RELATOS
FANTÁSTICOS
REVISTA BILÍNGUE DE TERROR, HORROR &
FICÇÃO CIENTÍFICA
TERROR
CONTOS BREVES EM PORTUGUÊS E
ESPANHOL
CUENTOS CORTOS EN PORTUGUÉS Y
ESPAÑOL
HORROR
REVISTA BILINGUE DE TERROR, HORROR
& CIENCIA FICCIÓN
FICÇÃO CIENTÍFICA/CIENCIA FICCIÓN
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RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
JUL/2021
EDIÇÃO ESPECIAL
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Sumário
CONTOS CLÁSSICOS/CUENTOS CLÁSICOS .................... 3
MORELLA ............................................................................. 3
MORELLA ............................................................................. 6
A MÃO FECHADA ............................................................... 10
LA MANO CERRADA .......................................................... 12
ASSASSINO? ........................................................................ 14
¿ASESINO? .......................................................................... 16
O DIABO E O RELOJOEIRO .............................................. 18
EL DIABLO Y EL RELOJERO ............................................. 19
OS OLHOS QUE COMIAM CARNE .................................... 20
LOS OJOS QUE COMÍAN CARNE ...................................... 22
VAMPIRO ............................................................................ 24
VAMPIRO ............................................................................ 26
O HOMEM MORTO............................................................ 28
EL HOBRE MUERTO........................................................... 29
À DERIVA ............................................................................ 30
A LA DERIVA ....................................................................... 32
NOSSOS CONTOS/NUESTROS CUENTOS ...................... 34
PERIGO IMINENTE ........................................................... 34
PELIGRO INMINENTE ...................................................... 34
O ÚLTIMO ATO MACABRO DE EDGAR ALLAN POE...... 35
EL ÚLTIMO ACTO MACABRO DE EDGAR ALLAN POE . 36
O RESSUSCITADO............................................................... 38
EL RESUCITADO................................................................. 39
A OFERENDA ...................................................................... 40
LA OFRENDA ...................................................................... 41
GÉLIDAS MÃOS .................................................................. 42
MANOS HELADAS ............................................................... 43
UM CORAÇÃO DE OURO ................................................... 44
UN CORAZÓN DE ORO ...................................................... 48
A JUSTIÇA SEMPRE CHEGA .............................................. 52
LA JUSTICIA SIEMPRE LLEGA .......................................... 52
UM ENTUSIASTA ................................................................. 53
UN ENTUSIASTA .................................................................. 53
O QUARTO MANDAMENTO .............................................. 54
EL QUARTO MANDAMIENTO........................................... 57
SUPERSTIÇÃO ..................................................................... 60
SUPERSTICIÓN ................................................................... 60
O CONCERTO DOS EXTRATERRESTRES ........................ 61
EL CONCIERTO DE LOS EXTRATERRESTRES ................ 61
O SONHO DE SCHUMANN ................................................. 62
EL ENSUEÑO DE SCHUMANN ........................................... 62
O AÇOUGUEIRO ................................................................. 63
EL CARNICÉRO .................................................................. 64
FOME................................................................................... 65
HAMBRE .............................................................................. 66
PROIBIDO PISAR NA GRAMA ........................................... 67
PROHIBIDO PISAR EL CÉSPED ........................................ 67
O RECOLHEDOR DE ANDROIDES ................................... 68
EL RETIRADOR DE ANDROIDES ...................................... 69
A SELEÇÃO.......................................................................... 70
CASTING ............................................................................. 70
UM BREVE ENCONTRO NO CEMITÉRIO ........................ 70
UN BREVE ENCUENTRO EN EL CEMENTERIO ............... 70
SEMPRE SE FEZ ASSIM ...................................................... 71
SIEMPRE SE HA HECHO ASÍ .............................................. 72
O CAIXA .............................................................................. 73
EL CAJERO .......................................................................... 74
A METAMORFOSE E O DESTINO ..................................... 75
LA METAMORFOSIS Y EL DESTINO ................................ 75
DOIS MICROCONTOS ....................................................... 76
CARNIÇARIA ............................................................ 76
ALIEN IX ................................................................... 76
DOS MICROCONTOS ........................................................ 76
CARNICERÍA............................................................. 76
ALIEN IX ................................................................... 76
O PODER DA SÍFILIS ......................................................... 77
EL PODER DE LA SÍFILIS................................................... 78
CORREÇÃO DO DEFEITO ................................................. 79
SUBSANACIÓN DEL DEFECTO ......................................... 79
THE STAR-SPANGLED BANNER.......................................... 80
THE STAR-SPANGLED BANNER.......................................... 80
FRONTEIRAS ...................................................................... 81
FRONTERAS ........................................................................ 81
UMA PARTIDA DE XADREZ CONTRA O DIABO ............. 82
UNA PARTIDA DE AJEDREZ CONTRA EL DIABLO ......... 84
A CASA DAS ALMAS ............................................................ 86
LA CASA DE LAS ALMAS .................................................... 88
O HOMÚNCULO ................................................................. 91
EL HOMÚNCULO ................................................................ 94
EU, ROUBO .......................................................................... 97
YO, RÓBO ........................................................................... 98
ACALANTO DAS ÁGUAS ..................................................... 99
NANA DE LAS AGUAS ....................................................... 100
COLABORADORES/COLABORADORAS .........................101
EXPEDIENTE...................................................................103
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CONTOS CLÁSSICOS/CUENTOS CLÁSICOS
MORELLA
Edgar Allan Pöe (1809 – 1849)
Αυτο καθ’ αυτο μεθ’ αυτου, μονο ειδες αει αιει ον
O mesmo, por si mesmo, consigo mesmo, eterna e homogeneamente.
Platão. Sympós.
Era
com um sentimento de afeto
profundo, conquanto singular, que eu
considerava a minha amiga Morella. Tendo-a
conhecido ocasionalmente há muitos anos, a
minha alma, desde o nosso primeiro encontro,
ardeu num fogo que eu jamais conhecera; mas
esse fogo não era o de Eros e, para meu espírito,
a gradual convicção de que eu não podia definir
o seu insólito significado, nem regular a sua
vaga intensidade, representava um amargo
tormento. Ainda assim, nós nos encontramos; e
o destino nos uniu no altar; jamais falei de
paixão, nem pensei no amor. Ela, no entanto,
evitava a sociedade e, apegando-se apenas a
mim, fazia-me feliz. É uma felicidade admirarse; é uma felicidade sonhar.
A erudição de Morella era profunda. Como
espero mostrar, seus talentos não eram comuns
— sua potência mental era gigantesca. Eu o
percebi e, em muitos aspectos, tornei-me seu
discípulo. Logo, no entanto, descobri que,
talvez por haver-se educado em Presburg, ela
me apresentava alguns daqueles escritos
místicos que geralmente são considerados
meras
escórias
da
literatura
alemã
primitiva. Esses escritos — não posso imaginar
por que razão — constituíam os seus favoritos e
constantes estudos e se, com o passar do tempo,
eles se tornaram também os meus, devo atribuir
tal efeito à singela — malgrado eficaz —
influência do hábito e do exemplo.
Com tudo isso, se não me engano, minha
razão pouco tinha a ver. Minhas convicções —
ou olvido o meu próprio intelecto — não se
radicavam jamais em um ideal, nem seria
possível descobrir — a menos que eu esteja
muito enganado — qualquer vestígio de
misticismo no que eu já havia lido, em meus
atos ou em meus pensamentos. Persuadido
disso, abandonei-me cegamente à orientação de
minha esposa e penetrei de todo coração nas
complexidades de seus estudos. E, então —
quando, debruçado sobre as páginas proibidas,
eu sentia um espírito maldito acendendo-se
dentro de mim —, Morella pousava a sua mão
fria sobre a minha e retirava das cinzas de uma
filosofia morta algumas palavras graves e
singulares,
cujo
estranho
significado
incrustava-se em minha memória. E, depois,
hora após hora, eu me demorava ao lado dela,
na musicalidade de sua voz, até que,
finalmente, aquela melodia ficava impregnada
de terror, e uma sombra caía sobre minha alma,
e eu empalidecia e estremecia intimamente de
entremeio àquelas modulações imensamente
sobrenaturais. Desta maneira, a alegria de
repente se convolava em Horror, e o mais belo
se tornava o mais horrendo, como Hinnom se
tornou Ge-Henna.
É desnecessário expressar o caráter exato
dessas dissertações que, emergindo dos
volumes que mencionei, formaram, por tanto
tempo, quase o único tema de conversação
entre Morella e eu. Os eruditos, versados
naquilo que pode ser denominado moralidade
teológica, facilmente o entenderiam, ao passo
que os não sábios pouco teriam a assimilar e
compreender. O selvagem panteísmo de
Fichte; a
paligenesia
modificada
dos
Pitagóricos e, acima de tudo, as doutrinas da
identidade, conforme defendidas por Schelling,
eram geralmente os pontos de discussão que
ofereciam maior beleza à imaginativa Morella.
Segundo o define precisamente o Sr. Locke, essa
identidade, chamada pessoal, consiste na
permanência do ser racional. E como por pessoa
entendemos uma essência inteligente, e como
há sempre uma consciência dotada de razão, é
a esta que chamamos de nós mesmos. E tal
consciência nos distingue dos demais seres
pensantes e nos confere uma identidade
pessoal. Mas o principium individuationis — a
noção dessa identidade que na morte se perde ou
não se perde para sempre — constituía, para mim,
em todos os momentos, uma questão de intenso
interesse, não somente pela natureza perplexa e
excitante de suas consequências, mas, também,
pela maneira marcante e frenética com que
Morella discorria sobre o assunto.
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Mas, de fato, chegou a hora em que o
mistério do caráter de minha esposa passou a
oprimir-me como um feitiço. Eu não aguentava
mais o toque de seus dedos pálidos, nem a
modulação profunda de sua linguagem
musical, nem o brilho de seus olhos
melancólicos. E ela sabia de tudo isto, mas não
me censurava; ela parecia consciente de minha
fraqueza ou de minha loucura e, sorrindo,
chamava-as de Destino. Ela parecia, também,
consciente da fonte, por mim desconhecida, do
gradual arrefecimento de meu afeto; todavia,
não me dava nenhuma explicação ou aludia à
natureza daquela causa. No entanto, ela era
apenas uma mulher e definhava a cada
dia. Com o tempo, uma indelével mancha
carmesim fixou-se em sua face e as veias azuis,
em sua fronte, fizeram-se salientes; chegou um
momento em que o meu espírito pusera-se a
desfazer-se em compaixão; mas, em seguida,
quando eu vislumbrava o seu olhar repleto de
pensamentos, a piedade convertia-se em malestar.
Devo, então, afirmar que eu aguardava,
intensa e fervorosamente, o momento da morte
de Morella? Assim o era. Mas seu frágil espírito
agarrara-se àquele invólucro de barro por
muitos dias — por muitas semanas e meses
cansativos —, até que meus nervos torturados
exerceram o domínio sobre a razão; e fiquei
furioso com tal adiamento e, com o coração de
um demônio, amaldiçoei os dias, as horas e os
momentos amargos que pareciam se alongar,
cada vez mais, à medida que sua nobre vida
declinava, como sombras minguando ao ocaso.
Mas, numa noite de outono em que os
ventos serenavam no céu, Morella chamou-me
à cabeceira. Havia uma névoa sobre toda a terra
e um calor resplandecente sobre as águas:
poder-se-ia dizer que um arco-íris, caído do
firmamento, fulgurava entre as ricas folhagens
de outubro da floresta.
— Este é o dia entre os dias — disse ela,
quando eu me aproximei. — Um dia, entre
todos os dias, para viver ou morrer! É um belo
dia para os filhos da Terra e da vida; mas — ai!
— ainda mais belo para as filhas do Céu e da
morte!
Beijei-lhe a fonte e ela continuou:
— Estou morrendo; no entanto, viverei.
— Morella!
— Nunca houve dias em que tu pudeste me
amar; mas àquela com quem em vida te
enfadaste, na morte deverás adorar.
— Morella!
— Repito que estou morrendo. Mas dentro
de mim há uma recordação daquele afeto — ah,
quão pouco afeto! — que sentiste por mim, por
Morella. E quando meu espírito partir, a criança
viverá — teu filho e meu, o filho de
Morella. Mas os teus dias serão dias de tristeza
— aquela tristeza que é o mais duradouro dos
sentimentos, como o cipreste é a mais
duradoura das árvores. Pois as horas de tua
felicidade acabaram, e não se colhe a alegria
duas vezes na vida, assim como não se colhem
as rosas de Paestum duas vezes no ano. Não
mais jogarás com o tempo o jogo do homem de
Teos; mas, sendo tu ignorante da murta e da
videira, carregarás contigo tua mortalha na
terra, como faz em Meca um muçulmano.
— Morella! — gritei. — Morella, como
sabes disso?
Mas ela virou o rosto sobre o travesseiro e
um leve tremor percorreu seus membros; ela
morreu, e eu não mais ouvi a sua voz.
No entanto, tal como ela havia predito, seu
rebento — o rebento que, ao morrer, ela dera à
luz, e que não começou a respirar até que a mãe
deixasse de fazê-lo — nasceu. Era uma menina.
E ela cresceu insolitamente; estranhamente
evoluiu em intelecto, e era a perfeita
semelhança daquela que havia partido; eu lhe
devotei um amor mais fervoroso do que eu
acreditava ser possível sentir por qualquer
habitante da terra.
Mas, em pouco tempo, o céu dessa pura
afeição entenebreceu, e a escuridão, o horror e a
aflição varreram-na em nuvens. Já disse que a
criança cresceu estranhamente em estatura e
inteligência. Singular, de fato, foi seu rápido
aumento no tamanho corporal, mas terríveis —
oh, terríveis! — eram os pensamentos
tumultuosos que se apoderavam de mim
enquanto eu lhe observava o desenvolvimento
intelectual. Poderia ser de outra forma, se eu
descobria, dia a dia, nas concepções da criança,
a potência e faculdades adultas da mulher? Se
as lições da experiência se desprendiam dos
seus lábios de criança? Se eu via, a cada hora, a
sabedoria ou as paixões da maturidade
reluzindo em seu amplo e especulativo
olhar? Como digo, tudo isso se tornou tão
evidente para meus sentidos apavorados que eu
não pude mais escondê-lo de minha alma e,
menos ainda, furtá-lo à minha percepção
estarrecida. Assim, como seria possível
estranhar que uma suspeita de natureza
assustadora e excitante se insinuasse em meu
espírito, ou que os meus pensamentos se
voltassem, espantados, para os contos
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selvagens e as emocionantes teorias da
sepultada Morella? Arranquei à curiosidade do
mundo um ser que o destino me compeliu a
adorar e, no rigoroso isolamento de meu lar,
observei, com atroz ansiedade, tudo o que dizia
respeito à minha amada criatura.
E, à medida que os anos passavam, eu
contemplava, dia após dia, o seu rosto santo,
suave e eloquente, e a via crescer. Descobri,
então, novos pontos de semelhança entre a
criança e sua mãe, entre a criança melancólica e
a morta. E, cada vez mais, essa nuvem de
semelhança se tornava mais espessa e completa,
mais
definida,
mais
inquietante
e
assustadoramente terrível em todos os seus
aspectos. Que o sorriso da menina fosse como o
da mãe, eu podia suportar, mas prontamente
aquela perfeita identidade me fazia estremecer.
Que seus olhos fossem iguais aos de Morella, eu
também suportaria; mas eles mergulhavam,
frequentemente, nas profundezas de minha
alma com o intenso e desconcertante
pensamento da própria Morella. E no contorno
de sua fronte alta, nos cachos de seus cabelos
sedosos, nos dedos pálidos que ela enterrava
nas madeixas, na triste entonação melódica de
sua voz e, acima de tudo — oh, acima de tudo!
—, nas frases e expressões da mulher morta
sobre os lábios da minha amada — da viva —,
alimentava-se
o
terrível
pensamento
devorador, o verme que se recusava a morrer.
Assim se passaram dois lustros de sua
vida, e a minha filha permanecia sem nome
sobre a terra. “Minha filha” e “meu amor” eram
as designações geralmente provocadas pela
minha afeição de pai, e a rígida reclusão de sua
existência impedia todas as outras. O nome de
Morella havia morrido com ela. Nuca falei da
mãe à filha; era-me impossível falar-lhe. Na
verdade, durante o breve período de sua
existência, a criança não recebera quaisquer
impressões do mundo exterior, exceto as que
poderiam ser proporcionadas pelos estreitos
limites de sua privacidade.
Mas, finalmente, a cerimônia do batismo
apresentou-se ao meu espírito, naquele estado
de nervosismo e agitação, como a iminente
libertação dos terrores de meu destino. E, na pia
batismal, hesitei na escolha de nome. E vários
nomes que evocavam sabedoria e beleza, dos
tempos antigos e modernos, de minha própria
terra e de terras estrangeiras, cumularam-se em
meus lábios, assim como muitos outros que
inspiravam a nobreza, a felicidade e a bonomia.
O que me levou, então, a perturbar a memória
da morta enterrada? Que demônio me incitou a
suspirar aquele nome, cuja tão só lembrança
fazia refluir o meu sangue púrpura em
torrentes, das têmporas ao coração? Que
demônio falou do fundo de minha alma,
quando em meio àqueles corredores sombrios e
no silêncio da noite, sussurrei aos ouvidos do
homem santo as sílabas “Morella”? Que ente
mais que demoníaco retorceu as feições de
minha filha, e as cobriu com tons da morte
quando, estremecendo àquele nome quase
inaudível, ela voltou seus límpidos olhos para o
céu, e, caindo prostrada sobre as negras lousas
de nossa cripta ancestral, respondeu:
— Eis-me aqui!
Estas simples e breves palavras caíram,
calma e friamente distintas, em meus ouvidos,
e dali, como chumbo derretido, escorreram,
sibilando, por meu cérebro adentro. Os anos
podem passar, mas as lembranças daquele dia,
jamais! Certamente, eu não ignorava as flores e
a videira; mas o abeto e o cipreste lançaram as
suas sombras sobre mim noite e dia. Perdi a
noção de tempo e lugar, e as estrelas de meu
destino desvaneceram no céu; desde então, a
terra entenebreceu e as suas figuras passavam
por mim como sombras esvoaçantes, e, dentre
todas, eu só enxergava uma: Morella! Os ventos
do firmamento suspiravam apenas um nome
em meus ouvidos, e as ondas do mar
murmuravam eternamente: Morella! Mas ela
morreu; e, com minhas próprias mãos, levei-a
ao sepulcro; e ri com um riso amargo e
prolongado quando não descobri, na cripta em
que sepultei a segunda, quaisquer vestígios da
primeira Morella.
Tradução de Paulo Soriano.
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MORELLA
Edgar Allan Pöe (1809 – 1849)
El mismo, por sí mismo únicamente,
eternamente uno, y solo. (Platón, Symposium)
Le
tenía a Morella un sentimiento de
profundo y singular afecto. Habiéndola
conocido casualmente hace muchos años, mi
alma, desde nuestro primer encuentro, ardió
con un fuego que no había conocido; pero no
era ese fuego el de Eros, y representó para mi
espíritu un tormento la convicción de que no
podría definir su insólito carácter ni regular su
vaga intensidad. Sin embargo, nos tratamos, y
el destino nos unió ante el altar; jamás hablé de
pasión, ni pensé en el amor. Ella, aun así, huía
de la sociedad, y dedicándose a mí, me hizo
feliz. Asombrarse es una felicidad, y una
felicidad es soñar.
La erudición de Morella era profunda.
Como espero mostrar, sus aptitudes no eran
comunes, y su poder mental era gigantesco. Lo
percibí, y en muchos puntos fui su discípulo.
No obstante, pronto comprendí que, quizá a
causa de haberse educado en Pressburgo me
enseñaba un gran número de esos libros
místicos que se consideran generalmente como
la (simple) escoria de la literatura alemana. Esas
obras constituían su estudio favorito y
constante, y si en el transcurso del tiempo llegó
a ser el mío también, hay que atribuirlo a la
simple, pero eficaz influencia del hábito y del
ejemplo.
Mis convicciones no estaban en modo
alguno basadas en el ideal, y no se descubría, a
menos que me equivoque por completo, ningún
matiz del misticismo de mis lecturas, ya fuese
en mis actos o ya fuese en mis pensamientos.
Persuadido de esto, me abandoné sin
reserva al criterio de mi esposa, y me adentré
con ánimo resuelto en el laberinto de sus
estudios. Y sumergiéndome entonces en
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páginas terribles, sentía que un espíritu
aborrecible se encendía dentro de mí — venía
Morella a colocar su mano fría en la mía, y
hurgando las cenizas de una filosofía muerta,
extraía de ellas algunas graves y singulares
palabras que, dado su extraño sentido, ardían
por sí mismas sobre mi memoria. Y entonces,
hora tras hora, permanecía al lado de ella,
sumiéndome en la música de su voz, hasta que
su melodía se infestaba de terror, y una sombra
caía sobre mi alma, y yo palidecía, y me
estremecía interiormente ante aquellos tonos
sobrenaturales. Y así, el gozo se desvanecía en
el horror, y lo más bello se tornaba horrendo,
como Hinnom se convirtió en Gehena.
Resulta innecesario expresar el carácter
exacto de estas disquisiciones que, surgidas de
los
volúmenes
que
he
mencionado,
constituyeron durante tanto tiempo casi el
único tema de conversación entre Morella y yo.
Los entendidos de lo que se puede llamar moral
teológica las comprenderán fácilmente, y los
ignorantes poco entenderían. El vehemente
panteísmo de Fichte, la palingenesia
modificada de los pitagóricos, y por encima de
todo, las doctrinas de la identidad tal como las
presenta Schelling, solían ser los puntos de
discusión que ofrecían mayor belleza a la
imaginativa Morella. Esta identidad llamada
personal, la define con precisión míster Locke,
creo, diciendo que consiste en la cordura del ser
racional. Y como por persona entendemos una
esencia inteligente, dotada de razón, y como
hay una conciencia que acompaña siempre al
pensamiento, es esta la que nos hace a todos ser
eso que
llamamos
nosotros mismos,
diferenciándonos así de otros seres pensantes y
dándonos nuestra identidad personal. Pero el
principium individuationis —la noción de esa
identidad que en la muerte se pierde o no para
siempre— fue para mí en todo tiempo un
asunto de intenso interés, no sólo por la
naturaleza pasmosa y emocionante de sus
consecuencias, sino por la manera especial y
agitada como las mencionaba Morella.
Pero realmente llegó un momento en que el
misterio del carácter de mi esposa me oprimía
como un hechizo. No podía soportar por más
tiempo el contacto de sus pálidos dedos, ni el
tono profundo de su palabra musical, ni el brillo
de sus melancólicos ojos. Y ella sabía todo eso,
pero no me lo reprochaba.
Parecía tener conciencia de mi debilidad o
de mi locura, y sonriendo, las llamaba el
Destino. Parecía también tener conciencia de la
causa, para mí desconocida, de aquel gradual
desapego; pero no me daba explicación alguna
ni aludía a su naturaleza. Sin embargo, era ella
mujer, y languidecía por días. Con el tiempo, la
mancha roja se fijó definitivamente sobre sus
mejillas, y las venas azules de su pálida frente
se hicieron prominentes. Llegó un instante en
que mi naturaleza se deshacía en compasión;
pero al siguiente encontraba yo la mirada de sus
ojos pensativos, y entonces mi alma se sentía
mal y experimentaba el vértigo de quien tiene la
mirada sumida en algún aterrador e insondable
abismo.
¿Diré que anhelaba ya con un deseo
fervoroso y devorador el momento de la muerte
de Morella? Así fue; pero el frágil espíritu se
aferró en su envoltura de arcilla durante
muchos días, muchas semanas y muchos meses
tediosos, hasta que mis nervios torturados
lograron triunfar sobre mi mente, y me sentí
enfurecido por aquel retraso, y con un corazón
demoníaco, maldije los días, las horas, los
minutos amargos, que parecían alargarse y
alargarse a medida que declinaba aquella
delicada vida, como sombras en la agonía de la
tarde.
Pero una noche de otoño, cuando
permanecía quieto el viento en el cielo, Morella
me llamó a su lado. Había una oscura bruma
sobre toda la tierra, y subía un cálido
resplandor sobre las aguas, y entre el rico follaje
de la selva de octubre, hubiérase dicho que caía
del firmamento un arco iris.
—Éste es el día de los días —dijo ella,
cuando me acerqué—; un día entre todos los
días para vivir o morir. Es un día hermoso para
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los hijos de la tierra y de la vida, ¡ah, y más
hermoso para las hijas del cielo y de la muerte!
Besé su frente, y ella prosiguió:
—Voy a morir, y a pesar de todo, viviré.
—¡Morella!
—No han existido nunca días en que
hubieses podido amarme; pero a la que
aborreciste en vida la adorarás en la muerte.
—¡Morella!
—Repito que voy a morir. Pero hay en mí
una prenda de ese afecto, ¡ah, cuan pequeño!,
que has sentido por mí, por Morella. Y cuando
parta mi espíritu, el hijo vivirá, el hijo tuyo, el
de Morella. Pero tus días serán días de dolor, de
ese dolor que es la más duradera de las
impresiones, como el ciprés es el más duradero
de los árboles. Porque han terminado las horas
de tu felicidad, y no se cosecha la alegría dos
veces en una vida, como las rosas de Paestum
dos veces en un año. Tú no jugarás ya con el
tiempo el juego del Teyo; pero, siéndote
desconocidos el mirto y el vino, llevarás contigo
sobre la tierra tu sudario, como hace el
musulmán en la Meca.
—¡Morella! —exclamé— ¡Morella! ¿Cómo
sabes esto?
Pero ella volvió su rostro sobre la
almohada, un leve temblor recorrió sus
miembros, y ya no oí más su voz.
Sin embargo, como había predicho ella, su
hijo —a quien había dado a luz al morir, y que
no respiró hasta que cesó de alentar su madre
—, una niña, vivió. Y creció extrañamente en
estatura y en inteligencia, y era de una
semejanza perfecta con la desaparecida, y la
amé con un amor más ferviente del que creí me
sería posible sentir por ningún habitante de la
Tierra.
Pero, antes de que pasase mucho tiempo,
se ensombreció el cielo de aquel puro afecto, y
la tristeza, el horror, la aflicción, pasaron
veloces como nubes. He dicho que la niña creció
extrañamente en estatura y en inteligencia.
Extraño, en verdad, fue el rápido crecimiento de
su cuerpo; pero terribles, ¡oh, terribles!, fueron
los tumultuosos pensamientos que se
amontonaron en mí mientras espiaba el
desarrollo de su inteligencia. ¿Cómo podía ser
de otra manera, cuando descubría yo a diario en
las ideas de la niña las capacidades de un adulto
y las facultades de la mujer, cuando las
lecciones de la experiencia se desprendían de
los labios de la infancia y cuando veía a cada
hora la sabiduría o las pasiones de la madurez
centellear en sus grandes y pensativos ojos?
Como digo, cuando apareció evidente todo eso
ante mis sentidos aterrados, cuando no le fue ya
posible a mi alma ocultárselo más, ni a mis
facultades estremecidas rechazar aquella
certeza, ¿cómo puede extrañar que unas
sospechas de naturaleza espantosa y
emocionante se deslizaran en mi espíritu, o que
mis pensamientos derivaran, despavoridos,
hacia los cuentos extraños y las sobrecogedoras
teorías de la enterrada Morella?
Arranqué a la curiosidad del mundo un ser
a quien el Destino me mandaba adorar, y en el
severo aislamiento de mi hogar, vigilé con una
ansiedad mortal cuanto concernía a la criatura
amada.
Y mientras los años transcurrían, y
mientras día tras día contemplaba su santo,
apacible, elocuente rostro, mientras examinaba
sus formas que maduraban, y descubría día tras
día nuevos puntos de semejanza en la hija con
su madre, la melancólica y la muerta. Y a cada
hora aumentaban aquellas sombras de
semejanza, más plenas, más definidas, más
inquietantes y más atrozmente terribles en su
aspecto. Pues que su sonrisa se pareciese a la de
su madre podía yo soportarlo, luego me hiciera
estremecer ante aquella identidad demasiado
perfecta; que sus ojos se pareciesen a los de
Morella podía soportarlo, pero es que, además,
penetraban harto a menudo en las
profundidades de mi alma con el intenso e
impresionante pensamiento de la propia
Morella. Y en el contorno de su alta frente, en
los bucles de su sedosa cabellera, en sus pálidos
dedos que se sepultaban dentro de ella, en el
triste tono bajo y musical de su voz, y por
encima de todo (¡oh, por encima de todo!) en las
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EDICIÓN ESPECIAL
JUL/2021
EDIÇÃO ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
frases y expresiones de la muerta en labios de la
amada, de la viva, encontraba yo pasto para un
horrendo pensamiento devorador, para un
gusano que no quería perecer.
Así pasaron dos lustros de su vida, y hasta
ahora mi hija permanecía sin nombre sobre la
tierra. Hija mía y amor mío eran las
denominaciones dictadas por el afecto paterno,
y el severo aislamiento de sus días impedía toda
relación. El nombre de Morella había muerto
con ella. No hablé nunca de la madre a la hija;
me era imposible hacerlo. En realidad, durante
el breve período de su existencia, no había
recibido ninguna impresión del mundo
exterior, excepto las que le hubieran
proporcionado los estrechos límites de su retiro.
Pero, por último, se ofreció a mi mente la
ceremonia del bautismo en aquel estado de
desaliento y de excitación, como la presente
liberación de los terrores de mi destino. Y ante
la pila bautismal dudé respecto al nombre. Y se
agolparon en mis labios muchos nombres de
sabiduría y belleza, de los tiempos antiguos, y
de los modernos, de mi país y de los países
extranjeros, con otros muchos, muchos
delicados de nobleza, de felicidad y de bondad.
¿Qué me impulsó entonces a agitar el recuerdo
de la muerta enterrada? ¿Qué demonio me
incitó a musitar aquel sonido cuyo recuerdo real
hacía refluir mi sangre a torrentes desde las
sienes al corazón? ¿Qué espíritu perverso habló
desde lo más recóndito de mi alma, cuando,
entre aquellos oscuros corredores, y en el
silencio de la noche, musité al oído del santo
hombre las sílabas Morella? ¿Qué ser más
demoníaco retorció las facciones de mi hija, y
los cubrió con el matiz de la muerte cuando
estremeciéndose ante aquel nombre apenas
audible, volvió sus límpidos ojos desde el suelo
hacia el cielo, y cayendo arrodillada sobre las
losas negras de nuestra cripta ancestral,
respondió: ¡Aquí estoy!?
Estas simples y cortas palabras cayeron
precisas, fríamente precisas, en mis oídos, y
desde allí, como plomo fundido, se precipitaron
silbando en mi cerebro. Años, años enteros
pueden pasar; pero el recuerdo de esa época,
¡jamás! No desconocía yo, por cierto, las flores y
la vid; pero el abeto y el ciprés proyectaron su
sombra sobre mí noche y día. Y perdí toda
noción de tiempo o de lugar, y se desvanecieron
en el cielo las estrellas de mi destino, y desde
entonces se ensombreció la tierra, y sus figuras
pasaron junto a mí como sombras fugaces, y
entre ellas sólo vi una: Morella. Los vientos del
firmamento suspiraban un único sonido en mis
oídos, y las olas en el mar murmuraban
eternamente: Morella. Pero ella murió, y con
mis propias manos la llevé a la tumba; y reí con
una carcajada larga y amarga al no encontrar
vestigios de la primera Morella en la cripta
donde enterré la segunda.
Traducción de autor desconocido.
Texto de dominio público.
Fuente: Portal Domínio Público (BR).
Revisión de Ricardo Manzanaro.
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EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
A MÃO FECHADA
Farnsworth Wright (1888-1940)
Solitária,
a casa erguia-se como um
fantasma através das árvores desbotadas, que
pareciam estremecer ao toque de suas paredes.
O verde musgo da decomposição jazia nos seus
telhados úmidos, e as janelas, inseridas em
cavidades profundas, olhavam cegamente para
o mundo como que através de órbitas vazias. O
seu aspecto era tão aterrador que as crianças, ao
aproximarem-se dela, deixavam de assobiar e
de rir e passavam ao outro lado da rua.
No outro lado do campo, algumas cabanas
amontoadas olhavam através da chuva, como
se perguntassem qual família poderia ser
corajosa bastante a se instalar entre as sombrias
paredes daquela velha mansão, que permanecia
desabitada há, pelo menos, dois anos.
Num quarto do sótão da casa, duas irmãs
conservavam-se na cama, mas não dormiam. A
irmã mais nova encolheu-se sob o pavor
inspirado pelo lugar. A mais velha riu daqueles
temores, mas a mais nova sentiu o feitiço do
velho edifício e teve medo.
— Suponho que nada há que realmente me
assuste nesta triste casa velha — admitiu ela,
sem muita convicção em sua voz —, mas a
sensação que ela me causa é horrível. Mamãe
não nos devia ter deixado sozinhas neste lugar
horrível.
— Estúpida! — repreendeu a irmã. — Com
toda a prataria do andar de baixo, alguém tem
de estar aqui por causa dos ladrões.
— Oh, não fale de ladrões! — suplicou a
menina mais nova. — Estou com medo.
Continuo a imaginar que ouço os passos de um
fantasma, muito perto.
— Vá dormir, Goosie! — disse a mais velha.
— As casas assombradas não passam de
superstições. Eles existem apenas na
imaginação.
— Então, por que é que ninguém mora aqui
há dois anos? Disseram-me que, num espaço de
cinco anos, todas as famílias se mudaram
depois de ficarem aqui por pouco tempo. Toda
a atmosfera desta casa é horrível. E não posso
me esquecer de como a garota de Berkheim foi
encontrada esfaqueada até a morte, e ninguém
nunca soube como isso aconteceu. Ela pode ter
sido assassinada neste mesmo quarto!
—Vá dormir e não se assuste falando essas
coisas. Mamãe estará conosco amanhã à noite e
papai estará de volta no dia seguinte. Agora, vá
dormir.
A irmã mais velha logo adormeceu, mas a
pequena permanecia deitada com os olhos
abertos, fitando o quarto escuro, e
estremecendo a cada ruído sufocado do vento
ou grunhido distante do trovão. Começou a
contar, na esperança de hipnotizar a si mesma,
mas a cada pequeno ruído se sobressaltava e
perdia a conta.
De repente, ela virou-se e sacudiu a irmã
pelo ombro.
— Edith, alguém está nas escadas! —
sussurrou. — Ouça!
A irmã mais velha acendeu um fósforo. A
chama de uma vela iluminou palidamente o
lugar. Depois, vestiu um roupão e calçou os
chinelos.
—Não vá! Edith, diga-me que não vai
descer. Talvez seja a moça de Berkheim
assassinada! Edith, não...
Edith lançou um fulminante olhar de
desprezo à sua irmã, que jazia na cama com o
rosto pálido e os olhos muito abertos.
— Há algo se mexendo lá embaixo, e eu
vou descobrir o que é — disse ela.
Pegando a vela, ela saiu do quarto. A sua
irmã permanecia deitada na escuridão, ouvindo
o tamborilar da chuva no telhado e aplicando os
ouvidos para captar o menor som. O ruído no
andar de baixo cessou, mas o vento encrespou e
a chuva golpeou o telhado em rajadas tão
repentinas e furiosas que fizeram o seu coração
saltar violentamente.
Passaram-se dez minutos, vinte minutos, e
Edith não havia regressado.
Uma porta bateu e a irmã mais nova
pensou ter ouvido algo se movendo novamente,
mas o vento começou a soluçar e a abafar todos
os demais ruídos. Entre rajadas, ela ouviu o som
portentoso. Parecia cada vez mais próximo.
Então, percebeu que algo subia as escadas.
Pensou ter ouvido um grito abafado. O
vento juntou-se a essa voz lastimosa num dueto
estranho.
Mais e mais próximo se escutava agora o
estranho ruído. Galgava as escadas, passo a
passo, e crescia à medida que o vento e a chuva
arrefeciam as suas vozes. Passou o primeiro
patamar e subiu lentamente o segundo,
enquanto a menina, apavorada, esperava pela
sua chegada.
O vento uivou até que a casa inteira
estremeceu; passou pelo beiral e fugiu pelos
campos como um fantasma em fuga. E o pulsar
do coração da menina abafou os gritos do vento,
pois a presença estava agora no seu quarto.
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EDIÇÃO ESPECIAL
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EDICIÓN ESPECIAL
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Ela se encolheu sob os lençóis e uma fria
transpiração regelou-lhe o corpo. A sua
imaginação evocava coisas terríveis: um
espírito incorpóreo vinha para destruí-la — um
cadáver saído da sepultura, com terra no rosto
— a moça assassinada de Berkheim, com a faca
ainda enterrada no coração — ou talvez algum
animal selvagem, lambendo os lábios em ávida
antecipação da festa que o seu corpo trêmulo
iria proporcionar. Ou seria um assassino que,
depois de ter matado a sua irmã, decidira-se a
completar o seu trabalho sangrento?
Um raio rasgou o céu, e um trovão emitiu
o seu terrível aviso. A menina atirou para trás a
roupa de cama e se encolheu contra a parede,
com os olhos prestes a saltar-lhe das órbitas,
temerosa de que outro raio revelasse algo
horrível demais para ser visto.
Lentamente, o ser se arrastou pelo chão,
deslizou sobre a cama e emitiu um sonido de
agonia.
A menina sentou-se, petrificada. Depois,
timidamente, estendeu uma mão trémula, mas
rapidamente a retirou, temendo algum contato
hediondo.
Novamente, empurrou a sua mão trêmula
para a escuridão, cada vez mais, até que tocou
em algo peludo e úmido.
Uma mão úmida fechou-se sobre a dela, e
a jovem se ergueu com um grito horrorizado na
garganta.
Uma mão gelada apertou a sua com um
tremor horripilante e arrastou-a para baixo.
Então os seus sentidos torturados cederam, e ela
caiu inconsciente na cama.
Quando acordou, já era dia. Ao seu lado, na
cama, estava o corpo ensanguentado da sua
irmã Edith, esfaqueada no peito pelo ladrão que
ela tentara afugentar.
A mais nova segurava as mechas
coaguladas de cabelos que caíam sobre o peito
da irmã, cuja mão fria se fechara sobre a sua no
último estremecimento convulsivo da morte.
Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução
espanhola de Sebastián Beringheli.
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LA MANO CERRADA
Farnsworth Wright (1888-1940)
Solitaria, la casa se veía como un espectro
a través de árboles desgarbados que parecían
estremecerse por el contacto con sus muros. El
verde musgo de la descomposición yacía sobre
sus techos húmedos, y las ventanas, insertadas
en profundas cavidades, miraban ciegamente al
mundo como a través de cuencas sin ojos. Su
aspecto era tan aterrador que los niños, al
acercarse, dejaban de silbar y de reír y cruzaban
al otro lado de la calle.
Al otro lado del campo, unas cuantas
cabañas acurrucadas miraban a través de la
lluvia, como si se preguntaran qué familia
podría ser tan valiente como para establecerse
dentro de las sombrías paredes de esa vieja
mansión, que durante dos años, al menos, había
estado inhabitada.
En una habitación del ático de la casa, dos
hermanas yacían en la cama, pero no dormidas.
La hermana menor se encogió bajo el temor
inspirado por el lugar. La anciana se rio de sus
temores infantiles, pero la menor sintió el
hechizo del antiguo edificio y tuvo miedo.
—Supongo que realmente no hay nada que
me asuste en esta vieja y triste casa —admitió,
sin demasiada convicción en su voz—, pero la
sensación que me produce es horrible. Madre
no debería habernos dejado solos en este
horrible lugar.
—Estúpida —la regañó su hermana—, con
todos los cubiertos abajo, alguien tiene que estar
aquí, por miedo a los ladrones.
—¡Oh, no hables de ladrones! —suplicó la
niña más joven—. Tengo miedo. Sigo
imaginando que oigo los pasos de un fantasma,
muy cerca.
—Ve a dormir, Goosie —dijo la más
grande—. Las casas embrujadas no son más que
supersticiones. Existen solo en la imaginación.
—¿Entonces por qué nadie ha vivido aquí
por dos años? Me dicen que durante cinco años
todas las familias se mudaron después de estar
aquí por poco tiempo. Toda la atmósfera de la
casa es horrible. Y no puedo olvidar cómo la
vieja Berkheim fue encontrada apuñalada hasta
la muerte, y nadie supo cómo sucedió. ¡Puede
que la hayan asesinado en esta misma
habitación!
—Ve a dormir y no te asustes hablando del
tema. Mamá estará con nosotras mañana por la
noche y papá volverá al día siguiente. Ahora ve
a dormir.
La hermana mayor pronto se durmió, pero
la pequeña yacía acostada con los ojos abiertos,
mirando hacia la habitación negra y
estremeciéndose ante cada ruido sofocado por
el viento o el lejano gruñido de un trueno. Ella
comenzó a contar, con la esperanza de
hipnotizarse a sí misma, pero ante cada
pequeño sonido se sobresaltaba, y perdió la
cuenta.
De repente, se volvió y sacudió a su
hermana por el hombro.
—¡Edith, alguien está en las escaleras! —
susurró—. ¡Escucha!
La hermana mayor encendió una cerilla. La
llama de una vela iluminó pálidamente el lugar.
Luego se puso una bata y sus pantuflas.
—No vayas. Edith, dime que no vas a bajar.
Quizás sea la chica de Berkheim asesinada,
Edith, no...
Edith lanzó una mirada de desprecio,
fulminante, a su hermana, que yacía en la cama
con la cara pálida y los ojos muy abiertos.
—Hay algo moviéndose abajo, y voy a
averiguar qué es —dijo.
Tomando la vela, ella salió de la habitación.
Su hermana menor yacía en la oscuridad,
escuchando el golpeteo de la lluvia en el techo
y agudizando los oídos para captar el más
mínimo sonido. El ruido de abajo cesó, pero el
viento se levantó y la lluvia golpeó el techo en
repentinas ráfagas furiosas que hicieron que su
corazón saltara violentamente.
Pasaron diez minutos, veinte minutos, y
Edith no había regresado.
Una puerta se cerró de golpe y la joven
pensó que algo se movía de nuevo, pero el
viento comenzó a sollozar y ahogaba todos los
demás ruidos. Entre ráfagas, escuchó el sonido
portentoso. Cada vez parecía más cercano.
Entonces, se dio cuenta de que algo subía las
escaleras.
Creyó oír un grito ahogado. El viento se
unió a esa voz lastimera en un tono extraño.
Más y más cerca se escuchaba ahora el
extraño ruido. Subía las escaleras, paso a paso,
y crecía cuando el viento y la lluvia suavizaban
sus voces. Pasó el primer rellano y subió
lentamente el segundo, mientras la niña
esperaba con temor su llegada.
El viento aulló hasta que la casa entera se
agitó; pasó junto a los aleros y huyó por los
campos como un fantasma cazado. Y los latidos
de la niña ahogaban los gritos del viento,
porque la presencia ahora estaba en su
habitación.
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Ella se encogió debajo de las sábanas, una
transpiración fría le recorrió el cuerpo. Su
imaginación evocaba cosas espantosas: un
espíritu incorpóreo venía a destruirla, un
cadáver de la tumba, con tierra en la cara, la
niña asesinada de Berkheim, con el cuchillo aún
ensartado en su corazón, o alguna bestia salvaje,
quizás, lamiéndose los labios en codiciosa
anticipación del festín que le proporcionaría su
cuerpo tembloroso. ¿O sería acaso un asesino
que, después de haber matado a su hermana, se
proponía completar su sangriento trabajo?
Un destello de relámpago partió el cielo, y
el trueno gritó su aterradora advertencia. La
chica echó hacia atrás la ropa de cama y se
encogió contra la pared, con los ojos a punto de
salírsele de las órbitas, temerosa de que otro
destello revelara algo demasiado horrible para
contemplar.
Lentamente, el ser se arrastró por el suelo,
se deslizó sobre la cama y emitió un sonido de
agonía.
La niña se sentó, petrificada. Luego,
tímidamente, extendió una mano temblorosa,
pero rápidamente la retiró temiendo algún
contacto horrible.
Nuevamente empujó su mano temblorosa
hacia la penumbra, más y más, hasta que tocó
algo peludo y húmedo.
Una mano húmeda se cerró sobre la de ella,
y la joven se puso de pie, con un grito
horrorizado en la garganta.
La mano helada se tensó con un temblor
repugnante y la arrastró hacia abajo. Entonces
sus sentidos torturados cedieron, y cayó
inconsciente sobre la cama.
Cuando despertó era de día. Al lado de
ella, en la cama, yacía el cuerpo sangrante de su
hermana, Edith, apuñalada en el pecho por el
ladrón que había tratado de ahuyentar.
La más joven trataba de despejar del rostro
de su hermana de los mechones de cabello
coagulados, cuya mano gélida se había cerrado
sobre la de ella en el último estremecimiento
convulsivo de la muerte.
Tradución de Sebastián Beringheli.
Fuente: El Espejo Gótico.
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ASSASSINO?
Bernardo Couto Castillo (1878 – 1901)
Para Ciro B. Ceballos
Silvestre Abad, assassino, contava a seus
amigos algumas de suas proezas. Seus olhos
injetados assumiam diversas expressões, de
acordo com a narrativa. Eis o que ele, com voz
agitada, dizia:
— Somente uma vez, uma única vez, senti
prazer em matar. E aconteceu tão rápido, tão
brevemente, que às vezes acho que foi um
sonho.
Eu era, então, muito jovem e nunca havia
matado. Há dias que eu vagava em busca de
trabalho, mendigando um pedaço de pão,
arrastando-me, molhado de chuva, tostado pelo
Sol, morto de fadiga e trazendo na alma uma
destas raivas que inspiram tentações de
destroçar tudo quanto se vê e esfaquear todos
quanto passam. Caminhava pensando em toda
negrura de minha sorte, no miserável que eu
era. Feio, de uma fealdade horripilante. Desde
menino, os homens apontavam para mim,
rindo, e, para assustar as crianças, ameaçavamnas com a minha presença. Uma mulher?
Ignoro o que possa ser. Nem por dinheiro me
quiseram. Eu lhes causo asco, provoco-lhes
repugnância e, em todos os lugares, as mulheres
me rechaçam.
Naquele dia, já era tarde. O campo se
estendia ao meu redor: grande, imenso, cheio
de árvores, de plantas e de espigas, exuberante
de vida, proclamando a abundância e a riqueza.
E eu morria de fome.
Não recordo o que aconteceu depois, nem
para onde fui. Sim, creio que andei muito e
parei, muito cansado, em uma rua da vila onde
todos dormiam. Era uma rua estreita, silenciosa
e iluminada pelo lampião pendente de um fio.
Eu me sentia cansado, muito cansado e com
fome. Aproximei-me do lampião, esperando o
primeiro transeunte para assassiná-lo, para
roubá-lo e comer alguma coisa.
Ninguém passava. Tudo estava em silêncio
e eu não tinha forças para dar um passo.
Apoiado na parede, contemplava a chama
movediça do lampião e, para mim mesmo,
murmurava maldições. Os outros tinham casa,
comida boa, calor nas noites frias. Tinham
família, esposa, filhos. Eu não comia há três
dias, não tinha no mundo mãe, irmãos ou
amigos. Ao entrar nos lugarejos, os cães se
lançavam contra mim para morder-me e as
crianças fugiam quando me viam. A mim
faltava-me tudo, eu nunca conhecera um
prazer, e minhas mãos nunca tinham tocado um
objeto bonito.
Chegou a mim, não sei de onde, uma
música que se escutava com recolhimento, tal
como eu ouvia, quando era menino, durante o
pouco tempo em que tive mãe, o órgão da igreja
quando se elevava a hóstia. Eu escutava,
escutava deliciado... Pensem: deve ser tão lindo
ter nas noites uma mulher que faça música,
enquanto se descansa numa boa poltrona ao
abrigo do frio! E eu continuava escutando e
pensava em mil coisas, esquecendo a fome e os
desejos criminosos.
Uma porta se abriu. Vi avançar um
pequeno vulto que, quando se aproximou de
mim, nele reconheci uma menininha. Levava
nas mãos um cesto e avançava lentamente, sem
medo e, inocentemente, sem qualquer noção do
perigo.
A luz do lampião incidia sobre o seu
pequeno, muito branco, muito suave e muito
fino pescoço. Eu nunca tivera em minhas mãos
um destes pequerruchos que fazem a delícia
dos outros, dos afortunados, dos bemaventurados deste mundo.
Meus pés me conduziram a ela
instintivamente. Virei o rosto para a criança e
quis sorrir; mas, quando eu sorrio, o que resulta
é um gesto que mais ainda repugnante torna a
minha fealdade. Compreendi isto, mas, apesar
de meus esforços, não consegui afastar-me.
Sentia o desejo de tocá-la, de sentir o contato de
seus bracinhos, de tê-la em minhas mãos por
um momento, como se fosse minha. Levantei-a
em meus braços. Ela quis gritar, mas o espanto
impediu o seu grito. Trouxe-a para perto do
lampião. Como era linda! Como era branca,
branca como a luz, como as flores. Tinha os
cabelos dourados e deixava adivinhar um
sorriso, como dever ser o dos anjos. Em seu
terror, era bela, e seus olhos grandes, muito
abertos, miravam-me assustados. Depois, leveia aos meus lábios, mas as pontas crispadas e
sujas de minhas barbas machucaram o seu
rosto. Então, ela gritou, enquanto golpeava o
meu ventre com seus pés.
Eu ia deixá-la, deixá-la, ficando triste como
nunca!
Jamais poderia acariciar uma criança. Ia
deixá-la, mas a luz do lampião incidiu em cheio
sobre o seu pescoço macio e fino. Experimentei,
então, o afã de estreitá-la, de tocá-la e sentir
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mais uma vez o contato de sua suavíssima pele.
Desde então, tenho sentido muitos desejos, mil
vezes tenho querido apoderar-me de alguma
coisa; mas nunca a tentação foi tão forte, tão
imperiosa, tão irresistível quanto naquele dia.
Não conseguindo dominar-me, cedi e a
acariciei, sentindo um estranho prazer ao
passar, várias vezes, minha mão áspera e calosa
por seu pescoço liso como uma luva. Ela estava
muda de pavor. Seus olhinhos se abriam cada
vez mais, cresciam, e me olhavam
aterrorizados. Mas eu não podia, era-me
impossível decidir por deixá-la, então
continuava a passar minha mão sobre a sua
pele. Depois, apertei um pouco, não
procurando
machucar,
mas
apenas
experimentar em meus dedos a morna maciez
que nunca havia sentido. Apertava e afrouxava,
sentindo um inefável prazer.
A música cessou. Ouvi o ruído de uma
porta se abrindo e tive medo — ou melhor, senti
ter que deixar a menininha. Aquele pequeno
pescoço branco! Aquela suavidade sob meus
dedos. Aquele prazer! Ter de deixá-los para
fugir, para continuar a caminhada, o mendigar
e nada receber... Mas, ao mesmo tempo,
continuava apertando, continuava apertando,
continuava apertando a pele e sentindo contra o
meu peito os arrebatados golpes de seu
coração... Os passos se aproximavam. Estavam
prestes a surpreender-me, a me encarcerarem
para sempre em uma prisão sem que eu
pudesse voltar a sentir aquele gozo! Minha mão
não mais se recrearia ao contato de um corpo
suave e macio.
Continuei a pressionar com ansiedade,
querendo, ao comprimir pela última vez, obter
toda a delícia que pudesse sentir apertando...
Senti seus músculos, uma calosidade e, como os
passos já estavam muito perto de mim, apertei
com todas as minhas forças, desejando sentir
sua
última
palpitação,
seu
último
estremecimento, desejando arrancar-lhe tantos
outros tremores de que dela poderia desfrutar,
enquanto nunca, nunca poderia sequer acariciála.
E senti este último estremecimento. Senti
que o frêmito percorreu todo o seu corpo, ao
passo em que o seu coração parava de bater. O
pescoço parecia um trapo. Esfriou... Uma mão
me agarrou. Mas eu, com um golpe seco, a
repeli, desvencilhando-me para lançar fora a
menina e fugir.
Ainda hoje sinto prazer quando sonho e
creio que estou a apertar, a comprimir-afrouxar.
Esta foi a única delícia de minha vida! Quando
vejo uma criança, sinto o impulso de arrojar-me
sobre ela e de roubá-la para levá-la sempre
comigo; e apertar o seu pescoço, afundar nele os
meus dedos. Sim — continuou, enquanto
levava um copo aos lábios —, foi uma grande
delícia... Apertar! Afundar os dedos! Sentir
aquela maciez estremecer. Agitar-se em
estremecimentos tão pequenos como o corpo
imóvel e os dedos apertando sempre, sempre!
Tradução de Paulo Soriano.
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¿ASESINO?
Bernardo Couto Castilho (1878 – 1901)
Silvestre
Abad, asesino, narraba a sus
amigos algunas de sus proezas. Sus ojos
inyectados tomaban expresiones varias, de
acuerdo con su narración. He aquí lo que con
agitada voz decía:
— Ha sido una sola vez, una sola, cuando
yo he gozado al matar… Y eso fue tan rápido,
tan breve, que a veces creo haber soñado.
Yo era entonces muy joven y nunca había
matado. Hacía muchos días que vagaba en
busca de trabajo, mendigando un pedazo de
pan, arrastrándome, mojado por la lluvia,
tostado por el sol, muerto de fatiga y llevando
en el alma una de esas rabias que inspiran
tentaciones de destrozar todo cuanto se ve y
acuchillar a cuantos pasan. Caminaba pensando
en toda la negrura de mi suerte, en todo lo
desgraciado que era; feo, de una fealdad
horripilante, desde chico los hombres me
señalaban riendo, y para asustar a los niños, los
amenazaban con mi presencia. ¿Una mujer?,
ignoro lo que pueda ser; ni por dinero me han
querido; les causo asco, les repugno y siempre
me han rechazado en todas partes.
Ese día era ya tarde. El campo se extendía
a mi alrededor grande, inmenso, lleno de
árboles, de plantas y de espigas, exuberante de
vida, proclamando la abundancia y la riqueza.
Yo me moría de hambre.
Después, no recuerdo con precisión lo que
pasó ni dónde fue. Sí, creo haber andado mucho
y haberme detenido muy cansado en una calle
del pueblo donde todos dormían. Una calle
angosta, silenciosa y alumbrada por el farol
pendiente de un alambre. Me sentía muy
cansado, muy cansado y con hambre; me
acerqué al farol esperando al primer transeúnte
para asesinarlo, para robarlo y comer algo.
Nadie pasaba, todo estaba en silencio y yo
no tenía fuerzas para dar un paso. Apoyado en
la pared, miraba la llama movediza del farol y
para mí murmuraba mil maldiciones. Otros
tenían casas, buenas comidas, calor en las frías
noches; otros tenían familia, esposa, hijos; yo no
había comido en tres días, no tenía en el mundo
ni madre, ni hermanos, ni amigos; al entrar en
los pueblos, los perros se lanzaban sobre mí
para morderme y los niños huían al verme; a mí
me faltaba todo, nunca había conocido un
placer y mis manos nunca habían tocado un
objeto hermoso.
Hasta mí llegó viniendo no sé de dónde la
música de un piano que se escuchaba con
Para Ciro B. Ceballos
recogimiento, como escuchaba cuando era niño,
durante el poco tiempo que tuve madre, el
órgano de la iglesia al levantarse la hostia. Yo
escuchaba, escuchaba con delicia… ¡Pensad,
debe ser tan hermoso tener en las noches una
mujer que haga música mientras se descansa en
un buen sillón al abrigo del frío! Y seguía
escuchando y pensaba en mil cosas,
olvidándome de mi hambre y de mis deseos
criminales.
Una puerta se abrió, vi avanzar un bulto
pequeño que cuando estuvo cerca de mí
reconocí ser una niña; en sus manos llevaba un
cesto y avanzaba lentamente, sin miedo, como
una inocente sin noción del peligro.
La luz del farol daba sobre su cuello, un
pequeño cuello muy blanco, muy suave y muy
fino. Yo nunca había tenido en mis manos uno
de esos nenes que forman la delicia de otros, de
los afortunados, de los bienaventurados de este
mundo.
Mis pies me llevaron a ella instintivamente,
volvió el rostro, quise sonreír, pero cuando yo
sonrío resulta un gesto que más repugnante
hace mi fealdad. Comprendí esto, pero a pesar
de mis esfuerzos, no pude alejarme. Sentía
deseos de tocarla, de sentir contacto de sus
bracitos, de tenerla en mis manos un momento
como si fuera mía y la levanté en mis brazos;
ella quiso gritar, pero el espanto impidió su
grito. La acerqué más al farol. ¡Qué hermosa y
qué blanca, blanca como la luz, como las flores!
Tenía sus cabellos dorados y dejaba adivinar
una sonrisa, como debe ser la de los ángeles. En
su terror era hermosa, y sus ojos grandes, muy
abiertos, me miraban asustados; luego la llevé a
mis labios, las puntas crispadas y sucias de mis
barbas lastimaron su rostro y entonces gritó al
tiempo que golpeaba mi vientre con sus pies.
¡Iba a dejarla, a dejarla quedando triste
como nunca!
¡Jamás podría acariciar un niño! Iba a
dejarla, pero la luz del farol dio de lleno sobre
su cuello blando y fino; experimenté entonces
deseos de estrecharla, de tocarla, y sentir una
vez más el contacto de su suavísima piel. Desde
entonces he sentido muchos deseos, mil veces
he querido apoderarme de algo; pero nunca la
tentación ha sido tan fuerte, tan imperiosa, tan
irresistible como aquel día. No pudiendo
dominarme, cedí y la acaricié, sintiendo extraño
placer al pasar varias veces mi mano áspera y
callosa por su cuellito terso como un guante.
Ella estaba muda de espanto, sus ojitos se abrían
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cada vez más grandes y me miraban aterrados;
pero yo no podía, me era imposible resolverme
a dejarla, y continuaba pasando y volviendo a
pasar mi mano sobre su piel: Luego oprimí un
poco, procurando no hacerle daño, tan sólo para
sentir en mis dedos la caliente blandura que
nunca había sentido. Oprimía y aflojaba,
sintiendo inefable placer cuando mis dedos se
hundían en la carne.
Poco a poco fui oprimiendo más fuerte…
más fuerte, la carne se iba haciendo más dura;
pero siempre bajo mis dedos había algo de
blando como terciopelo, que me regocijaba.
La música cesó, oí el ruido de una puerta al
abrirse y tuve miedo o más bien sentí tener que
dejar a la niña; ¡ese cuellito blanco! ¡Esa
suavidad bajo mis dedos! ¡Ese placer! Tener que
dejarlos para huir, para continuar la marcha, el
mendigar y nada recibir… y al mismo tiempo
continuaba
oprimiendo,
continuaba
oprimiendo, continuaba oprimiendo el cutis y
sintiendo contra mi pecho los golpes
arrebatados de su corazón… Los pasos se
acercaban, ¡iban ya a sorprenderme, a
encerrarme para siempre en una prisión sin que
pudiera volver a sentir ese goce! ¡Mi mano ruda
no se recrearía más al contacto de un suave y
blando cuerpo!
Seguí
oprimiendo
con
ansiedad,
queriendo, al estrechar por última vez, tener
toda la delicia que hubiera podido sentir
estrechando… Sentí sus músculos, una dureza,
y como los pasos estuvieran muy cerca de mí
apreté con todas mis fuerzas deseando sentir su
última palpitación, su último estremecimiento,
deseando arrancarles a otros que podrían gozar
de ella mientras yo nunca, ¡nunca podría ni tan
siquiera acariciarla!
Y sentí ese último estremecimiento, lo sentí
que recorrió por todo su cuerpo al tiempo que
su corazón no latía más; el cuello parecía de
trapo, se enfrió… Una mano me sujetó; pero yo
de un golpe seco la rechacé, desprendiéndome
para lanzar la niña y huir.
Hoy todavía siento placer cuando sueño y
creo oprimir, oprimir y aflojar. ¡Ha sido la única
delicia de toda mi vida! Viendo a un niño siento
impulso de arrojarme sobre él, de robarlo para
llevarlo siempre conmigo para oprimir su
cuello y hundir mis dedos en él. Sí– continuó él
al tiempo que llevaba un vaso a sus labios–, fue
una gran delicia… ¡Oprimir!… ¡Hundir los
dedos!, sentir aquella blandura estremecerse…
¡Agitarse en estremecimientos tan pequeños
como el cuerpo inmóvil y los dedos apretados
siempre, siempre!
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O DIABO E O RELOJOEIRO
Daniel Deföe (1660 – 1731)
Vivia na paróquia de St. Bennet Funk,
perto do Royal Exchange, uma honesta e pobre
viúva que, depois de morto o marido, passou a
aceitar sublocatários em sua casa. Ou seja, locou
alguns de seus quartos a fim de reduzir os
custos com o aluguel. Entre outros, cedeu sua
mansarda a um artesão que fazia engrenagens
para relógios, e que trabalhava para relojoarias,
conforme era o costume nessa atividade.
Certa feita, um homem e uma mulher
subiram para falar com o relojoeiro sobre algum
assunto relacionado ao seu mister. E quando
estavam próximos dos últimos degraus, viram,
pela porta escancarada da água-furtada, que o
homem ― relojoeiro ou fabricante de
engrenagens ― havia-se enforcado numa viga
que se prolongava pouco abaixo do teto.
Atônita com aquele cenário, a mulher parou e
gritou ao homem, que lhe seguia, para que
corresse e cortasse a corda que sustentava o
infeliz.
Neste mesmo instante, doutro rincão do
quarto, cuja visão não era possível a partir das
escadas, correu velozmente outro homem, a
trazer um banquinho nas mãos. Com ares de
quem se encontra com grande pressa, colocou o
escabelo sob o desventurado e, subindo
rapidamente, sacou do bolso uma faca.
Segurando a corda com uma das mãos, fez sinal
com a cabeça para a mulher e o homem, a
advertindo-os para se detivessem e não
subissem, ao mesmo tempo em que exibia a faca
na outra mão, como se estivesse prestes a cortar
a corda e soltar o enforcado.
Vendo isto, a mulher se deteve por um
momento, mas o homem sobre o escabelo
continuava a segurar a faca ― como se
permanecesse confuso com o nó ―, sem,
contudo, cortá-la. Por esta razão, a mulher
gritou novamente ao seu acompanhante, que,
supondo que algo impedia a ação do outro
homem, disse à mulher:
― Sobe e ajuda o homem do banquinho.
Mas o homem no banquinho novamente
acenou para que ficassem quietos e não
entrassem, como se lhes dissesse: "Cortarei a
corda imediatamente".
Então, desferiu dois golpes com a faca na
corda, à guisa de cortá-la, mas parou
novamente. O desgraçado seguia dependurado
e, portanto, a morrer.
Porque o fato se repetia, a mulher gritou,
da escada:
― O que está acontecendo? Por que não
soltas o pobre homem?
E o homem que a seguia, já exaurido de
paciência, afastou-a e lhe disse:
― Deixe-me passar. Eu te asseguro que a
cortarei.
Dizendo isso, invadiu o quarto. Mas,
quando chegou... Deus! O pobre relojoeiro
continuava enforcado, mas não havia um
homem com uma faca, nem banquinho, e
nenhuma outra coisa ou outro ser era visto e
escutado. Tudo havia sido uma ilusão, urdida
por criaturas espectrais, enviadas sem dúvida
para deixar que o pobre infeliz se enfocasse e
expirasse.
O visitante estava tão aterrorizado e
surpreso que, apesar de toda a coragem que
demonstrara, caiu ao chão como se estivesse
morto. E a mulher, por fim, vendo-se na
obrigação de baixar o homem, teve que cortar a
corda com um par de tesouras, o que lhe redeu
um grande trabalho.
Como não me cabe pôr em dúvida a
veracidade desta história, que me foi contada
por pessoas em cuja honestidade eu deposito a
minha confiança, creio que não me dará
trabalho convencer-vos de quem devia ser o
homem do banquinho: era o diabo, que estava
no quarto com o objetivo de pôr cobro ao
assassínio de um homem a quem, conforme o
seu costume, havia tentado, e antes convencido
a que fosse, de si mesmo, o verdugo. Demais
disso, este fato criminoso corresponde tão bem
à natureza do demônio e ao seu ofício ― qual
seja, a de um assassino ― que nunca o pus em
dúvida. E nem posso crer que estaremos
difamando o diabo quando a ele atribuímos a
prática de tal malefício.
Nota: Não posso ter certeza quanto ao final
desta história. Assim, não sei se o relojoeiro foi
liberado com rapidez suficiente, a tempo de
recuperar-se, ou se o diabo alcançou os seus
propósitos, mantendo o homem e a mulher
afastados, na escada, até que fosse
demasiadamente tarde. Mas, seja como for, é
certo que ele executou o seu ofício demoníaco e
permaneceu na água-furtada até que foi
compelido a evadir-se.
Tradução de Paulo Soriano.
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EL DIABLO Y EL RELOJERO
Daniel Deföe (1660 – 1731)
Vivía en la parroquia de St. Bennet Funk,
cerca del Royal Exchange, una honesta y pobre
viuda quien, después de morir su marido, tomó
huéspedes en su casa. Es decir, dejó libres
algunas de sus habitaciones para aliviar su
renta. Entre otros, cedió su buhardilla a un
artesano que hacía engranajes para relojes y que
trabajaba para aquellos comerciantes que
vendían dichos instrumentos, según es
costumbre en esta actividad.
Sucedió que un hombre y una mujer fueron
a hablar con este fabricante de engranajes por
algún asunto relacionado con su trabajo. Y
cuando estaban cerca de los últimos escalones,
por la puerta completamente abierta del altillo
donde trabajaba, vieron que el hombre (relojero
o artesano de engranajes) se había colgado de
una viga que sobresalía más baja que el techo o
cielorraso. Atónita por lo que veía, la mujer se
detuvo y gritó al hombre, que estaba detrás de
ella en la escalera, que corriera arriba y bajara al
pobre desdichado.
En ese mismo momento, desde otra parte
de la habitación, que no podía verse desde las
escaleras, corrió velozmente otro hombre que
llevaba un escabel en sus manos. Este, con cara
de estar en un grandísimo apuro, lo colocó
debajo del desventurado que estaba colgado y,
subiéndose rápidamente, sacó un cuchillo del
bolsillo y sosteniendo el cuerpo del ahorcado
con una mano, hizo señas con la cabeza a la
mujer y al hombre que venía detrás, como
queriendo detenerlos para que no entraran; al
mismo tiempo mostraba el cuchillo en la otra,
como si estuviera por cortar la soga para
soltarlo.
Ante esto la mujer se detuvo un momento,
pero el hombre que estaba parado en el
banquillo continuaba con la mano y el cuchillo
tocando el nudo, pero no lo cortaba.
Por esta razón la mujer gritó de nuevo a su
acompañante y le dijo:
—¡Sube y ayuda al hombre!
Suponía que algo impedía su acción.
Pero el que estaba subido al banquillo
nuevamente les hizo señas de que se quedaran
quietos y no entraran, como diciendo: «Lo haré
inmediatamente».
Entonces dio dos golpes con el cuchillo,
como si cortara la cuerda, y después se detuvo
nuevamente. El desafortunado seguía colgado y
muriéndose en consecuencia. Ante la repetición
del hecho, la mujer de la escalera le gritó:
—¿Qué pasa? ¿Por qué no bajáis al pobre
hombre?
Y el acompañante que la seguía,
habiéndosele acabado la paciencia, la empujó y
le dijo:
—Déjame pasar. Te aseguro que yo lo haré.
Y con estas palabras llegó arriba y a la
habitación donde estaban los extraños.
Pero cuando llegó allí ¡cielos! el pobre
relojero estaba colgado, pero no el hombre con
el cuchillo, ni el banquito, ni ninguna otra cosa
o ser que pudiera ser vista a oída. Todo había
sido un engaño, urdido por criaturas
espectrales enviadas sin duda para dejar que el
pobre desventurado se ahorcara y expirara.
El visitante estaba tan aterrorizado y
sorprendido que, a pesar de todo el coraje que
antes había demostrado, cayó redondo en el
suelo como muerto. Y la mujer, al fin, para bajar
al hombre, tuvo que cortar la soga con unas
tijeras, lo cual le dio gran trabajo.
Como no me cabe duda de la verdad de
esta historia que me fue contada por personas
de cuya honestidad me fío, creo que no me dará
trabajo convenceros de quién debía de ser el
hombre del banquito: fue el diablo, que se situó
allí con el objeto de terminar el asesinato del
hombre a quien, según su costumbre, había
tentado antes y convencido para que fuera su
propio verdugo. Además, este crimen
corresponde tan bien con la naturaleza del
demonio y sus ocupaciones, que yo no lo puedo
cuestionar. Ni puedo creer que estemos
equivocados al cargar al diablo con tal acción.
Nota: No puedo tener certeza sobre el final de
la historia; es decir, si bajaron al relojero lo
suficientemente rápido como para recobrarse o
si el diablo ejecutó sus propósitos y mantuvo
aparte al hombre y a la mujer hasta que fue
demasiado tarde. Pero sea lo que fuere es
seguro que él se esforzó demoníacamente y
permaneció hasta que fue obligado a
marcharse.
Traducción de autor desconocido.
Texto de dominio público.
Fuente: Portal Domínio Público (BR).
Revisión de Valentim Fagim.
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OS OLHOS QUE COMIAM CARNE
Humberto de Campos (1886 – 1934)
Paulo Fernando mergulhou o rosto nas
mãos, e quedou-se imóvel, petrificado pela
verdade terrível. Estava cego. Acabava de
realizar-se o que há muito prognosticavam os
médicos.
A notícia daquele infortúnio em breve se
espalhava pela cidade, impressionando e
comovendo a quem a recebia. A morte dos
olhos daquele homem de quarenta anos, cuja
mocidade tinha sido consumida na intimidade
de um gabinete de trabalho, e cujos primeiros
cabelos brancos haviam nascido à claridade das
lâmpadas, diante das quais passara oito mil
noites estudando, enchia de pena os mais
indiferentes à vida do pensamento. Era uma
força criadora que desaparecia. Era uma grande
máquina que parava. Era um facho que se
extinguia no meio da noite, deixando
desorientados na escuridão aqueles que o
haviam tomado por guia. E foi quando, de
súbito, e como que providencialmente, surgiu
na imprensa a informação de que o professor
Platen, de Berlim, havia descoberto o processo
de restituir a vista aos cegos, uma vez que a
pupila se conservasse íntegra, e se tratasse,
apenas, de destruição ou defeito do nervo
óptico. E, com essa informação, a de que o
eminente oculista passaria em breve pelo Rio de
Janeiro, a fim de realizar uma operação desse
gênero em um opulento estancieiro argentino,
que se achava cego há seis anos e não
tergiversara em trocar a metade da sua fortuna
pela antiga luz dos seus olhos.
A cegueira de Paulo Fernando, com as suas
causas
e
sintomas,
enquadrava-se
rigorosamente no processo do professor
alemão: dera-se pelo seccionamento do nervo
óptico. E era pelo restabelecimento deste, por
meio de ligaduras artificiais com uma
composição metálica de sua invenção, que o
sábio de Berlim realizava o seu milagre
cirúrgico. Esforços foram empregados, assim,
para que Platen desembarcasse no Rio de
Janeiro por ocasião de sua viagem a Buenos
Aires.
Três meses depois, efetuava-se, de fato,
esse desembarque. Para não perder tempo,
achava-se Paulo Fernando, desde a véspera, no
Grande Hospital das Clínicas. E encontrava-se
já na sala de operações, quando o famoso
cirurgião entrou, rodeado de colegas
brasileiros, e de dois auxiliares alemães, que o
acompanhavam na viagem, e apertou-lhe
vivamente a mão.
Paulo Fernando não apresentava, na
fisionomia, o menor sinal de emoção. O rosto
escanhoado, o cabelo grisalho e ondulado posto
para trás, e os olhos abertos, olhando sem ver:
olhos castanhos, ligeiramente saídos, pelo
hábito de vir beber a sabedoria aqui fora, e com
laivos escuros de sangue, como reminiscência
das noites de vigília. Vestia pijama de tricoline
branca, de gola caída. As mãos de dedos magros
e curtos seguravam as duas bordas da cadeira,
como se estivesse à beira de um abismo, e
temesse tombar na voragem.
Olhos abertos, piscando, Paulo Fernando
ouvia, em torno, ordens em alemão, tinir de
ferros dentro de uma lata, jorro d'água, e passos
pesados ou ligeiros, de desconhecidos. Esses
rumores eram, no seu espírito, causa de novas
reflexões.
Só agora, depois de cego, verificara a
sensibilidade da audição, e as suas relações com
a alma, através do cérebro. Os passos de um
estranho são inteiramente diversos daqueles de
uma pessoa a quem se conhece. Cada criatura
humana pisa de um modo. Seria capaz de
identificar, agora, pelo passo, todos os seus
amigos, como se tivesse vista e lhe pusessem
diante dos olhos o retrato de cada um deles. E
imaginava como seria curioso organizar para os
cegos um álbum auditivo, como os de
datiloscopia, quando um dos médicos lhe tocou
no ombro, dizendo-lhe amavelmente:
― Está tudo pronto... Vamos para a mesa...
Dentro de oito dias estará bom.
O escritor sorriu, cético. Lido nos filósofos,
esperava, indiferente, a cura ou a permanência
na
treva,
não descobrindo nenhuma
originalidade no seu castigo e nenhum mérito
na sua resignação. Compreendia a inocuidade
da esperança e a inutilidade da queixa.
Levantou-se, assim, tateando, e, pela mão do
médico, subiu na mesa de ferro branco, deitouse ao longo, deixou que lhe pusessem a máscara
para o clorofórmio, sentiu que ia ficando leve,
aéreo, imponderável. E nada mais soube nem
viu.
O processo Plateu era constituído por uma
aplicação da lei de Roentgen, de que resultou o
Raio-X, e que punha em contacto, por meio de
delicadíssimos fios de “hêmera”, liga metálica
recentemente descoberta, o nervo seccionado.
Completava-o uma espécie de parafina
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adaptada ao globo ocular, a qual, posta em
contacto direto com a luz, restabelecida
integralmente
a
função
desse
órgão.
Cientificamente, era mais um mistério do que
um fato. A verdade, era que as publicações
europeias faziam, levianamente ou não,
referências constantes às curas miraculosas
realizadas pelo cirurgião de Berlim, e que seu
nome, em breve, corria o mundo, como o de um
dos grandes benfeitores da Humanidade.
Meia hora depois as portas da sala de
cirurgia do Grande Hospital de Clínicas se
reabriam e Paulo Fernando, ainda inerte,
voltava, em uma carreta de rodas silenciosas, ao
seu quarto de pensionista. As mãos brancas,
postas ao longo do corpo, eram como as de um
morto. O rosto e a cabeça envoltos em gaze,
deixavam à mostra apenas o nariz afilado e a
boca entreaberta. E não tinha decorrido outra
hora, e já o professor Platen se achava, de novo,
a bordo, deixando a recomendação de que não
fosse retirada a venda, que pusera no enfermo,
antes de duas semanas.
Doze dias depois passava ele, de novo, pelo
Rio, de regresso para a Europa. Visitou
novamente o operado, e deu novas ordens aos
enfermeiros. Paulo Fernando sentia-se bem.
Recebia visitas, palestrava com os amigos. Mas
o resultado da operação só seria verificado três
dias mais tarde, quando se retirasse a gaze. O
santo estava tão seguro do seu prestígio que ia
embora sem esperar pela verificação do
milagre.
Chega, porém, o dia ansiosamente
aguardado pelos médicos, mais do que pelo
doente. O Hospital encheu-se de especialistas,
mas a direção só permitiu, na sala em que se ia
cortar a gaze, a presença dos assistentes do
enfermo. Os outros ficaram fora, no salão, para
ver o doente, depois da cura.
Pelo braço de dois assistentes, Paulo
Fernando atravessou o salão. Daqui e dali,
vinham-lhe parabéns antecipados, apertos de
mão vigorosos, que ele agradecia com um
sorriso sem endereço. Até que a porta se fechou,
e o doente, sentado em uma cadeira, escutou o
estalido da tesoura, cortando a gaze que lhe
envolvia o rosto.
Duas, três voltas são desfeitas. A emoção é
funda, e o silêncio completo, como o de um
túmulo. O último pedaço de gaze rola no balde.
O médico tem as mãos trêmulas. Paulo
Fernando, imóvel, espera a sentença final do
Destino.
― Abra os olhos! ― diz o doutor.
O operado, olhos abertos, olha em torno.
Olha e, em silêncio, muito pálido, vai se pondo
de pé. A pupila entra em contacto com a luz, e
ele enxerga, distingue, vê. Mas é espantoso o
que vê. Vê, em redor, criaturas humanas. Mas
essas criaturas não têm vestimentas, não têm
carne; são esqueletos apenas; são ossos que se
movem, tíbias que andam, caveiras que abrem
e fecham as mandíbulas! Os seus olhos comem
a carne dos vivos. A sua retina, como os raiosX, atravessa o corpo humano e só se detém na
ossatura dos que a cercam, e diante das cousas
inanimadas! O médico, à sua frente, é um
esqueleto que tem uma tesoura na mão! Outros
esqueletos
andam,
giram,
afastam-se,
aproximam-se, como um bailado macabro!
De pé, os olhos escancarados, a boca aberta
e muda, os braços levantados numa atitude de
pavor, e de pasmo, Paulo Fernando corre na
direção da porta, que adivinha mais do que vê,
e abre-a. E o que enxerga, na multidão de
médicos e de amigos que o aguardam lá fora, é
um turbilhão de espectros, de esqueletos que
marcham e agitam os dentes, como se tivessem
aberto um ossuário cujos mortos quisessem sair.
Solta um grito e recua. Recua, lento, de costa, o
espanto estampado na face. Os esqueletos
marcham para ele, tentando segurá-lo
― Afastem-se! Afastem-se! ― intima, num
urro que faz estremecer a sala toda.
E, metendo as unhas no rosto, afunda-as
nas órbitas, e arranca, num movimento de
desespero, os dois glóbulos ensanguentados, e
tomba escabujando no solo, esmagando nas
mãos aqueles olhos que comiam carne, e que,
devorando macabramente a carne aos vivos,
transformavam a vida humana, em torno, em
um sinistro baile de esqueletos...
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LOS OJOS QUE COMÍAN CARNE
Humberto de Campos (1886 – 1934)
Paulo
Fernando ocultó el rostro en las
manos y se quedó inmóvil, petrificado por la
terrible verdad. Estaba ciego. Acababa de
cumplirse lo que hacía mucho tiempo que le
pronosticaban los médicos.
La noticia de aquel terrible infortunio en
breve se diseminó por la ciudad, impresionando y conmoviendo a quien la recibía. La
muerte de los ojos de aquel hombre de cuarenta
años, cuya juventud había sido consumida en la
intimidad de un despacho, y cuyos primeros
cabellos blancos habían nacido a la luz de las
lámparas, delante de las que había pasado ocho
mil noches estudiando, llenaba de pena a los
más indiferentes a la vida del pensamiento. Era
una fuerza creadora que desaparecía. Era una
gran máquina que se paraba. Era una antorcha
que se extinguía en el medio de la noche,
dejando desorientados en la escuridad a
aquellos que lo habían tomado por guía. Y fue
entonces que, de súbito, y como providencialmente, surgió en la prensa la información de
que el profesor Platen, de Berlín, había
descubierto el proceso de restituir la vista a los
ciegos, siempre y cuando la pupila se
conservase íntegra, y se tratase, solamente, de la
destrucción o de la pérdida del nervio óptico. Y,
con esa información, la de que el eminente
oculista pasaría en breve por Río de Janeiro, a
fin de realizar una operación de ese género a un
opulento terrateniente argentino, que estaba
ciego desde hacía seis años y no dudara en
cambiar la mitad de su fortuna por la antigua
luz de sus ojos.
La ceguera de Paulo Fernando, con sus
causas y síntomas, se encuadrada con todo el
rigor en el proceso del profesor alemán: se había
producido por el seccionamiento del nervio
óptico. Y era por el restablecimiento de este, por
medio de ligaduras artificiales con una
composición metálica de su invención, que el
sabio de Berlín realizaba su milagro quirúrgico.
Muchos esfuerzos fueron empleados, así, para
que Platen desembarcase en Río de Janeiro
aprovechando su viaje a Buenos Aires.
Tres meses después se efectuaba,
realmente, ese desembarco. Para no perder
tiempo, se encontraba Paulo Fernando, desde la
víspera, en el Gran Hospital de las Clínicas. Y se
encontraba ya en la sala de operaciones, cuando
el famoso cirujano entró, rodeado de colegas
brasileños y de sus auxiliares alemanes, que lo
acompañaban en el viaje, y le estrechó
vivamente la mano.
Paulo Fernando no presentaba, en la
fisionomía, la menor señal de emoción. El rostro
rasurado, el cabello grisáceo y ondulado
peinado para atrás, los ojos abiertos, mirando
sin ver: ojos castaños, ligeramente salidos, por
el hábito de ir a beber la sabiduría fuera, y con
manchas oscuras de sangre, como reminiscencia de las noches de vigilia. Vestía pijama
de algodón blanco, de cuello bajo. Las manos de
dedos flacos y cortos se agarraban a los dos
reposabrazos de la silla, como si estuviese al
borde de un abismo y temiese despeñarse al
precipicio.
Ojos abiertos, parpadeando, Paulo
Fernando oía, a su alrededor, órdenes en
alemán, tilintar de hierros dentro de una lata,
un ruido de agua que caía y pasos pesados o
ligeros, de desconocidos. Esos rumores eran, en
su espíritu, causa de novas reflexiones.
Solo ahora, después de quedarse ciego,
verificara la sensibilidad de la audición y de sus
relaciones con el alma, a través del cerebro. Los
pasos de un extraño son totalmente diferentes a
los de una persona a la que se conoce. Cada
criatura humana pisa de un modo. Sería capaz
de identificar ahora, por el paso, a todos sus
amigos, como si tuviese vista y le pusieran
delante de los ojos el retrato de cada uno de
ellos. E imaginaba que sería curioso organizar
para los ciegos un álbum auditivo, como los de
la dactiloscopia, cuando uno de los médicos le
tocó el hombro, diciéndole amablemente:
— Está todo listo… Vamos para la mesa…
Dentro de ocho días estará curado.
El escritor sonrió, escéptico. Al haber leído
a los filósofos, esperaba, indiferente, la cura o la
permanencia en las tinieblas, sin descubrir
ninguna originalidad en su castigo y ningún
mérito en su resignación. Comprendía la
inocuidad de la esperanza y la inutilidad del
lamento. Se levantó así, apalpando, y, por la
mano del médico, se subió a la mesa de hierro
blanco. Se acostó a lo largo. Dejó que le pusieran
la máscara para el cloroformo, sintió que iba
quedándose leve, aéreo, imponderable. Y no
supo ni vio nada más.
El proceso Platen era constituido por una
aplicación de la ley de Roentgen, de la que
surgieron los rayos X, y que ponía en contacto,
por medio de delicadísimos hilos de “hémera”,
amalgama metálica recientemente descubierta,
el nervio seccionado. Lo completaba una
especie de parafina adaptada al globo ocular, la
cual, puesta en contacto directo con la luz,
22
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restablecía integralmente la función de ese
órgano. Científicamente, era más un misterio
que un hecho. La verdad era que las
publicaciones europeas hacían, livianamente o
no, referencias constantes a las curaciones
milagrosas realizadas por el cirujano de Berlín,
y que su nombre, en breve, corría por el mundo,
como el de uno de los grandes benefactores de
la Humanidad.
Media hora después, las puertas de la sala
de cirugía del Gran Hospital de Clínicas se
reabrían y Paulo Fernando, todavía inerte,
regresaba, en un carrito de ruedas silenciosas, a
su cuarto. Las manos blancas, colocadas a lo
largo del cuerpo, eran como las de un muerto.
El rostro y la cabeza envueltos en gasas dejaban
entrever únicamente la nariz afilada y la boca
entreabierta. Y no había pasado otra hora y ya
el profesor Platen se encontraba, de nuevo, a
bordo, dejando la recomendación de que no le
fuese retirada la venda que había puesto al
enfermo, antes de dos semanas.
Doce días después pasaba él de nuevo por
la ciudad de Río, de regreso a Europa. Visitó
nuevamente al operado y dio nuevas órdenes a
los enfermeros. Paulo Fernando se sentía bien.
Recibía visitas, conversaba con los amigos. Pero
el resultado de la operación solamente sería
verificado tres días más tarde, cuando se
retirasen las gasas. El santo estaba tan seguro de
su prestigio que se marchó sin esperar a la
verificación del milagro.
Llega, sin embargo, el día tan ansiosamente esperado por los médicos, más que por
el enfermo. El Hospital se llenó de especialistas,
pero la dirección solo permitió, en la sala en la
que se iban a cortar las gasas, la presencia de los
asistentes del enfermo. Los otros permanecieron fuera, para ver al enfermo después de
realizada la cura.
Del brazo de dos asistentes, Paulo
Fernando atravesó el salón. De aquí y de allí le
llegaban las enhorabuenas anticipadas, manos
vigorosas que se le estrechaban, que él
agradecía con una sonrisa sin dirección. Hasta
que la puerta se cerró y el enfermo, sentado en
una silla, escuchó el estallido de la tijera,
cortando las gasas que le envolvían el rostro.
Dos, tres vueltas fueron deshechas. La
emoción es profunda y el silencio completo,
como el de un túmulo. El último pedazo de gasa
cae en el cubo. El médico tiene las manos
trémulas. Paulo Fernando, inmóvil, espera la
sentencia del Destino
— Abra los ojos! — dice el doctor.
El operado, con los ojos abiertos, mira
alrededor. Mira y, en silencio, muy pálido, se va
poniendo en pie. La pupila entra en contacto
con la luz y él vislumbra, distingue, ve. Pero es
sorprendente lo que ve. Ve, a su alrededor,
criaturas humanas. Pero esas criaturas no tienen
ropa ni carne. Son esqueletos a penas. ¡Son
huesos que se mueven, tibias que andan,
calaveras que abren y cierran las mandíbulas!
Sus ojos comen la carne de los vivos. ¡Su retina,
como los rayos X, atraviesa el cuerpo humano y
solo se detiene en los huesos de los que le cercan
y delante de las cosas inanimadas! ¡El médico,
frente a él, es un esqueleto que tiene una tijera
en la mano! ¡Otros esqueletos andan, giran, se
alejan, se aproximan, como en una danza
macabra!
De pie, con los ojos como platos, la boca
abierta y muda, los brazos levantados en una
actitud de pavor y de asombro, Paulo Fernando
corre en la dirección de la puerta, que adivina
más de lo que ve, y la abre. Y lo que divisa, en
la multitud de médicos y de amigos que lo
aguardan fuera, es una multitud de espectros,
de esqueletos que marchan y agitan los dientes,
como si tuviesen abierto un osario cuyos
muertos quisieran salir. Suelta un grito y
retrocede. Retrocede, lento, de espalda, con el
espanto estampado en el rostro. Los esqueletos
se acercan a él, intentando agarrarlo.
— ¡Aléjense! ¡Aléjense! — grita, con un
rugido que hace estremecer a toda la sala.
Y, metiendo las uñas en el rostro, las
hunde en las órbitas, y arranca, con un
movimiento desesperado, los dos glóbulos
ensangrentados y se arroja al suelo,
debatiéndose, machacando en las manos
aquellos ojos que comían carne, y que,
devorando macabramente la carne a los vivos,
transformaban la vida humana, en torno suyo,
en un siniestro baile de esqueletos…
Traducción de Ângelo Brea.
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VAMPIRO
Emilia Pardo Bazán (1851 – 1821)
Não se falava de outra coisa no país. E que
milagre! Acontece todos os dias subir ao altar
um setentão com uma menina de quinze anos?
Assim, ao pé da letra: Inesinha, sobrinha do
padre de Gondelhe, tinha acabado de completar
quinze anos e dois meses quando seu próprio
tio, na igreja do santuário de Nossa Senhora do
Chumbo — distante três léguas de Vila Morta
— abençoou sua união com o Sr. Dom
Fortunato Gaioso, setenta e sete anos e meio,
segundo rezava a sua certidão de batismo.
A única exigência de Inesinha era casar-se
no santuário. Era devota daquela Virgem e
sempre usou o Escapulário de Chumbo, feito de
flanela branca e seda azul. E como o noivo não
podia — como haveria de poder, o pobrezinho!
— subir a pé a encosta íngreme que, da estrada
entre Cebre e Vila Morta, leva ao santuário de
Chumbo, nem tampouco se sustentar a cavalo,
pensou-se que dois fornidos mocetões de
Gondelhe, feitos para carregar a enorme cesta
de uvas nas vindimas, levariam Dom Fortunato,
em cadeirinha de braços, até o templo. Um bom
motivo para chacotas!
Porém, nos cassinos, boticas e outros
círculos, digamos assim, em Vila Morta e Cebre,
bem como nos átrios e sacristias das igrejas
paroquiais, era preciso concordar que em
Gondelhe caçavam-se amplamente baús, e que
Inesinha havia tirado o prêmio principal. Quem
era, vamos ver, Inesinha? Era uma menina
fresca, cheia de vida, com olhos brilhantes e
bochechas como rosas; mas — que demônio! —
há tantas assim do Sil a Avieiro! Por outro lado,
não existe outra fortuna como a de Dom
Fortunato em toda a província. E esta seria bem
ou mal adquirida, porque os que voltam do
outro mundo com tantos milhares de dólares
sabe Deus que história escondem entre as duas
tampas da sua maleta; só que.... quem se mete a
investigar a origem de uma fortuna? As
fortunas são como o bom tempo: são
desfrutadas e não se indagam as suas causas.
Constava, em referências muito autênticas
e fidedignas, que o senhor Gaioso trouxera
grande soma de dinheiro. Somente na agência
do Banco de Áurea Velha deixou depositado,
esperando a oportunidade de investir, cerca de
dois milhões de reais (em Cebre e Vila Morta
A cencerrada era uma manifestação popular
burlesca, consistente em barulhentas algazarras, feitas
com cencerros (chocalhos de animais que servem de
guias para as outras reses), buzinas, panelas e outros
1
ainda se conta em reais). Todos quantos fossem
os pedaços de terra que se vendiam do país,
Gaioso comprava-os, sem barganhar. Na
mesma praça da Constituição de Vila Morta,
adquiriu um conjunto de três casas, demolindoas e erguendo nos terrenos um novo e suntuoso
edifício.
— Não bastariam a esse velho caduco sete
palmos de terra? — perguntavam, entre
zombeteiros e indignados, os frequentadores do
cassino.
Imagine-se o que eles acrescentariam
quando a estranha notícia do casamento se
espalhasse, e quando soubessem que Dom
Fortunato não apenas dotou esplendidamente a
sobrinha do padre, como também a instituiu
herdeira universal. Os berros dos parentes,
mais ou menos próximos, do ricaço chegavam
ao céu: falou-se de tribunais, loucura senil,
confinamento em manicômio. Mas como Dom
Fortunato, embora bem acabadinho e seco como
uma passa, conservava intactas as suas
faculdades, reflexionava e dirigia os seus
negócios perfeitamente, foi preciso deixá-lo em
paz, confiando o seu castigo à própria loucura.
O que não se pôde evitar foi a descomunal
cencerrada1. Diante da casa nova, decorada e
mobiliada prodigamente, onde os recémcasados já haviam se recolhido, reuniram-se,
armados de frigideiras, caçarolas, potes, tripés,
latas, corneta e apitos mais de quinhentos
vândalos. Alvoroçaram o quanto quiseram sem
que nada os detivesse. No prédio, não se
entreabriu uma janela, não se filtrou uma luz
pelas frestas. Cansados e decepcionados, os
pândegos retiraram-se para dormir. Embora
estivessem preparados para burlar uma semana
inteira, é certo que, já na noite de núpcias,
deixaram em paz os noivos e a praça deserta.
Entrementes, dentro da bela mansão,
abarrotada de ricos móveis e provida de tudo o
quando o conforto e o bem-estar podem exigir,
a noiva pensou que estava sonhando. Por
pouco, a sós, sentiu-se capaz de dançar com
prazer. O temor, mais instintivo do que
racional, com que se dirigiu ao altar de Nossa
Senhora do Chumbo, dissipou-se perante as
doces e paternais reflexões do velho marido,
que só pedia à sua terna esposa um pouco de
apetrechos ruidosos para perturbar o viúvo na primeira
noite de núpcias.
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carinho e de calor, os incessantes cuidados de
que a velhice extrema necessita.
Agora Inesinha entendia o repetido "Não
tenha medo, sua boba", o "Case-se em paz", de
seu tio, o pároco de Gondelhe. Era um ofício
piedoso, era um papel de enfermeira e filha que
lhe cabia desempenhar por algum tempo, talvez
por muito pouco. A prova de que ela
continuava menina eram as duas bonecas
enormes, vestidas de seda e renda, que
encontrou na penteadeira, muito sérias, com
caras de bobas, sentadas no canapé de cetim. Ali
não se concebia, nem em hipótese, nem por
sonho, que pudessem vir outras crianças além
daquelas de fina porcelana.
Cuidar do velhinho. Ora, isto sim é o que
faria de muito bom grado Inês. Dia e noite —
principalmente à noite, que era quando ele
precisava, ao seu lado, colado ao seu corpo, de
um doce abrigo — ela se comprometia a atendêlo, a não o abandonar um minuto. Pobre senhor!
Ele era tão simpático e já tinha o pé direito na
cova! O coração de Inesinha comoveu-se: por
não ter conhecido pai, imaginou que Deus lhe
concedera outro. Ela se comportaria como uma
filha, e mais ainda, porque as filhas não prestam
cuidados tão íntimos, não oferecem seu calor
juvenil, os cálidos eflúvios de seu corpo; e nisto
justamente
acreditava
Dom
Fortunato
encontrar algum remédio à decrepitude.
— O que tenho é frio — repetia —, muito
frio, minha querida. A neve de tantos anos
coalhada nas veias. Eu te procurei como quem
buscava o Sol. Eu me encosto a ti como se me
encostasse a uma chama benfazeja em pleno
inverno. Aproxima-te, dá-me os teus braços;
senão, tiritarei e ficarei gelado imediatamente.
Por Deus, mantém-me aquecido. Nada mais te
peço.
O que o velho calava, o que se mantinha em
segredo entre ele e o especialista curandeiro
inglês, a quem consultara como último recurso,
era a convicção de que, quando posta em
contato a sua ancianidade com a fresca
primavera de Inesinha, ocorreria uma
misteriosa troca. Se as energias vitais da moça,
flor de sua robustez, sua intacta provisão de
forças deveriam reanimar Dom Fortunato, a
decrepitude e o cansaço do ancião lhe seriam
comunicados, transmitidos para a jovem pela
mistura e troca de hálitos, recolhendo o velho
uma aura viva, ardente e pura, e absorvendo a
donzela um vapor sepulcral. Sabia Gaioso que
Inesinha era a vítima, a ovelha levada para o
matadouro; e com o feroz egoísmo dos últimos
anos de existência, nos quais tudo se sacrifica no
afã de prolongá-la, mesmo que apenas por
horas, ele não sentiu nenhuma nesga de
compaixão.
Agarrava-se a Inês, absorvendo sua
saudável respiração, seu hálito perfumado,
delicioso, aprisionado na urna de cristal de seus
dentes brancos. Aquele era o derradeiro licor,
generoso e caro, que comprara, e que bebia para
manter-se vivo. E acreditava-se que, fazendo
uma incisão no pescoço da menina, e sugandolhe o sangue da veia, ele rejuvenesceria... Sentiase ele capaz de fazê-lo? Ora, ele não pagou pela
moça? Bem, Inês era dele.
Grande foi o espanto de Vila Morta —
maior ainda do que o causado pelo casamento
— quando notaram que Dom Fortunato, cujo
sepultamento prognosticavam para oito dias,
dava sinais de melhoras, até mesmo de
rejuvenescimento. Já saía a pé um pouquinho,
apoiado primeiro no braço da esposa, depois na
bengala, a cada passo mais esguio, com menos
tremores nas pernas. Dois ou três meses depois
de casado, ele se permitiu ir ao cassino e, depois
de meio ano — oh, que maravilha! —, jogou sua
partida de bilhar, tirou a sobrecasaca, feito um
jovem. Dir-se-ia que lhe inflavam a pele, que lhe
injetavam sumos: as faces perdiam as rugas
profundas, a sua cabeça se erguia, os olhos já
não eram os olhos mortos que se acrescentavam
ao crânio. E o médico de Vila Morta, o famoso
Tropiezo, repetia com uma espécie de cômico
terror:
— Que os diabos me levem se não termos
aqui um centenário daqueles de que falam os
jornais.
O mesmo Tropiezo teve que assistir
Inesinha em sua longa e lenta enfermidade. Ela
morreu — coitadinha de menina! — antes de
completar vinte anos. Febre héctica, algo que
expressava da maneira mais significativa a
ruína de um organismo que dera o seu capital a
outrem.
Um bom enterro e um bom mausoléu não
faltaram para a sobrinha do padre; mas Dom
Fortunato está procurando uma noiva. Desta
vez, ou ele sai da aldeia ou a cencerrada termina
por incendiar-lhe a casa e por arrastá-lo à rua
para morrer de uma tremenda sova. Essas
coisas não se toleram duas vezes! E Dom
Fortunato sorri, mascando com os dentes
postiços a ponta de um charuto.
Tradução de Paulo Soriano.
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Emilia Pardo Bazán (1851 – 1821)
No se hablaba en el país de otra cosa. ¡Y
qué milagro! ¿Sucede todos los días que un
setentón vaya al altar con una niña de quince?
Así, al pie de la letra: quince y dos meses
acababa de cumplir Inesiña, la sobrina del cura
de Gondelle, cuando su propio tío, en la iglesia
del santuario de Nuestra Señora del Plomo distante tres leguas de Vilamorta - bendijo su
unión con el señor don Fortunato Gayoso, de
setenta y siete y medio, según rezaba su partida
de bautismo. La única exigencia de Inesiña
había sido casarse en el santuario; era devota de
aquella Virgen y usaba siempre el escapulario
del Plomo, de franela blanca y seda azul. Y
como el novio no podía, ¡qué había de poder,
malpocadiño!, subir por su pie la escarpada
cuesta que conduce al Plomo desde la carretera
entre Cebre y Vilamorta, ni tampoco sostenerse
a caballo, se discurrió que dos fornidos
mocetones de Gondelle, hechos a cargar el
enorme cestón de uvas en las vendimias,
llevasen a don Fortunato a la silla de la reina
hasta el templo. ¡Buen paso de risa!
Sin embargo, en los casinos, boticas y
demás círculos, digámoslo así, de Vilamorta y
Cebre, como también en los atrios y sacristías de
las parroquiales, se hubo de convenir en que
Gondelle cazaba muy largo, y en que a Inesiña
le había caído el premio mayor. ¿Quién era,
vamos a ver, Inesiña? Una chiquilla fresca, llena
de vida, de ojos brillantes, de carrillos como
rosas; pero qué demonio, ¡hay tantas así desde
el Sil al Avieiro! En cambio, caudal como el de
don Fortunato no se encuentra otro en toda la
provincia. Él sería bien ganado o mal ganado,
porque esos que vuelven del otro mundo con
tantísimos miles de duros, sabe Dios qué
historia ocultan entre las dos tapas de la maleta;
solo que… ¡pchs!, ¿quién se mete a investigar el
origen de un fortunón? Los fortunones son
como el buen tiempo: se disfrutan y no se
preguntan sus causas.
Que el señor Gayoso se había traído un
platal, constaba por referencias muy auténticas
y fidedignas; solo en la sucursal del Banco de
Auriabella dejaba depositados, esperando
ocasión de invertirlos, cerca de dos millones de
reales (en Cebre y Vilamorta se cuenta por
reales aún). Cuantos pedazos de tierra se
vendían en el país, sin regatear los compraba
Gayoso; en la misma plaza de la Constitución
de Vilamorta había adquirido un grupo de tres
casas, derribándolas y alzando sobre los solares
nuevo y suntuoso edificio.
—¿No le bastarían a ese viejo chocho siete
pies de tierra? —preguntaban entre burlones e
indignos los concurrentes al Casino.
Júzguese lo que añadirían al difundirse la
extraña noticia de la boda, y al saberse que don
Fortunato, no sólo dotaba espléndidamente a la
sobrina del cura, sino que la instituía heredera
universal. Los berridos de los parientes, más o
menos próximos, del ricachón, llegaron al cielo:
hablose de tribunales, de locura senil, de
encierro en el manicomio. Mas como don
Fortunato, aunque muy acabadito y hecho una
pasa seca, conservaba íntegras sus facultades y
discurría y gobernaba perfectamente, fue
preciso dejarle, encomendando su castigo a su
propia locura.
Lo que no se evitó fue la cencerrada
monstruo. Ante la casa nueva, decorada y
amueblada sin reparar en gastos, donde se
habían recogido ya los esposos, juntáronse,
armados de sartenes, cazos, trípodes, latas,
cuernos y pitos, más de quinientos bárbaros.
Alborotaron cuanto quisieron sin que nadie les
pusiese coto; en el edificio no se entreabrió una
ventana, no se filtró luz por las rendijas:
cansados y desilusionados, los cencerreadores
se retiraron a dormir ellos también. Aun cuando
estaban conchavados para cencerrar una
semana entera, es lo cierto que la noche de
tornaboda ya dejaron en paz a los cónyuges y
en soledad la plaza.
Entre tanto, allá dentro de la hermosa
mansión, abarrotada de ricos muebles y de
cuanto pueden exigir la comodidad y el regalo,
la novia creía soñar; por poco, y a sus solas,
capaz se sentía de bailar de gusto. El temor, más
instintivo que razonado, con que fue al altar de
Nuestra Señora del Plomo, se había disipado
ante los dulces y paternales razonamientos del
anciano marido, el cual sólo pedía a la tierna
esposa un poco de cariño y de calor, los
incesantes cuidados que necesita la extrema
vejez. Ahora se explicaba Inesiña los reiterados
«No tengas miedo, boba»; los «Cásate
tranquila», de su tío el abad de Gondelle. Era un
oficio piadoso, era un papel de enfermera y de
hija el que le tocaba desempeñar por algún
tiempo…, acaso por muy poco. La prueba de
que seguiría siendo chiquilla, eran las dos
muñecas enormes, vestidas de sedas y encajes,
que encontró en su tocador, muy graves, con
caras de tontas, sentadas en el confidente de
raso. Allí no se concebía, ni en hipótesis, ni por
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soñación, que pudiesen venir otras criaturas
más que aquellas de fina porcelana.
¡Asistir al viejecito! Vaya: eso sí que lo haría
de muy buen grado Inés. Día y noche — la
noche sobre todo, porque era cuando necesitaba
a su lado, pegado a su cuerpo, un abrigo dulce se comprometía a atenderle, a no abandonarle
un minuto. ¡Pobre señor! ¡Era tan simpático y
tenía ya tan metido el pie derecho en la
sepultura! El corazón de Inesiña se conmovió:
no habiendo conocido padre, se figuró que Dios
le deparaba uno. Se portaría como hija, y aún
más, porque las hijas no prestan cuidados tan
íntimos, no ofrecen su calor juvenil, los tibios
efluvios de su cuerpo; y en eso justamente creía
don Fortunato encontrar algún remedio a la
decrepitud. «Lo que tengo es frío – repetía –,
mucho frío, querida; la nieve de tantos años
cuajada ya en las venas. Te he buscado como se
busca el sol; me arrimo a ti como si me arrimase
a la llama bienhechora en mitad del invierno.
Acércate, échame los brazos; si no, tiritaré y me
quedaré helado inmediatamente. Por Dios,
abrígame; no te pido más».
Lo que se callaba el viejo, lo que se
mantenía secreto entre él y el especialista
curandero inglés a quien ya como en último
recurso
había
consultado,
era
el
convencimiento de que, puesta en contacto su
ancianidad con la fresca primavera de Inesiña,
se verificaría un misterioso trueque. Si las
energías vitales de la muchacha, la flor de su
robustez, su intacta provisión de fuerzas debían
reanimar a don Fortunato, la decrepitud y el
agotamiento de éste se comunicarían a aquélla,
transmitidos por la mezcla y cambio de los
alientos, recogiendo el anciano un aura viva,
ardiente y pura y absorbiendo la doncella un
vaho sepulcral. Sabía Gayoso que Inesiña era la
víctima, la oveja traída al matadero; y con el
feroz egoísmo de los últimos años de la
existencia, en que todo se sacrifica al afán de
prolongarla, aunque sólo sea horas, no sentía ni
rastro de compasión. Agarrábase a Inés,
absorbiendo su respiración sana, su hálito
perfumado, delicioso, preso en la urna de cristal
de los blancos dientes; aquel era el postrer licor
generoso, caro, que compraba y que bebía para
sostenerse; y si creyese que haciendo una
incisión en el cuello de la niña y chupando la
sangre en la misma vena se remozaba, sentíase
capaz de realizarlo. ¿No había pagado? Pues
Inés era suya.
Grande fue el asombro de Vilamorta —
mayor que el causado por la boda aún - cuando
notaron que don Fortunato, a quien tenían
pronosticada a los ocho días la sepultura, daba
indicios de mejorar, hasta de rejuvenecerse. Ya
salía a pie un ratito, apoyado primero en el
brazo de su mujer, después en un bastón, a cada
paso más derecho, con menos temblequeteo de
piernas. A los dos o tres meses de casado se
permitió ir al casino, y al medio año, ¡oh
maravilla!, jugó su partida de billar, quitándose
la levita, hecho un hombre. Diríase que le
soplaban la piel, que le inyectaban jugos: sus
mejillas perdían las hondas arrugas, su cabeza
se erguía, sus ojos no eran ya los muertos ojos
que se sumen hacia el cráneo. Y el médico de
Vilamorta, el célebre Tropiezo, repetía con una
especie de cómico terror:
— Mala rabia me coma si no tenemos aquí
un centenario de esos de quienes hablan los
periódicos.
El mismo Tropiezo hubo de asistir en su
larga y lenta enfermedad a Inesiña, la cual
murió - ¡lástima de muchacha! - antes de
cumplir los veinte. Consunción, fiebre hética,
algo que expresaba del modo más significativo
la ruina de un organismo que había regalado a
otro su capital. Buen entierro y buen mausoleo
no le faltaron a la sobrina del cura; pero don
Fortunato busca novia. De esta vez, o se marcha
del pueblo, o la cencerrada termina en quemarle
la casa y sacarle arrastrando para matarle de
una paliza tremenda. ¡Estas cosas no se toleran
dos veces! Y don Fortunato sonríe, mascando
con los dientes postizos el rabo de un puro.
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O HOMEM MORTO
Lopoldo Lugones (1874 – 1938)
A aldeota em que paramos com os nossos
carros, após um demorado trabalho de
agrimensura em áreas despovoadas, contava com
um estranho homem louco, cuja demência
consistia em acreditar-se morto.
Ali chegara há vários meses, sem querer
dizer de onde viera, e pedindo encarecidamente
que o considerassem defunto.
Não é preciso dizer que ninguém pôde
satisfazer ao seu desejo. E por mais que muitos,
ante o seu desespero, simulassem tratar com um
homem morto, tal não fazia senão multiplicar os
seus padecimentos.
Ele não deixou de se apresentar a nós assim
que chegamos para implorar-nos, com uma
desolada resignação, que realmente nos causava
dó, que acreditássemos naquela impossibilidade.
Assim fazia ele com os viajantes que, de tempos
em tempos, passavam pelo lugarejo.
Era um tipo extraordinariamente magro, de
barba amarelada, envolto em andrajos: um
demente qualquer. Mas o agrimensor seduziu-se
pelo alienismo e não desperdiçou a ocasião de
interrogar o curioso personagem. Este se deu
conta, ato contínuo, daquilo a que o meu amigo
se propunha, e abreviou preâmbulos com uma
clareza de expressão que, por todos os conceitos,
contrastava com o seu visível estado de espírito.
– Mas eu não sou louco – disse com uma
notável calma, que mal escondia, não obstante, o
seu doloroso pessimismo. – Eu não sou louco e
estou morto, efetivamente, há trinta anos. Claro.
Para que morri?
Meu amigo deu-me uma piscadela
dissimulada. Aquilo prometia.
– Sou nativo de tal lugar, chamo-me fulano
de tal, tenho família lá em...
(De minha parte, omito estas referências,
pois não quero constranger pessoas viventes e
próximas.)
– Padecia de desmaios tão semelhantes à
morte que, depois de sobressaltar as pessoas até o
espanto, ultimaram por infundir em todos a
convicção de que eu não morreria disto. Alguns
doutores ratificaram tal opinião com toda a sua
ciência. Parece que eu tinha a solitária.
“Certa feita, contudo, após um desses
desmaios, sucumbi. E aqui começa a história de
meu tormento, de minha loucura.
“A incredulidade unânime quanto à minha
morte não me deixava morrer. Perante à
natureza, eu estava e estou morto. Mas, para que
isto seja humanamente real, faz-se necessário
uma vontade que o permita. Apenas uma.
“Voltei de meu desmaio pelo hábito material
de voltar. Mas como ser pensante, como ente, eu
não existo. E não há língua humana que consiga
descrever esta tortura. A sede do nada é uma
coisa horrível.”
Dizia isto com naturalidade, num tom de
veracidade que dava medo.
– A sede do nada! E o pior é que não posso
dormir. Trinta anos acordado. Trinta anos de
eterna presença ante as coisas e ante meu não ser.
Na aldeia, já se sabia de tudo isto de cor.
Tornaram-se triviais as suas reiteradas tentativas
de obrigar as pessoas a acreditarem na sua morte.
Tinha ele o costume de dormir entre quatro velas.
Passava longa horas imóvel no meio do campo,
com o rosto coberto de terra.
Tais
narrativas
interessaram-nos
extremamente. Mas quando nos dispúnhamos a
metodizar nossa observação, sobreveio um
desenlace inesperado.
Dois peões, que deviam nos alcançar naquele
local, chegaram na noite do terceiro dia com
várias mulas que haviam ficado para trás.
Não percebemos a sua chegada, adormecido
que estávamos, quando de repente fomos
despertados pelos seus gritos.
O louco dormia na cozinha de nosso
albergue, ou aparentava dormir ente suas velas
habituais – a única esmola que aceitara de nós.
Não chegava a dois metros a distância entre
a porta onde se detiveram os peões, coibidos por
aquele espetáculo, e o homem que simulava o
sono. Um cobertor cobria-o até o peito. Seus pés
despontavam na outra extremidade.
– Um morto! – balbuciaram quase ao mesmo
tempo. Acreditavam-no realmente morto.
Ouviram algo parecido com um sopro
amortecido de um odre que se desinfla. O
cobertor se aplanou como se nada houvesse sob
ele, ao passo em que as partes visíveis – cabeça e
pés – convolaram-se bruscamente em esqueleto.
O grito que lançaram nos pôs em dois saltos
diante do colchão de palha.
Tiramos o cobertor com um arrepio mortal.
Ali, entre os farrapos, repousavam, sem o
mínimo resquício de umidade, sem a mínima
partícula de carne, ossos velhíssimos, aos quais
aderia uma pele ressecada.
Tradução de Paulo Soriano.
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EL HOBRE MUERTO
Leopoldo Lugones (1874 – 1938)
La
aldeíta donde nos detuvimos con
nuestros carros, después de efectuar por largo
tiempo una mensura en el despoblado, contaba
con un loco singular, cuya demencia consistía
en creerse muerto.
Había llegado allí varios meses atrás, sin
querer referir su procedencia, y pidiendo con
encarecimiento
desesperado
que
le
consideraran difunto.
De más está decir que nadie pudo deferir a
su deseo; por más que muchos, ante su
desesperación, simularan y aquello no hacía
sino multiplicar sus padecimientos.
No dejó de presentarse ante nosotros, tan
pronto
como
hubimos
llegado,
para
imploramos con una desolada resignación, que
positivamente daba lástima, la imposible
creencia. Así lo hacía con los viajeros que, de
tarde en tarde, pasaban por el lugarejo.
Era un tipo extraordinariamente flaco, de
barba amarillosa, envuelto en andrajos, un
demente cualquiera; pero el agrimensor resultó
afecto al alienismo, y no desperdició la ocasión
de interrogar al curioso personaje. Este se dio
cuenta, acto continuo, de lo que mi amigo se
proponía, y abrevió preámbulos con una nitidez
de expresión, por todos conceptos discorde con
su catadura.
— Pero yo no soy loco - dijo con una
notable calma, que mal velaba, no obstante, su
doloroso pesimismo-. Yo no soy loco, y estoy
muerto, efectivamente, hace treinta años. Claro.
¿Para qué me morí?
Mi amigo me guiñó disimuladamente.
Aquello prometía.
— Soy nativo de tal punto, me llamo
Fulano de Tal, tengo familia allá…
(Por mi parte, callo estas referencias, pues
no quiero molestar a personas vivientes y
próximas.)
— Padecía de desmayos, tan semejantes a
la muerte, que después de alarmar hasta el
espanto, concluyeron por infundir a todos la
convicción de que yo no moriría de eso. Unos
doctores lo certificaron con toda su ciencia.
Parece que tenía la solitaria.
“Cierta vez, sin embargo, en uno de esos
desmayos, me quedé. Y aquí empieza la historia
de mi tormento; de mi locura…
“La incredulidad unánime de todos,
respecto a mi muerte, no me dejaba morir. Ante
la naturaleza, yo estaba y estoy muerto. Mas
para que esto sea humanamente efectivo,
necesito una voluntad que difiera. Una sola.
“Volví de mi desmayo por hábito material
de volver; pero yo como ser pensante, yo como
entidad, no existo. Y no hay lengua humana que
alcance a describir esta tortura. La sed de la
nada es una cosa horrible.”
Decía aquello sencillamente, con un acento
tal de verdad, que daba miedo.
— ¡La sed de la nada! Y lo peor es que no
puedo dormir. ¡Treinta años despierto! ¡Treinta
años en eterna presencia ante las cosas y ante mi
no ser!
En la aldea habían concluido por saber
aquello de memoria. Pasaron a ser vulgares sus
reiteradas tentativas para obligarlos a creer en
su muerte. Tenía la costumbre de dormir entre
cuatro velas. Pasaba largas horas inmóvil en
medio del campo, con la cara cubierta de tierra.
Tales narraciones nos interesaron en
extremo; mas cuando nos disponíamos a
metodizar nuestra observación, sobrevino un
desenlace inesperado.
Dos peones que debían alcanzarnos en
aquel punto arribaron la noche del tercer día
con varias mulas rezagadas.
No los sentimos llegar, dormidos como
estábamos, cuando de pronto nos despertaron
sus gritos. He aquí lo que había sucedido.
El loco dormía en la cocina de nuestro
albergue, o aparentaba dormir entre sus velas
habituales - la única limosna que nos había
aceptado.
No mediaban dos metros entre la puerta
donde se detuvieron cohibidos por aquel
espectáculo, y el simulador. Una manta le
cubría hasta el pecho. Sus pies aparecían por el
otro extremo.
— ¡Un muerto! —balbucearon casi en un
tiempo. Habían creído en la realidad.
Oyeron algo parecido al soplo mate de un
odre que se desinfla. La manta se aplastó como
si nada hubiera debajo, al paso que las partes
visibles - cabeza y pies - trocáronse bruscamente
en esqueleto.
El grito que lanzaron púsonos en dos saltos
ante el jergón.
Tiramos de la manta con un erizamiento
mortal.
Allá, entre los harapos, reposaban sin el
más mínimo rastro de humedad, sin la más
mínima partícula de carne, huesos viejísimos a
los cuales adhería un pellejo reseco.
29
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RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
À DERIVA
Horacio Quiroga (1878 – 1937)
O homem pisou algo esbranquiçado e, em
seguida, sentiu a picadura no pé. Deu um salto
e, ao voltar-se com um palavrão, viu uma
jararacuçu que, enrodilhada, preparava um
novo bote.
O homem deu uma olhadela no pé, onde
duas gotinhas de sangue se esforçavam em
engrossar, e sacou o facão da cintura. A
serpente viu a ameaça e afundou ainda mais a
cabeça no centro de sua espiral; mas o facão caiu
sobre ela, segregando-lhe as vértebras.
O homem abaixou-se à mordedura, limpou
as gotinhas de sangue e, durante um instante,
examinou a ferida. Uma dor aguda brotava dos
pontinhos violáceos e começava a invadir todo
o pé. Apressadamente, atou com um lenço o
tornozelo e seguiu pela picada até a fazenda.
A dor no pé aumentava com a sensação de
um inchaço tenso e, de repente, o homem sentiu
três fulgurantes pontadas que, como
relâmpagos, irradiavam-se a partir da ferida e
subiam até a metade da panturrilha. Movia a
perna com dificuldade. Uma secura metálica na
garganta, seguida de uma sede ardente, lhe
arrancou um novo palavrão.
Finalmente chegou à fazenda e lançou os
braços à roda de um moinho. Os dois pontinhos
violáceos agora desapareciam na monstruosa
inchação de todo o pé. A pele parecia
adelgaçada e a ponto de ceder, de tão esticada
que estava. Quis chamar a mulher, mas a voz
rebentou num ronco arrastado de garganta
seca. A sede o devorava.
― Dorotea! ― consegui gritar num
estertor. ― Dê-me cachaça!
A mulher correu-lhe com um copo cheio,
que o homem sorveu em três tragos. Mas não
havia sentido gosto nenhum.
― Eu lhe pedi cachaça, não água! ― rugiu
de novo. ― Dê-me cachaça!
― Mas é cachaça, Paulino! ― respondeu a
esposa, espantada.
― Não! Você me trouxe água! Eu quero
cachaça, já lhe disse!
A mulher correu outra vez, voltando com a
moringa. O homem tragou, um após o outro,
mais dois copos. Contudo, nada sentiu na
garganta.
― Bem, isto está horrível ― murmurou,
olhando para o pé lívido, já tomado de um
brilho gangrenoso. Sobre a funda atadura do
tornozelo, a carne desbordava como um grande
chouriço.
As dores fulgurantes se sucediam em
contínuos relâmpagos, e chegavam agora à
virilha. A atroz secura da garganta, que a
respiração parecia afoguear ainda mais,
aumentava a olhos vistos. Quando tentou se
erguer, um vômito fulminante o manteve meio
minuto com a testa encostada à moenda.
Mas o homem não queria morrer. Então,
descendo à beira do rio, embarcou na canoa.
Sentando-se à popa, pôs-se a remar até o meio
do Paraná. Ali, a corrente, nas imediações do
Iguaçu, percorre seis milhas e ela o levaria em
menos de cinco horas a Tacurú-Pucú.
O homem, com um ímpeto sombrio, pôde
mesmo chegar ao meio do rio; mas, ali, as suas
mãos dormentes deixaram cair o remo na canoa
e, depois de um novo vômito ― desta vez, de
sangue ―, elevou o olhar para o Sol, que já
transpunha a mata.
Até a metade da coxa, toda a perna era um
bloco disforme e duríssimo, que rebentava a
roupa. O homem cortou a atadura e abriu a
calça com a faca: o baixo-ventre desbordou
inchado, terrivelmente doloroso, com grandes
manchas lívidas. O homem estimou que não
mais poderia chegar sozinho a Tacarú-Pacú e
decidiu pedir ajuda a seu compadre Alves, com
quem estava intrigado há muito tempo.
Agora, a corrente do rio precipitava-se até
a banda brasileira, e o homem pôde atracar sem
dificuldades. Arrastou-se na picada margem
acima, mas, a uns vinte metros, exausto, ficou
estendido de peito.
― Alves! ― gritou com as forças que pôde.
E assuntou em vão.
30
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REVISTA VIRTUAL
― Compadre Alves! Não me negue este
favor! ― gritou novamente, erguendo a cabeça.
No silêncio da floresta, não ouviu um ruído
sequer. O homem teve ainda coragem para
chegar à canoa, e a corrente, arrebatando-a de
novo, velozmente levou-a à deriva.
Ali, o Paraná afunda num imenso cânion,
cujas paredes, elevando-se uns cem metros,
represam funebremente o rio. A partir das
margens orladas de negros blocos de basalto,
ergue-se a floresta, igualmente negra. Mais
adiante, nos flancos e por detrás, erige-se a
eterna muralha lúgubre, em cujo fundo o rio,
rodopiante, se precipita, em incessantes
borbulhas de água lodosa. A paisagem é
agressiva e nela reina um silêncio de morte.
Mas, ao entardecer, aquela beleza ― sombria e
calma ― adquire uma singular majestade.
O Sol já havia caído quando o homem,
meio estendido no fundo da canoa,
experimentou um violento calafrio. E, de
repente,
num
sobressalto,
aprumou
pesadamente a cabeça; sentia-se melhor.
Somente lhe doía a perna, a sede diminuía e o
seu peito, agora livre, se abria em lenta
inspiração.
O veneno começava a esvair-se, não havia
dúvida. Achava-se quase bem e, embora não
tivesse força para mover a mão, contava com a
descida do orvalho para recompor-se de todo.
Calculou que antes de três horas estaria em
Tacurú-Pucú.
O bem-estar avançava e, com ele, uma
sonolência cheia de recordações. Já não sentia
2
nada, na perna ou no ventre. O seu compadre
Gaona viveria ainda em Tacurú-Pacú? Será que
veria também Mr. Dougald, o seu ex-patrão, e o
receptor de madeira do obraje2?
Chegaria logo? O céu, no poente, se abria
agora num abajur de ouro, e o rio dourava,
também. Na costa paraguaia, já entenebrecida,
a mata deixava cair sobre o rio a sua frescura
crepuscular, em penetrantes eflúvios de flores
cítricas e mel silvestre. Um casal de araras
sobrevoou bem alto e silenciosamente, rumo ao
Paraguai.
Lá embaixo, sobre o rio de ouro, a canoa
derivava velozmente, girando ocasionalmente
em torno de si mesma, ante o borbotão de um
redemoinho. O homem que seguia nela se
sentia cada vez melhor, enquanto pensava no
exato tempo que havia passado sem ver o seu
ex-patrão Dougald. Três anos? Talvez não, não
tanto. Dois anos e nove meses? Talvez. Oito
meses e meio? Isto mesmo, seguramente.
De repente, sentiu que estava gelado até o
peito.
O que seria isso? E a respiração...
Havia conhecido o receptor de madeiras de
Mr. Dougalad, Lorenzo Cubilla, em Puerto
Esperanza, numa Sexta-feira Santa... Sextafeira? Sim, ou fora numa quinta?...
O homem esticou lentamente os dedos da
mão.
― Numa quinta-feira...
E parou de respirar.
Tradução de Paulo Soriano.
Estabelecimento de exploração florestal.
31
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REVISTA VIRTUAL
A LA DERIVA
Horacio Quiroga (1878 – 1937)
El
hombre pisó algo blanduzco, y en
seguida sintió la mordedura en el pie. Saltó
adelante, y al volverse con un juramento vio
una yararacusú que arrollada sobre sí misma
esperaba otro ataque.
El hombre echó una veloz ojeada a su pie,
donde dos gotitas de sangre engrosaban
dificultosamente, y sacó el machete de la
cintura. La víbora vio la amenaza, y hundió más
la cabeza en el centro mismo de su espiral; pero
el machete cayó de lomo, dislocándole las
vértebras.
El hombre se bajó hasta la mordedura,
quitó las gotitas de sangre, y durante un
instante contempló. Un dolor agudo nacía de
los dos puntitos violetas, y comenzaba a invadir
todo el pie. Apresuradamente se ligó el tobillo
con su pañuelo y siguió por la picada hacia su
rancho.
El dolor en el pie aumentaba, con sensación
de tirante abultamiento, y de pronto el hombre
sintió dos o tres fulgurantes puntadas que como
relámpagos habían irradiado desde la herida
hasta la mitad de la pantorrilla. Movía la pierna
con dificultad; una metálica sequedad de
garganta, seguida de sed quemante, le arrancó
un nuevo juramento.
Llegó por fin al rancho, y se echó de brazos
sobre la rueda de un trapiche. Los dos puntitos
violeta desaparecían ahora en la monstruosa
hinchazón del pie entero. La piel parecía
adelgazada y a punto de ceder, de tensa. Quiso
llamar a su mujer, y la voz se quebró en un
ronco arrastre de garganta reseca. La sed lo
devoraba.
— ¡Dorotea! - alcanzó a lanzar en un
estertor -. ¡Dame caña!
Su mujer corrió con un vaso lleno, que el
hombre sorbió en tres tragos. Pero no había
sentido gusto alguno.
—¡Te pedí caña, no agua! -rugió de nuevo.
¡Dame caña!
—¡Pero es caña, Paulino! - protestó la mujer
espantada.
—¡No, me diste agua! ¡Quiero caña, te digo!
La mujer corrió otra vez, volviendo con la
damajuana. El hombre tragó uno tras otro dos
vasos, pero no sintió nada en la garganta.
—Bueno; esto se pone feo - murmuró
entonces, mirando su pie lívido y ya con lustre
gangrenoso. Sobre la honda ligadura del
pañuelo, la carne desbordaba como una
monstruosa morcilla.
Los dolores fulgurantes se sucedían en
continuos relampagueos, y llegaban ahora a la
ingle. La atroz sequedad de garganta que el
aliento parecía caldear más, aumentaba a la par.
Cuando pretendió incorporarse, un fulminante
vómito lo mantuvo medio minuto con la frente
apoyada en la rueda de palo.
Pero el hombre no quería morir, y
descendiendo hasta la costa subió a su canoa.
Sentóse en la popa y comenzó a palear hasta el
centro del Paraná. Allí la corriente del río, que
en las inmediaciones del Iguazú corre seis
millas, lo llevaría antes de cinco horas a TacurúPucú. El hombre, con sombría energía, pudo
efectivamente llegar hasta el medio del río; pero
allí sus manos dormidas dejaron caer la pala en
la canoa, y tras un nuevo vómito —de sangre
esta vez — dirigió una mirada al sol que ya
trasponía el monte.
La pierna entera, hasta medio muslo, era ya
un bloque deforme y durísimo que reventaba la
ropa. El hombre cortó la ligadura y abrió el
pantalón con su cuchillo: el bajo vientre
desbordó hinchado, con grandes manchas
lívidas y terriblemente doloroso. El hombre
pensó que no podría jamás llegar él solo a
Tacurú-Pucú, y se decidió a pedir ayuda a su
compadre Alves, aunque hacía mucho tiempo
que estaban disgustados.
La corriente del río se precipitaba ahora
hacia la costa brasileña, y el hombre pudo
fácilmente atracar. Se arrastró por la picada en
cuesta arriba, pero a los veinte metros,
exhausto, quedó tendido de pecho.
— ¡Alves! — gritó con cuanta fuerza pudo;
y prestó oído en vano.
— ¡Compadre Alves! ¡No me niegue este
favor! -clamó de nuevo, alzando la cabeza del
suelo. En el silencio de la selva no se oyó un solo
rumor. El hombre tuvo aún valor para llegar
hasta su canoa, y la corriente, cogiéndola de
nuevo, la llevó velozmente a la deriva.
El Paraná corre allí en el fondo de una
inmensa hoya, cuyas paredes, altas de cien
metros, encajonan fúnebremente el río. Desde
las orillas bordeadas de negros bloques de
basalto, asciende el bosque, negro también.
Adelante, a los costados, detrás, la eterna
muralla lúgubre, en cuyo fondo el río
arremolinado se precipita en incesantes
borbollones de agua fangosa. El paisaje es
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agresivo, y reina en él un silencio de muerte. Al
atardecer, sin embargo, su belleza sombría y
calma cobra una majestad única.
El sol había caído ya cuando el hombre,
semitendido en el fondo de la canoa, tuvo un
violento escalofrío. Y de pronto, con asombro,
enderezó pesadamente la cabeza: se sentía
mejor. La pierna le dolía apenas, la sed
disminuía, y su pecho, libre ya, se abría en lenta
inspiración.
El veneno comenzaba a irse, no había duda.
Se hallaba casi bien, y aunque no tenía fuerzas
para mover la mano, contaba con la caída del
rocío para reponerse del todo. Calculó que antes
de tres horas estaría en Tacurú-Pucú.
El bienestar avanzaba, y con él una
somnolencia llena de recuerdos. No sentía ya
nada ni en la pierna ni en el vientre. ¿Viviría aún
su compadre Gaona en Tacurú-Pucú? Acaso
viera también a su ex patrón míster Dougald, y
al recibidor del obraje.
¿Llegaría pronto? El cielo, al poniente, se
abría ahora en pantalla de oro, y el río se había
coloreado también. Desde la costa paraguaya,
ya entenebrecida, el monte dejaba caer sobre el
río su frescura crepuscular, en penetrantes
efluvios de azahar y miel silvestre. Una pareja
de guacamayos cruzó muy alto y en silencio
hacia el Paraguay.
Allá abajo, sobre el río de oro, la canoa
derivaba velozmente, girando a ratos sobre sí
misma ante el borbollón de un remolino. El
hombre que iba en ella se sentía cada vez mejor,
y pensaba entretanto en el tiempo justo que
había pasado sin ver a su ex patrón Dougald.
¿Tres años? Tal vez no, no tanto. ¿Dos años y
nueve meses? Acaso. ¿Ocho meses y medio?
Eso sí, seguramente. De pronto sintió que
estaba helado hasta el pecho. ¿Qué sería? Y la
respiración también...
Al recibidor de maderas de míster
Dougald, Lorenzo Cubilla, lo había conocido en
Puerto Esperanza un viernes santo... ¿Viernes?
Sí, o jueves...
El hombre estiró lentamente los dedos de la
mano.
—Un jueves...
Y cesó de respirar.
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NOSSOS
CONTOS/NUESTROS CUENTOS
PERIGO IMINENTE
Ricardo Manzanaro
Juan se envolveu num grosso casaco para
mitigar o frio polar. Tinha que se apressar.
Observou que o capitão, que estava na direção do
navio, conversava calmamente com um outro
tripulante, alheio ao enorme obstáculo que se
aproximava.
Juan entrou como uma bala na cabine. Os
outros dois, surpresos com a súbita aparição,
demoraram a reagir. Já se levantavam para deter
Juan quando...
Lá estava o iceberg! Juan se lançou ao leme e
deu-lhe um forte tapa que fez o navio desviar-se
bruscamente. O transatlântico evitou, por
minguados metros, o bloco de gelo, livrando-se de
colidir e soçobrar até afundar.
Então, alguns dias depois, o Titanic voltou ao
porto, ileso, embora com alguns passageiros
machucados por conta da guinada.
Juan, satisfeito, pensou: “Salvei o Titanic”.
Ainda em seu camarote, apertou um botão em um
dispositivo que usava no pulso e sumiu de lá.
Surgiu, então, em sua casa. Feliz e satisfeito
com a aventura, dedicou-se a consultar o catálogo
de “Viagens Paralelas S.A.”. Momentos depois,
decidiu-se pela seguinte escapada alternativa:
“Viaje a Dallas e evite que Kennedy seja
assassinado. O preço inclui uma câmera que
filmará a aventura, para que você possa, depois,
mostrar aos seus amigos como salvou Kennedy”.
Tradução de Paulo Soriano.
PELIGRO INMINENTE
Ricardo Manzanaro
Juan
se enfundó un grueso abrigo para
mitigar el frío polar. Tenía que darse prisa. Observó
que el capitán que estaba al mando de la nave
charlaba relajadamente con otro de los operarios,
ajeno al enorme obstáculo al que se acercaban.
Juan entró como una bala en la cabina. Los
otros dos, sorprendidos por la súbita aparición,
tardaron un poco en reaccionar. Ya se levantaban
para detener a Juan cuando…
¡Ahí estaba el iceberg! Juan se lanzó al timón y
le dio un fuerte manotazo que hizo virar
bruscamente la nave. El transatlántico evitó por
escasos metros el bloque de hielo, librándose de
chocar y zozobrar hasta hundirse.
Luego, a los pocos días, el Titanic regresaba al
puerto, indemne, aunque con algunos pasajeros
magullados por el tortazo.
Juan, satisfecho, pensaba: «He salvado el
Titanic». Aún en su camarote, apretó un botón de
un dispositivo que portaba en su muñeca, y
desapareció de allí.
Surgió entonces en su domicilio. Feliz y
contento tras la aventura, se dedicó a mirar el
catálogo de «Viajes Paralelos S.A.». Un rato
después se decidió por la siguiente escapada
alternativa: «Viaje a Dallas y evite que Kennedy sea
asesinado. El precio incluye un cámara que rodará
la aventura, para que luego pueda enseñar a sus
amigos cómo salvó a Kennedy».
34
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O ÚLTIMO ATO MACABRO DE EDGAR
ALLAN POE
Marcelo Medone
Peter Orson Elsworth sempre acreditou na
história que seu pai, Patrick Oswald Elsworth, lhe
contara sobre suas iniciais POE serem devidas a
um tributo familiar ao famoso escritor Edgar
Allan Poe. Até mesmo seu avô, Percival Oliver
Elsworth, seguiu a regra.
Que o pai fosse fã do autor do poema “O
corvo” e dos contos “O poço e o pêndulo”, “O
barril de Amontilhado” e “A queda da casa de
Usher”, estava fora de questão. Ele tinha obtido
cada um de seus livros, com histórias de crime,
ficção científica e terror, seus poemas, ensaios,
artigos de jornal e até mesmo seu único romance,
“A narrativa de Arthur Gordon Pym”.
Dono de uma fortuna apreciável, Patrick
Elsworth havia construído uma residência no
estilo da abadia fortificada do Príncipe Próspero
em “A máscara da Morte Rubra”, com seus sete
quartos pintados e decorados em cores diferentes,
seguindo o padrão da história: azul, púrpura,
verde, laranja, branco, roxo e preto.
Na sala ele tinha um corvo e um gato preto
embalsamados, uma caixa de vidro com um
besouro dourado com manchas pretas incomuns
e um retrato oval “de uma jovem de rara beleza,
cheia de encantos e alegria”. A peça central de sua
exibição foi “um orangotango muito grande de
pelagem castanho-amarelada e da espécie de
Bornéu”, também embalsamado, com uma placa
que anunciava: “Rue Morgue, quartier SaintRoch”.
Em seu quarto montou cenário para uma de
suas histórias favoritas: “O coração delator”. Ele
levantou as tábuas do assoalho e escondeu sob
elas um verdadeiro coração humano mumificado,
que obteve de um funcionário do necrotério
judicial que não lhe fez perguntas quando lhe
ofereceu quinhentos dólares pela peça anatômica.
Seu museu pessoal também se estendia até o
porão de sua casa. Patrick tinha uma caixa
funerária com uma múmia, uma caveira pregada
a um galho e uma caixa retangular etiquetada
“Dona Adelaide Curtis, Albany, Nova York,
remessa Cornelius Wyatt, Esq. Este lado para
cima. Trate-se com cuidado” ao lado de uma boia
salva-vidas com o nome "Independence"
gravado, como na história “A caixa oblonga”.
Dentro da caixa estava o cadáver de uma jovem
preservado em sal; não se sabe se foi verdade ou
se foi um truque muito convincente. Além disso,
no meio do porão havia um poço e um pêndulo
transformado em machado oscilante. Além de
tudo, ele tinha uma coleção de barris de
amontilhado, empilhados contra uma parede de
tijolos inacabada.
Patrick disse a pequeno Peter que eles eram
descendentes não reconhecidos de E. A. Poe. De
acordo com sua versão, o escritor teve um filho
ilegítimo com uma prostituta na Filadélfia, com
quem ele iniciou um breve relacionamento no
momento da publicação de seu “Manuscrito
encontrado numa garrafa”. Na época, Edgar
tinha 23 anos. Quatro anos depois, ele se casaria
com sua prima de 13 anos, Virginia Clemm, que
morreu depois de dois anos de tuberculose.
Virginia e Edgar nunca tiveram filhos.
Aos 40 anos, o pai de Peter, convencido de
que ele era o alter ego de Edgar Allan Poe,
suicidou-se ao consumir uma overdose de
morfina, tentando imitar o escritor que vivia
viciado em ópio e álcool. Edgar Allan Poe morreu
precisamente aos 40 anos.
Após a morte de seu pai, o jovem Peter
Orson Elsworth também sucumbiu à maldição da
família, tornando-se ainda mais obcecado pelo
infeliz escritor. Na casa dos vinte anos, ela até
procurou encontros com meninas chamadas
Virginia, em homenagem à jovem esposa de
Edgar, sem sucesso. Em uma ocasião, ele
encontrou uma prostituta madura com esse nome
e fugiu horrorizado. Felizmente, a mania de Peter
não acabou procurando conhecer garotas
tuberculosas.
Por mais de quinze anos, Peter Elsworth
viveu obcecado em provar que era descendente
de Edgar Allan Poe, solicitando repetidamente
permissão judicial para exumar o cadáver do
escritor, que estava no cemitério da Igreja
Presbiteriana de Westminster, em Baltimore,
Maryland, para fazer testes genéticos, mas seu
pedido foi sistematicamente rejeitado por causa
da fraqueza de seus argumentos, que consistiam
apenas na palavra de seu falecido pai.
Enfim, cansado das negativas contínuas, em
uma noite de inverno com lua cheia, no final de
2020, Peter contratou uma dupla de coveiros de
registros duvidosos para profanar o túmulo do
grande escritor. Eles invadiram o cemitério e
foram diretamente a sepultura de Edgar.
Depois de cavar e lutar com o ataúde, eles
conseguiram abri-lo e expor seu conteúdo à luz
da lua.
Para sua surpresa e desânimo, tudo o que
encontraram foi um caixão vazio ocupado apenas
por um enorme corvo preto mumificado.
35
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EL ÚLTIMO ACTO MACABRO DE EDGAR
ALLAN POE
Marcelo Medone
Peter
Orson Elsworth siempre creyó la
historia que su padre, Patrick Oswald Elsworth,
le contara acerca de que sus iniciales POE se
debían a un homenaje al famoso escritor Edgar
Allan Poe. Inclusive su abuelo, Percival Oliver
Elsworth, había seguido la regla familiar.
Que el padre fuera un fanático del autor del
poema El cuervo y de los cuentos El pozo y el
péndulo, El tonel de amontillado y La caída de
la casa Usher, estaba fuera de discusión. Había
conseguido cada uno de sus libros, con cuentos
de crímenes, ciencia ficción y terror, sus
poemas, ensayos, artículos periodísticos e
incluso su única novela, La narración de Arthur
Gordon Pym.
Dueño de una apreciable fortuna, Patrick
Elsworth había construido una residencia al
estilo de la abadía fortificada del príncipe
Próspero en La máscara de la Muerte Roja, con
sus siete habitaciones pintadas y decoradas en
diferentes colores, siguiendo el patrón del
cuento: azul, púrpura, verde, naranja, blanco,
violeta y negro.
Además, Peter Orson Elsworth tenía en el
living un cuervo y un gato negro
embalsamados, una caja de vidrio con un
escarabajo dorado con manchas negras poco
comunes y un retrato oval “de una joven de rara
belleza, llena de encanto y alegría”. La pieza
central de su exhibición era “un orangután muy
grande de pelaje castaño amarillento de la
especie de Borneo”, también embalsamado, con
una placa que anunciaba: “Rue Morgue,
quartier Saint-Roch”.
En su dormitorio había armado la
escenografía de uno de sus cuentos favoritos: El
corazón delator. Había levantado las tablas del
piso y había escondido debajo de ellas un
verdadero corazón humano momificado, que
había obtenido con un funcionario de la morgue
judicial que no le hizo preguntas cuando le
ofreció quinientos dólares por la pieza
anatómica.
Su museo personal también se extendía
hasta el sótano de su casa. Patrick tenía una caja
funeraria con una momia, una calavera clavada
a una rama y una caja rectangular etiquetada
“Sra. Adelaide Curtis, Albany, Nueva York,
envío de Cornelius Wyatt, Esq. Este lado para
arriba. Trátese con cuidado” junto a un
salvavidas con el nombre “Independence”
grabado, como en el cuento La caja oblonga.
Dentro de la caja estaba el cadáver conservado
en sal de una mujer joven: no se sabe si era
verdadero o si se trataba de un truco muy
convincente. Además, en el medio del sótano
había un pozo y un péndulo transformado en
un hacha oscilante. Por último, tenía una
colección de barriles de amontillado, apilados
contra una pared de ladrillos sin terminar.
Patrick le había dicho al pequeño Peter que
ellos eran descendientes no reconocidos de E. A.
Poe. De acuerdo con su versión, el escritor había
tenido un hijo ilegítimo con una prostituta de
Filadelfia, con quien había iniciado una breve
relación en el momento de la publicación de su
Manuscrito encontrado en una botella. En esa
época, Edgar tenía 23 años. Cuatro años
después, se casaría con su prima de 13 años,
Virginia Clemm, que moriría dos años más
tarde de tuberculosis. Virginia y Edgar nunca
tuvieron hijos.
A los 40 años, el padre de Peter, convencido
de que era el alter ego de Edgar Allan Poe, se
suicidó consumiendo una sobredosis de
morfina, intentando imitar al escritor, que era
un adicto al opio y el alcohol. Edgar Allan Poe
había muerto, precisamente, a los 40 años.
Después de la muerte de su padre, el joven
Peter Orson Elsworth también sucumbió a la
maldición familiar, volviéndose todavía más
obsesionado con el infeliz escritor. A sus veinte
años, buscó citarse con niñas llamadas Virginia,
por la joven esposa de Edgar, sin éxito. En una
ocasión, se encontró con una prostituta madura
de ese nombre y huyó horrorizado.
Afortunadamente, la manía de Peter no llegó a
buscar citas con muchachas tuberculosas.
Por más de quince años, Peter Elsworth
vivó obsesionado con probar que era
descendiente de Edgar Allan Poe, solicitando
repetidamente permiso judicial para exhumar
el cadáver del escritor, que se encontraba en el
cementerio de la Iglesia Presbiteriana de
Westminster, en Baltimore, Maryland, para
hacerle pruebas genéticas, pero su pedido fue
sistemáticamene rechazado a causa de la
endeblez de sus argumentos, que consistían
apenas en la palabra de su padre, ya fallecido.
Finalmente, cansado de las continuas
negativas, en una noche invernal de luna llena,
a fines del año 2020, Peter contrató a un par de
sepultureros de dudoso historial para profanar
la tumba del gran escritor. Se inmiscuyeron en
36
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el cementerio y fueron directamente a la
sepultura de Edgar.
Después de cavar y forcejear con el féretro,
consiguieron abrirlo y exponer su contenido a
la luz de la luna.
Para su sorpresa y su consternación, todo
lo que encontraron fue un ataúd vacío ocupado
apenas por un enorme cuervo negro
momificado.
Traducción de Marcelo Medone.
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O RESSUSCITADO
Paulo Soriano
Eu vi Lázaro retornar dos Vales das
Sombras. Vi com os meus olhos. Sob a
ordem do Rabi, removemos a grande
pedra, e o olor deletério, expulso do
intestino da gruta, foi como um murro no
estômago. Retrocedi de asco e de pavor.
O Rabi dissera: “Lázaro, vem para
fora.” Com os pés e as mãos atados ao
sudário, o defunto saiu, desajeitado como
uma enguia em terra, arrastando-se pela
superfície áspera e pedregosa de seu túmulo.
Os que se seguiram ao retorno de
Lázaro foram dias tensos. Ele caiu num
mutismo desesperador. Supúnhamos que
Lázaro não gostara nada da experiência
da morte. Seus olhos transpiravam os
horrores que se ocultavam na eternidade
prometida. Era evidente que Lázaro não
gostaria de a ela retornar.
Certa feita, Lázaro desaparecera. Fora
encontrado nas cercanias da herdade,
babando como um lunático e rasgando,
com os dentes que ainda lhe restavam, o
tenro abdome de uma gorda ratazana.
Com que avidez Lázaro, meu patrão,
sugava e extraía, alucinadamente, do
ventre do animal, o seu alimento!
Lembro-me bem: era véspera do Sabá, e
Marta e Maria haviam deixado Betânia às
pressas, condoídas pela notícia da prisão
do Rabi.
À terceira hora, quando o solo tremeu
(a partir de Jerusalém, porque era morto,
naquele instante, o Senhor), os serviçais
viram um Lázaro alucinado. O homem
lacerava as vestes e se contorcia de dor.
Sua tez estava pálida e de sua fronte
escorriam grossas bagas de um líquido
fétido e viscoso. E, das mãos e dos pés
sudorosos, vi que fluía uma substância
deletéria, de tonalidade verde-musgo. Os
suores eram de uma pestilência pungente,
que enodoava os grossos lençóis e
infiltrava-se até nas ranhuras do chão de
ladrilho.
Então, num átimo, Lázaro gritou.
Gritou porque suas carnes, de tão podres,
se rasgavam; e sua alma, de tão
aterrorizada, retornava ao Sheol, de onde
nunca deveria ter-se evadido.
Eu, Levi, filho de Benjamim, fui o
único que se atreveu a recolher a massa
pestilenta em que se convertera o cadáver
do ressuscitado.
38
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
EL RESUCITADO
Paulo Soriano
Vi a Lázaro regresar de los Valles de
las Sombras. Lo vi con mis propios ojos.
Por orden del rabino, retiramos la gran
piedra y el olor nauseabundo, expulsado
del intestino de la cueva, fue como un
puñetazo en el estómago. Retrocedí con
asco y temor.
El rabino había dicho: "Lázaro, sal".
Atado de pies y manos al sudario, el
difunto salió, torpe como una anguila en
tierra, arrastrándose por la superficie
áspera y pedregosa de su tumba.
Los días que siguieron al regreso de
Lázaro fueron tensos. Él cayó en un
silencio desesperante. Supusimos que a
Lázaro no le había gustado en absoluto la
experiencia de la muerte. Sus ojos
exudaban los horrores que se escondían
en la eternidad prometida. Era evidente
que Lázaro no deseaba volver a ella.
Un día, Lázaro desapareció, pero lo
encontraron en las afueras de la finca,
babeando
como
un
lunático
y
desgarrando, con los dientes que le
quedaban, el abdomen tierno de una rata
gorda. ¡Con qué ansia Lázaro, mi amo,
chupaba y extraía locamente su alimento
del vientre del animal! Lo recuerdo bien:
era víspera de Sabbat, y Marta y María
habían salido de Betania a toda prisa,
desconsoladas por la noticia del arresto
del rabino.
A la hora tercera, cuando la tierra
tembló (desde Jerusalén, porque estaba
muerto, en ese momento, el Señor), los
sirvientes vieron a un Lázaro alucinado.
El hombre laceraba su ropa y se retorcía
de dolor. Su tez estaba pálida y de su
frente fluían espesas gotas de un líquido
viscoso y fétido. Y vi que manaba, de sus
manos y pies sudorosos, una sustancia
nauseabunda de color verde musgo. Los
sudores,
de
intensa
pestilencia,
manchaban las gruesas sábanas y se
filtraban incluso en las ranuras del suelo
de baldosas.
Entonces, en un instante, Lázaro
gritó. Gritó porque su carne, tan podrida,
se desgarró; y su alma, tan aterrorizada,
regresó al Seol, del cual nunca debería
haber escapado.
Yo, Leví, hijo de Benjamín, fui el
único que se atrevió a recoger la masa
pestilente en la que se había convertido el
cadáver del resucitado.
Traducción de Paulo Soriano.
Revisión de Ângelo Brea.
39
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
A OFERENDA
Mário Terrabatava
Mei
Li, a bela filha do governante de
Yangzhou, consultou o oráculo — uma velha
senhora de olhos obnubilados pela catarata,
mas que nunca errara um único vaticínio em
sua longa existência— e escutou, com o coração
enregelado:
— É isto mesmo. Ele quer uma segunda
esposa.
— Ele não me ama?
— Não. Jamais a amou. Casou-se com você
apenas para ascender socialmente e obter um
cargo no governo provincial.
— Eu não... eu não...
— E há algo mais. Lei Huo pretende matála.
— Mas, por quê?
— Para assenhorar-se definitivamente de
seu dote...
*
No dia seguinte, Lei Huo, estranhando a
súbita mudança no comportamento da esposa,
e porque esta se recusava a contar-lhe o motivo
de seu acabrunhamento, procurou o oráculo.
Ouviu:
— Ela somente pensa no filho. Você não
existe para ela. Considera-o inferior.
— Há como fazê-la mudar de opinião?
— Não. Ela quer matá-lo. Quer estar livre
para casar-se em segunda núpcias com um rico
aristocrata que a ama.
*
No dia seguinte, Lei Huo, temendo as
nefastas consequências dos desígnios da
esposa, e para antecipar-se a um ataque
sorrateiro, decidiu segui-la a distância.
À tardinha, Mei Li dirigiu-se à casa do pai.
A aia, que quase sempre a acompanhava em
seus passeios, ficara em casa, cuidando do
pequenino Yan Tao.
Lei Huo escondeu-se atrás tronco de
cerejeira frondosa, fincada entre a alameda e o
lago, e esperou.
A lua cheia já ia alta quando Mei Li
retomou o caminho de casa.
Parecia muito feliz.
Quando passou sob as copas cerejeira, Lei
Huo saltou sobre ela. Segurou-a por trás e, num
golpe certeiro de adaga, abriu-lhe a garganta.
A mulher caiu com a face voltada para o
chão, debatendo-se na relva como uma galinha
degolada.
Lei Huo esperou que cessasse a convulsão.
Depois, tendo recolhido os colares e anéis da
esposa, somente para simular um latrocínio,
voltou, pressuroso, para casa.
*
Lei Huo serviu-se do vinho de arroz e
recolheu-se à alcova.
Deitado, olhava para o teto parcamente
iluminado por uma única lamparina.
Imaginava como seria doravante a vida de
viúvo.
No quarto ao lado, a aia Liang Lin, que se
servira daquele mesmo vinho, deitara-se sobre
as esteiras de bambu ao pé do berço de Yan Tao.
Se alguém a visse na penumbra do quarto da
criancinha, pensaria que adormecera de
cansaço. Mas não. Ela não adormecera
profundamente. Os seios tinham uma
imobilidade de estátua. Ela estava morta.
Quando Lei Huo acordou e tentou se
levantar, viu que o mundo rodopiava em torno
de si como um ciclone de outono. O ventre e a
garganta ardiam em fogo, mas ele suava frio.
Quando compreendeu o que se passava, pôs-se
a rir como um alucinado. As suas últimas
palavras foram estas:
— A víbora maldita me envenenou...
*
Uma sombra repugnante rastejou pelas
paredes da casa onde jaziam os cadáveres de
um homem e uma mulher.
A sombra avançou para o berço. Tomou a
criancinha em seus braços enrugados e saiu com
ela.
Ao passar pela sala, em direção à porta,
seus olhos, obnubilados pela catarata, apesar de
baços, refletiram um lampejo de luar que
escorrera subitamente da janela aberta.
Tomada por um calafrio, a velha mulher
escondeu-se nas sombras. Ganhou a rua escura.
O altar de sacrifícios já estava preparado.
Yaiguai, o demônio tenebroso, tinha sede de
sangue. No colo da mulher, a preciosa oferenda
dormia tranquilamente, rumo ao holocausto.
40
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
LA OFRENDA
Mário Terrabatava
Mei Li, la hermosa hija del gobernante de
Yangzhou, consultó al oráculo — una anciana con
los ojos cubiertos por la catarata, pero que nunca
había fallado una sola predicción, auspiciosa o
nefasta, en su larga existencia — y escuchó, con el
corazón helado:
— Esto es todo. Quiere una segunda esposa.
— ¿Él no me ama?
— No. Nunca te ha amado. Se casó contigo
solo para ascender socialmente y obtener un
puesto en el gobierno provincial.
— Yo no... yo no...
— Y hay algo más. Lei Huo tiene la intención
de matarla.
— ¿Pero por qué? ¿Por qué haría eso? ¿Por
qué mi fiel esposo, que prometió amarme para
siempre, lo haría?
— Haría esto para ser definitivamente dueño
de tu dote...
*
Al día siguiente, Lei Huo se sorprendió por
el cambio repentino en el comportamiento de su
esposa. Por mucho que insistiera, la joven se negó
firmemente a decirle el motivo de su desánimo.
Buscó alguna aclaración consultando el
oráculo.
— Ella sólo piensa en su hijo pequeño.
Simplemente no existes para ella. Te considera
inferior, indigno de ser acogido en el seno de la
alta nobleza a la que pertenece — dijo la anciana
de ojos brumosos.
—¿Hay alguna manera de hacerla cambiar
de opinión?
— No. Ella quiere matarte. Quiere ser libre
para casarse en segunda boda con un aristócrata
rico que la ama.
*
Al día siguiente, Lei Huo, temiendo las
consecuencias dañinas de las intenciones de su
esposa, y con el fin de anticipar un ataque furtivo,
decidió seguirla a distancia.
Por la tarde, Mei Li fue a la casa de su padre.
La criada, que a menudo la acompañaba en sus
salidas, se había quedado en casa, cuidando al
pequeño Yan Tao, el único hijo de la joven pareja.
Lei Huo se escondió detrás del tronco de un
frondoso cerezo anidado entre el bulevar y el lago
Gaoyou, y esperó.
La luna llena ya estaba alta cuando Mei Li
emprendió su camino a casa.
Se veía muy feliz.
Cuando pasó por debajo de la fronda del
cerezo, Lei Huo saltó sobre la mujer. La sostuvo
por detrás y, con un golpe de daga afilada, le
abrió la garganta.
La mujer cayó boca abajo, agitándose sobre
la hierba como una gallina decapitada.
Lei Huo esperó a que se detuviera la
convulsión. Luego, habiendo recogido los
collares y anillos de su esposa para simular un
latrocinio, regresó apresuradamente a casa.
*
Lei Huo se sirvió vino de arroz y se retiró a
la alcoba.
Acostado, el asesino miró el techo
débilmente iluminado por una sola lámpara.
Especuló sobre cómo sería la vida de viudo de
ahora en adelante.
En la habitación de al lado, la doncella Liang
había bebido en secreto el mismo vino y se había
acostado en la estera de bambú, al pie de la cuna
del pequeño Yan Tao. Si alguien la veía en la
penumbra de la habitación del bebé, pensaría que
se había quedado dormida por la fatiga. Pero no.
No se había dormido profundamente. Lo pechos
tenían una inmovilidad de estatua. Estaba
muerta.
Cuando Lei Huo se despertó e intentó
levantarse, vio que el mundo giraba a su
alrededor como un ciclón otoñal. Su vientre y su
garganta quemaban, pero el hombre sudaba frío.
Cuando comprendió lo que estaba pasando, se
echó a reír como un loco. Sus últimas palabras
fueron estas:
— ¡La maldita víbora me envenenó!
Y tenía razón.
*
Una sombra repugnante se deslizó por las
paredes de la casa donde yacían los cadáveres de
un hombre y una mujer.
La sombra avanzó hacia la cuna. Tomó al
niño en sus brazos arrugados y se fue con él.
Mientras atravesaba la habitación hacia la
puerta, sus ojos, aunque bazos, nublados por la
catarata, reflejaban un destello de luz de luna que
se había filtrado de repente por la ventana abierta.
Tomada por un escalofrío, la anciana se escondió
en las sombras. Escabulléndose en la oscuridad,
ganó la calle sombría. El altar de sacrificio ya
estaba preparado. Yaoguai, el demonio oscuro,
estaba sediento de sangre. En el regazo de la
mujer, Yan Tao, la preciosa ofrenda, dormía
profundamente, siendo llevado al holocausto.
Traducción de Paulo Soriano.
Revisión de Valentim Fagin.
41
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
GÉLIDAS MÃOS
Luiz Raimundo
A
Lua cheia iniciava sua trajetória
firmamento acima e sua luz chamava a atenção
dos circundantes. Vez por outra uma nuvem
densa e negra cobria-lhe o brilho, dando-lhe um
aspecto lúgubre e assustador. Junto ao portão,
bem mais alto do que ela gostaria, Marilu o
escalava para ganhar a rua e seguir seu
caminho. Com muito custo transpôs a barreira
que lhe impedia-lhe a jornada. Ao pular para o
lado de fora, deixou um pedaço do seu longo
vestido verde com estampas floridas, preso
numa ponta de arame. A blusa de cetim azul
turquesa estava toda suja e desalinhada no
corpo. Nas suas longas mãos de pianista,
algumas unhas quebradas e outras trazendo
debaixo pequenos tufos de terra marrom e
húmida. Seu rosto, lívido com uma cera, trazia
traços de terra, como uma maquiagem sinistra.
Com os pés descalços, tinha dificuldade
para caminhar rua abaixo, e a fraca iluminação
era mais um complicador. Descia lentamente e
com o olhar fixo no chão, pois o farol dos carros,
que eventualmente subiam, lhe ofuscava a
visão.
Nas proximidades da Escola Municipal e
da Câmara, o movimento de pessoas era maior.
E aqueles que deparavam com a estranha figura
afastavam-se assustadas. Ao atravessar a ponte
da Barrinha causou ainda mais espanto,
fazendo com que os pedestres que vinham no
sentido contrário, ou voltassem apavorados ou
mudavam de lado, com passo apressado para
se esquivar daquele ser estranho.
Subiu a avenida Caetano Marinho
parecendo um personagem do seriado de TV
“The Walking Dead” deixando atrás de si um
forte cheiro de flores. Quanto melhor a luz da
rua, mais se acentuava o seu aspecto tenebroso.
Ao se aproximar da Casa de Chopp, não foi
diferente: as pessoas das mesas se levantavam
apavoradas
e
debandavam
aturdidas,
tombando cadeiras e derrubando copos, o
mesmo acontecendo próximo ao Garfield´s...
Marilu, de olhos fixos na rua, não entendia
nada, não compreendia o comportamento das
pessoas, muitas delas suas conhecidas de longa
data. Mas seguia o seu caminho, percebendo
pessoas que se ajoelhavam com as mãos no
rosto e rezavam em voz alta o Credo; outras
simplesmente
paravam
embasbacadas,
petrificadas...
Ao chegar à porta de sua casa, bateu duas
vezes, e mais duas, até a que a porta se abriu.
Sua mãe, Leonice, eriçou os cabelos, não disse
nada, e desmaiou, estatelando-se no piso da
sala. Maricler, sua irmã, saindo do quarto e
deparando com aquela assustadora imagem,
soltou um grito excruciante e, também, foi ao
chão. Seu pai, assustado com grito de Maricler,
vindo da cozinha encontrou a moça parada no
meio da sala. Sua boca se abriu, seus olhos
arregalaram e não conseguiu dizer uma palavra
sequer...
Dos fundos olhos azuis duas lagrimas
rolaram, marcando sua trajetória no rosto sujo
de Marilu. Com uma voz fraca e sentida,
perguntou: “O que está acontecendo, papai? Por
que as pessoas estão agindo assim? Até você, meu
pai, fica aí, a me olhar, sem dizer nada!”
Olhou para o lado e deixou seu corpo cair
sobre o sofá da sala, cerrou os olhos, e
adormeceu cansada.
O pai, se recompondo, com um soluço
sentido, ajoelhou-se ao lado da filha, tomou nas
suas as mãos gélidas de Marilu, e rezou
baixinho. Como poderia estar ali a sua filha,
cujo sepultamento se dera há três dias, como? ...
Enquanto isso, no Cemitério Mirante da
Paz, uma sepultura jazia, inexplicavelmente,
aberta e sem um corpo...
42
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
MANOS HELADAS
Luiz Raimundo
La
Luna
llena iniciaba
su
trayectoria
ascendente por el firmamento y su luz llamaba la
atención de los viandantes. De vez en cuando, una
nube negra y densa le toldaba el brillo, dándole un
aspecto lúgubre y tétrico. Junto al portón, bastante
más alto de lo que a ella le habría gustado, Marilú
lo escalaba para alcanzar la calle y seguir su
camino. Con mucho esfuerzo traspuso la barrera
que le impedía el paso. Al saltar al otro lado, dejó
un pedazo de su largo vestido verde de flores
estampadas, prendido en la punta de un alambre.
La blusa de seda azul turquesa estaba sucia y
desaliñada a lo largo del cuerpo. En sus largas
manos de pianista, algunas uñas quebradas y otras
llenas de tierra marrón y húmeda. Su rostro, lívido
como la cera, tenía manchas de tierra, como un
maquillaje sinestro.
Con los pies descalzos, tenía dificultad para
caminar calle abajo, y la escasa iluminación era una
complicación más. Descendía lentamente, con la
vista clavada en el suelo, ya que los faros de los
coches, que subían ocasionalmente, le ofuscaban la
visión.
En las proximidades de la Escuela Municipal
y del Ayuntamiento, el movimiento de personas
era mayor. Y aquellas que se deparaban con la
extraña figura huían despavoridas. Al atravesar el
puente de la Barriña, aún provocó más espanto,
haciendo que los peatones que venían en sentido
contrario, o regresasen asustados por donde
venían o cambiasen de lado, con pasos rápidos
para esquivar a aquel ser extraño.
Subió por la avenida Caetano Mariño como un
personaje de la serie de televisión The Walking
Dead, dejando tras de sí un fuerte olor a flores.
Cuanto más iluminada estaba la calle, más se
acentuaba su aspecto tenebroso. Al aproximarse a
la Casa de Chopp, no fue diferente: las personas de
las mesas se levantaban asustadas y huían en
desbandada, volcando mesas y derribando copas,
ocurriendo lo mismo en el cercano Garfield´s...
Marilú, fijos los ojos en la calle, no entendía
nada. No comprendía el extraño comportamiento
de las personas, a muchas de las cuales las conocía
de toda la vida. Pero seguía su camino, observando
personas que se arrodillaban con las manos en el
rostro o rezando em voz alta el Credo. Otras,
simplemente,
se
paraban
estupefactas,
petrificadas.
Al llegar a la puerta de su casa, llamó dos
veces, y aún dos veces más, hasta que la puerta se
abrió. Su madre, Leonice, erizó los cabellos, no dijo
nada y se desmayó, estrellándose contra el piso de
la sala. Maricler, su hermana, al salir de la
habitación y encontrarse con aquella terrorífica
imagen, soltó un grito horrísono e, igualmente, se
desmayó. Su padre, asustado con el grito de
Maricler, encontró a la joven parada en medio de
la sala. Abrió la boca, sus ojos se pusieron como
platos y no consiguió articular ni una palabra…
De los profundos ojos azules rodaron dos
lágrimas, señalando su trayectoria en el rostro
sucio de Marilú. Con una voz flaca y triste
preguntó: “¿Qué está ocurriendo, papá? ¿Por qué las
personas están reaccionando así? Hasta tú, papá, ¡te
quedas ahí mirándome sin decir nada!”
Miró hacia un lado y dejó caer su cuerpo sobre
el sofá de la sala. Cerró los ojos y se quedó
dormida, debido al cansancio.
El padre, reaccionando con un sollozo triste,
se arrodilló al lado de su hija. Tomó en sus manos
las manos heladas de Marilú y rezó en voz baja.
¿Cómo podría estar allí su hija, cuya sepultura se
había producido hacía tres días? ¿Cómo?...
Mientras eso ocurría, en el Cementerio
Mirante da Paz, una sepultura yacía,
inexplicablemente, abierta y sin cuerpo…
Traducción de Ângelo Brea.
43
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
UM CORAÇÃO DE OURO
Ângelo Brea
—
Como te chamas? — perguntou-me
com uma voz totalmente encantadora, quando
estávamos aguardando a que nos trouxessem
os livros que tínhamos pedido.
— Lilith — respondi.
O rapaz olhou para mim e um leve rubor
tingiu as suas bochechas. Ficara atrapalhado.
Talvez nunca tivesse ouvido um nome como o
meu ou talvez as mulheres o pusessem
nervoso. Pareceu-me, no entanto, que se
recuperava com rapidez. Olhou para mim e fez
um gesto com a boca que simulou um sorriso.
— Que estudas? — insistiu.
— Estou em primeiro curso. Estudo
Filologia Inglesa — respondi.
— Ah. Eu estou também em primeiro.
Estudo Filologia Hispânica.
Olhei outra vez para ele. Era um rapaz
encantador, mas deu-me a impressão que não
tinha experiência com as mulheres. Parecia
tímido. Mas bom, era unicamente a primeira
impressão.
— E tu, como te chamas?
— Eu? Miguel Ângelo.
Pareceu-me um bonito nome. Um nome de
artista. Por um momento deixei de olhar para
ele e percorri com a olhada a grande Sala de
Leitura da Biblioteca. Havia livros nas estantes,
cobrindo todas as paredes, mas era apenas uma
ínfima quantidade dos milheiros e milheiros de
livros que entesourava a Faculdade.
Quase ao fundo da parede, onde se
agrupavam os grandes volumes com os
dicionários das diferentes línguas que se
estudavam na faculdade e todas as
enciclopédias, estava a varanda onde dois
solícitos bibliotecários entregavam com
prontidão os livros que alunos como nós lhes
solicitávamos continuamente.
Na parede contígua àquela na que agora
nos encontrávamos, havia uma seção que
continha os livros de uso mais comum, que já
nem se levavam ao depósito, para facilitar a sua
consulta pelo alunado da Faculdade. Quando
queríamos algum livro, naquela seção
encontrávamos a maior parte, e o melhor era
que podias procurar um, pegar nele e ir com o
livro à varanda, para pedi-lo em empréstimo
durante uma semana.
Levávamos apenas três meses de curso. O
mês de dezembro começara com o típico clima
da cidade: céus cobertos, chuva contínua e
ausência do sol.
Era a minha primeira experiência na
Universidade. Meu pai insistira em que
estudasse Medicina, para ajudá-lo nas suas
investigações, mas eu preferi a Filologia. No
entanto, ajudo-o igualmente, mas à minha
maneira...
A esse rapaz, o tal Miguel Ângelo, já o
encontrara ali em mais de uma ocasião. Fazia
que estudava, mas quando erguia a vista ou
mudava de cadeira, sempre o via olhando para
mim. Se continuasse assim, ia gastar-me.
— De que gostas mais, das matérias de
Língua ou das de Literatura? — perguntou.
— Gosto das duas.
Queria razoar a minha resposta, mas ele
rapidamente me interrompeu.
— Eu mais da Literatura — admitiu. — Tu
escreves?
— Eu escrever? Não. Bom... Um
bocadinho. Em realidade, gostaria..., mas sei
que ainda tenho muito que ler e que aprender.
Que pergunta mais estúpida. Talvez
aquela fosse sua maneira de engatar. Ia
explicar-me que ele, sim, escrevia, quando o
bibliotecário chegou com os três livros que eu
pedira. Era o máximo que podíamos solicitar os
estudantes de primeiro ciclo, como nós.
Melhor que o bibliotecário viesse
interromper aquela conversa doida. Pediu-me
o cartão da Universidade e leu o código no seu
escâner, depois o passou a cada um dos três
livros que pedira e entregou-me os volumes.
Para lembrar-me quando devia devolvê-los,
pôs a data com o carimbo na primeira página
em branco.
44
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
O rapaz não falou enquanto eu estava
atenta ao que fazia o bibliotecário. Olhei para
ele de esguelha e, sim, estava mais atento ao
que eu fazia do que a qualquer outra coisa.
Não gostava que os rapazes olhassem
assim para mim. Era um bocadinho incómodo.
O bom é que que aqui na Faculdade de
Filologia as raparigas somos maioria. Não
queria ser a única mulher numa turma toda de
homens.
— Bom. Pois já falaremos — despedi-me,
deixando-o com a palavra na boca.
Regressei ao meu posto de leitura. Olhei
para ele, pensando que o ia surpreender
olhando para mim, mas esta vez não era assim.
Estava a falar com o bibliotecário. Depois,
levando o livro que pedira, dirigiu-se à saída,
sem sentar-se aqui na sala com os demais. Ao
passar ao meu lado, fez um gesto gracioso com
a mão, a jeito de despedida. E foi-se embora.
Que idiota! Agora que eu queria falar com
ele, pega nas coisas e vai-se embora. Pensei que
queria engatar. Ou é que apenas queria falar
por falar? Que me tivesse ignorado assim
encheu-me de uma estranha sensação de
abandono. Amanhã farei por procurá-lo e esta
vez serei eu a que tomará a iniciativa.
Enquanto
estava
ali,
Ana,
uma
companheira da minha turma, veio sentar-se de
propósito ao meu lado. Embora não se possa
falar aqui, na Sala de Leitura, disse em voz
baixa:
— Lilith, tu vás ao ginásio, verdade?
— Sim, por quê?
— Soubeste do rapaz que desapareceu?
— Não. Que se passou? — perguntei.
— Um rapaz desapareceu na quinta-feira
da semana passada. Os seus amigos não sabem
onde está.
— Decerto que se emborrachou ou se
passou de “marcha”... Andará por qualquer
parte.
Ela não se deu de conta que fizera um jogo
de palavras. Aqui se diz “ir de marcha” quando
às quintas-feiras os universitários passam a
noite celebrando festas ou bebendo na rua...
No entanto, não era verdade que não
soubesse nada sobre ele. Ao contrário, sabia
perfeitamente onde estava, mas não podia dizêlo. Seria cúmplice de assassinato. Sim.
Cúmplice.
Saí do velho edifício da Faculdade, na
praça de Maçarelos ao rematar a última aula.
Eram as oito da noite. Estava a chover com
força. Começara a chover no sábado e já não
parava. Chovera sem parar o fim de semana e
hoje tampouco deixara de chover durante todo
o dia. Era o tempo típico da minha cidade
durante boa parte do outono e quase todo o
inverno... Às vezes, simplesmente orvalhava.
Em ocasiões era uma chuva fina e constante,
durante horas. Mas também chovia com força,
com gotas enormes, que golpeavam com fúria
as lajes de granito, como se fossem ondas num
mar tormentoso...
Dirigi-me à Praça da Quintana, para tomar
algo antes de voltar a casa. Entrei no Café
Literários e pedi um chá com leite. Sentei-me ao
lado da janela que dá às escadas. Via a chuva
cair, golpeando no granito com tanta força que
as gotas rebotavam e volviam a ascender como
se estivéssemos no mar.
O ambiente que existia na praça a esta
hora, sob a chuva constante e com a luz
dourada das lâmpadas de rua feitas de ferro
forjado que se estendiam a espaços regulares
pela fachada do mosteiro de São Paio,
dançando palidamente sobre as lajes molhadas,
era autenticamente mágico. Poucos lugares do
mundo me transmitiam mais paz do que aquele
lugar...
Quando cheguei ao meu lar, foi meu pai
quem me abriu a porta. Levava, como todos os
dias, uma bata branca de médico, como se
ainda estivesse a trabalhar num hospital. Desde
que tenho uso de razão, conheci-o assim.
— Lilith, como não vieste de autocarro,
mulher? Ou como não me avisaste? Iria
procurar-te com o carro.
— Não faz mal, pai — respondi. — Aliás,
gosto muito de passear sob a chuva nestas
noites tão formosas de dezembro. Inspira-me.
— Queres ver como vai a nossa obra?
Conseguimos algo extraordinário! E não seria
possível sem a tua ajuda.
45
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
— A sério? Gostaria imensamente de vêlo...
— Pois vem. Vais vê-lo com os teus
próprios olhos.
Meu pai caminhou pelo longo corredor e
abriu a porta que dava à cave. Ali era onde
realizava os seus experimentos. Desde que
deixara de exercer a sua profissão (era médico
de ossos e especialista em cirurgia vascular),
refugiara-se no trabalho experimental.
Meu pai não gostava do “sistema”, como
ele o chamava. Por culpa de não sei quê, vira-se
forçado a abandonar a docência na
Universidade e a trasladar-se a esta casa situada
às aforas da cidade. Desde que eu tinha
memória, meu pai trabalhara nos seus
experimentos. Teria conseguido o êxito,
finalmente, como ele afirmava?
Enquanto descia aquele lance de escadas, ia
pensando naquele rapaz do ginásio que não
deixava de molestar-me. Meu pai zangara-se
com ele e dissera que solucionaria o problema.
Mas nunca pensei que solucionar o problema
fosse acabar com a sua vida.
Um enorme recipiente de vidro
transparente ocupava um lugar preeminente ao
lado da maca que se encontrava quase no centro
da estância. O corpo do jovem desaparecido,
conservado em formol, encontrava-se ali dentro,
erguido, quase de pé, mas com a cabeça ladeada.
Vi que meu pai lhe abrira o peito. Uma enorme
cicatriz, cosida depois com esse extremo
cuidado que meu pai punha em tudo, ia do
pescoço até ao umbigo.
— Vem, filha.
Aproximei-me ao lugar onde meu pai tinha
as provetas e os seus aparelhos de médico. Vi
que tinha um crisol ao lume. Um líquido de cor
vermelho borbulhava no seu interior.
— Sabes? Consegui! Foi um triunfo.
— Sim? Alegro-me por ti, pai.
— Não, Lilith. Alegra-te pelos dois. Vamos
ser ricos.
Pegou nuns alicates e procurou algo no
interior do crisol.
Meu pai encontrou finalmente o que
procurava. Retirou-o daquele líquido vermelho.
Era um coração humano. Enorme. Quase ainda
palpitante. O coração daquele rapaz que se
encontrava em formol.
— Vem — disse meu pai. Enquanto nos
dirigimos à mesa onde estavam as provetas,
acrescentou:
— Sabes que um coração humano pode
pesar entre 200 e 425 gramas?
— Sim, pai. Já me disseste várias vezes.
Meu pai colocou o coração do rapaz,
tingido totalmente por aquele líquido
vermelho-escuro, numa báscula eletrónica.
— Olha, Lilith. Um quilo e oitocentas duas
gramas! Consegui! Um triunfo.
Meu pai pegou no coração e o colocou sob
a água de uma bilha para eliminar o matiz
vermelho que o cobria. O seu corpo, por um
momento, impediu-me seguir os seus
movimentos...
Depois colocou o coração sobre um pano de
cozinha, com o que o secou com extremo
cuidado.
— Abre as mãos! — ordenou.
Não tinha medo. Já fizera isto várias vezes
desde que tinha seis anos. Mas nunca o vira tão
emocionado. Seria verdade que esta vez tivera
êxito?
Pousou delicadamente o pano de cozinha
na minha mão direita. Ufff! Como pesava!
Logo desdobrei com cuidado cada ponta do
pano. E ali, no centro da minha mão direita,
observei deliciada, um coração totalmente de
ouro. Como brilhava! Não era um coração
apenas sobredourado. Não. Era um coração de
ouro maciço. O músculo inteiro, as duas
aurículas e os dois ventrículos, trocaram-se em
brilhante metal. Por isso pesava tanto.
— Papá, que bom! Por fim o conseguiste! —
exclamei.
— Sim, filha. Por fim. Mas a fórmula só
funciona com um coração humano. Não valem
nem vísceras, nem ossos, nem a medula, o
cérebro ou os órgãos internos... Só funciona com
o coração! E não vale com cadáveres nem com
outros animais... Por isso sempre tive tantos
fracassos... O coração deve ser colocado no
crisol ainda palpitante...
— Sabes, papá? Hoje falei com um rapaz
que quero apresentar-te... Chama-se Miguel
Ângelo. Este também tem um coração de ouro...
46
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EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
O meu pai botou-se a rir. Um riso franco
que se levou para sempre todas as frustrações
de tantos e tantos anos... Nunca na vida o vira
tão feliz.
47
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RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
UN CORAZÓN DE ORO
Ângelo Brea
—
¿Cómo te llamas? — me preguntó
con una voz totalmente encantadora, cuando
estábamos esperando a que nos trajeran los
libros que habíamos pedido.
— Lilith — respondí.
El chico me miró y un leve rubor tiñó sus
mejillas. Estaba cohibido. Quizá nunca
hubiese oído un nombre como el mío o quizá
las chicas lo pusiesen nervioso. Me pareció, sin
embargo, que se recuperaba con rapidez. Me
miró otra vez y esbozó un gesto con la boca
que parecía una sonrisa.
— ¿Qué estudias? — insistió.
— Estoy em primer curso. Estudio Filología Inglesa — respondí.
— Ah. Yo estoy también en primero.
Estudio Filología Hispánica.
Lo miré otra vez. Era un chico
encantador, pero me dio la impresión de que
no tenía experiencia con las mujeres. Parecía
tímido. Pero bueno, era únicamente la primera
impresión.
— Y tú, ¿cómo te llamas?
— ¿Yo? Miguel Ángel.
Me pareció un nombre bonito. Un
nombre de artista. Por un momento dejé de
mirar para él y di un vistazo a la gran Sala de
Lectura de la Biblioteca. Había muchos libros
en las estanterías, cubriendo las paredes, pero
era apenas una ínfima cantidad de los miles y
miles de libros que atesoraba la Facultad.
Casi al fondo de la pared, donde se
agrupaban los volúmenes con los diccionarios
de las diferentes lenguas que se estudiaban en
la Facultad y todas las Enciclopedias, estaba el
mostrador donde dos solícitos bibliotecarios
entregaban con rapidez los libros que los
alumnos como nosotros les solicitábamos
continuamente.
En la pared contigua a aquella en la que
ahora nos encontrábamos, había una sección
que contenía los libros de uso más común, que
ya ni se llevaban al depósito, para facilitar así
su consulta in situ por el alumnado de la
Facultad. Cuando queríamos algún libro, en
aquella sección encontrábamos la mayor
parte, y lo mejor de todo era que podíamos
buscar uno, cogerlo y llevarlo al mostrador,
para pedirlo en préstamo durante una
semana.
Llevábamos solamente tres meses de
curso. El mes de diciembre había comenzado
con el típico clima de la ciudad: cielos
cubiertos, lluvia continua y ausencia de sol.
Era mi primera experiencia en la
Universidad. Mi padre me había insistido
mucho en que estudiase Medicina, para
ayudarlo en sus investigaciones, pero yo
preferí la Filología. Aunque, a pesar de todo,
yo lo ayudo a mi manera…
A ese chico, el tal Miguel Ángel, ya lo
había encontrado allí en más de una ocasión.
Hacía como que estudiaba, pero cuando yo
levantaba los ojos o cambiaba de sitio, siempre
lo sorprendía observándome. Si continuaba
así, iba a gastarme.
— ¿A ti que te gustan más, las materias de
Lengua o las de Literatura? — me preguntó.
— Me gustan las dos.
Quería razonar mi respuesta, pero él
rápidamente me interrumpió.
— A mí me gusta más la Literatura —
admitió. — ¿Tú escribes?
— ¿Yo escribir? No. Bueno… Un poco. En
realidad, me gustaría… Pero sé que aún tengo
mucho que leer y que aprender.
Qué pregunta más estúpida. Quizá fuese
aquella su manera de ligar. Iba a explicarme
que él sí que escribía, cuando el bibliotecario
llegó con los tres volúmenes que yo le había
pedido. Era el número máximo que podíamos
solicitar los estudiantes de primer ciclo, como
nosotros.
Fue un alivio que el bibliotecario viniese
a interrumpir aquella conversación tan idiota.
Me pidió el carné de la Universidad y leyó el
código con su escáner, después lo pasó a cada
uno de los tres libros que había pedido y,
finalmente, me entregó los volúmenes.
48
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RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
El chico no habló mientras yo estaba
atenta a lo que hacía el bibliotecario. Miré para
él de reojo y, sí, estaba más atento a lo que yo
hacía que a cualquier otra cosa.
No me gustaba nada que los chicos me
mirasen de aquella manera. Era un poco
incómodo. Lo mejor de todo es que aquí en la
Facultad de Filología las chicas somos
mayoría. No quería ser la única mujer en una
clase toda de hombres.
— Bueno. Pues ya hablaremos en otro
momento — me despedí, dejándolo con la
palabra en la boca.
Regresé a mi puesto de lectura. Levanté la
vista, pensando que lo iba a sorprender
mirando para mí, pero esta vez no era así.
Estaba hablando con el bibliotecario. Después,
llevándose el libro que había pedido, se
dirigió a la salida, sin sentarse aquí en la sala
con los demás. Al pasar a mi lado, hizo un
gesto gracioso con la mano, a manera de
despedida. Y se marchó sin más.
¡Qué idiota! Ahora que quería hablar con
él, recoge sus cosas y se marcha. Pensé que
quería ligar. ¿O es que quería hablar por
hablar? Que me hubiese ignorado así me llenó
de una extraña sensación de abandono.
Mañana intentaré encontrarlo y, esta vez, seré
yo la que tomará la iniciativa.
Mientras me encontraba allí, Ana, una
compañera de mi clase, se sentó a mi lado.
Aunque no está permitido hablar aquí, en la
Sala de Lectura, me dijo en voz baja.
— Lilith, tú vas al gimnasio, ¿verdad?
— Sí, ¿por qué?
— ¿Sabes lo del chico que desapareció?
— No. ¿Qué ha pasado? — pregunté.
— Un chico desapareció el jueves de la
semana pasada. Sus amigos no saben dónde
está.
— Seguro que se emborrachó o se pasó de
marcha… Andará por cualquier parte.
Ella pareció no darse cuenta de que había
hecho un juego de palabras. Aquí se dice ir de
marcha cuando los universitarios pasan las
noches de los jueves celebrando fiestas o
bebiendo en la calle…
Sin embargo, no era verdad que no
supiese nada sobre él. Al contrario, sabía
perfectamente dónde estaba, pero no podía
decirlo. Sería cómplice de asesinato. Sí.
Cómplice.
Salí del viejo edificio de la Facultad, en la
plaza de Mazarelos al acabar la última clase.
Eran las ocho de la noche. Estaba lloviendo
con fuerza. Comenzara a llover el sábado y ya
no había parado desde entonces. Había
llovido sin parar el fin de semana y hoy
tampoco había dejado de llover durante todo
el día. Era el típico tiempo de mi ciudad
durante buena parte del otoño y de casi todo
el invierno… A veces, simplemente era una
lluvia fina y constante. Pero también llovía
con fuerza, con gotas enormes, que golpeaban
con furia las piedras de granito, como si
fueran olas en un mar tormentoso…
Me dirigí a la Plaza de la Quintana, para
tomar algo antes de regresar a casa. Entré en
el Café Literarios y pedí un té con leche. Me
senté al lado de la ventana que daba a las
escaleras de la plaza. Veía la lluvia caer,
golpeando en el granito con tanta fuerza que
las gotas rebotaban y volvían a ascender como
si estuviéramos en el mar.
El ambiente que existía en la plaza a esta
hora, bajo la lluvia constante y con la luz
dorada de las farolas de hierro forjado que se
extendían a espacios regulares por la fachada
del monasterio de San Paio, danzando
pálidamente sobre las losas mojadas, era
auténticamente mágico. Pocos lugares en el
mundo me transmitían más paz que aquel
lugar…
Cuando llegué a casa, fue mi padre quien
me abrió la puerta. Llevaba, como todos los
días, una bata blanca de médico, como si aún
estuviese trabajando en un hospital. Desde
que tengo uso de razón, lo conocí así.
— Lilith, ¿cómo no viniste en autobús,
mujer? ¿O cómo no me avisaste? Podía ir a
buscarte en coche.
— No importa, papá — respondí. —
Además, me encanta pasear bajo la lluvia en
estas noches tan hermosas de diciembre. Es
una cosa que me inspira.
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EDICIÓN ESPECIAL
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— ¿Quieres ver cómo va nuestra obra?
¡Conseguimos algo extraordinario! Y no sería
posible sin tu ayuda.
— ¿En serio? Me encantaría verlo…
— Ven. Vas a verlo con tus propios ojos.
Mi padre caminó por el largo pasillo y
abrió la puerta que daba al sótano. Allí era
donde realizaba sus experimentos. Desde que
había dejado de ejercer su profesión (era
médico de huesos y especialista en cirugía
vascular), se refugiara en la investigación
experimental.
A mi padre no le gustaba el sistema, como
él lo llamaba. Por culpa de no sé qué, se había
visto forzado a abandonar la docencia en la
universidad y a trasladarse a esta casa situada
en las afueras de la ciudad. Desde que yo tenía
memoria, mi padre trabajaba en sus
experimentos. ¿Habría conseguido el éxito,
finalmente, como él afirmaba?
Mientras bajaba aquel tramo de escaleras,
iba pensando en aquel chico del gimnasio que
no dejaba de molestarme. Mi padre se había
enfadado mucho con él y me había dicho que
solucionaría el problema. Pero nunca pensé
que solucionar el problema fuera acabar con
su vida.
Un enorme recipiente de vidrio
transparente ocupaba un lugar preeminente al
lado de la mesa que se encontraba casi en el
centro de la estancia. El cuerpo del joven
desaparecido, conservado en formol, se
encontraba allí dentro, casi de pie, pero con la
cabeza ladeada. Vi que mi padre le había
abierto el pecho. Una enorme cicatriz, cosida
después con ese extremo cuidado que mi
padre ponía en todas las cosas, iba desde el
cuello hasta el ombligo.
— Ven, hija.
Me aproximé al lugar donde mi padre
tenía las probetas y sus aparatos médicos. Vi
que había puesto un crisol al fuego. Un líquido
de color rojizo burbujeaba en el interior.
— ¿Sabes? ¡Lo conseguí! Fue un triunfo.
— ¿Sí? Me alegro por ti, papá.
— No, Lilith. Alégrate por los dos. Vamos
a ser ricos.
Cogió unas tenazas y buscó algo en el
interior del crisol. Finalmente, encontró lo que
buscaba. Lo retiró de aquel líquido rojizo. Era
un corazón humano. Enorme. Casi palpitante.
El corazón de aquel joven que se encontraba
en formol.
— Ven — dijo mi padre. Mientras nos
dirigíamos a la mesa en donde estaban las
probetas, añadió:
— ¿Sabes que un corazón humano puede
pesar entre 200 y 425 gramos?
— Sí, papá. Ya me lo dijiste varias veces.
Mi padre colocó el corazón de aquel
chico, teñido totalmente por aquel líquido rojo
oscuro, en una báscula electrónica.
— Observa, Lilith. ¡Un quilo ochocientos
dos gramos! ¡Lo conseguí! Un triunfo.
Mi padre tomó el corazón y lo colocó bajo
el agua de un grifo para eliminar aquel líquido
color sangre que lo cubría. Su cuerpo, durante
un momento, me impidió seguir sus
movimientos…
Después colocó el corazón sobre un paño
de cocina, con el que lo secó con extremo
cuidado.
— ¡Abre las manos! — ordenó.
No tenía miedo. Ya había hecho esto
varias veces desde que tenía unos seis años.
Pero nunca lo había visto tan emocionado.
¿Sería verdad que esta vez había tenido éxito?
Posó delicadamente el paño de cocina en
mi mano derecha. ¡Uffff! ¡Cómo pesaba!
Después desdoblé con cuidado cada
punta del paño. Y allí, en el centro de mi mano
derecha, observé con asombro un corazón
totalmente de oro. ¡Cómo brillaba! No era un
corazón simplemente dorado. No. Era un
corazón de oro macizo. El músculo entero, las
dos aurículas y los dos ventrículos se habían
convertido en brillante metal. Por eso pesaba
tanto.
— ¡Qué bien, papá! ¡Por fin lo conseguiste! — exclamé.
— Sí, hija. Por fin. Pero la fórmula solo
funciona con un corazón humano. No valen ni
vísceras, ni huesos, ni la médula, el cerebro o
los órganos internos… ¡Solo funciona con el
corazón! Y no funciona ni con cadáveres ni
con otros animales… Por eso siempre tuve
tantos fracasos… El corazón debe ser colocado
en el crisol todavía palpitante…
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— ¿Sabes, papá? Hoy he estado hablando
con un chico que quiero presentarte… Se
llama Miguel Ángel. Este tiene también un
corazón de oro…
Mi padre se echó a reír. Una risa franca
que se llevó para siempre todas las
frustraciones de tantos y tantos años… Nunca
en la vida lo había visto tan feliz.
Traducción de Ângelo Brea.
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A JUSTIÇA SEMPRE CHEGA
José Cascales Vázquez
Tantas horas de fuga esgotaram todas as
minhas reservas de energia. Minhas pernas
param de responder, meus joelhos se dobram
sem a minha permissão e meu rosto sente o
impacto do chão. Eles vão me capturar; tenho
que continuar. Levanto-me e corro em direção à
casa que meus olhos não conseguem enfocar.
A porta está aberta. Alguém a abandonou
às pressas. Subo as escadas e desabo ao entrar
num quarto. Desta vez, sinto dificuldade em me
erguer, até os meus braços recusam-me a ajuda.
Consigo penetrar o interior do vestíbulo. Meu
coração se queixa, cada batida me causa um
ardor insuportável. Tento controlar minha
respiração... o silêncio desaparece com a
chegada de vozes distantes.
Farejo a aproximação desses monstros,
imagino-os lambendo os lábios, rindo, seus os
olhos avermelhados... Eles querem me torturar,
me matar... Malditos!
Não param de fazer barulho, de gritar pelo
meu nome, mas já não tenho forças para fugir,
vou continuar a me esconder, sem me mexer,
quase sem respirar... talvez sigam adiante,
talvez não me vejam, talvez... Eles querem o
meu sangue!
Estão vindo. Sobem as escadas até o quarto;
parecem três, e são muitos para este corpo
cansado e malferido; talvez eu possa com um
deles, mas vou sucumbir matando.
— Já estamos aquiiiiiii, Frank! Desta vez,
você não vai escapaaaaar!
Predadores! Sentem-se vitoriosos quando
percebem que suas presas estão encurraladas.
Abro a porta e saio para encontrá-los. Três
lanternas me iluminam e corro em direção a
eles, gritando:
—Vocês não vão cravar as estacas em mim!
Tradução de Paulo Soriano.
LA JUSTICIA SIEMPRE LLEGA
José Cascales Vázquez
Tantas horas de huida me han vaciado
todas las reservas de energía. Mis piernas dejan
de responder, las rodillas se doblan sin permiso
y mi cara impacta contra el suelo. Van a
atraparme, he de continuar. Me incorporo y
corro hacia esa casa que mis ojos no consiguen
enfocar.
La puerta está abierta. Alguien la ha
abandonado con prisas. Subo las escaleras y me
desplomo al entrar en una habitación. Esta vez
me cuesta levantarme, hasta mis brazos se
niegan a ayudarme. Consigo llegar al interior
del vestidor. Mi corazón se queja, cada latido
me provoca un ardor insoportable. Intento
acompasar la respiración…, el silencio desaparece con la llegada de voces lejanas.
Huelo la proximidad de esos monstruos,
los imagino relamerse, reírse, sus ojos
enrojecidos… Desean torturarme, matarme…
¡Malditos!
No dejan de hacer ruido, de gritar mi
nombre, pero ya no tengo fuerzas para huir,
seguiré escondido, sin moverme, casi sin
respirar… tal vez pasen de largo, tal vez no me
vean, tal vez… ¡quieren mi sangre!
Ya llegan. Suben las escaleras hacia la
habitación, parecen tres, demasiados para este
cuerpo cansado y malherido, tal vez pueda con
alguno, pero sucumbiré matando.
— ¡Ya estamos aquíiii, Frank! Esta vez no
escaparáaaas.
¡Alimañas! Se sienten vencedores al
percibir a su presa acorralada.
Abro la puerta y salgo a su encuentro. Tres
linternas me iluminan y me abalanzo hacia ellos
gritando:
— ¡No me clavaréis las estacas!
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UM ENTUSIASTA
Eugenio Sánchez Arrate
Em
plena
batalha,
para
economizar munição, comecei a
passar os inimigos à faca. Alguns
tiveram suas gargantas cortadas;
outros foram estripados, com os seus
intestinos esparramados pelo chão;
quando podia, eu os apunhalava
repetidamente no coração, ou no
meio das costas, ou na virilha — um
lugar onde sangram rapidamente —,
ou no estômago, o que lhes causaria
uma morte muito lenta, entre
grandes estertores.
O sangue cobria o meu rosto,
descia pelas mãos até os cotovelos, e
eu prosseguia naquela sanha,
procurando os inimigos em seus
esconderijos, saltando sobre eles e
talhando-os a golpes de faca o mais
rápido que minhas mãos o
permitiam.
Até que o encarregado do
paintball apareceu ululando.
Tradução de Paulo Soriano.
UN ENTUSIASTA
Eugenio Sánchez Arrate
En
plena batalla, para ahorrar
munición empecé a pasar a cuchillo
al enemigo. A unos los rajaba la
garganta, a otros los destripaba y
desparramaba sus intestinos por el
suelo, a los que podía los apuñalaba
el corazón repetidas veces, o en el
centro de la espalda, o en la ingle, un
lugar donde se desangran rápido, o
en el estómago, donde tardarían
mucho más en morirse, entre
grandes estertores.
La sangre me cubría la cara, me
resbalaba por las manos hasta los
codos y yo seguía y seguía buscando
enemigos en sus escondites, saltando
sobre ellos y rajándoles con el
cuchillo con toda la rapidez que mis
manos me lo permitían.
Hasta que el encargado del
paintball apareció chillando.
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O QUARTO MANDAMENTO
Ângelo Brea
Honora patrem tuum et matrem tuam, ut sis longaevus super terram,
quam Dominus Deus tuus dabit tibi (Ex. 20, 12).
Ergueu-se, como todas
as manhãs, às sete
horas para ir trabalhar ao Centro de Transfusão
da Galiza, na Avenida Monte da Condessa.
Levava trabalhando ali havia dez anos e sempre
se sentira cómodo com o trabalho em si e pelos
companheiros e companheiras que trabalhavam
com ele.
Antes de nada, foi ao dormitório de seus pais.
Seu pai já se levantara da cama. Apesar dos
achaques típicos da sua idade, erguera-se
sozinho, vestira-se, asseara-se e fora sentar-se na
sua cadeira. Estava agora vendo a televisão, a
ouvir as notícias no canal internacional 24 horas,
que era um dos seus favoritos.
Sua mãe, no entanto, permanecia deitada em
cama. Ainda não acordara. Havia dois dias que
não se erguia, devido à sua má saúde e ao
cansaço. Mas ele sabia que se recuperaria como
noutras ocasiões em que também ficara assim.
— Tua mãe ainda não acordou, filho — disse o
pai, em voz baixa.
— Como está?
— Pior — admitiu o pai. — Precisa
urgentemente da sua dose ou não resistirá uma
semana. Duas, no máximo...
— E tu, pai, como te sentes?
— Eu ainda não me encontro tão mal. Posso
resistir ainda um mês, tal e como estou agora...
Mas preciso também de uma dose. Já o sabes.
O filho olhou para ele, apiedando-se do seu
sofrimento. Tomou ar. Inchou o peito e disse:
— Será hoje. Já não podeis aguardar mais.
Uma das minhas companheiras pediu o dia livre.
Estarei sozinho e não terei problemas para
conseguir-vos uma dose para cada um.
— Oxalá, filho. Oxalá — disse o pai, como num
sussurro.
*
Faltava um minuto para as nove da manhã
quando abriu as portas do Centro aos usuários.
Não havia ninguém a aguardar, o que era normal,
já que os doadores de sangue chegavam sempre
um bocadinho mais tarde. Não era preciso
madrugar para doar e o serviço estava aberto
durante toda a manhã.
A maior parte dos doadores de sangue eram
estudantes
universitários
(segundo
as
estatísticas, mais mulheres do que homens) que
se achegavam ao Centro aproveitando a
proximidade das suas Faculdades. Apenas em
ocasiões especiais havia aglomerações. O mais
traumático, segundo lembrava, fora quando
acontecera o acidente de comboio em Angróis.
Houvera mais de noventa mortos e as
necessidades de sangue foram tantas que tiveram
de fazer um apelo à sociedade. O Serviço quase
colapsara pela afluência de doadores, mas ao
final conseguiram suficiente sangue para todas as
transfusões e para as operações das seguintes
semanas.
Ao redor das nove e meia entraram duas
raparigas para doar sangue. Num simples
vislumbre, reconheceu-as. Enquanto preparava
os sacos de plástico para o sangue, conversou
alegremente com elas. Eram da Faculdade de
Direito. Consultou os seus dados no computador
e reparou que vinham com certa assiduidade,
uma vez cada seis meses havia três anos. E
sempre juntas.
— Outra vez por aqui, eh? — disse ele, com o
melhor sorriso. — A última doação foi em quatro
de março, não?
Sempre falava com os doadores durante um
bocadinho, para que se esquecessem de que devia
procurar uma veia no braço e furá-los com a
agulha.
Antes de começar, como se fazia em todos os
casos, tomou-lhes a tensão a cada uma delas e
mediu os níveis de hemoglobina, para comprovar
que não tivessem anemia.
Tinha a máxima precaução nesses momentos,
porque sabia que uma má experiência com a
agulha podia fazer com que um doador potencial
não voltasse mais por ali, perdendo-se o sangue
54
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que era tão importante para que o Serviço de
Saúde pudesse atender às operações planificadas.
Enquanto as duas raparigas estavam deitadas
ali, nas suas macas, colocou-lhes música de
ambiente.
Em menos de quinze minutos encheram os
dois sacos de sangue com aproximadamente uma
capacidade de 450 milímetros cúbicos. Sentia
grande estimação pelas pessoas que acudiam ali
a doar sangue. Sempre as tratara com extrema
cortesia, fossem adolescentes, pessoas maduras
ou velhas, homens ou mulheres, altas ou baixas,
magras ou gordas.
Quando ele se operara, saíra vivo da sua
operação porque alguma pessoa altruísta doara
sangue para que ele seguisse adiante. Isso não
podia esquecê-lo.
Guardou os dois saquinhos de sangue na mala
preta que levava com ele e que estava preparada
para conservar o sangue a uma temperatura
idónea.
Ao acabar ofereceu às duas raparigas algo de
beber (uma delas pediu sumo e a outra um
refresco) e algo de comer. Ao princípio não
queriam comer nada, mas ele insistiu. Sempre era
melhor que comessem qualquer coisa, porque
podiam marear-se ao saírem...
Deu-lhes uns sanduíches de queijo com
chouriço que ele preparara com todo o carinho.
Embora ao princípio dissessem que não,
acabaram comendo-os com ganas.
Despediram-se dele com um sorriso e saíram
de ali alegres e felizes como rosas silvestres.
Durante o resto da manhã entraram ainda
nove pessoas mais. Era um número normal.
Geralmente, costumavam estarem duas pessoas
para atendê-las, mas como hoje a sua
companheira pedira o dia livre, ficara ele sozinho
para atender os doadores. Por isso pudera
aproveitar a ocasião.
*
Chegou à sua casa passadas quatro da tarde. A
primeira coisa que fez foi ir ao dormitório dos
seus pais. Sua mãe estava ainda em cama,
reclinada sobre duas cómodas almofadas. Seu pai
ficara ali para atendê-la durante toda a manhã,
como costumava fazer quando ficava assim.
— Como estás, filho! — disse seu pai. —
Tudo bem?
Sabia que era o que perguntava, em realidade.
Ele olhou para o pai e assentiu, a sorrir.
Dirigiu-se à cama e preparou tudo: a seringa,
os tubos para transfusão e o sangue. Sobre a mesa
de noite colocou um aparelho, que conectou à
rede elétrica, e sobre ele pôs um dos saquinhos
com o sangue. Aquele aparelho movimentava o
saco para cima e para abaixo, para cima e para
abaixo, uma e outra vez...
— Estás preparada?
Sua mãe disse que sim com um movimento de
cabeça. E sorriu. Ele gostava muito daquele
sorriso. Transmitia-lhe paz à alma. E o que fazia
por ela era o mínimo que um filho deve fazer por
sua mãe.
Procurou-lhe uma veia no braço. Era uma
coisa difícil, porque quando ela se punha assim,
não era nada fácil fazê-lo. Ao final encontrou-a.
Aplicou a agulha, com extremo cuidado, como se
estivesse com as adolescentes que atendera essa
manhã.
Viu como o sangue começava a fluir pelo
tubo, até que o sangue da transfusão entrou no
braço da sua mãe.
Um minuto depois observou como os seus
cabelos brancos começavam a recuperar a sua cor
natural. Iam tingindo-se lentamente de cor, das
raízes em direção às pontas. Finalmente, num
minuto, já recuperaram a formosa cor castanhoescura que sempre conhecera.
Depois, observou como as rugas ao redor dos
olhos começavam a fazerem-se menos profundas,
até que quase se eliminaram. E como o rosto se
fazia mais jovem, cada vez mais jovem. O mesmo
acontecia com a pele do braço, que se tornava
mais suave e mais viva...
Quando rematou a transfusão ninguém
reconheceria a pessoa que estava ali deitada na
cama. Era uma mulher de uns trinta anos, sem
rugas, sem sardas na pele, sem rasto de cansaço
ou de enfermidade. Os olhos refulgiam de novo,
como estrelas cintilantes no meio do negrume da
noite.
— Sinto-me maravilhosa, filho! Obrigada!
Ele aproximou-se à mãe. Sem dizer nada
abriu-lhe a boca para observar-lhe os dentes. No
primeiro em que reparou foi nos colmilhos:
tinham crescido, como sempre que recebia a sua
55
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dose de sangue... Isso, ao menos, não se podia
evitar...
— Ótimo! — exclamou o filho. Já podes
erguer-te. Doeu-te a agulha?
— Não, filho. Nada.
Olhou para o pai. Era o seu turno.
— Venha, papá. Vem aqui.
O pai ergueu-se lentamente da sua cadeira e se
aproximou ao filho. Este preparou as coisas de
que ia precisar: uma seringa nova, o tubo e o
saquinho de sangue.
Sentado, a olhar para ele, seu pai seguia cada
um dos seus movimentos. Ele e a mulher
intercambiaram uma olhada. A mulher sorria,
docemente, encantada de observar o que o filho
estava a fazer. Uma vez mais, e eram tantas que
já perdera a conta, acabava de salvar-lhes a vida.
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EL QUARTO MANDAMIENTO
Ângelo Brea
Honora patrem tuum et matrem tuam, ut sis longaevus super terram,
quam Dominus Deus tuus dabit tibi (Ex. 20, 12).
Se levantó, como todos los días, a las siete de
la mañana para ir a trabajar al Centro de
Transfusiones de Galicia, en la Avenida Monte de
la Condesa. Llevaba trabajando allí desde hacía
diez años y siempre se había sentido cómodo con
el trabajo en sí y por los compañeros y
compañeras que trabajaban con él.
Antes de nada, acudió al dormitorio de sus
padres. Su padre ya se había levantado de la
cama. A pesar de los achaques típicos de su edad,
se había levantado sin ayuda, se había vestido,
aseado, y ya se había sentado en su sillón. Estaba
ahora viendo la televisión, oyendo las noticias del
canal internacional 24 horas, que era uno de sus
favoritos.
Su madre, sin embargo, permanecía echada en
la cama. Aún no había despertado. Hacía ya dos
días que no se levantaba, debido a su mala salud
y al cansancio. Pero él sabía que se recuperaría
como en otras ocasiones en las que también se
había sentido así.
— Tu madre aún no se ha despertado, hijo —
dijo el padre, en voz baja.
— ¿Cómo está?
— Peor — admitió el padre. — Precisa
urgentemente de su dosis o no resistirá una
semana, dos semanas como máximo.
— Y tú, papá, ¿cómo te sientes?
— Yo aún no estoy tan mal. Puedo resistir
todavía un mes, tal y como estoy ahora. Pero
necesito también una dosis. Ya lo sabes.
El hijo miró a su padre, apiadándose de su
sufrimiento. Tomó aire. Hinchó el pecho y dijo:
— Será hoy. Ya no podéis aguantar más. Una
de mis compañeras pidió el día libre. Estaré solo
y no tendré demasiados problemas para
conseguiros una dosis para cada uno.
— Ojalá, hijo, ojalá — dijo el padre, como en un
susurro.
*
Faltaba un minuto para las nueve de la mañana
cuando abrió las puertas del Centro a los
usuarios. No había nadie esperando, lo que era
normal, ya que los donantes de sangre llegaban
siempre algo más tarde. No era preciso madrugar
para donar y el servicio estaba abierto durante
toda la mañana.
La mayor parte de los donantes de sangre eran
estudiantes universitarios (según las estadísticas,
más mujeres que hombres) que se acercaban al
Centro aprovechando la proximidad a sus
Facultades. En contadas ocasiones llegaba a haber
aglomeraciones. Lo más traumático que
recordaba había sido el accidente de tren en
Angróis. Había habido más de noventa muertos y
las necesidades de sangre habían sido tantas que
necesitaron hacer un llamamiento a la sociedad.
El Servicio casi colapsara debido a la afluencia de
donantes, aunque al final habían conseguido
suficiente sangre para todas las transfusiones y
para las operaciones de las siguientes semanas.
Sobre las nueve y media entraron dos chicas
para donar sangre. De un rápido vistazo, las
reconoció. Mientras preparaba los sacos de
plástico para la sangre, conversó alegremente con
ellas. Eran de la Facultad de Derecho. Consultó
sus datos en el ordenador y se dio cuenta que
venían con cierta regularidad, una vez cada seis
meses desde hacía tres años. Y siempre juntas.
— Otra vez por aquí, ¿eh? — dijo él, con su
mejor sonrisa. — La última donación fue el cuatro
de marzo, ¿no?
Siempre charlaba con las donantes durante un
rato, para que se olvidasen de que debía buscar
una vena en el brazo y pincharlas con la aguja.
Antes de comenzar, como se hacía en todos los
casos, les tomó la tensión a cada una y midió los
niveles de hemoglobina para comprobar que no
tuviesen anemia.
Tenía la máxima precaución a la hora del
pinchazo, porque sabía que una mala experiencia
con la aguja podía hacer que un potencial donante
no regresase por allí nunca más, perdiéndose la
sangre que era tan importante para que el Servicio
57
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de Salud pudiese atender todas las operaciones
planificadas.
Mientras las dos chicas estaban echadas en sus
camillas, les puso música ambiente.
En menos de quince minutos llenaron los dos
sacos de sangre, con aproximadamente una
capacidad de 450 mililitros. Sentía mucha
simpatía por las personas que acudían allí a donar
sangre. Siempre las trataba con extrema cortesía,
fuesen adolescentes, personas maduras o viejas,
hombres o mujeres, altas o bajas, flacas o gordas.
Cuando él se tuvo que operarse, había salido
vivo de su operación porque alguna persona
altruista donara sangre para que él siguiera
adelante. Eso no podía olvidarlo.
Guardó las dos bolsas de sangre en la maleta
negra que llevaba con él y que estaba preparada
para conservar la sangre a una temperatura
idónea.
Al acabar les ofreció a las dos chicas algo de
beber (una de ellas pidió un zumo de naranja y la
otra un refresco) y algo de comer. Al principio no
querían comer nada, pero él insistió. Siempre era
mejor que comiesen alguna cosa, porque podían
marearse al salir…
Les ofreció unos bocadillos de queso con
chorizo que él les preparó con todo el cariño.
Aunque al principio decían que no, acabaron por
comerlos con ganas.
Se despidieron de él con una sonrisa y salieron
de allí, alegres y felices como rosas silvestres.
Durante el resto de la mañana entraron nueve
personas más. Era un número normal.
Generalmente, solían estar allí dos personas para
atenderlas, pero como hoy su compañera había
pedido el día libre, se había quedado solo para
atender a los donantes. Por eso había podido
aprovechar la ocasión.
*
Llegó a casa pasadas las cuatro de la tarde. La
primera cosa que hizo fue dirigirse al dormitorio
de sus padres. Su madre estaba todavía en cama,
reclinada sobre dos cómodas almohadas. Su
padre había permanecido allí durante toda la
mañana, como solía hacer cuando ella se
encontraba mal.
—¿Cómo estás, hijo? — dijo su padre. — ¿Todo
bien?
Sabía qué era lo que preguntaba, en realidad.
Él miró a su padre y asintió, sonriendo.
Se dirigió a la cómoda y preparó todo: la
jeringuilla, los tubos para la transfusión y las
bolsas de sangre. Sobre la mesa de noche colocó
un aparato, que conectó a la red eléctrica, y sobre
él puso uno de los sacos de plásticos con la sangre.
Aquel aparato movía el saco para arriba y para
abajo, para arriba y para abajo, una y otra vez…
— ¿Estás preparada?
Su madre dijo que sí con un movimiento de
cabeza. Y sonrió. A él le encantaba verla sonreír.
Le transmitía una paz profunda a su alma. Y lo
que hacía por ella era lo mínimo que un hijo debe
hacer por su madre.
Le buscó una vena en el brazo. Era difícil,
porque cuando ella se ponía así, no era nada fácil
encontrarle una buena vena. Al final lo consiguió.
Aplicó la aguja, con extremo cuidado, como si
fuesen aquellas adolescentes a las que había
atendido por la mañana.
Vio como la sangre comenzaba a fluir por el
tubo, hasta que la sangre de la transfusión llegaba
al brazo de su madre.
Un minuto después observó como los cabellos
blancos comenzaban a recuperar su color natural.
Se iban tiñendo lentamente de color, de las raíces
a las puntas. Finalmente, en un minuto, habían
recuperado el hermoso color castaño oscuro que
siempre había conocido.
Después, observó como las arrugas alrededor
de los ojos comenzaban a hacerse menos
profundas, hasta que se eliminaron por completo.
Y cómo el rostro se hacía más joven, cada vez más
joven. Lo mismo ocurría con la piel del brazo, que
se tornaba más suave y más viva…
Cuando acabó la transfusión, nadie habría
reconocido a la persona que estaba allí, reclinada
en la cama. Era una mujer de unos treinta años,
sin pecas en la piel, sin rastro de cansancio o de
enfermedad. Los ojos refulgían de nuevo, como
estrellas brillantes en la oscuridad de la noche.
— Me siento de maravilla, hijo. ¡Gracias!
Él se aproximó a su madre. Sin decir nada le
abrió la boca para observarle los dientes. En lo
primero que reparó fue en los colmillos: habían
crecido mucho, como siempre que recibía su dosis
de sangre… Eso, al menos, era algo que no se
podía evitar…
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— ¡Estupendo! - exclamó el hijo. — Ya puedes
levantarte. ¿Te dolió la aguja?
— No, hijo. Nada.
Miró para su padre. Era su turno.
— Venga, papá. Ven aquí.
El padre se levantó lentamente de su sillón y se
aproximó a su hijo. Este preparó las cosas que iba
a necesitar: una jeringuilla nueva, el tubo y la
bolsa de sangre.
Sentado, observándolo atentamente, su padre
seguía cada uno de sus movimientos. Él y la mujer
intercambiaron una mirada cómplice. La mujer
sonreía, dulcemente, encantada de observar lo
que su hijo estaba haciendo. Una vez más, y eran
tantas que ya había perdido la cuenta, acababa de
salvarles la vida.
Tradución de Ângelo Brea.
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SUPERSTIÇÃO
Belén Fernández Crespo
O
bosque,
aterrorizado,
havia
emudecido.
No denso silêncio, ressoava o badalar do
sino como um uivo brutal. Apavorado, com o
coração latejando forte nos ouvidos, José Piñero
lutava por respirar.
Já sentia o calor das velas acariciando suas
costas.
Alçou-se ao limite de suas forças. Somente
alguns metros o separavam de sua salvação no
próximo cruzamento, ao final da senda. Via-se,
como em sonhos, a abraçar o cruzeiro,
agarrando-se a ele com férrea força, acordando
em seu quarto com a certeza de que tudo havia
siso um ridículo pesadelo.
Saíra sozinho, passada a meia-noite,
desprezando conselhos e advertências; rira-se
da “superstição” estúpida. Ignorou todas as
instruções para se proteger.
A garra brutal rasgou sua camisa e o
paralisou com seus dedos gelados. Derrotado,
José caiu de bruços no chão. Fechou os olhos,
tentando salvar-se, mas uma força sobrenatural
o virou e o forçou a abri-los e contemplar o
espectro de órbitas vazias que lhe entregou a
cruz. Queria gritar por ajuda, mas os alaridos
ficaram engasgados em sua garganta.
Era impossível escapar ao castigo: vagaria
até a morte encabeçando a procissão e
conduzindo-a pelos caminhos...
Havia sido capturado pela Santa
Companha3.
Tradução de Paulo Soriano.
SUPERSTICIÓN
Belén Fernández Crespo
El
bosque,
aterrorizado,
había
enmudecido.
En el denso silencio, resonaba el tañido de
la campana como un aullido brutal.
Espeluznado, con el corazón reventándosele
contra los oídos, José Piñero luchaba por
respirar.
Ya sentía el calor de las velas acariciando
su espalda.
Voló al límite de sus fuerzas. Sólo unos
metros le separaban de su salvación en la
próxima intersección, al final del sendero. Se
soñaba abrazando el cruceiro, aferrándose a él
con fuerza de hierro, despertando en su
habitación con la seguridad de que todo había
sido una ridícula pesadilla.
Había salido solo, pasadas las doce,
despreciando consejos y avisos; burlándose de
A Santa Companha é uma lendária tradição galegoasturo-portuguesa descrita como uma procissão de defuntos
3
la estúpida “superstición”. Ignoró toda
instrucción de protegerse.
La brutal garra rasgó su camisa y le
paralizó con sus gélidos dedos. Derrotado, José
cayó de bruces al suelo. Cerró los ojos
intentando salvarse, pero una fuerza
sobrenatural le volteó y le obligó a abrirlos y
contemplar el espectro de cuencas vacías que le
entregaba la Cruz. Quiso gritar pidiendo
auxilio, pero los alaridos se atragantaron en su
garganta.
Era imposible escapar al castigo: vagaría
hasta su muerte encabezando la procesión y
guiándola por los caminos…
Había sido apresado por la Santa
Compaña.
ou almas penadas, conduzida por um vivo, que carrega uma
cruz e definha paulatinamente, a cumprir penitência.
60
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EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
O CONCERTO DOS EXTRATERRESTRES
Emilio Vilaró
R
— ecebi uma mensagem de uns músicos
de uma galáxia próxima; estão de passagem
fazendo uns shows. Estão se oferecendo para nos
dar um recital de música típica de seu planeta.
Sendo a primeira vez, eles o fariam de graça.
— Quando seria isso?
— Como estão por perto, teria que ser por
esses dias. Depois, não poderiam: têm
compromissos em um buraco negro.
— Assim não dá... A agenda de concertos
está cheia... Diga-lhes que, quando voltarem,
avisem com antecedência. Precisamos de tempo
para preparar as coisas convenientemente.
Especialmente considerando que seria o
primeiro concerto dado na Terra por
alienígenas. Peça-lhes que nos informem em
que frequência tocam, se são visíveis, seu peso,
tamanho, o que comem, e como podemos
acomodá-los bem. Por Deus, que enviem uma
amostragem do que fazem para ver se vale a
pena: um vídeo, áudio, fotos, algo assim.
— Os músicos são todos iguais; não
importa onde tenham nascido, pensam que
devemos lhes devotar toda a atenção. O que
acham que são? Que, por serem alienígenas,
vamos lhes fazer concessões especiais?
Tradução de Paulo Soriano.
EL CONCIERTO DE LOS EXTRATERRESTRES
Emilio Vilaró
—
He
recibido un mensaje de unos
músicos de una galaxia cercana, están pasando
por aquí haciendo bólos.
Nos ofrecen darnos un recital de música
típica de su planeta. Siendo la primera vez, lo
harían gratis.
— ¿Cuándo sería?
— Como están cerca, tendría que ser en
estos días.
Después no podrán, tienen compromisos
en un agujero negro.
—Pues lo tenemos mal, estamos a tope de
conciertos...
Diles que cuando vuelvan, nos avisen, pero
con más tiempo. Lo necesitamos para
prepararlo todo bien.
Especialmente considerando que sería el
primer concierto en la Tierra de unos
extraterrestres.
Que nos informen: a qué frecuencia tocan,
si son visibles, su peso, tamaño, qué comen, y
cómo podemos alojarlos.
Por Dios, que envíen una muestra de lo
que hacen para ver si vale la pena, un vídeo,
audio, fotos, algo.
—Los músicos son todos iguales, no
importa dónde hayan nacido, piensan que
debemos estar pendientes de ellos.
¿Qué se creen?, ¡que por ser
extraterrestres les vamos a hacer concesiones!
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O SONHO DE SCHUMANN
José Ángel Conde
Quase todas as civilizações haviam vaticinado
que o futuro irromperia com um brusco incidente que
rebentaria o fluxo de sua história. A cadência
harmônica de picos e vales no gráfico de ondas teta
do eletroencefalograma confirmou, mais uma vez, a
Ryn quanta histeria e fatalismo havia na escatologia.
Além da janela panorâmica do edifício do laboratório,
os relâmpagos azuis nasciam e morriam com suas
linhas fractais no céu de metal. Depois daquele allegro
climático, viria a neve, sublinhando as pausas
elétricas, como vinha fazendo há tantos imprevistos
dias. A tormenta de suas pesquisas havia dado lugar
ao arco-íris da descoberta: a mudança ou mudanças
estavam acontecendo o tempo todo. Era o presente,
não o futuro, que era a cadência que operava tão
invisível e efetiva como um vírus, tão somente
silenciosa para a arrogante surdez de nossa espécie.
O espectro ondulatório de nosso planeta tinha uma
existência independente dos dispositivos e engenhos
que tínhamos desenvolvido para tentar controlá-lo. Já
nem sequer estávamos na posse de nossos próprios
corpos. Ryn e sua equipe tiveram que desenvolver
esses implantes nanorrobóticos para alcançar estas
mínimas conclusões com a tecnologia disponível,
porque a mutação, que já afetava a percepção,
também estava propiciando o crescimento de nossos
membros. A natureza havia até decidido, com o
ímpeto de seu magnetismo, que o fio musical
selecionaria os acordes da Träumerei, de Schumann.
E se o Apocalipse era certo, por que não poderia
significar uma nova oportunidade? A evolução, bela
e espontânea como a música, e igualmente
inapreensível. Ryn saiu para sonhar no terraço, sobre
a paisagem branca, sentindo uma sinestesia que não
era tal, mas a vibração do planeta assentindo
inconscientemente. Os filamentos azuis saíram de
suas mãos como se suas veias quisessem escapar ao
firmamento, de onde os dedos olímpicos da ionosfera
premiam o teclado da crosta terrestre. Um piano
anunciando que as crianças poderiam voltar a nascer
e se tornar gigantes de gelo.
Tradução de Paulo Soriano.
EL ENSUEÑO DE SCHUMANN
José Ángel Conde
Casi todas las civilizaciones habían vaticinado
que el futuro irrumpiría con un incidente brusco que
quebraría su historia. La cadencia armónica de picos
y valles en el gráfico de ondas theta del
electroencefalograma le confirmaba una vez más a
Ryn cuánto de histeria y fatalismo había en la
escatología. Más allá de la ventana panorámica del
edificio de laboratorios los relámpagos azules nacían
y morían con sus fractales líneas sobre el cielo de
metal. Después de ese allegro climático vendría la
nieve, subrayando las pausas eléctricas como llevaba
haciendo desde hacía ya tantos imprevistos días. La
tormenta de sus investigaciones había dado paso al
arco iris del hallazgo: el cambio o los cambios se
producían en todo momento. Era el presente y no el
futuro la cadencia que operaba tan invisible y efectiva
como un virus, silenciosa tan sólo para la arrogante
sordera de nuestra especie. El espectro ondulatorio de
nuestro planeta tenía una existencia independiente de
los aparatos e ingenios que habíamos desarrollado
para intentar controlarlo. Ni siquiera estábamos ya en
posesión de nuestros propios cuerpos. Ryn y su
equipo habían tenido que desarrollar esos implantes
nanorobóticos para poder alcanzar estas mínimas
conclusiones con la tecnología disponible, porque la
mutación que ya afectaba a la percepción estaba
propiciando también el crecimiento de nuestras
extremidades. La naturaleza incluso había decidido,
con el ímpetu de su magnetismo, que el hilo musical
seleccionara los acordes de la Träumerei de
Schumann.
Y si el Apocalipsis era cierto, ¿por qué no podría
significar una nueva oportunidad? La evolución,
hermosa y espontánea como la música, e igual de
inaprehensible. Ryn salió a soñar a la azotea, sobre el
blanco paisaje, sintiendo una sinestesia que no era tal,
sino la vibración del planeta asintiendo inconsciente.
Los filamentos azules salieron de sus manos como si
sus venas se quisieran escapar al firmamento, desde
donde los dedos olímpicos de la ionosfera pulsaban
el teclado de la corteza terrestre. Un piano
anunciando que los niños podían volver a nacer y
convertirse en gigantes de hielo.
62
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REVISTA VIRTUAL
O AÇOUGUEIRO
Emílio Vilaró
Há
algum tempo você me
perguntou como eu gostaria de ser
enterrada: se no cemitério, cremada ou
naquele precioso montinho perto de
casa. Sei que a minha morte está
aproxima e já tenho tudo planejado nos
mínimos detalhes... Há muito tempo
que o tenho. Venha cá, escute-me e me
obedeça!
*
Vocês
estão
sabendo
que,
finamente, o nosso minúsculo povoado
vai ganhar um açougue? Não mais
teremos que nos deslocar a Altaparrillo
de Arriba para comprar carne. Que
alegria!
Soubemos disto ontem, quando
passamos defronte do ponto, agora
desocupado, situado na praça, e
perguntamos aos que ali trabalhavam.
O próprio açougueiro, que se achava
por lá, preparando tudo, confirmou o
que nos disseram. É um jovem muito
simpático.
Disse-nos que esperava estar tudo
pronto para a inauguração do açougue
no primeiro dia das festas do povoado.
Para começar com o pé direito, decidira
que deveríamos conhecê-lo e aferir a
boa qualidade dos produtos que traria;
e que prepararia para os aldeões um
antepasto gratuito e variado de suas
carnes. Disse-nos que há de ser uma
iguaria que nunca saboreamos e que
nos encantará a todos. Estamos certas
de que todo o povoado provará do
petisco.
*
Cartaz que apareceu na madrugada
do segundo dia das festas, fixado em
diversos
lugares
públicos:
subprefeitura, correios, escola, praça e
igreja:
“Olá!
Exulto
em
saber
que,
finalmente,
algo
de
mim
agradou a todos. O que é
incrível, a considerar que eu
e o meu filho fomos expulsos
deste povoado por ser eu mãe
solteira e portadora de AIDS.
E com direito a um cartaz
pregado
na
subprefeitura,
dizendo: “Nunca mais volte
aqui”.
Gostaria de informar a todos
que o que resta do meu corpo
— ou seja, meus ossos com
fragmentos remanescentes de
minha
carne,
entranhas
e
outras vísceras não adequadas
ao
delicioso
antepasto
preparado ontem, na praça,
para vocês — está no freezer
do açougue. É a minha vontade
que
esses
restos
sejam
enterrados em qualquer lugar
do
mundo,
menos
neste
povoado.
Se esta notícia lhes causa
vômitos,
suores
ou
excrementos,
vocês
podem,
também, despejá-los na tumba,
já que há neles algo que me
pertence.
Cordiais saudações do Céu, e
obrigado,
meu
filho,
por
realizar tudo que lhe pedi,
apesar das dificuldades e
sofrimentos
envolvidos,
e
pelo dinheiro que tudo isto
lhe custou.”
“A vingança também se come
frita.”
Tradução de Paulo Soriano.
63
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EL CARNICÉRO
Emilio Vilaró
Háce
tiémpo me preguntáste:
¿Cómo deseába ser enterráda: en el
cementério, incineráda o en ése
precióso montículo cérca de cása? Mi
muérte se aproxíma, ya lo sé, y lo téngo
tódo planeádo hásta el más mínimo
detálle… désde háce múcho tiémpo.
¡Acércate, escúcha y obedéce!
***
¿Sabéis que por fin nuéstro
minúsculo puéblo, va a tenér úna
carnicería? Ya no tendrémos que
desplazárnos a Altaparríllo de Arríba
pára comprár cárne, ¡qué alegría!
De ésto nos enterámos ayér,
cuando pasámos por delánte de ése
locál hásta ahóra vacío que hay en la
pláza y preguntámos a los que estában
allí trabajándo. Nos lo confirmó el
própio carnicéro que en ése moménto
se encontrába preparándolo tódo. Qué
simpático y jóven es.
Nos díjo que espéraba tenérlo tódo
lísto pára inaugurár el locál el primér
día de las fiéstas del puéblo. Había
decidído, pára comenzár con buén pié,
nos conociésemos y viésemos la buéna
calidád de los prodúctos que pensába
traér, que íba a preparár pára tódos los
vecínos, un aperitívo gratuíto y variádo
de sus cárnes. Será álgo que núnca
hémos saboreádo, y nos encantará.
Estámos segúras que tódo el puéblo lo
probará.
***
Avíso que apareció en la
madrugáda del segúndo día de fiéstas,
pegádo en vários lugáres públicos:
Ayuntamiénto, Corréos, Escuéla, Pláza
e Iglésia.
Hóla:
Me da múcho gústo sabér que:
por fin álgo mío os ha
gustádo.
Lo
cual
es
increíble, pensándo que nos
echásteis del puéblo a mí y a
mi híjo por ser mádre soltéra
y con sída. Añadiéndo un
letréro
desplegádo
en
el
Ayuntamiénto, diciéndo: «No
vuélvas».
Quisiéra informáros que el
résto de mi cuérpo, o séa, mis
huésos con los fragméntos
restántes
de
mi
cárne,
entráñas y ótras vísceras no
adecuádas pára el delicióso
aperitívo
que
os
hémos
preparádo ayér en la pláza,
están en el congeladór de la
carnicería.
Desearía
que
ésos,
mis
réstos,
los
entiérren en cualquiér sítio,
exceptuándo éste puéblo.
Si ésta notícia os prodúce
vómitos,
sudóres
o
excreméntos, también podéis
ponérlos en la túmba, álgo de
éllos me pertenéce.
Salúdos désde el
grácias híjo, sé lo
lo múcho que has
pára hacér tódo lo
pedído y el dinéro
costado.
ciélo, y
difícil y
sufrído,
que te he
que te ha
«La vengánza, también se sírve
fríta»
64
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FOME
José Manuel González Rodríguez
Julián abriu os olhos.
Estava deitado de costas. Tentou
olhar em torno de si, mas logrou
apenas girar um pouquinho a cabeça.
Havia conseguido!
Como gostaria, agora, de ver a
cara de todos os que riram dele
quando decidiu congelar-se para
abandonar aquela época de penúrias!
Logo, porém, se arrependeu
daquele pensamento, porque os seus
amigos já estavam mortos há muito
tempo. Tinham-lhe dito que aquilo
tudo era uma trapaça — e até o
fizeram duvidar —, mas nunca
saberiam o quão estavam enganados.
Gastara tudo o que tinha, mas
valera a pena. O contrato estipulava
que não seria despertado antes que o
mundo superasse a crise alimentar.
Agora poderia viver o resto de sua
vida comendo as delícias que, em sua
época, estavam apenas ao alcance de
milionários, sem ter que disputar
com os vizinhos aquela gororoba
distribuída pelo governo.
Alguns
minutos
depois,
conseguiu virar o pescoço o
suficiente para constatar que a mesa
ao lado era ocupada por um homem
nu.
“Outro cliente”, pensou, mas
assustou-se ao ver que faltava ao
homem um braço, e que, embora
parecesse cauterizada, a ferida ainda
ressumava algum sangue.
Ele havia sido avisado de que o
congelamento podia produzir eleitos
secundários, mas nunca imaginou
que poderiam ser tão graves.
Fazendo um esforço supremo, Julián
pôde mover os seus membros por
uns milímetros, o suficiente para
comprovar que não lhe faltava nada.
A porta se abriu e alguém entrou
na sala; Julián só pôde vê-lo quando
o estranho se abeirou à mesa de seu
vizinho.
Vestia
um
uniforme
imaculadamente branco e tinha a
cabeça coberta por um chapéu
alongado. Julián tentou falar, mas a
paralisia, que o aprisionava, o
impediu de articular palavra.
“Como é ridículo o uniforme dos
médicos desta época”, pensou Julián,
divertido, desejando ansiosamente
que lhe dessem alta para ver as
maravilhas do mundo afora.
O recém-chegado virou-se para a
porta e gritou:
— Marcos!... O que foi que o
pessoal da mesa quinze pediu
mesmo? Perna ou braço?
Tradução de Paulo Soriano.
65
EDIÇÃO ESPECIAL
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EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
HAMBRE
José Manuel González Rodríguez
Julián abrió los ojos.
Estaba tendido sobre la espalda.
Intentó mirar a su alrededor, pero
solo logró girar un poquito la cabeza.
¡Lo había conseguido!
Ahora le gustaría ver las caras de
todos los que se habían reído de él
cuando decidió congelarse para dejar
atrás aquella época de penurias.
Pero en seguida se arrepintió de
aquel pensamiento porque sus
amigos ya llevarían mucho tiempo
muertos. Decían que aquello era un
timo y hasta le hicieron dudar, y
ahora ya nunca sabrían lo
equivocados que estaban.
Se gastó todo lo que tenía, pero
había valido la pena. El contrato
estipulaba que no sería despertado
hasta que el mundo hubiera
superado la crisis alimentaria, así
que ahora podría vivir el resto de su
vida comiendo los manjares que en
su época solo estaban al alcance de
los millonarios, sin tener que
pelearse con sus vecinos por la
bazofia que repartía el gobierno.
Unos minutos después logró girar
el cuello lo suficiente como para ver
que la mesa de al lado estaba
ocupada por un hombre desnudo.
“Otro cliente” —pensó, pero se
alarmó cuando vio que le faltaba un
brazo, y la herida, aunque parecía
cauterizada, aún rezumaba un poco
de sangre.
Le habían advertido que la
congelación podía producir efectos
secundarios, pero nunca imaginó
que podían ser tan graves. Haciendo
un esfuerzo supremo, Javier logró
mover
unos
milímetros
sus
miembros,
lo
suficiente para
comprobar que no le faltaba nada.
Una puerta se abrió y alguien
entró en la sala, aunque Julián no
pudo verlo hasta que se acercó a la
mesa de su vecino.
Vestía un uniforme inmaculadamente blanco y se cubría la
cabeza con un gorro alargado. Julián
intentó hablar, pero la parálisis que
lo atenazaba se lo impidió
“Qué ridículo es el uniforme de
los médicos de esta época —pensó
Julián,
divertido,
deseando
fervientemente que le dieran el alta
para ver las maravillas que habría allí
fuera.
El recién llegado se volvió hacia
la puerta y gritó:
—¡Marcos!... ¿Qué han pedido los
de la mesa quince? ¿Pierna o brazo?
66
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
PROIBIDO PISAR NA GRAMA
Carlos Enrique Saldívar
Paul e Mario caminhavam por uma concorrida
e aprazível região do distrito de San Borja.
Atravessaram a pista e percorreram uma longa
vereda contígua a um amplo espaço gramado, onde
cresciam prímulas, azaleias e rododendros. Num dos
cantos se achava uma pequena (ainda visível)
tabuleta, que dizia:
“PROBIDO PISAR NA GRAMA. PENALIDADE
GRAVE.”
Ambos a leram e seguiram o seu caminho. Mario
disse a seu companheiro:
—Sabia que eu já estou farto de que nos limitem
a liberdade? Desde que este presidente tomou posse,
não podemos fazer coisas tão singelas como pisar
sobre as plantas de alguns distritos. — O jovem olhou
para os lados. Não havia nenhum guarda municipal
por ali.
— Eu o aconselho a não pisar na grama — disse
Paul.
— Por que não? Sim, claro, as câmeras estão
filmando e, se eu pisar sobre a grama, soará algum
alarme e virão em meu encalço. Mas eu não ligo. Eu
sou mais inteligente que as autoridades: vou entrar,
pisotear o gramado e fugir correndo. Não fique com
receio: a responsabilidade será inteiramente minha.
Se me pegarem, pagarei a minha multa.
— Como queira; a responsabilidade será apenas
sua. — Paul meteu as mãos nos bolsos e se pôs a
assoviar. Pensou em dizer algo mais, mas resolveu
calar-se.
Mario penetrou na área proibida e avançou
alguns passos. Sentiu-se contente e livre; pulou e
gargalhou. Nesse preciso instante, surgiu de um dos
flancos um ser cilíndrico feito de aço. Era grande; sua
cabeça cúbica se abriu, exibindo quatro pinças que
antes pareciam dentes aguçados de um tubarão
gigantesco. O ente bestial capturou o transgressor
pelo pescoço, descendo pelo torso e pelo abdome, até
engolir-lhe o corpo inteiramente. Depois, o mostro
metálico se ocultou novamente no mesmo lugar de
onde havia saído.
— Eu lhe disse para não pisar na grama — disse
Paul e continuou andando, enquanto assoviava.
Tradução de Paulo Soriano.
PROHIBIDO PISAR EL CÉSPED
Carlos Enrique Saldívar
Paul y Mario caminaban por una concurrida y
apacible zona del distrito San Borja. Cruzaron la pista
y recorrieron una larga vereda ubicada junto a un
amplio espacio cubierto de césped, allí había algunas
prímulas, azaleas y rododendros. En un extremo se
hallaba un pequeño (aunque visible) cartel que decía:
«PROHIBIDO PISAR EL CÉSPED. SANCIÓN
SEVERA.»
Ambos lo leyeron y siguieron su ruta. Mario le
dijo a su acompañante:
—¿Sabes qué? Ya estoy harto de que limiten
nuestras libertades, desde que este presidente entró al
gobierno no podemos hacer cosas tan simples como
pisar las plantas de algunos distritos. —El joven miró
a todos lados. No había ningún guardia municipal
cerca.
—Te recomiendo que no pises el césped —dijo
Paul.
—¿Por qué no? Sí, claro, las cámaras me están
filmando y cuando lo pise, sonará alguna alarma y me
perseguirán. Pues no me importa. Yo soy más
inteligente que las autoridades, voy a entrar ahí,
pisotearé el césped y me iré corriendo. No temas, la
responsabilidad será solo mía. Si me atrapan, pagaré
mi multa.
—Como gustes, la responsabilidad será solo
tuya —Paul se metió las manos a los bolsillos y se
puso a silbar. Pensó en decir otra cosa, sin embargo,
prefirió callarla.
Mario ingresó al área prohibida, avanzó unos
pasos. Se sintió contento, libre, saltó y se carcajeó. En
ese preciso instante surgió desde un costado un ser
cilíndrico hecho de acero; era grande, su cabeza
cúbica se abrió mostrando cuatro tenazas que
parecían los colmillos de un tiburón gigantesco. La
bestia atrapó al trasgresor por el cuello, siguió con el
torso y el abdomen hasta tragarse todo el cuerpo.
Luego el monstruo metálico se ocultó nuevamente en
el lugar de donde había salido.
—Te dije que no pisaras el césped —dijo Paul, y
continuó andando mientras silbaba.
67
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
O RECOLHEDOR DE ANDROIDES
Paulo Soriano
Sempre odiei os androides. Embora
não tenha sido o único, este foi o principal
motivo pelo qual liderei, por vinte anos, o
grupo de captura e recolhimento de robôs
da Biogenez, a mais antiga e prestigiada
empresa de fabricação de androides
biológicos do mundo. Os seus produtos
se confundem com a espécie humana a
ponto de ser impossível identificá-los, se
este for o desígnio de quem o fabricou ou
o adquiriu.
Todos sabem que os bioandroides
imitam com perfeição o gênero humano.
Raciocinam como qualquer pessoa e
partilham de toda a gama de emoções
próprias às das pessoas naturais, cujas
funções
orgânicas
reproduzem
cabalmente: até mesmo envelhecem. Mas
quase nunca adoecem e não podem
reproduzir-se, entre si ou com seres
humanos. Limitação que, para mim,
parece uma bênção. Por imitar o ente
humano — este feito à imagem e
semelhança de Deus —, um bioandroide
já é, por si mesmo, uma aberração, um
insulto à glória divina. Imagine você se
esses robôs abjetos pudessem crescer e
multiplicar-se...
Como líder da equipe de captura e
recolhimento, eu exercia as minhas
funções com mãos de ferro. Era
implacável e impiedoso. A minha
dedicação extrema àquela atividade, que
era a minha razão de viver, fez de mim
um celibatário. Renunciei ao prazer de
constituir uma saudável família, de amar
uma mulher carinhosa e com ela ter meia
dúzia de filhos e filhas, somente para me
dedicar, de corpo e alma, ao recolhimento
dos robôs orgânicos que apresentavam
defeito de fabricação ou cuja vida útil já
estivesse esgotada. Às vezes, era um
trabalho arriscado, porque eles sempre
resistiam heroicamente à prisão. Mas eu
sempre me saía bem. Quanto maior a
resistência, maior era o meu prazer em
subjugar e pôr fora de circulação aquela
degeneração herética. O grupo de
extermínio, o último elo daquela cadeia,
sempre me recebia com o caloroso sorriso
nos lábios, mas o meu era ainda mais
sincero e exaltado.
Ontem, porém, me aposentaram
compulsoriamente. Se a minha vontade
prevalecesse, recolheria os malditos
androides até que me sobreviesse a morte.
Mas a legislação aplicável à minha
profissão é inflexível. Cumpridos os vinte
anos, o agente de recolhimento de
androides é automaticamente posto na
inatividade.
Dizem
que
é
uma
necessidade imperiosa renovar os
quadros de captura. Apesar de desolado,
aceitei a nova condição. Como tenho uma
saúde de ferro, imaginei que poderia,
agora, formar uma família: ainda era
jovem o suficiente para ver a minha prole
crescer e tornar-se adulta.
Era nisso que pensava quando
Luchkov, sem prévio aviso, chegou à
minha casa, acompanhado por dois de
nossos melhores agentes recolhedores.
Abri um sorriso quando os vi.
Trabalhei com Luchkov por quinze anos e
ele sempre foi o meu braço direito, o meu
bom e fiel camarada. Agora era ele, por
indicação minha, o meu substituto, o
implacável chefe dos recolhedores.
— Uma festa surpresa, Luchkov?
Veio comemorar comigo e com os nossos
amigos a minha aposentadoria? — disselhe.
— Esta não é, infelizmente, Kolpakov,
uma visita social — disse-me Luchkov,
secamente.
— Não? Como assim?
— Sua vida útil acabou, Kolpakov.
Viemos recolhê-lo.
Sempre tive uma saúde de ferro.
Nunca
adoeci.
Eu
deveria
ter
desconfiado...
68
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
EL RETIRADOR DE ANDROIDES
Paulo Soriano
Siempre he odiado a los androides.
Aunque no haya sido el único, este fue el
principal motivo por el que lideré,
durante veinte años, el grupo de captura
y retirada de robots de Biogenez, la más
antigua empresa de fabricación de
androides biológicos del mundo. Sus
productos se confunden con la especie
humana hasta el punto de que es
imposible identificarlos, si este hubiera
sido el designio de quien los fabricó o
adquirió.
Todos saben que los androides imitan
a la perfección al género humano. Usan el
raciocinio como cualquier persona y
comparten toda la gama de emociones
propias de las personas naturales, cuyas
funciones
orgánicas
reproducen
cabalmente: incluso envejecen. Pero casi
nunca
enferman
y
no
pueden
reproducirse, entre sí o con seres
humanos. Limitación que, para mí, parece
una bendición. Por imitar al ente humano
— este hecho a imagen y semejanza de
Dios —, un bioandroide es, por sí mismo,
una aberración, un insulto a la gloria
divina. Imaginemos que esos robots
abyectos
pudiesen
crecer
y
multiplicarse…
Como líder del equipo de captura y
retirada, yo ejercía mis funciones con
mano de hierro. Era implacable y cruel.
Mi dedicación extrema a aquella
actividad, que era mi razón de vivir, me
hizo ser célibe. Renuncié al placer de
constituir una familia, de amar a una
mujer cariñosa y de tener con ella media
docena de hijos e hijas, solamente para
dedicarme, en cuerpo y alma, a la retirada
de los robots orgánicos que presentaban
un defecto de fabricación o cuya vida útil
ya se hubiese agotado. A veces era un
trabajo arriesgado, porque ellos siempre
resistían heroicamente a la prisión. Pero
yo siempre tenía éxito. Cuanto mayor era
la resistencia, mayor era mi placer en
subyugar y poner fuera de circulación a
aquella degeneración herética. El grupo
de exterminio, el último eslabón de
aquella cadena, siempre me recibía con
una calurosa sonrisa en los labios, pero el
mío era aún más sincero y exaltado.
Ayer, incluso, me habían jubilado
obligatoriamente. Si mi voluntad hubiese
prevalecido, retiraría a los malditos
androides hasta que me llegase la muerte.
Pero la legislación aplicable a mi
profesión es inflexible. Cumplidos los
veinte años, el agente de retirada de
androides es automáticamente puesto en
inactividad. Dicen que es una necesidad
imperiosa renovar los equipos de captura.
A pesar de dejarme desolado, acepté la
nueva condición. Como tengo una salud
de hierro, imaginé que podría, ahora,
formar una familia: aún era joven y
suficiente para ver mi prole crecer y
hacerse adulta.
Era en eso que estaba pensando
cuando Luchkov, sin previo aviso, llegó a
mi casa, acompañado por dos de nuestros
mejores agentes retiradores.
Sonreí cuando los vi. Había trabajado
con Luchkov durante quince años y él
siempre había sido mi mano derecha, mi
buen y fiel camarada. Ahora era él, por
recomendación mía, mi sustituto, el
implacable jefe de los retiradores.
— ¿Una fiesta sorpresa, Luchkov?
¿Ha venido a celebrar conmigo y con
nuestros amigos mi jubilación? — le
pregunté.
— Esta no es, lamentablemente,
Kolpakov, una visita social — me dijo
Luchkov, secamente.
— ¿No? ¿Cómo es eso?
— Su vida útil se ha acabado,
Kolpakov. Hemos venido a retirarlo.
Siempre había tenido una salud de
hierro. Nunca me enfermé. Tendría que
haber desconfiado...
Traducción de Ângelo Brea.
69
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
A SELEÇÃO
Ricardo Manzanaro
Era a sua grande chance. Mas tinha medo
de falhar ou de que os outros concorrentes
fossem muito melhores que ela.
Elena adorava cantar. E no sábado
seguinte faria um teste para um programa
musical de enorme sucesso. Queria ser
selecionada, custasse o que custasse.
Assim, procurou um bruxo, que lhe
disseram que era incrível, e que operava
milagres com os seus conjuros.
No dia da seleção, Elena cantou
maravilhosamente.
Todos
ficaram
boquiabertos. Então, o diretor musical tomou a
mais lógica decisão possível nesse caso:
contratou o bruxo.
Tradução de Paulo Soriano.
CASTING
Ricardo Manzanaro
Era
su gran oportunidad. Pero tenía
miedo de fallar o que los otros que se
presentasen fueran mucho mejores.
A Elena le apasionaba cantar. Y el siguiente
sábado iba a hacer una prueba en el casting para
un programa musical de gran éxito. Quería ser
seleccionada como fuera.
Así que acudió a un brujo, que le habían
dicho que era buenísimo, y lograba milagros
con sus conjuros.
Y el día del casting Elena cantó
fabulosamente
bien.
Todos
quedaron
boquiabiertos. Así que el director musical hizo
lo más lógico en ese caso. Contrató al brujo.
UM BREVE ENCONTRO NO CEMITÉRIO
Paulo Soriano
No Dia de Finados, uma mulher chorava
junto a um túmulo.
— Por quem choras? — perguntou um
passante.
— Choro por meu marido — respondeu a
mulher.
— É duro perder um cônjuge... —
comentou o homem.
— Eu não o perdi. Ele me perdeu... E não
veio me visitar. Por isto, choro...
E, dizendo isto, esvaneceu no ar.
Tradução de Paulo Soriano.
UN BREVE ENCUENTRO EN EL CEMENTERIO
Paulo Soriano
El
Día de Difuntos, una mujer lloraba
junto a una tumba.
— ¿Por quién estás llorando? — perguntó
un transeúnte.
— Lloro por mi marido — respondió la
mujer.
— Es difícil perder a un cónyuge ... — dijo
el hombre.
— No lo he perdido. Me ha perdido. Y no
vino a visitarme hoy. Por esto lloro...
Y, diciendo eso, se desvaneció en el aire.
Revisión de Ângelo Brea.
70
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
SEMPRE SE FEZ ASSIM
Dolo Espinosa
Quando o dragão dava
um passo, o
chão tremia. Quando saltava, o tremor era
tão atroz que o príncipe tinha que fazer um
esforço sobre-humano para não perder o
equilíbrio. Quando batia as asas, um
pequeno furacão obrigava o jovem guerreiro
a agarrar-se a tudo o que pudesse para não
sair voando. Quando a fera exalava o seu
hálito ardente, era com grande dificuldade
que o rapaz evitava acabar assado como uma
galinha domingueira.
Quando o príncipe desferia golpes após
golpes, o dragão expelia fogo, tentando
evitá-los. Quando saltava, fintava e corria, a
besta sofria por mover, rápida e
suficientemente, seu corpo gigantesco.
Quando o guerreiro escapava por alguma
estreita fenda, o lagarto monstruoso sentia a
frustração do comprador que via escapar o
bem cobiçado numa liquidação.
A princesa, de sua torre, assiste à
batalha.
Depois de várias horas correndo,
voando, esquivando-se, lançando fogo,
saltando, defendendo-se, agachando-se,
desferindo e recebendo golpes, o dragão e o
príncipe se detêm.
Eles se olham: o homem suando, o
animal ofegando, ambos exaustos.
O dragão, com a respiração agitada,
língua de fora, garras nos joelhos, levanta
uma sobrancelha e fala:
—Essa princesinha deve ser muito
importante, não é mesmo?
O príncipe, mais escarrapachado do que
sentado no chão, diante da fera, olha para ele
com firmeza, coça a cabeça e, franzindo o
cenho, responde:
—Hummm... a verdade é que... mais ou
menos.
— Então, por que está lutando comigo?
— Bem, é o que sempre se tem feito —
responde o príncipe, com um encolher de
ombros. — Quando a você, parece, sim,
muito interessado nisto tudo...
O dragão move suas asas com ar
pensativo e responde:
— Na verdade, não me importo muito.
— Então, por que está lutando comigo?
— pergunta o príncipe, franzindo mais
ainda o já franzido cenho.
— Não sei — responde o dragão,
pensativo. Por que sempre se fez assim?
Príncipe e dragão ficaram em silêncio.
Passado algum tempo, e como se
tivessem ajustado previamente, o príncipe e
o dragão ergueram os olhos para a princesa
que, da torre, observava, um tanto perplexa,
a cena. Sim — pensaram —, ela era uma
princesa. Sim — eles continuaram a pensar
—, ela era muito bonita. Sim — eles
meditavam —, lutar pela princesa é o que
sempre se fez, mas... Após mais alguns
segundos de meditação, o príncipe olhou
para a espada, que ainda segurava, e
lentamente se levantou, metendo-a na
bainha. O dragão não tinha espada que
abandonar, então se limitou a sacudir o
pescoço e as asas e alçar-se sobre as patas
traseiras.
— Você gosta de um bom vinho? — o
príncipe perguntou ao dragão.
— E quem não gosta? — o dragão
respondeu ao príncipe.
— Bem, eu o convido a tomar uma taça
comigo.
— Que seja um barril.
— Trato feito.
E, sem mais delongas, afastaram-se da
torre e da princesa que, atônita, os viu
caminhado juntos, numa conversa amigável.
— Ei! — ela gritou. —Vocês não podem
me deixar assim!
Mas o dragão e o príncipe já estavam
muito longe para ouvi-la.
— De qualquer maneira — a princesa
suspirou, apoiando o queixo na mão,
enquanto observava o cair da noite —, ainda
bem que a chave ainda está debaixo do
tapete onde eu a guardei.
Tradução de Paulo Soriano.
71
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
SIEMPRE SE HA HECHO ASÍ
Dolo Espinosa
Cuando el dragón daba un paso, el
suelo temblaba. Cuando saltaba, el temblor
era tan atroz que el príncipe debía hacer un
esfuerzo sobrehumano para no perder el
equilibrio. Cuando agitaba sus alas, un
pequeño huracán obligaba al joven guerrero
a sujetarse a lo que pudiera para no salir
volando. Cuando exhalaba su ardiente
aliento, el muchacho lograba, a duras penas,
no acabar asado cual pollo en domingo.
Cuando el príncipe lanzaba estocada
tras estocada, el dragón sudaba fuego
intentando esquivarlas. Cuando saltaba,
fintaba y corría, la bestia sufría lo suyo para
mover su gigantesco cuerpo a la velocidad
suficiente. Cuando lograba escurrirse en
alguna estrecha hendidura, el monstruoso
lagarto sentía la frustración del comprador
en rebajas que ve escapar la prenda
anhelada.
La princesa, desde su torre, contempla
la batalla.
Tras varias horas de correr, volar,
esquivar, fintar, lanzar fuego, saltar, atacar,
defender, agacharse, levantarse, golpear y
recibir, el dragón y el príncipe se detienen.
Se miran, sudoroso el hombre, jadeante
el animal, exhaustos ambos.
El dragón, con la respiración agitada, la
lengua fuera, las garras sobre sus rodillas,
arquea una ceja y habla:
—Esta princesita debe de importante
mucho, ¿no es así?
El príncipe, más espatarrado que
sentado en el suelo frente a la bestia, lo mira
de hito en hito, se rasca la cabeza y,
frunciendo el entrecejo responde:
—Hummm... la verdad es que ni fu ni
fa.
—¿Entonces por qué luchas contra mí?
—Bueno, es lo que se ha hecho siempre
—responde el príncipe encogiéndose de
hombros—. A ti sí que se te ve muy
interesado...
El dragón, mueve sus alas con aire
pensativo y responde:
—En realidad me da un poco igual.
—¿Entonces por qué luchas contra mí?
— pregunta el príncipe, frunciendo aún más
el ya fruncido ceño.
—No sé. —Responde el dragón con
aire pensativo—, ¿porque siempre se ha
hecho así?
Príncipe y dragón, quedaron en
silencio.
Al cabo de un rato y como si se
hubieran puesto de acuerdo, príncipe y
dragón alzaron la vista hacia la princesa que,
desde la torre, observaba, un tanto perpleja,
la escena. Sí, pensaron, era una princesa. Sí,
siguieron pensando, era bastante guapa. Sí,
meditaron, luchar por la princesa es lo que
siempre se había hecho, pero... Tras unos
segundos más de meditación, el príncipe
miró la espada que aún sujetaba y,
lentamente se puso en pie y la guardó en su
funda. El dragón no tenía espada que
abandonar, así que se limitó a sacudir cuello
y alas y alzarse sobre sus patas traseras.
—¿Te gusta el buen vino? —preguntó
el príncipe al dragón.
—¿Y a quién no? —respondió el
dragón al príncipe.
—Pues te invito a una copa.
—Que sea un barril.
—Hecho.
Y, sin más, se alejaron de la torre y de
la princesa que, atónita, los veía marchar en
amigable charla.
—¡Hey! —gritó— ¡No podéis dejarme
así!
Pero dragón y príncipe estaban
demasiado lejos para poder escucharla.
—En fin —suspiró la princesa
apoyando la barbilla en su mano mientras ve
caer la tarde—, menos mal que la llave sigue
bajo el felpudo donde la guardé.
72
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
O CAIXA
José Manuel González Rodríguez
— Quero retirar cem créditos da
minha conta.
― Por favor, aproxime-se do círculo
vermelho na tela para reconhecimento da
retina... Obrigado, Sra. María Manuela
Iturriaga, setenta e nove anos, residente em
Basauri, rua Cabrera, quinto subsolo,
moradia de aluguel, número de cidadão
23243A26... Por favor, diga “sim” se essa
for a sua identidade.
— Sim, sou eu, quero retirar cem
créditos.
― A senhora tem um total de 6.332
créditos. Precisamos que confirme que o seu
parente mais próximo é Dom Miguel
Iturriaga, residente em Madri, rua Miguel
de…
— Ele é meu sobrinho... Por que
precisam dessa confirmação?
— É uma informação necessária para o
cumprimento da lei 9-2054, de 12 de
fevereiro... Quer transferir todo o seu
patrimônio para o Sr. Miguel Iturriaga?
— Como?... Não!... Eu só quero
sacar cem créditos!
— A lei estabelece que você deve
designar um beneficiário para seus ativos.
Caso contrário, seu saldo será transferido
para uma conta pertencente ao Estado.
Quer que seu patrimônio seja transferido
para o Estado?
— Claro que não!... Espere... Isto é
para que meu sobrinho herde meu
dinheiro quando eu morrer?
— Afirmativo, Sra. María Manuela.
— Então, sim, quero que meu
sobrinho receba o que ficar em minha
conta depois que eu morrer.
― Sua decisão ficou registrada e será
comunicada ao Registro de Testamentos.
Informamos que nosso serviço tem um
custo de dez créditos, que serão descontados
de...
— Dez créditos! Isso é um roubo!
— Nossas tarifas aumentaram durante
o ano em curso em cinco por cento devido
ao aumento exponencial na demanda por
nossos serviços. No entanto, temos o prazer
de informar que a nossa empresa figura
como a que oferece a melhor relação
qualidade/preço do mercado na avaliação
periódica efetuada pelo Ministério do BemEstar Social.
— Bem, ainda me parece muito
caro... Posso falar com um operador
humano?
— Lamento, Sra. María Manuela, mas
o nosso serviço não dispõe de operadores
humanos... Quer fazer uma declaração
antes do início do processo?
— Uma declaração?... Desde
quando uma declaração é necessária
para sacar dinheiro?
— Eu não entendi a sua pergunta. Por
favor, reformule.
— Isto não é um caixa eletrônico?
— Não, Sra. María Manuela. A
senhora encontra-se na cabine de
propriedade de ERISA, sigla da empresa de
serviços “Eutanásias Rápidas e Indolores
Sociedade Anônima”. Temos o prazer de
informar que a transferência de seu ativo
remanescente para a conta de D. Miguel
Iturriaga foi concluída. Por favor, responda
à pergunta: Quer fazer uma declaração
antes do início do processo?...
Tradução de Paulo Soriano.
73
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
EL CAJERO
José Manuel González Rodríguez
―
Quiero retirar cien créditos de
mi cuenta.
― Por favor, acérquese al círculo rojo
de la pantalla para el reconocimiento
retinal… Gracias, doña María Manuela
Iturriaga, setenta y nueve años, residente
en Basauri, calle Cabrera, cinco bajo,
domicilio en alquiler, número de
ciudadano: 23243A26… Por favor, diga
“sí” si esa es su identidad.
― Sí, soy yo, quiero retirar cien
créditos.
― Dispone en su cuenta bancaria un
total de 6.332 créditos. Necesitamos que
nos confirme que la persona con un grado
de parentesco más cercano a usted es don
Miguel Iturriaga, residente en Madrid,
calle Miguel de…
― Es mi sobrino… ¿Para qué
necesitan que se lo confirme?
― Es un dato necesario para cumplir
la ley 9-2054, del 12 de febrero… ¿Desea
transferir el total de su activo a don Miguel
Iturriaga?
―¿Cómo?... ¡No!... ¡Yo solo quiero
sacar cien créditos!
― La ley estipula que usted debe
designar un beneficiario para sus activos.
En caso contrario, su saldo será transferido
a una cuenta propiedad del Estado. ¿Desea
que su activo sea transferido al Estado?
― ¡Por supuesto que no!... Espere…
¿Esto es para que mi sobrino herede mi
dinero cuando muera?
― Afirmativo, doña María Manuela.
― Entonces sí, quiero que mi
sobrino reciba lo que quede en mi
cuenta después de que yo muera.
― Su decisión queda anotada y será
comunicada al Registro de Voluntades. Le
informamos que nuestro servicio tiene un
costo de diez créditos, que serán
descontados de…
― ¡Diez créditos! ¡Eso es un robo!
― Nuestras tarifas han aumentado
durante el año en curso en un cinco por
ciento debido al aumento exponencial de la
demanda de nuestros servicios. No
obstante, nos complace comunicarle que
nuestra empresa figura como la que ofrece
la mejor relación calidad-precio del mercado
en la evaluación periódica que realiza el
Ministerio de Bienestar Social.
― Pues a mí me sigue pareciendo
muy caro… ¿Puedo hablar con un
operador humano?
― Lo siento, doña María Manuela,
pero nuestro servicio no dispone de
operadores humanos... ¿Desea hacer una
declaración antes del inicio del proceso?
―¿Una declaración?… ¿Desde
cuando se necesita una declaración
para sacar dinero?
― No comprendo la pregunta. Por
favor, reformúlela.
―¿Esto no es un cajero automático?
―No, doña María Manuela, está usted
en una cabina propiedad de ERISA,
acrónimo de la empresa de servicios
“Eutanasias Rápidas e Indoloras, Sociedad
Anónima”… Nos complace informarle que
ha finalizado la transferencia de su activo
restante a la cuenta de don Miguel
Iturriaga. Por favor, responda a la
pregunta: ¿Desea usted hacer una
declaración antes del inicio del proceso?...
74
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
A METAMORFOSE E O DESTINO
Júlio Portus Cale
Franz Kafka — era assim que se
chamava a barata, feliz de ter
escapado de morrer pisoteada —
acordou de um sono agitado e viu
que se transformara numa espécie
monstruosa de pessoa humana.
Olhando-se
no
espelho,
descobriu que agora se chamava
Gregor Samsa.
Cheia de asco, desgostosa de si
mesma, a antiga barata tomou
inseticida, mas não morreu. Afinal,
agora era humana...
Resolveu, então, conformar-se
com a nova situação.
Apenas saiu à rua e... Um rolo
compressor a apanhou.
Ninguém
foge
a
próprio
destino...
Tradução de Paulo Soriano.
LA METAMORFOSIS Y EL DESTINO
Júlio Portus Cale
Franz Kafka — así se llamaba la
cucaracha, feliz de haber escapado de
ser pisoteada hasta morir — se
despertó de un sueño inquieto y vio
que se había convertido en una
especie monstruosa de... ser humano.
Mirándose al espejo, descubrió
que ahora se llamaba Gregor Samsa.
Llena de asco, disgustada consigo
misma, la antigua cucaracha tomó
insecticida, pero no murió. Después
de todo, ahora era humana...
Entonces decidió adaptarse a la
nueva situación.
Apenas salió a la calle y... Una
apisonadora la atrapó.
Nadie escapa a su propio
destino...
Revisión de Ângelo Brea.
75
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
DOIS MICROCONTOS
Ricardo Manzanaro
CARNIÇARIA
O robô açougueiro iniciou a tarefa
designada, fatiando a carne deixada sobre
a sua mesa de trabalho, extraindo os ossos
e, finalmente, retalhando em finas fatias a
carne magra.
“Foi uma boa aquisição”, pensou
satisfeito o mafioso, ao ver no que se
transformara o cara que haviam
sequestrado. “Resta apenas consultar o
manual de instruções e ver como
proceder para que, antes de começar o
serviço, o robô mate a vítima”.
ALIEN IX
Quando Ripley pensou que já tinha
visto de tudo, viu, na última vez em que
se encontraram, o Alien com diarreia e
vômitos.
Tradução de Paulo Soriano.
DOS MICROCONTOS
Ricardo Manzanaro
CARNICERÍA
El
robot carnicero inició la labor
asignada, despiezando la carne que le
habían dejado sobre su mesa de trabajo,
extrayendo los huesos, y, finalmente,
fileteando en secciones finas la carne
magra.
"Ha sido una buena compra. Va bien"
pensó satisfecho el mafioso, tras ver en
que había quedado el tipo que habían
secuestrado. "Sólo queda mirar al libro de
instrucciones, a ver cómo se hace para
que, antes de empezar, lo mate"
ALIEN IX
Cuando Ripley ya creía que lo había
visto todo, en la última vez que
coincidieron, vio al Alien con diarrea y
vomitando.
76
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
O PODER DA SÍFILIS
Paulo Soriano
Ninguém sabia
— e nem mesmo
poderia imaginar —, mas o homem que
se sentara numa das mesas mais
chiques daquele restaurante caro era
um vampiro.
Pediu um vinho tinto encorpado —
daqueles cuja viscosidade mais
lembrava a textura do sangue — e se
serviu de pequenos goles. Lançou um
olhar no entorno, mas o que viu pouco
lhe agradou. Então esperou.
Mas não aguardou por muito
tempo. À frente de sua mesa postou-se
uma mulher de uma beleza quase
gótica. Pequenos e vaporosos olhos
azuis.
Palidez.
Longo
pescoço.
Sedução. Cabelos de víboras que se
contorcem
prazerosamente.
Uma
mulher ideal.
O homem, que era um vampiro
verdadeiro, não tomou conhecimento
do
companheiro
da
mulher.
Mergulhou-lhe as longas unhas na
jugular, que se rompeu docilmente. O
sangue brotou numa torrente, e a
cabeça do homem tombou para trás,
como resultado do empuxo. Depois o
vampiro avançou para a mulher,
arrebatou com força o colar de
diamantes que lhe cingia o pescoço de
cisne e nele cravou os caninos. Depois,
sugou demoradamente.
As pessoas ao redor nada
esperaram. Fugiram todas. Certamente
duas ou três foram pisoteadas.
Terminado o assédio, o vampiro
abriu a carteira. Com a ponta dos
dedos, onde as unhas retráteis já se
haviam acomodado convenientemente,
sacou duas notas de grande valor,
colocando-as em seguida sobre a mesa.
Então afundou as unhas, que voltaram
a crescer assustadoramente, num dos
olhos da mulher, retirando-o da órbita
com graciosa destreza. Inclinado a
cabeça, num gesto elegante, levou-o à
boca e mastigou prazerosamente.
Depois, comeu o outro olho, como se
fosse um pêssego macio.
Estalou os lábios. Vendo que o
homem ainda sangrava, colheu o
esguicho numa pequena taça de vinho
e entornou o sangue rapidamente, à
maneira dos cowboys.
Arrotou. Limpou a boca com as
costas da mão. Estava satisfeito.
Então, viu o mundo girar.
As mesas rodopiavam em torno de
si como um carrossel alucinado. Ah!
Como fora descuidado! Num ambiente
rico e luxuoso daqueles não poderia
haver riscos, mas, ainda assim, havia!
Uma prostituta de luxo! Uma
prostituta sifilítica!
O vampiro tombou. O vírus da
sífilis invadira o seu cérebro e lá
pregava a sua pequena peça. Uma
pecinha escrota e fatal. Estacas no
coração? Uma lenda! A luz do Sol?
Outra lenda ainda mais absurda. Mas a
sífilis... A sífilis era o cianeto dos
vampiros. Letal. O poder mais
destrutível da terrível doença. Coisa
que só os mais experientes dos
vampiros — como aquele, que agora
engorgitava coágulos e morria —
poderiam saber.
77
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
EL PODER DE LA SÍFILIS
Paulo Soriano
Ninguno lo sabía — y ni siquiera
lo podría imaginar —, pero el hombre
que se había sentado en una de las
mesas más elegantes de aquel caro
restaurante era un vampiro.
Pidió un vino tinto con cuerpo —
de aquellos cuya viscosidad más
recordaba a la textura de la sangre —, y
se lo tomó a pequeños sorbos. Echó un
vistazo a su alrededor y lo que vio le
agradó poco. Entonces esperó.
Pero no aguardó por mucho
tiempo. Frente a su mesa, se colocó una
mujer de una belleza casi gótica.
Pequeños y vaporosos ojos azules.
Palidez. Cuello largo. Seducción. Pelos
de
víbora
que
se
retuercen
deliciosamente. Una mujer ideal.
El hombre, que era un vampiro
verdadero, no se fijó en el compañero
de la mujer. Hundió sus largas uñas en
su yugular, que se rompió dócilmente.
La sangre brotó en un torrente y la
cabeza del hombre cayó hacia atrás,
como resultado del empuje. Después el
vampiro avanzó hacia la mujer,
arrebató con fuerza el collar de
diamantes que le rodeaba el cuello de
cisne y le clavó los caninos y chupó
durante largo tiempo.
Las personas de alrededor no
esperaron. Todas huyeron. Con
seguridad, dos o tres fueron
pisoteadas.
Terminado el asedio, el vampiro
abrió la cartera, con la punta de dos
dedos, donde las uñas retráctiles ya se
habían plegado. Sacó dos billetes de
gran valor, depositándolos enseguida
sobre la mesa. Entonces hundió sus
uñas, que comenzaron a crecer
pavorosamente, en uno de los ojos de la
mujer, retirando la órbita con notable
destreza. Inclinando la cabeza, en un
gesto elegante, se la llevó a la boca y la
masticó con gusto. Después comió el
otro ojo, como si fuera un melocotón
suave
Chasqueó los labios. Viendo que
todavía sangraba, guardó lo que
goteaba en un pequeño vaso de vino y
bebió lo derramado rápidamente, al
estilo de los cow-boys.
Eructó. Se limpió la boca, con el
dorso de la mano. Estaba satisfecho.
Entonces, vio el mundo girar. Las
mesas se arremolinaban en torno a él,
como un alucinante carrusel. ¡Como
había sido tan descuidado! En un
ambiente rico y lujoso de aquellos, no
podía haber riesgos, y, sin embargo
¡Los había¡ ¡Una prostituta de lujo!
¡Una prostituta sifilítica!
El vampiro cayó. El virus había
invadido su cerebro. El virus de la
sífilis había invadido su cerebro y ahí
jugó su pequeño truco. Un truco
desleal y fatal. ¿Estacas en el corazón?
¡Una leyenda! ¿La luz del sol? Otra
leyenda aún más absurda. Pero la
sífilis... La sífilis era el cianuro de los
vampiros. Letal. Un poder más
destructivo que cualquier terrible
enfermedad. Hecho que solo los más
experimentados vampiros — como
aquel, que ahora se llenaba de coágulos
y moría — podían saber.
Tradución de Ricardo Manzanaro.
Revisión de Paulo Soriano.
78
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
CORREÇÃO DO DEFEITO
Carlos Henrique Saldívar
— Você é um homem! — ela
gritou. — Disse-me que era um
androide! Você mentiu! Você fingiu!
Fora daqui!
O camarada ficou envergonhado.
Era verdade, ele a enganara. Ele não
teve outra escolha senão recolher as
suas coisas e sair daquele quarto de
hotel. Ele se perguntou por que
diabos se havia fixado numa garota
bonita, mas maluca, do tipo que só
consegue interagir sexualmente com
autômatos.
Quando ficou sozinha, ela abriu a
própria face, dando lugar a uma série
de pequeninos circuitos. De seu dedo
indicador direito saiu uma ponta de
broca, e ela se pôs a reparar os seus
sistemas integrados. O problema era
uma engrenagem minúscula que
havia saído do lugar. A falha foi
corrigida imediatamente. Agora ela
poderia usar perfeitamente a sua
visão detectora, com a qual
diferenciava os robôs dos humanos.
“Isto jamais deverá acontecer comigo
novamente”, disse ela a si mesmo.
“Eu só tenho que estar com
androides, que são amáveis, finos,
corteses. Os homens, por outro lado,
são uns idiotas.”
Tradução de Paulo Soriano
SUBSANACIÓN DEL DEFECTO
Carlos Enrique Saldívar
—¡Eres un hombre! —le gritó
ella—. ¡Dijiste que eras un androide!
¡Mentiste, fingiste! ¡Fuera!
El sujeto se avergonzó. Era
verdad, la había engañado. No tuvo
más remedio que coger sus cosas y
marcharse de ese cuarto de hotel. Se
preguntó por qué diablos se había
fijado en una chica bonita pero loca,
de esas que solo pueden reaccionar
sexualmente con autómatas.
Cuando ella estuvo sola, abrió su
rostro cediendo paso a una serie de
circuitos bastante pequeños. De su
dedo índice derecho salió una punta
de taladro y procedió a reparar sus
sistemas integrados. El problema era
un diminuto engranaje que se había
salido de su sitio; el fallo de
inmediato quedó reparado. Ahora ya
podía usar bien su visión detectora,
con la cual diferenciar robots de
humanos. «Esto no me debe volver a
pasar», se dijo. «Sólo debo estar con
androides, son dulces, finos, corteses.
Los hombres, en cambio, son unos
idiotas».
79
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
THE STAR-SPANGLED BANNER
Paulo Soriano
Eu
estava entre os que não
acreditavam nas absurdas histórias de
objetos
voadores
tripulados
por
criaturinhas verdes que — dizem — há
milênios nos estudam sub-repticiamente.
Não sou de todo cético. Afinal, creio
no Ser Superior e nos profetas redentores.
Mas, desde que aprendi que nada pode se
deslocar mais depressa que a luz, e a
ponderar as infinitas distâncias entre as
estrelas, convenci-me de que os chamados
discos voadores não passam de uma
grande ilusão coletiva.
Mas, em pleno centro da cidade, vi,
estarrecido, que eles deixaram toda
cautela de lado e povoaram os céus com
suas naves gigantescas. Apenas uma nau
estelar
aterrissou,
em
meio
à
perplexidade da multidão. Dela, um ser
estranho
—
incompreensivelmente
bípede! — desceu e cravou no chão uma
espécie de insígnia que, presa a uma haste
vertical, se pôs a tremular sob a luz
vermelha de nosso Sol.
Não estou louco.
Voltei à praça, à noite. À sombra de
nossas três luas, o estandarte estrelado,
que irradia enigmáticos feixes luminosos
em azul, vermelho e branco, ainda está lá.
Nele, os místicos escatológicos
vislumbram um símbolo exótico de
domínio e destruição.
THE STAR-SPANGLED BANNER
Paulo Soriano
Yo estaba entre los que no creían en
las absurdas historias de objetos
voladores tripulados por pequeñas
criaturas verdes que — dicen los crédulos
—
nos
han
estado
estudiando
subrepticiamente durante milenios.
No soy completamente escéptico.
Después de todo, creo en el Ser Superior
y en los profetas redentores. Pero, desde
que he aprendido que nada puede
moverse más rápido que la luz, y
ponderando las infinitas distancias entre
las estrellas, me he convencido de que los
llamados platillos voladores no son más
que una gran ilusión colectiva.
Pero, en el corazón de la ciudad, vi,
asombrado, que ellos dejaron de lado
toda precaución, y poblaron los cielos con
sus gigantescas naves. Sólo una nave
estelar aterrizó, en medio de la
perplejidad de la multitud. De ella, un
extraño ser — incomprensiblemente
bípedo — bajó y clavó al suelo una
especie de insignia que, unida a una asta
vertical, comenzó a tremolar bajo la luz
roja de nuestro Sol.
No estoy loco.
Volví a la plaza por la noche. A la
cálida luz de nuestras tres lunas, el
estandarte estrellado, que irradia
enigmáticos rayos luminosos en azul, rojo
y blanco, sigue ahí.
En ella, los místicos escatológicos
vislumbran un exótico símbolo de
dominación y destrucción.
Traducción de Paulo Soriano.
Revisión de Ricardo Manzanaro.
80
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
FRONTEIRAS
Jose Ángel Conde
Os demiurgos conceituados por
tantas religiões humanas materializaram-se em forma física como
os Eidolor, uma espécie de sentinelas
interdimensionais encarregadas de
custodiar
a
passagem
entre
diferentes mundos e realidades. Uma
destas dimensões correspondia ao
nosso ciclo de vida terrestre e os
Eidolor gerenciavam o trânsito do
nosso corpo espiritual às etapas
seguintes de circulação astral. A
.
razão para se manifestarem à
humanidade foi a saturação das rotas
de intercâmbio entre os diferentes
mundos. Eles apareceram para nos
dizer que a morte havia sido
cancelada
e
que
deveríamos
permanecer neste plano até novo
aviso.
Tradução de Paulo Soriano.
FRONTERAS
Jose Ángel Conde
Los demiurgos conceptualizados
por tantas religiones humanas se
materializaron de forma física como
los Eidolor, una especie de centinelas
interdimensionales encargados de
custodiar el paso entre los diferentes
mundos y realidades. Una de estas
dimensiones se correspondía con
nuestro ciclo vital terrestre y los
Eidolor gestionaban el tránsito de
nuestro cuerpo espiritual a las etapas
siguientes de circulación astral. La
razón de manifestarse a la humanidad fue la saturación de las vías
de intercambio entre los diferentes
mundos. Se habían aparecido para
comunicarnos que la muerte había
quedado cancelada y que debíamos
permanecer en este plano hasta
nuevo aviso.
81
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
UMA PARTIDA DE XADREZ CONTRA O
DIABO
Luciano Barreto
Certa
vez, dentro do círculo de
enxadristas ao qual pertenço, um senhor que
tinha forte ligação com o xadrez relatou uma
estória deveras macabra. Não me recordo seu
nome porquanto ele havia aparecido para
participar de um torneio de enxadristas
amadores na cidade do Rio de Janeiro e seus
resultados no campeonato não foram
expressivos, ademais soube apenas os nomes de
dois dos três protagonistas da estória. Contudo,
lembro-me que esse senhor aparentava ter entre
sessenta e setenta anos de idade, trazia um leve
sotaque hispânico e conservava uma hirsuta
barba grisalha.
Um dos protagonistas do relato se
chamava Castor Z. Baldez, espanhol de Gijón e
detentor do título de Grande Mestre
Internacional de Xadrez. O outro era o Diabo.
Nosso narrador disse que Baldez era um
homem recluso, pois padecia com esporádicas
crises de esquizofrenia. Embora tímido e
introvertido, Baldez revelava — para alguns
amigos e de maneira informal — certas
artimanhas sobre a arte enxadrística. Como era
filho único e órfão de pai e mãe, Castor era um
homem solitário que não mantinha contato com
seus parentes, já que não nutria nenhum
sentimento especial por eles.
O nosso narrador contou que um dia
Castor Baldez apareceu na casa de um amigo,
em Gijón, tarde da noite. Baldez tinha o rosto
branco como uma vela e os olhos injetados de
terror. Numa mão um tabuleiro, na outra um
relógio de xadrez e trinta e duas peças metidas
num saco de couro. Como uma criança, pedira
para passar a noite na residência de seu melhor
amigo, que também era seu médico, porque não
estava se sentindo bem naquela noite. O amigo
não negou abrigo e aboletou o visitante na sala
de sua residência.
Com os olhos que denunciavam verdade,
o velho barbudo disse que o médico se
levantara exatas duas vezes durante a
madrugada para urinar e vira Baldez jogando
xadrez sozinho. Na segunda vez, o amigo
abordou o enxadrista a fim de saber o motivo
que lhe deixava insone ao ponto de permanecer
praticando xadrez até a madrugada.
Nosso contador de estórias arregalou os
olhos impingindo algum mistério no local onde
estávamos e garantiu que Castor Baldez havia
dito que estava se preparando para um desafio
de xadrez. E que o médico logicamente quis
saber detalhes sobre o desafio e perguntou
sobre o adversário, e, também, sobre quando e
onde seria a partida. Prontamente, o GM Castor
Baldez havia dito que iria começar em cinco
minutos, no local onde ambos estavam e a
partida seria contra o Diabo.
Foi-nos revelado que o médico titubeou ao
ouvir a verdade de seu amigo, mas que
certamente Baldez estava ingressando em outra
crise de esquizofrenia. Assim, o médico
resolveu não contrariar o amigo doente e falou
que iria dormir para não atrapalhar a disputa
noturna. Estranhamente, o grande mestre havia
agradecido com efusivos gestos. O amigo
retirara-se do cômodo, mas havia ficado imerso
numa penumbra que enegrecia parte do
corredor de sua residência. Dali, ele pôde
deslindar o desenrolar esquizofrênico dos fatos
sem que seu amigo pudesse vê-lo. Nosso
narrador enfatizou, com as mãos senis
espraiadas para cima, que Baldez não sabia da
posição de seu amigo no corredor.
O senhor barbudo continuou a estória
dizendo que o grande mestre Castor Baldez
havia aberto a porta da casa, depois se sentado
em frente ao tabuleiro, arrumado as peças e
dado corda no relógio de xadrez. E que com
alguns minutos Baldez havia tomado um susto
tão grande, como se alguém houvesse
aparecido repentinamente a sua frente, que em
seguida suas mãos começaram a tremer e que
mesmo assim ele se levantou e cerrou a porta da
residência.
Que logo em seguida o enxadrista havia
voltado para a mesa que sustinha o tabuleiro e
movera o peão do rei duas casas à frente, dando
início a uma partida de xadrez, e depois
apertara o botão que parava seu relógio.
O homem que relatava a estória suspirou e
continuou afirmando que o médico sabia que a
próxima jogada não seria feita por uma mão
invisível porque aquela situação não era
espiritual, mas sim física; uma doença do corpo
e não da alma. E o lance seguinte também foi
feito pela mão de Baldez, o que – apesar de toda
certeza – tranquilizou seu amigo ainda
afundado na escuridão do corredor.
Soubemos que a partida seguiu por quase
uma hora e que todos os movimentos de peças
e paradas de relógio foram feitos por Baldez que
ora demonstrava excitação, ora demonstrava
82
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
nervosismo; e em certos momentos frustração,
refletida com o menear negativo de seu crânio.
O que certamente nos assustou foi a
continuação do relato feita por aquele
desconhecido senhor. O homem continuou
garantindo que o médico tinha visão
privilegiada do tabuleiro e que próximo de
completar uma hora de partida Baldez, que
estava sentado como se jogasse de peças
brancas, havia sofrido um xeque-mate de bispo
com o auxílio de uma torre e um peão pretos. A
peça que havia dado o xeque-mate fora a torre.
Até aí tudo bem, mas nosso narrador nos
asseverou
que
a
torre
se
moveu
assustadoramente lenta de um lado para outro
do tabuleiro, passando sobre as quadrículas
pretas e brancas que compunham sua fileira
horizontal e sem a ajuda de Baldez que restou
afundar o rosto nas palmas das mãos e soluçar
num choro abrupto.
E que segundos depois, coisa de três ou
quatro, Castor Baldez olhara para a escuridão onde o médico estava espreitando — pedira
desculpas pelo incômodo e agradecera a
amizade que ambos haviam mantido. Mas antes
de ganhar a noite, avisou que havia perdido a
partida e a alma para o Diabo. Depois, saiu
correndo da residência.
Nosso narrador conta que o médico
arregalou os olhos de pavor ainda imiscuído na
escuridão e que após a fuga de Castor Baldez,
uma voz gutural exalando forte e nauseabundo
odor de enxofre pronunciou “jaque-mate” perto
de seu ouvido esquerdo.
Quisemos saber o que havia acontecido em
seguida, mas nosso contador de estórias estava
atrasado para retornar ao interior do Rio de
Janeiro e revelou que naquela noite o grande
mestre enxadrista Castor Z. Baldez havia se
jogado na frente de um caminhão, tendo
morrido instantaneamente.
Perguntamos ainda o nome do médico e o
que acontecera com ele depois daquela noite.
Soubemos que ele se mudara para a cidade de
Cartagena, no sul da Espanha, na semana
seguinte ao fato. E que lá, levara uma vida
normal até cometer suicídio com um tiro na
boca, há muitos anos.
Lamentamos o desfecho do médico,
contudo insistimos em saber seu nome, porém
o velho barbudo, sem tergiversar, avisou que
não iria revelar o nome de seu pai. Nós,
desidratados pela vergonha, desejamos-lhe
uma boa viagem.
83
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
UNA PARTIDA DE AJEDREZ CONTRA EL
DIABLO
Luciano Barreto
En cierta ocasión, dentro del círculo de
exajedrecistas al que pertenezco, una persona
que tenía una estrecha relación con el ajedrez
relató una historia bastante macabra. No
recuerdo su nombre, porque él había venido a
participar en un torneo de ajedrecistas
aficionados en la ciudad de Río de Janeiro y sus
resultados en el torneo no fueron demasiado
satisfactorios. Además, conozco únicamente los
nombres de dos o tres protagonistas de la
historia. No obstante, recuerdo que ese señor
aparentaba tener entre sesenta y setenta años,
tenía un leve acento hispánico y conservaba una
hirsuta barba gris.
Uno de los protagonistas del relato se
llamaba Castor Z. Baldez, español de Gijón y
detentor del título de Gran Maestro
Internacional de Ajedrez. El otro era el Diablo.
Nuestro narrador dijo que Baldez era un
hombre recluido, ya que padecía esporádicas
crisis de esquizofrenia. Aunque tímido e
introvertido, Baldez revelaba – para algunos
amigos y de manera informal – ciertas
artimañas sobre el arte ajedrecístico. Como era
hijo único y huérfano de padre y madre, Castor
era un hombre solitario que no mantenía
contacto con sus parientes, ya que no guardaba
ningún sentimiento especial hacia ellos.
Nuestro narrador contó que un día Castor
Baldez apareció en la casa de un amigo, en
Gijón, bien entrada la noche. Baldez tenía el
rostro blanco y los ojos inyectados de terror. En
un mano un tablero, en la otra un reloj de
ajedrez y treinta y dos piezas metidas en una
bolsa de cuero. Como un niño, había pedido
pasar la noche en la residencia de su mejor
amigo, que también era su médico, porque no
se sentía bien aquella noche. El amigo no negó
abrigo al visitante en el salón de su residencia.
Con ojos que denunciaban la verdad, el
viejo barbudo dijo que el médico se había
levantado exactamente dos veces durante la
madrugada para orinar y había visto a Baldez
jugando en solitario al ajedrez. La segunda vez,
el amigo abordó al exajedrecista para saber el
motivo que le mantenía insomne al punto de
permanecer practicando ajedrez hasta la
madrugada.
Nuestro contador de historias abrió mucho
los ojos, esperando ver algún misterio en el
lugar donde nos encontrábamos y garantizó
que Castor Baldez había dicho que se estaba
preparando para un desafío de ajedrez. Y que el
médico, lógicamente, quiso saber detalles sobre
el desafío y preguntó sobre el adversario y,
también, sobre cuando sería la partida. Con
rapidez, el GM Castor Baldez había dicho que
iba a comenzar en cinco minutos, en el lugar
donde ambos estaban y la partida sería contra
el Diablo.
Se nos reveló que el médico había
titubeado al oír la verdad de su amigo, pero
que, ciertamente, Baldez estaba cayendo en otra
crisis de esquizofrenia. Así, el médico resolvió
no contrariar al amigo enfermo y le dijo que se
iría a dormir para no molestar en aquella
disputa nocturna. Extrañamente, el Gran
Maestro había agradecido esto con efusivos
gestos. El amigo se retiró de la habitación,
quedando inmerso en una penumbra que
ennegrecía parte del pasillo de su residencia.
Desde allí, él pudo deslindar el desarrollo
esquizofrénico de los hechos sin que su amigo
pudiese verlo. Nuestro narrador enfatizó, con
las manos seniles extendidas hacia arriba, que
Baldez no podía conocer la posición de su
amigo en el pasillo.
El señor barbudo continuó la historia
diciendo que el gran Maestro Castor Baldez
había abierto la puerta de la casa, que después
se sentó frente al tablero, colocando las piezas y
dando cuerda al reloj de ajedrez. Y que, después
de unos minutos, Baldez había tenido un susto
tan grande, que en seguida sus manos
comenzaron a temblar y que, aun así, se levantó
y cerró la puerta.
De inmediato, el ajedrecista había
regresado a la mesa que sostenía el tablero y
había movido el peón de rey dos casillas para
adelante, iniciando una partida de ajedrez.
Después pulsó el botón que paraba el reloj.
El hombre que relataba la historia suspiró
y continuó afirmando que el médico sabía que
84
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
la próxima jugada no sería hecha por una mano
invisible, porque aquella situación no era
espiritual, sino física; una enfermedad del
cuerpo y no del alma. Y el siguiente lance
también fue hecho por la mano de Baldez, lo
que – a pesar de la certeza – tranquilizó a su
amigo, todavía envuelto en la oscuridad del
pasillo.
Supimos que la partida siguió por casi una
hora y que todos los movimientos de piezas y
paradas de reloj fueron hechos por Baldez que
ora demostraba excitación, ora demostraba
nerviosismo; y en ciertos momentos frustración,
reflejada con el movimiento negativo de su
cráneo.
Lo que ciertamente nos asustó fue la
continuación del relato hecha por aquel
desconocida señor. El hombre continuó
garantizando que el médico tenía visión
privilegiada del tablero y que próximo a
completar una hora de partida Baldez, que
estaba sentado como si jugase piezas blancas,
había sufrido un jaque-mate de alfil, con el
auxilio de una torre y de un peón negro. La
pieza que había dado el jaque-mate había sido
la torre. Hasta ahí todo bien, pero nuestro
narrador nos aseguró que la torre se movió
asustadoramente de un lado a otro del tablero,
pasando sobre las cuadrículas negras y blancas
que componían su hilera horizontal y sin la
ayuda de Baldez, al que solo le quedó hundir su
rostro en las palmas de las manos y sollozar con
un llanto abrupto.
Y que segundos después, cosa de tres o
cuatro, Castor Baldez había escrutado la
oscuridad – donde el médico estaba observando
–, pidió disculpas por la molestia y agradeció la
amistad que ambos habían mantenido. Pero
antes de ganar la noche, avisó que había
perdido la partida y el alma contra el Diablo.
Después, salió corriendo de la residencia.
Nuestro narrador contó que el médico
abrió mucho los ojos de pavor, aún sumergido
en la oscuridad y que, después de la huida de
Castor Baldez, una voz gutural, exhalando un
fuerte y nauseabundo olor a azufre, pronunció
“jaque-mate” cerca de su oído izquierdo.
Quisimos saber lo que había ocurrido
inmediatamente después, pero nuestro
contador de historias tenía prisa para volver al
interior de Río de Janeiro y reveló que en
aquella noche el Gran Maestro ajedrecista
Castor Z. Baldez se había arrojado a un camión,
muriendo al instante.
Preguntamos el nombre del médico y lo
que había ocurrido con él después de aquella
noche. Supimos que él se había instalado en la
ciudad de Cartagena, en el sur de España, la
semana siguiente a aquel hecho. Y que allá
había llevado una vida normal hasta suicidarse
de un tiro en la boca, hacía muchos años.
Lamentamos el triste final del médico, pero
insistimos en saber su nombre. Sin embargo, el
viejo barbudo, sin tergiversar, nos avisó que no
iba a revelar el nombre de su padre. Nosotros,
abrumados por la vergüenza, le deseamos un
buen viaje.
Traducción de Ângelo Brea.
85
EDIÇÃO ESPECIAL
RELATOS FANTÁSTICOS
EDICIÓN ESPECIAL
REVISTA VIRTUAL
A CASA DAS ALMAS
Luiz Poleto
Para Leonardo Nunes Nunes, Paulo Soriano e Henry Evaristo.
Ninguém sabe ao certo quando ela foi
construída, mas todos sabem que foi desativada
sob estranhas circunstâncias até hoje não
explicadas de forma convincente. Mas,
independentemente disso, lá está ela, sozinha
em meio ao campo, com apenas uma estreita
estrada de terra, que no passado era o único
caminho em meio ao ralo matagal que levava
até o portão principal da Igreja de Tampadas.
Tampadas é o nome do pequeno vilarejo
localizado no interior do país; uma pequena
cidade que ainda não tem luz elétrica, e quase
não tem população também — muitos foram
embora após o fechamento da igreja; e os que
ainda vivem por lá não chegam perto da
pequena igreja de ar sombrio e desolado.
Embora a população local evite a igreja, o
aviso de não aproximação faz parte da tradição
oral daquele povo, e os forasteiros que
porventura passam por ali não têm
conhecimento da história daquela igreja —
muitos nem ao menos tomam conhecimento de
que há uma igreja. Dizem que os que por ali se
aventuraram nunca mais foram vistos.
Um dia, um desses viajantes chegou até o
pequeno vilarejo caminhando. Carregava
apenas uma mochila de viagem e uma máquina
fotográfica pendurada no pescoço. Chegou até
o único bar existente, bebeu um refrigerante
com tamanha sede que parecia que não bebia
nada há dias; quando terminou, puxou
conversa com algumas pessoas que estavam
por ali, fazendo perguntas sobre o vilarejo,
modo de vida, e outras coisas sem muita
relevância. Depois de ouvir as respostas, disse
que estava de férias, e estava fazendo um
passeio pelo Brasil, visitando apenas as
pequenas cidades e os vilarejos do interior,
tirando fotos e escrevendo um diário. Após
duas ou três horas de conversa e muitas fotos,
pagou a bebida e saiu. Quando estava na
estrada de saída do vilarejo, viu uma estreita
estrada de terra, já coberta pelo mato alto que
crescia à sua volta e quase escondia sua entrada.
Sem ninguém por perto, o estranho resolveu
percorrer aquela estrada, curioso para saber
aonde ela iria dar, já que as casas e o pequeno
comércio
do
vilarejo
encontravam-se
concentrados na extremidade sul. Com muita
dificuldade, caminhou por cerca de dez
minutos, até sair em um campo aberto, cercado
por algumas árvores que pareciam tão velhas
quanto a própria humanidade. Algumas com
troncos retorcidos, outras com troncos que
pareciam terem sido queimados; mas todas as
árvores tinham em comum o fato de não terem
folhas.
Observando ao redor, pôde perceber, a
alguns metros à frente da estrada, uma pilastra
de pedra com quatro ou cinco metros de altura
que servia de pedestal a um anjo de mármore
que um dia fora branco, mas agora estava
tomado pela terra e pelas marcas da chuva e do
tempo. Havia algo na expressão do anjo - que
olhava para cima — que o deixou triste e com
um sentimento angustiante de solidão. Chegou
a pensar que o anjo começou a chorar quando
olhou para ele. Alguns metros adiante viu uma
igreja, com um aspecto sombrio e de abandono.
Suas paredes, de pedra, já mostravam o quanto
o tempo pode ser cruel; a entrada principal
consistia-se de uma porta dupla de madeira
pintada de azul, já descascada e bem
deteriorada. Duas pequenas janelas pairavam
como olhos atentos em cada lado da porta.
Estendendo-se verticalmente acima do telhado
havia uma torre, onde se podia ver o grande
sino de bronze totalmente imóvel, como se
estivesse em seu repouso eterno. Chegando
perto, percebeu que o portão principal estava
fechado, e não parecia haver ninguém por
perto. Ao forçar um pouco a porta, esta se abriu,
dando passagem para o salão principal.
A única iluminação dentro da igreja era
proveniente dos raios de sol que passavam
pelas pequenas janelas — sem vidros — nas
paredes laterais. Marcas de água que há muito
correram por ali indicavam um problema no
telhado, e tornavam as paredes um pouco
melancólicas. Os bancos de madeira já estavam
quase ou totalmente consumidos pelos cupins.
Encantado com a beleza sinistra do lugar, o
estranho tirou diversas fotos, e dirigiu-se ao que
parecia ser a sacristia, no final de um dos
corredores.
Quando o estranho passou pela porta, um
ar de curiosidade e espanto tomou conta do seu
outrora estado de empolgação. A sala, que
devia ter por volta de quinze metros quadrados,
tinha todas as quatro paredes do recinto
cobertas por fotografias antigas, todas com um
tom de sépia, emolduradas em belas molduras
— todas feitas artesanalmente — e, embora
aparentassem estar ali há muito tempo, ainda
mantinham um bom estado de conservação. Do
86
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EDICIÓN ESPECIAL
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chão ao teto, tudo estava coberto por
fotografias. Todas as fotos eram de famílias,
embora não houvesse qualquer texto que
identificasse as fotos.
Por vários minutos o estranho ficou ali,
olhando as fotos, apreciando aquele ar
nostálgico, admirando aquela estranha tristeza
implícita no rosto das pessoas — que,
curiosamente, não sorriam nas fotos. Algumas
fotos aparentavam ser da década de 20, outras
de 30, mas certamente nenhuma delas era
posterior à década de 40.
Depois de olhar rapidamente as várias
fotografias, acabou parando em uma — que
talvez tenha sido escolhida aleatoriamente, ou
apenas tenha chamado a sua atenção por algum
motivo qualquer. Na foto, uma família de nove
pessoas posava de forma quase mecânica.
Como que estudando a foto, o estranho ficou ali,
por vários minutos, analisando cada detalhe da
foto. Com os olhos cheios d’água e um
sentimento de vazio, proferiu um palavrão ao
mesmo tempo que saltava para trás, quando
percebeu que uma das crianças da foto começou
a chorar. Ele coçou os olhos, achando estar
vendo coisas, e sacudiu a cabeça, mas percebeu
que não só a criança chorava como as outras
pessoas da família gritavam em extrema agonia,
com a dor estampada em seus rostos; ao mesmo
tempo, pareciam desesperadas para sair da
foto.
Ainda atordoado pela visão que acabara
de ter, olhou ao redor e percebeu que em todas
as fotos a cena se repetia: todas as pessoas
gritavam,
choravam,
e
tentavam
desesperadamente sair de suas pequenas
prisões particulares. O som de choro de crianças
e adultos misturado com os gritos de agonia era
como uma faca que atravessava seu cérebro.
Naquele momento, ajoelhou-se, tapando o
máximo que pôde os ouvidos e fechou os olhos.
Em seu interior, parecia estar sofrendo como
aquelas pessoas. Chorou, como se estivesse
também preso em uma moldura feita
artesanalmente. Algum tempo depois — ele não
podia mensurar se foram minutos ou horas —
levantou-se, mas ainda sentia o desespero das
pessoas ao seu redor. Eram pessoas, não eram?
Ou eram apenas suas almas aprisionadas para
toda a eternidade em uma foto — ou o que
parecia ser uma foto?
Não suportando mais a agonia de estar
confinado naquela pequena sala, correu,
dirigindo-se à porta pela qual entrara, mas só
teve tempo de virar-se para perceber que não
havia qualquer porta ali; todas as quatro
paredes estavam cobertas de fotografias, e não
havia portas ou janelas por onde sair. Gritando,
atirou-se desesperado contra as paredes,
tentando, inutilmente, encontrar uma forma de
sair daquele lugar. Com bruscos movimentos,
arremessou as fotos para longe das paredes,
mas, a cada porta-retratos que caía, um novo
surgia em seu lugar, e mais e mais pessoas
gritando, chorando, em uma grande sinfonia
desafinada.
Sem qualquer esperança de sair daquele
lugar misterioso, após muito gritar e chorar,
percebeu que em uma das paredes havia uma
moldura com uma foto em que não havia
ninguém, apenas um quarto. Analisou aquele
estranho objeto mais de perto, ao mesmo tempo
que tentava entender o que se passava naquele
lugar. Percebeu no quarto daquela foto alguma
familiaridade, e, novamente, entrou em pânico:
aquele quarto havia sido o seu quarto quando
criança. A mesma cama, o mesmo tapete em
forma de palhaço, a mesma janela próxima da
cama. Naquele momento, o pânico foi tomado
por uma saudade; saudade de tempos que
nunca mais voltariam, e entendeu que o
objetivo de qualquer fotografia era congelar um
determinado momento no tempo; um momento
que nunca mais será esquecido e ficará ali para
sempre. Lembrou-se de quantos momentos
desejara ter congelado no tempo.
Fechou os olhos e a sacristia foi tomada
por um imenso clarão, uma intensa luz
vermelha. Quando apagou, o quarto havia
voltado ao seu estado anterior, a porta
encontrava-se no mesmo lugar que estava
quando o estranho a cruzou. O estranho, no
entanto, não estava mais ali; agora, ele fazia
parte daquele imenso mural nostálgico e,
naquele momento, ele estava de volta ao quarto
que fora seu quando tinha 3 anos de idade.
Passaria toda a eternidade preso àquele lugar, e
talvez um dia implorasse para sair dali, da
mesma forma que todas as outras pessoas que
também faziam parte daquele lugar.
87
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LA CASA DE LAS ALMAS
Luiz Poleto
Para Leonardo Nunes Nunes, Paulo Soriano y Henry Evaristo.
Nadie
sabe en realidad cuando fue
construida, pero todos saben que fue
desacralizada en extrañas circunstancias, no
explicadas de forma convincente hasta el día de
hoy. Pero, con independencia de esa
circunstancia, allá está ella, sola en el medio del
campo, con apenas una estrecha carretera de
tierra, que en el pasado era el único camino en
medio de la rala maleza que llevaba hasta el
portón principal de la iglesia de Tampadas.
Tampadas es el nombre de la pequeña
aldea localizada en el interior del país. Una
pequeña ciudad que aún no tiene luz eléctrica y
casi ni población — muchos se fueron después
del cierre de la iglesia —, y los que aún viven
allí no se acercan a la iglesia, a causa de su
aspecto sombrío y desolado.
Aunque la población local evite la iglesia,
el aviso de que nadie se aproxime a ella es parte
de la tradición oral de aquel pueblo, y los
forasteros que por casualidad pasan por allí no
tienen conocimiento de la historia de aquella
iglesia. De hecho, muchos ni siquiera conocen
que hay allí una iglesia. Se cuenta que las
personas que se aventuran por allí no vuelven a
ser vistas nunca más.
Un día, uno de esos viajeros llegó hasta la
pequeña aldea caminando. Portaba únicamente
una mochila de viaje y una máquina fotográfica
colgada del cuello. Llegó hasta el único bar
existente, bebió un refresco con tanta sed que
parecía que no bebía nada desde hacía días y,
cuando terminó, trabó conversación con
algunas personas que se encontraban en el local,
haciendo preguntas sobre la aldea, su modo de
vida y otras cosas sin demasiada relevancia.
Después de oír las respuestas, comentó que
estaba de vacaciones y que estaba haciendo un
viaje por Brasil, visitando las ciudades y aldeas
del interior, sacando fotos y escribiendo un
diario. Después de dos o tres horas de
conversación y de hacer muchas fotos, pagó la
bebida y salió del local. Cuando estaba en la
carretera de salida de la aldea, vio una estrecha
carretera de tierra, ya cubierta por los arbustos
que crecían a ambos lados y que casi escondían
la entrada. Sin nadie cerca, el extraño resolvió
recorrer aquel camino, curioso para saber a
dónde iría a dar, ya que las casas y el pequeño
comercio de la aldea se encontraban
concentrados en la extremidad sur. Con mucha
dificultad, caminó durante unos diez minutos,
hasta salir a campo abierto. Aquel espacio
estaba cercado por algunos árboles que
parecían tan viejos como la propia humanidad.
Algunos tenían los troncos retorcidos, otros
presentaban troncos que parecían haber sido
quemados; pero todos aquellos árboles tenían
en común el hecho de no tener hojas.
Al mirar alrededor, encontró, a algunos
metros frente al camino, una pilastra de piedra
con cuatro o cinco metros de altura, que servía
de pedestal a un ángel de mármol que un día
había sido blanco, pero que ahora estaba
cubierto de tierra y por las marcas de la lluvia y
del tiempo. Había algo en la expresión del
ángel, que miraba hacia arriba, que lo
entristeció y lo dejó con un angustioso
sentimiento de soledad. Llegó a pensar que el
ángel se había echado a llorar cuando había
mirado para él. Algunos metros más adelante
vio una iglesia, con un aspecto sombrío y de
abandono. Sus paredes de piedra ya mostraban
el cruel paso del tiempo. La entrada principal
consistía en una puerta de dos batientes pintada
de azul, ya desgastada y muy deteriorada. Dos
pequeñas ventanas se abrían, como ojos atentos,
a ambos lados de la puerta. Extendiéndose
verticalmente sobre el tejado había una torre, en
la cual se podía observar la gran campana de
bronce totalmente inmóvil, como si estuviera en
un eterno reposo. Acercándose más, se dio
cuenta que el portón principal estaba cerrado y
no parecía haber nadie por allí cerca. Al forzar
algo la puerta, esta se abrió, dando paso a la
nave principal.
La única iluminación dentro de la iglesia
provenía de los rayos de sol que pasaban a
través de las pequeñas ventanas, sin cristales, en
las paredes laterales. Marcas de agua que hace
mucho tiempo habían corrido por allí,
indicaban un problema en el tejado, y hacían
que las paredes tuviesen un aspecto
88
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melancólico. Los bancos de madera ya estaban
casi totalmente carcomidos por las termitas.
Encantado con la belleza siniestra del lugar, el
extraño sacó algunas fotos, y se dirigió a lo que
parecía ser la sacristía, al final de uno de los
pasillos.
Cuando el extraño cruzó la puerta, un poco
de curiosidad y de asombro sustituyó a su
anterior estado de entusiasmo. La sala, que
debía tener unos quince metros cuadrados,
tenía las cuatro paredes cubiertas por
fotografías antiguas, todas con un tono sepia,
enmarcadas con hermosos marcos, todos
realizados
artesanalmente,
y,
aunque
aparentasen estar allí hacía mucho tiempo, aún
mantenían un buen estado de conservación. Del
suelo hasta el techo, todo estaba cubierto por
fotografías. Todas las fotos eran de familias,
aunque no había ningún texto que las
identificase.
Durante algunos minutos el extraño
permaneció allí, mirando las fotos, apreciando
aquel aire nostálgico, admirando aquella
extraña tristeza en el rostro de las personas, que,
curiosamente, no sonreían en ninguna de ellas.
Algunas de aquellas fotografías aparentaban
ser de la década de los 20, otras de los 30, pero
seguramente ninguna de ellas era posterior a los
años 40.
Después de observar rápidamente las
fotografías, acabó por pararse delante de una,
que quizá había sido escogida aleatoriamente, o
apenas había llamado su atención por cualquier
motivo. En la foto, una familia de nueve
personas posaba de forma casi mecánica. Como
si estudiase la foto, el extraño permaneció allí,
durante unos minutos, analizando cada detalle
de la foto. Con los ojos llenos de lágrimas y un
sentimiento de vacío, profirió un exabrupto al
mismo tiempo que saltaba hacia atrás, cuando
se dio cuenta de que uno de los niños de la foto
había comenzado a llorar. Se restregó los ojos,
creyendo estar viendo visiones, y sacudió la
cabeza, pero se dio cuenta de que no sólo el niño
lloraba, sino que el resto de las personas de la
familia gritaban en extrema agonía, con el dolor
estampado en sus rostros. Al mismo tiempo,
parecían desesperados por salir de la foto.
Perturbado todavía por la visión que
acababa de tener, miró a su alrededor y notó
que en todas las fotos se repetía la escena: todas
las personas gritaban, lloraban e intentaban
desesperadamente salir de sus pequeñas
prisiones. El sonido del llanto de los niños y de
los adultos mezclado con los gritos de agonía
eran como un cuchillo que atravesaba su
cerebro. En aquel momento se arrodilló,
tapando lo mejor que pudo los oídos y cerró los
ojos. Lloró, como si él también estuviese preso
en un marco hecho artesanalmente. Algún
tiempo después (no sabría decir si habían sido
minutos u horas) se levantó, pero todavía sentía
la desesperación de las personas a su alrededor.
Eran personas, ¿o no? ¿O eran únicamente sus
almas aprisionadas en una foto, o lo que parecía
ser una foto?
No pudiendo soportar más la agonía de
estar confinado en aquella pequeña sala, corrió,
dirigiéndose a la puerta por la que había
entrado. Pero sólo tuvo que girarse para reparar
que no había ninguna puerta allí. Las cuatro
paredes estaban cubiertas por fotografías, y no
había ni puertas ni ventanas por las que salir.
Gritando, se lanzó con desesperación contra las
paredes, intentando, inútilmente, encontrar una
forma de escapar de aquel lugar. Con bruscos
movimientos, lanzó las fotos lejos de las
paredes, pero, por cada portarretratos que caía,
uno nuevo surgía en su lugar, y más y más
personas gritando, llorando, en una sinfonía
desafinada.
Sin cualquier esperanza de escapar de
aquel lugar misterioso, después de mucho
gritar y llorar, notó que en una de las paredes
había un marco con una foto en la que no había
nadie, únicamente una habitación. Analizó
aquel extraño objeto desde más cerca, al mismo
tiempo que intentaba entender lo que ocurría en
aquel lugar. Notó en la habitación de aquella
foto alguna familiaridad, y, nuevamente, entró
en pánico: aquel cuarto había sido el suyo
cuando era pequeño. La misma cama, la misma
alfombra en forma de payaso, la misma ventana
cerca de la cama. En aquel momento, el pánico
fue superado por la nostalgia. Nostalgia de
tiempos que ya nunca volverían y entender que
el objetivo de cualquier fotografía era congelar
un determinado momento en el tiempo. Un
momento que nunca más será olvidado y
quedará allí para siempre. Entonces recordó
cuántos momentos había deseado haber
congelado en el tiempo.
Cerró los ojos y la sacristía fue bañada por
una inmensa claridad, una intensa fulguración
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roja. Cuando se apagó, el cuarto había
regresado a su anterior estado. La puerta se
encontraba en el mismo lugar que se encontraba
cuando el extraño la cruzó. El extraño, sin
embargo, ya no estaba allí. Ahora él hacía parte
de aquel inmenso mural nostálgico y, en ese
mismo instante, él había regresado a la
habitación que había sido suya cuando tenía
tres años de edad. Pasaría toda la eternidad
prisionero en aquel lugar, y tal vez un día
implorase salir de allí, de la misma manera que
todas las otras personas que también hacían
parte de aquel lugar.
Traducción de Ângelo Brea.
90
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O HOMÚNCULO
Paulo Soriano
Numa
madrugada fria, em que chovia
copiosamente, fui acordado por pancadas
desesperadas na porta de minha cabana, para
onde me recolhia sempre que as ruelas
malcheirosas de Villach se tornavam
insuportáveis.
Irritado, acendi o lume e, ao olhar através
do postigo, surpreendi-me ao ver, num relance,
a pálida silhueta de Hieronymus von
Hohenheim.
Quando abri a porta para dar passagem ao
velho amigo, o vento, que soprava da floresta,
apagou a candeia. Von Hohenheim passou por
mim sem dizer uma palavra e, ao fazê-lo, uma
leve onda de calafrio me varreu, envolvendome com a vibração de um sino. Podia sentir que
Von Hohenheim estava assustado. Embora não
pudesse escutá-las, as batidas de seu coração de
alguma forma vinham até mim e, sem qualquer
dúvida, eu sabia que seu corpo todo estremecia.
Assim que acendi a lareira e lancei o olhar
para o meu amigo, concluí que não me
enganara em minhas sensações. Ele permanecia
em pé, impassível. Mirava a lareira como se
paralisado por uma força irresistivelmente
dominadora. Servi-lhe a aguardente de seu
agrado, mas ele não fez caso dela. Insisti:
— Bebe. Estás completamente molhado. O
fogo da aguardente te fará bem.
Von Hohenheim tremia. Qualquer um
suporia que era de frio. Mas eu, que o conhecia
como a palma de minha mão, sabia
perfeitamente que o medo o fazia vibrar.
Servi-me da aguardente e o convidei a
sentar-se. Ele, resignado, obedeceu.
— O que eu irei contar-te parece loucura.
— O que aconteceu?
Meu amigo rangeu os dentes, numa reação
nervosa. Examinando-o com mais atenção, vi
que trazia o corpo todo coberto de lama. Deduzi
que, conduzido por um desespero cuja origem
eu ignorava, viera correndo. Caíra diversas
vezes na lama, porque as suas calças tisnavamse de lodos de diferentes colorações. Mas não
arfava. Supus que Von Hohenheim quedara-se
inerte em meus umbrais por um longo tempo
antes de decidir-se por me pedir ajuda.
— Sabes que Phillipus, meu irmão, inicioume nas artes da Alquimia — disse-me ele,
saindo aos poucos da letargia. — Há alguns
anos, recebi de um mensageiro uma carta sua,
na qual me confiava um segredo alquímico que
ele, a bem de sua grande reputação, jamais
ousaria partilhar com outrem senão comigo. E
muito menos pô-lo em prática. Era uma fórmula
para a produção de um homúnculo.
É evidente que Hieronymus von
Hohenheim estava, de fato, louco. E, à medida
que desfiava a sua história desvairada, mais eu
me convencia de que Von Hohenheim não
apenas estava doido: estava completamente
alucinado.
— Faz três anos que eu criei o homúnculo.
A produção de um homúnculo é um processo
longo e delicado, no qual um simples erro, uma
mera distração, pode conduzir ao insucesso da
empresa. Tanto a criatura pode não germinar,
como pode evoluir para uma aberração. O
primeiro passo para a produção de um
homúnculo é a inserção de esperma humano em
um alambique hermeticamente fechado, que é
enterrado em esterco de cavalo. Durante
quarenta semanas, o ser gestado deve ser
mantido a uma temperatura igual à do útero de
uma égua. Nesse tempo, o homúnculo se desenvolve gradualmente, alimentado por sangue
humano. Ao final dos dez meses, infunde-se
água destilada no alambique, que é levemente
aquecido. O vapor o faz despertar e respirar
como uma criança recém-nascida, da qual é
uma miniatura. Disse-me meu irmão, em sua
carta, que o homúnculo pode ser criado e
educado como qualquer criança, até ficar mais
velho e se tornar capaz de cuidar-se sozinho. Ele
exige de nós a mesma dedicação que entornamos nos nossos filhos. É a pura verdade.
“Eu me afeiçoei à criatura, embora
soubesse que ela, por não haver sido gerada no
ventre de uma mulher, não possuía alma. Ela
cresceu rapidamente e, ao término de outro ano,
já estava adulta. Confesso-lhe que eu a tinha
como a um filho. Chamei-a de Johannes em tua
homenagem!
“Foi por esse tempo que eu me casei com
Olga. Johannes, malgrado dócil e obediente
91
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como um cãozinho, era muito impulsivo: a
muito custo consegui conservá-lo longe da vista
de Olga, embora ele soubesse que era seu dever
manter-se a uma distância considerável da
mulher. Tranquei-o, enfim, no meu laboratório,
onde ninguém, nem mesmo Olga, sem minha
expressa autorização, podia entrar. Quando se
viu reclusa e abandonada, uma tristeza sem fim
se apossou de minha criação. Como qualquer
recém-casado, eu dedicava todo o meu tempo a
Olga, e quase não mais me aventurava noutros
experimentos alquímicos. Mesmo esquecido,
mesmo abandonado, Johannes olhava-me como
a um pai amoroso, com carinho e sem qualquer
nesga de ressentimento. Mas, de entremeio à
ternura de seu olhar, vinha uma expressão que
eu soube interpretar perfeitamente: a amargura
que flutua na densidade insondável do ciúme.
“Conquanto desprovido de alma, Johannes
tinha as emoções e a inteligência de um ser
humano. Com o coração ferido, ele bem poderia
pôr seu intelecto a serviço de emoções tão
primitivas quanto traiçoeiras.
“Todos sabem que ciúme e vingança
andam juntos. Mas eu não podia crer, ou
mesmo admitir, que Johannes pudesse fazer
mal a Olga. Todavia, olhando friamente a
questão, eu sabia que, mantendo o homúnculo
em minha casa, expunha a minha mulher a
certos riscos.
“Antes mesmo de casar-me com Olga, eu a
admoestara a nunca entrar em minha sala
secreta. Ela manteve-se obediente, para a minha
satisfação. Mas, depois de encarcerar
furtivamente o homúnculo no laboratório, corri
a ela e renovei a advertência. Agi muito mal.
Despertei nela, e com um vigor redobrado, a
adormecida curiosidade feminina.
“Certa noite, ao voltar a casa, após medicar
no campo, deparei-me com uma cena
estarrecedora: Olga gritava, com os braços
estendidos contra a parede; acuado como um
cão indefeso, Johannes tremia a cada grito que
esvaía dos pulmões ensandecidos de minha
mulher.
“Decerto que a simples presença de um homúnculo é capaz de assustar o mais corajoso
dos homens... Mas Johannes... Johannes... Sim,
amigo, meu experimento não foi propriamente
um êxito. Errei em alguma coisa. Johannes era
disforme. Era uma aberração.
“Olga
ordenou:
‘Livra-te
dessa
abominação! Imediatamente!’
“Resoluto, prometi a Olga que assim o
faria. Tomei Johannes nos braços e saí. Com a
sua vozinha, que mais parecia um miado, ele
me implorava que não o matasse. Em todo o
trajeto ao riacho, ele gritava: 'Não me mates.
Não mates o teu pequenino. Não mates quem
mais te ama.'
“Enquanto eu afundava a criaturinha indefesa no ribeiro, mergulhava, também, a minha
alma no remorso. Afinal, ainda que monstruosa
e desprovida de alma, eu a amava
profundamente.
“Voltei para casa com o espírito
destroçado. E tomei a resolução de não mais
tornar a pensar no assunto.
“Mas, hoje, algo de horrendo aconteceu.
Levantei-me bem cedo e, não tendo visitas a
realizar, resolvi arejar os pensamentos à beira
do ribeiro. De súbito, pareceu-me que, por
instantes, algo se agitou e escapuliu das sebes
naturais que orlam o riacho. Era ele, era o
homúnculo. É lógico que estremeci. Vira o
homúnculo por apenas um instante. Mas não
podia haver dúvidas que era mesmo ele. E os
seus ocelos rubros ardiam de ódio. Flamejavam
por vingança.
“Corri para casa, mas era tarde demais.
Olga ainda dormia quando ele a atacou. E
destroçou o seu pescoço. Agora eu sinto... eu
sei... que ele está à minha procura.”
Apiedei-me de meu amigo ensandecido a
ponto de reprimir não poucas lágrimas. Então
lhe disse:
— Hieronymus, nada há o que fazer.
Aquece-te um pouco na lareira e vai dormir.
Foi neste momento que eu vi o homúnculo
a esgueirar-se pela portinhola, que eu
descuradamente deixara aberta. Ele era ágil
como os símios que os saltimbancos exibem em
dias de feira. Correu para mim. Nos seus
pequenos olhos escarlates havia tanto ódio que
eu adernei nauseado. A criaturinha andrajosa
estava quase nua e, certamente, não teria mais
que quinze polegadas reais. Sua pele parecia a
de um réptil escamoso e a sua carranca hedionda rivalizava com a das gárgulas mais
horrendas da catedral de St. Pierre. Johannes
voltou-se para Hieronymus, que o olhava com
a face contorcida pelo horror. Agachado, o
homúnculo ensaiou uma grotesca reverência,
92
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como se pedisse desculpas pelo que iria fazer.
Por um momento, a coisa estava de fato
constrita e respeitosa. A coisa penitenciava-se
verdadeiramente. Eu vi a tristeza fulgurar em
seus olhos de fogo. Depois, atirou-se
impiedosamente ao pescoço do homem, e lá
mergulhou os seus dentes castanhos e curvos,
que antes pareciam garras de aves de rapina.
Em poucos instantes, Hieronymus estava
morto. O medo e o pavor impediram-me de
esboçar a mais tímida reação.
O homúnculo encarou-me, consternado.
Naquele preciso momento, eu assisti, mais
ultrajado que espavorido, a um sacrilégio.
Aquela cara deformada tinha um quê de
semelhança com a do homem que o criara.
Podia nela ver a inconfundível expressão de
aflição que há pouco contemplara na face de
Hieronymus von Hohenheim. Compreendi que
o monstrengo fora gerado e amamentado pelo
esperma e pelo sangue de Hieronymus. Sim, a
coisa era seu filho.
O homúnculo empertigou-se, como quem
toma uma grave resolução. E atirou-se ao fogo
da lareira, onde crepitou até o amanhecer.
93
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EL HOMÚNCULO
Paulo Soriano
En
una madrugada fría, en la que llovía
copiosamente, me despertaron unos golpes
desesperados en la puerta de la cabaña donde me
cobijaba siempre que las callejuelas malolientes de
Villach se volvían insoportables.
Irritado, encendí la lámpara de aceite y, al
mirar por el postigo, me sorprendió ver, como en
un vislumbre, la pálida silueta de Hieronymus
von Hohenheim.
Cuando abrí la puerta para ceder el paso a mi
viejo amigo, el viento, que soplaba desde el
bosque, apagó la lámpara. Von Hohenheim pasó
a mi lado sin decir ni una palabra y, al hacerlo, una
leve ola de estremecimiento me barrió,
envolviéndome con la vibración de una campana.
Aunque no pudiese oírlos, los latidos del corazón
de alguna manera llegaban hasta mí y, sin ningún
género de duda, yo sabía que todo su cuerpo se
estremecía.
Después de encender el fuego del hogar y
lanzar una mirada a mi amigo, concluí que no me
había engañado en mis sensaciones. Él
permanecía de pie, impasible. Observaba el fuego
del hogar como si estuviera paralizado por una
fuerza irresistiblemente dominadora. Le serví un
vaso de aguardiente de su agrado, pero él no lo
probó. Insistí:
— Bebe. Estás empapado. El fuego del
aguardiente te sentará bien.
Von Hohenheim temblaba. Cualquiera
pensaría que era de frío. Pero yo, que lo conocía
como la palma de mi mano, sabía perfectamente
que el miedo lo hacía vibrar.
Me serví un poco de aguardiente y lo invité a
sentarse. Él, resignado, me obedeció.
— Lo que voy a contarte te va a aparecer una
locura.
— ¿Qué te ha ocurrido?
Mi amigo rechinó los dientes, en una reacción
nerviosa. Examinándolo con más atención, vi que
tenía todo el cuerpo cubierto de barro. Deduje
que, conducido por una desesperación cuyo
origen ignoraba, había venido corriendo. Se
habría caído varias veces en el barro, porque sus
pantalones se habían manchado con lodos de
diferentes tonalidades. Sin embargo, su
respiración era pausada. Supuse que Von
Hohenheim se habría quedado inerte en el umbral
de mi casa durante algún tiempo, antes de
decidirse a pedirme ayuda.
— Sabes que Phillipus, mi hermano, me inició
en las artes de la Alquimia — me dijo, saliendo
lentamente del letargo. — Hace algunos años,
recibí de un mensajero una carta suya, en la que
me confiaba un secreto alquímico que él, por su
gran reputación, jamás osaría compartir con
nadie, excepto conmigo. Y mucho menos ponerlo
en práctica. Era una fórmula para la creación de
un homúnculo.
Era evidente que Hieronymus von
Hohenheim estaba totalmente loco. Y, a medida
que desfilaba su historia llena de desvaríos, más
me convencía de que Von Hohenheim no sólo
estaba loco, sino que estaba completamente
alucinado.
— Hace ya tres años que creé el homúnculo.
La producción de un homúnculo es un proceso
largo y delicado, en el cual un simple error, una
mera distracción, puede conducir al fracaso de la
empresa. La criatura tanto podría no germinar,
como evolucionar hacia una aberración. El primer
paso en la producción de un homúnculo es la
inserción de esperma humano en un alambique
herméticamente cerrado, que se entierra en
estiércol de caballo. Durante cuarenta semanas, el
ser gestado debe ser mantenido a una temperatura
igual a la del útero de una yegua. En ese tiempo,
el homúnculo se desarrolla gradualmente,
alimentado por sangre humana. Al final de los
diez meses, se introduce agua destilada en el
alambique, que se debe calentar levemente. El
vapor lo hace despertar y respirar como un recién
nacido, del cual es una miniatura. Mi hermano me
dijo en su carta que el homúnculo puede ser
criado y educado como cualquier niño, hasta
desarrollarse y ser capaz de cuidar de sí mismo. Él
nos exige la misma dedicación que dedicamos a
nuestros hijos. Es la pura verdad.
» Yo me aficioné a la criatura, aunque supiese
que ella, por no haber sido generada en el vientre
de una mujer, no poseía alma. Creció rápidamente
y, al término de otro año, ya era adulta. Le
confieso que la quería como a un hijo. ¡Le puse
Johannes como homenaje a ti!”
» Fue por esa altura que me casé con Olga.
Johannes, a pesar de ser dócil y obediente como
un perrito, era muy impulsivo. Con grandes
94
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dificultades logré mantenerlo lejos de la vista de
Olga, aunque él sabía que era su deber mantenerse
a una distancia considerable de mi mujer. Lo
encerré, finalmente, en mi laboratorio, donde
nadie, ni siquiera Olga, podía entrar sin mi
autorización expresa. Cuando se vio recluida y
abandonada, una tristeza sin fin se apoderó de mi
creación. Como cualquier recién casado, yo
dedicaba todo mi tiempo a Olga, y casi dejé de
aventurarme en más experimentos alquímicos.
Aunque olvidado, casi abandonado, Johannes me
trataba como a un padre amoroso, con cariño y sin
cualquier clase de resentimiento. Pero, por entre
la ternura de su mirada, se escondía una expresión
que yo supe interpretar perfectamente: la
amargura que flota en la insondable densidad de
los celos.
» Aunque desprovisto de alma humana,
Johannes tenía las emociones y la inteligencia de
un ser humano. Con el corazón herido, podría
poner su intelecto al servicio de emociones tan
primitivas como traicioneras.
» Todos saben que los celos y la venganza
caminan juntos. Pero yo no podía creer, o incluso
admitir, que Johannes pudiese hacerle algún mal
a Olga. Pero, analizando fríamente la cuestión, yo
sabía que, manteniendo al homúnculo en mi casa,
exponía a mi mujer a ciertos riesgos.
» Incluso antes de casarme con Olga, yo le
había advertido de que no entrase nunca en mi
cámara secreta. Ella se mantuvo obediente, para
mi satisfacción. Pero después de encarcelar al
homúnculo en el laboratorio, corrí a su lado y
renové la advertencia. Reconozco que reaccioné
muy mal, pues desperté en ella, con un vigor
renovado, la adormecida curiosidad femenina.
» Cierta noche, al regresar a casa, después de
mis visitas médicas en el campo, me topé con una
escena aterradora: Olga gritaba, con los brazos
extendidos contra la pared, mientras que
Johannes, acorralado como un perro indefenso,
temblaba a cada grito que surgía de los pulmones
enloquecidos de mi esposa.
» Reconozco que la simple presencia de un
homúnculo es capaz de asustar al más valiente de
los hombres… Pero Johannes… Johannes… Sí,
amigo, mi experimento no había sido
propiamente un éxito. Me equivoqué en alguna
cosa. Johannes era deforme. Era una aberración.
» Olga me ordenó: - ¡Líbrate de esa
abominación! ¡Inmediatamente!
Resuelto, prometí a Olga que así lo haría.
Cogí a Johannes en brazos y salí. Con su vocecita,
que más parecía un maullido, él me imploraba que
no lo matase. En todo el trayecto hasta el
riachuelo, él me gritaba: - Por favor, no me mates.
No mates a tu pequeñín. No mates a quien más te
ama.
» Mientras sumergía a aquella criaturita
indefensa en el río, hundía, también, mi alma en el
remordimiento. Al final, aunque monstruosa y
desprovista de alma, yo la amaba profundamente.
» Regresé a casa con el espíritu destrozado. Y
tomé la resolución de no volver a pensar más en el
asunto.
» Pero hoy me ocurrió algo horrendo. Me
levanté muy temprano y, no teniendo visitas que
realizar, resolví airear los pensamientos en el
margen del riachuelo. De súbito, me pareció que
algo se agitaba y escabullía en los setos naturales
que rodean el río. Era él, el homúnculo.
Lógicamente, me estremecí. Había visto al
homúnculo únicamente durante un instante. Pero
no podía haber ninguna duda de que era él. Sus
pequeños ojos rubros ardían de odio.
Resplandecían con el deseo de venganza.
» Corrí hacia casa, pero ya era tarde. Olga aún
estaba durmiendo cuando él la atacó. Destrozó su
garganta. Ahora siento… sé que… que él está
buscándome.
Me apiadé de mi amigo enloquecido, a punto
de reprimir las lágrimas. Luego le dije:
— Hieronymus, no hay nada que hacer.
Caliéntate un poco en la lumbre y vete a dormir.
Fue en ese momento que vi al homúnculo
deslizarse por la puerta, que yo descuidadamente
había dejado abierta. Era ágil como los simios que
los saltimbanquis exhiben en los días de feria.
Corrió hacia mí. En sus pequeños ojos escarlatas
había tanto odio que me sentí repugnado. La
criaturita andrajosa estaba casi desnuda y,
ciertamente, no tendría más que unas quince
pulgadas. Su piel parecía la de un reptil escamoso
y su careta hedionda rivalizaba con la de las
gárgolas más horrendas de la catedral de St.
Pierre. Johannes se volvió hacia Hieronymus, que
lo observaba con el rostro retorcido por el horror.
Agachado, el homúnculo ensayó una grotesca
reverencia, como si pidiese disculpas por lo que
iba a hacer. Por un momento, aquella cosa parecía
mostrarse tímida y respetuosa. Era algo que
mortificaba ver. Vi la tristeza fulgurar en sus ojos
de fuego. Después, se lanzó sin piedad a la
95
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garganta del hombre, y allí enterró sus dientes
castaños y curvos, que más bien parecían garras
de aves de rapiña.
En pocos instantes, Hieronymus había
muerto. El miedo y el pavor me habían impedido
esbozar la más tímida reacción.
El homúnculo me encaró, consternado. En
aquel preciso momento, yo asistí, más ultrajado
que despavorido, a un sacrilegio. Aquella cara
deformada tenía cierto parecido con la del hombre
que lo había criado. Podía ver en ella la
inconfundible expresión de aflicción que hace un
momento había contemplado en el rostro de
Hieronymus von Hohenheim. Comprendí que el
monstruo había sido generado y amamantado con
la sangre y el esperma de Hieronymus. Sí, aquella
cosa era su hijo.
El homúnculo se enderezó, como quien toma
una grave resolución. Y se lanzó al fuego, donde
chisporroteó hasta el amanecer.
Traducción de Ângelo Brea.
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EU, ROUBO
Emilio Vilaró
Sou um ladrão comum, de pouca
monta, algo melhor que um punguista
e bem pior que Rififi ou Jesse James.
Mas tenho as minhas regras. Elas
não me foram impostas: vieram do que
acredito ser bom e justo, apesar do que
eu sou:
1. Não roubo de quem tem
menos do que eu.
2. Se, no que roubo, encontro
coisas que não me servem, trato de
devolvê-las.
3. Ao roubar, não destruo algo
mais valioso do que aquilo que
levo.
***
O interessante é que, ao ser assim
— ou seja, baseando-me nestas leis —,
não tenho problemas com os meus
“clientes”.
***
No ano de 2045, a sociedade havia
chegado
ao
seu
máximo
perfeccionismo, e, portanto, a um
incrível e tedioso estado. Todos os
encantos de tempos passados haviam
desaparecido:
os
acidentes
e
enfermidades já não mais existiam,
mas, lamentavelmente, tampouco
havia os vigias, os ladrões, os
pregoeiros, os amoladores etc. A vida é
agora uma constante mesmice, sem
atrativo algum, e isto provoca muitos
suicídios. Para atenuar esta situação,
decidiu-se criar uma associação
chamada “Tempos Passados”.
Seriam vários grupos de pessoas
que exerceriam as funções e fariam os
trabalhos que outrora eram realizados,
mas que já não existiam. Ou seja:
tratava-se de converter as cidades em
parques de atrações para devolver a
alegria a esta humanidade tão
entediada. Uma obra colossal, que
levaria muito tempo.
Eu escolhi, dentre estes grupos, o
ofício de ladrão.
Os ladrões que integram este grupo
não têm que devolver o que roubam.
Nosso departamento argumenta que,
se devolvêssemos o que fosse
espoliado, as pessoas se acostumariam
a ser menos precavidas e perderiam o
encanto de ser roubadas.
O resultado seria a despreocupação
com o que lhe poderia acontecer se
andasse descuidadamente pelas ruas
ou, se deixasse a porta aberta, com
quem pudesse entrar em sua casa.
A profissão de policial é outra que
desapareceu, mas ainda não foi
incorporada à Associação, pois
ninguém nos apressa. O quão
interessante será essa etapa, em que os
policiais correrão em nosso encalço!
Como as pessoas sabem que não há
perigo físico nesses roubos, tornamonos amigos. Jamais me pedem que eu
devolva o que lhes foi roubado, e me
apresentam às suas famílias como “o
que nos roubou”. Explicam a seus
colegas como é deveras rara e excitante
a experiência de ser roubado. Às vezes
me perguntam: “por onde devo passar
para que logre ser roubado por você?”.
É compreensível que os androides
usem os humanos para estes ofícios a
fim de mais fielmente reproduzir estes
velhos tempos. Somos seus escravos e
parecemos muitos reais e folclóricos
nas cidades de robôs.
Tradução de Paulo Soriano.
97
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YO, RÓBO
Emilio Vilaró
Soy
un vulgár ladrón de póca
mónta, álgo mejór que un carterísta y
múcho peór que Rififí o Jésse Jámes.
Péro téngo mis réglas. Nádie me las
ha impuésto, han salído de lo que créo
que está bién y es jústo, a pesár de ser
lo que soy.
1. No róbo a quien ténga ménos que
yo.
2. Si en lo que róbo encuéntro cósas
que no me sírven, las devuélvo.
3. No destrózo al robár, más en
valór, de lo que me llévo.
4. No róbo dos véces al mísmo
benefactór.
***
Lo curióso es que, al ser así, es
decír, basándome en éstas léyes, no
téngo problémas con mis «cliéntes».
***
En el áño 2045, la sociedád ha
llegádo a su máximo de perfeccionísmo
y por tánto, a un increíble estádo de
aburrimiénto. Tódos los encántos de
tiémpos pasádos han desaparecído: los
accidéntes y las enfermedádes ya no
exísten,
péro
lamentáblemente
tampóco los serénos, ladrónes,
pregonéros, afiladóres etc. La vída es
ahóra úna constánte repetición, sin
ningún aliciénte y ésto es cáusa de
múchos suicídios. Pára paliár ésta
situación, se decidió creár úna
asociación
llamáda
«Tiémpos
pasádos».
Serían vários grúpos de persónas
que harían las funciónes y trabájos que
ántes se habían hécho péro que ya no
exísten. O séa, se tratába de convertír
las ciudádes en párques de atracciónes
pára devolvér la alegría a ésta
humanidád tan aburrída. Úna óbra
colosál que llevaría múcho tiémpo.
Yo escogí, de éntre éstos grúpos, el
de ser ladrón.
Tódo lo que los ladrónes de éste
grúpo robámos, no lo tenémos que
devolvér.
Nuéstro
departaménto
arguménta, que si se devuélve tódo lo
expoliádo, la génte se acostúmbra a ser
ménos precavída, y se piérde el encánto
de ser robádo.
También ocúrre, que ya no te
preocúpas de lo que te puéde pasár
cuando estás paseándo por la cálle si no
vas con cuidádo, o de ¿quién puéde
entrár en tu cása?, si no ciérras bién la
puérta.
La policía, es ótro de los ofícios
desaparecídos, péro como todavía no
se han incorporádo a la Asociación,
pués nádie nos aprésa. ¡Qué interesánte
será ésta etápa!, cuando éllos nos
persígan.
Como la génte sábe que no hay
pelígro físico en ésos róbos, nos
convertímos en amígos. Núnca me
píden que devuélva lo robádo, y me
preséntan a su família, como «El que les
robó». Explícan a sus colégas, la
experiéncia tan excitánte y rára de ser
robádo. A véces me pregúntan: ¿por
dónde débo paseár pára lográr que
ustéd me róbe?
Es comprensíble que los andróides
nos úsen a los humános pára éstos
ofícios, pára duplicár mejór ésos viéjos
tiémpos. Sómos sus esclávos y
resultámos muy reáles y folclóricos en
las ciudádes de robóts.
.
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ACALANTO DAS ÁGUAS
Tânia Souza
Sentiu as folhas e o frio da terra sob seus
pés descalços. No meio da floresta,
esgueirando-se entre as árvores centenárias,
estremeceu ao confundir os gigantescos
loureiros com vultos em meio à forte neblina.
Havia um pesado silêncio no bosque que se
estendia por extensões incalculáveis, ela
poderia jurar que nunca antes pés humanos
cruzaram suas barreiras. Mas uma vez... talvez
não fosse lenda. Talvez ela tivesse uma chance.
O frio do amanhecer aos poucos
desaparecia e o ar parecia agora bafejado por
murmúrios longínquos. Pequenas frestas de luz
invadiam os galhos das árvores mais altas e
desciam entrecortados, iluminado as trevas.
Plantas desconhecidas estendiam-se espinhosas
e feriam sua pele, rasgando o tecido fino que a
envolvia. Tentou vencer o medo e a sensação de
que logo seria alcançada; desde que deixara a
vila, caminhara sem descanso, mas os
cavaleiros não desistiriam tão fácil.
Uma única chance, talvez.
Olhos. Podia senti-los, espreitando-a desde
que adentrara aquele estranho universo. Havia
um cheiro de incontáveis eras e criaturas
desconhecidas desafiando quem ousasse
adentrar seus domínios. Entretanto, por mais
sombrios e escuros que fossem os caminhos, as
árvores e a vegetação eram verdes, vívidas.
Entre pedras lisas e cobertas por musgos
esverdeados, descobriu um veio d’água que
corria entre os pedregulhos e abaixou-se para a
água que corria, bebendo com as mãos e
reconhecendo as ervas que seu povo sempre
usara para curar.
Um ruído despertou de súbito sua atenção,
a voz acariciante de um sonho, trazendo em si
promessas e delírios como os que a levaram até
ali. Seguiu o curso do pequeno riacho, em busca
do som fascinante, e logo chegou a uma clareira
onde a água formava uma pequena e
transparente cacimba e um estreito finalizava o
caminho.
Chegou devagar, com medo de assustá-la.
Uma chance. Sentiu as lágrimas descerem e o
coração apertado, entre medo, alegria perante a
presença viva da magia.
A criatura das águas sorriu. Os longos e
amendoados cabelos confundindo-se com as
raízes frondosas e troncos gigantescos que
brotavam na beira do rio. A pele era quase
transparente e os longos cílios em torno dos
olhos dourados devassaram a alma de Gwen.
Em meio às águas transparentes, a moça se
moveu e as escamas prateadas refletiam-se à
luz.
Ouvia ainda o galope desesperado dos
seus perseguidores quando mergulhou os pés
na água cálida. Ao seu redor, outros rostos
surgiam e mãos suaves a tocaram até que
apenas o aconchego morno das águas a
envolvesse.
Aquele não era mais o mundo no qual
Gwen crescera. Para homens e mulheres como
ela, viriam tempos difíceis. Alguns ouviram o
chamado das árvores; outros, o da terra; alguns,
os das cavernas, e até mesmo os do ar. No
entanto, grande parte do seu povo já não
conseguia ouvir, e, tomada pelo medo, ardia o
fim de sua essência. Mas Gwen ouvira a sagrada
acolhida das águas.
Finalmente, estaria livre.
Quando os cavaleiros chegaram ao lago,
apenas águas.
99
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NANA DE LAS AGUAS
Tânia Souza
Sintió las hojas y el frío de la tierra bajo
sus pies descalzos. En lo profundo del bosque,
deslizándose entre los árboles centenarios, se
estremeció al confundir los gigantescos laureles
con bultos entre la densa neblina. Había un
pesado silencio en el bosque que se extendía a
través de incalculables extensiones. Ella podría
jurar que nunca hasta entonces pies humanos
habían cruzado sus barreras. Pero una vez…
quizá no fuese leyenda. Quizá ella tuviera una
oportunidad.
El frío del amanecer iba desapareciendo
poco a poco y el aire parecía ahora repleto de
murmullos lejanos. Pequeñas rendijas de luz
invadían las ramas más altas de los árboles y
descendían entrecortadamente, iluminando las
tinieblas. Plantas desconocidas se extendían
espinosas y herían su piel, rasgando el fino
tejido que la envolvía. Intentó vencer al miedo
y a la sensación de que en breve sería alcanzada.
Desde que dejara la aldea, caminara sin
descanso, pero los caballeros no desistirían tan
fácilmente.
Una única oportunidad, quizá.
Ojos. Podía sentirlos, espiándola desde que
se había adentrado en aquel extraño universo.
Había un aroma de eras incontables y de
criaturas desconocidas desafiando a quien
osase adentrarse en sus dominios.
Entre tanto, por más sombríos y oscuros
que fuesen los caminos, los árboles y la
vegetación eran verdes, vívidos. Entre piedras
lisas y cubiertas por musgos matizados de
verde, descubrió un filón de agua que corría
entre las grandes piedras y se inclinó hacia el
agua que discurría, bebiendo con las manos y
reconociendo las hierbas que su pueblo siempre
había usado para curar.
De súbito, un ruido atrajo su atención, la
voz acariciadora de un sueño, trayendo en ella
promesas y delirios como los que la habían
llevado hasta allí. Siguió el curso del pequeño
riachuelo, en busca del sonido fascinante, y
llegó entonces a un claro del bosque donde el
agua formaba un pequeño y transparente pozo
y un desfiladero finalizaba el camino.
Se acercó despacio, con miedo de asustarla.
Una oportunidad. Sintió las lágrimas que
surgían y el corazón conmovido, entre miedo y
alegría ante la presencia viva de la magia.
La criatura de las aguas sonrió. Los largos
cabellos almendrados confundiéndose con las
raíces frondosas y con los troncos gigantescos
que brotaban en el margen del río. La piel era
casi transparente y las largas pestañas en torno
a los ojos dorados conmovieron el alma de
Gwen. Entre las aguas transparentes, la joven se
movió y las escamas plateadas se reflejaron en
la luz.
Oía todavía el galope desesperado de sus
perseguidores cuando sumergió los pies en el
agua cálida. A su alrededor, otros rostros
surgían y manos suaves la tocaron hasta que
sólo el suave recogimiento de las aguas la
envolvió.
Aquel ya no era el mundo en el que Gwen
había crecido. Para hombres y mujeres como
ella, vendrían tiempos difíciles. Algunos habían
oído la llamada de los árboles; otros, la de la
tierra, las de las cavernas, e incluso la del aire.
Sin embargo, gran parte de su pueblo ya no
conseguía oír y, llena de miedo, ardía el fin de
su esencia. Pero Gwen había oído la sagrada
acogida de las aguas.
Finalmente, sería libre.
Cuando los caballeros llegaron al lago, a
penas aguas.
Traducción de Ângelo Brea
100
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COLABORADORES/COLABORADORAS
ÂNGELO BREA
(Santiago de Compostela/Galiza/Espanha – Santiago de Compostela/Galicia/España)
BELÉN FERNÁNDEZ CRESPO
(Aranjuez/ Madri/Espanha – Aranjuez/ Madrid/España)
CARLOS ENRIQUE SALDÍVAR
(Lima/Peru – Lima/Perú)
DOLO ESPINOSA
(As Palmas/Canárias/Espanha – Las Palmas de Gran Canaria/Canarias/España)
EMILIO VILARÓ
(Barcelona/Catalunha/Espanha – Barcelona/Cataluña/Espanha – Barcelona/Catalunya/Espanya)
EUGENIO SÁNCHEZ ARRATE
(Madri/Espanha – Madrid/España)
JOSÉ ÁNGEL CONDE
(Madri/Espanha – Madrid/España)
JOSÉ CASCALES VÁZQUEZ
(Madri/Espanha – Madrid/España)
JOSÉ MANUEL GONZÁLEZ RODRÍGUEZ
(Sopelana/País Basco/Espanha – Sopelana/País Vasco/España – Sopela/Euskal Herria/Espainia)
JULIO PORTUS CALE
(Salvador/Bahia/Brasil – Salvador de Bahía/Bahía/Brasil)
LUCIANO BARRETO
(Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/Brasil – Campos de los Goytacazes/Río de Janeiro/Brasil)
LUIZ POLETO
(Geórgia/Estados Unidos da América – Georgia/Estados Unidos de América – Georgia/United
States of America)
LUIZ RAIMUNDO
(Ponte Nova/Minas Gerais/Brasil – Puente Nueva/Minas Generales/Brasil)
MARCELO MEDONE
(Buenos Aires/Argentina)
MÁRIO TERRABATAVA
(Salvador/Bahia/Brasil – Salvador de Bahía/Bahía/Brasil)
PAULO SORIANO
(Salvador/Bahia/Brasil – Salvador de Bahía/Bahía/Brasil)
RICARDO MANZANARO
(Bilbau/País Basco/Espanha – Bilbao/País Vasco/España – Bilbo/Euskal Herria/Espainia)
SEBASTIÁN BERINGHELI
(Buenos Aires/Argentina)
101
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TÂNIA SOUZA
(Campo Grande/Mato Grosso do Sul/Brasil – Campo Grande/Mato Grosso del Sur/Brasil)
VALENTIM FAGIM
(Santiago de Compostela/Galiza/Espanha – Santiago de Compostela/Galicia/España)
AUTORES E AUTORA CLÁSSICOS:
Autores y Autora Clásicos:
EDGAR ALAN PÖE
(EUA/USA)
FARNSWORTH WRIGHT
(EUA/USA)
BERNARDO COUTO CASTILLO
(México)
DANIEL DEFÖE
(Inglaterra/England)
HUMBERTO DE CAMPOS
(Brasil)
EMILIA PARDO BAZÁN
(Galiza/Espanha – Galicia/España)
LOPOLDO LUGONES
(Argentina)
HORACIO QUIROGA
(Uruguai – Uruguay)
102
EXPEDIENTE
Nascida de uma parceria entre os sítios “Contos de Terror” (Paulo
Soriano) e “Noticias Ciencia-Ficción” (Ricardo Manzanaro), a
revista RELATOS FANTÁSTICOS reúne contos de autores
clássicos e de colaboradores modernos de diversas
nacionalidades nas línguas portuguesa e espanhola.
RELATOS FANTÁSTICOS é
uma edição epecial de
Free Books Editora Virtual.
Redação e diagramação:
Paulo Soriano.
Tradução:
Ângelo Brea, Paulo Soriano,
Ricardo Manzanaro,
Sebastián Beringheli e
Marcelo Medone.
Revisão:
Ângelo Brea, Paulo Soriano,
Ricardo Manzanaro e
Valentim Fagim.
Imagem da Capa:
Enrique Meseguer.
Imagem do Miolo:
C. T. Talman.
Imagem da Silhueta:
Gratispng.
Colaboradores:
Ricardo Manzanaro, Marcelo
Medone, Mário Terrabatava,
José Cascales Vázquez,
Eugenio Sánchez Arrate,
Belén Fernández Crespo,
Emilio Vilaró, José Ángel
Conde, José Manuel
González Rodríguez, Carlos
Enrique Saldívar, Paulo
Soriano, Dolo Espinosa, Júlio
Portus Cale, Luciano Barreto,
Luiz Poleto, Tânia Souza,
Ângelo Brea, Luiz Raimundo.
Autores e Autora Clássicos:
Edgar Allan Pöe,Farnsworth
Wright,Bernardo Couto
Castillo, Daniel
Deföe,Humberto de
Campos, Emilia Pardo Bazán,
Leopoldo Lugones e Horacio
Quiroga.
Nacida de la asociación entre los sitios web "Contos de Terror"
(Paulo Soriano) y "Noticias Ciencia-Ficción" (Ricardo Manzanaro),
la revista RELATOS FANTÁSTICOS reúne relatos de autores
clásicos y colaboradores modernos de varias nacionalidades en
las lenguas portuguesa y española.
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