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REVISTA RELATOS FANTÁSTICOS FINAL

2021, REVISTA RELATOS FANTÁSTICOS

Nascida de uma parceria entre os sítios “Contos de Terror” (Paulo Soriano) e “Noticias Ciencia-Ficción” (Ricardo Manzanaro), a revista RELATOS FANTÁSTICOS reúne contos de autores clássicos e de colaboradores modernos de diversas nacionalidades nas línguas portuguesa e espanhola.

RELATOS FANTÁSTICOS REVISTA BILÍNGUE DE TERROR, HORROR & FICÇÃO CIENTÍFICA TERROR CONTOS BREVES EM PORTUGUÊS E ESPANHOL CUENTOS CORTOS EN PORTUGUÉS Y ESPAÑOL HORROR REVISTA BILINGUE DE TERROR, HORROR & CIENCIA FICCIÓN FICÇÃO CIENTÍFICA/CIENCIA FICCIÓN 1 RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL JUL/2021 EDIÇÃO ESPECIAL REVISTA VIRTUAL Sumário CONTOS CLÁSSICOS/CUENTOS CLÁSICOS .................... 3 MORELLA ............................................................................. 3 MORELLA ............................................................................. 6 A MÃO FECHADA ............................................................... 10 LA MANO CERRADA .......................................................... 12 ASSASSINO? ........................................................................ 14 ¿ASESINO? .......................................................................... 16 O DIABO E O RELOJOEIRO .............................................. 18 EL DIABLO Y EL RELOJERO ............................................. 19 OS OLHOS QUE COMIAM CARNE .................................... 20 LOS OJOS QUE COMÍAN CARNE ...................................... 22 VAMPIRO ............................................................................ 24 VAMPIRO ............................................................................ 26 O HOMEM MORTO............................................................ 28 EL HOBRE MUERTO........................................................... 29 À DERIVA ............................................................................ 30 A LA DERIVA ....................................................................... 32 NOSSOS CONTOS/NUESTROS CUENTOS ...................... 34 PERIGO IMINENTE ........................................................... 34 PELIGRO INMINENTE ...................................................... 34 O ÚLTIMO ATO MACABRO DE EDGAR ALLAN POE...... 35 EL ÚLTIMO ACTO MACABRO DE EDGAR ALLAN POE . 36 O RESSUSCITADO............................................................... 38 EL RESUCITADO................................................................. 39 A OFERENDA ...................................................................... 40 LA OFRENDA ...................................................................... 41 GÉLIDAS MÃOS .................................................................. 42 MANOS HELADAS ............................................................... 43 UM CORAÇÃO DE OURO ................................................... 44 UN CORAZÓN DE ORO ...................................................... 48 A JUSTIÇA SEMPRE CHEGA .............................................. 52 LA JUSTICIA SIEMPRE LLEGA .......................................... 52 UM ENTUSIASTA ................................................................. 53 UN ENTUSIASTA .................................................................. 53 O QUARTO MANDAMENTO .............................................. 54 EL QUARTO MANDAMIENTO........................................... 57 SUPERSTIÇÃO ..................................................................... 60 SUPERSTICIÓN ................................................................... 60 O CONCERTO DOS EXTRATERRESTRES ........................ 61 EL CONCIERTO DE LOS EXTRATERRESTRES ................ 61 O SONHO DE SCHUMANN ................................................. 62 EL ENSUEÑO DE SCHUMANN ........................................... 62 O AÇOUGUEIRO ................................................................. 63 EL CARNICÉRO .................................................................. 64 FOME................................................................................... 65 HAMBRE .............................................................................. 66 PROIBIDO PISAR NA GRAMA ........................................... 67 PROHIBIDO PISAR EL CÉSPED ........................................ 67 O RECOLHEDOR DE ANDROIDES ................................... 68 EL RETIRADOR DE ANDROIDES ...................................... 69 A SELEÇÃO.......................................................................... 70 CASTING ............................................................................. 70 UM BREVE ENCONTRO NO CEMITÉRIO ........................ 70 UN BREVE ENCUENTRO EN EL CEMENTERIO ............... 70 SEMPRE SE FEZ ASSIM ...................................................... 71 SIEMPRE SE HA HECHO ASÍ .............................................. 72 O CAIXA .............................................................................. 73 EL CAJERO .......................................................................... 74 A METAMORFOSE E O DESTINO ..................................... 75 LA METAMORFOSIS Y EL DESTINO ................................ 75 DOIS MICROCONTOS ....................................................... 76 CARNIÇARIA ............................................................ 76 ALIEN IX ................................................................... 76 DOS MICROCONTOS ........................................................ 76 CARNICERÍA............................................................. 76 ALIEN IX ................................................................... 76 O PODER DA SÍFILIS ......................................................... 77 EL PODER DE LA SÍFILIS................................................... 78 CORREÇÃO DO DEFEITO ................................................. 79 SUBSANACIÓN DEL DEFECTO ......................................... 79 THE STAR-SPANGLED BANNER.......................................... 80 THE STAR-SPANGLED BANNER.......................................... 80 FRONTEIRAS ...................................................................... 81 FRONTERAS ........................................................................ 81 UMA PARTIDA DE XADREZ CONTRA O DIABO ............. 82 UNA PARTIDA DE AJEDREZ CONTRA EL DIABLO ......... 84 A CASA DAS ALMAS ............................................................ 86 LA CASA DE LAS ALMAS .................................................... 88 O HOMÚNCULO ................................................................. 91 EL HOMÚNCULO ................................................................ 94 EU, ROUBO .......................................................................... 97 YO, RÓBO ........................................................................... 98 ACALANTO DAS ÁGUAS ..................................................... 99 NANA DE LAS AGUAS ....................................................... 100 COLABORADORES/COLABORADORAS .........................101 EXPEDIENTE...................................................................103 2 CONTOS CLÁSSICOS/CUENTOS CLÁSICOS MORELLA Edgar Allan Pöe (1809 – 1849) Αυτο καθ’ αυτο μεθ’ αυτου, μονο ειδες αει αιει ον O mesmo, por si mesmo, consigo mesmo, eterna e homogeneamente. Platão. Sympós. Era com um sentimento de afeto profundo, conquanto singular, que eu considerava a minha amiga Morella. Tendo-a conhecido ocasionalmente há muitos anos, a minha alma, desde o nosso primeiro encontro, ardeu num fogo que eu jamais conhecera; mas esse fogo não era o de Eros e, para meu espírito, a gradual convicção de que eu não podia definir o seu insólito significado, nem regular a sua vaga intensidade, representava um amargo tormento. Ainda assim, nós nos encontramos; e o destino nos uniu no altar; jamais falei de paixão, nem pensei no amor. Ela, no entanto, evitava a sociedade e, apegando-se apenas a mim, fazia-me feliz. É uma felicidade admirarse; é uma felicidade sonhar. A erudição de Morella era profunda. Como espero mostrar, seus talentos não eram comuns — sua potência mental era gigantesca. Eu o percebi e, em muitos aspectos, tornei-me seu discípulo. Logo, no entanto, descobri que, talvez por haver-se educado em Presburg, ela me apresentava alguns daqueles escritos místicos que geralmente são considerados meras escórias da literatura alemã primitiva. Esses escritos — não posso imaginar por que razão — constituíam os seus favoritos e constantes estudos e se, com o passar do tempo, eles se tornaram também os meus, devo atribuir tal efeito à singela — malgrado eficaz — influência do hábito e do exemplo. Com tudo isso, se não me engano, minha razão pouco tinha a ver. Minhas convicções — ou olvido o meu próprio intelecto — não se radicavam jamais em um ideal, nem seria possível descobrir — a menos que eu esteja muito enganado — qualquer vestígio de misticismo no que eu já havia lido, em meus atos ou em meus pensamentos. Persuadido disso, abandonei-me cegamente à orientação de minha esposa e penetrei de todo coração nas complexidades de seus estudos. E, então — quando, debruçado sobre as páginas proibidas, eu sentia um espírito maldito acendendo-se dentro de mim —, Morella pousava a sua mão fria sobre a minha e retirava das cinzas de uma filosofia morta algumas palavras graves e singulares, cujo estranho significado incrustava-se em minha memória. E, depois, hora após hora, eu me demorava ao lado dela, na musicalidade de sua voz, até que, finalmente, aquela melodia ficava impregnada de terror, e uma sombra caía sobre minha alma, e eu empalidecia e estremecia intimamente de entremeio àquelas modulações imensamente sobrenaturais. Desta maneira, a alegria de repente se convolava em Horror, e o mais belo se tornava o mais horrendo, como Hinnom se tornou Ge-Henna. É desnecessário expressar o caráter exato dessas dissertações que, emergindo dos volumes que mencionei, formaram, por tanto tempo, quase o único tema de conversação entre Morella e eu. Os eruditos, versados naquilo que pode ser denominado moralidade teológica, facilmente o entenderiam, ao passo que os não sábios pouco teriam a assimilar e compreender. O selvagem panteísmo de Fichte; a paligenesia modificada dos Pitagóricos e, acima de tudo, as doutrinas da identidade, conforme defendidas por Schelling, eram geralmente os pontos de discussão que ofereciam maior beleza à imaginativa Morella. Segundo o define precisamente o Sr. Locke, essa identidade, chamada pessoal, consiste na permanência do ser racional. E como por pessoa entendemos uma essência inteligente, e como há sempre uma consciência dotada de razão, é a esta que chamamos de nós mesmos. E tal consciência nos distingue dos demais seres pensantes e nos confere uma identidade pessoal. Mas o principium individuationis — a noção dessa identidade que na morte se perde ou não se perde para sempre — constituía, para mim, em todos os momentos, uma questão de intenso interesse, não somente pela natureza perplexa e excitante de suas consequências, mas, também, pela maneira marcante e frenética com que Morella discorria sobre o assunto. 3 RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL JUL/2021 EDIÇÃO ESPECIAL REVISTA VIRTUAL Mas, de fato, chegou a hora em que o mistério do caráter de minha esposa passou a oprimir-me como um feitiço. Eu não aguentava mais o toque de seus dedos pálidos, nem a modulação profunda de sua linguagem musical, nem o brilho de seus olhos melancólicos. E ela sabia de tudo isto, mas não me censurava; ela parecia consciente de minha fraqueza ou de minha loucura e, sorrindo, chamava-as de Destino. Ela parecia, também, consciente da fonte, por mim desconhecida, do gradual arrefecimento de meu afeto; todavia, não me dava nenhuma explicação ou aludia à natureza daquela causa. No entanto, ela era apenas uma mulher e definhava a cada dia. Com o tempo, uma indelével mancha carmesim fixou-se em sua face e as veias azuis, em sua fronte, fizeram-se salientes; chegou um momento em que o meu espírito pusera-se a desfazer-se em compaixão; mas, em seguida, quando eu vislumbrava o seu olhar repleto de pensamentos, a piedade convertia-se em malestar. Devo, então, afirmar que eu aguardava, intensa e fervorosamente, o momento da morte de Morella? Assim o era. Mas seu frágil espírito agarrara-se àquele invólucro de barro por muitos dias — por muitas semanas e meses cansativos —, até que meus nervos torturados exerceram o domínio sobre a razão; e fiquei furioso com tal adiamento e, com o coração de um demônio, amaldiçoei os dias, as horas e os momentos amargos que pareciam se alongar, cada vez mais, à medida que sua nobre vida declinava, como sombras minguando ao ocaso. Mas, numa noite de outono em que os ventos serenavam no céu, Morella chamou-me à cabeceira. Havia uma névoa sobre toda a terra e um calor resplandecente sobre as águas: poder-se-ia dizer que um arco-íris, caído do firmamento, fulgurava entre as ricas folhagens de outubro da floresta. — Este é o dia entre os dias — disse ela, quando eu me aproximei. — Um dia, entre todos os dias, para viver ou morrer! É um belo dia para os filhos da Terra e da vida; mas — ai! — ainda mais belo para as filhas do Céu e da morte! Beijei-lhe a fonte e ela continuou: — Estou morrendo; no entanto, viverei. — Morella! — Nunca houve dias em que tu pudeste me amar; mas àquela com quem em vida te enfadaste, na morte deverás adorar. — Morella! — Repito que estou morrendo. Mas dentro de mim há uma recordação daquele afeto — ah, quão pouco afeto! — que sentiste por mim, por Morella. E quando meu espírito partir, a criança viverá — teu filho e meu, o filho de Morella. Mas os teus dias serão dias de tristeza — aquela tristeza que é o mais duradouro dos sentimentos, como o cipreste é a mais duradoura das árvores. Pois as horas de tua felicidade acabaram, e não se colhe a alegria duas vezes na vida, assim como não se colhem as rosas de Paestum duas vezes no ano. Não mais jogarás com o tempo o jogo do homem de Teos; mas, sendo tu ignorante da murta e da videira, carregarás contigo tua mortalha na terra, como faz em Meca um muçulmano. — Morella! — gritei. — Morella, como sabes disso? Mas ela virou o rosto sobre o travesseiro e um leve tremor percorreu seus membros; ela morreu, e eu não mais ouvi a sua voz. No entanto, tal como ela havia predito, seu rebento — o rebento que, ao morrer, ela dera à luz, e que não começou a respirar até que a mãe deixasse de fazê-lo — nasceu. Era uma menina. E ela cresceu insolitamente; estranhamente evoluiu em intelecto, e era a perfeita semelhança daquela que havia partido; eu lhe devotei um amor mais fervoroso do que eu acreditava ser possível sentir por qualquer habitante da terra. Mas, em pouco tempo, o céu dessa pura afeição entenebreceu, e a escuridão, o horror e a aflição varreram-na em nuvens. Já disse que a criança cresceu estranhamente em estatura e inteligência. Singular, de fato, foi seu rápido aumento no tamanho corporal, mas terríveis — oh, terríveis! — eram os pensamentos tumultuosos que se apoderavam de mim enquanto eu lhe observava o desenvolvimento intelectual. Poderia ser de outra forma, se eu descobria, dia a dia, nas concepções da criança, a potência e faculdades adultas da mulher? Se as lições da experiência se desprendiam dos seus lábios de criança? Se eu via, a cada hora, a sabedoria ou as paixões da maturidade reluzindo em seu amplo e especulativo olhar? Como digo, tudo isso se tornou tão evidente para meus sentidos apavorados que eu não pude mais escondê-lo de minha alma e, menos ainda, furtá-lo à minha percepção estarrecida. Assim, como seria possível estranhar que uma suspeita de natureza assustadora e excitante se insinuasse em meu espírito, ou que os meus pensamentos se voltassem, espantados, para os contos 4 RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL JUL/2021 EDIÇÃO ESPECIAL REVISTA VIRTUAL selvagens e as emocionantes teorias da sepultada Morella? Arranquei à curiosidade do mundo um ser que o destino me compeliu a adorar e, no rigoroso isolamento de meu lar, observei, com atroz ansiedade, tudo o que dizia respeito à minha amada criatura. E, à medida que os anos passavam, eu contemplava, dia após dia, o seu rosto santo, suave e eloquente, e a via crescer. Descobri, então, novos pontos de semelhança entre a criança e sua mãe, entre a criança melancólica e a morta. E, cada vez mais, essa nuvem de semelhança se tornava mais espessa e completa, mais definida, mais inquietante e assustadoramente terrível em todos os seus aspectos. Que o sorriso da menina fosse como o da mãe, eu podia suportar, mas prontamente aquela perfeita identidade me fazia estremecer. Que seus olhos fossem iguais aos de Morella, eu também suportaria; mas eles mergulhavam, frequentemente, nas profundezas de minha alma com o intenso e desconcertante pensamento da própria Morella. E no contorno de sua fronte alta, nos cachos de seus cabelos sedosos, nos dedos pálidos que ela enterrava nas madeixas, na triste entonação melódica de sua voz e, acima de tudo — oh, acima de tudo! —, nas frases e expressões da mulher morta sobre os lábios da minha amada — da viva —, alimentava-se o terrível pensamento devorador, o verme que se recusava a morrer. Assim se passaram dois lustros de sua vida, e a minha filha permanecia sem nome sobre a terra. “Minha filha” e “meu amor” eram as designações geralmente provocadas pela minha afeição de pai, e a rígida reclusão de sua existência impedia todas as outras. O nome de Morella havia morrido com ela. Nuca falei da mãe à filha; era-me impossível falar-lhe. Na verdade, durante o breve período de sua existência, a criança não recebera quaisquer impressões do mundo exterior, exceto as que poderiam ser proporcionadas pelos estreitos limites de sua privacidade. Mas, finalmente, a cerimônia do batismo apresentou-se ao meu espírito, naquele estado de nervosismo e agitação, como a iminente libertação dos terrores de meu destino. E, na pia batismal, hesitei na escolha de nome. E vários nomes que evocavam sabedoria e beleza, dos tempos antigos e modernos, de minha própria terra e de terras estrangeiras, cumularam-se em meus lábios, assim como muitos outros que inspiravam a nobreza, a felicidade e a bonomia. O que me levou, então, a perturbar a memória da morta enterrada? Que demônio me incitou a suspirar aquele nome, cuja tão só lembrança fazia refluir o meu sangue púrpura em torrentes, das têmporas ao coração? Que demônio falou do fundo de minha alma, quando em meio àqueles corredores sombrios e no silêncio da noite, sussurrei aos ouvidos do homem santo as sílabas “Morella”? Que ente mais que demoníaco retorceu as feições de minha filha, e as cobriu com tons da morte quando, estremecendo àquele nome quase inaudível, ela voltou seus límpidos olhos para o céu, e, caindo prostrada sobre as negras lousas de nossa cripta ancestral, respondeu: — Eis-me aqui! Estas simples e breves palavras caíram, calma e friamente distintas, em meus ouvidos, e dali, como chumbo derretido, escorreram, sibilando, por meu cérebro adentro. Os anos podem passar, mas as lembranças daquele dia, jamais! Certamente, eu não ignorava as flores e a videira; mas o abeto e o cipreste lançaram as suas sombras sobre mim noite e dia. Perdi a noção de tempo e lugar, e as estrelas de meu destino desvaneceram no céu; desde então, a terra entenebreceu e as suas figuras passavam por mim como sombras esvoaçantes, e, dentre todas, eu só enxergava uma: Morella! Os ventos do firmamento suspiravam apenas um nome em meus ouvidos, e as ondas do mar murmuravam eternamente: Morella! Mas ela morreu; e, com minhas próprias mãos, levei-a ao sepulcro; e ri com um riso amargo e prolongado quando não descobri, na cripta em que sepultei a segunda, quaisquer vestígios da primeira Morella. Tradução de Paulo Soriano. 5 MORELLA Edgar Allan Pöe (1809 – 1849) El mismo, por sí mismo únicamente, eternamente uno, y solo. (Platón, Symposium) Le tenía a Morella un sentimiento de profundo y singular afecto. Habiéndola conocido casualmente hace muchos años, mi alma, desde nuestro primer encuentro, ardió con un fuego que no había conocido; pero no era ese fuego el de Eros, y representó para mi espíritu un tormento la convicción de que no podría definir su insólito carácter ni regular su vaga intensidad. Sin embargo, nos tratamos, y el destino nos unió ante el altar; jamás hablé de pasión, ni pensé en el amor. Ella, aun así, huía de la sociedad, y dedicándose a mí, me hizo feliz. Asombrarse es una felicidad, y una felicidad es soñar. La erudición de Morella era profunda. Como espero mostrar, sus aptitudes no eran comunes, y su poder mental era gigantesco. Lo percibí, y en muchos puntos fui su discípulo. No obstante, pronto comprendí que, quizá a causa de haberse educado en Pressburgo me enseñaba un gran número de esos libros místicos que se consideran generalmente como la (simple) escoria de la literatura alemana. Esas obras constituían su estudio favorito y constante, y si en el transcurso del tiempo llegó a ser el mío también, hay que atribuirlo a la simple, pero eficaz influencia del hábito y del ejemplo. Mis convicciones no estaban en modo alguno basadas en el ideal, y no se descubría, a menos que me equivoque por completo, ningún matiz del misticismo de mis lecturas, ya fuese en mis actos o ya fuese en mis pensamientos. Persuadido de esto, me abandoné sin reserva al criterio de mi esposa, y me adentré con ánimo resuelto en el laberinto de sus estudios. Y sumergiéndome entonces en 6 RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL JUL/2021 EDIÇÃO ESPECIAL REVISTA VIRTUAL páginas terribles, sentía que un espíritu aborrecible se encendía dentro de mí — venía Morella a colocar su mano fría en la mía, y hurgando las cenizas de una filosofía muerta, extraía de ellas algunas graves y singulares palabras que, dado su extraño sentido, ardían por sí mismas sobre mi memoria. Y entonces, hora tras hora, permanecía al lado de ella, sumiéndome en la música de su voz, hasta que su melodía se infestaba de terror, y una sombra caía sobre mi alma, y yo palidecía, y me estremecía interiormente ante aquellos tonos sobrenaturales. Y así, el gozo se desvanecía en el horror, y lo más bello se tornaba horrendo, como Hinnom se convirtió en Gehena. Resulta innecesario expresar el carácter exacto de estas disquisiciones que, surgidas de los volúmenes que he mencionado, constituyeron durante tanto tiempo casi el único tema de conversación entre Morella y yo. Los entendidos de lo que se puede llamar moral teológica las comprenderán fácilmente, y los ignorantes poco entenderían. El vehemente panteísmo de Fichte, la palingenesia modificada de los pitagóricos, y por encima de todo, las doctrinas de la identidad tal como las presenta Schelling, solían ser los puntos de discusión que ofrecían mayor belleza a la imaginativa Morella. Esta identidad llamada personal, la define con precisión míster Locke, creo, diciendo que consiste en la cordura del ser racional. Y como por persona entendemos una esencia inteligente, dotada de razón, y como hay una conciencia que acompaña siempre al pensamiento, es esta la que nos hace a todos ser eso que llamamos nosotros mismos, diferenciándonos así de otros seres pensantes y dándonos nuestra identidad personal. Pero el principium individuationis —la noción de esa identidad que en la muerte se pierde o no para siempre— fue para mí en todo tiempo un asunto de intenso interés, no sólo por la naturaleza pasmosa y emocionante de sus consecuencias, sino por la manera especial y agitada como las mencionaba Morella. Pero realmente llegó un momento en que el misterio del carácter de mi esposa me oprimía como un hechizo. No podía soportar por más tiempo el contacto de sus pálidos dedos, ni el tono profundo de su palabra musical, ni el brillo de sus melancólicos ojos. Y ella sabía todo eso, pero no me lo reprochaba. Parecía tener conciencia de mi debilidad o de mi locura, y sonriendo, las llamaba el Destino. Parecía también tener conciencia de la causa, para mí desconocida, de aquel gradual desapego; pero no me daba explicación alguna ni aludía a su naturaleza. Sin embargo, era ella mujer, y languidecía por días. Con el tiempo, la mancha roja se fijó definitivamente sobre sus mejillas, y las venas azules de su pálida frente se hicieron prominentes. Llegó un instante en que mi naturaleza se deshacía en compasión; pero al siguiente encontraba yo la mirada de sus ojos pensativos, y entonces mi alma se sentía mal y experimentaba el vértigo de quien tiene la mirada sumida en algún aterrador e insondable abismo. ¿Diré que anhelaba ya con un deseo fervoroso y devorador el momento de la muerte de Morella? Así fue; pero el frágil espíritu se aferró en su envoltura de arcilla durante muchos días, muchas semanas y muchos meses tediosos, hasta que mis nervios torturados lograron triunfar sobre mi mente, y me sentí enfurecido por aquel retraso, y con un corazón demoníaco, maldije los días, las horas, los minutos amargos, que parecían alargarse y alargarse a medida que declinaba aquella delicada vida, como sombras en la agonía de la tarde. Pero una noche de otoño, cuando permanecía quieto el viento en el cielo, Morella me llamó a su lado. Había una oscura bruma sobre toda la tierra, y subía un cálido resplandor sobre las aguas, y entre el rico follaje de la selva de octubre, hubiérase dicho que caía del firmamento un arco iris. —Éste es el día de los días —dijo ella, cuando me acerqué—; un día entre todos los días para vivir o morir. Es un día hermoso para 7 RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL JUL/2021 EDIÇÃO ESPECIAL REVISTA VIRTUAL los hijos de la tierra y de la vida, ¡ah, y más hermoso para las hijas del cielo y de la muerte! Besé su frente, y ella prosiguió: —Voy a morir, y a pesar de todo, viviré. —¡Morella! —No han existido nunca días en que hubieses podido amarme; pero a la que aborreciste en vida la adorarás en la muerte. —¡Morella! —Repito que voy a morir. Pero hay en mí una prenda de ese afecto, ¡ah, cuan pequeño!, que has sentido por mí, por Morella. Y cuando parta mi espíritu, el hijo vivirá, el hijo tuyo, el de Morella. Pero tus días serán días de dolor, de ese dolor que es la más duradera de las impresiones, como el ciprés es el más duradero de los árboles. Porque han terminado las horas de tu felicidad, y no se cosecha la alegría dos veces en una vida, como las rosas de Paestum dos veces en un año. Tú no jugarás ya con el tiempo el juego del Teyo; pero, siéndote desconocidos el mirto y el vino, llevarás contigo sobre la tierra tu sudario, como hace el musulmán en la Meca. —¡Morella! —exclamé— ¡Morella! ¿Cómo sabes esto? Pero ella volvió su rostro sobre la almohada, un leve temblor recorrió sus miembros, y ya no oí más su voz. Sin embargo, como había predicho ella, su hijo —a quien había dado a luz al morir, y que no respiró hasta que cesó de alentar su madre —, una niña, vivió. Y creció extrañamente en estatura y en inteligencia, y era de una semejanza perfecta con la desaparecida, y la amé con un amor más ferviente del que creí me sería posible sentir por ningún habitante de la Tierra. Pero, antes de que pasase mucho tiempo, se ensombreció el cielo de aquel puro afecto, y la tristeza, el horror, la aflicción, pasaron veloces como nubes. He dicho que la niña creció extrañamente en estatura y en inteligencia. Extraño, en verdad, fue el rápido crecimiento de su cuerpo; pero terribles, ¡oh, terribles!, fueron los tumultuosos pensamientos que se amontonaron en mí mientras espiaba el desarrollo de su inteligencia. ¿Cómo podía ser de otra manera, cuando descubría yo a diario en las ideas de la niña las capacidades de un adulto y las facultades de la mujer, cuando las lecciones de la experiencia se desprendían de los labios de la infancia y cuando veía a cada hora la sabiduría o las pasiones de la madurez centellear en sus grandes y pensativos ojos? Como digo, cuando apareció evidente todo eso ante mis sentidos aterrados, cuando no le fue ya posible a mi alma ocultárselo más, ni a mis facultades estremecidas rechazar aquella certeza, ¿cómo puede extrañar que unas sospechas de naturaleza espantosa y emocionante se deslizaran en mi espíritu, o que mis pensamientos derivaran, despavoridos, hacia los cuentos extraños y las sobrecogedoras teorías de la enterrada Morella? Arranqué a la curiosidad del mundo un ser a quien el Destino me mandaba adorar, y en el severo aislamiento de mi hogar, vigilé con una ansiedad mortal cuanto concernía a la criatura amada. Y mientras los años transcurrían, y mientras día tras día contemplaba su santo, apacible, elocuente rostro, mientras examinaba sus formas que maduraban, y descubría día tras día nuevos puntos de semejanza en la hija con su madre, la melancólica y la muerta. Y a cada hora aumentaban aquellas sombras de semejanza, más plenas, más definidas, más inquietantes y más atrozmente terribles en su aspecto. Pues que su sonrisa se pareciese a la de su madre podía yo soportarlo, luego me hiciera estremecer ante aquella identidad demasiado perfecta; que sus ojos se pareciesen a los de Morella podía soportarlo, pero es que, además, penetraban harto a menudo en las profundidades de mi alma con el intenso e impresionante pensamiento de la propia Morella. Y en el contorno de su alta frente, en los bucles de su sedosa cabellera, en sus pálidos dedos que se sepultaban dentro de ella, en el triste tono bajo y musical de su voz, y por encima de todo (¡oh, por encima de todo!) en las 8 RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL JUL/2021 EDIÇÃO ESPECIAL REVISTA VIRTUAL frases y expresiones de la muerta en labios de la amada, de la viva, encontraba yo pasto para un horrendo pensamiento devorador, para un gusano que no quería perecer. Así pasaron dos lustros de su vida, y hasta ahora mi hija permanecía sin nombre sobre la tierra. Hija mía y amor mío eran las denominaciones dictadas por el afecto paterno, y el severo aislamiento de sus días impedía toda relación. El nombre de Morella había muerto con ella. No hablé nunca de la madre a la hija; me era imposible hacerlo. En realidad, durante el breve período de su existencia, no había recibido ninguna impresión del mundo exterior, excepto las que le hubieran proporcionado los estrechos límites de su retiro. Pero, por último, se ofreció a mi mente la ceremonia del bautismo en aquel estado de desaliento y de excitación, como la presente liberación de los terrores de mi destino. Y ante la pila bautismal dudé respecto al nombre. Y se agolparon en mis labios muchos nombres de sabiduría y belleza, de los tiempos antiguos, y de los modernos, de mi país y de los países extranjeros, con otros muchos, muchos delicados de nobleza, de felicidad y de bondad. ¿Qué me impulsó entonces a agitar el recuerdo de la muerta enterrada? ¿Qué demonio me incitó a musitar aquel sonido cuyo recuerdo real hacía refluir mi sangre a torrentes desde las sienes al corazón? ¿Qué espíritu perverso habló desde lo más recóndito de mi alma, cuando, entre aquellos oscuros corredores, y en el silencio de la noche, musité al oído del santo hombre las sílabas Morella? ¿Qué ser más demoníaco retorció las facciones de mi hija, y los cubrió con el matiz de la muerte cuando estremeciéndose ante aquel nombre apenas audible, volvió sus límpidos ojos desde el suelo hacia el cielo, y cayendo arrodillada sobre las losas negras de nuestra cripta ancestral, respondió: ¡Aquí estoy!? Estas simples y cortas palabras cayeron precisas, fríamente precisas, en mis oídos, y desde allí, como plomo fundido, se precipitaron silbando en mi cerebro. Años, años enteros pueden pasar; pero el recuerdo de esa época, ¡jamás! No desconocía yo, por cierto, las flores y la vid; pero el abeto y el ciprés proyectaron su sombra sobre mí noche y día. Y perdí toda noción de tiempo o de lugar, y se desvanecieron en el cielo las estrellas de mi destino, y desde entonces se ensombreció la tierra, y sus figuras pasaron junto a mí como sombras fugaces, y entre ellas sólo vi una: Morella. Los vientos del firmamento suspiraban un único sonido en mis oídos, y las olas en el mar murmuraban eternamente: Morella. Pero ella murió, y con mis propias manos la llevé a la tumba; y reí con una carcajada larga y amarga al no encontrar vestigios de la primera Morella en la cripta donde enterré la segunda. Traducción de autor desconocido. Texto de dominio público. Fuente: Portal Domínio Público (BR). Revisión de Ricardo Manzanaro. 9 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A MÃO FECHADA Farnsworth Wright (1888-1940) Solitária, a casa erguia-se como um fantasma através das árvores desbotadas, que pareciam estremecer ao toque de suas paredes. O verde musgo da decomposição jazia nos seus telhados úmidos, e as janelas, inseridas em cavidades profundas, olhavam cegamente para o mundo como que através de órbitas vazias. O seu aspecto era tão aterrador que as crianças, ao aproximarem-se dela, deixavam de assobiar e de rir e passavam ao outro lado da rua. No outro lado do campo, algumas cabanas amontoadas olhavam através da chuva, como se perguntassem qual família poderia ser corajosa bastante a se instalar entre as sombrias paredes daquela velha mansão, que permanecia desabitada há, pelo menos, dois anos. Num quarto do sótão da casa, duas irmãs conservavam-se na cama, mas não dormiam. A irmã mais nova encolheu-se sob o pavor inspirado pelo lugar. A mais velha riu daqueles temores, mas a mais nova sentiu o feitiço do velho edifício e teve medo. — Suponho que nada há que realmente me assuste nesta triste casa velha — admitiu ela, sem muita convicção em sua voz —, mas a sensação que ela me causa é horrível. Mamãe não nos devia ter deixado sozinhas neste lugar horrível. — Estúpida! — repreendeu a irmã. — Com toda a prataria do andar de baixo, alguém tem de estar aqui por causa dos ladrões. — Oh, não fale de ladrões! — suplicou a menina mais nova. — Estou com medo. Continuo a imaginar que ouço os passos de um fantasma, muito perto. — Vá dormir, Goosie! — disse a mais velha. — As casas assombradas não passam de superstições. Eles existem apenas na imaginação. — Então, por que é que ninguém mora aqui há dois anos? Disseram-me que, num espaço de cinco anos, todas as famílias se mudaram depois de ficarem aqui por pouco tempo. Toda a atmosfera desta casa é horrível. E não posso me esquecer de como a garota de Berkheim foi encontrada esfaqueada até a morte, e ninguém nunca soube como isso aconteceu. Ela pode ter sido assassinada neste mesmo quarto! —Vá dormir e não se assuste falando essas coisas. Mamãe estará conosco amanhã à noite e papai estará de volta no dia seguinte. Agora, vá dormir. A irmã mais velha logo adormeceu, mas a pequena permanecia deitada com os olhos abertos, fitando o quarto escuro, e estremecendo a cada ruído sufocado do vento ou grunhido distante do trovão. Começou a contar, na esperança de hipnotizar a si mesma, mas a cada pequeno ruído se sobressaltava e perdia a conta. De repente, ela virou-se e sacudiu a irmã pelo ombro. — Edith, alguém está nas escadas! — sussurrou. — Ouça! A irmã mais velha acendeu um fósforo. A chama de uma vela iluminou palidamente o lugar. Depois, vestiu um roupão e calçou os chinelos. —Não vá! Edith, diga-me que não vai descer. Talvez seja a moça de Berkheim assassinada! Edith, não... Edith lançou um fulminante olhar de desprezo à sua irmã, que jazia na cama com o rosto pálido e os olhos muito abertos. — Há algo se mexendo lá embaixo, e eu vou descobrir o que é — disse ela. Pegando a vela, ela saiu do quarto. A sua irmã permanecia deitada na escuridão, ouvindo o tamborilar da chuva no telhado e aplicando os ouvidos para captar o menor som. O ruído no andar de baixo cessou, mas o vento encrespou e a chuva golpeou o telhado em rajadas tão repentinas e furiosas que fizeram o seu coração saltar violentamente. Passaram-se dez minutos, vinte minutos, e Edith não havia regressado. Uma porta bateu e a irmã mais nova pensou ter ouvido algo se movendo novamente, mas o vento começou a soluçar e a abafar todos os demais ruídos. Entre rajadas, ela ouviu o som portentoso. Parecia cada vez mais próximo. Então, percebeu que algo subia as escadas. Pensou ter ouvido um grito abafado. O vento juntou-se a essa voz lastimosa num dueto estranho. Mais e mais próximo se escutava agora o estranho ruído. Galgava as escadas, passo a passo, e crescia à medida que o vento e a chuva arrefeciam as suas vozes. Passou o primeiro patamar e subiu lentamente o segundo, enquanto a menina, apavorada, esperava pela sua chegada. O vento uivou até que a casa inteira estremeceu; passou pelo beiral e fugiu pelos campos como um fantasma em fuga. E o pulsar do coração da menina abafou os gritos do vento, pois a presença estava agora no seu quarto. 10 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL Ela se encolheu sob os lençóis e uma fria transpiração regelou-lhe o corpo. A sua imaginação evocava coisas terríveis: um espírito incorpóreo vinha para destruí-la — um cadáver saído da sepultura, com terra no rosto — a moça assassinada de Berkheim, com a faca ainda enterrada no coração — ou talvez algum animal selvagem, lambendo os lábios em ávida antecipação da festa que o seu corpo trêmulo iria proporcionar. Ou seria um assassino que, depois de ter matado a sua irmã, decidira-se a completar o seu trabalho sangrento? Um raio rasgou o céu, e um trovão emitiu o seu terrível aviso. A menina atirou para trás a roupa de cama e se encolheu contra a parede, com os olhos prestes a saltar-lhe das órbitas, temerosa de que outro raio revelasse algo horrível demais para ser visto. Lentamente, o ser se arrastou pelo chão, deslizou sobre a cama e emitiu um sonido de agonia. A menina sentou-se, petrificada. Depois, timidamente, estendeu uma mão trémula, mas rapidamente a retirou, temendo algum contato hediondo. Novamente, empurrou a sua mão trêmula para a escuridão, cada vez mais, até que tocou em algo peludo e úmido. Uma mão úmida fechou-se sobre a dela, e a jovem se ergueu com um grito horrorizado na garganta. Uma mão gelada apertou a sua com um tremor horripilante e arrastou-a para baixo. Então os seus sentidos torturados cederam, e ela caiu inconsciente na cama. Quando acordou, já era dia. Ao seu lado, na cama, estava o corpo ensanguentado da sua irmã Edith, esfaqueada no peito pelo ladrão que ela tentara afugentar. A mais nova segurava as mechas coaguladas de cabelos que caíam sobre o peito da irmã, cuja mão fria se fechara sobre a sua no último estremecimento convulsivo da morte. Versão em português de Paulo Soriano a partir da tradução espanhola de Sebastián Beringheli. 11 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL LA MANO CERRADA Farnsworth Wright (1888-1940) Solitaria, la casa se veía como un espectro a través de árboles desgarbados que parecían estremecerse por el contacto con sus muros. El verde musgo de la descomposición yacía sobre sus techos húmedos, y las ventanas, insertadas en profundas cavidades, miraban ciegamente al mundo como a través de cuencas sin ojos. Su aspecto era tan aterrador que los niños, al acercarse, dejaban de silbar y de reír y cruzaban al otro lado de la calle. Al otro lado del campo, unas cuantas cabañas acurrucadas miraban a través de la lluvia, como si se preguntaran qué familia podría ser tan valiente como para establecerse dentro de las sombrías paredes de esa vieja mansión, que durante dos años, al menos, había estado inhabitada. En una habitación del ático de la casa, dos hermanas yacían en la cama, pero no dormidas. La hermana menor se encogió bajo el temor inspirado por el lugar. La anciana se rio de sus temores infantiles, pero la menor sintió el hechizo del antiguo edificio y tuvo miedo. —Supongo que realmente no hay nada que me asuste en esta vieja y triste casa —admitió, sin demasiada convicción en su voz—, pero la sensación que me produce es horrible. Madre no debería habernos dejado solos en este horrible lugar. —Estúpida —la regañó su hermana—, con todos los cubiertos abajo, alguien tiene que estar aquí, por miedo a los ladrones. —¡Oh, no hables de ladrones! —suplicó la niña más joven—. Tengo miedo. Sigo imaginando que oigo los pasos de un fantasma, muy cerca. —Ve a dormir, Goosie —dijo la más grande—. Las casas embrujadas no son más que supersticiones. Existen solo en la imaginación. —¿Entonces por qué nadie ha vivido aquí por dos años? Me dicen que durante cinco años todas las familias se mudaron después de estar aquí por poco tiempo. Toda la atmósfera de la casa es horrible. Y no puedo olvidar cómo la vieja Berkheim fue encontrada apuñalada hasta la muerte, y nadie supo cómo sucedió. ¡Puede que la hayan asesinado en esta misma habitación! —Ve a dormir y no te asustes hablando del tema. Mamá estará con nosotras mañana por la noche y papá volverá al día siguiente. Ahora ve a dormir. La hermana mayor pronto se durmió, pero la pequeña yacía acostada con los ojos abiertos, mirando hacia la habitación negra y estremeciéndose ante cada ruido sofocado por el viento o el lejano gruñido de un trueno. Ella comenzó a contar, con la esperanza de hipnotizarse a sí misma, pero ante cada pequeño sonido se sobresaltaba, y perdió la cuenta. De repente, se volvió y sacudió a su hermana por el hombro. —¡Edith, alguien está en las escaleras! — susurró—. ¡Escucha! La hermana mayor encendió una cerilla. La llama de una vela iluminó pálidamente el lugar. Luego se puso una bata y sus pantuflas. —No vayas. Edith, dime que no vas a bajar. Quizás sea la chica de Berkheim asesinada, Edith, no... Edith lanzó una mirada de desprecio, fulminante, a su hermana, que yacía en la cama con la cara pálida y los ojos muy abiertos. —Hay algo moviéndose abajo, y voy a averiguar qué es —dijo. Tomando la vela, ella salió de la habitación. Su hermana menor yacía en la oscuridad, escuchando el golpeteo de la lluvia en el techo y agudizando los oídos para captar el más mínimo sonido. El ruido de abajo cesó, pero el viento se levantó y la lluvia golpeó el techo en repentinas ráfagas furiosas que hicieron que su corazón saltara violentamente. Pasaron diez minutos, veinte minutos, y Edith no había regresado. Una puerta se cerró de golpe y la joven pensó que algo se movía de nuevo, pero el viento comenzó a sollozar y ahogaba todos los demás ruidos. Entre ráfagas, escuchó el sonido portentoso. Cada vez parecía más cercano. Entonces, se dio cuenta de que algo subía las escaleras. Creyó oír un grito ahogado. El viento se unió a esa voz lastimera en un tono extraño. Más y más cerca se escuchaba ahora el extraño ruido. Subía las escaleras, paso a paso, y crecía cuando el viento y la lluvia suavizaban sus voces. Pasó el primer rellano y subió lentamente el segundo, mientras la niña esperaba con temor su llegada. El viento aulló hasta que la casa entera se agitó; pasó junto a los aleros y huyó por los campos como un fantasma cazado. Y los latidos de la niña ahogaban los gritos del viento, porque la presencia ahora estaba en su habitación. 12 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL Ella se encogió debajo de las sábanas, una transpiración fría le recorrió el cuerpo. Su imaginación evocaba cosas espantosas: un espíritu incorpóreo venía a destruirla, un cadáver de la tumba, con tierra en la cara, la niña asesinada de Berkheim, con el cuchillo aún ensartado en su corazón, o alguna bestia salvaje, quizás, lamiéndose los labios en codiciosa anticipación del festín que le proporcionaría su cuerpo tembloroso. ¿O sería acaso un asesino que, después de haber matado a su hermana, se proponía completar su sangriento trabajo? Un destello de relámpago partió el cielo, y el trueno gritó su aterradora advertencia. La chica echó hacia atrás la ropa de cama y se encogió contra la pared, con los ojos a punto de salírsele de las órbitas, temerosa de que otro destello revelara algo demasiado horrible para contemplar. Lentamente, el ser se arrastró por el suelo, se deslizó sobre la cama y emitió un sonido de agonía. La niña se sentó, petrificada. Luego, tímidamente, extendió una mano temblorosa, pero rápidamente la retiró temiendo algún contacto horrible. Nuevamente empujó su mano temblorosa hacia la penumbra, más y más, hasta que tocó algo peludo y húmedo. Una mano húmeda se cerró sobre la de ella, y la joven se puso de pie, con un grito horrorizado en la garganta. La mano helada se tensó con un temblor repugnante y la arrastró hacia abajo. Entonces sus sentidos torturados cedieron, y cayó inconsciente sobre la cama. Cuando despertó era de día. Al lado de ella, en la cama, yacía el cuerpo sangrante de su hermana, Edith, apuñalada en el pecho por el ladrón que había tratado de ahuyentar. La más joven trataba de despejar del rostro de su hermana de los mechones de cabello coagulados, cuya mano gélida se había cerrado sobre la de ella en el último estremecimiento convulsivo de la muerte. Tradución de Sebastián Beringheli. Fuente: El Espejo Gótico. 13 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL ASSASSINO? Bernardo Couto Castillo (1878 – 1901) Para Ciro B. Ceballos Silvestre Abad, assassino, contava a seus amigos algumas de suas proezas. Seus olhos injetados assumiam diversas expressões, de acordo com a narrativa. Eis o que ele, com voz agitada, dizia: — Somente uma vez, uma única vez, senti prazer em matar. E aconteceu tão rápido, tão brevemente, que às vezes acho que foi um sonho. Eu era, então, muito jovem e nunca havia matado. Há dias que eu vagava em busca de trabalho, mendigando um pedaço de pão, arrastando-me, molhado de chuva, tostado pelo Sol, morto de fadiga e trazendo na alma uma destas raivas que inspiram tentações de destroçar tudo quanto se vê e esfaquear todos quanto passam. Caminhava pensando em toda negrura de minha sorte, no miserável que eu era. Feio, de uma fealdade horripilante. Desde menino, os homens apontavam para mim, rindo, e, para assustar as crianças, ameaçavamnas com a minha presença. Uma mulher? Ignoro o que possa ser. Nem por dinheiro me quiseram. Eu lhes causo asco, provoco-lhes repugnância e, em todos os lugares, as mulheres me rechaçam. Naquele dia, já era tarde. O campo se estendia ao meu redor: grande, imenso, cheio de árvores, de plantas e de espigas, exuberante de vida, proclamando a abundância e a riqueza. E eu morria de fome. Não recordo o que aconteceu depois, nem para onde fui. Sim, creio que andei muito e parei, muito cansado, em uma rua da vila onde todos dormiam. Era uma rua estreita, silenciosa e iluminada pelo lampião pendente de um fio. Eu me sentia cansado, muito cansado e com fome. Aproximei-me do lampião, esperando o primeiro transeunte para assassiná-lo, para roubá-lo e comer alguma coisa. Ninguém passava. Tudo estava em silêncio e eu não tinha forças para dar um passo. Apoiado na parede, contemplava a chama movediça do lampião e, para mim mesmo, murmurava maldições. Os outros tinham casa, comida boa, calor nas noites frias. Tinham família, esposa, filhos. Eu não comia há três dias, não tinha no mundo mãe, irmãos ou amigos. Ao entrar nos lugarejos, os cães se lançavam contra mim para morder-me e as crianças fugiam quando me viam. A mim faltava-me tudo, eu nunca conhecera um prazer, e minhas mãos nunca tinham tocado um objeto bonito. Chegou a mim, não sei de onde, uma música que se escutava com recolhimento, tal como eu ouvia, quando era menino, durante o pouco tempo em que tive mãe, o órgão da igreja quando se elevava a hóstia. Eu escutava, escutava deliciado... Pensem: deve ser tão lindo ter nas noites uma mulher que faça música, enquanto se descansa numa boa poltrona ao abrigo do frio! E eu continuava escutando e pensava em mil coisas, esquecendo a fome e os desejos criminosos. Uma porta se abriu. Vi avançar um pequeno vulto que, quando se aproximou de mim, nele reconheci uma menininha. Levava nas mãos um cesto e avançava lentamente, sem medo e, inocentemente, sem qualquer noção do perigo. A luz do lampião incidia sobre o seu pequeno, muito branco, muito suave e muito fino pescoço. Eu nunca tivera em minhas mãos um destes pequerruchos que fazem a delícia dos outros, dos afortunados, dos bemaventurados deste mundo. Meus pés me conduziram a ela instintivamente. Virei o rosto para a criança e quis sorrir; mas, quando eu sorrio, o que resulta é um gesto que mais ainda repugnante torna a minha fealdade. Compreendi isto, mas, apesar de meus esforços, não consegui afastar-me. Sentia o desejo de tocá-la, de sentir o contato de seus bracinhos, de tê-la em minhas mãos por um momento, como se fosse minha. Levantei-a em meus braços. Ela quis gritar, mas o espanto impediu o seu grito. Trouxe-a para perto do lampião. Como era linda! Como era branca, branca como a luz, como as flores. Tinha os cabelos dourados e deixava adivinhar um sorriso, como dever ser o dos anjos. Em seu terror, era bela, e seus olhos grandes, muito abertos, miravam-me assustados. Depois, leveia aos meus lábios, mas as pontas crispadas e sujas de minhas barbas machucaram o seu rosto. Então, ela gritou, enquanto golpeava o meu ventre com seus pés. Eu ia deixá-la, deixá-la, ficando triste como nunca! Jamais poderia acariciar uma criança. Ia deixá-la, mas a luz do lampião incidiu em cheio sobre o seu pescoço macio e fino. Experimentei, então, o afã de estreitá-la, de tocá-la e sentir 14 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL mais uma vez o contato de sua suavíssima pele. Desde então, tenho sentido muitos desejos, mil vezes tenho querido apoderar-me de alguma coisa; mas nunca a tentação foi tão forte, tão imperiosa, tão irresistível quanto naquele dia. Não conseguindo dominar-me, cedi e a acariciei, sentindo um estranho prazer ao passar, várias vezes, minha mão áspera e calosa por seu pescoço liso como uma luva. Ela estava muda de pavor. Seus olhinhos se abriam cada vez mais, cresciam, e me olhavam aterrorizados. Mas eu não podia, era-me impossível decidir por deixá-la, então continuava a passar minha mão sobre a sua pele. Depois, apertei um pouco, não procurando machucar, mas apenas experimentar em meus dedos a morna maciez que nunca havia sentido. Apertava e afrouxava, sentindo um inefável prazer. A música cessou. Ouvi o ruído de uma porta se abrindo e tive medo — ou melhor, senti ter que deixar a menininha. Aquele pequeno pescoço branco! Aquela suavidade sob meus dedos. Aquele prazer! Ter de deixá-los para fugir, para continuar a caminhada, o mendigar e nada receber... Mas, ao mesmo tempo, continuava apertando, continuava apertando, continuava apertando a pele e sentindo contra o meu peito os arrebatados golpes de seu coração... Os passos se aproximavam. Estavam prestes a surpreender-me, a me encarcerarem para sempre em uma prisão sem que eu pudesse voltar a sentir aquele gozo! Minha mão não mais se recrearia ao contato de um corpo suave e macio. Continuei a pressionar com ansiedade, querendo, ao comprimir pela última vez, obter toda a delícia que pudesse sentir apertando... Senti seus músculos, uma calosidade e, como os passos já estavam muito perto de mim, apertei com todas as minhas forças, desejando sentir sua última palpitação, seu último estremecimento, desejando arrancar-lhe tantos outros tremores de que dela poderia desfrutar, enquanto nunca, nunca poderia sequer acariciála. E senti este último estremecimento. Senti que o frêmito percorreu todo o seu corpo, ao passo em que o seu coração parava de bater. O pescoço parecia um trapo. Esfriou... Uma mão me agarrou. Mas eu, com um golpe seco, a repeli, desvencilhando-me para lançar fora a menina e fugir. Ainda hoje sinto prazer quando sonho e creio que estou a apertar, a comprimir-afrouxar. Esta foi a única delícia de minha vida! Quando vejo uma criança, sinto o impulso de arrojar-me sobre ela e de roubá-la para levá-la sempre comigo; e apertar o seu pescoço, afundar nele os meus dedos. Sim — continuou, enquanto levava um copo aos lábios —, foi uma grande delícia... Apertar! Afundar os dedos! Sentir aquela maciez estremecer. Agitar-se em estremecimentos tão pequenos como o corpo imóvel e os dedos apertando sempre, sempre! Tradução de Paulo Soriano. 15 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL ¿ASESINO? Bernardo Couto Castilho (1878 – 1901) Silvestre Abad, asesino, narraba a sus amigos algunas de sus proezas. Sus ojos inyectados tomaban expresiones varias, de acuerdo con su narración. He aquí lo que con agitada voz decía: — Ha sido una sola vez, una sola, cuando yo he gozado al matar… Y eso fue tan rápido, tan breve, que a veces creo haber soñado. Yo era entonces muy joven y nunca había matado. Hacía muchos días que vagaba en busca de trabajo, mendigando un pedazo de pan, arrastrándome, mojado por la lluvia, tostado por el sol, muerto de fatiga y llevando en el alma una de esas rabias que inspiran tentaciones de destrozar todo cuanto se ve y acuchillar a cuantos pasan. Caminaba pensando en toda la negrura de mi suerte, en todo lo desgraciado que era; feo, de una fealdad horripilante, desde chico los hombres me señalaban riendo, y para asustar a los niños, los amenazaban con mi presencia. ¿Una mujer?, ignoro lo que pueda ser; ni por dinero me han querido; les causo asco, les repugno y siempre me han rechazado en todas partes. Ese día era ya tarde. El campo se extendía a mi alrededor grande, inmenso, lleno de árboles, de plantas y de espigas, exuberante de vida, proclamando la abundancia y la riqueza. Yo me moría de hambre. Después, no recuerdo con precisión lo que pasó ni dónde fue. Sí, creo haber andado mucho y haberme detenido muy cansado en una calle del pueblo donde todos dormían. Una calle angosta, silenciosa y alumbrada por el farol pendiente de un alambre. Me sentía muy cansado, muy cansado y con hambre; me acerqué al farol esperando al primer transeúnte para asesinarlo, para robarlo y comer algo. Nadie pasaba, todo estaba en silencio y yo no tenía fuerzas para dar un paso. Apoyado en la pared, miraba la llama movediza del farol y para mí murmuraba mil maldiciones. Otros tenían casas, buenas comidas, calor en las frías noches; otros tenían familia, esposa, hijos; yo no había comido en tres días, no tenía en el mundo ni madre, ni hermanos, ni amigos; al entrar en los pueblos, los perros se lanzaban sobre mí para morderme y los niños huían al verme; a mí me faltaba todo, nunca había conocido un placer y mis manos nunca habían tocado un objeto hermoso. Hasta mí llegó viniendo no sé de dónde la música de un piano que se escuchaba con Para Ciro B. Ceballos recogimiento, como escuchaba cuando era niño, durante el poco tiempo que tuve madre, el órgano de la iglesia al levantarse la hostia. Yo escuchaba, escuchaba con delicia… ¡Pensad, debe ser tan hermoso tener en las noches una mujer que haga música mientras se descansa en un buen sillón al abrigo del frío! Y seguía escuchando y pensaba en mil cosas, olvidándome de mi hambre y de mis deseos criminales. Una puerta se abrió, vi avanzar un bulto pequeño que cuando estuvo cerca de mí reconocí ser una niña; en sus manos llevaba un cesto y avanzaba lentamente, sin miedo, como una inocente sin noción del peligro. La luz del farol daba sobre su cuello, un pequeño cuello muy blanco, muy suave y muy fino. Yo nunca había tenido en mis manos uno de esos nenes que forman la delicia de otros, de los afortunados, de los bienaventurados de este mundo. Mis pies me llevaron a ella instintivamente, volvió el rostro, quise sonreír, pero cuando yo sonrío resulta un gesto que más repugnante hace mi fealdad. Comprendí esto, pero a pesar de mis esfuerzos, no pude alejarme. Sentía deseos de tocarla, de sentir contacto de sus bracitos, de tenerla en mis manos un momento como si fuera mía y la levanté en mis brazos; ella quiso gritar, pero el espanto impidió su grito. La acerqué más al farol. ¡Qué hermosa y qué blanca, blanca como la luz, como las flores! Tenía sus cabellos dorados y dejaba adivinar una sonrisa, como debe ser la de los ángeles. En su terror era hermosa, y sus ojos grandes, muy abiertos, me miraban asustados; luego la llevé a mis labios, las puntas crispadas y sucias de mis barbas lastimaron su rostro y entonces gritó al tiempo que golpeaba mi vientre con sus pies. ¡Iba a dejarla, a dejarla quedando triste como nunca! ¡Jamás podría acariciar un niño! Iba a dejarla, pero la luz del farol dio de lleno sobre su cuello blando y fino; experimenté entonces deseos de estrecharla, de tocarla, y sentir una vez más el contacto de su suavísima piel. Desde entonces he sentido muchos deseos, mil veces he querido apoderarme de algo; pero nunca la tentación ha sido tan fuerte, tan imperiosa, tan irresistible como aquel día. No pudiendo dominarme, cedí y la acaricié, sintiendo extraño placer al pasar varias veces mi mano áspera y callosa por su cuellito terso como un guante. Ella estaba muda de espanto, sus ojitos se abrían 16 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL cada vez más grandes y me miraban aterrados; pero yo no podía, me era imposible resolverme a dejarla, y continuaba pasando y volviendo a pasar mi mano sobre su piel: Luego oprimí un poco, procurando no hacerle daño, tan sólo para sentir en mis dedos la caliente blandura que nunca había sentido. Oprimía y aflojaba, sintiendo inefable placer cuando mis dedos se hundían en la carne. Poco a poco fui oprimiendo más fuerte… más fuerte, la carne se iba haciendo más dura; pero siempre bajo mis dedos había algo de blando como terciopelo, que me regocijaba. La música cesó, oí el ruido de una puerta al abrirse y tuve miedo o más bien sentí tener que dejar a la niña; ¡ese cuellito blanco! ¡Esa suavidad bajo mis dedos! ¡Ese placer! Tener que dejarlos para huir, para continuar la marcha, el mendigar y nada recibir… y al mismo tiempo continuaba oprimiendo, continuaba oprimiendo, continuaba oprimiendo el cutis y sintiendo contra mi pecho los golpes arrebatados de su corazón… Los pasos se acercaban, ¡iban ya a sorprenderme, a encerrarme para siempre en una prisión sin que pudiera volver a sentir ese goce! ¡Mi mano ruda no se recrearía más al contacto de un suave y blando cuerpo! Seguí oprimiendo con ansiedad, queriendo, al estrechar por última vez, tener toda la delicia que hubiera podido sentir estrechando… Sentí sus músculos, una dureza, y como los pasos estuvieran muy cerca de mí apreté con todas mis fuerzas deseando sentir su última palpitación, su último estremecimiento, deseando arrancarles a otros que podrían gozar de ella mientras yo nunca, ¡nunca podría ni tan siquiera acariciarla! Y sentí ese último estremecimiento, lo sentí que recorrió por todo su cuerpo al tiempo que su corazón no latía más; el cuello parecía de trapo, se enfrió… Una mano me sujetó; pero yo de un golpe seco la rechacé, desprendiéndome para lanzar la niña y huir. Hoy todavía siento placer cuando sueño y creo oprimir, oprimir y aflojar. ¡Ha sido la única delicia de toda mi vida! Viendo a un niño siento impulso de arrojarme sobre él, de robarlo para llevarlo siempre conmigo para oprimir su cuello y hundir mis dedos en él. Sí– continuó él al tiempo que llevaba un vaso a sus labios–, fue una gran delicia… ¡Oprimir!… ¡Hundir los dedos!, sentir aquella blandura estremecerse… ¡Agitarse en estremecimientos tan pequeños como el cuerpo inmóvil y los dedos apretados siempre, siempre! 17 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O DIABO E O RELOJOEIRO Daniel Deföe (1660 – 1731) Vivia na paróquia de St. Bennet Funk, perto do Royal Exchange, uma honesta e pobre viúva que, depois de morto o marido, passou a aceitar sublocatários em sua casa. Ou seja, locou alguns de seus quartos a fim de reduzir os custos com o aluguel. Entre outros, cedeu sua mansarda a um artesão que fazia engrenagens para relógios, e que trabalhava para relojoarias, conforme era o costume nessa atividade. Certa feita, um homem e uma mulher subiram para falar com o relojoeiro sobre algum assunto relacionado ao seu mister. E quando estavam próximos dos últimos degraus, viram, pela porta escancarada da água-furtada, que o homem ― relojoeiro ou fabricante de engrenagens ― havia-se enforcado numa viga que se prolongava pouco abaixo do teto. Atônita com aquele cenário, a mulher parou e gritou ao homem, que lhe seguia, para que corresse e cortasse a corda que sustentava o infeliz. Neste mesmo instante, doutro rincão do quarto, cuja visão não era possível a partir das escadas, correu velozmente outro homem, a trazer um banquinho nas mãos. Com ares de quem se encontra com grande pressa, colocou o escabelo sob o desventurado e, subindo rapidamente, sacou do bolso uma faca. Segurando a corda com uma das mãos, fez sinal com a cabeça para a mulher e o homem, a advertindo-os para se detivessem e não subissem, ao mesmo tempo em que exibia a faca na outra mão, como se estivesse prestes a cortar a corda e soltar o enforcado. Vendo isto, a mulher se deteve por um momento, mas o homem sobre o escabelo continuava a segurar a faca ― como se permanecesse confuso com o nó ―, sem, contudo, cortá-la. Por esta razão, a mulher gritou novamente ao seu acompanhante, que, supondo que algo impedia a ação do outro homem, disse à mulher: ― Sobe e ajuda o homem do banquinho. Mas o homem no banquinho novamente acenou para que ficassem quietos e não entrassem, como se lhes dissesse: "Cortarei a corda imediatamente". Então, desferiu dois golpes com a faca na corda, à guisa de cortá-la, mas parou novamente. O desgraçado seguia dependurado e, portanto, a morrer. Porque o fato se repetia, a mulher gritou, da escada: ― O que está acontecendo? Por que não soltas o pobre homem? E o homem que a seguia, já exaurido de paciência, afastou-a e lhe disse: ― Deixe-me passar. Eu te asseguro que a cortarei. Dizendo isso, invadiu o quarto. Mas, quando chegou... Deus! O pobre relojoeiro continuava enforcado, mas não havia um homem com uma faca, nem banquinho, e nenhuma outra coisa ou outro ser era visto e escutado. Tudo havia sido uma ilusão, urdida por criaturas espectrais, enviadas sem dúvida para deixar que o pobre infeliz se enfocasse e expirasse. O visitante estava tão aterrorizado e surpreso que, apesar de toda a coragem que demonstrara, caiu ao chão como se estivesse morto. E a mulher, por fim, vendo-se na obrigação de baixar o homem, teve que cortar a corda com um par de tesouras, o que lhe redeu um grande trabalho. Como não me cabe pôr em dúvida a veracidade desta história, que me foi contada por pessoas em cuja honestidade eu deposito a minha confiança, creio que não me dará trabalho convencer-vos de quem devia ser o homem do banquinho: era o diabo, que estava no quarto com o objetivo de pôr cobro ao assassínio de um homem a quem, conforme o seu costume, havia tentado, e antes convencido a que fosse, de si mesmo, o verdugo. Demais disso, este fato criminoso corresponde tão bem à natureza do demônio e ao seu ofício ― qual seja, a de um assassino ― que nunca o pus em dúvida. E nem posso crer que estaremos difamando o diabo quando a ele atribuímos a prática de tal malefício. Nota: Não posso ter certeza quanto ao final desta história. Assim, não sei se o relojoeiro foi liberado com rapidez suficiente, a tempo de recuperar-se, ou se o diabo alcançou os seus propósitos, mantendo o homem e a mulher afastados, na escada, até que fosse demasiadamente tarde. Mas, seja como for, é certo que ele executou o seu ofício demoníaco e permaneceu na água-furtada até que foi compelido a evadir-se. Tradução de Paulo Soriano. 18 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL DIABLO Y EL RELOJERO Daniel Deföe (1660 – 1731) Vivía en la parroquia de St. Bennet Funk, cerca del Royal Exchange, una honesta y pobre viuda quien, después de morir su marido, tomó huéspedes en su casa. Es decir, dejó libres algunas de sus habitaciones para aliviar su renta. Entre otros, cedió su buhardilla a un artesano que hacía engranajes para relojes y que trabajaba para aquellos comerciantes que vendían dichos instrumentos, según es costumbre en esta actividad. Sucedió que un hombre y una mujer fueron a hablar con este fabricante de engranajes por algún asunto relacionado con su trabajo. Y cuando estaban cerca de los últimos escalones, por la puerta completamente abierta del altillo donde trabajaba, vieron que el hombre (relojero o artesano de engranajes) se había colgado de una viga que sobresalía más baja que el techo o cielorraso. Atónita por lo que veía, la mujer se detuvo y gritó al hombre, que estaba detrás de ella en la escalera, que corriera arriba y bajara al pobre desdichado. En ese mismo momento, desde otra parte de la habitación, que no podía verse desde las escaleras, corrió velozmente otro hombre que llevaba un escabel en sus manos. Este, con cara de estar en un grandísimo apuro, lo colocó debajo del desventurado que estaba colgado y, subiéndose rápidamente, sacó un cuchillo del bolsillo y sosteniendo el cuerpo del ahorcado con una mano, hizo señas con la cabeza a la mujer y al hombre que venía detrás, como queriendo detenerlos para que no entraran; al mismo tiempo mostraba el cuchillo en la otra, como si estuviera por cortar la soga para soltarlo. Ante esto la mujer se detuvo un momento, pero el hombre que estaba parado en el banquillo continuaba con la mano y el cuchillo tocando el nudo, pero no lo cortaba. Por esta razón la mujer gritó de nuevo a su acompañante y le dijo: —¡Sube y ayuda al hombre! Suponía que algo impedía su acción. Pero el que estaba subido al banquillo nuevamente les hizo señas de que se quedaran quietos y no entraran, como diciendo: «Lo haré inmediatamente». Entonces dio dos golpes con el cuchillo, como si cortara la cuerda, y después se detuvo nuevamente. El desafortunado seguía colgado y muriéndose en consecuencia. Ante la repetición del hecho, la mujer de la escalera le gritó: —¿Qué pasa? ¿Por qué no bajáis al pobre hombre? Y el acompañante que la seguía, habiéndosele acabado la paciencia, la empujó y le dijo: —Déjame pasar. Te aseguro que yo lo haré. Y con estas palabras llegó arriba y a la habitación donde estaban los extraños. Pero cuando llegó allí ¡cielos! el pobre relojero estaba colgado, pero no el hombre con el cuchillo, ni el banquito, ni ninguna otra cosa o ser que pudiera ser vista a oída. Todo había sido un engaño, urdido por criaturas espectrales enviadas sin duda para dejar que el pobre desventurado se ahorcara y expirara. El visitante estaba tan aterrorizado y sorprendido que, a pesar de todo el coraje que antes había demostrado, cayó redondo en el suelo como muerto. Y la mujer, al fin, para bajar al hombre, tuvo que cortar la soga con unas tijeras, lo cual le dio gran trabajo. Como no me cabe duda de la verdad de esta historia que me fue contada por personas de cuya honestidad me fío, creo que no me dará trabajo convenceros de quién debía de ser el hombre del banquito: fue el diablo, que se situó allí con el objeto de terminar el asesinato del hombre a quien, según su costumbre, había tentado antes y convencido para que fuera su propio verdugo. Además, este crimen corresponde tan bien con la naturaleza del demonio y sus ocupaciones, que yo no lo puedo cuestionar. Ni puedo creer que estemos equivocados al cargar al diablo con tal acción. Nota: No puedo tener certeza sobre el final de la historia; es decir, si bajaron al relojero lo suficientemente rápido como para recobrarse o si el diablo ejecutó sus propósitos y mantuvo aparte al hombre y a la mujer hasta que fue demasiado tarde. Pero sea lo que fuere es seguro que él se esforzó demoníacamente y permaneció hasta que fue obligado a marcharse. Traducción de autor desconocido. Texto de dominio público. Fuente: Portal Domínio Público (BR). Revisión de Valentim Fagim. 19 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL OS OLHOS QUE COMIAM CARNE Humberto de Campos (1886 – 1934) Paulo Fernando mergulhou o rosto nas mãos, e quedou-se imóvel, petrificado pela verdade terrível. Estava cego. Acabava de realizar-se o que há muito prognosticavam os médicos. A notícia daquele infortúnio em breve se espalhava pela cidade, impressionando e comovendo a quem a recebia. A morte dos olhos daquele homem de quarenta anos, cuja mocidade tinha sido consumida na intimidade de um gabinete de trabalho, e cujos primeiros cabelos brancos haviam nascido à claridade das lâmpadas, diante das quais passara oito mil noites estudando, enchia de pena os mais indiferentes à vida do pensamento. Era uma força criadora que desaparecia. Era uma grande máquina que parava. Era um facho que se extinguia no meio da noite, deixando desorientados na escuridão aqueles que o haviam tomado por guia. E foi quando, de súbito, e como que providencialmente, surgiu na imprensa a informação de que o professor Platen, de Berlim, havia descoberto o processo de restituir a vista aos cegos, uma vez que a pupila se conservasse íntegra, e se tratasse, apenas, de destruição ou defeito do nervo óptico. E, com essa informação, a de que o eminente oculista passaria em breve pelo Rio de Janeiro, a fim de realizar uma operação desse gênero em um opulento estancieiro argentino, que se achava cego há seis anos e não tergiversara em trocar a metade da sua fortuna pela antiga luz dos seus olhos. A cegueira de Paulo Fernando, com as suas causas e sintomas, enquadrava-se rigorosamente no processo do professor alemão: dera-se pelo seccionamento do nervo óptico. E era pelo restabelecimento deste, por meio de ligaduras artificiais com uma composição metálica de sua invenção, que o sábio de Berlim realizava o seu milagre cirúrgico. Esforços foram empregados, assim, para que Platen desembarcasse no Rio de Janeiro por ocasião de sua viagem a Buenos Aires. Três meses depois, efetuava-se, de fato, esse desembarque. Para não perder tempo, achava-se Paulo Fernando, desde a véspera, no Grande Hospital das Clínicas. E encontrava-se já na sala de operações, quando o famoso cirurgião entrou, rodeado de colegas brasileiros, e de dois auxiliares alemães, que o acompanhavam na viagem, e apertou-lhe vivamente a mão. Paulo Fernando não apresentava, na fisionomia, o menor sinal de emoção. O rosto escanhoado, o cabelo grisalho e ondulado posto para trás, e os olhos abertos, olhando sem ver: olhos castanhos, ligeiramente saídos, pelo hábito de vir beber a sabedoria aqui fora, e com laivos escuros de sangue, como reminiscência das noites de vigília. Vestia pijama de tricoline branca, de gola caída. As mãos de dedos magros e curtos seguravam as duas bordas da cadeira, como se estivesse à beira de um abismo, e temesse tombar na voragem. Olhos abertos, piscando, Paulo Fernando ouvia, em torno, ordens em alemão, tinir de ferros dentro de uma lata, jorro d'água, e passos pesados ou ligeiros, de desconhecidos. Esses rumores eram, no seu espírito, causa de novas reflexões. Só agora, depois de cego, verificara a sensibilidade da audição, e as suas relações com a alma, através do cérebro. Os passos de um estranho são inteiramente diversos daqueles de uma pessoa a quem se conhece. Cada criatura humana pisa de um modo. Seria capaz de identificar, agora, pelo passo, todos os seus amigos, como se tivesse vista e lhe pusessem diante dos olhos o retrato de cada um deles. E imaginava como seria curioso organizar para os cegos um álbum auditivo, como os de datiloscopia, quando um dos médicos lhe tocou no ombro, dizendo-lhe amavelmente: ― Está tudo pronto... Vamos para a mesa... Dentro de oito dias estará bom. O escritor sorriu, cético. Lido nos filósofos, esperava, indiferente, a cura ou a permanência na treva, não descobrindo nenhuma originalidade no seu castigo e nenhum mérito na sua resignação. Compreendia a inocuidade da esperança e a inutilidade da queixa. Levantou-se, assim, tateando, e, pela mão do médico, subiu na mesa de ferro branco, deitouse ao longo, deixou que lhe pusessem a máscara para o clorofórmio, sentiu que ia ficando leve, aéreo, imponderável. E nada mais soube nem viu. O processo Plateu era constituído por uma aplicação da lei de Roentgen, de que resultou o Raio-X, e que punha em contacto, por meio de delicadíssimos fios de “hêmera”, liga metálica recentemente descoberta, o nervo seccionado. Completava-o uma espécie de parafina 20 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL adaptada ao globo ocular, a qual, posta em contacto direto com a luz, restabelecida integralmente a função desse órgão. Cientificamente, era mais um mistério do que um fato. A verdade, era que as publicações europeias faziam, levianamente ou não, referências constantes às curas miraculosas realizadas pelo cirurgião de Berlim, e que seu nome, em breve, corria o mundo, como o de um dos grandes benfeitores da Humanidade. Meia hora depois as portas da sala de cirurgia do Grande Hospital de Clínicas se reabriam e Paulo Fernando, ainda inerte, voltava, em uma carreta de rodas silenciosas, ao seu quarto de pensionista. As mãos brancas, postas ao longo do corpo, eram como as de um morto. O rosto e a cabeça envoltos em gaze, deixavam à mostra apenas o nariz afilado e a boca entreaberta. E não tinha decorrido outra hora, e já o professor Platen se achava, de novo, a bordo, deixando a recomendação de que não fosse retirada a venda, que pusera no enfermo, antes de duas semanas. Doze dias depois passava ele, de novo, pelo Rio, de regresso para a Europa. Visitou novamente o operado, e deu novas ordens aos enfermeiros. Paulo Fernando sentia-se bem. Recebia visitas, palestrava com os amigos. Mas o resultado da operação só seria verificado três dias mais tarde, quando se retirasse a gaze. O santo estava tão seguro do seu prestígio que ia embora sem esperar pela verificação do milagre. Chega, porém, o dia ansiosamente aguardado pelos médicos, mais do que pelo doente. O Hospital encheu-se de especialistas, mas a direção só permitiu, na sala em que se ia cortar a gaze, a presença dos assistentes do enfermo. Os outros ficaram fora, no salão, para ver o doente, depois da cura. Pelo braço de dois assistentes, Paulo Fernando atravessou o salão. Daqui e dali, vinham-lhe parabéns antecipados, apertos de mão vigorosos, que ele agradecia com um sorriso sem endereço. Até que a porta se fechou, e o doente, sentado em uma cadeira, escutou o estalido da tesoura, cortando a gaze que lhe envolvia o rosto. Duas, três voltas são desfeitas. A emoção é funda, e o silêncio completo, como o de um túmulo. O último pedaço de gaze rola no balde. O médico tem as mãos trêmulas. Paulo Fernando, imóvel, espera a sentença final do Destino. ― Abra os olhos! ― diz o doutor. O operado, olhos abertos, olha em torno. Olha e, em silêncio, muito pálido, vai se pondo de pé. A pupila entra em contacto com a luz, e ele enxerga, distingue, vê. Mas é espantoso o que vê. Vê, em redor, criaturas humanas. Mas essas criaturas não têm vestimentas, não têm carne; são esqueletos apenas; são ossos que se movem, tíbias que andam, caveiras que abrem e fecham as mandíbulas! Os seus olhos comem a carne dos vivos. A sua retina, como os raiosX, atravessa o corpo humano e só se detém na ossatura dos que a cercam, e diante das cousas inanimadas! O médico, à sua frente, é um esqueleto que tem uma tesoura na mão! Outros esqueletos andam, giram, afastam-se, aproximam-se, como um bailado macabro! De pé, os olhos escancarados, a boca aberta e muda, os braços levantados numa atitude de pavor, e de pasmo, Paulo Fernando corre na direção da porta, que adivinha mais do que vê, e abre-a. E o que enxerga, na multidão de médicos e de amigos que o aguardam lá fora, é um turbilhão de espectros, de esqueletos que marcham e agitam os dentes, como se tivessem aberto um ossuário cujos mortos quisessem sair. Solta um grito e recua. Recua, lento, de costa, o espanto estampado na face. Os esqueletos marcham para ele, tentando segurá-lo ― Afastem-se! Afastem-se! ― intima, num urro que faz estremecer a sala toda. E, metendo as unhas no rosto, afunda-as nas órbitas, e arranca, num movimento de desespero, os dois glóbulos ensanguentados, e tomba escabujando no solo, esmagando nas mãos aqueles olhos que comiam carne, e que, devorando macabramente a carne aos vivos, transformavam a vida humana, em torno, em um sinistro baile de esqueletos... 21 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL LOS OJOS QUE COMÍAN CARNE Humberto de Campos (1886 – 1934) Paulo Fernando ocultó el rostro en las manos y se quedó inmóvil, petrificado por la terrible verdad. Estaba ciego. Acababa de cumplirse lo que hacía mucho tiempo que le pronosticaban los médicos. La noticia de aquel terrible infortunio en breve se diseminó por la ciudad, impresionando y conmoviendo a quien la recibía. La muerte de los ojos de aquel hombre de cuarenta años, cuya juventud había sido consumida en la intimidad de un despacho, y cuyos primeros cabellos blancos habían nacido a la luz de las lámparas, delante de las que había pasado ocho mil noches estudiando, llenaba de pena a los más indiferentes a la vida del pensamiento. Era una fuerza creadora que desaparecía. Era una gran máquina que se paraba. Era una antorcha que se extinguía en el medio de la noche, dejando desorientados en la escuridad a aquellos que lo habían tomado por guía. Y fue entonces que, de súbito, y como providencialmente, surgió en la prensa la información de que el profesor Platen, de Berlín, había descubierto el proceso de restituir la vista a los ciegos, siempre y cuando la pupila se conservase íntegra, y se tratase, solamente, de la destrucción o de la pérdida del nervio óptico. Y, con esa información, la de que el eminente oculista pasaría en breve por Río de Janeiro, a fin de realizar una operación de ese género a un opulento terrateniente argentino, que estaba ciego desde hacía seis años y no dudara en cambiar la mitad de su fortuna por la antigua luz de sus ojos. La ceguera de Paulo Fernando, con sus causas y síntomas, se encuadrada con todo el rigor en el proceso del profesor alemán: se había producido por el seccionamiento del nervio óptico. Y era por el restablecimiento de este, por medio de ligaduras artificiales con una composición metálica de su invención, que el sabio de Berlín realizaba su milagro quirúrgico. Muchos esfuerzos fueron empleados, así, para que Platen desembarcase en Río de Janeiro aprovechando su viaje a Buenos Aires. Tres meses después se efectuaba, realmente, ese desembarco. Para no perder tiempo, se encontraba Paulo Fernando, desde la víspera, en el Gran Hospital de las Clínicas. Y se encontraba ya en la sala de operaciones, cuando el famoso cirujano entró, rodeado de colegas brasileños y de sus auxiliares alemanes, que lo acompañaban en el viaje, y le estrechó vivamente la mano. Paulo Fernando no presentaba, en la fisionomía, la menor señal de emoción. El rostro rasurado, el cabello grisáceo y ondulado peinado para atrás, los ojos abiertos, mirando sin ver: ojos castaños, ligeramente salidos, por el hábito de ir a beber la sabiduría fuera, y con manchas oscuras de sangre, como reminiscencia de las noches de vigilia. Vestía pijama de algodón blanco, de cuello bajo. Las manos de dedos flacos y cortos se agarraban a los dos reposabrazos de la silla, como si estuviese al borde de un abismo y temiese despeñarse al precipicio. Ojos abiertos, parpadeando, Paulo Fernando oía, a su alrededor, órdenes en alemán, tilintar de hierros dentro de una lata, un ruido de agua que caía y pasos pesados o ligeros, de desconocidos. Esos rumores eran, en su espíritu, causa de novas reflexiones. Solo ahora, después de quedarse ciego, verificara la sensibilidad de la audición y de sus relaciones con el alma, a través del cerebro. Los pasos de un extraño son totalmente diferentes a los de una persona a la que se conoce. Cada criatura humana pisa de un modo. Sería capaz de identificar ahora, por el paso, a todos sus amigos, como si tuviese vista y le pusieran delante de los ojos el retrato de cada uno de ellos. E imaginaba que sería curioso organizar para los ciegos un álbum auditivo, como los de la dactiloscopia, cuando uno de los médicos le tocó el hombro, diciéndole amablemente: — Está todo listo… Vamos para la mesa… Dentro de ocho días estará curado. El escritor sonrió, escéptico. Al haber leído a los filósofos, esperaba, indiferente, la cura o la permanencia en las tinieblas, sin descubrir ninguna originalidad en su castigo y ningún mérito en su resignación. Comprendía la inocuidad de la esperanza y la inutilidad del lamento. Se levantó así, apalpando, y, por la mano del médico, se subió a la mesa de hierro blanco. Se acostó a lo largo. Dejó que le pusieran la máscara para el cloroformo, sintió que iba quedándose leve, aéreo, imponderable. Y no supo ni vio nada más. El proceso Platen era constituido por una aplicación de la ley de Roentgen, de la que surgieron los rayos X, y que ponía en contacto, por medio de delicadísimos hilos de “hémera”, amalgama metálica recientemente descubierta, el nervio seccionado. Lo completaba una especie de parafina adaptada al globo ocular, la cual, puesta en contacto directo con la luz, 22 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL restablecía integralmente la función de ese órgano. Científicamente, era más un misterio que un hecho. La verdad era que las publicaciones europeas hacían, livianamente o no, referencias constantes a las curaciones milagrosas realizadas por el cirujano de Berlín, y que su nombre, en breve, corría por el mundo, como el de uno de los grandes benefactores de la Humanidad. Media hora después, las puertas de la sala de cirugía del Gran Hospital de Clínicas se reabrían y Paulo Fernando, todavía inerte, regresaba, en un carrito de ruedas silenciosas, a su cuarto. Las manos blancas, colocadas a lo largo del cuerpo, eran como las de un muerto. El rostro y la cabeza envueltos en gasas dejaban entrever únicamente la nariz afilada y la boca entreabierta. Y no había pasado otra hora y ya el profesor Platen se encontraba, de nuevo, a bordo, dejando la recomendación de que no le fuese retirada la venda que había puesto al enfermo, antes de dos semanas. Doce días después pasaba él de nuevo por la ciudad de Río, de regreso a Europa. Visitó nuevamente al operado y dio nuevas órdenes a los enfermeros. Paulo Fernando se sentía bien. Recibía visitas, conversaba con los amigos. Pero el resultado de la operación solamente sería verificado tres días más tarde, cuando se retirasen las gasas. El santo estaba tan seguro de su prestigio que se marchó sin esperar a la verificación del milagro. Llega, sin embargo, el día tan ansiosamente esperado por los médicos, más que por el enfermo. El Hospital se llenó de especialistas, pero la dirección solo permitió, en la sala en la que se iban a cortar las gasas, la presencia de los asistentes del enfermo. Los otros permanecieron fuera, para ver al enfermo después de realizada la cura. Del brazo de dos asistentes, Paulo Fernando atravesó el salón. De aquí y de allí le llegaban las enhorabuenas anticipadas, manos vigorosas que se le estrechaban, que él agradecía con una sonrisa sin dirección. Hasta que la puerta se cerró y el enfermo, sentado en una silla, escuchó el estallido de la tijera, cortando las gasas que le envolvían el rostro. Dos, tres vueltas fueron deshechas. La emoción es profunda y el silencio completo, como el de un túmulo. El último pedazo de gasa cae en el cubo. El médico tiene las manos trémulas. Paulo Fernando, inmóvil, espera la sentencia del Destino — Abra los ojos! — dice el doctor. El operado, con los ojos abiertos, mira alrededor. Mira y, en silencio, muy pálido, se va poniendo en pie. La pupila entra en contacto con la luz y él vislumbra, distingue, ve. Pero es sorprendente lo que ve. Ve, a su alrededor, criaturas humanas. Pero esas criaturas no tienen ropa ni carne. Son esqueletos a penas. ¡Son huesos que se mueven, tibias que andan, calaveras que abren y cierran las mandíbulas! Sus ojos comen la carne de los vivos. ¡Su retina, como los rayos X, atraviesa el cuerpo humano y solo se detiene en los huesos de los que le cercan y delante de las cosas inanimadas! ¡El médico, frente a él, es un esqueleto que tiene una tijera en la mano! ¡Otros esqueletos andan, giran, se alejan, se aproximan, como en una danza macabra! De pie, con los ojos como platos, la boca abierta y muda, los brazos levantados en una actitud de pavor y de asombro, Paulo Fernando corre en la dirección de la puerta, que adivina más de lo que ve, y la abre. Y lo que divisa, en la multitud de médicos y de amigos que lo aguardan fuera, es una multitud de espectros, de esqueletos que marchan y agitan los dientes, como si tuviesen abierto un osario cuyos muertos quisieran salir. Suelta un grito y retrocede. Retrocede, lento, de espalda, con el espanto estampado en el rostro. Los esqueletos se acercan a él, intentando agarrarlo. — ¡Aléjense! ¡Aléjense! — grita, con un rugido que hace estremecer a toda la sala. Y, metiendo las uñas en el rostro, las hunde en las órbitas, y arranca, con un movimiento desesperado, los dos glóbulos ensangrentados y se arroja al suelo, debatiéndose, machacando en las manos aquellos ojos que comían carne, y que, devorando macabramente la carne a los vivos, transformaban la vida humana, en torno suyo, en un siniestro baile de esqueletos… Traducción de Ângelo Brea. 23 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL VAMPIRO Emilia Pardo Bazán (1851 – 1821) Não se falava de outra coisa no país. E que milagre! Acontece todos os dias subir ao altar um setentão com uma menina de quinze anos? Assim, ao pé da letra: Inesinha, sobrinha do padre de Gondelhe, tinha acabado de completar quinze anos e dois meses quando seu próprio tio, na igreja do santuário de Nossa Senhora do Chumbo — distante três léguas de Vila Morta — abençoou sua união com o Sr. Dom Fortunato Gaioso, setenta e sete anos e meio, segundo rezava a sua certidão de batismo. A única exigência de Inesinha era casar-se no santuário. Era devota daquela Virgem e sempre usou o Escapulário de Chumbo, feito de flanela branca e seda azul. E como o noivo não podia — como haveria de poder, o pobrezinho! — subir a pé a encosta íngreme que, da estrada entre Cebre e Vila Morta, leva ao santuário de Chumbo, nem tampouco se sustentar a cavalo, pensou-se que dois fornidos mocetões de Gondelhe, feitos para carregar a enorme cesta de uvas nas vindimas, levariam Dom Fortunato, em cadeirinha de braços, até o templo. Um bom motivo para chacotas! Porém, nos cassinos, boticas e outros círculos, digamos assim, em Vila Morta e Cebre, bem como nos átrios e sacristias das igrejas paroquiais, era preciso concordar que em Gondelhe caçavam-se amplamente baús, e que Inesinha havia tirado o prêmio principal. Quem era, vamos ver, Inesinha? Era uma menina fresca, cheia de vida, com olhos brilhantes e bochechas como rosas; mas — que demônio! — há tantas assim do Sil a Avieiro! Por outro lado, não existe outra fortuna como a de Dom Fortunato em toda a província. E esta seria bem ou mal adquirida, porque os que voltam do outro mundo com tantos milhares de dólares sabe Deus que história escondem entre as duas tampas da sua maleta; só que.... quem se mete a investigar a origem de uma fortuna? As fortunas são como o bom tempo: são desfrutadas e não se indagam as suas causas. Constava, em referências muito autênticas e fidedignas, que o senhor Gaioso trouxera grande soma de dinheiro. Somente na agência do Banco de Áurea Velha deixou depositado, esperando a oportunidade de investir, cerca de dois milhões de reais (em Cebre e Vila Morta A cencerrada era uma manifestação popular burlesca, consistente em barulhentas algazarras, feitas com cencerros (chocalhos de animais que servem de guias para as outras reses), buzinas, panelas e outros 1 ainda se conta em reais). Todos quantos fossem os pedaços de terra que se vendiam do país, Gaioso comprava-os, sem barganhar. Na mesma praça da Constituição de Vila Morta, adquiriu um conjunto de três casas, demolindoas e erguendo nos terrenos um novo e suntuoso edifício. — Não bastariam a esse velho caduco sete palmos de terra? — perguntavam, entre zombeteiros e indignados, os frequentadores do cassino. Imagine-se o que eles acrescentariam quando a estranha notícia do casamento se espalhasse, e quando soubessem que Dom Fortunato não apenas dotou esplendidamente a sobrinha do padre, como também a instituiu herdeira universal. Os berros dos parentes, mais ou menos próximos, do ricaço chegavam ao céu: falou-se de tribunais, loucura senil, confinamento em manicômio. Mas como Dom Fortunato, embora bem acabadinho e seco como uma passa, conservava intactas as suas faculdades, reflexionava e dirigia os seus negócios perfeitamente, foi preciso deixá-lo em paz, confiando o seu castigo à própria loucura. O que não se pôde evitar foi a descomunal cencerrada1. Diante da casa nova, decorada e mobiliada prodigamente, onde os recémcasados já haviam se recolhido, reuniram-se, armados de frigideiras, caçarolas, potes, tripés, latas, corneta e apitos mais de quinhentos vândalos. Alvoroçaram o quanto quiseram sem que nada os detivesse. No prédio, não se entreabriu uma janela, não se filtrou uma luz pelas frestas. Cansados e decepcionados, os pândegos retiraram-se para dormir. Embora estivessem preparados para burlar uma semana inteira, é certo que, já na noite de núpcias, deixaram em paz os noivos e a praça deserta. Entrementes, dentro da bela mansão, abarrotada de ricos móveis e provida de tudo o quando o conforto e o bem-estar podem exigir, a noiva pensou que estava sonhando. Por pouco, a sós, sentiu-se capaz de dançar com prazer. O temor, mais instintivo do que racional, com que se dirigiu ao altar de Nossa Senhora do Chumbo, dissipou-se perante as doces e paternais reflexões do velho marido, que só pedia à sua terna esposa um pouco de apetrechos ruidosos para perturbar o viúvo na primeira noite de núpcias. 24 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL carinho e de calor, os incessantes cuidados de que a velhice extrema necessita. Agora Inesinha entendia o repetido "Não tenha medo, sua boba", o "Case-se em paz", de seu tio, o pároco de Gondelhe. Era um ofício piedoso, era um papel de enfermeira e filha que lhe cabia desempenhar por algum tempo, talvez por muito pouco. A prova de que ela continuava menina eram as duas bonecas enormes, vestidas de seda e renda, que encontrou na penteadeira, muito sérias, com caras de bobas, sentadas no canapé de cetim. Ali não se concebia, nem em hipótese, nem por sonho, que pudessem vir outras crianças além daquelas de fina porcelana. Cuidar do velhinho. Ora, isto sim é o que faria de muito bom grado Inês. Dia e noite — principalmente à noite, que era quando ele precisava, ao seu lado, colado ao seu corpo, de um doce abrigo — ela se comprometia a atendêlo, a não o abandonar um minuto. Pobre senhor! Ele era tão simpático e já tinha o pé direito na cova! O coração de Inesinha comoveu-se: por não ter conhecido pai, imaginou que Deus lhe concedera outro. Ela se comportaria como uma filha, e mais ainda, porque as filhas não prestam cuidados tão íntimos, não oferecem seu calor juvenil, os cálidos eflúvios de seu corpo; e nisto justamente acreditava Dom Fortunato encontrar algum remédio à decrepitude. — O que tenho é frio — repetia —, muito frio, minha querida. A neve de tantos anos coalhada nas veias. Eu te procurei como quem buscava o Sol. Eu me encosto a ti como se me encostasse a uma chama benfazeja em pleno inverno. Aproxima-te, dá-me os teus braços; senão, tiritarei e ficarei gelado imediatamente. Por Deus, mantém-me aquecido. Nada mais te peço. O que o velho calava, o que se mantinha em segredo entre ele e o especialista curandeiro inglês, a quem consultara como último recurso, era a convicção de que, quando posta em contato a sua ancianidade com a fresca primavera de Inesinha, ocorreria uma misteriosa troca. Se as energias vitais da moça, flor de sua robustez, sua intacta provisão de forças deveriam reanimar Dom Fortunato, a decrepitude e o cansaço do ancião lhe seriam comunicados, transmitidos para a jovem pela mistura e troca de hálitos, recolhendo o velho uma aura viva, ardente e pura, e absorvendo a donzela um vapor sepulcral. Sabia Gaioso que Inesinha era a vítima, a ovelha levada para o matadouro; e com o feroz egoísmo dos últimos anos de existência, nos quais tudo se sacrifica no afã de prolongá-la, mesmo que apenas por horas, ele não sentiu nenhuma nesga de compaixão. Agarrava-se a Inês, absorvendo sua saudável respiração, seu hálito perfumado, delicioso, aprisionado na urna de cristal de seus dentes brancos. Aquele era o derradeiro licor, generoso e caro, que comprara, e que bebia para manter-se vivo. E acreditava-se que, fazendo uma incisão no pescoço da menina, e sugandolhe o sangue da veia, ele rejuvenesceria... Sentiase ele capaz de fazê-lo? Ora, ele não pagou pela moça? Bem, Inês era dele. Grande foi o espanto de Vila Morta — maior ainda do que o causado pelo casamento — quando notaram que Dom Fortunato, cujo sepultamento prognosticavam para oito dias, dava sinais de melhoras, até mesmo de rejuvenescimento. Já saía a pé um pouquinho, apoiado primeiro no braço da esposa, depois na bengala, a cada passo mais esguio, com menos tremores nas pernas. Dois ou três meses depois de casado, ele se permitiu ir ao cassino e, depois de meio ano — oh, que maravilha! —, jogou sua partida de bilhar, tirou a sobrecasaca, feito um jovem. Dir-se-ia que lhe inflavam a pele, que lhe injetavam sumos: as faces perdiam as rugas profundas, a sua cabeça se erguia, os olhos já não eram os olhos mortos que se acrescentavam ao crânio. E o médico de Vila Morta, o famoso Tropiezo, repetia com uma espécie de cômico terror: — Que os diabos me levem se não termos aqui um centenário daqueles de que falam os jornais. O mesmo Tropiezo teve que assistir Inesinha em sua longa e lenta enfermidade. Ela morreu — coitadinha de menina! — antes de completar vinte anos. Febre héctica, algo que expressava da maneira mais significativa a ruína de um organismo que dera o seu capital a outrem. Um bom enterro e um bom mausoléu não faltaram para a sobrinha do padre; mas Dom Fortunato está procurando uma noiva. Desta vez, ou ele sai da aldeia ou a cencerrada termina por incendiar-lhe a casa e por arrastá-lo à rua para morrer de uma tremenda sova. Essas coisas não se toleram duas vezes! E Dom Fortunato sorri, mascando com os dentes postiços a ponta de um charuto. Tradução de Paulo Soriano. 25 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL VAMPIRO Emilia Pardo Bazán (1851 – 1821) No se hablaba en el país de otra cosa. ¡Y qué milagro! ¿Sucede todos los días que un setentón vaya al altar con una niña de quince? Así, al pie de la letra: quince y dos meses acababa de cumplir Inesiña, la sobrina del cura de Gondelle, cuando su propio tío, en la iglesia del santuario de Nuestra Señora del Plomo distante tres leguas de Vilamorta - bendijo su unión con el señor don Fortunato Gayoso, de setenta y siete y medio, según rezaba su partida de bautismo. La única exigencia de Inesiña había sido casarse en el santuario; era devota de aquella Virgen y usaba siempre el escapulario del Plomo, de franela blanca y seda azul. Y como el novio no podía, ¡qué había de poder, malpocadiño!, subir por su pie la escarpada cuesta que conduce al Plomo desde la carretera entre Cebre y Vilamorta, ni tampoco sostenerse a caballo, se discurrió que dos fornidos mocetones de Gondelle, hechos a cargar el enorme cestón de uvas en las vendimias, llevasen a don Fortunato a la silla de la reina hasta el templo. ¡Buen paso de risa! Sin embargo, en los casinos, boticas y demás círculos, digámoslo así, de Vilamorta y Cebre, como también en los atrios y sacristías de las parroquiales, se hubo de convenir en que Gondelle cazaba muy largo, y en que a Inesiña le había caído el premio mayor. ¿Quién era, vamos a ver, Inesiña? Una chiquilla fresca, llena de vida, de ojos brillantes, de carrillos como rosas; pero qué demonio, ¡hay tantas así desde el Sil al Avieiro! En cambio, caudal como el de don Fortunato no se encuentra otro en toda la provincia. Él sería bien ganado o mal ganado, porque esos que vuelven del otro mundo con tantísimos miles de duros, sabe Dios qué historia ocultan entre las dos tapas de la maleta; solo que… ¡pchs!, ¿quién se mete a investigar el origen de un fortunón? Los fortunones son como el buen tiempo: se disfrutan y no se preguntan sus causas. Que el señor Gayoso se había traído un platal, constaba por referencias muy auténticas y fidedignas; solo en la sucursal del Banco de Auriabella dejaba depositados, esperando ocasión de invertirlos, cerca de dos millones de reales (en Cebre y Vilamorta se cuenta por reales aún). Cuantos pedazos de tierra se vendían en el país, sin regatear los compraba Gayoso; en la misma plaza de la Constitución de Vilamorta había adquirido un grupo de tres casas, derribándolas y alzando sobre los solares nuevo y suntuoso edificio. —¿No le bastarían a ese viejo chocho siete pies de tierra? —preguntaban entre burlones e indignos los concurrentes al Casino. Júzguese lo que añadirían al difundirse la extraña noticia de la boda, y al saberse que don Fortunato, no sólo dotaba espléndidamente a la sobrina del cura, sino que la instituía heredera universal. Los berridos de los parientes, más o menos próximos, del ricachón, llegaron al cielo: hablose de tribunales, de locura senil, de encierro en el manicomio. Mas como don Fortunato, aunque muy acabadito y hecho una pasa seca, conservaba íntegras sus facultades y discurría y gobernaba perfectamente, fue preciso dejarle, encomendando su castigo a su propia locura. Lo que no se evitó fue la cencerrada monstruo. Ante la casa nueva, decorada y amueblada sin reparar en gastos, donde se habían recogido ya los esposos, juntáronse, armados de sartenes, cazos, trípodes, latas, cuernos y pitos, más de quinientos bárbaros. Alborotaron cuanto quisieron sin que nadie les pusiese coto; en el edificio no se entreabrió una ventana, no se filtró luz por las rendijas: cansados y desilusionados, los cencerreadores se retiraron a dormir ellos también. Aun cuando estaban conchavados para cencerrar una semana entera, es lo cierto que la noche de tornaboda ya dejaron en paz a los cónyuges y en soledad la plaza. Entre tanto, allá dentro de la hermosa mansión, abarrotada de ricos muebles y de cuanto pueden exigir la comodidad y el regalo, la novia creía soñar; por poco, y a sus solas, capaz se sentía de bailar de gusto. El temor, más instintivo que razonado, con que fue al altar de Nuestra Señora del Plomo, se había disipado ante los dulces y paternales razonamientos del anciano marido, el cual sólo pedía a la tierna esposa un poco de cariño y de calor, los incesantes cuidados que necesita la extrema vejez. Ahora se explicaba Inesiña los reiterados «No tengas miedo, boba»; los «Cásate tranquila», de su tío el abad de Gondelle. Era un oficio piadoso, era un papel de enfermera y de hija el que le tocaba desempeñar por algún tiempo…, acaso por muy poco. La prueba de que seguiría siendo chiquilla, eran las dos muñecas enormes, vestidas de sedas y encajes, que encontró en su tocador, muy graves, con caras de tontas, sentadas en el confidente de raso. Allí no se concebía, ni en hipótesis, ni por 26 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL soñación, que pudiesen venir otras criaturas más que aquellas de fina porcelana. ¡Asistir al viejecito! Vaya: eso sí que lo haría de muy buen grado Inés. Día y noche — la noche sobre todo, porque era cuando necesitaba a su lado, pegado a su cuerpo, un abrigo dulce se comprometía a atenderle, a no abandonarle un minuto. ¡Pobre señor! ¡Era tan simpático y tenía ya tan metido el pie derecho en la sepultura! El corazón de Inesiña se conmovió: no habiendo conocido padre, se figuró que Dios le deparaba uno. Se portaría como hija, y aún más, porque las hijas no prestan cuidados tan íntimos, no ofrecen su calor juvenil, los tibios efluvios de su cuerpo; y en eso justamente creía don Fortunato encontrar algún remedio a la decrepitud. «Lo que tengo es frío – repetía –, mucho frío, querida; la nieve de tantos años cuajada ya en las venas. Te he buscado como se busca el sol; me arrimo a ti como si me arrimase a la llama bienhechora en mitad del invierno. Acércate, échame los brazos; si no, tiritaré y me quedaré helado inmediatamente. Por Dios, abrígame; no te pido más». Lo que se callaba el viejo, lo que se mantenía secreto entre él y el especialista curandero inglés a quien ya como en último recurso había consultado, era el convencimiento de que, puesta en contacto su ancianidad con la fresca primavera de Inesiña, se verificaría un misterioso trueque. Si las energías vitales de la muchacha, la flor de su robustez, su intacta provisión de fuerzas debían reanimar a don Fortunato, la decrepitud y el agotamiento de éste se comunicarían a aquélla, transmitidos por la mezcla y cambio de los alientos, recogiendo el anciano un aura viva, ardiente y pura y absorbiendo la doncella un vaho sepulcral. Sabía Gayoso que Inesiña era la víctima, la oveja traída al matadero; y con el feroz egoísmo de los últimos años de la existencia, en que todo se sacrifica al afán de prolongarla, aunque sólo sea horas, no sentía ni rastro de compasión. Agarrábase a Inés, absorbiendo su respiración sana, su hálito perfumado, delicioso, preso en la urna de cristal de los blancos dientes; aquel era el postrer licor generoso, caro, que compraba y que bebía para sostenerse; y si creyese que haciendo una incisión en el cuello de la niña y chupando la sangre en la misma vena se remozaba, sentíase capaz de realizarlo. ¿No había pagado? Pues Inés era suya. Grande fue el asombro de Vilamorta — mayor que el causado por la boda aún - cuando notaron que don Fortunato, a quien tenían pronosticada a los ocho días la sepultura, daba indicios de mejorar, hasta de rejuvenecerse. Ya salía a pie un ratito, apoyado primero en el brazo de su mujer, después en un bastón, a cada paso más derecho, con menos temblequeteo de piernas. A los dos o tres meses de casado se permitió ir al casino, y al medio año, ¡oh maravilla!, jugó su partida de billar, quitándose la levita, hecho un hombre. Diríase que le soplaban la piel, que le inyectaban jugos: sus mejillas perdían las hondas arrugas, su cabeza se erguía, sus ojos no eran ya los muertos ojos que se sumen hacia el cráneo. Y el médico de Vilamorta, el célebre Tropiezo, repetía con una especie de cómico terror: — Mala rabia me coma si no tenemos aquí un centenario de esos de quienes hablan los periódicos. El mismo Tropiezo hubo de asistir en su larga y lenta enfermedad a Inesiña, la cual murió - ¡lástima de muchacha! - antes de cumplir los veinte. Consunción, fiebre hética, algo que expresaba del modo más significativo la ruina de un organismo que había regalado a otro su capital. Buen entierro y buen mausoleo no le faltaron a la sobrina del cura; pero don Fortunato busca novia. De esta vez, o se marcha del pueblo, o la cencerrada termina en quemarle la casa y sacarle arrastrando para matarle de una paliza tremenda. ¡Estas cosas no se toleran dos veces! Y don Fortunato sonríe, mascando con los dientes postizos el rabo de un puro. 27 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O HOMEM MORTO Lopoldo Lugones (1874 – 1938) A aldeota em que paramos com os nossos carros, após um demorado trabalho de agrimensura em áreas despovoadas, contava com um estranho homem louco, cuja demência consistia em acreditar-se morto. Ali chegara há vários meses, sem querer dizer de onde viera, e pedindo encarecidamente que o considerassem defunto. Não é preciso dizer que ninguém pôde satisfazer ao seu desejo. E por mais que muitos, ante o seu desespero, simulassem tratar com um homem morto, tal não fazia senão multiplicar os seus padecimentos. Ele não deixou de se apresentar a nós assim que chegamos para implorar-nos, com uma desolada resignação, que realmente nos causava dó, que acreditássemos naquela impossibilidade. Assim fazia ele com os viajantes que, de tempos em tempos, passavam pelo lugarejo. Era um tipo extraordinariamente magro, de barba amarelada, envolto em andrajos: um demente qualquer. Mas o agrimensor seduziu-se pelo alienismo e não desperdiçou a ocasião de interrogar o curioso personagem. Este se deu conta, ato contínuo, daquilo a que o meu amigo se propunha, e abreviou preâmbulos com uma clareza de expressão que, por todos os conceitos, contrastava com o seu visível estado de espírito. – Mas eu não sou louco – disse com uma notável calma, que mal escondia, não obstante, o seu doloroso pessimismo. – Eu não sou louco e estou morto, efetivamente, há trinta anos. Claro. Para que morri? Meu amigo deu-me uma piscadela dissimulada. Aquilo prometia. – Sou nativo de tal lugar, chamo-me fulano de tal, tenho família lá em... (De minha parte, omito estas referências, pois não quero constranger pessoas viventes e próximas.) – Padecia de desmaios tão semelhantes à morte que, depois de sobressaltar as pessoas até o espanto, ultimaram por infundir em todos a convicção de que eu não morreria disto. Alguns doutores ratificaram tal opinião com toda a sua ciência. Parece que eu tinha a solitária. “Certa feita, contudo, após um desses desmaios, sucumbi. E aqui começa a história de meu tormento, de minha loucura. “A incredulidade unânime quanto à minha morte não me deixava morrer. Perante à natureza, eu estava e estou morto. Mas, para que isto seja humanamente real, faz-se necessário uma vontade que o permita. Apenas uma. “Voltei de meu desmaio pelo hábito material de voltar. Mas como ser pensante, como ente, eu não existo. E não há língua humana que consiga descrever esta tortura. A sede do nada é uma coisa horrível.” Dizia isto com naturalidade, num tom de veracidade que dava medo. – A sede do nada! E o pior é que não posso dormir. Trinta anos acordado. Trinta anos de eterna presença ante as coisas e ante meu não ser. Na aldeia, já se sabia de tudo isto de cor. Tornaram-se triviais as suas reiteradas tentativas de obrigar as pessoas a acreditarem na sua morte. Tinha ele o costume de dormir entre quatro velas. Passava longa horas imóvel no meio do campo, com o rosto coberto de terra. Tais narrativas interessaram-nos extremamente. Mas quando nos dispúnhamos a metodizar nossa observação, sobreveio um desenlace inesperado. Dois peões, que deviam nos alcançar naquele local, chegaram na noite do terceiro dia com várias mulas que haviam ficado para trás. Não percebemos a sua chegada, adormecido que estávamos, quando de repente fomos despertados pelos seus gritos. O louco dormia na cozinha de nosso albergue, ou aparentava dormir ente suas velas habituais – a única esmola que aceitara de nós. Não chegava a dois metros a distância entre a porta onde se detiveram os peões, coibidos por aquele espetáculo, e o homem que simulava o sono. Um cobertor cobria-o até o peito. Seus pés despontavam na outra extremidade. – Um morto! – balbuciaram quase ao mesmo tempo. Acreditavam-no realmente morto. Ouviram algo parecido com um sopro amortecido de um odre que se desinfla. O cobertor se aplanou como se nada houvesse sob ele, ao passo em que as partes visíveis – cabeça e pés – convolaram-se bruscamente em esqueleto. O grito que lançaram nos pôs em dois saltos diante do colchão de palha. Tiramos o cobertor com um arrepio mortal. Ali, entre os farrapos, repousavam, sem o mínimo resquício de umidade, sem a mínima partícula de carne, ossos velhíssimos, aos quais aderia uma pele ressecada. Tradução de Paulo Soriano. 28 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL HOBRE MUERTO Leopoldo Lugones (1874 – 1938) La aldeíta donde nos detuvimos con nuestros carros, después de efectuar por largo tiempo una mensura en el despoblado, contaba con un loco singular, cuya demencia consistía en creerse muerto. Había llegado allí varios meses atrás, sin querer referir su procedencia, y pidiendo con encarecimiento desesperado que le consideraran difunto. De más está decir que nadie pudo deferir a su deseo; por más que muchos, ante su desesperación, simularan y aquello no hacía sino multiplicar sus padecimientos. No dejó de presentarse ante nosotros, tan pronto como hubimos llegado, para imploramos con una desolada resignación, que positivamente daba lástima, la imposible creencia. Así lo hacía con los viajeros que, de tarde en tarde, pasaban por el lugarejo. Era un tipo extraordinariamente flaco, de barba amarillosa, envuelto en andrajos, un demente cualquiera; pero el agrimensor resultó afecto al alienismo, y no desperdició la ocasión de interrogar al curioso personaje. Este se dio cuenta, acto continuo, de lo que mi amigo se proponía, y abrevió preámbulos con una nitidez de expresión, por todos conceptos discorde con su catadura. — Pero yo no soy loco - dijo con una notable calma, que mal velaba, no obstante, su doloroso pesimismo-. Yo no soy loco, y estoy muerto, efectivamente, hace treinta años. Claro. ¿Para qué me morí? Mi amigo me guiñó disimuladamente. Aquello prometía. — Soy nativo de tal punto, me llamo Fulano de Tal, tengo familia allá… (Por mi parte, callo estas referencias, pues no quiero molestar a personas vivientes y próximas.) — Padecía de desmayos, tan semejantes a la muerte, que después de alarmar hasta el espanto, concluyeron por infundir a todos la convicción de que yo no moriría de eso. Unos doctores lo certificaron con toda su ciencia. Parece que tenía la solitaria. “Cierta vez, sin embargo, en uno de esos desmayos, me quedé. Y aquí empieza la historia de mi tormento; de mi locura… “La incredulidad unánime de todos, respecto a mi muerte, no me dejaba morir. Ante la naturaleza, yo estaba y estoy muerto. Mas para que esto sea humanamente efectivo, necesito una voluntad que difiera. Una sola. “Volví de mi desmayo por hábito material de volver; pero yo como ser pensante, yo como entidad, no existo. Y no hay lengua humana que alcance a describir esta tortura. La sed de la nada es una cosa horrible.” Decía aquello sencillamente, con un acento tal de verdad, que daba miedo. — ¡La sed de la nada! Y lo peor es que no puedo dormir. ¡Treinta años despierto! ¡Treinta años en eterna presencia ante las cosas y ante mi no ser! En la aldea habían concluido por saber aquello de memoria. Pasaron a ser vulgares sus reiteradas tentativas para obligarlos a creer en su muerte. Tenía la costumbre de dormir entre cuatro velas. Pasaba largas horas inmóvil en medio del campo, con la cara cubierta de tierra. Tales narraciones nos interesaron en extremo; mas cuando nos disponíamos a metodizar nuestra observación, sobrevino un desenlace inesperado. Dos peones que debían alcanzarnos en aquel punto arribaron la noche del tercer día con varias mulas rezagadas. No los sentimos llegar, dormidos como estábamos, cuando de pronto nos despertaron sus gritos. He aquí lo que había sucedido. El loco dormía en la cocina de nuestro albergue, o aparentaba dormir entre sus velas habituales - la única limosna que nos había aceptado. No mediaban dos metros entre la puerta donde se detuvieron cohibidos por aquel espectáculo, y el simulador. Una manta le cubría hasta el pecho. Sus pies aparecían por el otro extremo. — ¡Un muerto! —balbucearon casi en un tiempo. Habían creído en la realidad. Oyeron algo parecido al soplo mate de un odre que se desinfla. La manta se aplastó como si nada hubiera debajo, al paso que las partes visibles - cabeza y pies - trocáronse bruscamente en esqueleto. El grito que lanzaron púsonos en dos saltos ante el jergón. Tiramos de la manta con un erizamiento mortal. Allá, entre los harapos, reposaban sin el más mínimo rastro de humedad, sin la más mínima partícula de carne, huesos viejísimos a los cuales adhería un pellejo reseco. 29 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL À DERIVA Horacio Quiroga (1878 – 1937) O homem pisou algo esbranquiçado e, em seguida, sentiu a picadura no pé. Deu um salto e, ao voltar-se com um palavrão, viu uma jararacuçu que, enrodilhada, preparava um novo bote. O homem deu uma olhadela no pé, onde duas gotinhas de sangue se esforçavam em engrossar, e sacou o facão da cintura. A serpente viu a ameaça e afundou ainda mais a cabeça no centro de sua espiral; mas o facão caiu sobre ela, segregando-lhe as vértebras. O homem abaixou-se à mordedura, limpou as gotinhas de sangue e, durante um instante, examinou a ferida. Uma dor aguda brotava dos pontinhos violáceos e começava a invadir todo o pé. Apressadamente, atou com um lenço o tornozelo e seguiu pela picada até a fazenda. A dor no pé aumentava com a sensação de um inchaço tenso e, de repente, o homem sentiu três fulgurantes pontadas que, como relâmpagos, irradiavam-se a partir da ferida e subiam até a metade da panturrilha. Movia a perna com dificuldade. Uma secura metálica na garganta, seguida de uma sede ardente, lhe arrancou um novo palavrão. Finalmente chegou à fazenda e lançou os braços à roda de um moinho. Os dois pontinhos violáceos agora desapareciam na monstruosa inchação de todo o pé. A pele parecia adelgaçada e a ponto de ceder, de tão esticada que estava. Quis chamar a mulher, mas a voz rebentou num ronco arrastado de garganta seca. A sede o devorava. ― Dorotea! ― consegui gritar num estertor. ― Dê-me cachaça! A mulher correu-lhe com um copo cheio, que o homem sorveu em três tragos. Mas não havia sentido gosto nenhum. ― Eu lhe pedi cachaça, não água! ― rugiu de novo. ― Dê-me cachaça! ― Mas é cachaça, Paulino! ― respondeu a esposa, espantada. ― Não! Você me trouxe água! Eu quero cachaça, já lhe disse! A mulher correu outra vez, voltando com a moringa. O homem tragou, um após o outro, mais dois copos. Contudo, nada sentiu na garganta. ― Bem, isto está horrível ― murmurou, olhando para o pé lívido, já tomado de um brilho gangrenoso. Sobre a funda atadura do tornozelo, a carne desbordava como um grande chouriço. As dores fulgurantes se sucediam em contínuos relâmpagos, e chegavam agora à virilha. A atroz secura da garganta, que a respiração parecia afoguear ainda mais, aumentava a olhos vistos. Quando tentou se erguer, um vômito fulminante o manteve meio minuto com a testa encostada à moenda. Mas o homem não queria morrer. Então, descendo à beira do rio, embarcou na canoa. Sentando-se à popa, pôs-se a remar até o meio do Paraná. Ali, a corrente, nas imediações do Iguaçu, percorre seis milhas e ela o levaria em menos de cinco horas a Tacurú-Pucú. O homem, com um ímpeto sombrio, pôde mesmo chegar ao meio do rio; mas, ali, as suas mãos dormentes deixaram cair o remo na canoa e, depois de um novo vômito ― desta vez, de sangue ―, elevou o olhar para o Sol, que já transpunha a mata. Até a metade da coxa, toda a perna era um bloco disforme e duríssimo, que rebentava a roupa. O homem cortou a atadura e abriu a calça com a faca: o baixo-ventre desbordou inchado, terrivelmente doloroso, com grandes manchas lívidas. O homem estimou que não mais poderia chegar sozinho a Tacarú-Pacú e decidiu pedir ajuda a seu compadre Alves, com quem estava intrigado há muito tempo. Agora, a corrente do rio precipitava-se até a banda brasileira, e o homem pôde atracar sem dificuldades. Arrastou-se na picada margem acima, mas, a uns vinte metros, exausto, ficou estendido de peito. ― Alves! ― gritou com as forças que pôde. E assuntou em vão. 30 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL ― Compadre Alves! Não me negue este favor! ― gritou novamente, erguendo a cabeça. No silêncio da floresta, não ouviu um ruído sequer. O homem teve ainda coragem para chegar à canoa, e a corrente, arrebatando-a de novo, velozmente levou-a à deriva. Ali, o Paraná afunda num imenso cânion, cujas paredes, elevando-se uns cem metros, represam funebremente o rio. A partir das margens orladas de negros blocos de basalto, ergue-se a floresta, igualmente negra. Mais adiante, nos flancos e por detrás, erige-se a eterna muralha lúgubre, em cujo fundo o rio, rodopiante, se precipita, em incessantes borbulhas de água lodosa. A paisagem é agressiva e nela reina um silêncio de morte. Mas, ao entardecer, aquela beleza ― sombria e calma ― adquire uma singular majestade. O Sol já havia caído quando o homem, meio estendido no fundo da canoa, experimentou um violento calafrio. E, de repente, num sobressalto, aprumou pesadamente a cabeça; sentia-se melhor. Somente lhe doía a perna, a sede diminuía e o seu peito, agora livre, se abria em lenta inspiração. O veneno começava a esvair-se, não havia dúvida. Achava-se quase bem e, embora não tivesse força para mover a mão, contava com a descida do orvalho para recompor-se de todo. Calculou que antes de três horas estaria em Tacurú-Pucú. O bem-estar avançava e, com ele, uma sonolência cheia de recordações. Já não sentia 2 nada, na perna ou no ventre. O seu compadre Gaona viveria ainda em Tacurú-Pacú? Será que veria também Mr. Dougald, o seu ex-patrão, e o receptor de madeira do obraje2? Chegaria logo? O céu, no poente, se abria agora num abajur de ouro, e o rio dourava, também. Na costa paraguaia, já entenebrecida, a mata deixava cair sobre o rio a sua frescura crepuscular, em penetrantes eflúvios de flores cítricas e mel silvestre. Um casal de araras sobrevoou bem alto e silenciosamente, rumo ao Paraguai. Lá embaixo, sobre o rio de ouro, a canoa derivava velozmente, girando ocasionalmente em torno de si mesma, ante o borbotão de um redemoinho. O homem que seguia nela se sentia cada vez melhor, enquanto pensava no exato tempo que havia passado sem ver o seu ex-patrão Dougald. Três anos? Talvez não, não tanto. Dois anos e nove meses? Talvez. Oito meses e meio? Isto mesmo, seguramente. De repente, sentiu que estava gelado até o peito. O que seria isso? E a respiração... Havia conhecido o receptor de madeiras de Mr. Dougalad, Lorenzo Cubilla, em Puerto Esperanza, numa Sexta-feira Santa... Sextafeira? Sim, ou fora numa quinta?... O homem esticou lentamente os dedos da mão. ― Numa quinta-feira... E parou de respirar. Tradução de Paulo Soriano. Estabelecimento de exploração florestal. 31 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A LA DERIVA Horacio Quiroga (1878 – 1937) El hombre pisó algo blanduzco, y en seguida sintió la mordedura en el pie. Saltó adelante, y al volverse con un juramento vio una yararacusú que arrollada sobre sí misma esperaba otro ataque. El hombre echó una veloz ojeada a su pie, donde dos gotitas de sangre engrosaban dificultosamente, y sacó el machete de la cintura. La víbora vio la amenaza, y hundió más la cabeza en el centro mismo de su espiral; pero el machete cayó de lomo, dislocándole las vértebras. El hombre se bajó hasta la mordedura, quitó las gotitas de sangre, y durante un instante contempló. Un dolor agudo nacía de los dos puntitos violetas, y comenzaba a invadir todo el pie. Apresuradamente se ligó el tobillo con su pañuelo y siguió por la picada hacia su rancho. El dolor en el pie aumentaba, con sensación de tirante abultamiento, y de pronto el hombre sintió dos o tres fulgurantes puntadas que como relámpagos habían irradiado desde la herida hasta la mitad de la pantorrilla. Movía la pierna con dificultad; una metálica sequedad de garganta, seguida de sed quemante, le arrancó un nuevo juramento. Llegó por fin al rancho, y se echó de brazos sobre la rueda de un trapiche. Los dos puntitos violeta desaparecían ahora en la monstruosa hinchazón del pie entero. La piel parecía adelgazada y a punto de ceder, de tensa. Quiso llamar a su mujer, y la voz se quebró en un ronco arrastre de garganta reseca. La sed lo devoraba. — ¡Dorotea! - alcanzó a lanzar en un estertor -. ¡Dame caña! Su mujer corrió con un vaso lleno, que el hombre sorbió en tres tragos. Pero no había sentido gusto alguno. —¡Te pedí caña, no agua! -rugió de nuevo. ¡Dame caña! —¡Pero es caña, Paulino! - protestó la mujer espantada. —¡No, me diste agua! ¡Quiero caña, te digo! La mujer corrió otra vez, volviendo con la damajuana. El hombre tragó uno tras otro dos vasos, pero no sintió nada en la garganta. —Bueno; esto se pone feo - murmuró entonces, mirando su pie lívido y ya con lustre gangrenoso. Sobre la honda ligadura del pañuelo, la carne desbordaba como una monstruosa morcilla. Los dolores fulgurantes se sucedían en continuos relampagueos, y llegaban ahora a la ingle. La atroz sequedad de garganta que el aliento parecía caldear más, aumentaba a la par. Cuando pretendió incorporarse, un fulminante vómito lo mantuvo medio minuto con la frente apoyada en la rueda de palo. Pero el hombre no quería morir, y descendiendo hasta la costa subió a su canoa. Sentóse en la popa y comenzó a palear hasta el centro del Paraná. Allí la corriente del río, que en las inmediaciones del Iguazú corre seis millas, lo llevaría antes de cinco horas a TacurúPucú. El hombre, con sombría energía, pudo efectivamente llegar hasta el medio del río; pero allí sus manos dormidas dejaron caer la pala en la canoa, y tras un nuevo vómito —de sangre esta vez — dirigió una mirada al sol que ya trasponía el monte. La pierna entera, hasta medio muslo, era ya un bloque deforme y durísimo que reventaba la ropa. El hombre cortó la ligadura y abrió el pantalón con su cuchillo: el bajo vientre desbordó hinchado, con grandes manchas lívidas y terriblemente doloroso. El hombre pensó que no podría jamás llegar él solo a Tacurú-Pucú, y se decidió a pedir ayuda a su compadre Alves, aunque hacía mucho tiempo que estaban disgustados. La corriente del río se precipitaba ahora hacia la costa brasileña, y el hombre pudo fácilmente atracar. Se arrastró por la picada en cuesta arriba, pero a los veinte metros, exhausto, quedó tendido de pecho. — ¡Alves! — gritó con cuanta fuerza pudo; y prestó oído en vano. — ¡Compadre Alves! ¡No me niegue este favor! -clamó de nuevo, alzando la cabeza del suelo. En el silencio de la selva no se oyó un solo rumor. El hombre tuvo aún valor para llegar hasta su canoa, y la corriente, cogiéndola de nuevo, la llevó velozmente a la deriva. El Paraná corre allí en el fondo de una inmensa hoya, cuyas paredes, altas de cien metros, encajonan fúnebremente el río. Desde las orillas bordeadas de negros bloques de basalto, asciende el bosque, negro también. Adelante, a los costados, detrás, la eterna muralla lúgubre, en cuyo fondo el río arremolinado se precipita en incesantes borbollones de agua fangosa. El paisaje es 32 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL agresivo, y reina en él un silencio de muerte. Al atardecer, sin embargo, su belleza sombría y calma cobra una majestad única. El sol había caído ya cuando el hombre, semitendido en el fondo de la canoa, tuvo un violento escalofrío. Y de pronto, con asombro, enderezó pesadamente la cabeza: se sentía mejor. La pierna le dolía apenas, la sed disminuía, y su pecho, libre ya, se abría en lenta inspiración. El veneno comenzaba a irse, no había duda. Se hallaba casi bien, y aunque no tenía fuerzas para mover la mano, contaba con la caída del rocío para reponerse del todo. Calculó que antes de tres horas estaría en Tacurú-Pucú. El bienestar avanzaba, y con él una somnolencia llena de recuerdos. No sentía ya nada ni en la pierna ni en el vientre. ¿Viviría aún su compadre Gaona en Tacurú-Pucú? Acaso viera también a su ex patrón míster Dougald, y al recibidor del obraje. ¿Llegaría pronto? El cielo, al poniente, se abría ahora en pantalla de oro, y el río se había coloreado también. Desde la costa paraguaya, ya entenebrecida, el monte dejaba caer sobre el río su frescura crepuscular, en penetrantes efluvios de azahar y miel silvestre. Una pareja de guacamayos cruzó muy alto y en silencio hacia el Paraguay. Allá abajo, sobre el río de oro, la canoa derivaba velozmente, girando a ratos sobre sí misma ante el borbollón de un remolino. El hombre que iba en ella se sentía cada vez mejor, y pensaba entretanto en el tiempo justo que había pasado sin ver a su ex patrón Dougald. ¿Tres años? Tal vez no, no tanto. ¿Dos años y nueve meses? Acaso. ¿Ocho meses y medio? Eso sí, seguramente. De pronto sintió que estaba helado hasta el pecho. ¿Qué sería? Y la respiración también... Al recibidor de maderas de míster Dougald, Lorenzo Cubilla, lo había conocido en Puerto Esperanza un viernes santo... ¿Viernes? Sí, o jueves... El hombre estiró lentamente los dedos de la mano. —Un jueves... Y cesó de respirar. 33 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL NOSSOS CONTOS/NUESTROS CUENTOS PERIGO IMINENTE Ricardo Manzanaro Juan se envolveu num grosso casaco para mitigar o frio polar. Tinha que se apressar. Observou que o capitão, que estava na direção do navio, conversava calmamente com um outro tripulante, alheio ao enorme obstáculo que se aproximava. Juan entrou como uma bala na cabine. Os outros dois, surpresos com a súbita aparição, demoraram a reagir. Já se levantavam para deter Juan quando... Lá estava o iceberg! Juan se lançou ao leme e deu-lhe um forte tapa que fez o navio desviar-se bruscamente. O transatlântico evitou, por minguados metros, o bloco de gelo, livrando-se de colidir e soçobrar até afundar. Então, alguns dias depois, o Titanic voltou ao porto, ileso, embora com alguns passageiros machucados por conta da guinada. Juan, satisfeito, pensou: “Salvei o Titanic”. Ainda em seu camarote, apertou um botão em um dispositivo que usava no pulso e sumiu de lá. Surgiu, então, em sua casa. Feliz e satisfeito com a aventura, dedicou-se a consultar o catálogo de “Viagens Paralelas S.A.”. Momentos depois, decidiu-se pela seguinte escapada alternativa: “Viaje a Dallas e evite que Kennedy seja assassinado. O preço inclui uma câmera que filmará a aventura, para que você possa, depois, mostrar aos seus amigos como salvou Kennedy”. Tradução de Paulo Soriano. PELIGRO INMINENTE Ricardo Manzanaro Juan se enfundó un grueso abrigo para mitigar el frío polar. Tenía que darse prisa. Observó que el capitán que estaba al mando de la nave charlaba relajadamente con otro de los operarios, ajeno al enorme obstáculo al que se acercaban. Juan entró como una bala en la cabina. Los otros dos, sorprendidos por la súbita aparición, tardaron un poco en reaccionar. Ya se levantaban para detener a Juan cuando… ¡Ahí estaba el iceberg! Juan se lanzó al timón y le dio un fuerte manotazo que hizo virar bruscamente la nave. El transatlántico evitó por escasos metros el bloque de hielo, librándose de chocar y zozobrar hasta hundirse. Luego, a los pocos días, el Titanic regresaba al puerto, indemne, aunque con algunos pasajeros magullados por el tortazo. Juan, satisfecho, pensaba: «He salvado el Titanic». Aún en su camarote, apretó un botón de un dispositivo que portaba en su muñeca, y desapareció de allí. Surgió entonces en su domicilio. Feliz y contento tras la aventura, se dedicó a mirar el catálogo de «Viajes Paralelos S.A.». Un rato después se decidió por la siguiente escapada alternativa: «Viaje a Dallas y evite que Kennedy sea asesinado. El precio incluye un cámara que rodará la aventura, para que luego pueda enseñar a sus amigos cómo salvó a Kennedy». 34 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O ÚLTIMO ATO MACABRO DE EDGAR ALLAN POE Marcelo Medone Peter Orson Elsworth sempre acreditou na história que seu pai, Patrick Oswald Elsworth, lhe contara sobre suas iniciais POE serem devidas a um tributo familiar ao famoso escritor Edgar Allan Poe. Até mesmo seu avô, Percival Oliver Elsworth, seguiu a regra. Que o pai fosse fã do autor do poema “O corvo” e dos contos “O poço e o pêndulo”, “O barril de Amontilhado” e “A queda da casa de Usher”, estava fora de questão. Ele tinha obtido cada um de seus livros, com histórias de crime, ficção científica e terror, seus poemas, ensaios, artigos de jornal e até mesmo seu único romance, “A narrativa de Arthur Gordon Pym”. Dono de uma fortuna apreciável, Patrick Elsworth havia construído uma residência no estilo da abadia fortificada do Príncipe Próspero em “A máscara da Morte Rubra”, com seus sete quartos pintados e decorados em cores diferentes, seguindo o padrão da história: azul, púrpura, verde, laranja, branco, roxo e preto. Na sala ele tinha um corvo e um gato preto embalsamados, uma caixa de vidro com um besouro dourado com manchas pretas incomuns e um retrato oval “de uma jovem de rara beleza, cheia de encantos e alegria”. A peça central de sua exibição foi “um orangotango muito grande de pelagem castanho-amarelada e da espécie de Bornéu”, também embalsamado, com uma placa que anunciava: “Rue Morgue, quartier SaintRoch”. Em seu quarto montou cenário para uma de suas histórias favoritas: “O coração delator”. Ele levantou as tábuas do assoalho e escondeu sob elas um verdadeiro coração humano mumificado, que obteve de um funcionário do necrotério judicial que não lhe fez perguntas quando lhe ofereceu quinhentos dólares pela peça anatômica. Seu museu pessoal também se estendia até o porão de sua casa. Patrick tinha uma caixa funerária com uma múmia, uma caveira pregada a um galho e uma caixa retangular etiquetada “Dona Adelaide Curtis, Albany, Nova York, remessa Cornelius Wyatt, Esq. Este lado para cima. Trate-se com cuidado” ao lado de uma boia salva-vidas com o nome "Independence" gravado, como na história “A caixa oblonga”. Dentro da caixa estava o cadáver de uma jovem preservado em sal; não se sabe se foi verdade ou se foi um truque muito convincente. Além disso, no meio do porão havia um poço e um pêndulo transformado em machado oscilante. Além de tudo, ele tinha uma coleção de barris de amontilhado, empilhados contra uma parede de tijolos inacabada. Patrick disse a pequeno Peter que eles eram descendentes não reconhecidos de E. A. Poe. De acordo com sua versão, o escritor teve um filho ilegítimo com uma prostituta na Filadélfia, com quem ele iniciou um breve relacionamento no momento da publicação de seu “Manuscrito encontrado numa garrafa”. Na época, Edgar tinha 23 anos. Quatro anos depois, ele se casaria com sua prima de 13 anos, Virginia Clemm, que morreu depois de dois anos de tuberculose. Virginia e Edgar nunca tiveram filhos. Aos 40 anos, o pai de Peter, convencido de que ele era o alter ego de Edgar Allan Poe, suicidou-se ao consumir uma overdose de morfina, tentando imitar o escritor que vivia viciado em ópio e álcool. Edgar Allan Poe morreu precisamente aos 40 anos. Após a morte de seu pai, o jovem Peter Orson Elsworth também sucumbiu à maldição da família, tornando-se ainda mais obcecado pelo infeliz escritor. Na casa dos vinte anos, ela até procurou encontros com meninas chamadas Virginia, em homenagem à jovem esposa de Edgar, sem sucesso. Em uma ocasião, ele encontrou uma prostituta madura com esse nome e fugiu horrorizado. Felizmente, a mania de Peter não acabou procurando conhecer garotas tuberculosas. Por mais de quinze anos, Peter Elsworth viveu obcecado em provar que era descendente de Edgar Allan Poe, solicitando repetidamente permissão judicial para exumar o cadáver do escritor, que estava no cemitério da Igreja Presbiteriana de Westminster, em Baltimore, Maryland, para fazer testes genéticos, mas seu pedido foi sistematicamente rejeitado por causa da fraqueza de seus argumentos, que consistiam apenas na palavra de seu falecido pai. Enfim, cansado das negativas contínuas, em uma noite de inverno com lua cheia, no final de 2020, Peter contratou uma dupla de coveiros de registros duvidosos para profanar o túmulo do grande escritor. Eles invadiram o cemitério e foram diretamente a sepultura de Edgar. Depois de cavar e lutar com o ataúde, eles conseguiram abri-lo e expor seu conteúdo à luz da lua. Para sua surpresa e desânimo, tudo o que encontraram foi um caixão vazio ocupado apenas por um enorme corvo preto mumificado. 35 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL ÚLTIMO ACTO MACABRO DE EDGAR ALLAN POE Marcelo Medone Peter Orson Elsworth siempre creyó la historia que su padre, Patrick Oswald Elsworth, le contara acerca de que sus iniciales POE se debían a un homenaje al famoso escritor Edgar Allan Poe. Inclusive su abuelo, Percival Oliver Elsworth, había seguido la regla familiar. Que el padre fuera un fanático del autor del poema El cuervo y de los cuentos El pozo y el péndulo, El tonel de amontillado y La caída de la casa Usher, estaba fuera de discusión. Había conseguido cada uno de sus libros, con cuentos de crímenes, ciencia ficción y terror, sus poemas, ensayos, artículos periodísticos e incluso su única novela, La narración de Arthur Gordon Pym. Dueño de una apreciable fortuna, Patrick Elsworth había construido una residencia al estilo de la abadía fortificada del príncipe Próspero en La máscara de la Muerte Roja, con sus siete habitaciones pintadas y decoradas en diferentes colores, siguiendo el patrón del cuento: azul, púrpura, verde, naranja, blanco, violeta y negro. Además, Peter Orson Elsworth tenía en el living un cuervo y un gato negro embalsamados, una caja de vidrio con un escarabajo dorado con manchas negras poco comunes y un retrato oval “de una joven de rara belleza, llena de encanto y alegría”. La pieza central de su exhibición era “un orangután muy grande de pelaje castaño amarillento de la especie de Borneo”, también embalsamado, con una placa que anunciaba: “Rue Morgue, quartier Saint-Roch”. En su dormitorio había armado la escenografía de uno de sus cuentos favoritos: El corazón delator. Había levantado las tablas del piso y había escondido debajo de ellas un verdadero corazón humano momificado, que había obtenido con un funcionario de la morgue judicial que no le hizo preguntas cuando le ofreció quinientos dólares por la pieza anatómica. Su museo personal también se extendía hasta el sótano de su casa. Patrick tenía una caja funeraria con una momia, una calavera clavada a una rama y una caja rectangular etiquetada “Sra. Adelaide Curtis, Albany, Nueva York, envío de Cornelius Wyatt, Esq. Este lado para arriba. Trátese con cuidado” junto a un salvavidas con el nombre “Independence” grabado, como en el cuento La caja oblonga. Dentro de la caja estaba el cadáver conservado en sal de una mujer joven: no se sabe si era verdadero o si se trataba de un truco muy convincente. Además, en el medio del sótano había un pozo y un péndulo transformado en un hacha oscilante. Por último, tenía una colección de barriles de amontillado, apilados contra una pared de ladrillos sin terminar. Patrick le había dicho al pequeño Peter que ellos eran descendientes no reconocidos de E. A. Poe. De acuerdo con su versión, el escritor había tenido un hijo ilegítimo con una prostituta de Filadelfia, con quien había iniciado una breve relación en el momento de la publicación de su Manuscrito encontrado en una botella. En esa época, Edgar tenía 23 años. Cuatro años después, se casaría con su prima de 13 años, Virginia Clemm, que moriría dos años más tarde de tuberculosis. Virginia y Edgar nunca tuvieron hijos. A los 40 años, el padre de Peter, convencido de que era el alter ego de Edgar Allan Poe, se suicidó consumiendo una sobredosis de morfina, intentando imitar al escritor, que era un adicto al opio y el alcohol. Edgar Allan Poe había muerto, precisamente, a los 40 años. Después de la muerte de su padre, el joven Peter Orson Elsworth también sucumbió a la maldición familiar, volviéndose todavía más obsesionado con el infeliz escritor. A sus veinte años, buscó citarse con niñas llamadas Virginia, por la joven esposa de Edgar, sin éxito. En una ocasión, se encontró con una prostituta madura de ese nombre y huyó horrorizado. Afortunadamente, la manía de Peter no llegó a buscar citas con muchachas tuberculosas. Por más de quince años, Peter Elsworth vivó obsesionado con probar que era descendiente de Edgar Allan Poe, solicitando repetidamente permiso judicial para exhumar el cadáver del escritor, que se encontraba en el cementerio de la Iglesia Presbiteriana de Westminster, en Baltimore, Maryland, para hacerle pruebas genéticas, pero su pedido fue sistemáticamene rechazado a causa de la endeblez de sus argumentos, que consistían apenas en la palabra de su padre, ya fallecido. Finalmente, cansado de las continuas negativas, en una noche invernal de luna llena, a fines del año 2020, Peter contrató a un par de sepultureros de dudoso historial para profanar la tumba del gran escritor. Se inmiscuyeron en 36 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL el cementerio y fueron directamente a la sepultura de Edgar. Después de cavar y forcejear con el féretro, consiguieron abrirlo y exponer su contenido a la luz de la luna. Para su sorpresa y su consternación, todo lo que encontraron fue un ataúd vacío ocupado apenas por un enorme cuervo negro momificado. Traducción de Marcelo Medone. 37 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O RESSUSCITADO Paulo Soriano Eu vi Lázaro retornar dos Vales das Sombras. Vi com os meus olhos. Sob a ordem do Rabi, removemos a grande pedra, e o olor deletério, expulso do intestino da gruta, foi como um murro no estômago. Retrocedi de asco e de pavor. O Rabi dissera: “Lázaro, vem para fora.” Com os pés e as mãos atados ao sudário, o defunto saiu, desajeitado como uma enguia em terra, arrastando-se pela superfície áspera e pedregosa de seu túmulo. Os que se seguiram ao retorno de Lázaro foram dias tensos. Ele caiu num mutismo desesperador. Supúnhamos que Lázaro não gostara nada da experiência da morte. Seus olhos transpiravam os horrores que se ocultavam na eternidade prometida. Era evidente que Lázaro não gostaria de a ela retornar. Certa feita, Lázaro desaparecera. Fora encontrado nas cercanias da herdade, babando como um lunático e rasgando, com os dentes que ainda lhe restavam, o tenro abdome de uma gorda ratazana. Com que avidez Lázaro, meu patrão, sugava e extraía, alucinadamente, do ventre do animal, o seu alimento! Lembro-me bem: era véspera do Sabá, e Marta e Maria haviam deixado Betânia às pressas, condoídas pela notícia da prisão do Rabi. À terceira hora, quando o solo tremeu (a partir de Jerusalém, porque era morto, naquele instante, o Senhor), os serviçais viram um Lázaro alucinado. O homem lacerava as vestes e se contorcia de dor. Sua tez estava pálida e de sua fronte escorriam grossas bagas de um líquido fétido e viscoso. E, das mãos e dos pés sudorosos, vi que fluía uma substância deletéria, de tonalidade verde-musgo. Os suores eram de uma pestilência pungente, que enodoava os grossos lençóis e infiltrava-se até nas ranhuras do chão de ladrilho. Então, num átimo, Lázaro gritou. Gritou porque suas carnes, de tão podres, se rasgavam; e sua alma, de tão aterrorizada, retornava ao Sheol, de onde nunca deveria ter-se evadido. Eu, Levi, filho de Benjamim, fui o único que se atreveu a recolher a massa pestilenta em que se convertera o cadáver do ressuscitado. 38 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL RESUCITADO Paulo Soriano Vi a Lázaro regresar de los Valles de las Sombras. Lo vi con mis propios ojos. Por orden del rabino, retiramos la gran piedra y el olor nauseabundo, expulsado del intestino de la cueva, fue como un puñetazo en el estómago. Retrocedí con asco y temor. El rabino había dicho: "Lázaro, sal". Atado de pies y manos al sudario, el difunto salió, torpe como una anguila en tierra, arrastrándose por la superficie áspera y pedregosa de su tumba. Los días que siguieron al regreso de Lázaro fueron tensos. Él cayó en un silencio desesperante. Supusimos que a Lázaro no le había gustado en absoluto la experiencia de la muerte. Sus ojos exudaban los horrores que se escondían en la eternidad prometida. Era evidente que Lázaro no deseaba volver a ella. Un día, Lázaro desapareció, pero lo encontraron en las afueras de la finca, babeando como un lunático y desgarrando, con los dientes que le quedaban, el abdomen tierno de una rata gorda. ¡Con qué ansia Lázaro, mi amo, chupaba y extraía locamente su alimento del vientre del animal! Lo recuerdo bien: era víspera de Sabbat, y Marta y María habían salido de Betania a toda prisa, desconsoladas por la noticia del arresto del rabino. A la hora tercera, cuando la tierra tembló (desde Jerusalén, porque estaba muerto, en ese momento, el Señor), los sirvientes vieron a un Lázaro alucinado. El hombre laceraba su ropa y se retorcía de dolor. Su tez estaba pálida y de su frente fluían espesas gotas de un líquido viscoso y fétido. Y vi que manaba, de sus manos y pies sudorosos, una sustancia nauseabunda de color verde musgo. Los sudores, de intensa pestilencia, manchaban las gruesas sábanas y se filtraban incluso en las ranuras del suelo de baldosas. Entonces, en un instante, Lázaro gritó. Gritó porque su carne, tan podrida, se desgarró; y su alma, tan aterrorizada, regresó al Seol, del cual nunca debería haber escapado. Yo, Leví, hijo de Benjamín, fui el único que se atrevió a recoger la masa pestilente en la que se había convertido el cadáver del resucitado. Traducción de Paulo Soriano. Revisión de Ângelo Brea. 39 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A OFERENDA Mário Terrabatava Mei Li, a bela filha do governante de Yangzhou, consultou o oráculo — uma velha senhora de olhos obnubilados pela catarata, mas que nunca errara um único vaticínio em sua longa existência— e escutou, com o coração enregelado: — É isto mesmo. Ele quer uma segunda esposa. — Ele não me ama? — Não. Jamais a amou. Casou-se com você apenas para ascender socialmente e obter um cargo no governo provincial. — Eu não... eu não... — E há algo mais. Lei Huo pretende matála. — Mas, por quê? — Para assenhorar-se definitivamente de seu dote... * No dia seguinte, Lei Huo, estranhando a súbita mudança no comportamento da esposa, e porque esta se recusava a contar-lhe o motivo de seu acabrunhamento, procurou o oráculo. Ouviu: — Ela somente pensa no filho. Você não existe para ela. Considera-o inferior. — Há como fazê-la mudar de opinião? — Não. Ela quer matá-lo. Quer estar livre para casar-se em segunda núpcias com um rico aristocrata que a ama. * No dia seguinte, Lei Huo, temendo as nefastas consequências dos desígnios da esposa, e para antecipar-se a um ataque sorrateiro, decidiu segui-la a distância. À tardinha, Mei Li dirigiu-se à casa do pai. A aia, que quase sempre a acompanhava em seus passeios, ficara em casa, cuidando do pequenino Yan Tao. Lei Huo escondeu-se atrás tronco de cerejeira frondosa, fincada entre a alameda e o lago, e esperou. A lua cheia já ia alta quando Mei Li retomou o caminho de casa. Parecia muito feliz. Quando passou sob as copas cerejeira, Lei Huo saltou sobre ela. Segurou-a por trás e, num golpe certeiro de adaga, abriu-lhe a garganta. A mulher caiu com a face voltada para o chão, debatendo-se na relva como uma galinha degolada. Lei Huo esperou que cessasse a convulsão. Depois, tendo recolhido os colares e anéis da esposa, somente para simular um latrocínio, voltou, pressuroso, para casa. * Lei Huo serviu-se do vinho de arroz e recolheu-se à alcova. Deitado, olhava para o teto parcamente iluminado por uma única lamparina. Imaginava como seria doravante a vida de viúvo. No quarto ao lado, a aia Liang Lin, que se servira daquele mesmo vinho, deitara-se sobre as esteiras de bambu ao pé do berço de Yan Tao. Se alguém a visse na penumbra do quarto da criancinha, pensaria que adormecera de cansaço. Mas não. Ela não adormecera profundamente. Os seios tinham uma imobilidade de estátua. Ela estava morta. Quando Lei Huo acordou e tentou se levantar, viu que o mundo rodopiava em torno de si como um ciclone de outono. O ventre e a garganta ardiam em fogo, mas ele suava frio. Quando compreendeu o que se passava, pôs-se a rir como um alucinado. As suas últimas palavras foram estas: — A víbora maldita me envenenou... * Uma sombra repugnante rastejou pelas paredes da casa onde jaziam os cadáveres de um homem e uma mulher. A sombra avançou para o berço. Tomou a criancinha em seus braços enrugados e saiu com ela. Ao passar pela sala, em direção à porta, seus olhos, obnubilados pela catarata, apesar de baços, refletiram um lampejo de luar que escorrera subitamente da janela aberta. Tomada por um calafrio, a velha mulher escondeu-se nas sombras. Ganhou a rua escura. O altar de sacrifícios já estava preparado. Yaiguai, o demônio tenebroso, tinha sede de sangue. No colo da mulher, a preciosa oferenda dormia tranquilamente, rumo ao holocausto. 40 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL LA OFRENDA Mário Terrabatava Mei Li, la hermosa hija del gobernante de Yangzhou, consultó al oráculo — una anciana con los ojos cubiertos por la catarata, pero que nunca había fallado una sola predicción, auspiciosa o nefasta, en su larga existencia — y escuchó, con el corazón helado: — Esto es todo. Quiere una segunda esposa. — ¿Él no me ama? — No. Nunca te ha amado. Se casó contigo solo para ascender socialmente y obtener un puesto en el gobierno provincial. — Yo no... yo no... — Y hay algo más. Lei Huo tiene la intención de matarla. — ¿Pero por qué? ¿Por qué haría eso? ¿Por qué mi fiel esposo, que prometió amarme para siempre, lo haría? — Haría esto para ser definitivamente dueño de tu dote... * Al día siguiente, Lei Huo se sorprendió por el cambio repentino en el comportamiento de su esposa. Por mucho que insistiera, la joven se negó firmemente a decirle el motivo de su desánimo. Buscó alguna aclaración consultando el oráculo. — Ella sólo piensa en su hijo pequeño. Simplemente no existes para ella. Te considera inferior, indigno de ser acogido en el seno de la alta nobleza a la que pertenece — dijo la anciana de ojos brumosos. —¿Hay alguna manera de hacerla cambiar de opinión? — No. Ella quiere matarte. Quiere ser libre para casarse en segunda boda con un aristócrata rico que la ama. * Al día siguiente, Lei Huo, temiendo las consecuencias dañinas de las intenciones de su esposa, y con el fin de anticipar un ataque furtivo, decidió seguirla a distancia. Por la tarde, Mei Li fue a la casa de su padre. La criada, que a menudo la acompañaba en sus salidas, se había quedado en casa, cuidando al pequeño Yan Tao, el único hijo de la joven pareja. Lei Huo se escondió detrás del tronco de un frondoso cerezo anidado entre el bulevar y el lago Gaoyou, y esperó. La luna llena ya estaba alta cuando Mei Li emprendió su camino a casa. Se veía muy feliz. Cuando pasó por debajo de la fronda del cerezo, Lei Huo saltó sobre la mujer. La sostuvo por detrás y, con un golpe de daga afilada, le abrió la garganta. La mujer cayó boca abajo, agitándose sobre la hierba como una gallina decapitada. Lei Huo esperó a que se detuviera la convulsión. Luego, habiendo recogido los collares y anillos de su esposa para simular un latrocinio, regresó apresuradamente a casa. * Lei Huo se sirvió vino de arroz y se retiró a la alcoba. Acostado, el asesino miró el techo débilmente iluminado por una sola lámpara. Especuló sobre cómo sería la vida de viudo de ahora en adelante. En la habitación de al lado, la doncella Liang había bebido en secreto el mismo vino y se había acostado en la estera de bambú, al pie de la cuna del pequeño Yan Tao. Si alguien la veía en la penumbra de la habitación del bebé, pensaría que se había quedado dormida por la fatiga. Pero no. No se había dormido profundamente. Lo pechos tenían una inmovilidad de estatua. Estaba muerta. Cuando Lei Huo se despertó e intentó levantarse, vio que el mundo giraba a su alrededor como un ciclón otoñal. Su vientre y su garganta quemaban, pero el hombre sudaba frío. Cuando comprendió lo que estaba pasando, se echó a reír como un loco. Sus últimas palabras fueron estas: — ¡La maldita víbora me envenenó! Y tenía razón. * Una sombra repugnante se deslizó por las paredes de la casa donde yacían los cadáveres de un hombre y una mujer. La sombra avanzó hacia la cuna. Tomó al niño en sus brazos arrugados y se fue con él. Mientras atravesaba la habitación hacia la puerta, sus ojos, aunque bazos, nublados por la catarata, reflejaban un destello de luz de luna que se había filtrado de repente por la ventana abierta. Tomada por un escalofrío, la anciana se escondió en las sombras. Escabulléndose en la oscuridad, ganó la calle sombría. El altar de sacrificio ya estaba preparado. Yaoguai, el demonio oscuro, estaba sediento de sangre. En el regazo de la mujer, Yan Tao, la preciosa ofrenda, dormía profundamente, siendo llevado al holocausto. Traducción de Paulo Soriano. Revisión de Valentim Fagin. 41 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL GÉLIDAS MÃOS Luiz Raimundo A Lua cheia iniciava sua trajetória firmamento acima e sua luz chamava a atenção dos circundantes. Vez por outra uma nuvem densa e negra cobria-lhe o brilho, dando-lhe um aspecto lúgubre e assustador. Junto ao portão, bem mais alto do que ela gostaria, Marilu o escalava para ganhar a rua e seguir seu caminho. Com muito custo transpôs a barreira que lhe impedia-lhe a jornada. Ao pular para o lado de fora, deixou um pedaço do seu longo vestido verde com estampas floridas, preso numa ponta de arame. A blusa de cetim azul turquesa estava toda suja e desalinhada no corpo. Nas suas longas mãos de pianista, algumas unhas quebradas e outras trazendo debaixo pequenos tufos de terra marrom e húmida. Seu rosto, lívido com uma cera, trazia traços de terra, como uma maquiagem sinistra. Com os pés descalços, tinha dificuldade para caminhar rua abaixo, e a fraca iluminação era mais um complicador. Descia lentamente e com o olhar fixo no chão, pois o farol dos carros, que eventualmente subiam, lhe ofuscava a visão. Nas proximidades da Escola Municipal e da Câmara, o movimento de pessoas era maior. E aqueles que deparavam com a estranha figura afastavam-se assustadas. Ao atravessar a ponte da Barrinha causou ainda mais espanto, fazendo com que os pedestres que vinham no sentido contrário, ou voltassem apavorados ou mudavam de lado, com passo apressado para se esquivar daquele ser estranho. Subiu a avenida Caetano Marinho parecendo um personagem do seriado de TV “The Walking Dead” deixando atrás de si um forte cheiro de flores. Quanto melhor a luz da rua, mais se acentuava o seu aspecto tenebroso. Ao se aproximar da Casa de Chopp, não foi diferente: as pessoas das mesas se levantavam apavoradas e debandavam aturdidas, tombando cadeiras e derrubando copos, o mesmo acontecendo próximo ao Garfield´s... Marilu, de olhos fixos na rua, não entendia nada, não compreendia o comportamento das pessoas, muitas delas suas conhecidas de longa data. Mas seguia o seu caminho, percebendo pessoas que se ajoelhavam com as mãos no rosto e rezavam em voz alta o Credo; outras simplesmente paravam embasbacadas, petrificadas... Ao chegar à porta de sua casa, bateu duas vezes, e mais duas, até a que a porta se abriu. Sua mãe, Leonice, eriçou os cabelos, não disse nada, e desmaiou, estatelando-se no piso da sala. Maricler, sua irmã, saindo do quarto e deparando com aquela assustadora imagem, soltou um grito excruciante e, também, foi ao chão. Seu pai, assustado com grito de Maricler, vindo da cozinha encontrou a moça parada no meio da sala. Sua boca se abriu, seus olhos arregalaram e não conseguiu dizer uma palavra sequer... Dos fundos olhos azuis duas lagrimas rolaram, marcando sua trajetória no rosto sujo de Marilu. Com uma voz fraca e sentida, perguntou: “O que está acontecendo, papai? Por que as pessoas estão agindo assim? Até você, meu pai, fica aí, a me olhar, sem dizer nada!” Olhou para o lado e deixou seu corpo cair sobre o sofá da sala, cerrou os olhos, e adormeceu cansada. O pai, se recompondo, com um soluço sentido, ajoelhou-se ao lado da filha, tomou nas suas as mãos gélidas de Marilu, e rezou baixinho. Como poderia estar ali a sua filha, cujo sepultamento se dera há três dias, como? ... Enquanto isso, no Cemitério Mirante da Paz, uma sepultura jazia, inexplicavelmente, aberta e sem um corpo... 42 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL MANOS HELADAS Luiz Raimundo La Luna llena iniciaba su trayectoria ascendente por el firmamento y su luz llamaba la atención de los viandantes. De vez en cuando, una nube negra y densa le toldaba el brillo, dándole un aspecto lúgubre y tétrico. Junto al portón, bastante más alto de lo que a ella le habría gustado, Marilú lo escalaba para alcanzar la calle y seguir su camino. Con mucho esfuerzo traspuso la barrera que le impedía el paso. Al saltar al otro lado, dejó un pedazo de su largo vestido verde de flores estampadas, prendido en la punta de un alambre. La blusa de seda azul turquesa estaba sucia y desaliñada a lo largo del cuerpo. En sus largas manos de pianista, algunas uñas quebradas y otras llenas de tierra marrón y húmeda. Su rostro, lívido como la cera, tenía manchas de tierra, como un maquillaje sinestro. Con los pies descalzos, tenía dificultad para caminar calle abajo, y la escasa iluminación era una complicación más. Descendía lentamente, con la vista clavada en el suelo, ya que los faros de los coches, que subían ocasionalmente, le ofuscaban la visión. En las proximidades de la Escuela Municipal y del Ayuntamiento, el movimiento de personas era mayor. Y aquellas que se deparaban con la extraña figura huían despavoridas. Al atravesar el puente de la Barriña, aún provocó más espanto, haciendo que los peatones que venían en sentido contrario, o regresasen asustados por donde venían o cambiasen de lado, con pasos rápidos para esquivar a aquel ser extraño. Subió por la avenida Caetano Mariño como un personaje de la serie de televisión The Walking Dead, dejando tras de sí un fuerte olor a flores. Cuanto más iluminada estaba la calle, más se acentuaba su aspecto tenebroso. Al aproximarse a la Casa de Chopp, no fue diferente: las personas de las mesas se levantaban asustadas y huían en desbandada, volcando mesas y derribando copas, ocurriendo lo mismo en el cercano Garfield´s... Marilú, fijos los ojos en la calle, no entendía nada. No comprendía el extraño comportamiento de las personas, a muchas de las cuales las conocía de toda la vida. Pero seguía su camino, observando personas que se arrodillaban con las manos en el rostro o rezando em voz alta el Credo. Otras, simplemente, se paraban estupefactas, petrificadas. Al llegar a la puerta de su casa, llamó dos veces, y aún dos veces más, hasta que la puerta se abrió. Su madre, Leonice, erizó los cabellos, no dijo nada y se desmayó, estrellándose contra el piso de la sala. Maricler, su hermana, al salir de la habitación y encontrarse con aquella terrorífica imagen, soltó un grito horrísono e, igualmente, se desmayó. Su padre, asustado con el grito de Maricler, encontró a la joven parada en medio de la sala. Abrió la boca, sus ojos se pusieron como platos y no consiguió articular ni una palabra… De los profundos ojos azules rodaron dos lágrimas, señalando su trayectoria en el rostro sucio de Marilú. Con una voz flaca y triste preguntó: “¿Qué está ocurriendo, papá? ¿Por qué las personas están reaccionando así? Hasta tú, papá, ¡te quedas ahí mirándome sin decir nada!” Miró hacia un lado y dejó caer su cuerpo sobre el sofá de la sala. Cerró los ojos y se quedó dormida, debido al cansancio. El padre, reaccionando con un sollozo triste, se arrodilló al lado de su hija. Tomó en sus manos las manos heladas de Marilú y rezó en voz baja. ¿Cómo podría estar allí su hija, cuya sepultura se había producido hacía tres días? ¿Cómo?... Mientras eso ocurría, en el Cementerio Mirante da Paz, una sepultura yacía, inexplicablemente, abierta y sin cuerpo… Traducción de Ângelo Brea. 43 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL UM CORAÇÃO DE OURO Ângelo Brea — Como te chamas? — perguntou-me com uma voz totalmente encantadora, quando estávamos aguardando a que nos trouxessem os livros que tínhamos pedido. — Lilith — respondi. O rapaz olhou para mim e um leve rubor tingiu as suas bochechas. Ficara atrapalhado. Talvez nunca tivesse ouvido um nome como o meu ou talvez as mulheres o pusessem nervoso. Pareceu-me, no entanto, que se recuperava com rapidez. Olhou para mim e fez um gesto com a boca que simulou um sorriso. — Que estudas? — insistiu. — Estou em primeiro curso. Estudo Filologia Inglesa — respondi. — Ah. Eu estou também em primeiro. Estudo Filologia Hispânica. Olhei outra vez para ele. Era um rapaz encantador, mas deu-me a impressão que não tinha experiência com as mulheres. Parecia tímido. Mas bom, era unicamente a primeira impressão. — E tu, como te chamas? — Eu? Miguel Ângelo. Pareceu-me um bonito nome. Um nome de artista. Por um momento deixei de olhar para ele e percorri com a olhada a grande Sala de Leitura da Biblioteca. Havia livros nas estantes, cobrindo todas as paredes, mas era apenas uma ínfima quantidade dos milheiros e milheiros de livros que entesourava a Faculdade. Quase ao fundo da parede, onde se agrupavam os grandes volumes com os dicionários das diferentes línguas que se estudavam na faculdade e todas as enciclopédias, estava a varanda onde dois solícitos bibliotecários entregavam com prontidão os livros que alunos como nós lhes solicitávamos continuamente. Na parede contígua àquela na que agora nos encontrávamos, havia uma seção que continha os livros de uso mais comum, que já nem se levavam ao depósito, para facilitar a sua consulta pelo alunado da Faculdade. Quando queríamos algum livro, naquela seção encontrávamos a maior parte, e o melhor era que podias procurar um, pegar nele e ir com o livro à varanda, para pedi-lo em empréstimo durante uma semana. Levávamos apenas três meses de curso. O mês de dezembro começara com o típico clima da cidade: céus cobertos, chuva contínua e ausência do sol. Era a minha primeira experiência na Universidade. Meu pai insistira em que estudasse Medicina, para ajudá-lo nas suas investigações, mas eu preferi a Filologia. No entanto, ajudo-o igualmente, mas à minha maneira... A esse rapaz, o tal Miguel Ângelo, já o encontrara ali em mais de uma ocasião. Fazia que estudava, mas quando erguia a vista ou mudava de cadeira, sempre o via olhando para mim. Se continuasse assim, ia gastar-me. — De que gostas mais, das matérias de Língua ou das de Literatura? — perguntou. — Gosto das duas. Queria razoar a minha resposta, mas ele rapidamente me interrompeu. — Eu mais da Literatura — admitiu. — Tu escreves? — Eu escrever? Não. Bom... Um bocadinho. Em realidade, gostaria..., mas sei que ainda tenho muito que ler e que aprender. Que pergunta mais estúpida. Talvez aquela fosse sua maneira de engatar. Ia explicar-me que ele, sim, escrevia, quando o bibliotecário chegou com os três livros que eu pedira. Era o máximo que podíamos solicitar os estudantes de primeiro ciclo, como nós. Melhor que o bibliotecário viesse interromper aquela conversa doida. Pediu-me o cartão da Universidade e leu o código no seu escâner, depois o passou a cada um dos três livros que pedira e entregou-me os volumes. Para lembrar-me quando devia devolvê-los, pôs a data com o carimbo na primeira página em branco. 44 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O rapaz não falou enquanto eu estava atenta ao que fazia o bibliotecário. Olhei para ele de esguelha e, sim, estava mais atento ao que eu fazia do que a qualquer outra coisa. Não gostava que os rapazes olhassem assim para mim. Era um bocadinho incómodo. O bom é que que aqui na Faculdade de Filologia as raparigas somos maioria. Não queria ser a única mulher numa turma toda de homens. — Bom. Pois já falaremos — despedi-me, deixando-o com a palavra na boca. Regressei ao meu posto de leitura. Olhei para ele, pensando que o ia surpreender olhando para mim, mas esta vez não era assim. Estava a falar com o bibliotecário. Depois, levando o livro que pedira, dirigiu-se à saída, sem sentar-se aqui na sala com os demais. Ao passar ao meu lado, fez um gesto gracioso com a mão, a jeito de despedida. E foi-se embora. Que idiota! Agora que eu queria falar com ele, pega nas coisas e vai-se embora. Pensei que queria engatar. Ou é que apenas queria falar por falar? Que me tivesse ignorado assim encheu-me de uma estranha sensação de abandono. Amanhã farei por procurá-lo e esta vez serei eu a que tomará a iniciativa. Enquanto estava ali, Ana, uma companheira da minha turma, veio sentar-se de propósito ao meu lado. Embora não se possa falar aqui, na Sala de Leitura, disse em voz baixa: — Lilith, tu vás ao ginásio, verdade? — Sim, por quê? — Soubeste do rapaz que desapareceu? — Não. Que se passou? — perguntei. — Um rapaz desapareceu na quinta-feira da semana passada. Os seus amigos não sabem onde está. — Decerto que se emborrachou ou se passou de “marcha”... Andará por qualquer parte. Ela não se deu de conta que fizera um jogo de palavras. Aqui se diz “ir de marcha” quando às quintas-feiras os universitários passam a noite celebrando festas ou bebendo na rua... No entanto, não era verdade que não soubesse nada sobre ele. Ao contrário, sabia perfeitamente onde estava, mas não podia dizêlo. Seria cúmplice de assassinato. Sim. Cúmplice. Saí do velho edifício da Faculdade, na praça de Maçarelos ao rematar a última aula. Eram as oito da noite. Estava a chover com força. Começara a chover no sábado e já não parava. Chovera sem parar o fim de semana e hoje tampouco deixara de chover durante todo o dia. Era o tempo típico da minha cidade durante boa parte do outono e quase todo o inverno... Às vezes, simplesmente orvalhava. Em ocasiões era uma chuva fina e constante, durante horas. Mas também chovia com força, com gotas enormes, que golpeavam com fúria as lajes de granito, como se fossem ondas num mar tormentoso... Dirigi-me à Praça da Quintana, para tomar algo antes de voltar a casa. Entrei no Café Literários e pedi um chá com leite. Sentei-me ao lado da janela que dá às escadas. Via a chuva cair, golpeando no granito com tanta força que as gotas rebotavam e volviam a ascender como se estivéssemos no mar. O ambiente que existia na praça a esta hora, sob a chuva constante e com a luz dourada das lâmpadas de rua feitas de ferro forjado que se estendiam a espaços regulares pela fachada do mosteiro de São Paio, dançando palidamente sobre as lajes molhadas, era autenticamente mágico. Poucos lugares do mundo me transmitiam mais paz do que aquele lugar... Quando cheguei ao meu lar, foi meu pai quem me abriu a porta. Levava, como todos os dias, uma bata branca de médico, como se ainda estivesse a trabalhar num hospital. Desde que tenho uso de razão, conheci-o assim. — Lilith, como não vieste de autocarro, mulher? Ou como não me avisaste? Iria procurar-te com o carro. — Não faz mal, pai — respondi. — Aliás, gosto muito de passear sob a chuva nestas noites tão formosas de dezembro. Inspira-me. — Queres ver como vai a nossa obra? Conseguimos algo extraordinário! E não seria possível sem a tua ajuda. 45 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL — A sério? Gostaria imensamente de vêlo... — Pois vem. Vais vê-lo com os teus próprios olhos. Meu pai caminhou pelo longo corredor e abriu a porta que dava à cave. Ali era onde realizava os seus experimentos. Desde que deixara de exercer a sua profissão (era médico de ossos e especialista em cirurgia vascular), refugiara-se no trabalho experimental. Meu pai não gostava do “sistema”, como ele o chamava. Por culpa de não sei quê, vira-se forçado a abandonar a docência na Universidade e a trasladar-se a esta casa situada às aforas da cidade. Desde que eu tinha memória, meu pai trabalhara nos seus experimentos. Teria conseguido o êxito, finalmente, como ele afirmava? Enquanto descia aquele lance de escadas, ia pensando naquele rapaz do ginásio que não deixava de molestar-me. Meu pai zangara-se com ele e dissera que solucionaria o problema. Mas nunca pensei que solucionar o problema fosse acabar com a sua vida. Um enorme recipiente de vidro transparente ocupava um lugar preeminente ao lado da maca que se encontrava quase no centro da estância. O corpo do jovem desaparecido, conservado em formol, encontrava-se ali dentro, erguido, quase de pé, mas com a cabeça ladeada. Vi que meu pai lhe abrira o peito. Uma enorme cicatriz, cosida depois com esse extremo cuidado que meu pai punha em tudo, ia do pescoço até ao umbigo. — Vem, filha. Aproximei-me ao lugar onde meu pai tinha as provetas e os seus aparelhos de médico. Vi que tinha um crisol ao lume. Um líquido de cor vermelho borbulhava no seu interior. — Sabes? Consegui! Foi um triunfo. — Sim? Alegro-me por ti, pai. — Não, Lilith. Alegra-te pelos dois. Vamos ser ricos. Pegou nuns alicates e procurou algo no interior do crisol. Meu pai encontrou finalmente o que procurava. Retirou-o daquele líquido vermelho. Era um coração humano. Enorme. Quase ainda palpitante. O coração daquele rapaz que se encontrava em formol. — Vem — disse meu pai. Enquanto nos dirigimos à mesa onde estavam as provetas, acrescentou: — Sabes que um coração humano pode pesar entre 200 e 425 gramas? — Sim, pai. Já me disseste várias vezes. Meu pai colocou o coração do rapaz, tingido totalmente por aquele líquido vermelho-escuro, numa báscula eletrónica. — Olha, Lilith. Um quilo e oitocentas duas gramas! Consegui! Um triunfo. Meu pai pegou no coração e o colocou sob a água de uma bilha para eliminar o matiz vermelho que o cobria. O seu corpo, por um momento, impediu-me seguir os seus movimentos... Depois colocou o coração sobre um pano de cozinha, com o que o secou com extremo cuidado. — Abre as mãos! — ordenou. Não tinha medo. Já fizera isto várias vezes desde que tinha seis anos. Mas nunca o vira tão emocionado. Seria verdade que esta vez tivera êxito? Pousou delicadamente o pano de cozinha na minha mão direita. Ufff! Como pesava! Logo desdobrei com cuidado cada ponta do pano. E ali, no centro da minha mão direita, observei deliciada, um coração totalmente de ouro. Como brilhava! Não era um coração apenas sobredourado. Não. Era um coração de ouro maciço. O músculo inteiro, as duas aurículas e os dois ventrículos, trocaram-se em brilhante metal. Por isso pesava tanto. — Papá, que bom! Por fim o conseguiste! — exclamei. — Sim, filha. Por fim. Mas a fórmula só funciona com um coração humano. Não valem nem vísceras, nem ossos, nem a medula, o cérebro ou os órgãos internos... Só funciona com o coração! E não vale com cadáveres nem com outros animais... Por isso sempre tive tantos fracassos... O coração deve ser colocado no crisol ainda palpitante... — Sabes, papá? Hoje falei com um rapaz que quero apresentar-te... Chama-se Miguel Ângelo. Este também tem um coração de ouro... 46 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O meu pai botou-se a rir. Um riso franco que se levou para sempre todas as frustrações de tantos e tantos anos... Nunca na vida o vira tão feliz. 47 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL UN CORAZÓN DE ORO Ângelo Brea — ¿Cómo te llamas? — me preguntó con una voz totalmente encantadora, cuando estábamos esperando a que nos trajeran los libros que habíamos pedido. — Lilith — respondí. El chico me miró y un leve rubor tiñó sus mejillas. Estaba cohibido. Quizá nunca hubiese oído un nombre como el mío o quizá las chicas lo pusiesen nervioso. Me pareció, sin embargo, que se recuperaba con rapidez. Me miró otra vez y esbozó un gesto con la boca que parecía una sonrisa. — ¿Qué estudias? — insistió. — Estoy em primer curso. Estudio Filología Inglesa — respondí. — Ah. Yo estoy también en primero. Estudio Filología Hispánica. Lo miré otra vez. Era un chico encantador, pero me dio la impresión de que no tenía experiencia con las mujeres. Parecía tímido. Pero bueno, era únicamente la primera impresión. — Y tú, ¿cómo te llamas? — ¿Yo? Miguel Ángel. Me pareció un nombre bonito. Un nombre de artista. Por un momento dejé de mirar para él y di un vistazo a la gran Sala de Lectura de la Biblioteca. Había muchos libros en las estanterías, cubriendo las paredes, pero era apenas una ínfima cantidad de los miles y miles de libros que atesoraba la Facultad. Casi al fondo de la pared, donde se agrupaban los volúmenes con los diccionarios de las diferentes lenguas que se estudiaban en la Facultad y todas las Enciclopedias, estaba el mostrador donde dos solícitos bibliotecarios entregaban con rapidez los libros que los alumnos como nosotros les solicitábamos continuamente. En la pared contigua a aquella en la que ahora nos encontrábamos, había una sección que contenía los libros de uso más común, que ya ni se llevaban al depósito, para facilitar así su consulta in situ por el alumnado de la Facultad. Cuando queríamos algún libro, en aquella sección encontrábamos la mayor parte, y lo mejor de todo era que podíamos buscar uno, cogerlo y llevarlo al mostrador, para pedirlo en préstamo durante una semana. Llevábamos solamente tres meses de curso. El mes de diciembre había comenzado con el típico clima de la ciudad: cielos cubiertos, lluvia continua y ausencia de sol. Era mi primera experiencia en la Universidad. Mi padre me había insistido mucho en que estudiase Medicina, para ayudarlo en sus investigaciones, pero yo preferí la Filología. Aunque, a pesar de todo, yo lo ayudo a mi manera… A ese chico, el tal Miguel Ángel, ya lo había encontrado allí en más de una ocasión. Hacía como que estudiaba, pero cuando yo levantaba los ojos o cambiaba de sitio, siempre lo sorprendía observándome. Si continuaba así, iba a gastarme. — ¿A ti que te gustan más, las materias de Lengua o las de Literatura? — me preguntó. — Me gustan las dos. Quería razonar mi respuesta, pero él rápidamente me interrumpió. — A mí me gusta más la Literatura — admitió. — ¿Tú escribes? — ¿Yo escribir? No. Bueno… Un poco. En realidad, me gustaría… Pero sé que aún tengo mucho que leer y que aprender. Qué pregunta más estúpida. Quizá fuese aquella su manera de ligar. Iba a explicarme que él sí que escribía, cuando el bibliotecario llegó con los tres volúmenes que yo le había pedido. Era el número máximo que podíamos solicitar los estudiantes de primer ciclo, como nosotros. Fue un alivio que el bibliotecario viniese a interrumpir aquella conversación tan idiota. Me pidió el carné de la Universidad y leyó el código con su escáner, después lo pasó a cada uno de los tres libros que había pedido y, finalmente, me entregó los volúmenes. 48 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL El chico no habló mientras yo estaba atenta a lo que hacía el bibliotecario. Miré para él de reojo y, sí, estaba más atento a lo que yo hacía que a cualquier otra cosa. No me gustaba nada que los chicos me mirasen de aquella manera. Era un poco incómodo. Lo mejor de todo es que aquí en la Facultad de Filología las chicas somos mayoría. No quería ser la única mujer en una clase toda de hombres. — Bueno. Pues ya hablaremos en otro momento — me despedí, dejándolo con la palabra en la boca. Regresé a mi puesto de lectura. Levanté la vista, pensando que lo iba a sorprender mirando para mí, pero esta vez no era así. Estaba hablando con el bibliotecario. Después, llevándose el libro que había pedido, se dirigió a la salida, sin sentarse aquí en la sala con los demás. Al pasar a mi lado, hizo un gesto gracioso con la mano, a manera de despedida. Y se marchó sin más. ¡Qué idiota! Ahora que quería hablar con él, recoge sus cosas y se marcha. Pensé que quería ligar. ¿O es que quería hablar por hablar? Que me hubiese ignorado así me llenó de una extraña sensación de abandono. Mañana intentaré encontrarlo y, esta vez, seré yo la que tomará la iniciativa. Mientras me encontraba allí, Ana, una compañera de mi clase, se sentó a mi lado. Aunque no está permitido hablar aquí, en la Sala de Lectura, me dijo en voz baja. — Lilith, tú vas al gimnasio, ¿verdad? — Sí, ¿por qué? — ¿Sabes lo del chico que desapareció? — No. ¿Qué ha pasado? — pregunté. — Un chico desapareció el jueves de la semana pasada. Sus amigos no saben dónde está. — Seguro que se emborrachó o se pasó de marcha… Andará por cualquier parte. Ella pareció no darse cuenta de que había hecho un juego de palabras. Aquí se dice ir de marcha cuando los universitarios pasan las noches de los jueves celebrando fiestas o bebiendo en la calle… Sin embargo, no era verdad que no supiese nada sobre él. Al contrario, sabía perfectamente dónde estaba, pero no podía decirlo. Sería cómplice de asesinato. Sí. Cómplice. Salí del viejo edificio de la Facultad, en la plaza de Mazarelos al acabar la última clase. Eran las ocho de la noche. Estaba lloviendo con fuerza. Comenzara a llover el sábado y ya no había parado desde entonces. Había llovido sin parar el fin de semana y hoy tampoco había dejado de llover durante todo el día. Era el típico tiempo de mi ciudad durante buena parte del otoño y de casi todo el invierno… A veces, simplemente era una lluvia fina y constante. Pero también llovía con fuerza, con gotas enormes, que golpeaban con furia las piedras de granito, como si fueran olas en un mar tormentoso… Me dirigí a la Plaza de la Quintana, para tomar algo antes de regresar a casa. Entré en el Café Literarios y pedí un té con leche. Me senté al lado de la ventana que daba a las escaleras de la plaza. Veía la lluvia caer, golpeando en el granito con tanta fuerza que las gotas rebotaban y volvían a ascender como si estuviéramos en el mar. El ambiente que existía en la plaza a esta hora, bajo la lluvia constante y con la luz dorada de las farolas de hierro forjado que se extendían a espacios regulares por la fachada del monasterio de San Paio, danzando pálidamente sobre las losas mojadas, era auténticamente mágico. Pocos lugares en el mundo me transmitían más paz que aquel lugar… Cuando llegué a casa, fue mi padre quien me abrió la puerta. Llevaba, como todos los días, una bata blanca de médico, como si aún estuviese trabajando en un hospital. Desde que tengo uso de razón, lo conocí así. — Lilith, ¿cómo no viniste en autobús, mujer? ¿O cómo no me avisaste? Podía ir a buscarte en coche. — No importa, papá — respondí. — Además, me encanta pasear bajo la lluvia en estas noches tan hermosas de diciembre. Es una cosa que me inspira. 49 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL — ¿Quieres ver cómo va nuestra obra? ¡Conseguimos algo extraordinario! Y no sería posible sin tu ayuda. — ¿En serio? Me encantaría verlo… — Ven. Vas a verlo con tus propios ojos. Mi padre caminó por el largo pasillo y abrió la puerta que daba al sótano. Allí era donde realizaba sus experimentos. Desde que había dejado de ejercer su profesión (era médico de huesos y especialista en cirugía vascular), se refugiara en la investigación experimental. A mi padre no le gustaba el sistema, como él lo llamaba. Por culpa de no sé qué, se había visto forzado a abandonar la docencia en la universidad y a trasladarse a esta casa situada en las afueras de la ciudad. Desde que yo tenía memoria, mi padre trabajaba en sus experimentos. ¿Habría conseguido el éxito, finalmente, como él afirmaba? Mientras bajaba aquel tramo de escaleras, iba pensando en aquel chico del gimnasio que no dejaba de molestarme. Mi padre se había enfadado mucho con él y me había dicho que solucionaría el problema. Pero nunca pensé que solucionar el problema fuera acabar con su vida. Un enorme recipiente de vidrio transparente ocupaba un lugar preeminente al lado de la mesa que se encontraba casi en el centro de la estancia. El cuerpo del joven desaparecido, conservado en formol, se encontraba allí dentro, casi de pie, pero con la cabeza ladeada. Vi que mi padre le había abierto el pecho. Una enorme cicatriz, cosida después con ese extremo cuidado que mi padre ponía en todas las cosas, iba desde el cuello hasta el ombligo. — Ven, hija. Me aproximé al lugar donde mi padre tenía las probetas y sus aparatos médicos. Vi que había puesto un crisol al fuego. Un líquido de color rojizo burbujeaba en el interior. — ¿Sabes? ¡Lo conseguí! Fue un triunfo. — ¿Sí? Me alegro por ti, papá. — No, Lilith. Alégrate por los dos. Vamos a ser ricos. Cogió unas tenazas y buscó algo en el interior del crisol. Finalmente, encontró lo que buscaba. Lo retiró de aquel líquido rojizo. Era un corazón humano. Enorme. Casi palpitante. El corazón de aquel joven que se encontraba en formol. — Ven — dijo mi padre. Mientras nos dirigíamos a la mesa en donde estaban las probetas, añadió: — ¿Sabes que un corazón humano puede pesar entre 200 y 425 gramos? — Sí, papá. Ya me lo dijiste varias veces. Mi padre colocó el corazón de aquel chico, teñido totalmente por aquel líquido rojo oscuro, en una báscula electrónica. — Observa, Lilith. ¡Un quilo ochocientos dos gramos! ¡Lo conseguí! Un triunfo. Mi padre tomó el corazón y lo colocó bajo el agua de un grifo para eliminar aquel líquido color sangre que lo cubría. Su cuerpo, durante un momento, me impidió seguir sus movimientos… Después colocó el corazón sobre un paño de cocina, con el que lo secó con extremo cuidado. — ¡Abre las manos! — ordenó. No tenía miedo. Ya había hecho esto varias veces desde que tenía unos seis años. Pero nunca lo había visto tan emocionado. ¿Sería verdad que esta vez había tenido éxito? Posó delicadamente el paño de cocina en mi mano derecha. ¡Uffff! ¡Cómo pesaba! Después desdoblé con cuidado cada punta del paño. Y allí, en el centro de mi mano derecha, observé con asombro un corazón totalmente de oro. ¡Cómo brillaba! No era un corazón simplemente dorado. No. Era un corazón de oro macizo. El músculo entero, las dos aurículas y los dos ventrículos se habían convertido en brillante metal. Por eso pesaba tanto. — ¡Qué bien, papá! ¡Por fin lo conseguiste! — exclamé. — Sí, hija. Por fin. Pero la fórmula solo funciona con un corazón humano. No valen ni vísceras, ni huesos, ni la médula, el cerebro o los órganos internos… ¡Solo funciona con el corazón! Y no funciona ni con cadáveres ni con otros animales… Por eso siempre tuve tantos fracasos… El corazón debe ser colocado en el crisol todavía palpitante… 50 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL — ¿Sabes, papá? Hoy he estado hablando con un chico que quiero presentarte… Se llama Miguel Ángel. Este tiene también un corazón de oro… Mi padre se echó a reír. Una risa franca que se llevó para siempre todas las frustraciones de tantos y tantos años… Nunca en la vida lo había visto tan feliz. Traducción de Ângelo Brea. 51 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A JUSTIÇA SEMPRE CHEGA José Cascales Vázquez Tantas horas de fuga esgotaram todas as minhas reservas de energia. Minhas pernas param de responder, meus joelhos se dobram sem a minha permissão e meu rosto sente o impacto do chão. Eles vão me capturar; tenho que continuar. Levanto-me e corro em direção à casa que meus olhos não conseguem enfocar. A porta está aberta. Alguém a abandonou às pressas. Subo as escadas e desabo ao entrar num quarto. Desta vez, sinto dificuldade em me erguer, até os meus braços recusam-me a ajuda. Consigo penetrar o interior do vestíbulo. Meu coração se queixa, cada batida me causa um ardor insuportável. Tento controlar minha respiração... o silêncio desaparece com a chegada de vozes distantes. Farejo a aproximação desses monstros, imagino-os lambendo os lábios, rindo, seus os olhos avermelhados... Eles querem me torturar, me matar... Malditos! Não param de fazer barulho, de gritar pelo meu nome, mas já não tenho forças para fugir, vou continuar a me esconder, sem me mexer, quase sem respirar... talvez sigam adiante, talvez não me vejam, talvez... Eles querem o meu sangue! Estão vindo. Sobem as escadas até o quarto; parecem três, e são muitos para este corpo cansado e malferido; talvez eu possa com um deles, mas vou sucumbir matando. — Já estamos aquiiiiiii, Frank! Desta vez, você não vai escapaaaaar! Predadores! Sentem-se vitoriosos quando percebem que suas presas estão encurraladas. Abro a porta e saio para encontrá-los. Três lanternas me iluminam e corro em direção a eles, gritando: —Vocês não vão cravar as estacas em mim! Tradução de Paulo Soriano. LA JUSTICIA SIEMPRE LLEGA José Cascales Vázquez Tantas horas de huida me han vaciado todas las reservas de energía. Mis piernas dejan de responder, las rodillas se doblan sin permiso y mi cara impacta contra el suelo. Van a atraparme, he de continuar. Me incorporo y corro hacia esa casa que mis ojos no consiguen enfocar. La puerta está abierta. Alguien la ha abandonado con prisas. Subo las escaleras y me desplomo al entrar en una habitación. Esta vez me cuesta levantarme, hasta mis brazos se niegan a ayudarme. Consigo llegar al interior del vestidor. Mi corazón se queja, cada latido me provoca un ardor insoportable. Intento acompasar la respiración…, el silencio desaparece con la llegada de voces lejanas. Huelo la proximidad de esos monstruos, los imagino relamerse, reírse, sus ojos enrojecidos… Desean torturarme, matarme… ¡Malditos! No dejan de hacer ruido, de gritar mi nombre, pero ya no tengo fuerzas para huir, seguiré escondido, sin moverme, casi sin respirar… tal vez pasen de largo, tal vez no me vean, tal vez… ¡quieren mi sangre! Ya llegan. Suben las escaleras hacia la habitación, parecen tres, demasiados para este cuerpo cansado y malherido, tal vez pueda con alguno, pero sucumbiré matando. — ¡Ya estamos aquíiii, Frank! Esta vez no escaparáaaas. ¡Alimañas! Se sienten vencedores al percibir a su presa acorralada. Abro la puerta y salgo a su encuentro. Tres linternas me iluminan y me abalanzo hacia ellos gritando: — ¡No me clavaréis las estacas! 52 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL UM ENTUSIASTA Eugenio Sánchez Arrate Em plena batalha, para economizar munição, comecei a passar os inimigos à faca. Alguns tiveram suas gargantas cortadas; outros foram estripados, com os seus intestinos esparramados pelo chão; quando podia, eu os apunhalava repetidamente no coração, ou no meio das costas, ou na virilha — um lugar onde sangram rapidamente —, ou no estômago, o que lhes causaria uma morte muito lenta, entre grandes estertores. O sangue cobria o meu rosto, descia pelas mãos até os cotovelos, e eu prosseguia naquela sanha, procurando os inimigos em seus esconderijos, saltando sobre eles e talhando-os a golpes de faca o mais rápido que minhas mãos o permitiam. Até que o encarregado do paintball apareceu ululando. Tradução de Paulo Soriano. UN ENTUSIASTA Eugenio Sánchez Arrate En plena batalla, para ahorrar munición empecé a pasar a cuchillo al enemigo. A unos los rajaba la garganta, a otros los destripaba y desparramaba sus intestinos por el suelo, a los que podía los apuñalaba el corazón repetidas veces, o en el centro de la espalda, o en la ingle, un lugar donde se desangran rápido, o en el estómago, donde tardarían mucho más en morirse, entre grandes estertores. La sangre me cubría la cara, me resbalaba por las manos hasta los codos y yo seguía y seguía buscando enemigos en sus escondites, saltando sobre ellos y rajándoles con el cuchillo con toda la rapidez que mis manos me lo permitían. Hasta que el encargado del paintball apareció chillando. 53 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O QUARTO MANDAMENTO Ângelo Brea Honora patrem tuum et matrem tuam, ut sis longaevus super terram, quam Dominus Deus tuus dabit tibi (Ex. 20, 12). Ergueu-se, como todas as manhãs, às sete horas para ir trabalhar ao Centro de Transfusão da Galiza, na Avenida Monte da Condessa. Levava trabalhando ali havia dez anos e sempre se sentira cómodo com o trabalho em si e pelos companheiros e companheiras que trabalhavam com ele. Antes de nada, foi ao dormitório de seus pais. Seu pai já se levantara da cama. Apesar dos achaques típicos da sua idade, erguera-se sozinho, vestira-se, asseara-se e fora sentar-se na sua cadeira. Estava agora vendo a televisão, a ouvir as notícias no canal internacional 24 horas, que era um dos seus favoritos. Sua mãe, no entanto, permanecia deitada em cama. Ainda não acordara. Havia dois dias que não se erguia, devido à sua má saúde e ao cansaço. Mas ele sabia que se recuperaria como noutras ocasiões em que também ficara assim. — Tua mãe ainda não acordou, filho — disse o pai, em voz baixa. — Como está? — Pior — admitiu o pai. — Precisa urgentemente da sua dose ou não resistirá uma semana. Duas, no máximo... — E tu, pai, como te sentes? — Eu ainda não me encontro tão mal. Posso resistir ainda um mês, tal e como estou agora... Mas preciso também de uma dose. Já o sabes. O filho olhou para ele, apiedando-se do seu sofrimento. Tomou ar. Inchou o peito e disse: — Será hoje. Já não podeis aguardar mais. Uma das minhas companheiras pediu o dia livre. Estarei sozinho e não terei problemas para conseguir-vos uma dose para cada um. — Oxalá, filho. Oxalá — disse o pai, como num sussurro. * Faltava um minuto para as nove da manhã quando abriu as portas do Centro aos usuários. Não havia ninguém a aguardar, o que era normal, já que os doadores de sangue chegavam sempre um bocadinho mais tarde. Não era preciso madrugar para doar e o serviço estava aberto durante toda a manhã. A maior parte dos doadores de sangue eram estudantes universitários (segundo as estatísticas, mais mulheres do que homens) que se achegavam ao Centro aproveitando a proximidade das suas Faculdades. Apenas em ocasiões especiais havia aglomerações. O mais traumático, segundo lembrava, fora quando acontecera o acidente de comboio em Angróis. Houvera mais de noventa mortos e as necessidades de sangue foram tantas que tiveram de fazer um apelo à sociedade. O Serviço quase colapsara pela afluência de doadores, mas ao final conseguiram suficiente sangue para todas as transfusões e para as operações das seguintes semanas. Ao redor das nove e meia entraram duas raparigas para doar sangue. Num simples vislumbre, reconheceu-as. Enquanto preparava os sacos de plástico para o sangue, conversou alegremente com elas. Eram da Faculdade de Direito. Consultou os seus dados no computador e reparou que vinham com certa assiduidade, uma vez cada seis meses havia três anos. E sempre juntas. — Outra vez por aqui, eh? — disse ele, com o melhor sorriso. — A última doação foi em quatro de março, não? Sempre falava com os doadores durante um bocadinho, para que se esquecessem de que devia procurar uma veia no braço e furá-los com a agulha. Antes de começar, como se fazia em todos os casos, tomou-lhes a tensão a cada uma delas e mediu os níveis de hemoglobina, para comprovar que não tivessem anemia. Tinha a máxima precaução nesses momentos, porque sabia que uma má experiência com a agulha podia fazer com que um doador potencial não voltasse mais por ali, perdendo-se o sangue 54 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL que era tão importante para que o Serviço de Saúde pudesse atender às operações planificadas. Enquanto as duas raparigas estavam deitadas ali, nas suas macas, colocou-lhes música de ambiente. Em menos de quinze minutos encheram os dois sacos de sangue com aproximadamente uma capacidade de 450 milímetros cúbicos. Sentia grande estimação pelas pessoas que acudiam ali a doar sangue. Sempre as tratara com extrema cortesia, fossem adolescentes, pessoas maduras ou velhas, homens ou mulheres, altas ou baixas, magras ou gordas. Quando ele se operara, saíra vivo da sua operação porque alguma pessoa altruísta doara sangue para que ele seguisse adiante. Isso não podia esquecê-lo. Guardou os dois saquinhos de sangue na mala preta que levava com ele e que estava preparada para conservar o sangue a uma temperatura idónea. Ao acabar ofereceu às duas raparigas algo de beber (uma delas pediu sumo e a outra um refresco) e algo de comer. Ao princípio não queriam comer nada, mas ele insistiu. Sempre era melhor que comessem qualquer coisa, porque podiam marear-se ao saírem... Deu-lhes uns sanduíches de queijo com chouriço que ele preparara com todo o carinho. Embora ao princípio dissessem que não, acabaram comendo-os com ganas. Despediram-se dele com um sorriso e saíram de ali alegres e felizes como rosas silvestres. Durante o resto da manhã entraram ainda nove pessoas mais. Era um número normal. Geralmente, costumavam estarem duas pessoas para atendê-las, mas como hoje a sua companheira pedira o dia livre, ficara ele sozinho para atender os doadores. Por isso pudera aproveitar a ocasião. * Chegou à sua casa passadas quatro da tarde. A primeira coisa que fez foi ir ao dormitório dos seus pais. Sua mãe estava ainda em cama, reclinada sobre duas cómodas almofadas. Seu pai ficara ali para atendê-la durante toda a manhã, como costumava fazer quando ficava assim. — Como estás, filho! — disse seu pai. — Tudo bem? Sabia que era o que perguntava, em realidade. Ele olhou para o pai e assentiu, a sorrir. Dirigiu-se à cama e preparou tudo: a seringa, os tubos para transfusão e o sangue. Sobre a mesa de noite colocou um aparelho, que conectou à rede elétrica, e sobre ele pôs um dos saquinhos com o sangue. Aquele aparelho movimentava o saco para cima e para abaixo, para cima e para abaixo, uma e outra vez... — Estás preparada? Sua mãe disse que sim com um movimento de cabeça. E sorriu. Ele gostava muito daquele sorriso. Transmitia-lhe paz à alma. E o que fazia por ela era o mínimo que um filho deve fazer por sua mãe. Procurou-lhe uma veia no braço. Era uma coisa difícil, porque quando ela se punha assim, não era nada fácil fazê-lo. Ao final encontrou-a. Aplicou a agulha, com extremo cuidado, como se estivesse com as adolescentes que atendera essa manhã. Viu como o sangue começava a fluir pelo tubo, até que o sangue da transfusão entrou no braço da sua mãe. Um minuto depois observou como os seus cabelos brancos começavam a recuperar a sua cor natural. Iam tingindo-se lentamente de cor, das raízes em direção às pontas. Finalmente, num minuto, já recuperaram a formosa cor castanhoescura que sempre conhecera. Depois, observou como as rugas ao redor dos olhos começavam a fazerem-se menos profundas, até que quase se eliminaram. E como o rosto se fazia mais jovem, cada vez mais jovem. O mesmo acontecia com a pele do braço, que se tornava mais suave e mais viva... Quando rematou a transfusão ninguém reconheceria a pessoa que estava ali deitada na cama. Era uma mulher de uns trinta anos, sem rugas, sem sardas na pele, sem rasto de cansaço ou de enfermidade. Os olhos refulgiam de novo, como estrelas cintilantes no meio do negrume da noite. — Sinto-me maravilhosa, filho! Obrigada! Ele aproximou-se à mãe. Sem dizer nada abriu-lhe a boca para observar-lhe os dentes. No primeiro em que reparou foi nos colmilhos: tinham crescido, como sempre que recebia a sua 55 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL dose de sangue... Isso, ao menos, não se podia evitar... — Ótimo! — exclamou o filho. Já podes erguer-te. Doeu-te a agulha? — Não, filho. Nada. Olhou para o pai. Era o seu turno. — Venha, papá. Vem aqui. O pai ergueu-se lentamente da sua cadeira e se aproximou ao filho. Este preparou as coisas de que ia precisar: uma seringa nova, o tubo e o saquinho de sangue. Sentado, a olhar para ele, seu pai seguia cada um dos seus movimentos. Ele e a mulher intercambiaram uma olhada. A mulher sorria, docemente, encantada de observar o que o filho estava a fazer. Uma vez mais, e eram tantas que já perdera a conta, acabava de salvar-lhes a vida. 56 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL QUARTO MANDAMIENTO Ângelo Brea Honora patrem tuum et matrem tuam, ut sis longaevus super terram, quam Dominus Deus tuus dabit tibi (Ex. 20, 12). Se levantó, como todos los días, a las siete de la mañana para ir a trabajar al Centro de Transfusiones de Galicia, en la Avenida Monte de la Condesa. Llevaba trabajando allí desde hacía diez años y siempre se había sentido cómodo con el trabajo en sí y por los compañeros y compañeras que trabajaban con él. Antes de nada, acudió al dormitorio de sus padres. Su padre ya se había levantado de la cama. A pesar de los achaques típicos de su edad, se había levantado sin ayuda, se había vestido, aseado, y ya se había sentado en su sillón. Estaba ahora viendo la televisión, oyendo las noticias del canal internacional 24 horas, que era uno de sus favoritos. Su madre, sin embargo, permanecía echada en la cama. Aún no había despertado. Hacía ya dos días que no se levantaba, debido a su mala salud y al cansancio. Pero él sabía que se recuperaría como en otras ocasiones en las que también se había sentido así. — Tu madre aún no se ha despertado, hijo — dijo el padre, en voz baja. — ¿Cómo está? — Peor — admitió el padre. — Precisa urgentemente de su dosis o no resistirá una semana, dos semanas como máximo. — Y tú, papá, ¿cómo te sientes? — Yo aún no estoy tan mal. Puedo resistir todavía un mes, tal y como estoy ahora. Pero necesito también una dosis. Ya lo sabes. El hijo miró a su padre, apiadándose de su sufrimiento. Tomó aire. Hinchó el pecho y dijo: — Será hoy. Ya no podéis aguantar más. Una de mis compañeras pidió el día libre. Estaré solo y no tendré demasiados problemas para conseguiros una dosis para cada uno. — Ojalá, hijo, ojalá — dijo el padre, como en un susurro. * Faltaba un minuto para las nueve de la mañana cuando abrió las puertas del Centro a los usuarios. No había nadie esperando, lo que era normal, ya que los donantes de sangre llegaban siempre algo más tarde. No era preciso madrugar para donar y el servicio estaba abierto durante toda la mañana. La mayor parte de los donantes de sangre eran estudiantes universitarios (según las estadísticas, más mujeres que hombres) que se acercaban al Centro aprovechando la proximidad a sus Facultades. En contadas ocasiones llegaba a haber aglomeraciones. Lo más traumático que recordaba había sido el accidente de tren en Angróis. Había habido más de noventa muertos y las necesidades de sangre habían sido tantas que necesitaron hacer un llamamiento a la sociedad. El Servicio casi colapsara debido a la afluencia de donantes, aunque al final habían conseguido suficiente sangre para todas las transfusiones y para las operaciones de las siguientes semanas. Sobre las nueve y media entraron dos chicas para donar sangre. De un rápido vistazo, las reconoció. Mientras preparaba los sacos de plástico para la sangre, conversó alegremente con ellas. Eran de la Facultad de Derecho. Consultó sus datos en el ordenador y se dio cuenta que venían con cierta regularidad, una vez cada seis meses desde hacía tres años. Y siempre juntas. — Otra vez por aquí, ¿eh? — dijo él, con su mejor sonrisa. — La última donación fue el cuatro de marzo, ¿no? Siempre charlaba con las donantes durante un rato, para que se olvidasen de que debía buscar una vena en el brazo y pincharlas con la aguja. Antes de comenzar, como se hacía en todos los casos, les tomó la tensión a cada una y midió los niveles de hemoglobina para comprobar que no tuviesen anemia. Tenía la máxima precaución a la hora del pinchazo, porque sabía que una mala experiencia con la aguja podía hacer que un potencial donante no regresase por allí nunca más, perdiéndose la sangre que era tan importante para que el Servicio 57 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL de Salud pudiese atender todas las operaciones planificadas. Mientras las dos chicas estaban echadas en sus camillas, les puso música ambiente. En menos de quince minutos llenaron los dos sacos de sangre, con aproximadamente una capacidad de 450 mililitros. Sentía mucha simpatía por las personas que acudían allí a donar sangre. Siempre las trataba con extrema cortesía, fuesen adolescentes, personas maduras o viejas, hombres o mujeres, altas o bajas, flacas o gordas. Cuando él se tuvo que operarse, había salido vivo de su operación porque alguna persona altruista donara sangre para que él siguiera adelante. Eso no podía olvidarlo. Guardó las dos bolsas de sangre en la maleta negra que llevaba con él y que estaba preparada para conservar la sangre a una temperatura idónea. Al acabar les ofreció a las dos chicas algo de beber (una de ellas pidió un zumo de naranja y la otra un refresco) y algo de comer. Al principio no querían comer nada, pero él insistió. Siempre era mejor que comiesen alguna cosa, porque podían marearse al salir… Les ofreció unos bocadillos de queso con chorizo que él les preparó con todo el cariño. Aunque al principio decían que no, acabaron por comerlos con ganas. Se despidieron de él con una sonrisa y salieron de allí, alegres y felices como rosas silvestres. Durante el resto de la mañana entraron nueve personas más. Era un número normal. Generalmente, solían estar allí dos personas para atenderlas, pero como hoy su compañera había pedido el día libre, se había quedado solo para atender a los donantes. Por eso había podido aprovechar la ocasión. * Llegó a casa pasadas las cuatro de la tarde. La primera cosa que hizo fue dirigirse al dormitorio de sus padres. Su madre estaba todavía en cama, reclinada sobre dos cómodas almohadas. Su padre había permanecido allí durante toda la mañana, como solía hacer cuando ella se encontraba mal. —¿Cómo estás, hijo? — dijo su padre. — ¿Todo bien? Sabía qué era lo que preguntaba, en realidad. Él miró a su padre y asintió, sonriendo. Se dirigió a la cómoda y preparó todo: la jeringuilla, los tubos para la transfusión y las bolsas de sangre. Sobre la mesa de noche colocó un aparato, que conectó a la red eléctrica, y sobre él puso uno de los sacos de plásticos con la sangre. Aquel aparato movía el saco para arriba y para abajo, para arriba y para abajo, una y otra vez… — ¿Estás preparada? Su madre dijo que sí con un movimiento de cabeza. Y sonrió. A él le encantaba verla sonreír. Le transmitía una paz profunda a su alma. Y lo que hacía por ella era lo mínimo que un hijo debe hacer por su madre. Le buscó una vena en el brazo. Era difícil, porque cuando ella se ponía así, no era nada fácil encontrarle una buena vena. Al final lo consiguió. Aplicó la aguja, con extremo cuidado, como si fuesen aquellas adolescentes a las que había atendido por la mañana. Vio como la sangre comenzaba a fluir por el tubo, hasta que la sangre de la transfusión llegaba al brazo de su madre. Un minuto después observó como los cabellos blancos comenzaban a recuperar su color natural. Se iban tiñendo lentamente de color, de las raíces a las puntas. Finalmente, en un minuto, habían recuperado el hermoso color castaño oscuro que siempre había conocido. Después, observó como las arrugas alrededor de los ojos comenzaban a hacerse menos profundas, hasta que se eliminaron por completo. Y cómo el rostro se hacía más joven, cada vez más joven. Lo mismo ocurría con la piel del brazo, que se tornaba más suave y más viva… Cuando acabó la transfusión, nadie habría reconocido a la persona que estaba allí, reclinada en la cama. Era una mujer de unos treinta años, sin pecas en la piel, sin rastro de cansancio o de enfermedad. Los ojos refulgían de nuevo, como estrellas brillantes en la oscuridad de la noche. — Me siento de maravilla, hijo. ¡Gracias! Él se aproximó a su madre. Sin decir nada le abrió la boca para observarle los dientes. En lo primero que reparó fue en los colmillos: habían crecido mucho, como siempre que recibía su dosis de sangre… Eso, al menos, era algo que no se podía evitar… 58 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL — ¡Estupendo! - exclamó el hijo. — Ya puedes levantarte. ¿Te dolió la aguja? — No, hijo. Nada. Miró para su padre. Era su turno. — Venga, papá. Ven aquí. El padre se levantó lentamente de su sillón y se aproximó a su hijo. Este preparó las cosas que iba a necesitar: una jeringuilla nueva, el tubo y la bolsa de sangre. Sentado, observándolo atentamente, su padre seguía cada uno de sus movimientos. Él y la mujer intercambiaron una mirada cómplice. La mujer sonreía, dulcemente, encantada de observar lo que su hijo estaba haciendo. Una vez más, y eran tantas que ya había perdido la cuenta, acababa de salvarles la vida. Tradución de Ângelo Brea. 59 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL SUPERSTIÇÃO Belén Fernández Crespo O bosque, aterrorizado, havia emudecido. No denso silêncio, ressoava o badalar do sino como um uivo brutal. Apavorado, com o coração latejando forte nos ouvidos, José Piñero lutava por respirar. Já sentia o calor das velas acariciando suas costas. Alçou-se ao limite de suas forças. Somente alguns metros o separavam de sua salvação no próximo cruzamento, ao final da senda. Via-se, como em sonhos, a abraçar o cruzeiro, agarrando-se a ele com férrea força, acordando em seu quarto com a certeza de que tudo havia siso um ridículo pesadelo. Saíra sozinho, passada a meia-noite, desprezando conselhos e advertências; rira-se da “superstição” estúpida. Ignorou todas as instruções para se proteger. A garra brutal rasgou sua camisa e o paralisou com seus dedos gelados. Derrotado, José caiu de bruços no chão. Fechou os olhos, tentando salvar-se, mas uma força sobrenatural o virou e o forçou a abri-los e contemplar o espectro de órbitas vazias que lhe entregou a cruz. Queria gritar por ajuda, mas os alaridos ficaram engasgados em sua garganta. Era impossível escapar ao castigo: vagaria até a morte encabeçando a procissão e conduzindo-a pelos caminhos... Havia sido capturado pela Santa Companha3. Tradução de Paulo Soriano. SUPERSTICIÓN Belén Fernández Crespo El bosque, aterrorizado, había enmudecido. En el denso silencio, resonaba el tañido de la campana como un aullido brutal. Espeluznado, con el corazón reventándosele contra los oídos, José Piñero luchaba por respirar. Ya sentía el calor de las velas acariciando su espalda. Voló al límite de sus fuerzas. Sólo unos metros le separaban de su salvación en la próxima intersección, al final del sendero. Se soñaba abrazando el cruceiro, aferrándose a él con fuerza de hierro, despertando en su habitación con la seguridad de que todo había sido una ridícula pesadilla. Había salido solo, pasadas las doce, despreciando consejos y avisos; burlándose de A Santa Companha é uma lendária tradição galegoasturo-portuguesa descrita como uma procissão de defuntos 3 la estúpida “superstición”. Ignoró toda instrucción de protegerse. La brutal garra rasgó su camisa y le paralizó con sus gélidos dedos. Derrotado, José cayó de bruces al suelo. Cerró los ojos intentando salvarse, pero una fuerza sobrenatural le volteó y le obligó a abrirlos y contemplar el espectro de cuencas vacías que le entregaba la Cruz. Quiso gritar pidiendo auxilio, pero los alaridos se atragantaron en su garganta. Era imposible escapar al castigo: vagaría hasta su muerte encabezando la procesión y guiándola por los caminos… Había sido apresado por la Santa Compaña. ou almas penadas, conduzida por um vivo, que carrega uma cruz e definha paulatinamente, a cumprir penitência. 60 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O CONCERTO DOS EXTRATERRESTRES Emilio Vilaró R — ecebi uma mensagem de uns músicos de uma galáxia próxima; estão de passagem fazendo uns shows. Estão se oferecendo para nos dar um recital de música típica de seu planeta. Sendo a primeira vez, eles o fariam de graça. — Quando seria isso? — Como estão por perto, teria que ser por esses dias. Depois, não poderiam: têm compromissos em um buraco negro. — Assim não dá... A agenda de concertos está cheia... Diga-lhes que, quando voltarem, avisem com antecedência. Precisamos de tempo para preparar as coisas convenientemente. Especialmente considerando que seria o primeiro concerto dado na Terra por alienígenas. Peça-lhes que nos informem em que frequência tocam, se são visíveis, seu peso, tamanho, o que comem, e como podemos acomodá-los bem. Por Deus, que enviem uma amostragem do que fazem para ver se vale a pena: um vídeo, áudio, fotos, algo assim. — Os músicos são todos iguais; não importa onde tenham nascido, pensam que devemos lhes devotar toda a atenção. O que acham que são? Que, por serem alienígenas, vamos lhes fazer concessões especiais? Tradução de Paulo Soriano. EL CONCIERTO DE LOS EXTRATERRESTRES Emilio Vilaró — He recibido un mensaje de unos músicos de una galaxia cercana, están pasando por aquí haciendo bólos. Nos ofrecen darnos un recital de música típica de su planeta. Siendo la primera vez, lo harían gratis. — ¿Cuándo sería? — Como están cerca, tendría que ser en estos días. Después no podrán, tienen compromisos en un agujero negro. —Pues lo tenemos mal, estamos a tope de conciertos... Diles que cuando vuelvan, nos avisen, pero con más tiempo. Lo necesitamos para prepararlo todo bien. Especialmente considerando que sería el primer concierto en la Tierra de unos extraterrestres. Que nos informen: a qué frecuencia tocan, si son visibles, su peso, tamaño, qué comen, y cómo podemos alojarlos. Por Dios, que envíen una muestra de lo que hacen para ver si vale la pena, un vídeo, audio, fotos, algo. —Los músicos son todos iguales, no importa dónde hayan nacido, piensan que debemos estar pendientes de ellos. ¿Qué se creen?, ¡que por ser extraterrestres les vamos a hacer concesiones! 61 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O SONHO DE SCHUMANN José Ángel Conde Quase todas as civilizações haviam vaticinado que o futuro irromperia com um brusco incidente que rebentaria o fluxo de sua história. A cadência harmônica de picos e vales no gráfico de ondas teta do eletroencefalograma confirmou, mais uma vez, a Ryn quanta histeria e fatalismo havia na escatologia. Além da janela panorâmica do edifício do laboratório, os relâmpagos azuis nasciam e morriam com suas linhas fractais no céu de metal. Depois daquele allegro climático, viria a neve, sublinhando as pausas elétricas, como vinha fazendo há tantos imprevistos dias. A tormenta de suas pesquisas havia dado lugar ao arco-íris da descoberta: a mudança ou mudanças estavam acontecendo o tempo todo. Era o presente, não o futuro, que era a cadência que operava tão invisível e efetiva como um vírus, tão somente silenciosa para a arrogante surdez de nossa espécie. O espectro ondulatório de nosso planeta tinha uma existência independente dos dispositivos e engenhos que tínhamos desenvolvido para tentar controlá-lo. Já nem sequer estávamos na posse de nossos próprios corpos. Ryn e sua equipe tiveram que desenvolver esses implantes nanorrobóticos para alcançar estas mínimas conclusões com a tecnologia disponível, porque a mutação, que já afetava a percepção, também estava propiciando o crescimento de nossos membros. A natureza havia até decidido, com o ímpeto de seu magnetismo, que o fio musical selecionaria os acordes da Träumerei, de Schumann. E se o Apocalipse era certo, por que não poderia significar uma nova oportunidade? A evolução, bela e espontânea como a música, e igualmente inapreensível. Ryn saiu para sonhar no terraço, sobre a paisagem branca, sentindo uma sinestesia que não era tal, mas a vibração do planeta assentindo inconscientemente. Os filamentos azuis saíram de suas mãos como se suas veias quisessem escapar ao firmamento, de onde os dedos olímpicos da ionosfera premiam o teclado da crosta terrestre. Um piano anunciando que as crianças poderiam voltar a nascer e se tornar gigantes de gelo. Tradução de Paulo Soriano. EL ENSUEÑO DE SCHUMANN José Ángel Conde Casi todas las civilizaciones habían vaticinado que el futuro irrumpiría con un incidente brusco que quebraría su historia. La cadencia armónica de picos y valles en el gráfico de ondas theta del electroencefalograma le confirmaba una vez más a Ryn cuánto de histeria y fatalismo había en la escatología. Más allá de la ventana panorámica del edificio de laboratorios los relámpagos azules nacían y morían con sus fractales líneas sobre el cielo de metal. Después de ese allegro climático vendría la nieve, subrayando las pausas eléctricas como llevaba haciendo desde hacía ya tantos imprevistos días. La tormenta de sus investigaciones había dado paso al arco iris del hallazgo: el cambio o los cambios se producían en todo momento. Era el presente y no el futuro la cadencia que operaba tan invisible y efectiva como un virus, silenciosa tan sólo para la arrogante sordera de nuestra especie. El espectro ondulatorio de nuestro planeta tenía una existencia independiente de los aparatos e ingenios que habíamos desarrollado para intentar controlarlo. Ni siquiera estábamos ya en posesión de nuestros propios cuerpos. Ryn y su equipo habían tenido que desarrollar esos implantes nanorobóticos para poder alcanzar estas mínimas conclusiones con la tecnología disponible, porque la mutación que ya afectaba a la percepción estaba propiciando también el crecimiento de nuestras extremidades. La naturaleza incluso había decidido, con el ímpetu de su magnetismo, que el hilo musical seleccionara los acordes de la Träumerei de Schumann. Y si el Apocalipsis era cierto, ¿por qué no podría significar una nueva oportunidad? La evolución, hermosa y espontánea como la música, e igual de inaprehensible. Ryn salió a soñar a la azotea, sobre el blanco paisaje, sintiendo una sinestesia que no era tal, sino la vibración del planeta asintiendo inconsciente. Los filamentos azules salieron de sus manos como si sus venas se quisieran escapar al firmamento, desde donde los dedos olímpicos de la ionosfera pulsaban el teclado de la corteza terrestre. Un piano anunciando que los niños podían volver a nacer y convertirse en gigantes de hielo. 62 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O AÇOUGUEIRO Emílio Vilaró Há algum tempo você me perguntou como eu gostaria de ser enterrada: se no cemitério, cremada ou naquele precioso montinho perto de casa. Sei que a minha morte está aproxima e já tenho tudo planejado nos mínimos detalhes... Há muito tempo que o tenho. Venha cá, escute-me e me obedeça! * Vocês estão sabendo que, finamente, o nosso minúsculo povoado vai ganhar um açougue? Não mais teremos que nos deslocar a Altaparrillo de Arriba para comprar carne. Que alegria! Soubemos disto ontem, quando passamos defronte do ponto, agora desocupado, situado na praça, e perguntamos aos que ali trabalhavam. O próprio açougueiro, que se achava por lá, preparando tudo, confirmou o que nos disseram. É um jovem muito simpático. Disse-nos que esperava estar tudo pronto para a inauguração do açougue no primeiro dia das festas do povoado. Para começar com o pé direito, decidira que deveríamos conhecê-lo e aferir a boa qualidade dos produtos que traria; e que prepararia para os aldeões um antepasto gratuito e variado de suas carnes. Disse-nos que há de ser uma iguaria que nunca saboreamos e que nos encantará a todos. Estamos certas de que todo o povoado provará do petisco. * Cartaz que apareceu na madrugada do segundo dia das festas, fixado em diversos lugares públicos: subprefeitura, correios, escola, praça e igreja: “Olá! Exulto em saber que, finalmente, algo de mim agradou a todos. O que é incrível, a considerar que eu e o meu filho fomos expulsos deste povoado por ser eu mãe solteira e portadora de AIDS. E com direito a um cartaz pregado na subprefeitura, dizendo: “Nunca mais volte aqui”. Gostaria de informar a todos que o que resta do meu corpo — ou seja, meus ossos com fragmentos remanescentes de minha carne, entranhas e outras vísceras não adequadas ao delicioso antepasto preparado ontem, na praça, para vocês — está no freezer do açougue. É a minha vontade que esses restos sejam enterrados em qualquer lugar do mundo, menos neste povoado. Se esta notícia lhes causa vômitos, suores ou excrementos, vocês podem, também, despejá-los na tumba, já que há neles algo que me pertence. Cordiais saudações do Céu, e obrigado, meu filho, por realizar tudo que lhe pedi, apesar das dificuldades e sofrimentos envolvidos, e pelo dinheiro que tudo isto lhe custou.” “A vingança também se come frita.” Tradução de Paulo Soriano. 63 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL CARNICÉRO Emilio Vilaró Háce tiémpo me preguntáste: ¿Cómo deseába ser enterráda: en el cementério, incineráda o en ése precióso montículo cérca de cása? Mi muérte se aproxíma, ya lo sé, y lo téngo tódo planeádo hásta el más mínimo detálle… désde háce múcho tiémpo. ¡Acércate, escúcha y obedéce! *** ¿Sabéis que por fin nuéstro minúsculo puéblo, va a tenér úna carnicería? Ya no tendrémos que desplazárnos a Altaparríllo de Arríba pára comprár cárne, ¡qué alegría! De ésto nos enterámos ayér, cuando pasámos por delánte de ése locál hásta ahóra vacío que hay en la pláza y preguntámos a los que estában allí trabajándo. Nos lo confirmó el própio carnicéro que en ése moménto se encontrába preparándolo tódo. Qué simpático y jóven es. Nos díjo que espéraba tenérlo tódo lísto pára inaugurár el locál el primér día de las fiéstas del puéblo. Había decidído, pára comenzár con buén pié, nos conociésemos y viésemos la buéna calidád de los prodúctos que pensába traér, que íba a preparár pára tódos los vecínos, un aperitívo gratuíto y variádo de sus cárnes. Será álgo que núnca hémos saboreádo, y nos encantará. Estámos segúras que tódo el puéblo lo probará. *** Avíso que apareció en la madrugáda del segúndo día de fiéstas, pegádo en vários lugáres públicos: Ayuntamiénto, Corréos, Escuéla, Pláza e Iglésia. Hóla: Me da múcho gústo sabér que: por fin álgo mío os ha gustádo. Lo cual es increíble, pensándo que nos echásteis del puéblo a mí y a mi híjo por ser mádre soltéra y con sída. Añadiéndo un letréro desplegádo en el Ayuntamiénto, diciéndo: «No vuélvas». Quisiéra informáros que el résto de mi cuérpo, o séa, mis huésos con los fragméntos restántes de mi cárne, entráñas y ótras vísceras no adecuádas pára el delicióso aperitívo que os hémos preparádo ayér en la pláza, están en el congeladór de la carnicería. Desearía que ésos, mis réstos, los entiérren en cualquiér sítio, exceptuándo éste puéblo. Si ésta notícia os prodúce vómitos, sudóres o excreméntos, también podéis ponérlos en la túmba, álgo de éllos me pertenéce. Salúdos désde el grácias híjo, sé lo lo múcho que has pára hacér tódo lo pedído y el dinéro costado. ciélo, y difícil y sufrído, que te he que te ha «La vengánza, también se sírve fríta» 64 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL FOME José Manuel González Rodríguez Julián abriu os olhos. Estava deitado de costas. Tentou olhar em torno de si, mas logrou apenas girar um pouquinho a cabeça. Havia conseguido! Como gostaria, agora, de ver a cara de todos os que riram dele quando decidiu congelar-se para abandonar aquela época de penúrias! Logo, porém, se arrependeu daquele pensamento, porque os seus amigos já estavam mortos há muito tempo. Tinham-lhe dito que aquilo tudo era uma trapaça — e até o fizeram duvidar —, mas nunca saberiam o quão estavam enganados. Gastara tudo o que tinha, mas valera a pena. O contrato estipulava que não seria despertado antes que o mundo superasse a crise alimentar. Agora poderia viver o resto de sua vida comendo as delícias que, em sua época, estavam apenas ao alcance de milionários, sem ter que disputar com os vizinhos aquela gororoba distribuída pelo governo. Alguns minutos depois, conseguiu virar o pescoço o suficiente para constatar que a mesa ao lado era ocupada por um homem nu. “Outro cliente”, pensou, mas assustou-se ao ver que faltava ao homem um braço, e que, embora parecesse cauterizada, a ferida ainda ressumava algum sangue. Ele havia sido avisado de que o congelamento podia produzir eleitos secundários, mas nunca imaginou que poderiam ser tão graves. Fazendo um esforço supremo, Julián pôde mover os seus membros por uns milímetros, o suficiente para comprovar que não lhe faltava nada. A porta se abriu e alguém entrou na sala; Julián só pôde vê-lo quando o estranho se abeirou à mesa de seu vizinho. Vestia um uniforme imaculadamente branco e tinha a cabeça coberta por um chapéu alongado. Julián tentou falar, mas a paralisia, que o aprisionava, o impediu de articular palavra. “Como é ridículo o uniforme dos médicos desta época”, pensou Julián, divertido, desejando ansiosamente que lhe dessem alta para ver as maravilhas do mundo afora. O recém-chegado virou-se para a porta e gritou: — Marcos!... O que foi que o pessoal da mesa quinze pediu mesmo? Perna ou braço? Tradução de Paulo Soriano. 65 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL HAMBRE José Manuel González Rodríguez Julián abrió los ojos. Estaba tendido sobre la espalda. Intentó mirar a su alrededor, pero solo logró girar un poquito la cabeza. ¡Lo había conseguido! Ahora le gustaría ver las caras de todos los que se habían reído de él cuando decidió congelarse para dejar atrás aquella época de penurias. Pero en seguida se arrepintió de aquel pensamiento porque sus amigos ya llevarían mucho tiempo muertos. Decían que aquello era un timo y hasta le hicieron dudar, y ahora ya nunca sabrían lo equivocados que estaban. Se gastó todo lo que tenía, pero había valido la pena. El contrato estipulaba que no sería despertado hasta que el mundo hubiera superado la crisis alimentaria, así que ahora podría vivir el resto de su vida comiendo los manjares que en su época solo estaban al alcance de los millonarios, sin tener que pelearse con sus vecinos por la bazofia que repartía el gobierno. Unos minutos después logró girar el cuello lo suficiente como para ver que la mesa de al lado estaba ocupada por un hombre desnudo. “Otro cliente” —pensó, pero se alarmó cuando vio que le faltaba un brazo, y la herida, aunque parecía cauterizada, aún rezumaba un poco de sangre. Le habían advertido que la congelación podía producir efectos secundarios, pero nunca imaginó que podían ser tan graves. Haciendo un esfuerzo supremo, Javier logró mover unos milímetros sus miembros, lo suficiente para comprobar que no le faltaba nada. Una puerta se abrió y alguien entró en la sala, aunque Julián no pudo verlo hasta que se acercó a la mesa de su vecino. Vestía un uniforme inmaculadamente blanco y se cubría la cabeza con un gorro alargado. Julián intentó hablar, pero la parálisis que lo atenazaba se lo impidió “Qué ridículo es el uniforme de los médicos de esta época —pensó Julián, divertido, deseando fervientemente que le dieran el alta para ver las maravillas que habría allí fuera. El recién llegado se volvió hacia la puerta y gritó: —¡Marcos!... ¿Qué han pedido los de la mesa quince? ¿Pierna o brazo? 66 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL PROIBIDO PISAR NA GRAMA Carlos Enrique Saldívar Paul e Mario caminhavam por uma concorrida e aprazível região do distrito de San Borja. Atravessaram a pista e percorreram uma longa vereda contígua a um amplo espaço gramado, onde cresciam prímulas, azaleias e rododendros. Num dos cantos se achava uma pequena (ainda visível) tabuleta, que dizia: “PROBIDO PISAR NA GRAMA. PENALIDADE GRAVE.” Ambos a leram e seguiram o seu caminho. Mario disse a seu companheiro: —Sabia que eu já estou farto de que nos limitem a liberdade? Desde que este presidente tomou posse, não podemos fazer coisas tão singelas como pisar sobre as plantas de alguns distritos. — O jovem olhou para os lados. Não havia nenhum guarda municipal por ali. — Eu o aconselho a não pisar na grama — disse Paul. — Por que não? Sim, claro, as câmeras estão filmando e, se eu pisar sobre a grama, soará algum alarme e virão em meu encalço. Mas eu não ligo. Eu sou mais inteligente que as autoridades: vou entrar, pisotear o gramado e fugir correndo. Não fique com receio: a responsabilidade será inteiramente minha. Se me pegarem, pagarei a minha multa. — Como queira; a responsabilidade será apenas sua. — Paul meteu as mãos nos bolsos e se pôs a assoviar. Pensou em dizer algo mais, mas resolveu calar-se. Mario penetrou na área proibida e avançou alguns passos. Sentiu-se contente e livre; pulou e gargalhou. Nesse preciso instante, surgiu de um dos flancos um ser cilíndrico feito de aço. Era grande; sua cabeça cúbica se abriu, exibindo quatro pinças que antes pareciam dentes aguçados de um tubarão gigantesco. O ente bestial capturou o transgressor pelo pescoço, descendo pelo torso e pelo abdome, até engolir-lhe o corpo inteiramente. Depois, o mostro metálico se ocultou novamente no mesmo lugar de onde havia saído. — Eu lhe disse para não pisar na grama — disse Paul e continuou andando, enquanto assoviava. Tradução de Paulo Soriano. PROHIBIDO PISAR EL CÉSPED Carlos Enrique Saldívar Paul y Mario caminaban por una concurrida y apacible zona del distrito San Borja. Cruzaron la pista y recorrieron una larga vereda ubicada junto a un amplio espacio cubierto de césped, allí había algunas prímulas, azaleas y rododendros. En un extremo se hallaba un pequeño (aunque visible) cartel que decía: «PROHIBIDO PISAR EL CÉSPED. SANCIÓN SEVERA.» Ambos lo leyeron y siguieron su ruta. Mario le dijo a su acompañante: —¿Sabes qué? Ya estoy harto de que limiten nuestras libertades, desde que este presidente entró al gobierno no podemos hacer cosas tan simples como pisar las plantas de algunos distritos. —El joven miró a todos lados. No había ningún guardia municipal cerca. —Te recomiendo que no pises el césped —dijo Paul. —¿Por qué no? Sí, claro, las cámaras me están filmando y cuando lo pise, sonará alguna alarma y me perseguirán. Pues no me importa. Yo soy más inteligente que las autoridades, voy a entrar ahí, pisotearé el césped y me iré corriendo. No temas, la responsabilidad será solo mía. Si me atrapan, pagaré mi multa. —Como gustes, la responsabilidad será solo tuya —Paul se metió las manos a los bolsillos y se puso a silbar. Pensó en decir otra cosa, sin embargo, prefirió callarla. Mario ingresó al área prohibida, avanzó unos pasos. Se sintió contento, libre, saltó y se carcajeó. En ese preciso instante surgió desde un costado un ser cilíndrico hecho de acero; era grande, su cabeza cúbica se abrió mostrando cuatro tenazas que parecían los colmillos de un tiburón gigantesco. La bestia atrapó al trasgresor por el cuello, siguió con el torso y el abdomen hasta tragarse todo el cuerpo. Luego el monstruo metálico se ocultó nuevamente en el lugar de donde había salido. —Te dije que no pisaras el césped —dijo Paul, y continuó andando mientras silbaba. 67 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O RECOLHEDOR DE ANDROIDES Paulo Soriano Sempre odiei os androides. Embora não tenha sido o único, este foi o principal motivo pelo qual liderei, por vinte anos, o grupo de captura e recolhimento de robôs da Biogenez, a mais antiga e prestigiada empresa de fabricação de androides biológicos do mundo. Os seus produtos se confundem com a espécie humana a ponto de ser impossível identificá-los, se este for o desígnio de quem o fabricou ou o adquiriu. Todos sabem que os bioandroides imitam com perfeição o gênero humano. Raciocinam como qualquer pessoa e partilham de toda a gama de emoções próprias às das pessoas naturais, cujas funções orgânicas reproduzem cabalmente: até mesmo envelhecem. Mas quase nunca adoecem e não podem reproduzir-se, entre si ou com seres humanos. Limitação que, para mim, parece uma bênção. Por imitar o ente humano — este feito à imagem e semelhança de Deus —, um bioandroide já é, por si mesmo, uma aberração, um insulto à glória divina. Imagine você se esses robôs abjetos pudessem crescer e multiplicar-se... Como líder da equipe de captura e recolhimento, eu exercia as minhas funções com mãos de ferro. Era implacável e impiedoso. A minha dedicação extrema àquela atividade, que era a minha razão de viver, fez de mim um celibatário. Renunciei ao prazer de constituir uma saudável família, de amar uma mulher carinhosa e com ela ter meia dúzia de filhos e filhas, somente para me dedicar, de corpo e alma, ao recolhimento dos robôs orgânicos que apresentavam defeito de fabricação ou cuja vida útil já estivesse esgotada. Às vezes, era um trabalho arriscado, porque eles sempre resistiam heroicamente à prisão. Mas eu sempre me saía bem. Quanto maior a resistência, maior era o meu prazer em subjugar e pôr fora de circulação aquela degeneração herética. O grupo de extermínio, o último elo daquela cadeia, sempre me recebia com o caloroso sorriso nos lábios, mas o meu era ainda mais sincero e exaltado. Ontem, porém, me aposentaram compulsoriamente. Se a minha vontade prevalecesse, recolheria os malditos androides até que me sobreviesse a morte. Mas a legislação aplicável à minha profissão é inflexível. Cumpridos os vinte anos, o agente de recolhimento de androides é automaticamente posto na inatividade. Dizem que é uma necessidade imperiosa renovar os quadros de captura. Apesar de desolado, aceitei a nova condição. Como tenho uma saúde de ferro, imaginei que poderia, agora, formar uma família: ainda era jovem o suficiente para ver a minha prole crescer e tornar-se adulta. Era nisso que pensava quando Luchkov, sem prévio aviso, chegou à minha casa, acompanhado por dois de nossos melhores agentes recolhedores. Abri um sorriso quando os vi. Trabalhei com Luchkov por quinze anos e ele sempre foi o meu braço direito, o meu bom e fiel camarada. Agora era ele, por indicação minha, o meu substituto, o implacável chefe dos recolhedores. — Uma festa surpresa, Luchkov? Veio comemorar comigo e com os nossos amigos a minha aposentadoria? — disselhe. — Esta não é, infelizmente, Kolpakov, uma visita social — disse-me Luchkov, secamente. — Não? Como assim? — Sua vida útil acabou, Kolpakov. Viemos recolhê-lo. Sempre tive uma saúde de ferro. Nunca adoeci. Eu deveria ter desconfiado... 68 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL RETIRADOR DE ANDROIDES Paulo Soriano Siempre he odiado a los androides. Aunque no haya sido el único, este fue el principal motivo por el que lideré, durante veinte años, el grupo de captura y retirada de robots de Biogenez, la más antigua empresa de fabricación de androides biológicos del mundo. Sus productos se confunden con la especie humana hasta el punto de que es imposible identificarlos, si este hubiera sido el designio de quien los fabricó o adquirió. Todos saben que los androides imitan a la perfección al género humano. Usan el raciocinio como cualquier persona y comparten toda la gama de emociones propias de las personas naturales, cuyas funciones orgánicas reproducen cabalmente: incluso envejecen. Pero casi nunca enferman y no pueden reproducirse, entre sí o con seres humanos. Limitación que, para mí, parece una bendición. Por imitar al ente humano — este hecho a imagen y semejanza de Dios —, un bioandroide es, por sí mismo, una aberración, un insulto a la gloria divina. Imaginemos que esos robots abyectos pudiesen crecer y multiplicarse… Como líder del equipo de captura y retirada, yo ejercía mis funciones con mano de hierro. Era implacable y cruel. Mi dedicación extrema a aquella actividad, que era mi razón de vivir, me hizo ser célibe. Renuncié al placer de constituir una familia, de amar a una mujer cariñosa y de tener con ella media docena de hijos e hijas, solamente para dedicarme, en cuerpo y alma, a la retirada de los robots orgánicos que presentaban un defecto de fabricación o cuya vida útil ya se hubiese agotado. A veces era un trabajo arriesgado, porque ellos siempre resistían heroicamente a la prisión. Pero yo siempre tenía éxito. Cuanto mayor era la resistencia, mayor era mi placer en subyugar y poner fuera de circulación a aquella degeneración herética. El grupo de exterminio, el último eslabón de aquella cadena, siempre me recibía con una calurosa sonrisa en los labios, pero el mío era aún más sincero y exaltado. Ayer, incluso, me habían jubilado obligatoriamente. Si mi voluntad hubiese prevalecido, retiraría a los malditos androides hasta que me llegase la muerte. Pero la legislación aplicable a mi profesión es inflexible. Cumplidos los veinte años, el agente de retirada de androides es automáticamente puesto en inactividad. Dicen que es una necesidad imperiosa renovar los equipos de captura. A pesar de dejarme desolado, acepté la nueva condición. Como tengo una salud de hierro, imaginé que podría, ahora, formar una familia: aún era joven y suficiente para ver mi prole crecer y hacerse adulta. Era en eso que estaba pensando cuando Luchkov, sin previo aviso, llegó a mi casa, acompañado por dos de nuestros mejores agentes retiradores. Sonreí cuando los vi. Había trabajado con Luchkov durante quince años y él siempre había sido mi mano derecha, mi buen y fiel camarada. Ahora era él, por recomendación mía, mi sustituto, el implacable jefe de los retiradores. — ¿Una fiesta sorpresa, Luchkov? ¿Ha venido a celebrar conmigo y con nuestros amigos mi jubilación? — le pregunté. — Esta no es, lamentablemente, Kolpakov, una visita social — me dijo Luchkov, secamente. — ¿No? ¿Cómo es eso? — Su vida útil se ha acabado, Kolpakov. Hemos venido a retirarlo. Siempre había tenido una salud de hierro. Nunca me enfermé. Tendría que haber desconfiado... Traducción de Ângelo Brea. 69 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A SELEÇÃO Ricardo Manzanaro Era a sua grande chance. Mas tinha medo de falhar ou de que os outros concorrentes fossem muito melhores que ela. Elena adorava cantar. E no sábado seguinte faria um teste para um programa musical de enorme sucesso. Queria ser selecionada, custasse o que custasse. Assim, procurou um bruxo, que lhe disseram que era incrível, e que operava milagres com os seus conjuros. No dia da seleção, Elena cantou maravilhosamente. Todos ficaram boquiabertos. Então, o diretor musical tomou a mais lógica decisão possível nesse caso: contratou o bruxo. Tradução de Paulo Soriano. CASTING Ricardo Manzanaro Era su gran oportunidad. Pero tenía miedo de fallar o que los otros que se presentasen fueran mucho mejores. A Elena le apasionaba cantar. Y el siguiente sábado iba a hacer una prueba en el casting para un programa musical de gran éxito. Quería ser seleccionada como fuera. Así que acudió a un brujo, que le habían dicho que era buenísimo, y lograba milagros con sus conjuros. Y el día del casting Elena cantó fabulosamente bien. Todos quedaron boquiabiertos. Así que el director musical hizo lo más lógico en ese caso. Contrató al brujo. UM BREVE ENCONTRO NO CEMITÉRIO Paulo Soriano No Dia de Finados, uma mulher chorava junto a um túmulo. — Por quem choras? — perguntou um passante. — Choro por meu marido — respondeu a mulher. — É duro perder um cônjuge... — comentou o homem. — Eu não o perdi. Ele me perdeu... E não veio me visitar. Por isto, choro... E, dizendo isto, esvaneceu no ar. Tradução de Paulo Soriano. UN BREVE ENCUENTRO EN EL CEMENTERIO Paulo Soriano El Día de Difuntos, una mujer lloraba junto a una tumba. — ¿Por quién estás llorando? — perguntó un transeúnte. — Lloro por mi marido — respondió la mujer. — Es difícil perder a un cónyuge ... — dijo el hombre. — No lo he perdido. Me ha perdido. Y no vino a visitarme hoy. Por esto lloro... Y, diciendo eso, se desvaneció en el aire. Revisión de Ângelo Brea. 70 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL SEMPRE SE FEZ ASSIM Dolo Espinosa Quando o dragão dava um passo, o chão tremia. Quando saltava, o tremor era tão atroz que o príncipe tinha que fazer um esforço sobre-humano para não perder o equilíbrio. Quando batia as asas, um pequeno furacão obrigava o jovem guerreiro a agarrar-se a tudo o que pudesse para não sair voando. Quando a fera exalava o seu hálito ardente, era com grande dificuldade que o rapaz evitava acabar assado como uma galinha domingueira. Quando o príncipe desferia golpes após golpes, o dragão expelia fogo, tentando evitá-los. Quando saltava, fintava e corria, a besta sofria por mover, rápida e suficientemente, seu corpo gigantesco. Quando o guerreiro escapava por alguma estreita fenda, o lagarto monstruoso sentia a frustração do comprador que via escapar o bem cobiçado numa liquidação. A princesa, de sua torre, assiste à batalha. Depois de várias horas correndo, voando, esquivando-se, lançando fogo, saltando, defendendo-se, agachando-se, desferindo e recebendo golpes, o dragão e o príncipe se detêm. Eles se olham: o homem suando, o animal ofegando, ambos exaustos. O dragão, com a respiração agitada, língua de fora, garras nos joelhos, levanta uma sobrancelha e fala: —Essa princesinha deve ser muito importante, não é mesmo? O príncipe, mais escarrapachado do que sentado no chão, diante da fera, olha para ele com firmeza, coça a cabeça e, franzindo o cenho, responde: —Hummm... a verdade é que... mais ou menos. — Então, por que está lutando comigo? — Bem, é o que sempre se tem feito — responde o príncipe, com um encolher de ombros. — Quando a você, parece, sim, muito interessado nisto tudo... O dragão move suas asas com ar pensativo e responde: — Na verdade, não me importo muito. — Então, por que está lutando comigo? — pergunta o príncipe, franzindo mais ainda o já franzido cenho. — Não sei — responde o dragão, pensativo. Por que sempre se fez assim? Príncipe e dragão ficaram em silêncio. Passado algum tempo, e como se tivessem ajustado previamente, o príncipe e o dragão ergueram os olhos para a princesa que, da torre, observava, um tanto perplexa, a cena. Sim — pensaram —, ela era uma princesa. Sim — eles continuaram a pensar —, ela era muito bonita. Sim — eles meditavam —, lutar pela princesa é o que sempre se fez, mas... Após mais alguns segundos de meditação, o príncipe olhou para a espada, que ainda segurava, e lentamente se levantou, metendo-a na bainha. O dragão não tinha espada que abandonar, então se limitou a sacudir o pescoço e as asas e alçar-se sobre as patas traseiras. — Você gosta de um bom vinho? — o príncipe perguntou ao dragão. — E quem não gosta? — o dragão respondeu ao príncipe. — Bem, eu o convido a tomar uma taça comigo. — Que seja um barril. — Trato feito. E, sem mais delongas, afastaram-se da torre e da princesa que, atônita, os viu caminhado juntos, numa conversa amigável. — Ei! — ela gritou. —Vocês não podem me deixar assim! Mas o dragão e o príncipe já estavam muito longe para ouvi-la. — De qualquer maneira — a princesa suspirou, apoiando o queixo na mão, enquanto observava o cair da noite —, ainda bem que a chave ainda está debaixo do tapete onde eu a guardei. Tradução de Paulo Soriano. 71 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL SIEMPRE SE HA HECHO ASÍ Dolo Espinosa Cuando el dragón daba un paso, el suelo temblaba. Cuando saltaba, el temblor era tan atroz que el príncipe debía hacer un esfuerzo sobrehumano para no perder el equilibrio. Cuando agitaba sus alas, un pequeño huracán obligaba al joven guerrero a sujetarse a lo que pudiera para no salir volando. Cuando exhalaba su ardiente aliento, el muchacho lograba, a duras penas, no acabar asado cual pollo en domingo. Cuando el príncipe lanzaba estocada tras estocada, el dragón sudaba fuego intentando esquivarlas. Cuando saltaba, fintaba y corría, la bestia sufría lo suyo para mover su gigantesco cuerpo a la velocidad suficiente. Cuando lograba escurrirse en alguna estrecha hendidura, el monstruoso lagarto sentía la frustración del comprador en rebajas que ve escapar la prenda anhelada. La princesa, desde su torre, contempla la batalla. Tras varias horas de correr, volar, esquivar, fintar, lanzar fuego, saltar, atacar, defender, agacharse, levantarse, golpear y recibir, el dragón y el príncipe se detienen. Se miran, sudoroso el hombre, jadeante el animal, exhaustos ambos. El dragón, con la respiración agitada, la lengua fuera, las garras sobre sus rodillas, arquea una ceja y habla: —Esta princesita debe de importante mucho, ¿no es así? El príncipe, más espatarrado que sentado en el suelo frente a la bestia, lo mira de hito en hito, se rasca la cabeza y, frunciendo el entrecejo responde: —Hummm... la verdad es que ni fu ni fa. —¿Entonces por qué luchas contra mí? —Bueno, es lo que se ha hecho siempre —responde el príncipe encogiéndose de hombros—. A ti sí que se te ve muy interesado... El dragón, mueve sus alas con aire pensativo y responde: —En realidad me da un poco igual. —¿Entonces por qué luchas contra mí? — pregunta el príncipe, frunciendo aún más el ya fruncido ceño. —No sé. —Responde el dragón con aire pensativo—, ¿porque siempre se ha hecho así? Príncipe y dragón, quedaron en silencio. Al cabo de un rato y como si se hubieran puesto de acuerdo, príncipe y dragón alzaron la vista hacia la princesa que, desde la torre, observaba, un tanto perpleja, la escena. Sí, pensaron, era una princesa. Sí, siguieron pensando, era bastante guapa. Sí, meditaron, luchar por la princesa es lo que siempre se había hecho, pero... Tras unos segundos más de meditación, el príncipe miró la espada que aún sujetaba y, lentamente se puso en pie y la guardó en su funda. El dragón no tenía espada que abandonar, así que se limitó a sacudir cuello y alas y alzarse sobre sus patas traseras. —¿Te gusta el buen vino? —preguntó el príncipe al dragón. —¿Y a quién no? —respondió el dragón al príncipe. —Pues te invito a una copa. —Que sea un barril. —Hecho. Y, sin más, se alejaron de la torre y de la princesa que, atónita, los veía marchar en amigable charla. —¡Hey! —gritó— ¡No podéis dejarme así! Pero dragón y príncipe estaban demasiado lejos para poder escucharla. —En fin —suspiró la princesa apoyando la barbilla en su mano mientras ve caer la tarde—, menos mal que la llave sigue bajo el felpudo donde la guardé. 72 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O CAIXA José Manuel González Rodríguez — Quero retirar cem créditos da minha conta. ― Por favor, aproxime-se do círculo vermelho na tela para reconhecimento da retina... Obrigado, Sra. María Manuela Iturriaga, setenta e nove anos, residente em Basauri, rua Cabrera, quinto subsolo, moradia de aluguel, número de cidadão 23243A26... Por favor, diga “sim” se essa for a sua identidade. — Sim, sou eu, quero retirar cem créditos. ― A senhora tem um total de 6.332 créditos. Precisamos que confirme que o seu parente mais próximo é Dom Miguel Iturriaga, residente em Madri, rua Miguel de… — Ele é meu sobrinho... Por que precisam dessa confirmação? — É uma informação necessária para o cumprimento da lei 9-2054, de 12 de fevereiro... Quer transferir todo o seu patrimônio para o Sr. Miguel Iturriaga? — Como?... Não!... Eu só quero sacar cem créditos! — A lei estabelece que você deve designar um beneficiário para seus ativos. Caso contrário, seu saldo será transferido para uma conta pertencente ao Estado. Quer que seu patrimônio seja transferido para o Estado? — Claro que não!... Espere... Isto é para que meu sobrinho herde meu dinheiro quando eu morrer? — Afirmativo, Sra. María Manuela. — Então, sim, quero que meu sobrinho receba o que ficar em minha conta depois que eu morrer. ― Sua decisão ficou registrada e será comunicada ao Registro de Testamentos. Informamos que nosso serviço tem um custo de dez créditos, que serão descontados de... — Dez créditos! Isso é um roubo! — Nossas tarifas aumentaram durante o ano em curso em cinco por cento devido ao aumento exponencial na demanda por nossos serviços. No entanto, temos o prazer de informar que a nossa empresa figura como a que oferece a melhor relação qualidade/preço do mercado na avaliação periódica efetuada pelo Ministério do BemEstar Social. — Bem, ainda me parece muito caro... Posso falar com um operador humano? — Lamento, Sra. María Manuela, mas o nosso serviço não dispõe de operadores humanos... Quer fazer uma declaração antes do início do processo? — Uma declaração?... Desde quando uma declaração é necessária para sacar dinheiro? — Eu não entendi a sua pergunta. Por favor, reformule. — Isto não é um caixa eletrônico? — Não, Sra. María Manuela. A senhora encontra-se na cabine de propriedade de ERISA, sigla da empresa de serviços “Eutanásias Rápidas e Indolores Sociedade Anônima”. Temos o prazer de informar que a transferência de seu ativo remanescente para a conta de D. Miguel Iturriaga foi concluída. Por favor, responda à pergunta: Quer fazer uma declaração antes do início do processo?... Tradução de Paulo Soriano. 73 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL CAJERO José Manuel González Rodríguez ― Quiero retirar cien créditos de mi cuenta. ― Por favor, acérquese al círculo rojo de la pantalla para el reconocimiento retinal… Gracias, doña María Manuela Iturriaga, setenta y nueve años, residente en Basauri, calle Cabrera, cinco bajo, domicilio en alquiler, número de ciudadano: 23243A26… Por favor, diga “sí” si esa es su identidad. ― Sí, soy yo, quiero retirar cien créditos. ― Dispone en su cuenta bancaria un total de 6.332 créditos. Necesitamos que nos confirme que la persona con un grado de parentesco más cercano a usted es don Miguel Iturriaga, residente en Madrid, calle Miguel de… ― Es mi sobrino… ¿Para qué necesitan que se lo confirme? ― Es un dato necesario para cumplir la ley 9-2054, del 12 de febrero… ¿Desea transferir el total de su activo a don Miguel Iturriaga? ―¿Cómo?... ¡No!... ¡Yo solo quiero sacar cien créditos! ― La ley estipula que usted debe designar un beneficiario para sus activos. En caso contrario, su saldo será transferido a una cuenta propiedad del Estado. ¿Desea que su activo sea transferido al Estado? ― ¡Por supuesto que no!... Espere… ¿Esto es para que mi sobrino herede mi dinero cuando muera? ― Afirmativo, doña María Manuela. ― Entonces sí, quiero que mi sobrino reciba lo que quede en mi cuenta después de que yo muera. ― Su decisión queda anotada y será comunicada al Registro de Voluntades. Le informamos que nuestro servicio tiene un costo de diez créditos, que serán descontados de… ― ¡Diez créditos! ¡Eso es un robo! ― Nuestras tarifas han aumentado durante el año en curso en un cinco por ciento debido al aumento exponencial de la demanda de nuestros servicios. No obstante, nos complace comunicarle que nuestra empresa figura como la que ofrece la mejor relación calidad-precio del mercado en la evaluación periódica que realiza el Ministerio de Bienestar Social. ― Pues a mí me sigue pareciendo muy caro… ¿Puedo hablar con un operador humano? ― Lo siento, doña María Manuela, pero nuestro servicio no dispone de operadores humanos... ¿Desea hacer una declaración antes del inicio del proceso? ―¿Una declaración?… ¿Desde cuando se necesita una declaración para sacar dinero? ― No comprendo la pregunta. Por favor, reformúlela. ―¿Esto no es un cajero automático? ―No, doña María Manuela, está usted en una cabina propiedad de ERISA, acrónimo de la empresa de servicios “Eutanasias Rápidas e Indoloras, Sociedad Anónima”… Nos complace informarle que ha finalizado la transferencia de su activo restante a la cuenta de don Miguel Iturriaga. Por favor, responda a la pregunta: ¿Desea usted hacer una declaración antes del inicio del proceso?... 74 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A METAMORFOSE E O DESTINO Júlio Portus Cale Franz Kafka — era assim que se chamava a barata, feliz de ter escapado de morrer pisoteada — acordou de um sono agitado e viu que se transformara numa espécie monstruosa de pessoa humana. Olhando-se no espelho, descobriu que agora se chamava Gregor Samsa. Cheia de asco, desgostosa de si mesma, a antiga barata tomou inseticida, mas não morreu. Afinal, agora era humana... Resolveu, então, conformar-se com a nova situação. Apenas saiu à rua e... Um rolo compressor a apanhou. Ninguém foge a próprio destino... Tradução de Paulo Soriano. LA METAMORFOSIS Y EL DESTINO Júlio Portus Cale Franz Kafka — así se llamaba la cucaracha, feliz de haber escapado de ser pisoteada hasta morir — se despertó de un sueño inquieto y vio que se había convertido en una especie monstruosa de... ser humano. Mirándose al espejo, descubrió que ahora se llamaba Gregor Samsa. Llena de asco, disgustada consigo misma, la antigua cucaracha tomó insecticida, pero no murió. Después de todo, ahora era humana... Entonces decidió adaptarse a la nueva situación. Apenas salió a la calle y... Una apisonadora la atrapó. Nadie escapa a su propio destino... Revisión de Ângelo Brea. 75 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL DOIS MICROCONTOS Ricardo Manzanaro CARNIÇARIA O robô açougueiro iniciou a tarefa designada, fatiando a carne deixada sobre a sua mesa de trabalho, extraindo os ossos e, finalmente, retalhando em finas fatias a carne magra. “Foi uma boa aquisição”, pensou satisfeito o mafioso, ao ver no que se transformara o cara que haviam sequestrado. “Resta apenas consultar o manual de instruções e ver como proceder para que, antes de começar o serviço, o robô mate a vítima”. ALIEN IX Quando Ripley pensou que já tinha visto de tudo, viu, na última vez em que se encontraram, o Alien com diarreia e vômitos. Tradução de Paulo Soriano. DOS MICROCONTOS Ricardo Manzanaro CARNICERÍA El robot carnicero inició la labor asignada, despiezando la carne que le habían dejado sobre su mesa de trabajo, extrayendo los huesos, y, finalmente, fileteando en secciones finas la carne magra. "Ha sido una buena compra. Va bien" pensó satisfecho el mafioso, tras ver en que había quedado el tipo que habían secuestrado. "Sólo queda mirar al libro de instrucciones, a ver cómo se hace para que, antes de empezar, lo mate" ALIEN IX Cuando Ripley ya creía que lo había visto todo, en la última vez que coincidieron, vio al Alien con diarrea y vomitando. 76 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O PODER DA SÍFILIS Paulo Soriano Ninguém sabia — e nem mesmo poderia imaginar —, mas o homem que se sentara numa das mesas mais chiques daquele restaurante caro era um vampiro. Pediu um vinho tinto encorpado — daqueles cuja viscosidade mais lembrava a textura do sangue — e se serviu de pequenos goles. Lançou um olhar no entorno, mas o que viu pouco lhe agradou. Então esperou. Mas não aguardou por muito tempo. À frente de sua mesa postou-se uma mulher de uma beleza quase gótica. Pequenos e vaporosos olhos azuis. Palidez. Longo pescoço. Sedução. Cabelos de víboras que se contorcem prazerosamente. Uma mulher ideal. O homem, que era um vampiro verdadeiro, não tomou conhecimento do companheiro da mulher. Mergulhou-lhe as longas unhas na jugular, que se rompeu docilmente. O sangue brotou numa torrente, e a cabeça do homem tombou para trás, como resultado do empuxo. Depois o vampiro avançou para a mulher, arrebatou com força o colar de diamantes que lhe cingia o pescoço de cisne e nele cravou os caninos. Depois, sugou demoradamente. As pessoas ao redor nada esperaram. Fugiram todas. Certamente duas ou três foram pisoteadas. Terminado o assédio, o vampiro abriu a carteira. Com a ponta dos dedos, onde as unhas retráteis já se haviam acomodado convenientemente, sacou duas notas de grande valor, colocando-as em seguida sobre a mesa. Então afundou as unhas, que voltaram a crescer assustadoramente, num dos olhos da mulher, retirando-o da órbita com graciosa destreza. Inclinado a cabeça, num gesto elegante, levou-o à boca e mastigou prazerosamente. Depois, comeu o outro olho, como se fosse um pêssego macio. Estalou os lábios. Vendo que o homem ainda sangrava, colheu o esguicho numa pequena taça de vinho e entornou o sangue rapidamente, à maneira dos cowboys. Arrotou. Limpou a boca com as costas da mão. Estava satisfeito. Então, viu o mundo girar. As mesas rodopiavam em torno de si como um carrossel alucinado. Ah! Como fora descuidado! Num ambiente rico e luxuoso daqueles não poderia haver riscos, mas, ainda assim, havia! Uma prostituta de luxo! Uma prostituta sifilítica! O vampiro tombou. O vírus da sífilis invadira o seu cérebro e lá pregava a sua pequena peça. Uma pecinha escrota e fatal. Estacas no coração? Uma lenda! A luz do Sol? Outra lenda ainda mais absurda. Mas a sífilis... A sífilis era o cianeto dos vampiros. Letal. O poder mais destrutível da terrível doença. Coisa que só os mais experientes dos vampiros — como aquele, que agora engorgitava coágulos e morria — poderiam saber. 77 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL PODER DE LA SÍFILIS Paulo Soriano Ninguno lo sabía — y ni siquiera lo podría imaginar —, pero el hombre que se había sentado en una de las mesas más elegantes de aquel caro restaurante era un vampiro. Pidió un vino tinto con cuerpo — de aquellos cuya viscosidad más recordaba a la textura de la sangre —, y se lo tomó a pequeños sorbos. Echó un vistazo a su alrededor y lo que vio le agradó poco. Entonces esperó. Pero no aguardó por mucho tiempo. Frente a su mesa, se colocó una mujer de una belleza casi gótica. Pequeños y vaporosos ojos azules. Palidez. Cuello largo. Seducción. Pelos de víbora que se retuercen deliciosamente. Una mujer ideal. El hombre, que era un vampiro verdadero, no se fijó en el compañero de la mujer. Hundió sus largas uñas en su yugular, que se rompió dócilmente. La sangre brotó en un torrente y la cabeza del hombre cayó hacia atrás, como resultado del empuje. Después el vampiro avanzó hacia la mujer, arrebató con fuerza el collar de diamantes que le rodeaba el cuello de cisne y le clavó los caninos y chupó durante largo tiempo. Las personas de alrededor no esperaron. Todas huyeron. Con seguridad, dos o tres fueron pisoteadas. Terminado el asedio, el vampiro abrió la cartera, con la punta de dos dedos, donde las uñas retráctiles ya se habían plegado. Sacó dos billetes de gran valor, depositándolos enseguida sobre la mesa. Entonces hundió sus uñas, que comenzaron a crecer pavorosamente, en uno de los ojos de la mujer, retirando la órbita con notable destreza. Inclinando la cabeza, en un gesto elegante, se la llevó a la boca y la masticó con gusto. Después comió el otro ojo, como si fuera un melocotón suave Chasqueó los labios. Viendo que todavía sangraba, guardó lo que goteaba en un pequeño vaso de vino y bebió lo derramado rápidamente, al estilo de los cow-boys. Eructó. Se limpió la boca, con el dorso de la mano. Estaba satisfecho. Entonces, vio el mundo girar. Las mesas se arremolinaban en torno a él, como un alucinante carrusel. ¡Como había sido tan descuidado! En un ambiente rico y lujoso de aquellos, no podía haber riesgos, y, sin embargo ¡Los había¡ ¡Una prostituta de lujo! ¡Una prostituta sifilítica! El vampiro cayó. El virus había invadido su cerebro. El virus de la sífilis había invadido su cerebro y ahí jugó su pequeño truco. Un truco desleal y fatal. ¿Estacas en el corazón? ¡Una leyenda! ¿La luz del sol? Otra leyenda aún más absurda. Pero la sífilis... La sífilis era el cianuro de los vampiros. Letal. Un poder más destructivo que cualquier terrible enfermedad. Hecho que solo los más experimentados vampiros — como aquel, que ahora se llenaba de coágulos y moría — podían saber. Tradución de Ricardo Manzanaro. Revisión de Paulo Soriano. 78 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL CORREÇÃO DO DEFEITO Carlos Henrique Saldívar — Você é um homem! — ela gritou. — Disse-me que era um androide! Você mentiu! Você fingiu! Fora daqui! O camarada ficou envergonhado. Era verdade, ele a enganara. Ele não teve outra escolha senão recolher as suas coisas e sair daquele quarto de hotel. Ele se perguntou por que diabos se havia fixado numa garota bonita, mas maluca, do tipo que só consegue interagir sexualmente com autômatos. Quando ficou sozinha, ela abriu a própria face, dando lugar a uma série de pequeninos circuitos. De seu dedo indicador direito saiu uma ponta de broca, e ela se pôs a reparar os seus sistemas integrados. O problema era uma engrenagem minúscula que havia saído do lugar. A falha foi corrigida imediatamente. Agora ela poderia usar perfeitamente a sua visão detectora, com a qual diferenciava os robôs dos humanos. “Isto jamais deverá acontecer comigo novamente”, disse ela a si mesmo. “Eu só tenho que estar com androides, que são amáveis, finos, corteses. Os homens, por outro lado, são uns idiotas.” Tradução de Paulo Soriano SUBSANACIÓN DEL DEFECTO Carlos Enrique Saldívar —¡Eres un hombre! —le gritó ella—. ¡Dijiste que eras un androide! ¡Mentiste, fingiste! ¡Fuera! El sujeto se avergonzó. Era verdad, la había engañado. No tuvo más remedio que coger sus cosas y marcharse de ese cuarto de hotel. Se preguntó por qué diablos se había fijado en una chica bonita pero loca, de esas que solo pueden reaccionar sexualmente con autómatas. Cuando ella estuvo sola, abrió su rostro cediendo paso a una serie de circuitos bastante pequeños. De su dedo índice derecho salió una punta de taladro y procedió a reparar sus sistemas integrados. El problema era un diminuto engranaje que se había salido de su sitio; el fallo de inmediato quedó reparado. Ahora ya podía usar bien su visión detectora, con la cual diferenciar robots de humanos. «Esto no me debe volver a pasar», se dijo. «Sólo debo estar con androides, son dulces, finos, corteses. Los hombres, en cambio, son unos idiotas». 79 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL THE STAR-SPANGLED BANNER Paulo Soriano Eu estava entre os que não acreditavam nas absurdas histórias de objetos voadores tripulados por criaturinhas verdes que — dizem — há milênios nos estudam sub-repticiamente. Não sou de todo cético. Afinal, creio no Ser Superior e nos profetas redentores. Mas, desde que aprendi que nada pode se deslocar mais depressa que a luz, e a ponderar as infinitas distâncias entre as estrelas, convenci-me de que os chamados discos voadores não passam de uma grande ilusão coletiva. Mas, em pleno centro da cidade, vi, estarrecido, que eles deixaram toda cautela de lado e povoaram os céus com suas naves gigantescas. Apenas uma nau estelar aterrissou, em meio à perplexidade da multidão. Dela, um ser estranho — incompreensivelmente bípede! — desceu e cravou no chão uma espécie de insígnia que, presa a uma haste vertical, se pôs a tremular sob a luz vermelha de nosso Sol. Não estou louco. Voltei à praça, à noite. À sombra de nossas três luas, o estandarte estrelado, que irradia enigmáticos feixes luminosos em azul, vermelho e branco, ainda está lá. Nele, os místicos escatológicos vislumbram um símbolo exótico de domínio e destruição. THE STAR-SPANGLED BANNER Paulo Soriano Yo estaba entre los que no creían en las absurdas historias de objetos voladores tripulados por pequeñas criaturas verdes que — dicen los crédulos — nos han estado estudiando subrepticiamente durante milenios. No soy completamente escéptico. Después de todo, creo en el Ser Superior y en los profetas redentores. Pero, desde que he aprendido que nada puede moverse más rápido que la luz, y ponderando las infinitas distancias entre las estrellas, me he convencido de que los llamados platillos voladores no son más que una gran ilusión colectiva. Pero, en el corazón de la ciudad, vi, asombrado, que ellos dejaron de lado toda precaución, y poblaron los cielos con sus gigantescas naves. Sólo una nave estelar aterrizó, en medio de la perplejidad de la multitud. De ella, un extraño ser — incomprensiblemente bípedo — bajó y clavó al suelo una especie de insignia que, unida a una asta vertical, comenzó a tremolar bajo la luz roja de nuestro Sol. No estoy loco. Volví a la plaza por la noche. A la cálida luz de nuestras tres lunas, el estandarte estrellado, que irradia enigmáticos rayos luminosos en azul, rojo y blanco, sigue ahí. En ella, los místicos escatológicos vislumbran un exótico símbolo de dominación y destrucción. Traducción de Paulo Soriano. Revisión de Ricardo Manzanaro. 80 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL FRONTEIRAS Jose Ángel Conde Os demiurgos conceituados por tantas religiões humanas materializaram-se em forma física como os Eidolor, uma espécie de sentinelas interdimensionais encarregadas de custodiar a passagem entre diferentes mundos e realidades. Uma destas dimensões correspondia ao nosso ciclo de vida terrestre e os Eidolor gerenciavam o trânsito do nosso corpo espiritual às etapas seguintes de circulação astral. A . razão para se manifestarem à humanidade foi a saturação das rotas de intercâmbio entre os diferentes mundos. Eles apareceram para nos dizer que a morte havia sido cancelada e que deveríamos permanecer neste plano até novo aviso. Tradução de Paulo Soriano. FRONTERAS Jose Ángel Conde Los demiurgos conceptualizados por tantas religiones humanas se materializaron de forma física como los Eidolor, una especie de centinelas interdimensionales encargados de custodiar el paso entre los diferentes mundos y realidades. Una de estas dimensiones se correspondía con nuestro ciclo vital terrestre y los Eidolor gestionaban el tránsito de nuestro cuerpo espiritual a las etapas siguientes de circulación astral. La razón de manifestarse a la humanidad fue la saturación de las vías de intercambio entre los diferentes mundos. Se habían aparecido para comunicarnos que la muerte había quedado cancelada y que debíamos permanecer en este plano hasta nuevo aviso. 81 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL UMA PARTIDA DE XADREZ CONTRA O DIABO Luciano Barreto Certa vez, dentro do círculo de enxadristas ao qual pertenço, um senhor que tinha forte ligação com o xadrez relatou uma estória deveras macabra. Não me recordo seu nome porquanto ele havia aparecido para participar de um torneio de enxadristas amadores na cidade do Rio de Janeiro e seus resultados no campeonato não foram expressivos, ademais soube apenas os nomes de dois dos três protagonistas da estória. Contudo, lembro-me que esse senhor aparentava ter entre sessenta e setenta anos de idade, trazia um leve sotaque hispânico e conservava uma hirsuta barba grisalha. Um dos protagonistas do relato se chamava Castor Z. Baldez, espanhol de Gijón e detentor do título de Grande Mestre Internacional de Xadrez. O outro era o Diabo. Nosso narrador disse que Baldez era um homem recluso, pois padecia com esporádicas crises de esquizofrenia. Embora tímido e introvertido, Baldez revelava — para alguns amigos e de maneira informal — certas artimanhas sobre a arte enxadrística. Como era filho único e órfão de pai e mãe, Castor era um homem solitário que não mantinha contato com seus parentes, já que não nutria nenhum sentimento especial por eles. O nosso narrador contou que um dia Castor Baldez apareceu na casa de um amigo, em Gijón, tarde da noite. Baldez tinha o rosto branco como uma vela e os olhos injetados de terror. Numa mão um tabuleiro, na outra um relógio de xadrez e trinta e duas peças metidas num saco de couro. Como uma criança, pedira para passar a noite na residência de seu melhor amigo, que também era seu médico, porque não estava se sentindo bem naquela noite. O amigo não negou abrigo e aboletou o visitante na sala de sua residência. Com os olhos que denunciavam verdade, o velho barbudo disse que o médico se levantara exatas duas vezes durante a madrugada para urinar e vira Baldez jogando xadrez sozinho. Na segunda vez, o amigo abordou o enxadrista a fim de saber o motivo que lhe deixava insone ao ponto de permanecer praticando xadrez até a madrugada. Nosso contador de estórias arregalou os olhos impingindo algum mistério no local onde estávamos e garantiu que Castor Baldez havia dito que estava se preparando para um desafio de xadrez. E que o médico logicamente quis saber detalhes sobre o desafio e perguntou sobre o adversário, e, também, sobre quando e onde seria a partida. Prontamente, o GM Castor Baldez havia dito que iria começar em cinco minutos, no local onde ambos estavam e a partida seria contra o Diabo. Foi-nos revelado que o médico titubeou ao ouvir a verdade de seu amigo, mas que certamente Baldez estava ingressando em outra crise de esquizofrenia. Assim, o médico resolveu não contrariar o amigo doente e falou que iria dormir para não atrapalhar a disputa noturna. Estranhamente, o grande mestre havia agradecido com efusivos gestos. O amigo retirara-se do cômodo, mas havia ficado imerso numa penumbra que enegrecia parte do corredor de sua residência. Dali, ele pôde deslindar o desenrolar esquizofrênico dos fatos sem que seu amigo pudesse vê-lo. Nosso narrador enfatizou, com as mãos senis espraiadas para cima, que Baldez não sabia da posição de seu amigo no corredor. O senhor barbudo continuou a estória dizendo que o grande mestre Castor Baldez havia aberto a porta da casa, depois se sentado em frente ao tabuleiro, arrumado as peças e dado corda no relógio de xadrez. E que com alguns minutos Baldez havia tomado um susto tão grande, como se alguém houvesse aparecido repentinamente a sua frente, que em seguida suas mãos começaram a tremer e que mesmo assim ele se levantou e cerrou a porta da residência. Que logo em seguida o enxadrista havia voltado para a mesa que sustinha o tabuleiro e movera o peão do rei duas casas à frente, dando início a uma partida de xadrez, e depois apertara o botão que parava seu relógio. O homem que relatava a estória suspirou e continuou afirmando que o médico sabia que a próxima jogada não seria feita por uma mão invisível porque aquela situação não era espiritual, mas sim física; uma doença do corpo e não da alma. E o lance seguinte também foi feito pela mão de Baldez, o que – apesar de toda certeza – tranquilizou seu amigo ainda afundado na escuridão do corredor. Soubemos que a partida seguiu por quase uma hora e que todos os movimentos de peças e paradas de relógio foram feitos por Baldez que ora demonstrava excitação, ora demonstrava 82 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL nervosismo; e em certos momentos frustração, refletida com o menear negativo de seu crânio. O que certamente nos assustou foi a continuação do relato feita por aquele desconhecido senhor. O homem continuou garantindo que o médico tinha visão privilegiada do tabuleiro e que próximo de completar uma hora de partida Baldez, que estava sentado como se jogasse de peças brancas, havia sofrido um xeque-mate de bispo com o auxílio de uma torre e um peão pretos. A peça que havia dado o xeque-mate fora a torre. Até aí tudo bem, mas nosso narrador nos asseverou que a torre se moveu assustadoramente lenta de um lado para outro do tabuleiro, passando sobre as quadrículas pretas e brancas que compunham sua fileira horizontal e sem a ajuda de Baldez que restou afundar o rosto nas palmas das mãos e soluçar num choro abrupto. E que segundos depois, coisa de três ou quatro, Castor Baldez olhara para a escuridão onde o médico estava espreitando — pedira desculpas pelo incômodo e agradecera a amizade que ambos haviam mantido. Mas antes de ganhar a noite, avisou que havia perdido a partida e a alma para o Diabo. Depois, saiu correndo da residência. Nosso narrador conta que o médico arregalou os olhos de pavor ainda imiscuído na escuridão e que após a fuga de Castor Baldez, uma voz gutural exalando forte e nauseabundo odor de enxofre pronunciou “jaque-mate” perto de seu ouvido esquerdo. Quisemos saber o que havia acontecido em seguida, mas nosso contador de estórias estava atrasado para retornar ao interior do Rio de Janeiro e revelou que naquela noite o grande mestre enxadrista Castor Z. Baldez havia se jogado na frente de um caminhão, tendo morrido instantaneamente. Perguntamos ainda o nome do médico e o que acontecera com ele depois daquela noite. Soubemos que ele se mudara para a cidade de Cartagena, no sul da Espanha, na semana seguinte ao fato. E que lá, levara uma vida normal até cometer suicídio com um tiro na boca, há muitos anos. Lamentamos o desfecho do médico, contudo insistimos em saber seu nome, porém o velho barbudo, sem tergiversar, avisou que não iria revelar o nome de seu pai. Nós, desidratados pela vergonha, desejamos-lhe uma boa viagem. 83 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL UNA PARTIDA DE AJEDREZ CONTRA EL DIABLO Luciano Barreto En cierta ocasión, dentro del círculo de exajedrecistas al que pertenezco, una persona que tenía una estrecha relación con el ajedrez relató una historia bastante macabra. No recuerdo su nombre, porque él había venido a participar en un torneo de ajedrecistas aficionados en la ciudad de Río de Janeiro y sus resultados en el torneo no fueron demasiado satisfactorios. Además, conozco únicamente los nombres de dos o tres protagonistas de la historia. No obstante, recuerdo que ese señor aparentaba tener entre sesenta y setenta años, tenía un leve acento hispánico y conservaba una hirsuta barba gris. Uno de los protagonistas del relato se llamaba Castor Z. Baldez, español de Gijón y detentor del título de Gran Maestro Internacional de Ajedrez. El otro era el Diablo. Nuestro narrador dijo que Baldez era un hombre recluido, ya que padecía esporádicas crisis de esquizofrenia. Aunque tímido e introvertido, Baldez revelaba – para algunos amigos y de manera informal – ciertas artimañas sobre el arte ajedrecístico. Como era hijo único y huérfano de padre y madre, Castor era un hombre solitario que no mantenía contacto con sus parientes, ya que no guardaba ningún sentimiento especial hacia ellos. Nuestro narrador contó que un día Castor Baldez apareció en la casa de un amigo, en Gijón, bien entrada la noche. Baldez tenía el rostro blanco y los ojos inyectados de terror. En un mano un tablero, en la otra un reloj de ajedrez y treinta y dos piezas metidas en una bolsa de cuero. Como un niño, había pedido pasar la noche en la residencia de su mejor amigo, que también era su médico, porque no se sentía bien aquella noche. El amigo no negó abrigo al visitante en el salón de su residencia. Con ojos que denunciaban la verdad, el viejo barbudo dijo que el médico se había levantado exactamente dos veces durante la madrugada para orinar y había visto a Baldez jugando en solitario al ajedrez. La segunda vez, el amigo abordó al exajedrecista para saber el motivo que le mantenía insomne al punto de permanecer practicando ajedrez hasta la madrugada. Nuestro contador de historias abrió mucho los ojos, esperando ver algún misterio en el lugar donde nos encontrábamos y garantizó que Castor Baldez había dicho que se estaba preparando para un desafío de ajedrez. Y que el médico, lógicamente, quiso saber detalles sobre el desafío y preguntó sobre el adversario y, también, sobre cuando sería la partida. Con rapidez, el GM Castor Baldez había dicho que iba a comenzar en cinco minutos, en el lugar donde ambos estaban y la partida sería contra el Diablo. Se nos reveló que el médico había titubeado al oír la verdad de su amigo, pero que, ciertamente, Baldez estaba cayendo en otra crisis de esquizofrenia. Así, el médico resolvió no contrariar al amigo enfermo y le dijo que se iría a dormir para no molestar en aquella disputa nocturna. Extrañamente, el Gran Maestro había agradecido esto con efusivos gestos. El amigo se retiró de la habitación, quedando inmerso en una penumbra que ennegrecía parte del pasillo de su residencia. Desde allí, él pudo deslindar el desarrollo esquizofrénico de los hechos sin que su amigo pudiese verlo. Nuestro narrador enfatizó, con las manos seniles extendidas hacia arriba, que Baldez no podía conocer la posición de su amigo en el pasillo. El señor barbudo continuó la historia diciendo que el gran Maestro Castor Baldez había abierto la puerta de la casa, que después se sentó frente al tablero, colocando las piezas y dando cuerda al reloj de ajedrez. Y que, después de unos minutos, Baldez había tenido un susto tan grande, que en seguida sus manos comenzaron a temblar y que, aun así, se levantó y cerró la puerta. De inmediato, el ajedrecista había regresado a la mesa que sostenía el tablero y había movido el peón de rey dos casillas para adelante, iniciando una partida de ajedrez. Después pulsó el botón que paraba el reloj. El hombre que relataba la historia suspiró y continuó afirmando que el médico sabía que 84 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL la próxima jugada no sería hecha por una mano invisible, porque aquella situación no era espiritual, sino física; una enfermedad del cuerpo y no del alma. Y el siguiente lance también fue hecho por la mano de Baldez, lo que – a pesar de la certeza – tranquilizó a su amigo, todavía envuelto en la oscuridad del pasillo. Supimos que la partida siguió por casi una hora y que todos los movimientos de piezas y paradas de reloj fueron hechos por Baldez que ora demostraba excitación, ora demostraba nerviosismo; y en ciertos momentos frustración, reflejada con el movimiento negativo de su cráneo. Lo que ciertamente nos asustó fue la continuación del relato hecha por aquel desconocida señor. El hombre continuó garantizando que el médico tenía visión privilegiada del tablero y que próximo a completar una hora de partida Baldez, que estaba sentado como si jugase piezas blancas, había sufrido un jaque-mate de alfil, con el auxilio de una torre y de un peón negro. La pieza que había dado el jaque-mate había sido la torre. Hasta ahí todo bien, pero nuestro narrador nos aseguró que la torre se movió asustadoramente de un lado a otro del tablero, pasando sobre las cuadrículas negras y blancas que componían su hilera horizontal y sin la ayuda de Baldez, al que solo le quedó hundir su rostro en las palmas de las manos y sollozar con un llanto abrupto. Y que segundos después, cosa de tres o cuatro, Castor Baldez había escrutado la oscuridad – donde el médico estaba observando –, pidió disculpas por la molestia y agradeció la amistad que ambos habían mantenido. Pero antes de ganar la noche, avisó que había perdido la partida y el alma contra el Diablo. Después, salió corriendo de la residencia. Nuestro narrador contó que el médico abrió mucho los ojos de pavor, aún sumergido en la oscuridad y que, después de la huida de Castor Baldez, una voz gutural, exhalando un fuerte y nauseabundo olor a azufre, pronunció “jaque-mate” cerca de su oído izquierdo. Quisimos saber lo que había ocurrido inmediatamente después, pero nuestro contador de historias tenía prisa para volver al interior de Río de Janeiro y reveló que en aquella noche el Gran Maestro ajedrecista Castor Z. Baldez se había arrojado a un camión, muriendo al instante. Preguntamos el nombre del médico y lo que había ocurrido con él después de aquella noche. Supimos que él se había instalado en la ciudad de Cartagena, en el sur de España, la semana siguiente a aquel hecho. Y que allá había llevado una vida normal hasta suicidarse de un tiro en la boca, hacía muchos años. Lamentamos el triste final del médico, pero insistimos en saber su nombre. Sin embargo, el viejo barbudo, sin tergiversar, nos avisó que no iba a revelar el nombre de su padre. Nosotros, abrumados por la vergüenza, le deseamos un buen viaje. Traducción de Ângelo Brea. 85 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL A CASA DAS ALMAS Luiz Poleto Para Leonardo Nunes Nunes, Paulo Soriano e Henry Evaristo. Ninguém sabe ao certo quando ela foi construída, mas todos sabem que foi desativada sob estranhas circunstâncias até hoje não explicadas de forma convincente. Mas, independentemente disso, lá está ela, sozinha em meio ao campo, com apenas uma estreita estrada de terra, que no passado era o único caminho em meio ao ralo matagal que levava até o portão principal da Igreja de Tampadas. Tampadas é o nome do pequeno vilarejo localizado no interior do país; uma pequena cidade que ainda não tem luz elétrica, e quase não tem população também — muitos foram embora após o fechamento da igreja; e os que ainda vivem por lá não chegam perto da pequena igreja de ar sombrio e desolado. Embora a população local evite a igreja, o aviso de não aproximação faz parte da tradição oral daquele povo, e os forasteiros que porventura passam por ali não têm conhecimento da história daquela igreja — muitos nem ao menos tomam conhecimento de que há uma igreja. Dizem que os que por ali se aventuraram nunca mais foram vistos. Um dia, um desses viajantes chegou até o pequeno vilarejo caminhando. Carregava apenas uma mochila de viagem e uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Chegou até o único bar existente, bebeu um refrigerante com tamanha sede que parecia que não bebia nada há dias; quando terminou, puxou conversa com algumas pessoas que estavam por ali, fazendo perguntas sobre o vilarejo, modo de vida, e outras coisas sem muita relevância. Depois de ouvir as respostas, disse que estava de férias, e estava fazendo um passeio pelo Brasil, visitando apenas as pequenas cidades e os vilarejos do interior, tirando fotos e escrevendo um diário. Após duas ou três horas de conversa e muitas fotos, pagou a bebida e saiu. Quando estava na estrada de saída do vilarejo, viu uma estreita estrada de terra, já coberta pelo mato alto que crescia à sua volta e quase escondia sua entrada. Sem ninguém por perto, o estranho resolveu percorrer aquela estrada, curioso para saber aonde ela iria dar, já que as casas e o pequeno comércio do vilarejo encontravam-se concentrados na extremidade sul. Com muita dificuldade, caminhou por cerca de dez minutos, até sair em um campo aberto, cercado por algumas árvores que pareciam tão velhas quanto a própria humanidade. Algumas com troncos retorcidos, outras com troncos que pareciam terem sido queimados; mas todas as árvores tinham em comum o fato de não terem folhas. Observando ao redor, pôde perceber, a alguns metros à frente da estrada, uma pilastra de pedra com quatro ou cinco metros de altura que servia de pedestal a um anjo de mármore que um dia fora branco, mas agora estava tomado pela terra e pelas marcas da chuva e do tempo. Havia algo na expressão do anjo - que olhava para cima — que o deixou triste e com um sentimento angustiante de solidão. Chegou a pensar que o anjo começou a chorar quando olhou para ele. Alguns metros adiante viu uma igreja, com um aspecto sombrio e de abandono. Suas paredes, de pedra, já mostravam o quanto o tempo pode ser cruel; a entrada principal consistia-se de uma porta dupla de madeira pintada de azul, já descascada e bem deteriorada. Duas pequenas janelas pairavam como olhos atentos em cada lado da porta. Estendendo-se verticalmente acima do telhado havia uma torre, onde se podia ver o grande sino de bronze totalmente imóvel, como se estivesse em seu repouso eterno. Chegando perto, percebeu que o portão principal estava fechado, e não parecia haver ninguém por perto. Ao forçar um pouco a porta, esta se abriu, dando passagem para o salão principal. A única iluminação dentro da igreja era proveniente dos raios de sol que passavam pelas pequenas janelas — sem vidros — nas paredes laterais. Marcas de água que há muito correram por ali indicavam um problema no telhado, e tornavam as paredes um pouco melancólicas. Os bancos de madeira já estavam quase ou totalmente consumidos pelos cupins. Encantado com a beleza sinistra do lugar, o estranho tirou diversas fotos, e dirigiu-se ao que parecia ser a sacristia, no final de um dos corredores. Quando o estranho passou pela porta, um ar de curiosidade e espanto tomou conta do seu outrora estado de empolgação. A sala, que devia ter por volta de quinze metros quadrados, tinha todas as quatro paredes do recinto cobertas por fotografias antigas, todas com um tom de sépia, emolduradas em belas molduras — todas feitas artesanalmente — e, embora aparentassem estar ali há muito tempo, ainda mantinham um bom estado de conservação. Do 86 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL chão ao teto, tudo estava coberto por fotografias. Todas as fotos eram de famílias, embora não houvesse qualquer texto que identificasse as fotos. Por vários minutos o estranho ficou ali, olhando as fotos, apreciando aquele ar nostálgico, admirando aquela estranha tristeza implícita no rosto das pessoas — que, curiosamente, não sorriam nas fotos. Algumas fotos aparentavam ser da década de 20, outras de 30, mas certamente nenhuma delas era posterior à década de 40. Depois de olhar rapidamente as várias fotografias, acabou parando em uma — que talvez tenha sido escolhida aleatoriamente, ou apenas tenha chamado a sua atenção por algum motivo qualquer. Na foto, uma família de nove pessoas posava de forma quase mecânica. Como que estudando a foto, o estranho ficou ali, por vários minutos, analisando cada detalhe da foto. Com os olhos cheios d’água e um sentimento de vazio, proferiu um palavrão ao mesmo tempo que saltava para trás, quando percebeu que uma das crianças da foto começou a chorar. Ele coçou os olhos, achando estar vendo coisas, e sacudiu a cabeça, mas percebeu que não só a criança chorava como as outras pessoas da família gritavam em extrema agonia, com a dor estampada em seus rostos; ao mesmo tempo, pareciam desesperadas para sair da foto. Ainda atordoado pela visão que acabara de ter, olhou ao redor e percebeu que em todas as fotos a cena se repetia: todas as pessoas gritavam, choravam, e tentavam desesperadamente sair de suas pequenas prisões particulares. O som de choro de crianças e adultos misturado com os gritos de agonia era como uma faca que atravessava seu cérebro. Naquele momento, ajoelhou-se, tapando o máximo que pôde os ouvidos e fechou os olhos. Em seu interior, parecia estar sofrendo como aquelas pessoas. Chorou, como se estivesse também preso em uma moldura feita artesanalmente. Algum tempo depois — ele não podia mensurar se foram minutos ou horas — levantou-se, mas ainda sentia o desespero das pessoas ao seu redor. Eram pessoas, não eram? Ou eram apenas suas almas aprisionadas para toda a eternidade em uma foto — ou o que parecia ser uma foto? Não suportando mais a agonia de estar confinado naquela pequena sala, correu, dirigindo-se à porta pela qual entrara, mas só teve tempo de virar-se para perceber que não havia qualquer porta ali; todas as quatro paredes estavam cobertas de fotografias, e não havia portas ou janelas por onde sair. Gritando, atirou-se desesperado contra as paredes, tentando, inutilmente, encontrar uma forma de sair daquele lugar. Com bruscos movimentos, arremessou as fotos para longe das paredes, mas, a cada porta-retratos que caía, um novo surgia em seu lugar, e mais e mais pessoas gritando, chorando, em uma grande sinfonia desafinada. Sem qualquer esperança de sair daquele lugar misterioso, após muito gritar e chorar, percebeu que em uma das paredes havia uma moldura com uma foto em que não havia ninguém, apenas um quarto. Analisou aquele estranho objeto mais de perto, ao mesmo tempo que tentava entender o que se passava naquele lugar. Percebeu no quarto daquela foto alguma familiaridade, e, novamente, entrou em pânico: aquele quarto havia sido o seu quarto quando criança. A mesma cama, o mesmo tapete em forma de palhaço, a mesma janela próxima da cama. Naquele momento, o pânico foi tomado por uma saudade; saudade de tempos que nunca mais voltariam, e entendeu que o objetivo de qualquer fotografia era congelar um determinado momento no tempo; um momento que nunca mais será esquecido e ficará ali para sempre. Lembrou-se de quantos momentos desejara ter congelado no tempo. Fechou os olhos e a sacristia foi tomada por um imenso clarão, uma intensa luz vermelha. Quando apagou, o quarto havia voltado ao seu estado anterior, a porta encontrava-se no mesmo lugar que estava quando o estranho a cruzou. O estranho, no entanto, não estava mais ali; agora, ele fazia parte daquele imenso mural nostálgico e, naquele momento, ele estava de volta ao quarto que fora seu quando tinha 3 anos de idade. Passaria toda a eternidade preso àquele lugar, e talvez um dia implorasse para sair dali, da mesma forma que todas as outras pessoas que também faziam parte daquele lugar. 87 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL LA CASA DE LAS ALMAS Luiz Poleto Para Leonardo Nunes Nunes, Paulo Soriano y Henry Evaristo. Nadie sabe en realidad cuando fue construida, pero todos saben que fue desacralizada en extrañas circunstancias, no explicadas de forma convincente hasta el día de hoy. Pero, con independencia de esa circunstancia, allá está ella, sola en el medio del campo, con apenas una estrecha carretera de tierra, que en el pasado era el único camino en medio de la rala maleza que llevaba hasta el portón principal de la iglesia de Tampadas. Tampadas es el nombre de la pequeña aldea localizada en el interior del país. Una pequeña ciudad que aún no tiene luz eléctrica y casi ni población — muchos se fueron después del cierre de la iglesia —, y los que aún viven allí no se acercan a la iglesia, a causa de su aspecto sombrío y desolado. Aunque la población local evite la iglesia, el aviso de que nadie se aproxime a ella es parte de la tradición oral de aquel pueblo, y los forasteros que por casualidad pasan por allí no tienen conocimiento de la historia de aquella iglesia. De hecho, muchos ni siquiera conocen que hay allí una iglesia. Se cuenta que las personas que se aventuran por allí no vuelven a ser vistas nunca más. Un día, uno de esos viajeros llegó hasta la pequeña aldea caminando. Portaba únicamente una mochila de viaje y una máquina fotográfica colgada del cuello. Llegó hasta el único bar existente, bebió un refresco con tanta sed que parecía que no bebía nada desde hacía días y, cuando terminó, trabó conversación con algunas personas que se encontraban en el local, haciendo preguntas sobre la aldea, su modo de vida y otras cosas sin demasiada relevancia. Después de oír las respuestas, comentó que estaba de vacaciones y que estaba haciendo un viaje por Brasil, visitando las ciudades y aldeas del interior, sacando fotos y escribiendo un diario. Después de dos o tres horas de conversación y de hacer muchas fotos, pagó la bebida y salió del local. Cuando estaba en la carretera de salida de la aldea, vio una estrecha carretera de tierra, ya cubierta por los arbustos que crecían a ambos lados y que casi escondían la entrada. Sin nadie cerca, el extraño resolvió recorrer aquel camino, curioso para saber a dónde iría a dar, ya que las casas y el pequeño comercio de la aldea se encontraban concentrados en la extremidad sur. Con mucha dificultad, caminó durante unos diez minutos, hasta salir a campo abierto. Aquel espacio estaba cercado por algunos árboles que parecían tan viejos como la propia humanidad. Algunos tenían los troncos retorcidos, otros presentaban troncos que parecían haber sido quemados; pero todos aquellos árboles tenían en común el hecho de no tener hojas. Al mirar alrededor, encontró, a algunos metros frente al camino, una pilastra de piedra con cuatro o cinco metros de altura, que servía de pedestal a un ángel de mármol que un día había sido blanco, pero que ahora estaba cubierto de tierra y por las marcas de la lluvia y del tiempo. Había algo en la expresión del ángel, que miraba hacia arriba, que lo entristeció y lo dejó con un angustioso sentimiento de soledad. Llegó a pensar que el ángel se había echado a llorar cuando había mirado para él. Algunos metros más adelante vio una iglesia, con un aspecto sombrío y de abandono. Sus paredes de piedra ya mostraban el cruel paso del tiempo. La entrada principal consistía en una puerta de dos batientes pintada de azul, ya desgastada y muy deteriorada. Dos pequeñas ventanas se abrían, como ojos atentos, a ambos lados de la puerta. Extendiéndose verticalmente sobre el tejado había una torre, en la cual se podía observar la gran campana de bronce totalmente inmóvil, como si estuviera en un eterno reposo. Acercándose más, se dio cuenta que el portón principal estaba cerrado y no parecía haber nadie por allí cerca. Al forzar algo la puerta, esta se abrió, dando paso a la nave principal. La única iluminación dentro de la iglesia provenía de los rayos de sol que pasaban a través de las pequeñas ventanas, sin cristales, en las paredes laterales. Marcas de agua que hace mucho tiempo habían corrido por allí, indicaban un problema en el tejado, y hacían que las paredes tuviesen un aspecto 88 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL melancólico. Los bancos de madera ya estaban casi totalmente carcomidos por las termitas. Encantado con la belleza siniestra del lugar, el extraño sacó algunas fotos, y se dirigió a lo que parecía ser la sacristía, al final de uno de los pasillos. Cuando el extraño cruzó la puerta, un poco de curiosidad y de asombro sustituyó a su anterior estado de entusiasmo. La sala, que debía tener unos quince metros cuadrados, tenía las cuatro paredes cubiertas por fotografías antiguas, todas con un tono sepia, enmarcadas con hermosos marcos, todos realizados artesanalmente, y, aunque aparentasen estar allí hacía mucho tiempo, aún mantenían un buen estado de conservación. Del suelo hasta el techo, todo estaba cubierto por fotografías. Todas las fotos eran de familias, aunque no había ningún texto que las identificase. Durante algunos minutos el extraño permaneció allí, mirando las fotos, apreciando aquel aire nostálgico, admirando aquella extraña tristeza en el rostro de las personas, que, curiosamente, no sonreían en ninguna de ellas. Algunas de aquellas fotografías aparentaban ser de la década de los 20, otras de los 30, pero seguramente ninguna de ellas era posterior a los años 40. Después de observar rápidamente las fotografías, acabó por pararse delante de una, que quizá había sido escogida aleatoriamente, o apenas había llamado su atención por cualquier motivo. En la foto, una familia de nueve personas posaba de forma casi mecánica. Como si estudiase la foto, el extraño permaneció allí, durante unos minutos, analizando cada detalle de la foto. Con los ojos llenos de lágrimas y un sentimiento de vacío, profirió un exabrupto al mismo tiempo que saltaba hacia atrás, cuando se dio cuenta de que uno de los niños de la foto había comenzado a llorar. Se restregó los ojos, creyendo estar viendo visiones, y sacudió la cabeza, pero se dio cuenta de que no sólo el niño lloraba, sino que el resto de las personas de la familia gritaban en extrema agonía, con el dolor estampado en sus rostros. Al mismo tiempo, parecían desesperados por salir de la foto. Perturbado todavía por la visión que acababa de tener, miró a su alrededor y notó que en todas las fotos se repetía la escena: todas las personas gritaban, lloraban e intentaban desesperadamente salir de sus pequeñas prisiones. El sonido del llanto de los niños y de los adultos mezclado con los gritos de agonía eran como un cuchillo que atravesaba su cerebro. En aquel momento se arrodilló, tapando lo mejor que pudo los oídos y cerró los ojos. Lloró, como si él también estuviese preso en un marco hecho artesanalmente. Algún tiempo después (no sabría decir si habían sido minutos u horas) se levantó, pero todavía sentía la desesperación de las personas a su alrededor. Eran personas, ¿o no? ¿O eran únicamente sus almas aprisionadas en una foto, o lo que parecía ser una foto? No pudiendo soportar más la agonía de estar confinado en aquella pequeña sala, corrió, dirigiéndose a la puerta por la que había entrado. Pero sólo tuvo que girarse para reparar que no había ninguna puerta allí. Las cuatro paredes estaban cubiertas por fotografías, y no había ni puertas ni ventanas por las que salir. Gritando, se lanzó con desesperación contra las paredes, intentando, inútilmente, encontrar una forma de escapar de aquel lugar. Con bruscos movimientos, lanzó las fotos lejos de las paredes, pero, por cada portarretratos que caía, uno nuevo surgía en su lugar, y más y más personas gritando, llorando, en una sinfonía desafinada. Sin cualquier esperanza de escapar de aquel lugar misterioso, después de mucho gritar y llorar, notó que en una de las paredes había un marco con una foto en la que no había nadie, únicamente una habitación. Analizó aquel extraño objeto desde más cerca, al mismo tiempo que intentaba entender lo que ocurría en aquel lugar. Notó en la habitación de aquella foto alguna familiaridad, y, nuevamente, entró en pánico: aquel cuarto había sido el suyo cuando era pequeño. La misma cama, la misma alfombra en forma de payaso, la misma ventana cerca de la cama. En aquel momento, el pánico fue superado por la nostalgia. Nostalgia de tiempos que ya nunca volverían y entender que el objetivo de cualquier fotografía era congelar un determinado momento en el tiempo. Un momento que nunca más será olvidado y quedará allí para siempre. Entonces recordó cuántos momentos había deseado haber congelado en el tiempo. Cerró los ojos y la sacristía fue bañada por una inmensa claridad, una intensa fulguración 89 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL roja. Cuando se apagó, el cuarto había regresado a su anterior estado. La puerta se encontraba en el mismo lugar que se encontraba cuando el extraño la cruzó. El extraño, sin embargo, ya no estaba allí. Ahora él hacía parte de aquel inmenso mural nostálgico y, en ese mismo instante, él había regresado a la habitación que había sido suya cuando tenía tres años de edad. Pasaría toda la eternidad prisionero en aquel lugar, y tal vez un día implorase salir de allí, de la misma manera que todas las otras personas que también hacían parte de aquel lugar. Traducción de Ângelo Brea. 90 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL O HOMÚNCULO Paulo Soriano Numa madrugada fria, em que chovia copiosamente, fui acordado por pancadas desesperadas na porta de minha cabana, para onde me recolhia sempre que as ruelas malcheirosas de Villach se tornavam insuportáveis. Irritado, acendi o lume e, ao olhar através do postigo, surpreendi-me ao ver, num relance, a pálida silhueta de Hieronymus von Hohenheim. Quando abri a porta para dar passagem ao velho amigo, o vento, que soprava da floresta, apagou a candeia. Von Hohenheim passou por mim sem dizer uma palavra e, ao fazê-lo, uma leve onda de calafrio me varreu, envolvendome com a vibração de um sino. Podia sentir que Von Hohenheim estava assustado. Embora não pudesse escutá-las, as batidas de seu coração de alguma forma vinham até mim e, sem qualquer dúvida, eu sabia que seu corpo todo estremecia. Assim que acendi a lareira e lancei o olhar para o meu amigo, concluí que não me enganara em minhas sensações. Ele permanecia em pé, impassível. Mirava a lareira como se paralisado por uma força irresistivelmente dominadora. Servi-lhe a aguardente de seu agrado, mas ele não fez caso dela. Insisti: — Bebe. Estás completamente molhado. O fogo da aguardente te fará bem. Von Hohenheim tremia. Qualquer um suporia que era de frio. Mas eu, que o conhecia como a palma de minha mão, sabia perfeitamente que o medo o fazia vibrar. Servi-me da aguardente e o convidei a sentar-se. Ele, resignado, obedeceu. — O que eu irei contar-te parece loucura. — O que aconteceu? Meu amigo rangeu os dentes, numa reação nervosa. Examinando-o com mais atenção, vi que trazia o corpo todo coberto de lama. Deduzi que, conduzido por um desespero cuja origem eu ignorava, viera correndo. Caíra diversas vezes na lama, porque as suas calças tisnavamse de lodos de diferentes colorações. Mas não arfava. Supus que Von Hohenheim quedara-se inerte em meus umbrais por um longo tempo antes de decidir-se por me pedir ajuda. — Sabes que Phillipus, meu irmão, inicioume nas artes da Alquimia — disse-me ele, saindo aos poucos da letargia. — Há alguns anos, recebi de um mensageiro uma carta sua, na qual me confiava um segredo alquímico que ele, a bem de sua grande reputação, jamais ousaria partilhar com outrem senão comigo. E muito menos pô-lo em prática. Era uma fórmula para a produção de um homúnculo. É evidente que Hieronymus von Hohenheim estava, de fato, louco. E, à medida que desfiava a sua história desvairada, mais eu me convencia de que Von Hohenheim não apenas estava doido: estava completamente alucinado. — Faz três anos que eu criei o homúnculo. A produção de um homúnculo é um processo longo e delicado, no qual um simples erro, uma mera distração, pode conduzir ao insucesso da empresa. Tanto a criatura pode não germinar, como pode evoluir para uma aberração. O primeiro passo para a produção de um homúnculo é a inserção de esperma humano em um alambique hermeticamente fechado, que é enterrado em esterco de cavalo. Durante quarenta semanas, o ser gestado deve ser mantido a uma temperatura igual à do útero de uma égua. Nesse tempo, o homúnculo se desenvolve gradualmente, alimentado por sangue humano. Ao final dos dez meses, infunde-se água destilada no alambique, que é levemente aquecido. O vapor o faz despertar e respirar como uma criança recém-nascida, da qual é uma miniatura. Disse-me meu irmão, em sua carta, que o homúnculo pode ser criado e educado como qualquer criança, até ficar mais velho e se tornar capaz de cuidar-se sozinho. Ele exige de nós a mesma dedicação que entornamos nos nossos filhos. É a pura verdade. “Eu me afeiçoei à criatura, embora soubesse que ela, por não haver sido gerada no ventre de uma mulher, não possuía alma. Ela cresceu rapidamente e, ao término de outro ano, já estava adulta. Confesso-lhe que eu a tinha como a um filho. Chamei-a de Johannes em tua homenagem! “Foi por esse tempo que eu me casei com Olga. Johannes, malgrado dócil e obediente 91 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL como um cãozinho, era muito impulsivo: a muito custo consegui conservá-lo longe da vista de Olga, embora ele soubesse que era seu dever manter-se a uma distância considerável da mulher. Tranquei-o, enfim, no meu laboratório, onde ninguém, nem mesmo Olga, sem minha expressa autorização, podia entrar. Quando se viu reclusa e abandonada, uma tristeza sem fim se apossou de minha criação. Como qualquer recém-casado, eu dedicava todo o meu tempo a Olga, e quase não mais me aventurava noutros experimentos alquímicos. Mesmo esquecido, mesmo abandonado, Johannes olhava-me como a um pai amoroso, com carinho e sem qualquer nesga de ressentimento. Mas, de entremeio à ternura de seu olhar, vinha uma expressão que eu soube interpretar perfeitamente: a amargura que flutua na densidade insondável do ciúme. “Conquanto desprovido de alma, Johannes tinha as emoções e a inteligência de um ser humano. Com o coração ferido, ele bem poderia pôr seu intelecto a serviço de emoções tão primitivas quanto traiçoeiras. “Todos sabem que ciúme e vingança andam juntos. Mas eu não podia crer, ou mesmo admitir, que Johannes pudesse fazer mal a Olga. Todavia, olhando friamente a questão, eu sabia que, mantendo o homúnculo em minha casa, expunha a minha mulher a certos riscos. “Antes mesmo de casar-me com Olga, eu a admoestara a nunca entrar em minha sala secreta. Ela manteve-se obediente, para a minha satisfação. Mas, depois de encarcerar furtivamente o homúnculo no laboratório, corri a ela e renovei a advertência. Agi muito mal. Despertei nela, e com um vigor redobrado, a adormecida curiosidade feminina. “Certa noite, ao voltar a casa, após medicar no campo, deparei-me com uma cena estarrecedora: Olga gritava, com os braços estendidos contra a parede; acuado como um cão indefeso, Johannes tremia a cada grito que esvaía dos pulmões ensandecidos de minha mulher. “Decerto que a simples presença de um homúnculo é capaz de assustar o mais corajoso dos homens... Mas Johannes... Johannes... Sim, amigo, meu experimento não foi propriamente um êxito. Errei em alguma coisa. Johannes era disforme. Era uma aberração. “Olga ordenou: ‘Livra-te dessa abominação! Imediatamente!’ “Resoluto, prometi a Olga que assim o faria. Tomei Johannes nos braços e saí. Com a sua vozinha, que mais parecia um miado, ele me implorava que não o matasse. Em todo o trajeto ao riacho, ele gritava: 'Não me mates. Não mates o teu pequenino. Não mates quem mais te ama.' “Enquanto eu afundava a criaturinha indefesa no ribeiro, mergulhava, também, a minha alma no remorso. Afinal, ainda que monstruosa e desprovida de alma, eu a amava profundamente. “Voltei para casa com o espírito destroçado. E tomei a resolução de não mais tornar a pensar no assunto. “Mas, hoje, algo de horrendo aconteceu. Levantei-me bem cedo e, não tendo visitas a realizar, resolvi arejar os pensamentos à beira do ribeiro. De súbito, pareceu-me que, por instantes, algo se agitou e escapuliu das sebes naturais que orlam o riacho. Era ele, era o homúnculo. É lógico que estremeci. Vira o homúnculo por apenas um instante. Mas não podia haver dúvidas que era mesmo ele. E os seus ocelos rubros ardiam de ódio. Flamejavam por vingança. “Corri para casa, mas era tarde demais. Olga ainda dormia quando ele a atacou. E destroçou o seu pescoço. Agora eu sinto... eu sei... que ele está à minha procura.” Apiedei-me de meu amigo ensandecido a ponto de reprimir não poucas lágrimas. Então lhe disse: — Hieronymus, nada há o que fazer. Aquece-te um pouco na lareira e vai dormir. Foi neste momento que eu vi o homúnculo a esgueirar-se pela portinhola, que eu descuradamente deixara aberta. Ele era ágil como os símios que os saltimbancos exibem em dias de feira. Correu para mim. Nos seus pequenos olhos escarlates havia tanto ódio que eu adernei nauseado. A criaturinha andrajosa estava quase nua e, certamente, não teria mais que quinze polegadas reais. Sua pele parecia a de um réptil escamoso e a sua carranca hedionda rivalizava com a das gárgulas mais horrendas da catedral de St. Pierre. Johannes voltou-se para Hieronymus, que o olhava com a face contorcida pelo horror. Agachado, o homúnculo ensaiou uma grotesca reverência, 92 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL como se pedisse desculpas pelo que iria fazer. Por um momento, a coisa estava de fato constrita e respeitosa. A coisa penitenciava-se verdadeiramente. Eu vi a tristeza fulgurar em seus olhos de fogo. Depois, atirou-se impiedosamente ao pescoço do homem, e lá mergulhou os seus dentes castanhos e curvos, que antes pareciam garras de aves de rapina. Em poucos instantes, Hieronymus estava morto. O medo e o pavor impediram-me de esboçar a mais tímida reação. O homúnculo encarou-me, consternado. Naquele preciso momento, eu assisti, mais ultrajado que espavorido, a um sacrilégio. Aquela cara deformada tinha um quê de semelhança com a do homem que o criara. Podia nela ver a inconfundível expressão de aflição que há pouco contemplara na face de Hieronymus von Hohenheim. Compreendi que o monstrengo fora gerado e amamentado pelo esperma e pelo sangue de Hieronymus. Sim, a coisa era seu filho. O homúnculo empertigou-se, como quem toma uma grave resolução. E atirou-se ao fogo da lareira, onde crepitou até o amanhecer. 93 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EL HOMÚNCULO Paulo Soriano En una madrugada fría, en la que llovía copiosamente, me despertaron unos golpes desesperados en la puerta de la cabaña donde me cobijaba siempre que las callejuelas malolientes de Villach se volvían insoportables. Irritado, encendí la lámpara de aceite y, al mirar por el postigo, me sorprendió ver, como en un vislumbre, la pálida silueta de Hieronymus von Hohenheim. Cuando abrí la puerta para ceder el paso a mi viejo amigo, el viento, que soplaba desde el bosque, apagó la lámpara. Von Hohenheim pasó a mi lado sin decir ni una palabra y, al hacerlo, una leve ola de estremecimiento me barrió, envolviéndome con la vibración de una campana. Aunque no pudiese oírlos, los latidos del corazón de alguna manera llegaban hasta mí y, sin ningún género de duda, yo sabía que todo su cuerpo se estremecía. Después de encender el fuego del hogar y lanzar una mirada a mi amigo, concluí que no me había engañado en mis sensaciones. Él permanecía de pie, impasible. Observaba el fuego del hogar como si estuviera paralizado por una fuerza irresistiblemente dominadora. Le serví un vaso de aguardiente de su agrado, pero él no lo probó. Insistí: — Bebe. Estás empapado. El fuego del aguardiente te sentará bien. Von Hohenheim temblaba. Cualquiera pensaría que era de frío. Pero yo, que lo conocía como la palma de mi mano, sabía perfectamente que el miedo lo hacía vibrar. Me serví un poco de aguardiente y lo invité a sentarse. Él, resignado, me obedeció. — Lo que voy a contarte te va a aparecer una locura. — ¿Qué te ha ocurrido? Mi amigo rechinó los dientes, en una reacción nerviosa. Examinándolo con más atención, vi que tenía todo el cuerpo cubierto de barro. Deduje que, conducido por una desesperación cuyo origen ignoraba, había venido corriendo. Se habría caído varias veces en el barro, porque sus pantalones se habían manchado con lodos de diferentes tonalidades. Sin embargo, su respiración era pausada. Supuse que Von Hohenheim se habría quedado inerte en el umbral de mi casa durante algún tiempo, antes de decidirse a pedirme ayuda. — Sabes que Phillipus, mi hermano, me inició en las artes de la Alquimia — me dijo, saliendo lentamente del letargo. — Hace algunos años, recibí de un mensajero una carta suya, en la que me confiaba un secreto alquímico que él, por su gran reputación, jamás osaría compartir con nadie, excepto conmigo. Y mucho menos ponerlo en práctica. Era una fórmula para la creación de un homúnculo. Era evidente que Hieronymus von Hohenheim estaba totalmente loco. Y, a medida que desfilaba su historia llena de desvaríos, más me convencía de que Von Hohenheim no sólo estaba loco, sino que estaba completamente alucinado. — Hace ya tres años que creé el homúnculo. La producción de un homúnculo es un proceso largo y delicado, en el cual un simple error, una mera distracción, puede conducir al fracaso de la empresa. La criatura tanto podría no germinar, como evolucionar hacia una aberración. El primer paso en la producción de un homúnculo es la inserción de esperma humano en un alambique herméticamente cerrado, que se entierra en estiércol de caballo. Durante cuarenta semanas, el ser gestado debe ser mantenido a una temperatura igual a la del útero de una yegua. En ese tiempo, el homúnculo se desarrolla gradualmente, alimentado por sangre humana. Al final de los diez meses, se introduce agua destilada en el alambique, que se debe calentar levemente. El vapor lo hace despertar y respirar como un recién nacido, del cual es una miniatura. Mi hermano me dijo en su carta que el homúnculo puede ser criado y educado como cualquier niño, hasta desarrollarse y ser capaz de cuidar de sí mismo. Él nos exige la misma dedicación que dedicamos a nuestros hijos. Es la pura verdad. » Yo me aficioné a la criatura, aunque supiese que ella, por no haber sido generada en el vientre de una mujer, no poseía alma. Creció rápidamente y, al término de otro año, ya era adulta. Le confieso que la quería como a un hijo. ¡Le puse Johannes como homenaje a ti!” » Fue por esa altura que me casé con Olga. Johannes, a pesar de ser dócil y obediente como un perrito, era muy impulsivo. Con grandes 94 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL dificultades logré mantenerlo lejos de la vista de Olga, aunque él sabía que era su deber mantenerse a una distancia considerable de mi mujer. Lo encerré, finalmente, en mi laboratorio, donde nadie, ni siquiera Olga, podía entrar sin mi autorización expresa. Cuando se vio recluida y abandonada, una tristeza sin fin se apoderó de mi creación. Como cualquier recién casado, yo dedicaba todo mi tiempo a Olga, y casi dejé de aventurarme en más experimentos alquímicos. Aunque olvidado, casi abandonado, Johannes me trataba como a un padre amoroso, con cariño y sin cualquier clase de resentimiento. Pero, por entre la ternura de su mirada, se escondía una expresión que yo supe interpretar perfectamente: la amargura que flota en la insondable densidad de los celos. » Aunque desprovisto de alma humana, Johannes tenía las emociones y la inteligencia de un ser humano. Con el corazón herido, podría poner su intelecto al servicio de emociones tan primitivas como traicioneras. » Todos saben que los celos y la venganza caminan juntos. Pero yo no podía creer, o incluso admitir, que Johannes pudiese hacerle algún mal a Olga. Pero, analizando fríamente la cuestión, yo sabía que, manteniendo al homúnculo en mi casa, exponía a mi mujer a ciertos riesgos. » Incluso antes de casarme con Olga, yo le había advertido de que no entrase nunca en mi cámara secreta. Ella se mantuvo obediente, para mi satisfacción. Pero después de encarcelar al homúnculo en el laboratorio, corrí a su lado y renové la advertencia. Reconozco que reaccioné muy mal, pues desperté en ella, con un vigor renovado, la adormecida curiosidad femenina. » Cierta noche, al regresar a casa, después de mis visitas médicas en el campo, me topé con una escena aterradora: Olga gritaba, con los brazos extendidos contra la pared, mientras que Johannes, acorralado como un perro indefenso, temblaba a cada grito que surgía de los pulmones enloquecidos de mi esposa. » Reconozco que la simple presencia de un homúnculo es capaz de asustar al más valiente de los hombres… Pero Johannes… Johannes… Sí, amigo, mi experimento no había sido propiamente un éxito. Me equivoqué en alguna cosa. Johannes era deforme. Era una aberración. » Olga me ordenó: - ¡Líbrate de esa abominación! ¡Inmediatamente! Resuelto, prometí a Olga que así lo haría. Cogí a Johannes en brazos y salí. Con su vocecita, que más parecía un maullido, él me imploraba que no lo matase. En todo el trayecto hasta el riachuelo, él me gritaba: - Por favor, no me mates. No mates a tu pequeñín. No mates a quien más te ama. » Mientras sumergía a aquella criaturita indefensa en el río, hundía, también, mi alma en el remordimiento. Al final, aunque monstruosa y desprovista de alma, yo la amaba profundamente. » Regresé a casa con el espíritu destrozado. Y tomé la resolución de no volver a pensar más en el asunto. » Pero hoy me ocurrió algo horrendo. Me levanté muy temprano y, no teniendo visitas que realizar, resolví airear los pensamientos en el margen del riachuelo. De súbito, me pareció que algo se agitaba y escabullía en los setos naturales que rodean el río. Era él, el homúnculo. Lógicamente, me estremecí. Había visto al homúnculo únicamente durante un instante. Pero no podía haber ninguna duda de que era él. Sus pequeños ojos rubros ardían de odio. Resplandecían con el deseo de venganza. » Corrí hacia casa, pero ya era tarde. Olga aún estaba durmiendo cuando él la atacó. Destrozó su garganta. Ahora siento… sé que… que él está buscándome. Me apiadé de mi amigo enloquecido, a punto de reprimir las lágrimas. Luego le dije: — Hieronymus, no hay nada que hacer. Caliéntate un poco en la lumbre y vete a dormir. Fue en ese momento que vi al homúnculo deslizarse por la puerta, que yo descuidadamente había dejado abierta. Era ágil como los simios que los saltimbanquis exhiben en los días de feria. Corrió hacia mí. En sus pequeños ojos escarlatas había tanto odio que me sentí repugnado. La criaturita andrajosa estaba casi desnuda y, ciertamente, no tendría más que unas quince pulgadas. Su piel parecía la de un reptil escamoso y su careta hedionda rivalizaba con la de las gárgolas más horrendas de la catedral de St. Pierre. Johannes se volvió hacia Hieronymus, que lo observaba con el rostro retorcido por el horror. Agachado, el homúnculo ensayó una grotesca reverencia, como si pidiese disculpas por lo que iba a hacer. Por un momento, aquella cosa parecía mostrarse tímida y respetuosa. Era algo que mortificaba ver. Vi la tristeza fulgurar en sus ojos de fuego. Después, se lanzó sin piedad a la 95 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL garganta del hombre, y allí enterró sus dientes castaños y curvos, que más bien parecían garras de aves de rapiña. En pocos instantes, Hieronymus había muerto. El miedo y el pavor me habían impedido esbozar la más tímida reacción. El homúnculo me encaró, consternado. En aquel preciso momento, yo asistí, más ultrajado que despavorido, a un sacrilegio. Aquella cara deformada tenía cierto parecido con la del hombre que lo había criado. Podía ver en ella la inconfundible expresión de aflicción que hace un momento había contemplado en el rostro de Hieronymus von Hohenheim. Comprendí que el monstruo había sido generado y amamantado con la sangre y el esperma de Hieronymus. Sí, aquella cosa era su hijo. El homúnculo se enderezó, como quien toma una grave resolución. Y se lanzó al fuego, donde chisporroteó hasta el amanecer. Traducción de Ângelo Brea. 96 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL EU, ROUBO Emilio Vilaró Sou um ladrão comum, de pouca monta, algo melhor que um punguista e bem pior que Rififi ou Jesse James. Mas tenho as minhas regras. Elas não me foram impostas: vieram do que acredito ser bom e justo, apesar do que eu sou: 1. Não roubo de quem tem menos do que eu. 2. Se, no que roubo, encontro coisas que não me servem, trato de devolvê-las. 3. Ao roubar, não destruo algo mais valioso do que aquilo que levo. *** O interessante é que, ao ser assim — ou seja, baseando-me nestas leis —, não tenho problemas com os meus “clientes”. *** No ano de 2045, a sociedade havia chegado ao seu máximo perfeccionismo, e, portanto, a um incrível e tedioso estado. Todos os encantos de tempos passados haviam desaparecido: os acidentes e enfermidades já não mais existiam, mas, lamentavelmente, tampouco havia os vigias, os ladrões, os pregoeiros, os amoladores etc. A vida é agora uma constante mesmice, sem atrativo algum, e isto provoca muitos suicídios. Para atenuar esta situação, decidiu-se criar uma associação chamada “Tempos Passados”. Seriam vários grupos de pessoas que exerceriam as funções e fariam os trabalhos que outrora eram realizados, mas que já não existiam. Ou seja: tratava-se de converter as cidades em parques de atrações para devolver a alegria a esta humanidade tão entediada. Uma obra colossal, que levaria muito tempo. Eu escolhi, dentre estes grupos, o ofício de ladrão. Os ladrões que integram este grupo não têm que devolver o que roubam. Nosso departamento argumenta que, se devolvêssemos o que fosse espoliado, as pessoas se acostumariam a ser menos precavidas e perderiam o encanto de ser roubadas. O resultado seria a despreocupação com o que lhe poderia acontecer se andasse descuidadamente pelas ruas ou, se deixasse a porta aberta, com quem pudesse entrar em sua casa. A profissão de policial é outra que desapareceu, mas ainda não foi incorporada à Associação, pois ninguém nos apressa. O quão interessante será essa etapa, em que os policiais correrão em nosso encalço! Como as pessoas sabem que não há perigo físico nesses roubos, tornamonos amigos. Jamais me pedem que eu devolva o que lhes foi roubado, e me apresentam às suas famílias como “o que nos roubou”. Explicam a seus colegas como é deveras rara e excitante a experiência de ser roubado. Às vezes me perguntam: “por onde devo passar para que logre ser roubado por você?”. É compreensível que os androides usem os humanos para estes ofícios a fim de mais fielmente reproduzir estes velhos tempos. Somos seus escravos e parecemos muitos reais e folclóricos nas cidades de robôs. Tradução de Paulo Soriano. 97 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL YO, RÓBO Emilio Vilaró Soy un vulgár ladrón de póca mónta, álgo mejór que un carterísta y múcho peór que Rififí o Jésse Jámes. Péro téngo mis réglas. Nádie me las ha impuésto, han salído de lo que créo que está bién y es jústo, a pesár de ser lo que soy. 1. No róbo a quien ténga ménos que yo. 2. Si en lo que róbo encuéntro cósas que no me sírven, las devuélvo. 3. No destrózo al robár, más en valór, de lo que me llévo. 4. No róbo dos véces al mísmo benefactór. *** Lo curióso es que, al ser así, es decír, basándome en éstas léyes, no téngo problémas con mis «cliéntes». *** En el áño 2045, la sociedád ha llegádo a su máximo de perfeccionísmo y por tánto, a un increíble estádo de aburrimiénto. Tódos los encántos de tiémpos pasádos han desaparecído: los accidéntes y las enfermedádes ya no exísten, péro lamentáblemente tampóco los serénos, ladrónes, pregonéros, afiladóres etc. La vída es ahóra úna constánte repetición, sin ningún aliciénte y ésto es cáusa de múchos suicídios. Pára paliár ésta situación, se decidió creár úna asociación llamáda «Tiémpos pasádos». Serían vários grúpos de persónas que harían las funciónes y trabájos que ántes se habían hécho péro que ya no exísten. O séa, se tratába de convertír las ciudádes en párques de atracciónes pára devolvér la alegría a ésta humanidád tan aburrída. Úna óbra colosál que llevaría múcho tiémpo. Yo escogí, de éntre éstos grúpos, el de ser ladrón. Tódo lo que los ladrónes de éste grúpo robámos, no lo tenémos que devolvér. Nuéstro departaménto arguménta, que si se devuélve tódo lo expoliádo, la génte se acostúmbra a ser ménos precavída, y se piérde el encánto de ser robádo. También ocúrre, que ya no te preocúpas de lo que te puéde pasár cuando estás paseándo por la cálle si no vas con cuidádo, o de ¿quién puéde entrár en tu cása?, si no ciérras bién la puérta. La policía, es ótro de los ofícios desaparecídos, péro como todavía no se han incorporádo a la Asociación, pués nádie nos aprésa. ¡Qué interesánte será ésta etápa!, cuando éllos nos persígan. Como la génte sábe que no hay pelígro físico en ésos róbos, nos convertímos en amígos. Núnca me píden que devuélva lo robádo, y me preséntan a su família, como «El que les robó». Explícan a sus colégas, la experiéncia tan excitánte y rára de ser robádo. A véces me pregúntan: ¿por dónde débo paseár pára lográr que ustéd me róbe? Es comprensíble que los andróides nos úsen a los humános pára éstos ofícios, pára duplicár mejór ésos viéjos tiémpos. Sómos sus esclávos y resultámos muy reáles y folclóricos en las ciudádes de robóts. . 98 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL ACALANTO DAS ÁGUAS Tânia Souza Sentiu as folhas e o frio da terra sob seus pés descalços. No meio da floresta, esgueirando-se entre as árvores centenárias, estremeceu ao confundir os gigantescos loureiros com vultos em meio à forte neblina. Havia um pesado silêncio no bosque que se estendia por extensões incalculáveis, ela poderia jurar que nunca antes pés humanos cruzaram suas barreiras. Mas uma vez... talvez não fosse lenda. Talvez ela tivesse uma chance. O frio do amanhecer aos poucos desaparecia e o ar parecia agora bafejado por murmúrios longínquos. Pequenas frestas de luz invadiam os galhos das árvores mais altas e desciam entrecortados, iluminado as trevas. Plantas desconhecidas estendiam-se espinhosas e feriam sua pele, rasgando o tecido fino que a envolvia. Tentou vencer o medo e a sensação de que logo seria alcançada; desde que deixara a vila, caminhara sem descanso, mas os cavaleiros não desistiriam tão fácil. Uma única chance, talvez. Olhos. Podia senti-los, espreitando-a desde que adentrara aquele estranho universo. Havia um cheiro de incontáveis eras e criaturas desconhecidas desafiando quem ousasse adentrar seus domínios. Entretanto, por mais sombrios e escuros que fossem os caminhos, as árvores e a vegetação eram verdes, vívidas. Entre pedras lisas e cobertas por musgos esverdeados, descobriu um veio d’água que corria entre os pedregulhos e abaixou-se para a água que corria, bebendo com as mãos e reconhecendo as ervas que seu povo sempre usara para curar. Um ruído despertou de súbito sua atenção, a voz acariciante de um sonho, trazendo em si promessas e delírios como os que a levaram até ali. Seguiu o curso do pequeno riacho, em busca do som fascinante, e logo chegou a uma clareira onde a água formava uma pequena e transparente cacimba e um estreito finalizava o caminho. Chegou devagar, com medo de assustá-la. Uma chance. Sentiu as lágrimas descerem e o coração apertado, entre medo, alegria perante a presença viva da magia. A criatura das águas sorriu. Os longos e amendoados cabelos confundindo-se com as raízes frondosas e troncos gigantescos que brotavam na beira do rio. A pele era quase transparente e os longos cílios em torno dos olhos dourados devassaram a alma de Gwen. Em meio às águas transparentes, a moça se moveu e as escamas prateadas refletiam-se à luz. Ouvia ainda o galope desesperado dos seus perseguidores quando mergulhou os pés na água cálida. Ao seu redor, outros rostos surgiam e mãos suaves a tocaram até que apenas o aconchego morno das águas a envolvesse. Aquele não era mais o mundo no qual Gwen crescera. Para homens e mulheres como ela, viriam tempos difíceis. Alguns ouviram o chamado das árvores; outros, o da terra; alguns, os das cavernas, e até mesmo os do ar. No entanto, grande parte do seu povo já não conseguia ouvir, e, tomada pelo medo, ardia o fim de sua essência. Mas Gwen ouvira a sagrada acolhida das águas. Finalmente, estaria livre. Quando os cavaleiros chegaram ao lago, apenas águas. 99 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL NANA DE LAS AGUAS Tânia Souza Sintió las hojas y el frío de la tierra bajo sus pies descalzos. En lo profundo del bosque, deslizándose entre los árboles centenarios, se estremeció al confundir los gigantescos laureles con bultos entre la densa neblina. Había un pesado silencio en el bosque que se extendía a través de incalculables extensiones. Ella podría jurar que nunca hasta entonces pies humanos habían cruzado sus barreras. Pero una vez… quizá no fuese leyenda. Quizá ella tuviera una oportunidad. El frío del amanecer iba desapareciendo poco a poco y el aire parecía ahora repleto de murmullos lejanos. Pequeñas rendijas de luz invadían las ramas más altas de los árboles y descendían entrecortadamente, iluminando las tinieblas. Plantas desconocidas se extendían espinosas y herían su piel, rasgando el fino tejido que la envolvía. Intentó vencer al miedo y a la sensación de que en breve sería alcanzada. Desde que dejara la aldea, caminara sin descanso, pero los caballeros no desistirían tan fácilmente. Una única oportunidad, quizá. Ojos. Podía sentirlos, espiándola desde que se había adentrado en aquel extraño universo. Había un aroma de eras incontables y de criaturas desconocidas desafiando a quien osase adentrarse en sus dominios. Entre tanto, por más sombríos y oscuros que fuesen los caminos, los árboles y la vegetación eran verdes, vívidos. Entre piedras lisas y cubiertas por musgos matizados de verde, descubrió un filón de agua que corría entre las grandes piedras y se inclinó hacia el agua que discurría, bebiendo con las manos y reconociendo las hierbas que su pueblo siempre había usado para curar. De súbito, un ruido atrajo su atención, la voz acariciadora de un sueño, trayendo en ella promesas y delirios como los que la habían llevado hasta allí. Siguió el curso del pequeño riachuelo, en busca del sonido fascinante, y llegó entonces a un claro del bosque donde el agua formaba un pequeño y transparente pozo y un desfiladero finalizaba el camino. Se acercó despacio, con miedo de asustarla. Una oportunidad. Sintió las lágrimas que surgían y el corazón conmovido, entre miedo y alegría ante la presencia viva de la magia. La criatura de las aguas sonrió. Los largos cabellos almendrados confundiéndose con las raíces frondosas y con los troncos gigantescos que brotaban en el margen del río. La piel era casi transparente y las largas pestañas en torno a los ojos dorados conmovieron el alma de Gwen. Entre las aguas transparentes, la joven se movió y las escamas plateadas se reflejaron en la luz. Oía todavía el galope desesperado de sus perseguidores cuando sumergió los pies en el agua cálida. A su alrededor, otros rostros surgían y manos suaves la tocaron hasta que sólo el suave recogimiento de las aguas la envolvió. Aquel ya no era el mundo en el que Gwen había crecido. Para hombres y mujeres como ella, vendrían tiempos difíciles. Algunos habían oído la llamada de los árboles; otros, la de la tierra, las de las cavernas, e incluso la del aire. Sin embargo, gran parte de su pueblo ya no conseguía oír y, llena de miedo, ardía el fin de su esencia. Pero Gwen había oído la sagrada acogida de las aguas. Finalmente, sería libre. Cuando los caballeros llegaron al lago, a penas aguas. Traducción de Ângelo Brea 100 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL COLABORADORES/COLABORADORAS ÂNGELO BREA (Santiago de Compostela/Galiza/Espanha – Santiago de Compostela/Galicia/España) BELÉN FERNÁNDEZ CRESPO (Aranjuez/ Madri/Espanha – Aranjuez/ Madrid/España) CARLOS ENRIQUE SALDÍVAR (Lima/Peru – Lima/Perú) DOLO ESPINOSA (As Palmas/Canárias/Espanha – Las Palmas de Gran Canaria/Canarias/España) EMILIO VILARÓ (Barcelona/Catalunha/Espanha – Barcelona/Cataluña/Espanha – Barcelona/Catalunya/Espanya) EUGENIO SÁNCHEZ ARRATE (Madri/Espanha – Madrid/España) JOSÉ ÁNGEL CONDE (Madri/Espanha – Madrid/España) JOSÉ CASCALES VÁZQUEZ (Madri/Espanha – Madrid/España) JOSÉ MANUEL GONZÁLEZ RODRÍGUEZ (Sopelana/País Basco/Espanha – Sopelana/País Vasco/España – Sopela/Euskal Herria/Espainia) JULIO PORTUS CALE (Salvador/Bahia/Brasil – Salvador de Bahía/Bahía/Brasil) LUCIANO BARRETO (Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/Brasil – Campos de los Goytacazes/Río de Janeiro/Brasil) LUIZ POLETO (Geórgia/Estados Unidos da América – Georgia/Estados Unidos de América – Georgia/United States of America) LUIZ RAIMUNDO (Ponte Nova/Minas Gerais/Brasil – Puente Nueva/Minas Generales/Brasil) MARCELO MEDONE (Buenos Aires/Argentina) MÁRIO TERRABATAVA (Salvador/Bahia/Brasil – Salvador de Bahía/Bahía/Brasil) PAULO SORIANO (Salvador/Bahia/Brasil – Salvador de Bahía/Bahía/Brasil) RICARDO MANZANARO (Bilbau/País Basco/Espanha – Bilbao/País Vasco/España – Bilbo/Euskal Herria/Espainia) SEBASTIÁN BERINGHELI (Buenos Aires/Argentina) 101 EDIÇÃO ESPECIAL RELATOS FANTÁSTICOS EDICIÓN ESPECIAL REVISTA VIRTUAL TÂNIA SOUZA (Campo Grande/Mato Grosso do Sul/Brasil – Campo Grande/Mato Grosso del Sur/Brasil) VALENTIM FAGIM (Santiago de Compostela/Galiza/Espanha – Santiago de Compostela/Galicia/España) AUTORES E AUTORA CLÁSSICOS: Autores y Autora Clásicos: EDGAR ALAN PÖE (EUA/USA) FARNSWORTH WRIGHT (EUA/USA) BERNARDO COUTO CASTILLO (México) DANIEL DEFÖE (Inglaterra/England) HUMBERTO DE CAMPOS (Brasil) EMILIA PARDO BAZÁN (Galiza/Espanha – Galicia/España) LOPOLDO LUGONES (Argentina) HORACIO QUIROGA (Uruguai – Uruguay) 102 EXPEDIENTE Nascida de uma parceria entre os sítios “Contos de Terror” (Paulo Soriano) e “Noticias Ciencia-Ficción” (Ricardo Manzanaro), a revista RELATOS FANTÁSTICOS reúne contos de autores clássicos e de colaboradores modernos de diversas nacionalidades nas línguas portuguesa e espanhola. RELATOS FANTÁSTICOS é uma edição epecial de Free Books Editora Virtual. Redação e diagramação: Paulo Soriano. Tradução: Ângelo Brea, Paulo Soriano, Ricardo Manzanaro, Sebastián Beringheli e Marcelo Medone. Revisão: Ângelo Brea, Paulo Soriano, Ricardo Manzanaro e Valentim Fagim. Imagem da Capa: Enrique Meseguer. Imagem do Miolo: C. T. Talman. Imagem da Silhueta: Gratispng. Colaboradores: Ricardo Manzanaro, Marcelo Medone, Mário Terrabatava, José Cascales Vázquez, Eugenio Sánchez Arrate, Belén Fernández Crespo, Emilio Vilaró, José Ángel Conde, José Manuel González Rodríguez, Carlos Enrique Saldívar, Paulo Soriano, Dolo Espinosa, Júlio Portus Cale, Luciano Barreto, Luiz Poleto, Tânia Souza, Ângelo Brea, Luiz Raimundo. Autores e Autora Clássicos: Edgar Allan Pöe,Farnsworth Wright,Bernardo Couto Castillo, Daniel Deföe,Humberto de Campos, Emilia Pardo Bazán, Leopoldo Lugones e Horacio Quiroga. Nacida de la asociación entre los sitios web "Contos de Terror" (Paulo Soriano) y "Noticias Ciencia-Ficción" (Ricardo Manzanaro), la revista RELATOS FANTÁSTICOS reúne relatos de autores clásicos y colaboradores modernos de varias nacionalidades en las lenguas portuguesa y española. 103