Editora Chefe
Profª Drª Antonella Carvalho de Oliveira
Assistentes Editoriais
Natalia Oliveira
Bruno Oliveira
Flávia Roberta Barão
Bibliotecária
Janaina Ramos
Projeto Gráfico e Diagramação
Natália Sandrini de Azevedo
Camila Alves de Cremo
Luiza Alves Batista
Maria Alice Pinheiro
Imagens da Capa
Shutterstock
Edição de Arte
Luiza Alves Batista
Revisão
Os Autores
2021 by Atena Editora
Copyright © Atena Editora
Copyright do Texto © 2021 Os autores
Copyright da Edição © 2021 Atena Editora
Direitos para esta edição cedidos à Atena
Editora pelos autores.
Todo o conteúdo deste livro está licenciado sob uma Licença de
Atribuição
Creative
Commons.
Atribuição-Não-ComercialNãoDerivativos 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0).
O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de
responsabilidade exclusiva dos autores, inclusive não representam necessariamente a posição
oficial da Atena Editora. Permitido o download da obra e o compartilhamento desde que sejam
atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou
utilizá-la para fins comerciais.
Todos os manuscritos foram previamente submetidos à avaliação cega pelos pares, membros
do Conselho Editorial desta Editora, tendo sido aprovados para a publicação com base em
critérios de neutralidade e imparcialidade acadêmica.
A Atena Editora é comprometida em garantir a integridade editorial em todas as etapas do
processo de publicação, evitando plágio, dados ou resultados fraudulentos e impedindo que
interesses financeiros comprometam os padrões éticos da publicação. Situações suspeitas de
má conduta científica serão investigadas sob o mais alto padrão de rigor acadêmico e ético.
Conselho Editorial
Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Prof. Dr. Alexandre Jose Schumacher – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná
Prof. Dr. Américo Junior Nunes da Silva – Universidade do Estado da Bahia
Prof. Dr. Antonio Carlos Frasson – Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Prof. Dr. Antonio Gasparetto Júnior – Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais
Prof. Dr. Antonio Isidro-Filho – Universidade de Brasília
Prof. Dr. Carlos Antonio de Souza Moraes – Universidade Federal Fluminense
Prof. Dr. Crisóstomo Lima do Nascimento – Universidade Federal Fluminense
Profª Drª Cristina Gaio – Universidade de Lisboa
Prof. Dr. Daniel Richard Sant’Ana – Universidade de Brasília
Prof. Dr. Deyvison de Lima Oliveira – Universidade Federal de Rondônia
Profª Drª Dilma Antunes Silva – Universidade Federal de São Paulo
Prof. Dr. Edvaldo Antunes de Farias – Universidade Estácio de Sá
Prof. Dr. Elson Ferreira Costa – Universidade do Estado do Pará
Prof. Dr. Eloi Martins Senhora – Universidade Federal de Roraima
Prof. Dr. Gustavo Henrique Cepolini Ferreira – Universidade Estadual de Montes Claros
Profª Drª Ivone Goulart Lopes – Istituto Internazionele delle Figlie de Maria Ausiliatrice
Prof. Dr. Jadson Correia de Oliveira – Universidade Católica do Salvador
Prof. Dr. Julio Candido de Meirelles Junior – Universidade Federal Fluminense
Profª Drª Lina Maria Gonçalves – Universidade Federal do Tocantins
Prof. Dr. Luis Ricardo Fernandes da Costa – Universidade Estadual de Montes Claros
Profª Drª Natiéli Piovesan – Instituto Federal do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. Marcelo Pereira da Silva – Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Profª Drª Maria Luzia da Silva Santana – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Prof. Dr. Pablo Ricardo de Lima Falcão – Universidade de Pernambuco
Profª Drª Paola Andressa Scortegagna – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Drª Rita de Cássia da Silva Oliveira – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Dr. Rui Maia Diamantino – Universidade Salvador
Prof. Dr. Saulo Cerqueira de Aguiar Soares – Universidade Federal do Piauí
Prof. Dr. Urandi João Rodrigues Junior – Universidade Federal do Oeste do Pará
Profª Drª Vanessa Bordin Viera – Universidade Federal de Campina Grande
Profª Drª Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti – Universidade Católica do Salvador
Prof. Dr. William Cleber Domingues Silva – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Willian Douglas Guilherme – Universidade Federal do Tocantins
Ciências Agrárias e Multidisciplinar
Prof. Dr. Alexandre Igor Azevedo Pereira – Instituto Federal Goiano
Prof. Dr. Arinaldo Pereira da Silva – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará
Prof. Dr. Antonio Pasqualetto – Pontifícia Universidade Católica de Goiás
Profª Drª Carla Cristina Bauermann Brasil – Universidade Federal de Santa Maria
Prof. Dr. Cleberton Correia Santos – Universidade Federal da Grande Dourados
Profª Drª Diocléa Almeida Seabra Silva – Universidade Federal Rural da Amazônia
Prof. Dr. Écio Souza Diniz – Universidade Federal de Viçosa
Prof. Dr. Fábio Steiner – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Prof. Dr. Fágner Cavalcante Patrocínio dos Santos – Universidade Federal do Ceará
Profª Drª Girlene Santos de Souza – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Prof. Dr. Jael Soares Batista – Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Prof. Dr. Jayme Augusto Peres – Universidade Estadual do Centro-Oeste
Prof. Dr. Júlio César Ribeiro – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Profª Drª Lina Raquel Santos Araújo – Universidade Estadual do Ceará
Prof. Dr. Pedro Manuel Villa – Universidade Federal de Viçosa
Profª Drª Raissa Rachel Salustriano da Silva Matos – Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dr. Ronilson Freitas de Souza – Universidade do Estado do Pará
Profª Drª Talita de Santos Matos – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Tiago da Silva Teófilo – Universidade Federal Rural do Semi-Árido
Prof. Dr. Valdemar Antonio Paffaro Junior – Universidade Federal de Alfenas
Ciências Biológicas e da Saúde
Prof. Dr. André Ribeiro da Silva – Universidade de Brasília
Profª Drª Anelise Levay Murari – Universidade Federal de Pelotas
Prof. Dr. Benedito Rodrigues da Silva Neto – Universidade Federal de Goiás
Profª Drª Daniela Reis Joaquim de Freitas – Universidade Federal do Piauí
Profª Drª Débora Luana Ribeiro Pessoa – Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dr. Douglas Siqueira de Almeida Chaves – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Edson da Silva – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
Profª Drª Elizabeth Cordeiro Fernandes – Faculdade Integrada Medicina
Profª Drª Eleuza Rodrigues Machado – Faculdade Anhanguera de Brasília
Profª Drª Elane Schwinden Prudêncio – Universidade Federal de Santa Catarina
Profª Drª Eysler Gonçalves Maia Brasil – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia AfroBrasileira
Prof. Dr. Ferlando Lima Santos – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Profª Drª Fernanda Miguel de Andrade – Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Dr. Fernando Mendes – Instituto Politécnico de Coimbra – Escola Superior de Saúde de Coimbra
Profª Drª Gabriela Vieira do Amaral – Universidade de Vassouras
Prof. Dr. Gianfábio Pimentel Franco – Universidade Federal de Santa Maria
Prof. Dr. Helio Franklin Rodrigues de Almeida – Universidade Federal de Rondônia
Profª Drª Iara Lúcia Tescarollo – Universidade São Francisco
Prof. Dr. Igor Luiz Vieira de Lima Santos – Universidade Federal de Campina Grande
Prof. Dr. Jefferson Thiago Souza – Universidade Estadual do Ceará
Prof. Dr. Jesus Rodrigues Lemos – Universidade Federal do Piauí
Prof. Dr. Jônatas de França Barros – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. José Max Barbosa de Oliveira Junior – Universidade Federal do Oeste do Pará
Prof. Dr. Luís Paulo Souza e Souza – Universidade Federal do Amazonas
Profª Drª Magnólia de Araújo Campos – Universidade Federal de Campina Grande
Prof. Dr. Marcus Fernando da Silva Praxedes – Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Profª Drª Maria Tatiane Gonçalves Sá – Universidade do Estado do Pará
Profª Drª Mylena Andréa Oliveira Torres – Universidade Ceuma
Profª Drª Natiéli Piovesan – Instituto Federacl do Rio Grande do Norte
Prof. Dr. Paulo Inada – Universidade Estadual de Maringá
Prof. Dr. Rafael Henrique Silva – Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados
Profª Drª Regiane Luz Carvalho – Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino
Profª Drª Renata Mendes de Freitas – Universidade Federal de Juiz de Fora
Profª Drª Vanessa Lima Gonçalves – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Drª Vanessa Bordin Viera – Universidade Federal de Campina Grande
Profª Drª Welma Emidio da Silva – Universidade Federal Rural de Pernambuco
Ciências Exatas e da Terra e Engenharias
Prof. Dr. Adélio Alcino Sampaio Castro Machado – Universidade do Porto
Profª Drª Ana Grasielle Dionísio Corrêa – Universidade Presbiteriana Mackenzie
Prof. Dr. Carlos Eduardo Sanches de Andrade – Universidade Federal de Goiás
Profª Drª Carmen Lúcia Voigt – Universidade Norte do Paraná
Prof. Dr. Cleiseano Emanuel da Silva Paniagua – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Goiás
Prof. Dr. Douglas Gonçalves da Silva – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
Prof. Dr. Eloi Rufato Junior – Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Profª Drª Érica de Melo Azevedo – Instituto Federal do Rio de Janeiro
Prof. Dr. Fabrício Menezes Ramos – Instituto Federal do Pará
Profª Dra. Jéssica Verger Nardeli – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Prof. Dr. Juliano Carlo Rufino de Freitas – Universidade Federal de Campina Grande
Profª Drª Luciana do Nascimento Mendes – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte
Prof. Dr. Marcelo Marques – Universidade Estadual de Maringá
Prof. Dr. Marco Aurélio Kistemann Junior – Universidade Federal de Juiz de Fora
Profª Drª Neiva Maria de Almeida – Universidade Federal da Paraíba
Profª Drª Natiéli Piovesan – Instituto Federal do Rio Grande do Norte
Profª Drª Priscila Tessmer Scaglioni – Universidade Federal de Pelotas
Prof. Dr. Sidney Gonçalo de Lima – Universidade Federal do Piauí
Prof. Dr. Takeshy Tachizawa – Faculdade de Campo Limpo Paulista
Linguística, Letras e Artes
Profª Drª Adriana Demite Stephani – Universidade Federal do Tocantins
Profª Drª Angeli Rose do Nascimento – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Profª Drª Carolina Fernandes da Silva Mandaji – Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Profª Drª Denise Rocha – Universidade Federal do Ceará
Profª Drª Edna Alencar da Silva Rivera – Instituto Federal de São Paulo
Profª DrªFernanda Tonelli – Instituto Federal de São Paulo,
Prof. Dr. Fabiano Tadeu Grazioli – Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões
Prof. Dr. Gilmei Fleck – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Profª Drª Keyla Christina Almeida Portela – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná
Profª Drª Miranilde Oliveira Neves – Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará
Profª Drª Sandra Regina Gardacho Pietrobon – Universidade Estadual do Centro-Oeste
Profª Drª Sheila Marta Carregosa Rocha – Universidade do Estado da Bahia
Conselho Técnico Científico
Prof. Me. Abrãao Carvalho Nogueira – Universidade Federal do Espírito Santo
Prof. Me. Adalberto Zorzo – Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
Prof. Dr. Adaylson Wagner Sousa de Vasconcelos – Ordem dos Advogados do Brasil/Seccional Paraíba
Prof. Dr. Adilson Tadeu Basquerote Silva – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí
Profª Ma. Adriana Regina Vettorazzi Schmitt – Instituto Federal de Santa Catarina
Prof. Dr. Alex Luis dos Santos – Universidade Federal de Minas Gerais
Prof. Me. Alexsandro Teixeira Ribeiro – Centro Universitário Internacional
Profª Ma. Aline Ferreira Antunes – Universidade Federal de Goiás
Profª Drª Amanda Vasconcelos Guimarães – Universidade Federal de Lavras
Prof. Me. André Flávio Gonçalves Silva – Universidade Federal do Maranhão
Profª Ma. Andréa Cristina Marques de Araújo – Universidade Fernando Pessoa
Profª Drª Andreza Lopes – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Acadêmico
Profª Drª Andrezza Miguel da Silva – Faculdade da Amazônia
Profª Ma. Anelisa Mota Gregoleti – Universidade Estadual de Maringá
Profª Ma. Anne Karynne da Silva Barbosa – Universidade Federal do Maranhão
Prof. Dr. Antonio Hot Pereira de Faria – Polícia Militar de Minas Gerais
Prof. Me. Armando Dias Duarte – Universidade Federal de Pernambuco
Profª Ma. Bianca Camargo Martins – UniCesumar
Profª Ma. Carolina Shimomura Nanya – Universidade Federal de São Carlos
Prof. Me. Carlos Antônio dos Santos – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Prof. Me. Carlos Augusto Zilli – Instituto Federal de Santa Catarina
Prof. Me. Christopher Smith Bignardi Neves – Universidade Federal do Paraná
Profª Drª Cláudia de Araújo Marques – Faculdade de Música do Espírito Santo
Profª Drª Cláudia Taís Siqueira Cagliari – Centro Universitário Dinâmica das Cataratas
Prof. Me. Clécio Danilo Dias da Silva – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Prof. Me. Daniel da Silva Miranda – Universidade Federal do Pará
Profª Ma. Daniela da Silva Rodrigues – Universidade de Brasília
Profª Ma. Daniela Remião de Macedo – Universidade de Lisboa
Profª Ma. Dayane de Melo Barros – Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Me. Douglas Santos Mezacas – Universidade Estadual de Goiás
Prof. Me. Edevaldo de Castro Monteiro – Embrapa Agrobiologia
Prof. Me. Edson Ribeiro de Britto de Almeida Junior – Universidade Estadual de Maringá
Prof. Me. Eduardo Gomes de Oliveira – Faculdades Unificadas Doctum de Cataguases
Prof. Me. Eduardo Henrique Ferreira – Faculdade Pitágoras de Londrina
Prof. Dr. Edwaldo Costa – Marinha do Brasil
Prof. Me. Eliel Constantino da Silva – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Prof. Me. Ernane Rosa Martins – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás
Prof. Me. Euvaldo de Sousa Costa Junior – Prefeitura Municipal de São João do Piauí
Prof. Dr. Everaldo dos Santos Mendes – Instituto Edith Theresa Hedwing Stein
Prof. Me. Ezequiel Martins Ferreira – Universidade Federal de Goiás
Profª Ma. Fabiana Coelho Couto Rocha Corrêa – Centro Universitário Estácio Juiz de Fora
Prof. Me. Fabiano Eloy Atílio Batista – Universidade Federal de Viçosa
Prof. Me. Felipe da Costa Negrão – Universidade Federal do Amazonas
Prof. Me. Francisco Odécio Sales – Instituto Federal do Ceará
Prof. Me. Francisco Sérgio Lopes Vasconcelos Filho – Universidade Federal do Cariri
Profª Drª Germana Ponce de Leon Ramírez – Centro Universitário Adventista de São Paulo
Prof. Me. Gevair Campos – Instituto Mineiro de Agropecuária
Prof. Me. Givanildo de Oliveira Santos – Secretaria da Educação de Goiás
Prof. Dr. Guilherme Renato Gomes – Universidade Norte do Paraná
Prof. Me. Gustavo Krahl – Universidade do Oeste de Santa Catarina
Prof. Me. Helton Rangel Coutinho Junior – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Profª Ma. Isabelle Cerqueira Sousa – Universidade de Fortaleza
Profª Ma. Jaqueline Oliveira Rezende – Universidade Federal de Uberlândia
Prof. Me. Javier Antonio Albornoz – University of Miami and Miami Dade College
Prof. Me. Jhonatan da Silva Lima – Universidade Federal do Pará
Prof. Dr. José Carlos da Silva Mendes – Instituto de Psicologia Cognitiva, Desenvolvimento Humano e
Social
Prof. Me. Jose Elyton Batista dos Santos – Universidade Federal de Sergipe
Prof. Me. José Luiz Leonardo de Araujo Pimenta – Instituto Nacional de Investigación Agropecuaria
Uruguay
Prof. Me. José Messias Ribeiro Júnior – Instituto Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco
Profª Drª Juliana Santana de Curcio – Universidade Federal de Goiás
Profª Ma. Juliana Thaisa Rodrigues Pacheco – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Drª Kamilly Souza do Vale – Núcleo de Pesquisas Fenomenológicas/UFPA
Prof. Dr. Kárpio Márcio de Siqueira – Universidade do Estado da Bahia
Profª Drª Karina de Araújo Dias – Prefeitura Municipal de Florianópolis
Prof. Dr. Lázaro Castro Silva Nascimento – Laboratório de Fenomenologia & Subjetividade/UFPR
Prof. Me. Leonardo Tullio – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª Ma. Lilian Coelho de Freitas – Instituto Federal do Pará
Profª Ma. Lilian de Souza – Faculdade de Tecnologia de Itu
Profª Ma. Liliani Aparecida Sereno Fontes de Medeiros – Consórcio CEDERJ
Profª Drª Lívia do Carmo Silva – Universidade Federal de Goiás
Prof. Dr. Lucio Marques Vieira Souza – Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura de
Sergipe
Prof. Dr. Luan Vinicius Bernardelli – Universidade Estadual do Paraná
Profª Ma. Luana Ferreira dos Santos – Universidade Estadual de Santa Cruz
Profª Ma. Luana Vieira Toledo – Universidade Federal de Viçosa
Prof. Me. Luis Henrique Almeida Castro – Universidade Federal da Grande Dourados
Prof. Me. Luiz Renato da Silva Rocha – Faculdade de Música do Espírito Santo
Profª Ma. Luma Sarai de Oliveira – Universidade Estadual de Campinas
Prof. Dr. Michel da Costa – Universidade Metropolitana de Santos
Prof. Me. Marcelo da Fonseca Ferreira da Silva – Governo do Estado do Espírito Santo
Prof. Dr. Marcelo Máximo Purificação – Fundação Integrada Municipal de Ensino Superior
Prof. Me. Marcos Aurelio Alves e Silva – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
Profª Ma. Maria Elanny Damasceno Silva – Universidade Federal do Ceará
Profª Ma. Marileila Marques Toledo – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
Prof. Dr. Pedro Henrique Abreu Moura – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
Prof. Me. Pedro Panhoca da Silva – Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profª Drª Poliana Arruda Fajardo – Universidade Federal de São Carlos
Prof. Me. Rafael Cunha Ferro – Universidade Anhembi Morumbi
Prof. Me. Ricardo Sérgio da Silva – Universidade Federal de Pernambuco
Prof. Me. Renan Monteiro do Nascimento – Universidade de Brasília
Prof. Me. Renato Faria da Gama – Instituto Gama – Medicina Personalizada e Integrativa
Profª Ma. Renata Luciane Polsaque Young Blood – UniSecal
Prof. Me. Robson Lucas Soares da Silva – Universidade Federal da Paraíba
Prof. Me. Sebastião André Barbosa Junior – Universidade Federal Rural de Pernambuco
Profª Ma. Silene Ribeiro Miranda Barbosa – Consultoria Brasileira de Ensino, Pesquisa e Extensão
Profª Ma. Solange Aparecida de Souza Monteiro – Instituto Federal de São Paulo
Profª Ma. Taiane Aparecida Ribeiro Nepomoceno – Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Prof. Me. Tallys Newton Fernandes de Matos – Faculdade Regional Jaguaribana
Profª Ma. Thatianny Jasmine Castro Martins de Carvalho – Universidade Federal do Piauí
Prof. Me. Tiago Silvio Dedoné – Colégio ECEL Positivo
Prof. Dr. Welleson Feitosa Gazel – Universidade Paulista
Processos criativos e educacionais em artes 2
Bibliotecária:
Diagramação:
Correção:
Edição de Arte:
Revisão:
Organizador:
Janaina Ramos
Maria Alice Pinheiro
Giovanna Sandrini de Azevedo
Luiza Alves Batista
Os Autores
Fabiano Eloy Atílio Batista
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
P963
Processos criativos e educacionais em artes 2 / Organizador
Fabiano Eloy Atílio Batista. – Ponta Grossa - PR: Atena,
2021.
Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
ISBN 978-65-5983-002-2
DOI 10.22533/at.ed.022212604
1. Artes. I. Batista, Fabiano Eloy Atílio (Organizador). II.
Título.
CDD 700
Elaborado por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
Atena Editora
Ponta Grossa – Paraná – Brasil
Telefone: +55 (42) 3323-5493
www.atenaeditora.com.br
contato@atenaeditora.com.br
DECLARAÇÃO DOS AUTORES
Os autores desta obra: 1. Atestam não possuir qualquer interesse comercial que constitua um
conflito de interesses em relação ao artigo científico publicado; 2. Declaram que participaram
ativamente da construção dos respectivos manuscritos, preferencialmente na: a) Concepção do
estudo, e/ou aquisição de dados, e/ou análise e interpretação de dados; b) Elaboração do artigo
ou revisão com vistas a tornar o material intelectualmente relevante; c) Aprovação final do
manuscrito para submissão.; 3. Certificam que os artigos científicos publicados estão
completamente isentos de dados e/ou resultados fraudulentos; 4. Confirmam a citação e a
referência correta de todos os dados e de interpretações de dados de outras pesquisas; 5.
Reconhecem terem informado todas as fontes de financiamento recebidas para a consecução
da pesquisa.
APRESENTAÇÃO
Caros leitores e leitoras;
O processo de criar significa um processo vivencial (...) enriquece
espiritualmente o indivíduo que cria, como também o indivíduo que recebe a
criação e a recria para si. (OSTROWER, 1987, p.135)1
Manifesta-se criativamente e artisticamente acompanha a evolução humana desde
os tempos primórdios. Nesse sentido, a partir de suas mais variadas linguagens, a arte,
bem como a produção artística se mostra um mecanismo de extrema importância para
compreensão sócio histórica e cultural de um determinado período e sociedade.
Essas manifestações se mostram como uma ferramenta muito importante para
formação dos sujeitos, tornando-os sensíveis as suas relações sociais e contribuindo,
significativamente, para uma valorização de suas identidades culturais.
Para tanto, a coletânea “Processo Criativos e Educacionais em Artes 2”
reuniu pesquisas, nacionais e internacionais, com temáticas variadas que tiveram em
comum os eixos da Arte, Criação e Educação com o propósito de apontar aos leitores
as possibilidades entorno da ampliação dos olhares sobre os mais variados aspectos,
abordagens e desdobramentos sobre as questões acerca das técnicas e metodologias
criativas e educacionais no campo das artes, sobretudo na contemporaneidade.
Os vinte e quatro capítulos que compõem essa coletânea possuem um caráter
interdisciplinar, e conta com pesquisas atuais e com alto rigor científico de diversas
áreas do conhecimento, ainda há contribuições de pesquisadores diversos, tornando-se
fundamental e necessário para uma construção a respeito dos debates e das reflexões, a
partir de distintas áreas do conhecimento, para que possamos dialogar sobre as questões
em torno dos processos criativos e educacionais nos campos das artes.
Ressaltamos ainda, mediante essa coletânea, a importância da divulgação científica,
em especial no campo das Artes e, especialmente, a Atena Editora pela consolidação de
publicações de pesquisas que exploram e divulgam esse universo.
Ademais, espera-se que os textos aqui expostos possam ampliar de forma positiva
os olhares e as reflexões de todos os leitores e leitoras, oportunizando o surgimento
de novas pesquisas e olhares sobre o universo das Artes, dos Processo Criativos e da
Educação.
A todos e todas, uma excelente leitura!
Fabiano Eloy Atílio Batista
1 OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 ................................................................................................................. 1
INTERSECÇÕES ARTE, CIÊNCIA, TECNOLOGIA: PESQUISAS E EXPERIMENTAÇÕES
ACADÊMICAS
Adriana Gomes de Oliveira
Hugo de Andrade Tardivo
Júlia Almeida Rocha
DOI 10.22533/at.ed.0222126041
CAPÍTULO 2 ...............................................................................................................16
PELA LINHA DO TREM: O COTIDIANO DA ESCOLA PÚBLICA E O SURGIMENTO DO
PROJETO FALE SOBRE MIM
Luiza Rangel Cordeiro
DOI 10.22533/at.ed.0222126042
CAPÍTULO 3 ...............................................................................................................26
UMA LUZ PARA O CORPO: UMA METODOLOGIA DE ENSINO A PARTIR DE UMA
PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM
José Geraldo Furtado Gomes
DOI 10.22533/at.ed.0222126043
CAPÍTULO 4 ...............................................................................................................33
LEITURA DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UM ESTUDO DE ESTRATÉGIAS
Fábia Fagundes Pacheco
Joccitiel Dias da Silva
Bartira Zanotelli Dias da Silva
DOI 10.22533/at.ed.0222126044
CAPÍTULO 5 ...............................................................................................................45
CORPO-OBJETO-OBRA: UMA EXPERIÊNCIA EM EXPANSÃO JUNTO À DISCIPLINA
TÉCNICA DE MANIPULAÇÃO DE OBJETOS
Julia Coelho Franca de Mamari
DOI 10.22533/at.ed.0222126045
CAPÍTULO 6 ...............................................................................................................50
ARTE EFÊMERA: (IM)POSSIBILIDADE DE PATRIMONIALIZAÇÃO
Maria Eduarda Rozario
Nadja Carvalho Lamas
DOI 10.22533/at.ed.0222126046
CAPÍTULO 7 ...............................................................................................................57
ARTESANIA DA CENA TEATRAL CONTEMPORÂNEA: TRABALHO IMAGINATIVO E
AUTOFORMAÇÃO DOCENTE
Maria Edneia Gonçalves Quinto
DOI 10.22533/at.ed.0222126047
SUMÁRIO
CAPÍTULO 8 ...............................................................................................................70
ATELIÊS/SEMINÁRIOS : O CASO DA ORIENTAÇÃO EM ARTES VISUAIS DO GRUPO
ATOS CULTIVADOS NO CONTEXTO DO PROGRAMA VOCACIONAL
Talita Caselato
DOI 10.22533/at.ed.0222126048
CAPÍTULO 9 ...............................................................................................................79
O DESIGN THINKING COMO ABORDAGEM EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEA:
POSSIBILIDADES NA ARTE-EDUCAÇÃO
Bruna Nátali da Rosa
Gisele dos Santos
DOI 10.22533/at.ed.0222126049
CAPÍTULO 10.............................................................................................................93
O PROJETO ROCK E O GOSTO DOS ALUNOS
António José Pacheco Ribeiro
DOI 10.22533/at.ed.02221260410
CAPÍTULO 11 ...........................................................................................................103
O PARADOXO DO DEPOIMENTO
Daniel Furtado Simões da Silva
DOI 10.22533/at.ed.02221260411
CAPÍTULO 12........................................................................................................... 113
OS PRINCÍPIOS DA PESQUISA: UMA BUSCA POR MULHERES DRAMATURGAS EM
MACAPÁ
Juliana Souto Lemos
Mariana de Lima e Muniz
DOI 10.22533/at.ed.02221260412
CAPÍTULO 13...........................................................................................................123
CORPO NO MOVIMENTO DE CRIAÇÃO
Gabriela Gonçalves
DOI 10.22533/at.ed.02221260413
CAPÍTULO 14...........................................................................................................128
PROCESSOS FORMATIVOS EM TEATRO MUSICAL NO ENSINO TÉCNICO: A
EXPERIÊNCIA SENSORIAL QUE REVELA O ARTISTA MULTIPERCEPTIVO NO ALUNOATOR
Fidelcino Neves Reis
DOI 10.22533/at.ed.02221260414
CAPÍTULO 15...........................................................................................................140
EDUCAR COM CRIATIVIDADE: SER PÁSSARO OU CARNEIRINHO NA APRENDIZAGEM
DA COMPOSIÇÃO MUSICAL
José Augusto Neves de Moura
António José Pacheco Ribeiro
DOI 10.22533/at.ed.02221260415
SUMÁRIO
CAPÍTULO 16...........................................................................................................154
CATEGORIAS E CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DE DIFICULDADES MUSICAIS EM OBRAS
ESCRITAS PARA PIANO
Júnia Gonçalves Santiago
DOI 10.22533/at.ed.02221260416
CAPÍTULO 17...........................................................................................................165
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA NA I SUÍTE BRASILEIRA DE OSCAR
LORENZO FERNANDEZ
Júnia Gonçalves Santiago
DOI 10.22533/at.ed.02221260417
CAPÍTULO 18...........................................................................................................178
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA NA II SUÍTE BRASILEIRA DE OSCAR
LORENZO FERNANDEZ
Júnia Gonçalves Santiago
DOI 10.22533/at.ed.02221260418
CAPÍTULO 19...........................................................................................................192
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA NA III SUÍTE BRASILEIRA DE OSCAR
LORENZO FERNANDEZ
Júnia Gonçalves Santiago
DOI 10.22533/at.ed.02221260419
CAPÍTULO 20...........................................................................................................204
BRASILIANAS IV E V PARA PIANO DE RADAMÉS GNATTALI: UMA ANÁLISE MUSICAL
TIPIFICADA, INTERPRETATIVA E COMPARATIVA
Felipe Aparecido de Mello
DOI 10.22533/at.ed.02221260420
CAPÍTULO 21...........................................................................................................220
IMPORTÂNCIA DA TRANSCRIÇÃO MUSICAL
Luiz Renato da Silva Rocha
Rafael da Silva Rocha
Roger da Silva Rocha
DOI 10.22533/at.ed.02221260421
CAPÍTULO 22...........................................................................................................233
MÚSICA E INTERDISCIPLINARIDADE: AÇÕES PEDAGÓGICAS E REFLEXIVAS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Andréia Miranda de Moraes Nascimento
Julia Raquel Ismael Azzi
Larissa Cristine Ladeia
DOI 10.22533/at.ed.02221260422
SUMÁRIO
CAPÍTULO 23...........................................................................................................241
A PRÁTICA DA DANÇA NA ESCOLA POR MEIO DO BALLET CLÁSSICO E SUA
CONTRIBUÍÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE CRIANÇAS DA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Maria Laura Porto Calil
Nayra de Souza Mothé Alvarenga
Priscilla Gonçalves de Azevedo
DOI 10.22533/at.ed.02221260423
CAPÍTULO 24...........................................................................................................253
ASPECTOS DA FOTOGRAFIA SURREALISTA: UM ESTUDO DE CASO
Carolina Bento Safi
Agnaldo Farias
DOI 10.22533/at.ed.02221260424
SOBRE O ORGANIZADOR .....................................................................................266
ÍNDICE REMISSIVO .................................................................................................267
SUMÁRIO
doi
CAPÍTULO 1
INTERSECÇÕES ARTE, CIÊNCIA, TECNOLOGIA:
PESQUISAS E EXPERIMENTAÇÕES ACADÊMICAS
Data de aceite: 16/04/2021
Adriana Gomes de Oliveira
Instituto de Artes e Design da Universidade
Federal de Juiz de Fora – IAD-UFJF
http://lattes.cnpq.br/6535951731540200
Hugo de Andrade Tardivo
Instituto de Artes e Design da Universidade
Federal de Juiz de Fora – IAD-UFJF
http://lattes.cnpq.br/5263360079354612
Júlia Almeida Rocha
Instituto de Artes e Design da Universidade
Federal de Juiz de Fora – IAD-UFJF
http://lattes.cnpq.br/1148434898250807
the years 2019-2020, which intersect art, science
and technology. An extension project for children
and youth education, with the participation of
Julia Rocha, a scientific initiation project with the
participation of Hugo Tardivo, also mentioning his
artistic initiation, and a discipline that explored the
concept of morphic fields.
KEYWORDS: Art, Science, Technology, Morphic
Fields
1 | PROJETO DE EXTENSÃO
INTERSECÇÕES ARTE E CIÊNCIA, COM
A PARTICIPAÇÃO DE JÚLIA ROCHA
O Projeto de extensão, Intersecções
Arte e Ciência, que foi desenvolvido no Instituto
Estadual de Educação de Juiz de Fora (Escola
RESUMO: O presente texto apresenta três
propostas desenvolvidas e coordenadas pela
Professora Adriana Oliveira, no Instituto de
Artes e Design da Universidade Federal de
Juiz de Fora, entre os anos de 2019-2020, que
interseccionam arte, ciência e tecnologia. Um
projeto de extensão para educação infantojuvenil, que teve a participação de Julia Rocha, um
projeto de iniciação científica com a participação
de Hugo Tardivo, mencionando também sua
iniciação artística, e uma disciplina que explorou
o conceito de campos mórficos.
PALAVRAS - CHAVE: Arte, Ciência, Tecnologia,
Campos Mórficos
ABSTRACT: This text presents three proposals
developed and coordinated by Professor Adriana
Oliveira, from the Institute of Arts and Design at
the Federal University of Juiz de Fora, between
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Normal), no primeiro semestre de 2019, teve
como objetivo levar para crianças que estavam
cursando o ensino fundamental um quadro
imagético de fenômenos científicos de alta
complexidade por meio de filmes infantis e
atividades lúdicas que funcionassem como
pontes de compreensão. Em um primeiro
momento, foram exibidos os seguintes filmes:
Tomorrowland - Um Lugar Onde Nada é
Impossível e Uma dobra no tempo, este
segundo foi um dos motivos que me conectou
à professora Adriana, que orientou e participou
o projeto. O filme trata da história de Meg,
uma criança inteligente que não se encaixa no
ambiente escolar. Apesar da narrativa centrada
na vida desta personagem, tanto o livro quanto
o filme, adaptado, apresentam de maneira
Capítulo 1
1
simplificada a realidade científica e carregam neles a mensagem de que a ciência está
para todos, especialmente para as crianças.
Os estudos a respeito da tridimensionalidade, viagens interplanetárias e anos luz
deram o pontapé inicial para as aulas ministradas.
Vejam aqui — disse a Sra. Quequeé —, se um minúsculo inseto quisesse ir deste ponto da saia
na mão direita da Sra. Quem para aquele ponto na mão esquerda, teria que fazer uma longa
caminhada em linha reta.
A Sra. Quem juntou as duas mãos em um gesto rápido, ainda segurando a saia. — Agora,
vejam, ele está lá sem todo o deslocamento — disse a Sra. Quequeé. — É assim que
viajamos.
(Trechos do livro Uma Dobra no Tempo, capítulo 5: O Tesseracto)
A partir deste trecho do livro e da apresentação do filme, lançado em 2018, iniciouse um diálogo sobre qual era o entendimento dos alunos ao se percorrer distâncias de
modo rápido ou devagar, e suas respostas se resumiram a meios de transporte como moto,
metrô, ônibus e bicicleta, sucessivamente. Levantei a questão de como eles achavam que
poderia ser a viagem para a Lua ou Marte, e a maioria chegou à conclusão de que o
foguete era a melhor alternativa. Porém, o propósito não era que pensassem por meio de
tanta lógica, mas que desenvolvessem alternativas criativas para a situação, portanto levei
um “telefone de lata”, brinquedo esse que eles nunca haviam visto ou acessado. Ali eles
entenderam que nem tudo que vai de um lugar até o outro, precisa acontecer por meios
visíveis, tecnológicos e palpáveis. Lhes foi explicado, então, que a voz viajava e percorria
a linha que prendia as duas latas a partir de vibrações, sem tecnologia ou eletricidade;
e eles, assim, se comunicavam. Definido esse entendimento, expliquei o que seria o
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
2
entrelaçamento quântico, a comunicação que ocorre por meio de moléculas semelhantes
e presentes em objetos diferentes, que se sintonizam, e transmitem informações por
um caminho invisível de enorme distância. Ou seja, aqui, como metáfora, as duas latas
representavam os objetos em comum e a linha representava o caminho e a distância entre
ambos, mesmo que o corpo deles não pudesse viajar de um lugar para outro, suas vozes
poderiam. O fenômeno foi definido por Einstein como “ação fantasmagórica à distância”,
as descobertas que permeiam essa interação entre objetos são tidas como base da teoria
quântica, pois esta mostra que para além das interações entre as partículas em análise,
elas estão aptas para afetar um corpo sem contato físico e sem estímulo mecânico. (Site
Inovação Tecnológica)
Após a explicação e a brincadeira com o telefone de lata, transmitimos a cena de
Uma dobra no tempo em que Meg e seu irmão vão tesserar pela primeira vez. Apesar
dos aspectos fantasiosos presentes na cena, as crianças conseguiram associar facilmente
com o entrelaçamento quântico, pois entenderam que para ir de uma “dimensão” à outra
bastava encontrar a ponte “invisível” que as conecta.
O propósito dos encontros foi se solidificando aos poucos, e os alunos já entendiam
a partir do próprio repertório alguns dos conceitos fundamentais e estruturais da física
quântica. Em outro momento, me utilizando das palavras e narrativas de Madeleine L’engle,
escritora de Uma dobra no tempo, expliquei brevemente o que seria uma dimensão e quais
seriam as diferenças entre elas.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
3
(Trechos do livro Uma Dobra no Tempo, capítulo 5: O Tesseracto)
Desenhei, nessa mesma ordem, uma linha, um quadrado e um cubo e apesar das
crianças não terem compreendido muito bem como um cubo poderia ser multiplicado duas
vezes, entenderam que as dimensões estão conectadas e que de algum modo foi isso que
permitiu Meg de tesserar; ou seja, viajar no espaço.
Como aspecto imagético, para além dos filmes que já apresentavam cenários
“impossíveis” e vividos, algumas imagens foram escolhidas e explicadas.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
4
Algumas imagens microscópicas de fungos e nebulosas foram usadas como
mecanismo para aproximar da realidade os cenários de outras dimensões apresentados
nos filmes. Essas imagens causaram o impacto necessário no repertório visual daquelas
crianças que, após três encontros, já se mostravam mais curiosas nas realizações das
atividades, e mais confiantes para falar a respeito dos assuntos levados. Como forma de
trabalhar o visual, objetos incomuns e variados da professora foram levados e a atividade
proposta pedia que brincassem com o encaixe, refração e possibilidades de composição,
para que fossem fotografados. Apresentei alguns conceitos básicos sobre o uso da câmera
do celular que possibilitaram que mais cenários fossem fotografados.
Imagens feitas durante as aulas, com objetos tridimenscionais variados e celulares
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
5
Essas fotografias permitiram o estudo e o entendimento quase que poético de
universos impossíveis; as crianças manusearam os objetos e fizeram encaixes de modo
intuitivo, recriando até mesmo cenas dos filmes, na tentativa de entendê-las. As atividades
se mostraram fundamentais para a compreensão dos temas, visto que por ser um momento
de descontração, as crianças ficavam mais confortáveis e debatiam entre si suas dúvidas
e entendimentos.
Imagens feitas durante as aulas, com materiais para desenho e massinha de modelar
É importante ressaltar que as motivações em promover diálogos sobre temas
complexos da ciência, partem da necessidade de torná-los acessíveis para alunos de
escolas públicas e/ou periféricas. Esta foi uma experiência extracurricular que não se
baseava em uma metodologia muito comum e enrijecida, o que possibilitou que os alunos
se sentissem autônomos em suas descobertas de um estudo novo e nunca visto.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
6
Acima alguns trabalhos feitos em massinha e desenho, explorando materiais
diversos. Vale ressaltar que toda a parte plástica foi custeada pela professora, uma vez
que o projeto ocorreu sem qualquer tipo de verba para sua execução. Foi submetido como
demanda espontânea, em um momento em que não havia valores disponíveis para os
projetos de extensão, dentro da Universidade, e Julia foi bolsista-voluntária.
Objetiva-se dar continuidade a esta proposta, agora na Escola Estadual Fernando
Lobo, com a qual já está entabulada uma parceria, com apoio da direção, submetendo a
proposta a um edital remunerado.
2 | PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA ARTE, CIÊNCIA, TECNOLOGIA:
LINHA DO TEMPO E A PARTICIPAÇÃO DE HUGO TARDIVO
Minha participação no projeto Arte, Ciência, Tecnologia: Linha do Tempo, no qual
tenho uma bolsa de Iniciação Científica na modalidade Vic, desde setembro de 2020, se dá
através de levantamento de dados bibliográficos, informações extras e curiosidades, sob
indicação da professora Adriana Oliveira. Tenho buscado sempre conexões para a com os
conteúdos trabalhados na disciplina ‘Ateliê de Artes e Novas Tecnologias’ - ofertada pelo
Instituto de Artes e Design-UFJF, e ministrada pela professora. As pesquisas decorrem
de forma ampla e diversa, seguindo sempre a linha temporal dos acontecimentos - a
professora pretende criar uma linha do tempo dinâmica e conectiva.
A participação neste trabalho abre novos horizontes artísticos e acadêmicos para
mim. Sendo apresentado a obras e estilos que me identifico, além de despertar interesses
científico-práticos nos laços tecnológicos, midiáticos e artísticos. Também tenho colaborado,
paralelamente a isto, na materialização destas aulas, na medida em que edito os vídeos
(por fora da pesquisa Vic), além do conteúdo da pesquisa, propriamente falando.
Sob supervisão e encaminhamento da orientadora, busco os entrelaçamentos
da tecnologia, ciência e momentos artísticos variados. Dessa forma, observando como
tais relações são intrínsecas e definidoras. Funcionando em alguns momentos como um
tríplice, uma aliança que sustenta e norteia os passos da humanidade.
A relação arte-ciência pode ser observada de diversas maneiras ao decorrer da
história. Leonardo da Vinci (1452-1519) alegava que estas se complementam, compondo
uma função intelectual. Artistas compreendem a ficção científica como uma antecipação
pelas artes de desenvolvimentos feitos da ciência. Nesses casos, bastante distantes, há
algo em comum: a inter-relação entre arte e ciência, seja pela complementaridade ou pela
influência recíproca.
Ainda sobre as atividades desenvolvidas na bolsa Vic, num primeiro momento
realizei o levantamento bibliográfico de 15 invenções e/ou descobertas, indicadas pela
professora Adriana, que serão aprofundados, algum(s) dele(s), em um artigo posterior. Em
paralelo, desenvolvi slides sobre cada tema, para organização, que foram acrescidos e
finalizados pela professora. Também paralelamente, estes arquivos foram utilizados em
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
7
vídeo-aulas, com áudios gravados por ela, editados por mim, e disponibilizados aos alunos.
Os itens pesquisados foram: 1. Invenção Dos Pigmentos e Da Tinta Em Tubo; 2. Invenção
Do Relógio - A Contagem Do Tempo; 3. Invenção Dos Algarismos Romanos; 4. Invenção
Da Escrita; 5. Guttemberg E A Imprensa; 6. Invenção Da Fotografia - A Câmera Fotográfica;
7. Invenção do Rádio, 8. Invenção da Televisão, 9. Invenção Das Lentes E Óculos; 10.
Invenção Da Lâmpada Elétrica; 11. Invenção Do Computador; 12. Invenção Dos Sensores
Digitais; 13. Autômatos, Robôs, Ciborgues, Cíbridos e Weareables; 14. Invenção dos
Celulares, 15. Descoberta Do Átomo À Física Quântica e o Computador Quântico.
Adriana nos fala que esta linha do tempo (que está em desenvolvimento) é relevante,
na medida em que, através das descobertas e curiosidades, ocorridas nestes diferentes
campos do conhecimento, é possível transitar, poética e conceitualmente, das técnicas
para a história, da história para as tecnologias e conceitos correlacionados, e assim
sucessivamente, alimentando um campo de conhecimentos que só cresce.
Já ultrapassa setenta anos a trajetória dos artistas contemporâneos no trânsito entre
a arte e as áreas tecnocientíficas, graças aos avanços diversos da comunicação (mídias),
da computação, da engenharia genética, por exemplo. Destes cruzamentos surgem
nomenclaturas como arte eletrônica, arte-comunicação, arte-tecnologia, artemídia, ou
ainda, arte transgênica. Todas estas nomenclaturas denotam estes campos de cruzamentos
interdisciplinares.
No Brasil, Abraham Palatnik (1928) e Waldemar Cordeiro (1925-1973) são
considerados os pioneiros dessa convergência entre arte, tecnologia e ciência. As obras de
Palatnik fazem parte da chamada arte-cinética, isto é, apresentam eletroímãs ou motores de
pequenas dimensões e, conforme a ação da luz, mudam de coloração. Waldemar Cordeiro,
contemporâneo de Palatnik, introduziu em 1970, o uso do computador nas artes visuais.
Abraham Palatnik aparelho cinecromático sf-4 , 1954 / 2004 madeira, metal, tecido sintético,
lâmpadas e motor 61,5 X 81,5 X 20 cm
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
8
Atente-se como, comenta Adriana, nesta imagem abstrata de Palatinik, feita com
lâmpadas e motores, as diferentes visões de mundos, citados acima por Júlia, no contexto
dos filmes infanto-juvenis, também se revelam. E, pegando a perspectiva da nossa Linha
do Tempo, se relacionam com a pintura abstrata, por exemplo. Somente aqui viria todo
um contexto de estudos e de pesquisas criativas, que poderiam interessar, de maneiras
diversas, a vários indivíduos: cor luz e cor pigmento, formas, composição, composição em
movimento (animação), engrenagens e seus movimentos, etc.
Aqui o conceito de Intermídia, ainda nos fala Adriana, se faz necessário ser
abordado. Uma ideia que se transforma em outra, mudando-se os suportes e mantendose os conceitos é chamada de tradução intersemiótica, um braço da Intermidialidade.
Este mecanismo operacional é potente para a alimentação dos processos criativos, da
curiosidade e, consequentemente, das pesquisas.
2.1 Contemporaneidade: Arte-Tecnologia-Comunicação – A importância dos
Smartphones
Expandindo repertório, agora em uma pesquisa pessoal, parto para exemplos
atuais, onde as relações arte-tecnologia-comunicação seguem caminhos de convergência,
em alguns casos até mesmo de fusão (ex: Smartphones-Câmeras Fotográficas). O tema
me desperta grande interesse, iniciando assim o projeto ‘A Importância do Smartphone na
Fotografia Contemporânea’, do qual sou bolsista no PIBIART-UFJF (Programa Institucional
de Bolsas de Iniciação Artística), sob a orientação da Professora Adriana. A proposta desta
pesquisa é focar nos dispositivos móveis (principalmente Smartphones) como instrumento
fundamental nos dias de hoje para a produção fotográfica. Além de estudar o caráter ubíquo
desses dispositivos, um traço importante da contemporaneidade.
A fotografia apresentava claros sinais de transformações nos últimos anos, um
processo que acelerou por conta da pandemia de Covid-19 e a consequente necessidade
de isolamento social. As produções fotográficas passaram a depositar em lentes de
smartphones o papel de principal meio de obtenção de registros artísticos, além de claro
entretenimento e divertimento. Dessa forma temos uma arte contemporânea inserida nas
tecnologias-comunicativas, ou artemídia, como já mencionado. O projeto, assim, tem
uma intenção artística, científica e educativa, baseando-se em pesquisas de linguagem,
além de referências online e bibliográficas, para ampliação de repertório próprio (técnico
e artístico). Os conhecimentos adquiridos serão exercitados também através da execução
de oficinas. Como exemplos temos a experimentação, estudo e produção autoral de
‘Filtros do Instagram’: Na Imagem 1 referencio a pintura francesa do final do Séc. XIX - o
Impressionismo. Na Imagem 2, com as plantas, tento criar a noção de ‘moldura’, para assim
trazer certo foco à pessoa e ao animal, porém com bastante informação visual.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
9
3 | DISCIPLINA PRÁTICA ARTÍSTICA ACOMPANHADA E A EXPERIÊNCIA DE
ADRIANA OLIVEIRA COM O CONCEITO DE CAMPO MÓRFICO
Na disciplina prática artística acompanhada, ministrada por mim no primeiro
semestre de 2019, trabalhei com o conceito de campo mórfico, elaborado pelo biólogo
Rupert Sheldrake.
Foi um grande desafio trazer um conceito relativamente hermético para um contexto
de ensino da arte, no qual a proposta era os alunos produzirem dentro de uma proposta que
vinha sendo trabalhada pela professora.
Os campos mórficos, definindo-os, são campos nos quais memórias (informações)
são passados geração na geração, revelando hábitos, que podem aparecer nas moléculas,
nos cristais, nas ideias, nas famílias, nas sociedades etc. Estes hábitos se fazem presentes
para sistemas semelhantes, e vão variando sua estrutura, de maneira cumulativa, no
espaço e no tempo (Hendges).
Sheldrake, através de experiências com ratos, começou a considerar a existência
desses campos. Ele ensinou um grupo a sair do labirinto e começou a observar que outros
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
10
ratos, em outros lugares, aprenderam a sair dos labirintos também. Esta experiência
foi repetida muitas vezes, dando resultados positivos, o que lhe mostrou que corpos de
composição e características semelhantes se tornam mais capazes de ressoar estas
informações - memórias aprendidas (Hendges).
Diversos profissionais foram convidados a vir nos falar, das áreas física/música,
inteligência artificial, psicologia, microfioterapia, constelação familiar e meditação.
Os alunos elaboraram hipóteses, o espectro estava grande, a partir de ideias também
discutidas por mim, para materialização destes conceitos em trabalhos artísticos. O objetivo
não era traduzir literalmente o conceito de campo morfogenético mas, antes, iluminar-se
pelo mesmo, e criar livremente, trabalhando diversos níveis metafóricos.
Eu mesma estava fazendo um experimento em casa, com sementes de plantas,
que cresciam sob o som de frases positivas e outras, sob o som de frases negativas e
posso inferir, por experiência própria, que estas informações do campo, no que concerne
a experiências afetivas/emocionais podem chegar a bloquear a entrada de uma pessoa
num determinado espaço que carrega memórias negativas. Não cheguei a terminar
o experimento com as plantas, que teve os primeiros indivíduos crescidos, pois este
requereria mais tempo para observar outras gerações, (ainda o farei), mas cito o fotógrafo
e escritor japonês, Masaru Emoto (1943-2014), que fez experimentos com cristais de água,
onde pensamentos positivos criam belas imagens nos cristais, enquanto pensamentos
agressivos, de raiva ou ódio, criam imagens caóticas e distorcidas.
Desenvolvi, como uma das propostas artísticas, dentro da disciplina, este projeto,
Registros Carnais do Belo (2016-2019), que propõe, metaforicamente, a mudança de uma
memória negativa, que neste caso é física, em outra memória (a partir da experiência da
tatuagem), que reconfigura o sistema.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
11
Registros Carnais do Belo, Adriana Oliveira
O que aqui foi trabalhado com metáfora visual, é muito explorado no campo das
terapias holísticas. Falando especificamente da constelação familiar, uma marca/memória/
registro perpetuado por gerações pode ser reconfigurado através de um movimento
terapêutico, de ressignificação daquela vivência, que retroalimenta a visão e a trajetória do
indivíduo sobre determinada situação, criando novas rotas para ações.
Voltando ao filme Uma Dobra no Tempo, Meg tessera (viaja no espaço-tempo) para
encontrar seu pai. A conexão entre os dois é a do Amor; força que conecta. Pensamentos
(sejam positivos ou negativos) nos conectam a padrões de informações presentes neste
campo informacional. Daí a importância da arte, de reconfigurar modos de perceber e sentir.
Vivemos um momento em que a presença das máquinas é ubíqua e sistemas
inteligentes diversos têm nos cercado. Peguemos o exemplo dos ratos, ensinados por
Sheldrake, que aprenderam as rotas para sair do labririnto, e dos outros ratos que, sem
contato com estes, também apresentaram a mesma capacidade. Poderia o mesmo estar
acontecendo com máquinas inteligentes? Quem sabe algum tipo de proto-inteligência
emergente? É uma pergunta que faço.
E nós, que estamos absolutamente conectados a estes ambientes tecnológicos,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
12
estaríamos apreendendo informações de maneira diferente? Este caminho é longo,
desde a criação do primeiro instrumento pelos hominídeos estamos co-evoluindo com as
tecnologias, e atualmente temos lidado com uma proliferação de máquinas e sistemas
inteligentes. Talvez algo possa estar mudando, esta é minha hipótese, e nos faz pensar
sobre a importância da inserção de informações construtivas e edificantes no meio
que nos cerca. Não que as artes tenham que falar somente do belo, algumas vezes os
questionamentos e os choques são necessários, mas a maneira como são apreendidos e
trabalhados internamente, por cada um de nós, é que deve ser pensada, sempre passando
pela tolerância e, quem sabe, pelo amor.
Árvore da vida, 2019
Um outro trabalho meu, pensado para esta disciplina, foi esta árvore frondosa,
metáfora da vida e da sabedoria, revelando o fim de um dia, de um ciclo. Foi um pouco a
experiência que tive com esta disciplina, de muitas conexões e entendimentos.
Acima de tudo, o entendimento de que coisas boas que colocamos no mundo se
reproduzem aqui e em outros lugares, por ressonância, sem mesmo sabermos. Arrisco
dizer até, que vivemos uma realidade holofractal, e que os espaços-tempos se repetem
(por similaridade) e se influenciam mutuamente.
Os padrões da piscina, na obra Ressonância Azul (frame de trabalho em vídeo),
denotam isto.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
13
Ressonância Azul (vídeo), Adriana Oliveira, 2019.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intersecção Arte e Ciência nos revela conceitos diversos e, consequentemente,
nos traz imagens novas para serem trabalhadas. São metáforas que podem ser exploradas
na arte, e na vida também.
Esta interdisciplinaridade que conecta a arte, com a tecnologia e a ciência, abre
uma profusão de possibilidades de pesquisas criativas, que podem se desdobrar para
diferentes linguagens artísticas e campos do conhecimento, criando um ambiente rico para
a aprendizagem, inclusive migrando dos meios digitais para as linguagens manuais, e viceversa.
Quando se fala em arte, ciência, tecnologia, logo se pensa em instalações artísticas
complexas (ideia difundida pelas instituições culturais), mas tenho visto que ideias potentes,
com soluções simples, muitas vezes feitas em foto, vídeo e ou áudio (pegando pelo aspecto
das mídias), já trazem resultados muito interessantes.
Pretendo continuar com o desenvolvimento desta Linha do Tempo, assim como o
Projeto Arte e Ciência para crianças e, havendo a oportunidade, repetir a disciplina sobre
os Campos Mórficos, que trouxeram resultados muito interessantes para mim e os alunos
participantes.
Júlia e Hugo tiveram e vêm tendo ricas experiências acadêmicas, neste campo de
cruzamentos entre arte, ciência, tecnologia, que certamente têm refletido em suas maneiras
de pensar arte, criar e viver.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
14
REFERÊNCIAS
ARANTES, Priscila. Arte e Mídia: Perspectivas da Estética Digital. São Paulo, Senac-SP, 2005.
CAMPOS, Roland de Azeredo. Arteciência.: a afluência dos signos co-moventes. São Paulo:
Perspectiva, 2003.
EMOTO, Masaru. A vida Secreta da Água. Editora Cultrix, 2006.
HENDGES, Antônio Silva. A Teoria dos Campos Mórficos do biólogo Rupert Shledrake, in Eco
Debate. (https://www.ecodebate.com.br/2011/03/14/a-teoria-dos-campos-morficos-do-biologo-rupertsheldrake-artigo-de-antonio-silvio-hendges/). Acesso: 23.02.2021.
KANASHIRO, Marta. As Confluências entre arte, ciência e tecnologia, in Cultura Científica, SBPC/
Labjor Brasil, 10.07.2003. https://www.comciencia.br/dossies-1-72/reprotagens/cultura/cultura02.shtml.
Acesso: 21.02.2021.
L’ENGLE, Madeleine. Uma Dobra no Tempo. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2000 (1ª edição:
1962).
SHELDRAKE, Rupert. A Ressonância Mórfica & A Presença do Passado. Lisboa: Instituto Piaget,
1988.
Referências de Imagens e Conceitos Científicos:
https://www.sciencephoto.com/media/945985/view
https://www.sciencephoto.com/media/918080/view
https://olhardigital.com.br/2019/07/19/noticias/cientistas-capturaram-a-primeira-foto-de-umentrelacamento-quantico/ Acesso em 02.03.2021
https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=acao-fantasmagorica-distanciamais-rapida-luz#.YD7Ubi3OoWp Acesso em 02.03.2021
Filmes:
Tomorrowland: Um lugar onde nada é impossível, Walt Disney Studios, 2015.
Uma Dobra no Tempo, Walt Disney Studios 2018.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 1
15
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 2
PELA LINHA DO TREM: O COTIDIANO DA ESCOLA
PÚBLICA E O SURGIMENTO DO PROJETO FALE
SOBRE MIM
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 12/02/2021
1 | FRAGMENTOS DIÁRIOS DE UMA
PROFESSORA
Luiza Rangel Cordeiro
UINIRIO – Programa de Pós-graduação em
Ensino de Artes Cênicas
Rio de Janeiro – RJ
http://lattes.cnpq.br/3130520456311167
RESUMO: O presente artigo apresenta o ponto
de vista de uma professora de teatro da rede
pública do Rio de Janeiro. Compartilharemos o
contexto de surgimento do projeto Fale sobre
mim, uma pesquisa teatral prático-teórica que
teve como dispositivo indexador o trabalho com
material autobiográfico de seis estudantes e sua
professora.
PALAVRAS - CHAVE: Teatro – Educação –
Autoficção.
BY THE TRAIN LINE: THE ROUTINE OF A
PUBLIC SCHOOL AND THE EMERGENCE
OF FALE SOBRE MIM
ABSTRACT: This article presents the point
of view of a public school drama teacher from
Rio de Janeiro. It will be shared the context of
the emergence of Fale sobre mim, a practicaltheoretical research whose indexing device was
the work with autobiographical material of six
students and their teacher.
KEYWORDS: Theater – Education – Autofiction.
------------------------------------------------Março de 2017
ESCRITO NO
TREM, A CAMINHO
DE CASA
É meu primeiro ano como professora
da rede municipal do Rio de Janeiro. Segunda
semana de aula. Não sei se vai dar certo. Eu
tenho desconfiado de toda minha formação na
academia. Eu não sei falar. Eu falo pra ninguém.
Eu não sei me fazer compreender. E ao mesmo
tempo eu ando sorrindo muito quando vejo os
olhos dessas crianças sorrindo de volta pra
mim. Entendi que dá pra falar pelos olhos.
Tenho ficado rouca.
Ontem o aluno Pedro enfiou um clips
na tomada. Eu não percebi. Aula prática, turma
cheia. Quando terminou o dia encontrei o clips
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
16
lá, enfiado na tomada. Será que levaram choque? Como não vi isso acontecer? Procurei
a turma no refeitório e perguntei de quem havia sido a ideia. Estão todos bem? Se uma
criança dessa, de 6 anos, leva um choque na minha aula...
Os colegas deduraram: - Eu vi, foi Pedro.
Levei Pedro pra conversar na minha sala e expliquei que era muito perigoso. Fui
firme nas palavras, acho que até aumentei o tom de voz. Pedro mexeu os ombros com
dengo e disse: - Eu ando investigando o funcionamento das tomadas. A senhora sabe me
explicar como funciona lá dentro?
(...)
O que mais encanta nas crianças e adolescentes é o gosto pelas perguntas.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------Novembro de 2018
ESCRITO NO TREM, A CAMINHO DE CASA
Demora muito pra conseguir formar uma roda no primeiro tempo de aula de segundafeira! Todo mundo quer contar como foi o final de semana na casa da avó, o que o cachorro
fez, o que irmão aprontou, se foi à praia, se foi à igreja, se fez o dever de casa, se a mamãe
foi ao baile, se o Tio ficou doente, se ganhou um brinquedo novo... No início da aula, pedi
para que a turma formasse uma roda. Dois alunos, uma menina e um menino, estavam
envolvidos em uma discussão que beirava a agressão física. Parei tudo, me aproximei
dos dois e perguntei o motivo da briga. O menino, com as bochechas vermelhas, me olhou
no fundo dos olhos e respondeu minha pergunta com outra: - Professora, ser miliciano
é a mesma coisa que ser bandido? Fiquei sem respirar por alguns segundos. Perguntei:
- Por que? Ao que ele responde: - Porque o meu pai é miliciano e minha colega está
chamando ele de bandido. Me responde, Tia, o meu papai é bandido? Com a garganta
seca, contemplei seus olhos de menino. Lembro da sensação: nós dois lacrimejando por
dentro. Aos 7 anos, deparou-se com algo que não se podia nomear.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------Maio de 2017
ESCRITO NO TREM, A CAMINHO DE CASA
Ainda virada do avesso. Eu sou completamente outra. No olhar para o mundo, na
rotina, nas horas ruidosas, no entendimento de que existe uma coisa além das palavras.
Um caos precioso, pulsante. Uma exaustão que puxa o ar do peito, para então, recomeçar.
O mundo é gigante, cruel e também lindo, singelo. Quando percebo ser facilitadora de
momentos assim: olho no olho, frente a frente, sorrisos, trocas... eu suspiro de amor. Estou
feliz aqui. Lá fora, o golpe contra a única presidente mulher da história do nosso país me
entristece. Mas aí vem a juventude me dizendo que é para seguir na luta todos os dias. E
que bom ter esses sorrisos lindos junto a mim.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
17
-----------------------------------------------------------------------------------------------------Agosto de 2018
ESCRITO NO TREM, A CAMINHO DE CASA
Existir fora do padrão. Com meus alunes autistas eu aprendo mais sobre o amor.
Tom se aproximou de maneira delicada e firme, me deu a mão como quem diz “vamos unir
nossas forças”. Isso bastou. Nessa tarde chuvosa, ficamos a observar o pátio, as crianças
correndo e brincando enquanto a garoa caía. Lecionar no ensino básico tem seu lado
desesperador. Porque a gente quer olhar nos olhos das crianças e dizer que vai ficar tudo
bem. A gente pensa em dizer tanta coisa... Pensei em dizer que essa guerra vai acabar,
ou que nós mulheres não vamos mais morrer depois de terminar um relacionamento, que
mais armas e mais intervenção não vão funcionar, que vai ter comida em casa quando
eles chegarem, que vai ter lugar seguro pra dormir, que eles podem sonhar em terminar o
ensino médio sim, e que podem muito mais. De certa forma, batemos esse papo sem uma
palavra proferir. É que sem falar nada, as alunas e alunos autistas me ensinam a resistir e
me dizem tudo sobre acreditar.
-----------------------------------------------------------------------------------------------------Julho de 2017
ESCRITO NO TREM, A CAMINHO DE CASA
Hoje estamos estudando sobre a biografia de Luiz Gonzaga. Anotei aqui algumas
das impressões das crianças:
“Meu avô também é de Pernambuco.”
“Ih, isso parece música de Festa Junina!”
“Luiz Gonzaga já morreu?”
“Por que ele fala desse jeito diferente?”
“Tia, o que é um xodó?”
“No mapa, o Nordeste é laranja por causa do calor e o Sul é azul porque lá tem
gelo?”
“Por que não levou a Nazinha junto com ele?”
“Quando ele ficou rico, deve ter comprado uma sanfona nova pro pai dele.”
“Mostra foto da namorada dele?”
“Ele existiu ou foi só uma lenda?”
“Será que um dia ele encontrou o amor de novo?”
“Eu tô com vontade de chorar nessa parte.”
-----------------------------------------------------------------------------------------------------Julho de 2018
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
ESCRITO NO TREM, A CAMINHO DE CASA
Capítulo 2
18
O meu celular tocou no meio da aula do primeiro ano, série em que as crianças estão
começando a se alfabetizar. Um menino que havia se matriculado na escola recentemente
entrou em desespero. Segurou minha mão e olhando para a tela do celular me pediu para
que eu não atendesse. Ele chorava muito e dizia: - Esse número deve ser do Conselho
Tutelar. Por favor, não atende. Eles vão me levar.
2 | UM PONTO DE VISTA SOBRE O COTIDIANO DA ESCOLA PÚBLICA
O projeto Fale sobre mim deu seus primeiros passos no ano de 2018, numa escola
pública municipal localizada no Conjunto Urucânia, Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Considero importante apresentar um ponto de vista sobre o espaço onde o espetáculo foi
semeado. Trata-se de uma Escola do Amanhã - projeto que visa atender os alunos e alunas
da rede municipal durante 7 horas diárias. O prédio, que foi inaugurado no final de 2016, é
composto por três andares e possui infraestrutura harmoniosa e privilegiada se comparada
às construções mais antigas da rede municipal. As salas de aula são climatizadas, há
elevador e espaços coletivos, como Sala de Leitura, Sala Multimídia e Auditório. Na lateral
do pátio há uma área verde, com árvores e brinquedos. Nos dias de rotina, as crianças
fazem três refeições ao dia: café da manhã, almoço e lanche.
O horário integral funciona das 07:30h às 14:30h, porém, devido à carência no
quadro de professores, algumas turmas precisam ser atendidas em turno parcial (manhã
ou tarde). A escola atende alunos e alunas entre 6 e 12 anos, do primeiro ao sexto ano
do ensino fundamental 1. Por semana, aproximadamente 650 crianças realizam ali suas
atividades. A equipe pedagógica é composta por 24 professores, a maior parte deles atua
em regime de 40h sem dedicação exclusiva. Os cinco professores especialistas estão
distribuídos entre as seguintes áreas: Inglês (1), Educação Física (2), Artes Cênicas (1) e
Sustentabilidade (1).
Da janela lateral da escola, os trens da Supervia podem ser avistados. Todos os
trens que partem da Central do Brasil com destino a Santa Cruz passam paralelamente à
escola. Vão e vem, vem e vão. Motivo suficiente para serem improvisadas cortinas para
as salas que possuem as janelas voltadas para os trilhos - já que a atenção das crianças
vai e vem, vem e vai junto aos trens. É bem verdade que o movimento dos trens dispara
devaneios não apenas nas crianças. É bonito de ver. Lá vai o trem, lá vai o trem, chic chic
choc choc bota lenha, põe carvão. A estação Tancredo Neves é a mais próxima da entrada
da escola. Caminha-se 5 minutos até lá.
As aulas de Artes Cênicas acontecem uma vez por semana para cada turma. As
turmas de horário integral possuem dois tempos de aula, o que corresponde a 1 hora e 40
minutos. Já nas turmas de horário parcial esse tempo se reduz a 50 minutos. A prática de
jogos teatrais convoca os alunos a olharem as metáforas do mundo e a encontrarem novos
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
19
sentidos em seu cotidiano. As aulas acontecem na Sala Multiuso, que é ampla, possui
armários e pia. No segundo semestre, o auditório também é utilizado para ensaios.
Nota-se grande interesse e envolvimento pelas aulas de Artes Cênicas por parte dos
alunos e alunas. Porém, o número de crianças (aproximadamente 35) não é o ideal para
aulas práticas com esta faixa etária. Muitas vezes é difícil falar, escutar e ser escutado.
A voz falha, o ambiente torna-se ruidoso, os conflitos interpessoais se proliferam, daí, o
planejamento se reconfigura. Desde 2017, atendo em média 18 turmas por semana, isto é,
de 4 a 5 turmas por dia. Muitas vezes o planejamento precisa ajudar o professor a sobreviver
às 7 horas seguidas dando aula nessas condições. O cotidiano na escola demanda uma
dosagem de entrega, uma negociação energética. Gosto de pensar que a aula é como
uma música, porque cada turma solicita um tipo de andamento e um ritmo específico.
É importante ter escuta atenta. O trabalho de sensibilização e escuta tem se mostrado
muito proveitoso; a proposição de ações como: deitar no chão, respirar profundamente e
escutar os sons do espaço desperta a capacidade de estar presente, de colocar o corpo em
experiência. O exercício de humanização das práticas é urgente no espaço escolar, e como
nos lembra o professor de Filosofia da Educação Jorge Larrosa, colocar-se em experiência
exige paciência e reconhecimento da importância das pequenas transformações, das
pausas e das paragens frente a um cotidiano tão imediatista quanto o nosso.
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer
um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos
que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção
e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar os outros, cultivar a arte do encontro, calar muito,
ter paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2016, p. 25)
Em sala de aula, a criatividade pulsa todo tempo à sua maneira. Considero
enriquecedor desconstruir critérios e paradigmas a fim de desaprender e reaprender a
olhar o mundo junto às crianças.
A escola pública é habitada por crianças afetuosas e fortes, que não se acovardam
diante de temas como a morte, o tempo, a violência, a vida. Crianças e jovens que seguem
potentes em transformar as contradições do viver - muitos enfrentando experiências
difíceis em meio ao abandono do estado. Alguns dias são nublados, mas sempre há poesia,
coragem, vida e olhos que brilham.
A escola é a cidade. Sem saber que o é. Sem entender a si mesma. Por vezes,
parece difícil refletir sobre isto estando lá dentro. As demandas e cobranças são inúmeras.
Falta verba, sobra burocracia. Chega a hora do lanche. 14h. Momento de respiro, os alunos
e alunas desabafam querendo encontrar sentido, querendo trazer a cidade pra dentro
da escola. Falam das coisas boas da vida, falam de seus animais de estimação, da rua,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
20
dos irmãos, e falam, também, de violência doméstica. Todos os dias. A violência contra a
mulher está presente em pelo menos 70% das famílias. Professora dá ouvido, coração
aperta. Às vezes, parece que o professor sai sugado, cheio-esvaziado. Professora pega o
trem, vai passear pelo monte. As montanhas são íngremes feito suas olheiras. No outro dia
de manhã, antes de clarear, coloca-se mais lenha, mais carvão. O trem continua a subir.
Na brecha entre os compromissos, os planejamentos das 18 turmas e o caos da
grade horária escolar nasceu Fale sobre mim – um encontro quase secreto entre seis
estudantes e sua professora de Teatro.
3 | O CONTEXTO DE SURGIMENTO DO PROJETO FALE SOBRE MIM
Talvez eu não me lembre dos detalhes de como tudo começou, mas lembro de todo
o contexto. Naquele ano, o Antares - comunidade que beira a linha do trem no lado oposto
à escola - passava por um período de conflito armado. Havia uma disputa por domínio
de território entre dois diferentes grupos da região. Lembro que as crianças chegavam a
achar projeteis e capsulas na rua. Foi um período de muitas incertezas. A unidade escolar
precisou fechar por vários dias.
Nos dias em que os portões da escola se abriam, muita história se escutava. As
crianças voltavam com vontade de falar, de narrar o que tinham vivido. Alguns alunos
começaram a me procurar fora do horário de aula. A aluna Maria Paula me procurou certa
vez. Ela contou suas lembranças de quando morava no Antares. Depois, Maria Paula voltou
com as colegas Analya Britney e Brenda Laura, queriam montar uma coreografia para uma
música que abordava o tema do suicídio. Apresentamos a coreografia para a turma. O
aluno Caio também demonstrava interesse fora do horário das aulas, especialmente pelas
práticas de palhaçaria. Certo dia, o professor do sexto ano, Alexandre, sugeriu que Caio
montasse um esquete de palhaçaria e apresentasse para os alunos de séries menores.
Assim foi feito. Pequenas ações e intervenções começaram a florescer em meio a um
contexto difícil. Também havia o Carlos Daniel, a Thaissa e a Rayane, que sempre me
procuravam no refeitório para contar suas ideias de roteiros para cinema. Todos eles
estavam matriculados no sexto ano do ensino fundamental e tinham idade entre 11 e 12
anos.
Certamente, durante esse período, mais que em qualquer outro, percebíamos
professores e estudantes criando vínculos intensos. Compartilhar situações-limite em um
espaço em comum nos aguçou um senso de coletividade e acolhimento. O planejamento
das aulas precisou se reconfigurar. Vivíamos um dia após o outro, sem ter a certeza de
como e quando teríamos uma rotina reestabelecida. Durante o mês de Agosto daquele ano
comecei a fazer rodas de conversa nas aulas. Intuitivamente, propus que cada estudante
contasse um fato de sua vida, uma história de família, um acontecimento importante, algo
que gostaria de compartilhar com o coletivo – podendo ser apresentado como uma cena,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
21
uma dança, um texto. Como Agosto foi um mês com baixíssima frequência escolar devido
aos conflitos, agrupávamos os estudantes de diferentes turmas numa mesma sala. Fato
é que a partir da vontade de escutar as narrativas de vida dos meus alunos e alunas,
moradores de Urucânia, foi surgindo uma inspiração, uma vontade de pesquisar e criar.
No início de setembro daquele ano, soube que aconteceria o primeiro Festival de
Teatro de Alunos da Rede Municipal – FESTA 2018. Reuni todos os alunos e alunas que
naturalmente já demonstravam interesse pelo teatro fora do horário da aula e propus que
criássemos uma cena documental tendo como ponto de partida suas experiências de vida.
Eles toparam sem saber muito bem como seria esse processo. Não houve um planejamento
prévio. Nesta primeira versão, a cena Fale sobre mim teve duração de 15 minutos - tempo
limite exigido pelo festival.
O FESTA 2018, sem dúvida, foi o nosso catalisador, foi o que nos colocou em
movimento e nos deu um foco energético de trabalho em um ano tão difícil para a escola
e para a comunidade. Precisávamos, portanto, levantar uma cena em quatro semanas.
Tínhamos muitas histórias para compartilhar. Em minha curta trajetória como artista, já
havia participado de pesquisas sobre teatro documentário junto ao diretor Ricardo Libertini.
Produzi, no ano de 2013, uma peça autobiográfica na qual os atores revisitavam memórias
sobre suas avós, apresentando-se em casas e apartamentos do Rio de Janeiro. O
espetáculo se chamava Tudo sobre minha avó. Cinco anos depois, lá estava eu, envolvida
em uma pesquisa com uso de material autobiográfico juntos a meus alunos e alunas da
rede municipal.
Nossos encontros acabaram assumindo caráter extracurricular. A pesquisa
dramatúrgica foi se estruturando tendo como eixo norteador o trabalho com a escrita
autobiográfica e a memória. O grupo era composto inicialmente por seis alunos-atores: Caio,
Maria Paula, Brenda Laura, Carlos Daniel, Rayane e Thayssa.
1
Os ensaios aconteciam
durante meu horário de planejamento.
A expectativa de que o grupo desse continuidade ao trabalho no ano seguinte era
baixa. Motivo: na virada do ano de 2018 para 2019, todos os alunos envolvidos precisaram
mudar de escola para cursar o ensino fundamental 2. Três deles mudaram de bairro ou
passaram a estudar em escolas mais distantes e os outros três matricularam-se na escola
ao lado, o Ginásio Francisco Caldeira de Alvarenga – que faz parte do complexo de Escolas
do Amanhã. Não sabíamos, portanto, se seria possível dar continuidade aos encontros em
2019. O desejo em dar continuidade aos encontros permanecia tão latente que a pesquisa
“Fale sobre mim – experiências autobiográficas na escola pública” tornou-se meu objeto
de estudo no Mestrado Profissional do Programa de Pós-graduação em Ensino de Artes
Cênicas da UNIRIO. A ideia inicial seria apenas escrever sobre o processo de criação e
tecer reflexões sobre as contribuições que esta prática possivelmente gerou aos envolvidos
1 Nesse período, a aluna Analya Britney apresentava frequência baixa, por isso não acompanhou os ensaios. Ela só
passou a integrar o elenco posteriormente, em 2019.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
22
e à escola. Inclusive, enquanto eu cursava uma disciplina do mestrado com as professoras
Rosyane Trotta e Johana Albuquerque, recebi a provocação de criar uma cena autoficcional
que poderia ser parte dessa pesquisa, expondo o processo com os alunos e alunas. Foi
neste contexto que surgiu o solo, que hoje é o primeiro ato da peça.
Felizmente, em Maio de 2019, conseguimos autorização da direção da escola para
que os encontros do grupo voltassem a acontecer na Sala Multiuso, no meu horário de
planejamento. Os três alunos que estavam matriculados no Ginásio ao lado continuaram
no projeto. Porém, por uma questão de incompatibilidade de horários e distância, os alunos
que agora estavam em outras escolas não conseguiram continuar. Por isso, a aluna Analya
Britney passou a integrar o elenco e também convidamos Wilson Ruan e Lucas – exalunos da escola que passaram o primeiro semestre de 2018 fazendo recorrentes visitas e
demonstrando o enorme desejo em formar um grupo de teatro. Agora, todos os integrantes
eram alunos da Escola Municipal Francisco Caldeira de Alvarenga e estava firmada a
parceria entre as duas unidades: o primário onde trabalho e o ginásio onde meus ex-alunos
e ex-alunas passaram a estudar.
O projeto acabou tornando-se um convite para que nós, professores e alunos,
pudéssemos nos relacionar com humanidade e criticidade com o contexto da comunidade
e da cidade de modo geral, entendendo a importância de criar espaço e dar ouvidos a
outras subjetividades e narrativas. O teatro na escola tem se alimentado cada vez mais
das práticas teatrais contemporâneas, colocando corpo em experiência, valorizando
gestos autorais, e reconhecendo narrativas mais plurais. Uma das questões que mais me
mobilizou ao reunir o grupo de adolescentes para esta criação, foi a busca por outros
modos de relação com o teatro no espaço da escola. Para além da representação que
a escola faz dos educandos, como seria ouvir a história deles a partir de si mesmos?
Como criar estratégias para que a juventude coloque em cena sua visão de mundo? Como
podemos performar nossas subjetividades?
Em entrevista à Viviane Mosé, o educador Rubem Alves, ao ser perguntado sobre
como a escola pode se tornar um espaço de deslumbramento e prazer para as crianças,
responde: “é preciso começar no corpo deles, nas coisas que eles estão sentindo, nos
problemas que estão sentindo.” (ALVES, 2014, p. 96) A aposta do projeto Fale sobre mim
é de que o teatro pode dar sua contribuição específica ao trabalho com as subjetividades.
Partindo deste princípio, nossa sala de ensaio foi pensada como um espaço de acolhimento,
colocamos em cena as questões que mais nos instigavam naquele contexto caótico: um Rio
de Janeiro sob intervenção militar nos anos de 2018 e 2019. Nossa criação foi diretamente
atravessada pelas vivências dos atores/atrizes/estudantes; isso trouxe uma qualidade
específica ao trabalho.
A dramaturgia não somente acolheu temas e situações presentes no cotidiano dos
adolescentes, como também propôs um convite ao gesto autoral. Em muitos encontros, os
adolescentes foram convocados a se relacionarem com seus arquivos de vida e produzirem
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
23
seus próprios escritos. Por que não uma história contada a partir da perspectiva da criança
e do adolescente? Fala-se muito em fomentar o teatro para crianças e jovens, porém, falase pouco em fomentar um teatro feito por crianças e jovens. Mais do que falar com, ou falar
de, é preciso deixar que a juventude fale. É importante dar ouvidos a suas questões e abrir
um espaço de autoria. É importante reconhecer que os/as adolescentes tem muito o que
dizer e urgem por ocupar os palcos.
Segundo Walter Benjamin o ato de narrar é um saber prático que privilegia a
coletividade e a maneira pela qual assimilamos nossas experiências. O professor de
Filosofia da Educação Jorge Larrosa vai ao encontro desta ideia ao afirmar que no ato de
ex-por sua vulnerabilidade, o corpo se permite ser atravessado por experiências. Segundo
Larrosa, compartilhar narrativas gera um movimento de disponibilidade e receptividade,
movimento este que é fundamental para que o sujeito produza afetos e encontros.
Do ponto de vista da experiência, o importante não é nem a posição, nem a
oposição, nem a imposição, mas a ex-posição, nossa maneira de ex-pormos
com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. (LARROSA, 2006,
p.26)
Em um mundo que valoriza cada vez mais o imediatismo e descarta a relação com
o passado, com a história, há aqui um profundo interesse pela valorização da memória,
considerando que ela atribui significado às experiências sociais e às relações humanas.
Depois da virada dos anos 90 para os anos 2000, tem aumentado o número de artistas
e pesquisadores com interesse em discutir o trabalho com autobiografias e escritas de si
como material cênico-dramatúrgico. A partir de então, são muitas as tentativas de nomear
essas práticas: teatros do real, teatro documentário, docudrama, entre outros. Essa
profusão de narrativas autorreferentes nos últimos anos pode ser uma busca por revelar
algo sobre nossas próprias vidas, como bem diz Larrosa:
Talvez, nessa história em que um homem se narra a si mesmo, nessa história
que talvez não seja senão a repetição de outras histórias, possamos adivinhar
algo daquilo que somos. (...) Talvez nós, homens, não sejamos outra coisa
que um modo particular de contarmos o que somos. (LARROSA, 2017, p.30)
No contexto artístico-pedagógico em que se insere esta pesquisa, observamos que
o trabalho com as narrativas de si no campo da autoficção é capaz de lançar um olhar
poético e mobilizador diante da história de vida dos sujeitos envolvidos na criação.
REFERÊNCIAS
ADIECHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. 1ª ed. São Paulo. Companhia das
Letras, 2019.
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política,
nº11. Brasília, 2013.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
24
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
DESGRANGES, Flávio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo, Hucitec, 2003 Disponível em http://
www.seer.ufrgs.br/presenca Acesso em agosto de 2020
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do oprimido. Edição rev. e atual. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 2015.
GADOTTI, Moacir. A escola e seus desafios contemporâneos, org e apresentação Viviane Mosé.
Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2014
GIORDANO, Davi. Breve Ensaio sobre o Conceito de Teatro Documentário. Revista Performatus,
Inhumas, ano 1, n. 5, jul. 2013.
KLINGER, Diana. Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada etnográfica. Rio de
Janeiro: 7Letras, 2012
LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. 6ª edição. Belo Horizonte.
Autêntica Editora, 2017.
______. Tremores: escritos sobre experiência. Autêntica Editora. Belo Horizonte, 2016.
LEITE, Janaina Fontes. Autoescrituras performativas: do diário à cena. São Paulo. Perspectiva.
2017.
LÍRIO, Gabriela. (Auto) biografia na cena contemporânea: entre a ficção e a realidade. In:Anais do
VI Congresso de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas. São Paulo. Unesp, 2010.
PUPO, Maria Lúcia de Souza. Alteridade em cena. Revista Sala Preta. vol. 12, n. 1, jun 2012, p. 4657. São Paulo. 2012.
SELIGMANN- SILVA, Márcio. “Narrar o trauma – a questão dos testemunhos de catástrofes
históricas”. Revista Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol.20, n.1, p.65 – 82, 2008.
SOLER, M. Teatro Documentário: a pedagogia da não ficção. Editora HUCITEC, São Paulo,2010.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 2
25
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 3
UMA LUZ PARA O CORPO: UMA METODOLOGIA DE
ENSINO A PARTIR DE UMA PRÁTICA DE ENSINOAPRENDIZAGEM
Data de aceite: 16/04/2021
Data da submissão: 23/02/2021
José Geraldo Furtado Gomes
Angel Vianna Faculdade de Dança
Rio de Janeiro-RJ
http://lattes.cnpq.br/6786031328959799
RESUMO: A presente comunicação discorrerá
sobre a prática de ensino proposta para a
disciplina Elementos Cênicos para Dança da
Angel Vianna Faculdade de Dança, iniciada em
2002. Onde se desenvolveu uma experimentação
com o intuito de responder a seguinte pergunta:
Como dar meios para se estabelecer um diálogo
entre a luz e o corpo? Esta reflexão apresenta
um programa de ensino que começa com as
questões relacionadas à percepção visual e
ainda com exercícios de observação da luz no
mundo com a intenção de sensibilizar o olhar e
trazer um pouco do universo do aluno para a sala
de aula. Posteriormente, introduz-se uma breve
contextualização histórica da iluminação cênica
para que se tome conhecimento dos estudos
já desenvolvidos sobre o tema. Em seguida,
apresenta-se quatro aspectos da iluminação,
a saber: Fonte, Direção, Cor e Ritmo da Luz,
com o intuito de munir os alunos de ferramentas
para entenderem como uma determinada luz
observada funciona e posteriormente, utilizarem
esses aspectos para criar um diálogo entre a
luz e o corpo nas performances elaboradas. E
finalmente, com as aulas práticas no teatro, onde
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
se realizam laboratórios baseados nos aspectos
da luz, possibilita-se que os alunos possam
experienciar visualmente as luzes imaginadas.
PALAVRAS - CHAVE: Luz, Ensino, Corpo, Cena,
Aspectos.
A LIGHT FOR THE BODY: A TEACHING
METHODOLOGY BASED ON A
TEACHING-LEARNING PRACTICE
ABSTRACT: This communication will discuss
the teaching practice proposed for the discipline
Scenic Elements for Dance at Faculdade Angel
Vianna, started in 2002. Where an experiment
was developed in order to answer the following
question: How to provide means to establish
a dialogue between light and the body? This
reflection presents a teaching program that
begins with questions related to visual perception
and also with exercises for observing light in the
world with the intention of sensitizing the eyes
and bringing a little of the student’s universe to
the classroom. Subsequently, a brief historical
contextualization of scenic lighting is introduced
so that it becomes aware of the studies already
developed on the subject. Then, four aspects of
lighting are presented, namely: Source, Direction,
Color and Rhythm of Light, in order to provide
students with tools to understand how a certain
observed light works and later use these aspects
to create a dialogue between light and body in
the elaborated performances. And finally, with
practical classes in the theater, where laboratories
are held based on the aspects of light, it is
possible for students to visually experience the
imagined lights.
Capítulo 3
26
KEYWORDS: Light, Teaching, Body, Scene, Aspects.
1 | SENSIBILIZAÇÃO DO OLHAR
“O olho deve sua existência à luz. De órgãos animais a ela indiferentes, a luz
produz um órgão que se torna seu semelhante. Assim o olho se forma na luz
e para a luz, a fim de que a luz interna venha ao encontro da luz externa.”
(GOETHE, 1993, p.44)
O olho recebe e direciona as imagens trazidas pela luz, refletida dos objetos,
para sua parte posterior, ou seja, a retina. Quando os raios luminosos atingem a retina,
inicia-se uma fase totalmente diferente do processo visual. As células sensíveis a luz da
retina, convertem essa energia em sinais que são transmitidos ao cérebro através de
reações semielétricas e semiquímicas que são ativadas pela luz. Assim, as reações a uma
determinada luz, podem variar, de acordo com o tipo de informação que o cérebro teve
acesso na sua formação, o ambiente cultural, as condições fisiológicas de cada olho, da
região, da atmosfera e outras manifestações.
Para exercitar o ato de perceber a luz, se propõe uma sensibilização do
olhar que busca contribuir para uma apreensão dos eventos luminosos, que
com o passar do tempo não são mais percebidos por um olhar normatizado.
Como por exemplo, um olhar que não percebe mais a luz da lua que entra pela janela; um
olhar viciado ao excesso de luminosidade; um olhar que não percebe mais as diferenças,
tomando tudo mais ou menos com a mesma aparência, fazendo desaparecer as
individualidades: um processo de massificação causado pelo excesso de luz característico
de nossa época.
Busca-se com isso, “obscurecer o espetáculo do século presente a fim de perceber,
nessa mesma obscuridade, a luz que procura nos alcançar e não consegue.” (DIDIHUBERMAN, 2011, p.70). O fascismo da luz atualmente se estabelece através dos grandes
eventos, dos estádios de futebol, dos palcos da televisão e das telas digitais, um verdadeiro
“desaparecimento do humano no coração da sociedade atual.” (DIDI-HUBERMAN, 2011,
p.29).
Assim, sugere-se exercícios de observações de luzes que acontecem no cotidiano,
tal como a luz do pôr do sol, do amanhecer, das ruas, das matas, entre outras, com o
intuito de criar um repertório de luzes na memória, aprimorar o olhar, perceber as diferentes
tonalidades da luz, enfim, tornar esta ação numa investigação sobre luz. Visto que,
segundo Goethe, “cada olhar envolve uma observação, cada observação uma reflexão,
cada reflexão uma síntese: ao olharmos atentamente para o mundo já estamos teorizando”
(GOETHE,1993, p.37).
Estes exercícios permitem também trazer a cultura do aluno para dentro da sala de
aula, já que é solicitado que eles descrevam as luzes observadas.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 3
27
Além desses exercícios de observação, aplica-se estudos em sala de aula a partir
da visualização de vídeos; de luzes criadas para cena.
2 | CONTEXTO HISTÓRICO
Com a intenção de fornecer meios para um entendimento dos processos de criação
da luz, apresenta-se então uma breve evolução da iluminação cênica, considerando
a importância do advento da lâmpada elétrica como um dos principais fatores para o
surgimento do teatro moderno.
Desde o final do século XIX e das produções pioneiras de Edward Gordon Craig
(1872-1966), em Londres, e de Adolph François Appia (1862-1928), em Hellerau e Basle,
houve um aumento do uso da luz como um elemento construtivo no teatro. Posteriormente,
Max Reinhardt (1873-1943) liderou o teatro experimental e descobriu muitos efeitos de
luz inéditos. Um típico efeito criado por Reinhardt foi o contraste forte entre uma área com
luz e seu redor na escuridão total, ou seja, o foco de luz. Logo depois, László MoholyNagy (1895-1946), começou a desenhar e desenvolver projetos para equipamentos de
iluminação cênica que tornariam visível a materialidade da luz e seu poder para instituir
tempo e espaço.
A cena nunca mais foi a mesma depois do surgimento da luz elétrica, surge ai uma
nova área de conhecimento dentro das artes cênicas que necessita de abordagens bem
diferentes das desenvolvidas até aquele momento. O teatro ganhou uma nova possibilidade
de expressão artística que interage de maneira direta nas outras áreas de conhecimento,
possibilitando novas conexões jamais imaginadas. A dança contemporânea, mais do que
os outros estilos de dança, vem explorando essas novas possibilidades de dialogo entre o
corpo e a luz de maneira bastante integrada.
3 | OS ASPECTOS DA LUZ
Considerando essas novas abordagens e ainda ao propor uma prática de ensino
que possibilitasse ao aluno estabelecer um diálogo entre o corpo e a luz, fui percebendo
que era necessário realizar uma sistematização dos aspectos da iluminação cênica a
serem considerados neste método de ensino. Aliada a minha experiência como Iluminador,
constatei quatro aspectos da luz que fundamentam este processo, quais sejam:
1) Fonte de luz
Estabelece as características relacionadas ao tamanho, à forma e a nitidez da área
iluminada. Introduz-se os diversos tipos de fonte de luz natural e artificial, incluindo as
luminárias utilizadas nos teatros. A maioria dos tipos de fonte de luz, são bem conhecidas,
tais como: o sol, o fogo, lanternas, lâmpadas elétricas e eletrônicas. Estas fontes de luz
trazem uma história em sua existência, cada uma está conectada a um determinado fim
para o qual foi criada. Neste sentido, quando a luminária fica a vista do publico, a fonte pode
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 3
28
funcionar como cenário, indicando uma determinada narrativa. Mesmo quando a fonte não
é vista, a forma, o tipo de luz que ela proporciona, pode remeter a algum tipo de fonte de
luz conhecida, por exemplo uma luz retangular pode ser associada a uma luz interna, uma
janela aberta por onde entra a luz do sol.
2) Direção de incidência da luz
O teatro a moda Italiana surgiu no Renascimento Italiano, filosoficamente, há a ideia
em que o homem, ocupa o centro do universo, fazendo com que surja também a noção
de perspectiva. Assim, era necessário um novo modelo para o espaço teatral, diferente
do greco-romano vigente na época: foi assim que surgiu o palco italiano, concebido para
estabelecer um olhar único, de acordo com a ideia do “ponto de fuga” e da perspectiva que
transcenderam as artes plásticas e chegaram ao teatro.
Esse tipo de palco ainda é o mais utilizado nos dias de hoje, e sua principal
característica é a disposição fixa do espectador, que fica frente a frente ao espetáculo.
Esta estrutura cênica, produziu uma série de termos técnicos nestes mais de 500 anos de
existência.
Assim, os termos que indicam a direção de incidência da luz, estão relacionados
à frontalidade proposta por este tipo de palco. Com isso, temos as seguintes direções:
Frontal, contraluz, lateral, diagonal, de baixo para cima e pino.
Uma das questões relacionadas a este tópico, está relacionada à sombra que em
geral indica a direção de incidência da luz. Pode ser pela sombra que percebemos onde
está posicionada a fonte de luz, os possíveis ângulos de incidência sobre o corpo e sobre
os cenários, ocasionando sombras características para cada situação. Por exemplo, o
ângulo de incidência da luz do sol ao meio dia, projeta uma sombra embaixo de nosso
corpo, esta é a luz pino.
Já a luz lateral, projeta a sombra lateralmente, favorecendo os deslocamentos e
movimentos relacionados a profundidade do palco ou do próprio corpo em relação a ele
mesmo, proporciona uma ideia de volume maior que o existente.
De certa forma, temos um repertorio de memórias luminosas que nos acompanham
desde que abrimos os olhos, com o passar do tempo elas se tornam tão comuns que não
notamos mais o quanto somos influenciados por elas. Com isso, por exemplo, quando
invertemos a direção da luz de cima e posicionamos a fonte em baixo, o resultado são
sombras completamente fora do normal, a sombra do nariz é projetada no meio da testa, o
escuro sobre os olhos é iluminado. Desta maneira, o rosto é deformado apresentado uma
figura antinatural.
3) Cor da luz
“As cores são ações e paixões da luz. Nesse sentido, podemos esperar
delas alguma indicação sobre a luz. Na verdade, luz e cores se relacionam
perfeitamente, embora devamos pensá-las como pertencendo à natureza
em seu todo: é ela inteira que assim quer se revelar ao sentido da visão.”
(GOETHE, 1993, p.35)
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 3
29
A percepção da cor não pode ser classificada dentro da categoria dos fenômenos
rigorosamente precisos. A visão humana tem suas próprias leis, que podem variar de
individuo a indivíduo. Assim, os pressupostos estabelecidos pela física são a base sobre a
qual se apoia a análise da visão das cores, mas elas apenas propiciam o ponto de partida
de um processo que é influenciado pela fisiologia do olho e do córtex, e pela psicologia
humana.
Desta forma, busca-se evidenciar as diferenças da classificação da cor luz em
relação a cor pigmento. Aborda-se as relações entre cor luz quente e cor luz fria e suas
implicações nas sensações das pessoas e podendo assim, interagir com o proposto para
a cena. Um dos pontos aqui ressaltados é o resultado da incidência da cor da luz sobre a
pele, figurino, cenário. A cor luz altera a cor pigmento interferindo diretamente no resultado
final.
Observa-se também os diferentes ambientes criados pela alteração da cor da luz da
cena que muitas das vezes busca criar climas característicos de determinadas cores, como
por exemplo a noite de luar que revela uma luz azulada ou o pôr do sol com seus matizes
que vão do amarelo passando pelo âmbar até o vermelho.
4) Ritmo da luz
A luz pode dançar junto com os bailarinos. Muitos criadores de movimentos
estabelecem um dialogo com a luz de maneira bastante contundente a ponto do trabalho
coreográfico não funcionar sem a existência da luz especialmente criada para aquela
performance.
Neste tópico, apresenta-se um modelo de roteiro de iluminação onde se anota as
relações que a luz pode estabelecer com a cena através da música, do movimento, ou seja,
o ritmo de funcionamento da luz de acordo com a ação.
É através do roteiro de luz que realizamos a união da luz com a cena. Durante
os ensaios, anota-se as deixas e as luzes de cada cena. As deixas podem ser a partir
do movimento dos corpos, de diferenças na música ou ainda pelo tipo de ocupação
espacial do palco. Aqui, também determina-se o tempo de entrada e saída das luzes, ou
seja, as transições entre uma cena e outra e ainda as intensidades de cada luz. Ressaltase a importância de determinar com clareza as deixas, principalmente aquelas que são
baseadas no movimento coreográfico.
4 | A PRÁTICA
Assim, os alunos começam por ver a luz no cotidiano, nas cenas ao vivo e em vídeo.
Desta forma, observam os quatro aspectos e entendem que existe uma fonte de luz que
ilumina; que está posicionada em algum lugar; que tem uma determinada cor com uma
intensidade caracteristica e que pode acender ou apagar; reagindo ou não a um estímulo
da cena.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 3
30
Com isso, os alunos têm a possibilidade de criar o roteiro de luz dos trabalhos
apresentados na Mostra de Dança, que ocorre ao final de cada período no Teatro Angel
Vianna do Centro Coreográfico do Rio de Janeiro. Este evento, se torna um grande
laboratório de experimentos luminosos.
Neste sentido, os alunos da disciplina Elementos Cênicos, ficam responsáveis
pela criação da luz de todos os trabalhos apresentados. No decorrer das aulas, os alunos
elaboram o roteiro de luz para cada trabalho que será apresentado na mostra, partindo de
um mapa de luz básico, criado em sala de aula. Neste mapa, inserem-se as luzes mais
específicas criadas por eles. Por fim, com os laboratórios de luz realizados no teatro no
decorrer do curso e posteriormente na época da mostra, os alunos têm a oportunidade
de experienciar na prática o idealizado nos ensaios e na sala de aula, ou seja, pode ver
o imaginado. Com esses procedimentos busca-se o objetivo final do ensino, que é a
conscientização do aluno através da vivência, neste caso, com a luz.
5 | O CURSO
Ementa
Uma visão geral e resumida da iluminação, sua origem e funções dentro do panorama
histórico das artes cênicas. Observação e estudo dos efeitos luminosos e sua elaboração e
aplicação cênica. Estruturação do espaço cenográfico definido pela iluminação. Aplicação
de trabalhos coreográficos integrados aos elementos cenotécnicos que estimulem a
criatividade do aluno e possibilitem a utilização da iluminação.
Objetivo
Executar e demonstrar domínio sobre as diferentes linguagens visuais utilizadas
no espetáculo de dança, com ênfase na iluminação, tendo em vista o desenvolvimento
performático do intérprete coreográfico na dança contemporânea. Conhecer a evolução da
iluminação e sua função nas artes cênicas.
Unidades
UNIDADE I: Percepção visual. Luz natural e artificial;
UNIDADE II: Evolução da Iluminação cênica – Antiguidade até a atualidade;
UNIDADE III: Aspectos da Iluminação Cênica – Fonte, Direção, Cor e ritmo da Luz;
UNIDADE IV: Etapas da elaboração do projeto de Iluminação Cênica.
Avaliação
Seminários, análise da iluminação cênica em uma montagem, montagem
experimental, participação e frequência nas aulas.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 3
31
Metodologia
Aulas práticas e teóricas.
REFERÊNCIAS
ARNHEIM, Rudoph. Arte e percepção visual – Uma Psicologia da Visão Criadora. 12 ed. Trad.
Yvonne Terezinha de Faria. São Paulo: Pioneira, 1998.
BAXANDALL, Michael. Sombras e Luzes. SP: Edusp, 1997.
CAMARGO, Roberto Gill. Função Estética da Luz. São Paulo:TCM Comunicação, 1999.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos Vaga-lumes. Minas Gerais: UFMG, 2011.
GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Trad. Glória Mariani e Antônio Guimarães Filho, 4 ed. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira,1973
GOETHE, J. W. Doutrina das Cores.Trad. Marco Giannotti. SP: Nova Alexandria, 1993.
PEDROSA, Israel. Da Cor à Cor Inexistente. RJ: Leo Christiano Ed., 1980.
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Trad. Yan Michalsky. Rio de Janeiro:
Zahar, 1982.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 3
32
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 4
LEITURA DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: UM
ESTUDO DE ESTRATÉGIAS
Bartira Zanotelli Dias da Silva
imagens ou os cortes, essas características que
viabilizam a produção de significados e uso de
estratégias de leitura mediante as representações
que dão sentido ao mundo social. Portanto, com
base nos resultados encontrados, acredita-se
que este trabalho contribui para que o educador
possa criar situações de aprendizagem a partir
do uso das HQs, ferramentas que contribuem
para alcançar a autonomia leitora, bem como,
corroboram para a compreensão de diferentes
contextos.
PALAVRAS - CHAVE: Ensino. Oficina de Leitura.
Histórias em Quadrinhos.
Faculdade Vale do Cricaré (FVC)
São Mateus – Espírito Santo
http://lattes.cnpq.br/4260543319292806
READING STORIES IN COMICS: A STUDY
OF STRATEGIES
Data de aceite: 16/04/2021
Fábia Fagundes Pacheco
Faculdade Vale do Cricaré (FVC)
São Mateus – Espírito Santo
http://lattes.cnpq.br/4831335292045744
Joccitiel Dias da Silva
Faculdade Vale do Cricaré (FVC)
São Mateus – Espírito Santo
http://lattes.cnpq.br/8903065369660009
RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar
o processo da leitura de Histórias em Quadrinhos
(HQs) e o uso das estratégias de leitura, na prática
em sala de aula nas turmas do 7º Ano do Ensino
Fundamental II, em uma escola da Sul do Espirito
Santo. HQs são recursos que não se destinam a
um único público, elas presentificam-se nas mais
diversas esferas sociais. As HQs fazem parte
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
e também do Programa Nacional Biblioteca na
Escola (PNBE) e são direcionadas para todos
os níveis de ensino, por serem um gênero que
possibilita inúmeras releituras. Sendo assim,
compreender a linguagem das HQs, seu
contexto e seus recursos são imprescindíveis,
pois a linguagem delas são dotadas de diversas
referências, sejam em diálogos cotidianos, textos,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
ABSTRACT: This article aims to present the
process of reading Comics (Comics) and the use
of reading strategies, in practice in the classroom
in the classes of the 7th Year of Elementary
School II, in a school in the south of Espirito Santo.
Comics are resources that are not intended for a
single audience, they present themselves in the
most diverse social spheres. The HQs are part
of the National Curriculum Parameters (PCN)
and also the National Library at School Program
(PNBE) and are aimed at all levels of education,
as they are a genre that allows for numerous
re-readings. Therefore, understanding the
language of the comic books, their context and
their resources is essential, since their language
is endowed with several references, whether in
everyday dialogues, texts, images or cuts, these
characteristics that enable the production of
meanings and use of reading strategies through
representations that give meaning to the social
Capítulo 4
33
world. Therefore, based on the results found, it is believed that this work contributes so that
the educator can create learning situations from the use of comic books, tools that contribute
to achieve reading autonomy, as well as corroborating the understanding of different contexts.
KEYWORDS: Teaching. Reading Workshop. Comics.
1 | INTRODUÇÃO
A leitura é uma atividade essencial à vida, pois, saber ler significa tornar-se livre. Esta
é fundamental à construção de conhecimento e mais, à própria a vida no dia a dia (FREIRE,
1979). Portanto, esta dissertação se trata de um estudo que proporciona subsídios que
auxiliem no processo da leitura de Histórias em Quadrinhos (HQs) e no que se refere à
exploração das estratégias de leitura, trazendo a possibilidade de estudá-las sob a visão
da interação entre o texto e o leitor (SOLÉ, 1989).
As estratégias de leitura serão descritas como um conjunto de processos que
exercem um controle executivo, consciente, mediante a interação entre leitor e o texto
sobre os estágios da leitura, seja ela HQs ou outro gênero. Dentro dessa percepção de
leitura, Kleiman (2016) relata que o leitor necessita ter controle consciente e ao realizar
uma leitura.
Logo, trabalhar a leitura a partir do uso das HQs é visto como uma forma
“harmoniosa” para o desenvolvimento de estratégias metacognitivas, pois exige muito
mais que estratégias de leitura e habilidades linguísticas, é preciso saber acioná-las
estrategicamente “[...] dentro de um processo sociocognitivo interacional”. Isso quer dizer
que elas são monitoradas e coordenadas pelo processo metacognitivo (leitor coordenador)
(KLEIMAN, 2016).
Diante do cenário exposto, percebeu-se que ao realizar a referida inserção, o
professor poderá propiciar a ativação de estratégias de leitura, o que permitirá aos
alunos: o uso consciente delas; a possibilidade de atuar sobre o material lido; bem como
o gerenciamento das informações e a sistematização dos próprios conhecimentos (SOLÉ,
1998).
A relevância do tema se deve à necessidade de trabalhá-lo em sala de aula, que
surgiu a partir da experiência profissional da autora desta dissertação, uma docente que
atua no segmento do Ensino Fundamental, e possui a percepção do baixo rendimento do
índice no campo da leitura, por isso é essencial mediar e capacitar leitores a ter autonomia.
A justificativa desta pesquisa se sustenta, porque por meio da mesma, busca-se
descrever como se dá o processo de leitura e a aplicação de estratégias por parte do leitor,
para o desenvolvimento que permita ampliar os aspectos críticos e reflexivos, por meio do
conhecimento e do uso das estratégias de leitura e da interação entre texto e leitor.
O artigo ora apresentado é parte de uma pesquisa desenvolvida nos anos de 2019
e 2020 sobre HQs e a importância das estratégias de leitura A questão orientadora do
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
34
processo, a saber: Como explorar no contexto escolar, a leitura de Histórias em Quadrinhos
e as estratégias de interação entre texto e leitor?
Esta problemática motivou a necessidade de alcançar o objetivo que é desenvolver
ferramentas para estratégias de interação na relação entre texto e leitor no processo da
leitura de HQs na prática em sala de aula.
2 | UMA ANÁLISE REVISIONAL SOBRE AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Eisner (1999, p. 8), afirma que as HQs possuem esse nome exatamente pela
estrutura que possui, que é expressa em forma sequencial de quadrinhos com imagens,
palavras, balões e até mesmo sons (descritos de forma compreensível nos balões), pois a
[...] configuração geral da revista de quadrinhos apresenta uma sobreposição
de palavras e imagem, e, assim é preciso que o leitor exerça as suas
habilidades interpretativas e verbais. As regências da arte (por exemplo,
perspectiva, simetria pincelada) e as regências da literatura (por exemplo,
gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente.
Pode-se ainda afirmar que possuem uma diversidade intertextual, pois dialogam
com a realidade e com outros textos que cuidam de temas peculiares aos seus, como por
exemplo, as charges e as caricaturas.
Esses textos geralmente são classificados como sendo uma “família textual”, mas,
aqui, opta-se por analisar somente algumas características que lhes são próximas: humor,
irreverência, crítica, temas atuais e cotidiano, conforme relata Postema (2018).
É praticamente impossível falar em quadrinhos sem mencionar a estrita relação
com o meio social, afinal, nele nascem e se mantêm, pois se constituem em tal contexto,
ganham vida e importância nos portadores que circulam pela sociedade – jornais, revistas
e gibis (POSTEMA, 2018).
As HQs usam como temas de discussão problemas, fatos, situações políticas,
econômicas, culturais. Geralmente, estes estão embutidos nos quadrinhos e expressos
por uma linguagem simples, lembrando que o conteúdo pode estar explícito ou implícito
nas falas dos personagens, haja vista que uma de suas características é a sustentação do
desejo de interação do leitor. O conteúdo será encontrado a partir da análise/interpretação
de quem as lê, por meio da relação entre as imagens e as falas (RAMOS; VERGUEIRO,
2018).
Conforme Viana (2013) esclarece, as HQs possuem um longo processo na história e
também no ato da leitura. Surgiram, sob a forma de esboço, no final do século XIX e início
do século XX. Com o passar do tempo, saíram das tiras de jornais e ganharam as revistas
em quadrinhos, e cada vez mais espaço na cultura contemporânea, chegando aos adultos
e sendo sofisticadas justamente para atingir um público maior e diferenciado.
No Brasil, de acordo com a 4ª edição da Pesquisa Retratos da Leitura do Instituto
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
35
Pró-Livro – 2019, os quadrinhos, enquanto texto, agradam o público leitor entre 13% e 29%.
A riqueza linguística contida nas HQs vai além do vocabulário usado pelos
personagens no contexto quadrinizado, porque se objetiva, com o discurso, conferir
veracidade e naturalidade da conversação entre leitor, texto e personagens no percurso
discursivo de interação do sujeito no universo dialógico das HQs (CIRNE, 2000).
Além desse aspecto, os quadrinhos oportunizam o leitor a conferir a adequação
da analogia de gestos, expressões, sorrisos, com o que pretende significar. Os termos
empregados nas tirinhas são selecionados de acordo com sua relevância semântica, a fim
de propiciar uma empatia entre texto e leitor. Graças a linguagem simples e direta deles é
possível associar o diálogo a ricas em expressividades, com isso a linguagem é cada vez
mais convidativa. “Os quadrinhos convidam o leitor a acessar o processo da significação
[...]” (POSTEMA, 2018, p. 52).
Segundo Ramos e Vergueiro (2018) apesar do tema escolhido ainda não ser tão
amplamente disseminado, nota-se que muitos educadores buscam e utilizam as HQs, e
estratégias pedagógicas para despertar a curiosidade e o interesse do leitor. Cientes disso,
autores como Catonio e Cruz (2008, p. 726) já assinalavam muito antes luz aos benefícios
que:
[...] histórias em quadrinhos proporcionam aos alunos [como um] maior
desejo de escrever e produzir incentivados pelo imaginário, pela criatividade
que se adquire por meio delas. É interessante [...] transformar seus alunos
em crianças críticas, questionadoras, formadoras de opinião, saber escolher
cuidadosamente histórias que despertarão essas qualidades.
A atuação do professor quando o aluno tem os primeiros contatos com os quadrinhos
é essencial, já que o leitor pode deixar de observar a função de certos aspectos linguísticos,
porque seu conhecimento sobre a intencionalidade não é mobilizado para a tarefa de leitura
(KLEIMAN, 2016).
De acordo com as palavras de Verdolini (2007, p. 26), “[...] hoje já existem diversos
livros que abordam os benefícios dos quadrinhos para a aprendizagem da leitura e para o
desenvolvimento do gosto por ela, incluindo-os no hall de literatura que merece ser lida e
admirada”.
Entretanto, é necessário refletir que se o leitor for orientado a pensar no contexto em
que os quadrinhos foram produzidos, quem era o leitor previsto e a intenção que está por
trás desse gênero textual, então a leitura deixará de ser uma análise de palavras e passará
a ser um contexto interativo de apreensões (RAMOS; VERGUEIRO, 2018).
Nessa perspectiva, Santaella (2001, p. 384) acredita que se trata de uma série de
jogos semióticos. Nas palavras do autor:
[...] primeira dentre as linguagens visuais-verbais é a escrita, todas as formas
de escrita, inclusive as pictográficas, ideográficas, até atingir a sua forma
mais convencional e arbitrária na escrita alfabética. [...] Evidentemente visual-
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
36
verbal é a publicidade impressa nos cruzamentos que estabelece entre
imagem, palavra, diagramação de ambos na página e dos partidos que tira
desses cruzamentos, através de jogos semióticos muito engenhosos.
Percebe-se, portanto, que enquanto gênero textual, as HQs mostram-se aplicáveis
ao cotidiano como qualquer outro que busca despertar no leitor a procura por informações
não visíveis no texto. Estas, por sua vez, só serão encontradas a partir do ativamento de
conhecimentos construídos ao longo do tempo e a partir de sua experiência com o mundo
da leitura (KLEIMAN, 2016).
Esse conhecimento implícito se revela randômico, pois engloba uma gama de
elementos em seu contexto dialógico, permitindo assim uma interação entre texto-leitormundo (SOLÉ, 1998).
Ao falar de HQs, Mendonça, (2008) salienta que não se pode negar sua forma
estética. Isso se dá porque esse gênero possui características próprias, fazendo com
que exista um distanciamento de qualquer outro estilo de texto. Essa peculiaridade só é
possível por causa dos elementos que são usados para compor uma HQs.
As imagens recortadas em quadrinhos transmitem o dinamismo da ação e geram
uma emoção intensa, fazendo com que o leitor se prenda cada vez mais a leitura desse
gênero. A vivacidade dos quadros muito se assemelha aos desenhos animados de televisão.
Aliás, graças aos quadrinhos, eles existem e fazem tanto sucesso no “cotidiano de crianças
e jovens” (BARBOSA, 2006, p.21) . Isso se dá porque: “Os quadrinhos produzem inúmeros
códigos na construção do significado” (POSTEMA, 2018, p. 19). Com isso, o envolvimento
entre HQs e leitor podem se tornar sempre contínuo.
As imagens enquadradas falam por elas mesmas, motivo que dá vida e faz com que
sejam tão importantes quanto os textos escritos, para a compreensão global da mensagem
transmitida. A linguagem dos personagens, também, gera grande aproximação com o leitor,
porque, de certa forma, há uma familiaridade. A linguagem é a do cotidiano (em linguística
é o que denomina variante popular da língua), é simples e de fácil entendimento (SANTOS,
2001).
Segundo Mendonça (2002) enfatiza é sabido que as HQs surgiram na periodicidade
dos jornais e que, com o tempo, ganharam um espaço único e específico de publicação
completa: os gibis. Hoje, elas podem ser encontradas em vários outros veículos midiáticos,
como é o caso de revistas destinadas a diversos tipos de leitores (desde o público infantil,
o infanto-juvenil e até mesmo o adulto). Isso quer dizer que em cada revista é possível
encontrar HQs ou seu subtipo (tirinhas) com temas e personagens que interessem a um
público predeterminado.
De mais a mais, outro fato observável nesse veículo informativo é a preocupação
com o público leitor, que vai desde as camadas populares à classe alta. Para Viana, 2013,
p. 21). As HQs são arte, logo “[...] reproduz as relações sociais”. Isso explica as razões
das HQs privilegiarem temas abrangentes, já que o objetivo é satisfazer, alcançar todo o
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
37
público leitor indiferentemente da classe social a qual pertençam (VIANA, 2013).
Além desse aspecto, as HQs têm a liberdade para optar por uma diversidade de
temas que não dependam especificamente da atualidade, como é o caso das charges, por
exemplo. Afinal, percebe-se que estas envelhecem como as notícias, enquanto as tirinhas
mantêm o caráter atemporal (CIRNE, 1975).
Seguindo os relatos de Postema (2018) nota-se que um outro suporte comum
de publicação são as coletâneas (de um personagem, de um grupo de personagens, ou
a produção de um quadrinista) que podem trazer histórias longas, o que requer maior
tempo do leitor para concluir a leitura. Como o leitor previsto é, geralmente, apreciador de
leituras rápidas, muitas vezes ele rejeita essas histórias em detrimento de narrativas mais
fáceis. Assim, há uma valorização, e melhor aproveitamento do tempo, algo cada vez mais
precioso na vida contemporânea.
De acordo com Postema (2018) as revistas em quadrinhos passaram a incluir
histórias de tamanhos variados, de curta e longa duração, com continuidade em fascículos.
Aliás, nota-se que esse é um dos motivos que impulsionam a publicação de tirinhas nos
periódicos, a garantia de serem curtas, possuírem somente quatro ou cinco quadros, com
início, meio e fim, propiciando uma narrativa completa. Não dependente de continuidade,
as tirinhas necessitam de acompanhamento de capítulos diários, fato este que não
compromete o conteúdo nem a intencionalidade delas.
Observa-se, portanto, que, como mídia escrita, há razões para que as HQs tenham
espaço garantido em vários meios de comunicação, o que lhes dá a possibilidade de estar
sempre em circulação, ao mesmo tempo em que ajudam a propagar os suportes que as
portam.
Sobre isso, Mendonça (2002, p. 200) diz que “denotam a autonomia, cada vez maior,
das HQs em relação ao domínio discursivo jornalístico, ou seja, a autonomia em relação
aos suportes midiáticos”.
3 | METODOLOGIA
Esta pesquisa contou com a participação de quatro turmas do 7º ano do Ensino
Fundamental do colégio EMEIEF “Bery Barreto de Araújo”, localizado no município de
Presidente Kennedy – Espírito Santo. O levantamento dos dados e resultados foram
capitados por meio da participação em sala de aula, o que possibilitou explorar a leitura
de HQs no contexto escolar, como também as estratégias de interação texto/leitor. Com a
aplicação de um questionário os discentes se expressaram respondendo quais são suas
percepções sobre a sua própria atuação no campo leitura e quais relações estabeleciam
com as HQs. Foi também desenvolvida uma oficina de leitura de HQs para estabelecer
relação entre texto e leitor e por meio desta explorar e estimular o acionamento de
estratégias de leitura a partir das HQs.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
38
A escola hoje, no ano letivo de 2020, é composta de aproximadamente 800 alunos
divididos em três turnos (matutino, vespertino e noturno) e, além disso, servem a essa
instituição escolar, aproximadamente 43 professores. A equipe técnica é composta de um
(01) diretor, seis (06) coordenadores de turno e dois (02) pedagogos, 4 (quatro) auxiliares
administrativo, vinte e três (23) serventes, três (03) motoristas, dois (02) monitores
de Informática, três (03) monitores de Transportes, um (01) auxiliar de Serviços Gerais
e oito (08) cuidadores. Além disso, a instituição conta com os funcionários de firmas
terceirizadas. Servem a esta escola dois (02) porteiros, cinco (05) banheiristas, quatro (04)
vigias patrimoniais, dois (02) motoristas de van, 12 motoristas de ônibus, 12 monitoras de
transporte escolar.
O questionário foi dividido em duas categorias: a) Percepção dos discentes sobre a
importância das HQs; b) Percepção dos discentes sobre a importância, uso e monitoramento
da leitura. Essa relação leitora e as estratégias no ato de ler nortearam a pesquisa. Por
meio desse instrumento aplicado foi possível obter informações sobre a percepção dos
discentes quanto à leitura em relação às HQs.
4 | RESULTADOS E DISCUSSÕES
Esta pesquisa foca na leitura e no potencial das HQs, e com base no resultado obtido
100% dos discentes responderam que já leram HQs em algum momento da vida. Nota-se
o quanto as HQs são apreciadas pelos leitores. Esse dado reforça o que foi relatado por
Eisner (1999, p. 7), de que “a história em quadrinhos continua a crescer como forma válida
de leitura”. Segundo o autor, as HQs podem ser chamadas de “leitura” no sentido mais
amplo, porque estas exigem um leitor moderno, com habilidades interativas para perceber
um nicho de possíveis leituras que as HQs permitem.
Nessa mesma linha, Freire (1982, op. cit. p. 4-5) destaca, que a leitura da imagem
precede à leitura da palavra por isso é fundamental dominar as linguagens verbal e nãoverbal:
[...] ler é adentrar nos textos, compreendendo-os na sua relação dialética
com seus contextos e o nosso contexto. O contexto do escritor e do leitor.
Ao ler eu preciso estar informando-me do contexto social, político, ideológico
e histórico do autor. Eu tenho de situar o autor num determinado tempo [...].
Quando eu leio um autor eu preciso ir me inteirando do contexto dele, em que
aquele texto se constituiu. Mas agora eu preciso também de um outro esforço:
de como relacionar o texto com o meu contexto. O meu contexto histórico,
social, político, não é o do autor. O que preciso é ter clara esta relação entre
o texto do autor e o contexto do leitor.
Discorre sobre a intencionalidade de um texto e fundamental, pois conscientização
em torno da leitura contribui para o acionamento de estratégias de leitura, é uma experiência
que o leitor constrói ao estabelecer interação com o texto, seja ele com linguagem verbal,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
39
não verbal ou mista, feito nas HQs. Para a autora, o “leitor faz predições” (KLEIMAN, 2016,
p. 78). Percebe-se que o leitor precisa adotar uma postura ativa, ser capaz de ressignificar
o texto.
Ao responderem à questão sobre o tipo de HQs que leem. A maioria respondeu
que lê HQs de Fantasia/Fábulas (cerca de 58,5% dos discentes), enquanto os que
correspondem a 48,5% disseram que leem o tema super-heróis. Além desses, outros
temas foram apontados como ficção científica (12,8%) e drama/terror (26%). E em relação
a opção - informativa - a mesma não foi marcada pelos alunos, ou seja, são leitores de
gosto particular.
Escolher as HQs por tema ou categoria é válida, porque o discente poderá
desenvolver uma leitura autônoma, recorrendo as previsões e inferências no ato da escolha
e leitura. De acordo com Bittencourt et al. (2015, p. 27) é primordial “despertar nas crianças
o desejo de serem leitoras”. Cabe à escola e a família estimular e proporcionar momentos
de deleite. Segundo Cirne (2000) as HQs foram pensadas para proporcionar prazer no
leitor. Por isso é fundamental despertar a criança a estreitar cada vez mais relações com
este gênero.
No que tange a questão que traz a pergunta se o aluno acredita que alguns temas
introduzidos nas HQs são compreendidos mais facilmente do que se fossem por livros
apenas com linguagem verbal. O parece focou 64% informaram que os quadrinhos
favorecem a compreensão, 20% acreditam que ocasionalmente as HQs podem facilitar
o entendimento e 16% discordaram e para eles esse gênero não ocorre.
Assim, ficou
disposto que de acordo com os resultados.
Notou-se claramente o quanto as HQs influenciam na vida do leitor, seja no campo
da leitura, ou no social- cultural. Um ponto relevante e perceptível na afirmação de Barbosa
(2006, p. 22), que
[...] palavras e imagens, juntos, ensinam de forma
mais eficiente a interligação do texto com a imagem, existente nas histórias em
quadrinhos, amplia a compreensão de conceitos de uma forma que qualquer
um dos códigos, isoladamente, teria dificuldades para atingir.
Em conformidade com Barbosa, Eisner (2001, p. 8) destaca “a leitura da revista em
quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual”. Por isso, explorar
esse gênero é se permitir buscar novas formas e estratégias de leitura, pois para realizar
tal leitura o leitor precisa articular uma gama de saberes.
As HQs é um grande rótulo que agrupa diversos gêneros que compartilham uma
linguagem similar (RAMOS, 2009). Com isso é fundamental construir uma percepção
aguçada.
Perguntados se “Com base na sua relação com as HQs, você acha que elas te
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
40
incentivam a refletir, ou mesmo incentivam você a ler?”. A maioria considera que as HQs
incentivam o ato de ler, com isso, notou-se claramente o quanto as HQs influenciam na
vida do leitor.
Concernente a questão que destaca se o leitor pode construir conhecimento por
intermédio da leitura de HQs. A maior parte 64% dos entrevistados marcou a opção sim.
O que demonstra no referido resultado, que tem sim, a possibilidade de os quadrinhos
fornecerem conhecimento segundo os discentes entrevistados.
Para Ramos (2009, p. 19), “o leitor, ao entrar em contato com o texto, cria uma
expectativa de leitura, que não pode ser ignorada”. A linguagem dos quadrinhos oferta
ao leitor diversos contextos para interação, seja por meio da leitura ou no convívio social
através das histórias, pois quando usado a favor das necessidades sociais e não só para
ficção este gênero estimula as inferências e estratégias de interpretação. Com isso, o leitor
constrói significado e conhecimento.
Referente a indagação se as HQs podem auxiliar a compreensão leitora, bem como
favorecem na relação entre texto e leitor, contando 67% do total disse que sim. Com isso
fica perceptível a relevância das HQs, pois são fonte de informação e, com sua linguagem
rica, possibilitam o uso de inúmeras estratégias de leitura ao correlacionar texto verbal e
não-verbal aos conhecimentos prévios que detêm. Segundo Ramos (2009, p. 14) as HQs
geram expectativas, pois
Ler quadrinhos é ler sua linguagem, tanto em seu aspecto verbal quanto visual
(ou não verbal). A expectativa é que a leitura - da obra e dos quadrinhos –
ajude a observar essa rica linguagem de um outro ponto de vista, mais crítico
e fundamentado.
Referente a questão sobre quais critérios os discentes utilizam para escolher as
HQs no ato da leitura. Sendo assim, 50% dos discentes se expressaram que optariam
pelo tema dos quadrinhos, enquanto 38,5% dos entrevistados o gosto pessoal e 5,7% a
importância no mercado. Os outros 12,8% escolheram o formato físico e durabilidade. Os
12,8% restantes responderam que usariam outros critérios, como a popularidade da obraautor, foi observado que os alunos preferem escolher os títulos das obras, pois se sentem
mais seguros para realizar a leitura.
Segundo Cirne os quadrinhos são narrativas gráfico-visual:
[...] a grafia exige uma dupla articulação semiótica: narrativa enquanto tal e o
seu agente impulsionador (o corte), que mobilizam a relação produção/leitura
de forma a mais eficaz possível, tendo em vista a própria operacionalidade
semântica e estrutural de sua vigência quadrinhística. Isto é seu espaço
narrativo só existe na medida em que se articula com os cortes, que, assim,
seriam redimensionados pelo leitor (CIRNE, 2000, p. 23-24).
Ao escolherem as HQs, a leitor traz para si a responsabilidade de escolha, logo terá
que desbravar as lacunas que estão no texto, é tarefa que requer apoiar-se das imagens e
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
41
recursos gráficos para compreender o contexto e produzir significado, para assim extrapolar
o padrão estandardizado, para visualizar as pluralidades estilísticas e ideológicas que se
presentificam nas HQs.
Ao serem questionados se conhecem alguma biblioteca, ou mesmo algum espaço
que utilize HQs as quais os leitores possam utilizar; afirmaram sim 64% dos entrevistados,
e os demais alunos 36% afirmaram que não. Sendo assim nota-se que é preciso criar
espaços para que os discentes tenham acesso esse gênero. Na visão de Eisner (2001, p.
7) “[...] a revista de quadrinhos constitui o principal veículo da arte sequencial. Na medida
que se tornou mais evidente o potencial desta forma, foram introduzidas uma melhor
qualidade e uma produção mais cara”. Dessa forma, foi surgido um público mais refinado e
publicações vistosas, pois os quadrinhos passaram a incorporar todos os campos do saber,
nos diferentes níveis de ensino.
No que tange a questão 9, que questiona se o leitor faz uma revisão, com frequência,
das leituras realizadas no dia a dia, dos entrevistados 76% responderam que às vezes. Os
demais, 24% afirmaram que nunca, enquanto nenhum marcou que faz a revisão sempre não
foi sinalizada. Segundo Solé (1998, p. 72), “[...] o leitor especialista, além de compreender,
sabe que compreende e quando não compreende”. Com isso fica evidente a necessidade
de ensinar estratégias de leitura, porque é crucial aguçar a habilidade leitora, e assim
galgar o status de leitor autônomo e capaz.
Questionados sobre perceber os próprios erros no ato da leitura e se utilizam essa
tomada da consciência para melhorar ainda mais a capacidade leitora, 63% responderam
às vezes, porém 14% restantes replicaram que nunca. Com esse ultimo resultado, nota-se
que o aprimoramento, precisa ser uma constância por meio de estímulo estratégico, essa
tomada de consciência precisa está em evolução.
Para Solé (1998, p. 95): “no caso da leitura, o leitor sente-se imerso em um processo
que o leva a se auto interrogar sobre o que lê, a estabelecer relações com o que já sabe,
a rever os novos termos, a efetuar recapitulações e sínteses frequentes, a sublinhar, a
anotar [...]”. Por isso monitorar o ato da leitura faz-se necessário para assim garantir uma
aprendizagem significativa.
Quando questionados se buscam encontrar formas de melhorar a leitura
estabelecendo objetivos claros. A enquete ficou: às vezes com 47% dos votos, nunca com
22% e sempre com os demais 31% das respostas dos entrevistados. O leitor precisa adotar
uma postura crítica, e ser capaz de compreender práxis da leitura. De acordo com Kleiman
(1998, p. 45) destaca que “essa atividade intelectual começa pela apreensão do objeto por
meio dos olhos com o objetivo de interpretá-lo”. Ou seja, o leitor hábil se engaja com uma
postura ativa e consciente.
Com referência ao questionamento se eles tentam relaxar sempre que sentem
insegurança ao realizar uma leitura e se buscam descobrir boas estratégias de leitura; eles
responderam e é perceptível a necessidade de instruir os leitores a terem auto controle
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
42
no ato da leitura. Para Solé (1998, p. 125), “para ler eficazmente, precisamos saber o
que podemos fazer quando identificamos o obstáculo, o que significa tomar decisões
importantes no decorrer da leitura”. Por isso crucial se sentir seguro quando atua numa
perspectiva interativa textual.
Em relação ao questionamento se os leitores avaliam o processo de leitura e
estabelecem objetivos para si mesmos no ato da leitura, da total 51% responderam às
vezes, 36% sempre e 13% nunca. Os resultados possibilitam refletir que é preciso instruir
o leitor a estabelecer propósitos para todas as leituras. Nesse sentido Solé (1998, p. 72)
destaca que: “[...] conseguimos nosso objetivo e podemos variar nossa atuação quando
isso nos parece necessário”. Dessa forma, os objetivos variam conforme a intencionalidade
de cada leitor, por isso cada leitor deve ser capaz de questionar-se e estabelecer objetivos
com base no seu ângulo de visão, de interação textual e seu propósito, ou seja, por que
estou lendo.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, buscou evidenciar que a atividade de leitura de quadrinhos em forma
de oficina favoreceu a ação leitora, pois é um aprendizado interativo que emana o uso
de inúmeras estratégias de leitura, e por isso, os alunos puderam expor sua visão e
interpretação sobre os elementos que compõem as imagens e também ouvir o que os
demais interpretaram dos textos, e assim, cada leitor constrói sua leitura a partir de uma
ótica própria, uma melhor compreensão do processo e uma maior aproximação das HQs,
graças ao uso de estratégias de leitura. O anseio é que dessa experiência frutifiquem
outras.
REFERÊNCIAS
BARI, Valeria Aparecida. O potencial das Histórias em Quadrinhos na formação de leitores: busca
de um contraponto entre os panoramas culturais brasileiro e europeu. Tese apresentada à Comissão de
Pós-Graduação da Escola de Comunica-ções e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). 2008.
Disponível em: <https://www.teses.usp. br/teses/disponiveis/27/27151/tde-27042009-121512/publico/
1937466.pdf>. Acesso em: 22 set. 2019.
BARBOSA, Alexandre. Como usar as Histórias em Quadrinhos na sala de aula. São Paulo:
Contexto, 2006.
BITTENCOURT, Zoraia Aguiar; CARVALHO, Rodrigo Saballa de; JUHAS, Sílvia E SCHWARTZ
Suzana. A compreensão leitora nos anos iniciais – reflexões e propostas de ensino. Petrópolis,
Editora Vozes, 2015.
CIRNE, Moacy. A linguagem dos quadrinhos. Rio de Janeiro: Vozes, 1975.
CIRNE, Moacy. Quadrinhos, sedução e paixão. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
43
EISNER, Will. Quadrinho e arte sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educa-tiva. 20ª ed. São
Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2001.
KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Pontes, 1989.
KLEIMAN, Angela. Texto & leitor: aspectos cognitivos da leitura. 7. ed. São Paulo: Pontes, 2000.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: Teoria e Prática. 9ª. ed. São Paulo: Pontes, 2002.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: Teoria e Prática. 16ª. ed. São Paulo: Pontes, 2016.
MENDONÇA, João Marcos Pereira. Traça, traço, quadro a quadro: a produção em quadrinhos no
ensino da Arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2008.
MENDONÇA, Márcia Rodrigues de Souza. Ciências em quadrinhos: recurso didático em cartilhas
educativas. Recife: 2008.
POSTEMA, Barbara. Estrutura narrativa nos quadrinhos: construindo sentido a partir. São Paulo:
Peirópolis, 2018.
RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto, 2009.
RAMOS, Paulo; VERGUEIRO, Waldomiro. Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. 2ª ed. São
Paulo: Contexto, 2018.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Cengage leraning, 2012.
SANTOS, Roberto Elísio. Aplicação das Histórias em Quadrinhos. Comunicação & Educação, São
Paulo, 2001.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6ª. ed. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
SOUZA, Renata Junqueira de (et al.). Ler e compreender: estratégias de leitura. Campinas, SP:
Mercado de letras, 2010. Outros autores: Ana Maria da C. S. Menin, Cyntia Graziella Guizelim Simões
Girotto, Dagoberto Buim Arena. (apud) HARVEY, Stephanie; GOUDVIS, Anne. Strategies that work.
Teaching comprehension for understanding and engagement. USA: Stenhouse Publishers & Pembroke
Publishers, 2008.
VERGUEIRO, Waldomiro e RAMOS Paulo. Quadrinhos na Educação: da rejeição à prática. SP;
Contexto, 2018.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 4
44
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 5
CORPO-OBJETO-OBRA: UMA EXPERIÊNCIA EM
EXPANSÃO JUNTO À DISCIPLINA TÉCNICA DE
MANIPULAÇÃO DE OBJETOS
Data de aceite: 16/04/2021
corpo, Sistema Laban/Bartenieff
Data de submissão: 12/02/2021
Julia Coelho Franca de Mamari
Departamento de Arte Corporal (EEFD - UFRJ)
e Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ)
Rio de Janeiro - RJ
http://lattes.cnpq.br/2060679225115132
RESUMO: TEMAOB – Técnica de Manipulação
de Objetos é o nome atual de uma disciplina
que começou a ser lecionada no Curso Técnico
da Escola e Faculdade Angel Vianna em
2008, imediatamente após o término da minha
licenciatura na mesma instituição, por uma ideia
trazida pela própria Angel Vianna que, percebendo
os infinitos entremeios do circo e da dança como
importantes na formação do bailarino, decide
criar a disciplina, então denominada Malabares.
O presente artigo pretende compartilhar pontos
da trajetória da criação e construção de bases
metodológicas que nasceram da prática do
corpo e do manuseio de objetos. A partir de
um ligeiro apanhado do que foram estes 11
anos do desenvolvimento de uma metodologia
de ensino que perpassa a dança, o circo, e o
Sistema Laban/Bartenieff, assim, apontar-se-á
para cruzamentos que foram emergindo entre as
práticas artísticas, as pesquisas acadêmicas e as
vivências junto aos estudantes do Curso Técnico
de Bailarino Contemporâneo.
PALAVRAS - CHAVE: Circo, dança , objeto,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
PIECE-BODY-OBJECT: A GROWING
EXPERIENCE ALONG WITH OBJECT
MANIPULATION TECHNIQUE
ABSTRACT: TEMAOB - Object Manipulation
Technique is the current name for a school
discipline in Angel Vianna’s Technical Program,
that began in 2008, immediately after my
graduation in the same institution. Angel Vianna
herself, perceiving the importance of intersections
between circus and dance for the dancer’s
formation, conceived the idea for the course, then
called “Malabares” [Juggle] . The present article
aims to share some points experienced through
the creation and development of methodological
bases, born from the manipulation of objects and
the practices of the body. From a slight overview
of these 11 years developing a teaching method
that runs through dance, circus and the Laban/
Bartenieff Movement Analysis, some points of
convergence which emerged from the junction
of artistic practices, academic research, and the
experiences from working with the students of the
Technical Program for Contemporary Dancers
students, will be indicated.
KEYWORDS: circus, dance, object, body, Laban/
Bartenieff Movement Analysis
Faz-se importante, antes de mais nada,
comentar brevemente o que antecedeu a
criação da disciplina Técnica de Manipulação
de Objetos (TEMAOB). Em 2007, eu estava
concluindo a licenciatura em dança, na própria
Faculdade Angel Vianna, e havia compartilhado
Capítulo 5
45
em uma das mostras semestrais da instituição uma criação coreográfica de minha autoria,
intitulada “Objeto para uma Delicatessen Sentimental”1. A criação unia a técnica de contact
juggling circense, manipulação de uma bola de acrílico, a atravessamentos de um discurso
corporal construído a partir de uma perspectiva que se utilizava da técnica do malabarismo
aliada ao estudo das expressividades do gesto, sob referências da dança.
Neste momento, a coordenação pedagógica da escola decidiu pelo nome
Malabares, para destacar a busca pela linguagem do circo no contexto da formação em
dança contemporânea. Lembro-me de pensar inúmeras vezes: “Mas como vou lecionar
malabarismo se não sou malabarista...?! Preciso dizer isso a elas. ” Ao final da primeira
reunião docente que fui, Angel foi conversar comigo e eu, muito preocupada, disse a ela
minhas inseguranças. Ela me disse que ficasse inteiramente à vontade para eleger os
elementos que me parecessem mais importantes abordar e enfatizou muito que fossem
relacionados à pesquisa que estava desenvolvendo, utilizadas para a criação coreográfica
comentada anteriormente. Quando tentei ser mais específica, ela me disse: “Eu confio
plenamente em você. Ao trabalho!”.
Estava muito claro que não havia nenhum tipo de cobrança ou imposição sobre quais
disciplinas circenses eu deveria lecionar, nem mesmo dentro da arte do malabarismo2.
Por outro lado, não havia como a instituição arcar com a despesa necessária para que a
disciplina tivesse seu próprio arsenal de objetos malabarísticos. Então, optei pelo objeto
“bola”, num tamanho pequeno, fácil de carregar e de ser construído, compreendendo que a
esfera possui um formato “base”, que posteriormente pode permitir que o estudante adapte
sua pesquisa para um novo objeto. A construção das bolas era realizada no primeiro dia de
aula, utilizando bexigas de encher e painço, ou alpiste, solução muito comum em projetos
sociais de circo com baixo recurso.
Num tatear muito sutil, com muitas perguntas, e respostas que ainda hoje eclodem,
comecei a estudar o que seriam os padrões de movimento mais usados na manipulação
de diversos objetos malabarísticos. Foi quando vieram à tona os padrões “permanência”,
“equilíbrio”, “rolamento”, e o “jogo” propriamente dito. O primeiro, busca a permanência do
objeto num ponto entre uma dobra do corpo, uma articulação, ou duas superfícies do corpo
que se aproximem3. O segundo, diz respeito à permanência da bola em relação a apenas
uma superfície do corpo, estando necessariamente acima dela e, por que não dizer o óbvio,
estando equilibrada com apenas este ponto de contato. O terceiro, é quando a bola está
rolando entre uma ou duas superfícies, do corpo ou do espaço à sua volta4. O último, é
1 O trabalho, que recebeu orientação do professor, coreógrafo e diretor Paulo Caldas, encontra-se disponível no endereço eletrônico https://www.youtube.com/watch?v=Ctkof5et69U&t=39s
2 Contudo, existem inúmeros tipos de objetos que podem ser utilizados no malabarismo que não possuem um formato
de uma esfera, como por exemplo claves, argolas, chapéus, bastões, leques, facas, bandeiras, correntes, guarda chuvas, diabolôs, etc., e para cada tipo de objeto existe basicamente um vocabulário de manipulação novo.
3 Podendo ser tanto um braço e uma perna, como entre duas superfícies do braço, entre um ponto da cabeça e um do
ombro, um ponto do pé e um da perna, um do joelho e um da cabeça, e assim sucessivamente.
4Este padrão pode referir-se à técnica de contact juggling, onde a bola rola em contato com apenas uma superfície
(no que seria um meio termo entre o rolamento e o equilíbrio); pode estar rolando entre duas superfícies do corpo, em
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 5
46
quando a bola sai do contato com o corpo, sendo jogada por qualquer parte do mesmo e
retornando ou não para o ponto de origem. Possivelmente, por estar começando a explorar
mais os Bartenieff Fundamentals (BFs) em minha pesquisa pessoal e acadêmica, comecei
a desenvolver todo um primeiro momento de aula que aliava os BFs a uma experiência de
“estar com o objeto” pela própria relação, sem objetivos tão delineados. O corpo começava
a se mover em sala de aula ao mesmo tempo em que a relação com o objeto nascia,
buscando manter um equilíbrio entre estar ativo, estar presente, e, ao mesmo tempo, estar
aberto aos sentidos para o ambiente externo/interno ao mesmo e, logo, ao objeto. Estes
exercícios propiciaram inúmeros questionamentos sobre as distintas re-organizações do
corpo necessárias para “receber” este objeto e conceber um novo corpo.
Foi assim que as primeiras indagações sobre o espaço entre o corpo-objeto
apareceram. Durante os improvisos em aula e também nos processos de criação para as
mostras discentes semestrais ficava muito presente o quão visceral aquela relação poderia
se tornar, assim como sua porosidade. O que acontecia no espaço punha em questão direta
as fronteiras existentes na relação. O campo do desejo modificava o corpo no espaço,
onde se sentia claramente os momentos em que não existiam três movimentos, do corpo,
do espaço, e do objeto, mas apenas um, que, como aponta a Teoria da Complexidade
(VIEIRA, 2006), produz algo mais que a soma de seus elementos, que nasce do próprio
acontecimento do encontro - que intitulei corpo-espaço-objeto.5
Aos poucos, os Grandes Temas Labanianos apareceram como atravessamentos
aos padrões de movimento criados e à perspectiva dos BFs, desenvolvidos na metodologia
anterior. Toda a ideia de porosidade que era vivida e observada entre corpo-espaço-objeto,
fez saltar o Tema Interno/Externo como pilar para a pesquisa dentro e fora de sala de aula.6
Como exemplos mais concretos, ao tentar manter o objeto fixo em uma dobra do
corpo, os exercícios de “permanência” apontavam para limitações de movimento que
obrigavam o corpo a criar caminhos inusitados que saíam da lógica gestual comum do
movente, ampliando seu leque expressivo em soluções inusitadas. Ao mesmo tempo, o
padrão de “equilíbrio” marcava uma tensão com a dimensão vertical que reorganizava o
corpo todo em função das partes mais estáveis ou mais móveis, entre as que tocam ou não
o objeto. Questões como quem movia quem (corpo, objeto ou espaço), que partes do corpo
davam suporte para outras, que aparentemente se moviam “mais”, as relações entre macro
e micro movimento7 e, acima de tudo, a noção de estabilização de alguns segmentos do
corpo para mobilização de outros (ou vice-versa), destacaram as relações de diferenças
múltiplas possibilidades, como citado na “permanência”; pode ser entre duas superfícies de dois corpos diferentes; e,
ainda, entre uma superfície do corpo e uma do espaço, como o chão ou uma parede, por exemplo.
5 Este padrão pode referir-se à técnica de contact juggling, onde a bola rola em contato com apenas uma superfície
(no que seria um meio termo entre o rolamento e o equilíbrio); pode estar rolando entre duas superfícies do corpo, em
múltiplas possibilidades, como citado na “permanência”; pode ser entre duas superfícies de dois corpos diferentes; e,
ainda, entre uma superfície do corpo e uma do espaço, como o chão ou uma parede, por exemplo.
6 Temática que foi amplamente desenvolvida na minha dissertação de mestrado (FRANCA, 2017) e teve como fruto o
Projeto Mundano, criado e dirigido por mim.
7 Estas podem ser vistas também a partir da noção de paragem, de José Gil (GIL, 2004).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 5
47
funcionais e expressivas entre parte inferior e superior do corpo.
Após a decisão de incluir também a pesquisa com objetos cotidianos na disciplina,
a organização bípede e a instrumentalização do ser humano com relação aos objetos que
o cerca, evidenciou o tema Função/Expressão. Pois, revelou certas funcionalidades do
corpo, que o condicionam e operam dentro do que Guilherme Veiga de Almeida denominou
de redoma sensorial ordinária (ALMEIDA, 2008). As experiências em aula, portanto,
buscaram plantear outras trajetórias gestuais a partir de diferentes qualidades dinâmicas
de movimento, que operavam com todo o corpo e em todos os níveis espaciais. Ficava
explícito o quanto o corpo adulto possui determinadas organizações funcionais relativas
aos objetos, mas, sobretudo, que ao seguir provando variações e nuances expressivas
para os mesmos movimentos, a própria funcionalidade também se diluía. Reflexão
esta que instaurou o Tema Ação/Recuperação como ideia de ritmicidade subjetiva das
expressividades. O padrão de movimento do “jogo”, e o sentido da parábola, com seu ponto
ápice de energia potencial e seus diferentes fluxos de movimento, ajudaram enormemente
a percepção de um fraseado pessoal. Em grandes conjuntos de acentos, espaços, e
nuances, o acontecimento da preparação, a ação principal, e sua recuperação (que já
é uma nova preparação), fez decantar padrões pessoais de preferências dinâmicas que
viajam em ondas, e que, por isso, também modificam diretamente o que se cria junto ao
objeto.
Finalmente, hoje me pergunto o que de fato existe de manipulação de objeto ou de
circo nessa disciplina. Pois seguramente, a importância da escuta do objeto, da adaptação,
deformação, trans-formação de um corpo uno, que foi compartilhada e sentida, me levou
a aprender junto aos estudantes a borrar meus desejos de controle e desprender-me de
necessidades para abrir-me em possibilidades. O que talvez tenha repetido mais nestes
anos poderia ser algo como: “Se não desejo realizar nada, mas só sentir o movimento
acontecendo, absolutamente sem explicação científica alguma, o inusitado pode
acontecer...”.
Mas como o “impressionante” pode acontecer? Como num fluxo máximo de
condensamento, que respinga, e não precede absolutamente nada, de fato, o movimento
mais inusitado e impressionante pode acontecer, para algo bem ou mal sucedido. Contudo,
o exercício de se manter junto transforma o erro em errância, a queda em fluxo, faz
desaparecer fronteiras em nuvens que dançam, onde o vento e o pensamento podem ecoar
num espaço que tem no objeto seu chão.
Vale, então, dizer que a resposta para essa pergunta não é tão importante quanto
o exercício de refletir sobre as distintas práticas entre corpo-espaço-objeto. Sem dúvida, o
contexto da aula me levou a pincelar muito do que a própria vivência nesta casa me trouxe
sobre um cuidado do corpo e uma percepção de si e do mundo que me fez, justamente
nas reflexões do próprio 11º Seminário Angel Vianna, considerar essa prática de circo
(principalmente no contexto pedagógico) como uma abordagem somática do circo, num
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 5
48
exercício constante de abertura, de disponibilidade despretensiosa, prazerosa e, acima de
tudo, transformadora.
Acima de tudo, agradeço à equipe da Escola e Faculdade Angel Vianna da ocasião
de 2008, e à própria Angel, por ter tido a ideia de iniciar uma disciplina com estas temáticas
e, principalmente, por possuir um curso tão diferenciado, tão específico e, ao mesmo
tempo, tão completo como esse.
REFERÊNCIAS
BARTENIEFF, Irmgard. Body Movement: Coping with the Environment. New York: Routledge, 2002.
With Dori Lewis.
FRANCA, Julia Coelho. Aéreo do Corpo, Acrobacia da Vida. 2012. Monografia (Pós-graduação em
Sistema Laban/Bartenieff) - Faculdade Angel Vianna, Rio de Janeiro, 2012.
__________________. O Corpo Tetraédrico: Um Processo de criação labaniano entre a dança e o
circo. Dissertação (PPGCA – Programa de Pós-graduação em Estudos Contemporâneos das Artes) –
Universidade Federal Fluminense, 2017.
GIL, José. Movimento Total. São Paulo: Iluminuras, 2004.
MIRANDA, Regina. Corpo-Espaço: Aspectos de uma Geofilosofia do Corpo em Movimento. Rio
de Janeiro: 7Letras, 2008.
VEIGA, Guilherme. Ritual, Risco e Arte Circense: O homem em situações-limite. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2008.
VIEIRA, Jorge de Albuquerque. Teoria do Conhecimento e Arte: formas de conhecimento – arte e
ciência uma visão a partir da complexidade. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2006.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 5
49
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 6
ARTE EFÊMERA: (IM)POSSIBILIDADE DE
PATRIMONIALIZAÇÃO
Data de aceite: 16/04/2021
Maria Eduarda Rozario
Acadêmica do curso de Arquitetura e
Urbanismo, bolsista de iniciação científica da
Univille. Nascida e residente da cidade de
Joinville.
Nadja Carvalho Lamas
Orientadora, professora do curso de Artes
Visuais, Publicidade e Propaganda, Arquitetura
e Urbanismo, Mestrado/Doutorado em
Patrimônio Cultural e Sociedade, da Univille, na
cidade de Joinville.
RESUMO: A visão artística norteadora do
ARCUPA (Arte Cultura e Patrimônio: Da Produção
a Institucionalização – Relações e Tensões)
é refletida na pesquisa que dela se desdobra,
cujo tema é “Arte efêmera: (im)possibilidade de
patrimonialização”. A investigação se ramifica
em diversos questionamentos que convergem
na questão principal aqui abordada: o conflito
da arte atual mutante e sua trajetória efêmera
pode ser limitada em patrimonialização palpável
ou documentada? Essa investigação visa refletir
sobre a tensão e a complexidade relativa ao
patrimônio da produção artística intangível.
Assim, a pesquisa segue a abordagem qualitativa
e bibliográfica por meio de livros, dissertações e
artigos sobre o tema estudado. Visitas in loco
às exposições de obras de arte contemporânea
foram primordiais para o resultado almejado,
interagindo diretamente com o tema em foco.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Anseia-se que o resultado amplie o conhecimento,
levantando ideias e novos pensamentos a
respeito da conservação atual da arte, buscando
assim, visibilizar padrões não estabelecidos em
parte da produção artística contemporânea cuja
poética se caracteriza como efêmera.
PALAVRAS - CHAVE: Patrimônio; Arte
Contemporânea; Efemeridade.
EPHEMERAL ART: (IM)POSSIBILITY OF
PATRIMONIALIZATION
ABSTRACT: The artistic directing vision of
ARCUPA (Art, Culture and Patrimony: From
production to institutionalization – relations
and tensions) is pondered in the research that
develops from it, which theme is “Ephemeral
art: (im)possibility of patrimonialization”. The
investigation subdivides in several questions
that tend to the main one approached here:
the conflict of the present mutant art and
its ephemeral trajectory can be limited in a
palpable or documented patrimonialization?
This investigation aims to contemplate about
the tension and the complexity related to the
patrimony of the intangible artistic production.
Thus, the research follows the qualitative and
bibliographic approach through books, thesis
and articles about the theme. In loco visits to
contemporary art exhibitions were primordial
to the aimed result, directly interacting with the
theme. It is expected that the result amplifies
knowledge, bringing up ideas and new lines of
thoughts concerning the present conservation
of art, thus researching to make visible nonestablished patterns in part of the contemporary
Capítulo 6
50
artistic production which poetic is characterized as ephemeral.
KEYWORDS: Patrimony; Contemporary Art; Ephemerality
1 | INTRODUÇÃO
A pesquisa aborda as questões emergenciais relativas a contemporaneidade, por
entender que as obras são reflexos das decorrentes realidades sociais. A visão periférica
sobre o todo amplia nosso campo para o agora, possibilitando refletir sobre a arte atual
e sobre as questões que envolvem sua possível patrimonialização. A investigação levou
em conta o complexo contexto globalizado e pós-moderno, na busca de conexão e
identificação artística e suas minúcias, cujas experiências estéticas criam memórias para
cada observador daquela atividade, desenvolvendo elos afetivos individuais, rompendo as
barreiras físicas e preservacionistas.
Dessa maneira tenta-se encontrar um equilíbrio entre o patrimônio e o efêmero,
integrando esses dois conceitos através das barreiras da arte tradicional, ultrapassando
limites não visíveis e adquirindo maiores possibilidades para o avanço em direção a fluidez
natural da arte, seja ela para a sua conservação ou a sua finitude. A característica dessa
forma de arte, sem materialidade, nos faz refletir sobre as tensões que existem nesse meio
cultural tão complexo, abordando também os atuais métodos de preservação desse bem,
sem que se tenha a matéria fisicamente apresentada.
Ao refletir sobre a origem do patrimônio e sua essência, desvendamos a longa
história da palavra - desde primitiva até a evolução no uso do significado pertencente.
Desta forma, o patrimônio estabelece vínculo entre seu significado e sua representação
ao recorrer a história. Em nosso convívio somos reféns da pré assimilação do conceito de
acordo com o senso comum em nosso cotidiano e nas mídias.
O entendimento de patrimônio é expresso por Poulot como “não é o passado
estagnado em objetos e formas, mas sim todo tipo de resquício ou testemunho, que em sua
relação com o presente, certifique nossa existência através da construção de identidades”
(POULOT, 2009. p.17). A palavra patrimônio vem para nós como bens, riquezas de uma
pessoa, com isso passou-se a ter uma ideia de patrimônio como propriedade. Entretanto,
o patrimônio não se restringe somente a presença de um material tátil, e, sim, pode se
encontrar em qualquer tipo de representação que advém da memória ou do efêmero.
Assim como Poulot, Jean-Louis Tornatore descreve sobre a imaterialidade do
conceito, sendo visto como “menos o passado e sim sua presença, isto é, a maneira
pela qual as coisas do passado nos sãos apresentados, a maneira pela qual os coletivos
organizam a presença do passado como modalidade de consciência de si” (TORNATORE,
2010. p.19). Ao falar-se sobre patrimônio artístico e cultural, falamos também do patrimônio
imaterial nele existente. Atualmente lidasse com o patrimônio de forma a não abranger
todas as produções de arte contemporânea existentes, pois parece desvincular essas
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 6
51
obras do universo artístico possível de ser patrimonializado.
2 | METODOLOGIA
2.1 Vanguardas e a ruptura com o tradicional
As produções artísticas realizadas atualmente são reflexos históricos da concretização
da arte no âmbito social como ferramenta simbólica, fortificando a subjetividade em
cada espectador. Dessa maneira, a arte modifica-se com base na necessidade atual da
sociedade. No início de 1900, o anseio aclamado era de mudança. Assim, a chegada das
vanguardas europeias foi para os que almejavam um sopro de ar, para os conformados, um
espectro, mas para ambos um marco.
Lúcia Helena definiu essa fase como o novo, trazendo à tona pensamentos não
discutidos anteriormente, uma passagem para a arte futura. O termo vanguarda
[...] vem do francês avant-garde e significa o movimento artístico que “marcha
na frente”, anunciando a criação de um novo tipo de arte. Esta denominação
tem também uma significação militar( a tropa que marcha na dianteira para
atacar primeiro), que bem demonstra o caráter combativo das “vanguardas”,
dispostas a lutar agressivamente em prol da abertura de novos caminhos
artísticos. (HELENA, 1993, p.08)
Com o surgimento das vanguardas, no começo do século XX, a sociedade tradicional
foi rompida com uma nova onda de pensamentos e diretrizes. A partir desse momento da
história, a volta para a tradição renascentista fez-se improvável, e a maneira de refletir sobre
a arte foi alterada. “Na busca pela liberdade de expressão, a arte afasta-se da necessidade
de representar a natureza, seguindo em direção à abstração.” (NARLOCH, 2007. p.31).
2.2 Arte contemporânea no Brasil
O MAC USP, criado em São Paulo, foi o primeiro museu Brasileiro de Arte
Contemporânea. Em 1963, ano de sua fundação, tinha como intuito primordial, a preservação,
o estudo e a exposição desse novo estilo de arte. Ao contrário do esperado, o museu passa
a ser um meio de consentimento das pessoas com relação a arte contemporânea, sendo
visto como semeador da cultura e de sua continuidade, fazendo-os permanecer ao decorrer
dos anos.
A arte nos faz refletir sobre o tempo atual, o que faz pensar que a arte efêmera – que
tem curta duração, é temporária - seja um mecanismo de reflexão de um conceito, fazendo
com que quem presenciou, viu ou tocou, guarde apenas memórias dessa vivência, não
sendo necessário a conservação do material, e sim da ideia nele exposto.
Esse mesmo pensamento foi entendido por Alberto Carneiro, um dos artistas
pioneiro de Portugal a utilizar dessa técnica. Utilizando em suas obras materiais comuns na
natureza, Carneiro se viu em um dilema quanto a conservação de sua produção artística.
Assim, documentada, a cada instalação a obra terá uma nova versão, porém mantendo a
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 6
52
subjetividade original.
Krzysztof Pomian, (1984) diz que quando um objeto é inserido em uma coleção
museológica, este é destituído de sua função e de seu uso originário para adquirir a
função documental e comunicacional e que, seu valor de troca é ampliado, embora tenha
se descontinuado seu valor de uso, precisamente pelo reconhecimento de sua relevância
simbólica.
Desse modo, diferente dos conceitos de conservação e de patrimonialização da arte
de tipologia tradicional, a arte de Carneiro não advém da preservação do físico, e sim da
autenticidade e conceito ali expostos.
3 | RESULTADO E DISCUSSÕES
Na busca por melhores formas de preservação da arte atual, documentar essa obra
tem sido um desafio para a efemeridade contemporânea. Assim há a criação de novos tipos
de campos de documentação, como os registros de multimídia ou dossier digital, de tal
forma a reunir todas as informações essenciais a serem disseminadas quando necessário.
Em muitos casos, a adversidade vem na forma de captar os componentes imateriais
como a relação do espaço x obra x espectador exposta na primeira aparição desta arte,
não abandonando sua essência.
No exemplo exposto anteriormente de Alberto Carneiro e suas obras, observa-se que
a preservação materializada de sua arte não era viável, visto que o artista usava materiais
naturais. Dessa forma, a instalação deverá ser feita a cada aparição com novos materiais.
Com essa preocupação em mente, a estratégia utilizada por Carneiro foi despretensiosa:
trazer obras com conceitos práticos, fazendo com que a reprodução do sentimento passado
na primeira obra seja de simples compreensão.
Posteriormente, há variações na forma de documentar, porém a mais importante é
a explicação sobre a instalação e a montagem. Neste campo, as menores informações são
relevantes. Dentro dela, pode-se conter imagens e vídeos ou até técnicas mais avançadas
no mercado, como a reprodução 3d.
Ainda há instituições museológicas que preservam o que podemos chamar de
patrimônios virtuais. Desse modo, as obras ali expostas são demonstrações da realidade,
não sendo elas em si, pois
Tais proposições estão baseadas em conteúdos que alcançam a primazia do
conceito, em detrimento das outras questões tratadas pelos gêneros artísticos
tradicionais, calcados no objeto de arte e sua fatura. A inexistência dessas
obras depois das apresentações é a tônica do processo. Em fases posteriores
às apresentações dessas propostas artísticas, a partir dessa noção de fazer
arte, elas só estarão aptas para discussões e estudos dos pesquisadores
caso sejam documentadas e geram registros (texto, imagem, som)”.
(LIMA, 2003, p. 134).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 6
53
3.1 Girl with Ballon
Outra forma de preservar a arte é marcando uma legião de espectadores. Um fato
inesperado surpreendeu os espectadores ingleses na Sotheby’s1 e todos os admiradores
de arte. No final de 2018 Banksy2 decide leiloar Girl with Balloon3 por aproximadamente
5,2 milhões de reais e posteriormente destruir a obra impiedosamente. O quadro era na
realidade um triturador de papel, que em um dado momento depois de leiloado, foi acionado
triturando a obra. Espectadores assistem ao fato sem entender o que realmente acontece.
Em um primeiro momento ficam em estado de choque, em suas faces pode-se perceber
a preocupação. Muitos gritam. Em outro momento entram em êxtase ao perceber que
participaram de algo maior, um espetáculo em meio a um leilão. E por final se questionam,
o que aconteceu foi arte? Na Relação entre espectador e obra de arte, Ramaldes, expõem
a compreensão do estudo que o espectador, ao estabelecer uma relação com a obra de arte
(escultura, telas, cinema, espetáculo teatral etc.), pode demonstrar uma relação positiva e/
ou negativa para com a obra, sobretudo será marcado de alguma forma por ela.
Figura 1 – A obra ‘Menina com Balão’, de Banksy, sendo triturada.
Fonte: (Banksy/Instagram/Reprodução)
Girl with Balloon é a representação gráfica mais conhecida do autor. Ao contrário
de sua identidade, pois suas obras são conhecidas mundialmente pelas gerações Y e Z,
em especial por se encontrarem nas ruas de diversas cidades, marcadas em estêncil.
Quando se analisa a produção artística de Banksy, consegue-se notar a conotação política,
militante e transgressora em sua proposta, obtendo resultados que marcam o espectador.
1 Sociedade de vendas por leilão, a Sotheby’s tem sua sede em Londres.
2 Artista britânico cuja identidade não é revelada.
3 Criada em 2002 em um mural, é a obra mais conhecida do artista
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 6
54
Neste sentido,
Destaca-se especialmente a necessidade de olhar para esse espectador
como um ser que tem uma vida antes e depois do espetáculo. Fugir da figura
de um espectador inerte e idealizado parece ser um dos maiores desafios
dos pesquisadores que se aventuram nesse campo tão vasto. (CARNEIRO E
GUIMARÃES, 2016, p.5).
Desse modo a instalação na arte deixa de ser apenas a obra física e torna-se uma
performance, um grito criticando a sociedade e como o mercado artístico se manifesta e
atinge os criadores. É o fato de se tornar uma performance que faz com que o público se
envolva, aplauda, os fazendo refletir se o que viveram naquele salão foi a arte em si, ou
era o quadro palpável. O que foi vivido, sentido e expressado por aquelas pessoas não
pode ser reproduzido, guardado ou preservado. Thierry Ehrmmann, um dos espectadores
e especialista no mercado de arte comenta que Banksy nos lembra que, mesmo dentro de
uma prestigiosa casa de leilões, sua poética é efêmera.
4 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
As duas propostas refletidas nessa pesquisa acadêmica não expõem verdades
irrefutáveis sobre a patrimonialização. Visa, no entanto, o levantamento de ideias e de
outras formas de pensar a respeito da conservação atual da arte, buscando assim, viabilizar
e ampliar questões que emergem de problemática complexa e que hoje ainda não estão
estabelecidos na perspectiva da arte efêmera.
No pensamento sobre patrimônio encontra-se uma dualidade existente na qual a
obra de arte se concretiza de forma a ser preservada, no caso a obra física ou efêmera.
O subjetivo em cada realização artística faz-se questionar sobre qual o significado dessas
duas questões. Uma arte material, esculpida em mármore, pode não trazer emoções e
ser esquecida por seu público, tornando-se efêmera na mente do espectador, como assim
também uma performance de trinta minutos pode ficar marcada no âmago de uma pessoa e
ser lembrada por mais cinquenta anos. Dessa maneira, percebemos que o efêmero, mesmo
em sua imaterialidade pode tocar mais pessoas que uma obra de arte que pode ser tocada
fisicamente. Entretanto, as normativas e os processos que regem o trâmite burocrático de
patrimonialização de um bem são rígidos, presos a tradição e a materialidade do objeto
de arte, não contemplando as especificidades e a dimensão inventiva inerente a cada
produção artística, particularmente as produções cuja poética se dão de forma efêmera, ou
seja, aquelas em que a finitude é parte de sua poética. O que nos leva a refletir sobre a (im)
possibilidade de patrimonialização da produção artística de natureza efêmera.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 6
55
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Leonel Martins. GUIMARAES, Julia. O Espectador Contemporâneo. aSPAs – ppgac
USP 1-6
HELENA, Lúcia. Movimentos da Vanguarda Europeia. 1993.
LIMA, Diana Farjalla Correia. Museologia-Museu e Patrimônio, Patrimonialização e Musealização:
ambiência de comunhão. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 2012.
NARLOCH, Charles. Das artes liberais ao hibridismo: As revoluções dos conceitos nas artes visuais. In:
Nadja de Carvalho Lamas. (Org.). Arte contemporânea em questão. Joinville - SC: Editora Univille,
2007.
POMIAN, Krzysztof. Colecção. Enciclopédia Einaudi. Porto: Imprensa Nacional / Casa da Moeda,
1984.
POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.
RAMALDES, K. A Relação entre espectador e obra de arte. Revista Aspas, 2016.
TORNATORE, Jean-Louis. Patrimônio, memória, tradição, etc: discussão de algumas situações
francesas da relação com o passado. Revista Memória em Rede, 2016.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 6
56
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 7
ARTESANIA DA CENA TEATRAL CONTEMPORÂNEA:
TRABALHO IMAGINATIVO E AUTOFORMAÇÃO
DOCENTE
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 06/04/2021
Maria Edneia Gonçalves Quinto
Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia – IFCE
Fortaleza - Ceará
http://lattes.cnpq.br/8287430522417568
RESUMO: Discuto nesse artigo, achados da
pesquisa de doutoramento: Artesania da Cena
Teatral Contemporânea: Trabalho Imaginativo e
Autoformação. Somada à autonomia e a partilha
de saberes em processos teatrais colaborativos,
tais conceitos foram a base para pensarmos
a formação docente. A etnopesquisa crítica
norteou a descrição densa do processo criativo
da intervenção cênica Noiada, realizada em
Fortaleza - Ce, entre 2009 e 2010. A artesania da
cena enquanto contexto empírico de apropriação
dos elementos da criação teatral por mim e por
dois artistas da Cia. Pã de Teatro, associado
ao trabalho do imaginar transubstanciou
imaginação, experiências de vida e memórias,
em objeto artístico. Nossa participação forjou
percursos autoformativos com base no contato
direto com os códigos da arte, por meio de
recortes de histórias de vida, formação e práticas
como artistas-docentes, ampliando a reflexão
sobre uma formação docente mais sensível e
crítica no decurso da vida.
PALAVRAS - CHAVE: teatro; artesania da cena;
autoformação; docência.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
ARTESANIA OF THE CONTEMPORARY
THEATER SCENE: IMAGINATIVE WORK
AND TEACHER SELF-TRAINING
ABSTRACT
In this article, I discuss the
findings of the doctorate research: Artesania
of Contemporary Theater Scene: Imaginative
Work and Self-training. In addition to autonomy
and the sharing of knowledge in collaborative
theatrical processes, these concepts were the
basis for thinking about teacher training. Critical
ethnosearch guided the dense description of
the creative process of the scenic intervention
Noiada, held in Fortaleza - Ce, between 2009
and 2010. The craftsmanship of the scene as
an empirical context for the appropriation of the
elements of theatrical creation by me and two
artists from Cia. of Theater, associated with the
work of imagining, transubstantiated imagination,
life experiences and memories, into an artistic
object. Our participation has forged self-formative
paths based on direct contact with the codes
of art, through clippings of life stories, training
and practices as artist-teachers, expanding the
reflection on a more sensitive and critical teacher
education throughout life.
KEYWORDS: theater; craftsmanship of the
scene; self-training; teaching.
1 | INTRODUÇÃO
Proponho no presente artigo, discutir
como a experiência da criação artística e, mais
propriamente da criação teatral contribui para
refletirmos os processos de autoformação
docente, com base na pesquisa de doutoramento
Capítulo 7
57
sob título: Artesania da Cena Teatral Contemporânea: Trabalho Imaginativo e Autoformação.
Como inspiração, norteei-me pelas experimentações e análises do conceito de “artesania
da cena”, outro modo de perceber o fazer-pensar teatro e suas perspectivas formativas
mais amplas1, revisados em minha prática docente no PPGARTEs - IFCE2 e no grupo de
estudos IARTHE-UECE3.
Na esteira dessa mirada, adianto que o trabalho imaginativo e a dimensão
autoformativa presentes nos processos teatrais colaborativos, resultaram dos principais
elementos aqui abordados, como integrantes do conceito de artesania da cena teatral,
dando conta de que, segundo Macedo (2006), a ciência é apenas outro modo de olhar o
mundo e não lhe cabe reivindicar superioridade absoluta e um lugar fora da vida, próprio ao
cientificismo, temeroso a tudo aquilo que não possa ser pesado, medido e contado.
Em seguida, de modo complementar, proponho um debruçar reflexivo sobre a
autoformação docente sob olhar mais amplo, contemplando dimensões do (a) educador
(a) que necessitam ser exercitadas: a simbolização, a autonomia e a partilha de saberes
em coletividade, cada vez mais solapados, no atual contexto em que vivemos, movido pela
presença de Thanatus: pandemia, isolamento e autoritarismos.
2 | NORTE METODOLÓGICO
Situei as discussões desenvolvidas no estudo, sob o norte qualitativo da etnopesquisa
crítica, sustentada por princípios da Antropologia Interpretativa de Geertz (1978), dentre os
quais, a descrição densa é um imperativo para a interpretação do fenômeno estudado.
A pesquisa qualitativa “[...] trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações
[...].” (MINAYO, 1994, p. 21-22), não reduzidos à variáveis.
A etnopesquisa crítica comportou a diversidade e a multiplicidade da construção
conceitual sobre a “artesania da cena teatral”, exigindo-me a adaptação de procedimentos
metodológicos de pesquisa a princípios e métodos de cunho etnográfico (matriz daquela
abordagem). A Etnografia, segundo Marli André (1995), atende a objetivos bem mais amplos
com os quais os antropólogos desenvolvem estudos sobre a cultura e a sociedade, junto
a determinado grupo social. Nesse escopo, “um dos pontos fundamentais que devemos
destacar para compreender a etnopesquisa crítica é que ela nasce da inspiração e da
tradição etnográfica, sua base investigativa incontornável”. (MACEDO, 2006, p. 9).
Assim, instrumentos como observação participante, o jornal da pesquisa (diário
de campo), as entrevistas realizadas, o grupo focal com os integrantes da Cia. Pã e os
1 A referida pesquisa foi desenvolvido ao longo do Doutorado, sobtítulo: Artesania da Cena Teatral Contemporânea:
trabalho imaginativo e autoformação (2012), e no Mestrado sob título: As Significações sobre o Trabalho com a Imaginação na Artesania da Cena no Teatro Radical Brasileiro – TRB (2006), em Educação, na Universidade Federal do
Ceará – UFC.
2 Programa de Pós Graduação em Artes do Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia - IFCE
3 IARTHE –Grupo de Estudos e Núcleo de Pesquisa em Arte/UECE.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
58
episódios de história de vidas, intensificaram as reflexões e o contato direto e demorado
com os sujeitos, e com o contexto pesquisado, no sentido de dar conta dos objetivos
traçados. Nesta perspectiva qualitativa de análise, realizei a descrição densa da artesania
da composição cênica de Noiada ocorrida entre 15/03/ 2009 e 20/12/ 2010. Incluí a fase
de criação e encenação das últimas 04 do total de 07 intervenções cênicas4 realizadas
em diferentes espaços urbanos da cidade de Fortaleza – Ce. Busquei compreender os
significados desse modo artesão de criação artística, no ato mesmo de sua feitura:
Apesar de ter-se evidência da racionalidade na arte em várias épocas, sempre
existiram e existem até hoje muitos que não aceitam arte como uma forma de
atividade racional. Críticos, artistas, intelectuais e mesmo o cidadão comum
debatem o problema. Mas a maioria das pessoas, e mesmo alguns setores
mais acadêmicos, pensam que a produção e a recepção não obedecem
a uma norma racional. Para o senso comum, arte é sinônimo de emoção.
(ZAMBONI, 1998, p. 8)
Com isso, o referencial empírico para a sistematização conceitual de artesania da
cena teatral, do trabalho imaginativo e as contribuições para reflexão sobre a autoformação
docente como suas partes constituintes, resultou da investigação sobre a descrição densa
do processo criativo por mim vivenciado, enquanto atriz-pesquisadora da Companhia Pã de
Teatro5, mediante a criação e a representação da intervenção cênica Noiada, em Fortaleza,
entre 2009 e 2010, e que vem sendo revista desde então. O termo “noiado(a)” é uma
corruptela linguística da palavra “paranoia”, utilizado por dependentes químicos de “crack”
(substância em forma de pedra, que produz este som, quando é queimada para inalação).
A “nóia”, assim chamada entre os usuários, é um dos principais efeitos produzidos
pelo uso dessa droga. Emergiu nessa narrativa com significados múltiplos no convívio
com a urbanidade: dissolvência de identidades, nomadismo, desterritorialização e o
desenraizamento dos sujeitos na contemporaneidade, fragilizando as relações de convívio
social. Essa realidade não isolada, tem parâmetros e consequências mundiais, devido aos
estágios de globalização e suas estratégias de anulação dos sujeitos, que convivem nestes
grandes centros urbanos.
Em síntese, Noiada narra a busca de uma mulher de nome Iracema que vaga pelas
ruas de Fortaleza à procura da mãe. Ela encontra-se dentro de um ônibus e conta para
os passageiros, fatos ocorridos em sua busca trágica, entre elipses de tempo, passado e
presente. Uma intertextualidade com a narrativa da “virgem mítica dos lábios de mel”, a
4 Foram realizadas 07 intervenções de Noiada a saber: em um ônibus de circulação pela área urbana da cidade de
Fortaleza - Ce: 05/04/2009; 2. Rua Marechal Deodoro: 30/07/2009; 3. XVI Festival de Theatro de Guaramiranga Ce: 04
a 07/09/ 2009; 4. Percursos Urbanos: 27/02/ 2010; 5. Theatro José de Alencar: 27/03/ 2010; 6. Faculdade de Educação
– FACED – UFC: 27/10/2010; e 7. Praça da Gentilândia: 15/12/ 2010. Todas fizeram parte do Projeto Cidade Noiada,
idealizado pela Cia. Pã em 2008, realizado entre 13/06/ 2009 e 20/12/ 2010.
5 A Cia. Pã fundada em 1996, desenvolvia uma poética interdisciplinar, híbrida, centrada na fabulação de histórias por
meio da potência expressiva do ator e no diálogo com alguns códigos da contemporaneidade: multiplicidade de pensamentos e de expressões artísticas (dança, artes visuais, palhaçaria, performance), de acordo com as pesquisas dos
10 integrantes. Foi influenciada inicialmente, pelos princípios teórico-metodológicos do Teatro Radical Brasileiro – TRB,
criado pelo ator e pesquisador, Ricardo Guilherme, em 1988.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
59
carregar a sua ancestralidade carcomida e a perguntar: “perdeu alguém parecido comigo”?
(ALMEIDA, 2008, p. 5). A busca pelo entendimento desse processo em termos de domínio
prático, corporal desse processo, alternou, o sentido e o pensado, como fontes de produção
de um conhecimento legítimo no qual estiveram presentes elementos lógicos seguidores
de uma ordenação consciente. Busca de unicidade entre os componentes sensíveis e
racionais na produção do conhecimento humano.
Tomando-se a forma de pensamento das principais correntes filosóficas
ocidentais, percebemos que as atividades relacionadas ao conhecimento
humano giram em torno de um componente lógico, racional, inteligível, de um
lado, e de um componente intuitivo e sensível, de outro, sendo assim tanto na
produção do conhecimento científico, quanto na do conhecimento artístico.
Zamboni (1998, p.8)
Outros dois sujeitos desse estudo foram: Suzy Almeida, a autora de Iracema via
Iracema (intertextualidade com o romance Iracema de José de Alencar, que originou
Noiada) e o diretor teatral desse trabalho, Karlo Kardozo6. Detive-me na descrição densa
dos modos como se deram seus trabalhos imaginativos, durante a escrita dramatúrgica e
a composição cênica, respectivamente, considerando experiências de vida, memórias e a
formação e prática como artistas-docentes. O meu trabalho com a imaginação na artesania
da criação e interpretação de Noiada, interligou-se à dramaturgia e à direção somada á
construção da personagem em andanças pela cidade de Fortaleza – Ce. Vejamos o que
daí resultou.
3 | RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na contramão do empobrecimento das experiências comunicáveis, alvo da crítica
de Benjamin (1994), a ideia de “artesania da cena teatral contemporânea” ergueu-se no
estudo realizado enquanto construção conceitual, como sendo: um domínio do fazer cênico
instaurado pela participação direta do artista naquilo que cria com o corpo, imaginação,
racionalidades e desejos. Uma apropriação técnica e sensível das diferentes fases e
elementos do processo criativo em teatro, considerando o espaço-tempo político, histórico
e artístico da atuação como artista-docente interligada às problemáticas das áreas de
Teatro e Educação.
Remete a uma compreensão profunda do ator/artista sobre as diversas fases de
composição da cena teatral, resultante da minha vinculação com a Cia. Pã enquanto atrizpesquisadora. Um conhecimento encarnado e um saber de si, que pode levar o tempo
necessário para a composição de um trabalho que une “cabeça e mão” de maneira
articulada e habilidosa, segundo Andrade (1975) e Rugiu (1998). Gaston Bachelard (2001),
ao criticar esse apartamento entre trabalho manual e trabalho intelectual, afirma que o
ocidente instaurou “o vício da ocularidade”, como extensão do pensamento que separa
6 Os dois sujeitos autorizaram a divulgação dos seus nomes na pesquisa.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
60
sujeito e objeto. A visão assume então, uma posição hegemônica em relação aos demais
sentidos humanos. Vejamos:
Matéria e Mão devem estar unidas para formar o ponto essencial do dualismo
energético, dualismo ativo que tem uma tonalidade bem diferente daquele
do dualismo clássico do objeto e do sujeito, ambos enfraquecidos pela
contemplação, um em sua inércia outro em sua ociosidade. De fato, a mão que
trabalha põe o objeto em uma ordem nova, na emergência de sua existência
dinamizada. (BACHELARD, 2001, p.21)
Elementos como: o cuidado do artista com sua autoformação, a busca por exercícios
de coletividade, natureza do ofício teatral, a necessidade de um tempo demorado para a
criação, divergente do tempo mecanizado do capital, acreditar-se pesquisador (a) de suas
práticas e a simbolização, integram a artesania da cena como princípios mobilizadores.
Nesse sentido, a relação entre o fazer teatral e a dimensão artesã, perdura de forma
singular, em um tempo demorado, deixado por meio do vivido e do criado pelos mestres
artesãos, que ainda hoje, se encarregam à duras penas, de repassar de forma prática,
os saberes do ofício para seus discípulos, resguardando a continuidade da tradição em
diversas áreas, inclusive nas artes.
Se a pedagogia do “aprender-fazendo” é tão antiga quanto os primeiros
artesãos e afunda as sua origens – como se disse, – na era neolítica (as primeiras
pedras sempre mais finamente trabalhadas para delas extrair ferramentas
do trabalho agrícola ou armas para combater, e até objetos decorativos e
ornamentais, não eram talvez, fruto de uma pedagogia muitíssimo válida?), é
quase tanto quanto antigo o desprezo que ela encontrou junto ao saber oficial
que distinguia o saber falar e raciocinar do saber fazer, porque o primeiro
era visto como o saber do homem livre (livre da necessidade de trabalhar
para viver) e o segundo, ao contrário, do trabalhador cujos próprios deuses
haviam marcado na sociedade uma posição claramente inferior. (RUGIU,
1998, prefácio).
Na arte, a continuidade da tradição artesã é mantida graças à pedagogia do
aprender-fazendo. Segundo Mário de Andrade (1975), nos processos artesanais, o aspecto
pedagógico se faz presente, quando o artista estabelece uma relação com o artesanato.
Evidencia-se pelo domínio e o esmero pela qualidade, sobre as etapas da criação. Essa
é a etapa verdadeiramente pedagógica na qual se dá, na prática, o aprendizado sobre o
material a ser utilizado para a criação da obra de arte, em sintonia com o seu criador. Ele
chama de “ofício de artesania” a apropriação do artista sobre a matéria com a qual trabalha,
gerando a obra de arte acrescida das marcas do “eu”.
Para o nosso caso, um fazer teatral realizado por meio do domínio técnico e
expressivo sobre a dramaturgia, a direção e a representação de Noiada e, sobretudo, por
meio do trabalho imaginativo que se foi aperfeiçoando ao longo dessa trajetória, em sua
dimensão autoformativa. Esse domínio do fazer instaurado pela presença do artista naquilo
que cria, remete ao termo “artesanato”, como sinônimo do produto do trabalho do artesão
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
61
e do lugar de autoria que assume nessa criação, em virtude da experiência acumulada no
confronto com a matéria. Para Mário de Andrade (1975), todo artista deve ser artesão do
seu ofício, não restrito à mera técnica, pois há o aspecto pedagógico. O artesanato é a
parte da técnica da arte que se pode ensinar. É a etapa verdadeiramente pedagógica na
qual se dá, na prática, o aprendizado sobre o material a ser utilizado para a criação de um
objeto artístico, em sintonia com o seu criador.
Essa objetividade situa-se para o caso do ator, nas possibilidades e exercícios
expressivos do corpo-voz, dos elementos da estrutura do texto dramático, da composição
do figurino para o personagem, da relação entre maquiagem e iluminação, entre outros
elementos, para uma visão mais inteirada da cena. A segunda dimensão – a subjetiva,
não dissociada da primeira, ocorre pela participação do artista teatral na sociedade, e no
processo criativo como ser sensível, imaginativo e cultural.
Concretiza-se no exercício de imaginar como verdade interior expressa no objeto
artístico criado, como adverte Gaston Bachelard (2001b), em sua Teoria Crítica do
Imaginário, em contraposição à hegemonia da visão, que nos permite um olhar renovado
sobre os atos imaginativos. Usando a imaginação, o artista cria realidades imaginadas,
relacionando-as ao presente como base para o conhecimento criador.
Até aqui, tentei juntar elementos de reflexão que contribuam para superar a visão
dicotômica entre emoção e razão que, muitas vezes, destitui o caráter de racionalidade
presente no fazer artístico, em função da ideia de que a obra de arte deve ser fruto apenas
de componentes intuitivos e sensíveis. Apesar da evidência da atividade racional na arte,
muitos ainda não a aceitam neste campo. Vejamos o que diz Zamboni (1998, p 8) sobre
esse assunto:
Apesar de ter-se evidência da racionalidade na arte em várias épocas, sempre
existiram e existem até hoje muitos que não aceitam arte como uma forma de
atividade racional. Críticos, artistas, intelectuais e mesmo o cidadão comum
debatem o problema. Mas a maioria das pessoas, e mesmo alguns setores
mais acadêmicos, pensam que a produção e a recepção não obedecem
a uma norma racional. Para o senso comum, arte é sinônimo de emoção.
(ZAMBONI,1998, p 8)
Portanto, o “domínio” artesão, do qual nos fala Andrade (1975), refere-se aos
diferentes níveis de experiência em confronto com a matéria, que o artista alcança ao longo
dos tempos, ensejando um saber-fazer. No fazer teatral, esse domínio se evidencia pelas
experiências do ator nas práticas artísticas que lhe marcam o corpo-mente, em diálogo
com o tempo vivido e com os parceiros do seu coletivo. Um acervo de conhecimentos,
acessados à medida da entrada em cada processo criativo. Assim, ao falar da artesania da
cena como substrato conceitual, dois pontos são acrescidos: a centralidade da prática e a
participação interdisciplinar e horizontal do artista, em todas as etapas do processo criativo,
aliado ao trabalho do imaginá-lo e das aprendizagens adquiridas nesse caminhar.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
62
Assim, o trabalho imaginativo e a autoformação resultantes dessas análises sobre
a artesania da cena teatral, tiveram como base teórica, os estudos de autores como:
(Ostrower,1987); Bachelard (1988;2001a;2001b); Maffesoli (1998;2001;2005), Pineau
(1988) e Josso (2004), dentre outros (as), e aportaram reflexões sobre a autoformação
docente. Juntam as dimensões objetiva e subjetiva do artista teatral assim como do (a)
educador (a), ajudando-o a criar novos símbolos, significados e sentidos da vida e do
mundo, pelos registros de experiências de vida, formação e prática profissional, afetos e
trocas de saberes. Ressoam como aprendizagens tão relevantes quanto a produção de
obras.
Para Suzane Langer (2003), o ato de simbolizar distingue o ser humano das outras
espécies animais. É o uso social de símbolos, que o ajuda na comunicação com o outro.
Um símbolo artístico concretizado em obra, revela a capacidade do artista em relacionar
as dimensões que o constituem entre diversidade e semelhanças, expressando um modo
outro de ver o mundo e a si próprio. Ângela Linhares (2001), ao estudar o pensamento
criador, defende que esse tipo de pensamento junta à dimensão desejante, as formas do
pensamento lógico, que se revela nos momentos de criação. Esse modo criativo de pensar
(material simbólico), aporta em momentos de criação do trabalho com a arte e chama para
perto intuição, sentimento, percepção e inteligência. É “um dizer especial da artisticidade do
ser humano” (p.40), não exclusivo de artistas, o qual nomeia “narratividade”, associando à
circunstância formativa resultante de atos de criação coletiva, à obra de arte, que possibilita
problematizar a realidade.
O trabalho imaginativo se configurou então, como o processo de dar forma à
cena, como substrato da escrita dramatúrgica, da encenação e da criação de Noiada,
transubstanciando imaginação, experiências e memórias do vivido, em objeto artístico.
Nesse sentido, “[...] diferente do que define a etimologia, a imaginação não é a faculdade
de formar imagens da realidade; é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a
realidade, que cantam a realidade. É uma faculdade de sobre-humanidade”. (BACHELARD,
1997, p.17-18)
Em sua Teoria Crítica do Imaginário, Bachelard afirma que a imaginação vai erigindose em diálogo com a razão, fortalecendo a ideia de uma razão criativa e não mensurada,
ao contrário de como é vista pelos ditames da razão instrumental, como fonte de erros
e ilusões. “O que é puramente factício para o conhecimento objetivo permanece, pois,
profundamente real e ativo para os devaneios inconscientes”. (BACHELARD, 1999, p. 31)
Em diálogo com esse autor, Fayga Ostrower formula a ideia de imaginação criativa
vinculada “[...] à especificidade de uma matéria, de ser uma ‘imaginação específica’ em
cada campo de trabalho”. (OSTROWER,1987, p. 32). Nesse caso, haveria uma imaginação
artística, outra científica, tecnológica, artesanal, e assim por diante. Logo, “imaginar” seria
um pensar específico sobre um fazer concreto. Também Pareyson (1993) em sua teoria
da formatividade, ressalta a centralidade do fazer, como aspecto fundante na arte. Pensar
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
63
só poderá tornar-se imaginativo, através da concretização de uma matéria, sem o que não
passaria de um divagar descompromissado, sem rumo e sem finalidade. Nunca chagaria a
ser um imaginar criativo.
As significações sobre o trabalho imaginativo foram registradas inicialmente, via
imagens das lembranças dos nossos (meus, da dramaturga e do diretor) jogos e brincadeiras
nos quintais e nas ruas de areia até os poucos jogos de adultos. Configuravam-se nas
conversas e nos gestos corporais, em meio ao estudo do texto dramático de Noiada, treinos
e improvisações cênicas, trazendo para a cena, o vivido individual e coletivo que, nesse
relembrar, modificou as experiências entre infância, juventude e maturidade.
Walter Benjamin (1989;1994), ao analisar as questões da experiência como
sinônimo de narrativa na Modernidade, estabelece relações com o tema da memória e
aproxima-se de Halbwachs (1990), quando afirma que os conhecimentos resultam também
desta rememoração e estão enraizados na tradição, no cotidiano e na memória coletiva de
um povo. A articulação entre os conceitos de artesania da cena, imaginação e memória,
permitiu-nos lançar um olhar renovado enquanto narradores e suas relações nesse
contexto. Bachelard (1988; 2001) também considera indissociável a relação entre memória
e imaginação. Ele critica o hábito, o qual denomina antítese da imaginação criadora, e
credita ao “devaneio”, a renovação da memória por meio das imagens poéticas.
A segunda significação do trabalho imaginativo, foi a integração dos relatos entre
as nossas experiências de vida, de arte e de formação, possibilitando um olhar renovado
para o vivido. A fabulação (simbolização) da vida, foi a terceira significação. Durante o
processo criativo nos exercitamos para evocar imagens imaginadas com o corpo e voz
e, para convocarmos o espectador a também criar as imagens do que aprecia. A quarta e
última significação, foi a necessidade de reconhecer o trabalho imaginativo como relevante
em nossa formação e prática docente, considerando experiências de vida e memória, a
oportunidade de ampliação de saberes pelo convívio com os símbolos da arte e do teatro
que vão dar na vida, o exercício de autonomia e a necessidade de vivências coletivas como
espaços plenos de partilha de saberes.
Sobre as análises da dimensão autoformativa como experiência resultante da
participação na artesania da cena de Noiada, juntamente com o trabalho imaginativo,
resultou das experiências de vida, arte e docência acumuladas no decurso da vida, como
discutem Pineau (1988) e Josso (2004). Recortes de minha história de vida, formação
e prática com professora de Teatro, experimentações corpóreas, expressivas e atos
imaginativos, em movimentos de aprendizagem artesã, partilhados com os parceiros de
criação teatral. Escolha ao mesmo tempo, intelectual, política e afetuosa, de refletir sobre
um “caminhar para si”. Nesse sentido, capturo de Marie-Christine Josso (2004) a noção de
autoformação:
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
64
O que está em jogo nesse conhecimento de si mesmo não é apenas
compreender como nos formamos por meio de um conjunto de experiências,
ao longo da nossa vida, mas sim tomar consciência de que esse
reconhecimento de si mesmo como sujeito, mais ou menos ativo ou passivo
segundo as circunstâncias, permite à pessoa, daí em diante, encarar o seu
itinerário de vida, os seus investimentos e os seus objetivos na base de uma
auto-orientação possível, que articule de uma forma mais consciente, as suas
heranças, as suas experiências formadoras, os seus grupos de convívio, as
suas valorizações, os seus desejos e o seu imaginário, nas oportunidades
socioculturais que soube aproveitar, criar e explorar, para que surja um ser
que aprenda a identificar e a combinar constrangimentos e margens de
liberdade. (JOSSO, 2004, p. 58-9)
Os vestígios de autoformação atentaram para uma aprendizagem como processoproduto daí resultante, que se deu a ver na efemeridade da expressão criativa, como
obra de arte inacabada, forjando pistas de um processo criativo prenhe de aprendizagens
coletivas de arte e de vida no qual questionava-me: como expandi-las para pensar a
formação docente? E relembrava os achados com a etnopesquisa crítica como teoria do
campo etnográfico que tem “[...] a necessidade de ir ao encontro do ponto de vista do outro
para, a partir daí, e só daí, interpretar as suas realizações” (MACEDO, 2006, p. 64).
Portanto, denomino “autoformação artesã” – esse substrato epistemológico no qual
sujeitos envolvidos, história, imaginação e razão, forjam criativamente âmbitos de produção
de conhecimentos por meio dos vestígios do vivido consigo, e com o(a) outro (a), em um
dado lugar e tempo, instaurado pelo fazer arte/teatro. Evocar essa construção pessoal
como dimensão autoformativa com base nas experiências acumuladas e sistematizadas
ao longo dessa trajetória, em uma escrita reflexiva, é recente entre mulheres artistas. Por
que é assim?
Por que há menos mulheres poetas, novelistas ou dramaturgas? E também
pintoras e de outros ofícios. A reposta é simples: porque se trata de ofício, não
de um hobby. E, historicamente, nem sempre as mulheres que podiam pintar,
escrever, representar e tocar piano na sala da casa tinham propriamente
um ofício. Então, o surpreendente não é que a história não fale delas. O
surpreendente é que a mulher tenha acumulado, nessa grande história
silenciosa, submersa, de ocultamento e espera, tanta energia e memória, ou,
para dizer claramente, acumulado tanta necessidade de conhecimento de si
mesma. (CARRIÓ, 2010, p.14.)
Os estudos sobre a formação docente tiveram nos anos 80, segundo Bueno (2002),
um redirecionamento com ênfase na abordagem autobiográfica dos aspectos subjetivos da
vida do (a) professor (a), e mais propriamente, no que se refere ao seu percurso profissional,
até então ignorados. Com isso, a subjetividade e a autonomia passam a se constituir ideias
centrais que orientam as produções teóricas das ciências humanas nas primeiras décadas
do século XX, havendo uma ruptura nos métodos tradicionais de investigação pautados
pelo paradigma da objetividade.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
65
Mais que em função de uma matéria, de um meio ou de um modo particular
de aprendizagem, abordamos a autoformação numa perspectiva de
autonomização educativa, segundo uma problemática de poder, definindo-a
formalmente como a apropriação por cada um do seu próprio poder de
formação. (PINEAU, 1988, p. 65).
António Nóvoa (1988), ao sistematizar estudos sobre a autoformação com base nas
histórias de vida de professores (as), compreendem-nas como “biografias educativas” e
menciona que uma das bases para a elaboração de uma teoria de formação de adultos é
a reflexão sobre o vivido. “As histórias de vida [...] integram-se no movimento atcual, que
procura repensar as questões da autoformação acentuando a ideia que “ninguém forma
ninguém” e que “a formação é inevitavelmente um trabalho de reflexão sobre os percursos
de vida”.(p. 116). As experiências de transformação da diversidade de nossa identidades
e subjetividades consiste em falar de acontecimentos, de atividades, situações ou de
encontros que servem de contexto para determinadas aprendizagens. (JOSSO, 2004).
O trabalho imaginativo, a dimensão autoformativa, a autonomia e a partilha de
saberes em processos teatrais colaborativos, emergiram como elementos centrais do
estudo, com base em uma compreensão profunda do artista-docente sobre as diversas
fases de composição da cena, criada no contexto do grupo de pertença em meio à
racionalidades, domínio técnico e emocional e estiveram presentes em transbordamentos
da artesania da cena teatral, possibilitando espaços de formação docente mais sensíveis
e críticos.
4 | IN-CONCLUSÕES
Quando um coletivo teatral se debruça sobre um processo de criação, diferentes
elementos aportam e se intercruzam às dimensões práticas, ideológicas e subjetivas
de seus integrantes. Envolvem experiências de vida e formação, atos imaginativos e
expressivos, memórias, devaneios, entre outros, fortemente influenciados pela realidade
contemporânea. Servem para refletirmos sobre como os códigos da arte/teatro podem ser
expandidos para a vida e trabalho, tornando possível refletir sobre a formação docente pela
via do trabalho imaginativo e também da autoformação.
Os movimentos de síntese da artesana de Noiada e sua representação nos espaços
púbicos de Fortaleza – Ce, resultaram em uma leitura sinuosas e polifônica do fazer teatral
e os possíveis do trabalho imaginativo. Assumi perante um auditório social do qual faço
parte, a tarefa de constituição de vestígios reflexivos sobre o pensar-fazer artísitco em sua
dimensão autoformativa. Vida, teatro e pesquisa de mãos dadas, a questionar-me sobre os
possíveis desse encontro e sua matéria, que é o humano transubstanciado em arte.
Disso resultou o deslocamento da posição de discípulo, para “mestre,” de si,
mirando em exercícios de autonomia como acento da criação cênica autoformativa. Uma
abundância de novos saberes e significados que venho tentando interpretar por meio da
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
66
cientificidade e da arte. Com isso, registro uma crença na expressividade do pensamento
criador, que concretiza obras de arte e contribui para instaurar o risco de olhar a vida
com maior inteireza. Em razão da complexidade do saber incorporado à natureza dessa
experiência artística, implica disposição e coragem para recriar discursos e práticas
diferentes daquelas tidas como imutáveis, principalmente na formação docente. Outra
maneira de simbolizar a realidade vivida.
O conceito de autoformação cooperou para uma compreensão mais inteirada sobre
o ofício teatral. Foi uma pequena história por mim contada e que reparto com meus pares
como forma diferenciada de ver o mundo e a si, nesse contexto. Aponta no tempo atual
para lugares nos quais se torna importante repensar com o corpo inteiro nossa práxis – e
aqui me implico como atriz-pesquisadora e educadora em teatro. Recolhi elementos de
reflexão que contribuíssem para superar a visão dicotômica entre emoção e razão que,
muitas vezes, destitui o caráter de racionalidade presente no fazer artístico, em função da
ênfase na ideia de que a obra de arte deve ser fruto apenas de componentes intuitivos e
sensíveis.
Por fim, acredito cada vez mais necessário, compreender que arte e ciência não são
modos apartados de conhecimento. Essa opção implica dois desafios: conceber o diálogo
que acredito ser possível, embora que tenso, entre as duas áreas e, por conseguinte, à luz
da aprendizagem artesã e autoformativa daí resultante, refletir sobre a formação docente
com base na vivência direta em processos de criação em arte, e no trabalho imaginativo
que daí resulta.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Suzy Élida Lins de. Iracema via Iracema. Fortaleza, Ce: Realce, 2008.
ANDRADE, Mário de. O artista e o artesão. In ______. O baile das quatro artes. São Paulo: Martins;
Brasília: INL, 1975. p. 11-33.
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da prática escolar. 6. ed. São Paulo: Papirus,
1995 (2001, 6. ed.). (Série Prática Pedagógica)
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: M.
Fontes, 1988.
______. A água e os sonhos. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: M. Fontes, 1997.
______. A psicanálise do fogo. Tradução de Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: M. Fontes, 1999.
(Coleção Tópicos)
______. O ar e os sonhos. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: M. Fontes, 2001a.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
67
______. A terra e os devaneio da vontade. Tradução de Maria Ermantina Galvão. São Paulo: M.
Fontes, 2001b.
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política. Tradução de
Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 114-119. (Obras escolhidas; vol.1)
______. O narrador – considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: Magia e técnica, arte e
política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 197-221. (Obras
escolhidas; vol.1)
BUENO, Belmira Oliveira. O método autobiográfico e os estudos com histórias de vida com
professores: a questão da subjetividade. Educação e Pesquisa, USP. São Paulo. V.28, n. 1, p. 1130, jan./jun. 2002. Fonte: www.scielo.br/pdf/ep/v28n1/11653.pdf. Acesso: 23/05/2010.
CARRIÓ, Raquel. Prefácio. In: VARLEY, Julia. Pedras d`água: bloco de notas de uma atriz do Odin
Teatret. Tradução de Juliana Zancanaro e Luciana Martuchelli. Brasília: Teatro Calidoscópio, 2010.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. (Biblioteca Vértice. Sociologia
e Política)
JOSSO, Marie-Cristine. Experiências de vida e formação. Trad. José Claudino e Júlia Ferreira. São
Paulo: Cortez, 2004.
LANGER, Susanne K. Sentimento e Forma: uma teoria da arte desenvolvida a partir de Filosofia
em nova chave. São Paulo: Perspectiva 2003.
LINHARES, Ângela. O Pensamento criador ou narratividade enquanto ato criador: processos
criativos na crítica da cultura. 2001. 504 f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza. Vol. 1 e 2.
MACEDO, Roberto Sidnei. Etnopesquisa crítica, etnopesquisa formação. Brasília: Liber Livro
Editora, 2006.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. 2 ed. Tradução de Albert Cristophe Migueis
Stuckenbruck. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
_______. A sombra de Dioniso: contribuição a uma sociologia da orgia. Tradução Rogério de
Almeida. 2 ed. São Paulo: Zouk, 2005.
______Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Tradução de Marcos de Castro. Rio de
Janeiro: Record, 2001.
MINAYO, Maria C. de Souza (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 19. ed.
Petrópolis: Vozes, 1994. p. 51-66.
NÓVOA, António. A formação tem de passar por aqui: as histórias de vida no projeto Prosalus. In:
NÓVOA, António; FINGER, Matthias (Orgs.). O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa:
Ministério da Saúde. Depart. de Recursos Humanos da Saúde/Centro de Formação e Aperfeiçoamento
Profissional, 1988. p. 107-129.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
68
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processo de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.
PAREYSON, Luigi. Estética: teoria da formatividade. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 1993.
PINEAU, Gaston. A autoformação no decurso da vida: entre a hetero e a ecoformação. In: NÓVOA,
António; FINGER, Matthias. (Orgs.) O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: Ministério da
Saúde. Depart. de Recursos Humanos da Saúde/Centro de Formação e Aperfeiçoamento Profissional,
1988. p. 63-77.
QUINTO, Maria Edneia Gonçalves Artesania da cena teatral contemporânea: trabalho imaginativo
e autoformação. 2012. 303f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará - UFC,
Fortaleza.
_______. As significações sobre o trabalho com a imaginação na artesania da cena do Teatro
Radical Brasileiro – TRB. 2006. 206f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal
do Ceará - UFC, Fortaleza.
RUGIU, Antonio. Nostalgia do mestre artesão. Campinas – SP: Autores Associados, 1998. SAID, E.
Narrative and geography. New Lef Rewieu, n. 180, março/abril, pp. 81-100, 1990.
ZAMBONI, Sívio. Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência.SP: Autores Associados, 1988.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 7
69
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 8
ATELIÊS/SEMINÁRIOS : O CASO DA ORIENTAÇÃO
EM ARTES VISUAIS DO GRUPO ATOS CULTIVADOS
NO CONTEXTO DO PROGRAMA VOCACIONAL
Data de aceite: 16/04/2021
Talita Caselato
Universidade de Lisboa, Faculdade de BelasArtes, Centro de Investigação e de Estudos
em Belas-Artes (CIEBA), Largo da Academia
Nacional de Belas-Artes
Lisboa, Portugal
https://orcid.org/0000-0001-6521-9845
RESUMO: Este artigo traça uma aproximação
entre a ideia de seminário apresentada no
livro “Fazer a mão - por uma escrita inventiva
na universidade” do pesquisador e professor
da Universidade de Lisboa Jorge Ramos do
Ó e os ateliês de artes visuais orientados por
mim no contexto do Programa Vocacional da
Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo,
no Brasil. Tendo como um dos livros norteadores
principais
“O mestre ignorante” de Jacques
Racière, o Programa Vocacional organiza-se
como um seminário/ateliê. Portanto, o que este
artigo trará são as aproximações processuais
entre a criação textual e a criação nas diversas
mídias que compõem as artes visuais, trazendo
como exemplo o grupo Atos Cultivados formado
por um coletivo de artistas jovens que atuam
WORKSHOPS/SEMINARS : THE CASE
OF THE VISUAL ARTS ORIENTATION
OF THE ATOS CULTIVADOS GROUP IN
THE CONTEXT OF THE PROGRAMA
VOCACIONAL
ABSTRACT: This article draws a approximation
between the idea of a seminar presented in the
book “Fazer a mão - por uma escrita inventiva
na universidade” by researcher and professor
at the University of Lisbon Jorge Ramos do Ó
and the visual arts workshops oriented by me in
the context of the Programa Vocacional of the
Municipal Secretariat of Culture of São Paulo, in
Brazil. Having as one of the main guiding books
“Le maitre ignorant” by Jacques Racière, the
Programa Vocacional is organized as a seminar/
atelier. Therefore, what this article will bring are
the procedural approaches between textual
creation and creation in the various media that
make up the visual arts, bringing as an example
the group Atos Cultivados formed by a collective
of young artists who work mainly in the periphery
of São Paulo and who were guided by me within
the Programa Vocacional.
KEYWORDS: “seminar”, “atelier”, “writing”,
“visual arts”.
Desde 2003 o professor doutor Jorge
Ramos do Ó anima às terças-feiras o seminário
principalmente na periferia de São Paulo e que
de Escrita Inventiva na Faculdade de Educação
foram orientados por mim no âmbito do Programa
da Universidade de Lisboa. Apesar de quase
Vocacional.
nos termos encontrado quando ele lecionava
PALAVRAS - CHAVE: “seminário”, “ateliê”,
o mesmo seminário na Universidade de São
“escrita”, “artes visuais”.
Paulo, no Brasil, foi em 2018, no início do curso
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
70
de Doutoramento em Artes Performativas e da Imagem em Movimento em que eu o conheci
e reconheci, para a minha alegria, autores fundamentais para a minha trajetória enquanto
artista constantemente empenhada no território da educação (não abandonando por isso o
ser-artista, como queria Joseph Beuys).
Ao frequentar o seminário, pude perceber alguns elementos essenciais ao seu
trabalho: a rotina, a escuta, a partilha, a escrita. Assim Jorge Ramos do Ó o define:
Sob a designação de seminário, referir-me-ei a uma rotina que se organiza à
volta de uma mesa e sobre a qual se encontra um mesmo texto, previamente
lido e trabalhado individualmente, mas que, naquela outra situação, se torna
novamente objecto de conversa, de discussão e análise, como se existissem
múltiplas possibilidades de o abordar; um artigo, um capítulo ou uma parte
de uma obra são ali activamente explorados e quase dissecados, a fim de
promover e suscitar níveis de compreensão e apreensão tão diversos quanto
o número de participantes que se encontram envolvidos. Como se, nesta
situação tão concreta e tornada banal através do processo da sua repetição
semanal, se consumasse afinal um grande e velho princípio existencial, ético
e político da cultura ocidental: que é pela constante articulação da palavra
oral com a palavra escrita que todos estamos a ser convidados, e nos
convidamos de facto, a fazer parte do movimento de produção do discurso e
da construção do sentido. (RAMOS do Ó, 2019, p.26-27)
Se temos então a escrita como um ato de criação (DELEUZE, 1987) o que é ter
uma ideia em forma de texto ou em cinema, ou ainda pintura, intervenção urbana, desenho,
vídeo ou bordado? De que modo pensamos por meio do fazer textual ou de qualquer mídia
das artes visuais? Quais metodologias utilizamos para que não cessemos de trabalhar para
inventar, escrever, criar?
No sentido em que a questão de Deleuze convoca (O que é ter uma ideia em cinema?
O que é ter uma ideia em filosofia?) podemos então aproximar a ideia de seminário de
Jorge Ramos do Ó ao ateliê de artes visuais orientado por mim no âmbito do Programa
Vocacional da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, no Brasil.
Assim como nos seminários, nós nos organizávamos em um ateliê semanalmente
em volta da mesma mesa sobre o qual encontrava-se um mesmo trabalho, seja em
texto, desenho, pintura, bordado, vídeo, etc., que era ali ativado e explorado por todos,
suscitando um desdobrar de sentidos em uma criação coletiva através da partilha, da fala
e da apreciação, para mais tarde voltar novamente ao ofício e, como numa espiral, voltar
novamente, na próxima semana, à mesa, ao nosso espaço de encontro.
Ramos do Ó em “Fazer à mão - por uma escrita inventiva na universidade” anota
trechos da “Carta a um jovem investigador em educação” escrita por António Nóvoa,
historiador e pedagogo, seu amigo e companheiro de trabalho:
“é preciso ler, ler muito, ler devagar”, que “a inteligência vem de interlegere, da capacidade de interligar”, que a investigação se faz “com saltos
e sobressaltos”, mas exige a “continuidade de condições, de infra-estruturas
e de grupos”, que é esse património “que nos permite chegar aonde nunca
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
71
chegaríamos sozinhos”, que “cada um tem de fazer um trabalho sobre si
mesmo até encontrar aquilo que o define e o distingue” ou que “ninguém
conhece sem partir”. (NÓVOA apud RAMOS do Ó, 2019, p.18)
Deste modo, além da rotina, da partilha, da escuta e da escrita, fica acima grafada a
necessidade da infra-estrutura. No caso dos seminários de Escrita Inventiva esta estrutura
é disponibilizada pela Universidade de Lisboa e por vezes pela Fundação para a Ciência e
Tecnologia. No caso da orientação em Artes Visuais do Programa Vocacional, a estrutura
é disponibilizada pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O grupo orientado
por mim chama-se Atos Cultivados, é um grupo heterogêneo em suas criações, de artistas
jovens (em torno de 20 anos) residentes na periferia de São Paulo.
A estrutura do Programa Vocacional garantia a orientação e o espaço de trabalho
e com os prêmios do Programa VAI1, que o grupo ganhou durante 3 anos consecutivos, o
grupo comprava seu material de trabalho e subsidiava os custos mensais com transporte,
alimentação e tinha disponível o tempo mínimo de trabalho para que pudessem se dedicar
à pesquisa artística.
O Programa Vocacional resiste na cidade de São Paulo desde 2001. Em 2016 ele
atendeu aproximadamente 200 turmas e grupos através de orientações semanais em toda
a cidade de São Paulo, com maior intensidade na periferia de São Paulo, em espaços
públicos municipais como bibliotecas, centros culturais e teatros. O Programa tem como
objetivo “a instauração de processos criativos emancipatórios por meio de práticas artísticopedagógicas”2.
A emancipação a que se refere o programa tem origem em “O mestre ignorante”
de Jacques Rancière. Esta obra conta os aprendizados do professor Joseph Jacotot que
no século XIX empenhou-se em trazer ao século das luzes a igualdade das inteligências,
tendo a emancipação como método.
Os amigos da igualdade não têm que instruir o povo, para aproximá-lo da
igualdade, eles têm que emancipar as inteligências, têm que obrigar a quem
quer que seja a verificar a igualdade das inteligências.
[…]
É uma questão política: saber se o sistema de ensino tem por pressuposto
uma desigualdade a ser “reduzida”, ou uma igualdade a ser verificada.
(RANCIÈRE, 2010, p.11)
Embora a experiência de Jacotot tenha já quase dois séculos, é um alívio quando
se verifica, tanto na Universidade quanto no âmbito de Programas públicos de educação
e cultura a consciência sobre a igualdade das inteligências. Verificar a igualdade das
inteligências significa também não tomar o orientador ou professor como aquele que
1 https://programavai.blogspot.com/p/sobre-o-vai.html
2 Disponível em: https://spcultura.prefeitura.sp.gov.br/projeto/977/ Acesso em janeiro de 2020
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
72
transmite o aprendizado. Destruir as hierarquias em ambientes de ensino parece já uma
questão teoricamente ultrapassada, mas entre as palavras escritas e as políticas públicas
eficazes ainda temos muito o que construir.
A pedagogia tradicional da transmissão neutra do saber, tanto quanto as
pedagogias modernistas do saber adaptado ao estado da sociedade mantêmse de um mesmo lado, em relação à alternativa colocada por Jacotot. Todas
as duas tomam a igualdade como objetivo, isto é, elas tomam a desigualdade
como ponto de partida. As duas estão, sobretudo, presas no círculo da
sociedade pedagogizada. (RANCIÈRE, 2010, p.12)
A difícil prática a que estávamos empenhados no Programa Vocacional era de
desvincularmo-nos da pedagogia a qual fomos (os artistas-orientadores) submetidos tanto
na escola quanto na universidade. Como não incorrer na explicação para que não façamos
uma pesquisa do luto, para que possamos compreender sem que nos expliquem.
Esse método da igualdade era, antes de mais nada, um método da vontade.
Podia-se aprender sozinho, e sem mestre explicador, quando se queria,
pela tensão de seu próprio desejo ou pelas contingências da situação.
(RANCIÈRE, 2010, p.13)
O trabalho do artista-orientador no Programa Vocacional era, também, verificar a
atenção que cada artista empenhava ao trabalho. Verificar a necessidade de sua criação:
“Ali onde a necessidade cessa, a inteligência repousa.” (RANCIÈRE, 2010). Verificar os
movimentos que levam a cada criação, não deixar passar o que cada artista ali, com sua
história particular pode contribuir como expressão no mundo. Fazer com que não haja
preguiça, mas não só. Inseridos em um contexto social avassalador no que diz respeito às
necessidades básicas de sobrevivência, frequentemente o papel do artista-orientador era o
de criar com o artista caminhos para que o trabalho pudesse existir. E então a necessidade
das instituições que como o Programa VAI empenham prêmios aos artistas da periferia da
cidade de São Paulo, desburocratizando e distribuindo os acessos aos recursos públicos
de cultura.
A lição emancipadora do professor, é a de que cada um de nós é artista, na
medida em que adota dois procedimentos: não se contentar em ser homem
de um ofício, mas pretender fazer de todo trabalho um meio de expressão;
não se contentar em sentir, mas buscar partilhá-lo. (RANCIÈRE, 2010, p.79).
Em nosso ateliê frequentemente conversávamos sobre o conceito ampliado de arte
teorizado por Rosalind Krauss e de escultura cunhado pelo artista alemão Joseph Beuys
(1921-1986). É a partir da década de 60 que verificamos uma série de encontros enquanto
arte: aulas/seminários, jantares, manifestações políticas… E a partir de diversos exemplos
como Beuys, Vito Acconci (1940-2017), Rirkrit Tiravanija (1961-), Eleonora Fabião (1968-),
percebemos o ateliê como uma escultura social.
Beuys cunhou o termo escultura social para definir práticas no campo da cultura,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
73
política e educação que eram entendidas como escultura porque eram moldáveis pelo
pensamento. Segundo ele, sua mais importante obra foi a criação da Universidade Livre
Internacional (FIU- The Free International University for Creativity and Interdisciplinary
Research)
(...) Como um fórum para a confrontação de oposições políticas e sociais,
esta escola é capaz de estabelecer um seminário permanente relativo ao
comportamento social e uma expressão articulada sobre isto. (DURINI,
Lucrezia De Domizio, 1997, p.5)
Sonhamos assim, como queria Rancière, com uma sociedade de emancipados, uma
sociedade de artistas.
Tal sociedade repudiaria a divisão entre aqueles que sabem e aqueles que
não sabem, entre os que possuem e os que não possuem a propriedade da
inteligência. Ela não conheceria senão espíritos ativos: homens que fazem,
que falam do que fazem e transformam, assim, todas as suas obras em meios
de assinalar a humanidade que neles há, como nos demais. (RANCIÈRE,
2010, p.80)
Isto está fundamentalmente ligado ao que pra mim, ao ler “Fazer a mão - por
uma escrita inventiva na universidade” rememorou uma importância adormecida: de que
o pensamento se produz na experimentação, ou seja, no ofício da escrita ou da prática
artística em qualquer linguagem; e de que há na tradição escolar uma maior ênfase à
interpretação, à leitura, e acrescento: ao visionamento de obras artísticas, em detrimento
da criação.
Não escapa-me aqui a lembrança tão conhecida do que diz o filósofo Gilles Deleuze
na letra C de Abecedário, uma entrevista feita pela jornalista e sua aluna Claire Parnet entre
1988-1989, realizada por Pierre-André Boutang e produzida pelas Éditions Montparnasse,
Paris.
Claire Parnet pergunta à Deluze:
Você diz não ser culto. Diz que só lê, só vê filmes ou só olha as coisas para um
saber preciso: aquele de que necessita para um trabalho definido, preciso,
que está fazendo, mas, ao mesmo tempo, você vai todos os sábados a uma
exposição, a um filme do grande campo cultural, tem-se a impressão de que
há uma espécie de esforço para a cultura, que você sistematiza e que tem
uma prática cultural, ou seja, que você sai, faz um esforço, tende a se cultivar
e, entretanto, diz que não é culto. Como explica tal paradoxo? Você não é
culto? (PARNET em documentário de BOUTANG, 1989, tradução minha)
Ao que Deleuze responde:
Não, quando lhe digo que não me vejo, realmente, como um intelectual, não
me vejo como alguém culto por uma razão simples: é que quando vejo alguém
culto, fico assustado, não fico tão admirado, admiro certas coisas, outras,
não, mas fico assustado. A gente nota alguém culto. É um saber sobretudo
assustador. Vemos isso em muitos intelectuais, eles sabem tudo, bem, não sei,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
74
sabem tudo, estão a par de tudo, sabem a história da Itália, da Renascença,
sabem geografia do Pólo Norte, sabem... podemos fazer uma lista, eles
sabem tudo, podem falar de tudo. É abominável. Quando digo que não sou
culto, nem intelectual, quero dizer algo bem fácil, é que não tenho saber de
reserva. (DELEUZE em documentário de BOUTANG, 1989, tradução minha)
E em seguida recordo-me do dia em que foi criado o nome do grupo Atos Cultivados.
Após um ano de existência, em 2014, o grupo pôs-se a escrever sobre um papel as
palavras que vinham à mente e caracterizavam suas ações. Selecionaram as principais
palavras e delas procuramos suas analogias no dicionário analógico de Francisco Ferreira
dos Santos Azevedo3. Extraíram dali os substantivos e verbos: colher, dilatar, opinião,
vivência, objetividade, ser, forma, organismo, cultivar, ato, rito, vazio, inventar. E então
Bruna Edilamar “assoprou” a palavra-acontecimento, dita por ela, mas pensada por aquela
pequena comunidade: “Atos Cultivados”.
Ancorado na prática do grupo que concentrava-se no pensamento da performance
art para dali produzir em outros meios: desenho, vídeo, texto, bordado, gravura… o
surgimento do nome não nasceu da orientadora do grupo, não foi minha. E foi imensa a
alegria ao constatar no nome, na identidade do grupo, a aproximação com a potência de
agir, sobreposta à potência de padecer, como nos traz a Ética de Espinosa. O nome Atos
Cultivados aciona a ideia de rotina, de criação, da nossa prática de ateliê/seminário. Pareceme algo que não se acaba, um acontecimento sem começo nem fim. Ações cultivadas por
uma pequena comunidade, cultura imaginada por ações.
Por aquela mesma mesa circularam textos, textos bordados, palavras-ações,
naquele pequeno grupo circulavam as criações e o grupo partilhava de cada etapa do
3 AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Dicionário Analógico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Lexikon, 2010
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
75
trabalho ancorado no desejo.
“’a substância de cada ser é contestada por cada outro sem repouso’/’mesmo
o olhar que exprime o amor e a admiração se liga a mim como uma dúvida que
toca a realidade’/’o que eu penso, não o pensei sozinho’” (BATAILLE apud
RAMOS DO Ó, p.386).
E como acima, com palavras reescritas, com fragmentos e ligações, textos e
intertextos que convoco a continuidade de existências de práticas escolares, acadêmicas
ou no âmbito de programas públicos de educação e cultura que sejam cada vez mais
seminários/ateliês, que não cansem de trazer as condições ao trabalho e de exigir
processos, perguntas, ensaios, pesquisa, escritas em suas múltiplas superfícies e modos
de existência.
Fig. 1. Intervenção de bordado por Isabella Carvalho na publicação “Partogênese”4 do grupo
Atos Cultivados.
Fig. 2. Intervenção de fotografia por Verô de Maia na publicação “Partogênese” do grupo Atos
Cultivados.
4 https://issuu.com/atoscultivados/docs/partogenese-todos_cadernos
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
76
Fig. 3. Intervenção de bordado por Jade Lopes na publicação “Partogênese” do grupo Atos
Cultivados.
Fig. 4. Intervenção de banda desenhada por Luiz Siqueira na publicação “Partogênese” do
grupo Atos Cultivados.
Fig. 5. Intervenção de vídeo por Bruna Edilamar na publicação “Partogênese” do grupo Atos
Cultivados.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
77
Fig. 6. Intervenção de xilogravura por Mapa (Maria Paula Locatelli) na publicação
“Partogênese” do grupo Atos Cultivados.
Fig. 7. Intervenção de xilogravura por Mapa (Maria Paula Locatelli) na publicação
“Partogênese” do grupo Atos Cultivados.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles. O ato de criação. Palestra de 1987. Tradução José Marcos Macedo. São Paulo:
Folha de São Paulo, 1999.
DURINI, Lucrezia De Domizio. The Felt Hat A Life Told. Milão: Charta, 1997
RAMOS do Ó, Jorge. Fazer a mão - por uma escrita inventiva na universidade. Lisboa: Edições do
Saguão, 2019.
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante - cinco lições sobre a emancipação intelectual.
Tradução Lillian do Vale. Belo Horizonte: Autêntica, 2002
BOUTANG, Pierre-André. O Abecedário de Gilles Deleuze. 453min. Paris: Éditions Montparnasse,
1994
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 8
78
CAPÍTULO 9
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
O DESIGN THINKING COMO ABORDAGEM
EDUCACIONAL CONTEMPORÂNEA:
POSSIBILIDADES NA ARTE-EDUCAÇÃO
Data de aceite: 16/04/2021
DESIGN THINKING AS A
CONTEMPORARY EDUCATIONAL
APPROACH: POSSIBILITIES IN ARTEDUCATION
Data de submissão: 10/02/2021
Bruna Nátali da Rosa
UNOCHAPECÓ
Chapecó-SC
http://lattes.cnpq.br/1296887225695929
Gisele dos Santos
UNOCHAPECÓ
Chapecó – SC
http://lattes.cnpq.br/4370042790831758
RESUMO: Neste artigo discutimos o Design
Thinking (DT) como abordagem para a arteeducação em nível fundamental, focando o
trabalho colaborativo e a construção de autonomia
do aluno, buscando assim o desenvolvimento
de competências para o séc. XXI. Apresenta-se
uma breve análise sobre educação pela visão
de Freire (2011), Dewey (1980), abrangendo
o funcionamento do DT por Brown (2010),
Cavalcanti e Filatro (2016) e EDUCADIGITAL
(2013). Para esta, é exposto uma prática em
ensino fundamental com uso da abordagem,
ilustração e arte contemporânea, desenvolvendo
trabalhos artísticos, de relevância social perante
o desenvolvimento do aluno, discutindo assim o
DT como abordagem ao ensino.
PALAVRAS - CHAVE: Arte-educação; Educação
Básica; Design Thinking; Metodologias Ativas.
ABSTRACT: In this article, Design Thinking (DT)
is described as an approach to art education at
an elementary level, focusing on collaborative
work and the construction of the student’s
autonomy, thus seeking the development of skills
for the 21st century. A brief analysis on education
is presented by the view of Freire (2011), Dewey
(1980), covering the functioning of the DT by
Brown (2010), Cavalcanti and Filatro (2016), and
EDUCADIGITAL (2013). For this, it is exposed
a practice in elementary education using the
approach, illustration and contemporary art,
developing artistic works of social relevance in
relation to the development of the student, thus
having DT as an approach to teaching.
KEYWORDS: Art education; Basic education;
Design Thinking; Active Methodologies.
1 | APRESENTAÇÃO
A
sociedade
contemporânea
é
o
resultado de uma grande movimentação e
evolução, tanto social, política, econômica e
tecnológica, exercida com enorme rapidez nas
últimas décadas. No cerne desta sociedade
encontramos
uma
organização
que
foi
muito abalada: a escola. (DIESEL, BALDEZ,
MARTINS, 2017). Cavalcanti e Filatro (2016)
discutem que a educação se mantém atrasada
nessa evolução por ainda fazer uso de práticas
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
79
metodológicas tradicionais em pleno séc. XXI, práticas que não motivam e não evoluem o
pensamento do aluno.
A mudança da escola é necessária. Podemos analisar isso perante os diversos
documentos que regem o sistema educacional, por exemplo, a BNCC (BRASIL, 2017),
que no momento atual exerce a maior influência sobre este, busca, em breve resumo, a
formação de um aluno que valorize e utilize conhecimentos historicamente construídos,
exercitando sua curiosidade intelectual, recorrendo a abordagens científicas onde faz
uso da investigação, reflexão, análise crítica, imaginação e criatividade. Além do mais,
deve valorizar as diversas manifestações artísticas e culturais, utilizar-se de diferentes
linguagens tanto verbais como corporais, visuais, sonoras e digitais. Por fim ainda deve
valorizar conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as suas relações
com o mundo, exercitando a cidadania e a autonomia, de forma consciente e responsável.
Todavia, como é possível concretizar essas mudanças e a evolução do aluno se
na sala de aula as metodologias, ainda tradicionais, não favorecem o desenvolvimento de
ambos? Diante disso, gera-se debates entre pesquisadores na busca de metodologias,
abordagens e formas de ensino que possam ser potencializados no séc. XXI.
A frente do exposto, busca-se nesta pesquisa, apresentar uma perspectiva
contemporânea ao ensino da arte na escola pública, esta que sempre teve uma percepção
tradicionalista, técnica e individualista do aluno, (BARBOSA, 2001), conversando com
metodologias ativas e possibilidades de ensino que vão além do componente aqui
apresentado.
Temos como objetivo principal analisar o uso do Design Thinking (DT) como
abordagem para criação de propostas artísticas colaborativas na arte-educação, perante a
formação do aluno em suas diversas competências.
Contudo analisamos que perante as diversas pesquisas sobre o uso do DT na
educação ainda não há trabalhos voltadas à arte educação na escola básica (segundo
pesquisas realizadas em plataformas como SCIELO, Web of Science, Scopus, BDTB e
o Google Acadêmico), pode-se perceber assim uma desvalorização das potencialidades
desta área.
Para a análise será apresentado um relato de experiência, realizado em estágio
curricular obrigatório do curso de Artes Visuais da Universidade Comunitária da Região de
Chapecó (UNOCHAPECÓ), voltado à arte-educação em práticas de criação colaborativa,
envolvidas com a arte contemporânea e discussão de poéticas, imagem, narrativas,
ilustração e contextos sociais.
Este trabalho apresenta-se como uma pesquisa qualitativa e exploratória, sendo
seu procedimento bibliográfico e documental, embasado em uma pesquisa de natureza
aplicada.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
80
2 | DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
2.1 O Design Thinking Como Abordagem Educativa
Barbosa (2001) expõe que um dos motivos para o atraso educacional é o fato
que a educação no Brasil foi planejada de maneira a voltar-se à prática para o trabalho,
esquecendo da formação humana e criativa do indivíduo, trabalhando assim interesses
políticos e econômicos do governo. Essa forma de ensino, segundo a autora, focava na
formação individual, abordando técnicas solitárias, não demonstrando interesse pela troca
de conhecimentos interdisciplinares, e pelo trabalho com a criatividade e autonomia de
pensamento.
Atualmente para mudar esse cenário, entra-se em discussão as Metodologias Ativas,
que segundo Papert (2007) apud Hildebrand (2017), permitem que o aluno seja agente de
seu próprio aprendizado, capaz de agir e pensar com autonomia, resolver problemas e
atuar perante sua própria capacidade de produção de conhecimento.
As metodologias ativas são pautadas em autonomia, reflexão, problematização da
realidade, trabalho em equipe e inovação (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017), para isso o
professor não deve mais agir como um detentor de conhecimento e sim como um facilitador.
Além disso busca-se um ensino ligado à prática e a vida, de modo que os estudantes
possam articular o conhecimento com sua realidade, gerando assim maior significado.
Perante essas ideias surge a proposta do Design Thinking – DT. Este nasce da área
de soluções criativas para problemas do Design, e tem como um dos objetivos, ser uma
abordagem ou um conjunto de princípios que pode ser aplicado por diversas pessoas e
instituições.
Segundo Cavalcanti e Filatro (2016) o Design Thinking busca usar das capacidades
gerais do ser humano, estas que muitas vezes foram negligenciadas por práticas
convencionais. Diante disso a abordagem é fundada na empatia, em reconhecer e respeitar
o outro, compreendendo suas percepções e experiências (OLIVEIRA, 2014). Assim
proporciona a visualidade do aluno como ser já detentor de conhecimento e potencial.
A abordagem em sua forma mais original prevê 3 passos de trabalho que são:
Inspiração, Ideação e Implementação. Esta visão é defendida por teóricos como Brown
(2010) e Cavalcanti e Filatro (2016). Contudo o DT está aberto a modificações e alterações
de acordo com sua necessidade de implantação.
Nesta pesquisa usaremos os passos do material de Design Thinking para
educadores, traduzido e organizado pelo Instituto Educadigital (2013) onde a abordagem é
trabalhada em cinco processos como demonstrado a seguir.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
81
Imagem I: Cinco processos do DT.
Fonte: Imagem retirada do material de DT para Educadores do Educadigital (2013).
A fase de descoberta apresenta e busca a compreensão do problema ou proposta
a ser tratado, bem como realizar análises e sínteses. Deve-se entender os desafios,
compartilhar o conhecimento de cada um, respeitando as experiências e tendo empatia
pela visão de mundo do outro.
Na segunda fase a palavra principal é “entendimento”, os feitos de documentar
e compartilhar são os principais entre o trabalho colaborativo, é aqui no processo de
discussões que surgem as diferenças entre culturas, visões, e é preciso aprender a conviver
dentro desse universo. Durante essa fase faz-se uso da interpretação, pesquisa e busca
por inspirações.
O terceiro passo parte para o processo de geração de ideias, assim foca-se nas
palavras “começar, escolher e planejar”, além disso deve-se enfatizar o trabalho em equipe,
em evoluir e usar as ideias do outro para o bem da proposta.
O quarto passo é a experimentação ou também chamado de prototipação, neste
momento o objetivo principal é modelar visualmente as ideias mais relevantes. Nesta
ocasião as ideias devem ser revisitadas, pois, é o momento de expressar os conhecimentos
obtidos e construídos, levantando-se discussões e realizando as modificações necessárias.
Por fim, na etapa chamada de evolução, a palavra principal é “avançar”, sendo que
o foco se dá no processo de feedbacks, onde os participantes devem tomar as decisões
finais. É neste momento que o conhecimento adquirido e construído durante o processo,
deve ganhar forma e partir para a etapa de construção final. Deve-se dar um passo atrás
e analisar os objetivos e o que está sendo realizado, se necessário modificar para depois
evoluir.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
82
O DT apoia o uso de ferramentas visuais, como mapas mentais, mapas de análise,
cronogramas, protótipos visuais, brainstorms, entre outros. Observa-se que em todos os
momentos de aplicação são realizados feedbacks e discussões, fortalecendo a troca e
engajando a percepção de todos.
A abordagem também trabalha com os pensamentos Divergente e Convergente. O
primeiro aborda a capacidade de análise e criação de ideias, desenvolvendo a pesquisa e
observação, criação de espaço de investigação e descobrimento, o segundo a capacidade
de síntese através da análise, de criação e pensamento inovador, trabalhando a colaboração
em equipe e evolução. Esses pensamentos fazem uma relação direta com a expansão de
ideias e a capacidade crítica (OLIVEIRA, 2014).
Como citado anteriormente não foram encontrados pesquisas que relacionam o DT
com a Arte-educação, contudo nos demais resultados encontrados foi possível perceber
o uso da abordagem no ensino superior (MARTINS FILHO; GERGES; FIALHO, 2015),
em cursos técnicos. (MARTINS; XAVIER, 2017), cursos diversos, ensino particular e
graduações a distância (CAVALCANTI, 2015. MELLO, 2014. BÜKER, 2015. EUFRASIO
JUNIOR, 2015) e até mesmo como abordagem de formação de professores da rede pública
(OLIVEIRA, 2014; PEREIRA; TRAVERSINI; MELLO, 2020).
Diante do estudo destes materiais, e das pesquisas apresentadas por Cavalcanti
e Filatro (2016), a abordagem mostrou inúmeros resultados positivos e possibilidades de
ser incrementada nas instituições educacionais. Percebeu-se, de acordo com os relatos
de práticas em instituições variadas um grande ganho em autonomia perante os usuários,
onde realizou-se soluções rápidas, grupais e coletivas às propostas apresentadas.
Ainda segundo as autoras, a abordagem é adequada para a educação pois,
adota estratégias focadas nos participantes, trazendo assim maior significado às práticas
educacionais. Além do mais o DT foca na aprendizagem colaborativa e cooperativa, onde
busca desenvolver a capacidade dos alunos na construção de conhecimento, objetivando
aproximá-lo do “aprender fazendo”, tanto da vida profissional, como social e subjetiva,
devido a articulação entre teoria e prática.
Segundo Martins Filho, Gerges e Fialho (2015) o processo colaborativo do DT é
enriquecedor, pois trabalha com atividades de coletar depoimentos, definir objetivos em
grupo, revezamento constante pelo feedback, criando assim um recurso que agrega as
visões de mundo dos participantes.
Perante o exposto encontramos relações entre o DT e o pensamento de Freire
(2011), principalmente no que diz respeito ao ouvir seu público, já que este se propõe a
olhar para seu usuário: o que ele conhece e como interage com sua realidade, e também
com Dewey (1980) no que nos diz respeito em aprender a teoria juntamente com a prática
em um contexto realista ao aluno.
Sobre a avaliação, de acordo com Cavalcanti e Filatro (2016), a abordagem dispõe
muitas formas de realizá-la, como a diagnóstica, a formativa ou processual e a avaliação
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
83
somática. Assim não realiza-se uma avaliação igualitária e padronizada, mas analisa-se as
potencialidades de cada aluno de forma cumulativa.
Por fim de acordo com Brown (2010, p. 209) “Nosso objetivo no que se refere
à aplicação do Design Thinking em escolas, deve ser desenvolver uma experiência
educacional que não destrua a inclinação natural das crianças de experimentar e criar, mas
incentivar e desenvolver essa inclinação”.
2.2 O Design Thinking Como Abordagem de Criação Colaborativa em ArteEducação
Analisamos neste último capítulo a funcionalidade da abordagem do Design Thinking
em uma aplicação real na arte-educação. Para tal será explicitado uma prática realizada
em estágio curricular obrigatório do curso de Artes Visuais da Universidade Comunitária
da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), entre setembro e outubro de 2019. A proposta
realizou-se em nível fundamental de 7° ano, em uma escola estadual de Chapecó - SC.
A escola trabalhada encontra-se em um bairro periférico, recebendo alunos de
várias localidades e anos escolares. A turma possuía um total de 30 alunos, com realidades
sociais bem abrangentes. Durante as observações realizadas anteriormente a prática,
percebeu-se o uso de metodologias tradicionais e individualistas na aulas de artes, onde
realizavam-se somente trabalhos técnicos objetivos, isso influenciou a escolha da turma
para a pesquisa.
Neste contexto o objetivo no uso do DT buscou experimentar o processo criativo na
aula de artes através do trabalho colaborativo, estudando as possibilidades deste para a
criação de subjetividade, autonomia e empatia, além de demais competências requeridas
para formação do estudante.
Nesta perspectiva, há uma quebra da concepção de criação individualista na arte,
pois o processo de troca potencializa o ganho em conhecimento e, como apontado por
Cavalcanti e Filatro (2016), a colaboração permite o trabalho de forma criativa, projetando e
buscando soluções reais, tornando possível confrontar a teoria aprendida com a realidade
investigada, criando assim uma troca em rede.
Para dar início a prática com a turma do 7° ano, posterior a apresentação da estagiária
e a explicação sobre os conteúdos de ilustração, optou-se por experienciar o passo de
empatia do DT. Para este, foi proposto que os alunos criassem um trabalho ilustrativo,
usando as linguagens de sua preferência para expressar sua identidade. Esta prática teve
como objetivo trazer o reconhecimento subjetivo do aluno, estipulando um momento de
empatia. Esta posição é defendida dentro da abordagem e por Dewey (CUNHA, 2011) que
nos propõe que o aluno não é um repositório de conteúdo, é necessário conhecer o que ele
já carrega em si. Neste momento foi possível perceber gostos e padrões de interesse dos
alunos, bem como as características de expressão particular de cada estudante e do grupo.
Seguindo a prática foram trabalhadas bases de convivência, as quais eram: respeite
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
84
as ideias dos colegas; todas as ideias são válidas; todos têm direito de falar e se expressar;
use as ideias dos outros e melhore-as; se for fazer uma crítica, diga como pode melhorar.
Essas ideias visam criar um ambiente colaborativo e seguem os passos que Tim Brown
(2010) utiliza em sua empresa.
Posteriormente deu-se início a totalidade da proposta com o primeiro passo do
Design Thinking a “descoberta”. Foi discutido com os alunos o que são temas sociais e
quais pertencem à nossa sociedade, e a partir disto foi solicitado aos alunos realizarem
em seus cadernos um brainstorm, com o maior número de ideias possíveis sobre temas
sociais. O uso do Brainstorm estimula o pensamento de forma livre e expansiva, onde
todas as ideias são aceitas, pois muitas vezes podem-se fazer descobertas nas ideias mais
extravagantes (BROWN, 2010).
Após a finalização do brainstorm, foi apresentado a artista Carolina Caycedo
objetivando que os alunos tivessem contato com a arte contemporânea perante um tema
social, ligando este com a prática artística conceitual.
Finalizada a discussão foi então compartilhado o resultado do brainstorm. Todas as
ideias citadas foram anotadas no quadro de propostas com post it. Totalizando 29 propostas.
Durante o brainstorm foi percebido que no processo de troca os alunos realizaram leituras e
discussões sobre a sociedade, aumentando assim sua visualidade crítica.
Posteriormente deu-se início ao trabalho colaborativo, para este dividiu-se a turma
em 6 grupos, de cinco alunos cada. Cada grupo escolheu um tema para construir seu
trabalho, entre os escolhidos foram realizadas conexões com linhas coloridas no quadro,
buscando a estética de cartografia.
Imagem 02: Quadro de anotações de propostas.
Fonte: Acervo da autora, 2019.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
85
A frente do processo do Design Thinking prescrito ressaltamos a importância do
papel do docente como organizador da prática, este que segundo Dewey, analisado por
Cunha (2011), desempenha uma função muito importante ao planejar antecipadamente as
atividades, organizando um ambiente que favoreça a aprendizagem do aluno de maneira
potencial.
A partir das montagens de grupos e escolha dos temas, foi apresentado aos alunos
a proposta final. Os grupos iriam criar um trabalho artístico visual, com pressupostos na
arte contemporânea e da ilustração expandida. Este momento já avança para o segundo
passo do DT, a “interpretação”, onde abordamos a proposta a ser realizada com a turma e
a pesquisa.
Iniciamos com um desafio na pesquisa de imagem, neste cada aluno deveria
realizar uma foto em espaço paralelo a escola, sobre seu tema, e trazer esta impressa para
semana seguinte. A experimentação da fotografia buscou trabalhar o olhar crítico e criativo,
fazendo com que os alunos olhassem para seu entorno de maneira artística, estudando-o,
pois segundo Hallawell (2017) é analisando nosso entorno, que surgem ideias e propostas
que podem ser trabalhadas. Além do mais a fotografia se torna também um processo de
pesquisa e busca de inspirações, almejados no passo 2. Em seguida solicitamos aos os
alunos que fizessem pesquisas sobre seus temas de forma abrangente nos meios que
tivessem acesso.
Para dar início aos trabalhos práticos realizou-se contextualizações com artistas
como Kátia Sepúlveda, Mmakgabo Helen Sebidi, Günes Terkol, Naufus Ramírez-Figueroa,
que usam de linguagens contemporâneas e da ilustração através da abrangência de temas
sociais, servindo como referência poética aos alunos e abrindo espaços para discussão e
leituras visuais para criação de ideias. Este momento se caracteriza como o passo três:
ideação.
Após este momento, começamos o quarto passo, a “experimentação”. Os alunos
deveriam usar as imagens e referências pesquisadas, para criar protótipos das ideias de
seu trabalho, posteriormente em discussão conjunta seria escolhido a ideia final.
Imagem 03: Construção de protótipos entre os grupos.
Fonte: Acervo da autora, 2019.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
86
Segundo Oliveira (2014) a característica do DT em prototipar faz com as ideias
tomem forma e assim seja reconhecido seus pontos fracos e fortes, permitindo a equipe
identificá-los e lapidá-los, além disso os primeiros protótipos apresentam diretamente se a
ideia poderia ser funcional ou não.
Diante deste percebe-se que a abordagem faz com que a equipe esteja
constantemente visualizando e repensando ideias, tornando a experimentação fundamental.
Dewey (1980) define que a educação só acontece em um processo de reconstrução e
organização perante a “experiência”.
Após a finalização dos protótipos, deu-se início a prática. Durante esta foi percebido
que os alunos permanecem receosos e presos aos protótipos feitos e não permitiram a
si mesmos experimentar. Analisa-se que isso ocorre devido ao ensino metodológico
tradicional que convivem em seu dia a dia. Em vista dessa dificuldade, as aulas que seriam
só a finalização dos trabalhos foram destinadas também à experimentação e a revisitações
de discussões sobre as criações, trazendo o feedback como elemento prioritário. Assim o
quinto passo “evolução” foi ligado ao momento de experimentar.
Na sequência, foi observado uma grande diferença na forma de trabalho colaborativo
entre os grupos, houve aqueles que geraram uma troca contínua sem liderança única, e
aqueles que a liderança acabou por exceder demais o controle. Dentro de um trabalho
colaborativo, apoiando a ideia de Brenner e Uebernickeln (2016) apud Cavalcanti e Filato
(2016) a heterogeneidade é fundamental para construção da inovação, contudo esta pode
gerar atritos durante o processo, sendo necessário ao professor ficar atento para que as
diferenças entre ideias, posições e perfis não sejam tão excessivas a ponto de impedir o
trabalho criativo.
À frente disso, destaca-se a importância do professor como um participador e
facilitador, não sendo mais um detentor do conhecimento (FREIRE; 2011. DIESEL;
BALDEZ; MARTINS, 2017).
Imagem 04: Momento de construção da proposta entre os grupos, e participação da estagiária.
Fonte: Acervo da autora, 2019.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
87
Segundo Diesel, Baldez e Martins (2017) o professor como facilitador tem o desafio
de provocar, desafiar ou ainda promover condições que os alunos possam construir,
refletir, transformar e compreender, sem perder o foco no respeito e autonomia do outro.
Quando se coloca o aluno de forma autônoma no processo de aprendizagem, realizase o desenvolvimento circular entre aprender e ensinar, sendo que o aprendiz assume a
responsabilidade sobre sua própria aprendizagem e liberdade.
Acerca dos trabalhos finalizados apresentamos o trabalho do grupo 1, que demonstrou
durante o processo uma ligação muito forte com o tema “transtornos psicológicos”, em
conversa com alunas, duas vivenciavam esta realidade, tendo diagnóstico de ansiedade e
depressão, e outras conviviam com essas doenças dentro do círculo familiar. Este trabalho
cria uma ilustração narrativa de uma pessoa que passa por vários tipos de transtornos.
Observar-se o uso de cores frias e neutras que excluem os sentimentos de felicidade.
Imagem 05: Trabalho das alunas com o tema “transtornos psicológicos”.
Fonte: Acervo da autora, 2019.
O trabalho do grupo 2 demonstra um parâmetro da realidade dos animais de rua
no Brasil, trazendo as questões de abandono, doenças e maus tratos. Diversos materiais
artísticos foram trazidos pelas alunas, pois não são comuns no ambiente escolar. O fato de
trabalharem com base em notícias e dados, revela o potencial de pesquisa neste trabalho.
A colaboração entre este grupo demonstrou muita empatia, no qual as trocas, ideias
e discussões de todos eram sempre possíveis de serem analisadas, assim incluindo todos
os participantes no processo criativo e prático.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
88
Imagem 06 e 07: Trabalho com o tema de “Abandono de Animais”. Cartaz 1 criado com
base em pesquisa de notícias e experimentação de materiais. Cartaz 2, com apropriação de
imagens.
Fonte: Acervo da autora, 2019.
Verificou-se nesta prática que o trabalho em grupo é capaz de aumentar a
potencialidade individual de cada aluno, através de inclusão em discussões e realizando
um movimento de aprendizagem. Segundo Cunha (2011, p. 41):
O aprendizado genuíno que se dá no ambiente natural de vida do indivíduo
ocorre quando de sua participação nas experiências vivenciadas pelo grupo;
a matéria prima desse aprendizado são as experiências compartilhadas
coletivamente [...].
Após finalizada a prática foi realizado o momento de feedback, que se voltou a
análise das atividades e da própria atitude docente. O uso do Feedback está embasado
na necessidade de ouvir os envolvidos, pois é necessário analisar a percepção de quem
recebe o processo educacional (FREIRE, 2011).
À frente deste foi solicitado aos alunos expressarem suas opiniões livremente,
falando sobre as dificuldades, a experiência e quais alterações poderiam ser realizadas
nas atividades. Houveram comentários sobre como foi positivo conhecer artistas atuais e
contemporâneos, um dos grupos comentou que gostou da atividade por ser uma proposta
diferente, oposto a grande parte das atividades que possuíam no dia-a-dia, outros citaram
a dificuldade do trabalho colaborativo, mas que os resultados valeram a dedicação.
Abaixo segue imagem do quadro de feedback construído durante a discussão com
a turma e com acréscimos de visualidades da docente.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
89
Imagem 08: Quadro de feedback construído com os alunos do 7° Ano.
Fonte: Acervo da autora.
3 | CONSIDERAÇÕES
Ao final da realização desta proposta e dos feedbacks recebidos percebe-se que a
abordagem do Design Thinking, seguindo a interpretação de Cavalcanti e Filatro (2016) e a
divisão de etapas do material “Design Thinking para Educadores” (EDUCADIGITAL, 2013),
é funcional em meio à prática criativa e colaborativa na aula de arte.
Foi possível sentir no início do processo um estranhamento por parte dos alunos,
por serem solicitados a pensar livremente, com suas próprias opiniões e reflexões sobre o
conteúdo, sem encaminhamentos exatos ou passos de processos rígidos, onde o professor
pede um trabalho com uma estética já definida que o aluno deve reproduzir igualmente.
Contudo no decorrer do processo foi percebido uma crescente autonomia, surgida
principalmente pela liberdade de escolha, experimentação perante a criação e da troca.
Durante os processos do DT, o aluno é sempre instigado a evoluir e fortalecer
sua maneira de trabalho, sendo que no momento de interpretação e ideação os alunos
mostraram-se totalmente capazes de pesquisar, buscar e discutir se forem instigados,
principalmente quando há ligação com temas de seu interesse. Também foi visualizado
que o uso do brainstorm gera muitos resultados positivos, aumentando a visualidade dos
alunos perante o seu entorno durante o processo de troca e discussão de ideias, trazendo
assim a construção de uma análise crítica sobre sua realidade.
No momento de experimentação foi possível verificar que os alunos conseguem
produzir protótipos e visualizar o projeto final, estando abertos a receber feedbacks e
possuindo grande biblioteca visual. Contudo no momento de evolução, (o último passo)
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
90
os alunos se prendem aos protótipos realizados, necessitando assim um retrabalho desta
percepção.
O uso da etapa de evolução como uma continuação e aprimoração ocasionou uma
maior experimentação de técnicas contemporâneas e de construção de subjetividade,
permitindo assim a evolução conceitual, artística e visual dos trabalhos criando uma
particularidade de cada grupo.
Além do mais o modelo de trabalho colaborativo que a abordagem proporciona
é capaz de instigar o desenvolvimento de competências para o trabalho em grupo
necessárias para o indivíduo do séc. XXI, onde este aprende a conviver, discutir, ouvir,
entender, respeitar, debater, e acima de tudo ter empatia pela visão do outro, trabalhando
a subjetividade em meio a colaboração.
À frente desta análise, percebe-se que o DT é totalmente funcional quando engajado
a arte-educação, pois constrói ligações entre todos os aspectos desta, não inibindo a
criatividade e capacidade de criação do aluno e sim potencializando-a, sendo capaz de
disponibilizar os momentos para discussão e trocas que já são esperadas no ensino da
arte.
Por fim concorda-se com os estudos sobre as potencialidades que o DT traz para a
educação, sendo possível verificar que este é adequado à múltiplos cenários, passível de
evolução e de instigar o aluno em seu processo de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino de arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 3 ed., 2001.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília, MEC/CONSED/
UNDIME, 2017.
BROWN, Tim. Design thinking: uma poderosa para decretar o fim das velhas ideias. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2010.
BÜKER, Caroline. A relação entre a metodologia criativa design thinking e o desenvolvimento da
motivação no processo de aprendizagem de adultos. Dissertação. Instituição: PUC - RS, 2015.
CAVALCANTI, Carolina Costa. Contribuições do design thinking para a concepção de interfaces
de ambientes virtuais de aprendizagem centradas no ser humano. Tese. USP, São Paulo - SP,
2015.
CAVALCANTI, Carolina Costa; FILATRO, Andrea. Design thinking na educação presencial, a
distância e corporativa. São Paulo: Saraiva, 2016.
CUNHA, Marcos Vinícius da. John Dewey: uma filosofia para educadores em sala de aula.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
91
EDUCADIGITAL, Instituto. Design thinking para educadores. Versão em Português: Instituto
Educadigital, 2013. Disponível em: https://designthinkingforeducators.com/ Acessado em junho de
2019.
EUFRASIO JUNIOR, Nelson Luis. Do design instrucional ao design thinking – desafios e
possibilidades para a inovação na educação corporativa na modalidade online: o caso SenacRS. Dissertação. Instituição: Unisinos, São Leopoldo-RS, 2015.
DEWEY, John. Experiência e natureza; lógica: a teoria da investigação; A arte como experiência;
vida e educação; teoria da vida moral. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
DIESEL, Aline; SANTOS BALDEZ, Alda Leila; NEUMANN MARTINS, Silvana. Os princípios das
metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica. In: Revista Thema, v. 14, n. 1, p. 268-288,
2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 2011.
GOMES, Silvia Trentin; HILDEBRAND, Hermes Renato. A aprendizagem ativa e a leitura de
imagens artísticas por meio de um jogo, In: Anais do 26° Encontro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, p.
1152-1163, 2017.
HALLAWELL, Philip C. À mão livre: a linguagem do desenho. São Paulo: Companhia
Melhoramentos, 2017.
HILDEBRAND, Hermes Renato; GOMES, Silvia Trentin. A aprendizagem ativa e a leitura de imagens
artísticas por meio de um jogo. Anais do 26° Encontro da Associação Nacional dos Pesquisadores
em Artes Plásticas (ANPAP), Campinas - SP, p. 1152- 1163, 2017.
MARTINS, Daniel de Sant’anna; XAVIER Guilherme; DIAS, Cynthia Macedo. Game Design Thinking:
propostas lúdicas no letramento digital infantil. In: Proceedings of SBGames, Curitiba, p. 908-914,
2017.
MARTINS FILHO, Vilson; GERGES, Nina R. Cruz; FIALHO, Francisco A. P. Design thinking, cognição e
educação no século XXI. In: Revista: Diálogo Educação, Curitiba, v. 15, n. 45, p. 579-596, 2015.
MELLO, Daniele de Mello. Contribuições do design thinking para a educação: um estudo em
escolas privadas de Porto Alegre – RS. Dissertação. Instituição: Unisinos, Porto Alegre - RS, 2014.
OLIVEIRA, Aline C. A. A Contribuição do Design Thinking na Educação. In: Revista: E-Tech:
Tecnologia para competitividade industrial, Florianópolis - SC, n. Especial Educação, p. 105-121,
2014.
PEREIRA, Marcus V. M.; TRAVERSINI, Clarice Salete; MELLO, Darlize T. O Desafio do Dia D é colocar
em prática o Design Thinking - uma análise da implantação da bncc na rede estadual de ensino do Rio
Grande do Sul. In: Textura, v. 22, ed. 50, p. 140-164, 2020.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 9
92
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 10
O PROJETO ROCK E O GOSTO DOS ALUNOS
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 02/02/2021
António José Pacheco Ribeiro
Conservatório do Vale do Sousa -Lousada,
Portugal
Universidade do Minho – CIEC - Braga,
Portugal
https://orcid.org/0000-0003-3413-8473
Trabalho apresentado no IV Encontro do Ensino Artístico
Especializado da Música do Vale do Sousa: O Ensino
da Música no Século XXI: Desafios e Compromissos.
Lousada: Conservatório do Vale do Sousa, 2019. https://
sites.google.com/site/encontromusicavaledosousa/
home
RESUMO: O Projeto Rock define-se como uma
disciplina de Classe de Conjunto do plano de
estudos do curso de música ministrado no Centro
de Arte Musical – Escola de Música. A música de
conjunto assume-se como um meio privilegiado
para o desenvolvimento de várias competências:
musicais, socias e comportamentais. O processo
de ensino centrado no grupo possibilita a relação
entre os pares promovendo a colaboração, a
cooperação, a interação, a socialização e a
aprendizagem. O Projeto Rock pretende, assim,
fomentar uma aprendizagem ativa com base
numa tipologia musical próxima da identidade
dos alunos, possibilitando o desenvolvimento de
atividades musicais pouco ou nada exploradas no
contexto da escola de música formal. O recurso
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
à composição colaborativa, à improvisação, aos
arranjos musicais e à experimentação sonora
são atividades fundamentais subjacentes ao
processo de desenvolvimento pedagógico. A
proximidade dos jovens a outros géneros e estilos
musicais de âmbito popular é uma realidade que
tem estado afastada das escolas de música
oficiais, neste sentido, o Projeto Rock também
pretende viabilizar a atenção para a necessidade
de introduzir no contexto de escola de música
formal outras tipologias musicais.
PALAVRAS - CHAVE: Projeto Rock; Música de
Conjunto; Tipologias Musicais; Ensino Formal e
Ensino não Formal.
THE ROCK PROJECT AND THE TASTE
OF STUDENTS
ABSTRACT: The Rock Project is defined as
a Set Class discipline of the study plan of the
music course taught at the Centro de Arte
Musical - Escola de Música. The ensemble
music assumes itself as a privileged means for
the development of several skills: musical, social
and behavioral. The teaching process centred
on the group allows the relationship between
peers promoting collaboration, cooperation,
interaction, socialization and learning. The Rock
Project intends, thus, to promote an active
learning based on a musical typology close to
the students’ identity, allowing the development
of musical activities little or nothing explored in
the context of the formal music school. The use of
collaborative composition, improvisation, musical
arrangements and sound experimentation are
fundamental activities underlying the process
of pedagogical development. The proximity of
Capítulo 10
93
young people to other genres and musical styles of popular scope is a reality that has been
far away from official music schools, in this sense, the Rock Project also intends to make
possible the attention to the need to introduce in the context of the formal music school other
musical typologies.
KEYWORDS: Project Rock; Ensemble Music; Musical Typologies; Formal Education and
Non Formal Education.
1 | INTRODUÇÃO
O ensino da música em Portugal desenvolve-se nas escolas de música consideradas
para esse efeito: conservatórios, academias e escolas profissionais. Todos estes
estabelecimentos de ensino se caracterizam por um ensino formal, estruturado, legislado
e certificado, ancorando-se no sistema de ensino oficial: público e particular e cooperativo.
Tal sistema de ensino, advém dos moldes herdados do Conservatório de Música de Lisboa,
ligado à Casa Pia, fundado em 1835, e tem como principal objetivo a formação de músicos
profissionais. Paralelamente a este ensino formal da música desenvolve-se em múltiplos
espaços de formação um ensino musical de carácter não formal e informal que responde
a diferentes especificidades considerando as expectativas e perspetivas da população
escolar.
Neste artigo aborda-se:
(i) a problemática da inclusão nos currículos escolares de outras tipologias musicais;
(ii) apresentam-se as características do ensino não formal;
(iii) menciona-se a metodologia de ensino subjacente ao Projeto Rock e a sua
consequente proximidade com características do ensino informal e, por último,
(iv) faz-se uma breve síntese apresentando as considerações finais.
2 | ENQUADRAMENTO TEÓRICO
Os currículos e os planos de estudos das escolas de música oficiais de ensino
centram-se no âmbito da música dita erudita, com particular incidência na música clássica
e romântica dos séculos XVIII e XIX. De facto, a ausência de outras tipologias musicais,
nomeadamente a música popular, (entenda-se toda a música que não é erudita) nos
currículos destas escolas de música é uma realidade persistente que não se coaduna
com a contemporaneidade do século XXI e, concretamente, com aquilo que se passa em
vários países da Europa e do resto do mundo. Na realidade, a música popular entrou nos
currículos das escolas de música europeias e norte americanas a partir de meados dos
anos 60 de século passado, primeiramente com a inclusão do Jazz nos Estados Unidos. Na
Inglaterra a música popular ganhou adeptos, também, na década de 1960 e o subsequente
desenvolvimento de novos materiais curriculares e estratégias de ensino colocaram a
música popular nos currículos escolares de muitos outros países durante a década de
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
94
1980 (GREEN, 2002).
Música popular e jazz, […], como “world music” (música do mundo), foram
aceitas vagarosamente no currículo a partir do final da década de 1960 até
sua inclusão formal em um número de países no final do século. Atualmente
existe uma grande variedade dessas músicas em muitos currículos (GREEN,
2012, p. 65-66).
Em Portugal, as escolas de música ainda não comportam nos seu currículos outras
tipologias musicais, ou seja outros estilos e géneros musicais diferenciados, que respondam
às especificidades das regiões e da população escolar.
O modelo único de organização curricular e pedagógica, predominante no
ensino especializado da música, que assenta na formação de instrumentistas
solistas, ancorado numa perspectiva do século XIX e numa única tipologia
musical, tem impedido que se dêem respostas adequadas à procura crescente
da aprendizagem musical que correspondam à heterogeneidade dos
territórios, dos alunos, dos públicos, dos profissionais e do desenvolvimento
do mercado de emprego (FOLHADELA; VASCONCELOS; PALMA, 1998, p. 7).
No início dos anos 90 do século passado, a democratização do ensino, o aumento
da escolaridade obrigatória e a valorização das artes na formação da pessoa humana,
contribuíram, substancialmente, para que a população escolar deste tipo de ensino tivesse
aumentado de forma considerável. Neste contexto,
[…] estas escolas são hoje frequentadas por um número cada vez maior
de crianças procurando diferentes saberes e conhecimentos, colmatando
deficiências de formação que são particularmente sentidas pelas comunidades
educativas. A diferente procura não foi acompanhada pela necessária
introdução de ofertas curriculares diversificadas capazes de responderem às
novas expectativas e solicitações da população escolar (RIBEIRO, 2017, p.
4).
A população escolar destas escolas de música é, assim, bastante diversificada e
procura um ensino da música com diferentes propósitos. Atente-se nas palavras de Ribeiro
(2017, p. 5):
[…] os jovens e adolescentes continuam a procurar junto da escola
especializada de música […] conhecimentos ligados a outras linguagens
musicais, nomeadamente pop/rock, jazz, world music, música popular/
tradicional […] e estas mesmas escolas continuam a não corresponderem
às diferentes solicitações, ancoradas num ensino tecnicista, virtuoso, de
formação de músicos instrumentistas solistas, assente numa única tipologia
musical ligada à música erudita ocidental.
A música é uma prática humana social, intencional, contextual, multidimensional e
diversificada (ELLIOT, 1995) e desempenha diversas funções na sociedade contribuindo
para a identidade dos povos (MERRIAM, 1964): (i) função de expressão emocional;
(ii) função de prazer estético; (iii) função de entretenimento ou diversão; (iv) função de
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
95
comunicação; (v) função de representação simbólica; (vi) função de resposta física ou
reação fisiológica; (vii) função de impor conformidade às regras sociais; (viii) função de
validação de instituições sociais ou de rituais religiosos, (ix) função de contribuição para
a continuidade e estabilidade da cultura; (x) função de contribuição para a integração da
sociedade.
A música como em todo e qualquer processo artístico ou cultural, se constitui
como um fenômeno social, pois mantém relação e questiona os valores
sociais e as significações dos sujeitos. Assim, quando se vivencia a música
não se estabelece relação apenas com a matéria musical em si, mas com
toda uma rede de significados construídos no mundo social, em contextos
coletivos mais amplos e em contextos singulares. A música, então, além de
ser um instrumento de aquisição de cultura e de lazer, pode servir como uma
ferramenta de integração social e, neste sentido, apresenta-se como forma
de demarcar/refletir diferenças psicológicas e socioculturais, o que faz com
que ela e o gosto musical criem concepções, conceitos, rótulos, grupos de
convivência e até mesmo estigmas, ao passo que, também se colocam como
forma de representação identitária (OLIVEIRA, 2013, p. 17).
Os jovens que frequentam a escola de música especializada têm origens
socioculturais divergentes, no entanto as suas vivências musicais sustentam-se nas
múltiplas linguagens musicais da atualidade e pouco na cultura dita erudita. Na realidade,
[…], é sabida a apetência dos adolescentes pelas linguagens da música Pop,
do Jazz e, mais recentemente pelo fenómeno da World Music, que tem sido,
nos melhores casos, um importante veículo de divulgação de culturas extraeuropeias, ajudando a promover o respeito pela diferença e pelo “outro”. A
completa ausência destas e de outras tipologias nos actuais currículos e a
subvalorização destes fenómenos culturais, pela maioria dos docentes, tem
provavelmente causas muito semelhantes às que levam a uma não-aceitação,
quase generalizada, da música do século XX. Esta constatação deve-nos
levar a abordar sem preconceitos o problema da integração no currículo
de outras tipologias musicais, entre as quais se encontram tipologias “mais
próximas” dos alunos das nossas escolas (FOLHADELA; VASCONCELOS;
PALMA, 1998, p. 55).
A vida dos jovens, suas vivências e suas apetências são plurais, neste sentido,
é preciso diversificar a oferta formativa e proporcionar aprendizagens congruentes com
as necessidades sentidas por cada pessoa de cada comunidade. Um desafio e um
compromisso, para o século XXI, pautados pelo rigor e qualidade da formação a ser
ministrada, mas que não pode ficar circunscrita a um passado estático e histórico.
As crianças, os jovens e os adultos movem-se em espaços formais e
informais, possuidores de memórias e sentidos consoante as comunidades
de pertença e onde as práticas individuais se cruzam com os diferentes
tipos de racionalidades, convenções, formas de sociabilidade e identitárias
(VASCONCELOS, 2015, p. 101-102).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
96
Considerando a diversidade da procura musical, o papel importante que a música
possui na formação dos jovens e sua identidade, é imperativo a pluralidade da oferta, uma
oferta que contemple toda a música e não apenas alguma música considerada superior.
Segundo Vasconcelos (2015, p. 110),
[…] uma das questões centrais para o desenvolvimento da educação
artístico-musical é conceber contextos educativos e formativos, com as
correspondentes metodologias e estratégias, que possibilitem a conexão
entre a escola, a casa e a comunidade, de modo a desenvolver atitudes
positivas para as aprendizagens e para fazer música em conjunto, bem como
contribuir para a construção de pontes entre as actividades musicais, os
recursos e os saberes as comunidades.
O Projeto Rock, incluído num ambiente não formal de ensino de música, emerge
como uma resposta às necessidades de formação dos jovens, às suas preocupações,
inquietações e suas vivências, possibilitando uma formação de qualidade e um
aprofundamento de conhecimentos musicais e comportamentos sociais desejáveis.
3 | PROJETO ROCK E O ENSINO NÃO FORMAL
O Projeto Rock, enquanto disciplina de conjunto (Projeto de Música), faz parte do
plano de estudos do Centro de Arte Musical – Escola de Música. Esta escola de música
insere-se no âmbito do ensino não formal, considerando a impossibilidade do ensino
musical formal dar resposta satisfatória a toda a população escolar.
No que concerne à educação não formal, ao que tudo indica, surgiu para
responder a necessidades educativas, sendo que a escola não foi capaz
de cumprir os mandatos que há muito lhe foram atribuídos […], ou seja, foi
proveniente do sentimento de que a escola estava a falhar […] (SOARES,
2013, p. 46).
A educação não formal refere-se a «todas aquelas instituições, atividades, meios,
âmbitos de educação, que não sendo escolares, terão sido criadas para satisfazer
determinados objetivos educativos» (TRILLA, 1993 apud SOARES, 2013, p. 46).
Apesar de se verificar falta de consenso, relativamente à conceptualização da
educação não formal, ela implica, particularmente, atividades educacionais exteriores, ou
seja, que se desenvolvem fora do sistema formal.
É uma atividade algo organizada, sistemática levada a cabo fora do sistema
formal, de modo a proporcionar tipos de ensino diferenciados e selecionados
para subgrupos de uma população particular, que podem ser adultos ou
crianças (ROGERS, 2004 apud SOARES, 2013, p. 46).
O ensino não formal caracteriza-se, assim, por um conjunto de aspetos a considerar:
(i) tratam-se de processos educacionais organizados fora da lógica do sistema regular de
ensino não seguindo um currículo pré-definido baseado nas normas e diretrizes do governo
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
97
nacional; ao contrário, o conteúdo é definido a partir da vontade e das necessidades das
pessoas envolvidas; (ii) as atividades educacionais, apesar de possuírem objetivos claros
e bem definidos, são organizadas e estruturadas de maneira flexível; apresentam um
carácter complementar à educação formal, portanto não conferem certificados oficiais aos
seus participantes, apenas podem conceder certificados de aprendizagem obtida; (iii) estas
atividades são oferecidas tanto por instituições de ensino formal quanto por organizações
sociais; este tipo de ensino pode compreender programas educacionais que ofereçam
alfabetização de adultos, educação básica para crianças fora da escola, competências para
a vida, competências para o trabalho e cultura em geral. Outras características associadas
ao ensino não formal, dizem respeito ao facto das atividades estarem focadas em quem
aprende e não em quem ensina; estarem estruturadas de baixo para cima, ou seja, forte
influência dos participantes na definição do currículo a ser trabalhado; pela flexibilidade
que comporta este tipo de ensino e pela enfâse na prática, fortemente relacionada com o
contexto local dos participantes.
4 | PROJETO ROCK E A PEDAGOGIA CENTRADA NO GRUPO
O Projeto Rock apresenta-se com uma pedagogia que privilegia o aluno e o grupo,
opondo-se a uma pedagogia tradicional centrada no professor com enfâse na mera
transferência de informação: professor – aluno. Este modelo de ensino, que desconsidera
os processos de aprendizagem dos alunos, é concebido como um processo unidirecional,
cabendo ao professor decidir e conduzir as suas várias etapas pré-estabelecidas. Os
alunos comportam-se de forma absolutamente passiva, enquanto que o professor possui
todo o controlo sobre o processo de formação e sobre o próprio ritmo da aprendizagem
(CABANAS, 2002).
Os conteúdos, os procedimentos didácticos, a relação professor-aluno
não têm nenhuma relação com o quotidiano do aluno e muito menos com
as relações sociais. É a predominância da palavra do professor, das regras
impostas, do cultivo exclusivamente intelectual (LIBÂNEO, 1987, p.22).
O Projeto Rock desenvolve o seu processo pedagógico ancorado na perspetiva de
satisfazer as necessidades dos alunos e seus interesses, através de uma pedagogia ativa,
com ambientes de aprendizagem colaborativos nos quais o conhecimento é construído
com base na interação entre todos os elementos do grupo de trabalho. O professor tem
como função facilitar a troca de informação e de conhecimento entre os alunos, intervindo
nos debates e providenciando para que todos os alunos interajam mutuamente. Este
modelo de ensino desenvolve nos alunos uma maior criatividade, uma maior atitude
crítica, fortalecendo o espírito de grupo e desenvolvendo capacidades de comunicação
interpessoal.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
98
[...] a educação faz-se em grupo e pelo grupo, de modo que é este que
encarna a função educadora. É no seu seio que se realiza o crescimento
de cada indivíduo. [...] o professor é um conselheiro técnico que está à
disposição do grupo quando este reclamar a sua assistência, o seu papel é,
sobretudo, o de “animador” do grupo (CABANAS, 2002, p. 82).
O modelo de educação funcional promove uma educação ativa que satisfaz as
necessidades biológicas e psicológicas do indivíduo e, através delas, as suas necessidades
lógicas e culturais. Não existe propriamente ensino por parte do professor, mas sim
aprendizagem por parte dos alunos. A Educação Musical, proclamada no contexto da Escola
Nova, advoga a música como uma prática de todos, amparando-se nos pressupostos
filosóficos da corrente pedagógica ativa, ou seja, centrada na iniciativa e nos interesses
dos alunos. Neste sentido, o processo didático subjacente ao Projeto Rock sustenta-se nas
ideias pedagógicas dos métodos ativos e de autores importantes da Educação Musical,
da segunda metade do século XX, nomeadamente Paynter (1970), Schafer (1991, 2001),
Swanwick (1979, 1988, 1994), com base em
atividades de composição, apreciação,
improvisação, de arranjos, e de experimentação sonora. O professor tem o papel de
orientar o grupo, sendo os alunos os protagonistas do processo.
A base pedagógico-didática do Projeto Rock, pode, assim, definir-se nos seguintes
termos: (i) tipologia musical do interesse dos alunos, das suas vivências e das suas
inquietações; (ii) objetivos claros e definidos, sem constrangimentos e imposições
ditadas pelos ditos programas escolares; (iii) enfâse nos processos musicais criativos
e colaborativos; (iv) enfâse na composição musical e não na sua mera reprodução; (v)
processos didáticos próximos da aprendizagem informal; e, por último, (vi) papel mínimo
interventivo do professor – categoria de orientador.
No âmbito das práticas de aprendizagem musical, refira-se a propósito, que
Projeto Rock, adota, de facto, processos muito próximos da aprendizagem musical
informal. Consideram-se como ilustrativos os seguintes aspetos: (i) os próprios alunos na
aprendizagem informal escolhem a música, música que já lhes é familiar, que eles gostam e
têm uma forte identificação; na educação formal, os professores normalmente selecionam
a música com a intenção de introduzir os alunos a áreas com as quais ainda não estão
familiarizados; (ii) a principal prática de aprendizagem informal envolve tirar as gravações de
ouvido, diferenciando-se de responder a notações ou outro tipo de instruções e exercícios
escritos ou verbais; (iii) não só o aluno na aprendizagem informal é autodidata, mas um
ponto crucial é que a aprendizagem acontece em grupos, proporcionando aprendizagens
entre pares envolvendo discussão, observação, escuta e imitação entre eles; no contexto
formal, o trabalho envolve a supervisão de um adulto e orientação de um especialista com
maiores habilidades e conhecimento; (iv) a aprendizagem informal envolve a assimilação
de habilidades e conhecimentos de modo pessoal, frequentemente desordenado, de
acordo com as preferências musicais, partindo de peças musicais completas, do mundo
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
99
real; no domínio formal, os alunos seguem uma progressão do simples ao complexo, que
quase sempre envolve um currículo, um programa do curso, exames com notas, peças
ou exercícios especialmente compostos; (v) durante todo o processo de aprendizagem
informal, existe uma integração entre apreciação, execução, improvisação e composição,
com ênfase na criatividade; no âmbito do contexto formal, existe uma maior separação das
habilidades com ênfase na reprodução (GREEN, 2012).
O Projeto Rock pretende, desta forma, fomentar uma aprendizagem ativa com base
numa tipologia musical próxima do gosto dos alunos, possibilitando o desenvolvimento de
atividades musicais pouco ou nada exploradas no contexto da escola de música formal.
Simultaneamente, pretende, também, viabilizar novas estratégias pedagógico-didáticas no
processo de ensino e aprendizagem musical, quer seja no âmbito do ensino formal, quer
seja no âmbito do ensino não formal, por forma as responder às necessidades dos jovens
e das suas comunidades, considerando a diversidade da população escolar que frequenta
as diferentes escolas e as diversas perspetivas e expectativas que orientam esta mesma
população para o ensino da música.
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A juventude atual demonstra grande apetência para a música, quer seja com uma
finalidade de futura profissionalização, quer seja no âmbito de uma formação geral mais
completa do indivíduo. A música desempenha várias funções na sociedade e os jovens,
independentemente do seu futuro profissional, procuram no ensino da música perspetivas
que os possibilitem participar ativamente na construção da sociedade de forma integrada e
congruente com a sua identidade sociocultural.
O contexto de escola de música formal tem apresentado dificuldades de resposta
face às diversas exigências de formação dos jovens (FOLHADELA; VASCONCELOS;
PALMA, 1998; FERNANDES; Ó; FERREIRA, 2007; PACHECO, 2008, 2013), relacionadas
com currículo e a tipologia musical centrada no âmbito da música dita erudita ocidental,
como também nas metodologias de ensino adotadas neste contexto que continuam a incidir
em práticas tradicionais. Neste sentido, espaços alternativos de ensino da música – ensino
não formal - propõem-se responder à problemática sentida, operando entre uma particular
simbiose do gosto dos alunos e metodologias de ensino centradas nos seus interesses,
nas suas vivências, privilegiando o grupo de trabalho e recorrendo-se de aprendizagens
colaborativas. O Projeto Rock, desenvolve, assim, aprendizagens significativas nos jovens
respondendo às suas exigências, utilizando uma metodologia de ensino musical apelativa e
congruente com as ideias pedagógicas dos autores mais significativos da segunda metade
de século XX. O ensino musical proporcionado pelo Centro de Arte Musical – Escola
de Música e pelo Projeto Rock considera, ainda, a possibilidade de os jovens poderem
mutar entre um ensino meramente de recreio e divertimento com um ensino da música de
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
100
carácter formal. Em última análise, Projeto Rock, coloca a tónica, também, na necessidade
de introduzir no contexto de escola de música formal outras tipologias musicais e outras
metodologias de ensino de instrumento, por forma a contemplar toda a população escolar.
REFERÊNCIAS
CABANAS, José Maria Quintana. Teoria da Educação – Concepção antinómica da educação. Porto:
ASA, 2002.
Elliott, David. Music Matters: A New Philosophy of Music Education. New York: The Oxford University
Press, 1995.
FERNANDES, Domingos; Ó, Jorge do; FERREIRA, Mário. Estudo de avaliação do ensino artístico.
Lisboa: Direcção Geral de Formação Vocacional do Ministério da Educação e Faculdade de Psicologia
e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, 2007.Disponível em: <http://hdl.handle.
net/10451/5501>. Acesso em: 17 maio 2015.
FOLHADELA, Paula; VASCONCELOS, António Ângelo; PALMA, Eduardo. Ensino Especializado da
Música Reflexões de Escolas e de Professores. Lisboa: ME – Departamento do Ensino Secundário,
1998.
GREEN, Lucy. How Popular Musicians Learn: A Way Ahead for Music Education. London: Ashgate
Publishing Limited, 2002.
GREEN, Lucy. Ensino da música popular em si, para si mesma e para “outra” música: uma pesquisa
atual em sala de aula. Revista da ABEM, Londrina, v. 20, nº 28, p.61-80, 2012.
LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola Pública: A Pedagogia Crítico-Social dos
Conteúdos. 5ª ed. São Paulo: Loyola, 1987.
MERRIAM, Alan. The Anthropology of Music. Ilinois: University Press, 1964.
OLIVEIRA, Vilmar Pereira de. A Influência do Gosto Musical no Processo de Construção da Identidade
na Juventude. Revista Psicologia. Pt - O Portal dos Psicólogos, p. 1-20, 2013.
PACHECO, António. O Ensino da Música no Conservatório do Vale do Sousa: Função Vocacional
ou Genérica? Dissertação (Mestrado em Estudos da Criança- Especialização de Educação Musical).
Instituto de Estudos da Criança, Universidade do Minho, Braga, 2008.
PACHECO, António. O Ensino da Música em Regime Articulado. Projeto de Investigação-Ação
no Conservatório do Vale do Sousa. Tese (Doutoramento em Estudos da Criança – Especialidade
Educação Musical). Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2013.
PAYNTER, John. Sound and Silence: classroom projects in creative music. Cambridge: Cambridge
University Press, 1970.
RIBEIRO, António José Pacheco. pareSeres da terra e a música popular portuguesa no Conservatório
do Vale do Sousa. Revista Vórtex, Curitiba, v.5, n.3, p.1-20, 2017.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
101
SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.
SCHAFER, Murray. A Afinação do Mundo. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 2001.
SOARES, Carla. Os contextos educativos cursos de educação e formação de jovens (CEF) e o projeto
“aprender a aprender”: Formal ou não formal? In: O NÃO-FORMAL E O INFORMAL EM EDUCAÇÃO:
CENTRALIDADES E PERIFERIAS. ATAS DO I COLÓQUIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS
DA EDUCAÇÃO/III ENCONTRO DE SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO, I, 2013, Braga, Atas… Braga:
Centro de Investigação em Educação (CIEd) Instituto de Educação da Universidade do Minho, 2013. p.
45-58.
SWANWICK, Keith. A Basis for Music Education. Londres: Routledge, 1979.
SWANWICK, Keith. Music, Mind and Education. Londres: Routledge, 1988.
SWANWICK, Keith. Musical Knowledge: Intuition, Analysis and Music Education. Londres: Routledge,
1994.
VASCONCELOS, António Ângelo. O Ensino Especializado de Música entre Diferentes Mundos,
Complexidades e Desafios. In: ENCONTRO DO ENSINO ARTÍSTICO ESPECIALIZADO DA MÚSICA
DO VALE DO SOUSA-OLHARES E GEOGRAFIAS SOBRE O ENSINO DA MÚSICA, II, 2015, Lousada.
Atas…Lousada: Conservatório do Vale do Sousa, 2015. p. 98-115.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 10
102
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 11
O PARADOXO DO DEPOIMENTO
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 08/02/2021
Daniel Furtado Simões da Silva
Universidade Federal de Pelotas (Professor
adjunto lotado no Centro de Artes, curso de
Teatro-Licenciatura)
Pelotas, Rio Grande do Sul
http://lattes.cnpq.br/0486037905649436
Se ele é ele quando
representa, como deixará de
ser ele? Se ele quer cessar
de ser ele, como perceberá
o ponto justo em que deve
colocar-se e deter-se?
Diderot
THE TESTIMONIAL PARADOX
ABSTRACT: This article seeks to raise some
questions about the autobiographical testimony
and the actor’s work, based on Diderot’s
reflections on the limits of representation.
Reflecting on the play “Não desperdice sua única
vida”, by Cia Luna Lunera, we think about how
the autobiographic testimony transits between
the real and the fictional and how the actor, when
representing himself, can become a character.
KEYWORDS: Autobiographic testimony; Cia
Luna Lunera; Paradox of the actor; Character
boundaries.
A citação acima pertence ao “Paradoxo
sobre o comediante”, escrito por Diderot
em 1769 e coloca de forma bem clara a
necessidade do ator não vivenciar as emoções
que o personagem estaria experimentando em
cena, sob pena de incorrer numa interpretação
medíocre. De fato, para Diderot o talento do ator
RESUMO: Este artigo busca trazer alguns
questionamentos em torno do depoimento
autobiográfico e do trabalho do ator, a partir
das reflexões de Diderot sobre os limites da
representação. Refletindo sobre o espetáculo
“Não desperdice sua única vida”, da Cia
Luna Lunera, pensamos como o depoimento
autobiográfico transita entre o real e o ficcional e
de que forma o ator, ao representar a si mesmo,
pode se transformar em um personagem.
PALAVRAS - CHAVE: Depoimento autobiográfico; Cia Luna Lunera, Paradoxo sobre o
comediante; Limites do personagem.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
consiste não em sentir, mas em expressar tão
escrupulosamente quanto possível os sinais
externos do sentimento. Diderot coloca ainda a
impossibilidade de o ator vivenciar as emoções
do personagem, emoções que ele, ator, busca
transmitir com verossimilhança, e que seriam
análogas àquelas que o personagem ficcional
experimentaria
na
situação
mostrada.
Os
sentimentos experimentados pelo ator jamais
poderiam ser iguais aos do personagem, uma
vez que “ele [o ator] não é o personagem, ele o
representa, e o representa tão bem que vós [os
Capítulo 11
103
espectadores] o tomais como tal; a ilusão só existe para vós; ele sabe muito bem que ele
não o é” (DIDEROT, 2005:225-226)
A transformação da dramaturgia ocorrida durante a segunda metade do século XX
trouxe à baila diversas questões na relação do ator com o personagem. Se numa dramaturgia
próxima ao drama psicológico burguês e em muitos textos simbolistas, de Ibsen e Tchecov,
assim como do drama realista norte-americano de O’Neill, Tennesse Williams e Arthur
Miller, os personagens possuem uma coerência e um desenho psicológico desenvolvidos
e “podemos ter a impressão de lidar com uma pessoa, com sua linguagem, sua identidade
completa, seu estado civil” (RYNGAERT, 1996:127), hoje tornaram-se comuns textos que
não se apóiam nessa identificação, na assimilação de uma pessoa ao personagem. De
uma forma simplificada, há, por um lado, textos teatrais que estão baseados justamente
em seu contrário, isto é, na não identificação entre ator e personagem, na seara aberta
por Brecht; por outro, há aqueles marcadamente lacunares, como os de Beckett, Koltés,
Heiner Müller e Gertrude Stein, além de outros que se sustentam mais pela narração do
que pela impostação de personagens, e os que se apresentam como roteiros de ações a
serem performadas pelos atores e atrizes, performers ou atuadores. Aqui nos interessa
discutir um tipo específico de construção dramatúrgica, que nos coloca diante de outras
questões: é aquele texto criado com base na experiência e no depoimento pessoal do ator,
na qual não é este que se adequa ao personagem, mas sim o segundo que se identifica
com a pessoa do ator.
Tratando dos estilos de interpretação delineados pela cena contemporânea, Mauro
Meiches, em Sobre o Trabalho do Ator (Ed. Perspectiva, 1999), distingue três grandes
tendências: a encarnação, o distanciamento e a interpretação de si mesmo. Na primeira, o
ator busca se aproximar do personagem, colocar em cena uma imagem que corresponda
àquela criada pelo autor dramático, retratando física e psicologicamente o ser ficcional.
Esta visão iguala-se a que possuía Stanislavski, e sobre a qual ele construiu o seu sistema,
organizando uma série de procedimentos para que o ator experimentasse sentimentos
análogos ao do personagem, com base na verossimilhança e nas circunstâncias dadas
pelo texto1. A segunda, de distanciamento, pode ser acompanhada de um movimento crítico
do ator em relação ao personagem, assim como pela irrupção de formas narrativas puras
em meio ao dramático. Em Brecht, na forma de teatro político e dialético que ele defendeu,
o objetivo do “efeito de distanciamento” era justamente conferir ao espectador uma atitude
crítica e analítica frente aos acontecimentos apresentados na peça teatral. Assim como
a encenação não tinha o desejo de criar em cena uma atmosfera correspondente a
um espaço e a um lugar fictícios (como a de um quarto à noitinha), o ator não deveria,
1 Mesmo quando Stanislavski passa a trabalhar com ações físicas, seu ponto de referência continua sendo o texto
teatral e as situações ditadas por ele. O personagem permanece situado além do ator, e há uma preocupação de estabelecer um ponto de contato entre a vida do ator (concreta) e a vida do personagem (fictícia). O ator usa de sua técnica
tanto para executar esse movimento de entrar em contato com a realidade do personagem (e o método de ações físicas
faz parte dessa técnica), quanto para construir a totalidade de seu papel, integrando-o na realidade maior da peça a ser
encenada, com seus ritmos e objetivos maiores.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
104
através de um ritmo adequado da fala, reproduzir um “determinado estado de alma” do
personagem, evitando dessa forma pôr o público “em transe” ao dar-lhe “a ilusão de estar
assistindo um acontecimento natural, não ensaiado”2. As formas dramáticas que mesclam
o elemento narrativo e o dramático também produzem um efeito de distanciamento, mesmo
que o autor não tenha as intenções políticas postuladas por Brecht. Luiz Arthur Nunes
fala de uma reabilitação do ator narrador, que ele chama de “ator rapsodo”, motivada por
uma renovação radical da dramaturgia e da encenação ocorridas no século passado, que
buscou uma “teatralidade anti-ilusionista a partir da hibridização da forma dramática com
procedimentos épicos e poéticos” e levou ao “desenvolvimento da prática de teatralização
de textos de ficção literária, salvaguardando sua epicidade constitutiva” (NUNES, 2000:40).
A terceira tendência citada por Mauro Meiches, a interpretação de si mesmo, é
aquela na qual “o ator mal se transforma: ele nos diz dele mesmo através do seu gesto, de
sua maneira de falar e o trabalho criado lembra muito um encontro espontâneo” (MEICHES
e FERNANDES, 1999:06). Este tipo de teatro se relaciona diretamente com as encenações
baseadas na criação coletiva, no uso da improvisação e na utilização das experiências
pessoais do ator ou da trupe de atores. Freqüentemente são trabalhos grupais, nas quais
o grupo nos conta de “seu dia-a-dia, seus sonhos, sua relação com o teatro” (Idem, p. 08).
O surgimento histórico dessa tendência remonta à década de sessenta e setenta do século
passado, onde grupos como o Living Theatre e o Open Theatre, nos Estados Unidos,
o La Candelaria, na Colômbia, e o Asdrúbal Trouxe o Trombone, no Brasil, já nos anos
setenta, incorporaram o uso de improvisações e da gestualidade do ator ao seu processo
de construção do espetáculo, criando uma dramaturgia que refletia as inquietações, as
vivências e preocupações do grupo.
O depoimento autobiográfico é uma das maneiras mais diretas de incorporar as
preocupações, as idéias e a experiência vivida pelos atores e atrizes ao espetáculo. Em
“Não desperdice sua única vida”, espetáculo estreado em 2005 em Belo Horizonte pela Cia
Luna Lunera, com direção de Cida Falabella, há um exemplo claro do uso do depoimento
pessoal na construção dramatúrgica da encenação. No início do espetáculo, que tem como
um dos seus possíveis títulos “Auto Biográfico”3, a platéia é dividida em seis grupos. Cada
um deles é conduzido a um espaço cenográfico diferente e acompanha o depoimento de um
dos atores da companhia. Esse depoimento, um relato de fatos, opiniões e pensamentos
pessoais, dá-se como uma conversa na qual cada ator apresenta-se como pessoa, como ele/
ela mesmo/a, não como personagem4. A possibilidade de enxergarmos no performer (que,
2 BRECHT, 2005:104. Além da renúncia à pretensão de uma metamorfose absoluta, transformando-se no personagem,
o ator deve revelar aos espectadores sua opinião sobre ele, incitando-os a terem uma atitude crítica em relação ao
personagem. (Cf. op. cit. p. 103-111. Ver também o “Pequeno organon para o Teatro”, itens 47 a 66).
3 Os outros, conforme consta do programa do espetáculo, são: As patinadoras do Planeta Dragão, ou Seis atores à procura do seu personagem, ou O mundo das precariedades humanas ou Nenhuma das opções anteriores. O teórico francês Philippe Lejeune define autobiografia como “relato retrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua própria
existência, pondo ênfase na sua vida individual e, em especial, na história de sua personalidade” (LEJEUNE, 1991:48).
4 Na temporada em questão, realizada de 13 de maio a 03 de julho de 2005 no Centro Cultural da UFMG, os atores
que relatavam à platéia sua biografia eram Ana Flávia (Fafá) Rennó, Cláudia Corrêa, Cláudio Dias, José Walter Albinati,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
105
diante de nós, narra fatos que supomos verídicos e pertencentes à sua vida privada) não
um personagem, mas a própria pessoa do ator, nos coloca diante de um atraente problema
ontológico. Mas, antes, devemos diferenciar aqui o uso de elementos autobiográficos na
construção do texto, de um relato que se pretende e intitula autobiográfico.
O uso de elementos pessoais do ator ou performer é parte integrante do processo de
construção de vários tipos de espetáculos, e não implica necessariamente na constituição
de um relato estritamente pessoal. Pina Bausch, por exemplo, costumava partir das
experiências e dos corpos dos seus bailarinos para suas composições coreográficas. Os
estímulos da coreógrafa eram trabalhados por eles na forma de movimentos, palavras,
sons; depois, “por meio da repetição, as histórias pessoais e os sentimentos que elas
evocam são mais e mais transformados e dissociados da personalidade dos bailarinos,
e re-moldados em uma forma estética” (FERNANDES, 2000:45). A partitura criada ou o
depoimento de cada bailarino não só eram retrabalhados, fragmentados e reconstruídos
buscando uma formalização e um resultado estético, como também muitas vezes esse
material era utilizado por outras pessoas (essa utilização também ocorreu em “Não
desperdice...”, onde, na segunda parte do espetáculo, os atores diziam fragmentos de
relatos que não eram o seu).
De uma forma semelhante, embora com um caráter um pouco diferente, é a relação
do ator com seu trabalho no chamado Processo Colaborativo5. Também nesse processo
há a utilização de materiais pessoais do ator, e muitas cenas são criadas a partir da
história de vida e do depoimento pessoal dos atores, sendo que esse material também
é retrabalhado e utilizado por outros atores (RINALDI, 2006). A principal diferença está
na co-autoria assumida e desejada pelos integrantes da equipe de criação, incluídos aí
os atores. Para Antônio Araújo, no Processo Colaborativo o depoimento pessoal pode
funcionar não só como instrumento de pesquisa (no caso do Teatro da Vertigem, essa
pesquisa frequentemente é temática), mas também se transformar no “próprio material
bruto de concretização da cena” (ARAÚJO, 2002), que é construída sobre este material.
O depoimento pessoal pode assumir não só um caráter de desvelamento, de
confissão de um segredo ou testemunho, mas também possuir a “qualidade de uma
presença cênica, de expressão de uma visão particular ou de um posicionamento frente à
determinada questão. O depoimento é uma qualidade de exposição de si próprio” (RINALDI,
2006:139). Quando advém da biografia pessoal do artista, esse depoimento muitas vezes
possui uma carga emocional intensa, estando associado a memórias e sensações do ator
e preenchido por conteúdos simbólicos profundos.
Marcelo Souza e Silva e Odilon Esteves (Maria Alice Rodrigues completava o elenco).
5 Antônio Araújo, diretor do Teatro da Vertigem, conceitua processo colaborativo como “uma metodologia de criação em
que todos os integrantes, a partir de suas funções artísticas específicas, têm igual espaço propositivo, trabalhando sem
hierarquias – ou com hierarquias móveis, a depender do momento do processo – e produzindo uma obra cuja autoria é
compartilhada por todos” (ARAÚJO, 2006:127). Nesse processo, atores, diretor e dramaturgo, além dos outros profissionais empenhados na construção da encenação, “num embate corpo-a-corpo dentro da sala de ensaio”, tentam “criar
juntos um espetáculo” (Id. Ibidem).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
106
Mesmo em se tratando de um depoimento autobiográfico, não devemos nos esquecer
que um texto foi elaborado, que esse ator deve repeti-lo em toda temporada (resguardado
os ajustes que esse texto pode sofrer – pequenos cortes, mudanças de palavras ou coisas
semelhantes – ou mesmo sua reelaboração ao longo do tempo), e que há um trabalho de
direção não só no sentido de selecionar os elementos que comporão esse depoimento,
mas de estabelecer a forma como eles devem surgir para o público. Porém, no espetáculo
da Cia. Luna Lunera o trabalho estético realizado sobre os depoimentos pessoais não lhes
tira o caráter de tratarem-se de depoimentos, que se propõem como encontros íntimos, às
vezes confessionais, entre atores/atrizes e platéia. Não se camufla o fato de que estamos
diante de uma encenação, mas também não se opta por criar uma distância entre o ator, o
texto que está sendo proferido e a platéia.
A questão, ontológica, que surge, é a seguinte: a partir de que momento o que era
uma ação espontânea e genuína do ator deixa de sê-lo e passa a ser representação? Ou,
dito de outra forma, tendo o ator consciência do estado de atuação e da circunstância
de fazer parte de uma cena, havendo preparado o depoimento como elemento de uma
encenação, o seu texto continua mantendo para ele um caráter de “desvelamento”, de
um desnudar-se e revelar algo íntimo e pessoal? Apesar de tratar-se de algo “real”, não
inventado, aquela preparação não lhe conferiria o mesmo status de um texto ficcional? Do
ponto de vista do espectador, pelo fato de estar presenciando uma encenação (um evento
organizado artisticamente), a presença de uma pessoa em cena seria revestida de um
caráter ficcional (podendo, assim, ser identificada a um personagem) ou a partir de que
momento essa ficção é substituída pela realidade (restando apenas a pessoa do ator/atriz
em cena)?
Um dos principais aspectos dessa dramaturgia que se baseia no depoimento
pessoal, desse texto construído a partir das vivências e testemunhos de pessoas (mesmo
quando estas não são os atores da peça, aqueles que irão interpretar aquele texto ou
representar aquela cena no espetáculo), é o de trazer à baila questões atuais, que
estão sendo experimentadas pelos atores e atrizes, e, dessa forma, aproximar público e
performers, os espectadores e a encenação. A opção por uma temática contemporânea,
retirada dessas vivências e experiências, normalmente tem como um dos seus intuitos
estabelecer uma comunicação mais direta entre palco e platéia. Trazendo questões que se
relacionam com o dia-a-dia dos próprios criadores, propõe-se uma dramaturgia que reflete
problemas e inquietações que espelham a sociedade onde estas pessoas estão inseridas,
frequentemente atingindo uma comunicação mais imediata com a platéia e um nível de
empatia intenso.
Podemos dizer que o depoimento pessoal faz parte dessa tendência: o que o
espectador vê no palco não é uma “ficção” (ou, ao menos, não se apresenta como tal),
mas sim um pedaço real e concreto da vida de um ser humano exposto ali, em cena.
Teoricamente, o efeito seria o mesmo de um documentário (se admitirmos que o
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
107
documentário tem a capacidade de retratar o “real”): não são atores representando, mas
pessoas “de verdade” mostrando seus dramas, desejos e opiniões. Daí decorre que o
caráter ficcional da representação se dilui, ou mesmo desaparece quase que por completo
(o que de certa forma subverte a expectativa do público: não é o mergulho em uma ficção
o que espera ao entrar em uma sala de teatro?). A ruptura se instaura: não é mais um
ator que está no palco, mas um ser humano de verdade, com vontades, aflições, alegrias
e tristezas; ele não está ali para representar, mas para nos contar algo de importante, de
pessoal e íntimo. Naquele instante ele pára de “fingir”, de representar; assume-se enquanto
pessoa e desvela-se para o espectador. É um momento em que a sinceridade (se supormos
que é possível atingi-la) é inquestionável: ele não mais simula ser outra pessoa6, e o que
diz não são palavras escritas por outro, um dramaturgo, mas surgem no calor do momento
(aparentemente).
Não vamos entrar no momento no mérito de se “ser verdadeiro” ou não sê-lo é um ato
mais ou menos artístico. Talvez o seu valor seja de outra estirpe. A par de toda controvérsia
possível entre o real e o ficcional, no palco o “verdadeiro” ganha outras conotações, por sua
relação com o que é verossimilhante e com o que é esperado em determinada situação.
Durante o espetáculo todo o peso da tradição teatral e o “horizonte de expectativas” do
espectador atuam como condicionantes para a percepção dessa verdade. No século XVIII
Diderot já especulava sobre o assunto:
Refleti um momento sobre o que se chama no teatro ser verdadeiro. Será
mostrar as coisas como elas são na natureza? De forma nenhuma. O verdadeiro
neste sentido seria apenas o comum. O que é pois o verdadeiro no palco? É a
conformidade das ações, dos discursos, da figura, da voz, do movimento, do
gesto, com um modelo ideal imaginado pelo poeta, e muitas vezes exagerado
pelo comediante. Eis o maravilhoso. Este modelo não influi somente no tom;
modifica até o passo, até a postura. Daí vem que o comediante na rua ou na
cena são pois personagens tão diferentes que mal se consegue reconhecêlos. (DIDEROT, 2005:228-29)
Interessa-nos aqui perceber a aporia levantada por esse procedimento, o depoimento
autobiográfico: ao falar de si mesmo o ator deixa de representar e o personagem e a ficção
desaparecem, ou trata-se apenas de uma categoria distinta do mesmo fato? A representação
(a ficção enquanto corte na realidade cotidiana) continua presente, o personagem continua
existindo não importa a qualidade do texto dito pelo ator, sua veracidade ou ficcionalidade?
Para Anatol Rosenfeld em toda obra artística há associação de um “ser em si”,
fundado no plano real, e de um “ser apenas para nós”, de ordem imaginária (ROSENFELD,
6 Phlippe Lejeune traz o conceito de “pacto autobiográfico”, pelo qual o autor assume com o leitor (no nosso caso, o
espectador) o compromisso não de “’dizer a verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade’, senão restringe-se ao
possível (a verdade tal como se me parece, na medida em que a posso conhecer, etc. deixando margem aos inevitáveis
esquecimentos, erros, deformações involuntárias, etc)” (LEJEUNE, 1991, p. 57). Dessa forma, “a identidade do autor
com o narrador e o tema, a vida individual, as experiências pessoais do ator, conferem ao depoimento autobiográfico
o caráter de uma texto referencial. Eles trazem uma informação sobre uma realidade que é exterior ao texto cênico, e
pode, portanto, ser verificada. Não é apenas verossimilhante, traz não o “efeito de realidade”, mas a imagem do real.”
(SILVA, 2016:68)
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
108
1976:30). O fenômeno básico do teatro é a metamorfose do ator em personagem: as ações
desempenhadas, o gesto e a voz são reais, mas o que eles revelam não o é, situa-se no
plano da ficção. Os personagens e o mundo em que se situam são irreais: são “seres
puramente intencionais”, de uma ficcionalidade mediada por pessoas reais, os atores.
Porém, quando o ator se apresenta como ele mesmo, existindo uma espécie de “identidade
icônica” entre sua pessoa e aquilo que ele representa7, o estatuto de ficção desaparece?
Luis Otávio Burnier, em seu livro A arte do ator – da técnica a representação, faz
uma interessante distinção entre Interpretação e Representação. Para ele, quando um ator
“interpreta um personagem, ele está realizando uma tradução de uma linguagem literária
para a cênica; quando ele representa, está encontrando um equivalente” (BURNIER,
2001:21). Assim, o intérprete seria um intermediário, alguém que está entre – no caso entre
o personagem e o espectador (fazendo aquela mediação mencionada por Rosenfeld).
Moldando-se à persona, cuja existência anterior é definida pelo dramaturgo, buscando
suas características, o ator se esforça por traduzi-la, de acordo com as suas possibilidades,
para o palco. Na opinião de Burnier, “o ator que não interpreta, mas representa, não busca
um personagem já existente, ele constrói um equivalente, por meio de suas ações físicas”
(idem, p 23).
Poderíamos aqui dizer que, ao estruturar seu relato pessoal e transformá-lo em uma
série de ações a serem reapresentadas diversas vezes durante a carreira do espetáculo, o
ator representa a si mesmo, construindo um equivalente de sua própria pessoa?
Pensemos qual a relação existente entre o personagem e o seu texto, com
uma pessoa e o que ela diz em sua vida ‘real’. Aqueles que já tiveram a oportunidade
de representar em um palco, de criar um espetáculo, construindo as cenas através de
improvisações, laboratórios, ensaios e workshops, de representar uma peça durante
toda uma temporada, sabem que o ato de enunciação do texto passa por diversas fases.
Estranhamento, assimilação e desconforto com as palavras, a busca da pausa e do tempo
correto, a lida para encontrar o tom e o ritmo da frase, a relação com o gesto, atores e
atrizes passam por estes momentos e descobertas ao longo do seu trabalho, e que ocorrem
não só no período de ensaio, mas durante as próprias apresentações. Processo em parte
consciente, fruto de alguma observação vinda de alguém de fora (inclusive o próprio diretor
do espetáculo, ele também um observador), em parte movido por uma insatisfação com o
próprio desempenho, buscando justamente aquela “verdade”, uma adequação entre texto
e gesto, forma e conteúdo. Mesmo um texto criado por um ator durante um improviso
pode soar estranho ou difícil de ser dito por ele mesmo com o sentido e a emoção obtidos
7 Keir Elam lembra que a similitude existente entre os signos visuais colocados em cena e seus referentes reais nem
sempre está só ao nível da aparência, vendo no teatro essa possibilidade de identidade: “O signo-meio (suporte) denotando um rico traje de seda pode tanto ser um rico traje de seda quanto uma ilusão criada por uma pintura numa
tela, uma imagem num filme ou uma descrição. A afirmação máxima da identidade icônica literal encontra-se em um
dos gestos feito pelo Living Theatre nos anos 60: Julian Beck e Judith Malina declararam estar representando no palco
exatamente a si mesmos, então a similaridade entre signos e objetos tornava-se – supostamente – absoluta.” (ELAM,
1980: 22-23. Tradução minha).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
109
no ensaio ou laboratório. Algo idêntico não ocorreria com um depoimento, uma vez
transformado em falas a serem repetidas noite após noite pelo intérprete? O texto que ele
criou durante os ensaios é fixado e trabalhado (às vezes por um dramaturgo ou alguém
que lhe faça as funções) no sentido de adquirir uma consistência e uma inteligibilidade
que quase sempre a linguagem espontânea não possui. Keir Elam lembra que o drama
(o texto dramatúrgico) apresenta algo como um modelo de encontro social “puro”, e o
diálogo assume uma semelhança muito limitada com aquilo que acontece nos encontros
lingüísticos cotidianos. Mesmo aqueles textos que buscam uma maior similaridade com
as conversas do dia-a-dia, distinguem-se destas por sua melhor ordenação sintática, sua
intensidade informacional, sua pureza ilocucionária e pela divisão entre a alternância dos
interlocutores (normalmente não tão fragmentada e com menos trocas que na vida real.
Cf. ELAM, 1980:178-82). O processo de transformação de um depoimento pessoal em um
monólogo ou solilóquio segue o mesmo caminho.
Falando sobre a constituição do personagem na literatura, Antônio Cândido observa
que, nos textos literários, ele se torna mais “definido e definitivo” que as pessoas com as
quais convivemos. Devido à necessidade de recorte que um drama ou romance possui
as personagens têm maior coerência do que as pessoas reais (e mesmo
quando incoerentes mostram pelo menos nisso coerência); maior
exemplaridade (mesmo quando banais; pense-se na banalidade exemplar
de certas personagens de Tchecov ou Ionesco); maior significação; e
paradoxalmente, também maior riqueza – não por serem mais ricas do que
as pessoas reais, e sim em virtude da concentração, seleção, densidade e
estilização do contexto imaginário, que reúne os fios dispersos e esfarrapados
da realidade num padrão firme e consistente (CÂNDIDO, 1987:35).
No caso de “Não desperdice sua única vida”, não só o texto dito pelo ator, o
depoimento pessoal, sofreu um trabalho de condensação, estilização e “limpeza”, mas
também os gestos e inflexões do intérprete, os objetos utilizados e a movimentação
passaram por um trabalho de estruturação durante o período de ensaios. A montagem da
cena, criando não só uma seqüência como selecionando as partes mais significativas e
marcantes da fala do ator, dota-a daquela exemplaridade e condensação a que Antônio
Cândido se refere. Mesmo não se tratando de um personagem ficcional, já que a realidade
a que se refere o ator é a de sua própria experiência, transforma-o assim numa espécie de
“personagem de si mesmo”.
Mas pode um ator interpretar a si mesmo8? Com sua fala transformada em “texto”,
o ator se torna um exemplo ou paradigma de si e de todos que vivenciaram situações
8 Miriam Rinaldi, falando sobre o depoimento pessoal e o ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem, pondera que, nos ensaios, diante do ato de desvelamento de um ator “têm-se a sensação de estar compartilhando de algo
único, que merece deferência, pois o que era segredo de um indivíduo passa a ser segredo de um grupo” (RINALDI,
2006:140). Na passagem da fase de ensaios para a apresentação pública, o performer, que se comporta como “ele
próprio”, passa a agir e falar como um “outro”, o ator: “... por mais que um ator apresente-se como ‘ele próprio’, sem
nenhuma intenção de ser ‘um outro’, no transcorrer dos ensaios esse ‘eu’ vai se distanciando, ou melhor, projetando-se
para se constituir em um ‘eu personagem’.” (Idem, p. 141)
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
110
semelhantes. Assim como o personagem se reveste de uma densidade diversa de uma
pessoa em situação cotidiana, o ator, naquele momento, transforma sua vivência em algo
legível e admirável (digno de ser visto) por toda a humanidade – no caso, o público que
acorreu à apresentação do espetáculo.
Em seu Paradoxo do Comediante, Diderot afirmava que o talento do ator consistia
não no sentimento em si, mas em expressar escrupulosamente os sinais externos desse
sentimento. O ator, que deveria ter consciência de tudo o que executa no palco, cujos
acentos “são medidos, fazem parte de um sistema de declamação”, e que sabe que uma
fala e um gesto “para ser levados ao ponto justo, foram ensaiados cem vezes” (DIDEROT,
2005:224), nada deve sentir. Se concordarmos com Diderot, chegaremos então, no caso
do depoimento autobriográfico, a um duplo paradoxo (que guarda enorme similaridade com
o poeta de Fernando Pessoa): o ator fingindo sentir um sentimento que ele deveras sentiu.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Antônio. “A gênese da Vertigem: o processo de criação de O Paraíso Perdido”.
Dissertação de mestrado, 2002.
___ . “O processo colaborativo no Teatro da Vertigem”. In Sala Preta - Revista de Artes Cênicas n° 6.
São Paulo: 2006, p. 127-133
BRECHT, Bertold. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2005.
BURNIER, Luis Otávio. A Arte do Ator – Da Técnica à Representação. Campinas: Editora da
Unicamp, 2001.
CÂNDIDO, Antônio et al. A Personagem de Ficção. São Paulo: Perspectiva, 1987.
DIDEROT, Denis. Diderot. São Paulo: Nova Cultural, 2005.
ELAM, Keir. The Semiotics of Theatre and Drama. London and New York: Mithuen, 1980.
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch e o Wuppertal dança-teatro: repetição e transformação. São
Paulo: Editora Hucitec, 2000.
LEJEUNE, Philippe. “El pacto autobiográfico”. In Anthropos Suplementos: La autobiografia y sus
problemas teóricos, p. 47-61. Barcelona: Proyecto A. Ediciones, 1991.
NUNES, Luiz Arthur. “Do livro para o palco: Formas de interação entre o épico literário e o teatral”. In O
Percevejo n° 9. Rio de Janeiro: 2000, p. 39-51.
MEICHES, M., e FERNANDES, S. Sobre o trabalho do ator. São Paulo: Perspectiva, 1999.
RINALDI, Miriam. “O ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem”. In Sala Preta - Revista de
Artes Cênicas n° 6. São Paulo: 2006, p. 135-143.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
111
ROSENFELD, Anatol. ‘O Fenômeno Teatral’. In: Texto/contexto. São Paulo, Perspectiva, 1976.
RYNGAERT, Jean Pierre. Introdução à análise do teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SILVA, Daniel Furtado. “Dramaturgias do real e depoimento autobiográfico: compartilhamento do eu”.
In Cadernos Literários 24 (1), 65–72, 2016. Recuperado de https://periodicos.furg.br/cadliter/article/
view/9194
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 11
112
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 12
OS PRINCÍPIOS DA PESQUISA: UMA BUSCA POR
MULHERES DRAMATURGAS EM MACAPÁ
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 03/02/2021
Juliana Souto Lemos
Universidade Federal do Amapá
Professora do Departamento de Letras e Artes
Macapá – Amapá
http://lattes.cnpq.br/0665449948229639
Mariana de Lima e Muniz
Universidade Federal de Minas Gerais
Professora Titular da Escola de Belas Artes
Belo Horizonte – MG
http://lattes.cnpr.br/4036174612294393
RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar
a pesquisa de mestrado, em fase de
desenvolvimento, a qual pretende identificar as
mulheres dramaturgas que contribuíram com
seus textos para a formação da história do teatro
na cidade de Macapá, no período compreendido
pelas duas primeiras décadas do século XXI.
Nesse contexto, serão apresentados os aspectos
iniciais da pesquisa, como referencial teórico
e metodologia, bem como seus objetivos e
propostas de desenvolvimento.
PALAVRAS - CHAVE: Dramaturgia, Macapá,
História do teatro.
THE PRINCIPLES OF RESEARCH: A
SEARCH FOR DRAMATURG WOMEN IN
MACAPÁ.
ABSTRACT: The objective of this article is to
present the master’s research, in development
phase, which intends to identify the women
playwrights who contributed with their texts to the
formation of the history of the theater in the city of
Macapá, in the period comprised by the first two
decades of the 21st century. In this context, the
initial aspects of the research will be presented,
as a theoretical framework and methodology, as
well as its objectives and development proposals.
KEYWORDS: Dramaturgy, Macapá, Theatre
History.
1 | OS PRINCÍPIOS DA PESQUISA1
Tudo
começou
com
o
gosto
pela
dramaturgia e o desejo de montar um espetáculo
teatral sobre o universo feminino. Desse gosto
e desejo, nasceu a necessidade de entender
que “universo” era este, e como ele era e/ou é
traduzido por mulheres dramaturgas ao longo
dos tempos. Assim nasceu um motivo para a
realização desta pesquisa, que, a princípio,
seria realizada em Belo Horizonte, minha cidade
natal, com o intuito de identificar e estudar as
dramaturgas desta cidade. Contudo, após ser
aprovada em concurso público no estado do
Amapá, e tendo me mudado para a cidade de
1 Este trabalho é parte constituinte da pesquisa de mestrado “A dramaturgia escrita por mulheres em Macapá (AP): 1996 a 2016.”
Orientada pela Profa. Dra. Mariana de Lima e Muniz defendida em fevereiro de 2017 junto ao Programa de Pós- Graduação em Artes
da Escola de Belas Artes – UFMG e financiada por meio de Cotas do Programa de Pós-Graduação – CNPQ Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
113
Macapá, capital do estado, vi-me diante da possibilidade de contribuir positivamente para as
pesquisas deste lugar ainda tão pouco estudado. Aqui me refiro ao lugar do teatro, ao lugar
da pesquisa em teatro, seja ela teórica ou prática, levando em consideração a carência de
pesquisas publicadas sobre o teatro do Amapá, mais especificamente de Macapá.
Diante desse contexto, o objetivo da pesquisa em questão é identificar as mulheres
dramaturgas que contribuíram para a formação da história do teatro na cidade de Macapá,
no período compreendido pelas duas primeiras décadas do século XXI, com o intuito de
formar um catálogo contendo informações básicas sobre a vida e a obra de cada dramaturga
encontrada.
Contudo, para tentar entender e contextualizar a situação de participação da mulher
na dramaturgia brasileira, foi dado início à pesquisa. Tendo como ponto de partida a
busca por referencial bibliográfico com foco na expressão ‘dramaturgia feminina’, alguns
nomes de mulheres pesquisadoras foram encontrados. Esses nomes geralmente estavam
vinculados à autoria de artigos publicados em anais de congressos e pesquisas de
mestrado e/ou doutorado voltados para o tema, em sua maioria ligados a cursos de Letras
do país. Levando em consideração o material encontrado nesse primeiro momento, tiveram
destaque os trabalhos de duas mulheres: Maria Stella Orsini, com a publicação do artigo
“Maria Angélica Ribeiro: uma dramaturga singular no Brasil do século XIX”, publicado em
1988, na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo;
Valéria Andrade Souto-Maior, com a publicação do livro Índice de dramaturgas brasileiras
do século XIX, publicado pela editora Mulheres em 1996, derivado da sua pesquisa de
mestrado em Letras na Universidade Federal de Santa Catarina.
O trabalho de Maria Stella Orsini (1988) destacou-se por ter sido o registro mais
antigo a respeito da dramaturgia de mulheres brasileiras encontrado, além de abordar
indagações e assuntos relevantes ao tema. Segundo Orsini (1988), é estranho não existirem
estudos que analisem o talento de mulheres que se dedicaram à criação teatral e que, de
certa forma, foram representantes da vanguarda cultural ao longo do século XIX no Brasil.
Segundo a autora, é comum a existência de trabalhos a respeito das mulheres intérpretes,
mas pouco se fala acerca das mulheres dramaturgas dessa época.
Parece que os estudos sobre as primeiras mulheres que escreveram para
o teatro ficaram proscritos da literatura especializada. A omissão foi uma
constante por parte dos escritores. [...] por que os historiadores não conferiram
à mulher o lugar que merecia? Como escrever a história do teatro brasileiro
ignorando a participação das autoras de textos teatrais? Como deixar de
considerar a literatura dramática sob uma perspectiva feminina? (ORSINI,
1988, p. 75-76).
Este fato – a omissão de informações a respeito das dramaturgas – é justificado,
ainda por Orsini, pelo contexto de submissão e humilhação em que vivia a maioria das
mulheres daquela época. O descuido na educação dada às meninas estava presente no
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
114
panorama educacional e cultural da primeira metade do século XIX. Quando privilegiadas
com a educação, recebiam lições de francês, trabalhos manuais e aprendiam a tocar piano.
Ou ainda,
A regra era reclusão, o regime de gineceu, que engordava o corpo e
fazia murchar a inteligência; [...] a regra era o casamento muito cedo, as
maternidades anuais, a autoridade do marido sucedendo à do pai; a regra era
a minoridade prolongada até a velhice (PEREIRA, apud. ORSINI, 1988, p. 76).
De acordo com Orsini (1988), as mulheres não eram, de maneira geral, estimuladas
às letras, e menos ainda à leitura de artes dramáticas, pois os atores, e especialmente as
atrizes, não gozavam de boa fama na sociedade da época.
Contudo, levando em consideração os quase trinta anos de realização da pesquisa
de Orsini (1988) e buscando informações sobre a dramaturgia feita por mulheres produzida
nos séculos XX e XXI, foram verificadas as principais revistas de artes cênicas brasileiras
– Estudos da Presença, Moringa, Pós, Repertório, Sala Preta, Urdimento –, incluindo
o Portal de Periódicos da CAPES, Portal de Teses da CAPES e Anais do Congresso
ABRACE, no período de 2009 a 2015, e concluiu-se que ainda é limitado o trabalho
realizado a respeito da dramaturgia feminina no Brasil. Afinal, averiguando volume por
volume de cada revista, ano a ano dos Anais da ABRACE e buscando pela expressão
‘dramaturgia feminina’ nos portais da CAPES, foram encontrados 35 textos, abarcando
artigos, teses e dissertações. Esse pequeno acervo foi classificado em quatro categorias
distintas, definidas pela autora deste artigo de acordo com os resumos e palavras-chave
apresentados. A primeira categoria, com 11 arquivos encontrados, dedicou-se à análise de
algum aspecto feminino nos textos de autoria masculina; a segunda, com quatro arquivos
encontrados, analisou algum aspecto feminino em textos de autoria feminina; a terceira
categoria, com 18 arquivos, realizou a análise de algum aspecto técnico ou conceitual
do teatro em textos de autoria feminina; por fim, a quarta categoria, com dois arquivos,
destacou o registro histórico da dramaturgia feita por mulheres, apresentando vida e obra
de uma dramaturga específica.
Nos 35 arquivos encontrados, constatou-se também que as dramaturgas
apresentadas/pesquisadas, em geral, desenvolveram seus trabalhos no Rio de Janeiro
ou em São Paulo. Entre os nomes de dramaturgas mais citados estavam: Maria Adelaide
Amaral, Consuelo de Castro, Christiane Jatahy e Hilda Hilst, todas com suas produções
desenvolvidas já na segunda metade do século XX.
Contudo, voltando à pesquisa de Maria Stella Orsini (1988), verifica-se que a autora,
além de ilustrar um panorama da situação da pesquisa em dramaturgia feita por mulheres
no Brasil, apresenta a vida e a obra da primeira dramaturga brasileira, Maria Angélica
Ribeiro (1829-1880).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
115
É relevante observar que essa dramaturga viveu de acordo com os padrões
sociais da época; porém, ousou do ponto de vista profissional. Tendo
ideias próprias, foi uma pioneira ao romper com certas normas tradicionais
e, valendo-se da sua condição de escritora, contribuiu para denunciar as
tradições do sistema (ORSINI, 1988, p. 78).
Em Cancros sociais, drama original em cinco atos, Maria Angélica Ribeiro, segundo
Orsini (1988), retrata as relações de poder na sociedade da época, identificando como
opressor o sujeito detentor da mão de obra escrava e como oprimido a pessoa escravizada,
principalmente as mulheres escravizadas, que, totalmente dominadas, eram oprimidas no
trabalho e exploradas sexualmente pelos patrões. Nesse contexto, Maria Angélica Ribeiro
aponta como consequência do sistema escravista a desestruturação do sentido de família,
dificultando a estruturação social e psicológica do escravizado.
Apresentando o contexto histórico, social e cultural da época em que viveu a
dramaturga em questão, como também seu contexto de vida familiar, o trabalho de pesquisa
desenvolvido por Maria Stella Orsini (1988) apontou, ao desenvolvimento da pesquisa de
mestrado em questão, para uma possibilidade de análise dos textos dramáticos escritos
por mulheres em Macapá.
Corroborando com o fato de a análise textual se dar a partir dos contextos
socioculturais e acrescentando a justificativa da necessidade de registros sobre a história
do teatro em Macapá, destaca-se o trabalho de Valéria Andrade Souto-Maior (1996). Esta
autora, enquanto estudante de mestrado da Universidade Federal de Santa Catarina,
apresentou, em 1995, a pesquisa denominada O florete e a máscara: Josephina Álvares
de Azevedo, dramaturga do século XIX. Em sua pesquisa, Valéria Souto-Maior discorre a
respeito das dramaturgas do século XIX, explorando mais a fundo o trabalho de apenas
uma das dramaturgas, Josephina Álvares de Azevedo. No mesmo trabalho, com o intuito
de reunir e disponibilizar informações a respeito das dramaturgas do século XIX, a autora
formatou o “Índice de dramaturgas brasileiras do século XIX”, posteriormente reorganizado
e publicado como livro pela Editora Mulheres, em 1996.
No Índice de dramaturgas brasileiras do século XIX (1996), Valéria SoutoMaior reuniu informações de diversas fontes a respeito das dramaturgas brasileiras
dos séculos XVIII e XIX, elaborou notas biográficas bastante resumidas (já exploradas
mais detalhadamente em outras fontes e em sua pesquisa de mestrado) e organizou a
bibliografia das dramaturgas apresentadas. Ao todo, 54 dramaturgas foram apresentadas
da seguinte forma:
Dramaturgas brasileiras – século XIX (trinta e oito nascidas entre 1829 e 1895)
Dramaturgas brasileiras “sem data” (três sobre as quais há informações
apenas quanto ao local de nascimento e as respectivas obras)
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
116
Dramaturgas brasileiras apenas com pseudônimo (quatro, sobre as quais só
foi possível saber nome e pseudônimo)
Dramaturgas brasileiras – século XVIII (três, nascidas entre 1775 e 1779)
Dramaturgas portuguesas atuantes no Brasil – século XVIII e XIX (seis,
nascidas em Portugal, uma no século XVIII e as outras no XIX) (SOUTOMAIOR, 1996, p. 11-12).
Sem o intuito de analisar as informações apresentadas no Índice de dramaturgas
brasileiras do século XIX (1996), mas apenas explorá-las, percebem-se alguns fatores
comuns às dramaturgas. Um deles é a instrução, haja vista que todas as dramaturgas
apresentadas (com exceção daquelas de quem não se têm registros completos)
desempenhavam alguma profissão, o que leva a concluir que todas elas tiveram acesso
à formação educacional. Para melhor elucidar, apresenta-se um quadro preparado pela
autora deste trabalho, contendo as profissões e o quantitativo de dramaturgas que as
exerceram. Observa-se que nem todas foram classificadas como dramaturgas e que a
maioria foi apresentada com mais de duas profissões.
Índice de dramaturgas brasileiras do século XIX
Profissões desempenhadas
Profissões
exercidas
Total de
dramaturgas
Profissões
exercidas
Total de
dramaturgas
Profissões
exercidas
Total de
dramaturgas
Atriz
08
Dançarina
01
Médica
01
Bibliógrafa
01
Declamadora
02
Novelista
01
Biógrafa
02
Desenhista
01
Pianista
02
Cantora
01
Dramaturga
39
Poetisa
28
Compositora
04
Educadora
01
Professora
22
Concertista
01
Ensaísta
03
Radialista
01
Conferencista
03
Escritora
01
Repentista
01
Contista
14
Jornalista
20
Romancista
14
Cronista
07
Maestrina
02
Quadro 1 - Quantitativo de dramaturgas e suas profissões, de acordo com Valéria Andrade
Souto-Maior (1996).
Ainda observando-se o Índice de dramaturgas brasileiras do século XIX (1996),
destacam-se os locais de nascimento e/ou de falecimento das dramaturgas brasileiras
registradas, o que é bem visualizado no mapa
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
idealizado pela autora deste artigo e
Capítulo 12
117
sistematizado por Kerly Araújo Jardim, contendo o quantitativo de dramaturgas que
nasceram e ou morreram em cada estado brasileiro presente no Índice de dramaturgas
brasileiras do século XIX (1996). Ressalte-se que, na pesquisa de Valéria Souto-Maior,
não foi possível saber onde muitas dramaturgas nasceram e/ou onde faleceram, além de
que algumas não nasceram ou faleceram no Brasil.
No entanto, é possível perceber que, nos períodos abordados por Valéria Andrade
Souto-Maior (1996), levando em consideração a quantidade de dramaturgas encontradas,
alguns estados da federação contaram com significativa participação feminina na
dramaturgia, enquanto outros tiveram pouca ou nenhuma participação feminina registrada.
Este é o caso do estado do Amapá, que será estudado na pesquisa de mestrado em
questão. O fato de o Amapá não fazer parte do Índice de dramaturgas brasileiras do
século XIX (1996) suscitou a dúvida a respeito da existência de dramaturgas neste lugar
e reforçou a importância de se fazer um registro dessas mulheres, no caso de se constatar
a existência.
Figura 1 - Mapa de identificação dos estados brasileiros que tiveram dramaturgas no século
XIX, segundo Valéria Andrade Souto-Maior (1996). Mapa elaborado pela autora deste artigo.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
118
Desse modo, a dissertação em questão prevê o desenvolvimento de um catálogo
com informações relevantes sobre as dramaturgas que viveram e/ou produziram textos
dramáticos em Macapá, entre 2000 e 2016.
2 | A METODOLOGIA
Para atingir o objetivo deste trabalho, propõe-se a abordagem qualitativa como
método de pesquisa. De acordo com Augusto Triviños, a pesquisa qualitativa surgiu na
década de 1970 nos países da América Latina, juntamente com o interesse pelos aspectos
qualitativos da educação, identificando que muitas informações até então quantificadas
necessitariam ser interpretadas de forma mais ampla. Atualmente, sendo mais aceita, a
pesquisa qualitativa passou por períodos de críticas e desaprovações.
Abriu-se caminho, desta maneira, à falsa dicotomia quantitativo-qualitativo. E
alguns rejeitaram a medida no ensino por absurda, artificial e inútil; enquanto
outros expressavam que o enfoque qualitativo era, simplesmente, um exercício
especulativo sem valor para a ciência (TRIVIÑOS, 1987, p. 116).
Contudo, segundo Triviños, tal problema dicotômico seria solucionado com a
hipótese de que “toda pesquisa pode ser, ao mesmo tempo, quantitativa e qualitativa.”
(TRIVIÑOS, 1987, p. 118). Porém, para o autor, geralmente os pesquisadores quantitativos
não ultrapassam os resultados estatísticos para alcançarem os sociológicos e processuais
oferecidos pela abordagem qualitativa, estagnando assim tal divisão. Ao longo dos anos,
a massa de pesquisadores das universidades vem se esforçando para atingir os âmbitos
teóricos e práticos da pesquisa qualitativa, ao mesmo tempo em que amadurecem os novos
posicionamentos de tal método (TRIVIÑOS, 1987, p. 119).
Face a essa discussão, e pensando em abarcar os vários processos da pesquisa
qualitativa, propõe-se, neste trabalho, a “Triangulação”, algo considerado por Uwe Flick
como um avanço das tendências metodológicas. Para o autor, “A triangulação supera
as limitações de um método único por combinar diversos métodos e dar-lhes igual
relevância.” (FLICK, 2009, p. 32). Nesse sentido, serão utilizados quadros com informações
quantitativas a respeito da formação educacional, profissional, idade e local de nascimento
das dramaturgas encontradas.
Para tanto, a pesquisa será dividida em três fases: fase exploratória, fase de coleta
de dados ou delimitação do estudo e fase de análise sistemática dos dados (ANDRÉ,
2005).
Na fase exploratória, pretende-se entender a história do teatro em Macapá. Para a
realização desta fase, faz-se necessário o levantamento de referencial bibliográfico sobre
a história de formação da cidade de Macapá, bem como da história de formação do teatro
em Macapá. Este trabalho está sendo desenvolvido junto à Biblioteca Pública Elcy Lacerda,
de Macapá, com foco em obras produzidas por autores macapaenses. Sobre a história
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
119
do teatro em Macapá, até o momento, foram encontradas algumas obras escritas pelo
professor Doutor Romualdo Rodrigues Palhano, atual coordenador do curso de Licenciatura
em Teatro da Universidade Federal do Amapá. Devido à carência de registros publicados a
respeito do tema, também estão sendo realizadas pesquisas em blogs de arquivos pessoais
na internet e entrevistas com pessoas que, de alguma forma, participaram do processo de
construção da história do teatro em Macapá.
Na segunda fase, realizada concomitante à primeira, faz-se necessária a coleta de
dados. Este processo se dará inicialmente por meio do emprego da “estratégia da bola de
neve”, de modo que um caso leve ao outro, partindo de um ambiente mais amplo relacionado
ao tema (FLICK, 2009, p. 113). Para dar início à “estratégia da bola de neve”, será feito
o levantamento de grupos teatrais em funcionamento no período temporal abordado pela
pesquisa. Posteriormente, será necessário fazer contato com as pessoas responsáveis
por esses grupos. Por meio de entrevistas “semi-estruturadas centradas no problema”
(FLICK, 2009, p. 154), elas responderão perguntas do tipo: quantas mulheres participaram
ou participam do grupo; quais funções lhes foram atribuídas? Em seguida, tendo em mãos
os nomes e contatos das mulheres dramaturgas participantes desses grupos, será feito
o contato e nova entrevista “semi-estruturada centrada no problema”. Esta entrevista
será realizada para se entender os contextos vivenciados por cada dramaturga. Até o
momento, têm-se como fonte de dados informações publicadas nos livros do professor Dr.
Romualdo Rodrigues Palhano (2001, 2013, 2014, 2015), com indicação de sete grupos
teatrais organizados na segunda metade do século XX e com quase 50 nomes de mulheres
participantes desses grupos. Outra fonte deriva do Coletivo de Artistas, Produtores e
Técnicos em Teatro do Estado do Amapá (CAPTTA), que, com informações a respeito do
seu histórico de atividades, disponibilizou o contato de 20 grupos em atividade em 2016 no
estado do Amapá.
Na terceira e última fase, será realizado o “Estudo Comparativo” dos dados
apreendidos. “Em um estudo comparativo, não se observa o caso como um todo, nem em
toda a sua complexidade; em vez disso, observa-se a multiplicidade de casos relacionados
a determinados excertos” (FLICK, 2009, p. 135). Neste caso, serão comparados os
contextos (culturais, educacionais, profissionais e sociais) vivenciados pelas dramaturgas
encontradas.
O ambiente, o contexto no qual os indivíduos realizam suas ações e desenvolvem
seus modos de vida fundamentais, tem um valor essencial para que as pessoas alcancem
uma compreensão mais clara de suas atividades. O meio, com suas características físicas e
sociais, imprime aos sujeitos traços peculiares que são desvendados à luz do entendimento
dos significados que ele estabelece (TRIVIÑOS,1987, p. 122).
Com base nos contextos vivenciados pelas dramaturgas apresentadas no
referencial teórico da dissertação, é possível perceber as “características físicas e sociais
do meio”, impressas nos textos escritos por tais mulheres. Contudo, será que os textos das
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
120
dramaturgas de Macapá também exprimem seus contextos vivenciados? É o que se faz
necessário analisar neste trabalho.
Em posse de tais informações, colhidas ao longo das três fases da pesquisa, será
construído o Catálogo de dramaturgas de Macapá: 2000-2016, organizado por nomes em
ordem alfabética, contendo informações a respeito da vida e obra de cada dramaturga.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de Caso em Pesquisa e avaliação educacional. Brasília: Liber Livro
Editora, 2005.
FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. Trad. Joice Elias Costa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed,
2009.
ORSINI, Maria Stella. Maria Ribeiro: Uma dramaturga singular no Brasil do século XIX. Revista do
Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, n. 29, p. 75-82, 1988. Disponível em: <http://www.
revistas.usp.br/rieb/article/view/70072>. Acesso em: 1 set. 2014.
PALHANO, Romualdo Rodrigues. Artes Cênicas no Amapá: teorias, textos e palcos. João Pessoa:
Sal da Terra, 2011.
___. Teatro no Amapá: artistas e seu tempo. João Pessoa: Sal da Terra, 2013.
___. Arque com arte: cultura, arte e educação no Amapá. João Pessoa: Sal da Terra, 2014.
___. Dramaturgia amapaense. João Pessoa: Sal da Terra, 2015.
PORTAL DE PERIÓDICOS CAPES/MEC. Disponível em: <http://www.periodicos.capes.gov.br/>.
Acesso em: 4 jun. 2016.
PORTAL MEMÓRIA ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes
Cênicas. Disponível em: <http://portalabrace.org/memoria/>. Acesso em: 3 jun. 2016.
PÓS: REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES DA EBA/UFMG. ISSN: 19829507. ISSN ELETRÔNICO: 2238-2046. Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, Brasil. Disponível em: <http://www.eba.ufmg.br/revistapos/index.php/pos>.
Acesso em: 30 maio 2016.
REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS DA PRESENÇA - Brazilian Journal on Presence Studies. ISSN:
2237-2660 - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.
br/presenca>. Acesso em: 30 maio 2016.
REVISTA MORINGA ARTES DO ESPETÁCULO – Universidade Federal da Paraíba. ISSN Eletrônico:
2177-8841. Departamento de Artes Cênicas. João Pessoa, Brasil. Disponível em: http://periodicos.ufpb.
br/index.php/moringa Acessado em 31/05/2016.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
121
REVISTA REPERTÓRIO TEATRO E DANÇA – Universidade Federal da Bahia. ISSN Eletrônico: 21758131. Salvador, Brasil. Disponível em: <http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revteatro>. Acesso em:
31 maio 2016.
REVISTA SALA PRETA – Universidade de São Paulo. ISSN: 2238-3867. São Paulo, Brasil. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/salapreta/index>. Acesso em: 1º jun. 2016.
SOUTO-MAIOR, Valéria Andrade. Índice de dramaturgas brasileiras do século XIX. Florianópolis:
Editora Mulheres, 1996.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa
qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
URDIMENTO – REVISTA DE ESTUDOS EM ARTES CÊNICAS. Revista do Programa de PósGraduação em Teatro (PPGT). Centro de Artes (CEART). Universidade do Estado de Santa Catarina.
Florianópolis, Brasil. Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/index>. Acesso
em: 2 jun. 2016.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 12
122
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 13
CORPO NO MOVIMENTO DE CRIAÇÃO
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 05/02/2021
Gabriela Gonçalves
Faculdade de Dança Angel Vianna (FAV)
Rio de Janeiro
www.gabrielagoncalves.com
RESUMO: O presente artigo é um corpo de
pensamento que tem o intuito de ir desvendando,
através de uma pesquisa teórica, os temas do
corpo, da percepção, do tempo, do espaço, do
movimento e do ato de criação. A vida cria, e
nela estamos constantemente numa reinvenção
de nós próprios e numa busca de aumentar
as nossas potências de agir. É nesse viver
que o corpo cria e avança no fluxo corrente de
movimento. Através do resgate do seu sensível,
do tempo e da abertura da sua percepção é que
ele se torna um gerador de mudança. A pesquisa
se desenvolve, seguindo uma linha evolutiva que
interliga estes aspectos, recorrendo a conceitos
desenvolvidos por pensadores como Bergson
(2006), Deleuze (1999; 2008) e José Gil (2001).
Formando assim um conjunto de reflexões que
pretendem mostrar que quem habita um corpo
está em constante movimento de criação.
PALAVRAS - CHAVE: Arte, Dança, Tempo,
Mudança, Criação.
movement and the act of creation. Life creates,
and in it we are constantly reinventing ourselves
and seeking to increase our powers of action. It is
in this living that the body creates and advances
in the current flow of movement. Through the
rescue of your sensitivity, time and the opening of
your perception, the body becomes a generator
of change. The research is developed, following
an evolutionary line that links these aspects,
using concepts developed by thinkers such as
Bergson (2006), Deleuze (1999; 2008) and José
Gil (2001). Thus forming a set of reflections that
intend to show that whoever inhabits a body is in
constant movement of creation.
KEYWORDS: Art, Dance, Time, Change,
Creation.
CORPO NO MOVIMENTO DE CRIAÇÃO
Esta pesquisa é um corpo de pensamento
que evidencia como a vida nos pode levar
além da percepção, além de nós mesmos e do
nosso potencial criador, pois a vida continua
constantemente a transformar a nossa noção de
realidade, desenvolvendo-se sobre processos de
abertura e sob o que permite o novo. Considero
os temas do corpo, da percepção, do tempo e
do ato de criação do novo conterem questões
de importância atual, e espero que futuras
descobertas e experiências possam coincidir na
sensação que estas palavras transmitem. A sua
ABSTRACT: This article is a body of thought that
aims to unravel, through theoretical research,
the themes of the body, perception, time, space,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
significação não pretende ser conclusiva nem
determinar pensamentos fechados.
O tempo e a mudança, a dicotomia
Capítulo 13
123
mente / corpo, uma nova forma de movimento e de pensar o corpo, o ato de criar, e a
transcendência de tudo isso para o encontro com um todo unificado. A maior questão aqui
presente é o facto de ser necessário abrir a percepção para a mudança. Como? Através
do corpo e da sua capacidade de criar e de obter uma maior abertura, pelo resgate do
sensível.
(Tudo começou com um movimento de procura. Uma procura em que uma força
maior empurrava em direção ao novo, através do próprio movimento que não se explica. Um
movimento nem de lá nem de cá. Então, de onde? A realidade transformou-se, reconheço,
e não me reconhecia mais. As sensações de aceleração do corpo, a perda das noções do
tempo e do espaço e das crenças maiores. Era o poder de transformação. O aprender e a
atenção. O encontro. E deixei-me levar pelo movimento e pelas emoções, a descoberta.
Fui. Há experiências sensoriais descritas como inexplicáveis. Indo, não há mais o voltar
atrás, nem tempos perdidos. Há coisas desconhecidas que preferi viver através da minha
própria criação. Fui e Vim. Encontro-me tão bem aqui. Aqui, onde abracei o desconhecido.)
Noções de tempo e mudança sempre foram temas de discussão, para quem vive
num corpo, num intelecto e numa sociedade. Normalmente no nosso dia a dia, nós nos
referimos a questões e pensamentos sobre o tempo e a mudança em ligação a outros
conceitos como o espaço, o movimento, o corpo e a percepção. Concluímos de imediato
que o domínio das ideias e do pensamento está em ligação direta com o domínio do corpo,
pois todos estes termos nos remetem à interação de processos entre o corpo e a mente.
Vivemos assim numa dualidade que muitas vezes entra em sintonia com a realidade em
que estamos inseridos. Dessa realidade, surgem exemplos como a melancolia, a nostalgia,
solidão, tristeza ou amor, que são indícios de um sentimento maior, presente numa
individualidade atual que se auto-contempla e não pode mais acreditar na ilusão da sua
imagem. Na tentativa de recuperar a unidade do sentido, são as experiências temporais
e sensórias que nos permitem re-significar o que se encontra sem sentido, ou melhor, resignificar o que é sentido.
No entanto, no esforço para compreender a nossa natureza como indivíduos com
consciência, temos determinado repetidamente o domínio do corpo em oposição ao das
ideias. Procuramos constantemente um significado objetivo da realidade. Contudo, num
mundo em constante transformação, definições obstinadas como esta podem ser seriamente
limitativas e reduzir a consciência, quando tomadas como verdades incondicionais. Mas
algumas descobertas começam a demonstrar que, na natureza, existe um movimento
de energia macrocósmico que inevitavelmente nos une num só. Uma só substância em
constante transformação.
Então, como pensar o corpo?
A nossa condição humana encontra-se numa matéria objetiva, mas isso por si
só não alcança o sentido, a não ser aliado a algo imaterial, subjetivo que não podemos
tocar nem cheirar, mas podemos sentir e ter igualmente uma percepção real. Logo, é
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 13
124
importante despertar a atenção para o pensar e o fazer, para o abstrato e o concreto. Bem
como para o que acontece entre os dois, para a energia que oscila entre os dois polos,
determinando o nosso pensamento para a mesma energia oculta em toda a parte. Cada um
de nós recebe, organiza e interpreta toda a informação sensória de uma forma individual e
assim cria uma construção mental, uma imagem ou um conceito de um objeto ou de uma
situação específica. Este processo de abstração do chamado “mundo da matéria” constitui
a percepção. Esta não é um procedimento predeterminado e também não é puramente
passivo, pois a percepção vive de diferenças. Somos diferenças em constante movimento.
Para vivermos num modelo de realidade onde uma nova ordem de pensamento
que abraça todos os tipos de expressão e abre espaço para múltiplas interpretações ser
inteligível, só será possível se nos libertarmos do quadro espaço/temporal que nos torna
humanos, pois não apenas somos condicionados pelos nossos ideais históricos e culturais,
assim como pela nossa própria fisicalidade. Estando muitas vezes impedidos de considerar
a realidade deste modo mais aberto, podemos sempre ousar a tentativa de derrubar a
nossa insaciável vontade de determinar “o que é”, estabelecendo algo também aberto a
favor da relatividade. E isso pode dar acesso à realidade como um processo de se tornar,
não procurando o “eu sou”, mas compreendendo o eu me torno, constantemente.
A consciência nos fornece a habilidade de responder o que nós percebemos, e
também de considerar o que se esconde além da representação, além da percepção.
Sendo assim e sentindo que há uma fonte inesgotável para o ser humano, para
que ele varie de resposta a determinadas situações e para que invente novos horizontes,
podemos deixar o presente em aberto?
Pois, o processo de evolução criadora é uma mudança permanente. A vida consiste
em mudança. O possível ultrapassa o real e o impossível é real; o real é pura mudança que
surpreende e traz o novo, constantemente. Para podermos perceber a mudança, temos
que abrir a percepção, temos que intuir o movimento contínuo da mudança. O movimento
é infinitamente desdobrável, é a essência.
Nós estamos acostumados a ver a mudança em separações de instantes, pois, a
inteligência ocorre e procede assim, é uma espécie de modelo institucionalizado, logo,
perdemos a apreensão da realidade que é, na sua essência, mudança – Vida – movimento
crescente e contínuo de mudança.
Prestar atenção à vida é desligar-se dos automatismos, é abrir e alargar a percepção
para a mudança. E assim chegar a novos estágios de percepção, atingindo o tempo liberto
do movimento. É bom louvar o novo, o imprevisível, a invenção e a liberdade.
Criar, criar em forma de ação humana interior – exterior, sucessora de uma ação
exterior-interior, que só existe em função da anterior. Ligações recíprocas e infinitamente
dependentes. Aberto todo este caminho, qualquer ação flui sem quebras, tanto para dentro
como para fora, face a um estado de intuição pleno de lucidez, capaz de sintetizar o que
é interior, que não se encontra estático, mas em circulação infinita, num momento único,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 13
125
presente.
A singularidade de um corpo reside no espaço do meio que sustenta em vibração a
totalidade. Decomposto um corpo, espalham-se os particulares que juntos faziam a forma,
pela matéria que lhe era exterior. Re-articulados uns com os outros, fazem-se outras formas
que se renovam infinitamente neste processo de continuidade de vida, de criação.
E um corpo assim, é um corpo criador, capaz de atingir esse estado. É o ser humano
elevado ao seu mais alto potencial, no seu estado de corpo criador que cai numa distração,
num grande vazio, cheio de novidade. Ele liberta-se e liberta o novo. Gera mudança e flui
na corrente do movimento vida.
Toda a vida é uma corrente ininterrupta – a vida vem da vida.
Se o corpo, em si mesmo, não é senão um centro de ação comum dos sentidos,
se nós possuímos o domínio dos nossos sentidos, se os podemos fazer agir à vontade,
se os podemos centrar em comunidade, então não depende senão de nós darmos a nós
próprios o corpo que queremos. Se os nossos sentidos não são senão modificações do
órgão pensante – do elemento absoluto - então podemos também, pela dominação deste
elemento, modificar e dirigir, como nos agradar, os nossos sentidos. Podemos tomar em
nosso poder o nosso corpo e a nossa alma. O corpo é o instrumento para a formação e
modificação do mundo. A modificação dele próprio, do nosso instrumento, é a modificação
do mundo.
Através destas noções, podemos nos mover além dos limites da percepção
e apreender a realidade como um todo dinâmico, em que fazemos parte. Queremos
constantemente determinar e estabelecer o que somos, contudo, durante a nossa vida,
estamos sempre a reinventarmo-nos devido às mudanças dentro e fora de nós. O eu sou,
e o eu me torno. Não somos um único eu, desde que nos modificamos a cada situação.
As transformações individuais de cada ser são possíveis caminhos para uma permanente
produção de significados flexíveis. Na verdade, a vida oferece e expõe vários caminhos
para o acesso a esta abertura, e o nosso corpo é apenas um fluxo cultivado.
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henri. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
______. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
CHAFES, Rui. Fragmentos de Novalis: seleção, tradução e desenhos. 2.ed. Lisboa: Assírio & Alvim,
2000.
CHOPRA, Deepak. Reinventar o corpo, descobrir a alma: como criar um novo eu. 1.ed. Lisboa:
Pergaminho. Maio 2012.
DELEUZE, Gilles. “O ato de criação”. Palestra de 1987. Folha de São Paulo, 27/06/1999.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 13
126
______. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 1999. (2ª reimpressão, 2008).
______. A imagem-movimento, cinema 2.ed.Lisboa: Assírio & Alvim. Nov. 2009.
______. Guattari, Félix O que é filosofia.1.ed. Lisboa: Editorial Presença,1992.
______. Espinosa. Filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.
______ e GUATTARI, Felix. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Volume 1. São Paulo: Editora 34,
1995.
FERRAZ, Maria Cristina Franco. Bergson, hoje: virtualidade, corpo, memória. LECERF, Eric; BORBA,
Siomara; KOHAN, Walter (org.). Imagens da imanência: Escritos em memória de H. Bergson. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.
HÉLDER, Herberto. Photomaton & vox. Lisboa: Assírio e Alvim. Julho 2006.
KASTRUP, Virgínia. Flutuações da atenção no processo de criação. LECERF, Eric; BORBA, Siomara;
KOHAN, Walter (orgs.). Imagens da imanência: escritos em memória de H. Bergson. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007.
JOSÉ GIL. Movimento total:o corpo e a dança. Lisboa: Relógio D´Água. Nov. 2001.
MANTERO, Vera. Talvez ela pudesse dançar primeiro e pensar depois. Sinopse da Residência Artística
no Teatro da Cerca São Bernardo. Coimbra, Set. 2009.
VIEIRA. PALESTRA com JORGE de ALBUQUERQUE VIEIRA. 18 nov. 2008. DESABATUBE.
Disponível em: <www.youtube.com. >. Acesso em: 13 set. 2012.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 13
127
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 14
PROCESSOS FORMATIVOS EM TEATRO MUSICAL
NO ENSINO TÉCNICO: A EXPERIÊNCIA SENSORIAL
QUE REVELA O ARTISTA MULTIPERCEPTIVO NO
ALUNO-ATOR
Data de aceite: 16/04/2021
Data da submissão: 08/02/2021
Fidelcino Neves Reis
Fundação de Apoio à Escola Técnica –
FAETEC
Rio de Janeiro
http://lattes.cnpq.br/7032110992959854
RESUMO: Esse artigo investiga como o gênero
de teatro musical pode ser um recurso pedagógico
para despertar o interesse dos alunos nas aulas
de artes cênicas. A partir dessa perspectiva, serão
apresentadas questões que revelam ao alunoator uma formação como artista multiperceptivo,
através de uma abordagem somática, voltada
para a experiência sensorial e perceptiva.
A pesquisa também examina a preparação
corporal integrada ao trabalho vocal na formação
qualificada do aluno-ator de musicais, descreve
o gesto corporal como estímulo para a expressão
deste mesmo aluno e culmina na análise das
principais estratégias metodológicas aplicadas
em Teatro Musical no ensino técnico.
PALAVRAS - CHAVE: Multipercepção; Gesto;
Corpo; Voz; Educação Somática
PROFESSIONAL TRAINING IN MUSICAL
THEATER IN TECHNICAL HIGH SCHOOL:
THE SENSORY EXPERIENCE THAT
REVEALS THE MULTI-PERCEPTIVE
ARTIST IN THE STUDENT-ACTOR
ABSTRACT: This article investigates how the
musical theater genre can be a pedagogical
resource to arouse students’ interest in drama
classes. From this perspective onwards, the
questions presented will help develop in the actorstudent a multi-perceptive artistry by means of a
somatic approach geared towards a sensorial
and perceptive experience. The research also
examines body preparation integrated with
vocal work in the qualified training of the musical
actor-student, describes the body gesture as
stimulus to the expression of this same student
and culminates in the analysis of the main
methodological strategies applied in Musical
Theater in Technical High School.
KEYWORDS: Multiperception; Gesture; Body;
Voice; Somatic Education
1 | INTRODUÇÃO
Os alunos atraídos pelos cursos de teatro
musical apresentam muita vontade de aprender
como atuar em musicais, porém, estão cheios
de dúvidas e medos. Muitos relatam a respeito
de suas dificuldades e limitações em atuar
cantando, em atuar dançando ou em atuarem
cantando e dançando ao mesmo tempo.
Nesses momentos, costumo perguntar a eles:
quem nunca cantou alto e dançou uma música
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
128
arrumando a casa, lavando roupas, ou tomando banho, quando se sentiu feliz? Ou ainda,
quem nunca experimentou ouvir uma música que faz chorar e cantar bem forte, num quarto
escuro, quando estava triste?
É comum depois de serem levantadas estas questões, os alunos sorrirem e
relatarem suas próprias experiências, percebendo que não é só o hábito de ouvir músicas
que faz parte do seu dia-a-dia, mas o próprio ato de cantar e dançar. Aos poucos, muitos
se lembram das cantigas de roda que cantavam e dançavam na infância. A partir deste
repertório, comum a todos, é possível resgatar o prazer de cantar e de dançar sem a
preocupação de serem julgados, criticados e analisados. Nesse clima de descontração, o
trabalho pode ser desenvolvido, resgatando a autoconfiança.
A partir da definição de artista multiperceptivo, proposta por Ernani Maletta (2016)
pretende-se compreender o que é ser um artista de musical, bem como desenvolver
um trabalho para uma formação qualificada do mesmo. No que diz respeito a questão
da percepção, a partir de uma abordagem somática, é importante ressaltar que o teatro
proporciona ao público uma experiência sensorial mais intensa, e cabe aos profissionais de
teatro, potencializar estes recursos para que o público seja afetado por diferentes canais de
percepção. No entanto, para que se possa tocar o público é de suma importância estimular
a percepção sensorial dos próprios alunos-atores ao longo das aulas-ensaios. A partir dos
registros diários do processo dos ensaios e dos relatórios periódicos do curso de Teatro
Musical da FAETEC de Barreto-Niterói, pretende-se analisar as principais estratégias
metodológicas aplicadas em Teatro Musical no ensino técnico.
2 | O CONCEITO DE ARTISTA MULTIPERCEPTIVO
De acordo com o professor e pesquisador mineiro Ernani Maletta (2016) o artista
multiperceptivo é aquele “que conseguiu perceber, compreender, incorporar e se apropriar
dos conceitos fundamentais que definem e sustentam cada forma de expressão artística”
(MALETTA, 2016, p. 24).
Maletta esclarece melhor este conceito quando exemplifica a relação do artista com
a habilidade de atuar cantando ou tocando um instrumento:
O artista multiperceptivo, ainda que não chegue a um estágio de virtuosismo
técnico como cantor ou instrumentista, pode incorporar os fundamentos da
linguagem musical e atuar com sensível musicalidade. Em outras palavras, a
habilidade musical do artista não está apenas na sua capacidade em ser um
exímio cantor ou instrumentista, mas também na descoberta de possibilidades
rítmicas, de variações de intensidade e na apropriação dos parâmetros
relacionados ao tempo, indispensáveis para se dizer um texto, para desenhar
no espaço um movimento corporal ou para compor a iluminação de uma cena
(MALETTA, 2016, p. 25-26).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
129
Quanto ao trabalho corporal, voltado à expressão corporal ou à dança, Maletta
segue a mesma linha de pensamento afirmando que “o ator pode adquirir uma excelente
consciência corporal, um efetivo controle dos seus movimentos e realizar com competência
elaborados desenhos coreográficos sem, necessariamente, precisar tornar-se um virtuoso
bailarino” (MALETTA, 2016, p.26).
A partir de minha experiência em espetáculos musicais e exercendo as mais
variadas funções (ator, diretor, coreógrafo e/ ou preparador corporal), tenho observado que
a espontaneidade presente no trabalho do artista multiperceptivo, apresentado na obra de
Maletta pode estabelecer uma relação mais íntima e convidativa do artista com o público,
levando o último a embarcar na proposta do espetáculo.
O conceito de artista multiperceptivo me remeteu ao provérbio africano: “Se você
pode andar, você pode dançar. Se você pode falar, você pode cantar.”
1
, referindo-se a
esta relação mais simples do ser humano com o cantar, sem ser cantor, e o dançar, sem
ser bailarino.
Essa atuação mais fisiológica (das funções do organismo) está diretamente ligada à
história do sujeito, ao seu local de origem e às suas experiências e está muito próxima, a
meu ver, das técnicas de educação somática2·, as quais tratam da totalidade do ser. Nosso
corpo em movimento expressa quem somos e o que pensamos e, por isto, a educação
somática pode contribuir para estimular a consciência corporal e o estudo do gesto,
revelando assim, o artista multiperceptivo no aluno-ator de teatro musical.
3 | O TRABALHO COM A PERCEPÇÃO SENSORIAL
As questões relativas ao movimento corporal e à percepção dos sentidos, tão
presentes nas minhas aulas de teatro e na condução do meu trabalho com os atores nos
espetáculos, passaram a ter mais destaque desde que trabalhei como estagiário no Museu
da Vida, o qual pertence à FIOCRUZ. Neste local, fiz parte da equipe do setor denominado
Ciência em Cena, entre os anos de 2000 e 2002. A proposta era fundamentada na premissa
de que a pesquisa e a experimentação não são exclusividades do mundo científico e estão
presentes no processo de ensaio teatral, sendo de suma importância para o desenvolvimento
do mesmo, ou seja, o processo artístico e o científico são mais parecidos do que podemos
imaginar e caminham lado a lado.
No espaço do Ciência em Cena, no qual trabalhei como ator, entre outras funções,
nos espetáculos O mensageiro das estrelas (2000, 2001) e O mistério do barbeiro3
1 Informação colhida em entrevista concedida à Marília Gabriela pela dupla de diretores de musicais Charles Möeller e
Claudio Botelho em seu programa no Canal GNT no dia 2 de setembro de 2012.
2 O termo Educação Somática surgiu pela primeira vez em artigo escrito por Thomas Hanna na revista cientifica Somatics, publicada em 1983. Neste artigo, o autor afirmava que Educação Somática é “a arte e a ciência de um processo
relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio-ambiente. Estes fatores vistos como um todo agindo em
sinergia” (HANNA, 1983, p.7).
3 Nesse espetáculo participei ativamente no processo de criação do texto e da concepção do espetáculo, com mais
quatro estagiários, sob a direção geral e supervisão de Jacyan Castilho.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
130
(2002), cada estagiário teria que integrar a equipe de mediadores de uma das demais
atividades interativas oferecidas ao público visitante do museu, normalmente composto
por profissionais da educação e alunos das redes pública e privada de ensino. Por
também possuir experiência em dança4, fui selecionado para fazer parte da “Oficina
de Percepção dos Sentidos”. Nesta oficina, que mantém a essência do Museu em sua
missão de divulgação científica, apresentamos estímulos que testavam não somente os
cinco sentidos humanos, como também dois outros sentidos que não são diretamente
estudados nas escolas brasileiras: o equilíbrio e o movimento. Para me familiarizar com
as informações apresentadas, eu participei de palestras específicas com a neurocientista
Suzana Herculano-Houzel5, acerca do funcionamento de cada sentido e, no caso do
equilíbrio e do movimento, de aulas com Jacyan Castilho6, tendo contato direto com os
projetos de pesquisa desenvolvido por ambas nos dois anos em que trabalhei nesta oficina.
4 | O CURSO DE TEATRO MUSICAL DA FAETECUNDAÇÃO DE APOIO À
ESCOLA TÉCNICA
No ano de 2013, como professor de teatro no Centro Cultural da Escola Técnica
Estadual Henrique Lage, situada no bairro de Barreto em Niterói e pertencente à Fundação
de Apoio à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro (FAETEC), fui incumbido de
elaborar o plano de curso de Teatro Musical e assumi a sua coordenação. O curso de
Teatro Musical da FAETEC é oferecido aos alunos acima de 14 anos em duas modalidades:
a primeira para atender a disciplina de Artes, que integra a grade curricular do ensino médio
e, a segunda, extensivo à toda comunidade, através dos Cursos de Formação Inicial e
Continuada ou Qualificação Profissional. Ambas as modalidades são oferecidas a cada
semestre e são concluídas com a montagem de um espetáculo, realizado ao final desse
período. Como não há pré-requisito para que os alunos saibam atuar, cantar e dançar para
se inscreverem no curso, procuro sempre respeitar os limites dos alunos na hora da divisão
dos personagens para os espetáculos.
No início do processo, com o foco voltado para o trabalho interdisciplinar, cada
professor é incumbido de uma determinada função ou conjunto de funções referentes à
sua área de atuação, desenvolvidas ao longo das aulas-ensaio, que acontecem duas vezes
por semana. O professor de Teatro é encarregado da escolha do texto e se responsabiliza
pela direção geral do espetáculo. Juntamente com os alunos, confecciona a cenografia
e o figurino, além de idealizar a iluminação e a maquiagem. Desta forma, o aluno pode
4 Integrei a Cia de Dança de Luiz Kleb que mesclava a dança de salão com outros estilos de dança como jazz, contemporâneo, dança de rua e afro (1997-2006).
5 Suzana Herculano-Houzel – neurocientista, pós-doutora pelo Instituto Max Planck na Alemanha (1999), fez doutorado
pela Universidade Pierre e Marie Curie na França em 1998, mestrado na Case Western Reserve nos Estados Unidos
em 1995 e se formou como bióloga na modalidade genética pela UFRJ em 1992.
6 Jacyan Castillho de Oliveira - atriz formada pela Unirio em 1986 e bailarina formada pela Angel Vianna. Concluiu seu
mestrado no ano 2000 na Unirio com o título de “Arte do Movimento: Uma proposta de abordagem do texto dramatúrgico
através da Análise de Movimento Laban”.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
131
dialogar com as múltiplas artes que integram o teatro e, com a supervisão do professor,
experimenta, na prática o que é ser um artista multiperceptivo. A professora de Dança e /
ou Educação Física faz a preparação corporal e auxilia na montagem das coreografias na
disciplina que consta na grade curricular com o nome “Corpo”. Os professores de Música
(dos cursos de piano e violão) são consultados e ajudam na elaboração da trilha sonora e,
quando possível, fazem a direção musical dos espetáculos. Obs.: Profissionais de outras
disciplinas, não necessariamente artísticas, fazem parte do projeto, por exemplo, uma
fonoaudióloga, responsável pela preparação e orientação vocais dos alunos na disciplina
chamada “Voz”.
5 | A ANÁLISE DOS ESPETÁCULOS ENCENADOS NA FAETEC A PARTIR DO
TRABALHO COM A PERCEPÇÃO SENSORIAL
O envolvimento em todas as etapas do projeto de montagem desperta nos alunos
um artista mais consciente do fazer teatral, proporcionando maior interação com todos os
elementos que os ajudarão a construir os personagens e a contar a própria história. Também
é possível desenvolver no aluno o respeito por todos os profissionais que trabalham para
a construção do espetáculo.
Na busca do desenvolvimento do artista multiperceptivo, ainda que, na maioria dos
espetáculos realizados ao final de cada semestre houvesse a utilização de trilha sonora
pré-gravada, procuramos estimular os alunos a tocarem um instrumento em determinadas
cenas ou a produzirem sons com o corpo (ex.: com palmas, tapinhas em partes do corpo,
estalos de dedos e língua, batendo os pés no chão, entre outros sons para dialogar com a
canção.), realizando interferências sonoras ao vivo, estimulando as sensações do sentido
da audição e desenvolvendo a musicalidade. A pesquisa corporal também foi associada
a outros elementos do espetáculo, como o figurino e os adereços, confeccionados pelos
próprios alunos, com a ajuda dos professores.
Buscamos também explorar o trabalho corporal para a preparação do ator de
musicais a partir dos sentidos do equilíbrio e do movimento, a fim de desenvolver no aluno
a habilidade de cantar em variados planos e níveis, preenchendo toda a área de atuação,
a partir de sua apropriação corporal. Em sala de aula, a utilização de cubos de madeira,
cadeiras e mesas, permite elaborar cenas com variações de níveis que, combinadas a
mudanças de planos, ampliam o repertório de movimentação corporal do ator.
A seguir, elencaremos os espetáculos realizados entre os anos de 2013 e 2017
durante os cursos e analisaremos a integração das sensações dos sentidos como olfato,
audição, visão, paladar, sentido tátil e proprioceptivo no desenvolvimento da multipercepção
dos alunos-atores.
Espetáculo Fama: Nesse espetáculo, montado no primeiro semestre de 2015 e no
segundo semestre de 2017, foi possível explorar com propriedade a relação dos alunos
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
132
com múltiplas habilidades artísticas, pois, neste musical, grande parte da história se passa
em uma escola de artes onde os alunos podem cursar aulas de música, de teatro e de
dança.
Na primeira montagem, na cena musical “Cães no Jardim” sete alunos representavam
os candidatos a vagas para a Escola de Artes Dramáticas de Nova York e entravam em
cena com envelopes pardos confeccionados pelos alunos, os quais continham o resultado
de aprovados para mostrar ao público. No verso da folha de papel estava impressa a
letra da canção, que foi declamada, uma vez que não conseguimos gravar uma base
instrumental a tempo para apresentação. A ideia de cantar à capela também foi descartada,
pois os alunos poderiam encontrar dificuldades na afinação. No trecho em que os alunos
diziam: “Pedras jogar numa manhã solar”, eles compartilhavam com a plateia a sua alegria
em terem sido aprovados, lançando bombons retirados dos mesmos envelopes. Estes
bombons simbolizavam um gesto de boas-vindas da escola por receber os novos alunos.
Nas cenas das aulas de música, retiramos a base instrumental da canção “Nunca
Mais Só”, para que o aluno, que dava vida ao personagem do professor de música,
experimentasse tocar um pandeiro para marcar o andamento rítmico, enquanto conduzia
um coral de alunos num ensaio. Em outra cena, o mesmo aluno, com uma batuta na mão,
aprendeu a marcar o compasso quaternário para reger um aluno ao violino que, mesmo
não sabendo tocar efetivamente o instrumento, foi orientado a segurá-lo e mover o arco de
maneira correta, para dar maior credibilidade à sua ação cênica.
Ainda com o intuito de promover o contato dos alunos com instrumentos, nas duas
montagens, os alunos que interpretaram o personagem Bruno Martelli, na cena em que este
faz o teste de habilidade específica para entrar no curso de música, foram estimulados a
interagir com programas específicos para tocar piano no computador e no tablet. Nas aulasensaios utilizamos um teclado de verdade, para que os alunos pudessem experimentar a
sensação de tocar o instrumento, sob a orientação da professora de piano.
O mesmo tipo de exposição a um instrumento musical foi realizado com os alunos
que iriam interpretar o personagem Ralph Garcia, reprovado no teste de música por não
saber tocar bem o bongô. Na primeira montagem, o aluno sugeriu usar uma lira para fazer
o teste, instrumento que o aluno estava aprendendo a tocar na banda da escola Estadual
Célia Nanci em São Gonçalo; na segunda montagem, esse personagem foi vivido por outro
aluno. Desta vez sugeri para a cena uma gaita de boca, por ser um instrumento pequeno e
mais fácil de guardar no bolso do figurino, sem perder a ideia de ser um elemento surpresa.
O aluno-ator, um pouco constrangido, revelou que não sabia tocar instrumento algum,
porém, ao saber que o personagem fingia saber tocar um instrumento, se sentiu mais
confiante. Para ele, foi libertador experimentar tocar o instrumento sem a preocupação com
o virtuosismo e, na cena, produziu um som de gaita interessante, mas que não garantia ao
personagem entrar no curso de música.
Na remontagem do espetáculo da turma do segundo semestre de 2017 temos
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
133
um exemplo de pesquisa corporal associada a outros elementos do espetáculo, como o
figurino. No filme Fama, que serviu de referência para a montagem de conclusão do curso
da turma de teatro musical do segundo semestre de 2015, há um número em homenagem
ao musical The Rock Horror Show. Inicialmente, as letras da palavra “ROCKY” seriam
pintadas nas costas dos figurinos dos atores ou estariam em placas de papelão nas mãos
deles para anunciar esta cena, mas devido à falta de tempo e de recursos para confeccionar
as letras, a ideia foi descarta e sugeri à professora de preparação corporal que as letras
deveriam ser expressas com os corpos dos atores.
Espetáculo Os Saltimbancos: Nesse musical, os alunos-atores da turma do primeiro
semestre de 2016 realizaram uma experiência tátil durante as aulas de percepção para a
preparação de elenco, com elementos que iriam fazer parte do espetáculo, como adereços
confeccionados pelo professor, proporcionando o contato direto dos alunos com os
personagens e / ou com a classe de trabalhadores que eles representavam na obra. Estes
elementos foram colocados em cubos e dispostos pela área de atuação em sala de aula.
Para que os alunos se familiarizassem ainda mais com o espetáculo, suas canções
foram tocadas durante a atividade, além de outras músicas que dialogavam com o mesmo
universo. Entre as canções do espetáculo, foram tocadas marchas militares, músicas de
quadrilha, sons de máquinas fabris, cantigas de roda e músicas de outros musicais famosos.
A este tipo de atividade costumo chamar de “Dança dos Personagens”, em que os alunos, a
partir do material oferecido, experimentam elementos que possivelmente irão fazer parte do
figurino dos personagens. Em outras palavras, eles, literalmente “vestem o personagem”.
Nesta turma havia um aluno com Síndrome de Down, e o contato com diferentes tipos de
texturas, associadas às canções, foi fundamental para que ele pudesse se relacionar com
o clima de fábula da obra, em que os animais falam e agem como seres humanos.
Este tipo de atividade costuma se realizar depois que alunos já estão familiarizados
com a história da peça e já pesquisaram a confecção dos figurinos e adereços. Nesta
etapa, ainda não foram definidos os atores que irão viver os personagens, com a finalidade
de experimentar e ampliar sua compreensão do espetáculo pelo universo particular de
cada um dos personagens.
Exploramos também o sentido da visão, associado aos sentidos do movimento e do
equilíbrio, para ajudar os alunos na memorização das letras das músicas que apresentavam
enumerações. Em canções voltadas para a introdução de vocabulário e apresentação
de elementos que fazem parte de um grupo ou conjunto, a enumeração costuma ser um
recurso muito utilizado para estimular o aprendizado em crianças, como nas canções
“Jumento” e “A Cidade Ideal”.
Por exemplo, na canção “Jumento”, que apresenta o personagem, é descrito o
dia-a-dia do animal, que carrega muitos objetos puxando uma carroça. Visando ajudar os
alunos a lembrarem a letra da música durante a cena, foram confeccionados, juntamente
com eles, pacotes de mercadorias para contar a estória, a partir de materiais didáticos
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
134
presentes no acervo do Centro Cultural. Vale ressaltar que o professor deve estar atento
ao ambiente a sua volta, treinando o seu olhar para descobrir novas possibilidades para os
objetos utilizados por ele em suas práticas pedagógicas.
Para fazer os pacotes de mercadoria, foram utilizados colchonetes dobrados
ao meio, colocados dentro de sacos de estopa. Os alunos pintaram os desenhos dos
elementos enumerados na canção, feitos por mim, em cartolina e colados em papelão e,
posteriormente, costurados na trama do saco de estopa. Em cena, durante a canção, cada
vez que o personagem Jumento citava os itens que costumava carregar, os pacotes eram
dados a ele pelos demais atores, de modo a expressar a ação descrita. Para não dificultar a
movimentação, foram colocados dois desenhos por pacote, uma vez que são enumerados
na música doze elementos, carregados pelo Jumento no seu trabalho diário.
O mesmo recurso foi utilizado na canção “A Cidade Ideal”, porém, nesta música, são
descritos os tipos de pessoas e profissionais que compõe a população de uma cidade, o que
poderia se tornar um obstáculo ao serem reproduzidos, em desenhos, pelo professor. Nesse
caso, foi preciso escolher imagens simbólicas que pudessem ser facilmente desenhadas e
identificadas com clareza pelos os alunos. Para que estes desenhos estivessem inseridos
no contexto do espetáculo, criou-se uma espécie de móbile infantil, reforçando a ideia
de que a cena representava um sonho de criança. As imagens, feitas pelo professor em
cartolina e pintadas pelos alunos, foram presas com barbantes e cadarços de tênis a um
bambolê que descia do teto por uma roldana. Durante a cena, os alunos podiam manipular
o móbile pendurado acima de suas cabeças, no meio do palco, para lembrar os itens
citados, enquanto interpretavam a música.
Espetáculo Em busca do Planeta Limpo: Foram realizadas duas montagens de
musical infantil, escrito por Maria das Graças Borges e co-autoria de Fidel Reis (nome
artístico do autor do artigo): uma no primeiro semestre de 2014 e outra no segundo semestre
de 2016. Nessa última, também foi utilizada a atividade “Dança dos Personagens”, em
que os alunos, a partir de elementos dispostos em sala de aula, experimentam aqueles
que possivelmente irão fazer parte do figurino de seus personagens. Essa experiência foi
aprofundada, em que pequenas cenas, quase fotográficas, de momentos específicos da
peça ou de suas canções. Os desenhos dos figurinos de cada personagem foram dispostos
aleatoriamente pelo chão, para que os alunos pudessem experimentar a composição da
indumentária dos personagens que estavam pesquisando. Também foram colocadas
palavras escritas em papel A4, que remetiam aos sentimentos dos personagens ao longo
da história, como alegria, tristeza, raiva, medo, nojo, amor/prazer, surpresa/espanto,
coragem e paz.
A experiência tátil desenvolvida no processo de ensaio também é expandida ao
público durante os espetáculos. Nas duas montagens, a personagem Consciência Humana
surge em cena carregando uma cesta com sementes de flores para serem distribuídas para
o público, durante a canção “Flores”, cujo refrão diz: “Flores, flores, vou colher de todas
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
135
as cores”. Este momento do espetáculo promove um contato direto da atriz com o público,
que durante grande parte do número musical está na plateia, distribuindo sementes e
transmitindo a mensagem da canção: “Você colhe o que você planta!”
Na montagem realizada em 2014, a experiência do olfato também permitiu
estabelecer maior integração da cena com o público. Antes do início do espetáculo, Lorena,
a personagem principal, distribuía sacolas reutilizáveis7 com uma bala e uma mensagem
como brinde para a plateia. A mensagem, em forma de canção, foi idealizada como um
texto escrito por uma criança para retratar a personagem Lorena, bem como o seu desejo
de conscientizar as pessoas de que é preciso salvar o mundo da poluição. Esta música,
intitulada “Olha que Legal”, é o tema de abertura do musical. A sua letra simples e executada
duas vezes, em sequência, possibilitando ao público aprender o refrão para cantá-lo com os
atores. Na segunda montagem do espetáculo, realizada no segundo semestre de 2016, o
arranjo original em rap foi alterado para funk pelo diretor musical do espetáculo, o professor
de violão e cavaquinho, por sugestão dos próprios alunos, para que a canção pudesse ter
uma comunicação ainda mais direta com o público jovem.
Evocando ainda as sensações do sentido do olfato, o personagem Jasmin,
considerado o mais vaidoso entre as flores, vivido por um dos alunos da turma, carregava
um frasco de perfume em uma das mãos para borrifá-lo toda vez que desejasse realçar o
seu aroma. A mesma ação era realizada durante o número musical “Ele é o Bom” 8, para
apresentar o personagem.
Em contrapartida, o personagem da Poluição, vivido por uma das alunas da mesma
turma, terminava a cena cantando, no meio da plateia, enquanto surgia no palco uma
cortina cheia de lixo, feita com uma rede de futebol. O lixo reforçava a ideia do mau cheiro,
gerando certo desconforto na plateia e era destaque no trecho da canção, que dizia: “O lixo
aumenta rápido / causando baratas, cupins e ratos / sujando rios e mares / deixando feio
todos os lugares”. As embalagens dos lanches, consumidos na hora do intervalo no período
de um mês, serviram para a confecção da cortina de lixo e foram amarradas com barbante
pelos próprios alunos na rede de futebol.
Espetáculo A Viagem de um Barquinho: O espetáculo musical como experiência
multiperceptiva também foi o conceito norteador desse musical infantil realizado em 2013,
compartilhando com o público a exploração do sentido do paladar, entre outros. Na cena
“O Aniversário do Pirilampo” havia um bolo cenográfico de três andares, feito de caixas de
papelão e decorado com canudinhos de plástico e tampinhas de garrafas. As tampinhas
coloridas representavam jujubas e foram coladas com a parte aberta voltadas para cima,
para que estas servissem como porta balas. Durante a cena, as balas de verdade eram
distribuídas para a plateia pelos próprios alunos-atores que carregavam um dos andares do
bolo que funcionavam como uma bandeja.
7 Vale destacar que estas sacolas foram confeccionadas em tecido ecológico TNT pela autora da peça, Maria das
Graças Borges.
8 Paródia da música “O Bom” de Eduardo Araújo, grande sucesso da Jovem Guarda (1967).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
136
Na cena “Temperando o Rio”, os alunos-atores tocavam chocalhos enquanto
cantavam e dançavam, mesmo sem terem tido experiência anterior com instrumentos
de percussão. Estes chocalhos foram confeccionados de forma artesanal pelo professor
e pelos alunos, com embalagens plásticas de achocolatado em pó, forrados com tecido
ecológico TNT e laço de fita em malha. Os chocalhos deveriam ter dois sons distintos
que dialogassem com os temperos que representavam no número musical. Para isso,
colocamos arroz branco e feijão vermelho dentro de cada um deles, simbolizando o sal e a
pimenta, respectivamente.
No número musical “Samba do Sapo”, abrimos mão do áudio pré-gravado para que
uma aluna tocasse violão ao vivo durante a canção, uma vez que ela interpretava a mulher
do Sapo. Foi proposto à aluna o desafio de tocar o instrumento em pé e em movimento.
Segundo informações da própria aluna, ela só havia praticado tocar sentada. Como
autodidata, tinha dificuldade em ler cifras e aprendeu a tocar a música da cena orientada
pelo professor de violão e cavaquinho. Para que a aluna se sentisse mais confiante, eu e a
professora de preparação corporal deixamos um pequeno banco no canto do palco, caso
ela quisesse se sentar ou colocar o pé para apoiar o violão. No dia da estreia, ela tocou
inicialmente sentada e, no decorrer da cena, se levantou e ocupou o centro do palco.
Espetáculo Tributo aos Clássicos Disney: Nesse espetáculo, montado em 2014, cujo
roteiro foi escrito por mim, exploramos o sentido tátil. No número musical “As Cores do
Vento”, do filme Pocahontas, havia uma experiência mais concreta da presença do vento,
tanto para a dupla de alunos em cena, quanto para o público. Inspirando-me na cena da
animação do filme musical, em que as folhas das árvores pareciam dançar na tela, substituí
as folhas por serragem. No final da cena musical, os alunos retiravam a serragem que
portavam nos bolsos e a assopravam em direção ao público.
No número em homenagem ao filme Pinóquio (1940), realizado com a canção “A
Estrela Azul”, aconteceu algo semelhante. No momento da cena em que o personagem
Grilo Falante abria o guarda-chuva, o público era surpreendido com uma chuva de confetes.
Este tipo de experiência tátil estabelece uma interação dos atores com o público que, de
certa forma, é convidado a participar da cena.
Já no número musical “No meu coração você vai sempre estar”, em homenagem
ao filme musical Tarzan (1999), os alunos distribuíam rosas de origami pintadas à mão por
mim e cantavam parte da canção segurando a mão das pessoas contempladas com as
flores, tornando este momento ainda mais emocionante.
A aluna, que dividia o papel da Pequena Sereia com outra, iniciava a cena com
uma interferência sonora. Enquanto ela interagia com uma caixa de música, a sua colega
de cena, interpretando o mesmo papel, admirava uma caixa de joias. A base instrumental
da música “Parte do Seu Mundo” entrava lentamente, à medida que a caixa de música ia
parando de tocar, para que as atrizes pudessem interpretar a canção.
Espetáculo Walking on Sunshine: andando nas nuvens: Neste espetáculo, realizado
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
137
em 2015, exploramos o sentido do olfato. Na cena “Despedida de Solteira”, duas alunas
que interpretavam as amigas da noiva vestiam e perfumavam-na durante o número musical
com a canção Girls Just Wanna Have Fun9·.
Na cena “O Pedido de Casamento” enquanto os atores brindavam com água em
copos de plástico, em torno de cubos que representavam a mesa de um restaurante, duas
atrizes serviam biscoitos amanteigados sortidos para o público.
Em relação ao sentido da audição, há uma cena em que uma aluna interpreta uma
violinista-bailarina. Vale ressaltar que esta aluna, mesmo sendo uma exímia bailarina, não
sabia tocar violino e foi orientada a se relacionar com o instrumento como se o tocasse de
verdade, enquanto o som pré-gravado era emitido. Esta personagem teve como referência
a artista americana Lindsey Stirling, também cantora, compositora e artista multiperceptiva.
6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na busca por um artista multiperceptivo, o talento artístico e a identidade cênica dos
alunos estão relacionados à sua percepção dos sentidos e à capacidade de expressarem,
por meio do gesto consciente, a sua imaginação criadora. Na prática, podemos vivenciar que
o teatro musical é, essencialmente, teatro, pois permite ao aluno-ator experimentar, de
maneira prazerosa, múltiplas linguagens artísticas em uma única arte, seja na sala de aula
ou no palco.
Ao relacionar a experiência vivida como professor no Curso de Teatro Musical na
FAETEC de Barreto em Niterói, entre os anos de 2013 e 2017, com o material teórico
pesquisado, foi possível constatar que o trabalho de exploração sensorial desenvolvido em
sala de aula se aproxima das práticas somáticas e potencializa o artista multiperceptivo no
aluno-ator.
Tanto os registros do processo diário dos ensaios e das apresentações, como os
relatórios periódicos do curso, foram fontes essenciais para compreender que o teatro
musical também proporciona uma experiência multiperceptiva, não somente para o
público como também para os atores. Por meio da análise da documentação de momentos
específicos dos espetáculos, o significado do verbo assistir que, em geral, se limita aos
sentidos da audição e da visão foi expandido, ampliado.
As atividades sensoriais que estimulam a percepção nas aulas-ensaios contribuem
para uma formação mais qualificada do ator de musical, no qual a voz precisa ser trabalhada
com o corpo em movimento e pulsar com a canção. O ator de musical, ao utilizar a sua
experiência sensorial para dialogar com as múltiplas artes que compõe o espetáculo
teatral, pode estabelecer uma integração mais consciente entre o canto e a dança para
uma atuação mais expressiva.
9 Meninas só querem se divertir (Tradução do autor). Um dos grandes marcos da carreira da cantora Cyndi Lauper nos
anos de 1980.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
138
REFERÊNCIAS
DAL VERA, Rocco; DEER, Joe. A Atuação em Teatro Musical: curso completo. Tradução. 1ª Edição,
Brasília: Dulcina Editora, 2014.
GODARD, Hubert. Gesto e percepção. SOTER, Silvia e PEREIRA, Roberto. Lições de Dança 3. Rio
de Janeiro: UniverCidade, 2001. p.11-35.
LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus Editorial, 1978.
MALETTA, Ernani de Castro. Atuação polifônica: princípios e práticas. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2016.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio - Arte. Brasília:
Semtec/MEC, 2000.
STRAZZACAPPA, Márcia. Educação Somática e Artes Cênicas: Princípios e Aplicações.
Campinas: Papirus, 2012.
TAVARES, Joana e KEISERMAN, Nara. O corpo cênico entre a dança e o teatro. São Paulo:
Annablume, 2013.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 14
139
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 15
EDUCAR COM CRIATIVIDADE: SER PÁSSARO
OU CARNEIRINHO NA APRENDIZAGEM DA
COMPOSIÇÃO MUSICAL
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 12/02/2021
José Augusto Neves de Moura
Instituto Superior de Ciências Educativas do
Douro - Penafiel, Portugal
Universidade do Minho – CIEC – Braga,
Portugal
https://orcid.org/0000-0002-6170-8737
António José Pacheco Ribeiro
Conservatório do Vale do Sousa – Lousada,
Portugal
Universidade do Minho – CIEC – Braga,
Portugal
https://orcid.org/0000-0003-3413-8473
Trabalho apresentado no IV Encontro do Ensino Artístico
Especializado da Música do Vale do Sousa: O Ensino
da Música no Século XXI: Desafios e Compromissos.
Lousada: Conservatório do Vale do Sousa, 2019. https://
sites.google.com/site/encontromusicavaledosousa/
home
RESUMO: Este artigo tem como objetivo
principal compreender a questão da música
que se faz dentro e fora do âmbito escolar.
Pretende-se explorar este aspeto considerando
que a existência de outras tipologias de ensino
de composição musical nos conservatórios
públicos de música em Portugal, a inclusão
de outras tipologias musicais e das novas
tecnologias possam potenciar o prosseguimento
de estudos na área da composição. A procura
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
de conhecimentos ligados a outras linguagens
musicais, por parte dos jovens nas escolas
especializadas de música, é uma realidade nos
dias de hoje, se bem que essas mesmas escolas
tardam em encontrar soluções para responder
às exigências. A metodologia pedagógica
tradicional, centrada na dita música erudita
ocidental, a consequente relação dos jovens com
outras músicas do mundo (a música que se ouve
em casa), e a total ausência de outras tipologias
musicais na escola de música especializada,
podem estar na origem da desmotivação, por
parte dos jovens, por uma carreira no âmbito
da composição musical. Esta dicotomia, entre
a música que se faz na escola e a música que
se ouve em casa, abrange diferentes tipos de
saberes e pode condicionar as aspirações de
jovens compositores.
PALAVRAS - CHAVE: Ensino Artístico
Especializado de Música; Tipologias Musicais;
Música Dentro e Fora da Sala de Aula.
EDUCATE WITH CREATIVITY: BEING A
BIRD OR SHEEP IN LEARNING MUSICAL
COMPOSITION
ABSTRACT: This article has as main objective
to understand the question of music that is made
inside and outside the school environment. We
intend to explore this aspect considering that the
existence of other types of musical composition
teaching in public music conservatories in
Portugal, the inclusion of other musical types and
new technologies may enhance the pursuit of
studies in the area of composition. The search for
knowledge related to other musical languages,
on the part of young people in specialized music
Capítulo 15
140
schools, is a reality today, although these same schools are slow to find solutions to meet
the demands. The traditional pedagogical methodology, centered on the so-called Western
classical music, the consequent relationship of young people with other music in the world (the
music you hear at home), and the total absence of other musical typologies in the specialized
music school, may be at the origin of demotivation, on the part of young people, for a career
in the scope of musical composition. This dichotomy, between music made at school and
music heard at home, covers different types of knowledge and can condition the aspirations
of young composers.
KEYWORDS: Specialized Artistic Teaching of Music; Musical Typologies; Music Inside and
Outside the Classroom.
1 | INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta uma reflexão em torno da criação musical que se faz dentro
e fora do contexto escolar. Menciona as práticas pedagógicas subjacentes ao ensino
tradicional formal e apresenta a relação dos jovens com as tecnologias e com outras
músicas do mundo para a construção da sua identidade. O artigo apresenta-se estruturado
com os seguintes tópicos: Fundamentação Teórica; A Preferência Musical dos Jovens;
Música e as Novas Tecnologias; Criatividade; Considerações Finais; e, Referências.
2 | FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A área da criatividade/composição musical na educação da criança é um tema
emergente no século XXI. Ouvir e valorizar o conhecimento das crianças, assim como as
suas experiências musicais dentro e fora do contexto escolar, é uma preocupação que os
educadores devem considerar na educação das crianças e jovens. Na tradição musical
ocidental as práticas musicais são sempre ou quase sempre vistas sobre o ponto de vista
dos adultos, desvalorizando o facto de as crianças poderem ter um ponto de vista, ou
uma compreensão diferente dos gostos musicais dos adultos. Campbell (2006), chama a
atenção para a compreensão por parte dos educadores no sentido de procurar compreender
as crianças como crianças, analisar a sua ação nos seus contextos sociais e culturais, de
forma a identificar e a conhecer melhor o ponto de vista das mesmas, as suas experiências,
assim como as suas atitudes. Beineke (2012), na mesma linha de pensamento, reforça
ainda a necessidade das orientações metodológicas darem voz às crianças, no sentido que
cada criança tem a sua própria identidade, com uma forte influência, com a interação, com
as suas raízes e com o contacto com o meio em que cresceu, nomeadamente a sua família
e os seus amigos, por oposição e contrariando pesquisas direcionadas na perspetiva do
adulto. Neste sentido, é importante compreender a perspetiva da criança em relação às
suas composições musicais, perceber o ponto de vista das crianças e entende-las como
próprios motores das suas aprendizagens.
Levantam-se, neste sentido, as seguintes questões: será que nos conservatórios de
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
141
música públicos de Ensino Artístico Especializado em Portugal existem outras tipologias
de ensino que respondem às necessidades das crianças? Ou os currículos e programas
dos conservatórios de música públicos de Ensino Artístico Especializado em Portugal
continuam a não acompanhar esta carência? O dogma de centrar as aprendizagens da
música no ensino clássico da cultura ocidental, mantém um conservadorismo nas escolas;
há uma segmentarização dos géneros musicais no ensino vocacional: o sobre apreço da
música erudita conhecida também como música clássica e a subestimação da música
popular, definida como um termo amplo que inclui o Blues, o Jazz, o Rock e as suas versões
comerciais, a música Folclórica, entre muitos tipos musicais (OLIVEIRA; RIBEIRO, 2017).
A Portaria nº 691/2009, de 25 de junho, que criou os Cursos Básicos de Dança, de
Música e de Canto Gregoriano e aprovou os respetivos planos de estudo, contribuiu para o
melhoramento do subsistema de ensino, no entanto, continua a haver por parte dos jovens
nas escolas de ensino especializado de música, a procura de conhecimentos ligados a
outras linguagens musicais como o pop/rock, o jazz, world music, música popular tradicional
(PACHECO, 2013). Apesar desta constante procura, as escolas, ainda com um ensino
baseado nas estruturas eruditas ocidentais seculares, continuam a não corresponder às
aspirações de uma grande parte dos jovens. Torna-se, assim, necessário que o ensino da
música responda às necessidades dos jovens nas múltiplas linguagens musicais, assim
como fomentar a inclusão de outras tipologias musicais no ensino artístico especializado
(PACHECO, 2013).
No início do século XX pedagogos da música e da pedagogia como, Cecil Sharp,
Zoltán Kodály e Ruth Seeger trabalharam no sentido de incluir no currículo das escolas
americanas e europeias música popular (neste caso concreto, entenda-se toda a música
que não é erudita). A partir da década de 1960 assistimos à inclusão do jazz nos currículos
escolares das instituições ocidentais, e na Inglaterra a música popular ganha, também,
muitos adeptos (GREEN, 2002).
O ensino da Educação Musical de uma forma geral não é uniforme no que diz respeito
aos conteúdos programáticos, podendo variar de cultura para cultura ou de região para
região. No entanto, dentro dessas variações podemos encontrar alguns fios condutores
que são transversais, como por exemplo, o ensino da composição, que não sendo uma
atividade universal é uma prática comum no ensino da música. Barrett (1998) descreveu
alguns desses contextos em que a composição faz parte dos programas de estudo do
ensino genérico. Nesta mesma perspetiva, McCarthy (2001, p. XII, tradução nossa) refere
o seguinte: «o conteúdo dos programas de estudo em educação musical generalista varia
até certo ponto de um país para o outro»1.
De facto, em vários países da Europa e do Mundo as atividades de composição
musical são preponderantes no processo de ensino e aprendizagem musical. Estas
1 Original: «The content of programmes of study in generalist music education varies to some extent from one country
to another» (McCARTHY, 2001, p. XII).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
142
atividades não se circunscrevem apenas a uma determinada tipologia musical tida como de
qualidade superior (música erudita ocidental), mas incidem também em tipologias musicais
próximas do gosto dos alunos, como por exemplo a música popular. Alguns processos
pedagógicos utilizados por Schafer (1991, 2001) estão relacionados com a Educação
Musical: a) paisagem sonora, referente aos sons do ambiente; b) o desenvolvimento da
perceção de escuta; c) expansão da nossa perceção auditiva; d) o silêncio. Murray Schafer
inspirou-se nos conceitos de John Cage, da escuta criativa e consciência sensorial, em
que desafiava os ouvintes a ouvirem o silêncio e a sentir os ruídos do meio ambiente. Para
John Cage, mencionado por Schafer (1991, 2001), a música era aleatória e afirmava que a
música são os sons à nossa volta. Começaram então a surgir criações com intervencionismo
nas ruas, e obras influenciadas pelos sons das cidades. Murray Schafer influenciado pelas
obras de Cage, começa a envolver os jovens músicos nas novas sonoridades e na criação
musical. No capítulo Limpeza de Ouvidos, Schafer (1991), expõe os objetivos de seu curso
da seguinte maneira:
[s]enti que a minha primeira tarefa nesse curso seria de abrir os ouvidos:
procurei sempre a levar os alunos a notar sons que na verdade nunca haviam
percebido, ouvir avidamente os sons de seu ambiente e ainda os que eles
próprios injetavam neste ambiente (SCHAFER, 1991, p .67).
De acordo com Fonterrada (2008, p. 195):
As atividades que Schafer propõe podem ser executados dentro ou fora
da sala de aula, com grupos de qualquer faixa etária e com ênfase no som
ambiental. Essas atividades tanto podem ser utilizados dentro do currículo
específico de música como em atividades extra classe ou mesmo fora da
escola[...].
Para Keith Swanwick (2003), o essencial é respeitar o estágio em que cada aluno se
encontra e seguir três princípios fundamentais: preocupar-se com a capacidade da criança
de entender o que é proposto; observar o que ela traz da sua realidade, as coisas com
que também pode contribuir; um ensino fluente, isto é como se fosse uma conversa entre
estudantes e professor.
O propósito da música não é, simplesmente, criar produtos para a sociedade.
É uma experiência de vida em si mesma, que devemos tornar compreensível
e agradável. É uma experiência do presente. Essas crianças estão vivendo
hoje, e não aprendendo a viver para o amanhã. Devemos ajudar cada criança
a vivenciar a música agora (SWANWICK, 2003, p.72).
Em Portugal o currículo escolar não compreende atividades ligadas à composição
musical, especialmente no âmbito do ensino artístico especializado da música. Neste
subsistema o curso de composição é introduzido apenas no curso secundário de música
(Portaria nº 243-B/2012, de 13 de agosto). No âmbito do curso básico de música os alunos,
regra geral, não têm contacto com atividades de composição, improvisação e apreciação
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
143
musical em qualquer uma das disciplinas do curso. A música praticada no contexto de
escola difere da música que os alunos ouvem fora do contexto escolar.
A inclusão da música popular para satisfazer os gostos dos jovens de forma a
incentivar os mesmos para a música clássica desvaloriza a música popular (GREEN,
1988), neste sentido é importante compreender até que ponto a sala de aula condiciona os
significados musicais, tanto em relação à música popular, assim como à música clássica.
Sendo assim, é importante compreender a questão da música que se faz dentro e fora do
âmbito escolar, com especial incidência no ensino secundário, e tentar perceber as razões
pelas quais os alunos do curso básico de música não prosseguem estudos ao nível da
composição musical no curso secundário. De referir, que alguns dos alunos que optam pelo
prosseguimento de estudos de composição no ensino secundário, aquando do ingresso
numa escola de ensino artístico especializado de música, trazem consigo importantes
experiências musicais relacionadas com a criação musical, proporcionadas por um ensino
não formal e informal. Um outro aspeto a não descurar é perceber quais as aspirações que
os alunos têm relativamente à música, o que pretendem aprender, e o que as escolas têm
para oferecer aos seus alunos. Neste sentido podem-se colocar várias questões, tais como:
1. Que tipo de música os alunos aprendem na escola?
2. Qual o tipo de música que os alunos praticam fora do âmbito escolar?
3. Será que as escolas estão a corresponder às espectativas dos alunos?
4. Que espectativas e perspetivas têm os alunos quando ingressam no curso de
música?
5. Não deveriam as escolas reformular o seu plano de ensino de forma a ir de
encontro às necessidades dos alunos, tentando ajustar ao que eles pretendem ou
às espectativas criadas por eles em relação à música?
No contexto de escola de música formal, as metodologias de ensino incidem em
práticas pedagógicas tradicionais assentes no paradigma da música dita erudita ocidental.
No entanto, é do conhecimento geral a ligação dos jovens a outras tipologias musicais mais
próximas da sua identidade. Neste sentido, a procura musical dos alunos parece ter pouca
resposta na escola de música formal. O processo de ensino e aprendizagem da música
em contexto não formal e informal participa de um conjunto de pressupostos que poderiam
contribuir para o desenvolvimento do aluno em contexto formal. Nesta perspetiva Green
(2002) identificou cinco princípios chave da aprendizagem informal:
1. A aprendizagem informal começa com a música escolhida pelos próprios alunos,
por oposição à educação formal, onde os materiais musicais são normalmente préselecionados pelos professores;
2. A principal fonte de aquisição de conhecimentos envolve a cópia de gravações
por ouvido;
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
144
3. A aprendizagem em grupo ou auto-orientada constitui uma parte importante dos
processos de aprendizagem informal;
4. As bases do conhecimento musical são assimiladas em «modos aleatórios,
idiossincráticos e holísticos»;
5. A aprendizagem de música informal geralmente envolve a integração de processos
de escuta, realização, improvisação e composição (em vez de educação musical
formal que tende a se concentrar em apenas uma dessas atividades).
Sendo assim, é importante ter uma espectativa, uma visão atualizada e a mais
representativa possível das experiências musicais dos alunos. Neste particular, a música
que se pratica fora do âmbito escolar, ou dentro do âmbito escolar deve envolver a criança
de uma forma ativa no processo musical. Nesta linha de pensamento (MARTINS, 1974
apud VIEIRA, 1998, p. 29) diz o seguinte:
A ausência de atividades criativas na sala de aula, e um ensino envelhecido,
assente na reprodução das obras dos velhos mestres, eram considerados
os principais responsáveis pela falta de espontaneidade e de entusiasmo
dos alunos, bem como pela sua fraca preparação para a inserção na vida
profissional de músico ou professor.
A improvisação é um meio muito importante para desenvolver habilidades
relacionadas com a criação musical, quer seja no âmbito da disciplina de Educação
Musical, quer seja no âmbito da disciplina de Composição ligada ao ensino especializado.
A ausência destas atividades no processo de ensino e aprendizagem são ainda hoje uma
realidade no contexto de escola de música formal. Neste sentido, modificar ou alterar as
práticas pedagógicas por forma a serem apelativas aos alunos que pretendem seguir a
área da música, pode ser um compromisso e um desafio, para o século XXI, para os alunos
e para os profissionais da música.
3 | A PREFERÊNCIA MUSICAL DOS JOVENS
A preferência musical dos alunos é uma variável a ter em conta na sua opção de
escolha. De facto, a escola de música formal enfatiza muito as suas aprendizagens numa
tipologia musical dita de música erudita ocidental, não levando em conta as perspetivas, o
gosto e as preferências dos alunos. De acordo com Folhadela, Vasconcelos, Palma (1998,
p. 7):
O modelo único de organização curricular e pedagógica, predominante no
ensino especializado da música, que assenta na formação de instrumentistas
solistas, ancorado numa perspectiva do século XIX e numa única tipologia
musical, tem impedido que se dêem respostas adequadas à procura crescente
da aprendizagem musical que correspondam à heterogeneidade dos
territórios, dos alunos, dos públicos, dos profissionais e do desenvolvimento
do mercado de emprego.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
145
Segundo Brito (2016, p. 222), autores como, «Arroyo, Swanwick , Queiroz e Queiroz
e Marinho vêm apontando a necessidade de se levar em consideração o background
cultural/musical dos alunos na elaboração do planejamento escolar». As preferências
musicais dos alunos são condicionadas por diversos fatores, tais como: «a familiaridade,
complexidade e audição repetitiva; influências sociais e culturais; personalidade do ouvinte;
uso da música; género; classe social e idade» (BRITO, 2016, p. 222).
A música ocupa um lugar de relevância na vida e no quotidiano dos indivíduos, em
especial da juventude. É o principal produto cultural consumido pelos jovens. A música está
presente nas atividades de lazer, e também em contextos diversos, quer sejam formais
ou informais. Os jovens escutam, participam de grupos diversos, vocais e instrumentais,
bandas, inscrevem-se em aulas de instrumentos e criam as suas próprias canções (BRITO,
2016). Estes cenários exteriores da música e das vivências dos alunos apresentam-se
como um fundamento para se pensar o ensino de música e ampliar as reflexões sobre o
currículo, conteúdos de ensino e aprendizagem que a escola de música oferece aos jovens
(BRITO, 2016). Para a maioria dos indivíduos, a música é utilizada, de forma voluntaria ou
não, como ferramenta de integração e interação social. As diversas atividades musicais,
como idas a concertos, festivais, discotecas, ou até mesmo ouvir música juntamente com
amigos, proporcionam às pessoas a inserção nos diferentes meios sociais. Neste contexto,
o ensino da música deve considerar estes desideratos no sentido de encontrar soluções
que permitam responder de forma eficaz a uma população que procura o ensino da música
e lhe proporcione uma escolha determinada, consciente e integrada nos seus valores
culturais.
4 | MÚSICA E NOVAS TECNOLOGIAS
Um aspeto relevante nos dias de hoje, e tendo em conta a constante evolução
tecnológica e científica a que estamos sujeitos, mais do que nunca se exige por parte das
instituições e professores uma maior valorização da intuição, da criatividade e da livre
expressão dos estudantes de música, de forma a que estes possam lidar com as diferentes
situações do seu quotidiano e lidar com elas, quer seja dentro ou fora do contexto escolar.
A partir da segunda metade do século XX, sob a influência de pesquisas em música
eletrónica e música concreta realizadas por Pierre Schaeffer, Stockhausen entre outros
compositores, a então chamada música de vanguarda enfoca o som como matéria prima
da música e centro de interesse musical. Esta ideia é defendida por grande parte dos
pedagogos musicais da época. Desde então passa-se a privilegiar, dentro das novas
propostas pedagógicas, a criação, a improvisação, a escuta ativa, a ênfase no som e as
suas características, evitando-se a reprodução vocal e instrumental do que se passa a
dominar música do passado.
O uso das tecnologias como ferramenta de trabalho no campo da criação musical,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
146
é algo que nos dias de hoje não nos podemos dissociar. «As possibilidades criadoras que
estas ferramentas de trabalho nos podem trazer, são fundamentais para o desempenho,
motivação e criação, devendo estas serem ajustadas, à realidade com que nos deparamos
nos dias de hoje» (KIMMEL; DEEK, 1995, p. 327-332). Sendo assim, o uso das tecnologias
como ferramenta de trabalho, torna-se uma questão pertinente e central a abordar no que
diz respeito à criação musical. Desta forma, será fundamental fazer uma reflexão sobre a
utilidade destes novos recursos pedagógicos, que dispomos nos dias de hoje, e de que
forma eles nos podem ser úteis no que diz respeito à criação musical, e motivação dos
alunos para a composição.
5 | CRIATIVIDADE
O conceito de criatividade tem vindo a ser discutido no campo académico e científico.
A criatividade vem sendo compreendida sob perspectivas muito diferentes
ao longo da história. Vista nos tempos antigos como inspiração divina,
somente muito tempo depois, durante a era do Romantismo, na Europa do
século XIX, a criatividade passou a ser entendida como algo que envolvia
as capacidades humanas, tornando-se objeto de estudo nos primórdios da
Psicologia […]. […] em meados do século XX a criatividade foi analisada sob
diversas lentes no campo da Psicologia, perspectivas essas que vêm sendo
ampliadas, com contribuições de diferentes campos do conhecimento. No
início do século XXI, cresce o reconhecimento de que a criatividade precisa
ser compreendida em relação ao contexto cultural no qual se manifesta. Tais
trabalhos vêm emoldurando e direcionando estudos nas áreas da educação,
da educação musical e, mais especificamente, pesquisas sobre práticas
criativas de crianças e jovens em contextos de ensino e de aprendizagem
(BEINEKE, 2012, p. 45).
De facto, a criatividade é compreendida de muitas formas, tanto no senso comum
como no campo científico. Analisando o que as pessoas entendem por criatividade, constatase que ainda predominam muitas ideias preconcebidas sobre o tema. Uma delas é que a
criatividade é um dom divino destinado a um grupo seleto de indivíduos e que por isso
não pode ser ensinada. Outra conceção equivocada de criatividade, é que as pessoas são
criativas ou não, quando o que se observa é que existem graus de criatividade. A crença de
que a ideia criativa surge como um toque de magia também ainda está presente no senso
comum, bem como a correlação entre indivíduos muito criativos e o desajustamento ou
a própria loucura. É negativo pensar a criatividade, como dependente apenas de fatores
intrapessoais, sendo subestimadas as contribuições da sociedade no processo criativo. Na
verdade, não existe consenso sobre o que significa ser criativo (BEINEKE, 2012).
A própria definição de criatividade é um tema de pesquisa que está em constante
revisão, com debates científicos atuais. Um ponto em comum nas definições de criatividade
é que ela envolve sempre a emergência de um produto novo, que pode ser uma ideia ou
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
147
invenção original. Além da necessidade de ser gerado um produto novo, também há certo
consenso de que esse produto deverá ter alguma relevância, ser apropriado à sua função.
A criatividade, no entanto, sempre é relativa, pois envolve o julgamento de seus produtos
por um número de pessoas, que poderá ou não aceitá-lo como criativo. Quem avalia um
produto criativo pode ser uma sociedade, um comité de pessoas ou um único juiz, mas o
nível de criatividade de uma pessoa sempre será avaliado em comparação a outro produto.
Uma produção nova e original, por definição, é aquela que ainda não foi realizada por
outras pessoas, mas essa novidade pode ocorrer em diferentes graus: desde um pequeno
desvio do que já foi feito até uma grande inovação (BEINEKE, 2012). Os caminhos criativos
são limitados por várias restrições. Stravinsky (1947) referiu-se às restrições como um
aspeto essencial nas suas composições quando disse o seguinte: «a minha liberdade
consiste em me movimentar dentro do quadro estreito que projetei a mim mesmo... quanto
mais restrições impusermos, mais nos libertamos das correntes que prendem o espírito»
(STRAVINSKY, 1947, p. 68, tradução nossa)2.
As restrições e liberdade sobre a forma de como os alunos devem compor a música,
continua a ser um tema ainda com muitos debates. Alguns pesquisadores, defendem que
as restrições sobre os recursos de composição, fazem com que a composição sirva de
guia de um processo de tomada de decisões, e podem também encorajar para uma série
de estratégias composicionais (KRATUS, 1989). Por oposição, existe um outro ponto de
vista de um conjunto de pesquisadores, que considera o uso das restrições uma ameaça
ao próprio ato expressivo, e que a falta de liberdade pode acarretar responsabilidades
relacionadas com a autodeterminação (LOANE, 1984; PAYNTER, 1992; WITKIN, 1974).
Também Sternberg (1988) defende a interdependência das restrições e liberdades na
produção criativa como a set of choices, isto é, um conjunto de escolhas limitadas por
critérios psiquiátricos e táticos que determinam o género e o estilo do compositor. Alguns
estudos procuraram determinar os efeitos das restrições. Um estudo australiano realizado
por Burnard (1995), em que examinou estratégias de composição num grupo de estudantes
do ensino secundário, verificou que, tendo os alunos sido sujeitos aos constrangimentos
e liberdades de forma diferente, as abordagens individuais para a composição parecem
consistentes nas tarefas relacionadas com a criatividade e desempenho. Um outro
pesquisador, Younker (2000) informou que as estratégias de composição nos estudantes
com menos instrução formal em música (fora do contexto escolar) diferiu mais dentro de
um grupo etário que em todas as idades, sugerindo que outros fatores como, a idade e a
prática musical foram importantes na maneira como se aproximavam na forma de compor.
São os pesquisadores que têm feito trabalhos de investigação sobre o desenvolvimento
musical que sugerem que existe uma relação hierárquica entre o uso da estratégia e a idade
(KRATUS, 1994), enquanto Swanwick e Tillman (1986) sugerem uma relação em espiral
2 Original: «(…) my freedom consists in my moving about within the narrow frame that I have designed myself ... the
more constraints one imposes, the more one frees one’s self of the chains that shackle the spirit» (STRAVINSKY, 1947,
p. 68).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
148
entre a idade e os conteúdos. No entanto, a progressão do desenvolvimento exibida em
todas as idades nos relatórios de Barrett (1996) e Davies (1992) revelou-se menos óbvia.
Tudo dentro de uma perspetiva construtiva tentando entender a natureza das diferenças
nas formas como os alunos compõem, procurando descrever e interpretar as estratégias
de acordo como os participantes as entenderam. As crianças são menos constrangidas
nas práticas composicionais que os adultos, e têm menos objeções no que diz respeito às
competências musicais. Os resultados mostram que a capacidade de resolver problemas
musicais criativos, o uso de processos estratégicos como a repetição são frequentes.
Uma estratégia, segundo Wallas (1926), é definida como um plano que envolve
momentos de decisão para a composição. As etapas referentes às operações criativas
são as seguintes: 1) a preparação, quando um indivíduo pensa sobre um esboço geral;
2) a incubação, indica quando o indivíduo começa a gerar ideias e conteúdos musicais
específicos e considera várias possibilidades; 3) a iluminação, quando o material é avaliado,
selecionado, modificado e organizado em estruturas; 4) a verificação, avaliação da peça e
as decisões tomadas.
Apesar da inclusão da composição musical nos currículos escolares de música no
Reino Unido, EUA, Canadá e Austrália, o papel da criatividade na composição musical
é uma questão difícil. Paynter (1982) considera a composição e principalmente a
improvisação como o preferido e o principal meio de aprendizagem, portanto deve estar
presente no currículo do aluno. Lawrence (1978), considera que a improvisação deve estar
presente no processo de composição, ou «um impulso que cria a criação em movimento»
(SESSIONS, 1952, p. 38), e considera os dois fenómenos como indistinguíveis no ato da
criação (LOANE, 1984; DAVIES, 1992; MARSH, 1995).
Sendo a improvisação parte integrante de estilos e géneros, como jazz e blues,
o termo pode ser usado para descrever a essência da espontaneidade de estilos préexistentes (ELLIOTT, 1996). Está provado que experiências com a improvisação com
adultos dão resultados, o mesmo não acontece com crianças. Surge então uma questão,
até que ponto a experiência das crianças de improvisar e compor resulta como nos adultos?
Não existe um conhecimento relativamente à experiência de improvisação e composição
nas crianças, apenas alegações contraditórias que propõem: a existência de diferentes
processos musicais (KRATUS, 1989, 1991; UPITIS, 1992): envolvimento de habilidades
distintas (Webster,1990; McPherson,1998); e diferentes aptidões (GORDON, 2000).
Outros consideram que os dois processos são indiscutíveis (SWANWICK; TILLMAN, 1986;
LOANE, 1987). O termo composição foi aplicado a formas de improvisação e música criativa
(SWANWICK; TILLMAN, 1986; DAVIES, 1992). Investigadores posteriores começam a
delimitar esses termos (composição e improvisação) de forma mais especifica (WEBSTER,
1990; KRATUS, 1994; BARRETT, 1996; FOLKESTAD,1998). Sendo assim, é importante
perceber como as crianças reagem à improvisação e composição, e explorar a natureza da
relação entre improvisação e composição na perspetiva das crianças.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
149
6 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da música nas escolas especializadas tem seguido um caminho orientado
para uma determinada tipologia musical e assenta em práticas pedagógicas tradicionais,
herdadas do século XIX. Por seu lado, verifica-se, na atualidade, uma procura musical
eclética por parte dos jovens que se associam a outros géneros e estilos musicais integrados
no âmbito da música dita popular. Estas tipologias são subvalorizadas pela escola de
música especializada não privilegiando a música que se ouve fora da escola. De facto,
é do conhecimento que as preferências musicais dos jovens não são levadas em conta
na planificação das aulas de música. Por outro lado, a escola de música especializada
não promove pedagogias centradas nos alunos nem utiliza as novas tecnologias e detém
pouca atenção ou nenhuma ao ato criativo dos alunos. Os alunos são reprodutores e não
compositores.
Há um conjunto de factores estruturantes da educação musical que são
considerados inibidores da criatividade, entre ele está o facto de esta fazer
da criança um re-criador em vez de criador, ou seja, a principal base que
sustenta essa educação está na performance em vez de estar na criação,
e performance de música do passado. Na perspectiva dos compositores,
nomeadamente Pierre Schaeffer (1933-) e John Paynter (1931-2010), a causa
do afastamento actual entre a música contemporânea e as instituições de
ensino da música deve-se ao pouco envolvimento dos alunos na composição
(FERREIRA, 2011, p. 10).
A diferença entre o que se ouve em casa e o que se pratica na escola pode estar na
origem da pouca procura, por pare dos jovens, pelo curso de composição musical da escola
de música especializada.
REFERÊNCIAS
BARRETT, Margaret. Children’s aesthetic decision-making: An analysis of children’s musical discourse
as composers. International Journal of Music Education, Londres, v. 28, nº 1, p. 37-62, 1996. https://
doi.org/10.1177/025576149602800104
BARRETT, Margaret. Researching children’s compositional processes and products: connections
to music education practice? In: SUNDIN, B.; McPHERSON, G.; FOLKESTAD, G. (Eds.). Children
Composing. Malmö: Lund University, 1998. p. 10-34.
BEINEKE, Viviane. Aprendizagem criativa e educação musical: trajetórias de pesquisa e perspectivas
educacionais. Educação, Santa Maria, v. 37, n. 1, p. 45-60, jan./abr. 2012.
BRITO, Mikely Pereira. O jovem e suas preferências musicais: revisão de literatura. In: COLÓQUIO
DE PESQUISA DO PPGM/UFRJ – VOL. 2 – PROCESSOS CRIATIVOS, 14º, 2015, Rio de Janeiro.
Anais…Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2016. p. 222-236.
BURNARD, Pamela. Task Design and Experience in Composition. Research Studies in Music
Education, v. 5, n. 1, p. 32–46, 1995. https://doi.org/10.1177/1321103X9500500104
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
150
CAMPBELL, Patricia Shehan. Global Practices. In: MCPHERSON, G. (Ed.). The Child as Musician: A
handbook of musical development. New York: Oxford University Press, 2006. p.415- 438.
DAVIES, Coral. Listen to my song: A study of songs invented by children aged 5 to 7 years. British
Journal of Music Education, v. 9, n. 1, p. 19-48, 1992. doi:10.1017/S0265051700008676
ELLIOTT, David. Improvisation and Jazz: Implications for International Practice. International Journal
of Music Education, Londres, v. 26, nº 1, p. 3–13, 1996. https://doi.org/10.1177/025576149502600101
FERREIRA, Cristina Henriques Leitão Jorge. A criatividade na aprendizagem da formação musical.
Dissertação (Mestrado para o Ensino Vocacional da Música). Departamento de Comunicação e Arte,
Universidade de Aveiro, Aveiro, 2011.
FOLHADELA, Paula; VASCONCELOS, António Ângelo; PALMA, Eduardo. Ensino Especializado da
Música Reflexões de Escolas e de Professores. Lisboa: ME – Departamento do Ensino Secundário,
1998.
FOLKESTAD, Göran. Musical learning as a cultural practice. As exemplified in computer-based creative
music making. In: SUNDIN, B.; McPHERSON, G.; FOLKESTAD, G. (Eds.). Children Composing.
Malmö: Lund University, 1998. p. 97-134.
FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios um ensaio sobre música e educação.
São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 2008.
GORDON, Edwin. Teoria da Aprendizagem Musical. Competências, Conteúdos e Padrões. Lisboa:
FCG, 2000.
GREEN, Lucy. Music on deaf ears: Musical meaning, ideology and education. Manchester:
Manchester University Press, 1988.
GREEN, Lucy. How Popular Musicians Learn: A Way Ahead for Music Education. London: Ashgate
Publishing Limited, 2002.
KIMMEL, Howard; DEEK, Fadi . Instructional Technology: A Tool or a Panacea? Journal of Science
Education and Technology, v. 4, n. 4, p. 327-332, 1995.
KRATUS, John. A Time Analysis of the Compositional Processes Used by Children Ages
7 to 11. Journal of Research in Music Education, v. 37, n. 1, p.5-20, 1989. https://doi.
org/10.2307/3344949
KRATUS, John. Growing with improvisation. Music Educators Journal, v. 78, n. 4, p. 35-40, dez.
1991. doi: 10.2307/3398335
KRATUS, John. The Ways Children Compose. In: LEES, H. (Ed.). Musical Connections: Tradition and
Change. Proceedings of the 21st World Conference of the International Society of Music Education.
Auckland, New Zealand, Uniprint: The University of Auckland, 1994. p. 128-141.
LAWRENCE, Ian. Composers and the Nature of Music Education. London: Scholar Press, 1978.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
151
LOANE, Brian. Thinking about children’s compositions. British Journal of Music Education, v. 1, nº 3, p.
205-231, 1984. doi: https://doi.org/10.1017/S0265051700000450
LOANE, Brian. Understanding children’s music. Unpublished PhD dissertation, University of York,
1987.
MARSH, Kathryn. Children’s Singing Games: Composition in the Playground? Research Studies in
Music Education, v. 4, n. 1, p. 2–11, 1995. https://doi.org/10.1177/1321103X9500400102
McCARTHY, Marie. Musical Development and Learning: The International Perspective, edited by David
J. Hargreaves and Adrian C. North. London: Continuum, 2001. 224 pp. British Journal of Music
Education. v. 18, n. 3, p. 293 – 308, 2001. doi:10.1017/S0265051701210377.
McPHERSON, Gary. Creativity and music education: broader issues-wider perspectives. In: SUNDIN,
B.; McPHERSON, G.; FOLKESTAD, G. (Eds.). Children Composing. Malmö: Lund University, 1998. p.
135-156.
OLIVEIRA, Sidónio Manuel da Costa; RIBEIRO, António José Pacheco. O Lugar de Outras
Tipologias Musicais no Ensino Artístico Especializado da Música em Portugal. Revista de Estudios
e Investigación en Psicología y Educación, n. 04, p. 120-123, 15 dez. 2017. doi: http://dx.doi.
org/10.17979/reipe.2017.0.0.04.2645
PACHECO, António. O Ensino da Música em Regime Articulado. Projeto de Investigação-Ação
no Conservatório do Vale do Sousa. Tese (Doutoramento em Estudos da Criança – Especialidade
Educação Musical). Instituto de Educação, Universidade do Minho, Braga, 2013.
PAYNTER, John. Music in the Secondary Scholl Curriculum: trends and developments in class
music teaching. Cambridge: Cambridge university Press, 1982.
PAYNTER, John. Sound and Structure. Cambridge: Cambridge University Press, 1992.
PORTUGAL. Portaria n.º 691/2009, de 25 de junho – Cria os Cursos Básicos de Dança, de Música e
Canto Gregoriano e aprova os respetivos Planos de Estudos.
PORTUGAL. Portaria nº 243-B/2012, de 13 de agosto – Cria os cursos secundários artísticos
especializados de Dança, de Música, de Canto e de Canto Gregoriano e aprova os respetivos planos
de estudos ministrados em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo.
SESSIONS, Roger. The composer and his message. In: GHISELIN, B. (Ed.). The Creative Process: A
Symposium. Los Angeles: University of California Press, 1952. p. 36–40.
SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1991.
SCHAFER, Murray. A Afinação do Mundo. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 2001.
STERNBERG, Robert (Ed.). The nature of creativity: Contemporary psychological
perspectives. Cambridge: University Press, 1988.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
152
STRAVINSKY, Igor. The Poetics of Music: in the Form of six Lessons. Translated by A. Knodell e I.
Dahl. New York: Vintage Books, 1947.
SWANWICK, Keith; TILLMAN, June. The Sequence of Musical Development: A Study of Children’s
Composition. British Journal of Music Education, v. 3, n.3, p. 305-339, 1986. doi:10.1017/
S0265051700000814
SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. Trad. Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São
Paulo: Moderna, 2003.
UPITIS, Rena. Can I play you my song? The compositions and invented notations of children.
Portsmouth: Heinemann Educational Books, 1992.
YOUNKER, Betty Anne. Thought Processes and Strategies of Students Engaged in Music
Composition 1. Research Studies in Music Education, v. 14, n.1, p. 24–39, 2000. https://doi.
org/10.1177/1321103X0001400103
WALLAS, Graham. The Art of Thought. New York: Harcourt, Brace & World, 1926.
WEBSTER, Peter. Creativity as creative thinking. Music Educators Journal, v. 76, n. 9, p. 22–28,
1990.
WITKIN, Robert. The Intelligence of Feeling. London: Heinemann, 1974.
VIEIRA, Maria Helena (1998). O papel de Maria de Lourdes Martins na Introdução da metodologia Orff
em Portugal. Arte Musical, v. III, IV série, nº 10/ 11, p. 23-30, jan.-Jun. 1998.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 15
153
CAPÍTULO 16
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CATEGORIAS E CRITÉRIOS PARA ANÁLISE DE
DIFICULDADES MUSICAIS EM OBRAS ESCRITAS
PARA PIANO
Data de aceite: 16/04/2021
criteria.
1 | INTRODUÇÃO
Este trabalho visa saber identificar e
Júnia Gonçalves Santiago
http://lattes.cnpq.br/8205568667624773
caracterizar o nível de dificuldade técnicomusical perceptível de uma obra musical
qualquer sob o ponto de vista pianístico. Buscar-
RESUMO: Este estudo enfoca a classificação
de categorias e critérios, sob os aspectos da
escrita pianística, que ajudem a identificar
dificuldades existentes em obras musicais para
este instrumento. Foi estabelecido as seguintes
categorias: tempo e ritmo, melodia, textura e
sonoridade. A cada uma destas categorias foram
conferidos três possíveis níveis de dificuldade:
pouca dificuldade, razoável dificuldade e muita
dificuldade, que contribuirá para a classificação
de dificuldade técnica mais específica em uma
obra musical.
PALAVRAS - CHAVE: Nível de dificuldade.
Piano. Critérios Musicais.
se-á um melhor conhecimento da escrita através
do estabelecimento de ferramentas específicas
para a realização de uma análise.
No livro 36 Compositores Brasileiros:
Obras
para
piano
(1950
a
1988),
de
GANDELMAN (1997), consiste em mostrar
as
características
dificuldade
composicionais
técnico-musical,
e
a
classificando-se
em níveis de dificuldade a produção pianística
dos
compositores
selecionados,
sendo
esta avaliação feita a partir da observação
desenvolvida ao longo dos anos de ensino da
autora; o trabalho não trata, no entanto, das
ABSTRACT: This study focuses on the
investigation of categories and criterion,
departing from its pianistic writing, that help to
identify the existing difficulties in musical works
for this instrument. Was made through the use
of the following categories: tempo and rhythm,
melody, texture and sonority. To each one of
these categories three possible levels of difficulty
were given: low difficulty, reasonable difficulty,
much difficulty, which contribute to the technical
difficulty of classification more specific in a
musical work.
KEYWORDS: Level of difficulty. Piano. Musical
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
práticas e ferramentas utilizadas para esta
classificação. O Guia Prático e Temático n°1,
RICORDI (1978), aborda a mesma questão, ao
classificar todas as edições de composição para
piano feitas pela editora Ricordi por grau de
dificuldade, indicando músicas desde o primeiro
ano do curso preliminar até o curso superior,
contudo também não define quais mecanismos
utilizados para tal definição.
Consultas
pianística,
em
incluindo
tratados
os
livros
Capítulo 16
de
técnica
Teoria
da
154
Aprendizagem Pianística, de KAPLAN (1985) e Como devemos estudar piano de LEIMER
e GIESEKING (1949), evidenciaram que os autores enfatizam a necessidade de um estudo
consciente para uma execução pianística mais efetiva, estabelecendo padrões gerais
relevantes para um estudo acerca de dificuldades técnico-musicais.
A escolha do tema deste artigo justifica-se pela necessidade de tal conhecimento para
o repertório didático-pianístico brasileiro, por um lado, assim como pela inexistência, até o
momento, de um estudo que ofereça aos professores de piano, ferramentas pedagógicas
que lidem especificamente sobre a identificação de dificuldade técnico-musical em uma
obra.
Para que isto seja possível, faz-se necessário o estabelecimento da seguinte
metodologia:
•
Estabelecimento de categorias a serem utilizadas na investigação da dificuldade técnico-musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como
a classificação de três níveis a serem utilizados para o estabelecimento da dificuldade de cada categoria em cada peça: 1) pouca dificuldade; 2) razoável
dificuldade e 3) muita dificuldade. Tais classificações estão descritas no capítulo
2, Categorias e Critérios de dificuldade pianística, onde parte de uma avaliação
tanto quantitativa quanto qualitativa das categorias técnico-musicais analisadas;
Haja vista a importância deste tema aqui abordado, assim como a necessidade
de um estudo que vise à aplicação prática dos conhecimentos adquiridos, acredita-se ser
relevante um trabalho que contribua para um melhor entendimento de obra pianística e
que proporcione resultados que possam ser úteis tanto para a performance quanto para o
ensino da mesma.
2 | CATEGORIAS E CRITÉRIOS DE DIFICULDADE PIANÍSTICA
A análise musical, assim como qualquer avaliação acerca de determinado objeto,
mesmo quando pautada por critérios objetivos, envolve considerável grau de subjetividade.
O maestro e pensador Sérgio Magnani discorre a respeito:
A estética, como disciplina teorética, é a reflexão em torno dos problemas da
arte; como atividade prática, é a contemplação consciente da obra de arte,
a integração com o processo criativo e com seus objetivos, o processamento
interior dos dados que permitem a formulação de um juízo crítico. Note-se
que todas estas operações do espírito são orientadas e potenciadas pela
cultura; mas podem também independer dela, desenrolando-se por canais
de identificação intuitiva ou não identificação intuitiva, (MAGNANI, 1989,
pag.15).
Contudo, para um melhor entendimento acerca do processo de classificação de
dificuldade proposto, apresentamos aqui um detalhamento das diferentes categorias
utilizadas nesta análise, tidas como fundamentais para a execução pianístico- musical:
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
155
1. Tempo e ritmo; 2. Melodia; 3. Textura; 4. Sonoridade. Para uma maior clareza quanto
à avaliação destas categorias foram previamente estabelecidos três níveis de dificuldade,
utilizados para uma análise tanto quantitativa quanto qualitativa: 1. Pouca dificuldade; 2.
Razoável dificuldade; 3. Muita dificuldade.
2.1 Tempo e Ritmo
De acordo com FALLOWS (2001), pg. 120, tempo - ou andamento - é “a velocidade
na qual procede a performance”, enquanto que ritmo, conforme DÜRR e GERSTENBERG
(2001), pg.804, é “a subdivisão de um período de tempo em seções perceptíveis pelos
sentidos; o agrupamento de sons musicais, principalmente através de duração e
acentuação”.
Ritmo talvez seja o mais fundamental dos três elementos musicais básicos, os
outros dois sendo melodia e harmonia; sua organização afeta toda a estruturação musical
e seu maior ou menor nível de complexidade pode ser determinante quanto ao grau de
dificuldade de uma obra. A velocidade de execução pode, igualmente, contribuir para a
percepção relativa à dificuldade, já que envolve diferentes níveis da complexidade motora
necessária à performance.
2.1.1
Pouca Dificuldade
Neste nível incluímos andamentos lentos, como Larghetto, Adagio e Andante, em
especial por possibilitarem maior tempo para o executante realizar a leitura, localizar-se ao
teclado, assim como para uma execução com maior fluência e correção acerca de notas
e ritmos. Andamentos extremamente lentos, como Grave e Largo, tornam a avaliação de
dificuldade ainda menos objetiva, já que envolvem uma maior complexidade quanto à
manutenção do pulso.
Sobre a agógica destacamos a pouca incidência de indicações que alterem a
mudança de andamento e que tenham apenas um ou dois tipos de expressões como, por
exemplo, accelerando e rallentando.
Consideramos também de pouca dificuldade a incidência de compassos binários,
ternários e quaternários, assim como os tipos simples de ritmos e suas combinações. As
peças que contenham predominantemente figuras como mínima, semínima e colcheia, ou
uma mesma célula rítmica permeando toda a obra, serão classificadas neste primeiro nível.
2.1.2
Razoável Dificuldade
Andamentos de velocidade moderada como Andantino e Allegretto que possibilitem
uma execução tranquila, porém com maior fluência, serão aqui incluídos. Na agógica,
destacamos uma maior incidência de expressões, e mais variações de indicações de
mudança de andamento. Os compassos compostos binários, ternários e quaternários,
subdivisões binárias e ternárias, a pouca incidência de síncopes simples e polirritmias
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
156
básicas (duas colcheias contra três colcheias, por exemplo.) serão também considerados
como de razoável dificuldade.
2.1.3
Muita Dificuldade
Tempos rápidos ou muito rápidos, caracterizados por uma complexidade maior quanto
à realização motora e destreza e de caráter até virtuosístico (por exemplo, Allegro, Vivace,
Presto e Prestíssimo), serão tidos como de muita dificuldade. Na agógica, destacamos
uma ampla incidência e diversidade de expressões de andamento, assim como mudanças
bruscas das mesmas.
Também ficam neste nível a polimetria, a alternância e combinações diversas de
compassos assim como uma maior variedade de pulsação dentro de uma mesma peça
ou movimento. Os aparecimentos constantes de síncopes, polirritmias mais elaboradas
(quatro semicolcheias contra cinco semicolcheias, por exemplo), diferentes combinações
rítmicas justapostas, quiálteras acima de cinco notas, além da grande diversidade nas
indicações de acentuações e seus deslocamentos também serão considerados elementos
de muita dificuldade.
2.2 Melodia
De acordo com RINGER (2001), pg. 363, melodia pode ser definida como “sons
de alturas determinadas, organizados no tempo musical (...)”. Serão aqui avaliados,
primariamente, a ocorrência de distâncias intervalares diversas, assim como dos vários
sinais utilizados para denotar a articulação melódica, tais como ligadura, tenuta, staccato,
entre outros, envolvidos na identificação e análise das frases musicais. O aspecto melódico
de uma obra diz respeito, igualmente, à maior ou menor complexidade da invenção temática,
resultando em “ideias musicais”, “temas” ou “melodias” que ocorrem em profusão pequena
ou grande e podem se caracterizar como mais ou menos elaboradas.
2.2.1
Pouca Dificuldade
Linhas melódicas de extensão restrita e com maior incidência de graus conjuntos,
saltos pouco frequentes e predominantemente contidos em uma oitava, assim como pouca
ou nenhuma diversidade de articulação caracterizarão a pouca dificuldade melódica; os
temas são poucos, simples e facilmente identificáveis.
2.2.2
Razoável Dificuldade
Neste nível as linhas melódicas podem ter maior extensão, os saltos são
razoavelmente amplos (não maiores que duas oitavas) e aparecem com maior frequência;
alguma diversidade pode ser notada quanto à articulação e organização das frases, e os
temas podem apresentar maior diversidade.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
157
2.2.3
Muita Dificuldade
Aqui poderemos encontrar linhas melódicas muito extensas, multiplicidade de temas
com grande variedade inventiva, além de saltos rápidos e frequentes com âmbito de mais
de duas oitavas. Uma grande diversidade de articulação e de organização fraseológica,
assim como a sobreposição de diferentes tipos de articulação também serão tidos como
elementos de muita dificuldade.
2.3 Textura
Conforme THE NEW GROVE (2001), pg. 323, textura é “termo usado vagamente
em referência a quaisquer dos aspectos verticais de uma estrutura musical, usualmente
em relação à maneira em que partes ou vozes individuais são organizadas. “ Há dois
tipos principais de textura: homofônica, na qual as partes são interdependentes ou há
clara distinção entre melodia e acompanhamento; e polifônica, onde as vozes movemse independentemente ou em imitação. Entre estes dois tipos há ainda um “estilo livre”
(free-part style), onde o número de partes pode variar em uma única frase. Pode-se ainda
referir-se à textura como “densa” ou “leve”, com relação ao espaçamento de acordes e/
ou quantidade de vozes envolvidas. A textura pianística pode envolver consideráveis e
variados níveis de complexidade, representando desafios diversos à performance.
2.3.1
Pouca Dificuldade
Aqui deverá haver predominância de textura homofônica, em especial a incidência
da relação melodia/acompanhamento, assim como uma organização textural mais “leve”
da composição.
2.3.2
Razoável Dificuldade
Incluiremos neste nível peças de textura homofônica com eventual adensamento
na organização das partes, assim como aquelas de textura mista ou polifônica que
envolva pouca complexidade contrapontística (número restrito de vozes e com pouca
movimentação).
2.3.3
Muita Dificuldade
Neste nível incluiremos composições de textura homofônica que compreenda
grande adensamento das partes, assim como outras de textura mista e/ou polifônicocontrapontística mais densa e complexa, envolvendo maior número de vozes com
considerável movimentação.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
158
2.4 Sonoridade
Esta categoria será vista, aqui, como o conjunto de aspectos diversos relacionados
à qualidade do som musical-pianístico, como, por exemplo, timbre, dinâmica, pedalização,
utilizados na performance. Partir-se-á não somente das indicações expressamente grafadas
no texto musical, mas também do que é indiretamente sugerido pelo mesmo.
2.4.1
Pouca Dificuldade
Pouca variação de dinâmica caracterizará este nível, com a ocorrência de poucos
planos de intensidade, assim como utilização restrita da extensão do teclado, efeitos
timbrísticos simples e pedalização básica (esparso e simples uso do pedal da direita,
preferencialmente sem uso da una corda).
2.4.2
Razoável Dificuldade
Efeitos mais variados de dinâmica, com maior e mais diverso âmbito de intensidades
utilizadas. O timbre poderá ser mais explorado, a partir da necessidade de utilização de
diferentes tipos de toque (sugeridos por indicações como cantabile, dolce, sfz, etc.). A
pedalização poderá requerer o uso da una corda, como também do pedal da direita de
maneira mais extensa e variada.
2.4.3
Muita Dificuldade
Neste nível será incluído o uso mais amplo e diversificado de dinâmica (desde o ppp
até o ffff, por exemplo), como também abruptos e frequentes contrastes de toques visando
alterações no timbre. O teclado poderá ser explorado em toda a sua extensão, e o uso do
pedal dar-se-á de maneira mais diversificada e complexa, a partir, por exemplo, de trocas
frequentes e/ou rápidas, uso de efeitos como meio ou um quarto de pedal, trêmulo de
pedal, una corda, pedal tonal (sostenuto).
Utilizou-se o termo “dificuldade” como um substantivo que pudesse representar o
nível de complexidade pianística de cada uma das categorias avaliadas, assim como em
oposição a “facilidade”, expressão que esta autora acredita não ser possível utilizar em
relação a nenhuma das obras analisadas.
Muito embora a avaliação proposta acima apresente vários critérios, não há como
ver-se livre de um forte elemento subjetivo quando de sua efetivação. Acreditamos, no
entanto, ser este um fator importante para que esta análise possa ser não somente
quantitativa, mas, também qualitativa, o que, esperamos, possa contribuir de maneira ainda
mais efetiva para a compreensão acerca dos diferentes níveis de dificuldade pianística
presentes na obra.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
159
2.5 Resumo dos Critérios
Para melhor entendimento, segue um resumo de todas as categorias e seus
atributos, separados em quadros por nível de dificuldade, conforme critérios estabelecidos.
2.5.1
Tempo e Ritmo
Quadro 1
Quadro 2
Quadro 3
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
160
2.5.2
Melodia
Quadro 4
Quadro 5
Quadro 6
2.5.3
Textura
Quadro 7
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
161
Quadro 8
Quadro 9
2.5.4
Sonoridade
Quadro 10
Quadro 11
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
162
Quadro 12
3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos importante este trabalho, no sentido de ser um auxílio na ocasião em
que se precise classificar determinados níveis de dificuldades existentes principalmente
em obras musicais dedicadas ao piano. Esta pesquisa coopera como uma ferramenta que
instiga a observar certas Categorias e Critérios relevantes dentro de uma música.
Os Níveis de Dificuldades estabelecidos neste trabalho, forma classificados e
definimos em três níveis como: pouca dificuldade, razoável dificuldade e muita dificuldade,
uma forma despretensiosa que contribuirá para a classificação descomplicada do grau de
dificuldade técnica dentro de uma obra musical.
É importante entender que cada categoria seja, Tempo e ritmo. Melodia; Textura e
Sonoridade devem ser analisadas em uma partitura musical de forma distinta uma da outra,
ou seja, o nível de dificuldade é disposto em separado em cada grupo. Sendo assim, uma
mesma obra musical pode ter variados graus de dificuldade, evidentemente em categorias
diferentes. Como exemplo, uma música pode estar com a categoria Tempo e Ritmo, em um
nível de pouca dificuldade, já a sua Melodia e Sonoridade em alta dificuldade e por fim sua
Textura em razoável dificuldade.
Em síntese, o olhar para cada Categoria deve ser analisado de forma singular, pois
é sabido que a uma música é composta pela combinação de diversos elementos e cada um
carrega uma função particular.
Acredita-se que os resultados desta pesquisa possam vir a lançar uma luz sobre o
trabalho daqueles que venham a se debruçar sobre dificuldades de leitura pianística, assim
como gradações de dificuldades tanto de leitura como também sobre a técnica pianística,
sejam eles intérpretes, professores ou estudantes, a partir de uma maior consciência em
relação aos níveis de dificuldade pianístico-musical presentes na obra.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
163
REFERÊNCIAS
DÜRR, Walther e GERSTENBERG, Walter. Melody. Rhythm. Tempo. Texture. In: The New Grove
nd
Dictionary of Music and Musicians. 2 . ed. London and New York: Grove Macmillan Publishers
Limited, 2001.
a
GANDELMAN, Salomea. 36 Compositores Brasileiros: Obras para Piano (1950 a 1988). 1 ed. Rio de
Janeiro: Funarte/Relume Dumará, 1997. 335p.
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985. 112
p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana Braunwieser. São
Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MAGNANI, Sérgio. Expressão e Comunicação na Linguagem da Música. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1989.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita,
Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998. 912p.
RICORDI, Guia Prático e Temático n°1. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1978. 384p.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 16
164
CAPÍTULO 17
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA
NA I SUÍTE BRASILEIRA DE OSCAR LORENZO
FERNANDEZ
Data de aceite: 16/04/2021
existing or not this suite obstacles.
KEYWORDS: Analysis. Lorenzo Fernândez .
Piano.
Júnia Gonçalves Santiago
http://lattes.cnpq.br/8205568667624773
1 | INTRODUÇÃO
Oscar Lorenzo Fernândez (1897 – 1948)
RESUMO: Este estudo enfoca uma análise
sob os aspectos da escrita e técnica pianística
existentes na I Suíte Brasileira para piano solo,
de Oscar Lorenzo Fernândez (1897 – 1948),
utilizando-se de ferramentas previamente
estabelecidas que visa ajudar a identificar as
dificuldades existentes na mencionada obra
musical. A análise da obra foi feita a partir de
categorias anteriormente estabelecidas como:
tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade,
produzida de forma tanto quantitativa quanto
qualitativa. A partir dos critérios utilizados,
percebeu-se de forma mais nítida os obstáculos
existentes ou não nesta suíte.
PALAVRAS - CHAVE: Análise. Lorenzo
Fernândez. Piano.
ABSTRACT: This study focuses on an analysis
from the aspects of writing and technical pianistic
existing in I Suite Brasileira for solo piano,
Oscar Lorenzo Fernandez (1897 - 1948), using
previously established tools aimed at helping
to identify the difficulties in the mentioned work
musical. The analysis of the work was made from
categories previously established as: time and
rhythm, melody, texture and sound, produced
both quantitatively and qualitatively. Based on
the criteria used, it was realized more clearly the
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
foi um compositor carioca que recebeu de sua
irmã as primeiras noções de música e, orientado
pela mesma, em 1917 ingressou no Instituto
Nacional de Música do Rio de Janeiro, onde foi
discípulo de Henrique Oswald, Francisco Braga,
Frederico Nascimento e J. Otaviano.
Foi
responsável
pela
fundação
da
Sociedade Cultura Musical em 1920, onde
ocupou diversos cargos, até sua extinção em
1926. Já em 1936, fundou o Conservatório
Nacional de Música, no Rio de Janeiro, uma
das mais importantes instituições musicais do
país. Apaixonado pelo folclore, foi também um
dos incentivadores do nacionalismo musical
brasileiro, por meio de várias composições ricas
em ritmos brasileiros e com temas de inspiração
folclórica.
Segundo MARIZ (2000), sua produção
artística pode ser dividida em três períodos:
o primeiro de 1918 a 1922; segundo de 1922
a 1938 e terceiro de 1938 a 1948. Sua obra
compreende canções, suítes sinfônicas, balés,
música de câmara, concertos (um para piano
e outro para violino) e duas sinfonias, podendo
ser citadas composições como Trio brasileiro
Capítulo 17
165
Op.32 (1924, piano, violino e violoncelo), Suíte Sinfônica (1925, orquestra), Três Estudos
em forma de Sonatina (1929, piano), O Reisado do Pastoreio (1930, orquestra), Toda para
você (1930, canto e piano), Valsa Suburbana op. 70 (1932, piano), Primeira Suíte Brasileira
(1936, piano), Segunda Suíte Brasileira (1938, piano) e Terceira Suíte Brasileira (1939,
piano).
Foi observado, em levantamento bibliográfico preliminar que, em Estudo Analítico
e Interpretativo sobre as Três Suítes Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernandez, escrito por
ARAÚJO FILHO (1996), propõe-se um estudo histórico sobre a vida e a criatividade do
compositor, seguido de um trabalho analítico da estrutura composicional das três Suítes
Brasileiras, assim como conclusões interpretativas das obras sem, no entanto, tratar da
questão relativa à dificuldade técnica das obras.
Este trabalho propõe um estudo da I Suíte Brasileira, sob o ponto de vista pianístico,
visando identificar e caracterizar sua dificuldade técnico- musical perceptível na obra.
Será buscado um melhor conhecimento pianístico da composição através da utilização de
ferramentas específicas para a realização da análise proposta. A I Suíte Brasileira compõese de três peças, conforme apresentado a seguir:
•
1ª Suíte Brasileira
- I Velha Modinha
- II Suave Acalanto
- III Saudosa Seresta
A escolha desta Suíte Brasileira como tema deste artigo justifica-se pela sua
popularidade no repertório didático-pianístico brasileiro, por um lado, assim como pela
inexistência, até o momento, de um estudo que ofereça aos professores de piano,
ferramentas pedagógicas que lidem especificamente sobre sua dificuldade técnico-musical
na obra.
Para que isto seja possível, faz-se necessário o estabelecimento da seguinte
metodologia:
•
Levantamento bibliográfico de textos publicados sobre o compositor e sua obra
que tenham relação com a pesquisa, incluindo livros, teses, monografias e artigos. Será feito um exame abrangente desses materiais, com vistas à obtenção
de uma visão geral da vida e obra do compositor e, eventualmente, uma visão
particular acerca da obra aqui abordada;
•
Aplicação de categorias a serem utilizadas na investigação da dificuldade técnico-musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a classificação de três níveis a serem utilizados para o estabelecimento da dificuldade
de cada categoria em cada peça:
1)
pouca dificuldade; 2) razoável dificuldade e 3) muita dificuldade.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
166
•
Tais estabelecimento das categorias e classificações foram obtidas através do
artigo científico de SANTIAGO (2007), onde parte de uma avaliação tanto quantitativa quanto qualitativa das categorias técnico-musicais;
•
Estudo da I Suítes Brasileiras ao piano, na busca de ferramentas que ajudem
a identificar as dificuldades pianísticas, além de recursos técnicos que melhor
atendam às exigências de interpretação colocadas pelo texto musical e que só
podem ser percebidas através da experimentação no próprio instrumento;
Haja vista a importância do compositor e da obra aqui abordada, assim como a
necessidade de um estudo que vise à aplicação prática dos conhecimentos adquiridos,
acredita-se ser relevante um trabalho que contribua para um melhor entendimento da obra
e que proporcione resultados que possam ser úteis tanto para a performance quanto para
o ensino da mesma.
2 | VELHA MODINHA
Escrita em Lá Menor, a peça é caracterizada por um acentuado melodismo
sentimental, inspirado nas canções sertanejas brasileiras. Agrupada em 34 compassos,
possui uma forma unitária (A), constituída de introdução, três frases e coda distribuídas
da seguinte forma: Introdução [1-4], 1ª Frase [5-12], 2ª Frase [13- 20], 3ª Frase [21-28] e
Coda [29-34].
2.1 Tempo e Ritmo
Escrita em andamento moderato num compasso quaternário simples, esta peça é
quase toda estruturada dentro de uma sucessão contínua e regular de colcheias, exceto
em [18] e [19], onde o deslocamento do acento métrico feito pela mão direita nos dá uma
ideia de quiáltera de três sons, tornando estes dois compassos polirrítmicos. Nesta obra
aparece por três vezes a expressão ritardando, uma no
final da introdução, e as outras
em [18] e [28]. Já ao final da peça, o compositor escreve “mais lento”, criando assim um
efeito de “morrendo”
FIGURA 1 – Velha Modinha [3-5]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
167
2.2 Melodia
Destacam-se dois elementos que caracterizam a melodia desta obra: primeiro, a
clareza da voz principal cantada durante toda a peça e, segundo, as marcações feitas
pelo baixo, que constitui um eficaz contraponto à melodia. De estrutura consonante, esta
peça é composta de uma pequena introdução, três frases e coda. A introdução é iniciada
e cantada pela mão esquerda em anacruse, predominantemente em movimento cromático.
Enriquecida pela variação da articulação entre legato e staccato, sugere um caráter mais
instrumental, mais propriamente um som de violão, e é finalizado com uma fermata, o que
gera certo suspense antes da entrada do motivo principal da obra.
FIGURA 2 – Velha Modinha [1-4]
A melodia central tem por base uma linha tipicamente vocal, executada pela voz
do soprano, construída toda em legato e basicamente por graus conjuntos. Esta melodia
estende-se por oito compassos, reaparecendo de maneira variada, por mais duas vezes,
novamente com oito compassos para cada uma das frases. A coda é constituída pela
repetição da introdução, acrescida do motivo principal, o qual permeou toda a obra.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
168
FIGURA 3 – Velha Modinha [31-34]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
2.3 Textura
A obra apresenta uma textura polifônica, um plano de três vozes assim organizadas:
a linha do soprano como voz principal, tenor como complemento harmônico, utilizando
algumas vezes fragmentos da linha melódica; e baixo que é o condutor da estrutura
harmônica. Sendo assim, o intérprete deverá criar três planos sonoros distintos para dar
clareza à construção polifônica. A disposição das vozes gera pouca simultaneidade sonora,
tornando assim a textura leve.
FIGURA 4 – Velha Modinha [3-6]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
2.4 Sonoridade
Em relação à dinâmica, a obra varia entre mf e f, com alguns sinais de crescendo
e diminuendo, apresentando vozes sempre bem cantadas. A exploração da extensão do
instrumento é restrita: o pianista usa predominantemente a parte central do piano, ou seja,
as oitavas 2, 3 e 4, exceto na introdução e coda onde o registro alcança o grave.
Lorenzo Fernândez coloca indicações claras de pedalização, indicando a troca
basicamente a cada mudança harmônica.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
169
3 | SUAVE ACALANTO
Escrita em Fá Maior, tanto o título quanto a atmosfera da peça sugerem uma canção
de ninar, o que é demonstrado pelo ostinato feito pela mão esquerda. Em 25 compassos,
a peça possui uma forma unitária (A) em seis frases, onde as características rítmicas e
melódicas são similares e constantes. As frases estão assim organizadas: 1ª Frase [1-4], 2ª
Frase [5-8], 3ª Frase [9-12], 4ª Frase [13-16], 5ª Frase [17-20], 6ª Frase [21-24] e Codetta
[24-25].
3.1 Tempo e Ritmo
Suave Acalanto é uma peça de andamento lento e tranquilo, sugerido pela indicação
suavemente. Em compasso quaternário simples, a construção rítmica de Lorenzo Fernândez
é caracterizada pela repetição contínua da mesma célula rítmica (na mão direita), quatro
colcheias e uma mínima, e a sensação de acalanto se dá pela presença do ostinato (na
mão esquerda), colcheia e pausa. Não há nenhuma indicação na partitura em relação à
agógica.
FIGURA 5 - Suave Acalanto [1-2]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
3.2 Melodia
Encontramos nesta peça seis frases musicais, todas com quatro compassos e início
anacrúsico, o que realça simetria e proporção como elementos fundamentais utilizados
pelo compositor. Todas as frases têm início com um movimento melódico ascendente.
A melodia, simples e de extensão restrita, é cantada todo o tempo pela mão direita,
com predominância de graus conjuntos. A articulação é simples, com presença de legato
nas mínimas e stacatto com legato nas colcheias.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
170
3.3 Textura
A peça está elaborada em textura homofônica, sendo que a linha melódica,
evidenciada nas notas superiores dos acordes, apresenta pouca e regular movimentação.
Existe apenas um maior espaçamento na quarta frase, onde a mão direita se desloca para
a região aguda do piano e se utiliza de acordes que abrangem uma oitava.
FIGURA 6 - Suave Acalanto [13-15]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
3.4 Sonoridade
Suave Acalanto é quase toda elaborada em dinâmica pp e p, com presença de
pequenos sinais de crescendo e diminuendo, exceto em [10], ponto culminante da peça,
onde o compositor coloca um f.
FIGURA 7 - Suave Acalanto [9-11]
Já no final da peça o único ppp é alcançado de maneira bem gradual, pouco antes
das duas únicas fermatas, no último compasso.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
171
FIGURA 8 - Suave Acalanto [23-26]
Utilizando-se do mesmo material melódico, cria-se um contraste de registro na
quarta frase, a qual é escrita em duas oitavas acima. Em toda a obra utiliza-se o pedal
una corda, conforme indicação na partitura; nota-se também a troca do pedal direito a
cada unidade de tempo, empregado com o objetivo de criar, através do ostinato, uma
ressonância, resultando em uma atmosfera envolvente.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
4 | SAUDOSA SERESTA
Seresta possui o mesmo significado de serenata, que surgiu com este novo nome
no Rio de Janeiro, no início do século XX1. De caráter sentimental, esta peça é escrita em
Ré Menor, em forma ternária A – B – A, sendo A de [1-16], B de [17-48] e A’ de [49-64].
Considerando-se o desenho melódico, tem-se uma subdivisão na parte B, o que geraria o
formato A – B – B’ – A, com dezesseis compassos para cada uma das seções.
4.1 Tempo e Ritmo
A peça tem a indicação de andamento Allegro Cômodo e compasso ternário simples;
na parte B este compasso ternário ganha um colorido especial conseguido a partir da mão
esquerda que faz um acompanhamento de valsa, elaborado entre o tenor e baixo. As figuras
rítmicas utilizadas são mínimas, semínima e colcheia, sendo esta última figura motora da
linha melódica da seção B. Observamos que o rigor rítmico será fundamental para tornar
a estrutura melódica simples e clara. Em relação aos sinais de rallentando que aparecem
na partitura, ressaltamos a função de conexão entre o final de uma frase e início da outra.
1 Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM, p.724, (1998).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
172
FIGURA 9 - Saudosa Seresta [31-34]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
4.2 Melodia
Esta peça está estruturada em quatro frases, a primeira na seção A, duas na seção
B e a última na seção A’, com a distribuição simétrica de dezesseis compassos para cada
uma das frases. A seção A tem como característica a melodia simples executada pelo baixo
e um acompanhamento em terças feito pela mão direita.
FIGURA 10 - Saudosa Seresta [01-08]
A seção B [17-48] é mais cantada em relação à seção A, devido à mudança de
registro da melodia e à indicação de uso do pedal. Nesta seção, observamos que a melodia
foi posicionada duas oitavas acima, em relação à seção A e entregue à mão direita. Além
disso, o tema principal exposto anteriormente é agora variado, recebendo tratamento
melódico mais elaborado.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
173
FIGURA 11 - Saudosa Seresta [17-21]
A seção A retorna levemente modificada nos últimos quatro compassos, onde a
melodia recebe um novo desenho e caminha para um fechamento no grave.
FIGURA 12 - Saudosa Seresta [61-64]
As linhas melódicas estão todas desenvolvidas basicamente por graus conjuntos e
em legato, exceto em [19], [39], [45], [47] e [48] onde aparece stacatto sob ligadura.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
4.3 Textura
Há, nesta peça, dois tipos de textura: na seção A temos uma textura polifônica
com duas linhas melódicas, uma feita pelo baixo (responsável pela melodia principal) e
a segunda linha pelo soprano e contralto, em terças; na seção B a textura é homofônica,
contendo a linha melódica no soprano com o acompanhamento feito pelo tenor e baixo.
Pode-se dizer, portanto, que a textura reveste-se aqui de uma função estruturante, já que
caracteriza claramente cada uma das seções.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
4.4 Sonoridade
Assim como nas outras peças da I Suíte Brasileira, em Saudosa Seresta não há
grandes deslocamentos de mão, apenas uma mudança de registro da seção A para B.
Como a peça apresenta, predominantemente, uma escrita melódica em graus conjuntos,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
174
o toque legato inviabiliza a presença do pedal na seção A (observe-se a indicação legato,
ma senza pedale, no início da peça); porém, na seção B o uso do mesmo é indicado pelo
compositor em todos os compassos da partitura. A utilização adequada do pedal deve levar
em conta outros fatores como andamento, qualidades acústicas do piano e da sala, assim
como o tipo de toque utilizado.
FIGURA 13 - Saudosa Seresta [1-4]
Lorenzo Fernândez coloca apenas um sinal de dinâmica na peça, um f no primeiro
compasso da seção B, porém podemos perceber a dinâmica que o compositor deseja
através do caráter sugerido, textura e registro sonoro utilizado. Na seção A, a melodia
se encontra na mão esquerda em uma região média (com mais harmônicos), com um
caráter levemente melancólico sugerido pelo ritmo do acompanhamento e simplicidade da
melodia, além de uma textura polifônica, o que pode sugerir dinâmica em torno de p (piano);
porém, na seção B a melodia está na mão direita em uma região mais aguda (com menos
harmônicos), há maior fluência a partir do ritmo assumido, assim como um maior destaque
dado à linha melódica com a adoção de textura homofônica, o que justifica a indicação f
(forte) feita pelo compositor. Os sinais de crescendo e diminuendo que aparecem em [16] e
[47] sugerem economia e simplicidade quanto à utilização destes recursos.
FIGURA 14 - Saudosa Seresta [17-20]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
175
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar e analisar a I Suíte Brasileira de Oscar Lorenzo Fernândez, pode-se
constatar que o Fernadêz se utiliza principalmente de pouca dificuldade na composição
desta obra, principalmente nas categorias Tempo e Ritmo, Melodia e Sonoridade; com
relação à categoria Textura, podemos considerar de razoável dificuldade.
Acredita-se que os resultados desta pesquisa possam vir a lançar uma luz sobre
o trabalho daqueles que venham a se debruçar sobre a I Suíte Brasileira, sejam eles
intérpretes, professores ou estudantes, a partir de uma maior consciência em relação
aos níveis de dificuldade pianístico-musical presentes na obra. Não obstante, novos
dados referentes à interpretação pianística da obra aqui abordada poderão, sempre, ser
acrescentados, em especial a partir de observações originais advindas da experiência
única que cada intérprete pode ter com a obra. Alguns aspectos que podem ainda vir a
ser trabalhados sobre gradação de dificuldade técnica dizem respeito, por exemplo, à
expressividade musical, emprego da tonalidade, e utilização de movimentos pianísticos,
toques e dedilhados.
Por consequência, espera-se que este trabalho possa servir de estímulo para o
surgimento de novos estudos relacionados também às três Suítes Brasileiras, em particular,
e, em geral, à identificação dos diferentes níveis de dificuldade pianístico-musical em outras
obras do repertório pianístico brasileiro. Este repertório, sabidamente rico em originalidade
e diversidade, carece ainda de investigações que trabalhem diversas e importantes
questões diretamente relacionadas à sua performance, vindo assim a contribuir para seu
melhor conhecimento – e eventual reconhecimento – dentro do cenário musical brasileiro.
REFERÊNCIAS
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985. 112
p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana Braunwieser. São
Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita,
Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998. 912p.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. 550p.
ARAÚJO FILHO, Alfeu Rodrigues de. Estudo Analítico e interpretativo sobre as três Suítes Brasileiras
de Oscar Lorenzo Fernândez. 1996. 164f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo.
SANTIAGO, Júnia Gonçalves. A progressão da dificuldade técnica para piano nas três Suítes
Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. 2007. 71f. Artigo (Mestrado em Música) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
176
FERNÂNDEZ, Oscar Lorenzo. 1ª, 2ª e 3ª Suíte Brasileira. Irmãos Vitale-Editores. São Paulo, Rio de
Janeiro, 1942. 9 Partituras (33p). Piano Solo
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 17
177
CAPÍTULO 18
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA
NA II SUÍTE BRASILEIRA DE OSCAR LORENZO
FERNANDEZ
Data de aceite: 16/04/2021
difficulties or not this suite.
KEYWORDS: Analysis. Lorenzo Fernândez.
Piano.
Júnia Gonçalves Santiago
http://lattes.cnpq.br/8205568667624773
1 | INTRODUÇÃO
Este artigo é um recorde de minha
RESUMO: O presente trabalho expõe uma
análise sob os aspectos da escrita e técnica
pianística existentes na II Suíte Brasileira
para piano solo, do compositor brasileiro
Oscar Lorenzo Fernândez, empregando-se de
métodos anteriormente estipulados que auxilia
a apontar as reais dificuldades na mencionada
obra musical. A análise da obra foi elaborada a
partir de categorias previamente definidas como:
tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade,
estabelecida de forma tanto quantitativa quanto
qualitativa. A partir dos critérios aplicados,
notou-se de forma mais evidente as dificuldades
existentes ou não nesta suíte.
PALAVRAS - CHAVE: Análise. Lorenzo
Fernândez. Piano.
ABSTRACT: This work presents an analysis
from the aspects of writing and technical pianistic
existing in II Suite Brazilian solo piano, the
Brazilian composer Oscar Lorenzo Fernandez,
using methods previously stipulated that aims to
help point out the real difficulties in said musical
work. The analysis of the work was drawn from
categories previously defined as: time and
rhythm, melody, texture and sound, established
both quantitatively and qualitatively. From the
applied criteria, it was noted more clearly the
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
dissertação de mestrado intitulada “A progressão
da dificuldade técnica para piano nas três
Suítes Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo
Fernandez”, 2007. Oscar Lorenzo Fernândez
(1897 – 1948), foi um importante compositor
do cenário brasileiro. Fascinado pelo folclore,
tornou-se um dos entusiastas do nacionalismo
musical, através de diversas composições ricas
em ritmos brasileiros e com temas de influência
folclórica, sendo este um dos motivos pela
escolha de suas Suítes para piano, melodias
e ritmos com abundância de nossas raízes e
cultura musical.
Segundo MARIZ (2000), sua criação
artística pode ser dividida em três períodos:
o primeiro de 1918 a 1922; segundo de 1922
a 1938 e terceiro de 1938 a 1948. Sua obra
contém
canções,
suítes
sinfônicas,
balés,
música de câmara, concertos (um para piano
e outro para violino) e duas sinfonias, também
composições como Trio brasileiro Op.32 (1924,
piano, violino e violoncelo), Suíte Sinfônica
(1925, orquestra), Três Estudos em forma de
Sonatina (1929, piano), O Reisado do Pastoreio
(1930, orquestra), Toda para você (1930, canto
Capítulo 18
178
e piano), Valsa Suburbana op. 70 (1932, piano), Primeira Suíte Brasileira (1936, piano),
Segunda Suíte Brasileira (1938, piano) e Terceira Suíte Brasileira (1939, piano).
Foi considerado, em sondagem bibliográfica anterior que, em Estudo Analítico e
Interpretativo sobre as Três Suítes Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernandez, escrito por
ARAÚJO FILHO (1996), ressalta um estudo histórico sobre a vida e a criatividade do
compositor, seguido de um trabalho analítico do alicerce composicional das três Suítes
Brasileiras, assim como acabamentos interpretativos das obras sem, no entanto, olhar da
questão relativa à dificuldade técnica das obras.
Consultas em tratados de técnica pianística, incluindo os livros Teoria da
Aprendizagem Pianística, de KAPLAN (1985) e, Como devemos estudar piano de LEIMER
e GIESEKING (1949), demonstram que os autores evidenciam a inevitabilidade de um
estudo racional para uma execução pianística mais concreto, estabelecendo modelos
gerais significativos para um estudo acerca de dificuldades técnico-musicais.
Este trabalho propõe um estudo da II Suíte Brasileira, sob o ponto de vista pianístico,
objetivando discernir e evidenciar sua dificuldade técnico- musical perceptível na obra.
Compõe-se de três peças, conforme apresentado a seguir:
•
2ª Suíte Brasileira
- I Ponteio
- II Moda
- III Cateretê
A seleção desta Suíte Brasileira como assunto deste artigo fundamenta-se pela
sua estima no repertório didático-pianístico brasileiro, por um lado, assim como pela
ausência, até o momento, de um estudo que oferte aos professores de piano, mecanismos
pedagógicos que lidem exclusivamente sobre sua dificuldade técnico-musical na obra.
Para que isto seja possível, fez-se necessário o estabelecimento da seguinte
metodologia:
•
Levantamento bibliográfico de textos publicados sobre o compositor e sua obra
que tenham relação com a pesquisa, incluindo livros, teses, monografias e artigos;
•
Estudo da II Suítes Brasileiras ao piano, na busca de mecanismos que ajudem
a apontar as dificuldades pianísticas, além de meios técnicos que melhor satisfaçam os requisitos de interpretação inseridas pelo texto musical e que só
podem ser deduzidos através da experimentação no próprio instrumento;
•
Aplicação de categorias a serem utilizadas na investigação da dificuldade técnico-musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a classificação de três níveis a serem utilizados para o estabelecimento da dificuldade
de cada categoria em cada peça: 1) pouca dificuldade; 2) razoável dificuldade e
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
179
3) muita dificuldade. Tais estabelecimento das categorias e classificações foram
obtidas através do artigo científico de SANTIAGO (2007), onde parte de uma
avaliação tanto quantitativa quanto qualitativa das categorias técnico-musicais;
Tendo em vista a relevância do compositor e da obra aqui discutida, acredita-se
ser expressivo um trabalho que coopere para uma melhor compreensão da obra e que
proporcione resultados que possam ser proveitosos tanto para a performance quanto para
a instrução da mesma.
2 | PONTEIO
Ponteio, segundo o verbete da Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica
e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM (1998), significa “composição instrumental
livre”. Desenvolvida em forma unitária (A), está escrita no modo de Mi Eólio e abrange cinco
frases irregulares e coda: 1ª Frase [1-3], 2ª Frase [4-5], 3ª Frase [6-10], 4ª Frase [11-12], 5ª
Frase [3-15] e coda [16-20].
2.1 Tempo e Ritmo
Esta é uma peça de andamento lento, evidenciado pela indicação Lento e
expressivo. Lorenzo Fernândez ainda utiliza outros termos para alteração de andamento,
como allargando, ritardando, diminuendo e morrendo.
Apesar de a obra ser extremamente curta, Lorenzo Fernândez varia muito do
compasso binário simples para o ternário simples, chegando a mudar quatro vezes de um
para o outro; entretanto, devido ao emprego de allargando na construção ternária, o efeito
das mudanças de compassos é sutilmente minimizado.
Em alguns momentos, como que para enfatizar o allargando, o compositor emprega
quiálteras de três colcheias, como na voz do soprano em [5], [10] e [15], e na voz do
contralto em [18] e [19].
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
180
FIGURA 1 – Ponteio [12-17]
As figuras rítmicas usadas são mínimas, semínimas, utilizadas na marcação dos
baixos, e colcheias e semicolcheias, na construção dos arpejos e da melodia principal. Nos
últimos três compassos os arpejos antes feitos por semicolcheias são agora distribuídos
em colcheias, criando assim um efeito de rallentando.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
2.2 Melodia
A melodia é predominantemente em graus conjuntos, conduzida todo o tempo pela
mão direita, especificamente pelo soprano e construída sobre arpejos por semicolcheias
(também na mão direita) que auxiliam a formação harmônica da peça. O acompanhamento
é feito pela mão esquerda quase todo tocado em oitavas, que apresenta um movimento
melódico descendente, exceto no terceiro tempo de [5], e segundo e terceiro tempos de [12]
e [15], onde juntamente com a mão direita o acorde é arpejado, fornecendo um pequeno
fechamento para a frase. Em toda a peça existe a presença das ligaduras de expressão,
assim como vírgulas de respiração em todas as mudanças de frase.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
181
FIGURA 02 - Ponteio [03-05]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade
2.3 Textura
Nesta peça temos uma textura polifônica, com o desenvolvimento de três vozes
distintas: soprano, contralto e baixo. Na 1ª. Frase [1-3] a polifonia é mais evidente, onde se
percebe o contratempo do contralto e a linha em oitavas do
baixo destacando-se
do soprano. Em certos trechos, como em [15] e [16], as três vozes têm o papel de adensar
a textura, pois todas são tocadas em movimentos paralelos ascendentes.
FIGURA 03 - Ponteio [01-02]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
2.4 Sonoridade
Em relação à dinâmica, o compositor emprega pp, p e ff. Como o pp aparece
somente no último compasso e o f apenas nos compassos nove e quinze, o plano sonoro
mais predominante da obra é o p. O estudo dos planos sonoros distintos para cada uma
das vozes é fundamental para a sua compreensão, obedecendo à seguinte hierarquia:
soprano em primeiro plano, contralto em terceiro e baixo em segundo.
O uso do pedal é indicado pelo compositor em toda a peça, com as mudanças
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
182
a cada troca de baixo, ou seja, com a utilização de pedal sincopado. O registro sonoro
predominantemente utilizado é o da região média do teclado.
FIGURA 04 - Ponteio [06-08]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
3 | MODA
Moda é um dos gêneros mais característicos da canção brasileira, tem sua origem na
moda portuguesa. Tal canção era geralmente acompanhada pelo violão1. Nesta peça, em
Mi Menor, temos 44 compassos, distribuídos em quatro frases na seguinte forma ternária:
A [1-11]; B [12-29]; A [30-41] e CODA [42-44].
3.1 Tempo e Ritmo
Escrita em compasso quaternário simples, Moda apresenta a indicação Allegretto,
andamento que não varia entre a primeira e última seção. Na seção B o compositor escreve
animando em [15] e [23] e allargando em [19] e [26]; já na Coda Lorenzo Fernândez indica
Mais Lento e as expressões um poco più lento entre parênteses, além de allargando
molto, enfatizando consideravelmente a diminuição do andamento ao final da peça.
Com relação às combinações rítmicas, a seção A utiliza o mesmo material musical
em suas duas aparições, uma linha melódica principal e acompanhamento em contratempo.
1 Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM, p.525, (1998).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
183
FIGURA 05 - Moda [01-02]
Na seção B, onde as semicolcheias são figuras predominantes em ambas as mãos,
ocorrem em [12-14] e [20-22] síncopes, alterações no acento métrico escrito, e em [17-19],
uma polirritmia (quatro semicolcheias contra quiáltera de três colcheias).
FIGURA 06 - Moda [12-14]
FIGURA 07 - Moda [17-19]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade[Seção A]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade [Seção B]
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
184
3.2 Melodia
A obra apresenta quatro frases, onde predominam graus conjuntos na primeira e
na última frase e graus disjuntos na segunda e terceira frases. Na parte A, a melodia é
cantada pela mão direita e o acompanhamento é feito pelas duas mãos formando acordes
em contratempo. Nesta seção as duas articulações usadas serão fundamentais para
discernir a linha melódica – em legato – do acompanhamento – em non-legato – numa
clara emulação da sonoridade violonística.
A partir de [12] tem início a seção B, onde a melodia é novamente tocada em legato.
Nesta seção a melodia recebe um tipo de deslocamento métrico a partir da síncope que
surge em sua voz inferior (executada com o polegar), a qual gera outra linha melódica
relacionada a uma sequência de arpejos, em intervalos predominantemente de sexta, na
voz superior. A coda reafirma o motivo melódico fundamental para a construção da peça.
FIGURA 08 - Moda [12-17]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade [Seção A]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade [Seção B]
3.3 Textura
A textura é de uma melodia acompanhada, com um contraste perceptível de
espaçamento entre as seções A - A’ e B. Na primeira temos uma textura rarefeita e leve, já
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
185
na seção B temos vários intervalos predominantemente de sexta em movimentos paralelos
tornando seu espaçamento bastante denso.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade[Seção A]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade [Seção B]
3.4 Sonoridade
Os planos de dinâmica na seção A são essenciais para a distinção entre a linha
melódica, em mf, e o acompanhamento, em p. Aqui é utilizada predominantemente a região
média do teclado. Na seção B a dinâmica chega a ff, cabendo ao intérprete timbrar as notas
superiores dos intervalos, assim como utilizar-se de pequenos apoios de pedal, com vistas
a uma maior clareza do discurso melódico. Nesta seção, que constitui o ponto culminante
da peça, é utilizada toda a extensão do teclado.
A pequena coda acontece nos três últimos compassos da peça, sendo o motivo
principal executado de forma mais lenta e acrescido de um arpejo pedalizado sobre o
acorde de Mi Menor, tonalidade da peça. Reforçando o gesto de fechamento, são utilizadas
as três grandes regiões do teclado, iniciando-se na média e finalizando-se com um
movimento ascendente com a mão direita em intervalos de quintas e sextas e movimento
descendente com a mão esquerda. Com este movimento contrário para as extremidades do
piano, atinge-se um pianíssimo, criando assim o efeito de morrendo indicado na partitura,
reforçado ainda pela fermata final.
FIGURA 09 - Moda [42-44]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Pouca dificuldade [Seção A]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade [Seção B]
4 | CATERETÊ
Escrita em forma ternária A-B-A, a obra contém 75 compassos, com a seguinte
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
186
distribuição de compassos: A [1-39]; B [40-56] e A [57-75]. Cateretê é uma dança de
origem ameríndia2 em Lá Maior, onde a seção A nos sugere um caráter mais percussivo
contrastando com B, de caráter melódico e cantabile indicado pelo próprio compositor.
4.1 Tempo e Ritmo
No Cateretê o andamento é um Allegro Vivo, com apenas uma indicação de
allargando em [56], final da seção A e um animando em [71] da coda. Embora escrita em
compasso binário simples, a seção A gera uma alteração rítmica devido à escrita (ß. ß. ß),
subdividindo as semicolcheias em grupos de 3+3+2.
FIGURA 10 – Cateretê [01-05]
Este procedimento rítmico não tem continuidade na seção B. O ostinato feito pelo
baixo que percorre quase toda a obra, sofre uma interrupção devido ao aparecimento de
um novo elemento, a polirritmia, com a inclusão de tercinas no acompanhamento em [4850] e [52-54].
2 Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM, p.181, (1998).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
187
FIGURA 11 – Cateretê [48-50]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
4.2 Melodia
Tanto na seção A como na seção B Lorenzo Fernândez estabelece quatro frases.
Na parte A as frases são estruturadas em seis compassos ligados por pequenas pontes
e, na parte B, em quatro compassos. A linha melódica principal está toda nas notas
superiores da mão direita, tornando a ideia musical identificável e brilhante. Apesar de
estar predominantemente escrita em graus conjuntos, também ocorrem alguns saltos,
feitos tanto pela mão direita, a partir de [19], como pela mão esquerda, de [48] em diante,
desta feita, mais amplos.
É somente na seção B e na Coda que Lorenzo Fernândez indica sinais de ligadura.
FIGURA 12 - Cateretê [40-42]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
188
4.3 Textura
Nas seções A e A’ a textura é homofônica, e na seção B, textura mista. O espaçamento
da textura tem um gradual adensamento entre a primeira e a última frase da seção A,
evidenciado pelo acréscimo de notas nos acordes, da mesma forma, na seção B, acontece
adensamento similar.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
4.4 Sonoridade
Lorenzo Fernândez utiliza um gradual crescendo em todas as seções. Na parte A,
começa em pp e chega ao fff em [29], um dos pontos culminantes da peça. Este aumento
de sonoridade é caracterizado também pelo acréscimo de notas nos acordes e algumas
mudanças de oitavas. Na seção B ele inicia em f e chega à terceira frase em fff. Já na parte
final da peça, a partir de [57], a dinâmica vai de f ao ffff, grande crescendo utilizado para o
desfecho da obra.
FIGURA 13 – Cateretê [73-75]
A partir de [15-39] e [47-75], o uso do pedal é indicado pelo compositor de forma
bem clara e funcional, contudo, nota-se que no início aparece à indicação entre parênteses
Sem pedal, assim como em [40].
FIGURA 14 - Cateretê [01-03
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
189
Nesta obra são utilizadas as três regiões do instrumento, sendo que na parte A
predomina a região grave e na parte B a região aguda.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar e treinar no piano a II Suíte Brasileira de Oscar Lorenzo Fernândez,
consegue-se perceber que Fernadêz emprega nesta obra um nível técnico-pianístico de
razoável a muita dificuldade em sua escrita. Nas categorias Textura e Sonoridade; com
razoável dificuldade em duas das três músicas deste ciclo, e muita dificuldade em relação
à categoria Melodia, também em duas das músicas.
Além disso, observou-se que na peça Moda, da segunda Suíte, a classificação
Razoável dificuldade foi conferida a todas as categorias; já em Toada, da terceira Suíte,
fez-se necessária uma classificação bipartida, sendo uma para seção A, Pouca dificuldade,
e outra para seção B, Muita dificuldade. Contudo, nota-se que o mesmo não acontece
no restante das peças, sendo que os níveis de dificuldade variam entre as categorias de
cada uma das composições. Pode-se dizer que o grau de dificuldade de uma peça não
pode ser facilmente determinado por uma única classificação, em função das diferentes
categorias musicais presentes, como também pela existência de uma ou mais seções por
vezes totalmente distintas.
O fechamento deste trabalho, auxilia de forma expressiva a quem se propuser
a compreender as Suítes Brasileiras, sejam eles mestres, intérpretes, ou estudantes, a
partir de uma maior compreensão em relação aos níveis de dificuldade pianístico-musical
presentes nesta obra de forma antecipada. Os resultados obtidos beneficiam a medida
que o futuro performance tem conhecimento dos pontos altos e baixos das dificuldades
técnicas já discriminados, subtraindo eventuais desistências da obra musical por falta de
compatibilidade com seu nível técnico.
A atuação pianística da obra aqui debatida ainda pode ser acrescida, a partir de
ideias originais advindas da experiência singular que cada intérprete pode ter com a obra.
Existe ainda alguns pontos que podem vir a ser adquiridos sobre a dificuldade técnica como
por exemplo, determinados empregos de toques e dedilhados, expressividade musical,
aplicação da tonalidade e movimentos pianísticos.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
190
REFERÊNCIAS
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985. 112
p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana Braunwieser. São
Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita,
Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998. 912p.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. 550p.
ARAÚJO FILHO, Alfeu Rodrigues de. Estudo Analítico e interpretativo sobre as três Suítes Brasileiras
de Oscar Lorenzo Fernândez. 1996. 164f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo.
SANTIAGO, Júnia Gonçalves. A progressão da dificuldade técnica para piano nas três Suítes
Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. 2007. 71f. Artigo (Mestrado em Música) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
FERNÂNDEZ, Oscar Lorenzo. 1ª, 2ª e 3ª Suíte Brasileira. Irmãos Vitale-Editores. São Paulo, Rio de
Janeiro, 1942. 9 Partituras (33p). Piano Solo
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 18
191
CAPÍTULO 19
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
ANÁLISE DA DIFICULDADE TÉCNICA PIANÍSTICA
NA III SUÍTE BRASILEIRA DE OSCAR LORENZO
FERNANDEZ
Data de aceite: 16/04/2021
KEYWORDS: Analysis. Piano. I Suíte Brasileira.
1 | INTRODUÇÃO
O compositor Oscar Lorenzo Fernândez
Júnia Gonçalves Santiago
http://lattes.cnpq.br/8205568667624773
(1897 – 1948), foi um compositor brasileiro
de pais espanhóis. Autor da fundação da
Sociedade Cultura Musical em 1920, onde
RESUMO: Foi elaborado neste presente trabalho,
a análise da III Suíte Brasileira para piano solo,
de Oscar Lorenzo Fernândez, sob aspectos
da técnica pianística e da escrita existentes.
Foi empregado procedimentos anteriormente
definidos que auxiliasse a reconhecer as
dificuldades presentes na referida obra
musical. A análise da composição foi realizada
fundamentada em classes determinados
previamente, como tempo e ritmo, melodia,
textura e sonoridade. Alicerçado na utilização de
algumas normas, notou-se de modo explícito as
complicações presentes neste ciclo musical.
PALAVRAS - CHAVE: Análise. Piano. I Suíte
Brasileira
ABSTRACT: It has been prepared in this present
study, the analysis of the III Brazilian Suite for
solo piano, Oscar Lorenzo Fernandez, under
aspects of piano technique and existing writing.
procedures was employed previously defined
which would help to recognize the present
difficulties in that musical work. The composition
analysis was performed based on predetermined
classes, as time and rhythm, melody, texture and
sound. Founded on the use of certain standards,
it was noted explicitly the complications present
in this song cycle.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
ocupou diversos cargos, até seu fim em 1926.
Responsável também pela fundação em 1936
do Conservatório Nacional de Música, no Rio
de Janeiro, que é ainda considerado uma das
mais importantes instituições musicais do país.
Admirador do folclore brasileiro, foi um dos
entusiastas do nacionalismo musical brasileiro,
através de variadas composições repletas de
ritmos brasileiros com motivos de interferência
folclórica.
Sua
criação
artística
pode
ser
classificada em três épocas, segundo MARIZ
(2000). O primeiro de 1918 a 1922; segundo de
1922 a 1938 e terceiro de 1938 a 1948.Sua obra
apreende canções, suítes sinfônicas, balés,
música de câmara, concertos (um para piano
e outro para violino) e duas sinfonias, podendo
ser citadas composições como Trio brasileiro
Op.32 (1924, piano, violino e violoncelo), Suíte
Sinfônica (1925, orquestra), Três Estudos em
forma de Sonatina (1929, piano), O Reisado
do Pastoreio (1930, orquestra), Toda para você
(1930, canto e piano), Valsa Suburbana op. 70
(1932, piano), Primeira Suíte Brasileira (1936,
piano), Segunda Suíte Brasileira (1938, piano)
Capítulo 19
192
e Terceira Suíte Brasileira (1939, piano).
Em pesquisa bibliográfica anterior, foi verificado que, em Estudo Analítico e
Interpretativo sobre as Três Suítes Brasileiras de Oscar Lorenzo Fernandez, escrito por
ARAÚJO FILHO (1996), sugere um aprendizado histórico sobre a criatividade e vida do
compositor, continuado de uma produção pormenorizado da essência composicional das
três Suítes Brasileiras, assim como inferências interpretativas das obras sem, no entanto,
discorrer do ponto relacionado à dificuldade técnica das músicas deste ciclo..
Neste artigo é apresentado um estudo da III Suíte Brasileira, sob a ótica pianística,
pretendendo reconhecer e qualificar sua dificuldade técnico- musical observável na
composição. Será investigado um maior entendimento pianístico da obra no decorrer
do emprego de processos pertinentes para a efetivação da análise sugerida. A III Suíte
Brasileira dispõe de três peças, segundo apresentado a seguir:
•
3ª Suíte Brasileira
- I Toada
- II Seresta
- III Jongo
A preferência por esta Suíte Brasileira como objeto desta pesquisa, é evidenciada
por sua reputação dentro do repertório didático-pianístico brasileiro, por um lado, assim
como pela carência, até o momento, de um estudo que ofereça aos professores de piano,
ferramentas pedagógicas que utilizem puramente sobre sua dificuldade técnico-musical
nas composições.
Para que isto seja viável, é fundamental que se estipule uma metodologia, tais como:
•
Investigação bibliográfico de trabalhos publicados a respeito do compositor e
sua obra que possuam vínculo com a pesquisa, englobando monografias, livros, teses e artigos. Consistirá em uma averiguação ampla desses materiais,
com perspectivas à obtenção de um olhar global da vida e obra do compositor
e, provavelmente, uma vista especial a respeito da obra aqui interpelada;
•
Aprendizado da III Suíte Brasileira ao piano, na procura de meios que facilite
a constatar as dificuldades pianísticas, além de modos técnicos que melhor
satisfaçam às condições de interpretação disposto pelo texto musical e que só
consiga ser concebidas por meio da experimentação no próprio instrumento;
•
Utilização de grupos a serem aplicados na verificação da dificuldade técnico-musical: tempo e ritmo, melodia, textura e sonoridade, assim como a espeficação de três níveis a serem aplicados para a criação da dificuldade de cada
grupo em cada peça: 1) pouca dificuldade; 2) razoável dificuldade e 3) muita
dificuldade. Tais divisões estão publicadas no artigo científico de SANTIAGO,
(2007), onde parte de uma avaliação tanto quantitativa quanto qualitativa das
categorias técnico-musicais investigada;
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
193
Exames em tratados de técnica pianística, abrangendo os livros Como devemos
estudar piano de LEIMER e GIESEKING (1949) e Teoria da Aprendizagem Pianística, de
KAPLAN (1985), confirmam que os autores destacam a necessidade de uma instrução
lógica para uma aplicação pianística mais objetiva, constituindo moldes universais
relevantes para um estudo em relação de dificuldades técnico-musicais
Considerando-se a relevância da obra e do compositor aqui levantado, da mesma
maneira, a indispensabilidade de um aprendizado que intencione à função prática dos
conhecimentos assimilado, considera ser significativo uma produção que colabore para
uma melhor percepção da composição e que permita proveitos que seja frutífero tanto para
o ensino quanto para a performance da mesma.
2 | TOADA
Toada é uma canção de caráter triste e andamento arrastado1 , nesta peça, temos
como característica principal uma linha melódica com variações de textura em suas
repetições. Escrita na forma A – B – A’ – B’, em quatro frases que coincidem com as seções,
a primeira e terceira frases estão na tonalidade de Mi Maior e a segunda e quarta frases
com centro harmônico em Ré Menor.
2.1 Tempo e Ritmo
Escrita em andamento moderado num compasso binário simples, Toada começa
com uma pequena introdução de quatro compassos, na qual é estabelecido um ostinato na
mão esquerda.
FIGURA 01 - Toada [01-04]
As figuras rítmicas utilizadas são mínimas, semínimas, colcheias e semicolcheias;
note- se que as colcheias colocadas em contratempo, assim como a articulação sobre
as semicolcheias feitas pelo baixo, geram certa instabilidade rítmica. Tal variante rítmica
aparece em toda a obra em forma de ostinato, ora feito pela mão esquerda, ora feito pelas
duas simultaneamente. Lorenzo Fernândez trabalha com um ostinato similar ao utilizado
1 Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM, p.776, (1998).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
194
no Cateretê da 2ª. Suíte, a partir do ritmo básico colcheia pontuada / colcheia pontuada
/ colcheia (♪. / ♪ / ♪.). Nos finais de frases ou ideias, como em [56], Lorenzo Fernândez
utiliza-se sempre de allargando e logo em seguida indica a tempo para o início de uma
nova frase.
FIGURA 02 - Toada [55-58]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
2.2 Melodia
Todo material musical está distribuído em quatro frases de extensões diferentes,
a maior com dezenove compassos [35-53] e a menor com oito [5-15] e [57-64]. Apesar
de predominantemente escrita em graus conjuntos ou movimento intervalar próximo,
acontecem saltos entre [35-53], feitos pela mão esquerda. A linha melódica é toda cantada
pela voz do soprano em legato, sendo que em [50-52] atinge-se o ponto culminante.
Lorenzo Fernândez utiliza a tenuta sobre as notas mais agudas dos acordes, para tornar
ainda mais evidente a linha melódica.
FIGURA 03 - Toada [50-52]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
195
2.3 Textura
A obra apresenta um misto entre textura homofônica e polifônica, com a linha
melódica do soprano e um ostinato feito pelo contralto, tenor e baixo. A cada frase há maior
adensamento na organização das partes, principalmente na terceira frase, onde existe uma
maior quantidade de notas.
FIGURA 04 - Toada [35-38]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
2.4 Sonoridade
Em Toada, Lorenzo Fernândez emprega diversos sinais de dinâmica, iniciando
com p na introdução, passando pelo mf, f e chegando ao ff em [51], ponto culminante da
peça. Notam-se dois planos sonoros básicos, a linha melódica fundamental mais timbrada
e brilhante e o ostinato presente em toda a obra, de intensidade mais suave. Em relação
ao registro sonoro, utilizam-se todas as três regiões no teclado, predominando o registro
médio. O uso do pedal é indicado em [21-29], [35-53] e [58- 64].
FIGURA 05 - Toada [21-24]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
196
3 | SERESTA
A peça está no formato ternário A – B – A, sendo a seção A em tonalidade de Mi
Menor e a seção B em Mi Maior. Observa-se nesta estrutura a simetria entre as seções,
com dezesseis compassos para cada uma das partes.
3.1 Tempo e Ritmo
Seresta é uma composição em andamento Allegro Agitado, compasso quaternário
simples, rica em indicações de rallentandos e ritardandos, o que sugere certa liberdade
rítmica para finalização de uma ideia e preparação para a próxima.
FIGURA 06 – Seresta [07-09]
Nesta peça observamos a utilização de mínimas, semínimas e uma predominância
de colcheias, figura motora da peça. As quiálteras e polirritmias que aparecem na segunda
parte da seção B, em [26] e [28-32], proporcionam o momento rítmico mais tenso da obra
assim como considerável contraste em relação à seção A.
FIGURA 07 – Seresta [25-26]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
197
3.2 Melodia
A organização melódica da peça se dá em seis frases, duas em cada seção, com oito
compassos para cada frase. Toda a linha melódica é escrita em legato e algumas tenutas
são marcadas na linha do tenor na seção B. O staccato só aparece nas últimas quatro
notas feitas pelo baixo. Ressalta-se a predominância de graus conjuntos com pequenos
saltos a partir da seção B, em [17-20] e [25-31], na mão esquerda.
FIGURA 08 - Seresta [16-18]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
3.3 Textura
A textura da peça é polifônica, enriquecida com a entrada da voz do tenor a partir
de [17]. As linhas melódicas são distintas, sendo o baixo a voz principal, com uma linha
evidente e ininterrupta, e soprano e contralto vozes secundárias, com o uso de desenhos
rítmicos idênticos. Na seção A temos uma escrita densa e na seção B uma amplitude maior
entre as vozes.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
3.4 Sonoridade
A valorização sonora da linha do baixo é muito importante para o entendimento
da obra. Contudo, as notas superiores, soprano e contralto, deverão ser timbradas, para
uma maior clareza da linha melódica secundária. Com relação à dinâmica temos uma
grande variação, começando em mf e chegando entre a terceira e quarta frases a ff e fff,
valorizando o ponto culminante da obra, com o uso de blocos de acordes; tal gradação
sonora de intensidade deverá ser cuidadosamente executada pelo intérprete para que o
auge da peça fique evidente. A dinâmica p começa na quinta frase e a peça é finalizada em
pp. A pedalização é indicada em toda a partitura, devendo ter como ponto de apoio básico
a linha melódica principal; sugere- se o uso de trêmulo no pedal em intervalos conjuntos,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
198
minimizando-se assim as dissonâncias. Utilizam-se os três registros sonoros principais
(grave, médio e agudo), porém é na quarta frase que uma extensão mais ampla do teclado
é empregada.
FIGURA 09 – Seresta [01-03]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
4 | JONGO
Jongo, segundo verbete da Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, Folclórica
e Popular, de MARCONDES e RIBENBOIM (1998), significa “dança-afro-brasileira do tipo
batuque ou samba”. Esta obra é toda construída sobre um ostinato rítmico, iniciando de
maneira misteriosa (ver indicação soturno e misterioso, no início da peça) e evoluindo para
um final agitado, pesado e denso. Desenvolvida no modo Si Eólio, em forma unitária (A),
contém introdução e cinco frases organizadas da seguinte maneira: Introdução [1-2], 1ª
Frase [3-14], 2ª Frase [15-26], 3ª Frase [27-38], 4ª Frase [39-50] e 5ª Frase [51-62].
4.1 Tempo e Ritmo
Com a indicação Allegro Pesante, Jongo é uma peça que não determina compasso
nem, consequentemente, barras de compasso. A construção da obra tem como fundamento
a célula rítmica colcheia / duas semicolcheias / colcheia / quatro semicolcheias / colcheia
, em ostinato. A partir desta estruturação rítmica (e também da indicação
metronômica) pode-se adotar a semínima como unidade de referência, assim como um
provável compasso ternário simples, o que facilitaria a fluência e precisão rítmica da
execução2.
2 Na ausência de barras de compasso será utilizada, como referência, a célula rítmica básica do ostinato, contando-se
cada uma para efeito de localização na partitura
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
199
FIGURA 10 - Jongo [01-03]
As figuras predominantemente utilizadas são colcheia e semicolcheia. A partir
de [39], na única frase que começa com um ritmo anacrústico, semínimas são também
utilizadas. O único – e fundamental – recurso de agógica expressamente indicado por
Lorenzo Fernândez é um animando sempre, como em [48].
FIGURA 10 - Jongo [01-03]
FIGURA 11 – Jongo [48]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
200
4.1 Melodia
O Jongo estrutura-se sobre em uma ideia melódica básica, trabalhada em cinco
frases. A própria composição da melodia é fragmentada, especialmente em função
da ênfase dada ao aspecto rítmico: os motivos são curtos e repetitivos, com intervalos
predominantemente restritos, não aparecendo nenhuma ideia melódica mais extensa. A
proporcionalidade na organização fraseológica é fator importante, esta sempre subordinada
à organização dos ostinatos rítmicos em grupos de doze células rítmicas básicas. O
compositor indica sforzando de [35-49], [53], [57] ao [62], reforçando tanto a execução dos
próprios ostinatos quanto da melodia principal.
FIGURA 12 - Jongo [60-62]
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
4.2 Textura
A textura básica é homofônica, privilegiando-se uma base rítmica sobre a qual
se desenrola uma melodia simples. Variações importantes são observadas quanto ao
adensamento progressivo da escrita (reforçado pela dinâmica progressivamente mais
forte) que se dá na peça, tanto no ostinato quanto na melodia: estes têm início com notas
simples ou duplas, restritas a uma mesma região do teclado, até chegarem a acordes
densos para as duas mãos, em diferentes regiões, culminando em ampla exploração
espacial e timbrística do piano.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Razoável dificuldade
4.3 Sonoridade
Começando em ppp e terminando em fff, com as indicações cresc. poco a poco
ou cresc. ma sempre poco a poco, esta é uma peça que tem na progressão gradativa de
dinâmica uma de suas maiores dificuldades de execução. Tal crescendo gradual deve ser
cuidadosamente trabalhado pelo intérprete, já que se trata de um importante efeito sonoro,
de cunho estrutural, da obra. Tal efeito é reforçado, a partir de [48], por um acelerando, o
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
201
qual contribui para o senso de clímax atingido ao final.
FIGURA 13 - Jongo [04-10]
Os níveis de intensidade sonora sugeridos pela textura apontam para um destaque
da linha melódica sobre um ostinato menos sonoro, este colocado sempre na região grave;
já a melodia, reforçando a ideia de um longo e contínuo crescendo, tem início no grave e
finaliza no agudo, explorando o teclado em toda a sua extensão.
Dois tipos de pedal são indicados na partitura, o pedal una corda nos seis primeiros
ostinatos e o pedal tonal (sostenuto) a partir de [15] até o final. A organização da pedalização
(com o pedal de ressonância) tomará como referência as notas pertencentes à linha
melódica e não o ostinato; tal procedimento, se não estiver aliado a um toque adequado
e, eventualmente, até ao uso de trêmulo no pedal, poderá misturar indevidamente a
sonoridade do ostinato, mas se devidamente utilizado tornará nítida e correta a percepção
da linha melódica.
NÍVEL DE DIFICULDADE: Muita dificuldade
5 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Depois de averiguar e estudar a III Suíte Brasileira de Oscar Lorenzo Fernândez,
evidencia-se que o compositor emprega neste ciclo musical um nível técnico-pianístico de
razoável a muita dificuldade em sua escrita. Nas categorias Tempo e Ritmo e Textura, é
verificado uma razoável dificuldade em duas das três músicas deste ciclo, já a categoria
Melodia, é constatado uma razoável dificuldade em todas as três músicas, e por último,
muita dificuldade em relação à categoria Sonoridade, em todas as três músicas desta suíte.
Julga-se que os efeitos deste trabalho consigam contribuir com relação a elaboração
daqueles que encaminham a se inclinar acerca das três Suítes Brasileiras, quer sejam
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
202
eles alunos, intérpretes ou docentes a partir de um maior discernimento em relação aos
graus de dificuldade pianístico-musical contidos nesta suíte. Posto que, novas informações
relacionados à interpretação pianística da obra aqui debatido é capaz, a todo momento, ser
amplificados, em particular a partir de reflexões autênticas vindas da experiência única que
cada intérprete pode ter com a obra. Outros enfoques podem ainda vir a ser aprimorado
sobre as classes de dificuldade técnica, como por exemplo, à expressividade musical,
emprego da tonalidade, e aplicação de movimentos pianísticos, toques e dedilhados.
Deseja-se, portanto assim, que este artigo possa oferecer impulso para o nascimento
de outros trabalhos associados às três Suítes Brasileiras, em especial, e, em extensivo, ao
reconhecimento das diversas categorias de dificuldade pianístico-musical em outras obras
do repertório pianístico brasileiro.
Tal seleção, é abundante em singularidade e excentricidade, merece ainda de
pesquisas que produzam inúmeras e oportunas assuntos pertinentes à sua performance,
vindo assim a auxiliar para um maior entendimento dentro do contexto musical brasileiro.
REFERÊNCIAS
KAPLAN, José Alberto. Teoria da Aprendizagem Pianística. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985. 112
p.
LEIMER, Karl; GIESEKING, Walter. Como Devemos Estudar Piano. Trad. Tatiana Braunwieser. São
Paulo: Editorial Mangione S. A., 1949. 63p.
MARCONDES, Marcos Antônio; RIBENBOIM, Ricardo. Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita,
Folclórica e Popular. 2 ed. rev. e aum. São Paulo: Art Editora, 1998. 912p.
MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. 550p.
ARAÚJO FILHO, Alfeu Rodrigues de. Estudo Analítico e interpretativo sobre as três Suítes Brasileiras
de Oscar Lorenzo Fernândez. 1996. 164f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual de
Campinas, São Paulo.
SANTIAGO, Júnia Gonçalves. A progressão da dificuldade técnica para piano nas três Suítes
Brasileiras para piano de Oscar Lorenzo Fernandez. 2007. 71f. Artigo (Mestrado em Música) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
FERNÂNDEZ, Oscar Lorenzo. 1ª, 2ª e 3ª Suíte Brasileira. Irmãos Vitale-Editores. São Paulo, Rio de
Janeiro, 1942. 9 Partituras (33p). Piano Solo
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 19
203
CAPÍTULO 20
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
BRASILIANAS IV E V PARA PIANO DE RADAMÉS
GNATTALI: UMA ANÁLISE MUSICAL TIPIFICADA,
INTERPRETATIVA E COMPARATIVA
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 02/03/2021
Felipe Aparecido de Mello
UNESP – Programa de Pós-Graduação em
Música
São Paulo – SP
http://lattes.cnpq.br/6419372757963416
RESUMO: O presente texto apresenta os
resultados parciais da pesquisa sobre a análise
musical tipificada, interpretativa e comparativa
das Brasilianas IV e V para piano do compositor
brasileiro Radamés Gnattali. Para tanto, utilizouse metodologias contidas em Kostka (1999),
Schoenberg (1996, 2001), Rink (2002) e Berry
(1987), considerando-se ainda os fundamentos
metodológicos de Mário de Andrade (1972, 1989)
e José Ramos Tinhorão (2015). Evidenciou-se,
ainda, os elementos etnográficos empregados
pelo compositor em suas obras, bem como
elementos notacionais que expõem aspectos
nacionalistas, jazzísticos e impressionistas de
sua escrita musical.
PALAVRAS - CHAVE: Análise musical.
Interpretação musical. Música para
piano. Brasilianas IV e V. Radamés Gnattali.
BRASILIANAS IV AND V FOR PIANO
BY RADAMÉS GNATTALI: A TYPIFIED,
INTERPRETATIVE AND COMPARATIVE
MUSICAL ANALYSIS
ABSTRACT: This text presents the partial results
of the research on the typified, interpretative and
comparative musical analysis of Brasilianas IV
and V for piano by Brazilian composer Radamés
Gnattali. For that, methodologies contained
in Kostka (1999), Schoenberg (1996, 2001),
Rink (2002) and Berry (1987) were used, also
considering the methodological foundations
of Mário de Andrade (1972, 1989) and José
Ramos Tinhorão (2015). It was also evident the
ethnographic elements used by the composer
in his works, as well as notational elements
that expose nationalist, jazz and impressionist
aspects of his musical writing.
KEYWORDS:
Musical
analysis.
Musical
interpretation. Music for piano. Brasilianas IV and
V. Radamés Gnattali.
1 | INTRODUÇÃO
Os gêneros musicais empregados nas
Brasilianas IV e V para piano de Radamés
Gnattali
se
manifestam,
originalmente,
no
folclore e na música urbana brasileira. Diante
disso, a análise musical tipificada dessas
obras
intenta
identificar
estes
gêneros
notacionalmente, bem como seus elementos
etnográficos associados a completude de seu
estilo composicional, posto toda confluência
cosmopolita
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
desenvolvida
Capítulo 20
em
sua
escrita
204
musical. Entretanto, quais metodologias de análise musical podem conduzir a um eficiente
reconhecimento dos aspectos de sua escrita para a interpretação? Nessa perspectiva, o
presente texto apresentará algumas particularidades contidas nas Brasilianas IV e V para
piano do compositor brasileiro Radamés Gnattali. Para tanto, utilizou-se as metodologias
aportadas em Kostka (1999), Schoenberg (1996, 2001), Rink (2002), Réti (1951), Persichetti
(2012) e Berry (1987), considerando-se ainda os fundamentos metodológicos de Mário de
Andrade (1972, 1989) e José Ramos Tinhorão (2015), bem como considerações relevantes
propostas pelo pesquisador Ricieri Carlini Zorzal (2005).
Nas fundamentações depreendidas em Kostka (1999), Rink (2002), Schoenberg
(1996, 2001) e Persichetti (2012), as análises geraram gráficos das flutuações de tempo
e dinâmica das obras, bem como tabelas demonstrativas de suas formas estruturais1,
evidenciando informações sobre as subdivisões, tonalidades, modulações e seus respectivos
números de compassos. Por intermédio dos tratados musicais de análise propostos por
Réti (1951) e Berry (1987), foi possível constatar algumas características motívicas nas
obras analisadas, além de questões relacionadas sobre a textura musical que as norteiam.
Com relação aos apontamentos apreendidos em Andrade (1972, 1989), Tinhorão (2015)
e Zorzal (2005), as inferências e considerações convergiram em demonstrações acerca
dos gêneros brasileiros explorados, esclarecendo-se, de um modo geral, aspectos da
escrita musical de Radamés Gnattali nas Brasilianas IV e V para piano. Diante disso, as
metodologias corroboram informações relevantes sobre o estilo da escrita composicional de
Radamés Gnattali que se voltam, sobretudo, para as práticas interpretativas e performance
musical ao piano.
Nas Brasilianas IV e V para piano2 emprega-se os gêneros musicais folclóricos e
urbanos da música brasileira, que são apresentados em diferentes formatos e que norteiam
cada uma das obras. Na Brasiliana IV, composta por quatro títulos separados, faz-se alusão
a uma pequena suíte musical, por sua vez, na Brasiliana V percebe-se uma obra de maior
extensão e em formato rapsódico, sendo composta por uma sucessão de temas folclóricos
(de domínio popular), entremeados ainda por desenvolvimentos e variações com inserção
de trechos que nos remetem a pequenos improvisos. Radamés Gnattali demonstra ser
um compositor enriquecido pela poesia carioca, sem, contudo, abandonar as influências
jazzísticas, nacionalistas e da música clássica europeia em sua escrita musical.
2 | BRASILIANA IV PARA PIANO: CONSIDERAÇÕES GERAIS, ANÁLISE
MUSICAL TIPIFICADA E COMPARATIVA
O primeiro título da Brasiliana IV, designado Prenda Minha (Moda Gaúcha), compõese de uma Toada. No Dicionário Grove de Música (1994) o termo é denominado como
cantiga geralmente melancólica ou arrastada, sendo empregado regionalmente no sentido
1 Os gráficos e tabelas estão dispostos exclusivamente no formato integral desta pesquisa.
2 As Brasilianas IV e V para piano foram editoradas e editadas pelo autor deste trabalho.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
205
de entonação ou linha melódica. Mário de Andrade (1972) no livro Ensaio sobre a Música
Brasileira, evidencia que o refrão instrumental do tema de Prenda Minha serve a uma dupla
função: de introdução e término da canção. O poema do verso é disposto na seguinte
prosódia:
Vou-me embora, vou-me embora, prenda minha, tenho muito que fazer. Tenho
de ir para rodeio, prenda minha, no campo do bem querer. Noite escura,
noite escura, prenda minha, toda noite me atentou. Quando foi de madrugada,
prenda minha, foi-se embora e me deixou (ANDRADE, 1972, p. 137).
Ainda nessa questão acerca do folclore gaúcho, no livro Assim Cantam os Gaúchos
(1984), elaborado pelo Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore, consta-se uma relevante
alegação a respeito do título e do poema desta canção:
“Prenda” é a namorada, a moça gaúcha, num sinônimo de joia ou valor muito
estimado. O termo talvez tenha sido trazido ao Rio Grande do Sul pelos colonos
dos Açores, pois naquele arquipélago lusitano é tradicional uma cantiga de
tirana com o seguinte refrão: “Tirana, atira, tirana, vem a mim, tira-me a vida:
a prenda que eu mais amava, já de mim foi suspendida”. O primeiro registro
do texto data de 1880, feito por Carlos von Koseritz, precursor dos estudos
folclóricos no Rio Grande do Sul. A melodia foi recolhida por Teodomiro Tostes,
na interpretação de um velho gaiteiro, nos anos de 1920, e reproduzida em
São Paulo por Mário de Andrade em seu “Ensaio sobre a Música Brasileira”.
A partir de então, essa cantiga teve grande acolhida pelos rio-grandenses
residentes no Rio de Janeiro após a revolução de 1930, difundindo-se com
menor ênfase nos meios urbanos do Rio Grande do Sul (IGTF, 1984, p. 13).
Uma das características marcantes desta obra é o emprego da harmonia de efeito
policorde (cromático) juntamente da dinâmica sforzato. A melodia conduzida no registro
grave mantém ligada a última nota em comum por quatro compassos seguidos, delineando
a modulação entre as Seções A² e B², que se define na tonalidade de Mi bemol maior.
Na conclusão da obra (Seção A³) os mesmos elementos fraseológicos de A¹ e A² são
desenvolvidos, porém na tonalidade do IV grau3 (A¹ / A² – Ré maior; B² – Mi bemol maior;
A³ – Sol maior).
3 Grafia empregada no livro Fundamentos da composição musical de Schoenberg (1996).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
206
Figura 1 – Brasiliana IV (Prenda Minha) c. 23-37: Seção A² com elementos fraseológicos e
motívicos de A¹ e uso de procedimentos cromáticos (policordes).
O segundo título da Brasiliana IV denomina-se por Samba-canção (Rio de Janeiro).
Esta obra apresenta em sua introdução de dois compassos três motivos principais, que são
expostos e trabalhados no decorrer de sua forma. Diante da profusão de motivos musicais
constatados neste título utilizou-se – para uma melhor ilustração – a análise motívica
fundamentada no livro The Thematic Process in Music de Rudolph Réti (1951). O autor
define motivo da seguinte forma:
Nós chamamos de motivo qualquer elemento musical, seja uma frase ou
fragmento melódico ou mesmo apenas uma característica rítmica ou dinâmica
que, por ser constantemente repetida e variada ao longo de uma obra ou
seção, assume um papel no desenho composicional um tanto semelhante ao
de um motivo nas belas artes (RÉTI, 1951, p. 11-12, t.n.).
Outro fator importante compreende a figura rítmica utilizada no acompanhamento,
sobretudo na Seção A¹. Similarmente fiel aos acompanhamentos empregados pelos
violonistas no gênero do samba-canção esta figura rítmica outorga – aliado as sugestões
rítmico/dinâmicas – o caráter deste gênero transposto para o piano, que por sua vez percorre
toda a Seção A¹, bem como partes da Seção A². Podemos observar também procedimentos
octatônicos utilizados por Gnattali nesta obra, no qual o acorde de Gm7 é intercalado com
acordes provenientes de duas escalas octatônicas, onde a nota Sol, tônica do trecho, é
encontrada. No c. 3, o acorde inicial é sucedido do acorde Abº7M(b13) – presente na escala
formada por Sol, Láb, Sib, Dob, Réb, Ré, Mi, Fá – e no c. 4, a alternância é realizada com
o acorde de A7(#4b9), proveniente da escala Sol, Lá, Sib, Do, Do#, Ré#, (Mib), Mi e Fá#.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
207
Figura 2 – Brasiliana IV (Samba-canção) c. 1-4: introdução com três elementos motívicos, ritmo
do samba-canção ao piano e acordes octatônicos.
O terceiro título da Brasiliana IV denomina-se por Desafio (Nordeste). Este gênero
musical é entoado por cantadores de algumas regiões específicas do Brasil, sobre este
aspecto, constata-se no Dicionário Grove de Música (1994):
Cantador, também chamado de violeiro, é um correspondente moderno dos
antigos menestréis, que se apresenta em feiras e quermesses do nordeste,
leste e centro do Brasil acompanhado de uma viola caipira. Com sua voz
caracteristicamente fanhosa e estridente, o cantador descreve feitos heroicos
ou narrativas imaginosas, em que a parte do texto supera amplamente em
importância o contexto propriamente musical. Os cantadores se enfrentam
uns aos outros em desafios, rivalizando na capacidade de improvisação e em
presença de espírito (GROVE, 1994, p. 163).
Em contrapartida, no Dicionário Musical Brasileiro de Mário de Andrade (1989), este
gênero é descrito “mostrando que o Desafio entra em qualquer música, qualquer dança,
sendo apenas um processo de cantar improvisado” (ANDRADE, 1989, p. 186), o autor
ainda prossegue: “Mas há uma diferença no Desafio campeiro; hoje é com gaita e não viola,
conforme era primeiro (gaita é acordeona). Um verso contra outro verso, qual facão contra
facão, sempre no tempo de polca, da polca da relação” (1989, p. 186).
O termo Rojão, utilizado por Gnattalli no início da Seção B¹, corrobora com
os elementos em alusão ao nordeste, não obstante o emprego das harmonias típicas,
este termo assim é definido por Andrade: “trecho instrumental que introduz ou encerra
a participação de um cantador no desafio” (ANDRADE, 1989, p. 443). Embora Andrade
argumente sobre o caráter finalizador do Rojão, nesta peça ele tem uma clara função de
refrão, apresentado, cada vez, em uma tonalidade diferente. Na seção B² (c. 37-40) o termo
Rojão reaparece em mesmo formato fraseológico, contudo com o emprego de dois modos
diferentes, que associados, caracteriza-se como intercâmbio modal (PERSICHETTI, 2012).
Constata-se nesta obra o fator harmônico modulante constante em consonância de cada
seção musical explorada.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
208
Figura 3 – Brasiliana IV (Desafio) c. 17-20: início da seção B¹ com elementos modais e alusivos
à música nordestina.
Em cada retorno do tema principal da seção A ocorre o emprego de variações
melódicas, tornando-o em cada aparição mais elaborado. O Desafio, similarmente do título
Prenda Minha, é finalizado de maneira extremamente rítmica e movida.
Figura 4 – Brasiliana IV (Desafio) c. 61-68: emprego do tema principal mais elaborado na
Seção A4.
O quarto título da Brasiliana IV, denominado Marcha de Rancho (Rio de Janeiro),
encerra em referência ao estado carioca, berço deste gênero em questão. Em Andrade
(1989), marcha-rancho assim é definida: “no Brasil, a marcha popularizou-se nos blocos
carnavalescos como marcha-rancho e marcha de salão, e segue a fórmula introdução
instrumental e estrofe-refrão” (ANDRADE, 1989, p. 307). Por sua vez, José Ramos Tinhorão
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
209
(2015) discorre amplamente sobre este gênero musical, citando diversas curiosidades a
respeito:
A lenta e bucólica marcha-rancho, compreendida como gênero de música
carnavalesca paralela à marcha, ou marchinha de andamento mais vivo e
letra maliciosa ou irônica, é uma criação relativamente moderna e, constitui a
produção consciente de profissionais da primeira geração de compositores
do rádio da década de 1930, interessados em capitalizar o espírito musical e
a beleza dos desfiles dos ranchos cariocas. Surgidos em meados do século
XIX entre os núcleos de moradores nordestinos da zona portuária do Rio
de Janeiro, ligados todos a uma origem rural (foram os baianos migrados
para o Rio que tiveram a ideia de desfilar com ranchos de carnaval), […]
a mais antiga dessas marchas foi a famosa “A jardineira”, uma marcha do
folclore nordestino, lembrando a figura clássica das mocinhas “pastoras”
enfeitadas de flores, e teve sua adaptação carioca talvez na década de 1870.
[…] Os ranchos carnavalescos são estas belas sociedades que, com luxo
e esplendor, vão aos poucos substituindo os antigos cordões, havendo a
necessidade de se criar um tipo de música coerente com o espírito de seus
desfiles, diferenciando-se dos simplórios blocos e cordões carnavalescos
(TINHORÃO, 2015, p. 153-154).
Um fator importante do início desta obra, decorre do procedimento de pedalização
manual proposto por Gnattali, favorecendo as articulações do ritmo da marcha-rancho
também por intermédio de staccati, tenuti e pausas, que se evidenciam por meio deste
processo. Este procedimento é empregado, possivelmente, pelo fato da escrita pianística
poder reproduzir com maior fidelidade este gênero, advindo originalmente do violão.
Figura 5 – Brasiliana IV (Marcha de Rancho) c. 1-9: elementos peculiares da articulação da
marcha-rancho empregados no tema de A¹ em seu antecedente e consequente.
Adiante, esta obra caracteriza-se por uma crescente em sua textura temática, que
se torna – em cada posterior exposição – mais grandiosa, ainda assim, toda a obra é
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
210
elaborada sobre o singelo motivo rítmico da marcha-rancho, inclusive em sua coda, que
conclui a obra em caráter igualmente rítmico.
3 | BRASILIANA V PARA PIANO: CONSIDERAÇÕES GERAIS, ANÁLISE
MUSICAL TIPIFICADA E INTERPRETATIVA
A Brasiliana V para piano é uma obra extensa em caráter de rapsódia, estilo que se
estende ao longo de seus quatrocentos e trinta e sete compassos. Em Mário de Andrade
(1989), este gênero musical é definido como “forma livre de composição musical, peça
característica, sem conteúdo programático” (1989, p. 427), por sua vez, no Dicionário
Grove de Música (1994), verifica-se também algumas peculiaridades acerca deste gênero
musical:
Termo oriundo da poesia épica grega antiga, usado pela primeira vez como
título musical por Tomásek para um grupo de seis peças para piano em cerca
de 1803. Este e outros exemplos mais antigos têm um caráter contido, mas
fantasias livres de caráter épico, heroico ou nacional receberiam mais tarde
o mesmo título. Entre os Exemplos incluem-se as 19 Rapsódias húngaras de
Liszt, e as Rapsódias de Brahms e Dohnányi (para piano), de Dvorák, Enescu,
Chabrier e Vaughan Williams (para orquestra) e de Bartók (para instrumentos
solistas e orquestra) (GROVE, 1994, p. 765).
Esta obra compõe-se da concatenação de diversos temas do folclore musical
brasileiro (Cantos de Roda, Acalanto e Trabalho), empreendendo variações amplas e
pormenorizadas sobre os cantos de roda do repertório folclórico brasileiro, sobre os
acalantos (conhecidos popularmente por canções ou cantigas de ninar) e, sobre os cantos
do trabalho, canções entoadas por trabalhadores, sobretudo das regiões interioranas,
geralmente no cumprimento das funções braçais aos mais diversificados contextos dos
recantos brasileiros. O primeiro tema trabalhado, sobre os Cantos de Roda, compreende a
canção Terezinha de Jesus; o tema, de fato, é exposto na Seção A¹ (c. 7 a 29), mantendose ainda as mesmas características de textura expostas na introdução, com adição de
algumas notas no registro grave. Essa textura se modifica no c. 11, ocorrendo menor
polirritmia até o término desta primeira exposição temática, que se prolonga na tonalidade
de Do menor até o c. 16. A partir deste ponto, o tema modula para a tonalidade de Lá
menor, sincronicamente ao surgimento de polimetria no c. 17, perdurando-se até o c. 23.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
211
Figura 6 – Brasiliana V (Cantos de Roda) c. 16-20: emprego de polimetria e modulação.
A harmonia decorrida na breve transição compreende acordes que denotam
afastamento para outra tonalidade, entretanto, por ocorrerem em um curto espaço de
tempo e serem muito distantes da tonalidade anterior, o emprego cromático se faz presente,
harmônica e melodicamente. O aspecto da textura musical desta transição nos revela a
influência do impressionismo no estilo de Radamés Gnattali, podendo-se aferir também,
neste contexto, a seguinte definição deste termo no Dicionário Grove de Música (1994):
“um conceito útil particularmente para a música que dissolve os contornos da progressão
tradicional com aspectos modais ou cromáticos” (p. 450).
Figura 7 – Brasiliana V (Cantos de Roda) c. 30-31: Breve Transição.
A seção B (tema B¹), encontra-se inicialmente na tonalidade de Sol bemol maior,
porém em sua totalidade esta seção tem característica politonal. Composta por dezesseis
compassos (c. 32 a 47), com fraseologia irregular, encontra-se disposta da seguinte forma:
7 compassos (antecedente) + 7 compassos (consequente) + 2 compassos (pequena
transição). A fraseologia atípica desta canção decorre possivelmente das constantes
mudanças na sua fórmula de compasso (2/4 nos c. 32, 33, 36, 40, 43 e 47 – 3/4 nos c.
34, 37, 38, 39, 41, 44, 45 e 46 – 4/4 nos c. 35 e 42), atribuindo-lhe peculiar característica
fraseológica. O tema trabalhado em B constitui-se sobre a canção de roda A mão direita
tem uma roseira, no c. 39 ocorre modificação na tonalidade do tema para Lá maior (tema
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
212
B²), seguindo-se até o c. 46. Uma breve transição sugere alteração para a tonalidade de
Sol maior, concomitantemente à mudança temática para a breve Seção C com a canção
Marcha do remador (popularmente conhecida como Se a canoa não virar - c. 48). Vale
salientar que em meio as canções de roda, este tema foge da prescrição contida no
subtítulo desta obra, sendo a única marchinha de carnaval utilizada na Brasiliana V. Na
Seção D explora-se a segunda estrofe do tema da canção Ciranda, cirandinha.
A segunda parte da Brasiliana V, constituída acerca dos Cantos de Acalanto,
compreende um dos pontos onde considerar-se-á algumas comparações texturais. A
clareza, onde em determinadas passagens ocorrem nítidas referências a outros estilos
composicionais, além das citações aos temas de acalanto, evidencia, via de regra,
influências composicionais de algumas esferas do universo erudito ao estilo composicional
de Radamés Gnattali. Em Andrade (1989), consta-se breve passagem sobre o termo
cantiga de ninar: “cantiga para adormecer criança, mesmo que acalanto. Segundo Renato
Almeida é uma canção ingênua, sobre uma melodia simples, com que as mães ninam os
filhos” (ANDRADE, 1989, p. 104). O próximo tema, constituído sobre a canção Boi da cara
preta, dispõe de cromatismo constante na linha melódica intermediária e linha do baixo,
conferindo também caráter contrapontístico a textura desta obra, contudo, esta disposição
cromática não altera suas funcionalidades harmônicas, devido sua aplicação ocorrer
nos contratempos ou em tempos de fraca pulsação, sucedendo-se também harmonias
dissonantes e em profusão. Atenta-se para o uso constante dos termos subjetivos de
andamento Suavemente e Um pouquinho mais, que auxiliam o intérprete para a delineação
das características interpretativas empregadas aos temas.
A partir do c. 196 uma nova atmosfera sonora se estabelece, induzindo a um
acompanhamento extremamente romântico, muito similar ao utilizado na Consolação nº3
do compositor Franz Liszt, inclusive com relação ao emprego da mesma tonalidade em
Ré bemol maior. Acerca da influência do romantismo na linguagem musical de Radamés,
o pesquisador Ricieri Carlini Zorzal (2005) numa leitura de Meyer (2000), nos apresenta o
romantismo como: “um período no qual os compositores idealizavam uma individualidade,
através da concepção e utilização de estruturas convencionais sobre estratégias
composicionais, ocultando a convenção sem renunciar a ela” (MEYER apud ZORZAL,
2005, p. 23). O autor ainda prossegue referindo-se que essas estruturas convencionais são
igualmente empregadas – de forma oculta ou menos evidente – por Gnattali.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
213
Figura 8 – Brasiliana V (Acalanto) c. 199-206: Seção E, tema E4 em Ré bemol maior.
Figura 9 – Consolação nº 3 (Franz Liszt - Ed. Peters) c. 19-24: excerto a título de comparação
entre as texturas musicais das Fig. 8 e 9.
A próxima subdivisão temática na Seção F compreende outro tema de Acalanto.
Elaborada sobre o tema da canção Tutu Marambá, constitui-se também por outra canção
de ninar. Em Andrade (1989) consta-se breve citação acerca deste cântico:
Um dos tipos de tutus, bicho-papão, assombrador de crianças, que aparece
nas cantigas de ninar. Expressão composta por palavra de origem quimbunda
(Angola), quitutu, que significa papão, e a palavra de origem indígena marã,
que significa mau, velhaco, ruim. Os tutus, que variam conforme a região,
são animais informes e negros mencionados em acalantos. Não existe uma
descrição detalhada do mesmo, mas é com ele que se amedronta a criança
que não quer dormir. Além do tutu-marambá, ou marambaia, há ainda o
tutuzambê, o tutu-do-mato, ou bicho-do-mato, que figuram em cantigas
populares (ANDRADE, 1989, p. 541).
A próxima transição estende-se do c. 254 ao c. 259 e tem um caráter composicional
impressionista, mais precisamente “debussyano”.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
214
Figura 10 – Brasiliana V (Acalanto) c. 254-259: Transição com caráter impressionista.
A influência de Debussy na música de Radamés foi reconhecida por Zorzal (2005)
em sua análise sobre os Dez estudos para violão (1967), evidenciando-se características
como o uso de escalas não tonais, escalas de tons inteiros, cromatismo e instabilidade
tonal: “A harmonia deixa de ser sintática e toda relação com forte sentido de processo tende
a ser evitada” (ZORZAL, 2005, p. 27-31).
Figura 11 – Prelúdio nº 12 (Claude Debussy - Ed. Durant) c. 36-38: ilustração com finalidade
comparativa entre a textura da Transição e a Escrita de Debussy (Fig. 10 e 11).
Acerca dos Cantos de Trabalho, sabe-se que estes compreendem uma prática
antiga e tradicional na história da música brasileira, principalmente no espaço rural. Mário
de Andrade (1989) os descreve da seguinte forma:
Cantos usados durante o trabalho e destinados a diminuir o esforço e a
aumentar a produção, os movimentos seguindo os ritmos do canto. “Em
geral são melopeias, empregando às vezes ditongos e palavras meramente
onomatopaicas, que servem para determinar o ritmo, conforme a natureza do
trabalho (ANDRADE, 1989, p. 108).
Um fator importante a ser ressaltado sobre o próximo tema decorre da característica
impressionista. Acerca deste aspecto, podemos também nos ater sobre a influência
composicional de Maurice Ravel a Radamés Gnattali, com um olhar mais atento para a sua
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
215
composição Miroirs - Une barque sur l’océan, que faz alusão aos movimentos das ondas
do oceano, dispondo-se de um barco como protagonista. A melodia trabalhada por Gnattali
sobre o tema do Canto do barqueiro, em diversos momentos, nos remete aos movimentos
de um barco sobre as ondas das águas, bem como em Une barque sur l’océan. Diante
disso, é razoável presumir – com o auxílio da comparação textural – que a influência
impressionista se estende de Debussy a Ravel para este tema em questão.
Figura 12 – Brasiliana V (Trabalho) c. 274-279: Seção G (b¹).
A partir do c. 269, o tema (b¹) torna-se extremamente modal e circula por diversos
modos (lídio, mixolídio, eólio e frígio), sendo conduzido por um acompanhamento com
constantes arpejos e eventuais notas acentuadas ou sobressalentes, advindas de uma
linha melódica secundária. No que se refere a textura musical (subjetiva e extremamente
impressionista) em alusão a Ravel, podemos depreender algumas considerações
interpretativas que corroboram a relação dos excertos dispostos nas figuras 12 e 13, onde o
abstrato e o pictórico – por meio da notação musical – se fazem presentes nesta imagética
sonora.
Figura 13 – Miroirs - Une barque sur l’océan (Maurice Ravel - Ed. Dover) c. 3-6: tema com
ampla pedalização e arpejos com notas enfatizadas (excerto comparativo - Fig. 12 e 13).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
216
O último tema empregado por Gnattali, na Brasiliana V, é desenvolvido sobre a
canção Fulô, a fulô do vapor. Entoada pelos carregadores de piano do Recife, fora gravado
por Mário de Andrade em seu projeto Missão de Pesquisas Folclóricas. Vale salientar ainda
que a melodia utilizada por Gnattali não é extremamente fiel – em relação ao tema original
gravado por Mário de Andrade (1938) –, porém sua estrutura orgânica se mantém coesa
aos propósitos de base e tessitura empregados pelo tema original.
Figura 14 – Fulô, a fulô do vapor (c. 1-8): tema original gravado por Mário de Andrade.
O tema da Seção H se estabelece na tonalidade de Mi maior, apresentando
configuração temática em H¹ por oito compassos (c. 346 a 353). O último membro de frase
deste tema alterna-se para a fórmula de compasso em ternário simples, possivelmente
para não danificar a fluência fraseológica dos temas em suas diversas repetições até a
coda.
Figura 15 – Brasiliana V (Trabalho) c. 346-353: Seção H (tema H¹).
A coda caracteriza-se por utilização ampla e constante da dissonância. Essa
configuração dissonante e suspensiva conecta-se a um pedal da nota Si (comum aos
acordes de Sol maior e Si maior), que conduz – por meio do registro em várias alturas ao
longo dos c. 430, 431 e 432 – para o acorde em terceira inversão de Si maior com 6ªM, 7ªm
e 9ªm (c. 433 e 434 – arpejado), com função suspensiva e ao mesmo tempo de dominante /
diminuta. É razoável supor que esta harmonia (c. 433 e 434), também pode ser proveniente
de uma escala octatônica enarmonizada sobre o acorde de Aº7M – presente na escala
formada por La, Si, Si#, Ré, Ré#, Mi#, Fá# e Sol# – com resolução no acorde de Mi maior
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
217
nos c. 435, 436 e 437.
Figura 16 – Brasiliana V (Trabalho) c. 432-437: compassos finais da coda na Seção H.
4 | CONCLUSÃO
Por intermédio da análise musical tipificada, interpretativa e comparativa das
Brasilianas IV e V para piano algumas características da escrita musical de Radamés
Gnattali puderam ser depreendidas, bem como peculiaridades de alguns aspectos da
historiografia musical embutidos em sua escrita pianística. Verificou se, nestas obras,
a influência do nacionalismo musical brasileiro, além de procedimentos harmônicos
e texturais provenientes do jazz e da música clássica europeia (com maior ênfase no
repertório romântico e impressionista), corroborando aspectos musicais que, em síntese,
se voltam para as práticas interpretativas e performance musical especificamente ao piano.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. 3ª Ed. São Paulo: Martins,1972.
____________. Dicionário musical brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1989.
BERRY, Wallace. Structural functions in music. New York: Dover, 1987.
GROVE. Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
IGTF, Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore. Assim cantam os gaúchos. Porto Alegre: IGTF, 1984.
KOSTKA, Stefan; PAYNE, Dorothy. Tonal harmony. New York: McGraw-Hill, 1999.
MEYER, Leonard B. Explaining music. Chicago: Chicago University Press, 1973.
____________. El estilo en la musica: teoria musical, historia e ideologia. Tradução de Michel
Angstadt. Madrid: Piramide, 2000.
PERSICHETTI, Vincent L. Harmonia no século XX: aspectos criativos e práticos. São Paulo: Via
Lettera, 2012.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
218
RÉTI, Rudolph, The thematic process in music. New York: Macmillan, 1951.
RINK, John. Musical Performance: a guide to understanding. Cambrigde: University Press, 2002.
SCHOENBERG, Arnold. Fundamentos da composição musical. 3ª Ed. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1996.
____________. Harmonia. São Paulo: Editora Unesp, 2001.
TINHORÃO, José R. Pequena História da Música Popular: segundo seus gêneros. 7ª Ed. São
Paulo: Editora 34, 2015.
ZORZAL, Ricieri Carlini. Dez estudos para violão de Radamés Gnattali: estilos musicais e
propostas técnico-interpretativas. Dissertação (Mestrado em Música) – UFBA, Salvador, 2005.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 20
219
CAPÍTULO 21
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
IMPORTÂNCIA DA TRANSCRIÇÃO MUSICAL
de Música. Partitura de Música. Composição.
Adaptação de Musica.
Data de aceite: 16/04/2021
Luiz Renato da Silva Rocha
Professor na Faculdade de Música do Espírito
Santo
Vila Velha - ES
http://lattes.cnpq.br/0280021954520363
Rafael da Silva Rocha
ESCOLA BRITÂNICA
Rio de Janeiro - RJ
http://lattes.cnpq.br/2263512828552308
Roger da Silva Rocha
Faculdade de Música do Espírito Santo
Vila Velha - ES
https://orcid.org/0000-0002-3792-7219
RESUMO: A pesquisa a ser defendida terá
como foco central analisar a importância das
transcrições a partir do ponto de vista de
compositores influentes como Bach. Pretendese apresentar todo o levantamento sobre
transcrição de músicas para que se acompanhe
todo o processo, desde a criação até escrita. A
base metodológica será um levantamento de
literatura relacionado ao tema e transcrições
das obras. Por fim, nas considerações finais
procurou-se apresentar o resultado musical
através das análises e processos de transcrições
influenciadas pelas extensas interpretações
de obras originais de grandes compositores,
envolvendo
principalmente
aspectos
pertencentes a outros ambientes musicais.
PALAVRA - CHAVE: Arranjo Musical. Transcrição
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
ABSTRACT: The research to be defended
will focus on analyzing the importance of
transcriptions from the point of view of influential
composers like Bach. It is intended to present the
entire survey on music transcription so that the
whole process can be followed, from creation to
writing. The methodological basis will be a survey
of literature related to the theme and transcriptions
of the works. Finally, the final considerations
sought to present the musical result through
analysis and transcription processes influenced
by the extensive interpretations of original works
by great composers, mainly involving aspects
belonging to other musical environments.
KEYWORDS: Musical Arrangement. Music
Transcription. Music partiture. Composition.
Music adaptation.
INTRODUÇÃO
Pesquisas
sobre
transcrições
vem
ganhando espaço e popularidade ao longo
dos últimos anos, especialmente devido à sua
facilidade de acesso como um componente
inteligente dentro da música, o que poderá
permitir
as
pessoas
pesquisarem
nos
dispositivos atuais da Internet os trabalhos dos
compositores, no caso as partituras.
Esta pesquisa terá como objetivo analisar
a importância da transcrição musical, desde a
composição, performance à improvisação que
pode ser chamado de processo criativo da
Capítulo 21
220
música, porém, consciente. Portanto, a prática da transcrição em música mantém uma série
de aspectos e características comuns. Nesta pesquisa, iremos buscar de forma exploratória
alguns métodos que poderão estimular a análise crítica da transcrição musical iniciando por
autores do período barroco como Bach até compositores russos como Stravinsky. Serão
ainda discutidos alguns conceitos básicos para a compreensão do fenômeno da transcrição,
como obra, originalidade, interpretação e autoria. Ainda assim, acredita-se que a transcrição
de música pode levantar questões sobre certos conceitos básicos como o conceito de
obra, de autoria e de interpretação. Mesmo desempenhando um papel importante para a
compreensão musical, esses conceitos as vezes passam desapercebidos no decorrer da
formação dos músicos, ou seja, o que não é problemático e não gera discussão. Dessa
forma, as universidades equivocadamente podem ter se esquecidos desses conceitos,
pois existem autores dentro do próprio corpo acadêmico que até hoje direcionam para a
formação especificamente de intérpretes e compositores.
No caso, a transcrição musical pressupõe a existência prévia de um trabalho
identificável. A intenção do transcritor é transcrever esse trabalho para uma realização
bem-sucedida na boa intenção onde é possível existir um trabalho transcrito bem feito.
Neste ponto trivial vale a pena fazer a fim de distinguir casos de transcrição daqueles,
como os seguintes, que em outros aspectos são muito semelhantes. A orquestração de
The Wedding deu a Stravinsky muitos problemas. Ele escreveu o acompanhamento para
os solistas vocais e coro primeiro para uma orquestra muito grande, depois para pianos, e
finalmente para quatro pianos e percussão. Embora a versão final não duvida, semelhante
e derivada das versões anteriores, não é um transcrição. Stravinsky teve dificuldades com
a composição, mas o trabalho não foi finalizado até que a terceira versão fosse concluída
(Isso permaneceria verdadeiro mesmo se Stravinsky tivesse disponibilizado o Versões
recentes). A versão final não pode ser uma transcrição, pois não existe um trabalho escrito
para se tornar uma transcrição.
Como as obras musicais não se referem apenas ao trabalho pessoal do compositor,
os compositores geralmente não podem copiar suas próprias obras. Stravinsky transcreveu
Pulcinella três vezes – em 1925 para violino e piano, em 1932 como Suíte Italiana para
violoncelo e piano, e em 1933, também como Suíte Italiana, para violino e piano. Logo
depois que Mozart percebeu um grupo de instrumentos de sopro que costumam ser
tocados nas ruas, transcreveu, e outros compositores reduziram as obras para piano em
orquestrais. A transcrição deve se afastar o suficiente do original para contar como um peça
distinta e não apenas como cópia do original. Algum aspecto do original deve ser alterado
na transcrição. Normalmente, há uma significativa alteração no meio para o qual o trabalho
foi escrito. E, geralmente, uma mudança no meio envolve uma mudança na instrumentação
(e as mudanças de nota consequentes nisto). É possível produzir uma nova peça por meio
de uma mudança em instrumentação, porque a maioria das obras musicais são específicas
do meio. Isto é um dos complexos de critérios de identidade em termos dos quais a Quinta
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
221
Sinfonia é a obra que é, e o fato de ter sido escrita para um padrão orquestra sinfônica
(incluindo trombones e flautim). (Obras que não são obviamente específicos do meio, como
The Art of the Fugue, de JS Bach, são raros). Na maior parte, a possibilidade de transcrição
musical depende do fato de que pode-se escrever uma nova peça, preservando o conteúdo
musical do original peça na qual a nova peça é baseada, alterando o meio pelo qual esses
conteúdos são apresentados. Assim, uma obra orquestral pode ser transcrita para piano,
ou banda de sopro, ou dueto de violoncelo, ou vice-versa.
A mudança de um meio musical para outro não pode ser alcançada mecanicamente
ou mesmo automaticamente pela especificação de uma mudança na instrumentação. Não
se transcreve um concerto para cravo apenas por riscar a palavra ‘cravo’ na partitura e
substituindo-a pela palavra ‘piano’. Embora uma mudança na instrumentação tenha
sido especificada, os instrumentos são tocados de maneira semelhante e compartilham
a participação na família dos instrumentos de teclado. A re-orquestração de Stravinsky
de Petrushka, que envolveram reduções no número de partes do vento e alterações
semelhantes, fornece um exemplo semelhante. Uma versão diferente da mesma obra foi
produzida por Stravinsky e não há nenhuma cópia nela, pois a nova versão não contém
alterações no meio, portanto, não difere muito do original e, portanto, não é uma transcrição.
Há pelo menos mais uma maneira de especificar uma mudança de instrumentação
que não equivale a uma mudança de meio, ou seja, que a tentativa de mudança falha
porque a especificação não é facilmente realizável. Por exemplo, é impossível transcrever
composição orquestral no piano simplesmente transferindo as notas tocadas pela orquestra
para os agudos e graves da pauta e especificando que a partitura gerada deve ser tocada
no piano. É impossível para alguém escrever em um contexto específico até que alguém
considere que um músico está envolvido e não precisa colaborar ou trabalhar naquele
contexto. A transcrição criativa é polêmica entre tentar conciliar o conteúdo musical da obra
original e as limitações e vantagens da mídia que não projetou o conteúdo.
O transcritor não pode se desviar do conteúdo original de acordo com o quanto
ele se adequa ao meio que escreveu, não havendo regra alguma como base. Mas para
que uma tentativa de transcrição falhe como resultado da modificação muito extensa
do conteúdo musical do original é bem fácil. Não basta ao compositor transcrito usar a
obra como modelo e reconhecer esse modelo na obra final. O compositor de ‘arranjos’,
‘variações’, e ‘homenagens’ faz isso sem produzir transcrições. O objetivo de uma tentativa
de transcrição bem-sucedida é e ter uma fidelidade maior ao conteúdo musical original
do que, por exemplo, uma tentativa bem-sucedida de escrever um conjunto de variações
sobre o assunto de outras pessoas.
Uma tentativa de transcrição que falha através de sua falta de fidelidade ao conteúdo
musical do poder original teria sido uma homenagem bem sucedida se as intenções
do compositor fossem diferentes. Se a tentativa de transcrição for bem-sucedida e a
transcrição alterar as notas do original, essas alterações não destruirão as configurações
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
222
que dão um caráter original, em vez disso, recriam dentro do meio para o qual a transcrição
é escrita equivalente às configurações. (Menciono algumas das técnicas empregadas pelos
transcritores, discutindo a criatividade envolvida na transcrição na terceira seção.)
Alguns exemplos ilustram a maneira como as transcrições devem ser ouvidas
respeitando o conteúdo musical de seus modelos. A peça para piano de Debussy (de cerca
de 1910) ‘Homage to Haydn’, balé de Stravinsky The Fairy’s Kiss, baseado em A música
de Tchaikovsky e as Variações Diabelli de Beethoven, baseadas na música de Diabelli,
tudo teria sido um fracasso se tivessem sido concebidos como transcrições, porque eles
se afastam muito de suas fontes para contar como transcrições dessas fontes. Cada uma
dessas obras reconhece a origem de sua inspiração musical, mas continua a recompor e
decompor o conteúdo musical de seu fonte (de uma forma perfeitamente apropriada para
ser uma homenagem, um arranjo ou um conjunto de variações, mas de uma forma que
não teria sido apropriada para a realização de uma intenção de produzir uma transcrição).
Em contraste, as orquestrações de peças para piano de Chopin reunidas como o balé
Les Os silfetos são devidamente contados como transcrições porque visam e conseguiram
preservar o conteúdo musical de seu modelo. Porque eles são tão fiel aos originais, que não
é impróprio que a obra seja atribuída a Chopin. (Na verdade, os nomes dos transcritores
que colaboraram no trabalho não são amplamente conhecidos.) Dois outros exemplos
de transcrição se aproximam ao risco de fracasso em ser mais aventureiro. Suíte No. 4
de Tchaikovsky, Op.61, conhecido como ‘Mozartiana’, transcreve para orquestra música
de (ou atribuída a) Mozart. Nesse caso, a orquestração é tanto tchaikovskiana quanto
mozartiana. Ainda mais interessante é Pulcinella de Stravinsky. Stravinsky faz mais do que
recompor e orquestrar a música de Pergolesi, simplesmente acrescenta. Mas ele faz isso
com um leve toque, com o objetivo de adicionar uma “borda” ao som em vez de recompor
a música de Pergolesi. Portanto, embora Pulcinella tenha um som parecido com o de
Stravinsky, ninguém associado a Pergolesi, torna o trabalho mais como uma transcrição do
que qualquer outra coisa. É uma obra de Pergolesi / Stravinsky, não apenas de Stravinsky.
A transcrição pode ter um uso pedagógico usada no ensino e domínio da orquestração,
do contraponto e da harmonia. As atividades de transcrição proporcionam aos alunos uma
experiência direta e prática que não pode ser obtida facilmente com materiais musicais.
Transcrevendo para orquestra uma peça para piano que já é uma transcrição de uma obra
orquestral, o aluno consegue comparar seus esforços com o do compositor. A principal
motivação para JS Bach e Mozart são as transcrições de obras de Vivaldi parecem ter sido
pedagógicas.
O ‘mercado’ para usos pedagógicos da transcrição sempre foi muito limitado, no
entanto, pode explicar o número de transcrições produzidas. Mais uma função importante
da transcrição era tornar as obras musicais mais prontamente disponíveis do que estariam
em sua forma original. Obras eram transcrito para os instrumentos comumente encontrados
em casa, o que explica a popularidade do Intabulierung (para alaúde) no século XV e
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
223
do piano transcrições no século XIX. (Além dos custos e inconvenientes causados pela
orquestra que organiza aulas de treinamento e ensaio para cantores de ópera, corais,
companhias de balé e solistas de concerto, também é motivo de algumas transcrições para
piano das partes orquestrais de óperas, obras de coral, balés e concertos). Para ouvintes
que se interessam por música e podem ver o trabalho de compositores que tanto apreciam,
torna então a transcrição valiosa e pode fornecer muitas oportunidades.
Na verdade, é improvável que a prática da transcrição alcançou a importância que
tem feito se não fosse o caso de servir esta função socialmente útil. No entanto, é óbvio
que não podemos explicar a continuação do interesse em transcrições apenas desta forma
pragmática. A peça orquestral de Stokowski transcrição de Tocata e Fuga em Ré menor de
Bach para órgão, BWV 565, provavelmente é menos acessível que o original, mas não é
menos interessante ou valioso como uma transcrição desse fato. Uma consideração ainda
mais impressionante é que a tecnologia tornou as apresentações musicais mais prontamente
disponíveis do que nunca. Rádios, gravadores, toca-fitas, torna as apresentações de uma
grande variedade de músicas acessíveis a um grande público. Isto é, mais fácil agora de
ouvir música, aprendendo como apertar um botão do que aprendendo como tocar piano.
Se a transcrição for como uma tradução - rejeite o manuscrito original se possível - essas
mudanças técnicas prejudicarão nosso interesse e apreciação pela transcrição. Portanto,
se a transcrição apenas nos atrai como meio de obter a obra original e não como um direito
próprio, não teremos mais que nos preocupar em ouvir ou copiar a transcrição. Sugerese que as transcrições musicais sejam consideradas como tendo valor intrínseco e não
meramente ‘pobres substitutos para a coisa real’.
Uma razão para valorizar uma transcrição por si só pode ser para a habilidade
composicional demonstrada pelo transcritor. Mas tal interesse em uma transcrição não
explicaria como ela é avaliada como uma transcrição; o fato da obra ser uma transcrição é
incidental a esse interesse. Também por ser uma transcrição do trabalho que seria relevante,
no entanto, o foco recaiu na habilidade de composição do transcritor como um transcritor
na adaptação do conteúdo musical do original para o meio no qual a transcrição foi escrita.
Mas, embora tal interesse possa emprestar uma transcrição de um valor por si só, não
explica em geral porque a atividade de transcrição deveria continuar a ser de relevância e
valor. Admirando a habilidade demonstrada por um mestre em alguma atividade não exige
de forma alguma que se admire essa atividade.
A transcrição é uma criativa atividade de uma forma que a gravação e a cópia não
são. É inevitável que o transcritor apresente o conteúdo musical do original a partir de uma
perspectiva, embora apresentando-os de uma forma fiel, visto que aqueles conteúdos são
filtrados por um meio diferente. Porque uma transcrição é mais do que uma mera cópia de
seu modelo, reflete sobre seu modelo através da forma como re-apresenta seu modelo.
Uma transcrição não pode deixar de comentar o original em re-apresentar o conteúdo
musical do original, então uma transcrição convida, considera e compara o original. A
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
224
transcrição não é apenas valorizada para tornar o conteúdo musical do modelo mais fácil
de obter, mas também para enriquecer nossa compreensão e apreciação das vantagens e
desvantagens do modelo.
A transcrição envolve a interpretação de a obra do compositor por um transcritor que
fica entre o compositor e sua ou seu público. Além disso, o objetivo do transcritor é recriar
fielmente o obra do compositor. Nestes aspectos, o papel do transcritor não é diferente
de um intérprete da obra do compositor. Além disso, o desempenho, como a transcrição,
necessariamente envolve uma intenção apropriada e a reconhecível preservação do
conteúdo musical da obra. Desempenho e transcrição leva fidelidade às idéias musicais
gravadas do compositor como uma de seus objetivos primários e, em ambos os casos, a
realização deste objetivo requer o exercício da iniciativa criativa. Porque as transcrições
podem ser mais ou menos fiéis, como performances, eles podem ser avaliados por
seu grau de autenticidade. A autenticidade da transcrição é um conceito relativo que
desempenha um papel na lacuna entre a transcrição quase irreconhecível e a transcrição
pode proteger completamente o conteúdo musical da peça original, simplesmente porque
está em conformidade com as características do meio em que foi transcrita. Embora tanto
o transcritor quanto o executante tomem fidelidade à especificação do compositor como um
de seus objetivos principais, o transcritor é menor constrangido do que o executor na busca
desse objetivo. A base para isso mostra uma discrepância, o que não é difícil de discernir.
O compositor é capaz de expressar em um notação musical e suas intenções quanto à
forma do trabalho que deve ser realizado em virtude de seu conhecimento das convenções
de notação, compartilhado com os músicos que executam o compositor. De acordo com
essas convenções, alguns dos compositores expressam a melhor das intenções e são mais
determinantes do que deve ser na realização determinante do trabalho em performance.
E, de acordo com essas convenções, outras das intenções expressas do compositor são
apenas recomendatórias (e não determinante). Um desempenho idealmente autêntico é
aquele que é fiel ao que é determinado na notação musical de acordo com as convenções
adequadas à interpretação dessa notação. Em contraste, o transcritor trabalha em um
meio diferente daquele usado pelo compositor e mesmo assim nem sempre é possível, no
meio da transcrição, duplicar o que é determinante na pontuação da obra a ser transcrita.
Recursos que estão facilmente presentes em um meio podem não estar presentes em
outro meio. Considerando que o intérprete pode dar o seu melhor para concretizar a ideia
musical do compositor ao apresentar a partitura fielmente, e o escriba tem mais licenças
para deixar a partitura do compositor na tentativa de apresentar a ideias de uma forma que
leve em consideração o meio para que estão sendo transcrito.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
225
SISTEMA DE NOTAÇÃO MUSICAL
Até hoje, a transcrição parece ter relação com a etnomusicologia, o tema encontrou
resistência e Hood o chama de problema da crônica de 1893. Francis Taylor Piggott (1893)
disse sobre a música japonesa:
...and although I think that Western notation is capable of expressing these
phrases to one who has already heard them, I feel a little uncertain wether
their more complicated forms could be set down in it with sufficient accuracy
to enable a stranger to interpret them satisfactoraly. (PIGGOTT apud HOOD
1983, p. 85)
No entanto, alguns argumentos apóiam o uso de sistemas de notação ocidentais
para representar música não ocidental. Muitos estudiosos até questionam a universalidade
das notas ocidentais para os ocidentais.
Por exemplo, Reid (1977: 416) questionou o que acontece com colegas nas ciências
sociais e naturais, que nunca tiveram a oportunidade de aprender a ler símbolos ocidentais
quando confrontados com símbolos ocidentais em pesquisas de etnomusicologia. Hood
também criticou severamente o uso do sistema de notação musical ocidental em músicas
não ocidentais, oferecendo três soluções para o problema da transcrição musical, as quais
ele chama de Hipkins Solution, Seeger Solution e Laban Solution. Em suma, o primeiro
sistema pode ser entendido como usando a notação êmica sem transcrever o sistema
ocidental. Uma outra solução encontra-se nos aparelhos de transcrição eletrônica, desde
a Phonophotography de Metfessel, ao Melógrafo, de Charles Seeger. Além das soluções
apresentadas, tem-se o The Laban Solution, sendo o que o autor acreditava ser o futuro
para o problema da transcrição musical.
Ao escolher uma representação específica para representar um objeto sonoro,
não se deve considerar apenas suas vantagens e desvantagens, pois o destinatário da
informação compreenderá verdadeiramente a representação, pois o sucesso do texto
reside na sua compreensão pelo destinatário do conteúdo.
TRANSCRIÇÃO DE MÚSICA NO PERÍODO BARROCO
No período barroco, a música Italiana difundiu-se rapidamente por toda a Europa,
tendo passado também pela mesa de trabalho de Johann Sebastian Bach, que sabemos
ter-se interessado por alguns dos numerosos concertos de Vivaldi, transcrevendo-os para
cravo, instrumento este que nunca escolheu para solista de concertos. Curiosamente,
a primeira experiência direta de Johann Sebastian Bach (1685-1750) no tratamento
da matéria orquestral propriamente dita foi transcrever e adaptar para órgão concertos
instrumentais de outros compositores. É necessário levar em conta a primeira parte do
instrumento musical. A rigor, as primeiras cantatas não merecem ser classificadas como
música instrumental.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
226
Estas transcrições foram efetuadas por Bach durante a segunda estada em Weimar
(1708-1717). Bach mudou-se para esta cidade como Hoforganist, mas, passado pouco
tempo, desempenhava também o cargo e as tarefas de Kammermusicus, tendo ascendido
a Konzertmeister em 1714, com o conveniente lugar logo abaixo do Kapellmeister Drese,
segundo consta no documento de nomeação. Durante muito tempo, pensou-se que essas
transcrições se desviam ao desejo de Bach de aprofundar a forma e a essência do concerto
orquestral, mas estudos recentes indicam que foram fruto de uma encomenda do jovem
príncipe de Weimar Johann Ernst (1696-1715).
Durante a segunda estada em Weimar (1708-1717), e por encomenda do
jovem príncipe Johann Ernst (1697-1716). Bach escreveu e adaptou para
órgão concertos instrumentais de outros compositores. Este trabalho, que,
mais do que uma transcrição, se pode considerar uma reelaboração, foi a
primeira experiência direta do músico no tratamento da orquestra.
Se, como parece, esta teoria, está correta, essas transcrições de Bach datariam
do período de 1713 a 1715. Trata-se de duas séries, transcritas para órgãos e para cravo.
A primeira é constituída por cinco concertos, correspondentes aos números 592-596 do
Thematisch-Systematisches Verzeichnis der Musikalischen Werke von Johann Sebastian
Bach, de Wolfgang Schmider, dois sobre concertos originais do príncipe Johann Ernst de
Weimar e três sobre concertos de Antonio Vivaldi. A série de cravo contém um total de
dezesseis peças, sete das quais se baseiam em obras de Vivaldi, uma em Alessandro
Marcello, uma em Benedetto Marcello, uma em Giuseppe Torelli, três no príncipe Joahnn
Ernst, uma em Telemann e duas num autor desconhecido. Correspondem aos números
972-987 do BWV. Bach voltou, mais tarde, a esta prática das transcrições, mas naquela
altura interrompeu-a.
Nesse momento prévio ao século XVIII, a música era socialmente considerada
como uma ars mechanica, ou seja, um artesanato, e seu aprendizado se
dava de maneira similar aos demais ofícios exercidos nas sociedades de
corte européias. Sendo assim, não possuindo status de Grande Arte, a
música geralmente era ensinada primeiramente no ambiente doméstico e
seu aprendizado estava estreitamente ligado à tradição familiar: tal condição
pode ser verificada na existência das várias famílias de músicos profissionais
(ELIAS, 1995). No entanto, se as condições sociais de aprendizado e vivência
musical, se transformaram significativamente durante o século XVIII na Europa,
a cópia de partituras à mão foi uma prática que persistiu durante mais tempo,
sendo possível encontrá-la com alguma regularidade ainda no século XX.
Sendo assim, era comum que os aprendizes de composição se inserissem
no meio musical como copistas de música, atividade que, apesar de ter um
estatuto considerado menor, era exercida inclusive com fins pedagógicos,
visto que assim os jovens compositores poderiam ter um contato mais íntimo
com a poética musical dos compositores já consagrados e aprenderiam, com
isso, técnicas de composição. Um exemplo disso é Hector Berlioz (18031869), que mesmo tendo nascido mais de um século depois dos compositores
barrocos acima citados, interessava-se em copiar partituras que considerava
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
227
obras-primas, como, por exemplo, a Sinfonia 9, de Beethoven, com objetivo
de aprender com esta música a arte da composição dos “grandes mestres”
(Cf. BERLIOZ, 2000).
Em duas versões para cravo e para órgão, BWV 595 e 984, aparece uma composição
original. É importante sublinhá-lo, porque nem nestas nem noutras composições que
transcreveu Bach se limitou a fazer uma reprodução mais ou menos exata do original,
antes compondo obras novas, pessoais. De fato, na peça a que nos referimos, aumentou
a versão para órgão em dezesseis compassos em relação à de cravo, a fim de obter um
resultado mais espetacular do efeito eco, que não se podia conseguir naquele. Mas pelo
menos relativamente às edições conhecidas, as mudanças introduzidas por Bach são, por
vezes, tão profundas, no que toca à tonalidade das obras, ao desenvolvimento melódico
e temático que se chegou a pensar que os arranjos de Bach se basearam em cópias dos
originais diferentes das edições definitivas. E nos casos em que se mantém mais fiel ao
original fá-lo apenas porque assim se adapta melhor ao instrumento para que realize a
transcrição.
Portanto, em geral, tomando um dos maiores e mais importantes gênios da música
dentro do período barroco (Bach), a transcrição seria uma nova escrita dos modelos
musicais com objetivos didáticos quando submete um estudante às dificuldades das
músicas originais, como a forma, harmonia e contraponto.
Evidentemente, não se trata de acreditar que as distribuições dos instrumentos
pelas partes (por exemplo: qual tipo de viola deve tocar a voz mais aguda
etc.) eram completamente aleatórias no período em que a instrumentação não
era especificada em partitura. Essas especificações eram realizadas tendo
como base as tradições e os costumes locais da execução do repertório,
além da própria limitação de tessitura natural de cada instrumento. Contudo
deve-se ressaltar que a especificação instrumental, própria da revolução
proporcionada por Monteverdi e alguns outros compositores, possibilitou
a complexificação do léxico musical, que foi fundamental posteriormente
quando surgiram formações instrumentais ainda maiores (HARNONCOURT,
1988).
COMPOSITORES DO SÉCULO XX
Desde os meados do século XIX alguns compositores como Liszt e Wagner já
vinham pressentindo o esgotamento da linguagem musical baseada no sistema tonal, que
foram consolidados no século XVIII por Johann Sebastian Bach e Jean-Philippe Rameau.
Liszt, em sua última fase criativa, realizou várias experiências buscando novas
formas de organizar as estruturas musicais e, a partir de Tristão e Isolda, a música de
Wagner parecia romper os limites finais do sistema tonal.
Para escapar ao que era considerado como uma crescente inadequação deste
sistema aos anseios expressivos da época, os compositores passaram, na construção de
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
228
suas obras, a dar cada vez mais importância a parâmetros como o ritmo, os motivos cíclicos
e o timbre. É mesmo possível afirmar que, com a introdução de novos instrumentos e o
rápido aprimoramento dos antigos, a orquestra foi, durante o século XIX, um dos campos
mais férteis para a expansão das ideias musicais, adquirindo assim uma importância cada
vez maior para nova produção musical.
Nos dois últimos decênios do século surgiram estilos como, por exemplo, os de
Debussy, Scriabin e Strauss, em que os compositores, sem abandonar completamente a
tonalidade, organizaram o discurso musical por meio de estruturas harmônicas estranhas
ao sistema tonal, tais como os modos medievais e as escalas pentatônicas, ou então
mediante o uso de contrastes e de combinações tímbricas originais, bem como de um
tratamento mais livre e menos tradicional das dissonâncias.
Alvorecer do novo século, cada uma das grandes escolas buscou um caminho
próprio para sair da crise sistêmica em que se encontrava a linguagem musical europeia.
A história da música orquestral durante a primeira metade do século XX seria escrita
tanto pelo desenvolvimento específico de cada uma das escolas quanto pela interação de
algumas de suas características.
AS INFLUÊNCIAS DE COMPOSITORES RUSSOS
Com apresentação, em 1910, de O Pássaro de Fogo em Paris, pela companhia de
balé de Sérgio de Dhiagilev, o nome de Igor stravinsky surgiu como uma nova estrela no
cenário mundial. A música deste discípulo de Rimsky-Korsakov voltaria a causar sensação
no ano seguinte com o novo balé, Petruska, para, em 1913, escandalizar o público
parisiense com o balé A Sagração da Primavera.
Esta triologia de música para balé, com seus ritmos bárbaros, as suas melodias
exóticas e uma orquestração de um colorido vivo e brilhante, colocou o compositor na
vanguarda da criação musical da época e mostrou ao mundo a importância da escola russa
de composição.
Autor prolífico e polêmico, que incorporou ao seu estilo musical os mais diversos
elementos, como folclore russo, o jazz, aliado às técnicas de composição mais modernas,
stravinsky estabeleceu novos padrões estéticos e influenciou uma parte significativa da
produção musical contemporânea. Além das obras tipicamente russas, como os três
balés mencionados, e obras posteriores, como a ópera Mavra e o balé Les Noces, ele
experimentou novas formas, com a música teatral de A história do soldado, para voz
e instrumentos solistas, e seu concerto para piano e instrumentos de sopro. Por outra
ótica, em seu período neoclássico, Stravinsky utilizou várias formas históricas da música
renascentista e barroca, como Monumentum (pro Gesualdo di Venosa) e balé (Pulcinella),
inspirados na música de Pergolesi.
Sergey prokofiev foi o outro aluno formado pela escola de Rimsky-Korsakov a
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
229
causar um forte impacto no mundo musical da primeira metade do século. Enquanto ainda
estudava no Conservatório de São Petersburgo, publicou composições como as duas
primeiras sonatas e os dois primeiros concertos para piano, obras muito criticadas na
época por fugirem aos cânones formais. Em 1914, Dhiagilev encomendou-lhe um balé que
teve apresentação cancelada pelo advento da Primeira Guerra Mundial. Esta composição
permanece, contudo, no repertório orquestral com o título de Suíte Scita. Sua primeira
sinfonia, conhecida como Sinfonia Clássica, foi escrita em 1917. Nesta obra, o compositor
fez uma brilhante paródia do estilo de Haydn e inaugurou o uso de formas neoclássicas
que iria caracterizar boa parte de sua obra instrumental. Sua produção para orquestra inclui
sete sinfonias, além de cinco concertos para piano, dois para violino, dois para violoncelo
e uma Sinfonia Concertante.
Prokofiev foi um dos pioneiros da composição de trilhas sonoras para cinema.
Sua música para os filmes Alexander Nevsky e Ivan, o Terrível, coloca esse gênero em
um patamar muito elevado, o primeiro deles transformado em cantata sinfônica coral e
permanece no repertório atual de concertos sinfônicos.
O terceiro compositor notável desta escola foi Dmitri shostakovich. Formado
também pelo Conservatório de São Petersburgo, ele se consagrou internacionalmente em
1926, aos 20 anos de idade, com a apresentação em Moscou de sua primeira sinfonia.
Entusiasta da revolução de 1917, ele resolveu consagrar sua produção musical aos ideais
do socialismo soviético. Entretanto, após ver suas óperas O nariz e Lady Macbeth do
Distrito de Mtsensk violentamente criticadas e retiradas de cartaz, ele se voltou para a
música instrumental, produzindo 15 sinfonias, concertos para piano e violino e um grande
número de composições para filmes.
Considerado por muitos musicólogos como um dos mais importantes do século
XX, o conjunto da obra de Shostakovich combinou elementos musicais das diversas
nacionalidades soviéticas com influências de compositores ocidentais, como Mahler e Alan
Berg, para criar um estilo pessoal extremamente original, no qual os timbres orquestrais,
ora em cores vivas, ora em tons sombrios, dão um caráter altamente dramático ao discurso
musical.
Além dos três compositores citados acima convém acrescentar nomes de alguns
contemporâneos seus como Aram Katchaturian e Dmitri Kabalevsky e de sucessores
como Alfred schnittke e Rodion Schedrin, cuja produção, tanto lírica quanto instrumental,
contribuiu para afirmar historicamente o merecido prestígio da escola russa de composição.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, tentamos explicar a atividade de transcrição musical que pertence à
criação artística. Compositores e arranjadores, em particular, enfrentam muitos problemas,
especialmente na formação dos grupos com novos instrumentos. Eles não querem deixar
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
230
de lado as características tonais de diferentes funções do instrumento.
Nessa busca pelo entendimento da importância das obras contemporâneas,
procuramos demonstrar a importância da prática de transcrição e arranjo musical
influenciadas pelas extensas interpretações de obras originais de outros compositores,
envolvendo principalmente aspectos pertencentes a outros ambientes musicais. Nessa
perspectiva, desde que se torne uma prática inerente ao processo de composição, é
possível verificar se a transcrição pode determinar uma nova atitude estética. Ademais,
parece que a marca do estilo de transcrição existe no material transcrito e se torna um
produto complexo, pois contém as marcas de direitos autorais do compositor e do autor
original da transcrição da música.
Portanto, são vastas as contribuições dos compositores perpassando pela processo
de adaptação quanto da criação tornando o processo de transcrição importante também
como ferramenta técnica e eficaz. Assim, a transcrição tornou-se uma prática extremamente
importante, pois fornece uma biblioteca de repertórios.
No entanto, transcrever é uma prática muito comum hoje em dia. Ao contrário do
que se pensa, a composição do repertório original produzido recentemente para grupos de
jazz (como quartetos ou quintetos) não descartou a possibilidade de produzir transcrições
para grupos maiores (como quartetos). Com base nas descobertas, vários compositores se
dedicaram à produção dessa maneira.
Com base nisso, ao analisar como a transcrição musical acontecia, viu-se que
dentro do contexto existia um processo de adaptação da obra que poderia assim sofrer
modificações e novas releituras nessa processo. Do ponto de vista estético, o ponto básico
levantado ao mesmo tempo desta proposta é acreditar que a transcrição deve respeitar
as características do timbre do instrumento e prestar atenção na formação encontrada no
grupo, para não prejudicar o equilíbrio sonoro da música da transcrita.
REFERÊNCIAS
ALBIN, Cravo. Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em http://www.
dicionariompb.com.br. Acesso em 28 de maio, 2010.
ALMEIDA, Alexandre Zamith. Verde e amarelo em preto e branco: as impressões do choro no piano
brasileiro. Dissertação de Mestrado. PPGM/UEC, campinas, 1999.
BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: Difusão e Organização entre 1808-1889.
Dissertação de Mestrado. PPGM/USP, São Paulo, 2006.
CARDOSO, Antônio Marcos Souza. O Grupo Brasil e a música do Maestro Duda para quinteto de
metais: Uma abordagem interpretativa. Dissertação de Mestrado. PPGM/UniRio, Rio de Janeiro, 2002.
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons: caminhos para uma nova compreensão musical.
Trad. Marcelo Fagerlande. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
231
HOOD, Mantle. 1983. The Ethnomusicologist. New York: McGraw-Hill.
HORNBOSTEL, Erich M. von and Otto Abraham. 1909. “Vorschläge für die Transkription Exoticher
Melodien”, SIMG, xi.
JAIRAZBHOY, Nazir A. 1977. “The ‘Objective’ and Subjective View in Music Transcription.”
Ethnomusicology 21 (2): 263-74.
MOTA JUNIOR, Pedro Francisco. dois estudos de caso do trompete no choro: flamengo de
bonfiglio de oliveira e peguei a reta de porfírio costa. 2011. 92 f. Monografia (Especialização) - Curso
de Mestrado em Música, Programa de Pós-graduação em Música, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2011. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/
handle/1843/AAGS-8T7NNX/disserta_ao_pedro_mota.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 set. 2016.
REID, James. 1977. “Transcription in a New Mode.” Ethnomusicology 21 (3): 415-33.
SEEGER, Charles. 1977. Studies in Musicology: 1935-1975. Berkeley: University of California Press.
SZENDY, Peter (org). Arrangements, dérangements: La transcription musicale ajord´hui. Les Cahiers
de l`Ircam. Paris: Ircam, Centre Pompidou, 2007.
UNES, Wolney Entre músicos e tradutores: a figura do intérprete. Goiânia: Editora da UFG, 1998
(Coleção Quíron, Série Ars n.1).
QURESHI, Regula Burckhardt. 1987. “Musical Sound and Contextual Input: A Performance Model for
Musical Analysis.” Ethnomusicology 31 (1): 56-86.
ZAMPRONHA, Edson S. Notação, Representação e Composição: um novo paradigma da escritura
musical. São Paulo: Anablume, 2000.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 21
232
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 22
MÚSICA E INTERDISCIPLINARIDADE: AÇÕES
PEDAGÓGICAS E REFLEXIVAS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Data de aceite: 16/04/2021
Educação infantil. Interdisciplinaridade.
Data de submissão: 05/02/2021
Andréia Miranda de Moraes Nascimento
UNIMEP (Universidade Metodista de
Piracicaba), Faculdade de Ciências Humanas
Piracicaba – SP
http://lattes.cnpq.br/9054134430523069
Julia Raquel Ismael Azzi
UNIMEP (Universidade Metodista de
Piracicaba), Faculdade de Ciências Humanas
Piracicaba – SP
http://lattes.cnpq.br/4523324821471806
Larissa Cristine Ladeia
UNIMEP (Universidade Metodista de
Piracicaba), Faculdade de Ciências Humanas
Piracicaba – SP
http://lattes.cnpq.br/7563268301129858
MUSIC AND INTERDISCIPLINARITY:
PEDAGOGICAL AND REFLEXIVE
ACTIONS IN EARLY CHILDHOOD
EDUCATION
ABSTRACT: This work presents an experience
report of musical education with Early Childhood
Education students. It was part of an university
extension project of the Music Degree at
UNIMEP an its main objective is to promote the
continuing education of teachers for the reflexive
pedagogical action of Music in this field. Based
on the principles of popular education, it consists
of the participation of two university students in
the pedagogical collective working classes held
at EMEI “Maria de Lourdes Fuzetti Lorenzi” in the
city of Piracicaba/SP.
KEYWORDS: Musical education. Early childhood
education. Interdisciplinarity.
1 | INTRODUÇÃO
RESUMO: Este trabalho traz um relato de
experiência de educação musical com alunos
de Educação Infantil. Fez parte de um projeto de
extensão do Curso de Música-Licenciatura da
UNIMEP e tem como objetivo geral a promoção
da formação continuada de professores para
a ação pedagógica reflexiva da Música neste
campo de atuação. Fundamentado nos princípios
da educação popular, consiste na participação
de duas alunas da universidade nas aulas de
trabalho pedagógico coletivo realizadas na EMEI
“Maria de Lourdes Fuzetti Lorenzi” na cidade de
Piracicaba/SP.
PALAVRAS - CHAVE: Educação musical.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
A arte é frequentemente considerada
a mais elevada forma de expressão humana.
Ela tem sido tratada como algo com que se
nasce, algo que brota, intuitivamente, do
indivíduo sensível. O homem aprende através
dos sentidos. A capacidade de ver, sentir, ouvir,
cheirar e provar proporciona as formas pelas
quais se realiza uma interação do homem com
seu meio. É somente através dos sentidos
que a aprendizagem pode se processar, e a
Arte é a única disciplina que se concentra no
desenvolvimento de experiências sensoriais.
Capítulo 22
233
Ela tem a função de desenvolver na pessoa aquelas sensibilidades criadoras que tornam a
vida satisfatória e significativa.
Atualmente, o sistema educacional está voltado para um único aspecto do
desenvolvimento: o intelectual. No entanto, a aprendizagem não significa meramente
acumulação de conhecimentos, mas também uma compreensão de como esses
conhecimentos podem ser utilizados. Num sistema educacional bem equilibrado, em que
o desenvolvimento do ser total é realçado, o pensamento, o sentimento e a percepção do
indivíduo devem ser igualmente desenvolvidos, a fim de que possa desabrochar toda a sua
capacidade criadora em potencial.
A arte desempenha um papel vital na educação das crianças. Desenhar, pintar ou
construir constituem um processo complexo em que a criança reúne diversos elementos
de sua experiência, para formar um novo e significativo todo. “A educação artística pode
proporcionar a oportunidade de aumentar a capacidade de ação, de experiência, de
redefinição e a estabilidade que é necessária numa sociedade prenhe de mudanças, de
tensões e incertezas.” (LOWENFELD, 1970, p. 33).
Para a criança, a arte é uma comunicação significativa consigo mesma. É importante
para seus processos de pensamento, para seu desenvolvimento perceptual e emocional,
para sua crescente conscientização social e para seu desenvolvimento criador.
A auto identificação da criança com seu próprio trabalho só pode ser uma experiência
muito importante, quando o professor é capaz de se identificar com seus alunos, de modo a
proporcionar a motivação adequada e as condições ambientais favoráveis a uma expressão
significativa. Qualquer motivação artística deve estimular o pensamento, os sentimentos e
a percepção da criança.
Segundo Duarte Junior (1988, p. 118),
A arte é um fator importante na vida humana, na medida em que permite o
acesso a dimensões não reveladas pela lógica e pelo pensamento discursivo.
Na medida em que, através dela, se opera a educação dos sentimentos,
auxiliando, dialeticamente, na educação do pensamento lógico.
Para o adulto, a arte está usualmente associada à área da estética, da beleza
externa. Ele age como espectador e fruidor de objetos estéticos. Para a criança, ela é
algo muito diferente e constitui primordialmente, um meio de expressão. A criança é um
ser dinâmico; para ela, a arte é uma comunicação do pensamento. Vê o mundo de forma
diferente daquela como o representa e, enquanto se desenvolve, sua expressão muda.
A atividade artística, no mundo infantil, adquire características lúdicas, em que “a
ação em si é mais significante que o produto final conseguido” (DUARTE JUNIOR, 1988,
p. 112). Ela permite à criança uma organização de suas experiências, uma maior auto
compreensão, além de proporcionar um meio de desenvolvimento social.
Todos os seres humanos necessitam da vivência em arte como parte fundamental
do seu processo de desenvolvimento e aprendizado. Mais do que qualquer outra disciplina,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
234
o ensino de arte pode proporcionar não só o desenvolvimento da criatividade, mas
também incentivar o apreço pela sua cultura e a valorização do patrimônio cultural de sua
sociedade. Envolve, ainda, questões que fogem aos domínios da palavra, da escrita ou da
lógica, perceptível somente por meio da sensibilidade. “Como a matemática, a história e as
ciências, a arte tem um domínio, uma linguagem e uma história. Se constitui, portanto, num
campo de estudos específicos e não apenas em mera atividade.”, pontua Ana Mae Barbosa
(2004, p. 6) sobre o ensino de arte nas escolas. Ademais, discorre sobre a necessidade e
a importância de seu ensino da seguinte maneira:
Não é possível uma educação intelectual, formal ou informal, de elite ou popular,
sem arte, porque é impossível o desenvolvimento integral da inteligência sem
o desenvolvimento do pensamento divergente, do pensamento visual e do
conhecimento presentacional que caracterizam a arte. (BARBOSA, 2004, p. 5)
Desta forma, a autora traz para discussão áreas que somente através do estudo da
arte na escola podem ser desenvolvidas e contempladas. E conclui: “O que diferencia a
música, a literatura e as demais artes das ciências é a força da conexão com as histórias
culturais e pessoais” (2004, p. 36). Defendendo o poder da música ao agir no apreciador,
define como “mais uma tentativa de descrever e avaliar aquelas experiências que parecem
nos alcançar para fora das rotinas da vida e as quais temos chamado variadamente de
transcendentais, espirituais, elevadas, ‘epifânicas’ [...]” (2004, p. 33). Nesse sentido,
vemos o valor da música enquanto um processo de entendimento e interpretação extra
corporal. Algo que vai além do entendimento, completamente envolto por um plano além
do racional, sendo perceptível a noção atribuída por Platão ao “mundo das ideias”, uma
forma de diferenciar a razão da intuição, o mais perfeito método de criação artística, como
é apresentado por Nunes (1999).
Sobre a função da arte na escola, a autora ainda afirma que “uma sociedade só é
artisticamente desenvolvida quando ao lado de uma produção artística de alta qualidade há
também uma alta capacidade de entendimento desta produção pelo público.” (BARBOSA,
2004, p. 32). Assim, ela complementa que o trabalho deve possibilitar, por meio da sua
apreciação, análise, fruição e decodificação, alinhada juntamente com o fazer artístico,
meios para que o homem possa entender a sociedade em que vive e suas mudanças
ao longo dos anos, incentivando, assim, uma sociedade altamente desenvolvida e
conhecedora da arte. Nessa mesma linha, encontra-se o educador musical Keith Swanwick
(2003) defendendo um ensino de música nas escolas, não voltado para a formação de
músicos e instrumentistas, mas sim possibilitando a apreciação e a fruição artística.
A educação musical é mais eficiente na medida em que dá ferramentas para que
o aluno compreenda e se posicione criticamente frente à realidade sonora. Existe uma
necessidade de trabalhar sempre com contextos musicalmente significativos, num sentido
de atingir a completude antes da complexidade musical.
Mais particularmente falando sobre a Educação Infantil, trata-se da primeira
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
235
etapa de educação escolar para criança de 0 a 5 anos, oferecida em período parcial ou
integral. Sendo assim, exerce grande influência sobre a formação da criança pequena ao
desenvolver a função pedagógica do cuidar e educar contribuindo com as famílias para a
constituição da criança como sujeito. Nessa perspectiva, conforme previsto pela LDBEN
9394/96 seção II, artigo 29º,
a educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade
o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e
da comunidade. (BRASIL, 1996)
No que diz respeito ao trabalho com música nesta etapa de educação, o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) prevê que o conteúdo seja organizado
em dois eixos temáticos: o do fazer musical, no qual o professor explora atividades de
composição, improvisação e execução musical, e o da apreciação musical, no qual a
criança entra em contato com a literatura musical e interage com ela (BRASIL, 1998).
2 | RELATO DE EXPERIÊNCIA
A experiência aqui relatada fez parte de um projeto de extensão realizado no Curso
de Música-Licenciatura da UNIMEP (Universidade Metodista de Piracicaba) em parceria
com a Escola Municipal de Educação Infantil “Maria de Lourdes Fuzzetti Lorenzi” na cidade
de Piracicaba, interior de São Paulo, entre agosto de 2016 e julho de 2017. Contou com
a participação de duas alunas do curso, que semanalmente se deslocavam para a escola
para desenvolver os trabalhos.
O objetivo geral desta experiência foi promover a formação continuada de professores
em Escola de Educação Infantil, para a ação pedagógica reflexiva da Música para crianças
de 0 a 5 anos. Além disso, contaram-se como objetivos específicos: a formação inicial
das alunas bolsistas do Curso de Música-Licenciatura da UNIMEP; a contribuição para
a formação das crianças em âmbito cultural; a contribuição para a constituição de um
ambiente propício à musicalização infantil na escola parceira; o incentivo à criação de novos
espaços de reflexão e estudos sobre a temática abordada; a integração da universidade
com as escolas de Educação Básica municipais, na perspectiva de promover a construção
de novos conhecimentos, promovendo a integração da teoria com a prática contextualizada
nos espaços onde ela ocorre, a partir dos agentes e instituições responsáveis.
A metodologia foi orientada por princípios da Educação Popular, conforme
preconizados por Freire (1996), e consistiu na participação das alunas bolsistas nas Aulas
de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPCs), na perspectiva de construírem, coletivamente
com os professores e gestores da escola parceira, um plano de formação continuada
desses professores em Educação Musical, a partir das demandas que o Plano Pedagógico
Anual da escola apresentava e das demandas próprias de cada nível de ensino existente na
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
236
escola, assim como as demandas específicas de cada turma de alunos e seus professores.
Para alcançar tais objetivos, foi elaborada uma proposta de trabalho organizada em
módulos, a saber: “Música e interdisciplinaridade”, “Confecção de instrumentos musicais”,
“Jogos e brincadeiras rítmicas”, “A música do universo infantil”, “Percepção musical” e
“Integrando som e movimento”. No entanto, este relato se concentra apenas nas atividades
desenvolvidas no primeiro módulo (“Música e interdisciplinaridade”).
Para este primeiro módulo, pensou-se em desenvolver atividades musicais como
subsídio para aquisição de conhecimentos gerais, como o processo de alfabetização, a
aprendizagem dos números, das formas, cores, o trabalho com lateralidade, dentre outros.
A cada semana, as alunas levavam às ATPCs propostas de canções e brincadeiras rítmicas
envolvendo os conteúdos trabalhados em cada nível da educação infantil (berçário,
maternal e jardim). Diálogo da música com a literatura veio na sequência e tentou-se
abordar diferentes áreas da literatura como poesia, conto, romance, fábula e história em
quadrinhos. Dentro da própria linguagem artística, contemplou-se a relação da música com
as artes visuais, buscando estabelecer associações da pintura e escultura com elementos
musicais por meio da apreciação musical. Finalizando o módulo, o trabalho buscou
unificar os itens anteriores, conduzindo as discussões para o campo da educação sonora,
no sentido de chamar a atenção dos professores e alunos da escola parceira para essa
questão significativa do mundo contemporâneo.
2.1 Música e Alfabetização
O conteúdo se formou com pesquisas e materiais que foram trazidos pelas alunas
e professora orientadora do projeto. Depois da análise desses materiais, foram separados
aqueles que melhor se encaixavam com a faixa etária dos alunos, sempre pensando em
maneiras simples de utilização para que as professoras da escola conseguissem reproduzir
em sala de aula. Ao falar em alfabetização, foi decidido expandir esse universo e não
somente pensar no alfabeto em si. Escolheu-se também trabalhar com formas geométricas,
cores, números e lateralidade, com a preocupação de buscar o estímulo visual (cores e
formas animadas para prender a atenção das crianças), materiais adequados para a idade
e adaptações das atividades para poder trabalhar com todas as faixas etárias.
As aulas aconteceram de forma tranquila. Os alunos se interessaram nas atividades
e tiveram vontade de fazê-las, embora com dificuldades em relação à coordenação motora,
mas com facilidade em relação às canções que foram trabalhadas, as quais decoraram
rapidamente. Com as professoras, nos encontros de ATPCs, as atividades foram passadas
uma a uma, com explicações sobre o porquê da escolha e mostrando diferentes maneiras
de aplicação das mesmas em sala de aula.
2.2 Música e Literatura
O objetivo deste tópico foi trabalhar com os gêneros literários, dos quais se escolheu
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
237
três: poesia, fábula e história em quadrinhos. Foram selecionados vários poemas para
explorar e criar ritmos, melodias e sonorização. Lalau e Laurabeatriz foram os autores
mais explorados e utilizados com o berçário, colocando o elemento visual (fantoches) para
chamar a atenção, além de favorecer o estímulo corporal. Com alunos do maternal, o
foco se deu na sonorização de histórias. Já com alunos do jardim, explorou-se bastante
a questão das rimas. O trabalho foi além do esperado. Os alunos participaram das aulas,
tentaram pensar e criar novas rimas e cantaram junto. O mais interessante foi ver que uma
das professoras trabalhou com eles fora das aulas de musicalização e juntos criaram novas
rimas com a métrica da música, sem ter algum instrumento por perto.
2.3 Música e Artes Visuais
Neste tópico, tentou-se fazer uma analogia entre as duas linguagens artísticas no
que se refere à Som e Cor, estabelecendo relações entre o som e suas propriedades e as
cores quentes, frias e suas texturas. Com alunos do berçário, foram realizadas atividades
que instigassem o estímulo corporal e a fala. Com as turmas do maternal e jardim, a
dinâmica foi bem semelhante: os alunos foram colocados em roda, e cada um recebeu uma
folha de papel sulfite e giz, com a instrução de que, conforme fossem ouvindo a música,
desenhassem o que íam sentindo ou o que a música estivesse “falando”. As músicas
escolhidas foram “Bicharia” dos Saltimbancos, “Allunde Alluya” do Grupo Mawaca e “Una
Mattina” de Ludovico Einaudi. A atividade ocorreu tranquilamente, as crianças puderam ter
um momento de apreciação musical e de relaxamento. Para as professoras, foi apresentada
a relação que a música/som tem com as artes visuais/cores e assim realizaram as mesmas
atividades que os alunos, porém com elas foram pedidas nuances dos desenhos, conforme
a música ia alternando de intensidade (forte ou fraca) e duração (rápida ou lenta).
2.4 Música e Educação Sonora
Este tópico foi baseado nos educadores da segunda geração dos métodos ativos:
Murray Schafer, George Self e John Paynter. Foram realizadas várias atividades com
palavras e poemas sonoros, além de experimentos durante os encontros com alunos e
professores.
As crianças puderam explorar os movimentos corporais junto com a música, buscar
elementos sonoros da voz junto com o movimento corporal e explorar a imaginação, criando
o seu próprio gesto e som, além de expandir a percepção auditiva ao trabalhar a paisagem
sonora. Às professoras, foram apresentados os educadores da segunda geração e suas
principais ideias. Trabalhou-se com alguns poemas e atividades sonoras que o livro “O
Ouvido Pensante” (SCHAFER, 1991) sugere e a paisagem sonora. As professoras ficaram
por um tempo de olhos fechados apenas ouvindo o som ambiente e depois escreveram o
que ouviram.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
238
3 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi bastante visível os desdobramentos do trabalho realizado com as professoras na
escola. Elas demonstraram bastante interesse pelas atividades e assuntos propostos. Um
ponto de dificuldade que relataram foi o fato delas não saberem cantar ou serem afinadas.
Algumas atividades foram melhor absorvidas, o que gerou continuidade do trabalho fora
das aulas de música, como o trabalho com as formas geométricas e as cores, no tópico
“Música e Alfabetização”.
O tópico “Música e Literatura” foi bem aproveitado por todas as turmas. Criaram em
cima da atividade proposta e se divertiram fazendo. Foram aulas lúdicas e orgânicas, uma
atividade complementava a outra. Em relação às professoras, demonstraram interesse
e gostaram das atividades, porém poucas deram continuidade com os alunos nas aulas
seguintes.
Com relação ao tópico “Música e Artes Visuais”, foi interessante analisar os desenhos
que os alunos fizeram. O mais chocante foi de um garoto que desenhou seu próprio rosto
com um aspecto infeliz. Uma questão que foi levantada foi a utilização do termo “cor de
pele” em sala de aula por uma professora e seus alunos. Isso gerou algumas discussões a
respeito de racismo e outras questões que fogem um pouco do foco, que é a musicalização,
mas que se fez necessário naquele momento. Em relação às professoras, elas se divertiram
fazendo e fizeram com vontade as atividades propostas. Ouviram a música e começaram a
ter uma percepção maior em relação aos sons.
No que se refere ao último tópico, “Música e Educação Sonora”, houve certo
desconforto das professoras em realizar algumas atividades nos encontros de ATPCs,
como fechar os olhos e se concentrar, ficar apenas ouvindo. Mas o interessante foi que elas
conseguiram expandir e captar sons distantes, pois durante a conversa ficaram surpresas
com o que tinham conseguido ouvir, sendo que muitos desses sons eram dentro da própria
escola, como, por exemplo, outras professoras dando aula.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. A Imagem no Ensino da Arte. São Paulo: Pespectiva, 2004.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB. 9394/1996.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
FUNDAMENTAL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Volumes: I, II e III.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
DUARTE JUNIOR, João-Francisco. Fundamentos Estéticos da Educação. Campinas: Papirus, 1988.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz
e Terra, 1996.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
239
LOWENFELD, Viktor, BRITTAIN, W. Lambert. Desenvolvimento da Capacidade Criadora. São Paulo:
Ed. Mestre Jou, 1970.
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999.
SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. São Paulo: Ed. Unesp, 1991.
SWANWICK, Keith. Ensinando Música Musicalmente. São Paulo: Moderna, 2003.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 22
240
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
CAPÍTULO 23
A PRÁTICA DA DANÇA NA ESCOLA POR MEIO DO
BALLET CLÁSSICO E SUA CONTRIBUÍÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE CRIANÇAS DA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Data de aceite: 16/04/2021
Data de submissão: 10/04/2021
Maria Laura Porto Calil
Graduada em Educação Física – ISECENSA
Campos dos Goytacazes – RJ
http://lattes.cnpq.br/5910025922261059
Nayra de Souza Mothé Alvarenga
Graduada em Educação Física – ISECENSA
Campos dos Goytacazes – RJ
http://lattes.cnpq.br/5143867985194259
Priscilla Gonçalves de Azevedo
Doutoranda e Mestra em Cognição e
Linguagem – UENF
Docente do curso de Graduação em Educação
Física – ISECENSA
Campos dos Goytacazes - RJ
http://lattes.cnpq.br/5201345262630506
https://orcid.org/0000-0003-2340-0691
RESUMO: O educar e o cuidar envolve, o
trabalho do desenvolvimento cognitivo da criança
na Educação Infantil. O presente trabalho busca
investigar se a prática da dança em ambiente
escolar, especificamente pelo ballet clássico,
colabora com o desenvolvimento cognitivo das
crianças entre 2 a 5 anos na educação infantil,
auxiliando no processo de aprendizagem na
sala de aula. Como estratégia metodológica,
foi feita uma revisão sistemática de literatura
e uma análise de periódicos publicados em
língua portuguesa, entre os anos de 2012 a
2020, utilizando as bases de dados google
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
acadêmico, scielo, bvs e pubmed. Nosso
estudo foi realizado no período entre fevereiro
e novembro de 2020. Os resultados mostraram
que a dança é um instrumento valioso no
desenvolvimento cognitivo, pois o aluno é levado
a pensar, compreender e resolver problemas
quando executa os movimentos específicos
dessa atividade. Nosso trabalho é de importante
necessidade pelo fato de ainda existirem poucos
estudos que tratem especificamente sobre
a dança e o desenvolvimento cognitivo, se
tornando assim mais um documento de pesquisa
necessário para estudos futuros. Concluímos
que a dança contribui para o desenvolvimento
cognitivo dos alunos como um meio proposto
através dos seus ritmos, passos e sequencias
coreográficas.
PALAVRAS - CHAVE: Dança na escola; Ballet
Clássico; Desenvolvimento Cognitivo; Educação
Infantil; Educação Física.
THE PRACTICE OF DANCE IN SCHOOL
THROUGH CLASSIC BALLET AND ITS
CONTRIBUTION TO THE COGNITIVE
DEVELOPMENT OF CHILDREN IN
CHILDHOOD EDUCATION
ASBSTRACT: Educating and caring involves
the work of the child’s cognitive development in
Early Childhood Education. The present work
seeks to investigate whether the practice of
dance in a school environment, specifically for
classical ballet, collaborates with the cognitive
development of children between 2 and 5 years
old in early childhood education, helping in
the learning process in the classroom. As a
methodological strategy, a systematic literature
Capítulo 23
241
review and an analysis of journals published in Portuguese between the years 2012 to 2020
was carried out, using the google academic, scielo, bvs and pubmed databases. Our study
was carried out between February and November 2020. The results showed that dance is
a valuable instrument in cognitive development, as the student is led to think, understand
and solve problems when performing the specific movements of this activity. Our work is of
great need because there are still few studies that deal specifically with dance and cognitive
development, thus becoming yet another necessary research document for future studies.
We conclude that dance contributes to students’ cognitive development as a means proposed
through their rhythms, steps and choreographic sequences.
KEYWORDS: Dance at School; Classic Ballet; Cognitive Development; Child Education;
Physical Education.
1 | INTRODUÇÃO
O presente trabalho se manifesta sobre a dança e o desenvolvimento cognitivo da
criança na Educação Infantil, envolvendo ao mesmo tempo dois processos complementares
e indissociáveis, que são o educar e o cuidar. A Proposta de pesquisar sobre o ensino de
Dança voltada para a Educação Infantil foi pensada no contexto que ela pode ser adaptada
a quaisquer segmentos de ensino. Para que a Dança se efetive na Educação Infantil, temos
a intenção de compreender e oferecer alternativas para que os professores se tornem
autores, sujeitos de suas experiências e criadores de suas próprias práticas em Dança
para crianças entre 3 e 5 anos de idade. A análise da prática do ballet clássico no ambiente
escolar, poderá propiciar o entendimento sobre o assunto para profissionais que atuam
na área, podendo proporcionar a aprimorar sua metodologia enquanto colaboradores ao
trabalho da professora que atua em sala de aula.
As crianças na faixa etária de 3 a 5 anos têm necessidades de atenção, carinho,
segurança, sem as quais elas dificilmente poderiam sobreviver. Ao mesmo tempo, nesta
etapa as crianças começam a ter contato com o mundo que as cerca, por meio das
experiências diretas com as pessoas, as coisas e as formas de expressão que nele ocorrem.
Esta integração das crianças no mundo não seria possível sem que atividades voltadas para
educar e cuidar estivessem presentes simultaneamente (CRAIDY & KAERCHER, 2001).
Para as crianças, o ballet clássico serve não apenas como uma atividade lúdica,
mas também para o desenvolvimento de várias áreas como: coordenação motora, melhoria
postural, ajudando na expressão e nas relações interpessoais (ESCOLA DE DANÇA et al.,
2020).
Sendo assim, a principal importância de nossa pesquisa é fazer informar sobre a
contribuição do ballet no desenvolvimento cognitivo de crianças nas aulas de educação
infantil.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
242
2 | A EDUCAÇÃO INFANTIL NA LDB
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB; BRASIL, 2017) aprovada
em 1961, foi uma das primeiras leis a citar a Educação Infantil, ainda como “Educação
Pré-primária”, incluindo-a no sistema de ensino. A LDB que foi revalidada em 1996, inseriu
a educação infantil na educação básica, partindo do reconhecimento de que a educação
começa nos primeiros anos de vida. Além disso, a lei traz no artigo 29 da Sessão II do
Capítulo II, a indivisibilidade do educar e do cuidar, apresentando a educação infantil como a
base da educação de qualquer indivíduo e, portanto, essencial para todos.
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem com finalidade
o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da
família e da comunidade (BRASIL, 2017, p.17).
Também sobre a LDB de 1996, um outro assunto ilustrado é a avaliação, garantindo
que durante a Educação Infantil será executada como uma forma de registro do processo de
desenvolvimento da criança e não com o objetivo de aprovação ou não. Diante isso, o
acompanhamento do processo de desenvolvimento de cada criança é reconhecido, bem
como suas atividades e potencialidades também passaram a ser valorizadas.
O Art. 62 da LDB de 1996 define que “(...) admita para formação mínima para
o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal” (BRASIL, 2017, p.26).
As orientações adotadas na LDB para a formação de professores deixa uma grande
divergência entre o professor escolar e o educador leigo, ou seja, aquele que não possui
condições de trabalho equivalente ao foco dos jovens que conseguem um maior nível de
escolaridade.
3 | O BALLET CLÁSSICO
O Ballet surgiu de danças folclóricas e da sua espetacularização. O termo Ballet
surge na Itália derivado de palavras como “ballare” e “bailati”, que possuíam o sentido
e a significância de bailar, deslizar. Com o passar dos anos e o crescimento da prática,
esta passou a ser exercida como profissão, começaram-se a se organizar companhias
que viajariam para a realização de espetáculos, passando o Ballet a ser apresentado
em grandes teatros. O Ballet passou a ser um ambiente de julgamento feminino quando
em suas remodelações passou a ser valorizada a delicadeza, a leveza e suavidade dos
movimentos. A sapatilha de pontas, conhecida como “a máquina voadora”, viria para
colocar a mulher no lugar de destaque: a leveza dos movimentos exercidos pelas bailarinas
que a usavam chamava a atenção dos mais variados públicos e espectadores. Assim, o
espetáculo começou a explorar essa técnica e aos poucos o lugar que era prioritariamente
masculino ganha uma vertente totalmente feminina e inovadora.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
243
O Ballet de repertório começa a ser criado visando a figura feminina e os homens
foram colocados para enaltecer e valorizar os movimentos das bailarinas (PEREIRA, 2003).
No Brasil, os livros de Dança geralmente atuam como aporte teórico que direcionam
a compreensão da sua história e suas possibilidades de produção e formatos estéticos,
embora seu número de publicações tenha sido muito pouco, durante o século XX, quando
comparados às outras áreas das Artes. Depois da grande influência dos balés importados
da Europa, e logo depois da dança moderna americana, os artistas da Dança tiveram o
importante objetivo de consolidar estas práticas no país, construindo um ambiente para sua
inserção, implementação e consolidação, cujas Danças sociais eram pouco valorizadas
como expressões artísticas legítimas. Diante da falta de produções literárias, muitos
estudiosos rotulavam os artistas e pesquisadores da Dança pela sua falta de intelectualismo.
Isso, devido tanto a hiper utilização do corpo, pela própria natureza da Dança, quanto pela
inexistência dos aportes teóricos da área, criando assim um estereótipo dos dançarinos
e alimentando uma ideia de dualismo entre mente e corpo, teoria e prática. Diante desse
fato, jornalistas e outros profissionais de outras áreas acabaram ocupando os espaços
de elaboração das teorias e narrativas da Dança. A História da Dança que se passava a
conhecer no Brasil era baseada nas tradicionais Histórias das Danças construídas pelos
europeus e norte-americanos, importando grande parte de sua bibliografia desses lugares.
Sendo assim, a História da Dança que começou a ser construída no país foi um reflexo das
narrativas históricas dessas importações, deixando as histórias nacionais quase sempre no
esquecimento histórico (SILVA, 2012).
3.1 O Ballet Clássico e a Educação Física Escolar
A dança ainda é vista no Brasil como uma atividade para meninas, uma atividade
feminina. Para a autora “há o preconceito de diretores, professores e mesmo das crianças”
(STRAZZACAPA, 2001, p. 49) e, segundo a autora, as escolas que já têm a atividade da
dança em seu currículo, normalmente, são escolas de Educação Infantil ou dos anos inicias
do Ensino Fundamental, e essas escolas são pertencentes à rede particular de ensino.
Para que a dança seja vista com outros olhos e passe a ser tratada para ambos
os sexos sem preconceitos ou barreiras, é necessário que ela seja inserida na fase da
pré-escola, para que seja reconhecido o seu papel de grande importância na vida do ser
humano, e na criação de um caráter e de uma identidade, que respeitem as diferenças e
valorizem seu corpo e o outro. (BREGOLIN; BELLINI, 2015)
Trazendo o ballet para os dias atuais e para mais precisamente dentro da escola
e sua importância, estaríamos levando muito mais que uma cultura e uma repetição de
coreografias folclóricas já existentes, mas sim conteúdos bem mais amplos e completos
como o conhecimento sobre o seu corpo, sua capacidade, sua desenvoltura, na evolução
de cada passo. A utilização da Dança, sob o enfoque educacional, é de extrema importância
para o desenvolvimento físico, mental, afetivo e social do ser humano. Através da Dança,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
244
a criança tem a oportunidade de desenvolver suas capacidades expressiva e criadora,
conseguindo adquirir maior domínio dos seus gestos, bem como de suas atitudes.
Essa possibilidade da Dança na Escola é defendida por Ferraz e Fusari (1993), na
qual acreditam que a Dança pode contribuir para a formação da criança na medida em que
ação educativa criadora ativa estiver centrada no aluno. A dança na escola deve parar de
ser trabalhada como “arte e expressão”; “corpo e movimento”; recreação”; e começar a
ter seu valor e conhecimento como de fato, dança. Logo sendo reconhecido a importância
de um profissional adequado para a pratica e não a antiga ideia de que qualquer um pode
fazer com as crianças mexam seus corpos.
Ao pensar na prática do balé no contexto escolar, nos referimos a um ambiente
que oportunize a criança a brincar com o corpo, explorar o movimento,
alfabetizando-se com esta linguagem (FELTES; PINTO, 2015, p. 17).
Ao pesquisar a dança na escola, encontram-se ideias divergentes a respeito do
método de ensino a ser utilizado, visto que a dança apresenta diversas formas e estilos de
ser praticada e lecionada, em qualquer que seja o processo de ensino da dança, tanto na
escola, quanto em cursos específicos de dança. Na maioria das escolas de ensino infantil,
as meninas praticam aulas de ballet clássico, sendo que sua abordagem metodológica se
refere tanto a técnica introdutória prevista do ballet clássico, quanto a utilização de atividades
lúdicas que requerem da criança a utilização da criatividade, autonomia, sensibilização
corporal, rítmica, entre outros elementos. Estes pressupostos também são empregados no
ensino de outros estilos de dança na escola (FUSCO; BERNARDES, 2007).
Nessa perspectiva, existem muitas dificuldades na aplicação da aula do ballet
clássico, poucas são as escolas que têm a visão de que dança também é educação. O
ensino das artes nas escolas ainda sofre preconceito, os valores entre a arte e educação
acabam sendo interpretados como apenas uma distração ou algo para eventos, como é
o caso de que muitos diretores, coordenadores, pedagogos, professores, por exemplo.
Portanto, necessita-se de uma reflexão sobre o corpo como praticante de atividades nas
aulas de Educação Física, buscando humanizar a disciplina, superar desafios e criar
possibilidades sobre a cultura corporal por meio dos movimentos.
Sabe-se, entretanto, que o cotidiano da Educação Física tem se restringido quase
que exclusivamente ao desporto, havendo uma supervalorização deste enquanto conteúdo
escolar (ALTMANN, 2015). Logo, dificultando ou até mesmo excluindo do conhecimento
dos alunos, nas aulas de educação física, a diversidade e importância de outros conteúdos
que são mais associados, as expressões corporais e a cultura. A Dança, como as outras
práticas corporais, muitas vezes passa a deixar de fazer parte do conteúdo programático
regular da disciplina de Educação Física, se faz a parte da relação de competição que
a sociedade capitalista explora, e que o desporto se relaciona por meio de disputas por
medalhas e melhores colocações, se coloca naturalmente como atividade lúdica de
diversão descompromissada (MEDINA,1992).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
245
3.2 Benefícios do Ballet Clássico para Crianças da Educação Infantil
Dançar não só é divertido como também muito favorável ao bem-estar físico e
emocional das crianças. Além de melhorar a coordenação motora, a dança também ajuda
a criança a ser mais disciplinada e mais esforçada. Ballet clássico é uma das danças
mais recomendadas às crianças quando são pequenas. O Ballet favorece a criatividade, a
musicalidade e o trabalho em grupo (BONATO, 2016).
Na Educação Infantil as crianças estão em processo de crescimento e de
aprendizagem, momento em que sua imaginação é fértil e sua criatividade é absoluta. Tem
o poder de criar o que quiserem e vivenciar sua imaginação na realidade, promovendo
um desenvolvimento psicológico e motor. Através da dança, especificamente do ballet,
outras áreas de conhecimento podem ser trabalhadas através de jogos e brincadeiras em
que não se perde a essência e o aprendizado da dança (CARDOSO,2017). Nesta faixa
etária o ballet contribui na vida social, afetiva e motora da criança, pois o ambiente pode
proporcionar que mantenha contato de uma forma prazerosa com todas essas áreas.
Evangelista et al. (2011 apud BREGOLIN; BELLINI, 2015) afirmam que a dança pode
ter como um acréscimo a atividade física, possibilitando ao aluno os desenvolvimentos
psicomotor, cognitivo, afetivo e social, assim consideramos a dança uma das formas de
conhecer o corpo e motivar a criação a partir do incentivo à qualidade de vida e a saúde,
podendo desfrutar dos movimentos através da consciência corporal. As aulas de dança
inseridas nesse contexto podem ser uma maneira de incentivar o aluno a praticar aulas de
dança frequentemente, sempre buscando ligar o corpo ao movimento de maneira livre e
espontânea, para, assim, construir um hábito de dança no ser humano desde cedo, livre de
preconceitos e barreiras estipulados pela sociedade.
A aprendizagem cognitiva é a forma como a informação é memorizada, organizada e
posteriormente mostrada diante de diversas situações. É apresentar instrumentos para as
crianças e adolescentes na criação de um pensamento crítico, possibilitando a utilização de
movimentos no auxílio de retenção, recordação, tomadas de decisões e aplicação de um
elemento de cognição (GALLAHUE; DONNELLY, 2008).
Gariba e Franzoni (2007) afirmam que a dança funciona como um importante
instrumento para a formação educacional, sendo capaz de possibilitar muitas experiências
positivas e um pensamento mais sensível as novas visões, ações e atitudes que estão
inseridas em nossa sociedade, propiciando o surgimento de um acervo motor e cognitivo
amplo, através de fatores que transcorrem até mesmo o ato de dançar. Desse modo que a
dança está no contexto da Educação Física escolar, contribuindo para o desenvolvimento
dos alunos e os auxiliando na convivência com os colegas e professores, promovendo
maior concentração, afetividade, além de provocar estímulos ao interesse de aprendizado
dos outros conteúdos que fazem parte das disciplinas escolares (SILVA, 2012).
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
246
4 | METODOLOGIA
Como estratégia metodológica para este trabalho, optamos por uma revisão de
literatura sistemática, para analisar se a dança contribui ampliando algum efeito cognitivo
entre crianças de 3 a 5 anos, matriculadas na Educação Infantil.
De acordo com Sampaio e Mancini (2007) uma revisão sistemática é um tipo
de pesquisa que utiliza como fonte de dados a literatura sobre determinado tema,
disponibilizando um resumo das evidências relacionadas a uma estratégia de estudo
específico, a partir da aplicação de métodos regulares de busca, apreciando e sintetizando
as informações selecionadas, compondo uma coleção de estudos realizados sobre um
determinado assunto, podendo apresentar diferentes resultados, positivos ou não,
identificando os temas que precisam de maior ênfase, auxiliando na orientação para futuras
investigações.
A partir da definição metodológica, verificamos diversos artigos publicados em
quatro bases de dados, sendo elas: Google acadêmico, Scielo, Pubmed e BVS. Entretanto,
somente foram extraídos trabalhos das bases de dados do Google acadêmico e do Scielo,
pois foram onde encontramos mais fontes compatíveis com a proposta da nossa pesquisa.
Para a pesquisa foram feitas as buscas nas fontes de informação, por meio de
vocabulários como: “ballet + educação física escolar”; “ballet na escola”; “ballet + educação
infantil”, “benefícios do ballet infantil”. Para a inclusão foram abordados os seguintes
aspectos: publicações entre 2012 e 2020 em português e como principal desfecho, artigos
que abordem as contribuições da dança escolar no desenvolvimento cognitivo e foram
excluídas teses, artigos repetidos, estudos conduzidos com animais e pesquisas que não
tem relação com o tema proposto.
5 | RESULTADOS
Identificação
Rastreio
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Registros identificados
através de pesquisa de
banco de dados:
Google Acadêmico: 49
Scielo: 27
BVS:
Pubmed: 0
Registros selecionados
(n= 107 )
Registros excluídos por
duplicidade
(n = 1)
Total de registros excluídos
(n = 94)
Pela análise do título = 76
Pela análise do resumo
=18
Capítulo 23
247
Elegibilidade
Avaliado para elegibilidade
(n = 13)
Registros excluídos após
análise do artigo completo
(n = 9)
Estudos incluídos na síntese
qualitativa
(n = 4 )
Incluídos
Quadro 1 - Diagrama de fluxo dos estudos selecionados.
Fonte: Elaboração própria
Para chegarmos a essa conclusão, e ter atingido apenas 4 resultados, utilizamos
critérios de inclusão tais como: idade entre 3-5 anos; Desenvolvimento cognitivo, ano de
publicação; idioma em português; artigos e pesquisas realizadas em campo.
Autor/Ano
Objetivos
Bruna Bresolin
Bregolin e
Magda A. B. C.
Bellini (2015)
Investigar se a dança nesse
contexto é reconhecida pela
importância, pelo lazer, pelos
seus benefícios e conteúdos
além de investigar se a dança
auxilia nos desenvolvimentos
motor e cognitivo da criança,
podendo ser inserida como
aulas regulares nas escolas
de Educação Infantil.
Isabelle de
Vasconcellos
Corrêa dos Anjos;
Alexandre
Archanjo
Ferraro (2018)
Comparar o desenvolvimento
motor de crianças que
praticaram dança educativa
com o desenvolvimento
motor de crianças que não a
praticaram e a permanência
dos resultados obtidos, após
seis a oito meses do término
da intervenção.
Cláudia Moraes
Rezende et al.
(2012)
Oportunizar a dança
educativa como uma forma de
se expressar corporalmente,
uma experiência que
proporciona a ampliação da
criatividade, o respeito ao
próprio corpo e ao do outro,
e também a oportunidade de
ver na dança uma atividade
físico-recreativa.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
N
209
85
105
Metodologia
Principais resultados
Pesquisa de
campo
A percepção em relação às aulas
de dança evoluiu bastante, pois
certos preconceitos criados
pela sociedade já estão sendo
quebrados, e os benefícios que
a dança traz faz com que ela
seja vista como uma atividade
importante nessa etapa da
educação e para o futuro dos
pequenos, visto que é trabalhada
de forma lúdica, divertida e
prazerosa, de maneira desafiadora
e exploratória.
Pesquisa de
campo
Estudos afirmam que o
desenvolvimento cognitivo está
atrelado ao desenvolvimento
motor. Essa associação não foi
testada neste trabalho, mas se
o ganho motor implicou também
ganho cognitivo, os benefícios
da intervenção podem ter sido
maiores e mais duradouros do que
aqueles medidos.
Pesquisa de
Campo
Acreditamos que a dança,
enquanto atividade física pode
contribuir positivamente na
melhoria da qualidade de vida
humana, pois é uma área repleta
de conhecimentos
teóricos e práticos capazes de
possibilitar a evolução cognitiva e
motora do ser humano.
Capítulo 23
248
Janaína Antônia
Batista da Costa,
Sílvia Flávia
Fernandes dos
Santos Silva e Felipe
Dêivid dos Santos
Silva (2017)
Analisar as repercussões
da dança na construção dos
saberes cognitivos nas aulas
de Educação Física Escolar.
--
Revisão de
Literatura
A dança ou linguagem não verbal
possibilita o desenvolvimento da
atenção, percepção, raciocínio,
memória e imaginação do
aluno, tornando-se um discente
participativo, comunicativo,
crítico e autônomo. A dança é
uma temática poderosa, que
involuntariamente assimila
conceitos e regras no processo
ensino aprendizagem.
Quadro 2 - Resumo dos trabalhos selecionados para revisão de literatura.
Fonte: Dados da pesquisa
6 | DISCUSSÃO
Bregolin; Bellini (2015), acreditam que a dança traz para as crianças benefícios
no âmbito escolar e fora dela, proporcionando os desenvolvimentos cognitivo, motor,
socioafetivo, ao mesmo tempo acredita que beneficia no futuro daquele que a pratica. No
estudo destacam o preconceito com relação a dança vista pela sociedade, acreditando
ser uma prática feminina, ou seja, aqueles meninos que ousam participar são taxados
de vários nomes pejorativos, além de ser vista como uma prática de luxo onde poucos
podem ter o prazer de praticar e custear e que a dança é apenas mais uma opção de
movimento da criança, dando a entender que tal modalidade não traz benefícios ao seu
desenvolvimento. Para a dança ser vista de uma outra forma pela sociedade, as diferenças
entre os sexos deve ser respeitada, sendo necessário que seja inserida nas escolas desde
a pré-escola, para que desde pequenos entendam os benefícios da dança e que esse
preconceito existente comece a ser encerrado, assim quando crescerem teremos uma
sociedade sem preconceitos e sem o medo de se expressar da forma de deseja, fazendo
assim desenvolver o interesse pela dança desde crianças e quando adultos enxerguem
como uma nova perspectiva de conhecimento.
Anjos; Ferraro (2018), relatam em seu estudo uma deficiência relacionada ao
desenvolvimento motor das crianças, devido ao fato que atualmente as crianças não
brincam mais na rua, não reunirem os amigos para brincar, mas sim, uma geração de
crianças que fazem muito uso de celulares, tablets, vídeo games e brincadeiras que não
demandam de muitas vivências corporais, prejudicando os desenvolvimentos motores,
cognitivos, as relações sociais, emocionais, afetivas e escolares. A intervenção foi baseada
na metodologia de Rudolf Laban, chamada Dança educativa, que consiste nos movimentos
naturais de cada um, com propostas criativas e lúdicas, estimulando os participantes a
descobrir e experimentar novos movimentos e novas formas de realizar movimentos já
conhecidos, conhecendo os próprios limites e melhorando seu relacionamento interpessoal.
Após a intervenção, o grupo apontou uma evolução significativa em comparação ao
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
249
grupo controle, exceto nas bases: esquema corporal, organização espacial e organização
temporal. Após o terceiro teste, os dois grupos aproximaram seus resultados; o grupo
intervenção manteve o ganho que obteve e o grupo controle evoluiu conforme o esperado
para a idade cronológica. Para a conclusão desse trabalho, os resultados evidenciaram
melhoria significativa no desenvolvimento motor dos alunos expostos às aulas de dança
educativa. Sendo assim, os benefícios da intervenção da presente pesquisa podem ter sido
maiores e mais duradouros do que aqueles medidos.
Rezende et. al. (2012), acreditam que a dança pode contribuir positivamente
com a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos. A dança educativa tem o objetivo
de proporcionar uma forma de se expressar corporalmente, como uma experiência que
possibilita a ampliação da criatividade, o respeito ao próprio corpo e ao corpo do outro, as
autoras trabalharam com os elementos da linguagem criativa, figurativa e coreográfica, por
meio dos movimentos da dança, compreendendo a dança enquanto educação corporal,
propiciando benefícios físicos, psicológicos e sociais para as crianças e jovens.
Costa; Silva; Silva (2017), dizem que é função do desenvolvimento cognitivo,
a aprendizagem, memória, atenção, vigilância, raciocínio, solução de problemas e a
percepção, sendo algumas dessas desenvolvidas em aulas de dança como a memória,
para conseguir se lembrar de cada passo sendo ele novo ou não, cada correção e as
sequências coreográficas, atenção para conseguir memorizar o que é passado, raciocínio
para conseguir distinguir e idealizar um passo ou sequência de aula para o lado oposto, em
uma nova formação ou em um lugar diferente do que se é acostumado a ensaiar, esses são
alguns dos benefícios que o ballet pode ajudar no desenvolvimento cognitivo.
7 | CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dança ou linguagem não verbal possibilita o desenvolvimento da atenção,
percepção, raciocínio, memória e imaginação do aluno. Tendo em vista a amplitude de
benefícios proporcionados ao aluno através da dança, é importante que o professor
proporcione condições e oportunidades, de forma que o discente consiga criar e desenvolver
habilidades individuais para que ele tenha uma experiência com a dança que vá além
da reprodução coreográfica e cultural. Por tanto, A dança contribui no desenvolvimento
cognitivo do aluno no momento em que é preciso raciocinar para se adequar ao ritmo.
Os benefícios da prática da dança para aqueles que a executam, porém com o
foco principal nascrianças em idade de educação infantil, pois é justamente nessa fase,
onde acontece o descobrimento de cada uma delas, onde há curiosidade, onde elas criam
vínculos e aprendizados para a vida toda. E é justamente onde a prática da dança atua,
criando em seus participantes aprendizados que levarão para o resto da vida, mesmo que
não tenham a consciência disso, o benefício que lhes foi atribuído nunca serão perdidos.
Nesse sentido, a prática do ballet clássico, praticada em ambiente escolar,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
250
contribui para o desenvolvimento cognitivo das crianças na educação infantil e para o
desenvolvimento cognitivo das crianças na educação infantil.
REFERÊNCIAS
ALTMANN, Helena. Educação física escolar: relações de gênero em jogo. Cortez Editora, 2015.
ANJOS, Isabelle de Vasconcellos Corrêa; FERRARO, Alexandre Archanjo. A influência da
dança educativa no desenvolvimento motor de crianças. Revista Paulista de Pediatria.
vol.36 no.3 São Paulo. Jul/Set. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rpp/v36n3/0103-0582rpp-2018-36-3-00004.pdf Acesso em: 22 mar 2021.
BONATO, Helena. O benefício do Ballet Clássico para crianças. Bailaci Academia de Danças, 2016.
Disponível em: http://blog.mundodanca.com.br/2016/06/27/os-beneficios-do-ballet-classico-paracriancas/ Acesso em 16 abril de 2020
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal, Coordenação de
Edições e Técnicas, 2017b. 58p.
BREGOLIN, Bruna Bresolin; BELLINI, Magda A. B. C. Dança na Educação Infantil: percepção dos pais,
professores e coordenadores sobre a dança inserida nesse contexto. Do corpo: ciências e artes, v.
5, n. 1, 2015. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/docorpo/article/view/4003 Acesso
em: 02 dez 2020.
CARDOSO, Raissa Simões. A presença do ballet na escola de educação infantil. Monografia
(Graduação em Educação Física) Universidade de Brasília – UNB. 2017. Disponível em: https://bdm.
unb.br/bitstream/10483/22771/1/2017_RaissaSimoesCardoso_tcc.pf Acesso em: 17 set de 2020
COSTA, Janaína Antônia Batista da; SILVA, Sílvia Flávia Fernandes dos Santos; SILVA Felipe
Dêivid dos Santos. Desenvolvimento cognitivo nas aulas de educação física: a dança pode ser um
instrumento?. Centro Universitário Tabosa de Almeida - ASCES UNITA. Caruaru, PE, 2017. Disponível
em: http://docplayer.com.br/69742017-Desenvolvimento-cognitivo-nas-aulas-de-educacao-fisica-adanca-pode-ser-um-instrumento.html Acesso em 16 nov de 2020.
CRAIDY, Carmem Maria; KAERCHER, Gládis Elise P. da Silva. Educação Infantil: Pra que te quero?
Porto Alegre: Artmed, 2001.
ESCOLA DE DANÇA (RJ) et al, (ed.). Escola de Dança Petite Danse. In: Como o Ballet ajuda no
desenvolvimento da criança. Rio de Janeiro, RJ, 5 mar. 2020. Disponível em: https://petitedanse.
com.br/como-o-ballet-ajuda-no desenvolvimento-da-crianca/. Acesso em: 22 maio 2020.
FELTES, Alessandra Fernandes; PINTO, Aline da Silva. Balé e educação infantil: possibilidades
metodológicas. Revista Conhecimento Online, Novo Hamburgo, v. 2, p. 14-26, 2015. Disponível em:
https://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistaconhecimentoonline/article/view/273/1578 Acesso
em: 22 nov 2020.
FERRAZ, Maria Heloísa C. de T.; FUSARI, Maria F. de Rezende. Arte na educação escolar, v. 4,
Cortez Editora, 1993.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
251
FUSCO, Andressa Belle; BERNARDES, Maria Eliza Mattosinho. Ação pedagógica e o controle
de condutas nas aulas de ballet clássico: a atenção e concentração como função psicológica
superior em movimento. Revista Corpoconsciência, Santo André, vol. 11, n. 2, pág. 46-59, jul/
dez 2007. Disponível em: file:///C:/Users/Usu%C3%A1rio/Downloads/3481-Texto%20do%20
Artigo-10589-1-10-20160328.pdf Acesso em: 28 nov 2020.
GALLAHUE, D.L.; DONNELLY, F.C.. Educação Física desenvolvimentista para todas as crianças.
4a ed.. São Paulo, SP. Editora Phorte, 2008.
GARIBA, C.M.S.; FRANZONI, A. Dança escolar: uma possibilidade na Educação Física. Revista
Movimento. Porto Alegre, v.13, n. 02, p.155-171, maio/agosto de 2007. Disponível em: https://seer.
ufrgs.br/Movimento/article/viewFile/3553/1952 Acesso em: 20 mar 2021.
MEDINA, João Paulo Subirá. A Educação Física cuida do corpo... e mente. Campinas:
Papirus Editora, 1992.
PEREIRA, Roberto. A formação do balé brasileiro: nacionalismo e estilização.
FGV Editora, 2003. Disponível em: https://scholar.google.com/scholar?hl=ptBR&as_sdt=0%2C5&q=PEREIRA%2C+Roberto.+A+forma%C3%A7%C3%A3o+d
o+bal%C3%A9+brasileiro%3A+nacionalismo+e+estiliza%C3%A7%C3%A3o.+FG
V+Editora%2C+2003.&btnG= Acesso em 09 set 2020.
SAMPAIO R.F.; MANCINI M.C. Estudos de revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da
evidência científica. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 11, n. 1, p. 83-89, jan./fev. 2007.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbfis/v11n1/12.pdf Acesso em: 21 ago. 2020.
SILVA, Carmi Ferreira da. Por uma história da Dança: reflexões sobre as práticas historiográficas
para a Dança, no Brasil Contemporâneo. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia,
Escola de Dança, Salvador, 2012.
Disponível em: https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/8696 Acesso em 05 jun 2020
STRAZZACAPPA, Márcia. A educação e a fábrica de corpos: a dança na escola.
Cadernos Cedes, v. 21, n. 53, p. 69-83, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S010132622001000100005&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 10 dez 2020.
REZENDE, Cláudia Moraes; SANTOS, Silvânia Silva; BRAIT, Lilian Ferreira Rodrigues; MACÊDO,
Keila Márcia Ferreira. Semeart: a arte da danla como atividade física educativa para a comunidade
jataiense. V SEREX – Seminário de Extensão Universitária da região Centro-oeste. Universidade
Federal de Goiás – GO, 2012. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/399/o/CLAUDIA_
MORAES_REZENDE.pdf Acesso em: 09 ago de 2020.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 23
252
CAPÍTULO 24
DOI 10.22533/at.ed.00000000000
ASPECTOS DA FOTOGRAFIA SURREALISTA: UM
ESTUDO DE CASO
Data de aceite: 16/04/2021
Carolina Bento Safi
Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Departamento de História da Arquitetura e
Estética do Projeto
http://lattes.cnpq.br/6804813760671980
Agnaldo Farias
São Paulo
RESUMO: Este trabalho terá como objetivo
prático a exposição de discussões realizadas ao
longo do andamento da pesquisa de iniciação
científica, com um enfoque na análise geral do
surrealismo, bem como de um caso específico
dentro do movimento: as fotografias de Fernando
Lemos, entre os anos de 1949 e 1952. Para
tanto, será necessária a sintetização das
bibliografias recolhidas ao longo do processo
e entendimento do que fora, primeiramente,
o Movimento Surrealista, que será alvo de
análise nesse primeiro relatório. Dessa forma,
será traçada uma linha de análise baseada no
surgimento do Surrealismo como movimento
artístico e sua evolução até atingir Portugal,
cujo contexto político-social será de extrema
relevância para o entendimento de como ocorreu
o desenrolar da vanguarda. A constante diluição
da noção estética compreendida dentro de
moldes tradicionais será a marca característica
do movimento Surrealista, que buscará uma
requalificação do que é o real, através de
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
embasamentos nas teorias psicanalíticas de
Freud. O resultado é uma produção artística
calcada num mundo aparentemente alógico, em
que os fenômenos psíquicos escapam do controle
da razão, havendo uma valorização do estado
de automatismo psíquico e do mundo onírico,
como será explorado ao longo do relatório. André
Breton, uma das figuras centrais do movimento,
exalta, no Manifesto do Surrealismo (1924) a
necessidade de uma arte que se espelhasse
nas profundezas do espírito humano, passando
a buscar no inconsciente a motivação para essa
nova manifestação artística.
PALAVRAS - CHAVE: surrealismo, fotografia,
Fernando Lemos.
ASPECTS OF THE SURREALISTA
PHOTOGRAPHY: A CASE STUDY
ABSTRACT: This work will have as a practical
objective the presentation of discussions
held during the course of scientific initiation
research, with a focus on the general analysis
of surrealism, as well as a specific case within
the movement: the photographs of Fernando
Lemos, between the years of 1949 and 1952.
To do so, it will be necessary to synthesize the
bibliographies collected throughout the process
and understand what was, first, the Surrealist
Movement, which will be analyzed in this first
report. In this way, a line of analysis will be drawn
based on the emergence of Surrealism as an
artistic movement and its evolution until reaching
Portugal, whose political-social context will be
extremely relevant to the understanding of how
the vanguard unfolded. The constant dilution of
the aesthetic notion understood within traditional
Capítulo 24
253
molds will be the hallmark of the Surrealist movement, which will seek a requalification of what
is real, based on Freud’s psychoanalytic theories. The result is an artistic production based on
an apparently logical world, in which psychic phenomena escape the control of reason, with
an appreciation of the state of psychic automatism and the dream world, as will be explored
throughout the report. André Breton, one of the central figures of the movement, exalts, in the
Surrealism Manifesto (1924), the need for an art that is mirrored in the depths of the human
spirit, starting to search the unconscious for the motivation for this new artistic manifestation.
KEYWORDS: surrealism, photography, Fernando Lemos.
O MOVIMENTO SURREALISTA
André Breton e o primeiro manifesto
André Breton pode ser considerado o principal teórico do movimento Surrealista,
tendo iniciado sua carreira na universidade de Sorbonne, como médico. Apesar das
divergências em relação à sua atuação e formação, sua experiência na área da medicina
como assistente em Nantes e, posteriormente como psiquiatra no centro de Saint-Dizier,
em um contexto de Primeira Guerra Mundial, fora essencial para o desenvolvimento
de uma mentalidade crítica em Breton, especialmente no que diz respeito às relações
estabelecidas entre o inconsciente e a personalidade do indivíduo. Ao se expor aos traumas
e desilusões de soldados afetados pelos efeitos da Primeira Guerra, bem como a seus
comportamentos alterados, fantasias e sonhos, Breton passa a, gradualmente, questionar
o estado de consciência e validação dos parâmetros tradicionalmente concebidos como
“reais” (HULTER, 1990), se recusando a ver a loucura como um problema mental, mas
associando-a ao processo de criação.
Tão ocupado estava eu com Freud nessa época, e familiarizado com os seus
métodos de exame que eu tivera alguma ocasião de praticar em doentes
durante a guerra, que decidir obter de mim o que se procura obter deles,
a saber, um monólogo de fluência tão rápida quanto possível sobre o qual
o espírito crítico do sujeito não emita nenhum julgamento, que não seja,
portanto, embaraçado com nenhuma reticência, e que seja tão exatamente
quanto possível o pensamento falado. (BRETON, 1924)
Em 1919, Breton abandona a faculdade de medicina e, juntamente com Louis
Aragon (colega da faculdade e de treinamentos militares) e Philippe Soupault, funda a
revista Littérature que se torna o palco das novas experimentações do movimento, que
ainda recebia influências diretas do movimento dadaísta. Porém, o “inerente niilismo do
Dada, com a rejeição de qualquer forma de teoria” (HULTER, 1990) passaram a afastar
Breton das ideias de Tzara, resultando no rompimento com o dadaísmo e consolidação,
em 1924, do Surrealismo como movimento artístico, quando é escrito o primeiro Manifesto
do Surrealismo, por André Breton. As teorias psicanalíticas de Freud foram essenciais na
elaboração do manifesto, que passa a buscar no inconsciente a motivação para a nova
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
254
expressão artística. O entendimento do mundo dos sonhos e de fenômenos psicológicos
do subconsciente fora fundamental para a compreensão do que seria a libertação total do
imaginário em oposição ao império da lógica e ao racionalismo absoluto.
Talvez esteja a imaginação a ponto de retomar seus direitos. Se as profundezas
de nosso espírito escondem estranhas forças capazes de aumentar as da
superfície, ou contra elas lutar vitoriosamente, há todo interesse em captá-las,
captá-las primeiro, para submetê-las depois, se for o caso, ao controle de
nossa razão. (BRETON, 1924)
A polarização entre o mundo dos sonhos e o estado de vigília, considerado um
fenômeno de interferência, conduz a linha de pensamento de Breton, que busca entender,
a partir dos princípios Freudianos, de que maneira esse estado de devaneio poderia ser
utilizado a favor da produção artística. O sonho se reduz a um parêntese, sendo o momento
em que o homem não é mais joguete de sua própria memória, que o priva de qualquer
liberdade do imaginário e de configurações distintas da realidade. O retorno ao estado
de vigília significa, portanto, a retomada da razão. Dessa maneira, Breton entende que a
união de ambos os estados psíquicos resultaria na realidade absoluta, denominada por ele
de Surrealidade, em homenagem ao escritor Guillaume Apollinaire, que se utiliza dessa
expressão pela primeira vez em 1917.
O surrealismo seria, portanto, um novo modelo de expressão pura, que estaria livre
das interferências do racionalismo absoluto, pregando o funcionamento real do pensamento
e sua difusão. A crítica ao modelo convencional de produção artística é abordada por Breton
ao longo de todo o manifesto, havendo um enfoque à produção literária descrita como
“maravilhosa”, termo usado para se referir às “ruínas românticas, o manequim moderno
ou qualquer outro símbolo próprio a comover a sensibilidade humana por algum tempo”
(BRETON, 1924). Dessa maneira, Breton analisa a necessidade de se romper com toda a
preocupação estética ou moral, baseada na onipotência do sonho e do pensamento falado
como novas estratégias de produção literária e artística.
O “MODO DE FAZER” SURREALISTA
O automatismo psíquico
O automatismo psíquico pode ser considerado a principal prática artística surrealista,
já que seria, de acordo com Breton, o caminho central para se acessar o merveilleux. Essa
ferramenta fora inicialmente utilizada em produções escritas, como na poesia surrealista,
as quais deveriam originar do encadeamento das primeiras palavras ou imagens que
ocorressem à mente (BRADLEY, 2001), enfatizando a força criativa da linguagem visual e
verbal. Para as artes plásticas, esse método evidenciou a importância da mancha como um
possível veículo para a produção de imagens automáticas, já que a criação artística tinha
início com o desenho de rabiscos em um estado total de alheamento mental, resultando
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
255
em formas e manchas às quais, em um segundo momento, eram atribuídas formas e
significados.
SURREALISMO, s.m. Automatismo psíquico puro, por meio do qual alguém se
propõe a expressar – verbalmente, utilizando a palavra escrita, ou de qualquer
outra maneira – o verdadeiro funcionamento do pensamento, na ausência
do controle exercido pela razão, livre de qualquer preocupação estética ou
moral. (BRETON, 1924)
A individualidade das obras era vista pelos surrealistas como um possível empecilho
ao automatismo, sendo importante a negação da criatividade individual dos participantes.
Um exemplo de obra de caráter coletivo fora publicado em uma das edições da revista
La Révolution Surréaliste, e contou com a participação de quatro artistas do movimento:
Yves Tanguy, Joan Miró, Max Morise e Man Ray. Denominado de Cadavre Exquis, o jogo
verbal e visual se baseava no princípio de liberação do imaginário, sendo dividido entre os
participantes, cada qual contribuindo para a realização de uma parte do desenho, alheio
àquilo que fora executado pelos demais artistas. O resultando é uma obra única, com
princípios estéticos de grande valor ao movimento artístico.
A técnica de colagem tornou-se também de grande importância para o surrealismo,
tendo sido introduzida ao movimento por Max Ernst. A colagem, como procedimento
estético, nasceu no século XX com o cubismo sintético, sendo os elementos moldados e
combinados de forma a tanto representar (sendo parte de uma imagem), quanto apresentar
(ser ele próprio). O objetivo, portanto, era conferir um sentido figurativo, mantendo a
identidade original do fragmento. No surrealismo, a colagem será utilizada de maneira
distinta, propondo uma magistral irrupção do irracional em todos os domínios da arte
(BRADLEY, 2001), ou seja, será utilizada de forma a criar diferentes cenários, realidades
e interpretações, possibilitando combinações infinitas de imagens que, muitas vezes,
pertencerão à contextos bastante distintos.
Com Max Ernst (1891-1976), ampliam-se as possibilidades da colagem. Notase uma articulação imprevista dos elementos e uma abertura mais direta ao
irracional, no que é seguido pelos surrealistas, que levam ao limite a ideia de
associação de elementos díspares e de construção de uma “realidade irreal”.
(Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras)
O automatismo psíquico, explorado pelo movimento, tem uma fundamental
ligação com as teorias psicanalíticas de Freud, que serão intensamente exploradas por
André Breton e pelos demais membros, como mencionado anteriormente. O chamado
pensamento falado, portanto, será uma interpretação psicopatológica do automatismo
mental à luz do conceito de inconsciente, visando recuperar os elementos que foram
afastados do discurso através da censura da própria razão. Dessa forma, o fluxo livre de
pensamentos resultará em uma liberdade de associação como quebra do aspecto lógico,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
256
com a subversão da ordem de organização entre as coisas, e da realidade. O resultado
do automatismo psíquico, portanto, é uma produção artística cuja linguagem, tanto escrita
como visual, sofre perturbação, com quebras de linearidades, introdução de elementos
estranhos e constante ruptura de contextos.
SURREALISMO ONÍRICO
De certa maneira, é possível concluir que o Surrealismo Onírico se concretizou
como uma fase posterior àquela caracterizada pelo automatismo psíquico, que já tinha
praticamente cumprido seu curso dentro do movimento ao longo da década de 1920. A
alusão aos fenômenos Freudianos será intensamente explorada, especialmente no que diz
respeito às teorias do sonho como lugar de atividade mental, sendo um possível caminho
para se atingir o tão exaltado estado do maravilhoso.
Na pintura automática, supunha-se que as justaposições inesperadas da
imagem surrealista se fixassem na tela de maneira natural e espontânea.
Na pintura de sonhos, a imagem era conscientemente escolhida e pintada
com realismo. A fim de “fotografar” imagens da “irracionalidade concreta”,
sugestivas de um estado onírico... (BRADLEY, 2001)
O universo das pinturas oníricas é dotado, ao mesmo tempo, de uma familiaridade,
conferida pela minuciosa técnica, e de uma estranheza, reconhecida pelo contexto dos
objetos e cenários criados dentro da produção artística, que eram selecionados pelos
artistas de maneira precisa e consciente. As obras surrealistas do período relacionavamse de forma direta com as pesquisas contemporâneas de Freud e Jacques Lacan, teórico
e psicanalista francês, exaltando o sonho como um importante meio de investigação
psicológica. A manipulação dos objetos dentro das obras torna confusa a fronteira entre o
real e o imaginário, levando o espectador e duvidar de sua própria percepção das coisas,
já que no espaço dos sonhos objetos ganham significados distintos, fazendo com que
a imagem se torne indigna de confiança por parte do observador, já que o sonho e o
inconsciente são locais de constante metamorfose.
O público, dentro dessa lógica, seria atingido pelas imagens como se elas
tivessem sido criadas por sua própria mente. Não se trataria mais de apreciálas pelo viés do artista, cujo simbolismo só a ele pertence, mas sim através
dos olhos do próprio espectador, com os significados por ele atribuídos e
projetados. Uma vez experimentadas por intermédio da obra de arte, essas
projeções deveriam ser analisadas de forma crítica, avaliadas pelas pessoas
para quem elas significavam algo. (LIMA, 2014)
O Manifesto do Surrealismo (1924) demonstra preocupação com a utilização do
estado onírico como fonte de inspiração, sendo o estado de vigília considerado por Breton
como um fenômeno de interferência. O sonho, é contínuo e possui traços de organização,
sendo a memória e a razão fontes subversivas. Dessa forma, é necessário o reconhecimento
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
257
do sonho como uma importante fonte de inspiração, já que carrega o mais puro fruto do
subconsciente.
É que o homem, quando cessa de dormir, é logo o joguete de sua memória, a
qual, no estado normal, deleita-se em lhe retraçar fracamente as circunstâncias
do sonho, em privar este de toda consequência atual, e em despedir o único
determinante do ponto onde ele julga tê-lo deixado, poucas horas antes: esta
esperança firme, este desassossego. (BRETON, 1924)
SURREALISMO EM PORTUGAL
Um panorama geral
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Portugal assistiu à permanência do regime
ditatorial Salazarista no poder. Em um âmbito político, o Estado Novo português se
caracterizava pelo seu viés anticomunista, regime autoritário, nacionalista e de inspiração
fascista, com um caráter antiliberal. No quesito social, o governo de Salazar representou
para a população portuguesa um período de “ansiedades, expectativas e projetos, que a arte
não apenas registrou mas promoveu também, já que a arte se cumpriu como elaboradora
dos primeiros sinais das necessárias transformações de mentalidade” (GONÇALVES,
1986). Com a criação de um aparelho repressivo próprio, o governo implantou a censura em
várias áreas da sociedade, além de perseguir qualquer um que representasse uma ameaça
ou oposição ao sistema político. A livre expressão tornou-se, portanto, perigosa. Nesse
contexto, a necessidade de um espaço de reflexão crítica fez com que os novos artistas se
agrupassem de acordo com seus princípios éticos e poéticos, dando origem ao surgimento
de uma vanguarda que, pela primeira vez, se dividiria em três correntes artísticas distintas,
sendo elas o abstracionismo geométrico, o neorrealismo e o surrealismo.
As esquematizações doutrinárias provocaram cisões, destacando-se a que
deu origem ao movimento surrealista, a partir de 1947. Os neorrealistas
colocavam-se explicitamente ao lado do proletariado na luta de classes e, na
mesma luta, os surrealistas proclamavam a necessidade de juntar à ação o
sonho, o humor e os dados do acaso. (GONÇALVES, 1986)
As relações entre artista e público passaram a se tornar cada vez menos visíveis.
As discussões em cafés e ateliês demonstravam uma necessidade do grupo de artistas
de lutar contra o isolamento e o anacronismo da cultura artística portuguesa e, apesar da
constante dispersão de tendências das novas vanguardas, “os artistas dos anos 40 e 50
deram ao seu público a consciência do tempo que se vive e mostraram, através de suas
tendências simultâneas, que a arte pode ser ilustração do momento histórico, pode ser mais
que ilustração e pode ser outra coisa muito diferente, sem deixar por isso de contar para o
momento histórico, bem pelo contrário” (GONÇALVEZ, 1986). Em um âmbito internacional,
observava-se o surgimento das primeiras galerias e bienais de arte moderna, porém, as
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
258
estruturas estagnadas da sociedade portuguesa mantiveram-se agarradas à tradição rural,
recusando as novas manifestações artísticas que estavam surgindo. De maneira geral,
observa-se que o tal culto ao passadismo era, nas mãos de Salazar, uma barreira para
que o povo, considerado infantil e ingênuo, não percebesse as condições do presente e do
devir, tão questionadas pelas novas manifestações artísticas.
Apesar da oposição salazarista, a Sociedade Nacional de Belas Artes de Portugal
(SNBA), democraticamente organizada, continuava se modernizando e, apesar de perder
compradores e subsídios, o aumento do número de exposições organizadas diretamente
pelos jovens artistas contribuiu para a criação de uma ação cultural própria, fazendo
com que os artistas dependessem cada vez menos dos “Salões do Estado” como forma
de financiamento. A evolução artística dos diferentes grupos deu-se de forma bastante
característica, não houve muitos escritos, já que a maioria das ideias eram trocadas por
meio de conversas e discussões nos cafés e ateliers. Dessa maneira, como descreve Rui
Mário Gonçalves:
O surrealismo, o neorrealismo e o abstracionismo tiveram surtos de
desenvolvimento relacionáveis com o que se ia passando em Paris
sensivelmente nos mesmos anos; ora, esses fatos foram geralmente
considerados positivos pelos artistas quando se tratava da tendência que
defendiam, e eram considerados negativos quando se tratava da tendência
que atacavam. (GONÇALVES, 1986)
Com as pressões oferecidas pela Guerra Fria, Portugal se sentiu no dever político
de corresponder a eventos internacionais de arte, já que nesse período as relações entre
arte e propaganda política nunca estiveram tão fortes. Foram enviados, portanto, artistas
portugueses à Bienal de Veneza e à Bienal de São Paulo, por exemplo, sempre tentando
representar um perfil histórico de progresso, segundo os critérios que estavam sendo
revelados na Galeria de Março (1952-1954), que procurava desenvolver um programa
artístico mais completo possível, sempre em defesa da modernidade.
O movimento surrealista português
Como mencionado anteriormente, o surrealismo teria surgido em Portugal a partir
de uma derivação vanguardista que se dividiria em três correntes distintas. Diferentemente
do neorrealismo e do abstracionismo geométrico, observou-se no movimento surrealista
uma nova linguagem plástica, com intenções subversivas, anarquicamente. A destruição
de componente semânticas, livres associações de imagens e palavras, utilização do humor
e exploração do acaso seriam algumas das novas características da linguagem surreal,
resultando em sentidos imprevisíveis de compreensão estética.
Notícias da grande Exposição Internacional Surrealista de 1938, bem como do
regresso de Breton à Paris encorajou, em Portugal, a formalização do movimento, que
se baseava apenas em encontros casuais, discussões esporádicas entre os membros e
exposições pontuais. Além disso, intervenções políticas na II Exposição Geral de Artes
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
259
Plásticas (1947) fomentaram, ainda mais, a necessidade de multiplicação das experiências
plásticas e poéticas, fazendo com que no mesmo ano se formalizasse o chamado Grupo
Surrealista de Lisboa.
Preparou-se, portanto, uma forte representação para a III Exposição Geral da Artes
Plásticas, que ocorreria em 1948. Porém, a partir dessa mostra, fora imposta censura prévia
às obras, bem como aos nomes que estariam no catálogo da exposição. Para abafar o
escândalo, os organizadores da exposição optaram pela destruição dos catálogos, porém,
como analisa Rui Mário Gonçalves, esse era um “escândalo que os surrealistas, pelo
contrário, gostariam que fosse amplificado, convidando os organizadores a apresentarem o
salão vazio, como forte protesto público contra a censura”. As manifestações provocatórias,
ataques políticos e estéticos passou a caracterizar o grupo surrealista, cuja comunicação
com o resto do mundo, ou até mesmo com a própria população portuguesa, passou a se
tornar cada vez mais difícil, já que em Portugal recusava-se a psicanálise e perseguiase o marxismo, princípios esses essenciais no entendimento e elaboração dos valores
surrealistas.
Em 1949 o grupo realizou sua primeira e única exposição de arte, que fora alvo de
escândalos e ameaças policiais e cujo cartaz fora levado à censura por apoiar a campanha
eleitoral de Norton de Matos, oposição ao regime salazarista. Da exposição, participaram
artistas como O’Neill, Pedro Azevedo, Moniz Pereira, José Augusto França, Dacosta e
António Domingues, e a principal atração da mostra fora o quadro coletivo cadavre Exquis.
Inspirado no jogo coletivo surrealista, inventado em 1925, na França, autores portugueses
retomaram a técnica de maneira a criar imagens que subvertessem completamente
as convenções tradicionais de discurso estético, já o desenho é subdividido entre os
colaboradores da pintura, de forma que cada um deles pudesse realizar, no espaço a
que lhe foi atribuído, um desenho liberto de preocupação moral, apenas atendendo ao
repertório imagético e onírico que se apresentasse no automatismo (GINGA, 2009).
Apesar da grande importância da obra no universo artístico, sua incompreensão por parte
da imprensa resultou em comentários confusos e provocativos em relação, tanto à obra,
quanto à exposição como um todo.
Em tão grandes dimensões (180cmx150cm) e inteiramente pintado, este
quadro foi talvez o primeiro, senão o único, que se realizou no mundo segundo
o processo cadavre exquis. (GONÇALVEZ, 1986)
Inicia-se, portanto, uma constante dispersão por parte dos membros do movimento,
incrédulos com a continuação dessa manifestação artística. Apesar disso, no ano de 1952,
é realizada uma exposição na Casa Jalco, em Lisboa, organizada por Fernando Lemos e
Marcelino Vespeira, onde foram expostos uma coleção de guaches, desenhos, pinturas a
óleo, bem como uma série de composições fotográficas de Lemos bastante enigmáticas,
cujos efeitos peculiares de iluminação e sobreposição de planos, conferiam um caráter
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
260
surpreendente à obra, nunca antes visto no cenário artístico português. Ainda no mesmo
ano, é organizada a Galeria de Março, como comentado anteriormente, porém a ausência
de interesse público e compradores levou ao encerramento prematuro da galeria.
Nesse cenário de constante perseguição política e oposição ao regime então vigente,
artistas passam a se dispersar ou migrar para outros países, como é o caso de Fernando
Lemos que, em 1953 decide se mudar para o Brasil e iniciar uma série de exposições nos
museus nacionais. O surrealismo português, portanto, fora fundamental na compreensão
da problemática cultural portuguesa, com ajuda das teorias até então marginalizadas de
Freud, Marx e da própria história da arte, se constituindo como um importante meio de
resistência política.
...o caso português era o mais marginal de quantos conhecia no mundo inteiro
(Surréalisme périphérique, Universidade de Montroyal, 1983) constituía afinal
a experiência que conduziu às mais penetrantes reflexões sobre a arte e
sobre a sociedade contemporânea. (GONÇALVEZ, 1986).
FERNANDO LEMOS E A FOTOGRAFIA SURREALISTA
José Fernandes de Lemos nasceu em Lisboa, no ano de 1926, tendo frequentado a
Escola de Artes Decorativas Antonio Arroio entre os anos de 1938 e 1943 e, posteriormente,
estudado pintura na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa. Sua formação acadêmica
fora o ponto de partida para que o artista tenha se destacado nas vertentes de design
gráfico, desenho, pintura, tecelagem, gravação, literatura e, principalmente, fotografia, à
qual dedica-se com veemência a partir da década de 1950. Como explorado anteriormente,
Lemos será uma personagem fundamental no que diz respeito ao ambiente intelectual
de resistência à ditadura salazarista, utilizando de seu aparato artístico como forma de
protesto à realidade portuguesa da década de 1950.
Apesar da dura repressão durante a primeira exposição de arte surrealista realizada
em 1949, cujas ameaças policiais levaram à censura da mostra, o ano de 1952 fora um
importante marco na carreira de Lemos como fotógrafo. A exposição na Casa Jalco, em
Lisboa, organizada por Fernando Lemos e Marcelino Vespeira, contou com um conjunto
de 55 obras, sendo 25 composições e 30 retratos, como será analisado mais adiante. As
produções enigmáticas de Lemos, cujos efeitos peculiares de iluminação e sobreposição de
planos conferiam um caráter surpreendente à obra, nunca antes visto no cenário artístico
português: “trata-se de um importante marco prenunciador de novas ordens plásticas, uma
operação de ruptura com toda a estética dominante” (PROENÇA, 2010). Por conta do
aspecto altamente inovador de suas produções visuais, a exposição fora alvo de protestos
por parte da alta burguesia frequentadora da Casa Jalco, importante estabelecimento
comercial de decoração e mobiliário. No final de 1952, Lemos viria a expor uma segunda
vez suas fotografias, mas agora na galeria de março, em uma mostra intitulada “fotografia
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
261
de várias coisas”.
A aproximação com a obra de Max Ernst, bem como com a de Man Ray, será visível
na obra do fotógrafo, que se utilizará de métodos de unificação de elementos díspares
como peças distintas e autônomas de forma a criar suas mais diversas composições.
Diferentemente dos dadaístas, os surrealistas buscavam a integridade plástica e não a
fragmentação, algo que, na fotografia, será essencial para garantir uma credibilidade à
imagem de realidade transformada, bem como fornecerá meios para a exteriorização dos
desejos psíquicos do fotógrafo.
A câmera de Lemos, portanto, funciona quase como um elemento protésico, uma
extensão de seu próprio corpo que aumenta, assim, suas capacidades perceptivas. A
utilização de elementos estranhos em suas composições, como objetos de ferro, madeira,
tecidos, cortantes, entre outros, bem como a manipulação de elementos de luz criando
ofuscamentos, manchas de claridade ou escuridão proporcionarão uma atmosfera de grande
estranhamento ao espectador, modificando a noção do chamado agente significante, ou
seja, a ausência de uma dimensão surreal em uma prova fotográfica implica no surgimento
de um significado convencional para a prova, uma vez que não passa de uma captação da
própria realidade.
O conceito de ostranenie, ou estranhamento, utilizado pelo crítico literário russo
Viktor Chklovsky em “A arte como processo” refletirá muito bem a forma como as imagens
surrealistas como um todo, mas especialmente as de Lemos, serão percebidas pelo
espectador. Esse conceito nasce de discussões entre formalistas russos acerca da função
da arte na sociedade e da mimese, sendo que para Chklovsky:
A finalidade da arte é dar uma sensação do objeto como visão e não como
reconhecimento; o processo da arte é o processo de singularização ostranenie (estranhamento) dos objetos e o processo que consiste em obscurecer
a forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O ato de
percepção em arte é um fim em si e deve ser prolongado; a arte é um meio
de sentir o devir do objeto, aquilo que já se ‘tornou’ não interessa à arte.
(TODOROV, 1999)
Sendo assim, o estranhamento seria fruto dos efeitos criados por uma determinada
obra de arte afim de nos distanciar do modo comum como apreendemos o mundo, criando
uma nova dimensão de percepções. É interessante como esse conceito se expressará nas
provas de Lemos já que, como mencionado, a fotografia irá conferir veracidade aos objetos
de realidade transformada pelo artista. Um outro aparelho teórico que pode ser utilizado
para se analisar as provas surrealistas é o conceito de espaçamento de Derrida. O conceito
metafísico de tempo, entendido como uma sucessão de “agoras”, será desconstruído na
fotografia a partir do deslocamento dos segmentos de realidade. Além disso, as molduras
externas às fotografias também podem ser compreendidas como uma aplicação do conceito
de espaçamento, indicando que o que está dentro da moldura é apenas um fragmento da
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
262
realidade que, por sua vez, será manipulada de acordo com os termos do próprio fotógrafo
(KRAUSS, 1981). A câmera, dessa forma, intromete-se entre o observador e o mundo.
Eu, Auto Retrato
Eu, Auto Retrato – 1949 | 1952
Dimensões: 59cm x 49,8cm
Acervo: Museu de Arte Moderna de São Paulo
O contraste luminoso será explorado por Lemos na fotografia de nome “Eu, Auto
Retrato”, sendo possível observar duas concentrações de luz específicas, sob fundo escuro.
Lemos, com o rosto a três quartos, parece estar sentado, algo que talvez corresponda a
uma leitura imediata da imagem. Porém, uma análise mais cuidadosa permite identificar
linhas diagonais de tábuas corridas no plano de fundo da imagem, indicando que o fotógrafo
estaria deitado, conferindo uma horizontalidade oculta a essa prova.
A região iluminada da imagem, sobre a cabeça do retratado, cria um efeito difuso
quase como uma nuvem de luz, que parece fumo. A silhueta de uma lâmpada à direita
da fotografia permite a interpretação dessa explosão como o surgimento de uma ideia,
como ressalta Proença: “lembra-nos e energia vibrante e selvagem de uma ideia quando
nasce, pungente, referenciando um momento exato no contínuo do tempo”. Expelidas para
o exterior, é possível identificar dois elementos distintos na massa luminosa, sendo esses
o que parece ser a lâmina de um punhal e uma carta de tarot. Os significados simbólicos
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
263
desses elementos são inúmeros, mas uma possível explicação para o posicionamento
desses na prova de Lemos faz referência à certeza da morte, afirmada pelo punhal, e a
incerteza do destino, como demonstra a carta (FERREIRA, 2020). Em entrevista realizada
por António Gonçalves, Fernando Lemos desmascara um dos possíveis significados da
figura de “O Dependurado”, presente na carta de tarot:
“Escolhi o enforcado para declarar à própria polícia, à própria repressão que
se me quisessem enforcar já iam atrasados porque eu já estava enforcado por
minha vontade” (GONÇALVES, 2011)
A partir da fala de Lemos, observa-se novamente uma prova fotográfica que carrega,
entre seus inúmeros significados, uma força de oposição ao Estado Novo, sendo o próprio
punhal um possível símbolo da violência política. O rigor nas escolhas e posicionamento
dos objetos na cena não limita seus sentidos, muito pelo contrário, multiplica-os, tornando
a composição dotada de diferentes perspectivas de análise. É interessante notar uma
semelhança dessa prova com a fotografia de Man Ray denominada Explosant Fixe, que
também retoma a técnica de movimento suspenso que pode ser observada na explosão de
ideias de Lemos, criando um efeito onírico na cena, em que a complexidade da montagem
se destaca em relação à simplicidade do disparo da câmera fotográfica.
CONCLUSÃO
Fernando Lemos, em suma, desconstrói em seus trabalhos a compreensão de uma
fotografia mimética, perturbando a ordem de perspectiva, enquadramento, luz, sombras
e criando uma composição única em suas provas a partir da introdução de elementos
estranhos ao contexto imagético, criando situações cujas interpretações fogem da ordem
do convencional. De forma a construir novas vias de representação, o fotógrafo adotou
aspectos como a encenação, uso de figuras inanimadas (como manequins e bonecos
articulados), bem como jogos luminosos, contribuindo para a criação de uma inquietante
estranheza na apreensão de suas imagens por parte do espectador, que se confunde em
relação à veracidade da cena construída pelo artista.
É de extrema importância ressaltar que seu trabalho não se deu de maneira isolada,
mas contou com a contribuição e influência da vanguarda surrealista francesa, no que diz
respeito aos ideais Bretonianos de exteriorização do psíquico nas formas de representação
artística, além de ter sido fortemente impactado pelo contexto de produção, estando traços
do governo autoritário e ambiente repressivo do Estado Novo português registrados de
maneira implícita em diversas de suas provas.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
264
REFERÊNCIAS
ALEXANDRIAN, Sarane. O Surrealismo. Cacém: Gris, impressores, S. A. R. L, 1972
BRADLEY, Fiona. Movimentos da arte moderna: Surrealismo. São Paulo: Cosac & Naify Edições,
2001
FERREIRA, Tereza Jorge. A lente incerta da poesia: Herberto Helder e Fernando Lemos. Revista
Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 55, n. 1, p.27-38, jan./mar. 2020.
GINGA, Adelaide. Cadavre-exquis. Museu de arte contemporânea do chiado, 2009. Disponível em
<http://www.museuartecontemporanea.gov.pt/pt/pecas/ver/337/artist>. Acesso em 6 de Abril de 2020,
às 15:43.
GONÇALVES, Rui Mário. História da Arte em Portugal: De 1945 à atualidade. Lisboa: Publicações
Alfa, 1986.
KRAUSS, Rosalind [1981] “The Photographic Conditions of Surrealism”, October 19.
LIMA, Álvaro. Método crítico-paranoico. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2014.
Disponível em: <https://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php?title=M%C3%A9todo_
cr%C3%ADtico-paran%C3%B3ico> Acesso em 14 de Abril de 2020, às 13:56
PROENÇA, Miguel. Fernando Lemos: ‘Eu Sou a Fotografia’. Dissertação de Mestrado –
Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010
TODOROV, Tzevetan. A arte como processo”, em Teoria da Literatura I: Textos dos Formalistas
Russos. Lisboa: edições 70, 1999.
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Capítulo 24
265
SOBRE O ORGANIZADOR
FABIANO ELOY ATÍLIO BATISTA - Doutorando e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação
em Economia Doméstica (PPGED) - área de concentração em Família e Sociedade - pela
Universidade Federal de Viçosa (UFV), atuando na linha de pesquisa Trabalho, Consumo
e Cultura. É bacharel em Ciências Humanas, pelo Instituto de Ciências Humanas da
Universidade Federal de Juiz de Fora (BACH/ICH - UFJF); licenciado em Artes Visuais, pelo
Centro Universitário UNINTER; e, tecnólogo em Design de Moda, pela Faculdade Estácio
de Sá -Juiz de Fora/MG. Realizou cursos de especialização nas seguintes áreas: Moda,
Cultura de Moda e Arte, pelo Instituto de Artes e Design da Faculdade Federal de Juiz de
Fora (IAD/UFJF); Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela Faculdade de Comunicação
da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACOM/UFJF); Ensino de Artes Visuais, pela
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACED/UFJF); e,
Docência na Educação Profissional e Tecnológica, pelo Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais - Campus Rio Pomba (IF Rio Pomba). Tem
interesse nas áreas: Moda e Design; Arte e Educação; Relações de Gênero e Sexualidade;
Mídia e Estudos Culturais; Corpo, Juventude e Envelhecimento, dentre outras possibilidades
de pesquisa num viés da interdisciplinaridade. E-mail: fabiano.batista@ufv.br
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Sobre o Organizador
266
ÍNDICE REMISSIVO
A
Ações Pedagógicas 8, 233
Alunos 7, 2, 3, 6, 8, 10, 11, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 26, 30, 31, 34, 36, 39, 40, 41, 42,
43, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 93, 95, 96, 98, 99, 100, 128, 129, 131, 132, 133, 134,
135, 136, 137, 138, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 203, 223, 233, 234, 237, 238,
239, 241, 245, 246, 250
Arte 5, 6, 7, 1, 7, 8, 9, 10, 12, 14, 15, 20, 24, 32, 35, 37, 42, 44, 45, 46, 49, 50, 51, 52, 53,
54, 55, 56, 57, 58, 59, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 73, 79, 80, 83, 84, 85, 86, 90, 91,
92, 93, 97, 100, 109, 111, 121, 123, 130, 131, 138, 139, 151, 153, 155, 227, 228, 233, 234,
235, 239, 240, 245, 251, 252, 266
Arte-Educação 7, 79, 80, 83, 84, 91
Artesanato 61, 62, 227
Artesania 6, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 69
Artes Visuais 7, 8, 50, 56, 59, 70, 71, 72, 80, 84, 237, 238, 239, 266
Artista 7, 22, 53, 54, 60, 61, 62, 63, 66, 67, 71, 73, 85, 106, 128, 129, 130, 132, 138
Ateliês 7, 70, 76
B
Ballet 9, 241, 242, 243, 244, 245, 246, 247, 250, 251, 252
Brasil 8, 15, 19, 35, 52, 70, 71, 80, 81, 88, 91, 105, 114, 115, 117, 118, 121, 122, 176, 191,
203, 208, 209, 231, 236, 239, 243, 244, 251, 252
Brasileira 8, 24, 25, 114, 115, 121, 164, 165, 166, 172, 174, 176, 177, 178, 179, 180, 183,
187, 190, 191, 192, 193, 194, 199, 202, 203, 204, 205, 206, 215, 218, 231, 252
C
Cena Teatral 6, 57, 58, 59, 60, 63, 66, 69
Ciência 6, 1, 2, 6, 7, 8, 14, 15, 24, 49, 57, 58, 67, 69, 72, 119, 130, 266
Composição Musical 7, 99, 140, 141, 142, 143, 144, 149, 150, 206, 211, 219
Corpo 6, 7, 3, 20, 23, 24, 26, 28, 29, 45, 46, 47, 48, 49, 60, 62, 64, 67, 106, 115, 123, 124,
126, 127, 128, 130, 132, 138, 139, 221, 244, 245, 246, 248, 250, 251, 252, 266
Corpo-Objeto-Obra 6, 45
Cotidiano 6, 16, 19, 20, 23, 27, 30, 35, 37, 51, 64, 245
Criação 5, 7, 13, 22, 23, 24, 28, 31, 45, 46, 47, 49, 52, 53, 57, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66,
67, 69, 70, 71, 73, 74, 75, 78, 80, 83, 84, 86, 90, 91, 105, 106, 111, 114, 123, 124, 126, 127,
130, 141, 143, 144, 145, 146, 147, 149, 150, 178, 192, 193, 210, 220, 229, 230, 231, 235,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Índice Remissivo
267
236, 244, 246
Criança 1, 17, 23, 40, 101, 135, 136, 141, 143, 145, 150, 152, 213, 214, 234, 236, 241, 242,
243, 245, 246, 248, 249, 251
Criatividade 5, 7, 20, 31, 36, 68, 69, 80, 81, 91, 98, 100, 140, 141, 146, 147, 148, 149, 150,
151, 166, 179, 193, 223, 235, 245, 246, 248, 250
Cultura 15, 27, 35, 50, 52, 58, 68, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 96, 98, 121, 142, 155, 165,
178, 192, 235, 244, 245, 266
D
Dança 9, 21, 26, 28, 31, 45, 46, 49, 59, 111, 122, 123, 127, 130, 131, 132, 133, 134, 135,
138, 139, 142, 152, 187, 199, 208, 241, 242, 244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252
Desenvolvimento 9, 8, 14, 31, 34, 36, 45, 79, 80, 81, 88, 91, 93, 94, 95, 97, 100, 105, 113,
116, 119, 130, 132, 143, 144, 145, 148, 149, 182, 228, 229, 233, 234, 235, 236, 240, 241,
242, 243, 244, 246, 247, 248, 249, 250, 251
Design 7, 1, 7, 79, 80, 81, 84, 85, 86, 90, 91, 92, 150, 266
Docente 6, 34, 46, 57, 58, 59, 60, 63, 64, 65, 66, 67, 86, 89, 241
Dramaturgia 23, 60, 61, 104, 105, 107, 113, 114, 115, 118, 121
E
Educação Infantil 8, 9, 233, 235, 236, 237, 239, 241, 242, 243, 244, 246, 247, 248, 250, 251
Educar 7, 140, 236, 241, 242, 243
Efêmera 6, 50, 52, 55
Ensino 6, 7, 1, 10, 16, 18, 19, 21, 22, 26, 28, 31, 33, 34, 38, 42, 43, 44, 45, 72, 73, 79, 80,
81, 83, 87, 91, 92, 93, 94, 95, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 119, 128, 129, 131, 139, 140, 141,
142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 150, 151, 152, 154, 155, 167, 194, 223, 235, 236, 239,
242, 243, 244, 245, 249, 266
Ensino-Aprendizagem 6, 26
Escola 6, 9, 1, 7, 16, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 33, 39, 40, 43, 45, 46, 49, 73, 74, 79, 80, 84,
86, 93, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 113, 121, 128, 131, 133, 140, 143, 144, 145, 146, 150,
229, 230, 235, 236, 237, 239, 241, 242, 244, 245, 247, 249, 251, 252
Escola Pública 6, 16, 19, 20, 22, 80
Estratégias 6, 23, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 59, 83, 94, 97, 100, 128, 129,
148, 149, 213
Experiência 6, 7, 6, 10, 11, 13, 20, 23, 24, 25, 28, 34, 37, 39, 43, 45, 47, 57, 62, 64, 67, 68,
72, 80, 84, 87, 89, 92, 104, 105, 110, 128, 129, 130, 131, 134, 135, 136, 137, 138, 143, 149,
176, 190, 203, 223, 226, 227, 233, 234, 236, 248, 250
Experiência Sensorial 7, 128, 129, 138
Experimentações 6, 1, 58, 64
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Índice Remissivo
268
F
Formação 5, 16, 27, 43, 45, 46, 48, 57, 60, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 80, 81, 83, 84, 94, 95,
96, 97, 98, 100, 101, 102, 113, 114, 117, 119, 126, 128, 129, 131, 138, 145, 151, 181, 221,
230, 231, 233, 235, 236, 243, 245, 246, 250, 252
H
História em quadrinhos 39, 237, 238
I
Imaginação 57, 58, 60, 62, 63, 64, 65, 69, 80, 138, 238, 246, 249, 250
Interdisciplinaridade 8, 14, 233, 237, 266
M
Metodologia 6, 26, 32, 38, 52, 119, 247, 248
Movimento 7, 9, 12, 19, 22, 24, 30, 46, 47, 48, 49, 52, 66, 71, 89, 104, 108, 123, 124, 125,
126, 127, 129, 130, 131, 132, 134, 137, 138, 139, 149, 157, 164, 168, 170, 176, 181, 186,
191, 195, 203, 237, 238, 245, 246, 249, 252
Mulheres 7, 18, 65, 113, 114, 115, 116, 118, 120, 122
Música 8, 11, 18, 20, 21, 30, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 100, 101, 102, 128, 129, 132, 133, 134,
135, 136, 137, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 163, 164,
165, 172, 176, 178, 180, 183, 187, 191, 192, 194, 199, 203, 204, 205, 206, 208, 209, 210,
211, 212, 215, 218, 219, 220, 221, 223, 224, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 235,
236, 237, 238, 239, 240
Musical 7, 8, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 100, 101, 102, 128, 129, 130, 131, 132, 133, 134, 135,
136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153,
154, 155, 156, 157, 158, 159, 163, 165, 166, 167, 176, 178, 179, 183, 188, 190, 192, 193,
195, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 208, 210, 211, 212, 213, 216, 218, 219, 220, 221, 222,
223, 224, 225, 226, 227, 228, 229, 230, 231, 232, 233, 235, 236, 237, 238
O
Objetos 6, 3, 5, 6, 27, 45, 46, 48, 51, 61, 109, 110, 134, 135, 234
P
Patrimônio 50, 51, 55, 56, 235
Pesquisa 7, 7, 9, 16, 22, 23, 24, 25, 34, 35, 38, 39, 44, 46, 47, 48, 50, 51, 55, 57, 58, 60,
66, 68, 69, 72, 73, 76, 80, 81, 82, 83, 84, 86, 88, 89, 101, 106, 113, 114, 115, 116, 118, 119,
120, 121, 122, 123, 128, 130, 131, 132, 134, 147, 150, 163, 166, 176, 179, 193, 204, 205,
220, 221, 230, 241, 242, 247, 248, 249, 250, 266
Piano 8, 65, 115, 132, 133, 154, 155, 163, 164, 165, 166, 167, 169, 171, 175, 176, 177,
178, 179, 186, 190, 191, 192, 193, 194, 201, 203, 204, 205, 207, 208, 211, 217, 218, 221,
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Índice Remissivo
269
222, 223, 224, 229, 230, 231
Prática 6, 9, 10, 16, 19, 22, 25, 26, 28, 30, 31, 33, 35, 44, 45, 48, 58, 60, 61, 62, 63, 64,
67, 73, 74, 75, 79, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, 92, 95, 98, 99, 105, 114, 127, 132, 138,
142, 148, 155, 167, 194, 215, 221, 223, 224, 227, 231, 236, 239, 241, 242, 243, 244, 245,
249, 250
Processos Criativos 2, 5, 9, 68, 72, 150
Processos Formativos 7, 128
Projeto 6, 7, 1, 7, 9, 11, 14, 16, 19, 21, 23, 31, 47, 59, 68, 72, 90, 93, 94, 97, 98, 99, 100,
101, 102, 132, 152, 217, 233, 236, 237
S
Seminário 48, 70, 71, 74, 75, 252
T
Teatro 7, 16, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 31, 57, 58, 59, 60, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 103,
104, 105, 106, 108, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 119, 120, 121, 122, 127, 128,
129, 130, 131, 132, 133, 134, 138, 139
Técnica 6, 8, 24, 39, 45, 46, 47, 52, 60, 62, 68, 80, 104, 109, 111, 128, 131, 154, 163, 165,
166, 176, 178, 179, 190, 191, 192, 193, 194, 203, 231, 243, 245
Tecnologia 6, 1, 2, 7, 8, 9, 14, 15, 57, 58, 72, 92, 224, 266
Trabalho 6, 7, 13, 16, 20, 22, 23, 24, 30, 31, 33, 46, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 67,
69, 71, 72, 73, 74, 76, 79, 80, 81, 82, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 93, 98, 99, 100, 103,
104, 105, 106, 107, 109, 110, 111, 113, 114, 115, 116, 117, 119, 121, 128, 129, 130, 131,
132, 135, 138, 140, 146, 147, 154, 155, 163, 166, 167, 176, 178, 179, 180, 190, 192, 202,
205, 211, 215, 216, 217, 218, 221, 223, 224, 225, 226, 227, 233, 234, 235, 236, 237, 238,
239, 241, 242, 243, 246, 247, 248, 250, 266
Processos Criativos e Educacionais em Artes 2
Índice Remissivo
270