[Oracula, São Bernardo do Campo, 3.5, 2007]
ISSN 1807-8222
OS ACTA ALEXANDRINORUM E A LITERATURA
APOCALÍPTICA EGÍPCIA
Joana Campos Clímaco
Vicente Dobroruka
Resumo
Este artigo pretende analisar dois tipos de textos de resistência cultural que circularam no
Egito nos períodos helenístico e romano: na primeira parte trataremos de um conjunto de
fragmentos aos quais damos o nome de Acta Alexandrinorum, que abordam a resistência da elite
grega na cidade de Alexandria à potência romana entre os séculos I-II d.C; na segunda,
discutiremos os principais exemplares de textos egípcios considerados por alguns como
apocalípticos (veremos o quanto essa definição é problemática), conhecidos como “Oráculo
de oleiro”. Veremos que sua qualidade literária é muito inferior à dos Acta, mas tampouco
tinham o mesmo objetivo e nem eram consumidos pelos mesmos grupos sociais. Mas ambos
oferecem uma forma de rejeição aos grupos dominantes no Egito, em diferentes épocas, e têm
em comum o componente étnico no protesto veiculado.
Palavras-chave: Judaísmo helenístico, Literatura apocalíptica, Egito greco-romano.
Abstract
The aim of this article is to analyze two types of cultural resistance that were to be found in
Egypt during the Helenistic and Roman periods: in the first part we are dealing with a group
of fragments named Acta Alexandrinorum, which represents the resistance of Greek elite in
Alexandria against the Roman Empire; these were written between the First and Second
Centuries CE. In the second part we will discuss the main example of Egyptian texts
considered apocalyptic by some (a definition which we consider problematic), known as the
“Oracle of the Potter”. We will see that their literary quality is inferior to the Acta, but their
Mestranda em História pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Projeto de Estudos JudaicoHelenísticos – PEJ. Endereço eletrônico: joanaclimaco@hotmail.com.
Doutor em Teologia pelo Wolfson College, Oxford. Professor de História Antiga, Universidade de Brasília
(UnB). Coordenador do Projeto de Estudos Judaico-Helenísticos – PEJ (www.pej-unb.org). Endereço eletrônico:
vicente@unb.br.
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aim was also different, as were the social groups that read them. But both offer a form of
rejection to the dominant groups in Egypt, in different times, and keeping in common an
ethnic component.
Keywords: Hellenistic Judaism; Apocalyptic literature; Greco-Roman Egypt.
Antes que tratemos propriamente dos textos alexandrinos, é interessante retomar brevemente
o contexto no qual sua produção se insere. Dez anos depois de sua fundação por Alexandre o
Grande em 331 a.C., Alexandria torna-se capital do Egito (substituindo a então capital
Mênfis), além de sede da nova dinastia ptolomaica. Em quase trezentos anos de governo
ptolomaico, a cidade se firmou como grande centro cosmopolita de enorme destaque cultural
e comercial no Mediterrâneo. Com a expansão do poderio romano, a cidade era já considerada
a segunda mais importante do mundo helenizado, justamente pela sua posição estratégica para
a comercialização e pela influência cultural exercida por seu Museu e Biblioteca, os quais
atraíam para a cidade elementos de grande destaque intelectual de todo o mundo
mediterrâneo.
A fundação de Alexandria por uma dinastia helenizada e a dedicação dos primeiros lágidas à
sua construção e embelezamento, além de concederem à cidade instituições tipicamente gregas
(com exceção da boulé), caracterizam-na como uma espécie de polis dentro do Egito. Mas sua
composição cosmopolita e a força da tradição egípcia mais antiga, além da cidade ser sede de
uma dinastia real, já são fortes elementos que esvaziam a sua caracterização como uma cidadeestado grega1. No entanto, apesar de limitada pelo poder real macedônio, a cidade conquistou
grande autonomia decisória no período ptolomaico, e a cultura grega foi constantemente
reforçada e estimulada pela dinastia.
Com a derrota de Cleópatra e Marco Antônio em 31 a.C. por Augusto, a era ptolomaica chega
ao fim e Alexandria entra decisivamente na esfera de influência imperial, tornando-se a capital
da província romana no Egito. Em princípio, o poder imperial foi bem aceito no território em
função da aproximação romana às elites de origem grega e mais privilegiadas de Alexandria,
além de uma série de estratégias para manter o Egito próspero e pacífico, principalmente no
século I d.C. No entanto, aos poucos os alexandrinos começam a se ressentir de várias
mudanças trazidas à cidade pelos novos líderes, principalmente a perda de sua autonomia
1
DAVIS, Simon. Race-relations in Ancient Egypt: Greek, Egyptian, Hebrew, Roman. London: Methuen & Co., 1951, p.
48.
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política, já que a autoridade estava agora representada, de fato, pela lei romana. Além disto,
intensificam-se também os conflitos por status entre seus diversos grupos sociais,
principalmente entre os alexandrinos de alta extração (representados pela elite grega) e os
judeus, já que estes começam a obter privilégios antes restritos àqueles. Assim, os Acta
Alexandrinorum, ou “Atos dos mártires pagãos”2, teriam sido produzidos nesse longo intervalo
de conflitos, talvez com a finalidade de criticar, ou pelo menos de questionar, algumas
estratégias do poder romano, sempre realçando a importância da própria Alexandria e de seus
cidadãos. Os textos trazem à tona e nos permitem questionar inúmeros aspectos relativos à
vida cívica e social da cidade e sua posição no mundo romano.
O agrupamento dos pequenos fragmentos de papiro, resultando em sua caracterização como
corpo textual intitulado Acta Alexandrinorum3, foi obra de editores entre o final do século XIX
e o início do XX. A maioria dos fragmentos foi encontrada no conjunto dos lotes de papiros
em Oxyrhynchus, no Egito, em 1895 e 1903. A partir daí, e com descobertas mais modestas
na primeira metade do século passado em outros locais do Egito, os documentos começaram
a ser editados e analisados. Este processo, em função das dificuldades técnicas da época, foi
lento e os diversos fragmentos foram sendo disponibilizados a um núcleo muito restrito de
estudiosos. Além disto, muitos textos foram descobertos em expedições clandestinas e sem
controle oficial, o que acabou por danificá-los ao não receberem a preservação adequada,
circunstância que dificultaria ainda mais a leitura do conjunto. Assim, os fragmentos foram
sendo publicados separadamente e por diferentes equipes – daí nossa dificuldade em saber
precisamente o contexto e o local de descoberta de muitos deles, posto que nem todos os
editores explicam por completo o percurso de “resgate” dos escritos4. A partir do momento
em que os fragmentos se tornam acessíveis ao círculo acadêmico, seus diversos editores
começam a discutir a possível identificação entre alguns dos textos e a hipótese da existência
de um gênero em meio à dispersão dos fragmentos tomados em seu conjunto.
Na tentativa de agrupar os textos e caracterizá-los, observa-se um esforço dos historiadores
por encontrar neles algum elemento comum que sirva de denominador comum entre os Acta.
Neste sentido, os textos são geralmente definidos ou como panfletos literários de propaganda
anti-romana, ou escritos anti-judaicos que expressam a repulsa grega aos judeus, ou, ainda,
como relatos de martírio de heróis alexandrinos condenados pelos imperadores romanos e que
MUSURILLO, Herbert. Acts of the pagan martyrs. New York: Oxford University Press, 1954 (texto e
comentários).
3 Daqui para frente, simplesmente Acta.
4 BAGNALL, Roger S. Reading papyri, writing ancient history. London/New York: Routledge, 1995, p. 27.
2
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teriam servido de exemplo aos martírios cristãos posteriores. Não estamos afirmando que algo
de cada um desses elementos não esteja presente nos fragmentos, pois todos os temas citados
acima são recorrentes, mas não a ponto de encontrarmos em alguns deles o eixo motivador
privilegiado para a composição, já que nem todos os elementos estão presentes em todos os
textos. Acreditamos que, além de algumas motivações gerais, também podemos encontrar nos
textos preocupações momentâneas ou casuísticas que concedem a cada um deles a sua
singularidade. Assim, ao se buscar por estas generalizações, deve-se sempre ter o cuidado de
não ofuscar a especificidade de cada fragmento.
Todos os textos se referem à Alexandria, entre os principados de Tibério e o de Cômodo.
Cada escrito procura reconstituir um episódio isolado, geralmente envolvendo um ou mais
alexandrinos e o imperador romano do momento, este nem sempre citado nominalmente.
Como os documentos cobrem um longo período do Império, é natural que também
observemos nos textos diferentes graus de aceitação e rejeição da política romana. Neste
sentido, grande parte dos aspectos que diferenciam os textos entre si é derivada da recepção às
estratégias de poder romano, que variaram consideravelmente entre um principado e outro,
principalmente se considerarmos que alguns textos já se referem ao final do século II,
momento em que o Império, já bem solidificado e ampliado, começa a lidar com vários
problemas resultantes de sua própria expansão. Assim, a diferença temporal entre os textos
ajuda a explicar a heterogeneidade entre os fragmentos.
No que se refere ao período de escrita dos Acta, este é bem posterior aos episódios que
procura reportar. Os textos foram compostos entre o final do século II e início do III, mesmo
os que pretendem reconstituir acontecimentos do início do século I, ou seja, período ainda
incipiente da política imperial para o Oriente Próximo. Musurillo argumenta que é provável
que os originais tenham sido compostos separadamente no decorrer dos séculos I e II e, a
partir daí, teriam sido readaptados em várias ocasiões, provavelmente para responderem às
exigências de cada contexto específico5. Mesmo que os textos sobreviventes sejam realmente
cópias de originais do primeiro século, isto sugere que a sua popularização e divulgação foram
mais tardias do que sua produção.
Mas o que teria impulsionado a escrita dos textos apenas neste momento e não antes? Por que
a distância cronológica entre o contexto de escrita dos textos e o episódio narrado? O que isto
pode nos dizer a respeito dos objetivos de sua composição? Estas são questões polêmicas e
5
MUSURILLO, p. 274.
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que devem ser analisadas com vagar. Por hora, basta que tenhamos em mente que os autores
dos textos tenham se posicionado e decidido divulgar os escritos apenas no futuro, talvez pelo
aumento da insatisfação em relação aos romanos numa dada ocasião, ou apenas pela maior
tolerância e menor censura noutra6. Assim, pelo momento oportuno, os Acta relembrariam e
divulgariam episódios anteriores e significativos para o grupo cívico, mas que pela falta de
ambiente propício não tinham ainda sido popularizados.
Outro fator relativo à divulgação dos textos, ainda que restrita, é a variedade de locais em que
eles foram encontrados no Egito. Todos envolvem Alexandria e seus habitantes, mas nenhum
dos fragmentos foi encontrado lá, o que sugere um ímpeto de expandir certas idéias correntes
na cidade para além dos seus limites geográficos. Sugere também que a audiência pretendida
não era composta exclusivamente pelos alexandrinos do ginásio7. Pode-se falar, talvez, numa
tentativa de circulação mais ampla, que visava a alcançar ao menos os gregos de outras grandes
cidades do Egito. Bell argumenta que as grandes descobertas de papiro em Oxyrhynchus
mostram que ali havia uma significativa quantidade de literatura grega disponível para o
estudo, podendo ter existido na cidade um expressivo público letrado8. Além disto, muitos
alexandrinos também tinham propriedades na chora e em algumas outras cidades,
principalmente no Médio Egito, como Oxyrhynchus, Hermópolis e Arsinoé9. Em especial no
século III, a presença de alexandrinos em Oxyrhynchus é muito significativa, sugerindo que os
Acta serviriam também para reforçar os vínculos dos alexandrinos ali residentes com os
antigos habitantes. Mas a presença dos textos em outras cidades pode ser também um indício
de trocas entre suas elites e as de Alexandria, talvez para enfatizar a importância da cidade
diante das que estavam agora se destacando e denunciar, numa escala maior, os motivos de
insatisfação em relação ao poder romano10.
MACMULLEN, Ramsay. Enemies of the Roman order. New York: Routledge, 1992, p. 156.
A sobrevivência de evidências materiais em Alexandria é mínima. Por isso, provavelmente a maioria dos escritos
da cidade foi realmente perdida por vários fatores que não cabe enumerar aqui. Neste sentido, podemos apenas
sugerir, especulativamente, que os originais pudessem estar na cidade.
8 BELL, Harold I. Egypt from Alexander the Great to the Arab conquest. Oxford: Oxford UP, 1948, p. 81.
9 ABD-EL-GHANI, Mustafa. Alexandria and Middle Egypt: some aspects of social and economic contacts under
Roman rule. In: HARRIS, William V. & RUFFINI, Giovanni (eds.). Ancient Alexandria between Egypt and Greece.
Leiden/Boston: Brill, 2004, p. 169.
10 Em 200 d.C., Septímio Severo concede uma boulé aos alexandrinos, além de realizar uma série de mudanças
administrativas e institucionais na cidade. A questão da boulé é uma das mais polêmicas e que geram mais
discórdias na historiografia sobre Alexandria. O mais provável é que, no momento de fundação da cidade, ela
teria recebido a instituição de Alexandre e a teria perdido posteriormente, ainda no período ptolomaico, mas
sabe-se muito pouco sobre o motivo específico da perda. Alguns argumentam que Augusto teria tirado a
instituição dos alexandrinos, algo que não encontra fundamentação nas fontes. Sabe-se, entretanto, que no
período romano a instituição só foi concedida aos alexandrinos por Severo. A concessão da boulé pode ter gerado
nos alexandrinos um sentimento misto: se por um lado estavam satisfeitos, já que a instituição era esperada dos
romanos há tanto tempo, por outro a conquista da instituição tinha sido generalizada a todas as metrópoles do
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7
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Musurillo argumenta que alguns autores alexandrinos tenham se dedicado a “retocar” os
relatos de tempos em tempos – daí a existência de várias versões de um mesmo texto, com
leves alterações. A semelhança entre os escritos pode se justificar por serem eles provenientes
de um determinado círculo de Alexandria e destinarem-se aos mesmos partidos ali e em outras
grandes cidades11. Acreditamos que o grupo a quem poderíamos atribuir a autoria dos textos
seja a elite grega do ginásio de Alexandria, já que menções e exaltações a ela estão presentes
em quase todos os fragmentos. Os cidadãos do ginásio eram os habitantes de maior destaque
e status na cidade, além de serem os que mais perderam com a conquista romana, já que muitos
dos seus antigos privilégios do período ptolomaico foram removidos e, assim, eles se
tornaram, em muitos momentos, focos de resistência aos romanos12. O ginásio era o centro
maior da vida cívica e de formação intelectual grega em Alexandria, a “elite da elite”13. Além
dos maiores críticos dos romanos, eram também os elementos de mais destaque na cidade e,
conseqüentemente, os que tinham mais possibilidades de acesso ao Estado romano. Sugere-se
que o vácuo causado pela ausência da boulé em Alexandria fez com que essa elite conquistasse,
além de destaque no cenário cultural e social, também representatividade política em
Alexandria e diante dos romanos14. Importantes questões cívicas eram decididas no ginásio e
quando embaixadas e petições eram enviadas ao imperador para resolver questões variadas,
comumente eram os cidadãos do ginásio os escolhidos para se posicionarem diante dos
romanos, já que não eram apenas homens letrados, mas também versados em retórica – mais
um fator que facilitaria a receptividade por parte do imperador15.
Não estamos afirmando que os autores dos textos promovessem propaganda aberta e sem
critério contra os romanos, uma vez que, pela importante posição do grupo na cidade, eles
também tinham compromissos com os últimos, mas tentavam divulgar textos de alcance
restrito, destinados a criar uma conscientização na elite. MacMullen sugere que, geralmente, os
grupos anti-imperiais eram nobres que se afastavam e discordavam dos romanos apenas
politicamente. E a oposição ao Império se expressava mais através da hostilidade a pessoas
especificas, que se identificavam num sentido cultural e social com os romanos. Não são
“classes” que se opõem. Daí a cautela nas manifestações, que não se expressam como
Egito, o que poderia ter sido visto pelos alexandrinos como uma perda de importância da cidade, fazendo com
que Alexandria se banalizasse em relação às demais.
11 MUSURILLO, p. 274.
12 DELIA, Diana. Alexandrian citizenship during the Roman principate. Atlanta: Scholars Press, 1991, p. 106.
13 BELL, p. 71.
14 BOWMAN, Alan K. & RATHBONE, Dominic. Cities and administration in Roman Egypt. In: Journal of
Roman Studies 82, 1992, p. 115.
15 MILLAR, Fergus. The emperor in the Roman world: 31 BC - AD 337. London: Duckworth, 1977, p. 8.
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resistência ao domínio romano como um todo, mas apenas a este ou àquele representante do
Império16. No entanto, em muitos textos dos Acta observamos a ausência de nomes dos
imperadores e de outras autoridades romanas criticadas, sugerindo que o usual neles era a
propaganda mais geral, para que não se explicitassem os alvos exatos das acusações. O mais
importante era a crítica e o questionamento a determinados artifícios do poderio imperial, daí
não ser sempre necessário explicitar os objetos de censura.
Voltemo-nos, agora, à análise das temáticas mais comuns nos textos, buscando o
questionamento acerca do que uma documentação como esta poderia ter representado
naquele cenário. Enfim, nosso objetivo é mapear e expor alguns trechos dos textos para que
possamos compreender sua natureza e alguns aspectos da sociedade alexandrina no contexto
romano.
Exemplifiquemos, inicialmente, a menção aos membros do ginásio em alguns dos textos. Os
Acta Isidori, textos ambientados no reinado de Cláudio e encontrados em três versões
diferentes, relatam o julgamento de Isidoro, cidadão alexandrino, pelo imperador. Na nota
introdutória da recensão A, Isidoro estaria sendo acusado por algo que havia cometido conta o
rei Agripa, e a nota introdutória já realça a situação: “Cláudio César, ouve o caso de Isidoro, ginasiarca
de Alexandria, contra o rei Agripa nos […] jardins.”. Segue o diálogo acalorado entre o imperador e
Isidoro, que se pronuncia num tom exaltado e insolente diante do imperador, enfatizando seu
status:
[...] Isidoro: ‘Eu não sou nem escravo, nem filho de atriz, mas ginasiarca da gloriosa
cidade de Alexandria. Mas você é o filho rejeitado da judia Salomé! E, portanto, [...]
Lampo disse a Isidoro: ‘Nós podemos também nos entregar a um imperador louco’ [...]
Nos Acta Diogenes, documento mais obscuro e de difícil datação, mas possivelmente
ambientado no reinado de Vespasiano, um alexandrino no exílio está sendo julgado por ter
caluniado um outro imperador anos antes17. Aqui ele não é definido como ginasiarca, mas
enfatiza-se sua posição nobre logo no início do texto e nas palavras de quem o estaria
acusando: “Doze anos atrás ele não criticou César? Mesmo que o considerasse um juiz bem disposto,
facilmente irritável contra aqueles que eram de alguma forma de categoria nobre? Ele não criticou César[...]?”.
16
17
MACMULLEN, p. 94.
MUSURILLO, p. 141.
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Os Acta Hermaisci narram uma embaixada de alexandrinos e judeus diante do imperador
Trajano, que iria ouvir os dois partidos. Já na detalhada nota introdutória vemos a menção aos
membros do ginásio:
[...] Dionísio, que tinha exercido vários cargos de procurador e Sálvio, Timágenes, Pastor
o ginasircarca, Julius Phanias, Philoxeno, o ginasiarca-eleito, Sótion o ginasiarca, Theon,
Athenodoro, e Paulo de Tiro, que ofereceu seus serviços como advogado dos alexandrinos.
Quando os judeus souberam disso, eles também escolheram enviados de seu próprio grupo
[...].
Na continuidade do diálogo, realça-se novamente a posição de destaque de Hermaisco nas
palavras do imperador: “César disse: ‘Esta é a segunda vez que estou lhe avisando, Hermaisco: tu estás me
respondendo de maneira insolente, tirando proveito de teu nascimento’”.
Nos Acta Athenodori, no diálogo entre o imperador (Trajano ou Adriano)18 e o alexandrino
Atenodoro, procura-se novamente destacar o status de um alexandrino, o que percebemos na
sentença atribuída ao imperador: “[...] Mande esses homens de nascimento nobre de volta para nós,
mesmo que eles estejam indispostos [...]”.
Por fim, nos Acta Appiani, em ordem cronológica o último texto sobrevivente dos Acta,
ambientado sob Cômodo, a menção à posição nobre dos ginasiarcas é mais enfatizada que em
todos os anteriores. Nesse texto, considerado o de teor mais intensamente anti-romano, o
alexandrino Apião é retratado argumentando com o imperador num ostensivo tom de desafio.
Já condenado à morte e depois de sucessivos confrontos no diálogo com o príncipe, o
alexandrino solicita ao imperador o direito de ser sepultado com suas insígnias nobres, o que
Cômodo lhe concede. Segue uma nota narrativa e as palavras de Apião: “[...] Apião [então]
pegou a sua faixa e a colocou na cabeça, e ao colocar os sapatos brancos em seus pés, ele gritou no meio de
Roma: ‘Venham, romanos, e vejam um espetáculo único, um alexandrino ginasiarca e embaixador sendo
levado à execução!’[...]”. Prossegue a discussão entre os dois e quando Cômodo acusa o
alexandrino de o estar desrespeitando, novamente ele menciona seu status:
]...] Apião: ‘Em nome do seu caráter, eu não sou louco e nem perdi a noção da honra.
Eu estou apenas fazendo um apelo em nome da minha posição nobre e de meus
privilégios.’
O imperador: ‘E qual é essa?’
Apião: ‘De categoria nobre e ginasiarca.’ [...]
Em todos os trechos citados acima, podemos observar a ênfase na categoria nobre dos
membros do ginásio, em geral através de discursos postos na boca dos próprios ginasiarcas,
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mas, às vezes, atribuídos ao imperador, que também teria consciência da posição destes
homens. É também recorrente o realce à importância do cargo associado à Alexandria, como
fica mais explícito nos Acta Apiani e Isidori. Ou seja, nota-se uma tentativa de exaltação à
cidade, mas geralmente vinculada aos seus cidadãos por excelência, os membros do ginásio
nativos de Alexandria.
A importância de ser nativo de Alexandria, além de nobre de nascimento, é também algo
recorrente em vários textos. Nota-se isso no PSI 1160, o “papiro da boulé”. Trata-se do
discurso de um alexandrino na presença de um imperador, provavelmente Cláudio, que se
pronuncia apenas ao final do texto. O personagem enumera ao príncipe as vantagens da
concessão de uma boulé à cidade. O modo de se dirigir ao imperador é cordial e respeitoso e,
ao argumentar sobre a importância da instituição para o seu povo, o alexandrino expõe
também o motivo pelo qual a criação da instituição seria vantajosa aos próprios romanos:
[...] É necessário que falemos por algum tempo. Eu proponho, então, que o Senado [...]
ficará atento para que a pureza [?] do corpo de cidadãos de Alexandria não seja
corrompido por homens sem cultura e educação. [...] Além disso, se houver necessidade de
lhe enviar uma missão diplomática, o Senado poderá selecionar aqueles mais adequados
para que ninguém humilde [?] faça a viagem e que ninguém capaz possa evitar esse serviço
à sua cidade nativa. [...]
Este trecho indica que já no reinado de Cláudio estaria havendo uma maior abertura para a
aquisição da cidadania alexandrina, algo provavelmente resultante das novas definições de
status e categorias étnicas impostas pelos romanos. O conteúdo do texto é essencialmente
político, uma vez que indica o receio quanto à perda da autonomia da cidade, algo que a
existência de uma boulé poderia ajudar a recuperar. No entanto, é visível a preocupação com a
pureza cultural de Alexandria, que estaria sendo ameaçada pela inserção de elementos de
outros grupos sociais (apesar de não se mencionar explicitamente que grupos) no corpo de
cidadãos. Tudo isto é dito de forma muito sutil e cuidadosa, e aparentemente não se pretende
desafiar o poder romano, posto que os elementos de crítica não são evidentes, mas nota-se já
um questionamento de suas práticas.
Outros textos deixam mais explícita a preocupação com a “pureza cultural” da cidade, o que
nos dirige para a análise de outro ponto recorrente em alguns textos: o anti-judaísmo, tema
que foi supervalorizado por muitos historiadores como o maior motivador na composição dos
Acta, mas que está presente em apenas três dos textos. Onde o judaísmo é mencionado, a
distinção entre alexandrinos e judeus é bem demarcada; e não é apenas em relação aos judeus
18
Idem, p. 164.
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que se estabelecem barreiras, mas também aos egípcios nativos, como fica claro no seguinte
trecho dos Acta Isidori (recensão C):
Isidoro: ‘Meu Senhor Augusto, considerando seus interesses, Balbilo realmente argumenta
bem. Mas a ti, Agripa, eu gostaria de replicar sobre o ponto que levantas em relação aos
judeus. Eu os acuso de querer atormentar o mundo inteiro [...] Nós devemos considerar a
comunidade de maneira geral. Ela não é do mesmo temperamentos dos alexandrinos, mas
vive muito mais no estilo dos egípcios. Eles não estão no mesmo nível daqueles que pagam
o imposto ?’
Agripa: ‘Os egípcios foram cobrados pelos seus antigos dirigentes.....Mas ninguém deixou
os judeus sujeitos as cobranças.’ [...]
A recensão B dos Acta Isidori se refere ao mesmo episódio, mas aqui Isidoro parece expressar
problemas com Agripa e não explicita uma indignação tão geral em relação ao judaísmo, como
observamos na recensão C. Mas o modo de se dirigir ao imperador é claramente desafiante:
Isidoro: ‘Meu senhor César, por que você se importa com um judeu de ‘meia-tigela’ como
Agripa?’
Cláudio César: ‘O quê? Você é o homem mais insolente ao falar [...]’
Nos Acta Hermaisci, a fala de Trajano ao receber a embaixada dos dois grupos deixa claro que a
situação entre ambos já não era pacífica, como podemos perceber do seguinte trecho: “[...]
Vocês dizem ‘olá’ para mim como se merecessem um cumprimento - depois de tudo que vocês ousaram fazer aos
judeus! [...]”. Em seguida, o imperador relata a insolência com a qual os alexandrinos estariam
se referindo a ele, avisando de que a continuidade deste comportamento os levaria à morte.
Hermaisco, cidadão alexandrino, justifica seu tom por estar descontente com a presença de
judeus “ímpios” no conselho privado de Trajano. O alexandrino garante que não está
desrespeitando o imperador e pede que o próprio explique por qual razão estaria havendo
desrespeito. Trajano responde que ele o ofendeu ao dizer que seu conselho estava repleto de
judeus. Hermaisco replica ao príncipe dizendo: “Então a palavra ‘judeu’ é ofensiva para você? Nesse
caso é melhor você ajudar seu próprio povo e não exercer o papel de advogado de judeus ímpios”.
Aqui os alexandrinos se queixam do espaço que os judeus estariam conquistando entre os
romanos. O trecho parece um artifício retórico do autor ao querer inverter a argumentação de
Trajano e desfavorecer os judeus. O tom indignado do imperador pode significar, também,
que este não pretendia se mostrar explicitamente favorável a nenhum grupo e que todos
deveriam estar igualmente submetidos ao poder dos romanos. Assim, quando é acusado de
favorecer aos judeus, Trajano irrita-se.
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Nota-se neste relato a indignação quanto aos judeus, mas as soluções para os problemas são
cobradas do próprio imperador e o tom com que o alexandrino Hermaisco se refere a Trajano
demonstra o intuito de desafiá-lo. Ou seja, observamos aqui um descontentamento misto em
relação a romanos e judeus, mas a crítica a ambos tem raízes diferentes, daí se expressar
também de forma desigual.
O terceiro texto que cita os judeus são os Acta Pauli et Antonini, que narram um embate entre
alexandrinos e judeus diante de outro imperador, provavelmente Adriano19. Trata-se de uma
troca de acusações entre os grupos, resultando na condenação de Paulo e Antonino, que no
final do diálogo resume a situação e reclama de sua principal queixa aos judeus:
Antonino: ‘Meu senhor César, eu juro em nome de sua índole que ele diz a verdade como
alguém que pode não viver um outro dia. Pois quando estávamos em circunstâncias tão
complicadas e tantas cartas lhe foram enviadas dizendo que (o prefeito) tinha ordenado
que os judeus ímpios transferissem sua residência para um local de que eles poderiam
facilmente atacar e devastar nossa bem nomeada cidade nenhuma linha sobre a questão
alcançou suas mãos beneficentes, então a razão para sua palavra Augusta está clara.
[...].
Como nos outros textos, a indignação quanto aos judeus parece mais associada a questões
políticas e sociais específicas do que a motivações mais profundas relacionadas a elementos
étnicos e religiosos de longa duração. Não afirmamos que tais motivações não existiam, mas
nos Acta dados desta natureza são insignificantes, indicando que a oposição que se quer
manifestar aos judeus e não-alexandrinos em geral é de teor cívico, mas localizado.
Acreditamos que o motivador maior, no qual as reclamações anti-judaicas também se inserem,
seja a idéia de questionar o poder romano e suas estratégias para, a partir daí, criar algum tipo
de resistência. Como vimos, a forma como isso é feito varia substancialmente de um texto
para o outro: em alguns o desafio é mais aberto; em outros parece suficiente ilustrar questões
referentes à Alexandria e seus habitantes, realçando sua importância e destaque. Variam
também o modo como o imperador e o poder romano são retratados. Mas em todos os textos
a potência imperial está ilustrada e presente, geralmente na figura do próprio imperador
(apesar deste nem sempre aparecer citado nominalmente), com exceção de dois textos em que
o oficial romano mencionado é o prefeito do Egito no momento (Flaco no P. Oxy. 1089 “Entrevista com Flaco” – e Máximo nos Acta Maximi – P. Oxy. 471 e Griec. Lit. Pap. N. 42).
Como as questões de que tratamos acima ilustram um pouco a preocupação dos alexandrinos
com a organização social, política e cultural da Alexandria e expressam críticas aos romanos,
19
Ibidem, p. 183.
51
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elas se misturam com outras motivações ou, ainda, manifestam-se através da denúncia de
problemas cívicos. Nos trechos citados dos Acta Hermaisci e Acta Isidori já fica evidente o tom
exaltado da fala ao imperador não apenas nas palavras dos alexandrinos, mas nas duas falas a
crítica aos romanos é também mediada por outras questões, como a crítica aos judeus. Nos
Acta Appiani, a crítica é ainda mais visível e direta, pois aqui é realmente o imperador o único
alvo dela, sem mediações. Neste sentido, podemos considerar este o texto de crítica mais
aberta e de forte oposição ao poder imperial. Podemos perceber isto no trecho a seguir:
[...] O imperador (então) chamou Apião. O imperador disse: ‘Você sabe com quem está
falando, não sabe?’
Apião: ‘Sim, eu sei: Apião fala com um tirano.’
O imperador: ‘Não, com um imperador.’
Apião: ‘Não diga nada! Seu pai, o divino Antônio, era adequado para ser imperador.
Mas, olhe para você, antes de tudo ele era um filósofo; em segundo lugar ele não era
avarento; em terceiro, ele era bom. Mas você tem justamente as características opostas: você
é tirano, desonesto e cruel!’
Considerando todas as variantes envolvidas na produção dos textos e que tornam cada escrito
uma unidade que procura reportar a um cenário muito específico, podemos dizer que o
elemento que permite agrupar todos estes textos é a referência à Alexandria e aos alexandrinos
em embates ou diálogos com o poder imperial. O modo como isto é reportado também é
semelhante entre os fragmentos. A maioria está escrita em discurso direto, com notas
narrativas no começo ou no decorrer do texto. A linguagem e a elaboração retórica (apesar de
nelas também variar o grau) estão presentes em todos os escritos. Em suma, os Acta são uma
tentativa de manifestar por escrito um tipo de resistência aos romanos e de denunciar o poder
imperial como maléfico à cultura alexandrina e ao brilho que ela possuía. Isto deveria ser feito
através da exaltação de seus heróis, da denúncia das autoridades romanas e da presença de
elementos de origem não-grega como problemática à cidade. Isto seria feito também para que
os membros do ginásio resgatassem seu antigo poder e prestígio através da circulação de idéias
favoráveis a isto, ou seja, seria uma resistência ao poderio romano através da retórica.
Por oposição ao contexto de resistência cívica manifesto nos Acta, em que o elemento
religioso se faz virtualmente ausente – ou confunde-se com o étnico nas referências ofensivas
aos judeus nos Acta Hermaisci – a “tradição apocalíptica” egípcia se apresenta, em todos os
seus espécimes, como literatura sagrada (ainda que de nível literário baixo). Tal característica
coaduna-se bem com um grande elemento comum a toda a apocalíptica do Antigo Oriente
Próximo no que tange às suas motivações: a repulsa ao poder estrangeiro pela ausência de
legitimidade sagrada percebida no mesmo. Anteriormente ao período helenístico, estas
52
Oracula 3.5, 2007.
monarquias apóiam-se, mítica e ritualmente, em divindades locais – Ahuramazda, Marduk ou
Iahweh20, com as quais nem sempre o sincretismo helenizante é possível ou, quando ocorre,
não é suficiente para atenuar problemas sociais e econômicos que lhe antecedem.
No caso específico do Egito, a tradição de ódio à dominação estrangeira teve, entre outras
conseqüências, a de transformar o período faraônico, genericamente designado, numa espécie
de “paraíso perdido”. É de se duvidar que a exação grega ou romana tornasse a vida do fellah
muito mais dura do que no tempo dos faraós, mas é exatamente aí que o tema da resistência
cultural ao governo estrangeiro, por princípio, manifesta-se com mais clareza. O exagero
crescente dos desmandos de Cambises no Egito é um exemplo claro de como, culturalmente,
vai-se amplificando o ressentimento ao domínio estrangeiro com o passar dos anos21.
Todavia, é um erro considerar a apocalíptica como mero fenômeno de resistência cultural,
como é um erro equivalente supor que toda resistência cultural egípcia vazou-se em molde
apocalíptico. A menos que se entenda “apocalíptica” num sentido tão amplo que o esvazie de
qualquer significado preciso22, é preciso ter clareza quanto ao tipo de texto de que se está
falando e, por conseguinte, se é possível estabelecer paralelos com o corpus apocalíptico em
sentido mais amplo (isto é, se “apocalíptica egípcia” não seria um misnomer para um fenômeno
literário que apenas superficialmente guardaria semelhanças com os apocalipses judaicos e
cristãos)23.
Se, obedecendo ao bom-senso, considerarmos como apocalípticos (ainda que apenas
parcialmente) somente os textos egípcios mais tardios (referimo-nos aqui, essencialmente, a
três deles – a “Crônica demótica”, o “Oráculo do oleiro” e o “Oráculo da ovelha”), veremos
20
EDDY, Samuel K. The king is dead: studies in the Near Eastern resistance to Hellenism 334-31 B.C. Lincoln: University
of Nebraska Press, 1961, p. vii.
21 Compare-se o desenvolvimento dos excessos de Cambises entre a narrativa de Heródoto em 2.181ss. e a de
João de Nikiu, Crônica 51.13.16ss. (final do séc. VII d.C.).
22 É o erro hoje facilmente percebido por qualquer estudioso no texto clássico de MCCOWN, Chester C.
Egyptian apocalyptic literature. In: Harvard Theological Review 18, 1925. Para McCown, textos do terceiro milênio
a.C. podem ser alinhados juntamente com outros muito mais recentes sem qualquer constrangimento. Em seu
artigo, chega-se a lamentar que os estudiosos de então não dessem suficiente crédito à influência egípcia sobre o
profetismo israelita (neste ponto já principia outro equívoco do texto, o de ter como um a priori a afinidade entre
profecia e apocalíptica). No limite extremo dos paralelos possíveis, ecos da doutrina de Akhenaton são
percebidos em Sl 104. Neste artigo, entendemos que a definição de “apocalíptica”, quando aplicada aos textos
egípcios, é altamente problemática e, de todo modo, limitar-se-ia a uns poucos textos posteriores ao período
persa. Portanto, é no mínimo inadequado falar-se de “apocalíptica egípcia” com a mesma desfaçatez com que se
podia fazê-lo nos dias de ouro da religionsgeschichtlishe Schule. Em termos de revelações sobrenaturais, eles têm
muito pouco a oferecer. Cf. BERGMAN, Jan. Introductory remarks on apocalypticism in Egypt. In:
HELLHOLM, Daniel (ed.). Apocalypticism in the Mediterranean world and the Near East: proceedings of the International
Colloquium on Apocalypticism, Uppsala, August 12-17, 1979. Tübingen: Mohr, 1983, pp. 52-53.
53
Oracula 3.5, 2007.
um certo número de temas comuns emergirem, entre os quais, o do repúdio ao domínio
estrangeiro e a insistência na perfeição da ordem pretérita (ou seja, uma espécie de nostalgia de
ma’at, o abrangente conceito egípcio de harmonia). O mesmo fenômeno pode ser encontrado
em textos propriamente apocalípticos da tradição judaico-cristã e nos fragmentos
(inadequadamente) chamados de apocalipses na literatura persa. Todavia, os textos egípcios
exibem peculiaridades de certa ordem quando comparados aos últimos dois tipos e, de outra,
quando examinados à luz dos Acta Alexandrinorum.
Em seus termos básicos, a tese de Eddy, segundo a qual a resistência cultural dos povos
sujeitos ao helenismo torna-se tanto mais sobrenatural e miraculosa quanto maior é a
impotência dos mesmos quanto à possibilidade de livrar-se efetivamente do jugo grego (uma
variação da tese weberiana de que toda a necessidade de salvação sobrenatural espelha uma
carência concreta) parece-nos correta. E em todos os casos analisados por Eddy numa obra de
síntese – que hoje não seria mais possível em função da especialização em cada campo de
estudo específico – verifica-se o mesmo nexo essencial entre as monarquias do Antigo Oriente
Próximo e sua legitimação divina: os egípcios não constituíam exceção e, como os demais
povos da região, jamais compuseram tratados peri/ basileíaj24.
Muito pelo contrário, a concepção egípcia de monarquia apoiava-se numa visão de cosmos
essencialmente estática (isto é, não-processual ou escatológica, como no caso do zoroastrismo
ou do judaísmo tardio)25. A esta concepção essencial correspondem certos mitos de criação e
ritos de entronização (os primeiros incompreensíveis à luz da invasão grega, os segundos
apropriados “indevidamente” pelos gregos, numa perspectiva egípcia). Não é por outra razão
que no “Oráculo do oleiro” os gregos são identificados com Seth (que na mitologia egípcia
posterior ao Segundo Período Intermediário – 1778-1610 a.C. – passou a ser identificado com
tudo o que simbolizasse o mal). Manethon identificou Avaris, a suposta cidade dos leprosos
em revolta sob Amenhotep no segundo milênio a.C., como a capital dos seguidores da
23 O mesmo problema se coloca, com as devidas ressalvas, quanto aos “apocalipses” persas. Cf. HULTGÅRD,
Anders. Persian apocalypticism. In: COLLINS, John J. (ed.). The encyclopedia of apocalypticism: the origins of
apocalypticism in Judaism and Christianity. Vol.1. New York: Continuum, 1998, p. 41.
24 KOENEN, Ludwig. The prophecies of a potter: a prophecy of world renewal becomes an apocalypse. In:
SAMUEL, Deborah H. (ed.). Proceedings of the 12th International Congress of Papyrology. Toronto: Hakkert, 1970, p.
250. Mesmo a discussão sobre a monarquia no começo de 1Sm 8.4ss não se apóia em considerações abstratas
(por parte do discurso do próprio Samuel), mas antes em instruções do próprio Deus.
25 COHN, Norman. Cosmos, chaos and the world to come: the ancient roots of apocalyptic faith. New Haven/London: Yale
University Press, 1993, p. 4ss. Opressivo como o Estado egípcio pudesse ser, ele ainda encarnava, aos olhos do
fellah, a ordem do mundo – desde que presidido por um egípcio.
54
Oracula 3.5, 2007.
divindade nefasta26. As profecias do oleiro refletem as concepções de monarquia dos egípcios
e seu temor permanente do caos (num mito egípcio, quando o rei dos deuses, Shu, morreu, o
mundo ficou mergulhado nas trevas por nove dias, até a coroação de seu filho Geb).
O “Oráculo do oleiro”, embora apóie em grande medida sua estrutura narrativa sobre um
texto muito mais antigo que também conta com um rei-salvador para resgatar o Egito do caos
(“As visões de Neferti”, de aprox. 2.000 a.C.), mostra-se muito mais criativo27. O enredo do
oráculo é simples: durante o reinado de Amenhotep (durante o qual se situa a trama e também
no qual Manethon situa o incidente dos leprosos), um oleiro é mandado para a ilha de HéliosRa por ordem de Hermes-Tot; o povo local considera o exercício do ofício sacrílego naquelas
condições, abre o forno do oleiro, quebra sua cerâmica e o leva à presença real. Infelizmente o
“Oráculo” nos chegou sob a forma de três papiros muito incompletos: dois conhecidos já em
princípios do século XX (Graf e Rainer, daqui para frente “G” e “R”) e o mais recente,
identificado como papiro de Oxyrhynchus 2332 (final do século III d.C.)28. Após a passagem
da coluna II.53 em R, P. Oxy. 2332 segue um caminho independente e, para nossos
propósitos, mais interessante, já que inclui as profecias de danação sobre Alexandria.
Trata-se da repetição de um ato simbólico, tanto por parte do oleiro quanto de seus
perseguidores29: a explicação que ele fornece é a de que, do mesmo modo que sua cerâmica foi
quebrada, o Egito também o será (profecia ex-eventu); o rei reconhece o oleiro como profeta e
este morre após a profecia (as palavras de um moribundo não podem ser falsas e isso
empresta ainda mais veracidade ao tema tradicional do sábio tardiamente reconhecido e
reabilitado, um tema recorrente em certo número de histórias que compõem o “banco de
dados” temático citado por Momigliano. A semelhança com a história de Daniel na corte
babilônica é notável)30.
O ato do oleiro é simbólico em dois aspectos essenciais: pela representação de um Egito
destruído na metáfora da cerâmica e pelo fato de ele, em sua condição de oleiro, repetir o ato
26
FrGH 609F10 Jacoby. Cf. ainda VERBRUGGHE, Gerald & WICKERSHAM, John M. (eds.). Berossos and
Manetho. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1996.
27 KOENEN, p. 251.
28 REITZENSTEIN, Richard. Vom Töpferorakel zu Hesiod. In: REITZENSTEIN, Richard & SCHAEDER,
Hans H. (eds.). Studien zum antiken Synkretismus aus Iran und Griechenland. Leipzig: B.G. Teubner, 1926, pp. 39ss.
(trata-se de um dos clássicos da religionsgeschichtliche Schule, que compõe um estudo comparativo dos textos egípcios
com o Bahman Yašt persa etc até chegarmos ao mito hesiódico).
29 Neste sentido, o episódio assemelha-se a Is 20 ou Jr 13. Obviamente não se pode postular dependência direta –
nem mesmo indireta – em qualquer direção, mas apenas um pano de fundo comum de tradições divinatórias, na
melhor das hipóteses.
30 KOENEN, Ludwig. Die Prophezeiungen des ‘Töpfers’. In: Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 2, 1968, p.
183.
55
Oracula 3.5, 2007.
criador essencial do oleiro divino, Khnum, que criou o homem a partir de sua roda; num
outro plano, a ilha de Hélios-Ra remete ao tema do governante vindo do Sol (a)po\ Hli/ou), que
terá vida longa nos complexos míticos do Oriente Próximo31. Todavia, o uso de a)p )hli/oio em
OrSib 3.652, por exemplo, mostra que a expectativa mais geral sobre a qual se apoiava a
crença era de cunho mais geográfico que étnico (o que passagens como as de Suetônio, Vida
de Vespasiano 4.5 – ut eo tempore Judaea profecti rerum potirentur – podem dar a entender)32.
Em todo caso, o ato do oleiro repete simbolicamente a criação original e restaura o Egito à sua
condição ideal33 em termos míticos que nada têm a ver com as elaboradas considerações
políticas dos mártires cívicos dos Acta. Cabe lembrar, ainda, que no “Oráculo do oleiro” os
gregos são identificados explicitamente com os seguidores de Seth34. Uma variante do tema da
vingança do Oriente sobre gregos e romanos manifesta no “Oráculo” é o fato de que não será
por intervenção divina que os gregos serão destruídos, mas pelas próprias mãos; de modo
análogo, Alexandria terá seu fim quando seu “espírito protetor” a abandonar e mudar-se para
Mênfis (outro tema tradicional, que evoca a justificativa dada por Josefo para a sua deserção –
Deus teria abandonado Jerusalém e se mudado para Roma; por conseguinte, a invasão romana
não poderia constituir sacrilégio já que nada havia de sagrado a ser profanado35).
pa/lein ei)j th\n Ai)/gupton e)panh/zei ei)j Ai)/gupton h(/te
paraqala/ssioj po/lij yugmw\n a(llie/wn e)stai
dia\ to\ to\n a)gaqo\n daimo/na kai\ Mh=fin <ei)j Me/mfin> poreu/esqai w(/ste
teina\j dierxome/nouj le/gein au(/th h)=n pantotro/foj ei)j h(\n katoikei= pa=n
36
ge/noj a)ndrw=n .
Aqui encontramos algo das intervenções ex-machina tradicionais na apocalíptica judaica, mas
sem a relevância e o caráter espetacular que lhe são peculiares. Numa derivação muito tardia
do tema da redenção cósmica, o Apocalipse de Asclépio, texto gnóstico, também prevê uma
31 “Oráculo do oleiro”, II.7. Cf. FUCHS, Harald. Der geistige Widerstand gegen Rom in der antiken Welt. Berlin: Walter
de Gruyter, 1938, pp. 31, 34 e 81. De menor interesse, mas também relacionada ao assunto é a obra de
NORDEN, Eduard. Die Geburt des Kindes. Geschichte einer Religiösenidee. Leipzig/Berlin: B.G. Teubner, 1924, em
especial pp.14ss.
32 KIPPENBERG, Hans. Dann wird der Orient herrschen und der Okzident dienen. In: BOLZ, Norbert &
HUEBENER, Wolfgang (eds.). Spiegel und Gleichnis. Festschrift für Jacob Taubes. Würzburg: Königshausen &
Neumann, 1983, pp. 42-43. Cf. também NORDEN, Eduard. Josephus und Tacitus über Jesus Christus und eine
messianische Prophetie. In: Neue Jahrbücher für das klassische Altertum 31, 1913 e LINDNER, Hans. Eine
quellenkritische Analyse der Texte von Tacitus, Sueton und Josephus. In: Die Geschichtsauffassung des Flavius Josephus
im Bellum Judaicum. Leiden: Brill, 1972. Os textos citados se preocupam especialmente com o tema da profecia do
governante vindo do Oriente, tal como manifestado nas obras de Josefo, Tácito e Suetônio.
33 KOENEN, The prophecies of a potter, p. 251.
34 Idem, p. 250.
35 BJ 5.412. A mesma idéia surge no Apocalipse siríaco de Baruch (2Br 8.2) e em Tácito, Histórias 5.13.
56
Oracula 3.5, 2007.
recomposição da natureza e da cultura no Egito na mesma época em que ainda circulavam
cópias do “Oráculo do oleiro” (séc. III d.C.), mas somente para os pios37.
Tratam-se, portanto, de temas tradicionais reelaborados em molde (aparentemente)
apocalíptico que, vistos contra um plano mais geral, tornam a semelhança com a apocalíptica
mais aparente que real: talvez seja o caso de se inverter o raciocínio e lembrar que são as
condições extremamente duras da exação romana em todo o Oriente que propiciam respostas
superficialmente semelhantes para o mesmo problema. Um retrato pungente do problema
aparece em Fílon, Sobre as Leis Especiais 3.159ss, que descreve com cores muito vívidas as
torturas que aguardavam os inadimplentes para com o fisco romano. Levando-se em conta
que o autor em questão também trata do Egito (ainda que seja judeu e alexandrino), não causa
espanto que, ainda durante o período romano, profecias como a do oleiro estivessem sendo
consumidas e, por assim dizer, atualizadas (esta pode ser uma das causas para as variantes
textuais entre G, R e P. Oxy. 2332) em função da capacidade inerente deste tipo de literatura
ser reelaborado, reescrito e consumido sem maiores constrangimentos quanto ao que deveria
ser a sua forma original.
Como adendo às considerações feitas até aqui, cumpre lembrar das diferenças essenciais entre
a expectativa judaica e a egípcia quanto ao que poderia ser visto como o governante ideal: um
“rei que vem do Sol” aparece já em Is 41.25 LXX (“de onde o Sol se levanta”, a)f )h\li/ou). Mas
“do Sol” não é sinônimo de “do Oriente” e, em todo caso, o Messias judaico não era esperado
do Oriente38. Em sua tese doutoral, J. J. Collins já argumentava que o termo deveria ser
entendido contra o background da mitologia egípcia, onde o rei era visto como filho do deus-
II.58-62. Muito do texto citado em P. Oxy. 2332 foi reconstituído por Roberts, mas a discussão específica
fugiria ao escopo deste artigo e pode, de todo modo, ser encontrada em ROBERTS, Colin H. The Oracle of the
Potter. In: Oxyrhynchus Papyri 22, 1954, p. 97.
37 Paul J. Alexander enxerga aqui a influência iraniana (que parece uma mania da regligionsgeschichtliche Schule) em
texto originalmente publicado em 1910: cf. The Oracle of Baalbek, the Tiburtine sibyl in Greek dress. Washington:
Dumbarton Oaks Center for Byzantine Studies, 1967. Cit. por KOENEN, The prophecies of a potter, p. 254.
Lactâncio menciona desastres semelhantes aos enunciados pelo oleiro (Das instituições divinas, 7) e os relaciona à
profecias do Antigo Testamento, à sibila e ao “Oráculo de Histaspes”. Mas aqui nos parece que a generalização é
excessiva e a lista de paralelos temáticos poderia ser arbitrária e facilmente ampliada. A idéia de influência iraniana
na referência aos zwnofo/roi (“usuários de cintas”) poderia revelar um paralelo persa (no Bahman Yašt 3.8), mas,
na verdade, o BY refere-se aos turcos e a um item de seu equipamento militar (lembremos que ainda que o
Bahman Yašt contenha material muito antigo, os mss. de que dispomos são posteriores à invasão árabe). O termo
decorrente, zwnofo/rwn po/lij, como se referindo à Persépolis e ao rei prometido como Ptolomeu III, perde o
sentido e zwnofo/roi pode igualar-se à Tufw/nioi, isto é, aos gregos. A cidade passa a ser entendida como
Alexandria pelos leitores do “Oráculo”. Cf. a tradução de um fragmento do “Oráculo do oleiro” por ROBERTS,
p. 91.
38 COLLINS, John J. The sibyl and the potter: political propaganda in Ptolomaic Egypt. In: Seers, sibyls and sages in
Hellenistic-Roman Judaism. Leiden/New York/Köln: Brill, 1997, p. 202.
36
57
Oracula 3.5, 2007.
Sol Rá39. Um paralelo preciso entre OrSib 3.652-656 e o “Oráculo do oleiro” pode ser
encontrado somente nestes termos. Além disso, deve-se ter em mente que o protesto ecoado
pelo autor do “Oráculo” não pode ser tomado como representativo da opinião geral de todos
os egípcios: como os sacerdotes egípcios foram apoiados pelos Ptolomeus, que os
reconheceram como Hórus vivo, um “rei vindo do Sol” não precisava necessariamente ser um
egípcio nativo. Pela importância atribuída ao sétimo rei em OrSib 3, é provável que a sibila
estivesse esperando apenas um Ptolomeu benigno para com os judeus; isto se torna mais
compreensível quando se leva em conta a benevolência de Ptolomeu Filopátor para com os
judeus, em especial para com os fugidos da perseguição de Antíoco Epífanes. Ele também
garantiu favores especiais a Onias IV e seu templo em Leontópolis. As figuras aguardadas são
diferentes, portanto: em OrSib 3 trata-se de um rei ptolomaico benévolo, no “Oráculo do
oleiro”, um rei nativo40. Mas falta ao oleiro o tom de exortação moral da sibila41.
Como conclusão geral, tanto os Acta quanto o “Oráculo do oleiro” são textos particularmente
confusos, mas por razões diferentes. Enquanto os Acta encontram-se em estado deplorável de
conservação, o mesmo não se pode afirmar do “Oráculo do oleiro”, embora este último
tampouco esteja em condições ideais. Mas a confusão comum entre ambos encontra-se no
âmbito da pseudepigrafia: ao pretenderem ambientar-se em cenários distantes daqueles nos
quais foram efetivamente redigidos, tantos os Acta quanto o “Oráculo” cometem
anacronismos e equívocos justificáveis, no caso específico da pseudepigrafia desses dois
textos, pelo desejo de segurança dos autores reais. Neste sentido, parece fazer pouca diferença
que os Acta estejam referindo-se a um contexto cívico e o “Oráculo” a outro religioso: em seu
objetivo de inspirar ou delimitar a resistência cultural em termos seguros, ambos sofrem
limitações semelhantes que independem do estado em que os respectivos manuscritos hoje se
encontram.
39
COLLINS, John J. Studies in the Sibylline Oracles of Egyptian Judaism. Missoula: SBL, 1974, pp. 40-44.
COLLINS, The sibyl and the potter, pp. 204-205.
41 Idem, p. 205.
40
58
Oracula 3.5, 2007.
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