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O novo estatuto de igualdade entre Brasileiros e Portugueses Autor(es): Ribeiro, Jeancezar Ditzz de Souza Publicado por: Universidade Católica de Petrópolis URL persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/33941 DOI: DOI:http://dx.doi.org/10.14195/2175-0947_6-1_6 Accessed : 25-May-2020 18:42:43 A navegação consulta e descarregamento dos títulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis, UC Pombalina e UC Impactum, pressupõem a aceitação plena e sem reservas dos Termos e Condições de Uso destas Bibliotecas Digitais, disponíveis em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/termos. Conforme exposto nos referidos Termos e Condições de Uso, o descarregamento de títulos de acesso restrito requer uma licença válida de autorização devendo o utilizador aceder ao(s) documento(s) a partir de um endereço de IP da instituição detentora da supramencionada licença. 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O Estatuto revoga vários instrumentos anteriores celebrados entre os dois países e reconhece alguns direitos para os nacionais residentes permanentes amparados pela equiparação nos dois Estados. Procura-se apresentar a condição jurídica dos Portugueses no Brasil que é a equiparação a brasileiros naturalizados, bem como as consequências para o acesso a cargo público no Brasil, para a expulsão e a extradição de portugueses equiparados. Palavras-Chave: Estatuto da Igualdade Brasil e Portugal; jurisprudência do STF; quasenacionalidade; equiparação. Abstract: The aim of this paper is to present the new Statute of Equality between Brazil and Portugal, concluded at the time of the celebration of 500 years of discovery in 2000. The Statute repeals several instruments previously concluded between the two countries and recognizes some rights for permanent residents supported by national assimilation in the two states. It seeks to present the legal status of the Portuguese in Brazil which is comparable with naturalized Brazilians, as well as the consequences for access to public office in Brazil, for the expulsion and extradition of Portuguese assimilated. Keywords: Equality Statute Brazil and Portugal; the Supreme Court case law; quasi-nationality; assimilation.  Artigo recebido em 02/05/2014 e aprovado para publicação pelo Conselho Editorial em 15/06/2014. Professor de Direito Internacional no Centro Universitário La Salle, Brasil, e de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Doutorando em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, Brasil. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8005429036796861. E-mail: jeanditzz@hotmail.com.  97 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil 1. Introdução O presente artigo procura discutir a condição jurídica dos portugueses no Brasil, em especial do português amparado pelo Estatuto da Igualdade entre Brasil e Portugal, no qual concede equiparação de direitos para os portugueses residentes no Brasil. Procura-se apresentar a cláusula de reciprocidade prevista na Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como decisões dos tribunais superiores que comprovam os direitos ao acesso a cargo público, a vedação de extradição e expulsão para os portugueses equiparados a brasileiros naturalizados. A condição de estrangeiro no Brasil é percebida a contrario sensu do nacional, ou seja, é estrangeiro quem tenha nascido fora do território nacional que, por qualquer forma prevista na Constituição, não adquira a nacionalidade brasileira. São estrangeiros, mesmo nascidos no território nacional, os filhos de pais estrangeiros que estejam a serviço de seu país. Todos os indivíduos que não são abrangidos pelas hipóteses constitucionais não são brasileiros. Jacob Dolinger (2001, pág. 152) ressalta uma hipótese inconstitucional de aquisição da nacionalidade brasileira, prevista pela Lei n.º 818, de 1949, em seu artigo 2º, que dispõe que: quando um dos pais for estrangeiro, residente no Brasil a serviço de seu Governo e o outro for brasileiro, o filho, aqui nascido, poderá optar pela nacionalidade brasileira. A hipótese foi criada pelo legislador ordinário, o que em nosso sistema não é permitido, pois cabe exclusivamente à Constituição estabelecer as condições de nacionalidade, tanto originária, como derivada. Assim, são estrangeiros no Brasil os que não são expressamente mencionados como nacionais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois ao determinar quem são os seus nacionais, o Estado automaticamente classifica como estrangeiros os demais indivíduos que se encontram em seu território. 2. Direito dos estrangeiros Estrangeiro é todo aquele que não tem a nacionalidade do Estado em cujo território se encontra. O tratamento jurídico que é concedido ao estrangeiro pode resultar de diferentes fatores políticos, econômicos e culturais. Nota-se que durante longo tempo na histórica predominou a discriminação contra estrangeiros, principalmente na distinção dos nacionais (AMARAL JÚNIOR, 2008, pág. 331). As leis e os regulamentos concernentes à condição jurídica dos estrangeiros, no entanto, se justificam no direito de conservação e no de segurança do Estado, mas deve sempre ter como base o respeito aos direitos humanos. 98 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil Aos estrangeiros no Brasil são garantidos os mesmos direitos dos brasileiros, em especial, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, conforme prevê o artigo 5º “caput” da Carta Magna de 1988. Afonso da Silva (1999, pág. 336) afirma que a paridade de condição jurídica é quase total no que tange à aquisição e ao gozo dos direitos civis, mas que há limitações, dada a sua ligação com o Estado e a nacionalidade de origem, que condicionam um estatuto especial que lhes defina a situação jurídica, quanto aos direitos e aos deveres, o que está previsto pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80, em especial os artigos 95 a 110, com as alterações da Lei 6964/81. A Convenção de Direito Internacional Privado de 1928, o Código de Bustamante1, no artigo 1º, ressalta que os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozam, no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedam aos nacionais. No entanto, os Estados podem, por motivo de ordem pública, recusar ou sujeitar a condições especiais o exercício de determinados direitos civis aos nacionais dos outros Estados. No artigo 2º, os estrangeiros que pertençam a qualquer dos Estados contratantes gozarão também, no território dos demais, de garantias individuais idênticas às dos nacionais, salvo as restrições que em cada um estabeleçam a Constituição e as Leis. Amílcar de Castro (1977, pág. 127) ressalta que as disposições do Código de Bustamante só devem ser obedecidas entre os Estados que a ele aderiram. No que se refere à internacionalização dos Direitos Humanos, ressalta André de Carvalho Ramos (2012, p. 31), que se implanta o chamado universalismo, em que os Estados adotam o mesmo texto imposto nos tratados ratificados. O artigo II.1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o artigo 26 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos garantem a igualdade de Direitos entre nacionais e estrangeiros2. Wagner Menezes (2005, p. 66) ensina que do debate sobre a proteção de direitos solidariamente protegidos surgem no cenário internacional regras, normas e até mesmo sistemas jurídicos de regulação de um direito a ser tutelado. A natureza desses direitos humanos produzidos no plano internacional tem mudado paradigmas de aplicação do Direito Internacional Clássico e representam um grande avanço e inovação em todo o sistema jurídico internacional. Apontam a emersão de novos sujeitos que atuam constantemente no plano 1 O Código de Bustamante foi assinado em Havana, Cuba, na Sexta Conferência Internacional Americana, em 20 de fevereiro de 1928, tendo sido aprovada no Brasil pelo Decreto 5647, de 08 de janeiro de 1929, e promulgada pelo Decreto 19971, de 13 de agosto de 1929. 2 Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação. 99 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil internacional ou ainda possibilitam a transposição cada vez maior de regras internacionais aos ordenamentos internos. É o que ocorre, por exemplo, com as normas de direitos humanos, incorporados pelos Estados, produzidos internacionalmente, e interpretados por Cortes de Direitos Humanos, em âmbitos regionais de proteção. A crescente aceitação das obrigações internacionais no campo dos direitos humanos consagrou a impossibilidade de se alegar competência nacional exclusiva em tais matérias (RAMOS, 2005, pág. 78). No âmbito interamericano, que se aplica como fundamento para a igualdade entre nacionais e estrangeiros, ressaltam-se o artigo 17 da Carta da Organização dos Estados Americanos, o artigo 24 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica – que garante a igualdade perante a lei, sem discriminação e têm igual proteção da lei3, e o artigo II da Declaração Americana (PEREIRA, 2006, pág., 85), que declara que todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta Declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra. Com relação ao direito dos estrangeiros, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu opinião consultiva OC 18/034, destacando que os princípios de igualdade e da não discriminação integram o jus cogens, constituindo um imperativo do direito internacional geral e sendo aplicáveis a todos os Estados, independentemente de serem partes em determinados tratados internacionais. É com base na opinião consultiva que a CIDH interpreta as normas jurídicas internacionais, fixando o seu alcance e o conteúdo, possibilitando maior certeza jurídica aos sujeitos do Direito Internacional (RAMOS, 2012. pág. 241). A noção de igualdade, pela interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, se depreende da unidade da natureza humana e está intimamente ligada à noção de dignidade humana, sendo inadmissível o tratamento privilegiado ou hostil de um determinado grupo de pessoas em virtude de esse ser considerado superior ou inferior aos demais. Ressalta-se o Voto Concorrente na OC 18/03 do Juiz Presidente da CIDH, Cançado Trindade, ao considerar, no Direito Internacional Contemporâneo, o princípio da igualdade e da não discriminação como um dos pilares do Direito Internacional dos Direitos Humanos, incluso também como elemento integrante do Direito Internacional Geral ou Consuetudinário. 3 A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais conhecido no Brasil por Pacto de São José da Costa Rica, foi concluída e assinada em 22 de novembro de 1969 e promulgada no Brasil pelo Decreto 678, de 06 de novembro de 1992. 4 Opinião consultiva requerida em 10 de maio de 2002, pelo governo do México, sobre a situação jurídica e direitos do imigrante ilegal, em relação às obrigações do Estado na proteção do imigrante ilegal. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Opinião Consultiva 18 de 2003. 100 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil No Brasil, o artigo 95 do Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80, confere, em princípio, ao estrangeiro residente no Brasil todos os direitos reconhecidos aos brasileiros. Para Mirtô Fraga (1985, pág. 280), a igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros não tem um caráter tão absoluto como a letra da Constituição parece prescrever. Além das restrições impostas no próprio texto constitucional, há outras em diversas leis autorizadas por aquele. Os direitos políticos, por exemplo, são reservados exclusivamente aos nacionais e, dentre estes, aos cidadãos. 3. Condição Jurídica dos Portugueses no Brasil A Constituição favorece os portugueses residentes no país desde 1969 no artigo 199 da Constituição vigente, em que os naturais portugueses não poderiam sofrer qualquer restrição em virtude da condição de nascimento, admitida a reciprocidade em favor de brasileiro, salvo as previstas para os cargos privativos de brasileiros natos (SILVA, 1999, pág. 336). Com relação à igualdade de brasileiros e portugueses, Jacob Dolinger (2001, pág. 160) opina que a regra presente na Constituição de 1988 exorbitou do que foi pactuado na Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses, que no artigo 4º excetuou o regime de equiparação os direitos reservados pela Constituição de cada um dos Estados aos que tenham nacionalidade originária, como previsto originariamente na promulgação em 1988. No entanto, a Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 7 de junho de 1994, retirou o termo “nato” que constava do dispositivo, com o que se desfazem as críticas colocadas pelo autor, conforme o artigo 12, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 19888, aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição, com redação determinada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 7 de junho de 1994. A cláusula final, “salvo os casos previstos nesta Constituição”, é comum aos limites impostos aos brasileiros naturalizados, os que ficam sujeitos a ressalvas. Portanto, o que a Constituição concede aos portugueses aqui residentes é a condição de brasileiro naturalizado. Assim, os portugueses não podem exercer nenhum cargo, função ou atividade que a Constituição confere expressamente a brasileiros natos, por exemplo, os cargos privativos previstos no §3º do artigo 12 da CRFB/88, os da linha da sucessão da Presidência e os de carreira diplomática, oficial das forças armadas e o de Ministro de Estado da Defesa5. 5 Inciso VII acrescentado pela Emenda Constitucional n. 23, de 2 de setembro de 1999. 101 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil No que se refere às distinções, o legislador constituinte fixou dois critérios para a definição dos cargos privativos aos brasileiros natos, vedados aos portugueses equiparados, a chamada linha sucessória do Presidente da República6 e os cargos de segurança nacional. A Constituição republicana de 1988 também menciona a função reservada aos natos de seis assentos no Conselho da República, previsto no artigo 89, VII da CRFB/88. Também é um direito exercido somente pelos brasileiros natos a impossibilidade de extradição. Aos naturalizados, nos casos de crime comum praticado antes da naturalização ou por envolvimento comprovado em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o direito da não extradição é garantido, conforme previsão do artigo 5º, LI, da CRFB/88. Por fim, a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e de imagens, privativa de natos ou naturalizados há mais de dez anos, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual, não podendo, por conseguinte, ser exercido por portugueses equiparados. Segundo a Constituição Federal de 1988, dois são os pressupostos para que os portugueses possam gozar dos direitos oferecidos, que tenham residência permanente no Brasil e que haja reciprocidade, ou seja, que em Portugal os brasileiros residentes tenham os mesmos direitos que os portugueses no Brasil. Assim, o português não precisa se naturalizar para auferir os direitos de brasileiros naturalizados. Para Afonso da Silva (1999, pág. 337), no entanto, a condição do português equiparado é inferior à do brasileiro naturalizado que não está sujeito aos pressupostos de residência permanente, nem de reciprocidade. O artigo 138 do Estatuto do Estrangeiro menciona que a lei será aplicada também aos nacionais portugueses, sob reserva de disposições expressas na Constituição ou nos tratados em vigor. O artigo 353 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também ressalta que se equiparam aos brasileiros tanto os estrangeiros que residem no País há mais de 10 (dez) anos, que tenham cônjuge ou filho brasileiro, como os portugueses. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não estabeleceu distinções na área trabalhista entre brasileiros e estrangeiros, apenas se deve levar em conta a regularização de ingresso no território nacional e as autorizações para o trabalho, vedado aos turistas e os que portam visto de entrada temporário. 4. Igualdade entre brasileiros e portugueses 6 O artigo 79 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê que substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, na vaga, o Vice-Presidente. O artigo 80 determina que no caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da presidência o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal, cuja presidência pode ser ocupada por qualquer um dos Ministros. 102 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil Os laços de amizade entre as duas nações, Brasil e Portugal, vem se formando de forma lenta e gradual desde o Tratado de Paz e Aliança de 1825, pelo Tratado de 1953 e pela Convenção de 1971, todos expressamente revogados pelo Tratado de Amizade de 2000, no artigo 78. Os dois Estados se comprometem a reconhecer aos nacionais do outro os benefícios concedidos, pelas respectivas leis, aos seus nacionais, excetuados aqueles disciplinados em cada Constituição, previsto desde o Tratado de 1953. A Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses foi assinada em 07 de setembro de 1971, pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mário Gibson Barbosa, no Governo Médici, e Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal Rui Patrício e Marcelo Caetano como Presidente de Conselho de Ministros. Foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 82, de 24 de novembro de 1971, tendo sido promulgada pelo Decreto nº 70.391, de 12 de abril de 1971. Em Portugal foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº 126 de 1972. O Tratado de Amizade foi assinado em Porto Seguro, no Brasil, em 22 de abril de 2000, o Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, com o objetivo de estreitar os vínculos entre os dois povos, com base na amizade secular entre os dois países (art. 1º). O preâmbulo do Tratado de 2000 ressalta as comemorações do quinto centenário do fato histórico do descobrimento do Brasil, a reafirmação dos laços históricos das duas nações, a história partilhada e a expressão de uma comunidade de interesses morais, políticos, culturais, sociais e econômicos. As relações políticas entre Brasil e Portugal se tornam mais vigorosas no Pós-GuerraFria, com as Conferências de Cúpula Ibero-Americana, com a formação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e o estabelecimento de uma cooperação política, que inclui uma rotina de visitas presidenciais (SARAIVA, 2001, pág. 158). Mirtô Fraga (1985, pág. 534) esclarece que não basta que a Convenção de Igualdade seja ampla, é preciso que seja prática e concreta, para que possa ser efetiva. Nos comentários ao artigo 138 da Lei 6815, a autora menciona que a amplitude do Tratado de Amizade e Consulta (de 1972) dificulta, não só a efetivação dos princípios nele enunciados, mas também o conhecimento de seu próprio texto, a ponto de afirmar-se que o tratamento diferenciado que se dá ao português é uma tradição do Direito Brasileiro, e não uma obrigação decorrente de compromisso assumido. O que pode ser aplicado à Convenção, não conhecida ainda no mundo jurídico. 103 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil O estatuto da igualdade entre brasileiros e portugueses, inovação jurídica resultante de tratado bilateral, altera, segundo Rezek (2008, pág. 190), a clássica noção da nacionalidade como pressuposto necessário da cidadania, no sentido de que torna possível que, conservando incólume o vínculo de nacionalidade com um dos dois países, o indivíduo passe a exercer no outro Estado, direitos inerentes à qualidade de cidadão. O novo instrumento jurídico reafirma que os brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil, beneficiários do Estatuto da Igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados (art. 12). Ressalta também que a titularidade do estatuto de igualdade não implicara em perda das respectivas nacionalidades e continuarão no exercício de todos os direitos inerentes às respectivas nacionalidades, salvo aqueles que ofenderem a soberania nacional e a ordem pública do Estado de residência (art. 13). Não são equiparados os direitos expressamente reservados pela Constituição de cada um dos Estados em relação aos seus nacionais, conforme preceitua o artigo 14 da Convenção de Amizade de 2000. A Constituição brasileira permite a um português amparado pela igualdade, se houver reciprocidade, aos cargos de Ministros de Estado, exceto o da Defesa, Deputado Federal, exceto para o Presidente da Câmara, Deputado Estadual, Governador, Prefeito e Vereador. A Constituição de Portugal, no entanto, estatui no artigo 15, após Revisão Constitucional de 2005, que: aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal são reconhecidos, nos termos da lei e em condições de reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso aos cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e na carreira diplomática. A lei pode atribuir a estrangeiros residentes no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais, conforme a VII Revisão Constitucional de 2005. A reciprocidade segundo a Constituição Portuguesa não é garantida apenas em relação aos Ministros dos Tribunais superiores no Brasil, pois a Constituição Brasileira apenas excetua como cargo privativo de brasileiros natos todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 12, §3º, IV), não apenas o Presidente do Tribunal Superior. 5. Equiparação dos portugueses a brasileiros naturalizados A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, além de garantir aos portugueses, na forma da lei, a aquisição da nacionalidade brasileira, exigindo apenas os 104 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil requisitos de residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral, prevê a possibilidade de aos portugueses com residência permanentes no país, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serem atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro naturalizado. A aquisição da equiparação com brasileiro naturalizado, sem contudo perder a nacionalidade portuguesa, para ALEXANDRE DE MORAES, denomina-se quase nacionalidade, e sua previsão no artigo 12, §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, com redação dada pela Emenda Constituição de Revisão nº 3, de 7-6-1994, permite aos portugueses a possibilidade, desde que haja reciprocidade em favor dos brasileiros (cláusula do ut des, ou seja, cláusula da admissão de reciprocidade), de atribuição dos direitos inerentes ao brasileiro naturalizado, salvo os previstos na Constituição7. O Ministério da Justiça é o órgão com atribuição para o reconhecimento da igualdade de direitos e deveres entre os portugueses equiparados e os brasileiros naturalizados. O português que se encontrar regularmente no Brasil e pretender obter os benefícios do Estatuto de Igualdade, sem perder a nacionalidade originária, poderá pleitear ao Ministro da Justiça8: a) aquisição de igualdade de direitos e obrigações civis, provando, neste caso: I - capacidade civil, segundo a Lei brasileira; II - residência permanente no Brasil; e III - gozo da nacionalidade portuguesa b) aquisição do gozo dos direitos políticos, comprovando: I - residência no território brasileiro pelo prazo de 3 (três) anos; II - saber ler e escrever o português; e III - estar no gozo dos direitos políticos no Estado de nacionalidade. Com relação ao gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade, segundo o Tratado de Amizade (art. 17.3). Essas exigências são formuladas igualmente aos brasileiros em território português. Os direitos e as obrigações civis e o gozo dos direitos políticos podem ser requeridos em conjunto, desde que preencha o interessado, os requisitos exigidos para ambos ou isoladamente9. Como ressalta Jorge Miranda, com esse regime não se estabelece uma dupla cidadania ou uma cidadania comum luso-brasileira. Os portugueses no Brasil continuam portugueses 7 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 8ª ed, São Paulo: Atlas, 2011, pp. 535 e seguintes. 8 Requisitos encontrados na página oficial do Ministério da Justiça, em portal.mj.gov.br, acesso em 22 de junho de 2012. 9 Ministério da Justiça do Brasil. portal.mj.gov.br, acesso em 22 de junho de 2012. 105 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil e os brasileiros em Portugal, brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condição comum de estrangeiro, direitos que a priori poderiam ser apenas conferidos aos cidadãos do país10. São duas as hipóteses previstas aos portugueses: a primeira é a possibilidade de aquisição da nacionalidade brasileira derivada, de acordo com os requisitos previstos para a naturalização para os originários de países de língua portuguesa (art. 12, II, “b”, da CRFB/88) 11 e a segunda, a aquisição da equiparação com brasileiro naturalizado. Em Portugal, o estatuto de igualdade será atribuído, mediante decisão do Ministério da Administração Interna, aos brasileiros que a requeiram, desde que civilmente capazes e com residência habitual no país em que ele é requerido, segundo previsão do art. 15 do Tratado de Amizade, Cooperação e consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa de 2000 (promulgado pelo Decreto 3927/2001). O Tratado de Amizade também deixa expresso que os brasileiros e portugueses beneficiários do Estatuto da Igualdade ficam submetidos à lei penal do Estado de residência, nas mesmas condições em que os respectivos nacionais, e não estão sujeitos à extradição, salvo se requerido pelo Governo do Estado da nacionalidade. Em relação à prestação de serviço militar, não poderão prestar no Estado de residência os portugueses equiparados. A lei de cada Estado regulará a situação desses nacionais (art. 19). A proteção diplomática, quando o brasileiro ou português se ausentar do território de residência terá direito à proteção apenas do Estado da sua nacionalidade (art. 20). Por fim, aos brasileiros em Portugal e aos portugueses no Brasil, beneficiários do Estatuto de Igualdade, serão fornecidos, para uso interno, documentos de identidade de modelos iguais aos dos respectivos nacionais, com a menção da nacionalidade do portador e referência ao Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a Republica Portuguesa de 2000, nos termos do artigo 22. Uma vez reconhecida a igualdade plena de direitos políticos, o português beneficiário poderá votar e ser votado, bem como ser admitido no serviço público. Assinale-se que o titular do estatuto pleno passa a ter deveres como o concernente à obrigatoriedade de voto12. A Convenção de Amizade também prevê a possibilidade de extinção do benefício de igualdade. Em relação ao Brasil, a igualdade, tanto no que se refere à igualdade de direitos e 10 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 4ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1990, t. 3 pp. 144145 11 São brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral. 12 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., Saraiva: São Paulo, 2009 p. 771. 106 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil obrigações civis e a aquisição de direitos políticos, será extinta pela expulsão do território nacional ou pela perda da nacionalidade originária. Além disso, a suspensão dos direitos políticos acarreta para o nacional a extinção dos mesmos direitos (artigos 13.2 e 16 da Convenção de Amizade de 2000). O artigo 16 deixa expresso que o estatuto de igualdade extinguir-se-á com a perda, pelo beneficiário, da sua nacionalidade ou com a cessação da autorização de permanência no território do Estado de residência, dependentes de decisão da autoridade local, que são formas razoáveis de defesa contra o abuso individual dos favores do Estatuto. 6. Cláusula da reciprocidade A atribuição aos cidadãos dos países de língua portuguesa de certos direitos a que os estrangeiros em geral não podem aceder, contanto que há reciprocidade em favor dos portugueses em iguais circunstâncias, só aparentemente representa um desvio ao princípio da igualdade jurídica dos estrangeiros13. Os laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa fundamse, segundo JORGE MIRANDA, na relevância que assume a língua portuguesa como fator de independência nacional. Para o legislador constituinte, a comunidade cultural e humana criada pelo uso da língua portuguesa ou pela pertença a um Estado que a adota como expressão oficial justifica plenamente o tratamento especial das pessoas nestas circunstâncias na Constituição portuguesa14. No Brasil, a reciprocidade dirige-se somente aos portugueses e não aos demais estrangeiros originários de países de língua portuguesa, que somente serão beneficiados na naturalização (art. 12, II, “a). 7. Acesso de português equiparado a cargo público O Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu em abril de 1993, em Apelação em Mandado de Segurança15, que Português com residência permanente no Brasil tem assegurado o direito à inscrição em concurso público, mesmo ainda não amparado pelo Estatuto da Igualdade. A decisão fundamenta-se no artigo 12, §1º, da CRFB/88, que esclarece que os portugueses com residência permanente no país, desde que haja reciprocidade em favor dos brasileiros, terão os 13 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, 4ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1990, t. 3. p. 143. Manual de Direito Constitucional, 4ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1990, t. 3, p. 144. 15 TRF – 2ª Região – 3ª Turma – Apelação em Mandado de Segurança nº 90.02.11346/RJ – Relator Juiz Celso Passos, Diário da Justiça, Seção II, 6 de abril de 1993, citado por MORAES, Alexandre, obra citada, 2002. . 14 107 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil mesmos direitos inerentes aos brasileiros natos, salvo os casos previstos na Constituição. É certo que há necessidade de prova quanto a reciprocidade de direitos em favor dos brasileiros em Portugal. Entretanto, considerando que o atendimento aos preceitos legais para acesso ao cargo público pode ser verificado no decorrer do concurso, há de se reconhecer da segurança nos termos pretendidos. 8. Extradição de portugueses Em Extradição 890, requerida por Portugal, de súdito português, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, em Tribunal Pleno, julgado em 05 de agosto de 2004, o Supremo Tribunal Federal não concedeu a extradição porque o pedido foi fundado nos mesmos fatos delituosos objeto de persecução penal instaurada pelo Estado brasileiro. A Ementa ainda tece comentários sobre o Estatuto da Igualdade, em que a norma inscrita no art. 12, § 1º da Constituição da República – que contempla, em seu texto, hipótese excepcional de quase-nacionalidade – não opera de modo imediato, seja quanto ao seu conteúdo eficacial, seja no que se refere a todas as consequências jurídicas que dela derivam, pois, para incidir, além de supor o pronunciamento aquiescente do Estado brasileiro, fundado em sua própria soberania, depende, ainda, de requerimento do súdito português interessado, a quem se impõe, para tal efeito, a obrigação de preencher os requisitos estipulados pela Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses16. No entanto, o Relator se valeu do Estatuto de 1971 e não da Convenção de 2000, que revogou expressamente o Tratado de 1971 no artigo 78, “b”. Em outra decisão, na relatoria do Ministro MOREIRA ALVES, o STF não concedeu a extradição por não ter sido requerida por Portugal17. Foi deferido o pedido da cassação de seu decreto com a expedição de alvará de soltura, por gozar a extraditanda, de nacionalidade portuguesa, da igualdade de direitos e deveres prevista na Convenção sobre essa igualdade (Decreto 70.391/72). O Superior Tribunal aplicou o disposto no artigo 9º da referida Convenção, que estabelece que os portugueses e brasileiros que gozem do estatuto de igualdade não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade, o que não ocorre no caso. Questão de ordem que se resolve pela cassação do decreto de prisão preventiva, determinando-se a expedição de alvará de soltura e a comunicação desta decisão ao Governo da Itália, o requerente da extradição e da prisão. 16 Extradição 890/2004, ementa disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia, acesso em 22 de junho de 2012. 17 STF, PPE-QO 302/STF, Questão de Ordem na Prisão Preventiva para extradição, inclusão em 16/11/98. 108 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil Na Convenção de 2000, os amparados pelo estatuto da igualdade também não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade, nos termos do artigo 18. Ressalva também que, tanto os brasileiros como os português estão submetidos à lei penal do Estado de residências, nas mesmas condições em que os respectivos nacionais. Em outra votação unânime, o STF deferiu extradição requerida pelo Governo da França de nacional português não amparado pelo Estatuto da Igualdade18. Na Relatoria do Ministro Francisco Rezek, a ementa deixa claro que o português no Brasil e o brasileiro em Portugal não gozam automaticamente da igualdade de direitos e deveres prevista na Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses (Decreto 70.391/72). Conforme dispõe o artigo 5º da Convenção, cabe à pessoa natural interessada requerer tal benefício junto à autoridade competente. Incumbe à defesa demonstrar que o extraditando goza do benefício estatutário para eventual aplicação de seu artigo 9º. Demonstração que não ocorreu. 9. Português não equiparado e possibilidade de expulsão ´ Em relação à expulsão de português, o STF entendeu que estrangeiro condenado à pena de quatro anos de reclusão, já cumprida, por incurso no artigo 12 da Lei 6368/1976 pode ser expulso. As alegações de amparo na convenção sobre igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e português, aprovada pelo Decreto Legislativo 82, de 24-11-1971, e promulgado pelo Decreto 70391, de 12-4-1972, bem assim de manter o expulsando união estável com brasileira, mãe de menor que não é, entretanto, filho do paciente, não são impeditivos para a expulsão. Inaplicável ao paciente a convenção em referência, eis que nenhuma prova se fez de se lhe ter reconhecido, a teor do artigo 5º do Decreto 70391/73, a igualdade de direitos e deveres. Pela só permanência no país, não gozam, automaticamente, o português no Brasil e o brasileiro em Portugal, da igualdade de direitos e deveres a que se refere a convenção aprovada, fazendo-se necessários prévios requerimentos e decisão concessiva de autoridade competente19. Em outra situação, o STF não concedeu habeas corpus a português em expulsão decretada com base no artigo 65 da Lei 6815 de 1980, paciente que cumpria pena de cinco anos de reclusão por crime de estelionato20. O STF entendeu que a igualdade de direitos entre brasileiros e portugueses pressupõe o requisito de residência permanente no território brasileiro que, segundo informações do Ministério da Justiça, o estrangeiro encontrava-se em situação 18 Extradição 674, em plenário do dia 12.12.96. STF – Pleno – HC nº 72.593/RJ – Rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 8 de setembro de 1995. 20 Habeas Corpus 64366-3, impetrado contra o Presidente da República e o Ministro de Estado da Justiça, tendo como relator o Ministro Djaci Falcão, em 24 de setembro de 1986. 19 109 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil irregular no Brasil. Clandestino que era, não preenchia os requisitos necessários à simples permanência como turista, quanto mais aqueles exigidos à obtenção de tratamento igualitário, somente reconhecido ao português no Brasil com cinco anos de residência permanente e o proceder adequado às nossas leis, segundo o STF, em decisão de 1986, anterior ainda à Convenção de Igualdade de 2000. 110 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil 10. Conclusão A Constituição Federal de 1988, com base no princípio da igualdade, determina que não poderá haver distinção entre brasileiros natos e naturalizados, assim como aos portugueses equiparados, sendo que as únicas hipóteses de distinção são as quatro previstas na constituição, cargos e a função privativa de natos, a distinção em relação à extradição e a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. A Constituição brasileira estabelece aos portugueses com residência permanente no Brasil, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, os direitos inerentes aos brasileiros, salvos os casos previstos pela própria Constituição. Nota-se que não se pode afirmar que a situação do português equiparado seja idêntica à do brasileiro naturalizado, uma vez que o português beneficiário do Estatuto de Igualdade plena não pode prestar serviço militar no Brasil, é submetido à expulsão e à extradição, quando requerida pelo Governo português. E no caso de proteção diplomática no exterior, deverá ser prestada por Portugal. Ao ressalvar do regime de equiparação nas Constituições dos dois Estados apenas aos que tenham a nacionalidade originária, restringindo ainda à residência permanente e à reciprocidade, a convenção de 2000 deixa claro que os demais privilégios da cidadania estão franqueados ao titular do estatuto pleno, aos natos. Conclui-se que a situação de português admitido no regime de igualdade não é idêntica aos brasileiros naturalizados. 111 Lex Humana, Petrópolis, v. 6, n. 1, p. 97-113, 2014, ISSN 2175-0947 © Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil Referências Bibliográficas ACCIOLY, Hildebrando. NASCIMENTO E SILVA, G. E. CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público, 17ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Legislação de Direito Internacional, 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012. CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1977. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: Parte Geral, 6ª ed., ampliada e atualizada, Rio de Janeiro: Renovar, 2001. FRAGA, Mirtô. O Novo Estatuto do Estrangeiro comentado. Lei n.º 6815, de 19.08.1980, alterada pela Lei nº 6964, de 09.12.1981. Forense: Rio de Janeiro, 1985. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. 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