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Pesquisa de Listeria monocytogenes e Salmonella spp. em cortes de frango comercializados no município do Rio de Janeiro. Moraes MD1, Rosas CO1, Bricio SML1, Medeiros VM1, Brandão MLL1, Villas-Bôas MHS1 1Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde/ Fiocruz Departamento de Microbiologia Introdução As mudanças no padrão alimentar das duas últimas décadas têm levado a carne de frango a um patamar mais elevado em relação ao consumo. O Brasil conquistou os mercados mais exigentes de carne de frango do mundo. É o líder em exportação, atualmente chegando a 142 países. A produção brasileira, em 2013, alcançou 12,3 milhões de toneladas, sendo 95% de produtos in natura e 5% industrializados. O consumo per capita aumentou para 41,8 Kg por habitante, segundo dados da União Brasileira de Avicultura (UBABEF) e do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA)1,2. A comercialização de alimentos necessita de adequada fiscalização e inspeção por parte de órgãos competentes para garantir o acesso do consumidor a um alimento seguro. Um alimento seguro é livre de contaminação física, química ou biológica que possa pôr em risco a saúde do consumidor. A colonização microbiológica da carne de frango é um importante fator de risco a ser considerado quando se trata de sua qualidade. As consequências geradas pela contaminação microbiana podem variar desde a deterioração da carne, alterando suas características sensoriais e diminuindo a vida de prateleira, até doenças transmitidas por alimentos (DTA) nos consumidores3. Patógenos humanos, sobreviventes às etapas de processamento dos alimentos, podem originar quadros infecciosos a partir da ingestão de alimentos contaminados. De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention, Salmonella spp. e L. monocytogenes estão entre as três primeiras posições no ranking de classificação de agentes causadores de DTA, nos EUA, e seus quadros infecciosos se agravam em pessoas com imunodeficiência, idosos, gestantes e recém-nascidos4,5. A vigilância sanitária em alimentos é importante no que diz respeito à qualidade e segurança alimentar dos produtos e para a redução de riscos à saúde do consumidor. Baseado nas disposições do artigo sexto da Lei 8080/1990, estão incluídas no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS) as ações de vigilância sanitária e a fiscalização de alimentos, águas e bebidas para o consumo humano6. Levando em conta os vários estudos apontando a prevalência dessas bactérias em carne de frango, o objetivo deste trabalho foi pesquisar a ocorrência de Salmonella spp. e Listeria monocytogenes em amostras de cortes de frango de diferentes marcas comercializadas na cidade do Rio de Janeiro. Material e Métodos Foram realizadas coletas de amostras entre fevereiro e maio de 2014. Foram adquiridas 42 amostras de cortes de frango (37 congeladas e 5 resfriadas), de 24 diferentes marcas, comercializadas em embalagens contendo 1,0 Kg dos tipos: coxa, sobrecoxa, coxinhas das asas, peito e frango à passarinho, de forma individual ou em combinação, comercializadas em supermercados do município do Rio de Janeiro. As amostras foram transportadas ao Setor de Alimentos do Departamento de Microbiologia do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, onde foram analisadas. A pesquisa de Listeria monocytogenes foi realizada de acordo com a metodologia descrita por Hitchins e Jinneman7, e para a pesquisa de Salmonella spp. seguiu o protocolo proposto por Andrews, Jacobson, e Hammack8. A identificação dos sorovares de Salmonella e Listeria monocytogenes foram realizadas no Laboratório de Referência Nacional de Salmonella, e no Laboratório de Zoonoses Bacterianas, do Instituto Oswaldo Cruz - IOC/FIOCRUZ, respectivamente. Resultados e Discussão Após as análises, foi constatada a presença de Salmonella spp. em cinco (11,9%) amostras e de Listeria monocytogenes em 21 (50%) amostras, sendo que quatro amostras continham a presença dos dois patógenos ao mesmo tempo. No presente estudo foram isolados seis sorovares de Salmonella (Gráfico 1). Dois sorovares foram isolados de uma mesma amostra e dentre os sorovares isolados, S. Agona, S. Heidelberg e S. Brandenburg foram os que apresentaram maior prevalência, seguido dos sorovares, S. Infantis, S. Worthington e S. Enteritidis. O sorovar Agona é pouco representativo em toxinfecções alimentares, em nível mundial, porém no Brasil, já foi um dos dez sorovares mais isolados em pacientes com salmonelose9. Atualmente, na epidemiologia da doença há o predomínio de poucos sorovares, alguns considerados emergentes, incluindo Heidelberg, Infantis e Enteritidis10. Gráfico 1 – identificados Sorovares de Salmonella isolados e Segundo o relatório do Programa Nacional de Monitoramento da Prevalência e da Resistência Bacteriana em Frango (PREBAF), publicado em 2008, Salmonella obteve prevalência média de 3,03%, com 18 sorovares isolados. Dentre estes, houve a maior prevalência de S. Enteritidis (48,8%), seguido de S. Infantis (7,6%), S. Typhimurium (7,2%), S. Heidelberg (6,4%), S. Mbandaka (4,8%) e 15 (5,2%) cepas caracterizadas como Salmonella sp.10. Os dados do presente estudo não constatam o predomínio de S. Enteritidis, possuindo somente um isolado. Contudo, este é considerado o segundo sorovar mais isolado no mundo, tornando-se alvo de estudos devido a sua capacidade de infectar um amplo espectro de animais e de apresentar linhagens multirresistentes a desinfetantes e antimicrobianos comuns e é frequentemente associado à avicultura e seus respectivos produtos11. Os resultados do isolamento e identificação de Listeria monocytogenes, são apresentados no Gráfico 2. Das 21 amostras positivas para L. monocytogenes foram identificados os sorotipos 1/2a, 1/2b, 1/2c e 4b. Houve o predomínio do sorotipo 1/2a, compreendendo 15 amostras, seguido pelos sorotipos 1/2b e 1/2c em quatro e seis amostras respectivamente. Além do sorotipo 4b em uma amostra. Gráfico 2 – Sorotipos de Listeria monocytogenes isolados e identificados Os resultados estão de acordo com a literatura, já que dentre os sorotipos de L. monocytogenes existentes, 1/2a, 1/2b e 4b se destacam por maior prevalência em alimentos, com mais de 90% dos casos de listeriose registrados12. O quadro de listeriose tem recebido destaque nos últimos anos. Registros do CDC indicam que cerca de 1.600 pessoas adoecem por ano, nos EUA, e 90% das pessoas infectadas são mulheres grávidas, recém-nascidos, idosos, e indivíduos imunocomprometidos. Atualmente, L. monocytogenes ocupa o terceiro lugar como maior causador de mortes por ingestão de alimentos contaminados5. Os resultados deste estudo demonstram a presença de L. monocytogenes em 50% das amostras de carne de frango analisadas, com identificação de três dos sorotipos mais prevalentes em casos de listeriose humana, o que aumenta o risco de contaminação de consumidores pelo consumo da carne se preparada indevidamente. A carne de frango é uma fonte de proteína muito requisitada em dietas hospitalares. A aquisição de carnes contaminadas com L. monocytogenes é um potencial risco de desenvolvimento de listeriose nos grupos susceptíveis à infecção. Em um estudo de casos realizado em um hospital no Rio de Janeiro, Martins e colaboradores14 registraram seis casos confirmados de pacientes infectados por L. monocytogenes. Todos os pacientes eram idosos com média de idade de 80 anos e apresentavam quadros de imunocomprometimento. Dentre as infecções registradas, uma foi causada pelo sorotipo 3b e cinco pelo sorotipo 1/2b onde três apresentaram bacteremia. Segundo o estudo, este foi o primeiro surto de L. monocytogenes em pacientes hospitalizados caracterizado no Brasil, e o mesmo sugere que a origem do surto foi a cozinha do hospital. A contaminação da carne de frango pode ocorrer devido à microbiota anfibiôntica de seus tecidos como a pele e o trato gastrintestinal, ou associadas ao processo produtivo como falhas na manipulação, por contaminação cruzada de utensílios e equipamentos indevidamente higienizados e armazenamento indevido. A Anvisa estabeleceu os padrões microbiológicos para alimentos, incluindo carnes de aves resfriadas ou congeladas, “in natura” (carcaças inteiras, fracionadas ou cortes) pela Resolução RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001, indicando a tolerância de 104 para coliformes a 45ºC, por grama de amostra13. Apesar do critério para coliformes estabelecido na legislação, existe o risco da presença dos patógenos Salmonella spp. e Listeria monocytogenes em carne de frango. Esse tipo de alimento é consumido após o cozimento, o que deve eliminar a presença desses patógenos, porém existe o risco da ocorrência de contaminação cruzada durante o preparo, comprometendo alimentos prontos para o consumo. O Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) é incumbido de fiscalizar o processo de produção, com o objetivo de proteger a saúde dos consumidores. Contudo, os produtores também possuem responsabilidade no cuidado com a saúde dos animais. Aos frigoríficos cabe a implementação de medidas de controle higiênico-sanitário na linha de produção, como as Boas Práticas e estabelecimento de análise perigos e pontos críticos de controle (APPCC), capazes de minimizar a concentração microbiana nos produtos. CONCLUSÃO Os resultados do estudo constataram a presença das bactérias Salmonella spp. e Listeria monocytogenes em 11,9% e 50% das amostras respectivamente e apontam para o risco da contaminação cruzada e do consumo de carnes de frango mal preparadas, visto que são considerados importantes patógenos alimentares e seus quadros infecciosos se agravam em pessoas com imunodeficiência, idosos, gestantes e recém-nascidos. REFERÊNCIAS 1 - Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) -. Relatório Anual – 2014. Disponível em <http://www.ubabef.com.br/publicacoes>, acessado em 13 de setembro de 2014. 2 - Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA). Mercado Interno, 2010. Disponível em <www.agricultura.gov.br/animal/mercado-interno>, acessado em 09 de outubro de 2013. 3 - Jay JM. Microbiologia de Alimentos. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 75-104. 4 - Center of Disease Control and Prevention (CDC). Outbreak of Salmonella Heidelberg Infections Linked to a Single Poultry Producer — 13 States, 2012–2013. 2013a. Disponível em <http://www.cdc.gov>, acessado em 20 de março de 2014. 5 - Center of Disease Control and Prevention (CDC). CDC Vital Signs – Recipe for Food Safety: protecting people from deadly Listeria food poisoning. 2013b. Disponível em <http://www.cdc.gov>, acessado em 21 de agosto de 2014. 6 - Brasil. Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1990. 7 - Hitchins AD, Jinneman K. Detection and Enumeration of Listeria monocytogenes in Foods. In: Bacteriological Analytical Manual. Chap. 10. 2011. 8 - Andrews WH, Jacobson A, Hammack T. Salmonella. In: Bacteriological Analytical Manual, Chap. 5. 2014. 9 - Tavechio AT, Ghilardi ACR, Peresi JTM, et al. Salmonella serotypes isolated from nonhuman sources in São Paulo, Brazil, from 1996 through 2000. J Food Prot. 2002. 65: 1041 –44. 10 – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Brasil). Relatório do Monitoramento da Prevalência e do Perfil de Susceptibilidade aos Antimicrobianos em Enterococos e Salmonelas Isolados de Carcaças de Frangos Congeladas Comercializadas no Brasil (PREBAF). Brasília: Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 2008. 11 - Hooton S, Atterbury RJ, Connerton IF. Application of a bactheriophage cocktail to reduce Salmonella Typhimurium U288 contamination on pig skin. Int J Food Microbiol. 2011. 151: 157- 63. 12 - Doumith M, Buchrieser C, Glaser P, Jacquet C, Martin P. Differentiation of the Major Listeria monocytogenes Serovars by Multiplex PCR. J Clin Microbiol. 2004. 42 (8): 3819–22. 13 – Agência Nacional de Vigilância sanitária (Brasil). Resolução n°. 12, de 2 de janeiro de 2001. Regulamento Técnico sobre Padrões Microbiológicos para Alimentos. Diário Oficial da União; Poder Executivo,10 de janeiro, 2001. 14 - Martins IS, Faria FCC, Miguel MAL, et al. A Cluster of Listeria monocytogenes infections in hospitalized adults. Am J Infect Control. 2010. 38 (9): 31-6.