Media Effects
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Vol. 5
Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Organizadores:
Gilson Pôrto Jr.
Nelson Russo de Moraes
Daniela Barbosa de Oliveira
Vilso Junior Santi
Leila Adriana Baptaglin
φ
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Lucas Margoni
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Série Comunicação, Jornalismo e Educação – 28
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
PÔRTO JR., Gilson et al (Orgs.)
Media effects: ensaios sobre teorias da Comunicação e do Jornalismo, Vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e
teoria social [recurso eletrônico] / Gilson Pôrto Jr. et al (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, Boa Vista:
EdUFRR, 2018.
191 p.
ISBN - 978-85-5696-459-5
Disponível em: http://www.editorafi.org
1. Ensaios. 2. Jornalismo. 3. Ética. 4. Comunicação. 5. Cultura. I. Título. II. Série.
CDD: 177
Índices para catálogo sistemático:
1. Ética e sociedade
177
Diretor da série:
Prof. Dr. Francisco Gilson Rebouças Porto Junior
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Comitê Editorial e Científico:
Profa. Dra. Cynthia Mara Miranda
Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
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Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
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Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil
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CLIO & MNEMÓSINE Centro de Estudos e Pesq. em História Oral e Memória
Instituto Federal do Maranhão (IFMA)
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Dr. José Manuel Peláez
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Prof. Dr. Geraldo da Silva Gomes
Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do
Ministério Público do Tocantins, CESAF/MPTO
A notícia revela como determinados fatos se passaram,
identifica personagens, localiza geograficamente
onde ocorreram ou ainda estão acontecendo,
descreve as suas circunstâncias, e os situa,
num contexto histórico para dar-lhes
perspectiva e noção da sua amplitude e
dos seus significados.
(CURADO, Olga. A notícia na TV:
o dia-a-dia de quem faz Telejornalismo.
São Paulo: Alegro, 2002, p. 16.)
Sumário
Prefácio ........................................................................................................ 13
Os organizadores
Capítulo 1 ..................................................................................................... 17
Os valores-notícia atualizados: os novos, originais e contemporâneos fatores
de Harcup e O’Neill
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge
Capítulo 2..................................................................................................... 41
Gatekeeping: do desenvolvimento da teoria às aplicações na pesquisa
Alberto Marques
Capítulo 3.................................................................................................... 63
A importância da compreensão do processo de produção para o estudo do
jornalismo audiovisual em dispositivos móveis: reflexões com base na teoria do
Newsmaking
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares
Capítulo 4.................................................................................................... 83
Jornalismo de capa e as teorias do newsmaking e do agendamento na Folha
de São Paulo
Gleisy N. de Alencar; Francisco Gilson R. P. Junior; Verônica Dantas Menezes
Capítulo 5 .................................................................................................... 95
Os movimentos sociais e o papel ativo dos sujeitos: ponderações a partir dos
estudos culturais e da teoria das mediações
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez
Capítulo 6................................................................................................... 115
Pensamento comunicacional: contribuições da teoria social de Niklas Luhmann
Maria Ogécia Drigo
Capítulo 7 ................................................................................................... 141
A lei de responsabilidade fiscal, a aplicação da teoria da comunicação e o
desafio do fortalecimento da democracia no Brasil
Nelson Russo de Moraes
Capítulo 8 .................................................................................................. 159
As imagens dos povos indígenas representadas em charges: preconceitos
velados através do “efeito de terceira pessoa”
Adriano Alves da Silva; André Demarchi
Prefácio
Gilson Pôrto Jr.
Nelson Russo de Moraes
Daniela Barbosa de Oliveira
Vilso Junior Santi
Leila Adriana Baptaglin
Chegamos ao vol. 5 de MEDIA EFFECTS: ensaios sobre
teorias da Comunicação e do Jornalismo focando em
Newsmaking, gatekeeping e teoria social. Uma vitória para a
construção coletiva na região norte e suas redes pelo Brasil e
Exterior.
Articulando pesquisas de campo e investigações mais teóricas,
os oito capítulos presentes no vol. 5 dedicam-se a aprofundar
conceitos que problematizam situações evidenciadas na
contemporaneidade e que passam a fazer parte da agenda
permanente das Teorias da Comunicação e do Jornalismo.
Sendo assim, iniciamos o livro com o capítulo 1, voltado para
os estudos em Newsmaking: Os valores-notícia atualizados: os
novos, originais e contemporâneos fatores de Harcup e O’Neill
das autoras Marina Medleg Simon e Thaïs de Mendonça Jorge
discute os principais focos dos estudos em newsmaking que são os
critérios de noticiabilidade, o conjunto de fatores que determinam
se um evento tem potencial para se tornar uma notícia. Os
resultados apontados pelas autoras são um rol de temas
contemporâneos, que confirmam a ideia de que os critérios de
noticiabilidade representam mesmo um mapa cultural da sociedade.
14 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
No capítulo 2 Gatekeeping: do desenvolvimento da teoria
às aplicações na pesquisa, Alberto Marques apresenta a teoria do
gatekeeping e elencar algumas abordagens. Para isso, utiliza como
método de pesquisa a revisão de literatura. Apesar de o paper focar
nos estudos direcionados ao jornalismo, é importante frisar que
trabalhos como os de Cantor (1980) e de Hirsch (1977) se debruçam
em outras perspectivas. Os caminhos abordados pelo texto podem
contribuir para que novas investigações sejam desenvolvidas.
No capítulo 3 A importância da compreensão do processo
de produção para o estudo do jornalismo audiovisual em
dispositivos móveis: reflexões com base na teoria do
Newsmaking das autoras Juliana Fernandes Teixeira e Denise
Freitas de Deus Soares explicitam a importância da compreensão do
processo produtivo para a investigação das práticas jornalísticas
contemporâneas. O foco da pesquisa apresentada voltou-se para o
jornalismo audiovisual praticado em dispositivos móveis, sendo
consideradas organizações jornalísticas de âmbito internacional,
nacional e local (Piauí) buscando destacar a relevância dos
posicionamentos dos jornalistas (nas entrevistas empreendidas).
O capítulo 4 Jornalismo de capa e as teorias do
Newsmaking e do agendamento na Folha de São Paulo de Gleisy
Alencar, Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior e Verônica Dantas
Meneses traz os resultados da análise descritiva, analítica e de
conteúdo das páginas de capa do Jornal Folha de São Paulo. As
análises identificaram que o jornal Folha de São Paulo agenda
prioritariamente em suas capas as notícias internacionais. Dentre as
notícias nacionais, destacam-se os temas: atualidades, economia,
corrupção e decisões do judiciário, quase que empatadas
quantitativamente, seguidas depois pelas notícias de esporte e
cultura.
Já no capítulo 5 Os Movimentos Sociais e o papel ativo dos
sujeitos: ponderações a partir dos Estudos Culturais e da Teoria
das Mediações de Vilso Junior Santi e Adrián José Padilla
Fernandez, os autores discutem a relação entre os Estudos Culturais,
Os organizadores | 15
os Estudos de Recepção, a Teoria das Mediações e a Teoria dos
Movimentos Sociais, através da tomada de consciência da
importância do papel ativo dos sujeitos nesses processos.
No capítulo 6 Pensamento Comunicacional: contribuições
da teoria social de Nicklas Luhmann, de Maria Ogécia Drigo,
temos um trabalho atento acerca da teoria de Nicklas Luhmann que
por possibilitar o redimensionamento da relação entre comunicação
e sociedade, bem como a noção de representação e da produção de
sentidos, vem na contramão de teorias da comunicação bem
assentadas no meio comunicacional.
No capítulo 7 A lei de responsabilidade fiscal, a aplicação
da teoria da comunicação e o desafio do fortalecimento da
democracia no Brasil, Nelson Russo de Moraes trabalha com o
resgate da importância da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000) para a administração pública no Brasil e
ao dialogar sobre a lacuna da instrumentalização dos meios de
comunicação sobre os quais se dariam a publicidade das contas
públicas chega à Lei de Transparência Pública (Lei Complementar
131/2009). Neste interim, destaca como o surgimento e o
fortalecimento do ambiente web, que embora tenha trazido
polêmica à comunicação, concretiza meios de promover a
participação e instrumentalizar o controle social sobre o Estado.
Assim, o texto aproxima a teoria da comunicação e a teoria da
democracia, quando apresenta como a primeira serve ao
fortalecimento da democracia.
E, por último, o capítulo 8: As imagens dos povos indígenas
representadas em charges: preconceitos velados através do
“efeito de terceira pessoa” de Adriano Alves da Silva e André
Demarchi busca discutir as imagens dos povos indígenas
representadas através de charges. O material coletado, evidencia a
presença de preconceitos sobre os povos indígenas através da
hipótese do “efeito de terceira pessoa” por meio de pesquisa qualiquantitativa. Concluem que as charges, mesmo trabalhando suas
causas com uma linguagem crítica de protesto, causam polissemias,
16 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
carregam estereótipos e “ideias equivocadas” sobre os povos
indígenas que são partilhadas com o senso comum, trazendo à tona
preconceitos silenciadores evidenciados através do efeito de terceira
pessoa.
Entendemos que os capítulos do livro são olhares múltiplos
para as teorias do jornalismo adentrando em propostas
diferenciadas, mas essenciais para o despertar do conhecimento na
área comunicacional.
Desejamos que os que lerem essas produções aproveitem,
reflitam, discutam e, se desejarem, contestem as proposições
apresentadas e construa suas reflexões mediadas pelas teorias e
pelas inquietações aqui presentes.
Capítulo 1
Os valores-notícia atualizados:
os novos, originais e contemporâneos fatores
de Harcup e O’Neill
Marina Medleg Simon1
Thaïs de Mendonça Jorge2
Introdução
“As notícias são o que os jornalistas definem como tais. Essa
tese raramente é explicitada, visto que parte do modus operandi dos
jornalistas é que os eventos ocorrem ‘fora’, e os primeiros limitamse, simplesmente, a relatá-los”. A afirmativa de Altheide (1976 apud
WOLF, 2003, p. 196) advém realmente da largueza da definição de
notícia. O fato é que todas as notícias que podemos ler, ouvir ou ver
nos sites, jornais, nas emissoras de rádios e na televisão surgiram
como resultado de uma seleção prévia feita, normalmente, por
jornalistas. Mas como essas notícias chegaram lá?
1
Jornalista formada pela Universidade de Brasília (UnB), é Doutora em Comunicação pela mesma
Universidade. É mestre em Comunicação pela Universidade Stendhal-Grenoble 3 (França), e
Universidade de Florença (Itália). Foi professora, no Centro Universitário Iesb no curso de Jornalismo
e na modalidade EAD. Como jornalista, teve passagens pela CNT, Unesco, jornais Hoje em Dia e
Correio Braziliense e a rádio RFI.
2 Jornalista formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, com mestrado em Ciência Política e
doutorado em Comunicação pela Universidade de Brasília. É professora da Faculdade de Comunicação
da UnB e secretária de Comunicação da instituição.
18 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Descobrir o que a notícia foi e ainda é constitui uma das
principais investigações a guiar os estudos em Comunicação. Dentre
esses estudos, está a abordagem do newsmaking, que recai sobre a
organização do trabalho e dos processos produtivos nas redações e
a cultura profissional. Juntos, esses componentes determinam os
conceitos do produto-notícia e as condições de sua confecção. Um
dos principais focos dos estudos em newsmaking são os critérios de
noticiabilidade, o conjunto de fatores que determinam se um evento
tem potencial para se tornar uma notícia, no conceito de Traquina
(2008):
Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de
critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um
tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia. Assim,
os critérios de noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que
determinam que um acontecimento, ou assunto, é susceptível de
se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser
transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo “valornotícia” (“newsworthiness”) (TRAQUINA, 2008, p. 63).
Os valores-notícia são portanto um componente da
noticiabilidade. A definição e a escolha do que é noticiável encontrase dirigida para a “condição factível” do produto informativo, a ser
realizado em tempos e com recursos limitados, introduzindo
"práticas de produção estáveis numa matéria-prima (os
acontecimentos do mundo), por sua natureza variável e
imprevisível" (WOLF, 2003, p. 196-197). Analisar os valores-notícia
contribui para que a seleção seja mais transparente e talvez um
pouco mais compreensível. É uma possibilidade de entender a
dimensão operacional, mesmo que sucinta, de como é feito o
trabalho diário dos jornalistas e como são os critérios
compartilhados entre eles. Afinal, isso tudo resulta no trato com os
fatos, abrangendo toda a cultura profissional, como explicam
Harcup e O’Neill (2016):
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 19
Vale a pena estudar os valores-notícia porque eles informam ao
mundo as notícias que são apresentadas ao público, fornecendo
uma compreensão operacional resumida do que é compartilhado
entre jornalistas em atividade, que trabalham dentro de prazos
bem definidos. É a maneira como os valores noticiosos atuam na
prática e que resulta em como eles são articulados e transmitidos
aos novos jornalistas e aos estudantes de Jornalismo, e também
como são utilizados por profissionais de relações públicas e outros
com o objetivo de obter o máximo aproveitamento da cobertura de
eventos (ou pseudoeventos) (HARCUP; O’NEILL, 2016, p. 1).
O estudo dos valores-notícia esteve entre as preocupações de
diversos autores, como Galtung e Ruge (1965), Hartley (1982),
Ericson, Baranek, Chan (1987), Wolf (2003), Herbert Gans (2005) e
Traquina (2008), para citar alguns dos principais que elaboraram
conjuntos de valores-notícia. Dentre as listas apresentadas,
podemos perceber diferentes tipos de abordagem no que diz
respeito à teorização dos valores-notícia, ora com foco no evento em
si, como foi o caso de Galtung e Ruge, ora incluindo fatores culturais,
organizacionais e econômicos que também podem influenciar a
filtragem. Há ainda autores que, numa perspectiva marxista (HALL,
1973; HERMAN; CHOMSKY, 1988 apud HARCUP; O’NEILL, 2016),
relacionam os valores-notícia a uma estrutura ideológica construída
para favorecer e naturalizar os discursos e perspectivas da elite
dominante.
Ou seja, os valores noticiosos podem ser vistos menos como
um reflexo do tipo de informação que os cidadãos querem ou
precisam, e mais como a representação das normas organizacionais,
sociológicas, culturais e econômicas que regem o trabalho
jornalístico (WEAVER et al., 2007 apud HARCUP; O’NEILL, 2016).
Como diz Tuchman (1973 apud WOLF, 2003, p. 196), “sem uma
certa rotina de que se possa valer para fazer frente aos
acontecimentos imprevistos, as organizações jornalísticas, como
empreendimentos racionais, faliriam”. As variáveis a respeito de um
fato são tantas que, se cada jornalista tivesse que decidir, em
particular, sobre cada aspecto, não haveria como cumprir os prazos
20 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
e encaminhar o material aos processos avançados da produção, a
fim de chegar finalizado às ruas.
Além dos aspectos de cada fato, ainda há uma
“superabundância de acontecimentos”, como observa Wolf, os quais
é necessário dosar e selecionar. Os critérios para configurar a
noticiabilidade dos eventos – ou a “aptidão” para serem
transformados em notícia – foram organizados para orientar o
trabalho dos gatekeepers e partiram das pesquisas de White (1950)
sobre seu modo de operar.
Se fossem se guiar por Tobias Peucer (2004), os órgãos de
imprensa jamais teriam problemas de pauta ou de falta de assunto.
Ele discutia já no século 17 – numa perspectiva de comparação entre
o discurso da história e o discurso jornalístico no que respeita à
verdade documental – questões de noticiabilidade, credibilidade,
forma e estilo dos periódicos. Peucer acreditava que os fatos são
praticamente “infinitos” e talvez antecipando a “superabundância
de acontecimentos” de Wolf e Tuchman, recomendava “estabelecer
uma seleção” para dar preferência “àqueles que merecem ser
recordados ou conhecidos”. Com a visão a um só tempo no interesse
do leitor e no que seria adequado [aos governantes] divulgar, Peucer
elaborou, muito antes que as linhas de pesquisa em comunicação e
em jornalismo pudessem se esboçar, uma lista de acontecimentos
noticiáveis.
Em 1942, Stanley Johnson e Julian Harriss (1966), da
Universidade do Tennessee (EUA), já falavam em “valores
noticiosos”, “características intrínsecas” e “qualidades desejáveis”
dos acontecimentos. Preocupavam-se, ademais, em estabelecer
medidores da importância das notícias: “Existe uma balança para
determinar a gravidade específica ou a importância das notícias, ou
para pesá-las de maneira a que se saiba a atração que podem exercer
sobre o leitor? Há alguns princípios para guiar o repórter e o editor
na seleção, entre milhares de notícias, das mais importantes?”
(JOHNSON, HARRIS; 1966, p. 33-37). As recomendações de Johnson
e Harriss eram taxativas:
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 21
As notícias têm características intrínsecas, conhecidas como
valores noticiosos [grifo dos autores]. A presença ou ausência
desses valores determina sua importância, e assim garante a
atenção do leitor. Estes valores noticiosos são, portanto, medidas
úteis da importância dos acontecimentos. Devidamente aplicados,
determinarão se uma ocorrência é notícia ou não (JOHNSON;
HARRIS, 1966, p. 33-37).
Já nessa época, os autores viam a notícia como um produto da
ruptura do status quo. Sendo assim, encaravam na notícia,
essencialmente, a mudança: sem mudança não há notícia.
[...] O câmbio, ou câmbio potencial, é elemento fundamental nas
notícias. São mudanças que têm vital importância para os leitores,
que os afetam de alguma forma, como o temor de perder o
emprego pelo fechamento da fábrica; ou os alentam, como a
eleição do novo prefeito da cidade, o novo gerente, os recémcasados ou a criança que nasceu (JOHNSON; HARRIS, 1966, p. 39).
Na impossibilidade de uma balança ou termômetro para
avaliar a noticiabilidade, propunham “fatores de magnitude”: 1)
grau de variação do status quo (intensidade); 2) número de pessoas
afetadas (extensão); 3) distância do evento (proximidade); 4) tempo
do fato (oportunidade); 5) grau dos resultados que derivam do fato
(consequência); diversidade de valores noticiosos (variedade).
Em momentos sucessivos do processo produtivo, os valoresnotícia entram em atuação: na pauta; no trabalho de apuração; na
edição das matérias; na paginação; e, mais importante ainda, na
capa dos veículos impressos e na homepage dos websites. Os
sentidos do repórter se aguçam quando ele descobre um detalhe
interessante, na coleta de dados. O valor da matéria aumenta: ele
sabe que o assunto pode ser manchete. As notícias com maior
potencial informativo e atrativo conjugam maior número de
valores-notícia. Quanto mais fatores agrupados, maior será o
resultado em termos de impacto sobre o público. E podemos avaliar
22 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
esse impacto com os “medidores” – proximidade, intensidade,
extensão, consequência – de Johnson e Harriss (1966).
Em um trabalho mais recente que a obra Teorias das
comunicações de massa, cujo original é de 1985, Mauro Wolf (1997)
lembrou que os estudos de newsmaking evidenciaram a natureza
complexa do trabalho no jornalismo e seus condicionamentos.
Manifestava-se preocupado em enfocar as inovações tecnológicas
nas redações jornalísticas e as consequências sobre o ofício do
jornalista. “Para o estudo do newsmaking, trata-se de entender
como pode ocorrer que instrumentos muito potentes do ponto de
vista da quantidade dos fluxos informativos, com frequência
determinam um empobrecimento da qualidade da informação, uma
depreciação da função jornalística” (WOLF, 1997), criticou.
No artigo intitulado “Os emissores de notícias na pesquisa em
comunicação” , o autor italiano observou que nos encontramos
frente a novos processos: 1) des-profissionalização da função do
jornalista nas redações, por causa da tecnologia digital; 2)
burocratização das redações, pois “a renovação não se dirigiu ao
produto informativo, mas ao processo produtivo”; 3) “confecção e
embalagem do produto, não à sua ideação”. Para Wolf, “agora se
tornou normal dizer e pensar que não são os jornalistas que devem
buscar as notícias mas, sim, são as notícias que buscam os
jornalistas” (1997). O incremento na quantidade de informações e
de trabalho não se traduz, ainda de acordo com Wolf, “num projeto
mais esmerado dos jornais, em seleções mais pensadas e profundas.
As redações são cada vez mais dependentes das agências, das fontes,
cada vez mais constrangidas a se adequar a critérios de relevância
estabelecidos pela rede de agências”.
Nesse artigo escrito pouco antes de sua morte, em 1996 –
porém, que parece ter sido divulgado na rede em 1997 –, o autor
afirma que “os atuais estudos de newsmaking têm que enfrentar o
dever de analisar as razões organizativas e estruturais pelas quais o
aumento dos fluxos de informação não vem produzindo uma
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 23
sociedade mais transparente”, ao contrário: a velocidade da
informação só está produzindo uma sociedade “mais opaca”.
Feita essa introdução inicial sobre valores noticiosos e
algumas discussões a esse respeito, iremos apresentar, a seguir, o
novo, original e contemporâneo conjunto de valores-notícia
propostos pelos professores, pesquisadores e jornalistas britânicos
Harcup e O’Neill (2016), que, por sua vez, fizeram uma revisão dos
fatores propostos por Galtung e Ruge (1965). Veremos
primeiramente os fatores de Galtung e Ruge para, depois, adentrar
a lista de Harcup e O’Neill.
Os fatores de Galtung e Ruge
Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge (1965) foram um dos
primeiros estudiosos a questionar (e investigar) “como os eventos se
tornam notícias?”. Os autores noruegueses elaboraram de forma
pioneira, sistemática e exaustiva uma lista de fatores que pareciam
particularmente importantes na eleição dos eventos a ser noticiados.
O resultado preliminar de seu estudo foi apresentado em Oslo, na
Noruega, em 1963, na Primeira Conferência Nórdica sobre a Pesquisa
pela Paz, e publicado dois anos depois, em 1965. A análise de conteúdo
– que resultou numa lista de 12 valores-notícia – foi feita em quatro
jornais noruegueses, mais especificamente em 1.262 textos, entre
notícias, editoriais e cartas de leitores, que tinham como foco crises
políticas em três países estrangeiros: Congo, no ano de 1960, Cuba, no
mesmo ano, e Chipre, no ano de 1964 (HARCUP; O’NEILL, 2001). Com
base nesse estudo, Galtung e Ruge (1965) sugeriram uma lista de 12
fatores e algumas hipóteses, que resumimos a seguir com a ajuda de
Harcup e O’Neill (2001) e Traquina (2008):
1)
Frequência: evento que aconteça na mesma frequência de
tempo do jornal é mais provável que seja selecionado como
notícia do que um fato que ocorra durante um período de
tempo maior ou fora da periodicidade do veículo;
24 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
2) Amplitude: quanto maiores a dimensão, intensidade e
impacto, maior é sua probabilidade de se tornar notícia.
Por exemplo, quanto mais trágico for um acidente, maior
é a sua chance de ser noticiado;
3) Ausência de ambiguidade: quanto mais facilmente puder
ser compreendido ou quanto mais claramente um fato
puder ser interpretado sem apresentar múltiplos
significados, maior a chance de ser selecionado;
4) Significância: um fato culturalmente próximo ao país de
origem do jornal tem mais chance de se tornar notícia, pois
se molda às referências dos jornalistas que o selecionam;
5) Consonância: um evento que vai ao encontro de uma “préimagem” mental do jornalista que seleciona a notícia tem
mais probabilidade de se tornar notícia. É quando o
jornalista se depara com uma nova informação, mas que
se assemelha a um relato que ele já viu antes, um evento
que lhe é familiar;
6) Inesperado: dentro do conjunto de eventos com
significância e consonância, aqueles inesperados ou raros
são os mais factíveis de se tornar notícia.
7) Continuidade: após ganhar as manchetes, um evento
tende a permanecer no centro das atenções por algum
tempo, mesmo que sua amplitude tenha sido reduzida. A
cobertura contínua acontece como forma de justificar a
atenção que um evento atraiu inicialmente;
8) Composição: este fator diz respeito à necessidade de se
manter um equilíbrio temático das notícias, com vistas à
diversidade dos assuntos abordados;
9) Referência a nações de elite: eventos envolvendo nações de
elite seriam mais noticiáveis do que os que envolvem
outras nações. O conceito de nações de elite varia por conta
de fatores culturais, políticos e econômicos, embora alguns
países (Estados Unidos, por exemplo) possam ser
unanimidade nesse sentido;
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 25
10) Referência a pessoas da elite: eventos com pessoas da elite,
normalmente personalidades famosas, costumam ser
vistos pelos jornais como tendo mais consequências do que
os que envolvem anônimos;
11) Personalização: notícias tendem a apresentar eventos como
ações de uma determinada pessoa ou de uma coletividade de
pessoas e não como resultado de forças sociais;
12) Negatividade: a preferência dos jornais por notícias que se
referem a algo negativo acontece por alguns motivos,
segundo os autores: as notícias negativas podem ser vistas
como pouco ambíguas e consensuais, geralmente são
inesperadas e satisfazem melhor ao critério da frequência
e da consonância.
Após elencar estes 12 valores-notícia, Galtung e Ruge
formularam algumas hipóteses: quanto maior o número de fatores
tiver um evento, maior a sua probabilidade de se tornar uma notícia,
confirmando o que disse Wolf (2003, p. 202), quando revelou que
"os critérios de relevância funcionam conjuntamente, em 'maços'".
Além disso, uma vez que um evento é selecionado, aquele valornotícia que o tornou digno de seleção será mais destacado na notícia,
fenômeno que os autores chamaram de “distorção”.
Indiscutivelmente, a pesquisa dos autores noruegueses
tornou-se uma das mais influentes no mundo sobre valores-notícia,
considerada o estudo fundamental sobre a temática (BELL, 1991
apud HARCUP; O’NEILL, 2001), um verdadeiro “divisor de águas”
(WATSON, 1998 apud HARCUP; O’NEILL, 2001). Entretanto, o
estudo apresenta algumas limitações. Apesar de os resultados da
pesquisa se estenderem a valores-notícia de forma geral, o estudo se
concentrou somente na cobertura de três grandes crises
internacionais, envolvendo três países estrangeiros, e ignorou a
cobertura diária de eventos menores. Em suma, “a taxonomia dos
valores-notícia de Galtung e Ruge pareceu ignorar a maioria das
notícias” (HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 276, tradução nossa). Os
26 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
autores noruegueses tampouco levaram em consideração elementos
visuais dos eventos que poderiam ter incidido sobre a seleção das
notícias, como fotografias impactantes (TUNSTALL, 1971 apud
HARCUP; O’NEILL, 2001).
Galtung e Ruge revisados por Harcup e O’Neill
Apesar da popularidade dos estudos sobre critérios de
noticiabilidade, foram poucos os acadêmicos que se propuseram a
realizar uma análise de conteúdo similar à de Galtung e Ruge para
avaliar, na prática, a utilidade dos valores-notícia propostos e
verificar qual a relação entre as notícias que aparecem na imprensa
e os critérios propostos pelos noruegueses. Tony Harcup e Deirdre
O'Neill foram pioneiros em fazê-lo. Os resultados foram publicados
em 2001, sob o título “What is news? Galtung and Ruge revisited”,
tornando-se um dos artigos mais lidos e citados na história da
conceituada revista Journalism Studies (HARCUP; O’NEILL, 2016).
Harcup e O'Neill queriam tentar identificar quais dos fatores de
Galtung e Ruge pareciam estar presentes, de fato, nas notícias.
Para tanto, realizaram uma análise de conteúdo similar a de
Galtung e Ruge: examinaram 1.276 notícias (número, inclusive,
semelhante à amostragem de Galtung e Ruge, 1.262), publicadas nas
principais manchetes dos três mais importantes jornais do Reino
Unido – Daily Telegraph, The Sun e Daily Mail – durante todo o mês
de março de 1999. Diferentemente da análise realizada por Galtung
e Ruge, editoriais e cartas de leitores ficaram de fora do estudo de
Harcup e O’Neill. Além disso, os pesquisadores britânicos
abordaram todas as editorias e não somente a internacional. Ambos
os estudos pretendiam chegar às mesmas conclusões, apesar dos
focos ligeiramente diferentes: Galtung e Ruge se concentraram em
levantar hipóteses sobre os eventos em si, para entender como eles
se tornam notícias, enquanto Harcup e O'Neill se concentraram nas
notícias já redigidas e publicadas, para compreender quais foram os
critérios que levaram à sua seleção, como explicam os autores:
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 27
Enquanto Galtung e Ruge começaram sugerindo uma lista de
fatores e, em seguida, apresentavam hipóteses – em vez de
começar com um estudo empírico do que realmente aparecia nos
jornais –, nossa análise foi feita por um ângulo totalmente
diferente. A preocupação deles era com eventos e como eles se
tornavam notícias ou não. Nossa preocupação tem sido com
notícias publicadas e o que pode ou não ter levado à sua seleção
(HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 267, tradução nossa).
Por meio de análise de conteúdo, Harcup e O'Neill
identificaram que, quando aplicados na prática, os 12 valoresnotícias de Galtung e Ruge apresentaram problemas. Os
pesquisadores britânicos elaboraram então questionamentos para
cada um dos fatores, que iremos ver a seguir, em ordem decrescente
em relação à frequência em que aparecem na análise realizada
(HARCUP; O’NEILL, 2001).
A ausência de ambiguidade - terceiro fator na lista de Galtung
e Ruge - foi o valor-notícia mais identificado na análise de Harcup e
O’Neill (589 notícias). Segundo os britânicos, a explicação para isso
está no fato de serem matérias jornalísticas analisadas e não
eventos; portanto, a clareza é muito importante: “A maioria dos
jornalistas é treinada para escrever sem ambiguidades, mesmo
sobre histórias que parecem ambíguas, complexas ou obscuras”
(HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 277). Além disso, eles notaram grande
número de notícias não-ambíguas, mesmo sobre assuntos que
davam margem a múltiplas interpretações, como um bombardeio
da Otan na Sérvia ou o orçamento do Reino Unido. A principal
dúvida de Harcup e O’Neill sobre esse valor-notícia foi: trata-se da
ambiguidade do assunto em si ou em relação à interpretação que o
jornalista fez do assunto?
A referência a pessoas da elite ficou em segundo lugar em
termos de frequência (588 matérias). Harcup e O’Neill
identificaram, dentro desse fator, notícias envolvendo celebridades
do mundo da televisão, esportistas, atores de cinema e membros da
28 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
família real britânica. São figuras da elite, mas que, muito
provavelmente não estavam na mente de Galtung e Ruge ao
elaborar esse valor-notícia, pois se acredita que eles tivessem como
foco figuras do mundo da política. O principal questionamento de
Harcup e O’Neill era, portanto, a abrangência deste fator: quão útil
é uma categoria que não faz distinção entre celebridades e figuras
políticas? Além disso, notícias envolvendo instituições importantes,
tais como ONU, Otan, Vaticano, as universidades de Oxford e
Cambridge não se encaixavam nessa categoria e em nenhuma outra.
A frequência ficou em terceiro lugar (472 matérias), o que
surpreendeu os autores, pois eles esperavam que o fator fosse
registrado em todas as notícias e que ficaria em primeiro lugar em
termos de recorrência. Entretanto, eles constataram que muitos
eventos tornaram-se notícia mesmo quando não se desenrolavam
em uma frequência similar às rotinas dos jornais. Eles apontaram
também histórias que não apresentavam de forma clara o período
de tempo em que aconteceram. Segundo Harcup e O’Neill, isso pode
ter acontecido pelo fato de os jornais estamparem notícias que já
tinham sido publicadas antes em outros jornais, principalmente
assuntos de entretenimento. Além disso, observaram que os jornais
costumam fornecer abordar eventos que já foram dados em
primeira mão por outros meios como televisão, rádio e internet,
cabendo à imprensa a tarefa de realizar uma análise mais
aprofundada. Falar em frequência hoje soa artificial, pois ignora
uma maior flexibilidade no processo de produção de notícias. O fator
novidade parece mais adequado do que frequência. O
questionamento de Harcup e O’Neill para este fator foi: como a
frequência se aplica a histórias que não são sobre eventos, mas sobre
tendências, especulações ou até mesmo quando não há um evento
específico envolvido?
Mais de um terço das notícias analisadas foram sinalizadas
com o valor-notícia negatividade (454 matérias). Ele ficou em
quarto lugar como o mais frequente. Porém, ao lado de notícias com
viés negativo, chamou a atenção dos autores uma quantidade
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 29
surpreendente de notícias com viés particularmente positivo nos
três jornais analisados, atos de heroísmo, crianças-prodígio,
recuperações milagrosas, resgates, comemorações de aniversário,
premiações e histórias de superação. Harcup e O’Neill observaram
que a quantidade de notícias positivas muitas vezes se igualava à
quantidade de notícias negativas. Além disso, observaram que
muitas notícias podiam ser classificadas por algumas pessoas como
negativa, enquanto que por outros como positiva, dependendo dos
interesses envolvidos. Ou seja, “uma história pode ser apresentada
como uma má notícia simplesmente porque esse ângulo reflete a
posição política do jornal ou as visões percebidas de seus leitores”
(HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 273). Aqui, o questionamento dos
autores foi: uma notícia é negativa para quem exatamente?
A personalização ficou em quinto lugar como o mais frequente
(417 matérias) e gerou muitas dúvidas nos autores. Eles
consideraram que fazer referência a pessoas nas notícias é, na
verdade, uma técnica jornalística para aumentar o interesse na
história. “Pode ser precipitado destacar esse fator como um dos mais
proeminentes, pois a técnica jornalística e a prática profissional
exigem que o repórter procure sempre pessoas envolvidas nos
eventos” (HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 273). A pergunta dos autores
foi: a personalização postulada por Galtung e Ruge é intrínseca ao
assunto ou à técnica jornalística ao escrever a notícia?
A continuidade ficou em sexto lugar (354 notícias) e foi
considerado o mais difícil de ser identificado, pelo fato de a análise
ter ocorrido em um período de tempo curto (um mês), segundo os
autores, o que não lhes deu a oportunidade de verificar uma
sequência grande de publicações. O questionamento de Harcup e
O’Neill para este valor-notícia foi: algo pode estar nos noticiários
hoje porque foi notícia ontem, mas o que isso realmente revela sobre
o porquê de o primeiro evento ter sido selecionado inicialmente?
O fator inesperado ficou em sétimo lugar em termos de
frequência (276 matérias) e surpreendeu os autores, pois eles não
esperavam encontrar uma quantidade baixa de eventos
30 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
considerados raros ou inesperados dentro da amostragem. Segundo
eles, isso se deveu por conta da rígida organização das rotinas das
redações, feita justamente para evitar imprevisibilidades: “O evento
raro é mais raro do que o esperado, possivelmente refletindo o fato
de que muitas coberturas jornalísticas já estão inseridas dentro de
uma rotina, dominada pelas notícias diárias e por eventos préprogramados” (HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 273). O
questionamento para esse valor-notícia foi: como podemos saber se
o jornalista não está simplesmente adotando um ângulo inesperado
para um evento previsível?
A significância (220 matérias) e a referência a nações de elite
(213 matérias) ficaram em oitavo e nono lugares, respectivamente, e
não tiveram tanto destaque nos jornais analisados quanto os demais
fatores, segundo Harcup e O’Neill, pelo fato de não haver uma
abrangência da cobertura internacional nesses periódicos. Assim, a
significância seria um conceito “escorregadio”, que muda com o
tempo, e depende de interpretações subjetivas. Já quanto às nações de
elite, o questionamento dos pesquisadores foi: a escassez de notícias
estrangeiras nos jornais britânicos torna esse fator relativamente
pouco saliente, mas isso significa que ele não se aplica?
Foi surpresa para os autores britânicos o fato de a amplitude
ter ficado em décimo lugar em termos de frequência (173 notícias).
Na verdade, eles identificaram um grande número de notícias
aparentemente sem significância, impacto ou importância. “Sem
dúvida, todos os três jornais trouxeram muitas histórias com pouca
significância aparente ou amplitude, presumivelmente porque tais
histórias eram vistas como divertidas ou relacionadas ao estilo de
vida dos leitores” (HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 273). Emergiu o
questionamento se este fator estaria também aberto a
interpretações subjetivas: “Qual é maior: 20 mortes em dez
acidentes na estrada ou cinco mortos em um único acidente
ferroviário?”, eles questionaram (HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 268).
A consonância (109 matérias) e a composição (106 matérias)
ficaram em décimo-primeiro e décimo-segundo lugares, ocupando as
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 31
últimas posições. O número pouco expressivo de notícias em que esses
fatores apareceram se deveriam ao fato de que os dois valores-notícia
de Galtung e Ruge se relacionariam menos com as notícias em si e
mais com o processo de produção da notícia. E mais: dão margem a
interpretações subjetivas, em que seria preciso tentar adivinhar o que
estava na mente do jornalista ao tomar uma decisão específica na
seleção da notícia: “(...) fomos obrigados a especular as razões por trás
da decisão do jornalista” (HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 273).
Como vimos aqui, os autores apontaram, quase quatro
décadas depois do trabalho de Galtung e Ruge, limitações nos 12
fatores. Também mostraram notícias que não se enquadravam em
nenhum deles. Um dos principais motivos foi o fato de que muitas
notícias não tinham relação com algum evento específico (que foi a
base da pesquisa de Galtung e Ruge), tornando mais restrita a
aplicação do conjunto de valores-notícia para aquelas já publicadas.
Apesar de reconhecer e exaltar o legado de Galtung e Ruge, a análise
dos pesquisadores britânicos abriu a discussão sobre a necessidade
de se comprovar a eficácia da lista proposta pelos autores nórdicos,
a fim de tornar a seleção das notícias um processo mais
transparente, como afirmam Harcup e O’Neill:
Mas essas limitações não sugerem que o estudo de Galtung e Ruge
não tenha valor hoje. Em vez disso, as questões conceituais e
metodológicas que identificamos sinalizam que a pesquisa
empírica sobre a seleção de notícias inspira tanto perguntas
quanto respostas. Essas são questões válidas e precisam ser
abordadas – juntamente com as nossas descobertas e as de outros
– em vez de acreditarmos somente na crença de que Galtung e
Ruge conceberam um conjunto abrangente de valores noticiosos
(HARCUP; O’NEILL, 2001, p. 269).
Com base nesse estudo, em revisões de literatura e na prática
profissional de ambos como jornalistas, Harcup e O’Neill
propuseram, nesse artigo de 2001, um novo conjunto de 10 valoresnotícia – alguns deles baseados nos valores de Galtung e Ruge –, a
que eles chamaram de “contemporâneos”. O objetivo dos autores foi
32 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
criar uma ferramenta capaz de auxiliar na análise, discussão e
compreensão do processo jornalístico de seleção da notícia.
Qualquer notícia, para ser selecionada, poderia ser identificada em
pelo menos um desses 10 fatores. São eles:
1. ELITE: notícia sobre indivíduos, organizações, instituições
ou corporações poderosos;
2. CELEBRIDADE: notícia sobre pessoas famosas;
3. ENTRETENIMENTO: notícia sobre sexo, showbusiness,
interesse humano, animais, drama leve ou com a
possibilidade de receber um tratamento humorístico,
fotografias divertidas ou manchetes espirituosas;
4. SURPRESA: notícia que tem um elemento de surpresa e/ou
contraste;
5. NOTÍCIA RUIM: notícia com viés particularmente negativo,
como um conflito ou uma tragédia;
6. BOA NOTÍCIA: notícia com viés particularmente positivo,
como resgastes e curas;
7. MAGNITUDE: notícia suficientemente significativa para um
grande número de pessoas envolvidas ou com um potencial
impacto;
8. RELEVÂNCIA: notícia sobre grupos ou nações percebidos
como relevantes para o público;
9. SUÍTE (follow-up): notícia sobre um assunto já noticiado;
10. AGENDA DO VEÍCULO NOTICIOSO: notícia que se
encaixa na própria agenda do veículo noticioso (HARCUP;
O’NEILL, 2001, p. 279)..
Nesta tábua de valores, os autores ingleses juntaram no item
"Elite" as referências a "nações de elite e pessoas da elite" da tabela
de Galtung e Ruge; deram novo nome a "negatividade", que
batizaram como "notícia ruim" (bad news), enquanto
acrescentaram o contraponto "boa notícia" (good news); o valornotícia "amplitude" virou "magnitude"; consonância foi
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 33
desmembrado em "relevância" e "agenda do veículo"; e
"continuidade" se transformou em "suíte" ou follow-up,
correspondendo à notícia do dia seguinte. Eles também adicionaram
novos tópicos: "celebridade", "entretenimento" e "surpresa".
O novo, original e contemporâneo conjunto de valores-notícia
de Harcup e O’Neill
Quinze anos depois do pioneiro estudo, Harcup e O’Neill se
propuseram a realizar uma nova pesquisa para atualizar os 10
valores-notícia propostos por eles em 2001. O objetivo era verificar
como esses fatores interagem e observar se poderia haver alguma
alteração na lista. Os resultados do trabalho foram apresentados em
um novo artigo: “What is news? News values revisited (again)”,
publicado em 2016 na revista Journalism Studies.
Para testar a lista, os autores realizaram outra análise de
conteúdo com os 10 fatores. Isso foi feito ao longo do mês de
novembro de 2014, desta vez abrangendo um número maior de
jornais. Foram selecionados os 10 principais do Reino Unido: The
Sun, Daily Mail, Daily Telegraph, Daily Mirror, Daily Express, The
Times, The Guardian, The Independent, Metro e London’s Evening
Standard. A amostragem era composta unicamente pelas notícias
que estampavam as capas desses jornais e a primeira página,
excluindo textos de Esporte, Economia e de Opinião, o que totalizou
um corpus de 711 notícias. Para essa nova análise, os autores
levaram em consideração um elemento que não tinha sido
considerado no estudo de 2001: o papel das mídias sociais no
processo de seleção da notícia.
Qualquer estudo contemporâneo sobre valores-notícia deve agora
considerar também o impacto das mídias sociais na alteração dos
tradicionais papéis dos jornalistas como atores ativos (produtores,
selecionadores, gatekeepers), e do público como ator passivo
(receptores, consumidores) (HARCUP; O’NEILL, 2016, p. 10).
34 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Como resultado preliminar, eles identificaram que notícia
ruim foi o fator que apareceu com mais frequência nos jornais,
seguido de surpresa e entretenimento, como podemos ver na Tabela
1, organizada em ordem decrescente em termos de frequência.
Tabela 1 – Resultado da análise de Harcup e O’Neill (2016)
Valor-notícia
Total de notícias
Notícia ruim
442
Surpresa
345
Entretenimento
332
Suíte
221
Elite
216
Relevância
209
Magnitude
165
Celebridade
145
Notícia boa
137
Agenda do veículo
51
Fonte: (HARCUP; O’NEILL, 2016)
Porém, apesar dos resultados iniciais encontrados, quando
submetidos a testes empíricos, os autores constataram que alguns dos
valores-notícia foram definidos de forma ampla demais ou restritiva
demais e que algumas categorias precisavam ser revistas, ao passo que
outras precisavam ser incluídas na lista. O fator entretenimento, por
exemplo, foi considerado abrangente demais, pois compreendia tanto
notícias positivas quanto negativas dentro da temática interesse
humano. Sendo assim, os autores decidiram incluir um novo fator,
"drama", para identificar mais especificamente notícias de interesse
humano, porém com aspectos mais negativos, como notícias sobre
acidentes, fugas, buscas, resgates e casos judiciais, que não se
encaixavam na categoria notícia ruim, esta última identificada com um
viés particularmente negativo, incluindo principalmente mortes e
lesões de seres humanos.
Também o fator "notícia ruim" estava amplo em demasia,
abarcando tragédias e conflitos de forma geral. Então eles criaram
um novo valor-notícia - "conflito"-, para incluir notícias que
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 35
versavam principalmente sobre controvérsias, argumentos,
divisões, greves, lutas, insurreições e guerras. O valor-notícia
"magnitude" também passou por uma revisão e a definição passou
a incluir, além de fatos significativos para grande número de pessoas
ou com potencial impacto sobre elas, notícias envolvendo um grau
de comportamento extremo ou ocorrência extrema - crimes
hediondos e grandes tragédias.
Após se deparar com uma quantidade significativa de
conteúdos produzidos exclusivamente pelos jornais analisados, que
traziam frequentemente manchetes como “Uma pesquisa do Times
indica...” ou “Segue-se uma investigação do Independent...”, Harcup
e O’Neill incluíram o valor-notícia "exclusividade" para abranger as
notícias produzidas ou disponibilizadas primeiro pelo veículo
noticioso, como resultado de entrevistas, cartas, investigações,
pesquisas, enquetes, etc. Os autores consideraram ainda pela análise
que elementos visuais têm peso suficiente no processo de seleção da
notícia, mais ainda quando se tem em mente divulgar determinado
conteúdo nas mídias sociais. Desta maneira, incluíram o valornotícia "audiovisual" na lista, para incluir notícias que
possivelmente foram selecionadas devido à existência de fotografias,
vídeos, áudios e/ou que poderiam ser ilustradas com infografia.
Como afirmamos, nessa nova análise, os autores levaram em
consideração a atuação da audiência nas mídias sociais, no processo
de seleção da notícia. Com base em sua análise e também em
trabalhos de outros autores (OLMSTEAD et al., 2011; HERMIDA et
al., 2012; PHILLIPS, 2012; TIEN VU, 2014; WELBERS et al., 2015
apud HARCUP; O’NEILL, 2016), Harcup e O’Neill (2016, p. 12-13)
cunharam o valor-notícia chamado “compartilhável” (shareability),
que “(...) parece ser um critério cada vez mais importante na seleção
da notícia”. O valor-notícia "compartilhável" se refere às notícias
que foram selecionadas pelos jornalistas em função de seu potencial
de compartilhamento pelos usuários nas mídias sociais,
principalmente no Facebook e no Twitter.
36 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Contemporâneo e inovador, esse fator é também o mais difícil
de definir e identificar nas notícias, como os próprios autores
reconhecem:
Precisamente que qualidades tem uma história que possa ser mais
compartilhada do que outras é difícil de definir, mas Janine Gibson
(uma ex-editora do site do jornal The Guardian e que, em 2015,
tornou-se editora-chefe do BuzzFeed UK) observou que as histórias
mais compartilhadas tendem a ser “coisas que te fazem rir e coisas
que te deixam com raiva” (HARCUP; O’NEILL, 2016, p. 11).
Sendo assim, Harcup e O’Neill (2016) propuseram um novo
conjunto de valores-notícia, atualizando a própria lista de 15 anos
antes que, por sua, vez revisava o rol de Galtung e Ruge (1965). Os
autores britânicos concluíram então que fatos com potencial para se
tornar notícia devem satisfazer a um ou preferencialmente vários de
15 fatores que eles especificaram e que reproduzimos a seguir.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
Exclusividade: notícia produzida ou disponibilizada
primeiro pelo veículo noticioso como resultado de
entrevistas, cartas, investigações, pesquisas, enquetes, etc.;
Notícia ruim: notícia com viés particularmente negativo,
como mortes, lesões, derrotas e perdas (de emprego, por
exemplo);
Conflito: relativa a controvérsias, argumentos, divisões,
greves, lutas, insurreições e guerras;
Surpresa: que tem um elemento de surpresa, contraste
e/ou se refere a um fato incomum;
Audiovisual: traz em destaque fotografias, vídeos, áudios
e/ou pode ser ilustrada com infografia;
Compartilhável: susceptível de gerar compartilhamentos e
comentários via Facebook, Twitter e outras formas de
mídia social;
Entretenimento: soft news sobre sexo, showbusiness,
esporte, interesse humano mais leve, animais ou que
Marina Medleg Simon; Thaïs de Mendonça Jorge | 37
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
oferece oportunidade para um tratamento humorístico,
manchetes espirituosas ou listas;
Drama: notícia sobre um drama, como fugas, acidentes,
buscas, cercos, resgates, batalhas ou casos judiciais;
Suíte (follow-up): notícia sobre um assunto já noticiado.
Elite: sobre indivíduos, organizações, instituições ou
corporações poderosos;
Relevância: acontecimentos envolvendo grupos ou nações
percebidos como influentes, cultural ou historicamente
familiares ao público;
Magnitude: notícia significativa para grande número de
pessoas envolvidas ou com potencial impacto para a
população, ou aquela que envolve grau de comportamento
extremo ou ocorrência extrema;
Celebridade: aborda pessoas que já são famosas.
Boa notícia: texto com viés particularmente positivo, como
recuperações, superações, avanços, curas, ganhos e
celebrações;
Agenda do veículo noticioso: notícia que se encaixa na
própria agenda do veículo noticioso, seja ideológica,
comercial ou como parte de campanha específica
(HARCUP; O’NEILL, 2016, p. 13).
Conclusão
Como vimos aqui, Harcup e O’Neill (2016) oferecem um novo,
original e contemporâneo conjunto de 15 valores-notícia, levando
em consideração fatores que estariam influenciando atualmente a
seleção da notícia, como elementos audiovisuais e as mídias sociais,
a exemplo de Facebook e Twitter.
O fato é que podemos ainda observar o mapa cultural traçado
pelos valores-notícia, por exemplo, na exploração do pitoresco, do
singular ou do exótico, que se encontra embutido no conceito
clássico de notícia. “Homem mordendo cachorro” será sempre
38 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
notícia, porque faz parte do nosso código ideológico saber que
homens não mordem cachorros. Para os jornalistas, o “singular
acesso de hidrofobia (...), ofereceria a oportunidade de uma
manchete uivante” (CARTA, in MESERANI, COSTA e DE GIORGI,
1995, p. 33) e seria notícia em qualquer lugar do mundo. Assim, a
notícia – que ao longo de sua trajetória manteve intacta a essência,
o dever de informar – chega ao século XXI preservando valoresnotícia que atraem as pessoas. A sistematização deles atende ao
propósito de análise. Se o próprio meio influi no que é comunicado,
estamos já convivendo com um novo tipo de civilização, cujo poder
afeta os produtos da comunicação e os produtores.
Referências
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________. Teorias da comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Capítulo 2
Gatekeeping:
do desenvolvimento da teoria
às aplicações na pesquisa
Alberto Marques1
No campo das pesquisas de comunicação de massa (Mass
Communicatin Research) a teoria do gatekeeping é frequentemente
mencionada (MCQUAIL, WINDAHL, 1993) como uma das mais
antigas a ter como objeto de pesquisa o jornalismo (ALSINA, 2009)
e a comunicação. “Gatekeeping é o processo de seleção e
transformação de vários pequenos pedaços de informação na
quantidade limitada de mensagens que chegam às pessoas
diariamente [...]” (SHOEMAKER, VOS, 2011, p. 11). O fenômeno
observado pela teoria busca investigar não somente qual informação
será́ escolhida, mas também qual será́ o conteúdo (fontes, angulação
e hierarquização) e a natureza (gênero e formato) das mensagens.
[...] A entrada nos canais de notícias é controlada pelos
gatekeepers, que determinam quais eventos têm acesso e passam
por muitos gates pelo caminho. As forças na frente e por trás dos
gates constrangem ou facilitam o movimento das informações
sobre um evento por diversas seções nos canais. Há muitas forças
que influenciam nas notícias, como foi mostrado no modelo
1
Doutor em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador e professor do Programa de
Pós-graduação em Inovação em Comunicação e Economia Criativa. E-mail: alberto.marques@gmail.com
42 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
hierárquico desenvolvido por Shoemaker e Reese (1996).
(SHOEMAKER et al, 2010, p. 60)
As investigações sobre os processos de seleção das
informações que circulariam na imprensa possuíam um
determinado enfoque teórico até Kurt Lewin (1947) fornecer aos
estudos da comunicação a metáfora do gatekeeper no manuscrito
Frontiers in group dynamics II. Channels of group life; social
planning and action reseach. Embora sua pesquisa não tenha sido
originalmente aplicada ao estudo da comunicação, Lewin mostra
como “itens” são selecionados ou rejeitados através de “canais” e
afirma que essa fórmula poderia ser aplicada ao fluxo de notícias
(SHOEMAKER et al, 2001).
Na comunicação, David Manning White (1950) foi um
investigador pioneiro a aplicar a ideia de Kurt. “A metáfora do
gatekeeper ofereceu aos primeiros pesquisadores de comunicação
um modelo para avaliar a maneira como ocorre a seleção e a razão
pela qual alguns itens são escolhidos e outros são rejeitados”
(SHOEMAKER, VOS, 2011, p. 23). A teoria também forneceu
possibilidade de investigações sobre a forma como o conteúdo é
modelado, estruturado, posicionado e cronometrado. White (1950)
fez seu estudo num jornal de uma pequena cidade (nonmetropolitan). Ele convenceu um editor, a quem chamou de Mr.
Gates, a armazenar todos os textos que recebia das agências
Associated Press, United Press e International News Service durante
uma semana, em fevereiro de 1949. Em sequência, Mr. Gates
também forneceu suas razões para escolher ou rejeitar cada um dos
itens das agências. Esses motivos complementaram a análise do
pesquisador, que pôde verificar o material utilizado e rejeitado.
É apenas quando estudamos as razões dadas por Mr. Gates para
ter rejeitado quase 90% da conteúdo recebido (em sua busca pelos
10% para os quais ele tinha espaço) que começamos a entender o
quanto as atitudes e a comunicação das notícias são subjetivas e
dependentes dos julgamentos de valor baseados no próprio
Alberto Marques | 43
conjunto de experiências do gatekeeper [...] (WHITE, 1950, p. 386,
tradução nossa)2.
A figura 1 abaixo é uma proposta de visualização (MCQUAIL,
WINDAHL, 1993, p. 166) da teoria do gatekeeper. No modelo
conceitual de White, as fontes de notícias (N) enviam itens
noticiáveis para os gatekeepers, os quais podem rejeitar algumas
informações – N1 e N4 são exemplos de rejeição – e outras são
transformados em notícias a serem enviadas ao público (M). Vemos
nesse caso que as diversas fontes, como ministérios, universidades,
autarquias e empresas privadas, por exemplo, mandam
informações para os jornalistas, que podem aceitar ou não publicar.
As que passam no processo de seleção recebem tratamento
jornalístico e são enviadas aos receptores.
GRÁFICO 1: Modelo de White sobre gatekeeper (MCQUAIL, WINDAHL, 1993, p. 166)
O modelo de White foi ampliado e criticado em trabalhos
posteriores (MCQUAIL, WINDAHL, 2011). Ele serviu de base para
diversas pesquisas futuras (GIBER, 1956; WESTLEY, MACLEAN,
1957; MCNELLY, 1959; BASS, 1969; SHOEMAKER, 1991) que
indicaram novos caminhos e descobertas sobre por que
determinados acontecimentos viram notícia e outros são ignorados.
Mostraram também que a escolha tem sido apenas uma parte do
processo de gatekeeping.
2
It is only when we study reasons given Mr. Gates for rejecting almost nine-tenths of the wire copy
(in his search for the one-tenth for which he has space) that we begin to understand how highly
subjective how reliant upon value-judgments based on the “gate keeper's” own set of experiences,
attitudes and the communication of “news” really is [...]
44 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Gieber (1956) foi um dos primeiros pesquisadores que
apresentaram conclusões antagônicas às de White. O estudioso
pesquisou como era feita a seleção de notícias de agências por 16
editores de jornais impressos. Diferentemente de White (1950), que
identificou que os valores pessoais de Mr. Gates influenciavam nas
escolhas. Gieber (1956, p. 432, tradução nossa)3 diz que “o editor do
periódico descrito nesse estudo está preso em uma camisa de força
de detalhes mecânicos”.
O pesquisador destaca ainda que “seus valores de notícia são
elementares e amplamente estruturados”. Entre as características
das escolhas relatada no artigo, a mais citada foi a proximidade com
a comunidade. Contudo, outros elementos se mostraram
fundamentais: disponibilidade de verba, número de informações
disponíveis, pressão do tempo e adequabilidade do conteúdo à
política editorial da empresa também influenciaram na hora da
escolha da informação. Gieber (1956) afirma que o processo de
seleção é mecânico e que os editores são passivos. Ele conclui que a
organização e suas rotinas são mais importantes que as
características individuais do selecionador. Nesse modelo, o que
importam são as restrições impostas pela indústria ao gatekeeper.
O modelo de Westley e Maclean (1957), bem como o de Gieber
(1956), compreendem a organização midiática como algo homogêneo,
com regras rígidas. Nesses estudos, os trabalhadores da mídia atuam
como gatekeepers de forma idêntica. Diferentemente do primeiro
estudo de White (1950), que estava direcionado a decisões de uma
pessoa e suas escolhas pessoais, aqui as organizações e suas regras
possuem um peso grande na seleção dos trabalhadores midiáticos.
Ao combinar a ideia de gatekeeper como uma atividade
organizacional com o modelo psicológico de comunicação
interpessoal de Newcomb (1953), Westley e Maclean (1957) inovam.
Trata-se do padrão mais popular de comunicação de massa
3
“the telegraph editor described in this study is caught in a strait jacket of mechanical details”. [...]
“his news values are elementary and broadly structured”.
Alberto Marques | 45
(SHOEMAKER, VOS, 2011, p. 30), que, no seu modelo mais simples,
“[...] envolve a pessoa A que envia a informação sobre um objeto X
para uma pessoa B”. Os autores perceberam que o modelo ABX
poderia ser modificado para estudar a comunicação de massa e
incluiram um C e um F. Com isso, propuseram que a mensagem X
pode sair de emissores A ou B, passando ou não pelo canal de mídia
(C)4. O retorno (f) pode ser enviado da audiência para os emissores,
assim como da mídia para os emissores. O modelo aponta também
que algumas mensagens podem ser rejeitas ou simplesmente
modificadas pelos meios de comunicação.
“Claramente, em uma situação de comunicação de massa, um
grande número de Cs recebe de um grande número de As e transmite
para um número bem maior de Bs, que simultaneamente recebe de
outros Cs” (WESTLEY, MACLEAN, 1957, p. 35, tradução nossa)5.
GRÁFICO 2: Modelo organizacional proposto por Westley e Maclean para a
comunicação de massa (1957, p. 35).
A pesquisa de McNelly (1959), em seguida, voltou a aproveitar
a ideia de indivíduos atuando como gatekeepers. O pesquisador
4
Nesse caso a organização é o gatekeerper.
“Clearly, in the mass communication situation, a large number of Cs receive from a very large number of
As and transmit to a vastly larger number of Bs, who simultaneously receive from other Cs”
5
46 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
estava preocupado com o fluxo de produção de notícias
internacionais e acabou desenvolvendo uma representação
esquemática (FIGURA 3) que mostra o passo-a-passo do fluxo no
qual as informações passam por uma série de porteiros,
comunicadores e intermediários.
Um evento (E) chama a atenção de um correspondente
estrangeiro (C1), que escreve uma história sobre ele (S). Ele envia a
história a uma agência regional, na qual um editor ou um repórter
do escritório (rewriteman) (C2) pode editar a história (S') para
enviá-la ao escritório central da agência de notícias. Lá um editor de
texto (deskman) (C3) pode combiná-la com uma história relacionada
(SII) de outro país. A história resultante (S’’) vai para um escritório
estadual ou nacional onde outro deskman (C4) pode alterar a versão
(S’’’) e transmiti-la para o editor de um jornal ou para um editor de
notícias de rádio ou televisão (C5), que também podem alterar o
conteúdo (SIII) e passá-lo para o leitor ou ouvinte (R).
GRÁFICO 3: O modelo de fluxo de informações internacionais indica que a
informação deve passar por múltiplos gatekeerps (MCNELLY, 1959, p. 25).
Alberto Marques | 47
Explicando a figura acima, Shoemaker e Vos (2014, p. 32)
relatam que se trata de “uma história (H) [que] é escrita sobre um
evento (E). A história passa de um gatekeeper (C) para outro, cada
um dos quais pode cortar, reorganizar ou fundir a história com uma
outra antes que ela chegue ao receptor (R) final”. Por fim, no modelo
proposto, as setas representam o retorno (feedback), que pode
chegar em diferentes gatekeepers.
Vale notar que, nesse estudo, há diversos selecionadores,
como correspondentes, editores de agências de notícias e dos meios
de comunicação e revisores. Eles são peças centrais no processo de
seleção e construção das versões noticiosas que chegarão ao público.
A análise de McNelly (1959) já apresentava a complexidade e o
caráter circular na produção noticiosa. Pela primeira vez um estudo
vai detalhar com mais clareza o percurso que uma informação
percorre para que seja publicada no jornal, passando da fonte de
notícias até chegar à audiência. A novidade na proposta está
justamente em mostrar os múltiplos portões que a informação cruza
para alcançar o p, não focando apenas no editor, como Gieber (1956)
fez. McNelly (1959) deixa claro também que, apesar do peso do
editor no processo de seleção, outros profissionais também são
responsáveis pelo procedimento de triagem e pelo formato em que
os conteúdos chegarão ao consumidor final.
Seguindo a evolução dos estudos sobre gatekeeper, interessanos também o trabalho proposto por Bass (1969), que observou os
indivíduos dentro da organização midiática. Para o autor, “o
processo de fluxo de notícias deve ser dividido por suas funções em
segmentos de coleta e processamento de notícias. A atenção das
pesquisas deve cair sobre o coletor de notícias, pois é ele que toma
as decisões importantes. ” (BASS, 1969, p. 62, tradução nossa)6.
“the news flow process should be divided by functions into news gathering and news processing
segments. Research attention should be focused on the news gatherer, for it is he who makes the
significant decisions”
6
48 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
GRÁFICO 4: Coletores e processadores de noíticias são os dois indivíduos mais
importantes no processo de gatekeeping (BASS, 1969, p. 62).
O modelo de Bass (1969) apresenta o fluxo de notícias de
dupla ação em o que interessa é o indivíduo inserido no contexto da
organização. As informações chegam cruas (raw news) por vários
canais aos coletores de notícias (News Gatherers) que as
transformam em notícias (news copy). Como exemplo de coletores,
o autor cita redatores, repórteres, chefe de redação e editor de
cidade. Este seria o primeiro tipo de gatekeeper. O segundo tipo de
gatekeeper (processadores de notícias – news processors) modifica
e prepara o material para ser distribuído ao público. São citados
como exemplos editores, tradutores e revisores. Essa segunda
espécie é quem dá a palavra final no processo de produção. Bass
(1969) aplica o olhar de McNelly (1959) no seu estudo, ampliando a
noção de White (1950), ou seja, buscou compreender o papel dos
selecionadores individuais, chegando até a ideia dos múltiplos
selecionadores. O que diferencia as duas visões é a classificação de
Bass, que propõe os dois tipos distintos de selecionadores.
A partir desses trabalhos, outros pesquisadores (CHIBNALL,
1977; GANDY, 1982) progrediram e acrescentaram alguns
elementos à teoria. Contudo, interessa-nos o trabalho ampliado por
Pamela Shoemaker (1991) e Shoemaker e Reese (1996), que
propõem uma visão abrangente do gatekeeping, mostrando que, por
trás do processo, existe também um sistema social, um controle
ideológico e cultural, o que nos aproxima mais do debate teóricometodológico proposto no primeiro capítulo de Bourdieu.
Dentro dessa perspectiva, Mcquail e Windahl (1993, p. 126)
explicam que:
Alberto Marques | 49
Ela chama atenção para os fatores sociais e institucionais no ofício
(incluindo fontes, mercados anunciantes, grupos de interesse e
governo). Para ela, gatekeeping frequentemente envolve mais de
uma organização comunicacional [...] e múltiplos atos de
gatekeeping que acontecem em uma organização de mídia.
(MCQUAIL, WINDAHL, 1993, p. 126, tradução nossa)7.
Segundo Shoemaker (1991), o fenômeno de seleção das
informações pode ser verificado em outros níveis que vão além do
individual, como, por exemplo, nas rotinas organizacionais. A
pesquisadora diz que se um evento requer muita despesa e/ou
tecnologia para produzir a história, isso pode surtir um efeito
contrário na escolha da notícia. Se o acontecimento vira notícia,
depende da intensidade relativa destas duas forças, juntamente com
outras forças que ainda serão identificadas. (SHOEMAKER, 2001,
p.234, tradução nossa)
Tais forças vão influenciar a escolha das notícias. Aquela
autora, em parceria com Voz (2011), propõe cinco níveis para o
estudo do gatekeeping em contextos contemporâneos, a saber: 1) o
dos profissionais da comunicação individuais (suas atitudes
políticas, por exemplo); 2) o das rotinas ou práticas do trabalho em
comunicação (a pirâmide invertida, por exemplo); 3) o nível
organizacional (a análise de variáveis como parâmetros de
participação de propriedade na mídia, por exemplo); 4) o nível de
análise sócio-institucional, incluindo as influências do governo e
grupos de interesse; e, 5) o nível do sistema social, com a análise de
variáveis (ideologia e cultura, por exemplo) (SHOEMAKER; REESE,
1996).
She also draws attention to the social and institutional factors at work (including sources, advertisers’
markets, interest groups and government). In her account, gatekeeping often involves more than one
communication organization [...] and multiple acts of gatekeeping take place within a media
organization.
7
50 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Nível de análise individual
O primeiro envolve o background, bem como os antecedentes
pessoais, do profissional. Trata-se do nível individual. A
individualidade do agente, que trabalha com a racionalidade no
campo jornalístico, é apresentada como algo importante na sua
atuação. Antes do lado profissional, os processos comportamentais
do indivíduo são observados. As questões pessoais também são
fundamentais na escolha.
Para explicar o processo de tomada de decisões, têm-se teorias
da Psicologia utilizadas por Shoemaker e Vos (2011), quais sejam: 1)
Associacionismo; 2) Gestaltismo; e, 3) Processo de informação. Os
pesquisadores procuram elementos que expliquem os modos de
raciocínio de um gatekeeper.
A teoria do Associacionismo aponta que é através das relações
lineares e diretas que o indivíduo faz racionalmente suas escolhas.
As ideias evocam outras ideias ou se conectam a diferentes imagens,
concebidas ou lembradas. Esta encontra-se associada
essencialmente à Psicologia Behaviorista, que defende o estímuloresposta. A partir daí, é possível inferir que a memória, a atualização
e a capacidade de correlacionar fatos são aspectos fundamentais no
processo de atuação.
É possível afirmar que quando existe uma reforço em uma
associação positiva, com base nas relações estímulo-resposta, ela
ganha mais força. Efeito igual acontecerá aos negativos; ou seja,
quanto maior são as associações de eventos pretéritos, mais força
terá e é provável tal informação se torne notícia; cruze o portão. Os
gatekeepers têm a disposição de categorizar os acontecimentos e,
quando da existência de muitos eventos, eles tendem a fazer uso do
processo em questão para a execução de seu trabalho. Neste sentido,
tem-se como ponto fraco da teoria em questão – um tanto mecânica
(SHOEMAKER; VOS, 2011).
O Gestaltismo é a segunda teoria. Ela trata do método de
raciocínio de modo holístico, uma vez que defende que os
Alberto Marques | 51
pensamentos não são somente a soma de juízos individuais. Aqui,
os artifícios psicológicos podem ser mais bem compreendidos
quando analisados como diversos, elaborados e estruturados. Logo,
o raciocínio é visto de modo amplo. Tem-se a identificação de dois
tipos de estruturas, a saber: 1) o raciocínio produtivo – que explora
as informações antigas, aplicando-as; e, 2) o raciocínio produtivo –
que insere a imaginação e o uso de novas informações,
configurando-se em algo contínuo, não focado em cadeias e
associações de ideias.
A terceira teoria – o processo de informação – gesta a
resolução de dificuldades a partir de uma cadeia de caminhos
lógicos, com rasgos lineares do Associacionismo, mas sem a
suposição de que as associações ou as relações entre os estímulos
reforçadas de modo positivo ou negativo. Tal processamento de
informação, sem dúvida, reduzirá as tarefas do juízo.
Nível de análise das rotinas
O nível das práticas padronizadas e das rotinas de produção
está acima do nível pessoal do jornalista. Neste sentido, Shoemaker
e Vos (2011) observam que a informação que passa pelo gatekeeper
é transformada em diferentes pontos no processo de produção.
Nas redações, Ericson, Baranek e Chan (1987, p. 125)8
observaram que o repórter deve aprender a se organizar de tal modo
que suas atividades se tornem hábitos: “A habitualização diminui as
escolhas e torna a ação rotineira possível. A própria instituição
jornalística, evidentemente, é estruturada para produzir
habitualização, canalizando a curiosidade do repórter para as trilhas
da ocupação."
Roshco (1975, p. 105), por sua vez, apontou que o consenso no
processo de seleção de notícias (news judgement) minimiza a
“Habitualization narrows choices and makes routine action possible. Of course the news organization
itself is structured to produce habitualization, canalizing the reporter’s curiosity into the grooves of
the occupation”.
8
52 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
necessidade de discussão e acelera o papel-desempenho rotineiro:
“As rotinas diárias, pressionadas pelo tempo, de coleta e produção
de notícias podem ser conduzidas somente porque a maioria dos
julgamentos de notícias, se revisados, seria concordado por pares e
superiores”9.
Nos estudos de Shoemaker e Vos (2011), dentro da construção
analítica dos modelos de rotina, considera-se, primeiramente, o
campo da audiência e sua influência, pois, embora se tenha apenas
uma ideia abstrata da mídia sobre o que o público aprecia ou
despreza, os receptores possuem seu papel no processo de seleção
de notícias. Na contemporaneidade, com a internet e as métricas de
acesso, tal cenário começa a se ampliar. Considerar o público como
uma grande massa foi se tornando retrógrado na medida em que
evoluíram os meios. Assim, o surgimento de estudos que
procuraram dividir a audiência em contextos e grupos específicos
contribuiu significativamente para o avanço das ideias de seleção. “A
era organizacional demandou dois princípios: primeiro, que a
principal preocupação de uma organização era a sua sobrevivência;
e segundo, que as organizações existem para agradar seus
constituintes” (ALLEN, 2005, p. 379, tradução nossa).10
Com as novas especificidades, o selecionador das informações
tem como aliado, junto aos seus métodos, as reflexões acerca dos
desejos do público, que sabia, depois de pesquisas de mercado, por
exemplo, alguns dos assuntos mais aptos a passarem pelo portão,
conforme os interesses midiáticos de atração de receptores.
O uso das fontes jornalísticas também constitui grande parte
do conteúdo que passa pelos portões – o que serviu para a
“The essence of news judgement is that it is consensual. Consensus minimizes the need for discussion
and speeds routine role-performance. The daily, time-pressured routines of news-gathering and
production can be conducted only because most news judgements, if reviewed, would be concurred in
by peers and superiors”.
9
“The organizational era had commanded two principles: first, that an organization’s first concern is
survival; and second, that organizations exist at the pleasure of their constituents.”
10
Alberto Marques | 53
descoberta da intensidade de aparições de fontes oficiais, moldando
os pensamentos de modo contundente.
A dependência rotineira de fontes oficiais por parte da mídia pode
modelar o noticiário de diversas formas – ela privilegia aqueles que
estão no poder (Bennett, 1996), reduz a diversidade de pontos de
vista (Hallin, 1989; Liebler, 1993; Schiffer, 2006) e reforça
estereótipos de gênero (Armstrong e Nelson, 2005). Por exemplo,
Zoch e Turk (1998) mostraram que as fontes de notícias ainda são
predominantemente masculinas, construindo, assim, um mundo
no qual os homens têm mais autoridade do que as mulheres. Dito
de um modo simples, o conteúdo é desenvolvido de maneira
previsível porque os gatekeepers compartilham rotinas de coleta e
processamento de informações. (SHOEMAKER e VOS, 2011, p. 82).
Outras técnicas estão atreladas ao uso de fontes/personagens,
como, por exemplo, a construção e angulação das temáticas na
notícia e ao formato e linguagem noticiosas em termos de precisão
e factualidade. Historicamente, as noções de objetividade, equilíbrio
e equidade incorporam a suposição de que os jornalistas são agentes
neutros e imparciais, onde suas decisões se dão de modo técnico e
uniforme. Tuchman (1978) denomina tal ação de ritual estratégico,
que inclui a negativa da influência do viés pessoal, separando o fato
da opinião, bem como a inserção de diferentes visões.
“As fontes são pessoas, são grupos, são instituições sociais ou
são vestígios – falas, documentos, dados – por aqueles preparados,
construídos, deixados” (PINTO, 2000, p. 278). Pinto (2000) observa
que as fontes direcionam suas falas para posições e relações sociais,
para interesses e pontos de vista, para quadros espaçotemporalmente situados. As fontes utilizadas pelos jornalistas,
espontâneas ou não, estarão sempre interessadas, desenvolvendo
sua atividade a partir de estratégias e com tácticas bem delimitadas.
As noções supramencionadas são construídas com o intuito
de melhorar a qualidade dos processos das organizações. As rotinas
estratégicas visam proteger os jornalistas de acusações e buscam
cumprir os papéis esperados pelos comunicadores. Sobre a questão,
54 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Tuchman (1978) quantificou quatro estratégias, a saber: 1) oferecer
ao público dois lados dos eventos de opiniões conflitantes; 2) inserir
fatos tidos como verdadeiros por todos; 3) usar aspas de um
entrevistado para dar uma posição do jornalista, sem assumir a
responsabilidade pela citação; e, 4) organizar hierarquicamente as
informações mais importantes do texto, no formato da pirâmide
invertida.
Ainda foi possível encontrar e destacar os estudos de nível
rotineiro que “especificam nove características de um evento de
notícias que determinam as chances deste atravessar vários portões
midiáticos” (SHOEMAKER; VOS, 2011, p. 85). Galtung e Ruge
(1965), ao debater o gatekeeping, apontam que vários valoresnotícia se sobrepõem à individualidade dos jornalistas no processo
de seleção de informações que cruzarão o portão. Tal análise
pressupõe que o evento deve dialogar com o cronograma do veículo,
possuir grande magnitude ou intensidade, contar com clareza,
relevância cultural, ser consoante com as expectativas ou
inesperados, ter continuidade com eventos passados, além de
encaixar-se na composição do dia a dia do veículo, observando o fato
de que “os valores do gatekeeper e de sua sociedade influenciam a
seleção, muito mais do que os outros oito fatores” (SHOEMAKER;
VOS, 2011, p. 85). Os encaminhamentos transmitidos dos jornalistas
mais experientes para os mais novos, bem como os manuais de
estilo, deixam o processo de escolha mais padronizado e tradicional.
Em geral, os jornalistas zombavam da impraticabilidade dos
manuais referentes à coleta de informações ou ao estilo no qual
elas devem ser apresentadas. O aprendizado do ofício não envolve
a consulta de tais textos de autoridade. Ele vem da consulta de
notícias, do escrutínio dos editores, conversas com colegas mais
experientes, e de fazer o trabalho (ERICSON; BARANEK; CHAN,
1987, p. 132).11
11
“In general, journalists scoffed at the impracticality of rule books pertaining to the search for
information or the style in which it is presented. Learning the craft does not involve consultation of
Alberto Marques | 55
A exploração das rotinas, de modo comercial, evidencia a
relevância desse nível para melhorias em diversos setores dos
veículos, barateando alguns custos e diminuindo erros. Mas, ainda
existem forças atuando no processo de gatekeeping, que deixam o
sistema mais complexo, forçando o portão, de forma positiva e
negativa.
Nível de análise organizacional
O nível de análise organizacional explora o sistema social
delimitado dos locais que servem como objeto do presente estudo.
Cada um desses locais, em suas rotinas, possuem características
próprias. Existem nesses espaços códigos de escolha e pré-seleção.
Há nesses espaços um tipo de orientação coletiva, de grupo.
Essas orientações são decisivas quando se observa o que
aquele meio busca lograr. Aquelas que visam o lucro apontaram a
existência de uma redução de itens sobre questões públicas e
governamentais, e um aumento de itens sobre as questões
concernentes à vida privada, à autoajuda, aos esportes e ao
entretenimento.
Esse processos pode não ser identificados em pesquisas, alerta
Shoemaker e Vos (2011). Principalmente por não estarem
documentados. Os autores alertam que eles são de relevância
fundamental para o compreensão dos níveis de análises.
Nível de análise das instituições sociais
Para identificar as influencias que gatekeepers recebem não
basta uma completa análise dos indivíduos e de suas organizações.
such authoritative texts. It comes from consulting news texts, being scrutinized by editors, talking to
more experienced colleagues, and doing the work”.
56 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Assim, é preciso observar a questão de modo institucional, que é
orientada via mercado, governo, audiência e outros aspectos.
A capacidade da audiência de alterar as decisões do
gatekeeping possui influências contestadas e diversificadas. Na
contemporaneidade, com as métricas oferecidas pelos acessos via
web, há uma maior influencia da audiência.
É preciso destacar os efeitos gerados pelos anunciantes é
citado por Shoemaker e Vos (2011) como determinantes no ritmo
que a imprensa estabelece no processo de publicação de conteúdos.
Demissão de profissionais e retiradas de conteúdos são citados como
possíveis ações deflagradas pelos anunciantes quando seus
interesses não são seguidos.
Dessa forma, a ideia de público acaba misturando-se com os
interesses dos anunciantes. Isso pode confundir alguns gatekeepers,
que podem ignorar as aspirações da audiência em detrimento do
interesse dos anunciantes.
Em geral, a visão transmitida pelos jornalistas não vem de
suas próprias experiências, já que as versões são extraídas das
fontes. Um outro grupo que tende a influenciar o processo de
escolha são os relações públicas. Esses profissionais defende os
interesses dos seus assessorados. Sobre os tipos de fonte, que
envolvem os diversos pontos elencados nesse tópico, Sigal (1973)
assim classifica tais canais de informação: 1) canais de rotina; 2)
canais informais; e, 3) canais empreendedores.
O eventos que não são espontâneos geralmente são
produzidos pelos canais de rotina. São ocorrências criadas para
chamar atenção midiática. Setores específicos para tratar com a
impressa em empresas públicas ou privadas são criadas.
Geralmente esse tipo de serviço, ou setor, são criados ou contratados
por pessoas físicas e públicas.
É comum assessores de comunicação, políticos e pessoas que
acupam espaços de poder, manter relações com jornalistas e acabam
por abastecê-los de dados de bastidor. São a partir dessas relações
Alberto Marques | 57
que informações de bastidores são circuladas de forma extraoficial
e, em geral, atende ao interesse de quem a repassa.
Tal postura da fonte é denominada por Molotch e Lester
(1974) de promotores de notícias (news promoters) – classificação
que visa demonstrar a intencionalidade de transformar fatos em
notícias, fazendo uso de processos jornalísticos, a fim de facilitar que
os acontecimentos atravessem os portões midiáticos. Os canais
empreendedores se referem a eventos espontâneos e estão
relacionados àquilo que nasce da conversa do jornalista com outrem.
Um elemento destacado por aqueles autores é a reflexão neste
processo. Aqui, a atitude deixa de ser da fonte e parte do profissional
da informação. O jornalista necessita se portar criticamente perante
a sua fonte, a fim de alcançar a informação, extraindo-a a partir do
diálogo estabelecido.
Nível de análise do sistema social
Este ponto vai defender que é impossível compreender a
publicação de conteúdos da mídia sem antes compreender diversos
elementos da estrutura social que ela está inserida. São exemplos
disso o sistema politico partidário e as características do Estado, o
jogo de relações entre a sociedade civil e os interesses políticos e
econômicos dominantes, entre outros.
O gatekeepers agem, segundo este ponto, de acordo com os
seus ambientes culturais, ofertando uma ampla perspectiva dentro
de tal abordagem, mas restringindo o conhecimento de fora dos
ambientes parecidos. Assim, são perceptíveis as alterações
contextuais na passagem pelo portão, como preconizam Shoemaker
e Vos (2011), quando colocam que as mudanças podem alterar
variados setores produtivos das organizações.
58 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Considerações finais
Os estudos predominantes no início das pesquisas da Mass
Communication Research abordavam o chamado selecionador
(gatekeeper) (ALSINA, 2009) e foram os primeiros trabalhos de
newsmaking (ZELIZER, 2004). É justamente por isso que a década
de 50 é considera o marco inicial dos estudos sociológicos sobre o
jornalismo nos Estados Unidos e na Inglaterra. Essas pesquisas
buscavam detalhar o processo de produção da notícia,
especificamente sobre as rotinas do trabalho dos jornalistas
(ZELIZER, 2004).
A consolidação dos estudos está amplamente relacionada à
concepção e delineamento social e industrial do jornalismo dentro
do que seria o processo de produção da notícia. O momento é
conhecido como “metáfora industrial, pois “estaríamos então diante
do que vem sendo conhecido como a produção da notícia (news
making)” (ALSINA, 2009, p. 213).
É importante enfatizar que os estudos do gatekeeper, em
nossa compreensão, são percursores da consolidação de uma
corrente mais ampla de pesquisa: o newsmaking. É possível propor
e olhar para o newsmaking como uma teoria que abrigaria as
investigações realizadas com auxílio do gatekeeping. Ambas
estariam inclusas na corrente teórica chamada de sociologia dos
emissores ou sociologia da produção de notícias (ROSCHO, 1975).
Os exames desta perspectiva buscam identificar processos e
práticas sociais relacionados à produção das mensagens
informativas feitas pelos jornalistas no contexto dos meios
noticiosos. O sociólogo de notícias tem a preocupação com a gênese
da notícia e não com suas consequências. O resultado disso é que
surgiram críticas mal direcionadas em fazer essa distinção. “Ao
chamar atenção para eles, se estabelece uma fundação para a
moldura conceitual com a qual o conteúdo de notícias pela imprensa
Alberto Marques | 59
diária pode ser estudado como um fenômeno social” (ROSCHO,
1975, p. 6, tradução nossa)12.
Por fim, gostaríamos de destacar também que nem todos os
estudos sobre gatekeeper têm o jornalismo como objeto. Alguns
trabalhos (CANTOR, 1980; HIRSCH, 1977) utilizam a teoria do
gatekeeper para investigar a seleção de conteúdos para
entretenimento, por exemplo.
Trata-se de uma teoria pulsante que continua dando
contribuições importantes ao campo de pesquisa e que, ao ser
aplicada aos fenômenos contemporâneos, continua tento bastante
vitalidade.
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12
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Capítulo 3
A importância da compreensão do processo
de produção para o estudo do jornalismo
audiovisual em dispositivos móveis:
reflexões com base na teoria do newsmaking
Juliana Fernandes Teixeira1
Denise Freitas de Deus Soares2
Introdução
Nos produtos jornalísticos contemporâneos, especialmente
diante das possibilidades oferecidas pelo contexto digital, é possível
(ou, por vezes, inevitável) evidenciar o processo produtivo. Isso é
apontado por Gosciola (2003, p.90) como uma tendência inovadora
já que, tradicionalmente, os meios de comunicação tornavam opacos
seus procedimentos de produção e, quando evoluíam, almejavam a
ocultação ou a transparência desse processo. A compreensão do
1
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia
(Salvador/Brasil) e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior
(Covilhã/Portugal), por meio do regime de co-tutela entre as duas instituições. Atualmente, é
professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí e integrante do
Grupo de Pesquisa em Comunicação, Economia Política e Diversidade - COMUM. E-mail:
teixeira.juliana.rj@gmail.com.
2
Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal do Piauí.
Especialista em Tendências e Perspectivas do Jornalismo e em Telejornalismo pela UFPI. Graduada
em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFPI. É membro do Grupo de Pesquisas
em Comunicação, Economia Política e Diversidades - COMUM/UFPI. E-mail:
denisefreitass@hotmail.com.
64 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
processo de produção do jornalismo, entretanto, não é uma
preocupação nova no âmbito acadêmico.
Afinal, as teorias construtivistas, as quais concebem o papel
do jornalista dentro de um processo de produção da notícia
(newsmaking), emergiram na década de 1970, construindo um
paradigma diferenciado para a investigação acadêmica sobre o
jornalismo. A partir de então, o jornalista passou a ser considerado
um profissional construtor da realidade com a institucionalização da
sua própria função e de determinados mecanismos de produção
(ALSINA, 2009; TRAQUINA, 2008; TUCHMANN, 1978;
SCHUDSON, 1978; ROSHCO, 1975). Esta linha de pesquisa retoma
a tradição fundada por Robert Ezra Park nos anos 1920, e hoje,
segundo Peralta (2005, pp.22-23) se constitui enquanto uma das
vertentes de investigação científica mais adequadas para abordar a
realidade prática e teórica das organizações jornalísticas.
Partir dessa perspectiva, entretanto, não torna o jornalismo
uma produção ficcional. Bird e Dardenne (1993, p. 264) ressaltam
que classificar as notícias enquanto narrativas, produto de uma
construção cultural, não retira delas o seu valor de correspondentes
da realidade exterior, afetando ou sendo afetadas pela sociedade.
Embora não seja ficção, em acordo com as teorias construtivistas, o
jornalismo também não é um “reflexo da realidade” por três
principais razões: 1) é impossível estabelecer uma distinção radical
entre a realidade e as organizações jornalísticas porque as notícias
ajudam a construir a própria realidade; 2) a própria linguagem não
pode funcionar como transmissora direta da realidade, porque a
linguagem sem interpretação é impossível; e 3) a organização
jornalística estrutura inevitavelmente a sua representação dos
acontecimentos (TRAQUINA, 2005).
Sodré (2009, p.25, pp.70-71) ressalta que, hoje, já se tem uma
consciência mais ampla de que a notícia não apenas representa ou
transmite aspectos da realidade, mas também é capaz de constituir
uma realidade específica e de produzir efeitos de real segundo os
parâmetros jornalísticos de tratamento do fato, tais como a
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 65
apuração, as entrevistas, a redação e a edição. Em consonância com
Alsina (2009, p.10), existe atualmente uma compreensão de que,
como todo discurso social, o discurso jornalístico está inserido em
um sistema produtivo, dotado de características próprias, as quais
devem ser consideradas.
É, portanto, dos processos produtivos, paralelamente à
cultura profissional dos jornalistas e à organização do trabalho, que
emergem os conteúdos jornalísticos. Toda essa estrutura faz com
que o jornalista seja parcialmente autônomo, na medida em que tem
a obrigação de seguir um padrão de produção e uma concepção
coletiva de que assuntos merecem ser noticiados (SODRÉ, 2009, p.
25-26). Trata-se da institucionalização de um processo objetivo para
dar conta de um trabalho de natureza subjetiva (PICCININ, 2007, p.
18-19).
Nos conteúdos audiovisuais, as características do jornalismo
enquanto uma produção processual talvez sejam ainda mais
explícitas. É verdade que as imagens transmitem uma maior
sensação de “reflexo da realidade”, mas, em função das próprias
condições técnicas de produção, o jornalismo audiovisual é uma
reconstrução da realidade a partir das perspectivas de diferentes
profissionais: do repórter, do cinegrafista, do editor, entre outros,
cujas ações se consolidam em um processo de edição (TEMER, 2010,
p.111, p. 117-118). Em outras palavras: as interferências diversas na
atividade de construção coletiva do jornalismo audiovisual, ainda
que variem em função de diferentes graus de competência
profissional, níveis de poder e possibilidades de utilização do tempo,
evidenciam que o jornalismo é, de fato, um complexo processo de
produção.
As considerações realizadas até aqui reforçam a ideia de que
o jornalismo é um processo de construção negociado (TUCHMANN,
1978, p.6), cujas especificidades precisam ser compreendidas não
apenas por quem o pratica, mas também por quem pretende estudálo, sobretudo, quando nos referimos a áreas mais específicas como
o audiovisual e o digital. É nesse sentido que o objetivo do presente
66 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
artigo é explicitar a importância do processo produtivo para a
investigação das práticas jornalísticas contemporâneas, até porque
não podemos considerar o processo produtivo como uniforme,
estático ou imutável, na medida em que ocorre através da interação
dos jornalistas com outras categorias de atores mobilizadas para a
determinação dos fatos e sua posterior transformação em
acontecimento midiático (SODRÉ, 2009; TRAQUINA, 2005).
Diante dessas pretensões, iniciamos com um breve panorama
acerca da teoria do newsmaking e suas principais diretrizes. Em
seguida, buscamos ressaltar que, apesar da sua relevância, a
pesquisa de campo tem enfrentado dificuldades e limitações,
principalmente no que se refere às autorizações para que
pesquisadores ingressem nas redações jornalísticas. É discutida, em
decorrência disso, a realização das entrevistas com profissionais
como alternativas mais viáveis para a compreensão do processo de
produção jornalístico na atualidade. O foco das observações do
artigo é no jornalismo audiovisual praticado em dispositivos móveis,
sendo consideradas organizações jornalísticas de âmbito
internacional, nacional e local (com enfoque na cidade de Teresina,
tendo em vista o vínculo das autoras à Universidade Federal do
Piauí).
Um panorama da teoria do newsmaking
Os estudos relativos ao newsmaking (produção da notícia),
que abrangem um campo amplo e uma extensa bibliografia do
jornalismo, têm como principal objetivo revelar as articulações,
conexões e relações entre a profissão dos jornalistas e a organização
do trabalho e dos processos produtivos neste meio profissional.
Baseando-se na ideia de que o jornalismo é um campo fundamental
na construção da realidade social, ou melhor, na representação da
construção da realidade, Vizeu (2007, p. 223) aborda a “notícia
como um bem público, produzido institucionalmente, que
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 67
submetida às práticas jornalísticas possibilita o acesso das pessoas
ao mundo dos fatos (dia a dia)”.
Segundo Tuchmann (1978, p.5), ainda que alguns jornalistas
proclamem que as notícias representam o real, as narrativas
jornalísticas são histórias contadas e comentadas, que possuem um
caráter público – pois estão disponíveis a todos – e que constituem
nosso equipamento cultural. A autora (TUCHMANN, 1978, p.2, p.12)
afirma também que o ato de fazer notícia é o ato de construir
socialmente a própria realidade através de ocorrências do mundo
cotidiano que ocupam tempo e espaço, em vez de um retrato da
realidade. Ou seja, o trabalho jornalístico transforma
acontecimentos em eventos noticiosos e inspira-se em aspectos da
vida cotidiana para narrar histórias e apresentá-las a nós mesmos.
No mesmo sentido, mas nas palavras de Curado (2002, p.15),
a “notícia é a informação que tem relevância para o público. A
importância de um acontecimento é avaliada pelo jornalista, que
julga se o fato é notícia e deve ser divulgado”. A sociedade toma
conhecimento da notícia através dos meios de comunicação e a
mediação se dá pelo profissional, o jornalista.
O processo de valoração da notícia é determinado a partir da
escolha das fontes e esse acesso ao campo jornalístico que o
profissional de redação tem de lidar diariamente está ligado a um
método não científico de atribuição de valores. Escolher uma fonte
ao invés de outra é assegurada na experiência do profissional com a
produção da notícia, ou seja, é resultado da cultura profissional.
Cultura esta em que o jornalista engloba no seu “saber profissional”
um “vocabulário de precedentes” para desempenhar suas atividades
e é “baseado na experiência e nas transações diárias com colegas,
fontes, superiores hierárquicos e textos jornalísticos” (TRAQUINA,
2000, p.27).
O jornalismo também oferece às empresas de comunicação e
seus profissionais o desafio de apresentar um produto
completamente finalizado todos os dias. Este fator é agravado pelo
fato desta ser uma atividade condicionada pelo momento do
68 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
fechamento. Diante desta realidade, as organizações jornalísticas
adotam estratégias que permitam a adequação a este desafio,
derivado, principalmente, por duas características intrínsecas à
notícia: podem acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento.
O que existe, portanto, é um conjunto de procedimentos de
organização, disciplina, distribuição, especificação e coordenação de
tarefas para cada jornalista e para toda a equipe com o objetivo de
produzir conteúdos jornalísticos diante da imprevisibilidade, da
tensão e do pouco tempo para tomada de decisões intrínsecos à
elaboração informativa. Isso significa que a produção jornalística
engloba não somente aspectos quantitativos, mecânicos, repetitivos
e padronizados, mas também requer a inserção de elementos
qualitativos, intuitivos e criativos, cada vez mais valorizados por
grande parte das organizações, em função das exigências das
próprias audiências, a partir de características do contexto digital
como a interatividade (HERREROS, 2003, p.76-78).
Alsina (2009, p.177) ressalta que, em função da
imprevisibilidade dos acontecimentos e das pressões do tempo e do
espaço, o jornalismo dispõe de procedimentos específicos e limites
organizacionais à produção das informações, tais como pontos fixos
de observação, divisão do trabalho e hierarquia profissional, apenas
para citar alguns exemplos. Tendo que pensar na eficácia de um
produto imprevisível e, por diversas vezes caro, os jornalistas são
compelidos a empregar formas de hierarquia na tomada de decisões,
a realizar uma tipificação dos fatos e utilizar critérios de
noticiabilidade.
A teoria etnoconstrucionista possui dois conceitos
fundamentais: a noticiabilidade e os valores-notícia, que se
encontram implicitamente relacionados no processo de construção
da audiência. A noticiabilidade, ou seja, a possibilidade de um fato
virar notícia, pode ser definida como o conjunto de elementos
através dos quais as empresas de comunicação exercem controle
sobre a quantidade e o tipo de fatos, que serão selecionados para se
tornarem efetivamente notícias. Os valores-notícia são um
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 69
componente da noticiabilidade. A combinação destes dois conceitos
auxiliará os jornalistas na percepção dos fatos, enquanto
suficientemente interessantes e/ou importantes para a sua
transformação em notícia.
Os valores-notícia são critérios de relevância espalhados ao longo
de todo o processo de produção, isto é, não estão presentes só na
seleção de notícias, mas participam de todas as operações
anteriores e posteriores à escolha, embora com um relevo
diferente em cada situação (VIZEU, 2007, p. 225).
Além disso, os valores-notícia são marcados pelo dinamismo,
uma vez que podem sofrer modificações de acordo com aspectos
culturais, sociológicos ou tecnológicos. Tuchman (1978) defende
que, ao contrário de uma abordagem distorcida da realidade, a
notícia é um marco que constrói diariamente o mundo social.
Portanto, a seleção e as características das notícias sobre
determinados acontecimentos são negociáveis, implícita ou
explicitamente, entre os seus produtores e as fontes informativas.
Praticamente infinitos, segundo Vizeu (2007), os valoresnotícia dividem-se em cinco principais categorias, as quais se
subdividem sucessivamente. São elas: categorias substantivas;
categorias relativas ao produto; categorias relativas aos meios de
informação; categorias relativas ao público e categorias relativas à
concorrência. Cabe ressaltar, em acordo com o autor, que as
categorias substantivas, por estarem relacionadas ao fato em si e
seus personagens, abrangem os critérios de importância e interesse,
enquanto as categorias relativas ao produto, que dizem respeito ao
caráter do produto informativo, englobam valores como a
brevidade, a atualidade, a atualidade interna, a qualidade e o
equilíbrio.
É importante evidenciar que a relevância dos valores-notícia
varia de acordo com cada fato. Esta variação é essencial para o
desempenho do trabalho jornalístico, pois os seus profissionais não
teriam tempo para considerar os critérios, caso todos fossem
70 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
igualmente importantes. Alguns valores-notícia são quase sempre
relevantes, porém a quantidade e a relação que estabelecem com
cada notícia é distinta.
Isso reforça a hipótese do caráter negociado da noticiabilidade; isto
é, os critérios relevantes são variáveis, embora condicionados a
determinados fatores. Ou seja, a transformação de um fato em
notícia é o resultado de uma ponderação entre avaliações relativas
a elementos de peso, relevo e rigidez diferentes quanto aos
procedimentos produtivos (VIZEU, 2007, p. 231).
Uma das principais funções dos valores-notícia no processo
do newsmaking é a rotinização do trabalho, ou seja, atuam enquanto
fatores de organização e contextualização dos fatos, pois é assim que
adquirem significação. Os valores-notícia buscam alcançar uma
aparência de bom-senso, o que os torna elementos naturalizados e
considerados pelos profissionais como os mais corretos e
adequados, muitas vezes, sem questionamentos.
Vale ressaltar ainda que a rotinização do trabalho favorece a
eficácia da produção dos jornalistas, uma vez que estes processam
tipos de fatos distintos por meio de estruturas rotineiras. Em outras
palavras, permite que os jornalistas, mesmo trabalhando com o
inesperado, elaborem uma quantidade regular de notícias,
independentemente dos fatos e de acordo com os prazos préestabelecidos para o fechamento dos veículos de comunicação.
Além disso, conforme já destacava Bourdieu (1997), o
jornalista precisa conviver com o que o autor denominou de
ditadura da audiência sofrida hoje pelos meios de comunicação.
Uma consequência da lógica comercial que cada vez mais se impõe,
especialmente sobre a televisão, a qual acaba transferindo esta
pressão para o jornalismo e, por conseguinte, para os demais
veículos. O autor também aborda a pressão exercida pelo jornalismo
sobre os outros campos de produção cultural.
Um dos principais desafios dos estudos do newsmaking na
atualidade, porém, está na elaboração de uma metodologia
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 71
adequada. A problemática central é encontrar uma estratégia de
pesquisa que permita rigor na obtenção e coleta de informações
essenciais para o melhor entendimento acerca da rotina das
organizações jornalísticas e seus profissionais. Vizeu (2007)
considera que a abordagem etnográfica é a ideal para uma
observação mais coerente e consistente sobre as relações sociais que
geram produtos culturais. Entretanto, diante da ausência de uma
nomenclatura mais apropriada para a observação do cotidiano das
redações jornalísticas, o autor propõe “a noção provisória de
etnojormalismo, observação sobre as práticas jornalísticas que
resultam num produto chamado de notícia” (VIZEU, 2007, p. 234).
Sobre essa coleta de informações, como estratégia de
pesquisa, detalharemos melhor as dificuldades encontradas para
entrada nas redações, bem como a importância de ouvir os relatos
dos profissionais da área, para além da análise dos produtos
circulados nos meios de comunicação.
A importância da pesquisa de campo e suas dificuldades
(limitações para entrada nas redações)
Em primeiro lugar, é preciso evidenciar que a importância da
pesquisa de campo não anula a relevância da análise dos produtos
comunicacionais, independente da estratégia metodológica que seja
eleita para essa tarefa. Até porque, conforme já sustentava Machado
(2001) no que se refere especialmente aos programas televisivos,
são poucos os pesquisadores que concentram seus esforços no
conjunto dos trabalhos audiovisuais que cada meio efetivamente
produz. Gomes (2011, p.17) reforça esse ponto de vista ao sustentar
que o audiovisual costuma ser mais abordado a partir de
perspectivas macroeconômicas, históricas ou sociais, afastando-se
da análise dos programas, de fato, veiculados. Uma situação que é
agravada no âmbito específico do jornalismo audiovisual, cujas
pesquisas têm conferido pouca ênfase aos produtos circulados,
72 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
resultando em uma fragilidade teórica e metodológica, sobretudo
quando nos referimos às especificidades dos conteúdos.
Chamar a atenção para a importância da análise dos produtos
midiáticos, entretanto, não é o foco do presente artigo. Interessa-nos
destacar aqui a importância da combinação das análises dos
programas com a pesquisa de campo nas redações jornalísticas;
estratégia que tem sido cada vez mais dificultada (e por vezes até
impossibilitada) por alguns meios de comunicação. Esse
acompanhamento da rotina produtiva, segundo Yin (2005, p.26), é
importante até porque espera-se que um estudo de caso apresente
diferentes fontes de evidências.
Assim sendo, a observação direta dos fenômenos jornalísticos
que estão sendo estudados e as entrevistas com as pessoas neles
envolvidas tornam-se essenciais para determinadas pesquisas no
campo da comunicação. Como observação direta, compreende-se a
visita realizada ao local da investigação, com o objetivo de fornecer
dados adicionais sobre o tema em análise (MATSUUCHI DUARTE,
2009, p.230), o que nem sempre é possível por questões
organizacionais das empresas jornalísticas contemporâneas.
Nas pesquisas de campo, Vizeu (2007) sugere a realização de
entrevistas
não-diretivas.
Estas
entrevistas
explicitam
gradualmente os modelos culturais por meio da revelação do
emprego de estereótipos e da interferência dos grupos dos quais os
indivíduos fazem parte ou se referem de acordo com o seu processo
de socialização.
Seguindo esses preceitos, em pesquisas anteriores a nível de
doutorado e pós-doutorado (TEIXEIRA, 2015; 2018), buscamos
realizar entrevistas com os profissionais das organizações
jornalísticas estudadas. Localmente (em específico na cidade de
Teresina - Piauí), ao longo do estágio pós-doutoral (TEIXEIRA,
2018), visitamos as quatro principais emissoras piauienses (TV
Clube, TV Cidade Verde, TV Antena 10 e TV Meio Norte). No mesmo
dia da visita em cada uma das organizações jornalísticas, foram
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 73
entrevistados os profissionais diretamente responsáveis pela
produção jornalística e/ou para mídias sociais.
Já na tese de doutorado (TEIXEIRA, 2015), que estudava
aplicativos jornalísticos autóctones para tablets (e, desse modo,
envolvia produtos jornalísticos de diferentes regiões do Brasil e
países do mundo), a visita às redações foi inviabilizada. Entre o
corpus dessa pesquisa doutoral, estavam incluídos os seguintes
cibermeios: La Presse + (Montreal – Canadá); Mail plus (Londres –
Reino Unido); El Mundo de la Tarde (Madri – Espanha); Project
Week (Londres – Reino Unido); Katachi (Oslo – Noruega); La
Repubblica Sera (Roma – Itália); O Globo a Mais (Rio de Janeiro –
Brasil); Estadão Noite (São Paulo – Brasil) e Diário do Nordeste Plus
(Fortaleza – Brasil). Críticas poderiam ser direcionadas ao fato de
que não elencamos estudos de caso em que fosse efetivamente
possível empreender uma pesquisa de campo. Contudo, foi
priorizada, nesse estudo, a constituição de uma amostragem mais
representativa e original, afastando-nos de questões que levassem
em conta apenas a proximidade geográfica de alguns cibermeios.
Apesar das particularidades de cada uma das pesquisas
realizadas, em ambos os casos foi dedicado um tempo expressivo
para realização, transcrição, categorização e redação dos resultados
da pesquisa de campo, uma vez que essa etapa é uma das mais
relevantes no que diz respeito ao potencial dos futuros resultados.
Na opinião de Duarte (2009), tem dois objetivos específicos e
complementares entre si: identificar hipóteses importantes para a
compreensão do objeto de estudo e investigar regularidades e/ou
descontinuidades para a elaboração de novas hipóteses. Especial
atenção precisa ser dedicada, ainda, ao processamento dos dados
coletados, pois é a interpretação e a reconstrução realizada pelo
pesquisador que permite a articulação dos conceitos por meio de um
diálogo diferenciado com a realidade.
Tais foram justamente os objetivos pretendidos pelas
pesquisas empreendidas já mencionadas. Nossa intenção aqui,
entretanto, não é evidenciar os resultados alcançados, que podem
74 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
ser acessados na tese de doutorado e no relatório final do pósdoutorado. A pretensão, em vez disso, é demonstrar a relevância dos
procedimentos de pesquisa de campo para a compreensão do
fenômeno do jornalismo audiovisual em dispositivos móveis,
mesmo que apenas por meio de entrevistas, conforme será
detalhado a seguir.
As entrevistas como alternativas mais viáveis para a
compreensão do processo de produção
Uma ressalva importante, no presente momento do artigo, é
que nem todo estudo de caso demanda, necessariamente, a
realização de pesquisa de campo. São possíveis adaptações
metodológicas de forma a abrir mão da ida a campo, tal como foi
exemplificado com a pesquisa de doutorado destacada
anteriormente (TEIXEIRA, 2015). De todo modo, não convém que o
processo de produção seja totalmente ignorado. Tanto é que, para
analisar os aplicativos jornalísticos autóctones para tablets nacionais
e internacionais, optou-se por ultrapassar a observação sistemática
dos produtos selecionados (que ocorreu por meio de fichas de
análise), sendo esta complementada por entrevistas com os editores
dos cibermeios estudados.
Devido à diversidade de países e regiões do corpus, contudo,
as estratégias empregadas para as entrevistas variaram. No caso de
O Globo a Mais, a entrevista foi presencial com a jornalista Maria
Fernanda Delmas; no caso de Estadão Noite, ocorreu por telefone
com Luís Fernando Bovo. O contato foi on-line nos casos de Diário
do Nordeste plus (via skype, com Daniel Praciano Nobre) e de La
Presse + e El Mundo de la Tarde (por e-mail, com Éric Trottier e
Juan Carlos Laviana, respectivamente).
Na pesquisa de pós-doutorado (TEIXEIRA, 2018), que
investigou, entre outras questões, o uso dos dispositivos móveis no
processo de produção telejornalístico, as entrevistas também
adquiriram protagonismo. Mas houve um esforço (ou talvez reais
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 75
condições de proximidade geográfica) para que todas fossem
realizadas presencialmente. Sete profissionais foram entrevistados
nas quatro emissoras piauienses visitadas. As entrevistas locais se
deram com os referidos profissionais: Jaqueliny Siqueira e Paulo
Nóbrega (TV Clube); Marcos Monturil (Rede Meio Norte); Yala Sena
e Ítallo Victor (TV Cidade Verde); e Renato Ricarte e Douglas
Cordeiro (TV Antena 10).
Independente do formato adotado e da plataforma em que se
baseia, a escolha pela entrevista deve-se ao fato de ser uma técnica
que explora um assunto a partir da busca de informações,
percepções e experiências de informantes para analisá-las e
apresentá-las de maneira estruturada. Busca-se recolher respostas
a partir da experiência subjetiva de uma fonte. Esse tipo de
ferramenta metodológica permite explorar um assunto ou
aprofundá-lo, descrever processos, compreender o passado e
apontar perspectivas (DUARTE, 2009).
Existem diversas estruturas possíveis para uma entrevista:
aberta, fechada, semiaberta, entre outras. Nas pesquisas que temos
empreendido, porém, a entrevista semiaberta apresenta-se como
uma dos formatos mais profícuos. Afinal, a entrevista semiaberta é
um modelo de entrevista em profundidade, que se baseia em um
roteiro de questões-guia, as quais atendem ao interesse da pesquisa
e são apresentadas ao entrevistado de forma aberta. Desse modo, é
possível conciliar a flexibilidade da questão com o controle do
roteiro. Embora a temática, a ordem e a profundidade das perguntas
sejam determinadas pelo pesquisador, o entrevistado tem um papel
fundamental, pois o andamento da entrevista vai depender dos seus
conhecimentos e disposição para falar sobre o assunto.
É verdade que diversas adaptações no roteiro inicialmente
previsto podem ser necessárias em função da dinâmica de
funcionamento de cada estudo de caso – tais como alterações na
ordem das perguntas das entrevistas e ajustes no roteiro em função
de relatos interessantes que determinados entrevistados poderiam
agregar à pesquisa. De todo modo, considera-se que as entrevistas
76 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
podem ser consideradas uma estratégia interessante (e bastante
viável) para uma compreensão mais efetiva do processo de
produção jornalístico nas redações contemporâneas.
Contribuições das entrevistas para a compreensão do
jornalismo audiovisual em dispositivos móveis
Muitas vezes, os meios de comunicação tradicionais são
acusados de resistirem aos potenciais da internet e da mobilidade,
bem como os cibermeios são acusados de quererem usurpar o
espaço informativo e publicitário da TV, do rádio e do impresso. Mas
será que essa dicotomia, e até uma certa rivalidade, corresponde à
realidade do processo de produção jornalística contemporâneo? Por
meio de entrevistas com profissionais das organizações jornalísticas,
acreditamos que é possível empreender investigações pertinentes;
pelo menos é isso que tem sido demonstrado pelas pesquisas que
foram empreendidas no âmbito do jornalismo audiovisual em
dispositivos móveis nos últimos anos (TEIXEIRA, 2015; 2018).
Ao investigar o panorama de mobilidade e audiovisualização
no âmbito do jornalismo nacional e internacional, ouvimos relatos
de editores de diferentes tipos de organizações jornalísticas
(incluindo empresas tradicionalmente vinculadas ao impresso e à
televisão). Um ponto em comum entre grande parte das entrevistas
foi a busca por inovações e a necessidade de pesquisas que
viabilizem tal processo inventivo.
A partir das entrevistas, concluímos que, de uma maneira geral, os
editores possuíam e ainda possuem muitas dúvidas sobre o que
fazer para inovar, ou seja, promover inovações nos conteúdos para
tablets permanecem como desafios para esses profissionais
(embora, conforme já mencionamos, essa não seja, de fato, uma
obrigação deles, na medida em que a inovação emana de fatores
múltiplos e complexos). Se esse panorama, por um lado, gera, por
exemplo, receios acerca da lucratividade dos produtos exclusivos
para tablets; por outro lado, torna os autóctones espaços mais
propícios à experimentação – foi constante, entre os editores
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 77
ouvidos, a percepção desses produtos como ambientes frutíferos
para que fossem exploradas diferentes possibilidades nos
conteúdos jornalísticos, principalmente no que se refere à
multimidialidade (TEIXEIRA, 2015, p.318)
A constatação acima revela a importância de uma
aproximação mais efetiva entre a compreensão teórica e a prática do
processo jornalístico, no que as pesquisas baseadas no newsmaking
podem contribuir em grande medida. Afinal, compreendemos o
jornalismo enquanto uma atividade teórico-prática, em que a teoria
se modifica constantemente com a experiência prática, que por sua
vez se modifica constantemente com a teoria. Cabe, assim, aos
pesquisadores procurar a transformação das circunstâncias e,
simultaneamente, auxiliar aos indivíduos (no nosso caso específico,
os profissionais do jornalismo) a criarem novas práticas.
A necessidade desse tipo de compreensão da realidade é ainda
mais importante frente aos desafios impostos para o estudo da
sociedade em rede, a estrutura social que caracteriza a sociedade no
início do século XXI. Conforme pondera Castells (2015, p.21-22), o
processo de comunicação contemporâneo é efetivado em função de
diferentes lógicas de poder, culturas, organizações e tecnologias,
interferindo em todas as áreas de prática social. Portanto, estudar
tais práticas, entre as quais incluímos as comunicacionais, demanda
uma compreensão plena das especificidades não só das formas,
como também dos processos de produção da informação.
Considerações finais
Uma das principais dificuldades do ensino de jornalismo é
que, independente da dimensão ou da estrutura da universidade,
está tradicionalmente voltado para o treinamento prático, de um
lado, e para a educação conceitual, de outro. Ainda que as demandas
do sistema midiático sejam diferentes de uma região para outra e
deliberadas com base em culturas específicas, o equilíbrio entre os
conhecimentos práticos e conceituais sempre foi um desafio para os
78 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
programas de jornalismo de todo o mundo (DEUZE, 2008, p.271;
MENSING, 2011, p.18; TÓTARO, 2008, pp.64-65).
E é justamente no que tange a esse aspecto que apresentamos
a tentativa de integração entre as pesquisas acadêmicas/ teóricas e
as aplicações mercadológicas/ práticas. Reconhecemos que ainda
são múltiplos os obstáculos que a pesquisa, a reflexão e o ensino do
jornalismo vêm enfrentando na contemporaneidade. De todo modo,
a intenção aqui é apontar para a importância da integração entre
teoria e prática, entre pesquisadores e profissionais, da transposição
desses desafios.
A dicotomia teoria e prática tende a desaparecer porque, através
da reconstrução e da construção do conhecimento, a teoria
constitui uma esfera de compreensão dos limites e da necessidade
de atualização da prática e a prática funciona como uma espécie de
campo de provas para testar as hipóteses teóricas e apontar as
lacunas existentes nas teorias estabelecidas (MACHADO, E., 2007,
p.17).
Atuar em projetos acadêmicos, por exemplo, é uma das
vantagens oferecidas aos alunos de jornalismo em comparação aos
de engenharia ou direito, os quais enfrentam mais dificuldades para
desempenhar as atividades práticas de sua profissão (WARREN,
1975, p.16). Um dos problemas atuais, entretanto, é que as
produções audiovisuais acadêmicas têm se aproximado mais de
locais de treinamento para o mercado de trabalho do que de
ambientes de aprendizagem capazes de formar novos profissionais,
e do que laboratórios de pesquisa de novas práticas e processos
jornalísticos (AZAMBUJA, 2008, p.13; SQUIRRA, 1993, p.15). Em
geral, hoje, a Internet pode oferecer alternativas para superar essas
problemáticas, visto que tem se apresentado como uma aliada no
processo de ensino, pesquisa e extensão dos cursos de graduação em
jornalismo (BACCO, 2010, p.15), sobretudo a partir das
potencialidades oferecidas pelos smartphones.
Juliana Fernandes Teixeira; Denise Freitas de Deus Soares | 79
Tal afinidade mais estreita entre teoria e prática não favorece
apenas a universidade, mas pode oferecer benefícios também para
o mercado jornalístico, uma vez que os resultados obtidos por meio
de estudos sistemáticos funcionam como uma espécie de consultoria
especializada proporcionada pela academia, ou seja, o mercado pode
aproveitar dados e indicações das pesquisas para o aprimoramento
da prática. As pesquisas tornam-se, assim, conforme já sugeria
Abruzzese (2006), possíveis projetos políticos, culturais e/ou
formativos, destinados não apenas aos estudantes, mas também aos
profissionais da área e às classes dirigentes, podendo interferir tanto
em produtos quanto em processos jornalísticos a curto e longo
prazos.
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Capítulo 4
Jornalismo de capa e as teorias do Newsmaking
e do agendamento na Folha de São Paulo
Gleisy Nascimento de Alencar 1
Francisco Gilson Rebouças Pôrto Junior 2
Verônica Dantas Menezes 3
Introdução
O artigo trata de uma pesquisa que tem como objetivo
identificar os temas agendados nas capas do Jornal Folha de São
Paulo no período de 01 a 31 de maio de 2018. O período de análise
foi escolhido em virtude de anteceder o período da Copa do Mundo,
o que poderia inviabilizar ou prejudicar o estudo. O recorte utilizado
restringe esta análise aos seguintes indicadores: 1- Manchete
principal com ou sem foto; 2-Chamada com foto e 3- Foto-legenda.
Foram utilizados os métodos de pesquisa documental e
análise de conteúdo. A pesquisa empírica foi orientada por uma
revisão de literatura para identificar o estado da arte da Teoria do
Newsmaking e da Teoria da Agenda. A Pesquisa Documental foi
necessária para levantar as edições do jornal Folha de São Paulo do
1
Mestranda d Programa de Pós Graduação em Comunicação e Sociedade da UFT, Relações Públicas e
professora do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Tocantins.
2
Professor Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea, mestre em Educação, graduação em
jornalismo, pedagogia e história, professor da Universidade Federal do Tocantins.
3
Doutora em Comunicação, mestre em Sociologia, graduada em Jornalismo, professora da
Universidade Federal do Tocantins.
84 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
mês de maio de 2018, para identificar quais eram as manchetes,
chamadas com fotos e fotos legenda contidas neste período. A
Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977) possibilitou a classificação e
reagrupação do material pesquisado em categorias que
possibilitaram compreender os assuntos de maior importância
(agendamento) para a linha editorial do Jornal Folha de São Paulo.
Assim, este ensaio lança algumas problematizações sobre o
papel do jornalismo na contemporaneidade, como mediador e
promotor de temas e enquadramentos sobre estes temas que são
tornados públicos como importante para a sociedade.
A Folha
A Folha de São Paulo é um jornal diário que circula em todo
o território nacional, apesar da queda registrada na circulação
impressa dos 11 principais jornais do país, a Folha, segundo a ANJ
em 2017, ficou na terceira posição com uma tiragem de 121 mil
exemplares, sendo a primeira colocada no ranking das assinaturas
digitais com 164,3 mil assinantes.
O Jornal sempre esteve envolvido (de forma questionável)
nos mais importantes acontecimentos políticos do País. A Folha de
São Paulo sempre foi acusada por intelectuais e políticos
perseguidos pela ditadura, de ter cedido seus carros para os policiais
do DOI-Codi, órgão de repressão da ditadura militar. Porém,
somente em 2014 num editorial sobre os 30 anos do fim da ditadura,
a Folha reconheceu que foi uma decisão equivocada, porém
justificou que na época não tinha como ter a compreensão que
temos nos dias de hoje sobre o regime. A Folha também foi o
primeiro órgão da imprensa brasileira a pedir em 1991 o
impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, que
renunciaria no ano seguinte, antes mesmo do processo ser
concluído. E no processo de impeachment da presidente Dilma
Roussef também influenciou a opinião pública com os
enquadramentos noticiosos usados. A Folha afirmava em suas
Gleisy N. de Alencar; Francisco Gilson R. P. Junior; Verônica D. Menezes | 85
matérias que a crise que o país atravessava somente seria superada
com um governo que tivesse uma base aliada muito forte.
A história do jornal teve início em 1921, com a criação do
jornal "Folha da Noite". Cinco anos depois é fundada a sua versão
matutina o jornal "Folha da Manhã. E após 24 anos surge a "Folha
da Tarde". Mas foi em 1º de janeiro de 1960, que os três títulos da
empresa se fundem e surge o jornal Folha de São Paulo.
O veículo é ainda pioneiro na utilização de várias
tecnologias, entre elas a impressão offset em cores, recebendo
prêmios internacionais pela sua qualidade gráfica e designer. Tendo
um parque gráfico também premiado, possui um dos melhores
Bancos de Dados do país, abrangendo arquivos de texto, foto e
biblioteca.
Na década de 90 é criado o Datafolha, instituto de pesquisa
de opinião pública e de mercado, que realiza pesquisas eleitorais e
também de temas de interesse dos leitores, fornecendo informações
à redação do jornal.
A Folha ganhou grande visibilidade internacional quando
passou a investir em uma política de fascículos encartados ao jornal.
O primeiro deles, lançado em parceria com o The New York Times,
bateu recorde com a venda de 1.117.802 exemplares. Esse número
fez o jornal entrar por duas vezes no "Guinness Book - O Livro dos
Recordes" de 1996 (jornal brasileiro a superar um milhão de
exemplares e jornal de maior circulação no país).
Atualmente a Folha de São Paulo faz parte do Grupo Folha um dos maiores conglomerados de mídia do Brasil, que possui além
do Jornal de maior influência, o site de jornal com maior audiência
no país, a maior empresa brasileira de conteúdo e serviços de
internet (UOL), instituto de pesquisa, editora, gráfica entre outros.
Portanto, a escolha do Jornal Folha de São Paulo como objeto de
pesquisa se deu a partir dos critérios de tiragem, relevância
midiática e influência política.
86 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Teorias do Newsmaking e da Agenda Setting
A Teoria do Newsmaking também chamada de Rotina
Produtiva estuda a cultura profissional dos jornalistas, a
organização das redações e a forma como é produzida a notícia
(WOLF, 2005, p.188).
A rotina produtiva de uma redação envolve normalmente
três etapas: obter, selecionar e ordenar ou apresentar a notícia.
Ward (2005, p.17-18) acrescenta uma fase que antecede as
apresentadas, a identificação, que equivale a reunião de pauta. Para
fazer a seleção dos fatos cotidianos que se transformarão em notícia,
a produção jornalística define critérios de escolha, denominados de
noticiabilidade.
A noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que se
exigem dos acontecimentos ─ do ponto de vista da estrutura do
trabalho nos órgãos de informação e do ponto de vista do
profissionalismo dos jornalistas ─ para adquirirem a existência
pública de notícias (WOLF, 2005, p.190).
A noticiabilidade funciona como um instrumento de
organização do trabalho jornalístico, contudo, outros fatores, como
falta da fonte ou de informações, limitação do tempo, ou até mesmo
problemas de locomoção do jornalista, podem influênciar nesses
critérios de noticiabilidade. De acordo com Wolf (2005), a escolha
daquilo que é ou não notícia será sempre orientada pela
"factibilidade" do produto informativo, além do tempo e dos
recursos disponíveis.
Sendo a noticiabilidade o carro-chefe do processo
organizativo, os valores notícia entram como um elemento
delimitador dessa noticiabilidade. Wolf (2005, p. 197) afirma que o
objetivo dos valores/notícia é estabelecer rotinas no trabalho
jornalístico, tornando possível a partir de um critério o
gerenciamento da produção da notícia, sendo essa seleção rápida e
padronizada. Os valores/notícia possuem sempre uma dinâmica
Gleisy N. de Alencar; Francisco Gilson R. P. Junior; Verônica D. Menezes | 87
própria, se adaptando de acordo com as circunstâncias culturais da
profissão, e derivam de quatro pressupostos: “a. às características
substantivas das notícias; ao seu conteúdo; b. à disponibilidade do
material e aos critérios relativos ao produto informativo; c. ao
público; d. à concorrência” (WOLF, 2005, p.200).
A Teoria do Newsmaking portanto, aborda que a produção
de informações jornalísticas ocorre a partir da transformação do
cotidiano em notícias. Essa produção, portanto, ocorre a partir de
critérios de relevância, noticiabilidade e interesse público, depois é
ordenada, levando-se em consideração se pode ser postergada ou
adiantada de acordo com a realidade social e os interesses editoriais.
Já a hipótese ou teoria do Agendamento aborda que a mídia
define os assuntos discutidos em conversas por meio da pauta
escolhida pela linha editorial de cada veículo.
A Teoria da Agenda não é o retorno à teoria da bala ou hipodérmica
sobre os poderosos efeitos da mídia. Nem os membros da
audiência são considerados autômatos esperando para serem
programados pelos veículos noticiosos. Mas a Teoria da Agenda
atribui um papel central aos veículos noticiosos por serem capazes
de definir itens para a agenda pública (McCOMBS, 2009, p. 24).
Wolf (2005, p.143) acredita que pela Agenda Setting "a
mídia apresenta ao público uma lista de fatos a respeito dos quais se
pode ter uma opinião e discutir", consequentemente, " a
compreensão das pessoas em relação à grande parte da realidade
social é modificada pelos meios de comunicação de massa".
A imprensa “pode não ser bem sucedida na maioria das vezes em
dizer às pessoas como pensar, mas é incrivelmente bem sucedida
em dizer a seus leitores o que pensar” (Cohen 1963 p. 13).
Segundo McCOMBS (2009, p. 28), há uma relação entre as
informações pautadas pela mídia e o conteúdo informativo da
opinião pública. Sendo que, mesmo os indivíduos que não
88 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
consomem os canais de noticiários, estão expostos à opinião pública
– portanto, indiretamente, são afetados pelo padrão informativo de
forma muito parecida com aquele indivíduo que consome os canais
de mídia. A Teoria da Agenda ainda prevê uma correlação positiva
alta entre a agenda da mídia e a subsequente agenda pública.
Os efeitos do agendamento – a transferência bem-sucedida da
saliência da agenda da mídia à agenda do público – ocorrem em
qualquer lugar no qual exista um sistema político relativamente
aberto e um sistema midiático razoavelmente aberto (McCOMBS,
2009, p. 66)
A teoria ou hipótese da Agenda Setting (McCOMBS; SHAW,
1972) parte, portanto, do pressuposto que a pauta midiática acaba
hierarquizando os assuntos conversados e discutidos pela sociedade,
influenciando decisivamente as políticas públicas adotadas pelos
governos. Isso ocorre, porque as políticas públicas são frutos da
pressão da discussão coletiva - opinião pública. Dessa forma, temos
uma realidade representada por um cenário montado pela mídia,
muitas vezes, assuntos de interesse público, por não serem
agendados midiaticamente, deixam de fazer parte da discussão
coletiva, e consequentemente não estarão na pauta dos gestores
públicos.
Resultados e Análise
Foram identificadas 7 categorias, citadas a seguir com sua
frequência: Internacional (11), economia (6), atualidades (5),
corrupção (5), decisões do judiciário (5), cultura (4), esporte (4), e
outras (15). Nesta última categoria agrupou-se os dados com pouca
incidência, entre eles estão: notícias de governo federal/ estadual
(3); meio-ambiente (1); Questões Sociais (1); eleições ou candidatos
(2). Também está a subcategoria greve dos caminhoneiros (9) por
ser considerado um evento ocasional.
Gleisy N. de Alencar; Francisco Gilson R. P. Junior; Verônica D. Menezes | 89
Tabela 1: Corpus da Pesquisa
Data
Tipo de
Objeto
Manchete
01
01/05/2018
02
01/05/2018
Fotolegenda
03
02/05/2018
Manchete
04
03/05/2018
Manchete
05
04/05/2018
Manchete
06
05/05/2018
Manchete
07
06/05/2018
Manchete
08
06/05/2018
Fotolegenda
09
07/05/2018
Manchete
10
07/05/2018
11
08/05/2018
Fotolegenda
Manchete
12
08/05/2018
Fotolegenda
13
09/05/2018
Manchete
14
09/05/2018
15
10/05/2018
Chamada
com foto
Manchete
16
10/05/2018
17
11/05/2018
18
11/05/2018
19
11/05/2018
Fotolegenda
Manchete
Fotolegenda
Chamada
com foto
Títulos
Projetos do governo emperram na
Câmara
Aquecimentos de Região Polar
obriga reforma em cofre de
sementes
Desabamento de prédio em São
Paulo expõe falta de controle
público
Indústria brasileira aceita cota de
Trump para exportar aço
STF Restringe foro especial de
deputados federais e senadores
STF Começa a transferir ações
contra congressistas
PM diz ter feito entrega em dinheiro
a amigo de Temer
Policiais detêm manifestantes
durante protesto em Moscou contra
o presidente Vladimir Putin
Suíça vê série de depósitos a
operador na Gestão Serra.
Joelsa Gonçalves no Edifício Raiada
em Salvador
Receita com petróleo sob e ajuda
estados e municípios
Vladimir Putin caminha após a
cerimônia de posse no Kremlin, em
Moscou (Rússia); considerado seus
dois mandatos como PrimeiroMinistro, ele está no poder desde
99.
Em crise cambial, Argentina vai ao
FMI
Trump tira os EUA de Acordo
Nuclear com o Irã
Toffoli, do STF, quer foro restrito
para autoridades
Último dia para regularizar situação
eleitoral teve filas
São Paulo tem 25 mil edifícios fora
de regra mais dura antifogo
Trump e Kim se reunirão em 12/06
Sócio da Dolly é preso sob suspeita
de fraude fiscal
Categoria de
assuntos
Política/Governo
Federal
Meio-ambiente
Atualidades
Economia
Política/Decisões do
Judiciário
Política/Decisões do
Judiciário
Política/Corrupção
Internacional
Corrupção
Social
Economia
Internacional
Internacional
Internacional
Decisões do
Judiciário
Política/Eleições
Atualidades
Internacional
Política/Corrupção
90 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
20
12/05/2018
Manchete
21
12/05/2018
Fotolegenda
22
13/05/2018
Manchete
23
13/05/2018
Fotolegenda
24
14/05/2018
25
14/05/2018
26
15/05/2018
27
15/05/2018
28
16/05/2018
Manchete
com foto
Fotolegenda
Manchete
com foto
Fotolegenda
Manchete
29
16/05/2018
Fotolegenda
30
16/05/2018
Chamada
com foto
31
17/05/2018
Manchete
32
17/05/2018
33
18/05/2018
Fotolegenda
Manchete
34
18/05/2018
35
18/05/2018
36
19/05/2018
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Fotolegenda
Fotolegenda
Manchete
Chamada
com foto
Manchete
Fotolegenda
Chamada
com foto
Gilmar manda soltar Paulo Preto,
assessor de tucanos
Onda Gigante - brasileiro supera
trauma e bate record de maior onda
já surfada
Zona Franca dá incentivo a
beneficiário do Bolsa Família
Para a empresária Priscilla
Manfredi, 34 (na foto com a filha,
serena, 1) o mais difícil da
maternidade foi abrir mão da
individualidade
Governo celebra PM que matou
ladrão e contraria polícia
Em busca de uma praia para
chamar de sua
58 palestinos morrem em confronto
na faixa de Gaza
Os 23 de Tite
Decisões do
Judiciário
Esporte
Política/Corrupção
Atualidades
Política/Governo
Estadual
Atualidades
Internacional
Esporte
Dória deixa herança de filas da
saúde fora do prazo prometido
Em necrotério em gaza, mulher
segura a filha de 8 meses morta no
confronto entre exécito israelense e
manifestantes palestinos na
segunda (14)
Plateia em Cannes abandona novo
filme de Von Frier, o mais cruel de
sua carreira
Banco Central surpreende e
mantém os juros em 6,5%
Vítimas de incêndio em SP vivem
impasse
Desalento recorde diminui o índice
de desemprego no país
Pateo do Colégio recebe grades
removíveis
Maradona dá apoio a Maduro
Governo Estadual
Em novo dia de instabilidade dólar
sobre e chega a R$3,74
Queda de avião em Cuba deixa mais
de cem mortos
Brasil tem a retomada mais lenta
após recessão
A nova guerra dos ashaninka
Economia
Meghan se une a Harry
Internacional
Cultura
Economia
Atualidades
Economia
Atualidades
Internacional
Internacional
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Cultura
Internacional
Gleisy N. de Alencar; Francisco Gilson R. P. Junior; Verônica D. Menezes | 91
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fotos
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Manchete
Maduro obtém reeleição contestada
na Venezuela
Virada Cultural retoma atratividade
dos palcos do centro sem incidente
grave
Ministro liberou na Caixa verba
usada em negócio do filho
Diesel sob e caminhoneiros
protestam em 20 estados e DF
Justiça manda prender o tucano
Eduardo Azeredo
Seleção Brasileira gira em torno do
seu camisa 10
Governo, Câmara e Petrobrás
cedem à pressão de grevistas
Morto aos 85, escritor Roth
investigou desejo humano
Contribuinte pagará conta do diesel
mais barato para os caminhoneiros
Paralisação continua após acordo e
governo mobiliza Forças Armadas
Real Madrid vence a Liga dos
campeões
Governo intensifica ação contra
bloqueios; petroleiro fará greve
Temer eleva subsídio a R$10 bilhões
para conter boicote ao
abastecimento
Boicote continua apesar do acordo;
governo fala em infiltração política
Bolsonaro diz ser contra
intervenção militar
87% apoiam a paralização, mas
rejeitam pagar a conta
Bloqueio em rodovias murcha em
meio a casos de violência
Internacional
Cultura
Corrupção
Greve
Caminhoneiros
Judiciário
Esporte
Greve
Caminhoneiros
Cultura
Greve
Caminhoneiros
Greve
Caminhoneiros
Esporte
Greve
Caminhoneiros
Greve
Caminhoneiros
Greve
Caminhoneiros
Política/Eleições
Greve
Caminhoneiros
Greve
Caminhoneiros
A partir de 57 matérias publicadas pelo Jornal Folha de São
Paulo, dentre elas 21 manchetes, 10 manchetes com fotos, 09
chamadas com fotos e 17 foto-legendas, pode-se criar
primeiramente 12 categorias correspondentes a editorias ou seções,
sendo elas: Internacional (11), economia (6), atualidades (5),
corrupção (5), decisões do judiciário (5), cultura (4), esporte (4),
notícias de governo federal/ estadual (3), meio-ambiente (1);
92 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Questões Sociais (1), eleições ou candidatos (2), greve dos
caminhoneiros (9).
Com o objetivo de diminuir o número de categorias, criou-se
a categoria outros e agrupou-se as que possuíssem menor
frequência, isto é, com número menor que quatro em incidência,
além da categoria dos caminhoneiros, por entender que se tratava
de um assunto isolado.
Dessa forma, os resultados sintetizados compreendem as
categorias: Internacional (11), economia (6), atualidades (5),
corrupção (5), decisões do judiciário (5), cultura (4), esporte (4), e
Outros (16).
Com a análise foi possível constatar que os assuntos mais
agendados pela Folha de São Paulo, a partir do destaque na capa por
meio de manchete principal, chamada ou foto-legenda, são as
notícias internacionais, estas ocorridas onze vezes. Dentre os
assuntos nacionais cabem destacar economia e atualidades, com seis
frequências cada uma, e decisões do judiciário e corrupção, ambas
destacadas em cinco momentos. Dentre os assuntos menos
importantes para haver um destaque na capa, o Jornal Folha de São
Paulo considera os assuntos ligado ao meio-ambiente ou a questões
sociais, ambos com apenas um destaque durante todo o mês de
maio.
Em virtude do alinhamento do veículo podemos inferir que
haja de fato uma angulação para os assuntos internacionais,
seguidos de temas mais macrossociais, e consequentemente mais
ligados às estruturas de poder, como economia e política. Em relação
às manchetes, contudo, verificamos que assuntos ligados à política
e tragédias ou manifestações foram os principais destaques,
reforçando a atuação do fazer jornalismo dentro dos processos
destacados no Newsmaking. Os valores notícia, neste caso, ratificam
o que a maioria dos estudiosos da área enumera, como o drama, o
conflito e as más-notícias.
Gleisy N. de Alencar; Francisco Gilson R. P. Junior; Verônica D. Menezes | 93
Considerações finais
Neste trabalho pudemos verificar que o jornalismo
contemporâneo tem sido recortado e com isso o leitor deve procurar
comparar os diversos veículos a fim de se manter informado de
modo proporcional, conforme analisou Kovach e Rosenstiel (2004).
Os autores partem da observação de que o jornalismo cria
tendências, é a “cartografia moderna” em que o envolvimento e a
relevância devem guiar a abordagem das notícias, embora estas
devam ser apresentadas de forma proporcional e compreensível.
Este estudo trouxe os resultados da análise descritiva,
analítica e de conteúdo das páginas de capa do Jornal Folha de São
Paulo a fim identificar o agendamento de temas por editorias. Foram
analisadas as edições de 01 a 31 de maio de 2018, sendo utilizada a
versão impressa do jornal. O artigo utiliza como arcabouço teórico
as Teorias do Newsmaking e da Agenda Setting e os suportes
metodológicos da Pesquisa Documental e da Análise de Conteúdo.
As análises identificaram que o jornal Folha de São Paulo agenda
prioritariamente em suas capas as notícias internacionais. Dentre as
notícias nacionais, destacam-se os temas atualidades, economia,
corrupção e decisões do judiciário, além das notícias de esporte e
cultura, em menor quantidade. Dentre os temas menos importantes
para o jornal estão o meio-ambiente e questões sociais.
Por fim, acreditamos que o jornalista precisa “ser mais
aberto sobre seu próprio trabalho” e assim ser “encorajado a ser
mais reflexivo ao recolher, organizar e apresentar as notícias”
(KOVACH; ROSENSTIEL , 2004, p. 135).
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. SP: Martins Fontes, 1977.
COHEN, B. The Press and the Foreign Policy. Princeton: Princeton University,
1963.
94 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
McCOMBS, Maxwell. A Teoria da Agenda: a mídia e a opinião pública. Petropólis,
RJ: Vozes, 2009.
MCCOMBS, Maxwell; SHAW, Donald. The Agenda-setting Function of Mass
Media. In: The Public Opinion Quaterly, vol. 36, n. 2, 1972, p. 176-187.
KOVACH, B.; ROSENSTIEL, T. Os elementos do Jornalismo. O que os jornalistas
devem saber e o público exigir. São Paulo: geração Editorial, 2004.
WARD, Mike. Jornalismo Online. São Paulo: Rocca, 2006.
WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações de Massa. 2ªed. São Paulo: Martins
Fontes, 2005.
Capítulo 5
Os movimentos sociais e o papel ativo dos sujeitos:
ponderações a partir dos estudos culturais e da
teoria das mediações
Vilso Junior Santi1
Adrián José Padilla Fernandez2
Introdução
Discutir a relação entre os Estudos Culturais, os Estudos de
Recepção, a Teoria das Mediações e a Teoria dos Movimentos
Sociais, através da tomada de consciência da importância
fundamental do papel ativo nos sujeitos nesses processos é o que
propomos neste trabalho.
O presente ensaio toma como ponto de partida as
contribuições dos Estudos Culturais Britânicos e sua derivação
Latino-americana e movimenta para dar conta dessa trajetória
autores como Johnson (1999); Hall (2003); García Canclini (1995);
e Lopes et al (2002). Na seção seguinte discute os Estudos de
Recepção e a Teoria das Mediações a partir das contribuições de
1
Doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2006).
Professor-pesquisador da Universidade Federal de Roraima – Boa Vista, Brasil. E-mail:
vjrsanti@gmail.com
2
Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2003). Professor-pesquisador
da Universidad Nacional Experimental Simón Rodrígues – Caracas, Venezuela. E-Mail:
adrianpadifer@gmail.com
96 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Martín-Berbero (1997; 2003); Douglas Kellner (2001); Ana Carolina
Escosteguy (2003); e Fábio Cruz (2006).
Por último movimenta a Teoria da Ação Coletiva e/ou a Teoria
dos Movimentos Sociais através dos postulados de Charles Tilly
(1993) e Sidney Tarrow (1997) e também as reflexões de autores
brasileiros como Fausto Neto (1989), Maria da Glória Ghon (1997) e
Christa Berger (1998) para evidenciar que os Movimentos sociais
são, por excelência, Movimentos Culturais – são formas históricas
de manifestação de consciência (e de subjetividade) e estão
relacionados às possibilidades de interpretação de formações sociais
mais amplas – ao inteiro (ao todo) das sociedades.
Esta construção realça o papel dos sujeitos e abre
possibilidades concretas para exercício da resistência enquanto
possibilidade de existência concreta em um ambiente de
permanente conflito – conflito este que produz movimento; produz
movimento social. Tal perspectiva passa a admitir que um mesmo
objeto cultural, dentro de cada grupo em particular, pode se
transformar em seu uso social e mudar sua significação.
Os Estudos Culturais e sua trajetória
Como sabemos, os Estudos Culturais Britânicos surgem no
final dos anos de 1950 vinculados ao CCCS (Centro de Estudos
Culturais Contemporâneos) da Universidade de Birmingham na
Inglaterra. Desde o nascimento eles foram pautados pela
transdisciplinariedade e fortemente influenciados pelo
estruturalismo e pela semiologia materialista. A escola britânica dos
Estudos Culturais teve seus pressupostos firmados pelos
pesquisadores Richard Hoggart, Raymond Willians, Edward Palmer
Thompson e Stuart Hall.
A mercantilização da cultura, bem como a aceleração da
organização capitalista dentro do universo cultural, facilitada pela
atuação progressiva dos meios de comunicação, estiveram entre os
principais fatores que contribuíram para a formatação dos Estudos
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 97
Culturais enquanto linha de pesquisa e análise no seu nascedouro.
Desde então a corrente tem se caracterizado por vincular suas
análises ás realidades históricas locais dos sujeitos, pela variedade
de objetos que estuda e analisa e por sua interdisciplinaridade.
“Aquele que realiza Estudos Culturais fala a partir de interseções”,
ressalta García Canclini (1995, p.27).
Para Johnson (1999, p.19) “os Estudos Culturais podem ser
definidos como uma tradição intelectual e política; ou em suas
relações com as disciplinas acadêmicas; ou em termos de
paradigmas teóricos; ou, ainda, por seus objetos característicos de
estudo”. Sendo assim, pode-se afirmar que no centro de interesse
dos Estudos Culturais estão as conexões entre os sujeitos, a cultura,
a história e a sociedade.
Segundo o autor (1999, p.10-11) os Estudos Culturais são,
agora, um movimento ou uma rede, que tem como principais
características sua abertura e versatilidade teórica, seu espírito
reflexivo e, especialmente, a importância de sua crítica. “Crítica
como o conjunto dos procedimentos pelos quais outras tradições são
abordadas tanto pelo que elas podem contribuir quanto pelo que
elas podem inibir”. Historicamente na implementação de seu
programa, os Estudos Culturais beberam na fonte marxista, apesar
de inúmeras discussões acerca dessas contribuições para o seu
desenvolvimento. Para Johnson (1999, p.13) as influências de Marx
sobre os Estudos Culturais estão ligadas basicamente às seguintes
noções:
A primeira é que os processos culturais estão intimamente
vinculados com as relações sociais, especialmente com as relações
e as formações de classe, com as divisões sexuais, com a
estruturação racial das relações sociais e com as opressões de
idade. A segunda é que cultura envolve poder, contribuindo para
produzir assimetrias nas capacidades dos indivíduos e dos grupos
sociais para definir e satisfazer suas necessidades. E a terceira, que
se deduz das outras duas, é que a cultura não é um campo
autônomo nem externamente determinado, mas um local de
diferenças e de lutas sociais.
98 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Outra contribuição importante para os Estudos Culturais em
sua trajetória foram as críticas dos movimentos de luta contra o
racismo e do feminismo. Estes acabaram por tornar visíveis algumas
premissas antes não reconhecidas, por produzir novos objetos e por
obrigar a reformulação de outros tantos dentro da tradição.
Segundo Johnson (1999, p.15), falando especificamente do
movimento feminista, antes, o “pessoal” já era político, mas
deslocado da questão do gênero. Para ele, o feminismo de maneira
geral contribui para um importante deslocamento: “da crítica
anterior baseada na noção de ideologia, para abordagens que se
centram nas identidades sociais, nas subjetividades, na
popularidade e no prazer”.
Nessa sucinta linha histórico-temporal fica claro que para os
Estudos Culturais a cultura não pode ser apreendida como um todo.
De acordo com Johnson (1999, p.19), precisamos então de uma
estratégia particular para sua definição – uma estratégia que revise
as abordagens existentes e que identifique seus objetos
característicos e a abrangência de sua competência, mas, que
também mostre as suas falhas e os seus limites. “Na verdade, não é
de uma definição ou de uma codificação que precisamos, mas de
‘sinalizadores’ de novas transformações”.
Porém, ele aponta também que precisamos da história dos
Estudos Culturais a fim de termos presentes os dilemas recorrentes
nas análises e uma visão perspectiva dos projetos atuais. É assim
que para Johnson (1999, p.20), “boa parte das fortes continuidades
da tradição dos Estudos Culturais está contida no termo singular
‘cultura’ que continua útil não como uma categoria rigorosa, mas
como uma espécie de síntese de uma história”.
Para o autor, o termo “cultura” tem valor apenas como um
lembrete, mas não como uma categoria precisa. Segundo ele, falar
de cultura é falar de polissemia. Por isso, na tentativa de emprestar
maior precisão ao fenômeno cultural, Johnson (1999, p.25) prefere
falar da relação entre “consciência” e “subjetividade” para melhor
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 99
defini-la. Para o autor os problemas centrais dos Estudos Culturais
estão situados em algum ponto entre esses dois termos. Ele afirma:
Para mim, os Estudos Culturais dizem respeito às formas
históricas da consciência ou da subjetividade, ou às formas
subjetivas pelas quais nós vivemos ou, ainda, em uma síntese
bastante perigosa, talvez uma redução, os Estudos Culturais dizem
respeito ao lado subjetivo das relações sociais.
Johnson afirma que “consciência”, dentro dessa formulação
deve ser tomada como uma premissa para entender a história
humana, com uma forte conotação cognitiva e que tem a ver com o
conhecimento dos níveis sociais e culturais. Mas não é somente isso.
Ela também abriga uma noção de consciência do eu, bem como uma
“autoprodução moral” e mental ativa. “Em outras palavras, os seres
humanos são caracterizados por uma vida ideal ou imaginária, na
qual a vontade é cultivada, os sonhos são sonhados e as categorias
elaboradas” (JOHNSON, 1999, p.26).
Segundo o autor, o conceito de “subjetividade” é, aqui,
especialmente importante, desafiando as ausências na consciência.
“Ele inclui a possibilidade, por exemplo, de que alguns elementos
estejam subjetivamente ativos – eles nos ‘mobilizam’ – sem serem
conscientemente conhecidos”. E, dentre outros, também faz a
conexão com uma importante premissa estruturalista: “A
subjetividade não é dada, mas produzida, constituindo, portanto, o
objeto da análise e não sua premissa ou seu ponto de partida”
(JOHNSON, 1999, p.27).
Admitindo sua influência marxista, em muitas de suas
próprias análises sobre os Estudos Culturais, Johnson (1999, p.29)
recorre à noção de “formas”, tanto sociais quanto históricas, para
explicar como os seres humanos produzem e reproduzem sua vida
material. Para ele, os Estudos Culturais, apesar de enxergarem os
fenômenos de um outro ponto de vista, também estão preocupados
com formações sociais mais amplas e/ou sociedades inteiras, junto
com seu movimento. “Nosso projeto é o de abstrair, descrever e
100 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
reconstruir, em estudos concretos, as formas através das quais os
seres humanos vivem, tornam-se conscientes e se sustentam
subjetivamente”.
Quando retoma as contribuições estruturalistas, no que tange
às formas, Johnson (1999, p.29) ressalta que principalmente o
caráter estruturado das formas que subjetivamente ocupamos,
como a linguagem, os discursos, os mitos etc., tem apontado para as
regularidades e para os princípios de organização – aquelas coisas
que fazem com que haja forma; e, tem fortalecido nossa
sensibilidade sobre a dureza, o caráter determinado e, na verdade,
sobre a existência real de formas sociais que exercem suas pressões
através do lado subjetivo da vida social.
Porém, ele mesmo alerta que isto não significa dizer que a
descrição da forma, nesse sentido, é suficiente. É também
importante ver a natureza histórica das formas subjetivas, primeiro
do ponto de vista de suas pressões ou tendências, ou seja, tanto pelos
princípios do movimento quanto na sua combinação; depois
analisar como essas tendências são modificadas por outras
determinações sociais, “incluindo aquelas que estão em ação através
das necessidades materiais” (JOHNSON, 1999, p.30).
Por conseguinte, em acordo com a definição de cultura de
Johnson (1999), não podemos mais limitar o debate ao campo a
práticas especializadas, a gêneros particulares ou a atividades
populares de lazer. Segundo ele, todas as práticas sociais podem (e
devem) ser examinadas de um ponto de vista cultural, ou seja,
podem ser examinadas pelo trabalho que elas fazem subjetivamente.
No Brasil (é importante destacar) quatro momentos marcam
a trajetória dos Estudos Culturais enquanto linha de pesquisa. O
primeiro deles foi marcado pela tradução para o português a obra
“Cultura e Sociedade” de Raymond Willians em 1970 - uma época
efervescente em que os pesquisadores brasileiros tentavam
entender melhor e esmiuçar a sociologia norte-americana. No
segundo, o lançamento do livro “Dos Meios às Mediações” de Jesús
Martín-Barbero, foi fundamental – o texto se transformou numa
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 101
bíblia para muitos pesquisadores da área dos estudos em
comunicação e cultura. Também, a difusão das ideias de outros
autores como Néstor García Canclini, foram marcantes no período
(LOPES et al, 2002; CRUZ, 2006).
O terceiro momento, demonstra claramente o
desconhecimento nacional para com a corrente dos Estudos
Culturais. Embora as referências a esses pressupostos tenham
aumentado, a maior parte da bibliografia ainda disponível na área é
em inglês - os textos em português e até mesmo em espanhol, ainda
são escassos e difícil de localizar. Na última década, porém, a
contribuição brasileira para o desenvolvimento da corrente aparece
como relevante. É o Brasil que, na América Latina, tem produzido
boa parte da literatura de referência na discussão da relação entre
comunicação e cultura junto com suas múltiplas mediações – viés de
abordagem que se tornou prioritário para os Estudos Culturais
Latino-americanos.
Estes desenvolvimentos que hoje fundamentam e dão suporte
à prática dos Estudos Culturais, enquanto linha de pesquisa teóricometodológica, dependendo de seu contexto e dimensões, estão
contribuindo para ocasionar mudanças no próprio nível teórico do
paradigma. Eles, inclusive, autorizam a aproximação que ora
propomos: discutir a relação entre os Estudos Culturais, os Estudos
de Recepção, a Teoria das Mediações e a Teoria dos Movimentos
Sociais, através da tomada de consciência da importância
fundamental do papel ativo nos sujeitos nesses processos.
Os Estudos de Recepção e a Teoria das Mediações
A partir do surgimento da indústria cultural, termo cunhado
por Adorno e Horkheimer em oposição aos dúbios conceitos de
cultura popular ou de massa, a cultura da mídia toma a dianteira
das relações sociais, sendo hoje praticamente impossível estudar
cultura sem relacioná-la aos meios e suas inúmeras formas de
mediações. Nas investigações, então, torna-se fundamental
102 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
privilegiar não só uma análise da produção e da economia política
da cultura, mas também, estudar o texto propriamente dito, sua
recepção e usos, baseando-se invariavelmente numa
contextualização em nível sócio histórico.
Sob essa realidade, uma nova forma de ver e criticar a mídia
é proposta por autores como por exemplo Douglas Kellner (2001) “a pedagogia crítica da mídia”. Nela, segundo o autor, são
promovidas a resistência à manipulação, e também, a tonificação do
sujeito receptor em relação à cultura midiática dominante.
Isso significa dizer que os indivíduos (receptores) estabeleceriam
significados e usos próprios através de sua bagagem cultural,
tendo, assim, plenas condições de discernir o conteúdo
proveniente dos meios de comunicação, produzindo,
consequentemente novas formas de cultura (CRUZ, 2006, p.69).
Esta perspectiva passa a admitir que um mesmo objeto
cultural, dentro de cada grupo em particular, pode se transformar
em seu “uso social e mudar sua significação”. Criar seus próprios
significados e interpretações. Até mesmo “dizer não” passa a ser
próprio ou possível no processo de recepção da cultura (GARCÍA
CANCLINI, 1995).
A referida contextualização deve também considerar que os
meios de comunicação reproduzem ações sociais sendo palcos,
inúmeras vezes, para o embate das forças e grupos de interesse que
compõe e integram a sociedade. As análises, a partir de então,
conforme Kellner (2001, p.10) devem passar a explorar:
[...] algumas das maneiras como a cultura contemporânea da
mídia cria formas de dominação ideológica que ajudam a reiterar
as relações vigentes de poder, ao mesmo tempo em que fornece
instrumental para a construção de identidades e fortalecimento,
resistência e luta. Afirmamos que a cultura da mídia é um terreno
de disputa no qual grupos sociais importantes e ideologias políticas
rivais lutam pelo domínio, e que os indivíduos vivenciam essas
lutas através de imagens, discursos, mitos, e espetáculos
veiculados pela mídia.
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 103
Desse modo, pode-se dizer que a mais conveniente forma de
leitura sobre os meios de comunicação, dentro dos Estudos
Culturais, deve sempre considerar o viés político da ação
comunicacional. Essa leitura política, por sua vez, deve significar:
[...] não só ler a cultura no seu contexto sócio-político e econômico,
mas também ver de que modo os componentes internos de seus
textos codificam relações de poder e dominação, servindo para
promover o interesse dos grupos dominantes à custa de outros,
para oporem-se às ideologias, instituições e práticas hegemônicas,
ou para conter uma mistura contraditória de forma que
promovem dominação e resistência (KELLNER, 2001, p.76).
Detectar tendências, sonhos, medos e anseios incitados pela
política cultural da mídia, investigando os porões dessa cultura,
através da análise de suas mensagens, valores e ideologias é o
objetivo daquilo que Kellner qualificou como diagnóstico crítico etapa indispensável dentro da nova forma de ver e criticar a mídia
por ele proposta.
O diagnóstico crítico se refere e se relaciona ao mapeamento
das forças sociais em conflito, através dos Estudos Culturais, para
análise dos polos dominantes e de resistência presentes nos
discursos da cultura dos meios de comunicação. Assim sendo a
crítica ideológica é inerente a esse tipo de investigação. Investigação
esta que pode ser rotulada como multicultural crítica por pressupor
uma interpretação da cultura e da sociedade, confrontando-as com
as relações de poder e com as forças hegemônicas ou de resistência
que atuam no palco social (CRUZ, 2006).
No que se refere aos estudos de audiência, os teóricos dos
Estudos Culturais Britânicos são reconhecidamente pioneiros.
Neles, os estudos de recepção foram definidos como referentes:
[...] àquelas pesquisas onde a temática da recepção se vincula, mas
não se resume a relação com os media. De um modo geral, tratase de uma abordagem onde estão envolvidas distintas mediações
104 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
sociais e culturais que associam a recepção com a vida social, assim
os media tem distintas significações para distintas culturas e, em
parte, a cultura das audiências tem peso no trabalho de
apropriação dos media. Nessa perspectiva, a compreensão da
relação que se estabelece com os media se da a partir das distintas
posições ocupadas na estrutura social, apoiando-se com diferentes
ênfases na posição de classe social, de gênero, de raça, de idade, de
contexto (rural/urbano), de diferentes identidades nacionais,
regionais e étnicas, entre outras (ESCOSTEGUY, 2003, p.43).
A introdução dos Estudos Culturais como paradigmas
norteadores das análises em comunicação, num primeiro momento,
conforme afirma Martín-Barbero (2003, p.280), gerou certa
instabilidade. “Foi necessário perdermos o objeto para que
encontrássemos o caminho do movimento social na comunicação, a
comunicação em processo”. Deste modo, como salienta o autor, é
importante que o eixo do debate se desloque “dos meios para as
mediações. Isto é, para as articulações entre práticas de
comunicação e movimentos sociais, para as diferentes
temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais”.
Para Martín-Barbero (2003, p.274) “o campo daquilo que
denominamos mediações é constituído pelos dispositivos através
dos quais a hegemonia transforma por dentro o sentido do trabalho
e da vida em comunidade”. Assim sendo, complementa Cruz (2006,
p.65), “além dos meios, existem as mediações, além das mediações
tem-se a cultura”.
Martín-Barbero (1997, p.292), em sua teoria, atenta para o
que ele classificou como os três principais lugares de mediação: a
“cotidianidade familiar” - tida como lugar permanente de
reconhecimento dos indivíduos; a “temporalidade social” - que trata
da ligação entre os tempos de produção e as rotinas de recepção,
denotando momentos diferentes entre uma ação e outra; e a
“competência cultural” - que se relaciona à bagagem de cultura que
os componentes da esfera receptiva carregam e que concorre para
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 105
um modo específico de ver, ler, interpretar e usar os produtos da
mídia.
Mediações, portanto, podem a partir dai ser entendidas como
as posições a partir das quais se produzem as concepções e os
significados. Mediações são os lugares dos quais provêm as
construções que delimitam e configuram a materialidade social e a
expressividade cultural dos meios (MARTÍN-BARBERO, 1997,
p.292).
Levando em conta essa realidade, bem como as propostas
para o estudo da mídia - sempre em determinada circunstância
histórica; em determinado contexto de produção e distribuição da
cultura; e, onde é feita a análise do próprio texto vinculando-o ao
processo de recepção pelo público, que também ocupa um certo
lugar de enunciação – é importante atentar para alguns aspectos
críticos e políticos da questão.
Isso, segundo Cruz (2006, p.66), implica em considerar
dentro de uma contextualização sócio histórica, diversos momentos
de construção de cultura e também, investigar “de que forma a
mídia produz a informação”, o que pressupõe articulações de cunho
interno e externo, regras, aspectos técnicos e visões de mundo; de
que forma o texto é construído; e, como esse produto chegará depois
ao âmbito da recepção produzindo diversos usos e desdobramentos
Martín-Barbero (1995, p.55) reforça esse argumento ao
afirmar:
Eu não poderia compreender o que faz o receptor, sem levar em
conta a economia de produção, a maneira como a produção se
organiza e se programa, como e por que pesquisar as expectativas
do receptor [...] eu não tenho nenhuma receita, mas ao menos sei
o que não quero. Eu não gostaria que o estudo de recepção viesse
a nos afastar dos problemas nucleares que ligam recepção com as
estruturas e as condições de produção.
Nas análises dos processos de produção e recepção é
importante atentar ainda para as relações de poder envolvidas,
106 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
sejam elas em nível micro - mais restritas, ligadas aos próprios
ambientes de produção e recepção; ou em nível macro - referentes
à estruturação geral da sociedade; sempre dentro de um contexto
histórico (LOPES et al., 2002).
No que tange à recepção, em especial ao contexto de fala dos
receptores, assume grande importância à verificação das condições
em que a produção de sentido está sendo constituída (MARTÍNBARBERO, 1997). Essas “posições de enunciação” (HALL, 2003,
p.68) delineadas são sempre individuais e se baseiam em um
contexto particular, e ao mesmo tempo público, ou seja, referem-se
à identidade cultural de cada um, a qual consiste em um processo
histórico de construção que interage todo o tempo com o campo
social (CRUZ, 2006).
Esse complexo contexto que engloba as condições de
produção de sentido, segundo reforça Cruz (2006), consiste nas
mediações. Essas, por sua vez, estão ligadas as diferentes formas de
apropriação dos públicos, produtores e receptores, em relação as
mensagens e a construção de sentido a elas vinculada. Para o autor,
portanto, o deslocamento dos meios para os atores sociais, dentro
de cenários específicos estabelecidos, constitui a complexa questão
das mediações.
Dessa forma, partindo da concepção das mediações,
consegue-se transpor os estudos da comunicação para outro
patamar. Eles são transferidos do espaço restrito dos meios para o
amplo espaço da cultura e mostram que as mediações têm uma
relação direta com o processo de comunicação, uma vez que esse
não se estabelece de maneira linear e simétrica. A partir de então,
admite-se a existência de é uma relação entre diferentes públicos
mediatizada pelos contextos em que o processo de comunicação se
estabelece.
Esse deslocamento se dá devido a inegável aproximação dos
debates em torno relação cultura e comunicação. Dentro desse
recém descoberto universo, as mediações passam a ser
compreendidas fundamentalmente como um conjunto de fatores
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 107
estruturantes, que organizam e reorganizam a percepção e a
apropriação da realidade, por parte do agora e mais do que nunca
ativo receptor.
Então, se as mediações denotam um ponto que articula
produção e recepção, logo, a cultura se situa também num contexto
sócio histórico que é englobado pelas mediações – no contexto das
movimentações da sociedade; dos movimentos sociais. Desse modo,
pode-se afirmar que, deslocar o ponto central de análise dos meios
de comunicação para a cultura, ou mais precisamente para as
mediações, significa enxergar o sujeito receptor não apenas como
decodificador, mas também, como agente produtor de sentido.
Os Movimentos Sociais e o papel ativo dos sujeitos
Tomamos como marcos históricos gerais para a compreensão
dos movimentos sociais, os ciclos de protesto e as grandes
revoluções as contribuições de Charles Tilly (1993) e para detalhar
as formas de exercício de poder por esses movimentos os
pressupostos de Tarrow (1997). Também ajudam nas reflexões
desta seção os pressupostos de autores brasileiros como Fausto Neto
(1989), Ghon (1997) e Berger (1998).
De acordo com Gohn (1997, p.243) os indivíduos quando
questionados sobre suas simpatias ou identificações para com
alguns movimentos sociais (pela paz, reforma agrária, ecológicos)
não têm dificuldade em identificá-los. “Isso porque tais pessoas
atentam para - apenas – uma das dimensões dos movimentos, a do
conteúdo da demanda em si. Elas veem o movimento como um todo
homogêneo, a partir da imagem que suas ações projetam na
sociedade”.
Porém, nas ciências sociais críticas e nos estudos culturais, ao
se abarcar outras dimensões como, crenças, valores, diferenças
internas etc., e as práticas sociopolíticas desenvolvidas, a definição
se torna mais complexa. Desse modo, a partir de algumas
diferenciações elas mesmas propostas por Gohn (1997, p.245) entre
108 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
movimento e grupo de interesse, quanto ao uso ampliado da
expressão movimentos sociais, entre os modos de ação coletiva e o
movimento social propriamente dito e, quanto à esfera de
ocorrência da ação coletiva, pode se afirmar que: “movimento social
refere-se à ação dos homens na história. Esta ação envolve um fazer
- por meio de um conjunto de procedimentos - e um pensar - por
meio de um conjunto de ideias que motiva ou dá fundamento a
ação”.
Pode-se afirmar, portanto, que os movimentos sociais nascem
das bases do povo e se organizam independentemente de
instituições públicas e privadas e dos meios tradicionais de
participação, como sindicatos e partidos políticos. Eles surgem como
forma de suprir o vazio deixado por tais instituições enquanto canais
institucionalizados e abrindo-se à confluência dos interesses da
sociedade.
As ideias movimentadas pela teoria da ação coletiva e pelo
conceito ação coletiva contenciosa, nesta matriz de pensamento,
constituem a base (o alicerce) para o surgimento do que se
convencionou chamar depois de movimentos sociais. As ações
coletivas contenciosas, conforme os autores, podem se manifestar
de múltiplas formas, produzem-se no marco das instituições já
estabelecidas e são promovidas por grupos (recém) constituídos que
atuam em nome de objetivos comuns. Elas são utilizadas por quem
carece de acesso regular as instituições, que atua em nome de
reivindicações novas ou não aceitas e que podem representar
ameaça aos grupos privilegiados estabelecidos (TARROW, 1997).
Os movimentos sociais, nesta perspectiva, surgem quando
aparecem as oportunidades políticas para intervenção de agentes
sociais que normalmente carecem delas. Estes movimentos atraem
a atenção por meio de repertórios conhecidos, demandas reprimidas
e enfrentamentos antes amainados. Em sua base, além das
insatisfações em relação a ordem estabelecida, estão as redes sociais
de solidariedade e os símbolos culturais através dos quais se
estruturam as relações sociais.
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 109
Conforme Tarrow (1997) o mecanismo básico disparador dos
movimentos sociais relaciona: incentivos pontuais; oportunidades
políticas contextuais; possibilidade de ação coletiva concreta;
existência de antagonismos sociais; e, a maturação de redes sociais
de solidariedade e do seu marco cultural de referência. Esse
somatório, segundo o autor, configura os modos de fazer, as
dinâmicas (internas e externas) e influencia até mesmo os possíveis
resultados dessas movimentações da sociedade.
A ação coletiva (que depende do somatório de esforços de
sujeitos ativos) é o principal recurso dos movimentos sociais e com
frequência o único. São estas ações em conjunto que permitem
explorar as oportunidades políticas, criar identidades coletivas,
agrupar os indivíduos em organizações e mobilizar essas
organizações para o enfrentamento dos adversários. Segundo
Tarrow (1997), a ação coletiva, portanto, não está a margem da
história e da política e tem poder porque desafia oponentes, desperta
solidariedade e cobra significados.
Nesse debate ação coletiva, redes sociais, discursos
ideológicos, privações, violências e luta política não podem ser
tomados em separado, pois, são estas características que autorizam
ver as propriedades básicas de qualquer movimento social. A saber:
a) Desafios coletivos; b) Objetivos comuns; c) Solidariedade
intrínseca; d) Capacidade de ação (TARROW, 1997).
Dessa forma, para Tarrow (1997), uma definição conceitual
sobre os movimentos sociais fica mais evidente quando estas
movimentações da sociedade são relacionadas aos desafios coletivos
invocados por um grupo de pessoas de compartilham objetivos
comuns (e solidariedade) em uma interação mantida conta as elites,
oponentes ou as autoridades. Segundo o autor, inclusive quando
fracassam, os movimentos sociais sempre produzem efeitos de
grande alcance na sociedade e põe em marcha importantes
mudanças. O poder dos movimentos, portanto, se manifesta quando
os cidadãos comuns (sujeitos ativos) unem forças para enfrentar as
mazelas que os afetam.
110 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Para Berger (1998, p.85):
Os movimentos sociais existem em função da distribuição desigual
dos bens produzidos socialmente, o que demanda um tipo de
organização cujo objetivo é reivindicar. No seu interior configurase a expressão cultural da desigualdade social. A cultura dos
movimentos sociais é do conflito e da solidariedade; da carência,
da escassez e da falta, e é ela que subsidia a possibilidade da
reunião e a capacidade de rebelião.
Já conforme Fausto Neto (1989, p.14), “a expressão
Movimentos Sociais designa processos dinâmicos, instáveis, de
organizações e ações distanciados em relação aos aparelhos do
Estado”. Assim, pode-se dizer que os movimentos sociais são formas
de organização e mobilização que atuam como ligação entre os
processos de reprodução social e a esfera política, constituindo-se
como agentes e construtores entre os dois polos. Estes movimentos
trazem em sua essência o desejo de desempenhar um papel de
transformadores da sociedade.
Considerações finais
Realidades complexas como as latino-americanas, as
brasileiras e as amazônicas, marcadas por conturbados processos e
pelas lutas permanentes de movimentos sociais dos mais variados
tipos, tendem a emprestar aspectos únicos aos debates sobre a
relação entre Comunicação e Cultura; Estudos Culturais e Estudos
de Recepção; Teoria das Mediações e Teoria da Ação Coletiva.
Podemos afirmar que é pela via da multiplicidade abarcada pela
referida linha teórica que as distintas formas de opressão em
realidades sociais tão específicas como as nossas ficam evidentes.
Os Estudos Culturais, ao vincular suas análises ás realidades
históricas dos sujeitos, pela variedade de objetos que estuda e analisa
e por sua interdisciplinaridade potencial, colocam no centro dos
debates as conexões entre os sujeitos ativos, a cultura, a história e os
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 111
movimentos da sociedade. Deriva de suas influências Marxistas a
preocupação com os processos culturais – em sintonia com as
relações sociais díspares estabelecidas (entre classes, gêneros, raças
etc.); a percepção de que cultura envolve poder – e com isso
contribui para produzir assimetrias nas capacidades dos indivíduos
e grupos sociais; e a constatação de que o cultural não é campo
autônomo, nem campo determinado – mas local de diferenças e
lutas sociais.
Tomar a cultura como local de luta social significa credenciála como locus prioritário de análise para os movimentos sociais;
como locus prioritário de análise para os movimentos da sociedade.
Neste lugar, como afirma Johnson (1999), não há como ficar alheio
ao trabalho político do cultural e/ou às condições culturais da
política. Aí analisar as formas culturais implica analisá-las em
conjunto com as formas de exercício de poder e suas possibilidades
sociais.
A dimensão política do cultural, por sua vez, nos autoriza a
problematizar as formas históricas de consciência (ou de
subjetividade); nos autoriza pensar sobre as formas subjetivas que
movimentamos para sobreviver e sobre o lado subjetivo das relações
sociais. Aqui tanto subjetividade quanto consciência não são dadas,
mas tomadas como construídas culturalmente.
Movimentos sociais são, portanto, por excelência, também
movimentos culturais. São formas históricas de manifestação de
consciência (e de subjetividade) e estão relacionados às
possibilidades de interpretação de formações sociais mais amplas –
ao inteiro (ao todo) das sociedades.
Esta construção abre a possibilidade para que todas as
práticas sociais possam ser examinadas a partir de um ponto de
vista cultural – e, examinadas a partir do trabalho que elas fazem
subjetivamente. Isso tonifica o papel dos sujeitos e abre
possibilidades concretas para exercício da resistência enquanto
bandeira de luta (objetiva e subjetiva). Tal perspectiva passa a
admitir que um mesmo objeto cultural, dentro de cada grupo em
112 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
particular, pode se transformar em seu uso social e mudar sua
significação.
Conforme Kellner (2001) a cultura, portanto, aí passa a ser
um terreno de disputa no qual os grupos sociais estabelecem a luta
por hegemonia; no qual as relações de poder, dominação e
resistência se efetivam; no qual se dá o encontro dos processos
comunicacionais para com os movimentos sociais – aos moldes do
que postula Martín-Barbero (2003).
É neste ponto de encontro que as mediações – as articulações
entre práticas de comunicação e os movimentos sociais, suas
diferentes temporalidades e pluralidade de matrizes culturais –
emergem como categorias de análise. Partindo da concepção das
mediações se consegue transpor de fato os estudos a outro patamar
– para o amplo espaço da cultura. Esse deslocamento se dá devido a
inegável pertinência da aproximação entre os debates em torno
relação Cultura e Comunicação; Estudos Culturais e Estudos de
Recepção; Teoria das Mediações e Teoria dos Movimentos Sociais.
Dentro desse universo, as mediações passam a ser
compreendidas como um conjunto de fatores estruturantes, que
organizam e reorganizam a percepção e a apropriação da realidade,
por parte do agora e mais do que nunca ativo receptor. Nele, a ação
coletiva (que depende do somatório de esforços de sujeitos ativos) é
o principal recurso para viabilizar os movimentos da sociedade (os
movimentos sociais). Nele, é o poder do movimento, que se
manifesta quando os cidadãos comuns (sujeitos ativos) unem forças
para enfrentar as mazelas que os afetam, o que pode produzir
transformações efetivas na realidade social.
Referrências
BERGER, Christa. Campos em confronto: a terra e o texto. Porto Alegre: Ed.
UFRGS, 1998.
CRUZ, Fábio Souza da. A Cultura da Mídia no Rio Grande do Sul: o caso MST e
Jornal do Almoço. 2006. Tese. Porto Alegre: PUCRS, 2006.
Vilso Junior Santi; Adrián José Padilla Fernandez | 113
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Cartografia dos estudos culturais: uma versão
latino-americana. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
FAUSTO NETO, Antônio. Participação comunitária no Brasil: equívocos e desvios
comunicacionais. In. MELO, José Marques de (org.). Comunicação na
América Latina. Campinas: Papirus, 1989.
GARCÍA CANCLINI, Néstor. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais
da globalização. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos Sociais – paradigmas clássicos
e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 1997.
HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações culturais. Belo Horizonte:
UFMG; Brasília: Unesco, 2003.
JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
KELLNER. Douglas. A Cultura da Mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. América Latina e os Anos Recentes: o estudo da
recepção em comunicação social. In SOUZA, Mauro Wilton de (org.).
Sujeito, o Lado Oculto do Receptor. São Paulo: Brasiliense, 1995.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações: Comunicação, cultura e
hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. “Pistas para entre-ver meios e mediações”. In: prefácio
a 5ª edição castelhana incluída na reimpressão de Dos meios às
mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ,
2003.
TORROW, Sidney. El poder en movimiento: los movimientos sociales, la accíon
colectiva y política. Madrid: Alianza Editorial, 1997.
Capítulo 6
Pensamento comunicacional:
contribuições da teoria social de Niklas Luhmann
Maria Ogécia Drigo1
Primeiros passos...
O nosso envolvimento com a Teoria Social de Niklas Luhman
teve início durante o doutorado na PUC/SP, no Programa de PósGraduação em Comunicação e Semiótica, mais especificamente em
estudos sobre Ciências Cognitivas. Uma das tendências dessas
ciências, a enação, proposta por Francisco Varela, tem os seus
fundamentos no conceito de autopoiese, que foi desenvolvido por
Humberto Maturana e pelo próprio Francisco Varela2. Tal conceito
é fundamental na teoria social mencionada.
O sociólogo alemão Niklas Luhmann (1927-1998) pode ser
considerado um dos autores mais importantes para as ciências
sociais no século XX, principalmente pela sua grandiosa produção.
No entanto, a operacionalização da sua teoria, com vistas ao
desenvolvimento de novos estudos e pesquisas, ainda é um desafio.
1
Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP; pós-doutora pela ECA/USP; Docente e
coordenadora do PPG em Comunicação e Cultura da Uniso e integrante de Pesquisa em Imagens
Midiáticas GPIM) e vinculada à Linha de Pesquisa Análise de Processos e Produtos Midiáticos. E-mail:
maria.ogecia@gmail.com.
2
Maturana e Varela trabalharam em conjunto a noção de autopoiese. As teorias que eles
desenvolveram continuaram pelos caminhos de ambos, no entanto, as suas investigações tomaram
rumos diferenciados. Maturana desenvolve a biologia do conhecer (teoria das bases biológicas do
conhecer) e Varela passa a fazer pesquisas com as ciências cognitivas.
116 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Orientamos dissertações de Mestrado no Programa de PósGraduação em Comunicação e Cultura, da Universidade de
Sorocaba – Uniso -, fundamentadas no pensamento desse sociólogo,
o qual se mostra capaz de abalar as certezas sobre o poder da
subjetividade, enquanto guia para a interpretação de produtos
midiáticos. Comentamos essas pesquisas em um dos itens deste
texto.
Tal teoria, por possibilitar o redimensionamento da relação
entre comunicação e sociedade, bem como a noção de representação
e da produção de sentidos, vem na contramão de teorias da
comunicação bem assentadas no meio comunicacional. Entre os
conceitos abordados, vale enfatizar que a ideia de pensar o papel do
sujeito nos processos comunicacionais abala a visão
antropocêntrica, que prima por uma noção de sujeito que introjeta
sentidos em tudo o que o rodeia. Com ela, é possível redimensionar
tal papel, uma vez que a produção de sentidos depende de operações
engendradas pelos próprios sistemas.
Vale enfatizar que tratamos de diversas tendências do
pensamento comunicacional sempre com o propósito de avaliar a
contribuição de cada uma delas para a compreensão de processos
comunicacionais. Pois é esse propósito que guia também as
reflexões que seguem. Não estamos sugerindo que tal teoria seria a
mais pertinente para desempenhar tal tarefa. Contudo, trata-se de
mais uma possibilidade que merece ser estudada. Outro aspecto que
devemos ressaltar é que, nessas nossas reflexões, não damos conta
da teoria, no entanto, com elas lançamos o desafio de explorar tal
teoria e comprovar seu alcance.
Sobre o pensamento comunicacional e seus modelos
As teorias das comunicações de massa, segundo Wolf (2005),
hipodérmica, abordagem empírico-experimental, que deriva de
pesquisa de campo, a teoria funcionalista, teoria crítica dos meios de
comunicação de massa, estudos culturais, apresentam diferentes
Maria Ogécia Drigo | 117
concepções sobre a relação dos meios de comunicação, ou as mídias,
com o contexto social. No contexto dessas reflexões, mídias - plural
da palavra mídia -, designa os meios de comunicação e de notícias
em geral, bem como os meios publicitários e, atualmente, o
surgimento de equipamentos técnicos constitui novas mídias - que
instauram novos processos de comunicação de massa, tais como a
multiplicação de canais de televisão a cabo, jogos eletrônicos o
outros, e, finalmente, com a emergência da comunicação planetária,
mídias designa também os processos de comunicação vinculados ao
computador.
De certo modo, tais tendências mostram que os meios de
comunicação interferem nas ações dos usuários, quer seja
persuadindo, manipulando ou os influenciando, ou ainda, poderia
também contribuir para a integração destes ao meio social, bem
como construir novos modos de relacionamento com potencial para
transformar a cultura, de onde vêm os termos cultura das mídias,
cultura da convergência e outros.
Essas tendências se sustentam em modelos que, via de regra,
acompanhando Wolf (2005). Encontramos cinco modelos. O
primeiro, no qual se sustenta a teoria hipodérmica, foi tomado da
psicologia behaviorista, a unidade estímulo/resposta (E
R).
Como esclarece o mesmo autor, tal modelo mostra que há um
vínculo direto entre a exposição à mensagem e o comportamento de
uma pessoa que é atingida pela propaganda, que pode ser
controlada, induzida a agir de determinadas maneiras. As pesquisas
posteriores ao predomínio desta concepção sempre tentaram
modificar se não total, ao menos parcialmente, tal modelo.
A superação e a inversão da teoria hipodérmica, segundo Wolf
(2005), se deu ao longo de três diretrizes distintas: a primeira, a que
estudava os fenômenos psicológicos individuais; a segunda, a que
buscava explicitar a relação indivíduo/meio de comunicação e a
terceira, a que buscava formular hipóteses sobre a relação
indivíduo/sociedade/meios de comunicação de massa. Esses
estudos estão contemplados na abordagem empírico-experimental,
118 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
ou “da persuasão”, na abordagem empírica em campo, ou “dos
efeitos limitados”, bem como na teoria funcionalista dos meios de
comunicação de massa. O diagrama (Fig.1) mostra a variação
introduzida no modelo anterior, para atender as transformações
anunciadas, o segundo modelo.
Figura 1- Uma variante para o modelo E
R
Processos
psicológicos
envolvidos
Fonte: Wolf (2005).
Causa
(estímulo)
Efeito
(resposta)
Este modelo sugere que a persuasão dos destinatários é
possível, se a forma e a organização da mensagem se adequarem aos
fatores pessoais do indivíduo, que podem ser ativadas quando da
interpretação da mensagem. Assim, há variação dos efeitos, uma vez
que há diferenças individuais.
À medida que novas tendências se instauram, outros três
modelos se tornam proeminentes: o modelo de comunicação da
teoria da informação, o semiótico-informativo e o semiótico textual.
O modelo advindo da teoria da informação, terceiro modelo, está
apresentado no diagrama (Fig. 2).
Figura 2 – Sistema geral da comunicação
Fonte de
informação
mensagem
Destinatário
sinal
Sinal recebido
receptor
transmissor
Fonte
de ruído
mensagem
Maria Ogécia Drigo | 119
Fonte: Elaborado pela autora a partir do modelo de Shannon-Weaver, de
1949, como consta em Wolf (2005, p. 109)
Neste modelo, o processo de comunicação envolve uma fonte
– a nascente da informação -, de onde é emitido um sinal por meio
de um aparelho transmissor e tal sinal viaja por um canal, que pode
ser perturbado por ruídos. Ao sair do canal chega ao receptor, que o
converte numa mensagem e como tal é compreendida pelo
destinatário.
Este é o esquema do sistema geral de comunicação, proposto
por Shanon-Weaver, que em versões diversas e com pequenas
variações terminológicas, sempre esteve presente. Tal esquema é
adequado para processos de comunicação entre máquinas, entre
dois seres humanos ou entre uma máquina e um ser humano. Wolf
(2005, p. 110), menciona, valendo-se de definições de Eco, que o
código é como um sistema de regras onde os sinais recebem
determinados valores. O código que interessa à teoria da informação
é o que serve para reduzir o equiprobabilismo inicial da fonte,
estabelecendo um sistema de recorrências. Trata-se, portanto, de
um sistema organizador, que não contempla na própria
competência o problema do significado da mensagem, dimensão
mais específica da comunicação.
O significado é irrelevante para uma teoria da comunicação.
A informação é uma medida estatística de equiprobabilismo dos
acontecimentos na fonte. Mesmo com as mudanças pelas quais
passou o conceito de código, caminhando da sintaxe interna da
sequência de sinais para a correlação entre elementos de sistemas
diversos, a problemática envolvendo a significação persistiu.
Mas, mesmo assim, Wolf (2005) explica mencionando Eco,
que embora todo processo de comunicação entre seres humanos
pressuponha a significação como condição necessária, o modelo
persistiu. São três os motivos que garantiram a permanência deste
modelo. O primeiro deles deve-se ao fato de que Jakobson
empreendeu uma integração e um caminho paralelo entre a
120 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
linguística e a teoria matemática. Ao generalizar a teoria da
informação, a leitura jakobsoniana exibe um modelo de
comunicação que visa o modo como a informação se propaga
segundo um código comum e uniforme. A atividade de comunicação
é representada como transmissão de um conteúdo semântico fixo
entre dois polos definidos e encarregados de codificar e decodificar
o conteúdo, por meio de um código fixo. O segundo motivo foi o fato
de que os efeitos também foram contemplados. Sim, pois tanto as
teorias que englobavam os aspectos psicológicos do receptor como
as experimentais que tratavam dos fatores seletivos da audiência e
da estrutura mais eficiente das mensagens persuasivas valeram-se
do conceito de ruído, que dificultava o processo de transmissão. O
terceiro, que pode explicar a permanência de tal modelo está
vinculado à teoria crítica e as dela derivadas, que levaram a
problemática específica da comunicação para um segundo plano.
Sim, pois a indústria cultural esgota em si e predetermina
estruturalmente qualquer dinâmica da comunicação, estabelecida
pela lógica da reprodução social.
Os três motivos mencionados, de acordo com Wolf (2005),
fizeram com que o abandono da teoria da informação fosse um
processo lento, que foi agravado por dois aspectos moderadores: o
primeiro, por trazer avanços metodológicos, notadamente quanto à
análise de conteúdo, uma vez que os processos de comunicação
eram centrados no processo emissor, o que era funcional para a
necessidade operativa de se trabalhar com muitas mensagens. O
segundo, o problema das metodologias não darem conta da questão
da significação na relação destinador/destinatário, até pela
necessidade de se examinar vastas amostras, o que representa
desvantagem.
Outros modelos - o semiótico-informativo e o semiótico
textual - vieram em seguida. O semiótico-informativo, longe de ter
nascido em assentimento ao modelo original, veio da crítica à sua
inoperância em processos de comunicação humana. A teoria da
informação elabora explicitamente a análise das melhores condições
Maria Ogécia Drigo | 121
de transmissibilidade das mensagens, enquanto no novo modelo, os
efeitos e as funções sociais da mídia não deixam de ser avaliados,
considerando-se o mecanismo de reconhecimento e de atribuição de
sentidos. Ao enfatizar a necessidade de tratamento da questão da
significação ou produção de sentido, Umberto Eco propôs que uma
teoria da comunicação mais abrangente só se encontraria em uma
teoria semiótica geral.
O quarto modelo, o semiótico-informativo, pode ser
observado no diagrama abaixo (Figura 3). Neste modelo, “entre a
mensagem entendida como forma significante que veicula certo
significado, abre-se um espaço heterogêneo e articulado” (WOLF,
2005, p.121).
Figura 3 – Modelo semiótico-informativo baseado no modelo de EcoFabbri
(fonte)
emissor
código
código
subcódigo
Mensagem
emitida
como
significante
que veicula
um
determinado
significado
canal
Mensagem
recebida
como
significante
destinatário
Mensagem
recebida
como
significado
código
subcódigo
Fonte: Wolf (2005, p. 121).
O modelo apresenta a possibilidade de se estabelecer
processos de negociação, o que é característico dos processos de
comunicação. No entanto, permanece no âmbito da análise das
mensagens, dos seus códigos, da estrutura da comunicação. Sendo
122 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
assim, esse modelo, tanto como o semiótico-textual, o quinto
modelo, foram marginalizados.
Este último modelo possibilita a apreensão do modo como,
pela mediação da cultura, os dados sociológicos dos aparelhos dos
meios de comunicação de massa (fluxo unidirecional, centralização,
formatos rígidos etc.) se transformam em mecanismos
comunicativos que incidem sobre processos de interpretação,
aquisição de conhecimentos e sobre os efeitos desses meios.
Portanto, neste modelo não está mais em primeiro plano a
relação codificação-decodificação, mecanismo comum tanto à
comunicação interpessoal como a comunicação de massa, mas sim
a descrição, em termos semióticos, de alguns traços específicos da
comunicação de massa. A relação de comunicação é construída em
torno de conjuntos de práticas textuais. Wolf (2005) menciona os
conceitos de cultura gramaticalizada e cultura textualizada de
Lotman e Uspenskij.
Na comunicação de massa provavelmente entra “em ação
uma competência textual orientada para o valor (o êxito) dos
precedentes, para “receitas” e “fórmulas” organizadas. Assim, [...]a
orientação para o texto já fruído ou já produzido é, portanto, um
critério de comunicação “forte”, vinculativo” (WOLF, 2005, p. 126).
Com tal modelo foram redimensionados o papel das
mediações culturais, que permitem a circulação de práticas textuais,
bem como o do destinatário, inserido na relação
destinador/destinatário vinculada à estrutura textual e nela
incluída, que pode ser estudada pela semiótica e análise do discurso.
O modelo de comunicação de origem informativa entrou em
crise devido à presença de quadros gerais de referência, mais amplos
do que o do administrativo, também por causa da esterilidade da
pesquisa empírica e da presença de abordagens diferenciadas do
conceito de comunicação, entre outros motivos.
Os modelos apresentados, de modo geral, tem como um
elemento comum, a questão da transmissão de mensagens. Deste
modo, eles não seriam operantes na Teoria Social de Luhmann.
Maria Ogécia Drigo | 123
Para Miège (2000), a comunicação tem um caráter
interdisciplinar, aspecto que a teoria mencionada traz à tona
também, uma vez que, para Luhmann (2009), os impulsos
intelectuais mais fascinantes que permitem entender a sociedade
moderna surgiram fora do campo da sociologia, na biologia.
Outro conceito que permeia as diversas tendências do
pensamento comunicacional é a noção de representação, que é
abandonada nesta teoria social. Para Sfez (2007), a noção de
representação delineia concepções distintas de comunicação. Ele
identifica três visões de mundo atreladas à representação com as
metáforas: máquina, organismo e tautismo e classifica a
comunicação, respectivamente, em representativa, expressiva e
confusional. As palavras norteadoras dessas três modalidades de
comunicação, na mesma ordem, são representar, expressar e
confundir. A Teoria Social de Luhmann prescinde a noção de
representação.
Assim, por ser interdisciplinar, por possibilitar o
redimensionamento da relação entre comunicação e sociedade, bem
como da noção de representação, estas reflexões têm como
propósito - ao tomar como corpus a Teoria Social de Niklas
Luhmann- avaliar a pertinência desta para a compreensão de
processos comunicacionais. Para tanto, revisitamos o conceito de
autopoiese, apresentamos alguns aspectos da teoria mencionada
com ênfase nas operações de autorreferência e heterorreferência,
seguidos de exemplos com os sistemas das marcas e da moda.
Seria interessante também verificar se tais teorias
fundamentam pesquisas da área de Comunicação. Ao empreender
uma busca, no Banco de Dissertações e Teses da Capes, online, em
04/06/18, guiada pela palavra-chave Niklas Luhmann,
encontramos, no período 1990-2018, 332 trabalhos, sendo que 80%
deles enquadram-se na Área de Ciências Sociais Aplicadas. Deste
percentual, 5% pertencem à Comunicação. Do ano de 1990 a 2017,
a quantidade de pesquisas anuais, considerando-se os resultados
dessa busca, cresceu de uma para trinta e duas, sendo que a média
124 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
no último triênio – 2015/2017 - foi de 35 pesquisas. Ao realizar outra
busca, no mesmo banco, guiada pela palavra-chave autopoiese, o
resultado foi 214 dissertações ou teses, sendo que 45% dessas
pesquisas enquadram-se na Área Ciências Sociais Aplicadas. Desse
percentual, 9% são da Comunicação. Do ano de 1990 até 2017,
também houve um crescimento da quantidade de pesquisas que, de
algum modo, envolvem o conceito de autopoiese, passando de uma
para dezesseis.
É notório o interesse pelas teorias desse sociólogo, que vale
conferir. Iniciamos as nossas reflexões com o conceito de autopiese.
Sobre autopoiese
O artigo intitulado Neirophysiology of cognition, escrito por
Maturana, em 1963, foi o marco inicial na elaboração do conceito de
autopoiese, que é apresentado no livro Autopoiese: the organization
of living systems, publicado pelos dois biólogos. No prefácio da
segunda edição dessa obra, os mesmos autores elaboraram extensos
prefácios com reflexões sobre alcances e limites de tal conceito.
As investigações dos biólogos partiram do pressuposto de que
os seres vivos eram autônomos, contra a visão organicista, que
então predominava, a de que os seres vivos são sistemas abertos e
que processam energia. A existência de um ser vivo estabelece dois
domínios, segundo Maturana (1997, p. 13), “a) o domínio do seu
operar como totalidade em seu espaço de interações como tal
totalidade, e b) o domínio do operar de seus componentes em sua
composição, sem fazer referência à totalidade que constituem, e que
é onde se constitui, de fato, o ser vivo como sistema vivente”.
Com isso, os autores passaram a tratar o sistema vivo por
meio da sua organização, ou seja, guiados pelas relações que o
sistema estabelece entre seus componentes e não tomando a sua
função e a sua finalidade. Nas palavras de Maturana (1997, p. 15):
Maria Ogécia Drigo | 125
É a esta rede de produções de componentes, que resulta fechada
sobre si mesma, porque os componentes que produz a constituem
ao gerar as próprias dinâmicas de produções que a produziu ao
determinar sua extensão como um ente circunscrito, através do
qual existe um contínuo fluxo de elementos que se fazem e deixam
de ser componentes segundo participam ou deixam de participar
nessa rede, o que denominamos (...) autopoiese.
Maturana (1997), que concebeu o termo autopoiese para
caracterizar a dinâmica constitutiva dos seres vivos, esclarece que
tal termo é a combinação do radical grego poiesis, que significa
fazer, criar, compor, com o prefixo auto, que quer dizer “por si
mesmo”. Assim, tal termo traduz a ideia de algo que se produz por
si mesmo.
Segundo Varela (1997), a autopoiese emergiu quando se
tentava compreender a noção de circularidade no modo de operar
dos sistemas nervoso e imunológico. O sistema nervoso é
autopoiético, porque as mudanças na sua organização se dão devido
às mudanças das propriedades dos seus componentes, os neurônios.
Eles constituem uma rede fechada, mas uma rede em que a
mudança de alguns neurônios conduz a mudanças nas atividades de
outros, por meio de efeito sináptico ou por meio da ação de algum
agente físico ou químico. As mudanças no sistema nervoso afetam o
organismo, isto porque há um acoplamento entre o sistema nervoso
e o organismo.
A circularidade operada com a autopoiese pode ser a base para
uma organização autônoma, que se dá com a clausura operacional,
onde clausura não é sinônimo de fechamento ou ausência de
interação. A noção de perturbação no acoplamento estrutural
traduziria essa interação. Varela (1997) esclarece que uma das
críticas feitas às suas teorias3 reporta-se à noção de representação,
que foi substituída pela noção de perturbação da clausura
operacional, interpretada pelo organismo em nível celular,
3
Varela, F. Principles of biological autonomy. New York: North-Holland, 1979.
126 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
imunológico ou neuronal. Ele admite que tal noção não incorpora a
história de interações do ser vivo com o meio externo4.
Sobre tal interação, Maturana (1977, p. 27) explica que a cor
dos objetos não é dada pela luz que chega a partir destes, mas que
“a experiência de uma cor corresponde a uma configuração
específica de estados do sistema nervoso, determinados por sua
estrutura”, ou seja, a percepção da cor está vinculada a uma
estrutura interna do cérebro e do sistema nervoso.
As tentativas de propor sistemas autopoiéticos para além do
domínio molecular são criticadas por Maturana. Em relação à Teria
Social de Niklas Luhmann, Maturana (1997, p. 20), adverte:
“Também não o são, ou poderiam sê-lo, em um espaço das
comunicações, como propõe o distinguido sociólogo Niklas
Luhmann, porque em tal espaço os componentes de qualquer
sistema seriam comunicações, não seres vivos”.
Conforme Varela (1997), a utilização metonímica tomou força
na sociologia, com as ideias do sociólogo mencionado. No entanto,
ele considera tal tentativa um abuso de linguagem, pois com tal uso,
a rede de processos transforma-se em ações entre pessoas e a
membrana celular torna-se fronteira entre agrupamentos humanos.
Contudo, ele defende o uso do conceito, pois com ele pode-se
conceber que os seres vivos possuem capacidade interpretativa
desde sua origem. Com isso, a noção de representação pode ser
descartada.
4
O paradigma enativo, proposto por Varela, em suas pesquisas em ciências cognitivas, com o qual
tenta superar as dificuldades impostas pela noção de perturbação da clausura operacional, concebe
que o mundo emerge a partir da ação dos agentes cognitivos, num processo de codeterminação
realizado pelo aparelho sensório-motor do agente. Nessa concepção, o ser vivo é autônomo e à medida
que faz parte do mundo é por ele especificado, de onde vem a possibilidade de conhecimento, que não
se dá, portanto, por aprendizagem. A ação que faz emergir um mundo à medida que o agente se torna
parte dele é denominada enacción. Vale lembrar que os caminhos de Maturana e Varela se cruzaram
em dois momentos, nos quais trabalharam em conjunto a noção de autopoiese. As ideias não se
separaram totalmente, permaneceram espalhadas pelos caminhos de ambos, no entanto, as suas
investigações tomaram rumos diferenciados. Maturana se envolve com a biologia do conhecer (teoria
das bases biológicas do conhecer) e Varela passou a se dedicar às ciências cognitivas.
Maria Ogécia Drigo | 127
Luhmann (2009, p.123) menciona que não procede a crítica
feita ao modo como utilizou o conceito. Segundo ele, Maturana
resiste à aplicação do conceito à comunicação, pois este permitiria
mostrar que ela se dá sem a presença do ser humano, ou seja, com
ele a comunicação produz suas próprias diferenças e não necessita
de outros âmbitos da realidade, como o físico, o químico, ou
orgânico, para se explicar.
Para Varela (1997), em linhas gerais, a autopoiese caracteriza
a autonomia do vivo; descreve a organização do vivo como
configuração; explica a constituição da identidade como entidade
material; descreve o processo de constituição de identidade como
circular, ou seja, como uma rede de produções metabólicas que
produz a membrana que a sustenta; a interação da identidade
autopoiética é vista não somente em termos físico-químicos, mas
como unidade organizada e, por último, torna possível a evolução
por meio de séries reprodutivas que podem sofrer transformações
estruturais, mas mantêm a identidade.
Tais especificidades condensam conceitos que estão no centro
das preocupações da neurobiologia, da biologia evolutiva, das ciências
cognitivas e da inteligência artificial, bem como das ciências sociais e
da comunicação -, sendo que nos importa entre esses conceitos, de
modo especial, o fenômeno interpretativo. O “fenômeno interpretativo
é uma chave central de todos os fenômenos cognitivos naturais,
incluindo a vida social. O significado surge em referência a uma
identidade bem definida, e não se explica por uma captação de
informação a partir do exterior.” (MATURANA, 1997, p. 48).
O conceito de autopoiese permeia a Teoria Social de Luhmann
que, a seguir, explicitamos de modo breve.
Sobre a Teoria Social de Niklas Luhmann
Os estudos da sociologia com Karl Marx, Max Weber, Georg
Simmel ou com Durkheim sempre tiveram um alcance médio no
campo da pesquisa empírica e não há, na sociologia, conforme
128 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Luhmann (2009, p. 35), “uma descrição teórica coerente sobre a
situação dos problemas da sociedade contemporânea”.
A Teoria Social, que parte da Teoria Geral dos Sistemas, de
Heinz von Foerster, e substitui a noção de aberto/fechado, que
explica as trocas do sistema com o ambiente em que ele está
inserido, pelo conceito de autopoiese, viria preencher tal lacuna.
Para inteirar-se do conceito de sistema e dos parâmetros sistêmicos,
vale ver Santaella e Vieira (2008).
Com tal conceito, o de autopoiese, pode-se considerar que a
operação básica dos sistemas sociais é a comunicação, a qual se
reproduz por meio de comunicações. Só há comunicação nos
sistemas sociais e é certamente esse fechamento o responsável pela
autonomia dos mesmos. Deste modo, embora a autopoiese possa ser
traduzida pela autonomia, ela não elimina a importância do
ambiente e, consequentemente, das trocas com o ambiente. O
acoplamento estrutural estabelece que um sistema social funciona
devido à presença de outros.
Para Luhmann (2009), se os sistemas têm capacidade de
elaborar internamente um modelo do seu meio e uma identidade
própria, ou seja, são autopoiéticos, então, eles também têm
capacidade de estabelecer o que é sentido, internamente. Isto leva à
redução da complexidade do meio e da contingência interna, o que
contribui para a permanência do sistema. Há duas operações que
produzem sentidos: autorreferência e heterorreferência. Segundo
Luhmann (2009, p. 97-8), a operação que descreve a manobra
operativa da autorreferência e da heterorreferência revela a
existência de uma esfera específica da realidade: o sentido.
Nas palavras de Luhmann (2009, p. 93):
Na comunicação deve-se falar sobre algo, ou seja, um tema deve
ser abordado. Mas, aquele que fala pode se converter, ele mesmo,
em tema. Como se vê, a comunicação tem a especificidade de poder
articular-se, indistintamente, ao ato de comunicar ou à
informação: o próximo passo da comunicação poderia continuar o
mesmo, em referência ao ato de comunicar ou à informação: Daí
Maria Ogécia Drigo | 129
que na própria operação da comunicação esteja incorporada a
autorreferência (referência à informação), bem como a
heterorreferência (referência ao ato de comunicar)5.
Acrescenta o sociólogo que a comunicação permanece sempre
como a comunicação interior, pois ela não abandona o sistema, ou
seja, as conexões são realizadas dentro do próprio sistema. Os
sistemas processam quase que simultaneamente duas operações: a
autorreferência e a heterorreferência, as quais estabelecem as
diferenças entre sistema e meio. Tratamos dessas operações com
exemplos em outro item.
Outro conceito interessante é o de observador que, segundo
Luhmann (2009), envolve o binômio observar/observador.
Observar é uma operação e o observador é um sistema que utiliza a
operação de observação para obter uma diferença em relação ao
meio. A operação só se realiza como um acontecimento instantâneo,
fugaz, que necessita de tempo para poder conectar a operação de
observação ao objetivo de obter a diferença em relação ao meio.
Nesse aspecto, tal binômio implica que o observador observa
operações e que ele próprio é uma operação, pois caso contrário, não
poderia observar. Assim sendo, o observador é um sistema que pode
se observar e também observar outros sistemas. “A hipótese teórica
do observador pretende, por um lado, situar-se em uma posição
distinta em relação à prevalência da consciência e, por outro lado, à
teoria do sujeito”. (LUHMANN, 2009, p.167).
O recurso de situar a produção de sentidos no observador pode
ter aspecto de plausibilidade, pois o observador pode compreender se
a observação está baseada em uma heterorreferência, ou se constitui
uma observação de si mesma, a autorreferência.
Segundo Luhmann (2009), as pessoas acreditam que se
relacionam, que se comunicam, o que requer esforços para explicar
os problemas que ocorrem entre os sistemas psíquicos e sociais. As
5
Grifos do autor, Niklas Luhmann.
130 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
relações entre esses sistemas ocorrem com a interpenetração e com
o acoplamento estrutural.
A interpenetração implica que um sistema deve pressupor
que o meio garanta as relações sem que isto interfira nas suas
operações internas. A relação entre consciência e comunicação
parece depender do fato de que a consciência esteja presente e preste
atenção à comunicação. Mas não é isto que ocorre. A comunicação
não precisa chamar a atenção da consciência, pois ela pressupõe a
consciência. Consciência e comunicação tornam-se possíveis, com
suas respectivas complexidades. O conceito de interpenetração
refere-se precisamente à complexidade desta manifestação.
Nas palavras de Luhmann (2009, p. 275):
Somente a consciência pode ter capacidade de percepção e dar-se
conta do que acontece no mundo. Em contrapartida, a comunicação
não pode perceber: ela transcorre, em certa medida, na obscuridade
e no silêncio. Dado que é a consciência que percebe, pode-se decidir,
em determinado momento, utilizar energia motora para falar ou
escrever. A comunicação em si mesma não pode ver, ouvir ou sentir:
ela não tem nenhuma capacidade de percepção.
O acoplamento estrutural, conforme Luhmann (2009),
embora se aproxime do conceito de interpenetração, é estabelecido
sob a perspectiva de um observador externo e responde à questão
da relação do sistema com o meio. Tal conceito pode substituir a
teoria do sujeito, pois permite pressupor uma operação, sem
necessidade de atribuí-la a um portador. Com a noção de sujeito, em
contrapartida, pensa-se na preexistência de um sujeito
transcendental, que todo mundo sabe que existe como consciência
e, assim, não há como, ao se efetuar uma operação, perguntar quem
a realizou, bem como não se sentir obrigada a considerar que quem
comunica é o homem.
A noção de acoplamento estrutural, conforme Luhmann
(2009, p. 278), “leva a abandonar a metáfora clássica, segundo a
qual a comunicação é uma espécie de transferência de conteúdos
Maria Ogécia Drigo | 131
semânticos de um sistema psíquico que já possui internamente a
outro sistema”. Mas, qual seria então o papel da consciência na
comunicação? Nas palavras de Luhmann (2009, p. 279):
A consciência provê irritação à comunicação. Os acoplamentos
estruturais não produzem operações, mas somente irritações
(surpresas, decepções, perturbações) no sistema. O único fator de
irritação da comunicação é a consciência. E exatamente devido a esse
efeito de incluir e eliminar do acoplamento estrutural, a comunicação
pode aumentar sua capacidade de irritabilidade graças apenas a
procedimentos de consciência. Diferentemente dos sistemas de
consciência, que podem ser modificados pela percepção sensorial, a
comunicação só pode ser transformada através da consciência.
Luhmann (2009) esclarece que a comunicação praticamente
não pode ignorar o que acontece na consciência, desde que isso
possa ser expresso. Ela está de acordo com a consciência, no sentido
de dedicar-se exclusividade aos fenômenos psíquicos, ao mesmo
tempo em que a consciência está acoplada à comunicação no sentido
de estar aberta àquilo que principalmente possa adquirir forma de
comunicação. Sendo assim, o homem não se comunica, somente a
comunicação faz isso.
Mas, como a consciência e a comunicação estão acopladas
estruturalmente? Segundo Luhmann (2009), tal acoplamento se dá
através da linguagem, que pode ser empregada como consciência e
como comunicação, bem como mantêm separadas as operações
respectivas.
As contribuições das semióticas, a de Saussure e de Peirce, são
mencionadas por Luhmann (2009). Explica o sociólogo que tais
semióticas renunciaram à antiga distinção entre verbal e não verbal
em detrimento da relação significante/significado, que se reproduz na
ação do signo. Nelas, as diferenças são diferenças entre signos,
produzidas pela linguagem, que podem ser usadas operativamente.
Adverte ainda que não é possível precisar a que o desenvolvimento da
teoria da linguagem pode levar. Contudo, a linguística não deveria
prescindir do conceito de acoplamento estrutural, dos efeitos de
132 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
inclusão/eliminação e, principalmente, do fenômeno de aumento do
potencial de complexidade que se realiza mediante a linguagem.
Retomamos agora a questão da comunicação para enfatizar
que a metáfora da transferência, utilizada para explicar a
comunicação, perde o seu reinado. Conforme Luhmann (2009), a
ideia de transferência nos leva a compreender que nos desfazemos
de algo. O autor dá como exemplo uma transação econômica, onde
um pagamento implica em desfazer-se de certa quantia de dinheiro
e enfatiza que, no cotidiano, constatamos o quanto a comunicação é
uma sucessão de efeitos multiplicadores.
Outra objeção à metáfora, segundo Luhmann (2009), é a de que
ela pressupõe simultaneidade. A comunicação oral, por exemplo, por
se dar em um espaço delimitado pelas presenças individuais, torna-se
dependente do presente. Contudo, o advento da escrita rompe com
essa concepção espacial, pois ela determina uma organização
totalmente nova da temporalidade da operação comunicacional. A
escrita também acontece no presente e simultaneamente, no entanto,
constrói uma presença diferenciada no tempo, propiciando a ilusão da
simultaneidade do não simultâneo.
A metáfora da transmissão implica também no ato de
compartilhar. Conforme Luhmann (2009, p. 297):
[...] o ato de partilhar a comunicação não é mais do que uma
proposta de seleção, de sugestão. Somente quando se retoma essa
sugestão e se processa o estímulo é que gera a comunicação. Além
disso, a referida metáfora exagera a identidade do que se
transmite. Ao recorrer a ela, seduz-nos a ideia de que a informação
transmitida é a mesma para o emissor e para o receptor. A
metáfora da transmissão sugere que a comunicação é um processo
unicamente de dois algarismos, de duas seleções, na qual o emissor
participa algo ao receptor.
No entanto, esta crítica exige algo que possa substituir a
metáfora da transferência. Sendo assim, propõe que a comunicação
é “um estado de coisas sui generis” [...] que envolve “uma síntese de
três diferentes seleções: a) a seleção da informação; b) a seleção do
Maria Ogécia Drigo | 133
ato de comunicar; e c) a seleção realizada no ato de entender (ou não
entender) a informação e o ato de comunicar” (LUHMANN, 2009, p.
297, grifo do autor). A comunicação só se dá se as três etapas
ocorrerem e implicarem na compreensão da diferença entre
informação e o ato de comunicar. Luhmann (2009, p. 298) esclarece
que:
Entender não é nunca somente a duplicação na consciência daquilo
que alguém comunicou, mas também a ocasião para que a
autopoiesis do sistema se realize. Sem que importe o que cada um
entende de consciência (que é autopoiética fechada), o sistema de
comunicação elabora seu próprio entendimento e sua própria
incompreensão; e, para tanto, o sistema cria seu próprio processo
de observação e autocontrole.
Assim sendo, é possível comunicar sobre o entendido, o mal
entendido, o não compreendido, mas sob a especificação da
autopoiese, não conforme o que cada um dos participantes pensa ou
deseja. Deste modo, com a comunicação não se obtém consenso, mas
uma bifurcação da realidade. Quem chega a entender a comunicação,
considera tal entendimento necessariamente como premissa para
rechaçá-la, ou para fazer a próxima comunicação e assim
sucessivamente. A comunicação está, portanto, aberta ao sim e ao não.
Retomamos, a seguir, as operações de autorreferência e
heterorreferência, via exemplos, para concluir as nossas reflexões.
Retomando a autorreferência e a heterorreferência
Vejamos, inicialmente, como se dá a heterorreferência no
sistema das marcas. Segundo Drigo e Gonzaga (2014), o sistema das
marcas constitui-se com agregados – ou componentes - abstratos e
concretos. O projeto da marca, que inclui especificidades da identidade
e de suas expressões, é um agregado abstrato. Os símbolos, as peças
publicitárias, as embalagens dos produtos e os próprios produtos,
manifestações da marca, são agregados concretos.
134 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
As associações empreendidas pelas marcas, segundo Aaker
(1998; 2008), constroem uma lógica interna, ou instaura o
fechamento operacional, que na perspectiva do pensamento
luhmanianno, implica numa dinâmica que diferencia o sistema das
marcas do meio em que ele está inserido e, ao mesmo tempo, tornao autônomo.
Mas, a permanência deste sistema depende de acoplamentos
estruturais. No caso da marca “Itaú”, isto é assegurado pela
publicidade e pelo tema “sustentabilidade”, por exemplo. Tal percurso
pode ser visto em São Leandro (2015), que explica como a Instituição
Financeira Itaú trata o tema da sustentabilidade, contemplando suas
três dimensões: econômica, social e ambiental. Ao percorrer as
análises realizadas pela mesma autora, constata-se como o tema,
segundo as teorias de Luhmann, com as operações próprias do sistema
das marcas, via publicidade, transforma-se em informações para a
sociedade, bem como para o próprio sistema, a ponto de a marca ter a
sustentabilidade acoplada ao seu símbolo (Fig. 1).
Figura 1 - A sustentabilidade no símbolo da marca
Fonte: São Leandro (2015, p. 88).
Mas, a publicidade entendida como meio de comunicação, não
se caracteriza como tal por transportar informação dos que sabem
àqueles que não sabem. Ela é um meio à medida que disponibiliza
um saber de fundo e continua sempre a desenvolvê-lo. No caso da
Maria Ogécia Drigo | 135
marca “Itaú”, valores atrelados à sustentabilidade que, em alguma
medida, permeiam o meio, são disponibilizados, via publicidade,
Outro exemplo, no sistema da moda, vem com Jara e Drigo
(2017), que o consideram como um sistema autopoiético e por meio
da análise de trajes exibidos no desfile The Horn of Plenty, OutonoInverno, 2009-2010, de Alexander McQueen, esclarecem como as
operações, a autorreferência e a heterorreferência, são postas em
movimento neste sistema. A autorreferência manifesta-se com a
retomada de aspectos de criações de Paco Rabanne, Coco Chanel,
Christian Dior, estilistas renomados no universo da moda. Com isso,
a moda refere-se exclusivamente a si própria, para garantir a sua
autonomia e reforçar a memória. Com o tema – arte, mais
especificamente valendo-se das obras de Escher – dá-se a
heterorreferência. Das análises observa-se que o que vêm do
ambiente passa a ser operado, via lógica do sistema, no caso, com a
tradução intersemiótica. O sistema da moda acopla-se, no caso, à
arte, o que faz com que ela amplie o seu alcance. A heterorreferência
manifesta-se com um tema que não é próprio da moda, mas o seu
desenvolvimento subsequente se dará como autorreferência,
seguindo as leis de comunicação da moda.
Os temas, segundo Luhmann (2005, p. 31), “servem por isso
ao acoplamento estrutural dos meios de comunicação com outras
áreas da sociedade, e, agindo assim, eles são tão elásticos e tão
diversificáveis que os meios de comunicação, fazendo uso de seus
temas, podem atingir cada parte da sociedade.” A função social dos
meios de comunicação, para Luhmann (2005), é manter a memória
do sistema. “Para o sistema social, a memória consiste no fato de,
em cada comunicação, se pode tomar como conhecidas algumas
suposições determinadas sobre a realidade, sem precisar introduzilas ou justificá-las expressamente.” (LUHMANN, 2005, p. 114).
O sistema das marcas, via publicidade, resgatam, reavivam
valores que permeiam a sociedade, ampliando a memória e
garantindo assim a sua permanência. Isto se dá pela apropriação de
temas. O sucesso dos meios de comunicação na sociedade “deve-se
136 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
à imposição dos temas, independentemente se as posições tomadas
são positivas ou negativas em relação às informações, às proposições
de sentido, às nítidas valorizações.” (LUHMANN, 2005, p. 31).
A distinção entre tema e função da comunicação está também
vinculada à distinção entre heterorreferência e autorreferência.
Vimos que a heterorreferência se faz com os temas, estranhos ao
sistema, mas que são submetidos à sua lógica, ao seu modo de
operar. Em relação à autorreferência, Luhmann (2005, p. 32)
explica:
Um observador [...] pode distinguir entre temas e funções6 da
comunicação. Ele pode, por exemplo, dizer a si mesmo e aos
outros: se não dermos esta ou aquela notícia, se nós cancelarmos
a meteorologia ou, mais recentemente, o “bioscópio”, os leitores
nos abandonarão. Para isso, a comunicação precisa ser pensada
como comunicação, quer dizer, as autorreferências precisam ser
atualizadas.
A função dos meios de comunicação consiste, em última
análise, “em orquestrar a auto-observação do sistema social”
(LUHMANN, 2005, p. 158), o que se faz via autorreferência, que se
vale de aplicações das operações – as mesmas que possibilitam a
diferenciação do sistema em relação ao meio – aos agregados do
próprio sistema.
Em ambos os casos, trata-se de autopoiese, ou seja,
reprodução da comunicação com base nos resultados da
comunicação. Com ela não há metas e um final natural estipulados.
“Ou melhor, comunicações informativas são elementos
autopoiéticos que servem à reprodução desses elementos”
(LUHMANN, 2005, p. 139), o que caracteriza o modo construtivista
de operação do sistema.
6
Grifo do autor
Maria Ogécia Drigo | 137
Considerações Finais
As ideias de Luhmann incitam reflexões sobre ideias
presentes e persistentes no pensamento comunicacional, como a
metáfora da transmissão, da comunicação como consenso, a noção
de representação, a teoria do sujeito e a questão da relação da
comunicação com as linguagens. Neste artigo, enfatizamos a
heterorreferência e autorreferência, operações que nos fazem aderir
à ideia de uma lógica interna ou a um modo de operar dos sistemas
que os fazem autônomos.
No que se refere aos exemplos, podemos destacar que esta
teoria não garante como o observador externo – os usuários da
marca Itaú, no exemplo - venham a ter algum tipo de mudança no
seu modo de sentir, agir ou pensar em relação à sustentabilidade.
Devido ao fechamento operacional, a teoria garante a expansão da
memória do sistema das marcas, contribuindo para a sua
permanência. A heterorreferência, que se dá com a apropriação do
tema da sustentabilidade, amplia a possibilidade de acoplamento
estrutural deste sistema firmando a sua autonomia, pois coloca em
circulação a diferença entre o sistema e o meio.
Em relação ao sistema da moda, podemos destacar que o
acoplamento desse sistema à arte não garante a transformação da
vivência do usuário em relação à arte e nem mesmo a modificação
dos modos de operar deste último sistema. A autonomia do sistema
da moda é reforçada, sua memória expandida, ou seja, as diferenças
entre tal sistema e o meio são firmadas.
A apropriação de um tema estranho ao sistema não pode ser
revertida em benefício do modo de operar de outros sistemas, pois
a lógica que estes engendram são outras. Assim, o referencial teórico
selecionado, sob tal ponto de vista, não traz bons resultados, pois
todas as operações – articulações ou estratégias – como as do
universo das marcas, não garantem a sensibilização dos usuários
dessa marca, ou das pessoas em geral, quanto à adesão ou à pratica
de ações voltadas à sustentabilidade, nas suas três dimensões. O
138 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
usuário/intérprete pode identificar a marca em questão como uma
instituição (financeira) que promove a melhoria da qualidade de
vida das pessoas ao colocar em prática ações que contribuem para a
preservação do meio ambiente.
Os sistemas autopoiéticos – o sistema das marcas e da moda
mencionados-, com a autorreferência e a heterorreferência
reavivam e expandem a memória, firmam as diferenças com o meio,
ou a sua autonomia e, assim, garantem a sua permanência.
Referências
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Capítulo 7
A lei de responsabilidade fiscal, a aplicação da
teoria da comunicação e o desafio do
fortalecimento da democracia no Brasil
Nelson Russo de Moraes1
A Lei de Responsabilidade Fiscal no Brasil
Ao iniciar estudos e pesquisas acerca da Lei de
Responsabilidade Fiscal no Brasil (Lei Complementar nº 101, de 04
de maio de 2000), os investigadores precisam atentar para origem
desta legislação que se estabelece, no Brasil, como um efetivo divisor
de águas para a administração pública, contudo esta se consolidara
dentro de um contexto internacional de ajustamento – para além de
contas – na condução dos recursos públicos, inserindo o país em um
debate internacional de busca de maior legitimação da esfera de
decisão política, o que vale dizer, fortalecer uma trilha de busca de
soluções para o problema da crise da democracia (MORAES, 2013).
Tonet (2001a); Nascimento e Debus (2002); Pinho e
Sacramento (2003), em seus estudos, estabelecem a demarcação de
grandes avanços na qualidade do serviço público e mesmo da
1
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporânea (UFBA). Mestre em Serviço Social (UNESP).
Graduado em Administração (ITE/Bauru). Professor da Faculdade de Ciências e Engenharia/FCE e do
Programa de Pós-graduação em Agronegócio e Desenvolvimento/PGAD, da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Professor do Programa de Pós-graduação em
Comunicação e Sociedade/PPGCOM, da Universidade Federal do Tocantins – UFT. Líder do Grupo de
Estudos em Democracia e Gestão Social/GEDGS (UNESP). E-mail: nelsonrusso.unesp@gmail.com
142 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
administração pública de modo proporcional ao crescimento dos
níveis de transparência tanto para a condução das contas públicas
(possibilitando a participação mais efetiva) quanto para a publicação
das prestações de contas de modo inteligível aos cidadãos.
Pinho e Sacramento (2004) contribuem destacando que, no
Brasil, a transparência é o cerne da Lei de Responsabilidade Fiscal,
conquanto que o fortalecimento da democracia se estabelece sobre
uma administração mais transparente e promotora da participação
dos cidadãos nos âmbitos de sua inserção nas arenas de debate sobre
políticas públicas e do controle social sobre o Estado, desdobrando
daí processos de responsabilização que estruturam a accountability:
[...] a transparência constitui-se no seu eixo principal, já que
necessária desde a fase do planejamento é diretamente dependente
dela um efetivo controle que possibilite a responsabilização, enfim, a
concretização da accountability. De acordo com Baquero (2003), no
Brasil, os esforços empreendidos objetivando o fortalecimento de sua
democracia têm convergido para a defesa de maior participação da
cidadania nos processos de decisão política e na fiscalização dos
gestores públicos. (PINHO e SACRAMENTO, 2004, p.06)
A legislação brasileira é bastante clara ao destacar em seu
primeiro parágrafo (do artigo primeiro) a explicação da finalidade
da referida Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar
101/2000), que especifica o objetivo de garantir a transparência no
planejamento e execução da administração pública, conforme
descrito a seguir:
§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada
e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o
cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a
obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita,
geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras,
dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive
por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em
Restos a Pagar. (BRASIL, 2000)
Nelson Russo de Moraes | 143
Vindo ao encontro de muitas necessidades e interesses da
sociedade, a Lei de Responsabilidade Fiscal seguiu assim uma
diretriz de fortalecimento da democracia por meio da melhor
estruturação de marcos que levariam diretamente a melhor
transparência e participação, trazendo mais eficácia e eficiência à
administração pública brasileira. (MORAES, 2013). Neste sentido, a
referida legislação trouxe um amplo conjunto de normativas e
princípios alinhados à sustentação de uma melhor atuação dos
gestores públicos. Pode-se coerentemente afirmar que a Lei de
Responsabilidade Fiscal está fundamentada sobre alicerces do
planejamento, controle e publicidade.
Tonet (2001a) contribui que gestor público, diante da Lei de
Responsabilidade Fiscal, para além de ser um cumpridor de prazos
e de procedimentos previamente estabelecidos pela legislação,
necessita ter conhecimentos e mesmo habilidades que possam
contribuir para a formatação de uma nova maneira de administrar
os bens públicos, um novo modo de fazer administração pública,
mudanças que poderão trazer desgastes políticos:
É preciso muito mais, é preciso conhecimentos e habilidades para,
por exemplo, fazer surgir nas administrações públicas uma nova
cultura, onde prevaleçam valores e crenças compatíveis com os
valores postulados pela LRF, em especial o princípio da
transparência; um conjunto de competências profissionais que
facilitem uma adequada leitura dos cenários presente e futuro da
gestão, de forma a garantir hoje e sempre ações adequadas e
produtivas; uma prática centrada em vivência pessoal de situações
próprias de gestão, de forma a tornar realidade os princípios da
eficiência e da eficácia. (TONET, 2001a, p.19)
A Lei de Responsabilidade Fiscal traz uma exigência às
entrelinhas de seus artigos, que a de que a máquina administrativa
seja conduzida de maneira enxuta, planejada e não apenas alinhada
aos interesses políticos de seus gestores. Neste âmbito os
administradores públicos passam à necessidade de estarem sempre
144 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
capacitados e bem assessorados por profissionais garantidores do
cumprimento direto dos preceitos legais.
Ao tratar dos princípios gerais a serem adotados pelos
administradores públicos, a Lei de Responsabilidade Fiscal aumentou
a importância do processo administrativo da gestão pública, fazendo
com que alguns conceitos passassem a compor o cotidiano de
prefeituras, governos estaduais, do distrito federal e da união. Neste
interim passaram a ser termos comuns da nova administração
pública: metas, limites, mecanismos de compensação, relatórios,
gestão fiscal, dentre outros. (MORAES, 2013)
Contudo, o aspecto mais inovador trazido pela Lei de
Responsabilidade Fiscal foi a transparência nas ações de
planejamento e de execução financeira, sendo esta estrutura legal de
publicidade obrigatória a síntese das novas relações de participação
de controle social, em outras palavras de comunicação entre o
governo (que administra o Estado) e a sociedade.
Nos municípios menores, a interação entre o governo e a
sociedade já fazia parte da cultura local, de maneira completamente
inversa aos grandes centros e metrópoles, contudo a proximidade por
vezes observada nessas localidades (anteriormente à promulgação da
lei) não representavam, na maioria das vezes princípios de
participação ou transparência, tampouco de inserção do cidadão nas
arenas de debate acerca de políticas públicas. Assim, a Lei de
Responsabilidade Social, por não fazer acepção entre os distintos
municípios ou Estados brasileiros, se estabelece como transversal e
normalizadora, atingindo toda a administração pública brasileira.
A Lei de Responsabilidade Fiscal propôs ampla divulgação dos
meios de acesso e das prestações de contas, para que se facilitasse o
acesso da esfera civil ao campo das decisões políticas, ampliando-se
a participação e a transparência pública.
Dentre os instrumentos e ferramentas que utilizados para a
efetivação da aproximação entre a sociedade e o governo estão além
da prestação sistematizada de contas, a criação e fortalecimento de
Nelson Russo de Moraes | 145
conselhos, o orçamento participativo, a criação de administrações
regionalizadas e audiência pública. (TONET, 2001a)
A Lei de Acesso à Informação e a Lei de Transparência na Gestão
Pública
Na trilha pela instrumentalização e implementação da Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), para que
houvesse melhor entendimento e aplicação da mesma, foi
promulgada, em 27 de maio de 2009, a Lei Complementar nº 131,
chamada de Lei da Transparência na Gestão Pública (MORAES,
2013). Segundo Moraes (2013), a lei com apenas três artigos, ajustou
a aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, modificando de modo
profundo os artigos IX (“da transparência, controle e fiscalização”)
e X (“disposições finais e transitórias”).
O artigo 1º da Lei da Transparência modificou o artigo 48 da Lei
de Responsabilidade Fiscal, passando a ser válido o seguinte texto:
Parágrafo único – a transparência será assegurada também
mediante:
I – incentivo à participação popular e realização de audiências
públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos
planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da
sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre
a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de
acesso público;
III – adoção de sistema integrado de administração financeira e
controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo
Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A. (BRASIL, 2009).
Importante destacar que na Lei de Responsabilidade Fiscal
(Lei Complementar nº 101/2000) era transparência era exigida sim,
contudo apenas como instrumento de promoção da participação dos
cidadãos, especialmente durante a elaboração dos planos, diretrizes
ou orçamentos. Neste sentido, a Lei da Transparência (Lei
146 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Complementar 131/2009) trouxe a obrigatoriedade de que o gestor
público passasse a publicar muitos outros atos da administração
pública, introduzindo a rede mundial de computadores (internet)
como plataforma obrigatória.
Contribui para este entendimento, que a Constituição Federal
do Brasil, traz no seu artigo 37, parágrafo primeiro, importante
marco jurídico para a publicidade da administração pública:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte:
§ 1º - A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e
campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo,
informativo ou de orientação social, dela não podendo constar
nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal
de autoridades ou servidores públicos. (BRASIL, 1988)
Neste sentido, estabeleceu-se o direito dos cidadãos ao
conhecimento dos atos da administração pública, instrumentalizandose de modo efetivo o controle social sobre o Estado, importante pilar
da democracia representativa. Um destaque importante desta lei é
que, com a finalidade de melhorar o entendimento ou a
compreensibilidade das informações publicadas, introduziu-se o
caráter educativo, informativo ou de orientação social das publicações
exigidas pela Constituição Federal. (MORAES, 2013)
A Constituição Federal de 1988 fortaleceu a democracia
brasileira em muitos aspectos, dentre eles a ampliação da
importância do conhecimento do cidadão dos atos do governo.
Sobre isso, Binenbojm (2009, p.05) destaca que “democracia é o
regime do poder invisível em oposição aos regimes totalitários onde
a regra é o segredo de Estado e controle da informação com um dado
oficial” e sobre essa publicidade no regime democrático, assevera:
A publicidade é, assim, instrumento essencial do regime democrático,
a fim de que o povo possa acompanhar pari passu o desenvolvimento
Nelson Russo de Moraes | 147
das atividades administrativas, seja para a defesa dos interesses
individuais (uti singuli), seja para a promoção de interesses públicos
(uti universi). A publicidade constitui, ainda, pressuposto necessário
da transparência administrativa, visto que o trato da coisa pública
não pode ser secreto, reservado, acessível apenas a determinados
grupos hegemônicos. (BINENBOJM, 2009, p. 05)
Com relação ao alcance e à amplitude da legislação, a
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 70, sobre a obrigação
de prestar contas, estabelece:
Qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize,
arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens ou
valores públicos ou pelos quais a União responda ou que, em nome
desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (BRASIL, 1988)
Assim, no Brasil, todos os administradores públicos devem
obedecer ao princípio da publicidade, zelando pela prestação de
contas à sociedade, de acordo com as legislações específicas que o
impelem a responder ao Poder Legislativo e ao público diretamente,
sendo que estes podem se apoiar nas estruturas formais do Poder
Judiciário. (MORAES, 2013).
Como sanção direta ao infrator (no caso o administrador ou
gestor público que não atende aos princípios da publicidade
expresso na lei), a legislação traz multas e impetração de processo
civil por improbidade administrativa. Este campo da legislação é
demarcado em sua origem pelo artigo 5º, inciso XXXIII, da
Constituição Federal de 1988:
Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob a pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da
sociedade e do Estado. (BRASIL, 1988)
Com a promulgação da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar nº101/2000) e do detalhamento trazido pela Lei de
148 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Transparência Pública (Lei Complementar nº131/2009), a
publicidade dos atos da administração pública recebeu um impulso
importante no Brasil, alterando substancialmente o modo de se
fazer a administração pública, como aquele como o cidadão se
relacionava com o governo e o Estado.
Entendendo que a transparência é um princípio da gestão
fiscal, a legislação brasileira estabelecendo-a como condição
indispensável à correta administração pública. Neste sentido, Cruz
et al (2001, p. 183) destaca:
A transparência na gestão fiscal é tratada na Lei como um princípio
de gestão, que tem por finalidade, entre outros aspectos, franquear
ao público o acesso a informações relativas às atividades
financeiras do Estado e deflagrar, de forma clara e previamente
estabelecida, os procedimentos necessários à divulgação dessas
informações. (CRUZ et al, 2001, p.183)
Cruz et al (2001) destaca que a transparência pública, sendo
tomada como importante princípio de gestão fiscal, deve ser
estabelecida e cobrada como instrumento de cidadania em prol da
publicidade e da compreensibilidade das informações. Neste
sentido, o princípio da transparência é mais amplo que o da
publicidade, afinal a divulgação de informações incompreensíveis
não pode ser tomada como transparência. (MORAES, 2013).
Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei
Complementar 101/2000), que consolida esforços e legislações
acerca da eficiência de gestão da administração pública, traz, no
artigo 48, os instrumentos de consolidação da transparência na
administração pública:
São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será
dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso
público: os planos, orçamentos e lei de diretrizes orçamentárias; as
prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório
Resumido de Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal;
e as versões simplificadas desses documentos. (BRASIL, 2000)
Nelson Russo de Moraes | 149
O administrador público deve atentar para a observância dos
prazos para a publicação das informações pedidas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, sendo que anualmente a Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDB) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) devem ser
publicadas em veículos de comunicação (especialmente a internet).
Já os Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO) são
bimestrais enquanto os Relatórios de Gestão Fiscal (RGF) são
quadrimestrais.
A nova legislação (Lei Complementar 131/2009) traz ainda a
obrigatoriedade da apresentação – em tempo real – das execuções
financeiras, sendo que ao final do inciso II do Parágrafo Único do
novo artigo 48, a lei estabelece claramente que a publicação deve ser
feita na rede mundial de computadores - internet.
A Lei Complementar 131 (de 2009), ao disciplinar a utilização
da internet, destaca ao final do inciso III do Parágrafo Único do
artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que um sistema
integrado de administração financeira e controle, a ser estabelecido
por legislação específica, garantirá padrão de segurança e de
qualidade à publicação. (MORAES, 2013).
Apenas ao chegar o prazo estabelecido pela lei (LC 131/2009)
para o início do atendimento de suas exigências de publicação de
prestações de contas na internet (em especial a pormenorização de
despesas efetuadas) foi publicado o Decreto Presidencial nº 7.185 (de
27 de maio de 2010) esclarecendo que “tempo real”, para efeitos da
Lei de Transparência Pública (LC 131/2009), seria considerado até o
1º dia útil subsequente a efetivação da despesa. Como destaca o § 2º
do art. 2º do Decreto 7.185:
§ 2º Para fins deste decreto entende-se por:
[...]
II – Liberação em tempo real: a disponibilização das informações,
em meio eletrônico que possibilite amplo acesso público, até o
primeiro dia útil subsequente à data do registro contábil no
respectivo sistema, sem prejuízo do desempenho e da preservação
150 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
das rotinas de segurança operacional necessários ao seu pleno
funcionamento. (BRASIL, 2010)
Por fim, destaca-se, acerca das leis que tratam da
transparência na gestão pública brasileira, a promulgação da Lei
12.527, de 18 de novembro de 2011, denominada Lei de Acesso à
Informação, que impele a ampliação da transparência de atividades
dos três poderes e todos os seus níveis. O objetivo central da referida
legislação é o de deixar estabelecido e claro que as informações
devem sempre estarem publicadas e disponíveis, salvo por exceções
expressas por legislações específicas. (MORAES, 2013)
Moraes (2013) destaca que a Lei de Acesso à Informação (Lei
12.527/2011) parte da garantia constitucional do direito à
informação, tornando a publicidade uma regra e o sigilo uma
exceção e que os procedimentos práticos decorrentes desta lei
servem para facilitar a promoção da transparência e do controle
social sobre o Estado.
Teoria da Democracia e Teoria da Comunicação: aproximações
Resgatando-se um olhar presente às produções científicas das
décadas de 1980 e ainda de 1990, considerava-se que a convergência
entre aspectos da necessária reconstrução do interesse cívico do
cidadão por uma esfera política que o representasse, mas que se via
permeada pela elevação de interesses privados sobre os públicos –
corrupção. À esta condição de busca de caminhos pelos estudiosos da
Teoria da Democracia, o fenômeno da internet trazia algumas
possibilidades de aumento da participação e consequente legitimidade
da administração pública, quer seja por meio da participação nos
debates de temas públicos, quer seja pela instituição de instrumentos
mais efetivos de controle social sobre o Estado. (MORAES, 2013)
O entendimento acerca da comunicação e a representação nos
regimes democráticos, perpassara pela compreensão da relação
entre a esfera pública e a publicidade, sobre isso Gomes (2008)
Nelson Russo de Moraes | 151
apresentam suas diferenças e suas aparentes interligações como
duas faces de uma mesma moeda: a primeira sobre os aspectos da
“visibilidade pública” e a segunda acerca da “discussão pública”. Os
autores destacam que não se trata apenas de apresentar as
informações, mas sim de um processo de esclarecimento de que
existe um jogo estabelecido na arena política consolidado pela
comunicação neste campo. (MORAES, 2013)
Considerando-se as possibilidades de complementação e
atendimento de demandas de participação e controle trazidas pela
chamada crise de participação da democracia, as novas perspectivas
de interface que seriam construídas entre o Estado e a internet
seriam sustentadas pela necessidade de avançar no sentido de
aumentar as possibilidades de participação civil na esfera de decisão
política e que esse viés poderia aliviar as exigências hoje atribuídas
à democracia participacionista ou deliberacionista. (MORAES, 2013)
A interface entre o Estado e a internet trouxe consigo a criação
de diversas ferramentas digitais que foram criadas ou ajustadas ao
grande conjunto de ações de prestação de serviços passíveis de
mediação pela internet e mesmo de comunicação de contas,
aproximando o cidadão das decisões políticas, vislumbrando-se
novas possibilidades, conforme destaca Norris (2001):
A internet pode servir a múltiplas funções: divulgação de informações
sobre o funcionamento da administração pública, bem como dos
serviços públicos, facilitando mecanismos de feedback público, tais
como e-mails para as agências governamentais, permitindo uma
maior participação direta no processo decisório, incluindo exercícios
de consultas locais, e fornecendo apoio direto para o processo
democrático, tais como a administração eficiente para o registro
eleitoral ou a votação on-line. Existe uma preocupação generalizada
de que o público tenha perdido a confiança no desempenho das
principais instituições do governo representativo, e esperasse que um
governo mais aberto e transparente, e um serviço de distribuição
mais eficiente possam ajudar a restaurar a confiança pública
(NORRIS, 2001, p. 113, traduzido)
152 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Segundo Moraes (2013), ao analisar o plano teórico desta
convergência, observa-se que a comunicação política deixou de
servir apenas para mediações em processos eleitorais ou consultas
públicas, aportando-se em possibilidades de interfaces mediadas
pela tecnologia.
Prado (2009) destaca que, a administração pública brasileira
passou a ser fortemente marcada pela informatização,
implementando-se muitos programas de estruturação do governo
durante o período de reforma do Estado, sendo que o objetivo
central era elevar os índices de eficiência nos trâmites internos do
governo, desburocratizando-os.
Prado (2009) destaca que uma segunda etapa da utilização da
internet na administração pública foi a apropriação das
possibilidades digitais melhorando os serviços diretamente
desenvolvidos junto à população. Esta nova estrutura trouxe a
ampliação de níveis de qualidade de serviços e de uma imagem de
melhor credibilidade junto aos cidadãos. Sobre o governo eletrônico,
assevera Prado (2009):
O governo eletrônico pode ser um dos mais importantes
instrumentos à disposição dos governos para promoção da
transparência. Para que o mesmo se concretize como instrumento
efetivo de transparência, é necessário, no entanto, a existência de
condições político-institucionais que favoreçam a transparência.
(PRADO, 2009, p.121)
Para além da melhoria dos serviços (governo eletrônico), a
promoção e a instrumentalização da participação do cidadão junto à
esfera de decisão política traz efeitos benéficos à democracia, como
afirma Perez (2009):
A participação popular no Estado de Direito, ademais, representa
um avanço nas formas de controle da Administração. Através dos
institutos de participação, a coletividade passa a fiscalizar
ativamente os desvios e abusos eventualmente cometidos pela
administração pública. (PEREZ, 2009, p.62).
Nelson Russo de Moraes | 153
Moraes (2013) destaca que o controle cognitivo do cidadão
sobre o Estado, de maneira geral, surge a partir do amadurecimento
da sociedade quando esta tem seu engajamento cívico ampliado,
inclusive ampliando-se o desejo de municiar-se de informações para
que se possa cobrar maior responsividade dos gestores públicos e
até mesmo interferir nas decisões políticas, inclusive nas eleições. A
democracia, fortalecida pela teoria da comunicação, é então o berço
seguro do controle social sobre o Estado, onde as pessoas podem (de
acordo com sua livre vontade) acompanhar as contas da gestão
pública ou ainda delegar tal função, por meio de sua filiação a uma
associação ou instituição de transparência pública.
A accountability é outro importante desdobramento do
amadurecimento da sociedade, fortalecendo-se em muito à
proporção em que o cidadão passa a ter acesso às informações sobre
a gestão pública. No Brasil, este acesso às informações da
administração pública passara a se consolidar a partir das
regulações pós Constituição Federal de 1988, como a Lei de
Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04 de maio
de 2000) e a Lei da Transparência na Gestão Pública (Lei
Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009).
Conforme Silva (2009), a accountability (ou responsividade)
pode ocorrer de maneira horizontal quando instrumentos
institucionais ou do próprio Estado (controle interno, Ministério
Público, Tribunal de Contas etc.) realizam a cobrança de prestações
de contas e os gestores assumem responsividade, ou de maneira
vertical, quando a própria sociedade aprova ou reprova as decisões
políticas dos gestores públicos.
A pressão da sociedade para que a administração pública se
torne mais eficiente e transparente para além dos princípios
constitucionais estabelecidos, passa a se efetivar neste momento
onde a internet traz rápida comunicação, instrumentalizando os
cidadãos pudessem fiscalizar, cobrar, denunciar e expor elementos
e resultados de gestão.
154 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Ao final desta comunicação é importante trazer Rousiley Maia
(2008) que trata de publicidade e visibilidade midiática destacando
que a publicidade pode ser entendida como o “caráter e qualidade
do que é público, a propriedade das coisas na medida em que estão
visíveis e disponíveis para o conhecimento comum” (MAIA, 2008,
p.167). Assim, a possibilidade facilitada pelo acesso digital, de
denúncia realizada pelo cidadão comum (isolado ou organizado)
instrumentaliza-o a assumir um papel mais dinâmico, conduzindo a
sociedade civil ao exercício de aproximação da esfera de decisão
política. Reafirmando a importância da qualidade da publicidade
para que o cidadão consiga ter a compreensão, fechando-se um
processo exitoso de comunicação, Sant’ana (2009) destaca como
essa instrumentalização pode contribuir para o fortalecimento da
democracia:
Fazendo parte, de forma mais direta do processo de gestão, os
cidadãos e as organizações não governamentais podem ter mais
claramente delineada a possibilidade de definição de
responsabilidades e responsabilização de atos ilícitos ou
irregularidades no uso de recursos públicos, participando, assim,
do controle e acompanhamento dos atos dos agentes públicos, bem
como, da fiscalização realizada por outras esferas do poder público.
(SANT’ANA, 2009, 40)
Moraes (2013) destaca que a responsabilização de agentes
públicos por suas atitudes indevidas de gestão encontra sustentação
no sistema de controle social sobre o Estado, nos quais os mecanismos
se estabelecem sobre duas possibilidades: os mecanismos de
accountability verticais (aqueles que se fundamentam pela sociedade
sobre o Estado) e aqueles de accountability horizontais (por
instrumentos da própria esfera pública).
Por fim, Moraes (2013) descreve que o encadeamento ideal
que aproxima a esfera civil da esfera de decisão política, apoiandose à teoria da comunicação, seria expressada por: 1.prestação de
contas públicas, 2. transparência na publicidade das contas -
Nelson Russo de Moraes | 155
facilitada pela internet -, 3. controle cognitivo da sociedade por meio
de acompanhamento de relatórios fiscais e orçamentários, 4.
Accountability.
Assim, esta comunicação evidencia o quanto a teoria da
comunicação contribui para o aumento da participação e do controle
social sobre o Estado, o que vale dizer sobre a democracia. Contudo,
ainda assim, muito se tem a caminhar o sentido de que a democracia
se torne tão robusta no Brasil ao ponto de se ter uma plena
participação do cidadão na condução e controle das ações da esfera
de decisão política.
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Capítulo 8
As imagens dos povos indígenas
representadas em charges:
preconceitos velados através
do “efeito de terceira pessoa”
Adriano Alves da Silva1
André Demarchi2
Introdução
Os povos que, por um equívoco da colonização são chamados
indígenas3, carregam, por mais de cinco séculos, uma imagem
identitária construída por discursos supressores. Esses que são
forjados pelo etnocentrismo colonialista, que, através de
prerrogativas exploratórias e raciais, sustentam argumentos que
legitimam suas violentas investidas aos povos que dominam
Mestrando em Comunicação e Sociedade pelo PPGCOM – UFT. Bacharel em Comunicação Social pelo
Centro Universitário Luterano de Palmas. Possui MBA em Comunicação empresarial e Marketing. É
professor na Faculdade Católica do Tocantins. E-mail: agencia.adriano@gmail.com.
1
2
Doutor em Antropologia Cultural pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor e pesquisador na Universidade Federal do
Tocantins, onde leciona no curso de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em
Comunicação e Sociedade. É membro do Núcleo de Estudos e Assuntos Indígenas (NEAI) e tutor do
Grupo PET Indígena – Conectando Conhecimentos. Realiza pesquisas com os povos Mebengôkre
(Kayapó), Apinajé e Xerente. Email: andredemarchi@gmail.com.
3
Embora entendamos a diferença entre os termos: índio e indígena, apresentados por Castro (2017)
em seu texto “Involuntários da Pátria”, neste trabalho, visando facilitar a leitura, utilizam-se como
sinônimos que se referem aos povos das etnias que já estavam presentes nos territórios brasileiros na
época da colonização, e que até hoje resistem às modernidades e transformações do mundo.
160 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
(MEMMI, 1977). Ao referir-se à violência, não são restringidas
apenas ao dolo físico, mas também à “violência simbólica”, que é
fruto dos discursos generalizantes e que sorrateiramente circulam
no imaginário coletivo. Como afirma Bourdieu (2004), a violência
simbólica é construída pela legitimação de discursos dominantes
que causam danos morais e psicológicos aos que dela sofrem.
Neste artigo, busca-se primeiramente discutir as imagens dos
povos indígenas representadas através de charges, no intuito de
problematizar os sentidos discursivos das ideias equivocadas sobre
os povos indígenas que permeiam o senso comum. Em seguida,
investiga-se a presença do preconceito sobre os povos indígenas
através da hipótese do “efeito de terceira pessoa”, por meio de uma
pesquisa quali-quantitativa. Através das análises apresentadas,
constata-se que as charges com uma linguagem crítica de protesto,
mesmo sendo criadas em favor de suas causas, carregam
estereótipos, causam polissemias, e disseminam para o senso
comum “ideias equivocadas” sobre os povos indígenas, trazendo à
tona preconceitos silenciadores evidenciados através do efeito de
terceira pessoa.
O referencial que embasa esse artigo se sustenta na análise de
conteúdo, que visa categorizar os sentidos discursivos presente nas
imagens. Vale-se, ainda, da análise do discurso de matriz francesa
para identificá-los, já que, em seus pressupostos, é negada a ideia de
sujeito cartesiano, que detém a origem e o sentido da mensagem. Ao
contrário, entende que o sujeito não controla a interpretação
fundada pela ideologia e pelo inconsciente. Segundo Pêcheux (1977),
o contexto sócio histórico faz parte da construção de sentidos de um
já-dito, que é sempre ressignificado. E é exatamente na
ressignificação de sentidos do “já-dito” que é possível encontrar
motivação para levantar a hipótese de que as charges criam
distorções de sentido que cristalizam estereótipos generalizantes,
neste caso específico, o preconceito para com os povos indígenas.
Ao trabalhar a relação interétnica mediada por imagens entre
índios e não índios, é necessário evocar os conceitos da antropologia
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 161
contemporânea que transcendem a abordagem da arte como
sistema simbólico ou linguístico embasado na semiótica. Como
afirma Demarchi (2009), a chamada “antropologia da arte” surge
com novos questionamentos que não se limitam a responder o que
a arte e as suas imagens representam para a sociedade, mas sim,
como a sociedade absorve e interage com elas. A antropologia da
arte, entre outras questões, procura responder:
[...] para onde determinado índice ou objeto de arte aponta? Que
elementos estão envolvidos nessa capacidade do objeto em mediar
e produzir relações sociais? Como a forma do objeto age
cognitivamente sobre as pessoas? Por que isso ocorre? (GELL,
1996, apud DEMARCHI, 2009, p. 183).
Quando se passa a considerar a arte como agente cognitivo e
social, pode-se compreender que a dimensão que ela atua vai muito
além das representatividades estéticas e enunciativas. Por sua vez,
elucidam contextos sociais de intencionalidades complexas.
Fundamentado nessas correntes teóricas, o artigo faz uma
triangulação com a hipótese do Efeito de Terceira Pessoa elaborada
por Davison (DAVISON, 1983), pesquisada, discutida e
sistematizada principalmente por Perloff(1993) e PÔRTO (2009),
objetivando assim, investigar a presença do fenômeno através da
percepção das charges.
Assim, espera-se provocar um diálogo acerca da
representação das imagens dos povos indígenas em charges
metodologicamente pinçadas através do buscador de imagens do
Google4, procurando identificar em um primeiro momento, se existe
nessas imagens a presença de estereótipos e discursos
generalizantes.
Em um segundo momento, toma-se como base as teorias
contemporâneas da comunicação, para realizar uma pesquisa de
Busca de imagens pelo termo/palavra-chave: “charge indígena”, no dia 19/04/2018. Método
explicitado mais adiante.
4
162 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
opinião que procura investigar a existência de preconceito velado
para com os povos indígenas através da presença do “Efeito de
Terceira Pessoa”, onde a percepção dos efeitos negativos das
mensagens exerce mais impacto nos “outros” (others) do que sobre
em si mesmo (self). Para Perloff(1993), o efeito da terceira pessoa
tende a surgir quando as mensagens não são percebidas como
pessoalmente benéficas. No caso dessa pesquisa, não são
necessariamente mensagens midiáticas pontuais, mas sim, toda
uma relação interétnica preconceituosa, construída ao longo dos
últimos cinco séculos, e que por meio das charges e dos
interdiscursos que carregam, nos possibilita visualizar e mensurar
o fenômeno.
As charges
Sobre charges, é válido citar o conceito de Agostinho (1993, p.
229), que diz que “charge se constitui realidade inquestionável no
universo da comunicação, dentro do qual não pretende apenas
distrair, mas, ao contrário, alertar, denunciar, coibir e levar à
reflexão”. O que norteia nesse sentido é a função social atribuída a
ela, pois assim como acrescenta Miani (2001, p.42), a charge possui
a qualidade:
[...] de se constituir como instrumento de persuasão, intervindo
no processo de definições políticas e ideológicas do receptor,
através da sedução pelo humor, e criando um sentimento de
adesão que pode culminar com um processo de mobilização.
Ao que cabe ao humor, é necessário esclarecer o que está
apresentado no livro organizado por Serra (2014): “O que é Humor
Gráfico?”, segundo o qual, charge, cartum ou cartune é o “desenho
humorístico” ou “desenho anedótico”. Um gênero textual formado
pelo hibridismo da linguagem verbal e não verbal, cuja
representação gráfica é associada ao criticismo e comicidade.
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 163
As narrativas dos discursos satíricos empregadas nas charges
apresentam-se ligadas ao resultado de diversos contextos
temporais, e isso serve de matéria-prima para criação de imagens
carregadas de subjetividades. Segundo Oliveira (2001, p. 265), “é a
partir de fatos e acontecimentos reais que o autor tece sua crítica
num texto5 aparentemente despretensioso”. É principalmente em
situações de crise social que a charge ganha mais força. Conforme
Liebel (2005), a charge, sendo uma representação artística, faz um
corte transversal no tempo expondo elementos que provocam
alguma ruptura na normalidade histórica e, por isso, merecem uma
crítica. É, portanto, um artefato carregado de ideias e preconceitos
do seu autor/desenhista em dado momento histórico temporal. O
próprio nome, “charge”, que é de origem francesa, significa
“carregar” ou “exagerar”. Em muitos casos, como será exposto aqui,
esse exagero aparece na forma de preconceitos ou ideias
equivocadas.
A edição do volume 2 da série “Media Effects: ensaios sobre
teorias da Comunicação e do Jornalismo”, organizada por Baptaglin,
Moraes, Oliveira e Pôrto Jr (2018),traz publicações de artigos que
coincidem com a linha de pensamento aqui proposta, como é o caso
do capítulo 11 intitulado “Charges e habitação: uma análise de
imagem e discurso”, onde os autores Biavatti, Ertzogue, Meneses e
Oliveira (2018),ao trazerem o contexto jornalístico das charges,
salientam tratar-se de um gênero textual comumente utilizado
como ferramenta ideológica ligada à linha editorial do veículo
jornalístico em que é publicado.
Nesse recorte, onde os povos indígenas são protagonistas dos
conflitos das charges, os contextos temporais, de tão recorrentes,
acabam tornando-se “atemporais”, e, dessa forma, podem se
conectar involuntariamente com os equívocos que se fazem sobre os
índios, operacionalizando e legitimando discursos que forjam
5
A ideia de texto aqui apresentada, toma os preceitos de July (2007), que inclui as charges como gênero
textual híbrido composto de mensagens escritas e mensagens visuais, linguagem verbal e não verbal.
164 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
identidades com intuito de silenciamento. A charge, mesmo sendo
criada para protestar e favorecer a causa que defende, através do
deslocamento de sentidos, pode vir a se tornar uma ferramenta
contrária à essa.
As ideias equivocadas sobre os índios
Uma das ideias equivocadas mais disseminadas entre os
diversos extratos da população brasileira diz respeito ao “índio
genérico”, que ignora a diversidade étnica, linguística e cosmológica
desses povos. Isso acaba estereotipando a sua representação, isso é,
cristalizando um estereótipo fixo, aquele de um índio seminu na
floresta com uma pena na cabeça. Outra ideia equivocada trata de
considerar a cultura dos povos indígenas como atrasada (FREIRE,
2002).
Conforme Memmi (1997), o etnocentrismo da colonização
forjou essa ideia, forçando o colonizado a se adequar dentro de seus
padrões. Caso contrário, o índio seria tido como um selvagem
atrasado no tempo, justificando assim as violentas investidas de sua
colonização. O terceiro equívoco apresentado por Freire (2002) é de
que as culturas indígenas são congeladas, ou não se modificaram
com o tempo. A quarta ideia equivocada trata os índios como
pertencentes ao passado:
Os portugueses, primeiro, e depois os brasileiros, durante cinco
séculos acreditaram que os índios eram atrasados e que
portugueses e brasileiros representavam a civilização. Portanto, a
nossa obrigação era civilizá-los, ou seja, fazer com que eles
deixassem de ser índios e passassem a ser como nós. Ocorreu um
verdadeiro massacre durante esses 500 anos, com o extermínio de
muitas etnias. Os índios ficaram relegados, como pertencentes a
um passado incômodo e distante do Brasil. (FREIRE, 2002. p. 18).
O autor finaliza com o quinto equívoco partilhado pelo senso
comum, que fala que o brasileiro não é índio. Freire (2002) esclarece
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 165
que os brasileiros foram formados apenas há 500 anos com a
miscigenação de três matrizes principais: a matriz europeia,
principalmente a portuguesa, a matriz africana e por fim, a matriz
indígena, somando-se a essas, outras origens menos expressivas,
como a asiática.
No entanto, como os europeus dominaram política e militarmente
os demais povos, a tendência do brasileiro, hoje, é se identificar
apenas com o vencedor – a matriz europeia – ignorando as
culturas africanas e indígenas. Isso reduz e empobrece o Brasil,
porque você acaba apresentando aquilo que é apenas uma parte,
como se fosse o todo. (FREIRE, 2002. p. 20).
Isso explica por que é possível notar pessoas que se
vangloriam de descendências europeias, mas não reconhecem a
miscigenação indígena. O autor acrescenta ainda que não se trata de
traços físicos como a cor da pele ou dos olhos, pois o descendente
japonês nascido em São Paulo é brasileiro também. Sua cultura,
como qualquer outra, modificou-se no decorrer da história, assim
como se modificaram as culturas indígenas.
Demarchi e Morais (2015) complementam as ideias
apresentadas por Freire (2002), acrescentando mais algumas
opiniões equivocadas sobre os povos indígenas, como por exemplo,
a imagem do “índio preguiçoso”. O que para os índios fora tido como
uma estratégia de resistência contra a escravidão, pelos
colonizadores é interpretada como preguiça. Outro absurdo é a
suposição de que eles gozam de regalias perante a legislação, ou seja,
são considerados “hiper-cidadãos”. O que está diretamente ligado a
ideia do “índio preguiçoso”. Segundo Castro (2017), essa percepção
de regalias estatais é uma falácia, e a verdade que se esconde por
trás da “cidadania indígena” é muito mais sórdida do que se pensa.
“O Estado brasileiro e seus ideólogos sempre apostaram que os
índios iriam desaparecer, e quanto mais rapidamente melhor;
fizeram o possível e o impossível, o inominável e o abominável
para tanto. Não que fosse preciso sempre exterminá-los
166 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
fisicamente para isso — como sabemos, porém, o recurso ao
genocídio continua amplamente em vigor no Brasil —, mas era sim
preciso de qualquer jeito desindianizá-los, transformá-los em
“trabalhadores nacionais”. Cristianizar-los, “vesti-los” (como se
alguém jamais tenha visto índios nus, a esses mestres do adorno,
da plumária, da pintura corporal), proibir-lhes as línguas que
falam ou falavam, os costumes que os definiam para si mesmos,
submetê-los a um regime de trabalho, polícia e administração.
Mas, acima de tudo, cortar a relação deles com a terra. Separar os
índios (e todos os demais indígenas) de sua relação orgânica,
política, social, vital com a terra e com suas comunidades que
vivem da terra — essa separação sempre foi vista como condição
necessária para transformar o índio em cidadão. Em cidadão
pobre, naturalmente. Porque sem pobres não há capitalismo, o
capitalismo precisa de pobres, como precisou e ainda precisa de
escravos.” (CASTRO, 2017. p. 5).
É partilhado ainda o conceito equivocado de que “os índios
são camponeses”, ignorando suas especificidades culturais, bem
como o direito de ocuparem suas terras da forma como bem
entenderem. Essa é uma ideia que reforça a opressão dos discursos
ruralistas que argumentam a existência de “muita terra para pouco
índio”, e que essas são improdutivas, que desdobra na percepção de
que as terras indígenas são “latifúndios improdutivos”. Por fim, um
equívoco sorrateiro que expropria a voz singular e política das
populações indígenas é acreditar que esses sujeitos não pensam por
si, sendo objeto de manobra de antropólogos, organizações, ONGs,
etc. (DEMARCHI; MORAIS, 2015).
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 167
Figura 1. Infográfico representando as ideias equivocadas sobre os
indígenas apresentadas pelos autores.
Fonte: Elaborado pelos autores
Esses discursos atravessam as identidades que são forjadas e
que acabam por estereotipar o campo social dos povos indígenas,
cristalizando conceitos equivocados que são partilhados pelo senso
comum, o que o autor denomina “pensamento espontâneo”
(BOURDIEU, 2004). Vale ressaltar que todos esses equívocos são
veemente refutados pelos autores que as apresentam, com
argumentos sensatos e embasados.
Metodologia
A problemática da legitimidade do campo da comunicação
como ciência possui especificidades complexas, visto que os
processos, linguagens, tecnologias e práticas constituídas no interior
do campo são múltiplas, como por exemplo, o fato de serem
costumeiramente atreladas a outros campos da ciência para
defender suas bases empíricas. Nesse contexto, segundo Fausto Neto
(2002), pode-se acrescentar que grande parte do problema de
legitimação do campo da comunicação está na fragilidade
metodológica em que se debruçam os estudos de seus objetos.
Grosso modo, não é de interesse desse estudo aprofundar
questões epistêmicas da legitimidade do campo comunicacional,
mas sobretudo, salientar que grande parte da responsabilidade da
legitimação do campo advém da clareza e precisão metodológica em
que se recorta e examina o objeto. Nesse caso, busca-se construir
168 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
uma linha de pensamento através do que postula o método da
Análise de conteúdo, no que diz respeito ao recorte, análise,
exploração do material, tratamento de dados, e, sobretudo, da sua
categorização, buscando uma interpretação pertinente com o
propósito da pesquisa, assegurando assim a sua cientificidade.
Reconhece aqui que a busca da cientificidade reflexiva que
advém da análise do discurso francesa e de métodos qualitativos,
muitas vezes subjetivos, não deve ser reduzida ou comparada com
métodos quantitativos. Pelo contrário, precisa firmar o seu lugar de
fala no campo comunicacional. Com isso, não se deve furtar ao
direito de apropriar de tão profundas estratégias analíticas em busca
de respostas plausíveis que traduzam de forma clara os anseios do
problema de pesquisa, mesmo sabendo que essa análise não passa
de uma interpretação do ponto de vista dos autores. Na verdade, o
que se busca é problematizar a construção de sentidos implícitos nas
charges, com a hipótese de que esses, involuntariamente, colaboram
para a perpetuação de preconceitos.
O recorte do Objeto
Visando obter uma multiplicidade na amostragem de charges
que compõe o corpus da análise, evitou-se escolher arbitrariamente
determinado artista, ou charges de determinados veículos. Optouse por realizar uma pesquisa imagética no buscador do Google,
utilizando como palavra-chave o termo “Charge Indígena”, pesquisa
feita simbolicamente no dia 19 de abril de 20186. Surgiram 99
imagens, porém, as imagens oriundas de buscadores nem sempre
são coerentes com o termo da busca7, por isso, foram criados três
6
No Brasil o dia do índio foi promulgado em 1943 através do decreto de lei número 5.540 pelo então
presidente Getúlio Vargas. A nível internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) também
criou o Dia Internacional dos Povos Indígenas (9 de agosto) para conscientizar os governos e população
mundial sobre a importância de preservar e reconhecer os direitos dos indígenas
7
Isso depende da marcação que se faz na postagem e do sistema de varredura automática de
metadados da qual se valem os buscadores. Optou-se por usar o Google por ser o mais acessado com
75,22%,
segundo
dados
de
pesquisa
Serasa
Experian.
Disponível
em:
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 169
critérios de recorte. O primeiro é que deveria ser uma charge. O
segundo critério é a presença dos termos: índio(a), índios(as),
indígena, e/ou indígenas em sua linguagem verbal. Por fim, o
terceiro critério, foi ter nas charges a presença ilustrada da
personagem indígena.
Assim, das 99 imagens, foram recortadas 18 charges que
atendiam aos critérios criados, compondo assim o corpus. O método
da análise é quali-quantitativo, visto que se pretende classificar a
ocorrência de categorias de preconceitos, bem como analisar a
forma com que são apresentados sob a ótica da análise do discurso
francesa.
A categorização exige a análise individual das imagens, que é
feita primeiramente buscando a construção do seu significado, ou
seja, a exposição do discurso dominante de cada charge, para
posteriormente classificá-la nos critérios pré-estabelecidos
(VERGARA, 2005). Com base na amostra e nas categorias prédeterminadas, foi realizada uma análise e compilação do material
com uso de uma grade mista em busca de algum critério que viesse
a se tornar em uma nova categoria, bem como estruturar as
próprias categorias apresentadas pelos autores, criando uma fusão
de categorias similares e evitando confusões epistêmicas. Foi
possível criar uma matriz com três categorias seguidas de suas
respectivas binariedades: a) Culturas atrasadas x Índio Moderno; b)
Terra indígena x Conflito agrário, e; c) Colonização x Lugar de fala.
As imagens foram cuidadosamente analisadas e categorizadas.
Visando atender a legislação e as normas que regem os
direitos autorais, limitou-se a apresentar sob a forma de “notas de
rodapé” os endereços digitais de onde se encontram as imagens. Os
resultados das análises são apresentados pelas categorias e não
individualmente.
<http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/03/google-e-buscador-mais-acessado-mas-yahoo-eo-mais-clicado-no-brasil.html> Acesso em 06 ago. 2018.
170 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Culturas atrasadas x Índio moderno
Das 18 charges, quatro imagens8 se enquadram na categoria
Culturas atrasadas, perfazendo o percentual de 22% da amostra.
As charges que fazem parte dessa categoria satirizam a ideia
de “índio moderno”, colocando como ruptura da normalidade o fato
dos povos indígenas estarem inseridos em um mundo moderno e
dele fazerem parte. É esse o motivo de riso colocado pela imagem. A
representação de um indígena, em geral, genérico, ou seja, sem
menção ao seu povo ou cultura e fazendo uso de ferramentas
tecnológicas como computadores, smartphones, jogos eletrônicos e
redes sociais, são os fatores que motivam o humor nessas charges.
Segundo Orlandi (1999), e reiterado por Biavatti, Ertzogue,
Meneses e Oliveira (2018), na análise do discurso, os artistas são os
sujeitos que tomam a fala, e esses não estão deslocados do mundo,
pelo contrário, pertencem a um determinado tempo, lugar e espaço,
e com isso, a uma determinada classe. Dessa forma, seu discurso
está carregado de interesses e ideologias. Assim, os artistas, ao
representarem de forma satirizada o índio moderno, corroboram
com a ideia equivocada de que eles pertencem ao passado, que
possuem culturas atrasadas e que de fato, a modernidade não lhes
cabe, quando na verdade, o que se vê é uma intensa apropriação dos
meios de comunicação e das tecnologias pelos povos indígenas como
forma de potencializar e irradiar pelo globo suas culturas. Sahlins
(1997), deu a esse processo o título de “Indigenização da
Modernidade”, isso é, a forma como os povos indígenas se
8
Cada link corresponde a uma das quatro imagens citadas. Acesso em 06 ago.
2018.http://2.bp.blogspot.com/-WT3Bl8w_GC8/UWDGHJAl8FI/AAAAAAAAAAo/X9gwFScpW40/
s1600/indio-2-charge-opiniao-quinta-c%C3%B3pia1.jpg
https://1.bp.blogspot.com/-25KLIEU_Jjc/VxfMwZ7fK5I/AAAAAAAAPp4/bICxEhCtmE9hz5dP2vl0lqd5v_v9vw3ACLcB/s1600/Charge%2B02.jpg
https://2.bp.blogspot.com/-VB-GQphz9iw/VxfOgId8AbI/AAAAAAAAPqc/EtairgG0iCYSm9yaJlVr
Em9qjuT2J92AACLcB/s1600/Charge%2B08.jpg
https://i2.wp.com/humorpolitico.com.br/wp-content/uploads/2012/04/dia-do-indio-190412-jarbashumor-politico.jpg?resize=400%2C253
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 171
apropriam em benefício próprio de elementos da modernidade
capitalista.
Terra indígena x Conflito agrário
Nessa categoria, foram enquadradas sete imagens9, o que
corresponde a 39% da amostra. Um número que, apesar de
significante, infelizmente não surpreende, visto que o tema é
recorrente no cenário brasileiro. O conflito envolto remete à
expropriação das terras indígenas, assim como acontece desde o
início da colonização. Como assevera Castro (2017, p.5), os
colonizadores fizeram por:
Transformar o índio em pobre. Para isso, foi e é preciso antes de
mais nada separá-lo de sua terra, da terra que o constitui como
indígena. O pobre é antes de mais nada alguém de quem se tirou
alguma coisa que tinha, de modo a fazê-lo desejar outra coisa que
não pode ter. Para transformar o índio em pobre, o primeiro passo
é transformar o Munduruku em índio, depois em índio
administrado, depois em índio assistido, depois em índio sem
terra, índio que, se insistir em ser índio, ou “voltar” a se reivindicar
índio, será um “índio falso”, um índio de jeans, um espertalhão.
Um falso índio, ou seja, um subcidadão, que jamais será um
9
Cada link corresponde a uma das sete imagens citadas. Acesso em 06 ago. 2018.
https://latuffcartoons.wordpress.com/2013/11/11/charge-ciminacional-espaco-reservado-aosindigenas-no-brasil/
https://3.bp.blogspot.com/-osXMe__HLo0/VxfONQtz_0I/AAAAAAAAPqU/8nqUPtG0VEo1DY0H5G5llI2xWuSmsx2QCLcB/s1600/Charge%2B06.jpg
http://1.bp.blogspot.com/-RlxGayEIqgU/UaGMBuxaqII/AAAAAAAAABw/a2MYOR2PGHY/s1600/Charge
EscudoGuaraniQuinho.jpg
https://4.bp.blogspot.com/-OOBRFZ68FTo/VxfM4aHoh6I/AAAAAAAAPp8/spuaH90axz4d6abvXwCh7p
LuhprAvnCqQCLcB/s1600/Charge%2B03.jpg
https://4.bp.blogspot.com/-zpdEq_fxCQQ/VxfPAC2fcHI/AAAAAAAAPqs/wh88H68TB0wQXTorQBNRQDoDITGzv2sQCLcB/s1600/CHARGE%2B11.jpg
https://mobilizacaonacionalindigena.files.wordpress.com/2013/08/charge-gleisihoffmariosan.jpg?w=474
https://mobilizacaonacionalindigena.files.wordpress.com/2013/09/ch_por240713.jpg?w=474
172 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
“branco”, mas um “mestiço”, esse prodígio de hipocrisia conceitual
que define a “identidade brasileira” — que a define na cabeça, pois
nascida da cabeça, dos Brancos brasileiros.
Para o autor, o termo “torná-los pobres” inclui: tirar-lhes as
terras, os direitos, tudo, acabar com o seu mundo, deixá-los sem
nada, até mesmo matá-los.
Quanto às questões ligadas ao conflito agrário, Demarchi e
Morais (2015) salientam que os equívocos partilhados sobre os
índios se desdobram em complexas outras teias que fazem por
surgir novos preconceitos, como por exemplo, disseminar a ideia de
índio preguiçoso. Isso fez surgir a percepção no senso comum de
que “existe muita terra para pouco índio” e que “as terras indígenas
são improdutivas”, inculcando no senso comum a ideia de
“latifúndios improdutivos”, o que dá margem e legitima a ocupação
violenta e ilegal de reservas por parte de fazendeiros vinculados ao
lucro do agronegócio.
No caso das charges dessa categoria, as imagens trazem em
comum o sujeito indígena representado de forma frágil, sempre em
situação desigual para com os seus dominantes, à margem, com
semblantes tristes, ou fragilizados pela situação. Em contraposição
a isso, cinco das sete charges trazem a imagem do ruralista
poderoso, ameaçador, fortemente armado. Não que isso não venha
de encontro ao desequilíbrio de forças existentes nos conflitos
fundiários do Brasil contemporâneo, mas, de certa forma, o que está
implícito e é dado como ponto de crítica e reflexão nesses casos, é o
fato de que supostamente lutam por uma causa perdida, ou seja, a
ruptura da realidade está na ideia de que insistem em lutar mesmo
sabendo que lutam de forma desigual. Buscam impactar o
espectador salientando a fragilidade do índio, e fazem isso
reafirmando essa condição e não propondo as estratégias de
resistência que os povos indígenas constroem na
contemporaneidade e construíram ao longo de sua história.
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 173
Colonização x Lugar de fala
Nessa categoria foram enquadradas as últimas sete10 charges
restantes, o que equivale a 39% da amostra. Dessas, quatro11 fazem
menção ao dia do índio no título, satirizando e ridicularizando o
sujeito indígena e o seu lugar de fala, trazendo os resultados cruéis
da colonização de forma pejorativa para com os indígenas, como se
fossem culpados por suas mazelas em função de uma pretensa
tolice. E isso fica claro em duas das charges dessa categoria, a
primeira delas12 traz o título: “Todo dia é dia de índio…”. Abaixo a
imagem de dois índios conversando, um deles segura um relógio na
10
Cada link corresponde a uma das sete imagens citadas. Acesso em 06 ago.
2018.https://latuffcartoons.files.wordpress.com/2012/11/genocidio-indigena-no-brasil.gif?w=590
https://4.bp.blogspot.com/-3fpAP2VXKuQ/Vyb1ZBeSudI/AAAAAAAABV0/aN5kJoH1J1MxyCbJtgGQ
b-PYOYtMfcdGgCLcB/s1600/charge_dia_do_%25C3%2583-ndio.jpg
https://3.bp.blogspot.com/-is1gjZRKIpM/Vyb1Ym-5dbI/AAAAAAAABVg/sBK1a47lyUwQj1jFviqDHkSEF06GnpmACLcB/s1600/Charge-dia-do-%25C3%25ADndio-joell-190412.jpg
https://i2.wp.com/humorpolitico.com.br/wp-content/uploads/2012/04/dia-do-indio-190412-ederhumor-politico.jpg?resize=550%2C400
https://i1.wp.com/humorpolitico.com.br/wp-content/uploads/2012/04/dia-do-indio-180412-brunohumor-politico.jpg?resize=580%2C431
https://4.bp.blogspot.com/-XerEnHZOyRk/Vyb1ZcgKpWI/AAAAAAAABV4/h3IMC1QJbx48ZNM3XY
l8SXB69PJuEDnmACLcB/s400/chargeangeli_%25C3%25ADndio%2Bantes%2Be%2Bdepois.gif
https://2.bp.blogspot.com/-touAqVdgqpE/Vyb1a6sRLWI/AAAAAAAABWM/HJUVSqrd4CAUlBy36QuLFUMhcef1NJBgCLcB/s1600/wilmarx-charge-indio-nariz_thumb2.jpg
11
Cada link corresponde a uma das quatro imagens citadas. Acesso em 06 ago. 2018.
https://4.bp.blogspot.com/3fpAP2VXKuQ/Vyb1ZBeSudI/AAAAAAAABV0/aN5kJoH1J1MxyCbJtgGQbPYOYtMfcdGgCLcB/s1600/charge_dia_do_%25C3%2583-ndio.jpg
https://3.bp.blogspot.com/-is1gjZRKIpM/Vyb1Ym-5dbI/AAAAAAAABVg/sBK1a47lyUwQj1jFviqDHkSEF06GnpmACLcB/s1600/Charge-dia-do-%25C3%25ADndio-joell-190412.jpg
https://i2.wp.com/humorpolitico.com.br/wp-content/uploads/2012/04/dia-do-indio-190412-ederhumor-politico.jpg?resize=550%2C400
https://i1.wp.com/humorpolitico.com.br/wp-content/uploads/2012/04/dia-do-indio-180412-brunohumor-politico.jpg?resize=580%2C431
12
Disponível em:
https://4.bp.blogspot.com/3fpAP2VXKuQ/Vyb1ZBeSudI/AAAAAAAABV0/aN5kJoH1J1MxyCbJtgGQbPYOYtMfcdGgCLcB/s1600/charge_dia_do_%25C3%2583-ndio.jpg Acesso em 06 ago. 2018
174 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
mão, o outro diz: “-Troquei por árvore!” O outro responde: “Mas
este Rolex é falso Cauã!”. Ao fundo dessa cena, uma floresta
desmatada. A outra charge leva o título: “Dia do índio”13, trazendo a
figura de dois índios conversando, um deles diz: “-Ouro, prata,
mulheres e pau-brasil, em troca de quê mesmo? O outro respondeu
cabisbaixo: - Espelhinhos!!”
Os dois exemplos subentendem de maneira perversa que a
colonização os passou para trás, foram enganados, que a culpa por
isso vem a ser a sua pretensa ingenuidade e não a exploração
sanguinária do colonizador. Com isso, desmerecem o lugar de fala
dos povos indígenas, ridicularizando suas posições interétnicas, os
tratando como inferiores e incapazes de ter autonomia intelectual,
reforçando assim uma imagem negativa dos povos indígenas como
ingênuos e sem capacidade de reflexão. Ignoram, portanto, séculos
de resistência e estratégias de sobrevivência criadas
imemorialmente por diversos povos indígenas brasileiros, dotadas
de uma ampla diversidade de formas de reflexividade sobre sua
condição de exploração pelos colonizadores.
Outro ponto observado nessas charges é o fato da natureza
ser tida como mercadoria, e essa é uma visão bem peculiar ao
chamado “homem branco” (um termo que por si já é pejorativo, por
isso, essa pesquisa usa o termo não índio, ou não indígena). Como,
por exemplo, uma charge do cartunista Angeli que mostra
primeiramente uma imagem de um índio na margem de um rio em
meio à natureza pescando com sua lança, e ao lado o mesmo índio
com trajes paupérrimos procura comida em um lixão, tendo ao
fundo uma cidade cinzenta repleta de prédios e indústrias14. O que
13
Disponível
em:https://3.bp.blogspot.com/-is1gjZRKIpM/Vyb1Ym5dbI/AAAAAAAABVg/sBK1a47lyUwQj1j-FviqDHkSEF06GnpmACLcB/s1600/Charge-dia-do%25C3%25ADndio-joell-190412.jpg Acesso em 06 ago. 2018.
14
Disponível em:
http://1.bp.blogspot.com/-lLUUt1Q99g/TaS9dMDqRqI/AAAAAAAAAIk/gjwNw0DU4sA/s1600/Angeli%2B%2BAntes%2Be%2BDepois.jpg
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 175
fica latente nessa charge é a forma com que a colonização objetifica
a natureza, pois o não índio vê dinheiro onde os povos indígenas
veem natureza. Quanto a isso, fala de Kopenawa e Albert (2015,
p.478) é esclarecedora:
Sua floresta é escura e fechada! É ruim e cheia de coisas perigosas.
Não lamentem por ela!. Quando tivermos desmatado tudo, vamos
dar gado para vocês comerem! Vai ser muito melhor! Vocês serão
felizes!” Mas nós respondemos: “Nossos maiores não conheciam
os animais que vocês criam. Não queremos comer animais de
criação. Achamos nojento e nos dá tonturas! Não queremos seus
bois, não saberíamos o que fazer com eles na mata. É nossa floresta
que cria desde sempre os animais e peixes que comemos. Ela
alimenta seus filhotes e os faz crescer com os frutos de suas
árvores. Ficamos felizes que seja assim. Eles não precisam de roças
para viver, como os humanos. O valor de fertilidade da terra basta
para fazer crescer e amadurecer seu alimento”. Os brancos
exterminam os animais com suas espingardas ou os afugentam
com suas máquinas. Em seguida queimam as árvores para plantar
capim. Depois quando a riqueza da floresta já desapareceu e nem
o capim cresce mais, têm de ir para outro lugar para dar de comer
ao seu gado faminto.”
As charges que são objeto de análise desse artigo usam
exclusivamente a fala do não índio para retratar os povos indígenas,
colocando-os em situação desfavorável. Buscam assim, denunciar o
fato na intenção de aliciar o leitor ideologicamente para os seus
princípios, e assim, tomam o lugar de fala dos povos indígenas.
Outro preconceito escondido nos interdiscursos das charges
analisadas está ligado ao fato de que os povos indígenas são
representados de forma parecida, pois, ao estereotipar as imagens
dos índios nas charges, fortalecem involuntariamente a ideia
equivocada do índio genérico, ignorando a diversidade cultural dos
povos indígenas. Das 18 imagens das três categorias, 17 apresentam
uma imagem recorrente dos povos indígenas: o sujeito indígena está
descalço, seminu, com arco e flecha nas mãos e/ou penas na cabeça.
A única charge que não apresenta esse estereótipo é porque não há
176 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
nela a imagem de um indígena. Desta forma, os artistas, visando
representar uma imagem visual reconhecível e facilmente
interpretável, se utilizam dos estereótipos que mais traduzem a
mensagem, e com isso, cristalizam e ridicularizam a imagem do
índio genérico e tantos outros equívocos.
Hipótese do efeito de terceira pessoa
Esse estudo também contou com uma pesquisa de opinião
pública visando investigar a presença de preconceito velado contra
os povos indígenas através da hipótese do Efeito de Terceira Pessoa
(Third-Person Effect), também conhecido por Hipótese de Davidson,
que foi o pesquisador responsável por descrevê-lo, pela primeira vez
em 1983, em um artigo publicado no Public Opinion Quarterly. A
hipótese de Davidson explica a relação entre audiência e a produção
simbólica da mídia, supondo inicialmente que as pessoas tendem a
superestimar a influência que os meios de comunicação têm em
atitudes e comportamentos de outros em detrimento de si mesmas,
ou seja, trata da percepção de que os efeitos persuasivos da
comunicação são mais fortes nos outros (Other), do que em si (self).
Os pressupostos da hipótese de Davidson ganharam
importantes desdobramentos a partir dos estudos realizados por
Perloff (1993), quando esse salienta que o fenômeno não ocorre em
todas as mensagens e para todas as pessoas, mas sim, tende a
ocorrer quando existe a percepção de que a mensagem possui cunho
negativo, como notícias que carregam teor de violência, sexo,
drogas, entre outros. Assim como o efeito tende a ser reverso
(atingir a primeira pessoa), quando a mensagem for percebida como
positiva, ou seja, quando o sujeito percebe que a mensagem é
benéfica para ele, como, por exemplo, mídia sobre antitabagismo,
segurança no trânsito, cuidados para a saúde, etc.
Estudos da psicologia social comportamentalista dos anos
1960-1970 já traziam a ideia da “preservação da autoestima”.
Segundo Pôrto Jr (2009), o que pode parecer uma conjectura óbvia
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 177
sem necessidade de pesquisas empíricas para suas deduções, pelo
contrário, para as teorias da comunicação, é objeto de análises
profundas que fazem com que os pressupostos dos efeitos
imaginados em terceiros influenciam o comportamento dos
indivíduos na primeira pessoa, e assim a hipótese caminha para se
tornar teoria.
Embora seja relativamente recente, e ainda dispor de pouco
material produzido em português, pesquisadores motivados pela
profundidade das análises e multiplicidade de aplicações, realizam
estudos com intuito de se investigar os efeitos de recepção da mídia
e seus desdobramentos, como é o caso da obra “Media Effect”, onde,
em cinco artigos, é analisado o fenômeno sob as mais diversas
aplicações e cruzamentos. Em um dos capítulos dessa publicação,
Adrian, Gomes e Pôrto Jr. (2018)debruçam-se na hipótese de
terceira pessoa, estudando a influência da mídia na promoção da
imagem da polícia militar em alunos e ex-alunos de colégios
militares do Tocantins. Constataram a presença do efeito nos dois
grupos pesquisados, e apoiando-se em Perloff (1999), salientam que
a proximidade que o grupo pesquisado tem do objeto noticiado, é
proporcional ao efeito de terceira pessoa, pois o vínculo afetivo dos
estudantes com a polícia contribui para a crença de que
“determinadas notícias veiculadas pela mídia formam uma imagem
negativa da instituição perante a opinião pública, levando inclusive
a tendências de comportamentos censurantes”. (ADRIAN; GOMES;
PÔRTO JR. 2018. p. 79).
O trabalho de Wéllida Rocha e Pôrto Jr (2018), traz os
profissionais da comunicação como grupo de análise sob o efeito da
terceira pessoa e, ao inferir sobre a censura, colocam que:
Outro aspecto que merece atenção é que os profissionais da
comunicação tem grande função social na medida em que
informam notícias de interesse público para a população.
Entretanto, deve ser levado em consideração o fato de que as
empresas de comunicação também tem seus interesses financeiros
e comerciais e buscam “vender” suas informações, mesmo que
178 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
para isso tenham que privilegiar certas notícias em detrimentos de
outras. (ROCHA; PÔRTO JR 2018 p. 93).
Os autores salientam a importância dos estudos de recepção
da mídia, visto que os dados apontam para uma forte influência
comportamental, chegando a índices consideráveis quando se trata
de interferir ou censurar conteúdos considerados violentos,
pornográficos, controversos ou inúteis.
Em outro capítulo da mesma obra, Ferreira e Meneses (2018),
recortam o público dos produtores audiovisuais para analisar o
fenômeno e constata que o indivíduo, uma vez inserido no campo,
se percebe imune aos discursos, e que 63,6% da amostra concordam
em haver algum tipo de controle/censura nos conteúdos produzidos
e veiculados na TV aberta e fechada. Os autores se confessam
surpresos ao atestarem que existe, em algum nível, o
conservadorismo censor por parte daqueles que paradoxalmente
lutam pela liberdade de expressão.
Quando passamos para o tópico da censura chegamos a
inesperadas conclusões. O campo profissional, que hoje em dia
ecoa pelos quatro cantos do país a luta pela liberdade artística,
chega a ser conservador quando em algum momento levantamos
a questão de permitir algum nível de análise ou filtragem de
conteúdos. (FERREIRA; MENESES. 2018. p.116)
Embora não seja o foco dessa pesquisa analisar o
comportamento censurante, o paralelo que se faz com esses dois
últimos artigos é o fato de que os sujeitos pesquisados serem ambos
profissionais da comunicação ligados à produção de conteúdo, assim
como o ilustrador chargista também é.
O sexto capítulo do livro, traz a pesquisa de Oliveira, Okama
e Pôrto Jr. (2018), levantando a percepção da população de AltamiraPA sobre os impactos socioambientais gerados pela construção da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Com os dados obtidos, os autores
puderam concluir que o discurso apresentado pela mídia sobre a
usina favorece a ideia de progresso nacional em detrimento ao
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 179
impacto ambiental causado, e ainda, que essas ideias não
representam a população local diretamente impactada. Apoiados
por Davison (1983) e Noelle-Neumann (1995), salientam que esses
estudos apoiam teorias já existentes, como a Espiral do Silêncio,
apresentada 1972, onde a percepção da opinião pública geral
prevalece fazendo silenciar e conformar as minorias. Aqui observase uma importante lacuna para ser desvendada em estudos
posteriores, visto que o preconceito é por natureza silenciador.
No universo das charges, se buscou investigar a existência de
preconceitos para com os povos indígenas, tomando como ponto de
partida as seguintes hipóteses: 1) Os entrevistados, ao serem
expostos ao conjunto das 18 charges hão de notar que as mensagens
das charges são discriminatórias, portanto negativas; 2) Ao
perceberem a negatividade com que os indígenas são expostos
tenderão a se proteger negando serem preconceituosos e atribuirão
o preconceito a outrem.
O questionário foi criado de forma digital, com a ferramenta
de formulários da plataforma Google, em que, depois de dar aceite
ao “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, e preencher as
informações preliminares como: nome, sexo, idade e grau de
instrução, o pesquisado é levado a uma tela que traz as imagens das
charges coletadas na sequência em que foram obtidas no buscador,
sem categorização. Todas as 18 charges são mostradas uma após a
outra15. Posterior a isso, autodenomina-se indígena ou não. Caso o
entrevistado respondesse afirmativamente, era levado a um campo
de perguntas específicas16, caso contrário, continuava para uma
próxima seção em que respondia às perguntas conforme as imagens
que viu.
15
Ressalta-se que o objetivo da pesquisa não foi se debruçar na interpretação individual das charges,
por parte dos entrevistados, mas expô-los ao conjunto, na intenção de obter a percepção geral de como
seriam interpretadas em sua totalidade, assim como seriam vistas através de uma pesquisa imagética
do Google.
16
Os formulários digitais da plataforma Google permitem criar ações com base nas respostas. Desta
forma, é possível criar dois questionários diferentes que automaticamente são direcionados conforme
a resposta.
180 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
As imagens foram igualmente mostradas para os dois grupos
de respondentes, o grupo dos indígenas e o grupo dos não indígenas.
O questionário aplicado para o grupo dos respondentes indígenas
foi criado de forma diferente, pois algumas perguntas que
investigam o Efeito da Terceira Pessoa foram extraídas. Seria
contraditório questionar ao indígena se seria preconceituoso para
com os indígenas. As perguntas se limitam a respostas binárias do
tipo sim ou não, pois a intenção não é mensurar o quanto um
determinado sujeito é preconceituoso. O objetivo é saber se existe
ou não o preconceito, por entender que uma pessoa ou é
preconceituosa ou não é.
Para os respondentes não indígenas, as perguntas sobre a
terceira pessoa, “o outro” não é especificado, ficando a cargo do
entrevistado entender se tratar de qualquer outra pessoa. No caso
das perguntas direcionadas ao público indígena, o outro é
especificado ser “o não indígena”.
Ao todo, foram coletadas 137 respostas. Dessas, 118 pessoas se
autodeclararam não indígenas (o equivalente à 86,1% da
amostragem), e 19 pessoas se autodeclararam indígenas (13,9%). 81
pessoas são do sexo feminino (59,1%), e 56 do sexo masculino
(40,9%). Os resultados e discussões são apresentados na tabela 1.
Tabela 1 - Hipótese do Efeito da Terceira Pessoa (universo de 118 pessoas não indígenas).
É preconceituoso para com os indígenas?
Primeira pessoa - Eu (self)
Sim
Não
20 pessoas
98 pessoas
16,9%
83,1%
Terceira pessoa - Outros (Others)
Sim
Não
115 pessoas
3 pessoas
97,5%
2,5%
Fonte: Elaborado pelos autores
A tabela 1 traz o resultado da pergunta direcionada
exclusivamente para o grupo de respondentes não indígenas, e diz
respeito à hipótese do efeito de terceira pessoa. Conforme os
resultados obtidos, pode-se constatar que é possível verificar o
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 181
fenômeno, pois da amostragem de 118 pessoas, 98 delas
responderam que não são preconceituosas para com os indígenas e
20 assumiram ser, mas quando perguntados sobre o que imaginam
pensar outras pessoas, 115 pessoas disseram que os outros são
preconceituosos e apenas três disseram que os outros não são. Ainda
que os percentuais elucidem claramente o fenômeno, não se pode
deixar de registrar a surpresa em perceber que 20 pessoas, o
equivalente a 16,9% da amostra, se assume preconceituosa. Apesar
de aparentemente baixa, a porcentagem demonstra a grave
constatação de que o preconceito se mostra assumidamente
presente na sociedade.
Tabela 2 - Hipótese do Efeito da Terceira Pessoa (universo de 19 pessoas indígenas).
Você acredita que o não índio é preconceituoso para com os indígenas
Universo de 19 pessoas (indígenas)
Sim
19 pessoas
100%
Não
0
0
Fonte: Elaborado pelos autores
No caso dos respondentes indígenas, “o outro” para eles é o
não indígena, e conforme podemos constatar no resultado, todos
foram unânimes em registrar que existe o preconceito. O dado é
impressionante, pois, embora exista a diferença numérica da
amostragem entre os dois grupos, isso não impede que se faça uma
análise dessa percepção, em que 100% dos respondentes, entende
que há preconceito. Outro dado pertinente que foi percebido, é que
no “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”, da qual os
entrevistados eram submetidos, havia um parágrafo que os
possibilita receber os resultados da pesquisa, bastando para isso
entrar em contato com o pesquisador. Dos 137 respondentes, 10
entraram em contato, todos eles indígenas, mostrando interesse nos
182 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
resultados. Isso demonstra o interesse e a preocupação com a
relação interétnica hierárquica a que são submetidos.
Tabela 3 - Percepção sobre as charges (pergunta feita para os dois grupos).
Nas Charges apresentadas, o índio aparece de forma:
Não indígena (universo de 118 pessoas)
Enaltecida
Depreciada
7 pessoas
111 pessoas
5,9%
94,1%
Indígena (universo de 19 pessoas)
Enaltecida
Depreciada
2 pessoas
17 pessoas
10,5%
89,5%
Fonte: Elaborado pelos autores
Os dois grupos foram expostos às 18 charges que fazem parte
do objeto desse estudo. As imagens foram colocadas na sequência da
qual apareceram no buscador, sem a categorização a que foram
submetidas neste artigo, evitando assim, direcionar o pensamento
dos entrevistados para uma relação lógica entre elas. Os resultados
obtidos trazem uma percepção negativa da imagem do índio
representada nas charges por parte dos dois grupos. Os percentuais
evidenciam que os artistas ao retratar a imagem do índio,
supostamente trabalhando em favor da sua causa, o fazem se
utilizando dos estereótipos e ideias equivocadas.
Tabela 4 - Percepção sobre as charges (pergunta feita para os dois grupos).
Você acredita que as Charges apresentadas favorecem a causa indígena?
Não indígena (universo de 118 pessoas)
Sim
Não
37 pessoas
81 pessoas
31,4%
68,6%
Indígena (universo de 19 pessoas)
Sim
Não
7 pessoas
12 pessoas
36,8%
63,2%
Fonte: Elaborado pelos autores
Embora não seja possível notar uma diferença expressiva nos
percentuais obtidos, é possível notar que parte de ambos os grupos
percebem que as charges não favorecem as causas indígenas. Isso
coloca em questão a verdadeira intenção dos artistas, trazendo à
tona as polissemias presentes nos discursos que apresentam.
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 183
Tabela 5 - Percepção sobre as charges (pergunta feita para os dois grupos).
Você acredita que as mensagens das imagens criam estereótipos para os
indígenas?
Não indígena (universo de 118 pessoas)
Indígena (universo de 19 pessoas)
Sim
Não
101 pessoas
17 pessoas
85,6%
14,4%
Sim
Não
16 pessoas
3 pessoas
84,2%
15,8%
Fonte: Elaborado pelos autores
Ambos os grupos entenderam que as mensagens explícitas
nas imagens das charges criam estereótipos para os indígenas, e isso
vem a ser coerente com as ideias equivocadas apresentadas pelos
autores Freire (2002), Demarchi e Morais (2015). O que se pode
concluir com esses dados é que as charges, ao trabalharem a sátira,
colocam o sujeito indígena em posição ridicularizada. O motivo do
riso se coloca como ferramenta disseminadora de estereótipos
generalizantes.
Tabela 6 - Percepção sobre as charges versus hipótese do efeito da terceira
pessoa (pergunta feita para os dois grupos).
Como você imagina que outras pessoas entenderiam as charges apresentadas?
Não-indígena (universo de 118 pessoas)
De forma
Positiva
De forma
Negativa
34 pessoas
28,8%
84 pessoas
72,2%
Indígena (universo de 19 pessoas)
De forma
Positiva
De forma
Negativa
4 pessoas
21,1%
15 pessoas
78,9%
Fonte: Elaborado pelos autores
Ao cruzar a percepção das charges com o que imaginam sobre
os efeitos que elas fariam com a terceira pessoa, pode-se observar
que a maioria dos entrevistados atribuiu percepções negativas de
terceiros. Mesmo não sendo a intenção desse estudo mensurar a
probabilidade de censura das mensagens das imagens, não devemos
ignorar o que apresenta Perloff(1993), que coloca que esse tipo de
percepção pode levar a atitudes censurantes.
184 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Tabela 7 - Percepção sobre a hipótese do efeito da terceira pessoa
(pergunta feita para o grupo não indígena).
Como enxergam os índios (possibilidade de assinalar mais de um item).
Descrição
Os índios são atrasados. Pertencem ao
passado.
Os Índios são preguiçosos.
Primeira pessoa
Eu (self)
3 pessoas
2,5%
Terceira pessoa
Outros (Others)
55 pessoas 46,6%
8 pessoas
6,8%
77 pessoas
65,3%
Terra de índio é improdutiva.
3 pessoas
2,5%
51 pessoas
43,2%
Perante a Constituição, o índio possui
mais direitos que um cidadão nãoíndio.
As terras indígenas representam um
atraso para o desenvolvimento dos
municípios que a cercam.
Índio tem que ser índio e não deve
sucumbir à modernidade.
Nenhum dos anteriores.
19 pessoas
16,1%
63
pessoas
53,4%
4 pessoas
3,4%
63
pessoas
53,4%
17 pessoas
14,4%
56,8%
81
pessoas
68,6%
67
pessoas
7 pessoas
5,9%
Fonte: Elaborado pelos autores
A pergunta da tabela 7 difere-se das demais por possibilitar ao
entrevistado marcar mais de uma opção, e visa, sobretudo,
mensurar o efeito das ideias equivocadas da primeira pessoa em
comparação com a terceira pessoa, bem como traçar quais
equívocos são mais recorrentes. Os resultados evidenciam a
presença do fenômeno da terceira pessoa, pois, conforme se nota na
tabela, a coluna que trata da primeira pessoa leva percentuais
consideravelmente baixos, com uma média de 7,61%, exceto na
última descrição que diz: “Nenhum dos anteriores”, com 68,6% dos
respondentes, ao contrário do que ocorre na coluna que traz os
dados da “terceira pessoa”, onde os percentuais variam, mas
mantém-se em uma média de 53,11%, também excluindo a
descrição de “nenhum dos anteriores” com a percentual de 5,9%.
Os dados elucidam ainda que, mesmo na primeira pessoa,
alguns equívocos são recorrentes, como por exemplo, a percepção
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 185
de que os índios gozam de direitos privilegiados perante a lei, com
16,1% dos respondentes, bem como, não devem sucumbir à
modernidade, com 14,4% dos respondentes. Mesmo com
percentuais aparentemente baixos, esses dados não devem ser
ignorados, e na verdade são muito graves, uma vez que tratam da
percepção da primeira pessoa, ou seja, pessoas que assumidamente
se declaram preconceituosas.
Tabela 7 - Percepção sobre a hipótese do efeito da terceira pessoa
(pergunta feita para o grupo indígena).
Como o não índio enxerga o índio (possibilidade de assinalar mais de um item).
Descrição
Universo de 19 indígenas
Os índios são atrasados. Pertencem ao passado.
12 pessoas
63,2%
Os Índios são preguiçosos.
12 pessoas
63,2%
Terra de índio é improdutiva.
11 pessoas
57,9%
Perante a Constituição, o índio possui mais
direitos que um cidadão não-índio.
As terras indígenas representam um atraso para
o desenvolvimento dos municípios que a cercam.
Índio tem que ser índio e não deve sucumbir à
modernidade.
Nenhum dos anteriores.
10 pessoas
52,6%
12 pessoas
63,2%
16 pessoas
84,2%
0
0
Fonte: Elaborado pelos autores
Ao grupo dos indígenas, quando perguntados sobre os
preconceitos que lhes são atribuídos pelos não indígenas, os
resultados trouxeram percentuais expressivos em todos os quesitos
negativos. Isso deixa claro que eles percebem esses preconceitos em
suas relações interétnicas. Um desses dados se sobressai, o fato de
que o não índio entende que “o índio tem que ser índio e não deve
sucumbir à modernidade”, com 84,2% das respostas, o que equivale
a 16 pessoas em um universo de 19 respondentes. Esta é a
comprovação de que a ideia equivocada de que o índio possui
186 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
culturas atrasadas e que a modernidade não lhes faz parte é de fato
percebida por ambos os grupos.
Tabela 8 - Percepção sobre o silenciamento das culturas indígenas
(pergunta feita para ambos os grupos).
A cultura do não índio procura silenciar as culturas indígenas?
Não indígena (universo de 118 pessoas)
Sim
Não
104 pessoas
14 pessoas
88,1%
11,9%
Indígena (universo de 19 pessoas)
Sim
Não
14 pessoas
4 pessoas
77,8%
22,2%
Fonte: Elaborado pelos autores
Por fim, ao serem perguntados sobre o silenciamento das
culturas indígenas, ambos os grupos atestaram que existe a intenção
de silenciamento. Isso traz a conclusão de que além dos indígenas, o
próprio grupo não indígena reconhece essa intenção, com uma
porcentagem até maior que a obtida no grupo indígena. Analisando
de forma geral os dados da pesquisa, fica evidente que existe o
preconceito, e esse aparece velado quando se trabalha sob a ótica da
hipótese do efeito de terceira pessoa, mas surpreendentemente
emerge de forma clara quando se trata da intenção de silenciamento.
Considerações finais
O caminho percorrido para chegar a linha de pensamento
desse estudo trouxe, em razão da formação de seus autores, o
cruzamento epistêmico de saberes da comunicação com a
antropologia, permeando também a sociologia, psicologia, filosofia,
estatística, entre outros. Isto prova que a cientificidade do campo
comunicacional está fundada na sua transversalidade com outras
ciências. As teorias da comunicação são incansavelmente estudadas
e novas complexidades vão surgindo a medida que novos objetos são
recortados por diferentes pontos de vista. A multiplicidade de
aplicações e a profundidade das análises dos desdobramentos de
Adriano Alves da Silva; André Demarchi | 187
recepção da mídia trazem novas abordagens acompanhadas de
novas perguntas.
Nesse contexto, há de se perceber que as charges são objetos
artísticos capazes de interagir, construir e retroalimentar sistemas
sociais, sejam elas criadas para criticar, exagerar, chocar, emocionar
ou simplesmente trazer o riso. Contudo, não devem ser reduzidas
ao que trazem em sua concepção estética e enunciativa, por outro
lado, mostram-se agentes em complexos conjuntos de
intencionalidades.
O estudo por ora realizado trouxe evidências de que as ideias
equivocadas sobre os povos indígenas, infelizmente, continuam
sendo partilhadas e povoam o imaginário do senso comum, e isso se
faz presente nas charges, que involuntariamente (ou não) reforçam
estes preconceitos. Os estereótipos forjados generalizam
representações simbólicas na qual o sujeito indígena é reduzido a
imagens negativas. Por consequência, emergem preconceitos que
aparentemente são velados. O que se pode concluir com tais
afirmações, é que as imagens dos povos indígenas nas charges são
atravessados por estes preconceitos que sorrateiramente cristalizam
e generalizam a imagem destes povos.
A hipótese do efeito de terceira pessoa foi confirmada
conforme os dados obtidos, levando-nos a perceber que os não
indígenas possuem uma percepção negativa do outro (other) em
detrimento a sua própria percepção (self). Com isso, afirmam que
os outros seriam preconceituosos. Existe um paradoxo em pensar
que um entrevistado, ao atribuir uma percepção negativa a outro, é
ele mesmo, o outro de alguém. Isso nos faz constatar que as pessoas
são preconceituosas, embora de forma oculta, pois projetam em
terceiros aquilo que não desejam para si mesmos. Mas não há como
separar a projeção daquilo que imaginamos dos outros, daquilo que
realmente percebemos em nós, pois somos nós mesmos o “outro de
alguém”. E assim, continuamos a perpetuar o preconceito, mesmo
que de forma velada.
188 | Media Effects, vol. 5: Newsmaking, gatekeeping e teoria social
Há de se concluir, que existe uma forte ligação entre os
interdiscursos das charges, com as ideias equivocadas sobre os
povos indígenas, alimentando assim o ciclo do preconceito. Se já é
preocupante constatar que os entrevistados percebem preconceitos
nas charges, e como forma de proteção através do efeito de terceira
pessoa atribuem estes preconceitos aos outros (others); o que dizer
então sobre o fato de que 16,9% das pessoas entrevistadas se
assumiram preconceituosas?
Mesmo compreendendo a
irreverência satírica da qual a charge se vale, é tênue a linha que
separa a reflexão crítica de protesto, dos discursos preconceituosos
que circulam no imaginário do senso comum. Estes preconceitos se
colocam presentes em uma complexa teia de sentidos, discursos e
ideologias que arrastam-se no tempo insistentemente, mas que
precisam ser questionados tanto pelos produtores de charges,
quanto pela própria sociedade brasileiras em seus mais diversos
grupos sociais.
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