Pensando
a trilha sonora
para audiovisual
por Gerson
Rios Leme1
Músico e Mestre em Educação pela UFSM, professor dos cursos
de Cinema e Audiovisual e Cinema de Animação da UFPel
A área de trilha sonora tem ganhado destaque na
produção audiovisual de modo a otimizar e viabilizar
diferentes estratégias na construção fílmica, utilizando-se
de novas abordagens do material sonoro em contraponto
e complemento ao material visual.
Tais estratégias vêm possibilitando o diálogo interativo
entre som e imagem em todo o tipo de criação audiovisual,
abordando o áudio nas fases de pré-produção, produção
e pós-produção, dando maior poder de decisão para o
papel que o som desempenha em cada material fílmico.
A escolha em pensar no audio e na sua força narrativa
conforme as diferentes etapas de produção se deve, em
grande parte, às transformações tecnológicas que vêm
acontecendo nas últimas décadas, que acabaram por
tornar o manuseio de material sonoro acessível viabilizado
por recursos tecnológicos cada vez menos dispendiosos.
É possível adquirir microfones, cabos, fones de ouvido,
acessórios específicos, gravadores, softwares gratuitos,
livres ou de proprietário, instrumentos musicais, além
de hardwares de inumeráveis marcas e configurações
personalizadas para trabalhar com som desde a sua
captação, passando pela edição e finalização, dando conta
de dominar todos os processos necessários à produção
sonora, o que não garante resultados sempre satisfatórios
ou adequados. Porém, está caindo em desuso a prática,
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griosleme.ufpel@gmail.com
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até então comum, de pensar na trilha sonora apenas na
pós-produção.
Outra classificação possível para as diferentes camadas
da trilha sonora leva em conta a relação som-imagem/
Deste modo, para auxiliar a expressão da linguagem
imagem-som, interligando cada evento sonoro à uma
audiovisual considerando o audio como uma ferramenta
representação visual, conforme propõe Carvalho (2008):
ativa
e
potencializadora
da
narrativa
fílmica
mais
completa, podemos partir de premissas conceituais
• Não-representativos: é predominado pela música.
teóricas que problematizem o assunto, constituindo uma
Consideramos aqui todo tipo de música, ou seja,
compreensão mais abrangente do mesmo, categorizando
desde o canto gregoriano até a música erudita
e diferenciando as principais camadas da trilha sonora e
contemporânea, a música popular e as músicas das
compreendendo a natureza básica do material sonoro a
mídias. No entanto, é necessário que esta música
ser utilizado, objetivando a composição da soundscape
desperte a atenção para as possibilidades de sentido
particular de cada produto audiovisual.
e qualidades próprias de seus elementos, que são: a
melodia, a harmonia, o ritmo, o timbre, etc.
A chamada trilha sonora pode ser dividia em três camadas
de importância equivalente conforme Giorgetti (2008)
• Figurativo: é predominado pelo efeito sonoro ou som
e Leme (2008) e podem ou não estar presentes no
ambiental. Consideraremos efeito sonoro aquele que
audiovisual, a saber:
tem predominância no registro da imagem/ ação por
sua necessidade de constituir signo e que se referem a
• Voz
um objeto “concreto”. São os sons ambientais, passos,
• Efeitos Sonoros
barulhos de motores, de chuva, sinos, ou ainda efeitos
• Música
produzidos eletrônica ou digitalmente.
Explicando brevemente cada camada de acordo com
• Representativo: Predominam como representação
Berchmans (2005) e Leme (2008), temos que:
as vozes, os diálogos entre os personagens, as
locuções de um narrador, etc. Estas vozes inserem-
• Voz: compreende qualquer tipo de diálogo,
se num universo híbrido composto pela linguagem
monólogo,
comunicação
verbal e a oralidade. São formas representativas
objetiva entre personagens ou entre personagem e
convencionadas pela língua, pelo sotaque e pela
espectador.
entonação.
narrações,
locuções
e
• Efeitos Sonoros (Sound Effects- SFX): criação
e
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manipulação
de
efeitos
sonoros.
Exemplos:
Vale ressaltar que “cada um desses três elementos pode
reprodução de sons de uma arma-laser, tiroteio de
ser subdividido, demonstrando a flexibilidade e a riqueza
uma batalha, motor de um avião, entre outros.
de possibilidades de comunicação que o som proporciona
• Música: refere-se a qualquer conteúdo musical
para a narrativa” (CARVALHO, 2008, p.205), incluindo
utilizado durante o discurso fílmico.
ainda, a não presença de alguma destas categorias,
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conforme as particularidades de cada produção.
em decibéis. Ex: turbina de avião em comparação ao
sussurro (fortíssimo e fraco).
Já em relação à sua natureza, o som é dividido em duas
grandes famílias:
Cada som, mesmo que não seja idealizado de alguma
maneira específica, carrega consigo estas características
• sons musicais
intrínsecas, que determinam a relação som-imagem/
• ruído
imagem-som no produto audiovisual final, refletidas
Onde os sons musicais estão além de notas musicais
na soma do material sonoro conforme organizado, que
e são entendidos como sons com frequência musical
acaba ajudando ou atrapalhando o estabelecimento da
definida, diferenciando-se dos ruídos que não apresentam
intenção dramática desejada da narrativa audiovisual, uma
esta mesma característica, porém ambos são materiais
vez que esta gama de sons percebidos por nós ou não,
sonoros capazes de serem utilizados em qualquer uma das
está presente também em nosso cotidiano, em contextos
camadas da trilha sonora, constituindo voz, efeitos sonoros
variados, traduzindo uma teia de significados carregados
ou música. Além disso, algumas propriedades ou atributos
de emoções rapidamente identificáveis e desfrutadas.
do som que podemos emprestar da música servem
para organizar cada tipo de som utilizado em produtos
A partir das preocupações e estudos em relação à
audiovisuais, como timbre, duração, altura e intensidade,
qualidade e às transformações do contexto sonoro através
que de modo geral são entendidos da seguinte maneira:
dos tempos, iniciou-se a reflexão crítico-sistemática da
existência do som ou não
nos ambientes e de como
• Timbre: é a identidade de um som, que o torna único
coexistimos com ele, observando a industrialização da
e reconhecível mesmo que não seja vista a fonte
sociedade, que trouxe e traz consigo inumeráveis novos
sonora que o emite. Ex: som de violino, voz de um
tipos de sons e extinguiu e extingue outros tantos,
homem mais velho, uma risada, som de despertador
mudando consideravelmente a gama do material sonoro
digital.
que passamos a lidar, bem como tal material age em
• Duração: é o espaço de tempo que um som ou
nossas vidas.
silêncio permanece existindo, é mensurável e exato.
• Altura: está relacionado à frequência de um som,
Vivemos cercados por infinitos tipos de sons, expostos
determinando, pelo seu valor em Hertz, fazendo com
à uma miscelânea de decibéis e frequências conhecidas
que seja reconhecido como alto ou agudo, baixo
ou não, suportáveis ou não, imersos em uma crescente
ou grave. Ex: mulher soprano, homem barítono,
confusão
cordas mais finas do violino, cordas mais grossas do
vontade.
timbrística
independentemente
da
nossa
contrabaixo.
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• Intensidade: é a característica de um som ser emitido
Este universo sonoro que compõe o todo do que
forte, fraco ou quaisquer outras variáveis (muito
ouvimos diariamente é chamado por Murray Schafer de
fraco, muito forte, pouco fraco, médio, etc.) Pode
soundscape ou paisagem sonora e é objeto de estudo em
ser relativizado em comparação a outros. É medido
diferentes áreas do saber como música, acústica, cinema e
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audiovisual, entre outros.
Fazer uso, então, de modo mais consciente na produção
audiovisual destes conceitos e problematizações contribui
Paisagem sonora, na sua origem, é “qualquer campo de
diretamente na qualificação de cada material fílmico, pois
estudo acústico. Podemos referir-nos a uma composição
enriquece consideravelmente as nuances sonoras, otimiza
musical, a um programa de rádio ou mesmo a um
o planejamento de som para a produção como um todo,
ambiente acústico como paisagens sonoras.” (SCHAFER,
justifica seus porquês e mesmo a necessidade ou não da
2001, p.23). Porém, deve-se entender o termo paisagem
presença de cada conteúdo que constitui a trilha sonora.
diferentemente do campo visual, onde uma imagem
traduz a percepção direta de dimensão panorâmica,
profundidade, extensão e elementos em planos distintos
de modo menos complexo que no campo sonoro, uma
vez que um microfone funciona de modo completamente
distinto de uma câmera, por melhores e mais ricos que
sejam seus registros, ou seja, cada processo envolve
diferentes sentidos na compreensão da informação: visão
e audição, imagem e som.
Pode-se ainda, “isolar um ambiente acústico como
um campo de estudo, do mesmo modo que podemos
estudar as características de uma determinada paisagem”
(SCHAFER, 2001, p.23) e assim dissecar cada elemento
sonoro, extraindo os que não são necessários e reforçando
os indispensáveis e determinantes para a construção do
discurso fílmico.
Refletir criticamente acerca da soma das informações
visuais e sonoras, bem como lidar de modo consciente
com todas as áreas oriundas desta união serve de ponto
de partida para se pensar em audiovisual de forma mais
completa.
Aplicar no campo do cinema e do audiovisual estas variáveis
e conceitos apresentados já na pré-produção do material
fílmico, traz vantagens como traçar um perfil sonoro de
personagens, ambiências e intenções dramáticas, entre
outros.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BERCHMANS, Tony. A Música do Filme. São Paulo:
SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo.
Escrituras: 2005.
Tradução de Maria Trench Fonterrada. São Paulo,
UNESP, 2001.
CARVALHO DA SILVA, Márcia.
De olhos e
ouvidos bem abertos: uma classificação dos
sons do cinema. Trabalho apresentado ao Núcleo
de Pesquisa 07 – Comunicação Audiovisual, do
XXVIII Congresso de Ciências da Comunicação.
Rio de Janeiro, 2008. Disponível em: <http://
revcom.portcom.intercom.org.br/index.php/
NAU/article/viewPDFInterstitial/5351
/4923>. Acesso em: 24 de julho de 2011
GIORGETTI, Mário.
Música como personagem.
Disponível
<http://mnemocine.com.br/
em:
cinema/somtextos/comoperson.html>.
Acesso
em: 26 de julho de 2011.
LEME, Gerson Rios. Escutando o Cinema. Artigo
publicado no site da Revista Universitária do
Audiovisual – RUA, da Universidade Federal de
São Carlos. Disponível em: <http://www.ufscar.br/
rua/site/?p=145>. Acesso em: 25 de julho de 2011.
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