Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                

L

Media Effects Universidade Federal de Roraima - UFRR Editora da UFRR Diretor da EDUFRR Cezário Paulino B. de Queiroz Reitor Jefferson Fernandes do Nascimento Vice-Reitor Américo Alves de Lyra Júnior Conselho Editorial Alexander Sibajev Cássio Sanguini Sérgio Edlauva Oliveira dos Santos Guido Nunes Lopes Gustavo Vargas Cohen Lourival Novais Néto Luis Felipe Paes de Almeida Madalena V. M. do C. Borges Marisa Barbosa Araújo Rileuda de Sena Rebouças Silvana Túlio Fortes Teresa Cristina E. dos Anjos Wagner da Silva Dias Editora da Universidade Federal de Roraima Campus Paricarana – Av. Cap. Ene Garcez, 2413 Aeroporto – CEP 69310-000. Boa Vista – RR – Brasil e-mail: editora@ufrr.br / editoraufrr@gmail.com Fone: +55 95 3621 3111 A Editora da UFRR é filiada à: Associação Brasileira de Editoras Universitárias Asociación de Editoriales Universitarias de América Latina y el Caribe Vol. 4 Reflexividade, hermenêutica e Fake News Organizadores: Gilson Pôrto Jr. Nelson Russo de Moraes Daniela Barbosa de Oliveira Vilso Junior Santi Leila Adriana Baptaglin φ Diagramação: Marcelo A. S. Alves Capa: Lucas Margoni Arte de capa: Penguin Kao - www.behance.net/penguinkao O padrão ortográfico e o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas de cada autor. Da mesma forma, o conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade de seu respectivo autor. Todos os livros publicados pela Editora Fi estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR http://www.abecbrasil.org.br Série Comunicação, Jornalismo e Educação – 27 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) PÔRTO JR., Gilson et al (Orgs.) Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News [recurso eletrônico] / Gilson Pôrto Jr. et al (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, Boa Vista: EdUFRR, 2018. 224 p. ISBN - 978-85-5696-458-8 Disponível em: http://www.editorafi.org 1. Ensaios. 2. Jornalismo. 3. Ética. 4. Comunicação. 5. Cultura. I. Título. II. Série. CDD: 177 Índices para catálogo sistemático: 1. Ética e sociedade 177 Diretor da série: Prof. Dr. Francisco Gilson Rebouças Porto Junior Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil Comitê Editorial e Científico: Profa. Dra. Cynthia Mara Miranda Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil Prof. Dr. João Nunes da Silva Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil Prof. Dr. Luis Carlos Martins de Almeida Mota Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal Prof. Dr. Nelson Russo de Moraes UNESP - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Prof. Dr. Rodrigo Barbosa e Silva Universidade do Tocantins (UNITINS), Brasil Prof. Dr. Rogério Christofoletti Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Brasil Prof. Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista Universidade de Caxias do Sul:Universidade Federal do Amazonas, Brasil Profa. Dra. Thais de Mendonça Jorge Universidade de Brasília (UnB), Brasil Profa. Dra. Verônica Dantas Menezes Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil Prof. Dr. Fagno da Silva Soares CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesq. em História Oral e Memória Instituto Federal do Maranhão (IFMA) Dr. Luís Francisco Munaro Universidade Federal de Roraima (UFRR) Dr. José Manuel Peláez Universidade do Minho, Portugal Prof. Dr. Geraldo da Silva Gomes Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Tocantins, CESAF/MPTO Enquadrar é selecionar alguns aspectos de uma realidade percebida e faze-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação casual, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito. Robert Entman (Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, New York, v. 43, n. 4, p. 51-58, 1993, p.52). Sumário Apresentação ............................................................................................... 13 Leila Adriana Baptaglin Prefácio ........................................................................................................ 15 Os organizadores Capítulo 1 ..................................................................................................... 19 Comunicação e reflexividade Lavina Madeira Ribeiro Capítulo 2..................................................................................................... 61 O texto sob as lentes da hermenêutica: afastamentos e aproximações Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga Capítulo 3..................................................................................................... 77 Arte urbana e seu poder comunicacional: aproximação das produções artísticas de Roraima/Brasil e Venezuela Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela Capítulo 4................................................................................................... 105 A verdade está nublada Luciana Moherdaui Capítulo 5 ................................................................................................... 131 A teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de fake news Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente Capítulo 6................................................................................................... 147 A fake news no caso marielle franco e a cobertura online do jornal do Tocantins Cleide das G. V. dos Santos; Ruy Alberto P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior Capítulo 7 ................................................................................................... 175 O enquadramento da morte da vereadora Marielle Franco nas coberturas de Veja e Carta Capital Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite Capítulo 8 .................................................................................................. 201 Caso de Marielle Franco: impacto do efeito da terceira pessoa a partir de uma fake news Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam Deisy Ghizoni; Liana Vidigal Apresentação Leila Adriana Baptaglin É uma tarefa complexa realizar a apresentação de um livro com uma densidade de discussões e problematizações com as apresentadas nos capítulos de MEDIA EFFECTS: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo - Vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News. Propostas calcadas na reflexividade em um contexto “carente de posturas reflexivas”, enquadramento em situações de “restrição e fechamento” e, Fake News em um cenário de “imposição e adestramento”. Talvez com um grau de exagero ou ceticismo, mas é evidente que presenciamos um momento social, político, econômico e cultural que tangencia o questionamento acerca de: quem somos? Que sociedade somos? Imbricados em situações complexas vinculas a corrupção na política e, a falta de investimento em setores básicos como saúde e alimentação nos levam a questionar e a problematizar a viabilidade de investimento em setores culturais e educacionais. Afinal, se há um boicote aos serviços básicos de sobrevivência humana, como pensar em estratégias de mobilização social que necessitam um aparato intelectual de articulação? Talvez seja essa uma estratégia de manutenção da população em seu status de miséria humana e intelectual para que assim, as poucas “mentes brilhantes” tomem posse de seus interesses. Uma estratégia pré-histórica mas com impacto e viabilidade indiscutível na contemporaneidade. Os capítulos articulados no Vol. 04 sinalizam para elementos que transitam por estas estratégias, mas o olhar para o 14 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News enquadramento em setores pouco discutidos como a Arte Urbana, os Povos indígenas e os processos eleitorais tomam dinamicidade e passam a ser visualizados em um direcionamento de valorização de outras “mentes brilhantes” que pouco foram e são investigadas. Neste sentido, na contramão de um discurso de padronização, os capítulos aqui apresentados nos instigam a olhar para os grupos marginalizados e colocá-los em evidência enfatizando seus processos organizacionais que, indubitavelmente, são distintos. Sabemos que o discurso não basta, que ações são necessárias. Contudo, é evidente que as investigações propostas realizaram e vem realizando uma aproximação e ações que viabilizem este olhar, muito embora saibamos que ainda há muito a ser feito em termos de ações e, principalmente em termos de ética de pesquisa. Destacamos isso pois temos ciência que somos seres humanos e que estamos inseridos em uma sociedade institucionalizada e organizada com determinados padrões. Quebrá-los ou driblá-los não é tarefa fácil. Contentamo-nos no fato de que o leitor, ao ler as proposições apresentadas neste livro questione seu discurso, suas ações e seus posicionamentos. Pôr-se em estado de crise é o primeiro passo para a realização de ações e de aprendizagens. Um povo acomodado e satisfeito é um povo estagnado. E não é esse tipo de sociedade que queremos, buscamos instigar a crise e a mudança de pressupostos. Assim teremos um olhar crítico que questione e não se cale diante de frases afirmativas: É verdade esse bilhete! Boa Vista/RR, setembro de 2018. Prefácio Gilson Pôrto Jr. Nelson Russo de Moraes Daniela Barbosa de Oliveira Vilso Junior Santi Leila Adriana Baptaglin É com muito trabalho e engajamento que disponibilizamos o vol. 4 do livro MEDIA EFFECTS: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo. Neste volume trabalhamos com Reflexividade, hermenêutica e Fake News adentrando em questões específicas do contexto social, político e cultural vivenciadas na contemporaneidade. Com um olhar atento para as teorias da comunicação, este volume adentra as peculiaridades das distintas regiões brasileiras e de países da América Latina problematizando a repercussão dos fatores nos meios de comunicação. Calcadas em aprofundamentos teóricos que instigam a reflexividade os capítulos apresentados caminham por discursos e lugares complexos mas carentes de investigação. Neste quarto volume contamos com oito capítulos trabalhados e articulados em distintos contextos e elementos de análise. No capítulo 1: Comunicação e reflexividade, Lavina Madeira Ribeiro nos traz uma ampla discussão referente ao modo como as instituições de comunicação delimitam sua especificidade discursiva. No desenrolar do capítulo 2: O texto sob as lentes da hermenêutica: afastamentos e aproximações, os autores Alda 16 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Cristina Costa, Nathan Nguangu Kabuenge, Sergio do Espirito Santo Ferreira Junior, Thaís Luciana Corrêa Braga nos instigam a uma incursão aos elementos oriundos do projeto hermenêutico de Paul Ricoeur, a fim de apontar os trânsitos teórico-metodológicos abarcados pelo rico corpo de conceitos presentes nas suas obras. Apontam ainda, as leituras de J. B. Thompson a respeito da interpretação diante da vida social, situando aproximações e afastamentos entre as perspectivas de ambos os autores. Já no capítulo 3: Arte urbana e seu poder comunicacional: aproximação das produções artísticas de Roraima/Brasil e Venezuela, de Leila Adriana Baptaglin e Norah Shallymar Gamboa Vela temos um trabalho de campo que busca compreender como a Arte Urbana produzida por coletivos artísticos brasileiros (Coletivo Macu-x/BR; Movimento Urbanus/BR), do extremo norte, e venezuelanos (rbano Aborigem/VZ e MuralEja/VZ) comunicam suas proposições. Diante dos primeiros apontamentos é visualizado a consolidação dos coletivos como Movimentos de Arte Urbana (TORROW, 1997) em um cenário de construção de uma “epistemologia do sul” (SANTOS, MENESES, 2010) no qual atende a necessidade de “produzir e disseminar distinções”. No capítulo 4: A verdade está nublada, Luciana Moherdaui traz uma reflexão sobre o impacto da falsificação da verdade na internet, em especial nas redes sociais e nos aplicativos de comunicação instantânea, e nos critérios de noticiabilidade que compõem o jornalismo tradicional. Tal análise parte da influência das notícias falsas nas eleições americanas de 2016 e fundamenta-se nas teorias do gatekeeper, do newsmaking e do agenda-setting. No capítulo 5: A teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de Fake News de Carlos Oliveira Santos e João Kwanha Xerente buscam testar a teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de Fake News. Para isso elaboraram um questionário e o aplicam para estudantes no campus universitário de Palmas/TO. O questionário verificou as hipóteses relativas ao compartilhamento de Fake News, qual a percepção dos estudantes Lavina Madeira Ribeiro | 17 sobre Fake News e se é possível aplicar a teoria do efeito da terceira pessoa no quesito compartilhamento de Fake News. Ainda trabalhando na perspectiva da Fake News, temos três capítulos que tratam do caso do assassinato da vereadora Marielle Franco. No capítulo 6: A Fake News no caso Marielle Franco e a cobertura online do jornal do Tocantins, dos autores Cleide das Graças Veloso dos Santos, Ruy Alberto Pereira Bucar e Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior temos uma aproximação da cobertura do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes, ocorrido no Rio de Janeiro e que ganhou repercussão na imprensa nacional e internacional. Apresenta assim, a análise de 06 notícias que tratam sobre o assunto no veículo Jornal do Tocantins online. Na análise realizada verifica o tratamento oferecido ao fato na cobertura jornalística do veículo e busca promover uma reflexão sobre a participação da imprensa no processo de desconstrução das Fake News. O capítulo 7: O enquadramento da morte da vereadora Marielle Franco nas coberturas de veja e carta capital de autoria de Janaína Costa Rodrigues, Maria Lúcia Adriana Silva Gomes, Cynthia Mara Miranda e Amanda Maurício Pereira Leite trabalha uma análise da notícia da morte da vereadora Marielle Franco, mulher negra, lésbica e militante dos Direitos Humanos, veiculada nas revistas semanais brasileiras, Veja e Carta Capital. Objetivou demonstrar a influência do posicionamento ideológico dos veículos na cobertura jornalística sobre a morte de uma pessoa pública da esfera política municipal do Rio de Janeiro. Por último, no capítulo 8 temos: Caso de Marielle Franco: impacto do efeito da terceira pessoa a partir de uma Fake News de Janaína Vilares da Silva, Glês Cristina do Nascimento, Liliam Deisy Ghizoni e Liana Vidigal o qual trabalha com uma pesquisa empírica sobre como o efeito da terceira pessoa pode afetar os participantes do grupo escolhido, a partir de uma Fake News. O grupo investigado foi escolhido na perspectiva de analisar a 18 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News existência da percepção de que outros podem ser influenciados, ou não, por uma Fake News. Diante de trabalhos densos e de temáticas atuais, o vol. 4 sinaliza problemáticas evidenciadas em um cenário complexo de relações políticas, culturais e sociais extremamente vulnerável. Permite evidenciar situações que até pouco tempo mantiveram-se algemadas e incrustadas em uma sociedade conservadora e repressiva que vem dando sinais de inquietação. Instigamos aos leitores exercitarem uma leitura crítica e questionadora das teorias e dos fatos apresentados. Só assim conseguiremos adentrar em temáticas tão complexas empossados de compromisso. Capítulo 1 Comunicação e reflexividade Lavina Madeira Ribeiro1 De que modo as instituições de comunicação delimitam sua especificidade discursiva? A análise da ação discursiva destas instituições, tais como emissoras de televisão, rádios, jornais e revistas e elementos da internet expõe mecanismos e procedimentos que revelam sua dinâmica argumentativa no espaço público comunicativo. Há um consenso no pensamento sociológico contemporâneo sobre a importância das instituições de comunicação para a experiência e a formação de opiniões e comportamentos dos indivíduos nas sociedades atuais. Reflexões sobre processos de globalização, de rupturas da nacionalidade, de configuração de estilos de vida e de transformações nas configurações de posição e ação dos sujeitos sociais reconhecem sempre a presença interventora das instituições de comunicação. Estas instituições têm adquirido um crescente poder de influência sobre o curso da vida social e cabe particularmente a este ensaio pensar sobre a natureza desta influência. Parte-se do 1 Graduação em Comunicação pela Universidade de Brasília, mestrado em Comunicação e Política pela Universidade de Brasília e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Pós-Doutorado em Comunicação e Cultura pela Eco/UFRJ. Atualmente é professora Associada II da Universidade de Brasília. Formação em Comunicação e Ciências Sociais, com especialização em Cultura e Política. Atualmente dedicada à pesquisa teórica, no âmbito epistemológico da teoria da ação, sobre a teoria social realista, o realismo crítico, reflexividade, no intuito de atualizar conceitos tradicionais da área de Comunicação. Pesquisa sobre análise conceitual da Comunicação. E-mail: lavinamadeira@yahoo.com.br. 20 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News pressuposto de que o terreno de atividades e simbolizações das práticas comunicativas não se confunde com aqueles de outros territórios de produção de sentido e valor. Há uma especificidade institucional destas práticas, um lugar próprio de agenciamento discursivo que não é o mesmo daqueles relativos à esfera da ciência, da política e da arte e cultura em geral. Além disso, por mais diferentes que sejam as estruturas comunicativas, seu poder de alcance e públicos, elas mantém entre si relações de complementariedade, conflito, concorrência e interdependência. Isto porque há princípios e critérios institucionais que antecedem sua diversidade estrutural. Pensar sobre estes princípios e critérios nos remete à origem histórico-sociológica destas instituições. Para Jürgen Habermas, a informação se desenvolveu paralelamente à expansão da troca de mercadorias.(HABERMAS:1984,29) Esta é uma interpretação econômica da origem institucional da comunicação que não esclarece a especificidade dos contornos discursivos historicamente assumidos primeiramente pelas folhas impressas e, posteriormente, pelas demais estruturas de comunicação. Em outra reflexão mais filosófica sobre a origem da modernidade, Habermas a associa à emergência de uma “consciência temporal” que opõe o moderno ao antigo e inaugura uma concepção histórica processual da vida, cujo horizonte é um futuro que não pode ser previsto.(HABERMAS:2001,169)2 Diante de um presente contingente e de um futuro incerto, o que conceitua essencialmente a modernidade é a razão. Ela é o suporte para o exercício da crítica e para a fundação de uma humanidade que busca a autocompreensão criando suas próprias regras. Este movimento gerou a diferenciação das esferas do saber – ciência, moral e arte – e é dentro dele que se pode encontrar os fundamentos para a institucionalização das estruturas de comunicação. 2 Segundo Habermas, “a história é então experenciada como um processo abrangente de geração de problemas – e o tempo, como recurso escasso para o domínio desses problemas que são empurrados para o futuro”. Lavina Madeira Ribeiro | 21 O exercício da crítica, o julgamento subjetivo dos fatos e das opiniões, a autoatualização demandadas pelo movimento da processualidade histórica são os procedimentos exigidos do público que forma o espaço público comunicativo. Se o princípio da subjetividade está no âmago da modernidade, também se faz presente na institucionalização da comunicação como mecanismo que compele os indivíduos a buscarem em si os recursos críticos para sua autonomia e autodeterminação. As instituições de comunicação pressupõem este procedimento de intervenção crítica sobre o mundo, a partir do cultivo de uma subjetividade que se quer autônoma diante de “um mundo da vida que perde de modo perturbador os seus traços de confiança, de transparência e de fidelidade” (HABERMAS:2001,172). O discurso comunicativo evoca a crítica e o julgamento subjetivo sobre um pano de fundo de elementos que se sucedem em transformações ininterruptas e imprevisíveis. As instituições de comunicação são, portanto, formações próprias da modernidade, ancoradas no uso público da razão. A comunicação tem grande visibilidade no mundo contemporâneo participando expansivamente dos processos reflexivos da sociedade de risco. Segundo Ulrich Beck a sociedade de risco surgiu a partir dos efeitos colaterais e das ameaças cumulativamente produzidos pela sociedade industrial. Ela forja uma “modernização reflexiva” em toda a sociedade – onde ela se defronta com ameaças não absorvidas pelo industrialismo e o modelo clássico de sociedade industrial, cujos ícones de progresso são o capital, a tecnologia e o mercado. (BECK:1997,16)3 As instituições de comunicação basicamente expõem a dinâmica deste autoconfronto. Expõem exatamente aqueles momentos de ruptura onde os riscos reais e potenciais ameaçam os limites sociais de segurança dos indivíduos e das instituições. Segundo Beck, “’modernização reflexiva’ significa autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema industrial”. 3 22 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Segundo Ulrich Beck, “a definição do perigo é sempre uma construção cognitiva e social” (BECK:1997,17). Estas definições são extensiva e ostensivamente construídas pelas instituições de comunicação e, neste sentido, elas participam desta modernização reflexiva e se constituem em si em instituições que produzem a sua própria reflexividade. Estão na pauta diária dos discursos jornalísticos, dos documentários e outros gêneros informativos questões relativas a todas as ordens sociais e naturais. Questões emergentes sempre em função de problemas gerados pelo curso do processo industrial das sociedades contemporâneas, cujas rupturas e ameaças dizem respeito a um largo espectro de variáveis, tais como recursos naturais, recursos produtivos, como a divisão social do trabalho, recursos culturais, concepções políticas, jurídicas, científicas, costumes e concepções de vida. Como os riscos emergem simultaneamente com as decisões e opiniões formuladas no meio social, as instituições de comunicação estão sempre se autoconfrontando com estes riscos. Interessa, em particular, como elas exploram os seus termos, que mecanismos de sua reflexividade entram em ação, ou seja, de que recursos dispõem para enfrentar as ameaças que emergem cotidianamente na vida social. Ameaças evidentes e ameaças construídas pela discursividade pública. Conforme Ulrich Beck, a sociedade torna-se reflexiva quando “ela se torna um tema e um problema para si própria” (BECK:1997,19). Há, segundo ele, dois ambientes especializados onde estas tematizações e problematizações alcançam relevo: no contexto das práticas científicas laboratoriais, cujos resultados têm pouco controle sobre as consequências e repercussões sociais e no contexto de uma “discursividade pública da experiência” (BECK:1997,44), profundamente presa à experiência e dependente da ação das instituições de comunicação. Este segundo contexto, conforme o autor, está mais propenso a suscitar dúvidas e perguntas do que a fornecer respostas e depende, na sua argumentação pública, de referentes fornecidos Lavina Madeira Ribeiro | 23 pela ciência universitária. A ponte com a esfera da experiência da vida cotidiana demarca um outro princípio específico da discursividade institucional da comunicação pública. As dúvidas e perguntas fomentadas por esta discursividade advém desta forte ligação com a experiência, com o cotidiano, onde a materialização de riscos e ameaças se desdobra em inúmeras questões fornecendo um campo quase irrestrito de temáticas e possibilidades de problematização pública. A esfera política onde as instituições de comunicação tecem a relação entre riscos e opiniões está fincada na experiência da vida cotidiana, onde são tomadas decisões, feitas escolhas, num plano essencialmente privado da existência. As instituições de comunicação invadem desde este plano mais íntimo e particular da vida individual àquele das grandes organizações públicas e privadas. Seu espectro de atuação é amplo e cada vez mais presente, devido à sua crescente sofisticação tecnológica. Formam, segundo Scott Lash, novas comunidades de informação e comunicação baseadas em sistemas especialistas, cuja racionalidade opera sobre as significações compartilhadas no sentido de reparar suas rupturas. Os discursos dos especialistas vêm reparar estas quebras na rotina de segurança da vida cotidiana como discursos legitimadores desta rotina. Como agentes singulares, entretanto, cabe observar que as instituições de comunicação nem sempre atuam como agentes reparadores de rupturas. Muitas vezes, intervém antecipadamente criando realidades e fatos. Com relação aos mecanismos que põem em prática a reflexividade pública da comunicação, cabe refletir sobre a medida em que eles são incorporações de sistemas especialistas. Para Ulrich Beck, a modernização reflexiva requer uma “reforma da racionalidade”, já que a racionalidade da ciência, seus padrões e métodos explicativos tornaram-se incapazes de conter o fluxo incessante de novas ameaças e riscos enfrentados nas sociedades contemporâneas. A racionalidade científica deve ser, de algum modo, substituída por uma política reflexiva, baseada na evidência de que “o microcosmo da conduta da vida pessoal está inter- 24 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News relacionado com o macrocosmo dos problemas globais”(LASH:1997,182). Baseada no exercício da dúvida, que permeia e envolve as esferas existenciais e institucionais, a ação política consiste na assunção da dúvida como variável que não pode mais ser controlada pelos métodos científicos, posto que a própria ciência natural e social convive com a dúvida como parte do conhecimento. A dúvida, segundo o autor, possibilita a multiplicidade de vozes de todos os lados e de cada um de nós. (BECK:1997,61) Torna possível a emergência da diversidade e do conflito. Esta política põe em questão as soluções científicas em favor da dúvida e exerce, assim, uma crítica sobre os sistemas especialistas como fontes legitimadoras da reflexividade pública. Sociedades reflexivas têm que encontrar soluções por si próprias para os problemas criados sistemicamente pela modernização social. Para Habermas, a reflexividade gerada pelos atores coletivos deve ser realmente política. Os atores só podem conter os custos dos riscos sistêmicos a partir da formação discursiva da opinião e da vontade, de um procedimento democrático de racionalização do mundo da vida que constantemente restabelece consensos desfeitos e defasados com novos arranjos normativos. A racionalidade comunicativa é, assim, segundo Habermas, uma força produtiva “importante para os desafios da ‘modernização reflexiva’”.4 (HABERMAS:2001,197,198) A racionalidade comunicativa como procedimento de uma reflexividade política que busca respostas aos impasses da modernização deve ser compreendida como uma proposta de ação HABERMAS, Jürgen. “Acerca da Autocompreensão da Modernidade”. Segundo ele, “a modernidade que continua deve ser continuada com vontade política e com consciência. E para essa forma de autoinfluxo democrático é decisiva a instituição de procedimentos de formação discursiva da opinião e da vontade. Não apenas a formação política da vontade dos cidadãos, mas também a vida privada dos cidadãos da sociedade não pode prescindir de fonte de solidariedade gerada discursivamente. À medida que as condições padronizadas de vida e os planos de carreira se dissolvem, os indivíduos sentem diante das opções multiplicadas o crescente fardo das decisões (ou arranjos) que eles mesmos têm que tomar (ou negociar). A pressão para a ‘individualização’ exige a descoberta e a construção simultâneas de novas regras sociais. Os sujeitos livres – que não estão mais conectados a papéis tradicionais e não são dirigidos por eles – devem criar ligações graças aos seus próprios esforços de comunicação”. 4 Lavina Madeira Ribeiro | 25 na esfera da discursividade pública. A questão que se coloca é se esta racionalidade, do ponto de vista das instituições de comunicação, é essencialmente política ou, em outras palavras, se ela prescinde da ciência, do discurso especialista e, para além disso, se na busca de alternativas para os autoconfrontos enfrentados com os riscos e ameaças da sociedade industrial, realiza uma crítica à ciência. O que está em questão basicamente são os mecanismos legitimadores da reflexividade pública, seja na esfera mais ampla do debate público, seja no interior das estruturas de comunicação. Enquanto Habermas e Beck fixam uma proposta de ação reflexiva essencialmente política, uma politização generalizada das esferas da discursividade pública, Anthony Giddens, o descreve como procedimento baseado na confiança em sistemas especialistas. Para Giddens, o conhecimento científico tem substituído a tradição no movimento de busca dos indivíduos por fontes de segurança ontológica. A insegurança gerada pelas transformações sociais e suas rupturas de estruturas tradicionais é enfrentada pela absorção de sistemas abstratos de conhecimentos – teorias, conceitos e descobertas – que, apesar de voláteis, mantém níveis aceitáveis de segurança e ordem. Segundo Giddens, “em todas as sociedades, a manutenção da identidade pessoal, e sua conexão com identidades sociais mais amplas, é um requisito primordial de segurança ontológica”(GIDDENS:1997,100). As sociedades atuais, enquanto sociedades pós-tradicionais, enfrentam as incertezas da vida incorporando o conhecimento especializado desde o âmbito mais íntimo da vida privada àquele das instituições sociais. Esta apropriação se impregna na experiência da vida cotidiana, nos estilos de vida e na esfera do trabalho. Por mais que a ciência não possa ser inconteste em sua autoridade explicativa, ela se desdobra em sistemas especialistas, segundo Giddens, abertos e alternativos, que são incorporados e desincorporados na relação dialética com os estilos de vida. ”(GIDDENS:1997,112)5 5 Segundo Giddens, “o mais importante de tudo é que a confiança nos sistemas abstratos está ligada a padrões de estilo de vida coletivos, eles próprios sujeitos a mudança. (...) Nas sociedades modernas as 26 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Esta concepção da reflexividade ancorada em sistemas especialistas difere dos autores anteriores porque não é uma proposta de ação, mas uma afirmação categórica com ambição explicativa sobre os mecanismos operativos e dinamizadores da vida social. Assusta, de certo modo, crer que esta dinâmica tenha, como recurso central, sistemas científicos cujos critérios evolutivos nem sempre respeitam limites éticos e humanistas. Se, para Giddens, a ciência, os sistemas abstratos, a tecnologia têm papel central na experiência, no modo sobretudo como indivíduos leigos se atualizam sobre questões de relevância pessoal e pública, ao que tudo indica, ele se baseia em evidências advindas, seja do modo como o mundo sistêmico, econômico e tecnológico absorve suas crises, como diz Habermas, auto-aplicando retroativamente procedimentos resultantes de suas próprias leis internas, sem prestar contas às repercussões de seus sistemas funcionalmente diferenciados para setores mais amplos da sociedade, seja em razão do recurso ao conhecimento científico como fonte legitimadora da discursividade pública política e comunicativa, por mais provisórios, parciais e superficiais que sejam os termos deste recurso. ”(GIDDENS:2000,40 e 41)6 Na visão de Giddens, por mais que a ciência e a tecnologia se infiltrem em todas as esferas da vida social, elas não são aceitas sem ressalvas. Os indivíduos já incorporaram a idéia do “caráter essencialmente fluido da ciência”, do fato de que ela está constantemente reformulando suas explicações e receitas. Mas, a administração dos riscos, por mais cautelares que sejam os indivíduos e instituições com relação às voláteis prescrições científicas, todos ainda continuam, em última instância, presas de suas alternativas. escolhas de estilo de vida são ao mesmo tempo constitutivas da vida cotidiana e ligadas a sistemas abstratos (...) As alterações nas práticas de estilo de vida podem se tornar profundamente subversivas dos sistemas abstratos centrais.” Em ensaio sobre a noção de “risco”, Giddens refere-se, em várias passagens, à atitude dos governos justificando suas políticas com base em dados científicos e às escolhas dos indivíduos também baseadas em informações desta natureza. 6 Lavina Madeira Ribeiro | 27 Há, entretanto, um conjunto de movimentos identitários que fogem à alçada da ciência e da tecnologia. São movimentos de minorias, conflitos de gênero, raciais e outros cujos avanços não foram baseados em critérios de legitimação científicos, mas essencialmente éticos e políticos. Mesmo valendo-se da oposição tradição-modernidade com a qual Giddens analisa a questão, por exemplo, da família e seus novos desafios na atualidade, ele próprio não recorre a fontes científicas para apontar os indicadores das transformações neste ambiente. Os critérios aqui são baseados no debate sobre igualdade de direitos, sobre o eco de valores democráticos nos relacionamentos familiares. (GIDDENS:2000,71) Giddens vê um movimento dialético entre sistemas abstratos e estilos de vida, onde alterações nestes últimos têm repercussões sobre os primeiros. Até que ponto, entretanto, os estilos de vida estariam preponderantemente comprometidos com os referenciais destes sistemas? O conhecimento especialista já teria impregnado todas as esferas daqueles conjuntos articulados de práticas, valores, comportamentos, gostos, saberes, escolhas e experiências próprias dos estilos de vida de um grupo ou de uma classe? Esta questão é importante porque pode subsumir a própria política aos sistemas especialistas e envolver as instituições de comunicação como instâncias vitais na legitimação destes sistemas. Além disso, os estilos de vida refletiriam distinções sociais (FEATHERSTONE:1995) cultivadas pelos próprios sistemas especialistas, entre os quais, as instituições de comunicação. Reflexividade e o conceito de massa A reflexividade que permeia o indivíduo e a sociedade enterra definitivamente (e já não era sem tempo) o anacrônico conceito de massa que muitos autores ainda insistem em usar desavisadamente. O conceito de massa está completamente superado. Já deveria ter sido superado pouco depois de ter sido inventado. Criado nas primeiras décadas do século XX, para qualificar uma sociedade composta por 28 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News indivíduos anônimos, atomizados, iletrados, perdidos, atônitos, logo após as primeiras pesquisas de Lasswell sobre as intenções de voto dos norte-americanos, descobriu-se uma teia complexa de fatores, em que eles votavam influenciados por inúmeras variáveis relacionais ao meio em que viviam, a fatores educacionais, familiares, costumes herdados, modos de relacionamento com o ambiente de trabalho, entre outros e, portanto, não eram uma massa homogênea, sem identidade, sem rosto. Nos Estados Unidos houve um uso pragmático e positivista do conceito, associado à noção de produção em larga escala de mensagens e bens culturais. Uma só matriz teórica denominava uma sociedade de massa, com uma cultura de massa veiculada pelos meios de comunicação de massa. O conceito de massa reflete, em essência, o caráter arregimentador essencialmente pragmático prevalecente nos Estados Unidos desde a vitória dos nortistas na guerra civil. Segundo William James, “the knower is not simply a mirror floating with no foothold anywhere, and passively reflecting an order that he comes upon and finds simply existing. The knower is an actor, and co-efficient of the truth…. Mental interests, hypotheses, postulates, so far as they are bases for human action— action which to a great extent transforms the world— help to make the truth which they declare. In other words, there belongs to mind, from its birth upward, a spontaneity, a vote. It is in the game”. (MENAND,2001,222)7 Segundo Menand, “what changes in American life made pragmatism seem to some people the right philosophical utensil for a few decades after 1898? Though the immediate outcome of the Pullman boycott was disastrous for labor, Dewey and Jane Addams had been right when they predicted that the episode would eventually be seen to mark the obsolescence of nineteenth-century economic arrangements. The year James introduced pragmatism was also the year the American economy began to move away from an individualist ideal of unrestrained competition and toward a bureaucratic ideal of management and regulation.(…) The state began assuming a role in economic affairs”. (MENAND,2001, 226) Mas ele faz questão de ressaltar que “Dewey was no friend of industrial capitalism, but he was not under the illusion that it was about to go away. His strategy was to promote, in every area of life, including industrial life, democracy, which he interpreted as the practice of "associated living"—cooperation with others on a basis of tolerance and equality”(MENAND,2001,228) 7 Lavina Madeira Ribeiro | 29 Eles moldaram uma sociedade voltada para o produtivismo capitalista, onde a perspectiva que se tinha dos indivíduos era a de peças anônimas a serviço do desenvolvimento de um país voltado para o expansionismo econômico. O crescimento das cidades, das populações dos centros urbanos demandou uma preocupação crescente sobre como arregimentar estas populações que invadiu a academia e o Estado no sentido de encontrar mecanismos capazes de evitar perturbações no sistema de produção capitalista e na política bipartidária tradicional. O funcionalismo parsoniano foi o exemplo mais marcante de resposta a tal preocupação. Corrigir as disfunções dos subsistemas funcionais interligados a fim de que a máquina, o sistema social pudesse operar sem distúrbios. Difundiu-se na academia americana a cultura de massa como algo positivo, como o acesso generalizado a uma cultura antes restrita a uma elite. Ora, esta cultura deveria ser difundida pelos centros educacionais, para uma população de baixíssima formação. Os meios de comunicação não foram os difusores desta cultura, foram instrumentalizados para servirem como válvula de escape para promover algum descanso e distração para indivíduos exaustos após 8 a 10 horas de trabalho por dia. Seus gêneros de programação não difundiam a cultura antes restrita à elite, mas sim programas popularescos, comédias, noticiários, dramas, publicidade. Os meios de comunicação eram os porta-vozes do Estado, da indústria, da cultura do entretenimento, cumprindo a “função” de aliviar os indivíduos das tensões de exaustivas jornadas de trabalho e ao mesmo tempo obter deles a obediência, aprovação e o orgulho de pertencerem à nação norte-americana. A perspectiva do conceito de massa anula a singularidade do indivíduo, sua capacidade de intervenção única e nova sobre o processo social, nega ao indivíduo o poder de participação criativa. O que é uma brutal contradição ao considerar-se a declaração de independência dos Estados Unidos da América, de 4 de julho de 1776, estabelecendo o direito “à vida, à liberdade e à procura da felicidade" e inspirando os movimentos republicanos no continente 30 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News europeu, como a Revolução Francesa de 1789.8 O país berço do conceito de livre expressão do pensamento, da democracia, dos direitos civis e do conceito moderno de cidadania é contraditoriamente o país berço do conceito de sociedade de massa, de meios de comunicação de massa. Criador de um sistema de transmissão de mensagens desprovidas de valor cultural para largas audiências à revelia das necessidades e interesses das diferentes etnias, nacionalidades, comunidades, setores e grupos sociais que compunham a sociedade norte-americana. Na Europa Ocidental, o conceito de massa foi usado pelos frankfurtianos, nos estudos da teoria crítica, com uma conotação pejorativa, negativa, como demonstram os escritos de Adorno e Horkheimer no clássico Dialectic of Enlightenment 9onde eles denunciam o fato dos indivíduos já não terem mais a capacidade de fazer uso da razão, estavam bestializados, tornaram-se uma peça na engrenagem do industrialismo capitalista, portanto, não passavam de uma massa amorfa de seres humanos incapazes de pensar e agir de acordo com seu próprio julgamento sobre os fatos da realidade. Foram aprisionados pelo sistema industrial e pela ideologia capitalista. Tornaram-se prisioneiros da razão instrumental, mutilados mentalmente. Mas o uso do conceito de massa na Europa remonta a período anterior ao século XIX, com o crescimento das cidades em várias regiões comerciais europeias. A partir do século XVI as cidades instaladas próximas às cortes já eram bastante populosas, com 100 mil a mais de 250 mil habitantes. Cidades comerciais como Londres, Nápoles, Milão, Amsterdam, entre outras, já possuíam mais de cem mil habitantes10. Com a formação de uma população citadina, por 8 Deve-se considerar as guerras civis britânicas entre 1640 e 1649 e a grande influência que exerceu sobre toda a Europa e seus pensadores o modelo de uma monarquia parlamentarista, com a presença de representantes da sociedade defendendo seus interesses junto ao Estado. 9 Em particular o ensaio “The Cultural Industry: Enlightenment as Mass Deception”. (HORKHEIMER, ADORNO, 2002, 63-93) De acordo com Deane, “no período compreendido entre cerca de 1700 e mais ou menos 1741, a população da Inglaterra e do País de Gales parece ter ficado estacionária entre 5,8 e cerca de 6 milhões 10 Lavina Madeira Ribeiro | 31 oposição a uma aristocracia consolidada, criou-se a perspectiva pejorativa de nomear esta população emergente como massa, isto aparece com frequência na literatura e nos escritos jornalísticos desde então. Há uma clara rejeição de uma casta aristocrática culta e economicamente dominante em relação a uma população pobre, oriunda e expulsa do campo, iletrada, em busca de melhores condições de vida e trabalho. Mas pensadores de grande relevância, como Bernard Shaw e Bertrand Russell, entre muitos outros, neste mesmo período, voltaram suas preocupações sobre a nova sociedade industrial emergente sob outras perspectivas, onde predominava uma perspectiva atuante acerca da participação dos indivíduos, como, por exemplo, os Fabians, na Inglaterra, uma sociedade de intelectuais de grande peso, fundada em 1884, com o objetivo de reconstruir a sociedade britânica, baseada em um sistema competitivo e democrático de forma a assegurar o bem estar social geral e a felicidade. Com aspirações socialistas, formaram, ao longo das décadas, as bases econômicas e políticas do estado do bem estar social e do partido trabalhista, levando à vitória deste em 1945, elegendo 394 membros para a Casa dos Comuns e seu Primeiro Ministro, Clement Attle. Sua influência econômica e política ainda se faz presente nos fundamentos legistativos do Estado britânico e influenciou a formação dos Estados das colônias independentes. (FREMANTLE, 1960) O conceito de massa não existe O fato é que, do ponto de vista científico, o conceito de massa, em termos analíticos, é completamente inoperável, é um muro opaco que esconde atributos fundamentais do público receptor das de habitantes. Entre 1741 e 1751, pode ter crescido aproximadamente 3,5% na década; entre 1751 e 1761, o índice de crescimento sofreu um aumento considerável – provavelmente 7% por década, uma taxa que se manteve, mais ou menos, por uma década a mais. Então, expandiu-se aproximadamente 10% na década de 1780 e cerca de 11% na década de 1790 e atingiu seu auge de cerca de 16% na segunda década do século XIX.” (DEANE, 2003,29) 32 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News mensagens midiáticas e impede a compreensão dos complexos processos interativos que ocorrem entre eles. O argumento de que se trata de uma difusão em larga escala não justifica o uso do termo massa, porque ignora o processo de recepção, que é bastante complexo e diferenciado. Argumentar que se trata de produção em larga escala não implica que os produtos dos meios de comunicação sejam assimilados igualmente e não esclarece o modo como são absorvidos e incorporados pelos indivíduos e que impacto têm sobre seus estilos de vida. O conceito de massa não permite qualquer forma de análise empírica acerca do processo de recepção dos produtos midiáticos, simplesmente porque não é possível realizar um recorte formal, empírico, da ‘massa’. Porque não existem critérios científicos capazes de delimitarem os contornos, os atributos, as características, o perímetro espaço-temporal do conceito de massa. Trata-se, em verdade, de um conceito ideológico, de um senso comum, sem nenhum caráter científico. O conceito de massa ignora a singularidade, a capacidade de ação e pensamento únicos de cada indivíduo, a especificidade de suas trajetórias existenciais e as redes de relacionamentos, movimentos culturais e políticos, necessidades e intervenções a que se submetem. Comete o erro de subsumir uma suposta centralidade da mídia na formação do senso de realidade dos indivíduos, o que é um equívoco. Como disse Raymond Williams, a massa são os outros menos eu. O uso impensado do conceito de meios de comunicação de massa implica concordar com a perspectiva de ver a sociedade como uma sociedade de massa, com os construtos teóricos aos quais eles pertencem e remontam no tempo. E atualmente já não é mais admissível trabalhar com estas categorias, fatos de extrema relevância ocorreram ao longo do século XX e têm ocorrido neste novo século XXI que cada vez mais revelam a importância do agenciamento singular de grupos e setores, de indivíduos que mudaram e têm mudado a teia das relações sociais e dos sistemas sociais. A 2ª Grande Guerra Mundial causou grande impacto sobre o ilusionismo progressista da tecnologia. Nos anos 60 assistiu-se ao Lavina Madeira Ribeiro | 33 mais significativo movimento cultural e político que revolucionou os antigos modelos impostos de comportamento e pensamento sobre família, sexualidade, diferença de gêneros, etnias, educação, política, direitos humanos e civis, provocando imensas transformações nas estruturas fundamentais da sociedade.11 É constrangedor observar que Adorno tenha assistido a revolução cultural dos anos 60 e se negado a participar dela, interpretando-a como um movimento de selvageria. Enquanto Raymond Williams a abraçou e a levou para dentro de Cambridge, discutindo a cultura pop, a cultura dos meios de comunicação, para o horror de seus pares. Outro movimento de grande importância foi a luta pelos direitos de igualdade entre negros e brancos nos EUA, assim como os movimentos trabalhistas dos sindicatos em todo o Ocidente obrigando o regime capitalista a flexibilizar suas regras de trabalho e de recompensa ao trabalhador. Estes entre outros movimentos foram movidos por indivíduos capazes de pensar criticamente a sociedade em que viviam, capazes de se mobilizarem e de interferirem no processo social provocando transformações nas estruturas dos sistemas sociais, no campo cultural, social, político e econômico. Não eram indivíduos anônimos, isolados, atomizados, iletrados, perdidos e atônitos, uma massa amorfa. Eles mudaram todo o modo de pensar e agir da sociedade e criaram condições para que os indivíduos cada vez mais se impusessem em relação ao seu meio social. Com o desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação, a começar pela televisão a cabo, abriu-se caminho para uma pluralidade discursiva crescente. Canais especializados nos mais diversificados temas, experiências de vida diversificadas de outras Segundo Eric Hobsbawm, “ a revolução cultural de fins do século XX pode assim ser mais bem entendida como o triunfo do indivíduo sobre a sociedade, ou melhor, o rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais. Pois essas texturas consistiam não apenas nas relações de fato entre seres humanos e suas formas de organização, mas também nos modelos gerais dessas relações e os padrões esperados de comportamento das pessoas umas com as outras; seus papéis eram prescritos, embora nem sempre escritos. Daí a insegurança muitas vezes traumática quando velhas convenções de comportamento eram derrubadas ou perdiam sua justificação; ou a incompreensão entre os que sentiam essa perda e aqueles que eram jovens demais para ter conhecido qualquer coisa além da sociedade anômica.” (HOBSBAWM, 1994, 328) 11 34 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News regiões do país e do mundo, perspectivas sobre a história, a cultura, a arte, os conflitos mundiais, modos de existência e pensamento jamais vistos levaram a um processo profundo de desterritorialização e relativização da experiência criando processos identitários novos que passaram a cruzar fronteiras de nacionalidade, classe, gênero, idade, origem geográfica, etnia, entre outras variáveis. Elemento importante na formação do caldo das identidades contemporâneas e das noções de indivíduo e cidadania, está na presença, cada vez mais expressiva e recorrente, do indivíduo como lugar onde se dá algo posterior às noções de desterritorialização e de interatividade. A experiência dos indivíduos das mais diferentes regiões do mundo passou a tornar-se objeto de interesse midiático, explorada em documentários, em reality shows, em diversos gêneros de programação, elevando a diversidade, a alteridade, a diferença como tema para uma variedade inesgotável de produções. A vida privada do indivíduo até então anônimo tornou-se objeto de interesse público e isto gerou um processo de fortalecimento de identidades novas geradas neste emergente ambiente cultural. A linha divisória entre ficção e realidade tornou-se difusa. Grande parte da programação de muitos canais de televisão se baseiam em experiências reais de indivíduos e eles são uma fonte inesgotável de assunto, dado que cada indivíduo é único e sua singularidade alimenta estas programações. Neste âmbito, o sujeito anônimo participa do processo identitário midiático no mesmo patamar das autoridades científicas e do universo das celebridades artísticas e políticas. Algo além da noção clássica de desterritorialização ocorre, porque ele não apenas entra em contato virtual, imagético com novos espaços e tempos históricos, ele adentra concretamente estes espaços e interage fisicamente com eles. O que resulta numa forma mais complexa de desterritorialização, cujos resultados não necessariamente implicam uma hibridização cultural. Além disso, se descortinam ambientes, cenários e experiências dos padrões culturais contemporâneos a partir da forma como os receptores os experimentam. Isto revela Lavina Madeira Ribeiro | 35 uma série de novas variáveis para a compreensão da força formativa destes padrões, pois estas varáveis participam das negociações de sentido e das transformações destes padrões. Os indivíduos são extremamente complexos, únicos e singulares e, portanto, não passíveis, de serem compreendidos em termos de massa ou genericamente. O fato de dois milhões de internautas acessarem um videoclipe na internet não faz deles uma massa, assim como o fato de três bilhões de indivíduos terem acompanhado o noticiário sobre o atentado às torres gêmeas em New York também não os torna uma massa. É apenas a reunião de um grande número de indivíduos em torno de um evento. Os indivíduos devem ser entendidos paradigmaticamente por meio das persistentes relações que estabelecem entre si e em grupo e as relações que estas relações estabelecem entre si O indivíduo anônimo, desconhecido, vem cada vez mais a público expor, das mais variadas maneiras, seu modo particular de interagir com o mundo, de formar valores e encontrar soluções para os confrontos da vida em sociedade. As novas tecnologias têm-se alimentado da singularidade dos indivíduos para criar novos produtos, novas plataformas de comunicação virtual. A corrente predominante nos EUA dos mass communication research faz um uso contraditório do conceito de massa. Em recente livro de HARRIS, Richard Harris e Fred Sanborn, há uma definição de comunicação de massa que pergunta “what makes mass communicatiom “mass”?” E os autores respondem “First, the audience is large and anonymous, and often very heterogeneous.(Wright, 1986) Groups of individuals can be targeted, but only with limited precision”. (HARRIS, SANBORN, 2014) Ora, se a audiência é heterogênea e de difícil precisão, isto significa um alto grau de complexidade nela, não se trata de uma sociedade de massa. Isto bastaria para que o conceito não fosse utilizado. Mas os autores trazem à tona outros atributos, agora ancorados na magnitude das estruturas de comunicação de largo alcance, ao afirmarem: “communication sources are institutional 36 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News and organizational (Wright,1986). Some, such television networks (...) or the conglomerates that own such businesses are among the largest and richest private corporations. Third, and perhaps most importantly, the basic economic function of most media in most nations is to attract and hold as large an audience as possible for the advertisers (…) The size of the audience in turn determine the content.” (HARRIS, SANBORN, 2014) É inegável a dimensão transnacional alcançada pelos grandes sistemas de comunicação, mas isto não implica que a recepção de seus produtos seja homogênea ou que tenha impactos que superem outras dimensões da experiência cotidiana dos indivíduos. Outra definição mais simplista e esclarecedora do uso do conceito de massa está nos autores Roger Wimmer e Joseph Dominick quando afirmam “What are the mass media? The term mass media refers to any form of communication that simultaneously reaches a large number of people, including but not limited to radio, TV, newspapers, magazines, billboards, films, recordings, books, and the Internet.” (WIMMER, DOMINICK,2011,15) Denis McQuail vem em defesa dos mass media afirmando que “whatever changes are under way there is no doubting the continuing significance of mass media in contemporary society, in the spheres of politics, culture, everyday social life and economics. In respect of politics, the mass media provide an arena of debate and a set of channels for making policies, candidates, relevant facts and ideas more widely known as well as providing politicians, interest groups and agents of government with a means of publicity and influence. In the realm of culture, the mass media are for most people the main channel of cultural representation and expression, and the primary source of images of social reality and materials for forming and maintaining social identity. Everyday social life is strongly patterned by the routines of media use and infused by its contents through the way leisure time is spent, lifestyles are influenced, conversation is given its topics and models of behavior are offered for all contingencies.” (McQUAIL:2010,12) Em primeiro Lavina Madeira Ribeiro | 37 lugar não há rigor conceitual no uso do termo mass communication, o autor utiliza, com o mesmo sentido os termos mass media, mass media institutional, media, old media, institutional communication, como se fossem equivalentes, quando não o são. Esta falta de rigor conceitual é sintomático da ausência de um fundamento teóricosociológico mais sólido que justifique o conceito de massa. Há sempre a mesma perspectiva do fluxo unidirecional de mensagens que moldam os indivíduos e determinam seu comportamento e modo de pensar, em outras palavras, não foi ultrapassada a teoria da agulha hipodérmica. Em essência o que importa é como arregimentar e disciplinar a mente e o comportamento humanos. É correto afirmar que a mídia de largo alcance, mas também a mídia regional e, sobretudo, a internet, são fontes de referência importantes para os indivíduos formarem opiniões e tomarem decisões. A mídia alimenta o processo de cidadania. Mas o espectro de variáveis que interferem neste processo supera a exclusividade da mídia. Os indivíduos têm uma rede de relacionamentos privados (família, amigos, companheiros de atividades particulares) e públicos (trabalho, sociedades, associações, comunidades, entre outros), além disto, têm que lidar cotidianamente com a superação de problemas reais e concretos de ordem financeira, de saúde, de trabalho, de estudo, de relacionamento familiar, morais, entre muitos outros, problemas que o desafiam a refletir reflexivamente e tomar a si mesmo como tema e problema para si mesmos o tempo todo. Além disto, vivem numa sociedade de risco, que surgiu a partir dos efeitos colaterais e das ameaças cumulativamente produzidos pela sociedade industrial. Ela forja uma “modernização reflexiva” em toda a sociedade – onde ela se defronta com ameaças não absorvidas pelo industrialismo e o modelo clássico de sociedade industrial, cujos ícones de progresso são o capital, a tecnologia e o mercado.12 (BECK,GIDDENS,LASH, 1994) Neste processo reflexivo 12 Segundo Beck, “’modernização reflexiva’ significa autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema industrial”, (BECK,GIDDENS,LASH, 1994,16) 38 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News eles desenvolvem competências de crítica e ação singulares, novas, resultantes de seus sucessos e fracassos, das relações que estabelecem com a teia social à qual pertence e da influência da mídia. Há uma imensa distância entre a vida concreta dos indivíduos, suas experiências reais e os modelos estereotipados apresentados pela mídia.Como bem definiu McQuail, “the symbolic content or message of mass communication is typically ‘manufactured’ in standardized ways (mass production) and is reused and repeated in identical forms. Its flow is overwhelmingly one-directional”. (McQUAIL:2010,52) No mundo real, na vida concreta, os indivíduos lidam com problemas que estão muito além do universo temático fantasiado pela mídia e eles já desenvolveram a plena capacidade de identificar a diferença entre estes dois universos, o midiático e o da vida concreta que levam. A tese da “imensa influência” dos “mass” media sobre os indivíduos é completamente equivocada. E mais equivocada ainda com a chegada da internet e sua crescente presença como fonte de diálogo e interatividade, como fonte alternativa de informação que a “mass” media não mostra. Padrões e modelos criados pela mídia já não têm o impacto do passado. A criatividade dos milhares de novos produtores de informações e tendências presentes na rede está ganhando cada vez maior visibilidade, assim como tem crescido o número de produtores de idéias. Como afirmou o próprio McQuail, “while not directly supporting mass communication, the many new possibilities for private ‘media-making’ (camcorders, PCs, printers, cameras, mobile phones, etc.) have expanded the world of media and forged bridges between public and private communication and between the spheres of professional and amateur. Finally, we should note the new kinds of ‘quasimedia’, including computer games and virtual reality devices, that overlap with the media in their culture and in the satisfactions of use”. (McQUAIL:2010,40 ) New media, as novas tecnologias de comunicação, quebram o fluxo unidirecional da media de largo alcance e abrem caminho para a voz dos indivíduos, para sua presença pró-ativa na sociedade através da interatividade, da Lavina Madeira Ribeiro | 39 sociabilidade, do contato com outros indivíduos, comunidades e grupos sociais, culturais e políticos com poderes de formação de opinião e ação social relevante, da intersubjetividade, onde cada um pode revelar quem é e seus pontos de vista sobre a realidade, a autonomia e independência dos sistemas midiáticos para divulgar suas produções intelectuais e culturais. Além disto, a new media permite o entretenimento entre os indivíduos a partir de elementos escolhidos e criados por eles mesmos, independentes da media tradicional. McQuail reconhece que “the term ‘mass communication’ came into use in the late 1930s, but its essential features were already well known and have not really changed since, even if the media themselves have in some ways become less massive”. E contraditoriamente afirma em seguida que “the most obvious feature of the mass media is that they are designed to reach the many. Potential audiences are viewed as large aggregates of more or less anonymous consumers, and the relationship between sender and receiver is affected accordingly”. (McQUAIL:2010,52 ) Como pensar uma teoria de mass communication que simultaneamente reconhece a heterogeneidade da audiência e, ao mesmo tempo mantém a perspectiva de uma audiência potencial vista como “large aggregates of more or less anonymous consumers”? Isto é uma contradição em termos. Na verdade, o termo audiência é o correlato ao conceito de massa. Ao mesmo tempo em que o autor reconhece que o público têm-se tornado menos massivo, ainda assim insiste na perspectiva do público como um largo agregado de consumidores anônimos. No entanto, eles são mais do que consumidores. Além disto, nenhum produto midiático é criado sem antes ter sido bem calculado seu público alvo, não existe a ideia de uma difusão generalizada, os produtos são feitos para faixas específicas de públicos, o mesmo se dá com a publicidade. E mesmo dentro destes perfis definidos de público, a recepção é diferenciada, porque cada indivíduo tem uma trajetória de vida singular e incorpora também de modo singular os conteúdos das mensagens que recebe. 40 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News O estudo sobre os efeitos na tradição da mass communication research opera com o conceito de audiência para referir-se aos receptores das mensagens. De acordo com a definição de McQuail, “the audiences for mass media are much more diverse, in terms of content available and the social behaviour involved. There is no element of public assembly. The audience remains in a state of continuous existence, rather than reforming occasionally for specific performances. The mass-media audience attracts a supply of content to keep it satisfied instead of reforming in response to some periodic performance of interest.” (McQUAIL:2010,328) Em termos gerais, o conceito de audiência não difere do conceito de massa. Mas em termos práticos as pesquisas reconhecem a diversidade social e focam seus objetivos em mensurar gostos, opiniões, usos e gratificações, comportamentos, motivações, novas necessidades, controle de pensamento, entre outros. Metodologicamente, os estudos (em geral com interesses manipulativos) sobre os efeitos e impactos dos mass media baseados em modelos de estímulos e respostas desconsideram a teia de relações sociais dos indivíduos e têm resultados de curto alcance, em geral a serviço da indústria e de grupos de interesse político e social. Na academia, há uma certa diversidade de correntes metodológicas, mas infelizmente prevalece a perspectiva do uso do conceito de massa, de audiência, de ver os indivíduos como receptáculos de estímulos externos. O problema metodológico das pesquisas em mass communication reside no fato de que o objetivo está sempre, em última instância, em encontrar respostas, produtos, mensagens que consigam ser do interesse de audiências de largo alcance. É um procedimento a serviço das grandes corporações midiáticas e não dos indivíduos e que segue em sentido contrário ao curso do processo cultural identitário contemporâneo. Com o advento das novas tecnologias e da formação de novas redes de sociabilidade, há uma tendência crescente a uma pulverização, diversificação imensa dos nichos culturais, fator que transcende barreiras de nacionalidade, etnia, gênero, classe entre outras variáveis. O modo Lavina Madeira Ribeiro | 41 como os indivíduos se apropriam da cultura e da política já não é mais um simples sistema de consumo, é um processo com valor e significado simbólico. Os indivíduos personificam estes valores singulares e autenticam diferenças, formam-se compromissos e laços identitários que podem ser mais ou menos duráveis, fluidos, transformáveis, passíveis de integração com outros valores. O importante é que prevalecem relações de identidade e reciprocidade contínuas entre os indivíduos, onde os bens culturais mediáticos passam a ter um papel secundário. É o valor relacional que prevalece sobre o valor de troca. Entender o processo cultural contemporâneo e o papel da mídia deve ser um movimento indutivo, que parte do reconhecimento da complexidade do processo cultural contemporâneo e da complexidade de cada indivíduo. O entendimento da prática comunicativa contemporânea, seja dos produtos criados pelos sistemas de comunicação, quanto dos modos de recepção e legitimação de suas representações da realidade, parte da perspectiva da intersubjetividade estabelecida pelos integrantes de um grupo no sentido da instauração e desenvolvimento de relações reais, emocionais, físicas e espirituais. Tais relações se desenvolvem no mundo da vida e levam a trocas recíprocas de identidades, compartilhamento de valores, unificação de vontades, ações concretas em comum que geram uma subjetividade coletiva com intencionalidade coletiva. Todavia, o que se concebe genericamente como massa, configura-se, cada vez mais, como um espectro variado de proposições sobre a experiência contemporânea, desde o âmbito da intimidade individual, ao do funcionamento das instituições sociais. Está intimamente associado a novos campos semânticos e explicativos, onde noções como reflexividade, alteridade, diferença, identidade, hegemonia, risco, segurança ontológica, consumo e comunidade tendem a explicar com maior clareza a proposta e dinâmica destas produções. Habermas a associa à emergência de uma “consciência temporal” que opõe o moderno ao antigo e inaugura uma concepção 42 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News histórica processual da vida, cujo horizonte é um futuro que não pode ser previsto.13 Diante de um presente contingente e de um futuro incerto, o que conceitua essencialmente a modernidade é a razão. Ela é o suporte para o exercício da crítica e para a fundação de uma humanidade que busca a autocompreensão criando suas próprias regras. Este movimento gerou a diferenciação das esferas do saber – ciência, moral e arte – e é dentro dele que se pode encontrar os fundamentos para a institucionalização das estruturas de comunicação. O exercício da crítica, o julgamento subjetivo dos fatos e das opiniões, a autoatualização reflexiva demandadas pelo movimento da processualidade histórica são os procedimentos exigidos do público que forma o espaço público comunicativo. Se o princípio da subjetividade está no âmago da modernidade, também se faz presente na institucionalização da comunicação como mecanismo que compele os indivíduos a buscarem em si reflexivamente os recursos críticos para sua autonomia e autodeterminação. As instituições de comunicação pressupõem este procedimento de intervenção crítica sobre o mundo, a partir do cultivo de uma subjetividade que se quer autônoma diante de “um mundo da vida que perde de modo perturbador os seus traços de confiança, de transparência e de fidelidade”. (HABERMAS: 2001, 196) O discurso comunicativo evoca a crítica e o julgamento subjetivo sobre um pano de fundo de elementos que se sucedem em transformações ininterruptas e imprevisíveis. As instituições de comunicação são, portanto, formações próprias da modernidade, ancoradas no uso público da razão. Segundo Habermas, “a história é então experenciada como um processo abrangente de geração de problemas – e o tempo, como recurso escasso para o domínio desses problemas que são empurrados para o futuro.” (HABERMAS, 2001, 169) 13 Lavina Madeira Ribeiro | 43 Reflexividade, identidade e cidadania O entendimento da prática comunicativa contemporânea, seja das estruturas, dos produtos criados pelos sistemas de comunicação, quanto dos modos de recepção e legitimação de suas representações da realidade, parte da perspectiva da intersubjetividade estabelecida pelos integrantes de um grupo no sentido da instauração e desenvolvimento de relações reais, emocionais, físicas e espirituais. Tais relações se desenvolvem no mundo da vida e levam a trocas recíprocas de identidades, compartilhamento de valores, unificação de vontades, ações concretas em comum que geram “uma subjetividade coletiva com intencionalidade coletiva. O resultado de nossa ação em comum é uma conquista comum, que alcançamos juntos, de modo cooperativo e intencional.” (VANDENBERGHE:2010, 223) Analiticamente, há níveis diferenciados de observação a serem considerados, sobretudo quando se tem em mente a compreensão das representações simbólicas geradas no âmbito dos sistemas de comunicação e o tendencial fetichismo agregado aos bens materiais por eles valorizados, tornados públicos e envoltos em atributos de suposta necessidade e pertinência com relação às práticas sociais dos indivíduos. A distinção entre forma e conteúdo pode ser analisada em um primeiro nível etnometodológico, onde as atividades humanas são descritas fornecendo um mapa da ordem social reflexivamente movida pelos seus agentes. Em seguida, tal ordem social se manifesta em função das relações das atividades de seus agentes para além do localismo da ordem dada, revelando mecanismos de negociação e persuasão, relações predominantes agregadoras de atividades sociais e processos de conflito entre agentes. Em um terceiro nível busca-se a performance das ações de indivíduos, grupos e instituições sociais reveladora das estruturas relacionais que definem a forma dos bens simbólicos e materiais. Neste nível é possível identificar processos de sobredeterminação que impedem perspectivas alternativas das relações sociais que não chegam à luz da publicidade e da discussão 44 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News pública entre os agentes sociais, permitindo então, entre outros, o vislumbre de processos de fetichização de bens e práticas sociais. Por meio desta proposta analítica, segundo Fréderic, é possível desenvolver uma “sociologia da tradução” onde se é capaz de “decifrar o artefato como conteúdo formado, i. e., como conteúdo formado pela estrutura das relações sociais de tal modo que a aparência concreta seja entendida em sua atualidade como uma emanação empírica de um campo de tensões estruturais que tendem a excluir ordenações alternativas.” (VANDENBERGHE,2010,140) Nos processos comunicativos, o fetichismo é, em grande parte, indissociável da formação de identidades e do compartilhamento de valores e práticas sociais, políticas e culturais. Mas para além da economia de mercado, ocorre uma economia do dom. As mercadorias e bens simbólicos trocadas no sistema econômico são também produtos sociais que acarretam relações de reciprocidade e dádiva entre os indivíduos. Neste sentido, valores são compartilhados e diferenças estabelecidas, criando relações entre indivíduos permanentemente vinculados entre si. Dons se transformam em relações identitárias com profundas repercussões sobre os processos reflexivos e sobre as ações dos indivíduos. De acordo com Fréderic, “graças ao dom, que restabelece a primazia das relações entre humanos, a relação entre os não humanos torna-se derivada e secundária. Parafraseando a célebre caracterização do fetichismo da mercadoria, é possível dizer, com Marx, que as relações entre os homens já não aparecem como relações entre as coisas aparece agora como uma relação entre os homens.” (VANDENBERGHE,2010,133) Partindo da fenomenologia de Husserl, a comunicação coletiva forma uma consciência suprapessoal, que, ainda segundo Frédéric, é o “correlato intencional único da comunidade psíquica” e nisto reside a experiência, por exemplo, da cidadania, de forma ampla, não apenas política, mas também cultural. De acordo com Husserl, “if a man seriously desires to live the best life that is open to him, he must learn to be critical of the tribal customs and tribal beliefs that are generally accepted among his neighbours (…) No Lavina Madeira Ribeiro | 45 man is wholly free, and no man is wholly a slave”. (HUSSERL,2005,82) Os indivíduos têm relações sociais baseadas em uma moralidade cívica e devem participar da sociedade numa postura crítica em relação a ameaças de domínio e supressão de sua liberdade pessoal. Este compromisso com a totalidade da ordem social vem acompanhado de um compromisso com suas próprias inclinações e moralidade. A vida pública está em consonância com a vida íntima. Somente realizando seus impulsos e vocações sua vida pode ser tolerável. Conforme Husserl, este processo é simultaneamente coletivo e individual, não há sentido em entender a experiência individual sem estar em conexão com as comunidades das quais ela participa: “ the performance of public duty is not the whole of what makes a good life; there is also the pursuit of private excellence (…) It is dangerous to allow politics and social duty to dominate too completely our conception of what constitutes individual excellence”. (HUSSERL,2005,83) Noções de pertencimento, de comunhão, de comunidade e de identidade devem ser observadas sob a perspectiva de sujeitos plurais, por mais que tais experiências sejam provisória e instavelmente vividas pelo grupo. Analiticamente, para entender a formação de comunidades e coletivos identitariamente formados, dentro de uma perspectiva realista-construtivista há que serem considerados dois níveis de análise. O primeiro concerne, como já foi dito, à posição dos indivíduos na estrutura social, fatores institucionais e condições materiais de existência aqui são considerados. O segundo nível diz respeito à natureza simbólica das comunidades formadas e às conexões intersubjetivas e intencionais de seus membros, neste âmbito estão os processos de autoidentificação dos indivíduos que se reúnem na forma de comunidades psíquicas. O que está na base deste processo é a comunicação estabelecida entre os membros de uma comunidade. A comunicação é uma relação real e efetiva, ao mesmo tempo intersubjetiva e intramundana onde os indivíduos se reconhecem e se consideram mutuamente. Ao mesmo tempo em que ela ocorre como um fenômeno coletivo, também ocorre em um plano 46 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News subjetivo íntimo, decorrente de escolhas reflexivamente feitas por cada indivíduo. Os sistemas de comunicação têm grande relevância na formação e dinâmica destas comunidades simbólicas. Fornecem um fluxo contínuo de representações sobre a realidade, assim como produzem perspectivas ficcionais que atuam como elementos de coesão, transformação e mesmo ruptura de cadeias simbólicas coletivamente partilhadas. A extrema diversidade de fontes comunicativas, que abrangem desde meios de comunicação de largo alcance a meios regionais, localizados e produzidos pelos próprios grupos, assim como a força dos processos comunicativos das redes sociais, blogs, sites e fontes diversas de informação virtual contribuem para a formação de comunidades com as mais diferentes feições e arcabouços simbólicos, rompendo noções tradicionais de classe, etnia, nacionalidades, gênero e demais variáveis sociais. A análise das condições de existência destas comunidades na contemporaneidade deve necessariamente ser relacional aos sistemas comunicativos. Uma mesma informação, mensagem ou representação produzida pelos meios de comunicação adquire sentidos diversos para os indivíduos em função de sua própria interpretação reflexiva e das redes comunitárias com as quais se idêntica e interage. Isto impede que se subsuma que uma mesma mensagem surta efeito idêntico em todos os indivíduos que ela atinge. Deve ser considerada a perspectiva singular de cada membro de acordo com uma visão fenomenológica. Segundo Husserl, a princípio, “thus every principle of simplicity urges us to adopt the natural view, that there really are objects other than ourselves and our sense-data which have an existence not dependent upon our perceiving them”. (HUSSERL,2008,10) Apesar da materialidade do mundo preceder a concepção que os indivíduos têm sobre ela, tal percepção existe e ela tem grande força performativa nas suas atividades cotidianas e ações sociais mais amplas. É o modo como os indivíduos reconhecem, nomeiam, atribuem qualidades e sentido aos objetos e fenômenos da realidade Lavina Madeira Ribeiro | 47 que lhes assegura uma determinada forma de compreender e de lidar com esta realidade. Este processo é de grande relevância na compreensão do grau de influência dos produtos comunicativos sobre a experiência individual. Estudos que enfocam basicamente sobre os efeitos dos meios de comunicação em geral ou com categorias como meios de comunicação de massa e indústria cultural operam do ponto de vista de indivíduos atomizados e seus resultados são de pouco valor elucidativo da ação destas mensagens sobre as concepções objetivas de realidade que indivíduos e grupos formulam e da dinâmica de suas ações, assim como das ações dos meios de comunicação e suas repercussão sobre indivíduos, comunidades e instituições sociais. De acordo com a fenomenologia de Husserl, “when we are trying to show that there must be objects independent of our own sense-data, we cannot appeal to the testimony of other people, since this testimony itself consists of sense-data, and does not reveal other people's experiences unless our own sense-data are signs of things existing independently of us. We must therefore, if possible, find, in our own purely private experiences, characteristics which show, or tend to show, that there are in the world things other than ourselves and our private experiences. Of course it is not by argument that we originally come by our belief in an independent external world. We find this belief ready in ourselves as soon as we begin to reflect: it is what may be called an instinctive belief”. (HUSSERL,2008,10) Processos comunicativos são mediados pela linguagem, ela é constitutiva da existência humana. Somente por intermédio da linguagem o mundo é intelegível, assim como as relações entre os homens. Todo pensamento e diálogo interno do indivíduo só pode ser possível por intermédio da linguagem. Tudo o que existe se expressa linguisticamente e permite a formação de comunidades. Todo diálogo, seja consigo mesmo ou com o outro se apóia na linguagem como meio de entendimento, chegando ou não a um acordo comum. O senso de pertencimento, de não estar sozinho é garantido pela linguagem, assim como a intersubjetividade. A 48 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News compreensão dos processos comunicativos levado a cabo pelas ações dos meios de comunicação deve levar em conta a linguagem como um poder causal, porque o estudo da sociedade também inclui a interpretação dos significados linguisticamente elaborados. A hermenêutica contribui, neste sentido, para o entendimento dos poderes causais da linguagem, por entendê-la como base e horizonte da comunicação humana. De acordo com Frédéric, “unlike structuralism, hermeneutics does not analyze language from the external perspective of the observer, but it conceives it first and foremost as a symbol that has to be disclosed from within through participation. Instead of searching for codes within language from without, it searches horizons within life from within the life-world. (…) We could say that phenomenology is more interested in the spider that weaves the web, whereas hermeneutics is more concerned with the web that is woven. If phenomenology adopts the perspective of the participant of the first person singular, hermeneutics deepens and enlarges this perspective by replacing it into the encompassing framework of symbolic meanings that is common to all the subjects who share a common language (…) I would like to defend the thesis that we do not merely have conversations with ourselves, but that we are these conversations.” (VANDERBERGHE,2006,8-9) O pragmatismo associado à hermenêutica permite analisar os poderes causais da linguagem em relação à intersubjetividade e reflexividade, assim como a discursividade no âmbito de grupos e espaços públicos, o que aproxima a hermenêutica do humanismo. Esta associação impede que o estudo recaia exclusivamente na linguagem e o leva para um estudo dos indivíduos em sua subjetividade e ações dentro de uma ordem social dada. Entra em cena o indivíduo, suas ações e relações sociais, assim como as instituições, suas regras, limites, funções e estruturas. No entendimento da linguagem e de universos simbólicos, cabe considerar a relação entre agenciamento e estrutura e o fato de que os sistemas cultural e social são, em última instância, movidos por indivíduos reflexivos. Lavina Madeira Ribeiro | 49 Agenciamento, estrutura, reflexividade e linguagem estão interconectados. Os indivíduos só são capazes de agir socialmente se reflexivamente forem capazes de se expressar linguisticamente e de um certo distanciamento cognitivo da realidade, deste modo eles podem analisar suas ações em relação a uma ordem social dada, seja para formar uma opinião e se solidarizar com determinados grupos e processos sociais, seja para mudar a realidade em que vivem, conforme Frédéric, “to question the rules and claim the resources presupposes reflexivity, not the immediacy that marks routine activity. (…) It is only if the distinction between structure and agency is maintained that one can acknowledge that agents have the capability to reflexively examine their projects and their feasibility, given the objective circumstances in which they find themselves and which they have not freely chosen. (…) Through reflection and deliberation, the agent ponder what they want to do not only in their life, but with their life, and the differential answers they give to these existential questions has implications for the reproduction and transformation of society. (…) Reflexivity is exercised through people holding conversations with themselves in which they clarify, organize and systematize their ‘ultimate concerns’ (Tillich) in an existential and personal project to which they commit themselves. To find out who they are and what their ‘mission’ is in this life, people have to decide “what they care about”, and they do so through an inner dialogue with themselves and significant others.” (VANDERBERGHE,2006,13) Pensar o processo cultural contemporâneo requer também pensar a questão da identidade e de seus mecanismos formativos. Segundo Martín-Barbero, a identidade está vinculada à noção de lugar, “pois o lugar significa nossa ancoragem primordial: a corporeidade do cotidiano e a materialidade da ação, as quais são a base da heterogeneidade humana e da reciprocidade, forma primordial da comunicação. Pois, ainda que atravessado pelas redes do global, o lugar continua sendo feito do tecido e da proximidade dos parentescos e vizinhanças. (...) Quebrar toda dependência local é ficar sem a 50 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News indispensável perspectiva temporal (...) agora entramos em um tempo esférico que, ao desrealizar o espaço, liquida a memória, sua espessura geológica e sua carga histórica.” (MARTÍN-BARBERO,2004,270) Como já foi dito, diferentes grupos sociais necessitam de representações simbólicas de si que exponham sua unidade para além deles mesmos. Cabe considerar, para efeito compreensivo, as entidades reais, concretas, seus mecanismos, estruturas e relações mútuas. A noção de lugar, na contemporaneidade, tornou-se fluida devido aos deslocamentos de tempo e espaço e das conexões de sentido que ultrapassam barreiras geográficas e históricas. É certo, entretanto, conceber que as relações sociais em geral sempre acontecem em contextos materiais dados. Estruturas sociais e sistemas culturais exercitam seus poderes causais condicionando a ação de indivíduos e grupos a certos limites, formas, regras e constrangimentos. Tais poderes causais são ativados na relação entre agenciamento e estrutura. Cabe aos indivíduos e grupos a formação reflexiva de projetos de ação que venham a entrar em um processo relacional com tais estruturas e sistemas. Os agentes têm intenções próprias em suas ações quando tentam se relacionar com a materialidade do mundo, mas estas se dão em que pese as circunstâncias estruturais, históricas e tradicionais com as quais se confrontam. Há sempre uma interrelação entre projetos pessoais dos indivíduos e grupos e os sistemas culturais dos quais fazem parte. Assim, segundo Frédéric, “It follows from this that neither the natural nor the cultural nor the social elements of the situation can directly determine the course of action. As courses of action are produced through the actor´s reflexive deliberations about how they could possibly integrate their ‘ultimate concerns’ into sustainable life-projects that are feasible in the given circumstances, the constraints and enablements of the situation need to be activated by the actors themselves if they are to exercise their causal powers.” (VANDERBERGHE,2006,16) Exemplo marcante disto foi a importância da internet, das redes sociais nos movimentos emancipatórios políticos das nações Lavina Madeira Ribeiro | 51 árabes, no que foi denominado primavera árabe, um grande processo revolucionário marcado por manifestações e protestos de rua com milhares de pessoas reunidas pelas redes sociais, como youtube e facebook. Indivíduos das mais diversificadas posições sociais, de operários, professores, profissionais liberais e funcionários públicos se reuniram em grandes movimentos de revolta contra ditaduras seculares através de comunicações virtuais pela internet. A primavera árabe foi o exemplo mais marcante da força do agenciamento dos indivíduos em luta pela liberdade de expressão e por regimes políticos democráticos. Comunicação e identidade Processos comunicativos devem ser também observados do ponto de vista cognitivo e interacional. A análise de fenômenos como a formação de opiniões, a tomada de determinado partido ou forma de compreender a realidade, a identidade que pequenos grupos e comunidades ou milhões de indivíduos têm em relação a produtos comunicativos, sejam eles de largo alcance mundial ou restrito a contextos nacionais, regionais ou locais, não podem ser entendidos como ideologia ou fenômenos de comunicação de massa. Ocorre que os indivíduos não baseiam sua reflexividade exclusivamente em fatores de ordem racional e voltada para fins além de si mesmo. Processos comunicativos são também processos de compartilhamento de valores e emoções entre os indivíduos. De acordo com Frédéric, “a comunicação ativa está baseada na sintonização mútua dos participantes e pressupõe sínteses passivas de uma natureza mais difusa e emocional, as quais precedem as cognições na ordem fundacional. Tal como as cognições, as emoções são fenômenos intersubjetivos, relacionais e transacionais.” (VANDENBERGHE,2010,224) Emoções são partilhadas entre atores em torno de um objeto de comunicação em comum, disto decorre uma teia de interação ritual, elas podem ser intensas ao ponto de realizarem processos de 52 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News comunhão. Sentimentos, emoções e ações se fundem interativamente e podem dar origem a criação de ídolos e líderes. Há um sentido de pertencimento essencial a formação de comunidades ou grupos de qualquer natureza, isto cria a delimitação de sujeitos plurais e processos de complementariedade ou oposição e situações de posições alternativas entre comunidades e grupos. Para isto, segundo Frédéric, “é preciso que cada um dos caminhantes expresse abertamente ao outro sua intenção de andar com ele e que os mesmos concordem conjuntamente em formar um ‘nós ambulante’, unificado pelo objetivo comum de andarem juntos na companhia um do outro.” (VANDENBERGHE,2010,226). A compreensão destes processos de comunhão e de identidade compartilhada física e emocionalmente explica a formação de coletivos, são processos de autoidentificação dos indivíduos com um grupo. A sociedade é plural em seus coletivos e se dinamiza em relação à dinâmica própria de criação, desenvolvimento e transformação deles. A identidade, deste modo, pressupõe a diferença, o que leva a uma perspectiva de heterogeneidade de sentidos dos processos comunicativos no modo como eles são incorporados por grupos e comunidades. Um mesmo produto de comunicação repercute de modo diferencial no plano das interações humanas. Neste sentido, por mais hegemônicos que sejam, por mais que tenham origens em sistemas transnacionais de comunicação, não podem ser subsumidos homogeneamente em termos de sua efetividade simbólica e das reações que pode causar na teia das relações sociais. Ainda segundo Frédéric, “as identidades nunca são completamente unificadas. Elas são descentradas e deslocadas, compostas de diferentes elementos ‘colados’ ou ‘suturados’ uns aos outros através da ‘articulação’ das diferenças em uma identidade cultural comum (...) as fronteiras simbólicas entre grupos são necessariamente permeáveis (...) Para chegarem a um fechamento, o qual, por definição, só pode ser provisório, as identidades são continuamente construídas, reconstruídas e desconstruídas.” (VANDENBERGHE,2010,227) Lavina Madeira Ribeiro | 53 Esta perspectiva dialoga com a teoria da ação comunicativa de Habermas onde ela parte da locução performativa dos indivíduos como ações objetivas que permitem o entendimento mútuo, a coordenação da ação e a socialização. Conforme Habermas, “no agir comunicativo, a linguagem assume, além da função de entendimento, o papel de coordenação das atividades orientadas por fins de diferentes sujeitos da ação, e o papel de um meio da própria socialização dos sujeitos da ação.” (HABERMAS,2012,10). Habermas foge de uma filosofia da consciência para situar a compreensão da ordem social na ação dos indivíduos mediada pela linguagem, de acordo com regras socialmente construídas e intersubjetivamente validadas. A identidade do objeto é sempre diferente da identidade dos significados que cada agente pode atribuir em um processo comunicativo. A formação de identidades e a ação das instituições estão simbolicamente estruturadas. A linguagem coordena a ação social quando expressões subjetivas dos indivíduos fazem sentido em seu contexto social mais amplo. A liberdade e inventividade dos agentes existe a priori quando, segundo Habermas, “a capacidade de dispor de termos singulares libera, de certo modo, os atos de fala da rede imperativa composta pelas interações reguladas de modo extralinguístico.” (HABERMAS:2012,53) Proposições comunicativas são ações objetivas dentro de uma teia de relações sociais, que quando encontram reciprocidade e complementariedade formam comunidades e grupos identitários abertos sempre a mudanças e negociação de sentidos. A internalização de papéis e normas se consolida consensualmente em instituições, generalizações sociais que passam a ter autoridade normativa e de sansões sobre os atos de fala dos agentes. Mas isto não impede os indivíduos de interferirem e modificarem performativamente a natureza normativa das instituições sociais, base para o caráter processual de qualquer ordem sociocultural. No mundo da vida, identidades coletivas traduzem o modo de pensar de uma sociedade, quando indivíduos se manifestam em suas ações de fala e práticas sociais expressam sua singularidade interior e 54 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News formam, legitimam e transformam instituições sociais. “Tal programa só pode ser remetido quando a unidade intersubjetiva de uma comunidade de comunicação está assegurada. O grupo pode se constituir como coletividade, uma vez que o estoque de motivos dos indivíduos associados é apreendido simbolicamente.” Para Habermas, este processo oferece um potencial de fundamentação “que pode ser utilizado para a justificação da ordem política e das bases institucionais da sociedade em geral.” (HABERMAS,2012,105). Habermas faz uma diferença entre o mundo da vida e o mundo sistêmico, do mercado e da tecnologia. Segundo ele, o mundo sistêmico é institucionalizado pelo mundo da vida, mas nas sociedades atuais se desenvolvem sem a mediação da linguagem, adquirindo certa autonomia e controlando relações sociais a revelia de normas e valores do mundo da vida. “Ao mesmo tempo, porém, o mundo da vida continua sendo o subsistema definidor do sistema da sociedade como um todo. Por isso, os mecanismos sistêmicos necessitam de uma ancoragem no mundo da vida, o que implica institucionalização.” (HABERMAS,2012,278). Cabe ao Estado, às organizações sociais, movimentos e grupos da sociedade o controle das ações do mundo sistêmico, na forma de legitimação destas ações. Quanto mais complexo se torna o mundo sistêmico, mais complexas se tornam as diferenciações estruturais do mundo da vida. Para que o mundo da vida não se torne um subsistema periférico do mundo sistêmico, fazse necessário a participação consensual dos indivíduos, grupos e instituições do mundo da vida. Neste sentido, conforme Habermas, nas sociedades contemporâneas, os meios de comunicação têm grande relevância, à medida que criam redes de conteúdos comunicativos acessíveis a todos os indivíduos, integrando-os nos processos de formação de vontade, legislativos e normativos da sociedade, apesar também de serem passíveis de manipulações de interesses estratégicos do mundo sistêmico. Os meios de comunicação, neste sentido, devem ser plurais e originários dos mais diversos setores da sociedade. A coordenação da ação dos agentes e das instituições sociais se realiza comunicativamente na formação de consensos e os meios Lavina Madeira Ribeiro | 55 de comunicação têm um papel fundamental na dinâmica e força deste processo. Conforme Habermas, “as leis necessitam do reconhecimento intersubjetivo dos cidadãos, ou seja, têm de ser legitimadas como justas. E com isso a cultura assume a tarefa de justificar por que a ordem política vigente merece reconhecimento.” (HABERMAS,2012,339) E isto requer indivíduos capazes de agir reflexivamente e meios de comunicação que defendam os princípios dos direitos civis e públicos, a liberdade de opinião e de formação de movimentos e grupos com perspectivas próprias sobre a ordem social que, enfim, garantam a liberdade. Normas “necessitam de uma justificação material, porque fazem parte das ordens legítimas do próprio mundo da vida, configurando junto com as normas de ação informais, o pano de fundo do agir comunicativo.” (HABERMAS,2012,657) Normas, valores, estilos de vida, concepções diferenciadas sobre a realidade, produções simbólicas de toda ordem pressupõem indivíduos capazes de agir reflexivamente e de se manifestarem publicamente interferindo na dinâmica social e, em essência, todos estes processos são de natureza comunicativa intersubjetivamente partilhada entre indivíduos, grupos e instituições sociais, que dependem do entendimento como mecanismo de coordenação da ação. Os meios de comunicação, segundo Habermas, “à medida que criam a simultaneidade abstrata de uma rede – virtualmente presente – de conteúdos comunicativos distanciados no tempo e no espaço, disponibilizando mensagens para vários tipos de contexto, eles libertam os processos de comunicação do regionalismo de contextos limitados no espaço e no tempo, permitindo o surgimento de esferas públicas. Tais espaços públicos criados pelos meios hierarquizam e, ao mesmo tempo, eliminam as barreiras que entravam o horizonte das possíveis comunicações.” (HABERMAS,2012,702) Quando se trata de meios de largo alcance, de fluxo unidirecional, há o perigo de que eles venham a fortalecer sistemas de controle social, de padronização da ação e do pensamento, este seria seu “potencial autoritário”. Mas por outro 56 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News lado, ao difundir mensagens sobre o curso dos processos sociais, há nos meios de comunicação também um “potencial emancipatório”. Por mais que eles tenham o poder de controle social, têm simultaneamente o poder de incentivar a formação de processos interativos entre indivíduos e grupos sociais alimentando seu poder de crítica e de intervenção ativa na sociedade. Segundo Habermas, por mais que os meios de comunicação possam estar atrelados a interesses econômicos particulares, não podem impedir de expor os processos conflituosos, as rupturas de poder, a corrupção e rupturas dentro do próprio sistema dominante, levando a formação de perspectivas críticas por parte do público. Também não podem se esquivar de expor jornalisticamente os fatos do cotidiano sem entrar em conflito, muitas vezes, com seus próprios interesses estratégicos. Além disto, “mensagens ideológicas não atingem necessariamente seus destinatários, uma vez que o significado visado pode se transformar no seu oposto em certas condições de recepção e contra um determinado pano de fundo cultural. O sentido da prática comunicativa cotidiana resiste a uma intervenção manipuladora direta dos meios.” (HABERMAS,2012,704) A análise dos fenômenos sociais do mundo da vida deve sempre estar alerta a “tendências e contratendências”. Faz-se necessário estar sempre atento a potenciais de crítica, protesto e emancipação, quanto a potenciais de oposição e fuga. O único equívoco de Habermas é o de sempre referir-se aos meios de comunicação de largo alcance e sobretudo de nomeá-los como meios de comunicação de massa, o que demonstra sua desatenção para o caráter idealizado dos meios de acordo com uma perspectiva analítica fundada na teoria da sociedade de massa, o que obviamente não é compatível com sua teoria crítica da sociedade e seu permanente uso do conceito de reflexividade. Habermas passa ao largo da compreensão dos meios em sua multiplicidade de configurações e sua teoria do agir comunicativo é anterior ao fenômeno da internet. Mas apesar disto, suas disposições sobre a natureza e o potencial emancipatório dos meios, assim como sua perspectiva de que a recepção de suas mensagens têm influências Lavina Madeira Ribeiro | 57 distintas sobre os indivíduos é compatível com os termos aqui apresentados. Quando o autor refere-se a tendências e contratendências, à concordância, oposição, protesto e fuga dos indivíduos em relação aos fenômenos sociais, há a proposição de que é no âmbito do mundo da vida que tem origem os processos que impulsionam as transformações sociais. Habermas refere-se ao fato de que a sociedade civil contém uma dinâmica onde tem origem movimentos de grupos organizados, falas de indivíduos, que formam redes comunicativas com poder de mobilização social com intenções ou não de legitimação jurídica junto ao Estado. Formam espaços de debate público de alcance diversificado com proposições críticas, inovadoras que são de vital importância para a legitimação da ordem social, assim, por mais que o mundo sistêmico tenda a suprimir a formação de vontade, permanece viva a força ativa dos indivíduos. Neste aspecto, a perspectiva fundada na teoria da ação comunicativa faz uma ponte necessária com as formulações de Stuart Hall sobre identidades descentradas, com Raymond Williams e a questão da hegemonia sob limites e pressões que a levam a estar em constante estado de incorporação, resistência e mudança e com Homi Bhabha e suas preocupações com as negociações da diferença no espaço social. Referências BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony and LASH, Scott. Reflexive Modernization: Politics, Tradition and Aesthetics in the Modern Social Order, UK, Polity Press, 1994. BECK, Ulrich, GIDDENS, Anthony e LASH, Scott. Modernização Reflexiva – Política, Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997. ____________. The Reinvention of Politics – Rethinking Modernity in the Global Social Order. Cambridge, Polity Press, 1997. DEANE, Phyllis. The First Industrial Revolution. London, Cambridge University Press, 2003. 58 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. SP, Studio Nobel, 1995. FREMANTLE, Anne. This Little Band of Propheths: The British Fabians. NY, Mentor Books, 1960. GIDDENS, Anthony. Mundo em Descontrole – O Que a Globalização Está Fazendo de Nós. RJ, Record, 2000. _______________. “A Vida em uma Sociedade Pós-Tradicional”, em BECK, U., _______________. LASH, S. Modernização Reflexiva– Política, Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997. HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. RJ, Tempo Brasileiro, 1984 ______________. A Constelação Pós-Nacional – Ensaios Políticos. SP, Littera Mundi, 2001. ______________. Teoria do Agir Comunicativo. Vol. II, SP, Martins Fontes, 2012. ______________. Pensamento Pós-Metafísico – Estudos Filosóficos. Biblioteca Tempo Universitário vol. 90, Série Estudos Alemães, RJ, Tempo Brasileiro, 1990. HARRIS, Richard J. e SANBORN, Fred W.. A Cognitive Psychology of Mass Communication. London, Routleddge, 2014. HOBSBAWN, Eric. Age of Extremes – The Short Twentieth Century: 1914-1991. NY, Pantheon Books, 1994. HORKHEIMER, Max, ADORNO, Theodor. Dialectic of Enlightenment – Philosophical Fragments. Stanford, California, Stanford Univerty Press, 2002. HUSSERL, Bertrand. Authority and the Individual. London, Routledge, 2005. _______________. The Problems of Philosophy. Radford VA, Wilder Publications, 2008. Lavina Madeira Ribeiro | 59 LASH, Scott. “A Reflexividade e seus Duplos: Estrutura, Estética, Comunidade”, em BECK, U., GIDDENS, A . LASH, S. em Modernização Reflexiva– Política, Tradição e Estética na Ordem Social Moderna. SP, Ed. Unesp, 1997. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Ofício de Cartógrafo – Travessias Latino-Americanas da Comunicação na Cultura. SP, Edições Loyola, 2004. McQUAIL, Denis. McQuail’s Mass Communication Theory. London, Sage, 2010. MENAND, Louis. The Metaphysical Club – A Story of Ideas in America. NY, Farrar, Straus and Giroux, 2001. VANDENBERGHE, Frédéric. Teoria Social Realista – Um diálogo franco-britânico. Belo Horizonte, UFMG & RJ, IUPERJ, 2010. _________________________. “The Real is Relational”: An Epistemological Analysis of Pierre Bourdieu’s Generative Structuralism, Sociological Theory 17:1, American Sociological Association, Washington, March 1999. __________________________. “Language, Self and Society. Hermeneutic Reflections on the Internal Conversations That We Are” ensaio apresentado no Reflexivity Forum in Warwick, 2006, em http://frederic.vdb.brainwaves.be/Frederic_Vandenberghes_Personal_W ebsite/Publications.html, acesso em 08.04.2018. WIMMER, Roger and DOMINICK, Joseph. Mass Media Research – An Introduction. Boston, MA, Wadsworth Cengage Learning, 2011. Capítulo 2 O texto sob as lentes da hermenêutica: afastamentos e aproximações Alda Cristina Costa1 Nathan Nguangu Kabuenge2 Sergio do Espirito Santo Ferreira Junior 3 Thaís Luciana Corrêa Braga 4 1. Introdução Em sua Estética da criação verbal, Bakhtin (2011) defende a constituição por excelência do texto como objeto de pesquisa e de 1 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora do Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (PPGCom/UFPA). Coordenadora do projeto de pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail: aldacristinacosta@gmail.com. 2 Mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Integrante do projeto de pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail: nathannguangu@yahoo.fr. 3 Mestrando em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Integrante do projeto de pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail: esferreira.sergio@gmail.com. 4 Doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Minho (UMinho), Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Federal do Pará (UFPA), jornalista do quadro de técnicoadministrativos da UFPA. Integrante do projeto de pesquisa Mídia e Violência: percepções e representações na Amazônia e do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas da Amazônia Paraense (Narramazônia). E-mail: thaislcbraga@gmail.com. 62 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News pensamento das Ciências Humanas, na medida em que sua especificidade reside na expressão humana e na criação marcadamente como atividades de produção textual. O humano é, portanto, estudado dentro do texto, já que se trata sempre de produções, feituras, obras, “pensamentos sobre pensamentos, vivências de vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos” (BAKHTIN, 2011, p. 307). Desse modo, quer na forma expressão subjetiva, de organização dos mundos sócio-históricos, o texto vai estar dentro do escopo dessas ciências por ser a forma sob a qual pensamento, significado e sentido se dão a ver para o pesquisador interessado em o compreender. Uma categoria sobre a qual pesa o caráter de forma rígida a ser estudada pelo viés da Linguística ou que diante dos fenômenos comunicacionais abrangeria apenas a mensagem, o texto tem sido recuperado nos estudos na Comunicação como uma possibilidade de expandir e desenraizar perspectivas em torno do seu caráter de feitura, de imbricação em teias de relações e mediações sociais, assim como forma de encarar a constituição de narrativas e enredos a respeito e em relação com o mundo sócio-histórico (CARVALHO, 2013; GOMES, M. B., 2012; GOMES, D. C. A., 2014; SOUSA; CARVALHO, 2017). Diante da relevância que tal postura tem na modulação de novos olhares em torno dos processos comunicacionais, julgamos relevante fazer uma incursão à hermenêutica, a fim de resgatar pressupostos que nos conduzam a uma atitude diante do texto como ente a ser interpretado no âmbito das Ciências da Comunicação. Para tanto, interpretar e compreender os sentidos produzidos por textos a partir um viés hermenêutico requer a consideração das vinculações de textos à vida social como um fenômeno histórico e cultural, por isso sua análise parte da compreensão do contexto social (CARVALHO, 2013; LEAL, 2006). Na construção desse olhar fazemos algumas incursões conceituais com a finalidade de compreender o significado da hermenêutica e sua relação com os processos comunicacionais, Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 63 marcadamente as implicações de fazer esse recurso à hermenêutica. Desse modo, realizamos uma leitura de elementos oriundos da hermenêutica de Paul Ricoeur (1976, 2011, 2013) a fim de apontar os trânsitos teórico-metodológicos abarcados pelo rico corpo de conceitos presentes nas suas obras em que o texto surge como uma das principais preocupações no delineamento de um processo de interpretação. Além disso, apontamos desenvolvimentos do autor especificamente concernentes às possibilidades do texto, juntamente com leituras de J. B. Thompson (1981, 1984, 1995) a respeito da interpretação diante da vida social. 2. Afastamentos e aproximações Hermenêutica não é uma palavra comum na língua portuguesa, como é o caso da palavra interpretação. Geralmente, a hermenêutica é definida como interpretação de um texto. A sua etimologia não ajuda muito a clarificar ou conferir precisão a esse respeito, já que também pode remontar ao deus Hermes, encarregado na mitologia grega de transmitir as vontades dos deuses aos mortais. No entanto, a hermenêutica derivaria justamente da palavra hermeneuein, que em grego significaria traduzir, expressar em voz alta, interpretar ou explicar. Assim, a tradução latina posterior nos ajudaria a melhor nos aproximarmos do significado da hermenêutica como interpretação, a partir do termo interpretatio (SCHMIDT, 2012; ZIMMERMANN, 2015). A esse respeito, Schmidt (2012, p. 18) se pergunta “hermenêutica realmente significa interpretação?”, ao mesmo tempo em que se questiona sobre o seu estatuto, como habilidade, arte, metodologia ou uma ciência. Como resposta, o autor, sem dizer realmente o que seria a hermenêutica, hipoteticamente infere: “se a interpretação é necessária para qualquer compreensão, então todos devem ter esta habilidade, já que normalmente compreendemos uns aos outros” (SCHMIDT, 2012, p. 15). Ainda no domínio da Filosofia, Nunes (1999, p. 55) 64 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News afirma que a hermenêutica não seria somente a “arte de interpretar, mas daquilo que lhe dá fundamento, e que, no entanto, melhor compreendemos através dessa arte de interpretar”. Em outro quadro de referência, Sodré (2014, p. 172) aponta que o campo da comunicação se insere num “sistema de inteligibilidade” enquanto “hermenêutica da existência” com uma “redescrição” de fenômenos que situam o comum humano. “Uma ciência da comunicação é tão só o resultado da exigência histórica de se chegar a um entendimento ético e político do que está subsumido nas novas formas de elaboração do comum” (SODRÉ, 2014, p. 188). Diante desses apontamentos, podemos pensar no projeto hermenêutico de Paul Ricoeur (1976, 2011, 2013) como postura para nos conduzir no presente esforço de reflexão. Na perspectiva ricoeuriana, hermenêutica é definida como a teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos. Partindo do seu projeto hermenêutico, entendemos que os textos5 nos convocam a entender nossas próprias ações e as dos outros, caso queiramos entender o mundo – ou mundos – quando somos confrontados por esses mesmos textos. Desse modo, eles nos convocam a tal processo de interpretação a fim de extrairmos sentidos sobre formas de estar no mundo e de o experienciar. Por isso mesmo, a perspectiva ricoeuriana nos é fundamental como ponto de partida nesse resgaste, já que nos proporciona possibilidades teóricas, conceituais e metodológicas que nos auxiliam na interpretação da experiência humana na forma de inscrição textual – que requer um recurso às obras da linguagem a fim de as reinserir no conjunto de operações que faz o texto se destacar de outras formas de discurso, tais como a sua estruturação, 5 A preocupação com o texto, conquanto faça parte dos pressupostos canônicos de uma hermenêutica romântica (dentre cujos expoentes se situam Schleiermacher e Dilthey), é retomada por Ricoeur no âmbito de uma hermenêutica filosófica, podendo ser identificada sobretudo como uma hermenêutica crítica e poética, pelas suas preocupações com identidade e alteridade, historicidade, em referência à metáfora e à narrativa (ALVESSON; SKÖLDBERG, 2000; SCHMIDT, 2012; ZIMMERMANN, 2015). Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 65 seu caráter histórico e a projeção de mundos contingentemente possíveis por movimentos de leitura. 3. Uma incursão hermeneuticamente (in)formada Em ensaio publicado na obra Social theory of modern societies, Bauman (1989) infere que a teoria social contemporânea se configura em relação ao que é significativo na realidade do social e à interação entre “sentidos leigos” e os produtos de uma “hermenêutica sociológica”, entendida tanto como processo quanto postura. Para ele, a existência do objeto “sociedade” requer a autopercepção de que se trata de uma produção discursiva, portanto, tributária também da reflexividade envolvida no trabalho de análise, já que “os acontecimentos que os sociólogos, como tarefa, escolhem interpretar estão, na sua totalidade, disponíveis para a observação geral e, em consequência, abertos a muitas interpretações” (BAUMAN, 1989, p. 51, tradução nossa). Refere-se, em consequência, a uma “teoria social hermeneuticamente informada”, algo que tem a ver com o próprio papel das Ciências Sociais e a redefinição de seus expedientes teórico-metodológicos, apontando para a transição de uma lógica inspirada nas Ciências Naturais para uma lógica hermenêutica. É pertinente, portanto, pensar a força que carrega essa caracterização do processo mesmo de análise social como “hermeneuticamente informado”, já que abre caminho para nos voltarmos aos fenômenos comunicacionais a partir de um ponto de vista que acolhe essa noção de objeto que projeta e convoca a entendimentos sobre a sociedade, considerando tanto a reflexividade quanto as teias de relações nas quais essas compreensões se inserem (BECKER, 2007). Desse modo, uma leitura que por aí enverede é hermeneuticamente informada na medida em que está aberta àquilo que vem do mundo social, do texto e das muitas leituras que se possam efetuar em torno de um dado objeto, alinhavando-os, criativamente realizando sínteses que 66 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News permitam expandir o que esses domínios isolados representam ou articulam. Ao mesmo tempo, pode também tratar-se de uma perspectiva que acolhe orientações inspiradas em procedimentos hermenêuticos – já que, no processo mesmo de aproximação a dado objeto, é possível ver que postulam modos de efetuar interpretações a seu respeito. Em relação à pertinência dessa visada ao estudo da comunicação, consideremos Arthos (2009), para quem a hermenêutica desafia pressupostos metodológicos naturalizados nas Ciências Sociais – quais sejam, de abordagem objetivista dos fenômenos sociais – além de deslocar a própria ideia de comunicação de uma dimensão instrumental para a sua função constitutiva, sobretudo, no quadro de um entendimento dialógico do comunicacional, pois parte de uma abordagem em torno de estruturas discursivas de compreensão, que são circulares além de se basearem em aspectos de “comunalidade”. Ora, o texto emerge claramente como um dessas estruturas de compreensão, que requer essa comunalidade para existir, já que sua própria escritura se baseia na partilha de códigos culturais e saberes que são eles mesmos a condição para que ele seja interpretável. Sendo, portanto, possível situar a relevância dessa atitude porque A hermenêutica sugere justamente que o processo tanto de ler quanto de analisar um texto é algo aprimorador e criativo e – leitores gradualmente figuram as suas categorias de compreensão a fim de chegar a uma interpretação coerente (JENSEN, 2002, p. 21, tradução nossa). A menção ao texto é aqui crucial, pois ancora a nossa discussão em um ponto de partida em torno do qual uma série de reflexões hermenêuticas se constituem, marcadamente as de Ricoeur e Thompson, conforme as buscamos alinhavar nas seções seguintes. Há questões de fundo, no entanto, que cumpre explanar a fim de que possamos abordar elementos de uma postura diante do texto. A principal delas diz respeito à discussão ricoeuriana sobre a Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 67 dialética entre compreensão (Verstehen) e explicação (Eklären), pois explicar e compreender são duas preocupações fundamentais que marcaram as discussões hermenêuticas que oscilam “entre a desmistificação e a restauração do sentido” (RICOEUR, 2013, p. 7), sendo elementos constitutivos do processo de interpretação de um texto e que se define enquanto modo dinâmico de leitura interpretativa (RICOEUR, 1976, p. 86). A assunção dessa dialética embaralha a prevalente dissociação que definia a explicação como o domínio das Ciências Naturais (Naturwissenschaften) e a compreensão como das Ciências Humanas (Geisteswissenschaften). Em relação às primeiras, essa relação se estabelece por serem o campo dos fatos externos, da observação e verificação empírica, das sistematizações e das generalizações, no qual “o correlato apropriado da explicação é a natureza entendida como o horizonte comum de factos, leis e teorias, hipóteses, verificações e deduções” (RICOEUR, 1976, p. 84). A respeito das segundas, definem-se como abarcando a experiência de outros sujeitos e das mentes similares a partir da dimensão significativa de signos enquanto formas de expressão – na escrita, no som, no corpo, na materialidade de documentos, etc. – cujo escopo é o interpretar as experiências inscritas e transmutadas em tais signos. Na hermenêutica romântica, diz-nos Ricoeur, esses dois elementos são parte de uma dicotomia, que resultava em uma limitação do próprio procedimento hermenêutico que se eivou da ideia de que era preciso “compreender um autor melhor do que ele a si mesmo compreendeu” (RICOEUR, 1976, p. 87). Assim, na dialética da compreensão e da explicação, esses dois elementos se sobrepõem transitam de um para o outro, já que constituem modos distintos de inteligibilidade, que não redutíveis a processos estanques. Ao mesmo tempo, Ricoeur (1976, p. 84) nos insta a uma atitude hermenêutica que deve encarar a compreensão enquanto apreensão como um todo da cadeia dos sentidos parciais em um único ato de síntese do texto, e a explicação como desdobramentos do âmbito das proposições e significados desse 68 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News texto. Desse modo, a explicação surge como consequência dessa tentativa de apanhar o texto na leitura, que parte nesse quadro de uma atitude que é conjectural e apropriadora em relação ao sentido do texto, sobretudo, porque ele se caracteriza pela sua autonomia semântica (tanto de um autor quanto de seu intento, conforme a crítica acima). Além do mais, esse processo só é possível por conta da dimensão do distanciamento, que tem a ver com a virtualidade de o texto enquanto obra do discurso operar em um hiato espaciotemporal, ao mesmo tempo em que é parte da busca por contornar a alienação cultural diante da qual o texto é colocado em uma nova proximidade e tem seu sentido resgatado (RICOEUR, 2013). Trata-se, portanto, de uma solução a um problema que é constitutivo da historicidade da experiência humana, na medida em que o texto, como produtor de distanciamento, é “muito mais que um caso particular de comunicação inter-humana: é o paradigma do distanciamento na comunicação” (RICOEUR, 2013, p. 52). É, portanto, essa função do distanciamento que torna viável a assunção da dialética do compreender e explicar como caminho metodológico, abrindo também espaço para as problemáticas da obra e do mundo do texto, que estão entre os desenvolvimentos que pretendemos abordar na próxima seção. 4. O texto em Paul Ricoeur Permanecemos aqui no projeto da hermenêutica ricoeuriana, marcadamente na sua preocupação em torno do texto, ao mesmo tempo em que o articularemos às leituras feitas por J. B. Thompson na seção posterior. Relativamente a Ricoeur, é relevante destacar os elementos constitutivos do distanciamento – a que Thompson também identificará como formas do distanciamento (1981) –, quais sejam, a obra estruturada e a projeção de mundo realizadas pelo texto. Se nos referimos anteriormente ao Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 69 Texto enquanto mediação de práticas sociais, esses postulados nos orientam rumo a uma forma de os encarar como objetos que estão imersos na vida social de um grupo. A esse respeito merece atenção a caracterização ricoeuriana da experiência humana enquanto linguageira, definida nos termos de “minha pertença a uma tradição ou a tradições passa pela interpretação dos signos, das obras, dos textos, nos quais se inscreveram e se ofereceram à nossa decifração as heranças culturais” (RICOEUR, 2013, p. 50). Por meio disso, fala também do pertencimento de um texto a um mundo sócio-histórico e da função linguageira dessa experiência que se institui como mediadora diante do que é dito – do mundo do texto – porque, uma vez inscrito, tratase de uma mediação pelo texto e não só pela linguagem. Diante dessa dimensão, emerge a questão da obra estruturada, na qual emerge a autonomia semântica do texto. A obra se caracteriza porque é codificada de tal modo que pode ser um poema, uma narrativa, etc. Trata-se, no entanto, sempre de um texto que é construído, que possui uma arquitetura das partes na composição do todo, o que é uma consideração necessária para o processo interpretativo. Além disso, como obra, o texto deve ser (re)construído como um indivíduo, um ser singular, que deve ser localizado (entre outros textos, entre as estruturas, entre os campos que o produzem, etc.) e individualizado diante do processo conjectural. Há também a necessidade de se estar atento para a forma como essa obra pode se atualizar, sobretudo, pela sua dimensão simbólica e significativa, já que pode comportar sentidos múltiplos e sentidos gerais. O mundo do texto é, assim, tributário dessa teia de processos porque ele surge na medida em que a experiência discursivamente inscrita na obra se calca na inovação semântica e no “poder de expansão maior da linguagem para o mundo, como se a criatividade na linguagem exprimisse ao mesmo tempo um máximo de referencialidade” (RICOEUR, 2011, p. 32, grifo do autor). Esse máximo de referencialidade é justamente o de uma referência não 70 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News ostensiva, parte daquilo que Ricoeur chama de “semântica de profundidade” em que cabe explicitar o modo de ser-no-mundo exposto diante do texto (RICOEUR, 1976). Daí a inferência de que – por meio da abolição de uma referência de primeiro grau, facilmente identificada como a realidade ou a situação de interlocução – um mundo projetado pelo texto se desvenda, na medida em que O sentido de um texto não está por detrás dele, mas à sua frente. Não é algo de oculto, mas algo de descoberto. O que importa compreender não é a situação inicial do discurso, mas o que aponta para um mundo possível, graças à referência não ostensiva do texto. A compreensão tem menos do que nunca a ver com o autor e a sua satisfação. Procura apreender as posições de mundo descortinadas pela referência do texto. Compreender um texto é seguir o seu movimento do sentido para a referência: do que ele diz para aquilo de que fala (RICOEUR, 1976, p. 99). Cumpre, finalmente, destacar que, em Ricoeur, o mundo do texto não é o mundo da linguagem cotidiana – tanto pela sua condição de obra quanto de mundo a ser desvelado –, já que ele é uma distanciação da apreensão do real operada por uma espécie de ficção, quer em relatos, quer em poemas, quer em narrativas, cujo referente rompe com a linguagem cotidiana, a fim de abrir caminhos para novas formas de ser no mundo, do poder-ser, que só é possível por conta de “variações imaginativas” sobre o real, ou seja, de uma ação fabulatória sobre o domínio das experiências humanas, estando elas discursivamente inscritas no texto, que tanto pode descrever quanto mimetizar a realidade na constituição desse mundo possível. 5. O texto em J. B. Thompson Esse conjunto de articulações e preocupações sem dúvida nos ajuda a realizar uma incursão a um dado texto munidos de uma postura e da percepção dos limites que pode ter tal abordagem, sobretudo, quando pensamos em fenômenos comunicacionais. Em Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 71 razão disso mesmo, são pertinentes os comentários realizados por Thompson ao longo de sua obra em torno à hermenêutica como metodologia para as Ciências Sociais. Do mesmo modo que Bauman (1989), Thompson (1995) preconiza a dimensão interpretativa da vida social como domínio para análise, partindo do que chama de “formas simbólicas” para estabelecer um conjunto de procedimentos a que chama de Hermenêutica de Profundidade (HP), por meio da qual o autor pretende expandir e conferir clareza metodológica à semântica de profundidade de Paul Ricoeur. Anteriormente a essa proposta, porém, Thompson (1981, 1984) analisa a teoria da interpretação de Ricoeur a fim de perceber as suas potencialidades e limitações, já que, afirma, Ricoeur em vários momentos reclama para seu projeto a contribuição para as Ciências Sociais quanto à interpretação o mundo social. Desse modo, a partir de um ponto de vista sociológico, Thompson afirma que a concepção do texto per se não pode ter como ponto de partida restrito a sua constituição como ente autônomo, separado das condições sociais e históricas de sua produção e, portanto, “endereçado a uma audiência desconhecida e potencialmente a qualquer um que possa ler” (THOMPSON, 1984, p. 195, tradução nossa). Diante disso, tensiona-o, afimando que Um texto ou uma instância específica de discurso escrito, como um editorial em um jornal, não é endereçado a ‘qualquer um’ nem a palavra falada tem uma audiência de “alguém específico” [...] Um texto é escrito para uma audiência e a antecipação de sua recepção por aquela audiência é parte das condições de produção do próprio texto. (THOMPSON, 1984, p. 195, grifo do autor, tradução nossa). Essa consideração o leva a pôr ênfase no mundo sóciohistórico, sinalizado por Ricoeur, sendo desdobrado no texto como lugar no qual e para o qual o texto é produzido. A esse caráter do texto Thompson adiciona uma preocupação com as condições sociais e históricas mais concretamente arraigadas na vida social, a exemplo de aspectos como as estruturas sociais e a ideologia, que 72 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News representam uma ampliação sociológica criativa daquilo em que se arraigam os postulados de Ricoeur, e que integram parte do projeto metodológico em torno da HP (THOMPSON, 1995). Ricoeur reforça que o objeto paradigmático de todas as disciplinas hermenêuticas é o texto; e, em consequência disso, segue-se da teoria da interpretação que todas essas disciplinas compartilham de uma estrutura metodológica na qual a compreensão é mediada por métodos explanatórios. Ricoeur está correto em contestar as reivindicações (THOMPSON, 1981, p. 164, tradução nossa). O lugar privilegiado para a interpretação, segundo o autor, seria o da forma discursiva, de construções linguísticas que possuem uma estrutura articulada, dando especial ênfase à essa textualidade como uma das formas pelas quais o analista pode revelar os aspectos do mundo social presentes nessa forma discursiva, já que o seu estudo pressupõe também uma construção criativa de significado, uma explicação interpretativa e a referência aos múltiplos elementos que sustentam as relações sociais. É essa relação instaurada pelo retorno ao linguageiro, como o entende Ricoeur, que caracteriza a visada de Thompson em torno dos fenômenos sociais e em direção a um projeto hermenêutico sobre as formas do discurso caracterizadas como formas simbólicas, conduzindo-nos a uma postura que enxerga tanto texto quanto significados sociais e culturalmente situados como categorias complexamente relacionadas, cuja interação não se dá de maneira transparente ou sem mediações no âmbito do mundo social e histórico que habitamos e que discursivamente renovamos. 6. Outras fontes da reflexão hermenêutica Se tomarmos o texto nesse processo de interpretação e pensarmos com Gadamer (2007) e sua teoria hermenêutica, vemos que concebe a compreensão como um ato que reside na capacidade de o intérprete se envolver com formas significativas. Para que Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 73 possa existir a hermenêutica é preciso obter mais do que informação; é necessário a contextualização dos fatos na sociedade. O filósofo afirma que, para Heidegger, o sentido vem do mundo por meio da intencionalidade da compreensão do ser humano, do mesmo modo como a compreensão vem do binômio homem-mundo, perfazendo, conjuntamente, o sentido e a compreensão, a base da linguagem e da interpretação. A linguagem, portanto, não é meramente um instrumento do pensamento, mas ela própria trabalha para nos revelar um mundo; nós nos movimentamos dentro dele e com base nele (GADAMER, 2007). Para Palmer (1986), a existência humana tal como a conhecemos, implica sempre a linguagem e assim qualquer teoria sobre interpretação humana tem que lidar com o fenômeno da linguagem. Entre os mais variados meios simbólicos de expressão usados pelo homem, nenhum ultrapassa a linguagem quer na flexibilidade e poder comunicativo, quer na importância geral que desempenha. A linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento – simultaneamente a concepção que ele tem de si mesmo e do seu mundo (aspectos que podem ser pensados juntos). A própria visão que tem da realidade é moldada pela linguagem. Muito mais do que pensa, o homem veicula através da linguagem as várias facetas da sua vida – aquilo que venera, aquilo que ama, os comportamentos sociais, o pensamento abstrato; mesmo a forma dos seus sentimentos sintoniza-se com a linguagem. “Se considerarmos este tema em profundidade, torna-se visível que a linguagem é o ‘medium’ no qual vivemos, nos movemos e no qual temos o nosso ser” (PALMER, 1986, p. 21). 7. Considerações finais Ao fazer uma reflexão em torno de elementos hermenêuticos – texto como obra estruturada e portador de um mundo possível, além de sua vinculação à linguagem – partimos de uma tentativa de apontar caminhos que advêm de uma reflexão filosófica, mas que 74 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News também no impelem a pensar as potencialidades que esses trajetos trazem para uma visada ampla em torno de textos. Trata-se de um caminho profícuo, porquanto assinala e assume a interpretação como modo de aproximação a esses objetos sociais – sem, no entanto, prescindir de orientações e mesmo posturas que forneçam uma lógica ao processo de investigação das articulações presentes entre texto, mundo e realidade sócio-histórica. A partir da proposição de Ricoeur (1976, p. 105), pode-se pensar que “o texto é como uma partitura musical e o leitor como o maestro que segue as instruções da notação”. Esse papel de leitor pode também ser imputado ao analista, ao pesquisador, na medida em que realiza esse movimento de insuflar ao texto uma espécie de vida, reconstituindo-o de modo único, já que a interpretação se baseia não em ser a correta, mas em ser possível e aceitável, de modo que o esforço de análise necessita ser ciente quanto à reflexividade desses textos e do processo interpretativo (RICOEUR, 2013; THOMPSON, 1984). Diante desses esforços, os textos permanecem ainda como desafio, já que qualquer tentativa de os interpretar resvala nas múltiplas mediações e na necessidade de considerar as condições sócio-históricas de maneira concretas, ao mesmo tempo em consonância com os objetos teórico-metodológicos das investigações. A visada que buscamos oferecer neste trabalho tem como ambição apresentar o domínio da hermenêutica que emerge de maneira privilegiada quando nos referimos aos textos como modo de agir e de dar a compreender o mundo, sendo fonte para uma posterior expansão desse percurso rumo aos textos de diversas ordens dos quais se ocupa a comunicação. Referências ALVESSON, M.; SKÖLDBERG, K. Reflexive methodology: new vistas for qualitative research. London: Sage, 2000. Alda C. Costa; Nathan N. Kabuenge; Sergio do E. S. F. Junior; Thaís L. C. Braga | 75 ARTHOS, J. Hermeneutics. In: LITTLEJOHN, S. W.; FOSS, K. A. (Org). Encyclopedia of communication theory. Thousand Oaks: Sage, 2009. p. 469-474. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. BAUMAN, Z. Hermeneutics and modern social theory. In: HELD, D.; THOMPSON, J. (Org). Social theory of modern societies. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. p. 34-55. BECKER, H. S. Telling about society. Chicago: The University of Chicago Press, 2007. CARVALHO, C. A. Apontamentos teóricos e metodológicos para compreender as vinculações sociais das narrativas. In: LEAL, B.; CARVALHO, C. A. (Org.). Narrativas e poéticas midiáticas: estudos e perspectivas. São Paulo: Intermeios, 2013. p. 49-65. GADAMER, H.-G. Hermenêutica em retrospectiva: Heidegger em retrospectiva. v. 1. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. GOMES, D. C. A. Hermenêutica e comunicação: contribuições para compreender a teoria da interpretação e sua aplicação na sociedade midiática. Temática, João Pessoa, v. 11, n. 4, p. 38-52, abr. 2015. GOMES, M. B. Hermenêutica e Comunicação: apontamentos para uma teoria narrativa da mídia. Revista Comunicação Midiática, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 26-46, maio/ago. 2012. JENSEN, K. B. The humanities in media and communication research. In: JENSEN, K. B. (Org). A handbook of media and communication research: qualitative and quantitative methodologies. London: Routledge, 2002. p. 15-36. LEAL, B. S. Saber das narrativas: narrar. In: GUIMARÃES, C.; FRANÇA, V. (Org.). Na mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 19-27. NUNES, B. Hermenêutica e poesia: o pensamento poético. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. 76 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News PALMER, R. Hermenêutica. Lisboa: Edições. 70, 1986 RICOEUR, P. Teoria da interpretação. Lisboa: Edições 70, 1976. ______. Escritos e conferências 2: hermenêutica. São Paulo: Loyola, 2011. ______. Hermenêutica e ideologias. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2013. SCHMIDT, L. W. Hermenêutica. Petrópolis: Vozes, 2012. SODRÉ, M. A ciência do comum: notas para o método comunicacional. Petrópolis: Vozes, 2014 SOUSA, M. T.; CARVALHO, C. A. Do texto como partitura: a escrita narrativa e a leitura como experiência criativa e suas implicações para os estudos comunicacionais. Comunicação & Inovação, São Caetano do Sul, v. 18, n. 36, p. 23-36, jan./mar. 2017. THOMPSON, J. B. Critical hermeneutics. Cambridge: Cambridge University Press, 1981. ______. Studies in the theory of ideology. Berkeley: University of California Press, 1984. ______. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995. ZIMMERMANN, J. Hermeneutics: a very short introduction. Oxford: Oxford University Press, 2015. Capítulo 3 Arte urbana e seu poder comunicacional: aproximação das produções artísticas de Roraima/Brasil e Venezuela Leila Adriana Baptaglin1 Norah Shallymar Gamboa Vela2 Introdução Esta proposta visa adentrar nas práticas sociais/políticas/econômicas e culturais de sujeitos coletivos que interagem com diversos contextos de transformação em diferentes escalas. O interesse pela proposta surge no contato com os Movimentos Artísticos Urbanos de Boa Vista/RR/BR e de diferentes províncias Venezuelanas a partir das ações realizadas na Universidade Federal de Roraima/UFRR, em especial, pelo evento Grafita Roraima. Este evento anual busca a participação de artistas brasileiros, venezuelanos e países vizinhos que trabalhem com a Arte Urbana. Diante desta articulação, surgiu o interesse em compreender como a Arte Urbana produzida por coletivos artísticos brasileiros, da fronteira norte, e venezuelanos comunicam suas proposições. 1 Doutora em Educação pela UFSM 2014. Professora Efetiva do Curso de Artes Visuais da Universidade Federal de Roraima. E-mail: leila.baptaglin@ufrr.br 2 Doutora em Ciências da Comunicação pela USP 2003. E-mail: Norahpa@gmail.com. 78 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Esta premissa investigativa surge no momento em que é visualizada a preocupação social/política e econômica apresentada na produção artística urbana dos Movimentos brasileiros e, principalmente venezuelanos. Esta estruturação, de compreensão do social é apresentada na Venezuela, devido a construção alicerçada nos ideais da população. Com a nova Constituição, Chávez começou a implementar um sistema onde “[…] Venezuela comenzó, ladrillo a ladrillo, a conformar una mega estructura tan arraigada en el pueblo que ni los opositores se atreven a cuestionarla cuando participan en cualquier campaña electoral” (NANCILLA, 2017, p. 280). Premissa essa que instiga o olhar para o processo comunicativo adjacente à produção artística em Boa Vista/RR isso, pois percebemos que a vinculação da Arte com o caráter político/social não é tão latente nas produções artísticas urbanas dos Movimentos Artísticos de Boa Vista/RR. Metodologia A estruturação metodológica da investigação parte de um olhar para as narrativas socioculturais visuais e orais na incumbência da compreensão da produção artística urbana de países da América Latina. Bakhtin (1986, p. 43) ressalta que “cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio ideológica”. Assim, esta proposta permite a investigação da construção de uma conjuntura que reflete o trabalho artístico realizado, em alguns países, pelos Movimentos Artísticos Urbanos. Com este olhar, buscaremos adentrar nas especificidades brasileiras, atentando para o Estado de Roraima e, para o país vizinho Venezuela haja vista a situação política/econômica pela qual o país vem passando (2018). O presidente Maduro vem realizando ações, uma delas, a criação da Agenda Econômica Bolivariana (AEB), nela “No se le pide sacrificios al pueblo, sino más bien lo contrário: que se active una vigorosa economía productiva. La AEB no renuncia al carácter Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 79 humanista y democratizador dela economía defendida por el chavismo, pero sí añade la importancia de generar riqueza, de crecer distribuyendo” (NANCILLA, 2017, p. 295). Na cidade de Boa Vista/RR, o Estado mais ao norte do Brasil, apresenta um cenário distinto de muitos dos Estados brasileiros atendendo a especificidade da construção indígena e do pertencimento a região amazônica, mas com característica acentuada do lavrado. Desta formam identificados alguns Movimentos Artísticos Urbanos que vem trabalhando com a situação social destes dois territórios e, a partir disso realizamos um processo de acompanhamento das ações e das produções artísticas realizadas pelos grupos nas redes sociais. O processo de acompanhamento das ações dos movimentos resultaram na análise das trajetórias vivenciadas nos locais de concretização das ações e foram o material analisado. Além deste processo de acompanhamento nas redes sociais, daremos continuidade a esta proposta de investigação, em outro escrito, trabalhando com as narrativas visuais (produções artísticas) e orais (discursos) dos membros dos Movimentos Artísticos no sentido de compreender a construção artística e a preocupação na construção de proposições coletivas. Connelly e Clandininn (1995, p. 12), nos auxiliam a entender as narrativas quando nos dizem que estas são […] tanto el fenómeno que se investiga como el método de la investigación. ‘Narrativa” es el nombre de esa cualidad que estructura la experiencia que va a ser estudiada, y es también el nombre de los patrones de investigación que van a ser utilizados para su estudio. […] Así, decimos que la gente, por naturaleza, lleva vidas “relatadas” y cuenta las historias de esas vidas, mientras que los investigadores narrativos buscan describir esas vidas, recoger u contar historias sobre ellas, y escribir relatos de experiencia. As narrativas dos integrantes dos movimentos buscam compreender as articulações realizadas pelo movimento artístico. 80 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Esta análise do material audiovisual (narrativas visuais e orais) nos possibilitará compreender os percursos realizados pelos movimentos artísticos urbanos de Boa Vista/RR e da Venezuela para comunicarem suas proposições. Com isso a Análise de Conteúdo de Bardin (2009) nos auxilia na construção de categorias que dimensionam os elementos comunicativos e artísticos presentes na proposta dos Movimentos Artísticos Urbanos da Venezuela. Isso pode ser evidenciado pois, para Bardin (2009), a Análise de Conteúdo, enquanto método de análise, apresenta-se composta de uma série de técnicas de análise das comunicações as quais passam a utilizar procedimentos de sistematização do conteúdo das mensagens. Arte Urbana: relação de comunicação e receptividade da obra Discutir sobre os Movimentos Artísticos Urbanos e o trabalho comunicacional requer a compreensão de como ocorre este processo de comunicação e recepção. Assim, buscamos na proposta de “Circuito da Cultura” de Johnson (1999) elementos que nos permitam construir uma proposta de “Circuito das Artes” que envolva a criação, mediação e consumo além de permitir pensar cada momento do processo comunicativo. Nussbaumer (2000) nos ajuda a desenrolar o Circuito da Arte quando nos traz o elemento do financiamento como central no desencadear do circuito. Assim, nessa proposta, a poética do artista apresenta-se como uma prática sociocultural advinda das experiências do artista e a obra como produto da cultura que, com o processo de mediação passa a atingir e a impactar nos diferentes segmentos sociais. O circuito da Arte pode ser assim representado, com base nas proposições alicerçadas pelo circuito da cultura de Johnson (1999) e pelas considerações de Nussbaumer (2000). Figura 1 – Diagrama do Circuito da Arte Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 81 Fonte: BAPTAGLIN; SANTI (2018) Com base nestas estruturas do circuito da Arte, percebemos que as produções artísticas urbanas passam por processos de comunicação que são próprios da estrutura artística delineada pelo contexto contemporâneo e, especificamente, pela Arte contemporânea. Isso pois o artista e o expectador ganham novas funções neste processo e passam a requerer conhecimento de todos os elementos Produção/Poética; Texto e Leitura/Comunicação; Culturas Vividas/Consumo e Mecenato/Financiamento. No elemento da produção há a estruturação das formas culturais realizadas a partir do processo de criação, da poética do artista. Poética aqui é entendida como processo mental e material de produção e construção artística. Segundo Marly Meira (2003) a poética dá a existência a um trabalho de construção dialógica, de um compromisso entre o artista e a obra. Apresenta-se como “um estudo da invenção e da composição, a função do acaso, da reflexão e da imitação; a influência da cultura e do meio, e por outro lado, o 82 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News exame e a análise de técnicas, procedimentos, instrumentos, materiais, meios e suportes de ação” (REY, 2002, p. 124). Neste sentido a poética enquanto produção artística ocupa-se, na Arte Urbana, de elementos ousados e cotidianos apresentandoos como elementos constituintes da obra de arte e comunicando ao expectador a sensação de inquietude, de apropriação da coisa inútil apresentando-a como arte vinculada a articulada ao espaço público. No texto/leitura, adentrando ao campo comunicacional da produção artística, o artista apropria-se de suas habilidades técnicas de produção para abstrair e expressar para o expectador utilizandose de diferentes elementos. Contudo, neste momento a apropriação dos conhecimentos artísticos e do espaço urbano estabelecem uma vinculação direta com o processo de mediação a partir do momento em que a recepção da obra adquire um status de produção de sentido pelo expectador. Esta leitura autônoma evidencia um risco eminente de apropriação equivocada da mensagem estabelecida pelo artista. Segundo Escoteguy (2007, p. 121) “o risco é assumir a autonomia da leitura em oposição a autoridade do texto, suprimindo ainda a produção do que está sendo consumido”. Na Arte Urbana, a autoridade do texto é deixada de lado e o leitor/expectador passam a realizar a compreensão da obra. Passamos assim a verificar duas condicionalidades de leitor/apreciador o que busca compreender “o que a obra diz de mim” e/ou “o que a obra quer dizer”. Ambas as perspectivas são plausíveis mas requerem uma percepção aguçada do expectador. O processo de texto/leitura requer assim, “uma conexão com as práticas de grupos sociais e os textos que estão em circulação, realizando uma análise sócio-histórica de elementos culturais que estejam ativos em meios sociais particulares” (ESCOTEGUY, 2007, p. 121). A compreensão das Culturas Vividas do artista e do expectador são fundamentais para que haja a recepção e, consequentemente, o Consumo da obra. Consumo aqui é vinculado à apropriação simbólica do conceito pelo expectador e não necessariamente o consumo em termos materiais da obra. Artista e Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 83 expectador necessitam de uma relação social que apresente interesses comuns que os interliguem suplantando assim a vinculação e o consumo do expectador da obra do artista. Isso ocorre, mesmo aquele sendo um sujeito com relações sociais, culturais e históricas distintas das expressas pelo artista. Contudo, o artista necessita do conhecimento do lugar a ser exposto e do público a ser atingido a fim de que sua construção ideológica seja consumida pelo expectador. Estes fatores, mostram que […] nos encontramos com uma mescla realista de manipulação e liberdade de compras, de impulso e reflexão, de comportamento condicionado e uso social dos objetos e símbolos da sociedade de consumo. E ao fazer do consumidor não um ser isolado e desconectado do resto de seus contextos sociais, e sim portador de percepções, representações e valores que se integram e completam com o resto de seus âmbitos e esferas de atividade, passamos a perceber o processo de consumo como um conjunto de comportamentos que recolhem e ampliam, no âmbito privado dos estilos de vida, as mudanças culturais da sociedade em seu conjunto. (ALONSO, 2006, p.99) O consumo deixa de ser a troca/compra de bens materiais e passa a ser espaço de diálogo entre sujeitos e entre obra e expectador adentrando ao processo de apropriação de culturas e simbologias. Além destes elementos do circuito cultural, proposto por Johnson (1999), Nussbaumer (2000) nos alerta para o processo de financiamento/mecenato da produção artística o qual também passa por modificações. Há algumas décadas o financiamento de obras e em especial, o financiamento cultural era quase que exclusivo do Estado ou de alguns mecenas. Hoje, a iniciativa privada começa a ganhar espaço e a vincular-se a prerrogativa de arte como negócio, situação que incita a preocupação sobre as produções artísticas tendo em vista que os patrocínios/financiamentos contemporâneos podem acabar por atender mais aos interesses da iniciativa cultural privada do que ao artista. 84 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Neste viés percebemos que as Arte Urbana passa a dinamizar um complexo sistema de produção, comunicação, consumo e financiamento que, mesmo indesejavelmente, articula-se ao mercado consumista da Arte. Situação esta bastante complexa de ser trabalhada nos territórios investigados, Brasil e Venezuela e, no contexto contemporâneo de produção artística. Neste sentido então, cabe à Arte, decantar os elementos da técnica e da organização disciplinar restando a materialidade de imaginação e da representação das coisas. E é nesse viés que a Arte Urbana contemporânea se estrutura, na inconstância e na efemeridade dos materiais, dos símbolos, das identidades. Sob o ponto de vista processual, a relação entre arte pública e espaço urbano não é de justaposição, nem a inserção neste, de “objetos ilustrativos” de valores culturais. Evita-se a noção de acomodação ou “adequação” da arte. Antes, sua inscrição aí se dá no rolar das transformações do urbano, alterando sua amplitude qualitativamente. Não se trata, pois, de se concentrar no aspecto “fotogênico” do lugar, mas de buscar uma inovação na sua dimensão artística. Longe de serem maquiagem funcionalista, certas obras ou intervenções artísticas instauradas no urbano recentemente são iniciativas de consequências e efeitos complexos. Algumas se presentificam em concordância com seu contexto, aflorando-lhe novas orientações, caracterizando-o diferencialmente em sua materialização espacial. Há, porém, situações de confronto entre um e outro, ainda que não permanente, chegando-se a extremos de destruição da própria obra (PALLAMIN, 2000, p. 18). A Arte Urbana e, neste estudo um olhar mais atento ao muralismo pois é uma das produções de Arte Urbana bastante explorados pelos artistas venezuelanos e, ao grafite, por ser explorado pelos coletivos de Arte Urbana em Boa Vista/RR, tornamse foco de análise e compreensão estrutural do Circuito da Arte. Ambas, muralismo e grafite, são linguagens artísticas que passa a ganhar corpo a partir do momento em que levam a arte para os espaços públicos dando a possibilidade de apreciação pelos Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 85 diferentes sujeitos. Aguçam, com isso, o olhar para o processo educativo e comunicacional bem como da recepção e consumo da obra haja vista a ideologia proposta em suas produções e a exposição a um público nem sempre receptivo e preparado para a compreensão artística. E essa apropriação da obra pelo sujeito e do sujeito pela obra é realizada de diferentes formas, mas especificamente, a partir do século XXI, com as conexões via rede. O Muralismo, como uma corrente artística da América Latina, consolidada com o Muralismo Mexicano apresenta-se como uma manifestação artística intencional e plena de significado ideológico com o objetivo de atingir os mais diversificados ambientes sociais (VASCONCELLOS, 2004). Este objetivo intensifica-se “Después de la Revolución de 1910, se impone en México la necesidad modernizar el país y de construir una identidad cultural nacional” (MANDEL, 2007, p. 38). Nesta investigação, compreendemos que “[a] arte muralista, quando intencionada à crítica social possui notadamente uma forte função social, sendo um canal de comunicação direto e eficiente entre o artista, a arte e o meio” (SOUZA, 2012, p.16). Possibilita assim uma interlocução que atinge a públicos variados e instiga o olhar crítico para os acontecimentos locais tomando uma construção de Movimento social. Neste viés, o Movimento Artístico Urbano Debido a que los movimientos rara vez tienen incentivos selectivos o constrenimientos sobre sus seguidores, en la acción colectiva el liderazgo tiene una función creativa de la que carecen los grupos más institucionalizados. Los líderes inventan, adaptan y combinan distintas formas de acción colectiva para estimular el apoyo de gente que, en caso contrario, podría quedarse en casa. (TORROW, 1997, p. 52) Com uma proposta de trabalho fora das galerias, o Grafite também surge como uma proposta de Arte Urbana, mas em outro território ocupando outro lugar. O Grafite intensifica-se e difundese nos Estados Unidos na segunda metade do século XX sendo 86 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News considerado não “simplemente un escrito en una pared. Este requiere una técnica, un conocimiento previo sobre materiales, un análisis sobre el muro donde se pintará, un boce tos en un cuaderno, una evolución y constancia a lo largo del desarrollo de la acción” (RAMOS, 2014, p. 13). Mesmo em uma construção, territorial e temporal distinta do muralismo, o grafite apresenta, em uma construção mais subjetiva, uma preocupação estética, filosófica, ideológica. Ramos (2014, p. 04) nos coloca que Los graffitis son un medio de expresión que conllevan dentro de sí una filosofía, una ideología, una identidad que caracteriza a la persona. Es una vieja forma de decir “yo estuve aquí” dejando con un trazo, una firma, un garabato, la propia personalidad. Al graffiti se le atribuyen muchos estereotipos como adolescente rebelde, vandalismo, criminalidad, relación con drogas o cierta similitud con géneros musicales. Sin embargo, la dificultad que presenta entender y definir qué se entiende por este término resulta ser de grandes complejidades. Percebemos assim, na Arte Urbana, uma estruturação que perpassa os elementos do Circuito da Artes onde ações são pensadas para captar o sujeito e fazer com que este faça parte dos propósitos alicerçados. Vale destaca contudo, que o termo Arte Urbana aparece nas décadas de 80-90 do século XX englobando o Grafite, o Punk, o Rap, o Skate, as projeções de vídeo dentre outras expressões que consolidam o cenário da Arte de Rua (XAVIER, 2012) e que, no caso de alguns países da América Latina, intensificam-se com a vinculação ao Muralismo. Assim, buscamos compreender a Arte Urbana no momento em que ela perpassa pelo Circuito da Arte, procurando entender o espaço social e as estratégias (educacionais e de recepção) utilizadas para a consolidação deste processo. Estas estratégias, segundo Torrow (1997) são alavancadas a partir do apoio das redes sociais existentes, proporcionando a divulgação das ações e das ideologias Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 87 em maior escala. A aproximação dos meios comunicacionais apresenta-se como uma das estratégias de comunicação dos ideais artísticos, contudo, temos consciência de que a obra de arte urbana vista in loco pode proporcionar interpretações distintas das que são expostas pelos meios de comunicação. Contudo, nem sempre o acesso à produção artística garante uma compreensão da produção. É neste sentido que, o trabalho com estratégias comunicacionais se torna eminentemente necessário. E, são estes momentos de atividades em espaços formais e informais que delineiam as formas de comunicação da produção artística. A Arte Urbana, neste viés, beneficia-se do acesso público, mas ainda carece de uma melhor compreensão da recepção feita pelos distintos apreciadores. Todos estes elementos necessários à compreensão da Arte Urbana contemporânea perpassam um processo educacional e de recepção calcado em críticas e percepções culturais bastante aprofundadas. No cenário atual a Arte Urbana aparecem “[…] não somente como uma arte, no caso de maneira conceitual, mas também como uma nova maneira de se expressar e comunicar” (BOCCILE, 2015, p. 01). A Arte Urbana, a partir da modificação/reorganização do espaço urbano propõe uma estruturação crítica do pensar do expectador sendo ela utilizada a partir de diferentes técnicas e linguagens. Assim, tais práticas artísticas podem contribuir para a compreensão de alterações que ocorrem no urbano, assim como podem também rever seus próprios papéis diante de tais transformações: quais espaços e representações modelam ou ajudam a modelar, quais balizas utilizam em suas atuações nesse processo de construção social (PALLAMIN, 2000, p. 19). A Arte Urbana passam assim, a integrar o espaço urbano envolvendo a subjetividade do expectador e intervindo em seu lugar-comum de forma artística. Desta forma, a Arte Urbana, em um campo de produção artística contemporânea, proporciona a 88 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News reflexão sobre o que Cauquelin (2005) nos mostra ao referir-se ao processo comunicacional. Passamos a vivenciar uma inevitável mistura de papéis: produtor/artista, distribuidor/comunicador e consumidor/expectador. Estes sujeitos, antes com características e funções delimitadas, não mais possuem atividades específicas e, este é um dos grandes desafios a serem consolidados para uma melhor compreensão da produção da Arte Pública nos Coletivos investigados. A conotação comunicacional presente nos Movimentos Artísticos Urbanos brasileiros e venezuelanos torna-se assim mote central de nossa investigação buscando com isso, compreender como a Arte Urbana produzida por estes movimentos comunicam suas proposições. O território: Norte brasileiro e Venezuela Trabalhar com o Circuito da Arte pressupõe também entender a Cultura Vivida/Consumo, a apropriação e recepção do expectador. Assim, pressupõe o entendimento do território vivido. Aqui o conceito de território funde-se a conceituação geográfica de “pedaço de terra” mas adentra na conotação de “relações de poder”, assim O território tem uma ocupação, e essa revela intencionalidades: a favor de que e contra que se posiciona. Nessa perspectiva, não há territórios neutros. A ocupação de um território se dá no confronto entre forças. Ao ocuparmos os lugares, estamos fazendo escolhas que preencherão os espaços e os transformarão em territórios. A escolha de uma dimensão anula a condição da outra se estabelecer. Mesmo assumindo a possibilidade da contradição e da dialética, as forças em tensão revelam predomínios que sinalizam disputas de poder (CUNHA, 2008, p. 185) Em um território fronteiriço, a região mais ao norte do Brasil configurada a partir do Estado de Roraima apresenta peculiaridades Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 89 como; habitação indígena; habitação por migrantes de diversos estados do Brasil; fronteira com os países da Venezuela e da Guiana. Saquet (2010) nos traz especificações sobre essa realidade geográfico espacial de Roraima sendo sua área espacial (46,35%) ocupada pelos 23 territórios indígenas do Estado (104.018,00 km²) – Raposa Serra do Sol é o maior deles. As áreas sob jurisdição da União somam 76.242,18 Km² (34,00%) e sob controle estadual 22.411,80 Km² (10,00%). Os sítios de preservação ambiental ocupam mais 8,40% do território (18.879,99 Km²) e as áreas sob controle das Forças Armadas 2.747,00 Km² (1,25% do total). Esta caracterização nos dá margem para o pensar nas disputas de poder e nas discussões territoriais alicerçadas neste estado uma vez que o mesmo consolidou-se como estado somente com a Constituição de 1988, situação que sinaliza a carência do desenvolvimento em vários setores. Venezuela, o país que faz fronteira com o Brasil em seu extremo norte apresenta uma construção complexa. Com um período de mudanças e reorganização da construção do país, a Revolução Bolivariana com a frente de Hugo Chávez passa a alicerçar outro cenário para o século XXI. […] el siglo XXI se inició con un nuevo contrato social, político y económico para la República Bolivariana de Venezuela, tal el nombre que la Carta Magna establecía. Chávez lo había sostenido desde antes de llegar al poder: no podría haber cambio real sin cambiar el marco constitucional del que se derivaban las leyes que regulaban la vida económica del país. La constitución vigente hasta 1999 cristalizaba un pacto político caducado: el de las élites dominantes que excluyeron a las mayorías en el contrato social, el pacto del Punto Fijo que defendía a cualquier precio una democracia fingidas sin democracia real en el terreno económico. (MANCILLA, 2017, p. 271) Inicia-se com isso uma outra perspectiva de território onde Venezuela começou a construir uma estrutura calcada no povo onde o 90 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News […] denominado Socialismo Bolivariano del siglo XXI; tuvo que transitar de una economía centrada en cómo resolver las urgencias y necesidades básicas pos golpe 2002 a otra economía en la que las necesidades y demandas se fueron redefiniendo y transformando, gracias justamente a un proceso de cambio muy vigoroso. (MANCILLA, 2017, p. 280) Com a morte de Chávez, Nicolás Maduro assume e anuncia, perante as problemáticas econômicas, uma Agenda Económica Bolivariana (AEA) que busca trazer uma nova ordem com o objetivo de sustentar a base do espírito social e humanista da revolução. Contudo, percebemos que há uma evidente disputa de poderes e, a construção econômica da Venezuela vem constantemente sendo testada e, “la disputa de las ideas políticas y económicas está servida, tanto em el plano teórico como em la praxis cotidiana” (MANCILLA, 2017, p. 298). A construção destes territórios fronteiriços são exemplos fortes de disputas de poder e, neste sentido, compreender como a Arte Urbana vem sendo apresentada e recebida pelo expectador passa a ser um processo bastante complexo e desafiador. A conotação de poder e disputas pode ser percebida na força comunicacional que a Arte Urbana apresenta quando discutida nos diferentes pontos de conflito social, político e cultural desde […] el ejército Zapatista de Libertación Nacional (EZLN) en Chiapas a la elección de Lula en Brasil: desde los piqueteros argentinos al Movimiento Sin Tierra (MST); desde los movimientos indígenas de Bolívia y Ecuador al Frente Amplio de Uruguay, a las sucesivas victorias de Hugo Chávez en Venezuela y a la elección de José Mujica en Uruguay; desde la lucha continental contra el área de Libre Comercio de las Américas (ALCA) al proyecto de integración regional alternativo liderado por Hugo Chávez la Alternativa Bolivariana para las Américas (ALCA), nos encontramos con prácticas que se reconocen como emancipadoras, pero que no estaban prevista por las grandes tradicionales teóricas de la izquierda eurocéntrica o que incluso las contradicen” (SANTOS, 2010, p.17). Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 91 Como movimento de esquerda, de luta por direitos sociais, a Arte apresente sinalizações expressivas de comunicação e consolidação de conquistas antes impensáveis para “para o desenvolvimento do paradigma da regulação/emancipação, o fato de esse paradigma lhes não ser aplicável não comprometeu a sua universalidade. O pensamento abissal moderno salienta-se pela sua capacidade de produzir e radicalizar distinções” (SANTOS, MENEZES, 2010, p. 24). Imagem: Mural Chávez Combativo Fonte: Pablo Kalaka (artista de origem chilena residente na Venezuela a 40 anos) Imagem: Lula Livre Imagem: Solidariedade MST - Brasil Fonte: Pavel Egüez, muralista equatoriano Fonte: Pavel Egüez, muralista equatoriano A exemplo do que colocamos, muralistas como Pablo Kalaka e Pavel Egüez nos mostram uma contação social, de reivindicação e luta diante da necessidade de “produzir e radicar distinções”. 92 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Coletivos de Arte Urbana: primeiras aproximações Nesta investigação, destacamos que estamos no momento de reconhecimento e de investigação das produções realizadas pelos Coletivos selecionados para este trabalho. Deixamos claro que a investigação encontra-se em processo e, para isso passamos a nos aproximar dos coletivos de Arte Urbana e como eles vem construindo a proposição de radicalizar distinções e, especificamente ao tratarmos do Estado de Roraima e do país Venezuela, adentrar nos processos comunicacionais alicerçados por estes grupos. Ao tratarmos da Venezuela, neste estudo damos destaque a dois grupos que vem participando do Grafita Roraima, evento de Arte Urbana organizado pelo Curso de Artes Visuais-Licenciatura e o Polo Arte na Escola da Universidade Federal de Roraima/UFRR com um objetivo de ampliar e trabalhar a Arte Urbana em uma proposta didática, vinculada ao campo educacional. No Estado de Roraima temos dois grupos de Arte Urbana: Movimento Urbanus e Coletivo Macu-x. Na Venezuela optamos por trabalhar, embora saibamos que há outros grupos com expressividade similar ou maior, com o coletivo MURALeja e com o coletivo Urbano Aborigem. O Estado de Roraima, pela sua recente origem como estado (1988) ainda carece de desenvolvimento e compreensão para com o setor cultural e artístico. Desta forma, destacamos que o Movimento Urbanus é um projeto sociocultural que trabalha com eventos, palestras, campeonatos, oficinas na área do Hip Hop e do Grafite. O Movimento acolhe a comunidade local e vem trabalhando expressivamente na recepção dos artistas venezuelanos dando visibilidade ao trabalho com a Arte Urbana. Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 93 Imagem 01: Batalha de B.boy Fonte: Facebook Movimento Urbanus As competições ao ar livre e nos diferentes eventos da cidade vem tomando espaço e reconhecimento ampliado a possibilidade de territórios (CUNHA, 2008) de acolhimento e visibilidade da cultura e da Arte Urbana. O Coletivo Macu-x trabalha com ênfase com o desenvolvimento do Grafite nas ruas e nas escolas de Boa Vista/RR. Com um grupo de artistas de localidades diferentes e flutuantes, o Coletivo Macu-x vem tomando espaço e consolidando algumas ações a partir do momento em que ingressa em um processo de valorização da Arte Urbana e de recepção de artistas de diferentes locais. Imagem: Coletivo Macu-x Fonte: III Grafita Roraima 94 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Imagem: Coletivo Macu-x durante o III Grafita Roraima Fonte: Facebook Grafite Roraima A Arte Urbana em Roraima é um movimento ainda em expansão. Há somente dois grupos que trabalham com a Arte Urbana e, mais especificamente, o Movimento Macu-x com problemas visuais. Estes, focados na produção com a linguagem Grafite. Apesar da existência desses movimentos, ainda não há um cenário para a valorização da produção artística. O que se percebe é a inserção desses movimentos nos espaços educacionais e nas organizações sociais. As construções das propostas coletivas ainda permeiam a intervenção calcada em elementos representativos da região amazônica com animais, plantas e comunidades indígenas. A situação apresentada vincula-se muito a uma proposta de valorização local, de reconhecimento dos saberes e, segundo Santos (2010, p. 51) a consolidação de uma ecologia dos saberes a qual volta-se para “o reconocimiento de la diversidad epistemológica y la pluralidad”. Neste sentido, Santos (2010, p. 53) ainda nos coloca que Para una ecología de saberes, el conocimiento-comointerevención-en-la-realidad es la medida de realismo, no el conocimiento-como-una-representación-de-la-realidad. La credibilidad de una construcción cognitiva es medida por el tipo de intervención en el mundo que está permite o proviene. Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 95 Compactuamos assim da proposta de construção de conhecimento a partir da intervenção na realidade, da alteração do espaço público como colocado por Pallamin (2000) ao tratar da Arte Urbana. Assim, entendemos a proposta de um olhar desenvolvido pelos movimentos artísticos urbanos de Boa Vista/RR para uma ecologia dos saberes locais e principalmente da região amazônica como um todo. O sistema cultural contemporâneo, pelo que evidenciamos, em outros lugares como nas grandes capitais brasileiras já se apresenta com uma abertura e uma estrutura mais democrática em termos de reconhecimento e aceitação de produções alternativas (e críticas a elas), no entanto, em Roraima esta situação ainda é bastante incipiente. Ao buscarmos compreender os processos comunicacionais das proposições de Arte Urbana boavistense, percebemos que no limiar do Circuito da Arte, há uma Produção/Poética urbana, embora careça de consolidação coletiva (TORROW, 1997). No entanto, a construção do Texto e Leitura pressupostos básicos para a Comunicação social, ainda não são visíveis por fatores que envolvem a falta do entendimento cultural e das problemáticas alicerçadas nas Culturas Vividas o que influi diretamente no Consumo e, consequentemente no Financiamento. Assim, para adentrar na consolidação de uma proposta artística urbana que atenda a proposição alicerçada pela Arte Urbana requer que tanto os produtores, quanto os consumidores atentem para o conhecimento da cultura local adentrando em uma ecologia de saberes que compreenda os diferentes tipos de conhecimentos, uma ecologia de saberes a qual [...] expande el carácter testimonial de los saberes para abrazar también las relaciones entre conocimiento científico y no científico, por lo tanto expandir el rango de la intersubjetividad como interconocimiento es el correlato de la inetersubjetividad e viceversa (SANTOS, 2010, p. 54). 96 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Esta interlocução de conhecimentos científicos ou não, adentra às especificações das tradições, das mitologias, das crenças e valores incutidos na sociedade. Vivemos em uma sociedade que se diz democrática e igualitária, no entanto, mesmo em produções artísticas urbanas contemporâneas ainda estamos sujeitos a padrões e normas estabelecidos por um circuito cultural (e de poder) baseado em comportamentos preestabelecidos que muitas vezes, pela falta de conhecimento e de oportunidades ainda não nos permite a apropriação e recepção da arte como repertório de construção cultural. Por mais incomuns e críticas que sejam as produções de arte contemporânea, elas carregam consigo uma carga ideológica repleta de poder e conhecimento a que poucos têm acesso e que ainda é pouco compreendida pelo público em geral. Roraima apresenta uma sociedade carente desta interlocução com o Circuito da Arte o que limita a expansão do conhecimento amazônico pelo campo artístico local (BAPTAGLIN, SANTI, 2018). Assim, ao trabalharmos dos movimentos artísticos urbanos venezuelanos, destacamos que o Coletivo Urbano Aborigem apresenta uma proposta de intervenção artística urbana vinculada a proposições ancestrais, de construção e mobilização do sujeito para suas origens em meio a um contexto contemporâneo alicerçado pela efemeridade e muitas vezes pelo esquecimento (CAUQUELIN, 1996). As proposições apresentadas pelo Coletivo dão margem para pensarmos em […] lugares de constituição de vínculos e de reconhecimento dos sujeitos envolvidos; que suas identidades amplas do contexto global/local, são relacionadas aos processos de descentramento, multiplicação de referentes e desterritorialização” (BONIN, 2011, p. 150). Adentram a conotação de um coletivo de Arte Urbana calcado em reflexões críticas e vinculadas as Culturas Vividas. Nos trabalhos apresentados pelo coletivo, sejam eles realizados na cidade de Boa Vista ou nos diferentes lugares da Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 97 Venezuela, carregam em sua construção imagética, a estrutura de um processo criativo crítico e reflexivo acerca da cultura e da sociedade. Imagem: Mural realizado em Boa Vista/RR durante o III Grafita Roraima Fonte: Autoria de César Daniel Imagem: Mural realizado em homenagem a Mariella Franco vereadora do Rio de Janeiro assassinada em 2018. Fonte: Coletivo Urbano Aborigem 98 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Imagem: Mural realizado durante o IV Grafita Roraima. Fonte: Artista Victor Forastero Este processo adentra nas proposições alicerçadas pelo Coletivo MuralEja que propõe um olhar artístico na construção da cidadania através de atividades educativas dando possibilidade da construção social em locais e sociedades considerados à margem (BHABHA). Santos, Menezes (2010) apregoam essa proposta no sentido de, na construção social contemporânea dar possibilidades de “produzir e radicalizar distinções”. Distinções essas alicerçadas nas necessidades culturais e sociais construídas e evidenciadas pelos coletivos. Imagem: Mural realizado durante o IV Grafita Roraima. Fonte: Coletivo MuralEja Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 99 Imagem: Mural realizado em Venezuela Fonte: Coletivo MuralEja Pensar nesta estruturação de radicar distinções pressupõe um olhar atento para as proposições coletivas apresentas pelos coletivos de Arte Urbana Venezuelanos os quais apresentam uma proposta de comunicação e recepção ampla, abordando demandas específicas. Nesse sentido, Souza (2012, p.16), reforça a ação do coletivo muralista deixando claro que "a arte muralista, quando intencional para a crítica social, tem uma forte função social, sendo um canal de comunicação direta e eficiente entre o artista, arte e meio". Assim, possibilita um diálogo que atinge públicos variados e instiga uma visão crítica dos eventos locais. Contudo, isso só se torna possível diante da consolidação da Produção/Poética destes coletivos os quais, em sua conotação artística apresentam elementos de Texto e Leitura que viabilizam a Comunicação. Para isso, é necessário o conhecimento dos saberes culturais e sociais e isso adentra não só as tradições, crenças e valores mas sim as construções acadêmico/científicas referentes à Culturas Vividas. Com o conhecimento desse território (CUNHA, 2008) e o trabalho para que o receptor também conheça, implica no Consumo e, em um patamar mais aprofundado, no Financiamento. Sabemos das dificuldades alicerçadas na relação com o Financiamento, contudo, entendemos ser este também um elemento central que passará a fazer parte de nossas investigações futuras. 100 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Considerações finais Diante dos primeiros apontamentos realizados por esta investigação que busca compreender como a Arte Urbana produzida por coletivos artísticos brasileiros, do extremo norte, e venezuelanos comunicam suas proposições adentramos em situações inquietantes e que merecem destaque ao tratarmos da aproximação para como Circuito da Arte aqui proposto. Assim, Torrow (1997, p. 63) nos alerta para vários elementos que podemos atentar ao nos aproximarmos dos Coletivos de Arte Urbana “[…] en las estructuras de oportunidad que crean incentivos para que se formen los movimentos, em el repertorio de acciones colectivas que éstos usan, em las redes sociales em las que se basan y em los marcos culturas em torno a los cuales se movilizan sus seguidores”. Todos estes elementos dialogam com as proposições do Circuito da Arte adentrando nas especificidades de atentarmos para a Produção/Poética dos movimentos de Arte Urbana, quais as proposições passam a ser construídas no coletivo a fim de que o Texto e Leitura passem a ser parte do processo de Comunicação e recepção do público. Esta produção e recepção em uma proposta de olhar para uma ecologia dos saberes (SANTOS, 2010) nos instiga a entender os movimentos e os repertórios utilizados pelos coletivos a fim de mobilizar seus seguidores e, sim seus consumidores. Isso implica apropriação dos valores acadêmicos e sociais construídos a partir das Culturas Vividas e, da apropriação das estruturas de oportunidades as quais alavancam o Consumo e o Financiamento. Adentrar nas questões do Financiamento na Arte Urbana requer um estudo aprofundado sobre as mobilizações realizadas. Aqui, deixamos em aberto as potencialidades deste na consolidação dos movimentos, mas destacamos a mobilização coletiva para buscar impulsionadores das proposições (público ou privado) que compactuem de seus ideais. Destacamos assim, que o estudo nos direciona para elementos importantes na consolidação de um movimento de valorização dos Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 101 ideais sociais/políticos/econômicos e culturais que adentrem em uma proposta de descolonização dos saberes (SANTOS, 2010) e radicalização de distinções (SANTOS, MENESES, 2010) a partir das intervenções Coletivos de Arte Urbana (PALLAMIN, 2000). Intervenções essas que impulsionem a consolidação de um Circuito da Arte e, a expansão dos saberes alicerçados por grupos sociais antes esquecidos e que, no limiar da contemporaneidade, passam a reivindicar suas distinções e suas especificidades. Referências ALONSO, L.E. La era del consumo. Madrid: Siglo XXI, 2006 BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, trad. Myriam Ávila, Eliana Reis, Gláucia Gonçalves, 4ª reimpressão, 1987. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 3 ed. Editora Hucitec: São Paulo, 1986. BAPTAGLIN, L. A.; SANTI, C. J. C. As intervenções artísticas urbanas no Circuito da Arte em Roraima eu o potencial comunicativo dos saberes artísticos amazônicos. Revista Observatório, Palmas, v.04, nº 04, Jul-Set, 2018. BONIN, A. B. Coletivos Culturais e espaço público midiatizado: delineamentos para investigar as configurações de usos, apropriações e produções de mídia em grupos étnicos. In: MALDONADO, A. E.; BARRETO, V. S.; LACERDA, J. S. Comunicação, educação e cidadania: saberes e vivências em teorias e pesquisa na América Latina. João Pessoa/Natal: Editora UFPB, 2011. BOCCILE, C.V. Intervenções Urbanas: a convergência da arte e comunicação em ambientes espaciais e culturais, sob um olhar estético e de significação. Anais do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Campo Grande - MS – 4 a 6/6/2015. CAUQUELIN, A. Arte Contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005. 102 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News CONNELY, F. M.; CLANDININ, D. J. Relatos de experiencias e investigación narrativa. In: LARROSSA, J. (et.al). Déjame que te cuente: Ensayos sobre narrativas y educación. Barcelona, S. A. de Ediciones, 1995. CUNHA, M. I. Os conceitos de espaço, lugar e território nos processos analíticos da formação dos docentes universitários. Revista Educação Unisinos, 12(3):182-186, setembro/dezembro, 2008. ESCOTEGUY, A. C. Circuito da cultura/circuito de comunicação: um protocolo analítico de integração da produção e recepção. Revista Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo. Vol. 4.Nov. 2007. JOHNSON, R. O que é, afinal, estudos culturais? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que é, afinal, estudos culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999. LARROSSA, J. (et.al). Déjame que te cuente: Ensayos sobre narrativas y educación. Barcelona, S. A. de Ediciones, 1995. MANCILLA, A. S. El chavismo en Venezuela: orígenes, logros, retos y perspectivas. In: SANDER, E. Las vías abiertas de América Latina: siete ensayos em busca de una respuesta: ? fin de ciclo o repliegue temporal? Caracas: CELAG/BANDES, 2017. (Colección Política y Hegemonía). MANDEL, C.. Muralismo Mexicano: arte publico/identidad/memoria colectiva. Revisa Escena 30 (61). 2007. MEIRA, M. Filosofia da criação: Reflexões sobre o sentido do sensível. Porto Alegre: Mediação, 2003. NUSSBAUMER, G. M. O mercado da cultura em tempos pós-modernos. Santa Maria: Editora UFSM, 2000. PALLAMIN, V. M. Arte Urbana. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2000. RAMOS, C. P. Grafite, arte callejero. Argentina, 2014. REY, S. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais. In BRITES, B.; TESSLER, E. (Org.) O meio como ponto zero: metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: E. Universidade/UFRGS, 2002. p.123-140. Leila Adriana Baptaglin; Norah Shallymar Gamboa Vela | 103 SANTOS, B. S. Descolonizar el Saber, reinventar el poder. Montevideo. Ediciones Trilce, 2010. SANTOS, B. S; MENESES, M. P. Epistemologia do Sul. 2ª ed. Coimbra: C.G. Gráfica de Coimbra LDA, 2010. SAQUET, M.A. Abordagens e concepções de território. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. SOUZA, A. M. O Muralismo de Rivera e Portinari: a arte como possibilidade de reflexão crítica e mediação com a realidade social. 2012. 60 f. Trabalho de conclusão de curso (Artes Visuais, habilitação em Licenciatura) – Instituto de Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. TORROW, S.. El poder en movimiento: Los movimientos sociales, las accíon colectiva y política. Madrid: Alianza Editorial, 1997. VASCONCELLOS, C. M. Visões da Revolução Mexicana: Arte e política nos murais do museu nacional de história da cidade do México. In: Encontro do ANPHLAC VI, 2004, Maringá/PR, Anais eletrônicos do VI Encontro do ANPHLAC, 2015, p. 1-11. Disponível em: <http://anphlac.fflch.usp.br/sites/anphlac.fflch.usp.br/files/camilo_vasc oncelos.pdf>. Acesso em: 3 de novembro de 2015. XAVIER, A.S. Do hip hop à literatura, da literatura ao hip hop: vozes da resistência em Ninguém é inocente em São Paulo, de Ferréz. 2012. 62 p. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) - Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Capítulo 4 A verdade está nublada Luciana Moherdaui1 Introdução “O pior é que o oposto da verdade, ou seja, a mentira nua e crua, esta não escapa ao jornalismo. A mentira de imprensa é tão antiga quanto a imprensa”, escreveu Eugênio Bucci, jornalista e professor da Escola da Comunicações da Universidade de São Paulo (ECA-USP), no artigo Pós-política e corrosão da verdade, que integra o Dossiê USP Pós-Verdade e Jornalismo (2018)2. Tem razão o professor Bucci. Tobias Peucer, considerado um dos precursores da teoria do jornalismo, já indicava, em 1690, quando defendeu sua tese doutoral na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o falso como um componente da noticiabilidade na imprensa tradicional. Sua pesquisa sobre “relações e relatos sobre novidades”, realizada no século XVII, ocorreu em um período de florescimento dos jornais pelas seguintes razões: 1) desenvolvimento da tipografia (1540); 2) expansão da indústria do 1 Jornalista, é pós-doutoranda na FAU-USP com a pesquisa Telas Urbanas - Uma contribuição para a arquitetura reconfigurar o espaço de fluxos <https://bit.ly/2NBPzQy>. Escreveu Guia de Estilo Web, Produção e Edição de Notícias On-line, (Senac, 2000), primeiro do gênero no Brasil, e Jornalismo sem manchete - A implosão da página estática (Senac, 2016). Foi bolsista do UOL Pesquisa (2008), participou da criação do iG e do Último Segundo (2000) e venceu dois Prêmios de Mídia do Estadão (1999). E-mail: luciana.moherdaui@gmail.com. 2 A íntegra do Dossiê USP Pós-Verdade e Jornalismo está disponível em: <https://bit.ly/2Lbenlt>. Acesso em jul. 2018. 106 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News papel; 3) interesse de negociantes nas notícias como mercadorias lucrativas; e 4) necessidade noticiário econômico e o aumento do fluxo de informações (SOUZA: 2004). Naquele período, o pesquisador alemão, notava que faltava à imprensa homogeneidade. A falsificação da verdade, percebeu, integrava a rotina produtiva dos jornais. Sua configuração reunia notícias sobre pessoas importantes (reis ou aristocratas), crimes, catástrofes e batalhas, entre outros: “(...) Muitas das notícias publicadas eram descarada e totalmente falsas, abusando da credulidade de uma população pouco instruída, supersticiosa e profundamente religiosa” (IBIDEM). E a mentira atravessou o século XVII: “(...) Quando olhamos os jornais da virada do século XVIII para o século XIX na Europa e nos Estados Unidos, vemos um festival de calúnias e xingamentos sem nenhum compromisso com o equilíbrio, a ponderação e a objetividade” (BUCCI: 2018). Ou seja, a mentira faz parte da democracia: “(...) Os diários que conquistaram na prática a liberdade de imprensa primavam pela violência da linguagem e mentiam à vontade” (IBIDEM). Mesmo com a melhora da qualidade do jornalismo e com a missão de entregar a verdade ao leitor, os séculos seguintes também foram marcados pela publicação de inverdades na imprensa tradicional, intencionalmente ou não, por parte de fontes e governos. No Brasil, na metade da década de 1990, o caso mais grave foi o da Escola Base, em São Paulo. Localizado em um bairro de classe média alta na capital paulista, o colégio foi envolto em um escândalo sexual: seus proprietários foram acusados de abusar de garotas de quatro anos de idade. Feita por pais e confirmadas pelas crianças e pelo delegado que estava à frente do caso na época, a denúncia, amplamente divulgada pela imprensa tradicional – jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão -, mais tarde se revelou inverídica: o avanço das investigações não comprovou a materialidade das suspeitas. Mas era Luciana Moherdaui | 107 tarde, o estrago já havia sido feito, com proporções irrecuperáveis: a escola foi fechada e os seus donos chegaram a ser presos3. Outro fato de grande repercussão foi a campanha de invencionices para os Estados Unidos invadirem o Iraque, em 2003, na época governado por George W. Bush. Anos depois, foi confirmado que a acusação era uma fraude. Conta Bucci (2018): “(...) Manchetes mentirosas – orientadas, toleradas ou induzidas pelo Pentágono – davam conta de que o ditador do Iraque, Saddam Hussein, fabricava armas químicas de destruição em massa. Jornais de boa reputação e de altas tiragens deram destaque para essa história, o que ajudou a convencer a opinião pública que era acertada a decisão de enviar tropas lideradas pelos Estados Unidos, com o apoio entusiástico de Tony Blair, primeiro-ministro britânico, para invadirem o Iraque”. A construção noticiosa para justificar a invasão do Iraque, retratada anteriormente, é um de vários exemplos da atualidade que indicam a falsificação da verdade na imprensa tradicional, sem origem direta nas redes sociais. Cabe aqui registrar que o relato que envolveu a Escola Base e a guerra capitaneada pelo governo George W. Bush contra o Iraque são anteriores às criações de Facebook (2004), Twitter (2006) e WhatsApp (2009), que atualmente estão no epicentro das discussões envolvendo as notícias falsas. Muito criticadas por não controlar as informações que circulam em suas plataformas e por, muitas vezes, permitir publicações de inverdades, tratadas também como opinião, como a recente polêmica envolvendo o Holocausto – Mark Zuckerberg, dono do Facebook, defendeu em entrevista do site Recode a manutenção de postagens que negam o genocídio em massa de milhares de judeus no século XX4 –, as redes sociais e os aplicativos de comunicação instantânea dissociam-se dos veículos de mídia tradicional por não seguirem 3 4 Para saber mais sobre o caso da Escola Base, ver: <https://bit.ly/2NBPzQy>. Acesso em ago. 2018. A íntegra da entrevista e sua repercussão estão disponíveis em: <https://bit.ly/2NrJEgS> e <https://bit.ly/2zTKxwD>. Acesso em jul. 2018. 108 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News critérios editoriais e, consequentemente, amplificarem exponencialmente conteúdos considerados falsos. Exemplo disso é a eleição americana de 2016. Fortemente influenciada por notícias falsas disseminadas principalmente no Facebook, a campanha que elegeu Donald Trump à presidência dos Estados Unidos é alvo de investigação por suposta colaboração de agentes russos na produção e na distribuição de conteúdo elaborado para afetar o eleitor. A mais famosa entre elas foi o apoio do Papa Francisco a Trump. A falsa informação foi desmentida não só pela internet, mas também pela imprensa tradicional, mas é ainda impossível mensurar o alcance e a eficácia da correção. Na imprensa tradicional, dificilmente uma inverdade como essa teria a perenidade que a internet lhe confere. A mídia opera por uma série de critérios, com mecanismos de correção incluídos e direito de resposta legalmente constituído, ao contrário do que ocorre nas plataformas sociais, mesmo com estratégias como parcerias com agências de checagens. Essas regras da imprensa tradicional e das redes, por exemplo, não podem ser auferida no WhastApp, pois o aplicativo não foi constituído para essa finalidade. É inexequível rastrear seu tráfego informativo. Mas há uma questão para além das notícias falsas que também merece reflexão: o viés. Embora as eleições americanas de 2016 tenham incluído o falso no centro do debate em todo o mundo, em vários campos do saber, o viés (angulação, abordagem ou recorte) escolhido por um meio de comunicação para uma reportagem pode levar à falsificação da verdade. Elemento do gatekeeper, do newsmaking e do agenda-setting, o viés é um importante orientador da construção noticiosa, junto à seleção de conteúdo a ser publicado e a seus processos produtivos, como os critérios de noticiabilidade – a saber: atualidade, fatos históricos, notícias negativas, como catástrofes ou corrupção, ou sobre celebridades e temas insólitos, entre outros assuntos de interesse do leitor. Newsmaking, gatekeeper e agenda-setting serão detalhados mais adiante. Luciana Moherdaui | 109 Foi o viés que levou a revista Time a publicar, em sua versão impressa, polêmica capa em 21 de junho de 2018. A foto de uma menina hondurenha chorando diante do presidente Trump levantou a questão do relato falso, pois a imagem ilustra reportagem que abordou a separação de pais e filhos detidos na fronteira do México quando tentavam entrar ilegalmente nos Estados Unidos, resultado da política migratória americana contra os imigrantes. Ocorre, porém, que a pequena Yanela não foi separada dos pais como sugere a publicação. No mesmo dia, à noite, uma entrevista do pai ao jornal The Washington Post e à agência de notícias Reuters recolocou a verdade em seu lugar. Yanela e sua mãe, Sandra Sánchez, foram detidas juntas na divisa de McAllen (Texas), contou Denis Javier Valera Hernández. Construções noticiosas como as relatadas anteriormente contribuem para confundir ainda mais o leitor, já exposto a um imenso volume de informações com checagem duvidosa, em redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea, a respeito da veracidade dos fatos divulgados pela imprensa tradicional, o que o leva a questionar sua credibilidade. Nesse sentido, o Digital News Report 2018 é revelador: a pesquisa do Reuters Institute feita com 74 mil pessoas em 37 países indicou que o jornalismo de má qualidade (42%) ocupa o primeiro lugar no ranking de desinformação. Em seguida estão: textos com fatos distorcidos (39%), manchetes com aspectos de notícias, mas que são, na realidade, anúncios (34%), uso do termo fake news para desacreditar a mídia (31%), matérias elaboradas por razões comerciais ou políticas (26%) e sátira (23%)5. Porque, como explicou Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), em 5 A pesquisa completa do Reuters Institute está disponível em: <https://bit.ly/2NCgL2g>. Acesso em jul. 2018. 110 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em 26 de julho passado, “a não ser em casos muito explícitos, a linha entre notícia falsa e tendenciosa não é tão clara”6. É essa a zona cinzenta mencionada por Ortellado que será abordada nas seguintes páginas. A construção da notícia7 O jornalismo é, por definição, “a profissão principal ou suplementar das pessoas que reúnem, detectam, avaliam e difundem as notícias, ou que comentam os fatos do momento. O jornalista é quem está envolvido nesse processo (KUNCZIK: 1998, p. 16). Juarez Bahia, um dos mais importantes pesquisadores da área de comunicação, definiu notícia como “o modo pelo qual o jornalismo registra e leva os fatos ao conhecimento do público. Noticia é sinônimo de acontecimento, matéria, dado, verdade, mentira, certeza, dúvida, jornalismo, informação, comunicação” (1990, p. 35). É de Bahia a famosa afirmação: “Toda notícia é uma informação, mas nem toda informação é uma notícia”. Outro estudioso de igual importância, Nilson Lage, afirma que notícia é contar uma história: “um modo corrente de transmissão da experiência – isto é, a articulação simbólica que transporta a consciência do fato a quem não o presenciou” (LAGE: 2001, p 49). Ao contrário do pressuposto na Teoria do Espelho - as notícias são um reflexo da realidade -, a construção da notícia passa por um processo que envolve o newsmaking, o gatekeeper e o agendasetting: a noticia é a construção social de uma suposta realidade, na qual as informações a serem publicadas são filtradas a partir de critérios de noticiabilidade. O newsmaking compõe os critérios que irão definir o que é notícia e orientar a hierarquia e a diagramação na página de um 6 A íntegra da entrevista está disponível em: <https://bit.ly/2mNg75X>. Acesso em jul. 2018. Esse tópico foi extraído do e-book editado pelo Senac-SP Jornalismo sem manchete – A implosão da página estática (MOHERDAUI: 2016). 7 Luciana Moherdaui | 111 jornal (nas versões impressa e digital) ou nas chamadas de rádio e tevê. O gatekeeper selecionará quais serão noticiadas pela imprensa. O agenda-setting lista o que é considerado interesse do público. A reflexão sobre o jornalismo é tradicional nos Estados Unidos desde o século XIX, embora tenha se intensificado principalmente após o célebre livro Public Opinion, de Walter Lippmann, publicado em 1922. Entre 1928 e 1930, o sociólogo Otto Groth lançou em quatro volumes a obra Die Zeitung (O Jornal), resultado de um estudo iniciado em 1910 sobre a compreensão do jornalismo e suas implicações com a sociedade. A teoria de Groth baseia-se em atualidade, universalidade, periodicidade e difusão. No início do século XIX, o jornalismo passou a ser o quarto poder e se confundiu com democracia. Para o escritor Alexis de Tocqueville, a soberania dos povos e a liberdade de imprensa são inseparáveis. A teoria democrática aponta que o jornalismo deve atuar vigiando os poderes políticos e protegendo os cidadãos, oferecendo informações à sociedade para que os cidadãos possam usar e cobrar serviços públicos. Autores como Jorge Pedro Sousa afirmam, porém, que a tese de doutorado de Tobias Peucer, defendida na Universidade de Leipzig, na Alemanha em 1690, é a pioneira em teoria do jornalismo. Peucer apontou caminhos para a pesquisa e reflexão que outros autores só começaram a seguir anos mais tarde. As discussões do autor são temas centrais da teoria contemporânea8. Para Sousa, os estudos de Peucer sugerem que a construção da notícia não é uma invenção anglo-saxônica: “em princípio, toda a notícia deve ater-se àquelas circunstâncias já conhecidas que se costuma ter sempre em conta em uma ação tais como a pessoa, o objeto, a causa, o modo, o local e o tempo” (PEUCER apud SOUSA: 2004, p. 10). Em 1948, o pesquisador Harold Lasswell transformou essa ação na fórmula para o texto jornalístico. Chamado lead, o primeiro 8 SOUSA, 2004, p. 1-5. 112 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News parágrafo responde às seguintes questões: o quê, a quem, quando, onde, como, por que e para quê. Notam-se as preocupações de Peucer com algumas das questões em torno das quais se tenta construir atualmente uma teoria do jornalismo: os conceitos de notícia e de jornais; as relações entre jornalismo e história, a contribuição da retórica e da evolução histórica para a estrutura das notícias, os critérios de noticiabilidade e os constrangimentos à produção de informação. Em 1947, surgiu o conceito de gatekeeper, criado pelo psicólogo Kurt Lewin, a partir de um estudo sobre as dinâmicas que agem no interior dos grupos sociais, em especial no que se refere aos programas ligados à modificação dos hábitos alimentares (1947, p. 145). Identificando os canais pelos quais flui a sequência de comportamentos relativos a um determinado tema, Lewin notou que existem neles zonas que podem funcionar como cancela, como porteiro: o conjunto das forças antes e depois da zona filtro é diferente de tal forma que a passagem, ou o bloqueio, da unidade através de todo o canal, depende, em grande medida, do que acontece na zona de filtro. Isso ocorre não apenas com os canais de alimentação, mas também com a sequência da informação, dada pelos canais de comunicação de um grupo. As zonas de filtros são controladas por sistemas objetivos de regras ou por gatekeepers. Neste último caso, há um indivíduo ou grupo que tem o poder de decidir se deixa passar a informação ou se a bloqueia. Na década de 70, Donald Shaw e Maxwell McCombs, formulam outra teoria que marca o campo da produção jornalística: o agenda-setting, segundo a qual os meios de comunicação apresentam ao público uma lista daquilo sobre o que é necessário ter uma opinião e discutir. O pressuposto fundamental do agenda-setting é que a compreensão que as pessoas têm de grande parte da realidade social lhes é fornecida pela imprensa (SHAW, 1979, p-96-101). É o que Michael Schudson (2003) chamou de efeitos de informação. Luciana Moherdaui | 113 Este período é assinalado também com trabalhos de Gaye Tuchman (1978), Herbert Gans (1979) e Philip Schlesinger (1978), entre outros. São estudos que orientam a decisão sobre o que é notícia, as rotinas de classificação e de cobertura dos acontecimentos, sustentação da objetividade, procedimentos ideológicos não expressos pelos jornalistas, o chamado newsmaking, abordado com mais detalhes no próximo tópico. Notícia é um produto à venda9 O newsmaking (valores/notícia) é um componente da noticiabilidade. Ele constitui a resposta à pergunta: quais os acontecimentos que são considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes para ser transformados em notícias? Nessa seleção, os critérios de relevância funcionam em conjunto, em pacotes, são as diferentes relações e combinações que se estabelecem entre diferentes valores/notícia que recomendam a escolha de um fato. Os critérios de noticiabilidade integram o newsmaking e sua aplicação se dá em razão de não haver espaço suficiente nos veículos de comunicação para publicar todos os acontecimentos considerados notícia. Um segundo aspecto geral é que os valores/notícia são critérios de relevância espalhados ao longo de todo o processo, isto é, não estão presentes apenas na notícia, mas também na composição da página. Fornecem diretrizes para apresentação do material, sugerindo o que deve ser prioritário na preparação das notícias. O newsmaking orienta o trabalho em uma redação e deriva de pressupostos implícitos ou de considerações relativas (WOLF: 2002, p. 195-196): Esse tópico foi extraído do e-book editado pelo Senac-SP Jornalismo sem manchete – A implosão da página estática (MOHERDAUI: 2016). 9 114 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News • às características substantivas das notícias; ao seu conteúdo (quando um acontecimento se transforma em notícia); • disponibilidade do material e aos critérios relativos ao produto informativo (conjunto dos processos de produção e realização); • ao público (imagem que os jornalistas têm acerca dos destinatários); • à concorrência (relações entre os mass media existentes no mercado informativo). Depois de Peucer, em 1965, Kaspar Stieler também estabeleceu valores para as notícias. Para ele, os jornalistas têm de ser capazes de distinguir entre o que é importante do que é trivial (KUNCZIK: 1998, p. 242). Aliás, a organização de uma redação, sobretudo em relação ao perfil profissional, e a orientação editorial são indicações dos critérios de noticiabilidade que nela vigoram (WOLF, op. cit. P. 200). Para Michael Schudson, a criação das notícias é sempre uma interação entre repórter, diretor, editor, constrangimentos da organização, necessidade de manter os laços com as fontes, desejos da audiência e poderosas convenções culturais dos jornalistas (apud CORREIA: 1997). Embora tenham sido listados pela primeira vez em 1965 por Johan Galtung e Marie Holmboe Ruge, os fundamentos para responder a pergunta: “how do ‘events’ become news’”? (1965, p. 65), Tobias Peucer já os selecionara nos anos 1600. Os critérios de noticiabilidade de Peucer, Galtung e Ruge não são diferentes dos propostos pelos teóricos citados anteriormente. Na realidade, são complementares. De modo geral, resumem-se a: atualidade, importância, proximidade, proeminência, negativismo e audiência. Luciana Moherdaui | 115 O olhar pela lente do jornalismo10 A socióloga Gaye Tuchman também tratou dos constrangimentos organizacionais no trabalho jornalístico em Making News – A study in the construction of reality. Para Tuchman, há uma enorme diferença entre cobrir um evento e receber informação. Quanto mais fontes exclusivas um jornal reunir, melhor será o conteúdo apresentado ao leitor e maior será sua receita (1978, p. 19; 21). Como a socióloga, o alemão Tobias Peucer já apontara a notícia como mercadoria em 1690. Além disso, na opinião de Tuchman, a notícia é uma instituição social e enviesada conforme decisão editorial (IBIDEM, p. 4, 23): 1) Notícia é um método institucional para tornar informações disponíveis ao consumidor, que compra o jornal porque tem interesse no conteúdo; 2) Notícia é uma aliada das instituições legitimadas: um secretário de Estado pode fazer circular uma informação na mídia; 3) Notícia é localizada, apurada e disseminada por jornalistas que trabalham em empresas. Portanto é um produto resultado das práticas estabelecidas pela organização a qual pertence e essas práticas incluem associação com instituições cujas informações são rotineiramente divulgadas na imprensa. Muito tempo se passou antes de se chegar às quatro características dos jornais modernos: 1) publicidade; 2) atualidade (ou seja, informação que se relaciona com o presente e o influencia); 3) universalidade (sem excluir nenhum tema) e 4) periodicidade 10 IBIDEM. 116 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News (distribuição regular). Já no século XVI os assuntos maravilhosos e assustadores atraíam o maior interesse dos editores11. Nesse sentido, merece atenção, entre as técnicas de construção noticiosa, um dos aspectos abordados anteriormente por Tuchman e que integra estudos de outros teóricos que se debruçaram sobre o jornalismo desde o século XVII, datação essa que inclui Tobias Peucer como um dos precursores dessa temática: o viés (angulação, abordagem ou recorte). A esse respeito, escreveu Cremilda Medina em Notícia, um produto à venda – Jornalismo na sociedade urbana e industrial: “toda matéria jornalística parte de uma pauta que pode ser intencional, procurada ou ocasional (acontecimento imprevisto) e essa pauta tem em si a primeira força do processo, que pode ser chamada angulação” (1978). Essa angulação, prossegue Medina, se identifica com a caracterização da empresa jornalística que, por sua vez, está ligada a um grupo econômico e político responsável por “conduzir o comportamento da mensagem de captação do real à sua formulação estilística”. Também não se pode ignorar nessa reflexão que a angulação da qual trata a pesquisadora inclui o fator econômico, como o fizeram Peucer e Tuchman, entre outros: “(...) Nota-se especialmente na formulação dos textos, nos apelos visuais e linguísticos, na seleção das fotos, a preocupação em corresponder a um gosto médio ou, em outros termos, a embalar a informação com ingredientes certos de consumo. São só a formulação está relacionada à angulação, o próprio conteúdo – dados significativos de realidade que passam para a representação – recebe essa influência”. “(...) A angulação está, pois, nas aparências externas – formas de diagramação atraente, valorização de certos ângulos e cortes fotográficos, apelos linguísticos como títulos e narração dos fatos. 11 KUNCZIK, 1998, p. 23. Luciana Moherdaui | 117 Está também nos conteúdos e no processo de captação desses, extraídos de uma realidade” (IBIDEM, p. 75). Portanto, é sobretudo essa “valorização de certos ângulos e cortes fotográficos”, com apelos estéticos e “linguísticos”, que orienta o tópico a seguir a respeito da polêmica capa da revista Time cuja reportagem abordou a separação de pais e filhos detidos na fronteira do México quando tentavam entrar ilegalmente nos Estados Unidos, resultado da política migratória de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, contra os imigrantes. Pretende-se, a partir do arcabouço teórico já aqui apresentado, demonstrar a seguir como a angulação pode, em alguns casos, levar à falsificação da verdade, pressuposto desta reflexão. O falso como critério noticioso Como mostrado anteriormente, a construção da notícia leva em conta uma série de fatores, desde a pauta à publicação – ou à transmissão, no caso de rádio e tevê -, além do interesse econômico. Não foi diferente com reportagem da Time que mostrou em 10 páginas o desastroso resultado (humanitário e político) das ações de Donald Trump para conter a entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos. Há na reportagem os critérios que orientaram a definição do tema a ser coberto, como atualidade, relevância, amplitude, negativismo e interesse da audiência, entre outros, bem como sua escolha para o destaque daquela edição da publicação. Ou seja, a análise do texto indica aplicação das teorias do newsmaking, gatekeeper e agenda-setting. Ocorre, porém, que, intencionalmente ou não, o viés aplicado à capa levou à falsificação da verdade. É nesse contexto que o falso é incluído na lista que orienta o jornalismo tradicional. Anunciado no Twitter, em 21 de junho de 2018, no perfil da Time (@time), o vídeo em que mostra a montagem da capa na qual 118 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News uma menina hondurenha está chorando diante de Donald Trump recebeu mais de 2 milhões de visualizações12. Mas a imagem que se tornou símbolo separação de pais de filhos detidos na fronteira do México por tentar entrar ilegalmente nos EUA, fruto da política de tolerância zero do presidente aos imigrantes, não era verdadeira. A pequena Yanela, com quase dois anos na época, não foi separada dos pais. No mesmo dia, à noite, uma entrevista do pai ao jornal The Washington Post e à agência de notícias Reuters recolocou a verdade em seu lugar. Yanela e sua mãe, Sandra Sánchez, foram detidas juntas na divisa de McAllen (Texas), contou Denis Javier Valera Hernández: "Minha filha se tornou um símbolo da separação de crianças na fronteira dos EUA.13" Capa da Time, junho de 2018 12 Íntegra do vídeo disponível em: <https://bit.ly/2M8RgYn>. Acesso em ago. 2018. 13 Para saber mais sobre o caso Yanela, ver: <https://glo.bo/2KdVHjS>. Acesso em ago. 2018. Luciana Moherdaui | 119 Foto original de Yanela feita por John Moore, da Getty Images Essa imagem, captada pelo fotógrafo John Moore, prêmio Pulitzer, e reproduzida amplamente pela imprensa ao redor do mundo, foi usada em uma campanha para arrecadar donativos ao Centro para Educação e Serviços Legais de Refugiados e Imigrantes (Raice), entidade sem fins lucrativos. A ação no Facebook arrecadou mais de U$S 17 milhões. Na matéria publicada na internet em que narra como foi a produção da capa, a Time, em nenhum momento, menciona que a criança não foi separada dos pais14. Questionado, o fotógrafo respondeu: “Eu não sei qual é a verdade. Eu temo que tenham sido separadas”. Moore informou que sabia apenas que as “duas eram de Honduras”. E justificou: "Só posso imaginar que perigos ela [Sanchez] passou, sozinha com a menina”15. Nem tampouco a agência de fotos da qual faz parte Moore, Getty Images, fez menção ao fato, apesar de a correção feita pelo pai ter sido amplamente divulgada pela imprensa nacional e estrangeira. A Getty Images assim titulou a imagem: “símbolo difícil de se ver da política de tolerância zero de Trump a imigrantes, que resultou na separação 14 Para saber mais sobre como a capa da Time foi produzida, ver: <https://ti.me/2K74y3F>. Acesso em ago. 2018. 15 Para saber mais detalhes sobre como a foto foi feita, ver: <https://bit.ly/2LWNRwx>. Acesso em ago. 2018. 120 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News de pelo menos duas mil crianças de seus pais desde que entrou em vigor, em abril”16. A agência fotográfica também não informa se a garota foi separada da mãe: “Embora Moore não saiba o que aconteceu com a menina hondurenha de dois anos e sua mãe, é provável que elas acabem em uma instalação de detenção como essa (ver imagem abaixo) em McAllen, onde Moore fotografou outro jovem hondurenho em 2014”17. Reprodução Getty Images A confusão é geral O caso Yanela revela que está cada vez mais difícil separar a verdade da mentira e o quão complexo é definir o falso no noticiário. A confusão é geral, e não se restringe somente a redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea, atinge os meios de comunicação como um todo – como já aludido na abertura da 16 Para saber mais sobre a reportagem de John Moore, ver: <https://bit.ly/2Mw36st>. Acesso em ago. 2018. 17 IBIDEM. Luciana Moherdaui | 121 introdução a este artigo, “a mentira de imprensa é tão antiga como a mentira” (BUCCI: 2018). O leitor que comprou aquela edição da Time, impactado pela imagem, pela ideia de há ali um símbolo do sofrimento das crianças separadas de seus pais, imigrantes ilegais, levou gato por lebre. Esse consumidor engrossa o número de pessoas que acreditam que o jornalismo de má qualidade resulta em desinformação, segundo levantamento feito para o Digital News Report 2018, do Reuters Institute. Os dados são reveladores: a pesquisa feita com 74 mil pessoas em 37 países indicou que o jornalismo de má qualidade (42%) ocupa o primeiro lugar no ranking de desinformação. Em seguida estão: textos com fatos distorcidos (39%), manchetes com aspectos de notícias, mas que são, na realidade, anúncios (34%), uso do termo fake news para desacreditar a mídia (31%), matérias elaboradas por razões comerciais ou políticas (26%) e sátira (23%)18. Ranking sobre desinformação do Reuters Institute 18 A pesquisa completa do Reuters Institute está disponível em: <https://bit.ly/2NCgL2g>. Acesso em jul. 2018. 122 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Assim, mesmo com produção que envolve técnicas jornalistas e o que a professora Cremilda Medina apontou como “valorização de certos ângulos e cortes fotográficos”, com apelos estéticos e “linguísticos”, já mencionado no tópico anterior, não se pode ignorar que o viés escolhido pela Time coloca em risco o que a filósofa Hanna Arendt chamou de verdade factual (primeiro registro dos fatos, frágil, efêmero) no artigo Truth and Politics, publicado na revista New Yorker em 1967. Para ela, “o contrário da verdade é a falsificação deliberada, a mentira”. Mas há algo mais perigoso que a mentira, na opinião da filósofa alemã: “a verdade dos fatos é a mais vulnerável de todas as verdades”: “(...) são efetivamente muito tênues as possibilidades de a verdade de facto tem de sobreviver ao assalto do poder, ela corre o constante perigo de ser colocada fora do mundo, através de manobras, não apenas por algum tempo, mas, virtualmente, para sempre. Os factos e os acontecimentos são coisas infinitamente mais frágeis que os axiomas, as descobertas e as teorias; ocorrem no campo perpetuamente modificável dos assuntos humanos, no seu fluxo em que nada é mais permanente que a permanência, relativa, como se sabe, da estrutura do espírito humano”. É a vulnerabilidade da verdade factual que está em jogo nessa discussão sobre a capa da Time, não mais restrita somente à plataforma do papel, mas à de redes sociais e à de aplicativos de comunicação instantânea, pois “a não ser em casos muito explícitos, a linha entre notícia falsa e tendenciosa não é tão clara”, explicou Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, em 26 de julho passado19. 19 A íntegra da entrevista está disponível em: <https://bit.ly/2mNg75X>. Acesso em jul. 2018. Luciana Moherdaui | 123 Mesmo não sendo correspondente ao significado que a Time deu para a pequena hondurenha ao incluí-la na capa de uma reportagem sobre crianças imigrantes separadas dos pais, apenas o presidente Donald Trump e seus apoiadores a denominaram fake news. O corpo editorial da revista nada mencionou a esse respeito. Nem na edição posterior. E o guia editorial da Time (2012) é claro a respeito de correções em relação ao material fotográfico: “preste atenção ao contexto em que a foto foi tirada e certifique-se de que o contexto em que estamos usando é apropriado”20. E continua o alerta: “quando as fotos são alteradas para fins editoriais - para fazer uma ilustração fotográfica, ou para efeito cômico, por exemplo - os leitores devem ser informados”. Ainda de acordo com o documento que orienta o trabalho dos profissionais da revista: “na redação e edição de todas as histórias, é vital que revisemos a cópia pela imparcialidade, precisão e possível viés”21. Isso leva aos seguintes questionamentos: se a foto não tivesse a assinatura de um fotógrafo premiado e se não tivesse sido publicada em uma importante revista, mas em redes sociais ou aplicativos de comunicação, seria denominada uma falsificação da verdade? Um erro - ou uma “barriga”, no jargão jornalístico -, é cometido sem intenção de causar dano. Já a falsa notícia tem como objetivo impactar o leitor, afetá-lo diante de algo. Nesse contexto, o termo fake news integra a era da pós-verdade política, na qual, segundo o dicionário Oxford, “fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelo à emoção e a crenças pessoais”22. É correto supor que o jornalismo deseja a verdade, como afirmou Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes 20 O guia editorial da Time está disponível em: <https://bit.ly/2Mo5HF3>. Acesso em ago. 2018. 21 IBIDEM. 22 Para ver a íntegra da definição do dicionário Oxford sobre pós-verdade, ver: <https://bit.ly/2gP7aYv>. Acesso em ago. 2018. 124 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News da Universidade de São Paulo (ECA-USP), em artigo publicado no Estadão em maio passado. “A verdade está sempre em processo, e isso não é ruim, não é um defeito, é apenas natural. A verdade está menos no que a imprensa diz e muito mais nas perguntas que ela cobra do poder. A imprensa é menos uma fonte da verdade e mais um desejo de verdade”23 Ora, não se pode simplesmente desejar verdades. É preciso trazer os fatos, comprová-los, caso contrário é imenso, não há dúvida, o risco de esse desejo de verdade se transformar em um falso relato e viralizar não só nas redes sociais, mas em toda a mídia tradicional. Foi o que ocorreu com a imagem da menina hondurenha, rotulada viral photo (foto viral) pela Getty Images. Essa tática, em vez de informar e esclarecer, desinforma e confunde o eleitor. Há quem recuse o uso do termo fake news por ter sido apropriado por políticos ao se referir a notícias negativas publicadas na imprensa (VOSOUGH et al: 2018). Nos EUA, o presidente Trump usa desse expediente para criticar os jornalistas, a quem denominou: “inimigos do povo”. O mais apropriado seria rotular as notícias como falsas ou verdadeiras (true or false news) a partir da verificação dos fatos (IBIDEM). Para Claire Wardle, diretora de pesquisa da First Draft, instituto ligado à Universidade de Harvard, a denominação fake news é “inútil”, porque trata-se de algo não restrito a notícias somente, mas a todo ecossistema de informações. E a nomenclatura fake não dá conta da complexidade dos diferentes tipos de desinformação, originados de jornalismo de má qualidade, paródia, partidarismo, lucro e influência política, entre outros, conforme o quadro abaixo24: 23 A íntegra do artigo de Eugênio Bucci ao Estadão está em: <https://bit.ly/2vRKZGk>. Acesso em ago. 2018. WARDLE, C. Fake news. It’s complicated. In: First Draft, 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2sg2Ntf>. Acesso em ago. 2018. 24 Luciana Moherdaui | 125 Reprodução First Draft Para entender o ecossistema atual de informações, a diretora do First Draft divide em três elementos a sua análise: a) os diferentes tipos de conteúdo que estão sendo criados e compartilhados; b) as motivações de quem cria esse conteúdo; e c) as formas como este conteúdo está sendo divulgado: “Isso importa. Como Danah Boyd descreveu em um artigo recente, estamos em guerra. Uma guerra de informação. Nós certamente deveríamos nos preocupar com pessoas (incluindo jornalistas) inconscientemente compartilhando desinformação, mas muito mais preocupantes são as campanhas sistemáticas de desinformação. As tentativas anteriores de influenciar a opinião pública basearam-se em tecnologias de transmissão ‘um-paramuitos’, mas as redes sociais permitem que ‘átomos’ de propaganda sejam direcionados diretamente a usuários que têm mais probabilidade de aceitar e compartilhar uma mensagem específica. Uma vez que eles compartilham inadvertidamente um artigo, uma imagem, um vídeo ou um meme enganoso ou fabricado, a próxima pessoa que o visualizar em seu feed social provavelmente confia no pôster original e passa a compartilhá-lo. Esses ‘átomos’, em seguida, disparam através do ecossistema de informações em alta velocidade, alimentados por redes peer-topeer confiáveis. Isso é muito mais preocupante do que os sites de 126 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News notícias falsas criados por adolescentes macedónios com fins lucrativos (2017)”. Dada à complexidade da discussão, o que se compreende é que as notícias falsas não podem ser simplesmente comparadas a mentiras, como defendeu Hannah Arendt na New Yorker. Mentiras são mentiras, e existem desde sempre. E, talvez, sua distribuição tenha se amplificado exponencialmente, como afirma Pollyana Ferrari em Como sair das bolhas (2018), “a mentira [agora] está tomando conta de tudo”. No contexto atual, é coerente a definição que fez o professor o Bucci, da ECA, em junho passado, em um evento no Estadão em que a temática foi discutida: “misturam informações verdadeiras e falsas, com o objetivo de persuadir o leitor. Parecem notícias, têm aspectos de notícias, mas não são notícias. Um falso brilhante, para comparar.” Embora sua reflexão acerca da verdade e da mentira tenha sido publicada na década de 1960 e tenha sido centrada principalmente no âmbito político, a descrição de Arendt daquela época é perfeitamente aplicável à contemporaneidade jornalística: “uma falsificação não se esforça para alterar todo o contexto – faz por assim dizer um buraco no tecido dos fatos.” Esse buraco no tecido dos fatos do qual trata a filósofa alemã tem correlação com a caracterização, mencionada anteriormente, que faz o professor Bucci: “parecem notícias, têm aspectos de notícias, mas não são notícias”. Por essa razão, não é incoerente incluir, sobretudo no pós-Trump – ou na era da pós-verdade -, que o falso é parte dos critérios de noticiabilidade que também norteiam o jornalismo. É prudente, porém, lembrar que, embora diversos teóricos, como Tobias Peucer, tenham tratado da inverdade na produção noticiosa, em nenhum momento o falso integrou suas tabelas de noticiabilidade. É verdade que o professor Bucci, em sua definição, se referiu às falsas notícias que circulam nas redes sociais ou em Luciana Moherdaui | 127 aplicativos de comunicação instantânea, mas não se pode ignorar, a partir da análise da capa da Time, que nela pode ser incluída a mídia tradicional - a categoria poor journalism (jornalismo de má qualidade) integra a tabela de Claire Wardle e da pesquisa do Digital News Report 2018. A menina, cuja imagem virou símbolo da política de tolerância zero de Trump com migrantes, não foi separada dos pais. Diante disso, é imprescindível perguntar: a verdade tem que ser sacrificada pela estética? É o que se percebe ao verificar o acervo de imagens disponíveis relacionadas àquela cobertura no banco de imagens da Getty Images. A única que se adequa perfeitamente à composição da Time e à mensagem que a revista quis transmitir sobre o presidente americano é a da pequena Yanela chorando e olhando para a mãe e para os agentes de imigração (ver p.14). Há quem possa argumentar que “a fotografia não pode ser pensada como um documento que vale por si próprio, neutro, isento de manipulação; que “não existe documento inocente” (KOSSOY: 2007). Mas “a fotografia, assim como as demais fontes, deve ser submetida ao devido exame critico que a metodologia da história impõe aos documentos. A desmontagem implica na ideia de decifração: o nosso estudo está centrado num contínuo exercício de decifração” (IBIDEM). O raciocínio de Boris Kossoy traz uma dúvida: quem tem habilidades para fazer tal desconstrução? Lembra Arendt: “como todo historiador sabe, pode-se detectar uma mentira observando incongruências ou junturas dos espaços consertados. Enquanto a textura do seu todo for considerada intacta, a mentira mostrar-se-á imediatamente de modo espontâneo”. Historiadores têm métodos e meios de aferir a veracidade, os leitores não temos instrumentos nem acesso para checar as informações que recebemos. Regra geral, a imprensa é nosso vetor de confiança. Como ficamos? 128 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Referências BUCCI, E. Pós política e corrosão da verdade. Dossiê USP Pós-Verdade e Jornalismo. São Paulo, Revista da USP, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2Lbenlt>. Acesso em jul. 2018. CORREIA, Fernando. Os jornalistas e as notícias. Lisboa: Editorial Caminho, 1997. FERRARI, P. Como sair das bolhas. São Paulo: Educ, 2018. GALTUNG, J., RUGE, J. The structure of foreign news. Journal of Peace Research, vol 1. Noruega, 1965. p. 64-90. Disponível em: <http://bit.ly/Ak9NGw>. Acesso em ago. 2018. GANS, H. Deciding what´s news. A study of CBS Evening News, NBC Nightly News, News, Newsweek and Time. New York: Pantheon Books, 1979. HANNAH, A. Truth and politics. The New Yorker, EUA, 1967. KOSSOY, B. Os tempos da fotografia – O efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007. KUNCZIK, M. Conceitos de jornalismo. São Paulo: Edusp, 1997. LAGE, N. A estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 2001, MEDINA, C. Notícia, um produto à venda. São Paulo: Summus Editorial, 1978. MOHERDAUI, L. Jornalismo sem manchete – A implosão da página estática, e-book. São Paulo: Senac, 2016. SCHLESINGER. P. Putting ‘Reality’ Together: BBC News. London: Constable & Co., 1978. SCHUDSON, M. The Sociology of News. New York: Jeffrey C. Alexander, 2003 SOUZA, J. P. Tobias Peucer: progenitor da Teoria do Jornalismo. Estudos em Jornalismo em Mídia, da Universidade Federal de Santa Catarina, vol. 1, n° 2, 2004. Disponível em: <https://bit.ly/2AWp2f5>. Acesso em ago. 2018. Luciana Moherdaui | 129 TIME INC. Editorial guidelines. EUA. 2012. <https://bit.ly/2Mo5HF3>. Acesso ago. 2018. Disponível em: TUCHMAN, G. Making news: a study in the construction of reality. New York: Press. 1978. WARDLE, C. Fake news. It’s complicated. First Draft, 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2sg2Ntf>. Acesso em ago. 2018. WOLF, M. Teorias da comunicação de massa. Lisboa: Presença, 1995. VOSOUGH, S. et al. et al. The spread of true and false news online. Science, EUA, 2018, p. 1146-1150. Capítulo 5 A teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de fake news Carlos Oliveira Santos1 João Kwanha Xerente2 Introdução O tema Fake News tem estado em pauta na sociedade e é apontado como uma coisa maliciosa e que produz algum efeito em sua maioria negativo. A expansão da internet trouxe possibilidade de qualquer pessoa publicar na rede, o que torna um campo fértil para a circulação de Fakes. Não é pretensão de esta pesquisa saber os males que a Fake News causa na sociedade. Busca se aqui testar a teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de Fake News. Muito se tem pesquisado sobre o efeito da comunicação de massa nas pessoas, esses estudos apontam várias perspectivas dos efeitos da mídia. O efeito da terceira pessoa é uma dessas perspectivas e tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores. O primeiro esforço é demostrar que o compartilhamento também produz efeitos negativos, pois a teoria do efeito da terceira pessoa diz respeito aos 1 Jornalista. Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCOM-UFT). E-mail: oliveiracarlos.to@gmail.com. 2 Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCOM-UFT). 132 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News efeitos negativos causados pela exposição a uma comunicação massiva que segundo DAVISON (1983) é possível que ela veja o efeito dessa exposição somente nos outros, terceira pessoa, e não nela mesma primeira pessoa. Para conseguir testar a teoria foi elaborado um questionário com 14 questões e aplicado para 120 estudantes no campus universitário de Palmas, capital do Tocantins, durante o mês de junho de 2018, para verificar as hipóteses relativas ao compartilhamento de fake News, qual a percepção dos estudantes sobre Fake News, se positiva ou negativa, e se é possível aplicar a teoria do efeito da terceira pessoa no quesito compartilhamento de Fake News. Os respondentes foram escolhidos de forma aleatória, pois não é pretensão desta pesquisa ter uma amostra de um terminado grupo de estudante da universidade. As tabelas foram construídas a partir da aplicação dos questionários e foi utilizado o programa estatístico SPSS – Statistical Package of Social Science 22.0, versão de teste baixado direto do site da IBM. Foi construído um banco de dados para a realização da tabulação. Após depuração e revisão dos dados foi enfim feita as tabelas. Revisão da literatura Muito se tem pesquisado sobre o efeito da comunicação de massa nas pessoas, esses estudos apontam várias perspectivas dos efeitos da mídia. O efeito da terceira pessoa é uma dessas perspectivas e tem sido objeto de estudo de diversos pesquisadores. A hipótese do efeito de terceira pessoa foi apresentada por W. Phillips Davison em 1983, em um artigo com o título: “The ThirdPerson Effect in comunication” neste artigo ele aponta que quando uma pessoa é exposta a uma comunicação persuasiva na mídia de massa é possível que ela veja o efeito dessa exposição somente nos outros, terceira pessoa, e não nela mesma primeira pessoa. As pequenas experiências pessoais foi o ponto de partida do Autor na elaboração dessa hipótese ele pontua que as pessoas fazem parte de Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 133 uma audiência, porém acreditam que a mensagem faça mais efeito nos outros do que em si mesma. Ou seja, o outro, terceira pessoa, é considerado mais vulnerável às mensagens da mídia. Esse posicionamento, segundo o autor, pode leva-los a tomar alguma atitude. “Mais especificamente, os indivíduos que são membros de uma audiência que é exposta a uma comunicação persuasiva (quer esta comunicação pretenda ser persuasiva ou não) irão esperar que a comunicação tenha um efeito maior nos outros do que em si próprios. E se esses indivíduos estão ou não entre o público ostensivo da mensagem, o impacto que eles esperam que essa comunicação tenha sobre os outros pode levá-los a tomar alguma atitude”. (DAVISON, 1983, p. 3). Segundo Porto Junior (2009), para que Davison (1983) estruturasse sua percepção ele “utilizou-se de quatro situações que tendem a sustentar essa hipótese. As situações envolviam pesquisas empíricas utilizando, na maioria dos casos, estudantes universitários de Comunicação Social, no período de 1978 a 1982. Nos quatro experimentos, perguntava-se, entre outras questões, qual o efeito que eles percebiam que certa situação causava neles (eu) e nos outros (terceira pessoa). Os resultados dos quatro experimentos tendem a indicar a presença de um efeito de terceira pessoa”. (PORTO JUNIOR et al, 2018). Para Gunther (1991), esse efeito ocorre por causa da percepção de superioridade que os indivíduos têm em relação à maioria das pessoas, “uma tendência em acreditar que ele é mais “inteligente” do que a maioria. Como resultado, eles são motivados a aumentar sua autoestima e percebem os outros como mais vulneráveis às influências negativas dos meios de comunicação de massa”. (GUNTHER 1991, pg. 368). Perloff (2002), caminha no mesmo sentido de GUNTHER (1991) e afirma que a questão principal ao se tratar da hipótese de 134 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News efeito de terceira pessoa é que toda a estimativa acerca dos efeitos agora recai sobre o outro, e não no ‘eu’: “ao assumir que é invulnerável aos efeitos da comunicação, ao passo que os outros são ingenuamente suscetíveis, os indivíduos preservam um senso positivo sobre si mesmos e reafirmam sua crença de que são superiores aos outros”. Essa teoria apresenta um olhar sobre a comunicação referente aos efeitos que a mídia exerce sobre o indivíduo. Esses efeitos se modificam de acordo com o enfoque, se positivo ou negativo, mas sempre estará presente. A atual sociedade está marcada pela ampla difusão de Fake News, que ocorrem principalmente por causa convergência das tecnologias da comunicação. Nesse contexto é que será testada a hipótese de efeito de terceira pessoa. Fake News A expansão da conexão e a possibilidade de qualquer pessoa publicar na rede fez o jornalismo se transformar. O surgimento das Fake News, também chamada de pós-verdade, têm mudado a forma do fazer jornalístico. As notícias falsas estão tanto na internet quanto nos meios de comunicação tradicionais. De acordo com SOUZA (2017) “Ao longo de sua história, o jornalismo sempre conviveu em menor ou maior grau com notícias falsas. Boatos publicados sem apuração, notícias pagas para favorecer alguém, notícias simplesmente inventadas em veículos sensacionalistas – tudo isso não vem de hoje e foi algo com que a imprensa sempre buscou lidar. No entanto, com a internet, a proliferação das notícias falsas aumentou exponencialmente. Um fenômeno que vem pondo em risco a própria profissão de jornalista, que vê agora, em plena era digital, sua credibilidade novamente em jogo”. (SOUZA 2017, p.01): Segundo Souza (2017), as notícias falsas que são publicadas na internet servem motivos diversos. Seja para descredibilizar um Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 135 adversário político, exemplo da ultima campanha americana, ou seja simplesmente para atrair um grande número de visualizações e assim garantir mais publicidade aos sites, dentre outros motivos. Ainda acordo com autor, o Dicionário Oxford elegeu o termo pósverdade como a expressão do ano. Esse conceito de sempre existiu, mas, ganhou força no ano de 2016 nos contextos do referendo da União Europeia no Reino Unido e nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, em razão da expressiva quantidade de notícias falsas envolvendo esses dois eventos. A partir de então tem sido popularmente conhecida como Fake News. Hipóteses O tema Fake News tem estado em pauta neste momento e é apontado como uma coisa maliciosa e que produz algum efeito em sua maioria negativo. Diante disso construímos duas hipóteses para esta pesquisa. Hipóteses 1: o estudante universitário compartilha Fake News, porém acredita que o estudante universitário por ter uma noção mais clara da realidade compartilha menos Fake News; Hipóteses 2: ao acreditar que o efeito de compartilhamento se aplica ao outro, terceira pessoa, é favorável a criação de leis que controle dos conteúdos midiáticos Metodologia A pesquisa de campo que fundamenta esse artigo foi feita na Universidade Federal do Tocantins no campus de Palmas, para tanto foi elaborado um questionário com 14 questões (anexo) e aplicado para 120 estudantes no campus universitário de Palmas, capital do Tocantins, durante o mês de junho de 2018. Como o tempo para conclusão do artigo era curto não foi possível testar a validade do instrumento, essa necessidade foi percebida na aplicação do questionário após muitos estudantes perguntarem se na questão de 136 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News número nove poderiam responder mais de uma afirmativa. Essas questões foram elaboradas para verificar as hipóteses relativas ao compartilhamento de fake News, qual a percepção dos estudantes sobre Fake News, se positiva ou negativa, e se é possível aplicar a teoria do efeito da terceira pessoa no quesito compartilhamento de Fake News. As três primeiras perguntas – “você sabe o que é uma Fake News?”, “você acredita que o compartilhamento de fake News produza efeito negativo para a sociedade?” e, “você acredita que a sociedade já esteja sofrendo os efeitos negativos dos compartilhamentos de Fake News?” – busca entender o grau de conhecimento dos estudantes universitários sobre Fake News e se o compartilhamento dela é percebido de forma negativa. Saber se o estudante percebe o compartilhamento de Fake News como negativo é importante, pois o artigo busca testar a teoria não no efeito da notícia compartilhada, mas sim no ato de compartilhar, assim as questões que se seguem –, “você acredita que a mídia tenha que desempenhar um papel mais efetivo na conscientização da sociedade para o não compartilhamento de Fake News?” e “você acredita a mídia também seja uma geradora de Fake News?” – tem a intenção de saber qual a percepção que os estudantes universitários têm da mídia nesse processo tanto de produção quanto de compartilhamento de Fake News, porque se ele acredita que a mídia é uma geradora de Fake News e também acredita que o ato de compartilhar Fake News é negativo, logo o efeito negativo da mídia, objeto da teoria, está na produção de Fake News que é compartilhada. As questões seguintes (9 a 11) formam um bloco, pois estão diretamente ligadas. A nona questão pergunta “o que você acredita que possa inibir os compartilhamentos da Fake News?”, e oferece as seguintes alternativas: a) campanhas educacionais; b) a formação escolar. Aqui pretende verificar se ele vai se vê como participante de um grupo com formação escolar e responder que sim a formação escolar é importante. Já as perguntas subsequentes tentam detectar Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 137 a crença ou descrença quanto aos mecanismos citados na nona questão, que permitiriam inibir o compartilhamento de Fake News, como seguem: “considerando o atual contexto da sociedade, você acredita que uma campanha de conscientização para o não compartilhamento de Fake News surte efeito?” e “você acredita que nosso sistema escolar consegue conduzir os estudantes a ter um senso crítico?”. Na décima segunda questão, o ato de compartilhamento de Fake News passa a estar associada ao entrevistado: “você, na condição de estudante universitário, já compartilhou alguma notícia e depois descobriu que era Fake News?”. Essa questão busca evidenciar que o entrevistado também compartilha Fake News, fazse abertura para a primeira hipótese, que é a percepção estando associada ao outro, percepção dos efeitos de terceira pessoa, a questão seguinte amarra a hipótese: “você acredita que o estudante universitário tenha uma noção mais clara da realidade e por isso compartilha menos Fake News?”, pois mesmo ele compartilhando Fake News a hipótese é de que ele vai dizer que o estudante universitário, grupo que ele pertence, tem uma noção mais clara da realidade e por isso não compartilha Fake News. Essa hipótese está ligada à segunda, que tenta verificar, a partir da noção de efeito sobre o outro, a propensão para que se criem leis para o controle dos conteúdos midiáticos. A última questão está assim disposta: “Responda essa questão apenas se você acredita que o compartilhamento de Fake News produza algum efeito negativo na sociedade: Se você acredita na influência negativa do compartilhamento de Fake News, você é favorável à criação de leis que controlem o conteúdo da mídia?”. É necessário lembrar, já aqui no início, que os respondentes foram escolhidos de forma aleatória, pois não era pretensão desta pesquisa ter uma amostra de um terminado grupo de estudante da universidade, da mesma forma não foi guardada uma proporção entre os sexos. As tabelas abaixo foram construídas a partir da aplicação dos questionários. Foi utilizado o programa estatístico 138 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News SPSS – Statistical Package of Social Science 22.0, versão de teste baixado direto do site da IBM. Foi construído um banco de dados para a realização da tabulação. Após depuração e revisão dos dados foi enfim feita as tabelas. Resultados Esse primeiro grupo de questões, representados nas tabelas de 1 a 3, visam situar o perfil dos estudantes que participaram da pesquisa, é possível perceber uma predominância de jovens da graduação. Sexo dos estudantes Tabela 1 Válido Feminino Masculino Total Porcentagem Porcentagem Frequência Porcentagem válida acumulativa 57 47,5 47,5 47,5 63 52,5 52,5 100,0 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Idade dos estudantes Tabela 2 15 a 19 20 a 24 25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 Total Porcentagem Frequência Porcentagem válida 22 18,3 18,3 68 56,7 56,7 17 14,2 14,2 7 5,8 5,8 4 3,3 3,3 2 1,7 1,7 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Porcentagem acumulativa 18,3 75,0 89,2 95,0 98,3 100,0 Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 139 Grau de instrução dos estudantes Tabela 3 Válido Porcentagem Porcentagem Frequência Porcentagem válida acumulativa Graduação 108 90,0 90,0 90,0 Especialização 3 2,5 2,5 92,5 Mestrado 5 4,2 4,2 96,7 Doutorado 4 3,3 3,3 100,0 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. O grupo seguinte composto por cinco questões e objetiva saber o grau de conhecimento do estudante universitário sobre Fake News, se ele acredita que a Fake News produz efeito negativo na sociedade e qual o papel que ele atribui a mídia nesse processo tanto de criação quanto de compartilhamento de Fake News. Acredita que o compartilhamento de Fake News produz efeito negativo para a sociedade Tabela 4 Sexo dos estudantes Feminino Masculino Total Acredita que o Sim 55 62 117 compartilhamento de Não Fake News produz 2 1 3 efeito negativo Total 57 63 120 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Não foi necessário inserir a tabela relativo a questão de número 4 - “você sabe o que é uma Fake News?” – uma vez que todos os respondentes sabiam. A tabela 4 mostra que quase a totalidade dos respondentes acredita que a Fake News produz efeito negativo na sociedade. E a tabela 5 mostra que eles também acham que esse efeito negativo já esteja acontecendo. 140 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Acredita que a sociedade já esteja sofrendo efeitos da Fake News Tabela 5 Porcentagem Frequência Porcentagem válida Válido Sim 113 94,2 94,2 Não 7 5,8 5,8 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Porcentagem acumulativa 94,2 100,0 Acredita que a mídia tenha que desempenhar um papel mais efetivo na conscientização da sociedade para o não compartilhamento de Fake News Tabela 6 Porcentagem Frequência Porcentagem válida Válido Sim 111 92,5 92,5 Não 9 7,5 7,5 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Porcentagem acumulativa 92,5 100,0 Acredita que a mídia também seja uma geradora de Fake News Tabela 7 Porcentagem Frequência Porcentagem válida Válido Sim 118 98,3 98,3 Não 2 1,7 1,7 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Porcentagem acumulativa 98,3 100,0 As tabelas 6 e 7 são interessantes, pois ao mesmo tempo em que os estudantes acham que a mídia tem que desempenhar um papel mais efetivo na conscientização para o não compartilhamento de Fake News, eles acreditam ser a mídia a geradora de Fake News. O grupo seguinte traz três questões que estão interligadas, a nona questão busca saber o que o estudante acredita ser capaz de Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 141 inibir o compartilhamento de Fake News e as questões seguintes tentam verificar a crença ou descrença quanto aos mecanismos citados na nona questão. Acredita que possa inibir os compartilhamentos da Fake News Tabela 8 Frequência Porcentagem Porcentagem Porcentagem válida acumulativa Campanha de 70 58,3 58,3 conscientização Formação escolar 50 41,7 41,7 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. 58,3 100,0 Acredita que uma campanha de conscientização para o não compartilhamento de Fake News surte efeito Tabela 9 Porcentagem Porcentagem Frequência Porcentagem válida acumulativa Válido sim 85 70,8 70,8 70,8 não 35 29,2 29,2 100,0 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Acredita que nosso sistema escolar consegue conduzir os estudantes a ter um senso crítico Tabela 10 Porcentagem Porcentagem Frequência Porcentagem válida acumulativa Válido Sim 47 39,2 39,2 39,2 Não 73 60,8 60,8 100,0 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Há uma coerência nas respostas apresentadas nas tabelas 8, 9 e 10, pois a maioria dos respondentes acha que uma campanha de 142 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News conscientização possa inibir o compartilhamento de Fake News e acham que uma campanha dessa surta efeito ao passo que não acreditam que o sistema escolar seja capaz de conduzir os estudantes a ter um senso crítico Já compartilhou alguma notícia e depois descobriu que era Fake News Tabela 11 Válido Sim Não Total Porcentagem Porcentagem Frequência Porcentagem válida acumulativa 84 70,0 70,0 70,0 36 30,0 30,0 100,0 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Acredita que o estudante universitário tenha uma noção mais clara da realidade e por isso compartilha menos Fake News Tabela 12 Porcentagem Frequência Porcentagem válida Válido Sim 67 55,8 55,8 Não 53 44,2 44,2 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Porcentagem acumulativa 55,8 100,0 A tabela 13, a seguir, traz uma comparação dos dados apresentados nas tabelas 11 e 12, acima, e demostra como os estudantes universitários ao mesmo tempo em que compartilha Fake News acreditam que por ser estudante universitário tenham um melhor senso crítico e por isso compartilham menos Fake News. Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 143 Tabela 13 Já compartilhou alguma notícia e depois descobriu que era Fake News Sim Não Sim 43 24 Não 41 12 Acredita que o estudante universitário tenha uma noção mais clara da realidade e por isso compartilha menos Fake News total 84 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. 36 67 53 120 Está ultima tabela demostra que os estudantes universitários são a favor da criação de leis que controlem o conteúdo da mídia. É favorável à criação de leis que controlem o conteúdo da mídia Tabela 14 Porcentagem Frequência Porcentagem válida Válido sim 65 54,2 54,2 não 55 45,8 45,8 Total 120 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2018. Porcentagem acumulativa 54,2 100,0 Discussão As questões aplicadas aos respondentes estão divididas em grupos e cada grupo busca entender uma parte do fenômeno até chegar ao ponto de comprovar as hipóteses apresentadas no inicio. Após a revisão e construção das tabelas o resultado permite fazer alguns apontamentos. O primeiro grupo questões de 1 a 3 são de dados sócios demográficos. O grupo seguinte composto por cinco questões e apresentados nas tabelas de 4 a 7 objetiva saber o grau de conhecimento do estudante universitário sobre Fake News: 100% sabem o que é Fake News buscou-se também saber se ele 144 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News acredita que a Fake News produz efeito negativo na sociedade 97,5% acredita, e qual o papel que ele atribui a mídia nesse processo tanto de criação quanto de compartilhamento de Fake News. 92,5% Acredita que a mídia tenha que desempenhar um papel mais efetivo na conscientização da sociedade para o não compartilhamento de Fake News, e, curiosamente 98,3% Acredita que a mídia também seja produtora de Fake News. O resultado deste grupo é importante, pois ficou evidente que os estudantes universitários consideram que a Fake News produz um efeito negativo e como ele também considera a mídia como produtora de Fake News, é possível aplicar a teoria do efeito da terceira pessoa nesta pesquisa, mesmo sendo seu objeto o compartilhamento que foi apontado por 97,5% como causador de efeito negativo na sociedade. Vencida essa etapa de comprovação de que pode ser aplicada a teoria no compartilhamento o grupo seguinte traz três questões interligadas entre si, a nona questão busca saber o que o estudante acredita ser capaz de inibir o compartilhamento de Fake News (tabela 8) e são apresentadas duas opções, 58,3% acreditam que a opção campanhas educativas cumpre bem esse papel as questões seguintes tentam verificar a crença ou descrença quanto aos mecanismos citados na nona questão. O resultado da décima questão (tabela 9) reafirma que campanhas educativas são suficientes, pois 70,3% acreditam na eficácia das campanhas delas. A decima primeira questão (tabela 10) é importante na construção do outro em relação aos estudantes universitários, pois a pergunta é: “você acredita que nosso sistema escola consegue conduzir os estudantes a ter um senso crítico?”, nesta pergunta foi usado o termo estudante de forma genérica sem dizer qual estudante, diferente da questão de número 13 em que é atribuído ao estudante universitário uma noção mais clara da realidade. 60,8% não acreditam que o sistema escolar é capaz de conduzir o outro estudante a ter um senso crítico, por isso é necessário, conforme 58,3%, as campanhas educativas. As questões 12 e 13 foram feitas Carlos Oliveira Santos; João Kwanha Xerente | 145 de forma invertidas de propósito, pois lhe fosse questionado primeiro se ele acredita que o estudante universitário tem uma noção mais clara da realidade por isso compartilha menos Fake News o que 55,8% dos respondentes acreditam, dificilmente 70% iriam admitir que já houvesse compartilhado Fake News. Algumas considerações A pesquisa demostrou que é possível aplicar a teoria do efeito da terceira pessoa no compartilhamento de Fake News, o primeiro esforço foi comprovar que os estudantes viam um efeito negativo na Fake News. Dessa forma, o ato de compartilhar é percebido como estender esse efeito na sociedade, vencido esse esforço conseguimos comprovar as hipóteses de o estudante universitário compartilha Fake News (70%), porém acredita que o estudante universitário, por ter uma noção mais clara da realidade, compartilha menos Fake News (55,8%) e, infelizmente, a segunda hipótese também foi comprovada, pois ao acreditar que o efeito de compartilhamento se aplica ao outro, terceira pessoa, o estudante universitário é favorável a criação de leis que controle dos conteúdos midiáticos. Referências DAVISON, W. Phillips. The third-person effect in communication. Public Opinion Quarterly, vol. 47, 1983: p. 1-15. GUNTHER, A. C. What we think others think: Cause and consequence in the third person effect. In: Communication Research, 18(3), 1991, p. 355-372. PERLOF, Richard M. The third-person effect. In: BRYANT, J.; ZILMANN, D. (org.) Media effects: advances in theory and research. New Jersey: Lawrence Erlbaum, 2002. 146 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News PRABU, David; MORRISON, Glenda; JOHNSON, Melissa A., ROSS, Felecia. Body Image, Race, and Fashion Models: Social Distance and Social Identification in Third-Person Effects. Communication Research, Volume 29, Number 3, p. 270-294, june 1,2002. PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Entre fronteiras: explorando o efeito da terceira pessoa. Estudos em Jornalismo e Mídia, ano VI, nº. 2 p. 45-59, jul/dez, 2009. PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Percepções sobre o ensino de jornalismo: o efeito da terceira pessoa sobre as práticas formativas. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. SOUZA, Rogério Martins de. Investigando as fake news: análise das agências fiscalizadoras de notícias falsas no Brasil. 2017. Disponível em: < http://portalintercom.org.br/anais/sudeste2017/resumos/R58-03431.pdf> Acesso em: 02 set. 2017. Capítulo 6 A fake news no caso Marielle Franco e a cobertura online do jornal do Tocantins Cleide das Graças Veloso dos Santos 1 Ruy Alberto Pereira Bucar 2 Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior 3 Introdução Recentemente, o assassinato da vereadora Marielle Franco do Partido Socialismo e Liberdade do Rio de Janeiro (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Pedro Gomes, ocorrido após saírem de uma das 1 Cleide das Graças Veloso dos Santos. Mestranda em Comunicação e Sociedade PPGCom/UFT. Pósgraduada em Ensino de Comunicação e Jornalismo Opaje/UFT. Graduada em Comunicação Social/Jornalismo UFT. E-mail: cleide.veloso13@gmail.com. 2 Ruy Alberto Bucar. Mestrando em Comunicação e Sociedade PPGCom/UFT. Pós-graduado em Ensino de Comunicação e Jornalismo Opaje/UFT. Graduado em Jornalismo UFG. E-mail: ruybucar@globo.com. 3 Pós-doutor em Educação (Universidade de Cádiz, UCA, Espanha), em Comunicação (FAC-UnB) e Ciências Sociais Aplicadas: Comunicação (UNESP). Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Mestre em Educação pela Faculdade de Educação (UnB) e graduado em Comunicação Social/Jornalismo, Pedagogia e História. Atualmente é líder do Núcleo de Pesquisa e Extensão e Grupo Lattes Observatório de Pesquisas Aplicadas ao Jornalismo e ao Ensino (OPAJE-UFT). É professor na Fundação Universidade Federal do Tocantins (UFT). Cumpre estágio pós-doutoral/professor visitante no Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC, Portugal). E-mail: gilsonportouft@gmail.com. 148 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News reuniões da agenda da parlamentar, na noite do dia 14 de março de 2018, recebeu ampla divulgação na imprensa nacional e internacional4. Além dos aspectos violentos da ocorrência, aparentemente não haviam pistas dos responsáveis5, então outras matérias relatam a comoção6 e o sepultamento das vítimas7. As investigações seguem, mas de repente as notícias ganham outro foco, com o surgimento da circulação de acusações contra a vereadora nas redes sociais8, notícias falsas ou Fake News9. Nesse contexto, esse artigo apresenta o relato da pesquisa que busca delinear, sob método da Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977), como ocorreu o agendamento e a abordagem do assunto Fake News no caso Marielle Franco, na versão online do Jornal do Tocantins (JTO online), que se elege como fonte da amostra, por apresentar maior volume de publicações, conforme discriminado a seguir. A partir da fase exploratória da pesquisa, tornou-se necessário o enquadramento da busca, para definição do veículo e da amostra a ser analisada. Então foi adotado como critério, o recorte geográfico, que permitiu a localização de 50 veículos online na região intermediária do Tocantins, compostas pelos pólos de Miracema, Palmas, Paraíso e Porto Nacional10; o recorte temporal, que delimitou pesquisa às publicações 4 ______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 8h06, sob o título 'Imprensa internacional repercute morte da vereadora do PSOL no Rio', aponta EUA, Inglaterra, Argentina, Peru e Venezuela. 5 Publicada no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, dia 14 mar 2018 às 22h48, atualizada dia 15 mar 2018 às 13h12, sob o título 'Vereadora do PSOL é morta a tiros no Rio de Janeiro', relata crime e traz atualizações. 6 ______ na editoria Celebridades da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 9h58, sob o título 'Elza Soares, Karol Conka e outros artistas repercutem morte da vereadora Marielle Franco'. 7 ______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 8h47, sob o título 'Corpo de Marielle Franco será velado na Câmara Municipal do Rio', traz repercussão do caso e foto do carro baleado. 8 ______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 17 mar 2018 às 19h06, sob o título 'PSOL processará desembargadora que acusou Marielle de se engajar com crime'. 9 ______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 18 mar 2018 às 15h42, sob o título 'Estão tentando matar Marielle de novo', diz Freixo sobre fake news. 10 Mapa da Base Cartográfica Contínua do Brasil, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão IBGE, em 2015. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 149 realizadas no prazo de 60 dias, a partir do assassinato da vereadora, compreendidos entre 14/03/2018 a 15/05/2018; e o recorte na personagem, com as Unidades de Registro (URs) 'Marielle' ou 'Marielle Franco'. Assim, foram localizadas 135 notícias, com o uso dos mecanismos de busca do Mapa da Mídia no Tocantins11, da plataforma Google e dos respectivos veículos. Em seguida, as notícias foram materializadas, com impressão digital em PDF que permite a leitura posterior e agrupadas em tabelas por veículo, contendo as variáveis de identificação, localização e quantificação. Nessa ocasião a amostra contendo 44 notícias sobre 'Marielle Franco' elegeu o JTO online, como fonte dos objetos da análise. Contudo, para refinamento da amostra, foram selecionadas as matérias relacionadas a circulação das afirmações falsas sobre a vereadora. Dessa maneira, a amostra do JTO Online se definiu na soma de 06 notícias. Em seguida, com a leitura flutuante; sob o critério do uso dos termos 'notícia falsa', 'fake news', 'notícia fake' e sinônimos, foram criadas as variáveis, para agrupamento e quantificação e posteriores reflexões sobre o conteúdo. A análise das notícias se ampara, na pesquisa bibliográfica pertinente, além dos Ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo da obra Media Effects (PÔRTO JR; MORAES; OLIVEIRA; SANTI Orgs., 2018). Contudo, cabe ressaltar, que a busca por compreender a abordagem do JTO online sobre a Fake News no caso Marielle Franco, não tem pretensão de alcançar inferências conclusivas. Esse estudo tem o objetivo de contribuir com as reflexões já iniciadas sobre Fake News, verificar o volume de participação do veículo no combate às informações falsas e em melhor perspectiva inspirar estudos futuros. Os assuntos abordados são temas dos diálogos acadêmicos científico e de interesse social, o que justifica a importância desse estudo. Em vista 11 O Mapa da Mídia do Tocantins é um banco de dados de referência e serve como fonte de pesquisa para estudantes, professores, profissionais e pesquisadores, de iniciativa do Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Multimídia, vinculado ao curso de Jornalismo da Universidade Federal do Tocantins (ROCHA; SOUZA, 2016). 150 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News disso, o próximo título apresenta uma breve contextualização do caso e dos aspectos que oferecem especificidade aos objetos. O assassinato da vereadora Marielle Franco, as notícias falsas e o perfil da parlamentar O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes, ocorrido em março de 2018, após a saída do último compromisso da agenda de reuniões da parlamentar, em um encontro com um grupo de mulheres negras, causa comoção nacional e internacional. Naquele momento, a proposta da intervenção militar federal do Rio de Janeiro, dividia opiniões sobre o combate à violência no Estado. Então a imprensa passou a buscar informações sobre a investigação12, a mobilização social em homenagens simbólicas e protesto contra a morte da vereadora13. O repúdio à morte se multiplica no Brasil e em outros países14, Marielle passa a ser citado em outras pautas15. Porém, surgem notícias sobre a circulação de informações falsas sobre a parlamentar. Além da desembargadora, um parlamentar também usou as redes sociais para divulgar 'fake news' contra Marielle, como relata a matéria16 sobre o pedido de cassação do deputado. O repúdio à tentativa de desqualificar a vereadora mobilizou diferentes segmentos contra os ataques com notícias falsas. E um grupo de 12 ______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 13h42, sob o título 'Polícia rastreia dezenas de câmeras para desvendar assassinato de vereadora'. 13 ______ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 15 mar 2018 às 19h27, sob o título 'Milhares protestam no Rio e em SP contra assassinato de Marielle'. 14 _____ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 17 mar 2018 às 13h55, sob o título 'Semana começa com protestos contra a morte de Marielle no Brasil e na Europa'. 15 _____ no caderno Cotidiano da Folha de São Paulo, 16 mar 2018 às 14h14, sob o título 'Balé da Cidade estreia espetáculo com forte tom político'. 16 ______ no caderno Geral da Folha de São Paulo, 21 mar 2018 às 18h21 e atualizada às 18h46, sob o título PSOL pede cassação de Fraga após acusações falsas contra Marielle'. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 151 voluntários criou um site, para desmentir as acusações17. A aba 'Quem é Marielle' oferece o perfil da parlamentar e a tela principal do site mariellefranco.com.br/averdade, destaca a frase 'A verdade sobre Marielle', como na Figura 1. Figura 1 - Print da tela inicial do site, em 22 mai 2018, criado pela equipe de voluntários. Além do perfil, cinco banners apresentam esclarecimento sobre Marielle Franco, como resposta às afirmações falsas, como ilustrado na Figuras 2. Figura 2 - Print do conjunto de telas das afirmações falsas e seus respectivos esclarecimentos, em 22 mai 2018. 17 ______ na editorias notícias/geral do Jornal do Tocantins, 19 mar 2018 às 00h32, Conteúdo Estadão, sob o título 'Voluntários criam site para desmentir notícias falsas sobre Marielle'. 152 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Essa simulação da visita ao site criado pelos voluntários para esclarecimento das publicações fakes sobre Marielle Franco se trata de uma ligação externa do conteúdo da primeira matéria da amostra do JTO online, que será examinada no título que trata da análise desse estudo. Assim, o próximo título, apresenta a seleção e o tratamento da amostra. A cobertura jornalística online sobre as afirmações falsas contra Marielle Franco na região central do Tocantins Durante 60 dias de cobertura jornalística online, contados a partir do assassinato da vereadora, foi realizada a pesquisa exploratória para levantamento de notícias sobre à Marielle Franco e posterior seleção das matérias a respeito da circulação de afirmações falsas contra a parlamentar, no período examinado. Porém, o estado do Tocantins possui três Regiões Geográfica Intermediárias, de acordo com o mapa Regiões Geográficas Imediatas e Região Geográfica Intermediária (2015), desenvolvido pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sendo Araguaína ao norte, Palmas ao centro e Gurupi ao sul do Estado, como apresenta a Figura 3. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 153 Figura 3 Mapa das regiões geográficas do Estado do Tocantins. Fonte: Base Cartográfica Contínua do Brasil (IBGE) Ministério do Planejamento, Desen. e Gestão (2015). A região intermediária do centro do Tocantins é composta pelas regiões imediatas de Palmas, Paraíso, Porto Nacional e Miracema. Esses pólos, abrangem os municípios que hospedam os veículos online, visitados nessa pesquisa. Sob consulta ao Mapa da Mídia no Tocantins, a plataforma Google e por meio da ferramenta de busca dos respectivos sites da região foram localizadas as mídias que possuem publicações com os termos 'Marielle' ou 'Marielle Franco' e os que não possuem registros, no período pesquisados, conforme Tabela 1. 154 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Tabela 1 Veículos e respectivas notícias por pólos das Regiões Geográfica Intermediária do centro do Tocantins PÓLOS (Total de veículos) Palmas (39) Paraíso (4) Porto Nacional (5) Miracema (2) VEÍCULOS (Municípios por Pólos) 38 Palmas 01 Aparecida Rio Negro 04 Paraíso 05 Porto Nacional 01 Miracema 01 Miranorte Somas 50 veículos SEM (Agendamento) COM (Agendamento) TOTAL (Publicações) 23 veículos 16 veículos 91 notícias 02 veículos 02 veículos 02 veículos 03 veículos 15 notícias 25 notícias 01 veículos 01 veículos 04 notícias 28 veículos 22 veículos 135 notícias Fonte: Elaborada com o cruzamento de dados do mapa das Regiões Geográficas Imediatas e Intermediária do IBGE (2015) e do banco de dados do Mapa da Mídia do Tocantins (2018). Distribuídas em 50 veículos foram localizadas 135 publicações que citam 'Marielle Franco'. Contudo, a maioria foi localizada em um único veículo, como segue na Tabela 2. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 155 Tabela 2 Notícias localizadas na mídia online da região central do Tocantins Ranking Veículo Online Publicações 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 1 Jornal do Tocantins Online 2 Gazeta do Cerrado 3 Surgiu 4 Cleber Toledo 5 JC Tocantins 6 O Paralelo 13 7 Primeira Página online 8 Portal Benício 9 Portal Stylo online 10 Conexão do Tocantins 11 Gospel Geral 12 Mira Jornal 13 O Coletivo 14 T1 Notícias 15 Página Aberta 16 Agora-TO 17 JM Notícias 18 Folha do Jalapão 19 G1 Tocantins 20 Rádio CBN 21 Tribuna do Planalto 22 TV Anhanguera 28 Veículos (não apresentaram publicação) 44 12 10 08 07 06 06 05 05 04 04 04 04 04 03 02 02 01 01 01 01 01 00 7ª 8ª 9ª 10ª 11ª 12ª Total de veículos (somam 50 mídias online) 135 Fonte: Pesquisa de notícias online que citam Marielle Franco no período de 14/03 a 15/05/2018. Assim, com 44 notícias que equivale a 32,59% das publicações da região central do Estado, o Jornal do Tocantins online se elege fonte dos objetos da análise dessa pesquisa. Em seguida, com a leitura flutuante foram identificadas as narrativas que se referem a circulação de afirmações falsas ou Fake News contra a parlamentar, conforme Tabela 3 a seguir. 156 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Tabela 3 Notícias publicadas no JTO online sobre as Fake News e afirmações falsas contra Marielle Notícia Fonte/Data Título 1 Editorias Notícias/Geral Por Estadão Conteúdo 19 mar 2018 00:32 Editorias Notícias/Geral Por Estadão Conteúdo 21 mar 2018 19:20 Editorias Notícias/Política Por Agência Estado 21 mar 2018 19:38 Editorias Estado/Judiciário Por Dídimo Heleno 25 mar 2018 5:00 Editorias Notícias/Geral Por Estadão Conteúdo 28 mar 2018 13:42 Editorias Notícias/Política Por Agência Brasil 03 abr 2018 19:20 Voluntários criam site para desmentir notícias falsas sobre Marielle 2 3 4 5 6 PSOL pede cassação do deputado Alberto Fraga após publicações fakes sobre Marielle Após comentários, parentes de portadores de Síndrome de Down protestam contra desembargador O caso Marielle e o ódio nas redes sociais Justiça do RJ manda Facebook tirar do ar ofensas contra Marielle Franco Deputado Alberto Fraga pode ter mandato cassado Fonte: Elaborada a partir da amostra de 44 notícias localizadas no veículo, de 15/03 a 14/05/2018. Portanto, apenas 06 notícias, ou seja, 13,63% das publicações do JTO online se referem ao foco dessa análise. E esse montante equivale a 4,44% das publicações que citam a parlamentar na região central do Estado. Nessa amostra, somente uma publicação possui produção local, as demais são do Estadão Conteúdo, Agência Estado e Agência Brasil. Em busca de evidências do tratamento dado pelas notícias sobre o fato das acusações falsas e a participação da mídia na desconstrução das Fake News, foram identificados, categorizados, agrupados e quantificados os termos utilizados, conforme Tabela 4. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 157 Tabela 4 Termos utilizados nas notícias da amostra do JTO online NOTÍCIA S 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª Totais TERMOS Notícias/Informaç ões Acusações (Falsas) Mentira s Publicaçõ es Fakes Fake New s Outros (calúnia/desrespeito/ etc) 4 1 1 1 1 8 1 2 3 1 1 1 1 2 1 1 1 13 2 20 Fonte: Amostra de notícias do JTO online sobre acusações falsas contra Marielle Franco, de 15/03 a 14/05/2018. Conforme se verifica, somente duas matérias relacionaram o fato aos termos 'Fake ou Fake News', com apenas uma ocorrência no decorrer de todo o texto, de cada publicação. A maioria das notícias utilizam traduções como 'notícias, informações, acusações falsas' e 'mentiras'. Também se evidencia a adoção de outros termos como 'calúnia' e 'desrespeito' para se referir a prática dos responsáveis. No próximo título segue a análise das notícias. Análise da abordagem do JTO online sobre Fake News contra Marielle Franco A primeira notícia publicada no JTO online, no dia 19 de março de 2018, se trata de uma matéria produzida pela agência Estadão Conteúdo, sob o título 'Voluntários criam site para desmentir notícias falsas sobre Marielle'. Conforme denota o texto, a narrativa não se refere a denúncia do caso, mas às providências tomadas para combate às cinco acusações falsas divulgadas em redes sociais, como mostra a Figura 4 a seguir. 158 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Figura 4 - Print da tela inicial da primeira matéria de combate às calúnias A matéria evidencia a tentativa de difamação da vítima, mas pela data de publicação, o veículo se resguardou para iniciar a cobertura do fato. Segundo Fiori (2002) toda abordagem tem um propósito e uma narrativa sugere um posicionamento do discurso. Outro aspecto discutido é o papel dos meios de comunicação como ferramenta de acesso a informação, produção de conhecimento e formação da opinião pública18, em médio a longo prazo (HOHLFELDT; MARTINO; FRANÇA, 2011; CASTRO; PÔRTO JÚNIOR, 2018). A segunda notícia do JTO online, publicada dia 21 de março de 2018, sob o título 'PSOL pede cassação do deputado Alberto Fraga após publicações fakes sobre Marielle', também da agência Estadão Conteúdo, evidencia o uso do termo fake, conforme Figura 5. 18 Para Darlene Castro e Pôrto Júnior (2018, p. 33) "a representação da realidade apresentada pela mídia constitui uma importante projeção dos acontecimentos na opinião pública, e oferecendo temas que devam ser objeto de reflexão, formando e influenciando, em grande parte, a sua opinião", o que eleva a importância dos estudos da hipótese do agendamento, considerando o papel fundamental da mídia na disseminação das informações na atualidade. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 159 Figura 5 - Print da tela inicial da segunda matéria aponta quebra de decoro parlamentar O texto destaca a representação contra o deputado no Conselho de Ética da Câmara, com um pedido de cassação, porém recorda o arquivamento de processos semelhantes. O framing em matérias jornalísticas é um recurso que direciona a atenção do público e intervém na formação da opinião19 (MORAES; MORAES, 2018). A cerca da credibilidade, desde 2016, as discussões sobre a apuração de notícias falsas, a finalidade e os efeitos, se tornaram mais frequentes nos diálogos voltados a comunicação. Essa ênfase se elevou após as eleições americanas, com o uso do termo "pósverdade" pela imprensa, segundo o dicionário Oxford20 e que para Bauman (1999), trata-se da opinião pública que tende a preferir discursos emotivos, relacionados a crenças pessoais; aos que se apóiam no relato de circunstâncias. Mas para Brito (2018, p. 55) "não caberia pensar a verdade como representação, visto que essa 19 Segundo Moraes e Moraes (2018, p. 40) nas "campanhas políticas, assim como nas matérias jornalísticas, o framing traz em sua subjacência a organização de termos e o arranjo de mensagens para direcionar a atenção do público e a formação de sua opinião". 20 O termo escolhido pela imprensa foi eleito palavra do ano, conforme registro do jornal britânico The Guardian, publicado sob o título 'Post-Trut' named word of the year by Oxford Dictionaries, em novembro de 2016. 160 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News imagem traz à vista todos os processos dogmáticos, aniquiladores da vida e do homem", o que denota a complexidade do tema. Com a reincidência de acusações falsas em curto prazo, contra a parlamentar assassinada, a imprensa registra o disparo de ataques a vereadora Marielle Franco em diferentes redes de comunicação virtual, ora relacionados ao perfil pessoal da vítima, ora a sua atuação parlamentar. Assim, a terceira notícia do JTO online, publicada em 21 de março de 2018, sob o título 'Após comentários, parentes de portadores de Síndrome de Down protestam contra desembargadora', traz o relato das publicações realizadas pela desembargadora Marília Castro Neves (TJ-RJ) em rede social, conforme Figura 6 a seguir. Figura 6 - Print da tela inicial da terceira matéria sobre disseminação de Fake News e difamação A narrativa esclarece que a juíza desfecha ataques não só contra Marielle, mas também contra uma professora portadora de Síndrome de Down e ao parlamentar Jean Willys, porém é denunciada a Corregedoria. Os conceitos preestabelecidos, dos julgamentos ou formação de estereótipos ainda que temporários são Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 161 resultados da exposição a imagem ou símbolos (BOTELHO; PÔRTO JUNIOR, 2018)21. Nesse ponto podemos inferir que, além da Lei nº 12.965/201422 que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e da legislação dos direitos humanos; os usuários das redes virtuais precisam se ajustar às normas de convívio social no exercício da liberdade de expressão democrática brasileira, na produção ou compartilhamento de conteúdos e declarações nos canais de comunicação online. De certo modo, a construção identitária que demarca os territórios culturais, especialmente dos jovens, se resultam em particular da apropriação do enquadramento e influência decisiva do jornalismo (MACIEL; SOUSA; MIRANDA; GHIZONI, 2018)23. Mas a respeito da opinião pública sobre a democracia Petric e Pinter (2012) afirmam que sua formação depende de muitas variáveis, porém há uma tendência ao discurso majoritário ou de outro modo, ao silenciamento. Então eles apresentam duas possibilidades, que seriam um convite a novos estudos, ao afirmar que, However, we should also consider two possible theoretical reasons why actual opinion expressing is not determined by the willingness to express opinion. It might be tha mere willingness functions as a substitute for actual expression of opinion (this is similar to the idea of narcotic disfunction), or we may have a case of a silent majority along with a minority wich overestimates its own extent of expressing opinion in public, a sort of 'misfiring minority'. Both invite further research that measuting this 21 "O priming conceitual se refere a conceitos já preestabelecidos na mente das pessoas e o priming perceptual se refere a exposição física da pessoa com alguma imagem ou símbolo [...] permitindo a pessoa formar julgamentos ou estereótipos, mesmo que temporariamente" (BOTELHO; PÔRTO JÚNIOR, 2018, p. 183). 22 Esta lei não discrimina regras de comportamento ao usuário, nem restrições a liberdade de expressão, contudo, o Parágrafo único, do Art. 3o, determina que "Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais" (BRASIL, 2014). 23 "A Mídia em geral e o jornalismo em particular têm influência decisiva na formação identitária dos jovens colaborando direta ou indiretamente" (MACIEL; SOUSA; MIRANDA; GHIZONI, 2018, p. 84). 162 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News concept, other possible determinants of communicative behavior in public (PETRIC; PINTER, 2012, p. 49). Sobre a intenção de formar opinião a partir de uma Fake News24, ou acomodação de fatos na distorção de contextos, como define Leandro Karnal (2017, entrevista), o público deve ficar atento, pois esse tipo de publicação não se resume a texto com informação mentirosa. Em seminário promovido pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel)25, representantes do governo, profissionais de marketing e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) discutiram a questão do ponto de vista moral, da necessidade da atuação conjunta com a imprensa e do cuidado para que não se estimule a censura prévia. A quarta publicação do JTO online, divulgada na coluna Judiciário de 25 de março de 2018, sob o título 'O caso Marielle e o ódio nas redes sociais' é a única narrativa de produção local sobre o assunto no veículo e o texto destaca o perfil da vereadora, conforme Figura 7. Figura 7 - Print da tela inicial da quarta matéria sobre circulação dos comentários nas redes sociais 24 No debate produzido pelo programa Canal Livre da Tv Bandeirantes, sobre a tendência no processo eleitoral e possíveis reflexos na comunicação, Leandro Karnal (2017, entrevista) destaca que, a mentira ou desvio da verdade não é uma criação contemporânea; mas com a internet foi potencializada. 25 Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo de 20 de junho de 2018 às 10h52, sob o título 'Disseminadores de fake news têm defeito de caráter, diz Temer' trata das discussões realizadas no seminário em Brasília. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 163 A narrativa classifica como bárbaros, os comentários de satisfação sobre a morte de Marielle, com alerta sobre tipos de vozes da internet. A falta de incentivo a apuração da notícia segundo Karnal (2017, entrevista) é um aspecto que favorece a rápida circulação de afirmações falsas e dificulta a desconstrução dos efeitos. Logo, o combate a Fake News sinaliza a necessidade de infiltrar as bolhas informacionais26 (PARISER, 2011). No entanto, as iniciativas de combate a Fake News ainda carecem de estudos de recepção para precisar o grau de resultados alcançados junto ao público, como no caso Marielle Franco. A quinta notícia do JTO online, de 28 de março de 2018, sob o título 'Justiça do RJ manda Facebook tirar do ar ofensas contra Marielle Franco' registra a atuação do poder judiciário diante do fato, como segue na Figura 8. Figura 8 - Print da tela inicial da quinta matéria sobre ordem judicial de exclusão das publicações difamatórias Em relação a denúncia o poder judiciário determinou a retirada das publicações, conforme noticiado e a narrativa destaca o 26 Um conjunto de informações que são oferecidas a cada pessoa, a partir de um filtro que possui códigos desenvolvidos para registrar constantemente suas preferências e assim, prever o que desejaria receber, criando um universo único de informações para cada internauta (PARISER, 2011). 164 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News prazo de 24 horas para exclusão de todas as publicações identificadas como prejudiciais a moral da vítima. Algumas situações tendem a se tornar um problema social27, situação se define a partir do "sentimento de indignação moral que um fato desperta em uma parcela significativa da população de uma sociedade [...] e, sem excluir este, o temor de que um fato represente uma ameaça para a coletividade" (VILA NOVA, 2000, p. 39). Porém, a tendência a oferta de uma cobertura factual distancia o jornalismo da contribuição ao efetivo enfrentamento de problemas sociais (NOGUEIRA; MIRANDA, 2018)28. Nesse sentido, interromper a circulação de uma Fake News, ainda que insuficiente, é uma das medidas a serem adotadas, tendo em vista o estudo realizado por Perloff (1993 apud PÔRTO JUNIOR, 2009 apud ADRIAN; GOMES; PÔRTO JUNIOR, 2018) que relata a comprovação do efeito de terceira pessoa de notícias difamatórias apresentada por Cohen et al. (1988). Por outro lado, propostas de regulamentação da conduta de usuários nas redes sociais, aspiram cuidados que assegurem a liberdade de expressão e as práticas democráticas, pois segundo Vila Nova (2000), o fato que desperta indignação moral e temor coletivo pode ser compreendido como uma ameaça tanto material, como a ideia de sociedade boa e justa. Em seguida, a sexta notícia da amostra, publicada em dia 03 de março de 2018, sob o título 'Deputado Alberto Fraga pode ter mandato cassado', se concentra na avaliação do comportamento do parlamentar sob a perspectiva do regimento legislativo. 27 Mas o sociólogo afirma que essa indignação se relaciona à ideia de injustiça e alerta que o "que é um problema social para uns, pode não o ser para outros", com dois critérios de identificação (VILA NOVA, 2000, p. 39). 28 "Levando em conta tendências da cobertura, [...] além da ótica investigativa do jornalista ser conduzida sempre pela narrativa factual, deixa o jornalismo ainda distante de contribuir efetivamente para o enfrentamento desse problema social" (NOGUEIRA; MIRANDA, 2018, p. 183). Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 165 Figura 9 - Print da tela inicial da sexta matéria sobre instauração de processo por quebra de decoro A matéria trata da abertura de processo no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro. É importante ressaltar que as publicações apontam a circulação de Fake News e de declarações preconceituosas, iniciadas por autoridades contra Marielle Franco, com relato do repúdio de diferentes seguimentos da sociedade. Porém, no período analisado, não há registro de desfecho nem do assassinato, tampouco das representações contra o deputado ou a desembargadora, além da informação de abertura de processos para apuração dos incidentes. Para Petric e Pinter a simples distribuição de opinião não determina o clima de opinião, então eles citam autores que apontam esclarecimentos sobre essa condição. Climate of opinion is more than mere distribuition of opinions; it is a complex of conditions, among which the normative pressure generated by a prevailing opinion is extremely relevant. A spiraling effect is only possible when issues or topics are morally loaded or value-laden (NOELLE-NEUMANN, 1993; JEFFRES et al., 1999 apud PETRIC; PINTER, 2012, p. 40) As sistemáticas relações comunicativas são permeadas por variáveis complexas, em fluxo entre a opinião pública e a espiral do 166 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News silêncio, devendo-se considerar a influência da mídia de massa na política dessa construção (KIM; HAN; SHANAHAN; BERDAYES, 2004) pois a partir dela são incluídas em nossas preocupações, temas que de outra forma não chegariam ao nosso conhecimento (HOHLFELDT, 2001). Porém, por outro lado, com a internet em constante expansão, a mídia online desterritorializou o controle da informação29, sob o ponto de vista do gatewhatcher30 (BITAR, 2018; CORREIA; ROCHA, 2018). Se por um lado, o agendamento da pauta Fake News no veículo JTO online se mostrou ainda muito tímido; de outro, é preciso reiterar que continua sendo importante o desempenho do veículo de comunicação na sensibilização do seu público (SILVA, 2018)31 que também não está imune aos efeitos da comunicação em rede32 (KARNAL, 2017, entrevista). A circulação de notícias falsas contra Marielle Franco denota uma ocasião em que, no Brasil, a Fake News teve ampla rejeição do público, evidenciada na mobilização de diferentes seguimentos sociais, mesmo com a notória cautela na responsabilização dos praticantes. Contudo, sob o contexto da análise apresentada, seguem nossas considerações finais. 29 A "mídia online possibilitou que as audiências, ou seja, o público, personalizassem a sua forma individual de consumir as informações" (BRUNS, 2011 apud BITAR, p. 222-223) 30 "Isto redefine o papel do jornalista como um papel de anotador ou de orientador, uma mudança do cão de guarda para o ‘cão guia’" (BARDOEL; DEUZE, 2001, p. 94 apud BITAR, 2018, p. 223, tradução da autora) 31 "O que se busca, de forma cada vez mais freqüente, é identificar e compreender em que medida os efeitos se apresentam e até que ponto contribuem para a construção de novas realidades" (SILVA, 2018, p. 45). 32 Segundo Leandro Karnal (2017) que também afirma durante a entrevista ao Canal Livre, nenhum indivíduo está imune a co-participação na circulação de Fake News, ou ainda, de se tornar vítima desse tipo de publicação. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 167 Considerações finais Diante das constatações alcançadas, o JTO online adotou uma narrativa dedicada tão somente aos aspectos factuais da pauta, optando por textos que não evidenciavam a relação entre as afirmações falsa e o termo Fake News. Mesmo com termos sinônimos, o agendamento da pauta Fake News contra Marielle Franco não foi significativo no veículo; não ofereceu uma abordagem amplamente esclarecedora ao seu público sobre os aspectos envolvidos no tema; tampouco informa como evitar a coparticipação na circulação de notícias falsas, a existência de curadoria ou acesso às ferramentas e formas de apuração da credibilidade da publicação (BITAR, 2018; CORREIA; ROCHA, 2018). A cobertura jornalística sobre as Fake News praticadas por autoridades contra Marielle, só foi iniciada no veículo a partir da repercussão do repúdio de diferentes segmentos sociais, na imprensa. Com a previsão de efeitos das publicações falsas no período eleitoral nacional desse ano, a tendência é que os veículos se envolvam mais no processo de desconstrução das notícias falsas, como sinalizou o seminário sobre o tema em Brasília. Os aspectos e consequências das notícias falsas não é um assunto novo, mas uma vez potencializada pela internet carece de novos esclarecimentos, tendo ainda, enfrentado grande resistência no entendimento social. E nesse contexto, o papel de ferramenta de acesso a informação da imprensa necessita melhor desempenho, especialmente pela mídia de massa. A reflexão promovida a partir desse estudo científico não encerra inferências, mas busca contribuir com os estudos já iniciados sobre o tema no esforço de colaborar com a produção de conhecimento de fatos sociais e quiçá inspirar pesquisas futuras. 168 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Referências ADRIAN, Alessandra B. Bacelar Abreu; GOMES, Luciano S.; PÔRTO JUNIOR, Francisco G. R. A influência da mídia na promoção da imagem da polícia militar em alunos e ex-alunos de colégios militares do Tocantins: uma análise a partir do efeito de terceira pessoa. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 63-82 p. ISBN - 978-855696-273-7. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1999. BITAR, Marina Parreira Barros. A teoria do Gatekeeper e o surgimento do Gatewatcher: o Crowdsourcing na prática jornalística. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 211-237 p. ISBN - 978-85-5696-272-4. BOTELHO, Nayara Lopes; PÔRTO JÚNIOR, Francisco Gilson Rebouças. Estereótipos da imagem social da mulher: percepções e aplicações do efeito priming. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 189-210 p. ISBN - 978-85-5696-272-4. BRAGON, Ranier. Câmara arquiva processo contra Fraga, que postou boato sobre Marielle. Folha S. Paulo. [Online] Publicado em 29 mai 2018, às 18h04. Editoria Cotidiano, 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/camara-arquivaprocesso-contra-fraga-que-postou-boato-sobre-marielle.shtml>. Acesso 29 mai 2018. Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 169 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. [Online]. Brasília, DOU de 24 abril de 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 18 mai 2018. BRITO, M. A VERDADE SEM REPRESENTAÇÃO. Revista Observatório, v. 4, n. 1, p. 42-55, 1 jan. 2018. Disponível em: < https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/observatorio/article/vi ew/4273> Acesso em: 18 jun 2018. CAMPOS, Claudinei José Gomes. Método de Análise de Conteúdo: ferramenta para a análise de dados qualitativos no campo da saúde. Revista Brasileira de Enfermagem [S.I.], v. 57, n. 5, p. 611 – 614, set-out. 2004. ISSN 19840446. Disponível em: <http://redalyc.org/ articulo.oa?id=267019632019>. Acesso em: 15 jul. 2017. CANAL LIVRE. Pós-verdade, as notícias “fakes” que abrem espaço para o mercado de manipulação, boatos e mentiras. Tv Bandeirantes. [Online] Entrevista com Leandro Karnal, Parte1 a 4, 2017. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=duMdymb3fk8>. Acesso em: 18 mai 2018. CASTRO, Darlene Teixeira; PÔRTO JÚNIOR, Francisco Gilson Rebouças. A hipótese da agenda-setting: introduzindo conceitos. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 21-35 p. ISBN - 978-85-5696-272-4. CORREIA; Cynthia Mariah Barreto; ROCHA, Liana Vidigal. Aplicativos de notícias e curadoria de conteúdos como Hub para as teorias de comunicação: gatekeeper e gatewatching. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 197-220 p. ISBN - 978-85-5696-273-7. 170 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News FLOOD, Alison. 'Post-truth' named word of the year by Oxford Dictionaries. The Guardian. Inglaterra, 15 nov. 2016. Disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2016/nov/15/post-truth-namedword-of-theyear-by-oxford-dictionaries>. Acesso em: 28 jun. 2017. HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luis C; FRANÇA, Vera Veiga (Orgs.). Teorias da Comunicação: Conceitos, escolas e tendências.11 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. IBGE. Regiões Geográficas Imediatas e Região Geográfica Intermediária. In: _____ Malha Municipal, 2015. Base Cartográfica Contínua do Brasil, ao milionésimo - BCIM 2010; SRTM; Relevo sombreado, 2000. Mapa [online]. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2015. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/divisao_regional/di visao_regional_do_brasil/divisao_regional_do_brasil_em_regioes_geogr aficas_2017/mapas/17_regioes_geograficas_tocantins.pdf>. Acesso em: 12 mai 2018. KIM, Sei-Hill; HAN, Miejeong; SHANAHAN, James; BERDAYES, Vicente. TALKING ON 'SUNCHINE IN NORTH KOREA': a test of the spiral of silence as a theory of powerful mass media. International Journal of Public Opinion Research. vol. 16, Nº 1. World Association for Public Opinion Research, 2004. MACIEL, Thamyres P; SOUSA, Sonielson L. de; MIRANDA, Cynthia M; GHIZONI, Liliam D. Pós-modernidade e vertigem existencial entre jovens: influência da mídia pela teoria do enquadramento. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 71-86 p. ISBN - 978-85-5696-272-4. MAPA DA MIDIA NO TOCANTINS. Mapa da mídia no Tocantins. Universidade Federal do Tocantins. Base [online]. Tocantins: Grupo de Pesquisa Jornalismo e Multimídia. Disponível em: < http://www.midiatocantins.com.br/>. Acesso em: 12 mai 2018. MORAES, Nelson Russo de; MORAES, Dorival Russo de. A política e a comunicação de massa: apontamentos sobre o framing na campanha Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 171 presidencial norte-americana de 2008. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 37-50 p. ISBN - 978-85-5696-272-4. NOGUEIRA, Rose Dayanne Santana; MIRANDA, Cynthia Maria. Agendamento e contra agendamento: o “8 de março” no jornal do tocantins. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; SANTI, Vilso Junior (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 155-187 p. ISBN - 978-85-5696-272-4. PARISER, E. The Filter Bubble. What the Internet is Hiding from You. The Pinguim Press. New York, 2011. Disponível em: <http://hci.stanford.edu/courses/cs047n/readings/ The_Filter_Bubble.pdf>. Acesso em: 01 jun 2018. PETRICˇ, Gregor; PINTER, Andrej. FROM SOCIAL PERCEPTION TO PUBLIC EXPRESSION OF OPINION: a structural equation modeling approach to the spiral of silence. International Journal of Public Opinion Research, vol. 14 No. 1. World Association for Public Opinion Research, 2002. SILVA, João Nunes da. Mídia Effects: um olhar crítico sobre as hipóteses do agenda-setting e do framing. In: PÔRTO JR, Gilson; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo. [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. 21-47 p. ISBN - 978-85-5696-273-7. VILA NOVA, Sebastião. Sociologia, cultura e sociedade. Sociologia: uma ciência da sociedade. Problemas sociais e problemas sociológicos. In: ____. Introdução à Sociologia. [Online] 5ª ed. rev. São Paulo: Atlas, 2000, p. 3941. Disponível em: < http://www.academia.edu/22688660/Introdu%C3%A7%C3%A3o_%C 3%A0_Sociologia_Sebasti%C3%A3o_Vila_Nova>. Acesso em: 26 mai 2018. 172 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News VOLUNTÁRIOS. A verdade sobre Marielle Franco. [Online] Iniciativa de combate às Fake News e declarações falsas sobre Marielle Franco. Site Marielle Franco, 2018. Disponível em: <https://www.mariellefranco.com.br/averdade>. Acesso em: 18 mai 2018. Referências das notícias AGÊNCIA ESTADO. Após comentários, parentes de portadores de Síndrome de Down protestam contra desembargadora. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 21 mar 2018. Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/ noticias/politica/ap%C3%B3s-coment%C3%A1rios-parentes-deportadores-de-s%C3%ADn drome-de-down-protestam-contradesembargadora-1.1486050> Acesso em: 16 mai 2018. ______. Assassinato de Marielle aponta para envolvimento da milícia, diz Jungmann. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 16 abr 2018. Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/assassinatode-marielle-aponta-para-envolvimento-da-mil%C3%ADcia-dizjungmann-1.1506333> Acesso em: 16 mai 2018. ______. Deputado Alberto Fraga pode ter mandato cassado. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 03 abr 2018. Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/politica/dep utado-alberto-fraga-pode-ter-mandato-cassado-1.1495492> Acesso em: 26 mai 2018. ESTADÃO CONTEÚDO. Voluntários criam site para desmentir notícias falsas sobre Marielle. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Geral, 19 mar 2018. Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/geral/volunt %C3%A1rios-criam-site-para-desmentir-not%C3%ADcias-falsas-sobremarielle-1.1483591>. Acesso em: 16 mai 2018. ______. PSOL pede cassação do deputado Alberto Fraga após publicações fakes sobre Marielle. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 21 mar 2018. Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/geral/psol- Cleide das G. V. dos Santos; Ruy A. P. Bucar; Francisco Gilson R. P. Júnior| 173 pede-cassa%C3%A7%C3%A3o-do-deputado-alberto-fragaap%C3%B3s-publica%C3%A7%C3% B5es-fakes-sobre-marielle1.1486026>. Acesso em: 12 mai 2018. ______. Justiça do RJ manda Facebook tirar do ar ofensas contra Marielle Franco. Jornal do Tocantins. [Online] Tocantins, editoria Notícias, 28 mar 2018. Disponível em: <https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/noticias/geral/justi% C3%A7a-do-rj-manda-facebook-tirar-do-ar-ofensas-contra-mariellefranco-1.1491231>. Acesso em: 26 mai 2018. HELENO, Dídimo. O caso Marielle e ódio nas redes sociais. Jornal do Tocantins. Tocantins, Caderno Estado, Coluna Judiciário, 25 mar 2018. Disponível em: < https://www.jornaldotocantins.com.br/editorias/estado/judici%C3%A1 rio-1.456286/judici% C3%A1rio-1.1488410>. Acesso: 12 mai 2018. Capítulo 7 O enquadramento da morte da vereadora Marielle Franco nas coberturas de Veja e Carta Capital Janaína Costa Rodrigues1 Maria Lúcia Adriana Silva Gomes2 Cynthia Mara Miranda 3 Amanda Maurício Pereira Leite 4 Introdução O critério da objetividade jornalística ainda é o adotado por boa parte das grandes empresas de comunicação no Brasil, todavia os estudos do jornalismo apontam que a neutralidade é um exercício bastante ingrato para os profissionais dessa área, haja vista que a produção noticiosa se articula em um campo minado por diferentes elementos, dentre os quais pode-se destacar os interesses econômicos das organizações, as expectativas dos anunciantes, 1 Assistente Social, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT, e-mail: janarev@hotmail.com. 2 Jornalista e bacharel em Direito, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT, e-mail: dricasgomes@gmail.com. 3 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília, Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT, e-mail: cynthiamara@mail.uft.edu.br. 4 Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT, e-mail: amandaleite@mail.uft.edu.br. 176 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News influências políticas, implicações da própria realidade e ainda pelas convicções pessoais daquele que é responsável pela composição do relato, o jornalista. Traquina (2005) assevera que esses elementos, aliados a prazos apertados, formatos dos diferentes veículos e à competitividade, constantemente atravessam e condicionam o fazer jornalístico, fazendo com que o ideal asséptico se mostre ainda mais comprometido. Apesar disso, ele pondera que essa é uma atividade intelectual, que se perfaz por meio de um agir criativo, responsável pela “construção do mundo em notícias”. Por essas razões, o autor (TRAQUINA, 2005) garante que ser jornalista é uma das profissões mais difíceis que existem, pois se refere a um fazer que exige do profissional grande senso de responsabilidade social. Seu labor baseia-se na realidade, matériaprima do trabalho jornalístico, e no desejo do ser humano pela informação sobre seus pares e sobre o mundo que o rodeia. Entendendo essas implicações basilares do processo de produção da notícia, este artigo visa analisar as diferenças na construção do relato noticioso, compreendendo que a notícia, ainda que trate de um mesmo assunto, a depender de quem a produziu, possui intencionalidades. Para tanto, este trabalho analisará o enquadramento noticioso da morte da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, ocorrida em 14 de março de 2018 e que ganhou repercussão em grandes veículos da imprensa nacional, a partir de matérias publicadas nas revistas semanais Veja e Carta Capital, na semana do fato. Enquadramento: uma teoria da comunicação De acordo com Traquina (2005, p.31), entender “porque as notícias são como são” contribui para a compreensão do jornalismo como um todo. Além disso - segundo ele - ao longo dos anos, esse questionamento sobre as razões pelas quais as notícias se configuram de uma forma e não de outra, tem servido de aporte Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 177 para o surgimento de diferentes teorias na área da comunicação, dentre elas a Teoria do Enquadramento ou do Framing, fio condutor deste trabalho. Cabe destacar de antemão que, apesar de existirem correntes que divirjam sobre a existência de teorias comunicacionais, para fins deste trabalho, será considerado o pensamento de Martino (2007, p. 1), o qual garante que “por mais que sejam efêmeras as evidências ou por mais duras que sejam as objeções, temos certeza de que podemos falar em teorias da comunicação”. Entretanto, o mesmo autor pondera que essa certeza se baseia em movimentos atuais desse campo de conhecimento e que um estudioso dos anos 40, por exemplo, preferia a utilização do termo “pesquisa em comunicação”. Martino (2007) acredita que foi graças à sistematização dos estudos, impulsionada pelo surgimento dos cursos de graduação e pós-graduação em comunicação, e – principalmente – por causa da crescente produção literária acerca do tema no final dos anos 60 que começou a se poder falar em teorias comunicacionais. Segundo o autor em questão, essa sistematização ainda não se apresenta de forma organizada, como em outras áreas. Prova disso é que em trabalho que comparou nove obras de teorias da comunicação, retiradas dos currículos de cursos de comunicação em língua espanhola, observou elementos que fragilizam e até justificam o posicionamento dos que não consideram a existência das teorias. Dentre os referidos elementos pode-se destacar os seguintes: as teorias aparecem em apenas uma obra, ou seja, nenhuma delas é comum em todos os livros; os autores não apresentam conceitos de comunicação; os padrões de análise se baseiam em dados que correspondem a um universo que varia entre 2 e 14%, margem considerada ínfima pelo autor. Ainda assim, Martino (2007) aponta que apesar dessa aparente dispersão sistêmica, em todos os livros é possível reconhecer temáticas comuns, as quais ele chama de territórios ou subáreas, que demarcam o campo abraçado por essa área, quais 178 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News sejam: atividades profissionais (jornalismo, publicidade...), conexão com outras disciplinas (linguística, sociologia, psicologia, ciências políticas...), temas de interesse social (saúde, organizações...), e “elementos propriamente teóricos, como a escala do fenômeno (massa, grupo, individual...)”. E é a partir desses atrelamentos que ele atesta o seguinte: (...) uma teoria somente pode ser considerada teoria da comunicação se respeitar o preceito da centralidade do fenômeno comunicacional. Isto significa dizer que a realidade humana deve ser explicada (entendida, descrita) tomando-se a comunicação como fator privilegiado. Assim, se o economista explica através da centralidade dos fenômenos econômicos (mercado); se o sociólogo o faz através dos fenômenos sociais (evolução, estrutura, organização social...) ... o comunicólogo deve explicar a realidade humana a partir dos fenômenos comunicacionais. [...] Daí seu nome comunicacional, pois toma a comunicação não necessariamente como causa, mas como fator central para a compreensão desses fenômenos (MARTINO, 2007, p. 5). Partindo desse pressuposto, é perfeitamente cabível elencar o enquadramento, cerne teórico e metodológico desta pesquisa, como uma teoria da comunicação. Isso porque é uma abordagem engendrada a partir do entendimento de que os discursos midiáticos influenciam a construção social da realidade nas sociedades contemporâneas, podendo interferir na interpretação do indivíduo sobre o mundo que o rodeia e nas suas interações com seus pares, conforme explicam Gamson e Modigliani (1989 apud GONÇALVES, 2005), corroborando com os apontamentos de Martino (2007). Vencida essa questão, impõe-se agora a compreensão da referida teoria. O enquadramento faz parte do campo de estudo dos efeitos dos meios de comunicação de massa ou media effects (GONÇALVES, 2005; ROSSETTO e SILVA, 2012) e consiste na observação de como os profissionais da comunicação utilizam quadros “na construção de estórias noticiosas” e em como essa perspectiva montada é interpretada pela audiência (ROSSETTO e Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 179 SILVA, 2012). A esse respeito, Traquina (2005 p. 26) certifica que “os jornalistas são participantes ativos na definição e na construção das notícias e por consequência na construção da realidade”, ficando demonstrado que pensar sobre enquadramento noticioso é um exercício de percepção de destaques e omissões intencionais. O conceito de enquadramento vem sendo utilizado para análises das mídias desde os anos 80, mas – conforme Gonçalves (2005) - ele foi importado da psicologia, graças aos estudos de Gregory Bateson. O pensamento desse último situa que a ideia de frame se baseia na abstração da comunicação interpessoal e surgiu do interesse em compreender o diálogo entre psiquiatra e paciente. Nesse contexto, para Bateson, quando um indivíduo (paciente) tenta explicar algo que faz parte da sua realidade a outra pessoa (psiquiatra/psicólogo), ressaltando algumas coisas e omitindo outras, a mensagem emitida apresenta para o receptor a realidade que se quer transmitir, explicitada verbalmente. E esse processo de metacomunicação ele denomina de enquadramento psicológico (GONÇALVES, 2005). Partindo desse entendimento, estudiosos de diferentes áreas das ciências sociais passaram a utilizar o conceito de framing para compreender fenômenos, conforme fica constatado na assertiva seguinte: Utilizado para fins diversos, a ideia de enquadramento discutida por esses autores remete a um conjunto de fenômenos similares. Ela quase sempre aponta para o modo como os indivíduos dotam de sentido uma situação, a partir de matrizes interpretativas previamente formadas, e como tais matizes podem engendrar mudanças comportamentais. Todos eles também destacam a capacidade dos indivíduos em manipular algumas de suas expressões, verbais ou não, para persuadir aqueles com quem interagem de um dado enquadramento para uma situação. Tais manipulações, no entanto, não constroem necessariamente uma visão falsa ou mentirosa da realidade, mas apenas enfatizam determinados elementos ou possibilidades desta em detrimento de outros (CAMPOS, 2014, p. 381). 180 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News No campo das mídias, o enquadramento é utilizado na compreensão de como são produzidas as mensagens noticiosas pelos meios de comunicação (suas motivações por determinadas abordagens) e quais são seus efeitos na audiência. Em Entman (1993), uma das principais referências do tema, tem-se que enquadrar é colocar em evidência determinados aspectos da realidade em um relato noticioso, fazendo com que haja um sugestionamento sobre a forma de interpretar uma situação relatada. Para este autor: “o texto contém quadros, que são manifestados pela presença ou ausência de determinadas palavraschave, ações, imagens estereotipadas, fontes de informação e frases, que fornecem grupos de fatos ou julgamentos reforçados tematicamente” (ENTMAN, 1993, tradução nossa5). Vale a ressalva de que enquadrar não é forjar situações que não aconteceram, a Teoria do Framing trabalha com a perspectiva de que o relato jornalístico é construído a partir de fatos condizentes com a realidade. Todavia, aquele que produz a mensagem se utiliza de artifícios que sobrepõem pedaços de informação em detrimento de outros, ou até mesmo omitem fatos, com o objetivo de chamar mais atenção e fixar na memória do receptor aquele detalhe que lhe interessa salientar. Park (2003 apud LEAL;COSTA, 2011) consegue traduzir de forma bastante inteligível e – porque não dizer poética a essência do conceito de enquadramento: As pessoas apenas enxergam o mundo através de uma moldura de uma janela. Se a moldura da janela é muito pequena, as pessoas já enxergarão uma pequena parte do mundo. Se a janela na parede é voltada para o oeste, as pessoas apenas enxergarão o oeste. Em outras palavras, a mídia pode mostrar apenas uma pequena parte do mundo a partir de um particular ponto de vista. 5 Texto Original: The text contains frames, which are manifested by the presence or absence of certain keywords, stock phrases, stereotyped images, sources of information, and sentences that provide thematically reinforcing clusters of facts or judgments. Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 181 Por outro lado, como bem demarca Entman (1993), apesar de se constituírem em decorrência de estudos empíricos bastante contundentes, não se pode conceber a ideia de que a audiência sempre interpretará o quadro exatamente da maneira pensada pela entidade jornalística. Segundo este autor, a autonomia do público é um paradigma para o framing. É inegável que o texto midiático, ao propor a instituição de quadros, se perfaz por meio de uma estrutura em que há maior probabilidade de que as ideias implícitas nele sejam aceitas em conformidade, todavia não se pode olvidar a possibilidade de que as audiências também podem “reenquadrar” o fato, a partir de suas experiências de mundo. Ainda assim, e apesar disso, estudar o jornalismo com base na perspectiva do enquadramento noticioso é pertinente, já que, mesmo com limitações, o caminho teórico que se traçou até aqui permite supor sua eficácia. A esse respeito, Macêdo (2018, p. 105) destaca que “a noção de enquadramento trouxe mais respeitabilidade para a área de estudos de mídia, marginalizada muitas vezes como ‘não científica’”. A autora avalia ainda que pesquisas de framing permitem reconhecer como empresas e jornalistas constroem realidades sociais a partir da produção da notícia. Ao direcionar o olhar para questões que influenciam a construção de contextos sociais importantes, como direitos humanos e igualdade de gênero – por exemplo, a atenção ao processo de escolha dos quadros é algo que possui importância ainda maior. Isso porqueos enquadramentos desses assuntos e sua adesão ou não podem representar a disseminação de conceitos nocivos a uma vida em sociedade mais plural. Entendendo isso, na seção seguinte serão discutidos os cruzamentos entre enquadramento e o tratamento dado à mulher pela mídia, em assuntos relacionados à participação feminina na política, uma discussão que proporcionará melhor compreensão da produção noticiosa dos veículos analisados nesta pesquisa. 182 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Intersecções entre mulher, mídia e política: o caso Marielle Franco Por serem pouco representadas na política, as mulheres vivenciam também a sub-representação na mídia, quando os veículos tratam do tema. Em geral, os editoriais de política retratam - principalmente - histórias e vivências de homens no exercício de cargos públicos. As poucas mulheres que ocupam espaços de poder são comumente enquadradas em narrativas que reproduzem estereótipos de gênero, o que leva teóricas feministas a constatarem a presença reduzida e marginal das mulheres no noticiário político das principais revistas semanais brasileiras (BIROLI, 2009, DANTAS, RUBIM, 2018). Biroli (2009) analisa que essa ausência ou presença reduzida remete tanto ao funcionamento das democracias liberais – nas quais a igualdade formal convive com formas sistemáticas de exclusão, como à manutenção das mulheres em posições subalternas na sociedade. Na política, campo em que se insere a personagem central do objeto de análise desta pesquisa, pode-se perceber que a exposição midiática só se volta para uma mulher quando esta é postulante a ocupar (ou ocupa) cargos considerados de grande prestígio, como o de presidenta da república, ministra de estado, deputada federal ou senadora. (BIROLI, 2009) O destaque geralmente se dá pela abrangência da responsabilidade, por isso mais comumente se verá na mídia as que compõem a esfera federal. O registro de fatos que envolvam atividade política em cargos considerados ‘menos relevantes’, como de prefeitas e vereadoras, por exemplo, se restringirá aos noticiários de âmbito local. A partir dessas demarcações, é possível fazer outra observação: o envolvimento em grande escândalo político, conflitos de interesse e/ou tragédias, são também critérios de noticiabilidade, além da notoriedade do ator principal do acontecimento. Mas, nesse caso, tanto homens como mulheres chegam a ser retratados no Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 183 noticiário nacional – ainda que persista o maior número de notícias referentes a pessoas do sexo masculino. No que diz respeito às mulheres que compõem o contexto político do país, também não são poucas as vezes que os noticiários as retratam a partir de critérios de beleza, ou se baseando em supostos caracteres femininos de simpatia e leveza. Um exemplo clássico é matéria6 publicada no ano de 2008, pela Revista IstoÉ, sobre a então deputada federal Manuela D’Ávila. Com título ‘Manu, a sedutora’, a publicação fala sobre as pretensões da parlamentar em concorrer à prefeitura de Porto Alegre na época, mas dá destaque mesmo aos aspectos da beleza da deputada, como pode se verificar nas seguintes assertivas: “musa do Congresso”, “assim que pisou em Brasília em fevereiro do ano passado, Manuela D’Ávila foi eleita a musa do Congresso. Com toda razão. A jovem deputada do PCdoB gaúcho chama a atenção. É mesmo uma mulher muito bonita”, “comprovou que é capaz de seduzir também no jogo parlamentar”, “as jornalistas que cobrem a Câmara comentam que Manu emagreceu e está mais preocupada com o figurino”. Esse foi apenas um exemplo, mas é recorrente essa visibilidade preconceituosa relegada às mulheres que fazem parte do cenário político brasileiro, por parte de muitos veículos de mídia. Entendendo esse recorte de subalternização das mulheres no contexto político, partiremos para a compreensão do caso específico que este trabalho se propõe a analisar. Partindo da constatação de que a morte é um valor-notícia, este artigo visa analisar o enquadramento de duas revistas semanais brasileiras, Veja e Carta Capital, sobre a morte da vereadora Marielle Franco. A vereadora em questão foi eleita com mais de 46 mil votos, no Município de Rio de Janeiro em 2016, para a legislatura 20172020, pelo Partido Socialismo e Liberdade - PSOL. Era crítica da intervenção federal no Rio de Janeiro e da Polícia Militar e foi executada a tiros quando saía de uma Roda de Conversa com 6 Disponível em: https://istoe.com.br/1901_MANU+A+SEDUTORA/. Acesso em 08 jul. 2018. 184 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News mulheres negras. O crime foi amplamente divulgado pela mídia impressa em geral, obteve grande repercussão e gerou manifestações pelo Brasil e pelo mundo. Marielle era militante de direitos humanos, negra, mulher, feminista e pertencente ao movimento LGBT. A escolha do episódio de morte de uma vereadora negra se deu porque a invisibilidade de mulheres negras e lésbicas no noticiário político brasileiro é ainda maior que das mulheres brancas (BIROLI, 2009). E vê-la representada com tanta visibilidade nacional em sua morte nos levou a analisar a narrativa construída por Veja e Carta Capital, observando se há divergências nos enfoques do ponto de vista ideológico e ainda se há reprodução de suas ideias e lutas centrais. A hipótese desse estudo é que os recortes da realidade construídos nas duas revistas semanais possuem finalidades diferentes e são enquadrados conforme intencionalidades editoriais. Marielle Franco era uma voz que ecoava e foi drasticamente interrompida. Porém, o silêncio de sua voz foi pauta que fez emergir na agenda pública a discussão sobre as opressões. Quanto aos grupos subalternizados, Ribeiro (2017) enfatiza que no Brasil os processos de exclusão fazem persistir hierarquias de opressões, o que leva ao emudecimento da voz e do lugar de fala desses grupos – mulheres, negras e negros, LGBT’s. As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratadas de modo igualmente subalternizados, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente. Isso, de forma alguma, significa que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias formas de organizações políticas, culturais e intelectuais. A questão é que essas condições socais dificultam a visibilidade e legitimidade dessas produções. (Ribeiro, 2017, p. 63) O racismo estrutural situa a mulher negra em condição subalterna e, consequentemente, seu discurso segue desautorizado Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 185 no imaginário social e silenciado estruturalmente. Porém, os grupos vulneráveis criam forma de enfrentar o silêncio institucional. E, no caso, Marielle Franco era uma mulher ligada a movimentos sociais, cujo lugar de fala é o segmento popular com recortes de gênero e raça. Embora as condições de vida dificultem a visibilidade de tal discurso e mesmo que não permeie o noticiário nacional, foi o discurso que se legitimou com a inserção da vereadora no mandato eletivo, com a expressividade de ter sido a quinta mais votada. É possível inferir que ela possuía um espaço privilegiado e não comum a mulheres com suas marcas sociais. Assim é possível fazer a seguinte indagação: será que a cobertura midiática de sua morte por Veja e Carta Capital garantiu lugar de fala aos grupos que ela representava? Convém destacar que os veículos de comunicação constroem suas narrativas através de estratégias comunicativas, recorrendo intencionalmente a recursos linguísticos e/ou figuras de linguagem que sustentam seus discursos midiáticos. As narrativas midiáticas são fáticas, ou seja, são objetivas e baseadas em histórias reais. Presume-se que em jornalismo se trabalha com a divulgação da “verdade”. Contudo, a análise pragmática da narrativa nos leva a compreender que as narrativas midiáticas são carregadas de ideologias e intencionalidades, constituindo-se não somente representação da realidade, mas também dispositivos discursivos utilizados socialmente, de acordo com pretensões (MOTTA, 2013). Diversos autores em seus trabalhos acadêmicos constatam o antagonismo ideológico de Veja e Carta Capital e os efeitos de sentido que podem ser observados nas entrelinhas dos textos e do discurso midiático dessas duas revistas semanais brasileiras (BARREIROS, AMOROSO, 2008; VAL, 2007; IUAN, 2014). Marilena Chauí (2008) ressalta que a ideologia é um dos meios utilizados pelos dominantes para exercer dominação de tal forma que os dominados não percebam sua subordinação. Os meios de comunicação são também utilizados como instrumento para produzir consensos. Colling (2002, p. 114) reforça que os meios de 186 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News comunicação têm o poder de nos dizer como devemos pensar os temas pautados na mídia. “O papel da ideologia é fazer com que os homens creiam que essas ideias são autônomas (não dependem de ninguém) e representam realidades autônomas (não foram feitas por ninguém)” (CHAUÍ, 2008, p. 80). Como nenhuma narrativa é ingênua, estudos sobre o enquadramento noticioso de Veja e Carta Capital registram, por exemplo, que embora tenha em sua gênese priorizado o caráter político, Veja – revista semanal do grupo Abril – direciona hoje boa parte de seu conteúdo para assuntos sobre comportamento, saúde e celebridade. É também uma revista que reforça o discurso institucional dos grupos dominantes – algo feito não diretamente, mas observado na análise de um conjunto de notícias (IUAN, 2014) Já a Carta Capital pauta economia, política e cultura, com maior ênfase aos assuntos políticos (VAL apud IUAN, 2014, p. 11). Ambas ressaltam temas de cunho geral – embora também não deixem as generalidades de lado. Enquanto Veja tenha emergido em um período de censura e repressão à imprensa, Carta Capital iniciou suas atividades já em regime democrático. Iuan (2014) ilustra o citado antagonismo ideológico, demonstrando, em diversos episódios do cenário político nacional e internacional, o enquadramento diferenciado das duas revistas semanais brasileiras, do ponto de vista ideológico. Outro acontecimento evidenciado pelas duas publicações foi o falecimento do então presidente da Venezuela Hugo Chávez, em março de 2013, por câncer de próstata. A revista Carta Capital, por meio da chamada “A morte de um líder” procura focalizar o entusiasmo popular suscitado por Chávez, além de seu carisma perante o povo venezuelano. Contrariamente, a Veja apresenta em sua capa o título “A herança sombria”, numa clara referência tanto à grave situação econômica do país quanto à repressão política praticada durante os últimos anos do seu regime, envolvendo a subjugação da classe média, a perseguição de empresas privadas e o controle da imprensa, de acordo com o veículo. Nota-se, dessa Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 187 forma, os enfoques diferenciados emitidos pelas duas publicações sobre o legado post mortem de Chávez (IUAN, 2014, p. 25) O enquadramento diferenciado na notícia referente à morte do então Presidente Hugo Chavéz é um dos exemplos citados por Iuan para descrever que, ao construir textos informativos de notícias reais (fáticas, nos termos de Motta 2013), Veja e Carta Capital possuem pontos de vista particulares e contundentes sobre determinado assunto, enquadrando-os conforme sua ideologia. No caso em análise, no legado pós-morte de Hugo Chavéz, o autor verifica em Veja a referência negativa ao regime político da Venezuela, empregado na gestão da figura política em questão. Já em Carta Capital o mesmo tema é retratado com ênfase no entusiasmo popular causado por Chavéz, portanto, o mesmo assunto pautado com outra ênfase. O estudo conclui que a oposição entre as duas revistas é ainda maior quando o assunto em pauta é política. Entendendo esse contexto, na próxima seção passaremos à análise das notícias sobre a morte de Marielle Franco nas revistas em análise. O enquadramento noticioso da morte de Marielle Franco por Veja e Carta Capital Veja7 registra a morte de Marielle Franco no dia 21 de março de 2018, por meio da edição nº 2.574. A revista semanal dedica a matéria de capa a esse conteúdo e descreve em cinco páginas, texto com o título “O crime contra uma voz” (p. 47). A reportagem é de autoria do jornalista Fernando Molica e da jornalista Luisa Bustamante e utiliza 05 imagens. Sobre o uso das imagens importa destacar que são grandes e utilizam boa parte das páginas 7 MOLICA, Fernando; BUSTAMANTE, Luisa. O crime contra uma voz. IN: Revista Veja. Editora Abril. Ed. 2574 . Ano 51- nº 12. 21 de março de 2018. 188 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News destinadas ao conteúdo. Além da matéria, não há espaço para comentários, notas e/ou análises adicionais. A capa estampa o título “A quem interessava matar essa mulher?” e o subtítulo “A execução da vereadora Marielle Franco com 4 tiros na cabeça levanta a suspeita de crime encomendado e leva Temer a falar em ‘atentado à democracia’”. Apesar de possuir o espaço de capa, a matéria no contexto da revista tem menor espaço que outras reportagens no mesmo folhetim. Os jornalistas descrevem o crime e o modus operandi dos criminosos sustentando a grande probabilidade de execução. Ressaltam a multidão reunida para o velório, utilizando imagens para ilustrar a forte comoção social. “A morte brutal a agigantou, ao adicionar um componente político ao inaceitável caldeirão de violência que engolfa o Rio: os disparos abateram uma pessoa eleita pelos cariocas para representá-los” (p. 47). Utiliza a mensagem imagética do caixão chegando ao velório na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro para demonstrar a comoção popular e reforçar o “inaceitável caldeirão de violência” (p. 48). No texto, Veja compara a morte de Marielle Franco e Anderson, motorista que conduzia o carro em que estava a vereadora e que também foi morto por conta dos tiros, à carnificina de Medellín – Colômbia, ocorrida nos anos 90. Utiliza na linguagem argumentativa o reforço da ideia central da matéria – que é trazer elementos reais para argumentar que a intervenção militar é necessária e mobiliza as instituições governamentais. Isso fica evidente também pela afirmação de que o Presidente da República Michel Temer fala em atentado à democracia. Comprovando tal intencionalidade, sobre a comparação com os acontecimentos na cidade colombiana, a matéria traz a frase: “Sua morte traz à memória a carnificina de uma Medellín dos anos 90 em que o crime chegava perigosamente perto de controlar o Estado, ameaçar as autoridades e abalar as instituições da Colômbia” (p. 49). No mesmo parágrafo, ao referir-se à polarização presente no país entre esquerda e direita, afirma: Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 189 Como no Brasil politicamente polarizado, tudo é visto pela lente da deformação ideológica já apareceu críticas à enorme repercussão do crime, creditando-a ao perfil de Marielle: mulher, negra, lésbica e esquerdista. (...) Fosse a vítima um homem, branco, heterossexual e direitista, a gravidade não seria menor. Por tudo isso, o presidente Temer tocou num no ponto nefrálgico: é um atentado à democracia.(p. 48-49) Veja constrói sua narrativa na intenção de reforçar que a repercussão do crime não tem relação direta com o perfil político de Marielle Franco (mulher, negra e lésbica), ou com suas defesas na Câmara de Vereadores. Importante destacar que a parlamentar atuava na direção contrária à intervenção militar; e, como a própria matéria traz, era voz dissidente em relação ao tipo de intervenção proposta pelo Governo Federal no Rio de Janeiro - RJ. Creditar a repercussão a seu perfil poderia representar uma indireta defesa a seus argumentos. Por esse motivo, ao capturar as sutilezas do discurso, é possível inferir que está implícito no conteúdo que o crime tem mais relação com a criminalidade no Rio Janeiro. Tal argumentação sustenta a defesa da intervenção militar tal como está posta no RJ. A matéria apresenta ainda foto de moradores em situações de violência perpetrada pela PM, na Vila Kennedy - RJ. Pessoas e comoção social são novamente objeto de ênfase imagética. Ao lado, imagem de postagem de Marielle no Twitter: “Uma truculência e covardia sem tamanho. Sintomas de uma cidade cada vez mais militarizada e menos democrática”(p. 50). Aqui fica evidente a contradição entre as defesas da parlamentar e o enquadramento da notícia em Veja. A matéria enfatiza que a violência policial não era o único assunto pautado por Marielle, pois a mesma debatia a situação da mulher, racismo e homofobia. Contudo, ressalta que a própria parlamentar se incomodava com o modo de agir da PM. “É certo que o modo de agir da PM a incomodava – uma amiga morreu em fogo 190 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News cruzado no complexo Maré.” (p. 50) A morte da amiga na mesma região é mais um elemento utilizado para corroborar com o centro da argumentação no texto de Veja. Importa sublinhar que o veículo dedica pouco espaço para falar da trajetória política da vereadora e dos projetos de lei que apresentou. Quando introduz o texto sobre seu perfil, utiliza inicialmente informações sobre sua vida privada: Marielle contou que na mocidade era católica praticante e atuava na Pastoral da Juventude. Em seguida passou por um período em que curtia ‘baile, torcida e farra’ – e aí ficou grávida da única filha, Luynara de 20 anos, que criou sozinha e hoje mora com a tia Anielle. (p. 50) É relevante frisar que, embora Marielle tenha ocupado a pauta da revista semanal por ser parlamentar, ainda assim se nota primeiramente o registro de informações de sua vida particular. Sem dúvida, outras mulheres, em sua mesma condição, não estariam no noticiário. Vale destacar que as mulheres que ocupam a arena política possuem suas trajetórias veiculadas na mídia como intrinsecamente ligadas ao âmbito particular. Biroli (2009), comparou o espaço reservado em três revistas semanais para figuras femininas e masculinas, podendo confirmar a presença de estereótipos de gênero e a ênfase em caraterísticas da vida privada (arranjo familiar, relações sociais domésticas), ao passo que nas notícias cujo personagem principal é do sexo masculino, não se nota a mesma correlação. Carta Capital8, em sua edição nº 995 de 21 de março de 2018, também dedica a reportagem de capa à notícia da morte da parlamentar, Marielle Franco. Na capa registra o título “Ainda ouvimos Marielle” e a frase “Os assassinos não conseguem silenciar a vereadora carioca, heroína da luta pela igualdade e contra a 8 CORAZZA, Felipe; MARTINS, Rodrigo. Não há como silenciá-la. 21 de março de 2018. Revista Carta Capital. Ed. 995. Acesso em 23 de junho de 2018. www.editoraconfianca.com.br/acesso/leitor. Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 191 militarização”. A reportagem de autoria de Felipe Corazza e Rodrigo Martins dedica 06 páginas ao registro da morte da vereadora e seus desdobramentos, utilizando sete imagens. A reportagem principal tem o título “Não há como silenciá-la”, mas a revista dedica ainda uma sessão do editor-chefe, Mino Carta, com o título “Sangue no asfalto” que acrescenta outros elementos à abordagem. A reportagem de Carta Capital estampa a imagem de diversas pessoas em manifestação de repúdio à execução de Marielle e Anderson (p. 16-17). A imagem evidencia de um lado o choro e tristeza pela morte – representado por militantes chorando, por outro lado (na mesma foto) apresenta militantes de punhos fechados, representando a resistência com a frase estampada em camisetas: “Marielle e Anderson: presente!”. Em quadro de destaque, aparece a frase: “A dor pela morte da aguerrida defensora dos direitos humanos será capaz de mover a resistência ao arbítrio?” (p. 17). A foto – registro de uma das mobilizações em torno do tema – retrata já no início a complementação do texto que enfatiza paradoxalmente que a tristeza pela morte será também motivo para continuidade da luta contra a militarização da vida social no Rio de Janeiro. “Executada no Rio, a vereadora Marielle Franco deixa um legado de luta pela igualdade social e contra a militarização da segurança pública” (p. 16). Já na primeira imagem observa-se conteúdo implícito que dialoga diretamente com o texto e a intencionalidade dos autores em frisar o caráter coletivo da repercussão da morte e a mobilização popular para que, após a morte, a voz dos segmentos vulneráveis (aos quais Marielle pertencia), continue a ecoar em torno da denúncia e insatisfação com a intervenção militar. O texto descreve o crime em detalhes, apontando indícios de execução. Observa-se o mesmo detalhismo de Veja para descrever as circunstâncias que comprovam a provável execução. Nesse ponto os dois veículos se assemelham em constatar indícios da 192 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News materialidade do crime, reverberando na hipótese de provável execução. Os dois veículos usam comparações. Carta capital compara o modus operandi dos criminosos com a emboscada que matou a juíza Patrícia Acioli em 2011 com 21 tiros. A magistrada em questão atuou em processos contra mais de 60 policiais militares acusados de participar de milícias e grupos de extermínios. Aqui a parlamentar é associada a uma “defensora da lei”. Essa comparação traz ao leitor a sensação de que as pautas que ela defendia – e por consequência, o repúdio à própria intervenção militar – são importantes para garantir a justiça. A matéria da Carta Capital utiliza trechos de falas de Marielle, centrando a argumentação nos pontos que a vítima criticava, ressaltando também a interpretação de seu grupo político. Diferentemente de Veja, onde o personagem Temer e demais figuras institucionais a ele ligadas, possuem centralidade, na narrativa de Carta Capital observa-se centralidade ao discurso de Marielle Franco. Em relação ao espaço dado à argumentação de Marielle, mencionam os seguintes trechos de falas da vereadora: (1) Quanto aos abusos do 41º Batalhão da Polícia Militar contra moradores da comunidade do Acari: “acontece desde sempre e com a intervenção militar ficou ainda pior” (p. 17); (2) Sobre os interesses políticos por trás da intervenção militar: “tem a ver com a imagem da cúpula da segurança pública, com a salvação do PMDB, tem relação com a indústria do armamentismo” (p. 17). No que concerne ao posicionamento e às interpretações de seu grupo político, destacam-se dois personagens do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade: Marcelo Freixo e Juliano Medeiros. A matéria atribui a Freixo a mesma frase que a matéria de Veja imputa a Temer: “crime contra a democracia”. Como o jornalismo trabalha com a verdade, é provável que os dois personagens tenham dito a mesma frase. Mas, conforme a intencionalidade dos veículos, a mesma frase aparece com conteúdo implícito diferente. A execução Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 193 de Marielle Franco é registrada nas duas revistas semanais como crime ou atentado contra a democracia. O pronunciamento do presidente Michel Temer é enquadrado a partir de um enfoque crítico por Carta Capital, referindo-se os autores, em tom irônico, que Temer aproveitou para fazer “propaganda de sua milagrosa solução para a violência urbana” (p. 17). O veículo deixa evidente que as falas institucionais – representadas pelas autoridades Torquato Jardim (Ministro da Justiça), Luís Fernando Pezão (Governador do Rio de Janeiro) e Michel Temer (Presidente da República) – reforçam que a morte da vereadora não afetará a intervenção militar. O discurso da “segurança nacional” aparece como fator resolutivo para a onda de violência que também vitimou a parlamentar. A transição da fala de Temer aponta para esse enquadramento do veículo (Carta Capital): “Pedi ao ministro Raul Jungmann para colocar a Polícia Federal à disposição para auxiliar o interventor do Estado do Rio de Janeiro, general Walter Braga Neto, na investigação. Esse crime não ficará impune” (p. 18). Infere-se na declaração uma tentativa de utilização do aparato institucional da intervenção militar para a investigação da morte de Marielle Franco. Conteúdo implícito na fala de Temer que foi rapidamente apreendido pela liderança do grupo político da vereadora. Nesse contexto de conflito, o veículo registra a reação do presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, ao posicionamento de Temer: “não vamos aceitar que Temer use esse episódio para justificar a intervenção no Rio” (p. 18). O texto atribui a esse personagem político o uso do termo “presidente ilegítimo”, além disso, registra que o PSOL cobrou responsabilidade compartilhada por Temer e Pezão para dar resposta a esse crime, que denominam “crime político”. Registra que o PSOL não deixará de fazer críticas sobre a decisão do Governo Federal de intervir no Rio de Janeiro, mesmo que Marielle tenha sido brutalmente executada, embora observem a tentativa institucional de desvendar o crime, utilizandose do aparato da questionada intervenção militar. 194 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Ainda em Carta Capital, os jornalistas apresentam dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2016) para reproduzir a imagem de que o Rio de janeiro não é o pior estado em termos de violência. “Apesar do recrudescimento da criminalidade, o Rio de Janeiro é apenas o 10º Estado com maior taxa de mortes violentas no país” (p. 20). Argumentam que pelo menos três outras capitais possuem situação mais crítica – Sergipe, Rio Grande do Norte e Alagoas, e nem assim foram alvo de intervenção militar. Utilizam o portal da Lei de Acesso à Informação para comparar o gasto diametralmente superior com segurança pública no período de 2009 a 2015, quando por 15 meses o complexo da Maré foi ocupado por soldados do exército. A argumentação caminha na direção de desconstruir a visão que esse gasto compensa, visto que da mesma forma não se investe em programas sociais na região e não alcança resultados em termos de melhoria na qualidade de vida. “De fato viver em um local sitiado, sob a mira de juízes está longe de ser a idílica e reconfortante experiência vendida pela propaganda estatal”. (p. 20-21). Percebeu-se que ambas as revistas utilizam depoimentos de diferentes personagens para construir suas narrativas. Souza, Veloso e Porto Jr. (2018) explicam que essa escolha de vozes e o recorte de suas falas é elemento de bastante relevância na construção dos quadros, isso porque depoimentos de fontes diferentes ajudam a construir a realidade que se quer apresentar e são utilizados para proteger a verdadeira intenção do veículo ou do jornalista e reforçar o caráter de objetividade noticiosa. Em pesquisa que analisou os enquadramentos noticiosos na cobertura das greves gerais pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo, ocorridas no Brasil em maio de 2017, os autores identificaram diferentes categorias de vozes (empresas, Governo, Mercado, política, sindicatos, sociedade civil e outros - fontes que não se enquadram nas demais categorias), as quais, “por meio de aspas ou citações indiretas”, expressam o posicionamento dos veículos em relação aos acontecimentos. Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 195 Em Carta Capital, toda argumentação do veículo na matéria sobre a morte de Marielle Franco é ainda reiterada em um artigo de opinião, de Mino Carta, editor-chefe da revista. Na seção é traçada uma análise crítica dos acontecimentos e o autor defende que a intervenção militar no Rio de Janeiro atende interesses políticos, sendo inclusive um “pretexto” para adiar as eleições 2018. Quem conhece a verdadeira origem do mal sabe que a segurança é pretexto (...) Vieram o golpe e o estado de exceção, a progressiva demonização de Lula, os crimes jurídicos do Tribunal do Santo Ofício de Curitiba que, em um país civilizado e democrático, teriam sido punidos por um Supremo digno do nome, bem como impedida a usurpação do poder e inúmeros atos francamente inconstitucionais cometidos pelas máfias do poder, inclusive a intervenção federal no Rio. (...) E até que ponto a tensão provocada pelo abalo teria condições de favorecer os golpistas no sentido de oferecer-lhes o motivo para adiar as eleições pelo tempo necessário, a bem da paz geral da nação? (p. 21) Esse trecho demarca a posição editoral de manter-se contra a intervenção federal e num plano mais macro, a exposição de opinião contrária ao Governo Temer. O texto traz ainda a divisão ideológica do país entre direita e esquerda e tece suas considerações com críticas ao aparato jurídico e institucional que deu suporte ao impeachment de Dilma Rousseff. Denomina o grupo político que representa o poder institucional como máfia do poder, em evidente denúncia ao Governo Temer – citado no texto como governo ilegítimo. Como se pôde verificar, a morte da vereadora foi um acontecimento que agendou os dois veículos em análise, levando-os inclusive a dedicar a capa de suas publicações a ele, no entanto, o que se nota é que o enquadramento escolhido por cada um dos veículos pode gerar no leitor conclusões diferentes sobre a intervenção militar, assunto que é pano de fundo em ambas as publicações. 196 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Considerações finais Apesar das matérias possuírem as mesmas fontes – diretamente envolvidas no tema tratado, houve clara parcialidade na transcrição das ideias dos autores nas duas revistas. Pôde-se constatar a intenção de cada veículo de priorizar certas declarações em detrimento de outras, que foram desconsideradas. A forma como o texto, a escolha das fontes e a transcrição de suas falas se apresentam ao longo das matérias ofereceram aos leitores visões diferentes dos fatos. Nas duas revistas semanais, predominantemente, as mesmas fontes foram ouvidas, porém, o contexto e a argumentação sobre cada discurso, além da tentativa de desqualificar ou valorizar personagens envolvidos nas matérias, são manifestações das visões contrapostas dos dois veículos. Tal processo indica a existência de uma prática direcionada e parcial de jornalismo. O uso de dados sobre segurança pública e a carga fortemente opinativa dos textos de Carta Capital evidenciaram posicionamento contrário ao Governo Temer e à intervenção federal no Rio de Janeiro. Muito embora o tema central da matéria fosse a morte da vereadora, foi possível observar essa influência no conteúdo noticioso – que além do relato dos atos, contextualizou problemas políticas, a partir de sua visão ideológica. Já no enquadramento feito pela revista Veja, ficou claro o intuito de preservar a figura de Temer, criando a impressão de que a morte de Marielle Franco é mais um episódio que indica a necessidade de manutenção da intervenção do Exército na capital fluminense. Convém destacar que não é pretensão desse trabalho analisar qual das publicações apresenta conteúdo “verdadeiro” ou “falso”. O certo é que a leitura de cada revista indica um mesmo assunto, baseado em declarações verdadeiras de fontes comuns nas duas matérias, mas que são pautadas a partir de quadros diferentes, que podem levar o leitor a interpretações totalmente distintas. A partir desse pressuposto, tem-se que “verdade” apresentada nos meios de Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 197 comunicação nada mais é que um discurso construído com aparência de realidade. O enquadramento dado ao assunto corrobora com a intencionalidade editorial, fato que vai de encontro aos conceitos de isenção, imparcialidade e neutralidade na cobertura jornalística, entendida por muitos como fundamentos da comunicação como direito humano. Referências BARREIROS, T. E.; AMOROSO, D. Jornalismo estrábico: Veja e Carta Capital na cobertura do “escândalo do mensalão”. Universidade de La Fronteira: Temuco, 2008. Perspectivas de la Comunicación · Vol. 1, Nº 1, 2008· ISSN 0718-4867. BIROLI, Flávia. Gênero e política no noticiário das revistas semanais brasileiras: ausências e estereótipos. UNICAMP: Cadernos Pagu, janeirojunho de 2009. p. 269-299. CAMPOS, Luiz Augusto. A identificação de enquadramentos através da análise de correspondências: um modelo analítico aplicado à controvérsia das ações afirmativas raciais na imprensa. In: Opinião Pública, vol.20, Nº 3 Campinas: 2014, p. 377-406. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010462762014000300377>. Acesso em: 27 mai. 2018. CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. COLLING, Leandro. A economia no Jornal Nacional nas eleições de 1998. Salvador: Revista Diálogos Possíveis, v. 1, n. 0, p. 113-132, 2002. CORAZZA, Felipe; MARTINS, Rodrigo. Não há como silenciá-la. 21 de março de 2018. Revista Carta Capital. Ed. 995. Acesso em 23 de junho de 2018. www.editoraconfianca.com.br/acesso/leitor. DANTAS, F. A.; RUBIM, L. O. “Tchau Querida!”: questões de gênero na cobertura da mídia sobre o governo Dilma. Revista Observatório, Palmas, v.4, n.1, p. 466-491, jan-mar. 2018. 198 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News ENTMAN, R. M. Framing: toward clarification of a fractured paradigm. Journal of Communication, vol. 43, n° 4, p. 51-58, 1993. Disponível em: <https://www.unc.edu/~fbaum/teaching/articles/J-Communication1993-Entman.pdf>. Acesso em 01 mai. 2018. GONÇALVES, Telmo. A abordagem do enquadramento nos estudos do jornalismo. In: Caleidoscópio, Revista de Comunicação e Cutura, Nº 5/6, 2005, p. 157 – 167. Disponível em: <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/caleidoscopio/issue/view/188>. Acesso em 01 mai. 2018. IUAN, Igor. Veja e Carta Capital: as estratégias discursivas e ideológicas na revelação do câncer de Dilma Rousseff. Curitiba: UFPR, 2014. Disponível em: < https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/35327/R%20-%20D %20-%20IGOR%20IUAN.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em 01 jun. 2018. LEAL, Plínio Marcos Volponi; COSTA, Daniele Marques da Silva. Enquadramentos nos Pronunciamentos Oficiais de Dilma Rousseff: um olhar sobre a proteção da face. 2010. Disponível em : <http://portalintercom.org.br/anais/nacional2016/resumos/R11-22031.pdf>. Acesso em 18 jun. 2018. MACÊDO, Thaize Ferreira. Contribuições da análise de enquadramento ao estudo sociológico da produção de notícias. In: PORTO Jr, Gilson et al. Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. Disponível em: < https://www.editorafi.org/272opaje>. Acesso em 18 jun. 2018. MARTINO, L. C. Uma Questão Prévia: Existem Teorias da Comunicação?.2007. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/ 2007/resumos/R1054-5.pdf>. Acesso em 27 mai. 2018. MOLICA, Fernando; BUSTAMANTE, Luisa. O crime contra uma voz. IN: Revista Veja. Editora Abril. Ed. 2574 . Ano 51- nº 12. 21 de março de 2018. MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise Crítica da Narrativa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2013. Janaína C. Rodrigues; Maria L. A. S. Gomes; Cynthia M. Miranda; Amanda M. P. Leite | 199 RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Coleção Feminismos Plurais. Belo Horizonte: Letramento, 2017. ROSSETTO, G. P. N.; SILVA, A. M. Agenda-setting e Framing: detalhes de uma mesma teoria?. In: Intexto, n.26, UFRGS - Porto Alegre: 2012, p. 98-114. Disponível em: <www.seer.ufrgs.br/intexto/article/viewFile/22933/18921>. Acesso em 27 mai. 2018. SOUZA, T. S. M.; VELOSO, V. L.; PORTO Jr, F. G. R. Os dias em que o Brasil parou: uma análise dos enquadramentos noticiosos na cobertura das greves gerais. In: PORTO Jr, Gilson et al. Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo. Vol. 1: Teorias do agendamento, priming e framing. Porto Alegre, RS: Editora Fi /Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. Disponível em: < https://www.editorafi.org/272opaje>. Acesso em 18 jun. 2018. THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. 431 p. TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias são como são. Volume I. Florianópolis: Insular, 2. ed, 2005. ______. Teorias do Jornalismo. A tribo jornalística - uma comunidade interpretativa transnacional. Volume II. Florianópolis: Insular, 2005. VAL, H. Invasão ao Iraque: um estudo das coberturas das revistas Veja e Carta Capital. São Paulo: PUC, 2007. Disponível em: < https://tede2.pucsp.br/handle/handle/3787>. Acesso em 01 jun. 2018. Capítulo 8 Caso de Marielle Franco: impacto do efeito da terceira pessoa a partir de uma fake news1 Janaína Vilares da Silva2 Glês Cristina do Nascimento3 Liliam Deisy Ghizoni4 Liana Vidigal5 1 Este artigo foi produzido para a disciplina: Tendências Teóricas em Comunicação e Cultura, sob a orientação do Professor Francisco Gilson Rebouças Porto Júnior, do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins (UFT). 2 Mestranda do programa de pós-graduação em Comunicação e Sociedade – PPGCom/UFT. Psicóloga da Universidade Federal do Tocantins. Membro do grupo de pesquisa no CNPQ “Trabalho e Emancipação: Coletivo de Pesquisa e Extensão”. E-mail: vilaresjana@gmail.com 3 Mestranda do programa de pós-graduação em Comunicação e Sociedade – PPGCom/UFT. Jornalista formada pela Universidade do Tocantins (Unitins), com especialização Lato Sensu em Educação, Comunicação e Novas Tecnologias pela Universidade do Tocantins (Unitins), MBA em Marketing Político pela Universidade Católica do Tocantins. E-mail: glesnascimento@gmail.com. 4 Doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações na UnB com Estágio Sanduíche na Université Catholique de Louvain la Neuve - Bélgica. Mestre em Educação (área de Educação e Trabalho) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Saúde Mental pela FIOCRUZ. Psicóloga pela Universidade do Vale do Itajaí, graduação em Estudos Sociais pela Universidade do Vale do Itajaí. Professora adjunta da UFT, no curso de administração e no PPGCom. Líder do grupo de pesquisa no CNPQ “Trabalho e Emancipação: Coletivo de Pesquisa e Extensão”. E-mail: ldghizoni@gmail.com 5 Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Docente do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Sociedade da Universidade Federal do Tocantins. Líder do Grupo de Pesquisa em Jornalismo e Multimídia (CNPq). E-mail: lividigal@uol.com.br 202 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Introdução O assassinato da vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) do Rio de Janeiro, Marielle Franco, no dia 14 de março de 2018, no Estácio, bairro central da cidade, foi um crime que chocou o Brasil, devido à sua natureza. Esta foi executada por indivíduos que se emparelharam ao veículo em que ela estava e efetuaram vários disparos de arma de fogo, levando a óbito também o motorista6. Marielle Franco era política, socióloga, mestre em administração pela Universidade Federal Fluminense (UFF), feminista e ativista e defensora dos direitos humanos, foi eleita como vereadora para a legislatura do período de 2017 a 2020, pela eleição municipal do Rio de Janeiro de 2016. Era crítica da polícia militar e contra a intervenção federal no Rio de Janeiro, denunciou inúmeros abusos de autoridades contra a comunidade das periferias da cidade e comunidades carentes7. As investigações apontam para motivações políticas, o que abriu espaço para diversas fake news a respeito da vereadora. As fake news são notícias elaboradas e publicadas de forma exagerada ou evidentemente falsas, com a finalidade de sensacionalismo ou chamar atenção, bem como desvirtuar uma informação, normalmente com o objetivo de se obter ganhos políticos e/ou financeiros8. Uma pesquisa do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), divulgada pelo jornal O Globo, revelou que a notícia mais 6 Informação disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/vereadora-do-psolmarielle-franco-e-morta-a-tiros-no-centro-do-rio.ghtml>. Acesso em: 01 mai. 2018. 7 Informação disponível em: <https://www.mariellefranco.com.br/quem-e-marielle-francovereadora>. Acesso em: 01 mai. 2018. 8 Informação disponível em: <https://medium.com/revista-subjetiva/ataque-%C3%A0-imagem-demarielle-franco-revela-a-l%C3%B3gica-das-fake-news-f9c60999f07b>. Acesso em: 01 mai. 2018. Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 203 compartilhada na internet sobre a morte de Marielle Franco era uma fake news comprovada9. O efeito da terceira pessoa começou com experimentos iniciais realizados em pesquisas de campo, nas quais o pesquisador perguntava ao sujeito qual o efeito que ele percebia a respeito de uma situação neles (eu) e nos outros (terceira pessoa) (PORTO JR., 2009), revelando a importância de se estudar este tema sob a ótica do caso Marielle Franco e pelas fake news que foram apresentadas sobre a vereadora. Assim, o presente estudo, cuja metodologia adotou a pesquisa exploratória, definindo o público-alvo heterogêneo que frequentava a Assembleia Legislativa do Estado do Tocantins no período de 22 a 29 do mês de maio de 2018, buscou analisar como o efeito da terceira pessoa pode afetar os participantes deste estudo a partir de uma fake news, enfocando o caso Marielle Franco e como este foi retratado pela mídia. Para analisar o objetivo principal deste trabalho, foram propostas as seguintes hipóteses: Hipótese 1: Ao observar a notícia, as pessoas irão acreditar nesse tipo de mensagem, devido ao seu teor negativo exercer maior impacto em outras pessoas do que nelas mesmas, ocorrendo o efeito da terceira pessoa padrão. Em relação ao corolário da distância social existente no efeito da terceira pessoa, acredita-se que os participantes irão apontar que as pessoas com a mesma formação compartilharão da mesma opinião que eles. Conforme a seguinte hipótese: Hipótese 2: O impacto percebido da mensagem nas outras pessoas será maior quando “os outros” (terceiros) tiverem uma formação (educação) diferente do sujeito. No que diz respeito ao componente comportamental do efeito de terceira pessoa, acredita-se que, devido à mensagem ser de 9 Informação disponível em: http://www.labic.net/. Acesso em: 20 jun.2018. 204 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News cunho negativo e pelo impacto midiático que teve este caso, não será apresentado efeito reverso ou efeito de primeira pessoa nesta pesquisa (exerce maior impacto no participante do que nas outras pessoas): Hipótese 3: O efeito reverso de terceira pessoa não aparecerá na presente pesquisa. As sessões subsequentes trataram da “hipótese do efeito de terceira pessoa” e “fake news”, bem como a apresentação da metodologia, resultados e discussões e as considerações finais. Hipótese do efeito de terceira pessoa: entendendo seu conceito Segundo Porto Jr. (2009) a ideia do efeito da terceira pessoa na mídia foi desenvolvida a partir da suposição de efeitos imaginativos sobre outras pessoas de notícias vinculadas na mídia a partir dos trabalhos de W. Phillips Davison em 1983 e complementado por Richard Perloff em 1993. A ideia inicial de Davison (1983; 1996) e Perloff (1993; 1999), em suas pesquisas empíricas, era analisar a existência de “terceiros” (outros) que podem ser influenciados por determinada notícia persuasiva na mídia, mas não o sujeito que a vê inicialmente (eu), ou seja, “os outros indivíduos” (terceira pessoa) expostos às mensagens persuasivas serão mais impactados pelo conteúdo da mensagem do que “eu” (primeira pessoa), e isso os induzirá (eles) “(...) a tomarem certas atitudes e a adotarem certos comportamentos” (AMORIM, 2013, p. 221-222). Desta forma, tal princípio repercute e pode ser generalizado para diversos campos da área da comunicação, principalmente as decisões quanto às censuras e impactos políticos. De acordo com Rocha e Porto Jr. (2018) e Amorim (2013), o pressuposto do efeito da terceira pessoa se caracteriza em uma hipótese ou teoria da comunicação, que possui grande relevância com relação ao impacto no sujeito que recebe a notícia, uma vez que estes são expostos a conteúdos informativos, de tal forma que há um Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 205 julgamento sobre como este conteúdo pode impactar mais outra pessoa do que ela mesma. Portanto, o sujeito exposto a uma mensagem da mídia acredita que tal informação não terá seu maior impacto nele “eu” [primeira pessoa] ou “você” [segunda pessoa], mas neles/“eles” [terceiras pessoas] (PERLOFF, 1999). Conforme ilustrado a seguir. Figura 1 - Ilustração sobre o efeito da terceira pessoa Fonte: Elaborado por Adriano Alves da Silva, 2018. Perloff (1993) aponta algo extremamente importante com relação a essa hipótese, que seria a impossibilidade de “generalização total”, pois o efeito de terceira pessoa não ocorre em todas as pessoas e nem em todas as notícias e circunstâncias, assim, [...] o efeito da terceira pessoa não emerge em todas as circunstâncias e para todas as pessoas. O efeito parece tender particularmente a aparecer quando as mensagens contêm recomendações que não são percebidas como pessoalmente benéficas, quando os indivíduos percebem que a questão é pessoalmente importante e quando percebem que abriga um preconceito negativo. (PERLOFF, 1993, p. 167) Desta forma, Perloff (1999) afirma que quanto maior o conhecimento sobre determinado assunto pelo sujeito, mais imune este será ao efeito de terceira pessoa; bem como quanto maior a distância social percebida com relação à notícia, maior será presença do efeito de terceira pessoa. Gunther e outros (2001), Aggio (2010) e Chagas (2011) complementam esta visão, afirmando que o efeito 206 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News da terceira pessoa tende a ocorrer quando os conteúdos abordados pela mídia possuem algum cunho negativo ou danoso, aumentando a probabilidade do sujeito classificar a mensagem como tendenciosa para o lado oposto, principalmente, quando é abordado assunto relativo a algum tipo de violência. Bragatto (2015, p. 285), ao estudar Davison (1983; 1996), chega à conclusão de que a hipótese do efeito da terceira pessoa apresenta outras questões. [...] do efeito reverso ou da primeira pessoa (quando o observador julga que a mensagem tem mais influência sobre ele que sobre os demais); da desejabilidade social (quando uma mensagem é vista como boa e desejável pelo observador, pode ocorrer o efeito reverso) e da distância social (influência da proximidade social e da identificação do observador com os grupos de comparação). Bragatto (2015) relata que o efeito da terceira pessoa evidencia a chamada “censura”, uma forma de avaliar e controlar o tipo de conteúdo publicado. Rangel (2005) fala que esta censura age como um filtro daquilo que o sujeito (eu) julga ser danoso e prejudicial a outras pessoas (eles: terceira pessoa). Para Adrian, Gomes e Porto Jr. (2018, p. 78) “(...) quanto mais as pessoas acreditam que os outros são influenciados pela mídia, mais elas tendem apoiar atos de censura”. Outro efeito interessante é o da “primeira pessoa”, que não seria nada mais do que um “efeito reverso” provocado por uma notícia, ou seja, sujeito (eu) acredita que uma notícia possui mais impacto nele mesmo, ou no próximo (tu: segunda pessoa), do que em terceiros (eles). Todavia, este efeito normalmente ocorre quando o conteúdo da notícia possui caráter positivo. (CHAGAS, 2011) Para Gomes e Barros (2004), o efeito da terceira pessoa está ligado a concepções morais do sujeito a respeito das outras pessoas. Conforme Braga (2010), um fator que pesa a respeito do efeito da terceira pessoa é o grau de valores e crenças do sujeito, podendo Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 207 deixá-lo mais exposto e vulnerável a determinado conteúdo do que outra pessoa. A hipótese da terceira pessoa vem sendo pesquisada, debatida e discutida por diversos autores, que confirmaram a hipótese do efeito da terceira pessoa. Em nível internacional destacam-se David e Johnson (1998) que estudaram sobre o efeito percebido das imagens de mídia idealizadas em estudantes mulheres de jornalismo e comunicação a respeito da imagem corporal delas e de terceiras; Schmitt, Gunther e Lebhart (2004) que pesquisaram a respeito da relação da mídia com os partidos políticos; Chia, Kerr-Hsin Lu e McLeod (2004), que analisaram sobre o efeito de terceira pessoa a respeito de um vídeo com cunho sexual, no qual era exposta a vida sexual de uma política de Taiwan; Christen e Gunther (2003) que examinaram a respeito do poder de previsão de modelos para explicação de projeção tendenciosa ou preconceituosa; Huge, Glynn e Jeong (2006) que analisaram o efeito da terceira pessoa como um modelo integrado de comparações, com relação ao sujeito e a notícia recebida; e ainda, Dillard, Weber e Vail (2007) que investigaram a relação entre a efetividade percebida e a efetividade real de notícias consideradas persuasivas. Embora existam poucas produções no Brasil a respeito da hipótese da terceira pessoa (ADRIAN; GOMES; PORTO JR., 2018), dentre as produções nacionais, que comprovam este efeito, destacam-se: Andrade (2008), que realizou um estudo sobre a influência de jogos como estratégia de marketing em um filme brasileiro; Dalmonte (2006) que analisou a respeito da informação que o sujeito recebe e o impacto no efeito da terceira pessoa; Chagas (2011) que buscou averiguar o impacto do efeito de terceira pessoa em propagandas de plano de saúde entre jovens; e também, Almada, Silva e Rossetto (2014) que analisaram a influência de uma propaganda na população geral. No Tocantins foi lançada uma produção intitulada “Mídia Effects: Ensaios sobre teoria da comunicação e do jornalismo”, dividida em dois volumes: I. Teorias do agendamento, primimg e 208 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News framing e II. Efeitos da terceira pessoa, enquadramento e teoria do cultivo; pela Editora Fi da Universidade Federal de Roraima (UFRR). No segundo volume destacam-se as seguintes produções sobre terceira pessoa: Rocha e Porto Jr. (2018) que pesquisaram o efeito da terceira pessoa em profissionais da comunicação para avaliar os critérios usados para publicação ou censura de uma notícia; Adrian, Gomes e Porto Jr. (2018) estudaram sobre o efeito da terceira pessoa e a imagem que alunos e ex-alunos do Colégio da Polícia Militar do Tocantins possuem a respeito de notícias de ações policiais veiculadas pela mídia; Ferreira e Menezes (2018) realizaram um estudo a respeito do efeito da terceira pessoa em profissionais e produtores da área de audiovisual; Oliveira, Akama e Porto Jr. (2018) fizeram uma pesquisa a respeito do efeito da terceira pessoa juntamente com o meio ambiente, analisando a percepção da Comunidade de Altamira, no Pará, sobre as informações geradas a partir de uma usina de Belo Monte; Porto Jr. (2018) verificou o efeito da terceira pessoa nas práticas formativas no jornalismo tocantinense. Assim, a partir dos estudos citados, observa-se que o efeito da terceira pessoa vem sendo comprovado e expande-se para as mais diversas áreas e temas, conforme exemplifica Amorim (2013, p. 222), quando afirma que “(...) eleições, consumo/moda, grupos minoritários, conflitos de guerra, assuntos polêmicos como eutanásia, campanhas antitabagismo, alimentos geneticamente modificados, automedicação, censura de conteúdos indesejados e outros”. Desta forma, por estarem relacionados a várias áreas do conhecimento, os estudos do efeito da terceira pessoa auxiliam nas pesquisas relacionadas com o fenômeno das fake news. Fake news: termo cunhado em 2017 que preocupa brasileiros O termo fake news foi considerado pela editora britânica Collins, que detém o dicionário Collins, o termo do ano de 2017. Segundo informações da editora, as menções ao termo aumentaram 365% no ano passado (2017). Este tem sido usado com desdém pelo Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 209 presidente Donald Trump, e também carrega em si o peso de influenciar eleições nos Estados Unidos. “Mas a ‘notícia falsa’ é hoje uma notícia legítima, já que é chamada a ‘palavra do ano de 2017’”, declarou o Collins ao anunciar a escolha10. De acordo com Collins, fake news, ou notícias falsas na língua portuguesa, podem ser definidas como “(...) informações falsas, muitas vezes sensacionalistas, divulgadas sob o disfarce de notícias” 11. Assim, estas se apresentam, no dia a dia, como artigos noticiosos que são verificável e intencionalmente falsos, embora capazes de enganar os leitores. O crescimento do engajamento em redes sociais online, associado ao declínio da confiança em veículos tradicionais de informações, explica o vertiginoso crescimento de circulação de notícias falsas. Todavia a circulação desse tipo de conteúdo não é novidade. (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017) A propagação de notícias falsas publicadas e divulgadas de modo a enganar o público, atendendo a algum interesse escuso, não é um fenômeno recente em sua origem. Em 1835, o jornal norteamericano New York Sun publicou uma série de reportagens sobre a descoberta de vida na lua. Teorias de conspiração com implicações políticas permeiam a longa história de fake news nos Estados Unidos. (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017) De acordo com artigo de Robert Darnton, publicado no Jornal El Pais, a produção de notícias falsas, semifalsas e verdadeiras, porém comprometedoras, teve seu auge na Londres do século XVIII, quando os jornais aumentaram sua circulação. Segundo o autor, em 1788, a cidade tinha dez jornais diários, oito que saíam três vezes por semana e nove semanários, e as notícias que publicavam costumavam se resumir em apenas um parágrafo12. 10 Informação disponível em: <https://www.theguardian.com/books/2017/nov/02/fake-news-isvery-real-word-of-the-year-for-2017> Acesso em: 17 jul. 2018. 11 12 Informação disponível em: <https://www.collinsdictionary.com/> Acesso em: 17 jul. 2018. Informação disponível em: < http://www.tyrannusmelancholicus.com.br/imprime.php?cid=9061&sid=338rman/these-are-50-ofthe-biggest-fake-news-hits-on-facebook-in?utm_term=.uen1ybAAw#.fqwdlZXXj> Acesso em: 17 jul. 2018. 210 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News No Brasil, as notícias falsas são tema de grande preocupação. Segundo relatório produzido em 2017, pela empresa canadense de pesquisa de opinião pública GlobeScan, para a BBC, o Brasil é o país mais preocupado com notícias falsas no mundo13. Contudo, tal preocupação não diminui a circulação de notícias falsas. Segundo levantamento do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPOPAI), da Universidade de São Paulo (USP), aproximadamente 12 milhões de brasileiros espalham fake news sobre política nas redes sociais online. Realizado em junho de 2017, a partir do monitoramento de conteúdo político falso ou distorcido em 500 páginas digitais, o levantamento sublinha o alcance colossal dessas notícias, considerando a média de 200 seguidores por usuário14. Em março de 2018, uma publicação da Revista Science concluiu que as informações falsas têm 70% mais chances de viralizar do que as notícias verdadeiras e alcançam muito mais pessoas. E se a notícia falsa for ligada à política, o alastramento é três vezes mais rápido15. É neste contexto de disseminação de notícias falsas, que o caso da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), executada no dia 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro, se estabelece como objeto do presente estudo. O caso se transformou em um emblema mundial e suscitou no Brasil a discussão sobre a difusão das fakes news, que, neste caso, atacaram a imagem da vereadora tentando diminuir a importância de sua morte16. 13 Informação disponível em: <http://www.bbc.co.uk/mediacentre/latestnews/2017/bbc-worldservice-poll>. Acesso em: 17 jul. 2018. 14 Informação disponível em: < https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-web-12-milhoesdifundem-fake-news-politicas,70002004235> Acesso em: 17 jul. 2018. 15 Informação disponível em: <https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,fake-news-se-espalham70-mais-rapido-que-as-noticias-verdadeiras-diz-novo-estudo,70002219357>. Acesso em 17 jul. 2018. 16 Informação disponível em: <https://medium.com/revista-subjetiva/ataque-%C3%A0-imagem-demarielle-franco-revela-a-l%C3%B3gica-das-fake-news-f9c60999f07b>. Acesso em 01 mai. 2018. Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 211 Metodologia Este trabalho caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, considerada um importante auxílio e base para a realização de qualquer prática nova, sendo bastante útil na área da comunicação. Com o objetivo de familiarizar-se com um assunto até o momento pouco estudado ou conhecido, visando a torná-lo mais explícito, como é o caso, tanto da fake news, quanto da história de luta da vereadora Marielle Franco. (TRIVIÑOS, 1987) Optou-se pelo critério por acessibilidade, que, segundo Vergara (2005), trata-se de um procedimento que seleciona elementos devido à facilidade de acesso a eles. Assim, a forma inicial de selecionar os participantes foi devido à facilidade de acessibilidade ao local e por se tratar de um órgão público ligado à política, acreditando-se que os participantes pudessem ter maior familiaridade com as notícias atuais e com fake news. O público-alvo escolhido foi pessoas que estavam nas dependências da Assembleia Legislativa do Tocantins, em Palmas, entre os dias 22 a 29 do mês de maio de 2018. Os participantes foram selecionados de forma aleatória, participando voluntariamente da pesquisa, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Totalizando-se 53 participantes, sendo 25 do sexo masculino e 28 do sexo feminino. É importante ressaltar que se trata de um estudo inicial, portanto não se pretendeu que os participantes fossem amostralmente de um determinado público, nem que se guardasse uma proporção entre os sexos, todavia os resultados apresentaram um equilíbrio estatístico entre os gêneros, além de possibilitar possíveis caminhos de análise, tornando os dados ilustrativos de percepções possivelmente existentes entre os participantes. (PORTO JR., 2009) Assim, para realização desta pesquisa, primeiramente foi selecionada uma Figura encontrada no Google a respeito do “Caso Marielle Franco”, as pesquisadoras inseriram um texto falso a 212 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News respeito da personagem do caso, criando uma fake news. Conforme ilustração a seguir. Figura 2 - Fake News sobre Marielle Franco Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. Juntamente com esta imagem e texto, foi elaborado um questionário, destinado a colher as informações a respeito da hipótese da terceira pessoa nos participantes. Este instrumento foi construído inspirado pela pesquisa de Porto Jr. (2009) e contém o total de dez perguntas, sendo todas fechadas. Destas, três abordam perfil do entrevistado (sexo, idade e grau de instrução), com o intuito de conhecer um pouco sobre o sujeito respondente; as demais sete focam o objetivo da pesquisa em si, buscando analisar a presença ou não da hipótese do efeito da terceira pessoa nesses participantes. Para o tratamento das informações foi utilizado o Excel e o Tagul. Assim, os dados foram digitalizados, dando origem a um Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 213 banco de dados, realizado a tabulação, a depuração dos dados e a revisão das respostas para, por fim, realizar o cruzamento das variáveis e a análise dos dados. Resultados e discussões Nesta investigação, visando observar o efeito da terceira pessoa, aplicou-se o instrumento a 53 participantes, totalizando 100% da amostra, destes 25 (47%) são homens e 28 são mulheres (53%). Trata-se de uma população heterogênea, tanto com relação à idade, quanto à instrução/titulação, conforme pode ser observado nos Gráficos a seguir. Gráfico 2 - Idade dos participantes (%) Idade dos Participantes 4% 2% 6% 8% 11% 26% 11% 32% Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018. No Gráfico apresentado é possível observar que a maior parte da população estudada enquadra-se na idade de 30 a 39, a menor com idade de 14 anos ou menos e há 8% dos participantes que optaram por não informar sua idade. Com relação ao grau de instrução nota-se no Gráfico a seguir que nenhum dos participantes possui a titulação de doutor, e que os 214 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News participantes de nível médio e graduados compõem a maior parte da amostra, com o mesmo número de participantes. Gráfico 3 - Grau de instrução/titulação de participantes (%) Grau de Instrução/ Titulação Nivel Médio Graduado Especialista Mestrado Doutorado 4% 0% 22% 37% 37% Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018. As perguntas cujo foco foi levantar a presença ou não do efeito da terceira pessoa por meio da apresentação de uma fake news, foram cruzadas com a variável “sexo”, para fins de comparação, conforme será apresentado e analisado nas Tabelas e Gráficos a seguir. Tabela 1 - Percepção sobre a notícia apresentada (%) VERDADEIRA FALSA TOTAL MASCULINO 40% 60% 100% 25% 75% 100% FEMININO Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. A Tabela apresentada mostra que a maioria dos participantes percebeu que a notícia apresentada tratava-se de uma fake news, tanto os participantes do sexo feminino quanto do masculino, Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 215 todavia há uma maior proporção desta opinião nas pessoas do sexo feminino. Gráfico 4 - Aparência da Fake News Mariela (%) Notícia Marielle ; 7% ; 23% ; 33% ; 20% ; 17% Fonte: Elaborado pelas autoras, 2018. O Gráfico acima apresenta a forma como se apresenta a fake news do caso Marielle aos participantes. Observa-se que a maioria dos participantes afirma que a notícia apresenta um cunho negativo, e apenas 7% veem a notícia com um conteúdo normal. A Tabela a seguir apresenta a influência da percepção da notícia sobre si mesmo (1ª pessoa). Pode-se observar que a maioria dos entrevistados, tanto homens quanto mulheres, acreditam que as fake news apresentadas não os influencia. Tabela 2 - Influência da percepção da notícia sobre si mesmo (%) SIM NÃO TOTAL MASCULINO 24% 76% 100% 29% 71% 100% FEMININO Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. Todavia quando perguntado sobre a influência desta mesma notícia a outras pessoas (terceiros), de modo geral, observa-se que a grande maioria acredita que a notícia influencia a percepção do 216 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News outro, independentemente do sexo do participante, conforme Tabela a seguir. Tabela 3 - Influência da percepção geral da notícia sobre terceiros SIM NÃO TOTAL MASCULINO 88% 12% 100% 96% 4% 100% FEMININO Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. Como se observa nas duas Tabelas apresentadas, apenas 24% dos homens e 29% das mulheres afirmam que a notícia lida os influenciou em sua percepção individual (o “eu”), todavia, quando indagados quanto à influência sobre outros (“terceiros”) o percentual sobe para 88% e 96%, respectivamente, de percepção de influência, confirmando a presença do efeito da terceira pessoa no público analisado. Conforme afirma Porto Jr. (2009), a diferença encontrada na percepção do “eu” e dos “outros” (quaisquer outros) revela uma evidência de que os outros podem ser influenciados. Aparentemente, é mais fácil imaginar que a outra pessoa é mais suscetível a influências externas do que o próprio sujeito (o “eu”). Quando perguntado sobre a influência da percepção da notícia a outras pessoas que possuem formação diferente da do participante, foi possível notar que ambos os sexos acreditam que aqueles que possuem uma formação diferenciada, encontram-se muito mais suscetíveis às influências do que o próprio participante, conforme apresentado na Tabela a seguir. Tabela 4 - Influência da percepção da notícia sobre terceiros que não possuem mesma formação que o participante (%) SIM NÃO TOTAL MASCULINO 88% 12% 100% 89% 11% 100% FEMININO Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 217 Já quando perguntado sobre a influência da percepção da notícia a outras pessoas com formação igual a do participante, embora a maioria dos participantes de ambos os sexos acreditem que o outro se encontra mais suscetível às influências do que o próprio participante, o resultado foi bem menos acentuado em comparação ao outro ter uma formação diferente, conforme apresentado na Tabela a seguir. Tabela 5 - Influência da percepção da notícia sobre terceiros que possuem mesma formação que o participante (%) SIM NÃO TOTAL MASCULINO 52% 48% 100% 71% 29% 100% FEMININO Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. Os resultados das Tabelas 4 e 5 vão ao encontro da afirmação de Perloff (1993), com relação à impossibilidade de “generalização total”, uma vez que o efeito de terceira pessoa não acontece em toda e qualquer situação, nem com todas as pessoas. Também é possível observar, nesses resultados, a questão da “educação”, apresentada pelo mesmo autor, o qual defende que quanto mais conhecimento o sujeito possui maior será a distância social percebida com relação à notícia e maior a presença do efeito de terceira pessoa. Todavia, quando analisadas conjuntamente as Tabelas 3 e 4, que dizem respeito à percepção da notícia em “outro” (qualquer outro) e em “outros com formação diferente”, nota-se que a opinião masculina foi exatamente igual, podendo-se inferir que o “outro” para os participantes de sexo masculino é apresentado como diferente em termos de conhecimento, e, portanto, estão mais suscetíveis aos efeitos da notícia. Conforme aponta Porto Jr. (2009, p. 54) “(...) esse ‘outro’ distante parece facilitar, a priori, a indicação de que ele é mais vulnerável, mais afetado e, portanto, mais necessitado de atenção e proteção”. A partir dessas correlações (análise das Tabelas 3, 4 e 5), também é possível refletir sobre a afirmação de Brosius e Engel 218 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News (1996, p.160), que estudaram sobre a influência da mídia, “(...) os efeitos da terceira pessoa são mais fortemente encontrados entre pessoas com maior grau de escolaridade e mais velhos”. Todavia, no presente estudo, não foi possível verificar a presença do efeito de terceira pessoa com relação a este cruzamento de dados, provavelmente devido ao não estabelecimento de um plano amostral que permitisse prever a presença de todos os graus de instrução e de todas as faixas etárias de modo equiparado. Com relação ao controle/censura da mídia e ao comportamento dos participantes, com relação à fake news apresentada, foi cruzada, também, com a variável “sexo”, para fins de comparação, conforme apresentado a seguir. Tabela 10 – Necessidade de censura desta notícia/controle do que é veiculado pela mídia (%) SIM NÃO TOTAL MASCULINO 100% 32% 68% 100% 57% 43% FEMININO Fonte: Elaborada pelas autoras, 2018. Na Tabela acima se observa uma divergência com relação ao posicionamento da opinião dos homens e das mulheres, no qual a maioria das mulheres (57%) acredita que a notícia deveria ser censurada, enquanto a maioria dos homens (68%) acredita que não há necessidade da censura desta notícia. Foi solicitado aos participantes que apontassem a necessidade de censura na notícia apresentada, qual o motivo para este controle pela mídia. Na Figura a seguir é possível observar, as palavras mais repetidas para tal justificativa. Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 219 Figura 3 - Nuvem de palavras para a censura da notícia Fonte: Elaborada pelas autoras, a partir do Tagul, 2018. Observa-se, na imagem acima, que os participantes apontaram a necessidade de censura da notícia por acreditarem que se trata de uma notícia falsa e/ou mentirosa. A partir deste estudo, pelos resultados, pode-se deduzir que, com relação à fake news apresentada sobre o caso de Marielle Franco, foi possível evidenciar o efeito de terceira pessoa, todavia ainda é cedo para se afirmar – categoricamente – que este efeito tenha sido percebido em si e nos outros, mesmo observando-se os dados apresentados. O fato de a notícia ter sido uma fake news que “atacava” a imagem de Marielle Franco, pode ter contribuído para esta evidência, pois há uma tendência ao efeito da terceira pessoa se sobressair quando o assunto abordado pela mídia apresenta algum cunho negativo ou danoso. (GUNTHER et all, 2001; AGGIO, 2010; CHAGAS, 2011) Considerações finais O presente estudo visou analisar a opinião do público escolhido com relação ao efeito da terceira pessoa a partir de uma fake news sobre a vereadora Marielle Franco. 220 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News Ao analisar as hipóteses apresentas na introdução e os resultados e discussões, conclui-se que a primeira hipótese foi confirmada, pois foi observado o efeito da terceira pessoa e 93% dos participantes apontaram a notícia como violenta, racista, pejorativa e mentirosa, conforme apresentado no Gráfico 4. A segunda hipótese levantada também foi confirmada, conforme observado nas Tabelas 4 e 5, no qual o impacto percebido da mensagem nas outras pessoas será maior quando “os outros” (terceiros) tiverem uma formação (educação) diferente do sujeito. (PERLOFF, 1993) A terceira hipótese igualmente foi confirmada, pois não foi observado a presença do “efeito reverso” ou “efeito de primeira pessoa” nesta pesquisa, cuja premissa é de que a notícia terá maior impacto no participante do que nas outras pessoas. Ressalta-se que, por se tratar de um estudo inicial, esta pesquisa apresenta limitações, como o quantitativo da amostragem, que para solidificar as afirmações necessitaria ser ampliado, bem como o período de disponibilização do instrumento aos participantes. Desta forma, outros pontos podem vir a ser explorados, aprimorados e incorporados em outras pesquisas sobre o tema, permitindo ampliar a visão a respeito do efeito da terceira pessoa. Assim, sugere-se a trabalhos posteriores: 1. Analisar os processos subjetivos que interferem nas respostas dos participantes, permitindo um aprofundamento das relações estabelecidas; 2. Realizar o cruzamento dos dados com outras variáveis, como o grau de instrução e idade, que poderia apresentar uma nova perspectiva em relação aos resultados. Destarte, observa-se que o efeito da terceira pessoa trata-se de uma teoria da comunicação que vem se mostrando como um método importante para avaliar como as pessoas acreditam em determinadas informações apresentadas pela mídia e qual o impacto dessas informações nelas e em outros, bem como a necessidade de veto ou censura. Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 221 Referências ADRIAN, Alessandra Bonfin Bacelar Abreu; GOMES, Luciano Silva; PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. A influência da mídia na promoção da imagem da polícia militar em alunos e ex-alunos de colégios militares do Tocantins: uma análise a partir do efeito de terceira pessoa. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. AGGIO, Camilo. Hipótese do efeito de terceira pessoa: as estimativas de fumantes e não fumantes sobre os efeitos dos anúncios antitabagismo. Organ. Soc. Salvador, v.17, nº. 54, p. 463-478, jul/set, 2010. ALLCOTT, Hunt; GENTZKOW, Matthew. Social Media and Fake News in the 2016 Election. NBER Working Paper No. 23089. Issued in January 2017, Revised in June 2017. Disponível em: < http://www.nber.org/papers/w23089>. Acesso em 20 jul. 2018. ALMADA E SILVA, Maria Paula; ROSSETTO, Graça Penha Nascimento. Efeito de terceira pessoa e distância social: percepção da influência dos media no eu, no semelhante e no outro na propaganda da prefeitura municipal de Salvador. ANIMUS Revista Interamericana de Comunicação Midiática, v.13 nº. 25. p. 225-252, 2014. AMORIM, Paula Karini Dias Ferreira. Media Effects: Efeitos Cumulativos e de Longo Prazo dos Modelos Teóricos. Caderno Seminal Digital Ano 20, v. 20, nº 20, jul/dez, 2013. ANDRADE, Luiz Adolfo de. Obsessão compulsiva: games, efeitos em terceira pessoa e funções pós-massivas nas (re)mediações da (ciber)cultura do entretenimento. Revista Ícone. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Universidade Federal de Pernambuco. v.10, nº. 1, p.133-161, jul, 2008. 222 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News BRAGA, Vitor. Efeito de Terceira Pessoa na política alagoana: impacto da cobertura midiática na Operação Taturana. Lumina, Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação Universidade Federal de Juiz de Fora /UFJF, v. 4, nº 1, jun, 2010. BRAGATTO, Rachel Callai. O efeito de terceira pessoa: uma revisão teórica. Revista Eletrônica de Ciência Política, v. 6, nº. 2, p. 280-302, 2015. CHAGAS, Renata. O impacto do efeito de terceira pessoa em propagandas de plano de saúde. Estudos em Comunicação, Universidade Federal de Sergipe, nº 10, p. 355-371, dez, 2011. CHIA, Stella C.; LU, Kerr-Hsin; MCLEOD, Douglas M. Sex, Lies, and Video Compact Disc: A Case Study on Third-Person Perception and Motivations for Media Censorship. Communication Research, v. 31, nº 1, p. 109-130, 2004. CHRISTEN, Cindy T.; GUNTHER, Albert C. The influence of mass media and other culprits on the projection of personal opinion. Communication Research, v. 30, nº 4, p. 414-431, 2003. DALMONTE, Edson. Dos efeitos fortes à hipótese de percepção do efeito de terceira pessoa: uma verificação empírica. Contemporânea, v. 4. nº 1, p.51-72. jun, 2006. DAVID, Prabu; JOHNSON, Melissa A. The Role of Self in Third-Person Effects about Body Image. Journal of Communication, Autumn, p. 37-58, 1998. DAVISON, W. Phillips. The third-person effect in communication. Public Opinion Quarterly, v. 47, 1983. DAVISON, W. Phillips. The third-person effect revisited. International Journal of Public Opinion Research, v. 8, nº. 2, 1996. DILLARD, James Price; WEBER, Kirsten M.; VAIL, Renata G. The relationship between perceived and actual effectiveness of persuasive messages: a meta-analysis with persuasive with implications for formative campaign research. Journal of Communication, v. 57, nº 4, p. 613-631, 2007. Janaína V. da Silva; Glês C. do Nascimento; Liliam D. Ghizoni; Liana Vidigal | 223 FERREIRA, Kécia Garcia; MENEZES, Verônica Dantas. O efeito da terceira pessoa em produção audiovisual. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. GOMES, Wilson; BARROS, Samuel. Influência da mídia, distância moral e desacordos sociais: um teste do efeito de terceira pessoa. Teorias da Comunicação no Brasil, 2014. GUNTHER, Albert C.; CHRISTEN, Cindy T.; LIBEHART, Janice L.; CHIA, Stella Chih-Yun. Congenial public, contrary press, and biased estimates of the climate of opinion. Public Opinion Quarterly, v. 65, p. 295-320, 2001. HUGE, Michael; GLYNN, Carroll; JEONG, Irkwon. A relationship-based approach to understanding third-person perceptions. Journalism and Mass Communication Quarterly, v. 83, nº 3, p. 530-546, 2006. OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; AKAMA, Alberto; PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Hipótese do efeito da terceira pessoa e meio ambiente: a percepção da Comunidade de Altamira (Pará) sobre as informações geradas a partir do rima Uhe de Belo Monte. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. PERLOFF, Richard M. Third-person effect research - 1983-1992: A review and synthesis. International Journal of Public Opinion Research, v. 5, nº. 2, 1993. PERLOFF, Richard M. The Third-Person Effect: A Critical Review and Synthesis. Media Psychology, v. 1, p. 353-378, 1999. PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Entre fronteiras: explorando o efeito da terceira pessoa. Estudos em Jornalismo e Mídia, ano VI, nº. 2 p. 45-59, jul/dez, 2009. 224 | Media Effects, vol. 4: Reflexividade, hermenêutica e Fake News PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Percepções sobre o ensino de jornalismo: o efeito da terceira pessoa sobre as práticas formativas. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. RANGEL, Jair G. O efeito de terceira pessoa (third person effect) na comunicação. Trabalho apresentado ao Núcleo de Teorias da Comunicação (recepção) Intercom - Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005. ROCHA, Wéllida Araújo Resende da; PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças. Profissionais da comunicação e o efeito da terceira pessoa. In: PORTO JR., Francisco Gilson Rebouças; MORAES, Nelson Russo de; OLIVEIRA, Daniela Barbosa de; BAPTAGLIN, Leila Adriana (Orgs.). Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 2: Efeitos da Terceira Pessoa, enquadramento e teoria do cultivo [recurso eletrônico]. Porto Alegre, RS: Editora Fi/Boa Vista: Editora da UFRR, 2018. SCHMITT, Kathleen M.; GUNTHER, Albert C.; LIEBHART, Janice L. Why partisans see mass media as biased. Communication Research, v. 31, nº 6, p. 623641, 2004. SILVA, Adriano Alves. Apresentação realizada durante aula do professor Gilson Porto Júnior. A teoria dos efeitos de Terceira Pessoa. Abril de 2018 TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. VERGARA, Sylvia Constant. Método de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2005.