Motriz, Rio Claro, v.16 n.1 p.95-102, jan./mar. 2010
Artigo Original
Análise dos objetivos dos técnicos na Ginástica Artística
Myrian Nunomura
Paulo Daniel Sabino Carrara
Michele Viviene Carbinatto
Departamento de Esporte, Escola de Educação Física e Esporte da USP, São Paulo, SP,
Brasil
Resumo: O presente estudo é um recorte do projeto original intitulado “Diagnóstico do Processo de
Formação Esportiva da Ginástica Artística no Brasil”. Entre os diversos temas abordados no projeto
original, analisamos e discutimos os objetivos dos técnicos que orientam as categorias de base e que
formam ginastas potenciais para compor as seleções nacionais. Entrevistamos 46 técnicos do setor
masculino e do feminino de 29 instituições esportivas do Brasil. Para o tratamento dos dados optamos pela
análise de conteúdo proposta por Bardin (2004). Constatamos que os objetivos de muitos técnicos estão
estritamente associados às competições e ao alto nível, e os depoimentos dos mesmos revelam o foco das
instituições sobre os resultados em todas as categorias competitivas.
Palavras-chave: Ginástica. Esportes. Metas.
Analysis of coaches’ objectives in artistic gymnastics
Abstract: The present study is a piece of the main project entitled “Diagnosis of the Artistic Gymnastics
Developing Program in Brazil”. Among many issues included in the main study, we analyzed and discussed
the coach’s objectives who are coaching incoming gymnasts who are potential to be representative at the
national teams. We interviewed 46 coaches from 29 sports institutions in Brazil. As data collection we used
a semi-structured interview, and as data treatment we used the content analysis proposed by Bardin
(2004). We could evidence that many coaches’ objectives is focused on the competition and the highest
level, and that the institutions` emphasis on the results in all levels of categories.
Key Words: Gymnastics. Sports. Goals.
Introdução
Observamos na literatura que o processo de
formação esportiva que visa ao alto rendimento
ainda carece de investigações. Atualmente, é
comum encontrarmos técnicos que foram atletas
de alto nível e que reproduzem condutas,
comportamentos e métodos de treinamento de
sua experiência anterior, mesmo que não sejam
apoiados pela ciência.
Não foi nossa intenção discutir a formação
esportiva em toda a sua amplitude e variáveis
que interferem nesse processo. Focamos na
Ginástica Artística (GA) em virtude de nossa
experiência
e interesse, pela crescente
visibilidade da modalidade na mídia, e pela
participação cada vez mais expressiva de nossos
atletas em eventos internacionais, como os Jogos
Olímpicos.
Assim, propomos investigar, em campo, a
realidade de quem faz e vive o cotidiano da
modalidade GA, em particular, os técnicos que
atuam nas categorias de base, as quais
alimentam e abastecem as seleções nacionais.
Para tanto, ao longo de dois anos, foi
desenvolvido o Projeto intitulado “Diagnóstico do
Processo de Formação Esportiva da Ginástica
Artística no Brasil”, que contou com o apoio do
Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP). Para tanto entrevistamos 46
técnicos e 163 ginastas. Como fruto deste
trabalho levantamos muitos temas de discussão
dentre os quais a motivação, expectativas,
dificuldades, especialização precoce, dentre
outros.
No presente artigo, abordaremos a análise e a
discussão dos objetivos dos técnicos no
treinamento da GA. O conhecimento desses
objetivos permite compreender as práticas
desenvolvidas nos ginásios e da pertinência ou
não das mesmas.
Objetivos do Técnico
Podemos diferenciar a prática da GA em dois
pólos e, em um dos extremos estaria a GA como
esporte competitivo e, no outro, a GA como
atividade física.
M. Nunomura, P. D. S. Carrara & M. V. Carbinatto
Os objetivos destas práticas variam conforme
sua classificação e contexto. A atividade GA tem
caráter formativo e a finalidade é desenvolver as
habilidades motoras através de movimentos
ginásticos.
O esporte GA tem caráter competitivo e a
finalidade é desenvolver as habilidades
específicas com alta precisão técnica e que
atenda ao grau de exigência do código de
pontuação, ou seja, as regras da modalidade
(NUNOMURA, 1998).
Podemos diferenciar a prática da GA em dois
pólos e, em um dos extremos estaria a GA como
esporte competitivo e do outro a GA como
atividade física. Na Tabela 1, apresentamos as
principais diferenças que demarcam as duas
práticas.
Tabela 1. Diferenças entre a atividade e o esporte GA (NUNOMURA; TSUKAMOTO, 2006).
Atividade GA
Quanto aos
objetivos
− Desenvolver habilidades motoras
através dos movimentos ginásticos.
− Caráter formativo.
Quanto ao
praticante
− Não há pré-requisitos para a
prática.
− O ingresso na modalidade pode
acontecer em qualquer idade.
Quanto ao
nível de
dedicação
do
aluno/atleta
Quanto ao
conteúdo
Quanto aos
eventos
Quanto à
postura do
professor/
técnico
Quanto aos
resultados
Quanto à
avaliação
− Desenvolver habilidades específicas
com alta qualidade técnica que atendam ao
grau de exigência do código de pontuação.
− Caráter competitivo.
− Atletas selecionados de acordo com as
qualidades físicas e capacidades motoras.
− A especialização é, em geral, precoce
(entre 5 e 6 anos).
− Dedicação exclusiva à modalidade, com
foco apenas em atividades altamente
relacionadas com a GO como ballet, dança,
etc.
− Em geral, participa de outras
modalidades esportivas, tanto
individuais como coletivas.
− Movimentos variados que podem
ser realizados no ambiente ginástico,
além daqueles específicos da
modalidade.
− Não há exigência de alto padrão
técnico.
− Participa de festivais e competições
com regras adaptadas e flexíveis.
− O objetivo é estimular a prática da
modalidade e promover intercâmbio
social e esportivo entre as crianças.
− Preocupa-se mais com o processo
de aprendizagem do que com o
produto e a perfeição do movimento
final.
− Aborda a atividade de forma lúdica
e espontânea.
− Estes, quando existem, visam
estimular a auto-superação e a autoavaliação, sem comparações com
padrões ou pares, e muitas vezes
ocorre para a mudança de nível.
− Em geral, a avaliação é diária, sem
sistematização.
Assim sendo, o técnico pode assumir
diferentes posturas para atender aos respectivos
objetivos. Na atividade GA há maior preocupação
com o processo de aprendizagem do que com o
produto e a perfeição do movimento final; as
atividades são realizadas de forma lúdica e
espontânea. No esporte GA visa-se o movimento
tecnicamente perfeito, ou seja, há ênfase no
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Esporte GA
− Elementos ginásticos específicos da
modalidade.
− Exige alto padrão técnico de acordo
com as regras do código de pontuação.
− Participa de competições julgadas por
critérios rígidos e pré-estabelecidos.
− O objetivo é vencer, conquistar títulos
importantes e qualificar para eventos
competitivos cada vez mais expressivos.
− Orienta visando o movimento perfeito,
ou seja, ênfase no produto.
− É exigente com o treinamento e com a
disciplina e o comportamento dos atletas.
− Em geral, configuram-se em parâmetros
para o ranking dos atletas e, dependendo
da ocasião, para qualificar para uma
competição superior, por exemplo,
campeonato mundial, Olimpíadas.
− Em geral, os resultados das
competições são os principais meios de
avaliar o desempenho dos praticantes.
produto; e o técnico é exigente com o
treinamento, com a disciplina, com o
comprometimento e o comportamento dos atletas
(NUNOMURA, 1998).
Podemos dizer que, nos dois tipos de
Ginástica, o princípio da prática é o mesmo,
porém a abordagem é diferente. Em ambas, o
processo de aprendizagem é geralmente dividido
Motriz, Rio Claro, v.16, n.1, p.95-102, jan./mar. 2010
Objetivos dos técnicos
em etapas e cada uma delas é executada várias
vezes, para poder avançar para o movimento
seguinte. A técnica para realizar o exercício é a
mesma. Mas, no esporte GA exige-se um
movimento perfeito e os mínimos erros ou
desvios são inadmissíveis. Na atividade GA
espera-se apenas que a criança consiga realizar
esse movimento, mesmo que não seja executado
da forma ideal e desde que a segurança do
praticante esteja considerada.
O problema no esporte contemporâneo é que
há ênfase demasiada sobre os resultados, os
números, os gols, as cestas, entre outros
parâmetros. Essa concepção parte do próprio
conceito de competição que tem origem no latim
e significa “procurar obter com” (KEMP, 1991,
p.5). Assim, a competição torna-se orientada para
um fim em si mesmo e uma luta para ser melhor
que o oponente. Podemos vincular a esses
aspectos a recompensa material, a projeção
social, as pressões externas, a adulação e o
menosprezo pelo adversário.
Certamente, os valores e as condutas,
associados à participação em competições,
dependerá da qualidade da orientação dos
praticantes, seja por parte dos técnicos, como
dos pais e de todos aqueles envolvidos.
Caso seja um ambiente direcionado para o
processo e ao desenvolvimento do praticante, o
“vencer a todo custo” não prevalecerá. O
problema é que no processo competitivo está
envolvido o ego, a ambição, as pressões, as
recompensas externas, interesses políticos e
econômicos, entre outros males e, raras vezes,
não se faz distinção entre adultos e crianças.
Em geral, as crianças buscam o esporte pelo
prazer da brincadeira, pelo convívio entre amigos,
para melhorar sua condição física, para aprender
sobre o esporte (LULLA, 2004; RELVAS, 2005;
WEINBERG; GOULD, 2001). E, eventualmente,
elas terão o interesse em avançar para o
aprendizado ou aperfeiçoamento de uma
modalidade esportiva, ou seja, especializar-se.
Cruz (1996) cita as razões intrínsecas mais
importantes na participação esportiva das
crianças e dos jovens e, entre elas, destacamos:
o sentimento de realização pessoal, o
divertimento, a excitação e a satisfação de estar
ou fazer amigos. A orientação dos participantes
deve ser no sentido de valorizar as recompensas
Motriz, Rio Claro, v.16, n.1, p.95-102, jan./mar. 2010
intrínsecas e que podem, também, apreciar, em
menor grau, aquelas extrínsecas.
A participação esportiva pode ter papel
importante no enriquecimento da vida em geral e
não somente sobre a vida esportiva do jovem. Ao
técnico é fundamental maximizar o potencial das
experiências vividas no cotidiano esportivo,
pautado na globalidade, para que os ideais da
prática esportiva não se esgotem na melhora
técnica e nas medalhas (KEMP, 1991).
Martens (1987) cita que quando o técnico é
capaz de orientar os praticantes para focar sobre
o empenho e o esforço, ao invés dos resultados
objetivos da competição, aumentam as chances
destes apreciarem cada vez mais o esporte e se
envolverem por muito mais tempo, talvez, por
toda a vida.
Balyi (2003) defende que o sucesso no
esporte é conseqüência do treino e da
competição, em perspectiva de longo prazo e cita
que “não existem atalhos na preparação
desportiva” (p.23). Negligenciar qualquer uma das
fases do processo de formação esportiva sempre
acarretará em prejuízos e debilidades, seja de
ordem técnica, tática, física, motora, emocional
ou cognitiva.
Segundo Araújo (1998), a natureza da GA e
sua evolução têm levado diversos campos do
conhecimento a tentar explicar a conduta de
técnicos em relação aos sistemas de treinamento
e o ingresso cada vez mais adiantado dos
praticantes no sistema competitivo e de alto
rendimento. O ingresso de crianças nesse quadro
competitivo tem levantado inúmeras discussões
sobre os efeitos do treinamento intensivo sobre a
sua saúde.
Outro aspecto da GA é a alta exigência da
capacidade coordenativa, que teria seu período
ótimo de desenvolvimento na infância, assim
como da idade ótima de assimilação e
automatização das inúmeras técnicas complexas
da GA (ARAÚJO, 1998). Somados a esses
fatores, temos a facilidade do corpo menor e mais
leve em desafiar as leis da natureza.
A criança ainda não está apta para definir uma
modalidade esportiva na qual pretende se
especializar. É preciso respeitar cada criança e
jovem
e
considerar
seus
interesses,
necessidades, limitações, e que os objetivos do
Esporte deveriam estar voltados para a formação
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M. Nunomura, P. D. S. Carrara & M. V. Carbinatto
integral (GONÇALVES, 1999). Coelho (2000)
acrescenta: “privilegiar os resultados da
aprendizagem, pois quando especialização
precoce
significa
solicitar,
precocemente,
rendimento elevado, há desvios inadequados nos
modelos
de
preparação,
competição
e
intervenção” (p.147).
Assim, entendemos que o ideal do esporte na
infância é que ele seja tratado, distintamente, do
esporte praticado pelos adultos. Mesmo que as
crianças apresentem talento e inclinação para
determinada modalidade, é importante que as
etapas do processo de formação não sejam
queimadas. Os técnicos depararão com diversas
crianças que apresentarão características,
interesses, níveis de resposta individuais e
distintos. Então, será normal que os objetivos e
as expectativas dos praticantes variem entre si.
Mas, é essencial que o técnico esteja consciente
e saiba discernir o que é favorável ou não para o
desenvolvimento e formação de cada criança.
Procedimentos Metodológicos
Conduzimos o projeto intitulado “Diagnóstico
do Processo de Formação Esportiva da Ginástica
Artística no Brasil”, com apoio da FAPESP, em
que mapeamos a realidade da formação
esportiva na GA, elucidando características do
sistema esportivo em questão, os pensamentos e
atuação dos técnicos, as dificuldades, as
motivações e as expectativas dos técnicos e dos
atletas, entre outros.
Como conseqüência, alguns recortes têm sido
realizados, dentre os quais, no presente artigo, foi
sobre
os
objetivos
dos
técnicos
no
desenvolvimento dos ginastas em formação.
Optamos pelo caminho da pesquisa
qualitativa, pois esta se mostrou mais apropriada
para desvendar este contexto particular da GA
competitiva e procurar compreendê-lo. No
entanto, não foi nossa intenção generalizar ou
levantar princípios e leis, mas identificar o que é
peculiar no discurso dos técnicos e de forma
contextualizada.
Consultamos as Federações para identificar
as instituições filiadas que participa dos torneios
oficiais das respectivas Federações e/ou da
Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), nas
categorias de base, a saber: pré-infantil, infantil,
infanto-juvenil e juvenil.
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A técnica de coleta utilizada foi a entrevista
semi-estruturada que, segundo Bruyne, Herman e
Schoutheetel (s/d), permite identificar opiniões
sobre os fatos e a evolução dos fenômenos
através do conteúdo expresso implícita ou
explicitamente. Nesse tipo de entrevista, apesar
de existirem questões pré-formuladas, as
variações são permitidas durante a sua aplicação,
caso
o
investigador
julgue
necessárias
(THOMAS; NELSON, 2002). A utilização da
comunicação verbal nas entrevistas permite
coletar um volume maior de dados, o que pode
representar mais informações relevantes para o
estudo.
No total foram entrevistados 46 técnicos (34
do setor feminino e 12 do setor masculino) de 29
instituições esportivas. O recorte foi estabelecido
sobre o Estado de São Paulo e cidades do Rio de
Janeiro, Curitiba e Porto Alegre, devido à
representatividade numérica e qualitativa destas
localidades no contexto nacional da GA.
A participação dos sujeitos foi de caráter
espontâneo, e as entrevistas foram conduzidas
individualmente e utilizamos um roteiro préestabelecido.
Para o tratamento dos dados, adotamos a
análise de conteúdo proposta por Bardin (2004).
A análise ocorreu em três etapas:
1. Pré-Análise: a transcrição das entrevistas e a
leitura flutuante do texto, o primeiro contato, em
que é possível formular alguns temas para
discussão e hipóteses que julgamos necessários.
2. Exploração do Material: a codificação dos
dados e o estabelecimento das categorias, em
que se define a unidade de registro (no caso do
presente estudo foi o tema e não frequência) e a
unidade de contexto (são os segmentos do texto
ou da mensagem que refletem o significado das
unidades de registros).
3. Inferência: refere-se aos pólos de análise sobre
os quais ocorre a análise de conteúdo, ou seja,
em que pontos nós podemos nos concentrar para
realizar uma análise.
Para a análise dos resultados optamos pela
diferenciação por gênero e posteriormente
comparação ou análise em função da
similaridade do conteúdo dos depoimentos. Não
foi nossa intenção separar os técnicos por
categoria pois, na maioria das instituições, os
técnicos são responsáveis em orientar mais de
uma categoria competitiva.
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Objetivos dos técnicos
Resultados e Discussão
Feminino
Tabela 2. Resultados do setor feminino
Categoria
Alto nível
Formação
visando o
alto nível
Competição
Formação
Unidade de Registro
T201: dentro do ginásio eu sou uma tirana mais eu saio daqui eu fico pensando será que eu fiz
certo; entro num dilema será que vale a pena”.
T27: pra treinamento; alto nível.
T29B: tem falhas ou posturas que as meninas não podem ter, não podem mais brincar tanto;
mostrar para elas que elas realmente foram selecionadas, têm talento, e tem que seguir nesse
esporte.
T29C: a ginástica é o primeiro plano na verdade”; “fora de casa, elas estão sofrendo;
T2: porque você sabe que a partir desse nível você não tem vida social... não é objetivo para mim.
T11: no infantil, fazer o obrigatório bem feito.
T14: filosofia de trabalho de formação; evoluir; Nem atropelar fases.
T15: massacrar pra conseguir resultados...não leva a lugar nenhum; você ta lidando com criança,
sabe, tem que ir com calma.
T28: o desenvolvimento do alto nível da ginástica e a gente trabalha num limite muito estreito;
Agora se você objetivar ser o treinador da seleção brasileira, você não consegue mais atender
muito essa área educacional
T3, T7, T15, T16B: Pra quem trabalha com competição, no fim das contas a competição é o
objetivo.
T16A,T16B, T20,T22A, T23,T28, T29: A competição acaba sendo um meio pra nós atingirmos o
nosso objetivo de formação. Não acredito na competição como um único fim.
T5, T6, T16A T19: primeiros 6 meses, é Jogos Regionais; 2o. semestre, se classificar pros Jogos
Abertos , né, continua, treinando pros JA
T7: Campeonatos Estaduais e Campeonatos Brasileiros, e pôr 4 meninas na seleção paulista
T12: o objetivo principal é o troféu SP; os objetivos técnicos mudam
T13: o objetivo mesmo é ir bem, sempre aprendendo, com a experiência
T15, T18: nos traçamos nosso objetivo num campeonato e estamos treinando em cima dele, em
cima de regulamento.
T28: (...)Então, algumas vão se encaixar, querem mais a competição, então vão de certa forma
vão pagar um preço por essa competição.
T29A: nosso objetivo maior mesmo é que elas fiquem no 1, 2 e 3 lugar.
T11, T18: “saber ganhar e saber perder”.
T17: “aperfeiçoar mais, experimentar todos os aparelhos, conhecer a GA e praticar as habilidades
motoras mais simples, vivenciar”.
T24: “eu elaboro os objetivos no inicio do ano... tento semanalmente estar mudando a quantidade,
trabalhos diferenciados pra não ficar maçante”.
T27: “ah meu objetivo é alcançar o melhor que elas possam chegar”.
T28: “acredito que a gente pode criar vários mundos dentro da ginástica.”
Os objetivos dos técnicos puderam ser
agrupados em quatro categorias distintas, quais
sejam: (1) trabalhar com o alto nível; (2) trabalhar
com a formação para o alto nível; (3)
competições; (4) formação.
(1) Trabalhar com o alto nível
Esta
categoria
não
surpreende
se
considerarmos o caráter competitivo das
instituições. O que se destaca no depoimento dos
técnicos é a ênfase e a expectativa que eles têm
das ginastas em relação ao alto envolvimento na
GA, pois algumas delas recebem incentivos para
se manter no esporte (GOUVEA, 1997).
(2) Trabalhar com a formação para o alto nível
Esta categoria também não causa surpresa
pelo mesmo motivo citado na categoria anterior,
mas revela que mesmo aqueles envolvidos em
instituições tradicionalmente competitivas, não
têm interesse de trabalhar com atletas de alto
nível, o que pode gerar certos conflitos. Outro
aspecto a considerar é que muitos justificam sua
opção profissional dentro da GA lançando críticas
ao alto nível da modalidade: como os seguintes
técnicos: “nesse nível não tem vida social” (T2),
“massacrar para conseguir resultados” (T15),
“você não consegue mais atender a essa área
educacional” (T28). Esses depoimentos incitam
que o alto nível não será tão prazeroso e perderá
o aspecto educacional e, em certa medida, pode
ser um risco à criança. Provavelmente, deve
gerar conflito entre técnicos do setor formativo e
competitivo, embora nenhum técnico tivesse feito
1
Utilizaremos a sigla T para Técnico e a numeração para a instituição em que trabalham. Assim T3 refere-se ao técnico entrevistado da
terceira instituição. Quando aparecer letra à direita do número refere-se ao número de técnico entrevistado numa mesma instituição.
Exemplo T29A: primeiro técnico da instituição 29.
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M. Nunomura, P. D. S. Carrara & M. V. Carbinatto
menção a respeito. Talvez até por questões
éticas.
(3) Competições
Estabelecer os campeonatos como objetivo do
programa é um tanto delicado e destoa da
literatura em geral (SHIGUNOV, 2000; ROSE JR.,
2002). A competição é parte do esporte, um
momento de comparação social e auto-avaliação,
que contribui na motivação, mas não o objetivo
em si. Aqueles que relacionaram a competição
como objetivo, limitam seus programas e as
experiências das crianças nos regulamentos dos
torneios, conforme citou Tsukamoto (2004). Esta
visão poderia ser adotada parcialmente nas
cidades do interior, em que as instituições são,
muitas vezes, intimadas a representar as cidades
em Jogos Regionais e, eventualmente, Jogos
Abertos, mas, surpreendentemente, não foi o
caso no depoimento dos técnicos.
A associação da competição com um dos
objetivos ou meta encontra apoio na literatura
(DUDA, 1995), mas não deve ser vista como o
objetivo do processo de formação esportiva, mas
um meio de avaliação, de motivação e de
aprendizado de uma série de aspectos para a
vida esportiva e pessoal.
(4) Formação
Esta categoria revela que alguns técnicos
estão preocupados com as lições para a vida que
a experiência no esporte pode proporcionar,
como seus depoimentos: T11, T18: “saber ganhar
e saber perder”; e T27: “alcançar o melhor que
elas possam chegar” e a afirmação do técnico
T28: “acredito que a gente pode criar vários
mundos dentro da ginástica.” Assim, entendemos
que os técnicos acreditam que seja possível
atender, em certa medida, à diversidade e à
realidade dos praticantes na GA.
Masculino
Tabela 3. Resultados do setor masculino
Categoria
Alto nível
Formação para
o alto nível
Competição
Formação
Unidade de Registro
T2: “qualquer esporte de alto nível é uma opção”.
T8: “máximo nível é Olimpíada, Mundial, Jogos Pan-Americanos”.
T1: “seleção estadual, é ganha o campeonato brasileiro”.
T2: “eu não viso mais o Estadual, porque acho que mesmo os ginastas, já estão em outro patamar”.
T9: sempre é chegar a seleção brasileira
T24: “Objetivo é ter uma equipe bem concentrada”.
T3: “objetivo de competição”.
T12: “participar de campeonato estadual, mais pra frente brasileiro e depois por algum município”.
T14: “boa participação nos jogos regionais”; “classificar pros abertos”.
T1: trabalhando com objetivos assim nas crianças bem simples: você vai pra competição, não se
importa com colocação e isso aquilo, ou você vai pra ganhar, é... a gente sempre prepara pra ter um
melhor desempenho e acho que é mais o lado psicológico assim que afeta as crianças.
T15: “eu acho que acima de tudo sou um educador, porque meu objetivo hoje é mais...crescer”.
As categorias no setor masculino coincidem
com aquelas do feminino. Porém, observamos
menor expressão para a categoria “trabalhar com
o alto nível” e sem a visão negativa acentuada do
esporte
de
alto
rendimento,
conforme
observamos no setor feminino. Sobre este item, a
mesma visão do técnico TF28 surge no
depoimento de TM15; “eu acho que acima de
tudo sou um educador”, levando-nos a entender
que, por vezes, o técnico do alto nível deixa de
cumprir o papel de educador.
Há muita semelhança entre os objetivos
propostos pelos técnicos, tanto do setor feminino
quanto do masculino. Grande parte desses
técnicos propõe competições como objetivo:
Jogos Abertos, Jogos Regionais, campeonatos
estaduais e nacionais. Certamente, o peso ou a
magnitude do evento citado varia de instituição
para instituição, e de categoria para categoria,
mas o importante neste momento é observar a
relevância da competição atribuída pelos técnicos
para os grupos em formação.
A participação em campeonatos também foi
citada pelos técnicos e, convém as mesmas
considerações do setor feminino, com a ressalva
de que os técnicos também enfatizam os
resultados da participação. Esta postura pode ter
relação com as pressões ou cobranças das
próprias instituições.
Marques (2003), Rose Jr (2002) e Bompa
(2000) entre outros, sugerem que as competições
e os festivais ocorram, pois fazem parte do
processo de formação esportiva. Não como
objetivo, mas como um agente de motivação do
grupo. Em alguns casos, a competição é tão
relevada pelos técnicos que esta e os seus
respectivos resultados passam a ser a única
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Objetivos dos técnicos
forma de avaliação da criança e do jovem. E, o
fato pode se agravar, se das comparações entre
eles, surgirem esteriótipos como o mais forte, o
mais fraco, o perdedor, o ganhador, entre outros.
De acordo com Bossle (2002), os objetivos
são os resultados observáveis, as etapas ou
estágios
intermediários,
indispensáveis
à
consecução dos fins ou finalidades propostos e, a
competição, seria um dos meios ou estratégias
para atingir estes fins, mas não o fim em si
mesmo.
É interessante observar que apenas cinco
técnicos (três femininos T17, T24 e T27, e dois
masculinos T15 e T24) citaram outros objetivos
que não as competições. Um deles (T24) cita a
importância da variabilidade do treinamento, que
é uma estratégia efetiva para manter o interesse
dos atletas e promover o aprendizado (TANI,
1999). Dois técnicos enfatizam a evolução dos
ginastas como seu principal objetivo e outro, de
que é preciso manter o grupo concentrado.
É necessário refletir sobre as conseqüências
para as crianças quando as competições se
tornam o único objetivo da participação esportiva,
pois, em alguns casos, o volume de treino é alto
para atingir tais fins e, muitas vezes, o atleta
precisa abdicar de atividades características da
sua idade.
Pouquíssimos técnicos apresentaram uma
visão mais ampla do desenvolvimento humano e
da atividade propriamente dita, traçando como
objetivo a formação integral do aluno e o
desenvolvimento motor básico para que o atleta o
utilize ao longo da vida. Poucos têm como
objetivo os benefícios da modalidade, o
desenvolvimento das capacidades físicas força,
flexibilidade, coordenação motora e equilíbrio. E,
também, como propõe Publio (1983): a vida
atlética longa com pouca incidência de lesões
(BOMPA, 2000), o controle corporal e as
experiências que ampliam o repertório motor das
crianças e as tornam mais efetivas em outros
contextos de atividade física e esportiva e do
cotidiano em geral (NUNOMURA, 1998).
Considerações Finais
Os objetivos finais dos técnicos estão, em sua
maioria,
relacionados
às
participações
competitivas para representar as suas entidades.
Os técnicos reconhecem que o treinamento da
GA pode atingir níveis elevados de exigências
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dependendo dos objetivos traçados. Eles
demonstram preocupação em equacionar o
problema do bem estar dos jovens praticantes
que estão a caminho do alto nível. Entretanto, os
técnicos justificam as demandas do treino em
função dos objetivos que desejam alcançar e que,
por vezes, não coincidem com a prontidão e o
interesse dos ginastas.
O ideal seria que os objetivos e as metas,
para cada estágio do processo de formação
esportiva, estivessem de acordo com as
características e interesses da fase em que se
encontram os participantes.
Certamente, não é incomum que os técnicos
visem ao rendimento e aos resultados nas
categorias superiores e que, para tanto, haja
certa demanda e pressão. Mas, é fato que as
crianças não apresentarão maturidade emocional
e física para corresponder às mesmas exigências
a que os adultos são expostos.
Assim, o ponto-chave seria trabalhar para
vislumbrar os resultados dos ginastas em fases
posteriores à formação esportiva, acreditar no
potencial de cada um para atingir os objetivos de
longo prazo, e assumir uma postura realista para
que os ginastas não sofram frustrações
desnecessárias no presente e no futuro.
Referências
ARAÚJO, C.M. O treino dos jovens ginastas.
Horizonte, Lisboa, v.15, n.85, p.1-12, 1998.
BALYI, I. O desenvolvimento do praticante a
longo prazo – sistema e soluções. Treino
Desportivo, Lisboa, n.23, p.22-27, dezembro,
2003.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa:
Edições 70, 2004.
BOMPA, T. O. Total training for young
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Esse artigo foi apresentado em Sessão Temática
no VI Congresso Internacional de Educação
Física e Motricidade Humana e XII Simpósio
Paulista de Educação Física, realizado pelo
Departamento de Educação Física do IB/UNESP
Rio Claro, SP de 30/4 a 03/5 de 2009.
Endereço:
Myrian Nunomura
Av. Prof. Mello Moraes, 65 – Butantã
São Paulo SP
05.508-030
Telefax: (11) 3091-2304
e-mail: mnunomur@usp.br
Recebido em: 10 de fevereiro de 2009.
Aceito em: 03 de abril de 2009.
Motriz. Revista de Educação Física. UNESP, Rio Claro,
SP, Brasil - eISSN: 1980-6574 - está licenciada sob
Licença Creative Commons
Motriz, Rio Claro, v.16, n.1, p.95-102, jan./mar. 2010