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Produção escrita na era digital

Veredas - Revista de Estudos Linguísticos

Esteartigo apresenta o relato de uma experiência centradanaprodução escrita de um texto autobiográfico em ambiente digital. A proposta foi realizada com umaturma do sexto ano do ensino fundamental, de uma escola pública do interior de Minas Gerais. Organizada nos moldes de uma sequência didática(DOLZ; SCHNEUWLY, 2004)e orientada por uma perspectiva sociodiscursiva da linguagem(BRONCKART, 1999; MARCUSCHI, 2008), essa intervenção apresenta um caminho paraa inserção de novas tecnologias da informação e da comunicação no ensino, com o objetivo de contribuir paraaampliaçãodo letramento digital (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016)dos alunos envolvidos. Com base na análise dessa experiência, argumentamos que o uso de um editor de textos onlineapresenta importantes vantagens para prática de produção escrita na escola,especialmente no que diz respeito ao trabalho de reescrita do aluno e ao trabalho de mediação do professor.

As tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de línguas Vol. 21, nº 1, 2017 ------------------------------------------------------------------------------Produção escrita na era digital: A tecnologia a favor da reescrita e da mediação Thais Fernandes Sampaio (UFJF) Anthony da Silva Oliveira (UFJF) RESUMO: Este artigo apresenta o relato de uma experiência centrada na produção escrita de um texto autobiográfico em ambiente digital. A proposta foi realizada com uma turma do sexto ano do ensino fundamental, de uma escola pública do interior de Minas Gerais. Organizada nos moldes de uma sequência didática (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004) e orientada por uma perspectiva sociodiscursiva da linguagem (BRONCKART, 1999; MARCUSCHI, 2008), essa intervenção apresenta um caminho para a inserção de novas tecnologias da informação e da comunicação no ensino, com o objetivo de contribuir para a ampliação do letramento digital (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016) dos alunos envolvidos. Com base na análise dessa experiência, argumentamos que o uso de um editor de textos online apresenta importantes vantagens para prática de produção escrita na escola, especialmente no que diz respeito ao trabalho de reescrita do aluno e ao trabalho de mediação do professor. Palavras-chave: ensino de escrita; letramento digital; reescrita; estratégias de mediação. Introdução A experiência relatada e brevemente analisada neste artigo foi desenvolvida no âmbito de um macroprojeto de pesquisa cujo objetivo central é estudar as possibilidades de inserção de novas tecnologias no ensino de Língua Portuguesa (LP) e investir na elaboração de propostas inovadoras para o uso desses recursos tecnológicos no trabalho com língua materna em sala de aula. De fato, embora pareça inegável que a escola precisa se abrir para as novas tecnologias, não nos parece que esteja tão claro como se dará esse processo de inserção. Assim, apesar de acreditarmos no efeito benéfico das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação (TDIC) para o ensino, defendemos que esse processo de inserção precisa ser acompanhado de uma reflexão contínua, com o intuito de evitar o erro de se “fetichizar a técnica, ao se contentar com uma aparente inovação educacional, travestida de novidades tecnológicas” (BRUNO; PESCE; BERTOMEU, 2012, p. 140). A intervenção de que trata este artigo foi proposta com o intuito de testar a inserção da ferramenta digital Google docs no desenvolvimento de um trabalho com --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 produção escrita de um texto autobiográfico, realizado em uma turma do sexto ano de uma escola pública da cidade de Leopoldina, Minas Gerais (OLIVEIRA, 2015). As atividades foram organizadas segundo o modelo de sequências didáticas (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004). 1. Fundamentação da proposta A fundamentação teórica da intervenção que realizamos é construída a partir de uma ideia já bem estabelecida sobre a essência da aula de português. Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCN), publicados em 1998, afirmam que as propostas de transformação do ensino de LP poderiam, já naquele momento, ser caracterizadas pelo ponto consensual de que o objeto e o objetivo do trabalho com língua materna na escola deve ser o uso da linguagem. Quase vinte anos depois da publicação do referido documento, nossa experiência com a formação de professores de Língua Portuguesa, na graduação e na pós-graduação, permite verificar que a constatação da necessidade de mudança e a indicação do uso como elemento central do ensino de língua ainda se colocam como significativos desafios para o professor de Português. Acreditamos que isso se deve, ao menos em parte, primeiro porque muitas das afirmações sobre como deve ser esse ensino não são acompanhadas de um aprofundamento teórico que permita ao professor, de fato, compreender o porquê de determinada orientação. Em segundo lugar, tal constatação, talvez por parecer bastante simples, também não se faz acompanhar de exemplos, modelos, relatos de experiências, a partir dos quais os professores possam ver o que significa, na prática, fazer do uso da linguagem “o objeto e objetivo do trabalho com língua materna na escola”. Para os objetivos do relato que apresentamos, concentraremos o trabalho de embasamento teórico em duas questões essenciais. De um lado, propomos considerar os usos linguísticos que caracterizam nossas interações na sociedade contemporânea. Por outro, entendemos ser necessário pensar como fica a consideração desse uso no trabalho com produção escrita na escola. Não nos parece possível negar que todos “os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem” (BAKHTIN, 2011, p. 261). Assim como é inegável que novas “maneiras de pensar e conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática” (LEVY,1993, p. 7). Assumir esses dois pressupostos nos obriga a reconhecer que grande parte dos usos linguísticos na contemporaneidade envolvem novas tecnologias da informação e da comunicação. Os bilhetes passados por debaixo da carteira foram substituídos por “whatsApps”; as cartas enviadas pelos Correios foram substituídas por e-mails; as opiniões pouco fundamentadas, que eram ditas sem pensar, ouvidas por alguns poucos e esquecidas minutos depois, hoje podem ganhar o mundo em minutos através de postagens no Facebook. E a mudança não é apenas uma questão do recurso tecnológico usado em nossas manifestações linguísticas. Trata-se de uma mudança que atinge também, por exemplo, o conteúdo, a estrutura, o objetivo do que é dito/escrito. Assim, alteradas de modo tão contundente as condições de uso, vemo-nos diante de um uso, em muitos aspectos, novo. É uma nova forma de produzir e de ler textos que impacta, portanto, tanto o trabalho do autor quanto o do leitor. Nesse ponto, acreditamos, a questão do uso linguístico encontra a questão dos letramentos digitais. Como aponta Xavier (2005), diante das modificações que o surgimento das novas tecnologias gera na sociedade, os profissionais da educação, de modo geral, e da linguagem, especificamente, --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 encontram-se diante do desafio de criar estratégias pedagógicas eficazes para “letrar e letrar digitalmente o maior número de sujeitos” (p.8, grifo nosso). Ao nos referirmos a “letramentos digitais”, no plural, assumimos, como Dudeney, Hockly e Pegrum (2016), que esse conceito diz respeito às “habilidades individuais e sociais necessárias para interpretar, administrar, compartilhar e criar sentido eficazmente no âmbito crescente dos canais de comunicação digital” (p. 17). Nesse contexto, se a tarefa da escola é preparar o indivíduo para a plena participação na vida em sociedade, a escola de hoje não pode se furtar de dar atenção a essas habilidades. Tal constatação não é nova, sendo objeto de discussão a partir de diferentes perspectivas. Belloni (2012), por exemplo, discute essa necessidade recorrendo à noção de mídia-educação, que, em linhas gerais, corresponderia a uma preocupação com a integração de novas tecnologias à escola em todos os seus níveis e caracterizaria a aquisição de habilidades a que crianças e jovens têm direito para sua formação. Já no prefácio de um documento elaborado no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a questão é abordada sob o rótulo de Alfabetização Midiática Informacional: Vivemos em um mundo no qual a qualidade da informação que recebemos tem um papel decisivo na determinação de nossas escolhas e ações, incluindo nossa capacidade de usufruir das liberdades fundamentais e da capacidade de autodeterminação e desenvolvimento. Movida pelos avanços tecnológicos nas telecomunicações, manifesta-se também a proliferação das mídias e de outros provedores de informação, por meio de grandes quantidades de informação e conhecimento que são acessadas e compartilhadas pelos cidadãos. Com esse fenômeno, e partindo dele, existe o desafio de avaliarmos a relevância e a confiabilidade da informação sem quaisquer obstáculos ao pleno usufruto dos cidadãos em relação aos seus direitos à liberdade de expressão e ao direito à informação. É nesse contexto que a necessidade da alfabetização midiática e informacional (AMI) deve ser vista: ela expande o movimento pela educação cívica que incorpora os professores como os principais agentes de mudança. (WILSON et al, 2013, p. 11) Todas essas vozes, ainda que em tons ou arranjos diferentes, soam quase como um coro: a escola precisa se abrir para o mundo real e isso inclui, inevitavelmente, uma abertura para o mundo digital (MORAN, 2013). Dentre os inúmeros caminhos para o desenvolvimento dessas habilidades, nossa intervenção se volta para alguns aspectos básicos do trabalho do autor nesse contexto das novas tecnologias. Nossa experiência está centrada em um tipo de letramento que, segundo Dudeney, Hockly e Pegrum (2016), “se situa no próprio núcleo dos letramentos digitais”: o letramento impresso. De acordo com os referidos autores, este corresponde à “habilidade de compreender e criar uma variedade de textos escritos que abrange o conhecimento de gramática, vocabulário e características do discurso simultaneamente com as competências de leitura e escrita” (p. 23). Em um primeiro momento, pode parecer uma incoerência colocar o letramento impresso no centro dos letramentos digitais. No entanto, não podemos esquecer que, muitas vezes, o que temos nos textos multimodais é uma articulação da linguagem verbal com outras formas de linguagem, de modo que ela desempenha papel complementar na interpretação, na administração, no compartilhamento e na criação de sentido também em ambiente digital. Nesse sentido, concordando com a ideia de que as habilidades de letramento tradicional podem ser muito --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 bem desenvolvidas online (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016), propomos um trabalho de produção escrita em um editor de textos online. E, assim, chegamos ao outro aspecto fundamental da orientação teórica que justifica a prática desenvolvida, o qual diz respeito ao fato de que os usos da linguagem são materializados em textos. Com isso, centrar o trabalho com língua materna no uso corresponderá, naturalmente, a centrar esse trabalho em textos. Só que não podemos esquecer que as mudanças pelas quais a sociedade tem passado, como vimos, gera mudanças “nas maneiras de participação e interação social e, consequentemente, nas formas de enunciar e nos textos” (ROJO; BARBOSA, 2015). Tomamos texto aqui em uma acepção geral como “toda e qualquer produção de linguagem situada, oral ou escrita” (BRONCKART, 1999, p.71). Como bem observam Rojo e Barbosa (2015), contudo, é preciso lembrar que na vida contemporânea, em que os escritos e falas se misturam com imagens estáticas (fotos, ilustrações) e em movimento (vídeos) e com sons (sonoplastias, músicas), a palavra “texto” se estendeu a esses enunciados híbridos de ‘novo’ tipo, de tal modo que falamos em ‘textos orais’ e ‘textos multimodais’, como as notícias televisivas e os vídeos de fãs no youtube (p. 25). De todo modo, como uma produção de linguagem situada, o texto é produto da atividade humana, ao mesmo tempo em que é um dos elementos que torna possível essa atividade. Orientada por uma visão sociodiscursiva da linguagem, o texto, em nossa intervenção, é abordado sob a perspectiva dos gêneros textuais. Isso significa que o trabalho proposto leva em consideração o fato de que os textos que encontramos em nossa vida cotidiana apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas (MARCUSCHI, 2008. p. 155.) Além disso, devemos considerar, ainda, que a noção de gêneros “implica não somente um tipo particular de texto, mas também processos particulares de produção, distribuição e consumo de textos” (FAIRCLOUGH, 2016, p. 168). Nesse sentido, procurou-se elaborar um trabalho de produção textual que não fosse simplesmente uma atividade de escrita mecânica e sem objetivo, já que partimos do pressuposto de que o ensino da escrita deve respeitar as funções que os textos desempenham na sociedade e deve, na medida do possível, levar em consideração diferentes elementos das condições de produção de um texto em situação comunicativa real. Na experiência que apresentamos, o trabalho com o gênero textual autobiografia foi configurado nos moldes de uma sequência didática (SD). De nossa perspectiva, o procedimento da SD e sua configuração em módulos de trabalho favorecem a inserção das TDIC no ensino. Trata-se, portanto, de um caminho interessante, embora esteja longe de ser o único, para o trabalho com gêneros textuais na escola. Em suas pesquisas sobre o ensino-aprendizado de gêneros textuais, Dolz e Schneuwly (2004) defendem que através deles “é possível ensinar a escrever textos e a exprimir-se oralmente em situações --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 públicas escolares e extraescolares” (p.82). Na mesma obra, os autores sugerem, aos que pretendem ensinar expressão oral e escrita com o suporte dos gêneros, o uso das sequências didáticas, entendidas como um “conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p.82). O objetivo principal desse procedimento seria auxiliar os alunos a dominarem melhor um gênero de texto, permitindo-lhes, assim, expressarem-se de maneira mais adequada numa dada situação de comunicação. Assim, diante de um procedimento que adota o texto como base do trabalho com a língua materna na sala de aula, vimos a oportunidade de colocar uma tecnologia a serviço do texto do aluno, tomando o trabalho de escrita efetivamente como um processo de produção. Afinal, concordamos com Geraldi (2013), quando ele afirma que: Centrar o ensino na produção de textos é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala (p.65). É nesse sentido que o uso do google docs, segundo nossa análise, traz importantes ganhos para o trabalho com produção textual, pois favorece o trabalho de reescrita do aluno e o trabalho de mediação do professor. Aliás, de nossa perspectiva, vivemos um momento em que parece não ser possível “centrar o ensino na produção de textos” sem considerar o quanto (e como) o advento das novas tecnologias altera os modos, as estratégias, os recursos e as possibilidades de produção de textos em nossa sociedade. Nesse sentido, o uso do procedimento da SD pode favorecer um trabalho integrado acerca dos conhecimentos com os quais se operam na prática da linguagem. No caso da SD aqui analisada, o uso das TDIC como ferramenta de apoio em uma situação comunicativa bem definida propiciou, como veremos adiante, o papel de interlocutor do professor na escrita compartilhada e permitiu a reflexão sobre o uso da linguagem por parte dos alunos. 2. O contexto educacional A aplicação da proposta de intervenção aqui descrita foi realizada em uma turma do sexto ano do ensino fundamental, composta por vinte alunos, em uma escola da rede pública do Município de Leopoldina – Minas Gerais. A escola em questão é uma das mais tradicionais da cidade e, com mais de cem anos de existência, é um dos primeiros grupos escolares fundados na região. A instituição mantém um dos melhores índices de avaliação da região e suas turmas de sexto ano, habitualmente, são de nível bom a excelente, com alunos participativos e bem interessados, segundo a visão dos docentes que ali trabalham. A escola possui laboratório de informática com internet de boa velocidade. No entanto, também está sofrendo com a crise da contemporaneidade e com a falta de conexão entre as novas demandas educacionais e a realidade escolar. Vemos isso, por exemplo, quando observamos, no cotidiano da escola, os professores, de um lado, tentando lecionar suas matérias e os alunos, de outro, mais ocupados em utilizar seus aparelhos celulares. Aqui, vale a pena destacar que o uso generalizado desses aparelhos não corresponde ao domínio das TDIC. Na verdade, o que observamos com frequência é que --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 o uso que os alunos fazem dessas tecnologias é limitado e se restringe a algumas ações específicas, principalmente relacionadas ao uso de redes sociais, como o facebook. Em conversa preliminar com a turma na qual foi aplicada a proposta de intervenção, por exemplo, verificamos que eles não conheciam o google docs e, na primeira atividade de acesso, observamos que muitos deles tinham dificuldade de usar o e-mail. 3. Sequência didática sobre autobiografia: as TDIC como elemento diferencial Nossa proposta de discutir o uso das TDIC no ensino de língua portuguesa parte, como já mencionado, da análise de uma sequência didática aplicada em uma turma de sexto ano de uma escola pública do interior de Minas Gerais. Na primeira parte desta seção, a partir do esquema da Sequência Didática proposto por Dolz e Schneuwly (2004), apresentamos brevemente, em uma tabela, cada uma das etapas da SD em questão. A segunda parte deste capítulo foi organizada de modo a reunir nossas observações acerca de alguns aspectos relativos ao uso efetivo das TDIC na proposta desenvolvida. Nesse sentido, discutimos, a partir dos dados dessa intervenção específica, a experiência de trabalhar a produção textual usando um editor de textos online. Abaixo, segue a tabela que resume1 as etapas dessa intervenção. Partes da SD, como propostas por Dolz e Schneuwly (2004) Atividades desenvolvidas na SD elaborada para trabalhar a autobiografia 1. Conversa inicial sobre a situação de produção e sobre o gênero trabalhado 2. Dinâmica eu?” 3. Dinâmica “Duas dúzias de coisinhas à-toa que fazem a gente feliz” “quem sou Apresentação da situação Observações gerais sobre a aplicação em cada etapa Foi definido com os alunos o tipo de texto que iriam produzir, quem seriam seus interlocutores, em qual meio seriam veiculados, etc. O objetivo era prepará-los para a produção inicial, construindo uma representação da situação de comunicação e mapear a atividade de linguagem que seria executada, expondo detalhadamente a tarefa da Produção Final. Nessa dinâmica, os alunos foram incentivados a participar oralmente e anotar as características que notavam em si. Regras básicas das práticas de oralidade – como tomada de turno e respeito à ordem de fala – foram respeitadas. Os alunos construíram uma autoimagem, distinguindo o que dizia respeito às características físicas e o que dizia respeito às características psicológicas. Consideramos que esta etapa contribuiu com o conteúdo da produção inicial. A turma participou ativamente e respeitou as regras da dinâmica. Os alunos criaram listas próprias de pequenas coisas que os fazem felizes e se sentiram motivados em apresentar sua lista aos colegas. Acreditamos que, ao refletir sobre suas experiências pessoais, sobre seus gostos e preferências, e partilhar histórias cotidianas, os alunos ampliariam a percepção de si e das situações das quais participam, colaborando com o conteúdo do gênero que iriam produzir – autobiografia. 1 O Caderno Pedagógico que apresenta detalhadamente as dinâmicas e todas as demais atividades que integram essa sequência didática está disponível em: https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/3355 --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 Produção inicial (PI) Módulo 1 Módulo 2 Módulo 3 Produção final Esta dinâmica foi elabora visando o primeiro contato com o gênero autobiográfico permitindo que os alunos levantassem as primeiras informações relevantes sobre 4. Dinâmica “Eu por mim” o gênero. Também objetivávamos a inserção da hipermídia no trabalho educacional e o trabalho com a oralidade e a oralização. Recorrendo a dois textos modelares (uma biografia e uma autobiografia), foi desenvolvida com os alunos uma 5. Dinâmica “Adivinha proposta de análise da estrutura do gênero trabalhado. quem?” Objetivava-se a constituição de uma lista de constatação com os elementos estruturais e os conteúdos necessários para a caracterização do gênero. A PI permitiu a realização de avaliação formativa, a 6. PI de um texto verificação das primeiras aprendizagens, a avaliação das autobiográfico em competências da classe, a constituição de uma primeira ambiente digital (editor linguagem comum e a delimitação dos problemas que de texto do Google) seriam trabalhados nos módulos, tornando possível a adaptação do plano de estudo às necessidades da turma. Criamos este módulo para que os alunos trabalhassem um texto modelar e utilizassem-no como fonte de análise, usando os conhecimentos adquiridos em suas 7. Meu texto autobiográfico produções posteriores. O foco de análise aqui era o – o que dizer? conteúdo do texto, o tipo de informação apresentada e a distribuição dessas informações ao longo do texto. Foi elaborada uma lista de constatação que serviu de guia para que os alunos iniciassem sua reescrita. O objetivo deste módulo foi o de, a partir da análise de um texto modelar, estudar a organização de frases e 8. Meu texto autobiográfico parágrafos, chamando atenção para o uso de letra maiúscula e de pontuação adequada. Também foi – como dizer? elaborada uma lista de constatação que orientou a segunda reescrita. Módulo destinado a trabalhar a apresentação final do texto, considerando a escolha das fontes, a justificação e 9. Especificidades do editor a tabulação de modo padronizado. Em atividades de texto práticas, os alunos trabalharam a formatação da página e das margens e a formatação do corpo do texto em si. Após as atividades do módulo 3, os alunos fizeram uma última revisão no texto e, ao considerarem seus textos 10. Versão final do texto finalizados e compartilhá-los com o professor, partimos para o encerramento da SD: com a oralização dos textos autobiográfico autobiográficos, escolha da apresentação gráfica do texto e primeira avaliação. Tabela 1: Descrição dos passos da SD Como indica a tabela 1, o primeiro passo da sequência correspondeu a um conjunto de dinâmicas, todas voltadas para a apresentação da situação de comunicação. O objetivo, com isso, era que os alunos tomassem ciência do quê, como, o quê e para que/quem iriam produzir, e que soubessem que, nesse caso específico, estaríamos introduzindo uma nova ferramenta no processo de ensino e aprendizagem, o editor de texto Google Docs. O passo seguinte foi a realização da produção inicial em ambiente digital (PI), que nos serviu como avaliação diagnóstica e nos forneceu os dados necessários para a intervenção pedagógica. A avaliação diagnóstica foi realizada pelo --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 professor-pesquisador regente da turma e pelos demais integrantes do Grupo de Estudos sobre Reflexão e Análise Linguística na Escola (GERAL-E/UFJF), os quais acompanharam toda a elaboração e a execução da proposta. Tal diagnóstico orientou o planejamento dos módulos, com os quais foram trabalhadas dificuldades específicas dos alunos em relação à produção do texto autobiográfico. Pelos resultados obtidos em cada módulo, percebemos que o contato com textos modelares, o estudo conjunto das estruturas essenciais do gênero trabalhado e as atividades pontuais de análise linguística foram decisivos para que os alunos pudessem aprimorar seus textos autobiográficos e superar boa parte dos problemas presentes nas primeiras produções. Além disso, notamos que os alunos foram se mostrando cada vez mais aptos a compreender as sugestões e os comentários que foram sendo tecidos online pelo professor e a usar essa intervenção para modificar positivamente suas produções. Verificamos, do mesmo modo, que o ensino-aprendizagem colaborativos ampliaram o interesse do aluno, motivaram a participação efetiva nas atividades propostas e contribuíram para a ampliação dos seus conhecimentos acerca do gênero trabalhado. 4. Produção escrita em meio digital: foco na reescrita e na mediação Se entendemos que o texto é resultado de um processo de produção, deveremos reconhecer que é importante para o professor encontrar estratégias para acompanhar todo o processo de escrita de seus alunos, de modo que o docente possa identificar o impacto de suas intervenções, as dificuldades que os alunos não estão conseguindo superar, bem como os avanços alcançados. E é exatamente nesse ponto que a utilização de uma interface digital apresenta, de nosso ponto de vista, sua principal vantagem: facilitar a análise processual dos textos produzidos pelos alunos. Na SD que apresentamos, os alunos, depois de um cuidadoso trabalho de preparação para a escrita, produziram uma primeira versão de suas respectivas autobiografias. No desenvolvimento de qualquer SD, a produção inicial (PI) é importante por ser um primeiro encontro com a produção (neste caso, escrita) do gênero e por ter o papel de reguladora dos módulos da SD, permitindo ao professor saber o que é preciso trabalhar. Essa PI do texto autobiográfico foi realizada em ambiente digital, com objetivo de iniciar com os alunos a prática de produção textual em editores digitais (Google Docs), já contando com a ampliação das possibilidades de intervenção e reescrita que essa interface oferece. Vejamos, a seguir, dois textos que exemplificam a produção inicial dos alunos2 e que nortearam as intervenções posteriores3. 2 Para fazer referência aos alunos, usaremos as iniciais dos pseudônimos criados por eles durante a proposta. Como em algumas versões dos textos os alunos usaram seus nomes reais, além dos pseudônimos, optamos por apagar das produções reproduzidas aqui todas os nomes próprios que pudessem, de alguma forma, permitir a identificação de seus autores. 3 As imagens seguem o padrão da mancha gráfica (espaço útil entre as margens) utilizada pelos alunos. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 Figura 1: Produção inicial de FT Figura 2: Produção inicial de LN Tendo em vista essas duas produções iniciais, percebemos que questões das mais variadas ordens poderiam ser trabalhadas com esses alunos, visando ao aprimoramento de seus textos. No caso da SD que analisamos, optamos por desenvolver módulos para trabalhar dois pontos específicos: (i) o conteúdo do texto – especialmente a variedade, a pertinência e a relevância das informações selecionadas; (ii) a construção adequada de orações e parágrafos. As atividades realizadas nesse módulo não envolveram diretamente o uso de TDIC e não serão detalhadas aqui. Tendo em vista os objetivos deste relato, concentraremos em argumentar que a atividade de escrita em meio digital favorece o acompanhamento, por parte do professor, do impacto de suas intervenções no trabalho de reescrita dos alunos. No caso dessa SD, em que o professor desenvolveu um módulo com o objetivo tanto de fazer com que os alunos refletissem acerca do conteúdo informacional de seus textos e buscassem mecanismos para enriquecer sua autobiografia, quanto, ao mesmo tempo, de fazer uma limpeza de informações inadequadas ou irrelevantes, foi extremamente útil e revelador o acesso direto e rápido às diferentes versões do texto desses discentes. Assim, no final das atividades do módulo 1, foi elaborada uma lista de constatação, que serviu de guia para que os alunos iniciassem sua reescrita. Após relerem os próprios textos, que já haviam sido compartilhados com o professor e estavam salvos com observações e sugestões no Google Drive, os discentes foram estimulados a verificar quais informações estavam em excesso e quais informações faltavam em seus textos, considerando a lista de constatação elaborada e toda a discussão realizada a partir da análise do texto modelar. Finalizada essa verificação, deveriam partir para a primeira reescrita, preocupando-se apenas com o conteúdo, reelaborando os dados apresentados e aprimorando o processo de seleção das informações que iriam constar do texto. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 Vejamos a seguir, alguns exemplos das alterações que os discentes produziram em seus textos, após a aplicação desse módulo e da interlocução com o professor. Consideremos, inicialmente, a primeira reescrita do aluno FT4. Figura 3: Primeira reescrita de FT Podemos perceber que o aluno FT, em sua primeira reescrita, preservou as informações contidas em sua PI (seis primeiras linhas), dando-lhes a função de parágrafo introdutório. No entanto, a partir do final do “parágrafo” (que corresponde à sua PI), o aluno começa a inserir novas informações, seguindo as instruções do primeiro módulo. Em um primeiro momento, ele acrescenta dados pessoais (linhas 6 a 11) e, logo em seguida, apresenta seus pais (linhas 11 e 12). Ainda, numa tentativa de se aproximar do texto modelar estudado para esta atividade, entre as linhas treze e dezesseis acrescenta seus gostos e preferências. Percebe-se, ademais, que, provavelmente com o objetivo de tornar seu texto mais pessoal, o aluno acrescenta uma história que seria importante e significativa para sua vida (linhas 16 e 17) e finaliza seu texto com um plano/projeto de futuro (linhas 17 e 18). De modo geral, o tipo de acréscimo realizado por FT se repetiu nos textos dos outros alunos nessa primeira reescrita. Há certa variação, entretanto, nas estratégias usadas para fazer esses acréscimos. Vimos que o aluno FT manteve todo o texto da produção inicial e acrescentou uma complementação. Outros alunos, como JN (figura 4), foram encaixando novas informações no texto anteriormente produzido. 4 A Produção Inicial do aluno FT é apresentada na figura 1. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 Figura 4: Primeira reescrita da aluna JN Na figura 4, os trechos sombreados correspondem àqueles que foram acrescentados à primeira versão do texto. Assim, vemos que a aluna, em sua reescrita, insere no seu texto autobiográfico algumas informações importantes. Por exemplo, na terceira linha, ela traz uma informação que não constava em sua PI, a de que fez conservatório. Este é um dado relevante, tendo em vista que Minas Gerais é o único estado brasileiro a manter os conservatórios estaduais de música (doze ao total) e o conservatório de Leopoldina tem uma representatividade e um prestígio muito grande junto à população. Na sexta linha, ela informa fazer habitualmente uma atividade que pode ser considerada fora do comum para populações mais simples do interior de Minas: ir à praia. Assim, a partir da comparação entre a produção inicial e a primeira reescrita, foi possível para o professor verificar que, de modo geral, os alunos modificaram suas produções e que, para isso, levaram em consideração as observações e as discussões do módulo 1, procurando adequar seus textos em relação ao conteúdo característico de um texto autobiográfico. O acompanhamento processual dessa atividade de reescrita, facilitado significativamente pelo uso das TDIC, permitiu ao professor constatar que os alunos se aplicaram na atividade e que os textos, de modo geral, foram reelaborados conforme proposto e, na maioria dos casos, ampliados satisfatoriamente. Assumindo a escrita como um trabalho processual, a reescrita é essencial para que o aluno possa desenvolver suas habilidades de escrita, refletindo sobre o próprio processo e sobre as possibilidades que a língua oferece. Certamente, é perfeitamente possível realizar uma atividade de reescrita sem o uso de tecnologias digitais. Contudo, é inegável que o uso de editores de texto facilita o processo: com eles, é bem mais fácil apagar, acrescentar ou mudar de lugar porções de texto. Por essa razão, acreditamos que essa ferramenta pode ser uma grande aliada na promoção de atividades mais significativas e produtivas de escrita e, principalmente, de reescrita. Além disso, como já sinalizamos, o Google docs é um editor de texto online, elaborado a partir da tecnologia Wiki e permite que o processo de escrita seja individual ou em grupo. Para a primeira opção, o editor se assemelha a todos os outros que já --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 conhecemos e aos quais estamos habituados – seja na interface, seja nas ferramentas. No entanto, quando se trata do segundo caso, o software, apoiado no sistema de computação em nuvem, amplia os horizontes da escrita, permitindo selecionar pessoas e grupos que podem modificar, comentar, corrigir, editar e sugerir mudanças. Todo o processo de escrita colaborativa fica registrado, todas as versões das edições podem ser recuperadas, sendo possível monitorar quem trabalhou no texto e quando isso foi feito. Nessa perspectiva, há um grande avanço com o trabalho da produção textual intermediada, o que fortalece o processo de aprendizagem, pois, segundo Geraldi: talvez seja neste tópico [escolha das estratégias] que mais se dará a contribuição do professor que, não sendo o destinatário final da obra conjunta que se produz, faz-se interlocutor que, questionando, sugerindo, testando o texto do aluno como leitor, constrói-se como “coautor” que aponta caminhos possíveis para o aluno dizer o que quer dizer na forma que escolheu (2013, p.162) Desse modo, a proposta de escrita em ambiente digital, mais especificamente no Google docs, afeta – positivamente – uma variável importante do processo de ensino e aprendizagem: a mediação do professor. Na escrita realizada nessa ferramenta, acreditamos que a melhor maneira de se efetivar essa mediação, de modo simples e eficaz, é a partir dos comentários que ficam anexados em uma caixa de diálogo ao lado do texto, como se fosse um chat, conforme ilustra a figura 5. Figura 5: Exemplo de intervenção geral Na aplicação dessa SD, após a produção inicial e cada uma das atividades de reescrita, o professor acessou o texto dos alunos e, em grande parte das vezes, fez comentários gerais, relacionados ao texto como um todo e que assumiam um tom de sugestão, em uma conversa informal sobre aquela produção específica. Pela figura 5, é possível perceber que a aluna interage com o professor. Contudo, a imagem não nos permite ver que, no âmbito geral do texto, algumas vezes ela acata as sugestões, outras --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 não. Na prática, quando o aluno concordava com o professor, aceitava as sugestões e modificava imediatamente o texto. No entanto, nos momentos em que discordava, retornava ao texto e reelaborava suas ideias ou sua estratégia de escrita, repensando sobre o que havia produzido. O resultado dessa reelaboração era, posteriormente, reapresentado ao professor. No caso da mediação acerca do texto “Eu e minha história” (fig. 5), por exemplo, em certo momento, a aluna rejeitou a sugestão do professor (que havia sugerido que ela transformasse o primeiro e o segundo parágrafos em um só). No entanto, apesar de não acatar a ideia do professor, a aluna voltou ao texto e reelaborou o segundo parágrafo. Assim, esse modelo de produção colaborativa nos parece muito interessante, entre outras coisas, porque permite que o discente discuta sua produção com um leitor mais experiente (o professor), mas é ele – aluno – quem controla as alterações, de acordo com seus interesses comunicativos e com sua autonomia de autor do seu texto. Outra forma de intervenção é marcar diretamente uma palavra ou trecho do texto, fazendo algum comentário específico. Por exemplo, durante a leitura de um dos textos, o professor verificou que seu autor simplesmente não terminou uma sentença, deixando o verbo gostar sem qualquer complemento explícito ou recuperável pelo contexto. Nesse caso, a mediação do professor foi pontual: ele destacou o trecho e, com uma indagação no comentário, procurou conduzir o aluno a refletir sobre a incompletude da sentença, sobre a falta de uma informação importante. Esse recurso também é muito eficiente, pois o professor pôde ajudar o aluno a refletir sobre pontos específicos do seu texto. No caso mencionado, por exemplo, o problema foi resolvido prontamente pelo aluno, que completou sua sentença. Essa experiência mostrou que esse modelo de mediação culminou em outro efeito positivo que foi o de deixar os alunos mais à vontade para tirar dúvidas com o professor, para justificar certas escolhas, para consultá-lo sobre a adequação de determinado uso. E, nesse processo, percebemos os alunos mais motivados na aula e mais interessados em refletir sobre seus textos. Assim, de um modo geral, neste tipo produção escrita colaborativa e intermediada, obtemos duas vantagens: uma no envolvimento e na resposta imediata do aluno em relação ao objeto de estudo, outra em relação à sua reflexão sobre o uso da linguagem, transformando o texto em um objeto comunicativo concreto, diferenciando-se daquele modelo de produção escolar tradicional. De nosso ponto de vista, essas duas vantagens já garantiriam uma avaliação positiva para a proposta. Há, ainda, no trabalho com a produção escrita em meio digital, um ganho prático, relativo ao uso, ao transporte e ao manuseio de papel. Considerando um professor de ensino fundamental de língua portuguesa que tenha dois cargos, com cinco turmas de aproximadamente vinte e cinco alunos, ao optar por desenvolver um trabalho de reescrita como o aqui descrito (com produção inicial, duas reescritas e produção final), ele teria que acumular aproximadamente mil folhas de textos em apenas um bimestre. Isso tornaria muito mais trabalhosa a tarefa de comparar as diferentes versões do texto. Portanto, também do ponto de visa prático, as TDIC facilitam esse trabalho de intervenção e mediação do professor. Considerações finais Ao finalizar este artigo, gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que a proposta de intervenção apresentada foi aplicada ao longo de, aproximadamente, três meses, mas ela representa, de fato, dezesseis meses de muito trabalho, com observação da turma, realização de pesquisas, discussões no grupo de estudo e muita reflexão acerca --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 de diferentes aspectos da prática docente. Ressaltamos isso porque não queremos passar a falsa impressão de que é fácil desenvolver novas práticas de ensino e de que os professores que não o fazem são descompromissados ou incompetentes. Tendo em vista as rápidas e grandes transformações que caracterizam a sociedade contemporânea, para os professores, em geral, e mais especificamente para os professores de língua portuguesa, as demandas são muitas. De fato, podemos “concluir que o mundo digital, as novas concepções de linguagem e as identidades constituídas e vividas na contingência diária fazem exigências inegociáveis sobre os atores da sala de aula” (BOHN, 2013, p. 95). Contudo, principalmente no que diz respeito à promoção de atividades significativas de leitura e de escrita – com foco na língua em uso –, ao desenvolvimento de práticas de análise linguística e ao uso didático-pedagógico das TDIC, precisamos questionar se os cursos de formação de professores estão efetivamente formando profissionais que tenham condições de atender tais demandas. Afinal, a experiência de ensino e aprendizagem acumulada ao longo de sua vida escolar muito dificilmente terá contemplado as habilidades que a sua prática docente agora precisa desenvolver. Nesse contexto, acreditamos que iniciativas como a deste volume, de compartilhar experiências de ensino, de permitir que os professores falem diretamente sobre suas práticas, sobre suas escolhas metodológicas, sobre seus objetivos de ensino, sobre suas vitórias e, por que não, sobre seus fracassos, são imprescindíveis para a construção de novos modelos de práticas docentes. E é nesse sentido que esperamos que a experiência aqui relatada possa apontar alguns caminhos e servir de inspiração para aqueles professores que veem a necessidade de mudar sua prática, mas não sabem por onde começar. Written production in the digital age: Technology for rewriting and mediation ABSTRACT: This paper presents the reporting of an experience focused on the written production of an autobiographical text in the digital environment. It was carried out with a sixth grade elementary school class from a public school in the countryside of the state of Minas Gerais. Organized as a didactic sequence (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004) and guided by a sociodiscursive perspective of language (BRONCKART, 1999; MARCUSCHI, 2008), this intervention indicates a path for the insertion of new information and communication technologies in teaching, aiming at contributing to the improvement of students’ digital literacy (DUDENEY; HOCKLY; PEGRUM, 2016). Based on the analysis of this experience, we argue that the use of an online text editor brings crucial advantages for writing practice in school, especially with regard to student's rewriting tasks and teacher's mediating actions. Keywords: teaching writing; digital literacy; rewriting; teacher mediating strategies. REFERÊNCIAS BAKHITIN, M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------VEREDAS ON-LINE – AS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS –2017/1, P. 164 – 179 PPG LÍNGUÍSTICA/UFJF – JUIZ DE FORA (MG) - ISSN: 1982-2243 BELLONI, M. L. Mídia-educação: contextos, histórias e interrogações. In: FANTIN, M.; RIVOLTELLA, P. C. (Org.). Cultura digital e escola: pesquisa e formação de professores. Campinas: Papirus, 2012. BRASIL. 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