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Antimanual de Criminologia

Antimanual de Criminologia Salo de Carvalho Professor Adjunto do Departamento de Ciências Penais da UFRGS (2010-2011). Professor Titular do Departamento de Ciências Criminais da PUCRS (1996-2009). Pós-Doutor em Criminologia pela Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, ES). Doutor (UFPR) e Mestre (UFSC) em Direito. Editor do Antiblog de Criminologia [http://antiblogdecriminologia.blogspot.com/] Antimanual de Criminologia 5ª edição 2013 Mari, “tendo a Lua aquela gravidade aonde o homem flutua, merecia a visita não de militares, mas de bailarinos, de você e eu.” Descobrimos juntos que “o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu.” O presente trabalho seria impossível sem o apoio da equipe de profissionais que tenho o prazer de conviver diariamente: Alexandre Wunderlich, Antônio Tovo Loureiro, Bruna Preve Brochado, Camile Eltz de Lima, Fabiani Severo da Fonseca, Gustavo Satt Corrêa, Lilian Christine Reolon, Lisiane Solner Gallert, Luiza Farias Martins, Marcelo Azambuja de Araújo, Natália Píffero dos Santos, Renata Machado Saraiva e Vanessa Masera Philomena. As críticas e as sugestões de Alexandre Costi Pandolfo, Carla Marrone Alimena, Daniel Silva Achutti, Érica Santoro Lins Ferraz, Fernanda Bestetti de Vasconcellos, Gabriel Antinolfi Divan, Gregori Elias Laitano, Janaina de Souza Bujes, José Antônio Gerzson Linck, Marcelo Mayora Alves, Marco Antonio de Abreu Scapini, Mariana Garcia, Mônica Delfino, Moysés da Fontoura Pinto Neto, Nereu Lima Filho, Paula Gil Larruscahim e Rafaella Pallamolla, foram fundamentais para que algumas ideias pudessem avançar. Amilton Bueno de Carvalho, Aury Lopes Jr., Davi Tangerino, David Sánchez Rúbio, Elena Larrauri Pijoan, Fábio Caprio Leite de Castro, Felipe Cardoso Moreira de Oliveira, Jeff Ferrell, José Carlos Moreira da Silva Filho, Keith Hayward, Paulo Queiroz, Rafael Braude Canterji, Ricardo Timm de Souza, Rodrigo Ghiringhelli Azevedo e Ruth Chittó Gauer contribuíram com importantes sugestões e indicações de leitura. Antonio Goya Martins Costa, Arthur Amaral Reis, Betina da Silva Adami, Cássio Rocha de Macedo, Clarissa Cerveira de Baumont, Daniela Dora Eilberg, Denise Both Mayer, Eduardo Georjão Fernandes, Eduardo Gutierrez Cornelius, Fabiane Simioni, Felipe Faoro Bertoni, Flora Barcellos de Valls Machado, Gabriel Martins Costa Simões Pires, Greice Stern, João Baptista Alvares Rosito, João Henrique Muniz Conte, João Vicente Padão Rovani, José Henrique Salim Schmidt, Juliana Ribeiro de Azevedo, Leonardo Gunther, Mariana Chies Santiago Santos, Mariela Wudich, Samuel Sganzerla, Thaianne Miranda Alves e Vitor Guimarães demonstraram, no fértil período de convivência acadêmica, que “ocupar é preciso.” Mariana de Assis Brasil e Weigert, porque sabe transformar o tédio em poesia. “Comecemos pelos jurisconsultos. Julgam-se os primeiros sabedores do mundo, e não há mortal que se admire tanto quanto eles quando, como Sísifo, rolam sem cessar para o alto de uma montanha enorme rochedo que tomba de novo mal atinge o pico, isto é, quando entrelaçam quinhentas ou seiscentas leis, sem cuidar se têm alguma relação com as questões tratadas, quando amontoam glosas sobre glosas, citações sobre citações, quando fazem com que o vulgo pense que a sua ciência é coisa dificílima, persuadidos de não haver nada mais lindo que o que custa muitas dores e muitas fadigas” (Erasmo). SUMÁRIO Nota Explicativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Introdução: Por que Antimanual de Criminologia? . . . . . . . . . . . . 25 01. O Fascínio pela Violência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 02. Civilização, Barbárie e Ciências Criminais . . . . . . . . . . . . . . 26 03. Ciências Criminais e Razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 04. Antimanual de Criminologia: Temas e Perspectivas . . . . . . . . . . 29 05. Por que Antimanual de Criminologia? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 PRIMEIRA PARTE FUNDAÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . I 33 ENSINO E APRENDIZADO DAS CIÊNCIAS CRIMINAIS NO SÉCULO XXI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 01. As Expectativas e os Ruídos no Ensino das Ciências Criminais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 02. A Fragmentação do Ensino das Ciências Criminais: Direito Penal e Criminologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 03. O Local do Saber Criminológico Oficial. . . . . . . . . . . . . . . . 39 04. A ‘Outra’ Criminologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 05. A Fragmentação da Criminologia e o Ensino Formal . . . . . . . 43 06. Os Domínios e as Fronteiras dos Saberes Penal e Criminológico 45 07. A Fragmentação do Ensino das Ciências Criminais . . . . . . . . 48 08. As Possibilidades de Reconstrução das Ciências Criminais . . . 52 09. O Equívoco entre Interdisciplinaridade e Auxiliaridade nas Ciências Criminais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10. O Obsoleto Ensino do Direito Penal . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11. O Obsoleto Ensino do Direito Processual Penal: a Captura pelo Direito Penal e a Persistência da Teoria Geral do Processo . . . 12. A Construção Artificial do Caso Penal . . . . . . . . . . . . . . . . . 13. O Fetiche pela Jurisprudência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14. A Vocação das Ciências e das Políticas Criminais. . . . . . . . . . 15. Teoria Criminológica Problematizadora: os Rumos da Criminologia Pós-Crítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . II CRIMINOLOGIA CULTURAL E PÓS-MODERNIDADE: APORTES INICIAIS E PERSPECTIVAS DESDE A MARGEM . 01. Criminologia, Pós-Modernidade e Fragmentação . . . . . . . . . 02. Os Horizontes da Criminologia Pós-Moderna . . . . . . . . . . . 03. Criminologia Cultural e as Imagens das Violências Contemporâneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04. Impactos da Criminologia Cultural nas Ciências Criminais: Imagens do Criminoso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05. Impactos da Criminologia Cultural nas Ciências Criminais: Fins da Pena e das Ciências Criminais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06. Sobre o Status da Criminologia Contemporânea . . . . . . . . . . SUMÁRIO III 12 FRONTEIRAS ENTRE CIÊNCIA (CRIMINOLÓGICA) E ARTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01. O Direito Moderno e a Vontade de Sistema: Segurança e Previsibilidade como Metas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 02. A Ferida Narcísica da Dogmática Jurídica: o Caráter Não Científico do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03. Criminologia e Ciências Criminais Integradas . . . . . . . . . . . . 04. Abertura Criminológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05. O Despedaçamento dos Saberes Criminais . . . . . . . . . . . . . . 06. Teorias Gerais e Vontade de Sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07. O Espírito Teórico e a Vontade de Verdade . . . . . . . . . . . . . 08. A Tetralogia dos Valores (Metafísicos) nas Ciências Criminais 55 58 63 65 67 68 71 75 75 79 84 91 95 97 102 102 105 109 110 111 113 115 120 09. Aberturas Transdisciplinares Possíveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123 10. O Dramático e o Trágico nas Ciências (Criminais) . . . . . . . . 125 11. Possibilidades do Trágico em Criminologia . . . . . . . . . . . . . . 128 12. O Olhar Trágico sobre o Sistema Penal . . . . . . . . . . . . . . . . 131 SEGUNDA PARTE CRÍTICA CRIMINOLÓGICA ÀS CIÊNCIAS CRIMINAIS . . . . . . . . . . . . . IV DESCONSTRUÇÕES E CONSTÂNCIAS DO MODELO INQUISITORIAL: CRÍTICA CRIMINOLÓGICA AO PROCESSO PENAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 135 01. Gestação da Estrutura Inquisitorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 02. A Expansão do Instrumento Inquisitório . . . . . . . . . . . . . . . . 137 03. O Estilo Inquisitorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 04. Secularização e Secularismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 05. O Declínio do Sistema Inquisitório Confessional. . . . . . . . . . 146 06. O Discurso Médico de Desconstrução e a sua Recepção pela Jurisprudência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148 07. As Alterações Legislativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 08. O Discurso Punitivo da Modernidade: Humanismo e Racionalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 09. A Queda do Inquisitório Confessional e o Modelo Laico. . . . 156 12. A Crença na Bondade do Poder Punitivo . . . . . . . . . . . . . . . 163 SUMÁRIO 10. O Código de Napoleão e a Reconfiguração do Inquisitório: o Sistema Misto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 11. Inquisitorialismo Revitalizado e Vontade de Verdade . . . . . . 162 13. A Caracterização do Oposto: o Sistema Acusatório . . . . . . . . 165 13 14. A Legitimidade do Processo: o Respeito às Regras do Jogo . . 167 15. A Constância Inquisitiva: Inquisitorialismos de Alta e Baixa Intensidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 V A FERIDA NARCÍSICA DO DIREITO PENAL: CRÍTICA CRIMINOLÓGICA À DOGMÁTICA JURÍDICO-PENAL . . 170 01. As Feridas Narcísicas da Civilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170 02. A Primeira Ferida Narcísica do Direito Penal: o Ideal do Controle do Crime Destituído pela Criminologia . . . . . . . . . . . . 03. O Efeito da Lesão ao Narcisismo do Direito Penal na Criminologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04. A Alteração da Programação Criminalizadora: o Direito Penal no Welfare State . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05. A Emergência dos Riscos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06. As Constituições Contemporâneas e a Expansão do Direito Penal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07. O Narcisismo Penal Potencializado: o Direito Penal do Risco . 08. O Controle Punitivo dos Excedentes: As Funções (Reais) do Direito Penal no Estado-Penitência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09. A Segunda Ferida Narcísica do Direito Penal . . . . . . . . . . . . 10. O Saber Penal e a (Cons)Ciência dos Limites . . . . . . . . . . . . VI CRIMINOLOGIA E TEORIA CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS: CRÍTICA CRIMINOLÓGICA À POLÍTICA CRIMINAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SUMÁRIO 01. Criminologia, Garantismo e Direitos Humanos . . . . . . . . . . . 02. Garantismo Clássico e Limitação das Violências . . . . . . . . . . . 03. A Expansão dos Direitos Humanos e as Consequências Político-Criminais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04. Novos Direitos e Demanda de Tutela Penal . . . . . . . . . . . . . 05. Periculosidade e Defesa Social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 173 176 178 184 185 188 194 198 200 202 202 203 204 205 206 06. Nova Fundamentação às Sanções Penais . . . . . . . . . . . . . . . . 208 07. Reversibilidade em Primeiro Grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208 08. A Reversibilidade do Direito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 210 09. Direitos Humanos e Direitos das Instituições. . . . . . . . . . . . . 212 10. As Consequências da Hierarquização dos Direitos . . . . . . . . . 214 11. Superação da Concepção Metafísica de Direitos Humanos . . . 217 12. A Independência dos Direitos Humanos . . . . . . . . . . . . . . . . 220 13. O Reconhecimento da Reversibilidade pela Criminologia: as Funções do Discurso Penal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223 14. Paleopositivismo e Ampliação dos Horizontes de Punitividade . 225 15. 16. 17. 18. 19. 20. Direito e Poder de Punir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As Virtudes do Garantismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Garantismo: Modelo Crítico de Ciências Criminais Integradas . Garantismo e Pretensões Universalistas . . . . . . . . . . . . . . . . . A Reversibilidade do Discurso Garantista . . . . . . . . . . . . . . . Garantismo e Teoria Agnóstica: Política Criminal de Redução de Danos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21. Criminologia Crítica e Reversibilidade: Autocrítica. . . . . . . . 227 228 230 231 233 235 237 22. Projeto Político: Redução do Punitivismo . . . . . . . . . . . . . . 240 VII TEORIA AGNÓSTICA DA PENA: CRÍTICA CRIMINOLÓGICA AOS FUNDAMENTOS DO POTESTAS PUNIENDI . . . 243 01. A Política Abolicionista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243 02. Foucault e o Abolicionismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245 03. Abolicionismo como Revolução Permanente . . . . . . . . . . . . 247 09. 10. 11. 12. Os Limites da Dor: Opções aos Castigos . . . . . . . . . . . . . . . . As Condições de Resolução das Situações Problemáticas . . . . Substitutivos Penais e Ampliação da Rede de Punitividade . . Os Limites Constitucionais do Abolicionismo . . . . . . . . . . . . Supérfluos Fins: Fundamentos Constitucionais da Teoria Agnóstica da Pena . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Supérfluos Fins: Fundamentos Doutrinários da Teoria Agnóstica da Pena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Tobias Barreto e a Teoria Agnóstica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Teoria Agnóstica e Redução de Danos . . . . . . . . . . . . . . . . . Realismo Marginal e Redução de Danos . . . . . . . . . . . . . . . VIII REPROVABILIDADE E SEGREGAÇÃO: AS RUPTURAS PROVOCADAS PELA ANTIPSIQUIATRIA NAS CIÊNCIAS CRIMINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250 252 254 257 259 261 265 266 268 SUMÁRIO 04. 05. 06. 07. 08. 15 270 01. Prisões e Manicômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270 02. O Sistema Punitivo entre a Culpabilidade e a Periculosidade . 271 03. Periculosidade e Crise da Culpabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . 273 04. Periculosidade, Correcionalismo e Welfarismo Penal . . . . . . . 275 05. “Menores e Loucos”: Tobias Barreto e a Teoria Agnóstica da Culpabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06. “Menores e Loucos”: Tobias Barreto e a Crítica aos Fundamentos da Inimputabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07. “Menores e Loucos”: Tobias Barreto e a Crítica à Cisão do Homo Criminalis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08. Edificação e Crise das Prisões e dos Manicômios . . . . . . . . . . 09. Os Caminhos da Crítica Criminológica e Psiquiátrica . . . . . . 10. O Saber Antipsiquiátrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11. A Crítica Antimanicomial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12. Abertura dos Manicômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13. As Alternativas ao Tratamento Asilar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14. A Lei Basaglia e a Reforma Psiquiátrica . . . . . . . . . . . . . . . . 15. O Impacto da Reforma Psiquiátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16. Avanços da Antipsiquiatria e Lições à Criminologia: Direitos e Garantias dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental . . . . . . 17. Avanços da Antipsiquiatria e Lições à Criminologia: Limites à Intervenção Psiquiátrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18. Avanços da Antipsiquiatria e Lições à Criminologia: Práticas Disruptivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SUMÁRIO IX 16 CRIMINOLOGIA E TRANSDISCIPLINARIDADE: AUTOCRÍTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01. A Busca das Origens (Criminológicas) . . . . . . . . . . . . . . . . . 02. A Gênese Criminológica e as Armadilhas da Interdisciplinaridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03. A Criminologia Castigada: o Rótulo da Auxiliaridade . . . . . . 04. A Criminologia de Si e a Criminologia do Outro . . . . . . . . . . . . 05. A Negação da Razão Punitiva: Razão Ética e Ética da Alteridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06. Diagnósticos Fundamentais em Criminologia . . . . . . . . . . . . 276 280 281 283 285 287 291 295 296 298 301 304 306 309 312 312 314 320 322 324 327 07. Os Limites da Criminologia e a Ausência Epistemológica . . . 327 08. Criminologia e Alteridade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 330 09. O Mal-Estar nas Ciências Criminais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333 EXPERIMENTAÇÕES E ABERTURAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . X MEMÓRIA E ESQUECIMENTO NAS PRÁTICAS PUNITIVAS: DIÁLOGOS ENTRE CRIMINOLOGIA E FILOSOFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 01. O Espaço do Diálogo entre Criminologia e Filosofia . . . . . . . 02. Utilidade e Desvantagem da História para Análise do Sistema Criminal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 03. O Enfoque Genealógico na Investigação dos Castigos . . . . . . 04. A Justificativa do Direito de Punir . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05. A Continuidade da Programação Punitiva na Modernidade . . 06. Supérfluos Fins: Fundamentos Filosóficos da Teoria Agnóstica . 07. Nietzsche e o Instrumental de Análise do Sistema Punitivo . . 08. A Memória do Delito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09. Durabilidade e Fluidez dos Castigos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10. Pena: Dispepsia, Doença Histórica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11. Transvaloração dos Valores Punitivos: a Dessubstancialização do Crime e do Criminoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12. Transvaloração dos Valores Punitivos: a Abdicação da Verdade. 13. Retomada do Trágico e Redução dos Danos Punitivos . . . . . XI 01. 02. 03. 04. 05. 06. XII 337 339 339 340 343 345 346 349 353 354 357 361 363 365 367 A CRIMINOLOGIA NA ALCOVA: DIÁLOGOS COM A LITERATURA LIBERTINA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372 A Imagem do Homem Civilizado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O ‘Outro’ do Civilizado: o Bárbaro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Homo Naturalis Adormecido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sade e os Valores da Cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Pensamento e os Frequentadores da Alcova . . . . . . . . . . . Sade e a Erótica do Poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372 374 375 376 379 381 FREUD CRIMINÓLOGO: A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE NA CRÍTICA AOS VALORES FUNDACIONAIS DAS CIÊNCIAS CRIMINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 384 01. Possibilidades de Aproximação entre os Discursos Criminológicos e Psicanalíticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 384 SUMÁRIO TERCEIRA PARTE 17 Mal-Estar, Culpa e Ressentimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Freud, Nietzsche e a Teoria do Ressentimento . . . . . . . . . . . As Rupturas Psicanalítica e Criminológica . . . . . . . . . . . . . . Teorias Psicanalíticas da Sociedade Punitiva . . . . . . . . . . . . . O Criminoso por Sentimento de Culpa . . . . . . . . . . . . . . . . Os Efeitos Corrosivos da Psicanálise na Criminologia e no Direito Penal: a Despatologização do Criminoso e a Crítica à Culpabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08. A Questão do Diagnóstico Criminal: a Crítica Psicanalítica à Vontade de Verdade no Processo Penal . . . . . . . . . . . . . . . . 09. Os Limites da Psicanálise nas Ciências Criminais: a Questão Etiológica e o Tratamento como Pena . . . . . . . . . . . . . . . . . 10. Indagações Finais sobre as Possibilidades da Criminologia Contemporânea . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SUMÁRIO 02. 03. 04. 05. 06. 07. 18 388 394 396 400 402 405 409 415 418 421 NOTA EXPLICATIVA 01. Vozes Silenciosas O fato de o Antimanual de Criminologia ter esgotado no ano do seu lançamento (2008) e, neste momento, chegar em sua quinta edição é bastante surpreendente e motivador. Creio que duas questões podem ser apontadas como instigadoras desta demanda: a ausência de substancial material propriamente criminológico na literatura nacional e o viés crítico do livro. Na tradição jurídica da civil law, a etiqueta criminologia foi subordinada à investigação auxiliar ao direito penal – diferentemente do que ocorre nos países anglo-saxônicos, nos quais predomina o discurso das ciências sociais. As monografias, dissertações e teses nacionais autointituladas criminológicas, na maioria das vezes, perpassam objetos de discussão eminentemente jurídicos (normativos). Assim, o local de desenvolvimento do discurso da criminologia nos países que recepcionaram a matriz dogmática romano-germânica é complementar ao campo do direito. E em nossa cultura pós-criminologia crítica de produção de ciências criminais do final do século XX, a criminologia invariavelmente é associada à política criminal e à crítica do direito penal. Ocorre que se o Antimanual por um lado trilha este caminho, realizando crítica epistemológica aos fundamentos das ciências criminais, por outro ensaia novos conceitos, propõe outros campos NOTA EXPLICATIVA 20 de investigação, tensiona alguns lugares comuns que caracterizam o estado da arte criminológica. Desta forma, a publicação de trabalho com certa autonomia, apesar de estar inserido neste modo de produção científico, e com perspectiva de ruptura, pode explicar os motivos da excelente recepção do público. Mas se é perceptível esta abordagem crítica do Antimanual, importante dizer que não seria possível chegar a determinados lugares sozinho. Em grande parte o texto reflete conclusões discutidas em grupo, trabalhadas em sala de aula e colocadas à prova em seminários e fóruns acadêmicos de debate. Portanto o auxílio de colegas e ex-alunos, muitos deles nominados nos agradecimentos, para o amadurecimento das ideias, foi inominável. De igual forma, os debates, muitas vezes tensos e conflitivos, com integrantes de dois grupos de pesquisadores, que fundaram o Instituto Transdisciplinar de Ciências Criminais e o Instituto de Criminologia e Alteridade. Embora com características marcantemente distintas – inclusive pelo aspecto etário –, é possível sentir em ambos os coletivos de pesquisadores comprometimento acadêmico crítico que possibilita criar condições de ruptura com modelos saturados de produzir conhecimento, especificamente nas ciências criminais. A identificação afetiva e intelectual que tenho com estes grupos de professores e alunos, mas acima de tudo de amigos, torna imprescindível o registro como forma de agradecimento público pelo aprendizado que proporcionam diariamente. 02. Pecados Confessos Dois pecadillos merecem destaque em forma de confissão: o título e a capa do Antimanual. O título, embora seja utilizado em inúmeras outras publicações – v.g. Antimanual de Jornalismo e Comunicação de Antonio Cláudio Brasil; Antimanual de Sexo de Valerie Tasso; Antimanual do Mau Historiador de Carlos Antonio Aguirre Rojas –, sendo muito 03. Inovações: Antipsiquiatria e Criminologia Cultural Dois institutos do centro do eixo Rio-São Paulo foram responsáveis diretos por textos que atualizaram o Antimanual. Em 2008 o Instituto Carioca de Criminologia, coordenado por Nilo Batista e Verinha Malagutti Batista, organizou evento intitulado Cem Anos de Reprovação, em homenagem ao centenário da reformulação do conceito de culpabilidade (viragem normativista) operada por Reinhardt Frank. Após o amável convite para participar do evento, como resultado da intervenção foi elaborado texto intitulado Reprovabilidade e Segregação: as Rupturas Provocadas pela Antipsiquiatria nas Ciências Criminais, incorporado na segunda parte do Antimanual. O estudo, fortemente ancorado em Tobias Barreto e na Antipsiquiatria, propõe-se a avaliar a cisão da resposta estatal aos NOTA EXPLICATIVA e comumente utilizado como subtítulo de outras obras, foi inspirado no livro de Michel Onfray, Antimanual de Filosofia. Inspiração, por óbvio, não significa adesão absoluta ao pensamento do autor. Contudo a ironia (em determinados momentos sarcástica), a forma de abordagem de certos temas e, sobretudo, o olhar de Onfray sobre o aprendizado contemporâneo – não limitando sua construção ao Antimanual de Filosofia, logicamente –, instigaram a intitulação desta investigação criminológica. Por outro lado, a capa adere não apenas à estética, mas à perspectiva ética do livro que lhe serviu de referência: Motivações Ideológicas da Sentença, de Rui Portanova. O leitor curioso notará que a tonalidade e a maneira de apor o Anti sobre o Manual guarda estreita relação com a forma idealizada por Rui Portanova para colocação do Ideológicas entre Motivações e Sentença. A relação afetiva com Rui Portanova permite esta confissão, inclusive como homenagem ao professor, pois se trata, inegavelmente, de pensador a quem devo grande parcela de responsabilidade na minha formação crítica na área das humanidades. 21 NOTA EXPLICATIVA 22 imputáveis (penas) e inimputáveis (medidas de segurança) e as possibilidades antissegregacionistas que surgiram a partir do advento da criminologia crítica. A indagação colocada no artigo diz respeito às distintas respostas que ocorreram, em termos de desinstitucionalização, no campo do crime e da loucura, embora seja possível perceber, em ambos os fenômenos, similares processos de definição e de constituição de rótulos e de estigmas. O ensaio pretende apresentar as rupturas provocadas no discurso psiquiátrico e no regime de internação asilar (manicomial), de forma a projetar novas possibilidades de discurso na esfera da responsabilidade penal e da resposta institucional-carcerária. O segundo trabalho (Criminologia Cultural e Pós-Modernidade: Aportes Iniciais e Perspectivas Desde a Margem), é fragmento de texto maior elaborado para apresentação no painel Pesquisa Jurídica em Ciências Criminais, realizado no 15º Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), cujo agradecimento pelo convite faço no nome de Alberto Silva Franco. A investigação procura problematizar as fronteiras do conhecimento e os saberes que compõem o campo transdisciplinar da pesquisa criminológica, propondo diagnóstico do atual estado da arte das ciências criminais. Assim, ingressa no tenso debate sobre a criminologia pós-moderna, confrontando esta perspectiva com a criminologia cultural e com as demais criminologias críticas, sobretudo o realismo marginal, com objetivo de testar novas formas de interpretação dos complexos fenômenos da violência, do crime e do desvio na contemporaneidade. 04. Complexidade, Fragmentação e Insegurança Os textos, inseridos em partes distintas do Antimanual, densificam inúmeras discussões travadas e, fundamentalmente, atualizam a literatura criminológica com a produção das duas últimas décadas, período que pode ser denominado de criminologia pós-crítica. Apesar da atualização, considero ser característica do Antimanual a incompletude, ou seja, trata-se de trabalho em constante Salo de Carvalho http://antiblogdecriminologia.blogspot.com NOTA EXPLICATIVA vir-a-ser, sempre passível de reformulação, motivo pelo qual realizo o esforço de distanciar o livro de qualquer proposição de verdade absoluta. Reflexões plurais e críticas submersas na complexidade do contemporâneo são as marcas que desejo que sejam os principais atributos desta investigação. Os riscos, sempre presentes quando os referenciais são contradogmáticos, são os da eventual contradição, do inesperado desvio de rota, da perplexidade com a ausência de respostas. No entanto a incerteza somente é problema para os investigadores que a temem ou a negam e que se apegam em sistemas universais, puros, coerentes e completos – como se fosse possível, na atualidade, sustentar seriamente ideais de universalidade, pureza, coerência e completude científica. A fragmentação e a insegurança constituem a contemporaneidade e interpelam as ciências, inclusive as criminais. A interposição de novos fenômenos e de novas relações na sociedade do terceiro milênio impede seguir postulando consensos acadêmicos e (meta)narrativas totalizantes sobre fenômenos inominavelmente complexos, fluidos e plurais como as violências, os crimes, os desvios e as transgressões. O próprio sentido destas categorias é, na atualidade, totalmente distinto daquele que marcou a sociedade estável dos modelos idealizados pelo Welfare State. Os valores de verdade e de segurança, neste contexto, soam fantasias metafísica juvenis que devem ser problematizadas, sob pena de o pensamento (criminológico) seguir inerte e obsoleto, aprisionado às soluções simples quando as questões revelam-se cada vez mais complexas. O Antimanual tem a pretensão de trazer complexidade aos problemas tradicionais das ciências criminais, propondo formas alternativas de pensar e realizar criminologia. 23 INTRODUÇÃO Por que Antimanual de Criminologia? A crise abandonada em si mesmo é a morte. A crise positivada pela responsabilidade e pelas energias de construção é a crítica, é a vida. E esta parece ser, exatamente, a nossa tarefa de intelectuais no aqui e agora: compreender o mundo e a crise, compreender a profundidade abissal que esta crise assume, e nos responsabilizarmos pelas extraordinárias potências que emergem desde esta difícil e complexa situação. (Ricardo Timm de Souza) 01. O Fascínio pela Violência As ciências criminais, como nenhum outro ramo do direito, expõem de forma incontornável as feridas da cultura ocidental e do processo civilizatório. As ciências jurídicas em sentido amplo, fundadas na ideia ilustrada de contrato, atuam com a pretensão de regular, através das normas, o convívio social, estabelecendo pautas de ações civilizadas e o rol dos atos inapropriados. Através da regulamentação jurídica a sociedade fixaria os preceitos básicos da convivência em comunidade e os ideais de conduta, instituindo respostas de reprovação ao seu desrespeito. Nesta perspectiva do direito como regulador, o penal surgiria como o mecanismo de intervenção mais radical, estabelecendo as mais graves sanções aos mais gravosos atos. Em razão de a POR QUE ANTIMANUAL DE CRIMINOLOGIA? INTRODUÇÃO 26 intervenção penal causar sérios danos aos direitos e garantias individuais, estaria limitada apenas aos casos de impossível resolução pelos demais mecanismos de controle social, formais ou informais. A criação desta série de filtros condicionantes da atuação das agências penais decorre da violência inerente às práticas punitivas. Em razão de o poder penal tender sempre ao excesso – seja no plano da elaboração (legislativo), da aplicação (judiciário) ou da execução (executivo) das leis –, sua utilização deveria ocorrer apenas em última instância (ultima ratio), nas situações de maior gravidade aos principais interesses sociais. A investigação destas situações-limite, destes casos de graves ofensas à noção de civilização, que legitimariam a intervenção punitiva, caracteriza, em grande parte, o interesse que as pessoas têm pelas ciências criminais. Nota-se, quando a discussão criminal é pautada, verdadeiro fascínio pelos atos de crueldade, pelo excesso de violência, pelo abuso da força e o uso desmedido do poder. Fenômenos desta ordem, contudo, mais do que indicadores da curiosidade mórbida pelas mais distintas formas de imposição de sofrimento às pessoas, expõem a fraqueza do humano frente aos modelos de conduta traçados como ideais pela Modernidade. 02. Civilização, Barbárie e Ciências Criminais O projeto político da Modernidade, no qual se insere o discurso das ciências criminais, tem como objetivo a busca da felicidade através da negação da barbárie e da afirmação da civilização. Nas mais diversas construções teóricas da primeira natureza (Freud) humana – do bom selvagem (Rousseau) ao homo lupus (Hobbes) –, o Estado moderno, derivado do contrato social, representa a superação da infância da humanidade. Na segunda natureza, cabe ao ente político a criação de instrumentos para 1 BECCARIA, Dos Delitos e das Penas, p. 35. POR QUE ANTIMANUAL DE CRIMINOLOGIA? INTRODUÇÃO concretização do ideal civilizatório, extirpando, constante e gradualmente, os resquícios do selvagem. A justificativa do Estado é baseada na hipótese de que o homem, no estado de natureza, gozaria amplamente sua liberdade, não havendo qualquer restrição aos desejos. No entanto a impossibilidade de convívio se estabelece em face da tensão entre desejos ilimitados e bens limitados. O uso da violência define, pois, as relações na primeira natureza. A forma de anular o estado de guerra, corrupção do estado de natureza, é a instituição do poder civil. A incerteza do gozo dos bens, face à possibilidade de expropriação pela força, conduz à elaboração do acordo. Os homens, em troca de segurança, optam por limitar sua liberdade, alienando certo domínio ao repositório comum denominado Estado. Como regulador instituído, caberia ao poder instituído executar esta quantidade alienada em caso de violação das leis de convivência. E o direito penal será vislumbrado como mecanismo idôneo para resguardar os valores e interesses expressos no contrato. A incorporação da filosofia política iluminista aufere às ciências criminais modernas os princípios fundamentais do direito de punir. Note-se, p. ex., que Beccaria, ao discorrer sobre a origem das penas, entende que as leis estabeleceram as condições de reunião dos homens que viviam independentes e isolados sobre a superfície da terra. Sustenta que “só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, isto é, precisamente o que era necessário para empenhar os outros em mantê-lo na posse do resto. O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo o exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça.”1 27 INTRODUÇÃO POR QUE ANTIMANUAL DE CRIMINOLOGIA? 03. Ciências Criminais e Razão 28 A formação do Estado Moderno carrega consigo princípios de organização e racionalização da administração pública (formação burocrática) que definem o perfil do direito penal. Outrossim, aliadas à separação e delimitação dos poderes legislativo, executivo e judiciário, são projetadas inúmeras expectativas decorrentes do ideal de segurança como, p. ex., o da felicidade e o da autonomia individual. Assim, se as agências de controle social são inseridas na burocracia com os objetivos de gestão dos desvios (caráter preventivo) e punição dos delitos (caráter repressivo), o direito (penal), ao pretender-se científico, recepciona o estatuto e a programação do racionalismo cartesiano. Nos passos das demais áreas das ciências naturais, é lançado na grande aventura da Modernidade: elaborar tecnologia (racionalidade instrumental) direcionada ao progresso e ao avanço social, de forma a conquistar condições de felicidade individual e bem-estar comunitário. A expectativa das comunidades científica e política em relação à ciência jurídico-penal não é outra, portanto, que a de desenvolver instrumentos capazes de erradicação do resto bárbaro que insistentemente emerge na cultura. Associada com a noção de crime, a violência impede a constituição da civilização, motivo pelo qual este último obstáculo deve ser extirpado. Todavia, na atualidade, é cada vez mais possível perceber que “(...) sob uma camada hegemônica e colorida de frenetismo e desespero não suficientemente conscientizados, repousa uma infinita multiplicidade de fragmentos culturais, fragmentos que são sobras ou ruínas vítimas da violência e das promessas não cumpridas de um modelo civilizatório e, especialmente, de uma modernidade ingenuamente otimista e intrinsecamente violenta. Nunca como agora foi tão visível incisiva verdade do famoso dito de Walter Benjamin: ‘nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um monumento de barbárie’.”2 2 TIMM DE SOUZA, Em Torno à Diferença, p. 129. 3 MORIN, Breve Historia de la Barbarie en Occidente, p. 19. 4 FERRAJOLI, Diritto e Ragione, p. 382. INTRODUÇÃO A presente investigação tem como temática geral os inúmeros desdobramentos e as distintas variáveis de punitividade derivados do violento projeto civilizatório ocidental. A premissa básica que orientou o estudo é a de que as ciências criminais – concebidas como integração entre as técnicas dogmáticas do direito penal e processual penal, da criminologia e da política criminal –, direcionadas a anular a violência do bárbaro e a afirmar os ideais civilizados, ao longo do processo de constituição (e de crise) da Modernidade, produziram seu oposto, ou seja, colocaram em marcha tecnologia formatada pelo uso desmedido da força, cuja programação, caracterizada pelo alto poder destrutivo, tem gerado inominável custo de vidas humanas. O motivo deste aparente paradoxo é apresentado por Morin: “la barbarie no es sólo un elemento que acompaña a la civilización, sino que la integra. La civilización produce barbarie (...).”3 Possível, portanto, neste quadro, concordar com Luigi Ferrajoli no sentido de que “a história das penas é seguramente mais horrenda e infame para a humanidade que a própria história dos delitos.”4 O intuito da pesquisa é, para além de apresentar descritivamente o diagnóstico das violências produzidas pela configuração inquisitiva das ciências criminais – tarefa amplamente realizada pelo discurso crítico derivado das teorias sociológicas norte-americanas das décadas de quarenta e cinquenta do século passado –, realizar aberturas, cisões, ranhuras no sólido pensamento autoritário e genocida que rege o agir dos sistemas punitivos para, quem sabe, propor alternativas à praxis criminológica contemporânea. POR QUE ANTIMANUAL DE CRIMINOLOGIA? 04. Antimanual de Criminologia: Temas e Perspectivas 29 POR QUE ANTIMANUAL DE CRIMINOLOGIA? INTRODUÇÃO 30 A partir de abordagem transdisciplinar e com a evocação da complexidade do contemporâneo, a investigação aponta algumas direções e sugere possibilidades para reconstrução crítica do modelo integrado de ciências criminais. Procura encontrar algumas saídas para redirecionar o atuar dos atores da dogmática jurídico-penal (direito penal e processual penal), da criminologia e da política criminal, objetivando a redução dos imensos danos produzidos pelas agências de punitividade, sobretudo nos países latino-americanos. Antimanual de Criminologia, diferentemente da simplificação da linguagem e dos problemas tratados nos tradicionais manuais de direito penal, de direito processual penal e de criminologia, assume a complexidade das relações sociais na atualidade e a aporia dos problemas, das questões sem saída que a nervura da vida impõe de forma radical. A hipótese que orienta a investigação é a de que problemas complexos não podem ser tratados de outra forma senão complexamente. A pasteurização realizada pelos manuais, ao invés de auxiliar a compreensão dos principais fenômenos sociais contemporâneos, sobretudo das violências e do papel das ciências criminais frente a esta realidade, potencializa a crise, pois envolve o pesquisador (docente e discente) na trampa de ser possível encontrar saídas e soluções pelos caminhos mais simples, mais didáticos. Não por outra razão a dogmática do direito penal e do direito processual penal e o pensamento criminológico e político-criminal contemporâneos não logram sair da crise que se instalou na década de oitenta, momento no qual culminou o processo de desvelamento das reais funções desenvolvidas pelos sistemas punitivos. 05. Por que Antimanual de Criminologia? Antimanual de Criminologia é a compilação de inúmeros textos independentes escritos nos últimos cinco anos, em sua gran- POR QUE ANTIMANUAL DE CRIMINOLOGIA? INTRODUÇÃO de parte inéditos ou em vias de publicação em livros ou revistas. No entanto, apesar da relativa autonomia, ao longo do processo de organização do material notou-se a existência de fio condutor. As análises, em sua maioria, optavam pela denúncia do narcisismo das ciências criminais e dos seus operadores, em sua volúpia para oferecer respostas totalizadoras aos sintomas e aos problemas sociais contemporâneos. Se nasceu substancialmente como provocação, o texto adquiriu, durante o trabalho de reescrita, unidade que permite apontar algumas possibilidades e alternativas à crise das ciências criminais densificada pelo incremento da cultura punitiva. Reflete o resultado de diferentes leituras realizadas nos últimos anos e que possibilitaram algumas aberturas no cerrado pensamento dogmático que constitui o universo jurídico. Por fim, procura ensaiar a constituição do pensamento criminológico como campo de saber crítico e transdisciplinar, como espaço de fala e de escuta no qual deságuam inúmeros discursos denunciadores da inadequada interferência das agências de punitividade no controle dos desvios, cujo resultado é a reprodução inquisitiva das violências. 31 View publication stats