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156 CADERNO TÉCNICO 156 CADERNO TÉCNICO 0156 CADERNO TÉCNICO REFINO EM FORNO DE FEIXE DE ELÉTRONS Uma rota revolucionária na produção de metais de alta pureza ABSTRACT A Brazilian professor, Dr. Daltro Garcia Pinatti, developed a revolutionary route for the refining of refractory metals, which made possible the economical large-scale production. This paper shows the evolution of the electron beam refining technology and the contribution of Prof. Pinatti and his achievements on the development of both process and equipment. Dr. Pinatti is the pioneer of electron beam refining process, and his trajectory from his Ph.D. work at Rice University followed by his participation in the spaceship project and his invaluable scientific contribution are briefly described as follows. José Benedito Marcomini jmarcomini@usp.br Rosa Ana Conte rosaconte@demar.eel.usp.br Escola de Engenharia de Lorena Universidade de São Paulo Um professor brasileiro, Dr. Daltro Garcia Pinatti, desenvolveu uma rota revolucionária para o refino de metais refratários, que permitiu sua produção em larga escala, sendo pioneiro no desenvolvimento do processo de refino por fusão em forno de feixe de elétrons. Este trabalho mostra a evolução desta tecnologia e a contribuição do Prof. Pinatti e sua trajetória no desenvolvimento de processos e equipamentos, desde o doutoramento na Universidade de Rice à sua participação no projeto de naves espaciais e sua inestimável contribuição científica. O INÍCIO DO DESENVOLVIMENTO NA UNIVERSIDADE DE RICE O início do desenvolvimento da tecnologia que deu origem ao conceito inovador do refino por fusão em forno de feixe de elétrons iniciou-se no programa de doutoramento do Prof. Pinatti, após sua formatura como engenheiro civil na Escola de Engenharia de São Carlos. Após concluir a graduação, seu orientador, Prof. Sérgio Mascarenhas de Oliveira, providenciou a candidatura do aluno REVISTA ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO | VOLUME 71 | MAR/ABR 2015 para o doutoramento nos Estados Unidos, seguindo a sugestão de um professor visitante, Dr. Virgil Boton de Abelene, Texas. O jovem engenheiro foi então aceito em três universidades, incluindo a Rice University e veio posteriormente saber que sua inclusão entre os 16 selecionados se deveu à sua formação simultânea em Física e Engenharia. Em 1964, a Universidade de Rice contava com um programa de desenvolvimento de materiais refratários, cujo objetivo principal era a aplicação na conquista espacial. Como o projeto de doutorado do Prof. Pinatti previa o estudo de metais refratários com o objetivo de utilizar estes estudos nos metais dos quais o Brasil possuía grandes reservas que não eram aproveitadas e, na época, a Universidade Rice possuía um programa de estudos de materiais refratários, especialmente em molibdênio, a opção foi por esta universidade. O programa acima referido tinha o objetivo de obter uma solução para lidar com o aquecimento que ocorria na reentrada em atmosfera durante o regresso dos módulos de co- CADERNO TÉCNICO 157 mando (“cápsulas”) das naves espaciais à Terra. O departamento de Ciência dos Materiais e Ciências Espaciais havia sido criado com o objetivo de se cumprir o que John Fitzgerald Kennedy havia prometido: colocar um homem na Lua antes do fim de seu mandato. Esta promessa foi motivada pelo lançamento do sputnik em outubro de 1957, pela então URSS. Seu trabalho foi desenvolvido parte no departamento de Física sob orientação do chefe do departamento, o Dr. H.E. Rorschach Jr. e parte no Departamento de Ciência dos Materiais e Ciências Espaciais, sob orientação do chefe do departamento, o Dr. Franz R. Brotzen. Seu projeto era obter um monocristal perfeito de molibdênio para posterior laminação, o que demandaria a reforma e aperfeiçoamento de um forno de feixe de elétrons, com o qual seu antecessor no laboratório, também aluno de doutoramento, tinha iniciado os trabalhos. Para se atingir esta perfeição cristalina, seria necessário detectar algo em torno de 104 discordâncias por cm2 e o único método de detecção possível, na época, era por meio de medidas de supercondutividade. Ao final de um ano, o monocristal de Mo havia sido obtido. A partir de então o Prof. Pinatti começa a ter um estreito contato com a tecnologia de fusão por feixe de elétrons, o que permitiria o desenvolvimento de uma tecnologia inovadora. Ele ainda teve papel decisivo na idealização da blindagem térmica utilizada nas espaçonaves: obtido o monocristal de Mo, foi realizada a laminação da folha e, em reunião dos pós-graduandos com o Dr. Rorschach, sugeriu uma solução para a blindagem térmica na reentrada das naves espaciais: fazer uma colmeia com a folha de molibdênio e que suas cavidades fossem preenchidas com baquelite. No laboratório do Departamento de Ciência dos Materiais e Ciências Espaciais, o Dr. Brotzen improvisou uma ferramenta e construiu a estrutura de hexágonos tipo “colmeia”, em inglês, honeycomb. A peça foi colocada em um banco de provas, no qual um maçarico simulava o fluxo de calor e gás da reentrada. O teste superou em cinco vezes a dissipação de calor necessária. A idéia do Prof. Pinatti era baseada no seguinte: o molibdênio é resistente ao calor, porém oxida. Então, acima da atmosfera o metal não oxidaria. Conforme o módulo de comando fosse penetrando na atmosfera e a concentração de oxigênio fosse aumentando, o metal se oxidaria, liberando a baquelite fundida/evaporada, retirando o calor da frente do módulo. Os trabalhos na Rice eram acompanhados pelo astronauta Michael Collins, que ficou no módulo de comando durante a descida do módulo lunar da Apollo 11. UM NOVO CONCEITO DE REFINO POR FUSÃO EM FORNO DE FEIXE ELETRÔNICO O processo industrial de fusão por feixe de elétrons teve seu início com o refino de metais puros, como o titânio (1954) e tântalo (1958), pela Temescal, sediada nos EUA, formada por um grupo de pesquisadores de Berkeley[1]. O forno de feixe de elétrons era até então um equipamento de grandes dimensões. Anos depois o Prof. Pinatti revolucionou o processo de refino de metais refratários, alterando o projeto do forno de refusão por feixe de elétrons, introduzindo o conceito de captura de impurezas por meio de uma placa de cobre refrigerada a água, o que reduziu sensivelmente as dimensões do equipamento[2]. O refino por fusão em forno de feixe de elétrons a partir de um eletrodo metálico formado por redução por aluminotermia (ERA) iniciou-se em 1973, numa colaboração entre o Prof. Pinatti e a Leybold Heraeus Hanau (Alemanha), quando o pesquisador trabalhava no Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. No início das pesquisas foi desenvolvido um novo processo de redução do minério de nióbio para produzir o ERA utilizando apenas o alumínio (Al) em pó e o pirocloro [(Na3, Ca)2 (Nb, Ti) (O, F)7], minério com reservas abundantes no Brasil. Posteriormente os trabalhos se consolidaram com a redução do pentóxido de nióbio (Nb2O5) para obter o ERA. Até 1973 os metais refratários puros eram produzidos por processos químicos complexos e dispendiosos. O novo conceito envolvia a utilização de uma câmara de fusão sob vácuo, de cerca de 1 m3, dentro da qual painéis de cobre refrigerados a água eram inseridos para permitir em suas superfícies a condensação das impurezas evaporadas do metal que estava sendo fundido e na, sequência, refinado pela fusão em forno feixe de elétrons. A adição do dispositivo de cobre possibilitou uma redução do custo do equipamento devido à dimensão reduzida da câmara e, consequentemente, do sistema de vácuo e do aumento da capacidade de refino [2, 3]. A figura 1 apresenta o processo de refino por feixe de elétrons com alimentação vertical de um lingote e, abaixo, o cadinho de cobre refrigerado a água com metal fundido. O sucesso da pesquisa no laboratório do IFGW-Unicamp levou a uma parceria de 16 anos entre Brasil e Alemanha. Do lado brasileiro, os participantes eram o Centro de Materiais Refratários – CEMAR, administrado pela Fundação Figura 1 | Refino por feixe de elétrons. Fonte: [2] MAR/ABR 2015 | VOLUME 71 | REVISTA ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO 158 CADERNO TÉCNICO Figura 2 | Profa. Dra. Rosa Ana Conte e Prof. Dr. Daltro Garcia Pinatti no comissionamento do forno de feixe de elétrons com novo conceito introduzido pelo prof. Pinatti. Comissionamento da planta ES 2/18/300 CF, em Hanau, na Alemanha, em 1980. Fonte: [2] de Tecnologia Industrial (FTI), subordinada ao Ministério da Indústria e do Comércio (MIC), com a colaboração, entre outros, do IFGW da Unicamp, do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da UFSCar e de empresas que investiram no apoio para viabilizar a infraestrutura do então CEMAR, como o Grupo Peixoto de Castro e a CSN. Posteriormente, o CEMAR tornou-se o atual Departamento de Engenharia de Materiais da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (DEMAR-EEL-USP). Os participantes da Alemanha eram a KFK Juelich, o Max Planck Institut (MPI) de Stuttgart e Schwaebisch Gmuend, e a Leybold Heraeus - Hanau, fabricante do forno. O CEMAR-FTI também firmou um contrato de prestação de serviços de refino de nióbio com a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração – CBMM, que durou 15 anos, de 1980 a 1995 [1]. O novo conceito introduzido pelo Dr. Pinatti levou à evolução da “fusão por feixe de elétrons” para o “refino por feixe de elétrons” (RFE). Para metais refratá- rios puros, o RFE conseguia atingir dois objetivos simultaneamente: o refino e a solidificação unidirecional [1]. A rota tecnológica revolucionária era baseada em processos físicos e não químicos para produzir metais especiais de alto valor agregado, com um custo muito mais baixo do que o então praticado mundialmente, abrindo assim novas possibilidades de aplicações desses metais pela sua disponibilidade em grande escala e por sua viabilidade econômica. A rota tradicional praticada para obter metais especiais puros, como tântalo, era constituída dos seguintes processos: • Purificação química do óxido do metal de interesse (99,99 % de pureza); • Redução do óxido com sódio metálico sob a forma de pó; • Sinterização do pó do metal para consolidação na forma de barras; • Conformação mecânica de barras, fios e outros. Mesmo sendo metais de alto custo, sua produção não era em larga escala, pois a rota química era específica para cada minério, utilizando produtos químicos altamente agressivos ao homem e ao meio ambiente, produzindo resíduos poluentes, além de demandar alto custo de manutenção, como corrosão e desgaste dos materiais dos reatores [2]. O novo conceito permitiu abandonar a purificação química do óxido do metal de interesse, fazer uma redução com alumínio (aluminotermia) de um óxido de grau técnico (química sumária) e obter um metal bruto, cujas impurezas Figura 3 | Comissionamento do forno ES 2/18/300 CF em Lorena. Primeiro lingote produzido no Brasil, a partir de tecnologia brasileira (1981). Fonte: [2] REVISTA ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO | VOLUME 71 | MAR/ABR 2015 CADERNO TÉCNICO 159 Figura 4 | Pilha de lingotes de Nb, qualificados de acordo com as normas ASTM vigentes à época. Fonte: [2] principais eram o alumínio e os intersticiais (O, N, H, C, Si), transferindo para o forno de feixe de elétrons a função de fundir e purificar o metal. A essência da nova rota proposta era aprisionar as impurezas evaporadas do metal em painéis de Cu refrigerados a água, dentro da câmara de fusão. Para que o processo fosse bem sucedido, foi necessária a adaptação para as condições da operação piloto, em lingotes de 150 mm de diâmetro e 1600 mm de comprimento, da teoria de interação metal-gás desenvolvida por Eckhard Fromm e Hermann Jehn, ambos do Max-Planck Institut em Stuttgart. A teoria havia sido desenvolvida utilizando condições de laboratório, em amostras de alguns milímetros de espessura. A partir desta teoria, os cálculos da interação metal-gás deveriam ser realizados nas condições de operação do forno piloto de feixe de elétrons, o que ficou a cargo da Dra. Rosa Ana Conte [3]. O conceito introduzido pelo Dr. Pinatti apresentava diversas vantagens: • Uma mesma rota tecnológica aplicada a diferentes metais, partindo de seus óxidos com pureza em torno de 95%; • Abandono de processos químicos custosos e poluentes; • Viabilização da produção em escala de toneladas, a um preço competitivo com o das superligas e aços especiais. O desenvolvimento do processo aluminotérmico em forma de barras ficou a cargo do Prof. Dr. Sebastião Ribeiro. Outra colaboradora do projeto foi a Profa. Rosa Ana Conte que, ao lado do Prof. Pinatti, contribuiu muito para eliminar as dificuldades técnicas, especialmente no estabelecimento do controle de processo e qualificação do metal refinado, de acordo de acordo com as normas vigentes à época [2]. Desta inovação brasileira resultou o projeto da planta piloto de feixe de elétrons com capacidade de 20 t/ano de metal refinado, potência de 300 kW, fundindo lingotes de nióbio com até 200 mm de diâmetro, totalmente baseada na tecnologia desenvolvida pelo Dr. Pinatti e executada pela Leybold-Heraeus em Hanau (1980) [2]. Na figura 2, podemos visualizar o forno em seu comissionamento, na Alemanha. Posteriormente o forno foi comissionado em Lorena, em 1981 (figura 3). A operação da planta piloto em Lorena ficou a cargo do Prof. Dr. Carlos Alberto Baldan, Eng. Rodolfo Lopes, especialista em eletroeletrônica, BSc. Carlos Roberto Dainesi, especialista Figura 5 | Corte longitudinal do lingote, produzido pela nova rota, apresentando estrutura praticamente monocristalina no centro. Fonte: [2] em vácuo e criogenia, e do Prof. Dr. Hugo R. Z. Sandim. Além de todos os benefícios obtidos com essa rota revolucionária, o processo ainda rendeu os Prêmios Metal Leve e Companhia Brasileira de Alumínio, da ABM, 1982, pelos trabalhos sobre a tecnologia de fusão e refino por feixe de elétrons, e em 1991 o Prêmio CBA da ABM pelo trabalho realizado pelos Professores Dr. Sandim, Dr. Pinatti e Dra. Conte, em refino de molibdênio por feixe de elétrons. O processo desenvolvido pelo Dr. Pinatti levava à obtenção de lingotes com microestrutura central muito próxima a de um monocristal (figura 5). A cada refusão aumentava-se a pureza do metal por meio da evaporação e condensação das impurezas nas placas de cobre, dispositivo concebido pelo Prof. Pinatti, permitindo assim a obtenção de metais de alta pureza com teores de impurezas da ordem de 0,0150% O, 0,0050% N, 0,0010% C, 0,0005% Si e 0,0010% Fe. Nióbio de grau nuclear com baixo teor de tântalo era obtido por eletrólise em sal fundido, a cargo do Prof. Dr. Antônio Fernando Sartori. Finalmente, a rota inovadora do refino por fusão em forno de feixe de elétrons abriu caminho para o aperfeiçoamento contínuo da produção econômica de metais refratários de alta pureza e suas ligas, até a atualidade. n REFERÊNCIAS [1] Pinatti, D.G.; Conte, R.A. Electron-BeamRefining: Refractory Metals in the Past, Solar Silicon in the Future. Palestra proferida no Congresso Brasileiro de Aplicações de Vácuo na Indústria e na Ciência, 31, Sept. 26 – 29, Campos do Jordão, 2010. [2] Projeto Nióbio, uma história de muitas vidas - Profa. Dra. Rosa Ana Conte, palestra proferida por ocasião da comemoração dos 35 anos do Projeto Nióbio, em 14 de agosto de 2013, no auditório da área II, EEL-USP. [3] Conte, R.A. Interações metal-gás no refino de nióbio. Dissertação de Mestrado (mestre em Ciências), IFGW UNICAMP, Campinas, 1984, 175p. MAR/ABR 2015 | VOLUME 71 | REVISTA ABM – METALURGIA, MATERIAIS & MINERAÇÃO View publication stats