Investigação Criminal e Inteligência: Qual a
Relação?
Célio Jacinto dos Santos*
Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública
Academia Nacional de Polícia - Brasil.
Dud
Resumo
O presente trabalho analisa o âmbito cognitivo de investigação criminal e inteligência, por intermédio da análise da evolução histórica e revisão conceitual das disciplinas, o que possibilita
estudar as relações existentes entre elas no plano pragmático, lembrando a inegável importância
das disciplinas no âmbito das Ciências Policiais e de seu produto final que é segurança pública, as
quais assumem maior interesse no monitoramento e repressão à criminalidade organizada, transnacional, transfronteiriça e complexa, cujas atividades são expandidas ante a liberação de fronteiras nacionais e a ampliação das comunicações. Ao tempo que busca identificar a matriz teórica
de investigação criminal e inteligência, também problematiza as reflexões trazendo inovações
traduzidas pelas investigações especiais e sua confusão categorial com inteligência, chegando à
conclusão que a investigação criminal possui fecundidade suficiente e âmbito cognitivo próprio,
que a coloca autonomamente em relação à inteligência, entretanto rechaça o pensamento único
e isolado na reflexão sobre a temática.
Palavras-Chave: Inteligência. Investigação Criminal. Matriz Teórica. Investigações Criminais especiais.
Introdução
O presente trabalho busca refletir sobre as relações entre investigação criminal e informação, ante a riqueza conceitual e a emergência dos temas
na sociedade contemporânea, marcada pela liquidez do tempo e pelos riscos
inerentes a complexidade das relações sociais, culturais, econômicas e políticas que levam o investigador, o gestor, e as lideranças da sociedade organizada
a buscarem explicações mais adequadas para este cenário instável.
A inteligência tem sido objeto de estudo já há muito tempo por vários ramos dos saberes, com destaque para a Ciência Militar, Ciência Policial,
Ciência Política, Relações Internacionais, e agora mais recente a Ciência da
Administração e a robusta Ciência da Informação, com a expansão de seus
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
ISSN 2178-0013
103
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
conceitos e categorias para a área privada e comercial, que nelas encontram
subsídios para enfrentamento da competitividade entre as organizações.
Para nossa investigação buscaremos revisar a evolução histórica de
inteligência e de investigação criminal, para em seguida analisar algumas definições sobre as duas disciplinas, centrando nossos esforços na produção dos
investigadores que abordaram o tema no âmbito da segurança externa, para
na sequência aprofundarmos nossos estudos da inteligência na área da segurança pública, designadamente na investigação criminal, para a partir daí desenvolvermos a correlação entre a investigação criminal e inteligência, apontando pontos comuns e eventuais pontos divergentes, pois embora ambos
visem fornecer conhecimentos estratégicos para formar o processo decisório
de um gestor, o objeto e os pressupostos da inteligência divergem em cada
área, aflorando especificidades que podem, até mesmo, refletir na delimitação conceitual da matéria e na matriz teórica.
No plano pragmático é possível afirmar que a inteligência e a investigação criminal possuem uma zona de convergência muito grande, podendo
haver entendimento que esta está compreendida por aquela, havendo então
uma confluência de interesses epistemológicos, mas no plano semântico, ou
conceitual, poderá haver entendimento que as matrizes teóricas de ambas são
distintas, devido a fatores históricos e culturais, dentre eles podemos citar
as finalidades a que se prestam, uma para subsidiar o investigador criminal e
outra o gestor político/administrativo da organização estatal. Dessa maneira
torna-se necessário buscar respondas às seguintes perguntas:
1. Existe um campo epistemológico sobre inteligência, no plano
pragmático e semântico, autônomo e completo em sua massa de
conhecimento?
2. Há alguma relação entre investigação criminal e inteligência?
3. A investigação criminal possui âmbito cognitivo próprio que
engloba a inteligência?
Encontradas as respostas para estas perguntas, o investigador criminal e o gestor público terão elementos para lidar com o tema inteligência
e investigação criminal sem incorrer em equívocos, e para atentar para metodologias e técnicas próprias das respectivas áreas do conhecimento e da
pragmática humana.
104
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
Para efeitos de nosso trabalho consideramos matriz teórica ou objeto
teórico como o “conjunto conceptual construído com o fim de se dar conta
de uma multiplicidade de objectos reais que, por hipótese, essa ciência tem
em vista analisar”, conforme ensina Almeida e Pinto (1990, p. 13), levando
em conta que a matriz teórica evolui sempre “em virtude do surgimento de
problemas, contradições ou anomalias que solicitam a criação de novos conceitos e relações entre conceitos, aptos a indicar e a resolver esses problemas.”
(ALMEIDA e PINTO, 1990, p. 15).
2. Inteligência e Investigação Criminal: Elementos Históricos
2.1. Evolução Histórica da Inteligência
Ao se buscar a referência histórica remota da inteligência depara-se
com uma confusão entre a atividade de espionagem e de inteligência, mas
que evoluiu no Estado moderno e pós-moderno com a agregação de novos
conceitos e funções até chegar ao atual estágio da sociedade complexa e informacional, quando então apresenta desenvolvimento bem estruturado que
abrange atividades estatais e não estatais. Ante o objeto restrito deste trabalho apresentaremos duas referências históricas : uma antiga e outras já da era
moderna, quando a atividade foi estruturada.
A inteligência, assim como a investigação, possui identidade histórica em tempos remotos, desde o século IV A.C., na Índia, o Primeiro-Ministro
do Imperador Chandragupta Maurya escreveu a obra Arthasastra, considerada por Casillas como pioneira na Ciência Política e Economia, chegando
a merecer comentários de Max Weber, em “O Político e o Científico”, dando
conta que os ensinamentos de Maquiavel chegam a ser inocentes perante os
contido em Arthasastra, devido aos procedimentos tenebrosos que aquela
conferia na área política, administrativa, econômica e social, principalmente
no tocante ao sistema de justiça do governo hindu daquela época (2009, p.
62). Segundo tal autor, eram empregados espiões em toda estrutura social
para garantir a supremacia do governante. Eles eram distribuídos e organizados em todas as estruturas do Estado e da sociedade civil, e tinham como incumbência buscar informações de interesse do aparato estatal, inclusive, para
identificar criminosos e para permitir seu castigo, com emprego maciço da
tortura e da violência, tudo baseado na Dandanati, a lei do castigo ou ciência
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
105
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
de governo (2009, p. 62).
Anitua, na obra “História do Pensamento Criminológico” (2008,
p. 201ss) ao discorrer sobre o surgimento da instituição policial durante a
Revolução Industrial na Europa, situa também o aparecimento de estruturas governamentais que passaram a utilizar técnicas racionais de identificação e acúmulo de informações sobre a criminalidade, mas também sobre
trabalhadores e integrantes de movimentos políticos gerados pela efervescência econômica, social e política que a Inglaterra, a França e outros países enfrentavam, tanto no período que antecedeu quanto o que sucedeu a
Revolução Francesa.
O desenvolvimento do modelo disciplinar de controle social originou ou propiciou o refinamento de estruturas burocráticas tal como a
fábrica, o hospital, a escola, o quartel, a penitenciária, o manicômio e outras organizações totais para exame e disciplinamento de corpos, entretanto a massificação deste modelo ocorreu com a criação da polícia como
uma organização burocrática incumbida do controle e da prevenção de
crimes, conforme as pesquisas oriundas dos pensamentos criminológicos e sociológicos, que se baseiam principalmente nos estudos de Michel
Foucault (2002).
Logo após a Revolução Francesa, em 1798, surgiu na França
a Gendarmerie com forte atuação repressiva, disciplinar e burocrática,
além do emprego do sistema de delação e espionagem dos vagabundos e
desordeiros, ou seja, aqueles que eram diferentes, o “outro”, mas particularmente “o novo proletário urbano e suas possibilidades de greves e sabotagens”, como escreve Anitua (2008, p. 213). Sob inspiração de Joseph
Fouché, ministro de Bonaparte, a polícia francesa empregava sistema de
coleta e processamento de dados, catalogando as pessoas sujeitas às suas
ações de controle, com metodologia que remete à atual função exercida
por órgãos de inteligência.
O lendário Eugène-Francois Vidocq (1775-1857), chefe da Sûreté, marcou a história policial francesa ao chefiar o corpo de delatores, e
por empregar métodos de descoberta de delitos através da dedução, da
mentira, do disfarce e da espionagem, chegando a inspirar as novelas policiais muito bem exploradas por Arthur Conan Doyle, Edgar Allan Poe
e outros (ANITUA, 2008, p. 212).
106
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
Embora haja indicativos do emprego da inteligência em tempos
remotos, como descrito acima, Marco Cepik (2003, p. 13-14) defende
que a organização profissional e permanente da atividade ocorreu no
Estado moderno na Europa, vindo a se expandir após a Segunda Guerra
e com a Guerra Fria, e conquistando sua institucionalização somente
no século XX. Referido autor confirma que o emprego de espiões “remonta a antiguidade, em áreas tão dispersas como China, o Oriente
Próximo e o Império Romano”.
A repressão aos dissidentes políticos é um fenômeno marcante
na história da inteligência de Estado, e o surgimento da terceira seção
do Departamento de Segurança do governo imperial russo, segundo
Cepik, abriu espaço para posteriormente se criar a Okhranda, a unidade especializada na busca de informações e perseguição aos adversários
políticos, inclusive com independência dos ministérios do Interior e do
Exterior, esse modelo também foi adotado por outros países visando o
controle de subversivos e inimigos do Estado, tal como a Sûreté Général
do período napoleônico.
2.2 Antecedentes Históricos da Organização Policial
Há diversas acepções para o vocábulo polícia, mas interessa para este
trabalho, o ligado aos corpos ou instituições policiais, e outro relacionado à
regulação do comportamento humano e assuntos públicos através de sistemas normativos (ALVAREZ, 2009, p. 21).
O magistrado brasileiro Enéas Galvão, em 1896, ao analisar a organização judicial brasileira através de estudo comparado, assinalou que a
organização judiciária possui origem remota nas funções políticas e judiciárias acumuladas pelo soberano, tendo havido na Grécia e Roma antiga
os conselhos e assembleias que cuidavam de questões políticas tal como
iniciar uma guerra ou celebrar a paz, como também discutiam questões
judiciais, passando assim a organização social a contar com a estrutura
militar para lidar com questões de quebra da ordem social externa e convulsões internas, e também com outra estrutura judiciária para cuidar dos
inimigos internos representados pelos violadores da lei criminal, chegando referido autor a constatar uma confusão entre as funções estatais de
gestão política e judiciária (1896, p. 96).
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
107
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
É nesta atividade militar conjugada com a questão criminal que também se nota uma confusão entre elas, confirmada atualmente pela presença
de doutrina militar em algumas estruturas policiais que adotam modelo onde
atuam como segurança interna e/ou como órgão de segurança externa, com
controle e administração nas mãos de um poder centralizado.
Em passado histórico mais remoto de diversas civilizações, já havia
traços bem definidos sobre mecanismos de solução de conflitos e de imposição de castigos, e para isso havia formas e meios estruturados para conhecimento e definição do evento criminal.
Já nos albores da civilização os mesopotâmios criaram os primeiros
códigos escritos, e no século XVIII A.C. o rei Hamurabi consolidou as leis
existentes no Código de Hamurabi, onde prescrevia punição para determinados crimes por intermédio de procedimento ainda arcaico.
O Código de Manu apareceu por volta do II A.C, apresentou influência religiosa na organização social vigente naquela época entre os hindus,
mas trazia em seus Livros VIII e IX a regulação do sistema punitivo e da
organização judiciária.
Almeida Junior em seu Processo Criminal Brazileiro desenvolveu
levantamento histórico sobre o processo criminal nos sistemas antigos (1920,
vol. I, sic), constituindo rica fonte para estudo dos procedimentos da polícia,
os quais são apontados como a exteriorização do poder político em dado momento histórico, entretanto fixaremos nossas investigações nos modelos de
procedimentos e estruturas que manejavam a prevenção e o conhecimento
dos fatos criminais sem aprofundar nos institutos tipicamente processuais.
Da mesma maneira são os estudos realizados por Julio Maier na obra Derecho
Procesal Penal - fundamentos.
Segundo Almeida Junior, no Egito antigo havia juízes provinciais
que contavam com apoio de funcionários policiais na repressão dos crimes e
no auxilio a instrução (1920, p. 12-13).
As atribuições dos pretores foram absorvidas pelos praefectus urbis
que constituíam superintendente geral da administração e da polícia de Roma,
ficando o praefectus vigilum com a chefia da polícia preventiva e repressiva
dos incêndios, escravos foragidos, furtos, roubos, vagabundos, ladrões habituais, recomendando-se-lhes a polícia noturna (ALMEIDA JUNIOR, 1920,
108
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
p. 39), e ainda, vinculados aos praefectus urbis e vigilum existiam os agentes
policiais denominados irenarcha, os curiosi e os stationari responsáveis pela
investigação dos crimes e realização de diligências instrutórias, as quais constituíam os casos criminais julgados pelo praefectus ou juiz competente.
Almeida Junior conclui que com o fim das questiones perpetua e
da acusação popular, surgiram procedimentos ex-ofícios executados por
funcionários do império, da mesma forma foi necessário o desenvolvimento de uma polícia oficial centralizada, que aos poucos foi acumulando funções judiciárias (1920, p. 48).
Na época do feudalismo o senhor feudal concentrava todos os
poderes em suas mãos, inclusive o poder de polícia e o julgamento das
infrações criminais. Neste período surgiram as primeiras universidades
quando houve resgate do Código Justiniano, com fundamentos centralizadores e totalitários.
Com o desenho institucional fornecido pelos romanos houve expansão desta estrutura jurídico-político para os demais territórios europeus e
para suas colônias. No século XVII a polícia operava junto com a Justiça, na
França. Na Alemanha preponderou a acepção de polícia como bom estado
da coisa comum, conforme escreveu José Cretella Júnior (1999, p. 27), culminando no século XX na acepção administrativista sintetizada por Guido
Zanobini, em 1950, como “atividade da Administração pública, dirigida a
concretizar, na esfera administrativa e independentemente da sanção penal,
as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares no interesse superior da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e
de qualquer outro bem tutelado pelas disposições penais” (CRETELLA JUNIOR, 1999, p. 33).
Max Weber influenciou a Ciência Política com suas ideias sobre o
uso legítimo da violência em determinado território, entretanto preferimos
trabalhar com o conceito de uso legítimo da força, já que a polícia também
pode ser considerada fundamental para a qualidade da democracia, conforme defende Diego Palacios Cerezales, que vê a atuação policial como
resposta a um "mandato legítimo emanado de la comunidad, a menudo problemática por el caráter complejo y fragmentado de las comunidades humanas" (2009, p.138-140).
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
109
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
Nesta pequena revisão podemos notar o caráter jurídico-político da
atuação policial no período que antecede a formação dos Estados Nacionais
e com a Revolução Industrial. Ela estava sob o mandato de um soberano, rei,
príncipe ou imperador, mas contemplava sua delegação para seus servidores,
contudo, ao longo do tempo com o desenvolvimento da organização social,
política e da forma de produção, as estruturas policiais vão se aperfeiçoando
e constituindo corpos especializados, caminhando de uma estrutura inicialmente privada para outra pública inserida na estrutura estatal.
No período anterior a tripartição dos poderes e ao constitucionalismo idealizado por Montesquieu, não era bem definida a dinâmica de enfrentamento às infrações penais, às vezes o soberano através de seus prepostos
se incumbiam dos serviços policiais, judiciais e administrativos, em outros
momentos as estruturas administrativas privadas ou públicas acumulavam as
funções judiciais e policiais, contudo, nos séculos XVIII e XIX as atividades
se especializaram na medida em que os conhecimentos científicos se expandiam e se especializavam.
2.3 Os Saberes Policiais Especializados na História dos Pensamentos Criminológicos
Logo após a Revolução Francesa, em 1798, surgiu na França a Gendarmerie com forte atuação repressiva, disciplinar e burocrática, além do
emprego do sistema de delação e espionagem dos vagabundos e desordeiros,
ou seja, aqueles que eram diferentes, mas particularmente “o novo proletário
urbano e suas possibilidades de greves e sabotagens”, como escreve Anitua
(2008, p. 213). Para este autor na Argentina estavam incluídos os índios, os
vagos, os “malentretenidos” (2009, p. 51) e em toda América Latina os mestiços que ameaçavam a raça superior.
O corpo de segurança inglês foi inspirado no pensamento de Patrick
Colquhoun, em suas obras Tratado sobre a polícia de Londres, em 1796, e
Tratado sobre o Comércio e a Polícia do Tâmisa, chegando este escocês a
redigir a lei que organizou a polícia de Londres, contando inclusive com a
ajuda de Bentham, segundo apurou Anitua (2008, p. 215), até que em 1829
o ministro do Interior Robert Peel reuniu os corpos de polícias existentes e
criou a Scotland Yard, proporcionando a consolidação deste sistema policial
tipicamente inglês com caráter civil e de apoio ao cidadão. Este modelo tam-
110
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
bém veio a influenciar a criação de corpos policiais em todos continentes, da
mesma forma do modelo francês que adotou uma linha mais militarizada.
O modelo policial burocrático também foi adotado na Irlanda
em 1823, e em 1844, na Espanha criou-se a Guarda Civil Espanhola que
perdura até hoje.
Na Europa, concomitante à origem jurídico-político da polícia também foram surgindo organizações sociais associadas ao sistema criminal, as
quais forneciam conhecimentos e tecnologias para otimização sistêmica,
com destaque para a penologia, a estatística, a datiloscopia, a criminalística, a
psicologia criminal, a medicina legal, política criminal etc.
Desperta interesse para nossas reflexões a criminalística como saber
policial, tida por seu fundador Hans Gross como o conjunto de teorias que
se referem ao esclarecimento dos casos criminais, em seu Manual de Juiz de
Instrução, de 1893, no mesmo sentido segue Antón Barberá e Turégano ao
defender a criminalística como sinônimo de investigação criminal, em sentido amplo, chegando a colocá-la como “parte da criminologia que se ocupa de
los métodos y modos prácticos de dilucidar las circunstancias de la perpetración de los delitos e individualizar a los culpados” (1998, p. 23). Hans Gross
procurou sistematizar a investigação criminal defendendo que ela compreende os métodos práticos de investigação e a fenomenologia criminal, sendo
que esta é a teoria da técnica de execução dos crimes ou dos fenômenos de
realização dos atos criminosos. Dentre vários avanços na área de investigação
criminal, ele fundou o Instituto Universitário de Criminalística, na Universidade Gratz (ZBINDEN, 1957, p. 49).
O francês Edmon Locard desenvolveu técnicas de investigação científica e chegou a criar o primeiro laboratório de polícia, em 1910, em Lyon. Com
isso iniciou-se pesquisas na área da datiloscopia, toxicologia, balística etc.
A política criminal também é fruto da efervescência social e política
da sociedade que teve sua origem na Revolução Industrial e nos movimentos
revolucionários seguintes. Ela surgiu inicialmente nos escritos de Feuerbach,
em 1803, quando era tomada como sinônimo de teoria e prática do sistema
penal, chegando-se a uma concepção de “conjunto de procedimentos pelos
quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal” (DEMAS
MARTY, 2004, p. 3).
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
111
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
3.Conceitos de Inteligência e Investigação Criminal
Em revisão ao pensamento de alguns autores depreende-se com
diversas abordagens que buscam definir e delimitar a matriz teórica de
inteligência, as quais variam de acordo com o momento histórico e as especificidades de algumas atividades que conferem visões divergentes aos
respectivos ramos do saber.
Conhecer a definição e o objeto de inteligência permitirá também a delimitação da relação convergente ou divergente entre ela e investigação criminal, ou seja, é necessário conhecer as linhas teóricas para
nos posicionarmos no problema colocado neste trabalho, ante a riqueza
semântica e a polissemia do vocábulo inteligência e investigação criminal.
Para nossos estudos inteligência corresponde a informações, ou intelligence na língua inglesa.
3.1 Conceitos de Inteligência
Começamos o tema trazendo a célebre definição de Kent, que desdobrou informações em três aspectos: a) como produto: é a representação do
resultado do processo de produção de conhecimento, atendendo a demanda
do tomador de decisão, tornando o resultado obtido por meio do processo
de inteligência, um produto de inteligência; b) como organização: apresenta
as estruturas funcionais, que tem como missão crítica a obtenção de informações e a produção de conhecimento de inteligência, podendo ser caracterizados como os operadores da inteligência; c) como atividade ou processo:
refere-se aos caminhos pelos quais certos tipos de informação são requeridos,
coletados, obtidos, analisados e difundidos. É a indicação dos procedimentos para a obtenção de determinados dados, em especial aqueles protegidos
(MORESI, 2010, p. 5; SILVA JUNIOR, 2011, p. 26).
Na vertente anglo-saxônica encontramos em Antunes (2002, p. 17-21)
definições claras e sintéticas representativas do pensamento daquela escola:
Sims [1995] afirma que seria toda informação coletada, organizada e analisada para atender aos tomadores de decisões em suas atividades. Shulsky [1991] restringe a área de atuação da Inteligência
e a vincula necessariamente à competitividade entre nações, ao segredo e ao formato das organizações. Em suas palavras, a atividade
112
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
é definida como “coleção e análise de informações relevantes para a
formulação e implementação da política de segurança nacional”. Já
Herman [1991] define Inteligência como tudo aquilo que os órgãos
governamentais oficiais de Inteligência produzem, restringindo-se a
esfera estatal. (ANTUNES, 2002, p. 17-21)
O general português Pedro Cardoso, em seu clássico “As Informações em Portugal” (2004, p. 150), não chegou a definir informações,
mas destaca a importância da mesma para a ação política de uma nação,
e esclarece que “(.....) A actividade de informações envolve um processo complexo de pesquisa, avaliação, análise, integração e interpretação
de informações. As informações para serem úteis devem ser adequadas,
oportunas e bastante precisas.”
Antônio de Jesus Bispo (2004, p. 78) ao analisar a diferença
entre informação e informações considera que estas “consistem na análise da informação no sentido de obtenção de conhecimento (........) trabalho efectuado sobre os dados para lhes dar sentido no quadro dos
propósitos a quem ele serve, seja o Estado, uma unidade militar ou uma
empresa”, e sintetiza: “é a compreensão da informação relacionada, organizada e contextualizada”.
Cepik, autor brasileiro que se dedica à pesquisa sobre o tema,
define inteligência como “toda informação coletada, organizada ou
analisada para atender as demandas de um tomador de decisões qualquer”, numa acepção ampla que poderá atingir ramos do saber ou atividades variadas, desde à clássica inteligência de Estado até inteligência
na área da Administração e dos Sistemas Informacionais. Numa acepção
restrita “é a coleta de informações sem o consentimento, a cooperação
ou mesmo o conhecimento por parte dos alvos da ação (2003, p. 28)”.
Apresenta nuances de segredo, e devido à inolvidável presença dos caracteres conflito e do elemento Estado numa das pontas deste conflito,
neste sentido o autor complementa esclarecendo que:
inteligência lida com o estudo do ‘outro’ e procura elucidar situações nas quais as informações mais relevantes são potencialmente
manipuladas ou escondidas, em que há um esforço organizado
por parte de um adversário para desinformar, tornar turvo o
entendimento e negar o conhecimento. Os chamados serviços de
inteligência de segurança (security intelligence) têm muitos alvos
puramente domésticos, mas mesmo estes compartilham a condi-
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
113
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
ção de “outro” aos olhos do arcabouço constitucional e da ordem política constituída (CEPIK, 2003, p. 103).
Mingardi (2007, p. 52-53) sintetiza a atividade de inteligência criminal como uma atividade especializada, com técnicas e métodos próprios,
considerada uma “prima pobre” da inteligência de Estado e uma “primadistante” da inteligência militar, que tem como foco obter conhecimentos
para influir no processo decisório na prevenção e repressão criminal, havendo
ainda no âmbito da inteligência criminal, ou da inteligência de segurança,
desdobramentos nas áreas assinaladas: a prevenção mais ligada à segurança
interna e na investigação criminal que visa conhecer os atos criminosos, principalmente da criminalidade organizada, e tem a finalidade de possibilitar a
formação de provas para instruir um procedimento que será apreciado pelo
Poder Judiciário.
Nas definições apresentadas podemos concluir com Buzanelli
(2004), as seguintes notas, que seriam os fundamentos filosóficos da inteligência, segundo referido autor: “1) ser instrumento fundamental para
a tomada de decisões em quaisquer níveis; 2) ser de natureza complementar; 3) ser meio e não fim; 4) ter acesso direto à chefia a qual cumpre
assessorar; 5) adequar-se a uma política e servir-se de instrumento à estratégica dela decorrente.”
Brito (2010, p. 149), em sua tese de doutoramento na Universidade de Brasília, sintetiza a função da inteligência policial, defendendo
que deva atuar na “prevenção, obstrução, identificação e neutralização
das ações criminosas, com vistas à investigação policial e ao fornecimento
de subsídios ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos processos
judiciais.” Tal autor atribui, somente, caráter instrumental a atividade de
inteligência policial numa perspectiva jurídico-processual de organização
estatal. Este autor reconhece o caráter consultivo da inteligência policial
para, “elaboração e adoção de medidas ou políticas de prevenção e combate à criminalidade.” (BRITO, 2010, p. 152).
Aflora de maneira muito objetiva que o desenvolvimento das definições refere a processos históricos ligados a movimentos bélicos ou movimentos subversivos que dizem respeito à segurança do Estado e à política internacional, carentes de formulações que reflitam conflitos sociais e interesses
estatais ligados a segurança interna ou segurança pública. Em suma, pode-se
afirmar que a construção teórica de inteligência no âmbito da segurança pú114
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
blica ou da investigação criminal necessita uma redefinição, ao invés de uma
acomodação, sob pena de trazer efeitos indesejáveis, dos quais destacamos a
variante inimigo das inteligências clássicas ao passo que na investigação criminal, e por que não dizer na investigação policial, o objeto da atuação estatal
é o cidadão, o que muda radicalmente a matriz teórica e o paradigma de ação,
que compreendem elementos éticos tais como verdade, justiça, dignidade,
verdade, lealdade, direitos humanos etc.
3.2 Conceitos de Investigação Criminal
Da mesma forma que inteligência a investigação criminal também
possui amplitude semântica e variado sentido polissêmico, como veremos
a seguir, mas no plano epistemológico ou da Teoria do Conhecimento há
o sentido de ação que compreende movimentos intencionais ou fatos ou
eventos do mundo observável, tal com procurar um livro na prateleira.
Também há o sentido que compreende operações mentais, tais como juízos, raciocínio ou pensamento, é a versão intelectualista, que procura uma
resposta para uma pergunta (DUTRA, 2005, p. 167).
Para o filósofo pragmatista John Dewey (1938, p. 58) investigar
consiste na “transformação dirigida ou controlada de uma situação indeterminada em uma situação de tal modo determinada nas distinções e
relações que a constituem, que converta os elementos da situação original
em um todo unificado.”
Eliomar da Silva Pereira após analisar a investigação criminal com
atributos de uma investigação científica, a define como:
atividade pragmática e zetética por essência, é uma pesquisa, ou
conjunto de pesquisas, administradas estrategicamente, que, tendo por base critérios de verdade e método limitados juridicamente
por direitos e garantias fundamentais, está dirigida a obter provas acerca da existência de um crime, bem como indícios de sua
autoria, tendo por fim justificar um processo penal, ou a sua não
instauração, se for o caso, tudo instrumentalizado sob uma forma
jurídica estabelecida por lei.
Agora, com roupagem jurídica Valente a define como:
procura de indícios e vestígios que indiquem e expliquem e nos façam compreender quem, como, quando, onde e porquê foi cometido
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
115
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
determinado crime”, acrescenta que isso ocorre no encontro de prova
conseguida e contraprovas aceites, mediante processo “padronizado e
sistemático segundo as regras jurídicas que travem o poder de quem
dele pode abusar.” É uma abordagem metodológica com realce nos
limites ou regras contra-epistemológicas do método da investigação
criminal, além do caráter humanista que permeia todo pensamento
do autor, que considera a investigação criminal como instrumento
para a “realização do direito nas prossecuções de defesa da sociedade, do colectivo, que tem o direito de viver em segurança e em uma
ordem social e internacional que lhe garanta a efectivação plena dos
seus direitos e liberdades (.....) (VALENTE, 2010, p. 38).
Concepção similar adota Pitombo (s. d., p. 7) ao definir investigação como a “pesquisa sistemática e sequente do objeto, utilizando os meios
e apoios técnicos disponíveis”, complementa ao defender que “quem investiga só rastreia, quem se instrui busca conhecer e tornar conhecido o fato e
suas circunstâncias; bem assim a autoria, co-autoria, ou a participação.” (PITOMBO, s. d., p. 5).
Gomes Dias ensina de maneira simples que a “investigação criminal
descobre, recolhe, conserva, examina e interpreta as provas reais. Localiza,
contacta e apresenta as provas pessoais” (GOMES DIAS, 1992, p. 65). Noutra passagem Gomes Dias acresce que a “investigação criminal utiliza métodos adequados (táctica de investigação) e processos apropriados de actuação
técnica (técnica de investigação) cada vez mais especializados” (GOMES
DIAS, 1992, p. 64).
Na acepção material, José Braz esclarece que investigação criminal
“constitui uma área do conhecimento especializado que tem por objecto de
análise o crime e o criminoso e, por objetivo, a descoberta e reconstituição
da verdade material de factos penalmente relevantes e a demonstração da sua
autoria.” (BRAZ, 2010, p. 19).
Podemos notar nas definições acima que trazem elementos semelhantes ao vistos em inteligência, com acentuado cunho operacional e metodológico que visam transformar parte de uma realidade em
conhecimento útil para uma finalidade social, como sói acontecer em
muitas ciências sociais.
4. Relação entre Inteligência e Investigação Criminal
116
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
Com a análise da sociogénese de investigação criminal e inteligência, bem como vencidas algumas questões conceituais sobre as matérias, nos
encontramos em condições de refletir sobre a relação entre elas, avançando
para o delineamento panorâmico sobre a temática, apontando as imprecisões
categoriais existentes entre alguns operadores investigativos policiais e alguns
pensadores da matéria.
4.1 Análise dos pontos convergentes e divergentes entre inteligência e investigação criminal
Como bem lembrado por Antunes, no século XX houve movimento gigantesco no sentido de racionalização e complexificação da organização estatal (2002, p. 39-40), como reflexo do mesmo fenômeno no âmbito
da sociedade civil, entretanto este processo todo foi iniciado no século XIX
com o surgimento de lógicas científicas que se irradiaram para todas as áreas
do saber, até que no século XX novas abordagens e utilidades foram surgindo com os antigos saberes, conduzindo a autonomização de disciplinas e de
atividades humanas. Neste sentido seguiu a velha inteligência clássica para a
inteligência policial, para as informações na área da Administração, nos sistemas informatizados, na Ciência Policial etc.
As definições revisadas acima fornecem indicativos que a investigação criminal está intimamente ligada a fatos penais do passado, com relevância penal, que são submetidos a processo de descoberta, análise e conclusão,
de ordem a ser apreciado pelo Poder Judiciário. Está acepção é muito marcante entre os pesquisadores em inteligência como entre alguns da investigação
criminal.
Algumas noções estão presentes em ambas as disciplinas, com destaque para: a) emprego de métodos e técnicas para busca, colega e processamento de informações; b) a formação de conhecimento para emprego por
um decisor, na inteligência clássica os chefes de órgãos do Executivo, os Comandantes Militares, os dirigentes de órgãos policiais ou administrativos, e
na investigação criminal o dirigente da mesma, no Brasil o Delegado de Polícia e eventualmente e excepcionalmente o integrante do parquet.
Por outro lado os diversos autores apontam algumas variáveis divergentes entre ambas. Principiamos pelas principiológicas e metodológicas.
Na investigação criminal há diversas limitações na busca e coleta de dados
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
117
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
do mundo fenomênico, de ordem política e ética, são as denominadas regras
contra-epistemológicas ou limitações à busca da verdade, geralmente definidas no Código de Processo Penal no âmbito do Direito Probatório e até mesmo nas Constituição tal como diversas passagens do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, tal como os seguintes incisos: II, III,
X, XI, XII, XXXV, XXXVII, XXXIX, XLI, XLIX, LIII, LIV, LVI, LVIII,
LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, LXVII etc., as quais constituem garantias que se baseiam na dignidade da pessoa humana, no devido processo
legal, na legalidade, no respeito aos direito humanos etc. Em contrapartida
na inteligência prevalece maior flexibilidade na fase de busca e coleta de
dados, não há preocupação com preceitos éticos ou de princípios de lealdade e transparência, apesar de encontrar alguns limites em suas ações tal
como a proibição do emprego de tortura e de meios invasivos proibidos em
normas jurídicas.
A investigação criminal está jungida também a formas e métodos
rigorosos, não encontráveis na inteligência, que se circunscrevem apenas as
formas e métodos do ciclo de inteligência, de caráter não normativo. Há que
se assinalar que na investigação criminal prevalece o princípio de liberdade
probatória, a qual para nosso estudo se traduz em liberdade investigatória,
onde o investigador pode usar de todos expedientes para acessar a fonte de
prova ou apoderar-se do conhecimento sobre elementos objetivos (físicos)
ou subjetivos (psíquicos) de uma ação criminosa, desde que não haja norma
proibitiva e não ofenda regras e princípios orientadores da matéria, cabendo ao processo penal codificado ou constitucionalizado, além das normas
processuais dispersas, apenas a indicação de alguns dos meios e formas probatórias, e lembrando Zbinden (1957, p. 19) a investigação criminal ou criminalística “oferece-lhe um número infinito de possibilidades para averiguação dos factos e convicção do criminoso”, que conduz o investigador a uma
operação heurística constante.
Há alguns autores, tal com Wright (2002, p. 67 e 71), Fernandes
(2006, p. 18), Josemaria (2006, p. 57), Silva (2008, p. 345), a defender que
a investigação criminal é reativa e a inteligência é proativas, estas antecipam
ao crime e aquela depende da ocorrência do crime. Em sentido semelhante
também encontramos autores que veem na investigação criminal apenas a
finalidade de instrumentalizar um processo penal, ao passo que a inteligência
é mais flexível no tocante à finalidade de seu produto. Vejamos o pensamento
de Dantas e Gonçalves (s. d., p. 5):
118
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
É bastante sutil a diferenciação entre a atividade de Inteligência e
a de investigação policial. Ambas lidam, muitas vezes, com os mesmos objetos (crime, criminosos e questões conexas), com seus agentes
atuando lado-a-lado. Enquanto a investigação policial tem como
propósito direto instrumentar a persecução penal, a Inteligência
Policial é um suporte básico para a execução das atividades de segurança pública, em seu esforço investigativo inclusive. A metodologia
(de abordagem geral e de procedimentos específicos) da Inteligência
Policial está essencialmente identificada com a da Inteligência de
Estado.(DANTAS E GONÇALVES, s. d., p. 5).
Outro ponto divergente é o apontado por Mingardi (2006, p. 47-48)
no que toca ao tempo para obtenção de conhecimentos. Este autor defende que
na investigação criminal a busca e coleta de dados requerem resultados mais
rápidos, e na inteligência os resultados são mais longos e parcimoniosos.
Como podemos notar ao longo deste trabalho, há quem defenda
mesma matriz cognitiva remota entre investigação criminal e a inteligência,
mas ao longo do tempo alguns métodos e técnicas passaram a ser usadas
pela polícia de maneira autônoma, como foi demonstrado nos estudos supra, contudo, torna-se necessário uma pesquisa mais profunda para constatar a veracidade daquela hipótese, pois a investigação pode ter origem
própria e específica. Senão vejamos.
Ginzburg na obra Mitos, Emblemas, Sinais apresenta magistral
pesquisa intitulada Sinais: raízes de um paradigma indiciário (1989, p. 143180), onde faz levantamento histórico do paradigma indiciário, que remonta ao período do homem primitivo que sobrevivia como caçador, quando
aprendeu as ler os sinais deixados pela presa, quando também foi o primeiro
a narrar uma história, e com o passar do tempo chegou-se aos estudos de
Giovani Morelli, em 1874 a 1876, quando surgiram artigos sobre o método para descobrir cópias de uma pintura, o qual se concentra na observação
dos detalhes que o artista desconsidera e são desapercebidos pelo copista, tais
como lóbulos das orelhas, unhas, formas dos dedos das mãos e dos pés etc. É
o método Morelliano que foi seguido por Freud na psicanálise, ao observar
os dados pouco notados, os refugos da nossa observação; e por Conan Doyle
nas aventuras do personagem Sherlock Holmes, desenvolvendo-se riquíssima
literatura sobre os métodos de investigação criminal; na medicina que trabalha com os fundamentos trazidos por Hipócrates baseados no sintoma, pelos
quais permitiam elaborar o contexto da doença.
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
119
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
Ignacio Tedesco ao refletir sobre o método detetivesco apresenta a
literatura policial como um artefato cultural, aludindo que o método seguido nesta área adota o método abdutivo descrito por Charles Peirce, caracterizado por sua capacidade explicativa, devido à possibilidade de formulação
de hipóteses ou inferências presuntivas baseadas em provas experimentais
(TEDESCO, 2007, p. 359).
Entendemos haver equívocos naquelas posições restritivas da
função finalística da investigação criminal como sendo a formação
de provas para o processo penal (FERNANDES, 2006, p. 18; JOSEMARIA, 2006, p. 57; SILVA, 2008, p. 345). O processo investigativo
fornece conhecimentos para a estrutura investigativa, que não se circunscreve ao magistrado como decisor, o qual juntamente com as partes
submeterão as informações ao escrutínio processual penal. Com estes
conhecimentos produzidos nas investigações criminais as autoridades
gestoras/investigativas poderão desenvolver novas investigações, poderão inclusive dar causa a não instauração de processo; poderão desenvolver técnicas situacionais de prevenção; poderão empreender medidas de polícia ou medidas cautelares ou coação para bloquear os efeitos
do crime ou impedir sua consumação; constituirá memória para futuras
investigações; servirá para a adoção de medidas estratégicas no campo
da repressão e da gestão policial, então, adotamos posição ampliativa
e autônoma do procedimento cognitivo da investigação criminal, em
relação à inteligência e ao processo penal. Aqui, ainda, há que se ponderar que é difícil apontar um ato agressivo ao Estado, ou a seus interesses
políticos, considerando a inteligência clássica, ou atos que ofendam a
paz social, sejam gravosos ou não, os quais não constituam infração penal perseguível pela investigação criminal, até mesmo porque cabe ao
Direito Penal proteger bens jurídicos caros à sociedade tal como a vida,
o patrimônio, a liberdade, a paz pública, a segurança do Estado etc.
Admitir o contrário é propugnar novo sistema punitivo ou o abolicionismo, ao invés do Direito Penal.
Por estas razões podemos deparar com contraditio in terminis
quando se situa a investigação criminal com fins específicos judiciais, ao
tempo que admite “a recolha e análise da informação obtida, detectando
as pessoas envolvidas, o modus operandi e qualquer facto relevante para
a investigação do delito” (CABRAL, 2007, p. 154), como atributo da
inteligência. Ora isso constitui o objeto da investigação criminal não
120
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
havendo razão lógica para servir-se de outra matriz teórica para operacionalizar suas ações.
Outro equivoco, ou falácia no sentido lógico, é negar flexibilidade a investigação criminal além da realidade sensível. Os investigadores policiais não estão proibidos de usar métodos de acesso e descoberta
de dados com emprego de técnicas ou fontes encobertas ou ocultas,
ao revés, os investigadores dispõem de ampla liberdade investigativa de
acordo com criatividade e o avanço técnico de determinado momento,
bem como conta com a possibilidade de empreender diligências investigativas invasivas permitidas por lei, as quais são de difícil alcance pelos
oficiais de inteligência.
Neste sentido, também se equivoca ao se propugnar que a inteligência está mais aptas a lidar com questões complexas e que necessitam de maiores recursos (DANTAS E GONÇALVES, s. d., p. 5). Aqui trazemos o exemplo da Polícia Federal brasileira que demonstra o contrário, ou seja, crimes
complexos que englobam condutas e agentes criminosos em vários países, ou
diversos pontos do território nacional, ou ainda, que requerem envolvimento
de estruturas material e humana em larga escala, com expertises profissionais variadas, são plenamente investigados, apurados e documentados, com a
consequente apresentação dos fatos ao Poder Judiciário, e é neste momento
que surgem dificuldades para a instrução processual e acertamento do caso
por este poder. Isso decorre da construção equivocada da função de polícia
judiciária e investigação criminal, vinculando-as somente a uma função estritamente jurídica e processual, sem considerarmos que a investigação criminal
traduzida no inquérito ou qualquer outra nomenclatura, é mais ágil flexível
e eficaz que uma investigação judicializada (FENTANES, 1979, p. 149). Em
suma: é a organização da investigação criminal que possui flexibilidade para
as grandes investigações.
4.2 Investigações Criminais Especiais e Inteligência
Além das investigações ordinárias ligadas à criminalidade de massa, que podem ser classificadas nos crimes de pequena e média ofensividade,
o que se nota de maneira muito objetiva é o equívoco de se reputar como
atividade de inteligência àquelas investigações mais bem estruturadas, na
descoberta e recolha de indícios e vestígios de crimes complexos e com alta
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
121
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
ofensividade social, principalmente quando envolve a criminalidade organizada e mais complexa. E agora temos a alegada emergência do terrorismo. Naturalmente nestes crimes são empregadas técnicas também
mais bem estruturadas, geralmente ocultas e com maior nível de invasividade às esferas de intimidade dos investigados, tal como interceptações telefônicas, escuta ambiental, interceptação das comunicações,
localização e acompanhamento de pessoas através de telefonia móvel ou
sistema de satélite, uso de veículo aéreo não tripulado, testes de DNA,
acesso a dados protegidos por normas de proteção, emprego de agente
encoberto ou colaborador, uso de programas computacionais no processamento das informações colhidas, emprego de grandes estruturas
material e humana, sigilo interno e externo, compartimentação das diligências investigativas etc. Em tais investigações criminais, que assumem
caráter especial, se tornou corrente o emprego de sound-bites jornalísticos caracterizando-as como inteligência policial. Tornou-se modismo
comum entre policiais, membros do parquet, jornalista e até mesmo
pesquisadores policiais, predicar uma investigação bem estruturada
como atividade de inteligência. Esta linguagem está ligada, também, ao
sigilo e à compartimentação que remetem ao secretismo das operações
de inteligência de Estado, no entanto eles são imprescindíveis nestas
investigações.
Neste sentido, é enriquecedor o ensinamento de Costa Andrade
quando defende que a luta contra o crime alterou-se para o chamado
campo avançado, ou seja, há pró-atividade tanto da polícia preventiva como da polícia investigativa, antecipando suas ações na prevenção
do perigo ou antecipando-se ao crime na recolhe de provas, por intermédio da busca de informações com técnicas investigativas próprias,
tal como os meios ocultos (2009a, p. 129ss). Costa Andrade sinaliza
para uma revisão dos conceitos sobre polícia preventiva e polícia repressiva, de origem francesa, e que encontra acolhimento em vários autores clássicos portugueses e brasileiros, tal como Cretella Junior em
seu O Poder de Polícia, Marcelo Caetano na obra Manual de Direito
Administrativo. Esta construção doutrinária, inspirada em decisões do
Tribunal Constitucional Alemão, envolve a criminalidade organizada
das últimas décadas, com ações estruturadas de vários agentes em distintos lugares, com emprego de meios sofisticados ou violentos, com
ações continuadas, capazes de resultar em danos sociais e individuais
de grande monta, podendo ser citadas: criminalidade transnacional e
122
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
transfronteiriça, complexa, tráfico internacional de drogas, terrorismo,
tráfico de seres humanos, branqueamento de capitais empresarial, quadrilhas de assaltantes a bancos e de cargas, alta corrupção em órgãos estatais,
crimes empresariais etc. Seria àqueles crimes que apresentam complexidade
criminalística e resistência à investigação, conforme ensina Costa Andrade,
que se caracteriza:
pelo número de agentes; pelo hermetismo e opacidade da organização;
pela sofisticação, imaterialidade, mobilidade e invisibilidade de ações
e procedimentos, não raro ocultos atrás de cortinas de tecnologia de difícil penetração e ultrapassagem; pelo desenho consensual e victimless
do modus operandi; pelo carácter críptico e iniciático da linguagem e
dos códigos e comunicação. (COSTA ANDRADE, 2009a, p. 52)
Segundo Costa Andrade há defensores de uma classificação tripartida das tipologias de polícia, com atividade de prevenção, repressão
e a investigação de campo avançado como tertium genius que constituiria uma terceira tarefa da polícia. Continua Costa Andrade, que para
outros, a investigação de campo avançado deve ser reconduzida por uma
das duas categorias tradicionais, seria então “uma manifestação actualizada da actividade policial” (2009a, p. 131), e também há aqueles que
consideram que devem ser ajustada “à categoria e ao estatuto jurídico
da investigação própria do processo penal” (2009a, p. 131). Contudo, o
autor se alinha à posição do Tribunal Constitucional alemão, numa postura salomônica, e adota modelo quadripartido (sic) com providências
para a perseguição futura de crimes (Vorsorge für die Verfolgung von
Straftaten) e combate preventivo ao crime (vorbeugende Bekämpfung
von Straftaten), ao lado da classificação tradicional, que se baseou em
critério material e teleológico, já que se orienta materialmente para a
repressão do crime.
Segundo Costa Andrade as providências para a perseguição futura de crimes, visam “reunir provas, preparando a ulterior perseguição
e punição de crimes não cometidos, mas cuja prática, num futuro incerto, se revela possível, mesmo provável, por isso deve-se reger pelas leis
processuais embora numa perspectiva temporal assuma forma preventiva
(2009a, p. 131). Já o combate preventivo ao crime “trata-se apenas de prevenir e afastar perigos (crimes) possíveis antes e se atingir limiar do perigo concreto” e, portanto se coloca ao lado do seu modelo tradicional.
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
123
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
Assinala o autor, que as denominadas investigações de campo avançado assumem destacado interesse no plano prático-jurídico quando pode se
deparar com a questão das proibições de prova em processo penal tanto no
campo preventivo como no repressivo, aqui exemplificamos o uso da
videovigilância como prova de crime, sem se esquecer que esta técnica
de prevenção situacional já é bastante usual em muitos centros urbanos
pelo mundo afora. Poderia então as provas obtidas durante a prevenção
criminal ser utilizadas em processo penal, sem indagar o seu processo
de conhecimento e valoração? Poderia a prova adquirida na investigação criminal avançada e no processo penal ser aproveitada em outros
contextos? Estas questões são postas por Costa Andrade, para as quais
terão que ser objeto de normatização, segundo o autor.
No artigo Métodos Ocultos de Investigação (Plädoyer para uma
Teoria Geral) Costa Andrade alerta para o comprometimento do processo penal com as tarefas de prevenção, por intermédio de “um movimento
de vasos comunicantes que ganha novos e perturbadores desenvolvimentos quando passa a estender-se aos serviços de informações nacionais,
naturalmente vocacionados para outras formas de acção e investigação”
(COSTA ANDRADE, 2009b, p. 530), entretanto reconhece que “a investigação clandestina veio para ficar, configurando um dado da experiência jurídica actual e, não será arriscado acreditá-lo, do futuro, mas para
isso além da reserva legal de tais procedimentos, esta deve:
respeitar um conjunto combinado de variáveis, umas de carácter material-substantivo, outras de índole forma-procedimental: catálogo de crimes, grau de suspeita, subsidiariedade, autorização/ordenação por autoridade competente e informação
da pessoa atingida depois de terminada a medida (COSTA
ANDRADE, 2009b, p. 545).
Há que se destacar o comprometimento ético que as denominadas investigações especiais estão adstritas, ante a gravidade social de seu
emprego para outros fins que não aqueles destinados legalmente, e os
perigos daí advindos para as esferas de liberdades públicas dos cidadãos
e ao Estado Democrático de Direito, principalmente naquelas falsas
emergências ligadas ao terrorismo ou ao direito penal do inimigo, que
poderão ter na fase preventiva policialesca, sem controle judicial, a produção e o direcionamento de investigações contra setores da sociedade
que por um ou outro motivo, se tornam “indesejáveis”.
124
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
Conclusão
Com os estudos desenvolvidos é possível admitir que a investigação
criminal possui matriz teórica própria, seus métodos e técnicas manejam o
fenômeno criminal visando sempre conhecer os crimes para impedi-los ou
para descobrir seus elementos objetivos e subjetivos, produzindo atos provisórios por intermédio da indagação, busca, recolha e constatação, constituindo um verdadeiro banho lustral sobre os meios de provas, conforme a
lições de Pitombo (1987, p. 21). Mesmo as condutas atuais e as futuras, serão
“passados” em dado momento e devem despertar interesse do investigador
criminal. O tempo futuro é observado e tratado visando a não deflagração de
evento criminoso no presente, ou seja, o tempo da investigação não é somente o passado. Reserva-se a inteligência fornecer instrumentos para ampliar
o conhecimento destes mesmos fenômenos criminais, designadamente no
conhecimento e repressão à criminalidade organizada, transnacional, sofisticada, continuada etc., assim como para fornecer subsídios à gestão administrativa/policial, possibilitando a melhor distribuição de meios humanos e
materiais nos trabalhos de investigação criminal.
Destaca-se para a organização persecutória criminal a utilidade da inteligência para perceber os níveis de criminalidade organizada ou mais complexa, os cenários atuais, próximos e até mesmo mais distantes ao longo do
tempo, de maneira que possam ser tomadas decisões estratégicas e desenvolvidas políticas públicas visando seu enfrentamento, com a adoção de elementos táticos e operacionais adequados para o problema, resultando certamente
em menor dano social possível (permitido) com emprego menor de recursos
estatais, em síntese: uma otimização do serviço policial. Cabe assinalar aqui,
que esta atividade não se confunde com o objeto de estudo da Criminologia,
esta é compreensiva, aquela é operativa e pode ser objeto de estudo desta, ao
mesmo tempo o investigador criminal como investigador social que deve ser,
também pode e deve se servir dos conhecimentos acumulados pela Criminologia para conhecer e avaliar políticas públicas implementadas, já que está
preocupada com as causas do crime e nas formas de responder aos fenômenos
delitivos, conforme coloca Maíllo (2008, p. 21).
Podemos concluir que a inteligência integra a matriz teórica da investigação criminal, para fins criminais e administrativos, como uma técnica
disponível ao investigador para conhecimento da realidade, com finalidade
heurística e de apoio à gestão, tal como o é a análise criminal, a psicologia criRevista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
125
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
minal, a perícia, a cooperação policial e muitas outras técnicas investigativas.
A investigação criminal já se desenvolveu o suficiente a ponto de uniformizar
conceitos típicos do seu âmbito de ação, ou talvez, devamos considerar que
já há muito tempo seus métodos e técnicas já foram definidos, não sendo
razoável conferir-lhe uma concepção restritiva, exceto quando se desconheça
todo manancial teórico, cultural e histórico, político etc. que se acumulou ao
longo do tempo. Isso, malgrado as concepções judiciais ou de ordem pública, ambas com equivocadas posições expansivas que extrapolam as normais
fronteiras disciplinares da área.
Com esse bosquejo conceitual é possível defender que embora haja contribuições dos mais diversos ramos do conhecimento, e assim tem que ser e é com
toda disciplina científica, há que se buscar no plano científico a aceitação de uma
disciplina que reúna os temas de polícia, que possua uma identificação histórica
e cultural própria, e que não pode ser ignorada pelos cientistas, já que lidam diariamente com questões diretamente relacionados com a vida social, suas relações,
conflitos, controles e elementos agregadores. Este programa científico se insere
no âmbito das Ciências Policiais e da disciplina da Investigação Criminal.
Por fim, há que se ter em conta a necessidade de parcerias e a ampliação de horizontes quando se estuda e se opera com inteligência e investigação
criminal, com plena aplicação da teoria dos sistemas complexos de Morin
(2000, p. 387), notadamente o princípio dialógico, que está orientado pela
associação de noções complementares, concorrentes e antagônicas, entretanto elas são indissociáveis e indispensáveis para o conhecimento e compreensão da realidade, possibilitando a dualidade no seio da unidade.
Deve-se ultrapassar as entidades fechadas, os objetos isolados, as
ideias claras e distintas, mas também não se deixar enclausurar na confusão,
no vaporoso, na ambiguidade, na contradição (op. cit., p. 387).
Abstract
This paper analyzes the cognitive context of criminal investigation and intelligence, through the
analysis of historical developments and conceptual review of the disciplines, which allows studying the links between them at the pragmatic level, noting the undeniable importance of the disciplines within the Police Sciences and its final product that is public safety, which take greater
interest in monitoring and repression of organized crime, border, and complex, whose activities
126
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
are expanded before the release of national borders and the expansion of communications. At
the time it seeks to identify the theoretical framework of criminal investigations and intelligence,
also discusses the reflections bringing innovations translated by special investigations and their
categorical confusion with intelligence, concluding that the criminal investigation has sufficient
fertility and own cognitive framework, which places it in an independent way in relation to intelligence, however it rejects the single and isolated thought on the issue.
Keywords: intelligence, criminal investigation, theoretic matrix, special criminal investigations.
Célio Jacinto dos Santos
Delegado de Polícia Federal. Coordenador da Coordenação de Altos Estudos
em Segurança Pública da Academia Nacional de Polícia. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires. Orientador de alunos do Curso
de Especialização em Ciências Policiais e Investigação Criminal e tutor de
diversas disciplinas dos cursos à distância da Academia nacional de Polícia
E-mail: celio.cjs@dpf.gov.br
Referências
ALMEIDA, João Ferreira de. José Madureira Pinto. A Investigação nas
Ciências Sociais, Lisboa: Editorial Presença, 1990.
ALMEIDA JR, João Mendes Almeida. Processo criminal brazileiro. 3a
ed., Rio de Janeiro: Typ. Baptista de Souza, v. II, 1920.
ANTUNES, Priscila Carlos Brandão. SNI & ABIN: uma Leitura da
Atuação dos Serviços Secretos Brasileiros ao Longo do Século
XX, Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002.
ARÓSTEGUI, Julio, 2006. A Pesquisa Histórica, São Paulo: EDUSC.
BARBERÁ, Francisco Antón; LUIZ Y TURÉGANO, Juan Vicente.
Polícia Científica. Volumen I. 3a ed. Colección Ciência Policia.
Valencia: Tirant lo Blanch, 1998.
BISPO, Antônio de Jesus. A Função de Informar. In Informações e
Segurança. Estudos em Honra do General Pedro Cardoso.
Coord. Adriano Moreira, Lisboa: Prefácio, 2004, pp. 77-104.
BRAZ, José. Investigação Criminal: a Organização, o Método e a prova. Os
Desafios da Nova Criminalidade. 2ª ed., Coimbra: Almedina, 2010.
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
127
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
BRITO, Vladimir de Paula. O papel informacional dos serviços
secretos. Dissertação (mestrado). Orientadora: Marta Macedo
Kerr Pinheiro. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais, Escola de Ciência da Informação. Disponível em: http://
www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/ECIC8H2J2B/1/o_ papel_ informacional_dos_servi_os_secretos.pdf .
BUZANELLI, M.P. Evolução Histórica da atividade de Inteligência no
Brasil. IX Congresso Internacional del CLAD sobre la Reforma
del Estado y de la Administración Pública, Madrid, España, nov2004.
CABRAL, José Santos. Uma Incursão pela Polícia, Lisboa: Almedina,
2007.
CARDOSO, Pedro. As Informações em Portugal, Lisboa: Gradiva/
Instituto de Defesa Nacional, 2004.
CASILLAS, Francisco José Dias. Desarrollo de La ciencia de policía.
Antecedentes históricos. In: Memorias del I Congreso
Internacional de ciencia de policía. Bogotá: Policía Nacional de
Colombia, 28, 29 y 30/10/09, p. 61-72.
CEREZALES, Diego Palacios. ¿Por qué la policía es una institución
política? In: Memorias del I Congreso Internacional de ciencia de
policía. Bogotá: Policía Nacional de Colombia, 28, 29 y 30/10/09,
p. 135-156.
CEPIC, Marco A. C. Espionagem e democracia: agilidade e
transparência como dilemas na institucionalização de serviços de
inteligência, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
COSTA ANDRADE, Manuel da. Bruscamente no Verão Passado,
a Reforma do Código de Processo Penal, Coimbra: Editores
Coimbra, 2009a.
________________. Métodos Ocultos de Investigação (Plädoyer para uma
Teoria Geral). In: Que Futuro para o Direito Processual Penal?
Simpósio em homenagem a Jorge Figueiredo Dias, por ocasião
dos 20 anos do Código de Processo Penal português, Coimbra:
Coimbra Editora, 2009b, pp. 524-551.
CRETELLA JUNIOR, José. Do poder de polícia, Rio de Janeiro:
Forense, 1999.
128
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
DANTAS, George Felipe de Lima, SOUZA, Nelson Gonçalves de.
As bases introdutórias da análise criminal na inteligência
policial. s. d. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.
asp?Team=%7B21F842C5-A1C3-4460-8A48-83F441 C48
08C%7D (Sítio eletrônico do Ministério da Justiça do Brasil >
Publicações). Acesso 15/11/11.
DEWEY, John. Experiência e natureza: Lógica: a teoria da investigação;
Vida e educação; Teoria da vida moral, São Paulo: Abril Cultural,
Coleção Os Pensadores, 1980.
DUTRA, Luiz Henrique de Araújo. Oposições Filosóficas: a
Epistemologia e suas Polêmicas, Florianópolis: Editora da UFSC,
2005.
FENTANES, Enrique. Tratado de Ciência de la Policía. T. I.
Introducción Dogmatica General, Buenos Aires: Editorial Policial,
1972.
FENTANES, Enrique. Compendio de la Ciencia de la Policía, Buenos
Aires: Editorial Policial, 1979.
FERNANDES, Fernando do Carmo. Inteligência ou informações? Revista
Brasileira de Inteligência, Brasília/DF, v. 2, n. 3, p. 17-18, set. 2006.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. 25 ed.,
Petrópolis: Vozes, 2002.
GALVÃO, Enéas Arrochellas. Organisação judiciária - Estudo de
legislação comparada (sic). BDjur., Brasília: 2008. Disponível
em: http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/ 2011/18087, acesso
25/04/11.
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 8ª ed., Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2010.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história, São
Paulo: Companhia das Letras, 1989.
GOMES DIAS, Teresa Pizarro Beleza e Frederico ISASCA. Direito
Processual Penal - Textos, Lisboa: AAFDL, 1992, pp. 63-68.
GONÇALVES, Joanisval Brito. Sed Quis Custodiet Ipso Custodes?
O Controle da Atividade de Inteligência em Regimes
Democráticos: os Casos de Brasil e Canadá. Tese aprovada no
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
129
Investigação Criminal e Inteligência: Qual a Relação?
Instituto de Relações Internacionais da UnB, 2008.
MAIER, Julio B. J. Derecho procesal penal - fundamentos. 2ª ed., Buenos
Aires: Del Puerto, 2004.
MAÍLLO, Alfonso Serrano. Introdução a Criminologia. Trad. Luiz Regis
Prado, São Paulo: RT, 2008.
MINGARDI, Guaracy. O trabalho da Inteligência no controle do crime
organizado. Estudos Avançados, 2007, v. 21, n. 61, p. 51-69.
MORESI, E. A. D.; MENDES, G. L. de O.; NEHME, C. C.; SILVA
JÚNIOR, O. S. da; LAVOYER, N. C. Inteligência de fontes
abertas: um estudo sobre o emprego das redes sociais na prevenção à
corrupção. In: CONVIBRA 2010, 2010. CONVIBRA 2010, 2010.
Disponível em: http://www.slideshare.net /moresi/convibra-art3final. Acesso: 09/11/11.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência, Rio de Janeiro: Bertrand, 2000.
PADILHA, Miguel Antônio Gomes. Memorias del I Congreso
Internacional de ciencia de policía. Bogotá: Policía Nacional de
Colombia, Out-2009, p. 135-156.
PATRÍCIO, Josemaria da Silva. Revista Brasileira de Inteligência. Vol 2,
nº 03 (set-2006), Brasília: ABIN, 2006, pp. 52-58.
PETERSON, Marilyn B.; MOREHOUSE, Bob; WRIGHT, Richard
(ed.). Intelligence 2000: revising the basic elements. 2nd print.
Sacramento-CA: Lawrenceville-NJ: Law Enforcement Intelligence
Unit - L.E.I.U.; International Association of Law Enforcement
Intelligence Analysts – IALEIA, 2002.
PITOMBO, Sergio Marcos Moraes. Arquivamento do Inquérito Policial:
sua força e efeitos. In: Inquérito Policial: novas tendências. Belém:
CEJUP, 1987.
______________. Princípios e Regras Orientadoras do Processo.
Disponível em: www.sergio.pitombo.nom.br, acesso em 15/11/11, s. d.
SILVA, Jorge da. Criminologia crítica: segurança e polícia. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2008.
SILVA JUNIOR, Osvaldo Spindola. Inteligência em Fontes Abertas:
um Estudo sobre Empregos de Mídias Sociais na Identificação
de Irregularidades no Serviço Público Federal. Dissertação
130
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
Célio Jacinto dos Santos
apresentada na Universidade Católica de Brasília, 2011. Acesso:
09.11.11. Disponível em: http://www.bdtd.ucb.br/tede/
tde_arquivos/3/TDE-2011-05-19T062439Z-1146/Publico/
Osvaldo%20Spindola%20da%20Silva%20 Junior.pdf.
TEDESCO, Ignacio F. El acusado en el ritual judicial: ficción e imagen
cultural. Colección Tesis Doctoral. Con prólogo de Edmundo S.
Hendler y Roberto Bergalli. 1er ed, Ciudad Autónoma de Buenos
Aires: Del Puerto, 2007.
VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Processo Penal - Tomo I. 3ª ed.
rev., atual., aum. Coimbra: Almedina, 2010.
ZBINDEN, Karl. Criminalística: Investigação Criminal, Lisboa: [Sn]
(Tipografia-Escola da Cadeia Penitenciária), 1957.
LVl
Revista Brasileira de Ciências Policiais
Brasília, v. 2, n. 1, p. 103-131, jan/jun 2011.
131