primeiro grupo de questões, representados nas tabelas
de 1 a 3, visam situar o perfil dos estudantes que participaram da
pesquisa, é possível perceber uma predominância de jovens da
graduação.
Sexo dos estudantes
Tabela 1
Válido
Feminino
Masculino
Total
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
acumulativa
57
47,5
47,5
47,5
63
52,5
52,5
100,0
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Idade dos estudantes
Tabela 2
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
Total
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
22
18,3
18,3
68
56,7
56,7
17
14,2
14,2
7
5,8
5,8
4
3,3
3,3
2
1,7
1,7
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Porcentagem
acumulativa
18,3
75,0
89,2
95,0
98,3
100,0
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 139
Grau de instrução dos estudantes
Tabela 3
Válido
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
acumulativa
Graduação
108
90,0
90,0
90,0
Especialização
3
2,5
2,5
92,5
Mestrado
5
4,2
4,2
96,7
Doutorado
4
3,3
3,3
100,0
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
O grupo seguinte composto por cinco questões e objetiva
saber o grau de conhecimento do estudante universitário sobre Fake
News, se ele acredita que a Fake News produz efeito negativo na
sociedade e qual o papel que ele atribui a mídia nesse processo tanto
de criação quanto de compartilhamento de Fake News.
Acredita que o compartilhamento de Fake News produz efeito negativo para a
sociedade
Tabela 4
Sexo dos estudantes
Feminino Masculino
Total
Acredita que o
Sim
55
62
117
compartilhamento de
Não
Fake News produz
2
1
3
efeito negativo
Total
57
63
120
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Não foi necessário inserir a tabela relativo a questão de
número 4 - “você sabe o que é uma Fake News?” – uma vez que
todos os respondentes sabiam. A tabela 4 mostra que quase a
totalidade dos respondentes acredita que a Fake News produz efeito
negativo na sociedade. E a tabela 5 mostra que eles também acham
que esse efeito negativo já esteja acontecendo.
140 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Acredita que a sociedade já esteja sofrendo efeitos da Fake News
Tabela 5
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
Válido Sim
113
94,2
94,2
Não
7
5,8
5,8
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Porcentagem
acumulativa
94,2
100,0
Acredita que a mídia tenha que desempenhar um papel mais efetivo na
conscientização da sociedade para o não compartilhamento de Fake News
Tabela 6
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
Válido Sim
111
92,5
92,5
Não
9
7,5
7,5
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Porcentagem
acumulativa
92,5
100,0
Acredita que a mídia também seja uma geradora de Fake News
Tabela 7
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
Válido Sim
118
98,3
98,3
Não
2
1,7
1,7
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Porcentagem
acumulativa
98,3
100,0
As tabelas 6 e 7 são interessantes, pois ao mesmo tempo em
que os estudantes acham que a mídia tem que desempenhar um
papel mais efetivo na conscientização para o não compartilhamento
de Fake News, eles acreditam ser a mídia a geradora de Fake News.
O grupo seguinte traz três questões que estão interligadas, a
nona questão busca saber o que o estudante acredita ser capaz de
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 141
inibir o compartilhamento de Fake News e as questões seguintes
tentam verificar a crença ou descrença quanto aos mecanismos
citados na nona questão.
Acredita que possa inibir os compartilhamentos da Fake News
Tabela 8
Frequência Porcentagem
Porcentagem Porcentagem
válida
acumulativa
Campanha de
70
58,3
58,3
conscientização
Formação escolar
50
41,7
41,7
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
58,3
100,0
Acredita que uma campanha de conscientização para o não compartilhamento
de Fake News surte efeito
Tabela 9
Porcentagem
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
acumulativa
Válido sim
85
70,8
70,8
70,8
não
35
29,2
29,2
100,0
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Acredita que nosso sistema escolar consegue conduzir os estudantes a ter um
senso crítico
Tabela 10
Porcentagem
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
acumulativa
Válido Sim
47
39,2
39,2
39,2
Não
73
60,8
60,8
100,0
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Há uma coerência nas respostas apresentadas nas tabelas 8,
9 e 10, pois a maioria dos respondentes acha que uma campanha de
142 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
conscientização possa inibir o compartilhamento de Fake News e
acham que uma campanha dessa surta efeito ao passo que não
acreditam que o sistema escolar seja capaz de conduzir os
estudantes a ter um senso crítico
Já compartilhou alguma notícia e depois descobriu que era Fake News
Tabela 11
Válido
Sim
Não
Total
Porcentagem Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
acumulativa
84
70,0
70,0
70,0
36
30,0
30,0
100,0
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Acredita que o estudante universitário tenha uma noção mais clara da realidade
e por isso compartilha menos Fake News
Tabela 12
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
Válido Sim
67
55,8
55,8
Não
53
44,2
44,2
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Porcentagem
acumulativa
55,8
100,0
A tabela 13, a seguir, traz uma comparação dos dados
apresentados nas tabelas 11 e 12, acima, e demostra como os
estudantes universitários ao mesmo tempo em que compartilha
Fake News acreditam que por ser estudante universitário tenham
um melhor senso crítico e por isso compartilham menos Fake News.
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 143
Tabela 13
Já
compartilhou
alguma
notícia e depois descobriu que
era Fake News
Sim
Não
Sim
43
24
Não
41
12
Acredita que o estudante
universitário tenha uma
noção mais clara da
realidade e por isso
compartilha menos Fake
News
total
84
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
36
67
53
120
Está ultima tabela demostra que os estudantes universitários
são a favor da criação de leis que controlem o conteúdo da mídia.
É favorável à criação de leis que controlem o conteúdo da mídia
Tabela 14
Porcentagem
Frequência Porcentagem
válida
Válido sim
65
54,2
54,2
não
55
45,8
45,8
Total
120
100,0
100,0
Fonte: Pesquisa de campo, 2018.
Porcentagem
acumulativa
54,2
100,0
Discussão
As questões aplicadas aos respondentes estão divididas em
grupos e cada grupo busca entender uma parte do fenômeno até
chegar ao ponto de comprovar as hipóteses apresentadas no inicio.
Após a revisão e construção das tabelas o resultado permite
fazer alguns apontamentos. O primeiro grupo questões de 1 a 3 são
de dados sócios demográficos. O grupo seguinte composto por cinco
questões e apresentados nas tabelas de 4 a 7 objetiva saber o grau
de conhecimento do estudante universitário sobre Fake News:
100% sabem o que é Fake News buscou-se também saber se ele
144 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
acredita que a Fake News produz efeito negativo na sociedade 97,5%
acredita, e qual o papel que ele atribui a mídia nesse processo tanto
de criação quanto de compartilhamento de Fake News. 92,5%
Acredita que a mídia tenha que desempenhar um papel mais efetivo
na conscientização da sociedade para o não compartilhamento de
Fake News, e, curiosamente 98,3% Acredita que a mídia também
seja produtora de Fake News.
O resultado deste grupo é importante, pois ficou evidente que
os estudantes universitários consideram que a Fake News produz
um efeito negativo e como ele também considera a mídia como
produtora de Fake News, é possível aplicar a teoria do efeito da
terceira pessoa nesta pesquisa, mesmo sendo seu objeto o
compartilhamento que foi apontado por 97,5% como causador de
efeito negativo na sociedade.
Vencida essa etapa de comprovação de que pode ser aplicada
a teoria no compartilhamento o grupo seguinte traz três questões
interligadas entre si, a nona questão busca saber o que o estudante
acredita ser capaz de inibir o compartilhamento de Fake News
(tabela 8) e são apresentadas duas opções, 58,3% acreditam que a
opção campanhas educativas cumpre bem esse papel as questões
seguintes tentam verificar a crença ou descrença quanto aos
mecanismos citados na nona questão. O resultado da décima
questão (tabela 9) reafirma que campanhas educativas são
suficientes, pois 70,3% acreditam na eficácia das campanhas delas.
A decima primeira questão (tabela 10) é importante na
construção do outro em relação aos estudantes universitários, pois
a pergunta é: “você acredita que nosso sistema escola consegue
conduzir os estudantes a ter um senso crítico?”, nesta pergunta foi
usado o termo estudante de forma genérica sem dizer qual
estudante, diferente da questão de número 13 em que é atribuído ao
estudante universitário uma noção mais clara da realidade. 60,8%
não acreditam que o sistema escolar é capaz de conduzir o outro
estudante a ter um senso crítico, por isso é necessário, conforme
58,3%, as campanhas educativas. As questões 12 e 13 foram feitas
Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 145
de forma invertidas de propósito, pois lhe fosse questionado
primeiro se ele acredita que o estudante universitário tem uma
noção mais clara da realidade por isso compartilha menos Fake
News o que 55,8% dos respondentes acreditam, dificilmente 70%
iriam admitir que já houvesse compartilhado Fake News.
Algumas considerações
A pesquisa demostrou que é possível aplicar a teoria do efeito
da terceira pessoa no compartilhamento de Fake News, o primeiro
esforço foi comprovar que os estudantes viam um efeito negativo na
Fake News.
Dessa forma, o ato de compartilhar é percebido como
estender esse efeito na sociedade, vencido esse esforço conseguimos
comprovar as hipóteses de o estudante universitário compartilha
Fake News (70%), porém acredita que o estudante universitário,
por ter uma noção mais clara da realidade, compartilha menos Fake
News (55,8%) e, infelizmente, a segunda hipótese também foi
comprovada, pois ao acreditar que o efeito de compartilhamento se
aplica ao outro, terceira pessoa, o estudante universitário é favorável
a criação de leis que controle dos conteúdos midiáticos.
Referências
DAVISON, W. Phillips. The third-person effect in communication. Public
Opinion Quarterly, vol. 47, 1983: p. 1-15.
GUNTHER, A. C. What we think others think: Cause and consequence in the
third person effect. In: Communication Research, 18(3), 1991, p. 355-372.
PERLOF, Richard M. The third-person effect. In: BRYANT, J.; ZILMANN, D. (org.)
Media effects: advances in theory and research. New Jersey: Lawrence
Erlbaum, 2002.
146 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
PRABU, David; MORRISON, Glenda; JOHNSON, Melissa A., ROSS, Felecia. Body
Image, Race, and Fashion Models: Social Distance and Social Identification
in Third-Person Effects. Communication Research, Volume 29,
Number 3, p. 270-294, june 1,2002.
PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Entre fronteiras: explorando o efeito da
terceira pessoa. Estudos em Jornalismo e Mídia, ano VI, nº. 2 p. 45-59,
jul/dez, 2009.
PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Percepções sobre o ensino de jornalismo:
o efeito da terceira pessoa sobre as práticas formativas. In: PORTO JR.,
Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA,
Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects:
ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da
Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico].
Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
SOUZA, Rogério Martins de. Investigando as fake news: análise das agências
fiscalizadoras de notícias falsas no Brasil. 2017. Disponível em: <
http://portalintercom.org.br/anais/sudeste2017/resumos/R58-03431.pdf> Acesso em: 02 set. 2017.
Capítulo 6
A fake news no caso Marielle Franco e a
cobertura online do jornal do Tocantins
Cleide das Graças Veloso dos Santos 1
Ruy Alberto Pereira Bucar 2
Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior 3
Introdução
Recentemente, o assassinato da vereadora Marielle Franco do
Partido Socialismo e Liberdade do Rio de Janeiro (PSOL-RJ) e de seu
motorista Anderson Pedro Gomes, ocorrido após saírem de uma das
1
Cleide das Graças Veloso dos Santos. Mestranda em Comunicação e Sociedade PPGCom/UFT. Pósgraduada em Ensino de Comunicação e Jornalismo Opaje/UFT. Graduada em Comunicação
Social/Jornalismo UFT. E-mail: cleide.veloso13@gmail.com.
2
Ruy Alberto Bucar. Mestrando em Comunicação e Sociedade PPGCom/UFT. Pós-graduado em
Ensino de Comunicação e Jornalismo Opaje/UFT. Graduado em Jornalismo UFG. E-mail:
ruybucar@globo.com.
3
Pós-doutor em Educação (Universidade de Cádiz, UCA, Espanha), em Comunicação (FAC-UnB) e
Ciências Sociais Aplicadas: Comunicação (UNESP). Doutor em Comunicação e Cultura
Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre
em Educação pela Faculdade de Educação (UnB) e graduado em Comunicação Social/Jornalismo,
Pedagogia e História. Atualmente é líder do Núcleo de Pesquisa e Extensão e Grupo Lattes Observatório
de Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino (OPAJE-UFT). É professor na Fundação Universidade
Federal do Tocantins (UFT). Cumpre estágio pós-doutoral/professor visitante no Centro de Estudos
Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC, Portugal). E-mail:
gilsonportouft@gmail.com.
148 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
reuniões da agenda da parlamentar, na noite do dia 14 de março de
2018, recebeu ampla divulgação na imprensa nacional e internacional4.
Além dos aspectos violentos da ocorrência, aparentemente não
haviam pistas dos responsáveis5, então outras matérias relatam a
comoção6 e o sepultamento das vítimas7. As investigações seguem, mas
de repente as notícias ganham outro foco, com o surgimento da
circulação de acusações contra a vereadora nas redes sociais8, notícias
falsas ou Fake News9.
Nesse contexto, esse artigo apresenta o relato da pesquisa que
busca delinear, sob método da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977),
como ocorreu o agendamento e a abordagem do assunto Fake News no
caso Marielle Franco, na versão online do Jornal do Tocantins (JTO
online), que se elege como fonte da amostra, por apresentar maior
volume de publicações, conforme discriminado a seguir.
A partir da fase exploratória da pesquisa, tornou-se necessário o
enquadramento da busca, para definição do veículo e da amostra a ser
analisada. Então foi adotado como critério, o recorte geográfico, que
permitiu a localização de 50 veículos online na região intermediária do
Tocantins, compostas pelos pólos de Miracema, Palmas, Paraíso e Porto
Nacional10; o recorte temporal, que delimitou pesquisa às publicações
4
______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 8h06, sob o título 'Imprensa
internacional repercute morte da vereadora do PSOL no Rio', aponta EUA, Inglaterra, Argentina, Peru
e Venezuela.
5
Publicada no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, dia 14 mar 2018 às 22h48, atualizada dia 15
mar 2018 às 13h12, sob o título 'Vereadora do PSOL é morta a tiros no Rio de Janeiro', relata crime e
traz atualizações.
6
______ na editoria Celebridades da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 9h58, sob o título 'Elza
Soares, Karol Conka e outros artistas repercutem morte da vereadora Marielle Franco'.
7
______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 8h47, sob o título 'Corpo de
Marielle Franco será velado na Câmara Municipal do Rio', traz repercussão do caso e foto do
carro baleado.
8
______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 17 mar 2018 às 19h06, sob o título 'PSOL
processará desembargadora que acusou Marielle de se engajar com crime'.
9
______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 18 mar 2018 às 15h42, sob o título 'Estão
tentando matar Marielle de novo', diz Freixo sobre fake news.
10
Mapa da Base Cartográfica Contínua do Brasil, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão IBGE, em 2015.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 149
realizadas no prazo de 60 dias, a partir do assassinato da vereadora,
compreendidos entre 14/03/2018 a 15/05/2018; e o recorte na
personagem, com as Unidades de Registro (URs) 'Marielle' ou 'Marielle
Franco'.
Assim, foram localizadas 135 notícias, com o uso dos
mecanismos de busca do Mapa da Mídia no Tocantins11, da plataforma
Google e dos respectivos veículos. Em seguida, as notícias foram
materializadas, com impressão digital em PDF que permite a leitura
posterior e agrupadas em tabelas por veículo, contendo as variáveis de
identificação, localização e quantificação. Nessa ocasião a amostra
contendo 44 notícias sobre 'Marielle Franco' elegeu o JTO online, como
fonte dos objetos da análise. Contudo, para refinamento da amostra,
foram selecionadas as matérias relacionadas a circulação das
afirmações falsas sobre a vereadora.
Dessa maneira, a amostra do JTO Online se definiu na soma de
06 notícias. Em seguida, com a leitura flutuante; sob o critério do uso
dos termos 'notícia falsa', 'fake news', 'notícia fake' e sinônimos, foram
criadas as variáveis, para agrupamento e quantificação e posteriores
reflexões sobre o conteúdo. A análise das notícias se ampara, na
pesquisa bibliográfica pertinente, além dos Ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo da obra Media Effects (PÔRTO JR;
MORAES; OLIVEIRA; SANTI Orgs., 2018).
Contudo, cabe ressaltar, que a busca por compreender a
abordagem do JTO online sobre a Fake News no caso Marielle Franco,
não tem pretensão de alcançar inferências conclusivas. Esse estudo tem
o objetivo de contribuir com as reflexões já iniciadas sobre Fake News,
verificar o volume de participação do veículo no combate às
informações falsas e em melhor perspectiva inspirar estudos futuros.
Os assuntos abordados são temas dos diálogos acadêmicos científico e
de interesse social, o que justifica a importância desse estudo. Em vista
11
O Mapa da Mídia do Tocantins é um banco de dados de referência e serve como fonte de pesquisa
para estudantes, professores, profissionais e pesquisadores, de iniciativa do Grupo de Pesquisa em
Jornalismo e Multimídia, vinculado ao curso de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins
(ROCHA; SOUZA, 2016).
150 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
disso, o próximo título apresenta uma breve contextualização do caso e
dos aspectos que oferecem especificidade aos objetos.
O assassinato da vereadora Marielle Franco, as notícias falsas e o
perfil da parlamentar
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu
motorista Anderson Gomes, ocorrido em março de 2018, após a saída
do último compromisso da agenda de reuniões da parlamentar, em um
encontro com um grupo de mulheres negras, causa comoção nacional
e internacional. Naquele momento, a proposta da intervenção militar
federal do Rio de Janeiro, dividia opiniões sobre o combate à violência
no Estado.
Então a imprensa passou a buscar informações sobre a
investigação12, a mobilização social em homenagens simbólicas e
protesto contra a morte da vereadora13. O repúdio à morte se multiplica
no Brasil e em outros países14, Marielle passa a ser citado em outras
pautas15.
Porém, surgem notícias sobre a circulação de informações
falsas sobre a parlamentar. Além da desembargadora, um parlamentar
também usou as redes sociais para divulgar 'fake news' contra Marielle,
como relata a matéria16 sobre o pedido de cassação do deputado. O
repúdio à tentativa de desqualificar a vereadora mobilizou diferentes
segmentos contra os ataques com notícias falsas. E um grupo de
12
______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 13h42, sob o título 'Polícia
rastreia dezenas de câmeras para desvendar assassinato de vereadora'.
13
______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 19h27, sob o título 'Milhares
protestam no Rio e em SP contra assassinato de Marielle'.
14
_____ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 17 mar 2018 às 13h55, sob o título 'Semana
começa com protestos contra a morte de Marielle no Brasil e na Europa'.
15
_____ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 16 mar 2018 às 14h14, sob o título 'Balé da
Cidade estreia espetáculo com forte tom político'.
16
______ no caderno Geral da Folha de São Paulo, 21 mar 2018 às 18h21 e atualizada às 18h46, sob o
título PSOL pede cassação de Fraga após acusações falsas contra Marielle'.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 151
voluntários criou um site, para desmentir as acusações17. A aba 'Quem
é Marielle' oferece o perfil da parlamentar e a tela principal do site
mariellefranco.com.br/averdade, destaca a frase 'A verdade sobre
Marielle', como na Figura 1.
Figura 1 - Print da tela inicial do site, em 22 mai 2018, criado pela equipe de
voluntários.
Além do perfil, cinco banners apresentam esclarecimento
sobre Marielle Franco, como resposta às afirmações falsas, como
ilustrado na Figuras 2.
Figura 2 - Print do conjunto de telas das afirmações falsas e seus respectivos
esclarecimentos, em 22 mai 2018.
17
______ na editorias notícias/geral do Jornal do Tocantins, 19 mar 2018 às 00h32, Conteúdo
Estadão, sob o título 'Voluntários criam site para desmentir notícias falsas sobre Marielle'.
152 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Essa simulação da visita ao site criado pelos voluntários para
esclarecimento das publicações fakes sobre Marielle Franco se trata
de uma ligação externa do conteúdo da primeira matéria da amostra
do JTO online, que será examinada no título que trata da análise
desse estudo. Assim, o próximo título, apresenta a seleção e o
tratamento da amostra.
A cobertura jornalística online sobre as afirmações falsas
contra Marielle Franco na região central do Tocantins
Durante 60 dias de cobertura jornalística online, contados a
partir do assassinato da vereadora, foi realizada a pesquisa
exploratória para levantamento de notícias sobre à Marielle Franco
e posterior seleção das matérias a respeito da circulação de
afirmações falsas contra a parlamentar, no período examinado.
Porém, o estado do Tocantins possui três Regiões Geográfica
Intermediárias, de acordo com o mapa Regiões Geográficas
Imediatas e Região Geográfica Intermediária (2015), desenvolvido
pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e
publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Sendo Araguaína ao norte, Palmas ao centro e Gurupi ao sul do
Estado, como apresenta a Figura 3.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 153
Figura 3 Mapa das regiões geográficas do Estado do Tocantins.
Fonte: Base Cartográfica Contínua do Brasil (IBGE) Ministério do Planejamento,
Desen. e Gestão (2015).
A região intermediária do centro do Tocantins é composta
pelas regiões imediatas de Palmas, Paraíso, Porto Nacional e
Miracema. Esses pólos, abrangem os municípios que hospedam os
veículos online, visitados nessa pesquisa. Sob consulta ao Mapa da
Mídia no Tocantins, a plataforma Google e por meio da ferramenta
de busca dos respectivos sites da região foram localizadas as mídias
que possuem publicações com os termos 'Marielle' ou 'Marielle
Franco' e os que não possuem registros, no período pesquisados,
conforme Tabela 1.
154 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Tabela 1 Veículos e respectivas notícias por pólos das Regiões Geográfica
Intermediária do centro do Tocantins
PÓLOS
(Total de
veículos)
Palmas (39)
Paraíso (4)
Porto
Nacional (5)
Miracema
(2)
VEÍCULOS
(Municípios por
Pólos)
38 Palmas
01 Aparecida
Rio Negro
04 Paraíso
05 Porto
Nacional
01 Miracema
01 Miranorte
Somas
50 veículos
SEM
(Agendamento)
COM
(Agendamento)
TOTAL
(Publicações)
23 veículos
16 veículos
91 notícias
02 veículos
02 veículos
02 veículos
03 veículos
15 notícias
25 notícias
01 veículos
01 veículos
04 notícias
28 veículos
22 veículos
135 notícias
Fonte: Elaborada com o cruzamento de dados do mapa das Regiões Geográficas
Imediatas e Intermediária do IBGE (2015) e do banco de dados do Mapa da
Mídia do Tocantins (2018).
Distribuídas em 50 veículos foram localizadas 135 publicações
que citam 'Marielle Franco'. Contudo, a maioria foi localizada em
um único veículo, como segue na Tabela 2.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 155
Tabela 2 Notícias localizadas na mídia online da região central do Tocantins
Ranking
Veículo Online
Publicações
1ª
2ª
3ª
4ª
5ª
6ª
1 Jornal do Tocantins Online
2 Gazeta do Cerrado
3 Surgiu
4 Cleber Toledo
5 JC Tocantins
6 O Paralelo 13
7 Primeira Página online
8 Portal Benício
9 Portal Stylo online
10 Conexão do Tocantins
11 Gospel Geral
12 Mira Jornal
13 O Coletivo
14 T1 Notícias
15 Página Aberta
16 Agora-TO
17 JM Notícias
18 Folha do Jalapão
19 G1 Tocantins
20 Rádio CBN
21 Tribuna do Planalto
22 TV Anhanguera
28 Veículos (não apresentaram publicação)
44
12
10
08
07
06
06
05
05
04
04
04
04
04
03
02
02
01
01
01
01
01
00
7ª
8ª
9ª
10ª
11ª
12ª
Total de veículos (somam 50 mídias online)
135
Fonte: Pesquisa de notícias online que citam Marielle Franco no período de
14/03 a 15/05/2018.
Assim, com 44 notícias que equivale a 32,59% das publicações
da região central do Estado, o Jornal do Tocantins online se elege
fonte dos objetos da análise dessa pesquisa. Em seguida, com a
leitura flutuante foram identificadas as narrativas que se referem a
circulação de afirmações falsas ou Fake News contra a parlamentar,
conforme Tabela 3 a seguir.
156 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Tabela 3 Notícias publicadas no JTO online sobre as Fake News e afirmações
falsas contra Marielle
Notícia
Fonte/Data
Título
1
Editorias
Notícias/Geral
Por Estadão
Conteúdo
19 mar 2018 00:32
Editorias
Notícias/Geral
Por Estadão
Conteúdo
21 mar 2018 19:20
Editorias
Notícias/Política
Por Agência Estado
21 mar 2018 19:38
Editorias
Estado/Judiciário
Por Dídimo Heleno
25 mar 2018 5:00
Editorias
Notícias/Geral
Por Estadão
Conteúdo
28 mar 2018 13:42
Editorias
Notícias/Política
Por Agência Brasil
03 abr 2018 19:20
Voluntários criam site para desmentir notícias falsas
sobre Marielle
2
3
4
5
6
PSOL pede cassação do deputado Alberto Fraga após
publicações fakes sobre Marielle
Após comentários, parentes de portadores de Síndrome
de Down protestam contra desembargador
O caso Marielle e o ódio nas redes sociais
Justiça do RJ manda Facebook tirar do ar ofensas contra
Marielle Franco
Deputado Alberto Fraga pode ter mandato cassado
Fonte: Elaborada a partir da amostra de 44 notícias localizadas no veículo, de
15/03 a 14/05/2018.
Portanto, apenas 06 notícias, ou seja, 13,63% das publicações
do JTO online se referem ao foco dessa análise. E esse montante
equivale a 4,44% das publicações que citam a parlamentar na região
central do Estado. Nessa amostra, somente uma publicação possui
produção local, as demais são do Estadão Conteúdo, Agência Estado
e Agência Brasil.
Em busca de evidências do tratamento dado pelas notícias
sobre o fato das acusações falsas e a participação da mídia na
desconstrução das Fake News, foram identificados, categorizados,
agrupados e quantificados os termos utilizados, conforme Tabela 4.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 157
Tabela 4 Termos utilizados nas notícias da amostra do JTO online
NOTÍCIA
S
1ª
2ª
3ª
4ª
5ª
6ª
Totais
TERMOS
Notícias/Informaç
ões
Acusações
(Falsas)
Mentira
s
Publicaçõ
es Fakes
Fake
New
s
Outros
(calúnia/desrespeito/
etc)
4
1
1
1
1
8
1
2
3
1
1
1
1
2
1
1
1
13
2
20
Fonte: Amostra de notícias do JTO online sobre acusações falsas contra Marielle
Franco, de 15/03 a 14/05/2018.
Conforme se verifica, somente duas matérias relacionaram o
fato aos termos 'Fake ou Fake News', com apenas uma ocorrência
no decorrer de todo o texto, de cada publicação. A maioria das
notícias utilizam traduções como 'notícias, informações, acusações
falsas' e 'mentiras'. Também se evidencia a adoção de outros termos
como 'calúnia' e 'desrespeito' para se referir a prática dos
responsáveis. No próximo título segue a análise das notícias.
Análise da abordagem do JTO online sobre Fake News contra
Marielle Franco
A primeira notícia publicada no JTO online, no dia 19 de
março de 2018, se trata de uma matéria produzida pela agência
Estadão Conteúdo, sob o título 'Voluntários criam site para
desmentir notícias falsas sobre Marielle'. Conforme denota o texto,
a narrativa não se refere a denúncia do caso, mas às providências
tomadas para combate às cinco acusações falsas divulgadas em
redes sociais, como mostra a Figura 4 a seguir.
158 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Figura 4 - Print da tela inicial da primeira matéria de combate às calúnias
A matéria evidencia a tentativa de difamação da vítima, mas
pela data de publicação, o veículo se resguardou para iniciar a
cobertura do fato. Segundo Fiori (2002) toda abordagem tem um
propósito e uma narrativa sugere um posicionamento do discurso.
Outro aspecto discutido é o papel dos meios de comunicação como
ferramenta de acesso a informação, produção de conhecimento e
formação da opinião pública18, em médio a longo prazo
(HOHLFELDT; MARTINO; FRANÇA, 2011; CASTRO; PÔRTO
JÚNIOR, 2018).
A segunda notícia do JTO online, publicada dia 21 de março
de 2018, sob o título 'PSOL pede cassação do deputado Alberto Fraga
após publicações fakes sobre Marielle', também da agência Estadão
Conteúdo, evidencia o uso do termo fake, conforme Figura 5.
18
Para Darlene Castro e Pôrto Júnior (2018, p. 33) "a representação da realidade apresentada pela
mídia constitui uma importante projeção dos acontecimentos na opinião pública, e oferecendo temas
que devam ser objeto de reflexão, formando e influenciando, em grande parte, a sua opinião", o que
eleva a importância dos estudos da hipótese do agendamento, considerando o papel fundamental da
mídia na disseminação das informações na atualidade.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 159
Figura 5 - Print da tela inicial da segunda matéria aponta quebra de decoro
parlamentar
O texto destaca a representação contra o deputado no
Conselho de Ética da Câmara, com um pedido de cassação, porém
recorda o arquivamento de processos semelhantes. O framing em
matérias jornalísticas é um recurso que direciona a atenção do
público e intervém na formação da opinião19 (MORAES; MORAES,
2018).
A cerca da credibilidade, desde 2016, as discussões sobre a
apuração de notícias falsas, a finalidade e os efeitos, se tornaram
mais frequentes nos diálogos voltados a comunicação. Essa ênfase
se elevou após as eleições americanas, com o uso do termo "pósverdade" pela imprensa, segundo o dicionário Oxford20 e que para
Bauman (1999), trata-se da opinião pública que tende a preferir
discursos emotivos, relacionados a crenças pessoais; aos que se
apóiam no relato de circunstâncias. Mas para Brito (2018, p. 55)
"não caberia pensar a verdade como representação, visto que essa
19
Segundo Moraes e Moraes (2018, p. 40) nas "campanhas políticas, assim como nas matérias
jornalísticas, o framing traz em sua subjacência a organização de termos e o arranjo de mensagens
para direcionar a atenção do público e a formação de sua opinião".
20
O termo escolhido pela imprensa foi eleito palavra do ano, conforme registro do jornal britânico
The Guardian, publicado sob o título 'Post-Trut' named word of the year by Oxford Dictionaries, em
novembro de 2016.
160 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
imagem traz à vista todos os processos dogmáticos, aniquiladores
da vida e do homem", o que denota a complexidade do tema.
Com a reincidência de acusações falsas em curto prazo,
contra a parlamentar assassinada, a imprensa registra o disparo de
ataques a vereadora Marielle Franco em diferentes redes de
comunicação virtual, ora relacionados ao perfil pessoal da vítima,
ora a sua atuação parlamentar.
Assim, a terceira notícia do JTO online, publicada em 21 de
março de 2018, sob o título 'Após comentários, parentes de
portadores de Síndrome de Down protestam contra
desembargadora', traz o relato das publicações realizadas pela
desembargadora Marília Castro Neves (TJ-RJ) em rede social,
conforme Figura 6 a seguir.
Figura 6 - Print da tela inicial da terceira matéria sobre disseminação de Fake
News e difamação
A narrativa esclarece que a juíza desfecha ataques não só
contra Marielle, mas também contra uma professora portadora de
Síndrome de Down e ao parlamentar Jean Willys, porém é
denunciada a Corregedoria. Os conceitos preestabelecidos, dos
julgamentos ou formação de estereótipos ainda que temporários são
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 161
resultados da exposição a imagem ou símbolos (BOTELHO; PÔRTO
JUNIOR, 2018)21.
Nesse ponto podemos inferir que, além da Lei nº
12.965/201422 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres
para o uso da Internet no Brasil e da legislação dos direitos
humanos; os usuários das redes virtuais precisam se ajustar às
normas de convívio social no exercício da liberdade de expressão
democrática brasileira, na produção ou compartilhamento de
conteúdos e declarações nos canais de comunicação online.
De certo modo, a construção identitária que demarca os
territórios culturais, especialmente dos jovens, se resultam em
particular da apropriação do enquadramento e influência decisiva
do jornalismo (MACIEL; SOUSA; MIRANDA; GHIZONI, 2018)23. Mas
a respeito da opinião pública sobre a democracia Petric e Pinter
(2012) afirmam que sua formação depende de muitas variáveis,
porém há uma tendência ao discurso majoritário ou de outro modo,
ao silenciamento. Então eles apresentam duas possibilidades, que
seriam um convite a novos estudos, ao afirmar que,
However, we should also consider two possible theoretical reasons
why actual opinion expressing is not determined by the
willingness to express opinion. It might be tha mere willingness
functions as a substitute for actual expression of opinion (this is
similar to the idea of narcotic disfunction), or we may have a case
of a silent majority along with a minority wich overestimates its
own extent of expressing opinion in public, a sort of 'misfiring
minority'. Both invite further research that measuting this
21
"O priming conceitual se refere a conceitos já preestabelecidos na mente das pessoas e o priming
perceptual se refere a exposição física da pessoa com alguma imagem ou símbolo [...] permitindo a
pessoa formar julgamentos ou estereótipos, mesmo que temporariamente" (BOTELHO; PÔRTO
JÚNIOR, 2018, p. 183).
22
Esta lei não discrimina regras de comportamento ao usuário, nem restrições a liberdade de
expressão, contudo, o Parágrafo único, do Art. 3o, determina que "Os princípios expressos nesta Lei
não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados
internacionais" (BRASIL, 2014).
23
"A Mídia em geral e o jornalismo em particular têm influência decisiva na formação identitária dos
jovens colaborando direta ou indiretamente" (MACIEL; SOUSA; MIRANDA; GHIZONI, 2018, p. 84).
162 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
concept, other possible determinants of communicative behavior
in public (PETRIC; PINTER, 2012, p. 49).
Sobre a intenção de formar opinião a partir de uma Fake News24,
ou acomodação de fatos na distorção de contextos, como define
Leandro Karnal (2017, entrevista), o público deve ficar atento, pois esse
tipo de publicação não se resume a texto com informação mentirosa.
Em seminário promovido pela Associação Brasileira de Rádio e
Televisão (Abratel)25, representantes do governo, profissionais de
marketing e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) discutiram a questão
do ponto de vista moral, da necessidade da atuação conjunta com a
imprensa e do cuidado para que não se estimule a censura prévia.
A quarta publicação do JTO online, divulgada na coluna
Judiciário de 25 de março de 2018, sob o título 'O caso Marielle e o ódio
nas redes sociais' é a única narrativa de produção local sobre o assunto
no veículo e o texto destaca o perfil da vereadora, conforme Figura 7.
Figura 7 - Print da tela inicial da quarta matéria sobre circulação dos
comentários nas redes sociais
24
No debate produzido pelo programa Canal Livre da Tv Bandeirantes, sobre a tendência no processo
eleitoral e possíveis reflexos na comunicação, Leandro Karnal (2017, entrevista) destaca que, a mentira
ou desvio da verdade não é uma criação contemporânea; mas com a internet foi potencializada.
25
Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo de 20 de junho de 2018 às 10h52, sob o título
'Disseminadores de fake news têm defeito de caráter, diz Temer' trata das discussões realizadas no
seminário em Brasília.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 163
A narrativa classifica como bárbaros, os comentários de
satisfação sobre a morte de Marielle, com alerta sobre tipos de vozes
da internet. A falta de incentivo a apuração da notícia segundo
Karnal (2017, entrevista) é um aspecto que favorece a rápida
circulação de afirmações falsas e dificulta a desconstrução dos
efeitos. Logo, o combate a Fake News sinaliza a necessidade de
infiltrar as bolhas informacionais26 (PARISER, 2011). No entanto, as
iniciativas de combate a Fake News ainda carecem de estudos de
recepção para precisar o grau de resultados alcançados junto ao
público, como no caso Marielle Franco.
A quinta notícia do JTO online, de 28 de março de 2018, sob
o título 'Justiça do RJ manda Facebook tirar do ar ofensas contra
Marielle Franco' registra a atuação do poder judiciário diante do
fato, como segue na Figura 8.
Figura 8 - Print da tela inicial da quinta matéria sobre ordem judicial de
exclusão das publicações difamatórias
Em relação a denúncia o poder judiciário determinou a
retirada das publicações, conforme noticiado e a narrativa destaca o
26
Um conjunto de informações que são oferecidas a cada pessoa, a partir de um filtro que possui
códigos desenvolvidos para registrar constantemente suas preferências e assim, prever o que desejaria
receber, criando um universo único de informações para cada internauta (PARISER, 2011).
164 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
prazo de 24 horas para exclusão de todas as publicações
identificadas como prejudiciais a moral da vítima.
Algumas situações tendem a se tornar um problema social27,
situação se define a partir do "sentimento de indignação moral que
um fato desperta em uma parcela significativa da população de uma
sociedade [...] e, sem excluir este, o temor de que um fato represente
uma ameaça para a coletividade" (VILA NOVA, 2000, p. 39). Porém,
a tendência a oferta de uma cobertura factual distancia o jornalismo
da contribuição ao efetivo enfrentamento de problemas sociais
(NOGUEIRA; MIRANDA, 2018)28.
Nesse sentido, interromper a circulação de uma Fake News,
ainda que insuficiente, é uma das medidas a serem adotadas, tendo
em vista o estudo realizado por Perloff (1993 apud PÔRTO JUNIOR,
2009 apud ADRIAN; GOMES; PÔRTO JUNIOR, 2018) que relata a
comprovação do efeito de terceira pessoa de notícias difamatórias
apresentada por Cohen et al. (1988). Por outro lado, propostas de
regulamentação da conduta de usuários nas redes sociais, aspiram
cuidados que assegurem a liberdade de expressão e as práticas
democráticas, pois segundo Vila Nova (2000), o fato que desperta
indignação moral e temor coletivo pode ser compreendido como
uma ameaça tanto material, como a ideia de sociedade boa e justa.
Em seguida, a sexta notícia da amostra, publicada em dia 03
de março de 2018, sob o título 'Deputado Alberto Fraga pode ter
mandato cassado', se concentra na avaliação do comportamento do
parlamentar sob a perspectiva do regimento legislativo.
27
Mas o sociólogo afirma que essa indignação se relaciona à ideia de injustiça e alerta que o "que é
um problema social para uns, pode não o ser para outros", com dois critérios de identificação (VILA
NOVA, 2000, p. 39).
28
"Levando em conta tendências da cobertura, [...] além da ótica investigativa do jornalista ser
conduzida sempre pela narrativa factual, deixa o jornalismo ainda distante de contribuir efetivamente
para o enfrentamento desse problema social" (NOGUEIRA; MIRANDA, 2018, p. 183).
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 165
Figura 9 - Print da tela inicial da sexta matéria sobre instauração de processo
por quebra de decoro
A matéria trata da abertura de processo no Conselho de Ética
da Câmara por quebra de decoro. É importante ressaltar que as
publicações apontam a circulação de Fake News e de declarações
preconceituosas, iniciadas por autoridades contra Marielle Franco,
com relato do repúdio de diferentes seguimentos da sociedade.
Porém, no período analisado, não há registro de desfecho nem do
assassinato, tampouco das representações contra o deputado ou a
desembargadora, além da informação de abertura de processos para
apuração dos incidentes.
Para Petric e Pinter a simples distribuição de opinião não
determina o clima de opinião, então eles citam autores que apontam
esclarecimentos sobre essa condição.
Climate of opinion is more than mere distribuition of opinions; it
is a complex of conditions, among which the normative pressure
generated by a prevailing opinion is extremely relevant. A spiraling
effect is only possible when issues or topics are morally loaded or
value-laden (NOELLE-NEUMANN, 1993; JEFFRES et al., 1999 apud
PETRIC; PINTER, 2012, p. 40)
As sistemáticas relações comunicativas são permeadas por
variáveis complexas, em fluxo entre a opinião pública e a espiral do
166 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
silêncio, devendo-se considerar a influência da mídia de massa na
política dessa construção (KIM; HAN; SHANAHAN; BERDAYES,
2004) pois a partir dela são incluídas em nossas preocupações,
temas que de outra forma não chegariam ao nosso conhecimento
(HOHLFELDT, 2001). Porém, por outro lado, com a internet em
constante expansão, a mídia online desterritorializou o controle da
informação29, sob o ponto de vista do gatewhatcher30 (BITAR, 2018;
CORREIA; ROCHA, 2018).
Se por um lado, o agendamento da pauta Fake News no
veículo JTO online se mostrou ainda muito tímido; de outro, é
preciso reiterar que continua sendo importante o desempenho do
veículo de comunicação na sensibilização do seu público (SILVA,
2018)31 que também não está imune aos efeitos da comunicação em
rede32 (KARNAL, 2017, entrevista).
A circulação de notícias falsas contra Marielle Franco denota
uma ocasião em que, no Brasil, a Fake News teve ampla rejeição do
público, evidenciada na mobilização de diferentes seguimentos
sociais, mesmo com a notória cautela na responsabilização dos
praticantes. Contudo, sob o contexto da análise apresentada,
seguem nossas considerações finais.
29
A "mídia online possibilitou que as audiências, ou seja, o público, personalizassem a sua forma
individual de consumir as informações" (BRUNS, 2011 apud BITAR, p. 222-223)
30
"Isto redefine o papel do jornalista como um papel de anotador ou de orientador, uma mudança do
cão de guarda para o ‘cão guia’" (BARDOEL; DEUZE, 2001, p. 94 apud BITAR, 2018, p. 223, tradução
da autora)
31
"O que se busca, de forma cada vez mais freqüente, é identificar e compreender em que medida os
efeitos se apresentam e até que ponto contribuem para a construção de novas realidades" (SILVA,
2018, p. 45).
32
Segundo Leandro Karnal (2017) que também afirma durante a entrevista ao Canal Livre, nenhum
indivíduo está imune a co-participação na circulação de Fake News, ou ainda, de se tornar vítima desse
tipo de publicação.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 167
Considerações finais
Diante das constatações alcançadas, o JTO online adotou uma
narrativa dedicada tão somente aos aspectos factuais da pauta,
optando por textos que não evidenciavam a relação entre as
afirmações falsa e o termo Fake News. Mesmo com termos
sinônimos, o agendamento da pauta Fake News contra Marielle
Franco não foi significativo no veículo; não ofereceu uma
abordagem amplamente esclarecedora ao seu público sobre os
aspectos envolvidos no tema; tampouco informa como evitar a coparticipação na circulação de notícias falsas, a existência de
curadoria ou acesso às ferramentas e formas de apuração da
credibilidade da publicação (BITAR, 2018; CORREIA; ROCHA,
2018). A cobertura jornalística sobre as Fake News praticadas por
autoridades contra Marielle, só foi iniciada no veículo a partir da
repercussão do repúdio de diferentes segmentos sociais, na
imprensa.
Com a previsão de efeitos das publicações falsas no período
eleitoral nacional desse ano, a tendência é que os veículos se
envolvam mais no processo de desconstrução das notícias falsas,
como sinalizou o seminário sobre o tema em Brasília. Os aspectos e
consequências das notícias falsas não é um assunto novo, mas uma
vez potencializada pela internet carece de novos esclarecimentos,
tendo ainda, enfrentado grande resistência no entendimento social.
E nesse contexto, o papel de ferramenta de acesso a informação da
imprensa necessita melhor desempenho, especialmente pela mídia
de massa.
A reflexão promovida a partir desse estudo científico não
encerra inferências, mas busca contribuir com os estudos já
iniciados sobre o tema no esforço de colaborar com a produção de
conhecimento de fatos sociais e quiçá inspirar pesquisas futuras.
168 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Referências
ADRIAN, Alessandra B. Bacelar Abreu; GOMES, Luciano S.; PÔRTO JUNIOR,
Francisco G. R. A influência da mídia na promoção da imagem da polícia
militar em alunos e ex-alunos de colégios militares do Tocantins: uma
análise a partir do efeito de terceira pessoa. In: PÔRTO JR, Gilson;
MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN,
Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa,
enquadramento e teoria do cultivo. [recurso eletrônico]. Porto Alegre,
RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 63-82 p. ISBN - 978-855696-273-7.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1999.
BITAR, Marina Parreira Barros. A teoria do Gatekeeper e o surgimento do
Gatewatcher: o Crowdsourcing na prática jornalística. In: PÔRTO JR,
Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de;
SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento,
priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi
/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 211-237 p. ISBN - 978-85-5696-272-4.
BOTELHO, Nayara Lopes; PÔRTO JÚNIOR, Francisco Gilson Rebouças.
Estereótipos da imagem social da mulher: percepções e aplicações do
efeito priming. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de;
OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media
effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1:
Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico].
Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 189-210
p. ISBN - 978-85-5696-272-4.
BRAGON, Ranier. Câmara arquiva processo contra Fraga, que postou boato sobre
Marielle. Folha S. Paulo. [Online] Publicado em 29 mai 2018, às 18h04.
Editoria
Cotidiano,
2018.
Disponível
em:
<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/camara-arquivaprocesso-contra-fraga-que-postou-boato-sobre-marielle.shtml>. Acesso
29 mai 2018.
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 169
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. [Online]. Brasília, DOU
de
24
abril
de
2014.
Disponível
em:
<
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 18 mai 2018.
BRITO, M. A VERDADE SEM REPRESENTAÇÃO. Revista Observatório, v. 4, n.
1,
p.
42-55,
1
jan.
2018.
Disponível
em:
<
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/vi
ew/4273> Acesso em: 18 jun 2018.
CAMPOS, Claudinei José Gomes. Método de Análise de Conteúdo: ferramenta para
a análise de dados qualitativos no campo da saúde. Revista Brasileira de
Enfermagem [S.I.], v. 57, n. 5, p. 611 – 614, set-out. 2004. ISSN 19840446.
Disponível
em:
<http://redalyc.org/
articulo.oa?id=267019632019>. Acesso em: 15 jul. 2017.
CANAL LIVRE. Pós-verdade, as notícias “fakes” que abrem espaço para o mercado
de manipulação, boatos e mentiras. Tv Bandeirantes. [Online] Entrevista
com Leandro Karnal, Parte1 a 4, 2017. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=duMdymb3fk8>. Acesso em: 18 mai
2018.
CASTRO, Darlene Teixeira; PÔRTO JÚNIOR, Francisco Gilson Rebouças. A
hipótese da agenda-setting: introduzindo conceitos. In: PÔRTO JR, Gilson;
MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso
Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e
do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing.
[recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da
UFRR, 2018. 21-35 p. ISBN - 978-85-5696-272-4.
CORREIA; Cynthia Mariah Barreto; ROCHA, Liana Vidigal. Aplicativos de notícias
e curadoria de conteúdos como Hub para as teorias de comunicação:
gatekeeper e gatewatching. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo
de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.).
Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo,
Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo.
[recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da
UFRR, 2018. 197-220 p. ISBN - 978-85-5696-273-7.
170 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
FLOOD, Alison. 'Post-truth' named word of the year by Oxford Dictionaries. The
Guardian.
Inglaterra,
15
nov.
2016.
Disponível
em:
<https://www.theguardian.com/books/2016/nov/15/post-truth-namedword-of-theyear-by-oxford-dictionaries>. Acesso em: 28 jun. 2017.
HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luis C; FRANÇA, Vera Veiga (Orgs.). Teorias
da Comunicação: Conceitos, escolas e tendências.11 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2011.
IBGE. Regiões Geográficas Imediatas e Região Geográfica Intermediária. In: _____
Malha Municipal, 2015. Base Cartográfica Contínua do Brasil, ao
milionésimo - BCIM 2010; SRTM; Relevo sombreado, 2000. Mapa
[online]. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério
do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2015. Disponível em:
<ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/divisao_regional/di
visao_regional_do_brasil/divisao_regional_do_brasil_em_regioes_geogr
aficas_2017/mapas/17_regioes_geograficas_tocantins.pdf>. Acesso em:
12 mai 2018.
KIM, Sei-Hill; HAN, Miejeong; SHANAHAN, James; BERDAYES, Vicente.
TALKING ON 'SUNCHINE IN NORTH KOREA': a test of the spiral of
silence as a theory of powerful mass media. International Journal of
Public Opinion Research. vol. 16, Nº 1. World Association for Public
Opinion Research, 2004.
MACIEL, Thamyres P; SOUSA, Sonielson L. de; MIRANDA, Cynthia M; GHIZONI,
Liliam D. Pós-modernidade e vertigem existencial entre jovens: influência
da mídia pela teoria do enquadramento. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES,
Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior
(Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do
Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing.
[recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da
UFRR, 2018. 71-86 p. ISBN - 978-85-5696-272-4.
MAPA DA MIDIA NO TOCANTINS. Mapa da mídia no Tocantins. Universidade
Federal do Tocantins. Base [online]. Tocantins: Grupo de Pesquisa
Jornalismo
e
Multimídia.
Disponível
em:
<
http://www.midiatocantins.com.br/>. Acesso em: 12 mai 2018.
MORAES, Nelson Russo de; MORAES, Dorival Russo de. A política e a
comunicação de massa: apontamentos sobre o framing na campanha
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 171
presidencial norte-americana de 2008. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES,
Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior
(Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do
Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing.
[recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da
UFRR, 2018. 37-50 p. ISBN - 978-85-5696-272-4.
NOGUEIRA, Rose Dayanne Santana; MIRANDA, Cynthia Maria. Agendamento e
contra agendamento: o “8 de março” no jornal do tocantins. In: PÔRTO
JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de;
SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento,
priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi
/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 155-187 p. ISBN - 978-85-5696-272-4.
PARISER, E. The Filter Bubble. What the Internet is Hiding from You. The
Pinguim
Press.
New
York,
2011.
Disponível
em:
<http://hci.stanford.edu/courses/cs047n/readings/
The_Filter_Bubble.pdf>. Acesso em: 01 jun 2018.
PETRICˇ, Gregor; PINTER, Andrej. FROM SOCIAL PERCEPTION TO PUBLIC
EXPRESSION OF OPINION: a structural equation modeling approach to
the spiral of silence. International Journal of Public Opinion Research,
vol. 14 No. 1. World Association for Public Opinion Research, 2002.
SILVA, João Nunes da. Mídia Effects: um olhar crítico sobre as hipóteses do
agenda-setting e do framing. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson
Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana
(Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do
Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e
teoria do cultivo. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa
Vista: Editora da UFRR, 2018. 21-47 p. ISBN - 978-85-5696-273-7.
VILA NOVA, Sebastião. Sociologia, cultura e sociedade. Sociologia: uma ciência da
sociedade. Problemas sociais e problemas sociológicos. In: ____.
Introdução à Sociologia. [Online] 5ª ed. rev. São Paulo: Atlas, 2000, p. 3941.
Disponível
em:
<
http://www.academia.edu/22688660/Introdu%C3%A7%C3%A3o_%C
3%A0_Sociologia_Sebasti%C3%A3o_Vila_Nova>. Acesso em: 26 mai
2018.
172 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
VOLUNTÁRIOS. A verdade sobre Marielle Franco. [Online] Iniciativa de
combate às Fake News e declarações falsas sobre Marielle Franco. Site
Marielle
Franco,
2018.
Disponível
em:
<https://www.mariellefranco.com.br/averdade>. Acesso em: 18 mai
2018.
Referências das notícias
AGÊNCIA ESTADO. Após comentários, parentes de portadores de Síndrome de
Down protestam contra desembargadora. Jornal do Tocantins. [Online]
Tocantins, editoria Notícias, 21 mar 2018. Disponível em:
<https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/
noticias/politica/ap%C3%B3s-coment%C3%A1rios-parentes-deportadores-de-s%C3%ADn
drome-de-down-protestam-contradesembargadora-1.1486050> Acesso em: 16 mai 2018.
______. Assassinato de Marielle aponta para envolvimento da milícia, diz
Jungmann. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 16
abr
2018.
Disponível
em:
<https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/assassinatode-marielle-aponta-para-envolvimento-da-mil%C3%ADcia-dizjungmann-1.1506333> Acesso em: 16 mai 2018.
______. Deputado Alberto Fraga pode ter mandato cassado. Jornal do Tocantins.
[Online] Tocantins, editoria Notícias, 03 abr 2018. Disponível em:
<https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/politica/dep
utado-alberto-fraga-pode-ter-mandato-cassado-1.1495492> Acesso em:
26 mai 2018.
ESTADÃO CONTEÚDO. Voluntários criam site para desmentir notícias falsas
sobre Marielle. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Geral,
19
mar
2018.
Disponível
em:
<https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/geral/volunt
%C3%A1rios-criam-site-para-desmentir-not%C3%ADcias-falsas-sobremarielle-1.1483591>. Acesso em: 16 mai 2018.
______. PSOL pede cassação do deputado Alberto Fraga após publicações fakes
sobre Marielle. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria
Notícias,
21
mar
2018.
Disponível
em:
<https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/geral/psol-
Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 173
pede-cassa%C3%A7%C3%A3o-do-deputado-alberto-fragaap%C3%B3s-publica%C3%A7%C3%
B5es-fakes-sobre-marielle1.1486026>. Acesso em: 12 mai 2018.
______. Justiça do RJ manda Facebook tirar do ar ofensas contra Marielle Franco.
Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 28 mar 2018.
Disponível
em:
<https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/geral/justi%
C3%A7a-do-rj-manda-facebook-tirar-do-ar-ofensas-contra-mariellefranco-1.1491231>. Acesso em: 26 mai 2018.
HELENO, Dídimo. O caso Marielle e ódio nas redes sociais. Jornal do Tocantins.
Tocantins, Caderno Estado, Coluna Judiciário, 25 mar 2018. Disponível
em:
<
https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/estado/judici%C3%A1
rio-1.456286/judici% C3%A1rio-1.1488410>. Acesso: 12 mai 2018.
Capítulo 7
O enquadramento da morte da vereadora
Marielle Franco nas coberturas
de Veja e Carta Capital
Janaína Costa Rodrigues1
Maria Lúcia Adriana Silva Gomes2
Cynthia Mara Miranda 3
Amanda Maurício Pereira Leite 4
Introdução
O critério da objetividade jornalística ainda é o adotado por
boa parte das grandes empresas de comunicação no Brasil, todavia
os estudos do jornalismo apontam que a neutralidade é um exercício
bastante ingrato para os profissionais dessa área, haja vista que a
produção noticiosa se articula em um campo minado por diferentes
elementos, dentre os quais pode-se destacar os interesses
econômicos das organizações, as expectativas dos anunciantes,
1
Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT,
e-mail: janarev@hotmail.com.
2
Jornalista e bacharel em Direito, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Sociedade da UFT, e-mail: dricasgomes@gmail.com.
3
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília, Docente do Programa de Pós-Graduação
em Comunicação e Sociedade da UFT, e-mail: cynthiamara@mail.uft.edu.br.
4
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de
Santa Catarina, Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT, e-mail:
amandaleite@mail.uft.edu.br.
176 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
influências políticas, implicações da própria realidade e ainda pelas
convicções pessoais daquele que é responsável pela composição do
relato, o jornalista.
Traquina (2005) assevera que esses elementos, aliados a
prazos apertados, formatos dos diferentes veículos e à
competitividade, constantemente atravessam e condicionam o fazer
jornalístico, fazendo com que o ideal asséptico se mostre ainda mais
comprometido. Apesar disso, ele pondera que essa é uma atividade
intelectual, que se perfaz por meio de um agir criativo, responsável
pela “construção do mundo em notícias”.
Por essas razões, o autor (TRAQUINA, 2005) garante que ser
jornalista é uma das profissões mais difíceis que existem, pois se
refere a um fazer que exige do profissional grande senso de
responsabilidade social. Seu labor baseia-se na realidade, matériaprima do trabalho jornalístico, e no desejo do ser humano pela
informação sobre seus pares e sobre o mundo que o rodeia.
Entendendo essas implicações basilares do processo de
produção da notícia, este artigo visa analisar as diferenças na
construção do relato noticioso, compreendendo que a notícia, ainda
que trate de um mesmo assunto, a depender de quem a produziu,
possui intencionalidades.
Para tanto, este trabalho analisará o enquadramento noticioso
da morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, ocorrida
em 14 de março de 2018 e que ganhou repercussão em grandes
veículos da imprensa nacional, a partir de matérias publicadas nas
revistas semanais Veja e Carta Capital, na semana do fato.
Enquadramento: uma teoria da comunicação
De acordo com Traquina (2005, p.31), entender “porque as
notícias são como são” contribui para a compreensão do jornalismo
como um todo. Além disso - segundo ele - ao longo dos anos, esse
questionamento sobre as razões pelas quais as notícias se
configuram de uma forma e não de outra, tem servido de aporte
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 177
para o surgimento de diferentes teorias na área da comunicação,
dentre elas a Teoria do Enquadramento ou do Framing, fio condutor
deste trabalho.
Cabe destacar de antemão que, apesar de existirem correntes
que divirjam sobre a existência de teorias comunicacionais, para fins
deste trabalho, será considerado o pensamento de Martino (2007, p.
1), o qual garante que “por mais que sejam efêmeras as evidências
ou por mais duras que sejam as objeções, temos certeza de que
podemos falar em teorias da comunicação”. Entretanto, o mesmo
autor pondera que essa certeza se baseia em movimentos atuais
desse campo de conhecimento e que um estudioso dos anos 40, por
exemplo, preferia a utilização do termo “pesquisa em comunicação”.
Martino (2007) acredita que foi graças à sistematização dos
estudos, impulsionada pelo surgimento dos cursos de graduação e
pós-graduação em comunicação, e – principalmente – por causa da
crescente produção literária acerca do tema no final dos anos 60 que
começou a se poder falar em teorias comunicacionais.
Segundo o autor em questão, essa sistematização ainda não
se apresenta de forma organizada, como em outras áreas. Prova
disso é que em trabalho que comparou nove obras de teorias da
comunicação, retiradas dos currículos de cursos de comunicação em
língua espanhola, observou elementos que fragilizam e até
justificam o posicionamento dos que não consideram a existência
das teorias.
Dentre os referidos elementos pode-se destacar os seguintes:
as teorias aparecem em apenas uma obra, ou seja, nenhuma delas é
comum em todos os livros; os autores não apresentam conceitos de
comunicação; os padrões de análise se baseiam em dados que
correspondem a um universo que varia entre 2 e 14%, margem
considerada ínfima pelo autor.
Ainda assim, Martino (2007) aponta que apesar dessa
aparente dispersão sistêmica, em todos os livros é possível
reconhecer temáticas comuns, as quais ele chama de territórios ou
subáreas, que demarcam o campo abraçado por essa área, quais
178 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
sejam: atividades profissionais (jornalismo, publicidade...), conexão
com outras disciplinas (linguística, sociologia, psicologia, ciências
políticas...), temas de interesse social (saúde, organizações...), e
“elementos propriamente teóricos, como a escala do fenômeno
(massa, grupo, individual...)”. E é a partir desses atrelamentos que
ele atesta o seguinte:
(...) uma teoria somente pode ser considerada teoria da
comunicação se respeitar o preceito da centralidade do fenômeno
comunicacional. Isto significa dizer que a realidade humana deve
ser explicada (entendida, descrita) tomando-se a comunicação
como fator privilegiado. Assim, se o economista explica através da
centralidade dos fenômenos econômicos (mercado); se o sociólogo
o faz através dos fenômenos sociais (evolução, estrutura,
organização social...) ... o comunicólogo deve explicar a realidade
humana a partir dos fenômenos comunicacionais. [...] Daí seu
nome comunicacional, pois toma a comunicação não
necessariamente como causa, mas como fator central para a
compreensão desses fenômenos (MARTINO, 2007, p. 5).
Partindo desse pressuposto, é perfeitamente cabível elencar o
enquadramento, cerne teórico e metodológico desta pesquisa, como
uma teoria da comunicação. Isso porque é uma abordagem
engendrada a partir do entendimento de que os discursos midiáticos
influenciam a construção social da realidade nas sociedades
contemporâneas, podendo interferir na interpretação do indivíduo
sobre o mundo que o rodeia e nas suas interações com seus pares,
conforme explicam Gamson e Modigliani (1989 apud GONÇALVES,
2005), corroborando com os apontamentos de Martino (2007).
Vencida essa questão, impõe-se agora a compreensão da
referida teoria. O enquadramento faz parte do campo de estudo dos
efeitos dos meios de comunicação de massa ou media effects
(GONÇALVES, 2005; ROSSETTO e SILVA, 2012) e consiste na
observação de como os profissionais da comunicação utilizam
quadros “na construção de estórias noticiosas” e em como essa
perspectiva montada é interpretada pela audiência (ROSSETTO e
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 179
SILVA, 2012). A esse respeito, Traquina (2005 p. 26) certifica que
“os jornalistas são participantes ativos na definição e na construção
das notícias e por consequência na construção da realidade”, ficando
demonstrado que pensar sobre enquadramento noticioso é um
exercício de percepção de destaques e omissões intencionais.
O conceito de enquadramento vem sendo utilizado para
análises das mídias desde os anos 80, mas – conforme Gonçalves
(2005) - ele foi importado da psicologia, graças aos estudos de
Gregory Bateson. O pensamento desse último situa que a ideia de
frame se baseia na abstração da comunicação interpessoal e surgiu
do interesse em compreender o diálogo entre psiquiatra e paciente.
Nesse contexto, para Bateson, quando um indivíduo (paciente) tenta
explicar algo que faz parte da sua realidade a outra pessoa
(psiquiatra/psicólogo), ressaltando algumas coisas e omitindo
outras, a mensagem emitida apresenta para o receptor a realidade
que se quer transmitir, explicitada verbalmente. E esse processo de
metacomunicação ele denomina de enquadramento psicológico
(GONÇALVES, 2005).
Partindo desse entendimento, estudiosos de diferentes áreas
das ciências sociais passaram a utilizar o conceito de framing para
compreender fenômenos, conforme fica constatado na assertiva
seguinte:
Utilizado para fins diversos, a ideia de enquadramento discutida
por esses autores remete a um conjunto de fenômenos similares.
Ela quase sempre aponta para o modo como os indivíduos dotam
de sentido uma situação, a partir de matrizes interpretativas
previamente formadas, e como tais matizes podem engendrar
mudanças comportamentais. Todos eles também destacam a
capacidade dos indivíduos em manipular algumas de suas
expressões, verbais ou não, para persuadir aqueles com quem
interagem de um dado enquadramento para uma situação. Tais
manipulações, no entanto, não constroem necessariamente uma
visão falsa ou mentirosa da realidade, mas apenas enfatizam
determinados elementos ou possibilidades desta em detrimento de
outros (CAMPOS, 2014, p. 381).
180 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
No campo das mídias, o enquadramento é utilizado na
compreensão de como são produzidas as mensagens noticiosas
pelos meios de comunicação (suas motivações por determinadas
abordagens) e quais são seus efeitos na audiência. Em Entman
(1993), uma das principais referências do tema, tem-se que
enquadrar é colocar em evidência determinados aspectos da
realidade em um relato noticioso, fazendo com que haja um
sugestionamento sobre a forma de interpretar uma situação
relatada. Para este autor: “o texto contém quadros, que são
manifestados pela presença ou ausência de determinadas palavraschave, ações, imagens estereotipadas, fontes de informação e frases,
que fornecem grupos de fatos ou julgamentos reforçados
tematicamente” (ENTMAN, 1993, tradução nossa5).
Vale a ressalva de que enquadrar não é forjar situações que
não aconteceram, a Teoria do Framing trabalha com a perspectiva
de que o relato jornalístico é construído a partir de fatos condizentes
com a realidade. Todavia, aquele que produz a mensagem se utiliza
de artifícios que sobrepõem pedaços de informação em detrimento
de outros, ou até mesmo omitem fatos, com o objetivo de chamar
mais atenção e fixar na memória do receptor aquele detalhe que lhe
interessa salientar. Park (2003 apud LEAL;COSTA, 2011) consegue
traduzir de forma bastante inteligível e – porque não dizer poética a essência do conceito de enquadramento:
As pessoas apenas enxergam o mundo através de uma moldura de
uma janela. Se a moldura da janela é muito pequena, as pessoas já
enxergarão uma pequena parte do mundo. Se a janela na parede é
voltada para o oeste, as pessoas apenas enxergarão o oeste. Em
outras palavras, a mídia pode mostrar apenas uma pequena parte
do mundo a partir de um particular ponto de vista.
5
Texto Original: The text contains frames, which are manifested by the presence or absence of certain
keywords, stock phrases, stereotyped images, sources of information, and sentences that provide
thematically reinforcing clusters of facts or judgments.
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 181
Por outro lado, como bem demarca Entman (1993), apesar de
se constituírem em decorrência de estudos empíricos bastante
contundentes, não se pode conceber a ideia de que a audiência
sempre interpretará o quadro exatamente da maneira pensada pela
entidade jornalística. Segundo este autor, a autonomia do público é
um paradigma para o framing. É inegável que o texto midiático, ao
propor a instituição de quadros, se perfaz por meio de uma
estrutura em que há maior probabilidade de que as ideias implícitas
nele sejam aceitas em conformidade, todavia não se pode olvidar a
possibilidade de que as audiências também podem “reenquadrar” o
fato, a partir de suas experiências de mundo.
Ainda assim, e apesar disso, estudar o jornalismo com base na
perspectiva do enquadramento noticioso é pertinente, já que,
mesmo com limitações, o caminho teórico que se traçou até aqui
permite supor sua eficácia. A esse respeito, Macêdo (2018, p. 105)
destaca que “a noção de enquadramento trouxe mais
respeitabilidade para a área de estudos de mídia, marginalizada
muitas vezes como ‘não científica’”. A autora avalia ainda que
pesquisas de framing permitem reconhecer como empresas e
jornalistas constroem realidades sociais a partir da produção da
notícia.
Ao direcionar o olhar para questões que influenciam a
construção de contextos sociais importantes, como direitos
humanos e igualdade de gênero – por exemplo, a atenção ao
processo de escolha dos quadros é algo que possui importância
ainda maior. Isso porqueos enquadramentos desses assuntos e sua
adesão ou não podem representar a disseminação de conceitos
nocivos a uma vida em sociedade mais plural.
Entendendo isso, na seção seguinte serão discutidos os
cruzamentos entre enquadramento e o tratamento dado à mulher
pela mídia, em assuntos relacionados à participação feminina na
política, uma discussão que proporcionará melhor compreensão da
produção noticiosa dos veículos analisados nesta pesquisa.
182 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Intersecções entre mulher, mídia e política: o caso Marielle
Franco
Por serem pouco representadas na política, as mulheres
vivenciam também a sub-representação na mídia, quando os
veículos tratam do tema. Em geral, os editoriais de política retratam
- principalmente - histórias e vivências de homens no exercício de
cargos públicos. As poucas mulheres que ocupam espaços de poder
são comumente enquadradas em narrativas que reproduzem
estereótipos de gênero, o que leva teóricas feministas a constatarem
a presença reduzida e marginal das mulheres no noticiário político
das principais revistas semanais brasileiras (BIROLI, 2009,
DANTAS, RUBIM, 2018).
Biroli (2009) analisa que essa ausência ou presença reduzida
remete tanto ao funcionamento das democracias liberais – nas quais
a igualdade formal convive com formas sistemáticas de exclusão,
como à manutenção das mulheres em posições subalternas na
sociedade.
Na política, campo em que se insere a personagem central do
objeto de análise desta pesquisa, pode-se perceber que a exposição
midiática só se volta para uma mulher quando esta é postulante a
ocupar (ou ocupa) cargos considerados de grande prestígio, como o
de presidenta da república, ministra de estado, deputada federal ou
senadora. (BIROLI, 2009) O destaque geralmente se dá pela
abrangência da responsabilidade, por isso mais comumente se verá
na mídia as que compõem a esfera federal. O registro de fatos que
envolvam atividade política em cargos considerados ‘menos
relevantes’, como de prefeitas e vereadoras, por exemplo, se
restringirá aos noticiários de âmbito local.
A partir dessas demarcações, é possível fazer outra
observação: o envolvimento em grande escândalo político, conflitos
de interesse e/ou tragédias, são também critérios de noticiabilidade,
além da notoriedade do ator principal do acontecimento. Mas, nesse
caso, tanto homens como mulheres chegam a ser retratados no
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 183
noticiário nacional – ainda que persista o maior número de notícias
referentes a pessoas do sexo masculino.
No que diz respeito às mulheres que compõem o contexto
político do país, também não são poucas as vezes que os noticiários
as retratam a partir de critérios de beleza, ou se baseando em
supostos caracteres femininos de simpatia e leveza. Um exemplo
clássico é matéria6 publicada no ano de 2008, pela Revista IstoÉ,
sobre a então deputada federal Manuela D’Ávila. Com título ‘Manu,
a sedutora’, a publicação fala sobre as pretensões da parlamentar
em concorrer à prefeitura de Porto Alegre na época, mas dá
destaque mesmo aos aspectos da beleza da deputada, como pode se
verificar nas seguintes assertivas: “musa do Congresso”, “assim que
pisou em Brasília em fevereiro do ano passado, Manuela D’Ávila foi
eleita a musa do Congresso. Com toda razão. A jovem deputada do
PCdoB gaúcho chama a atenção. É mesmo uma mulher muito
bonita”, “comprovou que é capaz de seduzir também no jogo
parlamentar”, “as jornalistas que cobrem a Câmara comentam que
Manu emagreceu e está mais preocupada com o figurino”. Esse foi
apenas um exemplo, mas é recorrente essa visibilidade
preconceituosa relegada às mulheres que fazem parte do cenário
político brasileiro, por parte de muitos veículos de mídia.
Entendendo esse recorte de subalternização das mulheres no
contexto político, partiremos para a compreensão do caso específico
que este trabalho se propõe a analisar.
Partindo da constatação de que a morte é um valor-notícia,
este artigo visa analisar o enquadramento de duas revistas semanais
brasileiras, Veja e Carta Capital, sobre a morte da vereadora Marielle
Franco. A vereadora em questão foi eleita com mais de 46 mil votos,
no Município de Rio de Janeiro em 2016, para a legislatura 20172020, pelo Partido Socialismo e Liberdade - PSOL. Era crítica da
intervenção federal no Rio de Janeiro e da Polícia Militar e foi
executada a tiros quando saía de uma Roda de Conversa com
6
Disponível em: https://istoe.com.br/1901_MANU+A+SEDUTORA/. Acesso em 08 jul. 2018.
184 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
mulheres negras. O crime foi amplamente divulgado pela mídia
impressa em geral, obteve grande repercussão e gerou
manifestações pelo Brasil e pelo mundo.
Marielle era militante de direitos humanos, negra, mulher,
feminista e pertencente ao movimento LGBT. A escolha do episódio
de morte de uma vereadora negra se deu porque a invisibilidade de
mulheres negras e lésbicas no noticiário político brasileiro é ainda
maior que das mulheres brancas (BIROLI, 2009). E vê-la
representada com tanta visibilidade nacional em sua morte nos
levou a analisar a narrativa construída por Veja e Carta Capital,
observando se há divergências nos enfoques do ponto de vista
ideológico e ainda se há reprodução de suas ideias e lutas centrais.
A hipótese desse estudo é que os recortes da realidade
construídos nas duas revistas semanais possuem finalidades
diferentes e são enquadrados conforme intencionalidades editoriais.
Marielle Franco era uma voz que ecoava e foi drasticamente
interrompida. Porém, o silêncio de sua voz foi pauta que fez emergir
na agenda pública a discussão sobre as opressões. Quanto aos
grupos subalternizados, Ribeiro (2017) enfatiza que no Brasil os
processos de exclusão fazem persistir hierarquias de opressões, o
que leva ao emudecimento da voz e do lugar de fala desses grupos –
mulheres, negras e negros, LGBT’s.
As experiências desses grupos localizados socialmente de forma
hierarquizada e não humanizada faz com que as produções
intelectuais, saberes e vozes sejam tratadas de modo igualmente
subalternizados, além das condições sociais os manterem num
lugar silenciado estruturalmente. Isso, de forma alguma, significa
que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses
silêncios institucionais, ao contrário, existem várias formas de
organizações políticas, culturais e intelectuais. A questão é que
essas condições socais dificultam a visibilidade e legitimidade
dessas produções. (Ribeiro, 2017, p. 63)
O racismo estrutural situa a mulher negra em condição
subalterna e, consequentemente, seu discurso segue desautorizado
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 185
no imaginário social e silenciado estruturalmente. Porém, os grupos
vulneráveis criam forma de enfrentar o silêncio institucional. E, no
caso, Marielle Franco era uma mulher ligada a movimentos sociais,
cujo lugar de fala é o segmento popular com recortes de gênero e
raça. Embora as condições de vida dificultem a visibilidade de tal
discurso e mesmo que não permeie o noticiário nacional, foi o
discurso que se legitimou com a inserção da vereadora no mandato
eletivo, com a expressividade de ter sido a quinta mais votada.
É possível inferir que ela possuía um espaço privilegiado e não
comum a mulheres com suas marcas sociais. Assim é possível fazer
a seguinte indagação: será que a cobertura midiática de sua morte
por Veja e Carta Capital garantiu lugar de fala aos grupos que ela
representava?
Convém destacar que os veículos de comunicação constroem
suas narrativas através de estratégias comunicativas, recorrendo
intencionalmente a recursos linguísticos e/ou figuras de linguagem
que sustentam seus discursos midiáticos. As narrativas midiáticas
são fáticas, ou seja, são objetivas e baseadas em histórias reais.
Presume-se que em jornalismo se trabalha com a divulgação da
“verdade”. Contudo, a análise pragmática da narrativa nos leva a
compreender que as narrativas midiáticas são carregadas de
ideologias e intencionalidades, constituindo-se não somente
representação da realidade, mas também dispositivos discursivos
utilizados socialmente, de acordo com pretensões (MOTTA, 2013).
Diversos autores em seus trabalhos acadêmicos constatam o
antagonismo ideológico de Veja e Carta Capital e os efeitos de
sentido que podem ser observados nas entrelinhas dos textos e do
discurso midiático dessas duas revistas semanais brasileiras
(BARREIROS, AMOROSO, 2008; VAL, 2007; IUAN, 2014).
Marilena Chauí (2008) ressalta que a ideologia é um dos
meios utilizados pelos dominantes para exercer dominação de tal
forma que os dominados não percebam sua subordinação. Os meios
de comunicação são também utilizados como instrumento para
produzir consensos. Colling (2002, p. 114) reforça que os meios de
186 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
comunicação têm o poder de nos dizer como devemos pensar os
temas pautados na mídia. “O papel da ideologia é fazer com que os
homens creiam que essas ideias são autônomas (não dependem de
ninguém) e representam realidades autônomas (não foram feitas
por ninguém)” (CHAUÍ, 2008, p. 80).
Como nenhuma narrativa é ingênua, estudos sobre o
enquadramento noticioso de Veja e Carta Capital registram, por
exemplo, que embora tenha em sua gênese priorizado o caráter
político, Veja – revista semanal do grupo Abril – direciona hoje boa
parte de seu conteúdo para assuntos sobre comportamento, saúde e
celebridade. É também uma revista que reforça o discurso
institucional dos grupos dominantes – algo feito não diretamente,
mas observado na análise de um conjunto de notícias (IUAN, 2014)
Já a Carta Capital pauta economia, política e cultura, com
maior ênfase aos assuntos políticos (VAL apud IUAN, 2014, p. 11).
Ambas ressaltam temas de cunho geral – embora também não
deixem as generalidades de lado. Enquanto Veja tenha emergido em
um período de censura e repressão à imprensa, Carta Capital iniciou
suas atividades já em regime democrático. Iuan (2014) ilustra o
citado antagonismo ideológico, demonstrando, em diversos
episódios do cenário político nacional e internacional, o
enquadramento diferenciado das duas revistas semanais brasileiras,
do ponto de vista ideológico.
Outro acontecimento evidenciado pelas duas publicações foi o
falecimento do então presidente da Venezuela Hugo Chávez, em
março de 2013, por câncer de próstata. A revista Carta Capital, por
meio da chamada “A morte de um líder” procura focalizar o
entusiasmo popular suscitado por Chávez, além de seu carisma
perante o povo venezuelano. Contrariamente, a Veja apresenta em
sua capa o título “A herança sombria”, numa clara referência tanto
à grave situação econômica do país quanto à repressão política
praticada durante os últimos anos do seu regime, envolvendo a
subjugação da classe média, a perseguição de empresas privadas e
o controle da imprensa, de acordo com o veículo. Nota-se, dessa
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 187
forma, os enfoques diferenciados emitidos pelas duas publicações
sobre o legado post mortem de Chávez (IUAN, 2014, p. 25)
O enquadramento diferenciado na notícia referente à morte
do então Presidente Hugo Chavéz é um dos exemplos citados por
Iuan para descrever que, ao construir textos informativos de
notícias reais (fáticas, nos termos de Motta 2013), Veja e Carta
Capital possuem pontos de vista particulares e contundentes sobre
determinado assunto, enquadrando-os conforme sua ideologia. No
caso em análise, no legado pós-morte de Hugo Chavéz, o autor
verifica em Veja a referência negativa ao regime político da
Venezuela, empregado na gestão da figura política em questão. Já
em Carta Capital o mesmo tema é retratado com ênfase no
entusiasmo popular causado por Chavéz, portanto, o mesmo
assunto pautado com outra ênfase. O estudo conclui que a oposição
entre as duas revistas é ainda maior quando o assunto em pauta é
política.
Entendendo esse contexto, na próxima seção passaremos à
análise das notícias sobre a morte de Marielle Franco nas revistas
em análise.
O enquadramento noticioso da morte de Marielle Franco por
Veja e Carta Capital
Veja7 registra a morte de Marielle Franco no dia 21 de março
de 2018, por meio da edição nº 2.574. A revista semanal dedica a
matéria de capa a esse conteúdo e descreve em cinco páginas, texto
com o título “O crime contra uma voz” (p. 47). A reportagem é de
autoria do jornalista Fernando Molica e da jornalista Luisa
Bustamante e utiliza 05 imagens. Sobre o uso das imagens importa
destacar que são grandes e utilizam boa parte das páginas
7
MOLICA, Fernando; BUSTAMANTE, Luisa. O crime contra uma voz. IN: Revista Veja. Editora Abril.
Ed. 2574 . Ano 51- nº 12. 21 de março de 2018.
188 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
destinadas ao conteúdo. Além da matéria, não há espaço para
comentários, notas e/ou análises adicionais.
A capa estampa o título “A quem interessava matar essa
mulher?” e o subtítulo “A execução da vereadora Marielle Franco
com 4 tiros na cabeça levanta a suspeita de crime encomendado e
leva Temer a falar em ‘atentado à democracia’”. Apesar de possuir o
espaço de capa, a matéria no contexto da revista tem menor espaço
que outras reportagens no mesmo folhetim.
Os jornalistas descrevem o crime e o modus operandi dos
criminosos sustentando a grande probabilidade de execução.
Ressaltam a multidão reunida para o velório, utilizando imagens
para ilustrar a forte comoção social. “A morte brutal a agigantou, ao
adicionar um componente político ao inaceitável caldeirão de
violência que engolfa o Rio: os disparos abateram uma pessoa eleita
pelos cariocas para representá-los” (p. 47). Utiliza a mensagem
imagética do caixão chegando ao velório na Câmara de Vereadores
do Rio de Janeiro para demonstrar a comoção popular e reforçar o
“inaceitável caldeirão de violência” (p. 48).
No texto, Veja compara a morte de Marielle Franco e
Anderson, motorista que conduzia o carro em que estava a
vereadora e que também foi morto por conta dos tiros, à carnificina
de Medellín – Colômbia, ocorrida nos anos 90. Utiliza na linguagem
argumentativa o reforço da ideia central da matéria – que é trazer
elementos reais para argumentar que a intervenção militar é
necessária e mobiliza as instituições governamentais. Isso fica
evidente também pela afirmação de que o Presidente da República
Michel Temer fala em atentado à democracia.
Comprovando tal intencionalidade, sobre a comparação com
os acontecimentos na cidade colombiana, a matéria traz a frase:
“Sua morte traz à memória a carnificina de uma Medellín dos anos
90 em que o crime chegava perigosamente perto de controlar o
Estado, ameaçar as autoridades e abalar as instituições da
Colômbia” (p. 49). No mesmo parágrafo, ao referir-se à polarização
presente no país entre esquerda e direita, afirma:
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 189
Como no Brasil politicamente polarizado, tudo é visto pela lente da
deformação ideológica já apareceu críticas à enorme repercussão
do crime, creditando-a ao perfil de Marielle: mulher, negra, lésbica
e esquerdista. (...) Fosse a vítima um homem, branco,
heterossexual e direitista, a gravidade não seria menor. Por tudo
isso, o presidente Temer tocou num no ponto nefrálgico: é um
atentado à democracia.(p. 48-49)
Veja constrói sua narrativa na intenção de reforçar que a
repercussão do crime não tem relação direta com o perfil político de
Marielle Franco (mulher, negra e lésbica), ou com suas defesas na
Câmara de Vereadores. Importante destacar que a parlamentar
atuava na direção contrária à intervenção militar; e, como a própria
matéria traz, era voz dissidente em relação ao tipo de intervenção
proposta pelo Governo Federal no Rio de Janeiro - RJ. Creditar a
repercussão a seu perfil poderia representar uma indireta defesa a
seus argumentos. Por esse motivo, ao capturar as sutilezas do
discurso, é possível inferir que está implícito no conteúdo que o
crime tem mais relação com a criminalidade no Rio Janeiro. Tal
argumentação sustenta a defesa da intervenção militar tal como está
posta no RJ.
A matéria apresenta ainda foto de moradores em situações de
violência perpetrada pela PM, na Vila Kennedy - RJ. Pessoas e
comoção social são novamente objeto de ênfase imagética. Ao lado,
imagem de postagem de Marielle no Twitter: “Uma truculência e
covardia sem tamanho. Sintomas de uma cidade cada vez mais
militarizada e menos democrática”(p. 50). Aqui fica evidente a
contradição entre as defesas da parlamentar e o enquadramento da
notícia em Veja.
A matéria enfatiza que a violência policial não era o único
assunto pautado por Marielle, pois a mesma debatia a situação da
mulher, racismo e homofobia. Contudo, ressalta que a própria
parlamentar se incomodava com o modo de agir da PM. “É certo que
o modo de agir da PM a incomodava – uma amiga morreu em fogo
190 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
cruzado no complexo Maré.” (p. 50) A morte da amiga na mesma
região é mais um elemento utilizado para corroborar com o centro
da argumentação no texto de Veja.
Importa sublinhar que o veículo dedica pouco espaço para
falar da trajetória política da vereadora e dos projetos de lei que
apresentou. Quando introduz o texto sobre seu perfil, utiliza
inicialmente informações sobre sua vida privada:
Marielle contou que na mocidade era católica praticante e atuava
na Pastoral da Juventude. Em seguida passou por um período em
que curtia ‘baile, torcida e farra’ – e aí ficou grávida da única filha,
Luynara de 20 anos, que criou sozinha e hoje mora com a tia
Anielle. (p. 50)
É relevante frisar que, embora Marielle tenha ocupado a pauta
da revista semanal por ser parlamentar, ainda assim se nota
primeiramente o registro de informações de sua vida particular.
Sem dúvida, outras mulheres, em sua mesma condição, não
estariam no noticiário. Vale destacar que as mulheres que ocupam a
arena política possuem suas trajetórias veiculadas na mídia como
intrinsecamente ligadas ao âmbito particular. Biroli (2009),
comparou o espaço reservado em três revistas semanais para
figuras femininas e masculinas, podendo confirmar a presença de
estereótipos de gênero e a ênfase em caraterísticas da vida privada
(arranjo familiar, relações sociais domésticas), ao passo que nas
notícias cujo personagem principal é do sexo masculino, não se nota
a mesma correlação.
Carta Capital8, em sua edição nº 995 de 21 de março de 2018,
também dedica a reportagem de capa à notícia da morte da
parlamentar, Marielle Franco. Na capa registra o título “Ainda
ouvimos Marielle” e a frase “Os assassinos não conseguem silenciar
a vereadora carioca, heroína da luta pela igualdade e contra a
8
CORAZZA, Felipe; MARTINS, Rodrigo. Não há como silenciá-la. 21 de março de 2018. Revista Carta
Capital. Ed. 995. Acesso em 23 de junho de 2018. www.editoraconfianca.com.br/acesso/leitor.
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 191
militarização”. A reportagem de autoria de Felipe Corazza e Rodrigo
Martins dedica 06 páginas ao registro da morte da vereadora e seus
desdobramentos, utilizando sete imagens. A reportagem principal
tem o título “Não há como silenciá-la”, mas a revista dedica ainda
uma sessão do editor-chefe, Mino Carta, com o título “Sangue no
asfalto” que acrescenta outros elementos à abordagem.
A reportagem de Carta Capital estampa a imagem de diversas
pessoas em manifestação de repúdio à execução de Marielle e
Anderson (p. 16-17). A imagem evidencia de um lado o choro e
tristeza pela morte – representado por militantes chorando, por
outro lado (na mesma foto) apresenta militantes de punhos
fechados, representando a resistência com a frase estampada em
camisetas: “Marielle e Anderson: presente!”. Em quadro de
destaque, aparece a frase: “A dor pela morte da aguerrida defensora
dos direitos humanos será capaz de mover a resistência ao arbítrio?”
(p. 17). A foto – registro de uma das mobilizações em torno do tema
– retrata já no início a complementação do texto que enfatiza
paradoxalmente que a tristeza pela morte será também motivo para
continuidade da luta contra a militarização da vida social no Rio de
Janeiro.
“Executada no Rio, a vereadora Marielle Franco deixa um
legado de luta pela igualdade social e contra a militarização da
segurança pública” (p. 16). Já na primeira imagem observa-se
conteúdo implícito que dialoga diretamente com o texto e a
intencionalidade dos autores em frisar o caráter coletivo da
repercussão da morte e a mobilização popular para que, após a
morte, a voz dos segmentos vulneráveis (aos quais Marielle
pertencia), continue a ecoar em torno da denúncia e insatisfação
com a intervenção militar.
O texto descreve o crime em detalhes, apontando indícios de
execução. Observa-se o mesmo detalhismo de Veja para descrever
as circunstâncias que comprovam a provável execução. Nesse ponto
os dois veículos se assemelham em constatar indícios da
192 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
materialidade do crime, reverberando na hipótese de provável
execução.
Os dois veículos usam comparações. Carta capital compara o
modus operandi dos criminosos com a emboscada que matou a juíza
Patrícia Acioli em 2011 com 21 tiros. A magistrada em questão atuou
em processos contra mais de 60 policiais militares acusados de
participar de milícias e grupos de extermínios. Aqui a parlamentar
é associada a uma “defensora da lei”. Essa comparação traz ao leitor
a sensação de que as pautas que ela defendia – e por consequência,
o repúdio à própria intervenção militar – são importantes para
garantir a justiça.
A matéria da Carta Capital utiliza trechos de falas de Marielle,
centrando a argumentação nos pontos que a vítima criticava,
ressaltando também a interpretação de seu grupo político.
Diferentemente de Veja, onde o personagem Temer e demais figuras
institucionais a ele ligadas, possuem centralidade, na narrativa de
Carta Capital observa-se centralidade ao discurso de Marielle
Franco.
Em relação ao espaço dado à argumentação de Marielle,
mencionam os seguintes trechos de falas da vereadora: (1) Quanto
aos abusos do 41º Batalhão da Polícia Militar contra moradores da
comunidade do Acari: “acontece desde sempre e com a intervenção
militar ficou ainda pior” (p. 17); (2) Sobre os interesses políticos por
trás da intervenção militar: “tem a ver com a imagem da cúpula da
segurança pública, com a salvação do PMDB, tem relação com a
indústria do armamentismo” (p. 17).
No que concerne ao posicionamento e às interpretações de seu
grupo político, destacam-se dois personagens do PSOL - Partido
Socialismo e Liberdade: Marcelo Freixo e Juliano Medeiros. A
matéria atribui a Freixo a mesma frase que a matéria de Veja imputa
a Temer: “crime contra a democracia”. Como o jornalismo trabalha
com a verdade, é provável que os dois personagens tenham dito a
mesma frase. Mas, conforme a intencionalidade dos veículos, a
mesma frase aparece com conteúdo implícito diferente. A execução
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 193
de Marielle Franco é registrada nas duas revistas semanais como
crime ou atentado contra a democracia.
O pronunciamento do presidente Michel Temer é enquadrado
a partir de um enfoque crítico por Carta Capital, referindo-se os
autores, em tom irônico, que Temer aproveitou para fazer
“propaganda de sua milagrosa solução para a violência urbana” (p.
17). O veículo deixa evidente que as falas institucionais –
representadas pelas autoridades Torquato Jardim (Ministro da
Justiça), Luís Fernando Pezão (Governador do Rio de Janeiro) e
Michel Temer (Presidente da República) – reforçam que a morte da
vereadora não afetará a intervenção militar. O discurso da
“segurança nacional” aparece como fator resolutivo para a onda de
violência que também vitimou a parlamentar.
A transição da fala de Temer aponta para esse enquadramento
do veículo (Carta Capital): “Pedi ao ministro Raul Jungmann para
colocar a Polícia Federal à disposição para auxiliar o interventor do
Estado do Rio de Janeiro, general Walter Braga Neto, na
investigação. Esse crime não ficará impune” (p. 18). Infere-se na
declaração uma tentativa de utilização do aparato institucional da
intervenção militar para a investigação da morte de Marielle Franco.
Conteúdo implícito na fala de Temer que foi rapidamente
apreendido pela liderança do grupo político da vereadora.
Nesse contexto de conflito, o veículo registra a reação do
presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, ao posicionamento
de Temer: “não vamos aceitar que Temer use esse episódio para
justificar a intervenção no Rio” (p. 18). O texto atribui a esse
personagem político o uso do termo “presidente ilegítimo”, além
disso, registra que o PSOL cobrou responsabilidade compartilhada
por Temer e Pezão para dar resposta a esse crime, que denominam
“crime político”. Registra que o PSOL não deixará de fazer críticas
sobre a decisão do Governo Federal de intervir no Rio de Janeiro,
mesmo que Marielle tenha sido brutalmente executada, embora
observem a tentativa institucional de desvendar o crime, utilizandose do aparato da questionada intervenção militar.
194 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Ainda em Carta Capital, os jornalistas apresentam dados do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2016) para reproduzir a
imagem de que o Rio de janeiro não é o pior estado em termos de
violência. “Apesar do recrudescimento da criminalidade, o Rio de
Janeiro é apenas o 10º Estado com maior taxa de mortes violentas
no país” (p. 20). Argumentam que pelo menos três outras capitais
possuem situação mais crítica – Sergipe, Rio Grande do Norte e
Alagoas, e nem assim foram alvo de intervenção militar.
Utilizam o portal da Lei de Acesso à Informação para
comparar o gasto diametralmente superior com segurança pública
no período de 2009 a 2015, quando por 15 meses o complexo da
Maré foi ocupado por soldados do exército. A argumentação
caminha na direção de desconstruir a visão que esse gasto
compensa, visto que da mesma forma não se investe em programas
sociais na região e não alcança resultados em termos de melhoria na
qualidade de vida. “De fato viver em um local sitiado, sob a mira de
juízes está longe de ser a idílica e reconfortante experiência vendida
pela propaganda estatal”. (p. 20-21).
Percebeu-se que ambas as revistas utilizam depoimentos de
diferentes personagens para construir suas narrativas. Souza,
Veloso e Porto Jr. (2018) explicam que essa escolha de vozes e o
recorte de suas falas é elemento de bastante relevância na
construção dos quadros, isso porque depoimentos de fontes
diferentes ajudam a construir a realidade que se quer apresentar e
são utilizados para proteger a verdadeira intenção do veículo ou do
jornalista e reforçar o caráter de objetividade noticiosa. Em pesquisa
que analisou os enquadramentos noticiosos na cobertura das greves
gerais pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo, ocorridas no Brasil
em maio de 2017, os autores identificaram diferentes categorias de
vozes (empresas, Governo, Mercado, política, sindicatos, sociedade
civil e outros - fontes que não se enquadram nas demais categorias),
as quais, “por meio de aspas ou citações indiretas”, expressam o
posicionamento dos veículos em relação aos acontecimentos.
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 195
Em Carta Capital, toda argumentação do veículo na matéria
sobre a morte de Marielle Franco é ainda reiterada em um artigo de
opinião, de Mino Carta, editor-chefe da revista. Na seção é traçada
uma análise crítica dos acontecimentos e o autor defende que a
intervenção militar no Rio de Janeiro atende interesses políticos,
sendo inclusive um “pretexto” para adiar as eleições 2018.
Quem conhece a verdadeira origem do mal sabe que a segurança é
pretexto (...) Vieram o golpe e o estado de exceção, a progressiva
demonização de Lula, os crimes jurídicos do Tribunal do Santo
Ofício de Curitiba que, em um país civilizado e democrático, teriam
sido punidos por um Supremo digno do nome, bem como
impedida a usurpação do poder e inúmeros atos francamente
inconstitucionais cometidos pelas máfias do poder, inclusive a
intervenção federal no Rio. (...) E até que ponto a tensão provocada
pelo abalo teria condições de favorecer os golpistas no sentido de
oferecer-lhes o motivo para adiar as eleições pelo tempo
necessário, a bem da paz geral da nação? (p. 21)
Esse trecho demarca a posição editoral de manter-se contra a
intervenção federal e num plano mais macro, a exposição de opinião
contrária ao Governo Temer. O texto traz ainda a divisão ideológica
do país entre direita e esquerda e tece suas considerações com
críticas ao aparato jurídico e institucional que deu suporte ao
impeachment de Dilma Rousseff. Denomina o grupo político que
representa o poder institucional como máfia do poder, em evidente
denúncia ao Governo Temer – citado no texto como governo
ilegítimo.
Como se pôde verificar, a morte da vereadora foi um
acontecimento que agendou os dois veículos em análise, levando-os
inclusive a dedicar a capa de suas publicações a ele, no entanto, o
que se nota é que o enquadramento escolhido por cada um dos
veículos pode gerar no leitor conclusões diferentes sobre a
intervenção militar, assunto que é pano de fundo em ambas as
publicações.
196 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Considerações finais
Apesar das matérias possuírem as mesmas fontes –
diretamente envolvidas no tema tratado, houve clara parcialidade
na transcrição das ideias dos autores nas duas revistas. Pôde-se
constatar a intenção de cada veículo de priorizar certas declarações
em detrimento de outras, que foram desconsideradas. A forma como
o texto, a escolha das fontes e a transcrição de suas falas se
apresentam ao longo das matérias ofereceram aos leitores visões
diferentes dos fatos.
Nas duas revistas semanais, predominantemente, as mesmas
fontes foram ouvidas, porém, o contexto e a argumentação sobre
cada discurso, além da tentativa de desqualificar ou valorizar
personagens envolvidos nas matérias, são manifestações das visões
contrapostas dos dois veículos. Tal processo indica a existência de
uma prática direcionada e parcial de jornalismo.
O uso de dados sobre segurança pública e a carga fortemente
opinativa dos textos de Carta Capital evidenciaram posicionamento
contrário ao Governo Temer e à intervenção federal no Rio de
Janeiro. Muito embora o tema central da matéria fosse a morte da
vereadora, foi possível observar essa influência no conteúdo
noticioso – que além do relato dos atos, contextualizou problemas
políticas, a partir de sua visão ideológica. Já no enquadramento feito
pela revista Veja, ficou claro o intuito de preservar a figura de
Temer, criando a impressão de que a morte de Marielle Franco é
mais um episódio que indica a necessidade de manutenção da
intervenção do Exército na capital fluminense.
Convém destacar que não é pretensão desse trabalho analisar
qual das publicações apresenta conteúdo “verdadeiro” ou “falso”. O
certo é que a leitura de cada revista indica um mesmo assunto,
baseado em declarações verdadeiras de fontes comuns nas duas
matérias, mas que são pautadas a partir de quadros diferentes, que
podem levar o leitor a interpretações totalmente distintas. A partir
desse pressuposto, tem-se que “verdade” apresentada nos meios de
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 197
comunicação nada mais é que um discurso construído com
aparência de realidade.
O enquadramento dado ao assunto corrobora com a
intencionalidade editorial, fato que vai de encontro aos conceitos de
isenção, imparcialidade e neutralidade na cobertura jornalística,
entendida por muitos como fundamentos da comunicação como
direito humano.
Referências
BARREIROS, T. E.; AMOROSO, D. Jornalismo estrábico: Veja e Carta Capital na
cobertura do “escândalo do mensalão”. Universidade de La Fronteira:
Temuco, 2008. Perspectivas de la Comunicación · Vol. 1, Nº 1, 2008· ISSN
0718-4867.
BIROLI, Flávia. Gênero e política no noticiário das revistas semanais
brasileiras: ausências e estereótipos. UNICAMP: Cadernos Pagu, janeirojunho de 2009. p. 269-299.
CAMPOS, Luiz Augusto. A identificação de enquadramentos através da análise
de correspondências: um modelo analítico aplicado à controvérsia das
ações afirmativas raciais na imprensa. In: Opinião Pública, vol.20, Nº 3
Campinas:
2014,
p.
377-406.
Disponível
em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010462762014000300377>. Acesso em: 27 mai. 2018.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
COLLING, Leandro. A economia no Jornal Nacional nas eleições de 1998.
Salvador: Revista Diálogos Possíveis, v. 1, n. 0, p. 113-132, 2002.
CORAZZA, Felipe; MARTINS, Rodrigo. Não há como silenciá-la. 21 de março de
2018. Revista Carta Capital. Ed. 995. Acesso em 23 de junho de 2018.
www.editoraconfianca.com.br/acesso/leitor.
DANTAS, F. A.; RUBIM, L. O. “Tchau Querida!”: questões de gênero na cobertura
da mídia sobre o governo Dilma. Revista Observatório, Palmas, v.4, n.1, p.
466-491, jan-mar. 2018.
198 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
ENTMAN, R. M. Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal
of Communication, vol. 43, n° 4, p. 51-58, 1993. Disponível em:
<https://www.unc.edu/~fbaum/teaching/articles/J-Communication1993-Entman.pdf>. Acesso em 01 mai. 2018.
GONÇALVES, Telmo. A abordagem do enquadramento nos estudos do
jornalismo. In: Caleidoscópio, Revista de Comunicação e Cutura, Nº 5/6,
2005,
p.
157
–
167.
Disponível
em:
<http://revistas.ulusofona.pt/index.php/caleidoscopio/issue/view/188>.
Acesso em 01 mai. 2018.
IUAN, Igor. Veja e Carta Capital: as estratégias discursivas e ideológicas na revelação
do câncer de Dilma Rousseff. Curitiba: UFPR, 2014. Disponível em: <
https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/35327/R%20-%20D
%20-%20IGOR%20IUAN.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 01
jun. 2018.
LEAL,
Plínio Marcos Volponi; COSTA, Daniele Marques da Silva.
Enquadramentos nos Pronunciamentos Oficiais de Dilma Rousseff:
um olhar sobre a proteção da face. 2010. Disponível em :
<http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-22031.pdf>. Acesso em 18 jun. 2018.
MACÊDO, Thaize Ferreira. Contribuições da análise de enquadramento ao estudo
sociológico da produção de notícias. In: PORTO Jr, Gilson et al. Media
effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1:
Teorias do agendamento, priming e framing. Porto Alegre, RS: Editora Fi
/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. Disponível em: <
https://www.editorafi.org/272opaje>. Acesso em 18 jun. 2018.
MARTINO, L. C. Uma Questão Prévia: Existem Teorias da Comunicação?.2007.
Disponível
em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/
2007/resumos/R1054-5.pdf>. Acesso em 27 mai. 2018.
MOLICA, Fernando; BUSTAMANTE, Luisa. O crime contra uma voz. IN: Revista
Veja. Editora Abril. Ed. 2574 . Ano 51- nº 12. 21 de março de 2018.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise Crítica da Narrativa. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2013.
Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 199
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Coleção Feminismos Plurais. Belo
Horizonte: Letramento, 2017.
ROSSETTO, G. P. N.; SILVA, A. M. Agenda-setting e Framing: detalhes de uma
mesma teoria?. In: Intexto, n.26, UFRGS - Porto Alegre: 2012, p. 98-114.
Disponível
em:
<www.seer.ufrgs.br/intexto/article/viewFile/22933/18921>. Acesso em
27 mai. 2018.
SOUZA, T. S. M.; VELOSO, V. L.; PORTO Jr, F. G. R. Os dias em que o Brasil parou:
uma análise dos enquadramentos noticiosos na cobertura das greves
gerais. In: PORTO Jr, Gilson et al. Media effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo. Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e
framing. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
Disponível em: < https://www.editorafi.org/272opaje>. Acesso em 18
jun. 2018.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos
meios de comunicação de massa. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. 431 p.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são.
Volume I. Florianópolis: Insular, 2. ed, 2005.
______. Teorias do Jornalismo. A tribo jornalística - uma comunidade
interpretativa transnacional. Volume II. Florianópolis: Insular, 2005.
VAL, H. Invasão ao Iraque: um estudo das coberturas das revistas Veja e Carta
Capital.
São
Paulo:
PUC,
2007.
Disponível
em:
<
https://tede2.pucsp.br/handle/handle/3787>. Acesso em 01 jun. 2018.
Capítulo 8
Caso de Marielle Franco:
impacto do efeito da terceira pessoa
a partir de uma fake news1
Janaína Vilares da Silva2
Glês Cristina do Nascimento3
Liliam Deisy Ghizoni4
Liana Vidigal5
1
Este artigo foi produzido para a disciplina: Tendências Teóricas em Comunicação e Cultura, sob a
orientação do Professor Francisco Gilson Rebouças Porto Júnior, do programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
2
Mestranda do programa de pós-graduação em Comunicação e Sociedade – PPGCom/UFT. Psicóloga
da Universidade Federal do Tocantins. Membro do grupo de pesquisa no CNPQ “Trabalho e
Emancipação: Coletivo de Pesquisa e Extensão”. E-mail: vilaresjana@gmail.com
3
Mestranda do programa de pós-graduação em Comunicação e Sociedade – PPGCom/UFT. Jornalista
formada pela Universidade do Tocantins (Unitins), com especialização Lato Sensu em Educação,
Comunicação e Novas Tecnologias pela Universidade do Tocantins (Unitins), MBA em Marketing
Político pela Universidade Católica do Tocantins. E-mail: glesnascimento@gmail.com.
4
Doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações na UnB com Estágio Sanduíche na
Université Catholique de Louvain la Neuve - Bélgica. Mestre em Educação (área de Educação e
Trabalho) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Saúde Mental pela FIOCRUZ.
Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí, graduação em Estudos Sociais pela Universidade do Vale
do Itajaí. Professora adjunta da UFT, no curso de administração e no PPGCom. Líder do grupo de
pesquisa no CNPQ “Trabalho e Emancipação: Coletivo de Pesquisa e Extensão”. E-mail:
ldghizoni@gmail.com
5
Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Docente do Curso de Jornalismo e do Programa
de Pós-graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins. Líder do Grupo
de Pesquisa em Jornalismo e Multimídia (CNPq). E-mail: lividigal@uol.com.br
202 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Introdução
O assassinato da vereadora do Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) do Rio de Janeiro, Marielle Franco, no dia 14 de março de
2018, no Estácio, bairro central da cidade, foi um crime que chocou
o Brasil, devido à sua natureza. Esta foi executada por indivíduos
que se emparelharam ao veículo em que ela estava e efetuaram
vários disparos de arma de fogo, levando a óbito também o
motorista6.
Marielle Franco era política, socióloga, mestre em
administração pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
feminista e ativista e defensora dos direitos humanos, foi eleita como
vereadora para a legislatura do período de 2017 a 2020, pela eleição
municipal do Rio de Janeiro de 2016. Era crítica da polícia militar e
contra a intervenção federal no Rio de Janeiro, denunciou inúmeros
abusos de autoridades contra a comunidade das periferias da cidade
e comunidades carentes7.
As investigações apontam para motivações políticas, o que
abriu espaço para diversas fake news a respeito da vereadora. As
fake news são notícias elaboradas e publicadas de forma exagerada
ou evidentemente falsas, com a finalidade de sensacionalismo ou
chamar atenção, bem como desvirtuar uma informação,
normalmente com o objetivo de se obter ganhos políticos e/ou
financeiros8.
Uma pesquisa do Laboratório de Estudos sobre Imagem e
Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo
(Ufes), divulgada pelo jornal O Globo, revelou que a notícia mais
6
Informação disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/vereadora-do-psolmarielle-franco-e-morta-a-tiros-no-centro-do-rio.ghtml>. Acesso em: 01 mai. 2018.
7
Informação disponível em: <https://www.mariellefranco.com.br/quem-e-marielle-francovereadora>. Acesso em: 01 mai. 2018.
8
Informação disponível em: <https://medium.com/revista-subjetiva/ataque-%C3%A0-imagem-demarielle-franco-revela-a-l%C3%B3gica-das-fake-news-f9c60999f07b>. Acesso em: 01 mai. 2018.
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 203
compartilhada na internet sobre a morte de Marielle Franco era uma
fake news comprovada9.
O efeito da terceira pessoa começou com experimentos
iniciais realizados em pesquisas de campo, nas quais o pesquisador
perguntava ao sujeito qual o efeito que ele percebia a respeito de
uma situação neles (eu) e nos outros (terceira pessoa) (PORTO JR.,
2009), revelando a importância de se estudar este tema sob a ótica
do caso Marielle Franco e pelas fake news que foram apresentadas
sobre a vereadora.
Assim, o presente estudo, cuja metodologia adotou a pesquisa
exploratória, definindo o público-alvo heterogêneo que frequentava
a Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins no período de 22 a
29 do mês de maio de 2018, buscou analisar como o efeito da terceira
pessoa pode afetar os participantes deste estudo a partir de uma fake
news, enfocando o caso Marielle Franco e como este foi retratado
pela mídia. Para analisar o objetivo principal deste trabalho, foram
propostas as seguintes hipóteses:
Hipótese 1: Ao observar a notícia, as pessoas irão acreditar
nesse tipo de mensagem, devido ao seu teor negativo exercer
maior impacto em outras pessoas do que nelas mesmas,
ocorrendo o efeito da terceira pessoa padrão.
Em relação ao corolário da distância social existente no efeito
da terceira pessoa, acredita-se que os participantes irão
apontar que as pessoas com a mesma formação
compartilharão da mesma opinião que eles. Conforme a
seguinte hipótese:
Hipótese 2: O impacto percebido da mensagem nas outras
pessoas será maior quando “os outros” (terceiros) tiverem
uma formação (educação) diferente do sujeito.
No que diz respeito ao componente comportamental do efeito
de terceira pessoa, acredita-se que, devido à mensagem ser de
9
Informação disponível em: http://www.labic.net/. Acesso em: 20 jun.2018.
204 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
cunho negativo e pelo impacto midiático que teve este caso,
não será apresentado efeito reverso ou efeito de primeira
pessoa nesta pesquisa (exerce maior impacto no participante
do que nas outras pessoas):
Hipótese 3: O efeito reverso de terceira pessoa não aparecerá
na presente pesquisa.
As sessões subsequentes trataram da “hipótese do efeito de
terceira pessoa” e “fake news”, bem como a apresentação da
metodologia, resultados e discussões e as considerações finais.
Hipótese do efeito de terceira pessoa: entendendo seu conceito
Segundo Porto Jr. (2009) a ideia do efeito da terceira pessoa
na mídia foi desenvolvida a partir da suposição de efeitos
imaginativos sobre outras pessoas de notícias vinculadas na mídia a
partir dos trabalhos de W. Phillips Davison em 1983 e
complementado por Richard Perloff em 1993.
A ideia inicial de Davison (1983; 1996) e Perloff (1993; 1999), em
suas pesquisas empíricas, era analisar a existência de “terceiros”
(outros) que podem ser influenciados por determinada notícia
persuasiva na mídia, mas não o sujeito que a vê inicialmente (eu), ou
seja, “os outros indivíduos” (terceira pessoa) expostos às mensagens
persuasivas serão mais impactados pelo conteúdo da mensagem do
que “eu” (primeira pessoa), e isso os induzirá (eles) “(...) a tomarem
certas atitudes e a adotarem certos comportamentos” (AMORIM, 2013,
p. 221-222). Desta forma, tal princípio repercute e pode ser
generalizado para diversos campos da área da comunicação,
principalmente as decisões quanto às censuras e impactos políticos.
De acordo com Rocha e Porto Jr. (2018) e Amorim (2013), o
pressuposto do efeito da terceira pessoa se caracteriza em uma
hipótese ou teoria da comunicação, que possui grande relevância
com relação ao impacto no sujeito que recebe a notícia, uma vez que
estes são expostos a conteúdos informativos, de tal forma que há um
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 205
julgamento sobre como este conteúdo pode impactar mais outra
pessoa do que ela mesma. Portanto, o sujeito exposto a uma
mensagem da mídia acredita que tal informação não terá seu maior
impacto nele “eu” [primeira pessoa] ou “você” [segunda pessoa],
mas neles/“eles” [terceiras pessoas] (PERLOFF, 1999). Conforme
ilustrado a seguir.
Figura 1 - Ilustração sobre o efeito da terceira pessoa
Fonte: Elaborado por Adriano Alves da Silva, 2018.
Perloff (1993) aponta algo extremamente importante com
relação a essa hipótese, que seria a impossibilidade de
“generalização total”, pois o efeito de terceira pessoa não ocorre em
todas as pessoas e nem em todas as notícias e circunstâncias, assim,
[...] o efeito da terceira pessoa não emerge em todas as
circunstâncias e para todas as pessoas. O efeito parece tender
particularmente a aparecer quando as mensagens contêm
recomendações que não são percebidas como pessoalmente
benéficas, quando os indivíduos percebem que a questão é
pessoalmente importante e quando percebem que abriga um
preconceito negativo. (PERLOFF, 1993, p. 167)
Desta forma, Perloff (1999) afirma que quanto maior o
conhecimento sobre determinado assunto pelo sujeito, mais imune
este será ao efeito de terceira pessoa; bem como quanto maior a
distância social percebida com relação à notícia, maior será presença
do efeito de terceira pessoa. Gunther e outros (2001), Aggio (2010)
e Chagas (2011) complementam esta visão, afirmando que o efeito
206 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
da terceira pessoa tende a ocorrer quando os conteúdos abordados
pela mídia possuem algum cunho negativo ou danoso, aumentando
a probabilidade do sujeito classificar a mensagem como tendenciosa
para o lado oposto, principalmente, quando é abordado assunto
relativo a algum tipo de violência.
Bragatto (2015, p. 285), ao estudar Davison (1983; 1996),
chega à conclusão de que a hipótese do efeito da terceira pessoa
apresenta outras questões.
[...] do efeito reverso ou da primeira pessoa (quando o observador
julga que a mensagem tem mais influência sobre ele que sobre os
demais); da desejabilidade social (quando uma mensagem é vista
como boa e desejável pelo observador, pode ocorrer o efeito
reverso) e da distância social (influência da proximidade social e
da identificação do observador com os grupos de comparação).
Bragatto (2015) relata que o efeito da terceira pessoa
evidencia a chamada “censura”, uma forma de avaliar e controlar o
tipo de conteúdo publicado. Rangel (2005) fala que esta censura age
como um filtro daquilo que o sujeito (eu) julga ser danoso e
prejudicial a outras pessoas (eles: terceira pessoa). Para Adrian,
Gomes e Porto Jr. (2018, p. 78) “(...) quanto mais as pessoas
acreditam que os outros são influenciados pela mídia, mais elas
tendem apoiar atos de censura”.
Outro efeito interessante é o da “primeira pessoa”, que não
seria nada mais do que um “efeito reverso” provocado por uma
notícia, ou seja, sujeito (eu) acredita que uma notícia possui mais
impacto nele mesmo, ou no próximo (tu: segunda pessoa), do que
em terceiros (eles). Todavia, este efeito normalmente ocorre quando
o conteúdo da notícia possui caráter positivo. (CHAGAS, 2011)
Para Gomes e Barros (2004), o efeito da terceira pessoa está
ligado a concepções morais do sujeito a respeito das outras pessoas.
Conforme Braga (2010), um fator que pesa a respeito do efeito da
terceira pessoa é o grau de valores e crenças do sujeito, podendo
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 207
deixá-lo mais exposto e vulnerável a determinado conteúdo do que
outra pessoa.
A hipótese da terceira pessoa vem sendo pesquisada, debatida
e discutida por diversos autores, que confirmaram a hipótese do
efeito da terceira pessoa. Em nível internacional destacam-se David
e Johnson (1998) que estudaram sobre o efeito percebido das
imagens de mídia idealizadas em estudantes mulheres de jornalismo
e comunicação a respeito da imagem corporal delas e de terceiras;
Schmitt, Gunther e Lebhart (2004) que pesquisaram a respeito da
relação da mídia com os partidos políticos; Chia, Kerr-Hsin Lu e
McLeod (2004), que analisaram sobre o efeito de terceira pessoa a
respeito de um vídeo com cunho sexual, no qual era exposta a vida
sexual de uma política de Taiwan; Christen e Gunther (2003) que
examinaram a respeito do poder de previsão de modelos para
explicação de projeção tendenciosa ou preconceituosa; Huge, Glynn
e Jeong (2006) que analisaram o efeito da terceira pessoa como um
modelo integrado de comparações, com relação ao sujeito e a notícia
recebida; e ainda, Dillard, Weber e Vail (2007) que investigaram a
relação entre a efetividade percebida e a efetividade real de notícias
consideradas persuasivas.
Embora existam poucas produções no Brasil a respeito da
hipótese da terceira pessoa (ADRIAN; GOMES; PORTO JR., 2018),
dentre as produções nacionais, que comprovam este efeito,
destacam-se: Andrade (2008), que realizou um estudo sobre a
influência de jogos como estratégia de marketing em um filme
brasileiro; Dalmonte (2006) que analisou a respeito da informação
que o sujeito recebe e o impacto no efeito da terceira pessoa; Chagas
(2011) que buscou averiguar o impacto do efeito de terceira pessoa
em propagandas de plano de saúde entre jovens; e também, Almada,
Silva e Rossetto (2014) que analisaram a influência de uma
propaganda na população geral.
No Tocantins foi lançada uma produção intitulada “Mídia
Effects: Ensaios sobre teoria da comunicação e do jornalismo”,
dividida em dois volumes: I. Teorias do agendamento, primimg e
208 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
framing e II. Efeitos da terceira pessoa, enquadramento e teoria do
cultivo; pela Editora Fi da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
No segundo volume destacam-se as seguintes produções sobre
terceira pessoa: Rocha e Porto Jr. (2018) que pesquisaram o efeito da
terceira pessoa em profissionais da comunicação para avaliar os
critérios usados para publicação ou censura de uma notícia; Adrian,
Gomes e Porto Jr. (2018) estudaram sobre o efeito da terceira pessoa
e a imagem que alunos e ex-alunos do Colégio da Polícia Militar do
Tocantins possuem a respeito de notícias de ações policiais veiculadas
pela mídia; Ferreira e Menezes (2018) realizaram um estudo a respeito
do efeito da terceira pessoa em profissionais e produtores da área de
audiovisual; Oliveira, Akama e Porto Jr. (2018) fizeram uma pesquisa
a respeito do efeito da terceira pessoa juntamente com o meio
ambiente, analisando a percepção da Comunidade de Altamira, no
Pará, sobre as informações geradas a partir de uma usina de Belo
Monte; Porto Jr. (2018) verificou o efeito da terceira pessoa nas
práticas formativas no jornalismo tocantinense.
Assim, a partir dos estudos citados, observa-se que o efeito da
terceira pessoa vem sendo comprovado e expande-se para as mais
diversas áreas e temas, conforme exemplifica Amorim (2013, p. 222),
quando afirma que “(...) eleições, consumo/moda, grupos
minoritários, conflitos de guerra, assuntos polêmicos como eutanásia,
campanhas antitabagismo, alimentos geneticamente modificados,
automedicação, censura de conteúdos indesejados e outros”.
Desta forma, por estarem relacionados a várias áreas do
conhecimento, os estudos do efeito da terceira pessoa auxiliam nas
pesquisas relacionadas com o fenômeno das fake news.
Fake news: termo cunhado em 2017 que preocupa brasileiros
O termo fake news foi considerado pela editora britânica
Collins, que detém o dicionário Collins, o termo do ano de 2017.
Segundo informações da editora, as menções ao termo aumentaram
365% no ano passado (2017). Este tem sido usado com desdém pelo
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 209
presidente Donald Trump, e também carrega em si o peso de
influenciar eleições nos Estados Unidos. “Mas a ‘notícia falsa’ é hoje
uma notícia legítima, já que é chamada a ‘palavra do ano de 2017’”,
declarou o Collins ao anunciar a escolha10.
De acordo com Collins, fake news, ou notícias falsas na língua
portuguesa, podem ser definidas como “(...) informações falsas,
muitas vezes sensacionalistas, divulgadas sob o disfarce de notícias” 11.
Assim, estas se apresentam, no dia a dia, como artigos
noticiosos que são verificável e intencionalmente falsos, embora
capazes de enganar os leitores. O crescimento do engajamento em
redes sociais online, associado ao declínio da confiança em veículos
tradicionais de informações, explica o vertiginoso crescimento de
circulação de notícias falsas. Todavia a circulação desse tipo de
conteúdo não é novidade. (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017)
A propagação de notícias falsas publicadas e divulgadas de
modo a enganar o público, atendendo a algum interesse escuso, não
é um fenômeno recente em sua origem. Em 1835, o jornal norteamericano New York Sun publicou uma série de reportagens sobre
a descoberta de vida na lua. Teorias de conspiração com implicações
políticas permeiam a longa história de fake news nos Estados
Unidos. (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017)
De acordo com artigo de Robert Darnton, publicado no Jornal
El Pais, a produção de notícias falsas, semifalsas e verdadeiras,
porém comprometedoras, teve seu auge na Londres do século XVIII,
quando os jornais aumentaram sua circulação. Segundo o autor, em
1788, a cidade tinha dez jornais diários, oito que saíam três vezes
por semana e nove semanários, e as notícias que publicavam
costumavam se resumir em apenas um parágrafo12.
10
Informação disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2017/nov/02/fake-news-isvery-real-word-of-the-year-for-2017> Acesso em: 17 jul. 2018.
11
12
Informação disponível em: <https://www.collinsdictionary.com/> Acesso em: 17 jul. 2018.
Informação disponível em:
<
http://www.tyrannusmelancholicus.com.br/imprime.php?cid=9061&sid=338rman/these-are-50-ofthe-biggest-fake-news-hits-on-facebook-in?utm_term=.uen1ybAAw#.fqwdlZXXj> Acesso em: 17 jul. 2018.
210 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
No Brasil, as notícias falsas são tema de grande preocupação.
Segundo relatório produzido em 2017, pela empresa canadense de
pesquisa de opinião pública GlobeScan, para a BBC, o Brasil é o país
mais preocupado com notícias falsas no mundo13.
Contudo, tal preocupação não diminui a circulação de notícias
falsas. Segundo levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas
Públicas para o Acesso à Informação (GPOPAI), da Universidade de
São Paulo (USP), aproximadamente 12 milhões de brasileiros
espalham fake news sobre política nas redes sociais online. Realizado
em junho de 2017, a partir do monitoramento de conteúdo político
falso ou distorcido em 500 páginas digitais, o levantamento sublinha
o alcance colossal dessas notícias, considerando a média de 200
seguidores por usuário14.
Em março de 2018, uma publicação da Revista Science
concluiu que as informações falsas têm 70% mais chances de
viralizar do que as notícias verdadeiras e alcançam muito mais
pessoas. E se a notícia falsa for ligada à política, o alastramento é
três vezes mais rápido15.
É neste contexto de disseminação de notícias falsas, que o caso
da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), executada no dia 14 de
março de 2018, no Rio de Janeiro, se estabelece como objeto do
presente estudo. O caso se transformou em um emblema mundial e
suscitou no Brasil a discussão sobre a difusão das fakes news, que,
neste caso, atacaram a imagem da vereadora tentando diminuir a
importância de sua morte16.
13
Informação disponível em: <http://www.bbc.co.uk/mediacentre/latestnews/2017/bbc-worldservice-poll>. Acesso em: 17 jul. 2018.
14
Informação disponível em: < https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-web-12-milhoesdifundem-fake-news-politicas,70002004235> Acesso em: 17 jul. 2018.
15
Informação disponível em: <https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,fake-news-se-espalham70-mais-rapido-que-as-noticias-verdadeiras-diz-novo-estudo,70002219357>. Acesso em 17 jul. 2018.
16
Informação disponível em: <https://medium.com/revista-subjetiva/ataque-%C3%A0-imagem-demarielle-franco-revela-a-l%C3%B3gica-das-fake-news-f9c60999f07b>. Acesso em 01 mai. 2018.
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 211
Metodologia
Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa exploratória,
considerada um importante auxílio e base para a realização de
qualquer prática nova, sendo bastante útil na área da comunicação.
Com o objetivo de familiarizar-se com um assunto até o momento
pouco estudado ou conhecido, visando a torná-lo mais explícito,
como é o caso, tanto da fake news, quanto da história de luta da
vereadora Marielle Franco. (TRIVIÑOS, 1987)
Optou-se pelo critério por acessibilidade, que, segundo
Vergara (2005), trata-se de um procedimento que seleciona
elementos devido à facilidade de acesso a eles. Assim, a forma inicial
de selecionar os participantes foi devido à facilidade de
acessibilidade ao local e por se tratar de um órgão público ligado à
política, acreditando-se que os participantes pudessem ter maior
familiaridade com as notícias atuais e com fake news.
O público-alvo escolhido foi pessoas que estavam nas
dependências da Assembleia Legislativa do Tocantins, em Palmas,
entre os dias 22 a 29 do mês de maio de 2018. Os participantes
foram selecionados de forma aleatória, participando
voluntariamente da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Totalizando-se 53
participantes, sendo 25 do sexo masculino e 28 do sexo feminino.
É importante ressaltar que se trata de um estudo inicial,
portanto não se pretendeu que os participantes fossem
amostralmente de um determinado público, nem que se guardasse
uma proporção entre os sexos, todavia os resultados apresentaram
um equilíbrio estatístico entre os gêneros, além de possibilitar
possíveis caminhos de análise, tornando os dados ilustrativos de
percepções possivelmente existentes entre os participantes. (PORTO
JR., 2009)
Assim, para realização desta pesquisa, primeiramente foi
selecionada uma Figura encontrada no Google a respeito do “Caso
Marielle Franco”, as pesquisadoras inseriram um texto falso a
212 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
respeito da personagem do caso, criando uma fake news. Conforme
ilustração a seguir.
Figura 2 - Fake News sobre Marielle Franco
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Juntamente com esta imagem e texto, foi elaborado um
questionário, destinado a colher as informações a respeito da
hipótese da terceira pessoa nos participantes. Este instrumento foi
construído inspirado pela pesquisa de Porto Jr. (2009) e contém o
total de dez perguntas, sendo todas fechadas. Destas, três abordam
perfil do entrevistado (sexo, idade e grau de instrução), com o
intuito de conhecer um pouco sobre o sujeito respondente; as
demais sete focam o objetivo da pesquisa em si, buscando analisar a
presença ou não da hipótese do efeito da terceira pessoa nesses
participantes.
Para o tratamento das informações foi utilizado o Excel e o
Tagul. Assim, os dados foram digitalizados, dando origem a um
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 213
banco de dados, realizado a tabulação, a depuração dos dados e a
revisão das respostas para, por fim, realizar o cruzamento das
variáveis e a análise dos dados.
Resultados e discussões
Nesta investigação, visando observar o efeito da terceira
pessoa, aplicou-se o instrumento a 53 participantes, totalizando
100% da amostra, destes 25 (47%) são homens e 28 são mulheres
(53%). Trata-se de uma população heterogênea, tanto com relação
à idade, quanto à instrução/titulação, conforme pode ser observado
nos Gráficos a seguir.
Gráfico 2 - Idade dos participantes (%)
Idade dos Participantes
4%
2% 6%
8%
11%
26%
11%
32%
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018.
No Gráfico apresentado é possível observar que a maior parte
da população estudada enquadra-se na idade de 30 a 39, a menor
com idade de 14 anos ou menos e há 8% dos participantes que
optaram por não informar sua idade.
Com relação ao grau de instrução nota-se no Gráfico a seguir
que nenhum dos participantes possui a titulação de doutor, e que os
214 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
participantes de nível médio e graduados compõem a maior parte
da amostra, com o mesmo número de participantes.
Gráfico 3 - Grau de instrução/titulação de participantes (%)
Grau de Instrução/ Titulação
Nivel Médio
Graduado
Especialista
Mestrado
Doutorado
4% 0%
22%
37%
37%
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018.
As perguntas cujo foco foi levantar a presença ou não do efeito
da terceira pessoa por meio da apresentação de uma fake news,
foram cruzadas com a variável “sexo”, para fins de comparação,
conforme será apresentado e analisado nas Tabelas e Gráficos a
seguir.
Tabela 1 - Percepção sobre a notícia apresentada (%)
VERDADEIRA
FALSA
TOTAL
MASCULINO
40%
60%
100%
25%
75%
100%
FEMININO
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
A Tabela apresentada mostra que a maioria dos participantes
percebeu que a notícia apresentada tratava-se de uma fake news,
tanto os participantes do sexo feminino quanto do masculino,
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 215
todavia há uma maior proporção desta opinião nas pessoas do sexo
feminino.
Gráfico 4 - Aparência da Fake News Mariela (%)
Notícia Marielle
; 7%
; 23%
; 33%
; 20%
; 17%
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018.
O Gráfico acima apresenta a forma como se apresenta a fake
news do caso Marielle aos participantes. Observa-se que a maioria
dos participantes afirma que a notícia apresenta um cunho negativo,
e apenas 7% veem a notícia com um conteúdo normal.
A Tabela a seguir apresenta a influência da percepção da
notícia sobre si mesmo (1ª pessoa). Pode-se observar que a maioria
dos entrevistados, tanto homens quanto mulheres, acreditam que as
fake news apresentadas não os influencia.
Tabela 2 - Influência da percepção da notícia sobre si mesmo (%)
SIM
NÃO
TOTAL
MASCULINO
24%
76%
100%
29%
71%
100%
FEMININO
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Todavia quando perguntado sobre a influência desta mesma
notícia a outras pessoas (terceiros), de modo geral, observa-se que
a grande maioria acredita que a notícia influencia a percepção do
216 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
outro, independentemente do sexo do participante, conforme
Tabela a seguir.
Tabela 3 - Influência da percepção geral da notícia sobre terceiros
SIM
NÃO
TOTAL
MASCULINO
88%
12%
100%
96%
4%
100%
FEMININO
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Como se observa nas duas Tabelas apresentadas, apenas 24%
dos homens e 29% das mulheres afirmam que a notícia lida os
influenciou em sua percepção individual (o “eu”), todavia, quando
indagados quanto à influência sobre outros (“terceiros”) o
percentual sobe para 88% e 96%, respectivamente, de percepção de
influência, confirmando a presença do efeito da terceira pessoa no
público analisado.
Conforme afirma Porto Jr. (2009), a diferença encontrada na
percepção do “eu” e dos “outros” (quaisquer outros) revela uma
evidência de que os outros podem ser influenciados.
Aparentemente, é mais fácil imaginar que a outra pessoa é mais
suscetível a influências externas do que o próprio sujeito (o “eu”).
Quando perguntado sobre a influência da percepção da
notícia a outras pessoas que possuem formação diferente da do
participante, foi possível notar que ambos os sexos acreditam que
aqueles que possuem uma formação diferenciada, encontram-se
muito mais suscetíveis às influências do que o próprio participante,
conforme apresentado na Tabela a seguir.
Tabela 4 - Influência da percepção da notícia sobre terceiros que não
possuem mesma formação que o participante (%)
SIM
NÃO
TOTAL
MASCULINO
88%
12%
100%
89%
11%
100%
FEMININO
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 217
Já quando perguntado sobre a influência da percepção da
notícia a outras pessoas com formação igual a do participante,
embora a maioria dos participantes de ambos os sexos acreditem
que o outro se encontra mais suscetível às influências do que o
próprio participante, o resultado foi bem menos acentuado em
comparação ao outro ter uma formação diferente, conforme
apresentado na Tabela a seguir.
Tabela 5 - Influência da percepção da notícia sobre terceiros que possuem
mesma formação que o participante (%)
SIM
NÃO
TOTAL
MASCULINO
52%
48%
100%
71%
29%
100%
FEMININO
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Os resultados das Tabelas 4 e 5 vão ao encontro da afirmação
de Perloff (1993), com relação à impossibilidade de “generalização
total”, uma vez que o efeito de terceira pessoa não acontece em toda
e qualquer situação, nem com todas as pessoas. Também é possível
observar, nesses resultados, a questão da “educação”, apresentada
pelo mesmo autor, o qual defende que quanto mais conhecimento o
sujeito possui maior será a distância social percebida com relação à
notícia e maior a presença do efeito de terceira pessoa.
Todavia, quando analisadas conjuntamente as Tabelas 3 e 4,
que dizem respeito à percepção da notícia em “outro” (qualquer
outro) e em “outros com formação diferente”, nota-se que a opinião
masculina foi exatamente igual, podendo-se inferir que o “outro”
para os participantes de sexo masculino é apresentado como
diferente em termos de conhecimento, e, portanto, estão mais
suscetíveis aos efeitos da notícia. Conforme aponta Porto Jr. (2009,
p. 54) “(...) esse ‘outro’ distante parece facilitar, a priori, a indicação
de que ele é mais vulnerável, mais afetado e, portanto, mais
necessitado de atenção e proteção”.
A partir dessas correlações (análise das Tabelas 3, 4 e 5),
também é possível refletir sobre a afirmação de Brosius e Engel
218 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
(1996, p.160), que estudaram sobre a influência da mídia, “(...) os
efeitos da terceira pessoa são mais fortemente encontrados entre
pessoas com maior grau de escolaridade e mais velhos”. Todavia, no
presente estudo, não foi possível verificar a presença do efeito de
terceira pessoa com relação a este cruzamento de dados,
provavelmente devido ao não estabelecimento de um plano
amostral que permitisse prever a presença de todos os graus de
instrução e de todas as faixas etárias de modo equiparado.
Com relação ao controle/censura da mídia e ao
comportamento dos participantes, com relação à fake news
apresentada, foi cruzada, também, com a variável “sexo”, para fins
de comparação, conforme apresentado a seguir.
Tabela 10 – Necessidade de censura desta notícia/controle do que é
veiculado pela mídia (%)
SIM
NÃO
TOTAL
MASCULINO
100%
32%
68%
100%
57%
43%
FEMININO
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018.
Na Tabela acima se observa uma divergência com relação ao
posicionamento da opinião dos homens e das mulheres, no qual a
maioria das mulheres (57%) acredita que a notícia deveria ser
censurada, enquanto a maioria dos homens (68%) acredita que não
há necessidade da censura desta notícia.
Foi solicitado aos participantes que apontassem a necessidade
de censura na notícia apresentada, qual o motivo para este controle
pela mídia. Na Figura a seguir é possível observar, as palavras mais
repetidas para tal justificativa.
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 219
Figura 3 - Nuvem de palavras para a censura da notícia
Fonte: Elaborada pelas autoras, a partir do Tagul, 2018.
Observa-se, na imagem acima, que os participantes
apontaram a necessidade de censura da notícia por acreditarem que
se trata de uma notícia falsa e/ou mentirosa.
A partir deste estudo, pelos resultados, pode-se deduzir que,
com relação à fake news apresentada sobre o caso de Marielle
Franco, foi possível evidenciar o efeito de terceira pessoa, todavia
ainda é cedo para se afirmar – categoricamente – que este efeito
tenha sido percebido em si e nos outros, mesmo observando-se os
dados apresentados.
O fato de a notícia ter sido uma fake news que “atacava” a
imagem de Marielle Franco, pode ter contribuído para esta
evidência, pois há uma tendência ao efeito da terceira pessoa se
sobressair quando o assunto abordado pela mídia apresenta algum
cunho negativo ou danoso. (GUNTHER et all, 2001; AGGIO, 2010;
CHAGAS, 2011)
Considerações finais
O presente estudo visou analisar a opinião do público
escolhido com relação ao efeito da terceira pessoa a partir de uma
fake news sobre a vereadora Marielle Franco.
220 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
Ao analisar as hipóteses apresentas na introdução e os
resultados e discussões, conclui-se que a primeira hipótese foi
confirmada, pois foi observado o efeito da terceira pessoa e 93% dos
participantes apontaram a notícia como violenta, racista, pejorativa
e mentirosa, conforme apresentado no Gráfico 4.
A segunda hipótese levantada também foi confirmada,
conforme observado nas Tabelas 4 e 5, no qual o impacto percebido
da mensagem nas outras pessoas será maior quando “os outros”
(terceiros) tiverem uma formação (educação) diferente do sujeito.
(PERLOFF, 1993)
A terceira hipótese igualmente foi confirmada, pois não foi
observado a presença do “efeito reverso” ou “efeito de primeira
pessoa” nesta pesquisa, cuja premissa é de que a notícia terá maior
impacto no participante do que nas outras pessoas.
Ressalta-se que, por se tratar de um estudo inicial, esta pesquisa
apresenta limitações, como o quantitativo da amostragem, que para
solidificar as afirmações necessitaria ser ampliado, bem como o
período de disponibilização do instrumento aos participantes.
Desta forma, outros pontos podem vir a ser explorados,
aprimorados e incorporados em outras pesquisas sobre o tema,
permitindo ampliar a visão a respeito do efeito da terceira pessoa.
Assim, sugere-se a trabalhos posteriores: 1. Analisar os processos
subjetivos que interferem nas respostas dos participantes,
permitindo um aprofundamento das relações estabelecidas; 2.
Realizar o cruzamento dos dados com outras variáveis, como o grau
de instrução e idade, que poderia apresentar uma nova perspectiva
em relação aos resultados.
Destarte, observa-se que o efeito da terceira pessoa trata-se
de uma teoria da comunicação que vem se mostrando como um
método importante para avaliar como as pessoas acreditam em
determinadas informações apresentadas pela mídia e qual o impacto
dessas informações nelas e em outros, bem como a necessidade de
veto ou censura.
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 221
Referências
ADRIAN, Alessandra Bonfin Bacelar Abreu; GOMES, Luciano Silva; PORTO JR.,
Francisco Gilson Rebouças. A influência da mídia na promoção da imagem
da polícia militar em alunos e ex-alunos de colégios militares do Tocantins:
uma análise a partir do efeito de terceira pessoa. In: PORTO JR., Francisco
Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de;
BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa,
enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS:
Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
AGGIO, Camilo. Hipótese do efeito de terceira pessoa: as estimativas de fumantes
e não fumantes sobre os efeitos dos anúncios antitabagismo. Organ. Soc.
Salvador, v.17, nº. 54, p. 463-478, jul/set, 2010.
ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016
Election. NBER Working Paper No. 23089. Issued in January 2017,
Revised
in
June
2017.
Disponível
em:
<
http://www.nber.org/papers/w23089>. Acesso em 20 jul. 2018.
ALMADA E SILVA, Maria Paula; ROSSETTO, Graça Penha Nascimento. Efeito de
terceira pessoa e distância social: percepção da influência dos media no eu,
no semelhante e no outro na propaganda da prefeitura municipal de
Salvador. ANIMUS Revista Interamericana de Comunicação Midiática,
v.13 nº. 25. p. 225-252, 2014.
AMORIM, Paula Karini Dias Ferreira. Media Effects: Efeitos Cumulativos e de
Longo Prazo dos Modelos Teóricos. Caderno Seminal Digital Ano 20, v. 20,
nº 20, jul/dez, 2013.
ANDRADE, Luiz Adolfo de. Obsessão compulsiva: games, efeitos em terceira
pessoa e funções pós-massivas nas (re)mediações da (ciber)cultura do
entretenimento. Revista Ícone. Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Universidade Federal de Pernambuco. v.10, nº. 1, p.133-161,
jul, 2008.
222 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
BRAGA, Vitor. Efeito de Terceira Pessoa na política alagoana: impacto da
cobertura midiática na Operação Taturana. Lumina, Revista do Programa
de Pós-graduação em Comunicação Universidade Federal de Juiz de Fora
/UFJF, v. 4, nº 1, jun, 2010.
BRAGATTO, Rachel Callai. O efeito de terceira pessoa: uma revisão teórica.
Revista Eletrônica de Ciência Política, v. 6, nº. 2, p. 280-302, 2015.
CHAGAS, Renata. O impacto do efeito de terceira pessoa em propagandas de
plano de saúde. Estudos em Comunicação, Universidade Federal de
Sergipe, nº 10, p. 355-371, dez, 2011.
CHIA, Stella C.; LU, Kerr-Hsin; MCLEOD, Douglas M. Sex, Lies, and Video
Compact Disc: A Case Study on Third-Person Perception and Motivations
for Media Censorship. Communication Research, v. 31, nº 1, p. 109-130,
2004.
CHRISTEN, Cindy T.; GUNTHER, Albert C. The influence of mass media and other
culprits on the projection of personal opinion. Communication Research,
v. 30, nº 4, p. 414-431, 2003.
DALMONTE, Edson. Dos efeitos fortes à hipótese de percepção do efeito de
terceira pessoa: uma verificação empírica. Contemporânea, v. 4. nº 1,
p.51-72. jun, 2006.
DAVID, Prabu; JOHNSON, Melissa A. The Role of Self in Third-Person Effects
about Body Image. Journal of Communication, Autumn, p. 37-58, 1998.
DAVISON, W. Phillips. The third-person effect in communication. Public Opinion
Quarterly, v. 47, 1983.
DAVISON, W. Phillips. The third-person effect revisited. International Journal
of Public Opinion Research, v. 8, nº. 2, 1996.
DILLARD, James Price; WEBER, Kirsten M.; VAIL, Renata G. The relationship
between perceived and actual effectiveness of persuasive messages: a
meta-analysis with persuasive with implications for formative campaign
research. Journal of Communication, v. 57, nº 4, p. 613-631, 2007.
Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 223
FERREIRA, Kécia Garcia; MENEZES, Verônica Dantas. O efeito da terceira pessoa
em produção audiovisual. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças;
MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN,
Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da
Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa,
enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS:
Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
GOMES, Wilson; BARROS, Samuel. Influência da mídia, distância moral e
desacordos sociais: um teste do efeito de terceira pessoa. Teorias da
Comunicação no Brasil, 2014.
GUNTHER, Albert C.; CHRISTEN, Cindy T.; LIBEHART, Janice L.; CHIA, Stella
Chih-Yun. Congenial public, contrary press, and biased estimates of the
climate of opinion. Public Opinion Quarterly, v. 65, p. 295-320, 2001.
HUGE, Michael; GLYNN, Carroll; JEONG, Irkwon. A relationship-based approach
to understanding third-person perceptions. Journalism and Mass
Communication Quarterly, v. 83, nº 3, p. 530-546, 2006.
OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; AKAMA, Alberto; PORTO JR., Francisco Gilson
Rebouças. Hipótese do efeito da terceira pessoa e meio ambiente: a
percepção da Comunidade de Altamira (Pará) sobre as informações
geradas a partir do rima Uhe de Belo Monte. In: PORTO JR., Francisco
Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa
de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre
teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa,
enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS:
Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
PERLOFF, Richard M. Third-person effect research - 1983-1992: A review and
synthesis. International Journal of Public Opinion Research, v. 5, nº. 2,
1993.
PERLOFF, Richard M. The Third-Person Effect: A Critical Review and Synthesis.
Media Psychology, v. 1, p. 353-378, 1999.
PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Entre fronteiras: explorando o efeito da
terceira pessoa. Estudos em Jornalismo e Mídia, ano VI, nº. 2 p. 45-59,
jul/dez, 2009.
224 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News
PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Percepções sobre o ensino de jornalismo:
o efeito da terceira pessoa sobre as práticas formativas. In: PORTO JR.,
Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA,
Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects:
ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da
Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico].
Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
RANGEL, Jair G. O efeito de terceira pessoa (third person effect) na comunicação.
Trabalho apresentado ao Núcleo de Teorias da Comunicação (recepção)
Intercom - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005.
ROCHA, Wéllida Araújo Resende da; PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças.
Profissionais da comunicação e o efeito da terceira pessoa. In: PORTO JR.,
Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA,
Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects:
ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da
Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico].
Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018.
SCHMITT, Kathleen M.; GUNTHER, Albert C.; LIEBHART, Janice L. Why partisans
see mass media as biased. Communication Research, v. 31, nº 6, p. 623641, 2004.
SILVA, Adriano Alves. Apresentação realizada durante aula do professor Gilson
Porto Júnior. A teoria dos efeitos de Terceira Pessoa. Abril de 2018
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais:
a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VERGARA, Sylvia Constant. Método de pesquisa em administração. São Paulo:
Atlas, 2005.