.U1Z GUILHERME MARIN0N1
É professor titular de Direito Processual Gvil dos cursos
de graduação, mestrado e doutorado em Direito na
Universidade Federal do Paraná. Mestre e doutor em
Direito peia PUC-SR Pós-doutor pela Universidade
Estatal de Milão.
Foi procurador da República e presidente da 0AB,
Seção de Curitiba. Atualmente é advogado militante
em Curitiba.
Além de onze livros publicados, tem vários ensaios,
conferências 9 pareceres publicados em revistas
nacionais e estrangeiras. É iretor da Revista é Direto
SÉRGIO CRUZ ÂREWHÂRT . *
É professor substituto de Direito Processual Civil na
Universidade Federal do Paraná e na Universidade
Tuiuti do mesmo Estado. É mestre e doutor em Direito
pela Universidade Federal do Paraná.
Ex-juiz federal, atualmente é procurador da República
no Estado do Paraná.
Publicou quatro livros e diversos artigos em revistas
especializadas.
EDITORA! REVISTA DOS TRIBUNAIS
ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR
Tel.: 0800-702-2433
www.rt.com.br
MANUAL
DO PROCESSO
DE CONHECIMENTO
2004
OBRAS DE LUIZ GUILHERME MARINONI
A antecipação da tutela. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
Comentários ao código de processo civil: do processo de conhecimento, arts. 332 a
341, t. 1 (colaborador Sérgio Cruz Arenhart). São Paulo: RT, 2000. Comentários ao código de processo civil: do
processo de conhecimento, arts. 342 a
443, t. 2 (colaborador Sérgio Cruz Arenhart). São Paulo: RT, 2000. Efetividade do processo e tutela de urgência.
Porto Alegre: Fabris, 1994 (esgotado). Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. Questões
do novo direito processual civil brasileiro. Curitiba: Juruá, 1999 (esgotado). Tutela antecipatória e julgamento
antecipado. 5. ed. 2. tir. São Paulo: RT, 2003. Tutela cautelar e tutela antecipatória. São Paulo: RT, 1992 (esgotado).
Tutela específica. 2. ed. São Paulo: RT, 2001. Tutela inibitória. 3. ed. São Paulo: RT, 2003.
OBRAS DE SÉRGIO CRUZ ARENHART
Comentários ao código de processo civil: do processo de conhecimento, arts. 332 a 341, t. 1 (colaborador Sérgio
Cruz Arenhart). São Paulo: RT, 2000.
Comentários ao código de processo civil: do processo de conhecimento, arts. 342 a 443, t. 2 (colaborador Sérgio
Cruz Arenhart). São Paulo: RT, 2000.
Tutela inibitória da vida privada. São Paulo: RT, 2000.
Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: RT, 2003.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Marinoni, Luiz Guilherme
Manual do processo de conhecimento / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. - 3. cd. rev., atual, e ampl., da 2. ed. rev., atual, e ampl. do
livro Manual do processo de conhecimento : a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento -São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004.
04-0291
Bibliografia.
ISBN 85-203-2546-7
1. Processo civil - Brasil 2. Processo de conhecimento- Brasil -3. Tutela jurisdicional - Brasil I. Arenhart, Sérgio Cruz. II. Título.
CDU-347.9
índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Processo de conhecimento : Processo civil 347.9
LUIZ GUILHERME MARINONI SÉRGIO CRUZ
ARENHART
MANUAL
DOPROCESSO
DECONHECIMENTO
3.a edição revista, atualizada e ampliada,
da 2.a edição revista, atualizada e ampliada
do livro Manual do processo de conhecimento a tutela jurisdicional através do processo
de conhecimento.
RT?
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.a edição revista, atualizada e ampliada, da 2.a edição revista, atualizada e ampliada do livro
Manual do processo de conhecimento — a tutela jurisdicional através do processo de
conhecimento.
Luiz GUILHERME MARINONI SÉRGIO C RUZ ARENHART
1."edição: 2001 -2." edição, 1."tiragem: 02.2003; 2° tiragem: 07.2003 - 3° edição, 1."tiragem: 07.2004.
© desta edição: 2004
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.
Diretor Responsável: CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHO
Visite o nosso site www.rt.com.br
CENTRO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR: Tel. 0800-702-2433 (ligação gratuita, de segunda a sextafeira, das 8 às 17 horas)
e-mail do atendimento ao consumidor: sac@rt.com.br
Rua do Bosque, 820 • Barra Funda
Tcl. (Oxxll) 3613-8400 • Fax (Oxxll) 3613-8450
CEP 01136-000 - São Paulo, SP, Brasil
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo,
especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográfi-cos, fonográficos, videográficos. Vedada
a memorização e/ou a recuperação lotai ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer
sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-sc também às características gráficas da obra e à sua
editoração. A violação dos direitos autorais é punívcl como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal) com pena
de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos
Direitos Autorais).
Impresso no Brasil (03 - 2004) ISBN 85-203-2546-7
Ao professor EGAS DIRCEU MONIZ DE ARAGÃO.
APRESENTAÇÃO À 2.a EDIÇÃO
O presente Manual objetiva descrever e ao mesmo tempo problema-tizar os diversos institutos
do processo de conhecimento e as várias fases do procedimento ordinário, permitindo ao leitor
compreender não só este procedimento, mas o processo de conhecimento através de qualquer
procedimento, bem como situá-lo em face dos processos de execução e cautelar.
Este escrito pressupõe o conhecimento dos principais obstáculos a um efetivo acesso à justiça,
bem como das perspectivas de sua superação, e dessa forma o estudo do livro Novas linhas do
processo civil.
Assim, não somente "descrevendo" o procedimento, mas também não gerando questões que não
poderiam ser de pronto entregues ao leitor por um livro que pretende ser didático, o presente
Manual, que aborda todo o processo de conhecimento, inclusive - e isto o faz mais atual - o
procedimento do Juizado Especial Cível (Estadual e Federal) e o procedimento que serve à
tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, foi escrito com a preocupação
de ocupar importante espaço dentro da literatura jurídica nacional, principalmente depois das reformas pelas quais passou o CPC, que mudaram radicalmente a feição do "processo de
conhecimento".
Por fim, agradecemos a todos aqueles que colaboraram para a publicação deste Manual, em
especial ao Dr. Roberto Benghi Del Claro, que fez a revisão criteriosa dos originais e preparou a
bibliografia.
Luiz GUILHERME MARINONI SÉRGIO CRUZ ARENHART
SUMARIO
APRESENTAÇÃO À 2.a EDIÇÃO.
PARTE I
NOÇÕES FUNDAMENTAIS
1. A NECESSÁRIA ELIMINAÇÃO DOS CONFLITOS........................
27
2. DA AUTOTUTELA À DISTRIBUIÇÃO DE JUSTIÇA POR PARTE
DO ESTADO.......................................................................................
29
3. AS VIAS ALTERNATIVAS À ATIVIDADE DO ESTADO.................
32
4. JURISDIÇÃO......................................................................................
36
4.1 Jurisdição e competência............................................................
36
4.1.1 Generalidades .................................................................
36
4.1.2 A atuação dajurisdição brasileira. A chamada "competência"
internacional............................................................
40
4.1.3 Determinação da competência........................................
41
4.1.4 Competência relativa à matéria, competência funcional, competência relativa ao valor e competência
territorial...
42
4.1.5 Competência absoluta e competência relativa.................
44
4.1.6 Princípios sobre a competência no direito brasileiro.......
49
4.1.7 Prorrogação de competência...........................................
51
4.1.8 Conflito de competência.................................................
56
4.2 Os poderes do juiz.......................................................................
58
5. AÇÃO..................................................................................................
64
5.1 A contrapartida oferecida ao cidadão diante da proibição da autotutela...........................................................................................
64
5.2 Ação de direi to material, pretensão de direito material e direito subjetivo
...........................................................................................
67
10
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
5.3 As condições da ação..................................................................
68
5.4 O direito à adequada tutela jurisdicíonal .....................................
71
5.5 A ação que objetiva a reparação do dano e a ação com escopo preventivo. A nítida superioridade da segunda
sobre a primeira.......
75
6. AÇÃO, PROCESSO E
PROCEDIMENTO.........................................
6.1 O processo como instrumento da jurisdição................................
78
6.2 Processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar: diferenças
básicas.........................................................
81
6.3 Procedimento ordinário, procedimento sumário e procedimento
especial.......................................................................................
88
6.3.1 Primeiras considerações..................................................
88
6.3.2 Procedimento sumário ....................................................
89
6.3.3 Procedimentos especiais.................................................
92
PARTE II
A COMPREENSÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ATRAVÉS DO CONHECIMENTO DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
E DE SEUS INSTITUTOS
1. INTRODUÇÃO...................................................................................
99
2. A PETIÇÃO INICIAL......................................................................... 100
2.1 A distribuição da petição inicial e a instauração do processo...... 100
2.2 Requisitos da petição inicial ....................................................... 101
2.3 Causa de pedir............................................................................. 102
2.4 Do pedido.................................................................................... 105
2.5 Pedido imediato e pedido mediato .............................................. 105
2.6 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao princípio de
que o juiz deve ater-se ao pedido................................................. 109
2.7 Prestações periódicas vincendas e pedido condenatório para o futuro
.......................................................................................... 1 10
2.8 Pedido mediato indeterminado.................................................... 1 11
2.9 Obrigação alternativa e pedido alternativo.................................. 112
2.10 Cumulação objetiva de pedidos................................................... 113
2.11 Cumulação simples de pedidos................................................... 1 13
2.12 Cumulação sucessiva de pedidos................................................ 114
2.13 Cumulação alternativa de pedidos............................................... 114
78
SUMARIO
11
2.14 Modificações da causa de pedir e do pedido................................ 114
2.15 Partes .......................................................................................... 116
2.16 Valor da causa............................................................................. 117
2.17 Emenda à petição inicial ............................................................. 118
2.18 Indeferimento da petição inicial..................................................
118
3. A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS............................. 123
3.1 Citação........................................................................................ 124
3.2 Espécies de citação .....................................................................
125
3.3 Efeitos da citação........................................................................ 129
3.4 Repetição e renovação da citação................................................ 132
3.5 Intimação.................................................................................... 133
3.6 Os prazos e sua contagem ........................................................... 136
4. AS ATITUDES DO RÉU..................................................................... 137
4.1 Introdução................................................................................... 137
4.2 A revelia e seus eleitos................................................................ 140
4.2.1 Primeiras considerações.................................................. 140
4.2.2 A caracterização da revelia.............................................. 141
4.2.3 Os efeitos da revelia........................................................ 142
4.3 O reconhecimento da procedência do pedido e a renúncia ao direito
............................................................................................. 151
4.4 Defesas do réu............................................................................. 152
4.4.1 Considerações preliminares............................................ 152
4.4.2 Da contestação................................................................ 156
4.4.3 Exceções......................................................................... 162
4.4.3.1 Exceção de incompetência relativa..................... 164
4.4.3.2 Exceção de impedimento e exceção de suspeição . 166
4.5 Reconvenção............................................................................... 169
4.5.1 Primeiras considerações.................................................. 169
4.5.2 Requisitos ....................................................................... 169
4.5.3 Procedimento.................................................................. 175
5. AÇÃO DECLARATORIA INCIDENTAL.......................................... 177
5.1 Introdução................................................................................... 177
5.2 Pressuposto fundamental: questão prejudicial............................ 178
5.3 Requisitos................................................................................... 181
5.4 Procedimento.............................................................................. 184
12
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
6. PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO ..................................................... 187
6.1 Introdução................................................................................... 187
6.2 Conceito de parte c de terceiro .................................................... 189
6.3 Litisconsórcio............................................................................. 193
6.3.1 Primeiras considerações.................................................. 193
6.3.2 Hipóteses de cabimento do litisconsórcio .......................
197
6.3.3 Regime do litisconsórcio................................................. 199
6.3.4 A caracterização do litisconsórcio necessário................. 202
6.4 Assistência litisconsorcial .......................................................... 204
6.4.1 Conceituação .................................................................. 204
6.4.2 Regime jurídico............................................................... 206
6.5 Assistência simples..................................................................... 208
6.5.1 Conceituação .................................................................. 208
6.5.2 Regime jurídico............................................................... 210
6.5.3 O chamado "eleito de intervenção"................................. 211
6.6 Oposição..................................................................................... 212
6.7 Nomeação à autoria..................................................................... 214
6.8 Denunciação da lide.................................................................... 217
6.9 Chamamento ao processo ........................................................... 223
6.10 Intervenção anômala................................................................... 225
7. SUSPENSÃO DO PROCESSO........................................................... 228
8. TUTELA ANTECIPATORIA.............................................................. 232
8.1 O uso não cautelar da tutela cautelar em vista da necessidade de maior tempestividade da tutela
jurisdicional............................... 232
8.2 Tutela antecipatória e tutela cautelar........................................... 235
8.3 A quebra da regra de que não ha execução no curso do processo
de conhecimento......................................................................... 244
8.4 Tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano............. 248
8.4.1 Primeiras considerações.................................................. 248
8.4.2 Prova inequívoca capaz de fazer surgir a verossimilhança 248
8.4.3 Procedimentos compatíveis com a tutela antecipatória ... 252
8.4.4 Momento da concessão da tutela antecipatória baseada em fundado receio de
dano.................................................... 256
8.4.5 A tutela antecipatória baseada em fundado receio de dano
em face das diversas modalidades de sentença................ 260
SUMARIO
13
8.4.6 Um aprofundamento na distinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar..................................................... 264
8.4.7 O novo §7." do art. 273.................................................... 269
8.4.8 A denominada "irreversibilidade"................................... 271
8.4.9 A efetivação da tutela antecipatória................................. 273
8.5 Tutela antecipatória baseada no art. 273, II e § 6."....................... 274
8.5.1 Primeiras considerações.................................................. 274
8.5.2 A técnica da reserva da cognição da exceção substancial indireta infundada e a técnica monitoria (art. 273, II)
...... 275
8.5.3 Técnica da não-contestação ou do reconhecimento jurídico parcial (art. 273, §
6.°)................................................. 276
8.5.4 Técnica do julgamento antecipado de parcela do pedido
ou de um dos pedidos cumulados (art. 273, § 6.°)............ 277
9. A EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO..................................... 280
10. O JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO.............................. 283
10.1 Considerações preliminares........................................................ 283
10.2 O julgamento antecipado do mérito quando a "questão de mérito é unicamente de direito, ou sendo de direito e
de fato, não há necessidade de produção de prova em audiência"........................... 284
10.3 O julgamento antecipado do mérito em caso de revelia............... 286
10.4 A tutela antecipatória da parte incontroversa da demanda........... 289
11. AUDIÊNCIA PRELIMINAR.............................................................. 291
11.1 Considerações preliminares........................................................ 291
11.2 A conciliação.............................................................................. 292
1 1.2.1 A importância da conciliação.......................................... 292
1 1.2.2 Direitos que não admitem transação................................ 292
1 1.2.3 Circunstâncias da causa que evidenciam ser improvável
a obtenção de transação................................................... 293
11.2.4 Comparecimento de procurador ou preposto com poderes para transigir.............................................................. 293
11.3 Decisão das questões pendentes, fixação dos pontos controvertidos c deferimento das provas (em
audiência).............................. 293
11.4 Decisão das questões pendentes, fixação dos pontos controvertidos e deferimento das provas (quando não é
necessária a audiência preliminar)............................................................................. 294
14
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
12. A PROVA............................................................................................. 295
12.1 A verdade e a função da prova..................................................... 296
12.1.1 A busca da verdade.......................................................... 296
12.1.2 O processo e o discurso................................................... 304
12.1.3 A definição de prova........................................................ 311
12.2 Objeto da prova........................................................................... 314
12.3 Ônus da prova............................................................................. 315
12.4 Fatos afirmados que não dependem de prova.............................. 319
12.4.1 Considerações iniciais .................................................... 319
12.4.2 Fatos notórios.................................................................. 319
12.4.3 Confissão........................................................................ 320
12.4.4 Não-contestação.............................................................. 320
12.4.5 Presunção legal de existência ou de veracidade............... 322
12.5 Poder probatório do juiz.............................................................. 322
12.6 Prova emprestada........................................................................ 323
12.7 Prova lícita e prova ilícita............................................................ 324
12.7.1 Primeiras considerações.................................................. 324
12.7.2 Prova ilícita..................................................................... 325
12.7.3 Prova derivada de prova ilícita......................................... 328
12.7.4 Teoria da descontaminação do julgado............................ 329
12.8 Fases do procedimento probatório .............................................. 330
12.9 A prova indiciaria........................................................................ 332
12.9.1 Considerações iniciais .................................................... 332
12.9.2 Fato indiciado, prova indiciaria, raciocíniopresuntivo, presunção e juízo (juízo resultado, juízo final e juízo
provisório) ............................................................................... 341
12.10 A prova e a ação inibitória......................................................... 343
12.10.1 Apresentação das premissas..................................... 343
12.10.2 Pressupostos da ação inibitória................................. 345
12.10.3 A ameaça.................................................................. 347
12.10.4 A prova da ameaça.................................................... 349
12.1 1 Regras de privilégio.................................................................. 354
12.12 Depoimento pessoal ................................................................. 357
12.12.1 Conceito, natureza jurídica e generalidades.............. 357
12.12.2 Procedimento probatório.......................................... 362
12.13 Confissão.................................................................................. 363
SUMÁRIO
15
12.13.1 Conceito e generalidades.......................................... 363
12.13.2 Natureza jurídica...................................................... 365
12.13.3 Elementos da confissão............................................. 366
12.13.4 Confissão, reconhecimento do pedido, renúncia ao direito e admissão.....................................................
369
12.13.5 Confissão efetiva e confissão ficta............................ 371
12.13.6 Confissão judicial e extrajudicial. Confissão espontânea e provocada......................................................
373
12.13.7 Eficácia..................................................................... 374
12.13.8 Indivisibilidade da confissão .................................... 375
12.14 Exibição de documento ou coisa...............................................
379
12.14.1 Generalidades e definição......................................... 379
12.14.2 Campo de atuação da exibição.................................. 380
12.14.3 Exibição e dever de colaboração como Judiciário .... 380
12.14.4 Natureza da exibição................................................. 382
12.14.5 Fundamento da exibição........................................... 383
12.14.6 Sujeitos da exibição.................................................. 384
12.14.7 Procedimento da exibição em face da parte............... 386
12.14.8 Procedimento da exibição em face de terceiro.......... 387
12.15 Prova documental..................................................................... 388
12.15.1 Generalidades........................................................... 388
12.15.2 Noção ....................................................................... 390
12.15.3 Prova documental e prova documentada................... 393
12.15.4 Documento e instrumento......................................... 395
12.15.5 Elementos do documento.......................................... 396
12.15.6 Autoria do documento. Documentos públicos e privados. Autenticidade.................................................
401
12.15.7 Prova documental e evolução tecnológica ................ 404
12.15.8 Prova documental e fac-símile.................................. 410
12.15.9 Força probante dos documentos................................ 413
12.15.10 Produção da prova documental................................. 415
12.15.11 Incidente de argüição de falsidade documental......... 419
12.16 Prova testemunhai .................................................................... 429
12.16.1 Generalidades e conceito.......................................... 429
12.16.2 A testemunha. Incapacidade, impedimento e suspeição. Regras de privilégio........................................... 430
12.16.3 Produção da prova testemunhai ................................ 433
16
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
12.17 Prova pericial............................................................................ 437
12.17.1 Generalidades e definição......................................... 437
12.17.2 O perito e os assistentes técnicos.............................. 439
12.17.3 Produção da prova pericial........................................ 440
12.18 Inspeção judicial....................................................................... 443
12.18.1 Generalidades e noção.............................................. 443
12.18.2 Produção da inspeção judicial................................... 444
13. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO............................ 446
13.1 Objeto da audiência e sua necessidade........................................ 446
13.2 A unidade da audiência de instrução e julgamento e a possibilidade de seu
desdobramento............................................................ 447
14. SENTENÇA.......................................................................................... 449
14.1 Conceito e função....................................................................... 449
14.2 Requisitos da sentença................................................................ 451
14.2.1 Introdução....................................................................... 451
14.2.2 Relatório......................................................................... 451
14.2.3 Fundamentação............................................................... 452
14.2.4 Parte dispositiva.............................................................. 453
14.3 Vícios da sentença ...................................................................... 454
14.3.1 Ausência dos chamados requisitos essenciais da sentença................................................................................
454
14.3.2 Vedação de o juiz proferir sentença ilíquida, no caso em
que o autor tiver formulado pedido certo......................... 455
14.3.3 Vedação de a sentença julgar fora do pedido, ou aquém ou
além do pedido................................................................ 456
14.3.4 O art. 461 do CPC e o art. 84 do CDC como exceções ao princípio da congruência entre a sentença e o
pedido...... 458
14.3.5 A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica
condicional............................................................ 458
14.4 Classificação das sentenças........................................................ 459
14.5 Para uma melhor compreensão das sentenças de procedência .... 464
14.5.1 Sentença declaratória...................................................... 464
14.5.2 Sentença constitutiva....................................................... 466
14.5.3 Sentença condenatória.................................................... 467
14.5.4 Sentença mandamental.................................................... 470
14.5.5 Sentença executiva.......................................................... 472
SUMÁRIO
17
14.6 Sentença, outras técnicas de tutela e tutela dos direitos............... 474
14.7 Sentença satisfativa e sentença não satisfativa............................ 477
14.8 A questão da tutela específica dos direitos.................................. 480
14.9 As sentenças não-satisfativas e as várias espécies de tutela ........ 483
14.9.1 Primeiras considerações.................................................. 483
14.9.2 Tutela inibitória............................................................... 484
14.9.2.1 Tutela inibitória: premissa................................ 484
14.9.2.2 A tutela inibitória e os seus pressupostos.......... 485
14.9.2.3 A tutela inibitóriacomocorolário do direito constitucional de acesso à justiça............................. 486
14.9.2.4 A tutela inibitória negativae a tutela inibitóriapo-sitiva................................................................. 487
14.9.2.5 Osarts.461 do CPCe 84 do CDC: a tutela inibitória individual e a tutela inibitória coletiva...... 488
14.9.2.6 A tutela inibitória e o princípio de que a sentença deve ficar adstrita ao pedido do autor ........... 489
14.9.3 Tutela inibitória executiva............................................... 491
14.9.3.1 Considerações iniciais...................................... 491
14.9.3.2 O fundamento da tutela inibitória executiva ..... 493
14.9.4 Tutela reintegratória (de remoção do ilícito).................... 495
14.9.5 Tutela do adimplemento da obrigação contratual na forma específica...................................................................
498
14.9.6 Tutela ressarcitória na forma específica........................... 500
14.9.7 Tutela pelo equivalente monetário................................... 502
PARTE III
OUTROS INSTITUTOS COMUNS
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA............................ 507
1.1 A necessidade de a sentença poder ser executada na pendência do recurso de
apelação..................................................................... 507
1.2 A realidade do direito brasileiro. As principais hipóteses em que o direito brasileiro permite a execução da
sentença na pendência
do recurso de apelação................................................................ 511
1.3 Executividade imediata e cognição............................................. 5 17
1.4 Execução provisória ou execução fundada em sentença provisória?........................................................................................... 519
1.5 Execução completa e execução incompleta................................. 521
18
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
2. O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO.................................................. 525
2.1 Primeiras considerações.............................................................. 525
2.2 Argumentos favoráveis à dupla revisão....................................... 526
2.3 Argumentos desfavoráveis à dupla revisão................................. 527
2.4 A Constituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição ... 533
3. OS RECURSOS .................................................................................. 540
3.1 Definição .................................................................................... 541
3.2 Princípios relativos aos recursos ................................................. 543
3.2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição.............................. 543
3.2.2 Princípio da taxatividade................................................. 545
3.2.3 Princípio da unirrecorribilidade....................................... 546
3.2.4 Princípio da fungibilidade............................................... 547
3.2.5 Princípio da proibição da reformatio in pejas..................
550
3.3 Pressupostos recursais................................................................ 551
3.4 Efeitos dos recursos.................................................................... 557
3.4.1 Obstar a incidência da preclusão ou da coisa julgada sobre a decisão
recorrida..................................................... 557
3.4.2 Efeito devolutivo............................................................. 557
3.4.3 Efeito suspensivo............................................................ 560
3.4.4 Efeito translativo............................................................. 561
3.4.5 Outros efeitos.................................................................. 562
3.5 Apelação..................................................................................... 563
3.5.1 Cabimento....................................................................... 563
3.5.2 Efeitos da interposição da apelação................................. 567
3.5.3 Procedimento na instância inferior.................................. 569
3.5.4 Procedimento no tribunal ................................................ 571
3.6 Agravo........................................................................................ 574
3.6.1 Cabimento....................................................................... 574
3.6.2 Efeitos da interposição....................................................
576
3.6.3 Procedimento do agravo retido........................................ 578
3.6.4 Procedimento do agravo por instrumento........................ 579
3.7 Embargos de declaração..............................................................
583
3.7.1 Cabimento....................................................................... 583
3.7.2 Efeitos da interposição.................................................... 585
3.7.3 Procedimento dos embargos de declaração..................... 587
3.7.4 Embargos de declaração com efeito infringente.............. 588
SUMÁRIO
19
3.8 Embargos infringentes................................................................ 589
3.8.1 Cabimento....................................................................... 589
3.8.2 Efeitos da interposição dos embargos infringentes.......... 594
3.8.3 Procedimento dos embargos infringentes........................ 595
3.9 Recurso ordinário constitucional ................................................ 597
3.9.1 Cabimento....................................................................... 597
3.9.2 Efeitos da interposição do recurso ordinário.................... 598
3.9.3 Procedimento do recurso ordinário.................................. 599
3.10 Recurso extraordinário e recurso especial................................... 600
3.10.1 Cabimento....................................................................... 600
3.10.2 Efeitos............................................................................. 604
3.10.3 Os recursos especial e extraordinário retidos................... 605
3.10.4 Procedimento na instância inferior.................................. 606
3.10.5 Procedimento no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de
Justiça........................................................... 610
3.11 Embargos nos tribunais superiores.............................................. 611
3.1 1.1 Embargos de declaração.................................................. 611
3.11.2 Embargos infringentes .................................................... 613
3.11.3 Embargos de divergência ................................................ 614
3.12 Incidentes no procedimento recursal...........................................
616
3.12.1 Introdução....................................................................... 616
3.12.2 Recurso adesivo.............................................................. 616
3.12.2.1 Cabimento........................................................ 616
3.12.2.2 Procedimento................................................... 617
3.12.3 O art. 557 do CPC e os poderes do "relator".................... 618
3.12.3.1 O duplo grau de jurisdição, a morosidade do processo e os novos poderes do "relator"............... 618
3.12.3.2 A nova disciplina dos poderes do "relator"....... 619
3.12.3.3 Pressupostos para o julgamento monocrático do "relator"............................................................ 624
3.12.3.4 Julgamento monocrático pelo relator e consec-tários recursais.................................................. 630
3.12.3.5 Julgamento monocrático pelo relator e revisão
pelo colegiado. O agravo.................................. 632
3.12.4 O novo incidente de deslocamento de competência do art.
555, § 1.°......................................................................... 638
3.12.4.1 Generalidades e cabimento............................... 638
20
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.12.4.2 Pressupostos para a aplicação do deslocamento
de competência................................................. 640
3.12.4.3 Procedimento do incidente nos tribunais inferiores ................................................................
642
3.12.4.4 Procedimento perante os tribunais superiores... 643
3.12.5 Uniformização de jurisprudência.................................... 644
3.12.5.1 Generalidades e cabimento............................... 644
3.12.5.2 Procedimento................................................... 646
3.12.6 Declaração de inconstitucional idade............................... 647
3.12.6.1 Generalidades e cabimento............................... 647
3.12.6.2 Procedimento................................................... 648
3.12.7 Medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso especial e a recurso
extraordinário...................................... 650
3.12.7.1 Considerações preliminares ............................. 650
3.12.7.2 Medida cautelar e recurso admitido.................. 651
3.12.7.3 Medida cautelar quando ainda não interposto recurso ou quando o recurso ainda não foi submetido ao juízo de admissibilidade no tribunal de origem.............................................................. 652
3.12.7.4 Competência para o julgamento da cautelar enquanto não proferidojuízo de admissibilidade no
tribunal de origem............................................. 653
3.12.7.5 Recurso extraordinário ou especial não admitidos, interposição de agravo de instrumento e
medida cautelar para suspender os efeitos da decisão ............................................................. 654
3.12.7.6 Competência para o julgamento da cautelar quando interposto recurso de agravo de instrumento................................................................ 656
3.12.8 Tutela antecipatória cm face dos recursos especial e
extraordinário.................................................................. 656
3.12.8.1 Generalidades................................................... 656
3.12.8.2 Instrumento processual para a postulação da tutela antecipatória..............................................
656
3.12.8.3 Tutela antecipatória enquanto não interposto recurso .................................................................
657
3.12.8.4 Tutela antecipatória depois de protocolado o recurso no tribunal de origem ..............................
658
SUMÁRIO
21
3.12.9 Recurso especial e recurso extraordinário retidos e necessidade de suspensão dos efeitos da decisão
recorrida ou
de tutela antecipatória ..................................................... 658
3.12.9.1 Os recursos especial e extraordinário retidos diante da ameaça de dano ao recorrente............
658
3.12.9.2 Admissão do processamento dos recursos e necessidade de medida cautelar............................
659
3.12.9.3 Admissão do processamento dos recursos e necessidade de tutela antecipatória......................
659
3.12.9.4 Indevida decisão de retenção, meio de sua im-pugnação e necessidade de medida cautelar ou
de tutela antecipatória....................................... 660
3.13 Reexame necessário.................................................................... 662
3.13.1 Generalidades................................................................. 662
3.13.2 Natureza jurídica............................................................. 663
4. PRECLUSÃO...................................................................................... 664
4.1 Generalidades............................................................................. 664
4.2 Conceito e classificação.............................................................. 665
4.3 Efeitos......................................................................................... 667
5. COISA JULGADA.............................................................................. 669
5.1 Coisa julgada material e coisa julgada formal............................. 669
5.2 Generalidades e definição........................................................... 671
5.3 Limites subjetivos da coisa julgada............................................. 683
5.4 Limites objetivos da coisa julgada............................................... 687
5.5 Eficácia preclusiva da coisa julgada............................................ 690
6. AÇÃO RESCISÓRIA.......................................................................... 698
6.1 Noção.......................................................................................... 698
6.2 Hipóteses de cabimento.............................................................. 699
6.3 Consolidação dos pressupostos da ação rescisória...................... 704
6.4 Ação anulatória de ato judicial.................................................... 706
6.5 Cumulação do iitclicittm rescindens com o iudicium rescissoríitm............................................................................................. 709
6.6 Procedimento da ação rescisória................................................. 711
6.7 A questão da relativização da coisa julgada................................ 715
22
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
PARTE IV
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
1. TEORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS.................. 739
1.1 Filosofia dos juizados especiais cíveis........................................ 739
1.2 Princípios fundamentais.............................................................. 741
1.2.1 Oralidade......................................................................... 742
1.2.2 Simplicidade...................................................................
743
1.2.3 Informalidade.................................................................. 744
1.2.4 Economia processual ......................................................
745
1.2.5 Celeridade....................................................................... 746
2. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS.................................. 748
2.1 Introdução................................................................................... 748
2.2 Competência............................................................................... 748
2.3 Da conciliação e da arbitragem ................................................... 753
2.4 Capacidade para atuar no juizado estadual.................................. 754
2.4.1 A capacidade genérica..................................................... 754
2.4.2 A capacidade para ser autor............................................. 755
2.4.3 Capacidade postulatória.................................................. 755
2.5 Procedimento diferenciado......................................................... 756
2.6 Recursos e meios de impugnação................................................ 762
3. JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS.................................... 765
3.1 Generalidades e noções fundamentais ........................................ 765
3.2 Capacidade processual para os juizados federais........................ 766
3.3 Competência............................................................................... 769
3.4 O procedimento........................................................................... 772
3.5 Arbitragem e juizado especial federal......................................... 773
3.6 Os recursos nos juizados especiais federais................................ 774
3.7 A atuação dos provimentos emanados dos juizados especiais federais
........................................................................................... 777
PARTE V
AÇÃO COLETIVA
1. FILOSOFIA DA AÇÃO COLETIVA..................................................
783
SUMÁRIO
23
2. SISTEMA LEGAL PARA A PROTEÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS.............................. 786
3. LEGITIMIDADE PARA REQUERER A PROTEÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS............ 792
4. DA AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
..................................................................................................... 796
5. TUTELAS E SENTENÇAS PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DIFUSOS E
COLETIVOS................................................................... 800
6. EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS PARA A PROTEÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
.......................................................... 803
7. AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS................................................................................................... 805
7.1 Sentença de condenação genérica............................................... 807
7.2 Liquidação.................................................................................. 808
7.3 Execução..................................................................................... 809
8. A COISA JULGADA MATERIAL E AS AÇÕES COLETIVAS........ 811
9. LITISPENDÊNCIA............................................................................ 820
10. CONEXÃO......................................................................................... 824
11. DA AÇÃO COLETIVA INIBITÓRIA CONTRA O USO DE CLÁUSULAS GERAIS ABUSIVAS
............................................................. 827
BIBLIOGRAFIA........................................................................................ 831
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO....................................................... 847
PARTE I NOÇÕES FUNDAMENTAIS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
A necessária eliminação dos conflitos
Da autotutela à distribuição de justiça por parte do Estado
As vias alternativas à atividade do Estado
Jurisdição
Ação
Ação, processo e procedimento
A NECESSÁRIA ELIMINAÇÃO DOS CONFLITOS
Como é necessária a existência de regras jurídicas para a harmônica convivência social, e como
pode existir dúvida em torno de sua interpretação, ou mesmo intenção de desrespeitá-las, podem
eclodir no seio da sociedade conflitos de interesses.
Como a insatisfação de um interesse, principalmente quando essa insatisfação decorre da
resistência de alguém, pode gerar tensão aos contendores e até mesmo tensão social, é
importante que os conflitos sej am eliminados e encontrada a paz social, escopo do Estado.
É importante frisar, porém, que os conflitos, atualmente, não são mais apenas individuais (entre
Caio e Tício). Os conflitos podem envolver direitos que dizem respeito a uma coletividade de
pessoas (direito coletivo; por exemplo, direito dos estudantes de determinada escola a não pagar
uma mensalidade fixada em cláusula abusiva) ou indeterminada-mente a todas as pessoas
(direito difuso; por exemplo, direito à higidez do meio ambiente).
Além disso, dentro da atual sociedade, são cada vez mais freqüentes as lesões em massa, ou
seja, as lesões que violam direitos de pessoas que, em princípio, são indeterminadas (mas
determináveis), fazendo surgir conflitos de massa (lesão aos chamados direitos individuais
homogêneos; por exemplo, direitos dos consumidores que foram lesados por uma indústria que
vendeu um produto em quantidade inferior àquela que foi determinada no rótulo), que devem
ser solucionados, assim como os conflitos que pertinem a direitos coletivos e difusos, através de
uma técnica processual diferente daquela que serve para resolver os tradicionais conflitos
individuais.
As lesões em massa poderiam ficar sem a devida reparação se não fosse o denominado
"processo coletivo", que não é estruturado através
28
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de categorias jurídicas substancialmente pré-capitalistas ou que foram pensadas para a solução
de conflitos individuais dos privilegiados pela economia capitalista.' Isto porque o processo
individual, ou seja, aquele que só permite que o lesado, na forma individual, recorra à justiça, é
bastante caro e demorado, muitas vezes não compensando, na perspectiva econômica, ao
cidadão que teve um direito lesado de forma insignificante socorrer-se da "justiça".
Ora, se, por exemplo, uma associação de consumidores não fosse legitimada a postular a
reparação dos direitos dos consumidores que foram violados por uma determinada indústriaviolação insignificante se considerada individualmente -, a norma de direito material que
protege o direito dos consumidores contra eventual agressão não serviria para muita coisa, ao
passo que o empresário ficaria absolutamente tranqüilo em desrespeitá-la. Ademais, a falta de
reparação desses direitos obrigaria ao lesado a aceitar calado a agressão de seu direito, o que
certamente geraria insatisfação pessoal e, no plano coletivo, perigosa insatisfação coletiva.
Além disso, como o Estado, através do processo, muitas vezes não oferece efetiva tutela aos
direitos, pensa-se, como será visto melhor a seguir, em vias alternativas àquelas oferecidas pelo
Estado para a solução dos conflitos.
Os conflitos civis podem ser eliminados por ato dos próprios envolvidos, quando ocorre a
autocomposição, ou mediante ato do Estado, através do processo individual ou do processo
coletivo, ou ainda por via da mediação ou da arbitragem (por um terceiro que não exerce o
poder estatal).
O que importa deixar claro, porém, é que o direito processual preocupa-se com formas aptas a
propiciar real e efetiva solução dos conflitos, os quais são absolutamente inerentes à vida em
sociedade.
(
" SANTOS, Boaventura de Sousa. "Introdução à sociologia da administração da justiça", Revista de Processo
37/125.
DA AUTOTUTELA
À DISTRIBUIÇÃO DE JUSTIÇA
POR PARTE DO ESTADO
Antigamente, quando o Estado ainda não tinha poder suficiente para ditar normas jurídicas e
fazer observá-las, aquele que tinha um interesse e queria vê-lo realizado, fazia, através da força,
com que aquele que ao seu interesse resistisse acabasse observando-o. Na verdade, realizava o
seu interesse aquele que tivesse força ou poder para tanto, prevalecendo a denominada "justiça
do mais forte sobre o mais fraco".
Considerado o direito romano, sabe-se que a denominada "justiça pública" consolidou-se no
período denominado de cognitio extra ordinem. Foi nessa fase que o Estado, por ter poder
suficiente, passou a ditar a solução para os conflitos de interesses, não importando a vontade dos
particulares, que na verdade já estavam submetidos ao poder do Estado, e deste seu poder de
decidir os conflitos não podiam esquivar-se.
Impondo-se a proibição da autotutela, ou da realização das pretensões segundo o próprio poder
do particular interessado, surge o poder de o Estado dizer aquele que tem razão em face do caso
conflitivo concreto, ou o poder de dizer o direito, conhecido como iuris dictio.
O Estado, ao proibir a autotutela, assume o monopólio da jurisdição. Como conseqüência, ou
seja, diante da proibição da autotutela, ofertou-se àquele que não podia mais realizar o seu
interesse através da própria força o direito de recorrer à justiça, ou o direito de ação.
Esse direito de ação, condicionado ou não, foi compreendido, inicialmente, como o direito à
obtenção de uma sentença. Só mais tarde, como será visto adiante, é que se percebeu que não
bastava conferir ao jurisdicionado apenas o direito a uma sentença, sendo necessário outorgarlhe uma resposta jurisdicional tempestiva e efetiva.
30
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Em outras palavras, se o particular foi proibido de exercer a ação privada, o Estado, ao assumir
a função de resolver os conflitos, teria que propiciar ao cidadão uma tutela que correspondesse à
realização da ação privada que foi proibida.
O direito de acesso à justiça, atualmente, é reconhecido como aquele que deve garantir a tutela
efetiva de todos os demais direitos.1 A importância que se dá ao direito de acesso à justiça
decorre do fato de que a ausência de tutela jurisdicional efetiva implica a transformação dos direitos garantidos constitucionalmente em meras declarações políticas, de conteúdo e função
mistificadores.2
Por essas razões, a doutrina moderna abandonou a idéia de que o direito de acesso à justiça, ou o
direito de ação, significa apenas direito à sentença de mérito.-1 Esse modo de ver o processo, se
um dia foi importante para a concepção de um direito de ação independente do direito material,
não se coaduna com as novas preocupações que estão nos estudos dos processualistas ligados ao
tema da "efetividade do processo", que traz em si a superação da ilusão de que este poderia ser
estudado de maneira neutra e distante da realidade social e do direito material.
Quando se pensa em tutela jurisdicional efetiva, descobre-se, quase por necessidade, a
importância da relativização do binômio direito-pro-cesso. O processo deve estar atento ao
plano do direito material, se deseja realmente fornecer tutela adequada às diversas situações
concretas. O direito àpreordenação de procedimentos adequados à tutela dos direitos passa a ser
visto como algo absolutamente correlato ao direito de acesso à justiça. Sem a predisposição de
instrumentos de tutela adequados à
(1)
CAPPELLETTI, Mauro. "La dimensione sociali: 1'accesso alia giustizia". Dimensioni delia
giustizia nella società contemporanee. Bologna: II Mulino, 1994. p. 71 ess.
(2)
SANTOS, Boaventura de Sousa. Op.cit.,p. 125.
m
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000; Tutela específica. São Paulo: RT,
2000; Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 4. ed. São Paulo: RT, 2000;
Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000;/! antecipação da tutela. 6. ed. São Paulo:
Malheiros, 2000; Questões do novo direito processual civil brasileiro. Curitiba: Juruá, 1999; Efetividade do processo
e tutela de urgência. Porto Alegre: Fabris, 1994; Tutela cautelar e tutela antecipatória. 2.a tir. São Paulo: RT, 1994.
DA AUTOTUTELA À DISTRIBUIÇÃO DE JUSTIÇA
31
efetiva garantia das diversas situações de direito substancial não se pode conceber um processo
efetivo.4
O direito de acesso à justiça, portanto, garante a tutela jurisdicional capaz de fazer valer de
modo integral o direito material. Lembre-se, aliás, que a Corte Constitucional italiana já afirmou
que "o direito à tutela jurisdicional está entre os princípios supremos do ordenamento constitucional, no qual é intimamente conexo com o próprio princípio democrático assegurar a todos e
sempre, para qualquer controvérsia, um juiz e um juízo em sentido verdadeiro".5
A doutrina processual civil e os operadores do direito estão obrigados a ler as normas
infraconstitucionais à luz das garantias de justiça contidas na Constituição Federal, procurando
extrair das normas proces-suais um resultado que confira ao processo o máximo de efetividade,
desde, é claro, que não seja pago o preço do direito de defesa. É com esse espírito que o
doutrinador deve demonstrar quais são as tutelas que devem ser efetivadas para que os direitos
sej am realizados, e que a estrutura técnica do processo está em condições de prestá-las.
Como já dissemos: "Uma evolução adequada do sistema de distribuição de justiça eqüivaleria à predisposição de
procedimentos adequados à tutela dos novos direitos. A inércia do legislador - ao menos para dar tutela efetiva às
novas situações carentes de tutela - conduz a uma interessante e generosa posição doutrinária: a do direito a adequada
tutela jurisdicional. O direito de acesso à justiça tem como corolário o direito a preordenação de procedimentos
adequados à tutela dos direitos (...)" (MARINONI, Luiz Guilherme, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit.,
p. 7). "Corte Costituzionale", Foro Italiano, 2 de fevereiro de 1982, p. 934.
AS VIAS ALTERNATIVAS À ATIVIDADE DO ESTADO
O Estado, apesar dos esforços dos legisladores em dotar seu processo jurisdicional de maior
eficácia, tem encontrado dificuldades em solucionar, de forma rápida e efetiva, os conflitos a ele
trazidos.
Nesse sentido, procuram-se outras formas para a efetiva solução dos conflitos, falando-se em
vias alternativas à do Estado.
A conciliação, realizada fora do processo do Estado e por juizes que não seus agentes, foi
inicialmente instituída na forma de "Conselhos de Conciliação e Arbitramento" (Rio Grande do
Sul) e de "Juizados Informais de Conciliação" (São Paulo), e objetiva solucionar os conflitos de
interesses sem dizer que "A" ou "B" tem razão, mas buscando conferir às partes condições
favoráveis para a eliminação do conflito através de atos de sua própria vontade, ou melhor,
buscando induzir as próprias partes a resolver seu caso.
Há, por outro lado, a arbitragem, que constitui, inclusive, objeto da recente Lei 9.307/96, a qual
pretende que a atividade de julgar um conflito, em alguns casos, seja substituída pela atividade
de um árbitro privado. Segundo a referida lei, de fato, "pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e
que tenha a confiança das partes" (art. 13).
Afirma-se, na mencionada lei, que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis" (art. 1.°), e que "as
partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitrai mediante
convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitrai"
(art. 3.°).
vSc a jurisdição for qualificada olhando-se para o poder do Estado, é claro que a atividade dos
árbitros não pode ter natureza jurisdicional, pouco
AS VIAS ALTERNATIVAS À ATIVIDADE DO ESTADO
33
importando que tal atividade possa conduzir à pacificação social. Ora, várias atividades privadas
podem levar à pacificação social, e jamais alguém ousou, só por isso, classificá-las como
jurisdicionais.
É óbvio que não há, nessa maneira de pensar, qualquer confusão entre a essência daquilo que se
pretende conceituar e os sujeitos que nela estão envolvidos. Não é pelo fato de a jurisdição
estatal estar nas mãos de um juiz - que exerce o poder do Estado - e não nas mãos de um árbitro
privado que há diferença entre a tarefa exercida pelo juiz e aquela que pode ser realizada pelo
árbitro.
O fato de a decisão do árbitro não precisar da homologação do Poder Judiciário e não poder ser
posta novamente em discussão, nem mesmo perante o Judiciário pelas próprias partes
envolvidas, não tem relação alguma com essa diferença. De fato, a lei exclui a possibilidade de
que o conteúdo do conflito submetido ao árbitro possa ser revisto, mas afirma que a arbitragem
só é possível em relação aos direitos patrimoniais disponíveis e mediante convenção de
arbitragem, e ainda estabelece claramente que "a decretação da nulidade da sentença arbitrai
também poderá ser argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e ss. do
CPC, se houver execução judicial" (art. 33, § 3.°), e que, "(•••) havendo necessidade de medidas
coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria,
originaria-mente, competente para julgar a causa" (art. 22, § 4.°).
Ora, não desejar que o conteúdo do conflito submetido ao árbitro possa ser novamente posto em
discussão, e afirmar que a decisão do árbitro não precisa de homologação, mas pode ser
questionada, em seu aspecto formal, perante o Judiciário, é uma questão de política legislativa,
já que o princípio constitucional da inafastabilidade não veda que pessoas capazes possam
excluir a possibilidade de o Poder Judiciário rever conflitos que dizem respeito a direitos
patrimoniais disponíveis.
Ora, é mais do que evidente que a jurisdição estatal é diferente da "jurisdição" exercida pelo
árbitro. É de se perguntar, com efeito, a razão pela qual o árbitro não pode determinar medidas
coercitivas. Pois a razão é simples: confia-se no juiz togado, que se submeteu a concurso
público e tem várias garantias.
Atribuir natureza jurisdicional à função do árbitro - que sequer pode determinar medidas
coercitivas - apenas para se chegar à conclusão de
34
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que não se está afastando o cidadão, que se socorreu unicamente do árbitro, da atividade
jurisdicional, é uma construção teórica falsa. O árbitro, dentro de certos limites, exerce a tarefa
que poderia ser atribuída aojuiz, mas isso não significa, como é lógico, que a função do árbitro
privado possa ser equiparada à de um juiz.
A diferença entre a tarefa do árbitro e a tarefa do juiz reside no fato de que somente o segundo
pode exercer o poder do Estado. Dentro de um Estado de Direito, o poder jurisdicional é
absolutamente fundamental e este apenas pode ser exercido pelos juizes. Dessa maneira, não há
que se falar em inconstitucionalidade pelo simples fato de as partes, usando livremente da sua
vontade, terem optado pela arbitragem. Quando alguém opta pela arbitragem, não há delegação
de algo que não pode ser delegado - o poder jurisdicional -, mas simplesmente exercício de uma
faculdade que os litigantes têm em suas mãos como corolário do princípio da autonomia da
vontade.
Se na arbitragem não há exercício do poder atribuído aos juizes, é evidente que há diferença
entre a função que pode ser desempenhada pelo árbitro e aquela que é deferida aojuiz. Não é o
fato de um juiz ser diferente de um árbitro, como o funcionário público difere de um particular,
que explica a diversidade das situações, mas sim o poder que somente pode ser entregue nas
mãos dojuiz. De modoque sepoderiafalaremjurisdiçãoestatal ejuris-dição privada -já que a tarefa
declarativa do árbitro também faz parte das atribuições entregues ao juiz—, desde que
compreendido que o poder do juiz situa-se em um plano diferente ao da arbitragem. A questão
do poder jurisdicional tem relação com o conceito de Estado, ao passo que a arbitragem apenas
se relaciona com a autonomia da vontade.
Na verdade, a discussão em torno da inconstitucionalidade da arbitragem foi desvirtuada, pois
jamais se pretendeu excluir o cidadão do direito de buscar o poder jurisdicional, mas apenas
regular uma forma de manifestação da vontade. O fato de um árbitro privado poder solucionar a
controvérsia que antes seria levada ao Judiciário não significa uma usurpação do poder
jurisdicional. Em resumo: a tarefa do árbitro e a tarefa dojuiz, em um sentido, pode ser igual, já
que ambas visam à pacificação social, mas quando se confere tal tarefa ao árbitro não se
transfere a ele o poder do Estado.
Além disso, como o juízo arbitrai, em alguns casos, afasta a justiça estatal, é preciso muito
cuidado para que não se passe a cuidar dessa "jus-
AS VIAS ALTERNATIVAS À ATIVIDADE DO ESTADO
35
tiça alternativa" deixando-se de lado a justiça estatal. O perigo de a onda neoliberal influenciar
aqueles que se preocupam com o processo civil, fazendo com que a "justiça estatal" seja posta
de lado, como algo obsoleto e inútil, é muito grande. Ora, a "justiça" do Estado sempre vai ser o
único socorro, principalmente aos menos favorecidos, bem como a única saída para direitos não
disponíveis e absolutamente fundamentais para o homem. Em outras palavras, e fazendo-se
breve comparação, espera-se que a arbitragem, frente à justiça do Estado, não se transforme em
um "plano de saúde privado" frente à esquecida "saúde pública".
Aliás, essa questão não tem sido lembrada apenas no Brasil, já que na Itália, país que possui
condições econômicas mais favoráveis à população e que, portanto, sofre menos com essa
tendência de privatização do espaço público essencial, fala-seemfugada"justiçaestatal",'
justamente porque o legislador teima em manter inefetivo o processo civil estatal, e que serve ao
mortal pobre.
(l) Nesse
sentido, Mauro Cappelletti, "Dictamcn iconoclástico sobre Ia reforma dei proceso civil italiano", in Proceso,
ideologias, sociedad, Buenos Aires, Ejea, 1974, p. 278.
JURISDIÇÃO
SUMÁRIO: 4.1 Jurisdição e competência: 4.1.1 Generalidades; 4.1.2 A atuação da jurisdição brasileira. A chamada
"competência" internacional; 4.1.3 Determinação da competência; 4.1.4 Competência relativa à matéria, competência
funcional, competência relativa ao valor e competência territorial; 4.1.5 Competência absoluta e competência relativa;
4.1.6 Princípios sobre a competência no direito brasileiro; 4.1.7 Prorrogação de competência; 4.1.8 Conflito de
competência - 4.2 Os poderes do juiz.
4.1 Jurisdição e competência
4.1.1 Generalidades
Se a jurisdição é manifestação do poder do Estado, é evidente que ela terá diferentes objetivos,
conforme seja o tipo de Estado e sua finalidade essencial.
A jurisdição, em outras palavras, terá fins sociais, políticos e propriamente jurídicos, conforme a
essência do Estado cujo poder deva manifestar.
Se o Estado brasileiro está obrigado, segundo a própria Constituição Federal, a construir uma
sociedade livre, justa e solidária, a erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais, e ainda a promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3.° da CF), os
fins da jurisdição devem refletir essas idéias.
Assim, a jurisdição, ao aplicar uma norma ou fazê-la produzir efeitos concretos, afirma a
vontade espelhada na norma de direito material, a qual deve traduzir, já que deve estar de
acordo com os fins do Estado, as normas constitucionais que revelam suas preocupações
básicas.
JURISDIÇÃO
37
Demais disso, como o Estado brasileiro é uma forma de democracia representativa, com
temperos de princípios e institutos de participação direta dos cidadãos no poder de decisão do
governo' (democracia participativa; por exemplo, o referendo 2), e existem mecanismos que
viabilizam essa participação direta por meio da jurisdição, é necessário incentivar o seu uso.
A participação do cidadão via ação popular, por meio da qual é possível apontar desvio na
gestão do bem comum,3 assim como a participação através dos legitimados à ação de
inconstitucionalidade 4 e às ações coletivas5 configuram participação no processo decisório do
Estado e, portanto, uma participação que não fica limitada ao momento em que, nas chamadas
"eleições", escolhe-se um representante para governar (democracia representativa).
A participação, além de poder ocorrer através das referidas ações no processo decisório
governamental, pode dar-se na administração da justiça, com a presença de, por exemplo, juizes
leigos nos Juizados Especiais Cíveis. A presença de leigos na administração da justiça, com
efeito, representa participação direta no Estado.
Deixando-se de lado os fins mais importantes da jurisdição,6 o certo é que o Estado, para
exercer o "poder jurisdicional", precisa de vários
(1)
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malhciros, 1995. p. 145.
Art. 14 da CF: "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos, e nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular".
(1) Art. 1." da Lei 4.717/65: "Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de
nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, de entidades
autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas
quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições
ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta
porcento do patrimônio ou da receita anual de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal,
dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos".
141
Ver art. 103 da CF.
151
Ver art. 82 do CDC.
l6)
Sobre os Uns da jurisdição, ver Luiz Guilherme tA&nx\on\,Novcis linhas do processo civil, cit., no item que trata
da "jurisdição".
(2)
38
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
juizes, juízos e tribunais, principalmente em um país com a dimensão territorial do Brasil, pelo
que, para que a "justiça" possa ser ordenada e efetivamente exercida, é necessário que os vários
casos conflitivos concretos sejam classificados e agrupados de acordo com pontos que têm em
comum, que os processos que a eles servem de instrumento têm em comum, ou que as pessoas
que neles estão envolvidas possuem em comum, distribuindo-se o poder jurisdicional na medida
dos casos que forem agrupados.
Como o poder jurisdicional deve ser distribuído, dá-se o nome de competência à jurisdição que
pode e deve ser exercida por um órgão, ou por vários órgãos, em face de um determinado grupo
de casos. A competência, portanto, nada mais é do que uma parcela da jurisdição que deve ser
efetivamente exercida por um órgão ou grupo de órgãos do Poder Judiciário.
No Brasil, a Constituição Federal define as várias "justiças", ou seja, os grupos de órgãos que
têm competência para tratar de determinados grupos de litígios. Fala-se, assim, nas "justiças"
trabalhista (art. 111 e ss.), eleitoral (art. 118 e ss.), militar (art. 122 e ss.), e nas "justiças" federal
(art. 106 ess.)e estadual (art. 125ess.). O que não é da competência das "justiças" trabalhista,
eleitoral e militar, é da competência, por exclusão, da "justiça comum". Dentro da chamada
"justiça comum", também por critério de exclusão, o que não for da competência da "justiça"
federal (arts. 108 e 109) é da competência da "justiça" estadual.
A Constituição Federal, após tratar das "justiças" trabalhista (art. 111 e ss.), eleitoral (art. 118
ess.), militar (art. 122 ess.)e federal (art. 106 e ss.), afirma em seu art. 125, caput, que "os
Estados organizarão sua Justiça", observados os princípios estabelecidos por ela própria, isto é,
pela Constituição Federal.
As denominadas "justiças", de acordo com a Constituição Federal, as Constituições dos Estados
e as leis de organização judiciária, possuem vários órgãos jurisdicionais.
A Constituição Federal também define o Supremo Tribunal Federal (art. 101 e ss.)e o Superior
Tribunal de Justiça (art. 104 ess.). A competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça está disciplinada, respectivamente, nos arts. 102e 105 da CF. No que diz
respeito à competência originária desses tribunais, é oportuno observar
39
que a Constituição, ao atribuir-lhes competência originária, subtrai certas causas de todas as "justiças"; é
por isso que esses dois tribunais superiores são considerados "órgãos de superposição", uma vez que não
pertencem a nenhuma das "justiças".
Deixando-se de lado as hipóteses de competência originária desses tribunais (arts. 102,1, e 105,1, da CF),
é importante chamar a atenção para os casos em que tais órgãos julgam através de recurso. Afirma o art.
102, II, da CF, que compete ao Supremo Tribunal Federal "julgar, em recurso ordinário: a) o habeas
corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância
pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b) o crime político". O mesmo artigo, em seu inc.
III, diz ser da competência do Supremo Tribunal Federal "julgar, mediante recurso extraordinário, as
causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta
Constituição Federal; b) declarar a inconstitucio-nalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou
ato de governo local contestado em face desta Constituição Federal". Por sua vez, estabelece o art. 105, II
e III da mesma Constituição, que "compete ao Superior Tribunal de Justiçajulgar em recurso ordinário: a)
os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados
de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; c) as causas em que forem partes
Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou
domiciliada no país"; bem como "julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b)
julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal
interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal".
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal pode julgar, mediante recurso, em face de decisão de qualquer
"justiça". Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, não considerada sua competência para julgar, em
recurso ordinário, as causas em que forem partes, de um lado, Estado
JURISDIÇÃO
40
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
estrangeiro ou organismo internacional, e de outro pessoa domiciliada ou residente no país (art.
105, II, c, da CF), apenas pode julgar, mediante recurso, as causas decididas pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
4.1.2 A atuação da jurisdição brasileira. A chamada "competência" internacional
Para que tenha sentido perguntar sobre o juízo competente, é preciso, antes de tudo, verificar se
a jurisdição brasileira está habilitada para a causa. Alude-se à competência internacional,
precisamente para indicar os critérios, utilizados pelo direito nacional, para determinar as causas
que podem (ou devem) ser julgadas pela jurisdição brasileira. Em essência, porque a jurisdição é
expressão do poder do Estado, qualquer causa poderia ser levada à jurisdição nacional.
Entretanto, por razões de efetividade da decisão, o direito nacional discrimina as ações que
podem ser julgadas no território brasileiro, tendo em vista a possibilidade de dar concreta e real
efetivação à decisão tomada. Nesse sentido, e seguindo a prática adotada por outros países, o
Código de Processo Civil enumera as causas que serão julgadas pelo Poder Judiciário brasileiro,
seja obrigatoriamente (competência internacional exclusiva) — em que a soberania nacional só
admite a decisão tomada pela jurisdição nacional - ou de forma facultativa (competência
internacional concorrente) - casos em que a jurisdição nacional concorre com outras. Portanto,
há causas que podem ser submetidas à jurisdição nacional ou a outra qualquer. Todavia, outras
demandas somente serão validamente decididas, na ótica do direito brasileiro, se julgadas por
autoridade nacional. Da competência internacional concorrente trata o art. 88 do CPC,
estabelecendo que podem ser atribuídas à jurisdição nacional as causas em que "I - o réu,
qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II-no Brasil tiver de ser
cumprida a obrigação; 1II - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil".
Por seu turno, o art. 89 se refere à competência internacional exclusiva, prevendo que caberá à
autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra, "I-conhecer de ações relativas a
imóveis situados no Brasil; II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil,
ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional".
JURISDIÇÃO
41
No caso de competência internacional concorrente, a decisão proferida em outro país pode ter
validade no território nacional, desde que seja ela devidamente homologada pelo Supremo
Tribunal Federal (arts. 483 e 484 do CPC). Não obstante isso, a mera propositura de demanda
perante tribunal estrangeiro, a respeito de causa que poderia, por competência concorrente, ser
conhecida pela jurisdição brasileira, não induz litispendência nem impede que a autoridade
brasileira conheça da mesma causa e das que lhe forem conexas (art. 90, do CPC).
4.1.3 Determ inação cia competência
É certo que, para haver efetividade na prestação jurisdicional, é necessário que a jurisdição seja
distribuída entre os juizes e os órgãos do Poder Judiciário, pelo que o juiz, diante dos inúmeros
conflitos que podem surgir no país, só pode exercer o poder jurisdicional em face de determinado grupo de casos, ou melhor, somente pode exercer jurisdição em certa medida; quando
se fala que o juiz apenas pode exercer jurisdição em determinada medida, afirma-se que ele
somente tem competência para certo grupo de casos.
Assim, uma vez determinada a jurisdição nacional como habilitada para o caso e definida a
"justiça" competente, cabe verificar, diante de determinado caso conflitivo concreto, qual é o
órgão originariamente competente parajulgar a causa, bem como qual o órgão competente para
julgar eventual recurso (de acordo com as normas da Constituição Federal, das Constituições
Estaduais e das leis de organização judiciária).
A partir daí, deve-se indagar a respeito do órgão do Poder Judiciário que tem competência
territorial para apreciar a causa. Assim, por exemplo, considerada a competência territorial do
juiz estadual de primeiro grau, fala-se em comarca; na justiça federal fala-se em seção
judiciária. Os tribunais estaduais, nessa linha, têm competência sobre todo o Estado, ao passo
que os Tribunais Regionais Federais, em número de cinco, têm competência sobre determinadas
regiões do país.
Frise-se que em determinada área territorial pode haver especificação maior dos órgãos do
Poder Judiciário; por exemplo, em uma comarca pode não haver Vara de Família, enquanto que
em outra a Vara de Família será competente, por exemplo, para as ações de separação judicial.
Na comarca em que não há Vara de Família, a ação de separação judicial será distribuída para
uma Vara Cível. Melhor explicando, e tomando-se em
42
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
consideração, para fins didáticos, o referido exemplo, é preciso definir, em primeiro lugar, que a
justiça estadual é a competente para o caso (já que as "justiças" do trabalho, militar, eleitoral e
federal não têm competência para tal hipótese); que um Juízo Estadual e o Tribunal de Justiça
do Estado, de acordo com a Constituição do Estado, têm respectivamente competência
originária e recursal; que a competência territorial, dentro das regras do CPC, é da comarca "X";
e, por fim, que a competência de juízo, dentro dos limites territoriais definidos em face da
competência territorial, é de uma Vara de Família.
Fala-se, ainda, em competência interna de juízo, quando, por exemplo, em urna vara exercem
atividade dois juizes, ou quando é necessário saber, dentro de um tribunal, qual o órgão
competente para julgar determinada causa ou recurso (câmara, grupo de câmaras, turma, seção,
órgão especial, tribunal pleno).
4.1.4 Competência relativa à matéria, competência funcional, competência relativa ao valor e
competência territorial
A fixação da competência para determinada causa pauta-se, como se pode deduzir do que foi
exposto no item anterior, por certos critérios abstratos, capazes de identificar elementos da ação
proposta, atribuin-do-a a órgão jurisdicional específico. Na determinação do órgão competente,
por conseqüência, entram diversos fatores, que se somam e especificam um único juízo, que
será aquele a quem a lei atribui o processamento e o julgamento da questão.
O Código de Processo Civil brasileiro filia-se à corrente dominante no direito comparado, que
utiliza o critério tripartite para disciplinar a competência. Portanto, o direito nacional utiliza três
critérios básicos (um deles cindido em dois, resultando na existência de quatro elementos capazes de determinar a competência) para a fixação do órgão jurisdicional competente para cada
causa (na linha do pensamento de Chiovenda7 ): objetivo, territorial efuncional.
Segundo a lição de Chiovenda, o critério objetivo de competência tem em vista as características
da causa a ser examinada, distribuindo as
l7)
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1943. vol. II, p. 214 e ss.
43
dades ou disparidades verificadas no conteúdo da demanda. Assim, tal critério abrangeria a análise do
valor da causa ou ainda da natureza da demanda proposta. Quanto ao valor da causa, é possível
estabelecer órgãos com competência diferenciada segundo a importância econômica da demanda
proposta; é o que se daria, ao menos na opinião majoritária, em relação aos Juizados Especiais, que têm
competência para causas de até quarenta salários mínimos. No que respeita à natureza da causa, tem-se
em conta, especialmente, a qualidade da relação jurídica deduzida, como ocorre com as questões de
menores, de família, relativas à Fazenda Pública, criminais, comerciais etc.
O direito brasileiro acolhe esse critério dividindo seu exame nos dois aspectos que o compõem. Por isso, a
legislação pátria considera em separado o critério do valor da causa e o critério material, dando-lhes disciplina distinta (art. 91 do CPC).
Se o critério objetivo examina as particularidades da causa proposta, o critério funcional interessa-se pelas
funções desempenhadas pelo órgão jurisdicional no processo. Tem em vista a natureza própria e as exigências específicas das funções atribuídas a cada um dos magistrados que participam de um dado
processo. Cogita-se da função desempenhada pelo magistrado, repartindo-se, exemplificativamente, essa
competência em competência de 1.° grau, competência recursal, competência para a execução,
competência para o julgamento etc. Assim, o juiz de 1.° grau não tem competência revisional (recursal)
de seu julgado, da mesma forma que o juízo recursal não tem poder de examinar a causa diretamente, suprimindo a atividade do primeiro.8 Releva ainda sublinhar que também é modalidade de competência
funcional aquela examinada em razão das funções exercidas pelo magistrado em outro território - v.g., o
cumprimento de cartas precatórias, para a citação e intimação de partes, para a colheita de provas ou para
a efetivação de provimentos judiciais - no mesmo processo.
De acordo com o que prevê o art. 93 do CPC, "regem a competência dos tribunais as normas da
Constituição da República e de organização judiciária. A competência funcional de primeiro grau é
disciplinada neste Código". Portanto, as regras que regem essa modalidade de compeJURISDIÇÃO
181
Isso ao menos em regra.
44
MANUAL DO PROCRSSO DE CONHECIMENTO
tência estão disseminadas na legislação nacional, quando tratam das atribuições conferidas a
cada órgão jurisdicional.
Por fim, o critério territorial (também chamado de competência de foro) toma em consideração
a dimensão territorial atribuída à atividade de cada um dos órgãos jurisdicionais. As causas, sob
esse critério, são distribuídas entre juízos com sede em áreas distintas, segundo a comodidade
das partes ou a facilidade do processo. Para o exame desse critério, no primeiro grau da Justiça
Comum, separa-se o território nacional (já que no exterior a jurisdição brasileira não atua,
porque ineficaz) em comarcas (na esfera da Justiça Estadual), ou em circunscrições (na Justiça
Federal), atribuindo-se cada qual a um juiz ou a um grupo de juizes. Dessa forma, segundo
diretrizes fixadas na legislação processual (em regra, no próprio Código de Processo Civil), que
consideram normalmente a natureza da matéria litigiosa e dos litigantes, o domicílio das partes
ou o lugar do cumprimento de certa prestação, determina-se o local em que certo grupo de
causas deve ser processado e julgado.
O Código de Processo Civil - embora não trate de forma esmiuçada dos demais critérios —
detém-se largamente na disciplina do critério territorial, regendo-o entre seus arts. 94 a 100.
Nesse contexto, é fundamental observar, como regra geral, que as ações fundadas em direito
real sobre bens móveis ou em àuzito pessoal devem ser propostas no foro do domicílio do réu
(art. 94). Poroutro lado, nem sempre a competência determinada entre os referidos arts. 94 a 100
é relativa, sendo importante advertir que o art. 95 estabelece competência absoluta, dizendo que
"nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa".
4.1.5 Competência absoluta e competência relativa
Além de estabelecer estes quatro critérios de competência, o Código de Processo Civil
contempla dois regimes distintos para tais modalidades de competência. Assim, embora sejam
quatro os critérios de determinação de competência, estes podem ser agrupados em dois gêneros
distintos: os critérios de competência absoluta e os critérios de competência relativa, segundo a
maior ou menor disponibilidade da vontade das partes sobre a regra determinadora do regime.
Os indicadores de competência absoluta constituem grupo de regras cogentes, determina-
45
das no interesse público, não se admitindo que as partes possam convencionar de forma distinta da
previsão legal, gerando, ademais, sanções muito mais graves. Por seu turno, as diretrizes de competência
relativa são postas, sobretudo, no interesse das partes, razão pela qual podem elas dispor sobre esses
critérios, alterando o regime legal (e, por conseqüência, o juízo competente para a demanda).
A perfeita separação entre as duas categorias de competência é essencial, em razão das formas e
momentos próprios para a argüição do defeito (incompetência), bem como em razão das conseqüências
distintas ocasionadas pela transgressão de preceitos referentes a cada uma delas.
Nos termos do Código de Processo Civil, são critérios de competência absoluta o material e o funcional.
Quanto aos outros dois critérios, são eles considerados modalidades de competência relativa (ainda que
isso nem sempre seja verdadeiro). De fato, a competência territorial é, em regra, relativa, admitindo-se
que as partes possam transigir sobre sua fixação, derrogando as normas a propósito existentes. Todavia, o
art. 95, infine, do CPC, estabelece exceção a essa conclusão, prevendo hipótese em que a competência
territorial passa a ser absoluta, fugindo, por conseqüência, da disponibilidade das partes. Realmente,
como estabelece o preceito indicado, "nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o
foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não
recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de
terras e nunciação de obra nova". Diante da clara redação da regra, observa-se que, em se tratando de
litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras ou
nunciação de obra nova, a competência para a causa é absoluta, devendo a demanda ser proposta, sempre,
no foro da situação da coisa. Há, aí, por conseguinte, hipótese de competência absoluta, embora seja ela
excepcional (já que, como se conclui do contido no art. 111, a competência territorial é, normalmente,
relativa). Neste caso, fala-se em competência territorial funcional? partindo-se da premissa de que ela é
estabelecida em virtude da função do magistrado, a qual seria melhor exercida, diante de determinados
litígios, no local em que está o imóvel.
<IJ)
Enrico Tu IlioLiebman. Manual de direito processual ei vil. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 192ess.
JURISDIÇÃO
46
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Quanto à competência fixada pelo valor da causa, também é corrente dizer que se trata de
critério de competência relativa. Entretanto, também essa afirmação é apenas parcialmente
verdadeira, já que, como lembrou Chiovenda, em lição perfeitamente aplicável ao direito
nacional, "os limites objetivos da competência por valor são sempre absolutos para o mais, nem
sempre para o menos".10 Por outras palavras, o juízo que tem competência para conhecer da
causa de maior valor terá também competência para examinar a causa de menor valor (sendo,
nesse sentido, relativa a competência pelo valor da causa); já no sentido inverso, a recíproca não
é verdadeira, de forma que o juízo que tem competência para a causa de menor valor não pode
examinar a demanda de maior valor, sendo, aí, absoluto o limite de competência.
Ainda no que se refere à competência fixada pelo valor da causa, é preciso que se recorde que o
entendi mento dominante na doutrina e najurispru-dência brasileiras sustenta como relativa a
competência dos Juizados Especiais estaduais, uma vez que seria fixada com base nesse critério.
Assim, e não obstante as objeções que possam ser levantadas contra essa conclusão (v. item
específico adiante), a competência dos Juizados Especiais estaduais submete-se, diante do
referido entendimento, às diretrizes aqui expostas, concernentes à competência relativa,
preponderando, então, o interesse das partes e o caráter disponível dessas regras, ainda que
observada (sempre) a advertência feita no parágrafo anterior, quanto à não reciprocidade do
caráter relativo da regra de competência fixada com base no valor da causa.
Estabelecidos os dois grupos de critérios, resta examinar a diversidade de regimes contemplados
a eles pelo direito positivo brasileiro. De início, é possível dizer que a competência absoluta é
determinada em atenção ao interesse público, enquanto a competência relativa busca,
imediatamente, atender ao interesse das partes. Por isso, as regras de competência absoluta não
admitem modificação pelas partes, o que só é possível em face da competência relativa. A
propósito, estabelece o art. 111, do CPC, que "a competência em razão da matéria e da
hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência
em razão do valor e do território elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de
direitos e obrigações". As partes podem, portanto, escolher foro distinto daquele designado em
lei para a propositura da ação, convencionando e dispondo a
CHIOVENDA, Giuseppe. Ob. cit., p. 217.
JURISDIÇÃO
47
respeito das regras que fixam a competência pelo valor da causa e a territorial. Esse foro
convencionado - não é possível a escolha do juízo, mas apenas do foro em que será proposta a
ação - recebe o nome de foro de eleição, e sua escolha deve revestir-se das formalidades
expressas no art. 111, § 1.° ("o acordo, porém, só produz efeito, quando constar de contrato
escrito e aludirexpressamenteadeterminado negóciojurídico"), obrigando, além das partes, seus
herdeiros e sucessores (art. 111, § 2.°)."
A competência relativa admite modificação, o que não é possível em face da competência
absoluta. Essa modificação é viável não apenas diante da manifestação de vontade das partes,
mas também em razão da conexão ou continência, na forma do que dispõe o art. 102 do CPC
(como será adiante estudado).
A distinção também é relevante em face da forma e do momento de argüição da incompetência.
Porque fixada em razão do interesse público, a incompetência absoluta pode ser reconhecida a
qualquer momento no processo e em qualquer grau de jurisdição, a requerimento da parte —
que deve alegar a questão em preliminar na contestação (art. 301, II), ou na primeira
oportunidade em que lhe couber falar nos autos — ou mesmo de ofício pelo juiz (art. 113).'2
Trata-se, portanto, de defeito insanável e incorrigível, não sujeito à preclusão e passível de
reconhecimento a qualquer tempo e em qualquer grau jurisdição, mesmo de ofício. 13
Ainda, em face de contratos de adesão, relativos a relações de consumo, entende-se que a cláusula de eleição de toro
não prevalece quando abusiva, ou seja, quando inviabiliza ou torna excessivamente oneroso o acesso do hipossuficiente ao Judiciário (v. STJ, 2.a Seção, CC 30.7! 2-SP, rela. Ministra Nancy Andrighi, DJU 30.09.2002, p. 152;
STJ, 2.a Seção, CC 32.868-SC, rela. Ministra NancyAndrighi, D/í/1 1.03.2002, p. 160;STJ,3. a Turma,REsp 190.860MG, rei. Min. Waldemar Zveitcr, DJU 18.12.2000, p. 183). Conforme prevê o art. 1 13, § l.°, do CPC, se a parte não
apontar a incompetência absoluta na primeira oportunidade em que lhe competir falamos autos, cabe a ela responder
integralmente pelas custas do processo. Contudo, se a incompetência absoluta não tiver sido alegada e decidida, não
poderá ser invocada apenas no recurso especial ou no recurso extraordinário, por falta de prequestionamento. Na
verdade, quando se diz que a incompetência absoluta pode ser declarada, ainda que de ofício, em qualquer grau de
jurisdição, toma-se em consideração somente as instâncias ordinárias, e não as instâncias de tais recursos.
48
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Já a incompetência relativa não pode ser conhecida de ofício pelo juiz,14 dependendo de
alegação pela parte, por meio de exceção de incompetência relativa (arts. 304 a 311), sob pena
de preclusão. Uma vez que a incompetência relativa atinge regras dispostas no interesse das
partes, fixa a lei prazo peremptório para a alegação do defeito - de quinze dias (art. 305) -, sob
pena de, diante do silêncio do requerido, presumir-se a aceitação do foro em que a ação foi
proposta, ainda que distinto daquele designado pela lei. Nesse caso, prorroga-se a competência
do juiz incompetente, que se converte em competente para a causa, diante da ausência de
impugnação tempestiva da parte requerida (art. 114).
Quanto às conseqüências referentes à violação de regras sobre competência, também é distinto o
regime atribuído pela lei. Verificando-se a incompetência absoluta, em qualquer estágio do
processo, serão tidos como nulos (nulidade absoluta) os atos decisórios — tais como a sentença
e as decisões cautelares ou antecipatórias, preservando-se, contudo, os demais atos do processo , encaminhando-se os autos ao juízo competente (art. 113, § 2.°). Tão grave é o defeito
resultante da prolação de sentença por juiz absolutamente incompetente que o direito brasileiro
sujeita essa decisão hação rescisória (art. 485, II, do CPC), permitindo, portanto, que se desfaça
a coisa julgada que a acoberta.
Já em face da competência relativa, considerando-se que as regras que a fixam são estabelecidas
no interesse das partes, os atos decisórios praticados por juiz relativamente incompetente são
apenas anuláveis e, evidentemente, insuscetíveis de subsidiar ação rescisória. Significa dizer
que, praticado ato decisório por juiz relativamente incompetente, este somente será viciado se
houver oportuna alegação do réu, por meio de exceção de incompetência, sob pena de tornar-se
o juiz competente e, por conseqüência, perfeita a decisão proferida. l5
1141
De acordo com a Súmula 33, do STJ, "a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício". Entretanto, o
próprio Superior Tribunal de Justiça vem admitindo que, em relação a contratos de consumo, em que haja cláusula de
eleição de foro, possa o magistrado reconhecer, de ofício, a nulidade da cláusula (se for o caso) e, conseqüentemente,
declinar da competência para o juízo competente, segundo as regras ordinárias (STJ, 4." Turma, REsp 201.195-SP,
rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, RSTJ 153/351; STJ, 2.a Seção, CC 21.540 -MS, rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
DJU 24.08.1998, p. 6).
"v Obviamente, o raciocínio aqui exposto apenas tem serventia para decisões liminares, já que a sentença, por ser
prolatada após o prazo para a defesa (e,
JURISDIÇÃO
49
4 1.6 Princípios sobre a competência no direito brasileiro
O direito brasileiro assenta o exame da competência em três princípios fundamentais: o
princípio do juiz natural, o princípio da perpetuação da competência e o princípio da
competência sobre a competência. Essas três diretrizes básicas norteiam todo sistema de
determinação de competência, informando a aplicação das regras específicas, estabelecidas na
legislação processual nacional.
a) Princípio do Juiz Natural. O primeiro, e mais importante, princípio relativo à competência é
o do juiz natural. Por ele, em toda estrutura jurisdicional concebida, haverá um - e apenas um órgão jurisdicional competente para examinar cadauma das causas existentes. Mais que isso, por
essa garantia exige-se que a determinação desse órgão competente se dê por critérios abstratos e
previamente estabelecidos, repugnando ao direito nacional a instituição de juízos de exceção
(criados para certos casos determinados e expostfacto).
Por conseqüência, cabe à lei fixar, previamente e de forma genérica, os critérios a serem
utilizados para a identificação do juízo competente para o processo e julgamento dos casos
eventualmente surgidos, vedada a sua fixação aposteriori, ou a tramitação e julgamento de
feitos perante juízos incompetentes, em ofensa a regras processuais de cunho cogente (art. 5.°,
XXXVII e LM, da CF). Portanto, de acordo com o princípio do juiz natural (art. 5.°, XXXVII e
LM, da CF), apenas a lei - geral e anterior - pode definir a competência dos órgãos
jurisdicionais, sendo com base nela que se há de investigar a forma e os critérios de distribuição
de competência no direito nacional. Por isso mesmo, estabelece o art. 1.° do CPC, que
ajurisdição (nas causas cíveis) é exercidapelos juizes, em todo território nacional, de acordo
com as disposições previstas nesse diploma processual.
Como se vê, a instauração de demanda judicial, e, em especial, seu julgamento, não se dá de
forma arbitrária e caótica, no seio da estrutura jurisdicional. Obedece ela a rígida especificação
legal, abstrata e prévia, dirigida a permitir a identificação (mesmo apriori) do juízo a quem tal
portanto, após o prazo para o oferecimento da exceção de incompetência), jamais será proferida por juiz
relativamente incompetente, seja em razão de não ter sido apresentada exceção, seja em virtude de seu não
acolhimento.
50
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
demanda será levada, evitando-se, com isso, a aleatória (e, às vezes, até mesmo dirigida)
repartição da atuação jurisdicional. A lei, portanto, prefixa a atribuição outorgada a cada um dos
órgãos que exercem a jurisdição, esmiuçando a função que devam exercer.
b) Princípio da perpetuação da competência. De acordo com o princípio
d&perpetuatiojurisdictionis, a determinação da competência para exame de certa causa se dá no
início do processo, com a propositura da ação. Estabelecido o órgão jurisdicional competente,
ele o será até o final do processo, ainda que o critério de competência venha a ser alterado
futuramente. Assim, uma vez fixada a competência para certa causa -que se dá com a
propositura da ação -, o órgão permanece competente até o final do processo, sendo totalmente
irrelevantes eventuais modificações futuras, no estado de fato ou de direito da causa, ou mesmo
alterações legais, quanto às regras abstratas de competência.
Esse princípio é expresso no Código de Processo Civil brasileiro, que estabelece, em seu art. 87,
que "determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as
modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente...". Desse modo, os critérios abstratos de determinação de competência devem ser verificados no momento em que a
ação é proposta - ou seja, na dicção do art. 263 do CPC, no momento em que a petição inicial é
despachada pelo juiz, ou distribuída, onde houver mais de uma vara -, sendo que alterações subseqüentes são irrelevantes para a fixação do juízo competente. Assim, uma vez fixada a
competência para a ação, tornam-se irrelevantes eventuais modificações no estado de fato - v.g.,
a mudança de domicílio do réu, o perecimento da coisa demandada, a alteração do valor do
objeto litigioso do processo - ou de direito - como a alteração dos limites territoriais da comarca
em que se situava o imóvel demandado -, permanecendo a competência já determinada
anteriormente.
Diante desse princípio, extrai-se uma conclusão evidente: o exame da competência, feito em
qualquer momento do processo, sempre deve referir-se à apreciação da situação de fato e de
direito existente na época em que a ação foi proposta, e não ao momento em que a análise é
efetuada.
A observação do art. 87, antes referido, leva à conclusão de que o princípio em comento
submete-se a duas restrições. A parte final deste preceito estabelece de forma expressa tais
exceções, ao ditar que "são irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito
ocorridas, posteriormente, sal-
JURISDIÇÃO
51
vo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou
da hierarquia" (grifo nosso). Portanto, há duas hipóteses em que o princípio daperpetuatio
jurisdictionis não será aplicável. A primeira decorre de situação de pura lógica: se o órgão
judiciário não existe mais, não pode ele exercer qualquer competência e o feito deve ser encaminhado a outro órgão, que o sucede. O segundo caso mencionado refere-se a situações de
competência absoluta (competência material e funcional), fixada no interesse público. Assim, a
modificação do critério importa a alteração do sentido do interesse público, que justifica que a
regra nova prevaleça sobre o princípio basilar.
c) Princípio da competência sobre a competência. Este é o princípio que baliza toda a
verificação e os incidentes a respeito da competência. De acordo com esse princípio (chamado,
pelos alemães, de Kompetenz-Kompetenz), todo juiz tem competência para apreciar sua
competência para examinar determinada causa. Trata-se de decorrência inevitável da cláusula
que outorga ao magistrado da causa o poder de verificar a satisfação dos pressupostos
processuais. Se a competência é um destes pressupostos, é natural que o juiz da causa tenha o
poder de decidir (ao menos em primeira análise) sobre sua competência.
Evidentemente, essa análise, feita pelo magistrado a respeito de sua competência (ou sobre a
ausência dela), não vincula outros juizes, mesmo porque também estes detêm idêntica
prerrogativa. Dessa forma, as questões relativas àcompetênciado órgão jurisdicional para
apreciar certa questão devem ser levadas a ele diretamente, competindo-lhe avaliar, em primeiro
plano, a argüição promovida. A decisão tomada, porém, não é capaz de vincular outro órgão, de
forma que este também é livre para acolher, ou não, esta decisão, se a causa lhe for
encaminhada, ou mesmo para entender-se competente, ainda diante da aceitação da competência
para a causa pelo primeiro juiz. A uniformização de tais questões, para a hipótese em que haja
divergência entre órgãos a respeito da competência para a causa, se dá por meio de um incidente
processual, o conflito de competência, que será adiante examinado (v. item 4.1.8).
4.1.7 Prorrogação de competência
Como se viu no item 4.1.5, as regras que fixam determinadas modalidades de competência
{relativa) não têm caráter cogente e impositivo,
52
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de forma que podem ser desatendidas, diante de manifestação expressa ou tácita das partes, ou
ainda em razão de outros preceitos, que interferem em sua aplicação. Dessa forma, as regras que
fixam competência relativa podem ser modificadas, em razão de outras regras que incidem
sobre elas, fazendo alterar o foro ou o juízo que seria competente para conhecer de determinada
causa e, como conseqüência, fazendo prorrogar a competência de certo órgão jurisdicional.
Fala-se, então, em prorrogação de competência para designar o fenômeno pelo qual ojuiz tem
sua competência ampliada, deixando de ser incompetente para transformar-se em competente
para certa causa.
O direito brasileiro admite duas formas de prorrogação de competência: a voluntária e a legal.
A prorrogação será voluntária quando decorrer da manifestação da vontade das partes (ou, ao
menos, de uma delas). Como se viu anteriormente, a competência relativa é fixada no interesse
preponderante das partes, podendo as regras que a fixam, por isso mesmo, ceder diante da
vontade de tais sujeitos. Essa prorrogação voluntária poderá ser expressa, quando decorrer de
cláusula de eleição de foro, inserida em certo contrato. '6 Nesse caso, as partes convencionam,
de comum acordo, um foro (jamais um juízo) em que tramitará eventual ação resultante do
negócio jurídico.
Ao lado da prorrogação voluntária expressa, encontra-se a prorrogação voluntária tácita, que
decorre da manifestação de vontade de uma das partes e da omissão da outra, em opor-se
àquela. Isso acontece na hipótese de não oferecimento de exceção de incompetência, no prazo e
na forma prevista na legislação nacional. Como prevê o art. 114 do CPC, "prorroga-se a
competência, se o réu não opuser exceção declinatóriado foro e de juízo, no caso e prazo
legais". Assim, proposta a ação perante juízo relativamente incompetente {incompetência
territorial ou fixada pelo valor da causa, apenas), caberá ao réu deduzir, no prazo de quinze
dias (art. 305 do CPC), exceção de incompetência; não o fazendo, ojuiz incompetente adquire
competência para examinar a causa, sanando o defeito inicialmente gerado. Frise-se, mais uma
vez, que a prorrogação de competência apenas acontece em relação à incompetência relativa,
{i6)
Nao há, aqui, propriamente, prorrogação de competência, já que nesse caso a competência é fixada
antecedentemente, não se podendo falarem juiz incompetente que se converte em competente.
53
de forma que a dicção legal, ao aludir à "exceção declinatória de foro e de juízo", se refere
àcompetência territorial17 (a primeira) e àquela pelo valor da causa (a segunda), podendo-se
oferecer ambas simultaneamente.
Por seu turno, a prorrogação legal decorre de expressa determinação de lei. Há inúmeras
previsões legais que impõem o processamento de certas demandas perante o mesmo juízo, e
assim estendem a competência de um juiz para examinar causa que, em princípio, não seria de
sua competência. Apenas de forma exemplificativa, tome-se o contido nos arts. 108 e 109 do
CPC, que estabelecem que "a ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação
principal" e que "o juiz da causa principal é também competente para a reconvenção, a ação
decla-ratória incidental, as ações de garantia e outras que respeitam ao terceiro interveniente" .
Também releva, neste mesmo assunto, recordar a situação da chamada
v/satfrac/7Va,inerenteaosjuízosuniversais,comoofalimentarouodaexecu-ção concursal. De fato,
nessas últimas hipóteses, a propositura da ação gera a atração de todas (ou quase todas) as
demandas propostas a respeito do sujeito (falido ou insolvente), tornando-se o juízo
dafalênciaou o da insolvên-cia competente para qualquer ação relativa à massa de bens
produzida (art. 762 do CPC, e art. 7.°, § 2.°, da Lei 7.661/45).
Dentre as hipóteses de prorrogação legal de competência, destacam-se as figuras da conexão e
da continência. A legislação brasileira reputa que determinadas causas, pela vinculação que
apresentam umas com as outras, e pelo risco de decisões conflitantes que podem representar, devem ser julgadas por um único órgão jurisdicional. Concebe, portanto, os dois institutos como
formas de reunir, perante um único juízo, o exame de várias causas relacionadas entre si.
Dá-se a conexão, como informa o art. 103 do CPC, quando duas ou mais causas tiverem
idêntico objeto (pedido) ou igual causa de pedir (seja esta a próxima ou a remota). Por sua vez,
existirá continência (art. 104) entre duas ou mais ações, desde que haja identidade quanto às
partes e à causa de pedir, sendo ademais o objeto de uma mais amplo que o da(s) outra(s),
abrangendo-o(s). Das definições legais de ambos os institutos, vê-se com facilidade que a
continência nada mais é que um tipo especial
' Ressalvada a situação do art. 95, in fine, que trata, como visto, de competência absoluta.
JURISDIÇÃO
54
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de conexão -já que sempre exigirá a identidade da causa de pedir entre as ações propostas. Em
ambos os casos, diante da identidade de causa de pedir ou de pedido, verifica-se a afinidade
existente entre as ações, que conduzirá ao julgamento do mesmo tema (ao menos em parte) mais
de uma vez. Precisamente aí está o fundamento da reunião de processos determinada pela
conexão ou pela continência: evitar a coexistência de decisões contraditórias e dar maior
eficiência à atividade processual (princípio da economia processual) —já que, diante da
existência de questões comuns nas causas, será possível, muitas vezes, aproveitar atos de um
processo em outro, reduzindo custos e tempo de ambos.
Verificada a conexão ou a continência entre causas, cabível é a reunião dos processos; a
propósito, estabelece o art. 105 do CPC, que "havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício
ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente". Portanto, é conseqüência da existência
destas figuras a possibilidade de que os processos sejam reunidos, no especial objetivo de
receberem julgamento uniforme. Diz-se que há possibilidade (e não obrigatoriedade) de reunião
dos processos, não porque seja esta providência decisão arbitrária do magistrado; ao contrário,
caberá ao magistrado (ou aos magistrados envolvidos) examinar a conveniência da reunião,
tendo em conta os objetivos a que se destinam a conexão ou a continência (evitar decisões
conflitantes e privilegiar a economia processual). Assim, não fica ao livre talante do juiz reunir
ou não os processos; deve ele examinar se essa reunião levaria à satisfação de tais objetivos ou,
antes, geraria efeito contrário.18
De toda sorte, a reunião de ações conexas ou continentes pressupõe uma condição: a de que o
juízo que receber as demandas tenha condições de analisar a todas (satisfaça, portanto, a todos
os pressupostos processuais subjetivos referentes ao juiz, a saber, a jurisdição, a competência
absoluta e a imparcialidade). Assim, se o juiz não tem competência absoluta para certa
demanda, inaplicável o instituto da conexão ou da con"Sl O que ocorreria, por exemplo, se uma das causas já estivesse decidida, ou se a reunião das ações fosse
extremamente inconveniente para as partes de uma das causas, ou gerasse inevitável tumulto processual no juízo que
viesse a receber todas as demandas (imagi ne-se a situação em que se atribuísse a um único juízo todas as ações em
que se pretendesse determinado benefício fiscal).
JURISDIÇÃO
55
tinência para atribuir-lhe o julgamento daquela, ainda que outra causa assemelhada (com
idêntica causa de pedir ou igual pedido) tramite perante ele.
O critério utilizado pela legislação nacional para determinar o juízo em que serão reunidas as
causas em que haja conexão ou continência é um só: a prevenção. As demandas serão todas
processadas e julgadas perante o juiz prevento, havendo duas formas de definir-se essa característica. De acordo com o art. 106 do CPC, "correndo em separado ações conexas perante juizes
que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em
primeiro lugar". Por sua vez, o art. 219, do mesmo código, estabelece que "a citação válida torna
prevento o juízo...".
Aparentemente, da redação destes dois dispositivos citados, há contradição na definição do ato
que gera a prevenção do juízo, já que, em um preceito estabelece-se que a prevenção é
determinada pelo primeiro despacho, e em outra que ela é definida diante da primeira citação
válida. Entretanto, o conflito não existe, uma vez que tais regras tratam de situações distintas.
De fato, o art. 106 determina a prevenção na hipótese de se examinarem juízos com a mesma
competência territorial. Desta forma, havendo conexão entre duas causas que tramitam na
mesma comarca, perante juízos distintos, a reunião dar-se-á perante o juiz do processo em que
tenha ocorrido o primeiro despacho (pouco importando a natureza deste). Já se os juizes
envolvidos tiverem competência territorial diversa, o critério de determinação da prevenção
deixa de ser o primeiro despacho, passando a importar a primeira citação válida; assim, se
correm duas causas conexas em duas comarcas distintas, a reunião de ambas ocorrerá perante o
juiz do processo em que ocorreu a primeira citação válida. Significa isso dizer que a regra do
art. 106 trata de prevenção em relação à competência de juízo, enquanto o art. 219 alude à
prevenção em relação à competência de foro.
Porém, em todos os casos de reunião, os processos não perdem sua identidade própria,
permanecendo com sua autonomia formal, servindo ajunção apenas para a facilitação da
instrução e do julgamento. Outros-sim, a conexão e a continência devem determinar apenas a
reunião dos processos, e não a suspensão de um, ao aguardo da decisão do outro, já que tais
causas não se confundem com questões prejudiciais (art. 265,
56
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
4.1.8 Conflito de competência
A aplicação das regras anteriormente examinadas pode resultar em polêmica entre os diversos
órgãos jurisdicionais, a respeito de sua competência. Assim, pode ocorrer de os órgãos
possivelmente competentes para determinada causa rejeitarem essa condição, ou de mais de um
órgão dar-se como competente para certa demanda, ou ainda de haver disputa, entre órgãos, a
respeito da reunião e separação de processos. Em tais casos, o impasse surgido precisa ser
solucionado, e isso se dá por meio do chamado conflito de competência.
Observe-se, desde logo, que o conflito de competência sempre importará a divergência (a
respeito da competência) entre mais de um órgão jurisdicional. Esta é a fundamental diferença
entre essa figura e a exceção de incompetência, em que a competência de um (e um só) determinado órgão é questionada. Dessa forma, enquanto por meio da exceção de incompetência se
busca apontar a incompetência (relativa, apenas) de certo órgão, o incidente de conflito de
competência tende a solucionar divergência, surgida no seio da estrutura jurisdicional, a
propósito da fixação da competência (relativa ou absoluta) para certo conflito.
A legislação processual civil brasileira admite três razões distintas para a instauração do conflito
de competência: a) quando dois ou mais juizes se considerarem competentes para certa causa
(conflito positivo de competência); b) quando dois ou mais juizes reputarem-se incompetentes
para dada demanda judicial (conflito negativo de competência); c) finalmente, quando surgir
controvérsia a respeito da reunião ou separação de processos, entre dois ou mais juizes. Em
havendo qualquer dessas situações, terá lugar o conflito de competência, como forma de
resolver a controvérsia criada, fixando-se uma única autoridade judiciária como competente
para a causa (ou conjunto de causas).
O conflito de competência pode ser instaurado por iniciativa de qualquer das partes, pelo
Ministério Público ou ainda de ofício, por qualquer das autoridades jurisdicionais envolvidas
(art. 116 do CPC). Todavia, a parte que ofereceu, antes da instauração do conflito, exceção de
incompetência, fica proibida de provocar aquele incidente, já que estaria, por via transversa, ou
repetindo a alegação já exposta (se a exceção tivesse sido rejeitada), ou provocando medida
acobertada pela preclusão lógica (caso a exceção tivesse sido acolhida e encaminhada
JURISDIÇÃO
57
ao juízo suscitado). Por outro lado, a instauração do conflito não impede que o réu que não
suscitou exceção de incompetência o faça posteriormente, desde que ainda pendente o conflito
(art. 117, parágrafo único). Em qualquer caso, não importando o sujeito que tenha provocado a
formação do incidente, o Ministério Público será sempre ouvido (ou como parte, quando o
suscitar, ou como custos legis, nos demais casos - art. 116, parágrafo único).
O exame do conflito competirá sempre a um tribunal de maior hierarquia em relação a ambos os
órgãos envolvidos (ainda que nem sempre vinculado ao mesmo ramo do Poder Judiciário).
Dessa forma, o julgamento do conflito de competência caberá: a) ao Supremo Tribunal Federal,
quando envolver divergência entre Tribunais Superiores, entre si, ou em face de outros tribunais
(art. 102,1, o, da CF); b) ao Superior Tribunal de Justiça, quando referente a conflito entre
"quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102,1, o, bem como entre tribunal e juizes a
ele não vinculados e entre juizes vinculados a tribunais diversos"19 (art. 105, I, d, da CF); c) aos
Tribunais Regionais Federais, nos conflitos entre os juizes a eles vinculados (art. 108,1, e, da
CF); d) aos Tribunais de Justiça, quando o conflito for entre juizes a eles pertencentes.
O conflito de competência tem início por meio de petição - quando for provocado pelas partes
ou pelo Ministério Público - ou por ofício — quando suscitado diretamente por um dos juizes
envolvidos - ambos instruídos com os documentos necessários à demonstração dos fatos
envolvidos no incidente (art. 118, parágrafo único, do CPC). Encaminhado o conflito ao tribunal
competente e distribuído, o relator determinará a oitiva dos juizes envolvidos, em prazo
designado (ou apenas o juiz suscitado, quando o incidente tiver início por provocação de outro
juiz), abrindo-se vista ao Ministério Público (exceto quando for ele o suscitan-te), para
manifestar-se em cinco dias. Ultimadas essas providências, o relator apresentará o feito em
sessão, para julgamento. Ao julgar o conflito, o tribunal não apenas determinará o órgão
jurisdicional competente (encaminhando-lhe os autos em que foi suscitado o conflito de competência), como ainda decidirá sobre a validade dos atos praticados pelo juiz incompetente (art.
122, parágrafo único, do CPC).
<I'J)
o
Segundo prescreve a Súmula 22, do STJ, "não há conflito de competência entre ° Tribunal de Justiça e o Tribunal de
Alçada do mesmo Estado-membro".
58
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Evidentemente, no curso do processamento do incidente, poderá haver a necessidade de
paralisar o processo em discussão (no caso de conflito positivo), bem como a de fixar um juízo
provisório, para decidir sobre questões urgentes. Por conta disso, estabelece o art. 120 que
"poderá o relator, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, determinar, quando o
conflito for positivo, seja sobrestado o processo, mas, neste caso, bem como no de conflito
negativo, designará um dos juizes para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes".
Conforme prevê o art. 123, se o conflito envolver turmas, seções, câmaras, Conselho Superior
da Magistratura, juizes de segundo grau e desembargadores, serão observadas as regras
próprias, constantes do regimento interno do tribunal competente.
Por fim, resta lembrar que o conflito de competência só pode ser instaurado quando estiver em
discussão a competência jurisdicional de autoridades. Caso a discussão se trave sobre a
atribuição (competência) administrativa de autoridades judiciárias ou de autoridade judiciária e
autoridade administrativa, não haverá espaço para o conflito de competência. Será o caso de
instauração de conflito de atribuições, a ser processado e julgado conforme previsões do
regimento interno do tribunal competente (art. 124 do CPC).
4.2 Os poderes do juiz
O juiz, para bem exercer a jurisdição, deve possuir os instrumentos e os poderes para tanto.
O juiz do Estado contemporâneo não só tem o chamado poder de polícia (consistente no poder
de ordenar o processo, ou seja, de determinar, sem requerimento, que o advogado de uma das
partes entregue os autos do processo que indevidamente retém, ou, ainda, por exemplo, que uma
pessoa que está tumultuando a audiência seja retirada da sala) como também os poderes de, sem
requerimento da parte, isto é, de ofício, penalizaro litigante de má-fé, determinai" prova para a
melhor elucidação dos fatos e determinar medida para assegurar o resultado útil do processo.
O direito liberal clássico, que evidentemente não concebia a intervenção do Estado na esfera dos
particulares, refletiu-se na jurisdição, espelhando a figura de um juiz inerte, que deixava a sorte
do processo
59
unicamente às partes, sem nele poder interferir nem mesmo para determinar de ofício uma
prova, quando tinha consciência de que a "verdade" dos fatos estava sendo "construída" pela
astúcia ou em virtude de maior habilidade de uma das partes.
Em nome da liberdade dos cidadãos foi sustentada a neutralidade do juiz-que hoje sabidamente
emito—, supondo-se: I) ser possível um juiz despido de vontade inconsciente; II) ser a lei, como
pretendeu Montes-quieu, uma relação necessária fundada na natureza das coisas; III) predominar no processo o interesse das partes, e não o interesse público, na realização da "justiça";
e IV) que o julgador não deve importar-se com o resultado da instrução, como se a busca do
material adequado para sua decisão fosse problema exclusivo das partes, na qual o juiz não
devesse interferir.20
Com o Estado Social intensifica-se a participação do Estado na vida das pessoas e,
conseqüentemente, a participação do juiz no processo, que não deve mais apenas estar
preocupado com o cumprimento das "regras do jogo", cabendo-lhe agora zelar por um "processo
justo", capaz de permitir: I) ajusta aplicação das normas de direito material; II) a adequada
verificação dos fatos e a participação das partes em um contraditório real e não somente formal;
e III) a efetividade da tutela dos direitos, com um maior zelo pela ordem no processo, com a
repressão do litigante de má-fé, e com a determinação, a requerimento da parte, da tutela antecipatória, e da concessão, de ofício, da tutela cautelar.
A evolução da teoria do abuso do direito no processo sofreu um golpe com o advento do
liberalismo clássico, tanto é que o Código de Processo Civil francês, de 24 de abril de 1806,
deixou de reproduzir as regras que o antecederam, referentes ao abuso de direito no processo.
O Código de Processo Civil brasileiro afirma, em seu art. 17, que "reputa-se litigante de má-fé
aquele que: I) deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II)
alterar a verdade dos fatos; III) usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV) opuser
resistência injustificada ao andamento do processo; V) proceder de modo temerário em qualquer
incidente ou ato do processo; VI) provocar incidentes manifestamente infundados; VII)
interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório". O art. 18 do mesmo Código
estabelece,
JURISDIÇÃO
(20)
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 112.
60
MANUALDO PROCESSO DE CONHECIMENTO
T
ainda, que "o juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a
pagar multa não excedente a 1 % (um por cento) sobre o valor da causa e a indenizar a parte
contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que
efetuou".
Como se vê, o atual Código tipifica as condutas que são consideradas litigância de má-fé e ainda
afirma que o juiz ou o tribunal podem condenar de ofício a parte que incidir em tais condutas,
salvo a indenização devida por eventual prejuízo que puder ter sido causado.
Note-se que o juiz que não penaliza o litigante de má-fé, movido por condescendência, na
realidade penal iza a outra parte, ou aquela que bem procede em juízo, o que não só atenta
contra a idéia de que o processo é um instrumento ético, como desconsidera o princípio
constitucional de que as partes devem ser tratadas igualmente no processo.
Nesta linha, o art. 14 do CPC, alterado recentemente, passou a afirmar que é dever das partes e
de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo, "cumprir com exatidão os
provimentos mandamen-tais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de
natureza antecipató ria ou final" (art. 14, V), sob pena de o juiz poder penalizá-los com "multa
em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vi nte por
cento do valor da causa" (art. 14, parágrafo único).21
No que diz respeito à participação do juiz na busca da "verdade", é mais do que evidente que um
processo que pretenda estar de acordo com o princípio da igualdade não pode permitir que a
"verdade" dos fatos seja construída indevidamente pela parte mais astuta ou com o advogado
mais capaz.
Entende-se, nessa perspectiva, que o princípio dispositivo não tem qualquer ligação com a
instrução da causa, mas somente com a disponibilidade ou não do direito material. Por exemplo:
admite-se que o juiz possa determinar prova de ofício, mas não é possível que a ré, em uma ação
de separação judicial litigiosa, reconheça a procedência do pedido.
É óbvio que o princípio da imparcialidade não é obstáculo para que o juiz possa determinar
prova de ofício. Ao contrário, será parcial o juiz
12
" Sobre o novo art. 14 do CPC, ver Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr. e Marcelo Abelha Rodrigues. A nova
reforma processual. São Paulo: Saraiva, 2002.
JURISDIÇÃO
61
que, sabendo da necessidade de uma prova, julga como se o fato que deveria ser por ela
demonstrado não tivesse sido provado. Frise-se que o princípio do contraditório, que
obviamente é desenhado segundo as luzes do princípio da igualdade substancial, é fortalecido
por essa participação ativa do juiz, uma vez que também é evidente que não bastam oportunidades iguais àqueles que são substancialmente desiguais.
Alguém poderia dizer que o juiz, ao determinar uma prova de ofício, pode estar
inconscientemente comprometido com a procedência da demanda, e que, assim, esse poder não
deveria ser-lhe atribuído. Entretanto, ainda que exista tal risco, o fato é que, se tal poder não for
conferido ao juiz, muitos casos conflitivos concretos ficarão sem ajusta solução. A verdade é
que não deve haver diferença, para o juiz, entre querer que o processo conduza a resultado justo
e querer que vença a parte que tenha razão.22
Por outro lado, não tem cabimento supor que o juiz somente pode determinar prova de ofício no
processo que trata de direito indisponível, estando proibido de assim agir diante do processo que
se refere a direito disponível. O direito material em litígio não tem nada a ver com a participação do juiz, pois esta é necessária, de forma intensa, para que o processo, que é instrumento
do Estado, seja justo e coerente, pouco importando a disponibilidade ou não do direito material.
Entender que nos casos de direitos disponíveis o juiz pode limitar-se a acolher o que as partes
levaram ao processo é o mesmo que afirmar que o Estado não está muito preocupado com o que
se passa com os direitos disponíveis, ou que o processo que trata de direitos disponíveis não é o
processo que é instrumento público destinado a cumprir os objetivos do Estado!23
Além disso, é importante que o juiz aja de ofício quando em jogo a própria efetividade da sua
função jurisdicional, determinando medida cautelar. De acordo com o art. 797 do CPC, "só em
casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautela-res
sem a audiência das partes". Tais medidas podem ser determinadas independentemente de
requerimento da parte, uma vez que não visam satisfazer o direito material de quaisquer das
partes, mas apenas assegu"' BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Sobre a participação do juiz no processo civil".
Participação cprocesso. São Paulo: RT, 1988. p. 389. "'' MARINONI. Luiz Guilherme. Novas
linhas do processo civil, cit., p. 68.
62
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
rar o resultado útil do processo. Entende-se que o juiz pode determinar medida cautelar de ofício
nos casos excepcionais, bem como nos casos expressamente previstos em lei. O entendimento
contrário, no sentido de que o juiz somente poderia determinar medida cautelar de ofício nos
casos expressamente previstos em lei, sendo que estes estariam previstos em lei porque
excepcionais, não pode ser aceito, pois não há razão alguma para o legislador redigir um artigo
para dizer que o juiz pode fa-zeralgumacoisaquejálhe está autorizada pelalei.24 O art. 797, em
outras palavras, permite que o juiz aja de ofício, determinando medida cautelar, diante de
qualquer caso excepcional, até porque, se o caso é realmente excepcional, não pode ser
abstratamente formulado e previsto pelo legislador.
Além disso, a preocupação exagerada com o direito de defesa, fruto de visão excessivamente
comprometida com o liberalismo clássico-que, como é sabido, tinha razões para se preocupar
com a liberdade do cidadão e, portanto, demasiadamente com o direito de defesa—, não
permitiu por longo período a percepção de que o tempo do processo não pode ser um ônus
apenas do autor.
Note-se que o Código de Processo Civil afirma, em seu art. 22, que o réu que, por não argüir na
sua resposta fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, dilatar o julgamento
da lide, será condenado nas custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que
vencedor na causa, o direito de haver do vencido honorários advocatí-cios. Estabelece, ainda, o
art. 31 do mesmo Código que as despesas dos atos manifestamente protelatórios, impertinentes
ou supérfluos serão pagas pela parte que os tiver promovido ou praticado, quando impugnados
pela outra.
Tais artigos, como se percebe, destinam-se a estimular a tempestividade do processo, evitando
sua procrastinação. Contudo, a maior inovação contida no Código, que é a tutela antecipatória,
objetiva, antes de tudo, tornar real e concreto o direito constitucional à tempestividade da tutela
jurisdicional.
Ora, a tutela antecipatória permite a distribuição do ônus do tempo do processo, principalmente
quando é utilizada com base em abuso de
(24)
Nesse sentido, Egas Dirceu Moniz de Aragão, "Medidas cautelarcs inomina-das", Revista Brasileira de Direito
Processual 57/42.
JURISDIÇÃO
63
direito de defesa ou na evidência do direito postulado (art. 273, II e § 6.°, do CPC).25 O fato de a
tutela antecipatória ser um instituto novo, e portanto ainda não muito bem conhecido, tem
levado os juizes a uma certa timidez exagerada em seu uso. Entretanto, se todos sabem que o
maior mal do processo é sua duração, e que esta sempre prejudica o autor que tem razão e
beneficia, na mesma proporção, o réu que não a tem, não é mais possível que a tutela
antecipatória continue a ser pensada de forma indevida, a menos que se pretenda que o autor
continue a ser castigado e o réu beneficiado, ou, o que é pior, que se pretenda a fuga dos
cidadãos da "justiça estatal". Nessa fuga, alguns privilegiados procurariam vias alternativas,
enquanto outros acabariam por ter de aceitar a lesão de seus direitos, sem nada poder fazer - o
que é extremamente perigoso para a estabilidade social.
"° Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença,
cit.; A antecipação da tutela, cit.
5 AÇÃO
SUMÁRIO: 5.1 A contrapartida oferecida ao cidadão diante da proibição da autotutela -5.2 Ação de direito material,
pretensão de direito material e direito subjetivo - 5.3 As condições da ação - 5.4 O direito à adequada tutela
jurisdicional - 5.5 A ação que objetiva a reparação do dano e a ação com escopo preventivo. A nítida superioridade da
segunda sobre a primeira.
5.1 A contrapartida oferecida ao cidadão diante da proibição da autotutela
Tendo sido proibida a autotutela, e tendo o Estado assumido o dever de prestar a adequada
tutela jurisdicional—embora as atuais vias alternativas, antes estudadas, destinadas à solução
dos conflitos - naturalmente se conferiu ao cidadão o direito de recorrer ao Estado diante dos
conflitos de interesses.1
Tal direito, que na verdade é uma contrapartida diante da proibição da autotutela, é denominado
"direito de ação".
Inicialmente, a doutrina confundiu o direito de ação com o direito subjetivo material que o
direito de ação permitia que fosse apresentado
"Se o Estado proi biu a autotutela é correto afirmar que ele está obrigado a prestar a tutela jurisdicional adequada a
cada conflito de interesses. Nesta perspectiva, então, deve surgir a resposta intuitiva de que a inexistência de tutela
adequada a determinada situação conflitiva significa a própria negação da tutela a que o Estado se obrigou no
momento em que chamou a si o monopólio da jurisdição, já que o processo nada mais é do que a contrapartida que o
Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela" (MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da
tutela, cit., p. I 12).
65
ao Estado. Mais tarde, distinguiu-se o direito de ação (direito de ir a juízo) do direito material em litígio
(direito material insatisfeito e por isso levado a juízo em virtude do direito de ação).
Quando a doutrina desvinculou o direito de ação do direito material litigioso, estava preocupada em criar
uma "ciência" autônoma e independente do direito material, ou seja, do direito civil etc.
A necessidade de depurar as formas processuais da sua excessiva contaminação pelo direito substancial, a
elas imposta pela tradição jurídica do século XIX, levou a doutrina processual italiana, influenciada por
Giuseppe Chiovenda, a erguer as bases de um direito processual civil completamente desvinculado do
direito material.2
Na verdade, Chiovenda inaugurou aquela que é dita a nova escola processual italiana, chamada de escola
sistemática, e que foi marcada por deixar para trás o método exegético, próprio das tendências de origem
3
francesa, e assumir uma postura histórico-dogmática.
Essa postura, direcionada a demonstrar a autonomia do direito processual em relação ao direito material,
conduziu a doutrina a pensar em uma ação una e completamente abstrata em relação a este último. Por
conseqüência, tal doutrina formulou uma classificação das sentenças que, girando ao redor de referido
conceito de ação — o qual era considerado o pólo metodológico do direito processual - fundou-se em
critérios unicamente processuais e não se mostrou capaz de explicar como o juiz, através da sentença de
procedência, tutelava o direito material do autor.
Não é de estranhar, dessa forma, que esse direito de ação e essa classificação das sentenças não consigam
refletir a moderna preocupação de se pensar em um direito de ação e em sentenças realmente capazes de
tutelar o direito material.
A partir da formação da escola sistemática até bem pouco tempo atrás, a doutrina do processo esteve
mergulhada, por assim dizer, no interior do processo, preocupando-se exclusivamente com seu aspecto
técnico, e desconsiderando suas conotações éticas, seus objetivos sociais e políl2>
RAPISARDA, Cristina. Profilidella tutela civile inibitoria. Padova: Cedam,
O)
1987. p. 217.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitoria, cit., p. 386.
AÇÃO
66
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
F
ticos, bem como sua relação efetiva com o direito material, que é a sua razão de ser.4
Com efeito, esse mencionado período, chamado de "fase autonomista do processo", preocupouse exclusivamente em firmar as bases do direito processual civil, permitindo que o processo se
distanciasse perigosamente da realidade social e do direito material, o que acabou por influir no
rendimento do próprio processo, visto como instrumento destinado a permitir a atuação da
vontade concreta do direito.
A constatação de que o processo não atendia às necessidades sociais fez surgir, bem mais de
meio século após o início da formação da escola sistemática, nova perspectiva de análise, que
pode ser designada de "acesso à justiça"; o processo, a partir daí, passa a ser compreendido em
sua dimensão política, social e econômica.?
Com a nova questão, intitulada de "acesso à justiça", surgiram, dentre outras, a preocupação
com a efetividade do processo, ou melhor, a preocupação em se saber se o processo estava
realmente atendendo às expectativas do consumidor do serviço jurisdicional, que não desejava
outra coisa senão um processo que fosse capaz de conferir ao cidadão o mesmo resultado que
seria alcançado caso o agir (a ação) privado (de direito material) não estivesse proibido pelo
Estado.
O direito de ação, se necessita conferir ao cidadão o mesmo resultado que o direito material lhe
daria caso suas normas fossem espontaneamente observadas, passou a ser pensado como um
direito à adequada tutela jurisdicional, ou melhor, como um direito à preordenação de procedimentos hábeis para dar resposta adequada ao direito material. Quando se fala em direito à
preordenação de procedimentos, fala-se também em direito à preordenação de sentenças e meios
de execução capazes de tutelar, de forma efetiva, o direito material.
Não só o direito de ação passa a ser visto como um direito à tutela diferenciada e adequada a
cada caso conflitivo concreto, como a própria sentença passa a ser analisada como um
instrumento capaz de atender,
(4)
Nao se deseja negar, comoc evidente, a importância do trabalho dos doutrina-dores que viveram a chamada fase
autonomista do processo; foi este período que deu dignidade e autonomia ao direito processual, antes visto como simples procedura civile.
|5)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 386.
67
de forma efetiva, o direito material. A doutrina, de fato, acordou para o fato de que a sentença
deve ser um instrumento processual hábil para dar efetividade ao direito material, enquanto que
a classificação das tutelas deve corresponder aos resultados que as sentenças conferem aos
jurisdi-cionados, e que não podem ser distantes das necessidades do direito material. Melhor
explicando: a sentença, vista como instrumento processual, deve atender de forma efetiva ao
direito material, quando se fala em tutela dos direitos. A sentença não se confunde com a tutela.
A sentença, que pertence ao plano do direito processual, apenas presta a tutela do direito
6
material (e a tanto deve ser eficaz). Dessa forma, existe classificação das sentenças e
classificação das tutelas, as quais não podem ser confundidas.7
5.2 Ação de direito material, pretensão de direito material e direito subjetivo
Quando uma norma confere a alguém um direito subjetivo, e esse direito não é observado, surge
àquele que tem o referido direito a possibilidade de exigir que ele seja respeitado.
Essa possibilidade de exigir, exatamente porque é uma "possibilidade", é simples faculdade,
denominada "pretensão". A pretensão de direito material, em outras palavras, é mera faculdade.
Quando alguém exige a observância de seu direito, ocorre o exercício da pretensão de direito
material, que deixa de ser, portanto, mera potencialidade.
AÇÃO
(<í)
A sentença para a efetiva tutela dos direitos, isto é, o processo que deve atender de forma eletiva o plano do direito
material. Essa é a mensagem título da nova doutrina processual civil.
(7)
Como já dissemos, um dos obstáculos à efetividade da tutela dos direitos está presente "na idéia de que o direito
processual civil somente adquiriria importância científica se ficasse à distância do direito material, o que levou os
estudiosos do direito processual a não classificarem as diversas formas de tutela dos direitos, esquecendo algo que c
absolutamente fundamental para se verificar se o processo, como instrumento que é, está cumprindo os seus desígnios
no plano do direito substancial" (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit.,p. 60).
68
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Aquele que exerce sua pretensão de direito material, e assim exige a observância de seu direito,
fica à espera de uma resposta positiva.
Ora, quem espera ainda não age, isto é, não atua forçadamente para que o seu direito seja
observado. Na verdade, se é possível, em face do Estado contemporâneo, exigir a observância
de um direito, e assim exercer a pretensão de direito material, não é possível agir forçadamente
para que o direito seja observado, uma vez que foi proibida a autotutela.
Como foi proibida a autotutela, e o Estado tem o dever de conferir ao cidadão o mesmo
resultado que se verificaria caso o agir privado (a ação de direito material) não estivesse
proibido, é adequado e politicamente generoso o estudo do direito de ação como o direito à
invocação do poder do Estado para que este realize a ação de direito material que ele mesmo
proibiu, utilizando-se dos instrumentos processuais que devem estar adequadamente
preordenados para atender ao direito material.
5.3 As condições da ação
O art. 267, VI, do CPC afirma que se extingue o processo, sem julgamento do mérito, quando
não concorrer qualquer das condições da ação, como apossíbilidadejurídica, a legitimidade das
partes e o interesse processual.
As condições da ação, portanto, segundo o Código de Processo Civil, são três, quais sejam, a
possibilidade jurídica do pedido, a legitimidade das partes e o interesse processual.
Entende-se que, quando o ordenamento jurídico exclui a possibilidade do pedido, não há como o
juiz apreciar o pedido formulado pela parte. Exemplifica-se, costumeiramente, com a hipótese
de alguém pedir o divórcio em país cujo ordenamento jurídico não o contemple.
No que diz respeito ao interesse de agir, este repousa sobre o binômio necessidade+adequação.
A parte tem "necessidade" quando seu direito material não pode serrealizado sem a intervenção
do juiz. Contudo, além da "necessidade", exige-se a "adequação". Se a parte requer providência
jurisdicional incapaz de remediar a situação por ela narrada na fundamentação do seu pedido,
também falta o interesse de agir. O exemplo costumeiramente apontado é o do cidadão que
requer sentença manda-mental, em mandado de segurança, mas narra que tem direito a receber
determinado valor em dinheiro.
69
A legitimidade para a causa, também apontada como condição da ação, vem disciplinada, em
princípio, pelo art. 6.° do CPC, que afirma que "ninguém poderá pleitear, em nome próprio,
direito alheio, salvo quando autorizado por lei".
Isso quer dizer, em princípio, que somente tem legitimidade para a causa, na qualidade de autor,
aquele que se diz titular do direito material, podendo ser réu apenas aquele que, no plano do
direito material, tem a obrigação correspondente ao direito material afirmado na petição inicial.
É claro que algumas hipóteses excepcionam essa idéia de legitimidade para a causa, pois
existem determinadas regras que permitem que alguém postule em juízo em nome próprio e na
defesa de direito alheio (legitimação extraordinária). Além disso, considerado o denominado
"sistema de proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos" (Lei da Ação
Civil Pública e Título III do Código de Defesa do Consumidor), percebe-se que a idéia de
legitimidade para a causa não tem nada a ver com a titularidade do direito material, até porque
não se pode dizer, por exemplo, que alguém é titular do direito à higidez do meio ambiente
(direito difuso, cuja titularidade é indeterminada). Na verdade, nesses casos, a legitimidade para
a causa não é concebida nos moldes do processo individual, mas sim para adequar-se ao
chamado processo coletivo.
O Código de Processo Civil prevê as referidas condições em virtude da teoria chamada de
eclética, devida a Enrico Tullio Liebman, brilhante processualista e professor italiano que viveu
alguns anos no Brasil.8
Afirmou-se que as condições da ação seriam requisitos para sua existência. Quando não
estivessem presentes as condições, não haveria ação nem mesmo função jurisdicional. Para os
partidários da referida teoria, o juiz não exerceria função jurisdicional se não julgasse o mérito,
e assim, se não estivessem presentes as condições da ação, que autorizariam o magistrado a
julgar o pedido formulado pelo autor, proferindo sentença de procedência ou de improcedência.
AÇÃO
(S)
Convém alertar que Liebman, a partir da 3.a edição do seu Manuale, e certamente depois que o Código de Processo
Civil brasileiro havia sido pensado, abandonou a possibilidade jurídica do pedido, reduzindo as condições da ação
apenas à legitimidade para a causa e ao interesse de agir. Isto porque, quando a postulação solicitada pelo autor não
pudesse ser atendida, faltaria o próprio interesse de agir.
70
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ora, é lógico que deve existir o direito de se pedir ao juiz uma manifestação, ainda que seja a
respeito da presença de uma condição da ação. Se este não é um direito de ação, porque as suas
condições não estão presentes, logicamente outro direito deve existir- muito importante e com
qualquer denominação -para obrigar o juiz a atender àpossibilidade que a parte tem de recorrer à
"justiça". Portanto, as afirmações i) de que o juiz não exerce função jurisdicional quando
conclui que uma condição da ação não está presente e ii) de que nesse caso não se responde a
um direito do autor, são completamente insustentáveis.
Se as condições da ação devem ser apreciadas apenas em virtude da afirmação do autor (o autor
afirma-se proprietário do imóvel na ação de reivindicação, pouco importando a prova realizada,
e neste caso, por exemplo, existe condição da ação) ou devem estar presentes em face da
afirmação constante na petição inicial e da prova realizada no processo (o autor afirma ser
proprietário do imóvel e a prova é no sentido de que outro é seu proprietário, pelo que faltaria,
por exemplo, legitimidade para a causa), o fato é que as condições da ação, por dizerem respeito
ao direito material, fazem com que a afirmação da ausência de uma delas sej a, na realidade, um
caso de afirmação macroscópica de falta de amparo do autor perante o direito material. Ora, se
no processo individual, exceto hipóteses excepcionais, o juiz afirma que o autor não tem
legitimidade para a causa porque não é o titular do direito material, ele está afirmando que o
autor não tem direito material a ser postulado.
Se determinado pedido é excluído pelo ordenamento jurídico, não existindo sequer a
possibilidade de alguém exigir sua realização no plano do direito material, não há pretensão de
direito material; o que se afirma quando se diz que não há possibilidade jurídica do pedido no
caso de cobrança de dívida de jogo é que não há pretensão de direito material.
Quando não há interesse de agir (necessidade) porque uma dívida não está vencida, também não
há pretensão de direito material, ou possibilidade de se exigir a cobrança da dívida. Por fim,
quando foi narrado o direito ao recebimento de um valor em dinheiro, e requereu-se o procedimento do mandado de segurança e sentença mandamental, a via processual eleita, que deve
substituir a ação de direito material proibida, não é a adequada.
Qual, pois, a razão para se falar em condições da ação? A resposta é simples, e se relaciona com
uma inadequada compreensão do instituto
AÇÃO
71
da coisa julgada material. Supõe-se que a sentença que afirma a ausência de uma condição da
ação não produz coisa julgada material; isto porque aquele que buscou o juízo, e recebeu urna
sentença que afirmou a ausência, por exemplo, de interesse de agir por inadequação da via
eleita, deve poder voltar a juízo para postular através da via adequada. Se é evidente que aquele
que escolheu a via errada deve ter o direito de voltar a ingressar em juízo através da via
adequada, é completamente falso que a sentença que afirma que a via escolhida é inadequada
não produza coisa julgada material, e que somente por isso o autor tem o direito de voltar a
juízo elegendo a via correta. A sentença que afirmou que a via escolhida pelo autor não era
adequada não permite que o autor volte a juízo através da viaja afirmada inadequada, e nesse
sentido produz coisa julgada material, impedindo a propositura da ação que já foi proposta. Ora,
quando é solicitada ao juiz a via adequada - e, portanto, uma outra via, diferente daquela que j á
foi afirmada inadequada -, o juiz está diante de outra ação, diferente daquela que produziu
coisa julgada material. Se é assim — e isto é que não é bem entendido por aqueles que pensam
que a sentença que afirma a ausência de condição da ação não produz coisa julgada material -, é
evidente que a sentença que afirma a ausência de condição da ação e a sentença que julga
improcedente o pedido (por não ter o autor o direito que afirma possuir), têm o mesmo efeito.
Em outras palavras, não há vantagem alguma em se falar em sentença de carência da ação, em
vez de se pensar cm sentença de improcedência do pedido. Na verdade, como a afirmação da
ausência de condição da ação diz alguma coisa no plano do direito material, é equivocada a
posição do nosso Código de Processo Civil, no sentido de que o juiz pode sentenciar afirmando
a ausência de condição da ação ou sentenciar afirmando a existência ou não do direito material
afirmado em juízo. Melhor explicando: não deveria existir condição de ação, e nesse caso o
Código de Processo Civil não precisaria, justamente porque em tese não deveria, distinguir a
sentença de carência de ação da sentença que "julga o direito substancial" (pedido).
5.4 O direito à adequada tutela jurisdicional
Seja sabemos que o Estado, em determinado período, proibiu a au-totutela, assumindo o poder e
o dever de solucionar os conflitos, deve-se frisar que o Estado tem o dever de conferir àquele
que busca sua inter-
72
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
T
venção o mesmo resultado que existiria caso fosse espontaneamente observada a norma de
direito material, ou fosse realizada a ação privada (autotutela) que foi proibida.
Com efeito, se o Estado proibiu a autotutela e assumiu o poder de solucionar os casos
conflitivos concretos, ele também assumiu o grave dever de prestar aos cidadãos aquilo que
denominamos de "adequada tutela jurisdicional".
O art. 5.°, XXXV, da CF, afirma que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito". Este, que é o chamado "princípio da inafastabilidade", atualmente é
compreendido como o princípio constitucional garantidor do acesso à justiça.
O direito de acesso à justiça, que na verdade garante a realização concreta de todos os demais
direitos, exige que sejam preordenados procedimentos destinados a conferir ao jurisdicionado o
direito à tutela adequada, tempestiva e efetiva.
Nesse sentido, por direito de acesso à justiça entende-se o direito à preordenação de
procedimentos realmente capazes de prestar a tutela adequada, tempestiva e efetiva.9
É claro que quando se fala, lato sensu, de direito à tutela adequada, supõe-se que essa tutela
também é tempestiva e efetiva. Porém, há como melhor explicar quando há uma tutela
adequada, ou uma tutela tempestiva ou uma tutela efetiva.
Há tutela adequada quando, para determinado caso concreto, há procedimento que pode ser dito
adequado, porque hábil para atender determinada situação concreta, que é peculiar ou não a uma
situação de direito material.
O procedimento especial que serve à tutela, por exemplo, de reintegração ou manutenção de
posse, prevê tutela antecipatória, que deve ser deferida pelo juiz, antes da ouvida do réu, se a
petição inicial estiver devidamente instruída (art. 928 do CPC). Nesse caso o autor deve provar
na petição inicial: I) sua posse; II) a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III) a data da
turbação ou esbulho; IV) a continuação da posse, em|9)
Sobre a relação entre os princípios da efetividade e da ampla defesa, ver Delosmar Mendonça Júnior, Princípios
cia ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo, Malheiros, 2001.
AÇÃO
73
bora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração (art. 927 do
CPC). Essa tutela diferenciada atende, como é óbvio, a determinada situação de direito material.
Há, contudo, situações que não são peculiares a uma situação de direito material, mas que, ao
contrário, podem surgir em face de diversas situações de direito material. Assim, por exemplo,
determinado direito, que está sendo ameaçado de violação ou foi violado pelo Poder Público, e
que pode ser tutelado por sentença do tipo mandamental, pode ser líquido e certo ou não, ou
melhor, pode não requerer prova diferente da documental ou pode exigir prova testemunhai ou
pericial.10
Se o mencionado direito exige prova testemunhai ou pericial, não pode ser usado o
procedimento do mandado de segurança, que somente admite aprova documental, e nesse
sentido o "direito líquido e certo". Apenas quando não é necessária prova diferente da
documental é que cabe o procedimento diferenciado do mandado de segurança.
No caso do procedimento criado para a correta tutela da posse, a tutela antecipatória, antes da
ouvida do réu, quando o autor prova os elementos acima descritos, deve ser deferida em razão
de ser "adequada" para a tutela da posse. Por outro lado, apresenta-se como "adequado" o
procedimento do mandado de segurança, que também possui liminar em seu bojo, para o
cidadão que tem um direito ameaçado ou violado pelo Poder Público, e que pode demonstrar
seu direito de plano, com a apresentação da petição inicial.
Note-se, porém, que se o procedimento do mandado de segurança serve para diversas situações
de direito substancial, o procedimento das "ações possessórias", descrito no Código de Processo
Civil a partir do art. 920, é "adequado" apenas para a tutela da posse.
Além disso, é inegável que o cidadão tem direito a uma tutela tempestiva. Lembre-se que a
Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, em seu
art. 6.°, § 1.°, garante que toda "pessoa tem direito a uma audiência eqüitativa e pública, den(
"' Art. 1.", capui, da Lei 1.533/5 1: "Conccdcr-se-á mandado do segurança para proteger direito líquido e certo, não
amparado por Imbecis corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver
justo receio de solrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for ou sejam quais forem as funções que
exerça".
74
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
T
tro de um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial", ao passo que a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8.° - que tem plena vigência no território
brasileiro, em face do art. 5.°, § 2.°, da CF -, afirma que "toda pessoa tem direito de ser ouvida
com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...)"•
É necessário que ao tempo do processo sejaconferido seu devido valor, uma vez que, no escopo
básico de tutela dos direitos, o processo terá maior capacidade para atender aos anseios do
cidadão, quanto mais prontamente tutelar o direito do autor que tem razão.
Quando é reivindicado um bem da vida, o tempo do processo sempre prejudica o autor que tem
razão, beneficiando na mesma proporção o réu que não atem.
Ora, se o processo retira da vida seu próprio impulso, ele não pode -apenas porque se destina a
descobrir a "verdade" - deixar de considerar as necessidades do cidadão, a menos que deseje
celebrar, através de procedimento fúnebre, não só o seu rompimento com a vida como também a
sua completa falta de capacidade para realizar os escopos do Estado.''
Se é evidente que a tutela jurisdicional deve ser prestada, na medida do possível, de forma
rápida, e que para tanto é imprescindível boa organização judiciária e sobretudo número
razoável de magistrados bem preparados, também é certo que o procedimento, em sua estrutura
técnica, deve conter mecanismos que viabilizem distribuição racional do tempo do processo.
Nessa perspectiva, a tutela antecipatória, baseada em fundado receio de dano ou em abuso de
direito de defesa, é fundamental para o bom desempenho do Poder Judiciário. Nessa linha, é
correto dizer que a tutela antecipatória também é garantida pelo princípio constitucional da inafastabilidade (art. 5.°, XXXV, da CF).
Além disso, ou seja, além de a tutela jurisdicional ter que ser "tempestiva", ela deve ser
"efetiva".
O juiz italiano, por exemplo, salvo hipóteses excepcionais previstas na legislação extravagante
ao Código de Processo Civil, somente pode declarar, constituir ou condenar. Não é possível a
ele, no procedimento
ANDOLINA, ítalo. "CognizJoiie" ed "esecuzione forz.ata" nel sistema delia tutela giitrisdizionale. Milano: Giuffrè, 1983.
p. 21.
75
comum fundado no Código de Processo Civil, ordenar sob pena de multa. Se o juiz italiano não
pode ordenar sob pena de multa, também é impossível a ele - exceto hipóteses consagradas em
leis especiais - impedir a prática ou a repetição de um ilícito através do processo de
conhecimento, uma vez que, como é evidente, é fundamental para impedir a prática ou a
repetição de um ilícito, ordenar um não-fazer ou um fazer sob pena de coerção indireta,
atuando-se sobre a vontade do demandado.
Quando se fala em tutela "efetiva", deseja-se chamar a atenção para a necessidade de a tutela
jurisdicional poder realizar concretamente os direitos, e não apenas declará-los (ou proclamálos, pois a lei já cuida disso) ou condenar o demandado (na verdade exortar o réu a adimplir a
sentença, que, em caso de não-observância espontânea, apenas se sujeita à ação de execução). n
A necessidade de uma adequada tutela preventiva - que é, sem dúvida, a mais importante de
todas as tutelas - exige a estruturação de um procedimento de conhecimento autônomo, dotado
de tutela antecipató-ria, e que desemboca em sentença que possa impor um não fazer ou um
fazer sob pena de multa. Um procedimento desse tipo - que permite a concessão da tutela
inibitória13 — é absolutamente fundamental em um ordenamento jurídico que se empenha em
dar efetividade aos direitos que consagra, especialmente aos direitos não patrimoniais, os quais
não podem ser efetivamente tutelados através das sentenças declaratória, constitutiva e
condenatória, ou seja, através das sentenças da classificação trinária.
5.5 A ação que objetiva a reparação do dano e a ação com escopo preventivo. A nítida
superioridade da segunda sobre a primeira
O processo civil clássico fundou-se nas idéias liberais clássicas, dentre elas na de que a
liberdade individual deveria ser preservada a qualquer custo, sendo impossível ao juiz, nessa
linha, atuar sobre a vontade do réu para constrangê-lo a adimplir sua decisão.
"' Sobre isso, ver Marcelo Lima Guerra, Direitos fundamentais e a proteção do
AÇÃO
credor na execução civil, São Paulo, RT, 2003.
1
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit.; Sérgio Cruz Arenhart, Tutela inibitória da vida privada, São
Paulo, RT, 2000.
76
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
r
É por isso que a sentença declaratória é a que melhor responde aos anseios do direito liberal e a
que menos importa quando se pensa em uma tutela inibitória realmente efetiva.
A sentença declaratória, concebida como sentença que regula apenas formalmente uma relação
jurídica, sem interferir concretamente na realidade social, está totalmente de acordo com a
14
concepção liberal de Estado, precisamente com a idéia de que o juiz não pode interferir na
esfera jurídica do indivíduo.
O juiz que não pode interferir na esfera jurídica do particular também não pode tutelar os
direitos que dependem de um magistrado que possa atuar sobre a vontade do cidadão. Acontece
que o processo civil tradicional - fundado nas idéias de procedimento comum, sem tutela
antecipatória, e na classificação trinária das sentenças (declaratória, constitutiva e condenatória)
- foi concebido para dar tutela aos direitos patrimoniais de cem anos atrás.
Para o direito liberal não só não importava a qualidade da parte como também não importava a
qualidade do bem em litígio. A essa abstração, isto é, a essa indiferença pela diversidade das
pessoas e dos bens - que, diga-se de passagem, era absolutamente natural para o direito liberal
clássico —, correspondia, no plano da sanção que podia ser imposta pelo juiz, a tutela
ressarcitória, que não alterava - e isso era adequado para o direito liberal — o natural
funcionamento dos mecanismos de mercado.
A tutela ressarcitória, limitando-se a exprimir o equivalente em dinheiro do bem almejado, nega
as necessidades de determinado grupo ou classe e a diversidade de importância dos bens. Nada
mais natural quando o objetivo é o de preservar o funcionamento de mercado, sem qualquer
preocupação com a tutela das posições social e economicamente mais fracas.15
Ora, se o direito a ser tutelado possuía natureza patrimonial, e podia -conservando sua
importância e valor - ser convertido em pecúnia, a tutela ressarcitória pelo equivalente era
efetiva em caso de violação de direito. Nessa mesma linha, não se poderia pensar em tutela
inibitória ou em tutela prevenRAPISARDA, Cristina. Pmjilidella tutela civile inibitória, cit., p. 70. MAZZAMUTO, Salvatore. L
'attuazionedegli'obblighidifare. Napoli: Jovene, 1978. p. 37; Dl MAJO, Adolfo. La tutela civile dei diritti. Milano:
Giuffrè, l"J93.p. 156.
AÇÃO
77
tiva, uma vez que o juiz não podia interferir na liberdade do indivíduo, obri-gando-o a não
cometer um ilícito, e o direito que necessitava de tutela, por ser patrimonial e poder ser
convertido em dinheiro, podia ser efetivamente reparado em dinheiro, e, tomando-se em
consideração esta última hipótese, não era sequer preciso a concepção de uma tutela preventiva.
A tutela inibitória (ver adiante o item que trata desse tema), que exige uma quarta modalidade
de sentença - a sentença mandamental — para ser efetivamente prestada, assume vital
importância em todas as sociedades modernas, a partir da necessidade de se conferir uma tutela
preventiva realmente efetiva às novas situações jurídicas, freqüentemente de conteúdo não
patrimonial ou prevalentemente não patrimonial, em que se concretizam os direitos
fundamentais do cidadão.16
A contraposição sentença declaratória-tutela inibitória expressa diferentes valores e
necessidades, sendo a primeira marcada pelo desejo de não se permitir a intervenção do Estado
nas relações dos particulares, e a segunda por uma exigência praticamente oposta, ou seja, por
uma real necessidade de se impedir a violação de direitos considerados fundamentais dentro de
um contexto de Estado que, deixando de lado a necessidade de apenas preservar a liberdade do
cidadão, passa a apostar não só na consagração formal mas também na tutela efetiva e concreta
de direitos imprescindíveis para uma organização social mais justa e equânime.17
A tutela inibitória tem grande importância dentro da atual sociedade, e fundamentalmente diante
dos direitos que não podem ser violados para que sejam realmente tutelados. O direito à higidez
do meio ambiente, por exemplo, caso não seja efetivamente protegido antes de sua violação,
pode ser expropriado ou transformado em dinheiro. Ora, se o ordenamento jurídico não prevê
tutela inibitória, e ao mesmo tempo afirma a existência de um direito não-patrimonial, ele está
apenas, e infelizmente, "enganando" os cidadãos, pois na realidade está admitindo que todos
podem lesar tal "direito" desde que se disponham a pagar por ele, o que é muito conveniente
quando se sabe que, nesse caso, o agressor do direito somente teria que desembolsar algum
dinheiro depois que fosse condenado e executado, e isso ocorreria, na melhor das hipóteses,
depois de longos anos de batalha judicial.
"6)
RAPISARDA, Cristina. Profili delia tutela civile inibitória, cit., p. 64. " 7) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela
inibitória, cit., p. 192.
T
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
SUMÁRIO: 6.1 O processo como instrumento da jurisdição - 6.2 Processo de conhecimento, processo de execução c
processo cautelar: diferenças básicas - 6.3 Procedimento ordinário, procedimento sumário e procedimento especial:
6.3.1 Primeiras considerações; 6.3.2 Procedimento sumário; 6.3.3 Procedimentos especiais.
6.1 O processo como instrumento da jurisdição
Se a jurisdição é apenas uma das manifestações do poder do Estado, é lógico que ela deve ser
exercida por alguém e por meio de algo.
A jurisdição é exercida pelo juiz, devidamente investido no poder do Estado, e por meio do
processo. Em outras palavras, o processo é o instrumento pelo qual o Estado exerce a jurisdição.
Se o processo é um instrumento, e se para o exercício da jurisdição por meio do processo são
traçados, pela lei, vários procedimentos - que devem estar de acordo com as normas e valores
constitucionais —, o processo pode ser definido como o procedimento que, atendendo aos
ditames da Constituição da República, permite que o juiz exerça sua função jurisdicional.
O procedimento deve, em primeiro lugar, observar as chamadas garantias de justiça contidas na
Constituição, como, por exemplo, o direito à fundamentação das decisões do juiz. Nesse
aspecto, aliás, é de fundamental importância o direito ao contraditório.
O poder do Estado, que é uno, é exercido através de procedimentos, como o procedimento
legislativo e o procedimento jurisdicional. Acontece que tais procedimentos, que culminam na
edição de um ato de poder, como a lei e a decisão do juiz, devem ser legítimos, ou melhor, devem legitimar o exercício do poder.
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
79
Como o poder, nas democracias, é legitimado pela participação daqueles que são atingidos pelo
seu exercício, a participação no procedimento que culmina na criação da lei dá-se através da
eleição de representantes capazes de criá-la, isto é, através da chamada democracia representativa. Como o juiz não é eleito, a pergunta que deve surgir é no sentido de como o exercício
do poder jurisdicional é legitimado. Pois o exercício do poder jurisdicional somente é legítimo
quando participam do procedimento que terminará na edição da decisão aqueles que serão por
ela atingidos. Em outros termos, somente existirá procedimento legítimo e, portanto, processo,
quando dele participarem aqueles que serão atingidos pela decisão do juiz.
Se o que importa é o princípio político da participação, no processo jurisdicional essa
necessidade de participação é representada pelo instituto do contraditório. O "princípio do
contraditório" é apenas o nome jurídico que se dá à necessidade de, no processo jurisdicional,
participarem os interessados. Fala-se, por isso mesmo, em participação em contraditório.
Essa participação em contraditório, devendo estar de acordo com os valores da Constituição da
República, e especialmente com a igualdade substancial - e não com a igualdade meramente
formal —, deve traduzir-se na possibilidade de uma participação concreta no processo.
Melhor explicando: se a participação, na democracia, deve ser concreta, não basta possibilitar-se
a mera participação formal, mas é fundamental que sejam conferidas iguais oportunidades de
participação aos interessados. Isto para não se falar que essa possibilidade de participação deve
ser adequada e razoável, sendo desarrazoado, por exemplo, o procedimento que prevê prazo
muito exíguo (e dessa forma não adequado) para a parte interpor recurso.
Além disso, como o processo jurisdicional é instrumento para a concretização dos fins do
Estado traduzidos na lei a ser efetivamente aplicada, não é legítimo o procedimento que realiza
um direito discriminador ou desatento aos valores do "Estado Democrático de Direito".
Por outro lado, a possibilidade concreta de participação também não basta quando o
procedimento, embora garantindo essa participação, privilegia valores que não devem ser
privilegiados em face da Constituição da República.
80
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
1
Os procedimentos, como todos os atos do Poder Público, devem estar em consonância com o
princípio da igualdade. Vale dizer: o legislador infraconstitucional é obrigado a desenhar
procedimentos que não constituam "privilégios", bem como, para atender aos socialmente mais
carentes, a estruturar procedimentos que sejam diferenciados, na medida em que, como escreve
Nicolò Trocker, a diferenciação de procedimentos é exigência insuprimível em um ordenamento
1
que se inspira no princípio da igualdade.
O procedimento que está em desacordo com o princípio da igualdade substancial não é o
dueprocess oflaw. A cláusula do devido processo legal, com efeito, não é mais mera garantia
processual, tendo-se transformado, ao lado do princípio da igualdade, "no mais importante
instrumento jurídico protetor das liberdades públicas, com destaque para a sua novel função de
controle do arbítrio legislativo e da discricionariedade governamental, notadamente da
"razoabilidade" (reasonableness) e da "racionalidade" (rationality) das normas jurídicas e dos
atos em geral do Poder Público".2
A cláusula do devido processo legal no sentido substancial, na realidade, permite o controle da
legitimidade das normas jurídicas através do princípio da isonomia substancial. Ora, como já
escreveu San Tiago Dantas, nem todo ato legislativo formalmente perfeito é due process of law.
Para que o seja, é necessário que esse ato, no seu conteúdo normativo, esteja de acordo com o
princípio da igualdade.3
Dessa forma, o controle da razoabilidade da lei, realizada em virtude da garantia do devido
processo legal, tem por fim evitar leis que sejam arbitrárias, ou melhor, leis ou procedimentos
judiciais que discriminem em desatenção ao princípio da igualdade, ou que deixem de
diferenciar quando necessário à sua observância. Ou seja, a cláusula inclui "a proibição ao
Poder Legislativo de editar leis discriminatórias, ou em que sejam
111
TROCKER , Nicolò. Processo civile e costituzione. Milano: Giuffrè, 1974,
p. 701. '-' Cf. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira Castro. O devido processo legal e a
razpabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1989. p. 31. 111 DANTAS, F. C. de San Tiago. Problemas de direito positivo. Rio de Janeiro:
Forense, 1953. p. 34.
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
g1
negócios, coisas ou pessoas tratados com desigualdade em ponto sobre os quais não haja entre
eles diferenças razoáveis, ou que exijam, por sua natureza, medidas singulares ou diferenciais".4
Não há duvida, por exemplo, que a execução privada do Decreto-lei 70/66 atenta contra o
princípio da igualdade.5 Aliás, oTribunal de Alçada Civil do Rio Grande do Sul, 6 referindo-se ao
procedimento do Decreto-lei 70/66, não só afirmou que o princípio da isonomia é desobedecido
"quando se confere a grupos econômicos o uso de remédios jurídicos diferentes, por mais ágeis,
ou sem emprego do Judiciário", mas também que tal procedimento revela uma opção ideológica
incompatível com a atual Constituição.7
6.2 Processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar: diferenças
básicas
A demonstração das diferenças, ainda que básicas, entre processo de conhecimento, processo de
execução e processo cautelar é bastante difícil, principalmente porque o delineamento desses
processos foi feito pensando-se na tutela de direitos de épocas passadas, e por isso mesmo tais
processos mostraram-se inadequados para dar efetiva tutela aos novos direitos.
Para a efetiva tutela dos "novos direitos", o processo de conhecimento, além de ganhar a
denominada "tutela antecipatória" (ver adiante o item
(4)
Cf. CAMPOS, Francisco. "Igualdade de todos perante a lei", Revista de Direito Administrativo 1/412.
A execução extrajudicial prevista no Decreto-lei 70/66 permite a "execução privada", na medida em que autoriza o
credor a providenciar privadamente, em caso de inadimplemento do devedor, o leilão público do bem dado em garantia, sem a prévia autorização do Poder Judiciário. Isto visa que o direito do credor (instituições financeiras) seja
realizado de forma bastante célere. E quando o credor é o homem comum? Além disso, não é possível esquecer que a
própria Constituição da República só permite que alguém seja privado dos seus bens após o devido processo legal,
enquanto que o referido procedimento permite o leilão do bem que foi dado em garantia pelo devedor sem sequer a
instauração do processo!!
(íl)
Aja ris 49/99.
(7)
MARINONI, Luiz Guilherme. Efetividade do processo e tutela de urgência, cit.,p. 73-74.
(5>
82
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que trata desse tema), incorporou, à classificação trinária, duas novas sentenças, quais sejam, as
sentenças mandamental e executiva (ver adiante os itens que tratam das sentenças mandamental
e executiva).
Supunha-se, antigamente, que no processo de conhecimento - após o autor afirmar possuir um
direito e o réu o contestar- deveria o juiz verificar - inclusive, se fosse o caso, deferindo provas aquele que tinha razão, para apenas "declarar" que o direito era existente ou inexistente.
Nesse sentido afirmava-se que no processo de conhecimento o juiz partia da afirmação de um
fato para chegar na "declaração" de um direito. As três sentenças do processo de conhecimento
clássico são, nessa perspectiva-ou seja, lato.s<?«.vu-, declaratórias. As sentenças declarató-ria
stricto sensu, constitutiva e condenatória são feitas - para seguir a expressão de um grande
jurista italiano8 - com o metal da "declaração", embora o juiz, nas sentenças constitutiva e
condenatória, ainda que declarando, ultrapasse a mera declaração, e então "constitua desconstitua" uma situação jurídica ou condene.
Embora a classificação das sentenças deva ser melhor explicada na segunda parte deste livro
(item que trata da sentença), é bom voltar a frisar que todas as sentenças contêm declaração. A
sentença constitutiva, por exemplo, antes de formar, modificar ou extinguir uma relação jurídica, declara algo que possibilita a constituição ou a desconstituição.
A sentença declaratória difere da constitutiva na medida em que ela é apenas declaratória, e por
isso é chamada de declaratória stricto sensu. Assim, se o autorpretendedesconstituirsua relação
conjugai, eepropostaação de separação judicial, é lógico que, por exemplo, se a ação é fundada
em conduta desonrosa, a sentença terá que declarar tal conduta como pressuposto para a
desconstituição da sociedade conjugai, que é o pedido realizado e que deve ser atendido pela
sentença de procedência (desconstitutiva).
Por sua vez, a sentença condenatória diferencia-se da sentença declaratória apenas porque abre
oportunidade para a propositura da ação de execução. Melhor explicando: o autor pode, apesar
de o seu direito já ter sido violado, pedir simplesmente que o juiz declare a responsabilida de do
réu pela prática do ato que violou seu direito e lhe produziu danos (sentença declaratória stricto
sensu). Entretanto, se o autor deseja incleCARNELUTTI, Franccsco. Dirilto eprocesso. Napoli: Morano, 1958. p. 126.
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
83
nização pelos danos, ele deve postular uma sentença que condene o réu a pagar uma quantia
em dinheiro como indenização, e que declare, apenas como pressuposto para a condenação, a
responsabilidade do réu. Perceba-se que a sentença condenatória foi além da sentença declaratória, condenando o réu a pagar.
Na verdade, a sentença condenatória tem esse nome, em vez de ter o nome "declaratória",
somente porque condena, e, por isso, em caso de não-cumprimento da sentença, abre
oportunidade para a ação de execução, que parte do direito já declarado na sentença para sua
realização concreta, mediante ato depenhora de bem, avaliação, arrematação, e finalmente o
pagamento do autor. A sentença condenatória é a única sentença da classificação trinária que,
em caso de inadimplemento, permite que o autor da ação de conhecimento proponha ação de
execução.
O processo de execução, através do qual o autor postula que um direito já declarado seja
realizado, mediante atos concretos que agridem o patrimônio do devedor para o efetivo
pagamento do credor, afasta-se do processo de conhecimento em virtude do princípio de que
somente pode haver execução se houver título executivo (art. 583 doCPC: "Toda execução tem
por base título executivo judicial ou extrajudicial").
O título executivo é uma criação técnica da doutrina processual civil e desejava significar que a
instauração da execução, com a conseqüente agressão da esfera jurídica do devedor, apenas
seria possível a partir de um título executivo. Diz o art. 566 do CPC brasileiro: "Pode promover
a execução forçada: I) o credor a quem a lei confere título executivo; II) o Ministério Público,
nos casos prescritos em lei".
Tal título executivo pode ser judicial (ver art. 584 do CPC; por exemplo: sentença condenatória
proferida no processo civil) ou extrajudicial (ver art. 585 do CPC; por exemplo: a letra de
câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque).
Como se vê, a sentença condenatória é a única sentença da classificação trinária que constitui
título hábil (ou seja, título executivo) para a propositura da ação de execução. Os títulos
executivos extrajudiciais nada mais são do que pedaços de papel ou "documentos" que fazem
concluir que provavelmente um direito existe. O legislador, levando em consideração a
probabilidade da existência desse direito e o fato de que ele não pode demorar muito tempo para
ser concretamente realizado, atribui a
84
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
esse '"pedaço de papel" a qualidade de título executivo, fazendo com que o credor não precise
propor ação de conhecimento condenatoria e ação de execução, mas que possa, economizando o
longo tempo do processo de conhecimento, desde logo propor, com base no título executivo
extrajudicial, apenas ação de execução, o que lhe permite imediatamente agredir o patrimônio
do devedor, através da penhora.
É evidente que a demora do processo de conhecimento prejudica o credor, e que a tarefa do
legislador, abreviando a demora da justiça em favor de alguns credores, mediante a tipificação
de títulos executivos, parte de valores sociais, e por isso é muitas vezes realizada, ainda que
inconscientemente, em privilégio de determinadas posições sociais.
No curso da história, é facilmente perceptível — e nem poderia ser diferente-que a técnica dos
títulos executivos extrajudiciais-que libera o credor das agruras do processo de conhecimento e
de sua demora - foi utilizada para privilegiar determinadas posições sociais, como as da administração pública, das instituições financeiras e dos empresários.
Na verdade, para que o processo seja efetivamente democrático, não basta que ele trate de forma
igualitária a todos aqueles que dele participam, mas é também necessário que ele seja instituído
para todos, sem tratar de forma diferente aqueles que não merecem esse tratamento.
Com efeito, o processo jurisdicional deveria ser tempestivo para todos, e dessa maneira toda
situação de direito material que pudesse desde logo ser evidenciada como provável deveria abrir
oportunidade para a execução, isto é, para a realização concreta do direito do credor.
Andréa Proto Pisani, professor titular da Universidade de Florença, além de denunciar,
expressamente, que os títulos executivos extrajudiciais sempre privilegiaram determinados
sujeitos e seus respectivos direitos, propõe o alargamento da técnica dos títulos executivos
extrajudiciais a todas as hipóteses em que um documento idôneo seja capaz de fornecer um grau
de probabilidade considerado suficiente, independentemente do peso político dos sujeitos que
poderão usufruir dos títulos.9
O processo de conhecimento deveria anteceder a execução por uma simples razão: não seria
concebível a invasão da esfera jurídica do réu
PROTO PÍS AN [, Andréa. "Appunti sul Ia tutela sommaria.". Iprocessispeciali■ Napolí: Jovene, 1979. p. 318.
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
85
antes de se dar a ele ampla oportunidade de defesa e recurso. Dizia-se, também desejando-se
aludir a essa questão, que a esfera jurídica do réu não poderia ser invadida antes de ser
encontrada a "verdade", que surgiria no final do processo de conhecimento.
É por isso que a execução na pendência do recurso interposto para o tribunal não era
considerada execução propriamente dita, mas tutela executória. O argumento era o de que a
execução só poderia ser admitida depois da formação do título executivo, e nesse caso ele
somente se formaria com o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, quando a
sentença con-denatória não mais pudesse ser discutida através de recurso. O nome "executória"
era conferido à execução na pendência do recurso na falta de outro melhor (ver adiante o item
que trata da execução "provisória" da sentença). Registre-se, para provar essa assertiva,
passagem de um dos principais criadores do processo civil tradicional, e um dos maiores
processualistas do século XX: "Entrementes, pode ocorrer afigura duma sentença não
definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre dejinitividade da cognição e a
executoriedade. É o que sucede, em primeiro lugar, quando a condenação é confirmada ou
proferida em grau de apelação, e isso porque a sentença de apelação, se bem que não definitiva,
por sujeita à cassação, é todavia executória, uma vez que a cassação não suspende a execução da
sentença (art. 520 do CPC), e o mesmo se dirá do pedido de revogação. Conquanto seja essa
uma figura anormal, porque nos apresenta uma ação executória descoincidente, de fato, da
certeza jurídica. ..".10
Como está claro, a tutela definitiva exigia a "certezajurídica", ou seja, a possibilidade de ampla
participação em contraditório dos interessados, evitando-se, principalmente, qualquer lesão à
ampla defesa, que seria resquício de "épocas obscuras", anteriores à Revolução Francesa.
Com o passar dos anos, e o surgimento de novos direitos, muitas vezes de conteúdo não
patrimonial, verificou-se que o tempo necessário à ampla participação dos interessados era
completamente incompatível com a adequada tutela dos direitos, que exigiam, cada vez mais,
uma resposta jurisdicional célere.
Assim, em um primeiro momento, os operadores jurídicos utilizaram-se da ação cautelar concebida apenas para assegurar a efetividade
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965. vol. 1, p. 235.
86
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do processo de conhecimento e do processo de execução—para antecipar a tutela que era
requerida no processo de conhecimento.
Dessa forma, e principalmente em razão das exigências sociais por uma tutela jurisdicional
adequada e tempestiva, surge o novo art. 273 do CPC, introduzido através da reforma ocorrida
em 13 de dezembro de 1994.
Ora, a tutela antecipatória rompe o princípio de que não há execução antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória, e principalmente com a idéia de que não era possível
execução antes de ter sido proferida a sentença em primeiro grau de jurisdição, uma vez que,
antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil, já era viável a execução
da sentença na pendência do recurso (art. 520 do CPC) e, portanto, antes do trânsito em julgado,
o que, nas palavras antes lembradas de Chiovenda, seria algo anormal.
Contudo, como não bastava, para a adequada tutela dos direitos, apenas a tutela antecipatória,
também foi introduzido no Código o novo art. 461 (Lei 8.952/94), que viabiliza, entre outras, a
tutela inibitória (tutela preventiva), fundamental para a tutela dos direitos não patrimoniais. Ora,
não admitir a tutela inibitória, por exemplo, do direito à imagem, é o mesmo que admitir a
transformação desse direito (que é inviolável) em direito à indenização. Na verdade, de nada
adianta a Constituição Federal proclamar alguns direitos como invioláveis se o ordenamento
jurídico não confere ao cidadão a tutela inibitória (ver adiante o item que trata desse tema). Se
não há tutela inibitória, todos podem violar direitos proclamados invioláveis desde que se
disponham a pagar por eles, o que significa que os valores constitucionais não valem nada!
De qualquer forma, a tutela de inibição de um ilícito somente pode ser efetivamente prestada
através de uma sentença que ordene e, ao mesmo tempo, ameace (ordene, sob pena de multa,
um não fazer ou um fazer), ou seja, através da sentença denominada "mandamental", que era
inconcebível para a doutrina clássica.
A doutrina clássica não só não admitia a sentença mandamental porque ela interfere na realidade
social - e o processo de conhecimento somente poderia culminar em sentença que se limitasse a
atuar no plano normativo, sem executar ou real izar concretamente o direito -, mas principalmente porque a sentença que ordena e impõe uma ameaça interfere na esfera jurídica do
réu, o que evidentemente não era admissível em um
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
87
Estado preocupado em não se intrometer na esfera jurídica dos particulares, mantendo sua
liberdade.
Na verdade, o art. 461 do CPC (bem como o art. 84 do CDC) não só prevê expressamente a
sentença mandamental, como também admite a sentença executiva. Essa última sentença — que
realiza forçadamente o direito - tem uma diferença nítida em relação às sentenças declaratória e
constitutiva, mas pode confundir-se com a sentença condenatória.
A sentença condenatória, como já foi dito, exorta o demandado a seu cumprimento; em caso de
inadimplemento, a própria sentença condenatória abre oportunidade para a ação de execução. A
sentença executiva, por sua vez, permite que o direito seja realizado forçadamente independentemente da ação de execução. Melhor explicando: o art. 461, § 5.°, do CPC e o art. 84, § 5.°,
do CDC afirmam que o juiz poderá determinar, na sentença, as "medidas necessárias", tais como
"busca e apreensão, remoção de coisa e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial".
Tais artigos querem dizer que o juiz, na sentença, pode impor a "medida necessária" para que o
direito seja efetivamente tutelado, apenas exemplificando, através do "tais como", com a busca e
apreensão etc.
O que importa, entretanto, c que o juiz pode determinar a "medida necessária" para a realização
concreta do direito na própria sentença. O juiz, portanto, não se limita a condenar o réu, de
modo que não é necessária a ação de execução. A sentença, ao invés de simplesmente condenar,
executa; é por isso que a sentença é dita executiva.
Assim, por exemplo, o juiz está autorizado a decretar a interdição da fábrica que está poluindo o
meio ambiente, determinando que a interdição seja realizada pelo oficial de justiça com o
auxílio de força policial. Trata-se de sentença executiva, pois não teria cabimento que o juiz
condenasse a ré, quando, no caso de não-cumprimento espontâneo da condenação, seria necessária a ação de execução para obrigar a ré a fechar a fábrica. Não é preciso explicar que essa
última hipótese demandaria muito mais tempo, e durante esse tempo, que é freqüentemente
longo, a ré prosseguiria poluindo o meio ambiente, proclamado pela Constituição Federal como
"bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida" (art. 225, caput, da CF).
É necessário demonstrar tudo isso para que fique claro que o processo de conhecimento concebido para averiguar e declarar um direito - e
88
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
o processo de execução - originariamente criado para permitir a realização concreta de um
direito já declarado - acabaram misturando-se em virtude das novas necessidades de tutela dos
direitos.
O processo cautelar, originariamente concebido para garantir a efetividade da tutela ressarcitória
- que poderia ser prestada através do processo de conhecimento ou do processo de execução -,
transformou-se, em razão da criatividade dos operadores jurídicos e das novas necessidades de
tutela dos direitos, não só em técnica de sumarização do processo de conhecimento (tutela
antecipatória) como também em instrumento para viabilizar a tutela preventiva (ocupando o
lugar da atual ação inibi-tória).
Com os novos e fundamentais institutos da tutela antecipatória e da ação inibitória,'' o processo
cautelar pode voltar a ocupar o lugar para o qual foi criado, limitando-se a assegurar a
efetividade da tutela do direito material.
6.3 Procedimento ordinário, procedimento sumário e procedimento especial
6.3.1 Primeiras considerações
Como vimos, a diferença básica entre o processo de conhecimento e o processo de execução é a
de que no processo de conhecimento o juiz parte de mera afirmação de direito para ao final
declará-lo existente ou inexistente, enquanto que no processo de execução parte-se de um direito
j á declarado para sua real ização, determinando-se a prática de atos como a penhora etc.
Afirma o art. 270 do CPC: "Este Código regula o processo de conhecimento (Livro I), de
execução (Livro II), cautelar (Livro III) e os procedimentos especiais (Livro IV)".
O processo de conhecimento serve-se do procedimento comum e de procedimentos especiais. O
procedimento comum, por sua vez, pode ser ordinário ou sumário (art. 272 do CPC).
"'' Ver, para um maior aprofundamento, Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibi tória, cit.; Tutela específica, cit.;
Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, cit.; A antecipação da tutela, cit.
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
89
Entretanto, o procedimento sumário, salvo alguns casos previstos em leis especiais, somente
deve ser observado nas hipóteses do art. 275 do CPC. Os procedimentos especiais, do mesmo
modo que o procedimento sumário, somente devem incidir em situações excepcionais.
O art. 272, parágrafo único, do CPC esclarece, porém, que as disposições gerais do
procedimento ordinário aplicam-se subsidiariamente ao procedimento sumário e aos
procedimentos especiais.
6.3.2 Procedimento sumário
O legislador entendeu que alguns casos, contemplados no art. 275, deveriam ser guiados por um
procedimento comum sumário, que objetivaria propiciar um tratamento mais simples e rápido a
alguns conflitos de interesses. Segundo o referido art. 275, o procedimento sumário deve ser
observado - com algumas exceções - em causas que não excedam determinado valor, e
naquelas, qualquer que seja seu valor, que, em face de sua natureza, melhor se amoldam ao
procedimento sumário, que é mais concentrado e, portanto, mais célere que o ordinário.
Deixa-se claro que o procedimento sumário não será observado nas ações relativas ao estado e à
capacidade das pessoas (art. 275, parágrafo único). Na verdade, o procedimento sumário não
será observado, qualquer que seja o valor da causa, não apenas nas ações relativas ao estado e à
capacidade das pessoas, mas também naquelas para as quais esteja previsto procedimento
especial.
Importa, para que seja determinado o valor da causa que deve indicar o procedimento a ser
adotado, aquele que é encontrado na data da propo-situra da ação, ou seja, na data da
distribuição da petição inicial, ou - nas comarcas em que não haja distribuição — na data em
que a petição inicial for despachada pelo juiz (art. 263 do CPC).
Ainda pensando-se no critério ratione valoris, é preciso lembrar que, no caso de cumulação de
pedidos, leva-se em consideração a quantia correspondente à soma dos valores dos pedidos para
a determinação do procedimento aplicável, pouco importando se um dos pedidos tem valor
abaixo do limite fixado para as causas que devem ser guiadas pelo procedimento sumário.12
De acordo com o art. 259, II, do CPC, o valor da causa constará sempre da petição inicial e será, "havendo cumulação
de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles".
90
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Se o valor da causa, considerada a soma dos valores dos pedidos, indica a aplicação do
procedimento ordinário, e se um pedido, em vista da natureza do litígio, deve em princípio
observar o procedimento sumário, e o outro o procedimento ordinário, deve ser aplicado o
procedimento ordinário, em vista do art. 292, § 2.°, do CPC, que afirma que "quando, para cada
pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, admitir-se-á a cumulação, se o autor
empregar o procedimento ordinário".
Registre-se que, se era cabível o procedimento sumário, e instaurou-se o procedimento
ordinário, aplica-sc o art. 250 do CPC, observando-se o seu parágrafo único, que assim dispõe:
"dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa". Na
verdade, consoante estabelece o art. 250 em seu caput, "o erro de forma do processo acarreta
unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que
forem necessários, a fim de observarem, quanto possível, as prescrições legais".
No procedimento sumário, ao contrário do que acontece no procedimento ordinário, o autor, na
petição inicial, desde logo deve apresentar o rol de testemunhas (se pretender a produção da
prova testemunhai), e, se requerer prova pericial, deve apresentar quesitos, podendo indicar
assistente técnico (art. 276 do CPC).
O juiz, recebendo a petição inicial, deve designar audiência que deve ser realizada no prazo de
trinta dias (art. 277, caput, do CPC), ocasião em que deve ser tentada, inicialmente, a
conciliação (quando o juiz poderá ser auxiliado por um conciliador), devendo o réu, obviamente
no caso em que esta não for obtida, apresentar resposta, acompanhada de documentos, que,
segundo o teor do art. 278, caput, do CPC, pode ser escrita ou oral. Note-se que, no
procedimento ordinário, o réu é citado para apresentar resposta no prazo de quinze dias (art. 297
do CPC), enquanto que no procedimento sumário o réu é citado, com antecedência mínima de
dez dias da data fixada para a audiência, para apresentar resposta em audiência, ocasião em que
- frise-se - será tentada, em primeiro lugar, a conciliação das partes.
As partes, pessoalmente ou através de preposto com poderes para transigir, devem estar
presentes para que a conciliação seja possível. No caso de ausência de uma delas, a conciliação
não é viável, mas não há razão para que não sejam praticados, na audiência, atos que
independem da presença pessoal das partes nessa ocasião.
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
91
Caso a citação não tenha sido realizada de modo a dar o devido prazo nara o réu, a audiência
deve ser adiada, intimando-se autor e réu para a nova data designada. Ainda que a citação tenha
ocorrido no decêndio que antecedeu a audiência (e portanto de forma indevida), se o réu
comparece sem argüir o vício, entende-se que houve renúncia tácita à diferença de prazo para a
preparação da defesa.
Por aplicar-se o procedimento sumário, o réu, em sua resposta, desejando produzir prova
testemunhai, deve apresentar rol de testemunhas, e se também pretender produzir prova pericial,
deve apresentar quesitos, tendo nesse momento a oportunidade de indicar assistente técnico.
Também se admite o depoimento pessoal das partes, a inspeção de pessoa ou coisa e a exibição
de documento ou coisa, observando-se as disposições aplicáveis ao procedimento ordinário.
Existindo a necessidade de "prova técnica de maior complexidade", o procedimento sumário
pode ser convertido em ordinário (art. 277, § 5.°, do CPC). Havendo impugnação do
procedimento sumário adotado pelo autor, ou impugnação ao valor da causa, cabe ao juiz
decidir em audiência, em que o réu, havendo insucesso da tentativa de conciliação, deve
apresentar resposta (art. 277, § 4.°).
Na resposta, segundo regra expressa do Código, o réu pode formular pedido em seu favor, desde
que fundado nos mesmos fatos que foram apresentados na petição inicial (art. 278, § 1.°, do
CPC). Como se vê, no procedimento sumário faculta-se ao réu, na petição em que é apresentada
a contestação, não apenas impugnar o pedido do autor, mas também apresentar pedido em seu
favor, o que não é admissível no procedimento ordinário (ver art. 315 do CPC).
Correndo o processo através do procedimento sumário, e se o caso não for de extinção do
processo - de acordo com as hipóteses do art. 329 -ou de julgamento antecipado do mérito (ver
adiante itens que tratam da extinção anômala do processo e do julgamento antecipado do
mérito), havendo necessidade da produção de "prova oral", deve ser designada audiência de i
nstrução e julgamento para data não excedente de trinta dias, salvo se houver determinação de
perícia (art. 278, § 2.°, do CPC).
No procedimento sumário, segundo o art. 280, não são admissíveis a ação declaratória
incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prej udicado e a
i ntervenção fundada em contrato de seguro.
92
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O art. 280 estabelece claramente que não é admissível ação declara-tória incidental no
procedimento sumário. E lógico que o réu pode argüir questão que seja prejudicial ao
julgamento do mérito, mas essa questão não pode ser decidida com força de coisa julgada
material.
No procedimento sumário, não são admitidas as figuras descritas no CPC (Capítulo VI, Título
II, Livro I) como formas de intervenção de terceiros. Contudo, admite-se expressamente a
assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a "intervenção fundada em contrato de seguro".
Embora, nos termos do CPC, a assistência não seja considerada forma de intervenção de
terceiro, o art. 280 cuida de excepcioná-la, juntamente com o recurso de terceiro prejudicado e a
"intervenção fundada em contrato de seguro".
A grande novidade do artigo 280, depois de modificado pela Lei n. 10.444/2002, é a da
admissibilidade da "intervenção fundada em contrato de seguro". Tal previsão - que decorre de
razões de prática forense - não só permite que o segurado denuncie da lide à seguradora (art. 70,
III, CPC), mas também viabiliza o chamamento ao processo da seguradora do fornecedor, nos
termos do art. 101, II, do CDC. Assim, na "ação de ressarcimento por danos causados em
acidente de veículos de via terrestre" (art. 275, II, d, CPC) é possível ao segurado promover a
denunciação da lide à seguradora (art. 70, III, CPC). Ademais, é viável o chamamento ao
processo da seguradora nas hipóteses de o fornecedor (de produto ou serviço) ter contratado
seguro de responsabilidade (art. 101, II, CDC).
Por fim, é importante frisar que o procedimento denominado "sumário" não permite que o juiz
profira sentença com base emfurnus boni iuris, diferenciando-se do "ordinário" por ser mais
concentrado e não admitir "prova técnica de maior complexidade". Isso significa que o "procedimento sumário", tal como posto no Código de Processo Civil pelo legislador, não é um
procedimento "materialmente" sumário, mas um procedimento "formalmente" sumário.13
6.3.3 Procedimentos especiais
Os procedimentos especiais, segundo os termos do Código de Processo Civil, podem ser de
"jurisdição contenciosa" e de "jurisdição voluntária" (Livro IV do CPC).
1111
"Não obstante, é mister que se esclareça, por imprecisão conceituai advinda de uso
terminológico inadequado, a diferença existente entre cognição suma-
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
93
Os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa, instituídos no Código de Processo Civil,
podem ter peculiaridades iniciais e recair no procedimento ordinário (por exemplo: ações
possessórias - art. 920 e ss.), ou mesmo recair, em face de certas hipóteses, no procedimento do
processo cautelar (por exemplo: embargos de terceiro — art. 1.046 e ss.). Mas há outros
procedimentos especiais que nada têm em comum, e por isso não podem ser agrupados (por
exemplo, inventário e partilha - art. 982 e ss.).14
Os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa podem tomar em consideração
determinada situação de direito material (v.g., ação possessória - art. 920 e ss.), ou, ainda, por
exemplo, como um direito pode ser apresentado ao juiz (v.g., direito que pode ser demonstrado
de plano através de prova escrita na "ação monitoria" - art. 1.102a e ss.). 15
ria e procedimento sumaríssimo (ou sumário). O processo de cognição sumária é aquele que não permite um
conhecimento aprofundado do objeto cog-noscívcl, enquanto que o processo com procedimento sumaríssimo (ou
sumário) sempre possibilita o conhecimento aprofundado dos fatos da lide, porém num tempo menor ao daquele que
seria despendido pelo procedimento ordinário, face à aceleração dos atos procedimentais, que são praticados num espaço mais curto de tempo. Víctor Fairen Guillén foi quem precisamente distinguiu os processos de cognição sumária
dos processos com procedimento sumaríssimo (ou sumário), distinção esta que, ainda que possa parecer evidente,
raramente é sentida na doutrina brasileira. De acordo com o notável processualista espanhol, ' los procedimentos
plenários rápidos, se diferenciem dei ordinário, simplesmente por su forma, más corta, pero no por su contenido, que
ei mismo cualitativamente, juridicamente plenário', ao passo que 'los procedimentos sumários se diferenciai! dei
ordinário plenário, por su contenido, cualitativamente, juridicamente parcial, siendo indiferente Ia forma, aunque
tendente a Ia brevedad, por Io citai se aproximaban - en ocasiones hasta confundirse procedimentalmente - con los
plenários rápidos'. A forma acelerada do nosso procedimento sumário é justificada por razões de economia
processual, e não em decorrência de uma situação urgente, a exigir tutela imediata e, pois, cognição sumária (como
acontece no processo cautelar, que tem como requisitos o fumus boni iuris e o periculum in mora)" (MARINONI,
Luiz Guilherme. Tutela cautelar e tutela anlecipatória, cit., p. 30-31). Sobre o tema ver Antônio Carlos Marcato,
Procedimentos especiais, São Paulo: Malheiros, 1998.
Art. 1.102a: 'A ação monitoria compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título
executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa funeível ou de determinado bem móvel".
94
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Considerada a técnica da cognição, é possível dizer que o legislador, ao desenhar um
procedimento especial, pode afirmar que o autor ou o réu não podem apresentar determinadas
alegações aojuiz (cognição parcial: restrição das alegações do autor e daquelas que podem ser
apresentadas na defesa). Isso ocorre, por exemplo, quando não se permite a discussão do
domínio no juízo possessório (art. 923 do CPC).
O legislador, também considerando uma determinada situação de direito material, pode prever
uma tutela antecipatória, desde que presentes certos requisitos (por exemplo: liminar da ação
possessória—art. 928 do CPC).
No primeiro caso temos cognição parcial, ao passo que na segunda hipótese há cognição
sumária. A cognição parcial é o contrário da cognição plena, enquanto que a cognição sumária
está em contrariedade com a cognição exauriente.'6
A cognição plena abarca a totalidade do conflito de interesses, considerado logicamente no seu
aspecto sociológico, ao passo que para haver cognição exauriente o juiz deve julgar com base
em todas as provas que são admissíveis, não restringindo o direito à sua produção (todo procedimento-por exemplo, o ordinário ou o sumário-em que o juiz declara a existência ou a
17
inexistência de um direito, não se limitando a afirmar mera probabilidade).
(16)
"A técnica da cognição parcial pode operar de dois modos: fixando o objeto litigioso (embargos do executado) ou
estabelecendo os lindes da defesa (quando podemos lembrara busca e apreensão do Decreto-lei 911/69) (...) A
restrição da cognição no plano vertical - cognição sumária - conduz aos chamados j uízos de probabilidade e
verossimilhança, ou seja, às decisões que ficam limitadas a afirmar o provável" (MARINONI, Luiz Guilherme.
Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 15-17).
"Tal técnica (da cognição parcial) não pode ser compreendida a não ser a partir do plano do direito material; através
desta perspectiva é possível a investigação do conteúdo ideológico dos procedimentos. Para que possamos compreender a relação entre a cognição parcial e a ideologia dos procedimentos, devemos observar que o procedimento
de cognição parcial privilegia os valores certeza e celeridade - ao permitir o surgimento de uma sentença com força
de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação
litigiosa -, mas deixa de lado o valor 'justiça material'. O que devemos verificar, portanto, em cada hipótese espe-
AÇÃO, PROCESSO E PROCEDIMENTO
95
O legislador também pode prever um procedimento de acordo com a defesa apresentada pelo
réu, quando podemos ter cognição secundam eventum defensionis. Isso ocorre na "ação de
prestação de contas", pois o réu pode, quando é exigida a prestação das contas, contestar o
pedido de prestação de contas ou simplesmente prestá-las (art. 915 do CPC). Sendo julgado
procedente o pedido, o réu ficará obrigado, em virtude da sentença, a prestar contas,
desenvolvendo-se o procedimento destinado àapuração do eventual crédito. É evidente que isso
não ocorrerá se o pedido de prestação de contas for julgado improcedente. Caso o réu preste as
contas, reconhecendo a procedência do pedido, será suprimido o procedimento destinado a
"declarar" o dever de prestá-las, passando-se automaticamente ao procedimento destinado à
apuração do eventual crédito.
cífica, é a quem interessa a limitação da cognição no sentido horizontal, ou, em outros termos, a tutela jurisdicional
célere e imunizada pela coisa julgada material, em detrimento da cognição das exceções reservadas" (MARINONI,
Luiz Guilherme. A antecipação da tutela, cit., p. 25).
PARTE II
A COMPREENSÃO DO
PROCESSO DE CONHECIMENTO
ATRAVÉS DO CONHECIMENTO
DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
E DE SEUS INSTITUTOS
1. Introdução
2. A petição inicial
3. A comunicação dos atos processuais
4. As atitudes do réu
5. Ação declaratória incidental
6. Participação no processo
7. Suspensão do processo
8. Tutela antecipatória
9. A extinção anômala do processo
10. O julgamento antecipado do mérito
11. Audiência preliminar
12. Aprova
13. Audiência de instrução e julgamento
14. Sentença
INTRODUÇÃO
Passaremos, agora, a estudar o processo de conhecimento através da exposição da estrutura do
procedimento ordinário e da análise de seus institutos fundamentais.
O processo de conhecimento, como já foi dito, serve-se do procedimento comum e de
procedimentos especiais. O procedimento comum pode apresentar-se como procedimento
ordinário e, em alguns casos, como procedimento sumário. Portanto, quando não está previsto
procedimento especial, e quando não é de observar-se o procedimento sumário, aplica-se o
procedimento ordinário, que em outras palavras é o procedimento padrão e básico para a tutela
dos direitos.
Como o procedimento especial muitas vezes recai no procedimento ordinário e como os
institutos aplicáveis aos procedimentos especiais e ao procedimento sumário são aqueles que se
aplicam quando o procedimento é ordinário, é didática a explicação do processo de
conhecimento através da exposição da estrutura do procedimento ordinário e de seus institutos.
í
A PETIÇÃO INICIAL
SUMÁRIO: 2.1 A distribuição da petição inicial e a instauração do processo - 2.2 Requisitos da petição inicial - 2.3
Causa de pedir - 2.4 Do pedido - 2.5 Pedido imediato e pedido mediato - 2.6 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como
exceções ao princípio de que o juiz deve ater-se ao pedido - 2.7 Prestações periódicas vincendas e pedido
condenatório para o futuro - 2.8 Pedido mediato indeterminado - 2.9 Obrigação alternativa e pedido alternativo -2.10
Cumulação objetiva de pedidos -2.11 Cumu-lação simples de pedidos- 2.12 Cumulação sucessiva de pedidos -2.13
Cumulação alternativa de pedidos - 2.14 Modificações da causa de pedir e do pedido -2.15 Partes -2.16 Valor da
causa -2.17 Emenda à petição inicial -2.18 Indeferimento da petição inicial.
2.1 A distribuição da petição inicial e a instauração do processo
Distribuindo-seapetição inicial, 1 logicamente nas comarcas que têm distribuidor, considera-se
proposta a ação.
Nas comarcas em que não há distribuidor (ou mais de um órgão, ou de uma repartição vinculada
ao mesmo órgão, com competência concorrente), considera-se proposta a ação quando a petição
inicial é despachada pelo juiz.2
Com a distribuição da petição inicial ou com o despacho do juiz é instaurado o processo. Em
outras palavras, para a instauração do procesVer arts. 251 a 257 do CPC.
Art. 263. Considera-se proposta a ação, tanto que a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente
distribuída, onde houver mais de uma vara. A propositura da ação, todavia, só produz, quanto ao réu, os efeitos
mencionados no art. 219 depois que for validamente citado.
A PETIÇÃO INICIAL
101
So basta a distribuição da petição inicial ou o despacho do juiz, sendo desnecessário que o réu
seja comunicado da propositura da ação.
Saber quando a ação é proposta é importante, uma vez que, com a propositura da ação, pode
evitar-se a ocorrência da prescrição3 e fixar-se, ainda, por exemplo, a competência.4
Note-se que, antes do regime instituído pela Lei 8.952/94, que conferiu a atual redação ao § 1.°
do art. 219 do CPC, a prescrição considerava-se interrompida na data do despacho que ordenava
a citação. Atualmente, em face da nova redação do § 1.° do art. 219, considera-se interrompida a
prescrição no momento em que ação é proposta, desde que a citação se faça nos termos do § 2.°
do art. 219, que estabelece que "incumbe à parte promover a citação do réu nos dez dias
subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável
exclusivamente ao serviço judiciário".
2.2 Requisitos da petição inicial
A petição inicial - de lado os denominados "documentos indispensáveis à propositura da ação"
(art. 283 do CPC5 ) - deve apresentar os seguintes requisitos: I) o juiz ou tribunal, a que é
dirigida; II) os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes; III) o
fato e os fundamentos jurídicos do pedido (causa petendi ou causa de pedir); IV) o pedido com
as suas especificações; V) o valor da causa; VI) as provas com que o autor pretende demonstrar
os fatos alegados; e VII) o requerimento para a citação do réu (art. 282 do CPC).
Dentre os requisitos mencionados, e em decorrência deles, exigem especial análise as questões:
I) da competência; II) das partes; III) da causa de pedir; IV) do pedido; V) do valor da causa; e
VI) das provas. Como os temas relativos à "competência" e às "provas" merecem estudo poste<3)
Ver art. 219, § 1.°.
<4) Art.
87. Determina-se a competência no momento em que a ação éproposta. São irrelevantes as modificações do
estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a
competência em razão da matéria ou da hierarquia (gritos nossos). 1 A procuração ad judicia deve acompanhar a
petição inicial (ver arts. 37 e 38 do CPC).
102
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
rior, serão objeto de análise, neste momento, apenas as questões da causa de pedir, do pedido,
das partes e do valor da causa.
É necessário advertir, ainda, que os conceitos de causa de pedir, pedido e partes são
fundamentais para a correta individualização da ação, já que são elementos desta, segundo o
próprio Código de Processo Civil, as partes, o pedido e a causa de pedir (art. 301, § 2.°, do
CPC). Por conseqüência, esses conceitos são importantes para a identificação da litis-pendência
e da coisa julgada, pois, como também diz o Código de Processo Civil, há litispendência,
quando se repete ação que está em curso, e há coisa julgada, quando se repete ação que foi
decidida por sentença, de que não caiba recurso (art. 301, § 3.°, do CPC).
2.3 Causa de pedir
Na petição inicial o autor apresenta uma causa que deve justificar o pedido que é dirigido ao
órgão jurisdicional. Trata-se da causa de pedir, ou seja, das razões fáticas e jurídicas que
justificam o pedido.
É correto dizer que o autor deve afirmar um fato e apresentar o seu nexo com um efeito jurídico.
O autor, em outras palavras, narra o fato que constitui o direito por ele afirmado.
O Código de Processo Civil fala em fato constitutivo e em fato impeditivo, modificativo e
extintivo do direito. É importante, portanto, até mesmo porque - segundo a regra do art. 333 - o
autor tem o ônus de provar os fatos constitutivos e o réu os demais, saber a natureza de determinado fato.
Escrevendo sobre os fatos jurídicos, afirma Chiovenda que os fatos constitutivos são aqueles
que dão vida a uma vontade concreta da lei e à expectativa de um bem por parte de alguém, e
exemplifica fazendo referência ao empréstimo, ao testamento, ao ato ilícito e ao matrimônio.
Os fatos extintivos são aqueles que "fazem cessar uma vontade concreta da lei e a conseqüente
expectativa de um bem. Por exemplo: pagamento; remissão de dívida; perda da coisa devida" .b
(6)
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., Saraiva, v. 1, p. 7.
A PETIÇÃO INICIAL
103
Como já foi dito, as circunstâncias de fato que têm por escopo específico dar vida a um direito,
e que normalmente produzem esse efeito, devem ser chamadas de "fatos constitutivos".
Entretanto, para que essas circunstâncias possam realmente dar vida a um direito, devem
apresentar-se outras cuja falta impede que o direito possa ter vida. Quando falta uma das
circunstâncias que devem concorrer com os fatos constitutivos, há umfato impeditivo. Vejamos
aexplicação de Chiovenda: "Todo direito nasce de determinadas circunstâncias que têm por
função específica dar-lhe vida: contudo para produzirem o efeito que lhes é próprio, normal,
devem concorrer outras circunstâncias (...)". Existindo uma circunstância que impeça um
determinado fato de produzir o efeito que lhe é normal, há fato impeditivo.1
Já os fatos modificativos são aqueles que pressupõem válida a constituição do direito, mas
tendem a alterá-lo. Assim, por exemplo, a moratória concedida ao devedor*
Se o autor pede o pagamento da dívida, e o réu alega que ela foi parcelada, somente podendo ser
exigida em parte, o fato é modificativo; se o réu alega pagamento, o fato é extintivo; se o réu
alega exceção de contrato não cumprido, o fato é impeditivo .9
Como diz Proto Pisani, não há grande dificuldade para distinguir entre fatos constitutivos e fatos
modificativos ou extintivos; problemática, e
(7)
(8)
Cf. Giuseppe Chiovenda, Instituições de direito processual civil, cit., Saraiva, p. 8.
MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Aide. vol. 4, t. I, p.
92.
(9)
Segundo Manuel de Andrade, são impeditivos os fatos suscetíveis de obstar a que o direito do autor se tenha
validamente constituído (y.g., incapacidade, simulação, erro, dolo etc), e, ainda, ao menos parcialmente, os que,
operando ab initio, apenas retardem o surgir desse direito ou sua exercibilidade; são modificativos os que podem ter
alterado o direito do autor tal como ele validamente se constituiu (v.g., a mudança de local de uma servidão); são
extintivos os que tenham produzido a cessação do direito do autor, depois de esteja validamente formado (v.g.,
condição resolutiva, termo peremptório, pagamento, prescrição etc.) (ANDRADE, Manuel de. Noções elementares de
processo civil, 1979. p. 131. Apud BRITO, Wanda Ferraz de, SOARES, Fernando Luso, MESQUITA, Duarte
Romeira. Código de Processo Civil actualizado e anotado. Coimbra: Almedina, 1994. p. 329-330).
104
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de imensa dificuldade, é, ao invés, a distinção entre fatos constitutivos e impeditivos. O
processualista afirma que, na ausência de critérios lógi-co-formais, a distinção entre fatos
constitutivos e fatos impeditivos deve ser efetuada com base em critérios empíricos.lü
Note-se, por outro lado, que, quando se fala em causa de pedir, alude-se ao fato que, segundo o
autor, conduz a um determinado efeito jurídico. Não entram em jogo aí a norma legal invocada
pelo autor ou a qualificação j urídica que o autor dá ao fato (se, por exemplo, chama determinada conduta de dolosa).
É possível, contudo, que a petição inicial invoque mais de uma causa de pedir. Isto pode ocorrer
quando:
i) são invocados fatos de igual estrutura, que repercutem na esfera jurídica de uma pessoa: pedese anulação de contrato alegando-se que o réu, por diversas vezes, violou determinada cláusula
de contrato;"
ii) são invocados fatos de igual estrutura, que conduzem a efeitos jurídicos que repercutem em
diferentes esferas jurídicas: dois autores, proprietários de casas vizinhas, afirmam que o réu, por
culpa, causou danos a seus imóveis;
iii) são invocados fatos de estrutura diferente: pede-se o despejo do réu com base no nãopagamento do aluguel e no uso indevido do imóvel. 12
Como se vê, pode ocorrer a existência de: i) vários fatos de igual estrutura com repercussão na
esfera jurídica de uma pessoa; ii) vários fatos de igual estrutura com repercussão nas esferas
jurídicas de diversas pessoas; e iii) vários fatos de diferente estrutura com repercussão na esfera
jurídica de uma pessoa. Frise-se que, quando se fala em fato com repercussão em esfera jurídica,
alude-se a uma causa de pedir.
De acordo com Proto Pisani o legislador italiano ajuda o intérprete através do
emprego de duas técnicas: I) indicando claramente, sobre o plano lexical, o
sujeito que deve provar um determinado fato; II) fazendo recurso à técnica das
presunções legais relativas (PROTO PISANI, Andréa. Lezioni di diritto
processuale civile. Napoli: Jovene, 1994. p. 487-489).
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 20. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 16.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro, cit,
p. 16-17.
A PETIÇÃO INICIAL
105
2.4 D° pedido
O pedido consiste naquilo que, em virtude da causa de pedir, postula-se ao órgão julgador.
O Código de Processo Civil, em seu art. 460, caput, afirma que "é defeso ao juiz proferir
sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em
quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado".
Entende-se, a partir daí, que a sentença deve limitar-se ao que foi pedido pelo autor, seja no que
diz respeito ao pedido imediato, seja no que pertine ao pedido mediato.
Embora existam hipóteses excepcionais que permitam ao juiz conceder tutelajurisdicional fora
do pedido (por exemplo, art. 461 doCPC), afirma-se que os pedidos devem ser interpretados
restritivamente (art. 293 do CPC).
Entende-se que não precisam estar mencionados expressamente no pedido as despesas do
processo e os honorários de advogado (art. 20 do CPC), os juros legais (art. 293 do CPC) e as
prestações periódicas vencidas após a propositura da ação (art. 290 do CPC).
2.5 Pedido imediato e pedido mediato
O pedido, com efeito, pode ser considerado em seus aspectos imediato e mediato.
Quando se alude ao pedido imediato, fala-se na espécie de sentença -e conseqüentemente no
tipo de pedido -que é requerida ao órgão juris-dicional. Nesse sentido fala-se em pedido
declaratório, pedido constitutivo, pedido condenatório, pedido executivo e pedido mandamental.
O pedido declaratório é aquele através do qual o autor pede a declaração da existência ou da
inexistência de um direito, podendo excepcionalmente ser requerida uma declaração sobre um
fato.13
O pedido é constitutivo quando se postula a criação, a extinção ou a modificação de uma
situação jurídica. Exemplos: renovação, alteração ou anulação de um contrato.
(13)
Ação declaratória de autenticidade ou falsidade documental.
106
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Todas as sentenças de procedência implicitamente declaram que o autor tem razão. Portanto, é
correto dizer que todas elas contêm declaração. Porém, as sentenças constitutiva, condenatoria,
mandamental e executiva, além de declarar, vão além. Somente a sentença declaratória contém
apenas declaração, que é uma declaração sobre aexistência ou a inexistência de um direito (em
regra), com ela objetivando-se eliminar uma situação objetiva de dúvida.
Há pedido condenatório quando se pede que o juiz condene o réu, por exemplo, ao pagamento
de uma indenização. O juiz condena ao aplicar a sanção, que consiste na possibilidade de o
autor do pedido condenatório, no caso de inadimplemento da sentença, propor a ação de execução fundada na sentença condenatoria. Demonstrou-se, com efeito, que a condenação opera um
fenômeno complexo e vasto, que consiste na constituição de uma nova situaçãojuridica,
autônoma no que concerne à relação substancial obrigacional, fundada na concreta vontade do
Estado de que a sanção executiva seja atuada, e que se resolve subjetivamente no poder do
órgão processual de proceder à atuação da sanção executiva, no poder do credor de provocála (ação de execução) e na sujeição do devedor a suportá-la (responsabilidade executiva)}*
Para que se compreenda com menor esforço o conceito de pedido condenatório, nada melhor do
que um exemplo: no caso de acidente automobilístico, o autor pode pedir que seja declarada a
responsabilidade do réu ou pedir que ele seja condenado a pagar uma soma pelo dano que foi
provocado. 15 A sentença condenatoria vai além da sentença declaratória, pois, além de declarar
a responsabilidade, impõe a sanção, permitindo ao vencedor propor a ação de execução na
hipótese de seu não-cumprimento. Caso a sentença condenatoria seja cumprida, sendo
desnecessária a ação de execução, a sentença condenatoria difere da declaratória apenas porque
o condenado sabe que, se não pagar voluntariamente, será proposta ação de execução, ou seja,
porque a sentença condenatoria contém sanção.
Efetivamente, quando se pede que o juiz condene, implicitamente se pede que o juiz aplique a
sanção; quando o juiz condena, implicitamente é aplicada a sanção.
"4| LIEBMAN, Enrico Tullio. "II titolo esecutivo riguardo ai terzi", Rivista di Diritto Processuale Civile, p. 137,
1934.
(l5)
Recorde-se que, de acordo com o art. 4.°, parágrafo único, do CPC, "é admissível a ação declaratória, ainda que
tenha ocorrido a violação do direito".
A PETIÇÃO INICIAL
107
Quando o autor pede que o juiz ordene sob pena de coerção indireta (por exemplo: multa), pedese algo diverso da simples condenação, pois o autor não quer apenas ter a possibilidade de
propor a ação de execução no caso de inadimplemento da sentença condenatória, desejando que
o juiz ordene que o réu faça (ou não faça) alguma coisa sob pena de coerção indireta. Em outros
termos: nesse último caso deseja-se que a sentença pressione o réu (atue sobre sua vontade) a
fazer ou a não fazer algo.
Por fim, o pedido executivo, que faz surgir a sentença executiva. Essa sentença permite,
independentemente da vontade do réu, e sem a propo-situra da ação de execução, a realização
do direito do autor. Por exemplo: a sentença de despejo não condena o locatário a entregar o
imóvel. Se a sentença fosse condenatória, em caso de seu não-cumprimento seria necessária a
propositura da ação de execução. A sentença de despejo decreta o despejo, expedindo-se
mandado de desocupação forçada.
Como a sentença deve - salvo hipóteses excepcionais - ater-se ao pedido, remete-se o leitor ao
item deste livro que aborda a classificação das sentenças, quando são estudadas as diferenças
das sentenças que concedem providências declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva, e, por conseqüência, a distinção entre tais pedidos.
O pedido mediato é o bem da vida pretendido pelo autor. Assim, por exemplo, a declaração da
certeza jurídica (sentença declaratória); a criação de nova situação jurídica, a modificação de um
contrato ou sua anulação (sentença constitutiva ou desconstitutiva).
Antigamente, quando se pensava apenas na sentença condenatória, imaginava-se que o autor
podia postular somente uma soma em dinheiro, um fazer ou um não fazer ou ainda a entrega de
uma coisa, pouco importando se a tutela prestada por tal sentençafosse realmente específica, e,
dessa forma, efetiva.
Hoje, pensando-se também nas sentenças mandamental e executiva, admite-se que o autor possa
postular que seja: I) impedido um ilícito16 (tutelas inibitória e inibitória executiva); II) removido
um ilícito (tutela reintegratória); III) adimplida uma obrigação na forma específica (tutela do
adimplemento na forma específica); IV) adimplida uma obrigação através do pagamento de seu
equivalente pecuniário (tutela do adimplemento pelo equivalente); V) reparado um dano na
forma específica (tuteOu excepcionalmente um inadimplemento contratual.
108
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ia ressarcitória na forma específica); e VI) reparado um dano através do pagamento do seu
equivalente pecuniário (tutela ressarcitória pelo equivalente).
Não se está afirmando, como é óbvio, que as sentenças declaratória e constitutiva possam ser
enquadradas na mesma classificação com as várias tutelas antes descritas. Mas apenas que as
sentenças declaratória e constitutiva, sendo afirmadas satisfativas, prestam, independentemente
de uma atividade que possa ser dita propriamente executiva, tutelas que I) conferem ao autor a
certeza jurídica ou II) constituem uma nova situação jurídica. Entretanto, como já dissemos, é
importante falar em "tutela ", pensando-se nas sentenças condenatória, mandamental e
executiva, exatamente para se verificar se os meios de execução preordenados pelo legislador
são suficientes para sua efetiva prestação. Isto é, quando as sentenças não são satisfativas,
éfundamental pensar nas várias formas de tutelas dos direitos para se verificar se as técnicas
de tutela realmente são efetivas (ou satisfativas). '7 Imagine-se, por exemplo, a tutela ini-bitória
e a não-previsão da multa no sistema processual. Teríamos, nesse caso, a necessidade de uma
tutela que não pode serefetivamente prestada pelo processo. Melhor explicando: é importante
pensar nas tutelas como bens que devem ser conferidos ao autor, justamente para que seja
analisado se o sistema processual civil possui o procedimento, as sentenças e os meios de
execução adequados para sua prestação.
Note-se, além disso, que quando se fala em cumprimento de uma obrigação na forma específica
através das sentenças mandamental e executiva, ou da reparação de um dano na forma
específica através dessas mesmas sentenças, alude-se apenas a um fazer ou a um não fazer ou à
entrega de coisa18 (arts. 461, 461-A, CPC e 84, CDC).
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p. 67. A convenção Benelux de lei uniforme sobre a astreinte,
admite seu emprego não apenas para garantir as obrigações de fazer e de não-fazer, mas também para dar efetividade
às obrigações de entrega de coisa (cf. Elisabetta Silvestri, "Rilievi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli
obblighi di fare e di non fare", Rivista de Diritto Civile, p. 533 e ss., 1988). Como já dissemos, "a efetividade da
entrega de coisa não responde simplesmente à necessidade de cumprimento da obrigação contratual de entrega de
coisa, embora a técnica mandamental tenha importância neste caso, notadamente quando o devedor esconde a coisa
devida, impedindo a busca e apreensão. Perceba-se que é
A PETIÇÃO INICIAL
]Q9
Perceba-se que aquele que tem o direito de obter soma em dinheiro deve postular sentença
condenatória.19 A sentença mandamental não pode ser requerida por aquele que pretende que o
dano que lhe foi imposto seja reparado mediante o pagamento de soma em dinheiro.
Contudo, não há motivo para que a tutela que objetiva pagamento de soma em dinheiro tenha
que ser prestada unicamente através do binômio sentença condenatória-execução forçada. Ora, o
custo e a lentidão do processo de execução por expropriação desestimulam o acesso à justiça e
retiram, em casos não raros, qualquer possibilidade de efetividade dessa forma de tutela
jurisdicional.
Frise-se que a busca do pagamento de soma em dinheiro por meio da técnica mandamental
(multa) não corresponde a uma visão autoritária dos direitos, 20 pois ela beneficiará
fundamentalmente o pequeno credor - exatamente o que mais sofre com o custo e a demora do
processo.
De qualquer forma, é preciso que o pedido mediato passe a ser compreendido no sentido
exposto, ou seja, no sentido de que deve responder a uma real postulação daquele que pede,
sendo que o instrumental processual deve sempre permitir que o pedido possa ser realizado de
modo a propiciar a realização dos direitos, razão pela qual não é suficiente a tradicional
classificação trinária das sentenças, e portanto o pedido imediato não pode ser apenas
declaratório, constitutivo e condenatório.
2.6 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC como exceções ao princípio de que o juiz deve ater-se
ao pedido
Como já foi dito, se o autor pede certa providência (pedido imediato) e determinado bem da
vida (pedido mediato), o juiz, em virtude do
possível o ressarcimento na forma específica através da entrega de coisa equivalente à danificada" (MARINONI,
Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p. 194).
"9) Uma obrigação de pagar soma em dinheiro pode ser cumprida na forma específica através do binômio sentença
condenatória-execução forçada. O problema é a lentidão e o custo dessa forma de prestação jurisdicional. Se há tutela
específica que pode ser prestada em dinheiro, fica claro que o contrário de tutela específica não é tutela em dinheiro,
mas sim tutela pelo equivalente. "0) Ver Michele Taruffo, Note sul diritto alia condanna e alfesecuzione, Rivista Critica dei
Diritto Privato, 1986, p. 668.
10
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
princípio processual da congruência entre a sentença e o pedido, não pode - a não ser em casos
excepcionais - conceder providência ou bem da vida diversos dos postulados.
De acordo com os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, o juiz pode conceder a tutela específica ou o
chamado "resultado equivalente ao do adim-plemento".
Reconhece-se, ainda, em ambos os dispositivos, o poder de o juiz, de ofício, ordenar sob pena
de multa ou determinar as denominadas "medidas necessárias", para que seja obtida a tutela
específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Se o autor postulou uma sentença executiva, o juiz pode proferir sentença mandamental, uma
vez que ele pode, sem requerimento do autor, ordenar sob pena de multa.
Assim, por exemplo, se o autor requer, em uma ação coletiva (que será vista com mais
profundidade na última parte deste livro), que o juiz determine que terceiro instale filtro em uma
fábrica (sentença executiva), o juiz pode proferir sentença mandamental, ordenando, sob pena
de multa, que a empresa ré instale o equipamento reputado necessário para eliminar a poluição.
Além disso, estando o juiz autorizado - de acordo com as regras lembradas acima - a determinar,
sem requerimento da parte, as "medidas necessárias", pode ele proferir uma sentença executiva,
quando é pedida uma sentença mandamental. Exemplificando: sendo a única saída para se evitar
a poluição a cessação das atividades da indústria ré, o juiz, em vista da situação de urgência que
envolve o bem a ser protegido, pode determinar a interdição da indústria ré, em vez de ordenar a
cessação de suas atividades sob pena de multa.21
2.7 Prestações periódicas vincendas e pedido condenatório para o futuro
Afirma o art. 290 do CPC que, "quando a obrigação consistir em prestações periódicas,
considerar-se-ão elas incluídas no pedido, independentemente de declaração expressa do autor;
se o devedor, no curso
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibiíória, cit., p. 119-120.
A PETIÇÃO INICIAL
1 11
do processo, deixar de pagá-las ou de consigná-las, a sentença as incluirá na condenação,
enquanto durar a obrigação".
O objetivo desse artigo é abarcar prestações que se vencerão após o momento em que é
apresentada a petição inicial. Que se vencerão i) no curso do processo e ii) posteriormente ao
trânsito em julgado da sentença condenatória.
O pedido condenatório abrange prestações futuras, que ainda não se venceram, ou não foram
inadimplidas. É por isso que é possível falar em pedido condenatório para o futuro, ou seja, para
o caso de ser inadimplida a prestação.
Com a ficção constante dessa regra, no sentido de que o pedido, ainda que nada mencione a
respeito, contém a postulação para que o devedor seja condenado a pagar todas as prestações
vincendas, evita-se a multiplicação de ações para a cobrança daquilo que é devido periodicamente.
É fundamental, entretanto, não confundir pedido de condenação para o futuro com pedido
inibitório.22 Perceba-se que o pedido condenatório para o futuro supõe uma provável violação de
direito (inadimplemento da prestação vincenda), ao passo que o pedido inibitório visa impedir
(inibir) a violação de um direito. 23
2.8 Pedido mediato indeterminado
O pedido no seu sentido imediato e mediato deve ser certo e determinado (art. 286 do CPC).
Admite-se, contudo, como exceção, que o pedido mediato seja indeterminado (ou genérico): I)
nas ações universais, se não
(22)
Idem, ibidem, p. 210 ess.
A confusão que se faz entre tutela inibitória e condenação para o futuro é resultado da falta de reflexão sobre o
real objetivo dessa primeira forma de tutela e, por que não dizer, do descaso com a tutela dos direitos não
patrimoniais, fruto de uma ideologia que não leva em consideração a necessidade de tutela efetiva de direitos que,
ainda que vitais dentro do contexto do Estado social, podem ser transformados pelo inadimplente em simples
pecúnia. Perceba-se, com efeito, que a condenação para o futuro é plenamente adequada à tutela dos direitos
patrimoniais, mas os direitos não patrimoniais exigem a tutela inibitória (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela
inibitória, cit., p. 216-217).
<23)
12
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
puder o autor individuar na petição os bens demandados; II) quando não for possível
determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito; III) quando a
determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (art.
286,1, II, e III, do CPC).
A petição de herança constitui exemplo de ação universal em que o autor, não podendo
individuar os bens, pode formular pedido indeterminado.
Existindo ato ou fato ilícito, muitas vezes não é possível determinar, desde logo, sua extensão.
Trata-se de extensão da responsabilidade que decorre do ilícito afirmado.
Em outros casos o autor não pode precisar o valor que é pedido, por ser esse valor dependente
de ato que deve ser praticado pelo réu.
Nesses três casos, não sendo possível a determinação do objeto do pedido mediato no transcurso
do processo, o juiz está autorizado a proferir sentença que é denominada "ilíquida", e que,
portanto, deve ser liquidada antes da instauração do processo de execução (ver arts. 586 e 603
do CPC).
2.9 Obrigação alternativa e pedido alternativo
Segundo o art. 288, caput, o pedido será alternativo quando, pela natureza da obrigação, o
devedor puder cumprir a prestação de mais de um modo.
Isto quer dizer que, podendo o devedor cumprir sua obrigação de mais de um modo, o autor
deve formular pedido que permita ao devedor escolher o modo pelo qual deseja cumpri-la.
Diz o parágrafo único do art. 288 que, "quando, pela lei ou pelo contrato, a escolha couber ao
devedor, o juiz lhe assegurará o direito de cumprir a prestação de um modo ou de outro modo,
ainda que o autor não tenha formulado pedido alternativo".
Se, em virtude da natureza da obrigação, o devedor pode cumprir sua prestação de dois modos,
pouco importa que o autor, que pretende ver cumprida a prestação, não tenha formulado pedido
alternativo, conferindo ao réu a oportunidade de escolher o modo mais conveniente para
cumprir a obrigação. Nesse caso, não tendo sido formulado pedido alternativo, deve o juiz
assegurar ao réu a possibilidade de cumprir a prestação de um ou de outro modo.
A PETIÇÃO INICIAL
113
2.10 Cumulação objetiva de pedidos
De acordo com o art. 292, caput, do CPC, é possível a cumulação -em um único processo -,
contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão.24
Para que seja possível a cumulação, é necessário o preenchimento dos requisitos dos parágrafos
do art. 292, a saber: i) que os pedidos sejam compatíveis entre si; ii) que seja competente para
conhecer deles o mesmo juízo; iii) que seja adequado para todos os pedidos o mesmo tipo de
procedimento; iv) quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento,
admitir-se-á a cumulação, se o autor empregar o procedimento ordinário.
Trata-se de cumulação objetiva, que ocorre quando presentes vários pedidos de um só autor
contra um só réu. A fórmula empregada pelo art. 292, ao dispensar a conexão como requisito de
admissibilidade, tem por escopo evitar a proliferação de demandas entre as mesmas partes,
propiciando economia de tempo e de dinheiro e, dessa forma, colaborando para a realização do
princípio de acesso à justiça.
2.11 Cumulação simples de pedidos
A cumulação pode ser simples, quando os pedidos somente têm em comum as partes. Tais
pedidos poderão ser formulados independentemente e o juiz poderá julgar todos procedentes ou
improcedentes, ou apenas algum ou alguns procedentes.
Há cumulação simples, por exemplo, quando "A" propõe ação contra "B" cobrando,
cumulativamente, duas dívidas, sendo uma oriunda de um contrato de mútuo e a outra
proveniente de contrato de compra e venda.25
241
Art. 103 do CPC: "Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir".
Na verdade, ao contrário do que diz esse artigo, é suficiente a coincidência de apenas um dos elementos da ação (que
são as "partes", a "causa de pedir" e o "pedido") para que exista conexão.
(25)
Cf. CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983. v. 3,
p. 187.
114
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
2.12 Cumulação sucessiva de pedidos
Na cumulação chamada de sucessiva, o pedido formulado em segundo lugar somente será
apreciado na hipótese de procedência do primeiro; o primeiro pedido é prejudicial ao segundo.
Assim, por exemplo, a ação reivindicatória cumulada com perdas e danos, ou ainda a ação de
resolução de contrato cumulada com perdas e danos.
2.13 Cumulação alternativa de pedidos
Há, por fim, a cumulação alternativa de pedidos, que não se confunde com a hipótese de
obrigação que pode ser cumprida de dois modos distintos.
Na presente hipótese há dois pedidos, enquanto que no caso em que o réu pode escolher o
cumprimento de sua prestação de um modo ou de outro, há apenas um pedido (ver acima
"Obrigação alternativa e pedido alternativo").
De acordo com o art. 289 do CPC, é lícito formular mais de um pedido em ordem sucessiva, a
fim de que o juiz conheça do posterior em não podendo acolher o anterior.
Aí um dos pedidos é realizado como principal, e o outro, para aeven-tualidade de não ser
possível o acolhimento do primeiro.
Assim, por exemplo, o caso em que o autor pede a complementação de áreana venda
admensuram, ou, subsidiariamente, a redução do preço (quanti minoris).
Nesse caso, acontece o contrário daquilo que ocorre na cumulação sucessiva de pedidos. Na
cumulação alternativa, o segundo pedido só será apreciado se não for acolhido o primeiro; na
cumulação sucessiva, ao contrário, o segundo pedido apenas será apreciado se for procedente o
primeiro.
2.14 Modificações da causa de pedir e do pedido
Diz o art. 264 do CPC que, feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de
pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições
permitidas por lei.
A PETIÇÃO INICIAL
]]5
O autor pode modificar o pedido ou a causa de pedir, sem qualquer consentimento do réu, até a
citação. Depois da citação do réu, essas modificações dependem de seu consentimento.
Como a ação é identificada por seus elementos, que são as partes, a causa de pedir e o pedido
(art. 301, § 2.°), modifícando-se a causa de pedir ou o pedido, modifica-se a ação. Ora, é lógico
que o autor não pode modificar a causa de pedir ou o pedido (e assim a ação) depois da citação,
sem o consentimento do réu.
Entende o legislador, entretanto, que ainda que as partes estejam de acordo, não é possível a
modificação da causa de pedir ou do pedido após o saneamento do processo (art. 264, parágrafo
único).
Embora o caput do art. 264 fale em "modificação" do pedido, é possível distinguir a ampliação,
a redução e a alteração do pedido.
O pedido pode ser ampliado antes da citação. Depois da citação, e antes do saneamento do
processo, sua ampliação depende de consentimento do réu.
O art. 294 do CPC, contudo, afirma que' 'antes da citação, o autor poderá aditar o pedido,
correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa". A interpretação literal
dessa norma levaria à conclusão de que o autor não pode ampliar seu pedido depois da citação e
antes do saneamento do processo, ainda que com isso esteja de acordo o réu. Tal raciocínio é
absurdo e não pode prevalecer em razão do sistema do Código de Processo Civil, que admite a
alteração (mudança) do pedido até o saneamento do processo (depois dacitação, com
aconcordância do réu). Ora, se é possível mudar o pedido, com o consentimento do réu, até o
saneamento do processo, seria verdadeiramente absurdo não admitir a ampliação do pedido,
nestas condições, até o saneamento do processo.
O pedido pode ser reduzido em virtude de: i) desistência da ação no tocante a uma parte do
pedido ou a um dos pedidos (quando houver cumulaçãode pedidos); 26 ii) renúncia a uma parte
do direito postulado;27 üi) transação parcial (na pendência do processo); 28 iv) convenção de arbitragem em rei ação a parte do obj eto do litígio (na pendência do processo); e v) recurso em
relação a uma parte da sentença.29
(26)
(27)
(28)
(29)
Ver art. 267, VIII, do CPC.
Ver art. 269, V, do CPC.
Ver art. 269, III, do CPC.
Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro, c\t., p. 12-13.
16
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
No tocante propriamente à alteração do pedido (que não se confundiria com a ampliação e com
a redução do pedido), vale o que já foi exposto, lembrando que é sempre possível a alteração do
pedido antes da citação, e, desde que haja o consentimento do réu, até o saneamento do
processo.
2.15 Partes
Do conflito de interesses que está fora do processo, ou seja, no plano sociológico, importa, para
a definição do que é mérito no plano do direito processual civil, o que o autor leva do conflito
de interesses (seja todo ou parte do conflito) ao conhecimento do juiz.
O conflito de interesses, portanto, é delimitado, passando a ganhar contornos como o mérito ou
o litígio que deve ser solucionado pelo juiz, a partir dos termos da petição inicial.
Apenas as pessoas que tomam "parte" no processo, como elementos componentes do litígio,
devem ser designadas como partes.
Dessa forma, por exemplo, em uma ação de despejo, discutindo-se a relação de locação, são
partes o locador e o locatário. Mas se existe su-blocação, e o locador deseja ver o imóvel
totalmente desocupado, a sentença somente terá efetividade, se de procedência, se também
desalojar o sublocatário. Nesse caso, o locador não tem um litígio com o subloca-tário, embora a
sentença de procedência deva produzir efeitos contra ele.30
Art. 13 (Lei 8.245/91): A cessão de locação, a sublocação e o empréstimo do imóvel, total ou parcialmente,
dependem de consentimento prévio e escrito do locador.
§ 1.° Não se presume o consentimento pela simples demora do locador em manifestar formalmente a sua oposição.
§ 2.° Desde que notificado por escrito pelo locatário, de ocorrência de uma das hipóteses deste artigo, o locador terá o
prazo de trinta dias para manifestar formalmente a sua oposição.
Art. 15 (Lei 8.245/91): Rescindida ou finda a locação, qualquer que seja sua causa, resolvem-se as sublocações,
assegurado o direito de indenização do sublocatário, contra o sublocador.
Art. 59, § 2.° (Lei 8.245/91): Qualquer que seja o fundamento da ação dar-se-á ciência do pedido aos sublocatários,
que poderão intervir no processo como assistentes.
A PETIÇÃO INICIAL
]]-]
O sublocatário é terceiro no processo, ou, mais precisamente, assistente simples, figura que será
estudada mais tarde.
Aquele que toma "parte" no litígio, ou dele faz "parte", deve ser considerado parte (assim, por
exemplo, locador e locatário); aquele que é estranho ao litígio, ou dele não faz "parte", embora a
sentença contra ele produza efeitos, deve ser considerado terceiro (assim, por exemplo, o
sublocatário).
Deixe-se claro, porém, que "terceiro", nessa perspectiva, não é aquele que simplesmente
interfere no processo, como o oficial de justiça, o contador etc. Tais figuras apenas auxiliam o
juiz para que a prestação juris-dicional seja a mais perfeita possível.
2.16 Valor da causa
Ao litígio posto em juízo deve ser dado um valor. Ainda que o litígio não tenha valor econômico
imediato, ou não configure propriamente um litígio - por não haver discórdia entre as partes -,
toda causa que deva ser objeto de prestação jurisdicional deve ser valorada.
Diz o art. 258 do CPC que "a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha
conteúdo econômico imediato". O valor da causa -que é requisito obrigatório da petição inicial
(arts. 282, V e 259 do CPC) - pode ser legal ou estimado. A primeira hipótese ocorre quando a
lei apresenta critérios para que o valor da causa seja fixado, sendo que, diante da ausência
desses critérios, somente resta ao autor estimá-la.
Os arts. 259 e 260 do CPC encarregam-se de estabelecer critérios para que sejam fixados os
valores de algumas causas. Na ausência de critérios legais para que seja fixado o valor da causa,
o autor deve proceder por estimativa.
O valor da causa sempre deve retratar o estado de fato e de direito que existe no momento da
apresentação da petição inicial. Isto significa que qualquer alteração posterior à propositura da
ação, que possa repercutir no valor atribuído à causa, não deve ser tomada em consideração.
Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de
umas e outras. Afirma ainda o art. 260 do CPC que o valor das prestações vincendas será igual a
uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a um
an
o. Se por tempo inferior, será igual à soma das prestações.
118
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Não estando o réu de acordo com o valor atribuído à causa, pode ele impugná-lo no prazo que
tem para contestação. Tal impugnação deve ser autuada em apenso, diz o art. 261 do CPC.
A impugnação do valor da causa não precisa ser apresentada simultaneamente à contestação,
bastando que seja oferecida no prazo da contestação. Assim, por exemplo, se a contestação é
apresentada quando ainda restam alguns dias para que seu prazo termine, nada impede que a
impugnação seja apresentada no último dia do prazo fixado para a contestação.
2.17 Emenda à petição inicial
Chama-se "emenda à petição inicial" a possibilidade que o juiz confere à parte autora, no
momento em que lhe é apresentada a petição inicial, de sanar eventual incorreção ou até mesmo
omissão nela contida.
Afirma o art. 284, caput, do CPC que, "verificando o juiz que a petição inicial não preenche os
requisitos exigidos nos arts. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de
dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de
dez dias".
Se a petição inicial não possui um requisito que lhe é indispensável, ou contém defeito ou
irregularidade sanável, o juiz tem o dever de conferir ao autor a possibilidade de emendar a
petição inicial.
Em outras palavras, é expressamente vedado ao juiz indeferir a petição inicial sem dar ao autor
a oportunidade de emendá-la. Nesse sentido, fala-se que o autor tem o direito - obviamente
quando for o caso - de emendar a petição, sendo ilegal a decisão que indefere a petição inicial
sem dar ao jurisdicionado a oportunidade de emendá-la.
Se o juiz dá ao autor a oportunidade de emendar a petição inicial, e o autor nada faz, o juiz deve
indeferi-la (art. 284, parágrafo único, do CPC). Também deve ser indeferida a petição inicial
que contém vício que não comporte emenda, como, por exemplo, a inépcia (ver "petição inicial
inepta", a seguir, no item dedicado ao "indeferimento da petição inicial").
2.18 Indeferimento da petição inicial
De acordo com o art. 295 do CPC, a petição inicial será indeferida: i) quando for inepta; ii)
quando a parte for manifestamente ilegítima; iii)
A PETIÇÃO INICIAL
H9
quando o autor carecer de interesse processual; iv) quando o juiz verificar, desde logo, a
decadência ou a prescrição (art. 219, § 5.°); v) quando o tipo de procedimento, escolhido pelo
autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em que só não será
indeferida se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal; e vi) quando não atendi das as
prescrições dos arts. 39, parágrafo único, primeira parte, e 284.
Diz ainda o parágrafo único desse artigo que se considera inepta a petição inicial quando: i) lhe
faltar pedido ou causa de pedir; ii) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
iii) o pedido for juridicamente impossível; iv) contiver pedidos incompatíveis entre si.
O parágrafo único do art. 295 enumera as hipóteses de inépcia da petição inicial.
Há inépcia da petição inicial, devendo ser ela indeferida, quando faltar causa de pedir ou pedido
(ver acima itens referentes à causa de pedir e ao pedido).
Quando o autor narra fatos e apresenta uma conclusão que deles não decorre, não há coerência
lógica na apresentação da petição inicial, que, portanto, também é considerada inepta, isto é, não
apta para dar prosseguimento ao processo.
O art. 295 elenca as condições da ação - isto é, a legitimidade de parte, o interesse de agir e a
possibilidade jurídica do pedido - como causas de indeferimento da petição inicial.
Se o juiz pode afirmar, em face da apresentação da petição inicial, que uma dessas condições
não está presente, o caso é de indeferimento da petição inicial. Se foi determinada a citação do
réu - portanto, defe-rindo-se a petição inicial -, a afirmação no sentido de que não está presente
uma condição da ação, evidentemente não pode ser uma decisão de indeferimento da petição, já
que esta já foi deferida.
A decisão que afirma a ausência de uma condição da ação depois que a petição inicial foi
deferida, assim como a decisão que indefere a petição inicial, encerra o processo sem
julgamento do pedido. Na verdade, sempre que se determina a citação do réu, deferindo-se a
petição inicial, a decisão de extinção do processo sem julgamento do pedido, ainda que com
base em uma hipótese prevista pelo legislador para o indeferimento da petição inicial,
evidentemente não será de indeferimento da petição inicial.
120
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O art. 295, II, fala curiosamente em parte "manifestamente" ilegítima. Ora, o juiz pode, ou não,
afirmar que a parte é ilegítima. Se o juiz não pode afirmar, apenas em face da petição inicial,
que a parte é ilegítima, o caso não é de indeferimento da petição inicial. O que esse inciso quer
dizer é que o juiz somente deve indeferir a petição inicial, afirmando que a parte é ilegítima,
quando nela encontra elementos para assim decidir.
Outro caso de inépcia da petição inicial dá-se quando os pedidos formulados pelo autor não
forem compatíveis entre si. Se realmente os pedidos forem incompatíveis, o juiz deve dar
oportunidade para o autor desistir de um (ou mais de um) dos pedidos, emendando a petição inicial. Se o autor insistir naformulação dos pedidos incompatíveis, somente resta ao juiz indeferir
a petição inicial.
Quando o procedimento não corresponder ao valor da causa ou à sua natureza, o juiz também
deve dar ao autor a oportunidade de emendar a petição inicial. Não tendo sido emendada a
petição inicial, ou não sendo possível a adaptação ao procedimento que deveria ter sido eleito, o
juiz deve indeferir a petição inicial (art. 295, V, do CPC).
Não tendo a petição inicial declarado o endereço em que o advogado do autor deve receber
intimações, o juiz deve dar ao autor oportunidade para suprir tal omissão no prazo de quarenta e
oito horas (art. 39, parágrafo único, do CPC). Persistindo a omissão, apesar de ter sido conferida
oportunidade para emenda da petição inicial, o caso é de seu indeferimento.
Na realidade, caso o autor, devidamente intimado para tanto, não supra vício sanável,
emendando a petição inicial, o juiz deve indeferi-la. Portanto, é importante que o juiz, ao tomar
contato pela primeira vez com a petição inicial, analise se nela há alguma omissão ou erro
sanável. Havendo omissão ou erro que possa ser sanado, o juiz deve dar oportunidade para o
autor emendar a petição inicial. Se o vício não puder ser sanado, e o juiz tiver condição de
afirmá-lo sem macular o direito da parte, a petição inicial deve ser indeferida, o mesmo devendo
ocorrer se o autor, apesar de devidamente intimado, nada fizer para saná-lo.
Também cabe o indeferimento da petição inicial quando o juiz puder afirmar, em face do mero
contato com a petição inicial, a ocorrência de decadência ou de prescrição. Nesse caso, embora
se trate de indeferimento da petição inicial (art. 295, IV, do CPC), o processo deve ser extinto
"com julgamento do mérito" (art. 269, IV, do CPC).
A PETIÇÃO INICIAL
121
O art. 295, IV, refere-se aos casos de "decadência e prescrição". Todavia, a afirmação merece
ser tomada com cautela. Isto porque, em regra, apenas a decadência pode ser pronunciada de
ofício (sem requerimento) pelo juiz. Nesse sentido, se a prescrição somente pode ser reconhecida quando alegada, é claro que a prescrição somente pode ser pronunciada depois que
deferida a petição inicial. O reconhecimento da prescrição, independentemente de pedido da
parte, apenas poderá ocorrer quando ela beneficiar o absolutamente incapaz (art. 194, do CC),
sendo este, pois, o único caso em que fará sentido integral a referência da lei processual a esta
causa como um dos motivos do indeferimento da petição inicial.
Indeferida a petição inicial, o autor poderá interpor recurso de apelação, facultando-se ao juiz
que a indeferiu reformar a decisão em quarenta e oito horas (art. 296 do CPC).
Deixe-se claro que estamos falando de indeferimento da petição inicial, e portanto de uma
sentença proferida em face de sua mera apresentação. Se há citação do réu, e a posterior
extinção do processo sem a apreciação do pedido, ainda que com base em um dos motivos que
poderiam levar ao indeferimento da petição inicial, não há evidentemente indeferimento, de
modo que não incide o art. 296, e dessa forma o juiz não pode reformar sua decisão.
Frise-se, aliás, que a possibilidade de o juiz reformar sua própria decisão constitui exceção à
regra constante no art. 463 do CPC, no sentido de que ele, proferindo a sentença, não pode mais
31
inovar no processo. Lembre-se que, embora o art. 463 refira -se apenas à sentença de mérito,
este princípio também se estende às sentenças que encerram o processo sem julgamento do
pedido.
Como a decisão que indefere a petição inicial constitui tecnicamente uma "sentença", é cabível
o recurso de apelação (art. 513 do CPC32); apenas nesse caso, por exceção, o juiz pode rever a
sua sentença. Inter01)
Art. 463 do CPC: Ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional, só podendo alterá-la:
I - para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo;
II- por meio de embargos de declaração.
02)
Art. 513 do CPC: Da sentença caberá apelação (arts. 267 e 269).
122
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
posto o recurso, e não tendo sido reformada a sentença, os autos serão imediatamente
encaminhados ao tribunal competente (art. 296, parágrafo único, do CPC).
O réu somente será citado se o recurso for provido. Contudo, a causa que conduziu ao
indeferimento da petição inicial, ainda que tenha sido discutida pelo autor, e entendido o
tribunal que esta não deveria levar à sentença que foi impugnada através do recurso de apelação,
pode ser novamente argüida pelo réu. Ora, se o réu ainda não participava do processo quando
determinada matéria foi discutida, é lógico que ele não pode ser impedido de invocá-la em
juízo.
A distribuição da ação, e não a citação do réu, interrompe a prescrição. Melhor explicando: a
interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação, desde que devidamente citado
o réu (art. 219 do CPC). Assim, caso provido o recurso de apelação, e devidamente citado o réu,
a prescrição terá sido interrompida na data em que foi proposta a ação. Dessa forma, não se
prejudica o autor.
O objetivo da norma que só admite a citação do réu após o provimento do recurso é o de não
incomodá-lo com a apresentação de uma ação cuja petição inicial não foi sequer deferida. Além
disso, facultando-se ao juiz reformar a própria decisão, ganham a tempestividade e a economia.
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
SUMARIO: 3.1 Citação - 3.2 Espécies de citação - 3.3 Efeitos da citação - 3.4 Repetição e renovação da
citação - 3.5 Intimação - 3.6 Os prazos e sua contagem.
O processo de conhecimento é instituto essencialmente dialético. É através da colaboração das
partes que o Estado-juiz poderá examinar os fatos postos à sua deliberação. Por isso, é inerente à
idéia de processo a noção de contraditório, concebido pelo binômio conhecimento e reação. As
partes envolvidas no processo devem sempre ter condições de saber o que nele se passa,
podendo reagir de alguma forma aos atos nele praticados.
Desse modo, é natural a preocupação do Código de Processo Civil com a comunicação dos atos
processuais, ou seja, com a maneira pela qual se dá a informação aos sujeitos do processo sobre
os acontecimentos sucedidos na marcha processual.
Na forma da legislação atual, há dois meios de comunicação dos atos processuais: a citação e as
intimações. A primeira é ato mais solene, inicial, em que se convoca o demandado a participar
do processo. A segunda, mais informal, diz respeito a todos os demais atos do processo. Leis
extravagantes (p. ex., art. 7.°, I, da Lei 1.533/51 - Lei do Mandado de Segurança) ainda aludem
à notificação, como espécie distinta (assim como faz o Código de Processo Penal), em que se
comunica à parte a necessidade de praticar ato futuro - reservando-se o termo "intimação" para a
comunicação de ato já praticado no passado. A distinção, todavia, foi abolida pelo direito
processual civil atual, perdendo seu sentido.
124
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.1 Citação
O Código de Processo Civil define a citação como sendo "o ato pelo qual se chama a juízo o réu
ou o interessado a fim de se defender" (art. 213). Efetivamente, a citação é o ato de convocação
inicial do processo, capaz de angularizar a relação processual, trazendo para ela a(s) pessoa(s)
em face de quem se pede a atuação do direito.
Segundo preceitua o Código de Processo Civil, a citação do réu é essencial para a validade do
processo (art. 214). Porém, tão significativa é a função da citação que boa parte da doutrina a
considera como requisito de existência da relação processual, defendendo a idéia de que, inexistindo a citação, não há processo, inviabilizando-se a atuação da função jurisdicional e,
conseqüentemente, negando-se a autoridade de coisa julgada à decisão eventualmente
proferida.1
A citação se faz pela comunicação pessoal ao réu - ou, eventualmente, a seu representante legal,
ou ainda ao seu procurador legalmente autorizado (art. 215 do CPC) - da existência da ação
proposta em detrimento de sua esfera jurídica, convocando-o a participar da relação processual,
onde poderá exercer os poderes processuais inerentes ao pólo passivo da demanda. Essa
comunicação pode ocorrer em qualquer local onde se encontre o réu (art. 216 do CPC), desde
que obedecidas as garantias constitucionais e legais para tanto. Assim, por exemplo, não se
admite possa o oficial de justiça, para efetivar a citação, ingressar sem permissão (ou
autorização judicial) na casa do réu, já que isso violaria frontalmente o disposto no art. 5.°, XI,
da CF. Da mesma forma, salvo casos excepcionais (para evitar o perecimento do direito), a lei
processual veda a citação do réu que se encontre em circunstâncias especiais, tais como: "I) a
quem estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso; II) ao cônjuge ou a qualquer parente
do morto, consangüíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral em segundo grau, no dia do
falecimento e nos 7 (sete) dias seguintes; III) aos noivos, nos 3 (três) primeiros dias de bodas;
IV) aos doentes, enquanto grave o seu estado" (art. 217 do CPC).
(l)
Semelhante "processo", viciado por defeito que lhe nega existência, jamais poderia transitar em julgado, ficando
sujeito, ao invés da desconstituição pela via da ação rescisória, à chamada querela nullitatis, podendo ser retirado do
mundo jurídico pela simples ação declaratória de inexistência de ato jurídico.
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
125
A essas pessoas - e a outras, como os militares e os dementes (para o s quais a lei exige
procedimento especial) - a citação realizada fora dos parâmetros fixados em lei é nula,
invalidando, ademais, o processo como um todo.
Nesses casos, em que não tenha ocorrido a citação do réu ou que esta se demonstre inválida,
prevê o Código de Processo Civil a possibilidade de sanar-se o vício, através do
comparecimento espontâneo da parte citanda (art. 214, § 1.°, do CPC). Trata-se da aplicação do
princípio da instrumentalidade (que norteia toda a teoria da nulidade no direito brasileiro,
conforme prevê o art. 249,12.°, do CPC), em que se considera que, se a finalidade da citação é a
de trazer o réu ao processo, e se este comparece mesmo quando viciada a convocação, não há
razão para se invalidar o feito. Pode, todavia, ocorrer que o réu compareça - ulteriormente apenas para alegar a nulidade (ou inexistência) da citação procedida. Nesse caso, não há que se
reputar, pelo comparecimento do réu, suprido de pronto o defeito verificado; tocará ao
magistrado, então, decidir sobre a ocorrência do vício e, reconhecendo-o, considerar-se-á citado
o réu a partir de quando ele ou seu advogado constituído for intimado da decisão judicial sobre a
irregularidade do ato de citação (art. 214, § 2.°, do CPC). Será, então, devolvido ao réu o prazo
que tinha para a prática dos atos processuais (inclusive para sua defesa), que passará a correr
daquela intimação. Se, todavia, entender o magistrado por rejeitar a argüição do vício de citação, o comparecimento extemporâneo do réu poderá ocorrer, mas este será, ao menos em
princípio, tido como revel, aplicando-se-lhe o disposto no art. 322, infine (ver, adiante, capítulo
4, item 4.2).
3.2 Espécies de citação
O Código de Processo Civil concebe duas formas de citação: a pessoal e a ficta. A diferença
essencial entre ambas as figuras está em que, na primeira, é certa a ciência do réu, quanto à
propositura da ação, enquanto que, na segunda, incide mera presunção legal (ficção) de tal
conhecimento, satisfazendo-se com isso o ordenamento processual. A primeira se faz
diretamente à parte requerida no processo, ou a seu representante legal com poderes para
representar o réujudicialmente. Pode ainda ocorrer que, por disposição de lei, essa citação possa
fazer-se em pessoa não diretamente vinculada à parte ré do processo - ou, ao menos, na pessoa
de quem
126
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
não se tem certeza de que tenha poderes para representar o réu. É o caso em que a lei autoriza,
por exemplo, a citação da pessoa jurídica estrangeira através do gerente da filial ou agência no
Brasil (art. 12, § 3.°, do CPC), ou ainda do contido no art. 215, § 2.°, do CPC, referente à
citação do locador que se ausenta do país, a qual é realizada na pessoa do administrador do
imóvel locado (encarregado de receber os aluguéis).
Já a citação ficta ocorre quando a ciência do réu sobre a propositura da ação acontece por mera
ficção legal, sendo pouco provável que tenha ele efetivo conhecimento a respeito de tal
propositura. Tem cabimento em situações excepcionais, em que não é concretamente possível
citar o réu de maneira direta e inequívoca, seja porque ele se esconde, seja porque o local onde
pode ele ser localizado é inacessível etc. Por duas formas, autorizadas em lei, pode dar-se a
citação ficta: a citação por edital e a citação com hora certa. Em ambas, o resultado da citação
(ciência do réu) não pode ser tido como certo, impondo, de qualquer sorte, a lei que se considere
o réu como citado.
Seja como for, quando a citação for ficta e não comparecendo o réu para defender-se no
processo, a fim de evitar prejuízo à sua defesa, prevê o CPC a nomeação de curador especial,
que será responsável pela defesa do revel citado por edital ou com hora certa (art. 9.°, II, do
CPC). Essa providência visa compensar a fixação legal da ficção de conhecimento, outorgando
alguma espécie de defesa (ainda que precária) ao réu revel citado de maneira ficta. A esse
curador especial concede-se, ademais, para poder oferecer defesa adequada ao revel, poderes
especiais, especialmente permitindo-lhe a defesa por negativa geral (art. 302, parágrafo único,
do CPC), que será adiante examinada.
As citações podem revestir-se de diversas formas específicas, cada qual designada para certas
circunstâncias e condições também específicas. Assim, a citação, quanto à forma, pode ser:
a) Pelo correio (art. 221,1, do CPC). Hoje, esse é o meio padrão pelo qual se dá a citação em
processo civil, admitindo-se essa modalidade para qualquer tipo de feito, exceto "nas ações de
estado; quando for ré pessoa incapaz; quando for ré pessoa de direito público; nos processos de
execução; quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de
correspondência e quando o autor a requerer de outra forma" (art. 222 do CPC). Consiste, como
descreve o art. 223 do CPC, na elaboração de correspondência, enviada ao citando - que conterá
cópia da petição
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
] 27
inicial e do despacho judicial de sua admissibilidade -, em que se comunica ao réu sobre a
propositura da ação, advertindo-o do prazo que tem para a resposta (indicando-se o juízo e o
cartório, com endereço, a que deve dirigi-la) e da sanção prevista para sua inação (presunção de
veracidade dos fatos articulados pelo autor).
Essa correspondência será encaminhada ao réu por carta registrada, devendo ser recebida pelo
citando, pessoalmente, ou, no caso de pessoa jurídica, por pessoa com poderes de gerência geral
ou de administração, que, ao receber a carta, assinará o recibo de entrega. Com a juntada aos
autos do recibo de entrega da correspondência, considera-se perfeita e acabada a citação.
b) Por oficial de justiça (art. 221, II, do CPC). Trata-se de forma subsidiária de citação do réu, a
ser utilizada quando for frustrada a citação pelo correio, ou nos casos em que esta não pode ser
utilizada. O oficial de justiça receberá mandado de citação (que deverá preencher os requisitos
do art. 225 do CPC, sob pena de nulidade da citação), devendo, então, procurar o réu onde se
encontrar-ressalvadas as situações e locais acima apontados - e promover sua citação, mediante
leitura do mandado e entrega da contrafé, certificando no mandado essa entrega ou sua recusa,
bem como a ciência do réu sobre a citação (art. 226 do CPC). Conforme prescreve o art. 230 do
CPC, "nas comarcas contíguas, de fácil comunicação, e nas que se situem na mesma região
metropolitana, o oficial de justiça poderá efetuar citações ou intimações em qualquer delas".
A citação por oficial de justiça pode dar azo a uma forma de citação ficta, a chamada "citação
com hora certa". Esta é admitida quando a citação tradicional, por oficial - acima vista -, não
puder ser concluída, porque, após procurar o réu por três vezes em seu domicílio ou residência ou ainda em outro local em que pudesse, normalmente, ser encontrado -, o oficial de justiça não
logrou encontrá-lo, suspeitando que ele tenta ocultar-se para evitar a citação. Nesse caso, deve o
oficial de justiça intimar qualquer pessoa da família ou, na falta desta, algum vizinho, de que
voltará àquele local, no dia seguinte, em hora determinada, para citar o réu. Então, e sendo
desnecessário para isso novo despacho judicial ou mesmo prévia comunicação ao juízo, no dia
subseqüente, e na nora e lugar marcados, voltará o oficial para proceder à citação. Encontrando
o réu, efetivará a citação pessoal, na forma anteriormente descri-ta- Caso contrário, não
encontrando o réu no local determinado, e sem
128
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que haja plausível justificativa para a ausência dele, a critério do próprio oficial (posteriormente
sujeito ao crivo judicial), considerará o agente público citado o réu, certificando o fato no
mandado e deixando a contrafé com alguém da família ou algum vizinho, cujo nome também
constará na certidão.
Adotado o procedimento da citação com hora certa, a fim de assegurar que, posteriormente,
tenha o réu condições de efetivamente ter ciência da citação, determina alei que o escrivão envie
a este carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe ciência do procedimento adotado e de suas
conseqüências. De toda sorte, se mesmo assim não comparecer o réu citado sob essa forma para
o processo, ser-lhe-á dado curador especial, conforme já dito.
c) Por edital (art. 221, III, do CPC). Essa é a forma típica de citação ficta. Tem cabimento
quando for desconhecido ou incerto o réu, quando for ignorado, incerto ou inacessível - aí
inserido o país estrangeiro que recuse o cumprimento de carta rogatória brasileira - seu
paradeiro ou ainda nos demais casos contemplados pela lei (art. 231 do CPC), como é o caso da
ação de usucapião (art. 942 do CPC). Os requisitos da citação por edital variam conforme
tenham por base as duas primeiras hipóteses acima alinhavadas - réu desconhecido ou incerto,
ou de localização ignorada, incerta ou inacessível - ou não. Para todas as hipóteses exige-se o
preenchimento dos requisitos enumerados no art. 232, II a V, do CPC, mas para as duas
primeiras situações agrega-se a tais exigências a necessidade de se conter a afirmação do autor,
ou a certidão do oficial, relativamente ao desconhecimento ou incerteza quanto ao réu, ou ainda
a incerteza, inacessibilidade ou ignorância de seu paradeiro. Se a hipótese for de dificuldade de
citação pessoal, porque inacessível o local em que se encontra o réu, determina a lei, ainda, que
se faça divulgar a citação também por rádio, quando a comarca o permitir, porque sede de
emissora de radiodifusão (art. 231, § 2.°, do CPC).
O edital preenchendo esses requisitos deverá ser publicado em prazo máximo de 15 (quinze)
dias, uma vez no órgão oficial e pelo menos duas em jornal local - publicação essa, em jornal
local, dispensável, quando o autor for beneficiário de assistência judiciária gratuita (art. 232, §
2.°, do CPC). Note-se que a lei impõe a fixação de prazo no edital de citação (art. 232, IV, do
CPC) variável entre 20 (vinte) e 60 (sessenta) dias, a contar da primeira publicação. Esse prazo
não corresponde ao prazo que o réu
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
]29
tem para oferecer defesa; é o prazo em que se presume possa o réu ter contato com o edital, seja
diretamente na sede do juízo, onde fora afixado seja por intermédio da mídia, onde foi
publicado. Somente depois de escoado esse prazo é que começará a correr o prazo de defesa do
réu (art. 241,V,doCPC).
A excepcionalidade dessa modalidade de citação e a dificuldade de que ela represente,
efetivamente, a ciência do réu quanto à ação proposta, leva a lei a prever duas garantias diante
de sua incidência. Inicialmente, como já visto, e à semelhança do que ocorre com a citação por
hora certa, o não-comparecimento do réu (revelia) importará na nomeação de um curador
especial para defendê-lo no processo. De outra parte, se o autor requerer a citação do réu por
edital, invocando dolosa e falsamente o desconhecimento ou incerteza quanto à sua pessoa ou a
ignorância, incerteza ou inacessibilidade de sua localização, ser-lhe-á imposta multa no importe
de 5 (cinco) vezes o valor do salário mínimo, que reverterá em benefício do citando - tudo,
obviamente, sem prejuízo da eventual sanção criminal aplicável (art. 347 do CP) e da nulidade
da citação. Obviamente, só tem aplicação a imposição da multa (e a persecução criminal) caso
tenha o autor agido dolosamente, sendo que, em caso de erro seu, a única conseqüência será a
nulidade da citação.
3.3 Efeitos da citação
A realização da citação é apta a fazer operarem inúmeros efeitos -eventualmente não ligados
diretamente a ela - seja no plano processual, seja na ordem das relações materiais. Tais efeitos
vêm disciplinados pelo art. 219 do CPC, alguns dizendo respeito exclusivamente às partes envolvidas no processo, e outros a quaisquer pessoas. Realmente, como adverte BARBOSA
MOREIRA,2 a interpretação conjunta dos arts. 219 e 263 poderia insinuar que os efeitos da
citação apenas se operam frente ao réu, o que, porém, não é verdade. Na realidade, alguns dos
efeitos enumerados no art. 219 somente podem ser pensados como operando diretamente em
relação às partes do processo (litispendência, interrupção da prescrição e constituição em mora
do devedor); outros efeitos, todavia, estendem-se às demais pessoas, como o de tornar litigiosa a
coisa e tornar prevento o juízo.
O novo processo civil brasileiro, cit., p. 32.
130
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
De todo modo, é certo que nem sempre esses efeitos se operam da mesma forma. A redação
expressa do art. 219 condiciona a realização dos efeitos de induzir litispendência, tornar
prevento o juízo e fazer liti-giosa a coisa à competência do juízo para o feito. Observe-se que a
incompetência do juízo, empecilho para que se operem esses efeitos, pode ser absoluta ou
relativa (nesse caso, porém, para que os demais efeitos não se produzam, é necessário que não
haja ulterior prorrogação de competência, como acontecerá pela não-interposição de exceção de
incompetência, por exemplo).
Como visto acima, podem agrupar-se os efeitos típicos da citação (ainda que, eventualmente,
para alguns efeitos, essa citação possa ser inválida) em processuais e materiais, conforme se
destinem a operar exclusivamente no plano processual ou, ao contrário, atinjam a relação ju rídica material.
Conforme deflui do art. 219 do CPC, são efeitos processuais da citação:
I - Tornar prevento o juízo. Uma vez efetivada a citação do réu, o juízo em que ele foi
primeiramente citado torna-se prevento para as demais ações conexas, eventualmente propostas
em face dele. Note-se, todavia, que o Código de Processo Civil abre uma exceção a essa regra: a
prevenção que aqui se opera é aquela chamada prevenção de foro, estabelecida entre juizes que
têm competência territorial distinta. Assim, a citação válida previne o juízo, quando se estiver
discutindo a questão da competência entre juizes de comarcas (Justiça Estadual) ou de circunscrições judiciárias (Justiça Federal) distintas, como seria o caso de discussão de ações
propostas uma em São Paulo e outra em Curitiba, por exemplo. Se, todavia, os juizes têm a
mesma competência territorial -ambos pertencem à mesma comarca ou à mesma circunscrição
judiciária -, a prevenção não se fixa de acordo com a primeira citação válida, mas sim com base
na data do primeiro despacho (art. 106 do CPC).
II — Induzir litispendência. Nos termos do que prevê o CPC, há litispendência quando se repete
ação que já se encontra em curso (art. 301, § 3.°, do CPC). A litispendência é causa de extinção,
sem exame do mérito, da segunda ação proposta (art. 267, V, do CPC). Assim, a verificação de
qual ação deve ser extinta em função da duplicidade de ações idênticas, dá-se com base na
primeira citação válida obtida.
Ao lado desses efeitos processuais, expressamente arrolados pelo art. 219, outros ainda
decorrem de regras específicas, ou do próprio sistema
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
13 )
processual vigente. Assim, efetivada a citação válida do réu, não mais é lícito ao autor modificar
o pedido ou a causa de pedir de sua ação sem o consentimento do réu (art. 264 do CPC), o que,
de toda sorte, somente poderá ocorrer até o saneamento do feito. A isso se chama "estabilidade
da demanda", sendo a citação o elemento responsável por esse evento processual, a partir do
qual a relação torna-se inalterável (excetuados casos particulares), seja no plano objetivo (em
relação à res in iudiciumdeducta), seja no campo subjetivo (quanto aos sujeitos envolvidos na
relação processual). Vale ressaltar que tal estabilidade decorre naturalmente de outro efeito da
citação válida, que é a triangularização da relação processual. Com efeito, é a citação a
responsável por essa triangularização, fazendo com que a relação processual passe a ser
composta de três pólos principais (autor, réu e juiz).
De outra parte, perfilham-se efeitos materiais da citação, a serem operados no campo da relação
material deduzida em juízo. Também esses efeitos vêm arrolados pelo art. 219 do CPC, sendo
possível mencionar:
I - Tornar litigiosa a coisa. A partir da citação operada, tem-se a conseqüência de que a relação
jurídica material deduzida fez-se litigiosa, incidindo discussão sobre sua existência, validade ou
eficácia. A lei material, ocasionalmente, liga inúmeros efeitos a essa situação. Assim é que, por
exemplo, não pode demandar por evicção aquele que sabia que a coisa adquirida era litigiosa
(art. 457, CC).
II — Constituir em mora o devedor. Uma vez efetivada a citação, o réu -que venha
posteriormente a ser considerado devedor - está formalmente constituído em mora, sofrendo,
por conta disso, os efeitos materiais dessa situação. Eventualmente, pode ocorrer que essa
constituição se dê por outra circunstância distinta- prevista, seja na lei civil (como ocorre com o
art. 394 do CC), seja por mecanismo próprio, previsto processualmente, como é o caso da
notificação judicial (art. 867 e ss.) -, casos em que, obviamente, não terá a citação o condão de
resultar nesse efeito, já que ele decorre de outro fato anterior. Porém, não havendo situação
prévia capaz de realizar esse efeito material, é a partir da citação do réu que se há de considerálo em mora. Note-se, outrossim, que, para que esse efeito se opere, nem mesmo será necessário
(ao contrário do que ocorre com os efeitos anteriores) que a citação se dê por comando de juiz
competente (relativa ou absolutamente), bastando que ocorra.
132
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
III - Interromper a prescrição. Em verdade, a previsão é redundante e desnecessária, já que a
questão já vem tratada de modo idêntico, mas em preceito muito mais abrangente, pelo art. 199
do CC. De toda sorte, efetivada a citação do réu, tem-se por interrompida a prescrição, ficando
então resguardada a ação de direito material (bem como sua pretensão) exposta em juízo.
Observe-se que, embora esse efeito seja operado em virtude da citação (ainda que ordenada por
juiz incompetente), determina o CPC que ele retroaja à data da propositura da ação (art. 219, §
1.°, do CPC), que acontece quando a petição inicial é despachada pelo juiz ou distribuída nos
foros em que há mais de um juízo (art. 263 do CPC). Submete-se, porém, essa retroativídade à
condição de que a citação se faça validamente dentro dos prazos fixados em lei (art. 219, § 4.°,
do CPC). Caso contrário, sendo desobedecidos esses prazos por culpa da parte a quem
incumbia o ônus de promover a citação, é a citação o momento em que efetivamente se tem por
interrompida a prescrição, sendo irrelevante a data da propositura da ação.
Sejacomo for, uma vez interrompida a prescrição, esta somente opera, ao menos em princípio,
em relação aos sujeitos envolvidos no processo, não gerando qualquer efeito para terceiros que
não façam parte da relação processual, embora pudessem ser co-titulares da relação material
deduzida (art. 204 do CC). Ressalva-se aqui a situação da obrigação solidária, em que a
interrupção da prescrição em face de credor solidário ou de devedor solidário estende-se aos
demais (art. 204, § 1.°, do CC).
3.4 Repetição e renovação da citação
Uma vez efetuada a citação do réu, pode acontecer que deva ela ser repetida em função de
algum vício que a contamine. Assim, sempre que se tiver por nula a citação, sem que tenha ela
sido convalidada por alguma atitude própria - por exemplo, o comparecimento espontâneo do
réu, oferecendo resposta à ação proposta pelo autor-, será necessário, para a validade do
processo, repetir-se o ato citatório. Com efeito, declar ada nula a citação, não se operou o
principal efeito do instituto, que é a convocação do réu para o processo. Sem isto, não há meio
de realizar-se a garantia constitucional do contraditório, razão por que o processo que se seguirá
sem essa providência ofenderá princípio basilar do direito processual.
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
] 33
Posto isso, uma vez considerada nula a citação inicialmente efetivada - e não sendo viável sanar o vício
correspondente -, impõe-se a repetição, a fim de recuperar-se a regularidade formal, que é pressuposto
para o julgamento adequado da lide.
Além da repetição da citação - a acontecer, como visto, em casos de nulidade da primeira -, pode também
ocorrer sua renovação. Esta nada tem que ver com a nulidade da primeira citação efetivada. Decorre, ao
contrário, do fato de que, uma vez pendente o processo, onde já se efetivara a citação inicial, propõe-se,
por alguma faculdade legal, nova ação (a agregar-se à primeira), ou se altera substancialmente o conteúdo
da ação inicialmente proposta. Em face disso, nova citação se impõe, con-vocando-se novamente o réu a
responder. É o que sucede no caso de alteração da demanda em face de réu revel(art. 321
doCPC),dapropositura de ação declaratória incidental, ou ainda do oferecimento de ação inci-dental de
falsidade documental (art. 392 do CPC3). Em todas essas situações, não obstante seja perfeita a primeira
citação realizada, a alteração profunda da res in iudicium deducta—ou porque se acrescenta pedido ou
causa de pedir, ou porque há modificação substancial em qualquer desses elementos - impõe novo ato de
convocação do réu.
3.5 Intimação
Ao lado da citação - ato de convocação inicial do réu, chamando-o a responder à ação proposta pelo
autor-, prevê o Código de Processo Civil outro meio de comunicação dos atos processuais: a intimação.
Se a primeira dá ciência ao réu da existência de ação proposta em seu desfavor, a segunda refere-se aos
demais atos do processo, tendendo a dar ciência a ambas as partes dos movimentos processuais operados
no curso do processo. Conforme define o Código de Processo Civil, "intimação é o ato pelo qual se dá
ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa" (art. 234
do CPC).
O exame da figura denota a simplicidade, especialmente se comparada com o trato da citação, com que se
disciplinou a figura no direito brasileiro. Menos formal e mais dinâmico, o regime da intimação
efetivamente mostra
0)
V. MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo
Civil. São Paulo: RT, 2000, vol. 5, t. II, p. 210 e ss.
134
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que, se, de um lado, a convocação inicial para o processo, como elemento de triangularização da
relação processual que é, merece minuciosa atenção, as comunicações subseqüentes preocupam
mais em seu aspecto teleológico, sendo realmente importante a ciência que confere - não
obstante o desrespeito à forma determinada em lei para a intimação, assim como acontece com a
citação, importe em sua nulidade (art. 247 do CPC).
A efetivação das intimações dá-se, basicamente, por quatro vias distintas:
a) por publicação no órgão oficial. Em regra, a intimação se faz por publicação do ato
processual, de que as partes devem ficar cientes, no órgão oficial respectivo, constando nela os
nomes das partes e de seus advogados (art. 236 e § 1.° do CPC), além da menção ao número dos
autos a que se refere, para a boa identificação da ciência que se faz. Essa é a via adequada para a
intimação a ser procedida nos locais em que haja órgão de publicação de atos oficiais,
ressalvadas situações especiais, onde a intimação deverá seguir outro caminho;
b)por correio. Onde não houver órgão de publicação de atos oficiais, e tendo o intimando
domicílio fora da sede do juízo, determina a lei que a intimação se faça pela via postal. Expedese carta registrada com aviso de recebimento, que, por analogia ao regime dado à citação por via
postal, deverá subsumir-se aos requisitos e pressupostos do art. 223 do CPC. Quando essa
intimação é dirigida à pessoa do advogado constituído da parte, é preciso que se tenha certa
atenção à previsão do art. 39, II, do CPC, sendo ônus do advogado manter atualizado o endereço
em que recebe intimações do processo; desatendendo esse ônus, o encaminhamento da
intimação ao endereço que já não mais corresponde ao endereço do advogado gera intimação
válida;
c) pessoalmente. Nas comarcas em que não haja disponível órgão de publicação de atos oficiais,
procede-se à intimação pessoalmente do advogado da parte - quando este tiver domicílio na
sede do juízo. Também será esse o procedimento adequado para efetivar-se a intimação, quando
pela via postal se frustre o ato de ciência (art. 239 do CPC), ou ainda em relação a certos
sujeitos do processo, como o Ministério Público (art. 236, § 2.°, do CPC). Em geral, para a
prática de atos personalíssimos da parte, esta é a via adequada, dirigida, então, diretamente à
parte, e não a seu advogado. Da mesma forma, eventualmente exigirá a lei intimação pessoal do
advogado, relativamente a certos eventos ocorridos no processo (p. ex., art. 242, § 2.°, do CPC).
Essa intimação dá-se
A COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS
] 35
r jntermédio de oficial de justiça, que levará mandado de intimação Cem que se devem observar
os mesmos requisitos e formalidades aplicáveis à citação). Efetivada a intimação por oficial,
este deverá lavrar certidão, que conterá os requisitos do art. 239, parágrafo único, do CPC.
Outra forma de intimação diretamente feita, mas que dispensa a participação do oficial de
justiça, é aquela que se procede diretamente às partes, a seus representantes legais ou
advogados, em cartório ou na própria audiência (como acontece na previsão do art. 242, § 1.°,
do CPC), mediante termo nos autos. Comparecendo esses sujeitos em cartório, para qualquer ato
que seja, pode-se proceder diretamente à intimação deles em cartório ou na audiência em que o
ato esteja sendo realizado, sem que se tenha de expedir comunicação formal para a ciência (art.
23 8 do CPC).
O Código de Processo Civil não trata das figuras da intimação com hora certa ou por edital.
Todavia, por analogia, vem a doutrina e a jurisprudência aceitando essas modalidades de
intimação, obedecidos os pressupostos e formalidades condizentes à citação com hora certa e
por edital. Ao que parece, não foi essa a intenção da lei processual, tanto que se refere - no art.
241, V, do CPC—apenas à "citação por edital" (sem fazer menção à intimação, ao contrário do
que é feito em outros dispositivos). Porém, não se deve olvidar que o direito processual deve
conter regras que permitam o desenvolvimento concreto do processo. Dentro desse paradigma, é
inegável que, eventualmente, ocorrerão situações em que a localização da parte, para
cumprimento de ato pessoal seu - seja porque ela se encontra em lugar incerto e não sabido, seja
porque seu paradeiro é de difícil acesso -, será "praticamente impossível". Nesses casos, a
vedação à intimação por edital importaria em verdadeiro óbice intransponível ao seguimento do
processo, que ficaria paralisado até que se encontrasse solução ao impasse. Obviamente, os
princípios da brevidade e da celeridade processual mal se compadeceriam com essa situação,
razão pela qual, por critério de pura necessidade, deve o processo autorizar a intimação por
edital. O mesmo se pode dizer em relação à intimação com hora certa. Suponha-se que o oficial
de justiça, incumbido da intimação da parte ou do advogado, haja procurado tal pessoa por três
vezes, não logrando encontrá-lo e suspeitando que a pessoa busca esquivar-se da intimação. A
não se admitir a intimação por hora certa, estar-se-ia, certamente, dando azo à chicana
processual e à má-fé, o que obviamente não se pode admitir. Também por isso, a intimação por
hora certa se impõe como medida necessária à manutenção da tramitação rítmica do processo.
136
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.6 Os prazos e sua contagem
Sempre que se opere a citação — e normalmente em decorrência da intimação - autoriza-se à
parte a prática de um ato processual. Para essa conduta, fixa a lei processual um prazo adequado
e suficiente, a fim de que o processo possa caminhar de maneira célere (e o mais breve possível,
dentro do necessário para a efetivação das garantias constitucionais) à sua conclusão. Na forma
do que determina a lei processual, os prazos processuais são contínuos, não se interrompendo
pelo intercurso de feriados (art. 178 do CPC), mas sendo suspensos pela superveniência de
férias forenses (art. 179 do CPC) ou de outro obstáculo intransponível, causado pela parte ou
derivado de causa exterior (arts. 180, 182 e seu parágrafo único, do CPC). Eventualmente,
também admite a lei que as partes transijam a respeito de prazos processuais fixados
exclusivamente em seu interesse (prazos dilatórios), podendo reduzi-los ou aumentá-los segundo
sua conveniência; pode, ainda, a parte renunciar a prazo fixado em seu exclusivo benefício.
A contagem dos prazos do processo dá-se excluindo o dia do começo e incluindo o último dia
fixado (art. 184 do CPC). Se este último dia recair em data na qual não haja expediente forense,
prorroga-se o prazo até o primeiro dia útil seguinte, o mesmo valendo para quando o dia inicial
do cômputo incidir em situação semelhante.
Ao contrário do que poderia parecer, não é da efetivação da citação ou da intimação que, de
regra, os prazos processuais começam a correr. A legislação processual preocupa-se, além da
ciência a ser dada às partes, em controlar o instante efetivo dessa ciência, a fim de poder fazer
iniciar o cômputo dos prazos processuais. Assim é que os prazos processuais somente começam
a correr, de acordo com o art. 241 do CPC: "I) quando a citação ou intimação for pelo correio,
da data de juntada aos autos do aviso de recebimento; II) quando a citação ou intimação for por
oficial de justiça, da data da juntada aos autos do mandado cumprido; III) quando houver vários
réus, da data da juntada aos autos do último aviso de recebimento ou mandado citatório
cumprido; IV) quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou
rogatória, da data de sua juntada aos autos devidamente cumprida; V) quando a citação for por
edital, finda adilação assinada pelo juiz".
AS ATITUDES DO RÉU
SUMÁRIO: 4.1 Introdução - 4.2 A revelia e seus efeitos: 4.2.1 Primeiras considerações; 4.2.2 A
caracterização da revelia; 4.2.3 Os efeitos da revelia - 4.3 O reconhecimento da procedência do pedido e a
renúncia ao direito -4.4 Defesas do réu: 4.4.1 Considerações preliminares; 4.4.2 Da contestação; 4.4.3
Exceções: 4.4.3.1 Exceção de incompetência relativa; 4.4.3.2 Exceção de impedimento e exceção de
suspeição-4.5 Re-convenção: 4.5.1 Primeiras considerações; 4.5.2 Requisitos; 4.5.3 Procedimento.
4.1 Introdução
Apresentada a tese do autor, através da petição inicial, impõe o princípio constitucional do
contraditório que o magistrado ouça o requerido sobre sua versão dos fatos. Assim é que o
Código de Processo Civil, uma vez recebida a petição inicial, abre espaço no procedimento para
que a parte ré se manifeste sobre a pretensão de tutela do direito formulada pelo requerente.
Estabelece o Código de Processo Civil inúmeras formas pelas quais pode manifestar-se o
requerido quanto à ação do autor. Pode o demandado, nessa fase, permanecer inerte — caso em
que, normalmente, receberá sanções condizentes com esse seu desinteresse -, aquiescer à
pretensão exposta pelo autor, ou ainda responder à versão dos fatos exposta pelo demandante seja defendendo-se dela, seja colocando-se em posição ativa, redargüindo à tese que constitui o
objeto de discussão do processo e formulando também (o réu) pretensão própria à tutela de
direito.
Em todas essas atitudes vem o réu albergado pelas garantias fundamentais do contraditório e da
ampla defesa (art. 5.°, LV, da CF), o que, todavia, não implica dizer que, sempre, o direito de
reação do requerido
138
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
se faça da mesma forma. Com efeito, pode a lei, em certos casos, limitar a extensão de tais
garantias (e, conseqüentemente, o âmbito dessas atitudes do réu), tendo em vista algum outro
princípio constitucional de mesma hierarquia (como o art. 5.°, XXXV, da Lei Maior), visando a
especial tutela de certos tipos de afirmações de direito. Assim é que a lei, por vezes, limita o
espectro da defesa que o réu pode apresentar - como acontece, por exemplo, nas ações de
desapropriação, onde a defesa (considerada em sentido estrito) do réu fica limitada à discussão
de vícios processuais ou do preço da indenização (art. 20 do Decreto-lei 3.365/41) -ou impede a
dedução pelo demandado de alguma especial via de reação -como acontece no procedimento
sumário brasileiro, onde não se admite a reconvenção (mas apenas o pedido contraposto, que é
figura mais restrita). Tais situações ocorrem em benefício da celeridade do processo, da
simplicidade que se pretende emprestar ao procedimento e, por via reflexa, da busca de
adequada tutela jurisdicional para certos tipos de direitos. Precisamente por conta disso, e desde
que essas restrições não extrapolem o limite da razoabil idade, não se lhes há de impor a pecha
da inconstitucionalidade, já que tais providências são colocadas precisamente no conflito de
princípios fundamentais, com o objetivo de conformar uns com os outros. Em todos esses casos,
porém, o que não se pode admitir é a privação ao requerido de discutir aquele tema que lhe foi
vedado; será, portanto, sempre possível, diante de certas limitações ao exercício do direito de
defesa, que o réu venha a propor alguma demanda própria, em que, então, veiculará a matéria
(ou a argüição) cuja discussão lhe foi negada no processo.
De toda sorte, como regra, o Código de Processo Civil concede prazo de 15 (quinze) dias para
que o réu adote alguma atitude frente à demanda proposta (art. 297). Esse prazo, no entanto,
pode ser alterado por diversas circunstâncias, algumas de ordem subjetiva (pela presença, por
exemplo, de litisconsórcio passivo no processo), outras de ordem objetiva (decorrentes do tipo
de procedimento adotado).
No plano subjetivo, sabe-se que a relação processual pode contar com mais de um sujeito em
um de seus pólos. Se coexistirem no processo mais de um réu, todos representados pelo mesmo
advogado, a regra legal que fixa o prazo para a resposta dos réus não se altera, permanecendo de
15 (quinze) dias o espaço temporal paraque todos eles ofereçam, através do mesmo defensor
técnico, as alegações que tiverem. Porém, se os réus
AS ATITUDES DO RÉU
1 39
forem representados em juízo por defensores distintos (bastando que um dos réus se encaixe
nessa hipótese, ainda que todos os demais tenham um mesmo patrono), então terá aplicação a
regra do art. 191 do CPC, computando-se em dobro o prazo de resposta, a partir da última
citação.' O mesmo acontecerá caso seja ré no feito a Fazenda Pública, autarquia ou fundação
pública (e ainda, por hipótese meramente acadêmica, o Ministério Público), quando então, de
acordo com o art. 188 do CPC, o prazo de resposta (para qualquer tipo de resposta, e não apenas
para a contestação, como faz presumir a redação do artigo referido) será tomado em quádruplo.
Caso ambas as hipóteses venham combinadas em certa situação (tendo-se, por exemplo, como
litisconsortes passivos, a Fazenda Pública e uma autarquia), ambas as regras devem combinar-se
-não se podendo admitir a prevalência de uma sobre a outra - resultando-se, então, em prazo de
resposta oito vezes maior que o normal. Sej a como for, em qualquer situação em que se forme
litisconsórcio passivo inicial no processo, se houver desistência pelo autor quanto à participação
de um dos réus litisconsortes antes de sua citação, os prazos de resposta para todos os demais
somente poderá correr a partir da decisão judicial que homologar a desistência (art. 298,
parágrafo único, do CPC).
Relativamente ao aspecto objetivo, também o tipo de procedimento adotado pode importar em
alteração do prazo de resposta do réu. Assim é que, no procedimento sumário, o prazo de
resposta é fixado não em um quantum predeterminado, mas de acordo com a data fixada para a
audiência preliminar (art. 278 do CPC); terá então o réu até esse momento para elaborar sua
resposta, apresentando-a toda na própria audiência, caso resulte infrutífera a tentativa de
conciliação preliminar. Também determinarão alteração no prazo normal de resposta do réu a
adoção de alguns procedimentos especiais, disciplinados pelo Código de Processo Civil em seu
Livro IV - como é o caso do procedimento da ação de demarcação e divisão de terras (em que o
prazo de resposta é comum e de vinte dias - art. 954) ou dos embargos de terceiro (onde o prazo
de resposta é de dez dias - art. 1.053) -, ou ainda em leis extravagantes, como ocorre com o
mandado de segurança (que tem prazo para resposta, as chamadas informações da autoridade
impetrada, de dez dias - art. 7.°, I, daLei 1.533/ 51) ou a ação popular (onde o prazo de resposta
é de vinte dias, prorrogáveis por outro tanto igual - art. 7.°, IV, da Lei 4.717/65).
Ver a respeito o capítulo anterior.
140
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
4.2 A revelia e seus efeitos
4.2.1 Primeiras considerações
Intuitivamente, a primeira atitude que o réu pode adotar, quando da fase de sua resposta, é
permanecer silente, sem nenhuma reação esboçar à pretensão do autor. Sua inação, então, pode
determinar a incidência do instituto da revelia, figura tendente a punir a parte requerida que se
recusa a colaborar com o Estado no papel de conduzir o processo e compor os conflitos que lhe
são trazidos. Utilizada pela doutrina brasileira como sinônimo de contumácia, 2 a revelia se
constitui, precisamente, na ausência de participação do requerido no processo (será visto,
adiante, que nem sempre será esta a noção legal de revelia), o que acarretará a esse sujeito
severas conseqüências quanto a seus direitos processuais.
Efetivamente, é cediço que o processo se estabelece não apenas no interesse das partes, mas
primordialmente em benefício do próprio Estado, que assumiu o monopólio da jurisdição e,
portanto, deve velar pela solução dos conflitos surgidos no seio social, para o fim de atingir a
seus próprios escopos, enquanto núcleo em torno do qual gravita a sociedade. Para que possa
cumprir bem sua missão, porém, o Estado precisa da colaboração dos sujeitos envolvidos no
litígio, no intuito de conhecer adequadamente os meandros do conflito, podendo, assim, decidir
corretamente (segundo os ditames da lei) a lide. Se, porém, uma das partes recusa-se a colaborar
para a obtenção desse objetivo estatal,isso certamente constitui algo bastante prejudicial, na
medida em que o aporte dos fatos da causa ao processo ficará defeituoso, podendo importar na
má formulação do problema e, conseqüentemente, na equivocada solução do litígio. É, pois,
importante para o Estado a colaboração dos sujeitos na reconstrução dos fatos da causa (art. 339
do CPC), sendo que a recusa de
(2)
Note-se, porém, que a idéia de contumácia, embora utilizada como sinônimo de revelia no direito processual
brasileiro, pode muito bem assumir contornos mais amplos do que esta última. Enquanto é certo que a revelia apenas
incide no pólo passivo da demanda (em relação ao réu), a contumácia também pode ser do autor. As conseqüências
serão diferentes conforme se trate de contumácia do autor ou do réu; todavia, não se pode negar que a expressão
contumácia possa ser utilizada para caracterizar fenômeno mais amplo do que a revelia, que seria daquela apenas uma
espécie.
AS ATITUDES DO RÉU
141
uma das partes em fazê-lo representa (mais do que um prejuízo para si) séria ameaça aos
próprios objetivos da jurisdição estatal.3 Em vista disso é que se concebe o instituto da revelia,
como forma de punição ao réu que se nega a colaborar com o Estado, na consecução de seus
fins no processo.
Obviamente, poderá alguém objetar que, eventualmente, aquele que não colabora com o Estado,
mantendo-se inerte frente ao processo, o faz precisamente porque não tem nada de útil para
contribuir com a tarefa estatal. Ainda assim, a presença e a participação desse sujeito - que, afinal, poderá ser precisamente aquele que virá a sofrer as conseqüências diretas da decisão
judicial — é importante, no mínimo, para legitimar a decisão judicial, velando pelo correto
desenvolvimento do processo e contribuindo (ainda que sej a para dizer que nada tem a
acrescentar àquilo que foi posto pelo autor da demanda) com a busca da melhor solução pelo
Estado.
4.2.2 A caracterização da revelia
A revelia não é um fenômeno natural dos ordenamentos processuais. Decorre, isto sim, da
intenção do legislador de compelir a parte ré a participar do processo, estabelecendo sanções por
sua contumácia frente ao desenrolar do procedimento. Assim, todo exame da revelia há de
pautar-se diretamente pelo regime jurídico próprio que a figura recebe em cada ordenamento
jurídico, sendo que a figura receberá feições diferentes conforme a legislação que se está
estudando.
De acordo com o direito brasileiro, há duas situações que podem ocasionar a revelia, cada qual
dependente do tipo de procedimento que se adota. Dessa forma, em se tratando de procedimento
ordinário, a revelia opera-se diante da/à/to de contestação produzida pelo réu no prazo que se
lhe concede para a defesa (art. 319 do CPC); já se o procedimento adotado foro sumá01
A respeito, pondera CARNELUTTI que "porque o meio melhor para fazer conhecer ao juiz o litígio c a atividade
da parte, e porque a atividade de cada uma delas está dominada por seu interesse no litígio, é necessária a atividade
combinada das duas partes juntas, a fim de que tal conhecimento resulte exato e completo" (CARNELUTTI,
Francesco. Sistema de derecho procesal civil. Trad. Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago Sentis Melendo. Buenos
Aires: UTEHA, 1944. vol.4, n.646, p. 108).
142
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
rio, então a revelia decorrerá da ausência injustificada do réu à audiência preliminar e da nãoapresentação de contestação.
Note-se que, relativamente à primeira hipótese (procedimento ordinário), pouco importa o fato
de que o réu tenha oferecido outras espécies de resposta (exceção ou reconvenção). Não
apresentando a contestação, ter-se-á por revel o réu, considerando que sua omissão em
defender-se diante da pretensão do autor (o que faria na contestação) já é elemento suficiente
para configurar o desprezo da parte pela atividade estatal, ge-rando-lhe a punição prevista. Não
obstante seja exata a conclusão acima exposta, é de ver-se que nem sempre dessa constatação
decorrerá a incidência dos efeitos da revelia. Vale dizer: o réu pode ser revel porque deixou de
oferecer contestação no processo, mas, ainda assim, não receber nenhum prejuízo em função
dessa situação (haja vista a existência de outra causa que elide um, alguns, ou mesmo todos os
efeitos da revelia, como se verá adiante).
O mesmo seria possível dizer em relação à revelia caracterizada no procedimento sumário. Ali,
o réu é revel se deixar de comparecer e não apresentar contestação na audiência preliminar.
Nessas circunstâncias, é revel o réu, mas isso não significa dizer que sofrerá ele, por conta disso,
exclusivamente, todos os efeitos que naturalmente a revelia operaria.
Dessa forma, é preciso deixar claro ao leitor uma constatação: a revelia é uma situação
processual, mas daí não decorrem necessariamente todos os efeitos que essa situação poderia
gerar (tanto no plano processual, quanto em relação à questão controvertida, objeto da
demanda). O réu pode ser revel, sem que venha a sofrer os efeitos da revelia.
A existência da revelia decorre da caracterização do estado de inação quanto ao oferecimento da
contestação. Se, porém, essa situação ensejará a realização completa ou parcial de seus efeitos,
isso é algo que somente a avaliação das demais circunstâncias que orbitam em torno dela poderão indicar, como se verá a seguir.
4.2.3 Os efeitos da revelia
Verificada a ocorrência de revelia no feito, prevê a lei que o réu revel sofra inúmeras
conseqüências em razão de sua renitência em colaborar com o Judiciário. Esses efeitos podem
ser de ordem material, quando se
AS ATITUDES DO RÉU
143
destinem a influenciar a resolução do mérito da ação (como é o caso da presunção de veracidade
dos fatos), ou processual, quando apenas alterem os critérios da relação jurídica processual
(situação em que se encaixa o julgamento antecipado da lide e o prosseguimento do processo
sem a intimação do réu revel).
I - A primeira sanção que a lei prevê está posta na regra que define a figura da revelia. Como
indica o art. 319 do CPC, "se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos
afirmados pelo autor".
Essa norma é injusta quando interpretada literalmente, especialmente tendo em conta o grau de
esclarecimento (ou, mais adequadamente, de ignorância) de grande parte da população
brasileira, a extensão do território nacional e a dificuldade de acesso ao Judiciário, que se pode
verificar em relação ao autor e ao réu. Dessa forma, a presunção de veracidade dos fatos
afirmados, que decorre da não apresentação de contestação, não pode ser aplicada como se
todos os réus fossem iguais e tivessem as mesmas oportunidades. Tal presunção de veracidade
não pode ser considerada "razoável", ferindo o devido processo legal no seu sentido de instrumento que permite o controle da razoabilidade das leis.4
Ainda assim, por ser o presente escrito um "Manual", que dessa forma deve enfrentar todos os
efeitos que decorrem da revelia (e porque tais efeitos são admitidos como válidos por quase a
totalidade dos doutrina-dores), a partir deste momento analisaremos todos os efeitos que dela
decorrem, bem como suas eventuais exceções, considerando a validade do efeito de que se
presumem verdadeiros os fatos articulados pelo autor diante da não-apresentação de
contestação. Desde logo, porém, merece ser esclarecido que, ainda que essa presunção possa ser
considerada como válida, ela será apenas iuris tantum, advertindo-se, ademais, que o réu pode
comparecer quando citado e apresentar apenas reconvenção e exceção (deixando portanto de
oferecer contestação), comparecer no processo e nada apresentar como resposta,5 ou
simplesmente não comparecer, ficando inerte.
(4)
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Unhas do processo civil, cit, p. 248; Tutela antecipatória, julgamento
antecipado e execução imediata da sentença, cit., p. 67.
' Art. 297 do CPC: "O réu poderá oferecer, no prazo de quinze (15) dias, em petição escrita, dirigida ao juiz da
causa, contestação, exceção e reconvenção".
144
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Posto isto, deixe-se claro que, a fim de amainar o peso da sanção, exige a lei que o mandado de
citação - em que se convoca o réu a responder à ação - contenha expressa menção a que, não
sendo oferecida contestação pelo réu, presumir-se-ão aceitos os fatos narrados pelo autor (art.
285, inftne, do CPC). Considera-se, mesmo, que a ausência da expressa advertência no mandado
invalida o ato citatório ou, ao menos, torna inaplicável a sanção material da revelia.
De outra parte, também no intuito de reduzir o risco da incidência indiscriminada dessa
presunção, estabelece o art. 320 do CPC certas situações em que, muito embora exista a nãoapresentação de contestação, ainda assim não se opera o efeito aqui estudado. São casos em que
não haveria sentido em aplicar-se essa conseqüência, haja vista o total descompasso que se
criaria entre a incidência dessa regra e a situação das coisas como se encontram dentro do
processo. Efetivamente, o efeito material da revelia (que aqui se está estudando) não pode
caminhar contra a lógica das coisas. Quer dizer que esse efeito - embora não contemple no
ordenamento brasileiro expressa menção que lhe atribua caráter relativo, possibilitando ao
magistrado avaliar, caso a caso, do cabimento ou não da incidência da presunção em exame —
não há de incidir quando o magistrado verifique, diante do caso concreto, o total disparate
criado pela imposição dessa ficção legal. Inúmeras situações poderiam ocasionar essa
conclusão; o Código de Processo Civil prevê algumas delas, mas não todas. São situações
descritas na lei:
a) A existência de litísconsórcio passivo, em que um dos litisconsor-tes tenha contestado a ação
(art. 320, I, do CPC). Ora, a existência de mais de um sujeito em um dos pólos da relação
processual (ao que se chama de "litisconsórcio") cria, normalmente, algum tipo de vinculação
entre tais pessoas, fazendo-as comungar, eventualmente, de certos interesses e garantias. No
presente caso, isto é precisamente o que acontece. Se um dos litisconsortes oferece
contestaçãoà.ação promovida pela outra parte, seu par, que ficou silente (e, portanto,
normalmente sujeito ao efeito material da revelia), será também beneficiado com a atitude
daquele, safando-se assim da aplicação daquela presunção.
A regra, porém, comporta uma observação, que seria mesmo intuitiva, a quem atentamente
examinasse a proposição supra. De fato, a lógica do raciocínio acima desenvolvido apenas teria
sentido em relação aos fatos que fossem comuns a todos os litisconsortes; em relação a estes,
real-
AS ATITUDES DO RÉU
145
mente, não teria cabimento impor-se ao magistrado considerá-los como verdadeiros frente a um
litisconsorte e não em face dos demais. Todavia, quanto aos fatos que dizem respeito apenas a
um dos litisconsortes, o oferecimento de contestação por seu par (onde não será tratado daquele
fato, visto que nenhuma relação tem com o interesse deste) não pode operar qualquer efeito para
o litigante revel. Tem-se dito que a exceção prevista pelo art. 320,1, teria aplicação apenas em
caso de litisconsórcio unitário (que deve ser julgado de maneira uniforme para todos os
litisconsortes). Em verdade, parece que sua incidência ocorrerá em campo maior do que tãosomente o do litisconsórcio unitário; terá cabimento a invocação da regra, como visto, em
relação a qualquer fato que seja comum ao litisconsorte revel e àquele que ofereceu
contestação. O raciocínio a ser utilizado nesses casos será o mesmo que subsidia a aplicação da
regra do art. 509 do CPC (em especial, seu parágrafo único).
b) Litígios que versam sobre direitos indisponíveis (art. 320, II, do CPC). A demanda que trata
de direito indisponível comporta certas peculiaridades, derivadas exatamente de seu objeto.
Porque o direito discutido é indisponível, os poderes dispositivos das partes são substancialmente reduzidos. Isso é natural, em se considerando que o direito indisponível é aquele
caracterizado precisamente por não permitir que seu titular dele se desfaça. Ora, se o titular do
direito indisponível não pode, validamente, alienar seu direito - no plano das relações humanas,
mesmo fora do processo —, seria um contra-senso permitir, ainda que de maneira indireta (e até
mesmo de forma dissimulada), que essa disposição acontecesse dentro do processo. Assim, para
o fim de evitar a utilização do processo como meio que possibilitaria (através de fraude) a
alienação de direito indisponível, e especialmente para manter a integridade da própria ratio do
direito indisponível, quando a causa versar sobre esse tipo de direito não se admite que a revelia
opere seu efeito material.
Obviamente, poderia argumentar-se, e com razão, que a atuação do efeito material da revelia,
por si só, não importa a alienação do direito. Realmente, a aplicação da presunção do art. 319
apenas acarreta a constatação de que os fatos afirmados pela parte autora são verdadeiros; se,
porém, desses fatos extrai-se a efetiva procedência do pedido do autor, !sso é outra coisa,
dependente da avaliação judicial sobre a escolha da re graque deve reger aquele caso.
Exemplificando: imagine-se que o au-
146
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tor, para o fim de obter a cobrança de certa importância, narra e prova, no oferecimento da
petição inicial, que o réu lhe deve determinado valor; o magistrado - ao menos em princípio, e
caso não haja nenhuma razão fundada para entender-se de modo diverso - só pode considerar
que os fatos realmente se deram como apontados pelo requerente; ao julgar a controvérsia,
porém, o magistrado percebe que a dívida que se quer cobrar é "dívida de jogo" e, por isso, sem
eficácia nos termos da legislação material; em vista disso, a demanda deverá ser tomada por
improcedente, porque a pretensão não está albergada pelo direito material, ainda que os fatos
descritos pelo autor sejam todos verdadeiros.
Retomando o raciocínio, então, alguém poderia objetar que a presunção de veracidade, contida
na regra do art. 319, não importaria em disponibilidade sobre o direito, motivo pelo qual seria
completamente inoportuna a previsão do art. 320, II. Na verdade, a proteção aqui examinada
justifica-se porque, normalmente, o reconhecimento sobre os fatos da causa conduzirá à vitória
da parte autora e assim, ainda que por via reflexa e indireta, a atitude do réu revel pode abrir
ensejo à disponibilidade do direito. Visa a legislação, em essência, proteger o direito indisponível (em face de sua importância para o ordenamento) contra qualquer possível ameaça, ainda
que esta se estabeleça de maneira reflexa, mediata ou indireta.
c) A petição inicial não acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável
à prova do ato (art. 320, III). Como se sabe, o ato jurídico compõe-se de três elementos, dentre
os quais destaca-se sua forma. Como regra, pelo direito material, os atos jurídicos são de forma
livre, sem que se lhes exija qualquer tipo de formalidade especial para sua validade. Casos há,
entretanto, em que a lei submete a validade do ato à observância de formalidade especial (são os
chamados atos solenes ou atos formais). Nesses casos, como parece ser evidente, a demonstração da existência do ato jurídico fica condicionada à apresentação daquela forma específica, já
que qualquer outra prova do ato (que não aquela), embora pudesse demonstrar que o ato
efetivamente ocorreu, não poderia indicar que o ato ocorreu validamente (e, portanto, seria
inábil para trazer à luz um ato que pudesse gerar efeitos jurídicos). Em tais hipóteses, porque se
condiciona a validade do ato a certa forma, esta solenidade torna-se o único meio de prova
admitido a demonstrar-lhe a ocorrência, sendo irrelevantes quaisquer outros meios de prova e
inoperantes quaisquer
AS ATITUDES DO RÉU
147
presunções estabelecidas.6 Por essa razão, nem mesmo a presunção decorrente da revelia pode
importar, diante da falta desse documento (que constituí a forma específica do ato), no
reconhecimento da existência do fato.
Essas são as três causas que, na descrição do art. 320, impediriam a aplicação da presunção de
veracidade dos fatos, descrita no art. 319. Porém, como já ficou consignado, não são estas as
únicas hipóteses em que será elidido, ainda que diante da inércia do réu, o efeito material da
revelia. Outras regras do Código de Processo Civil, por exemplo, podem afastar a incidência
desse efeito, como é o caso da participação no processo de curador especial, nas hipóteses do
art. 9.°, I e II - "ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem
com os daquele" e "ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa" -,
quando, não obstante a ocorrência da revelia, em sendo nomeado ao revel um curador especial,
tem ele o dever de oferecer defesa, impedindo com isso a aplicação do efeito material da revelia.
Também determinará situação idêntica a apresentação de contestação pelo assistente simples do
réu que não contestou (art. 52, parágrafo único, do CPC).
O mesmo raciocínio vale para o caso em que, embora não oferecendo contestação, apresente o
réu outro tipo de resposta (por exemplo, re-convenção), a qual, tomada em seu conjunto,
apresenta-se incompatível com a aplicação da presunção em comento. Imagine-se o exemplo em
que alguém demande por indenização; por suposição (e abstraindo a questão do procedimento
sumário, que poderia trazer variação no exemplo), considere-se que o réu reconvém ao autor
dizendo que o responsável pelo ilícito é o autor, que assim deve indenizar; aqui, conquanto não
tenha havido contestação pelo réu, é certo que sua reconvenção configura, ainda que
indiretamente, resistência ao pedido do autor, motivo pelo qual a aplicação do efeito material da
revelia significaria, certamente, atitude ilógica e desmesurada, incompatível com a conformação
da lide no processo. Nesses casos, tem aplicação por analogia a regra do art. 302,
Diz o art. 366 do CPC: "Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova,
por mais especial que seja, pode su-prir-lhe a falta". Para mais profundas observações sobre a questão, v. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 56ess.
148
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
III, do CPC (que diz respeito à contestação e será melhor avaliada posteriormente), não sendo
aplicável a presunção de veracidade dos fatos, uma vez que esta afronta o "conjunto da
resposta" formulada pelo réu.
De outra parte, como já se observou anteriormente, a presunção fixada pelo art. 319 somente
pode constituir presunção iuris tantum (relativa) e, por isso, pode ser afastada pelo magistrado, à
vista de outras circunstâncias que lhe impulsionem o convencimento em sentido contrário.
Assim, apresença no processo de qualquer elemento que conflite com a aplicação tout court da
presunção material da revelia pode, a critério do magistrado, afastar sua incidência, fazendo
preponderar a realidade sobre a ficção. Imagine-se, por exemplo, que o autor, instruindo a
petição inicial em que demanda a cobrança de uma dívida, faz juntar documento totalmente
contrário a seu interesse e que demonstra o pagamento da dívida pelo réu; ainda que o réu seja
revel, o juiz certamente há de considerar a presença do comprovante de pagamento e, com isso,
afastar a incidência da presunção legal, sendo absurdo que se imagine em sentido contrário.
Assume a regra, assim, seu verdadeiro papel no processo.
Note-se, por último, que a revelia pode gerar a presunção das afirmações de fato feitas pelo
autor, mas jamais irá operar esse efeito em relação às afirmações de direito. Quanto a estas,
incumbe ao magistrado valorar concretamente qual a regra incidente no caso concreto, extraindo
daí a decisão acertada para o conflito. Precisamente por isso, como já visto, nem sempre a
revelia importará na procedência do pedido do autor, sendo sempre viável que dos fatos não se
extraia o direito afirmado pelo demandante.
II - A segunda sanção prevista para a revelia diz com o julgamento antecipado da lide. Prevista
pelo art. 330, II, consiste essa providência na dispensa da fase instrutória do processo, passando
o magistrado, diretamente após a verificação da ocorrência da revelia, a proferir sentença,
examinando o pedido do autor. Trata-se de efeito processual da revelia, já que se destina a
operar exclusivamente em face da relação processual, abreviando o procedimento.
Embora tal efeito, a nosso ver, não seja razoável, e portanto inconstitucional, será ele analisado
como se fosse válido apenas por razões didáticas.
Também essa conseqüência pode deixar de operar — muito embora ocorra a revelia - diante de
certas circunstâncias da causa. Assim, se o
AS ATITUDES DO RÉU
] 49
réu deixa de contestar o pedido do autor, mas oferece algum outro tipo de resposta (reconvenção
ou exceção), não poderá o magistrado antecipar o julgamento definitivo do conflito, já que terá,
primeiramente, de apreciar a outra manifestação trazida pelo réu. Da mesma forma, como o julgamento definitivo somente poderá existir em face de todos os réus, se houver litisconsórcio
passivo no processo, tendo um dos requeridos oferecido contestação, não haverá espaço para o
julgamento antecipado do pedido, nos termos do art. 330, II, do CPC. Ainda sucederá o mesmo
no caso em que, conquanto seja o réu revel, tenha-lhe sido nomeado curador especial (art. 9.°,
II), pois nesse caso ele será obrigado a oferecer defesa em nome do revel, elidindo esse efeito da
revelia. Também não há razão para o julgamento antecipado do pedido no caso em que é
apresentada contestação pelo assistente simples do réu que não apresentou contestação.
Nesses casos, e em todos os demais antes estudados, em que não ocorre o efeito material da
revelia (presunção de veracidade dos fatos narrados pelo autor), não pode o juiz - salvo quando
a questão dos autos seja exclusivamente de direito ou dependa apenas de prova documental (art.
330, I, do CPC) - determinar o julgamento antecipado da lide, já que o autor ainda precisa
provar a existência dos fatos que sustentam sua pretensão. Terá, então, aplicação o disposto no
art. 324 do CPC, intimando-se o autor, mesmo depois de verificada a ocorrência da revelia, a
especificar as provas que deseja ainda produzir.
III - O terceiro efeito da revelia, também de ordem processual, é a dispensa de intimação ao réu
dos atos processuais (art. 322 do CPC). Uma vez verificado o não-comparecimento, e portanto o
desinteresse em participar do processo, este seguirá sua marcha natural, mas agora sem a
necessidade de intimar aquele que não compareceu dos atos processuais a serem praticados,
correndo os prazos independentemente de sua prévia ciência.
Novamente, também esse efeito pode deixar de operar diante de certas circunstâncias. Assim,
por exemplo, a falta de contestação, mas a presença de outra espécie de resposta por parte do
réu, afasta a incidência dessa sanção. O mesmo ocorrerá se o réu, embora não apresentando resposta alguma, tenha constituído advogado nos autos (juntando-se aos autos instrumento de
mandato), o que indicaria sua vontade de participar do processo.
150
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
De toda sorte, sofrendo esse efeito, o réu não fica, ipsofacto, excluído ou impedido de participar
do processo. Poderá ele, a qualquer tempo, ingressar no feito em andamento, retomando sua
posição de requerido e fazendo parte da relação até julgamento final. Nesse caso, porém, o ingresso tardio no feito não tem o condão de fazer retornar para o réu os poderes de praticar atos
já suplantados. O réu que intervém posteriormente no feito recebe este no estado em que se
encontrar (art. 322, infine, do CPC), não podendo mais realizar atos de fases já superadas.
Assim, se o réu revel intervém no processo apenas após a fase de especificação de provas, não é
possível pretender indicá-las.
Ainda, no que diz respeito a essa conseqüência, uma ressalva merece ser feita: mesmo que o réu
não tenha comparecido, e ainda que sofra a sanção aqui examinada, deverá ser sempre intimado
para a prática de atos pessoais seus (por exemplo, para prestar depoimento pessoal, para
entregar alguma coisa em juízo etc). Discutível é a necessidade de inti-mação do réu que não
compareceu, em relação à sentença proferida, devendo entender-se pela necessidade dessa
comunicação.7
Em todo caso, ainda que a intimação do revel possa ser dispensada em certas hipóteses, não se
lhe dispensa a citação diante da alteração subjetiva ou objetiva da demanda por parte do autor
(art. 321 do CPC). Nesses casos, ainda que o réu não tenha apresentado contestação, não pode o
autor alterar o pedido ou a causa de pedir, ou ainda propor ação declaratória incidental, sem que
antes assegure a ciência dessas alterações ao réu, o que se fará mediante nova citação, abrindose novo prazo de resposta.
(7)
"Se a sentença foi proferida em audiência, a publicação do despacho que designou a audiência vale ciência por
parte do revel, porquanto a audiência era de instrução a julgamento. Se a sentença foi proferida em oportunidade
outra, a ciência do revel é exigida, nos mesmos termos em que foi exigida a ciência do autor. E o prazo que o revel
tem para o recurso encontra o seu termo a quo nessa publicação" (CALMON DE PASSOS, José Joaquim.
Comentários ao Código de Processo Civil. p. 375). Ver, ainda, decisão do STJ, em que ficou assentado que "o revel
que intervém nos autos tem o direito de ser intimado da sentença, correndo dessa intimação o prazo para a sua
apelação" (STJ, 4.a Turma, rei. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, REsp 226.292/RJ, DJU de 13.12.1999).
AS ATITUDES DO RÉU
15 ]
4.3 O reconhecimento da procedência do pedido e a renúncia ao direito
Outra atitude também possível para o réu é o reconhecimento da procedência do pedido
formulado pelo autor. De fato, pode o réu, ao ser citado para a demanda, concluir que assiste
razão ao autor, apontando isso expressamente na oportunidade de sua defesa, e assim
reconhecendo a procedência do pedido formulado pelo autor.
Note-se que não pode haver confusão entre o reconhecimento da procedência do pedido e a
revelia. Nesta última, a ausência de contestação promovida pelo réu induziria o magistrado à
conclusão de que os fatos descritos pelo autor em sua petição inicial são verdadeiros. Daí,
porém, não decorre, como já visto, a conclusão natural de que o pedido formulado pelo autor
deva ser julgado procedente. Ao revés, no reconhecimento da procedência do pedido, não se
limita o réu a tomar por verdadeiros os fatos deduzidos pelo autor; vai além, e reconhece que o
pedido formulado pelo autor é legítimo e tem cabimento. Toma-se, portanto, por verídicos não
apenas os fatos, mas ainda o direito que incide sobre eles e, em conseqüência, reconhece o réu a
procedência do pedido apresentado pelo autor.
Obviamente, essa figura só tem relevância no tratamento de direitos disponíveis, já que somente
estes admitem a transação e, portanto, o reconhecimento da procedência do pedido. Quanto aos
direitos indisponíveis, totalmente irrelevante será o reconhecimento, que não surtirá efeito.
Tratando-se, porém, de direitos disponíveis, o reconhecimento do pedido redunda na vinculante
constatação pelo magistrado da legitimidade da pretensão do autor. Existente o reconhecimento
da procedência do pedido, cumpre ao juiz tão-somente homologá-lo por sentença para que surta
seus efeitos legais.
Embora seja certo que esse reconhecimento possa ocorrer em qualquer fase do processo, é na
fase de resposta que ele se mostra mais freqüente, sendo por isso tratado como uma espécie de
reação do réu à ação do autor.
Por outro lado, se ao réu é dado reconhecer a pretensão do autor, também pode suceder o
inverso, no caso de o autor, por qualquer motivo que seja, perder interesse em prosseguir no
reclamo de seu direito. A renúncia ao direito verifica-se exatamente quando o autor, por
qualquer moti-
152
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
vo que seja, abstém-se de continuar na postulação da satisfação de seu direito, dando, por via
reflexa ou direta, razão ao réu em sua resistência.
Essa figura não se confunde com a desistência da ação. Esta última opera somente no plano
processual, impedindo o prosseguimento da ação para a satisfação do direito afirmado pelo
autor; o direito material objeto da demanda, nesse caso, permanece íntegro, obstando-se apenas
o prosseguimento do processo em vista da desistência da ação. Na renúncia ao direito, ao
contrário, o que sucumbe é precisamente o direito, perdendo sentido, com isso, a ação que
visava à satisfação daquele.
Também a renúncia, tal como acontece com o reconhecimento do pedido, porque importa em
disposição sobre o direito material, somente pode operar-se validamente em relação a direitos
disponíveis. Ainda, à semelhança do que acontece com o reconhecimento, a renúncia pode
ocorrer em qualquer tempo no processo (e mesmo fora dele).
Claramente, não se trata de atitude do réu, o qual nem mesmo pode opor-se à renúncia. Porém,
considerando sua vinculação direta com o reconhecimento do pedido, merece trato próximo, a
fim de que os institutos sejam tomados em seu conjunto.
4.4 Defesas do réu
4.4.1 Considerações preliminares
Não obstante seja possível que o réu adote uma das posturas acima vistas, normalmente não é
assim que se desenvolve o processo. Em geral o réu se opõe à pretensão do autor, discordando
de submeter-se a ela. De duas formas pode o réu opor-se à pretensão do autor: através da
contestação e por meio de exceções processuais. As últimas têm incidência muito restrita, e
nelas somente será possível deduzir algumas defesas processuais - especificamente a
incompetência relativa, a suspeição e o impedimento do juízo. Todas as demais matérias de
defesa devem ser trazidas pela via processual da contestação, que é, por isso, a peça de defesa
por excelência.
Antes de principiar, diretamente, o estudo de cada uma dessas peças processuais, cumpre
assentar conceitos de utilidade notória, e que poderão auxiliar substancialmente no exame do
regime das defesas do réu e de outros institutos futuramente estudados. No campo da defesa, é
ne-
AS ATITUDES DO RÉU
153
cessário, antes de qualquer outra coisa, classificá-las, para melhor entender sua extensão.
Podem-se oferecer defesas (consideradas pela doutrina como sinônimo de exceções, apenas para
o fim de sua classificação), relativamente aos aspectos processuais que se envolvem na demanda
ou atinentes especificamente aos temas de mérito, da pretensão substancial deduzida em juízo.
Conforme se trate de defesas relativas ao processo ou à relação material que conforma o mérito
da causa, dividem-se as defesas (exceções) em:
a) Defesas (exceções) processuais. Também chamadas de defesas contra o rito, são aquelas em
que o réu argúi algum defeito processual da causa posta em seu desfavor, como, por exemplo, a
falta de alguma condição da ação ou pressuposto processual. A intenção do réu, aqui, não é
discutir o thema decidendum, o mérito da causa, mas apenas impedir ou dificultar o exame da
relação substancial, apontando algum defeito que impedirá ou retardará a análise da questão de
fundo. Conforme essas defesas sejam ou não aptas a encerrar o processo, gerando sua extinção
sem exame de mérito (art. 267 do CPC), podem-se classificar as defesas processuais em:
a. 1) Defesas processuais peremptórias. Essas defesas processuais são aquelas que têm condição
de extinguir o feito, impedindo o exame do mérito, em função de algum defeito processual
insanável verificado no caso concreto. E o que ocorre, por exemplo, com a alegação de falta de
condição da ação; se o magistrado vier a acolher essa alegação do réu, ter-se-á de extinguir o
processo sem julgamento do mérito, já que a ausência desse elemento impede o juiz de
examinar a pretensão material deduzida pelo autor. Essas causas estão, em sua imensa maioria,
arroladas expressamente no art. 267 do CPC.
a.2) Defesas processuais dilatórias. Nesse caso, a alegação da defesa não terá o condão de
extinguir o processo, mas apenas visa a regularizar ademanda, para permitir julgamento mais
correto e adequado do mérito da causa. Trarão, via de regra, como conseqüência (caso sejam
acolhidas) apenas a dilatação da relação processual, alongando-a para além do que normalmente
duraria. Seriam exemplos dessas defesas as alegações de incompetência do juízo, de sua
parcialidade ou suspeição; nesses casos, a defesa deduzida pelo réu jamais conseguirá fazer
extinguir o processo ou evitar o exame do mérito da causa; objetivam, isto sim, apenas
regularizar a demanda, sanando vício processual supostamente existen-
154
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
te e criando incidente processual que alongará a marcha natural do procedimento.
b) Defesas (exceções) materiais. Também denominadas de "exceções substanciais", estas são as
defesas por excelência do réu, em que procura ele impugnar diretamente as questões de fundo
(do mérito) da causa. Recorde-se que a pretensão do autor é composta de um pedido (de tutela
de seu direito afirmado) e de fundamentos (táticos e jurídicos) aptos ao acolhimento desse
pedido. Portanto, as defesas de mérito, apresentadas pelo réu, podem tanto dizer respeito ao
próprio pedido formulado pelo autor como aos fundamentos, e então a defesa tentará
desacreditá-los como elementos válidos para o acolhimento da pretensão do demandante. Também essa categoria admite a seguinte subdivisão, de relevância essencial em tema de ônus da
prova:
b. 1) Defesas materiais diretas. A forma intuitiva de se defender no processo é, evidentemente,
negando-se a ocorrência dos fatos constituti vos trazidos pelo autor ou, então, negando-se que
tais fatos produzam as conseqüências jurídicas sustentadas. Em tais casos, têm-se as exceções
substanciais diretas, sendo que a atitude do réu não amplia, em nada, o conteúdo tático da
demanda inicial. Poder-se-iavislumbrarexemplo dessa situação no caso de uma ação de despejo,
em que o réu alegasse não existir contrato algum (de locação, que é pressuposto para a
concessão do despejo) ou, então, dissesse que o contrato efetivamente existe, mas não é de
locação e, portanto, não autorizaria o despejo. Note-se, nesse exemplo, que o réu não alega
nenhum fato novo, a ampliar o conteúdo tático da demanda como proposta pelo autor; limita-se
o requerido a negar a ocorrência dos fatos deduzidos pelo autor (em suapetição inicial) ou negar
que a existência de tais fatos gere os efeitos jurídicos sustentados pelo demandante.
b.2) Defesas materiais indiretas. Aqui, a técnica utilizada pelo réu é diferente. Ao invés de
abalar a pretensão do autor simplesmente negando a ocorrência dos fatos que a sustenta (ou a
vinculação desses fatos com o pedido de tutela formulado na petição inicial), o réu alega fato
novo, ampliando o conteúdo tático da demanda, fato este capaz de impedir ou modificar a
realização do direito afirmado pelo autor, ou ainda extingui-lo. Deixa o réu, então, intacto o
arcabouço tático que sustenta a pretensão do autor, mas apresenta outro fato, capaz de interferir
naquele primeiro contexto, e que é chamado de extintivo, modificativo ou impeditivo.
AS ATITUDES DO RÉU
155
Na lição de CHIOVENDA, essa exceção (em seu entender, e na visão da técnica mais apurada,
a única exceção em sentido próprio) confere ao réu o poder jurídico de anular a específica ação
proposta, mantendo no mais intacta a relação jurídica material com outras eventuais ações
possíveis.8 jm a<nne-se, exemplificativamente, que, em uma ação de indenização (derivada de
acidente de veículo), o réu não se limitasse a negar a existência do dano ou de sua participação,
mas alegasse a prescrição (fato extintivo). Da mesma forma, em uma ação de cobrança, o réu
poderia alegar que a dívida foi parcelada (fato modificativo), que ela foi paga (fato extintivo), ou
ainda a exceção de contrato não cumprido, ou seja, que o autor não cumpriu sua obrigação
decorrente do contrato (fato impeditivo).
Obviamente, como será visto a seu tempo, a dedução desses novos fatos opera relevantes
distinções em tema de ônus da prova (art. 333 do CPC), já que o fato foi trazido,
excepcionalmente, ao processo, não pelo autor, mas pelo réu.
É possível utilizar outro critério para a classificação das defesas, não mais baseado no material
deduzido na exceção, mas, sim, conforme a via processual utilizada para formular a argüição.
Nesse contexto, o Código de Processo Civil confere ao réu duas formas processuais para
veicular as defesas que ele tiver. Pode ele recorrer à contestação ou à exceção 9 (note-se que,
aqui, o termo "exceção" tem sentido totalmente distinto daquele acima utilizado, constituindo
denominação de uma peça processual). Pela via da exceção, nos termos do que prevê o art. 304
do CPC, pode o réu, exclusivamente, alegar os vícios processuais da incompetência relativa, do
impedimento e da suspeição do juiz. Por exclusão, toda a matéria que não for dedutível por
meio de exceção será trazida ao processo por via da contestação, seja essa matéria de mérito ou
processual, defesa substancial direta ou indireta.
CHIOVENDA, Giu.seppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller,
1998. v. 1, n. 98, p. 405. O Código de Processo Civil ainda menciona, dentre as respostas do réu, a figura da
reconvenção. Essa peça processual, porém, não entra nessa classificação porque, embora se trate de uma resposta do
réu, não constitui meio de defesa. Como se verá adiante, a reconvenção corresponde a urna ação proposta pelo réu,
dentro do processo já instaurado, não se confundindo, por isso, com a figura da defesa.
156
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Finalmente, em outro sentido se pode utilizar o termo "exceção". Emprega-se esse vocábulo
para diferenciá-lo da objeção, quando se está a tratar de defesas sujeitas à argüição pela parte
(sob pena de o juízo não poder conhecer de tal matéria) e que, por essa específica razão,
precluem caso não sejam invocadas tempestivamente. As objeções, ao contrário, são as demais
defesas, que não dependem de alegação da parte para serem conhecidas pelo juiz (podem ser
conhecidas de ofício pelo magistrado), não se sujeitando, por isso mesmo, à preclusão.
4.4.2 Da contestação
A peça denominada "contestação" corresponde ao campo mais amplo para a argüição da defesa
do réu. Ressalvada a matéria reservada às exceções (impedimento, suspeição e incompetência
relativa), todo o restante do conteúdo da defesa que o réu tiver a opor à pretensão do autor
deverá ser deduzido pela via processual da contestação, seja em termos processuais, seja em
termos de direto material.
Citado o réu para o processo, tem ele o ônus de oferecer, no prazo oportuno, a contestação,
devendo fazê-lo, por regra, em petição escrita dirigida ao juiz da causa. Eventualmente, a peça
de defesa, inclusive a contestação, pode ser oferecida oralmente, como acontece no
procedimento sumário (art. 278 do CPC) ou nos juizados especiais. A petição da contestação
deve, à semelhança do que ocorre com a petição inicial - e por sua natural similaridade com essa
peça -, obedecer no que for cabível aos requisitos traçados pelo art. 282 do CPC. Assim, deve
constar da petição da contestação o endereçamento ao juízo ou tribunal competente, a indicação
das partes da causa, os fundamentos de fato e de direito pelos quais se entende improcedente o
pedido do autor e o requerimento de provas. Por razões óbvias, dispensa-se o pedido (já que o
réu, enquanto réu, não o faz, mas apenas se defende), o valor da causa e o pedido de citação.
Eventualmente, porém, na contestação, caberá ao réu promover a intervenção de terceiro.
O prazo de defesa fixado em lei é de quinze dias, podendo sofrer alterações em face de inúmeras
circunstâncias objetivas e subjetivas da causa (ver, a respeito, o item 4.1). Nesse prazo, e pela
via da contestação, deverá o réu trazer aos autos, conforme estabelece o art. 300 do CPC, toda a
matéria de defesa que tiver (excetuados os temas da incompetência relativa, da suspeição e do
impedimento, que deverão ser apontados também
AS ATITUDES DO RÉU
157
nesse prazo, mas por vias próprias, a serem estudadas adiante), sendo esta, também, a
oportunidade que tem para manifestar-se a respeito das provas que pretende produzir para
convencer o juiz de suas razões.
Competirá ao réu, nacontestação, manifestar-se precisamente sobre todos os pontos de fato
indicados pelo autor em sua causa de pedir, impugnando-os precisamente (art. 302 do CPC).
Todos os pontos de fato, que constituem a causa petendi da ação do autor, que não forem
impugnados pelo réu em sua contestação, serão tidos como verdadeiros, incidindo sobre eles
presunção legal, a torná-los indiscutíveis no processo (e, portanto, não sujeitos a prova). Tem,
assim, o réu, o ônus da impugnação específica de todos os fatos apontados pelo autor em sua
petição inicial, incumbindo-lhe manifestar-se precisamente sobre cada um dos fatos da causa.
Vigora, assim, no direito processual civil brasileiro, o princípio da eventualidade, segundo o
qual toda e qualquer defesa que o réu tiver a opor à pretensão do autor deverá ser deduzida na
ocasião da contestação, sob pena de preclusão. Assim, se o réu puder defender-se aduzindo algum vício processual do rito, opondo, ainda, defesas substanciais diretas e indiretas à pretensão
do autor, todas essas alegações deverão ser suscitadas na contestação, não lhe sendo lícito
oferecer apenas a defesa processual - porque questão prévia ao exame do mérito - e, somente em
caso de rejeição dessa questão, apresentar outro elemento de defesa. Dessa forma, podendo o
réu alegar, em sua defesa, a incompetência absoluta do juízo, a prescrição do direito postulado
pelo autor, a nulidade do contrato que fundamenta a exigência de prestação formulada por ele e
a exceção de contrato não cumprido, deverá sustentar todas essas alegações na contestação,
pena de a matéria não poder ser deduzida e conhecida posteriormente.10 Mais que isso, como já
dito, anão-impugnação dos fatos
(l0)
Obviamente, o princípio da eventualidade traz consigo outro tema de relevo, que diz respeito à coerência da
defesa. Desse modo, não obstante seja exigível a apresentação de toda a matéria de defesa na contestação, há de
guardar ela, em seu conjunto, certa homogeneidade e compatibilidade. Assim, certamente, não terá condição o réu de
sustentar, em sua defesa, a inexistência da dívida e seu pagamento, já que uma certamente exclui, por questão de
lógica, a viabilidade da outra. É a lógica - e os deveres de lealdade e de veracidade que a parte e seu patrono têm para
com o Estado-juiz - que determinará quais as defesas que, dentro de um padrão racional, podem ser utilizadas e quais
devem ser descartadas, não compondo o contexto da defesa do réu.
158
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
componentes da causa de pedir da pretensão exposta pelo autor induz à ocorrência da admissão,
gerando-se a conclusão de que tais fatos são verdadeiros (art. 302 do CPC). Semelhante ilação,
porém, não gera presunção absoluta, podendo ser afastada em casos excepcionais, em que
evidentemente afrontaria a lógica ou ofenderia os padrões de fixação de verdade adotados pelo
Código de Processo Civil, tais como:
a) se não for admissível a seu respeito a confissão. Por meio dela a parte (autora ou ré) admite a
verdade de um fato contrário a seu interesse e favorável ao seu adversário (art. 348 do CPC). Se
houver confissão (estatui o art. 334, II, do CPC), dispensam-se as provas sobre o fato confessado, que deverá ser considerado verídico. Em face de suas radicais conseqüências, nem
sempre a lei admite a confissão. Assim, relativamente a fatos ligados a direitos indisponíveis,
não admite o Código de Processo Civil a confissão (art. 351). Frise-se, por outro lado, que a
semelhança entre confissão e admissão é notória, aplicando-se-lhes, praticamente, o mesmo
regime;"
b) se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da
substância do ato. Eventualmente, como já se viu em relação àrevelia (ver subitem4.2.3), alei
material considera comoelemento do ato jurídico determinada forma solene, assim como
acontece com o casamento ou com o contrato de compra e venda de imóvel. Nesse caso, a
forma não é apenas meio de prova do ato, mas sim elemento de formação válida do ato jurídico
em exame. Obviamente, em tais situações, a única prova que se
Em verdade, a confissão difere da admissão. Como diz CARNELUTTI, "a confissão é testemunho da parte. Pois o
testemunho é narração de fatos notados pela testemunha, pela via de percepções ou de deduções; a testemunha narra
porque sabe (ou finge saber). A parte pode afirmar ao juiz a existência de um fato contrário ao seu interesse ou
enquanto declara conhecê-lo ou prescindindo desta declaração. Sob essa linha, antes de mais nada, corre a distinção,
muito importante, entre confissão e admissão. Não existe confissão sem declaração, explícita ou implícita, do
conhecimento do fato confessado por parte do confitente. Quando ao invés a parte não contesta a verdade de uma
afirmação adversária sem dizer ou fazer entender que conhece o fato, estamos em tema de admissão"
(CARNELUTTI, Francesco. Lezione di dirittoprocessuale civile. Padova: Cedam, 1986. v. 3, p. 264-265). Para
maiores esclarecimentos sobre a distinção entre confissão e admissão, v. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 336 e ss.
AS ATITUDES DO RÉU
] 59
pode admitir em processo para a comprovação da existência válida do ato jurídico será aquela
forma especial, determinada em lei (art. 366 do CPC), sendo que nenhum outro elemento poderá
induzir à conclusão de que o fato existe, nem mesmo a admissão.
c) se houver contradição com a resposta, considerada em seu conjunto. A presunção relativa
derivada da admissão também não terá sentido se, em seu contexto, a resposta apresentada
importar, ainda que implicitamente, na negativa da ocorrência do fato apresentado pelo autor em
sua petição inicial. Muitas vezes, ainda que não se tenha negado, expressamente, determinado
fato que constitui a causa de pedir da pretensão do autor, por via reflexa, a negativa de outros
fatos que também compõem aquele fundamento importa reconhecer que se toma por inverídico
também aquele primeiro fato. Não há, nesse caso, certamente, de incidir a presunção aludida.
Outros casos, ainda, podem afastar a incidência da presunção arrolada no art. 302, caput. Podese pensar no caso em que um dos litisconsor-tes passivos (especialmente quando unitários)
impugna determinado fato; a circunstância de os demais não se terem manifestado sobre aquele
ponto de fato, certamente não operará a incidência da presunção. O mesmo vale para a defesa
promovida pelo Ministério Público, pelo advogado dativo e pelo curador especial (art. 302,
parágrafo único). Nesses casos, têm esses órgãos o privilégio da chamada "defesa por negativa
geral", em que é possível limitar-se a, genericamente, impugnar os fatos narrados pelo autor
(sem se manifestar precisamente sobre cada qual deles), sendo isso suficiente para os fins de que
trata o art. 302.12
Além da matéria de defesa de mérito, que deve o réu oferecer na contestação, também compete
a ele aduzir todas as defesas processuais que tiver, seja em relação à ação, seja em face da má
formação do processo ou ainda da irregularidade do desenvolvimento da relação processual. Es"' A fixação dessa exceção toma em conta, certamente, a dificuldade com que esses órgãos operam a defesa dos réus a
eles atribuída. Pense-se no caso do curador especial (de réu revel citado por edital); esse curador sequer conhece o
réu, não sabe nada dos fatos da causa, intervindo no processo simplesmente para assegurar um mínimo de defesa ao
revel. Tivesse ele de manifestar-se precisamente sobre cada um dos fatos trazidos pelo autor, seria a defesa absolutamente impossível, motivo pelo qual se justifica plenamente o privilégio estabelecido em lei.
160
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ses temas devem ser trazidos, insta ressaltar, na forma do que prescreve o art. 301 do CPC, ou
seja, previamente às defesas materiais que o réu tiver, o que tieflui de umaquestão de lógica, já
que a regularidade do processo é pressuposto para que o juiz possa examinar o mérito da causa.
Assim é que compete ao réu alegar, quando for o caso, preliminarmente à discussão do mérito
da causa, a inexistência ou nulidade da citação; incompetência absoluta;13 inépcia da petição
inicial; perempção; litis-pendência; coisa julgada; conexão; incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização; convenção de arbitragem;14 carência de ação; e falta de
caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar. Todos esses vícios comprometem
a regular tramitação do feito, motivo pelo qual devem ser sanados antes de qualquer providência
relativa ao mérito do litígio.
Obviamente, por tratar-se de temas de ordem pública, as matérias enumeradas no art. 301, como
preliminares, podem e devem ser conhecidas pelo magistrado ex officio (constituindo-se em
objeções), ressalvada a convenção de arbitragem, que dependerá sempre de alegação para ser
conhecida (art. 301, § 4.°). No entanto, o ônus que o réu tem de alegar essa matéria em
preliminar à sua defesa de mérito não se liga à conseqüência do saneamento do vício (que
continua existindo, podendo ser deduzido e conhecido em qualquer tempo ou grau de
jurisdição), mas ao fato de que, não se apontando o defeito na contestação, sujeita-se o réu a
arcar com as custas processuais do retardamento do feito (art. 267, § 3.°, do CPC). 15
Cabe ainda ressaltar que, não obstante seja na contestação que, por excelência, deve o réu
defender-se, eventualmente poderá ele deduzir defesa — tanto processual como material —
fora dessa ocasião. Dessas situações trata o art. 303 do CPC, enumerando como situações em
que se releva o princípio da eventualidade:
a) alegações relativas a direito superveniente. Com efeito, se o tema apenas surge
posteriormente à fase da defesa, seria inviável exigir ao réu
Recorde-se que a incompetência relativa deve ser deduzida em via própria, ou
seja, na exceção de incompetência (art. 304 do CPC).
Aí incluídas a cláusula compromissória e o compromisso arbitrai.
Essa mesma conseqüência, quanto às despesas processuais, pode resultar, em
maior ou menor intensidade, da não-alegação pelo réu de fatos específicos em
sua defesa (por exemplo, arts. 22 e 1 13, § 1.°, do CPC).
AS ATITUDES DO REU
lg|
que tivesse apontado a questão na contestação. Dessa forma, a ulterior modificação do regime jurídico
atribuído à questão autoriza ao réu invocar o tema posteriormente à época própria. O mesmo se pode
dizer no atinente afatos novos, ocorridos posteriormente à oportunidade da defesa. Também estes últimos
poderão ser trazidos aos autos posteriormente e, assim, constituir elemento novo de defesa, cabendo sua
invocação ul-teriormente (art. 462 do CPC).
b) matérias que competir ao juiz conhecer de ofício. Em especial, essa possibilidade reforça a idéia,
trazida linhas acima, relativamente às defesas processuais não sujeitas à preclusão. A não-alegação do
tema em preliminar na contestação não impedirá o exame da questão posteriormente, sujeitando apenas o
réu a arcar com as custas do retardamento do feito.
c) alegações que, por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo ejuízo. Tal
é o caso da prescrição, que pode ser alegada em qualquer tempo, na pendência do processo (art. 193 do
CC).
Em todos esses casos a oportunidade da contestação não é preclusiva para o réu, podendo a matéria ser
deduzida ulteriormente. Ressalvadas essas hipóteses, todavia, as matérias não alegadas especificamente
na contestação, ficarão bloqueadas, reputando alei terem sido elas alegadas e repelidas pelo juízo,
sujeitando-se àquilo que se costuma denominar de "eficácia preclusiva da coisa julgada" (art. 474 do
CPC), a ser examinada oportunamente.
16
O oferecimento de contestação opera inúmeros efeitos, seja no plano material, seja no plano processual,
a saber:
a) no plano material, a omissão na alegação de certas questões pode importar na vedação de ulterior
dedução da matéria, como a preclusão da alegação do benefício de ordem pelo fiador de quem se exige a
dívida afiançada (art. 827 do CC) e a impossibilidade do exercício dos direitos decorrentes da evicção,
caso não se promova a denunciação da lide na oportunidade da defesa (art. 456 do CC, c/c os arts. 70,1, e
71 do CPC);
b) no p\ano processual, tem-se a ocorrência dos efeitos já tratados, e que assim podem ser resumidos:
(l6)
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 19. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 40.
162
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
b. 1) preclusão das matérias não alegadas, ressalvadas as hipóteses tratadas pelo art. 303, acima
vistas;
b.2) incidência da presunção iuris tantum de verdade dos fatos não impugnados {admissão),
também com as ressalvas acima feitas;
b.3) condenação do réu, quanto às custas do retardamento do processo, diante da não-alegação
das preliminares do art. 301;
b.4) responsabilidade pelas custas integrais do processo, caso o réu não alegue, na contestação,
a incompetência absoluta do juízo (art. 113, § l.°,doCPC);
b.5) condenação do réu pelas custas a partir do saneamento do processo, e conseqüente perda
"ainda que vencedor na causa" do direito de haver do autor vencido honorários advocatícios,
quando não se alegar exceção substancial indireta, de que decorra a dilatação do julgamento do
mérito (art. 22 do CPC).
4.4.3 Exceções
Além da contestação, prevê o Código de Processo Civil mecanismos especiais para a alegação
de certos defeitos processuais: as chamadas "exceções".
Nestas, ao contrário do que ocorre com a contestação, o material dedutivel é restrito a certos
temas processuais (cada qual devendo ser apresentado em exceção própria, autonomamente em
relação às demais), cuja deliberação é pressuposto necessário para a continuação do exame da
controvérsia pelo juízo em que, originariamente, foi proposta a ação.
Todas as defesas que podem ser argüidas pela via da exceção (incompetência relativa,
impedimento e suspeição do juiz, e somente estas, de acordo com o sistema atual -art. 304 do
CPC) são defesas processuais dilatórias. Nenhuma delas tem a possibilidade de extinguir a
relação processual, podendo, se acolhidas, tão-somente alargar o processo, dilatan-do-o no
tempo e submetendo a causa a exame por outro órgão jurisdicio-nal. São todas questões
relativas a pressupostos processuais subjetivos, relativos ao juiz, dizendo respeito à sua
imparcialidade ou à sua competência (embora a incompetência absoluta seja objeto de alegação
em preliminar à contestação, conforme prevê o art. 301, II, do CPC).
Conforme estabelece o art. 305 do CPC, o oferecimento das exceções deve dar-se no prazo de
15 (quinze) dias, contados da data em que
AS ATITUDES DO RÉU
163
ocorreu o fato que ocasiona o vício (impedimento, suspeição ou incompetência relativa). Notese que a fixação desse prazo gera a necessidade, ao menos em relação a algumas das causas das
exceções, de certo cuidado. Isto porque a argüição das exceções, ao menos em princípio, pode
ser feita pelo autor ou pelo réu; e, em relação a ambos, as causas que permitem a dedução dessa
defesa podem ocorrer concomitantemente. No que diz respeito ao autor, evidentemente, a
possibilidade que ele tem de oferecer exceções resume-se às exceções de impedimento e
suspeição do juízo. Não pode ele oferecer exceção de incompetência relativa já que é ele quem
opta pelo juízo onde propõe a demanda. O prazo que o autor tem para oferecer as exceções de
impedimento e suspeição variará conforme se trate de fato concomitante à propositura da ação
ou ocorrido posteriormente à instauração do processo. Se o fato (impedimento ou suspeição)
preexistia à propositura da demanda, deverá o autor argüir o impedimento17 ou a suspeição do
juízo conjuntamente com a petição inicial (se for, desde logo, conhecido o juízo em que deverá
tramitar o feito - no caso de juízo único na comarca, por exemplo) ou nos quinze dias que
sucedem à distribuição da petição inicial (quando houver mais de um juiz que, inicialmente,
poderia ser competente para examinar o processo). Sendo oferecida pelo réu a exceção - que
nesse caso poderá versar sobre qualquer das causas (impedimento, suspeição ou incompetência
relativa) -, terá ele sempre o prazo de 15 (quinze) dias para argüi-la, contado da ciência do fato
que ocasiona o defeito. Assim, se o motivo que gera a incompetênciarelativa, a suspeição ou o
impedimento preexiste à propositura da ação, terá o réu o prazo de quinze dias, contados da citação (computado esse prazo na forma do art. 241 do CPC), para oferecer a exceção; se, de outro
lado, o fato que gera o vício - e aqui se limita a possibilidade, apenas, à argüição de
impedimento ou suspeição, já que questões supervenientes que alterem a competência relativa
são irrelevantes para a determinação da competência para a causa (art. 87 do CPC) - ocorrer
posteriormente à instauração do processo, então terá o réu o prazo de quinze dias contados da
ciência incontroversa desse fato.
"7) Em relação ao impedimento, ver-se-á adiante, não haverá de se cogitar de preclu-são para a matéria, podendo o
autor fazê-lo posteriormente. Haverá, porém, sanções por sua demora na argüição, relativas às custas do processo, o
que recomenda que a impugnação da imparcialidade do juízo se faça prontamente.
164
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Cada uma das exceções deverá ser oferecida em peças separadas (e em petições distintas da
peça da contestação), mesmo porque o rito previsto para elas é distinto, embora se entenda que
constitui mera irregularidade a não obediência a essa previsão. Oferecida a defesa, e uma vez
recebida a argüição, determinará o juiz a suspensão do processo, até o julgamento definitivo da
exceção (art. 306 do CPC), ficando proibida a prática de atos no processo, exceto os reputados
urgentes, destinados a evitar danos irreparáveis, e evidentemente aqueles destinados a fazer tramitar o próprio incidente.18 O termo final dessa suspensão também suscita exame detido, já que
a interpretação literal do dispositivo indicaria que esse "julgamento definitivo" apenas ocorreria
com a preclusão da decisão sobre a incompetência relativa, a suspeição ou o impedimento do
juízo. Em verdade, conforme acentua a doutrina, o julgamento definitivo a que alude a lei
somente pode ser entendido como a primeira decisão efetiva sobre a questão objetodaexceção.
Essa decisão será aquelaproferidapelojuizperanteoqual foi oferecida a exceção de incompetência
relativa (já que ele é o órgão que
tempoderparadecidirsobresuacompetência),ouaquelaproferidapeloórgão que examina a
imparcialidade do juiz - ele mesmo, se acolhe a exceção de impedimento ou suspeição, ou o
tribunal que examina a alegação, caso o juiz argüido recuse a ocorrência de parcialidade.
4.4.3.1 Exceção de incompetência relativa
A primeira das exceções previstas pelo Código de Processo Civil éa de incompetência relativa.
Como se sabe, as causas que determinam a incompetência do juízo podem ser relativas
(atinentes aos critérios de fixação de competência valor da causa e território) ou absolutas
(relacionadas à matéria ou à competência funcional).
"S| Por isso mesmo, uma vez oferecida a exceção, no prazo da defesa - e antes de concluído esse prazo, desde que não
oferecidas as demais respostas concomi-lantcmente -, suspende-se o prazo inclusive para o oferecimento de outras
respostas que o réu possa deduzir (contestação ou reconvenção), ficando-lhe defeso apresentar essas peças. Tais
respostas outras somente poderão ser apresentadas depois de julgadas as exceções, quando então terá curso
novamente o feito. Assim, se o réu oferece, no décimo dia, a exceção de impedimento, sem oferecer conjuntamente a
contestação ou a reconvenção, essas outras respostas somente poderão ser deduzidas após julgada a exceção, no prazo
que restou (cinco dias, no caso).
AS ATITUDES DO RÉU
1 65
Épossível falar em incompetênciarelativaquando se observa aques-tãodo juízo de maior para o
de menor competência. Melhor explicando: o juízo de maior competência pode ser considerado
relativamente competente para as questões de menor valor, ao passo que o juízo de menor
competência é absolutamente incompetente para as causas de maior valor. Ademais, no que
pertine à competência territorial, é preciso ressalvar as hipóteses de competência territorial
absoluta, como são aquelas disciplinadas no art. 95, infine, do CPC.
Quanto aos motivos que ensejam a incompetência absoluta do juízo, constituem-se em objeções
processuais, podendo ser deduzidas em qualquer tempo e juízo, jamais precluindo e podendo ser
conhecidas de ofício pelo juiz. A alegação desse vício deve ser feita, como já dito anteriormente, em preliminar a contestação (art. 301, IT, do CPC), não se sujeitando ao regime das
exceções (art. 113 do CPC).
Já a incompetência relativa deve ser alegada através de via específica, ou seja, por meio de
"exceção de incompetência" (arts. 112 e 304 do CPC), no prazo próprio para tanto, sob pena de
preclusão e de prorrogação de competência (art. 114 do CPC). A exceção de incompetência relativa deve seroferecidaempetiçãoescrita, dirigidaaojuizdacausa (aqui entendido o juiz de
primeiro grau, ou o relator do feito, se este tramitar por órgão colcgiado). O Código de Processo
Civil brasileiro adota o princípio da competência sobre a competência, razão pela qual compete
ao próprio juiz perante o qual tramita o feito examinar se tem ou não procedência a argüição de
sua incompetência relativa sobre a causa- cabendo depois, caso não haja concordância com a
decisão judicial, recurso à instância superior.
Na petição que apresenta a exceção, deverá a parte indicar os motivos pelos quais entende seja o
magistrado incompetente para o feito, apontando o juízo que, em seu entender, seja o
competente para prosseguir na causa. Essa petição deverá vir instruída dos documentos indispensáveis à comprovação das alegações, sendo ainda cabível que a parte requeira, quando for o
caso, outras provas, como a testemunhai, para demonstrar suas afirmações (art. 309 do CPC).
Poderá o juiz, se entender que a exceção é manifestamente improcedente-ou ainda se a
considerar incabível ou extemporânea-, indeferi-la liminarmente, caso em que não se operará a
suspensão do processo.
166
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Recebida a exceção - e determinando-se incontinenti a suspensão do feito, com a autuação em
apartado da exceção -, ouvirá o magistrado o excepto (a outra parte da demanda), no prazo de
10 (dez) dias, que poderá impugnar o incidente, com os motivos que entender relevantes, fazendo também juntar documentos e requerendo outras provas que suponha cabíveis. Com ou
sem essa impugnação, examinará o magistrado a necessidade ou não de se realizarem provas
orais para a instrução do incidente. Se houver essa necessidade, deverá o juiz designar data para
audiência de instrução e julgamento, onde colherá essas provas e decidirá no ato, ou em dez dias
(art. 309 do CPC). Se não houver necessidade dessa audiência, findo o prazo da defesa deverá o
juiz pronunciar-se sobre a questão em prazo não superior a dez dias (art. 308 do CPC).
Rejeitando a exceção, retoma o processo seu curso regular, relevan-do-se a suspensão
anteriormente imposta; eventuais prazos que estavam em curso quando do oferecimento da
exceção voltarão a correr a partir da intimação da decisão que julgar o incidente. Acolhendo os
fundamentos da exceção, o magistrado deverá remeter o feito ao juízo considerado competente,
passando o processo a ter sua marcha regular, uma vez intimadas as partes da chegada dos autos
a esse órgão jurisdicional. Em qualquer caso, julgada procedente ou não a exceção (ou ainda
que rejeitada liminarmente), poderá o interessado insurgir-se contra a decisão pela via do agravo
(art. 522 do CPC).
4.4.3.2 Exceção de impedimento e exceção de suspeição
Ao lado da impugnação relativa à incompetência relativa do juízo, pode a parte apontar defeitos
relativos à imparcialidade do órgão jurisdicional. Tais defeitos incluem as alegações de
impedimento ou de suspeição do órgão judicial. O primeiro é vício mais grave, em que se toma
por certa a parcialidade do julgador. As causas que geram esse defeito estão arroladas nos arts.
134 e 136 do CPC, sendo vedado ao juiz exercer jurisdição nas situações ali elencadas. Esses
vícios são tão graves que não precluem, podendo o juiz conhecer do defeito em qualquer tempo
e grau dejurisdição, sendo mesmo cabível recorrer-se à ação rescisória contra processo em que
haja atuado juiz impedido (art. 485, II, do CPC). Por isso, o prazo fixado para a dedução da
exceção de impedimento não é "prazo próprio", podendo a parte alegar o vício mesmo após
findo o pra-
AS ATITUDES DO RÉU
[ 67
zo de quinze dias fixado na lei - apenas sofrendo como conseqüência de sua demora o ônus de
ter de arcar com as custas do processo, relativas ao alongamento do processo (art. 267, § 3.°, do
CPC). Já no que se refere à suspeição, constitui ela defeito mais sutil, de ordem subjetiva do
juiz, em que a parcialidade do julgador não é tão evidente. Suas causas estão arroladas no art.
135 do CPC, competindo à parte alegar o vício no prazo fixado em lei para a exceção, sob pena
de preclusão. Passado o prazo, não mais poderá a parte oferecer a exceção de suspeição,
podendo, porém, mesmo após o limite temporal fixado, o magistrado reconhecer de ofício sua
suspeição e abster-se de julgar a causa (ocorre preclusão para aparte, mas não para o juiz).
Assim, com efeito, deve ser, já que, em se tratando de suspeição, deve a parte diligenciar para
que a impugnação seja trazida aos autos prontamente, pena de preclusão; já em relação ao
magistrado, como é seu dever legal velar pela boa tramitação da causa e para que seja ela
decidida com a maior isenção possível, convencendo-se em qualquer momento não estar
habilitado a julgá-la, deve afastar-se do processo.
Obviamente, o magistrado impedido ou suspeito tem o dever de abster-se de julgar ou mesmo
processar a causa. Somente quando isso não ocorrer é que tem lugar a exceção de suspeição ou
de impedimento (art. 137 do CPC). O Código de Processo Civil regula expressamente apenas a
exceção de impedimento e de suspeição atinentes ao juiz de primeiro grau; quanto à argüição de
parcialidade de juizes de tribunais, há que se observar o que prevêem os respectivos regimentos
internos (art. 265, § 4.°, do CPC).
Na forma disciplinada pelo Código de Processo Civil, essas exceções deverão ser oferecidas em
petições escritas (ao juiz da causa ou ao relator, quando o feito tramitar perante órgão
colegiado), em que se indicará o motivo da recusa do julgador, instruindo-se a petição com os
documentos pertinentes à prova das alegações ali contidas (art. 312 do CPC); faculta-se também
à parte excipiente que apresente rol de testemunhas, para a prova dos fatos suscitados na
exceção.
Recebida a exceção pelo magistrado - que não poderá, ao contrário do que ocorre com a
exceção de incompetência relativa, indeferir liminarmente o incidente -, determinada sua
autuação em apartado e efetivada a suspensão do processo, poderá ele acolher ou rejeitar a
argüição. Se reconhecer seu impedimento ou a sua suspeição, determinará a imediata remessa
dos autos
168
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ao seu substituto legal, concluindo, com isso, a exceção. Se, porém, entender de se opor à
exceção, no prazo de dez dias dará as razões pelas quais discorda da alegação — fazendo-as
acompanhar das provas documentais que entenda cabíveis e ainda do rol de testemunhas que
achar conveniente para a prova da ausência de sua suspeição ou seu i mpedimento -remetendo
os autos ao tribunal competente para o exame da questão.
Note-se que, em relação às exceções de suspeição e de impedimento, não há espaço para ou virse a parte contrária ao excipiente. Nessas exceções, por assim dizer, a parte adversa (no
incidente) passa a ser o magistrado, se entender de recusar razão ao excipiente. Por isso mesmo,
pode haver dois órgãos julgadores em relação a tais exceções: o próprio juiz argüido como
parcial (se ele entender por acolher os argumentos do excipiente) ou o tribunal ao qual esse juiz
esteja subordinado (quando o magistrado entenda infundadas as razões aventadas para sua
parcialidade).
Caso haja necessidade de julgamento pelo tribunal, a este tocará a instrução do incidente (com a
oitiva das testemunhas eventualmente arroladas pelas partes), deliberando-se posteriormente. Se
o tribunal entender por rejeitar a exceção, arquivará a exceção, determinando o retorno dos
autos (ao juízo argüido) para o prosseguimento do exame do feito. Acolhendo a argiiição de
parcialidade, remeterá o tribunal os autos (do processo do qual decorreu o incidente) ao
substituto legal do juiz considerado parcial, condenando este último no pagamento das custas
(art. 314doCPC).
Novamente, em relação aos prazos processuais e ao período de suspensão do processo, é preciso
tomar certa cautela. A suspensão do processo durará até o "julgamento definitivo" do incidente,
como já observado. Este ocorrerá, relativamente às exceções de impedimento e de suspeição,
com a decisão do magistrado afirmado parcial, quando este venha a reconhecer sua parcialidade,
ou com a deliberação do tribunal, nos demais casos. De toda sorte, o processo somente retomará
seu curso regular a partir da intimação das partes da chegada aos autos ao substituto legal do
juiz tido como parcial (caso seja a argiiição considerada procedente pelo próprio juiz argüido,
ou ainda pelo tribunal, julgando a exceção), ou da intimação às partes do retorno dos autos ao
magistrado afirmado parcial, em caso de rejeição pelo tribunal da exceção de impedimento ou
de suspeição. Apenas a partir de então é que os prazos processuais voltarão a fluir, tendo
seqüência o processo.
AS ATITUDES DO RÉU
169
4,5 Reconvenção
4.5.1 Primeiras considerações
Em item anterior, viram-se as defesas de que o réu pode lançar mão a fim de evitar a
procedência da pretensão do autor. Ao lado, porém, dessas defesas, pode o réu oferecer outra
espécie de resposta, que de nenhuma forma se assemelha às defesas vistas. Trata-se da
reconvenção, resposta em que o réu deixa a posição passiva que tinha na ação inicialmente
proposta - como sujeito em face de quem o autor requer ao Estado a atuação do direito -,
passando a, também, ser titular de uma ação própria, deduzida em detrimento do autor. No
dizer de CHIOVENDA, na reconvenção o réu "tende a obter a atuação em favor próprio de uma
vontade da lei no mesmo pleito promovido pelo autor, mas independentemente da desestimação
da demanda do autor". '9 Essa ação do réu poderia, certamente, constituir objeto de processo
distinto, mas, por conta da conexão que guarda com o litígio exposto na relação processual já
instaurada, admite a lei possa ser a questão trazida para decisão nos mesmos autos da ação
principal.
Note-se que a reconvenção opera uma cumulação objetiva ulterior de ações, dentro da mesma
relação processual. Vale dizer, à ação inicialmente proposta pelo autor justapõe-se outra, desta
vez iniciada pelo réu contra o primitivo autor, tudo dentro de um mesmo processo.
4.5.2 Requisitos
Como ação que é, a reconvenção sujeita-se aos mesmos requisitos exigidos para qualquer outra
ação. Assim, para a regularidade da reconvenção c necessário que estejam preenchidos os
pressupostos processuais e as condições da ação. A afirmação pode parecer óbvia e
desnecessária, mas a reconvenção, por constituir ação ulteriormente colocada em processo já
formado, sujeita-se a certas peculiaridades relativamente a tais elementos, que merecem atenção
redobrada.
Inicial mente, quanto às condições da ação, insta salientar que o atendimento desses requisitos
na reconvenção apresenta particularidades
{I J|
' CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho pmcesal civil, Trad. José Casais y Santaló.
Madrid: Réus, 1925. t. II, § 92, p. 666.
170
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
impostas ora pela própria lei, ora pela natureza especial da ação inserida no bojo do processo.
a) Quanto à possibilidade jurídica do pedido, nenhuma alteração se verifica, no plano da
reconvenção. Sujeita-se ela aos mesmos critérios de avaliação da impossibilidade, não havendo
maiores percalços.
b) Relativamente a legitimidade de parte, três observações merecem ser feitas. Um primeiro
dado que exige atenção é o de que, em razão da própria natureza da reconvenção, somente o réu
está autorizado a reconvir (jamais o autor). Terceiros intervenientes que também figurem como
partes no processo (litisdenunciado — quando no pólo passivo —, chamado ao processo e
nomeado à autoria), porque detêm a mesma condição processual da parte, também são
autorizados a utilizar da via reconven-cional para expor alguma pretensão que têm em face do
autor. Se, de um lado, somente a parte colocada no pólo passivo pode socorrer-se da reconvenção, de outro essa figura somente pode dirigir-se contra o autor da primeira ação.
Essa constatação remete a outra questão. Seria possível oferecer a reconvenção contra pessoas
que não compusessem, originariamente, a ação primitiva? Imagine-se, por exemplo, que "A"
propõe ação de cobrança, de certa dívida, em face de "B". "B", alegando possuir também crédito
diante de "A", pretende reconvir a este, buscando a recuperação do montante devido; ocorre,
porém, que, para essa segunda ação (recon-vencional), por algum motivo, exige-se a formação
de litisconsórcio necessário (entre "A" e um terceiro, não componente da relação processual,
diante da ação primeira). Seria possível formar-se, então, a reconvenção, convocando-se para o
processo alguém que não compunha o pólo ativo da demanda original? Ao que tudo indica, a
resposta a essa indagação caminharia pela negativa. A reconvenção é admitida — como ação
inserida em processo já formado - por questões de conveniência e para a celeridade processual,
resolvendo-se duas questões vinculadas em um só juízo. Incluir na reconvenção alguém que não
fazia parte da ação certamente acarreta tumulto indesejável no processo, cri ando-se problemas
maiores que os benefícios gerados pela inclusão da demanda reconven-cional. Ademais, é de se
notar que o art. 315 do CPC expressamente indica que o réu pode reconvir ao autor, sinalizando
para a conclusão de que somente quem fora autor da demanda inicial pode figurar como réu na
ação reconvencional.
AS ATITUDES DO RÉU
171
De se notar, todavia, que a situação inversa não esbarra no mesmo óbice. É possível, havendo
pluralidade subjetiva no pólo passivo do processo, que somente um dos réus pretenda reconvir
contra o(s) autor(es), ou que apenas um dos réus exerça a ação reconvencional contra apenas um
dos autores litisconsortes. Nenhum óbice existe aessapossibilidade.
Tema de maior cuidado, relativamente à legitimidade dos sujeitos para a reconvenção, diz com
o estabelecido pelo art. 315, parágrafo único, do CPC, a prever que "não pode o réu, em seu
próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem". De redação deveras truncada, esse dispositivo pretende dizer que as partes da reconvenção devem guardar a
mesma qualidade que tinham quando da ação primitiva. Como lembra CALMON DE
PASSOS,20 trata-se do princípio da identidade bilateral, relativa à "identidade subjetiva do
direito". Quer dizer, por exemplo, que, se para a ação, o autor agia como substituto processual,
para a reconvenção deve manter essa mesma qualidade jurídica subjetiva.
c) No que tange ao interesse de agir, também a reconvenção apresenta certas particularidades.
Porque se trata de uma demanda inserta em processo formado para a solução de outra ação, a
presença do interesse de agir (especificamente em relação à necessidade da tutela jurisdicional) depende da localização de alguma utilidade nova, que não seria obtida através da solução
da demanda inicial (positiva ou negativamente). Assim, por exemplo, não pode o réu reconvir
ao autor de uma ação de cobrança, postulando uma tutela declaratória negativa da existência da
dívida demandada inicialmente; isto porque, como é evidente, essa tutela já será obtida na
solução da demanda inicial, se eventualmente for rejeitado o pleito condenatório. Todavia,
como lembra BARBOSA MOREIRA,21 essa mesma ação (reconvencional) declaratória
negativa seria viável quando incidisse não sobre a relação deduzida na demanda principal, mas
sim em relação a outra relação jurídica, prejudicial àquela, caso em que essa reconvenção faria
as vezes de uma ação declaratória incidental (a ser examinada adiante).
Ainda no que se refere ao interesse de agir - agora tratando-se de seu outro elemento, a
adequação da via -, é de se notar que não se admite a
(20>
Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol. III, n. 172, p. 312.
cit., p. 45.
(2I)
O novo processo civil brasileiro,
172
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
reconvenção em processos submetidos ao procedimento sumário. Tal conclusão decorre,
implicitamente, da previsão contida no art. 278, § 1.°, do CPC, em que se prevê a possibilidade
de o réu formular o chamado "pedido contraposto" contra o autor. Esse pedido contraposto embora de incidência mais restrita que a reconvenção aqui tratada, pois somente pode ter por
base os "mesmos fatos referidos na inicial" — não deixa de ser uma modalidade de
reconvenção, mas submetida a regras próprias, distintas daquelas que regem afigura aqui
examinada. Se, então, no procedimento sumário admite-se a figurado pedido contraposto,
conseqüentemente não se há de autorizar a reconvenção tradicional, que com aquele é
incompatível.
Outrossim, e ainda no campo do interesse de agir (adequação da via), é de se observar que a
reconvenção, como j á dito, corresponde a uma forma de cumulação objetiva de demandas.
Significa dizer que o cabimento da figura há de respeitar os pressupostos enumerados pela lei
para qualquer cumulação de ações, arrolados no art. 292 do CPC. Assim, e ressalvada a questão
da compatibilidade dos pedidos -já que, em tema de reconvenção, a incompatibilidade pode ser
natural ao antagonismo em que se encontram os sujeitos autores (da ação e reconvenção) —, é
necessário que o procedimento previsto para a ação e para a reconvenção sejam compatíveis
(art. 292, § 1.°, III, do CPC). Eventualmente, se forprevisto procedimento diverso para cada
qual, ainda assim a reconvenção pode ser admitida, desde que processada sob o procedimento
ordinário (art. 292, § 2.°, do CPC), sendo este também o procedimento adotado para a ação.
Neste último caso, se o procedimento da ação não for o ordinário, fazer tramitar a reconvenção
por esse procedimento certamente trará conturbada situação ao trâmite da causa, motivo pelo
qual a reconvenção deverá ser oferecida em processo autônomo.
Quanto aos pressupostos processuais, também é preciso frisar alguns pontos relevantes em tema
de reconvenção. Especialmente, interessa examinar o tema sob o prisma da competência. Em
relação á competência, o juiz da ação principal deve ser também competente para a ação reconvencional. Em termos de critérios absolutos de fixação de competência, o tema não põe
grandes problemas, mas, em matéria de critérios relativos (valor da causa e território), poder-seia antever certas complicações, especialmente quando a competência para a ação fosse regida
por um dispositivo e, para a reconvenção, por outro. Por isso mesmo, o pró-
AS ATITUDES DO RÉU
173
prio Código de Processo Civil cria regra especial, em matéria de recon-venção, derrogando os
critérios normais de fixação de competência territorial e estabelecendo, em seu art. 109, que "o
juiz da causa principal é também competente para a reconvenção...". Assim, ainda que,
aplicando-se as regras normais de fixação da competência territorial ou pelo valor da causa critérios relativos, já que somente a estes se aplica a regra do art. 109 -, tivesse a ação de ser
proposta em determinado juízo, em face da regra do art. 109 prevalece a conexão necessária
(entre ação e reconvenção), determinando que a segunda seja proposta no juízo competente para
a primeira, pouco importando os ditames normais de fixação da competência relativa.
Ainda quanto aos pressupostos processuais, para a reconvenção é necessário, por exemplo, que
a ação reconvencional não tenha já sido deduzida em outro processo ou já tenha sido julgada por
sentença de mérito. Da mesma forma, não se foge dos pressupostos subjetivos referentes às
partes, sendo exigível que o reconvinte possua plena capacidade de ser parte, de estar em juízo e
postulatória, inclusive preenchendo as necessidades de eventuais autorizações que a lei lhe
impuser (por exemplo, art. lOdoCPC)
Além dos requisitos normais, exigíveis de qualquer ação, a reconvenção ainda depende do
preenchimento de pressupostos específicos, atinentes exclusivamente à figura. Com efeito, não é
qualquer pretensão que pode sustentar a reconvenção. Considerando ser ela instituto tendente à
celeridade e à economia processual, somente nos casos em que haja alguma pertinência ou
imbricação entre ambas as ações (a reconvenção e a ação) é que se pode admitir sua reunião caso contrário, a demanda que o réu tem contra o autor deverá ser objeto de processo próprio,
independente do primeiro.
A vinculação entre demandas é exigida pelo art. 315 do CPC, que põe como condição para a
reconvenção que seja ela "conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa". O
primeiro dos casos, então, é o da conexão com a ação principal. Essa hipótese rege-se,
basicamente, pelos termos do art. 103 do CPC, que estabelece haver conexão de causas quando
entre duas ações for comum o objeto ou a causa de pedir. Assim, diante desse primeiro caso, a
fim de ser viável a reconvenção é necessário que exista identidade entre as causas de pedir ou o
objetos das ações. É a situação, por exemplo, da ação proposta para a indeni-
174
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
zação de danos causados por colisão entre dois navios, em que o proprietário do navio acionado
reconvém, dizendo que o responsável pelo acidente é o proprietário do navio autor, requerendo,
via de conseqüência, sua condenação; da mesma forma, seria exemplo dessa primeira hipótese o
caso em que alguém propõe ação para o cumprimento de contrato, com a realização da
prestação assumida pelo devedor, reconvindo este ao autor para obter sua condenação ao
pagamento do preço estipulado.
Em relação ao tema aqui enfrentado, insta lembrar, com CHIOVENDA,22 que não se exige que
a reconvenção se funde no mesmo título, ou seja, na relação jurídica que constitui o fundamento
próprio da ação, mas que se funde em um título ou relação jurídica deduzida em juízo pela
necessidade da ação. Assim é para o direito italiano e também deve ser para o direito brasileiro.
A conexão exigida para a reconvenção satisfaz-se com o liame estabelecido entre a causa de
pedir próxima ou remota, não sendo necessário que todo o fundamento da ação seja também o
dareconvenção.
De outra parte, admite a lei o cabimento da reconvenção quando esta seja conexa com o
fundamento da defesa do réu. Obviamente, para que essa reconvenção possa ser deduzida, é
necessário que o réu impugne o pedido do autor, por meio da contestação. Sem contestação,
essa reconvenção não pode ser admitida, já que não haverá conexão com o fundamento da
defesa, que não existe nos autos. Mais que isto, para que possa existir a reconvenção apoiada na
conexão com o fundamento da defesa, imperioso é que, na contestação, o réu se tenha utilizado
de alguma defesa substancial indireta, j á que, somente então, aportará ele para o processo
algum dado novo, sendo sobre esse conteúdo novo que se há de estabelecer a conexão da
reconvenção. É o caso, por exemplo, da ação em que alguém pretende a cobrança de uma
dívida; o réu, em sua defesa, invoca a existência de um crédito frente ao autor da demanda,
maior do que aquele cobrado inicialmente, postulando a compensação; mais que isso, baseado
nesse crédito, o réu-reconvinte reconvém ao autor-recon-vindo, postulando a cobrança do saldo
de seu crédito, que não fora extinto pela compensação.
Princípios de derecho procesal, cit., § 92, p. 69.
AS ATITUDES DO RÉU
175
4 5.3 Procedimento
Tratando-se de exercício de ação, a reconvenção subordina-se aos mesmos requisitos
procedimentais de qualquer ação. Assim, a parte (ré) que pretender reconvir ao autor deverá
fazê-lo em peça autônoma.
Recebida a petição inicial da reconvenção (que deve atender aos requisitos enumerados nos arts.
282 e 283 do CPC), será o autor-reconvindo intimado, por meio de seu advogado constituído
nos autos, a responder à reconvenção no prazo de quinze dias, conforme preceitua o art. 316 do
CPC. O Código de Processo Civil limita-se a dizer que o autor-reconvindo será intimado para
contestar o pedido reconvencional; porém, parece que também é lícito a ele deduzir nova
reconvenção, desde que satisfaça os requisitos para tanto e que a primeira reconvenção (a
oferecida pelo réu) tenha sido baseada no fundamento da defesa. Isto porque, nesse caso —
mas não no outro, em que a reconvenção tem por base a conexão com a ação principal -, o réu
traz material fático totalmente novo ao processo, podendo surgir daí o interesse do autorreconvindo em apresentar, sobre esse novo material, também sua pretensão.
Tanto como na ação originária, réu-reconvinte e autor-reconvindo poderão, em suas peças
postulatórias (petição inicial e resposta à reconvenção), requerer as provas que pretendam
produzir em relação à demanda reconvencional. Seguir-se-á, portanto, após a resposta do
reconvindo, a fase instrutória, devendo, posteriormente, ação e reconvenção ser julgadas, ao
menos em princípio, por uma única sentença (art. 318 do CPC).
Vale lembrar, por derradeiro, que a vinculação estabelecida entre ação e reconvenção somente
existe para a instauração da segunda. Uma vez admitida a reconvenção, ambas as demandas
comportam-se autonoma-mente, sendo irrelevantes os sucessos de uma para a outra. Por isso
mesmo, adverte o art. 317 do CPC que "a desistência da ação, ou a existência de qualquer causa
que a extinga, não obsta ao prosseguimento da reconvenção". O mesmo vale em sentido
inverso: a extinção da reconvenção, prematuramente, por qualquer causa, não obsta ao
prosseguimento da ação originária.
Daí, porém, tem-se como evidente uma conclusão: nem sempre ação e reconvenção (ao
contrário do que se disse acima, e do que consta expressamente do art. 318 do CPC) serão
julgadas concomitante mente. Pode ser que a reconvenção não seja admitida, ou que sobrevenha
algum mo-
176
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
^
tivo para sua extinção anômala. Ou, ao contrário, pode suceder que, por algum motivo, a ação
inicial, à qual se agregou a reconvenção, não tenha mais condições de prosseguir, devendo ser
extinta prematuramente. Nesse caso, evidentemente, não haverá um só julgamento. Ainda
assim, vale lembrar, permanece existindo apenas uma única sentença — que será aquela que
extinguir o processo (art. 162, § 1.", do CPC), pouco importando se examinará a ação, a
reconvenção ou ambas. Dessa forma, do ato do juiz que examina a reconvenção pode ser
cabível tanto o recurso de agravo como a apelação, sendo necessário, para a seleção do recurso
adequado, avaliar se o ato do juiz que decidiu a demanda reconvencional pôs, ou não, fim ao
processo.
5 AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL
SUMÁRIO: 5.1 Introdução- 5.2 Pressuposto fundamental: questão prejudicial - 5.3 Requisitos - 5.4 Procedimento.
5.1 Introdução
Será visto adiante, ao se estudar o fenômeno da coisa julgada, que a decisão judicial visa a um
julgamento estável sobre o conflito de interesses. O objetivo da decisão final, no processo de
conhecimento, não é apenas o de julgar a controvérsia, mas também o de fazê-lo de modo indiscutível e imutável. Esta é a função da coisa julgada: tornar indiscutível e imutável a decisão
judicial.
Ocorre, porém, que a figura da coisa julgada sofre, pela lei, limitações próprias, seja no campo
subjetivo (art. 472 do CPC), seja objetivamente. No plano objetivo, a coisa julgada limita-se a
incidir sobre a parte dispositiva (o decisum) da sentença, ou seja, sobre a parcela da sentença em
que efetivamente se examina o acolhimento ou a rejeição do pedido. Todo o restante da
sentença (relatório e fundamentação) não fica acobertado pela força imutável da coisa julgada. É
o que diz, em síntese, o art. 469 do CPC, ao estabelecer que não fazem coisa julgada os motivos,
ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; a verdade dos
fatos, estabelecida como fundamento da sentença; e a apreciação de questão prejudicial,
decidida incidentalmente no processo.
Como parece ser intuitivo, compete ao autor, ao conceber a petição inicial, estabelecer os
limites do pedido -e, por via de conseqüência, em razão do princípio da congruência, do
julgamento (da parte dispositiva da sentença) - conforme se faça necessário segundo seu
entender. Assim, é o autor que determinará o que participará de seu requerimento de
178
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tutela jurisdicional como simples fundamento do pedido e em que consistirá, efetivamente, o
pedido de prestação jurisdicional formulado. Ao assim proceder, fixa o autor os parâmetros para
a incidência da coisa julgada, que somente irá recair sobre o examejudicial efetivado sobre o
pedido de tutela jurisdicional feito pelo autor.
Pode acontecer, todavia, que no curso do processo verifiquem as partes (seja o autor, seja o réu)
a necessidade de ampliação do "julgamento" do juiz, fazendo-o incidir sobre outros temas,
inicialmente não contemplados como pedido. Imagine-se a situação em que alguém, sustentando
ser filho de certa pessoa, postule em desfavor desta alimentos, lastreado em relação de
parentesco. Ao responder à ação, o réu, entre outras defesas possíveis, afirma não ser pai do
autor, motivo suficiente para excluir a pretensão alimentícia. Nos limites em que a demanda foi
exposta, a coi-sajulgada (enquanto imutabilidade e indiscutibilidade do pronunciamento
judicial) apenas abrangerá a decisão sobre o dever ou não de o réu prestar alimentos ao autor;
todo o resto constituirá fundamento para a decisão, mas, a teor do que prescreve o art. 469 do
CPC, não transitará em julgado. A inusitada discussão, porém, inserida pelo réu a respeito da
relação de parentesco — matéria que o autor tinha por incontroversa, pois jamais fora negado,
extrajudicialmente, esse fato - impõe nova preocupação ao autor, que, reflexamente, pode ter
discutidas futuramente novas pretensões decorrentes daquela situação (estado de filiação).
Assim, no curso da demanda, pode surgir o interesse do autor (como também poderia acontecer
o mesmo em relação ao réu) em ampliar o âmbito do decisum judicial, abrangendo também a
análise da relação de parentesco e impedindo com isso (pela incidência sobre esse tema da
imutabilidade decorrente da coisa julgada) discussões futuras sobre essa situação jurídica.
Precisamente esta é a função da ação declaratória incidental: provocar o juiz a "decidir" (e não
apenas analisar como fundamento), tema que seria normalmente, em função da estrutura
conferida à ação pelo autor em sua petição inicial, examinado tão-somente de maneira incidental
(como fundamento da sentença) no pronunciamento judicial (e sobre o qual não recairia o selo
de imutabilidade da coisa julgada).
5.2 Pressuposto fundamental: questão prejudicial
Já se viu, no curso deste exame, que adecisão judicial no processo de conhecimento passa por
uma série de elementos lógicos, concatenados,
AÇÃO DECLARATÓRIA INC1DENTAL
179
em que se busca a solução da controvérsia, através da aplicação do Direito ao caso concreto.
Assim, o autor, em sua petição inicial, requererá a tutela do Estado, tentando convencer o
magistrado de suas razões para obter a proteção de seu direito. Apresentará, então, um pedido,
fundado em diversos argumentos de fato e de direito. Pense-se na situação do autor que requer a
cobrança de uma dívida: seu pedido de tutela do Estado (condenação do réu ao pagamento do
valor) terá por pressuposto o respaldo desse pedido em inúmeras situações fático-jurídicas que,
segundo o direito material, conferem ao demandante a condição de titular de um direito
subjetivo àquela prestação. Dessa forma, afirmará o autor ter celebrado um contrato de mútuo
com o réu, pelo qual este lhe tomara emprestado certa importância em dinheiro a ser devolvida
em seis meses; deverá, além disso, afirmar que, findo o prazo, o réu não devolveu o valor
emprestado, negando-se a proceder à restituição voluntária do dinheiro. Conjugados esses dois
elementos (causa de pedir remota e próxima), emerge para o demandante, nos termos da lei
material, o direito de recuperar, judicialmente, esse dinheiro. Essa é a estrutura básica da petição
inicial.
Por seu turno, o réu, ao comparecer no processo, buscará defender seus interesses. Fará isso,
como já visto, por meio das defesas enumeradas em lei (contestação e exceção), em que argüirá
impugnações a aspectos processuais e materiais da demanda proposta. Quanto às defesas
materiais, buscará o réu desqualificar a fundamentação utilizada pelo autor. No exemplo acima
utilizado, poderia o réu, por suposição, negar a existência do contrato celebrado, descaracterizar
esse negócio jurídico como uma relação de mútuo, ou sustentar o pagamento da obrigação. Em
todos esses casos, atacando os fundamentos fático-jurídicos que sustentam a pretensão do autor,
pretende o réu que o juiz profira sentença que julgue improcedente o pedido.
Como se verifica a partir dessa breve descrição do embate processual, a argumentação jurídica
observa uma lógica própria, decorrente do exame e aferição das premissas utilizadas pelo autor
para lograr a ação de direito material pretendida. Há, portanto, uma cadeia (rectius, uma teia) de
argumentos que se entrelaçam e autorizam a concessão da tutela do direito afirmado. Para que o
magistrado possa acolher o pedido, portanto, deverá verificar e ter como presentes todos os
supostos que permitem a acolhida da pretensão lançada pelo autor. Faltando algum destes
180
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
supostos — sem que haja outro que permita, ainda assim, a incidência do direito positivo sobre
a situação posta a exame, na forma pretendida pelo demandante -, deverá a demanda ser
rejeitada. Pode-se, então, concluir, com CARNELUTTI,' que a pretensão do autor - assim como
a defesa do réu - funda-se em pontos (razões), que também servirão como motivos da decisão
judicial. Quando, eventualmente, surja dúvida ou impug-nação sobre um ponto (razão), este se
transforma em questão, 2 a exigir solução judicial, para que se possa alcançar o exame da
pretensão exposta pelo autor.
Embora, porém, o exame das questões seja relevante para a solução do conflito, é certo que seu
exame no processo não constitui o objeto da pretensão à resposta do Estado. O que se pretende,
no exemplo citado, não é o reconhecimento da existência de um contrato nem de que se trata de
contrato de mútuo; o que se quer do Estado é sim a condenação do réu à restituição do valor
demandado. Este é o pedido de tutela de direito, formulada pelo autor, sendo todo o restante
mera ponte de acesso àquela pretensão. Atingidaarespostaàpretensão (restituição do dinheiro),
aponte não mais interessa, tornando-se irrelevante para o direito (a não ser como elemento
direcionador da resposta do Estado-juiz). A decisão (clecisum), uma vez pronunciada, destacase dos motivos utilizados para atingir a solução, tendo vidaprópriae sendo imutável, em virtude
dacoisajulgada. Por isso mesmo, como acentua CHIOVENDA, surge a "necessidade de manter
a coisa julgada dentro dos limites da demanda e de distinguir no conhecimento as questões
prejudiciais ou motivos sobre os quais o juiz se pronuncia incidenter tantum, isto é, ao só fim de
preparar o pronunInstituições do processo civil. Trad. Adrián Sotero deWitt Batista. Campinas: Servanda, 1999. vol. 1, p. 86 e ss.
Precisando esse conceito, esclarece CARNELUTTI, recorrendo à sua idéia clássica de lide, que "a questão não é a
lide; de fato, esta consiste, antes de tudo, em um conflito de interesses que é estranho à questão; a questão, por sua
ve/,, consiste em uma dúvida que pode ser estranha à lide. Pode haver, portanto, questão sem lide (dúvida teórica ou
acadêmica), como também lide sem questões (quando a pretensão c contestada sem afirmação de razões, ou sem ser
contestada, se torna insatisfeita). Quando a lide apresenta umaou mais questões, costuma-se falar de controvérsia (...),
que é, então, a palavra que se deve usar mais propriamente para denotar tal espécie de lide" (CARNELUTTI,
Franccsco. Instituições do processo civil, cit., p. 86).
AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL
181
ciamento, mesmo que per se não entrem em sua competência; e a demanda, na base da qual o
pleito vem assinado para sua competência e sobre a qual prove principaliter, com autoridade de
coisa julgada".3
As questões prejudiciais, portanto, são questões (pontos de fato ou de direito controvertidos)
que constituem antecedente lógico para o conhecimento da pretensão do autor, mas que não são
decididas pelo juiz da causa, e sim, incidentalmente, resolvidas por ele, porque sobre elas
ninguém pede decisão específica do magistrado, já que não compõem o bojo do pedido
formulado pelo autor- e o juiz somente pode proferir sentença, que seja efetivamente de mérito,
acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor (art. 459 do CPC).
O exame, portanto, das questões prejudiciais, embora relevantes para que o juiz possa
considerar a pretensão exposta pelo autor, se faz incidentalmente, sem que sobre elas o
magistrado efetivamente decida (na forma em que o CPC emprega este vocábulo). No entanto,
no curso do processo, pode surgir o interesse, para alguma das partes, em que o magistrado se
pronuncie (decida) especificamente sobre uma (ou algumas) questão prejudicial, porque essa
questão poderá ser apresentada novamente em ação futura, dependendo de sua análise a
resolução de outra pretensão que possa ser deduzida no futuro.
Para atender a essa intenção, surgida no curso do processo já instaurado para a "decisão" de
outra demanda, é que surge a ação declaratória incidental. Como prescreve o art. 5.° do CPC,
em disposição análoga à previsão do art. 325 do CPC, "se, no curso do processo, se tornar
litigio-sa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide,
qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença".
5.3 Requisitos
Note-se que a possibilidade de se alterar a forma como o juiz examina certa questão
(transformando-a de mera resolução em efetiva decisão) não pode ocorrer por qualquer via.
Para que a parte possa requerer que o juiz efetivamente decida sobre alguma coisa, é necessário
que ela exponha sua pretensão em juízo, o que somente se faz por meio de ação.
1
CHIOVENDA, Giuscppc. Princípios cie derecho pwcesal civil, cit., p. 688.
182
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Dessa forma, o único mecanismo hábil a proceder a essa alteração na forma de enfrentamento
judicial de certo tema é a propositura de uma ação in-cidental no curso do processo já
instaurado, a chamada ação declaratória incidental.
Como ação que é, deve ela submeter-se a todas as condições da ação, exigidas normalmente,
para qualquer ação proposta em juízo. Assim é que:
a) Em relação à legitimidade das partes, somente podem demandar a ação declaratória
incidental as partes já constantes da relação processual instaurada (art. 5.° do CPC). Terceiros
não intervenientes, ou que não assumam a condição de parte por sua intervenção (como o
assistente simples), não podem requerê-la. Da mesma forma, não podem figurar como réus na
demanda incidente sujeitos que não participavam da relação processual original.
b) Quanto a possibilidade jurídica do pedido, é de se observar que a ação declaratória incidental
constitui sempre uma ação declaratória. Se sua função é apenas impor certeza a determinada
questão prejudicial surgida no curso da demanda principal, somente a eficácia declaratória é que
pode, efetivamente, preponderar nessa ação. Por isso, é necessário que essa postulação insira-se
nos requisitos tradicionais que regem as demandas declaratórias, especificamente no que diz
respeito à declaração de relação jurídica. Como se sabe, somente relações jurídicas podem ser
objeto de declaração judicial, jamais fatos - salvo a questão da falsidade ou autenticidade
documental, para a qual o Código de Processo Civil prevê ação própria, semelhante a esta aqui
estudada (ver art. 390 e ss.). Assim, em relação à ação declaratória incidental, é preciso que a
questão prejudicial se trave sobre relação jurídica (art. 5.° do CPC) que constitua pressuposto
para o exame do mérito da ação principal.
Eventualmente, ações de outra natureza podem ser oferecidas no curso de demanda já
instaurada. Não haverá, porém, nessa situação, a figura (e o regime) da ação declaratória
incidental, mas sim outra coisa, como seria a reconvenção (art. 315 e ss. do CPC) ou a
cumulação superveniente de ação pelo aditamento da petição inicial do autor (art. 294 do CPC).
c) No tocante ao interesse de agir, é preciso tomar certa cautela quanto à necessidade da tutela
(declaratória incidental). Significa que somente será cabível a ação declaratória incidental se
houver necessidade efetiva
AÇÃO DECLARATÓRIA INCIDENTAL
183
de se usar dela, porque por essa via se pode obter resultado que não pode ser atingido por meio
da ação principal. Assim, certamente não haverá interesse de agir para a declaração incidente se
o mesmo objetivo puder resultar da declaração, por exemplo, da improcedência da ação principal. Imagine-se a hipótese do exemplo anteriormente citado (da cobrança da dívida), em que o
réu pretendesse a declaração incidental de que não era devedor do autor. Ora, essa declaração é
resultante natural do julgamento de improcedência do pedido do autor, razão pela qual decorrerá
normalmente do exame da ação principal. Nesse caso, certamente, sem que se possam imaginar
resultados outros, não atingíveis pela solução da ação principal, carecerá a parte de interesse
em demandar a ação declaratória incidental.
Ao lado desses requisitos, que informam as condições da ação no atinente à ação declaratória
incidental, é preciso frisar que essa figura submete-se ainda a requisitos específicos, inerentes ao
regime do instituto perante o direito brasileiro. Seria possível enumerá-los da seguinte forma:
a) existência de questão prejudicial. Como já visto, este é o pressuposto essencial para a
existência do direito à declaração incidental. Sem que haja questão prejudicial (relação jurídica
prejudicial), que constitua antecedente lógico para exame do mérito da pretensão inicialmente
deduzida, não se concebe utilidade alguma para a ação declaratória incidental. Em verdade,
como se anotou, a função específica da medida é converter o exame de uma questão, efetuada
apenas incidentalmente no processo, em thema decidendum, onde há requerimento ao
pronunciamento judicial específico, fazendo-se incidir sobre essa questão o selo da
imutabilidade decorrente da coisa julgada (art. 470 do CPC);
b) que essa questão prejudicial se apresente no processo antes da sentença de 1."grau. Se a
função da declaratória incidental é fazer com que o juiz deva pronunciar-se (decidir)
especificamente sobre a questão, então é certo que o tema não pode apresentar-se
exclusivamente em segundo grau. Se, conforme estabelece o art. 5.° do CPC, sobre a questão
prejudicial deverá o juiz declarar por sentença, é evidente que a matéria somente pode surgir - e,
assim, ensejar a ação declaratória incidental -antes de pronunciada a sentença, sob pena de não
mais poder ser oferecida no processo, devendo constituir, então, objeto de ação própria, em
processo autônomo;
184
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
c) que o juiz da ação principal seja competente para a ação declara-tória inciclental (art. 470
do CPC). O Código de Processo Civil apenas alude à necessidade de que o juiz da ação
principal seja competente em razão cia matéria para a ação incidental. Todavia, parece ser mais
razoável concluir que o requisito, como de regra acontece para qualquer espé cie de cumulação
de ações (art. 292 do CPC), estenda-se à competência absoluta. Vale dizer que o juiz da ação
principal não pode ser absolutamente incompetente para a ação declaratória incidental
(abrangendo, então, a competência material, funcional, aquela pelo valor da causa, quando
observada pelo prisma do juiz de competência para a causa de menor valor, e mesmo a
territorial, no caso do art. 95, infine, do CPC);
d) que o procedimento autorize a utilização da medida (art. 292, § 1.°, III, do CPC).
Efetivamente, há de se considerar que nem sempre a lei processual admite o uso da ação
declaratória incidental. Assim acontece com o procedimento sumário, onde é vedada a sua
utilização (art. 280 do CPC).
5.4 Procedimento
Presentes os requisitos, deve-se notar que o Código de Processo Civil apenas alude ao regime da
ação declaratória incidental oferecida pelo autor, relativamente a questões surgidas na fase
postulatória (pontos deduzidos na petição inicial e impugnados na contestação). Cumpre
esclarecer que essa disciplina é precária e pobre, exigindo do intérprete severo trabalho de
integração.
Se a contestação impugnar relação jurídica cuja solução constitua premissa necessária para o
julgamento da controvérsia principal, o autor poderá apresentar ação declaratória incidental no
prazo de dez dias (art. 325 do CPC). Mas, quando o réu desejar oferecer ação declaratória incidental, deverá deduzi-la no prazo que tem para a resposta, por meio de reconvenção.
Caso a questão prejudicial surja depois dos momentos referidos acima, mas antes de que tenha
sido proferida a sentença, também poderá ser proposta ação declaratória incidental. Isso em
razão de que o art. 303 do CPC defere ao réu a possibilidade de deduzir novas alegações e,
assim, e quando for o caso, apresentar ação declaratória i ncidental. Por outro lado, se o réu
deduz depois da contestação, nos termos do referido art. 303,
r
AÇÃO DECLARATÓRIA 1NCIDENTAL
] 85
mera defesa, e daí decorre questão prejudicial, pode surgir para o autor interesse em propor ação
declaratória incidental.
Tratando-se de petição inicial que inaugura ação nova, há de obedecer-se aos ditames dos arts.
282 e 283 do CPC, pelo que esse "requerimento" de ação declaratória incidental deve ser
apresentado em petição escrita, dirigida aojuiz da causa, com a satisfação de todos os requisitos
exigíveis para qualquer petição inicial. Efetuado o exame preambular da petição, e diante de j
uízo de admissibilidade positivo desta, deverá o "réu" dessa ação incidental ser citado para a ela
responder. Ao contrário do que poderia sugerir a idéia de isonomia (que asseguraria ao réu da
ação incidental prazo idêntico ao que o autor tem para sua propositura), terá o demandado prazo
de quinze dias para responder à demanda incidente (art. 321, parte final, do CPC).
Não há razão para a suspensão da tramitação da ação originária, na medida em que a questão
prejudicial, a ser examinada na ação incidental, também é questão posta na "ação principal".
Quando necessário, far-se-á a instrução da demanda incidental, em audiência, seguindo-se-lhe o
julgamento. O Código de Processo Civil alude a uma sentença incidente (art. 325 do CPC),
fazendo supor que o juiz proferirá sentença, em relação à ação declaratória incidental, em
momento anterior à sentença que examinar a ação principal. A solução efetivamente tem lógica,
na medida em que a questão prejudicial é etapa necessária para o conhecimento da ação
principal, motivo pelo qual o acolhimento da ação declaratória incidental (ou mesmo sua
rejeição) influirá no julgamento da ação principal. Porém, não se pode negar que eventualmente
ambas as ações possam ser julgadas concomitantemente (especialmente no caso em que a
demanda incidental, tal como a demanda principal, dependa de instrução em audiência, a qual,
em princípio, e por economia processual, deverá realizar-se para a colheita de provas de ambas
as demandas). Nesse caso, estando ambas as ações "maduras" para julgamento concomitante,
apenas uma sentença deverá ser prolatada, examinando-se, em primeiro lugar, a ação
declaratória incidental, e, posteriormente, se houver ainda utilidade, diante do exame que se fez
da questão prejudicial, a ação principal.
Não sendo essa a hipótese - seja porque se pode julgar antecipadamente a lide, em relação á
demanda incidental, seja porque ela pode merecer sentença de extinção -, duas sentenças
deverão (ou, ao menos,
186
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
poderão) ser prolatadas: uma incidente e outra principal. A primeira, para examinar a ação
incidental; dependendo da solução desta, terá então se-guimento o processo para a análise da
ação principal.
Se houver uma única sentença, encerrando-se o processo com ela, cabível será, para sua
impugnação, o recurso de apelação. Se, ao revés, for o caso de pronunciar-se efetivamente
sentença incidente, que não for apta a encerrar o procedimento de primeiro grau, então o recurso
adequado para impugná-la será o agravo, porque, essencialmente, essa "sentença incidente"
corresponderá a uma decisão interlocutória (art. 162, § 2.°, do CPC).
r
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
SUMÁRIO: 6.1 Introdução - 6.2 Conceito de parte e de terceiro - 6.3 Litisconsórcio: 6.3.1 Primeiras
considerações; 6.3.2 Hipóteses de cabimento do litisconsórcio; 6.3.3 Regime do litisconsórcio; 6.3.4 A
caracterização do litisconsórcio necessário -6.4 Assistência litisconsorcial: 6.4.1 Conceituação; 6.4.2
Regime jurídico - 6.5 Assistência simples: 6.5.1 Conceituação; 6.5.2 Regime jurídico; 6.5.3 O chamado
"efeito de intervenção" - 6.6 Oposição - 6.7 Nomeação à autoria - 6.8 Denuncíação da lide- 6.9
Chamamento ao processo -6.10 Intervenção anômala.
6.1 Introdução
Em geral, quando se pensa na relação jurídica processual, imagina-se uma relação
triangularizada, formada por autor, réu e juiz. Todavia, embora esse esquema corresponda à
simplificação mais didática para a análise dessa relação, nem sempre esta é a conformação
principal subjetiva do processo.
Em verdade, o que realmente importa é, em primeiro lugar, tomar esse arcabouço básico em sua
forma simplesmente estrutural, pensando os três sujeitos não como indivíduos, mas como pólos
na relação processual. Pouco importa, então, que, em cada um desses pólos, se apresente mais
de uma pessoa. Aqui se fala, portanto, em cumulação subjetiva da demanda, onde se destaca a
figura do litisconsórcio, hipótese em que ao menos um dos pólos interessados da relação
processual é composto de mais de um sujeito.
De outra parte, é preciso observar também que, eventualmente, o processo pode ser formado por
outros sujeitos, não correspondentes a tais posições, e não redutíveis, por vezes, a nenhum
daqueles pólos. Isto pode ser observado, regularmente, pela participação de terceiros que
188
MANUAL DO PROCESSO DH CONHECIMENTO
colaboram com o desenvolvimento da função processual (escrivão, oficial de justiça, perito etc),
mas também pode ocorrer em vista de outros sujeitos que ingressam no processo por terem, de
alguma forma, interesse na sua solução. Por conta do interesse desses sujeitos na resolução do
conflito de interesses, autoriza o Código de Processo Civil seu ingresso no processo já
instaurado, seja no intuito de compor de maneira mais ampla o litígio formado no âmbito das
relações sociais, seja porque essas pessoas podem ser atingidas de maneira direta em sua esfera
jurídica pela decisãojudicial, o que deve autorizar sua participação no processo, a fim de ser
legitimada a tutela jurisdicional.
Com efeito, de acordo com o impacto, maior ou menor, que a decisão da causa imprimir à esfera
jurídica de qualquer pessoa, será ele admitido a participar, com maior ou menor intensidade, no
processo que se forma para a resolução do conflito. Esse impacto se mede pelo interesse
jurídico, demonstrado pela parte frente ao litígio e, especialmente, frente à ação de direito
material a ser exercida, em caso de procedência da ação processual. Quanto maior a atuação
direta da ação de direito material sobre as relações jurídicas do sujeito, tanto maior deverá ser
sua possibilidade para efetivamente participai" da relação processual. Contrariamente, quanto
menor for esse impacto sobre as relações jurídicas da pessoa, menor será sua qualidade para
participar (exercer poderes e faculdades processuais) no processo formado, chegando ao limite
em que o sujeito não será diretamente atingido (prejudicado juridicamente) em suas relações
sociais por conta da atuação da ação de direito material, sendo-lhe então vedada a participação
no processo, ao menos na condição de sujeito parcial (podendo, eventualmente, ser convocado
a colaborar, como testemunha, perito etc).
É, assim, o interesse jurídico' a verdadeira medida da participação do sujeito parcial do
processo. Conforme cresça ou diminua esse interesse, tanto maior ou menor deverá ser sua
possibilidade de participar efetivamente do processo instaurado. Os limites extremos serão
sempre a condição de parte e a situação de terceiro indiferente, incapaz de intervir no processo
como sujeito parcial. Ressalvada a qualidade de parte,
Tirante a hipótese da intervenção anômala (ait. 5.° da Lei 9.469/97), excres-cência do sistema processual pátrio, que
admite a intervenção de sujeitos de direito público sem a demonstração de nenhum interesse jurídico.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
1 g9
todos os demais sujeitos parciais admitidos a participar do processo serão considerados como
terceiros intervenientes. É de se considerar, porém, que não raro o Código de Processo Civil
confunde as situações, atribuindo condição de terceiro a quem, no processo, atuará como parte,
ou não atribuindo a qualidade de terceiro interveniente a quem obviamente o será. Isto
certamente dificulta o estudo da matéria, mas, tendo-se por firmes os conceitos de parte e, por
exclusão, de terceiro, em muito será facilitada a tarefa de superar a má redação do Código de
Processo Civil e de se tratar adequadamente do tema.
Ressalte-se, antes de prosseguir neste exame, que o interesse em distinguir adequadamente as
noções de parte e de terceiro (tanto interessado como indiferente) resid e, senão por tantas outras
razões, ao menos para delimitar o campo da abrangência subjetiva da coisa julgada (art. 472,
primeira parte, do CPC), que somente se estenderá às partes, nunca aos terceiros (ao menos em
processos individuais, não coletivos).
6.2 Conceito de parte e de terceiro
O conceito de parte é um dos mais problemáticos do direito processual. Toda definição nesse
campo demonstrar-se-á como insuficiente e parcial, sendo necessário buscar, arbitrariamente,
mas tentando ser o mais fiel possível ao regime atribuído à "parte" no processo brasileiro, um
conceito funcionalmente adequado para operar com os desafios que a figura apresenta.
Tal conceito, parta-se dessa premissa, deve ser buscado estritamente no direito processual, sem
que seja possível sua influência pelo direito material. Isto porque, embora a noção de
legitimidade, atributo essencial à condição de parte, dependa dos afluxos do direito material,
ninguém negará a condição de parte (da relação jurídica processual) a quem, sem nenhuma
razão, mesmo que aparente, postule em juízo a tutela ju-risdicional do Estado. E de se ver que,
assim como acontece com qualquer relação jurídica, a relação jurídica processual é composta de
três elementos: sujeitos, objeto e forma. Estes sujeitos (partes e juiz) existem enquanto sujeitos
da relação processual, pouco importando o que aconteça no plano das relações jurídicas
materiais. Assim, justifica-se o porquê de buscar a definição de parte estritamente no campo do
direito processual.
190
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Indubitavelmente, a noção de parte vem empregada pelo direito processual (e assim também
pela legislação) em diversas acepções. Ora se concebe a idéia de parte como sendo os sujeitos
do ato processual -algo extremamente amplo para os fins aqui buscados, já que também os
terceiros que participam do processo passam a poder exercer atos processuais, e então seriam
considerados como partes, tornando inútil a distinção que se pretende -, ora são consideradas
partes os sujeitos dos efeitos processuais, ora ainda assumem a condição de sujeitos dos efeitos
da sentença. Essa multiplicidade de funções que assume a noção de parte no processo exige a
purificação de seu conceito, especificamente, ao que aqui interessa, para distingui-la da situação
do terceiro, a fim de se poder operar com as questões que nessa seara importam.
Partes, na definição de LIEBMAN, são os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz.2 O
conceito de parte, em LIEBMAN, revela amplitude excessiva, se importado para o direito
processual pátrio sem as devidas correções. Isto porque, diante dessa definição, seria correto terse também o assistente simples como parte, o que parece impróprio na sistemática processual
brasileira. Aliás, mesmo LIEBMAN nota a generalização extrema de seu conceito, observando,
logo após expor a noção antes referida, que "o ajuizamento da petição inicial, como ato
constitutivo do processo, determina também as partes: aquela que pede ao juiz o seu
pronunciamento sobre determinado objeto e aquela com relação à qual tal pronunciamento lhe é
pedido",3 conceito este que se aproxima daquele sugerido por CHIOVENDA.
Segundo célebre definição proposta por CHIOVENDA, "parte é aquele que demanda em seu
próprio nome (ou em cujo nome é demandada) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face
de quem essa atuação é demandada".4 Esta parece ser a definição mais adequada - especialmente para a utilidade que aqui se busca- pois permite traçar, razoavelmente, uma linha distintiva
entre os sujeitos parciais considerados como partes e aqueles outros, tratados como terceiros.
Esse conceito é veemente(2)
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto pwccssuale civile - Principii5. cd. Milano: Giuffrè, 1992. p. 81-82. m Idem, ibidem. (4) CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito
processual civil, cit., vol. 2,
n. 214, p. 278.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
19 ]
mente criticado por DINAMARCO, para quem "a noção de parte, proposta por Chiovenda, peca
não só pela inadequação conceituai como principalmente pela falta de associação à fundamental
idéia do contraditório. Ela considera somente as partes da demanda, como se estas exaurissem
todas as posições de partes ocupadas no processo, sem tomar por eixo de referência a efetiva
ocupação das posições processuais que permitem o exercício dos poderes e faculdades inerentes
à participação contraditória".5 A idéia do contraditório, sem dúvida alguma, é interessante, mas
parece ser elemento assaz amplo, como visto há pouco, para determinar a condição de parte, já
que também o assistente simples exerce no processo poderes relativos ao contraditório. E, se a
noção de contraditório for somada à idéia de contraditório pelos legítimos contraditares, então
corre-se o risco de retornar à ligação entre direito processual e direito material, caindo-se
novamente na crítica inicialmente posta. Como bem lembra OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA,6
contudo, a distinção entre partes da demanda e partes do processo - aliás, efetivada também por
CARNELUTTI, entre parte formal e parte material - principia da equivocada premissa de que
existem duas lides. Ora, não pode haver, por definição, lide diversa daquela descrita pela parte
em sua petição inicial. Como a lide será, necessariamente, o conflito narrado pelo autor em seu
pedido de tutela jurídica, partes da lide serão sempre as mesmas partes do processo.7
Pouco importa, assim, para a determinação do conceito de.parte, se esses sujeitos debatem no
processo direito que dizem ser seus, ou mesmo que se conclua que esse direito não existe. Não
importa, em outros termos, para essa definição, que a parte seja legítima.
Todavia, calha observar que, embora a definição a ser utilizada isole o contexto processual do
material, inquestionavelmente haverá ela de considerar, mediata e indiretamente, elementos do
direito material para, futuramente, outorgar a condição à parte de legítima e, então, segregá-la
da idéia do terceiro que tem aptidão para intervir no processo. Realmente, como conceito
funcional que é, conceber a idéia de parte sem relacioná(5)
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
1994. p. 20, nota de rodapé 12- gritos no original. "" Curso de processo civil. 4. ed. São Paulo: RT, 1998. vol. I, p.
238. "' Idem, ibidem, p. 238.
192
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ia, ao menos em princípio, com o direito material, somente poderia explicar o fenômeno da
relação processual, sendo, em todos os demais campos, inútil para os fins eminentemente
pragmáticos a que o processo se destina. Com efeito, se, como visto, importa para a participação
dos sujeitos no processo, ao menos em abstrato, e segundo o conteúdo das pretensões e ações de
direito material expostas na petição inicial, o grau de comprometimento de suas esferas jurídicas
pela decisão judicial (interesse jurídico) - ainda que posteriormente se veja que esse grau de
comprometimento não existe, porque não se confirma a pretensão à tutela do direito buscada
pelo autor da demanda-, o direito material informa ao processo sobre os critérios para
determinação da parte legítima e sobre quem estará autorizado a ingressar como terceiro
interveniente no processo. Mediatamente, portanto, as informações do direito material são
relevantes para a fixação não do conceito de parte, mas para a separação que aqui se pretende
fazer entre a idéia de parte legítima e terceiro interveniente. É o grau do interesse jurídico que
atribui ao sujeito a condição de parte legítima, de terceiro interessado ou, ainda, de terceiro
indiferente. Esse grau de interesse é medido não com base no direito processual, mas sim de
acordo com critérios de direito material, segundo os reflexos da decisão da causa sobre a esfera
jurídica do sujeito.
Com base nesses elementos, pode-se concluir que será parte, no processo, aquele que demandar
em seu nome (ou em nome de quem for demandada) a atuação de uma ação de direito material e
aquele outro em face de quem essa ação deva ser atuada. Terceiro interessado será, por
exclusão, aquele que não efetivar semelhante demanda no processo, mas, por ter interesse
jurídico próprio na solução do conflito (ou, ao menos, afirmar possuí-lo), é autorizado a dele
participar sem assumir a condição de parte.
O Código de Processo Civil arrola, como espécies de intervenção de terceiros, as seguintes
figuras:
a) oposição;
b) nomeação à autoria;
c) denunciação da lide;
d) chamamento ao processo.
Como se verá adiante, a participação desses sujeitos no processo já instaurado não cria efetiva
intervenção de terceiro, pois o sujeito não passa
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
) 93
a participar do processo na mera condição de interessado na solução do litígio. Se o Código de
Processo Civil comete equívoco ao tratar dessas figuras, pratica erro ainda mais lamentável ao
referir-se à assistência fora da disciplina da intervenção de terceiros - agrupando-a ao trato do
litis-consórcio -, uma vez que o assistente simples é, ao contrário de tantos outros erroneamente
supostos como "terceiros", verdadeiro terceiro inter-veniente. Não obstante, o art. 499 do CPC
adequadamente prevê, como espécie de intervenção de terceiros, o recurso de terceiro
prejudicado, a ser operado em grau superior, já na fase recursal. Por fim, também merecerá
análise a figura da intervenção anômala (art. 5.° da Lei 9.469/97), de difícil caracterização e
discutível constitucionalidade, que costuma ser agregada ao grupo da "intervenção de terceiros".
Inicie-se o exame de cada uma dessas figuras pelo litisconsórcio, o qual, embora não se
confunda, em hipótese alguma, com as intervenções de terceiros, configura verdadeira forma de
participação no processo.
6.3 Litisconsórcio
6.3.1 Primeiras considerações
Comumente, tende-se a definir o litisconsórcio como a presença de mais de um sujeito em um
dos pólos da relação processual. Porém, é preciso distinguir o litisconsórcio da cumulação
subjetiva.
Em verdade, ocorrerá cumulação subjetiva no processo quando se tiver, em um dos pólos da
relação jurídica processual, mais de um autor ou mais de um réu. Para que essa cumulação possa
caracterizar-se como litisconsórcio, é preciso que tal multiplicidade de sujeitos vincule os
sujeitos componentes do pólo de alguma forma, através de certa afinidade entre eles. Assim, não
seria possível considerar como litisconsórcio a ação de consignação em pagamento proposta por
"A", em face de dois supostos credores da dívida, fundada na dúvida sobre qual deles deverá
legitimamente receber o crédito (arts. 895 e 898 do CPC). Como é evidente, nessa ação, os dois
sujeitos passivos da demanda (que figuram como réus da ação) não têm afinidade entre si,
possuindo "pretensões" antagônicas relativamente ao crédito, visando, cada qual, a excluir a
"pretensão" do outro sobre o valor. Já, por outro lado, a ação de cobrança em
194
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
face de dois devedores, relativamente à obrigação assumida por ambos, seria hipótese típica de
8
litisconsórcio.
Em regra, a presença de litisconsórcio no processo representa, ao lado de uma cumulação
subjetiva, também, ao menos normalmente (e como se verá adiante, ressalvada a hipótese de
litisconsórcio unitário), uma cumulação objetiva, é dizer, a presença de várias ações em um
único processo. Por isso, normalmente, a formação do litisconsórcio poderia ser tranqüilamente
(e ressalvadas as situações em que a lei ou a natureza da relação jurídica impõe a formação do
litisconsórcio) substituída por tantas ações quantas fossem as partes que integram o
litisconsórcio. A formação do litisconsórcio, então, na grande maioria das vezes, responderá a
uma conveniência de aceleração e de decisão uniforme aos conflitos de interesse.
Em geral, usa-se classificar o litisconsórcio em diversas categorias, conforme o critério
utilizado, a menção legal e as características próprias de cada qual. Assim é que se pode dividir
o litisconsórcio nas seguintes espécies, de acordo com o critério utilizado:
a) Conforme a posição processual em que se forma o litisconsórcio:
a.l) Litisconsórcio ativo. É o litisconsórcio formado no pólo ativo da relação processual. Ocorre
quando se tem mais de um autor da demanda, como seria o caso em que marido e mulher
propõem ação para recuperar a posse da coisa tomada por alguém.
a.2) Litisconsórcio passivo. Ocorre no pólo passivo da relação processual, correspondendo à
situação em que se têm vários réus no processo. Seria o caso semelhante ao anterior, mas na
hipótese em que os cônjuges fossem réus dessa mesma demanda possessória.
a.3) Litisconsórcio misto ou recíproco. É aquele que ocorre em ambos os pólos da relação
processual, importando na presença de mais de um autor e de mais de um réu no mesmo
processo.
(!i)
Dada essa distinção, parece claro que o regime do litisconsórcio, com seus benefícios específicos (por exemplo, o
art. 191), somente c aplicável ao verdadeiro litisconsórcio, e não à cumulação subjetiva de demandas. Assim, alias,
vem entendendo o Superior Tribunal de Justiça, relativamente ao "litisconsórcio" formado entre denunciante c
denunciado à lide - somente autorizando a contagem em dobro do prazo para mani festação dos sujeitos quando haja
aceitação na denunciação.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
195
b) Conforme o momento de formação do litisconsórcio:
b. 1) Litisconsórcio inicial. Litisconsórcio inicial é aquele que se forma já na fase preambular da
relação processual, determinado na petição inicial. Seria, por hipótese, o caso em que a
formação do litisconsórcio ocorre desde o início do processo, sendo a(s) ação(ões) proposta(s)
conjuntamente por vários autores, desde o princípio, ou em face de vários réus.
b.2) Litisconsórcio ulterior. É aquele que se forma no curso do pro cesso, depois de já instaurada
a relação processual por um dos autores ou em face de algum dos réus. Como se verá adiante,
algumas espécies de intervenção de terceiros geram a formação de um litisconsórcio ulterior
(como ocorre com o chamamento ao processo ou a assistência litiscon-sorcial), o que,
ressalvadas essas hipóteses, somente é admissível excepcionalmente, em vista do princípio da
estabilidade da demanda, segundo o qual o aditamento da petição inicial (inclusive para
acrescentar uma nova ação em face de novo réu ou por novo autor) somente é autorizado até a
citação do réu original da ação primeira (art. 294 do CPC).
c) Conforme a obrigatoriedade ou não de sua formação
c. 1) Litisconsórcio necessário. É aquele que se forma não pela vontade das partes, mas por
determinação de lei, ou pela própria natureza da pretensão à tutela do direito deduzida em juízo
(art. 47 do CPC). A não-formação desse litisconsórcio importará na impossibilidade de se examinar o mérito da pretensão deduzida, devendo o juiz extinguir o processo sem julgamento do
mérito (art. 47, parágrafo único, do CPC).
c.2) Litisconsórcio facultativo. Esse litisconsórcio somente se forma por iniciativa e vontade das
partes. Não há nada - seja a lei, seja a própria natureza da relação jurídica material objeto do
processo - que obrigue sua formação, decorrendo ela da conveniência das partes. Obviamente,
essa "conveniência" deve ser exercida dentro de certos limites, não sendo possível ao autor criar
litisconsórcio entre diversos réus, para demandar de cada qual determinado direito sem que haja
algum vínculo entre as pretensões. O litisconsórcio, nesse caso, forma-se em razão da
oportunidade da parte, mas também fundado em critério dé conveniência do Estado em resolver
o conflito, em face de quem quer que seja, da maneira mais rápida e completa possível. Se, ao
contrário, isso puder gerar mais tumulto do que benefício (em juízo formulado pela lei, através
do
196
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
critério deduzido no art. 46 do CPC), não se autoriza a cumulação. Assim, em exemplo
caricatural, não pode o autor, por sua exclusiva conveniência, cumular ação de despejo em face
de "A", ação de cobrança em face de "B" e ação de indenização em face de "C". Por óbvio, essa
cumulação, se autorizada fosse, ao invés de colaborar para a solução mais rápida dos conflitos,
somente viria a retardá-los, mostrando-se indevida e inadmissível.
d) Conforme a interdependência dos litisconsortes e o modo de solução da causa:
d.l) Litisconsórcio simples. Será simples o litisconsórcio toda vez que a atuação dos
litisconsortes for independente, uma em relação às outras. Essa independência autorizará o
exame da causa de maneira distinta entre os diversos litisconsortes, sendo possível que o juiz
julgue o litígio de modo também distinto para cada um dos litisconsortes.
d.2) Litisconsórcio unitário. Unitário será o litisconsórcio quando a demanda tiver de ser
julgada de maneira uniforme para todos os litisconsortes (art. 47 do CPC, que, como já se nota
evidente, confunde a figura do litisconsórcio unitário com o necessário, tema a ser adiante
examinado com maior cuidado). Essa obrigatoriedade faz com que a atuação dos litisconsortes
se dê de maneira dependente, uma em relação às outras, de forma que os atos benéficos de um
beneficiem os demais e os prejudiciais praticados por um não prejudiquem a ninguém, salvo
quando todos adiram a eles. Cabe observar que somente será unitário o litisconsórcio quando a
decisão da causa impuser a decisão uniforme a todos, e não quando, pelas circunstâncias do
processo, entenda-se de julgar a causa de modo igual para dois litisconsortes. Não seria, sob
esse prisma, litisconsórcio unitário a situação em que dois servidores públicos demandem certo
reajuste em seus vencimentos, ainda que o juiz "decida" favoravelmente a ambos, acolhendo
seus argumentos. Isto porque a demanda poderia muito bem, de acordo com os eventos ali
ocorridos, ter solução distinta para cada qual deles, não havendo nada que efetivamente
impusesse ao juiz decisão idêntica. 9 Em verdade, portanto, não é tanto a
(<)l
Sinta-se bem a diferença existente entre esse caso e a hipótese da ação de anulação de contrato de compra e venda,
promovida por um credor, em face de seu devedor e do adquirente do bem, fundado em fraude contra credor. Obviamente, ninguém há de imaginar que a sentença poderia julgar a ação proce-
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
197
questão da decisão uniforme que importa para a configuração do litis-consórcio unitário. O que
é essencial é buscar o motivo para que essa decisão uniforme se imponha: e isto é assim por
conta da existência de uma relação jurídica única, com pluralidade de sujeitos. É dizer que a
decisão uniforme não decorre simplesmente da existência de idênticas causas de pedir, de
fundamentos comuns ou de situações jurídicas semelhantes — postas em exame em um mesmo
processo —, mas sim da existência de apenas uma relação jurídica ao exame judicial, com a
peculiaridade de que essa relação jurídica possua (em ao menos um dos seus pólos) mais de um
sujeito.
6.3.2 Hipóteses de cabimento do litisconsórcio
Nos termos do que prevê o Código de Processo Civil brasileiro, para que possa ser formado o
litisconsórcio, em qualquer de suas modalidades e sob qualquer de suas classificações, é preciso
que, ao menos, se faça presente uma das hipóteses descritas no art. 46 do CPC. Assim, terá
cabimento o litisconsórcio quando:
a) entre os sujeitos houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide (art.
46,1). Em regra, essa comunhão, a que alude a lei, refere-se à comunhão de interesses
decorrente do direito material posto em causa, porque o direito subjetivo, concebido diante de
certas situações, cria interesses ou obrigações para mais de uma pessoa. Em tais situações, pode
(ou deve, conforme se verá adiante) haver a formação do litisconsórcio, sendo este o elo mais
estreito que pode ligar duas pessoas em relação ao direito material. É o caso de marido e
mulher, juntos, demandarem a restituição de uma coisa apossada por alguém, ou de o devedor e
seu fiador serem demandados pela dívida assumida pelo primeiro e garantida pelo outro. Nesses
casos, e em tantos outros que se poderia imaginar, o direito material cria situação subjetiva ativa
ou passiva composta de mais de um sujeito, determinando (ou ao menos possibilitando) que
essa situação se reflita no processo através da formação do litisconsórcio;
dente cm face de um dos réus (anulando o contrato para este) c não para o outro (mantendo
íntegro o contrato para este outro). Ou haverá o juiz de anular o contrato de compra e venda para ambos
os réus (sujeitos envolvidos na celebração do contrato), ou manterá o pacto válido para ambos, não havendo possibilidade de outra solução.
198
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
b) os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito (art. 46,
II). Tem-se aqui, também no plano material, situação um pouco mais ampla do que a primeira.
Se ali se exigia que o direito (ou a obrigação) fosse o mesmo para os litisconsortes, aqui se tem
o caso em que de um mesmo fundamento de fato ou de direito surgem dois ou mais direitos ou
duas ou mais obrigações. É preciso, antes de qualquer coisa, não confundir essa espécie de
situação com aquela baseada em fatos idênticos. Aqui se exige que os direitos ou obrigações decorram do mesmo fato e não de fatos idênticos (hipótese de que trata o inc. IVdoart. 46). De
outro lado, a figura aqui examinada recairá sempre em situação que ensejaria a conexão de
causas (se fossem propostas ações em processos distintos), diante da identidade quanto à causa
de pedir, sendo que essa situação é tratada expressamente pelo inc. III do art. 46, mostrando-se,
nesse sentido, essa previsão completamente desnecessária. De toda sorte, seria caso redutível a
essa hipótese a situação em que duas vítimas pedissem, em conjunto, indenização diante do
mesmo acidente de veículos;
c) entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir (art. 46, III). A conexão,
como se sabe, é motivo para a reunião de processos, perante um mesmo juízo, para solução
harmônica e simultânea dos conflitos de interesse (art. 105 do CPC). Se esse efeito se opera em
relação a processos distintos, não haveria razão para que o Código de Processo Civil não
incentivasse essa solução conjunta por outro meio, através da formação do litisconsorcio.
Assim, a conexão de causas é razão suficiente para, ao invés de se promoverem ações separadas
(o que seria, evidentemente, admissível), proporem-se diversas demandas em um único
processo, formando-se litisconsorcio. Seria, então, exemplo dessa causa de formação de
litisconsorcio a hipótese em que dois acionistas de certa sociedade pretendessem a anulação de
certa deliberação social daempresa (conexão pelo objeto), ou ainda no caso anteriormente
descrito, do acidente de veículo, em que o causador do dano prejudicasse a duas vítimas
(conexão pelo fundamento);
d) ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito (art. 46, IV). Por
derradeiro, a última hipótese em que se admite o litisconsorcio (e o mínimo que se exige para a
formação dessa cumulação subjetiva) é a existência de afinidade de questões entre os sujeitos
litisconsortes, determinadas por pontos comuns, de fato ou de direito. Quan-
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
199
to se examinou a ação declaratória incidental (ver Parte II, capítulo 5), viu-se o que se considera
por ponto e por questão. Ponto (razão) é cada um dos sustentáculos (de fato ou de direito) que
sustenta a pretensão da parte. Questão, por seu turno, é o ponto controvertido nos autos. Obviamente, a existência de um ponto (de fato ou de direito) comum entre as partes, não é suficiente
para ensejar o litisconsórcio, quando esse ponto for meramente circunstancial ou secundário. O
ponto (ou questão) que autoriza o litisconsórcio é o ponto principal, que sustenta com preponderância a pretensão da parte (ou a defesa do réu). A hipótese em exame diz respeito à situação
em que as pretensões (ou defesas) se estabeleçam com base em fatos idênticos (mas não o
mesmo fato, o que ensejaria o litisconsórcio pela hipótese descrita no inc. lido art. 46). Seria
exemplo dessa hipótese de litisconsórcio apropositura, por vários contribuintes, de ação
tendente a desconstituir lançamento tributário fundada na in-constitucionalidade da exação.
Note-se que esses pressupostos são o mínimo que se exige para a formação do litisconsórcio. A
simples incidência de uma dessas hipóteses no caso concreto, porém, não é ainda, por si só,
capaz de indicar de que espécie de litisconsórcio se está a tratar. Apesar de a redação do art. 46
aparentar, pela composição de seu caput ("duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo
processo, em conjunto, ativa ou passivamente (...)", estarem nele previstas as situações de
litisconsórcio facultativo, é certo que os casos arrolados nesse artigo referem-se a qualquer
espécie de litisconsórcio, sendo que o litisconsórcio será necessário se, àquelas situações,
somar-se a determinação do art. 47do CPC. Caso contrário, o litisconsórcio será facultativo.
6.3.3 Regime do litisconsórcio
O regi i
determinado pela espécie de litisconsórcio que está a se tratar. Em especial, importa para
determinar o regime dessa figura a qualificação do litisconsórcio como simples ou unitário,
facultativo ou necessário.
Quanto à necessariedade da formação do litisconsórcio, a situação é bastante óbvia. Determina a
lei que, não sendo formado o litisconsórcio nos casos em que ele se imponha (art. 47 do CPC),
determinará o magistrado que o autor promova a citação dos litisconsortes necessários em
200
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
prazo por ele assinado - que há de considerar a complexidade da causa para tanto (art. 177 do
CPC). Descumprida a determinação sem justa causa pela parte autora, deverá o juiz extinguir o
processo sem julgamento do mérito (art. 47, parágrafo único, do CPC). Em verdade, a questão
da necessariedade ou não do litisconsórcio, em termos do regime jurídico atribuído à figura,
somente tem relevância para essa questão - para a formação do litisconsórcio -, sendo
irrelevantes para outros aspectos ligados ao tema.
No mais, importa saber se o litisconsórcio é simples ou unitário. Tratando-se de litisconsórcio
unitário, os pares são considerados como uma unidade frente ao outro pólo do processo. Isto
porque a decisão da causa tem de ser uniforme para todos os litisconsortes.
Daí decorre que os atos benéficos praticados por um dos litisconsortes beneficiam a todos os
demais. É o que acontece, por exemplo, com relação à revelia, já que, mesmo que o litisconsorte
seja revel, se algum de seus pares contestar a demanda, o efeito material da revelia não se opera
mesmo em relação ao réu revel (art. 320,1, do CPC). Inversamente, os atos prejudiciais de um
só dos litisconsortes (ou de alguns deles) não prejudicam aos demais, nem mesmo àquele que o
praticou. Para que esse ato possa operar efeito, então, e em relação a todos os litisconsortes, é
preciso que todos pratiquem o ato ou adiram ao ato já praticado por um dos pares. Tome-se
como exemplo dessa situação a hipótese descrita no art. 350, parágrafo único, do CPC, que
determina que a confissão praticada por um dos cônjuges, relativamente a ações que versem
sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, não vale sem a do outro.
Sendo simples a figura, cada um dos litisconsortes é considerado parte distinta e autônoma
frente aos demais, sendo que os atos e omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os
outros (art. 48 do CPC). Em verdade, essa conclusão não condiz efetivamente com a realidade,
nem lógica, nem jurídica. E certo que as condutas dos litisconsortes não devem, em princípio,
interferir na situação processual dos demais. Todavia, não se pode esquecer que o que está em
exame é uma coisa só, e que, ao menos, os litisconsortes se ligam, uns aos outros, por afinidade
de questões, calcadas em idênticos pontos de fato ou de direito. Sendo assim, indubitavelmente,
em tudo aquilo que seja comum aos litisconsortes - especificamente no que diz respeito ao
aspecto probatório do processo-, os atos de um certamente influenciarão a situação jurídico-pro-
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
201
cessual dos demais. Imagine-se, por exemplo, a hipótese em que um dos litisconsortes, em uma
demanda indenizatória, fundada em acidente de veículos (com pluralidade de vítimas), consiga
provar a existência do acidente e a embriaguez do condutor do veículo do réu. Por acaso se
poderia imaginar que essa prova, obtida apenas por um dos litisconsortes, não beneficiaria
também a situação jurídica dos demais? Nesse caso, como é óbvio, verifica-se influência mútua.
O mesmo seria possível dizer caso um dos litisconsortes trouxesse defesas ao processo que
dissessem respeito à posição jurídica de todos os seus pares (por exemplo, o impedimento do
juiz, porque amigo íntimo do autor; a incompetência absoluta do juízo; a falta de capacidade do
autor etc). O fato de que a matéria vem argüida apenas por um dos litisconsortes, porque se
refere a situação vivenciada também por todos os demais, abrange e atinge a posição jurídica
dos outros litisconsortes, estendendo sua eficácia aeles.
Assim, em síntese, para o litisconsórcio facultativo opera razão idêntica àquela que inspira a
regra do art. 509 do CPC.10 Em princípio, os litisconsortes são considerados como sujeitos
autônomos. Porém, sempre que suas razões (da ação ou da defesa) forem comuns aos outros,
comunicam-se a todos os que se encontram na mesma situação, beneficiando a todos. Importa,
pois, a homogeneidade dos pontos apresentados: se forem comuns, a independência dos
litisconsortes será apenas relativa, sofrendo a interferência, em seus atos processuais, das condutas dos demais. Somente quando os pontos de cada qual forem antagônicos ou absolutamente
distintos é que efetivamente a independência de tratamento de cada um dos litisconsortes
operará em todo seu vigor, fazendo com que os atos e omissões de um não prejudiquem nem
beneficiem os outros.
Seja qual for o tipo de litisconsórcio (simples ou unitário), cada um dos sujeitos que o compõe
tem o direito de promover, sozinho, o andamento do processo, sendo que todos devem ser
intimados de todos os seus atos (art. 49 do CPC). Da mesma forma, a existência de litisconsór<l0)
"Art. 509. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus
interesses.
Parágrafo único. Havendo solidariedade passiva, o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros, quando
as defesas opostas ao credor lhes forem comuns."
202
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
cio (simples ou unitário) acarreta alteração relativa aos prazos processuais, sempre que pelo
menos um dos litisconsortes tiver advogado distinto dos demais (art. 191 do CPC). Também a
presença do litisconsór-cio acarreta modificação no que diz respeito ao regime das despesas pro cessuais. Como prescreve o art. 23 do CPC, "concorrendo diversos autores ou diversos réus, os
vencidos respondem pelas despesas e honorários em proporção".
6.3.4 A caracterização do litisconsórcio necessário
De tudo aquilo que restou dito até aqui, observa-se que é de fundamental importância saber
quando é necessário o litisconsórcio. Afinal, para a válida formação da relação processual, é
essencial saber se existe ou não imposição à formação do litisconsórcio.
Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no art.
47 do CPC, que afirma que "há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela
natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as
partes"'. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio
necessário: a lei ou a natureza da relação jurídica. E, somando-se a isso, para a caracterização
da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o
juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius: litisconsortes). Note-se,
porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as
figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio
unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obrigue, por qualquer
causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise,
necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na
hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos
aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do
ato inquinado como ilegal (art. 6.° da Lei 4.717/65 - Lei da Ação Popular), bem como seus
beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, impõe
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
203
a lei a formação do litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência de litisconsórcio?
Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa
ser positiva. Em verdade, aexigência da formação do litisconsórcio, no caso em que a lei o exija,
independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe-se simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da
relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da
figura. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica
para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já
visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir
a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da idéia de que essa
imposição decorra da unitariedade da relaçãojurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no
litisconsórcio unitário, existe uma relaçãojurídica material (cuja afirmação é o objeto da
demanda) que possui vários sujeitos em um de seus pólos.'' Pense-se no caso de um imóvel que
possua vários co-proprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher, com
terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (p. ex., uma portaria) complexo, que é emitido por
mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos
um de seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos
pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art.
47 do CPC ("natureza da relaçãojurídica"), o litisconsórcio necessário.
Impõe-se, então, a formação do litisconsórcio precisamente porque a relação material deduzida
comporta, em um dos pólos, pluralidade de sujeitos. Não importa, aqui, a existência ou não de
previsão legal para o estabelecimento do litisconsórcio. Decorre ele, simplesmente, do fato
"" Não se confunda essa hipótese com o caso em que existe um feixe de relações jurídicas idênticas, cada qual com
um sujeito ativo e um passivo, deduzidas concomitantemente no processo. Esse seria o caso, por exemplo, da ação
proposta por vários servidores públicos para recebimento de um mesmo reajuste. Têm-se tantas ações quantos forem
os autores da(s) ação(ões). Cada uma dessas ações poderia, muito bem, ser autonomamente deduzida, sendo que o sucesso de uma não implica, necessariamente, efeitos para as demais.
204
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de que - ressalvada eventual hipótese em que a própria lei autorizasse cada qual dos co-titulares
a defender, sozinho, o direito como um todo — sendo todos titulares, a legitimação somente
competiria a todos os titulares em seu conjunto, seja no pólo ativo 12 (como demandantes), seja
no pólo passivo (como réus). E a avaliação destas circunstâncias dependerá de critérios
outorgados pelo direito material, que deverá discernir entre situações jurídicas idênticas (feixes
de relações jurídicas) e uma situação jurídica única, com pluralidade de sujeitos.
Desobedecendo-se à formação do litisconsórcio, seja por determinação de lei ou por critério
dado pela natureza da relação jurídica, tem-se a decisão da causa como imprestável (inutiliter
data), razão suficiente, portanto, para não ser prolatada. O tema é controvertido, havendo q uem
sustente que, em verdade, a ausência da formação do litisconsórcio, nas hipóteses determinadas
- ou ao menos quando o impuser a natureza da relação jurídica -, importaria a ineficácia da
sentença em relação aos terceiros, que deveriam ser chamados ao processo e não o foram. Não
parece, todavia, ser este o espírito da lei. Como se observa do parágrafo único do art. 47,
expressamente determina o Código de Processo Civil que, não formado o litisconsórcio
necessário — não fazendo restrição alguma à causa que geraria essa cumulação -, deve o juiz
declarar extinto o processo. Certamente essa deve ser a conseqüência a ser aplicada para todas
as situações, não se podendo questionar a respeito ou admitir solução outra, ao menos não de
lege lata.
6.4 Assistência litisconsorcial
6.4.1 Conceituação
Ao lado do regime do litisconsórcio, contempla a lei o tratamento da figura da assistência, que
pode existir em duas modalidades: simples e litisconsorcial. Em face das flagrantes diferenças
entre as duas figuras,
Obviamente, essa situação é cxcepcionalíssima, já que o direito brasileiro re-pugna ter de impor a alguém a demanda
judicial, e, se não se pode obrigar alguém a propor ação (ou voluntariamente aquiescer a essa propositura), isto
certamente determinaria a falta de tutela para aqueles co-titulares que se sentem lesados.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
205
cabe analisar cada um dos institutos de maneira separada, até mesmo para evitar equívocos e
assimilações indevidas.
Em certas situações, aquele que é titular do direito material discutido em juízo pode ingressar
ulteriormente no processo e aderir à posição de uma das partes para "assisti-la" frente ao embate
que trava com o adversário, que lhes é comum. Melhor explicando: o assistente litiscon-sorcial
é o titular do direito discutido em juízo — e, dessa forma, será atingido pela coisa julgada - que
ingressa ulteriormente no processo.
Imagine-se, por hipótese, a figura regida pelo art. 42, § 2.°, do CPC, que trata da situação em
que o adquirente do bem litigioso não é admitido a suceder o alienante no processo. Conforme
prescreve o Código de Processo Civil, esse adquirente poderá ingressar no feito na condição de
assistente litisconsorcial. A sua situação é bastante evidente: a partir de quando adquire o direito
litigioso, passa a ser titular da relação jurídica litigiosa deduzida em juízo. Porém, em função do
princípio à&perpe-tuatio legitimationis, a parte primitiva (alienante) pode permanecer como
"legítima" no processo até o final, diante da negativa, da parte contrária, em admitir a sucessão
de partes. Como é evidente, o adquirente do bem litigioso ingressa no processo como titular do
bem, pouco importando o nome que se dê a essa forma de ingresso. Como titular do bem
litigioso, certamente será atingido pela coisa julgada material. Ora, aquele que discute em juízo
sobre direito seu, e assim pode ser atingido pela coisa julgada material, éparte, e não terceiro.
Se é chamado de assistente litisconsorcial logicamente não perde a natureza de parte para
assumira conformação de terceiro.
A fim de autorizar-se a assistência litisconsorcial, é necessário que a sentença a ser proferida no
processo venha, efetivamente, a decidir relação jurídica do assistente, motivo pelo qual
equipara-se a figura a uma modalidade de litisconsórcio, considerando o assistente
litisconsorcial como parte no processo. Em verdade, tem razão OVIDIO BAPTISTA DA
SILVA13 ao criticar a figura, anotando que não é possível existir no processo alguém que se
situe em condição intermediária entre a posição da parte e a de terceiro, pois somente é possível
ser parte ou terceiro, não sendo adequado pensar em figura híbrida, que estaria entre eles. Não
há como duvidar, em vista do que já foi exposto, que o assistente litiscon ( 3)
'
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. t. 1, p. 272 e ss.
206
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sorcial éparte, uma vez que discute direito seu, e assim é atingido pela coisa julgada material.
Posta essa observação inicial, é de se ver que a assistência litiscon-sorcial corresponde à
formação de um litisconsórcio ulterior, em que o "assistente" voluntariamente ingressa após o
início do processo, para defender interesse próprio a ser julgado pela sentença. É o caso típico
do condômino, que ingressa na ação reivindicatória já proposta por outro co-proprietário, 14 ou,
como já visto, do adquirente do bem, em ação em que não tenha sido admitido a suceder a
primitiva parte.
Os que objetam a essa orientação - de ser o assistente litisconsorcial /parte autêntica no
processo—argumentam que o assistente litisconsorci -al não faz pedido no processo, nem é
demandado nele, descaracterizando-se, assim, a definição de parte fornecida por CHIOVENDA.
A objeção, todavia, somente é parcialmente verdadeira. É certo que o assistente não faz, em
regra, pedido próprio. Mas não se pode negar que ele adere ao pedidoformulado
anteriormente.'5 A circunstância de não ser ele admitido a expressar pedido autônomo deve-se
não à sua condição no processo, mas sim à estabilidade da demanda, que impede mesmo o autor
original de alterar o pedido ou a causa de pedir já deduzidos.
O assistente litisconsorcial, assim, é parte interveniente no curso do processo já instaurado e,
por isso mesmo, recebe pelo direito processual tratamento idêntico ao dispensado para a parte,
em termos processuais, restringindo-se-lhe, todavia, os poderes diante do princípio da demanda,
porque esta já fora instaurada e já se encontra estabilizada.
6.4.2 Regime jurídico
O tratamento legal dado ao assistente litisconsorcial é idêntico àquele dado à parte.
Efetivamente, todos os poderes processuais que se conPoderiam ambos, como parece evidente, ter proposto conjuntamente essa ação, cm litisconsórcio inicial. O fato,
porém, de não ter havido essa formação inicia] do litisconsórcio não pode desnaturar a condição cm que o condômino
se apresenta no processo, deixando de ser parte para assumir a condição de terceiro. O direito discutido nos autos é
seu (também), devendo ser, por isso mesmo, colocado como parte no processo.
Ver Luiz Guillherme Marinoni. "Sobre o assistente litisconsorcial", Revista de Processo 5 8/250 e ss.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
207
ferem à parte também são oportunizados ao assistente litisconsorcial. Assim, esse assistente
"exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido" (art.
52, caput, do CPC).
Sujeita-se o assistente litisconsorcial, ademais, à coisa julgada, sen-do-lhe inaplicável o disposto
no art. 55 do CPC. Da mesma forma, e por não ser verdadeiro assistente, tem-se por
incompatível com sua figura a previsão do art. 52, parágrafo único, do CPC, onde o assistente
atuaria como gestor de negócios do assistido, quando este viesse a se tornar revel. Isto se dá
porque o assistente litisconsorcial, ao contrário do que ocorre com o assistente simples, defende
interesse próprio, que é objeto do processo. Como esse interesse é seu, não se há de falar de
gestão de negócios, que se estabelece tipicamente em relação a interesses de terceiros.
Outrossim, porque o direito postulado é do assistente litisconsorcial, não tem aplicação o art. 53
do CPC, sendo que o assistido somente pode reconhecer a procedência do pedido, desistir da
ação ou transigir com o assentimento seu. Efetivamente, aqui tem completa aplicação a
disciplina do litisconsórcio unitário, sendo que o ato praticado por um, sem a participação dos
demais, se prejudicial, não prejudica a nenhum dos litisconsortes (nem mesmo ao que o
praticou). Ao contrário, se o ato for benéfico, beneficia a todos, mesmo àqueles que não
aderiram ao ato.
Tratando-se de formação ulterior de intervenção litisconsorcial, a admissão da assistência
litisconsorcial submete-se aos ditames previstos pelo art. 51 do CPC. Assim, o assistente
litisconsorcial requererá seu ingresso no processo já instaurado, em qualquer tempo antes do
trânsito em julgado da decisão final. Desse pedido dar-se-á vista às partes originais, que poderão
impugnar em cinco dias. Não havendo impugnação, deve o magistrado, concluindo que a
hipótese da intervenção efetivamente tem respaldo legal,16 admitir a assistência litisconsorcial.
Caso sobreve-nha, no prazo legal, alguma impugnação, competirá ao juiz determinar, sem
suspensão do processo, seja o incidente autuado em apartado, autorizando ambas as partes
(impugnante e impugnado) a produzir provas,
A falta de impugnação não impede o juiz de avaliar se a figura realmente é admitida pela lei processual, ou se o
requerente de fato preenche os requisitos legais para ser admitido como assistente litisconsorcial. Sempre será
possível ao magistrado, ainda que diante do silêncio das partes, negar o ingresso, por julgar não estarem presentes os
pressupostos para a intervenção.
208
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
devendo então decidir em cinco dias a questão (obviamente, prazo contado a partir do
encerramento da instrução).
6.5 Assistência simples
6.5.1 Conceituação
A assistência simples constitui forma exata de intervenção de terceiro. Nela, um sujeito que se
vê na contingência de ser indiretamente prejudicado por uma sentença, é autorizado a ingressar
no processo em que ela será proferida para auxiliar uma das partes, e com isso tentar evitar tal
prejuízo. Trata-se de intervenção voluntária, que pode acontecerem qualquer dos pólos da
relação processual (o assistente tanto pode auxiliar o autor como o réu), tendo por objetivo a
colaboração do assistente à parte original, sendo por isso chamada de intervenção
adcoadjuvandum. Constitui-se, certamente, em forma exata de intervenção de terceiro, uma vez
que o assistente simples, mesmo depois de admitido a ingressar no processo, não perde a
condição de terceiro em face das partes e do litígio. O assistente simples sempre será terceiro
em relação ao litígio a ser decidido, uma vez que não é titular da relação jurídica de direito
material posta em juízo (e por isso não é parte, ao contrário do que sucede com a assistente
litisconsorcial). Justamente porque o direito em discussão não lhe pertence, ele não pode ser
atingido pela coisa julgada (a qual atinge as partes), mas apenas pelos efeitos reflexos da
sentença (que atinge o verdadeiro terceiro).
A característica marcante do assistente simples é seu caráter de auxiliar. A intervenção se dá e
se molda de maneira a permitir que o terceiro auxilie a parte a ter solução favorável, com o fim
de evitar que seu interesse seja prejudicado. Esse auxílio se legitima, como visto, porque o
resultado da causa pode afetar, reflexamente, o interesse jurídico do assistente. Por essa razão, é
necessário que o assistente simples demonstre interesse jurídico para ser admitido a ingressar no
processo. Em outros termos: não basta um interesse qualquer, que não possa ser qualificado
como jurídico.17
1 7)
' Econômico, social ou humanitário, tal como aconteceria no caso do credor que quisesse ingressar na ação
reivindicatória, proposta por outrem em face de seu
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
209
É preciso que o assistente simples tenha interesse jurídico em sentença favorável ao assistido, seja porque
possui interesse na correta interpretação dos fatos e do direito colocados em litígio que diretamente não
lhe diz respeito, seja porque possui relação jurídica com o assistido, a qual depende da solução a ser
dada ao litígio que deve ser decidido.
A intervenção do tabelião em processo em que se discute a validade da escritura por ele
elaborada revela situação em que um terceiro (no caso o tabelião) possui interesse na
interpretação dos fatos e do direito colocados em litígio que lhe diz respeito apenas
indiretamente. Se nessa ação é postulada a anulação da escritura em virtude de atuação dolosa
sua, a eventual sentença de procedência não lhe afetará diretamente, pela simples razão de que
não é parte na escritura. Mas o reconhecimento do dolo implica em interpretação que lhe é
evidentemente desfavorável. Note-se que o réu, vencido na ação de anulação de escritura,
poderá propor ação contra o tabelião. Se o tabelião pôde participar adequadamente da ação de
anulação de escritura (e assim não incide qualquer dos dois incisos do art. 55 do CPC), ele é
atingido pela chamada "justiça da decisão " (art. 55, CPC), ou melhor, pela fundamentação da
sentença que julgou o litígio do qual não éparte (uma vez que a situação interpretada interessa a
ele diretamente, ao contrário da solução a ser dada ao litígio, que lhe interessa apenas
indiretamente), e assim não poderá rediscutir a existência de seu dolo na ação posterior proposta
contra ele pelo réu da ação de anulação de escritura.
Em outra hipótese, o assistente possui relação jurídica com o assistido, mas está na dependência
da solução a ser dada ao litígio que diz respeito ao assistido e a um outro sujeito, que possui
relação jurídica somente com o assistido. É o caso da ação de despejo, na qual o subloca-tário
(assistente simples) pode ingressar no processo para auxiliar o locatário (parte ré, com o qual
mantém relação jurídica), uma vez que, em caso de procedência, embora não possa
evidentemente ser atingido pela coisa julgada (que dirá respeito apenas ao locador e ao
locatário), será atingido reflexamente pelos efeitos da sentença (o que determina seu interesse
jurídico).
devedor, ou no caso de alguém que pretendesse intervir no processo de seu vizinho porque o considera boa pessoa.
Em todos esses casos, evidentemente, não tem o terceiro interesse jurídico, razão pela qual sua intervenção não pode
ser admitida.
210
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O assistente apenas não poderá evitar que a sentença proferida produza efeitos em relação a ele,
ou ficará impedido de discutir os fatos que lhe dizem respeito e foram tomados como
fundamentos da sentença, quando a ele for dada a possibilidade de participar adequadamente
do processo na qualidade de assistente simples.
Note-se, por oportuno, que a assistência é sempre admissível enquanto for viável o auxílio
prestado pelo terceiro interveniente. Vale dizer que, enquanto não transitar em julgado a
sentença, é cabível a assistência, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente
do tipo de procedimento a que se sujeita a causa.
6.5.2 Regime jurídico
O terceiro que pretender auxiliar a parte em processo já instaurado requererá ao juiz, em petição
escrita, seu ingresso nacausa. A respeito da pretensão, ouvirá o juiz as partes do processo, pelo
prazo de cinco dias, que têm essa ocasião para impugnar o pedido. Se não houver impugna-ção,
será admitido o ingresso do assistente - salvo quando o juiz verifique a falta do pressuposto
fundamental para tanto, ou seja, a falta de interesse jurídico do terceiro. Se, porém, qualquer das
partes impugnar o pedido, determinará o juiz, sem suspensão do processo, o desentranha-mento
da petição do terceiro e da impugnação, formando com elas um incidente processual a ser
autuado em apenso. Nesse apenso, autorizará, se for necessária, a produção de provas por ambos
os sujeitos (do incidente), decidindo posteriormente ao encerramento dessa instrução, no prazo
de cinco dias, tudo conforme o art. 51 do CPC.
O assistente simples, porque ocupa posição subalterna em relação à parte principal (assistida),
não pode tomar posição contrária àquela adotada pelo assistido. Ou seja, se o assistido entender
por desistir da ação proposta, não pode o assistente opor-se a tanto. Se o assistido resolver
reconhecer a procedência do pedido do autor, ou ainda transigir a respeito do objeto litigioso do
processo, não pode o assistente contrariar sua vontade (art. 53, CPC).
Nessa condição de auxiliar, pode ainda ocorrer que o assistido, quando esteja na condição de réu
do processo, torne-se revel. Nessa circunstância, prevê o Código de Processo Civil que o
assistente simples passa a administrar (representar) os interesses do réu revel, tornando-se seu
gestor de negó-ciosepassandoaatuaremnomedaparte principal no processo (art. 52, CPC).
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
211
6.5-3 O chamado "efeito de intervenção"
Especialmente interessante se mostra a questão dos efeitos (rectius, da qualidade que assumem
os efeitos) que decorrem para o assistente em virtude de sua participação no processo. Como se
tem por certo, não se sujeita ele à coisa julgada, j á que esta se limita à parte (art. 472 do CPC).
Porém, embora não possa inserir-se na condição de parte (e ser atingido pela imutabilidade da
coisa julgada), também não é possível esquecer que sua participação no processo deve gerar
alguma estabilidade para a decisão em face de eventuais litígios futuros. Para disciplinar essa
situação é que o Código de Processo Civil contempla o chamado efeito de intervenção.
Figura semelhante à coisa julgada, o efeito de intervenção também impede ao assistente que
discuta a decisão prolatada em eventual processo futuro, tornando-a imutável para ele, assim
como acontecerá, em face do trânsito em julgado da sentença de mérito, para a parte. Vem esse
efeito previsto pelo art. 55 do CPC, que diz que "transitada em julgado a sentença, na causa em
que interveio o assistente, este não poderá, em processo posterior, discutir a justiça da decisão",
exceto em situações excepcionais (art. 55,1 e II, CPC).
Como já foi dito, o efeito de intervenção não se confunde com a coisa julgada, sendo ao mesmo
tempo mais restrito e mais abrangente do que esta última figura. Mais abrangente porque
enquanto a coisa julgada apenas incide sobre o dispositivo da sentença (arts. 468 e 469 do CPC),
o efeito de intervenção abrange também sua motivação, como se tem por evidente da locução
empregada pelo art. 55 do CPC, que proíbe o assistente de discutir não só a decisão, mas
também a "justiça" desta última. De outra parte, porém, o efeito é mais restrito do que a coisa
julgada, já que esta não pode jamais ser afastada (a não ser em circunstâncias
excepcionalíssimas, diante de ação própria para tanto, a ação rescisória - art. 485 do CPC), ao
passo que o efeito de intervenção cede se o assistente alegar e provar que "pelo estado em que
recebera o processo, ou pelas declarações e atos do assistido, fora impedido de produzir provas
suscetíveis de influir na sentença" ou que "desconhecia a existência de alegações ou de provas,
de que o assistido, por dolo ou culpa, não se valeu" (art. 55,1 e II, CPC).
Se o assistente simples, qualquer que seja ele, somente pode ser atingido pelos efeitos reflexos
da sentença quando teve a oportunidade de
212
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
participar adequadamente do processo, é preciso deixar claro que não é todo o assistente
simples que possui fatos que lhe dizem respeito colocados no processo em que pode ingressar.
Quando se afirma que o tabelião agiu com dolo, e que por isso a escritura deve ser anulada, a
sentença de procedência, embora atingindo com força de coisa julgada somente as partes da
escritura, parte da premissa de que o tabelião agiu com dolo. O dolo do tabelião, nesse sentido,
constitui a premissa da sentença que soluciona o litígio entre as partes da escritura. Assim, em
ação que for mais tarde proposta pelo réu da ação de anulação, o tabelião (assistente simples)
não poderá tentar discutir que não agiu com dolo, a menos que possa se fundar nas excludentes
do artigo 55 do Código de Processo Civil. Outra, porém, é a situação do sublocatário. Este
pode ingressar no processo referente à ação de despejo pelo simples fato de ter relação jurídica
com o locatário, a qual é evidentemente subordinada à sorte da relação processual. Contudo, a
premissa que será tomada pelo juizpara fundamentar a sentença não se refere a fatos que dizem
respeito ao sublocatário (e que assim lhe interessam diretamente). Nesse último caso, nem
mesmo é de se pensar em ação a ser proposta pelo locatário contra o sublocatário. Portanto, a
situação, nesse passo, é completamente diferente para essas duas espécies de assistentes
simples. O primeiro não poderá mais discutir os fatos e o direito postos na fundamentação da
sentença proferida no processo em que pôde adequadamente participar como assistente simples,
enquanto o segundo não poderá fugir dos efeitos executivos reflexos da sentença (a menos que
não tenha participado adequadamente do processo, quando poderá invocar os incisos do art. 55
do CPC).
6.6 Oposição
A primeira das figuras tratadas pelo Código de Processo Civil como espécie de intervenção de
terceiro é a oposição. Todavia, essa intervenção desnatura completamente a idéia e a condição
de terceiro, porque o opoente, quando participa do processo, formula ação própria, tendente a
excluir a pretensão dos sujeitos iniciais sobre o objeto litigioso do processo. Ora, quemformula
ação no processo jamais pode ser considerado como terceiro, exercendo o opoente, portanto,
nítido papel de parte.
A função da oposição vem claramente estabelecida pelo art. 56 do CPC, como a atitude daquele
que pretende, no todo ou em parte, a coisa
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
213
ou o direito sobre que controvertem autor e réu. A participação do opoente, dessa forma, visa à
exclusão (intervenção ad excludendum) das "pretensões" do autor e do réu sobre o objeto
litigioso do processo. Trata-se do sujeito que entende que nenhum dos primitivos sujeitos da
relação processual tem razão quanto à demanda, mas que o direito lhe pertence. Essa é a tônica
da oposição e é também sua função: acoplar no processo já instaurado a ação desse "terceiro",
que pretende, da mesma forma como fez o autor da ação primeira, a coisa ou o direito objeto
desta. Obviamente, como se tem por evidente, trata-se de duas ações conexas, que normalmente
seriam distribuídas a um só juiz. Porém, para facilitar ainda rnais a solução integral da
controvérsia, para além da conexão a oposição gera a reunião, em um único processo, de ambas
as ações, julgando-se de uma só vez as pretensões exercidas sobre o objeto do processo.
Seria possível, na situação em que seria cabível o oferecimento da oposição, ao' 'terceiro''
opoente propor sua ação independentemente contra ambos os contendores da primeira relação
processual. Ou, também, seria possível a ele aguardar a solução da primeira causa, propondo
posteriormente ação contra o sujeito vitorioso na primeira demanda. Todavia, por razões de conveniência, e em prestígio à economia processual, a oposição é o meio mais adequado para a
solução do conflito, permitindo que também essa pretensão do terceiro seja decidida no
processo já instaurado.
Constitui-se, então, a oposição em intervenção voluntária desse terceiro (opoente), tendente a
fazer prevalecer sua pretensão sobre o objeto do processo.
Como ação que é, a oposição deve ser deduzida em petição (inicial), com a observância dos
requisitos expressos nos arts. 282 e 283 do CPC, obedecendo às condições da ação e aos
pressupostos processuais. Distribuída a oposição por dependência, e recebida a petição inicial,
deverão ser os opostos (autor e réu da primitiva ação) citados - por intermédio de seus
advogados e mesmo que o réu primitivo seja revel — para responder à nova ação em prazo
comum de quinze dias (art. 57 do CPC). Forma-se entre os primitivos autor e réu uma
cumulação subjetiva passiva, em que cada qual age independentemente, de forma que os atos de
um não prejudicarão o outro.18 A partir de então o processo passará a seguir normall8)
Nesse sentido expressamente prevê o art. 58 do CPC, que "se um dos opostos reconhecer a
procedência do pedido, contra o outro prosseguirá o opoente".
214
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
mente, com uma cumulação objetiva de demandas, uma proposta pelo autor inicial em face do
réu primitivo, e outra pelo opoente em face de ambos (autor e réu da ação primitiva).
O procedimento da oposição pode variar conforme o momento em que se oferece a intervenção.
Ela somente será admitida até a prolação da sentença (art. 56 do CPC), mas, segundo seja
deduzida antes ou depois da audiência (de instrução e julgamento19), pode gerar conseqüências
distintas. Se oferecida antes da audiência, o procedimento será aquele acima descrito, seguindo
o processo com ações cumuladas (os autos da oposição apensados aos autos principais — art. 59
do CPC), a serem conjuntamente decididas em uma única sentença (caso em que se julga a
oposição em primeiro lugar, conforme estabelece o art. 61 do CPC).
Se, porém, a oposição for deduzida após já iniciada a audiência de instrução e julgamento, o
procedimento inicialmente apontado somente será seguido se não vier a prejudicar o andamento
da ação primitiva. É que, nesse caso, o descompasso entre a ação e a oposição será evidente,
sendo que paralisar-se a ação até que a oposição chegue na mesma fase importaria submeter a
primeira a descabida demora, superior ao benefício que o julgamento simultâneo poderia gerar.
Assim, neste segundo caso, em regra, a oposição não mais consistirá em intervenção de terceiro,
gerando apenas seu efeito normal de determinar a conexão de causas, com sua reunião perante
um único juiz, para evitar-se decisões conflitantes. Somente quando o juiz note que pode fazer a
oposição chegar à mesma fase em que se encontra a ação, em prazo não superior a noventa
dias, é que poderá determinar a suspensão da primeira ação, até que a oposição atinja o mesmo
estado, prosseguindo-se, então, na forma inicialmente descrita (art. 60 do CPC).
6.7 Nomeação à autoria
Assim como ocorre com a oposição, a nomeação à autoria não é redutível a uma forma de
intervenção de terceiro. Porém, se na oposição não existe "intervenção de terceiro" porque esse
"terceiro" é titular de
"'" Já que a previsão é anterior à reforma processual de 1994, ocasião em que somente existia essa audiência, e não a
audiência preliminar, de que hoje trata o art. 331 do CPC.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
215
uma ação no processo, aqui ela não ocorre porque a nomeação à autoria, em verdade, situa-se
como uma forma de correção do pólo passivo da demanda. A nomeação à autoria gera, em
princípio, a substituição do pólo passivo da demanda, de um sujeito ilegítimo, por outro,
legítimo.
Em regra, a ilegitimidade de parte conduz a vício insanável que determina a extinção do
processo sem julgamento de mérito (art. 267, VI, do CPC). Entretanto, em certas circunstâncias,
arbitrariamente estipuladas pelo Código de Processo Civil, seria justo o equívoco na determinação do sujeito passivo da demanda, em função das peculiaridades fáticas da situação concreta.
Em vista disso, para tais casos, autoriza o Código, para que não seja decretada a extinção do
processo por ilegitimidade passiva ad causam, que se corrija o pólo passivo da relação
processual, substituindo-se o primitivo réu por outro que seria legítimo para figurar no processo.
Como se pode observar de imediato, essa figura não corresponde a verdadeira intervenção de
terceiro, já que se mostra como meio de correção do pólo passivo da relação processual, fazendo
com que este "terceiro", que ingressa na demanda deduzida, assuma a condição de réu no
processo, no lugar do primitivo demandado.
Na ótica do Código de Processo Civil, são duas as situações que autorizam a nomeação à
autoria: a) a do detentor de coisa alheia, 20 em relação ao proprietário ou possuidor, quando for
demandado pela coisa em nome próprio (art. 62 do CPC); b) a daquele que for demandado em
ação
<201
A detenção é figura regida pelo direito material, que não se confunde com a posse e menos ainda com a
propriedade. A propriedade é direito real sobre a coisa; a posse é situação tática, decorrente ou da exteriorização do
domínio (Jhering) ou ao menos informada pela vontade de possuir, animus domini ou animus rem sibi habendi
(Savigny). Já a detenção é mera situação tática, não qualificada nem pelo domínio, nem pela vontade de possuir como
sua a coisa. Dessa figura trata o art. 1.198 do CC (2002), estipulando que "considera-se detentor aquele que, achandose em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou
instruções suas". Na detenção, então, verifica-se mera circunstância acidental, de guarda, uso e conservação da coisa
em nome de outrem e para outrem, sem que o detentor possa manter qualquer interesse próprio sobre o bem. É a
situação, por exemplo, do caseiro em relação ao imóvel guardado, do motorista sobre o veículo da empresa, ou ainda
do empregado sobre as ferramentas da indústria.
216
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de indenização por dano à coisa, quando alegar que praticou o ato em cumprimento de
instruções de terceiro (art. 63 do CPC). Em ambas as situações, o réu primitivo (detentor ou
responsável pelo prejuízo) deverá, quando acionado em nome próprio, nomear ao autor aquele
que, segundo seu entender, deveria figurar realmente no pólo passivo da demanda, ao invés
dele.
A partir dos elementos vistos, é possível concluir que a nomeação à autoriaé uma modalidade de
"intervenção de terceiro" que somente incide no pólo passivo da relação processual. Ao
contrário do que acontece com a assistência, a nomeação não é voluntária, mas sim provocada,
porque a participação desse terceiro não se dá por sua exclusiva vontade, mas sim por iniciativa
do réu da ação, que o indica a integrar o processo. De outra parte, é intervenção obrigatória, no
sentido de que - também ao contrário do que acontece com a oposição - tem o réu o dever de
promovê-la, sob pena de responder por perdas e danos diante de sua omissão (art. 69 do CPC).
Quando for cabível, diante das hipóteses enumeradas pela lei (arts. 62 e 63 do CPC), deverá o
réu nomear ao autor aquele que, segundo seu entender, sej a real mente o réu legítimo para a
ação, no prazo que tem para a resposta (art. 64 do CPC), sob pena de preclusão. Se efetivamente
a situação descrita pelo réu estiver contemplada, em abstrato, pela lei, deferirá o juiz o pedido,
ouvindo então o autor, no prazo de cinco dias. O autor, então, poderá aceitar a indicação feita
pelo réu ou negá-la. Se não aceitar a nomeação, retomará o processo seu curso regular, em face
do réu pri mitivo, sem que se opere a intervenção, devolvendo-se ao demandado o prazo para
defesa.
Se, ao contrário, o autor concordar com a nomeação, incumbir-lhe-á promover a citação do
nomeado para responder à ação. Citado, também o nomeado poderá aceitar a nomeação ou
rejeitá-la. Se a rejeitar, novamente ficará sem efeito a nomeação, prosseguindo o processo
contra o primitivo réu (nomeante), que terá novo prazo para resposta. Se, porém, aceitar a
nomeação, opera-se a extromissão, deixando o réu antigo o pólo passivo da demanda, o qual
será agora assumido pelo nomeado, que defenderá seu ato ou sua posse ou propriedade.
Note-se que, para que se opere a substituição do pólo passivo, é necessário que ocorra a dupla
aceitação: do autor e do nomeado. Se qualquer destes negar a "nomeação à autoria", a
intervenção não se opera,
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
217
permanecendo a relação processual como era anteriormente. Essa aceitação, todavia, não precisa
necessariamente ser expressa. Presume o Código de Processo Civil aceita a nomeação se o
autor, no prazo assinado pelo juiz (art. 64 do CPC), nada requerer. E também se o nomeado não
comparecer ou, em comparecendo, nada alegar (art. 68 do CPC).
Como já fora dito, não constitui faculdade atribuída ao réu promover ou não a nomeação. Tem
ele o dever de fazê-lo, sob pena de responder por perdas e danos, a qualquer dos sujeitos que
venha a sofrê-los (autor ou "terceiro", que deveria ser nomeado), tanto se não efetivar a nomeação à autoria, nos casos prescritos em lei, como se nomear pessoa diversa daquela em cujo nome
detém a coisa demandada, ou o instruiu a praticar o ato lesivo (art. 69 do CPC).
6.8 Denunciação da lide
A denunciação da lide constitui modalidade de "intervenção de terceiro" em que se pretende
incluir no processo uma nova ação, subsidiária àquela originariamente instaurada, a ser
analisada caso o denunciante venha a sucumbir na ação principal. Em regra, funda-se a figura
no direito de regresso, pelo qual aquele que vier a sofrer algum prejuízo, pode, posteriormente,
recuperá-lo de terceiro, que por alguma razão é seu garante. Na denunciação, portanto, inclui-se
nova ação, justaposta à primeira, mas dela dependente, para ser examinada caso o denunciante
(aquele que tem, frente a alguém, direito de regresso em decorrência da relação jurídica
deduzida na ação principal) venha a sofrer prejuízo diante da sentença judicial relativa à ação
principal.
Nos termos do que prescreve o art. 70 do CPC, a denunciação é admitida: "I) ao alienante, na
ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta
possa exercer o direito que da evicção lhe resulta; II) ao proprietário ou ao possuidor indireto
quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufru-tuário, do credor
pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa
demandada; e III) àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação
regressiva, o prejuízo do que perder a demanda". Em todos esses casos, observa-se precisamente
alguma relação subsidiária à relação jurídica deduzida na ação principal, que, através da
denunciação, poderá ser também levada
218
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
para exame por meio do processo instaurado, mas somente se e quando o exame da relação
principal for prejudicial àquele que é titular da relação subalterna.
Segundo indica o art. 70 do CPC, a denunciação da lide seria intervenção obrigatória. Em
verdade, a dicção do caput desse artigo diz mais do que queria (ou poderia), devendo-se
entender o termo "obrigatória" -ressalvadas hipóteses em que outras regras de direito
efetivamente acoplem à figura alguma sanção própria para a não-denunciação - como a
impossibilidade de, em não se efetivando a intervenção, exercer-se o direito de regresso no
mesmo processo em que se questiona sobre a relação jurídica principal. Tomando-se essa
afirmação por pressuposto, será forçoso concluir que a denunciação da lide só será realmente
obrigatória em um dos casos, ou seja, no da evicção (aquele previsto no inc. I do art. 70). A
evicção é uma garantia, natural aos contratos comutativos, onde há obrigação de transferir
domínio de determinada coisa, pela qual o alie-nante se obriga a reparar os prejuízos do
adquirente (valor do preço pago, indenização dos frutos que tiver de devolver, despesas com o
contrato e ainda despesas judiciais), caso este venha a perder o domínio sobre a coisa em virtude
de decisão judicial (que reconheça direito de terceiro anterior à aquisição). É de se sublinhar que
a garantia da evicção pode ser excluída no contrato celebrado, caso em que não operará esse
benefício, nem terá utilidade a denunciação da lide. Existindo, todavia, a garantia da evicção,
prevê o direito material (art. 456 do CC21) a obrigatoriedade da denunciação, sob pena de perder
o adquirente o direito resultante dessa garantia. Em relação aos demais casos de denunciação,
não há propriamente obrigatoriedade na denunciação. A não-efetivação da denunciação apenas
impede que a ação subsidiária seja deduzida no mesmo processo em que se discute a relação
principal.
A segunda das hipóteses em que se prevê a denunciação é a do possuidor direto em relação ao
possuidor indireto ou ao proprietário. NoteArt. 456 do novo CC: "Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o
alienante imediato, ou qualquer dos anteriores quando c como lhe determinarem as leis do processo.
Parágrafo único. Não atendendo o alienante à denunciação da lide, e sendo manifesta a procedência da evicção, pode
o adquirente deixar de oferecer contestação, ou usar de recursos".
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
219
se que a situação guarda semelhança com a hipótese que legitima a nomeação à autoria. Nesta,
porém, a situação se põe entre o detentor e o possuidor ou proprietário, ao passo que na
denunciação a relação é colocada entre o possuidor direto e o possuidor indireto ou
proprietário. Anteriormente, viu-se que a detenção baseia-se em uma relação de dependência,
em que são exercidos poderes sobre a coisa em nome de ou-trem. Na posse, ao contrário, tem-se
a exteriorização do domínio ou, quando menos, "a vontade de possuir a coisa como sua". Essa
relação fática com a coisa pode desdobrar-se em estágios, sempre que o proprietário não exerça
a posse imediata sobre ela (como nos casos do locatário, do usufrutuário etc). Fala-se, então, em
posse direta e em posse indireta, devendo ser considerada sempre temporária a posse baseada
em uma relação jurídica transitória. Pois bem, na relação estabelecida entre o possuidor direto e
o indireto ou o proprietário, legitima-se a denunciação da lide a estes dois últimos quando o
primeiro venha a ser citado em nome próprio.
Por fim, cabe também a denunciação da lide nos casos em que se legitime a ação de regresso,
como é o caso das relações de contrato de seguro.22 Aqui, a empresa seguradora está obrigada a
indenizar em ação regressiva os prejuízos de alguém, que é parte em ação judicial. A denunciação, então, inclui no processo instaurado também a demanda de regresso, para a
eventualidade de o beneficiário vir a sucumbir na ação principal, caso em que será examinada a
23
demanda subordinada.
(22>
Também este é o caso da responsabilidade subsidiária, mantida pelo servidor público em
relação à responsabilidade objetiva pelos danos causados pela execução de serviço público (art. 37, § 6°, da CF).
Particularmente, em relação a esse caso, discute-se sobre a possibilidade ou não da efetivação da denunciação. Há
quem sustente que não é possível a denunciação por conta da intromissão, no processo, de argumento novo, não
presente na demanda original - afinal, a responsabilidade do Estado é objetiva (independe de dolo ou culpa), enquanto
a do servidor é subjetiva, dependendo da avaliação de culpa deste -, o que viria a prejudicar a aceleração processual,
decorrente da exclusão da matéria "culpa" desse processo. Hoje, porém, prepondera a orientação no sentido do
cabimento da denunciação, mormente considerando que está em jogo o patrimônio público, que, como elemento
indisponível pertencente a toda coletividade, depende da mais pronta reintegração.
u)
Obviamente, a principal situação inserida nessa espécie é a do contrato de seguro (especialmente nos casos de
seguros de veículos). Como já observava-
220
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Como já visto, somente a hipótese do art. 70,1, é que gera, efetivamente, intervenção obrigatória
(punida com a perda do direito de evic-ção), embora não seja pacífica a jurisprudência a esse
respeito. Será, em todo caso, intervenção que pode operar-se em qualquer dos pólos da relação
processual. O denunciado passa a assumir dupla função no processo: de um lado tem interesse
na vitória do denunciante; de outra parte poderá ser condenado a ressarcir o prejuízo que o
denunciante vier a sofrer diante da ação principal.
Quando a denunciação se opere por iniciativa do autor, deverá ele, juntamente com o
oferecimento da petição inicial, requerer a citação do denunciado (art. 71, primeira parte, do
CPC). Admitida pelo juiz-porque efetivamente a hipótese se enquadra em alguma das situações
contempladas pela lei - será determinada a suspensão do processo, até a citação do
litisdenunciado. Comparecendo ele, poderá aceitar a denunciação ou não. Se aceitar, "assumirá
a posição de litisconsorte do denunciante e poderá aditar a petição inicial, procedendo-se em
seguida à citação do réu" (art. 74 do CPC). Se negar a condição de garante, serão formadas duas
demandas autônomas: uma do autor em face do réu; outra do autor em face do denunciado.
Se a denunciação da lide for de iniciativa do réu, terá ele o prazo de resposta para propugnar
pela intervenção (art. 71, segunda parte, do CPC). Acolhida a pretensão à denunciação pelo
magistrado, determinará ele a suspensão do processo, procedendo-se à citação do denunciado.
Também a este assegura-se a aceitação ou não da denunciação. Se aceitar "e
mos na primeira edição deste Manual, essa hipótese de cabimento da denunciação da lide encontrava, no direito
brasileiro, certo problema, porque as ações de indenização que envolvem acidente de veículo terrestre tramitam por
procedimento sumário (art. 275, II, d, do CPC), em que não se admitia intervenção de terceiro, exceto a assistência e
o recurso de terceiro prejudicado (art. 280,1, do CPC, em sua redação anterior). Assim, por conta dessa restrição legal, o direito brasileiro acabava impedindo o uso do instituto em um caso que evidentemente requer sua aplicação.
Exatamente em razão disso, e consciente do problema criado, o legislador fez editar a Lei 10.444, de 7 de maio de
2002, cm que alterou a redação do mencionado art. 280, para fazer ali constar a seguinte redação: "no procedimento
sumário não são admissíveis a ação decla-ratória incidcntal c a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso
de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro".
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
221
contestar o pedido, o processo prosseguirá entre o autor, de um lado, e de outro, como
litisconsortes, o denunciante e o denunciado; se o denunciado for revel, ou comparecer apenas
para negar a qualidade que lhe foi atribuída, cumprirá ao denunciante prosseguir na defesa até
final; se o denunciado confessar os fatos alegados pelo autor, poderá o denunciante prosseguir
na defesa" (art. 75,1 a III, do CPC). De toda sorte, somente se formará o litisconsórcio - com os
benefícios inerentes à figura, como, por exemplo, o prazo diferenciado de que trata o art. 191 do
CPC -, se o denunciado aceitar a responsabilidade subsidiária pelo prejuízo sofrido pela parte
denunciante.
Frise-se que o novo art. 280 do CPC (introduzido pela recente Lei 10.444/2002) passou a
admitir a denunciação da lide, fundada em contrato de seguro, no procedimento sumário. Assim,
torna-se necessário adaptar as regras em exame ao procedimento previsto nos arts. 275 e seguintes. Dessa forma, quando promovida a denunciação pelo autor, nenhuma diferença
relevante será sentida, procedendo-se na forma vista acima. Porém, se a denunciação for
promovida pelo réu, deve-se suspender a audiência de conciliação, procedendo-se à citação do
denunciado para que este acompanhe (e participe) da seqüência desse mesmo ato processual,
onde poderá oferecer resposta (tanto à denunciação, como eventualmente à pretensão do autor).
Em qualquer hipótese, a citação do denunciado deve operar-se no prazo máximo de dez dias, se
residir na mesma comarca em que se processa a causa, ou em trinta dias, se estiver em local
incerto ou residir em outra comarca. Não respeitados os prazos acima indicados, torna-se inoperante a denunciação, prosseguindo-se o processo apenas em relação à ação principal e entre os
sujeitos iniciais (ver art. 72 do CPC).
Efetivada a denunciação da lide, cria-se uma cumulação objetiva eventual de demandas no
processo, uma vez que se concebem duas ações no processo, onde a segunda somente será
apreciada, caso a principal venha a resultar em prejuízo para o denunciante. Nesse caso, será
também analisada a demanda subsidiária, aqual, se procedente, valerá como título executivo
(em face do denunciado).
Note-se, de todo modo, que não haverá relação estabelecida entre o denunciado e o adversário
do denunciante. São duas ações distintas, onde o julgamento da segunda depende do resultado
da primeira. Quer dizer que não se pode considerar, exceto para os fins dos poderes e ônus pro-
222
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
cessuais, o denunciado como litisconsorte do denunciante. Assim, a sentença que julgar a ação
principal em favor do adversário do denunciante apenas poderá condenar este na obrigação,
posteriormente avaliando-se se é o caso de julgar procedente a ação subsidiária. Poderá haver,
então, em tese, duas condenações: uma do réu frente ao autor e outra do denunciado frente ao
denunciante. Esta é a estrutura da denunciação, como pretende o Código de Processo Civil (art.
76). Na prática, porém, por argumentos de instrumentalidade processual, não têm sido raros os
casos em que o denunciado é condenado diretamente em face do autor da ação principal
(especialmente em casos de contratos de seguros), pro-movendo-se, concretamente, verdadeiro
litisconsórcio entre denunciante e denunciado.
A lei ainda contempla, dentro da figura da denunciação da lide, a chamada denunciação
sucessiva. Imagine-se o caso em que o denunciado (evicto) também haja adquirido a garantia de
regresso (evicção) de outra pessoa, de quem houvera adquirido o imóvel. Poderia esse denunciado promover a denunciação da lide ao alienante? A essa dúvida responde o art. 73,
autorizando essa medida, desde que atendidos os pressupostos para qualquer denunciação. A
questão, porém, suscita dúvidas. A leitura singela do dispositivo mencionado indica a aceitação
pelo Código de Processo Civil da chamada denunciação sucessiva, onde o denunciado poderia
denunciar terceira pessoa, que viria a integrar, com aquele (e também com a primitiva parte que
efetivara a primeira denunciação da lide), um litisconsórcio passivo. Este segundo denunciado,
por sua vez, poderia denunciar outro terceiro e assim sucessivamente, ad eternum, enquanto os
pressupostos para a denunciação fossem atendidos e desde que não prescritas as ações
regressivas cabíveis. De outra banda, o art. 73 do CPC alude à "intimação" do outro terceiro (a
ser "denunciado" pelo denunciante), indicando que, em verdade, não se aplicaria a figura da
denunciação a partir desse estágio, mas apenas seria o alienante (o proprietário, o possuidor
indireto ou o responsável pela indenização) intimado do litígio. O tema é discutível, parecendo
ser mais conveniente entender pela literalidade da lei, somente admi-tindo-se uma denunciação
da lide, sendo as demais meras intimações, que não abrem ensejo, por conseqüência, a uma
nova ação interna ao processo, mas apenas para que o intimado ingresse no processo na
qualidade de assistente simples.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
223
6# 9 Chamamento ao processo
A última modalidade de intervenção de terceiro que o Código de Processo Civil contempla
especificamente é o chamamento ao processo. Novamente, difícil será compreender essa figura
como verdadeira intervenção de terceiro, já que a medida visa a integrar o pólo passivo da
demanda, convocando ao processo, para figurar na condição de co-réus, coobrigados pela
obrigação demandada pelo autor. Em síntese, o chamamento ao processo é uma modalidade de
criar litisconsórcio passivo facultativo por vontade do réu e não pela iniciativa do autor. Como
se sabe, em regra, a determinação da formação de litisconsórcio passivo facultativo é de
incumbência do autor, que pode optar por propor a demanda em face de um, alguns ou todos os
legitimados passivos. No chamamento ao processo, porém, admite-se que o réu da demanda
possa, por sua própria iniciativa, e mesmo sem que haja a colaboração ou adesão da parte
autora, promover esse tipo de litisconsórcio passivo, convocando ao processo outras pessoas que
também seriam legitimadas a figurar como réus.
Essa intervenção é admitida apenas em questões obrigacionais, quando um dos co-devedores é
acionado, podendo então convocar ao processo os demais coobrigados, para com ele responder
pela dívida. É o que prescreve o Código de Processo Civil, no art. 77, dizendo ser admissível o
chamamento do devedor na ação em que o fiador é réu; dos outros fia-dores, quando para a ação
for citado apenas um deles; e de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou
de algum deles, parcial ou totalmente, a dívida comum. 24
Como se tem por óbvio, cabe apenas ao réu promover o chamamento ao processo, que é figura
de intervenção que opera exclusivamente no pólo passivo do processo. Trata-se de intervenção
provocada, já que depende da iniciativa do réu para acontecer. Forma, por sua vez, um
<24)
Hipótese especial desta última forma de chamamento ao processo é aquela prevista no art. 101, II, do CDC. Como
prevê esse dispositivo, na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, "o réu que houver
contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório
pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos
termos do art. 80 do Código de Processo Civil (...)".
224
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
litisconsorcio passivo relativamente à ação principal, autorizando que todos os coobrigados
venham a responder conjuntamente pela dívida assumida. Mais que isto, autoriza,
posteriormente, àquele que satisfizer a obrigação a sub-rogar-se na condição de credor frente
aos seus pares, cobrando de cada qual a parcela por eles devida em relação à dívida comum.
Esta última característica aponta para particularidade essencial, em matéria de chamamento. O
réu somente pode chamar ao processo aqueles que, frente à dívida,"forem tão ou mais obrigados
que ele". Assim, o fiador pode chamar ao processo o devedor principal, mas o inverso não é
admitido. Isto acontece porque o devedor principal jamais poderá sub-rogar-se na obrigação
frente ao fiador. Dessa forma, o chamamento ao processo somente será admitido quando o réu
puder convocar ao processo quem seja "tão ou mais devedor que ele".
Por outro lado, sublinhe-se que o novo art. 280 viabiliza, no procedimento sumário, o que
chama de "intervenção fundada em contrato de seguro", e dessa forma não somente a
denunciação da lide, mas também o chamamento ao processo previsto no art. 101, II, do CDC.
Com base nessa norma do CDC, e em vista do novo art. 280 do CPC, o fornecedor de produto
ou serviço que houver contratado seguro de responsabilidade pode "chamar ao processo " a
seguradora, ainda que no procedimento sumário.
Sendo cabível o chamamento, deverá o réu promovê-lo no prazo que se lhe confere para a
resposta (art. 78 do CPC), sob pena de preclusão, convocando para o processo aqueles que
entenda devam responder conjuntamente com ele pela obrigação comum. Admitido o pedido, o
juiz suspenderá o processo, determinando a citação dos chamados para responderem. Estes
serão citados nos prazos estipulados pelo art. 72 do CPC, sob pena de tornar-se ineficaz o
pedido de intervenção (ressalvada, evidentemente, a hipótese de exceder-se o prazo por culpa
exclusiva da atividade judicial). Poderão os chamados, então, aceitar a condição de coobrigados
ou não; se aceitarem, forma-se litisconsorcio passivo; caso não aceitem, haverá mera cumulação
subjetiva, passando a haver uma ação proposta pelo autor em face do réu, e outra pelo réu diante
dos chamados.
Julgando a ação principal, o juiz condenará os co-devedores a satisfazer a prestação assumida se entender legítimo o chamamento, por-
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
225
que efetivamente tem por coobrigados os chamados -, tornando-se a sentença título executivo de
sub-rogação para aquele que saldar a dívida {que, observe-se, pode não ser o primitivo réu, mas
qualquer um dos agora Utisconsortes) frente aos demais, seja pelo valor integral da prestação
(no caso do fiador diante do devedor principal), seja pelas cotas de cada um dos obrigados (no
caso de vários fiadores ou de vários devedores principais), como prescreve o art. 80 do CPC.
6.10 Intervenção anômala
A Lei 9.469/97, em seu art. 5.°, parágrafo único, criou nova modalidade de intervenção, apenas
viável para pessoas jurídicas de direito público (aí incluída a União), que vem sendo chamada
de intervenção anômala.25 Recebeu esse nome porque efetivamente a figura destoa completamente do regime e dos princípios que norteiam as demais intervenções de terceiro.
Como se observa da redação do dispositivo que cria a figura, a fim de que as pessoas jurídicas
de direito público possam intervir em causas pendentes, basta que venham a alegar a existência
de prejuízo indireto, mesmo que não seja de natureza jurídica. Quer dizer que essa intervenção
é legitimada, ainda que a pessoa jurídica de direito público não tenha interesse jurídico na
solução da causa em que intervém, bastando que demonstre a existência de prejuízo indireto, de
natureza econômica. Mais que isso, nos termos do que prevê a regra examinada, essa
intervenção opera-se tão-somente para que apessoa jurídica de direito público esclareça
questões de fato e de direito e junte documentos e memoriais tidos como úteis. Poderá também
este intcrveniente recorrer, mas nesse caso a intervenção convcrter-se-á em hipótese semelhante
à de assistência li(25)
Diz o dispositivo legai: "Art. 5.° A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés,
autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que
indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer
questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o
caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes".
226
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tisconsorcial, 26 considerando-se a pessoa jurídica de direito público como parte no processo,
fazendo então incidir as regras próprias de competência, relativas à participação no processo de
pessoas jurídicas de direito público.
Obviamente, todas essas particularidades fazem dessa figura algo realmente teratológico. A falta
de técnica com que o instituto foi concebido e a inusitadaregênciaque se lhe emprestou geram
figura insólita, de difícil trato pelo direito processual. Não são poucos, com efeito, que
sustentam a inconstitucionalidade da intervenção anômala, quando menos pela forma
absolutamente estranha com que tratou o tema da competência diante da intervenção (violando,
nisso, a regra expressa do art. 109, I.daCF).
De fato, inúmeras questões surgem do trato que foi dado à figura, que, ao dispensar o requisito
do interesse jurídico para a intervenção, não alterou apenas a sistemática que secularmente
preside a participação de terceiros no processo, mas violou a própria essência da intervenção.
Pensa o legislador que a exigência de interesse jurídico para admitir a intervenção de terceiros é
arbitrária, podendo bem ser afastada. Todavia, como já visto, há razão para a necessidade de que
o interveniente demonstre interesse jurídico, que diz precisamente com a questão dos efeitos do
provimento e a sua imutabilidade frente às partes do processo e também ao terceiro que dele
participa. Sem a necessidade de que esse terceiro (pessoa jurídica de direito público) demonstre
a existência de interesse jurídico na solução da causa, é de se perguntar: o efeito de intervenção
(art. 55 do CPC) atinge também esse terceiro, para tornar indiscutível para ele a decisão da
causa? Ou, ao contrário, porque não tem ele interesse jurídico, essa imutabilidade já decorreria
naturalmente de sua falta de legitimidade para discutir o julgado? Ou, então, ter-se-ia alguma
forma ainda mais esdrúxula de situação, em que não seria aplicável nem o art. 55 do CPC nem a
imutabilidade natural, pela ilegitimidade da parte para ação que tendesse a afastar os efeitos do
primeiro julgado sobre ela?
De outra parte, quanto ao regime atribuído à figura, é de se questionar, diante da parca
regulamentação oferecida pelo dispositivo legal: em
(26)
Obviamente, porém, em uma "assistência litisconsorcial" toda particular, já que esse assistente,
além de não ser parte, não precisa ter qualquer interesse jurídico.
PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO
227
havendo recurso, considera a lei que a pessoa jurídica de direito público converte-se em parte
(assistente litisconsorcial). Mas, para o recurso de terceiro prejudicado, exige o Código de
Processo Civil a demonstração de interesse jurídico (art. 499, § 1.°). Essa regra é também
aplicável à figura aqui examinada, que, portanto, para recorrer, haverá de demonstrar a
existência de interesse jurídico? Segundo a regra que introduz a intervenção anômala no direito
brasileiro, pode o interveniente apresentar documentos e memoriais; poderá ele oferecer outros
meios de prova? Na locução "esclarecer questões de fato e de direito" está inserida a idéia de
contestação? Ocorre preclusão para esses "esclarecimentos"?
Como se vê, diante de tão estranha figura, muitas são as dúvidas e poucas as respostas.
Infelizmente, o tema exige tratamento próprio, em detida análise, que transborda os campos
deste Manual.
De todo modo, insta deixar registrado, com tristeza, que o direito processual (e seus princípios
vetores) não pode ser violado de maneira tão grosseira e rasa, com institutos como este, feitos
sem a menor preocupação com a técnica processual ou as conseqüências que podem causar aos
processos, apenas para que possam ser atendidos casos determinados e circunstâncias
específicas. É importante sublinhar, apesar de óbvio, que os princípios e garantias processuais
objetivam estabelecer um processo democrático, capaz de conferir aos cidadãos uma justiça
imparcial. Ora, oart. 5." da Lei 9.469/97, exatamente por desconsiderar os princípios
processuais, atenta contra o direito que todo cidadão possui de ir ao Poder Judiciário em busca
de uma solução imparcial, justa e estável para o seu conflito de interesses.
SUSPENSÃO DO PROCESSO
Iniciado o processo, e antes que ele seja concluído, é possível que algumas situações
determinem sua suspensão por certo período de tempo. A lei processual prevê causas genéricas,
que suspendem qualquer tipo de processo, bem assim entraves específicos, capazes de importar
a suspensão de determinadas causas (como acontece com o processo de execução, conforme
prevê o art. 791 do CPC).
O Código de Processo Civil trata da suspensão do processo de conhecimento no art. 265,
estatuindo que ele se suspende: I) pela morte ou perda de capacidade processual de qualquer das
partes, de seu representante legal ou de seu procurador; II) pela convenção das partes; III) quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de
suspeição ou impedimento do juiz; ou IV) quando a sentença de mérito: a) depender do
julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica,
que constitua o objeto principal de outro processo pendente; b) não puder ser proferida senão
depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo; c)
tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente.
Também suspende-se o processo, segundo os dois últimos incisos do art. 265, por motivo de
força maior ou ainda em outros casos que o Código de Processo Civil regular.
Determinada a suspensão do processo, fica proibida a qualquer dos seus sujeitos a prática de
atos processuais. Excetuam-se dessa regra os atos reputados urgentes, destinados a prevenir a
ocorrência de danos irreparáveis (art. 266 do CPC).
O vício enumerado no inc. Ido art. 265 representa indubitavelmente situação grave que pode
acontecer no processo. Em relação à parte, re-
SUSPENSÃO DO PROCESSO
229
presenta a extinção de sua capacidade de ser parte (pela morte) ou de estar ern juízo (diante da
perda de sua capacidade civil).1 Sem esses pressupostos processuais subjetivos, certamente, o
processo não pode prosseguir. De outro lado, a perda de capacidade do procurador da parte gera
falta de capacidade postulatória, outro motivo também relevante para o desenvolvimento válido
do processo.
Conforme estabelece o § 1.° do art. 265, "no caso de morte ou perda da capacidade processual
de qualquer das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento ou a incapacidade,
o juiz suspenderá o processo, salvo seja tiver iniciado a audiência de instrução e julgamento".
Nesse caso, o advogado continuará no processo até o encerramento da audiência, sendo que o
processo só se suspenderá a partir da publicação da sentença ou do acórdão (art. 265, § 1.°, a e
b).
Quando ocorrer a morte ou a perda de capacidade do advogado da parte, sendo inviável o
prosseguimento do processo sem a adequada representação por advogado, determinará o juiz a
suspensão do processo -em qualquer fase em que este se encontrar -, marcando prazo de vinte
dias para que a parte constitua novo procurador. Não sendo constituído novo procurador, e não
havendo "justa causa", respeitado o prazo o processo será extinto sem julgamento de mérito (se
o advogado for do autor), ou será a parte tida como revel (se o representante judicial faltante for
do réu).
Outra causa de suspensão do processo é a convenção das partes. Negócio jurídico processual
que é, determina, dentro dos limites legais, a paralisação do processo, por prazo improrrogável
nunca superior (no processo de conhecimento) a seis meses (art. 265, § 3.°, do CPC). A suspensão do processo por deliberação das partes, todavia, não é capaz de impedir o curso de
prazos peremptórios já fixados, como, por exemplo, o prazo para recurso (art. 182 do CPC),
tornando-se também inoperante enquanto está sendo praticado determinado ato processual. 2
(l)
Observe-se que essa hipótese não se aplica apenas à pessoa física. Também a pessoa jurídica em situação análoga
(extinta, falida etc.) será submetida a idêntico regime.
l2)
V. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. vol. 2, p. 358.
230
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O oferecimento de exceção de incompetência, impedimento ou sus-peiçãotambém écausa de
.suspensão doprocesso, seja em primeiro grau, seja perante o tribunal. A suspensão, nesse
caso, durará até o "julgamento definitivo " da exceção (art. 306 do CPC). Esse "julgamento
definitivo ", todavia, não se confunde com a preclusão da decisão sobre a competência, o
impedimento ou a suspeição.3 O "julgamento definitivo", a que alude a lei processual como
termo final para a suspensão, deve ser entendido como a primeira decisão sobre o "mérito " da
exceção. No caso da exceção de incompetência, esse momento corresponde ao julgamento da
exceção pelo próprio juiz da causa; já no caso das exceções de impedimento e de suspeição,
duas ocasiões podem gerar essa primeira decisão: em sendo acolhida a exceção pelo juiz
argüido, essa será a decisão definitiva do incidente. Em havendo discordância da impugnação
pelo juiz excepto, não será ele quem julgará o incidente, mas sim o tribunal. De toda sorte, os
prazos processuais somente voltarão a fluir da intimação às partes da decisão do incidente (no
caso de sua rejeição) ou da intimação da chegada dos autos ao novo juiz da causa (quando
qualquer dessas exceções for acolhida).
Nesse caso de suspensão, o que se suspende é o curso normal do procedimento, sendo aí
proibido praticar atos processuais, a não ser os urgentes. O incidente (exceção), por razões
óbvias, não se submete à vedação imposta pelo art. 266 do CPC.
A superveniência de questão prejudicial é outra causa de suspensão do processo. Note-se que a
lei processual, ao aludir à suspensão do processo, somente autoriza sua suspensão quando o
exame da questão prejudicial não possa ser feito, primariamente, pelo próprio juiz da causa.
As questões prejudiciais podem atuar diretamente sobre a ação (legitimidade para a causa, por
exemplo) ou apenas impedir a prolação de sentença sobre a procedência ou não do pedido
(porque constituem ele0)
O que, com a atual sistemática dos recursos constitucionais, eventualmente cabíveis nesses casos, pode coincidir
com o trânsito em julgado da sentença definitiva (por conta dos recursos extraordinário e especial retidos, a serem
julgados somente por ocasião do exame dos recursos especial e extraordinário interpostos contra a decisão final).
Obviamente, semelhante interpretação não pode ser aceita, sob pena de impedir, de maneira absoluta, o prosseguimento da causa, criando círculo vicioso de inatingível solução.
r
SUSPENSÃO DO PROCESSO
231
nientos lógicos anteriores ao exame do mérito). De outra parte, podem também ser ditas
internas ou externas. As primeiras tocam diretamente ao juiz da causa conhecer, ao passo que as
outras se referem a outro processo - seja de matéria cível (questão prejudicial homogênea), seja
de matéria criminal (questão prejudicial heterogênea).
Somente as questões prejudiciais externas permitem a suspensão do processo. As internas serão
resolvidas dentro do processo, seja inciden-talmente, como fundamento da decisão final, seja
autonomamente, por meio da ação declaratória incidental, e somente autorizarão a suspensão do
feito na hipótese prevista na letra c do inc. IV do art. 265, ou seja, quando a decisão da lide
principal "tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração
incidente".
Surgindo no processo o exame de questão prejudicial que se enquadre nos moldes do inc. IV do
art. 265, determinará o juiz sua suspensão, até o julgamento dessa questão. O prazo de
suspensão, porém, não poderá exceder a um ano, findo o qual deve o feito retomar seu curso
(art. 265, § 5.°). Excetua-se dessa regra de prazo a hipótese do art. 110 do CPC -que trata de
questão prejudicial heterogênea (existência de fato delituoso) —, em que, se não oferecida a
denúncia ou queixa no prazo de trinta dias, o processo civil retomará seu curso, conhecendo o
juiz da questão prejudicial heterogênea.
A última das causas expressamente arroladas pelo art. 265, para suspensão do processo, é a
força maior. Esta resulta de evento externo à vontade das partes (não causado por sua atuação),
e que se mostre invencível. Diante da impossibilidade concreta de se dar seguimento ao feito,
deve o processo ficar suspenso, até que a situação se normalize. Imagine-se, por exemplo, a
ocorrência de calamidade pública no local em que tramita o feito, ou greve dos agentes
judiciários. Em situações como essas, certamente há razão suficiente para a suspensão do
processo.
Por derradeiro, estabelece o art. 265 que o processo deve suspender-se nos demais casos
regulados pelo Código de Processo Civil. O dispositivo limita-se a autorizar a suspensão nos
demais casos regulados pelo CPC (art. 265, VI), mas é certo que, em havendo lei federal outra
que assim preveja, não há razão para negar-se a extensão do dispositivo a tais hipóteses. São
exemplos dessas previsões as regras dos arts. 173 (férias forenses) e 72 (denunciação da lide) do
CPC, ou ainda a do art. 18 da Lei 6.024/74 (liquidação extrajudicial de instituições financeiras).
8
TUTELA ANTECIPATORIA
SUMÁRIO: 8.1 O uso não cautelar da tutela cautelar em vista da necessidade de maior lempestividade da tutela
jurisdicional - 8.2 Tutela anteci-patória e tutela cautelar- 8.3 A quebra da regra de que não há execução no curso do
processo de conhecimento - 8.4 Tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano: 8.4.1 Primeiras
considerações; 8.4.2 Prova inequívoca capaz de fazer surgir a verossimilhança; 8.4.3 Procedimentos compatíveis com
a tutela antecipatória; 8.4.4 Momento da concessão da tutela antecipatória baseada em fundado receio de dano; 8.4.5
A tutela antecipatória baseada em fundado receio de dano em face das diversas modalidades de sentença; 8.4.6 Um
aprofundamento na distinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar; 8.4.7 O novo § 7.° do art. 273; 8.4.8 A
denominada "irreversibilidade"; 8.4.9 A efetivação da tutela antecipatória- 8.5 Tutela antecipatória baseada no art.
273, II e § 6.°: 8.5.1 Primeiras considerações; 8.5.2 A técnica da reserva da cognição da exceção substancial indireta
infundada e a técnica monitoria (art. 273, II); 8.5.3 Técnica da não-contestação ou do reconhecimento jurídico parcial
(art. 273, § 6.°); 8.5.4 Técnica do julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados (art.
273, § 6.°).
8.1 O uso não cautelar da tutela cautelar em vista da necessidade de maior tempestividade
da tutela jurisdicional
A morosidade da prestação jurisdicional, oriunda, como é sabido, das mais diversas causas,
também está ligada à ineficiência do velho procedimento ordinário, cuja estrutura encontrava-se
superada antes da introdução da tutela antecipatória no Código de Processo Civil.
A inefetividade do antigo procedimento ordinário transformou o art. 798 do CPC em autêntica
"válvula de escape" para a prestação da tutela jurisdicional tempestiva. De fato, a tutela cautelar
transformou-se em
TUTELA ANTECIPATÓRIA
233
técnica de sumarização do processo de conhecimento e, em última análise, em remédio contra a
ineficiência do velho procedimento ordinário, viabilizando a obtenção antecipada da tutela que
somente poderia ser concedida ao final.
A tutela antecipatória, em outras palavras, foi tratada como tutela cautelar, embora esta última
tenha por fim apenas assegurar a viabilidade da realização do direito. É claro que essa distorção
foi fruto da necessidade de celeridade e da exigência de efetividade da tutela dos direitos. Mas
era necessária a sistematização das formas de tutela sumária; talsis-tematização foi resultado da
manifestação da técnica processual a serviço dos ideais de efetividade do processo e, portanto,
de efetivo acesso à ordem jurídica justa.
0 uso da tutela cautelar com fim satisfativo, ou como técnica de antecipação da tutela de
conhecimento, aliado ao problema, que se verificava com muita freqüência na prática forense,
da desnecessária duplicação de procedimentos para a tutela do direito material e da impossibilidade da realização de parcela do direito evidenciado no curso do processo, levou o legislador
brasileiro a introduzir no Código de Processo Civil a norma que hoje consta no art. 273, in
verbis:
"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da
verossimilhança da alegação e:
1 — haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do
réu.
§ 1.° Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu
convencimento.
§ 2.° Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do
provimento antecipado.
§ 3.° A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme a sua natureza, as
normas previstas nos arts. 588,461 ,§§ 4.° e 5.°,e461-A.
§ 4.° A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
234
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
§ 5.° Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6.° A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos
cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7.° Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar,
poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em
caráter incidental do processo ajuizado."
A tutela antecipatória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento, constituindo
verdadeira arma contra os males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo
viável não apenas para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273,1, CPC), mas
também para que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da
evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu (art. 273, II e § 6.°, CPC).
Em última análise, é correto dizer que a técnica antecipatória visa apenas a distribuir o ônus do
tempo do processo. É preciso que os operadores do direito compreendam a importância do novo
instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos para timidez no seu uso, pois o remédio
surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre
prejudicou o autor que tem razão. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver
efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a
antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo
quanto o juiz que julga mal. Prudência e equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da
justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo do antigo procedimento ordinário - no qual
alguns imaginam que ele não erra - para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de um
juiz que trata dos "novos direitos" e que também tem que entender-para cumprir sua função sem
deixar de lado sua responsabilidade social - que as novas situações carentes de tutela não
podem, em casos não raros, suportar o mesmo tempo que era gasto para a realização dos direitos
de sessenta anos atrás, época em que foi publicada a célebre obra de CALAMANDREI,1
sistematizando as providências cautelares.
'" Introduzione alio stuclio sistemático deiprovvedimenti caiitekiri. Padova: Cedam, 1936.
TUTFXA ANTECIPATÓRIA
235
8.2 Tutela anteeipatória e tutela cautelar
É importante distinguir a tutela cautelar da tutela anteeipatória. A provisoriedade, isto é, o fato
de a "decisão" ser dotada de cognição sumária não é nota que possa servir para essa distinção. A
tutela cautelar não pode satisfazer, ainda que provisoriamente, o direito acautelado. A tutela
cautelar não pode assumir uma configuração que desnature sua função, pois, de outra forma,
restará como simples tutela de cognição sumária, ou, como bem advertem SATTA2 e VERDE,3
"ilprovvedimento urgente in urgenza di provvedimento".
A distinção entre a tutela anteeipatória e a tutela cautelar é evidente. Cabe advertir que a tutela
anteeipatória foi introduzida no Código de Processo Civil justamente pela razão de que a
doutrina e a jurisprudência anteriores ao ano de 1994 não admitiam que o autor pudesse
obterá satisfação de seu direito mediante a ação cautelar, que nessa perspectiva seria usada
como técnica de antecipação da tutela que deveria ser prestada pelo processo de conhecimento
ou pelo processo de execução. Melhor explicando: como a prática forense evidenciou a
necessidade de uma tutela mais célere, e assim da "antecipação da tutela ", e essa "antecipação
" - segundo a jurisprudência — não podia ser obtida por meio da ação cautelar, o legislador
corrigiu o Código de Processo Civil para viabilizar tutela tempestiva e efetiva nos casos de
"fundado receio de dano" e de "abuso de direito de defesa", nele inserindo o art. 273.
Na verdade, como o Código de Processo Civil italiano não foi devidamente alterado (como o
brasileiro), a doutrina italiana contemporânea, por estar ciente, em decorrência de sinais
advindos da prática forense, da necessidade de tutela antecipada, somente pode encontrar fundamento para ela na norma (art. 700, CPC italiano) que abre ensejo à tutela cautelar inominada. A
doutrina italiana clássica, contudo, não admitia que a tutela cautelar pudesse implicar a
realização do direito afirmado em juízo. Para essa doutrina, quando não houvesse a
possibilidade de declaração (coisa julgada material) ou de execução (realização forçada)
<2
' "Piovvcdimenti d' urgenza c urgenza diprovvedimenti". In Soliloqui e colloqui
di un giurista. Padova: Cedam, 1968. p. 392-395. o> "Considerazioni sul procedimento d'urgenza". In Iprocessi
speciali; stueli
offerti ei Virgílio Andríoli dai suoi allievi. Napoli: Jovene, 1979. p. 420.
236
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do direito (processos de conhecimento e de execução), a tutela somente poderia ser cautelar,
pois era inconcebível que se permitisse a realização de um direito antes que fosse conferida às
partes ampla possibilidade de participação em contraditório ou, o que é o mesmo, antes de o juiz
ter encontrado a "verdade" ou proferido sentença no processo de conhecimento.
Como o Código de Processo Civil italiano ainda não foi alterado, e a sua realidade normativa
não prevê uma tutela antecipatoria similar a do direito brasileiro, a doutrina italiana insiste em
buscar na base da ação cautelar inominada (no art. 700) o fundamento para a tutela antecipatoria. Se é assim, essa doutrina não pode admitir (ao menos expressamente) que a tutela
antecipatoria não tem identidade com a tutela cautelar, e apenas por isso prossegue pensando
apenas em tutela de conhecimento, tutela executiva e tutela cautelar. Em outras palavras, para
tal doutrina a tutela que é obtida antes da realização plena do contraditório, e desta forma
mediante cognição sumária, é cautelar, pouco importando a função por ela desempenhada (de
segurança da efetividade da tutela final ou de sua antecipação). De modo que a marca da tutela
antecipatoria, na doutrina italiana, é a "provisoriedade", e não a função que é desempenhada
pela tutela jurisdicional no plano do direito material. Como não há outra saída, a doutrina
italiana despreza o plano do direito material para sustentar a possibilidade de obtenção da tutela
antecipatoria. Isso não precisa (e não pode) ser feito perante o direito brasileiro, pois a tutela
antecipatoria é expressamente prevista em nosso Código de Processo Civil. Não é preciso fingir
que a tutela antecipatoria é cautelar, negando-se a relação entre processo e direito, para que a
tutela antecipatoria possa ser admitida na prática forense!
Classificar as tutelas de cognição sumária, tomando-se como critério a provisoriedade (que é um
critério processual), contradiz a idéia de se pensar a tutela jurisdicional na perspectiva do direito
material, ou da instrumentalidade do processo em relação ao direito material. Se a tutela, ainda
que fundada em cognição sumária (fumus boni iuris), dá ao autor o resultado prático que ele
procura obter através da própria tutela final, não é possível dizer que essa tutela esteja apenas
assegurando o "resultado útil" do processo. Como é óbvio, se o único "resultado útil" que se
poderia esperar do processo foi dado desde logo ao autor, torna-se no mínimo equivocado
pensar que não foi concedido ao autor o direito
TUTELA ANTECIPATÓRIA
237
material buscado, mas apenas assegurado o resultado que se esperava ver cumprido pelo processo. Ora, o
resultado do processo somente pode ser o de se dar ao autor o direito material que ele afirma possuir!
Quem fala em "tutela provisória" nada diz para quem está preocupado com um processo que responda às
necessidades do direito substancial.
Se o direito já foi violado, a tutela sumária pode repará-lo imediatamente ou apenas assegurar a
efetividade de sua reparação. Aí não pode haver dúvida sobre a diferença entre tutela antecipatória e
tutela cautelar. A tutela ressarcitória antecipada, ou mesmo a tutela reintegratória antecipada (v.g.,
demolição imediata de obra construída em desacordo com as posturas municipais), evidentemente não se
confunde com a tutela que se destina apenas a assegurar a viabilidade da reparação do direito já violado.
Da mesma forma, em relação ao inadimplemento de obrigação contratual, é visível a diferença entre a
tutela que dá ao autor desde logo o resultado do adimplemento e a tutela que apenas assegura que tal
resultado possa ser obtido.
O problema surge quando a doutrina se depara com a tutela inibitó-ria, isto é, com uma situação em que o
direito ainda não foi violado. A doutrina apegada às velhas conceituações italianas evidentemente tem
dificuldade para compreender a ação inibitória. É que o Código de Processo Civil italiano não possui
norma similar àquela que está posta no art. 461 do nosso Código, e assim não possui instrumentos
processuais que possam abrir ensejo a uma "ação inibitória" capaz de atender a qualquer situação de
direito substancial dela carecedora. O Código de Processo Civil italiano não dá ao juiz o poder de ordenar
4
sob pena de multa, e aí pode ser lembrada a idéia sustentada pela doutrina italiana clássica no sentido de
que a imposição de multa antes que uma norma houvesse sido violada implicaria em restrição ao direito
de liberdade (?!).
No direito italiano não há ação inibitória de conhecimento (por ausência da previsão da possibilidade de o
juiz valer-se de algo semelhante à multa). Na Itália, salvo hipóteses tipificadas na lei, a tutela inibitória
somente pode ser prestada com base em norma (a do art. 700 do CPC) similar a do nosso art. 798 do CPC
(reconhecida no direito italiano como o fundamento da ação cautelarinominada). Foi a prática forense
italiana
1
Ludovico Barassi. La teoria gene rale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1964. p. 428.
238
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que exigiu, por necessidade de proteção dos "novos direitos", que o art. 700 do CPC italiano
(base da tutela cautelar inominada) passasse a ser o fundamento da tutela inibitória.
Em outros termos: a tutela inibitória (preventiva) é postulada na Itália com base no art. 700, que
gera uma tutela inibitória provisória (rotulada de cautelar). Uma vez concedida a tutela inibitória
provisória (denominada de cautelar), a parte autora (exatamente porque já obteve do Poder
Judiciário aquilo que procurava e desej ava), vê-se obrigada a prosseguir com a ação de
conhecimento apenas por razão de técnica processual. É que a ação cautelar, como é sabido, não
pode satisfazer o autor ou exaurir a sua (a do autor) procura pelo Poder Judiciário.
Como está absolutamente claro, o que falta ao Código de Processo Civil italiano é uma norma
similar àquela escrita no nosso art. 461, e assim uma ação inibitória de conhecimento nos
moldes da nossa. Quando o Código italiano for corrigido, pelo simples fato de que passará a
existir ação inibitória de conhecimento, ninguém mais precisará procurar ação cautelar para
obter tutela inibitória! Por enquanto, a tutela inibitória é confundida com a cautelar — na Itália
— pela razão de que inexiste ação inibitória de conhecimento no Código de Processo Civil
italiano. Quando se verifica que a tutela inibitória pode ser obtida—de forma semelhante ao que
ocorre com o interdito proibitório - por meio da ação de conhecimento, fica claro que a tutela
final inibitória a ser prestada através desta ação pode ser antecipada em razão de "perigo de
dano", quando existirá tutela inibitória antecipada e não tutela cautelar. No direito brasileiro, a
tutela inibitória evidentemente não pode ser confundida com a cautelar. A primeira pode ser
tutela final ou tutela antecipada. Se a tutela inibitória antecipada tem que ser chamada de
cautelar na Itália, é desarrazoada a confusão entre essas tutelas no Brasil. Aqui, ao contrário do
que ocorre na Itália, é bastante fácil distinguir tutela inibitória antecipada e tutela cautelar, ainda
que ambas tenham a ver com a noção de "perigo".
Ora, se a tutela inibitória (preventiva), absolutamente necessária para a proteção dos novos
direitos, somente pode ser prestada, à falta de melhor sistematização no Código de Processo
Civil italiano, sob o rótulo de "cautelar", é compreensível que boa parte da doutrina brasileira,
ao buscar inspiração na doutrina italiana (que toma em consideração outra realidade
normativa), não consiga perceber que não há razão para se confundir a tutela que visa
antecipada e imediatamente impedir a prática
TUTELA ANTECIPATÓRIA
239
do ilícito, com a tutela que visa garantir a efetividade da tutela (final) que se destina a reparar
um direito que já foi violado. Na verdade é um grande equívoco, ao menos quando se pensa no
processo na ótica do direito material, deixar de distinguir a tutela que objetiva impedir a
violação de um direito (tutela inibitória) da tutela que, para ser prestada, deve admitir sua
violação, dirigindo-se a impedir que o tempo do processo de conhecimento não permita sua
efetiva reparação (tutela que visa assegurara efetividade da tutela ressarcitória).
Aliás, a doutrina italiana que pensa de forma mais crítica reconhece que a propositura de ação
cautelar para a obtenção de tutela inibitória inutiliza a célebre marca da instrumentalidade,
que é apontada pela doutrina como uma das principais características da tutela cautelar.
Vittorio Denti, um dos mais importantes processualistas contemporâneos, lembra que as
pressões sociais por tutela jurisdicio-nal adequada, principalmente para os direitos da
personalidade, levaram ao uso não cautelar do art. 700 do Código italiano, ou ao surgimento
de uma tutela de urgência "confunzione non cautelare", ou seja, não vinculada
"strumentalmente con Ia tutela che Vart. 700 definisce ordinária ",5
A tutela que realiza o direito material afirmado pelo autor (dita satis-fativa), ainda que com base
em cognição sumária, não pode ser definida como cautelar. É importante observar que o caráter
da "satisfatividade" da tutela jurisdicional nada tem a ver com a formação da coisa julgada
material. A tutela que satisfaz antecipadamente o direito material, ainda que sem produzir
coisajulgada material, evidentemente não é uma tutela que possa ser definida a partir da
característica da instrumentalidade. No plano do direito material, a tutela antecipatória dá ao
autor tudo aquilo que ele esperaria obter através do processo de conhecimento. A tutela
antecipatória, ao contrário da tutela cautelar, embora seja caracterizada pela provisoriedade, não
é caracterizada pela instrumentalidade, ou melhor, não é instrumento que se destina a assegurar
a utilidade da tutela final. É por isso que a nota da provisoriedade, presente tanto na tutela
cautelar quanto na tutela antecipatória, nada diz de proveitoso para a distinção entre as tutelas.
(5)
DENTI, Vittorio. "Diritti delia persona e tecniche di tutela giudizialc". In L'infonmi7Jone e i
diritti delia persona. Napoli: Jovenc, 1983. p. 263.
240
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Note-se que mesmo na Itália, onde a tutela antecipatória contra o periculum in mora encontra
fundamento no próprio art. 700 do CPC (que é a base normativa da tutela cautelar inominada),
não são poucas as advertências para o equívoco de se supor como "cautelar" a tutela que satisfaz
antecipadamente o direito material. GiovanniVerde, empassagemque bem expressa a
necessidade de uma elaboração legislativa e dogmática capaz de conferir os devidos contornos
às tutelas de cognição sumária, afirma que seria sinal de escassa honestidade intelectual ou,
mesmo, de ingenuidade não escusável, pensar que o pagamento que satisfaz um crédito alimentar, ainda que fundado em provimento cautelar, não implique satisfação do direito de
crédito, mas sirva apenas para acautelá-lo.b
Sublinhe-se, além disso, que a doutrina alemã, exatamente para demonstrar a diferença entre as
tutelas destinadas a assegurar a futura satisfação do direito e as tutelas dirigidas a satisfazê -lo,
delineou uma contraposição entre Sieherungsverfügungen e Befriedigungsverfügungen, observando que o nome "cautelar" deveria ser atribuído apenas aos provimentos da primeira
espécie, enquanto que os provimentos do segundo tipo deveriam ser chamados de
"satisfativos".7
O entendimento exposto já vem sendo adotado pelos tribunais brasileiros, que repetidamente
vêm reconhecendo que a tutela antecipatória confere antecipadamente aquilo que é buscado
através do pedido formulado na ação de conhecimento, enquanto que na tutela cautelar há
apenas a concessão de medidas que, diante de uma situação objetiva de perigo, procuram
assegurar a frutuosidade do provimento da ação chamada de principal.8
Edoardo Ricci, professor da Universidade de Milão, ao comentar recente alteração do Código de
Processo Civil italiano, afirma que somente devem ser chamadas de "cautelares" aquelas tutelas
que se destinam a tornar possível a satisfação do direito sem provocar sua imediata satisfação. 9
O mesmo Ricci, ao debruçar-se sobre a tutela antecipatória
"'' VERDE, Giovanni. "L'attuazione delia tutela cTurgenza". In La tutela d'urgenzci. Rimini: Maggioli Editore,
1985. p. 92.
(7)
Ver Edoardo Ricci, "Comentário ao artigo 7.° da Lei n. 534/95", in Le nuove leggi civili commentate, Legge 2
dicembre 1995, n. 534, p. 650.
(8)
TAPR, 4.a CC, AI 0132.576-8, Rei. Juiz Jurandyr Souza Jr., julgado em 30.06.1999, DJ 06.08.1999.
(<J|
RICCI, Edoardo. "Comentário ao artigo 7.° da Lei n. 534/95", cit., p. 650.
TUTELA ANTECIPATORIA
241
brasileira (em artigo publicado na Revista de Direito Processual Civil), e depois de elogiar a
disposição do art. 273 do Código brasileiro, repu-tando-a modelo a ser seguido pelos países
europeus, diz que a questão de saber se a tutela antecipatoria integra ou não a mais vasta
categoria da tutela cautelar é debatida no Brasil e suscita um sinal de discussão também na
Itália. Diz ele: "E não falta para o surgir do problema uma específica justificação. Quando nasce
um novo instituto é quase inevitável perguntar-se se ele pode ou não ser sistematizado no
âmbito de categorias já conhecidas; e o instituto novo da tutela antecipatoria parece vizinho da
já conhecida categoria da tutela cautelar, dada sua característica muito pecul iar: a
provisoriedade. Tudo depende dos li mi tes mais ou menos amplos que se pretende atribuir ao
conceito de tutela cautelar; as dúvidas atinentes à aptidão de a tutela cautelar encerrar em seu
próprio âmbito a tutela antecipatoria emergem sobretudo de um dado típico da tutela cautelar,
consistente na instrumentalidade em relação à tutela de mérito. Essa instrumentalidade pode
variar no seu aspecto positivo. Mas oferece seguramente um aspecto negativo: só pode ser
instrumental em relação à tutela de mérito uma tutela que não coincida com esta ".'"
Segundo Ricci, "se definirmos 'tutela de mérito' a tutela completa do direito subjetivo, que pode
ser obtida, seja através da sentença do processo de conhecimento, seja mediante sua execução, a
antítese entre tutela instrumental (e portanto cautelar) e tutela antecipatoria corre o risco de ser
concretamente atenuada todas as vezes que o conteúdo da tutela antecipatoria for muito tímido
ou prudente". E prossegue: "sob esse aspecto, a análise provavelmente merece ser fixada mais
no problema da concreta atuação e satisfação do direito do que naquele referente a sua
declaração. Se em sede de atuação do direito decorrente do provimento antecipatório se devesse
parar antes da satisfação efetiva do direito material, seria quase inevitável que os escopos dos
efeitos do provimento antecipado parecessem, na verdade, meramente instrumentais em relação
a uma futura satisfação; e aqui deve ser lembrado que apenho-ra sem possibilidade de
alienação corre o risco de ser equiparada a uma espécie de arresto".''
(l0)
RICCI, Edoardo. "A tutela antecipatoria brasileira vista por um italiano". Revista de Direito Processual Civil.
Curitiba: Gênesis, vol. 6, p. 708.
"" RICCI, Edoardo. "A tutela antecipatoria brasileira vista por um italiano", cit., p. 708.
242
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Como demonstra Ricci, a conveniência de atribuir ao provimento antecipatório (e, ao mesmo
tempo, à sentença de primeiro grau) imediata aptidão para provocar a efetiva e completa
satisfação do direito tutelado tem, portanto, também preciso significado teórico: a atuação é necessária para que, sob o prisma do conteúdo, a tutela antecipatória se destaque da tutela
meramente instrumental (e portanto cautelar).n
Isto quer dizer, precisamente, que atribuir natureza "cautelar" à tutela do art. 273 pode levará
conclusão, demasiadamente absurda, de que a execução da tutela antecipatória do direito de
crédito deve parar na penhora, assim como ocorria na "execuçãoprovisória " da sentença.
Ora, quem admite que a tutela antecipatória deve ficar limitada à penhora não só equipara
essa tutela ao arresto, como despreza a própria teleologia da tutela antecipatória, que não se
destina, a toda evidência, apenas a assegurar a viabilidade da realização do direito de crédito.
Para demonstrar, de forma definitiva, que a tutela antecipatória não pode ser confundida com a
cautelar, é imprescindível voltar a frisar o seguinte: é necessário que se perceba a diferença de
fim entre a antecipação do pagamento de soma em dinheiro e o arresto. A antecipação do
pagamento de soma em dinheiro não visa, como é óbvio, à segurança do juízo ou do direito de
crédito. O autor, no caso da antecipação, não pode esperar, sem dano grave, a realização do
direito de crédito. A doutrina alemã já deixou claro que o arresto não obsta a antecipação do
pagamento de soma em dinheiro, demonstrando que o fim da antecipação não é acautelar o
direito de crédito, mas proteger o direito que somente através da realização do direito de crédito
pode ser adequadamente tutelado. A antecipação do pagamento, quando fundada no inc. 1 do
art. 273, é medida idônea para impedir prejuízo irreparável a um direito conexo ao direito de
crédito, enquanto o arresto é medida capaz de assegurar a viabilidade da realização do direito de
crédito. A antecipação fundada em receio de dano a um direito conexo ao direito de crédito não
pode ser suspensa após a penhora, não só porque o caso não é de necessidade de segurança do
direito de crédito, mas principalmente porque, no caso de antecipação, a espera pode trazer
prejuízos ao direito que lhe é conexo.13
"-' Idem, ibidem.
" !) MAR1N0NI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela, cit., p. 192 e ss.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
243
Na realidade, a tutela provisória somente pode ser considerada instrumento da tutela final
quando, além de não realizar a missão que se espera ver cumprida por esta última, dirige-se a
assegurar sua efetividade.
Atribuir natureza cautelar à tutela do art. 273 - que foi inserida no Livro do Processo de
Conhecimento e denominada expressamente "antecipada" - é tentar rejeitar algo que coloca o
direito processual brasileiro em posição de destaque no cenário mundial. É de fato curioso: parte
da doutrina brasileira, ao prestar homenagem à doutrina italiana clássica, especialmente à de
Calamandrei, que escreveu sobre tutela de urgência—é bom que se diga - antes da Segunda
Guerra Mundial, tenta inutilizar, em nítido sinal de complexo tupiniquim, o que há de melhor
no Código de Processo Civil brasileiro- algo que, ao que tudo indica, deveria ser imitado pelos
ordenamentos jurídicos estrangeiros.
Reafirme-se que a tutela antecipada, em face do perigo de dano irreparável, somente passou a
ser admitida, no direito italiano, em razão das pressões sociais por tutela jurisdicional adequada
e mediante interpretação forçada da palavra "assicurare", presente no art. 700. Tanto é verdade
que recente projeto - que objetivava a alteração do referido art. 700 -, elaborado pela "Comissão
Tarzia", visava deixar clara a possibilidade de o juiz conceder tutela destinada a assegurar ou a
antecipar a tutela final.
Para finalizar, é importante transcrever a conclusão de Ricci, exposta no artigo "Possíveis
novidades sobre a tutela antecipada na Itália", publicado no vol. 7 da Revista de Direito
Processual Civil: "Estou plenamente convicto de que os provimentos antecipatórios possuam
natureza diversa dos provimentos cautelares; e, portanto, não posso olhar com simpatia uma
união indiscriminada dos provimentos antecipatórios e dos provimentos cautelares do ponto de
vista da disciplina. É, por outro lado, verdadeiro, que a separação teórica entre provimentos
antecipatórios e provimentos cautelares nem sempre é advertida na Europa com a mesma
precisão que é advertida na doutrina brasileira. Mas as minhas convicções levam-me a
compartilhar, sobre este tema, das orientações da doutrina brasileira" .[i
1141
RICCI, Edoardo. "Possíveis novidades sobre a tutela antecipada na Itália". Revista de Direito Processual Civil.
Curitiba: Gênesis, vol. 7, p. 92.
244
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
É confortante perceber que um dos maiores especialistas em tutela antecipatória na Itália
aplaude a orientação da doutrina brasileira, que, corajosamente, e em confronto com a doutrina
italiana clássica, soube distinguir a tutela antecipatória da tutela cautelar.
8.3 A quebra da regra de que não há execução no curso do processo de conhecimento
A tutela antecipatória rompe com o princípio da nulla executio sine titulo, fundamento da
separação entre os processos de conhecimento e de execução. Frise-se que a doutrina clássica
concebia três formas de processos: i) conhecimento (que objetiva verificar a procedência da alegação realizada pelo autor, e assim somente pode ser finalizado após ter concedido às partes
ampla oportunidade de alegação e produção de provas); ii) execução (que supõe um título
executivo judicial ou extrajudicial ou um direito já declarado, visando sua realização concreta;
por exemplo: sentença condenatória ou cheque); e iii) cautelar (destinado a assegurar o processo
de conhecimento ou o processo de execução, e deste modo não tendo o objetivo de realizar o
direito — satisfazer o autor). Resumindo: não era possível a realização de um direito antes de
ele ter sido declarado no processo de conhecimento. A execução exigia, como pressuposto, o
título executivo; e a sentença condenatória constitui título executivo (ver art. 584,1, CPC).
Como se vê, a teoria processual mais antiga, ao classificar os processos, chamou de processo de
conhecimento aquele destinado a declarar a existência do direito, e de processo de execução
aquele voltado a realizar concretamente o direito já declarado.
O processo de conhecimento deveria averiguar a existência do direito afirmado pelo autor - ou
descobrir a verdade - para que então o juiz pudesse proferir a sentença, declarando - ou não - a
existência do direito. A execução somente poderia ter início depois de declarado o direito do
autor.
A execução, assim, teria como pressuposto a declaração do direito do autor ou o trânsito em
julgado da sentença a ele favorável com a conseqüente formação da coisa julgada material. A
coisa julgada material, de fato, sempre foi considerada o fundamento lógico-jurídico da
execução, uma vez que é ela que torna indiscutível a declaração contida na sentença.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
245
Se o trânsito em julgado da sentença condenatória seria imprescindível para a formação do título
executivo judicial, nenhuma diferença poderia haver em se falar que a coisa julgada é o
fundamento lógico-ju-rídico da execução ou que a execução depende de uma sentença condenatória transitada em julgado ou de um título executivo.
O princípio da nulla executio sine titulo foi concebido para deixar claro que a execução não
poderia ser iniciada sem título, e que este, no caso de sentença condenatória, deveria conter em
si um direito já declarado ou não mais passível de discussão. O pensamento clássico pode ser
facilmente compreendido através desta lição de Cario Fumo: "A impossibilidade de recorrer
diretamente avia executiva e a necessidade conseqüente de obter um título executivo judicial
através de um processo de conhecimento se explicam facilmente pela existência de uma
situação jurídica substancial caracterizada pelo elemento de incerteza. Com base nesse segundo
pressuposto, dada a necessidade de se eliminara incerteza sobre a situação jurídica
substancial, a ação não pode ser exercitada senão em via declaratória, afim de que o
antecedente lógico-jurídico da execução, que é a aptidão da ação para ser exercida in
executivis, encontre sua base na declaração e sua realização na criação do título que
condiciona a instauração da via executiva".l5
Como é fácil perceber, há uma associação muito íntima e evidente entre "descoberta da
verdade", realização plena do princípio do contraditório, declaração, coisajulgada material e
título executivo judicial. Atrás do princípio da nulla executio sine titulo está escondida a idéia
de que a esfera jurídica do réu não pode ser atingida sem a realização plena do princípio do
contraditório.
De qualquer forma, também como parece evidente, a idéia de que a execução depende de um
processo de cognição exauriente está ligada à premissa de que o juízo de cognição sumária (ou o
juízo de mera probabilidade), exatamente por ser um juízo que postecipa o direito de defesa, não
é suficiente para a instauração da execução. A execução, nesse sentido, sempre dependeu da
"certeza jurídica" — que é uma ilusão, pois qualquer pessoa mais atenta pode constatar que o
juiz, mesmo após a produção das provas e ao final do procedimento comum de conhecimento,
pode
"5) FURNO, Cario. Teoríade Ia prueba legal.Maáúd: EditorialRevistadeDerecho Privado, 1954. p. 190.
246
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
estar envolvido em situação de dúvida. Explica-se: a idéia da busca da "certeza jurídica"
somente foi lançada para encobrir o fato de que não se confiava no juiz, temendo-se que ele
pudesse arbitrariamente proteger o autor em detrimento do réu; exatamente por essa razão a
doutrina não admitia a realização do direito antes de ter sido dado ao réu ampla oportunidade de
produção de prova.
Perceba-se que o verdadeiro obstáculo para o juízo antecipatório sempre foi a possibilidade de
arbítrio do juiz; por isto é que se pensou em garantia de participação das partes (contraditório).
Contudo, a doutrina antiga, para não falar diretamente na possibilidade de arbítrio do juiz e na
necessidade de preservação do contraditório, preferiu aludir à busca da "certeza jurídica" (ou da
verdade) como pressuposto para a execução. Vej a-se a confissão do próprio Chiovenda:
"Entrementes, pode ocorrer a figura duma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a
separação entre a definitividade da cognição e a executoriedade. É o que sucede, em primeiro
lugar, quando a condenação é confirmada ou proferida em grau de apelação, e isso porque a
decisão proferida no juízo de apelação, se bem que não definitiva, por sujeita arecurso, é todavia
executória, uma vez que o recurso não suspende a execução da sentença. Conquanto seja essa
uma figura anormal, porque nos apresenta uma ação executória descoincidente, de fato, da
certeza jurídica...". '6
Note-se que a execução provisória da sentença (sujeita a recurso ao tribunal) seria uma figura
anormal, para Chiovenda, exatamente por não pressupor a "certeza jurídica ".
Em outras palavras: a execução somente poderia receber a designação de "normal" quando
posterior ao trânsito em julgado da sentença. É que nesse caso o réu não teria mais alegação
para fazer (ou recurso para interpor).
Entretanto, a realização plena do princípio do contraditório (a certeza jurídica ou a coisa julgada
material), em vista das novas necessidades de tutela, não pode mais constituir o pressuposto
lógico-jurídico para a instauração da execução ou para a concessão da tutela que satisfaça o
autor. É que as novas situações de direito substancial, ou melhor, os conflitos próprios da
sociedade contemporânea, não podem suportar o tempo ne(l6)
CHIOVEN DA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, Saraiva, ei t., vol. 1, p. 235.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
247
cessário para a definição do processo de conhecimento. Pense-se, por exemplo, no direito à
higidez do meio ambiente.
Aliás, a ação cautelar passou a ser usada de forma distorcida na prática forense exatamente em
razão da necessidade de tutela imediata dos direitos (por exemplo: direitos da personalidade).
As novas exigências de tutelajurisdicional célere epronta-responsáveis, inclusive, pela transformação da tutela cautelar em técnica de sumarização do processo de conhecimento transformaram o princípio da nulla executio sine titulo em mito. Em outros termos: os novos
conflitos, por sua própria natureza, deixaram clara a necessidade de tutela antecipatória, ou seja,
de realização do direito no curso do processo de conhecimento. Nesse caso, passou-se a admitir
a tutela do direito antes da realização plena do contraditório. Para a efetividade da tutela do
direito, restringe-se, em um primeiro momento, o direito à produção das provas, o qual mais
tarde pode ser exercido de forma integral no mesmo processo em que a tutela antecipatória é
concedida, garantido-se, dessa forma e apenas com um processo, o direito à efetividade da
tutelajurisdicional e o direito ao contraditório (que na hipótese é apenas postecipado).
Na realidade, há no procedimento comum de conhecimento enorme conflito entre o direito à
cognição definitiva (direito de defesa) e o direito à tempestividade da tutelajurisdicional. Para
que o autor não seja prejudicado pela demora do processo, deve atuar, no interior do
procedimento comum de conhecimento, uma técnica que permita a antecipação da tutela nos
casos de fundado receio de dano (art. 273,1, CPC) e de abuso de direito de defesa e de direito
evidente (art. 273, II e § 6.°, CPC).
Aliás, uma postura dogmática comprometida com a realidade exigiria que fosse redefinido o
próprio conceito de título executivo. O que estaria em jogo, na verdade, seria saber se a
qualidade de título executivo pode ser conferida a uma decisão fundada em juízo formado
apenas em parcela das provas e alegações que podem ser feitas pela parte.
Não há qualquer razão que possa impedir que uma decisão fundada em "cognição sumária"
constitua título executivo. É que a via executiva não é uma conseqüência lógica da existência do
direito. Ou melhor, a execução não é idealizada para viabilizar a realização de um direito declarado. A execução pode beneficiar um direito já declarado, ou que, em face de determinada
situação, merece ser realizado imediatamente. A necessidade da via executiva deve ser
determinada pela situação de di-
248
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
reito substancial e não por uma característica do processo (por exemplo: declaração do direito
ou coisa julgada material).
O objetivo deste item não é apenas o de demonstrar que, em vista das novas necessidades de
tutela do direito substancial, não é mais correto separar "conhecimento" e "execução", mas
especialmente o de evidenciar que a tutela antecipatória possui muito mais identidade com a
tutela jurisdicional executiva do que com a tutela cautelan
8.4 Tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano
8.4.1 Primeiras considerações
A tutela antecipatória em caso de fundado receio de dano requer dois pressupostos básicos: i)
alegação verossímil; e ii) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
8.4.2 Prova inequívoca capaz de fazer surgir a verossimilhança
O art. 273 afirma que "o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,
os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se
convença da verossimilhança da alegação".
Como se vê, o art. 273 afirma que o juiz poderá antecipar a tutela "desde que, existindo prove;
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".
Sublinhe-se, antes de mais nada, que a tutela antecipatória fundada no art. 273, II e § 6.°, tem
peculiaridades especiais no que diz respeito à prova em que se funda. Além disso, é importante
frisar que a tutela antecipatória baseada em fundado receio de dano poderá ser requerida não só
depois de encerrada a fase instrutória, como também após ter sido proferida a sentença (quando
obviamente não se pode pensar em restrição à produção da prova).
Deixe-se claro, destarte, que estamos estudando a "prova inequívoca" suficiente para o
surgimento da "verossimilhança" necessária para a concessão da tutela antecipatória de
cognição sumária baseada em fundado receio de dano.
TUTELA ANTECIPATÓR1A
249
A denominada "prova inequívoca", capaz de convencer o juiz da "verossimilhança da alegação",
somente pode ser entendida como a "prova suficiente" para o surgimento do verossímil,17
entendido como o não suficiente para a declaração da existência ou da inexistência do
direito}*
O interessado, ao requerer a tutela antecipatória, pode valer-se de prova documental, de prova
testemunhai ou pericial antecipadamente realizadas19 ede laudos ou pareceres de especialistas,
que poderão substituir, em vista da situação de urgência, aprova pericial. Ointeressado ainda
pode requerer sejam ouvidas, imediata e informalmente (vale dizer, nos dias seguintes ao requerimento de tutela), as testemunhas, a parte ou um terceiro, bem como pedir a imediata inspeção
judicial, nos termos do art. 440 do CPC.
É claro que essas várias provas têm diversos valores. A prova pericial ou testemunhai realizada
anteriormente, ainda que mediante a participação das partes em contraditório, constitui prova
documentada, não raramente confundida, entretanto, com a prova documental. Na verdade, o
documento que, por exemplo, contém a declaração testemunhai que foi feita anteriormente
prova apenas a declaração testemunhai, e não a afirmação de fato que tal declaração pretende
provar. A prova testemunhai permite a dedução da veracidade da afirmação do fato a partir da
declaração testemunhai, constituindo fonte secundária da prova.20 O testemunho é ato humano
que serve para demonstrar uma afirmação de fato, enquanto que o documento é uma coisa
(embora também produto da atividade humana) que representa um fato. O testemunho, como
ato humano, não demonstra, por si só, um fato, enquanto o documento, que é uma coisa, é
suficiente para representá-lo.
(17)
Como diz Marcheis, "secondo il pensiero giuridico moderno Ia prova consiste in una relazione inferenziale che,
partendo da un fatto noto, permette di giungere alia conoscenza in termini di probabilità di un fatto ignotto. Questa
definizione, che viene fatta risalire alTopera di Bentham, costituisce una acquisizione pacifica per Ia dottrina che, non
solo nel nostro paese, si oecupa di diritto probatório" ("Probabilità c prova: considerazioni sulla struttura dei giudizio
di fatto", Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civüe, p. 1.119,1991).
(18)
Cario Furno fala cm noção da verdade suficiente {Teoria de Ia prueba legal, cit., p. 48 e ss.).
"<J) Também de prova produzida em processo em que litiga ou litigou com o réu. (20) CARNELUTTI, Francesco.
La prova civile. 2. ed. Roma: Dell'Atteneo, 1947. p. 149 ess.
250
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A prova documental é a única que pode ser utilizada no procedimento do tipo documental, ou
sej a, é a única prova que pode ser utilizada pelo autor quando ao réu também é proibida a
produção de prova diferente da documental, o que evidentemente não ocorre no procedimento
comum. Mas a prova pericial ou testemunhai antecipadamente realizada, ou produzida em
outro processo, é prova legitimada pela participação das partes em contraditório e, assim, tem
valor evidentemente superior ao do laudo técnico unilateralmente obtido pelo interessado
(laudo fornecido por especialista).
Não há dúvida de que não é apenas a prova documental que permite a concessão da tutela
antecipatória. Aliás, se a prova documental fosse a única a viabilizar a tutela antecipatória, o
legislador não teria falado em "prova inequívoca", mas teria logo dito, para encerrar o assunto,
que somente a "prova documental" pode permitir a concessão da tutela antecipatória. A
verossimilhança pode ser encontrada através de várias provas, como já foi dito.
A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i) o valor do bem jurídico
ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de
acordo com as regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita.Quando se fala em
antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve ser prestada em tempo inferior àquele
que será necessário para o término do procedimento. Como a principal responsável pelo gasto
de tempo no processo c a produção da prova, admite-se que a tutela seja concedida antes que as
provas requeridas pelas partes tenham sido produzidas (tutela antecipada). Nesse sentido,
afirma-se que a tutela é concedida com a postecipação da produção da prova, ou com a
postecipação do contraditório. Em casos como estes, "prova inequívoca" somente pode
significar a prova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a
imediatidade em que a tutela deve ser concedida.
A prova não pode ser designada de "prova de verossimilhança" ou de "prova de certeza "■
Quandooprocedimentodeveprosseguirparaque outras provas sejam produzidas, há formação de
uma espécie de juízo, o qual deveria ser qualificado como "juízo provisório ", mas é chamado,
pelo art. 273 do CPC, de "juízo de verossimilhança ". A prova não pode ser qualificada de
"prova de certeza" ou de "prova de verossimilhança".
r
TUTELA ANTECIPATÓRIA
25 1
É o juízo, formado a partir da prova, que pode ser designado de "juízo provisório", por ser
formado no curso do procedimento tendente à cognição exauriente, mas é chamado,
equivocadamente, de "juízo de verossimilhança".
Falar que a prova deve formar um "juízo de verossimilhança", como preceitua o art. 273,
constitui tautologia. Isso porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedimento, só pode
permitir a formação de um "juízo de verossimilhança" quando se parte da concepção de que a
verdade é algo absolutamente inatingível. Entretanto, se por "juízo de verossimilhança" desejase significar juízo não formado com base na plenitude de provas e argumentos das partes, o
mais correto é falar de "juízo-provisório".
Contudo, o mais importante é a demonstração de que a diferenciação entre prova c juízo não
permite mais que se fale em prova de verossimilhança ou juízo de verossimilhança quando se
pretende aludir a um juízo provisório.
Além do mais, c importante salientar a diferença entre o objeto da prova em face da tutela
antecipatória inibitória e da tutela antecipatória repressiva.
Quando se pede tutela inibitória, objetiva-se evitar a violação de um direito. Nesse caso,
somente será possível provar fato que constitua indício de que a violação futura provavelmente
ocorrerá. Tratando-se de tutela inibitória antecipada, o juízo provisório deve ser atinente ao
fato que constitui indício de que o fato futuro provavelmente ocorrerá e à situação de que o fato
temido poderá acontecer antes da atuação da sentença.
Ao contrário, quando se solicita tutela antecipada em ação de conhecimento repressiva, o juízo
provisório deve estar centrado sobre o fato violador e sobre a necessidade de a tutela ser
prestada antecipadamente para que outro dano não venha a ocorrer. Éo caso, por exemplo, da
tutela antecipada de prestação de soma em dinheiro (ressarcitória); nessa situação importa a
probabilidade de o réu ser o responsável pelo dano e o fundado receio de que, se o
ressarcimento não ocorrer na forma antecipada, dano diverso possa ser ocasionado (por
exemplo: não possa o autor realizar operação cirúrgica, absolutamente necessária em vista do
ilícito praticado).
252
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
8.4.3 Procedimentos compatíveis com a tutela antecipatória
Não há qualquer dúvida de que a tutela antecipatória pode ser requerida nos procedimentos
ordinário e sumário. O problema surge quando se pergunta sobre a viabilidade dessa espécie de
tutela nos procedimentos especiais.
Os procedimentos especiais são estruturados em atenção a determinadas particularidades do
direito substancial. Em geral, admite-se a tutela antecipatória, nos procedimentos especiais, a
partir da constatação de que determinados direitos, em regra, não só podem ser evidenciados de
plano, mas também merecem, por sua relevância social, tratamento diferenciado no plano do
processo. Para a efetiva tutela desses direitos, o legislador desenha procedimentos que obrigam
o juiz a tutelar, ainda que provisoriamente no plano processual (com base em juízo sumário
(provisório) sobre o mérito), o direito que é evidenciado de pronto.
Os procedimentos especiais que possuem previsão de tutela antecipatória em atenção à
necessidade de proteção imediata de um direito evidente não requerem, para a concessão da
tutela antecipatória, fundado receio de dano, mas apenas a demonstração do direito afirmado, ou
o preenchimento de determinados requisitos estabelecidos pelo legislador como imprescindíveis
para a configuração da evidência do direito.
Note-se, por exemplo, que de acordo com o art. 928 do CPC, nas ações de manutenção e
reintegração de posse, "estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem
ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; caso contrário,
determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à
audiência que for designada". O art. 928, para autorizar o juiz a conceder a tutela antecipatória,
exige que a petição inicial esteja "devidamente instruída". Logo após, e para o mesmo fim,
permite que o direito seja evidenciado através de justificação, ou que o autor "justifique
previamente o alegado", obviamente para a hipótese de a inicial não estar acompanhada das
provas dos requisitos do art. 927, que assim estabelece: "incumbe ao autor provar: I — a sua
posse; II — a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação
de reintegração".
TUTELA ANTECIPATÓRIA
253
Na ação de manutenção e na ação de reintegração de posse, quando propostas dentro de ano e
dia da turbação ou do esbulho, a tutela anteci-patória pode ser concedida independentemente de
fundado receio de dano. Como é óbvio, o autor não pode requerer, na petição inicial dessas
ações, tutela antecipatória com base no art. 273,1.
Na ação proposta depois de ano e dia, na qual o autor não tem direito à tutela antecipatória
prevista no art. 928 do CPC, é possível discutir o cabimento da tutela antecipatória do art. 273,1.
Não obstante seja difícil vislumbrar fundado receio de dano - capaz de justificar a tutela do art.
273,1 - depois de passado ano e dia, pode ser aceita, em tese, a viabilidade de tal espécie de
tutela.
Por outro lado, se a tutela antecipatória (do procedimento especial), uma vez negada - ou não
requerida - por falta de evidência do direito, não é admitida após a instrução ter evidenciado o
direito, parece ser possível (no procedimento especial) a tutela antecipatória fundada no art.
273,1, notadamente quando a sentença não pode ser executada na pendência do recurso de
apelação.
O cabimento da tutela antecipatória do art. 273 deve ser analisado em face de cada espécie de
procedimento especial e tomando em consideração as diversas situações concretas que podem
ocorrer.
De acordo com o art. 59, § 1.°, da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), pode ser concedida tutela
antecipatória para desocupação em quinze dias, independentemente da audiência da parte
contrária e desde que prestada a caução no valor equivalente a três meses de aluguel, nas ações
que tiverem por fundamento exclusivo: I) o descumprimento de mútuo acordo (art. 9.°, I),
celebrado por escrito e assinado pelas partes e por duas testemunhas, no qual tenha sido ajustado
o prazo mínimo de seis meses para desocupação, contado da assinatura do instrumento; II) o
disposto no inc. II do art. 47, havendo prova escrita da rescisão do contrato de trabalho ou sendo
ela demonstrada em audiência prévia; III) o término do prazo da locação para temporada, tendo
sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato; IV) a morte
do locatário sem deixar sucessor legítimo da locação, de acordo com o referido no inc. I do art.
11, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei; V) a permanência do sublocatário
no imóvel, extinta a locação celebrada com o locatário.
254
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O legislador, ciente de que a configuração de qualquer dessas hipóteses representa sempre um
direito que, por sua evidência, deve ser realizado desde logo, admite expressamente o despejo
liminar. A questão a ser resolvida, porém, diz respeito a saber se é possível, fora desses casos, a
tutela antecipatoria do art. 273 nas ações de despejo.
O Centro de Estudos do Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ao estudar a
admissibilidade da tutela antecipatoria do art. 273 nas ações de despejo, aprovou o seguinte
enunciado: "É incabível, nas ações de despejo, a antecipação da tutela de que trata o art. 273 do
CPC, em sua nova redação" (Enunciado 31).
Note-se que uma coisa é admitir a tutela do art. 273 quando já é possível o despejo liminar;
outra é admitir a tutela do art. 273 nas demais ações de despejo.
Alguém poderia argumentar que o legislador já definiu as hipóteses de despejo liminar e que,
portanto, não é possível a tutela antecipatoria a partir do art. 273 em nenhuma ação de despejo.
Na verdade, o legislador definiu as hipóteses que, uma vez demonstradas, configuram direitos
evidentes, mas não excluiu, por óbvio, outras hipóteses que podem ser evidenciadas desde logo
e que podem exigir tutela antecipatoria em virtude de "fundado receio de dano" ou com base no
art. 273, II e § 6.°.
Assim, por exemplo, não é de se excluir a tutela antecipatoria de retomada para a realização de
reparações urgentes, no caso em que as reparações não podem ser realizadas com a permanência
do locatário no imóvel.
Não é o nosso objetivo analisar as hipóteses que abrem margem à tutela antecipatoria do art.
273 nas ações de despejo. O que pretendemos deixar claro, apenas, é que a necessidade de tutela
antecipatoria muitas vezes pode não estar considerada pelo procedimento especial.
Aliás, justamente porque as várias hipóteses concretas não podem ser consideradas de antemão
pelo legislador, éque o art. 273 deve incidir supletivamente nos procedimentos especiais,
preenchendo os espaços vazios deixados pela impossibilidade da consideração prévia das
diversas situações concretas que podem exigir a tutela antecipatoria.
Ademais, como é sabido, apostou-se no procedimento monitório como técnica destinada a evitar
o custo do procedimento ordinário e capaz de propiciar a aceleração da realização dos direitos.
r
TUTELA ANTECIPATÓRIA
255
O procedimento monitório, partindo da premissa de que um direito evidenciado mediante
"prova escrita" não sofre, em regra, contestação plausível, objetiva, através da inversão do
contraditório, inibir as defesas infundadas e permitir a execução sem as delongas do
procedimento ordinário.
Contudo, para que o objetivo sonhado pelo legislador possa ser alcançado, é imprescindível a
atuação de outra técnica capaz de inibir efetivamente as defesas infundadas. Trata-se da técnica
antecipatória; apenas a possibilidade da tutela antecipatória fundada em abuso de direito de
defesa (no curso dos embargos) poderá inibir as defesas (os embargos) meramente protelatórias.
Os embargos, que nada mais são do que meio de impugnação, poderiam ser simples
contestação, não fosse a idéia de inibir a inércia do réu, exigindo-se dele a propositura dos
embargos para o desenvolvimento do contraditório. Assim, não seria razoável a tese que
apontasse para a impossibilidade da tutela antecipatória sob o argumento de que o art. 273 do
CPC - que trata da tutela antecipatória - fala em abuso de direito de defesa c em manifesto
propósito protelatório do réu. Não é muito difícil perceber a realidade: o devedor exerce sua
defesa através de embargos ao mandado, não estando livre de se ver tentado a dela abusar.
É possível que o réu queira valer-se dos embargos apenas para protelar arealização do direito
afirmado pelo autor. Ora, o intuito protelatório, no procedimento monitório, evidentemente não
pode ser desconsiderado, principalmente porque esse procedimento visa a tratar de forma
diferenciada um direito evidente.
A tutela antecipatória baseada em abuso de direito de defesa somente é cabível, no
procedimento monitório, na hipótese de prova do fato constitutivo do direito e na presença de
embargos que sejam provavelmente infundados.
Além disso, como também pode acontecer no procedimento ordinário, é possível que o credor
precise desde logo do bem da vida postulado através da ação monitoria para não ter direito
prejudicado deforma irreparável. No procedimento monitório é obviamente possível a tutela
antecipatória fundada no art. 273,1, à semelhança do que ocorre no direito italiano, diante da
norma do art. 642, segunda parte, do CPC.
A pri meira vista, muitos poderão não compreender a razão para a tutela antecipatória (baseada
em fundado receio de dano irreparável ou de difí-
256
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
cil reparação) no procedimento monitório, imaginando que a tutela cautelar de arresto é
suficiente para proteger o credor.
Note-se, porém, que muitas vezes o direito de crédito é imprescindível para a tutela de outro
direito que lhe é conexo, como, por exemplo, o direito à saúde. A tutela antecipatória, em casos
como esse, não se destina a assegurar o juízo ou a viabilidade da realização do direito de
crédito, mas sim a realizar antecipadamente o direito de crédito para permitir a efetiva tutela de
um direito não patrimonial que lhe é conexo.
Por fim, cabe salientar que é cabível a execução imediata da parte do crédito não embargada,
à semelhança do que ocorre no processo de execução, em face da disposição do art. 739, § 2.°,
que estabelece que a execução prossegue, quanto aparte não embargada, quando os embargos
forem parciais.
8.4.4 Momento da concessão da tutela antecipatória baseada em fundado receio de dano
A tutela antecipatória baseada em "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação"
pode ser deferida em vários momentos, como, por exemplo, antes da ouvida do réu.
A necessidade da ouvida do réu poderá comprometer, em alguns casos, a efetividade da própria
tutela urgente. A tutela urgente poderá ser concedida antes da ouvida do réu quando o caso
concreto a exigir, isto é, quando o tempo necessário à ouvida do réu puder comprometer a
efetividade do direito afirmado e demonstrado como provável. Aliás, não há dúvida, no direito
italiano, que a tutela de urgência representa um componente essencial e ineliminável da tutela
jurisdicional, nos limites em que é necessária para evitar dano irreparável.21
No direito brasileiro, os tribunais têm decidido, corretamente, da seguinte forma:
"Tutela antecipada - Provimento ante à presença dos requisitos exigidos no art. 273 do Código
de Processo Civil - Concessão liminar sem a oitiva da parte contrária — Possibilidade Faculdade reservada ao
Cf. Andréa Proto Pisani, Intervento (AtticieiXVConvegnoNazionale, Bati, 4-5 otiobre 1985), Lu tutela d'urgenzci,
Maggioli Editore, 1985, p. 118.
r
TUTELA ANTECIPATORIA
257
julgador - Possibilidade, na espécie, frente ao iminente risco de frustração do objetivo visado na
medida- Inexistência de afronta ao princípio do contraditório." 22
A concessão da tutela também é possível após a apresentação da contestação, no caso em que o
procedimento deve caminhar para viabilizar a produção de provas.
Entretanto, é irracional admitir que não poderá ser prestada a tutela do direito após encerrada a
fase instratória. Realmente, há um grande equívoco no sistema processual brasileiro, que não
admite a execução da sentença na pendência do recurso de apelação23 nem ao menos quando
estão presentes os fundamentos que justificam a própria tutela antecipatória.
Recente alteração do art. 520 do CPC, que entrou em vigor no final do mês de março de 2002,
perdeu grande oportunidade de corrigir tal defeito.24 Como é óbvio, não basta afirmar que o
recurso de apelação não será recebido no efeito suspensivo quando confirmar a antecipação da
tutela, como diz o inciso VII do art. 520. E evidente que o recurso de apelação não pode
suspender a eficácia ou a "execução" da tutela antecipatória. Note-se que o inciso VII,
acrescentado recentemente ao art. 520, fala em sentença que "confirmar a antecipação dos
efeitos da tutela " e, portanto, pressupõe tutela antecipadamente concedida.
Há casos, porém, em que, embora requerida a antecipação da tutela, essa é negada com base no
fundamento de que, por exemplo, o direito não foi demonstrado como provável. Contudo, se
mais tarde o direito resultar evidenciado, e ainda persistir o perigo, não há razão lógica para não
se deferir a tutela.
(22)
TJPR, 1 . a CC, AI 49.155 -8, rei. Des. Ulysses Lopes, julgado em 06.08.1996.
Frise-se que o recurso de apelação, em regra, deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo (art. 520,
CPC).
(24)
Defeito que apontamos há bastante tempo. Ver, neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni, "Novidades sobre a
tutela antecipatória", Revista de Processo 69/ 109. Sobre esta questão é importante consultar, também, Cassio
Scarpinella Bueno, Execução provisória e antecipação da tutela, São Paulo: Saraiva, 1999, p. 48-50. Consultar,
ainda, com proveito, Clayton Maranhão, "Execução 'provisória' da sentença civil: a exceção passará a ser a regra",
Revista de Direito Processual Civil 10/684 e ss. (Gênesis Editora), e Cristina Leitão Teixeira de Freitas, "Execução
provisória como regra: necessidade atual", Revista de Direito Processual Civil 10/694 e ss. (Gênesis Editora).
(23)
258
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Na realidade, o correto seria estabelecer, no art. 520, que a sentença pode ser executada na
pendência da apelação quando conceder a tutela, pouco importando se esta foi ou não concedida
antecipadamente, e, assim, se a sentença está ou não confirmando-a. Era nesse sentido nossa
proposta de alteração do art. 520.25
Entretanto, como o intérprete deve ler a norma processual à luz das garantias de justiça
contidas na Constituição Federal, buscando extrair do sistema o razoável, não há como se
concluir que a tutela do direito é possível antes de finalizado o contraditório em primeiro grau
de jurisdição, mas não perante esse mesmo grau de jurisdição após as partes já terem exercido
de forma plena o direito às alegações e provas.
Se ninguém pode negar, sob pena de aceitar a irracionalidade do sistema processual, que a
tutela pode ser concedida ao final do procedimento, a questão que ainda deve ser posta constitui
problema de menor significado, pois tem por fim definir somente o instrumento técnico que
deve servir para a concessão da tutela.
Mas se a sentença, em face da "2.a etapa da reforma processual", ainda não pode produzir efeitos
na pendência da apelação, mesmo quando estão presentes os fundamentos que justificam a
tutela antecipatória, a única saída racional que resta é a de admitir a concessão da tutela por
meio de decisão interlocutória, uma vez que o recurso contra ela cabível, que é o de agravo,
deve ser recebido somente no efeito devolutivo (sem suspender os efeitos da tutela
antecipatória). Em outros termos, e de forma bastante esclarecedora: na mesma folha de papel,
e no mesmo momento, o juiz pode proferir a decisão interlocutória, concedendo a tutela, e a
sentença, que então confirmará a tutela já concedida, e não poderá ser atacada através de
recurso de apelação, o qual deve, em regra, ser recebido no efeito suspensivo (nesta situação,
então, será plenamente aplicável o art. 520, VII, do Código de Processo Civil).
1251
Luiz Guilherme Marinoni. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata ela sentença. 4. ed.
São Paulo: RT, 2000. p. 179-207; Idem. Novas linhas do processo civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros,2000. p. 155165; Idem. "A execução imediata da sentença", in A 2." etapa da Reforma processual (coordenado por Luiz
Guilherme Marinoni e Fredie Didicr Júnior). São Paulo: Malheiros, 2001. p. 15-45).
TUTELA ANTECIPATÓRIA
259
Não se diga que nesse caso estará sendo ferido o princípio da unir-xecorribilidade, uma vez que o
periculum in mora, indispensável para a concessão da tutela antecipatória prevista no art. 273,1, nada tem
a ver com os fundamentos para a procedência do pedido (portanto existirão duas decisões).
Perceba-se, por outro lado, que o fenômeno de decisões únicas em sentido apenas formal não é nova, mas
sempre existiu. Basta pensar na sentença, formalmente única, que aprecia pedido formulado em "ação de
conhecimento" e pedido formulado por meio de "ação cautelar", bastante comum na prática forense.
Nesses casos, embora existaformalmente uma única sentença, há materialmente duas, ou melhor, uma que
aprecia o pedido formulado na "ação de conhecimento" e outra que julga o pedido apresentado na "ação
cautelar". O recurso interposto contra essa sentença deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo
em relação ao pedido formulado na "ação de conhecimento", e apenas no efeito devolutivo no que
concerne ao pedido apresentado na "ação cautelar".
No caso sob análise, há, materialmente, no mesmo instrumento, uma decisão interlocutória e uma
sentença, a primeira atacável por intermédio de agravo (que deve ser recebido no efeito devolutivo) e a
segunda por meio de apelação (que deve ser recebida no efeito meramente devolutivo apenas por ter
26
confirmado a tutela antecipatória).
(26>
"O primeiro aspecto que merece exame é justamente a natureza dos provimentos jurisdicionais
proferidos: não há dúvida que estamos diante de uma sentença definitiva e, em seu corpo, incidentalmente, uma
decisão interlocutória - antecipação da tutela (...) Avançando, encontramos no caso em concreto, portanto, a
presença de dois atos judiciais distintos: (natureza híbrida) praticados simultaneamente, numa mesma peça
processual: uma sentença definitiva e uma decisão interlocutória (...) Ora, utilizando-se o princípio processual antes
referido (da correlação do ato judicial com o recurso adequado) não vislumbro agressão alguma quanto ao outro
princípio, também básico em matéria recursal, qual seja o da unirrecorribilidade/singularidade recursal, de onde se
extrai a conclusão, s.m.j., quanto à possibilidade da utilização simultânea tanto do recurso de apelação como do
agravo de instrumento, cada qual desafiando, por óbvio, o provimento jurisdicional específico, destacando-se que
este último tem prazo menor, interposição diretamente na Instância Superior, suscetível de obter-se a agregação de
efeito suspensivo pelo relator etc." (Edgard Lippmann Júnior, "Aspectos do agravo de instrumento contra antecipação
de tutela concedida em sentença definitiva", Revista de. Direito Processual Civil 9/457, Gênesis Editora).
260
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O mais importante, porém, é o seguinte: aquele que deseja tutela antecipatória necessita de algo
imediato, e apenas a decisão interlocutó-ria pode produzir efeitos imediatamente; não a
sentença, que tem os seus efeitos obstaculizados até eventual decisão que receba o recurso de
apelação somente no efeito devolutivo.27 Ora, quem conhece a realidade da prática forense sabe
muito bem que o tempo que intercorre entre a sentença e a decisão que recebe o recurso de
apelação é suficiente para fazer ruir qualquer direito que se pretenda ver tutelado.
Raciocinar de forma diversa significa desprezar totalmente as verdadeiras intenções da "2."
etapa da reforma do CPC".
É preciso dizer, ainda, que é possível o requerimento de tutela antecipatória no tribunal.
Deveras, é importante lembrar que o fundado receio de dano pode surgir em segundo grau de
jurisdição e, assim, abrir oportunidade para a tutela antecipatória em segundo grau de jurisdição.
8.4.5 A tutela antecipatória baseada emfundado receio de dano emface das diversas
modalidades de sentença
A tutela antecipada pode ser concedida em face de qualquer modalidade de sentença.
É óbvio que a tutela antecipatória pode ser concedida em face das sentenças mandamental e
executiva. Os arts. 461 e 461 -A do CPC (relativos às "obrigações" de fazer e de não-fazer e de
entregar coisa), que permitem ao juiz proferir tais sentenças, ordenando sob pena de multa ou
determinando medidas executivas (cf. art. 461, §§4.°e5.°), afirmam expressamente (arts. 461, §
3.°, e 461 -A, § 3.°) que o juiz pode conceder tutela antecipatória.
Problema maior surge quando nos deparamos com a sentença que condena ao pagamento de
soma em dinheiro e, nessa linha, com a tutela
ai)
Como já dissemos, há contradição entre a impossibilidade de a sentença ser executada antes do trânsito em julgado
e o recebimento do recurso no efeito suspensivo. Se a sentença não pode ser executada antes do término do prazo
recursal, o recurso nada pode suspender. Não é o recurso de apelação que tem efeito suspensivo, mas é a sentença
que não tem executividade antes do trânsito em julgado (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento
antecipado e execução imediata da sentença, 4. ed., cit., p. 201).
TUTELA ANTECIPATÓRIA
261
antecipatória de pagamento de soma em dinheiro. Nesses casos, a tutela antecipatória estará a
serviço de um direito conexo ao direito de crédito (soma em dinheiro). E o direito que depende
da imediata realização do direito de crédito que pode ser lesado. Note-se que os conhecidos "ali mentos provisionais" constituem exemplo de antecipação de soma em dinheiro, já que visam
justamente tutelar um direito conexo ao direito de crédito. Não há razão, portanto, para não
admitir tutela antecipatória de soma em dinheiro em ação que vise à condenação em dinheiro
por ter sido praticado um dano (quando esse dano faz surgir situação que exige que o lesado
tenha que urgentemente desembolsar soma em dinheiro para que dano diverso não seja
ocasionado).
Quando se pensa na tutela antecipatória em face da sentença conde-natória, somente é possível
pensar em tutela que possa ser efetivada no curso do processo, já que de outra forma teremos
uma tutela concedida, mas que não pode ser utilmente efetivada, o que é o mesmo que transformar a tutela antecipatória em uma "tutela pela metade ", ou em tutela que não traz nenhum
resultado útil.
No caso em que se pretende soma em dinheiro, o autor não deseja, como é evidente, apenas
penhora do bem do devedor (para assegurar o recebimento futuro da soma), ou assegurar a
efetividade da sentença condenatória. O que pretende o autor é obter, desde logo, soma em dinheiro para que outro bem seu não seja irreparavelmente lesado. O problema é que o
procedimento comum da execução por quantia certa, previsto no CPC, ésabidamente muito
demorado. Desse modo, quando a soma postulada pode ser qualificada de alimentar (v.g.,
alimentos indenizativos), a execução poderá ser feita de conformidade com as regras previstas
entre os arts. 732 e 735 do CPC, pouco importando a fonte do direito aos alimentos (se legal ou
fundada em ato ilícito), até porque não há como se dar meios executivos diferentes para
hipóteses substancialmente iguais (ou melhor, hipóteses que exigem imediata satisfação do
direito de crédito). Ora, o credor de alimentos, seja qual for sua fonte, não pode dar-se ao luxo
de esperar o tempo dos procedimentos comuns de conhecimento e de execução.
Há decisões reconhecendo a necessidade de tutela antecipatória em casos desse tipo: "Tutela
antecipada. Ação de reparação de danos por acidente de veículos. Contrato de transporte.
Ônibus. Responsabilidade objetiva. Convencimento da verossimilhança da alegação. Prova
docu-
262
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
mental idônea. Autora hipossuficiente. Princípios da necessidade e da efetividade do processo.
Condenação provisória no pagamento de um salário mínimo mensal. Admissibilidade.
Requisitos do art. 273 do CPC configurados. Concessão. Agravo de instrumento. Decisão
reformada. Recurso provido. A agravante provou que viajava de passageira em ônibus da ré;
que sofreu acidente e lesões na coluna, encontrando-se incapacitada para o trabalho de
doméstica. Daí decorre o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, porque a
agravante e sua família, enquanto tem curso o processo, poderão passar privações. Na
antecipação da tutela, impõe-se ao julgador fazer uma análise dos valores jurídicos colocados
em julgamento na demanda. No caso, encontra-se, de um lado, uma vítima pobre e
impossibilitada de trabalhar, e de outro lado, uma empresa que explora a concessão de serviço
público, um dos mais rentáveis, ou seja, o transporte público. Deve o juiz estar atento aos
princípios da necessidade e ao da efetividade do processo" (TAPR, rei. Juiz Lauro Laertes de
Oliveira; Gênesis, Revista de Direito Processual Civil 2/488 e ss.). Admitindo a tutela
antecipatória por razões semelhantes, merece referência julgado do Primeiro Tribunal de Alçada
Civil de São Paulo: "Tutela antecipada - Responsabilidade civil -Acidente de trânsito -Col isão
de veículos-Vítima fatal - Pretensão ao recebimento de alimentos provisionais pela autora
grávida, esposa do de cajus - Caracterização da verossimilhança das alegações cujo conceito é
diverso daquele de certeza - Confirmação do receio de dano irreparável ou de difícil reparação
em face da condição pessoal da autora — Artigo 273 do Código de Processo Civil -Alimentos
provisionais concedidos - Recurso improvido" (1.° TACSP, AI 638.219, 4.a CC, rei. Juiz Franco
de Godói, v.u.).
No caso de sentença constitutiva, deve-se descartar de plano a possibilidade de constituição
provisória nas "causas " relativas ao estado e à capacidade das pessoas. Note-se, além disto,
que a constituição provisória deve ter utilidade para aquele que a requer. Assim, se em face de
um caso concreto for possível extrair da mera constituição provisória (ou se for o caso, da
mera declaração sumária) alguma utilidade prática, é evidente que ela deve ser admitida.
A tutela que fixa provisoriamente o aluguel, admitida expressamente na ação revisional de
aluguel, não antecipa qualquer efeito executivo ou mandamental. Com a fixação provisória do
aluguel não se objetiva abrir ao autor o caminho da execução forçada, até porque sequer se su-
TUTELA ANTECIPATÓRIA
263
põe inadimplemento na ação revisional (não se condena o réu a pagar um novo aluguel em
momento algum da ação revisional; não é esse o seu objetivo, sendo o seu fim modificar o valor
do aluguel). A modificação provisória do aluguel tem utilidade em razão de ter o locador, por
exemplo, a possibilidade de propor ação de despejo com base em falta de pagamento do aluguel
fixado provisoriamente e não observado pelo réu-locatário.
Quando não basta a mera constituição provisória, é preciso extrair da decisão que concede a
tutela antecipatória algum efeito mandamen-talou executivo, ou seja, é preciso que o juiz possa
ordenar sob pena de multa ou se valer de alguma "medida necessária", conforme previsão do §
5." do art. 461, norma também aqui aplicável.
Assim, por exemplo, no caso de demanda constitutivo-positiva, o autor pode requerer, mediante
tutela antecipatória, que o réu se abstenha de praticar atos que possam impedir o exercício das
faculdades que estão contidas no direito a ser constituído. É o que pode ocorrer, com efeito, na
ação constitutiva de servidão.
No processo em que foi pedida a desconstituição de um ato, a decisão que suspende sua eficácia
(retira os efeitos do ato do mundo jurídico), confere a antecipação daquilo que o autor pretende
como tutela final (a desconsideração dos efeitos do ato). É evidente que a decisão que suspende
a eficácia do ato é antecipatória. A explicação da confusão dessa tutela com a cautelar advém
do fato de que, quando ainda não existia o instituto da tutela antecipatória em nosso CPC, ela
não tinha como ser pensada a não ser como "cautelar" (já que só aproteção cautelar podia
viabilizar tutela no curso do procedimento comum de conhecimento). Toda tutela antecedente
ao final do processo de conhecimento somente podia ser pensada e rotulada como "cautelar".
Atualmente, contudo, em vista do novo art. 2 73 do CPC, não há mais como aceitar que a eliminação antecipada dos efeitos do ato que se pretende desconstituir não configura tutela
antecipatória.
Tratando-se de sentença declaratória (que muitas vezes é solicitada em razão de não se conhecer
adequadamente a ação inibitória),2S é possível pensar na declaração positiva ou negativa.
1281
Ver Luiz Guilherme Marinoni. Tutela inibilóría. 2. ed. São Paulo: RT, 2000.
264
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Quando é pedida declaração de que algo é legítimo ou ilegítimo, somente existirá oportunidade
à tutela antecipatória, fundada no art. 273, I, quando surgir no curso do processo uma situação
de urgência que exija um não-fazer ou um fazer.
Tal tutela antecipatória evidentemente não é mera ''declaraçãoprovisória ", mas tutela que pode
ser efetivada sob pena de multa ou mediante "medida necessária ", em conformidade com o §
5." do art. 461, absolutamente aplicável a essas hipóteses.
Note-se que se a situação de perigo é anterior à própria opção pela sentença declaratória, e
assim não surgiu no curso do processo (como antes afirmado), o autor deve requerer tutela final
e tutela antecipatória através de, respectivamente, sentença e decisão interlocutória com eficácias mandamental ou executiva. Em outras palavras, não é viável solicitar tutela
antecipatória na petição inicial em que é pedida sentença declaratória (ao contrário do que
acontece na ação (des)constitutiva, onde o autor pode pedir sentença (des)constitutiva e tutela
antecipatória de eficácia mandamental ou executiva 29). Se existe interesse de agir em sentença
mandamental ou em sentença executiva desde o momento da distribuição da petição inicial,
énecessário formular pedido de sentença mandamental ou de sentença executiva (e não de
sentença declaratória).
8.4.6 Um aprofundamento na distinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar
Para que se compreenda a tutela antecipatória, deve-se, em primeiro lugar, compreender as
tutelas finais. As tutelas finais são prestadas através das sentenças. As sentenças declaratória e
constitutiva satisfazem, por si mesmas, o que é pretendido, ao passo que as sentenças
condenató-ria, mandamental e executiva não são o bastante para a satisfação do direito do autor.
As sentenças ditas não-satisfativas (condenatória, mandamental e executiva), quando ligadas a
meios de execução, permitem que o autor postule uma série de tutelas. Estas podem ser, quando
preventivas: I) inibitória ou II) inibitória executiva; quando repressivas (ou posl29)
Para um maior aprofundamento, ver Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. 7. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, item 2.6.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
265
teriores à violação): III) reintegratória; IV) do adimplemento na forma específica; V)
ressarcitória na forma específica; e VI) pelo equivalente. É claro que as sentenças declaratória
e constitutiva também conferem ao autor formas de tutela. Contudo, como tais sentenças são
satisfativas, basta que se afirme que as sentenças declaratória e constitutiva dão ao autora "
certeza jurídica" e a "constituição" ou a "desconstituição" de uma situação jurídica, que
também são tutelas. O que é importante é saber como devem ser conjugadas as sentenças e os
meios de execução para a obtenção das tutelas dos direitos. Pensando-se, a partir do direito
material, nas várias tutelas dos direitos, pode-se interpretar o sistema processual de modo a
extrair do tecido normativo as técnicas necessárias para a efetiva prestação das tutelas.
A falta de distinção entre tutela antecipatória e tutela cautelar é resultado de uma visão
panprocessualista (ou preocupada apenas com o direito processual e não com o direito material),
onde não importa o resultado que a tutela jurisdicionalproporciona ao consumidor do serviço
jurisdicional, mas apenas as características formais e de ordem processual que permitem sua
identificação e conseqüente classificação (ou o mesmo que não se classificarem as tutelas
finais). Ou melhor: não conseguir distinguir tutela antecipatória de tutela cautelar é apenas
uma conseqüência lógica de não se classificarem as tutelas finais.
O que se pretende, ao afirmar que a tutela antecipatória não difere da tutela cautelar, por serem ambas
caracterizadas pela/7rovisoriedade (por ser de cognição sumária e não produzir coisa julgada material), é
criar uma tutela que deveria ser chamada de provisória, e que teria como espécies as tutelas cautelar e
antecipatória. Falar em tutela provisória, contudo, nada diz para quem realmente está preocupado em
pensar o processo na perspectiva do direito material. Note-se que tutela provisória é o contrário de '
tutela definitiva. Assim, a razão que levaria a doutrina a não classificar as tutelas de cognição sumária
(não se importando com o plano do direito material e, assim, com a distinção entre tutela antecipatória e
tutela cautelar) e a falar em tutela provisória também autorizaria os processualistas a não classificar as
tutelas finais, o que seria verdadeiro absurdo.
Classificando-se as tutelas de acordo com as suas reais repercussões no plano do direito
material, e assim ligando-se a tutela antecipatória às várias espécies de tutelas finais, fica fácil
perceber a distinção entre tutela antecipatória e tutela cautelar.
266
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Perceba-se, em primeiro lugar, que não há dúvida de que a tutela que antecipa pagamento de
soma à vítima de ato ilícito é tutela ressarcitória antecipada, assim como também não há dúvida
que a tutela ressarcitória antecipada pode ser prestada, na forma específica, quando se
determina, com base no art. 461 do CPC (tutela individual) ou no art. 84 do CDC (tutela
coletiva), que, por exemplo, o réu preste um fazer, ou realize uma atividade, capaz de reparar o
dano na forma específica, sem que seja preciso, portanto, a indenização em pecúnia.
Exemplificando, a empresa ré, responsável por poluir um rio, pode prestar um fazer para que o
rio seja despoluído, e dessa forma reparar o dano na forma específica.
A doutrina clássica tem dificuldade para compreender a tutela ressarcitória na forma antecipada
porque, ao imaginar que todo bem lesado pode ser reparado em dinheiro, não consegue
perceber que muitas vezes o ressarcimento imediato é imprescindível para que um direito não
patrimonial, conexo ao direito de crédito, não seja irreparavelmente prejudicado. Com efeito,
quando se pensa apenas em ressarcimento em dinheiro, não é possível imaginar que alguém que
tenha a seu dispor a técnica da correção de seu valor possa necessitar de tutela antecipatoria para
não ter seu direito irreparavelmente lesado. É apenas quando se percebe que esse dinheiro pode
ter função não patrimonial (alimentos), ou ainda que um dano pode ter prejudicado um bem que
pode ser ressarcido na forma específica e que não pode esperar o tempo do processo, que a tutela antecipatoria é sentida como necessária.
Em outras palavras, é a visãopatrimonialista dos direitos, que está à base do direito liberal e da
doutrina processual clássica, que impede que se pense em tutela ressarcitória antecipada.
Contudo, quando entram em cena as tutelas reintegratória e inibitó-ria na forma antecipada é
que fica mais clara a razão pela qual a doutrina clássica não consegue distinguir tutela cautelar
de tutela antecipatoria. A doutrina processual clássica simplesmente não sabe o que significam
tutela reintegratória e tutela inibitória, ou seja, não admite a tutela de prevenção do ilícito (pelo
menos através do processo de conhecimento) e confunde a tutela contra o ilícito já praticado
(que denominamos "tutela reintegratória ") com a a tutela ressarcitória (de reparação do
dano), exatamente porque pensa que o ilícito que não produz dano não tem relevância para o
processo civil, o que significa estar submetida à unificação das categorias da ilicitude e da
responsabilidade civil.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
267
A tutela antecipatória que determina a busca e apreensão de produtos nocivos à saúde do
consumidor não é uma tutela que pode receber a designação de instrumental (e portanto
cautelar), justamente porque elimina, desde logo, a ilicitude. Uma tutela como essa
evidentemente não está assegurando o resultado útil do processo (e, assim, não é cautelar), pois
o resultado útil que se espera do processo é cumprido exatamente no momento em que ocorre a
busca e apreensão. Alguém poderia imaginar que essa tutela é cautelar, argumentando que ela
objetiva evitar um dano. Ora, quem pensa dessa forma não consegue distinguir ato contrário ao
direito e dano. Separando-se, como premissa, ato contrário ao direito e dano, e tomando-se
consciência de que o processo civil deve reprimir o ato contrário ao direito independentemente
do dano, conclui-se com facilidade que deve haver uma ação processual dirigida contra o ato
contrário ao direito (espécie de ilícito). Essa ação somente é confundida com a cautelar quando
se parte do pressuposto de que o processo civil não deve ocupar-se do ato contrário ao direito,
mas apenas do dano (evitando sua prática e viabilizando sua reparação). Melhor explicando:
imaginar que a tutela mencionada tem natureza cautelar é o mesmo que unificar, conceitualmente, as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, e supor que o processo civil pode
prevenir ou reparar o dano, mas nunca reprimir o ato contrário ao direito. Quem vai ao Poder
Judiciário, em um caso como o referido, deseja somente a eliminação do ilícito (a busca e
apreensão). É por essa razão que a resposta do juiz, na hipótese, será "satisfativa". Ora, a ação
que responde deforma "sa-tisfativa" é "bastante'', ou seja, é "autônoma", dispensando uma
"ação principal". Assim, a ação que tem por objetivo reprimir ato contrário ao direito somente
pode ser "ação de conhecimento "; nunca ação cautelar. A ilicitude tem autonomia, assim como
a tutela reinte-gratória, que responde apenas à necessidade de se eliminar o ilícito, e não a de
assegurar o resultado útil da "ação principal" (tutela cautelar) ou a de reparar o dano (tutela
ressarcitória).
Quando se teme um eventual ilícito, a tutela que deve ser dirigida a impedir sua prática é a
inibitória, que tem absoluta autonomia, configurando genuína ação inibitória autônoma
(processo de conhecimento: arts. 461 do CPC e art. 84 do CDC), em tudo diferente da ação
cautelar, que sempre exige uma ação principal (art. 806 do CPC).
268
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A confusão entre ação inibitória e ação cautelar é fruto da inexistência de uma sentença
mandamental no quadro das sentenças clássicas de conhecimento (declaratória, constitutiva e
condenatória). Ora, nenhuma das sentenças da classificação trinaria é capaz de permitir a
imposição de uma ordem dirigida a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, ou
seja, nenhuma das três sentenças da classificação trinaria pode propiciar a concessão da tutela
inibitória.
A antiga ação cominatória, prevista no recém-alterado art. 287 do CPC, somente permitia a
imposição da multa após o trânsito emjulgado da sentença, o que obrigava ao uso da ação
cautelar, já que é imprescindível, quando se pensa em prevenção contra o ilícito, uma tutela que
possa ser prestada de forma mais célere. Em outras palavras, a ação cautelar, diante da ausência
de uma ação inibitória, era usada para permitir a antecipação da imposição do não fazer e,
portanto, para viabilizar uma tutela inibitória efetiva, gerando desnecessária duplicação de
procedimentos.
Em outros termos: antes do final de 1994, quando foi introduzido o novo art. 461 no CPC, a
única ação processual que poderia viabilizar uma tutela inibitória efetiva era a ação cautelar.
Atualmente, contudo, não há mais razão para se pensar em usar a ação cautelar para se obter
tutela inibitória efetiva. Quem precisa de tutela inibitória, nos dias de hoje, deve lançar mão da
ação inibitória, que pode fundar-se, conforme o caso, no art. 461 do CPC (ação individual) ou
no art. 84 do CDC (ação coletiva). Hoje a tutela inibitória deve ser prestada através do
processo de conhecimento, desnecessitando do uso distorcido da ação cautelar. Ora, se a tutela
inibitória deve ser prestada por intermédio de ação de conhecimento que possui tutela
antecipatória, é evidente que há tutela inibitória final e tutela inibitória antecipada. Portanto,
compreendida, como premissa, que a instituição dos procedimentos do art. 461, CPC (direito
individual) e 84, CDC (direito coletivo e difuso), passou a viabilizar ações inibitórias (de
conhecimento), fica bastante nítida a diferença entre tutela inibitória (que pode ser antecipada)
e tutela cautelar.
A tutela que é prestada antecipadamente na ação inibitória nada mais é do que tutela inibitória
antecipada (expressamente prevista no § 3.° do art. 461), que não se confunde com a tutela
dirigida a assegurar o resultado útil do processo. Na verdade, quando se tem consciência de que
há ação destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, verifica-se, com
absoluta nitidez, que a tutela antecipada que cumpre
TUTELA ANTECIPATÓRIA
269
essa função dá ao autor o único resultado útil que ele esperava obter do processo, isto é, a
prevenção do ilícito. Quando, antigamente, não se imaginava que o cidadão pudesse ter
interesse somente em evitar o ilícito, supunha-se (evidentemente que com base em valores
agora inaceitáveis), que a única função do processo de conhecimento em relação ao ilícito
fosse a de reparar o dano. Nos dias de hoje, como essa função foi repensada, surgindo uma
"ação inibitória de conhecimento", a finalidade do processo cautelar também pode e deve ser
ajustada.
Para resumir: a tutela que não se limita a assegurar o resultado útil procurado pelo autor, mas a
ele confere imediatamente esse resultado ou um resultado prático satisfativo (e não meramente
acautelatório), somente pode ser tutela antecipatória, e não tutela cautelar.
8.4.7 O novo § 7."do art. 273
Após a alteração do CPC ocorrida no final de 1994, com a instituição do novo art. 273,
verificou-se na prática forense certa dificuldade em precisar a natureza da tutela de cognição
sumária contra o periculum in mora, especialmente daquela que pode ser concedida nas ações
decla-ratória e (des)constitutiva. Isto pela razão de que não é tão simples reconhecer a tutela
antecipatória nestas ações. Nestes casos há uma "zona de penumbra" que pode embaralhar os
operadores do direito menos familiarizados com discussões teóricas de maior profundidade.
Além disso, o juiz possui, nos casos dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC, a possibilidade de
conceder tutela final e tutela antecipatória diversas das solicitadas. Nesses casos, ademais, o
autorpode requerer, como tutela antecipatória,/?ro vidência diversa da pedida como tutela final,
mas que também seja capaz de garantir a satisfação de seu direito, ou, em outros termos, que
também seja idônea para permitir a antecipação do bem da vida almejado. Nessa última
hipótese, embora a providência solicitada como tutela antecipatória não seja idêntica àquela
postulada como tutela final, não é certo dizer que a providência que pode ser concedida antes de
finalizado o contraditório não configure tutela antecipatória, uma vez que a própria lei, como já
foi dito, permite ao juiz fugir do pedido para tutelar o direito. Ora, se o juiz pode, ao final,
determinar providência diversa da solicitada, é lógico que ele pode determinar, no curso do
processo, providência diferente da requerida como tutela final,
270
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que, configurando medida capaz de satisfazer o direito em questão, terá natureza antecipatória.
Porém, como nessas hipóteses o juiz pode, no bojo do processo de conhecimento, determinar
providência diversa da solicitada como tutela final, poderá ser razoável a dúvida a respeito da
natureza dessa providência (se cautelar ou antecipatória).
Em vista do reconhecimento destas situações, ou seja, da dificuldade de se precisar, em alguns
casos, a natureza da tutela antecipatória interinal, ou melhor, da tutela antecipatória que atua
interinamente no processo de conhecimento até que sejam proferidas as sentenças decla-ratória
e (des)constitutiva ou aquelas baseadas nos artigos 461 do CPC e 84 do CDC, afirma-se
sabiamente no novo § 7.° do art. 273 que, "se o autor, a título de antecipação da tutela, requerer
providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos,
deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado".
Este novo dispositivo, partindo da premissa de que dificuldades como as apontadas podem
ocorrer, tem por objetivo permitir que o juiz conceda a necessária tutela urgente no processo de
conhecimento, e assim releve o requerimento realizado, quando for nebulosa a natureza da
tutela postulada, vale dizer; quando for fundado e razoável o equívoco do requerente.
O novo § 7.° do art. 273 adota o chamado "princípio da fungibilida-de", muito ligado à questão
dos recursos. Esse parágrafo, ao aceitar a possibilidade de confusão entre as tutelas cautelar e
antecipatória, frisa a diferença entre ambas. Isto por urna razão de lógica básica: somente coisas
distintas podem ser confundidas.
Em uma primeira interpretação poderia ser dito que o § 7.° do art. 273 pretendeu somente
viabilizar a concessão, no bojo do processo de conhecimento, da tutela cautelar que foi chamada
de antecipatória. Entretanto, aceitando-se a possibilidade de requerimento de tutela cautelar no
processo de conhecimento, é correto admitir a concessão de tutela de natureza antecipatória
ainda que ela tenha sido postulada com o nome de cautelar. Nesse caso, não existindo erro
grosseiro do requerente, ou, em outras palavras, havendo dúvida fundada e razoável quanto à
natureza da tutela, aplica-se a idéia de fungibilidade, uma vez que seu objetivo é evitar maiores
dúvidas quanto ao cabimento da tutela urgente (evidentemente de natureza nebulosa) no
processo de conhecimento.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
271
O § 7.° do art. 273 não supõe a identidade entre tutela cautelar e tutela antecipatória ou afirma
que toda e qualquer tutela cautelar pode ser requerida no processo de conhecimento. Ao
contrário, tal norma, partindo do pressuposto de que, em alguns casos, pode haver confusão
entre as tutelas cautelar eantecipatória,desejaapenasressalvarapossibilidadedeseconcedertutela
urgente no processo de conhecimento nos casos em que houver dúvida fundada e razoável
quanto à sua natureza (cautelar ou antecipatória).
De qualquer forma, como o raciocínio acima empregado, ao concluir pela admissão da
concessão de tutela de natureza antecipatória ainda que tenha sido solicitada "cautelar", parte da
premissa de que é possível requerer tutela cautelar no processo de conhecimento, cabe uma
explicação. Em 1991, quando defendemos na PUC/SP dissertação de mestrado que foi intitulada
Tutela cautelar e tutela antecipatória, concluímos que a tutelacautelar poderia ser requerida no
processo de conhecimento. Nessa ocasião, fizemos a distinção entre medida cautelar e processo
cautelar, demonstrando que a incoação do processo cautelar somente seria necessária quando
aquele que buscasse a tutela precisasse melhor elucidar os fatos, necessitando produzir prova
mais elaborada.
Em outros termos: existindo fato que pode ser demonstrado pormeio de documento, a tutela
cautelar pode ser requerida no próprio processo de conhecimento. Havendo necessi dade de os
fundamentos da tutela cautelar serem demonstrados através de instrução mais aprofundada, há
que ser proposta ação cautelar e instaurado o respectivo processo, onde será levada a efeito a
prova destinada a demonstrar seus requisitos típicos.
Contudo, o fato de ser possível pedir tutela cautelar no processo de conhecimento não tem
relação direta com a possibilidade de concessão de tutela antecipatória ainda que tenha sido
solicitada cautelar, ou com a idéia de fungibilidade (presente no art. 273, § 7.°). A concessão de
tutela antecipatória no caso em que houver sido pedida cautelar somente é possível em hipóteses
excepcionais, ou seja, quando for razoável e fundada a dúvida em relação à correta
identificação da tutela urgente.
8.4.8 A denominada "irreversibilidade"
O art. 273 afirma, no seu § 2.°, que "não se concederá a antecipação da tutela quando houver
perigo de irreversibilidade do provimento antecipado".
272
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Em virtude dessa regra, seria possível pensar que o juiz não pode conceder tutela antecipatória
quando ela puder causar prejuízo irreversível ao réu. Contudo, se a tutela antecipatória, no caso
do art. 273,1, tem por objetivo evitar um dano irreparável ao direito provável (é importante lembrar que o requerente da tutela antecipatória deve demonstrar um direito provável), não há
como não admitir a concessão dessa tutela sob o simples argumento de que ela pode trazer um
prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado
diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável.
Não há qualquer lógica em não admitir a concessão da tutela antecipatória baseada em "fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação" sob o argumento de que sua concessão pode
trazer prejuízo irreversível ao demandado. Ora, mesmo antes da introdução da tutela
antecipatória no Código de Processo Civil, admitia-se a concessão de tutela antecipatória, sob o
rótulo de tutela cautelar, ainda que ela pudesse causar prejuízo irreversível ao réu. O Ministro
Eduardo Ribeiro, em brilhante conferência proferida antes da "reforma do processo civil", advertia que em algumas situações não há como não se aceitar o risco de eventual prejuízo ao
demandado. É importante registrar sua ponderação: "uma situação angustiosa em que o juiz
pode encontrar-se é exatamente quando isso se lhe depara: as duas soluções são irreversíveis. É
o que sucede em apreensões de jornais. Ou se concede liminar, e o direito está plenamente
satisfeito, não havendo como se recolher a edição, ou não se concede, e o direito terá sido
irreparavelmente sacrificado, pois de nada adianta o jornal circular daí a muitos dias".30
Como está claro, nos casos em que o direito do autor (que deve ser mostrado como provável,
uma vez. que a probabilidade do direito é requisito para a própria concessão da tutela
antecipatória), está sendo ameaçado por dano irreparável ou de difícil reparação, é ilógico não
se conceder a tutela antecipatória com base no argumento de que ela pode trazer um dano ao
direito que é improvável?1
RIBEIRO, Eduardo. "Proteção cautelar, tutela preventiva, contracautela". Revista Trimestral de Direito Público, vol.
3, p. 123.
A respeito do problema da i rreversibi lidade, no caso de tutela fundada em abuso de direito de defesa, ver Luiz
Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, cit., p. 68 e ss;
108 e ss; 145 e ss; 167 ess.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
273
O direito constitucional à adequada tutela jurisdicional estaria sendo negado se o juiz estivesse
impedido de conceder tutela antecipatória apenas porque corre o risco de causar prejuízo
irreversível.32
Nesse particular, aliás, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que "a exigência da
irreversibilidade inserta no § 2.° do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena
de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina".33
8.4.9 A efetivação da tutela antecipatória
De acordo com o novo § 3.° do art. 273, "a efetivação da tutela antecipada observará, no que
couber e conforme a sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§4."e 5.°, e 461-A".
O art. 461 permite ao juiz, no caso em que se pretende obter um fazer ou um não-fazer, ordenar
sob pena de multa (§ 4.°) ou determinar medida executiva, nos moldes daquelas
exemplificativamente previstas no seu § 5.°. Como os §§ 4.° e 5.° do art. 461, em vista do novo
§ 3.° do art. 273, são plenamente aplicáveis à efetivação da tutela antecipatória, não pode haver
dúvida de que tais "meios de execução" podem ser utilizados nos casos em que se deseja (por
meio da tutela antecipatória) obter um fazer ou um não-fazer ou mesmo a entrega de coisa.
Assim, se a tutela antecipatória pretende a entrega de coisa, é possível ao juiz determinar a
expedição de mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme o caso, além de
poder ordenar sob pena de multa (ver art. 461 -A). A aplicação da multapossui importância fundamental no caso em que o credor desconhece o lugar em que está a coisa e na hipótese em que
a busca e apreensão, diante da natureza da coisa a ser entregue, épraticamente impossível.
Assim, por exemplo, se a coisa exige desmonte e transporte que requer conhecimento técnico
especializado e grande dispêndio de dinheiro.
No que diz respeito à tutela antecipatória que determina o pagamento de soma em dinheiro, é
possível pensar em três formas de execução: i) na
<J2)
Ver José Roberto dos Santos Bedaque. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias
e de urgência. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 321 e ss.
m>
STJ,REspl44.656/ES,2. aT.,un.,rel.Min.AdhemarMaciel,DJÍ727.10.1997, p. 54.778.
274
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
execução por expropriação, utilizando-se as regras aplicáveis do Livro II, Título II, Capítulo
IV, Seções I e II do Código de Processo Civil, como parâmetro operativo; ii) na execução de
alimentos, quando se parte do pressuposto que a soma pretendida configura verba alimentar
(não importando a fonte do direito aos alimentos), aplicando-se as regras do Capítulo V, Título
II, Livro II do Código de Processo Civil; c) na execução sob pena de multa, partindo-se do
pressuposto de que se é imprescindível a antecipação de soma, sua "execução " não pode ficar
na dependência da aplicação das regras do processo de execução por expropriação, que não
permitem uma "execução célere" e, assim, adequada aos fins da tutela antecipatória.
A multa, apesar de não prevista para a execução da sentença conde-natória, pode ser utilizada
para a efetivação da tutela que determina a antecipação de soma, em razão da evidente
diferença entre a natureza da soma que se pretende deforma antecipada no caso do art. 273,1,
ea soma que se almeja mediante sentença condenatória.
Na execução por expropriação, em razão do novo inciso II do art. 588, é possível a
expropriação ou a prática de atos que importem alienação de domínio. Nesses casos, como
também na hipótese de levantamento de depósito em dinheiro ou da prática de atos que possam
provocar grave dano ao executado, deve ser prestada caução idônea (art. 588, II, e art. 273, §
3.°, ambos do CPC). Não obstante, de acordo com o § 2."do art. 588 (que também entrou em
vigor em agosto de 2002), "a caução pode ser dispensada nos casos de crédito de natureza
alimentar, até o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se
encontrar em estado de necessidade ".
8.5 Tutela antecipatória baseada no art. 273, II e § 6.°_ 8.5.1 Primeiras considerações
O presente item objetiva estudar técnicas que, visando distribuir de forma adequada o tempo do
processo entre os litigantes, viabilizam a tutela antecipatória independentemente da alegação de
perigo de dano. Melhor explicando: as espécies de tutela antecipatória que agora interessam
têm por único fim permitir a correta distribuição do tempo do processo entre as partes. Como
tal distribuição é feita a partir da premissa de que o réu
TUTELA ANTECIPATÓRIA
275
não pode beneficiar-se com a demora do processo, a tutela antecipatória, nesses casos, funda-se
em técnicas que consideram a evidência do direito do autor, mas têm o cuidado, evidentemente,
de não comprimir o direito de defesa.
Duas são as técnicas que se fundam no inciso II do art. 273: i) a técnica da reserva da cognição
da exceção substancial indireta infundada e ii) a técnica monitoria. O novo § 6.° do art. 273
também se baseia em duas técnicas distintas: i) a técnica da não-contestação ou do reconhecimento parcial e ii) a técnica do julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos
pedidos cumulados.
8.5.2 A técnica da reserva da cognição da exceção substancial indireta infundada e a técnica
monitoria (art. 273, II)
Há defesa substancial indireta quando o réu alega fato impeditivo, modifícativo ou extintivo. O
ônus da prova, em relação a esses fatos, incumbe ao réu, uma vez que o autor possui apenas o
ônus de provar os fatos constitutivos (art. 333, CPC).
Mas se o art. 333 do CPC distribui o ônus da prova, ele parece esquecer de distribuir o ônus do
tempo necessário à sua produção. Em outros termos: é de se perguntar a razão pela qual o autor
deve arcar com o tempo necessário para a produção da prova que constitui ônus do réu? A partir
do momento em que se percebe que o tempo do processo também é um ônus, conclui-se
facilmente que o processo tradicional joga unicamente nas costas do autor o ônus do tempo do
processo, como se ele fosse o "culpado" pela demora inerente à cognição da existência dos
direitos.
Quando o fato constitutivo é incontroverso, é correto supor que o réu pode retardar a realização
do direito apenas alegando a necessidade da demonstração de fatos em relação aos quais o ônus
da prova é seu. Se o réu tem direito à produção da prova, o autor não pode ser prejudicado pelo
tempo necessário à elucidação de uma defesa de mérito indireta infundada. Quando a defesa não
controverte o fato constitutivo, e é infundada, o tempo necessário para a produção da prova deve
constituir ônus do réu.
Porém, é possível partir do enfoque da prova do fato constitutivo. Se o fato constitutivo está
provado por meio de prova suficiente, e a defesa
276
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de mérito não tem fundamento, mas exige prova e, assim, tempo, a tutela antecipatória também
pode ser concedida. Nesse caso fala-se em técnica monitoria exatamente para salientar a
necessidade de prova do fato constitutivo.
Note-se que também é possível a tutela antecipatória, no procedimento monitório, quando o fato
constitutivo está provado, e os embargos são infundados, e portanto meramente protelatórios.
Aliás, a única forma de conferir utilidade ao procedimento monitório, evitando a tendência de
que ele seja ordinarizado, é admitir tutela antecipatória quando os embargos são infundados. É
nesse sentido que se diz que a tutela antecipatória, quando fundada em prova do fato
constitutivo e em defesa (que exij a prova) infundada, é baseada na técnica monitoria.
No caso de direito evidente e de defesa infundada, é correto supor que o réu está requerendo
prova apenas para retardar a realização do direito, o que não pode ser permitido quando se
deseja construir um processo que realmente garanta o direito constitucional à tutela jurisdicional tempestiva. É por isto que as duas técnicas antes referidas, exigindo evidência do direito e
defesa infundada que requer instrução dilatória, são baseadas no art. 273, II, já que ambas
partem do pressuposto que o réu abusa de seu direito de defesa quando, protelando o processo
para a verificação de uma defesa infundada, retarda a satisfação de um direito evidente.
8.5.3 Técnica da não-contestação ou do reconhecimento jurídico parcial (art. 273, § 6.°)
Está escrito no novo § 6.° do art. 273: "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando
um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".
Há casos em que é reconhecida, ainda que implicitamente, a procedência de parcela do pedido
ou de um dos pedidos cumulados. Assim, por exemplo, se o autor pede que o réu seja
condenado a pagar R$ 100.000,00 e a contestação afirma que é devido o valor de R$ 40.000,00,
reconhece-se como devida essa parcela. Em outro caso, se é pedido o principal mais juros, e a
contestação controverte somente os juros, reconhece-se que o principal é devido.
r
TUTELA ANTECIPATÓRIA
277
Ademais, é possível falarem "não-contestação". Isto acontece quando o réu não contesta
precisamente os fatos alegados, mas não se extrai de sua defesa o reconhecimento de parcela do
postulado ou a vontade de contestar o fato não impugnado de forma específica. Por exemplo: se
o autor, em razão de um ilícito, pede dano emergente e lucros cessantes, e o réu, sem negar o
ilícito, contesta apenas os lucros cessantes, ele não controverte os danos emergentes, embora
não haja como se concluir que houve aí reconhecimento do pedido. O réu, nesse caso,
descumpriu o ônus de contestar precisamente os fatos alegados (art. 302, CPC) e, se do conjunto
da contestação não é possível extrair a vontade de contestar o pedido não impugnado, ele deve
ser admitido como incontroverso.
Tendo havido reconhecimento parcial ou não-contestação, parcela daquilo que é postulado pelo
autor torna-se incontroverso. Ora, como o jurisdicionado tem direito constitucional à
tempestividade da tutela ju-risdicional, e isso significa dizer que o direito que se tornou
incontroverso no processo não pode ter a sua realização postergada, admite-se a tutela
antecipatória da parte incontroversa daquilo que foi postulado pelo autor (art. 273, §6.°).
8.5.4 Técnica do julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados
(art. 273, § 6.")
Utilizando-se exemplo similar ao que acaba de ser fornecido, é possível pensar no caso em que
o ilícito não foi negado, mas foram contestados os danos emergentes e os lucros cessantes. Se
apenas os lucros cessantes ainda devem ser elucidados através de perícia, tendo o direito à
indenização em virtude dos danos emergentes sido evidenciado por meio de prova documental e
contestado através de alegação que se mostra completamente infundada, não há motivo justo
para não se deferir imediatamente ao autor o valor da indenização relativa aos danos
emergentes.
É possível, ainda, que o autor peça somente lucros cessantes, e haja prova documental relativa à
parcela do pedido, devendo o restante ser elucidado por meio de prova pericial. Tanto nesse
caso como no anterior, parcela do postulado pelo autor está pronta para definição. Nesses casos
cabe a tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado da parcela incontroversa, ou seja,
da parcela que está pronta para julgamento.
278
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Não é devido processo legal aquele que, tendo que prosseguir para a elucidação de parte do
litígio, não possui técnica capaz de viabilizar a imediata realização da parcela do direito que está
pronta para definição. Ora, se o jurisdicionado tem direito ao processo justo, ele não pode esperar para ver definido um direito que está pronto para julgamento.
Se o autor é estimulado, em nome da economia processual, a cumular pedidos, não é possível
que ele seja obrigado a esperar o tempo para a elucidação de todos os pedidos para ter
imediatamente tutelado aquele que está evidenciado (ou é incontroverso).
O novo § 6.°, quando fala em pedido "incontroverso", não está aludindo apenas ao
reconhecimento parcial ou à não-contestação. Quando a nova norma faz referência à
incontrovérsia, ela deseja, evidentemente, conferir efetividade aos direitos que podem ser
evidenciados no curso do processo que ainda vai exigir tempo para elucidar a outra parcela (portanto não incontroversa) do litígio. Como agudamente observou José Rogério Cruz e Tucci, a
matéria incontroversa pode resultar de prova inequívoca produzida com a petição inicial. 34
Note-se que o fato de o legislador admitir a revogabilidade dessa tutela (art. 273, § 4.°) não tem
o condão de impedir sua concessão. O legislador apenas não admitiu que essa tutela, assim
como a tutela que cabe no caso de reconhecimento parcial ou não-contestação, produza coisa
julgada material. Contudo, tais tutelas, justamente porque constituem respostas aos direitos
evidentes, são fundadas em cognição exauriente. Ou seja, elas só cabem quando o direito estiver
evidenciado, seja pela prova, seja pelo reconhecimento parcial ou pela não-contestação. É absurdo pensar que a coisa julgada material é conseqüência necessária da cognição exauriente, ou,
ao invés, que sua ausência é resultado imediato da cognição sumária. É bom lembrar que a
sentença sempre é fundada em cognição exauriente, pouco importando a sorte do eventual
recurso que em relação a ela for interposto.
Ademais, não é pela razão de que o recurso de agravo não tem efeito suspensivo que se admitirá
a conclusão de que não é possível a tutela antecipatória capaz de definir direitos que se
tornaram incontroversos
<14)
José Rogério Cruz c Tucci. Lineamentos da nova reforma do CPC. São Paulo: RT.2002. p. 43.
TUTELA ANTECIPATÓRIA
279
no curso do processo.35 Se isso fosse fator capaz de impedir a adequada e justa tutela dos
direitos, não haveria como se conceder tutela antecipa-tória contra o "fundado receio de dano"
no momento em que o juiz está em condições de proferir sentença de procedência, apenas pelo
motivo de que, nesse caso, não é previsto o recebimento do recurso de apelação somente no
efeito devolutivo. Não cabe ao intérprete se render ao desrazoável, mas sim construir um
sistema que seja racional e justo à luz dos valores da Constituição. Note-se que não estamos, de
forma arbitrária, dizendo o que é razoável, mas apenas propondo uma interpretação
consentânea com o direito constitucional à tempestividade da tutela jurisdicional e com as
razões que inspiraram a reforma do CPC, o que, aliás, é dever da doutrina realmente
preocupada com o aperfeiçoamento do instrumental processual civil posto à disposição da
sociedade.
l35)
É cabível recurso de agravo de instrumento contra a decisão que não coloca fim ao processo (arts. 162 e 522,
CPC), como a decisão que trata da tutela an-tecipatória fundada em direito evidente.
A EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO
Quando impossível ao juiz, em vista de alguma situação impeditiva, proferir sentençajulgando
procedente ou improcedente o pedido, cabe a extinção anômala do processo. O art. 329 do CPC
afirma que "ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 267 e 269, II a V, ojuiz declarará extinto o processo".
As denominadas hipóteses de extinção do processo sem julgamento do mérito estão elencadas
no referido art. 267 do CPC, enquanto os casos que determinam uma chamada extinção do
processo com julgamento do mérito, mas que não implicam no julgamento da procedência ou da
improcedência do pedido, estão entre os incisos II a V do art. 269 do mesmo Código.
Como está claro, o art. 329 deixa de lado o primeiro inciso do art. 269, que trata da hipótese em
que ojuiz acolhe ou rejeita o pedido. Como será visto com mais profundidade adiante, ojuiz
pode apreciar diretamente o pedido quando a hipótese impõe o que se denomina "julgamento
antecipado do mérito" ou "da lide". Nesse caso, como ocorre nas hipóteses de extinção anômala
do processo (extinção do processo sem julgamento do pedido), este será encerrado
independentemente da realização da "audiência preliminar".
Estamos, contudo, estudando as hipóteses de extinção do processo, sem julgamento do pedido,
"sem ou com o julgamento do mérito" (arts. 267 e 269, II a V, do CPC). O processo deve ser
extinto sem julgamento do mérito, conforme o art. 267, em diversos casos, dentre eles o da falta
de seus pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular e o da ausência das
condições da ação (art. 267, IV e VI). Do mesmo modo, e ainda por exemplo, quando ojuiz
acolher alegação de pe-rempção, litispendência e de coisa julgada material (art. 267, V).
A EXTINÇÃO ANÔMALA DO PROCESSO
281
As hipóteses dos incs. IV (pressupostos processuais), V (perempção, litispendência e coisa
julgada material) e VI (condições da ação) do art. 267 podem ser conhecidas de ofício (sem
alegação da parte) pelo juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3.°, do CPC),
ficando claro que "grau de jurisdição" não abrange as chamadas instâncias superiores do recurso
especial (STJ) e do recurso extraordinário (STF).
O art. 269, entre seus incisos II a V, abre oportunidade para a extinção do processo com
julgamento do mérito quando II) o réu reconhecer aprocedência do pedido; III) as partes
transigirem; IV) o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição; e V) o autor renunciar ao direito
sobre que se funda a ação.
O instituto do reconhecimento jurídico da procedência do pedido, que tem origem no direito
alemão, não se confunde com a confissão ou com a não-contestação, pois se refere a uma
admissão mais ampla, do próprio pedido, e não de um fato. Quem admite a procedência do
pedido impede que o juiz julgue (o pedido), já que o processo deve ser encerrado com
julgamento do mérito em vista de o réu ter admitido que o autor tem razão. Na confissão e na
não-contestação admite-se apenas um fato, o que não implica, automaticamente, sentença de
procedência, uma vez que do fato confessado podem não decorrer os efeitos jurídicos pretendidos pelo autor.'
Moniz de Aragão recorda que Carnelutti, em magistral estudo, afirmou que a confissão visa a
facilitar o julgamento da lide, já que a admissão da veracidade de um fato diminuía matéria
probatória a ser examinada, ao passo que o reconhecimento do pedido afasta a possibilidade de
julgamento, uma vez que a parte, admitindo a procedência do pedido, torna desnecessário o
próprio julgamento do mérito.2
Na renúncia ao direito em que se funda a ação, o autor abre mão do próprio direito material que
busca ver reconhecido em juízo, impedindo ao juiz, igualmente, o julgamento do mérito. A
hipótese afasta-se, evidentemente, daquela que apenas abre oportunidade para extinção do processo sem julgamento do mérito, mais especificamente da desistência
(l)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado
e execução imediata da sentença, cit., p. 92-93. (3> MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Exegese do Código de
Processo Civil,
cit., p. 162.
282
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
da ação (art. 267, VIII). No caso de desistência da ação, o autor desiste de ver seu pedido
apreciado pelo juiz, mas não de seu direito material, que poderá ser invocado perante a própria
jurisdição ou mesmo exercido fora dela.
No caso de transação, havendo concessões recíprocas acerca do direito material em litígio,
também se retira do juiz a possibilidade de julgar o pedido, devendo entretanto o processo ser
julgado extinto com julgamento do mérito, por força do referido art. 269, III.
Também cabe a extinção do processo com julgamento do mérito (art. 269, IV, do CPC) no caso
em que o juiz reconhece a decadência ou a prescrição. Se ocorreu a prescrição ou a decadência,
podendo o juiz assim afirmar sem que seja lesado o direito de defesa, não há razão para se dar
prosseguimento ao processo. Note-se, contudo, que em alguns casos, embora raros, a prescrição
ou a decadência podem exigir instrução.
r
10
O JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO
SUMÁRIO: 10.1 Considerações preliminares- 10.2 Ojulgamento antecipado do mérito quando a "questão de mérito é
unicamente de direito, ou sendo de direito e de falo, não há necessidade de produção de prova em audiência" - 10.3
Ojulgamento antecipado do mérito em caso de revelia - 10.4 A tutela antecipatória da parte incontroversa da
demanda.
10.1 Considerações preliminares
Como já foi dito, há casos em que se impõe o encerramento do processo sem a realização da
"audiência preliminar", ainda que o caso não seja de extinção anômala do processo (arts. 267 e
269, II a V, do CPC).
Essaé ahipótesedochamadojulgamento antecipado do mérito (art. 330 do CPC), que é cabível
quando: i) "a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não
houver necessidade de produzir prova em audiência"; e quando ii) "ocorrer a revelia (art. 319 do
CPC)".
Por outro lado, é importante lembrar que o Código de Processo Civil, ao estabelecer
ojulgamento antecipado do mérito, não prevê ojulgamento antecipado de parte do mérito por
meio de sentença capaz de gerar coisa julgada material. Isto porque o Código de Processo Civil
imagina que o mérito deva ser julgado em uma única vez e em um único momento,
prevalecendo o princípio da "unità e unicità delia decisione", formulado há muito tempo por
Chiovenda. Tal princípio, entretanto, atenta contra outro princípio, igualmente formulado por
Chiovenda, e muito mais importante. Trata-se da idéia de que o processo não pode prejudicar o
autor que tem razão.
Ora, se um dos pedidos cumulados (ou parte de um pedido) não requer, no curso do processo,
outras provas para ser devidamente analisa-
284
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do, e o processo deve caminhar adiante para elucidar o outro pedido (ou parte do pedido) que é
dependente de instrução mais aprofundada, é lógico que esse processo, para ser definido como
"justo", deve prever uma técnica que permita a definição do pedido (ou da parte do pedido) que
está maduro para julgamento, pois todo cidadão tem o direito constitucional à tutela tempestiva,
ou o direito à tutela jurisdicional em tempo razoável e racional.
O Código de Processo Civil prevê a tutela antecipatória para essas hipóteses (art. 273, § 6.°), o
que permite que o processo possa atender o jurisdicionado de modo mais eficiente.
10.2 O julgamento antecipado do mérito quando a "questão de mérito é unicamente de
direito, ou sendo de direito e de fato, não há necessidade de produção de prova em
audiência"
Não sendo o caso de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267 do CPC), ou de
extinção do processo com julgamento do mérito com base em um dos motivos elencados entre
os incisos II e V do art. 269, cabe indagar se é possível o julgamento imediato da procedência
ou da improcedência do pedido.
Como já foi dito, o art. 330 do CPC afirma que o juiz conhecerá diretamente do pedido,
proferindo sentença: i) quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de
direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; e ii) quando ocorrer
revelia.
Há casos em que a contestação limita-se a negar as conseqüências jurídicas que são afirmadas
na petição inicial. Nessa hipótese é possível dizer que a matéria de mérito é unicamente de
direito, pois não há controvérsia sobre os fatos.
No caso de defesa de mérito indireta (exceção substancial indireta), em que, por uma questão de
incompatibilidade lógica, o réu aceita expressa ou tacitamente os fatos elencados pelo autor,
pode haver necessidade de instrução para elucidar as afirmações de fato articuladas pelo réu.
Aliás, em todos os casos em que os fatos articulados pelo réu precisam ser demonstrados em
juízo, não é possível pensar em julgamento antecipado.
Contudo, há situações em que há controvérsia sobre fatos, mas tais fatos não são pertinentes
nem relevantes, de modo que é cabível o julga-
O JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO
285
mento antecipado como se não houvesse controvérsia a respeito deles. Como se vê, para que
haja necessidade de produção de prova, o fato, além de ser controvertido, deve ser pertinente e
relevante.
Se o fato, apesar de controvertido, não é pertinente nem relevante, não há razão para se admitir
que prova recaia sobre ele, sendo necessário, nesse caso, para se evitar o retardamento da
prestação jurisdicional, o julgamento antecipado do mérito.
Fato pertinente é aquele concernente ao mérito, ou melhor, o fato que não é estranho ao mérito
a ser julgado pelo juiz. Fato relevante, por sua vez, é o que, além de pertinente, pode influir no
julgamento do mérito.
No que diz respeito à noção de fato pertinente, é importante verificar se ele tem alguma relação
com o fato constitutivo ou com o fato representativo da exceção substancial indireta.' Tratandose de um fato simples, deve ter ele alguma relação com o fato título da demanda ou da exceção,
ou ainda com algum outro fato simples pertinente.2
Note-se, porém, que há hipóteses em que o fato, apesar de controvertido, pertinente e relevante,
encontra-se já devidamente demonstrado através de prova documental acostada à petição inicial
ou à contestação. Nesse caso, sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova, impõe-se
o julgamento antecipado.
É interessante observar que cabe ao juiz, existindo controvérsia acerca dos fatos, analisar se
eles, apesar de relevantes e pertinentes, não estão provados; o julgamento antecipado só não
deve ocorrer quando o fato, ainda que controvertido, pertinente e relevante, não se encontra
devidamente provado.
No caso em que o réu deixa de cumprir o ônus da impugnação específica dos fatos articulados
pelo autor (art. 302 do CPC), deve o juiz considerar as hipóteses que excepcionam esse ônus
(art. 302 do CPC), e principalmente a hipótese que impede que se admita por verdadeiro o fato
não impugnado quando este não se faz presumir verdadeiro diante da resposta, quando
considerada no seu todo (art. 302, III, do CPC).
10
MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Exegese do Código de Processo Civil,
cit., p. 163 e ss. í2) CALMON DE PASSOS, J. J. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio
de Janeiro: Forense. 1983, vol. 3, p. 422.
286
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Se um fato não foi especificamente contestado, mas está negado implicitamente pela resposta
quando considerada no seu todo, não há como negar a necessidade de prova tendente a sua
elucidação. Entretanto, se não incidem as hipóteses que excepcionam o dever de o réu impugnar
especificamente os fatos, o fato não contestado é presumido verdadeiro, sendo cabível, aí, o
julgamento antecipado do mérito.
As partes podem tornar os fatos não controvertidos por meio de confissão. Se o fato confessado
basta para a procedência do pedido, impõe-se o julgamento imediato; caso não baste, por
existirem outros fatos a serem elucidados, não há outra saída senão prosseguir para a instrução.
Em suma: cabe o julgamento antecipado do mérito, com base no art. 330,1, do CPC, quando se
discute apenas matéria de direito ou as conseqüências jurídicas da afirmação de fato, ou ainda
quando a afirmação fática está demonstrada através de prova documental. Nessa linha é
importante frisar que a produção de prova não deve ser admitida quando pretender esclarecer
fato que não é pertinente ou relevante.
10.3 O julgamento antecipado do mérito em caso de revelia
Afirma o art. 330, II, que é possível o julgamento antecipado do mérito no caso de revelia. É
preciso distinguir, contudo, a revelia dos seus efeitos.
O art. 330, II, evidentemente alude aos efeitos da revelia, já que a simples revelia, que não
produz determinados efeitos, não abre ensejo ao julgamento antecipado do mérito.
Em outras palavras, não basta a simples não-apresentação de defesa para que o caso imponha o
julgamento antecipado do mérito; é necessário que da não-apresentação de defesa decorra o
efeito da presunção de veracidade dos fatos articulados na petição inicial.
Com efeito, o art. 319 do CPC afirma que "se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão
verdadeiros os fatos afirmados pelo autor". Esse artigo, porém, é complementado pelo art. 320,
que diz que a revelia não induz oefeito mencionado no art. 319:1) se, havendo pluralidade de
réus, algum deles contestar a ação; II) se o litígio versar sobre direitos indisponíveis; e III) se
apetição inicial não estiver acompanhada de instrumento público, que a lei considere
indispensável à prova do ato.
O JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO
287
Tais hipóteses são meramente exemplificativas, pois o art. 9.°, II, do CPC, determina que o juiz
nomeie curador especial ao revel, citado por edital ou com hora certa, enquanto o art. 52,
parágrafo único, desse mesmo código diz que, "sendo revel o assistido, o assistente será
considerado seu gestor de negócios".
Como se vê, a revelia não implica, por si só, no julgamento antecipado do mérito. Além das
hipóteses, lembradas acima, que não obrigam o juiz de julgar antecipadamente o mérito, é
importante frisar que a atividade jurisdicional é de ordem pública, visando unicamente à
realização de fins do Estado.
A lei processual não deveria ter atribuído à revelia efeitos de forma generalizada, como se todos
os jurisdicionados fossem iguais em oportunidades. O mencionado efeito da revelia deve ter
sido pensado com base na suposição de que todos têm iguais oportunidades de acesso à justiça,
ou então com fundamento na igualdade da época do direito liberal. De fato, será que não
importam os aspectos sociais relacionados à revelia? "Quem é esse réu que perdeu o prazo? Foi
voluntária a omissão ? Se não foi, que lhe terá dado causa: imperfeita compreensão do
chamamento ao juízo? Problema de saúde? Dificuldade em conseguir os serviços de um
advogado? Impossibilidade material de remunerá-lo conforme o solicitado? Desconhecimento
de existência de órgão apto a prestá-los gratuitamente? Atuação ineficiente de tal órgão, ou do
advogado constituído -ou, ainda, de algum funcionário a quem a contestação foi entregue e que
deixou de encaminhá-la ou de juntá-la aos autos? Veja-se que amplo leque de indagações se
abre a partir daquele acontecimento de aparente (mas enganosa) singeleza. Uma infinidade de
aspectos da vida social podem ser questionados com fundamento nele. Entrariam aí, a rigor,
temas como o de nível de instrução do povo, o da abundância ou escassez de recursos financeiros, o da disponibilidade de serviços, o da formação profissional, o das condições de trabalho
nos órgãos judiciais, e assim por diante".3
A presunção do art. 319 deve supor uma sociedade homogênea ou, ao menos, sociedades como
as dos países desenvolvidos. Em uma sociedade como a nossa, normas como as dos arts. 319 e
330, II, não podem ser impostas de forma geral. Não há justificativa social ou política para
131
Cl'. J. C. Barbosa Moreira, "Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo",
Revista Brasileira de Direito Processual 56/19-20.
288
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
essas normas, não acontecendo o mesmo, por exemplo, com o art. 6.°, VIII, do CDC, que
permite a inversão do ônus da prova em benefício do consumidor, uma vez preenchidos
determinados requisitos.
Note-se que há diferença entre ter a oportunidade de apresentar resposta e não apresentá-la.
Não convence o argumento de que a não-contes-tação pode significar um descaso. Epor isso
que não épossível equiparar a simples revelia com a não-contestação de parte do postulado e
com a não apresentação de resposta por parte daquele que compareceu no processo. Se é
sabido que a maioria da população enfrenta dificuldades, a falta de contestação faz presumir, na
realidade, impossibilidade de contratação de advogado, desconhecimento da assistência
judiciária ou, ainda, despreparo cultural que impeça a compreensão da necessidade da
contestação. A finalidade de eliminação do conflito de interesses sem maiores delongas, por
outro lado, não pode servir dejustificativaparaainstituiçãodojulgamento antecipado em caso de
revelia, pois não há, aqui, procedimento construído a partir da evidência do direito do autor (por
exemplo, procedimento monitório).
A norma do art. 330, II, ao não encontrar justificação social e política, fere o princípio do
devido processo legal. Esse princípio não é mais simples garantia processual, tendo-se
transformado, ao lado do princípio da igualdade, no mais importante instrumento jurídico
protetor das liberdades públicas, com destaque para a sua novel função de controle do arbítrio
legislativo e dadiscricionariedade governamental, notadamen-te da razoabilidade
(reasonableness) e da racionalidade (rationality) das normas jurídicas e dos atos em geral do
Poder Público.4
A norma antes referida, por não atentar para a realidade social, é insuscetível de legitimação,
devendo ser considerada desarrazoada. A indigitada generalização da regra legal, desprezando o
princípio da igualdade, aponta para uma evidente desarrazoabilidade. Com efeito, como escreve
FRANCISCO CAMPOS,5 a cláusula relativa ao dueprocess of law inclui a proibição ao Poder
Legislativo de editar leis discriminatórias, ou em que sejam negócios, coisas ou pessoas tratados
com desigualdade em pontos sobre os quais não haja entre eles diferenças razoáveis, ou que
13
exijam, por sua natureza, medidas singulares ou diferenciais.
141
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. Op. cit., p. 3.
<3)
Op. cit., p. 412.
(6)
M ARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 141 -142.
O JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO
289
10.4 A tutela antecipatória da parte incontroversa da demanda
Como visto, quando se estudou a tutela antecipatória, há casos em que parte do que é pedido (ou
um dos pedidos cumulados) torna-se incontroverso no curso do processo. Isso pode ocorrer
porque há reconhecimento jurídico de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados ou
não-contestação, ou ainda porque em relação a parte do pedido ou a um dos pedidos cumulados,
que foram devidamente contestados, não há necessidade de produção de outras provas.
Acontece que o Código de Processo Civil brasileiro não prevê o julgamento antecipado em
relação à parte incontroversa da demanda.7 Contudo, afigura-se completamente irracional e
contrário ao direito constitucional à tutela tempestiva obrigar o autor a sofrer com a demora da
"justiça", quando parcela daquilo que é postulado já está definida no curso do processo.
Ora, a tutela antecipatória (art. 273, § 6.°) pode e deve solucionar o referido problema, até
porque tutela antecipatória não quer dizer apenas tutela baseada em parcela das provas
necessárias para o julgamento final do pedido, mas também tutela que não depende de outras
provas para ser prestada e é concedida no curso do processo que vai prosseguir adiante para
elucidar o restante do direito postulado pelo autor.
A revelia, como vimos, não implica necessariamente presunção de veracidade dos fatos
articulados pelo autor. Isto porque leva-se em consideração aspectos sociais daquele que não
comparece em juízo (ver supra item 10.3: "O julgamento antecipado do mérito em caso de
revelia"). Entende-se que o simples não-comparecimento não pode ser fonte de prejuízo
processual, porque uma série de razões, principalmente de natureza social, pode justificá-lo.
Contudo, o comparecimento e a não-apresentação de contestação, ou a não-apresentação
adequada de contestação, não devem merecer a mesma complacência da doutrina. Aquele que
vem a juízo e não contesta precisamente os fatos alegados pelo autor assume uma posição que
deve ser definida como ativa, já que faz a opção por não contestar adequadamente os fatos
articulados na petição inicial, conforme o obriga o art. 302 do CPC.
(7)
Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução
imediata da sentença, cit.; e Rogéria Dotti Doria, op. ei.
290
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ora, um dos principais princípios do direito processual moderno impõe às partes dever de
colaboração com o juízo. A parte que opta por não contestai" algo que foi alegado não apenas
despreza tal princípio, como também nega o princípio que afirma caber ao réu manifestar-se
precisamente sobre os fatos articulados na inicial.
Na verdade, admitir que o réu pode comparecer em juízo, optar por não contestar
adequadamente os fatos alegados e ainda não cumprir sua obrigação, é não apenas não levar em
conta o direito do autor, como também abrir espaço para que o tempo do processo seja utilizado
para a protelação da efetiva tutela dos direitos.
Já que a não-contestação pode conduzir à tutela antecipatória, resta-nos apresentar a diferença
desta em relação à confissão e ao reconhecimento jurídico de parcela do direito buscado pelo
autor.
A não-contestação (parcial) não requer apenas comportamento passivo do réu, mas também
ausência de outras afirmações (contidas na contestação) que possam, ainda que implicitamente,
demonstrar a vontade de contestar o fato alegado. Já a confissão, por si só, é hábil para
dispensar a prova sobre o fato confessado.
De qualquer forma, os efeitos da não-contestação e da confissão podem ser equiparados,
dispensando o autor de provar o fato e impedindo o juiz de buscar outro convencimento sobre o
fato não contestado ou confessado.
Entretanto, esses dois institutos são muito diferentes do reconhecimento jurídico da procedência
do pedido. Enquanto o reconhecimento conduz à conclusão da existência do direito, a nãocontestação e a confissão dizem respeito apenas a fatos. Nesses dois últimos casos o juiz pode
entender que os efeitos jurídicos pretendidos não decorrem dos fatos, e assim julgar
improcedente o pedido.
11
AUDIÊNCIA PRELIMINAR
SUMÁRIO: 11.1 Considerações preliminares - 11.2 A conciliação: 1 1.2.1 A importância da conciliação; 11.2.2
Direitos que não admitem transação; 11.2.3 Circunstâncias da causa que evidenciam ser improvável a obtenção de
transação; 1 1.2.4 Comparecimento de procurador ou preposto com poderes para transigir -11.3 Decisão das questões
pendentes, fixação dos pontos controvertidos e deferimento das provas (em audiência) - 11.4 Decisão das questões
pendentes, fixação dos pontos controvertidos e deferimento das provas (quando não é necessária a audiência
preliminar).
11.1 Considerações preliminares
Se não for o caso de extinção do processo (art. 329, CPC) ou de julgamento antecipado do
mérito (art. 330, CPC), e o direito em litígio admitir transação e as circunstâncias da causa não
tiverem evidenciado a improba-bilidade da sua obtenção (art. 331, capute § 3.°, CPC), deverá
ser designada "audiência preliminar",1 ocasião em que deverá ser tentada a conciliação das
partes, passando-se, diante de seu insucesso, à decisão das questões pendentes, à fixação dos
pontos controvertidos, à definição do ônus da prova e à decisão sobre as provas que devem ser
produzidas, designando-se, se necessário, audiência de instrução (art. 331, § 2.°, CPC).
Quando o direito não admitir transação e as circunstâncias da causa tiverem evidenciado ser
improvável a sua obtenção, e assim não é o caso de se fazer audiência preliminar, a decisão das
questões pendentes, a fixação dos pontos controvertidos e a decisão sobre a questão probatória
"' Antes o art. 331 do CPC aludia a essa audiência sob o rótulo de "audiência de conciliação".
292
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
deverá ser feita por escrito. Afirma-se que, nessa hipótese, o juiz deve, desde logo, sanear o
processo (art. 331, § 3.°, CPC).
11.2 A conciliação
11.2.1 A importância da conciliação
A "audiência preliminar" tem entre os seus principais fins o da tentativa de conciliação, objetivo
que, além de eliminar o conflito mais rapidamente e sem tanto gasto, possibilita a restauração da
convivência harmônica entre as partes.
Cabe lembrar que a conciliação permite que as causas mais agudas do conflito sejam
consideradas e temperadas, viabilizando a eliminação do litígio não apenas na forma jurídica,
mas também no plano sociológico, o que é muito importante para a efetiva pacificação social.
Como alertou Mauro Cappelletti,2 a conciliação - ao contrário da decisão que declara uma parte
"vencedora" e a outra "vencida" - oferece a possibilidade de que as causas mais profundas do
litígio sejam examinadas, recuperando-se o relacionamento cordial entre os litigantes.
11.2.2 Direitos que não admitem transação
O novo art. 331 afirma que a audiência preliminar deve ser designada quando a causa versar
sobre "direitos que admitem transação", tendo assim deixado de lado a fórmula anterior, que
dizia que essa audiência não deveria tratar de "direitos indisponíveis". 3 Como o conceito de
"direitos indisponíveis" gerava dúvidas sobre a oportunidade da audiência preliminar, a nova
solução do legislador parece ser melhor, pois evidencia a intenção de ligara conciliação a
quaisquer situações em que ela seja viável.
Lembre-se que há direitos indisponíveis, mas que admitem transação. Por exemplo: os
alimentos devidos por parente não podem ser reCAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 84.
Ver Frcdie Didier Jr., Processo de conhecimento. A nova reforma processual (Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Jr. e
Marcelo Abelha Rodrigues), São Paulo, Saraiva, 2003, p. 100 ess.
AUDIÊNCIA PRELIMINAR
293
nunciados, mas nada impede que haja transação quanto ao valor e à época de seu pagamento.
Além disto, há direitos que são objetivamente indisponíveis e outros que o são apenas
"subjetivamente". Estes últimos admitem transação, mas esta somente pode ser feita por alguns
poucos.
11.2.3 Circunstâncias da causa que evidenciam ser improvável a obtenção de transação
Como já foi dito acima, o novo § 3.° do art. 331 afirma que a audiência preliminar deve ser
dispensada não só quando "o direito em litígio não admitir transação", mas também quando "as
circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável sua obtenção ". Em princípio isto poderia
somente significar que o juiz deve dispensar a audiência preliminar quando tiver dados que
espelhem que a tentativa de conciliação não logrará êxito.
Mas, na verdade, diante da nova disposição contida no § 3.° do art. 331, quando "as
circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável a obtenção de conciliação", o juiz deverá
consultar as partes sobre a intenção de conciliação. Ao juiz não se pode dar a possibilidade de
dispensa da audiência preliminar com base em simples "impressão subjetiva" das "circunstân cias da causa". Para que o juízo capaz de dispensar a audiência preliminar possa sermais
preciso, facilitando inclusive a tarefadojulgador, é necessária a consulta às partes a respeito da
possibilidade de conciliação.
11.2.4 Comparecimento de procurador ou preposto com poderes para transigir
O novo art. 331, caput, admite que as partes sejam representadas na audiência preliminar por
procurador ou preposto com poderes para transigir. Em outras palavras, o advogado ou o
preposto, desde que com poderes para transigir, podem comparecer na audiência representando
as partes. Mas se o advogado não tem poderes para transigir, e a parte e o preposto não
comparecem à audiência, a única conseqüência é que resta prejudicada a possibilidade de
conciliação.
11.3 Decisão das questões pendentes, fixação dos pontos controvertidos e deferimento das
provas (em audiência)
Se não é obtida a conciliação, o juiz deve passar às fases seguintes da audiência. Em primeiro
lugar, deve decidir as questões pendentes.
294
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ultrapassada essa fase, cabe ao juiz fixar os pontos controvertidos. É muito importante definir
se o fato controvertido representa fato constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, uma
vez que o autor tem o ônus de provar o primeiro, e o réu o ônus de provar os demais (art. 333,
CPC).
Em outras palavras, fixada o fato controvertido, decide-se sobre aquele que tem o ônus de
prová-lo. Lembre-se que, nessa oportunidade, também deve ser decidido se o ônus da prova
deve ser invertido, aplicando-se, se for o caso, o art. 6.°, VIII, do CDC.
Definidos os fatos controvertidos e quem têm o ônus de prová-los, resta ao juiz, em consonância
com o já decidido, deferir a produção das provas requeridas, designando audiência de instrução,
se necessário.
Para esclarecer adequadamente o litígio, o juiz pode determinar prova de ofício. Além disso, o
juiz pode, em diálogo com as partes, lembrar um fato, não expressamente invocado, fixando-o
de ofício como controvertido. A partir dessa fixação, as partes devem ter a possibilidade de
apresentar alegações e requerer provas em relação ao fato.
11.4 Decisão das questões pendentes, fixação dos pontos controvertidos e deferimento das
provas (quando não é necessária a audiência preliminar)
Quando a audiência preliminar não deve ser realizada, mas ainda assim é necessário o
prosseguimento do processo, afirma o art. 331, § 3.°, do CPC, que o juiz poderá, desde logo,
sanear o processo e ordenar a produção da prova.
Nessa hipótese, como é óbvio, o juiz também deve fixar os pontos controvertidos e tratar do
ônus da prova. Se for o caso, também poderá determinar, de ofício, a produção de determinada
prova. Além disso, se um fato não foi invocado pela parte, mas apresenta-se relevante, o juiz
poderá fixá-lo como controvertido de ofício. Porém, as partes deverão ser comunicadas a
respeito dessafixação, para que, respeitado o princípio do contraditório, possam apresentar
alegações ou requerer a produção de provas em relação a ele.
12 A PROVA
SUMÁRIO: 12.1 A verdade e a função da prova: 12.1.1 A busca da verdade; 12.1.2 O processo e o discurso; 12.1.3
A definição de prova - 12.2 Objeto da prova - 12.3 Ônus da prova - 12.4 Fatos afirmados que não dependem de
prova: 12.4.1 Considerações iniciais; 12.4.2 Fatos notórios; 12.4.3 Confissão; 12.4.4 Não-contestação; 12.4.5
Presunção legal de existência ou de veracidade- 12.5 Poder probatório do juiz- 12.6 Prova emprestada- 12.7 Prova
lícita c prova ilícita: 12.7.1 Primeiras considerações; 12.7.2 Prova ilícita; 12.7.3 Prova derivada de prova ilícita;
12.7.4 Teoria da descontaminação do julgado- 12.8 Fases do procedimento probatório - 12.9 A prova indiciaria:
12.9.1 Considerações iniciais; 12.9.2 Fato indiciário, prova indiciaria, raciocínio presuntivo, presunção e juízo (juízo
resultado, juízo final e juízo provisório)- 12.10 A prova e a ação inibitória: 12.10.1 Apresentação das premissas;
12.10.2 Pressupostos da ação inibitória; 12.10.3 A ameaça; 12.10.4 A prova da ameaça - 12.11 Regras de privilégio 12.12 Depoimento pessoal: 12.12.1 Conceito, natureza jurídica e generalidades; 12.12.2 Procedimento probatório 12.13 Confissão: 12.13.1 Conceito e generalidades; 12.13.2 Natureza jurídica; 12.13.3 Elementos da confissão;
12.13.4 Confissão, reconhecimento do pedido, renúncia ao direito e admissão; 12.13.5 Confissão efetiva e confissão
ficta; 12.13.6 Confissão judicial e extrajudicial. Confissão espontânea e provocada; 12.13.7 Eficácia; 12.13.8
Indivisibilidade da confissão - 12.14 Exibição de documento ou coisa: 12.14.1 Generalidade.se definição; 12.
l4.2Campodcatuaçãodaexibição; 12.14.3Exibiçãoedever de colaboração com o Judiciário; 12.14.4 Natureza da
exibição; 12.14.5 Fundamento da exibição; 12.14.6 Sujeitos da exibição; 12.14.7 Procedimento da exibição em face
da parte; 12.14.8 Procedimento da exibição em face de terceiro - 12.15 Prova documental: 12.15.1 Generalidades;
12.15.2 Noção; 12.15.3 Prova documental e prova documentada; 12.15.4 Documento c instrumento; 12.15.5
Elementos do documento; 12.15.6 Autoria do documento. Documentos públicos e privados. Autenticidade; 12.15.7
Prova documental e evolução tecnológica; 12.15.8 Prova documental e fac-símile; 12.15.9 Força probante dos
documentos; 12.15.10 Produção da prova documental; 12.15.11 Incidente de argüição de falsi-
296
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
dade documental - 12.16 Prova testemunhai: 12.16.1 Generalidades e con ceito; 12.16.2 A testemunha. Incapacidade,
impedimento e suspeição. Regras de privilégio; 12.16.3 Produção da prova testemunhai - 12.17 Prova pericial:
12.17.1 Generalidades e definição; 12.17.2 O perito e os assistentes técnicos; 12.17.3 Produção da prova pericial;
12.18 Inspeção judicial; 12.18.1 Generalidades e noção; 12.18.2 Produção da inspeção judicial.
12.1 A verdade e a função da prova
12. LIA busca da verdade
A idéia de prova evoca, naturalmente, e não apenas no processo, a racionalização da descoberta
da verdade. Realmente, a definição clássica de prova liga-se diretamente àquilo "que atesta a
veracidade ou a autenticidade de alguma coisa; demonstração evidente".1 Tem-se (ou tinha-se)
essa idéia para a ampla maioria das ciências, e a ciência processual clássica não foge à regra.
Também o juiz, no processo (de conhecimento), tem por função precípua a reconstrução dos
fatos a ele narrados, aplicando sobre estes a regra jurídica abstrata contemplada pelo ordenamento positivo; feito esse juízo de concreção da regra aos fatos, extrai-se a conseqüência
aplicável ao conflito, disciplinando-o na forma como preconizado pelo legislador. 2
Ninguém duvida de que a função do real (e, portanto, da prova) no processo é absolutamente
essencial, razão mesmo para que a investigação dos fatos, no processo de conhecimento, ocupe
quase que a totalidade do procedimento e das regras que disciplinam o tema nos diversos
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1.656, vocábulo "prova".
Note-se que essa visão clássica da dimensão do processo tem íntima ligação com a noção que tradicionalmente se tem
do papel do juiz na solução da causa. Ao magistrado não compete criar o direito que deve reger certa situação de
direito material; ao revés, cumpre-lhe apenas apontar a norma jurídica específica, aplicável ao caso, sendo mero
mediador entre a situação concreta e o direito material abstrato. É, nas palavras de MONTESQUIEU, Ia bouche de Ia
loi, cuja função é, exclusivamente, dizer a intenção da lei sobre o caso concreto.
A PROVA
297
códigos processuais que se aplicam no direito brasileiro.3 Se a regra jurídica pode ser
decomposta em uma hipótese fática (onde o legislador prevê uma conduta) e em uma sanção a
ela atrelada, não há dúvida de que o conhecimento dos fatos ocorridos na realidade é essencial
para a aplicação do direito positivo, sob pena de ficar inviabilizada a concretização da norma
abstrata.4 Tamanha é a i mportância da verdade (e da prova) no processo, que CHIOVENDA
ensinava que o processo de conhecimento trava-se entre dois termos (a demanda e a sentença),
por uma série de atos,
(1)
Estranhamente, porém, apesar da relevância do tema da prova (e dos fatos) no processo de conhecimento, observase nítido desdém em relação aos aspectos teóricos dessa matéria. A propósito, WILLIAM TWINING lembra das
palavras de certo político, em um debate, que dizia que "certa vez foi sugerido que 90 por cento dos advogados
gastam 90 por cento de seu tempo lidando com fatos e que isso deveria ser refletido em seus treinamentos. Se 81 por
cento do tempo dos advogados é gasto em uma coisa, daí decorre que 81 por cento da educação jurídica deveria ser
devotada a isso. Existem alguns cursos isolados sobre descoberta dos fatos (fact-finding) e congêneres, mas nenhum
instituto tem tido um programa completo em que a principal ênfase seja em fatos. Eu proponho que nós centremos
nosso currículo neste princípio e que nós chamemos nosso grau um Bacharel de Fatos" (TWINING, William.
Rethinking evidence - e.xploratory essays.Evamton: Northwestern University Press, 1994. p. 12). Conquanto
certamente exagerada a estatística, é inquestionável que o tempo do operador do direito é gasto mais com a análise de
fatos do que, propriamente, com a discussão de questões de direito. No entanto, dificilmente se observa grande
preocupação com a caracterização dos fatos ou com o estudo detido dos princípios que regem sua exposição no
processo (sobre as causas desse menosprezo, veja-se William Twining, op. cit., p. 13 e ss.).
(4)
Isto porque, como se verifica na doutrina clássica, sem saber como as coisas se passaram, não tem o magistrado
condições de determinar qual a regra abstrata deve ser aplicada ao caso concreto. Como observa CHIOVENDA,
"toda norma encerrada na lei representa uma vontade geral, abstrata, hipotética, condicionada à verificação de
determinados fatos, que, em regra, podem multiplicar-se indefinidamente. Toda vez que se verifica o fato ou grupo de
fatos previstos pela norma, forma-se uma vontade concreta da lei, ao tempo em que da vontade geral e abstrata nasce
uma vontade particular que tende a atuar no caso determinado" (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito
processual civil, 1998, vol. 1, p. 18). É assim que surge, na ótica desse jurista, a sua célebre definição de jurisdição,
como tendo por escopo a atuação da vontade concreta da lei. V.tb., sobre a questão,
EnricoTullioLiebman,AÍ«n«flfeí/iíí/n7to processuale civile, principi. cit., p. 318.
298
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sendo que "esses atos têm, todos, mais ou menos diretamente, por objeto, colocar o juiz em
condições de se pronunciar sobre a demanda e enquadram-se particularmente no domínio da
execução das provas"? Na mesmalinha de pensamento, LIEBMAN, ao conceituar o termo
"julgar", assevera que tal consiste em valorar determinado fato ocorrido no passado, valoração
esta feita com base no direito vigente, determinando, como conseqüência, a norma concreta que
regerá o caso.fi
Ora, partindo-se desse pressuposto, nada mais natural do que eleger, como um dos princípios
essenciais do processo - senão a função principal do processo de conhecimento -, a busca da
verdade substancial. No dizer de MITTERMAYER, a verdade é a concordância entre um fato
ocorrido na realidade sensível e a idéia que fazemos dele.7 Esta visão, típica de uma filosofia
vinculada ao paradigma do objeto* embora tenha todos os seus pressupostos já superados pela
filosofia moderna, ainda continua a guiar os estudos da maioria dos processualistas modernos.
Não obstante todas as lições da moderna filosofia, combatendo duramente essa visão do
conhecimento, o direito permanece recorrendo a esse paradigma para explicar sua função e o
processo continua apoiando-se nessa vetusta idéia para legitimar sua função.
Mantendo-se o direito atual ainda fiel à estrutura normativa herdada do racionalismo iluminista
- e compreendendo-se que a atribuição do magistrado é, exclusivamente, ade aplicar o direito
objetivo ao caso concreto 9 -, é inexorável a constatação de ser imprescindível a reconstrução
CHIOVENDA, Giuscppe. Instituições cie direito processual civil, cit., 1998, vol. l,p. 72.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. Trad. Cândido R. Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense,
1984.1.1, p. 4. MITTERMAYER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal. 1. ed. Rio de Janeiro: Eduardo &
Henrique Laemmert, 1879. p. 78. Posição esta consagrada na visão de Aristóteles, com sua clássica noção de que
"dizer daquilo que é, que c, e daquilo que não é, que não é, é verdadeiro; dizer daquilo que não é, que c, e daquilo que
é, que não é, é falso" (apud X Newton C. A. da Costa, "Conjectura e quase-verdade", Direito - Política filosofia Poesia: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale, em seu octogésimo aniversário, coord. Celso Lafcr e
Tércio Sampaio Ferraz Jr., São Paulo: Saraiva, 1992, p. 78).
Significativas são, nesse campo, as palavras de CHIOVENDA, que bem demonstram o espírito de sua época.
Tratando da matéria e analisando a questão
A PROVA
299
dos fatos a fim de que a hipótese prevista na norma seja adequadamente aplicada, e que a
medida dessa adequação estaria na maior ou menor aproximação da hipótese descrita na regra
com a realidade descoberta.10 Cumpre lembrar, nesse passo, o genial CARNELUTTI, o qual,
após declarar que o processo é um trabalho, assevera que "aquilo que é necessário saber, antes
de tudo, é que o trabalho é união do homo com a res, sendo que esta coisa vimos estar em torno
de um homo: que o homo hidicans trabalhe sobre o homo iiidicandiis significa, no fundo, que
deve unir-se com ele; somente através da união ele conseguirá saber como se passaram as coisas
[come sono andate le cose] e como deveriam passar-se, a sua história e o seu valor; em uma
palavra a sua verdade"." Eis a
da interpretação do direito, dizia o mestre que "quando se fala de interpretação admite-se na lei um pensamento que o
juiz nada mais faz do que aplicar"; e, logo a seguir, conclui que "a interpretação é obra da doutrina, não do juiz: e se a
interpretação deve considerar-sc como fonte do direito, é evidente que o juiz não faz mais que formulá-la"
(CHIOVENDA, Giuseppc. Princípios de derecho procescd civil. 3. ed.Trad. José Casais y Santalo. Madrid: Réus,
1922. t. I, p. 90-91). Em razão disio, MERRYMAN advertia, analisando a figura do juiz do direito continental
europeu: "surge assim uma imagem do processo judicial como uma atividade bastante rotineira. O juiz converte-se
em uma espécie de empregado especializado. Apresenta-sc-lhe uma situação de fato para a qual se encontrará à mão
uma resposta legislativa em todos os casos, exceto os extraordinários. Sua função consiste simplesmente em
encontrar a disposição legislativa correta, compará-la com a situação legislativa correta, compará-la com a situação
de fato e consagrar a solução que produz a união de forma mais ou menos automática. (...)
A imagem clara do juiz c a do operador de uma máquina desenhada e construída pelos legisladores. Sua função é
meramente mecânica. (...) O juiz da 'civil law' não é um herói cultural nem uma figura paternal, como o que é freqüentemente entre nós. Sua imagem é a de um empregado público que desempenha funções importantes mas que
resultam essencialmente pouco criativas" (MERRYMAN, John Henry. La Iradición jurídica romano-canónica. Trad.
Eduardo L. Suárez. México: Fondo de Cultura Econômica, 1998. p. 76-77). Assim, aliás, acentua CARNELUTTI, ao
ponderar que "noi sappiamo che il primo compito per giudicare è quello di ricostruirc il fatto; non potrebbc il giudice
procedere ai confronto dei fatto con Ia fattispecie prima di averlo ricostruito" (üirillo e processo, cit, p. 94). Da
mesma forma, ver Cario Furno, Contributo alia teoria delia prova legale, Padova, Cedam, 1940, p. 11.
CARNELUTTI, Franccsco. Diritto e processo, cit., p. 124.
300
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
razão pela qual se tem a verdade material (ou substancial) como escopo básico da atividade
jurisdicional. Como dizem TARUFFO e MICHELI, no processo a verdade não constitui um fim
em si mesma, contudo insta buscá-la enquanto condição para que se dê qualidade à justiça
ofertada pelo Estado. '2 Assim, nota-se que a idéia(ou o ideal) de verdade no processo exerce
verdadeiro papel de controle da atividade do magistrado; é a busca incessante da verdade
absoluta que legitima a função judicial e também serve de válvula regulatória de sua atividade,
na medida em que a atuação do magistrado somente será legítima dentro dos parâmetros fixados
pela verdade por ele reconstruída no processo.
Não é preciso muito esforço mental para notar que o conceito de verdade no processo (e,
subseqüentemente, dos institutos processuais que com ela operam) não pode afastar-se da idéia
de verdade que se tem nos demais ramos do conhecimento (em uma perspectiva mais
moderna).13 Em outros termos, a questão da verdade (e, assim, da prova) deve orientar-se pelo
estudo do mecanismo que regula o conhecimento humano dos fatos. E, voltando os olhos para o
estágio atual das demais ciências, a conclusão a que se chega é uma só: a noção de verdade é,
hoje, algo meramente utópico e ideal (enquanto absoluto 14). Uma afirmação "polêmica"
MICHELI, Gian AntôniocTARUFFO, Michele. "Aprova". RePro 16/168 , São Paulo: RT, out./dez. 1979. Não se
nega, efetivamente, que a idéia de verdade, enquanto meta utópica do processo, exerce função importante na estrutura
deste. É certo que o juiz deve buscar- ainda que saiba, conscientemente, que não é capaz de encontrá-la - a verdade
enquanto ideal; todavia, essa busca não pode, mesmo porque constitui objeto ideal, impor restrições ao processo além
do mínimo necessário, exatamente porque sua função é meramente mítica. Essa idéia será melhor esclarecida
posteriormente, quando se analisar a função que, segundo a opinião aqui apresentada, deve a prova desempenhar no
processo. Nesse sentido, acentua MICHELE TARUFFO que "o jurista não consegue mais estabelecer que coisa seja a
verdade dos fatos no processo, e a que coisa servem as provas, sem defrontar-se com escolhas filosóficas e
epistemológicas de ordem mais geral. A expressão 'verdade material', e as outras expressões sinônimas, transformamse em etiquetas privadas de significado se não se ligam ao problema geral da verdade. Desse ponto de vista, o
problema da verdade dos fatos no processo não é mais que uma variante específica deste problema mais geral"
(TARUFFO, Michele. La prova deifatti giuridici, nozioni generali. Milano: Giuffrè, 1992. p. 5).
Como se pode inferir da lição de VILLEY, a verdade é um conceito absoluto; ou é ou não é. Uma verdade parcial,
imperfeita ou meramente formal, por sim-
APROVA
301
como essa, exige certamente maiores esclarecimentos. Em essência, o que se pretende dizer, na
realidade, é que, seja no processo, seja em outros campos científicos Jamais se poderá afirmar,
com segurança absoluta, que o produto encontrado efetivamente corresponde à verdade. 15
Realmente, a essência da verdade é intangível (ou ao menos o é a certeza da aquisição desta). 16
A constatação não é nova, e já foi alvo da consideples questão de lógica, não pode ser verdade, já que esse conceito (absoluto) apenas será atingido na base da verdade
substancial (VILLEY, Michel. Réflexions sur Ia philosophie et le clroit, les carnets. Paris: PUF, 1995. p. 1). (l5)
Como bem ponderava CARNELUTTI, "na substância é realmente oportuno observar como a verdade não possa ser
que uma, onde a verdade formal ou jurídica ou coincide com a verdade material, e não é que verdade, ou diverge
desta, e não é que uma não verdade, de forma que, tirante a metáfora, o processo de busca sujeito a normas jurídicas,
que lhe constrangem e lhe deformam a pureza lógica, não pode ser sinceramente considerado como um meio de conhecimento da verdade dos fatos, mas sim como uma fixação ou determinação dos próprios fatos, que pode coincidir
ou não coincidir com a verdade destes e permanece, seja como for, independente desta" (CARNELUTTI, Francesco.
La prova civile, cit., p. 29-30).
(l(i)
Em termos de direito, tem-se a insuspeita lição de CALAMANDREI sobre a questão. Dizia que "a querela entre
os advogados e a verdade é tão antiga quanto a que existe entre o diabo e a água benta. E, entre as facécias
costumeiras que circulam sobre a mentira profissional dos advogados, ouve-se fazer seriamente essa espécie de
raciocínio: -Em todo processo há dois advogados, um que diz branco e outro que diz preto. Verdadeiros, os dois não
podem ser, já que sustentam teses contrárias; logo, um deles sustenta a mentira. Isso autorizaria considerar que
cinqüenta por cento dos advogados são uns mentirosos; mas, como o mesmo advogado que tem razão numa causa
não tem em outra, isso quer dizer que não há um só que não esteja disposto a sustentar no momento oportuno causas
infundadas, ou seja, ora um, ora outro, todos são mentirosos.
Esse raciocínio ignora que a verdade tem três dimensões e que ela poderá mostrar-se diferente a quem a observar de
diferentes ângulos visuais.
No processo, os dois advogados, embora sustentando teses opostas, podem estar, e quase sempre estão, de boa-fé,
pois cada um representa a verdade como a vê, colocando-se no lugar do seu cliente" (CALAMANDREI, Piero. Eles,
os juizes, vistos por um advogado. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 121).
E, arrematando a idéia, o mesmo genial processualista florentino traz a seguinte imagem: "Ponham dois pintores
diante de uma mesma paisagem, um ao lado do outro, cada um com seu cavalete, e voltem uma hora depois para ver
302
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ração de VOLTAIRE, ao afirmar que "les vérités historiques ne sont que des probabilités".17
Assim também percebeu MIGUEL REALE ao estudar o problema, deduzindo, então, o conceito
de quase-verdade em substituição ao de verdade, considerando que esta seria inatingível e
imprestável.18
o que cada um traçou cm sua tela. Verão duas paisagens absolutamente diferentes, a ponto de parecer impossível que
o modelo tenha sido o mesmo. Dir-se-ici, nesse CCISD, que um dos dois traiu a verdade?" (op. cit., p. 125). Realmente, é impossível fugir à "subjetivação " da realidade, razão pela qual jamais se poderá diz,er, com absoluta
segurança, que a "reconstrução " operada dos fatos efetivamente condiz com a realidade verificada. Apud
CALAMANDREI, Picro. "Verità e verossimiglianza nel processo civile", Rivista di Diritto Processuale. Padova:
Cedam, 1955. p. 165. REALE, Miguel. Verdade e conjectura. São Paulo: Nova Fronteira, 1983. Dessa obra, extrai-se
a lição de que "se a verdade, numa síntese talvez insuficiente, não é senão a expressão rigorosa do real, ou, por outras
palavras, algo de logicamente rcdutível a uma correlação precisa entre 'pensamento e realidade', tomando este
segundo termo em seu mais amplo significado, e não apenas como 'realidade fatuaf, forçoso é reconhecer que a
adequação entre o mundo dos conceitos e o da realidade, mesmo nos domínios das ciências consideradas exatas,
deixa-nos claros ou vazios que o homem não pode deixar de pensar. No fundo é esta a distinção kantiana essencial
entre 'conhecer segundo conceitos' e 'pensar segundo idéias', isto é, acrescento eu com certa elasticidade, 'pensar
segundo conjecturas'. De mais a mais, discutem até hoje os filósofos e cientistas no que tange à definição de verdade,
e os conceitos que se digladiam não são mais do que conjecturas, o que demonstra que a conjectura habita no âmago
da verdade, por mais que nossa vaidade de homo sapiens pretenda sustentar o contrário" (op. cit., p. 17-18). E
prossegue o genial jusfilósofo, afirmando que "não há nessa atitude, porém, nenhum laivo de ceticismo ou de
relativismo, pois quem conjetura, quando a verdade não se lhe impõe precisamente ao espírito, quer lançar uma ponte
sobre a dúvida que separa uma verdade da outra, para usarmos uma imagem feliz de Augusto Comtc. É que o
pensamento, tanto como a natureza, tem horror ao vácuo, ao não-explicado ou compreendido. Vaihinger, afirmando
que toda verdade se reduz a uma 'ficção', a um como se (ais ob) que o nosso espírito admite para compreender e
dominar uma serie de situações problemáticas, atendendo, assim, a exigências biológicas, e, mais amplamente,
existenciais. A teoria da verdade reduzir-se-ia, desse modo, a uma teoria das ficções conscientes e úteis, em função
dos esquemas ideais com que o homem encapsula o real e o ordena segundo os seus próprios fins vitais, constituindo,
ao mesmo tempo, uma lógica naturalista e operacional" (op. cit., p. 18).
A PROVA
303
Deveras, a reconstrução de um fato ocorrido no passado sempre é influenciada por aspectos subjetivos
das pessoas que o assistiram, ou ainda daquele que (como o juiz) há de receber e valorar a evidência
l9
concreta. Sempre, o sujeito que percebe uma informação (seja presenciando diretamente o fato, ou
conhecendo-o através de outro meio) altera o seu real conteúdo, absorve-o à sua maneira, acrescentando20
lhe um toque pessoal que distorce (se é que essa palavra pode ser aqui utilizada) a realidade. Mais que
isso, o julgador (ou o historiador, ou, enfim, quem quer que deva tentar reconstruir fatos do passado)
jamais poderá excluir a possibilidade de que as coisas tenham-se passado de forma diversa daquela a que
suas "impressões" o levaram.
Some-se a tudo isso o fato de que a relação da verdade com o processo (juiz e provas) vem permeada de
certas particularidades, as quais muitas vezes excluem a possibilidade de que o magistrado efetivamente a
21
encontre. É o que observa GIOVANNI VERDE, ao ponderar que, no pro9I
" Conforme atenta observação de GADAMER, "a interpretação não é um ato posterior c oportunamente
complementar à compreensão, porém, compreender é sempre interpretar, e, por conseguinte, a
interpretação 6 a forma explícita da compreensão" (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método - Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. 2. ed. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 459).
(20)
Nesse sentido é a conclusão de RUI PORTANOVA {Motivações ideológicas da sentença, 2. ed., Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 1994) que expõe três ordens de motivação para a sentença judicial: probatória, pessoal e
ideológica. Sobre as motivações pessoais, leciona o jurista que "as contradições, os exageros ou as omissões das
testemunhas podem embasar com alguma objetividade o convencimento judicial: fora disso, os motivos pessoais do
juiz para considerar um fato, uma prova ou um direito como relevantes para o provimento ou não da demanda são
pouco perserutáveis. São motivações pessoais: interferências (psicológicas, sociais, culturais), personalidade,
preparação jurídica, valores, sentimento de justiça, percepção da função, ideologia, estresse, remorsos,
inteleetualização" (op. cit., p. 16).
1211
"De resto, se a noção de prova devesse ser colocada coerentemente em relação com o escopo de consentir ao juiz
de obter um pleno convencimento da real existência (ou inexistência) dos fatos controvertidos, nenhum dos meios
probatórios disciplinados pelo código poderia enquadrar-se plenamente na noção. A formação do convencimento
judicial 6, de fato, condicionada não apenas pelas regras que lhe impõem valorar de um certo modo as resultantes
instrutórias, mas também por aquelas que fazem ter como inadmissíveis de-
304
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
cesso, as regras sobre prova não regulam apenas os meios de que o juiz pode servir-se para
"descobrir a verdade", mas também traçam limites à atividade probatória, tornando
inadmissíveis certos meios de prova, resguardando outros interesses (como a intimidade, o
silêncio etc.) ou ainda condicionando a eficácia do meio probatório à adoção de certas for malidades (como o uso do instrumento público). Diante dessa proteção legal (de forte
intensidade) a outros interesses, ou, ainda, da submissão do mecanismo de "revelação da
verdade" a certos requisitos, parece não ser difícil perceber que o compromisso que o direito (e,
em especial, o processo) tem com a verdade não é tão inexorável como aparenta ser.
Há, realmente, uma contradição nesse aspecto, como bem demonstra SÉRGIO COTTA.22 Querse um juiz que seja justo e apto a desvendar a essência verdadeira do fato ocorrido no passado,
mas reconhece-se que a falibilidade humana e o condicionamento dessa descoberta às formas
legais não lhe permitem atingir esse ideal.
12.1.2 O processo e o discurso
Após toda essa digressão, é imperativo convir que não é objetivo concreto do juiz encontrar a
verdade (absoluta) no processo. Conquanto possa essa meta continuar como elemento mítico - e
objetivo utópico -da atividade jurisdicional (mesmo para que se possa assegurar a qualidade da
pesquisa efetivada pelo magistrado e, conseqüentemente, do resultado obtido), não se pode
acreditar que, concretamente, esse ideal seja realizado no processo ou mesmo que ele a isto se
destina.
Todavia, se isso é correto, qual seria então a função da prova no processo? Constitui-se, ao que
parece, em meio retórico, indispensável ao debate judiciário. O processo deve ser visto como
palco de discussões; a tópica é o
terminadas fontes de conhecimento (por exemplo, a ciência privada, o testemunho etc.) ou mesmo que impõem o
respeito de determinadas modalidades de assunção, de tal forma que as provas formadas sem o respeito de tais limites
ou modalidades devem compreender-se ilegítimas ou como conseqüência, segundo a opinião mais usual, ineficaz"
(VERDE, Giovanni. "Prova (diritto processuale civile)". In Enciclopédia dei diritto. Milano: Giuffrè, 1988. vol. 37, p.
590).
"Quidquid latet apparebit: le problème de Ia vérité du jugement". inArchives dephilosophiedudroit. Paris: Dalloz,
1995. t. 39, p. 219-228.
A PROVA
305
método da atuação jurisdicional e o objetivo não é a reconstrução do fato, mas o convencimento
dos demais sujeitos processuais sobre ele.
O diálogo (comunicação) passa a ter a preponderância no sistema. Há um retorno à antiga idéia
aristotélica da tópica e da retórica. A razão centra-se na comunicação e não mais na reflexão
isolada de um só sujeito.23
O discurso assenta-se sobre "pretensões" tendentes a permitir o estabelecimento do diálogo. A
propósito das pretensões de validade da comunicação, leciona HABERMAS que "o modo
fundamental destas manifestações determina-se pelas pretensões de validade que implicitamente
levam associadas: a verdade, a retitude, a adequação ou a inteligi-bilidade (ou correção no uso
dos meios de expressão). A estes mesmos modos conduz também uma análise de enfoque
semântico das formas de enunciados. As orações descritivas que, no sentido mais lato, servem à
constatação de fatos que podem ser asseverados ou negados sob o aspecto da verdade de uma
proposição; as orações normativas ou orações de dever que servem à justificação de ações, sob o
aspecto da retitude (ou da 'justiça') de sua forma de atuar; as orações valorativas (os juízos de
valor) que servem à valoração de algo, sob o aspecto da adequação dos standards de valor (ou
sob o aspecto do 'bom'), e as explicações de regras geradoras que servem à explicação de
operações tais como falar, classificar, calcular, deduzir, julgar etc, sob o aspecto de
24
inteligibilida-de ou correção formal das expressões simbólicas".
(
"> Vale ressaltar que esse "diálogo" é prévio, necessariamente anterior a qualquer forma de conhecimento. Trata-se
da busca de consenso que permita o conhecimento - e não consenso do conhecimento. É algo que ocorre no mundo
ideal, como um apriori—ta\ qual as formas apriori kantianas -e não no mundo sensível. Esse consenso importa a
aceitação prévia dos critérios necessários para a realização de qualquer comunicação (interação). Como explica
HABERMAS, "a razão comunicativa distingue-se da razão prática por não estar adscrita a nenhum ator singular nem
a um macrossujeito sociopolítico. O que torna a razão comunicativa possível é o médium lingüístico, através do qual
as interações se interligam e as formas de vida se estruturam. Tal racionalidade está inscrita no telos lingüístico do
entendimento, formando um ensemble de condições possi-bilitadoras e, ao mesmo tempo, limitadoras"
(HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia, entre facticidade e validade. Trad. FlávioBeno Siebeneichler. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. vol. l,p. 20).
' HABERMAS, Jürgen. Teoria de Ia acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1988. t.I, p.64-65.
306
MANUAL. DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
No discurso, todas as pretensões ficam suspensas, até que a assertiva seja confirmada ou
refutada (em discurso teórico) ou até que a norma seja considerada legítima ou ilegítima
(através de discurso prático). Tomando-se como adequada essa constatação, pode-se agora
compreender a função da verdade no discurso jurídico: constitui ela uma das pretensões de
validade que autoriza o discurso. Se acaso os sujeitos processuais não acreditassem que a
verdade tem função no processo, não haveria motivo para a sua celebração, que se tornaria
mera sucessão de atos, sem nenhum objetivo útil. A busca da verdade, embora seja meio
retórico, preenche axiologicamente o processo, outorgando-lhe legitimidade e fundamentação.
Porém, se, de um lado, essa verdade pressuposta (fundamento para o estabelecimento do
processo) está fincada como antecedente ao processo, de outra parte também é o resultado do
processo, que se atinge após o discurso. Se o processo é concebido com o fito de obter-se verdade, então o resultado atingido será, necessariamente, ao menos para aqueles que participaram do
discurso, a verdade (agora tomada como conseqüente).2^
Isto implica dizer que verdade e legitimidade não são conceitos absolutos, de validade plena e
eterna. Ao contrário, resultam do consenso discursivo. Há deslocamento da formulação da
verdade em relação às proposições fáticas e da legitimidade em relação às proposições normativas para a i ntersubjetividade. A verdade é algo necessariamente provisório, apenas
prevalecendo enquanto se verificar o consenso, epara uma situação específica e concreta.10
Obviamente, a verdade a que aqui se alude não é mais a verdade absoluta, mas uma verdade criada e imaginária,
resultante da satisfação para os sujeitos do processo dos requisitos necessários do discurso e legitimada
especificamente por ele. Se esse resu ltado efetivamente corresponde ao ocorrido concretamente, isto jamais se
poderá dizer.
Nesse sentido, pondera ALEXY que "isto teria de negar-se imediatamente, se para cada questão prática existisse uma
única resposta correta, com independência se existe um procedimento para encontrá-la c para provar sua correção.
Quem defende esta tese separa o conceito de correção dos conceitos de fundamentabilidade e de possibilidade da
prova. Desta maneira resulta um conceito absoluto de correção que tem um caráter não-procedimental. O conceito
absoluto c não-procedimental de correção excluiria de fato que se pu-
A PROVA
307
Tal, com efeito, é a garantia da universalidade do procedimento.27 A verdade não mais é
buscada no conteúdo da assertiva, mas na forma pela qual ela é obtida (consenso). O conteúdo é
evidentemente importante, mas nada tem a ver com a verdade - pois para esta apenas interessa a
forma pela qual a afirmação é obtida. O verdadeiro e o falso não têm origem nas coisas, nem na
razão individual, mas no procedimento.
Em sentido semelhante, tem-se a visão de ENRIQUE DUSSEL, o qual, embora criticando
Habermas, conclui que "não é simplesmente partindo de uma posição solipsista originária que
se há de chegar ao 'verdadeiro', para depois procurar a 'consensualidade' por aceitação intersubjetiva, mas a posição da subjetividade na atualização do real como verdadeiro (...) foi antes
constituída a partir da intersubjetívidade (tanto cerebral, lingüística, cultural como
historicamente) (...), mas de maneira formalmente diferenciada (e não confusa e identificada
como no caso
desse designar como 'correto' tanto N como 0N [negação de N]. Seu defeito consiste em que parte de pressupostos
demasiadamente fortes. A suposição da existência, independentemente do procedimento, de uma única resposta
correta para cada questão prática c uma tese ontológica que tem pouco em seu favor e contra a qual se pode aduzir
muito. O fato de contestar questões práticas se baseia (não apenas, mas essencialmente) em interpretações de interesses e em ponderações de interesses. Não se pode aceitar que sobre esta base seja possível só justamente uma resposta
para cada questão prática. (...) A única resposta correta tem melhor o caráter de um fim ao que se deve aspirar. Os
participantes de um discurso prático, com independência de se existe uma única resposta correta, devem oferecer a
pretensão de que sua resposta é a única correta. Em outro caso, careceriam de sentido suas afirmações e fundamentações. Isto pressupõe somente que existem questões práticas às quais se pode atribuir no discurso uma resposta como a
única correta, e que não há segurança sobre quais sejam estas questões, de maneira que vale a pena procurar em toda
questão uma única respostacorreta. Por isso, a teoriado discurso tem como base uma concepção absolutamente
procedimental da correção" (ALEXY, Robert. Teoria de Ia argamentación jurídica - La teoria dei discurso racional
como teoria de Ia fnndamentación jurídica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espcjo. Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 1989. p. 302-303). "' No dizer de HABERMAS, "uma norma só pode aspirar a ter validade quando
todos os afetados conseguirem pôr-se de acordo enquanto participantes de um discurso prático (ou podem pôr-sc de
acordo) em que essa norma é válida" (HABERMAS, Jürgen. Consciência moral y acción comunicativa. Madrid:
Ediciones Península, 1985. p. 86).
308
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de Habermas). Toda atualização do real (verdade) é já sempre intersub-jetiva; e toda
intersubjetividade (validade) tem 'referência' a um pressuposto veritativo. Mas são
categorialmente diferentes. A verdade é o fruto do processo monológico (o enunciado tem assim
pretensão de verdade); a validade é o fruto do processo de procurar que seja aceito intersubjeti vamente aquilo que se considera monologicamente (ou comunitariamen-te) como verdadeiro (o
enunciado tem assim pretensão de validade)".28 Daquilo que até aqui foi exposto, parece resultar
evidente que a intenção desse discurso caminha para uma avaliação da verdade sob a ótica do
procedimento utilizado para chegar a ela. Em verdade, a idéia da interferência do procedimento
na avaliação da verdade não é nova. Já o processo germânico antigo era particularizado por
buscar, essencialmente, a verdade dos fatos, ainda que calcado no paradigma do objeto, mas
através de um rígido procedimento.29 Embora não se queira aqui retornar ao sistema germânico
(nem à forma como aquele direito lidava com a prova no procesDUSSEL, Enrique. Ética da libertação, na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 206). E,
esclarecendo essa idéia, conclui o genial filósofo dizendo que, "na validade como consensualidade (formalidade do
discurso), o argumento é aceito e produz acordos, consenso. Trata-se do critério de intersubjetividade. A
consensualidade se alcança a partir da verdade do argumento, mas a verdade do argumento é impossível, por seu
turno, sem a prévia consensualidade; além disso, a verdade, embora tenha em alguns casos empíricos uma origem
monológica, tem sempre uma pretensão ou uma busca do consenso para vir a ser um enunciado intersubjetivamente
provado e, assim, tornar-se tradição histórica (cotidiana ou científica). Isto é, intersubjetivamente (formal ou
procedimentalmente) não há verdade em sentido pleno: a) antefestum, sem prévia validade, já que a existência em
forma de acordos intersubjetivos dos pontos a verificar é condição absoluta de sua possibilidade; b) in festum, sem a
dialogicidade na produção intrínseca de argumentos novos no próprio ato veritativo (nisto consiste o caráter
assegurador do consenso); e c) post festum, sem a aceitabilidade intersubjetiva que permite novos progressos
veritativos" (DUSSEL, Enrique. Op. cit., p. 206-207). "O procedimento germânico conserva o caráter do processo
primitivo, nascido historicamente como meio de pacificação social, encaminhado a dirimir as contendas, mais que a
decidi-las, fazendo depender sua solução, não do convencimento do juiz, mas pelo regular, do resultado de fórmulas
solenes, nas quais o povo descobre a expressão de um ato superior e imparcial de divindade. Tudo isso dá ao processo
e à prova um aspecto sumamente formal (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, cit., t. 1, p.
!)•
A PROVA
309
so), não há dúvida de que é o procedimento que atribui à reconstrução dos fatos sua capacidade
de gerar verdade. Já em Aristóteles se encontra a verdadeira semente dessa idéia (não,
obviamente, com a formulação dada pelo direito germânico antigo, nem precisamente com
aquela que aqui se advoga). Para ele, a busca do conhecimento verdadeiro apenas se daria pela
via dadialética.x O objeto do conhecimento deveria ser debatido pelos sujeitos - cada qual,
presumivelmente, com parcela do conhecimento - logran-do-se, assim, aperfeiçoar a verdade de
cada qual sobre o objeto. A dialética aristotélica é, então, uma busca, uma tentativa de
aproximação da verdade.3 '
Esse é precisamente o objetivo de HABERMAS. Segundo o autor, " 'real' é o que pode ser
representado em proposições verdadeiras, ao passo que 'verdadeiro' pode ser explicado a partir
da pretensão que é levantada por um em relação ao outro no momento em que assevera uma
proposição. Com o sentido assertórico de sua afirmação, um falante levanta a pretensão,
criticável, à validade da proposição proferida; e como ninguém dispõe diretamente de condições
de validade que não sejam interpretadas, a 'validade' (Gültigkeit) tem de ser entendida
epistemologicamente como 'validade que se mostra para nós' (Geltung). A justificada pretensão
de verdade de um proponente deve ser defensável, através de argumentos, contra objeções de
possíveis oponentes e, no final, deve poder contar com um acordo racional da comunidade de
interpretação em geral".32 Fica, então, clara a idéia de diálogo, de argumentação e de persuasão, como componentes indissociáveis da noção de verdade.
Como bem lembra CHAIM PERELMAN,33 as provas sempre se referem a alguma proposição
ou, como prefere ele denominar, uma tese; ademais, é certo que essa proposição não pode ser
fundamentada exclusivamente em um critério metafísico ou intuitivo, sendo necessário que se
expresse por via de uma linguagem. Partindo-se dessa premissa, "a escolha de uma linguagem
ligada a uma teoria é elemento indispensável para a descrição do real, é uma obra humana, na
qual as estruturas for(M)
VILLEY, Michel. Philosophie du droit, II. Les moyens du droit. 2. ed. Paris:
Dalloz, 1984. p. 49. 1 Idcm, ibidem, p. 48. '"' HABERMAS, Jürgen. Direitoedemocracia, entrefacticidade e
validade, op.
cit.,p. 31. W) PERELMAN, ChaVm. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira.
São Paulo: Martins Fontes, 1997. p. 164.
310
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
mais se combinam com motivações culturais, tanto emotivas quanto práticas. Como uma
linguagem não é nem necessária, nem arbitrária, seu emprego é consecutivo a uma
argumentação, às vezes explícita, o mais das vezes implícita, quando seu uso parece
tradicional".34
Nessa esteira, sendo necessária para a expressão de uma idéia ou de uma proposição a
linguagem, a retórica impõe-se como forma de estabelecer essa linguagem entre os sujeitos do
diálogo, para o fim de lograr o objetivo inicialmente concebido para a proposição (e também
para a prova): o convencimento. "Um raciocínio, tradicional na história da filosofia, faz
qualquer conhecimento depender, em última instância, de uma evidência, intuitiva ou sensível:
ou a proposição é objeto de uma evidência imediata ou resulta, por meio de certo número de
elos intermediários, de outras proposições cuja evidência é imediata. Apenas a evidência
forneceria a garantia suficiente às afirmações de uma ciência que se opusesse, de maneira
igualmente tradicional, às opiniões, variadas e instáveis, que se entrechocam em controvérsias
intermináveis e estéreis, que nenhuma prova reconhecida permite dirimir".35
Esse meio deve enquadrar-se nas prescrições legais atinentes à matéria (ainda que a lei autorize
a liberdade plena dessas vias), sendo que esses comandos representam os critérios prévios,
determinantes dapossibilidade do "diálogo"; assim é que essas determinações de lei podem
regular tanto o modo de formação da prova, como sua produção dentro do processo, como ainda
podem condicionar a sua força probante (prova legal).
O discurso judicial apresenta particularidades especiais, na medida em que se estabelece dentro
de critérios fixados por lei. Deve, portanto, sempre considerar o direito vigente como
parâmetro,36 e é neste sentido que as prescrições do direito devem ser consideradas na
formulação de uma definição de prova. É evidente que sempre se pode questionar a validade da
lei em que alguém se apoia para formular seu discurso;37 ainda assim, a lei não deixa de
manifestar-se como elemento a ser considerado na avaliação de qualquer argumento jurídico.
1341
Idem, ibidem, p. 1 64-165. Idem, p. 154.
(35) (36) (37)
Cf. Robert Alexi, op. cit., p. 206.
Cf. crítica procedente lançada a ALEXY por MANUEL ATIENZA (Leis razones dei derecho - teorias de Ia
argwnentación jurídica. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionalcs, 1997. p. 237).
APROVA
31
12-1-3 A definição de prova
Uma primeira observação que deve ser feita diz com a natural constatação de que a prova não é
assunto exclusivamente versado pelo direito processual. Por isso, seu conceito, sua função e
suas particularidades não devem ser encontrados exclusivamente no campo do direito (ou, mais
restritamente, no campo do direito processual), mas, ao contrário, são informados por elementos
das mais diversas ciências, não obstante ingressem no direito processual com visão e regime
particular.
Cabe advertir, desde logo, que a palavra "prova" pode assumir diferentes conotações não apenas
no processo civil, mas também em outras ciências. Assim é que, pode significar inicialmente os
instrumentos de que se serve o magistrado para o conhecimento dos fatos submetidos à sua
análise, sendo possível assim falar em prova documental, prova pericial etc. Também pode essa
palavra representar o procedimento através do qual aqueles i nstrumentos de cognição se
formam e são recepcionados pelo juízo; este é o espaço em que se alude à produção da prova.
De outra parte, prova também pode dar a idéia da atividade lógica, celebrada pelo juiz, para o
conhecimento dos fatos (percepção e dedução, no dizer de PROTO PISANI3S). E, finalmente,
tem-se como prova, ainda, o resultado da atividade lógica do conhecimento.
Comumente, a definição de prova vem ligada à idéia de reconstrução (pesquisa) de um fato que
é demonstrado ao magistrado, capacitando-o a ter "certeza" sobre os eventos ocorridos e
permitindo-lhe exercer sua função. Assim, porexemplo, manifesta-se LESSONA, dizendo
que"/? ro-var, neste sentido, significa fazer conhecidos para o juiz os fatos controvertidos e
duvidosos, e dar-lhe a certeza do seu modo preciso de ser".39 Nessa mesma linha, LIEBMAN
define prova como sendo "os meios que servem para dar o conhecimento de um fato e por isso
para fornecer a demonstração e para formar a convicção da verdade de um fato específico". 40
(S|
(M|
Lezioni cli diritto pmccssuale civile, cit., p. 446.
LESSONA, Carlos. Teoria general de Ia pnteba en derecho civil. Trad. José Maria Manresa y Navarro. Madrid: Réus,
1928. vol. l,p. 3.
M0)
LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile, principi, cit., p. 3 1 8. Nessa mesma linha trilha
o pensamento de NEVES E CASTRO e PONTES DE MIRANDA, que sustentam que "podemos definir as provas no
seu sentido lato: - o meio pelo qual a intelligencia chega á descoberta da ver-
312
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Mais condizente com a noção da prova para o direito - que, como já dito, apresenta, em função
de sua regulamentação especial, certas peculiaridades - é a idéia de G10VANNI VERDE.
Segundo esse autor, 41 o conceito de prova, para a ciência jurídica, não pode ser encontrada nas
mesmas origens em que se encontra esse conceito para as ciências empíricas. É que a ampla
liberdade de convencimento que rege a atividade judicial e a fixação de disciplina específica
para o aporte de provas ao processo torna essa noção diversa (e mesmo impensável) para outros
ramos de ciência, que também têm sua atividade baseada na reconstrução de fatos. Partindo
dessa premissa, VERDE conceitua prova como sendo "todos aqueles instrumentos na base dos
quais se pode fixar a hipótese à qual a norma torna possível implicar os efeitos jurídicos pretendidos".42 Nessa visão, provas seriam todos os elementos que possam restabelecer a verdade dos
fatos (fixar) da hipótese aventada pela parte para suportar certa conseqüência jurídica
pretendida.43
Porém, mesmo o passo avante, dado por GIOVANNI VERDE, não é capaz de esconder a nítida
vinculação à idéia de que a prova se destina ao passado, à reconstrução de um fato pretérito ou,
enfim, à verificação desse fato, gerando no juiz uma convicção de "certeza" sobre sua efetiva
ocorrência, o que, de resto, representa a idéia quase que unânime de toda a doutrina.
Não obstante, como já demonstrado, é impossível o restabelecimento dos fatos pretéritos, já que
jamais se logrará extirpar toda a dúvida possivelmente existente sobre a efetiva acuidade do
juízo a que se che(41 (42 (43
dade. No seu sentido jurídico, porém, define-as a nossa lei civil - a demonstração da verdade dos factos allegados em
juizo" (NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Theoria das
provas e sua applicação aos netos civis. 2. ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos, 1917. p. 14-escrito como
no original). VERDE, Giovanni. "Prova (diritto processuale civile)", op. cit., p. 589 e ss. Idem, ibidem, p. 590.
Nesse passo, as idéias de VERDE assemelham-se à tese de COUTURE, para quem a atividade probatória judicial
assemelha-se a prova matemática: "mais que a um método científico de investigação, a prova civil se assemelha,
como se disse, à prova matemática: é uma operação de verificação da exatidão ou erro de outra operação anterior"
(COUTURE, Eduardo. Fundamentos dei derecho pmcesal civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 219).
APROVA
313
gou. Quer dizer, em outras palavras, que a verdade, enquanto essência de um objeto, jamais
pode ser atingida, uma vez que não se pode "recuperar" o que já passou; de outra banda,
também a idéia de certeza somente pode ser concebida no nível subjetivo específico, sendo que
esse conceito pode variar de pessoa para pessoa - o que demonstra a relatividade dessa noção.
Conclui-se, então, e de acordo com as premissas expostas até aqui, que qualquer dos conceitos
acima ofertados, enquanto relacionados a paradigmas já superados do conhecimento, não se
prestam para uma definição real e adequada do conceito de prova. Insta, assim, buscar nova
dimensão para situar este conceito, apta a fazer frente às premissas anteriormente expostas sobre
a forma do conhecimento, conforme verificadas pela filosofia atual.
É necessário reconhecer que o fenômeno probatório assume atualmente um caráter
multifacetário, capaz de imprimir à figura, conforme o prisma através do qual se lhe observa,
diferentes nuances. Escolhido, arbitrariamente, o ponto de vista da decisão judicial - eleito por
ser, afinal, o escopo do processo de conhecimento, e o principal aspecto de preocupação do
processualista nesse campo — tem-se que a prova pode resumir-se em um aspecto
argumentativo-retórico, apto a justificar a escolha de uma das teses apresentadas pelas partes no
processo. Nas palavras de MICHELE TARUFFO, a prova assume, nesta perspectiva, a função
de fundamento para a escolha racional da hipótese destinada a constituir o conteúdo da decisão
final sobre o fato.44
E dentro dessa idéia que se apresenta, para o direito processual, como definição quiçá adequada
para expressar o fenômeno nesse âmbito do conhecimento, a seguinte: prova é todo meio
retórico, regulado pela lei, dirigido a, dentro dos parâmetros fixados pelo direito e de critérios
racionais, convencer o Estado-juiz da validade das proposições, objeto de impugnação, feitas
no processo.
Nota-se, nesse esboço de definição, a tônica ao aspecto dialético e ao método argumentativo
(como elemento inerente ao processo). De outra parte, a noção apresentada parece ajustar-se aos
contornos dados à prova pelo direito, seja no que se refere à liberdade do juiz na valoração da
pro(44) TARUFFO, Michele. La prova deifatti giuridici, cit., p. 421. O autor, vale ressaltar, apresenta inúmeras
significações para a palavra "prova", cada qual ressaltando um dos aspectos possíveis da questão.
314
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
va, seja no que atine à regulamentação específica de alguns temas probatórios pela lei.
Observe-se, ademais, que, embora aprova perca, nesse contexto (mas só aparentemente), seu
referencial com a verdade, em essência, a busca pela certeza epela verdade ideal sempre será
meta do juiz naperquirição dos argumentos probatórios encartados no processo. 45 Esse, aliás,
será, no mais das vezes, o argumento retórico que legitimará sua decisão. Todavia, é preciso
estar consciente das limitações da ciência processual (como, de resto, de qualquer outra) e,
partindo dessa premissa, aprender a lidar mais adequadamente com o instrumento que é posto à
disposição do Estado-Jurisdição. Não há dúvida de que o ideal não pode ser abandonado. Mas é
necessário estar ciente das limitações da prova, o que certamente conduzirá à formação da
consciência da impossibilidade da eternização de sua produção para um utópico e impossível
encontro da "verdade", logrando-se, daí, maior efetividade ao processo.
12.2 Objeto da prova
Da definição acima apresentada, um elemento deve ser destacado, qual seja, a menção a que a
prova não se destina a provar fatos, mas sim afirmações de fato. É, com efeito, a alegação, e não
o fato, que pode corresponder ou não à realidade daquilo que se passou fora do processo. 0 fato
não pode ser qualificado de verdadeiro ou falso, já que este existe ou não existe. É a alegação do
fato que, em determinado momento, pode assumir importância jurídico-processual e, assim,
assumir relevância a demonstração da veracidade da alegação do fato.
Precisam ser alegados apenas ou fatos principais, e não os fatos secundários, uma vez que
existe a possibilidade de estes últimos serem apreciados pelo juiz ainda que não tenham sido
afirmados pela parte interessada.46 Por outro lado, somente fatos pertinentes e relevantes para
<■"> Na visão da moderna filosofia, poder-se-ia dizer mesmo que a busca da verdade substancial (embora não possa
ser taticamente encontrada, ou, ao menos, não se possa afirmar, sem exclusão de outra possibilidade, que o resultado
obtido efetivamente a ela corresponde) reveste-se de uma, senão a mais essencial, pretensão cie validade
(sinceridade) do discurso probatório.
(J<
" Cf. SalvatorePatti, Prove, disposizionigeneral/', Bologna-Roma, Zanichellie II Foro italiano, 1987, p. 10.
APROVA
315
o processo constituem objeto de prova (ver, supra, Parte 2, Capítulo 10, item 10.2). Assim,
pouco interessa para o processo a afirmação e, conseqüentemente, a prova de fatos não
importantes à solução do litígio - por exemplo, nenhuma relevância existiria na afirmação, e
conseqüente prova, quanto às circunstâncias em que a petição inicial foi elaborada, se estava
chovendo naquele instante ou não, se a aceitação da causa foi ou não difícil etc. -já que não
constituem esses elementos pontos (ou questões) sobre os quais se possa controverter no
processo.
De outro lado, também o direito não depende, como regra, de prova, já que é dever do
magistrado conhecê-lo. Excetua-se dessa regra a possibilidade de o juiz exigir a prova do direito
municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário. Tal é o que prevê o art. 337 do CPC, autori zando o magistrado a, em havendo necessidade de recorrer a essa espécie de direito, poder
determinar a sua prova à parte que o alega. Vale ressaltar que, muito embora o artigo fale em
prova da alegação do direito, tentando fazer acreditar que se está provando alegação de fato, a
verdade é que direito não se alega; direito invoca-se, supondo-se, em virtude do princípio "iurci
novit cúria", que o juiz o conheça. O que se alega são fatos. 47
12.3 Ônus da prova
O direito brasileiro trata do regime do ônus da prova, basicamente, através do art. 333 do CPC.
Como dizem Comoglio, Ferri e Taruffo, uma vez que o juiz não pode deixar de decidir,
aplicando-se um non liquet, importa determinar critérios que permitam resolver a controvérsia
quando não resulte provada a existência dos fatos principais. Tais critérios são constituídos
pelas regras que disciplinam o ônus da prova. Estes entram em jogo quando um fato principal
resultar destituído de prova. Sua função é a de estabelecer aparte que deveria provar o fato e
determinar as conseqüências de não tê-lo provado. 4S
<47
' Ver Luis Cezar Ramos Pereira, "A prova do direito estrangeiro e sua aplicabilidade", Revistei de Processo 39/276.
' COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado e TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. Bologna: II
Mulino, 1995. p. 526.
(48
316
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O art. 333 é aplicável, em princípio, como norma de julgamento. Como o juiz não pode deixar
de decidir, cabe-lhe aplicar o art. 333, em princípio, quando o material probatório não é
suficiente para esclarecer adequadamente os fatos, recaindo a falta de prova sobre aquele que
tem o ônus de provar.
Dirigida, em princípio, ao juiz, também essa regra se destina aparte, orientando sua conduta
processual emface da prova. Sobre o caráter dúplice das regras sobre o ônus da prova, explica
Munir Karam que "há dois aspectos importantes a destacar dentro do tema: de um lado o poder
que cabe às partes de dispor das provas; de outro, a necessidade do juiz de proferir sentença de
mérito. Sob o primeiro aspecto, o ônus da prova é uma regra de conduta para as partes, porque
assinala quais os fatos que a cada uma interessa provar, para que se tornem certos e sirvam de
fundamento à sua pretensão ou exceção. De outra parte, é uma regra para o julgador ou regra
de juízo, porque indica como deve sentenciar quando não encontre a prova dos fatos. Pode-se
dizer que o ônus da prova representa os dois lados de uma mesma moeda: implica uma norma
imperativa para o juiz, a quem incumbe atendê-la para cumprir a lei e uma regra de
conveniência às partes, pois dá a elas o poder de dispor destas provas e assegurar-lhes
correlativamente a liberdade de não fazê-lo, sujeitando-as neste caso às conseqüências
adversas".49
A regra estampada no art. 333 é bastante simples, e recorre a paradigmas já consolidados no
direito processual. O ônus da prova incumbe a quem alega (ou, mais precisamente, a quem tem
o ônus de alegar). Assim, incumbe ao autor demonstrar os fatos constitutivos de seu direito,
cabendo ao réu comprovar as exceções substanciais indiretas, ou seja, os fatos modificativos,
extintivos ou impeditivos do direito do autor. A determinação assim exposta, pois, dirige-se de
um lado à parte, para indicar-lhe qual atitude deve adotar frente à prova (quais fatos deve
desincumbir-se de demonstrar ao magistrado), e de outro ao próprio juiz, para guiá-lo na
imputação do ônus decorrente da ausência de prova sobre certo fato.
A regra geral, posta no caput do art. 333, é, em princípio, regra dispositiva, estabelecida no
interesse das partes. Vale dizer que as partes
(J9)
KARAM, Munir. "Ônus da prova". Revista da Associação dos Magistrados do Paraná, p. 50.
APROVA
317
podem livremente modificar os critérios arrolados na lei para a distribuição do ônus da prova,
sem que isto venha a violar garantia legal ou constitucional. Podem, por isso, as partes
convencionar, em determinado contrato, por exemplo, que, em eventual litígio dele decorrente,
a prova do fato X deva ser fornecida pelo contratante Y. Excepcionam-se dessa liberdade as
situações contempladas pelo art. 333, parágrafo único, I e II, isto é, os casos em que a
convenção sobre o ônus da prova "recair sobre direito indisponível da parte", ou quando "tornar
excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito".
Outrossim, não importam, para efeito do ônus da prova da alegação do fato, os fatos que
constituem o objeto de umapresunção legal, embora tais fatos devam vir afirmados pela parte
interessada. Ocorre o mesmo no que concerne nos fatos notórios, uma vez que aí não tem a
parte o ônus de provar a alegação do fato, mas apenas o ônus de afirmar o fato na causa de
pedir.50
Entretanto, se o fato tem importância como indício de outro fato, ou como argumento de prova,
o juiz deve tomar em consideração o fato51 mesmo que este não tenha sido afirmado na causa de
pedir, não tendo a parte, nesse caso, nem o ônus de provar a alegação do fato nem o ônus de
afirmar o fato, já que o juiz pode considerá-lo de ofício.
Em resumo, devem constituir ônus da prova da alegação do fato apenas os fatos que devem ser
provados, e nunca os que dispensam a prova. O ônus de provar a alegação do fato, dessa
forma, difere claramente do ônus da afirmação do fato que deve vir indicado na causa de pedir
ou no fundamento apresentado pela parte.
Situação particular, envolvendo o tema do ônus da prova, diz respeito à ação declaratória
negativa. Indaga-se se a regra do art. 333 deve incidir no caso desse tipo de ação, isto é, na ação
em que o autor postula que a sentença declare a inexistência de um direito.
Nessa ação, ao autor cabe provar que existe estado de incerteza (objetivo e não meramente
subjetivo) que paira sobre o direito. Esse "estado de incerteza ", porém, não se confunde com o
direito que o autor postula que o juiz declare inexistente. Se o réu apresenta contestação, afir(50)
. Salvatore Patti, Prove, disposizioni generali, cit., p.
''' Idem, ibidcm, p. 12.
318
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
mando que o direito existe, cabe-lhe provar o fato que embasa esse direito. Não teria
procedência supor que o réu, que no caso afirma um direito, não tem o ônus de provar o seu fato
constitutivo.
Suponha-se que o autor afirme que não é devedor do réu, e este, vindo ajuízo, conteste
afirmando que é seu credor. Nesse caso, a situação de incertezajurídica está evidenciada pela
contestação, não dependendo de prova. Contudo, incumbirá ao réu provar que é credor do autor,
sendo seu o ônus da prova no tocante a esse ponto.
Também a questão assume relevo particular em matéria de direito do consumidor. De acordo
com o art. 6.°, VIII, do CDC, é direito básico do consumidor "a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiência".
Como se vê, o referido artigo, tratando da facilitação da participação em juízo do consumidor,
alude a duas situações: i) a de verossimilhança; e ii) a de hipossuficiência.
A neutralidade do procedimento ordinário, também marcada pela vã ilusão da "busca da
verdade", encobriu por muito tempo a evidência de que o ônus da prova deve ser tratado de
acordo com as necessidades do direito material. O art. 6.°, VIII, do CDC, rompe com um vício
que deve ter sido herdado do racionalismo — que, como se sabe, impôs ao pensamento jurídico
a lógica e a metodologia das ciências experimentais -, ao permitir tratamento diferenciado às
relações de consumo.
Em relação à questão do ônus da prova, os direitos do consumidor devem ser tratados de forma
diferenciada, uma vez que, nas relações que lhe são próprias, muitas vezes é impossível a
produção de prova do seu direito. Tomando-se como certo que ao consumidor pode ser
"praticamente impossível ou muito difícil produzir esta prova", impõe-se ao juiz o dever de
inverter o ônus da prova em favor do consumidor, nos casos de "verossimilhança" e
"hipossuficiência" capaz de dificultar a sua produção.
Quando se diz que o juiz está autorizado a inverter o ônus da prova quando a alegação é
verossímil, parte-se da premissa de que a verossimilhança da alegação - que é suficiente para
fazer crer que o autor tem razão - é a "verdade suficiente", e que assim incumbe ao réu, diante
da "hipossuficiência" do consumidor, demonstrar a não-ocorrência do fato constitutivo do
direito deste último.
APROVA
3(9
12.4 Fatos afirmados que não dependem de prova
12.4.1 Considerações iniciais
O art. 334 do CPC afirma que não dependem de prova os fatos notórios; afirmados por uma
parte e confessados pela parte contrária; admitidos, no processo, como incontroversos; e em
cujo favor milha presunção legal de existência ou de veracidade.
Tais fatos, efetivamente, não requerem esforço algum da parte interessada na suaobservancia na
decisão; não dependem do chamado ônus da prova, já que não exigem prova, conforme atesta o
próprio caput do art. 334.
12.4.2 Fatos notórios
São notórios, como é evidente, os fatos que são conhecidos e predominam em uma região em
determinado espaço de tempo. Diz-se, da mesma forma, que são notórios os fatos que
pertencem à cultura do homem no momento e no lugar em que a decisão é proferida.
Trata-se de fatos que são geralmente conhecidos por todos, e também de fatos que podem ser de
fácil acesso a qualquer pessoa que tenha instrumentos comuns de informação. Como escreve a
boa doutrina italiana, são fatos notórios circunstâncias históricas, dados geográficos, eventos
importantes da vida social, econômica e política (guerras, eventos da natureza, tais como
enchentes, eleições, desvalorização da moeda etc.).52
Fala-se, ainda, em notoriedade relativa, considerada existente em face de uma classe social ou
profissional.
O art. 334,1, do CPC dispensa o fato notório de ser provado. Ele deve ser considerado existente
pelojuiz. Pode haver dúvida, entretanto, quanto a ser o fato efetivamente notório; nesse caso,
para o juiz considerar o fato notório, deve admitir-se prova sobre a "notoriedade" do fato. O que
se deve provar, nesse caso, é apenas a "notoriedade " do fato, e não o fato que é afirmado
notório.
(5
-> COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI Corrado c TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 510.
320
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
12.4.3 Confissão
Confessa a parte que admite como verdadeiro um fato ou, mesmo, um conjunto de fatos
desfavoráveis a sua posição processual, mas favoráveis à pretensão do seu adversário (art. 348
do CPC).
Se a confissão espontânea dispensa a prova sobre o fato confessado (quando realizada pelo
próprio réu ou por advogado com poderes especiais), a não-contestação (que não se confunde
com a confissão) não exige que o advogado do réu possua poderes especiais para confessar.
A não-contestação não requer apenas um comportamento passivo do réu acerca do fato, mas
também a falta de outras afirmações que possam, ainda que implicitamente, demonstrar a
vontade de contestar o fato afirmado. Já a confissão, por si só, é hábil para dispensar a prova
sobre o fato confessado.
Embora o art. 350 do CPC afirme que a confissão faz prova contra o confitente, o certo é que o
art. 334, II, do mesmo Código, deixa claro que não dependem de prova os fatos afirmados por
uma parte e confessados pela parte contrária. Isto quer dizer que a confissão é uma
circunstância determinante da dispensa de prova sobre o fato confessado.
12.4.4 Não-contestação
Em nosso direito, de acordo com a norma do art. 302 do CPC, o réu deve manifestar-se
precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial, presumindo-se verdadeiros os fatos não
impugnados, salvo: I) se não for admissível, a seu respeito, a confissão; II) se a petição inicial
não estiver acompanhada do instrumento públ ico que a lei considerar da substância do ato; III)
se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Assim, observa-se a existência, no direito brasileiro, de um princípio que consagra a
necessidade de o réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial,
ficando dispensados de prova os fatos não contestados, pois são presumidos verdadeiros e
considerados incontroversos. Dessa forma, no direito brasileiro o fato não contestado dispensa a
sua prova. A norma do art. 302, em outras palavras, não temporescopo fornecer ao juiz,
elemento de convicção, mas reduzir amassa dos fatos controversos, visando tomar mais
eficiente a prestação jurisdicional.
APROVA
321
A regra que dispensa o fato não contestado de prova não vale se não for admissível a seu
respeito a confissão. Segundo o art. 351 do CPC, não vale como confissão a admissão, em juízo,
de fatos relativos a direitos indisponíveis, os quais, ainda que não contestados, não são presumidos verdadeiros. Lembre-se, aliás, que o art. 320, II, do CPC afirma que a revelia não leva a que
se reputem verdadeiros os fatos alegados pelo autor, se o litígio versar sobre direitos
indisponíveis.
Além disso, segundo o disposto na norma do art. 302, não é presumido verdadeiro, ainda que
não contestado, o fato que, para produzir seus efeitos típicos, depende de instrumento público.
Como diz o art. 366 do CPC, quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. Por outro lado,
estabelece o referido art. 320 que a revelia não induz a presunção de veracidade dos fatos
alegados pelo autor "se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a
lei considere indispensável à prova do ato" (inc. III). Trata-se do chamado documento
substancial, que na realidade não se presta a provar o direito, mas que é exigido para sua própria
constituição.
O último dos incisos do art. 302 é o que requer mais atenção. Diz ele que os fatos não
contestados não serão presumidos verdadeiros se estiverem em contradição com a defesa,
considerada em seu conjunto. Como já foi dito, para que um fato possa ser considerado não
contestado, não basta um comportamento passivo sobre o fato, sendo necessária, também, a
ausência de outras afirmações que possam, ainda que implicitamente, demonstrar a vontade de
contestar a alegação.
Para que um fato não contestado possa ser presumido verdadeiro, é necessária a análise da
contestação em seu aspecto global, verificando se do conjunto das alegações do réu é possível
concluir que o fato — à primeira vista não impugnado - foi efetivamente aceito como verdadeiro. É apenas a partir da valoração da contestação, em seu aspecto global, que se pode dizer que
um fato não foi contestado, e que, portanto, deve ser considerado incontroverso.
Ressalte-se, além disso, que a contestação através de respostas evasivas, as quais podem
configurar deslealdade processual (arts. 14 e 17 do CPC), não se presta para tornar controversos
os fatos articulados pelo autor. Se a parte, no direito brasileiro, tem o dever de expor os fatos em
juízo conforme a verdade (arts. 14,1, e 17, II, do CPC) e o réu deve se
322
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
manifestar precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial (art. 302 do CPC), não se
pode aceitar que as respostas meramente evasivas tornem controversos os fatos alegados pelo
autor.
12.4.5 Presunção legal de existência ou de veracidade
Alguns fatos são presumidos pela lei como verdadeiros, podendo a presunção ser dita I) iuris et
de iure ou II) iuris tcmtum.
Tratando-se de presunção iuris tantum, a parte interessada na sua não-observância tem o ônus
de demonstrar que os fatos presumidos não são verdadeiros.
Na presunção iuris et de iure, isto é, na presunção absoluta, os fatos presumidos verdadeiros não
admitem prova em contrário, ou seja, não admitem que a parte interessada na sua nãoobservância assuma o ônus de prová-los não verdadeiros.
12.5 Poder probatório do juiz
De acordo com o art. 130 do CPC, "caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteisou
meramente protelatórias".
Como se vê, o juiz tem o poder - de acordo com o sistema do Código de Processo Civil
brasileiro —, quando os fatos ainda não lhe parecerem esclarecidos, de determinar prova de
ofício, independentemente de requerimento da parte, ou desta já ter perdido a oportunidade
processual para tanto.
O juiz, portanto, tem o dever de esclarecer o fato, aplicando o art. 130 do CPC, e só após julgar
com base na regra do ônus da prova. Com efeito, se o juiz tem o dever de esclarecer a situação
fática, julgando o mais próximo possível daquilo que realmente ocorreu, não há como se negar a
possibilidade dele determinar prova de ofício, somente após julgando com apoio na referida
regra do ônus da prova.53 Essa solução, muito comum nos tribunais, funda-se na premissa de
que o magistrado que
1531
Ver Maristela da Silva Alves, "O ônus da prova como regra de julgamento", in Prova cível, Rio de Janeiro:
Forense, 1999, p. 88.
r
A PROVA
323
determina produção de provas de ofício (logicamente quando necessário), somente assume a posição que
dele é esperada.
Impor aojuiz a condição de mero expectador da contenda judicial, atribuindo-se às partes o exclusivo
ônus de produzir prova no processo, é, quando menos, grave petição de princípios. Ora, se o processo
existe para o exercício da jurisdição, e se ajurisdição tem escopos que não se resumem apenas à solução
do conflito das partes, deve-se conceder ao magistrado amplos poderes probatórios para que bem possa
cumprir a sua tarefa.
Ademais, é sempre bom lembrar que o juiz que se omite em decretar a produção de uma prova relevante
para o processo estará sendo parcial ou mal cumprindo sua função. Já o juiz que determina a realização da
prova de ofício, especialmente porque lhe deve importar apenas a descoberta da "verdade", e não aquele
que resulta vitorioso (o autor ou o réu), estará voltado apenas para a efetividade do processo.54
12.6 Prova emprestada
Prova emprestada é aquela que, produzida em outro processo, é trazida para ser utilizada em processo em
que surge interesse em seu uso. Trata-se de evitar, com isso, a repetição inútil de atos processuais,
otimizando-se, ao máximo, as provas já produzidas perante ajurisdição, permitindo-se, por conseqüência,
seu aproveitamento em demanda pendente. Entretanto, não é apenas a idéia de aproveitamento de atos
que importa quando se pensa em prova emprestada. Eventualmente, pode acontecer que a prova não
possa mais ser colhida, por alguma circunstância, motivo mais que suficiente para autorizar, ao menos
em princípio, a tomada de empréstimo da prova já realizada em outro processo.
A legitimidade da prova emprestada depende da efetividade do princípio do contraditório. A prova pode
ser trasladada de um processo a outro desde que as partes do processo para o qual a prova deve ser
trasladada tenham participado adequadamente em contraditório do processo em que a prova foi produzida
originariamente. Sabe-se que o exercício do poder estatal através do processo jurisdicional há de ser
legítimo, e a legitimidade do exercício desse poder somente pode ser conferida pela abertura
<54)
Ver José Roberto dos Santos Bedaque. Poderes instrutórios do juiz. São Paulo: RT, 1994. p. 78ess.
324
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
à participação dos contendores. Em outras palavras: se o processo juris-dicional deve refletir o
Estado Democrático de Direito, sua idéia básica é garantir aos interessados participação efetiva
no procedimento que vai levar à edição da decisão.
É certo que a efetividade do acesso à justiça depende da racionalização da prática de atos
processuais e está intimamente ligada à possibilidade de se poder alegar e provar, mas tudo
isso deve ser temperado diante do direito que os interessados na solução do litígio têm de
adequadamente participar da formação da prova que vai importar para afor-mação do juízo.
Aliás, esse direito garantido às partes também possui importância fundamental para que a
própriajurisdiçãopaviflcwmpnr^wa obrigação de forma perfeita e legítima.
12.7 Prova lícita e prova ilícita
12.7.1 Primeiras considerações
O art. 332 do CPC autoriza o uso, no processo, de qualquer meio de prova, ainda que nele não
especificado, desde que se trate de meio legal e moralmente legítimo.
No momento em que o juiz considera que uma prova é moralmente ilegítima, há a negação de
seu uso. Considerando a importância do direito de acesso à justiça, e que sua realização está na
dependência do exercício do direito à prova (que assim não pode ser limitado pelo juiz com base
em concepções subjetivas de moral), é fundamental concluir que "prova moralmente ilegítima"
é a prova que atenta contra regras de direito que foram instituídas para proteger a moral e os
bons costumes.
Por outro lado, não há que se confundir prova ilícita e prova atípica. Prova atípica ou inominada
é aquela que não está tipificada no ordenamento jurídico, enquanto prova ilícitaé um conceito
que pode atingir tanto a prova atípica quanto a prova típica. Em outras palavras, não é porque a
prova é atípica ou inominada, ou seja, não prevista no ordenamento jurídico, que ela será ilícita,
pois a prova pode ser típica, isto é, tipificada no ordenamento jurídico, e considerada ilícita.
Como não se pode excluir o emprego da prova atípica, e como esta, caso empregada de modo
abusivo, pode comprometer princípios valiosos do direito processual, são necessárias algumas
observações.
A PROVA
325
Tratando-se de prova atípica, deve o juiz dar atenção especial ao princípio do contraditório,
evitando sua violação, e empregar corretamente os critérios racionais de valoração da
credibilidade e da eficácia da prova.*5
Não é necessário o contraditório na formação da prova atípica, assim como o contraditório não
precisa estar presente na formação da prova típica pré-constituída, ou de uma confissão
extrajudicial contida em um testamento (ou na formação unilateral de qualquer documento
típico).56
Isto quer dizer, em outras palavras, que a prova atípica, do mesmo modo que acontece com a
prova típica pré-constituída, pode dispensar o contraditório durante sua formação. Nesse caso,
porém, é imprescindível assegurar o contraditório após a prova atípica ter ingressado no processo.
12.7.2 Prova ilícita
A prova é ilícita quando viola uma norma, seja de direito material, seja de direito processual.
Nos termos do que prevê o art. 5.°, LVI, da CF, "são inadmissíveis, no processo, as provas
obtidas por meios ilícitos". O tema da prova ilícita, assim, parece resolver-se de maneira
bastante simples, com a proibição constitucional de seu uso, o que evitaria maiores
questionamentos. Todavia, é de se observar que nem só a proibição do uso de prova ilícita é
garantia constitucional; também o direito à prova o é. E por isso surge o delicado problema de
investigar adequadamente o tema da prova ilícita, buscando solucionar, acima de tudo, o
conflito que pode surgir entre os princípios constitucionais do acesso à justiça e do direito à
prova, de um lado, e, de outro, o da proibição do uso da prova ilícita.
A questão das provas ilícitas cresce em importância diante da possibilidade, cada vez maior, do
emprego de tecnologias capazes de permitir a obtenção de provas em detrimento dos direitos da
personalidade.
(55)
COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI Corrado e TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 518.
CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova. Dissertação de Mestrado (Orientador Prof. Luiz
Guilherme Marinoni). Universidade Federal do Paraná, 1999.
(56)
326
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Em princípio, são rejeitadas, entre outras, a prova obtida através de pessoas introduzidas
clandestinamente no domicílio daquele contra o qual se pretende produzir a prova; a prova
obtida por meio de interceptação clandestina de conversa telefônica; a utilização de um diário
íntimo, contra a vontade ou mesmo sem a autorização do seu autor;57 e ainda a prova obtida
mediante tortura.
Há quem entenda que a prova obtida de modo ilícito por agentes estatais não pode ser usada
contra o particular, ao passo que o particular, que agiu de modo igualmente ilícito, não deve ser
privado da prova, mas deve apenas responder criminalmente por sua ação. Tal entendimento,
contudo, obviamente não deve prevalecer, pois não teria sentido que as regras constitucionais
que tutelam os direitos da personalidade fossem observadas apenas nas relações entre o Estado e
os particulares.
Existindo o direito constitucional de se provar o que se alega em juízo, e existindo, por outro
lado, o direito constitucional de não ter contra si prova ilícita produzida, não há como fugir da
consideração do princípio da proporcionalidade.
Como explica Karl Larenz, o princípio da proporcionalidade exige ponderação dos direitos e
bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na
respectiva situação. Ponderar e sopesar são apenas imagens; não se trata de grandezas
quantitativamente mensuráveis, mas do resultado de valorações que - nisso reside a maior
dificuldade — não só devem ser orientadas a uma pauta geral, mas também à situação
concreta em cada caso. Em outras palavras, a ponderação de bens deve ser feita no caso
concreto, uma vez que não existe uma ordem hierárquica de todos os bens e valores jurídicos
em que possa ler-se o resultado como numa tabela.™
O direito à prova é limitado pela legitimidade dos meios utilizados para obtê-la. Porém, se é
necessária a tutela dos direitos que podem ser violados pela prova ilícita, também é necessária a
tutela dos direitos que não podem ser demonstrados através de outra prova (que não seja a
obtida de modo ilícito). Entram aí os princípios da proporcionalidade
157)
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris,
1987. v. l,p. 293. (5S) LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2 ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1999. p. 491.
r
A PROVA
327
("Verháltnismassigkeitsprinzip ") e da "Güterund Interessenabwãgung ", que determinam o
balanceamento dos interesses e valores em jogo.59 Os tribunais alemães, entre os quais o
"Bundesgerichtshof" (Superior Tribunal Federal), têm recomendado a aplicação de tais
princípios para a adequada solução dos casos que envolvem provas obtidas de forma ilícita.
Em 1970, por exemplo, o "Bundesgerichtshof, apreciando uma ação de divórcio, afirmou que o
interesse em provar determinados fatos em juízo não poderia justificar a indevida invasão da
esfera pessoal de um indivíduo. Esse julgamento, entretanto, não contou com a adesão de boa
parte da doutrina, e alguns chegaram a registrar que o Superior Tribunal Federal alemão
incorreu em erro na individuação dos valores balanceados. No caso específico, concluiu-se que
não se tratava de contrapor o direito da personalidade de uma das partes ao interesse objetivo à
descoberta da verdade, ou ao interesse subjetivo à obtenção de um meio de prova, mas sim de
balancear o direito de um dos cônjuges com o direito de outro, pois, se o primeiro pretendia
justamente ser tutelado contra a invasão indevida na sua esfera de intimidade, o segundo tinha
um direito igualmente respeitável à dissolução do vínculo matrimonial.60
Perceba-se que há casos em que estão contrapostos dois direitos dignos de tutela, c é nesse
sentido que se fala de balanceamento dos valores em jogo. Na verdade, deve-se contrapor,
diante das circunstâncias do caso concreto, o direito que seria realizado através da prova (e não
o direito à prova) ao direito da personalidade que foi por ela desconsiderado.
Entretanto, o uso da prova ilícita, ainda que dependente dessa ponderação, somente pode ser
aceito quando a prova foi obtida ou formada ilicitamente porque inexistia outra maneira para a
demonstração dos fatos em juízo. A prova ilícita somente pode ser admitida quando é a única
capaz de evidenciar fato absolutamente necessário para a tutela de um direito que, no caso
concreto, merece ser realizado ainda que diante do direito da personalidade atingido.
Para que o juiz possa concluir se é justificável o uso da prova, ele necessariamente deverá
estabelecer uma prevalência axiológica de um
(5lJ)
Ver Nicolò Trocker, Processo civile e Costituzione, cit., p. 619. (60) TROCKER, Nicolò.
Op. cit., p. 624-625.
328
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
dos bens em vista do outro, de acordo com os valores do seu momento histórico e diante das
circunstâncias do caso concreto. Não se trata-perceba-se bem - de estabelecer uma valoração
abstrata dos bens em jogo, já que os bens têm pesos que variam de acordo com as diferentes
situações concretas.''1 O princípio da proporcionalidade, como já foi dito, exige uma
ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao
bem respectivo na respectiva situação.
12.7.3 Prova derivada de prova ilícita
Se a prova derivar de prova obtida ilicitamente, a prova derivada, em princípio, não pode ser
admitida. Assim, por exemplo, não pode ser aceita busca e apreensão (formalmente lícita) que
deriva de escuta telefônica realizada clandestinamente. A idéia vem da jurisprudência das cortes
norte-americanas, que há muito vêm adotando esse entendimento nos casos que envolvem prova
derivada de prova ilícita, mas que também já foi aceita pelo Supremo Tribuna! Federal, 62 de
forma que a teoria é igualmente aplicável no direito brasileiro.
O princípio "thefruit ofpoisonous tree" (os frutos da árvore venenosa) afirma que se as provas,
obtidas em caráter principal, forem inconstitucionais, elas contaminam (invalidam) as provas
delas decorrentes.
A contaminação somente se refere às provas que efetivamente derivarem da prova ilícita.
Aquelas outras provas que são independentes da prova ilícita não se tornam ilícitas pela sua
simples presença no processo em que está a "prova ilícita". 63
Note-se, além disso, que não é de se descartar, também aqui, quando a prova derivada for a
única capaz de demonstrar uma alegação, a aplicação do princípio da proporcionalidade,
balanceando-se os direitos ou
(6I)
Como ensina José Carlos Barbosa Moreira, "só a atenta ponderação comparativa dos interesses cm jogo, no caso
concreto, afigura-se capaz de permitir que se chegue à solução conforme a justiça. É exatamente a isso que visa o
recurso ao princípio da proporcionalidade" ("A Constituição e as provas ilicitamente adquiridas'', Ajuris 68/120).
[6
-> Por exemplo: STF, Pleno, HC 69.912/RJ, DJU 25.03.1994; STF, 2.a Turma, HC 74.116/SP, DJU 14.03.1997;
STF, 2.a Turma, HC 76.203/SP, DJU 17.11.2000.
"'3) Neste sentido, STF, 1." Turma, HC 74.152-5, DJU 08.10.1999.
r
A PROVA
329
valores em jogo, e permitindo-se afastar, no caso concreto, a contaminação da prova derivada da
ilícita.
De outra parte, como também reconhece a jurisprudência norte-americana, a prova, aindaque
derivada de outra ilícita, não se torna imprestável se, teria ela sido, inexoravelmente, atingida
por meios lícitos. Para melhor explicar, vale lembrar exemplo que, com freqüência, vem sendo
utilizado para elucidar o tema: suponha-se a confissão do homicida, obtida mediante tortura, em
que se indica onde está o cadáver da vítima, dizendo-se que o corpo está em local de fácil
acesso e circulação intensa. Como a polícia encontraria o corpo mais cedo ou mais tarde - fosse
por sua própria atuação, fosse ainda em virtude da colaboração de algum terceiro transeunte na
área -, entende-se que a prova derivada pode se desligar da obtida de forma ilícita, uma que a
primeira seria naturalmente alcançada independentemente da segunda. Como éóbvio, com isso
não se quer isentar aquele que atuou deforma ilícita de responsabilização. Deseja-se apenas
evitar que a violação da lei possa comprometer (contaminar) prova necessária para a
adequada prestação do serviço jurisdicional, e por conseqüência afirme atuação do próprio
ordenamento jurídico.
12.7.4 Teoria da descontaminação do julgado
Suponha-se, porém, que o tribunal, em grau de recurso, tenha chegado à conclusão de que uma,
entre as provas que fundamentam o julgado recorrido, é ilícita.
Nesse caso, deverá o tribunal simplesmente afastar a prova ilícita e novamente julgar o mérito,
ou mandar o juízo de 1.° grau julgar o mérito com base apenas na prova lícita?
Note-se que no presente caso o pedido foi apreciado pelo juiz de primeiro grau. O tribunal, ao
entender que o raciocínio do julgador partiu de premissa fundada em prova que não poderia ser
utilizada, não tem condições de corrigir o julgado, uma vez que não se trata simplesmente de
proceder nova valoração da prova ou de fazer novo juízo acerca de questão de direito. Nesta
hipótese somente é possível realizar raciocínio diverso do primeiro, que tomou como premissa
prova ilícita. Se é certo que, tratando-se de extinção do processo sem o julgamento do pedido, é
possível ao tribunal, ao entender que o pedido deve ser apreciado, julga-
330
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Io imediatamente, nos termos do novo art. 515, § 3.°, do CPC, isto não pode acontecer aqui. Se
a prova foi considerada ilícita somente no tribunal, certamente ela não foi obstaculizada em
primeiro grau, e assim não se conferiu à parte que a produziu, a possibilidade de outra produzir
em seu lugar. De modo que é preciso remeter os autos ao juízo de primeiro grau para que seja
ultimada a instrução e realizado o julgamento. Assim caberá ao juízo de primeiro grau
novamente julgar o mérito sem considerar a prova que o tribunal decidiu ser ilícita, embora a
pessoa do juiz que proferiu a sentença impugnada deva ser substituída.
É nesse sentido que se fala em descontaminação do julgado, pois o julgado, que antes estava
contaminado pela prova ilícita, será substituído pelo juízo (raciocínio) de outro juiz, que não
poderá se fundar na prova afirmada ilícita.
12.8 Fases do procedimento probatório
O procedimento probatório pode ser dividido em quatro fases, correspondentes a cada um dos
momentos da prova no processo. São elas: o requerimento, a admissão, aprodução e a
valoração da prova. Em geral, essas fases são nitidamente separadas, permitindo sua fácil
localização; eventualmente, porém, confundem-se em uma única ocasião, em virtude de alguma
particularidade do processo.
O requerimento é fase inicial, em que se pleiteia ao órgão judiciário - que tem o poder de
controle sobre a prova, permitindo ou não o recurso a certo meio de prova no processo - a
produção de determinada prova, a fim de influir no convencimento do juiz. Essa fase,
normalmente, será realizada no início do processo, incumbindo à parte requerer as provas que
deseja produzir na petição inicial ou na resposta (arts. 282, VI, e 300 do CPC). Outros
momentos, todavia, são designados pela lei também para essa função, decorrentes de algum
evento próprio, ocorrido no curso do processo. Assim, determina o art. 324 do CPC a
especificação das provas que o autor pretende produzir quando, embora não haja contestação
pelo réu, não surta efeito a revelia. Da mesma forma, o requerimento de prova pode ser
efetivado mesmo fora e antes do processo ser instaurado, por via de ação cautelar própria
(cautelar de asseguração de prova e cautelar de exibição, previstas nos arts. 846/851 e 844/845
do CPC), tendente a evitar o desaparecimento da evidência em função do tempo, ou
APROVA
331
de algum outro perigo que possa colocar em risco a prova a ser utilizada no "processo
principal". Também será admissível o requerimento da prova no processo, mas em momento
ulterior ao ordinariamente conferido para tanto, quando for necessário comprovar "fato novo",
não existente quando o processo teve seu início.
Uma vez requerida a prova, cabe ao órgão jurisdicional examinar do cabimento e da
conveniência em realizar-se tal prova. Esta é, então, a fase de admissão da prova. Exerce aqui o
juízo decisão a respeito da prova requerida, admitindo-a ou não, levando em conta a hipotética
utilidade da prova no processo (a viabilidade de que a prova solicitada venha efetivamente a
contribuir com o resultado do processo), bem como sua admissão pelo direito positivo. Para que
o magistrado possa decidir adequadamente sobre a admissão ou não da prova solicitada, deve,
obviamente, o requerimento ser específico - não se admitindo seja genérico e indeterminado -,
devendo mencionar o tipo de prova a ser produzido, sua determinação (qual o documento ou,
ainda por exemplo, que tipo de perícia se pretende) e sua finalidade (a que alegação de fato se
destina).
Da mesma forma, a decisão que admite ou não a produção de certa prova deve ser
fundamentada, esclarecendo de modo preciso as razões que levam o magistrado a sentir a sua
necessidade, ou que determinam sua rejeição.
Admitida a prova, deverá ela ser produzida. Em geral, as provas são produzidas na audiência de
instrução ejulgamento (art. 336, CPC). Eventualmente, porém, essa produção pode dar-se em
outro momento e em outro lugar, como seria o caso de ser necessário ouvir pessoa enferma, que
não possa deslocar-se até a sede do juízo (art. 336, parágrafo único, do CPC), ou de garantir-se a
prerrogativa dada a certas pessoas de serem ouvidas onde indicarem (art. 411, parágrafo único,
do CPC). A prova documental também constitui exceção aesta regra. A parte que requer a produção de prova documental já deve juntar aos autos o documento a ser utili-zado,w cuja
admissibilidade somente ocorrerá em ocasião posterior, após o contraditório (art. 398 do CPC),
e com a decisão do magistrado, quando então será efetivamente tida por produzida.
(M|
Salvo quando o documento estiver em posse de terceiro, caso em que deverá ser pedida sua exibição, ou ainda
quando estiver arquivado em repartição pública, caso em que será requisitado aos autos.
332
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Uma vez produzida a prova, será ela valorada pelo juiz. Em regra, essa valoração será feita na
sentença ou na decisão concessiva de tutela antecipatória, quando o magistrado terá de formar
seu convencimento. No direito brasileiro, adota-se o princípio da persuasão racional do juiz, de
modo que as provas não têm, em regra,65 valor predeterminado, podendo o magistrado
convencer-se livremente com qualquer das evidências presentes nos autos, desde que justifique
os motivos pelos quais entende que certa prova gera convencimento, ou as razões para que certa
prova se sobreponha a outra (art. 131 do CPC).
Por fim, é bom distinguir duas figuras, nem sempre separadas pela doutrina, mas de repercussão
certa no processo. Não se pode confundir produção de prova com obtenção de prova. Prova
"obtida" nem sempre é prova "produzida". A prova "obtida" é aquela sobre a qual ainda não
cabe juízo de admissibilidade. É o que acontece, por exemplo, com as provas "obtidas " por
meio da chamada "ação cautelar de produção antecipada de prova"; nela realiza-se a prova fora
e antes do processo em que poderá ser utilizada. Com efeito, essa prova somente será
"produzida" após "admitida" pelo juiz do processo em que se pretende sua utilização. Pode
acontecer, por exemplo, que o resultado da prova obtida no processo cautelar (em que a prova
foi produzida) seja inútil para o convencimento do juiz (que deve apreciar a causa que a prova
pretendia esclarecer). Não haverá, então, razão para a prova ser utilizada quando for discutida a
causa, motivo pelo qual não se há de autorizar sua produção.
12.9 A prova indiciaria
12.9.1 Considerações iniciais
Inicialmente, vale ressaltar que, não raro, os únicos elementos de que dispõe o magistrado para
julgar o caso que lhe é posto a exame são elementos circunstanciais, que de modo algum
apontam diretamente para o fato.66 Especialmente em matéria criminal, têm-se inúmeros casos
em
ltol
Existem exceções, concedidas ao sistema da prova legal (em que o valor da prova é vinculante para o juiz), como
os casos previstos nos arts. 401 e 351 do CPC.
1661
Luiz Guilherme Marinoni. "Simulação e prova", Revista de Direito Processual Civil (Gênesis Editora), vol. 22, p.
843 e ss.
A PROVA
333
que as únicas evidências de que o fato ilícito efetivamente ocorreu apresentam-se sob forma
indireta, sendo humanamente impossível pensarem produzir prova direta do fato principal.
Apenas para exemplificar a questão, tome-se o exemplo do delito de moeda falsa (capitulado
pelo art. 289 do CP): entende a doutrina que o fato somente é típico se a falsidade da moeda for
de boa qualidade (caso contrário, o fato poderá constituir crime de estelionato); todavia, se a
adulteração efetivamente é de boa qualidade, pode acontecer que também ela tenha enganado a
própria pessoa que colocou em circulação a moeda (e é este o mais freqüente argumento
utilizado em defesa dos autores dessa espécie de ilícito). Ora, em casos como este, ou se admite
a prova indiciaria, para a comprovação do dolo do agente (e de sua prévia ciência da falsidade),
ou, então, ter-se-á sempre como impossível a caracterização do crime.67
Esse exemplo, tomado ao acaso, bem demonstra a importância que pode assumir a prova
indiciaria dentro de um sistema. A autorização de sua utilização (ou sua negação) pode trazer
relevantes reflexos no que atine a incidência das regras jurídicas, evitando o recurso (às vezes
exagerado) à técnica da presunção legal em casos em que a prova de certo fato seja
extremamente difícil. Com efeito, a restrição contida no sistema quanto à admissão da prova
meramente indiciaria como supedâneo para a formação da convicção do juiz, leva muitas vezes
o legislador a criar presunção legal a fim de suprir a deficiência natural da prova em relação a
um caso específico.68 É esta, por exemplo, a situação da comoA respeito, pondera GERHARD WALTER que "también son muchas Ias sentencias en Ias cuales evidentemente no
se está criticando Ia duda dcl juez, que ei tribunal de casación comparte, sino que se están haciendo bastar ciertas
verosimilitudes, con ei auxilio de Ia prueba por presunción simple para evitar 'que exigências demasiado severas en
matéria de prueba restrinjan desmesu-radamente Ia tutela jurídica'" (WALTER, Gerhard. Libre apreciación de Ia
prueba. Bogotá: Temis, 1985. p. 230).
Informa LEO ROSENBERG, sobre essa questão, que muitos autores efetivamente consideram ser esta a função da
presunção: distribuir o ônus da prova de maneira tal a permitir o mais fácil trato dos fatos. Como leciona o processualista, "hoy todavia se encuentra Ia opinión de que toda distribución de Ia carga de Ia prueba tiene su fundamento
en Ia existência o inexistência de una presunción" (ROSENBERG, Leo. La carga de Ia prueba. Trad. Ernesto
Krotoschin. Buenos Aires: Ejea, 1956. p. 180).
334
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
riência em direito civil (art. 8.° do CC); diante da dificuldade concreta em se indicar qual pessoa
teria morrido antes (em um evento em que faleceram duas ou mais pessoas), impõe a lei que se
suponha que todos morreram no mesmo instante. O mesmo se há de dizer - mas com gravidade
muito maior - em relação à presunção constante do art. 28 da Lei 5.250/67, que supõe que o
escrito anônimo, publicado em jornal, deve ter a sua autoria presumida, ainda que não exista
qualquer evidência de sua origem.
De toda sorte, vedando-se o uso da prova indiciaria e também sem se recorrer às presunções
legais, corre-se o risco dfc sempre cair na vala comum da "absolvição de instância por falta de
prova". Embora esse recurso seja usual no processo penal - tendo ainda incidência em algumas
situações do processo civil (como nas ações coletivas) - representa ela grande demonstração de
falha no desenvolvimento da atuação judicial. Carnelutti, com efeito, veementemente critica
essa figura, considerando que "entende-se até que o juiz possa ter esta tentação; (...) Entre o sim
e o não, o juiz, quando absolve por insuficiência de provas, confessa a sua incapacidade de
superar a dúvida e deixa o acusado na condição em que se encontrava antes do processo:
acusado por toda a vida".h9
Impõe-se, assim, exame detido da matéria aqui versada, pois constitui ela verdadeira pedra de
toque, divisor de águas entre a prova (direta) impossível e o uso indiscriminado das presunções
legais. A idéia das presunções judiciais parte do exame de que o conhecimento de certos fatos
pode ser induzido da verificação de um outro fato, ao qual, normalmente, o primeiro está
associado.70 Ou seja, partindo-se da convicção de
CARNELUTTI, Francesco. "Verità, dubbio, certeza". Rivista cli Diritío Processuale, vol. XX, p. 7 (II Série). Padova:
Cedam, 1965. O Código de Processo Penal brasi leiro expressamente define a prova indiciaria, dizendo, em seu art.
239, que "considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por
indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias". Conquanto o Código de Processo Civil brasileiro
não conte com noção semelhante, o direito comparado fornece elementos capazes de apontar para o mesmo sentido
acima transcrito. A lei civil italiana também define dessa forma a idéia de presunção (aí incluindo-se a noção de
presunção judicial e legal): "Art. 2727. Le presunzioni sono le conseguenz.e che Ia legge o il giuclice trcie da un falto
noto per risalire a un futto ignorato".
A PROVA
335
ocorrência de certo fato (indício), pode-se, por raciocínio lógico, inferir a existência de outro
fato (objeto a ser provado), já que, comumente, um decorre do outro, ou ambos devem
acontecer simultaneamente. Com base nesta equação (que, como será visto adiante, nem sempre
estará na origem de todas as presunções) é que se admite a utilização de um fato para a prova de
outro.
E, a partir daí, isto é, desse conceito elementar, cria-se em direito uma rica doutrina a respeito
dessa "prova crítica", capaz de facilitar - em situações particulares - os mecanismos de prova de
que se serve a parte para trazer sua pretensão em juízo. Melhor explicando: verificando o
legislador ou o magistrado que a prova de certo fato é muito difícil ou especialmente
sacrijicante, poderá servir-se da idéia de presunção (seja legal ou judicial) para montar um
raciocínio capaz de conduzir à conclusão de sua ocorrência, pela verificação do contexto em
que normalmente ele incidiria. 1 *
Conforme a inferência do fato probando através do fato provado se dê pelo juiz ou pelo
legislador, costuma-se falar em presunções judiciais e presunções legais. Esta última categoria
comporta, ainda, uma subdivisão, estabelecida entre as presunções relativas (júris tantum) e
absolutas (iuris et de iure). Nesse momento interessam exclusivamente as presunções judiciais,
razão pela qual não se dará maior importância às legais, já que o que aqui se objetiva é,
precisamente, demonstrar corno a utilização da prova indiciaria pode prestar-se para afastar o
recurso normal (adotado por várias legislações) às presunções e ficções legais.
Determinado o ponto central do nosso estudo, é oportuno lembrar que as presunções judiciais
também são chamadas, por alguns, de presunções simples ou ainda de praesumptiones hominis.
Tem-se aqui a dedução da ocorrência de um fato pela verificação (prova) de outro fato, através
de raciocínio executado, exclusivamente, pelo juiz - sem qualquer interferência apriorística do
legislador. Recorrendo às palavras de Proto Pisani, essas presunções "consistem no raciocínio
pelo juiz, uma
<7
" Como assevera GERHARD WALTER: "Musielak comprovou, em um estudo recente em que ele analisa diversos
julgados da Corte Federal de Justiça, que na prova por presunção simples o módulo de prova se reduz a uma preponderância da verossimilhança" (WALTER, Gerhard. Libre apreciación de Ia pnieba, cit., p. 229).
336
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
vez adquirido o conhecimento de um fato secundário através de fontes materiais de prova,
72
dirigido a deduzir deste a existência ou não do fato principal ignorado".
O conhecimento do fato probando resulta de uma inferência lógica, formulada pelo magistrado a
quem é submetida a causa, a partir do conhecimento de outro fato - que se prova nos autos - e ao
qual, normalmente, a ocorrência do primeiro está ligada. Há, então, um fato "secun dário"
provado e, por sua ocorrência, extrai-se a conseqüente existência (ou inexistência) do fato
"primário", em que se tinha, efetivamente, interesse. Esse juízo é possível diante de um critério
racional indutivo de normalidade ou de probabilidade lógica dacoexistenciade ambos os fatos.
Ou seja, tem-se, no cerne da figura, uma idéia de silogismo: ocorrendo o fato "A", sempre deve
ocorrer o fato "B"; verificada a ocorrência do fato "A", então também ocorreu o fato "B".
Como fica claro da análise do esquema apresentado, a adequação ou não da inferência lógica
está calcada na maior ou menor precisão das premissas utilizadas para subsidiar a conclusão, ou
seja, no grau de "certeza" que se tem da efetiva ocorrência do fato secundário e no grau de
vinculação que existe entre a verificação deste e a conseqüente e necessária existência do fato
primário. É, então, a convicção que se tenha na Ínexorabilidade da procedência da ilação
73
formulada que repousa o grau de credibilidade da presunção judicial.
A partir da necessidade de um juízo intermediário entre a prova do fato ocorrido e a conclusão
da existência de outro fato, questiona a doutrina a efetiva natureza probatória das presunções.
Como atesta BARPROTO PISANI, Andréa. Lezioni cli diritto processuale civile, cit., p. 484. Nesse passo, diz o art. 1.253 do CC
espanhol que "para que as presunções não estabelecidas pela lei sejam apreciáveis como meio de prova, é
indispensável que entre o fato demonstrado e aquele que se trate de deduzir exista um enlace preciso e direto". Aliás,
assim já ensinava PAULA BAPTISTA, dizendo que presunções comuns (judiciais) são "as que o homem tira daquilo
que ordinariamente acontece. Podem ser violentas, graves e leves, segundo é necessária, natural, ou assaz falível a
ligação do fato sabido com o que se procura saber" (PAULA BAPTISTA, Francisco de. Teoria e prática do processo
civil e comercial. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 103). V. tb., para o direito anglo-americano, JAMES JR., Fleming,
HAZARD JR., Geoffrey C; LEUBSDORF, John. Civil procedure, 4. ed., Boston, Little, Brown and Company, 1992,
p. 346 e ss.
337
gOSA MOREIRA, "parece bastante claro que tal presunção não constitui, a rigor, meio de prova, ao
menos no sentido que se dá a semelhante locução quando se afirma que é meio de prova, v.g., um
documento ou o depoimento de uma testemunha. O processo mental que, a partir da afirmação do fatox,
permite ao juiz concluir pela afirmação também do fato y, não se afigura assimilável à atitude da
instrução, em que se visa a colher elementos para a formação do convencimento judicial. Quando o juiz
passa da premissa à conclusão, através do raciocínio 'se ocorreu x, deve ter ocorrido y', nada de novo
surge no plano material, concreto, sensível: a novidade emerge exclusivamente em nível intelectual,
inmente iudicis. Seria de todo impróprio dizer que, nesse momento, se adquire mais uma prova: o que se
74
adquire é um novo conhecimento, coisa bem diferente".
Com efeito, o raciocínio, por si só, não pode constituir-se em meio de prova. E o que se tem na presunção
é a prova - através de um meio de prova próprio (como o documento, o testemunho etc.) - de um fato e
um raciocínio que conduz à conclusão de que outro fato, ligado àquele, também ocorreu. 75 Parece claro,
aqui, que quando se fala em presunção se pretende designar, em verdade, e corno bem observou C
ARNELUTTI,76 uma fonte de presunção; isto porque, realmente, a presunção é o resultado do raciocínio
77
e não o mecanismo que o admite. Por essa mesma razão, a sistemática de "produção" das presunções em
juízo não difere, em nada, da produção de qualquer prova: será necessário produzir-se uma prova™ com
a ressalva de que essaprova não incidirá sobre fato da causa, mas sobre fato externo a esta, que se liga a
algum fato da causa por um raciocínio lógico indutivo.
(74)
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "As presunções e a prova". In Temas de
direito processual. 1 .a série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 57. 1751 Vale ponderar, todavia, que,
A PROVA
considerando-se como meio de prova um argumento destinado ao convencimento do magistrado sobre a
atendibilidade ou não da pretensão inicialmente exposta, não haverá dificuldade em considerar as presunções, como
argumentos que são, também como meio de prova.
" La prova civile, cit., p. 235.
7)
Cf. Jaime Guasp. Derecho procesal civil. 4. cd. Madrid: Civitas, 1998, t. 1, p. 382.
'' Salvo no caso cm que o fato secundário seja notório.
338
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Elemento indissociável da idéia dessa presunção (judicial) é a noção de indício. Como visto, o
princípio do raciocínio presuntivo calca-se na verificação concreta de outro fato (do qual se
extrairá a ocorrência do fato principal). Esse fato secundário, cuja verificação é possível pelos
meios probatórios normais, é que se chama de indício (razão pela qual as pre-sunções também
são denominadas de "provas indiciárias", embora a presunção, em análise mais correta, não
constitua nem fato nem prova, mas apenas a conclusão do raciocínio presuntivo). Como lembra
SCHÕNKE, "fala-se em prova imediata se está dirigida ao fato de cuja demonstração se trata;
assim, por exemplo, no litígio sobre a celebração de um contrato, o interrogatório de uma
testemunha que presenciou as negociações contratuais. Umaprova indiciáriaexiste, ao contrário,
quando se provam diretamente fatos dos quais se deduzam os de significação imediata para a
prova. Assim, por exemplo, trata-se de uma prova indiciaria se para provar que entre as partes
concluiu-se um contrato, interrogam-se pessoas às quais aquelas referiram algo sobre a celebração do mesmo".79
Também a natureza específica do indício é objeto de controvérsias na doutrina. BARBOS
AMOREIRA critica a equiparação do indício aos demais meios de prova. Segundo afirma, com
invejável clareza, "o que o indício tem em comum comum documento ou com o depoimento de
uma testemunha é a circunstância de que todos são pontos de partida. Enquanto, porém, o
documento ou o testemunho são unicamente pontos de partida, o indício, repita-se, já é, ao
mesmo tempo, um ponto de chegada. Não, ainda, o ponto final; mas um ponto, sem dúvida, a
que o juiz chega mediante o exame e a valoração do documento ou do depoimento da testemunha. O indício, para resumir, é ponto de partida em confronto com a presunção, e é ponto de
chegada em confronto com a prova documental ou testemunhai. Tanto basta, ao nosso ver, para
que seja impróprio colocá-lo no mesmo nível destas". 80
Em essência, seria possível dizer que o que difere, em termos claros, o indício da prova não é
propriamente algum aspecto intrínseco a cada uma dessas figuras ou à sua estrutura própria. Isto
porque também o in(79
> SCHÕNKE, Adolfo. Derecho procesal civil. Barcelona: Bosch, 1950. p. 198.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "As presunções e a prova", cit., p. 59.
Em sentido contrário, v. Jaime Guasp, Derecho procesal civil, cit., t. 1, p. 383(80)
A PROVA
339
dício deve ser provado; também haverá prova sobre o fato secundário, que se destina a permitir a
conclusão da existência do fato primário.'1 *1
Pode-se dizer que algumas peculiaridades interferem na matéria de prova indiciaria, e que merecem
alguma atenção. Inicialmente, conforme pondera GUASP, em virtude da natureza de processo mental
lógico que conforma a presunção, não se cogita de aplicar-lhes as regras normais sobre lugar, tempo e
forma para a sua produção.82 Além disso, como já observado, para o exame do cabimento ou não da prova
(documental, testemunhai etc.) do indício (do fato secundário), o juiz não poderá basear-se na presença
dessa alegação de fato dentre os argumentos da petição inicial ou da resposta do réu. De outra parte,
poderá o juiz indeferir a produção da prova do indício (do qual se pretende obter a presunção) se verificar
que, ainda que se tenha esse fato como existente, a conclusão de existência do fato primário não lhe segue
como conseqüência natural. Enfim, também pode o magistrado indeferir a produção da prova do indício
quando o meio que a parte pretende utilizar para tanto for inadequado (por exemplo, quando se exij a,
para a prova do indício, certo meio específico, como o documental, e a parte pretenda comprová-lo por
outra via). Nesse caso, o silogismo de inferência será inadequado porque há vício na prova do fato-origem
(secundário) do raciocínio. Outrossim, importa sublinhar que o novo Código Civil expressamente veda o
uso da prova indiciaria nos casos em que a lei também proíba o uso da prova testemunhai (art. 230). Em
tais casos, assim, também deveria o juiz indeferir o recurso à prova indiciaria.
Ademais, releva ponderar que o valor e a força dessa ilação assenta-se na capacidade que esta tenha de
3
satisfazer os seus aspectos intensivo e extensivo/ Pelo segundo critério (extensivo), é imprescindível que
a presunção seja apta a demonstrar a totalidade do fato probando (daquele fato principal que se pretende
provar). E, para satisfazer ao outro critério
<8I)
Cf. GUASP, Jaime. Op. cit., p. 382.
GUASP, Jaime. Derecho procesal civil, cit., t. 1, p. 384. Como diz o autor, "a parte normalmente formulará as
suas presunções quanto exponha as alegações em que aquelas se embasam; o juiz as recolherá, com a valoração que
mereçam, na decisão final do litígio" (op. cit., p. 384).
A denominação é oriunda do direito americano (v. JAMES Jr., Fleming; HAZARD Jr., Geoffrey C; LEUBSDORF,
John. Civil procedure, cit., p. 349).
|S2)
340
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
(intensivo), depende o indício da demonstração de que daquele fato (indiciário) não pode
decorrer outro fato que não sej a aquele que se deseja provar. Sucede, então, que a
demonstração, pela parte contrária, de que o indício não cobre a totalidade do fato probando ou
ainda de que daquele fato secundário podem advir outros fatos que não apenas o fato principal,
é elemento suficiente para abalar a credibilidade da presunção formada8 '4 - e, quanto mais forte
se torna essa demonstração, menos razoável se apresenta a presunção. Prosseguindo ainda nesse
raciocínio, é possível concluir que, por outro lado, os indícios podem somar-se para reafirmar a
adequação da ilação formulada.
Como já ficou claro, no raciocínio presuntivo o juiz parte de um fato indiciário para chegar ao
fato probandum. Como é óbvio, o juiz, não só ao raciocinar dessafonna, mas também para
valorar a credibilidade de uma prova e a sua idoneidade para demonstrar um fato, baseia-se
em sua experiência, que deve ser entendida como a experiência do homem médio que vive em
determinada cultura em certo momento histórico. Nesses casos, o juiz socorre-se do senso
comum, e particularmente no que interessa ao raciocínio que pode dar origem à presunção, ao
partir de um fato indiciário para chegar ao fato principal, vale-se de conhecimentos que devem
estar fundados naquilo que comumente ocorre na sociedade ou que possuem fontes idôneas e
confiáveis.
Seria possível dizer que o juiz, em tais hipóteses, apóia-se em uma "regra de experiência", que,
de acordo com o art. 335 do CPC brasileiro, pode ser uma "regra de experiência comum" ou
uma "regra de experiência técnica". É claro que, tratando-se de regra de experiência técnica, esta
deve ser aquela que é própria ao homem comum. Em outras palavras, se o juiz é formado em
engenharia civil ou medicina, por exemplo, ele não pode pretender formular concatenações com
base em seus conhecimentos técnicos pessoais. É de lembrar-se que o juiz que vai apreciar
eventual recurso pode não ter esse mesmo conhecimento e que um conhecimento técnico pode
ser discutível, vale dizer, não estar solidamente consagrado.
Contudo, c preciso observar que o juiz raciocina para formar seu juízo a partir da presunção (que
pode ser uma ou mais). Ou melhor, é necessário
(S41
JAMES Jr., Fleming; HAZARD Jr., Geoffrcy C; LEUBSDORF, John. Civil proceclure, cit., p. 349.
APROVA
341
deixar claro que o senso comum não serve apenas para o juiz estabelecer unia presunção, mas
também paraformar seu juízo a respeito do mérito a partir da própria presunção. É que a
presunção não leva, necessariamente, a um juízo de procedência do pedido. Lembre-se que o
juiz, tomando em conta uma ou maispresunções, pode formar, ou não, juízo de procedência.
12.9.2 Fato indiciaria, prova indiciaria, raciocíniopresuntivo, presunção e juízo (juízo
resultado, juízo final e juízo provisório)
Considerando a dificuldade que envolve o tema das presunções, parece importante frisar os
conceitos fundamentais para a sua compreensão. Com efeito, não é rara a confusão entre fato
indiciário, prova indiciaria, raciocínio presuntivo, presunção ejuízoP
O fato indiciário somente pode ser comparado com o fato principal. É que o fato indiciário, que
também é chamado de indício, é, como o fato principal, um mero fato. Quando tal fato é
alegado, deve-se demonstrar ao julgador que a sua prova será importante para a formação de um
juízo de procedência.
O indício não éprova; aprova indiciaria, como qualquer tipo de prova, recai sobre uma
afirmação de fato. A particularidade daprova indiciaria está em recair em um fato que é
indiciário, isto é, em um indício.
Dessa forma, é realmente importante distinguir o fato indiciário, a prova destinada a demonstrálo - chamada de prova indiciaria - e o raciocínio presuntivo, que é a forma como o julgador
raciocina para, a partir de um fato indiciário, chegar a uma presunção, que é exatamente o
resultado do raciocínio presuntivo.
Contudo, apresunção não se confunde com o "juízo-resultado " (próprio da sentença ou da
decisão que trata da tutela antecipatória), uma vez que pode haver, por exemplo, a presunção de
que um ato será praticado, mas a prova de que tal ato não constituirá ilícito, quando o "juízoresultado" e, portanto, a sentença, serão de improcedência.
É interessante perceber, por exemplo, que em determinado caso concreto podem ser alegados e
provados três fatos indiciários, e reali(85>
Ver Luiz Guilherme Marinoni. A prova na ação inibitória, Revista de Direito Processual
Civil (Gênesis Editora), vol. 24, p. 312 e ss.
342
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
zados três raciocínios presuntivos que apontem para três presunções A questão que pode ser
colocada diz respeito a saber se, em tal caso realmente é melhor falar de três presunções, ou de
uma presunção que se forma a partir da prova dos três fatos indiciários. Parece melhor falar em
três presunções, uma vez que cada prova de fato indiciário conduz a uma conclusão e a soma
dessas conclusões leva a outra, que é o "juízo-resultado" próprio da sentença. Nesse caso, podese dizer que determinada presunção não é suficiente para um juízo de procedência, mas que
basta a soma dessa presunção com outra para se ter uma sentença favorável ao autor.
O CPC brasileiro, no art. 273, ao tratar expressamente da "tutela antecipatória", afirma que o
juiz poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela, desde que, "existindo prova
inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".
Quando se fala em antecipação da tutela, pensa-se em uma tutela que deve ser prestada em
tempo menor àquele que será necessário para o término do procedimento. Como o principal
responsável pelo gasto de tempo no processo é a produção da prova, muitas vezes admite-se a
antecipação da tutela antes que as provas requeridas pelas partes tenham sido produzidas. Nesse
sentido, afirma-se que a tutela é concedida com a postecipa-ção da produção da prova, ou com a
postecipação do contraditório. Em casos como estes, "prova inequívoca " somente pode
significar aprova formalmente perfeita, cujo tempo para produção não é incompatível com a
imediatidade em que a tutela deve ser concedida.
Entretanto, essa prova não pode ser dita "prova de verossimilhança" ou "prova de certeza".
Quando o procedimento deve prosseguir para que outras provas sejam produzidas, forma-se,
como é óbvio, um determinado juízo, o qual deve ser chamado de "juízo provisório", embora
seja designado pelo art. 273 do CPC de "juízo de verossimilhança". Falar que a prova deve
formar um "juízo de verossimilhança", corno precei-tua o mencionado art. 273, é dizer o óbvio.
Tsto porque toda prova, esteja finalizado ou não o procedimento, apenas pode permitir a
formação de um "juízo de verossimilhança " quando se compreende que a verdade é algo
absolutamente inatingível. Entretanto, se tudo é bem entendido, o dito "juízo de
verossimilhança" -juízo não formado com base na plenitude de provas c argumentos das partes apenas pode ser denominado de "juízo-provisório ".
A PROVA
343
A evidente distinção entre prova e juízo, bem como a compreensão de que todo e qualquer
"juízo-jurídico " jamais passará de um juízo de mera verossimilhança, deixa claro que não é
correto qualificar o juízo formado no curso do procedimento de "juízo de verossimilhança". O
certo é falar emjuízo-resultado, apto para permitir a decisão antecipada ou final, e nessa linha
trocar- em relação à tutela antecipatória - a expressão "juízo de verossimilhança"por "juízo provisório"', preser-vando-se, desta maneira, nossos códigos de semiótica jurídica.
12.10 A prova e a ação inibitória
12.10.1 Apresentação das premissas
Tema que atualmente vem merecendo atenção especial diz respeito à questão da prova em
relação à ação inibitória.
As ações preventivas são, nas palavras de GROSSEN,86 "aquelas que se fundam em uma
iminente ameaça ao direito ('Rechtsgefahrdung'), em antítese àquelas que se fundam na violação
de um direito ('Rechtsverletzung')". Com efeito, quando se pensa em tutela preventiva, imaginase uma tutela que tem por fim impedir a prática, a continuação ou a repetição do ilícito, e não
uma tutela que pressupõe a violação do direito. Note-se que o problema da tutela preventiva é o
da prevenção da prática, da continuação ou da repetição do ilícito, enquanto o da tutela
ressarcitória (que apenas é uma modalidade de tutela repressiva, isto é, da tutela que pressupõe a
violação de um direito) é saber quem deve suportar o custo do dano, independentemente do fato
de o dano ressarcível ter sido produzido ou não com culpa.87
O direito brasileiro conhece, há tempo, alguns exemplos de ações inibitórias específicas (a
exemplo do mandado de segurança preventivo e do interdito proibitório), todavia não está
descartada - ao contrário, é expressamente aceita pela Constituição Federal (art. 5.°, XXXV) uma ação inibitória genérica, que possa aplicar-se a qualquer situação dela carente.
IW
" "L'azione in preven/ione ai cii fuori dei giudizi immobiliari". RivistadiDiritto
Pmcessuale, p. 418, Padova: Cedam, 1959. (87) MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 26.
344
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Tradicionalmente, pensa-se o processo apenas como algo voltado ao passado, dirigido à
recomposição do direito violado. Não se recorda, todavia, que também o processo pode ter
orientação dirigida ao futuro, tendente a impedir a prática de uma violação ao direito. E, o que é
mais grave, se o direito processual (como um todo) não se ocupa dessa função do processo, é
certo que muito menos seus institutos estão delineados para tal fim.
Não obstante a efetiva superioridade da tutela inibitória, impõe-se notar que a atenção da
doutrina para esse caminho é - mesmo no direito comparado - ainda muito recente (ao menos
quando comparada ao desenvolvimento recebido pela tutela repressiva). E, com isso, tem-se que
a adequação dos institutos de direito processual a essa tutela também não recebe a devida
atenção, quer da doutrina, quer da legislação brasileira. Aparentemente, essa lacuna pode não
representar grande problema. Porém, em matéria de prova, a questão assume relevância
extraordinária.
Com efeito, toda a teoria da prova — tradicionalmente concebida -volta-se para o passado,
comumente sob a suposição de que se destina à reconstrução dos fatos pretéritos. Ora, em uma
tutela que se destine ao futuro, a prevenir futura lesão, certamente o tema da prova deve ser
visto por meio de ótica diferente.
A questão apresenta contornos ainda mais intrincados, se observado o conjunto de mudanças
radicais que essa situação impõe ao processo. Imagine-se o seguinte exemplo: alguém, que
suponha que seu direito à honra será violado por um meio de comunicação, pretende tutela
jurisdi-cional inibitória, capaz de impedir determinado veículo de mídia de divulgar certa
notícia; a pretensão é acolhida através de tutela inibitória antecipada, expedindo-se ordem para
que a informação não seja divulgada, e, de fato, no programa aludido na petição inicial,
nenhuma menção é feita à notícia que se queria ver resguardada. Logo a seguir, o veículo de
comunicação apresenta contestação, argumentando que a pretensão do autor não tem
fundamento, já que jamais se cogitou de dar divulgação àquela informação. Como saber, então,
se a ação deverá ser julgada procedente ou não? Por outras palavras, como saber se a empresa ré
não divulgou a notícia em função da tutela inibitória antecipada ou porque, de fato, jamais
pretendera violar o direito do autor (hipótese em que a ação não poderia ser julgada
procedente)?
A PROVA
345
O tema certamente impõe reflexão, e a solução viável somente será encontrada alterando-se a
visão que, normalmente, se tem da função da prova. Em suma: assume especial relevância
saber o que deve ser provado par® Que alguém tenha direito àproteção inibitória.
12.W.2 Pressupostos da ação inibitória
Desde logo, pode-se afirmar que não são objeto de perquirição, nas ações inibitórias, as
questões do dano ou da culpa.
Quanto ao dano, é certo que sua ausência não descaracteriza a necessidade de tutela. Isto pode
ocorrer frente a qualquer relação jurídica, mas, em relação a direitos não patrimoniais, o evento
é típico: para que haja sua lesão, totalmente despiciendo é o resultado "dano". É a violação ao
direito (ou sua ameaça) que constitui pressuposto para qualquer reclamo ao Judiciário, pouco
importando se essa violação acarreta ou não um dano externo.
O dano é, apenas, pressuposto necessário para a evocação da responsabilidade civil (reparação
do dano). Salvo esse aspecto, porém, o ato contrário ao direito (ou sua probabilidade), já
constitui razão suficiente, por si só, para a tutela jurisdicional.
Embora normalmente o ilícito se exteriorizepelo dano gerado, é certo que a identificação entre
uma figura e outra é totalmente descabida. Para o cabimento da ação inibitória, tenha o direito
ameaçado natureza não-patrimonial ou patrimonial, é desnecessária a alusão ao dano eventualmente temido, bastando a demonstração da probabilidade de ocorrência do ato contrário ao
direito.
Se o dano é elemento de que não se cogita nas ações inibitórias, também o elemento subjetivo (a
culpa ou o dolo) aí não tem importância.
Considerando-se que a ação inibitória dirige-se ao futuro, e tendo-se em conta que é impossível
a valoração de aspectos subjetivos futuros, seria mesmo impensável submeter a viabilidade da
pretensão inibitória ao reconhecimento (futuro) da culpa. Nesse mesmo sentido é a visão de
CRISTINA RAPISARDA,88 que salienta que "da natureza preventiva
SASSON, Cristina Rapisarda. "Inibitória". In Digesto delle disciplinepriva-tistiche. 1993, v. IX, p.479.
346
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
da inibitória deriva também a ausência da culpa entre seus pressupostos de expedição. A ação
inibitória volta-se para o futuro e assim fica excluída a possibilidade objetiva de valorar
preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro sobre qual é destinado
a incidir o provimento final de tutela".
Com efeito, com a ação inibitória não se pretende reparar o dano, 89 desejando-se evitar a prática
do ato contrário ao direito. Além disso, embora o ato contrário ao direito e o dano possam, em
alguns casos e por razão meramente cronológica, ocorrer no mesmo instante, é importante
deixar claro não só o que deve ser alegado e provado pelo autor da ação inibitória, mas
também aquilo que é suficiente para o juiz concedera tutela inibitória, seja na forma
antecipada, seja ao final, mediante a sentença. O juiz, nos casos em que se alega somente o
temor de ato contrário ao direito, está proibido de indagar sobre a probabilidade de dano
concreto, mesmo quando frente à decisão relativa à tutela inibitória antecipada. Portanto, no
caso de tutela inibitória antecipada não tem valor afundado receio de dano, mas apenas
afundado receio de ato contrário ao direito.
Conclui-se, portanto, que na ação inibitória não há espaço para a alegação - e,
conseqüentemente, para a prova - de dano ou de culpa. Ao revés, a cognição judicial e também
o thema decidendum ficam restritos à questão da ameaça de ato contrário ao direito. Nesse caso,
é importante considerar não apenas a probabilidade da prática de ato, mas também a ilicitude,
uma vez que o ato temido somente importa, como é óbvio, quando é ilícito.
|S9)
Como explica CRISTINA RAPISARDA, "a autonomia da inibitória da culpa depende também do caráter não
sancionatório desta forma de tutela. Na disciplina da inibitória, o requisito subjetivo da culpa perde realmente a típica
função de garantia da liberdade de ação de alguém que desempenha quando a tutela determina a imposição ao sujeito
passivo de uma desvantagem econômico-jurídica, como no caso da tutela ressarcitória.
Enfim, a autonomia da culpa se funda mesmo sobre o conteúdo específico/ ícintcgratório que caracteriza a tutela
inibitória em relação ao direito deduzido em juízo. Esta forma de tutela tende realmente a garantir de qualquer modo
a atuação do direito, independentemente de qualquer valoração subjetiva do comportamento do obrigado" (S ASSON,
Cristina Rapisarda. "Inibitória", cit., p. 479-480).
r
A PROVA
347
12.10.3 A ameaça
Se na ação inibitória não se questiona arespeito da existência de dano ou de culpa, é de se
perguntar sobre o objeto em que deve recair a cognição judicial. A resposta a essa questão é
intuitiva, e resume-se, praticamente, a um elemento: a ameaça da prática de ato contrário ao
direito.
A noção da licítude ou não de certa conduta depende, via de regra, da mera comparação do ato
descrito com o ordenamento jurídico. Vale dizer, o conceito de ilicitude de uma dada conduta
extrai-se de sua comparação (ainda que hipotética) com as regras existentes no ordenamento
jurídico - as quais qualificam as condutas como lícitas ou ilícitas. 90 Por essa razão, a noção de
ilicitude da conduta, normalmente, não dependerá de prova, reduzindo-se, no mais das vezes, à
análise de uma questão de direito (que, como cediço, não depende de prova).
Ademais, e ainda no campo da ilicitude, importa lembrar que a grande maioria dos direitos que
exigem tutela inibitória (embora esta possa ser conferida a quaisquer tipos de direitos), a
exemplo dos direitos da personalidade, do meio ambiente, da saúde pública etc, são direitos absolutos - no sentido de potestativos, em que seu exercício independe de qualquer colaboração de
vontade de qualquer outra pessoa - irrenunciá-veis e intransmissíveis.91 Além disso, são direitos
inatos à pessoa huma(90) ^ respeito, já o dissera WELZEL- embora em outro campo do direito - que a ilicitude é uma "contradição da
realização do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico como um todo" (WELZEL, Hans. Das
deutsche Stmfrecht. 1 1. ed. Berlim: Walter de Gruyter, 1969. p. 51).
(91)
Nesse sentido, ELIMAR SZANIAWSKI, Direitos da personalidade e sua tutela, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1993, p. 81. Sobre essa noção de direitos potestativos, veja-se a idéia passada por CHIOVENDA (em
especial a análise bibliográfica e do tema realizada cm nota de rodapé), de poder jurídico contraposto a um dever da
parte contrária (CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derechopwcesal civil, cit., 1922, t. 1, p. 54 e ss.). Com efeito,
assinala CHIOVENDA que "en tnuchos casos Ia ley concede a alguno ei poder de influir con lamanifestación desu
voluntaden lacondiciónjurídicadeoutro, sin ei concurso de Ia voluntad de este (...) Estas faculdades son diferentes
entre si, ya sea por Ias condiciones a que se hallan subordinadas ya porque algunas se ejerccn mediante una simples
declaración de voluntad y otras con Ia necesaria intervención deijuez(sentenciaconstitutivaV.
§8).Perotodastienendecomún Ia tendência a producir un efecto jurídico en favor de un sujeto y a cargo de
348
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
na, vale dizer, direitos que pertencem a toda pessoa humana, independentemente de qualquer
92
outra condição.
Daí resulta a constatação de que tais espécies de direito são insuscetíveis de oposição. Uma vez
afirmados (tais direitos) como existentes, independem de prova, até porque essa prova seria a
singela comprovação da existência da pessoa física que pretende a tutela jurisdicional, o que é
pressuposto para a própria existência da relação jurídica processual.
O grande problema, como desde logo se pode perceber, é o da prova que recai sobre a afirmação
de que provavelmente serápraticado um ato.93 Pensando na prova dessa afirmação, alguém
poderia imaginar duas hipóteses distintas: i) a prova do fato passado que demonstra a probabilidade de que um ato será praticado e ii) a prova de que um fato futuro ocorrerá. A segunda
hipótese é inviável, pois não pode haver prova que recaia
outro, ei cual no debe hacer nada ni siquiera, para librarse de aquel efecto, permaneciendo sujeto a su actuación. La
sujeción es un estado jurídico que no exige ei concurso de Ia voluntad dei sujeto ni ninguna acción suya"
(CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho procesal civil, cit., 1922, t. l,p. 54-55).
A esse propósito, escreveu Kayser, lembrando Georges Ripert: "um direito, escreveu Georges Ripert, não saberia
pertencer a todos porque o direito subjetivo é um sinal de desigualdade, e ele não saberia existir em benefício de um,
se ele não tem como contrapartida a obrigação do outro. Os direitos da personalidade fazem exceção a esta regra,
porque eles pertencem a todas as pessoas físicas. O princípio da igualdade civil não significa somente, em relação a
elas, que todas as pessoas físicas são suscetíveis de adquirir os mesmos direitos, mas que elas têm os mesmos
direitos. Suas personalidades jurídicas não são uma simples virtualidade: elas lhes conferem estes direitos"
(KAYSER, Pierre. "Les droits de Ia personalité - aspects théoriques et pratiques". Revue Trimes-trielle du Droit Civil
3/489, Paris: Sirey, jul./set. 1971). A questão não é fácil, pois se não é possível exigir prova que torne impossível a
postulação da tutela inibitória, também não é certo pensar que qualquer elemento poderá viabilizá-la. ALDO
FRIGNANI faz advertência oportuna para esta situação: "a injunetion, que se corretamente usada representa um
eficaz meio de defesa contra o ilícito, se concedida indiscriminadamente poderia constituir em instrumento de
opressão e de injustiça e poderia ter conseqüências perniciosas seja para o réu, seja para a comunidade em geral"
(FRIGNANI, Aldo. L'In'junclionnella common law e l'inibitória neldiritto italiano .Milano: GiulTrè, 1974. p. 196).
r
349
sobre fato que ainda não ocorreu. O que pode existir é prova de fato passado que indique a probalidade da
ocorrência de fato futuro.
94
Em tal caso existiria fato indiciado (ou indício), prova indiciaria e raciocínio presuntivo, o qual deve
partir da alegação de um fato indiciário (ou indício) e de uma eventual prova indiciaria para chegar ao
juízo acerca da afirmação da probabilidade da prática do ilícito.
É possível que o réu não negue que praticará o ato, mas afirme que este não terá a natureza ou a extensão
do ato vedado pela regra legal. Nesse caso, tratando-se de ação voltada a impedir a repetição ou a
continuação do ilícito, basta verificar se o ato anteriormente praticado realmente se enquadra na proibição
legal. Mais difícil será a prova da ilicitude do ato quando ato "igual" não foi ainda praticado. Em tal
hipótese deverá ser demonstrado que o ato que se pretende praticar é realmente vedado por norma legal, e
assim deverá ser esclarecida a seguinte questão: o ato que será praticado enquadra-se na moldura legal
que o proíbe?
Note-se que nas situações em que se discute apenas a extensão e a natureza do ato que estaria sendo
negado como ilícito, a prova não terá por fim demonstrar um fato indiciário que indique a probabilidade
da prática de um ilícito, mas sim evidenciar que o ato que se pretende praticar é ilícito.
12.10.4 A prova da ameaça
Inicial mente, é necessário lembrar que o perigo de lesão que se exige não se confunde com o mero perigo
genérico de que algum dia possa ocorrer a violação do direito. Necessário haver situação específica que
ameace a integridade do direito.
Com efeito, relativamente às ações preventivas específicas, que existem no direito brasileiro há muito
tempo, a tendência da doutrina e da jurisprudência sempre foi exigir a ocorrência de dados objetivos e
concretos que demonstrem a ocorrência do justo receio de lesão. Não basta, destarte, o mero temor
subjetivo da futura violação do direito; necessário se faz que esse receio esteja apoiado em elementos
concretos, exteriores, capazes de avalizar esse medo subjetivo.
11)41
Ver Luiz Guilherme Marinoni. "A prova na ação inibitória", Revista de Direito Processual Civil
(Gênesis Editora), vol. 24, p. 312 e ss.
A PROVA
350
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Em se tratando de ação que visa impedir o prosseguimento ou a repetição da ofensa, essa prova
não guarda qualquer entrave. A ameaça, no mais das vezes, apresentar-se-á como óbvia, pela
simples ocorrência pretérita ou atual de violação do direito. 95 É em relação à ação inibitória que
busque obstar a ocorrência da lesão ao direito, ainda que nenhuma violação tenha ocorrido, que
a questão se agrava.
Considerando-se que a ação inibitória toma em consideração fato que ainda não ocorreu, alguns
fatos - indiciários - poderão apontar para a probabilidade da sua ocorrência. Nesse caso, será
absolutamente fundamental manejar de forma adequada os conceitos de fato indiciário, prova
indiciaria, raciocínio presuntivo, presunção e juízo (ver, supra, item 12.9.2). Tratando-se de
ação inibitória, ou seja, de ação voltada para o futuro, não é possível desconsiderar as virtudes
da denominada prova indiciaria. Tal modalidade de prova, se pode ser considerada um auxiliar
importante em face das tradicionais ações repressivas, assume lugar de absoluto destaque e
importância diante da ação inibitória.
Se houver ato preparatório já adotado para a lesão ao direito (como a remessa à editora da
notícia ofensiva à honra de alguém, ou a veiculação de publicidade sobre materiajornalística a
ser divulgada no futuro), ficará caracterizada a ameaça necessária à tutela inibitória.
Entretanto, não é incomum que essa ameaça de lesão (conquanto existente) careça de qualquer
demonstração material ou de qualquer prova externa e objetiva. Não são raros os casos de
ameaça velada (por telefone, por exemplo) da difamação de alguém, e muito menos raros são os
casos em que sequer se dá ciência prévia à vítima da ofensa que se fará
(1J5)
É esta, aliás, a hipótese de que trata o Código Civil italiano, em seu art. 10.° ("Abuso delVimmagine altnii Qualora l'immagine di una persona o dei gcnitori, dei coniuge o dei ilgli sia stata esposta o pubblicata fuori dei casi in
cui 1'esposizione o Ia pubblicazionc è dalla legge consentita, ovvero con pregiudizio ai decoro o alia reputazione
delia persona stessa o dei detti congiunti, 1'autorità giudiziaria, su richiesta deli'interessato, può disporre che cessi
l'abu.so, salvo il risarcimento dei danni (2056)")- Com a mesma conclusão do texto, esclarece FRIGNANI que "é
todavia nesta avaliação judicial que o ilícito vem a jogar um papel de importância não indiferente. De fato, se eleja
ocorreu no passado, de sua modalidade, de sua natureza poder-se-á inferir com notável aproximação a probabilidade
da sua continuação ou repetição no futuro" (FRIGNANI, Aldo. Op. cit., p. 429).
r
APROVA
351
divulgar. Também são freqüentes os casos em que a vítima tem ciência da ameaça de ofensa ao
seu direito por mero boato ou por informações sigilosas de terceiros.96 Como aqui
compatibilizar anecessidade de proteção preventiva ao direito à vida privada com as exigências
tradicionais da comprovação da objetividade da ameaça?
O caminho, aqui, abre-se em duas alternativas. Ou se mantém indene a exigência da prova da
ameaça, correndo-se o risco de inviabilizar a proteção preventiva ao direito; ou, ao revés,
dispensa-se essa prova, ficando a ação praticamente isenta de necessidade probatória.
A primeira solução gera o perigo da inefetividade de toda a construção da tutela inibitória.
Assim, com certeza, não haverá risco de atuação jurisdicional prejudicial ao réu. Mas a outra
alternativa, embora importante para a efetiva tutela dos direitos, caminha em sentido inverso, e
assim poderá trazer prejuízo ao demandado.
Como é fácil perceber, ambas as soluções se mostram parcialmente insatisfatórias, mas não há,
em princípio, como fugir a uma delas para equacionar o problema (ao menos enquanto não
houver legislação específica sobre o tcma'J7 ).
Talvez a solução para compatibilizar essas necessidades e ultrapassar os percalços apontados
(ao menos em sua maioria) esteja na correta utilização do mecanismo da tutela antecipatória,
imprescindível para o bom funcionamento da ação inibitória.
(%)
Essa situação ensejaria, como se tem evidente, a necessidade da colheita prévia dessa prova oral, em audiência de
justificação prévia (nos termos do art. 804 do CPC, aplicado subsidiariamente), o que, em se tratando de lesão à vida
privada, à intimidade, à imagem ou à honra pela mídia, pode muitas vezes inviabilizar a proteção preventiva, na
medida em que essa audiência-em termos realistas - poderá exigir dilação temporal maior que o tempo de que se
dispõe para evitar o ilícito.
l97)
Ter-se-ia como solução ideal a concepção de norma que permitisse ao Judiciário (ou a outro órgão, dado que o ato
teria evidente conotação administrativa, de poder de polícia) a emissão de provimento imediato - mediante, exclusivamente, reclamação do interessado - endereçada ao suposto sujeito que violaria o direito, ordenando-o a não fazêlo, sob cominação de determinada pena. A ordem, em si, se obedecida, nenhum prejuízo traria ao seu sujeito passivo;
caso desobedecida, acarretaria a aplicação das sanções cominadas.
352
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Como já se viu, é perfeitamente cabível a antecipação de tutela dentro da ação inibitória (até por
expressa disposição das normas que veiculam a possibilidade da ação inibitória-arts. 461, § 3.°,
do CPC, e 84, § 3.°, do CDC9S).
Realmente, haverá casos em que a prova da ameaça dependerá de inevitável dilação probatória,
o que pode inviabilizar a proteção preventiva. É o caso, por exemplo, em que o autor da ação
tem ciência da ameaça de lesão por boatos, ou por advertência oral de alguém. Nesse caso, a
prova da ameaça certamente dependerá da instalação de audiência (ao menos de justificação
prévia), onde se colherá a prova que prestará para sua demonstração. Tal providência, contudo,
em certos casos, será o suficiente para gerar a impossibilidade da efetividade da tutela
preventiva, dado o espaço de tempo (que, por menor que seja, não pode ser menosprezado) que
medeia o pedido de proteção e a concessão da tutela inibitória, ainda que antecipada.
Nesses casos, detém papel essencial a tutela antecipatória, com os princípios e peculiaridades
que lhe são inerentes. Especialmente, tem interesse aqui a questão da prova, que deve limitar-se
à demonstração da aparência da ameaça, inclusive da ilicitude do ato temido. Especifica mente,
importa lembrar que, em tema de tittela antecipatória, tem lugar a chamada "redução do módulo
de prova", no sentido de que as provas não objetivam a criação de "certeza" para o julgador.
Deveras, se essa redução deve incidir em relação à tutela inibitória final (sentença), com muito
maior razão ela deve estar presente quando da tutela inibitória antecipada.
Na verdade, a idéia de "redução do módulo da prova" se verifica com maior intensidade em
relação às tutelas de urgência (cautelares e anteci-patórias), embora não possa ser encarada
como particularidade delas. Essa figura é típica de inúmeras situações em que a exigência do
"grau unitário de cognição " simplesmente resultaria em total negativa de proteção jurídica.
GERHARD WALTER" lança-se a profunda pesquisa sobre o tema e constata que, de forma
absolutamente normal, os tribunais alemães reduzem o módulo de prova em algumas decisões,
tradicionalmente naquelas em que a apuração dos fatos resulta em dificuldat'«> Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, eit., p. 143 e ss.
t'«) WALTER, Gerharcl. Libre apreciación de lapnteba. Bogotá: Temis, 1985.
r
A PROVA
353
des constantes. Como lembra o autor, "recordem-se as indenizações pagas a vítimas do regime
nacional-socialista e a refugiados, mas também os casos de controle de consciência dos
objetores que se negam a prestar o serviço militar. De imediato, não resolveremos se desemboca
também em uma redução do módulo de prova toda a jurisprudência relativa à prova por
presunção simples. Em suma, essa singela retrospectiva obriga a que nos perguntemos se em
vista da diversidade dos casos que se têm de resolver e dos fatos que com tal fim têm de
constatar-se, mas sobretudo pelas conseqüências que essas decisões acarretam, tem sentido
insistir em que o módulo de prova seja unitário".100 Realmente, em semelhantes casos, é
impensável a viabilidade da proteção jurídica caso insistir-se em solicitar da parte o mesmo grau
de evidência que se exige em casos tradicionais.
Nesses casos, seja para a decisão liminar e mesmo para a proteção final, o julgador deve
satisfazer-se com a "prova possível" da alegação, sem exigir elementos de convicção completos,
capazes de gerar em sua consciência o que se chama de "certeza", já que esta poderia tornar impossível a proteção que o próprio direito material reconhece ser imprescindível para os direitos.
Como se tentou demonstrar anteriormente, a prova não pode ser encarada como um mecanismo
de reconstrução da verdade dos fatos. Ao contrário, deve ser vista como elemento retórico,
destinado a convencer o magistrado da verossimilhança das alegações expendidas pelas partes,
e nesse sentido desvincula-se completamente dos fatos pretéritos. Tem por escopo prestar-se
como elemento de argumentação, capaz de permitir a "construção dialética" da realidade,
libertando-se de qualquer preconceito ôntico que pudesse carregar intrinsecamente. É dentro
dessa ótica que se pode (e se deve) admitir a "redução do módulo de prova", que, aqui, não
deixa de ser mais do que uma modificação do âmbito do diálogo argumentativo.
Note-se que, uma vez concedida a tutela antecipada, salvaguardado resta o interesse do
requerente, sem descurar-se para os direitos e interesses do réu, que terá todo o espaço posterior
do procedimento para demonstrar a desnecessidade da tutela inibitória antecipada.
(100)
Idcm, ibidcm, p. 172.
354
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
12.11 Regras de privilégio
O direito anglo-americano trata pelo nome de privilégios (evidentiary privileges) certas
concessões feitas a determinadas pessoas ou situações, em que se dispensa o dever de
colaboração com o Estado, na busca de provas. Como se sabe, o direito processual exige, em
qualquer sistema, a colaboração de qualquer pessoa na descoberta dos fatos e na informação do
processo. O direito brasileiro não constitui exceção a essa regra e proclama, no art. 339 do CPC,
que "ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da
verdade".
Essa determinação enfática, porém, sofre exceções, seja em relação à própria parte, seja ainda
em face de terceiros, em situações onde se dispensa esse dever de colaboração em benefício de
outro interesse também relevante para o Estado. São essas situações, tratadas com o nome de
privilégios, que serão examinadas.
Em princípio, o direito brasileiro, na linha do que fazem os sistemas de direito comparado,
prevê duas modalidades de privilégios: o privilégio contra a auto-incriminação (alargado, no
direito pátrio, para os fatos torpes e que causam prejuízo à honra da pessoa ou de seus
familiares) e o privilégio em razão do conhecimento de certos assuntos por ofício, função ou
profissão (advogado-cliente, médico-paciente, padre-confitente etc).
Quanto ao primeiro dos privilégios, vê-se que ele vem acolhido expressamente, dentre outros,
pelos arts. 347,1, e 363, III, do CPC. A previsão tem origem no princípio geral de direito da
inexigibilidade da auto-imputação criminosa, colhendo como paradigma a previsão do art. 554,
n. 2, do CPC português, que determina que "não é, porém, admissível o depoimento sobre factos
criminosos ou torpes, de que a parte seja argüi-da". O novo Código Civil ampliou sobremodo
este privilégio, dispondo que ninguém é obrigado a depor sobre fatos que possam expô-lo (ou a
seu cônjuge, ou a parente em grau sucessível, ou ainda a amigo íntimo) a "perigo de vida, de
demanda, ou de dano patrimonial imediato" (art. 229, III). O exagero da previsão é evidente, e
merece ser temperado pela doutrina e pela jurisprudência, já que a aplicação irrestrita deste
comando permitiria a qualquer um invocá-lo como critério para eximi-lo do dever de depor.
O princípio tem origem no direito norte-americano, mais precisamente na famosa 5.a Emenda à
Constituição, que prevê o privilege against
A PROVA
355
self-incrimination. Inicialmente, a garantia tinha por escopo apenas o processo penal, representando uma
garantia ao acusado de permanecer silente, sem necessidade de prestar-se como testemunha contra si mesmo. Todavia, por entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, referido privilégio
aplica-se, em certas circunstâncias, também a processos de natureza civil. 101
Busca o texto legal evitara situação, quase desumana, de impor-se à parte o dever de declarar a verdade e,
em conexão, o dever (que inexiste no direito brasileiro) de auto-incriminação. Obrigando-se a parte a manifestar-se sobre ilícitos que eventualmente haja praticado, e se lhe impondo o dever de dizer a verdade,
certamente ela seria colocada em situação absurda, que sequer o processo penal exige: o ter de confessar
um delito. E, na tentativa da preservação de sua liberdade, certamente a situação o forçaria a mentir sobre
o fato, incorrendo eventualmente em perjúrio (ou, perante o regime do direito processual civil brasileiro,
102
em sanções processuais, como a litigância de má-fé).
Em razão desse insustentável dilema, autoriza a lei processual (em sentido evidentemente ampliado pelo
Código Civil, como visto anteriormente), por questões humanitárias e por acolher, como princípio, o da
inexigibil idade da auto-imputação criminosa, a dispensa da parte em depor sobre fatos criminosos ou
m
torpes que lhe são imputados.
(lül)
SM1T, Hans. "Constitutional guarantees in civil litigation in the United States
ofAmerica"'.InFundamentalguaranteesofthepartiesincivil'litigation. Coord. Mauro Cappelletti e Denis Tallon.
Milano: Giuffrè, 1973. p. 463.
dói) CH1OVENDA critica severamente a exclusão dos fatos ilícitos da órbita do depoimento da parte. Diz o autor, a
respeito do direito italiano, que "importa, entretanto, não esquecer que o nosso interrogatório se originou das
positiones do direito comum, e que, por conseguinte, pode compreender todos os fatos, desde que verossímeis,
concludentes e não notoriamente inexistentes (supra, n. 269), que se poderiam expor nas alegações da parte
interrogante. Razão não há, portanto, para excluir o interrogatório sobre fatos imorais ou delituosos; não cabe aplicar
por analogia o art. 1.634 do CPC, que proíbe a delação do juramento sobre fatos delituosos, porque neste caso existe
razão especial na lei, e é de não colocar o jurador na alternativa de jurar em falso ou de não jurar um fato que pode
comprometê-lo mesmo fora do processo" (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., vol.
3, n. 329, p. 123).
(l03)
Como acentua ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, tratando do tema sob o aspecto do processo penal,
"diante da presunção de inocência, ao acusa-
356
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O outro privilégio diz respeito ao sigilo, especialmente aquele decorrente de relações éticoprofissionais, como o dever de sigü0 imposto aos fatos conhecidos por relação advogado-cliente,
médico-paciente etc. Aqui, a previsão se faz para assegurar o desenvolvimento adequado e
correto das próprias atividades profissionais que, sem essa garantia, restariam abaladas pela falta
de confiança entre os sujeitos envolvidos.
O dever de guardar sigilo se aplica, no direito brasileiro, tanto a hipóteses de relações
profissionais e religiosas, como derivadas de função pública exercidas por alguém, ou ainda de
ofícios específicos (arts. 154 e 325 do CP brasileiro). Também se entende que pessoas auxiliares
daquelas que devem guardar o segredo ficam vinculadas ao sigilo da informação (por exemplo,
a secretária do advogado). Em todos esses casos, a manutenção do sigilo é dever que se impõe
não apenas em decorrência da determinação de dispositivo processual civil, mas ainda porque a
violação desse segredo pode importar em crime ou infração ética.
E mais, esse segredo deve ser mantido - especificamente em alguns casos determinados - ainda
que o "interessado" consinta na sua violação (ver, por exemplo, os arts. 7.°, XIX, da Lei
8.906/94-Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - e 36 do Código de Ética Medica).
Nesses casos, é direito do depoente recusar-se a declarar sobre os fatos, não sendo possível que
a parte venha a ser coagida a manifestar-se, nem se pode, dessa sua conduta, extrair qualquer
conseqüência gravosa para si ou para seus interesses. Entretanto, como pondera MONIZ DE
ARAGÃO,104 nada impede que o juiz ouça, se assim entender conveniente e necessário, a
pessoa que relatou os fatos àquela que se recusa a depor na condição de testemunha inquirida de
ofício, situação em que poderá o magistrado inteirar-se dos fatos que considera relevantes.
do cabe a opção de fornecer ou não a sua versão pessoal sobre os fatos que são objelo de prova, vulnerando a regra
constitucional Iodas aquelas disposições legais que, de forma direta ou dissimulada, pretendem forçá-lo à confissão'
(Presunção de inocência e prisão cautelai: São Paulo: Saraiva, 1991. p. 40). 1'""" Exegese do Código de Processo
Civil, cit., p. 158.
f
A PROVA
357
12.12 Depoimento pessoal
12.12.1 Conceito, natureza jurídica e generalidades
Como lembra MAURO CAPPELLETTI,105 não há pessoa mais bem informada sobre os fatos da
causa do que a parte. Vezes há, com efeito, em que somente a parte tem completa notícia sobre
tais fatos. Por isso se justifica a necessidade inafastável em utilizar-se a parte como fonte de
prova. Não obstante, "se de um lado a parte é, em regra, teoricamente a melhor (quando não a
única possível) fonte de prova, ela, por outro lado, pelo interesse pessoal que confere aos fatos,
com base nos quais pede ao juiz um provimento, é ao contrário ou pode ser a fonte de prova
menos confiável" ,m Daí decorre a grande dificuldade no tratamento legal — bem como
jurisprudencial e doutrinário — dessa fonte de prova.
Sob o título de depoimento pessoal, duas figuras distintas são tratadas pelo CPC (art. 342 e ss.):
o depoimento pessoal (propriamente dito) eo chamado interrogatório livre.
Em termos amplos, pode-se dizer que o interrogatório livre é muito mais forma de
esclarecimento, de que se vale o juiz para melhor inteirar-se dos fatos do processo, do que
propriamente meio de prova. Ao contrário, o depoimento pessoal (ou da parte, como parcela da
doutrina prefere denominá-lo) tem nítido e específico fim probatório, já que seu objetiv o
primário é obter a confissão da parte adversa. Disso decorrem tratamentos específicos para cada
um dos institutos, dos quais se podem ter como mais evidentes: o interrogatório é medida
adotada de ofício pelo juiz, podendo ser determinado em qualquer fase do processo; ao
contrário, o depoimento pessoal tem momento próprio no iter processual (audiência de instrução
e julgamento) e exige o requerimento da parte contrária. Também em conseqüência dessa
distinção, no interrogatório livre apenas ao juiz c dado o poder de iniciativa no questionamento;
diversamente, no depoimento pessoal, há a oportunidade para que o advogado da parte contrária
formule perguntas ao depoente, na forma do art. 416 do
"lb) La testimoniaiiza delia parte nel sistema deWoralità. Milano: Giuffrc, 1962.
v. l,p. 3. '""'' CAPPELLETTI, Mauro. La testimcmicmzfi dei Ia parte nel sistema de 11'Ora lità,
cil., p. 4 (grilos no original).
358
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
CPC. Por fim, entende-se que o interrogatório livre pode ser único ou múltiplo, no sentido de
que a parte pode ser ouvida várias vezes em um único processo; já o depoimento pessoal é
sempre único, realizado, normalmente, na audiência de instrução e julgamento.107
É fundamental, para os fins dessa fonte de prova, que se tenha firme o conceito de parte. Afinal,
a posição jurídica daquele que depõe em juízo é que determina a qualificação da prova como
"prova testemunhai" ou como "depoimento pessoal". Tal conceito, parta-se dessa premissa, deve
ser buscado estritamente no direito processual, sem que seja possível sua influência pelo direito
material.
Dessa forma, submetem-se ao depoimento pessoal o assistente Htisconsorcial, lftS o denunciado
da lide,109 o nomeado à autoria, o chamado ao processo e o opoente.""
Quanto à figura do assistente, sua situação peculiar- quanto à caracterização de sua situação
jurídica no processo — gera, conseqüentemente, tratamento disforme na doutrina e na
jurisprudência. JOÃO BATISTA LOPES considera que o assistente litisconsorcial presta
depoimento pessoal, enquanto o assistente simples, não dispondo da condição de parte, mas
constituindo-se em mero auxiliar desta, não se submete a esse instituto,"1 sendo essa, ao nosso
ver, aposição correta.
Quanto ao representante (de incapazes) ou ao presentante (de pessoas jurídicas) a questão
também merece avaliação detida. O problema
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. vol. 4, p.
74.
Sobre o assistente litisconsorcial, ver Luiz Guilherme Marinoni, "Sobre o assistente litisconsorcial", Revista de
Processo 58/ 250. Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 3.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. t. 4, p. 304. Cf. LOPES, João Batista. "O depoimento pessoal e o interrogatório
livre no processo civil brasileiro e estrangeiro", RePro 13/98, São Paulo: RT, jan./mar. 1979.
"Quanto ao assistente simples, cuja função é de mero auxiliar da parte - não sendo, portanto, parte - não poderá
prestar depoimento pessoal, porque a confissão que daí advier será ineficaz" (LOPES, João Batista. "O depoimento
pessoal e o interrogatório livre no processo civil brasileiro c estrangeiro", cit., p. 98).
A PROVA
359
se põe na medida em que tais pessoas não são propriamente partes no processo, figurando nos atos
processuais apenas porque a verdadeira parte"2 (incapaz, pessoa jurídica ou pessoa formal) não pode
13
expressar sua vontade, validamente, por si própria.' Ora, se o representante não é a parte, parece claro
que não pode ele ser sujeito do depoimento pessoal. Isso se justifica, na medida em que não se pode
confundir a condição de representante com a de parte - pena de admitir-se o depoimento pessoal também
do pai do menor, do curador do enfermo etc.
Não obstante a aparente tranqüilidade da conclusão, é certo que a jurisprudência vem admitindo o
depoimento pessoal de representante (especialmente de pessoas jurídicas),"4 aparentando discordar deste
ra<"2 » Parte, avisa ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, é quem "postula 'em nome próprio'. Quem postula em
nome de outrem não é parte; parte será a pessoa em eujo nome a postulação foi feita" (Intervenção de
terceiros. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 6). E, complementando essa idéia, esclarece em nota a esse
texto que "é, portanto, errôneo propor uma ação em que figura como autora 'Da. Fulana de Tal,
representando seus filhos menores impúberes Sicrano e Beltrano"; devem constar 'Sicrano e Beltrano'
como autores, 'representados por sua progenitora Da. Fulana'. Em ação cie cobrança, será a firma alegadamente credora, 'Manoel da Silva e Cia. Ltda.', e não o sócio-gerente 'Manoel da Silva', apenas presentante
da pessoa jurídica (o órgão de uma pessoa jurídica-seu presidente, gerente etc. -não é representante, mus
presentante,pois somente por meio de seus órgãos a pessoa jurídica se faz 'presente' na via social; representante da
pessoa jurídica será, então, por exemplo, o advogado a quem o presentante passar procuração em nome da
sociedade)" (Idem, ibidem, p. 6).
{ y
" ' Sobre a questão, é clássica a visão de ARRUDA ALVIM, que adverte: "o representante, cm última análise,
concorre (na verdade, significa a sua presença, requisito essencial) para a realização do direito do representado. Este
tem capacidade de ser parte (alegada titularidade de Direito material), legiliniatio ad causam, enquanto aquele (o
representante) tem capacidade para exercer processualmente o direito alheio, residindo neste último a legitimatio ad
processam; ou, com mais precisão, de acionar a jurisdição, pelo representado, fazendo a afirmação do direito, em
nome do e para o representante e, pois, usando cia pretensão do representado no interesse e em nome deste (titularidade do direito de estar no processo)" (ARRUDA ALVIM, José Manoel. Trata do de direito processual civil. São Paulo:
RT, 1990. vol. 2, p. 209 - grilos no original).
"l4) Veja-se, por exemplo, a decisão proferida pelo 1 ."Tribunal de Alçada Civil de São Paulo (RT672/123), em
acórdão que tem a seguinte ementa: "PROVA -
360
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ciocínio, e equiparando - ao menos para os fins do depoimento da parte - a parte real e seu
representante.
Tal equiparação, contudo, tem o nítido propósito de aceitar, em juízo, a confissão feita por
pessoas jurídicas. Essa orientação, aliás, vem exposta em doutrina já firmada, que, ao admitir tal
meio de prova, exige que o representante (ou o mandatário) possua poderes especiais para
confessar, no qual se aponte, com exatidão, a vontade determinada a essa prática." 5 Ou seja, a
admissão do depoimento pessoal de representantes de empresa tem por fim, exclusivamente,
aceitar a confissão de seus representantes em juízo."6
Ocorre, porém, que a confissão ocorrida nesses casos não deriva do depoimento de parte. A
participação do representante no processo traz o único objetivo de apresentar a confissão, que já
era desejada pela pessoa jurídica. O representante judicial (ou mesmo o preposto) da empresa
apenas vem a juízo prestar o "depoimento pessoal" como veículo para apresentar a confissão,
pois para tanto obteve mandato com poderes específicos. " 7
(M7)
Depoimento pessoal - Depoente pessoa jurídica -Ato que deve ser realizado por mandatário com poderes especiais e
com os necessários conhecimentos técnicos da causa - Realização por simples preposto, que não pôde esclarecer
devidamente o juízo, que a tanto não eqüivale - Confissão caracterizada". Nesse sentido, leciona MOACYR
AMARAL SANTOS que "a simples cláusula, vaga e genérica - com poderes para confessar - não satisfaz à exigência
legal de que o procurador seja investido de 'poderes especiais'. Não haverá, está claro, necessidade de se mencionar
no instrumento de mandato todos os pontos sobre que deva versar a confissão, mas cumpre que daquele ao menos
conste a indicação da causa ou ação, cujos fatos devam ser confessados, ou em linhas gerais, os fatos que o mandante
autoriza sejam reconhecidos como verdadeiros" {Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 105 - gritos no
original). Veja-se também, a propósito, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de
Processo Civil, cit., p. 323. Em clara chancela a essa idéia é a disposição expressa do art. 553, n. 2, do CPC
português: "Pode requerer-se o depoimento de inabilitados, assim como de representantes de incapazes, pessoas
colectivas ou sociedades; porém, o depoimento só tem valor de confissão nos precisos termos em que aqueles possam
obrigar-se c estes possam obrigar os seus representados". Atente-se para a manifestação jurisprudencial a respeito.
Veja-se, por exemplo, o acórdão proferido pela 7." Câmara do Tribunal de Alçada do Rio Grande
APROVA
361
Por isso, não se há de falar em depoimento pessoal de representante de incapaz, de pessoa
jurídica ou de pessoa formal. Por não serem partes, não prestam eles depoimento pessoal.
Podem, entretanto, apresentar a confissão dos representados , ainda que oralmente, em
audiência. Esta confissão, todavia, apenas terá a força específica deste meio de prova, na medida
em que o representante esteja dentro do âmbito dos poderes que lhe são (negociai ou
legalmente) atribuídos, apenas vinculando a parte dentro destes limites. A propósito, é claro o
parágrafo único do art. 213 do novo Código Civil, ao dizer que, "se feita a confissão por um
representante, somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado".
Em relação à natureza jurídica do depoimento pessoal, três correntes se formaram. Alguns
autores consideravam que o depoimento pessoal era declaração de vontade, semelhante àquilo
que acontece no contrato. Outros viam no depoimento pessoal uma comunicação de vontade. E
finalmente havia quem entendesse a confissão como simples declaração de conhecimento, com
único propósito de prova.
No direito brasileiro, esta última foi e é a orientação dominante, até mesmo pela estrutura que o
depoimento da parte tem (ver, infra, item, 12.13.2).
É certo, todavia, que, não obstante tradicionalmente se caracterize o depoimento pessoal como
mera declaração de conhecimento, regras existem, no trato da confissão, que não se
compatibilizam com essa natureza jurídica. Especialmente releva notar o disposto no art. 352 do
CPC, que estabelece a possibilidade de revogação da confissão, emanada de erro, dolo ou
coação. O vício da vontade pode, até mesmo, importar para a celebração de negócio jurídico (já
que neste é essencial a vontade da
do Sul (Agln 196.175.319, rei. Juiz Perciano de Castilhos Bertoluci, RT1AQI 427), que tem como ementa: "PROVA Depoimento pessoal - Pessoa jurídica - Representação por preposto - Admissibilidade desde que tenha poderes
específicos para prestar o depoimento e confessar, além de conhecimento dos fatos discutidos no processo". Dessa
decisão, colhe-se a seguinte passagem, que bem demonstra o ponto sustentado no texto: "vê-se, assim, que a finalidade do depoimento pessoal c, além de esclarecer o objeto do litígio, prover o feito com um meio de prova que possa
resultar na confissão da parte quanto aos fatos". Ou seja, por outras palavras, admite-se o depoimento do preposto da
pessoa jurídica porque ele é capaz de levar a juízo a sua confissão.
362
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
pessoa). Contudo, irrelevante é a vontade quando se trata de mera declaração de ciência sobre
fatos pretéritos.
Não obstante essa pequena derivação do Código de Processo Civil para corrente outra, é certo
que não se pode negar que - ao menos preponderantemente - o depoimento pessoal representa
verdadeira declaração de ciência, simples meio de prova, no qual a parte declara que sabe que
tal fato aconteceu de certo modo.
12.12.2 Procedimento probatório
O depoimento pessoal não pode ser determinado de ofício pelo juiz (ao contrário do que ocorre
com o interrogatório livre). Deve, pois, ser requerido na oportunidade própria, pela parte
adversária, justificadamen-te. Deferida a produção da prova pelo juiz, será a prova produzida,
em regra, na audiência de instrução e julgamento, como segunda prova a ser realizada (após a
oitiva dos esclarecimentos dos peritos, se esta for necessária).
A parte que deve depor será intimada pessoalmente a comparecer em juízo para ser interrogada.
No mandado de intimação, deve constar expressamente a advertência de que o seu não
comparecimento (ou sua recusa a depor) importará em confissão ficta, ou seja, que serão
presumidos como verdadeiros (confessados) os fatos que, por meio do depoimento da parte,
deviam ser provados (art. 343, § 1.°, do CPC).
A inquirição da parte obedece, no que for compatível, ao procedimento previsto para a oitiva de
testemunhas. Isto é, a parte, no início de seu depoimento, será qualificada, passando a ser
argüida pelo juiz diretamente. A parte deve responder pessoalmente às questões formuladas pelo
juiz, não podendo servir-se de declarações escritas - embora possa ser autorizada a consultar
anotações breves (que indiquem/atos de difícil memorização) para maior fidelidade do seu
depoimento (art. 346 do CPC). Pode o advogado da parte contrária à que presta depoimento formular "reperguntas", que serão endereçadas ao depoente pelo magistrado. O depoimento será
reduzido a termo, ditando o juiz a seu escrivão o resumo das declarações da parte.
Quando ambas as partes devam prestar depoimento pessoal, o magistrado providenciará que
uma não assista ao depoimento da outra, de-vendo-se, em primeiro lugar, ouvir o autor e,
depois, o réu.
A PROVA
363
Se, no depoimento, a parte se recusar a depor sobre certo fato, ou mesmo empregar evasivas
para não esclarecê-lo, ser-lhe-á aplicada a sanção da confissão ficta, presumindo-se confessado
o fato (art. 345 do CPC). De toda sorte, em matéria de depoimento pessoal, aplicam-se as regras
de privilégio, havendo situações em que a parte pode, legitimamente, recusar-se a depor (art.
366 do CPC).
12.13 Confissão
12.13.1 Conceito e generalidades
A confissão é intimamente vinculada à figura do depoimento da parte. Como lembra
CHIOVENDA,"8 o depoimento pessoal é uma forma de provocar a confissão da parte adversa.
E por essa mesma razão, não há como estudar o depoimento pessoal sem necessárias referências
(e constantes vinculações) entre este e a confissão. Também é por esse motivo que o Código de
Processo Civil trata da confissão logo após reger o depoimento da parte.
Adianta-se o Código de Processo Civil em conceituar o que entende por confissão logo no
artigo que inaugura a sua disciplina. Diz que "há confissão quando a parte admite a verdade de
um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário" (art. 348 do CPC).'l9 Dessa definição legal, desde logo se pode extrair a conclusão de que a confissão é ato exclusivo da parte.
Somente esta, pessoalmente ou por intermédio de representante, pode confessar.
( S)
"
Instituições de direito processual civil, cit., vol. 3, p. 122.
Nesse mesmo sentido, define CHIOVENDA a confissão como a "declaração, por uma parte, da verdade dos fatos
afirmados pelo adversário e contrários ao confitente" (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições cie direito processual
civil,cit., vol. 3,p. 118). Mais ampla é a definição sugerida por CARNELUTTI: "o testemunho da parte se chama
confissão quando a parte narra um fato contrário ao seu interesse" (CARNELUTTI, Francesco. Lezione di diritto
pro-cessuale civile, cit., vol. 3, p. 260-261). Finalmente, é de se atentar para a conclusão de MOACYR AMARAL
SANTOS: confissão será "o reconhecimento que um dos litigantes, capaz de obrigar-se, faz da verdade, integral ou
parcial, dos fatos alegados pela parte contrária como fundamentais da ação ou da defesa" (Comentários ao Código de
Processo Civil, cit., p. 99).
(ll!)|
364
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A existência de confissão exige, para sua configuração, a admissão de fato desfavorável ao
interesse da parte confitente, mas favorável (ao mesmo tempo) ao interesse daparte adversária.
Esse prejuízo processual que atinge o confitente gera duas ordens de conseqüências: a dispensa
de prova do fato pela parte contrária (art. 334, II, do CPC), e a presunção de veracidade (quase
que absoluta) sobre o fato confessado. Desse segundo efeito, extrai a doutrina, tradicionalmente,
a tendência, quase sempre verificada, de abdicação do direito material posto em causa - e que
tem por dependência fundamental o fato confessado. Em outras palavras, aquele que confessa
um fato essencial da causa (contra seu interesse) tende normalmente a sucumbir na demanda (ou
na resistência a ela), atingindo semelhante resultado ao que se teria através dos atos de
disposição do direito material. E, por essa razão, exige-se, para a eficácia da confissão, a
capacidade plena do confitente. l2°
Não parece, todavia, que aexigência de capacidade civil plena, como requisito para a confissão
válida, tenha em conta a sua equiparação a ato de disposição do direito material. Em verdade, a
confissão está longe de assemelhar-se à renúncia do direito material ou ao reconhecimento do
pedido. A confissão opera exclusivamente no plano fático. A exigência de capacidade plena
para a confissão válida tem por fim, em verdade, desonerar a parte contrária do ônus de provar
determinado fato. Assemelha-se, apenas nessa medida, a verdadeiro negócio jurídico processual
(especificamente ato jurídico de disposição de interesse processual), tendente à desoneração
acordada do ônus da prova, em situação semelhante à previsão do art. 333, parágrafo único, do
CPC.
A confissão é apenas afirmação de que determinado fato ocorreu de certa forma. Diante da
confissão,/;*:/ra as partes há a verdade, razão por que não podem produzir outras provas sobre o
fato confessado. Para o juiz, contudo, a vinculação a essa "verdade das partes" apenas ocorrerá
se outros meios de prova existentes nos autos não infirmarem essa conclusão lógica.
(l211)
Nesse sentido, exemplificativamente, conclui MOACYR AMARAL SANTOS, dizendo que, "reconhecendo a
verdade dos fatos alegados pela parte contrária, a confissão faz sucumbir o direito do confitente, em benefício do
direito daquela. Assim, quem confessa pratica atos de natureza a serem emparelhados a atos de verdadeira disposição.
Resulta daí que o sujeito da confissão deverá ser capaz, de obrigar-se" {Comentários ao Código de Processo Civil,
cit.,p. 98).
A PROVA
365
12.13.2 Natureza jurídica
Quanto à natureza jurídica da confissão, tem-se, tradicionalmente, que se trata de declaração de
ciência sobre certo fato.
Contudo, deve-se advertir, com CARNELUTTI,' 21 que nessa declaração de ciência
evidentemente incide, também, a vontade da parte em declarar certo fato como verdadeiro (ou,
eventualmente, em mentir sobre ele, ou mesmo omiti-lo). Lembra o mestre que, em verdade, o
testemunho (figura em que se inclui o depoimento da parte) é sempre uma declaração
representativa, já que "essencialmente ou necessariamente, o testemunho não tende a procurar
o conhecimento de um fato, mas apenas a procurar a sivà fixação; para que a fixação siga
segundo a verdade, isto é, coincida com o conhecimento, incide toda uma série de pressão
exterior, dirigida a impedir a representação de um fato não verídico".122 Efetivamente, embora
por meio do testemunho (ou do depoimento da parte) o declarante venha a juízo afirmar a
ciência de certo fato, é certo que quando o faz age com a vontade dirigida para certo fim (que
pode ou não ser o de dizer a verdade completa); pode até mesmo ocorrer que a ciência que a
parte tenha sobre o fato não corresponda exatamente àquilo que realmente ocorreu, mas apenas
ao que sua percepção detectou sobre o fato (e nesse caso, novamente, observa-se que o
declarante trabalha a idéia que extraiu do fato, criando sobre ele sua representação). Assim, em
exame mais profundo sobre a natureza jurídica da confissão, nota-se a presença, nela, dos dois
elementos: declaração de ciência e declaração de vontade, que se unem para formar o que se
designou como "declaração representativa". m
Por meio da confissão, o depoente afirma ser verdadeiro um fato, contrário a seu interesse e
favorável ao interesse da parte adversária. É certo que, para a eficácia dessa declaração, não é
indispensável que a parte
(121)
La prova civile. 2. ed. Roma: Ateneo, 1947. p. 162-166.
Idem, ibidem, p. 162.
{m>
"De acordo que o confitcnte não queira apenas declarar a verdade, mas queira fixar o tato independentemente
disto; isto não tolhe que ele atue este seu intento com uma declaração representativa, isto é, com um testemunho. De
acordo que a sua declaração seja, portanto, um negócio jurídico processual; mas este diz respeito a eficácia da
declaração, não à sua estrutura, que permanece sempre perfeitamente testemunhai" (CARNELUTTI, Francesco. La
prova civile, cit., p. 164).
(122)
366
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tenha efetivamente a intenção de descortinar a verdade, ou ainda que aja com interesse lídimo
124
de manter sua conceituação (como pessoa íntegra e proba); também não se cogita de hipótese
em que a parte tenha por objetivo favorecer o adversário. Basta, para a validade da confissão,
que esta seja produzida de vontade livre e consciente (sob pena de, em não o sendo, faltar ao ato
jurídico um dos seus requisitos essenciais: a vincula-ção da esfera jurídica por vontade própria).
Quando, evidentemente, decorrer de erro, dolo ou coação, porque viciada a vontade, poderá ser
anulada por ação anulatória (se pendente a ação em que foi feita) ou por ação rescisória (após o
trânsito em julgado da sentença que a utilizou).
Em verdade, o motivo que leva a parte a confessar é totalmente irrelevante, não merecendo
considerações pelo juiz da causa (salvo em hipóteses específicas). Ressalvadas algumas
situações, como a daquele que confessa por erro, dolo ou coação - casos em que a confissão
pode ser anulada, e então a razão da confissão passa a ser relevante para o direito -, os motivos
pelos quais alguém confessa em juízo são totalmente impertinentes ao espectro da ponderação
judicial. Contudo, também passa a ser relevante o móvel da confissão quando o juiz verificar
que esta é indício da ocorrência de conluio entre os sujeitos processuais, para obter fim proibido
ou praticar ato simulado (art. 129 do CPC).
Salvo tais circunstâncias, absolutamente excepcionais, a razão que motiva a parte a confessar
em juízo não merece relevo pelo juiz, sendo indiferente para a realização dos escopos do
processo.
12.13.3 Elementos da confissão
MOACYR AMARAL SANTOS125 vê três elementos na confissão: o elemento objetivo, o
subjetivo e o intencional.
(l21)
São de MOACYR AMARAL SANTOS as considerações sobre esse móvel da parte, para a confissão: "se o
confitente reconhece verdadeiros fatos contrários ao seu interesse, é porque sobre este prevalece o seu respeito pela
verdade, seja impulsionado pelo amor ou consideração à própria verdade, seja por motivos outros que o impelem a
ser verdadeiro e não passar por mentiroso. O principal fundamento da confissão é de ordem psicológica, consistente
na regra moral que obriga a dizer a verdade" {Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 99).
(I2S|
Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 99.
A PROVA
367
O elemento objetivo da confissão diz respeito aos fatos. A confissão incide sobre fatos, e
exclusivamente sobre eles.1215 Todavia, somente os fatos desfavoráveis ao confitente é que
gravitam na órbita da confissão; desfavoráveis ao depoente e favoráveis à parte contrária. Mais
que isso, ainda, os fatos deverão ser suscetíveis de prova por via não especial (ver, por exemplo,
o art. 366 do CPC). Com essas considerações, conclui MOACYR AMARAL SANTOS que
pode ser objeto de confissão o fato "que seja próprio e pessoal do confitente; (...) que seja
favorável à parte que o invoca e desfavorável ao confitente; (...) que o fato seja suscetível de
renúncia; (...) que o fato seja de natureza que a sua prova não reclame forma especial".127
Em relação ao aspecto objetivo da confissão, poder-se-ia questionar se a mera afirmação de
ciência de um fato já constitui pressuposto para a confissão. A esta indagação responde
LESSONA, com razão, que "a notícia de um fato, quando é suficiente por si só para constituir
um vínculo jurídico, é certamente objeto idôneo de confissão, mas não o é quando o fato, para
que seja vinculante, deva ser próprio do confitente".128
Quanto ao elemento subjetivo, tem-se que a confissão somente pode ser celebrada pela parte. E,
mais que isso, somente a parte plenamente capaz é que tem condições de confessar - segundo o
autor, porque somente a parte capaz é que teria condições de renunciar ao direito; em nossa
visão, porém, esse requisito se impõe porque somente o capaz pode praticar validamente atos de
disposição processual (e não material, como a renúncia), em especial a confissão.
Por essa específica razão, como hoje prevê expressamente o art. 213 do CC, não se admite a
confissão praticada por sujeito incapaz (ainda que relativamente). Também fundado na mesma
restrição é que o Código de Processo Civil estabelece situação diferenciada para a confissão
"26) Daí por que não pode haver confissão sobre normas jurídicas, ou mesmo sobre a qualificação jurídica de fatos.
Poderá, nesses casos, ter lugar o chamado reconhecimento, mas jamais se poderá equiparar essa figura à confissão (v.,
a respeito, Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e MicheleTaruffo, op. cit., p. 639).
<l27)
AMARAL SANTOS, Moacy r.Comentários ao Código cie Processo Civil, cit., p. 100.
(l28)
LESSONA, Carlos. Teoria general de Ia prueba en derecho civil, cit., vol. 1, p. 404.
368
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
relativa a bens imóveis ou sobre direitos sobre imóveis alheios (art. 350, parágrafo único, do
CPC), estabelecendo que a confissão de um dos cônjuges não é válida sem a do outro.
Finalmente, no que diz respeito ao elemento volitivo, manifesta-se MOACYR AMARAL
SANTOS129 dizendo que "na confissão se pressupõe a vontade de dizer a verdade quanto aos
fatos. É uma declaração de verdade, voluntariamente feita. Na vontade de reconhecer a verdade
reside o elemento intencional - o animus confitendi. Como declaração voluntária, deve resultar
do consentimento não viciado. Desde que obtida por erro, dolo ou coação, e assim produto de
consentimento viciado, poderá a confissão ser revogada".
Comojá ponderado, em realidade (e na generalidade dos casos), pouco importa a vontade da
parte eonfitente. Não se há de investigar se a parte confessa por dever de honra, por pena da
parte adversa, por amor à verdade, por temor à justiça. Importa apenas o fato objetivo da
confissão. O motivo da confissão apenas é relevante para a avaliação de eventual vício na
declaração - erro, dolo ou coação — ou ainda quando indicar a ocorrência de fraude das partes
(que pretendem através do processo realizar ato simulado ou lograr objetivo vedado em lei). A
perquirição do animus confitendi - entendido, porém, não como a vontade específica em produzir confissão, mas sim como a vontade livre e imaculada manifestada pela parte -, portanto,
somente interessa como elemento excludente e excepcional, capaz de, em certas circunstâncias,
negar eficácia à confissão. 13l) No mais dos casos, interessa apenas que a confissão se faça com
vontade livre e consciente; se, todavia, esta realmente se destina a produzir confissão, isto já é
algo irrelevante.
(129) (1301
Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 101. Com essa mesma conclusão, adverte EGAS MONIZ DE
ARAGÃO que "não se exige do confitente a vontade de confessar; é despiciendo que esteja imbuído, ou não, do
animus confitendi. Os efeitos da confissão decorrem objetivamente da declaração, não da vontade de declarar; se esta
fosse essencial à confissão torná-la-ia negócio jurídico no qual, então sim, a presença da vontade é reputada
fundamental. Razão assiste a Luigi Montesano, quando afirma que 'demonstrado o erro da teoria do animus
confitendi, disso resulta que o elemento subjetivo da confissão se reduz àquela mera vontade de declarar, que está
presente em todos os atos jurídicos consistentes em declaração'." (MONIZ
DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Exegese do Código de Processo Civil, cit., p. 168.)
r
A PROVA
369
12.13.4 Confissão, reconhecimento do pedido, renúncia ao direito e admissão
É importante, ainda, distinguir a confissão de certas figuras que lhe são afins.
Inicialmente, convém delimitar a figura da confissão em oposição ao chamado reconhecimento do
131
pedido. E, nessa mesma linha, da renúncia do direito.
No reconhecimento, assim como na renúncia, há ato de disposição sobre o direito material. A parte abdica
de seu direito, ou porque renuncia à pretensão feita inicialmente sobre certo bem da vida (objeto do processo) ou porque deixa de resistir à pretensão da parte adversa. Em ambos os casos, tem-se situação em
que se dispensa a análise judicial sobre a controvérsia inicialmente exposta, já que o conflito de interesses
é solucionado espontaneamente pelas partes (art. 269, II e V, do CPC). Operam, esses atos, no campo do
direito material, vinculando, por isso mesmo, o juiz de forma absoluta (salvo situações muito específicas,
como a questão do direito indisponível). Em ambas as hipóteses, as partes manifestam animus dirigido à
extinção do litígio (no plano do direito material), e essa vontade é levada ao processo, que, por via de
conseqüência, deve ser concluído pelo magistrado.
Assim, fica fácil observar a distância entre essas figuras e a confissão. Na confissão, ocorre apenas a
admissão de um fato (ou de certos fatos) como verdadeiro. Daí não se conclui, inexoravelmente, que o
direito objeto do litígio deva atribuir-se à parte contrária. A pretensão e a resistência (ao menos em tese)
permanecem, e deve o juiz sobre elas manifestar-se.
Evidentemente, quando a confissão incidir sobre o fato principal da causa (o fato constitutivo do direito
do autor), considerado em sua inte-gralidade, e desde que ausente, na defesa do réu, alguma exceção
substancial indireta (afirmação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor), poderse-ia até mesmo concluir que, na prática, a confissão eqüivaleria a verdadeiro reconhecimento do pedido.
Uma vez reconhecida a existência do fato jurídico que serve de fundamento exclusivo para a demanda, e
não havendo fato outro principal a ser analisa(l31>
A respeito da evolução histórica dos conceitos, veja-se Egas Dirceu Moniz de Aragão, Exegese do
Código de Processo Civil, cit., p. 160-161.
370
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do, nãosecogitarámaisdequestões132 fundamentais no processo, ambas se equiparando, em
termos gerais, no plano concreto, e surtindo os mesmos efeitos práticos.
Ao revés, se a confissão recai sobre mero elemento acidental ou secundário da demanda, então
pouca relevância terá na decisão da causa (no julgamento de procedência ou improcedência da
demanda). Apenas algum elemento acessório é que se tornará incontroverso, daí não advindo
nenhum reflexo para a questão principal da causa.
Outra figura da qual a confissão se distingue é a admissão (prevista, em linhas gerais, no art.
302, infine, do CPC). Essa distinção tem assento, basicamente, na idéia de que a confissão é
conduta nitidamente positiva da parte, enquanto a admissão decorre de omissão sua. A esse
respeito afirmaCARNELUTTI que "a confissão é testemunho daparte. Pois o testemunho é
narração de fatos notados pela testemunha, pela via de percepções ou de deduções; a
testemunha nana. porque sabe (ou finge saber). A parte pode afirmar ao juiz a existência de um
fato contrário ao seu interesse ou enquanto declara conhecê-lo ou prescindindo dessa declaração. Sob essa linha, antes de qualquer coisa, corre a distinção, muito importante, entre
confissão e admissão. Não existe confissão sem declaração, explícita ou implícita, do
conhecimento do fato confessado por parte do confitente. Quando, ao invés, a parte não contesta
a verdade de uma afirmação adversária sem dizer ou fazer entender que conhece o fato, estamos
em tema de admissão".m
Efetivamente, o que se observa em termos diferenciais entre a admissão e a confissão é
exatamente a conduta ativa do confitente - que pratica atos, declara a ciência de um fato — e
passiva da admissão — onde simplesmente o que ocorre é que a parte deixa de, em momento
oportu(1321 (133]
Toma-se o teimo na acepção carneluttiana, de ponto controvertido. CARNELUTTI, Francesco. Lezione cli diritto
pmcessuale civile, cit., vol. 3, p. 264-265. Outros autores preconizam definição mais ampla da figura da admissão,
embora tal conceito não seja aquele adotado por nossa legislação. Para estes, a admissão configura uma declaração de
ciência sobre circunstâncias desfavoráveis a quem a faz, que, todavia, não possa ter a eficácia típica da confissão seja porque incide sobre direito indisponível, seja porque é feita por pessoa incapaz, seja ainda porque realizada no
processo, mas fora da audiência de instrução e julgamento (STEFANO, Franco de. Uinstruzione delia causa nel
nuovo processo civile. Padova: Cedam, 1999. p. 93).
r
APROVA
37]
no, contestara verdade de fato afirmado pela parte adversária. Na confissão, portanto (e salvo a
hipótese da confissão ficta), há efetiva ação da parte, que manifesta o conhecimento sobre dado
fato; na admissão, ao contrário, há mera dedução legal, de que o silêncio da defesa quanto à
afirmação feita pela parte contrária implica aceitação de sua veracidade.
Aliás, é por essas conclusões inelutáveis que CARNELUTTI afirma que o procurador judicial
da parte (enquanto no exercício dessa sua atividade) não pode confessar, mas apenas admitir. 134
Diz o mestre que "ainda que a declaração do procurador tenha o conteúdo de uma declaração de
ciência, ou se trata de ciência da parte e então a declaração do procurador não é uma declaração
de ciência própria (o procurador não diz que sabe mas que a parte sabe) e portanto não pode ser
uma confissão; ou se trata de ciência do procurador e então não é a declaração de ciência de um
fato contrário ao interesse do declarante porque o fato prejudica à parte e não ao procurador, e
135
portanto ainda não pode ser uma confissão".
Em verdade, a distinção atinge enorme relevância, tanto que vem expressa pelo próprio CPC
(art. 334, II e III). A lei atribui a cada uma das diversas conseqüências jurídicas, a iniciar pelas
próprias exceções estatuídas no parágrafo único do art. 302 do CPC, casos em que o silêncio da
defesa não importa em admissão (causas estas que não encontram similar em termos de
confissão). Mais que isso, não prevê a lei brasileira a revogação da admissão, mas apenas da
confissão.
12.13.5 Confissão efetiva e confissão ficta
Interessa ainda, nesta introdução ao tema, distinguir a confissão efetiva da chamada confissão
ficta. Já se observou que a confissão é ato positivo da parte, que declara em juízo ter ciência de
que certo fato realmente ocorreu (fato este favorável à parte contrária e prejudicial a si). A lei,
todavia, equipara a essa confissão - e para fim de estimular a parte a comparecer em juízo e
prestar depoimento sobre os fatos da causa - a ausência da parte depoente ao ato de colheita de
seu depoimento pessoal,
"34) Assim também, Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, op.
cit., p. 639. (l:b) CARNELUTTI, Francesco. Lezione di diritto processuale civile, cit., vol. 3,
p. 266.
372
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ou ainda sua recusa em depor (art. 343, § 2.°, do CPC). A essa ficção jurídica é que se designa
como confissão ficta.
Convém, assim, ressaltar que a confissão efetiva constitui conduta positiva de alguém, atitude da
parte realmente ocorrida no mundo fático, e que, por isso, foi presenciada pelo magistrado (ou
por outra pessoa habilitada a documentá-la), não podendo ser desprezada. Ao contrário, a
confissão ficta consiste em mera ficção jurídica - imposição do legislador-, sendo de somenos
relevância se reflete ou não o efetivamente ocorrido. Dessas idéias, pode-se desde logo
considerar que a confissão efetiva representa certamente argumento (para o juiz) robusto e
quase insuperável,136 já que consiste no reconhecimento, pela parte, de que certo fato contrário
ao seu interesse e favorável ao interesse da parte adversa efetivamente se passou da forma corno
narrado por esta última. Já a confissão ficta, como ficção de confissão que é, advém de mera i
mposição legal (de regra abstrata e genérica), e é desvencilhada dos fatos concretos da causa.
Ao lado da evidente diferença de força entre a confissão ficta e a efetiva, há que se considerar o
âmbito de extensão do efeito da confissão. Com efeito, e ressalvadas as observações acima
efetivadas, a situação da confissão ficta rege-se pelos mesmos ditames que a confissão efetiva;
sujeita-se às mesmas restrições e abrange as mesmas ocasiões. Como bem salienta
CHIOVENDA, em lição plenamente aplicável ao direito brasileiro, "a ficta confessio não pode
operar senão com respeito aos fatos que poderiam ser eficazmente confessados (não, portanto,
com referência aos fatos impossíveis ou notoriamente inexistentes)". 137 Porém, os efeitos
Salvo situações de evidente ilogicidade da aceitação de sua aplicação, onde a atuação da regra da confissão
determinaria resultado absurdo, inclusive contrário a máximas da experiência, ou a fatos evidentes. Convém lembrar,
a propósito, a lição de CHIOVENDA, que diz que "por aí se percebe por que não produza a confissão seu efeito
normal em relação aos fatos notórios, ou já plenamente provados; porquanto, neste segundo caso, realizadas que já
foram as atividades processuais necessárias à prova, não há nenhuma razão para que a lei atribua à confissão seu
habitual efeito, e, acerca dos fatos notórios, já se obteve a prova pelo modo mais simples possível", ou, melhor
dizendo, em razão de que (os fatos notórios) dispensam a parte de prová-los. (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições
de direito processual civil, cit., vol. 3, p. 122). CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit.,
vol. 2, p. 434.
A PROVA
373
à&ficta confessio somente se operam no âmbito do processo em que ocorre, enquanto a
confissão efetiva tem eficácia em relação a outros processos futuros, desde que entre as mesmas
partes.138 Essa conseqüência é evidente, uma vez que a confissão efetiva realmente representa
declaração da parte de ciência de fato específico, contrário a seu interesse e favorável ao
adversário. A confissão ficta, ao contrário, como já dito, representa mera ficção jurídica derivada do não-comparecimento da parte ao ato designado para colheita de seu depoimento, ou
de sua recusa em manifestar-se - que não pode, por essa razão, suplantar os li mites postos pela
demanda judicial em que ocorre.
12.13.6 Confissão judicial e extrajudicial. Confissão espontânea e provocada
Por fim, não se há de esquecer que a lei admite que a confissão se operejudicial ou
extrajudicialmentc. Esta (extrajudicial), para gerar efeitos como confissão, deve ser realizada
por escrito, em documento endereçado à parte contrária (ou a quem a represente), conforme
prescreve o art. 353 do CPC. Caso contrário, sendo endereçada a terceiro, sua avaliação
dependerá do exame da prova testemunhai, resultante do depoimento daquele que ouviu ou leu a
"confissão", motivo suficiente para retirar dafigura muito de sua eficácia. Ainda, neste último
caso, sendo a confissão extrajudicial feita oralmente, esta somente terá valor quando não for
exigido pela lei prova literal, tudo em conformidade com o que prescreve o art. 400, II, do CPC.
Assim, observa-se que a confissão extrajudicial, para ser aceita como confissão (com eficácia
própria), depende da obediência de certos requisitos, sob pena de não valer mais que qualquer
outro meio de prova.
De outra parte, tratando-se de confissão judicial, pondera a lei processual que esta pode ser
espontânea ou provocada. A confissão provocada será o resultado do depoimento pessoal, no
qual, em função das perguntas dirigidas à parte, acaba por confessar fatos contrários a seu
interesse e favoráveis ao adversário. Já a confissão espontânea pode ocorrer em qualquer
momento do processo, quando a parte nele comparecer - atra(i38) ÇHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., vol. 2, p. 435.
374
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
vés de representante legal com poderes específicos ou pessoalmente - e admitir a verdade de
fatos contrários a seu interesse e favoráveis ao seu adversário.
12.13.7 Eficácia
A eficácia da confissão é motivo de séria controvérsia em doutrina. É certo que não é possível
estender demais o campo de eficácia da confissão, inibindo o juiz de atuar segundo o princípio
da convicção racional e fazendo-o decidir, por vezes, contrariamente à lógica e ao resultado do
processo. Porém, não é concebível desprezar a força inerente à figura da confissão, reduzindo-a
ao mesmo patamar dos demais elementos de prova.
Partindo-se da concepção exposta sobre a natureza jurídica da confissão (expressa), conclui-se
que tem ela duplo caráter: de declaração de ciência sobre fato e de vinculação das partes à
verdade concebida por ambas.
Enquanto declaração de ciência da parte, merece a confissão prestígio sem igual em outros
meios de prova. Considerando que é a parte quem declara que certo fato - contrário a seu
interesse no processo - ocorreu de certo modo, é de dar-se-lhe credibilidade elevada. Sobre a
questão manifestou-se MATTIROLO, dizendo que "em todos os tempos se concedeu máximo
valor à prova produzida pela confissão de uma das partes (...) com efeito, o testemunho que uma
delas faz contra si mesma, apresenta tantos melhores visos de credibilidade, quanto mais
prejudicial seja aos interesses do confitente; por isso não é de se estranhar que ela foi proclamada pelos doutos reginaprobationum,probatioprobatissima, máxima omnium probationum".l39
Ao lado dessa declaração de ciência sobre fato, põe-se a confissão como ato volitivo, de
vinculação da parte às declarações por ela prestadas (contrárias a seu interesse e favoráveis aos
interesses da parte adversa). Por essa vinculação, a parte fica presa à verdade desse fato, não
tendo legítimo interesse em produzir provas contrárias à sua afirmação.140
(IW)
MATTIROLO, Luis. Tratado de derecho judicial civil, cit., t. 2, p. 522.
Exclui-se a produ ção da prova pericial, que necessariamente antecede a audiência de instrução e julgamento,
sendo caso, portanto, de produção de prova eventualmente contrária à afirmação contida na confissão (mas porque
ante114111
r
A PROVA
375
Também, diante dessa vinculação, a parte beneficiada com a confissão fica dispensada de
produzir prova sobre o fato confessado (art. 334, II, doCPC).
Se, por esse lado, goza a confissão de eficácia ímpar (perante as partes), por outro não tem ela
este mesmo efeito (frente à cognição do juiz). 0 direito brasileiro adotou como regra o princípio
da persuasão racional do juiz. Vale dizer, "o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos
fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá
indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento" (art. 131 do CPC).
Decorre daí que, conquanto as partes fiquem vinculadas pela verdade da afirmação contida na
confissão, poderá o juiz suplantar o indicativo advindo da confissão ao julgar o mérito.
Finalmente, vale ressaltar que essa eficácia própria, a que se submete à confissão, levou o
legislador a conceber medida própria, para retirar-lhe a força, quando se verifique que o ato de
disposição contido na confissão não espelhe, efetivamente, a realidade e a intenção dos sujeitos
do processo. Assim é que o Código concebe a anulação da confissão, quando tenha emanado de
erro, dolo ou coação (art. 352 do CPC). Essa anulação poderá dar-se por duas vias: a ação
anulatória-enquanto ainda pende o processo em que a confissão foi feita - ou a ação rescisóriase já transitou em julgado a sentença na qual a confissão constitui o único fundamento.
12.13.8 Inclivisibilidade da confissão
Segundo prescreve o art. 354 do CPC, a confissão é, em regra, indivisível. A finalidade da idéia
da indivisibilidade da confissão está precisamente no exame do seu contexto. A parte que afirma
certa visão sobre os fatos os expõe em seu conjunto, na forma como os sentiu ocorrer. A
ilustração que pretende transmitir, portanto, encontra-se apenas no conjunto por ela afirmado, e
somente dali se pode deduzir todo o aporte de dados que pretendia a parte transmitir em seu ato
confessório. Veemenrior a esta). O mesmo se dirá cm relação àprova documental, que normalmente é produzida já na fase postulatória;
neste caso também poderá ser produzida prova contrária à afirmação de veracidade contida na confissão.
376
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
te, nesse sentido, é a lição de MOACYR AMARAL SANTOS, dizendo que "aceitou o
legislador, portanto, a doutrina de que as declarações na confissão devem ser consideradas como
um todo incindível. A vontade do confitente não emerge senão do conjunto de suas declarações;
se a confissão se dividisse, se se pretendesse acolhê-la em parte e repeli-la gratuitamente quanto
ao seu restante, se chegaria a manifesta injustiça: atribuir-se-ia a quem confessou afirmação
diversa e talvez oposta à que realmente disse ou quis dizer".141 Realmente, a seleção do material
que interessa ao adversário do confitente poderia permitir, até mesmo, que se extraísse confissão
de declarações onde esta não existiu, pela ausência de declaração de fato contrário ao interesse
do declarante.
Dessa forma, acolher-se o princípio da indivisibilidade da confissão significa adotar a regra do
exame da confissão em seu conjunto, ao invés de desestruturada e compartimentada, trazendo
para esse campo os melhores elementos que presidem qualquer hermenêutica jurídica. Disso
decorre que o juiz não poderá considerar a confissão, senão dentro de seu conjunto, sendo-lhe
vedado, em princípio (salvo quando houver justificativa que o apoie), utilizar-se dela em certo
ponto e desconsiderá-la em outro. De outra parte, essa mesma idéia embasa a conclusão de que
o adversário do confitente, aceitando como verdadeiros os fatos confessados que lhe interessam,
haverá também, e ainda em princípio, de aceitar como verídicos os demais fatos objeto da
confissão.
A fim de melhor compreender a noção da indivisibilidade, necessária se faz breve incursão
sobre os conceitos de confissão simples e complexa. Segundo CARNELUTTI, "a confissão
pode conter apenas a enunciação de um ou mais fatos contrários ao interesse do confitente (confissão simples), ou então pode conter a enunciação de fatos favoráveis àquele interesse
(confissão complexa)".142 A tais espécies, ainda se pode agregar a chamada confissão
qualificada, que é aquela em que a parte qualificajuridicamente os fatos por ela confessados143 evidentemente,
(143)
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p.
118-119.
CARNELUTTI, Francesco. Lezione di dirittoprocessuale civile, cit., vol. 3,
p. 261-262. Passim, REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile. 4. ed.
Milano: Giuffrè, 1997. vol. 2, p. 256.
COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI Corrado e TARUFFO, Michele. Op. cit.,
p. 644.
r
A PROVA
377
essa qualificação não tem nenhum efeito perante o juiz, que deverá apreciar os fatos,
qualificando-os como entender adequado, em face do princípio iura novít cúria.
Indubitavelmente, a questão da indivisibilidade da confissão apenas tem relevância no trato da
chamada confissão complexa. Nas demais hipóteses, não havendo a afirmação de fatos
favoráveis ao confitente, a questão da interpretação da confissão não gerará problemas,
permanecendo, todavia, o dever de o juiz tomá-la em seu conjunto.
No que diz respeito, porém, à confissão complexa, qual será o limite para a indivisibilidade da
confissão? Será ela sempre indivisível, não importando os elementos favoráveis ao confitente,
que se agreguem ao fato desfavorável?
A questão vem bem explorada por CARNELUTTI, em sentido que também pode ser acolhido
pela correta hermenêutica de nossa legislação. Diz o autor que "o princípio da incindibilidade da
confissão não é mais que uma regra legal de prova fundada sobre uma regra de experiência: a
experiência não autoriza a considerar verossímil que sobre o mesmo fato a parte diga ao mesmo
tempo a verdade e a mentira, isto é, não autoriza a distinguir entre a parte favorável e a parte
desfavorável da declaração. O pressuposto dessa regra é então a unidade do fato declarado ou,
como se diz, a unidade da confissão, a qual deriva não tanto do nexo cronológico das palavras,
que sejam todas pronunciadas ou escritas em conjunto, quanto do seu nexo lógico: não se pode
falar de incindibilidade se não quando a parte favorável da confissão seja logicamente conexa à
parte contrária ao interesse do confitente".144
É, portanto, a unidade lógico-jurídica que impõe a indivisibilidade da confissão. É a unidade
dentro do contexto que se mostra como elemento essencial para a apuração dessa
indivisibilidade.
Como exceção máxima à regra da indivisibilidade da confissão, o Código de Processo Civil
impõe sua divisibilidade quando "o confitente lhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir
fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção".
"44> CARNELUTTI, Francesco. Lezione cli diritto processiutle civile, cit., vol. 3, p. 263-264.
378
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A idéia, portanto, tem por objetivo evitar que o confitente use da confissão como instrumento
"simulado", em seu benefício exclusivo. Assim, a declaração de fato desfavorável ao confitente,
como mero pressuposto para ajustaposição de fatos novos, desta vez favoráveis a seu interesse e
capazes de representar defesa de sua posição, autorizam ao juiz que cinda a confissão,
considerando-a na parcela desfavorável e não na restante. 145
Para que isso se verifique, todavia, deve-se atentar para os requisitos estabelecidos pela
legislação:
a) é necessário que o confitente agregue às declarações desfavoráveis algumfato novo. Ou seja,
é preciso que o confitente aponte fato ainda não integrante do material fático contido no
processo, sejaporque não foi expressamente aduzido na petição inicial, seja porque também não
foi objeto de tratamento nas peças de defesa, seja ainda porque não foi posteriormente alegado
nos casos do art. 303 do CPC. Caso o fato favorável já se contenha no conjunto fático dos autos,
então não se aplica a regra, permanecendo a indivisibilidade;
b) exige-se que esse fato novo possa constituir fundamento de recon-venção ou de defesa de
direito material. Está-se, aqui, basicamente no campo das chamadas exceções substanciais
indiretas. Ou seja, esses fatos novos devem gerar, sobre o fato desfavorável confessado, algum
efeito modificativo, extintivo ou impeditivo. Nessas circunstâncias, a confissão converte-se em
verdadeira peça de inserção de fatos novos e relevantes para o processo. Em tais situações,
então, o juiz poderá entender por cindida a confissão, tomando-a na parte desfavorável e
descartando-a na parcela favorável ao confitente.
Essa di visibilidade, entretanto, dependerá da análise atenta do órgão jurisdicional. Ou seja,
aindaqueocorrentes esses requisitos, poderáojuiz tomar por verossímil toda a confissão, se assim
se convencer. Apenas, não será obrigatório que assim proceda (como seria na situação outra). A
previsão da divisibilidade da confissão implica apenas reconhecer que o )Ü\Z poderá considerar
a confissão como efetivada na parte desfavorável, sem, contudo, ter também de considerar como
verídicas as demais afirmações do declarante.
V., sobre o tema, F. G. Lipari. "Sulla indivisibilità delia confessione",
di Diritto Pmcessiuile Civile vol. II, p. 135-136, Padova: La Litotipo, 1925.
A PROVA
379
I
12.14 Exibição de documento ou coisa
12.14.1 Generalidades e definição
A exibição constitui figura estranha na matéria da prova. Não porque seja inábil para aportar ao
processo meios de prova, mas porque não constitui verdadeira prova, e sim mero mecanismo de
obtenção de elementos de prova. Como bem pondera REDENTI, a legislação processual, ao
tratar da exibição, não se preocupa propriamente com um meio de prova, mas sim com uma
tramitação processual, que se presta para oferecer ao magistrado o meio de prova propriamente
dito (o documento ou a coisa).146
Por essa razão, é de se constatar que o tratamento da figura está mal colocado na sistemática do
Código de Processo Civil (Livro I, Título VIII, Capítulo VI- destinado às provas -, Seção IV,
arts. 355/363). Observe-se que, em sentido lato, também uma coisa (enquanto meio de prova)
não deixa de ser, na maioria das vezes, um documento. Assim, não há sentido em se tratar da
figura fora do campo em que a lei processual tratou da produção da prova documental (Seção V,
Subseção III, arts.396 e ss.). Efetivamente, a exibição do documento não deixa de ser uma
forma de produção da prova documental, tanto que nesse âmbito é que se trata da exibição do
documento que se encontra em poder de algum órgão público (art. 399, CPC). Esta, aliás, é a
sistemática adotada pelo Código de Processo Civil português, que trata do tema a partir do seu
art. 528, dentro da regulação dada à prova documental.
De qualquer modo, de lado o lugar ideal para a regulação da exibição -que é a Subseção
pertinente àprodução da prova testemunhai-, certamente ela encontraria local melhor para ser
inserida na própria Seção I (Das disposições gerais) do Capítulo relativo às Provas (Capítulo
VI, Título VIII, Livro I, CPC), alinhando-seo itm-à na teoria geral das provas, ao lado das
previsões dos arts. 340 e 341, já que destes a regulação da exibição seria a seqüência lógica.
Seguiu, todavia, o Código de Processo Civil brasileiro a orientação preconizada pelo Código de
Processo Civil italiano, que trata do tema de maneira apartada (a partir do art. 210- Livro II,
Título I, Capitulou, Seção III, referente à instrução probatória), incluindo, porém, nesse espaço,
o tratamento da exibição determinada também contra o Poder Público (art. 213).
(146)
REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile, cit., p. 241.
380
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
12.14.2 Campo de atuação da exibição
De toda sorte, do exame do Código de Processo Civil em seu conjunto, fica evidente que a
seção IV, em que o Código regula a exibição de documento ou coisa, somente trata da
determinação de exibição dirigida contra a parte ou contra o terceiro particular. Caso se
pretenda a exibição de documento existente em repartição pública, haver-se-á de recorrer à
previsão normativa do art. 399 (ou a previsão correlata, prevista em legislação extravagante,
como o art. 1.°, § 4.°, da Lei 4.717/65, ou o art. 6.°, parágrafo único, da Lei 1.533/51) ou,
eventualmente (especialmente no caso de exibição preparatória), à ação de exibição (arts.
844/845 do CPC) ou ainda à figura do habeas data (Lei 9.507, de 12.11.1997).
12.14.3 Exibição e dever de colaboração com o Judiciário
Evidentemente, a questão aqui tratada envolve problema sensível, relativo de um lado à questão
da produção da prova contra a parte, e de outro à extensão da colaboração do terceiro no
processo.
Com efeito, a origem do instituto no direito comparado tinha por pressuposto algum direito
substancial (propriedade) sobre o documento ou a coisa, direito este que permitiria à parte
interessada fazer valer em juízo esse seu direito potestativo, a fim de exigir que quem quer que
estivesse com o elemento de prova fosse compelido a apresentá-lo no processo. A evolução do
instituto, todavia, fez com que esta orientação fosse superada e, especificamente no direito
italiano, se admitisse o poder judicial de determinar a exibição de qualquer documento que fosse
necessário ao processo, especificamente para o conhecimento dos fetos da causa. 147 É
precisamente aí que se impõe o exame da extensão do dever de colaboração com o Judiciário.
Como se nota desde logo, a determinação compulsória (pena de impor-se o ônus da admissão
tácita ou a multa (art. 14, CPC), ou ainda- quando for viável - a busca e apreensão) de exibição
terá como causa, sempre, a recusa da parte em apresentar certo documento ou coisa. Daí ser
legítimo presumir que essa recusa venha respaldada pelo suposto prejuízo que a parte teria com
1147)
LIEBMAN, EnricoTullio. Manuuledidirittoprocessuale civile, principi, cit., p. 369.
APROVA
38]
a sua exibição. Entra então em causa o exame da velha questão sobre o dever (ou não) de
produzir-se prova contra si mesmo.
Sabe-se que o princípio tem origem na 5.a Emenda da Constituição norte-americana, que
estabelecia que ninguém poderia ser compelido a testemunhar contra si mesmo em processo
criminal.l48 Apesar do texto expresso, o entendimento que se tem dessa regra caminha no
sentido de que também ela se aplica frente a processos cíveis, desde que da prova possa
originar-se um processo criminal. Além disto, o direito norte-americano sustenta que a garantia
acima referida não se limita apenas à prova oral, produzida pela parte, mas vai além, protegendo
o acusado de produzir qualquer prova contra si mesmo.149 Ou seja, a invocação do princípio da
inexigibilidade da produção de prova contra si mesmo pela parte depende, antes de tudo, que
penda sobre ela a imputação de um fato delitivo ou, ao menos, que a produção dessa prova
possa resultar para ela em perigo de sofrer alguma ação penal. Ressalvadas essas hipóteses, não
se pode objetar com o princípio para desonerar a parte da produção de prova, ainda que esta
venha a prejudicá-la no processo.
Desse modo, observa-se com razoável segurança que não existe a garantia da exoneração do
dever de colaborar com o Judiciário, no aporte de provas ao processo, mesmo que sejam
prejudiciais à parte que as traz. Ao contrário, a garantia — ao menos nos moldes originários,
em que foi moldada no direito norte-americano—apenas se limita aos casos em que a exibição
da prova pela parte (ou o seu depoimento) possa acarretar-lhe risco de sofrer ação penal (e,
nesse limite, a garantia vem expressamente aceita em nosso ordenamento, com o art. 363, III,
do CPC). Ressalvada essa hipótese, é dever da parte trazer a prova para o Judiciário, quando
assim solicitada, ainda que esta venha em seu prejuízo.
Mais que isso, a garantia contra a auto-incriminação adere à pessoa e não à informação,150 razão
pela qual não poderá ser invocada por ou(l4!t)
"(•••) ninguém (...) nem deve ser compelido em qualquer causa criminal a servir-se como testemunha contra si
mesmo (...)".
(14
'" Neste sentido, veja-se HAZARD JR. Geoffrey C; TARUFFO, Michele. American civil procedure, cit., p. 1 15.
Veja-se ainda, nessa mesma forma, o julgado proferido pela Suprema Corte dos Estados Unidos da America, in
Counselman r. Hitchcock, 142 U.S. 547 (1892) e o leading case Miranda v. Arizona, 384 U.S. 436, 86 5. Ct. 1602, 16
L. Eá. 2d694 (1966).
"50) Confira-se o julgamento da Suprema Corte dos Estados Unidos da América, in United States v. Nobles, 422 U.S.
225 (1975).
382
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tros que não aquela- ressalvada, no direito brasileiro, a extensão expressamente admitida aos "parentes
consangüíneos ou afins até o terceiro grau" (art. 363, III, do CPC) - como causa eficiente para comportar
a exoneração do dever de depor ou de exibir a prova. Como já estabeleceu a Suprema Corte dos Estados
Unidos da América, "se a confissão documentada vem de uma terceira mão alio intuitu, (...), o seu uso no
151
tribunal não compele o réu a ser uma testemunha contra si mesmo".
12.14.4 Natureza da exibição
Em relação à natureza da exibição, a medida terá natureza diversificada, conforme se dirija contra a parte
ou terceiro.
Embora a questão possa ser tratada de forma diferente no direito comparado, conforme as disposições
específicas de cada legislação, é certo que o nosso Código de Processo Civil vislumbrou aqui uma
situação em que, tratando-se de exibição contra a parte, ter-se-á mero incidente do processo. Se, todavia,
dirigir-se a exibição contra terceiro (não integrante da relação processual), então consistirá em verdadeira
ação incidental.
É certo que a origem de ambas as figuras remonta ao direito romano, tendo suas raízes na actio ad
exhibendum e na acuo de edendo.A primeira dirigia-se à apresentação de coisas móveis (ou ainda,
segundo parcela da doutrina, imóveis) e a segunda visava a apresentação de documentos. Ordenamentos
processuais estrangeiros receberam essas figuras, por vezes mantendo-lhes a natureza própria (de ação), e
outras vezes inserin-do-as como mero incidente processual no curso de processo já instaurado. No direito
brasileiro, entretanto, a exibição está delineada com natureza dúplice. Dirigindo-se contra a parte será
mero incidente processual, que não culminará diretamente em decisão, mas ao contrário com a exibição
do documento ou com a aplicação da admissão do fato probando na sentença final. De outro lado,
havendo a determinação de exibição contra terceiro, existirá verdadeira ação incidental, que terá por ápice
sentença em que o juiz determinará a exibição, liberará o terceiro desta imposição (por ter como legítima
a recusa em fazê-lo) ou apenas declarará a satisfação da pretensão à exibição (porque esta ocorreu
espontaneamente).
11511
Suprema Corte dos Estados Unidos da América, Johnson v. U.S. 457 (1913).
r
A PROVA
3g3
12.14.5 Fundamento da exibição
O que, afinal, legitima o Judiciário a determinar às partes ou ao terceiro que compareça em
juízo, apresentando documentos e coisas suas -por vezes, até, restringindo sua intimidade e sua
liberdade?
A primeira teoria surgida para explicar a legitimidade dessa conduta calcava-se em elementos
do direito material. Segundo ela, a exibição se justifica enquanto respaldada em um "direito à
exibição material". Ou seja, a exibição processual justificar-se-ia quando o postulante tivesse
algum direito substancial que lhe assegurasse a possibilidade de impor sua apresentação em
qualquer lugar e, da mesma forma, em juízo (como, por exemplo, na situação em que o
pretendente fosse proprietário da coisa). A toda evidência, essa teoria não se presta para
justificar o instituto da exibição, mesmo porque, como bem acentua SÉRGIO LA CHINA,l52 o
titular de um direito substancial sobre o documento não necessitaria pedir ao juiz a sua exibição,
bastando solicitar àquele que detém a coisa o adimplemento da prestação correspondente.
É certo que o titular de um direito sobre a coisa, ou sobre o documento (direito de gozo), pode
vê-la exibida em juízo. l53 Nesse caso, todavia, o incidente de exibição torna-se totalmente
despropositado, sequer podendo - o detentor da coisa ou do documento - invocar as razões do
art. 363 do CPC. Com efeito, se o pretendente à exibição tem direito (por exemplo, algum
direito real) sobre a coisa, é claro que nem mesmo razões fundadas na preservação da
intimidade ou no direito à honra constituem obstáculos sérios à negativa de atendimento ao
direito que está sendo exercido.ií4
De outra parte, tentou-se explicar a natureza da exibição no interesse específico da parte em
obter prova em seu favor. Ou, também nessa linha, no interesse do Estado em descobrir a
verdade dos fatos. Seria a
(b2)
"Esibizione documentale". In Enciclopédia dei diritio. vol. XV, p. 701.
"53) CARNELUTTI, Francesco. Sistema de derecho pwcesal'civil, cit., vol. 2, p. 454.
"í4) "Já da simples existência de um direito de propriedade sobre um documento descende a estrancidade de qualquer
outro sujeito, que não seja o proprietário, cm relação ao conteúdo do documento, e assim, porreflexo, uma primeira
geral mas seguia nota de privacidade dele mesmo" (LA CHINA, Sérgio. "Esibizione documentale". In Enciclopédia
dei diritto, cit., vol. XV, p. 704).
384
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
necessidade de instruir a demanda judicial com elementos de convicção que justificariam a
figura da exibição. Todavia, também essa teoria peca pelo excesso. É claro que, na base do
instituto, encontra-se essa raiz; porém, observa-se do delineamento da figura que a lei põe a
salvo, em diversas circunstâncias, os interesses do sujeito passivo da exibição, li-berando-o da
carga dessa apresentação.
Resulta, então, que nem só o interesse exclusivo do pretendente à exibição, ou mesmo o
interesse do Estado-Jurisdição, informam o instituto, que deve buscar equilíbrio entre o interesse
público e o do particular.
12.14.6 Sujeitos cia exibição
Outra questão que merece atenção diz respeito a quem deve ser considerado como terceiro ou
como parte para os fins da exibição. Ou seja, importa determinar se os terceiros intervenientes
no processo devem ser tratados, para o fim aqui estudado, como partes ou como terceiros.
É necessário observar que a exibição somente ocorrerá após a citação do réu e, na grande
maioria dos casos, já na fase instrutória do processo. Efetivamente, na fase postulatória,
dificilmente haverá espaço para o incidente de exibição. Enquanto não citado o réu, sequer se
pode determinar se o fato (a ser provado com o documento que deve ser exibido) será
controvertido, exigindo, então, prova sobre ele. Mais que isso, pode ocorrer que, citado, o réu
traga, anexado à sua resposta, o documento que se pretendia forçá-lo a exibir. Sendo o réu o
interessado na exibição, poderá suceder que requeira a exibição na oportunidade de defesa,
proces-sando-se esta posteriormente. Assim, pode-se concluir que o momento primeiro, em que
se poderá cogitar da determinação de exibição - salvo a possibilidade de exibição preparatória,
que seguirá rito próprio, e precederá sempre a ação principal (art. 844, CPC) - será na fase das
providências preliminares, ou talvez, e com maior adequação, no saneamento do processo (art.
331, CPC), momento em que deve o juiz decidir sobre as provas.
Dessas premissas extrai-se que os terceiros intervenientes, quando da ocasião da exibição, já
estarão, quase todos, devidamente incorporados no processo. Estes terceiros intervenientes, na
maioria das vezes, ao ingressarem no processo, têm transmudada sua condição de terceiro para
parte. Assim acontece com o chamado ao processo, com o nomeado à
A PROVA
385
autoria, com o denunciado da lide, com o opoente e com o assistente li-tisconsorcial. Todos
esses, tendo ingressado no processo, passam a ser considerados partes. Diante disso, natural será
que sejam considerados como partes para os fins da exibição aqui tratada, desde que tenha ocorrido a intervenção, ou seja, desde que tenham solicitado sua participação no feito (ou que esta
tenha sido provocada) e haja o juiz decidido favoravelmente. Antes desse momento, deverão ser
considerados como terceiros para os fins aqui estudados, porque, embora pudessem intervir no
feito, não o fizeram, ou sua solicitação ainda não foi atendida.
Com tais considerações, verifica-se que a questão problemática cin-ge-se à figura do assistente
simples. Este, ainda que intervindo cm processo em curso, mantém sua condição de terceiro,
embora tenha poderes processuais no processo.
EGAS MONIZ DE ARAGÃO, debruçando-se sobre a questão, sustenta que "para a exegese da
norma, o vocábulo parte deve ser entendido com a maior amplitude, compreendendo todos
quantos participam do processo c não apenas as 'partes' propriamente ditas, isto é, autor e réu.
Como 'partes' também devem ser tidos os litisconsortes, assistentes e mais intervenientes que,
para esse fim, passam a ser como tal considerados por terem ingressado na relação processual;
terceiro é quem está alheio". 155
A solução, todavia, não parece ser a melhor para este caso. Os conceitos de parte e de terceiro
são conceitos técnicos e não convém distorcê-los sem justificativa razoável para tanto. Note-se
que a relevância em distinguir a situação de parte ou de terceiro para a exibição está precisamente em saber quais são as conseqüências da recusa na apresentação do documento ou coisa.
Ora, se a exibição é determinada contra terceiro, evidentemente não é possível ao juiz admitir
como verdadeiro o fato que se pretendia provar.
Não é certo supor que o juiz pode aplicar a regra da admissão contra o assistido, porque seu
assistente optou por não apresentar certo documento que estava em seu poder e que lhe fora
determinado. Como é sabido, a atuação do assistente simples não pode contrariar as diretrizes
fixadas pelo assis"55) MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirccu . Exegese do código de processo civil, vol.IV, t. I,cit.,p. 191.
386
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tido, não podendo ele praticar atos de disposição em contrariedade aos interesses do assistido.
Assim, o juiz não pode causar prejuízo ao assistido, admitindo fato contrário a seu interesse,
apenas pelo fato de o assistente ter descumprido o seu dever de exibir em juízo determinado
documento. Evidentemente, a solução para a recusa do assistente simples não será aquela
preconizada pelo art. 359, mas sim as previstas pelos arts. 362 e 14 do CPC.
12.14.7 Procedimento cia exibição em face da parte
Como visto, a exibição dirigida à parte não se reveste de caráter de ação incidental. Constitui
mero incidente do processo, destinado à aquisição de prova. Também o juiz poderá determinar
de ofício aexibição, mas nesse caso a figura não se insere, integralmente, no procedimento
previsto na lei.
O incidente pode ser instaurado a pedido de algum sujeito parcial do processo, devendo conter a
individualização da coisa ou do documento a ser exibido, a finalidade da prova buscada e as
razões pelas quais se entende que a coisa ou o documento está em poder da parte solicitada (art.
356, CPC). Realizado o pedido, será o requerido intimado a responder em cinco dias. Nessa
resposta, pode exibir o documento ou a coisa, ou então se negar a fazê-lo justificadamente.
Nesta justificativa, o requerido pode se fundar em uma das escusas do art. 363 do CPC, no fato
de não ter o documento ou a coisa solicitada - caso em que será permitido ao requerente provar
que o requerido tem o elemento de prova - ou ainda em ser incabível ou desnecessária a
exibição. Não se admite a recusa da exibição, em diversas circunstâncias, algumas das quais
arroladas no art. 358 do CPC, como é o caso da pessoa que tem a obrigação legal de exibir.
Apresentada a resposta, poderá ocorrer a necessidade de prova, sejadas escusas do art. 363 do
CPC, sejada posse do documento ou da coisa, designando-se, para tanto, audiência específica.
Colhidas as provas necessárias, decidirá o juiz o incidente, acolhendo ou não as justificativas
apresentadas. Se o requerido não as apresentar, ou se o magistrado entender que as razões da
parte solicitada são ilegítimas, aplicará a sanção prevista no art. 359 do CPC, admitindo como
verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, se queria provar. Essa decisão,
por constituir espécie de decisão interlocutória, comporta recurso de agravo.
Note-se que, como regra, a decisão judicial não imporá ao requerido o dever de exibir o
documento, satisfazendo-se em aplicar a presunção
r
A PROVA
3g7
legal da verdade. Todavia, nada impede que, em circunstâncias excepcionais, seja determinada a
exibição como conseqüência da procedência do pedido de exibição, especialmente quando se
mostrar incabível ou inútil a aplicação da referida presunção. 156
12.14.8 Procedimento da exibição em face de terceiro
Quando a exibição tiver por objeto coisa ou documento em poder de terceiro, será necessária
verdadeira ação incidente, formando-se/troces-so incidente no curso do já instaurado.
Assim, será necessário elaborar petição inicial, com obediência de todos os requisitos dos arts.
282 e 283 do CPC, citando-se o terceiro a responder ao pedido em dez dias (art. 360, CPC).
Pode o terceiro elaborar sua defesa com qualquer alegação que entenda cabível, pode ndo
mesmoalegarviciosprocessuais. Normalmente, suadefesa será dirigida à negativa da posse do
documento ou da coisa solicitada, ou ainda à negativa de exibição, escorada cm uma das regras
de privilégio, enumeradas no art. 363 do CPC. Em havendo qualquer dessas alegações, será
designada audiência, para tomada do depoimento do terceiro e das partes, além de se permitirem
outros meios de prova. A seguir, deverá o juiz proferir sentença, em que julgará procedente ou
não o pedido de exibição, afastando ou acolhendo as escusas do terceiro, entendendo o pedido
de exibição pertinente e relevante ou impertinente ou irrelevante.
Se a sentença julgar procedente o pedido de exibição, o juiz ordenará ao terceiro "que proceda
ao respectivo depósito em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de cinco (5) dias,
impondo ao requerente que o embolse das despesas que tiver; se o terceiro descumprir a ordem,
o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, tudo sem
prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência" (art. 362, CPC). Isto sem prejuízo da
eventual imposição de multa, prevista no novo art. 14 do CPC, cabível quando não for possível
a localização da coisa ou do documento, e assim for inviável a apreensão.
Tratando-se de sentença proferida em processo incidente, cabe o recurso de apelação.
"56) V., MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de
Processo Civil, vol. 5,1.1, cit., p. 419-420.
388
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
12.15 Prova documental
12.15.1 Generalidades
Embora seja corrente em doutrina dizer que a legislação brasileira adotou o sistema da
convicção motivada do juiz, observam-se, no trato da prova, diversos dispositivos que prevêem,
a priori, certa valoração dos meios de prova.
Assim ocorre com a prova documental, onde o Código de Processo Civil estabelece, com
critérios abstratos e predeterminados, muitas vezes motivados por indicações do próprio direito
material, o valor a ser dado a várias espécies de documentos. Importa lembrar, todavia, que,
considerado o princípio da persuasão racional do juiz (art. 131 do CPC), é sempre possível ao
juiz afastar as regras apresentadas nesse tratamento, desde que justifique, devidamente, a razão
da inobservância das normas prescritas. Vale dizer: as presunções estabelecidas (para a
avaliação dos documentos) configuram hipóteses de presunção meramente relativa, sendo
perfeitamente concebível que o juiz, ao apreciar o caso concreto e o material probatório que se
lhe apresenta, entenda de maneira divergente às regras previstas, dando diversa valoração a
essas provas; contudo, se assim o fizer, deverá motivar, precisamente, as razões que o levaram a
afastar as normas expressas na lei.
Certamente, o respeito e a fiabilidade que se dá a esse meio de prova advém de sua própria
essência, de prova pré-constituída, cuja função é de eternizar os atos e fatos jurídicos. A
propósito, lembram NEVES E CASTRO e PONTES DE MIRANDA que "os jurisconsultos e
legisladores de todos os países cultos são unânimes em reconhecer, como um princípio de
ordem pública, que é indispensável admitir um gênero de prova, que em todo o tempo as partes
possam invocar quando precisarem defender os seus direitos e tornar patente uma certa ordem
de fatos. O testemunho individual não podia satisfazer a esse fim, não só porque é de muito
curta duração a vida humana, mas também porque este gênero de prova está sujeito a acidentes
numerosos e indefinidos, não podendo por isso, mesmo em épocas muito próximas, dar uma
idéia, mesmo remota, dos fatos que pretendêssemos provar. Pelo contrário, a prova documental
é aquela que, em razão da sua estabilidade, pode, para assim dizer, perpetuar a história dos fatos
e as cláusulas dos contratos celebrados pelas
r
A PROVA
339
partes, e é por isso que, conquanto não se possa conferir a este gênero de prova força d'uma
certeza filosófica, as legislações de todos os países são uniformes em dar-lhe inteiro crédito,
enquanto pelos meios legais não for demonstrada a falsidade dos documentos autênticos".157
Nitidamente, essas considerações dão bem a noção do porquê da alta relevância que se empresta
à prova documental. Contudo, a evolução da sociedade - e a criação de novos meios de
interação social (fax, internet etc.) -estabelecem novos espaços para as relações jurídicas,
travadas entre pessoas à distância, induzindo certa desvalorização (ou, ao menos, modificação)
da função da prova documental em linhas genéricas. Assim, por exemplo, é possível comprar
hoje, pela internet, livros de grandes editoras ou livrarias, no Brasil ou no exterior, sendo que a
documentação dessa transação praticamente inexiste (ao menos na forma tradicional).
Evidentemente, essas novas possibilidades permitem, e exigem, adaptações no regime da prova,
que deve informar-se por essa nova realidade.
De outra parte, vale lembrar que o culto à prova documental também pode gerar conseqüências
perniciosas, sentidas cada vez mais intensamente em nosso direito. O direito brasileiro, assim
como o fazem outras legislações, exige, muitas vezes, o documento como único meio de prova
admissível. Todavia, como bem salienta CALAMANDREI, "quem propugna, mesmo in iure
condendo, as mais severas limitações da prova testemunhai para tornar sempre mais geral o uso
da prova escrita, deve
:lí7)
NEVES ECASTRO, Francisco Augusto das e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Theoria das
provas e sua applicação aos actos civis. 2. ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos editor, 1917. p. 168. Nesse
mesmo sentido, pondera LÉVY-BRUHL que "a escritura é a prova moderna por excelência. Ou, melhor dizendo porque o seu uso remonta a uma alta antigüidade -, é essencialmente a prova racional. É provável que desde sua
aparição - ou ao menos após um curto intervalo - ela foi utilizada para fins probatórios. Ela é realmente bem adaptada
a este uso, porque conserva o traço material de um acontecimento, de um ato, de uma palavra. Além disso, este traço
é mais freqüentemente conforme à realidade, de sorte que, salvo exceções, podc-sc referir a ela para saber o que se
passou. O escrito é mais durável, nas circunstâncias ordinárias, que a memória humana (...). Sobretudo, ele é mais fiel
que a memória humana, a qual é sujeita a equívocos e lapsos, tanto naturais quanto voluntários" (LÉVY-BRUHL,
Henri. La preuve judiciaire, étude de sociologie juridique. Paris: Librairic Mareei Rivière, 1964. p. 112-113).
390
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
questionar-se se, com o nosso sistema de custas, judiciárias e contratuais, exigir a prova escrita
158
não signifique colocar a parte muitas vezes na ab-solutaimpossibilidadedeobterjustiça".
Efetivamente, previsões como a do art. 366 do CPC certamente podem fornecer certo grau de
estabilidade à prova de algumas relações jurídicas; entretanto, de outra parte, privam, em função
dos custos burocráticos da documentação destas, ampla parcela da população da proteção de
interesses legítimos.
Imperioso, portanto, pensar, de lege ferenda, na amenização de regras como aquela acima
lembrada, ou mesmo no efetivo acesso das pessoas carentes a tais meios de prova, colocando-se
de lado os altos custos que os acompanham.
12.15.2 Noção
Segundo COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, "à categoria das provas documentais se reduzem
em geral todas as coisas que aparecem idôneas a documentar um fato, ou seja, a narrá-lo, a
representá-lo ou a reproduzi-lo". I5<J Conquanto genérica, a definição presta-se bem para demonstrar a impossibilidade de assimilação de prova documental por prova escrita. l6° As figuras
não se confundem, sendo possível haver prova documental não escrita (fotografia, por
exemplo), bem assim prova escrita não documental (por exemplo, o laudo pericial).
CALAMANDREI. Piero. "Conseguenze delia mancata esibizione di docu-menti in giudizio". Rivista Di divino
Processuale Civile, vol. VII, p. 301, Padova: Cedam, 1930.
COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI Corrado e TARUFFO, Michelc. Op. cit., p. 657 - gritos no original.
Como bem adverte EGAS MONIZ DE ARAGÃO, "o conceito de documento, portanto, não fica restringido ao de 'ato
por escrito', que a lei civil francesa refere. E mais amplo. A época da elaboração do Código de Napoleão compreendia-se essa limitação; a uma, pelo momento histórico, afinal findava-se o século XVIII; a outra, pela preocupação,
acentuada desde a Ordenança de Moulins (1566), de circunscrever a prova testemunhai e prestigiar a prova
decorrente de atos passados por escrito. Mas é imperioso pôr de lado essas idéias e acolher a lição de Carnelutti, cujo
acerto parece irrecusável" (MONIZ DF ARAGÃO, Egas Dirceu. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Aide. vol. 4,1.1, p. 213).
r
APROVA
391
A representação aludida, portanto, não se resume à mera escrituração de declarações. Ao
contrário, abrange a reprodução de sons, imagens, estados de fato, ações e comportamentos,l61
além dos documentos criados através das tecnologias modernas da informação e das
comunicações, como os dados inseridos na memória do computador ou transmitidos através de
uma rede de informática, e em geral os assim ditos documentos informáticos. 162
A fim de melhor burilar o conceito de prova documental, é imprescindível trazer a lume as
famosas palavras de CARNELUTTI163 a esse respei to. O genial au tor, tentando traçar a
diferença que existe entre a prova testemunhai e a prova documental, salienta, inicialmente, que
o testemunho é ato, enquanto o documento objeto. Sendo ambos criações humanas, esclarece o
mestre que essa criação é diferente, em cada uma das situações: "de uma parte o homem age em
presença do fato a representar para compor um aparato exterior capaz de produzir o efeito
representativo; de outra parte o homem age na ausência do fato a representar produzindo
diretamente o mesmo efeito".164
Após essas considerações, o mesmo processualista estabelece dois critérios distintivos entre a
prova documental c a prova testemunhai. Em primeiro lugar, segundo CARNELUTTI, a
representação documental é
"6I) Em sentido semelhante, porém excluindo da noção de provas documentais os registros
magnéticos, v. Walther J. Hab.scheid, Droit judiciaire prive suis.se. 2. cd., Genève, Librairie de
L'Universitc —Georg & Cie., 1981, p. 446.
MM)
COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI Comido e TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 657.
ll6t)
CARNELUTTI, Franccsco. La prova civile, cit., p. 139 e ss.
11641
Idem, ibidem, p. 139 - gritos no original. E, em apoio a este esclarecimento, CARNELUTTI traz o exemplo do
documento fotográfico e fonográfico: "Ocorre aqui que o homem consegue lixar sobre uma superfície impressionável
as linhas de um objeto presente ou os sons enquanto se desenvolvem de modo a obter um aparato capaz de reproduzir
aquelas linhas ou aqueles sons mesmos, por si, sem que o homem intervenha de fato na reprodução; ocorre ao contrário no testemunho que o homem reproduz, sozinho, com a voz ou com o gesto, as linhas ou os sons após que os
percebeu, sem que nenhum aparato exterior intervenha na reprodução" (idem, p. 139-140). Econclui magistralmente,
ponderando que "aqui a obra do homem é posterior ao fato a representar e coincide com a representação; lá a obra do
homem é contemporânea ao fato a representar e precede a representação" (idem, p. 140).
392
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
imediata, enquanto a testemunhai seria mediata; enquanto "na primeira a individualidade do
fato a ser representado traduz-se imediatamente em
um objeto exterior; na segunda fixa-se imediatamente na memória de um homem e somente
através desta se reproduz na representação". 165 Sob outro enfoque, a prova documental seria
permanente, ao passo que a representação testemunhai seria transitória. Isto porque, clarifica o
mestre, "se o documento não fosse durável não poderia ter eficácia de conservar por si só o
traço do fato representado independentemente da memória humana; se o testemunho não fosse
transitório, não se limitaria a uma reconstrução do fato representado com elementos puramente
subjetivos".166
Com essa análise, parece ser possível concluir, com segurança, que a prova documental tem por
característica típica a circunstância de, diretamente, demonstrar o fato pretérito. 167 Através desse
meio de prova, o juiz
CARNELUTTI, Francesco. La prova civile, cit., p. 140. Acolhendo esta tese, salientam COMOGLIO, FERRI e
TARUFFO que, quanto à função da prova documental, "c sempre de representar ou reproduzir algo, de modo tal que
quem toma conhecimento do documento esteja em condições, percebendo imediatamente a representação ou a
reprodução, de reconstruir o fato que foi documentado" (COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI Corrado e TARUFFO,
Michele. Op. cit., p. 657-658).
CARNELUTTI, Francesco. La prova civile, cit., p. 140. E conclui a distinção, em outra passagem, dizendo que "no
testemunho o ato é o próprio fato representativo, onde a representação é o seu efeito imediato; no documento o ato
não é jamais o fato representativo, mas um momento precedente a este, porque não representa por si, mas cria um
objeto capaz de representar. Quem quiser ter uma impressão brusca desta di ferença compare o ato do narrador ao ato
do fotógrafo: o primeiro age representando, o segundo age preparando uma coisa, que representará. O ponto de
contato entre os dois tipos de fatos representativos é portanto a formação mediante a atividade humana; o ponto de
divergência é o pressuposto desta atividade, que no documento opera sobre um fato presente e se projeta no futuro, no
testemunho opera sobre um fato não presente e se projeta no passado" (op. cit., p. 181). Segundo CARNELUTTI,
documento é "qualquer coisa que represente a experiência de um fato" (CARNELUTTI, Francesco. Instituições do
processo civil, cit., 1999, vol. 1, p. 310). De modo semelhante ao que restou dito no corpo do texto, ensina DENTI
que "uma 'coisa' constitui 'documento', então, enquanto venha considerada como ponto de referência de enunciados
factuais
393
tem conhecimento do fato sem qualquer interferência valorativa outra, que não a sua própria. A
interferência humana no fato, diante da prova documental, cinge-se à formação da coisa
(documento) e à reconstrução do fato no futuro (pelo juiz ou pelas partes, por exemplo).16S Não
há, como ocorre com a prova testemunhai ou com a prova pericial, mediação nessa
reconstrução. Ou, se assim se preferir dizer, na genial colocação de CARNELUTTI, o
"documento é uma coisa que docet, não que serve a docere, isto é, que tem em si a virtude de
fazer conhecer".169
12.15.3 Prova documental e prova documentada
De tais percepções, pode-se desde logo formular a advertência de que nem todo "documento"
(prova documentada) constitui, ipsofacto, prova documental.
Essa conclusão pode ser atingida, com certa facilidade, quando se observa que, no processo,
todo ato é, necessariamente, documentado. As declarações prestadas por testemunhas são
documentadas, porque reduzidas a termo (art. 417 doCPC); a prova pericial é documentada
através do laudo (art. 433 do CPC) etc. Enfim, porque nosso direito acolhe, predominantemente,
o princípio da escritura170 - em que pesem inúmeras concessões ao princípio da oralidade -, os
atos do processo ficam, normalmente, documentados nos autos.
E, apesar de todos esses atos estarem representados por "documentos" nos autos, nem por isso
perdem sua essência (de provas testemuA PROVA
relevantes aos fins da decisão" (DENTI, Vittorio. "Prova documentale (dir. proa civ.)". In Enciclopédia deldiritto.
Milano: Giuffrè, 1988. vol. XXXVII, p. 714)-o grifo não constado original.
(168)
Como diz COUTURE, na prova documental, "o intermediário fica reduzido tão-somente à conversão do fato em
coisa" {Fundamentos dei derechoprocesal civil, cit., p. 266-267).
(169) CARNELUTTI, Franccsco. "Documento (teoria moderna)" in Novíssimo cligesio italiano. Torino: Utet, 1960.
t. VI, p. 86. Acrescenta o autor que esta virtude se caracteriza precisamente pelo conteúdo representativo do
documento, que lhe peculiariza e distingue dos demais meios de prova.
"70) MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 1. ed. atualizada por Vilson Rodrigues Alves.
Campinas: Bookseller, 1997. vol. I, p. 499.
394
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
nhais, periciais etc.) para se tornarem provas documentais.17' São, sim, provas documentadas
da colheita de outras provas. Ou seja, é possível dizer que determinado termo de depoimento,
ou que o laudo pericial, é prova que representa diretamente o fato da colheita de material
probatório. Em relação ao fato primário — objeto da prova que se colhia — aqueles elementos
permanecem sendo prova testemunhai e prova pericial, não se convertendo em prova
documental por sua documentação. Prova documental é, somente, aquela através da qual se tem
a representação imediata do fato a ser reconstruído. Como leciona CARNELUTTI, "quem
descreve por escrito um fato, enquanto o apercebe, forma um documento, porque quer
representar no futuro o fato presente mediante o escrito formado; quem descreve por escrito um
fato, que notou anteriormente, forma um testemunho porque quer representar atualmente um
fato passado mediante o ato de escrever. Há uma atividade humana de idêntica aparência nos
dois casos, mas de diversa substância: no primeiro o homem não fornece mais que o meio, no
segundo fornece também a matéria da representação, já que o fato não existe mais fora, mas
apenas dentro dele; no primeiro forma um aparato (exterior) para conservar o (a memória do)
fato, no segundo o extrai de si mesmo, onde está conservado".172 Na prova documental,
portanto, o documento é capaz de, por si só, representar o fato; é, afinal, o elemento representativo, o que não ocorre com as provas testemunhai e pericial (onde o elemento representativo é a
pessoa).
Conforme bem pondera CARNELUTTI, é essencial distinguir entre o documento c a declaração representada nele, e
essa distinção decorre de uma verdadeira necessidade lógica, "já que a declaração (negócio) c um ato, o documento é
um objeto: não é possível pensar um ato como um objeto ou vice-versa" (La prova civile, cit, p. 134).
CARNELUTTI, Francesco. La prova civile, cit., p. 182. Posteriormente, o mesmo mestre veio a aperfeiçoar a sua
idéia ("Documento e teslimonianza", cit.p. 283-286), dizendo que o essencial da distinção entre o testemunho c o
documento estaria em que o testemunho seria sempre feito em função de uma pessoa determinada ou determinável.
Ao contrário, o documento seria elaborado para servir a qualquer pessoa, sem que tivesse nenhuma em especial como
objetivo -quanto aos documentos que retratassem um testemunho, dizia o autor, seriam, ainda assim, um documento
(que representaria um testemunho). Não parece que esse novo critério se preste para distinguir a prova documental da
testemunhai, embora certamente consiga refletir as diferenças entre documento c testemunho.
A PROVA
395
A degravação de uma fita ou a materialização do depoimento de uma testemunha (em escritura
pública, por exemplo), pois, não transformam a natureza da prova em documental. A prova
continua tendo sua característica própria, de prova indireta, jamais se convolando em prova
documental apenas pelo fato de encontrar-se materializada em um documento, ou melhor, por
estar documentada. Essaconclusãoéessencial, sejapara afirmar o regime (e o cabimento) de certo
tipo de prova, sejapara determinar a possibilidade ou não do uso de certo tipo de
procedimento.173
12.15.4 Documento e instrumento
Com essa ressalva inicial, é possível desde logo notar que, dentre os "documentos" (conferindose a esse termo uma acepção ampla, que tanto pode significar prova documental como prova
documentada) pode-se estabelecer uma distinção clássica entre documento e instrumento.
Documento é toda coisa capaz de representar um fato. Pode constituir prova documental se for
apta a indicar diretamente esse fato, ou prova documentada quando a representação do fato se
dê de forma indireta.
Já o instrumento é o documento formado com o fim específico de fornecer elemento de prova de
certo fato jurídico (tomado, aqui, em sua acepção lata).174 E, por isso mesmo, categoria
pertencente ao gênero "documento", particularizado por tratar-se sempre de prova preconstituída
e destinado, se não exclusiva, precipuamente a servir para a comprovação de certo fato jurídico
(lato sensu, incluindo-se aí as noções de atos jurídicos, negócios jurídicos etc.).175
11731
É o caso, especificamente, no direito brasileiro, do mandado de segurança. Como cediço, este procedimento
exige, para sua utilização, que os fatos articulados estejam comprovados de plano, através de prova preconstituída (é
esta a significação que se empresta, ao menos por ampla maioria da doutrina, à expressão direito líquido e certo), que
se equipara, em linhas gerais, à prova documental (mas não à prova documentada).
11741
Como disse JOÃO BATISTA LOPES, "instrumento é espécie de documento constituído com a intenção
deliberada de fazer prova no futuro" (A prova no direito processual civil. São Paulo: RT, 1999. p. 102).
"75) Outros autores estabelecem a diferença entre documentos e instrumentos, dizendo que instrumentos são espécies
de documentos, consistentes em escritos (neste sentido, v. Víctordc Santo, Lapnteba judicial, teoria ypráctiea, 2. ed.,
Buenos Aires, Editorial Univcrsidad, 1994, p. 143).
396
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A distinção não é meramente acadêmica. O Código de Processo Civil utiliza, em vários
dispositivos, a expressão instrumento, pretendendo aludir especificamente aprova preconstitu
ida de fatos jurídicos (como no caso do art. 366). Em regra, todavia, utiliza o código a expressão
"documento", referindo-se ao gênero (de que são espécies o documento e o instrumento),
indistintamente. É preciso, pois, tomar certa atenção para a mens legis de cada dispositivo, a fim
de não tomar equivocadamente o sentido utilizado pelo código para o termo.
Também alguns autores costumam diferenciar os documentos dos monumentos.176 Em essência,
a distinção funda-se na possibilidade ou não de se levar a prova a juízo, para exame. Assim,
documentos seriam as provas consistentes em objetos que, por suas características físicas,
podem ser levadas a juízo para apreciação. Já monumentos são aquelas outras coisas que não
admitem essa mobilidade.
Geralmente, os monumentos são objeto de inspeção judicial, muito embora, em termos precisos,
essa equiparação seja indevida. Como bem pondera GUASP, tanto podem ser suscetíveis à
inspeção judicial as coisas imóveis, como as móveis, mesmo aquelas que possam ser levadas
diretamente ao juiz. Ademais, também em relação à prova documental, o juiz tem percepção ou
observação imediata daquilo que a seu exame é dado.177
12.15.5 Elementos do documento
Os documentos compõem-se de dois elementos. Haverá sempre um conteúdo e um suporte.17S O
primeiro eqüivale ao aspecto semiótico do documento, à idéia que pretende transmitir. Revela,
portanto, o próprio fato que se pretende representar através do documento. Já o suporte constitui
o elemento físico do documento, a sua expressão exterior, manifestação concreta e sensível; é,
enfim, o elemento material, no qual se imprime a idéia transmitida.
"76) Sobre a distinção, v., por todos, Jaime Guasp, Derecho procesal civil, cit., 1.1,
p. 362 c ss.
11771
Iclem, ibitlem, p. 377. "7SI LIEBMAN,EnricoTulMo. Manuale didirilto pmcessuale,principi, cit.,p.353.
Em sentido semelhante, v. Friedrich Lent, Diritto processuale civile tedesco,
1." parte, Napoli, Morano, 1962, p. 218.
A PROVA
397
Vale ressaltar que é freqüente equiparar o suporte da prova documental à escritura. Imagina-se,
nesta perspectiva, que somente haverá prova documental nas situações de prova escrita.
Todavia, como já foi dito, o suporte do documento não se limita à via do papel escrito. 179 Ao
contrário, o que caracteriza o suporte é o fato de tratar-se de elemento real, pouco importando
sua específica natureza.m Dessa forma, o suporte pode ser uma folha de papel, mas também o
papel fotográfico, a fita cassete, o disquete de computador etc.m
Seja como for, a noção de prova escrita faz lembrar o sério problema do chamado início de prova
escritaoxx início de prova material.l82 A idéia
(|79) Tem razão, neste passo, JOSÉ CASADO SILVA, ao dizer que "distinguimos a prova documental da prova literal,
ao contrário do que até agora se fazia. Era admissível confundi-las quando o único tipo possível da primeira era a
segunda (accitando-se de modo absoluto, o que é, não duvidamos, descabido, que o desenho e a pintura jamais hajam
podido servir de prova). Depois da invenção e vulgarização da fotografia, dos fonogramas e do cinema, porém, causanos espécie que as expressões prova documental (na qual nossas leis englobam também esses meios de registro, que
não se utilizam da escrita) e prova literal (isto c, registro por meio da escrita ou de letras) continuem sendo consideradas sinônimas. Não vale, aqui, recorrer ao que sabemos graças aos estudos diacrônicos: as palavras, no decorrer do
tempo, é certo, mudam de significado, mas o adjetivo ///era/jamais foi usado no sentido de fotográfico, fonográfico ou
cinematográfico" ("Considerações sobre a prova documental", Revista Forense 289/109).
"8Ü) COMOGLIO, Luigi Paolo, FERR1 Corrado e TARUFFO, Michele. Op. cit., p. 657.
<18
" "Com efeito, normalmente, os documentos tomam corpo no papel em que são escritos, ou ainda, por exceção, na
tela, na cera, na pedra, no metal, na madeira c cm coisas semelhantes. A representação, entretanto, também pode
fazer-se por sinais gráficos, diversos da escrita, como ocorre com desenhos, plantas, projetos, modelos, cartas
topográficas etc. Em todos esses casos, a representação se faz através da mente do sujeito da idéia ou do fato
representado, que os transfere à coisa representativa, ou documento" (SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao
Código de Processo Civil, cit., vol. IV, p. 145).
<l82
' Quiçá o exemplo mais marcante desta situação seja dado pelo art. 55, § 3.°, da Lei 8.213, de 24.07.1991, que
estabelece que "a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta lei, inclusive mediante justificação
administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova
material, não sendo admitida prova exclusivamente
398
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de início de prova escrita alude à prova suficiente para demonstrar a plau-sibilidade da
alegação, dispensando a necessidade de formação de "juízo de certeza". Ou seja, pensar em
início de prova escrita é admitir a produção de prova que não é capaz de gerar "certeza", e que
assim não pode ser confundida com a prova documental.'83
Ao falar-se em início de prova escrita ou em início de prova material, não se pode equiparar
este conceito com aquele representado pela prova escrita ou pela/;rora material (ou, mesmo,
pela prova documental). 184 Parece claro que o vocábulo "início" deve conter alguma função,
testemunhai, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento" (com
semelhante previsão já dispunha, entre outros, o art. 141, parágrafo único, do Decreto 72.711/73). Este caso merece
alusão, em vista da célebre polêmica gerada perante o Superior Tribunal de Justiça, em função da interpretação desse
dispositivo. para mei|lor esclarecer o significado que se deve emprestar ao termo início de prova material ou início de
prova escrita, é necessário observar as decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça a respeito da
hermenêutica aplicável ao art. 55, § 3.°, da Lei 8.213/91. Assim é que se tem admitido, como início de prova
material, para a comprovação do tempo de serviço, anotações em registro de casamentocivil (REsp63J57-SP, rei.
Min. Vicente Leal, DJU 19.06.1995; REsp 66.336-SP, rei. Min. José Dantas, DJU 28.08.1993); declaração de
empregadores (REsp 59.876-SP, rcl. Min. Vicente Leal, RSTJ 80/426, abril de 1996) etc. Neste sentido, já ensinava
MOACYR AMARAL SANTOS que "para haver começo de prova escrita, o documento escrito, emanado da pessoa
contra quem se forma o pedido, ou de quem a represente, deve ser de natureza a, por si só, tornar verossímil o fato
alegado. Importa em dizer que o documento não faz prova do fato c tão somente se presta para torná-lo verossímil.
Aliás, se fizesse prova do fato, no sentido lógico, de conferir-lhe certeza quanto à sua realidade ou falsidade, de
produzir convicção a seu respeito, não seria de falar-se em começo de pro va c sim de prova" (SANTOS, Moacyr
Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 3.cd.SãoPaulo:MaxLimonad,s/d. vol. III, p. 378). E conclui o brilhante mestre, dizendo que "por começo de prova escrita se entende, em suma, o escrito que, emanado da pessoa contra
quem se lorma o pedido, ou de quem a representa, sem ter a eficácia de, por si só, gerar convicção quanto à verdade
ou falsidade do fato litigioso, o torna verossímil ou suficientemente provável e possível. A certeza ou convicção
relativamente ao fato dependerá das provas subsidiárias ou complemcntares que poderão consistir nas produzidas por
testemunhas. Por outras palavras, a certeza relativamente ao lato dependerá da prova do escrito e da prova
testemunhai, que completa aquela" (idem, ibidem, p. 380).
399
e essa função reside, precisamente, na indicação de que a prova produzida pelo interessado não precisa
conduzir necessariamente ao fato, mas apenas à sua aparência.
Ao contrário, pois, do que ocorre com a prova documental, quando se exige início de prova escrita (ou de
prova material), pretende-se, em princípio, tão-somente impor a alguém a obrigação de apresentar algum
elemento materializado (ou escrito), capaz de indicar, ainda que sem fazer surgir "juízo de certeza ", a
ocorrência de certo fato. Porém, quando a própria lei, ao fazer referência à admissão de início de prova
escrita, exige expressamente que ela tenha sido emanada da parte contrária, passa a importar sua
procedência. Entende-se que, em tal caso, é preciso, para a segurança das relações jurídicas, que a prova
escrita seja oriunda da parte contrária. Aí, ainda que o começo de prova escrita não precise gerar
"certeza", e, portanto, seja suficiente quando possa criar plausibilidade, há uma limitação da prova que
pode ser considerada início de prova escrita. De modo que, a procedência do início da prova escrita só
importa quando a lei exige que ela tenha emanado da parte contrária. Quando, diante da natureza da
situação de direito material, não é razoável exigirque aprova escrita tenhaemanado da parte contrária,
pouco importa sua procedência.
Da variabilidade de suportes, acima apontada, é que decorre o caráter totalmente aberto da prova
documental. A evolução tecnológica tende a aprimorar e a criar novos suportes, ampliando
significativamente a extensão e aplicabilidade desse meio de prova e inviabilizando o trato legal completo
da figura. Por isso se fala em prova documental típica - representada pelas provas documentais clássicas
(instrumento público, escritura, declarações particulares) - e atípica - onde se reúnem todas as demais
provas documentais, não expressamente tratadas em lei e, geralmente, oriundas do crescente
aprimoramento das técnicas de registro de idéias. Assim, o trato da prova documental é, e deve sempre
ser, aberto, sempre receptivo aos novos veículos de representação de idéias (ou de vontades).
De outra parte, o outro elemento do documento (seu conteúdo) significa a idéia transmitida através do
suporte. Essa idéia poderá ser um fato (ocorrido no mundo físico), um pensamento ou uma manifestação
de vontade.
Conforme a natureza do conteúdo, poder-se-á falar em declarações de ciência, nos casos em que a idéia
transmitida seja a do conhecimento
A PROVA
400
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de certo fato, ou em declarações de vontade, quando o conteúdo do documento represente a
185
manifestação de vontade de um sujeito, aplicável a certa relaçãojurídica. Ambas as situações
são típicas de casos onde o conteúdo do documento é fruto da elaboração mental de alguém; ou
seja, tanto na declaração de ciência como na declaração de vontade tem-se que o conteúdo do
documento retrata a idéia de alguém (que fica registrada no suporte).ls6 Pode ocorrer, entretanto,
que o fato representado esteja registrado no documento sem ter sido previamente absorvido
pelas percepções de alguém ou sem ser fruto da vontade de algum sujeito. Pense-se no exemplo
da fotografia: por ela não se expri me manifestação de ciência do fotógrafo sobre certo fato, e
muito menos declaração de vontade dirigida a certa relaçãojurídica. O conteúdo do documento,
então, não contém qualquer declaração; o objeto apenas representa certo fato, dei-
É preciso, todavia, não confundir a declaração contida no documento com o resultado dessa operação (que a
representa, mas a ela não se iguala). Como bem salienta LIEBMAN, "embora a linguagem comum seja normalmente
imprecisa, e confunda facilmente entre si o continente e o conteúdo, o ato jurídico é dado da declaração e o
documento é apenas o meio material que a contém e a representa. A distinção torna-se particularmente difícil quando
a declaração foi feita concomitantemente com a formação do documento; mas, mesmo neste caso, uma coisa é
formular a declaração por meio da escritura (escrevê-la), outra o resultado da operação (o escrito), que é uma coisa
material, enfim o documento" (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto pro-cessuale civile, cit., p. 354).
Daí a distinção, elaborada por MOACYR AMARAL SANTOS, entre documento e declaração. Como ensina o
mestre, "a declaração é um ato e o documento uma coisa: a declaração correspondente a uma compra e venda é um
ato; a escritura, que a encerra, é uma coisa" (Comentários ao Código cie Processo Civil, cit., p. 146). E, em
decorrênciadesta distinção, traça o mesmo autor outra relevante distinção, afirmada por nossa própria lei: entre a
forma eu prova. Como diz, "as declarações assumem uma dada./bn;ifl. Ou o ato reclama uma determinada forma,
preestabelecida por lei - o casamento, a compra e venda de bens imóveis, o testamento etc. -, sem a qual a declaração
de vontade não tem eficácia jurídica, ou não reclama forma especial. Fala-se, então, em atos formais, ou solenes, c
atos não formais" (op. c loc. cits., p. 146). Os primeiros (atos solenes) dependem daquela forma específica para serem
comprovados - somente essa prova se presta para a sua comprovação; os demais, ao contrário, podem ser
comprovados por qualquer meio de prova admitido em nosso direito.
APROVA
401
xando sua interpretação e avaliação a quem tiver contato com o documento. Poder-se-ia, aqui,
falar em documentos representativos stricto sensu (documentos diretos, na definição de
CARNELUTTI187), já que nem na sua formação, nem na transmissão da idéia ao sujeito
cognoscente (por suposição, o juiz do processo), haverá a interferência de outra pessoa. 188
12.15.6 Autoria do documento. Documentos públicos e privados. Autenticidade
Normalmente, a prova documental terá origem em alguma pessoa. Será, enfim, criada por
alguém e, sempre, com alguma finalidade. Àquele que cria a prova documental (qualquer que
seja ela) dá-se o nome de autor.189 Esse autor será tanto aquele que efetivamente realizou,
materialmente, o suporte em que se contém a idéia transmitida pelo documento, como aquele
que manda que o documento seja formado. Nesse último caso, ter-se-ão dois autores do
documento: um imediato (aquele que concretamente confecciona o documento) e um mediato (o
que manda que a idéia seja registrada no suporte). Entra então em cena a distinção realizada por
CARNELUTTI, entre autore e lavoratore, entre o autor e o elaborador do documento. Segundo
o genial processualista, "elaborador é qualquer um que emprega as próprias energias ao
atingimento de um resultado útil; autor quem emprega energia ao atingimento de um resultado
próprio. Na noção de elaborador é decisiva a pertinência da ener(l87)
CARNELUTTI, Francesco. "Documento (teoria moderna)" cit., t. VI, p. 86.
"88) É certo que o fotógrafo, ao registrar uma cena, pode escolher o ângulo ou os elementos que vai registrar.
Contudo, jamais poderá, apenas por isso, modificar ou interpretar a realidade que retrata. Nesse sentido é que se
pode dizer que não interfere na realidade documentada.
<189)
Poder -se-á imaginar a existência de provas documentais sem autoria. Assim sucederia em relação a documentos
históricos que, por exemplo, representam algum evento natural: a queda de um raio poderá deixar vestígios em algum
material, e esse suporte poderá ser utilizado, posteriormente, para a comprovação do fenômeno natural, sem que se
possa atribuir a alguém a formação desse elemento. Em sentido contrário, entendendo que apenas existe documento
como obra da pessoa humana, v. Francesco Carnelutti, La prova civile, cit., n. 25, p. 141.
402
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
gia;na.noção d& autor ^pertinência do resultado" .m Ou seja, ainda nas palavras de
CARNELUTT1, elaborador é aquele que faz o documento por si, enquanto que autor é o que o
faz (ou manda que se faça) para si. O tema da autoria é relevante para identificar-se o
documento como público ou privado. Será público quando seu autor imediato seja agente
investido de alguma função pública, e quando a formação do documento se dê no exercício
dessa função; trata-se, normalmente, de alguma função documentadora ou certi ficadora,
regulada pelo próprio Estado. Note-se que, nesse caso, a idéia (e, portanto, o autor mediato, ou
simplesmente autor, na visão de CARNELUTTI acima exposta) continua sendo do particular;
mas por ter sido presenciada a declaração por algum servidor público, no exercício de função
estatal típica (mas não obrigatoriamente documentadora), o documento terá diversa eficácia
probatória.191 Será, ao contrário, particular o documento quando sua autoria imediata se dê por
ação de um particular ou mesmo de um funcionário público (desde que este não se encontre no
exercício de suas funções192).
Inexoravelmente ligada ao tema da autoria é a questão dnsubscrição do documento. Como bem
lembra MOACYR AMARAL SANTOS, "não basta que o documento indique quem seja o seu
autor, mas preciso é que também o prove. Essa prova se tem com a sua subscrição, que consiste
no lançamento, ao pé do documento, da assinatura do seu autor. A subscrição não só indica e
prova a autoria do documento como também torna presumível que a declaração nele
representada foi querida pelo autor do
CARNELUTTI, Francesco. "Studi sulla sottoscrizione". In Studi cli diritto processuale. Padova: Cedam, 1939. vol. 3,
p. 230.
Essa diversidade de valor probante não resulta, diretamente, de alguma certificação especial dos fatos declarados pelo
particular perante o oficial público, mas sim da certeza quanto u autoria dessas declarações. Se os fatos declarados
pelo particular perante o agente público efetivamente se verificaram na realidade concreta, isto é tema para a
investigação livre do juiz, pautada por critérios legais e pelo específico conteúdo do documento (se representam declaração de vontade ou de ciência, cf. Leo Rosenberg, Tratado de derecho procesal civil, Trad. Angela Romera Veia,
Buenos Aires, Ejea, 1955, t. II, p-247), c neste aspecto são iguais, perante o sistema processual brasileiro, em termos
de eficácia, os documentos público e privado.
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 145.
A PROVA
403
fato documentado. Nesse sentido subscrição e assinatura são vocábulos que se eqüivalem".19'
Na lição precisa de CARNELUTTI, o tema da subscrição, embora aparentemente mantivesse
mais estreita relação com a declaração contida no documento do que propriamente com o documento em si, é, em verdade, diretamente vinculado ao próprio meio de prova. Como lembra o
processualista, embora o documento represente uma declaração de seu autor, ele se forma com a
subscrição, sem a qual não há o próprio documento.l94 Realmente, a verificação sobre a autoria
do documento não é apenas relevante para atribuir a ele a lavratura da declaração inserta na
representação; mais que isso, é essencial para caracterizar a própria existência desse específico
meio de prova.I9S
A toda evidência, a idéia de subscrição tem, aparentemente, maior campo de aplicação na esfera
da prova documental escrita. Aqui, sim, se há de cogitar, normalmente, sobre quem subscreve o
documento (e que, por via transversa, é considerado seu autor, respondendo, ainda, pela titularidade do conteúdo). Todavia, também os demais tipos de documentos podem e devem ser
subscritos (tais como as fotografias, as pinturas etc). Em alguns casos particulares não haverá,
como no exemplo dos registros audiovisuais, propriamente assinatura do autor no suporte do
documento, já que isso será impossível; mas ainda assim poderá haver subscrição do documento
através do uso de escrito apartado, em que se reconheça (aí com a assinatura do titular) a sua
autoria.
A subscrição sempre há de ser autografa, ou seja, realizada por uma assinatura de próprio punho
do autor do documento. Em geral, a própria lei atribuiu subscrição condição de requisito
essencial para a validade do documento e, enfim, para sua eficácia probatória.
Outro tema também diretamente relacionado com a autoria refere-se ^.autenticidade do
documento. Diz-se autêntico o documento em que se
"91) SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 147.
"'"' CARNCLUTTI, Franccsco. Lezioni di diritto pmcessuale civil, cit., vol. 2, p. 494.
")5) Pondera, a propósito, DENTI, que "a escritura do próprio nome é uma operação da mesma natureza da
documentação e, como tal, constitui o elemento formal de uma declaração em relação à proveniência do documento"
("Prova documcntalc (dir. proa civ.)", cit., p. 715).
404
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tem como certa sua autoria. Com efeito, o valor que se pode emprestar a um documento
depende, em grande medida, da idoneidade da fonte de onde é oriundo. Afinal, "o docu mento
merece a fé de seu autor'','% j á que, se não se pode ter segurança da origem das informações
nele contidas, também não se pode emprestar-lhes plausibilidade. Emrelação aodocumento
subscrito, será autêntico se for verdadeira a assinatura do suposto autor.197
A certificação quanto à autenticidade de um certo documento dá-se o nome de autenticação.
Determinada, então, com certeza, a autoria de certo documento, tem-se como autenticado,
decorrendo, dessa conclusão, inúmeros efeitos.
12.15.7 Prova documental e evolução tecnológica
Tema que também merece alusão, e é nitidamente vinculado à evolução tecnológica instalada
especialmente no setor das técnicas de documentação e transmissão de informações, é o dos
documentos de informática e de telemática. O uso, cada vez mais freqüente, do computador, do
fac-símile, da internet e de outros recursos semelhantes, acarreta necessariamente a imperiosa
preocupação do Direito no concernente à eficácia que se pode emprestar aos novos meios de
registro de informações.
Por documentos de telemática se quer significar aqueles documentos que prestam à transmissão
de informações por meio de redes de comunicações, a exemplo do telex, do fac-símile e do
telegrama. Já os documentos informáticos são aqueles insertos em memória de computadores ou
resultantes de cálculos efetuados por meio de equipamentos eletrônicos.198
(196) (1971
CARNELUTTI, Franccsco. "Studi sulla sottoscrizione", cit., vol. 3, p. 229. L1EBMAN, Enrico Tullio. Manucile cli
diritto processuale civile, cit., p. 356. Como lembra, a respeito, MOACYR AMARAL SANTOS, "do fato de o documento indicar quem seja o seu autor, como no caso de ser subscrito e assinado, não se conclui, só por isso, que seja
autêntico. Porque bem pode ser falsa a indicação da autoria. Na subscrição ou assinatura tem-se a autoria aparente,
que pode não ser verdadeira. A certeza da autoria se verifica pela coincidência entre a aparente e a real. A
autenticidade consiste, portanto, na coincidência entre o autor aparente c o autor real (CARNELUTTI)" (Comentários
ao Código de Processo Civil, cit., p. 147).
A respeito, v. Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e MicheleTaruffo, op. cit., p. 674.
A PROVA
405
Em relação ao primeiro grupo de documentos, tem-se como principal problema a questão da
subscrição do documento e, mesmo, de sua autenticação'99 (especialmente em matéria de
telegrama e de telex, ou similares). Nesses casos, embora o original transmitido possa estar
subscrito, denotando sua autenticidade, é certo que a informação enviada ao destinatário não o
estará, ficando presente apenas (quando muito) o nome da pessoa que supostamente envia o
documento. Como visto anteriormente, todo o problema da prova documental e, enfim, toda a
teoria do documento, assenta-se na questão da "paternidade do documento"; 200 e, em não se
podendo determinar, com certeza, a autoria do documento, que valor terá a informação
transmitida por telegrama, por telex ou por outro meio semelhante?
A gravidade do tema- e o uso freqüente desse meio de comunicação - tornou necessário que o
legislador disciplinasse a matéria, buscando solucionar, através da maneira mais adequada
possível, o insuperável obstáculo natural criado pelo uso e difusão destes meios de transmissão
de informações. O Código Civil novo não auxilia muito, já que, embora preveja tal espécie de
documento (art. 225), exige, para seu valor pro-bante, a ausência de impugnação de exatidão
pela parte contra quem seja ele utilizado, o que, normalmente, não ocorre. Nesse contexto é que
tem aplicação a regra do art. 374 do CPC, que autoriza o uso do telegrama, do radiograma, ou
de "qualquer outro meio de transmissão", com a mesma força probante do original particular,
"se o original constante da estação expedidora foi assinado pelo remetente", facultando-se,
ainda, o reconhecimento de firma, por tabelião, mediante declaração do fato no original
conhecido pela estação transmissora. A disciplina, embora falha, permite fixar algum parâmetro
para o uso desses veículos de comunicação para tratativas jurídicas, resguardando a necessária
preservação do caráter probatório de tais documentos. A regra, ademais, tem caráter aberto,
aplicando-se não apenas ao telegrama e ao radiograma, mas a qualquer outro meio de
transmissão de informações que a tecnologia possa inventar.
No que atine à comunicação de dados por via de rede informatizada de comunicações (internet),
a questão se agrava, na medida em que a trans(iW)
Idem, ibidem, p. 674.
(2 (1)
" CARNELUTTI. Franccsco. "Studi sulla sottoscrizione", cit., p. 229.
406
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
missão da informação poderá ser feita por qualquer pessoa, podendo ainda haver a interferência
de terceiros, no curso da comunicação. Não se tem, por outro lado, segurança quanto à origem
do documento, à idoneidade do transmissor ou mesmo quanto ao local e tempo em que ocorreu
o envio da informação. Pensa-se em alguma forma de assinatura eletrônica?" capaz de conferir
alguma autenticidade aos dados. Todavia, o tema ainda está em fase totalmente incipiente para
permitir alguma segurança jurídica (especialmente em relação à matéria de provas). Como
advertem COMOGLIO, FERRI e TARUFFO, nesse campo, que algumas vezes é extremamente
complexo, "a analogia com a disciplina do telegrama não parece nem possível nem útil. A
proveniência, a autenticidade e a integridade da mensagem transmitida por via telemática vão
reconhecidas caso a caso com cada meio, tendo em conta as técnicas de transmissão
empregadas, as características da rede telemática e os relativos sistemas de controle e o modo
em que técnicas, instrumentos e programas vêm operados (...). No mais, poder-se-ia imaginar
um tipo de presunção de conformidade e de proveniência da mensagem telemática, no sentido
de concluir que ela provenha de quem pareça seu autor e corresponda às intenções deste, ao
menos até que essas características não venham a ser contestadas. A contestação privariaentão o
documentodequalquereficáciaproba-tória, reabrindo a necessidade de provar a declaração com
outros meios".202
Partindo-se para a seara dos documentos informáticos - guarneci-dos na memória de
computadores ou resultantes de processamento por equipamentos informatizados - os problemas
não são menores. Também aqui não se tem nenhuma garantia prévia de que as informações
retiradas do computador guardam alguma conformidade com a realidade. A inexistência de um
registro físico dos dados e a facilidade de manipulação das informações armazenadas tornam
extremamente "volátil" a documentação e, no mais das vezes, imprestável o meio para a fixação
de fatos e a representação de idéias. Novamente, pode -se imaginar que, enquanto não
contestadas as informações extraídas do computador, é razoável fiar-se cm tais "documentos"
para a prova de fatos e de declarações; entretanto,
1:011
COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI Corrado c TARUFFO, Michele. Op. cit.,
p. 675. 121121 COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI Corrado e TARUFFO, Michele. Op. cit.,
p. 675.
r
A PROVA
4Q7
havendo contestação, mais uma vez se mostrará como totalmente inútil o mecanismo, devendo a
parte buscar a prova que pretende através de outros meios.2 "-1
É claro que novos elementos da tecnologia permitem, já, imprimir certa segurança na
transmissão de dados pela internet, logrando conferir a "documentos" transmitidos por via
eletrônica maior grau de confiabilidade. Assim é que surgem, no meio informático, as
mensagens criptografadas, as assinaturas eletrônicas etc, utilizadas já na rede de computadores
como formas de permitir alguma segurança na transmissão de dados c na verificação de
documentos inseridos na internet.20* Diante dessas novas tecnologias, o quadro abaixo
representado pode receber significativa modificação, possibilitando, no futuro, tornar a
comunicação informatizada um meio seguro para a transmissão de dados e a consecução de
elementos de prova, utilizáveis no direito como substitutos das atuais formas de documentação
de atos e negócios jurídicos.
"Também nestes casos a conformidade do documento informático à 'realidade' que ele representa pode ser de muito
difícil reconhecimento, já que se trata de valorar a natureza da instrumentação técnica empregada, aquela dos programas de software, a acuidade da informatização, a disponibilidade dos dados inseridos na memória, o funcionamento
do sistema de controle e de acesso, e cada outro elemento que possa influir na produção do documento informático.
Também a este propósito poder-se-ia imaginar, no máximo, alguma eficácia do documento informático desde que não
venha a ser contestado cm juízo; em caso de contestação abrir-se-ia então o dificílimo problema relativo a se saber se
este documento poderiaser considerado como 'representação' dos dados inseridos no computador ou produzidos por
este" (COMOGLIO, Luigi Paolo, FERRI Corrado cTARUFFO, Michcle. Op. cit., p. 675-676).
Conforme bem ponderado por MIREILLE ANTOINE, M ARC ELOY c JEAN-FRANÇOIS BRAKELAND, "apenas
as técnicas criptográficas e a assinatura eletrônica permitem assegurar, com um grau de certeza muito elevado, que o
conteúdo de uma mensagem não sofreu modificações que se devam a erros ou a fraudes (seja por uma das partes, seja
por um terceiro). Precisemos que, se os riscos de erros e de fraude não deixam de ser reduzidos graças aos progressos
tecnológicos, eles permanecem sempre presentes com uma importância que varia em função da complexidade do
sistema dentro do qual os dados são tratados" (ANTOINE, Mireille, ELOY, Marc, BRAKELAND, Jean-François.
"Le droit de Ia preuve face aux nouvelles technologies de l'infonnation". In Cahierxclu Centre cie Reeherches
Infonnatique et Droit, n. 7, Namur: E. Story-Scientia, 1992, p. 61).
408
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Especialmente se utilizados de maneira combinada, tais novos meios de "autenticação digital"
aportam significativa evolução-ao menos para o que interessa ao Direito - à documentação
informatizada, possibilitando vislumbrar em futuro próximo certa estabilidade aos dados
transmitidos por computadores e, via de conseqüência, autorizando o seu uso como meio de
prova confiável, protegida de fraudes e erros normais nas transmissões de dados.
No quadro a seguir, buscou-se representar os meios de autenticação digital mais utilizados na
atualidade, bem como suas qualidades e defeitos principais. Do exame conjunto das várias
técnicas nele expostas, pode-se facilmente observar que os defeitos de alguns métodos podem
ser compensados pela utilização concomitante de outras técnicas, o que pode outorgar aos
documentos eletrônicos fiabilidade semelhante àquela hoje entregue aos documentos obtidos
pelas vias tradicionais.
Serviços X Técnicas
modernas de
identificação
Identificação das
partes
Conteúdo da
mensagem
Vontade de
se apropriar
do conteúdo
Emissor
Receptor Modificações feitas
por uma parte ou um
terceiro
CONFIDENCIALIDADE
Criptografia simétrica
Criptografia assimétrica
simples
Criptografia Assimétrica
com dupla cifragem
Sim
Não
Sim
Sim Sim
Sim
Não Sim
Sim
Sim Sim 7 7
Sim
7
PESSOAS Código secreto
(PIN) Cartas passivas
Cartas ativas
Reconhecimento Físico
Assinatura dinâmica
Sim Sim
Sim Sim
Sim
Não Não
Não Não
Não
Não Não
Não Não
Não
Não Não Sim Sim Sim
Não Não Sim Sim
Não
DOCUMENTOS
Assinatura eletrônica
Sim
Sim
Sim
Sim
(Fonte: ANTOINE, Mireille, KLOY, !c<_hnoloí>ies de Vinjnrmaúon, cit.,
Marc,BRAKELAND,Jean-François. Ledroitdela preuve face auxnouvelks p. 63.)
Sim
A PROVA
409
Como se pode observar do quadro acima, há atualmente inúmeros dispositivos eletrônicos (ou
tecnologias de informática) que permitem a identificação da fonte de onde emanou a
informação, bem assim o receptor desse dado, ou ainda capazes de assegurar a estabilidade e a
intangi-bilidade da informação encaminhada. Com esses elementos - ainda de pequena difusão e
de escasso uso -já é possível dar um passo avante na tendência ao desenvolvimento da troca de
informações pela via da internet, aprimorando os caminhos da tutela jurisdicional nesse campo.
De toda sorte, a preocupação com a inalterabilidade do documento informático (inserto em um
computador ou transmitido por algum mecanismo informatizado) sempre há de levar em conta
diversos elementos, irrelevantes para os demais meios de documentação tradicionais.
Do ponto de vista lógico - das informações armazenadas ou recebidas -é indispensável que se
mantenha a estabilidade das informações, o que se pode conseguir (atualmente ou no futuro)
através dos meios de autenticação acima apresentados. Além desse elemento, deve-se sempre
levar em conta o meio físico de armazenagem da informação; é necessário que esse meio físico
possa comportar guarda, ficando protegido da deterioração normal, o que é absolutamente
necessário para se ter qualquer elemento como documentação (assim, é de se pensar no uso de
disquetes, CD-ROMs, discos rígidos, com as particularidades de cada meio e a estabilidade que
cada qual fornece ao registro do dado armazenado). A proteção, então, do meio físico contra a
sua natural degenera-ção e contra a ação do tempo sobre si, é também ponto relevante a ser
questionado e avaliado quando se pensa na documentação pela via informatizada.205
De outro lado, também é necessário, em se tratando de documento telemático, atentar para o
problema de seu acesso permanente. Vale dizer, o documento guardado com algum método de
informática deve es"^ duração de conservação máxima de um documento é inerente ao tipo de suporte empregado e aos métodos
escolhidos, e será então variável. Assim, não se conservará da mesma maneira um documento destinado a ser
destruído cm curto tempo (por exemplo, as contas anuais) c um outro do qual a duração é de ordem da esperança de
vida humana (por exemplo o dossiê médico de um paciente)" (ANTO1NE, Mircille, ELOY, Marc e BRAKELAND,
Jean-François. "Le droit de Ia preuve face aux nouvelles technologies de 1'information", cit., p. 64-65).
410
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
206
tar sempre disponível para leitura, de acordo com um procedimento adequado. Em relação aos
documentos escritos, essa aptidão é natural e mesmo inquestionável, uma vez que são eles redigidos no
vernáculo, ficando, por isso mesmo, sempre acessíveis a quem deles pretenda utilizar-se. Porém, quando
se pensa em termos de documentos armazenados em meios informáticos, a questão muda de tom, e a
"linguagem" utilizada para o registro da informação passa a assumir problemática posição. Éque a
"linguagem de computação", hoje utilizadaparao armazenamento de certa informação, poderá não
corresponder àquela que será utilizada daqui a dez anos, o que pode fazer com que o dado guardado no
presente momento torne-se ilegível com o passar do tempo. O mesmo se pode dizer em relação às
diferentes "linguagens" utilizadas por cada qual das espécies de computadores (assim como o DOS, o
Windows, o Linux etc); cada um desses programas de linguagem contém símbolos diferentes e comandos
próprios, tornando, muitas vezes, impossível ler em uma das linguagens documento produzido em
máquina que se utilizou de outra cifragem.
Por isso mesmo, quando se pensa em armazenamento de dados pela via informatizada, também não se
pode esquecer que os elementos guardados devem sempre estar acessíveis para consulta, inclusive após
longo período (o que é, afinal, a função da documentação) e mesmo que evoluído o meio tecnológico de
leitura da informação.
12.15.8 Prova documental e fac-símile
Situação particular pode ser criada com a apresentação de documento por via áefac-simile. A Lei 9.800,
de 26.05.1999, veio regular o uso do equipamento para a prática de atos processuais. Embora esse
diploma apenas se refira à utilização do fac-símile para a prática "de atos processuais que dependam de
petição escrita" (art. 1.° desta lei), não será difícil pensar que, juntamente com essas petições escritas,
poderão ser fornecidos documentos, razão pela qual as previsões ali contidas hão de aplicar-se, também,
ao regime de apresentação de provas documentais ou ate mesmo documentadas. Partindo-se desse
pressuposto, tem-se que a lei
12061
ANTOINE, Mircille; ELOY, Marc; BRAKELAND, Jean-François. "Le droit de Ia preuve face aux
nouvelles technologies de 1'information", cit., p- 65.
r
APROVA
411
estabelece como válido o uso do fac-símile (ou outro recurso semelhante) para a apresentação
de provas em juízo, desde que seus originais sejam efetivamente entregues em cartório (no
prazo de cinco dias contado a partir do término do prazo para a prática do ato na forma
tradicional e, nos atos não sujeitos a prazo, contando-se cinco dias da data da recepção do
material - ver art. 2.° da Lei 9.800/99). Dessa forma, não parece existir nenhum óbice ao uso
desse recurso de transmissão de imagens e informações, desde que a parte possa fornecer as
peças originais no prazo estabelecido em lei.
Suponha-se, todavia, a hipótese em que, por alguma razão, apresentada a reprodução no
momento adequado para a produção da prova documental (de regra, nas ocasiões previstas pelo
art. 396 do CPC), deixe a parte de oferecer os originais no prazo de cinco dias, como pretende a
lei. Qual a conseqüência daí resultante? Haverá o juiz de ordenar a exibição, poderá
simplesmente ignorar o comando legal e aguardar, até final decisão, eventual juntada dos
originais, ou deverá simplesmente desconsiderar a cópia fornecida? A resposta a tais cogitações
deverá levar em conta o disposto no art. 183 do CPC; havendo justo motivo para exceder o
prazo fixado (cinco dias), naturalmente não se pode pensar em aplicar qualquer sanção, devendo
o juiz - ao deparar-se com ajusta causa, comprovada pela parte - assinar novo prazo para a
juntada dos originais (se estes já não tiverem sido trazidos aos autos).
Remanesce, porém, a hipótese em que a parte não apresente os originais no prazo estabelecido
pela lei, ausente, ainda, qualquer justa razão para sua omissão. Nesses casos, se houver interesse
da outra parte naquele específico documento, parece que a apresentação do fac-símile seja
indício suficiente da existência do original em posse do adversário, o que pode dar ensejo ao
incidente de exibição de documento. Em não havendo interesse da parte contrária em carrear
aos autos o documento, pode acontecer que aquela impugne o conteúdo do fac-símile
apresentado ou não: não impugnando, não se mostra razoável negar à reprodução algum caráter
probatório, ainda que não venha acompanhada do original - nesse caso, ao que parece, toca ao
juiz atribuir à cópia o valor que entender adequado, tomando por base as circunstâncias que
cercam a não apresentação do original e os demais elementos de provados autos. Caso haja
impugnação ao conteúdo da reprodução, então, sim, será lógico que o juiz tome por imprestável
o fac-símile para a comprovação de qualquer
412
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
fato.207 Descumprindo o ônus imposto pela lei, e havendo suspeita sobre a reprodução lançada
pela parte oposta, não poderá o juiz calcar-se no documento para justificar sua decisão, j á que
tal cópia não se reveste das mínimas exigências necessárias aprova de qualquer fato jurídico.
Parece que a lei aponta para este mesmo entendimento quando busca, através da locução
"necessariamente", emprestar algum caráter cogente na determinação de apresentação do
original. 208
Quanto à verificação da concordância entre o fac-símile e o original, prevê a referida lei (art.
4.°) que "quem fizer uso de sistema de transmissão torna-se responsável pela qualidade e
fidelidade do material transmitido, e por sua entrega ao órgão judiciário". Assim, normalmente,
com a entrega do original do documento em juízo, poder-se-á fazer o cotejo entre este e a cópia
enviada, a fim de apreciar a fidelidade desta última. Caso se verifique alguma divergência entre
ambas, tem-se como responsável o emitente da reprodução, que se sujeita às sanções cabíveis,
sendo esta, ainda, hipótese de litigância de má-fé (art. 4.°, parágrafo único, da Lei 9.800/99). A
toda evidência, porém, somente se poderá cogitar da aplicação de alguma medida punitiva à
parte, caso seja possível imputar a esta a responsabilidade pela divergência entre o original e a
cópia, ficando constatado tratar-se de fraude na reprodução obtida com a transmissão. Em se
concluindo que a divergência decorre de problemas naturais do uso da máquina de fac-símile
(como, por exemplo, a falta, na cópia, da última linha de algum documento, ou a ilegibilidade
de alguma anotação ou assinatura), incabível será qualquer penalidade à parte que se utilizou do
sistema.
Por fim, não é demais lembrar que, obviamente, a faculdade de apresentação de documentos
pela via do fac-símile apenas terá aplicação para as provas que possam ser transmitidas por esse
tipo de aparelho. Quanto ao restante (por exemplo, os documentos fonográficos), permanece a
necessidade - ao menos até que surja meio tecnológico adequado - do
(2I)71
Lembre-se, porém, que o juiz tem o poder de determinar prova de ofício.
cosi "^J .J 2.° A utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos,
devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término.
Parágrafo único. Nos atos não sujeitos a prazo, os originais deverão ser entregues, necessariamente, até cinco dias da
data da recepção do material."
APROVA
413
recurso às vias anteriormente vistas, acarretando, por vezes, sérios transtornos na produção da
prova em época oportuna.
12-15.9 Força probante dos documentos
A força probatória dos documentos é determinada, basicamente, pelo tipo de documento que se
examina, e pelas conseqüências que tradicionalmente são atreladas a sua autoria.
Assim, segundo a lei, o documento público prova sua existência e também os fatos que o agente
público atesta terem ocorrido em sua presença (art. 364 do CPC e art. 215 do CC). Assim deve
ser, por conta da presunção de legitimidade e de veracidade que paira sobre os atos administrativos. Da mesma forma, o documento público reputa-se autêntico, já que se tem por certa
sua autoria.
A mesma força probatória que se confere ao documento público é outorgada a sua "cópia " (art.
365 do CPC). Essas cópias - certidões textuais, traslados e reproduções autenticadas por oficial
público - têm a mesma eficácia probante, porque também têm sua gênese confirmada por agente
público.
Eventualmente, o instrumento público é da própria substância do ato (constituindo verdadeiro
elemento do ato jurídico). Nesses casos, a prova documental é a única admitida para a
comprovação do ato, já que, sem esse instrumento, o ato não seria válido na ótica do direito
material. Para tais situações, impõe o CPC, como prova legal, a prova documental, sendo
irrelevantes quaisquer outros meios de prova (art. 366 do CPC).
Quanto ao documento particular, sua eficácia probatória depende de sua autenticidade (autoria
certa). Segundo prevê o art. 368 do CPC, "as declarações constantes do documento particular,
escrito e assinado ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário" (na
mesma linha, é a conclusão do art. 373 do CPC). Assim é porque se presume que o autor
(intelectual) do documento particular é, precisamente, o sujeito que o elaborou e assinou, ou
somente o assinou, após mandar fazê-lo, ou ainda aquele que não o firmou porque não é comum
assinar tal tipo de documento (art. 371 do CPC).
Essa autenticidade, essencial portanto para a eficácia probatória do documento, permite, por sua
importância, questionamento próprio, seja
414
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
através do incidente de verificação (art. 372 do CPC), seja pelo incidente de falsidade
documental (arts. 390/395 do CPC). O primeiro é apenas destinado a argüir a não autenticidade
do documento - porque há dúvida sobre sua autoria -, enquanto o segundo visa a efetivamente
comprovar que o autor do documento não é aquele que se supõe fosse, havendo falsificação no
documento para tentar iludir a autoria.
A lei processual, em matéria de prova documental, prevê ainda a conversão de documento
público em particular, admitindo que o documento público, elaborado por servidor
incompetente, ou sem obediência das formalidades legais, tenha a mesma eficácia do
documento particular (art. 367 do CPC).
Também disciplina a lei processual a eficácia probatória de outros meios de prova; não apenas a
dos documentos escritos. Alude, assim, ao telegrama, ao radiograma, aos livros comerciais e às
reproduções mecânicas. Em todos esses casos, algumas particularidades, jurídicas ou técnicas,
alteram a força probante do documento. Também o novo Código Civil tratou desta modalidade
de documentos, atribuindo-lhes particular eficácia (arts. 222, 225 e 226).
Também essa força pode ser alterada, se houver, no documento, alguma alteração visível, como
rasura, ressalva ou entrelinha (desde que não tenha sido expressamente mencionada ou aludida,
no texto do documento formado). Nesses casos, como prevê o art. 386 do CPC, compete ao juiz
dar ao documento assim formado o valor que entender cabível, segundo as circunstâncias
específicas do caso concreto. O mesmo pode acontecer quando houver "abuso de documento em
branco", ou seja, quando o documento tiver sido assinado em branco para ser posteriormente
preenchido, e esse preenchimento ocorrer de maneira abusiva, violando o pactuado. Novamente,
nesse caso, pode o documento perder sua eficácia probatória, especialmente porque não mais
representa aquilo que nele deveria constar (art. 388, II, do CPC).
Finalmente, em termos de eficácia probatória do documento, prevê a lei que é princípio natural
da prova documental sua indivisibilida.de (art. 373, parágrafo único, do CPC). A lei somente
alude à indivisibilidade do documento particular, mas é certo que o princípio tem aplicação,
também, e com maior razão ainda, ao documento público. Tal como acontece com as
declarações prestadas pela parte, o documento deve ser interpretado como um todo incindível.
APROVA
415
De acordo com as previsões contidas nos arts. 368, 369, 372 e 373, todos do CPC, o conteúdo
do documento particular autêntico é presumido verdadeiro, em relação a sua integralidade, salvo
quando se logre provar, por qualquer via admitida em direito, que essa presunção (relativa que
é) não merece procedência. Havendo, nos autos, prova suficiente a infirmar a presunção
sobredita, poderá (e deverá) o magistrado apoiar-se nesta, recusando força probatória ao
documento. Tal é o que resulta da expressa menção contida na parte final do art. 373, parágrafo
único, do CPC, e também do sistema probatório nacional, considerado em seu aspecto
principiológico.
12.15.10 Produção da prova documental
Como se observou anteriormente, a produção da prova documental apresenta certa
particularidade. É que a parte que deseja trazer aos autos alguma prova documental deve, em
regra, apresentá-la juntamente com o requerimento de sua admissão. A admissão da prova
somente será feita posteriormente pelo juiz, ocasião em que a prova já terá sido juntada aos
autos.
Convém não confundir a produção áíxprova documental com a apresentação de documentos
essenciais à propositura da ação, de que trata o art. 283 do CPC. Ora, a prova documental como simples meio de prova que é — dificilmente pode ser reconhecida como algo
indispensável à propositura da ação. Bem ao contrário, é cediço que a produção da prova é mero
ônus da parte, que deve ter interesse em demonstrar a ocorrência dos fatos que afirma terem
ocorrido.209
É evidente que quando a lei impõe o dever (e não mais o ônus) de a parte instruir a petição
inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação, pretende ela significar outra
coisa, que não se confunde com a mera prova documental. Vale lembrar que a infração a esse
dever (imposto pelo art. 283 do CPC) pode resultar na aplicação do art. 284 do CPC, inclusive
com o indeferimento da petição inicial. Com efeito, seria inimaginável que pudesse o juiz
simplesmente indeferir a petição inicial porque a parte não juntou, com a petição inicial, os
documentos que prel2ü9)
Ver José Joaquim Calmon Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., v. 3, p. 167.
416
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tendia utilizar para demonstrar suas alegações. Como simples meio de prova, esses documentos
poderão ser, posteriormente, substituídos por outros tipos de prova (a testemunhai, por
exemplo), capaz de suprir a omissão inicial e demonstrar a ocorrência dos fatos alegados pelo
autor.210
A falta de atendimento à determinação do art. 396 do CPC, importa, apenas e em regra, em
preclusão da produção da prova documental. Já o descumprimento do preceito do art. 283 gera a
incidência da determinação do art. 284, com extinção imediata do processo diante do indeferimento da petição inicial. A primeira hipótese, como é evidente, jamais poderá ensejar o
indeferimento da petição inicial ou a extinção do feito sem exame do mérito; apenas poderá i
mportar na ausênci a de prova quanto a algum fato alegado.
Têm-se, então, duas situações necessariamente distintas, que merecem tratamento diversificado,
não obstante a remessa expressa contida nos arts. 283 e 396 do CPC. E essa distinção reside,
exatamente, na noção do que sejam documentos indispensáveis àpropositura da ação—cuja não
apresentação com a petição inicial pode gerar a extinção imediata do feito - e o que sejam
apenas provas documentais.
Antes de tudo, tem-se como indispensável à propositura da ação a prova da capacidade
processual do autor. Assim, a prova da regular constituição da empresa demandante, ou dos
poderes de representação que exerce seu representante legal (e que o autoriza a, em nome da
empresa, mani testar a vontade desta na propositura da demanda), é documento que, ausente,
não permite a propositura da demanda, uma vez que subtrai do magistrado o poder de avaliar a
capacidade de ser parte ou de estar em juízo. Também entra nessa mesma hipótese a prova do
mandato judicial, que deve instruir necessariamente a petição inicial, a fim de demonstrar que o
advogado realmente representa a parte em juízo (art. 37 do CPC e art. 5.° da Lei 8.906/94).
Neste último caso, vale lembrar que a própria lei autoriza a prática de atos urgentes pelo
advogado sem procuração, desde que se comprometa a juntar o instrumento de mandato em
quinze dias, prorrogável por igual período (art. 37, infíne, do CPC e art. 5.°, § 1.°, da Lei
8.906/94).
Também devem considerar-se documentos essenciais aqueles cuja apresentação é pressuposto
para a utilização de determinado tipo especí12101
Neste sentido, José Joaquim Calmon Passos, ibidem, p. 166.
APROVA
4)7
fico de procedimento.2 " Assim, por exemplo, para a propositura de ação monitoria, deve a parte
instruir a petição inicial com prova escrita sem eficácia de título executivo, de obrigação
pecuniária, de entrega de coisa fungível ou de bem determinado (art. 1.102a do CPC). Na ação
de depósito, a fim de permitir-se o uso do procedimento específico, é indispensável a prova
literal do depósito (art. 902 do CPC). Para a ação de consignação em pagamento, é necessário
instruir a petição inicial com prova do depósito e da recusa (art. 890, § 3.°, do CPC). Em todos
esses exemplos, observa-se que a lei submete o uso de certo tipo de procedimento específico à
satisfação de determinado requisito: a prova, com a inicial, de certos fatos.
Outro caso em que será indispensável a juntada de documento com a petição inicial será quando
esse documento represente o próprio objeto da ação. Pense-se na hipótese da ação declaratória
(principaliter) de falsidade documental. Nesse caso, o documento questionado não é apenas a
prova da alegação feita pela parte, mas é o próprio objeto da demanda. Sem ele não se pode
sequer cogitar da possibilidade de exercício da pretensão. É, então, esse documento essencial à
propositura da ação.
Por fim, também se considera documento indispensável à propositura da demanda a prova do
ato que seja da sua própria substância.2 '2 Como lembra CALMON DE PASSOS,213 não se pode
propor ação reivindica-tória de imóvel sem a prova do domínio, a qual somente pode ser feita
por escritura pública ou particular regularmente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Da mesma forma, segundo esse jurista, não se pode pensar em ação de divórcio sem a prova da
existência do casamento, a qual só é feita com o registro civil de casamento. Em todos esses
casos, novamente, não se pode sequer pensar na propositura da demanda sem a demonstração,
prima facie, desses elementos.
É bom lembrar que esse mesmo raciocínio aplica-se também à figura do réu. Também a ele,
embora a lei não trate especificamente da ques(21
" Cf. José Joaquim Calmon Passos, Comentários ao Código de Processo Civil, cit.,p. 166.
Cf. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil, cit., p. 166. Diz o autor
que "nestas hipóteses, é o próprio fato título da demanda que está em jogo, porquanto sua prova se vincula, de modo
essencial, ao documento que o manifesta".
<2I3)
Idem,ibidem,p. 166.
12121
418
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tão, imputa-se o dever de apresentar alguns documentos com sua peça de defesa. Apenas a título
exemplificativo, vale lembrar que o réu não pode defender-se nos autos sem a prova da
constituição regular e da legitimidade de sua representação, e também sem a prova do mandato
do advogado constituído.
De lado essas hipóteses, os demais documentos constituem apenas prova documental dos fatos.
Tais documentos também devem estar presentes na petição inicial, mas não sob pena de ensejar
o indeferimento liminar da ação. Estando ausentes esses documentos, relativos aos fatos
alegados pela parte autora na petição inicial, tem-se, em regra, como preclusa a faculdade de
produzir esse meio de prova, ficando a parte com o ônus de demonstrar esses fatos por outra via
probatória. A imposição dessa preclusão, além de decorrer expressamente de texto legal (art.
183 do CPC), prestigia o princípio da não-surpresa. Permitindo-se às partes, eternamente, juntar
documentos preexistentes para a comprovação de fatos afirmados, cria-se situação de
instabilidade no processo, na medida em que jamais poderão elas orientar-se pelas regras
comuns do ônus da prova.214 Sempre, mesmo depois da sentença, seria possível apresentar
documento qualquer, alterando-se completamente o andamento do feito.
Em regra, a produção da prova documental tem momento próprio, concomitante com a
apresentação pelas partes da petição inicial e da resposta (art. 396 do CPC). Eventual mente,
para a comprovação de fato novo, pode-se apresentar documentos ulteriormente (art. 397 do
CPC). Aqui, seja em função de algum incidente criado no curso do processo - que exige o
encaminhamento da discussão para temas não contemplados inicialmente no conteúdo da
demanda (como, por exemplo, o impedimento ou a suspeição do juízo, a reconvenção etc.) -,
seja porque fato novo ocorreu quanto ao mérito da ação inicialmente exposta, será necessário
trazer documento novo, capaz de demonstrar ao magistrado sua efetiva ocorrência, caso em que
se admite a produção da prova documental após o momento inicialmente adequado.
Uma vez juntado o documento aos autos, deverá o magistrado providenciar para a efetivação do
contraditório sobre ele, autorizando à parte
A respeito da incidência, para as partes, da preclusão em matéria de prova, v. Manoel Caetano Ferreira
Filho, A preclusão no direito processual civil, Curitiba, Juruá, 1991, p. 90 e ss.
A PROVA
419
contrária manifestar-se sobre a prova juntada, no prazo de cinco dias (art.
398 do CPC). Nesse prazo, poderá a parte insurgir-se contra a produção da prova documental,
argüindo sua inconveniência, falta de oportunidade etc. Vale notar que esse prazo diz respeito
apenas ao questionamento quanto à necessidade de produção da prova documental, ou para
aludir-se a seu conteúdo, impugnando-o. Para alegar a falsidade do documento, ou ainda para
apontar a incerteza quanto a sua autoria, o prazo é outro (previsto no art. 390 do CPC).
Eventualmente, também pode acontecer que a parte não disponha do documento que pretende
ver nos autos. Se esse documento estiver em poder da parte contrária, ou de terceiro, usa-se do
procedimento da exibição. Se, todavia, o documento estiver em posse de algum órgão público,
autoriza o CPC ao juiz requisitá-lo, para ser juntado aos autos, ou ao menos para que se
providenciem cópias suas (ou de suas partes importantes para a solução do litígio), que ficarão
encartadas nos autos (art.
399 do CPC).
12.15,11 Incidente de argiüção de falsidade documental
Conforme j á foi ressaltado anteriormente, no tocante ao tema da prova, não há aspecto mais
relevante do que indagar da fidelidade da prova que se produz em juízo. Se a prova é o elemento
em que se deve basear o magistrado para a fixação do(s) fato(s) controvertido(s), então é certo
que, segundo a legitimidade da prova que se logra produzir no processo, tanto melhor (ou pior)
será a decisão do juiz, já que tanto mais próximo (ou mais longe) da realidade do ocorrido estará
ele.
Em relação à prova documental, a importância que se dá ao tema é tamanha que a lei brasileira
concebe várias formas de alegação da falsidade da prova em juízo. Deveras, basicamente por
três vias poderá o interessado indagar da falsidade ou não de prova documental em juízo:215 a)
inicialmente, pela via direta, propondo ação principal, cujo objeto específico seja propriamente
a declaração de falsidade ou não de documento (art. 4.°, II, ou ainda art. 485, VI, do CPC); b)
poderá ainda manifestar essa pretensão por via incidental, levantando a questão no curso de
(2I5)
ARRUDA ALVIM, José Manuel. Tratado de direito processual civil. São Paulo: RT, 1990. vol. I, p. 438.
420
MANUAL DO PROCHSSO DE CONHECIMENTO
ação outra, que tem objeto próprio distinto; c) por fim, pode o tema ser argüido em outro campo,
na esfera criminal, sendo a decisão lá obtida posteriormente transposta para o juízo cível, como
prejudicial ao resultado da demanda (art. 110 do CPC), ou mesmo em ação rescisória (art. 485,
VI, do CPC).
O incidente de argüição de falsidade documental apenas se refere à segunda das possibilidades,
pelo que as regras aqui estudadas apenas interessam a ela. Nas demais hipóteses, regras próprias
regerão o procedimento, muito embora o tema de fundo seja, em essência, o mesmo, recebendo
idêntico tratamento (ressalvada a situação particular daques-tão criminal, onde o enfoque da
falsidade poderá assumir contornos outros 216). Ou seja, as noções já antecipadas, a respeito da
falsidade, não deverão variar (dentro dos aspectos cíveis da questão); mas o procedimento, este
sim, deverá variar conforme o tema se apresente na via inci-dental (argüição incidenter tantum)
a outra demanda proposta, ou na via principal (argüiçãoprincipalitei; em ação própria comum
ou rescisória).
Quando a argüição do falso se fizer pela via principal (como objeto específico da demanda), não
pode surgir controvérsia em conceituar essa figura como ação. Entretanto, ao observar-se o
instituto de que trata o CPC, nos seus arts. 390 e ss., pode surgir alguma dúvida em atribuir-selhe natureza própria de ação ou de mero incidente processual, a reclamar, então, exame mais
demorado.
A análise do texto legal prontamente gera a impressão de que o CPC pretende conceder a essa
figura caráter de ação incidental. Assim é que a lei fala em pretensão (art. 391 do CPC), em
autuação do incidente em apenso aos autos principais (art. 393 do CPC) e em sentença (art. 395
do CPC). Essa impressão inicial, porém, decorrente do exame exclusivo da
(2
"'> Já lembrava, a este respeito, HUGO SIMAS, na vigência do CPC anterior, que a falsidade, no âmbito criminal,
visa à pessoa, enquanto na esfera cível, dirige-se apenas ao documento questionado (SIMAS, Hugo. Comentários ao
Código de Processo Civil. 2. ed. atualizada por João Vicente Campos. Rio de Janeiro: Forense, 1962. v. VIII, t. 2, p.
238). Assim também ensinava, perante o direito italiano, MORTARA, dizendo que "a questão sobre o falso, enquanto
é tema de uma disputa em sede civil, dirige-se verdadeiramente contra o ato, não contra o culpável, tende a obter a
declaração de invalidade daquele, não a punição deste" (MORTARA, Lodovico. Mamiale delia procedura civile-
8.ed.Torino:Utet, 1916. vol. I, p. 445).
A PROVA
4?1
redação do código, fica seriamente abalada quando se conclui, pelo teor doart. 162, § 1.°, que o
legislador apenas considera como sentença "o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo",
sendo certo que o ato do juiz que decide, incidentalmente, a controvérsia sobre a autenticidade
ou falsidade de certo documento (prova das alegações das partes, em relação ao tema de fundo
da relação processual) não põe fim ao processo, mas, ao contrário, constitui-se em verdadeiro
pressuposto para a sentença (sobre o mérito) da causa. Ainda contribui para negar a idéia de que
se trate de ação, propriamente dita, a dicção da lei, ao dizer que o demandado será intimado (art.
392 do CPC), e não citado para o incidente.
O tema será de fundamental importância não apenas para se descreverem os princípios aos quais
se deve submeter o incidente, mas ainda para determinar o recurso cabível da decisão final nele
tornada. Parece ser mais adequado considerar que a argüição de que tratam os arts. 390 e ss. do
CPC constitui-se em verdadeira ação declaratória incidental. Sua natureza de ação é
indiscutível, na medida em que encerra nova pretensão, 217 inexistente anteriormente, quando da
propositura da ação "principal", onde se iniciou a atuação jurisdicional.
Todavia, essa ação incidental pode resultar na formação de verdadeiro processo incidente ou
não. Terá a virtude de abrir ensejo a processo no caso de que trata o art. 393 do CPC, em que a
argüição é promovida posteriormente ao encerramento da audiência (de instrução e julgamento).
Caso o oferecimento da impugnação se faça antes desse momento, então o incidente será
autuado internamente aos autos principais e seguirá como incidente. Para o primeiro caso, em
que se terá verdadeiro processo incidente, este realmente conduzirá à prolação de uma sentença,
sujeita a recurso pela via da apelação. Ao contrário, se se verificar a ocorrência da segunda
hipótese, então a decisão que encerra o incidente será mera decisão interlocutória, a submeter-se
ao regime do agravo.
(2I7)
Consoante lembra PONTES DE MIRANDA, "a ação declaratória incidental no caso de declaração de
autenticidade ou falsidade de documento oferece o caso único que se conhece (Rudolf Pollak, System, 3) de pretensão
à tutela jurídica sem ser preciso ha\crpor trás da ação processual pretensão de direito material ou, sequer, direito
subjetivo material" (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 4.
ed. atualizada por Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995.1.1, p. 155).
422
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Aparentemente paradoxal, a solução aqui exposta parece ser a única capaz de atender às
particularidades sentidas no trato da figura, quer em termos de processamento, quer
especialmente no que se refere aos recursos.21* Somente a compreensão do problema poderá,
tendo-se a consciência de que a definição de sentença dada pelo CPC é imprestável para tratar
adequadamente do fenômeno que está em sua base, minimizar os males que qualquer
interpretação radical traria ao tema que ora nos interessa.
Lembre-se, de toda sorte, que o processo - e, assim, todas as regras processuais - devem ser
interpretados à luz dos princípios que orientam o sistema processual. Não se pode considerar o
processo como um fim em si mesmo, ou como um empecilho à realização do direito e dos
escopos da jurisdição. As regras processuais devem sempre ser interpretadas de forma a
refletirem tais princípios, e essa idéia não é exceção no presente caso. Eis a razão que permite
colocar em segundo plano a lógica formal, dando prevalência à referida solução, mais adequada
à realidade.
Assim, conclui-se que a figura aqui estudada poderá assumir dupla natureza: de ação em
processo autônomo ou de ação incidental em processo já instaurado. Será sempre ação, mas
poderá ou não formar processo incidente. No primeiro caso, sua solução demandará sentença
(que encerrará tal processo) passível de ser atacada pela via da apelação; no segundo, a decisão
que encerra o incidente será decisão interlocutória, a desafiar agravo.219
Como pondera NELSON NERY JR., "ao admitir-se sempre o recurso de apelação, quidjuris se o incidente de
falsidade manifestamente improcedente fosse rejeitado de plano, quando proposto antes de encerrada a instrução? A
apelação, que seria recebida no duplo efeito, faria com que os autos subissem por inteiro ao tribunal destinatário do
recurso, impedindo o andamento normal do processo, podendo servir, destarte, como instrumento de chicana" (NERY
JR., Nelson. Princípios fundamentais—Teoria gemidos recursos. 3. ed. São Paulo: RT, 1996. p. 119-120).
Neste sentido, v. NELSON NERY JR. (Princípios fundamentais - Teoria geral dos recursos, cit., p. 119-120); EGAS
D1RCEU MONIZ DE ARAGÃO (Exegese do Código de Processo Civil, cit., p. 313-314); MILTON SANSEVERINO
("Recurso cabível no incidente de falsidade documental"-RePro 24/204, São Paulo: RT, out./dez. 1981).
A PROVA
423
De toda sorte, em face da controvérsia suscitada na doutrina, será sempre recomendável a
adoção do princípio da fungibi lidade nesse caso, acolhendo-se o recurso equivocado pelo
correto, em relação a esse tipo de decisão.
Outro tema que merece ser precisado é o do âmbito de debate (e de cognição) que se permite no
incidente. Como é curial, a denominação de incidente de falsidade gera a impressão de que
nesse momento se pode deduzir qualquer pretensão que diga respeito a sustentar que as informações contidas no documento não sejam verdadeiras. Esse, porém, não é o caminho adequado
para esse tipo de discussão, nem teria cabimento debater, neste foro, a veracidade ou não das
informações registradas no documento.
De fato, se um documento, materialmente verdadeiro, reflete fato que efetivamente não ocorreu,
ou então que ocorreu de forma diversa, normalmente a questão se resolverá em termos de
provas (e contraprovas) produzidas no processo, sendo desnecessário recorrer à via desse incidente para solucionar a controvérsia. De regra, portanto, a apresentação de documento
ideologicamente falso em juízo acarretará a impugnação de seu contexto pela parte contrária
(art. 372 do CPC), com a conveniente apresentação de contraprova por esta. A necessidade,
então, do incidente a que o CPC aqui se refere não se mostrará, c formar esse espaço no
processo (com a suspensão do andamento do feito - art. 394 do CPC), exclusivamente para
contrapor provas, seria sem dúvida um desprestígio à idéia de efetividade do processo.
Não é, pois, para a discussão sobre a verdade do conteúdo do documento que esse incidente se
presta. A finalidade do incidente somente pode ser compreendida se ele for interpretado à luz do
que dizem os arts. 395 e 4.°, II, ambos do CPC. Nesses dispositivos consta a específica menção
de que o incidente se destina à declaração da falsidade ou da autenticidade do documento.
Portanto, quando o CPC utiliza-se da noção de falsidade, o faz em oposição ao conceito de
autenticidade, e é exclusivamente esse o campo de perquirição a que se presta essa ação
incidental.
A ação declaratória incidental de falsidade documental visa, apenas, à verificação da
autenticidade - da autoria, da proveniência - do documento, sem se preocupar se as informações
nele contidas são realmente
424
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
procedentes (verdadeiras) ou não.22" Corno já se viu, a fé de um documento está na direta e
imediata proporção da fé que merece seu autor; por isso, preocupa-se a lei em oferecer espaço
adequado para a investigação da autoria do documento, a fim de se avaliar a sua prestabilidade
como prova no processo.
Por outro lado, também é relevante notar que nem todo documento é suscetível de ser submetido
ao incidente de falsidade. É irrelevante o fato de ser o documento público ou privado; ambos
podem ser objeto dessa ação declaratória incidental, indiferentemente. 221 Entretanto, a simples
circunstância de poder uma coisa ser considerada como documento não lhe autoriza, por si só,
permanecer na condição de objeto desse incidente. A propósito, clara é a lição de PONTES DE
MIRANDA, em relação à ação declaratória de falsidade de documento em geral: "algumas vezes, no Código de Processo Civil, documento só abrange os instrumentos, os papéis; outras
vezes, os documentos e as peças probatóriasjuntáveis aos autos; outras vezes, os documentos e
as peças probatórias que têm de ser arquivadas. É no último sentido que a palavra documento se
acha no art. 4.°, II? Posso ter interesse em pedir a declaração da autenticidade ou falsidade da
mesa que se diz ter pertencido a Pedro I, ou da autenticidade ou falsidade dos exemplares de
certo livro editado; mas documento, no art. 4.°, II, é só o instrumento ou o documento peça
probatória, em que alguém pode ser apontado como autor (autenticidade) aparente e real, ou
somente real ou somente aparente (falsidade)".222
Segundo REDENTI (Diritto processuale civile, cit., v. 2, p. 249), a função da querela de falsidade é a de retirar a
eficácia probatória de documentos capazes de fazer prova plena (da mesma opinião, partilham Salvatore Satta,
Carmine Punzi, Diritto processuale civile, 12. ed., Padova, Cedam, 1996, p. 401). Realmente, uma vez negada a
autoria do documento (que pudesse ter a virtude de produzir prova vineulante para o magistrado), essa força
desaparece, sendo possível ao juiz atribuir à prova o valor que entender pertinente. No direito brasileiro, a prova
documental não é apta a produzir prova plena; todavia, ainda assim, o raciocínio permanece o mesmo, na medida em
que, negada a autoria do documento, perde-se toda a consistência da prova, relegando-se a peça praticamente à
inutilidade.
V. por todos, Antônio Carlos Muniz, "Do incidente de falsidade", RT54M29, São Paulo: RT, nov. 1980. Comentários
ao Código cie Processo Civil, cit., 1.1, p. 154.
A PROVA
425
Também aqui é possível utilizar a diferença entre o falso ideológico e o material. Essa distinção,
com efeito, pode assumir relevante importância nesse contexto, na medida em que a doutrina,
tradicionalmente, somente admite a argüição de falsidade material pela via do procedimento
estabelecido no art. 390 e ss. do CPC.
A restrição tem por fundamento a disciplina do incidente, a apontar para a obrigatoriedade da
submissão do documento questionado à prova pericial (art. 392, caput, do CPC), o que seria
impossível na argüição do falso ideológico — em que se deve demonstrar que a idéia retratada
no documento é que não é verdadeira. Ora, é bem sabido que a prova pericial apenas poderá
indicar a ocorrência de falsidade material; quanto ao falso ideológico, este se prova por outros
meios de prova, admitidos em direito.
O argumento mais importante, todavia, em prol dessa corrente restritiva, decorre da constatação
da natureza da decisão que decide o incidente. Diz-se que essa decisão somente pode ter
conteúdo cleclaralório, jamais constitutivo. Todavia, a argüição de vício da vontade sobre
declarações contidas em documento (autenticidade intelectual) torna essa declaração passível de
anulação (por erro, dolo ou coação), o que somente se obtém pela via constitutiva e não por
decisão com eficácia preponderantemente declaratória. Logo, imprestável seria essa via para
obter tal finalidade, uma vez que a eficácia específica da decisão que pode ser proferida nesse
incidente não comporta a finalidade que se pretende obter.
Todavia, embora essa concepção restritiva da função da argüição da falsidade documental tenha
sempre sido preponderante, não se podem distinguir situações onde a própria lei não discerniu.
Não há dúvida de que, como regra, a declaração de falsidade documental, fundada em falso
ideológico, não terá nenhuma função. Realmente, se para o processo civil não importa a punição
daquele que produz o documento falso — ou se essa punição c, pelo menos, incidcntal e
secundária, na forma do art. 17, II, do CPC -, é necessário centrar o interesse sobre a prova (o
documento) produzida, avaliando sua utilidade para o processo. O que importa para o direito
processual civil é, somente, atestar a fé que pode vir a merecer o documento oferecido em juízo,
e este é o precipuo objetivo da argüição de falsidade. Essa alegação, normalmente, virá calcada
na afirmação de que a assinatura aposta no documento é falsa, ou é falso todo o documento
produzido (especialmente no caso de documentos
426
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
públicos). Tais questões são típicas de argüição de falso material, não tendo relação com o falso
ideológico. Entretanto, é possível imaginar a hipótese em que o falso - e observe-se novamente
que o presente incidente não se destina a apurar a verdade das declarações contidas no
documento, mas apenas suaautenticiclacle (proveniência, autoria)- venhaembasado na assertiva
de que, por exemplo, o documento público produzido em seu nome não tenha sido mandado
confeccionar por ele (tendo outra pessoa assumido sua identidade e se apresentado perante o
oficial público para lavraradeclaração).223 Nesse caso, certamente, haverá situação de falso
ideológico, que refletirá na questão da autenticidade do documento. Nesses casos, surgindo a
necessidade da argüição do falso ideológico, como questionamento da Ínautenticidade de
documento, será cabível ou não o recurso à ação prevista pelos arts. 390 e ss.?
Calcado na distinção de C ARNELUTTI, entre documentos narrativos e documentos
constitutivos, busca THEODORO JÚNIOR tratar do tema segundo as particularidades de cada
qual. Realmente, como diz o autor, "a corrente restritiva do cabi mento da declaratória de
falsidade para o falso ideológico está correta enquanto se analisa o documento constitutivo, que
somente através de ação constitutiva pode ser atacado; o excesso cometido foi o de generalizar a
restrição a todos os casos de falso ideológico, já que não haveria razão para negar cabimento ao
incidente quando a falsidade se referisse apenas a documento narrativo ou testemunhai; aliás, in
casu, o que será difícil de justificar, é mesmo a ação constitutiva, já que inexistirá relação
jurídica material a desconstituir".224 De outro lado, pondera o mesmo jurista, "acorrente
ampliativa, que preconizava sempre o cabimento da declaratória de falsidade, pouco importando
fosse o falso material ou ideológico, também pecou pelo excesso, já que, se não se deve a priori
recusar a declaração do falso produzido por desvio intelectual no contexto do documento, força
é reconhecer também que o incidente de falsidade não deve mesmo ser desviado para aquelas
situações em que se reclama a desconstituição ou a anulação do ato
l !)
- Também seria possível imaginar a situação cm que, naqueles documentos que não se costuma assinar (art. 371, III,
do CPC), atribui-se a sua autoria a pessoa que afirma não ter mandado confeccioná-lo.
12241
THEODORO JR., Humberto. "Açãodeclaratóriae incidente de falsidade: falso ideológico e intervenção de
terceiros", Revista de Processo 51/32 e ss.
A PROVA
427
jurídico simulado". 225 Buscado o equilíbrio dentro dessas observações, pode-se extrair, com
razoável segurança, alguma definição.
Em conclusão, segundo essas diretivas, pode-se entender que o incidente de falso caberá sempre
em relação às falsidades materiais; quanto às falsidades intelectuais, será necessário distinguir:
se se tratar de documento narrativo, também a argüição pelo incidente será viável, já que se
pretende apenas declarar o documento como inábil para a prova de certo fato; se o documento,
ao contrário, for constitutivo, então será necessário propor ação própria que objetive à
desconstituição do ato jurídico (representado pelo documento) viciado.226 Por outras palavras, se
o interesse da parte limitar-se a buscar a negativa de valor do documento como prova no
processo, questionando de sua autenticidade apenas, então ficará aberta a via do incidente; se,
porém, seu interesse for além, pretendendo questionar a própria relação jurídica refletida pelo
documento, então a questão deixa de ser incidental à demanda outra, passando a assumir
estrutura e feição próprias, o que exigirá a propositura de ação autônoma, destinada a
desconstituir a relação jurídica.
A argüição do falso pode ocorrer em qualquer tempo ou grau de jurisdição, devendo a parte que
tem interesse em fazê-lo, suscitá-lo na contestação (quando o documento tenha sido juntado aos
autos na petição
(225)
Idem, ibidem, p. 37.
(22f.) Q Superior Tribunal de Justiça, vale lembrar, adotou expressamente essa posição, no julgamento do REsp
19.920-PR (4.a T., rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in RSTJ57/240 e ss.), que tem como ementa:
"Processual civil. Falsidade ideológica. Documento narrativo. Apuração pela via incidental, art. 390 do CPC. Recurso
provido.
A falsidade ideológica, salvo nas hipóteses em que o seu reconhecimento importe cm desconstituição de situação
jurídica, pode ser argüida corno incidente, máxime quando sua apuração dependa unicamente da análise de prova
documental".
Do corpo do acórdão, com efeito, extraem-sc as seguintes passagens do voto do relator: "tai.s considerações mostramse necessárias na medida em que a falsidade ideológica só se apresenta apurável por incidente, como visto, quando
seu reconhecimento não importarem desconstituição de situaçãojurídica. (...) Narrativo o documento, não há,
portanto, como descortinar óbice à apreciação do incidente de falsidade suscitado, máxime em se considerando que
sua solução, em princípio, depende unicamente da análise da prova documental já produzida."
428
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
inicial) ou, então, no prazo de dez dias, contados da juntada aos autos do documento
questionado (art. 390 do CPC). Será feita sempre em petição escrita, fundamentada e
acompanhada da prova que a parte tiver para demonstrar a veracidade de suas alegações, em que
o interessado apontará as razões pelas quais entende ser o documento falso, não se podendo
imputar a autoria a quem ali consta.
Conforme o momento em que a argüição seja feita, o procedimento poderá ser sutilmente
diverso. Se for apresentado antes de encerrada a instrução do processo, a petição inicial será
dirigida ao juiz da causa que, admi-tindo-a, intimará a parte que produziu o documento a
manifestar-se em dez dias, determinandoasuspensãodo feitoprincipal. Esse requerido pode,
diante da ação incidental, concordar em retirar dos autos o documento questionado (caso em que
se encerrará o incidente, conforme prescreve o art. 392, parágrafo único, do CPC). Poderá
aindadiscordardaimpugnação realizada, caso em que deverá o magistrado determinar a
realização de perícia sobre o documento (art. 392 do CPC). 227 Em seguida, o juiz proferirá
decisão, acolhendo ou não o incidente. Esta decisão pode ser recorrida pela via do agravo.
Se o incidente for suscitado após a conclusão da instrução da causa, então a petição do
requerente será autuadaem apenso aos autos principais—ressalvada a hipótese em que seja
argüido diretamente perante o tribunal, pois nesse caso tramitará perante o relator, na forma
prevista no seu Regimento Interno. Formará, então, essa ação incidental veráãdeivoprocesso
incidente, com a suspensão do processo principal, em que o argüido será citado para responder à
ação, no prazo estipulado pelo art. 392 do CPC (dez dias), podendo também concordar em
retirar dos autos o documento questionado, caso em que o processo incidente será encerrado
sem exame de seu mérito. Se contestar a procedência da argüição, será determinada a instruçãose for material o falso que se imputa, será necessário realizar prova pericial. Caso contrário, se o
falso for ideológico, poderá ser realizado qualquer meio de prova idôneo a demonstrar a
alegação do requerente. Após, cumprirá ao juiz sentenciar o leito, declarando o documento
como falso (não-autêntico) ou autêntico. Dessa sentença caberá apelação, já que essa
deliberação judicial encena o processo incidente que foi formado.
'"" Obviamente, a prova pericial somente será pertinente se a falsidade argüida for material. Em se tratando de
falsidade ideológica, outros meios de prova serão mais adequados, como a prova testemunhai.
A PROVA
429
12.16 Prova testemunhai
72.16.1 Generalidades e conceito
Por meio da prova testemunhai obtém-se, através das declarações de alguém estranho à relação
processual, determinada versão de como se passaram certos fatos importantes para definição do
litígio. As testemunhas são sempre pessoas que não se confundem com os sujeitos principais do
processo. Assim, não podem ostentar essa condição aqueles que, no processo, assumem a
função de parte (como seria o caso do nomeado à autoria, do chamado ao processo, do opoente,
do denunciado da lide e do assistente litisconsorcial). O assistente simples poderia, em tese, ser
testemunha, não fosse sua vinculação à causa, que determina sua suspeição(art.405,§3.°,IV,doCPC).
Em regra, a testemunha depõe em juízo sobre o que presenciou. Contudo, a testemunha pode
presenciar o que não vê, mas apenas ouve, como por exemplo os gritos provenientes da casa do
vizinho.
Nenhuma utilidade se extrai, em geral, do depoimento referencial, ou seja, daquele em que a
testemunha narra que ouviu de alguém algo sobre fato que interessa para o processo. Todavia,
esse tipo de depoimento, embora não se preste como prova testemunhai, pode configurar
indício. Seja como for, o depoimento da testemunha deve referir-se a fatos que presenciou, não
tendo qualquer relevância suas opiniões ouparece-res sobre os fatos. Ou seja, a testemunha deve
narrar o fato, sem preocupar-se em qualificá-lo tecnicamente, ou ainda em demonstrar o seu significado. Em outras palavras, não cabe à testemunha dizer que a não realização de uma obra, em
uma perspectiva de engenharia civil, foi fundamental para a ocorrência do evento. Isso é questão
que deve ser elucidada por perito. No exemplo referido, a testemunha deve apenas declarar se a
obra foi, ou não, realizada. A prova testemunhai não constitui meio hábil para levar ao processo
dados técnicos ou análises técnico-científicas; isto se faz por meio da prova pericial, motivo
pelo qual, se for essa a intenção, a prova testemunhai deve ser indeferida.
Normalmente, não há restrição à utilização da prova testemunhai. Ressalvadas hipóteses
específicas, a prova testemunhai é sempre utilizável. Constituem exceções a essa regra as
situações descritas nos arts. 400 e 401 do CPC, em que se veda o recurso a esse meio de prova
quando
430
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
o fato já esteja comprovado por outro modo no processo,22S ou que somente admita prova por
documentos (como é o caso da previsão do art. 366 do CPC, em que o instrumento 6 elemento
essencial do ato jurídico).
De outra parte, o CPC admite a utilização da prova exclusivamente testemunhai somente quando
se trata de contratos cujo valor não exceda o décuplo do valor do maior salário mínimo vigente
no país, no tempo em que foram celebrados (art. 401 do CPC). Havendo, de qualquer forma,
início de prova escrita (caso em que não mais se cogita de prova exclusivamente testemunhai),
ou sendo inviável obter-se no caso particular a prova por escrito, é de se admitir o recurso a esse
meio de prova (ainda que único). Mais do que isso, na forma estabelecida pelo art. 404 do CPC,
é sempre possível demonstrar por meio de prova testemunhai -porque o meio mais idôneo para
tanto — "nos contratos simulados, a divergência entre a vontade real e a vontade declarada", e
"nos contratos em geral, os vícios do consentimento".
12.16.2 A testemunha. Incapacidade, impedimento esuspeição. Regras de privilégio
Nem todos podem prestar depoimento na condição de testemunha. De início, por razões óbvias,
somente a pessoa física é que pode ostentar essa condição. Para que essa pessoa possa atuar
como testemunha, é necessário que tenha plena condição de presenciar fatos e de expô-los claramente, além de apresentá-los em juízo de forma imparcial e desinteressada. Para assegurar
essas condições, a lei cria hipóteses de incapacidade, de impedimento e de suspeição da
testemunha, quando então não será admissível seu depoimento em juízo (ao menos em regra).
A incapacidade da testemunha deriva de um vício objetivo, que a impede de presenciar
adequadamente fatos ou de retratá-los de maneira compreensível ou correta. Não têm estas
causas relação com eventual dolo
l22!il
Nesse caso, porem, a restrição deve ser vista com cautela, porque pode ser necessária a oitiva de testemunhas,
seja para afastar a veracidade dos fatos descritos no documento (por exemplo o art. 404 do CPC), seja porque não se
pode, a priori, determinar a preponderância hierárquica entre a prova documental e a prova testemunhai, mormente
diante do princípio da persuasão racional do juiz.
A PROVA
43]
da testemunha (que dissimularia a verdade); antes se relacionam com fatos biopsicológicos, que
põem em dúvida a capacidade de alguém apreender fatos e de transmiti-los de maneira perfeita.
São, assim, na forma do que prescreve o art. 405, § 1.°, do CPC, pessoas incapazes e, portanto,
proibidas de prestar testemunho: "I) o interdito por demência; II) o que, acometido por
enfermidade, ou debilidade mental, ao tempo em que ocorreram os fatos, não podia discerni-los;
ou, ao tempo em que deve depor, não está habilitado a transmitir as suas percepções; III) o
menor de dezesseis (16) anos; IV) o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos
sentidos que lhes faltam".
O impedimento e a suspeição, ao contrário da incapacidade, dizem com a habilitação subjetiva
da pessoa em depor. Derivam de causas que comprometem a fi dei idade do depoimento, por se
considerar que a testemunha não tem condições de ser imparcial na declaração que presta em
juízo. As duas figuras geram resultados idênticos, decorrendo de situações semelhantes, razão
pela qual não existe propriamente critério objetivo, excetuado o paradigma feito com o
impedimento e a suspeição do juiz, para discernir as hipóteses de impedimento e de suspeição
da testemunha. Nos termos do que prevê o art. 405, § 2.°, do CPC, são impedidos de depor: "I) o
cônjuge, bem como o ascendente e o descendente em qualquer grau, ou colateral, até terceiro
grau, de alguma das partes, por consangüinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse
público, ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo
a prova, que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito; II) o que é parte na causa; III) o
que intervém em nome de uma parte, como o tutor na causa do menor, o representante legal da
pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros, que assistam ou tenham assistido as partes". Por
outro lado, são suspeitos na ótica do CPC: "I) o condenado por crime de falso testemunho,
havendo transitado em julgado asentença; II) o que, por seus costumes, não for digno de fé; III)
o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; IV) o que tiver interesse no litígio" (art. 405,
§ 3.°, do CPC).
As pessoas incapazes não poderão depor em hipótese alguma. Já os impedidos e suspeitos,
quando isso for estritamente necessário, podem prestar depoimento, na condição de informantes,
sem, todavia, prestar compromisso de dizer a verdade. Nesses casos, o juiz valorará livremente
a força que esses depoimentos possam ter, segundo o vício em que tais
432
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
pessoas se encaixam e as circunstâncias da causa. É certo que o art. 228, parágrafo único, do
Código Civil, não faz distinção entre as causas de incapacidade, impedimento e suspeição,
autorizando que, "para a prova de fatos que só elas conheçam, pode o juiz admitir o depoimento
das pessoas a que se refere este artigo". O dispositivo, todavia, deve ser interpretado
coerentemente, mantendo-se a lógica estabelecida pelo Código de Processo Civil, mesmo
porque, em caso contrário, haver-se-ia de admitir que o cego e o surdo (quando a ciência dos
fatos que se pretendem provar dependa dos sentidos que lhes falta - art. 228, III, do CC)
pudessem depor em juízo a respeito dos fatos por eles não vistos ou não ouvidos, o que,
certamente, seria um enorme absurdo. A grande inovação apresentada pelo novo Código Civil
diz respeito à admissão do depoimento-na condição de informante—do menor de 16 (dezesseis)
anos, antes terminantemente proibida pelo Código de Processo Civil. A inclusão elimina antiga
polêmica presente no direito processual civil, já que o Código de Processo Civil, ao contrário
mesmo do que previa o Código de Processo Penal, vedava o recurso a essa prova, ainda quando
fosse essencial ao esclarecimento dos fatos.
Aplicam-se á prova testemunhai as mesmas regras de privilégio estudadas anteriormente.
Assim, a testemunha- à semelhança do que acontece em relação ao depoimento da parte ou à
exibição de coisa ou documento - não é obrigada a depor sobre fatos: "I) que lhe acarretem
grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consangüíneos ou afins, em linha
reta, ou na colateral em segundo grau; e II) a cujo respeito, por estado ou profissão, deva
guardar sigilo" (art. 406 do CPC). Já se observou anteriormente, no capítulo específico, a
ampliação -excessiva - dada pelo novo Código Civil à matéria, admitindo, por exemplo, que a
pessoa não seja obrigada a depor sobre fatos que o exponha (ou pessoas próximas) a "perigo de
vida, de demanda, ou de dano patrimonial imediato" (art. 229, III, CC). Vale apenas sublinhar,
novamente, a necessidade de temperar o exagero do novo diploma, sob pena de inviabilizar-se,
por completo e para todos os casos, o uso dessa prova, na medida em que sempre haverá, no
depoimento, possibilidade de demanda contra a testemunha, ou ao menos de dano patrimonial.
Obviamente, cumprirá ao magistrado afastar o dever de depor apenas quando perceba ser pouco
razoável exigir da pessoa o cumprimento desse encargo, pois isso o colocaria em situação de
especial sacrifício, inexigível da comunidade. Em casos outros, a regra não merece aplicação.
A PROVA
433
Finalmente, ainda no que pertine à pessoa da testemunha, é preciso anotar que algumas pessoas
sujeitam-se a regras próprias, no que diz respeito à produção da prova testemunhai. Assim é que
os servidores públicos, quando for necessário colher seu depoimento, devem ser requisitados
junto a seus superiores, e não intimados a comparecer em juízo. Da mesma forma, as pessoas
enumeradas no art. 411 do CPC têm o direito de indicar o local e a data em que pretendam
prestar o depoimento, não se sujeitando a comparecer à audiência para a colheita da prova
testemunhai. O juiz da causa, se for arrolado como testemunha, pode também se recusar a
depor, se concluir que nada tem a colaborar em termos de prova com o processo; caso contrário,
aceitará a incumbência, declarando-se impedido para prosseguir no feito - que passará a seu
substituto legal -, sendo que, nesse caso, a parte não pode desistir da colheita desse depoimento
(art. 409 do CPC).
12.16.3 Produção da prova testemunhai
O sujeito interessado naprodução da prova testemunhai deve requerê-la, em princípio (salvo a
hipótese de prova testemunhai destinada a pro-duzircontraprova ou relativa afato
superveniente), na petição inicial (art. 282, VI, do CPC) e na contestação (art. 300 do CPC).
Trata-se, ainda, de requerimento genérico, não sendo necessário que a parte apresente, nesses
momentos, o rol das testemunhas que deseja sejam ouvidas.229 Note-se que também o terceiro
pode requerer a produção da prova testemunhai, caso em que esse pedido deverá ser feito
quando de seu ingresso no processo.
Autorizada a produção da prova testemunhai, designará o magistrado audiência de instrução e
julgamento, onde serão ouvidas as testemunhas (art. 331, § 2.°, do CPC). Não são, todavia,
ouvidas nessa audiência (art. 410 do CPC): I) as pessoas que prestam depoimento
antecipadamente (seja em ação cautelar de asseguração de prova, seja ainda no próprio
processo, mas em momento anterior, por algum dos motivos elencados no art. 336, parágrafo
único, do CPC); II) as pessoas que tiverem de ser
<229)
Constitui exceção a essa regra a disciplina prevista para o procedimento sumário, onde, ressalvada a prova de
fatos novos, compete à parte instruir já a petição inicial e a resposta com o rol de testemunhas (arts. 276 e 278).
434
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ouvidas por carta, em outra localidade; III) as pessoas que não estejam em condições de prestar
depoimento, por motivo de doença ou outro relevante; bem como IV) aquelas pessoas
designadas no art. 411 do CPC, - que podem escolher o local e a data para prestar depoimento.
Segundo prevê o Código de Processo Civil, compete à parte interessada em produzir a prova
testemunhai apresentar em cartório o rol das testemunhas a serem ouvidas - com a indicação de
seu nome, profissão, residência e local de trabalho - no prazo que o juiz fixar ou, se ausente
decisão específica a respeito, com antecedência mínima de dez dias da audiência (art. 407 do
CPC, cm sua nova redação, dada pela Lei 10.358/ 2001). O prazo fixado pelo juiz pode ser,
evidentemente, maior ou menor que dez dias, sendo determinado pela maior ou menor
facilidade na adoção das providências tendentes à intimação das testemunhas.
Embora a lei processual não diga qual é a audiência que marca esse prazo (se a de instrução e
julgamento ou se a audiência preliminar), tem-se entendido que a referência diz com a
audiência de instrução e julgamento. É de se notar que o novo art. 407 tem redação compatível
com o sistema processual anteriorà reformado CPC (de 1994), quando somente existia uma
única audiência (a de instrução e julgamento), sendo que a função da audiência preliminar era
cumprida, em parte, no início daquela outra audiência e, ainda, pelo "despacho saneador". Seria,
então, possível sustentar que, hoje, o rol de testemunhas devesse ser apres entado, no prazo
fixado pelo juiz (ou em dez dias), antes da audiência preliminar, o que faria sentido, já que é
nessa audiência que o juiz admite ou não a produção da prova, razão pela qual a informação
sobre quem haveria de ser ouvido poderia ser importante para deferir ou não a produção dessa
prova. De legeferenda, parece que tal solução efetivamente deveria ser acolhida. Porém, no
sistema atual, e considerando uma interpretação histórica do procedimento, vê-se sereia
inviável. Isso porque no sistema anterior o deferimento da prova testemunhai se dava no
"despacho saneador", que ocorria em momento anterior à audiência (de instrução e julgamento),
sendo essa a ocasião para a apresentação do rol de testemunhas. Se assim era anteriormente, e se
esse "despacho" é que foi substituído pela audiência preliminar, não há razão para alterar-se a
sistemática anterior (que em nada mudou), modificando-se o momento próprio para a
apresentação do rol de testemunhas. Assim, essa relação deve ser apresentada com a
antecedência fixada, tomando-se por base a data da
435
audiência de instrução e julgamento. Além do mais, nos casos em que a audiência preliminar é dispensada
(art. 331, § 3.°, do CPC), nenhuma dúvida pode existir a respeito da interpretação do dispositivo.
O rol poderá conter, no máximo, dez testemunhas; mais que isso, o juiz somente é obrigado a ouvir três
testemunhas sobre cada fato, sendo dispensável, a seu critério — e de acordo com a uniformidade desses
três depoimentos - a oi tiva das demais testemunhas arroladas sobre a mesma questão (art. 407, parágrafo
único, do CPC).
Apresentado o rol de testemunhas, tem-se essa relação por imutável, permanecendo aquelas as pessoas a
serem ouvidas em juízo. Excepcionalmente, porém, pode-se substituir esses sujeitos, em especial: I) quando a testemunha falecer; II) quando não estiver em condições de depor, por alguma enfermidade; ou III)
quando tiver mudado de residência, não sendo localizada pelo oficial de justiça (art. 408 do CPC).
As testemunhas arroladas deverão ser pessoalmente intimadas (por mandado ou pelo correio) a
comparecer à audiência, para serem ouvidas (excepcionadas as do art. 411 do CPC, como já dito, que
determinam o local e a data para serem interrogadas), devendo constar do mandado dia, hora e local em
que devam comparecer, bem como o nome das partes e a natureza da causa em que vão prestar
depoimento (art. 412 do CPC). Não comparecendo a testemunha injustificadamente, sendo o depoimento
relevante para o processo, e mantendo as partes interesse em sua oitiva, será designada nova data para o
prosseguimento da audiência, devendo a testemunha faltosa ser conduzida coercitivamente (com a
colaboração da polícia, se necessário) até o local próprio, além de ser-lhe imposta a responsabilidade por
todas as despesas decorrentes do adiamento (art. 412, parte final, do CPC). Eventualmente, pode essa
intimação ser dispensada, quando o requerente da prova se comprometer a trazer a testemunha
independentemente de intimação. Nesse caso, se a testemunha não comparecer, presume-se a desistência
de sua oitiva, prosseguindo-se o feito sem necessidade de colheita de seu depoimento. Da mesma forma, a
intimação é dispensável no caso de ser arrolado servidor público civil ou militar. Estes, ao invés de
intimados a depor, são requisitados junto a seus chefes para comparecimento em audiência (art. 412, §
2.°, do CPC).
As testemunhas são ouvidas separadamente, não podendo, aquele Que ainda não depôs, ouvir a
declaração de outra. Primeiramente,
A PROVA
436
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ouvem-se as testemunhas arroladas pelo autor, seguindo-se o depoimento daquelas indicadas
pelo réu e, posteriormente, as apontadas pelo Ministério Público (quando atua como custos
legis) e pelo juiz (quando a ouvida de testemunha tiver sido determinada sem requerimento, isto
é, de ofício).
Ao iniciar a colheita do depoimento, será a testemunha qualificada, sendo essa a oportunidade
adequada para o oferecimento da chamada contradita da testemunha — ou seja, para a argüição
da incapacidade, impedimento ou suspeição da testemunha arrolada - acompanhada, se
necessário, de prova idônea da alegação (art. 414, § 1.°, do CPC). Também nessa oportunidade
pode a testemunha invocar em seu favor alguma regra de privilégio, que a escuse do dever de
depor (art. 414, § 2.°, combinado com o art. 406 do CPC). Não havendo nenhum óbice a seu
depoimento, a testemunha prestará compromisso de dizer a verdade e, como conseqüência,
sujeita-se às sanções do crime de falso testemunho, se vier a descumprir esse dever (art. 342 do
CP).
Será a testemunha interrogada diretamente pelo juiz, devendo responder às perguntas por ele
formuladas, pessoal e oralmente, não podendo socorrer-se de escritos adrede preparados.
Concluindo o magistrado a formulação das perguntas que entenda convenientes, autorizará, primeiro à parte que arrolou a testemunha, e depois à parte contrária, a formulação do que se
denomina "reperguntas", para o esclarecimento de outros pontos ainda não convenientemente
exauridos. Tais perguntas serão examinadas pelo juiz e deferidas ou não, competindo ao
magistrado "reformular" tais perguntas (sem que sejam retirados seus "sentidos") àtes-temunha.
As respostas fornecidas pela testemunha - tanto às perguntas do juiz, como às reperguntas das
partes - serão reduzidas a termo (ou, ao menos, registradas por meio idôneo de documentação),
que será assinado pelo juiz, pelos procuradores das partes e pelo declarante.
Eventualmente, havendo franca divergência entre depoimentos de testemunhas, ou de
testemunha e de parte (em depoimento pessoal), pode o juiz ordenar, para o esclarecimento da
verdade, a acareação de ambas, pondo-as face a face e ouvindo-as em conjunto (art. 418, II, do
CPC). Pode, também, determinar a oitiva de testemunha referida, ou seja, de testemunha
indicada no depoimento de alguém que presta depoimento em juízo, quando entender
conveniente para a instrução da causa (art. 418,1, do CPC).
A PROVA
437
A testemunha exerce função pública, tendo o dever de colaborar com o Judiciário e não
podendo sofrer sanções externas — seja em seu trabalho, seja em função pública que exerça pela acolhida da ordem para deporem juízo. Mais do que isso, tem o direito de ver ressarcidos
quaisquer prejuízos que tenha sofrido para atender à convocação judicial, devendo aquele que
requereu sua oitiva pagar a quantia arbitrada (ou depositá-la em cartório) no prazo de três dias,
contados da decisão judicial que arbitrou o valor correspondente ao prejuízo (art. 419 do CPC).
12.17 Prova pericial
12.17.1 Generalidades e definição
A prova pericial é admissível quando se necessite demonstrar no processo algum fato que
dependa de conhecimento especial que não seja próprio ao "juiz médio", ou melhor, que esteja
além dos conhecimentos que podem ser exigidos do homem e do juiz de cultura média. Não importa que o magistrado que está tratando da causa, em virtude de capacitação técnica individual
e específica (porque é, por exemplo, formado em engenharia civil), tenha conhecimento para
analisar a situação controvertida. Se a capacitação requerida por essa situação não estiver dentro
dos parâmetros daquilo que se pode esperar de um juiz, não há como se dispensar a prova
pericial, ou seja, a elucidação do fato por prova em que participe um perito - nomeado pelo juiz
- e em que possam atuar assistentes técnicos indicados pelas partes, a qual deve resultar em
laudo técnico-pericial que, por estas, poderá ser discutido. Lembre-se que o resultado de uma
prova pericial só é legítimo quando tiver sido facultado às partes participar em contraditório de
sua formação. A elucidação do fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao
juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discutir de forma adequada a questão
técnica, mediante, se for o caso, a indicação de assistentes técnicos.
Ademais, dentro do sistema brasileiro, toda situação controvertida pode ser levada, em tese, a
dois órgãos jurisdicionais, o que arreda definitivamente a dispensa de prova pelo simples fato de
o juiz, que teve contato inicial com a causa, ter conhecimento técnico especial. Ora, se um outro
juiz deve analisar a situação de fato, não há como supor que essa
438
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
análise possa ser feita de forma adequada quando a questão técnica for de conhecimento apenas
do primeiro julgador. Na verdade, se o conhecimento técnico que é peculiar a um juiz, mas não
pertence ao comum dos julgadores, pudesse dispensar a prova pericial, estar-se-ia diante de uma
hipótese de ciência privada. Enfim, como corretamente já decidiu o Tribunal de Alçada do
Paraná, "não pode o magistrado valer-se de conheci--mentos pessoais, de natureza técnica, para
dispensar a prova pericial".230
Note-se que o perito não traz ao juiz fatos, mas sim opiniões técnicas e científicas a respeito de
fatos. Assim, é fácil distinguir a prova testemunhai e a prova pericial: enquanto a primeira se
destina a aportar ao processo, por intermédio de pessoa (testemunha), a versão dela sobre fato, a
segunda (pericial) tem por objetivo, precisamente, tornar do perito impressões técnicas, juízos
especializados sobre os fatos relevantes da causa. Por isso mesmo, a prova pericial somente será
admitida se for possível e necessária para o esclarecimento dos fatos da causa, e ainda se a
prova de um específico fato depender de conhecimento especial (art. 420, parágrafo único, a
contrario sensu).
Na verdade, não é exata a distinção no sentido de que o testemunho se refere exclusivamente a
fatos, enquanto na perícia tem-se juízo. É óbvio que a testemunha também faz juízo sobre o
fato, afinal ela também pensa ! É sempre bom não esquecer que a testemunha, em razão de seu
juízo próprio, pode supor (e declarar) que viu fato que na realidade não aconteceu. O que a
testemunha não pode fazer - embora infelizmente seja comum que o faça - é emitir opinião
sobre fato, ou melhor, juízo que se forma a partir de dedução que repousa no fato (que deve ser
relatado). Exemplificando: a testemunha pode declarar o estado em que o prédio estava quando
desabou; mas não pode declarar que o prédio desabou em virtude das rachaduras que eram
existentes (isto apenas a prova pericial pode dizer). Na realidade, a testemunha somente pode
ser indagada a respeito daquilo que presenciou, mas não sobre a qualificação do fato ou sobre
suas eventuais causas ou conseqüências.
O perito pode ter presenciado o fato, mas a sua função (caso admissível) não será a de relatar o
fato (função da testemunha), mas a de realizar juízo fundado em seu conhecimento técnico
especializado.
12W)
RT 606/199.
439
Segundo prevê o art. 420 do CPC, a perícia pode consistir em exame, vistoria ou avaliação. Contudo, não
há razão para o CPC usar os vocábulos exame e vistoria. Não tem cabimento estabelecer diferença entre
os dois vocábulos, supondo-se que a vistoria é a atividade de quem vê, pois no exame também se vê.
Porque gera menos confusão aos operadores do direito, é melhor distinguir exame e vistoria a partir de
seu objeto, reservando a expressão vistoria a bem imóvel e a palavra exame a bem móvel. A avaliação,
por sua vez, destina-se a estabelecer o valor de determinada coisa corpórea ou incorpórea, embora possa
ser denominada também de arbitramento.
12.17.2 O perito e os assistentes técnicos
A prova pericial é realizada por perito. Chama-se assim apessoa que, contando com a confiança do juiz, é
convocada para, no processo, esclarecer algum ponto que exija conhecimento técnico especial.
Acima de tudo, o perito deve ter idoneidade moral e, assim, ser da confiança do juiz. Note-se que o juiz
julga com base no laudo técnico, e o cidadão tem direito fundamental a um julgamento idôneo. Se é
assim, não deve o juiz julgar a partir de laudo pericial assinado por pessoa que não mereça confiança, já
que estaria entregando ao cidadão resposta jurisdicional não idônea. O juiz, quando precisa de laudo
pericial, não deve deixar que a definição de um fato seja feita por um perito qualquer, como se lhe não
importasse a qualidade e a idoneidade da resposta jurisdicional.
Se a prova pericial exigir conhecimento de tema que esteja dentro da área que pode ser chamada de
universitária, o perito deve ser escolhido entre profissionais de nível universitário, regularmente inscritos
no órgão de classe respectivo (art. 145, § 1.°, do CPC). Quando, na localidade em que se há de fazer a
perícia, não houver profissional que atenda a esses requisitos, o perito será de livre escolha pelo juiz,
respeitando-se o conhecimento técnico necessário (art. 145, § 3.°, do CPC). Entre esses profissionais, é
livre o magistrado para escolher aquele em quem deposite maior confiança. Quando o exame tiver por
objeto a autenticidade ou a falsidade de documento, ou for de natureza médico-legal, o perito deve ser
escolhido, preferencialmente, como prevê o art. 434 do CPC, entre os profissionais vinculados a órgãos
oficiais especializados (InstiA PROVA
440
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tuto de Criminalística e Instituto Médico-Legal). Eventualmente, em se tratandodeperíciacomplexa, que requeira conhecimento especializado em mais de uma área de
conhecimento técnico ou científico, pode o juiz nomear mais de um perito (novo art. 431-B,
introduzido pela Lei 10.358/2001).
Ao perito aplicam-se as mesmas causas de impedimento e suspeição atinentes ao juiz (arts. 138,
III, e 423 do CPC), cabendo ao perito que se encaixe em uma dessas situações escusar-se do
encargo de participar do processo. Se ele não apontar o vício, estas podem ser argüidas pela
parte interessada, "em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade
em que lhe couber falar nos autos". Apontado o impedimento ou a suspeição, determinará o juiz
sua autuação em apartado e, sem suspensão da causa, ouvindo o perito no prazo de cinco dias
(que poderá produzir prova), decidirá o incidente (art. 138, § 1.°, do CPC).
Também poderá ser o perito substituído, seja quando não tiver conhecimentos técnicos
suficientes para enfrentar a questão, seja quando, sem motivo justo, deixar de apresentar o laudo
pericial no prazo estipulado pelo magistrado (art. 424 do CPC). Essa última causa constitui para
o processo infração grave, exigindo a comunicação do fato ao órgão de fiscalização da profissão
respectivo, e ainda impondo ao perito faltoso multa, fixada em vista do valor da causa e do
possível prej uízo decorrente do atraso no processo (art. 424, parágrafo único, do CPC).
Ao lado do perito, que assessorará o magistrado nas questões técni-co-científicas da
controvérsia, também as partes podem servir-se de au-xiliares. Estes são chamados de
assistentes técnicos, ficando vinculados direta e especificamente às partes com quem
contribuem. A eles não se aplicam as causas de impedimento ou suspeição, nem fica na esfera
de decisão do magistrado sua nomeação ou destituição.
Frise-se, por fim, que se o juiz, fundado no novo art. 431 -B (que trata da chamada perícia
complexa), nomear mais de um perito, também as partes poderão indicar mais de um assistente
técnico. Isso deve ocorrer quando a situação tática litigiosa exigir conhecimentos próprios a pessoas distintas, ou seja, quando a prova abranger mais de uma área de conhecimento
especializado.
12.17.3 Produção da prova pericial
A produção da prova pericial pode ser absolutamente informal, quando a natureza do fato o
permitir, podendo consistir apenas na inquirição
APROVA
441
pelo juiz do perito e dos assistentes técnicos a respeito das coisas que houverem informalmente
examinado ou avaliado (art. 421, § 2.°, do CPC). Importa aqui que a dedução técnica do perito
possa ser simples, em vista da simplicidade na constatação do fato que fundamenta sua
dedução. Não se está dizendo que o perito pode ter conhecimento técn ico não aprofundado, ou
mesmo que basta constatação fática superficial. O que se deseja evidenciar é que a prova
pericial pode ser substituída pela inquirição do perito - que também deve ser formal -, quando
este puder esclarecer questão que dependa de conhecimento de fato que possa ser constatado
deforma simples.
Também poderá ser dispensada a prova técnica, a partir de critério do juiz, "quando as partes, na
inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou
documentos elucidativos" (art. 427 do CPC). Não se tratando de nenhuma dessas hipóteses, será
necessário recorrer à prova pericial, que terá tramitação na forma do Código de Processo Civil.
No procedimento ordinário,231 o requerimento da prova pericial será, em regra - e ressalvada a
hipótese de prova de fato novo - feito na fase postulatória, com a petição inicial ou com a
resposta do réu. Eventualmente, diante de certo incidente do processo (por exemplo, a ação inci dental de falsidade documental), haverá espaço para requerimento de produção de prova pericial
em outra oportunidade (art. 392 do CPC).
Deferida a produção da prova, nomeará o juiz perito, fixando desde logo prazo - que deve
anteceder, em pelo menos vinte dias, a data fixada para a audiência de instrução e julgamento
(art. 433 do CPC) - para a entrega do laudo, formulando ainda os quesitos que entenda
necessários para o esclarecimento dos fatos (art. 426, II, do CPC). No prazo de cinco dias,
contados da intimação dessa decisão judicial, poderão as partes formular quesitos (perguntas), 232
apontando ainda quem servirá como
(U1)
No procedimento sumário, o requerimento de prova pericial também deve ser feito na petição inicial (art. 276 do
CPC) ou na contestação (art. 278 do CPC), mas a parte deverá apresentar nesta ocasião os seus quesitos, e,
querendo, o seu assistente técnico.
m2}
Nunca é demais frisar que, no procedimento sumário, esses quesitos serão formulados desde logo, com o
requerimento da prova pericial, na petição inicial (art. 276 do CPC) e na resposta (art. 278 do CPC).
442
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
seu assistente técnico na produção da prova. Durante o curso da perícia, também se faculta às
partes formular quesitos suplementares, a fim de que o perito possa melhor esclarecer os fatos
(art. 425 doCPC). Note-se que nada impede que a parte, que não tenha formulado inicialmente
quesitos, indique "quesitos suplementares". Tais quesitos suplementares devem ser admitidos
porque a parte, ainda que não tenha formulado quesitos no momento inicial, tem o direito de
participar da formação da prova. Por isso, se no desenvolvimento da perícia surgir
circunstância que exija esclarecimento, ou mesmo se o laudo pericial não elucidar de forma
adequada o fato, cabe quesito suplementar.
A perícia só tem início com a intimação prévia das partes da data e do local em que os trabalhos
serão iniciados (art. 431-A do CPC, introduzido pela Lei 10.358/2001). A medida tem o
objetivo evidente de permitir a adequada participação das partes (e dos assistentes técnicos) no
desenvolvimento da prova pericial. Tratando-se de perícia que deva realizar-se em pessoa
(perícia médica), evidentemente também é necessária a intimação dessa para comparecer ao
local da perícia, a fim de submeter-se ao exame. Sua recusa injustificada em permitir o exame
pode ensejar - especialmente em se tratando a pessoa de uma das partes do processo — presunção contra seus interesses, suprindo a falta da prova (art. 232 do CC).
Para a realização da perícia, perito e assistente podem socorrer-se de todos os meios de coleta de
dados necessários, sendo possível, e mesmo recomendável, que todos esses elementos
acompanhem o laudo pericial (art. 429 do CPC). Se a perícia tiver por objeto a verificação da
autenticidade ou falsidade de letra ou assinatura, o perito poderá requisitar, para comparação,
documentos arquivados em repartições públicas, ou ainda colher material dos examinandos (art.
434, parágrafo único, do CPC).
É dever do perito apresentar o laudo pericial no prazo estipulado pelo juiz (sob pena de, como já
visto, incorrer em falta grave, que resultará em sua destituição, aplicação de multa e
comunicação ao órgão de classe respectivo para as providências necessárias). Todavia,
mostrando-se especialmente complexa a perícia a ser realizada, ou sobrevindo algum motivo
legítimo, pode o perito requerer a dilação do prazo, por uma vez, que será concedida segundo o
prudente arbítrio do juiz (art. 432 do CPC).
Apresentado o laudo pericial, terão os assistentes prazo comum de dez dias para j untar aos
autos seus pareceres técnicos, contado o prazo da data da intimação das partes a respeito da
juntada do laudo pericial (art.
A PROVA
443
433, parágrafo único, com a redação dada pela Lei 10.358/2001). Exi-gindo-se a intimação das partes
sobre a juntada do laudo pericial, para que passe a correr prazo para os assistentes técnicos (art. 433,
parágrafo único, do CPC), resolve-se o problema surgido na prática forense em relação ao prazo para a
apresentação dos chamados "pareceres" dos assistentes técnicos. Agora, seguramente, o prazo dos
assistentes técnicos somente começará a partir do momento em que as partes forem intimadas da juntada
aos autos do laudo pericial.
As partes podem, ainda, solicitar ao perito (e aos assistentes) esclarecimentos, os quais serão prestados na
audiência de instrução e julgamento (art. 435 do CPC).
Se necessário - ou porque a primeira perícia não esgotou integralmente o objeto da análise técnica, ou
quando ainda subsistam dúvidas sobre o tema -, poderá o juiz determinar a realização de uma segunda
perícia (art. 437 do CPC), que terá por objeto os mesmos fatos da primeira, e por fim "corrigir eventual
omissão ou inexatidão dos resultados" a que chegou a anterior (art. 438 do CPC). Nesse caso, não cabe
uma "outra perícia ", no sentido de perícia que deve esclarecer "outro fato ", que não aquele em que
recaiu a primeira perícia. Além disso, esta "segunda perícia" não apenas deve incidir sobre o mesmo jato,
mas também ter a mesma finalidade da primeira perícia. Perceba-se que o mesmo fato pode levar a
perícias com objetivos diferentes.
Quanto à valoração da perícia, é certo que não fica o juiz adstrito às conclusões do perito. Tendo
aplicação o princípio da livre valoração das provas, pode o juiz, para julgar o mérito, fundar-se em prova
que aponta em sentido contrário à prova pericial, desde que fundamente o seu julgado, demonstrando as
razões que o levaram a desconsiderar o resultado da prova pericial. O mesmo se diga em relação à
denominada "segunda perícia": ela não se sobrepõe ou substitui a primeira, devendo ambas ser cotejadas,
segundo o prudente critério do magistrado.
12.18 Inspeção judicial
12.18.1 Generalidades e noção
Eventualmente, para o convencimento judicial, ao magistrado é melhor o contato direto e
imediato com o fato que requer esclarecimen-
444
MANUAL 1)0 PROCESSO DE CONHECIMENTO
to. Imagine-se hipótese de alegação de poluição sonora produzida por certa fábrica; ou o caso
em que alguém afirme que determinada construção está em estado precário. Nesses casos, nada
melhor do que se permitir ao juiz o contato direto com o lugar ou com a coisa, para que tome
suas impressões pessoais e forme sua convicção sobre o fato.
Para esse contato é que a lei processual estabelece a inspeção judicial (arts. 440/443 do CPC).
Através dela o magistrado valora, direta e pessoalmente, pessoas, coisas ou locais, a fim de
inteirar-se sobre fato relevante para o julgamento do mérito. Note-se que a inspeção judicial
conta com as percepções pessoais do juiz (visão, audição, olfato, tato e paiadar), permitindo-lhe
contato direto e imediato com o fato a ser esclarecido.
Não se confunde a inspeção judicial com a prova pericial - não obstante a doutrina surgida na
vigência do CPC anterior incluísse a inspeção como uma das formas de perícia213 —, apesar de
ser possível ao juiz estar acompanhado, na inspeção judicial, de peritos (art. 441 doCPC). A
prova pericial narra a conclusão do perito, que então é transmitida ao juiz. Já a inspeção
judicial requer contato direto do juiz com o fato a ser esclarecido, o qual poderá ser apenas
auxiliado por peritos.
12.18.2 Produção da inspeção judicial
A inspeção judicial pode ser realizada a pedido de qualquer dos sujeitos parciais do processo, ou
de ofício pelo magistrado.
Determinada a realização da inspeção, deverá o magistrado cientificar as partes do processo
sobre o dia e local (que pode ou não ser a própria sede do juízo) designado para a inspeção, já
que os sujeitos parciais têm o direito de acompanhar a diligência, inclusive participando dela
ativamente, seja prestando esclarecimentos, seja fazendo observações que reputem necessárias.
Em princípio, a inspeção ocorrerá na própria sede do juízo. Poderá, porém, ocorrer cm outro
lugar quando o juiz "julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que
deva observar"; "a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráV. José Frederico Marques, Instituições de direito processual civil, 4. ed., R'° de Janeiro: Forense, 1972, vol. 3, p.
367.
A PROVA
445
veis despesas ou graves dificuldades"; ou ainda quando o magistrado "determinar a
reconstituição dos fatos" (art. 442 do CPC).
Examinada a coisa, a pessoa ou o local, com ou sem o auxílio de peritos (como faculta o art. 441
do CPC), determinará o juiz a lavratura de termo circunstanciado, em que se fará menção às
impressões colhidas que sejam relevantes para a causa. Esse termo poderá, se reputado útil para
a instrução da causa, ser acompanhado de desenhos, gráficos ou fotografias (art. 443, parágrafo
único, do CPC).
13
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
SUMÁRIO: 13.1 Objeto da audiência e sua necessidade- 13.2 A unidade da audiência de instrução e julgamento e a
possibilidade de seu desdobramento.
13.1 Objeto da audiência e sua necessidade
A "audiência de instrução e julgamento" é realizada, dentro do atual sistema do Código de
Processo Civil—que já considera a "audiência preliminar" - para que sejam ouvidos o perito e
os assistentes técnicos sobre pedidos de esclarecimentos (art. 452,1, do CPC), para que sejam
prestados os depoimentos pessoais e inquiridas as testemunhas (art. 452, II e III, do CPC), e
enfim para que seja julgado, se possível, o mérito (art. 456 do CPC).
Corno se vê, se a prova pericial tiver sido realizada, e não for necessário o depoimento pessoal
nem a inquirição das testemunhas, a audiência de instrução e julgamento somente se realizará se
tiver sido requerido, pelo interessado ou pelo juiz, esclarecimento do perito e do assistente
técnico. Tal pedido de esclarecimento deverá observar os termos do art. 435 do CPC
Dessa forma, é equivocado pensar que a "audiência de instrução e julgamento" sempre será
realizada, bastando que um ponto tenha sido fixado como controvertido. Ora, se foi deferida
apenas a prova pericial, e nenhum esclarecimento foi requerido, não é necessária a realização de
tal audiência, devendo a sentença ser proferida por escrito.
MARINON1, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao CÓC IÍKO de Processo Civil, cit., vol. 5, t.
2, p. 356-357.
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
447
É evidente, por outro lado, que, realizando-se a audiência de instrução e julgamento, a
conciliação deve ser tentada no seu início, e se for o caso ao seu final, quando, encerrada a
instrução probatória, estiver o juiz em condições de proferir a sentença. Como já foi dito, ao
tratarmos da "audiência preliminar", uma da partes, que supunha que a produção da prova
poderia lhe dar resultados mais benéficos, pode encontrar-se, depois de encerrada a instrução,
em condição mais propícia para a conciliação.
Designada audiência e finda a instrução, ojuizdaráapalavraao advogado do autor e ao do réu,
bem como ao órgão do Ministério Público, sucessivamente, pelo prazo de vinte minutos para
cada um, prorrogável por mais dez (a critério do juiz), para as chamadas "alegações finais" (art.
454 do CPC). Quando a causa apresentar questões complexas de fato ou de direito, referido
debate oral poderá ser substituído por uma petição denominada de "memorial", caso em que o
juiz designará dia e hora para seu oferecimento (art. 454, § 3.°), sempre zelando pela efetividade
do contraditório. Nessa petição de memorial, a parte fará um sumário daquilo que aconteceu no
processo, procurando convencer o juiz de que tem razão.
O Código de Processo Civil afirma, ainda, que, encerrado o debate ou oferecidos os memoriais,
ojuiz proferirá sentença desde logo ou no prazo de dez dias (art. 456 do CPC). Ojuiz não está
obrigado a proferir sentença em audiência, ainda que as "alegações finais" nela tenham sido
apresentadas. É que ojuiz pode ainda não estar convencido de quem tem razão, ou ainda
necessitar de pesquisajurisprudencial ou doutrináriamaisaprofundadapara julgar o mérito.2 Em
outros termos, ojuiz pode precisar de mais tempo para formar sua convicção e proferir
devidamente a sentença. Isto não significa, como é óbvio, que a sentença não possa ser proferida
em audiência. Quando possível, a sentença deve ser proferida imediatamente em audiência,
evitando-se o retardamento na prestação jurisdicional.
13.2 A unidade da audiência de instrução e julgamento e a possibilidade de seu
desdobramento
A audiência de instrução e julgamento é una e contínua. Apenas quando não é possível concluir,
num só dia, a instrução, o debate e o julgaí2)
PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. vol. 6, p. 81.
448
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
mento, é que o juiz marcará seu prosseguimento para dia próximo (art. 455 do CPC).
Frise-se que a continuação da audiência não pode ser confundida com uma segunda audiência.
Assim, se o interessado não apresentou, no prazo devido, o rol de testemunhas, precisando-lhes
a qualificação (art. 407 do CPC), não se abre, apenas porque a audiênciafoi desdobrada, novo
prazo para a indicação das testemunhas ou a possibilidade de sua livre substituição. Dessa
forma, se o interessado deixa de arrolar dez testemunhas na oportunidade em que pode fazê-lo
(art. 407, parágrafo único, CPC), arrolando, por exemplo, apenas cinco, ele não poderá
arrolar mais cinco testemunhas apenas porque a audiênciafoi desdobrada para nova data.3
Porém, é importante estabelecer a diferença entre a audiência que começou e foi desdobrada e a
audiência que foi designada para determinada data, mas que nem sequer teve início. Quando a
audiência tem sua data remarcada antes de sequer iniciar, surge nova oportunidade para
apresentação do rol de testemunhas, o que não acontece no caso em que o juiz decide determinar, no curso da audiência, a sua continuação em nova data.
Note-se, por exemplo, que a audiência pode ser realizada em nova data, e não naquela
inicialmente designada, em virtude de convenção das partes (art. 453,1,CPC).
Porém, há situações que podem autorizar, por exemplo, a interrupção da audiência e sua
continuação em outro dia. Nada impede que as partes, mediante convenção, resolvam
interromper a audiênciaque já teve início (453,1, CPC), ou que a audiência seja interrompida
para continuar em nova data quando não puderem comparecer, por motivo justificado, as partes,
as testemunhas, o perito ou o assistente técnico (art. 453, II, CPC). É evidente que a audiência
também pode ser interrompida, e devidamente transferida, quando o adiantado da hora assim o
recomendar. Além disso, a denominada testemunha referida 4 (art. 418,1, CPC), a conversão do
julgamento em diligência (art. 130, CPC) e a real possibilidade de conciliação (art. 125, IV,
CPC), também são situações que abrem ensejo ao desdobramento da audiência.
131
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao
Código cie Processo Civil, cit., v. 5, t. 2, p. 303. <4) Sobre anoçãodetestemunhareferida, ver
LuizGuilhenneMannonieSérgioCruz
Arenhart, Comentários ao Código de Processo Civil, cit., vol. 5, t. 2, p. 326 -328.
14
SENTENÇA
SUMARIO: 14.1 Conceito e função - 14.2 Requisitos da sentença: 14.2.1 Introdução; 14.2.2 Relatório; 14.2.3
Fundamentação; 14.2.4 Parte dispositiva - 14.3 Vícios da sentença: 14.3.1 Ausência dos chamados requisitos
essenciais da sentença; 14.3.2 Vedação de o juiz proferir sentença ilíquida, no caso em que o autor tiver formulado
pedido certo; 14.3.3 Vedação de a sentença julgar fora do pedido, ou aquém ou além do pedido; 14.3.4 O art. 461 do
CPC e o art. 84 do CDC como exceções ao princípio da congruência entre a sentença e o pedido; 14.3.5 A sentença
deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional - 14.4 Classificação das sentenças -14.5 Para uma
melhor compreensão das sentenças de procedência: 14.5.1 Sentença declaratória; 14.5.2 Sentença constitutiva; 14.5.3
Sentença condena-tória; 14.5.4 Sentença mandamental; 14.5.5 Sentença executiva- 14.6 Sentença, outras técnicas de
tutela e tutela dos direitos - 14.7 Sentença satisfa-ti va c sentença não satisfativa - 14.8 A questão da tutela específica
dos direitos - 14.9 As sentenças não-satisfativas e as várias espécies de tutela: 14.9.1 Primeiras considerações; 14.9.2
Tutela inibitória: 14.9.2.1 Tutela inibitória: premissa; 14.9.2.2 A tutela inibitória e os seus pressupostos; 14.9.2.3 A
tutela inibitória como corolário do direito constitucional de acesso à justiça; 14.9.2.4 A tutela inibitória negativa e a
tutela inibitória positiva; 14.9.2.5 Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC: a tutela inibitória individual e a tutela inibitória
coletiva; 14.9.2.6 A tutela inibitória e o princípio de que a sentença deve ficar adstrita ao pedido do autor; 14.9.3
Tutela inibitória executiva: 14.9.3.1 Considerações iniciais; 14.9.3.2 O fundamento da tutela inibitória executiva:
14.9.4Tutclareintegratória (de remoçãodo ilícito); 14.9.5 Tutela do adim-plemento da obrigação contratual na forma
específica; 14.9.6 Tutela ressar-citória na forma específica; 14.9.7 Tutela pelo equivalente monetário.
14.1 Conceito e função
De acordo com o art. 162 do CPC, os atos do juiz podem consistirem sentenças, decisões
interlocutórias e despachos. Sentença - segundo o §
450
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
1,° desse artigo - é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da
causa. Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão
incidente (art. 162, § 2.°, do CPC). São despachos todos os demais atos do juiz praticados no
processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabelece outra forma
(art. 162, § 3o , do CPC). Diz ainda o art. 162, § 4.°, que os atos meramente ordinatórios, como a
juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo
servidor e revistos pelo juiz, quando necessários.
Como está claro, o Código de Processo Civil, ao classificar em três os atos que podem ser
praticados pelo j uiz, resolveu definir que a sentença é ato que põe fim ao processo, julgando ou
não o mérito, enquanto que a decisão interlocutória é o ato que resolve questão no curso do
processo, sem, contudo, encerrá-lo.
Dessa forma, o Código de Processo Civil tornou bastante simples saber qual é o recurso
apropriado para os atos do juiz. Se o ato põe fim ao processo, e portanto é uma sentença, cabível
é o recurso de apelação. Se o ato resolve, no curso do processo, determinada questão, o recurso
cabível é o agravo, que pode ser de instrumento ou retido, conforme o caso. Quando o ato do
juiz, ainda que praticado no curso do processo, não provoca gravame à parte, não cabe recurso
algum.
Na classificação do art. 162 do CPC, não se leva em consideração a matéria sobre a qual incide
o pronunciamento do juiz. Perceba-se que uma decisão proferida no curso do processo pode,
ainda que sem encerrá-lo, incidir unicamente sobre o mérito. Lembre-se, por exemplo, da liminar em ação possessória, e especialmente da nova espécie de tutela ante-cipatória presente no
art. 273, § 6.°, do CPC, por meio da qual o juiz trata da parcela incontrovertida do mérito.
Nesses casos, o ato do juiz incide evidentemente sobre o mérito, muito embora deva ser
classificado como decisão interlocutória. Éque imporia saber, para a definição da natureza do
ato do juiz, se ele põe ou não fim ao processo. Como as decisões, nessas hipóteses, não colocam
fim ao processo, elas são ditas "decisões interlocutórias", e assim abrem ensejo à interposição
de recurso de agravo (art. 522, CPC). Frise-se que o ato que põe fim ao processo é chamado de
sentença, julgue ou não o pedido. O ato do juiz que extingue o processo, justamente por colocar
ponto final ao processo, configura sentença, ainda que a extinção ocorra sem o julgamento da
procedência ou da improcedência do pedido (ver arts. 267 e 269, CPC).
r
SENTENÇA
45)
14.2 Requisitos da sentença
14.2.1 Introdução
Afirma o art. 458 do CPC que "são requisitos essenciais da sentença: I) o relatório, que conterá
o nome das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais
ocorrências havidas no andamento do processo; II) os fundamentos, em que o juiz analisará as
questões de fato e de direito; e III) o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as
partes lhe submeterem".
O relatório objetiva permitir que o juiz demonstre que conhece o processo que vai julgar, o que
é fundamental para que se possa controlar a atividade do magistrado. A fundamentação, através
da qual o juiz deve demonstrar a razão de sua "decisão", não só possibilita o controle da atividade do magistrado,1 como também permite ao recorrente e ao órgão de segundo grau de
jurisdição compreenderem de forma adequada o motivo que levou o juiz a "decidir" de certa
forma. Por fim, o dispositivo permite isolar o que foi realmente "decidido", o qual torna-se
imutável e coberto pela chamada coisa julgada material.
14.2.2 Relatório
No relatório, o juiz faz o sumário do processo, apontando o que nele se verificou de mais
importante. Com o relatório, o juiz demonstra o que aconteceu no processo, o que o obriga a
estudar a totalidade daquilo que está nos autos. Em outro sentido, o relatório também permite
que se verifique se o juiz conhece o "processo".
No relatório, apontam-se os nomes das partes, as razões e o que foi requerido pelo autor, bem
como as razões do réu, fazendo-se referência, ainda, ao que foi dito pelo autor na eventual
impugnação à contestação (arts. 326 e 327 do CPC); lembre-se que o réu pode apresentar defesa
de mérito indireta, articulando fato impeditivo, modifícativo ou extintivo
(l)
Afirma-sc que a necessidade de fundamentação das decisões permite o controle da atividade do juiz, evitando o
arbítrio jurisdicional. Em outras palavras: sustenta-se que a fundamentação é importante para que se conheça a "razão
de ser" da decisão. Por isso ela é exigida pela própria Constituição Federal (art. 93, IX, CF).
452
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do direito do autor, caso em que o autor terá o prazo de dez dias para se manifestar (art. 326 do
CPC). Isto para não se falar também em eventuais reconvenção, ação declaratória incidental,
exceção de impedimento, exceção de suspeição e exceção de incompetência.
Além disto, devem ser relatados o requerimento de produção de prova, o eventual indeferimento
de alguma prova e o resultado de sua produção. Enfim, como reza o art. 458,1, do CPC, o
relatório deve registrar as principais ocorrências havidas no andamento do processo.
14.2.3 Fundamentação
A fundamentação deve demonstrar as razões do juiz, ou melhor, as razões da decisão.
Note-se que, na fundamentação, o juiz não deve referir-se ao resultado objetivo da prova - o que
deve ser apontado no relatório -, mas à sua valoração. Não são admitidas sentenças que não
façam referência aos motivos pelos quais uma prova não é admitida. Além disso, o juiz deve
explicar as razões pelas quais a prova demonstra, ou não, uma afirmação de fato. Em outras
palavras, o juiz não pode silenciar sobre uma prova simplesmente pelo fato de que ele, por
exemplo, supõe — mas não diz. -que aquela não serve para demonstrar uma afirmação de fato.
Da mesma forma, é completamente inconcebível que o juiz julgue, ainda que com
fundamentação (evidentemente inadequada), baseado em um fato que conhece, mas que não
está demonstrado através de prova que está nos autos. Nesse caso, o juiz estaria contrariando o
princípio que não lhe permite fazer uso da ciência privada; perceba-se que nessahipótese estaria
sendo ferido o princípio do contraditório, ou seja, o princípio que garante que as partes
participem adequada e efetivamente do processo.2
A fundamentação permite ao vencido entender os motivos de seu insucesso e, se for o caso de
interpor recurso, apresentar suas razões adequadamente, demonstrando os equívocos da
sentença. Além disso, a fundamentação também possibilita ao órgão de segundo grau entender
os motivos que levaram o julgador de primeiro grau a dar, ou não, razão ao autor.
t2>
Ver, sobre o princípio do contraditório, Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas do processo civil, cit.
SENTENÇA
453
Em outros termos, não basta o juiz estar convencido; deve ele demonstrar as razões de seu
convencimento. Isso permite o controle da atividade do juiz pelas partes ou por qualquer um do
povo, já que a sentença deve ser o resultado de raciocínio lógico que assenta no relatório, na
fundamentação e no dispositivo. Note-se, porém, que a decisão não requer apenas coerência
lógica, mas também contextual, 3 importando aí os contextos do direito e do senso comum, o
qual muitas vezes é fundamental quando da análise da credibilidade da prova, da formação de
presunção ou mesmo no estabelecimento do juízo que a toma em consideração.
É de observar, porém, que a fundamentação, ainda que lamentavelmente, pode ser manipulada.
Em outras palavras: a necessidade de fundamentação não constitui garantiaabsoluta de que uma
decisão não esconde arbítrio.
14.2.4 Parte dispositiva
A parte dispositiva é o local em que o juiz afirma se acolhe ou não o pedido do autor e, em caso
de procedência, o que deve ser feito para que o direito material seja efetivamente realizado.
Assim, por exemplo, o juiz pode, na parte dispositiva da sentença, ao acolher o pedido
formulado, condenar o réu a pagar certa soma em dinheiro ou ordenar o réu a fazer ou a não
fazer, ou mesmo a entregar determinada coisa.
Como a parte dispositiva é aquela que dá resposta ao pedido do autor, ela também é chamada de
conclusão da sentença.
A parte dispositiva da sentença encerra muita importância, já que é ela que fica revestida pela
autoridade da coisa julgada material. Frise-se que o art. 469 do CPC é bastante claro ao afirmar
que não fazem coisa julgada: "I) os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da
parte dispositiva da sentença; II) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da
sentença; III) a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo". Como
se vê, a fundamentação, ainda que importante para a compreensão da parte dispositiva, não fica
revestida pela autoridade da coisa julgada material, podendo ser revista em face de outra ação.4
(l
' MichelcTaruffb, "Senso comum, experiênciac raciocínio do juiz". Conferência proferida na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 05.03.2001.
141
Nesse sentido, R./TJSP 109/236; RTJ 103/759; RTJ 113/242.
454
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
14.3 Vícios da sentença
14.3.1 Ausência dos chamados requisitos essenciais da sentença
Faltando um dos requisitos essenciais da sentença, ou seja, faltando o relatório, a
fundamentação ou a parte dispositiva, a sentença é nula.
A Constituição Federal afirma, em seu art. 93, IX, que "todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes". A própria Constituição Federal deixa
claro, como se vê, que não apenas a sentença, mas na realidade qualquer decisão deve ser
fundamentada, sob pena de nulidade.
Corno já teve oportunidade de decidir o Superior Tribunal de Justiça, através de acórdão
relatado pelo eminente Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, "a motivação das
decisões judiciais reclama do órgão julgador, pena de nulidade, explicitação fundamentada
quanto aos temas suscitados. Elevada a cânone constitucional, apresenta-se como uma das
características incisivas do processo civil contemporâneo, calcado no due process oflaw,
representando uma garantia inerente ao Estado de Direito. É nulo o acórdão que mantém a
sentença pelos seus próprios fundamentos, por falta de motivação, tendo o apelante o direito de
ver solucionadas as teses postas na apelação". 5
Todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, ainda que algumas delas, de modo
conciso. O art. 165 do CPC, excetuando as sentenças e acórdãos, afirma expressamente que as
demais decisões podem ser fundamentadas de modo conciso. Ademais, o art. 459 do CPC deixa
claro que o juiz pode decidir de forma concisa caso de extinção do processo sem julgamento do
mérito. Toda decisão deve ser fundamentada, mas as decisões que não julgarem o pedido
poderão ser fundamentadas de forma concisa. Isso não significaque o juiz não precise expor
suas razões nos casos de "extinção anômala do processo" (sem o julgamento do pedido).
Faculta-se somente queaiundamentaçãoscjat'0/icKfl. 6 Como éóbvio, fundamentação concisa
151
DJU09.12.1997, STJ, REsp 149.771 -RJ, 4."T., rei. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. "" Ver JTJ 148/141.
SENTENÇA
455
não significa fundamentação defeituosa. Com a alusão a "modo conciso de fundamentação",
deseja-se permitir que as decisões que podem ser facilmente explicadas possam ser objetiva e
brevementefundamentadas. Nesse sentido, nem toda decisão interlocutória será, somente pelo
fato de não constituir sentença, uma "decisão " que não precisa ser "longamente motivada ".
Em alguns casos, como no da decisão que trata de parcela incontroversa do mérito (art. 273, §
6.°, CPC), a decisão interlocutória merece fundamentação que não pode assemelhar-se àquela
que pode ser dispensada a algumas situações de extinção anômala do processo.
14.3.2 Vedação de o juiz proferir sentença ilíquida, no caso em que o autor tiver formulado
pedido certo
Há casos em que o autor quer um bem de certa qualidade, mas pretende que ele seja entregue
em determinada quantidade. Em outros casos, porém, o autor pode não quantificar desde logo
seu direito. Assim, por exemplo, o autor pode pedir dinheiro para que seja reparado o dano
provocado por um ilícito, mas não estar em condições, na ocasião da distribuição da petição
inicial, de precisar a quantia a que tem direito. Nesse caso, a sentença de condenação, que deve
ser ilíquida, deve ser liquidada através de "liquidação de sentença".
A sentença é líquida quando estabelece o valor ou o objeto do pedido. Por exemplo: sentença
condena o réu a pagar R$ 100.000,00 ou a entregar o imóvel "X".
Quando (ainda exemplificando) é pedido determinado valor em dinheiro, ou melhor, sentença
líquida, uma sentença ilíquida, que obrigasse a sua liquidação, certamente retardaria a
concessão da efetiva tutela jurisdicional. É o autor o maior juiz de sua pretensão. Cabe a ele
analisar se é melhor requerer sentença líquida ou sentença ilíquida. É por isso que é vedado ao
juiz proferir sentença ilíquida no caso de pedido certo. Se o juiz contrariar o pedido, proferindo
sentença ilíquida, ele julga fora do pedido, e portanto a sentença é nula.
Entretanto, quando o autor requerer sentença líquida, mas for impossível ao juiz concedê-la,
pode ojuizproferir sentença ilíquida, obviamente explicando essa razão.7
171
DJU 06.08.1990, STJ, REsp 2.230-PR, 3.a T., rei. Ministro Cláudio Santos.
456
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
14.3.3 Vedação de a sentença julgar fora do pedido, ou aquém ou além do pedido
O art. 460, caput, do CPC afirma que "é defeso ao juiz proferir, a favor do autor, sentença de
natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto
diferente do que lhe foi demandado".
Com isso, ou seja, com a regra de que a sentença deve corresponder ao que foi pedido, o Código
de Processo Civil objetiva impedir que o julgador confira ao autor algo que não foi pedido, ou
mais ou menos do que foi postulado.
Afirma-se (primeira parte do art. 460) que o juiz está proibido de proferirsentença de natureza
diversa da pedida. A natureza da sentença é reflexo do pedido, que pode sermediato ou
imediato. O pedido mediato reflete aquilo que o autor postula no plano do direito material, ao
passo que o pedido imediato diz respeito à espécie de provimento desejado pelo autor (no plano
processual)/ Nesse último sentido, a sentença pode ser declaratória, conde-natória, constitutiva,
mandamental ou executiva. Isso quer dizer que (por exemplo) se o autor pede que o juiz declare
a responsabilidade do réu por um ilícito, ele não pode condená-lo a pagar uma indenização. 9
Por outro lado, se o autor reivindica o imóvel "X", o juiz não pode julgar procedente o pedido
em relação ao imóvel "Y". Desse modo, o juiz estará, nos termos da parte final do referido art.
460, concedendo ao autor objeto diverso daquele que lhe foi pedido.
Além disso, diz a segunda parte do art. 460 que o juiz não poderá condenar o réu em
quantidade superior àquela que lhe foi pedida. Assim, se o autor pede R$ 100,00, ojuiz não
poderá condenar o réu a pagar R$ 200,00, muito menos condenar o réu a pagar lucros cessantes
quando o autor pediu somente indenização pelos danos emergentes. É claro que esta segunda
parte do art. 460 não se refere apenas à sentença condenató-ria, porém veda qualquer espécie de
sentença que outorgue ao autor mais do que foi pedido, já que o princípio da congruência entre a
sentença e o pedido vale para todos os tipos de sentença, e não apenas para a sentença
condenatória.
lS)
DJU 08.04.1991, STJ, REsp 5.239-SP, 3. aT., rei. Ministro Nilson Naves. l9) De acordo com o art. 4.°, parágrafo
único, do CPC, "c admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito".
SENTENÇA
457
Por fim, vale a pena advertir que há sentenças com efeitos anexos e reflexos, também
conhecidos como efeitos legais ou necessários. É que determinadas sentenças, por força de lei,
ou pelo fato de atingirem necessariamente relação de direito material conexa àquela posta em
juízo através do pedido, produzem, independentemente do pedido ou do desejo da sentença,
certos efeitos, que assim são chamados de legais ou necessários. Exemplificando: i) a sentença
que condena ao pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá - por
força do art. 466 do CPC - como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será
ordenada pelojuiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos. Assim, por exemplo, quem
obtém sentença de condenação ao pagamento de soma em dinheiro, terá, por força de lei, e
portanto sem pedido, uma hipoteca judiciária; ii) a sentença que julga procedente o pedido de
despejo do locatário também expulsa do imóvel o sublocatá-rio. De fato, estabelece o art. 15 da
Lei 8.245/91, que dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a ela
pertinentes, que, "rescindida ou finda a locação, qualquer que seja sua causa, resolvem-se as
sublocações, assegurado o direito de indenização do sublocatário contra o sublocador". A
sublocação, no entanto, consiste apenas em uma relação jurídica conexa àquela que foi posta
em juízo pelo pedido do autor, uma vez que a relação jurídica entre locador e locatário (partes
no processo) é a de "locação", e não a de "sublocação". A sentença decreta o despejo, definindo
a relação jurídica de direito material entre locador e locatário, mas produz efeitos reflexos em
relação ao sublocatário (nesse caso, o sublocatário deve ser "cientificado" para, querendo,
intervirno processo como assistente simples do locatário - art. 59, § 2.°, Lei 8.245/91).
A sentença que julga fora do pedido énula, outra devendo ser proferida pelo juiz. de primeiro
grau de jurisdição. Já a sentença que julga além do pedido, podendo ser corrigida para menos,
ou seja, para os limites do pedido, pode ser alterada pelo tribunal, pois seria um atentado à
celeridade e à economia processual exigir uma sentença de primeiro grau de jurisdição para
definir o que já foi julgado procedente. Nesse sentido já julgou o Superior Tribunal de Justiça:
"Decisão além do pedido - Redução. Sendo certo o pedido, quanto ao valor da indenização,
reduz-se a este o consignado no acórdão recorrido, que decidiu a causa, segundo as provas, sem
necessidade de sua anulação".10
""' DJU 08.02.1993, STJ, REsp 29.425-7-SP, 3.a T., rei. Ministro Dias Trindade.
458
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
14.3.4 O art. 461 do CPC e o art. 84 do CDC como exceções ao princípio da congruência
entre a sentença e o pedido
De acordo com os arts. 461 do CPC e 84 do CDC, o juiz pode conceder a tutela específica ou o
chamado "resultado equivalente ao do adim-plemento".
Reconhece-se, ainda, em ambos os dispositivos, o poder de o juiz, de ofício, ordenar sob pena
de multa ou determinar as denominadas "medidas necessárias" (executivas), para que seja obtida
a tutela específica ou o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
Assim, por exemplo, se o autor requer, em ação coletiva (que será vista com mais profundidade
na última parte deste livro), que o juiz determine que um terceiro instale um filtro em uma
fábrica (sentença executiva), o juiz pode proferir sentença mandamental, ordenando, sob pena
de multa, que a empresa ré instale o equipamento reputado necessário para eliminar a poluição.
Mesmo quando é requerida uma ordem sob pena de multa, o j uiz, em vista da situação de
urgência que envolve o bem a ser protegido, pode proferir outra modalidade de sentença (ou
seja, uma sentença executiva) e até mesmo conceder algo diverso daquilo que foi pedido (mas
necessário em face da causa de pedir exposta pela autor). Exemplificando: sendo a única saída
para se evitar a poluição a cessação das atividades da indústria ré, o juiz, em vista da situação de
urgência que envolve o bem a ser protegido, pode determinar a interdição da indústria ré, ao
invés de ordenar a cessação de suas atividades sob pena de multa.n
14.3.5 A sentença deve ser certa, ainda quando decida relação jurídica condicional
Não é possível que a sentença condicione sua eficácia a evento futuro e incerto por ela mesma
criado. Porém, ela evidentemente pode regular negócio jurídico que contemple condição.
Melhor explicando: a sentença pode regular negócio jurídico que compreende condição ainda
não implementada (ver arts. 121 a 130 do CC). O que é vedado é a sentença criar, ela própria,
condição para sua
(11)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit, p. 119-120.
SENTENÇA
459
eficácia. Em outras palavras, é nula a sentença que condiciona a eficácia da condenação ao
preenchimento de certos requisitos.
É nesse sentido que o parágrafo único do art. 460 afirma que a sentença deve ser certa, ainda
quando decida relação jurídica condicional. O que se quer dizer é que, ainda que a sentença
enfrente relação jurídica de direito material que contemple condição, ela deve ser certa.
\<\A Classificação das sentenças
A doutrina, por muito tempo, classificou as sentenças em declarató-ria, condenatória e
constitutiva. Isso em razão de motivos culturais e políticos que não comportam análise neste
momento.
Entretanto, é importante esclarecer que a doutrina italiana clássica, que formulou tal
classificação, recebeu nítida influência da filosofia liberal do final do século XIX. 12
As sentenças da classificação trinária são absolutamente incapazes de garantir tutela
genuinamente preventiva, ou tutela adequada aos direitos não patrimoniais. Isso porque através
de nenhuma delas o juiz pode ordenar.
Com efeito, essa classificação, além de refletir, sobre o plano metodológico, as exigências da
escola sistemática, baseadas na necessidade de isolar o processo do direito material, espelha os
valores do direito liberal, fundamentalmente a pretendida neutralidade do juiz, a autonomia da
vontade, a não ingerência do Estado nas relações dos particulares e a incoercibilidade do fazer.
Como é sabido, o Estado liberal fez surgir um juiz despido de poder de imperium e que deveria
apenas proclamar as palavras da lei. As sentenças da classificação trinária, todas elas lato sensu
declaratórias, refletem essa idéia, já que não permitem ao juiz dar ordens.
Note-se que não é apenas a sentença declaratória stricto sensu que está comprometida com os
valores do Estado liberal. A sentença condenatória igualmente obedece a esses valores, pois
também atua apenas no plano normativo. O juiz, através da sentença condenatória, além de declarar, apenas aplica a sanção, abrindo as portas para a ação de execução.
<l2
' Ver, para um maior aprofundamento, Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibi-tória, cit.
460
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O que interfere, em concreto no plano da realidade social, é somente a execução. Sem a ação de
execução, aliás, a sentença condenatória ficaria reduzida a uma espécie de sentença
declaratória. Pense-se, por exemplo, na declaração de responsabilidade em razão da prática de
ato ilícito, e na condenação ao pagamento de indenização correspondente ao valor do dano, em
virtude da responsabilidade por esse ato.I3 A sentença condenatória vai além da sentença
declaratória, pois além de declarar a responsabilidade, impõe a sanção, permitindo ao vencedor
propor ação de execução, em caso de não cumprimento da sentença condenatória. Esta difere da
declaratória apenas porque contém a sanção, e, assim, a potencialidade de abrir ensejo para a
execução.
Não há dúvida de que a idéia de jurisdição como função meramente declaratória está
nitidamente comprometida com o princípio da separação dos poderes e, principalmente, com a
relevância institucional que foi dada pelo direito liberal ao poder legislativo.'4 A sentença lato
sensu declaratória, nesse sentido, apenas reafirmaria a vontade da lei e a autoridade do Estadolegislador. O juiz seria, em outras palavras, e como desejou MONTESQU1EU, apenas a boca da
lei.15
Alguém dirá que o juiz, ao ordenar (sentença mandamental), também declara. Note-se,
entretanto, que quando se diz que há uma ligação entre o princípio da separação dos poderes e a
função declaratória da jurisdição, não se nega que o juiz tenha que investigar a existência do
direito afirmado para, depois, declará-lo. O problema está em reduzir a função do juiz à
declaração - segundo o princípio de que "a ordem já estaria contida na lei" -, privando-o da
possibilidade de dar ordens e de exercer imperium, - o que faria retomar, aliás, segundo parte da
doutrina francesa, o papel que era atribuído ao juiz francês anterior à Revolução Francesa.
É importante lembrar, com efeito, que a própria doutrina francesa 16 chegou a afirmar que as
"astreintes" invocam o papel que era reservado
11 !|
Recorde-se que de acordo com o art. 4.°, parágrafo único, do CPC, "é admissível a ação declaratória, ainda que
tenha ocorrido a violação do direito".
"" RAPISARDA, Cristina. Projlli delia tutela civile inibitoria, cit., p. 70.
(15)
TARELLO, Giovanni. Storia delia cultura giuridica moderna (assolutismo e codificazione dei diritto). Bologna:
II Mulino, 1976. p. 287.
1
"" RIPERT, Georges e BOULANGER, Jean. Traitédedroit civil. Paris: Librairie Générale de Droit et de
Jurisprudence, 1957. p. 591.
SENTENÇA
461
ao pretor romano (que exercia imperium, ao contrário do árbitro romano), eque, portanto, fariam
surgir um juiz que não seria aquele que melhor se adaptaria ao princípio da separação dos
poderes.
O temor de se conferir ao juiz poder para dar ordens pode ser melhor explicado através da
comparação entre nosso sistema e o da common law. Há na common law e, em particular, na
disciplina do "contempt of Court",l7 algo que não se concilia com as bases do direito liberal, já
que o juiz, armado de contempt power para sancionar suas próprias ordens, passa a exercer
importante papel criativo, deixando de ser mero burocrata (ou juiz neutro, como desejava o
direito do Estado liberal clássico).
De fato, a classificação trinária das sentenças tem nítida relação com um Estado marcado por
uma acentuação dos valores da liberdade individual em relação aos poderes de intervenção
estatal, revelando, ainda, nítida opção pela incoercibilidade das obrigações.
O processo liberal, permeado pelos princípios da abstração dos bens e sujeitos e da equivalência
dos valores, não estava preocupado em assegurar o adimplemento in natura, ou em assegurar ao
credor o bem que lhe era devido, mas apenas em garantir o natural funcionamento da economia
de mercado, e para tanto bastava a sentença de condenação (o pagamento de dinheiro).
Não importava para o direito liberal a diferença entre as pessoas e os bens que deveriam ser
tutelados na forma jurisdicional. A essa abstração, a essa indiferença, correspondia, no plano da
sanção, a tutelaressarcitória, que, ao expressarem termos econômicos o valor equivalente ao da
lesão, objetivava apenas garantir o natural funcionamento da economia de mercado.IS
Não tinha o direito liberal preocupação alguma com a tutela das posições sociais
economicamente mais fracas, nem mesmo com a proteção de determinados bens que hoje
merecem, em razão de sua imprescindi-bilidade para a inserção do cidadão em uma sociedade
mais justa, tutela jurisdicional diferenciada. Como resultado disso, a tutela não precisava ser
específica, bastando apenas o restabelecimento do valor econômico da lesão, isto é, a tutela
ressarcitória.
(l7>
Ver John Henry Merryman, The civil law tradition, Stanford, Stanford University Press, 1985, p. 73. (IS) MAZZAMUTO, Salvatore. Uattuazionedegliobblighidifare.
Napoli: Jovene,
1978. p. 35.
462
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Há íntima relação entre a ideologia liberal e a transformação do processo econômico, ou estreita
ligação entre a igualdade formal das pessoas, a concepção liberal de contrato e o ressarcimento
do dano como sanção expressiva de determinada realidade de mercado. Se os homens são iguais
e, assim, livres para se autodeterminarem no contrato, não cabe ao Estado, no caso de
inadimplemento, interferir na relação jurídica, assegurando o adimplemento in natura. l9 Os
limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de conteúdo negativo, gozando dessa natureza a tutela ressarcitória.20
A sentença condenatória, compreendida como sentença que se liga à execução por sub-rogação,
afasta-se da idéia de coerção sobre a vontade do obrigado (pois independe da vontade do
obrigado, e portanto de algo que atue sobre sua vontade, como a multa). A correlação entre a
condenação e a execução por sub-rogação, implícita no conceito clássico de sentença
condenatória, tem evidente compromisso com a ideologia liberal, já que evidencia que o juiz
não pode atuar sobre a vontade do réu mediante o uso de coerção, privilegiando, assim, o valor
da liberdade individual.
A sentença declaratória, enquanto sentença que regula apenas formalmente (sem interferir na
esfera do particular) uma relação jurídica já determinada em seu conteúdo pela autonomia
privada,'também reflete a idéia de rígida delimitação dos poderes de intervenção estatal na
esfera privada.21
Na realidade, as sentenças declaratória e condenatória refletem não só as doutrinas que
inspiraram o art. 1.142 do Código Napoleão, pelo qual toda obrigação de fazer e não fazer, em
caso de inadimplemento, se resolve em perdas e danos, como também a ideologia que deu
origem ao
(20) (21)
Entretanto, "na sociedade de massa, torna-se imprescindível garantir ao consumidor a efetiva tutela de seus direitos,
de modo que ele não seja prejudicado pela livre escolha do empresário, que poderia até mesmo deixar de adimplir in
natura em razão das 'variações do mercado'. Os arts. 461 doCPC e 84 do CDC, ao privilegiarem a tutela específica,
em relação ao mero ressarcimento pelo equivalente, refletem a postura de um Estado que sabe que a efetiva
realização dos direitos é fundamental para uma organização social mais justa" (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela
inibitória, cit., p. 296). MAZZAMUTO, Salvatorc. L'attuazione degli obblighi cli fare, cit., p. 37. RAPISARDA,
Cristina. Projili delia tutela civile inibitória, cit., p. 70.
SENTENÇA
463
dogma de que a coercibilidade das obrigações constitui atentado contra a liberdade e a
dignidade dos homens.22
A sentença declaratória, exatamente porque não determina um fazer ou um não fazer, é
impotente para permitir a prevenção do ilícito e, principalmente, a tutela das novas situações
jurídicas, que não raramente se revestem de conteúdo não patrimonial.
Tudo isso revela que o sistema clássico de tutela dos direitos não foi pensado para permitir a
tutela preventiva, ou ainda que a doutrina clássica não se preocupava com a tutela preventiva
dos direitos, o que certamente tinha relação com a idéia de que qualquer infringência à lei ou ao
contrato poderia ser recomposta através de dinheiro e de que não importava a tutela preventiva,
única realmente adequada para tutelar os novos direitos.
Se a sentença declaratória não é hábil para permitir a prevenção, e se a sentença condenatória
tem um nítido escopo repressivo, não há possibilidade de se encontrar, dentro da classificação
trinária das sentenças, via adequada para a tutela dos direitos não patrimoniais, o que revela
total incapacidade do processo civil clássico para lidar com as relações mais importantes da
sociedade contemporânea.23
Atualmente, os arts. 461 e 461-A do CPC, bem como o art. 84 do CDC, permitem ao juiz, na
sentença ou na tutela antecipatória, ordenar sob pena de multa. Tal sentença, evidentemente, não
pode ser enquadrada na classificação trinária, e, portanto, recebe o nome de mandamental. A
sentença mandamental, em outras palavras, atua sobre a vontade do vencido, compelindo-o a
seu cumprimento.
A outra sentença, que gera, juntamente com as três sentenças clássicas e a sentença
mandamental, a classificação quinaria, é a sentença executiva. Essa sentença permite,
independentemente da vontade do réu, e sem a propositura da ação de execução, a realização do
direito do autor. Por exemplo: a sentença de despejo não condena o locatário a entregar o
imóvel, quando seria exigível, em caso de não cumprimento da sentença condenatória, a ação de
execução. A sentença de despejo decreta o des1221
Ver Sérgio Chiarloni, Misure coercitive e tutela dei diritti, Milano: Giuffrè,
1980. lW) MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 25 e ss.;
Tutela inibitória, cit., p. 300; Tutela específica, p. 20.
464
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
pejo, expedindo-se mandado de desocupação forçada no caso de as chaves do imóvel não serem
entregues no prazo oportuno.
Como a sentença executiva, também prevista nos arts. 461 e 461 -A do CPC e 84 do CDC,
melhor responde às exigências de uma tutela jurisdicio-nal tempestiva, efetiva e mais barata,
não é possível admitir a classificação trinária, ignorando-se a nova realidade
normativaeaclassificação quinaria.
14.5 Para uma melhor compreensão das sentenças de procedência
14.5.1 Sentença declaratória
A sentença declaratória apenas "declara" a existência, a inexistência, ou o modo de ser de uma
relação jurídica.24 A ela recorre aquele que necessita obter, como bem jurídico, a declaração da
existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica. 25
Por exemplo: "A" deu emempréstimo a "B" determinado valor; "B", passado algum tempo, nega
ter havido o empréstimo, afirmando que recebeu a soma em doação. Nesse caso, "A" pode
pleitear uma sentença que declare aexistênciado empréstimo. Poroutro lado, "B"tambémpode
postular que seja declarada a inexistência do empréstimo, ou mesmo a existência da doação.
Nesse caso, como se vê, tanto "A" quanto "B" podem requerer uma sentença declaratória.
O objetivo da sentença declaratória, destarte, é eliminar uma situação de incerteza que paira
sobre determinada relação jurídica. O bem da vida outorgado ao autor, através da
sentençadeclaratóriaacobertadapela autoridade da coisa julgada material, é a eliminação da
incerteza que recaía sobre a existência, a inexistência ou o modo de ser da relação jurídica.
Frise-se, porém, que o interesse que legitima a postulação da sentença declaratória é a dúvida
objetiva que paira sobre a relação jurídica. É a dúvida resultante da controvérsia com alguém
sobre a relação jurídica, e não apenas a dúvida meramente subjetiva.
(24)
Segundo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, "a ação declaratória é meio processual hábil para se obter a
declaração de nulidade do processo que tiver corrido à revelia do réu por ausência de citação ou por citação
nulamente tei-ta"(/?7 629/206).
l 5)
- RT 654/78.
SENTENÇA
465
Cabe advertir, ainda, que segundo o art. 4.° do CPC o interesse do autor pode limitar-se à
declaração: i) da existência ou da inexistência da relação jurídica; e ii) da autenticidade ou
falsidade de documento.
Como está claro, o Código de Processo Civil admite a ação declara-tória para que seja declarada
a autenticidade ou a falsidade de documento. Esse é o único caso em que a lei admite que um
simples fato seja objeto de ação declaratória. 26
Afirma-se, ainda, que a sentença declaratória tem fim preventivo. É preciso verificar, contudo,
em que termos a sentença declaratória exerce função preventiva. Na verdade, a sentença
declaratória pode dar ao autor apenas a vantagem da eliminação da situação de incerteza que
pairava sobre determinada relação jurídica. Essa sentença, porém, jamais poderá obrigar alguém
a fazer ou a não-fazer. A sentença declaratória, deste modo, não tem capacidade para impedir
alguém de praticar um ilícito. Somente a sentença mandamental, que pode permitir a concessão
da tutela inibitória, é realmente capaz de prevenir o ilícito.
Lembre-se de que o modelo do Estado liberal clássico, marcado por uma acentuação dos valores
de liberdade individual em relação aos po-deres de intervenção estatal, reflete -se sobre a
concepção de sentença declaratória,27 enquanto sentença que regula apenas formalmente uma
relação jurídica já determinada em seu conteúdo pela autonomia privada.28 Tal sentença não
pode interferir na esfera jurídica do particular, ou coagir alguém a não cometer um ilícito, pois
isso, para os doutrinadores clássicos, implicaria em interferência indevida sobre a liberdade do
indivíduo.
Não parece errado afirmar, portanto, que a contraposição sentença declaratória-sentença
mandamental (tutelainibitória) 29 expressa diferentes necessidades e valores, sendo a primeira
marcada pelo desejo de não se permitir a intervenção do Estado nas relações dos particulares, e
a segunda por uma exigência praticamente oposta, ou seja, por uma real ne(26)
V?r539/85;fl7\588/144.
'"' VerVittorioDcnti, "Diritti delia personac tecnichedi tutela giudiziale", cit.,
p. 267.
1281
RAPISARDA, Cristina. Profili delia tutela civile inibitória, cit., p. 70. <29) Como será visto mais adiante, a
sentença mandamental permite a concessão
de vários tipos de tutela, sendo a inibitória apenas uma delas.
466
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
cessidade de se impedir a violação de direitos considerados fundamentais dentro de um contexto
de Estado que, deixando de lado a necessidade de apenas preservar a liberdade do cidadão,
passa a apostar não só na consagração formal, mas também na tutela efetiva e concreta de
direitos imprescindíveis para uma organização social mais justa e equânime.30
14.5.2 Sentença constitutiva
Todas as sentenças contêm declaração. A sentença constitutiva, por exemplo, antes de formar,
modificar ou extinguir uma relação jurídica, declara algo que possibilita a constituição ou a
desconstituição.
A sentença declaratória difere da constitutiva na medida em que ela é apenas declaratória, e por
isso é chamada de declaratória stricto sensu. Assim, se o autor pretende desconstituir sua
relação conjugai, e é proposta ação de separação judicial, é lógico que, por exemplo, se a ação é
fundada em conduta desonrosa, a sentença terá que declarar tal conduta como pressuposto para
a desconstituição da sociedade conjugai, que é o pedido realizado e que deve ser atendido pela
sentença de procedência; frise-se que a conduta desonrosa é apenas fundamento do pedido. Na
sentença declaratória, ao contrário cio que acontece na constitutiva, apenas se declara,
bastando para se atender ao pedido declaratório a sentença declaratória stricto sensu.
As sentenças declaratória e constitutiva, ao contrário das sentenças condenatória, mandamental
e executiva, bastam como sentenças (por si) para atender ao direito substancial afirmado,
enquanto que as sentenças condenatória, mandamental e executiva exigem atos posteriores para
que o direito material seja efetivamente realizado.
Note-se que a sentença condenatória apenas exorta o réu ao pagamento, abrindo oportunidade
para a ação de execução no caso de inadim-plemento da sentença. Ao contrário, a sentença que
rescinde um contrato, e portanto o desconstitui, basta por si só para atender ao direito do autor;
a sentença constitutiva, dessaforma, diferencia-se claramente da condenatória.
A chamada sentença constitutiva pode criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Nesse
sentido ela pode ser uma sentença constituMARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 192.
SENTENÇA
467
tiva positiva ou uma sentença constitutiva negativa, também ditas, em outra terminologia mas
no mesmo sentido, sentenças constitutiva e des-constitutiva. Assim, por exemplo, a sentença de
interdição, que decreta (constitui) o estado de interdito, é constitutiva positiva, ao passo que a
sentença que dissolve (desconstitui) a relação conjugai é constitutiva negativa.1 '
14.5.3 Sentença condenatória
Para que se compreenda o conceito de sentença condenatória, nada melhor do que um exemplo.
O autor pode, apesar de seu direito já ter sido violado, pedir simplesmente que o juiz declare a
responsabilidade do réu pela prática do ato que lhe produziu danos (sentença declaratória
strictosensu). Entretanto, se o autor deseja indenização pelos danos, deve postular sentença que
condene o réu a pagar quantia em dinheiro como indenização, e que declare, apenas como
pressuposto para a condenação, a sua responsabilidade. Perceba-se que a sentença
condenatóriafoialém da sentença declaratória, condenando o réu apagar; o pedido nesse caso
é condenatório, e não declaratório.
Contudo, se a sentença condenatória não for cumprida pelo réu, ela, por si só, não bastará para
que o direito do autor seja realizado, e nesse sentido ela diferencia-se das sentenças
declaratória e constitutiva.
Considerando-se o exemplo narrado no início deste item, observa-se que a sentença
condenatória diferencia-se da sentença declaratória apenas porque abre oportunidade para a
propositura da ação de execução. E por tal motivo que se afirma que a sentença condenatória é
caracterizada pela sanção executiva; na verdade, a sentença condenatória possui este nome, ao
invés de possuir o nome "declaratória", porque abre oportunidade para a ação de execução.
Abrir oportunidade para a ação de execução é possuir a sanção executiva.
Segundo LIEBMAN, a sentença condenatória caracteriza-se por aplicar a sanção. Entretanto, o
que exatamente significa aplicar a sanção? Vejamos a explicação do próprio LIEBMAN: "A
execução consiste na realização de certas medidas que em conjunto representam a sanção
"" SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. São Paulo: RT, 2000. vol. l,p. 183.
468
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
para a falta de observância do direito material. Mas os órgãos incumbidos dessa atividade só a
podem exercer quando houver regra jurídica (regra sancionadora) que assim o determine. Ora,
as regras sancionadoras abstratas, quer expressas (como as do direito penal), quer latentes na estrutura orgânica da ordem jurídica (como as que prescrevem a execução civil para o caso de
falta do cumprimento da obrigação), não se tornam automaticamente concretas pela simples
ocorrência do ato ilícito. Seja este um crime ou um ilícito civil, o autor do fato não é só por isso
submetido à atuação da sanção: esta deve ser-lhe aplicada, imposta, determinada para o caso
concreto que lhe foi imputado. A condenação representa exatamente o ato do juiz que
transforma a regra sancionadora de abstrata e latente em concreta, viva, eficiente".32
O que LIEBM AN está dizendo é que não basta a norma que prevê a execução para o caso de
inobservância da obrigação, mas que é necessário sancionar concretamente o responsável, e
isto efeito através da sanção contida na condenação — que possibilita a prática de atos
materiais pelos agentes do Estado, ou seja, a execução forçada.
CALAM ANDREI deixou claro que a condenação, na perspectiva de LIEBM AN, seria
necessária para fazer entrar em ação a "sanzione delle sanzioni", que seria exatamente a
execução forçada. Segundo CALA-MANDREI, a condenação, para LIEBMAN, não é
necessária para determinar a entrada em vigor de qualquer sanção, mas é necessária para fazer
entrar em ação aquela sanção extrema (aquela que, se poderia dizer, é a sanção das sanções),
que consiste na execução forçada.33
O que seria, contudo, a chamada execução forçada? Execução forçada é sinônimo de execução
direta ou de execução por sub-rogação, ou seja, é a execução que faz com que o direito do autor
seja realizado por agente do Estado (auxiliar do juízo) ou por terceiro, sem que importe a
vontade do réu. Porém, há casos em que o direito, para ser realizado, depende da vontade do
réu, ou melhor, depende de que o réu seja convencido a observá-lo. Na hipótese, por exemplo,
de obrigação infungível, isto é, daquela que somente pode ser cumprida pelo réu, ou o EstadoLIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. Sao Paulo: Saraiva, 1968.
(
p. 16. "» CALAMANDREI, Piero. "La condanna". In Opere giuridiche. Napoli:
Morano, 1972. p. 490.
m)
r
SENTENÇA
469
Juiz pode atuar sobre sua vontade, compeíindo-o a cumprir a obrigação, ou a obrigação será
convertida em perdas e danos.
Lembre-se que na época do direito liberal clássico, prevalecendo a liberdade e a autonomia da
vontade, era impossível ao Estado obrigar o cidadão a cumprir obrigação infungível, e por isso
a obrigação era convertida em perdas e danos. Aí era viável apenas a sentença capaz de condenar ao pagamento de dinheiro. A sentença condenatória, por ter sido correlacionada com a
execução forçada pela doutrina processual que recebeu influência do direito liberal clássico, é
sentença que não permite a realização de direitos que dependem da vontade do réu, exatamente
pela razão de que, na época em que foi concebida, não era admissível o uso da multa como meio
de coerção da vontade dos litigantes.
Em outras palavras, a sentença condenatória tem nítida relação com os valores do Estado liberal
clássico, não só pela razão de que não admite a coerção da vontade dos litigantes mediante o uso
da multa, como também pela razão de que os direitos objeto da preocupação do Estado liberal
podiam ser convertidos em pecúnia, e assim podiam ser por ela tutelados. 34
Além disso, é preciso notar que, se a sentença condenatória é correlacionada com a execução
por sub-rogação e pressupõe a violação do direito, ela jamais poderá prevenir o ilícito. Como
diz LIEBMAN, a condenação é o ato que aplica, impõe, determina in concreto a sanção que o
transgressor deverá sofrer pelo ato cometido.35 Como se vê, a condenação pressupõe o "ato
cometido", e, portanto, éeminentemente repressiva.
Com efeito, a sentença condenatória pressupõe a violação do direito; a elaboração dogmática da
sentença condenatória não teve qualquer preocupação com a prevenção do ilícito, mas apenas
com a necessidade de reparação do direito violado.36 Além disto, por incrível que pareça, a
doutrina clássica supunha que a ordem do juiz, determinando que alguém não praticasse um ato
37
ilícito, agrediria a liberdade do indivíduo! PorW)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 268 c ss. e 75.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução, cit., p. 13-16.
oc
" MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 275.
'"' Lodovico Barassi afirmou que a "tutela puramente preventiva", "certamente Ia piü enérgica", seria também "Ia piü
preoecupante, come ò di tutte le preven-zioni che possono eccessivamente limitare 1'umana autonomia" {La teoria
generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1964. p. 428).
W)
470
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tanto, a sentença condenatória tem nítido escopo repressivo, estando longe de constituir ordem
sob pena de multa, pois foi elaborada à luz de valores que não admitiam o seu uso (preocupação
com a neutralidade do juiz e com a liberdade dos litigantes).
De qualquer forma, o sistema que incorpora as sentenças condenatória, declaratória e
constitutiva, somente podia ser admitido como eficiente quando eram considerados direitos de
épocas passadas, estando muito longe de poder atender as novas necessidades sociais.
14.5.4 Sentença mandamental
A sentença que ordena não é declaratória, constitutiva ou condenatória. Como já foi
demonstrado no item anterior, alguém poderia, no máximo, confundi-la com a sentença
condenatória. Frise-se, no entanto, que a sentença condenatória parte do pressuposto de que o
juiz não pode interferir na esfera jurídica do indivíduo, e assim ordenar para constrangê-lo a
cumprir a sentença, justamente pela razão de que foi elaborada à luz de valores que não
admitiam esta atividade, quando se pensava na tutela de direitos que podiam ser convertidos em
pecúnia.
Se a sentença condenatória difere da declaratória por abrir oportunidade à execução forçada, a
sentença mandamental delas se distancia por tutelar o direito do autor forçando o réu a
adimplir a ordem do juiz. Na sentença mandamental há ordem, ou seja, imperium, e existe
também coerção da vontade do réu; tais elementos não estão presentes no conceito de sentença
condenatória, compreendida como sentença correlacionada com a execução forçada?*
A sentença mandamental é caracterizada por dirigir uma ordem para coagir o réu; seu escopo é
convencer o réu a observar o direito por ela declarado. Portanto, não é mandamental a sentença
que exige que seja expedido mandado para que um terceiro a registre. Se o oficial do registro
civil é obrigado a registrar uma sentença que desconstituiu relação jurídica existente entre as
partes, tal sentença é desconstitutiva, e não mandamental. Quando a sentença ordena, visando
compelir o réu a cumpri-la, a execução é dita "indireta ", já que o direito declarado pela senMARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 35 1.
SENTENÇA
47[
tença só vai ser efetivamente realizado se a sentença convencer o réu a observá-la.
Mandrioli advertiu que o preço que deveríamos pagar para incluir as sentenças suscetíveis de
execução indireta na categoria da condenação émais elevado do que a vantagem que
poderíamos obter. Enquanto a vantagem estaria no plano da terminologia (pois daí teríamos um
menor número de sentenças), a contrapartida da inclusão da sentença (ligada às medidas
coercitivas) na categoria da condenação levaria a uma inevitável cisão entre o conceito de
condenação e a noção de execução forçada. Tal cisão deixaria espaço vazio entre a declaração
e a condena-ção-título-executivo, o que tornaria inevitável a configuração de um tertium genus,
que seria a condenação-não-título-executivo. 39
Admitir uma condenação-não-título-executivo é equívoco de lógica, pois é aceitar conceito (de
sentença condenatória) e negá-lo ao mesmo tempo. Não admitir o conceito de sentença
condenatória, projetan-do-se-lhe a refundação, é esquecer que o conceito de condenação é elaboração científico-doutrinária e, ao mesmo tempo, desprezar não apenas os esforços que a
doutrina fez para conceituar condenação, como também os valores culturais que presidiram a
formação do conceito dessa modalidade de sentença. De qualquer forma, ainda que esse possa
ser o desejo de alguns, não há razão para se reunir na mesma categoria duas sentenças que,
necessariamente, levarão a uma subclassificação, exatamente por não se conciliarem.40
Ora, se surgiu nova necessidade de proteção jurisdicional e, assim, nova modalidade de tutela,
não há razão para se preservar a antiga classificação trinária, como se ela fosse absoluta e
intocável. A tentativa de manter a classificação trinária é derivada de um equívoco sobre a verdadeira função das classificações, vício que, na verdade, não é encontrado apenas entre os
juristas, mas que no direito acaba adquirindo um peso bastante significativo.^ Talvez ele se
deva - como diz GENARO
1391
MANDRIOLI, Crisanto. "Sulla correlazione necessária tra condanna ed eseguibilità forzata", Rivista
Trimestrale Diritto e Procedura Civile, p. 1.352, 1976.
1401
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 361.
(4I)
CARRIÒ, Genaro R. Notas sobre derechoy lenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Penot, 1990. p. 98.
472
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
CARRIÓ - ao fato de que a teoria jurídica trabalha, em quase todos os setores, com
classificações herdadas, a maioria contando com o aval de grande prestígio e tradição, sendo
que os juristas realmente acreditam que tais classificações constituem forma verdadeira de
agrupar as regras e os fenômenos, em lugar de nelas ver simples instrumentos para melhor
compreensão destes; são os fenômenos - segundo o que comu-mente se pensa - que devem
acomodar-se às classificações e não o contrário. A2
14.5.5 Sentença executiva
É importante deixar claro que há duas maneiras de considerar a sentença executiva.
A primeira, e talvez a mais sofisticada, é a que parte da premissa de que a sentença executiva,
por si só, altera a denominada linha discriminativa das esferas jurídicas, ao passo que, no caso
de sentença conde-natória, tal alteração somente ocorre no momento da ação de execução, pois
é esta que retira um bem da esfera jurídica do devedor e o transfere para a esfera jurídica do
credor.n
PONTES DE MIR AN DA afirma que o autor da reivindicatória pede a coisa que está,
contrariamente ao direito, na esfera do demandado, não ocorrendo o mesmo na condenação e
na execução que a segue, já que aí os bens estão, de acordo com o direito, na esfera do
"devedor". Na ação de execução, com efeito, há a retirada do bem da esfera jurídica do devedor
para a esfera jurídica do credor, ocorrendo o que PONTES DE MI-RAN DA chama de
modificação da linha discriminativa. 44 Essa modificação da linha discriminativa, tratando-se de
ação reivindicatória, ocorre no momento em que a sentença é proferida, pois aí, como bem
disse SATTA, o proprietário é reconhecido como tal no confronto do possuidor ilegítimo.**
W)
Idcm, ibidem.p. 99.
MARINONI, Luiz. Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 362 e ss.
(44)
PONTES DE MIRANDA, F. C. Comentários ao Código de Processo Civil.
Rio de Janeiro: Forense, 1976. vol. 9, p. 17ess. M5) SATTA, Salvatore. "L'esecuzione forzata nella tutela
giurisdizionale dei diritti".
In Scritti in onore cli Francesa) Camelutti. Padova: Cedam, 1950. vol. 2, p. 10.
W)
SENTENÇA
473
Como demonstra SATTA, aquele que, na ação reivindicatória, é reconhecido pela sentença como
proprietário, precisa apenas exercer o direito de propriedade para retomar a coisa que lhe pertence, sendolhe vedado agir privadamente apenas porque a posse do réu, ainda que ilegítima, é tutelada pelo
ordenamento jurídico.46 Não seria necessária ação de execução, que somente seria exigível quando
houvesse a necessidade da retirada de um bem que está legitimamente na esfera jurídica do réu,
lembrando-se que o direito de propriedade, na ação de execução, pertence ao devedor, sendo sua posse
legítima, ao contrário do que ocorre na sentença reivindicatória, que estabelece, por si só, que o direito
de propriedade pertence ao autor e que a posse do réu é ilegítima.
Na hipótese de sentença reivindicatória, tendo sido a posse do réu declarada ilegítima, bastaria apenas a
prática de atos materiais por parte do próprio Estado-Jurisdição, não sendo necessário ao vencedor propor ação de execução. É nesse sentido que a sentença executiva seria autônoma em relação à sentença
condenatória.
Outro modo de conceber a sentença executiva é o de supor que esta é a sentença que, independentemente
da estrutura do direito material tutelado e da alteração ou não da linha discriminativa das esferas jurídicas, simplesmente dispensa a ação de execução, por uma questão de teni-pestividade e efetividade da
47
tutela jurisdicional.
Pense-se, por exemplo, em sentença que, ao "condenar" ao pagamento de soma em dinheiro, ao invés de
simplesmente aplicar a sanção como pressuposto para a ação de execução, desde logo determinasse o
pagamento, e viabilizasse, no caso de inadimplemento, e sem a necessidade dapropositura de ação
executiva, a expedição de mandado depenhora dos bens do réu.
Na verdade, não há dúvida de que a proposta de uma sentença que instaura a execução forçada, ainda que
sem alterar a linha discriminativa das esferas jurídicas, mas dispensando a ação de execução, além de
fazer surgir nova espécie de sentença, que não se confunde com a condenatória nem com a executiva
como pensada no início desse item, é importante para aquestão da "efetividade do processo", já que não
só abre(4(,) SATTA, Sal vatore."L'esecuzioneforzatanella tutela giurisdizionale dei diritti",
(47)
cit,p. 10.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória, cit., p. 362 c ss.
474
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
via o tempo necessário para a satisfação do direito, como também elimina as complicações e os
48
gastos próprios à propositura de uma ação de execução.
14.6 Sentença, outras técnicas de tutela e tutela dos direitos
Já passou o tempo em que bastava estudar a ação una e abstrata e o universo de sentenças que
estava ao seu redor. A idéia de direito de ação, como direito a uma sentença de mérito, não tem
muita importância para quem está preocupado com um processo efetivo, ou melhor, com processo capaz de dar efetividade aos direitos que precisam ser através dele garantidos.
É absolutamente fundamental, no estágio em que vive o direito processual civil, redescobrir as
relações entre o processo e o direito material, que - como bem observa DENTI - a tão
proclamada autonomia da ação e da relação processual acabaram por obscurecer, deixando de
lado a estrita dependência dos institutos do processo (de um processo em determinado momento
histórico) da influência do direito substancial e, portanto, do papel que o direito hegemônico
desenvolve na sociedade.49
Muito embora hoje seja "costume" falar em tutela jurisdicional dos direitos, é preciso que se
deixe claro que o jurista que estuda o processo civil na perspectiva da tutela jurisdicional tem
sério compromisso em pensar em um processo que possa responder, com efetividade, às diversas necessidades de tutela do direito material.
Não se trata, portanto, de utilizar a expressão "tutela" apenas por amor conceituai - ou, o que é
pior, por simples preferência terminológica-, mas de tentar elaborar uma construção dogmática
capaz de dar conta das di ferentes necessidades de tutela dos direitos, tomando em consideração
suas peculiaridades e características e principalmente o papel que pretendem cumprir na
sociedade.
O que se quer dizer, em outras palavras, é que é preciso delinear as tutelas capazes de responder
às diferentes necessidades do direito substancial.
I4SI
l49)
Idem, ibidem,p. 373.
DENTI, Vmorio. Utiprogetío per Ia ,i>/n.s7/z;7<c/W/e.Bologna: II Mulino, 1982. p. 12.
SENTENÇA
475
A tutelajurisdicional, em determinada perspectiva, é o resultado que o processo proporciona no
plano do direito material; em outra é o conjunto de meios processuais estabelecidos para que tal
resultado possa ser obtido. Quando se pensa nos meios processuais, concebidos pela lei, para a
tutela do direito material, há, mais propriamente, técnica processual de tutela; quando se tem em
consideração o resultado que as técnicas processuais de tutela proporcionam, há, em toda a sua
plenitude, uma espécie de tutelajurisdicional prestada.
Deixe-se claro, de fato, que quando se pensa nos meios que permitem a obtenção de um
resultado no plano do direito material, não é incorreto falar em "tutelajurisdicional". Quando se
percebe, contudo, a necessidade de distinguir os meios (que permitem a prestação da tutela) do
fim a ser obtido (o resultado no plano do direito material), apresenta-se como adequada a
distinção entre tutelajurisdicional stricto sensu e técnicas de tutelajurisdicional.
Nessa última perspectiva, as sentenças (condenatória, mandamen-tal etc.) são apenas técnicas
que permitem a prestação da tutelajurisdicional. Perceba-se que quando se pensa em termos de
tutela dos direitos é preciso verificar se o processo está conferindo a devida e adequada tutela
aos direitos, o que não é possível saber ao se constatar que foi proferida sentença condenatória
ou sentença mandamental, pois estas não refletem um resultado que o processo proporciona no
plano do direito material. Na verdade, tais sentenças espelham apenas o modo (a técnica)
através do qual o processo tutela os diversos casos conflitivos concretos.
Além disso (ou seja, além da sentença), para a prestação de determinada espécie de
tutelajurisdicional importam também os meios de execução que o ordenamento jurídico oferece
para a tutela dos direitos, isto para não se falar no procedimento e na cognição, os quais
também são fundamentais para o encontro da tutelajurisdicional adequada e efetiva. Os meios
de execução, que evidentemente interferem no resultado que o processo pode proporcionar no
plano do direito material, são técnicas para a prestação da devida tutela jurisdicional. Note-se,
por exemplo, que a inibitória, no direito italiano, ressente-se da presença de meios de coerção
indireta no Código de Processo Civil,50 pelo que, salEm dezembro de 1994, o Ministério da Justiça italiano designou uma Comissão, presidida pelo Prol". Giuscppe
Tarzia, para a revisão do Código de Proces-
476
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
vo casos especificamente previstos em lei, a tutela que deveria ser inibi-tória - diante da
necessidade de evitar a prática ou a repetição do ilícito -acaba assumindo a configuração de
mera declaração. Uma sentença que apenas declara que um ilícito não pode ser praticado ou se
repetir, j usta-mente porque não pode se valer do emprego da multa, não inibe a prática do
ilícito.
Perceba-se que a sentença por nós definida como mandamental não é sinônimo de tutela
inibitória,já que a sentença mandamental também pode permitir a tutela do adimplemento
(tutela específica da obrigação contratual inadimplida) e a tutela ressarcitória na forma
específica -quando o dano pode ser reparado através de um fazer. A sentença e os meios de
execução, portanto, são apenas técnicas para uma adequada prestação da tutela jurisdicional.
A tutela jurisdicional, quando pensada na perspectiva do direito material, exige a resposta a
respeito do resultado que é proporcionado pelo processo no plano do direito material. Ora, a
tutela jurisdicional pode ser, por exemplo, inibitória, ressarcitória etc, conforme as diferentes
necessidades de tutela do direito material.
Note-se, ainda por exemplo, que a tutela ressarcitória pode ser prestada através de diferentes
modalidades de sentenças (condenatória, mandamental etc), ao passo que determinada espécie
de sentença (porexem-plo, mandamental) pode viabilizar a prestação de diversas espécies de
tutela (por exemplo, tutela inibitória, tutela ressarcitória na forma específica etc).
Quando estão em jogo as tutelas que podem ser prestadas pelas sentenças, não se está falando de
algo que pertence apenas ao plano do direiso Civil. A Comissão propôs, entre outras coisas, a introdução de medidas de coerção patrimonial no
Código de Processo Civil, invocando expressamente, como modelo a ser seguido, o art. 461 do nosso
Código. Em sua justificativa, assimseexpressouTarzia:"Ladiffusionediquestemisuresiavverted'altronde
sempre di piü anche a livello internazionale (cf. l'art. 461, recentemente novellato dei Código de Processo
Civil brasiliano elenormedettate ai riguardo nel progetto di armonizzazione dei diritto processuale civile
delTUnione Europea, redatto dalla Commissione presieduta dal prof. Storme) ed è stata oggetto di viva
attenzione anche de jure condendo nella nostra dottrina" (TARZIA, Giuseppe. "Per Ia revisione dei
Códice di Procedura Civile; Rela-zione", Rivista di Diritto Processuale, p. 993-994, 1996).
SENTENÇA
477
to material, pois, como já foi dito, a preordenação da devida modalidade de sentença e dos
adequados meios de execução é imprescindível para o surgimento da adequada tutela
jurisdicional do direito. Não haveria, por exemplo, uma efetiva tutela do adimplemento na
forma específica sem as técnicas mandamental e executiva, do mesmo modo que seria absurdo
pensar em uma tutela inibitória prestada pela sentença declaratória.51
14.7 Sentença satisfativa e sentença não satisfativa
52
A distinção entre sentença satisfativa e sentença não satisfativa, realizada por parte da
doutrina, permite que se isolem as sentenças que não são, por si sós, suficientes para a tutela dos
direitos, necessitando de meios de coerção ou de sub-rogação para que o direito possa ser
efetivamente realizado.
Na doutrina italiana, SATTA já dizia, aludindo à sentença condena-tória, que a tutela do direito
de crédito seria a execução forçada sobre o patrimônio do devedor.51 MANDRIOLI, por sua
vez, admitiu que nas
(5I)
MARINONI, Luiz Guilherme, Tutela especifica, cit., p. 62-65.
Segundo Raselli, "nelle sentenze di accertamento 1'attestazione autorizzativa dell'esistenzadi una concreta
volontàdi legge-chestabilisce quale sia Ia tutela degli interessi delle parti in un dato rapporto giuridico - esaurisce i
provvedimenti che le parti possono o vogliono chiedere ai giudice, dato il modo con cui si c determinata Ia
situazionedi insoddisfazione dei loro interessi" (...) "Tale elemento nelle sentenze di condanna è Ia pronunzia sulla
possibilita di un'ulteriorc attività giurisdizionale per assicurare Ia tutela degli interessi protetti: nelle sentenze
costitutive ò un'ulteriore attività dei giudice che addirittura realizza nella siessa sentenza quella soddisfazione degli
interessi cui c stato accertato che una parte ha diritto. Questa soddisfazione è data da un cambiamento delia
preesistente situazione di diritto materiale" (RASSELI, Alessandra. "Sentenze determinative e classificazione delle
sentenze", cit., p. 580). Rapisarda, ao tentar classificar as sentenças a partir do efeito que é por elas declarado no
plano do direito material, afirma que determinados provimentos (o declaratório e o constitutivo) realizam autônoma e
integralmente a tutela concedida pela norma afatlispecie substancial declarada, podendo, assim, receber a designação
de "satisfativos" (RAPISARDA, Cristina. Profili delia tutela civile inibitória, cit., p. 231 e ss.).
(53)
SATTA, Salvatore. "Premessegenerali aliadottrinadeliaesecuzione forzata", Rivista di diritto pmcessuale civile, p.
368, 1932.
<52)
478
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sentenças declaratória e constitutiva a tutela se exaure frutuosamente, ao passo que na sentença
54
condenatória exaure-se apenas umafase da tutela jurisdicional.
Como é óbvio, só há razão para se pensar em efetividade dos meios de execução quando se está
diante de sentença não satisfativa. 55 São exatamente as sentenças não satisfativas, isto é, aquelas
que não exaurem frutuosamente a tiitelajurisdicional, que exigem mais atenção: estas não são
suficientes para a tutela dos direitos, razão pela qual, ao seu lado, devem estar preordenados
meios de coerção e sub-rogação capazes de atender deforma efetiva e adequada às diversas
necessidades de tutela dos direitos.
Para a tutela inibitória, por exemplo, não basta uma sentença que ordene; é necessária a coerção
indireta (sentença mandamental). Para a tutela de remoção do ilícito, ainda por exemplo, não é
suficiente uma sentença que determine a remoção do ilícito, sendo imprescindível a
possibilidade de o juiz determinar um meio de execução capaz de permitir que o ilícito seja
efetivamente removido (sentença executiva).
Quando se percebe que há sentenças que não respondem, independentemente do uso da multa e
de meios executivos, às necessidades de tutela dos direitos (por exemplo, sentenças dos arts.
461 e 461-A), evidencia-se a imprescindibilidade de se indagar se os meios processuais estão
adequadamente predispostos para atender às necessidades de tutela do direito material.
É importante falar, por exemplo, em "tutela inibitória", pensando-se nas sentenças não
satisfativas, exatamente para se verificar se os meios
1541
Crisanto Mandrioli afirma no seu conhecido L'az,ione esecutiva, que "nelle sentenze di mero accertamento e nelle
sentenze costitutive Ia tutela giurisdi-zionale si esaurisce fruttuosamente, mentre nella sentenza di condanna si
esaurisce soltanto una fase di quella tutela" (Uaz.ione esecutiva. Milano: Giuffrè, 1955. p. 310).
(
"> Sentença não satisfativa, no presente contexto, significa sentença que não exaure frutuosamente a tutela
jurisdicional, mas apenas parte dela. Contudo, quando se diz que a tutela antecipatória é satisfativa sumária, ao
contrário da cautelar - que apenas assegura a obtenção efetiva da tutela final - deseja-se deixar claro que a tutela
antecipatória dá ao autor o bem da vida buscado em juízo - e por esta razão o satisfaz. —, ao passo que a cautelar,
enquanto destinada a assegurar a utilidade do processo, evidentemente não pode o satisfazer.
SENTENÇA
479
executivos preordenados pelo legislador são suficientes para sua efetiva prestação.
Isto não quer dizer que as "tutelas do direito material" não possam, eventualmente, estar ligadas
a uma sentença satisfativa, mas que a incompletude ou a não satisfatividade de algumas
sentenças exige que se pense em termos de tutela dos direitos para se verificar se os meios
executivos estão adequadamente predispostos para atender às necessidades de tutela do direito
material. Deixe-se claro que, quando as sentenças satisfativas são colocadas ao lado de tutelas
como a inibitória, deseja-se apenas evidenciar que as sentenças não satisfativas devem ser
pensadas à luz dos meios de execução que lhes permitem a prestação das tutelas do direito
material; não se quer dizer, evidentemente, que as tutelas dos direitos e as sentenças satisfativas
possam ser classificadas como se estivessem em um mesmo plano. Ora, como já foi dito, as
sentenças constituem apenas meios para a prestação da tutela dos direitos.
Melhor explicando: não se está afirmando, como é óbvio, que as sentenças declaratória e
constitutiva possam ser enquadradas na mesma classificação com as várias tutelas do direito
material. Mas apenas que as sentenças declaratória e constitutiva, sendo afirmadas satisfativas,
prestam, independentemente de uma atividade que possa ser dita propriamente executiva,
tutelas que ou conferem ao autor a certeza jurídica ou constituem nova situação jurídica.
Contudo, é importante pensar nas várias formas de tutelas dos direitos, como já foi dito, para
se verificar se as técnicas de tutela realmente são efetivas (ou satisfativas). Imagine-se, por
exemplo, a tutela inibitória e a não previsão da multa no sistema processual. Teríamos, nesse
caso, a necessidade de uma tutela que não pode ser efetivamente prestada pelo processo! Em
outros termos, é fundamental pensar nas tutelas como bens que devem ser conferidos ao autor,
justamente para que seja analisado se o sistema processual civil possui o procedimento, as
sentenças e os meios de execução adequados para a sua prestação.
Como a definição da natureza das sentenças depende dos meios de execução que a elas estão
atrelados, as sentenças não satisfativas somente podem ter sua natureza definida quando
pensadas juntamente com os meios de execução que lhes servem de suporte. A sentença
mandamen-tal, por exemplo, somente é mandamental porque ordena mediante coerção indireta;
a condenação seria mera declaração se não abrisse opor-
480
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tunidade à execução forçada; a sentença executiva seria condenatória se atrelada à necessidade
da ação de execução forçada, ou declaratória se não tivesse à sua disposição meios de coerção
direta ou de sub-rogação capazes de lhe permitir a prestação de uma tutela diferenciada.56
14.8 A questão da tutela específica dos direitos
A questão da tutela específica (que se contrapõe à chamada tutela pelo equivalente) aflora
quando se está diante das sentenças não satisfativas.
Em se tratando de obrigação contratual, a tutela específica, em princípio, é aquela que confere
ao autor o cumprimento da obrigação inadinv plida, seja a obrigação de entregar coisa, pagar
soma em dinheiro, fazer ou não fazer. A tutela que confere ao autor o desfazimento daquilo que
não deveria ter sido feito é tutela específica da obrigação de não fazer.
Quando se teme a reiteração do descumprimento de uma obrigação de fazer ou não fazer, a
tutela que se destina a impedir o devedor de voltar a inadimplir também é tutela específica.
Há, ao contrário, tutela pelo equivalente (e não tutela específica), quando impossível o
cumprimento da obrigação na forma específica, ou quando seu cumprimento, na forma
específica, não é de interesse do credor. Além disso, e como é óbvio, no caso de violação de
obrigação instantânea, não sendo mais possível a outorga da prestação, torna-se necessária a
tutela pelo equivalente.
No caso de ato contrário ao direito, é possível inibir sua prática, repetição ou continuação,
eliminar o estado contrário ao direito com a conseqüente reconstituição da situação jurídica que
lhe era anterior, ou ainda obter, independentemente da vontade do réu, a situação que existiria
caso a norma houvesse sido observada. Nesses casos, não havendo tutela contra o dano que
pode ter sido acarretado pelo ato contrário ao direito, mas apenas tutela destinada a inibir o
ilícito (tutela inibitória) ou a reintegrar o direito que foi violado (tutela reintegratória), há
evidentemente tutela específica.
Entretanto, mesmo no caso de dano patrimonial ou não patrimonial, é possível a tutela
específica. A tutela que confere ao lesado a reparação
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p. 65-67.
SENTENÇA
4g]
do dano patrimonial in natura, ou a tutela dirigida a reparar o dano não patrimonial na forma
específica, como aquela que repara in natura o dano estético ou a que se expressa na publicação
de comunicado que retifica anterior notícia lesiva à honra, constituem tutelas específicas.
Como se vê, tutela ressarcitória não é sinônimo de tutela pelo equivalente (sentença
condenatória); há tutela ressarcitória na forma específica quando épossível, ainda que
parcialmente, reparar o dano independentemente da outorga ao lesado de um montante em
pecúnia correspondente ao valor da lesão. Como está claro, tutela pelo equivalente ao valor do
dano é o contrário de tutela ressarcitória na forma específica.
Discute-se, entretanto, se a tutela que concede ao autor o equivalente em pecúnia para a
reparação in natura pode ser classificada como específica. Não há dúvida de que a tutela que
obriga o demandado a reparar o dano na forma específica, ou a tutela que confere ao autor,
mediante atividade de um terceiro custeada pelo demandado, a reparação na forma específica,
constituem formas de tutela na forma específica.
Contudo, se o autor postula a soma necessária para a reparação in natura, ou se o dano é
reparado e é pedida a soma correspondente ao valor que foi gasto para a reparação in natura,
não há tutela específica. Ainda que o dano seja reparável na forma específica, a entrega da soma
em dinheiro para a reparação na forma específi ca não constitui tutela ressarcitória na forma
específica, mas sim tutela ressarcitória pelo equivalente ao valor do custo necessário para a
reparação na forma específica.
Na verdade, a razão que pode conduzir alguém a supor que a tutela que dá ao autor o valor
necessário para a reparação in natura é específica, pode permitir a conclusão de que também é
específica a tutela que confere ao credor o valor suficiente para que a prestação inadimplida
seja realizada por terceiro, o que evidentemente é equivocado.57
A tutela reintegratória - que permite o restabelecimento da situação que era anterior ao ato
contrário ao direito, ou mesmo que seja estabelecida a situação que deveria estar vigorando caso
a norma houvesse sido observada - não se confunde com a tutela ressarcitória na forma especí1571
Luigi Montesano, a nosso ver sem razão, entende que' a condenação ao pagamento de uma soma correspondente
ao valor necessário para a reparação na forma específica é tutela ressarcitória na forma específica (Le tutele giurisdizionali dei diritti. Bari: Cacucci, 1981. p. 119 e ss.).
482
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
fica. Nesta última, que se volta contra o dano (e não contra o ato contrário ao direito, uma vez
que o dano é sua conseqüência eventual), é necessário que a tutela jurisdicional estabeleça a
situação que existiria caso o dano não houvesse sido praticado. Assim, por exemplo, se é
impossível plantar árvores equivalentes àquelas que existiriam caso o dano não houvesse
ocorrido, é necessário cumular o ressarcimento na forma específica com o ressarcimento pelo
equivalente.
Se há nítida diferença entre o restabelecimento da situação anterior ao ilícito e o
estabelecimento da situação que existiria caso o dano não tivesse sido produzido, alguma
dúvida pode haver entre esta última situação e a do estabelecimento da situação que existiria
caso a norma houvesse sido observada.
No caso de ato contrário ao direito pode haver conduta comissiva ou omissiva. Na hipótese de
conduta comissiva, que gerou uma alteração do mundo físico, é preciso o restabelecimento da
situação anterior. Contudo, pode haver ato contrário ao direito derivado de omissão; por exemplo: quando terceiro instala determinada tecnologia que, segundo norma não observada pela
empresa ré, é imprescindível para a preservação do meio ambiente, é prestada tutela
reintegratória.
A tutela destinada a fazer surgir a situação que deveria estar vigorando caso não houvesse
ocorrido conduta omissiva que gerou apenas um ilícito, e não um dano, não se confunde com a
tutela ressarcitória na forma específica, precisamente porque esta supõe um dano, e o
necessário estabelecimento da situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. Na
hipótese de conduta omissiva geradora de ilícito, a tutela que supre a omissão, eliminando a
situação de ilicitude, não se dirige contra o dano.
Na verdade, como será esclarecido adiante, o que diferencia a tutela ressarcitória na forma
específica e a tutela reintegratória é o fato de que a primeira é voltada contra o dano e a
segunda apenas contra o ilícito, compreendido como ato contrário ao direito.
Por outro lado, se não há como confundir tutela ressarcitória na forma específica com tutela
ressarcitória pelo equivalente em pecúnia, também não há razão para confusão entre tutela
prestada em pecúnia com tutela pelo equivalente. É que há tutela prestada em pecúnia que pode
ser específica, como, por exemplo, a tutela do adimplemento da obrigação de pagamento de
soma em dinheiro.
SENTENÇA
483
Para resumir, é importante deixar estabelecido o seguinte: i) tutela específica é gênero do qual
fazem parte várias espécies de tutelas, como a inibitória; ii) tais tutelas não se confundem com
as técnicas processuais instituídas para sua adequada prestação (ou seja, com as sentenças); iii) a
tutela específica tem como oposto a tutela pelo equivalente, que pode ser tutela pelo equivalente
ao valor do dano ou tutela pelo equivalente ao valor da obrigação inadimplida; iv) a tutela pelo
equivalente não se confunde com a tutela prestada em dinheiro, uma vez que a tutela da obrigação de pagar inadimplida, embora prestada em dinheiro, é específica; v) a tutela antecipatória
se contrapõe à tutela final, assim como o contrário de decisão interlocutória é sentença; vi) do
mesmo modo que a tutela final, a tutela antecipatória pode ser específica ou pelo equivalente;
vii) como a tutela final, a tutela antecipatória pode ser, por exemplo, ressarcitória ou inibitória
(portanto, é errado supor que toda tutela antecipatória é preventiva; a tutela antecipatória é
relacionada com a necessidade de tempestividade, e não com a preventividade).
Não há dúvida de que a tutela específica protege de modo mais adequado o direito material. A
tutela dirigida a evitar o ilícito é, evidentemente, muito mais importante do que a tutela
ressarcitória. Por outro lado, no caso de dano não patrimonial, o ressarcimento na forma
específica é o único remédio que permite que o dano não seja monetizado e que o direito, assim,
encontre uma forma efetiva de reparação.
Na realidade, o direito à adequada tutela jurisdicional tem como corolário a regra de que,
quando possível, a tutela deve ser prestada na forma específica.™ Isso porque o direito do
credor à obtenção de uma utilidade específica prevalece sempre sobre a eventualidade de
conversão do direito em um equivalente. 59
14.9 As sentenças não-satisfativas e as várias espécies de tutela
14.9.1 Primeiras considerações
Para que possam ser bem compreendidas as várias tutelas que podem ser prestadas pelas
sentenças não-satisfativas, é importante consi<58)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p. 67-70. CECCHERINI, Gra/ia. Risarcimenti specifica.
Milano: Giuffrc, 1989. p. 28.
(59)
CECCHERINI, Gra/ia. Ri.iarcimento ciei danno e riparazione in forma
484
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
derar dois pontos: o primeiro relativo à diferença entre sentença, compreendida como um meio
processual preordenado para prestar a tutela, e a tutela do direito propriamente dita,
compreendida como o resultado que o processo proporciona ao autor no plano do direito
material; o segundo pertinente à diferença entre ilícito, compreendido como ato contrário ao
direito, e dano, que é apenas a sua conseqüência eventual.
A falta de distinção entre ato contrário ao direito e dano levou a doutrina a unificar as
categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, supondo que a tutela contra o ilícito já
praticado sempre seria a tutela de reparação de dano, enquanto que a tutela preventiva sempre
configuraria uma tutela que apenas poderia ser concedida quando demonstrada a
probabilidade do dano, pouco importando a evidência do ato contrário ao direito.
Por outro lado, a alusão à categoria do ilícito contratual acabou porobs-curecer a distinção entre
a tutela contra o ilícito (compreendido como ato contrário ao direito) e a tutela que pressupõe o
inadimplemento contratual.
É fundamental, entretanto, a distinção entre tais tutelas, uma vez que cada uma delas tem seus
próprios pressupostos. O estabelecimento do perfil de cada uma dessas tutelas é imprescindível
não só para a compreensão da repercussão da tutela final sobre o plano do direito material, mas
também para que fiquem dissipadas as dúvidas em torno das diferentes relações da tutela
sumária com o direito substancial (a diferença evidente entre a tutela antecipatória e a tutela
cautelar).
14.9.2 Tutela inibitória
14.9.2.1 Tutela inibitória: premissa
Em vista de sua importância, a tutela inibitória é a que requer maior estudo.
Se é imprescindível uma tutela dirigida unicamente contra a probabilidade da prática do ato
contrário ao direito, é também necessária a construção de um procedimento autônomo e bastante
para a prestação dessa modalidade de tutela.
É preciso que se tenha, em outras palavras, um procedimento que culmine em uma sentença que
ordene sob pena de multa e que admita uma tutela antecipatória da mesma natureza. Tal
procedimento, como será melhor explicado adiante, está delineado pelos arts. 461 do CPC e 84
do CDC.
SENTENÇA
485
Além disso, como é necessário isolar uma tutela contra o ilícito (compreendido como ato
contrário ao direito), requer-se a reconstrução do conceito de ilícito, que não pode mais ser
compreendido como sinônimo de fato danoso.
A tutela inibitória é essencialmente preventiva, pois é sempre voltada para o futuro, destinandose a impedir a prática de um ilícito, sua repetição ou continuação. 60
Trata-se de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível dentro da sociedade
contemporânea, em que se multiplicam os exemplos de direitos que não podem ser
adequadamente tutelados pela velha fórmula do equivalente pecuniário. A tutela inibitória, em
outras palavras, é absolutamente necessária para a proteção dos chamados novos direitos.
14.9.2.2 A tutela inibitória e os seus pressupostos
A tutela inibitória não tem o dano entre seus pressupostos. O seu alvo, como já foi dito, é o
ilícito.
É preci so deixar claro que o dano é u ma conseqüência meramente eventual do ato contrário ao
direito. O dano é requisito indispensável para a configuração da obrigação ressarcitória, mas não
para a constituição do ilícito.
Se o ilícito independe do dano, deve haver uma tutela contra o ilícito em si, e assim uma tutela
preventiva que tenha como pressuposto apenas a probabilidade de ilícito, compreendido como
ato contrário ao direito.
A doutrina mais moderna entende que a inibitória prescinde dos possíveis efeitos concretos do
ilícito ou, mais precisamente, que tal espécie de tutela deve tomar em consideração apenas a
probabilidade do ilícito.61
Não há dúvida de que o ilícito, na maioria das vezes, torna-se visível em face de um dano, que é
a sua conseqüência concreta. A inibitória, portanto, em grande número de casos, ainda que
pensada como uma tutela voltada contra o ilícito, acaba por impedir a prática de um dano. Isso
"'"' A tutela inibitória também pode ser utilizada, embora excepcionalmente, para inibir um inadimplemcnto
contratual de eficácia instantânea ou a sua repetição.
(6I)
MARINONI,LuÍ7.Gui]hcrnic.r/í/e/ííí;i/W/fí/vV/,cit;ARENHART, Sérgio Cruz. Tutela inibilória cia vklci privada,
cit.
486
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
não quer dizer, porém, que não seja possível uma tutela inibitória dirigida apenas contra o
ilícito, ou que seja necessário demonstrar culpa ou dolo para sua prestação. Quando se pensa
no ilícito olhando-se para o dano, exige-se o elemento subjetivo - culpa ou dolo - para sua
própria configuração. O ilícito, se compreendido na perspectiva da responsabilidade civil, não
apenas requer a presença do dano, como também exige - ao menos em regra - a presença do
elemento subjetivo.
Contudo, compreendendo-se o ilícito como ato contrário ao direito, não há razão para se exigir o
elemento subjetivo para sua constituição. Tratando-se de tutela inibitória, forma de tutela
jurisdicional que nada tem a ver com o dano, mas apenas com a probabilidade da prática de um
ilícito, não há razão para se pensar em culpa. Note-se que a culpa é critério para a imputação da
sanção pelo dano, sendo totalmente descartável quando se pensa em impedir a prática, a
continuação ou a repetição de ato contrário ao direito. Se alguém está na iminência de praticar
um i lícito, cabe a ação inibitória, pouco importando se a culpa está presente. 62
É correto concluir, assim, que a tutela inibitória não tem entre seus pressupostos o dano e a
culpa, limitando-se a exigir a probabilidade da prática de um ilícito, ou de sua repetição ou
continuação.
J4.9.2.3 A tutela inibitória como corolário do direito constitucional de acesso à justiça
Afirma o art. 5.°, XXXV, da CF brasileira, que nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. Tal norma, segundo a doutrina, garante a todos uma tutela
jurisdicional adequada e efetiva;" por tal razão, é correto dizer que essa norma constitucional
também garante a tutela jurisdicional inibitória.
1621
RAPISARDA, Cristina. Pmfilidelia tutela civile inibitória, cit., p. 98; SPO-L1DORO, Marco Saveiio. Le misure
cliprevenzione neldiritto industriale. Milano: GiutTrc, 1982. p. 161-163; FRANCESCHELLI, Remo. "Studi sulla
concorrcn/aslcale-Lalattispecie",/?/i7'.vr«í//D/n7to///f/i/.vír/«/t',p.273,1963.
"'■" MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 1 10 e ss.; Tutela caittelar e tutela
antecipatótia. cit., p. 90 c ss; Questões do novo direito processual civil brasileiro, cit., p. 301 e ss.; Efetividade do processo e tute la
de urgência, cit., p. 65 c ss.
SENTENÇA
487
Se o ordenamento jurídico afirma determinados direitos — como o direito à honra, o direito à
imagem, o direito à higidez do meio ambiente etc. -, e estes, por sua natureza, não podem ser
violados, o legislador infraconstitucional está obrigado a predispor uma tutela jurisdicional
capaz de impedir a prática do ilícito. Na verdade, se a existência do direito material, em nível de
efetividade, depende da efetividade do processo, não há como se negar que a instituição de
direitos que não podem ser tutelados através da técnica ressarcitória faz surgir, por conseqüência
lógica, direito a uma tutela que seja capaz de evitar a violação do direito material.
Aliás, se a única sanção do ilícito fosse a tutela ressarcitória, o próprio conceito de norma
jurídica estaria comprometido, já que o direito não estaria sendo garantido adequadamente pela
sanção presente na própria norma jurídica. 64
Épor isso que não temos dúvida alguma em afirmar que o princípio geral de prevenção c
imanente a qualquer ordenamento jurídico preocupado em efetivamente garantir - e não apenas
em proclamar - os direitos.
14.9.2.4 A tutela inibitória negativa e a tutela inibitória positiva
Em alguns ordenamentos, como no italiano, em que a tutela inibitória não existe na dimensão
em que é proposta no direito brasileiro, costuma-se associar a tutela inibitória a uma ordem de
não fazer.
A tutela inibitória, contudo, não visa apenas a impedir um fazer, ou seja, um ilícito comissivo,
mas destina-se a combater qualquer espécie de ilícito, seja ele comissivo ou omissivo. O ilícito,
conforme a espécie de obrigação violada, pode ser comissivo ou omissivo, o que abre oportunidade, por conseqüência, a uma tutela inibitória negativa-que impo-nha um não fazer-ou a
uma tutela inibitória positiva —que imponha um fazer.
Algo semelhante se passa no direito anglo-americano, que conhece as chamadas "prohibitory
injunetion" e "mandatory injunetion", a primeira consistindo em uma ordem que impõe um não
fazer e a segunda em uma ordem que impõe um fazer. Como é sabido, o sucesso da "injunetion"
decorre da flexi bilidade que a caracteriza, permitindo sua adap1641
ROTONDI, Mario. Dintto inchtstriale. Padova: Cedam, 1965. p. 519 e ss.
488
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tação aos mais diversos casos carentes de tutela. Assim, se determinada situação concreta requer
a imposição de um fazer, impõe-se a "mandatory injunction"; em hipótese inversa, concluindose pela necessidade de uma ordem de não fazer, determina-se a "prohibitory injunction".
14.9.2.5 Os arts. 461 do CPCe 84 do CDC: a tutela inibitória individual e a tutela inibitória
coletiva
De acordo com o art. 461, caput, do CPC, "na ação que tenha por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se
procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao
do adimplemento". Segundo o § 4.° deste artigo, o juiz poderá, na sentença ou na tutela
antecipatória, "impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do
preceito".
Como está claro, o art. 461 permite que o juiz ordene sob pena de multa, na sentença ou na
tutela antecipatória. O art. 461, em outras palavras, faz surgir um procedimento que desemboca
em uma sentença que ordena sob pena de multa, por nós chamada de mandamental, e que
viabiliza urna tutela antecipatória da mesma natureza. Como a tutela inibitória, para ser
prestada, necessita de procedimento desse tipo, é correto afirmar que o art. 461 constitui o
fundamento - em termos de instrumentos de tutela - da tutela inibitória individual.
O art. 84 do CDC tem redação praticamente idêntica à do art. 461 do CPC. Essa norma do CDC
é aplicável à tutela de todos os interesses difusos e coletivos, e não apenas - como uma
interpretação apressada poderia levar a supor- à tutela dos direitos dos consumidores, uma vez
que o art. 84 do CDC está integrado em um sistema organizado para dar tutela aos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos (formado pela Lei da Ação Civil Pública e pelo
Título III do CDC).65
5)
De acordo com o art. 21 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), "aplicam-se à defesa dos direitos e interesses
difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei 8.078, de 1 1 de setembro de
1990, que institui o Código de Defesa do Consumidor".
SENTENÇA
4g9
Melhor explicando: há no direito brasileiro meios processuais idôneos para a construção de
procedimentos capazes de viabilizara tutela inibi tória dos direitos individuais e
transindividuais. Assim, para facilitar a comunicação, é possível falar em "ação inibitória
individual" e em "ação inibitória coletiva".
14.9.2.6 A tutela inibitória e o princípio de que a sentença deve ficar adstrita ao pedido do
autor
De acordo com o art. 460, caput, do CPC brasileiro, "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor
do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou
em objeto diverso do que lhe foi demandado". Contudo, o art. 461, § 4.°, do CPC - assim como
o art. 84, § 4.°, do CDC - permite que o juiz imponha a multa, na sentença ou na tutela
antecipatória, de ofício, ou seja, sem requerimento da parte.
Além disso, tais artigos afirmam que o juiz pode conceder a tutela específica ou determinar
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Admite-se
expressamente, assim, que, além de a sentença poder impor a multa de ofício, o juiz. deixe de
atender ao pedido formulado pelo autor para determinar providência diversa, desde que
voltada à efetiva tutela do direito material.
Nesse sentido, é possível ao juiz, ao invés de ordenar sob pena de multa a paralisação das
atividades de uma fábrica que está poluindo o meio ambiente, ordenar a instalação de uma
tecnologia capaz de evitar o prosseguimento da poluição. Vice-versa, e quando não for
suficiente o uso de tecnologias capazes de conter a poluição, pode o juiz determinar a paralisação das atividades sob pena de multa, ainda que esta providência não tenha sido pedida.
Uma vez que se confere ao juiz, visando-se à obtenção da tutela adequada do direito material,
ampla latitude de poderes, devem ser aplicados os princípios da efetividade e da necessidade.
Os arts. 461 do CPC e 84 do CDC nada mais são do que respostas do legislador
infraconstitucional aos direitos que não podem ser tutelados através da técnica ressarcitória pelo
equivalente. Tais normas foram desenhadas a partir da tomada de consciência de que o processo
está submetido ao princípio da efetividade e que, assim, deve fornecer uma tute-
490
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ia efetiva àqueles que precisam recorrer ao Poder Judiciário para ter os seus direitos protegidos.
Admitir o desenrolar do contraditório que evidencia a existência de uma situação ilícita e negar
ao juiz o poder de conferir a tutelajurisdicio-nal adequada para a respectiva cessação, é
desconsiderar o fato de que as normas já referidas objetivam evitar, inclusive em nome da
garantia de importantes direitos protegidos constitucionalmente, a degradação da tutela efetiva
do direito material em ressarcimento empecúnia. Se o juiz pode declarar o ilícito (obviamente
porque este ficou demonstrado), e a tutela requerida não é suficiente para impedir seu
prosseguimento, negara possibilidade da concessão da tutela adequada ao caso concreto é
subtrair da jurisdição a possibilidade de impedir a transformação do direito em pecúnia. E o
princípio da efetividade, portanto, que ilumina as normas que deferem ao juiz a possibilidade,
de conceder tutela diversa da pedida para que um direito possa ser efetivamente tutelado.
Se o princípio da efetividade é relevante, não é de menor importância - para a adequada
prestação da tutela inibitória - o princípio da necessidade. No direito brasileiro não é possível
requerer uma tutela inibitória que, muito embora destinada a evitar o ilícito, acabe causando um
dano excessivo ao réu. A tutela deve ser solicitada dentro dos limites adequados a cada situação
concreta, evitando-se a imposição de um não fazer ou de um fazer que possa provocar, na esfera
jurídica do demandado, uma interferência "injusta", porque excessiva em face da necessidade
concreta de tutela. A inibitória, em outras palavras, deve ser imposta ao réu dentro dos limites
necessários à prevenção do ilícito.
O princípio da necessidade, que se desdobra nos princípios da menor restrição possível e do
meio mais idôneo- e que seria, segundo KARL LARENZ, uma modalidade especial do princípio
da proporcionalidade -, relaciona-se com a denominada "proibição de excesso ". Pensan-do-se
em "proibição de excesso " surgem as idéias de "equilíbrio " e de "justa medida ", que se
destinam a evitar que o direito do autor seja tutelado mediante a imposição de medidas
excessivas ao demandado.66
Como afirma LARENZ, a idéia de 'justa medida' tem uma relação muito íntima com a idéia de
justiça, tanto no exercício dos direitos como
(M
"
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. p. 585.
SENTENÇA
491
na imposição de deveres e ônus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na
linha do menor prejuízo possível.67 O autor da ação inibitória, assim, deve requererá ordem
que imponha a conseqüência menos gravosa ao réu exatamente para que seja preservada a
idéia de "justa medida", que está indissociavehnente ligada ò dejustiça.b%
Quando o procedimento evidencia, através das provas, a situação de ilicitude, mas foi requerida
providência que, também diante das provas produzidas, não constitui o meio mais idôneo para a
tutela do direito, ou melhor, o meio que tutela o direito causando a menor restrição possível à
esfera jurídica do réu, o juiz deve deixar o pedido formulado de lado para, de acordo com a
causa de pedir, as provas e o princípio da necessidade, concedertutela jurisdicional que
configure "justamedida ", como antes exposto por meio da lição de LARENZ.
14.9.3 Tutela inibitória executiva 14.9.3.1 Considerações iniciais
É possível admitir, em determinados casos, o emprego de meios de execução direta para evitar a
prática, a repetição e a continuação do ilícito.69
Com efeito, há meios que, independentemente da vontade do réu (e portanto independentemente
de a multa ter ou não convencido o demandado), podem evitar a prática, a repetição do ilícito,
ou sua continuação. Assim, por exemplo, a nomeação de administradorprovisóriopara, atuando
no seio da administração de uma empresa, impedir a ilicitude. Ou mesmo a designação de
oficial de justiça para, com auxílio de força policial, impedir que determinada empresa ou
pessoa adentre dado local para exercer atividade que seja da incumbência exclusiva de outrem.
Não há dúvida de que, em uma perspectiva unicamente de funcionalidade técnica desses meios,
há como se pensar em admitir tutela inibitória que tenha conteúdo executivo, porque atrelada a
meios que prescindem da vontade do demandado (e, portanto, de seu convencimento através da
coerção indireta).
"l7 > LARENZ, Karl. Metodologia cia ciência do direito, cit., p. 514. 1681 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela
inibitória, cit., p. 125-130. "ll)| Ou excepcionalmente um inadimplemento contratual de eficácia instantânea ou sua
repetição.
492
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
O problema, porém, é o de que tal forma de tutela, em vista de seu modo de atuação, merece
mais cuidados do que aquela que se realiza mediante o uso da coerção indireta.
Considerando-se a genuína preocupação de não se permitir o uso arbitrário dos meios de tutela
jurisdicional, notadamente nos casos em que o cidadão ainda não praticou algum ilícito, mas
está apenas em vias de praticá-lo, parece ser mais adequado o uso da coerção indireta para
convencer o réu a não praticar o ilícito, uma vez que desse modo confere-se a ele apossibilidade
de, voluntariamente, não praticar o ato que se deseja evitar.
Isso não quer dizer, entretanto, que não seja legítima, quando necessária, a intervenção judicial
na forma executiva, evitando-se a prática, a repetição ou a continuação do ilícito,
independentemente da vontade daquele que pode praticá-lo.
A tutela jurisdicional que atua mediante meios de execução que independem da vontade do réu,
e destina-se a evitar a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, se igualmente exerce
função preventiva, deve ser diferenciada da inibitória "mandamental" apenas para que não se
pense que o uso de uma ou de outra tenha o mesmo significado.
Como já foi dito, evitar-se um ato através de coerção indireta é conferir-se àquele que pode
praticá-lo a oportunidade de, voluntariamente, não praticá-lo. Entretanto, quando se designa
um interventor ou administrador provisório para, no seio de uma empresa, evitar a prática de
um ato, não se toma em consideração a vontade do réu; o mesmo ocorre quando um oficial de
justiça é designado para impedir que alguém entre em determinado local para exercer
atividade que é da incumbência exclusiva de outrem.
O modo de atuação das tutelas, ou a diferença entre os meios processuais que permitem a sua
prestação, leva-nos a diferençá-las, ainda que ambas sejam destinadas a evitar o ilícito.
A tutela inibitória que prescinde da vontade do demandado é chamada de inibitória executiva,
exatamente para deixar claro que o seu significado, ou o impacto que provoca sobre a esfera
jurídica do réu, é distinto.70
171)1
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p. 121-123.
SENTENÇA
493
A tutela inibitória "executiva", assim como a tutela inibitória "man-damental", configura tutela
genuinamente preventiva. A diferença é que esta última atua mediante a coerção indireta, e
assim visa a convencer o demandado, ao passo que a primeira atua através de meios executivos
que não levam em consideração a vontade do réu.
14.9.3.2 O fundamento da tutela inibitória executiva
A tutela inibitória executiva funda-se na necessidade de se conferir ao cidadão tutela capaz de
impedir a violação de seu direito.
É correto dizer, assim, que a tutela inibitória executiva também é corolário do direito de acesso
à justiça, ou mais precisamente do direito à adequada tutela jurisdicional. Se há direito à
prevenção, até porque determinados direitos não podem ser tutelados através da via ressarcitória, a tutela inibitória executiva é uma necessária resposta à necessidade de se impedir que os
direitos sejam violados.
A tutela inibitória executiva, embora tenha por escopo exercer finalidades que também podem
ser cumpridas pela tutela inibitória manda-mental, mostra-se adequada quando se percebe,
desde logo, que o demandado não irá quedar-se diante da ameaça contida na ordem.
Além disso, a tutela inibitória executiva c a única saída no caso em que o demandado não detém
patrimônio e, assim, não pode ser concreta-mente ameaçado pela cobrança da multa.
O art. 461 do CPC - assim como o art. 84 do CDC - prevê, ao lado da possibilidade do emprego
da multa, a viabilidade de o juiz valer-se de uma série de medidas executivas, denominadas
"medidas necessárias" e exemplificadas no § 5.°das referidas normas.
Não é apenas a "sentença" que pode ser efetivada através das denominadas medidas necessárias.
A tutela antecipatória, que em virtude de disposição expressa de parágrafos contidos nos arts.
461 do CPC e 84 do CDC pode ser concedida no curso do processo (e, portanto, através de
"decisão interlocutória"), também pode ser efetivada através de uma "medida necessária", vale
dizer, de um meio que permita a prevenção do ilícito independentemente da vontade do
demandado, ou, melhor explicando, do uso de pressão psicológica que incida sobre sua vontade.
Se o juiz está autorizado a conceder medida capaz de impedir atividade nociva (as normas
aludem expressamente a "impedimento de ativi-
494
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
dade nociva") e, inclusive, a requisitar força policial, detém ele, já por isso, ampla margem de
poder destinado à determinação do meio executivo mais adequado para impedir o ato ou a
atividade nociva.
De qualquer modo, é indubitável que o legislador brasileiro, ao enumerar as denominadas
"medidas necessárias", não desejou limitar os poderes de execução do juiz, subordinando-o a
elas. Ao contrário, o legislador serviu-se, certamente de propósito, da expressão "tais como"
(prevista no § 5.° dos arts. 461, CPC, e 84, CDC), exatamente para indicar que as medidas por
ele elencadas destinam-se apenas a exemplificar algumas das medidas que podem ser adotadas
pelo juiz.
O princípio que atualmente vigora é o da concentração dos poderes de execução do juiz, não
sendo mais possível falar, como acontecia antes da reforma introduzida no Código de Processo
Civil no final do ano de 1994, em princípio da tipicidade dos meios de execução, que, se tinha
por escopo garantir a segurança jurídica, evitando que a esfera jurídica do demandado fosse
invadida por modalidade executiva diversa da prevista na lei, não conferia ao juiz poder
suficiente para tutelar de forma adequada e efetiva os direitos.
Atualmente, em vista desse novo poder conferido ao juiz, há como se construir um
procedimento autônomo, dotado de tutela antecipatoria e sentença ligados a meios de execução
suficientes e capazes de evitar a prática, a repetição ou a continuação do ilícito,
independentemente da vontade do réu.
Há como se falar em tutela inibitória "executiva", prestada através de sentença executiva, 7'
exatamente porque o juiz, na sentença, pode determinar o meio que lhe pareça mais idôneo para
evitar a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, quando a coerção indireta lhe parecer
imprópria ao caso concreto.12
17
" Além disso, e porque a necessidade de tutela preventiva não se compadece com o tempo necessário à prolação da
sentença, a tutela antecipatoria, viável em face dos arts. 461, CPC, e 84, CDC, demonstra que há instrumentos processuais suficientes para a instituição de uma "ação inibitória executiva" adequa da e efetiva, não havendo mais corno se
pensar no uso da ação cautelar para tutelar contra o ilícito (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p.
126).
l72)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica, cit., p. 124-126.
SENTENÇA
495
14.9.4 Tutela reintegratória (de remoção do ilícito)
Entendeu-se, por muito tempo, que o direito, por obrigar aquele que comete um dano a
indenizar a vítima, não diferenciasse ato contrário ao direito de dano, ou melhor, considerasse o
dano como elemento essencial e necessário dafattispecie constitutiva do ilícito.73
A unificação da categoria da ilicitude com a da responsabilidade civil, fruto da idéia - que é
resultado de uma visão "mercificante" dos direitos - de que a única tutela contra o ilícito
consiste nareparação do dano, ainda está presente na doutrina brasileira. Anote-se, apenas como
exemplo, a seguinte passagem da obra de Orlando Gomes: "Não interessa ao Direito Civil a
atividade ilícita de que não resulte prejuízo. Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do
ilícito civil. Não é de boa lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse
preferível dizer que a produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do
ato ilícito. Seria este simplesmente a conduta contra jus, numa palavra, a injúria, fosse qual
fosse a conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse de aterse a conceitos puros. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso".74
De fato, o dano não é elemento constitutivo dãfattispecie do ilícito; relaciona-se ele com a
obrigação de indenizar, e não propriamente com o ilícito, do qual é conseqüência meramente
eventual. Entretanto, esta distinção não tem efeito unicamente acadêmico. Ao contrário, em face
das situações de direito substancial próprias da sociedade contemporânea, constitui grande
absurdo pensar que o processo civil deve estar preocupado unicamente com o dano, deixando o
ato contrário ao direito aos cuidados do processo penal. É que, dentro da sociedade atual,
determinados bens são imprescindíveis para uma organização social mais justa. Tais bens
necessitam ser efetivamente garantidos, e para tanto são instituídas normas. Essas normas, que
proíbem determinados atos, obviamente devem ser respeitadas, pois de outra forma os bens que
visam proteger serão irremediavelmente prejudicados. Como se vê, as normas que, visando
garantir determinados bens, vedam certos atos, têm função
<71)
FR1GNANI, Aldo. finjunction nella common law e l 'inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 413. 1741
Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1992. p. 313-314.
GOMES,
496
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
preventiva. Portanto, se essas normas objetivam garantir bens imprescindíveis à vida social, é
claro que sua violação, por si só, implica em transgressão que deve ser imediatamente
corrigida. Nas situações em que uma dessas normas é violada, não importa o ressarcimento do
dano (não só porque dano pode ainda não ter ocorrido, como também porque a pretensão à
correção do ato contrário ao direito é independente da pretensão ao ressarcimento do dano) e
a punição do violador da norma. O que realmente interessa é dar efetividade à norma não
observada.
Com isso, deixa-se claro que é fundamental uma tutela voltada exclusivamente contra o ato
contrário ao direito, e não contra o dano, por ser ela imprescindível para a efetiva tutela de
direitos absolutamente relevantes.
A configuração de uma tutela voltada apenas contra o ato contrário ao direito i mplica a quebra
do dogma - de origem romana - de que a única e verdadeira tutela contra o ilícito é a reparação
do dano, ou a tutela ressarcitória, ainda que na forma específica. 75
A confusão entre ilícito e dano é o reflexo de um árduo processo de evolução histórica que
culminou por fazer pensar - através da suposição de que o bem juridicamente protegido é a
mercadoria, isto é, a res dotada de valor de troca - que a tutela privada do bem fosse o
ressarcimento do equivalente ao valor econômico da lesão.76
Não era possível perceber que pode haver necessidade de uma tutela contra um ato contrário ao
direito independentemente de esse ato ter ou não produzido dano. Com efeito, a confusão entre
ilícito e dano não deixa luz para a doutrina enxergar outras formas de tutela contra o ilícito. A
fixação na tutela ressarcitória, ou de reparação do dano, não permite que se perceba que há uma
tutela contra o ilícito já praticado que não pressupõe o dano e seu elemento subjetivo, ou seja,
culpa ou dolo.
A tutela reintegratória—que é tutela contra o ilícito, e não tutela contra o dano — visa a
remover ou eliminar o próprio ilícito, vale dizer, a causa do dano; ela não visa a ressarcir o
prejudicado pelo dano. No caso de tutela reintegratória, é suficiente a transgressão de um
comando juríl75)
RAPIS ARDA, Cristina. "Inibitoria (azione)". Enciclopédia Giurídica Trecanni. vol. 17, p. !. (761 SALVI, Cesare. "Legittimità e 'razionalità' dell'art. 844 Códice Civile",
Giurisprudenza italiana, 1975, p. 591.
SENTENÇA
497
dico, pouco importando se o interesse privado tutelado pela norma foi efetivamente lesado ou
ocorreu dano. Conforme explica SCOGNAMI-GLIO, no caso de tutela reintegratória, bastando
a transgressão de um comando jurídico, prescinde-se da circunstância de que tenha ocorrido
dano, enquanto na hipótese de tutela ressarcitória verifica-se a lesão de um bem do sujeito, a
qual pode ser determinada em concreto, considerando-se o próprio sujeito ou seu patrimônio. 77
Quando se determina a busca e apreensão de produtos nocivos (em desacordo com normas de
proteção à saúde) que estão sendo expostos à venda aos consumidores, remove-se o ilícito ou
apropria causa do dano. Nesse caso, não há que se pensar em tutela contra o dano; a ação de
busca e apreensão objetiva remover o ato contrário ao direito, dando efetividade à norma de
direito material violada, e por isso está muito longe da ação cautelar. Lembre-se que a ação
cautelar requer a probabilidade do dano, ao passo que a ação de busca e apreensão de natureza
reintegratória (de remoção do ilícito) exige apenas a prática de ato contrário ao direito.
Como afirma MICHELE MÒCCIOLA em ensaio publicado na Rivista Critica dei Diritto
Privato, a conseqüência lógica da distinção entre dano e ilícito conduz à formulação do critério
segundo o qual todas as vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte do dano
não há tutela ressarcitória.1*
A tutela ressarcitória, além de pressupor a existência de dano, expressa uma forma de
responsabilidade fundada, em regra, na culpa ou no dolo, ou, em outras palavras, na correlação
do evento danoso ao sujeito, que se exprime através da chamada imputabilidade. A tutela
reintegratória, ao contrário, prescinde da culpa ou do dolo, enquanto tem por escopo eliminar o
ilícito, sem necessidade de qualquer valoração do comportamento de quem conduziu a este
resultado.79
Por outro lado, é importante ressaltar a diferença entre os efeitos continuados decorrentes de um
ilícito e aprática continuada de uma ação
(77)
SCOGNAMIGLIO, Renato. "II risarcimento dcl danno in forma specifica", Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedam Civile, p. 207, 1957.
(78>
MÒCCIOLA, Michele. "Problcmi dei risarcimento dei danno in forma specifica nella giurisprudenza", Rivista
Critica dei Diritto Privato, p. 380-381,1984.
lTO)
GIORGIANNI, Michele. "Tutela dei creditore e tutela 'reale'", Rivista Trimestrale di Diritto e Procedam Civile,
p. 862, 1975.
498
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ou omissão ilícita. Quando o ilícito se perpetua no tempo em decorrência de uma ação, não há
mais como, em determinado sentido, impedira continuação da prática do ilícito, embora seja
possível impedir a continuação dos seus efeitos. Ou seja, somente a ação (ou omissão) continuada pode ser inibida, e não a ação cujos efeitos se perpetuam no tempo. Existe diferença entre
impedir o agir ilícito e remover o ilícito cujos efeitos estão repercutindo no tempo.
Nesse sentido, todo agir ilícito pode ser inibido, seja através de provimento atrelado à multa,
seja por meio de provimento jurisdicional ligado às medidas executivas que permitam a inibição
independentemente da vontade do réu. A ação inibitória, nesta perspectiva, além de manter a
sua capacidade de atuar em face do ilícito continuado, passa a viabilizar a prestação de tutela
inibitória por meio da multa ou de qualquer medida executiva necessária e adequada.
O ilícito que pode ser inibido é aquele que decorre de um agir ilícito (seja comissivo, seja
omissivo). Assim, por exemplo, a poluição ambiental é um ilícito que consiste em agir
continuado. A ordem sob pena de multa e a determinação da instalação de filtro para conter a
poluição constituem tutelas inibitórias. Mas se o comerciante expôs à venda produto nocivo à
saúde do consumidor, o ato ilícito já foi cometido, de modo que apenas os seus efeitos ainda se
propagam no tempo. Nesse caso, a eliminação do ilícito somente pode ocorrer se o comerciante
voltar atrás, retirando o produto do mercado. É aí que se apresenta o espaço em que a tutela reintegratória (de remoção do ilícito) deve atuar.
14.9.5 Tutela do adimplemento da obrigação contratual na forma específica
É correto dizer que a tutela da obrigação contratual liga-se apenas à necessidade do
adimplemento, ou que essa tutela tem por escopo satisfazer o direito de crédito, nada tendo a ver
com o dano e, portanto, com a responsabilidade ocasionada pela ausência da prestação.
Há, de fato, nítida diferença entre tutela específica do adimplemento e tutela contra o dano que
pode ser ocasionado em razão do inadimple-mento, isto é, tutela ressarcitória. O próprio
ANTUNES VARELA, em seu excelente Direito das obrigações, afirma que nas obrigações
positivas, quando há mora, o interesse do credor está apenas por satisfazer; nas
SENTENÇA
499
obrigações negativas, ocorrendo a inobservância temporária do dever do obrigado que pode
ainda ser reparada, o interesse do credor não está apenas por satisfazer, está sendo violado. A
eliminação dos atos praticados em contrariedade à obrigação negativa assumida pelo credor
teria, dessa forma, "não o sentido de uma execução coativa da prestação devida, mas de uma
reparação do dano causado ao credor".80
Não é certo pensar, porém, que a obrigação negativa, quando violada, dá margem apenas à
tutela ressarcitória. Ora, no caso em que ocorre a remoção do próprio ato que, em razão da
obrigação negativa, não poderia ser praticado, realiza-se a obrigação de não fazer que foi
inadimplida. Na hipótese referida por ANTUNES VARELA, tratando-se de obrigação negativa
de natureza continuada ou, mais adequadamente, de violação de obrigação de não fazer que se
concretiza em ato de eficácia continuada, a tutela da obrigação derivada do inadimplemento da
obrigação de não fazer (obrigação de destruir a obra), da mesma forma que a tutela da obrigação
positiva originária, não se confunde com a tutela contra o dano, que pode ser ocasionado pelo
descumprimento da obrigação positiva ou da obrigação negativa. Ora, se "A" obrigou-se a não
construir em determinado local, há nítida diferença entre a tutela que determina a des truição da
obra e a tutela contra o dano que pode ter sido provocado por sua indevida construção.
Nessa perspectiva, a tutela da obrigação contratual inadimplida nada tem a ver com a tutela
81
ressarcitória. De qualquer forma, como o inadim-plementoé associado àculpa, a tutela somente
poderia ser definida como
(«oi VARELA, Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1978. vol.2, p. 110.
(SI)
"Ao lado, porém, do caso fortuito e do caso de força maior há outras circunstâncias determinantes da
impossibilidade da prestação, sem culpa do devedor. A impossibilidade da prestação pode, efetivamente, ser
provocada por terceiro (que inutilizou a coisa devida, que reteve ilicitamente o devedor no seu domicílio ou que o
agrediu, deixando-o incapacitado de realizar a prestação). Pode ser determinada pelo credor (que não posou para o
pintor fazer o seu retrato, que negligenciou na obtenção da sala de espetáculos para o recital em que o obrigado devia
participar ou que impediu o devedor de cumprir). E pode inclusive ser provocada pelo devedor, embora sem culpa
dele (destruindo a coisa devida num acesso de loucura; confundindo justificadamente a data do recital, em que devia
participar, com a de um outro espetáculo; deitando
500
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
reintegratória se considerada em seu aspecto funcional, desprezados seus pressupostos. 82 Notese, contudo, que a tutela da obrigação contratual inadimplida distingue-se da tutela contra o
ilícito precisamente porque há distinção entre ilícito e inadimplemento.83
Em resumo: trata-se de tutela repressiva, que toma em consideração apenas a obrigação
inadimplida, e não o simples ato contrário ao direito (tutela reintegratória) ou o dano (tutela
ressarcitória). Tal tutela pode ser prestada através da sentença mandamental ou da sentença
executiva.84
14.9.6 Tutela ressarcitória na forma específica
O fato de existir distinção entre tutela reintegratória e tutela ressarcitória não significa que tutela
ressarcitória é apenas a tutela que dá ao autor o equivalente em dinheiro à lesão sofrida. Nem
toda tutela ressarcitória é tutela na forma do equivalente monetário à lesão sofrida, pois pode
haver tutela ressarcitória na forma específica.
fora uma caixa de fósforos onde alguém, inadvertida e imprevistamente, colocara o selo raro que ele devia entregar
etc.). Todos esses fatos (de terceiro, do credor, do próprio devedor) têm de comum com os casos fortuitos ou de força
maior a circunstância de tornarem impossível a prestação, sem culpa do devedor. Em todos eles se trata, por
conseguinte, de impossibilidade da prestação por fato não imputável ao devedor" (VARELA, Antunes. Direito das
obrigações, cit., p. 71-72).
De acordo com Ângelo Chianale há uma nítida diferença de pressupostos entre a tutela in natura dos direitos reais,
atuada por meio da rimissione in pristino, e a tutela em forma específica (ressarcitória), seja a hipótese de execução
coativa ou de ressarcimento do dano extracontratual. "La prima tutela prescinde infatti da presupposti soggettivi,
richiedendo solamente Ia violazione dei diritto; Ia seconda richiede invecc 1'imputabilità delTinadempimento (art.
1.218 c.c.) ovverol'esistenza dei dannoerilliceità delia lesionecherhaprodotto(nonché 1'imputabilitã ex art. 2.046 c.c.
dcl danneggiante)" {Diritto soggettivo e tutela in forma specifica (Inclagiiw in tema di responsabilità
extracontrattuale). Milano: Giulfrè, 1993. p. 17-18).
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 181 e ss. Lembre-se que o novo art. 461-A,
CPC, trata da chamada "tutela específica mediante a entrega de coisa". Para um aprofundamento a respeito das tutelas
que podem ser prestadas com base no art. 461 -A, ver Luiz Guilherme Marinoni, Técnica processual e tutela dos
direitos, São Paulo, RT, 2004.
SENTENÇA
501
Com efeito, poder-se-ia imaginar, a partir de uma visão "mercifi-cante" dos direitos, que a
única forma de tutela contra o dano é aquela que se presta em dinheiro. O ressarcimento,
contudo, pode dar-se não só através de dinheiro, mas igualmente com a entrega de uma coisa ou
com a prestação de uma atividade (ou de uma prestação de fato) que resulte adequada, em vista
da situação concreta, para eliminar as conseqüências danosas (portanto, o dano) do fato lesivo.85
Ora, se ressarcir quer dizer eliminar o dano, não há qualquer razão para estabelecer uma
correlação entre dano e prestação em pecúnia.86 Indica-se, na doutrina italiana, como forma de
tutela ressarcitória específica, a publicação da sentença, quando ela pode contribuir para reparar
o dano. De fato, segundo o art. 120, primeira parte, do CPC italiano, "nos casos em que a
publicidade da decisão de mérito pode contribuir para a reparação do dano, o juiz, diante de
requerimento da parte, pode ordená-la aos cuidados e despesas da parte sucumbente, mediante
inserção por extrato em um ou mais jornais por ele designados". A hipótese, como se vê, é de
ressarcimento do dano na forma específica, valendo lembrar que a publicação da sentença não
se faz para castigar o réu, mas a fim de contribuir para a reparação do dano.
Tratando-se de bem não patrimonial, é evidente que a tutela ressarcitória na forma específica é a
melhor alternativa para que o direito não seja monetizado ou expropriado. Por essa razão,
tratando-se, por exemplo, de dano ao meio ambiente, c imprescindível pensar no ressarcimento
na forma específica.
Por outro lado, o art. 927 do novo CC, ao tratar da obrigação de reparar o dano,
evidentemente não afirma que esta é obrigação de pagar soma em dinheiro. Foi o processo
civil, ou mais precisamente a sentença condenatória, que transformou a obrigação de reparar o
dano em
(55)
SALVI, Ccsare. "II risarcimento dei danno in forma specifica". In Processo e teaüche di attucwone dei diritti.
Napoli: Jovene, 1989. vol. 1, p. 585.
(56)
É importante considerar o que afirma Orlando Gomes: "Se bem que a reposição natural seja o modo próprio de
reparação do dano, não pode ser imposta ao titular do direito à indenização. Admite-se que prefira receber dinheiro.
Compreende-se. Uma coisa danificada, por mais perfeito que seja o conserto, dificilmente voltará ao estado primitivo.
A indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a reposição natural, se esta não satisfizer
suficientemente o interesse do credor" (Obrigações, cit., p. 5 1).
502
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
obrigação de pagar soma em dinheiro. Ora, como a obrigação (rectius: dever) de reparar o
dano não é obrigação de pagar, mas obrigação de fazer ou de entregar coisa (conforme o
caso), é preciso deixar claro que aquele que sofreu um dano pode propor, a seu critério, ação
para obter tutela ressarcitória na forma específica (arts. 46 J e 461-A do CPC) ou ação para
obter tutela ressarcitória pelo valor equivalente ao do dano. Note-se, com efeito, que a
reparação na forma específica pode se dar através de um fazer ou mediante a entrega de coisa
capaz de substituirá destruída.
Ademais, é preciso frisar a diferença entre tutela reintegratória (voltada contra o ilícito) e tutela
ressarcitória na forma específica (dirigida contra o dano). Quando é removida a causa do dano
ou do possível dano, não há tutela ressarcitória. A tutela que interdita uma fábrica construída em
local proibido reprime ato contrário ao direito; a tutela que determina a busca c apreensão de
produtos que estão sendo comercializados em desacordo com a lei, do mesmo modo, não se
destina a reparar um dano. Contudo, se o funcionamento da fábrica provocou danos ou se a
venda dos produtos prejudicou a saúde de alguns consumidores, não há dúvida quanto ao
cabimento da tutela ressarcitória.S7
A tutela reintegratória tem por fim apenas eliminar a situação de ili-citude, restabelecendo a
situação que era anterior ao ato contrário ao direito. Enquanto isso, tratando-se de tutela
ressarcitória na forma específica, não basta apenas restabelecer a situação que era anterior ao
dano, sendo necessário estabelecer a situação que existiria caso o dano não houvesse ocorrido. ss
14.9.7 Tutela pelo equivalente monetário
Embora seja a menos nobre formade tutelajurisdicional, não há corno negar que, em alguns
casos, a tutela será pelo equivalente monetário.
Deixe-se claro, contudo, que nem toda tutela prestada em dinheiro é tutela "pelo equivalente ".
Ora, se alguém obrigou-se a pagar quantia em dinheiro, a tutela que confere pecúnia ao outro
sujeito do contrato é evidentemente tutela específica, e não tutela "pelo equivalente".
(S7)
1SS)
Idem. Tutela específica, cit., p. 135.
MAJO, Adolfo di. La tutela eivile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993. p. 225.
SENTENÇA
503
Se a tutela pelo equivalente é o contrário de tutela específica, a tutela será na forma equivalente
quando, já ocorrido o dano ou o inadimple-mento, forem impossíveis as tutelas ressarcitória na
forma específica ou a tutela do adimplemento na forma específica.
Melhor explicando: a hitelapelo equivalente pode ser prestada quando o dano ou a obrigação
contratual inadiniplida não podem ser objeto da tutela específica.
PARTE III OUTROS INSTITUTOS COMUNS
1.
2.
3.
4.
5.
6.
A execução "provisória" da sentença
O duplo grau de jurisdição
Os recursos
Preclusão
Coisajulgada
Ação rescisória
1
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
SUMÁRIO: 1.1 A necessidade de a sentença poder ser executada na pendência do recurso de apelação - 1.2 A
realidade do direito brasileiro. As principais hipóteses em que o direito brasileiro permite a execução da sentença na
pendência do recurso de apelação - 1.3 Executividade imediata c cognição - 1.4 Execução provisória ou execução
fundada em sentença provisória? - 1.5 Execução completa e execução incompleta.
1.1 A necessidade de a sentença poder ser executada na pendência do recurso de apelação
Chiovcnda dizia, em frase que se tornou célebre, que "Ia durata dei processo non deve andare a
danno dell'attore che ha ragione".'
Entretanto, parece evidente e indiscutível que todo processo prejudica o autor que tem razão e
beneficia o réu que não a tem na mesma proporção. Isso por uma razão muito simples: se o
autor reivindica um bem da vida, que está na esfera jurídico-patrimonial do demandado, o
tempo necessário para a definição do litígio em que o autor tem razão faz com que o réu
mantenha indevidamente o bem no seu patrimônio, o que logicamente o beneficia.2 Ora, esse
benefício é um custo, que é prejuízo imposto ao autor.
Como adverte Nieolò Trocker, uma justiça realizada com atraso é sobretudo um grave mal
social; provoca danos econômicos (imobilizan"' CHIOVENDA,Giuscppc."Sullaperpetuatioiurisdictionis".In5«^;V/iV///77/o
processuale civile. Roma, 1930. p. 264 e ss. (2) Ver ítalo Andolina, "Cognizione " ed "esecuzione forzata" nel
sistema delia
tutela giurisdizionale, cit., p. 28.
508
MANUAL DO PROCHSSO DE CONHECIMENTO
do bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência e acentua a discriminação entre os
que podem esperar e aqueles que, esperando, tudo podem perder. Um processo que se desenrola
por longo tempo - nas palavras de Trocker - torna-se cômodo instrumento de ameaça e pressão,
arma formidável nas mãos do mais forte para ditar ao adversário as condições de sua rendição. 3
Se o tempo do processo prejudica o autor que tem razão, tal prejuízo aumenta de tamanho na
proporção das necessidades do autor, o que confirma o que já dizia Carnelutti há muito, isto é,
que a duração do processo agrava progressivamente o peso sobre as costas da parte mais fraca.4
O problema do tempo do processo não diz respeito apenas à possibilidade de o autor sofrer
"dano irreparável ou de difícil reparação", que abre ensejo, conforme o caso, à tutela cautelar ou
à tutela antecipatória. A questão do "tempo" é absolutamente inseparável da noção de processo,^ ainda que não esteja em jogo qualquer receio de "dano irreparável ou de difícil reparação".
Em outras palavras, o processo, para cumprir o princípio da isonomia, não pode deixar de
distribuir de forma isonômica o ônus do tempo entre os litigantes, pois o tempo do processo, por
si só, prejudica o autor que tem razão.
Lembre-se que o Estado, ao proibir a autotutela privada e assumir o monopólio da jurisdição,
obrigou-se a tutelar de forma adequada e efeti va todos os conflitos de interesses, sabendo que
porá tanto necessitaria de tempo para averiguar a existência do direito afirmado pelo autor.
O equívoco, contudo, deu-se quando o Estado, em virtude de receios próprios da época do
liberalismo do final do século XIX (embora totalmente justificáveis), construiu um processo
destinado precipuamente a garantira segurança e a liberdade do réu diante da possibilidade de
arbítrio do juiz, com isso impedindo uma tutela tempestiva do direito do autor.
°> TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione. Milano: Giuffrc, 1974. p. 276-277.
(4)
CARNELUTTI, Franccsco. Diritto e processo, cit., p. 357.
(5)
Como diz José Rogério Cruze Tucci, "o fator tempo, que permeia a noção de processo, constitui, desde há muito,
o principal motivo da crise da Justiça, uma vez que a excessiva dilação temporal das controvérsias vulnera ex rculice
o direito à tutela jurisdicional, acabando por ocasionar uma série de gravíssimos inconvenientes para as partes e para
os membros da comunhão social" ("Ga-
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
509
O que parece não se enxergar é que se o tempo do processo deve ser visto corno um "inimigo
contra o qual o juiz deve lutar sem tréguas" -como preconizou Carnelutti-,6 não é o autor que
tem de suportá-lo, como se fosse o "culpado" pela demora inerente à definição dos litígios. O
medo de um juiz parcial, ou o receio de que a "liberdade" do indivíduo pudesse ser ameaçada
pelo juiz, cegaram os processualistas por um bom período de tempo para a obviedade de que o
autor e o réu devem ser tratados de forma isonômica no processo. O que se quer dizer, em
outros termos, é justamente que o processo que desconhece a tutela antecipatória e sujeita a sua
sentença, no que tange à possibilidade de produção de efeitos concretos, incondicionadamente à
confirmação de um segundo juízo, beneficia o réu.
Na realidade, não há motivo para alguém assustar-se quando constata qite o processo,
retoricamente proclamado como um instrumento jurisclicioiial que não pode prejudicar o autor
que tem razão, acaba na realidade sempre prejudicando-o. O mais lamentável de tudo isso, de
fato, é que o processo tornou-se, com o passar do tempo, um lugar propício para o réu
beneficiar-se economicamente às custas do autor, o que fez surgir o fenômeno do abuso do
direito de defesa e do abuso do direito de recorrer.
Com efeito, uma das formas preferidas pela parte interessada em procrastinar os feitos é o
recurso, já que ele permite que o réu mantenha indevidamente o bem Iitigioso em sua esfera
jurídica por mais um bom período de tempo. O recurso, nesse sentido, é excelente desculpa para
o réu sem razão beneficiar-se ainda mais do processo em detrimento do autor. Como bem
ressaltou Cappelletti, em seu parecer iconoclástico sobre a reforma do processo civil italiano, o
fato é que, cada vez que se tem um novo grau de jurisdição, não somente se faz um bom serviço
aparte que não tem razão, como também se faz um mau serviço aparte que a tem. O excesso de
garantias - diz Cappelletti — volta-se contra o sistema.1
rantia da prestação jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do
devido processo legal", Revista de Processo 66/73). Ver, também, do mesmo
autor, Tempo e processo, São Paulo, RT, 1997. (6) CARNELUTTI, Franccsco. Diriito e processo, cit., p. 354. l7)
CAPPELLETTI, Mauro. "Dictamen iconoclástico sobre Ia reforma dei proceso
civil italiano", cit., p. 279.
510
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Como se vê, diante da evidência de que o tempo do processo sempre prejudica o autor que tem
razão, não há outra alternativa, quando se deseja iluminar o processo com a luz do princípio da
isonomia, do que se pensarem técnicas que permitam uma distribuição igualitária do tempo do
processo entre as partes.
Alguém poderia preocupar-se com o fato de a sentença poder ser integralmente executada
napendencia do recurso de apelação, ou seja, antes de ser confirmada pelo tribunal,
argumentando que não é possível confiar na sentença do juiz de primeiro grau.
Contudo, o conflito entre o direito à tempestividade da tutelajurisdi-cional e o direito à ampla
defesa deve ser solucionado a partir da evidência do direito do autor. Se o autor deseja, já no
início do processo, obter o bem que postula, nem sempre o juiz está em condições de conceder a
tutela antecipatória. O direito somente pode ser dito evidente, na maioria das vezes, na sentença.
Entretanto, se o juiz declara a existência do direito, não há razão para o autor ser obrigado a
suportar o tempo do recurso. A sentença, até prova em contrário, é ato legítimo e justo. Assim,
não há motivo para a sentença ser considerada apenas projeto da decisão de segundo grau,
nessa perspectiva a única e verdadeira decisão. A sentença, para que o processo seja efetivo e a
função do juiz de primeiro grau valorizada, deve poder realizar os direitos e interferir na vida
das pessoas.
Perceba-se, ademais, que o recurso, na hipótese de sentença de procedência, serve unicamente
para o réu tentar demonstrar o desacerto da tarefa do juiz. Assim, por lógica, é o réu, e não o
autor, aquele que deve suportar o tempo do recurso interposto contra a sentença de procedência.
Se o recurso interessa apenas ao réu, não é possível que o autor - que já teve seu direito
declarado - continue sofrendo os males da lentidão da justiça.8
Se a execução imediata da sentença fosse regra - mas infelizmente não é no direito brasileiro -,
seriam desestimulados os recursos meramente protclatórios, que não só atentam, diante dos
diversos casos particulares, contra o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, como
(S)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutelei antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença,
cit., p. 189.
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
5 ] {
também prejudicam a própria administração da justiça, uma vez que um tribunal abarrotado de
recursos com fins espúrios evidentemente impede aos juizes de se desincumbirem de suas
tarefas com maior presteza e precisão.
Ademais, e isto encerra grande importância, a execução da sentença na pendência do recurso
de apelação também valorizaria afigura do juiz de primeiro grau de jurisdição, já que este, ao
proferir sentença que somente pode produzir efeitos depois de confirmada pelo tribunal, assume afeição de um mero "instrutor" do processo, distanciando-se da verdadeira função de
juiz.
Uma alteração no Código de Processo Civil, transformando a execução imediata da sentença em
regra, parece imprescindível para a distribuição isonômica do ônus do tempo entre os litigantes.
É claro que um sistema que admite execução imediata da sentença como regra deve abrir
oportunidade para o juiz, ou mesmo o tribunal, obstar ou suspender a execução imediata em
vista de situações particulares ou especiais. O sistema processual, dessa forma, estará
oferecendo, na terminologia de Furno,9 os "pesos" e "contrapesos" necessários para que os
diferentes casos concretos possam ser adequadamente tutelados.
1.2 A realidade do direito brasileiro. As principais hipóteses em que o direito brasileiro
permite a execução da sentença na pendência do recurso de apelação
O direito brasileiro admite que a sentença seja executada na pendência do recurso de apelação
apenas em hipóteses excepcionais.
O art. 520 do CPC afirma que "a apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo.
Será, no entanto, recebida só no efeito devolul9)
"L'art. 337 mostra cosi quale è normalmente il momento di maturità dei processo in ordine alia esecutorietà delia
sentenza, e come, in via eccezionale, questo momento possa essere ex lege anticipato o ritardato. Ad anticiparlo Ia
legge provvede con 1'istituto delia provvisoria esecuzione {rectius: esecutorietà); a ritardarlo, con l'istituto delia
sospensione: istituti creati, rispcltivamente, a tutela di interessi che sono l'uno 1'opposto delPaltro; ma, próprio per
questo, istituti gemelli, che non possono, nel sistema, immaginarsi disgiunti, I'uno costituendo il contrappeso e
1'antidoto delTaltro" (FURNO, Cario. La sospensione dei processo executivo. Milano: Giuffrè, 1956. p. 18).
512
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tivo, quando interposta de sentença que: I) homologar a divisão ou a demarcação; II) condenar à
prestação de alimentos; III) julgar a liquidação de sentença; IV) decidir o processo cautelar; V)
rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; VI) julgar procedente o
pedido de instituição de arbitragem; e VII) confirmar a antecipação dos efeitos da tutela".
Quando o art. 520 diz que a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, ele deseja
deixar claro que a sentença, em certas hipóteses, pode produzir efeitos na pendência do recurso
de apelação.
O recurso de apelação também será recebido apenas no efeito devolutivo no caso de sentença de
interdição. O art. 1.184 do CPC estabelece que "a sentença de interdição produz efeito desde
logo, embora sujeita a apelação. Será inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela
imprensa local e pelo órgão oficial por três (3) vezes, com intervalo de dez (10) dias, constando
do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da curatela".
A legislação processual extravagante igualmente prevê hipóteses em que a apelação será
recebida apenas no efeito devolutivo. Não é o caso de se fazer referência a todas, mas somente
aos casos principais, uma vez que elas devem estar expressas na lei. Assim, por exemplo, dispõe
o parágrafo único do art. 12 da Lei do Mandado de Segurança, que "a sentença que conceder o
mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser
executadaprovisoriamente". Do mesmo modo, a apelação será recebida apenas no efeito
devolutivo: I) na ação coletiva (art. 14 da Lei da Ação Civil Pública), podendo o juiz conferir
efeito sus-pensivo ao recurso para evitar dano irreparável aparte; II) quando interposta, pelo
expropriado, da sentença que fixar o preço na ação de desapropriação (art. 28 do Decreto-lei
3.365/41). Além disso, estabelece o art. 58, V, da Lei 8.245/91 que (ressalvados os casos
previstos no parágrafo único do art. 1.° dessa lei) nas ações de despejo, consignação e pagamento de aluguel e acessório da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de locação, "os
recursos interpostos contra as sentenças terão somente efeito devolutivo".
O recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo objetiva permitir a tutela do direito de
forma mais tempestiva, contornando a demora que seria necessária para o julgamento da
apelação.
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
5]3
Perceba-se, por exemplo, que a sentença que decide o processo cautelar pode produzir efeitos
desde logo, pois não teria sentido, em um processo caracterizado pelo periculum in mora,
esperar o julgamento da apelação para que a postulação da parte pudesse ser realmente atendida.
Entretanto, na prática forense é comum o julgamento simultâneo, em sentença formalmente
única, do pedido cautelar e do pedido formulado na ação denominada de "ação principal", que
deve seguir a ação cautelar, conforme exigência do art. 806 do CPC. Nesse caso existem, na
realidade, duas sentenças (urna relativa ao pedido cautelar e outra pertinente ao pedido
formulado na "ação de conhecimento"), motivo pelo qual a apelação deve ser recebida apenas
no efeito devolutivo, no que diz. respeito à sentença que decidiu o pedido cautelar, e no duplo
efeito em relação à sentença que julgou o pedido formulado na "ação principal" (embora, no
aspecto formal, pareça existir somente uma sentença).
Outro caso interessante diz respeito ao recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo na
hipótese da sentença que rejeita liminarmente ou julga improcedentes os embargos à execução.
Em princípio, alguém poderia não compreender como uma sentença de "improcedência" pode
produzir algum efeito imediato benéfico à parte. Acontece que essa sentença é de rejeição dos
embargos (onde se apresenta uma defesa), que suspendem a possibilidade de o exeqüente
realizar seu direito (art. 739, § 1.°, do CPC). Ora, a sentença que nega os embargos —seja
julgando ou não o mérito -faz também com que desapareça o efeito suspensivo ocasionado pelo
seu recebimento ou a necessidade de que a execução seja suspensa. Mesmo na hipótese em que
os embargos não foram recebidos - por exemplo, por intempestividade -, a apelação interposta
contra a sentença que assim decidiu não deve suspender o processo de execução, uma vez que
esse processo já parte de direito declarado em título executivo judicial ou extrajudicial.
Frise-se, aliás, que, mesmo na terminologia clássica, é errado pensar que a execução, na
pendência do recurso contra a sentença que rejeitou liminarmente ou julgou improcedentes os
embargos, constitui "execução provisória", e não "execução definitiva". E que a execução,
nesses casos, já inicia como "execução definitiva " (e não como "execuçãoprovisória"). A
execução fundada em título ou em sentença já transitada em julgado é execução que não
éfundada em título provisório, e assim execução que não pode ser dita "provisória " (na
terminologia clássi-
514
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ca).10 Trata-se de execução definitiva, ou melhor, de execução fundada em título definitivo. 11
Por outro lado, como já foi dito (quando se tratou da tutela antecipa-tória), demonstrando-se a
probabilidade do direito e o perigo de dano, é possível executar a tutela no curso do
procedimento de primeiro grau de jurisdição (tutela antecipatória). Portanto, a grande
contradição de nosso sistema processual está impossibilidade de execução da tutela no curso
do processo e na impossibilidade de execução da sentença.
Na verdade, um sistema que trabalha com a possibilidade de antecipação dos efeitos da sentença
de mérito e que não admite a execução imediata da sentença, ao menos nos casos em que a
tutela antecipatória é admitida, é no mínimo contraditório. Quando ainda era debatido o anteprojeto da tutela antecipatória (por volta de / 993), alertamos para a necessidade da execução
imediata da sentença: "Quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou quando não
houver a necessidade de produção de provas, o julgamento antecipado do mérito poderia encontrar efetividade se fosse viável a 'execução provisória' da sentença fora dos casos previstos no
art. 520. Ora, se épossível 'execuçãoprovisória' nas hipóteses dos incisos do art. 273, com
maior razão deveria ser possível a execução provisória da sentença fundada nos mesmos
12
motivos expostos nos referidos incisos. Fica a sugestão".
Essa nossa sugestão não foi acolhida. Nem mesmo recentemente, em face da lei (Lei
10.352/2001) que alterou o art. 520 do CPC. Esta lei acrescentou ao art. 520 o inciso VII, que
afirmei que o recurso de apelação deverá ser recebido apenas no efeito devolutivo quando
confirmar a tutela em tecipatória. Ora, o problema que sempre existiu não foi resolvido por
esse novo inciso, pois a questão surgia quando a tutela antecipatória era negada (porque o juiz.
não vislumbrava seus pressupostos) ou não era viável no curso do procedimento, mas
apresentava-se como necessária ao final. Como se vê, apesar das intenções da doutrina
refonnadora
1
"" Ver o excelente trabalho de Edson Ribas Malachini. Questões sobre a execução e os embargos do devedor. São
Paulo: RT, 1980. p. 131 e ss.
1
''' Ver, adiante, item 1.4 (Execução provisória ou execução fundada em sentença provisória'.').
1121
Luiz Guilherme Marinoni, "Novidades sobre a tutela antecipatória", RePro 69/109.
r
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
5 ] 5
do CPC, não houve sensibilidade ou preparo técnico para o sistema processual ser reformado
deforma adequada.
Na realidade, o correto seria estabelecer, no art. 520, que a sentença pode ser executada na
pendência da apelação quando conceder a tutela, pouco importando se esta foi ou não
concedida antecipadamente, e, assim, se a sentença está ou não a confirmando.
Se o art. 520, por evidente erro lógico, não diz que a sentença pode produzir efeitos na
pendência da apelação quando, embora a tutela ante-cipatória não tenha sido concedida, estão
presentes os fundamentos que a justificam, a única saída racional é o de admitir sua concessão
por meio de decisão interlocutória, contra a qual cabe recurso de agravo, o qual não deve ser
recebido no efeito suspensivo (e assim não pode suspender os efeitos da decisão e da tutela).
Em outros termos, e de forma bastante esclarecedora: na mesma folha de papel, e no mesmo
momento, o juiz pode proferir a decisão interlocutória, concedendo a tutela, e a sentença, que
então confirmará a tutela já concedida. Nesse caso, caberá agravo, sem efeito suspensivo,
contra a decisão que concedeu a tutela, e recurso de apelação, também sem efeito suspensivo
(em vista do novo inciso VII do art. 520), contra a sentença que a confirmar.
De qualquer forma, se o desejo é de execução imediata, não se pode pensar em tutela concedida
pela sentença, mas sim em tutela deferida pela decisão interlocutória (ao menos enquanto a
sentença não puder produzir efeitos imediatamente, mas apenas depois do trânsito em julgado).
Quem deseja tutela antecipatória necessita algo imediato, e apenas a decisão interlocutória
pode produzir efeitos imediatamente. Não a sentença, que tem seus efeitos obstaculizados até
eventual decisão que receba o recurso de apelação somente no efeito devolutivo. Quem conhece
a realidade da prática forense sabe muito bem que o tempo que intercorre entre a sentença e a
decisão que recebe o recurso de apelação é suficiente para fazer ruir qualquer direito que se
pretenda ver tutelado.
Aliás, é oportuno esclarecer que é equivocada a afirmação de que o efeito suspensivo do recurso
de apelação suspende os efeitos da sentença recorrida. Ora, se a sentença somente pode
produzir efeitos após o trânsito em julgado, é lógico que o recurso não pode suspender algo
que ainda não está sendo produzido. Na verdade, o recurso, quando não é recebido no efeito
"suspensivo" (chamado equivocadamente), é na realidade recebido em um efeito "antecipativo",
já que o juiz, nesse caso, além de
516
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
nada suspender, permite que a sentença passe a produzir os efeitos que, em regra, somente
podem ser produzidos pela sentença transitada em julgado.
Por fim, é interessante notar que o art. 558, caput, do CPC, afirma que "o relator poderá, a
requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens,
levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão
grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da
decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara". O legislador alterou o art. 558
em 1995, estabelecendo no parágrafo único desse artigo que se aplica o que é nele disposto às
hipóteses do art. 520.
Como dito, o art. 558 do CPC, que prevê hipóteses para a suspensão dos efeitos da decisão
agravada, também se aplica aos casos em que o recurso de apelação deve ser recebido apenas no
efeito devolutivo. Â.v-sim, nos casos em que o apelante possui relevante fundamentação e teme
sofrer dano irreparável, o pedido de efeito suspensivo pode ser feito ao juiz. de primeiro grau,
logicamente que antes do recurso ter sido recebido somente no efeito devolutivo.
Porém, se o juiz receber o recurso apenas no efeito devolutivo, caberá recurso de agravo contra
essa decisão, e nesse caso o agravante poderá solicitar ao tribunal que confira efeito suspensivo
à apelação. É evidente que esse recurso não pode ficar retido nos autos, pois a postulação do
executado requer urgência. Não foi por outra razão, aliás, que o novo § 4.° do art. 523 (Lei
10.352/2001) passou a preceituar que será retido o agravo das decisões posteriores à sentença,
"salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos
relativos aos efeitos em que a apelação é recebida". Assim, agora é clara a possibilidade de ser
interposto agravo de instrumento, quando será possível solicitar ao relator que dê imediato
efeito suspensivo ao recurso de apelação (art. 527, III, CPC).
Problema maior surge quando se pensa em situação que aparece apôs o decurso do prazo para a
impugnação da decisão que recebeu o recurso no efeito devolutivo. Suponha-se que, escoado o
prazo recursal para a impugnação da decisão relativa aos efeitos em que deve ser recebido o
recurso, o juiz determine a aplicação de uma modalidade executiva (por
A KXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
5 ] 7
exemplo, nos termos do art. 461 do CPC) que se afigure desproporcional em relação ao
executado.
E evidente que há direito de exigir que a "execução" não prossiga no caso em que o juiz
determina a prática de ato executivo suscetível de acarretar dano grave e injustificável. Assim, o
exeqüente pode solicitar, ao juiz da execução, a alteração de sua decisão. Na hipótese de decisão
negativa, poderá ser interposto recurso de agravo e requerido efeito suspen-sivo, suspendo-se os
efeitos da decisão, até julgamento definitivo do agravo, para que seja impedida a prática do ato
executivo temido.
1.3 Executividade imediata e cognição
Parcela da doutrina italiana pensava que a "execução provisória", quando admitida por razões de
urgência, assumia natureza cautelar. 13
É evidente, contudo, que a execução imediata da sentença - se fosse possível, no direito
brasileiro, com base em fundado receio de dano — jamais teria natureza cautelar, já que a
execução da sentença na pendência do recurso de apelação objetiva realizar o direito, e não
acautelá-lo. Nesse particular, vale a pena lembrar a lição de Adolfo Perez Gordo, que afirma que
a natureza da execução chamada de "provisória" é aquela da execução fundada em título
executivo judicial já transitado em julgado, ou seja, é sempre satisfativa para o exeqüente dentro
dos limites da pró-pri a execução, ao passo que a natureza da medida cautelar é si mplesmente
de segurança ou garantia, não podendo penetrar na própria esfera jurídica da parte, com
institutos como o da expropriação forçada.14
Contudo, a questão que nos interessa neste momento é a de que parte da doutrina entendeu que a
execução chamada de "provisória" seria fundada em cognição sumária,15 já que a cognição
definitiva, em caso de recurso, somente surgiria com a decisão do tribunal.
(11)
MANDRIOLI, Crisanto. Corso di diritto pmcessuale. Torino: Utet, 1981. v. 3,p. 221.
GORDO, Adolfo Perez. La ejccución provisional en elproceso civil. Barcelona: Bosch, 1973. p. 42.
"5) CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., vol. 1, p.237.
(l4)
518
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Chiovenda, com efeito, ao justificar o nome da categoria (declaração com predominante função
executiva) que escolheu para nela inserir a "execução provisória", assim escreveu: "Objetou-se
que o nome é impróprio, porquanto uma declaração que não produza certezajurídica não é
declaração. E, de outra parte, a palavra declaração é aqui tomada no sentido (registrado pelos
léxicos) de operação destinada a uma verificação qualquer que se queira, mesmo não producente
de certezajurídica". l6
Como se vê, Chiovenda estava preocupado com a "certezajurídica", pois reconheceu que a
sentença objeto da execução "provisória" não produziria "certezajurídica". Chiovenda
imaginava, romanticamente, que o tribunal pudesse encontrar a "certezajurídica", ou que a
sentença do juiz de primeiro grau, em caso de recurso ao tribunal, não fosse capaz de produzi-la.
A cognição da "execução provisória" (no processo de conhecimento) não é limitada no sentido
vertical, e assim não pode ser considerada sumária. A sentença, ainda que impugnada mediante
recurso, não pode ser confundida com as tutelas fundadas em probabilidade, como a tutela
antecipatória concedida antes de se deferir às partes a produção de todas as provas que são
necessárias para o juiz proferir a sentença.
Na verdade, por trás da idéia de que a sentença executada na pendência do recurso de apelação é
de cognição sumária, esconde-se o preconceito de que o juízo do tribunal é mais perfeito do que
o juízo do magistrado de primeiro grau, ou ainda a idéia - não revelada - de que não se pode
confiar no juiz de primeiro grau.
Dentro do atual sistema brasileiro, a cognição da sentença (do processo de conhecimento) que
abre oportunidade para a "execução provisória" não difere da cognição da sentença que — como
se costuma dizer -é executada "definitivamente". O duplo grau, como é óbvio, não altera a
cognição, mas apenas permite um outro juízo, ainda que baseado no mesmo grau de cognição da
sentença impugnada.
A cognição da sentença, no caso de execução da sentença na pendência do recurso de apelação,
é não definitiva, porem, exauriente. Como diz Domenico Borghesi, a execução provisória da
sentença de primeiro grau representa um caso em que a executividade se funda em uma
cognição
(16)
Idem, ibidcm.
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
5]9
não definitiva, mas não sumariará que a cognição, embora não sendo defi nitiva, no sentido de
que a sentença pode ser reformada em outro grau de jurisdição, é exauriente} 1
Borghesi afirma que a cognição da "execução provisória", por ser não definitiva, mas
exauriente, é nitidamente diversa da cognição da tutela antecipatória fundada emfumus boni
iuris.
É preciso lembrar, de fato, que algumas vezes a tutela antecipatória é fundada em cognição
exauriente. Assim, por exemplo, a tutela antecipatória final (que também existe no direito
italiano) e a tutela antecipatória do novo § 6.° do art. 273. É importante definir que a cognição
dessa última espécie de tutela antecipatória é exauriente, e não sumária, para que não se pense
que ela é possível nos casos em que existem outras provas para serem produzidas. A tutela
antecipatória do art. 273, § 6. °, só cabe quando parcela do postulado pelo autor resta
"incontroverso " no curso do processo. Há quem pense que pelo fato de essa tutela não produzir
coisajulgada material (estar sujeita à revogação na sentença) ela é fundada em cognição
sumária. Quem assim raciocina, estabelece uma ligação entre ausência de coisa julgada material
e cognição sumária. Trata-se de equívoco lógico, pois a coisa julgada material é questão de
política legislativa, e nesse sentido o legislador pode perfeitamente deixar de atribuir a unia
decisão, ainda que fundada em cognição exauriente, o atributo da coisajulgada material.
1.4 Execução provisória ou execução fundada em sentença provisória?
O Código de Processo Civil brasileiro fala em "execução provisória da sentença" (art. 588),
referindo-se à sentença que pode ser executada na pendência de eventual recurso. Essa mesma
expressão - esecuzione provvisoria - estava presente na legislação processual italiana de 1865,
que antecedeu o atual Código de Processo Civil italiano. Esse Código, contudo, continuou
utilizando a expressão esecuzione provvisoria, como estava, aliás, na antiga redação do art. 282
— que esteve em vigor até
(!
" BORGHKSI, Donicnico. "L'anticipazione clcll'cscciizione forzata nclla ri forma dcl processo ci vi
Ic", Rivista Trimestrale (li Diritto e Procedura Civile, p. 197, 1991.
520
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
31.12.1992 -, tendo sido mantida na fórmula que foi recentemente concebida pelo legislador da
reforma processual italiana.
Tal expressão, porém, é equivocada. A execução dita provisória não é diferente da execução de
sentença já transitada em julgado. Ainda que a execução possa ser 1 imitada e, portanto,
incompleta (ver o próximo item), os atos executivos praticados em virtude de sentença que
ainda não foi confirmada pelo tribunal não podem ser chamados de provisórios. Note-se, por
exemplo, que a penhora não pode ser chamada de provisória, já que nada virá substituí-la. No
caso da "execução provisória" do despejo tudo fica mais claro: ainda que coubesse o retorno do
locatário ao imóvel, e não apenas a indenização, a execução não poderia ser considerada
provisória. Os atos executivos alteram a realidade física e, portanto, não podem ser classificados
em provisórios e definitivos.
Carnelutti, em suas Instituições, falava em "execução imediata".18 Essa expressão tem a falha de
não servir para diferenciar a execução fundada em sentença transitada em julgado da execução
fundada em sentença que ainda deve ser apreciada pelo tribunal em virtude de recurso, porém é
inegavelmente mais adequada do que a expressão "execução provisória".
19
Carpi prefere a expressão executividade provisória. Pensamos, contudo, que nem mesmo os
efeitos da tutela podem ser ditos provisórios. Provisória é a sentença em que se funda a
execução chamada provisória. No atual sistema processual, a decisão que recebe um recurso
apenas no efeito devoluüvo (e, portanto, não no efeito suspensivo) abre oportunidade para a
sentença produzir imediatamente seus efeitos. Tais efeitos, á semelhança do que ocorre com a
execução, não são diferentes dos efeitos da tutela definitiva. A "sentença provisória" (contra a
qual foi interposto recurso recebido apenas no efeito devolutivo) produz efeito imediato, mas o
efeito já produzido, assim como o ato executivo já praticado, não depende de outra decisão. É
apenas a sentença que fica na dependência da decisão de segundo grau. É ela, portanto, que é
provisória. O correto, assim, é falar em sentença provisória com efeitos imediatos.
"lV| CARNELUTTI. Franccsco. Istituzioni dei processo civile italiano. Roma: Soe.
cd. dcl "Foro Italiano", 1956. vol. 2, p. 93 c ss. °'" CARPI, Vedcrico.
Lcipr<>vvis(>ri(iesecut<)rietàdell(iseiiteiiz(i.M\\ima:G\vtíK,
1979. p. 7.
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
521
Para facilitar a comunicação, preferimos utilizar a expressão execução imediata, que
evidenciaque a sentença provisória está imediatamente produzindo seus efeitos. Isso não
significa, entretanto, conforme demonstrado, que essa expressão - utilizada por Carnelutti - é a
mais adequada ao instituto que estamos estudando, já que deve ficar o alerta de que o correto é
falar em sentença provisória com efeitos imediatos.20
1.5 Execução completa e execução incompleta
Ao que parece, sempre houve grande confusão entre "execução provisória" - compreendida
como a execução fundada em sentença que ainda deve ser confirmada pelo tribunal - e
"execução incompleta".
Talvez fosse intenção da doutrina e do legislador antigos que toda execução realizada na
pendência do recurso de apelação (por eles chamada de "execução provisória") fosse
incompleta, ou seja, que ficasse limitada, não levando à efetiva satisfação do direito do
exeqüente.
Na época do Código de Processo Civil revogado (de 1939), a jurisprudência dominante
sustentava que os recursos extraordinários não impediam o trânsito em julgado da sentença e, a
partir dessa premissa, que a execução realizada na pendência desse recurso era definitiva.21 Para
essa jurisprudência, somente poderia ser definida como provisória a execução da sentença feita
sob a pendência de recurso ordinário não recebido no efeito suspensivo.
Ora, é óbvio que os recursos extraordinários impediam o trânsito cm julgado da sentença e a
formação da coisa julgada material. Portanto, a execução na pendência de recurso extraordinário
não poderia ter sido definida como definitiva. A chamada execução definitiva, que na verdade é
execução fundada em sentença definitiva, ou que transitou emjulga-do, somente é viável depois
do encerramento do processo, o que não pode ocorrer enquanto pendente recurso
extraordinário.
Note-se que Amilcar de Castro, comentando o art. 587 do CPC atual, assim escreve: "o art. 587
fala em sentença impugnada mediante recurso
(2II)
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado
e execução imediata da sentença, cit., p. 192. (2" Ver Enrico Tullio Liebman, Processo de execução, cit., p. 59.
522
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
recebido só no efeito devolutivo, e tal recurso tanto pode ser apelação, como recurso
extraordinário, que sempre é recebido só com efeito devolutivo (art. 497) (...) Isso é, sem
dúvida, um retrocesso. Não era sem razão que a jurisprudência vinha tratando como definitiva
a execução na pendência de recurso extraordinário. Não há que se confundir pendência de
recurso extraordinário com pendência de apelação para tratá-las do mesmo modo. O recurso
extraordinário não se destina a provocar novo conhecimento do mérito do julgado, em terceiro
grau de jurisdição; nada importa seja qualificado de extraordinário, pois o que se deve ter em
principal consideração é a sua finalidade restrita ao disposto no art. 119, III, da CF (ver art. 102
da CF de 1988). Na pendência de apelação, prudentemente deve tratar-se a execução como
provisória (incompleta) porque a apelação devolve à superior instância o conhecimento integral
das questões suscitadas c discutidas (art. 515 doCPC); ao passo que, em recurso extraordinário,
não podem os julgadores rever a prova dos autos, para reexaminar e rejulgar o mérito do
julgado, tendo sua atividade limitada à exata interpretação do direito objetivo. E essa diferença
bastava para que a jurisprudência mandasse tratar a execução como definitiva, isto é, completa,
ou quase completa. O que o Código chama de execução provisória é execução semiplena, ou
incompleta, pois, na pendência de recurso, seja este qual for, a execução é sempre provisória, no
sentido de revogável ou desmanchável".22
Corno está claro, Amilcar de Castro é partidário da posição que era sustentada pela
jurisprudência dominante à época do Código revogado. Porém, transparece claramente dos seus
comentários que sua preocupação é a de admitir uma "execução completa" na pendência de
recurso extraordinário.
Há, de fato, certa confusão em tudo isso. Não há relação necessária entre "execução completa" e
"execução fundada em sentença definitiva". Na verdade, a doutrina jamais diferenciou,
adequadamente, "execução provisória" de "execução incompleta". Se é verdadeiro que, antigamente e na maioria das vezes, a "execução provisória " era "execução incompleta", éfalso
que "execuçãoprovisória" seja sinônimo de "execução incompleta ".
CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1974. vol.8,p. 62.
A EXECUÇÃO "PROVISÓRIA" DA SENTENÇA
523
Se é o título que é provisório, pode existir, em tese, execução completa e execução incompleta
fundadas em título provisório. O título é provisório enquanto a cognição não é definitiva, razão
pela qual é correto falar de execução (completa ou incompleta) fundada em título provisório ou
de execução (completa ou incompleta) fundada em cognição exauriente mas não definitiva,
bastando lembrar, para demonstrar o equívoco da doutrina tradicional, que a chamada execução
provisória do despejo é exatamente uma execução completa fundada em cognição exauriente
mas não definitiva.23
Para que o direito constitucional à tempestividade da tutela jurisdi-cional seja respeitado, é
preciso que o legislador atue, em nível infracons-titucional, de modo a distribuir racionalmente
o tempo do processo. A execução imediata da sentença como regra é imprescindível para que o
autor não seja prejudicado pelo tempo da justiça. Porém, de nada adianta falar em distribuição
do tempo do processo e de execução imediata da sentença se a execução não levar à satisfação
do direito postulado.
E um grande equívoco imaginar que a execução não pode atingir seu fim apenas porque é
fundada em sentença provisória. A provisoriedade da sentença se liga à sua imutabilidade e não
à sua eficácia.24 Uma sentença pode ser provisória, ou mutável, e levar à realização do direito do
autor. Tudo é uma questão de política legislativa.
Cabe ressaltar que o novo art. 588 do CPC (alterado pela Lei 10.444/ 2002) consagrou tudo isso.
O novo art. 588 do CPC admite, nas hipóteses em que é possível a execução na pendência do
recurso, "o levantamento de depósito em dinheiro, e a prática de atos que importem alienação
de domínio ou dos quais possa resultar grave dano ao executado ", desde que seja prestada
"caução idônea " (art. 588, II), a qual poderá ser dispensada "nos casos de crédito de natureza
alimentar, até o limite de 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar
em estado de necessidade" (art. 588, § 2.°).
O novo inciso II do art. 588, ao dizer que "a prática de atos que importem alienação de domínio
" dependem de "caução idônea ", somente
<2Í)
MAR1N0NI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela, cit., p. 87. (24) LIEBMAN, Enrico Tullio. "Sentcnza e
cosa giudicata: recenti polemiche", Rivista di üiritto Processuale,p. 1 e ss., 1980
524
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
reafirma a teoria de que a " execução fundada em decisão provisória" pode ser "completa ",
demonstrando assim que o contrário de execução fundada em "decisão provisória" é execução
fundada em "decisão definitiva", e o contrário de "execução incompleta" é execução completa".
Mais do que isso: o art. 588, II, ao admitir uma "execução completa " baseada em "decisão
provisória ", abre oportunidade para a vulgarização de nossa tese do "título executivo
provisório ", ou melhor, da idéia de que o título não é decorrência da cognição definitiva (ou
da "existência " do direito), mas do desejo de permitir que o direito tenha realização prática
(pouco importando a cognição alcançada).
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
SUMÁRIO: 2.1 Primeiras considerações - 2.2 Argumentos favoráveis à dupla revisão - 2.3 Argumentos
desfavoráveis à dupla revisão - 2.4 A Constituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição.
2.1 Primeiras considerações
Já vimos que a sentença somente pode ser executada na pendência do recurso de apelação
apenas em hipóteses excepcionais. Alguém poderia perguntar, então, o motivo por que não
basta a sentença do juiz de primeiro grau, ou a razão por que toda sentença deve ser revista. De
fato, cultuando-se a idéia de "duplo grau de jurisdição", afirma-se que a sentença do juiz de
primeiro grau não é suficiente, devendo sempre ser revista.
Na perspectiva do princípio do duplo grau, toda sentença, em princípio, deveria ser revista por
um órgão de grau superior. Entretanto, dese-jando-se minimizar a demora inerente a esse
procedimento, entendeu-se que a sentença impugnada poderia ser revistape/o mesmo juiz que
proferiu a decisão impugnada (embargos infringentes previstos no art. 34 da Lei 6.830/80 — Lei
da Execução Fiscal) ouporjuiz.es do mesmo grau de jurisdição daquele que proferiu a sentença
(recurso para a Turma Recursal composta de juizes em exercício no primeiro grau de jurisdição;
art. 41, § 1.°, da Lei 9.099/95 - Lei dos Juizados Especiais). Portanto, nessa linha, o
denominado duplo grau de jurisdição poderia ser melhor definido como um duplo juízo sobre o
mérito.
O Código de Processo Civil e as demais leis processuais estabelecem o direito ao recurso
tendente à revisão do mérito que já foi julgado pelo juiz de primeiro grau de jurisdição. Assim,
o que nos interessa saber
526
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
é se esse duplo juízo sobre o mérito constitui garantia constitucional e é fundamental para a
boa administração da justiça.
2.2 Argumentos favoráveis à dupla revisão
Quando se alude ao duplo grau de jurisdição, costuma-se afirmar que a revisão das decisões do
magistrado de primeiro grau, por parte de um órgão "hierarquicamente superior", é fundamental
para o controle da atividade do juiz. 1
Não é possível esquecer, contudo, que a finalidade do duplo grau não é permitir o controle da
atividade do juiz, mas sim propiciar ao vencido a revisão do julgado. Como disse há muito
tempo CHIOVENDA, não é possível a pluralidade das instâncias fundar-se, no direito moderno,
na subordinação do juiz inferior ao superior, por não dependerem os juizes, quanto à aplicação
da lei, senão da lei mesma.2 O recurso não é mais uma "reclamação contra o juiz inferior",
"mas o expediente para passar de um a outro o exame da causa "?
Não é acertado dizer, em outras palavras, que o controle da justiça da decisão possa ser
confundido com o controle da própria atividade do juiz. Não há que se falar em controle da
atividade do juiz quando se está discutindo sobre a oportunidade de dar ao vencido o direito à
revisão da decisão que lhe foi contrária. Lembre-se que os tribunais, através das corregedorias,
têm suas próprias formas de inibir condutas ilícitas, que obviamente não se confundem com
decisões "injustas ".
Afirma-se ainda que os juizes de segundo grau têm maior experiência e, assim, maior
possibilidade de fazer surgir soluções adequadas aos diversos casos concretos. O argumento,
que só é válido em relação ao recurso interposto a órgão composto por juizes de segundo grau,
leva à conclusão de que apenas o juiz mais experiente pode ter a última palavra acerca da
situação conflitiva. Trata-se, como é evidente, de grande equí'" Acerca das vantagens do duplo grau de jurisdição, ver Oreste Nestor de Souza Laspro, Duplo grau de jurisdição no
direito processual civil, São Paulo, RT, 1995, p. 98ess.
l2)
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit, vol. 2, p. 99.
(
" Idem, ibidem.
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
527
voco, pois não se pode dizer que o juiz mais antigo, que não teve qualquer contato com as partes
e com a prova, é necessariamente aquele que está em melhores condições de decidir. De
qualquer maneira, em nenhum outro local alguém diria que o profissional mais antigo deve dar
a última palavra sobre todos os casos, aí incluídos aqueles mais simples, que dispensam
maiores divagações, principalmente quando se sabe que uma dupla revisão sempre implica
maior gasto de tempo e que a demora sempre prejudica a parte que espera por solução.
Não é incomum, por outro lado, aludir-se à influência psicológica que o duplo grau tem sobre o
juiz que está ciente de que sua decisão será revista por outro órgão do Poder Judiciário. Sabe-se,
porém, que a cada dia torna-se mais premente a necessidade de se conferir maior poder ao juiz.
O problema, portanto, é o de exigir maior responsabilidade do juiz de primeiro grau, sendo
completamente descabido aceitar que o juiz somente exercerá com zelo e proficiência suas
funções quando ciente de que sua decisão será revista. Esse raciocínio despreza a importância
da figura do juiz de primeiro grau, que deve ter maior poder e, portanto, maior
responsabilidade para que a função jurisdicional possa ser exercida deforma mais
racionalizada e efetiva. Dar ao juizpoder para decidir sozinho determinadas demandas é
imprescindível para a qualidade e efetividade da prestação jurisdicional.
É importante deixar claro que as vantagens que costumam ser apontadas não permitem a
conclusão de que o duplo grau é princípio fundamental de justiça, e que assim deve aparecer
em face de toda e qualquer situação conflitiva concreta. Há, como se verá a seguir, argumentos
que militam contra a idéia de que o duplo grau deva sempre estar presente.
2.3 Argumentos desfavoráveis à dupla revisão
O denominado princípio da "oralidade" propicia contato direto do juiz com as partes e as
provas, dando ao magistrado não só a oportunidade de presidir a coleta da prova, mas sobretudo
a de ouvir e sentir as partes e as testemunhas.
CHIOVENDA, referindo-se à imediação (que dá conteúdo ao princípio da oralidade), afirma
que esta almeja "que o juiz, a quem caiba proferir a sentença, haja assistido ao desenvolvimento
das provas, das quais tenha de extrair seu convencimento, ou seja, que haja estabelecido con-
528
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tato direto com as partes, com as testemunhas, com os peritos e com os objetos do processo, de
modo que possa apreciar as declarações de tais pessoas e as condições do lugar, e outras,
baseado na impressão imediata que delas teve, e não em informações de outros. O princípio (da
imediação) não se acha apenas estritamente conjugado ao da oralidade, tanto que só no processo
oral é passível de plena e eficaz aplicação, senão que, em verdade, constitui a essência do
processo oral".4
Recentemente, quando da edição dos chamados "Juizados Especiais para causas de menor
complexidade", exaltou-se o fato de o seu procedimento ser marcado pelo princípio da
oralidade, que propiciaria uma justiça de melhor qualidade, exatamente por permitir o contato
direto do juiz com as partes e as provas.
A Lei dos Juizados Especiais afirma expressamente, logo no seu art. 2", que "o processo
orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade,
buscando sempre que possível a conciliação ou a transação". Se o legislador estava ciente da
"menor complexidade das causas" sujeitas ao procedimento que estava sendo traçado, dos
benefícios da oralidade e da necessidade de maior celeridade na prestação jurisdicional, é difícil
entender o motivo que o levou a escrever o art. 41 da Lei dos Juizados Especiais, segundo o
qual, "da sentença, excetuada a homologatória de conciliação ou laudo arbitrai, caberá recurso
para o próprio Juizado", que "serájulgado por uma turmacom-posta por três Juizes togados, em
exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado" (§ 1.°), e no qual "as
partes serão obrigatoriamente representadas por advogado" (§ 2.°).
A Lei dos Juizados Especiais, ao mesmo tempo em que exalta a oralidade, privilegia de forma
ilógica a "segurança jurídica", através da instituição de um juízo repetitivo sobre o mérito.
Note-se que se o julgador tem contato direto com as partes e a prova, e isto lhe permite formar
um "juízo" mais preciso sobre os fatos, não há como imaginar que um "colegiado" composto por
juizes que não participaram da instrução possa estar em condições mais favoráveis para apreciar o
mérito.
A necessidade de um duplo juízo sobre o mérito simplesmente anula a principal vantagem da oralidade.
É contraditório falar em benefícios
111
CHIOVENDA, Giuseppe Instituições de direito processual civil, cit., vol. 3, p. 53.
O DUPLO GRAU DK JURISDIÇÃO
529
da oralidade e pensar em juízo repetitivo sobre o mérito, proferido por juizes que não tiveram
qualquer contato com as partes e com aprova.5
Tal contradição torna-se mais evidente diante do art. 36 da Lei dos Juizados Especiais, que
dispõe que "a prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os
informes trazidos nos depoimentos". Ainda que se diga, em face do art. 13, § 3.°, que os "atos
considerados essenciais serão registrados resumidamente, em notas manuscritas, datilografadas,
taquigrafadas ou cstenotipadas", o certo é que o juiz que preside a instrução retirará, do
depoimento das partes e das testemunhas, aquilo que reputar mais relevante. Além do mais, se
a instrução faz surgir uma realidade processual que se forma a partir dos depoimentos das partes
e das testemunhas, é evidente que a vontade do juiz interfere no resultado da instrução, uma vez
que o magistrado sempre tem que realizar determinado "juízo " prévio (que é dele e não de
outro juiz.) para formular pergunta á parte ou à testemunha. O que se quer dizer, em outros
termos, éque se o juiz vai formando seu juízo sobre o mérito à medida que o procedimento
caminha, é equivocado supor que alguém que julgará com base nos escritos dos depoimentos
das partes e das testemunhas estará em melhores condições de decidir.
É oportuno lembrar que a doutrina alemã tem estabelecido uma relação entre o princípio do
"rechtliches Gehõr" (princípio político da participação - fundamento de uma participação em
6
contraditório mediante paridade de armas) e a oralidade. Entende-se, em outras palavras, que a
oralidade é fundamental para que se permita uma participação mais adequada dos litigantes no
processo. TROCKER chega a afirmar, ao referir-se a esse ponto, que a imediatidade é
imprescindível para que o processo possa melhor responder às garantias constitucionais da ação
e da defesa.7
Portanto, se a dupla revisão, no caso de matéria de fato, é óbice à efetividade da oralidade, o
denominado duplo grau não pode ser considerado princípio fundamental de justiça.
Mas não são apenas as vantagens da oralidade que militam contra o duplo juízo sobre o mérito.
A demora da prestação jurisdicional, que é
(51
Ver, neste sentido, Orcstc Nestor de Souza Laspro, Duplo grau de jurisdição
no direito processual civil, cit., p. 114 c ss.
"" TROCKER, Nicolò. Processo civile e Costituzione, cit., p. 719 e ss. l7) Idcm, ibidem, p. 721-722.
530
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
um dos grandes problemas do processo civil moderno, recomenda que o duplo grau não seja
exigido ao menos naquelas causas de maior simplicidade, diante das quais o órgão de segundo
grau dificilmente chegaria a uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo juiz. de primeiro
grau de jurisdição.
Basta lembrar, por exemplo, a ação de despejo fundada em falta de pagamento de aluguel - que
não é arrolada entre as causas de "menor complexidade" da Lei dos Juizados Especiais. De
acordo com a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), embora seja viável, nessas hipóteses, a execução na pendência do recurso de apelação (art. 58, V), isso somente é possível quando prestada
caução (art. 64). Ora, na grande maioria dos casos, o recurso de apelação, interposto contra a
sentença que decretou o despejo por falta de pagamento, é improvido, o que evidencia que a
caução constitui obstáculo à garantia de efetividade da tutela jurisdicional, porque
desnecessário, na realidade, o próprio duplo grau de jurisdição. No caso referido, como é
evidente, só é exigida caução pelo fato de que é previsto recurso. Esse recurso, se pode corrigir
uma decisão injusta contra o locatário, pode logicamente prejudicar o locador. A única maneira
de resolver o impasse, assim, é optando pela solução que seja conforme aquilo que comumente
ocorre na prática forense. Se é sabido que, nesses casos, 95% das sentenças de primeiro grau
são confirmadas, insistir no recurso de apelação éprejudicar 95% dos tocadores que recorrem
ao Poder Judiciário. O recurso, em outras palavras, se pode poupar 5% dos locatários,
certamente prejudica 95% dos tocadores e beneficia, indevidamente e contra o sistema, 95%
dos locatários.
Como é sabido, o recurso transformou-se em boa desculpa para o réu sem razão protelar a
definição da causa* preciso, portanto, que voltemos a atenção àquelas demandas mais simples,
nas quais a previsão de um juízo repetitivo sobre o mérito só pode beneficiar a parte que não
tem razão. Emais do que evidente que a "insegurança ", que impele
IS)
Como escreve Héctor Fix-Zamudio, "uno de los defectos ostensibles de los códigos procesales latinoamericanos de
caracter tradicional, consiste en Ia re-gulación poço precisa de los médios de impugnación, que permite a los litigantes poço escrupulosos alargar indefinidamente Ia tramitación de los procesos civiles" (Conslitución y proceso
civil en Latinoamérica. México: Unam, 1974. p. 101).
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
531
à busca da " segurança jurídica ", não pode retirar do processo sua efetividade, até porque não
se concebe um ordenamento jurídico sem instrumentos processuais adequados e efetivos.
Nas hipóteses de "causas de maior simplicidade" não há razão para se insistir em um duplo juízo
sobre o mérito. Se o duplo grau dilata o prazo para a prestação da tutela jurisdicional, não há
dúvida que a falta de racionalidade no uso do duplo grau - ou sua sacralização - retira do Poder
Judiciário a oportunidade de responder mais pronta e efetivamente aos reclamos do cidadão.
Além disto, em um sistema em que a sentença apenas excepcionalmente pode ser executada na
pendência do recurso interposto para o segundo grau, e em que todas as causas devem ser
submetidas à revisão, a figura do juiz de primeiro grau perde muito em importância. Isso porque
se retira da decisão do juiz a qualidade que é inerente à verdadeira e própria decisão, que é
aquela de modificar a vida das pessoas, conferindo tutela concreta ao direito do autor.
O duplo grau tem nítida relação com a idéia de que o juiz de primeiro grau não merece
confiança e, assim, ter poder para decidir sozinho as demandas. Recorde-se, na lição de
CHIOVENDA, que "não se conhecia, nos tempos primeiros, a pluralidade das instâncias; então,
administrava diretamente a justiça o povo ou o rei. Quando, em lugar do povo, passaram a
sentenciar determinados juizes, a tendência de quem perdia a lastimar-se do insucesso,
exacerbado, ademais, pela efetiva possibilidade de erro e pela má-fé, assumiu, conforme o
lugar, a forma de um ataque pessocd aos juizes ou procurou estorvar, por outros meios, a execução da sentença. Com a instituição, porém, da hierarquia própria dos regimes monárquicos,
afigurou-se natural que a sentença do funcionário dependente sofresse impugnação perante o
superior, até ao rei, a quem todos respondiam. Daí uma série, freqüentemente numerosa, de
instâncias: conflitos, questões, inconvenientes ao infinito". 9
É evidente que o duplo grau tem relação com a confiança que o sistema deposita no juiz. No
sistema da common law o juiz "de primeiro grau" goza do mesmo prestígio dos juizes das
"Cortes superiores", até porque
(l;)
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., vol. 1, p. 98.
532
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
o trial-judge, ao menos em nível federal, é considerado um "juízo" que nada deve aos demais
ü
em termos de conhecimento e experiência.' O que se quer dizer, em outras palavras, é que o
sistema da common law confia mais no juiz, dando a ele, por conseqüência, maior poder.''
Contudo, se no sistema da civil law, o método de seleção e a estrutura do Poder Judiciário são
diferentes dos da common law, isto não pode implicar, por si só, na transformação do juiz de
primeiro grau em um mero instrutor.
Na realidade, se o juiz que preside a instrução e tem contato direto com as partes profere
decisão que, para produzir efeitos, necessariamente tem que passar pelo crivo de um colegiado,
o juiz singular não é propriamente um julgador, porém mais precisamente um instrutor. Sua decisão pode ser vista, no máximo, como um projeto da única e verdadeira decisão, que é a do
tribunal.12
A melhor doutrina italiana13 tem sustentado que o duplo grau reflete, historicamente, urna idéia
hierárquico-autoritária da jurisdição e do Estado, além de gerar profunda desvalorização dos
juízos de primeiro grau. Como escreve CAPPELLETTI, o primeiro defeito essencial do duplo
grau, "que no se encuentra ni en los países socialistas, ni — especialmente por Io que concierne
ai proceso civil - en los anglosajones, es Ia profunda desvalorización dei juicio de primer grado,
con Ia conexa glorificación, si así puede decirse, de losjuicios de gravamen".14
Para que o Estado possa efetivamente desincumbir-se de seu dever de prestar a tutela
jurisdicional, garantindo o direito do cidadão a uma
VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionuli dei processo civile. Milano: Giuffrè, 1973. p. 156.
Ver Abram Chayes, "The role ofthe judgc in public law litigation", Harvard LawReview 89/1.281 e ss.
Ver Mauro Cappelletti, "Doppio grado di giurisdizione: parere iconoclastico n. 2, o razionalizzazione
delPiconoclastia?", Giurispnidenza italiana, 1978, p. 1 c ss.; c Oreste Nestor de Souza Laspro, Duplo grau cie
jurisdição no direito processual civil, cit., p. 1 15.
PIZZORUSSO, Alessandra. "Doppio grado di giurisdizione e principi costituzionali", Rivista di Diritto Processuale,
p. 33 e ss., 1978; CAPPELLETTI, Mauro. "Doppio grado di giurisdizione: parere iconoclastico n. 2, o
razionalizzazione delTiconoclastia?", cit., p. 1 e ss. Idem. "Dictamen iconoclastico sobre Ia reforma dei proceso civil
italiano". In Proceso, ideologias, sociedad. Buenos Aires: Ejea, 1974. p. 278.
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
533
tutela jurisdicional tempestiva e adequada, é imprescindível que, em determinadas hipóteses
(causas mais simples, notadamente aquelas que envolvem matéria de fato), em nome da
celeridade e da oralidade, seja eliminado o duplo grau. Nas demais hipóteses, isto é, naquelas
em que o duplo grau deve prevalecer, deve ser instituída a execução imediata da sentença como
regra. Se não for assim, a sentença do juiz de primeiro grau continuará valendo pouca coisa, já
que poderá, no máximo, influenciar o espírito do julgador de segundo grau - e nesse sentido
ainda revestirá a forma de um projeto da verdadeira e única decisão —, mas jamais resolver
concretamente os conflitos, tarefa que o cidadão imagina que todo juiz deve cumprir.
Nesse caso, além de privilegiar-se o direito à adequada e tempestiva tutela jurisdicional,
privilegia-se a função do juiz de primeiro grau, recuperando-se sua importância dentro da
comunidade e do Estado. Lembre-se que a doutrina italiana mais atual, após a recente alteração
do art. 282 do CPC italiano, que transformou a execução imediata da sentença em regra,
reconhece que um dos principais objetivos do legislador foi o de resgatar a importância do juiz
de primeiro grauP
2.4 A Constituição Federal não garante o duplo grau de jurisdição
Alguém poderia dizer que, muito embora o duplo grau não esteja expressamente garantido na
Constituição Federal, este dela decorre implicitamente.
Argumentar-se-ia, por exemplo, que a previsão do recurso especial ao Superior Tribunal de
Justiça daria à parte, necessariamente, o direito ao recurso de apelação. A Constituição Federal
afirma que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, através do recurso especial, as causas decididas "em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais do Estados, do Distrito Federal e Territórios" (art. 105,111, da CF).
A previsão do recurso especial, contudo, se garante o direito a esse recurso nas causas decididas,
em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais Estaduais,
do Distrito Fede(l5>
PROTO PIS ANI, Andréa. La nuova disciplina dei processo civile. Napoli: Jovenc, 1991. p. 193.
534
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ral e Territórios, evidentemente não garante ao litigante o direito ao recurso contra toda e
qualquer decisão que venha a ser proferida pelo juiz de primeiro grau. Prever a possibilidade
de interposição de recursos aos tribunais superiores não é o mesmo que garantir o duplo
grau.lfi
Note-se, ademais, que aConstituição Federal prevê ainda a interposição de recurso
extraordinário ao Supremo Tribunal Federal nas causas "decididas em única ou última instância
", quando a decisão recorrida: i) contrariar dispositivo da referida Constituição; ii) declarar a
inconsti-tucionalidade de tratado ou lei federal; iii) julgar válida lei ou ato de governo local
contestado em face da Constituição Federal (art. 102, III, da CF). Perceba-se que o art. 102, III,
da CF não exige, para o cabimento do recurso extraordinário, que a decisão tenha sido
proferida por tribunal.
Ora, se fosse intenção do legislador constitucional - ao prever os recursos aos tribunais
superiores - garantir o direito ao recurso de apelação, não teria ele aberto a possibilidade da
interposição de recurso extraordinário (que só é admissível para fins limitados, não constituindo meio de impugnação da "justiça " das decisões) contra decisão de primeiro grau de
jurisdição. Na realidade, quando a Constituição garantiu o recurso extraordinário contra
decisão de primeiro grau, afirmou que o direito ao duplo grau não é imprescindível ao devido
processo legal. Portanto, não há razão para estar presente, na Lei dos Juizados Especiais, um
duplo juízo sobre o mérito, como está previsto atualmente.
Além disso, é necessário analisar o art. 5.°, LV, da CF, que reza que "aos litigantes, em processo
judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"
Quando a Constituição Federal afirma que estão assegurados o contraditório e a ampla defesa,
com os recursos a ela inerentes, ela não está dizendo que toda e qualquer demanda em que é
assegurada a ampla defesa deva sujeitar-se a uma revisão ou a um duplo juízo. Os recursos nem
sempre são inerentes à ampla defesa; nos casos em que não é razoável a previsão de um duplo
juízo sobre o mérito, como nas hipóteses das causas denominadas de "menor complexidade " que sofrem os efeitos be(lí
" NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição da República. São Paulo: RT, 1995. p. 152;
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil, cit., p. 159.
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
535
néficos da oralidade -, ou em outras, assim não definidas, mas que tam-bémpossam'justificai;
racionalmente, uma única decisão, nãoháincons-titucionalidade na dispensa do duplo juízo .
A ampla defesa - que se insere em uma perspectiva mais dilatada, que é a do devido processo legal - deve
sempre ser pensada em confronto com o direito à tempesti vidade e à efetividade da tutela jurisdicional,
que são corolários do direito de ação, também expressamente garantido no art. 5.", XXX V, da
Constituição da República. Ao legislador infraconsti-tucional, em outras palavras, é deferida a
oportunidade de verificar quando é racionalmente justificável, em nome do direito constitucional à
tempestividade da tutela jurisdicional, a dispensa do duplo juízo, por não ser o recurso inerente à ampla
defesa.
O art. 5.°, LV, da CF, quer dizer que o recurso não pode ser suprimido quando inerente à ampla defesa; e
não que a previsão do recurso é indispensável para que seja assegurada a ampla defesa em todo e
qualquer caso.
Lembre-se que quase todos os ordenamentos jurídicos, até mesmo o francês, em relação ao qual a idéia do
double degré parece estar especialmente ligada, não prevêem o duplo grau de jurisdição como garantia
constitucional ou fundamental de justiça. Na verdade, em quase todos os países existem mitigações do
l7
duplo grau, justamente para atenderá efetividade do direito de ação.
No sistema da common law fala-se em right to appeal, mas o appeal assemelha-se muito mais ao nosso
recurso especial do que à apelação,
071
Assim ponderou Mauro Cappelletti: "Naturalmente existe todavia quien, de biienci o de inalafe, piensa
en Ia apelación y en ei 'doble grado de jurisdieción' come en una importante garantia procesal, tal vez una
garantia de libertad, incluso algo absoluto e insuprimibile. Es indudable que esta concepción no resiste una crítica
seria y desprejuiciada. Por un lado, Ia apelacíon como juicio de novo lleva a esa perniciosa desvalorización dei juicio
dei primer grado ya mencionada. Por outro lado, ningún ordenamiento, ni en Itália ni en cualquier outro país- tanto
menos en Francia, donde laidea dei 'double degré dejuridiction' parece sin embargo estar particularmente arraigada considera ei doble grado de jurisdieción como una garantia constitucional, o sea protegida como una garantia
fundamental e inderogable. Al contrario, Ias revocaciones existen, son frecuentesy, nisiquera de haceiio adrede, se
refieren cem bastantefrecuencia a Ias causas de menor valor (...)" ("Dictamen iconoclastico sobre Ia reforma dei
proceso civil italiano". In Proceso, ideologias, sociedad, cit., p. 279).
536
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
uma vez que somente é admissível em caso de erro de direito.18 Argumenta-se que uma das
principais razões para não se admitir um review nos moldes da nossa apelação está na
possibilidade de ojuiz da commori law dispor de eficazes instrumentos instrutórios, como o
discovery devices, o testemunho da parte ou a cross-examination.19 De qualquer forma, o que
realmente marca o procedimento da common law é a concentração dos atos processuais e a
oralidade, que viabilizam um amplo diálogo entre ojuiz e as partes e um aprofundado e
adequado exame dos fatos, o que acaba justificando até mesmo uma certa hostilidade diante de
um imaginável "segundo juízo" por parte de alguém que evidentemente não pode estar em
condições mais adequadas para dar solução ao caso.20
A rejeição de um review que permita um "novo" juízo sobre os fatos funda-se na idéia de que o
procedimento de primeiro grau é suficiente para garantir aos litigantes uma ampla possibilidade
de participação -ou de ação e de defesa — no processo; tal razão faz com que se exclua do
âmbito do due process o direito de recorrer.21 A tomada de consciência de que o fracionamento
do juízo não é necessário, ou até mesmo prejudicial, para a tutela efetiva dos direitos, é o que
está na base de uma jurisprudência quase secular, que entende que a previsão deformas de controle dos atos praticados em primeiro grau não constitui uma obrigação constitucional do
legislador, mas insere-se no âmbito de seus poderes discricionários e é, portanto, somente
matter of grace.22
Na Itália, chegou-se a afirmar que o art. 24 da Constituição da Repú-blica-quc segundo
adoutrina mais moderna constitui verdadeira garantia de efetividade do direito de acesso
àjustiça23 -, exatamente por reco"La rivedibilità ncl mérito delia decisionc è appunto una caratteristica
delTappello negli ordinamenti contincntali a differenza deli'appeal dei paesi
di Common law, cheè proponibilc solo per errori di diritto, secondo latradizione
ivi vigente di limitare i poteri e le funzioni dei giudice in sede di review,
cscludendonc il riesame dei fatti" (CARPI, Federico. La provvisoria esecutorietà delia sentenza, cit., p. 14-15).
VIG0R1TI, Vincenzo. Garanzie costituzionali dei processo civile, cit.,
p. 154-155.
Idem, ibidem, p. 156.
Idem, ibidem, p. 157.
Idem, ibidem, p. 157.
VerLuigi PaoloGomoglio, Commentariodelia Costituzione, Bologna-Roma,
Zanichelli-Foro Italiano, 1981; Fcrruccio Tommaseo, Appunti di diritto pro(20) (21) (22) (2Í)
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
537
nhecer direito de a parte reagir contra atos de seu adversário, garante também o direito de impugnar os
24
atos do juiz e assim, ao menos dentro de certos limites, um direito ao recurso. Contudo, como
demonstrou VIGORITI, o uso da apelação ou dos recursos, a previsão de duplo grau para sanar este ou
aquele vício, não é questão de legitimidade constitucional, mas sim problema de política legislativa
processual, de opções que deverão tomar em conta, em cada caso concreto, as exigências de justiça, de
2
"certeza", e o interesse público e das partes em uma rápida resolução dos litígios. ^
Com efeito, afirma o art. 5.°, XXXV, da CF, que "nenhuma lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito", garantindo não só o direito de ação, mas a possibilidade de acesso efetivo à
justiça e, assim, direito àtutelajurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender,
de fato, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar lesão ou ameaça a direito
apenas e tão-somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, se o direito
de acesso à justiça é direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como se
imaginai" que a Constituição da República proclama apenas que todos têm o direito a uma mera resposta
do juiz. O direito a uma simples e qualquer resposta do juiz não é suficiente para garantir os demais
direitos e, portanto, não pode ser pensado como uma garantia fundamental de justiça.
A doutrina italiana contemporânea, ao deparar-se com o art. 24 de sua Constituição da República, deixa
claro que há um direito à adequada tutelajurisdicional. Como diz COMOGLIO, o problema crucial do
acesso
cessuale civile, Torino, Giuppichelli, 1995, p. 169 c ss; Adolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, Milano:
Giuffrè, 1993, p. 1 c ss.; ítalo Andolina e Giuseppe Vignera, // modello costituzionale dei processo civile
italiano, Torino, Giappichclli, 1990, p. 61 c ss.; Andréa Proto Pisani, Brevinote in tema di tutela speeijica e tutela
risarcitoria, Foro Italiano, 1983, p. 128 c ss.; Andréa Prolo Pisani, "L'cffellività dei mezzi di tutela giurisdizionale
con particolare riferimento all'attuazione delia sentenza di condanna", Rivista di Diritto Pro-cessuale, 1975, p. 633 e
ss.; Andréa Proto Pisani, "Nuovi diritti e tecniche di tutela", in Scritti in (more di Elio Fazzalari, Milano, GiuiTrò,
1993, vol. 2, p. 5 I e ss.
1241
VIGORITI, Vinccnzo. Garanzie costituz.ionali dei processo civile, cit, p. 158.
(2íl
Idem. ibidein, p. 159.
538
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
à justiça está, em última análise, na efetividade da tutela jurisdicional. Não basta reconhecer, em
abstrato, a liberta di agire, e garantir a todos, formalmente, a oportunidade de exercer a ação.
Limitar-se a tal configuração, no catálogo tradicional das liberdades civis, significa desconhecer
o sentido profundamente inovador dos direitos sociais de liberdade, em seus inevitáveis reflexos
sobre a administração dajustiça. Cabe, portanto - prossegue o professor da Universidade de
Pavia -, assegurar a qualquer indivíduo, independentemente de suas condições econômicas e
sociais, a possibilidade, séria e real, de obter a tutela jurisdicional adequada. 26
DENTI demonstra, ao analisar a evolução da jurisprudência da Corte Constitucional italiana em
torno do "processo civil", que o direito de ação, outrora visto corno garantia meramente formal,
transformou-se em garantia substancial, isto é, em garantia concreta de efetividade da tutela
jurisdicional, correlata ao princípio da isonomia.27 Chega-se a afirmar, com toda a propriedade,
que a tutela jurisdicional somente é efetiva quando é tempestiva. AND0L1NA e VIGNERA, por
exemplo, afirmam que a tutela jurisdicional garantida a todos pelo art. 24 da Constituição
italiana é efetiva somente se é tempestiva, e assim apenas se a distensione diacronica do
processo jurisdicional é contida dentro dos limites estritamente necessários para assegurar
uma decisão justa.2S
Nas causas em que c racionalmente justificável a dispensa de duplo juízo sobre o mérito, a
exigência de dois juízos para a definição do litígio acaba por atentar contra o direito à
tempestividade da tutela jurisdicional. Ora, o direito à adequada tutela jurisdicional - como
inclusive já reconheceu CAPPELLETTI — c muito mais importante do que o duplo grau, mas o
primeiro - que é garantido em quase todas as Constituições modernas — dificilmente poderá
ser realizado em um sistema que sempre exige dois juízos repetitivos sobre o mérito.29
COMOGL1O, Luigi Paulo. Commentavio delia Costimzioiic, cit., p. 10. DBNTI. Vittorio. La giustiz.ia rivile.
Bologna: II Mulino, 1989. p. 73. ANDOLINA, ítalocVlGNTiRA, Gwscppc. IImoclello costititzionaledeipro-cesso
civilc italiano, cit.. p. 88-89.
CAPPELLF/TTI, Mauro. "Doppio grado di giurisdi/.ionc: parere iconoclastico n. 2, o razionali/zazione
dciriconoclastía?". Giiirispnideuza italiana, cit., p. 1-2.
r
O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
539
Em conclusão, é correto afirmar que o legislador infraconstitucional não está obrigado a
estabelecer, para toda e qualquer causa, uma dupla revisão em relação ao mérito,
principalmente porque apropria Constituição Federal, em seu art. 5.°, XXXV, garante a todos o
direito à tutela jurisdicional tempestiva, direito este que não pode deixar de ser levado em
consideração quando se pensa em "garantir" a segurança da parte através da instituição da
"dupla revisão ".
OS RECURSOS
SUMÁRIO: 3.1 Definição - 3.2 Princípios relativos aos recursos: 3.2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição; 3.2.2
Princípio da taxatividade; 3.2.3 Princípio da unirrecorribilidade; 3.2.4 Princípio da fungibilidade; 3.2.5 Princípio da
proibição da reformalio in pejus - 3.3 Pressupostos recur-sais-3.4 Efeitos dos recursos: 3.4.1 Obstara incidência da
preclusão ou da coisa julgada sobre a decisão recorrida; 3.4.2 Efeito devolutivo; 3.4.3 Efeito suspensivo; 3.4.4 Efeito
translativo; 3.4.5 Outros efeitos -3.5 Apelação: 3.5.1 Cabimento; 3.5.2 Efeitos da interposição da apelação; 3.5.3
Procedimento na instância inferior; 3.5.4 Procedimento no tribunal - 3.6 Agravo: 3.6.1 Cabimento; 3.6.2 Eleitos da
interposição; 3.6.3 Procedimento do agravo retido; 3.6.4 Procedimento do agravo por instrumento-3.7 Embargos de
declaração: 3.7.1 Cabimento; 3.7.2 Efeitos da interposição; 3.7.3 Procedimento dos embargos de declaração; 3.7.4
Embargos de declaração com efeito infringente - 3.8 Embargos infringentes: 3.8.1 Cabimento; 3.8.2 Efeitos da
interposição dos embargos infringentes; 3.8.3 Procedimento dos embargos infringentes - 3.9 Recurso ordinário
constitucional: 3.9.1 Cabimento; 3.9.2 Efeitos da interposição do recurso ordinário; 3.9.3 Procedimento do recurso
ordinário -3.10 Recurso extraordinário e recurso especial: 3.10.1 Cabimento; 3.10.2 Efeitos; 3.10.3 Os recursos
especial e extraordinário retidos; 3.10.4 Procedimento na instância inferior; 3.10.5 Procedimento no Supremo
Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça -3.11 Embargos nos tribunais superiores; 3.11.1 Embargos de
declaração; 3.1 1.2 Embargos infringentes; 3.1 1.3 Embargos de divergência- 3.12 Incidentes no procedimento
rccursal: 3.12.1 Introdução; 3.12.2 Recurso adesivo: 3.12.2.1 Cabimento; 3.12.2.2 Procedimento; 3.12.3 O art. 557 do
CPC e os poderes do "relator": 3.12.3.1 O duplo grau de jurisdição, a morosidade do processo e os novos poderes do
"relator"; 3.12.3.2 A nova disciplina dos poderes do "relator"; 3.12.3.3 Pressupostos para o julgamento monoerático
do "relator"; 3.12.3.4 Julgamento monoerático pelo relator e consectarios re-cur.sais; 3.12.3.5 Julgamento
monoerático pelo relator e revisão pelo co-Icgiado. O agravo; 3.12.4 O novo incidente de deslocamento de competência do art. 555, § 1.°: 3.12.4.1 Generalidades e cabimento; 3.12.4.2
r
OS RECURSOS
54]
Pressupostos para a aplicação do deslocamento de competência; 3.12.4.3 Procedimento do incidente nos tribunais
inferiores; 3.12.4.4 Procedimento perante os tribunais superiores; 3.12.5 Uniformização de jurisprudência:
3.12.5.1 Generalidades e cabimento; 3.12.5.2 Procedimento; 3.12.6 Declaração de inconstitucionalidade: 3.12.6.1
Generalidades e cabimento;
3.12.6.2 Procedimento; 3.12.7 Medida cautelar para dar efeito suspensi-vo a recurso especial e a recurso
extraordinário: 3.12.7.1 Considerações preliminares; 3.12.7.2 Medida cautelar e recurso admitido; 3.12.7.3 Medida
cautelar quando ainda não interposto recurso ou quando o recurso ainda não foi submetido ao juízo de
admissibilidade no tribunal de origem; 3.12.7.4 Competência para o julgamento da cautelar enquanto não proferido
juízo de admissibilidade no tribunal de origem; 3.12.7.5 Recurso extraordinário ou especial não admitidos,
interposição de agravo de instrumento e medida cautelar para suspender os efeitos da decisão; 3.12.7.6 Competência
para o julgamento da cautelar quando interposto recurso de agravo de instrumento; 3.12.8 Tutela antecipatória em
face dos recursos especial e extraordinário: 3.12.8.1 Generalidades; 3.12.8.2 Instrumento processual para a postulação
da tutela antecipatória; 3.12.8.3 Tutela antecipatória enquanto não interposto recurso; 3.12.8.4 Tutela antecipatória
depois de protocolado o recurso no tribunal de origem; 3.12.9 Recurso especial e recurso extraordinário retidos e
necessidade de suspensão dos efeitos da decisão recorrida ou de tutela antecipatória: 3.12.9.1 Os recursos especial e
extraordinário retidos diante da ameaça de dano ao recorrente; 3.12.9.2 Admissão do processamento dos recursos e
necessidade de medida cautelar; 3.12.9.3 Admissão do processamento dos recursos c necessidade de tutela
antecipatória; 3.12.9.4 Tndevida decisão de retenção, meio de sua impugnação e necessidade de medida cautelar ou
de tutela antecipatória-3.13 Reexame necessário: 3.13.1 Generalidades; 3.13.2 Natureza jurídica.
3.1 Definição
A irresignação quanto a uma decisão é algo bastante natural, e, por isso mesmo, os sistemas
processuais normalmente apresentam formas de impugnação das decisões judiciais, autorizando
a revisão dos atos judiciais. Existem inúmeras maneiras de impugnação de atos judiciais, mas
nem todas configuram hipóteses de recursos. Embora os recursos sejam uma via de impugnação
de ato judicial, existem outros caminhos que podem ser utilizados para essa mesma finalidade,
tais como o man-
542
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
dado de segurança, os embargos de terceiro, os embargos do executado e a ação rescisória.
Todavia, como os recursos submetem-se a critérios e princípios diferentes dos demais meios de
impugnação de decisões judiciais, surge o interesse em estudar, separadamente, essa figura,
traçando seus limites e suas particularidades, a fim de ser adequadamente manejado esse
instrumento.
Em todos os meios de impugnação de atos judiciais, existe em comum a finalidade de obter-se a
revisão do ato guerreado, seja conseguindo sua anulação, seja reformando seu conteúdo, ou
ainda, excepcionalmente, atingindo seu aprimoramento, através de sua complementação, com o
estabelecimento de sua coerência interna ou seu aclaramento (como acontece nos embargos de
declaração). Nos recursos, porém, ao contrário do que sucede com outras vias de impugnação de
decisão judicial, essa finalidade é obtida dentro da mesma relação processual em que se insere
a decisão judicial atacada, submetendo-a à reapreciação por outro órgão (em regra). Mais do que
isso, tipifica a figura do recurso sua natureza voluntária, já que colocado à disposição dos
interessados. Nesse sentido, cumpre ao interessado provocar o reexame da decisão insatisfatória,
sob pena de ver-se ela válida e eficaz, diante da preclusão eventualmente operada.
Por conta de todos esses elementos, pode-se definir os recursos como os meios de impugnação
de decisões judiciais, voluntários, internos à relação jurídica processual em que se forma o ato
judicial atacado, aptos a obter deste a anulação, a reforma ou o aprimoramento. Note-se, de
todo modo, ser irrelevante que a reapreciação da questão se dê por órgão distinto daquele que
proferiu a decisão atacada. Não há, pois, a necessidade de deslocamento da competência para
apreciação do recurso para órgão judiciário distinto daquele que proferiu adecisão impugnada.
Basta, para a caracterização do recurso, que exista apossibilidade de revisão do ato judicial,
internamente ao processo e por iniciativa voluntária do interessado.
As demais formas de impugnação de decisão judicial, que não se encaixam na definição supra,
são comumente chamadas de sucedâneos recursais, e podem constituir-se em ações próprias
{ações impugnativas autônomas, como é o caso do mandado de segurança, dos embargos do
executado, da ação rescisória) ou em meros incidentes do processo, como ocorre com o
incidente de uniformização de jurisprudência.
os RECURSOS
543
3.2 Princípios relativos aos recursos
O tema recursal, assim como acontece com qualquer ramo do direito, submete-se a inúmeros
princípios, que norteiam a aplicação das regras específicas e orientam a interpretação do sistema
como um todo. Seria possível arrolar inúmeros princípios relativos aos recursos, mas dentre
estes destacam-se alguns, que serão efetivamente analisados.
3.2.1 Princípio do duplo grau de jurisdição
Já se viu anteriormente a construção doutrinária e a ideologia desse princípio.
Interessa, porem, neste momento, delimitá-lo - tornando-o, como faz a maioria da doutrina e
certamente a jurisprudência consolidada, como um dado —, analisando-se suas conseqüências
específicas em termos da disciplina dos recursos no direito brasileiro, sempre a partir da
premissa, já estabelecida anteriormente, de que esse princípio não tem sede constitucional e,
portanto, não é cogente para o legislador infraconstitucional.
Como já se sabe, a idéia que subjaz à noção de duplo grau de jurisdição impõe que qualquer
decisão judicial, da qual possa resultar algum prejuízo jurídico para alguém, admita revisão
judicial por outro órgão pertencente também ao Poder Judiciário (não necessariamente por órgão de maior hierarquia em relação àquele que proferiu, inicialmente, a decisão).
Obviamente, esse princípio se presta como cláusula genérica, da qual, porém, derivam inúmeras
exceções, especificamente disciplinadas pela lei processual. Assim é que algumas decisões,
proferidas em determinadas ações, apenas contemplam excepcionalmente a possibilidade
recursal, diante da existência de algum pressuposto específico, como acontece com as sentenças
proferidas em execuções fiscais de valor igual ou menor a 50 (cinqüenta) OTNs (art. 34 da Lei
6.830/80), que somente admitem umaespécie de pedido de reconsideração ao juiz prolator da
decisão (chamado pela lei de "embargos infringentes") e embargos de declaração, também para
o mesmo magistrado, além de — em caso de violação à regra constitucional - recurso
extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Seria também possível invocar a hipótese de
decisões proferidas em ação de competência originária do Supremo Tribunal Federal (art.
544
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
102 da CF), onde, da decisão dessa Corte, somente em casos excepcio-nalíssimos (no
julgamento de ação rescisória e representação de incons-titucionalidade, em que a decisão se dê
por maioria de votos) caberá recurso, dirigido para o próprio tribunal (embargos infringentes,
conforme estabelece o art. 333, III e IV, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ou
eventualmente embargos de declaração).
De outra parte, a situação inversa-em que o tribunal (juízo adquem) vem a conhecer de matérias
não examinadas expressamente pelo juízo recorrido (a qiio) - merece maior atenção, pois os
casos em que isso poderia acontecer tendem a ser mais freqüentes, exigindo da lei tratamento
mais minucioso. Em princípio, o tribunal (adquem) não pode conhecer de matérias não
abordadas pelo juiz recorrido (a quo), sob pena de supressão de instância.' Os temas, portanto,
não expressamente abordados na instância que proferiu a decisão recorrida, não podem, como
regra geral, ser examinados pelo tribunal. Isto porque, ainda que não se admita o duplo grau de
jurisdição como garantia constitucional, oferecer apenas diante do tribunal questões que
deveriam, em face das regras ordinárias de competência, ser deduzidas perante o juiz de
primeiro grau, afrontaria o princípio do juiz natural.
Evidentemente, essa idéia sofre inúmeras restrições, determinadas, seja pela própria natureza da
decisão, seja por regras específicas que disciplinam o tema.2 Assim é que prevê o art. 515 do
CPC, relativamente à apelação, que "serão objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas
as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por
inteiro", acrescentando ainda que, "quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e
o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais"
(§§ 1.° e 2.°). Vale dizer que, se o réu, ao defender-se de uma ação de cobrança, alegar nul idade
do contrato, prescrição da dívida e compensação, ainda que o juiz de primeiro grau rejeite a
demanda, acolhendo apenas um dos
Isto porque, como se verá diante, as instâncias superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal),
existentes após o julgamento do recurso de apelação pelo tribunal, somente são acessíveis em circunstâncias especiais, presentes certos requisitos constitucionais próprios, o que certamente restringe a possibilidade de recursos
nesses casos.
Casos em que. por ra/.ão evidente, especialmente decorrentes da existência de lei expressa, não haveria ofensa ao
princípio do juiz natural.
OS RECURSOS
545
fundamentos (por suposição, a nulidade do contrato), sem examinar os demais, todos os outros
poderão também ser objeto de apreciação pelo tribunal, ainda que, nesse caso, este seja o
primeiro juízo da matéria. O mesmo se diria para temas que competisse ao juiz conhecer em
qualquer tempoou grau de jurisdição, porque matéria de ordem pública; ainda que não se
verifique, inicialmente, a manifestação expressa do juízo a quo, o tribunal pode conhecer
diretamente da questão, sem que isso importe em conduta proibida.
Em linhas gerais, o critério básico utilizado para autorizar essa extensão da cognição do tribunal
diz respeito ao efeito devolutivo dos recursos, tema que será oportunamente examinado.
3.2.2 Princípio da taxatividade
Segundo denota esse princípio, somente são recursos aqueles expressamente determinados e
regidos por lei federal (art. 22,1, da CF). Tratando-se de matéria processual, somente a lei
federal é que pode criar recursos, ficando vedada a outra instância legislativa (ou mesmo administrativa) conceber figuras recursais.
Desta forma, são recursos adequados para a estrutura do direito processual civil brasileiro (art.
496):
"I-apelação;
II - agravo;
III - embargos infringentes;
IV - embargos de declaração;
V - recurso ordinário;
VI - recurso especial;
VII — recurso extraordinário;
VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário".
Além desses recursos, disciplinados diretamente pelo Código de Processo Civil, outros também
correspondem ao princípio da taxatividade, porque previstos em lei federal. É o caso dos
embargos infringentes, disciplinados pelo art. 34 da Lei 6.830/80 (que nenhuma relação têm
com a figura acima enumerada); do recurso inominado (arts. 41 a 43 da
546
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Lei 9.099/95); ou ainda do agravo inominado, disciplinado, entre outros, pelo art. 4.° da Lei
8.437/92.
De toda sorte, somente podem ser considerados como recursos os meios de impugnação
efetivamente arrolados por lei federal, sendo as demais figuras absolutamente inconstitucionais.
3.2.3 Princípio da unirrecorribilidade
Ao estipular, a lei processual, quais são os recursos cabíveis, evidentemente há de indicar, para
cada um dos recursos, uma função determinada e uma hipótese específica de cabimento. Dessa
forma, o princípio da unirrecorribilidade (ou também chamado de unicidade) indica que, para
cada espécie de ato judicial a ser recorrido, deve ser cabível um único recurso.
Costuma-se apontar exceções a esse princípio, especialmente referentes aos embargos de
declaração e à hipótese descrita no art. 4983 do CPC- em que seriam cabíveis, contra uma
mesma decisão, concomitan-temente, recurso especial e recurso extraordinário.
É verdade que tais casos permitem a interposição, contra uma mesma decisão judicial, de mais
de uma espécie recursal. Todavia, não se deve esquecer que cada um dos recursos cabíveis
contra tais decisões tem função específica, que não se confunde com a finalidade prevista para a
outra espécie recursal. Assim, compreendendo que o princípio da unicidade preconiza que, para
certa finalidade, contra certo ato judicial deve ser cabível apenas uma modalidade recursal,
parece ser correto concluir que o princípio tem plena aceitação no direito brasileiro.
Assim, contra determinado ato judicial, e para certa finalidade específica - não abrangida pela
finalidade de outro meio recursal - deve ser cabível um único recurso.
(3)
Eis a nova redação do art. 498 (dada pela Lei 10.352, de 26 de dezembro de 2001): "Quando o dispositivo do
acórdão contiver julgamento por maioria de votos c julgamento unânime, e forem interpostos embargos infringentes,
o prazo para recurso extraordinário ou recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a
intimação da decisão nos embargos". Atualmente, em relação à decisão tomada por maioria, devem ser interpostos,
desde logo, embargos infringentes, mas no que diz respeito à decisão proferida de forma unânime, o prazo para a
interposição de recurso especial e de recurso extraordinário ficará sobrestado até a intimação da decisão nos
embargos.
OSRBCURSOS
547
3.2.4 Princípio dafungibilidade
Se, como visto, somente deve ser cabível um único recurso contra cada espécie de decisão
judicial, a escolha desse meio recursal assume importância ímpar. A utilização do recurso
equivocado, em princípio, não deve ser admissível, sob pena de violar-se a taxatividade
enumerada em lei, o princípio da unirrecorribilidade e, ainda, as regras específicas que
disciplinam os recursos.
Na normalidade dos casos, o erro na interposição do recurso adequado acarretará seu nãoeonhecimento, tendo em conta seu não cabimento. Porém, situações podem ocorrerem que não
se tenha "certeza" sobre qual o recurso é adequado para enfrentar certo ato judicial. Muito
embora tenha o Código de Processo Civil de 1973 buscado superar a disciplina dos recursos,
fornecida pela lei anterior, deixando claras as figuras recursais e seu cabimento - esclarecendo a
finalidade de cada uma e definindo adequadamente as espécies de atos judiciais (sentença,
decisão interlo-cutória e despacho) e seus correspondentes recursos - algumas dúvidas ainda
existem, e para tais casos, diante da impossibilidade de se criar um sistema absolutamente
seguro, não há como operar com rigidez.
O princípio da fungibilidade presta-se, exatamente, para não prejudicar a parte que, diante de
dúvida objetiva, interpõe recurso que pode não ser considerado cabível. Nesses casos, autorizase que o recurso incorretamente interposto seja tomado como o adequado, sob determinadas
circunstâncias. O Código de Processo Civil de 1939 era expresso em admitir esse princípio especialmente diante da maneira assistemática com que tratava o tema dos recursos - prevendo,
em .seu art. 810, que, "salvo hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada
pela interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma,
a que compete o julgamento". O Código de Processo Civil atual não prevê regra semelhante;
todavia, tem-se como decorrente do sistema, em especial dos princípios que o informam, razão
pela qual ainda deve ser admitido o uso do princípio da fungibilidade.
A fim de que possa ter aplicação o princípio da fungibilidade, é necessária a reunião de alguns
critérios, tendentes a, na linha do que previa o art. 810 da lei revogada, demonstrar a ausência de
má-fé c de erro grosseiro. Nesse sentido é que se exige, para o conhecimento do recurso equivocado pelo correto:
548
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
I — Presença de dúvida objetiva a respeito do recurso cabível. A legitimação do princípio da
fungibilidade reside, precisamente, no aproveitamento do ato processual praticado, ainda que
equivocadamente e fora dos critérios legais, em situações em que seria excessivo exigir o acerto
em sua forma específica. A fungibilidade não se destina a legitimar o equívoco crasso, ou para
chancelar o profissional inábil; serve, isto sim, para salvar o ato que, diante das circunstâncias
do caso concreto, decorreu de dúvida objetiva.
Portanto, é preciso que haja dúvida fundada e objetiva, capaz de autorizar a interpretação
inadequada do sistemaprocessual e o seu uso equivocado. A dúvida deve ser objetiva, e não
subjetiva. Deseja-se dizer, com isto, que a dúvida não pode ter origem na insegurança pessoal
do profissional que deve interpor o recurso ou mesmo sua falta de preparo intelectual, mas sim
no próprio sistema recursal. Essa dúvida pode derivar: i) da lei processual, que denomina
sentenças por decisões interlocutóri-as ou vice-versa, induzindo a parte a errar na escolha do
recurso idôneo; ii) da discussão doutrinária ou jurisprudencial a respeito da natureza jurídica de
certo ato processual, como acontece com a decisão que, antes da sentença final da causa
principal, decide ação declaratória incidental; e iii) do fato de ser proferido um ato judicial por
4
outro, chamando-se (e dando-se forma) de sentença a uma decisão interlocutória ou vice-versa.
Em todas essas hipóteses, tem-se que o interessado é levado a cometer o equívoco, ficando
demonstrada a ausência de má-fé, na interposi-ção do recurso equivocado.
II - Inexistência de erro grosseiro na interposição do recurso. Outro dos pressupostos para
autilização do princípio da fungibilidade é a ausência de erro grosseiro na interposição do
recurso. Não se pode aplicar o princípio em exame quando o recurso interposto evidentemente
não tiver cabimento. Assim, embora em certas circunstâncias seja possível admitir a dúvida
objetiva entre algumas espécies recursais (como o agravo e a apelação), não se pode admitir a
incidência da fungibilidade, se o interessado se vale de recurso completamente incabível na
espécie, como seria o caso de algum recurso constitucional.
(4)
Ver NERY JR., Nelson. Princípios fundamentais - Teoria geral dos recursos. 3. ed. São Paulo: RT, 1996. p. 113 e
ss.; WAMBIER, Luiz Rodrigues et alü. Curso Avançado de processo civil. São Paulo: RT, 1998. vol. 1, p. 223 e ss.
OS RECURSOS
549
Como já dito, o princípio da fungibilidade não se presta a legitimar a atividade do advogado mal
formado, incapaz de atuar com os mecanismos processuais adequados. Serve para tornar o
sistema operacional, mediante a admissão do recurso inadequado, desde que a falta seja fundada em dúvida objetiva e não tenha origem em erro grosseiro.
III - Prazo adequado para o recurso correto. Por fim, exige a jurisprudência nacional que o
prazo em que foi interposto o recurso seja o correto para a interposição do recurso adequado. É
dizer que, por hipótese, se o recurso adequado no caso tinha prazo de dez dias para interposição,
o recurso erroneamente oferecido somente poderá ser conhecido, por meio da aplicação do
princípio da fungibilidade, se for oferecido também no prazo de dez dias.5
Esse último requisito, conforme bem observa a doutrina, parece mal colocado. Ora, se é
razoável que, em face do caso concreto, o interessado utilize o recurso errado imaginando ser o
correto, exigir a adequação do prazo (para o recurso correto) não tem sentido algum. Veja-se o
exemplo pertinente ao caso mais freqüente de aplicação do princípio (agravo e apelação): o
prazo para o agravo é, hoje, de dez dias, ao passo que o prazo para a apelação é de quinze dias;
supondo que a parte efetivamente acredita que a situação requer a interposição de apelação - que
conta com o prazo de quinze dias - é evidente que este recurso, embora de forma inadequada,
provavelmente será interposto entre o décimo e décimo quinto dia do prazo. Mas, nesse caso,
seguindo-se o entendimento dos tribunais, o princípio da fungibilidade não poderia ser aplicado.
Se determinado caso realmente abre ensejo a dúvida fundada e objetiva sobre o recurso
adequado, é evidente que o fato de ser utilizado o prazo de um dos recursos que, diante da
dúvida, poderia ser admitido, não pode trazer prejuízo ao recorrente. Ou seja, em um caso como
esse não é correto partir da premissa de que o recorrente perdeu o prazo para o recurso correto, e
assim, de má-fé e confiante na aplicação da fungibilidade, interpôs o inadequado. Ora, se a
dúvida objetiva é requisito para a aplicação da fungibilidade, não há como se pensar que o
recorrente pode interpor o recurso errado, porém no prazo do correto.
Nesse sentido STJ, 4. aT., rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, AG A 126734/ SP, DJUdc 18.08.1997; STF, 2.a T.,
rei. Min. Maurício Corrêa, HC 74.044, DJU de 20.09.1996.
550
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A aplicação do princípio da fungibilidade suscita alguns problemas em matéria de
procedimento, especialmente em se tratando de dúvida envolvendo a interposição dos recursos
de agravo e de apelação. Como se verá adiante, o procedimento atualmente previsto para esses
recursos é completamente distinto, desde a fase inicial, de oferecimento da im-pugnação - o
agravo é apresentado diretamente perante o tribunal, acompanhado das cópias dos documentos
indispensáveis à prova das alegações (incluindo alguns documentos que são obrigatórios),
enquanto a apelação é oferecida no juízo inferior (a quo), sem necessidade de formação de
instrumento ou de instrução. A aplicação da fungibilidade, nesses casos, pode ser insuficiente,
na medida em que a interposição da apelação, quando for cabível o agravo, pode gerar também
seu não-co-nhecimentoemfacedadesobediênciade regras específicas, impostas para regular a
apresentação do agravo (como é o caso do art. 525 do CPC, que prevê a necessidade de
instrução da petição de agravo com peças consideradas essenciais). Nesses casos, como
proceder?
Ao que parece, a solução mais adequada para tais situações é, ao aplicar o princípio da
fungibilidade, determinar à parte recorrente a adequação da petição (e da tramitação do recurso)
aos ditames corretos para o procedimento previsto para o recurso efetivamente cabível.
Intimado o recorrente a completar a petição (pela juntada, por exemplo, dos documentos
necessários) ou a conformar o procedimento, terá então o recurso seguimento regular, na forma
prevista para o recurso realmente adequado.
3.2.5 Princípio da proibição da reformatio in pejus
Outro princípio importante para o sistema processual brasileiro diz respeito à proibição de que o
julgamento do recurso, interposto exclusivamente por um dos sujeitos, venha a tornar sua
situação pior do que aquela existente antes da insurgência. Ora, se o recurso é mecanismo
previsto para que se possa obter a revisão de decisão judicial, é intuitivo que sua finalidade deve
cingir-se a melhorar (ou pelo menos manter idêntica) a situação vivida pelo recorrente. Não
pode, por isso, a interposição do recurso piorar a condição da parte, trazendo para ela situação
mais prejudicial do que aquela existente antes do oferecimento do recurso. Tal é a formulação
do princípio em exame, que proíbe a reformatio in pejus.
OS RECURSOS
55)
Não se aplica a idéia de reforma prejudicial quando há recurso interposto por ambos os pólos do processo
- onde, evidentemente, o acolhimento de um dos recursos virá em prejuízo da outra parte também recorrente -, nem no caso em que o tribunal entenda por alterar a fundamentação da decisão recorrida,
mantendo, porém, sua conclusão.
Uma exceção pode ser vista em relação a esse princípio. Diz com as matérias que compete ao juízo
conhecer de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição (como, por exemplo, aquelas enumeradas no
art. 301 do CPC, salvo o seu inc. IX). Tais questões, porque independem de provocação para serem
conhecidas, podem ser examinadas sempre, mesmo em grau de recurso, e ainda que em prejuízo de quem
submeteu a controvérsia a exame do tribunal.
3.3 Pressupostos recursais
Assim como acontece com qualquer espécie de procedimento, também o procedimento recursal submetese a pressupostos específicos, necessários para que se possa examinar o mérito do recurso interposto.
Pode-se dividir esses pressupostos em intrínsecos e extrínsecos, os primeiros atinentes à existência do
direito de recorrer e os últimos ao seu exercício. Os pressupostos intrínsecos são os seguintes:
I - Cabimento. Como visto anteriormente, só podem ser considerados recursos aqueles meios de
impugnação expressamente arrolados em lei. Ao serem previstas pela lei processual, recebem essas
formas de impugnação regime próprio, que determina em que hipóteses, e perante que espécie de decisão
judicial, são cabíveis. Portanto, um recurso somente é cabível quando a lei processual indicar-lhe - diante
de determinada finalidade específica e certo ato judicial — como o adequado para extravasar a
insurgência. Poderia este pressuposto ser tomado, por analogia, como a adequação da via, elemento da
condição da ação denominado "interesse de agir".
II - Interesse recursal. A fim de que possa o interessado socorrer-se do recurso, é fundamental que possa
antever algum interesse na utilização deste caminho.6 À semelhança do que acontece com o interesse de
l6)
Ver Nelson Luiz Pinto. Manual dos recursos cíveis. 3. cd. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 69 c ss.
552
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
agir (condição da ação), que engloba a adequação da via eleita (traduzida, em termos de
recursos, pela noção de cabimento, como visto), é necessário que o interessado possa vislumbrar
alguma utilidade na veiculação do recurso, utilidade esta que somente possa ser obtida através
da via recursal (necessidade). A fim de preencher o requisito "utilidade", será necessário que a
parte (ou o terceiro) interessada em recorrer, tenha sofrido algum prejuízo jurídico em
decorrência da decisão judicial, ou ao menos que esta não tenha satisfeito plenamente a
pretensão exposta -(uma vez que, sendo vencidos autor e réu, ambos terão interesse em recorrer). Em relação à "necessidade", esta estará presente se, por outro modo, não for possível
resolver a questão, alterando-se ou suplantando-se o prejuízo verificado.
A caracterização do interesse recursal pelo Ministério Público (que também pode ser titular do
direito de recorrer, ainda quando atue como custos legis) supõe-se existente quando, em seu
entendimento, tenha havido ofensa ao direito objetivo, ao interesse público (aí incluídos os
interesses sociais e individuais indisponíveis) e ao regime democrático (art. 127 da CF).
Costuma-se questionar se o réu tem interesse recursal no caso de sentença terminativa, buscando
sentença definitiva que venha a reconhecer a improcedência do pedido do autor. Contudo, o réu
não tem interesse recursal algum quando a sentença lhe é favorável, embora não tenha julgado o
mérito. É que o réu tem direito de apresentar defesa para que o direito afirmado pelo autor não
sej a reconhecido, o que pode ocorrer, como é evidente, não só no caso em que o mérito é
apreciado e a conclusão é pela improcedência, mas também quando o processo é julgado extinto
sem julgamento do mérito. Em termos mais claros, é preciso dizer que o réu não tem direito ao
julgamento do mérito, mas a uma resposta jurisdi-cional que considere sua defesa. Esse direito é
satisfeito no caso de sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito, de modo que,
quando isso ocorrer, não existirá interesse em recurso. Entender de forma contrária é o mesmo
que concluir que o processo que termina em sentença de extinção do processo não atende ao
direito do réu, ou ainda que o processo sempre deve culminar em sentença que aprecie o mérito.
De qualquer forma, como a sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito não
produz coisa julgada material em relação à matéria não apreciada, será possível ao réu propor
ação contra o autor para pedir
os RECURSOS
553
o julgamento não realizado, desde que, obviamente, não seja reiterado o obstáculo (que já foi
julgado) que impediu o julgamento do mérito no processo que foi anteriormente extinto.
lll-Legitimidade recursal. Novamente o procedimento recursal toma por empréstimo a
disciplina prevista para as condições da ação, preconizando que o direito de recorrer deve
pertencer apenas a certas pessoas. Nos termos do que prevê o Código de Processo Civil, em seu
art. 499, "o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo
Ministério Público". A caracterização do terceiro que efetivamente é prejudicado é dada pelo
art. 499, § 1.°, que exige a este terceiro a demonstração do "nexo de interdependência entre o
seu interesse de intervir e a relação jurídica submetida à apreciação judicial".
No que diz respeito ao Ministério Público, tem ele legitimidade para recorrer tanto no processo
em que atua como parte, como naquele em que exerce a função de fiscal da lei (art. 499, § 2.°,
do CPC).
IV — Inexistência de fato extintivo do direito de recorrer. Certas circunstâncias, quando
presentes no processo, tomam caráter de verdadeiro negócio processual, alterando os direitos
processuais conferidos aos sujeitos do processo. Assim também pode acontecer com o direito de
recorrer, que pode ser objeto de negócio processual, capaz de extingui-lo. Tem-se, neste ponto,
a figura da renúncia ao direito de recorrer, como principal instituto. A parte prejudicada por
certa decisão judicial pode renunciar ao direito de interpor recurso, acelerando com isso o
procedimento. Neste caso, uma vez praticado o ato de disposição, opera-se pre-clusão lógica,
não mais existindo o direito de recorrer. Conforme prevê o art. 502, "a renúncia ao direito de
recorrer independe da aceitação da outra parte", indicando que este ato de disposição é
potestativo, produzindo efeitos ainda que disso discorde a parte adversária. Note-se, todavia,
que em caso de litisconsórcio unitário essa renúncia somente operará efeitos se corroborada
pelos demais litisconsortes.
Também se equipara à causa extintiva do direito de recorrer a aceitação da decisão recorrida
(art. 503 do CPC). Trata-se de conduta indireta, em que a parte não manifesta, expressamente,
seu desinteresse em utilizar da via recursal, mas se conforma por meio de atos que demonstram
inequivocamente a concordância com a decisão, que poderia em tese ser recorrida.
554
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Já os pressupostos recursais extrínsecos são:
I - Regularidade formai. O exercício do direito de recorrer submete-se aos ditames legais para a
interposição e tramitação do recurso. Não obstante possa o interessado ter direito a recorrer, o
recurso somente será admissível se o procedimento utilizado pautar-se estritamente pelos critérios descritos em lei. Assim, por exemplo, os recursos devem ser interpostos por escrito, a
interposição do agravo exige a instrução da peça inicial com certos documentos, exigidos em lei
(art. 525 do CPC) etc.
II — Tempestividade. O prazo para interposição do recurso deve ser compatível com aquele
previsto em lei. Como se sabe, o processo deve sempre significar marcha para a frente, razão
pela qual os prazos fixados são, em regra, peremptórios, pelo que "decorrido o prazo, extinguese, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato" (art. 183 do CPC). O
recurso, portanto, deve ser interposto no prazo previsto para tanto, sob pena de preclusão
temporal.
Esse prazo, vale lembrar, submete-se a regras especiais, decorrentes de certas circunstâncias
subjetivas e objetivas específicas. Assim, em sendo parte a Fazenda Pública ou o Ministério
Público, os prazos recursais são computados em dobro (art. 188 do CPC); também, havendo no
processo litisconsortes com advogados distintos, os prazos para recurso são contados em dobro
(art. 191 do CPC). De outra parte, os prazos recursais - embora não admitam dilação por acordo
entre as partes - podem ser prorrogados em caso de calamidade pública ou de outra justa causa,
que impeça a prática do ato no tempo oportuno (arts. 182, parágrafo único e 183, infine, do
CPC).
Assim como acontece com qualquer tipo de prazo, esses prazos recursais podem sujeitar-se a
causas de suspensão e de interrupção. Ocorre suspensão do prazo para a interposição do recurso,
por exemplo, pela superveniência de férias forenses (art. 173 do CPC) e em face da argüi-ção de
exceção de impedimento ou suspeição do juízo (art. 265, III, e 306 do CPC). Nesses casos, finda
a causa da suspensão, o prazo para a prática do ato será devolvido ao interessado pelo quanto
faltava para seu término. Já no caso de interrupção, tem-se causa que, uma vez finda, devolve ao
interessado o prazo integral para a prática do ato processual. São exemplos de causas de
interrupção a interposição de embargos de declaração (art. 538 do CPC) e os motivos arrolados
pelo art. 507 do CPC.
os RECURSOS
555
III — Preparo. O procedimento recursal exige, tanto como qualquer outro ato processual, certos
gastos do Estado que devem, em princípio, ser suportados pelo interessado. Assim, a
interposição de recurso exige que o interessado deposite os valores necessários à sua tramitação,
aí incluída a importância destinada a promover a remessa e o posterior retorno do recurso (ou
mesmo dos autos) ao tribunal. Conforme estabelece o art. 51 1 do CPC, "no ato de interposição
do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo
preparo, inclusive porte de retorno, sob pena de deserção".
Note-se que a lei exige a prova do preparo do recurso no ato de sua interposição. Vale dizer que,
se não apresentada esta comprovação, o recurso não terá seguimento, ficando inviabilizado ao
interessado o exercício de seu direito ao recurso. Tal é o que se chama de deserção, estabelecida
como a sanção aplicada para o não adimplemento das despesas relativas à tramitação dos
recursos. Excepcionalmente, autoriza a lei ao magistrado relevar a sanção de deserção,
outorgando outra oportunidade para o preparo do recurso. Tal é o que prevê o art. 519,
relativamente à apelação, permitindo ao juiz relevar essa pena, desde que o apelante prove justo
motivo na ausência de preparo. Nesse caso - em decisão irrecorrível, mas sujeita à reapreciação
pelo tribunal, por ocasião do julgamento do recurso - fixará o magistrado novo prazo para o
preparo do recurso, o qual poderá, desta forma, retomar sua regular tramitação.
Nem todos se submetem à regra do preparo. Conforme assevera a regra do art. 511, § 1.°, do
CPC, "são dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União,
pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal".
Também algumas espécies recursais independem de preparo, tal como ocorre com o agravo
retido (art. 522, parágrafo único, do CPC) e os embargos de declaração (art. 536 do CPC).
De outra parte, ainda que se tenha efetivamente realizado o pagamento dessas despesas, pode
acontecer que o valor depositado não seja suficiente para cobrir todo o custo do recurso. Como
se procederá, então? Anteriormente, se não fosse depositada exatamente a importância
necessária a fazer frente ao total das despesas, gerava-se o não-conhecimento do recurso. Na
atual sistemática dos recursos, a insuficiência do preparo pode ser sanada, devendo ser intimado
o recorrente a complementar o depósi-
556
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
to em cinco dias. Somente se não cumprir tal determinação é que será aplicada a sanção da
deserção (art. 511, § 2.°, do CPC).
IV - Existência de fato impeditivo do direito de recorrer ou do segui-mento do recurso. O
interessado pode ter o direito de recorrer, mas esse direito estar inibido por alguma causa
externa. Duas, basicamente, são as situações que geram essa conseqüência no direito brasileiro:
a desistência e o não pagamento de algumas multas previstas pelo Código de Processo Civil.
A desistência assemelha-se à renúncia, tendo como diferença básica em relação a esta última o
fato de que se opera posteriormente ao oferecimento do recurso. Interposto o recurso, mas não
tendo mais interesse em prosseguir na apreciação da insurgência, pode o recorrente desistir do
recurso já interposto, mesmo sem a anuência da parte contrária ou de seus litisconsortes,
seguindo-se então o curso normal do procedimento no juízo a quo (art. 501 do CPC). Ocorrendo
a desistência do recurso, impede-se o prosseguimento do respectivo processamento, ficando ao
tribunal vedado conhecer da insurgência.
Outra causa que constitui fator inibidor do exercício do direito de recorrer é o não
adimplemento de multas fixadas em lei, que impedem a interposição de novos recursos. Tal é o
que ocorre com as previsões dos arts. 538, parágrafo único, e 557, § 2.°, do CPC. Embora se
possa duvidar da constitucionalidade desses dispositivos, enquanto não houver manifestação da
instância própria a respeito, a parte condenada a pagar essas multas (pela interposição de
recurso considerado protelatório) não pode utilizar-se de outros meios recursais enquanto não
depositar os valores devidos.
Observe-se que os pressupostos recursais constituem a matéria preliminar do procedimento
recursal. Vale dizer que, se não atendido qualquer destes pressupostos, fica vedado ao tribunal
conhecer do mérito do recurso. Tais são causas (e são as únicas causas) de não-conhecimento
dos recursos, não sendo correto confundir o exame desta matéria com o mérito do recurso - que
pode englobar tanto questões processuais da ação ou do processo (falta de condições da ação ou
de pressupostos processuais). Faltando algum dos pressupostos recursais, deve o tribunal deixar
de conhecer do recurso. Caso contrário, deve-se dar ou negar provimento ao recurso (ainda que
seja para reconhecer a carência de ação ou a falta de pressuposto processual).
os RECURSOS
557
3.4 Efeitos dos recursos
A interposição de recursos opera, no plano processual e também no plano fático, inúmeros
efeitos, alguns com maior, outros com menor intensidade. Esses efeitos são sentidos, por vezes,
logo na interposição do recurso, eventualmente em momento anterior a este, e por outras vezes
somente com o julgamento da impugnação. Alguns efeitos são típicos de todos os recursos,
outros se restringem a algumas espécies recursais, podendo mesmo caracterizar sua
conformação. Dentre os efeitos gerados pela interposição recursal, destacam-se:
3.4.1 Obstar a incidência da preclusão ou da coisa julgada sobre a decisão recorrida
Será visto adiante, quando se estudarem as figuras da preclusão e da coisa julgada, que a
existência desses institutos dependem (no mais das vezes) da inação da parte em socorrer-se dos
meios hábeis a atacar certa decisão judicial. Uma vez, porém, assumida alguma atividade em
face da decisão, impede-se a formação da preclusão, que é pressuposto para que, sobre a
sentença de mérito, incida o fenômeno da coisa julgada material. Assim, interposto o recurso, e
enquanto se aguarda o julgamento, não há como incidir sobre a decisão impugnada preclusão ou
coisajulgada.
Mais que isso, enquanto pendente o prazo para a interposição de recurso, tenha ou não a parte
ainda manifestado seu interesse em recorrer -ressalvada a hipótese em que tenha ela renunciado
a esse direito -, não pode haver preclusão ou coisajulgada.
Todos os recursos previstos no direito brasileiro impedem a incidência da preclusão sobre a
decisão que estão aptos a atacar.
3.4.2 Efeito devolutivo
Efeito dos mais característicos do sistema recursal -embora ausente nos embargos de declaração
-, o efeito devolutivo é o que atribui ao juízo recursal o exame da matéria analisada pelo órgão
jurisdicional recorrido (juízo a quo).
Recorde-se que o direito processual pátrio adota, como princípio essencial, o do juiz natural,
razão pela qual, uma vez determinado o juiz
558
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
competente para apreciar certa controvérsia, não é possível que dele se retire essa atribuição,
sob pena de ofensa ao princípio constitucional. Portanto, para que o tribunal possa ter acesso a
aspectos ligados à controvérsia que é da competência do juiz de primeiro grau, não basta que ele
entenda que a decisão é incorreta. O tribunal somente pode reapreciar a decisão do juiz de
primeiro grau porque o efeito devolutivo, típico da maioria das espécies recursais, a ele atribui o
poder de reexaminar as decisões anteriormente exaradas. Não fosse esse efeito, qualquer intromissão do tribunal sobre a decisão do magistrado inicialmente competente para apreciar a causa
- de acordo com as regras de competência -seria indevida, violando a independência da atuação
jurisdicional do juiz (princípio do juiz natural).
Em razão de regra decorrente da aplicação do princípio da demanda perante o direito brasileiro,
a interposição do recurso somente devolve (atribui) à apreciação do tribunal a matéria
impugnada (tantum devolutum quantum appellatum). É o que se denomina de efeito devolutivo
em extensão. Assim, se em uma ação de despejo por falta de pagamento, cumulada com
pagamento de aluguéis, recorre a parte autora apenas em relação ao não acolhimento da
pretensão à cobrança (deixando de lado a pretensão ao despejo, também não acolhida pelo
magistrado singular), ainda que o tribunal dê provimento ao recurso, reconhecendo o direito de
receber os aluguéis não adimplidos, não poderá ser decretado o despejo, já que essa matéria
ficou fora do âmbito de sua cognição, por falta de devolutividade desse tema. Por tal motivo,
deve a parte recorrente especificar, nas razões do recurso que interpõe, o pedido de nova
decisão que pretende, permitindo assim ao tribunal avaliar a extensão máxima que poderá dar à
sua deliberação.
Se, todavia, de um lado, o tribunal fica vinculado ao pedido de nova decisão formulado pelo
recorrente, de outro, quanto aos fundamentos desse "pedido ", é livre para examinar a todos,
ainda que não hajam sido expressamente referidos nas razões do recurso interposto (efeito
devolutivo em profundidade). Observe-se que o pedido de nova decisão pode ter inúmeros
fundamentos - por exemplo, o pedido de revisão de uma sentença de mérito pode calcar-se em
argumentos como a errônea aplicação da regra sobre o ônus da prova, a não apreciação de uma
prova nos autos, a admissão de confissão em casos em que ela seria inaceitável etc. -, mas o
recorrente pode servir-se de todos ou de apenas alguns deles. En-
os RECURSOS
559
tretanto, ainda que a parte não tenha alegado, nas razões de seu recurso, todos os fundamentos, é
lícito ao tribunal conhecer de todos eles - sem violação ao princípio da demanda - desde que se
atenha - ai nda por exemplo - ao pedido de revisão formulado pelo recorrente. Trata-se do
desdobramento do princípio áafungibilidade da forma do fundamento (aplicável também aos
demais recursos), a que aludia PONTES DE MIRANDA,7 e é vigente no que tange à ação
proposta em juízo, somado às regras oferecidas pelo art. 515, §§ 1.° e 2.°, do CPC. É certo que
se o réu, em sua defesa perante uma ação de reintegração de posse, alegar a ausência da prova
da posse e do esbulho e aduzir ainda exceção de usucapião, em sendo rejeitada a pretensão
rcintegratória por conta do reconhecimento da usucapião sobre a área, o autor poderá oferecer
apelação para afastar a exceção acolhida. Mas na apelação, ainda que se alegue apenas ausência
de usucapião da área, poderá o tribunal negar provimento ao recurso, observando falta de prova
da posse ou do esbulho, sem que isso infrinja o princípio em exame, porque não se extrapolou o
limite do pedido de reforma formulado pelo recorrente (art. 515, § 2.°, do CPC).
Nem sempre, porém, essa ampliação quanto ao fundamento será legítima. Vale dizer: é
necessário que o exame do tribunal se faça sobre questões que foram (ou poderiam ter sido)
apreciadas pelo juízo a quo. Por isso, se a sentença é terminativa (extingue o processo sem
examinar o mérito), poderá o tribunal, por ocasião da apelação, conhecer de todas as matérias
que conduziriam ao mesmo resultado (poderá, então, examinar todas as preliminares, previstas
no art. 301 e apresentadas pelo art. 267 do CPC). Não poderia, porém, e em princípio, afastando
todas as preliminares aduzidas, ingressar no exame do mérito da controvérsia. Frise-se, porém,
que o novo § 3.°do art. 515 do CPCS permite que o tribunal julgue o pedido ainda que o juízo de
primeiro grau tenha decidido pela extinção do processo sem esse julgamento. Isso será possível
quando as partes não mais tiverem provas para produzir em primeiro grau de jurisdição.
(7)
Comentários ao Código de Processo Civil. 3. cd. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 14.
"Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide,
se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento."
181
560
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Cabe observar que o julgamento do pedido será possível ainda que o processo tenha sido
julgado extinto com julgamento do mérito, embora o art. 515, § 3.°, certamente por equívoco,
tenha feito referência somente à sentença de extinção do processo sem julgamento do mérito.
Basta pensar na hipótese de incidência da nova disposição legal no caso em que o juízo
recorrido decidiu extinguir o processo com julgamento do mérito em razão de prescrição. Além
disso, quando a nova regra alude à causa que "versar questão exclusivamente de direito e estiver
em condições de imediato julgamento", objetiva-se fazer referência à possibilidade imediata do
julgamento do pedido que está maduro para julgamento (ou seja, que dispensa provas). Quando
a sentença de extinção do processo sem julgamento do pedido tiver sido proferida antes que as
partes tenham tido a possibilidade de discutir os pontos controvertidos e requerer provas, o
tribunal deve consultar as partes sobre a necessidade de provas, não podendo julgar o mérito
antes disso. Não quer dizer que o tribunal não possa entender que as provas requeridas são
desnecessárias, mas que o tribunal deve dar às partes a oportunidade de requerer a produção de
prova e indicar sua finalidade e, ao julgar o pedido, partindo da premissa de que ela não deve ser
deferida, fundamentar de forma adequada a decisão.
3.4.3 Efeito suspensivo
Há decisões que somente produzem efeitos depois de escoado o prazo recursal para sua
impugnação — como, por exemplo, a sentença. Nestes casos, afirma-se que o recurso é recebido
no efeito suspensivo, embora este não suspenda propriamente os efeitos da decisão recorrida
(uma vez que ainda não foram gerados), mas evita que a decisão produza efeitos até o
julgamento do recurso. Em outras situações, a decisão produz efeitos desde logo - como, por
exemplo, a decisão interlocutória concessiva de tutela antecipatória. Nessa situação, o eventual
efeito suspensivo que o tribunal pode dar ao recurso de agravo efetivamente suspende os efeitos
da decisão recorrida. Note-se que a segunda hipótese é completamente diferente da primeira.
Entretanto, em ambas se costuma aludir a efeito suspensivo do recurso.
Na realidade, quando se afirma que determinado recurso possui efeito suspensivo, não se
permite que a decisão que por ele possa ser recorrida produza efeitos após sua publicação. Uma
decisão impugnável por re-
OS RECURSOS
561
curso que possui efeito suspensivo somente pode produzir efeitos após escoado o prazo recursal,
ou a partir do momento em que a parte aceitar a decisão ou renunciar ao direito de recorrer.
É preciso notar que o chamado efeito suspensivo deve ser pensado como algo que deve
conciliar dois pólos: o da segurança- evitando que a decisão impugnada produza efeitos na
pendência de recurso que pode revertê-la, e o da tempestividade — que objetiva impedir que o
tempo do processo prejudique aparte que tem razão, e assim estimulara interpo-sição de
recursos sem qualquer fundamento. Se o efeito suspensivo privilegia a segurança, sua não
previsão serve para dar ênfase à necessidade de tempestividade. São as circunstâncias de
direito substancial que devem iluminar a eventual dispensa do efeito suspensivo. Porém, como
muitas vez.es é necessário considerar as particularidades do caso concreto, costuma-se também
deixar ao juiza possibilidade de conferir efeito suspensivo ao recurso. Nesse caso, o efeito
suspensivo é denominado ope máic\s(por exemplo,
apossibilidadedeojuizdarefeitosuspensivoaoagravo - art. 558, CPC), em oposição ao efeito
suspensivo que é atribuído pela lei a determinado recurso (efeito suspensivo ex lege; por
exemplo o efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação — art. 520,9 CPC).
3.4.4 Efeito translativo
Enumera-se'ü ainda outro efeito dos recursos, chamado efeito translativo. Semelhante ao efeito
devolutivo, esse efeito também diz respeito à cogníção do tribunal sobre a causa. Todavia, ao
contrário do efeito devolutivo —que depende de expressa manifestação da parte, j á que
somente se devolve ao conhecimento do tribunal a matéria impugnada-, o efeito translativo se
opera ainda que sem expressa manifestação de vontade do recorrente.
O efeito translativo é ligado a matéria que compete ao Judiciário conhecer em qualquer tempo
ou grau de jurisdição, ainda que sem ex<9)
Mesmo nos casos previstos no art. 520, em que a apelação não é dotada de efeito suspensivo, poderá o relator
atribuir a esse recurso tal efeito, com fundamento na previsão do art. 558, parágrafo único.
(l0)
NERY JR. Nelson. Princípios fundamentais - Teoria geral dos recursos, cit., p. 408 ess.
562
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
pressa manifestação das partes, a exemplo das questões enumeradas no art. 301 do CPC (exceto
seu inc. IX).
Se esses temas devem ser examinados pelo juízo em qualquer tempo e grau de jurisdição, eles
certamente poderão ser apreciados quando da análise do recurso. O tribunal é autorizado a
conhecer esses temas de ordem pública, ainda que não tenham sido ventilados, seja no juízo a
quo, seja nas razões de recurso. Tais temas, então, não se submetem ao efeito devolutivo, e
podem ser conhecidos pelo tribunal sempre, em qualquer circunstância, bastando que tenha sido
interposto recurso sobre alguma decisão da causa, e que esse recurso chegue a exame do juízo
ad quem.
Obviamente, esse efeito é inerente a qualquer espécie recursal.
3.4.5 Outros efeitos
A doutrina ainda costuma aludir a outros dois efeitos: o efeito substitutivo e o efeito expansivo.
O primeiro deles {substitutivo) faz com que a decisão do juízo ad quem, qualquer que seja ela,
substitua a decisão recorrida. O efeito vem expressamente previsto pelo art. 512 do CPC, que
prevê que "o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida, no
que tiver sido objeto de recurso". Assim, ainda que a decisão do tribunal confirme a decisão
recorrida sem nada alterar em sua essência, por esse efeito, uma vez julgado o recurso, não mais
existirá a decisão recorrida, mas apenas a do tribunal.
A noção desse efeito é relevante, seja para efeitos de interposição de Ação Rescisória (como se
verá adiante), seja ainda para a impugnação da decisão por outras vias autônomas (mandado de
segurança, reclamação etc), determinando-se, em todos esses casos, a competência para
apreciação da nova insurgência.
Já o efeito expansivo tem nítida vinculação com a própria noção dos atos processuais e do tema
das nul idades no processo civil. Como se sabe, é característica natural do ato processual sua
interdependência. Vale dizer que um ato processual é praticado no processo por decorrência de
outro, anteriormente praticado, determinando a realização de outros, que lhe seguem formando
o procedimento. Por conta dessa vinculação necessária entre os atos do processo, o Código de
Processo Civil, ao tratar da
OS RECURSOS
563
matéria das nulidades, deixa evidenciado que os atos dependentes do ato nulo também se
reputam de nenhum efeito (arts. 248 e 249 do CPC). Se assim acontece no exame horizontal dos
atos processuais, naturalmente essa interdependência deve mostrar-se também em matéria de
recursos. Assim, a modificação ou mesmo a anulação de uma decisão judicial, pode determinar,
em cadeia, o desfazimento de outros tantos atos - dependentes do primeiro na seqüência do
procedimento. Dessa forma, por exemplo, se for anulada, no exame de agravo, uma decisão
judicial que admitia, para fins civis, a interceptação telefônica, certamente essa decisão
contaminará a prova colhida com base nessa interceptação e, ainda, a eventual sentença
prolatada com fulcro nessa prova. Enfim, todos os atos judiciais que dependam do ato judicial
atacado no recurso (e que tenha sido modificado ou anulado em decorrência desse recurso)
podem ter sua eficácia também cassada ou ao menos alterada.
3.5 Apelação
3.5.1 Cabimento
A apelação é o primeiro, e mais genérico, recurso previsto pelo Código de Processo Civil. Tratase do recurso padrão, no sentido de que sua disciplina aplica-se, no que for cabível, também aos
demais recursos.
Esse recurso tem cabimento, como preceitua o art. 513 do CPC, sempre que se tiver interesse
em impugnar uma sentença. Qualquer tipo de sentença proferida em qualquer espécie de
procedimento ou processo -seja de jurisdição voluntária ou contenciosa-, pode ser objeto de
recurso de apelação, desde que a decisão judicial possa enquadrar-se na definição dada pelo art.
162, § 1.°, do CPC. Note-se que sentença será apenas a decisão que possa, virtualmente (e desde
que ausente o prolongamento do procedimento decorrente da interposição do recurso), pôr fim
ao procedimento em primeiro grau.'' Não é, por isso, sentença, e não pode ser atacado pela
apelação, o ato que extingue ação, sem, todavia, dar fim ao
É certo que nem toda sentença conduzirá a esse fim-como acontece, por exemplo, com a sentença de despejo, em que,
após sua prolação, abre-se nova fase, de sua atuação -, porem, de outro lado, somente a sentença é que tem essa
virtualidadc, não a possuindo nem a decisão interlocutória, nem os despachos de mero expediente.
564
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
processo, como é o caso da decisão que julga, incidentalmente, a ação declaratória incidental,
ou daquela que rejeita um dos pedidos cumulados na petição inicial. Na realidade, qualquer
decisão que não ponha fim ao processo não pode ser chamada de sentença, ainda que tal decisão
possa apreciar o direito objeto do processo.
Outrossim, há exceções à previsão genérica, contida no art. 513. Há verdadeiras sentenças que
não se submetem ao regime da apelação, pois, segundo alguma lei especial, prevê-se recurso
específico para elas. Pode-se mencionar, exemplificativamente, a sentença proferida em
execução fiscal de menos de 50 OTNs, daqual cabem embargos infringentes 12 (art. 34 da Lei
6.830/80); o recurso inominado, previsto contra sentenças proferidas nos Juizados Especiais
(arts. 41 e ss. daLei 9.099/95); e o recurso ordinário constitucional, cabível contra sentenças
(acórdãos, na maioria dos casos, exceto a hipótese do art. 105, II, c, da CF, em que ele será cabível efetivamente contra sentença de primeiro grau) previstas em situações especiais pela
Constituição Federal (art. 105, II).
A apelação tem devolutividade ampla, ou seja, permite a impugna-ção de qualquer vício
encontrado na sentença, seja vício de forma {error in procedendo), seja vício de julgamento
{error injudicando). Permite-se, assim, apontar tanto a inadequação formal da sentença — que,
por exemplo, não obedeceu aos ditames legais sobre seus requisitos -, quanto o equívoco
cometido nos juízos ali lançados - como, exemplificativamente, a errônea interpretação da lei, a
inadequada avaliação dos fatos etc. Os vícios formais, encontrados na sentença, farão com que
ela seja anulada pelo tribunal, devendo então os autos retornar ao primeiro grau para a
elaboração de nova sentença, desta vez livre dos erros formais anteriormente encontrados. Já a
alegação de erro de julgamento importa, normalmente, na simples substituição da sentença
proferida por nova decisão do tribunal, reapreciando-se o caso sem necessidade de retornar o
feito para o primeiro grau de jurisdição.
Também é possível que, na apelação, se invoque a nulidade da sentença por vícios anteriores, e
não internos a ela. Imagine-se que o juiz,
(l2)
Figura essa que não deve ser confundida com os embargos infringentes previstos pelo Código de Processo Civil.
Os embargos infringentes aludidos na Lei de Execução Fiscal são recurso de devolutividade ampla, cabível para o
próprio juiz da causa, assemelhando-se muito mais a um pedido de reconsideração do que ao recurso disciplinado
pelo CPC.
OS RECURSOS
565
absolutamente incompetente, lança sentença no processo. Mesmo que a questão não seja interna
à sentença - e ainda que ela seja materialmente perfeita -, o vício que contamina todo o curso do
processo macula também a sentença prolatada. Assim, é possível deduzir-se em apelação o
tema, para desconstituir-se a sentença. Com efeito, todas as questões anteriores à sentença,
ainda não decididas internamente no processo, ficam submetidas ao exame do tribunal pela
interposição da apelação (art. 516 do CPC); seja houverem sido decididas, incidentalmente no
primeiro grau, destas caberá agravo, como se verá adiante - mas, ainda assim, se o tema for
daqueles de ordem pública, que compete ao órgão jurisdicional conhecer em qualquer tempo ou
grau de jurisdição, a questão poderá ser ventilada também na apelação, por conta do efeito
translativo do recurso.
Aliás, cabe ainda lembrar que a apelação permite, em situações excepcionais, a argüição de
temas novos, não apresentados no juízo a quo (como se infere do art. 517 do CPC). O tribunal
passará a ser, então, o primeiro grau de jurisdição para esses temas. Segundo prevê a regra
mencionada, essa possibilidade se liga àexistênciade questões de fato, não oferecidas nojuízo a
quo, por motivo de força maior. Segundo entende a doutrina, essa força maior estaria presente
nas seguintes situações:
a) superveniência do fato. Indubitavelmente, se o fato é novo, tendo surgido apenas após a
prolação da sentença, isto constitui motivo suficiente de força maior para que venha a ser
ventilado exclusivamente no tribunal a d quem. A fim de que essa hipótese se apresente, é
preciso que o fato seja ulte-rior à publicação da sentença (se for anterior, deveria ter sido
apresentado e examinado nojuízo de primeiro grau, conforme prevê o art. 462 do CPC), ainda
que seja anterior à chegada dos autos ao tribunal;
b) ignorância do fato pela parte. Ainda que o fato seja anterior à sentença, e desde que tenha
ocorrido algum motivo objetivo que tenha gerado a impossibilidade de seu conhecimento pela
parte, o fato há de ser considerado como fato novo, para os fins aqui examinados, autorizandose sua dedução imediatamente perante o juízo superior;
c) impossibilidade efetiva de comunicar o fato ao advogado (ou ao juiz) a tempo. Da mesma
maneira do que sucede na situação anterior, aqui, não obstante o fato possa ser anterior à
prolação da sentença, tornou-se, por alguma causa objetiva, impossível comunicar o fato ao juiz
para que este pudesse considerá-lo em seu julgamento. Essa força maior, que impediu que o fato
fosse levado ao conhecimento do magistrado a tem-
566
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
po, autoriza sua dedução perante o tribunal, para consideração por ocasião do julgamento da
apelação;
d) impossibilidade de provar o fato até a sentença. Entende a doutrina que a impossibilidade
material de provar o fato eqüivale à impossibilidade de apontá-lo. Efetivamente, a simples
alegação do fato novo, sem que se possa demonstrá-lo ao juiz, pode ser equiparado à ausência
do fato, já que a regra do ônus da prova (art. 333 do CPC) acarretará a aplicação da
desconsideração dessa alegação de fato, em prejuízo de quem alega, diante da ausência de prova
nos autos. E necessário, contudo, que a questão seja bem entendida. A previsão da força maior
pode, sim, estender-se à "prova nova"; porém, a questão de fato deverá ser apresentada
anteriormente, ainda que não se disponha de prova para a demonstração da alegação. Isto
porque a função ativa do magistrado na produção de prova pode muito bem suprir a deficiência
de prova da parte, fornecendo a prova (ou ao menos investigando a alegação) em busca da mais
fiel construção dos fatos do processo. Se, porém, o fato sequer é apresentado, tudo isso fica
inviabilizado. Assim, ao que parece, a situação é válida, desde que bem entendida: a parte que
não dispõe de meios para comprovar certa alegação de fato tem, sim, o ônus de apresentá-la no
juízo a quo, ainda que não tenhaprovaspara demonstrá-la. A prova nova, surgida após a
prolação da sentença, poderá ainda ser oferecida diretamente ao tribunal, para a avaliação
daquela primitiva questão de fato, inserindo-se isso na previsão do art. 517 do CPC. Essa
conclusão, ao que parece, vem corroborada pelo disposto no art. 485, VII, do CPC, que autoriza
a propositura da ação rescisória quando "depois da sentença, o autor obtiver documento novo,
cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável". Note-se que a lei permite a rescisória na presença de documento
novo, mas isso não indica que, se o fato fosse anteriormente conhecido, ficaria autorizada a
parte a escondê-lo do juiz, por falta de prova. Ou o documento apresenta para a parte o fato
(então o fato é, para ela, novo, porque seu conhecimento sobre ele é novo), ou então deveria a
parte ter apresentado a questão anteriormente, ainda que sem prova, já que a prova poderá ser
trazida até o encerramento do processo ou, eventualmente, mesmo em ocasião ulterior, em ação
rescisória.
As novas alegações ainda poderão ser apresentadas diretamente ao tribunal em duas outras
situações, não relacionadas especificamente com
r
OS RECURSOS
567
o art. 517 do CPC, ou com as hipóteses acima descritas. É o caso do recurso interposto por terceiro
prejudicado (art. 499 do CPC) e as questões de ordem pública. O primeiro autoriza, por razões óbvias, a
dedução de fatos novos perante o tribunal: se o terceiro prejudicado apenas ingressa no processo por
ocasião da interposição desse recurso, é evidente que nele deverá apresentar todas as objeções à sentença
impugnada. Suas preocupações, em relação à sentença impugnada, podem ser bem diferentes daquelas
trazidas pelas partes anteriormente, razão pela qual todas as questões por ele apresentadas podem ser
novas em relação ao material já apresentado nos autos. Quanto às questões de ordem pública, como as
matérias trazidas no art. 301 do CPC (excetuado seu inc. IX), podem elas ser conhecidas em qualquer
tempo ou grau de jurisdição, não precluindo (art. 303, III, do CPC). Assim, ainda que se trate da primeira
ocasião em que o tema é abordado no processo, não há óbice a que isto ocorra, devendo o tribunal
conhecer desta matéria mesmo de ofício, ainda que o recorrente (ou o recorrido) não haja expressamente
tocado na questão.
Finalmente, calha lembrar que a alteração na qualificação jurídica dos fatos já apresentados, ou a inclusão
de novo fundamento de direito, anteriormente não presente, não podem ser considerados como "questão
nova". As questões de direito, ou a modificação na qualificação jurídica dos fatos já apresentados, porque
dizem respeito apenas à interpretação do direito positivo - sendo incumbência do juiz aplicar
corretamente o direito aos fatos postos (da mihi factum dabo tibi ius) -, podem ser aportadas ao processo a
qualquer tempo, não se havendo de cogitar de apresentação de questões novas, proibidas ao juízo
adquem.
3.5.2 Efeitos da interposição da apelação
A apelação é recurso de devolutividade ampla, como já dito. Importa isso dizer que, na apelação, pode a
parte impugnar a decisão judicial, argüindo-lhe qualquer defeito que entenda existente. O tribunal, ao examinar esse recurso, ficará adstrito à matéria impugnada (art. 515, caput, do CPC), devendo decidir o
recurso nos limites do pedido. Porém, a devolução das questões relativas a esse pedido é ampla, como
3
informam os §§ 1.° e 2.° do art. 515 do CPC.'
1131
Ver Manoel Caetano Ferreira Filho. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT,
2000, vol. 7, comentando o art. 515.
568
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Isso quer dizer que, formulado o pedido de revisão da sentença impugnada, por meio da
apelação, pode o tribunal conhecer - dentro dos limites do pedido - "todas as questões suscitadas
e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro", sendo que
"quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a
apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais". Imagine-se, por exemplo, a
situação da ação de cobrança, em que o réu, em sua defesa, sustenta a prescrição da pretensão
do autor, a ausência de prova da dívida e a compensação de créditos; supondo-se que o juiz, na
sentença, rejeite o pedido por entender prescrita a dívida e que o autor apele dessa decisão, pelo
efeito devolutivo do recurso poderá o tribunal examinar, não apenas a questão da prescrição,
mas também (e desde que a instrução do processo, havida em primeiro grau o comporte, porque
tenha sido completa) as demais defesas sustentadas pelo réu. Dentro dos limites do pedido de
revisão formulado, pode o tribunal examinar todas as questões dessa lide. Obviamente, se a
apelação se limitasse a discutir a questão da sucumbência, ou a taxa de juros aplicável ao caso
(se houvesse a pretensão condenatória sido acolhida), somente nos limites desses pedidos de
revisão é que as questões seriam devolvidas -todas as questões relativas à sucumbência, ou
todas as questões atinentes aos juros -, ficando o restante fora do campo de apreciação judicial.
Modernamente, incluiu-se novo parágrafo ao art. 515, que permite que o tribunal manifeste-se
sobre temas efetivamente não decididos pelo juiz de primeiro grau. Diante da nova previsão do
art. 515, § 3.°, é possível que o tribunal, afastando questão preliminar em que se baseou o juiz
de primeiro grau para extinguir o processo (e desde que não haja outra preliminar a ser
acolhida), examine desde logo o pedido - sem ter de, previamente, restituir o feito para anterior
julgamento pelo primeiro grau de jurisdição). Para tanto, será necessário que a causa esteja
"madura" para julgamento. Ou seja, é preciso que as partes não mais tenham provas para
produzir, ou melhor, que não exista necessidade de maior elucidação dos fatos.
Em regra, a apelação tem efeito suspensivo (art. 520 do CPC), motivo pelo qual, ressalvadas
hipóteses muito específicas, a sentença não produz efeitos enquanto pende o prazo para a
interposição da apelação (e após seu oferecimento), exceto aquele previsto no art. 466 do CPC
(hipoteca judiciária). Será a apelação recebida apenas no efeito devolutivo,
OS RECURSOS
569
sem impedir-se que a sentença produza efeitos na pendência do recurso, quando: "I) homologar
a divisão ou a demarcação; II) condenar à prestação de alimentos; III) julgar a liquidação de
sentença; IV) decidir o processo cautelar; V) rejeitar liminarmente embargos à execução ou
julgá-los improcedentes; VI) julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem; VII)
confirmar a antecipação dos efeitos da tutela" (art. 520,1 a VII, do CPC).14 Também outras
hipóteses, expressamente enumeradas em lei, prevêem que a apelação seja recebida somente em
seu efeito de-volutivo. Assim, por exemplo, as sentenças de interdição (art. 1.184 do CPC) e
concessiva de mandado de segurança (art. 12, parágrafo único, da Lei 1.533/51). Nessas
hipóteses, em que a lei dispensa o efeito sus-pensivo da apelação, a parte pode requerer a sua
concessão, alegando que os efeitos da sentença poderão trazer-lhe prejuízos.
3.5.3 Procedimento na instância inferior
O interessado dispõe do prazo de quinze dias para a interposição da apelação (art. 508 do CPC),
podendo esse prazo ser alterado segundo circunstâncias objetivas (por exemplo, calamidade
pública) ou subjetivas (como a existência de litisconsórcio, com advogados distintos, ou a
condição do recorrente, de Fazenda Pública, Ministério Público ou autarquia, segundo
estabelecem os arts. 191 e 188 do CPC, respectivamente). O Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90) também dispõe de prazo diferenciado para a apelação, que, nos
procedimentos nele disciplinados, é de dez dias (art. 198, II).
A apelação será interposta em petição escrita, dirigida ao juiz da causa, contendo
especificamente: I) os nomes e a qualificação das partes; II) os fundamentos de fato e de direito;
e III) o pedido de nova decisão (art. 514 do CPC). Em verdade, a falta de qualificação das partes
constitui mera irregularidade, salvo quando a apelação é interposta por terceiro
(l4)
Este último inciso foi acrescentado pela Lei 10.352/2001, embora fosse total mente dispensável a previsão. Com
efeito, confirmada a tutela antecipatória pela sentença, esta evidentemente continua produzindo efeitos. Portanto, é
desnecessário outorgar efeito apenas devolutivo à apelação dessa sentença, já que o entendimento dominante sempre
considerou que, em tal caso, a tutela antecipatória continua produzindo efeitos, exatamente como antes do advento da
sentença.
570
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
prejudicado, caso em que sua qualificação efetivamente é indispensável De outro lado, o pedido
de nova decisão pode cingir-se à pretensão de anulação da decisão recorrida, postulando-se nova
decisão do próprio juízo a quo, prolator da primeira sentença. Será possível, ainda, que a petição
que apresenta a apelação seja acompanhada de documentos destinados a provar os fatos nela
descritos - especialmente necessários, no caso de apresentação, ao tribunal, de fatos novos, não
deduzidos em primeira instância. Para a mesma finalidade - e apenas para quando se apresentem
perante o tribunal fatos novos - é possível que a parte recorrente, na petição de Ínterposição da
apelação, requeira outros meios de prova, necessários à demonstração de suas alegações.
Como este recurso sujeita-se a preparo, a petição da apelação será sempre instruída — salvo
quando, por alguma específica exceção prevista em lei, for isto dispensável (como no caso das
apelações interpostas pelo Ministério Público ou pela Fazenda Pública,15 ou ainda nos procedimentos submetidos ao Juizado da Infância e Adolescência) — com o comprovante do preparo
das custas recursais (art. 511 do CPC).
Apresentada a petição do recurso, será ele submetido à apreciação preliminar (quanto aos
pressupostos de admissibilidade, a exemplo de sua tempestividade, preparo etc), perante o
próprio juiz a quo. Sendo verificada a ausênciade um desses pressupostos, será negado
seguimen-to ao recurso (sendo necessário, se houver discordância por parte do recorrente
quanto à decisão do magistrado, utilizar-se de outro recurso, isto é, o agravo, para fazer com que
o tribunal dê, se entender que é o caso, seguimento ao recurso obstaculizado). Se a decisão de
admissibilidade for positiva - decisão essa provisória, já que poderá ser revista pelo tribunal, no
momento do exame do recurso -, expressará o magistrado em que efeitos o recurso é recebido
(se devolutivo e suspensivo, ou se apenas devolutivo), determinando vista do recurso à outra
parte, para que ofereça, se quiser, contra-razões à apelação (art. 518 do CPC) no prazo de quinze
dias.
Eventualmente, nessa mesma decisão, poderá o magistrado retratar-se quanto à sentença lançada
{art. 296 do CPC - referente ao indeferimento liminar da petição inicial), admitindo a petição
inicial rejeitada.
<l5)
Também quando a parte recorrente gozados benefícios da assistência judicia ria (Lei
1.060/50 e art. 5 o, LXXIV, da CF).
r
OS RECURSOS
571
Messe caso, havendo retratação, ficará obstado o seguimento do recurso, haja vista a falta de
interesse superveniente.
Oferecidas, ou não, as contra-razões do apelado, poderá o magistrado da instância recorrida
reapreciar os pressupostos de admissibilidade do recurso; mantida a admissão da apelação, serão
os autos remetidos ao tribunal para apreciação do recurso.
A possibilidade de contra-razões não existe no caso de apelação oferecida contra o
indeferimento liminar da petição inicial. Nesse caso, como prevê o art. 296 do CPC, interposto o
recurso, tem o juiz prazo de quarenta e oito horas (prazo impróprio) para exercer seu juízo de
retratação, admitindo a petição inicial indeferida. Se não houver reconsideração, os autos serão
imediatamente encaminhados ao tribunal, sem a oitiva do réu, até porque este sequer foi citado
para o processo.
Recorde-sc que ambas as partes podem, em tese, recorrer da mesma sentença. Se isso acontecer,
o procedi mento será o mesmo para cada uma das apelações, sendo cada parte convocada a
apresentar contra-razões à apelação interposta pela outra. Também poderá suceder, como se
verá oportunamente, que, na oportunidade que tem para oferecer contra-razões, ofereça o
recorrido recurso adesivo à apelação apresentada (para maiores considerações sobre o tema, ver
adiante).
3.5.4 Procedimento no tribunal
Os recursos são, em princípio, apreciados pelo tribunal imediatamente superior. Dessa regra não
foge a apelação, razão pela qual - sendo ela cabível de sentenças de pri meiro grau - será esse
recurso apreciado pelos Tribunais de Justiça estaduais (ou de Alçada) c pelos Tribunais Regionais Federais (quando o processo tramitar pela Justiça Federal).
Perante os tribunais, os recursos são normalmente apreciados por três juizes 16 - o relator, o
revisor e o vogai — proferindo cada qual seu voto e tomando-se o resultado dessa votação como
a conclusão do julgamento.
"6) Devendo ser ressalvada, atualmente, a função do relator, que pode sozinho julgar recursos em algumas situações
(art. 557 do CPC), e a hipótese hoje autorizada de encaminhar-se o julgamento de recursos a outro colegiado, mais
representativo do entendimento do tribunal (art. 555, § 1.°), como se verá oportunamente.
572
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Para a conclusão do julgamento, basta que a maioria dos julgadores (dois, no caso normal)
esteja de acordo com certo resultado, não sendo necessário atingir a unanimidade. Esses votos,
ademais, são considerados quanto às suas conclusões, pouco importando sua fundamentação.
Assim, se dois dos três juizes entendem por dar provimento a recurso para rever uma sentença,
um sustentando que o magistrado a quo se equivocara na aplicação do direito sobre o caso, e o
outro afirmando que o juiz inferior examinara equivocadamente a prova dos autos, não obstante
a fundamentação de cada qual seja distinta, em suas conclusões ambos são concordantes (pela
revisão da sentença); a decisão do colegiado (o chamado acórdão) é pela revisão da sentença,
por maioria de votos -já que um dos juizes discordou dessa conclusão. Nessa mesma linha, no
julgamento de uma apelação, interposta contra sentença de improcedência de pretensão
condenatória - por exemplo -, pode um dos juizes entender por dar completo provimento ao
apelo, para condenar o réu a pagar ao autor a integralidade da dívida demandada, ou seja, R$
1.000,00; o outro entender por dar parcial provimento ao recurso, para condenar o réu a pagar
ao autor apenas R$ 500,00; e o último juiz entender por rejeitar o recurso, dizendo nada ser
devido. É de se perguntar, então, qual é a conclusão desse recurso? Partindo-se das premissas já
lançadas, é evidente que o acórdão deu provimento ao recurso por maioria de votos. Dois votos
reconhecem valor devido ao apelante, um deles R$ 1.000,00 e outro R$ 500,00.0 voto que
reconhece o valor maior, evidentemente admite como devido o menor, mas o inverso
certamente não é verdadeiro. Assim, há dois votos que concluem que o apelado deve R$ 500,00
ao apelante.
Feitas essas observações, cabe, agora, observar como se dá o procedimento da apelação na
instância superior - que, diga-se, é o procedimento padrão para os demais recursos, que seguem
essas mesmas diretrizes salvo na existência de regras particulares.
Recebido o feito no tribunal, terá ele, assim como acontece com as ações, registro próprio e
distribuição perante os órgãos competentes do tribunal (arts. 547 e 548 do CPC). Realizada a
distribuição, os autos serão remetidos ao juiz relator, a quem compete elaborar relatório, apontando os pontos controvertidos sobre que versa o recurso (art. 549 e seu parágrafo único, do
CPC), para orientar, posteriormente, o exame e julgamento pelos seus pares. Feito isso, o relator
restituirá os autos à secretaria do colegiado (câmara ou turma, em geral), com seu "visto"; em
se-
OS RECURSOS
573
guida, os autos serão encaminhados ao revisor- salvo, por exemplo, nos casos de procedimento
sumário e nas apelações contra indeferimento liminar da petição inicial (art. 551, § 2°, do CPC),
onde não haverá revisor -, que também lera e estudará o caso, também apondo seu "visto", com
o que se restituirão os autos ao presidente do colegiado para a designação de dia para
julgamento do recurso.
Determinado o dia pelo presidente da câmara ou da turma, esta data será incluída em pauta a ser
publicada no órgão oficial, com pelo menos quarenta e oito horas de antecedência. Isto se presta
para a ciência das partes e de seus advogados, que têm o direito de assistir ao julgamento e,
inclusive, de sustentar (por intermédio dos advogados) oralmente as razões de apelo ou as
contra-razões oferecidas. Os advogados interessados em sustentar oralmente poderão requerer
que, na sessão imediata, o recurso seja julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências
legais (art. 565, CPC). A preferência poderá ser concedida para a própria sessão, se todos os
advogados dos interessados estiverem de acordo (art. 565, parágrafo único, CPC). Não sendo
requerida preferência para sustentação oral, os advogados das partes, pretendendo sustentar
oralmente, terão que aguardar o anúncio do feito que lhes interessa, na ordem natural da pauta
da sessão.
No dia do julgamento, fará o relator a exposição da causa e dos pontos controvertidos do
recurso. Após o relatório, poderão os advogados sustentar oralmente suas razões pelo prazo
sucessivo - primeiro o recorrente e depois o recorrido - de quinze minutos (art. 554 do CPC).
Finda a ocasião de manifestação das partes, cada um dos juizes proferirá seu voto oralmente,
examinando a admissibilidade do recurso e, posteriormente, se for o caso, seu mérito (art. 560
do CPC). No exame dessas questões preliminares (relativas à admissibilidade do recurso),
tratando-se de nulidade suprível, poderá o tribunal suspenderojulgamento do recurso,
convertendo ojulgamento em diligência, a fim de remeter os autos ao juízo a quo, para
saneamento do vício (art. 560, parágrafo único, do CPC).
O juiz relator e o revisor têm a obrigação de estar inteirados dos autos. O juiz vogai, todavia,
vota com base no relatório fornecido pelo relator. Se, porém, qualquer dos juizes que participam
da votação, no dia da sessão, não se sentir habilitado a proferir seu voto, poderá pedir vista dos
autos, por uma sessão, para melhor examinar a causa.
574
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado, designando o relator do acórdão. Esse
relator poderá ser o mesmo relator do recurso - se seu voto for vencedor no julgamento -, ou
outro dos juizes que participaram da votação - o primeiro que tiver proferido voto no sentido
majoritário do entendimento do colegiado. Lavrado o acórdão-que deve, obrigatoriamente,
conter ementa (art. 563 do CPC), que consiste em uma súmula do conteúdo da decisão —, suas
conclusões deverão ser publicadas no órgão oficial, no prazo máximo de dez dias (art. 564 do
CPC).
3.6 Agravo
3.6.1 Cabimento
O Código de Processo Civil de 1973 procurou simplificar o sistema recursal no direito
processual brasileiro, basicamente prevendo -para as decisões de primeiro grau de jurisdição —
dois tipos de recursos: a apelação (como já visto) para as sentenças (art. 513 do CPC) e o
agravo para as decisões interlocutórias (art. 522 do CPC). Os despachos são irre-corríveis.11
O agravo, portanto, foi o recurso designado pelo Código de Processo Civil para servir de meio à
impugnação de decisões interlocutórias. Quaisquer que sejam essas decisões, ou ainda seu
conteúdo (decidindo sobre questão processual ou mesmo sobre o mérito, como acontece com as
denominadas "liminares"), em qualquer espécie de procedimento no processo civil brasileiro, é
cabível o recurso de agravo.
É preciso ter certo cuidado com a designação "agravo", porque o nome proliferou-se no
processo nacional, e designa vários tipos diferentes de recursos, os quais por vezes nenhuma
relação têm com a figura disciplinada pelo art. 522 e ss. do CPC. Quer dizer que nem sempre
que a lei
"7) Note-se que os despachos de mero expediente (como a vista dos autos às partes, a baixa ao contador etc), por
definição, são incapazes de provocar prejuízo jurídico a quem quer que seja. Por essa razão, são irrecorríveis. Se,
todavia, um ''despacho" vier a causar prejuízo - pela opção judicial que se fez, a um dos sujeitos do processo, ou
mesmo a terceiro -, então perderá sua essência de despacho, transformando-se em decisão interlocutória. O nome que
se lhe dá, portanto, é irrelevante; para caracterizar um despacho de mero expediente, e necessário avaliar se ele é
inofensivo ou não ao interesse de qualquer sujeito.
r
OS RECURSOS
575
processual alude ao recurso de "agravo", está a tratar do agravo que agora se estuda. Assim, por
exemplo, os agravos previstos no art. 557, § 1.°, do CPC ou no art. 4.° da Lei 4.348/64, embora
tenham o mesmo nome da figura aqui estudada, e guardem certa semelhança funcional com esse
instituto, não se regem pelas regras atinentes ao agravo ora examinado, nem podem ser
confundidos com esse recurso.
O agravo, tratado como recurso cabível contra decisões interlocutó-rias, pode apresentar-se sob
duas modalidades:/?or instrumento e naforma retida (art. 522 do CPC).
O agravo por instrumento constitui o agravo padrão, e tem esse nome porque sua interposição
faz com que se forme um "instrumento" próprio, a ser encaminhado ao tribunal para examinarse a controvérsia, sem que os autos do processo sejam a ele remetidos, assim permitindo-se que
o processo tenha seguimento nojuízo a quo. Nessa modalidade, então, serão extraídas cópias das
peças relevantes do processo, formando-se um caderno próprio, que será dirigido diretamente ao
tribunal, com as razões dairresignação.
Já na modalidade retida, o agravo limita-se a expressar a contrarie-dade com a decisão
proferida, ficando a insurgência documentada nos próprios autos do processo, sem formação de
instrumento e sem ser encaminhada ao tribunal. O agravo retido somente será apreciado pelo tribunal futuramente, se a parte o reiterar nas razões ou na resposta da apelação eventualmente
interposta (art. 523, § 1.°, do CPC). Alguém poderia, então, perguntar sobre a função do agravo
retido, já que ele não será imediatamente conhecido pelo tribunal.
Na verdade, a função específica do agravo retido é evitar apreclusão sobre a matéria decidida,
permitindo que ulteriormente o tema venha a ser ventilado perante o tribunal. As decisões
judiciais não impugnadas oportunamente acabam consolidando-se, não admitindo mais futuras
discussões (preclusão). Para evitar que isso aconteça- sem que seja necessário recorrer
imediatamente ao tribunal -, tem-se a via do agravo retido, apenas como forma de manifestação
do inconformismo, o que autorizará ao recorrente rediscutir a matéria posteriormente. Por isso
mesmo, sendo essa a função do agravo retido, em certas circunstâncias será ele totalmente
inadequado ou inútil, como em relação a decisões cuja impugnação não preclui (por exemplo,
decisões sobre a presença de condições da ação ou de pressupostos processuais), ou nos casos
em que
576
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
a decisão judicial gera imediato prejuízo irreparável ou de difícil reparação, necessitando
reexame imediato pelo tribunal (como é o caso, por exemplo, da tutela antecipatória).
Em outros casos, impõe a lei o uso do agravo na sua modalidade retida, ficando vedada a
discussão imediata do tema perante o tribunal. Assim, as decisões proferidas (em qualquer tipo
de procedimento) na audiência de instrução e julgamento e após a sentença - exceto nos casos
de dano de difícil e incerta reparação, nos de inadmissão de apelação e nos relativos aos
efeitos em que a apelação é recebida - (art. 523, § 4.°, do CPC18), comportam impugnação
exclusivamente pela via do agravo retido.
3.6.2 Efeitos da interposição
O efeito devolutivo presente no agravo assemelha-se, em tudo, àquele estudado por ocasião da
apelação. A interposição do agravo devolve ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
Observe-se que a impugnação, no atinente à decisão interlocutória, pode ser total ou parcial - é
possível impugnar toda a decisão interlocutória ou apenas parte dela. Em qualquer dos casos,
somente as parcelas da decisão impugnada é que ficarão submetidas à apreciação do tribunal imediatamente, no caso do agravo por instrumento, ou futuramente, quando houver (e se
houver) a reiteração e apreciação do agravo retido.
O agravo, como regra, não possui efeito suspensivo (art. 497 do CPC). Essa opção legislativa é
facilmente explicável em função do interesse na continuidade do procedimento; se a
impugnação de cada uma das decisões interlocutórias, no curso do processo, pudesse paralisar
sua tramitação, certamente haveria alongamento excessivo de seu tempo. Assim, admitindo-se o
recurso (que é processado em "instrumento" apartado dos autos do processo em que a decisão é
tomada) contra essas decisões, mas negando-se-lhe a capacidade de suspender os efeitos do ato
judicial impugnado e, conseqüentemente, a suspensão do próprio curso do processo (recorde-se
novamente o princípio da interdependência dos atos processuais, em que a prática de um
implica a realização de outros, em cadeia), permite-se o recurso ao juízo ad quem enquanto o
processo tem seu curso normal perante o juízo originário.
ll8)
Com a redação dada pela Lei 10.352/2001.
os RECURSOS
577
Excepcionalmente, porém, pode acontecer que essa decisão interlocu-tória possa gerar danos irreparáveis
aos interesses do recorrente. Nesses casos, anteriormente, utilizava-se do mandado de segurança para dar
efeito suspensivo ao agravo — o que, obviamente, constituía nítido desvio de sua função, jáque o
mandado de segurança não foi pensado para essa finalidade. Atualmente, o art. 558 prevê a possibilidade
de, no próprio agravo, o relator conferir efeito suspensivo ao recurso, "nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa
resultar lesão grave e de difícil reparação", desde que a fundamentação do agravo seja plausível. Presentes
esses pressupostos - (pericnhtm in mora efunuis bemi iitris) — o relator, em decisão provisória e
imediata, já no recebimento do recurso (art. 527, III, do CPC), determinará a suspensão do ato
impugnado,19 até o julgamento do agravo.
20
Alem disso, o CPC reconhece, em seu novo art. 527, III, a possibilidade de antecipação dos efeitos da
pretensão recursal.Note-se que o
1191
Contra essa decisão do relator (concedendo ou não o eleito suspensivo) é cabível novo recurso ao colegiado que
julgará o agravo. Entretanto, não parece correta a orientação que, nesse caso, admite o uso do mandado de segurança.
A utilização do mandado de segurança como sucedâneo recursal sempre foi condenada em doutrina, dada a
inadequação da via para esse fim. Lembre-se que a Lei 9.139/95 buscou eliminar o problema do uso do mandado de
segurança para dar efeito suspensivo ao agravo, alterando a redação do art. 558 para a forma que atualmente ostenta,
concebendo a figura do efeito suspensivo ope hulicis ao agravo. Diante da nova lei, admitir o mandado de segurança
contra a decisão (fundada no art. 558) que trata do efeito suspensivo ao agravo é ofender a intenção do legislador.
Ademais, é preciso abandonar essa verdadeira neurose em relação aos recursos - sempre tentando buscar alguma via
para fazer valer as razões da parte prejudicada, mesmo depois de esgotadas todas aquelas previstas em lei. Critica-se,
com razão, a morosidade do processo civil brasileiro, c uma das causas dessa lentidão é, reconhecidamente, o excesso
de recursos. Admitir o mandado de segurança para impugnar a decisão do relator, no caso examinado, embora em
situações excepcionalíssimas pudesse ter alguma utilidade, importa cm grave prejuízo para o direito brasileiro,
assoberbando ainda mais a carga de feitos existentes perante os tribunais, tornando ainda mais lenta a prestação
jurisdicional (especialmente em segundo grau) c contrariando, enfim, toda a tendência que se busca imprimir ao
processo atual, que c a de reduzir o número de recursos e privilegiar a decisão de primeiro grau.
(2Oi
O novo art. 527, III, do CPC, afirma que o relator "poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou
deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão".
578
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
efeito suspensivo é cabível e útil quando uma decisão — que, por exemplo, determina a venda
de certo bem, ou a prisão civil do réu — pode causar dano ao recorrente. Nesses casos, o efeito
suspensivo pode efetivamente ser necessário. Imagine-se, porém, o caso em que alguém solicita
ao magistrado (em primeiro grau) certa providência cuja negação pode trazer-lhe dano. O
recurso de agravo, ainda que conte com o efeito suspensivo, certamente não tem o poder de
evitar o prejuízo irreparável que a falta de concessão do postulado poderá trazer ao recorrente, já
que suspender uma omissão do juiz não acarreta efeito algum no plano concreto. O efeito
suspensivo somente teria alguma utilidade se o tribunal (na figura do relator) pudesse conceder
ao recorrente a providência que o juiz a quo lhe negou. Ora, quando a parte tem direito de obter
algo imediatamente, não basta recurso que possa impugnar a decisão e permitir a concessão da
providência (que foi injustamente negada) após longo tempo. É necessário, como é óbvio, forma
recursal que possa dar desde logo à parte a providência que lhe foi injustamente negada pela
decisão recorrida. É essa a intenção do novo art. 527, III.
Ainda releva notar que, em relação ao agravo, sente-se com maior intensidade o chamado efeito
expansivo, que estende os efeitos da decisão aos atos processuais dependentes do impugnado. A
decisão proferida em agravo, alterando ou anulando a decisão interlocutória, pode operar efeitos
sobre atos vinculados ao especificamente recorrido. Todos os atos dependentes do ato anulado
ou modificado - pela decisão do agravo - poderão ser também anulados ou modificados.
Compete ao tribunal, ao examinar o agravo, delimitar essa comunicabilidade dos efeitos, esclarecendo quais atos ficam atingidos pela decisão adotada.
Por fim, deve-se lembrar que o agravo permite um efeito próprio, chamado efeito cie retratação.
O agravo confere oportunidade para que o juiz reaprecie a decisão tomada, mantendo-a ou
modificando seu conteúdo. Havendo atendimento ao pleito do recorrente, o agravo perderá seu
objeto, e assim não poderá ser julgado pelo tribunal.
3.6.3 Procedimento do agravo retido
O agravo retido independe de preparo (art. 522, parágrafo único, do CPC) ou mesmo de
formalidade específica. Pode o recurso ser apresentado por escrito ou oralmente (nesse último
caso, segundo o art. 523, 8
r
os RECURSOS
579
3.°, do CPC, quando a decisão impugnada tiver sido proferida em audiência). Por escrito ou
oralmente, o interessado interporá o recurso mencionando os sujeitos do recurso, as razões que
justificam a nova decisão (sendo que, na hipótese de interposição oral do agravo, as razões
quejustificam o pedido de nova decisão podem ser expostas sucintamente - art. 523, § 3.°, do
CPC) e o pedido de reforma, vazado nos termos que interessam ao agravante. Não há
necessidade de instruir a peça, sendo a petição oferecida diretamente ao juiz da causa (e não ao
tribunal, como acontece com o agravo por instrumento).
Interposto o recurso, e ouvido o agravado no prazo de dez dias, faculta-se ao juiz a reforma de
sua decisão (art. 523, § 2.°, do CPC). 21
Se não houver retratação, ficará o agravo retido nos autos, podendo o tribunal dele conhecer
(art. 523 do CPC), se o agravante o reiterar ultcri-ormente, nas razões ou na resposta da
apelação (art. 523, § 1.°, do CPC). Caso contrário, não havendo reiteração, presume-se que o
agravante desistiu do recurso. Evidentemente, no caso de agravo retido de decisão posterior à
sentença, torna-se desnecessária a reiteração, já que o interesse no exame do recurso deve ser
presumido.22
3.6.4 Procedimento cio agravo por instrumento
O agravo por instrumento é interposto diretamente perante o tribunal. Tem o interessado o prazo
de dez dias, contado da intimação da decisão que lhe gera prejuízo, para a interposição do
recurso, aplicando-se a este prazo as causas de alteração subjetivas (como as dos arts. 188 e 191
do CPC) c objetivas.
O recorrente dirigirá o recurso ao tribunal mediante petição escrita, em que deve indicar — nos
termos do art. 524 do CPC — a exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma
da decisão; e o nome e o endereço completo dos advogados, constantes do processo. O último
requisito, aparentemente estranho, tem função essencial, e diz com a necessidade de
comunicação dos atos do recurso aos defensores das par(2
" Esse dispositivo teve sua redação alterada, por intermédio da Lei 10.352/2001, tornando clara
a interpretação anteriormente já apresentada neste "Manual".
i22)
Nesse sentido. TUCCI, José Rogério Cruz e. Lineamentos da nova reforma do CPC. 2. ed.
São Paulo: RT, 2002. p. I 14.
580
MANUAL DO PROCESSO DH CONHECIMENTO
tes (especialmente ao agravado, que deverá ser convocado a apresentar suas contra-razões ao
recurso). Além dos requisitos enumerados acima, será indispensável a caracterização adequada
do ato impugnado e do processo em que a decisão foi proferida. Isso será necessário porque,
como se verá adiante, pode o tribunal solicitar informações ao juízo a quo sobre o processo para
melhor examinar o recurso interposto (art. 527, IV, do CPC).
Essa petição inaugurará um instrumento - distinto dos autos do processo -, sendo sua formação
da incumbência das partes do recurso. Assim, determina a lei que a petição de agravo deve vir
acompanhada, obrigatoriamente, sob pena de não-conhecimento do recurso, com cópia da
decisão agravada; da certidão da respectiva intimação; e das procurações outorgadas aos
advogados do agravante e do agravado (art. 525, I, do CPC). O comprovante de preparo das
custas e do porte de retorno, quando devidos, também deve instruir o agravo (art. 525, § 1.°, do
CPC). Pode a petição de agravo vir acompanhada, facultativamente, de outras peças que o
recorrente entender convenientes para bem instruir a impugnação e melhor esclarecer o tribunal
sobre as razões da insurgência (art. 525, II, do CPC). Obviamente, os documentos referidos no
inc. I do art. 525, que são reputados necessários, e que assim devem ser juntados com a petição
de agravo, somente podem ser exigidos - e, portanto, se tornam realmente obrigatórios - se
estiverem presentes nos autos do processo. Assim, por exemplo, não se cogitará da apresentação
da procuração da parte se esta for o Ministério Público, simplesmente porque esse órgão não se
vale de procuração para representar os interesses que, por determinação de lei, defende em
juízo.
Oferecido o recurso, é dever do agravante fazer juntar aos autos do processo, no prazo de três
dias - contados do protocolo do agravo no tribunal - cópia da petição do agravo, acompanhada
da relação dos documentos juntados, bem como do comprovante de sua interposição (art. 526 do
CPC). Segundo o novo parágrafo único do art. 526, se o agravante não observar essa obrigação,
o agravo não deve ser admitido, cabendo ao agravado argiiir e provar o descumprimento.
Anteriormente, ausente sanção específica para o agravante, entendia-se que a única conseqüência dessa inobservância seria a impossibilidade de o juiz a quo exercer o juízo de retratação.
Com a nova previsão, amplia-se a importância da imposição, que não apenas inviabilizará o
exercício do juízo de retratação, como também tornará inadmissível o agravo interposto.
OS RECURSOS
581
Recebido o recurso no tribunal, proceder-se-á ao seu registro e distribuição imediata - de
maneira idêntica ao que acontece com a apelação. Determinado o relator do recurso, será o
agravo a ele encaminhado, competindo-lhe, inicialmente, apreciar os pressupostos recursais e,
feito isto (admitido prcambularmentc o recurso, em decisão sujeita a ulte-rior corroboração pelo
colegiado), dar-lhe a tramitação regular. Poderá o relator, se houver pedido para tanto, desde
logo, ou após ouvir as contra-razões do recorrido, atribuir efeito suspensivo ao recurso, ou
antecipar, desde logo, os efeitos da pretensão recursal (art. 527, III, do CPC). Terá
oportunidade, ainda, de requisitar informações ao juízo a quo - que deve prestá-las no prazo de
dez dias - especialmente sobre as circunstâncias da decisão e sobre outros elementos, não
oferecidos com o recurso, mas convenientes para o exame do agravo (art. 527, IV, do CPC).
Será também possível ao juiz, evidentemente que se for o caso, negar monocrati-camente
seguimento ao recurso, com base no art. 557 do CPC (a ser ul-teriormente examinado). 23
A Lei 10.352/2001 previu ainda outra possibilidade de seqüência nesse momento do exame do
agravo: a conversão do agravo por instrumento em agravo retido. 24 Esse caminho apenas será
admissível quando a decisão recorrida não seja provimento de urgência ou não puder gerar
perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação - caso em que apenas o agravo por
instrumento satisfará o pressuposto do interesse recursal. Nessa hipótese, em decisão
monocrática, determinarão relator a conversão do recurso em agravo retido, remetendo os autos
de agravo ao juiz de primeiro grau, paraque sejam apensados aos autos da causa. DaípordianAlguém poderá objetar à redação do art. 527,1 (dada pela Lei 10.352/2001), por ter sido prevista somente a
possibilidade de negar seguimento ao recurso, sem ter sido considerada a hipótese de dar imediato provimento ao
agravo (art. 557. § I .°-A). Porém, não há aí qualquer equívoco, uma vez que quando o relator "recebe" o agravo
ainda não houve exercício do contraditório, e não c possível dar provimento a recurso sem antes conferir ao recorrido
oportunidade para apresentar as suas razões.
Isso c o que prevê o art. 527, II, "poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar
de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave c de difícil ou incerta reparação, remetendo os
respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão
colegiado competente".
582
MANUAL DO PROCI-SSO DH CONHCCIMRNTO
te, seguirá esse recurso o rito previsto para o agravo retido, dependendo, pois, de ulterior
reiteração na fase da apelação. Conforme especifica o
art. 527, II, do CPCdadecisão do relator que determina aconversão caberá agravo (aquele
mencionado no art. 557, § 1 .°)25 ao órgão colegiado competente, que poderá manter a decisão
ou reformá-la, determinando o se-guimento do recurso como agravo por instrumento.
A nova previsão do art. 527, II, do CPC, objetiva desestimular a in-tcrposição de agravos de
instrumento abusivos, c assim racionalizar o uso do agravo, o qual, na forma retida, ao mesmo
tempo em que permite nova abordagem da questão impugnada, viabiliza melhor desenvolvimento ao processo.
Ao lado dessas providências, determinará o relator a oitiva do agravado, para efetivar o
contraditório sobre o recurso e oferecer as contra-razões que tiver, no prazo de dez dias. Para
tanto, intimará o agravado, por ofício dirigido a seu advogado - daí a importância de indicar-se,
na petição do agravo, o endereço do advogado -, sob registro e com aviso de recebimento, ou
por publicação no órgão oficial (nas comarcas sede de tribunal e naquelas cujo expediente
forense for divulgado no diário oficial), para oferecer, querendo (já que esta manifestação não é
obrigatória), as competentes contra-razões. Nessa manifestação, assim como é facultado ao
agravante, poderão ser apresentadas cópias das peças dos autos que o agravado entenda úteis
para fazer valer suas razões (art. 527, V, do CPC).
Efetivado o contraditório, determinará o relator vista dos autos ao Ministério Público — se for o
caso de sua intervenção - para manifestação em dez dias (art. 527, VI, do CPC), após o que será
pedido dia para julgamento. A data do julgamento não deve, quando isto for possível, exceder a
trinta dias da data da intimação do agravado para oferecer contra-razões (art. 528 do CPC). Se,
porém, o juiz a quo comunicar, até a data do julgamento do agravo, que reformou sua decisão,
atendendo à
O dispositivo não menciona que esse é o agravo que deve ser aplicado à espécie. Todavia, tratando-se de poder do
relator, que se manifesta no lugar do colegiado, evidencia-se que a figura assemelha-se cm tudo à atribuição de julgamento monocrático pelo relator, na forma do art. 557. Dessa forma, constituindo providencia autorizada com a
mesma inspiração que informa o art. 557,0 agravo previsto deve ser aquele por cie contemplado.
OS RECURSOS
583
pretensão do agravante, o relator deverá julgar prejudicado o agravo (art. 529 do CPC), não o
levando a julgamento perante o colegiado.
Observe-se que no agravo não existe a figura do revisor. O único juiz que, previamente, tem
contato com os autos, é o relator, sendo que os demais juizes votam com base no relatório por
ele apresentado. Todavia, aquele que não se sentir preparado para votar pode pedir vista dos
autos por uma sessão.
O julgamento do agravo segue o mesmo procedimento previsto para a apelação, quanto à
publicidade do feito, à votação da causa e ao resultado do julgamento. Não se admite, porém,
que as partes sustentem oralmente suas razões (art. 554 do CPC). De outra parte, vale frisar que,
enquanto pende de julgamento agravo relativo a determinado processo, não pode o tribunal
julgar eventual apelação interposta contra sentença nele proferida; se, eventualmente, em uma
mesma sessão tiverem de ser julgados apelação c agravo relativamente a um mesmo processo,
primeiramente será julgado o agravo e, somente depois, se ainda houver necessidade (se não
tiver ficado prejudicado o julgamento da apelação em função da decisão proferida no agravo),
será apreciada a apelação.
3.7 Embargos de declaração
3.7.1 Cabimento
É necessário que a tutela jurisdicional seja prestada de forma completa e clara. Exatamente por
isso, ou melhor, com o objetivo de esclarecer, complementar e perfeclibilizar as decisões
judiciais, existem os embargos de declaração. Esse recurso não tem a função de viabilizar a
revisão ou a anulação das decisões judiciais, como acontece com os demais recursos. Sua finalidade é corrigir defeitos — omissão, contradição e obscuridade — do ato judicial, os quais
podem comprometer sua utilidade.
Discute-se em doutrina sobre a natureza recursal dessa figura, precisamente por conta de sua
função, e do fato de serem os embargos de declaração dirigidos ao próprio juiz prolator da
decisão inquinada, sem que se possa então pensar em um "juízo recursal diverso". Não obstante
a questão seja de menor importância — exceto pela circunstância de que alguns autores,
sustentando a natureza não-recursal dessa figura, negam que se lhe apliquem os princípios dos
recursos, notadamente o da proibi-
584
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ção da reformaiio in pejus —, parece correto entender que os embargos de declaração
efetivamente constituem espécie recursal. A falta de exame do recurso por outro órgão
jurisdicional não lhe tolhe o caráter recursal, já que não é isso essencial à definição de recurso.
Por outro lado, a função complementar que têm os embargos de declaração também não pode
ser menosprezada, uma vez que uma decisão obscura, omissa ou mesmo contraditória
praticamente eqüivale à ausência de decisão (ou, pelo menos, à sua falta de fundamentação), já
que não se pode alcançar sua extensão adequada, ou não se pode compreender as razões que
levaram o órgão jurisdicional a determinado entendimento. Assim, os embargos de declaração
devem ser considerados como um tipo de recurso.
Como esclarece o art. 535 do CPC, os embargos de declaração são cabíveis quando houver, na
sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; ou for omitido ponto sobre o qual devia
pronunciar-se o juiz ou o tribunal. A interpretação literal do dispositivo apontado indicaria que
os embargos de declaração seriam cabíveis contra sentença ou acórdão, no caso de obscuridade
ou contradição; e contra qualquer espécie de decisão (sentença, acórdão ou decisão
interlocutória2 ''), apenas no caso de omissão. Em verdade, porém, essa conclusão não tem
sentido, já que também as decisões interlocutóriaspodem conter obscuridades ou contradições,
assim como acontece com as sentenças. Imagine-se, por exemplo, o caso de uma tutela
antecipatória, cuja decisão exige fundamentação exaustiva e, portanto, pode ter estrutura muito
semelhante à de uma sentença. Negar-se a correção desse ato judicial apenas porque se trata de
decisão interlocutória não faz sentido. Afinal, também esse tipo de deliberação judicial pode
conter contradições e obscuridades, as quais ficariam convalidadas diante da ausência de meio
de impugnação adequado, ou, o que é pior, somente poderiam ser corrigidos pela via do agravo,
nitidamente mais formal e demorado e evidentemente inadequado para essa situação específica.
Assim, parece ser mais adequado entender que os embargos de declaração são cabíveis, seja
qual for o vício (obscuridade, contradição ou omissão), contra qualquer espécie de deliberação
judicial, da decisão interlocutória ao acórdão.
Obscuridade significa falta de clareza, no desenvolvimento das idéias que norteiam a
fundamentação da decisão. Representa ela hipótese em
Os despachos de mero expediente são irrecorríveis (art. 504).
OS RKCURSOS
585
que a concatenação do raciocínio, a fluidez das idéias, vem comprometida, ou porque exposta
de maneira confusa ou porque lacônica, ou ainda porque a redação foi mal feita, com erros
gramaticais, de sintaxe, concordância etc, capazes de prejudicar a interpretação da motivação. A
contradição, à semelhança do que ocorre com a obscuridade, também gera dúvida quanto ao
raciocínio do magistrado. Mas essa falta de clareza não decorre da inadequada expressão da
idéia, e sim da justaposição de fundamentos antagônicos, seja com outros fundamentos, seja
com a conclusão, seja com o relatório (quando houver, no caso de sentença ou acórdão), seja
ainda, no caso de julgamentos de tribunais, com a ementa da decisão. Representa incongruência
lógica, entre os distintos elementos da decisão judicial, que impedem o hermeneuta de
apreender adequadamente a fundamentação dada pelo juiz ou tribunal. Finalmente, quanto à
omissão, representa ela a falta de manifestação expressa sobre algum "ponto" (fundamento de
fato ou de direito) ventilado na causa e, sobre o qual deveria manifestar-se o juiz ou o tribunal.
Essa atitude passiva do juiz, em cumprir seu ofício resolvendo sobre as afirmações de fato ou de
direito da causa, inibe o prosseguimento adequado da solução da controvérsia, e, em caso de
sentença (ou acórdão sobre o mérito), praticamente nega tutelajurisdicional à parte, na medida
em que tolhe a esta o direito de ver seus argumentos examinados pelo Estado.
3.7.2 Efeitos da interposição
O oferecimento de embargos de declaração não opera o efeito clevo-lutivo, já que não se remete
ao conhecimento de nenhum outro órgão jurisdicional o exame da decisão inquinada. Ao
contrário, os embargos de declaração são analisados pelo próprio juiz da causa — o que, aliás,
seria mesmo desejável, já que ele foi o prolator da decisão imperfeita, sendo a pessoa mais
autorizada a esclarecer-lhe o conteúdo e a idéia -, que complementará, se for o caso, a
deliberação anteriormente lançada.
De outro lado, os embargos de declaração, além de impedir que a decisão recorrida gere efeitos,
interrompem, para qualquer das partes (e não apenas para o embargante), o fluxo do prazo para
a interposição de qualquer outro recurso. Interrompido (e não apenas suspenso) esse prazo, as
partes deverão ser intimadas da decisão proferida em virtude dos embargos de declaração, para
que tão-somente a partir daí passe a correr
586
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
o prazo (que é integral) para a interposição do recurso originariamente cabível contra a decisão
embargada (art. 538 do CPC).
Ademais, se, por exemplo, é interposta apelação antes da apresentação de embargos de
declaração pela outra parte, a sentença originariamente apelada será substituída por outra (caso
os embargos sejam conhecidos), razão pela qual a parte que já apelou deve ter novo prazo de
quinze dias para aditar a primitiva apelação. Se a apelação for interposta depois de apresentados
embargos de declaração conhecidos, deverá ser concedido prazo para recurso de apelação à
parte que equivocadamente apelou. Nesse caso, não é possível pensar em
preclusão,raciocinando-se a partir da idéia de que a apelação já foi interposta. É que a sentença
recorrida pela primitiva apelação já havia sido impugnada pelos embargos de declaração, os
quais dispensam, por lógica, a consideração da sentença embargada.
Isso se explica não apenas em razão do art. 538 do CPC, mas também pela incidência do efeito
substitutivo nos embargos de declaração (como, de regra, acontece com os demais recursos). A
decisão proferida nos embargos de declaração substitui, na parte impugnada, o ato judicial
anterior. Sendo assim, após o julgamento dos embargos de declaração não existe mais o
primitivo ato judicial, mas apenas o novo (resultante da integração da decisão recorrida com
aquela advinda do julgamento dos embargos de declaração). Se é assim, certamente o prazo para
interposição de recurso há de ser computado, integralmente, apartirdaintimação dessa última
decisão. Assim, se a parte, inconformada com uma sentença, opõe a ela, no prazo de cinco dias,
embargos de declaração, suscitando omissão no exame de certa questão, após a decisão desses
embargos poderá ainda o interessado apelar da sentença, tendo para tanto o prazo de quinze
dias (e não apenas dos dez dias que faltavam para o término do prazo, caso se contasse também
o período utilizado para a interposição dos embargos de declaração).
É também por conta do efeito substitutivo que a decisão resultante dos embargos de declaração
preserva a mesma natureza do ato judicial impugnado. Assim, a decisão que examina embargos
de declaração interpostos contra sentença mantém caráter de sentença, e pode, por isso, ser
objeto de apelação; o julgamento de embargos de declaração interpostos contra decisão
interlocutória gera, também, uma decisão interlo-cutória, atacável por agravo etc.
OS RKCURSOS
587
3.7.3 Procedimento dos embargos de declaração
O interessado em suscitar, em face de alguma decisão judicial (embargável de declaração), sua
contradição, omissão ou obscuridade, tem prazo - não importa qual o tipo de ato judicial seja
(decisão interlo-cutória, sentença ou acórdão) - de cinco dias. Nesse prazo, oferecerá petição
escrita, dirigida ao juiz da causa (ou ao relator, nos tribunais), indicando o ponto omisso,
obscuro ou contraditório (art. 536 do CPC).
Os embargos de declaração não se sujeitam a preparo e não conferem direito à resposta. Não se
abre vista à parte contrária para manifestação, porque esse recurso não se presta a adquirir nova
decisão sobre a causa, mas apenas aperfeiçoar a decisão já tomada.
Os embargos de declaração podem não ser conhecidos pelo órgão jurisdicional competente,
desde que a petição de interposição do recurso não aluda à existência de obscuridade,
contradição ou omissão. Nesse caso, o julgamento dos embargos será pelo seu nãoconhecimento, sem que se deva examinar-lhe o mérito. Caso, porém, a narrativa do embar-gante
aluda à alguma obscuridade, omissão ou contradição na decisão recorrida, caberá ao magistrado
conhecer do recurso, para examinar-lhe os fundamentos. Verificando em concreto a ocorrência
do vício apontado, dará provimento ao recurso, sanando o defeito; caso contrário, negará
provimento aos embargos declaratórios.
Tratando-se de embargos de declaração interpostos em primeiro grau de jurisdição, compete
aojuiz da causa, conforme prescreve o art. 537 do CPC, julgar o recurso em cinco dias (embora
se trate de prazo impróprio). Nos tribunais, os embargos devem ser levados a julgamento na
sessão seguinte a sua interposição.
Perante os tribunais, a votação do julgamento desse recurso e a elaboração do novo acórdão
seguem as mesmas regras já estudadas em relação à apelação. Não se admite, entretanto, a
sustentação oral das partes (art. 554 do CPC).
Note-se que, do julgamento dos embargos, pode resultar outra decisão também viciada. Pensese, por exemplo, que uma sentença omissa quanto a um ponto suscitado pode, por ocasião do
exame dos embargos de declaração, gerar uma decisão complementar obscura, ou mesmo
contraditória no exame daquele ponto inicialmente omisso. Dessa nova decisão, portanto, cabem
novos embargos de declaração, com o fim de
588
MANUAL DO PROCESSO DH CONHECIMENTO
complementá-la ou aperfeiçoá-la, e assim sucessivamente, enquanto subsistir algum vício
(daqueles apresentados pelo art. 535 do CPC) no ato judicial.
A fim de evitar que se utilize dos embargos de declaração com objetivo exclusivamente
protelatório - valendo-se do efeito interruptivo dos prazos, que ele opera —, prevê o Código de
Processo Civil sanção à desvirtuada utilização desse recurso. Como estipula o art. 538,
parágrafo único, do CPC, quando mani festamente protelatórios os embargos, o juiz ou tribunal,
declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de
um por cento sobre o valor da causa. Na reiteração de embargos protelatórios, essa multa pode
ser elevada a até dez por cento, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso
ao depósito do valor respectivo.
3.7.4 Embargos de declaração com efeito infringente
Muito se tem discutido a propósito da possibilidade de o magistrado vir a alterar sua decisão por
conta dos embargos de declaração. Em regra, doutrina e jurisprudência entendem que não
podem os embargos de declaração ter efeito modificativo do julgamento inicial, devendo
prestar-se apenas para complementá-lo ou adequá-lo.
Realmente, se a função dos embargos de declaração é subsidiária, visando somente aperfeiçoar
a decisão, não se pode autorizar que, por meio desse caminho, obtenha a parte a modificação
substancial da decisão impugnada. Esse efeito somente pode ser alcançado por via própria
(apelação, agravo ou outro recurso adequado), mas não por meio dos embargos de declaração.
Todavia, é necessário ponderar que nem sempre essa vedação pode ser tomada cie maneira
absoluta. Como pondera EGAS MONIZ DE ARAGÃO, "ninguém contesta que os embargos de
declaração não visam a modificar o julgamento; não é possível que, por seu intermédio, a
proposição 'a', por estar errada ou ser injusta, venha a ser substituída pela proposição 'b', tida
como certa ou justa- isso seria objeto de julgamentos em grau de recurso. Mas é evidente que, se
o julgamento contiver, simultaneamente, afirmações excludentes entre si, urge que uma delas
seja afastada (quiçá ambas, para dar lugar a uma terceira), e isso só se faz, obviamente,
modificando o próprio julgamento, a fim de, expungida a
OS RECURSOS
5g9
contradição, torná-lo coerente. Por conseguinte, a velha e corriqueira afirmação, às vezes
repetida sem meditação, de não ser permitido 'modificar' o julgamento através de embargos de
declaração precisa ser entendida com argúcia".27
Com efeito, vícios como a contradição e a omissão podem, com certa naturalidade, alterar a
substância da decisão inquinada. Imagine-se, por exemplo, que o juiz deixe de avaliar, na
sentença, um dos fundamentos da defesa (o mais importante), julgando procedente o pedido;
interpostos os embargos de declaração, para o exame daquele ponto omitido, terá o magistrado
de avaliá-lo por completo e, se for o caso, acolhê-lo para, então, julgar improcedente a demanda
do autor. Nisso não reside nenhuma atitude vedada por lei; ao contrário, resulta da própria
essência integrativa da decisão dos embargos de declaração.
infelizmente, porém, os embargos de declaração têm, normalmente, sido interpretados por
muitos juizes como uma forma de crítica às suas decisões. Por isso, deixam alguns magistrados
de conhecer e examinar os embargos de declaração, sob o argumento de possuírem eles caráter
infringente, visando com isso esconder defeitos em suas decisões, colocando-as a salvo de
reparos. Isso somente vem em prejuízo da prestação jurisdicional, e tal mentalidade deve ser
revista urgentemente, uma vez, que os embargos de declaração não podem ser considerados
como um ataque pessoal ao magistrado, mas sim como forma de colaboração com a atividade
jurisdicional, tendente a permitir que a decisão judicial seja a mais perfeita, completa e clara
possível.
3.8 Embargos infringentes
3.8.1 Cabimento
As decisões proferidas pelos tribunais são normalmente tomadas por deliberação de colegiados.
Nestes, basta que a maioria dos magistrados entenda em determinado sentido para que a
orientação prevalente seja adotada como o entendimento a respeito da situação submetida a
julgamento. Todavia, pode acontecer que o voto vencido, dentro da estrutura
(27)
MONIZ DE ARAGÃO, EgasDirccu. "Embargos de declaração", RT633/\ 9, São Paulo: RTJul. 1988.
590
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do colegiado, seja realmente o mais ponderado, e assim deva prevalecer. Para o fim de
submeter o voto vencido à apreciação de um órgão maior, dentro do próprio tribunal (no qual
está inserido o órgão julgador em que foi proferido o voto vencido), buscando fazê-lo
preponderar, é que se prestam os embargos infringentes. Tem este recurso, então, o objetivo de
submeter ao tribunal (normalmente a um colegiado maior do que aquele que apreciara,
originalmente, o recurso anterior) a decisão proferida por um de seus órgãos, por maioria de
votos, buscando fazer com que a Corte faça preponderar a opinião minoritária no órgão
fracionário.
Evidentemente, portanto, os embargos infringentes têm por base a ausência de unanimidade na
decisão do colegiado. Apenas quando haja julgamento proferido por maioria de votos, em que
haja algum voto (de um dos magistrados) vencido, caberão os embargos infringentes. Mais do
que isso, limita a lei o cabimento desse recurso à existência de divergência em julgamento de
apelação e de ação rescisória (art. 530 do CPC), embora também ele seja admissível em
reexame necessário e em recurso ordinário (sucedâneo da apelação em julgamentos proferidos
origi-nariamente por tribunais, ou excepcionalmente por juiz singular—cf.arts. 102, II, e 105,11,
2S
da CF).
I2S|
Até a vigência da Lei 10.352/2001, discutia-se o cabimento dos embargos infringentes em outros dois casos: em
agravo de instrumento, quando a decisão nele tomada pelo tribunal, ao provê-lo, extingue o processo sem julgamento
do mérito (acolhendo, por exemplo, preliminar peremptória que o primeiro grau rejeitara), e cm agravo retido, por ser
ele considerado como preliminar do recurso de apelação. Ao que parece, diante do novo regime previsto com a lei
nova, a questão resta superada, devendo-se admitir que, em ambas as hipóteses não mais será cabível a interposição
dos embargos infringentes, salvo em uma hipótese muito restrita. Isso porque, no novo regime, exige-se que a decisão
sujeita a embargos infringentes seja julgamento de apelação, em que se haja reformado sentença de mérito. Ora, o
julgamento de agravo, sobre questão processual (acolhendo-a ou a rejeitando) poderá, efetivamente, gerar a extinção
do processo (no caso de acolhimento da questão, rejeitada em primeiro grau); todavia, esse acórdão não será "de
mérito" e, por isso, não é sujeito a recurso de embargos infringentes. Da mesma forma, o exame de agravo retido, cm
preliminar à apelação, seja para provê-lo ou não, será sempre incapaz de gerar decisão que "reforma" sentença de
mérito, podendo, quando muito,
anulá-la (c preciso, portanto, tomar cautela com a Súmula 255, do STJ, que parece não mais caber no sistema do
código atual). Por conta disso, em ambas
OSRKCURSOS
591
Atualmente, com a nova redação dada ao art. 530 (pela Lei 10.352/ 2001) tais decisões somente admitirão
os embargos infringentes se contiverem julgamento em determinado sentido. Assim, de acordo com o
novo dispositivo, os embargos infringentes somente serão cabíveis se o julgamento não unânime tiver
reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória.
Dessa forma, ao lado dos requisitos anteriormente contemplados, no regime atual o cabimento dos
embargos infringentes sujeita-se a um exame mais aprofundado do conteúdo da decisão que pode abrir
oportunidade para sua interposição. Não é mais suficiente que se trate de apelação, sendo necessário
julgamento que reforme sentença de mérito, ou melhor, que o acórdão analise sentença de mérito e
2
entenda que ela deva ser reformada por maioria de votos. '' Do mesmo modo, não é mais bastante a existência de j ulgamento não unânime em ação rescisória, sendo exigível que esse julgamento seja de
procedência.
30
A avaliação da divergência dos votos se faz, como aponta BARBOSA MOREIRA, pela conclusão de
cada qual, pouco importando seus fundamentos. Dessa forma, se um dos juizes acolhe o pedido do recoras situações, diante da nova previsão, tais hipóteses não mais admitem a interposição de embargos
infringentes.
Apenas em uma situação permanece, ao que parece, cabível a interposição desse recurso cm face de
decisão proferida no julgamento de agravo: quando a parte haja alegado, cm primeiro grau, questão de
mérito (v.g., prescrição ou decadência) que tenha sido, em decisão interlocutória, prontamente rejeitada;
nesse caso, diante da interposição de agravo cm face dessa decisão, vindo o tribunal a reconhecer a
existência da questão, extinguindo, por conseqüência, o processo, serão admissíveis os embargos
infringentes.
<29)
A modificação afina-se com a origem histórica desse recurso, já que seu fundamento, ao menos na sua
gênese, baseava-se na existência de dois votos em um sentido e dois em outro - dois votos no colegiado,
no sentido contrário à sentença, e um voto no colegiado mais o entendimento do magistrado a quo, no
sentido da sentença (v., a respeito, MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Estudo sobre os embargos de
nulidcide e infringentes do julgado previstos no Código de Processo Civil. Curitiba: Editora Litero-técnica, 1959, p.
141 -142). O "empate" então gerado autorizaria a revisão da decisão por um colegiado maior, de forma a superá-lo.
1101
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro, cit., 19.cd.,p. 149.
592
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
rente, por entender fundada uma de suas razões, enquanto os demais o acolhem por entender
plausíveis outras das razões invocadas no recurso, ainda assim o julgamento é tomado
porunanimidade, jáque todos os juizes concordam que o recorrente tem razão. Assim, pouco
importa que um dos juizes acolha a apelação do réu, para reformar sentença condenatória de
primeiro grau, por entender prescrita a dívida, enquanto outro a aco-Ihapor entender que a
dívida não está provada, considerando aindao outro magistrado que merece provimento o apelo
por ser nula a obrigação; o julgamento de todos os magistrados é pelo acolhimento do recurso,
razão pela qual a deliberação se dá por unanimidade de votos.
Todavia, se é a conclusão do voto que importa, deve-se lembrar que esta conclusão deve ser
examinada em relação a cada uma das ações (pedidos) deduzidas. Assim, quando se estiver
diante de cumulação de pedidos, as conclusões de cada voto devem ser apuradas em separado
para cada uma das ações propostas. É certo que o fundamento não será relevante, interessando
apenas a conclusão, mas a conclusão há de ser pensada em relação ao julgamento de cada um
dos pedidos propostos, o que pode suscitar dúvida quando a cumulação de ações apresentar o
mesmo pedido, mas causas de pedir diversas. Investigue-se, por exemplo, a seguinte situação: A
propõe ação de despejo em face de B, baseado em três causas de pedir: infração contratual, falta
de pagamento de aluguel e uso próprio. O despejo não é acolhido em primeiro grau, havendo
apelação total do autor. Ao julgar a apelação, o tribunal entende por decretar o despejo, mas
cada um dos juizes participantes considera incabível o despejo por um dos fundamentos (X
entende incabível o despejo por falta de pagamento; Y entende incabível o despejo por infração
contratual; e W entende incabível o despejo para uso próprio). Neste caso seria perfeitamente
cabível o uso dos embargos infringentes porque a divergência verificada não é apenas no
fundamento dos votos, mas sim no exame das ações cumuladas. O desembargador X conclui ser
improcedente a ação de despejo por falta de pagamento, mas procedentes as demais; o desembargadorY conclui ser improcedente a ação de despejo por infração contratual, mas
procedentes as demais; e o desembargador W conclui ser improcedente a ação de despejo para
uso próprio, mas procedentes as demais. Vai daí que existe, em relação a cada uma das ações,
um voto vencido, subsidiando, por conseqüência, a interposição de embargos infrinsicntes.
os RECURSOS
593
Conforme estabelece a parte final do art. 530 do CPC, quando a divergência for parcial, somente
sobre o objeto do dissídio é que se pode opor embargos infringentes. Desta forma, se no
julgamento da apelação o tribunal entende por reformar sentença de improccdência de primeiro
grau, para condenar o réu no pagamento de certa importância, entendendo um dos magistrados
que o valor devido é de R$ 500,00, enquanto os demais sustentam que o valor correto é de R$
1.000,00, tem-se que o julgamento, tomado por maioria de votos, condena o réu a pagar ao autor
R$ 1.000,00; esse acórdão écmbargável-obviamente só pelo réu, único a ter interesse em
recorrer — visando a diminuição do montante fixado. No julgamento desses embargos
infringentes, entretanto, não poderá o tribunal - salvo se entender, conhecendo alguma matéria
que deveria examinar de ofício, por anular o processo, a sentença ou ainda o acórdão originário
- reduzir a condenação para menos do que R$ 500,00 (ponto máximo, fixado pelo voto
vencido); pode-se, nessa decisão nova, fixar a importância devida em qualquer valor entre R$
500,00 e R$ 1.000,00, mas não é possível extrapolar esses limites. Se, em situação semelhante,
houvesse um magistrado entendido que o valor da condenação deveria ser de R$ 1.000,00, outro
que a importância deveria ser de R$ 750,00, e o último de R$ 500,00, ter-se-ia uma decisão, por
maioria, condenando o réu a pagar ao autor R$ 750,00 (neste sentido há dois votos: o daquele
que fixava o montante cm R$ 1.000,00, e o outro posto justamente no valor de R$ 750,00). Esse
acórdão, portanto, c embargável, tanto pelo autor- visando a ampliação do valor da condenação
para R$ 1.000,00 — como pelo réu - buscando a diminuição do valor para R$ 500,00, na forma
preconizada por um dos juizes.
No regi me anterior (antes da vigência da Lei 10.352/2001) em tal caso impunha-se aparte,
interessada em interpor recurso especial ou extraordinário em face da parte unânime desse
julgado, o dever de apresentar tais recursos imediatamente, junto com os embargos infringentes
opostos (da parte julgada por maioria). Com a modificação do art. 498, operada por essa lei,
alterou-se profundamente tal regi me. No procedimento atual, se o acórdão contém parte do
julgamento tomado por maioria de votos e outra parte â unanimidade, deverá a parte interpor,
apenas, os embargos infringentes da parte não unânime. Em tal situação, o prazo para
interposição do recurso especial ou extraordinário (da parte incontroversa e também,
eventualmente, do resultado do julgamento dos cm-
594
MANUALDO PROCESSO DE CONHECIMENTO
bargos infringentes) somente terá início após a intimação da decisão proferida nos embargos. Na
eventualidade de não ter a parte interesse em oferecer embargos infringentes da parte não
unânime, o prazo para a in-terposição do recurso especial e do extraordinário - que somente
poderá ser oferecido em relação à parte unânime (já que do resto não houve o esgotamento das
vias ordinárias), conforme, aliás, jáestabelecia a Súmula n. 207 do STJ - será iniciado, para
ambas as partes, com o esgotamento do prazo para a oposição dos embargos infringentes, que
representará o trânsito em julgado da parte do acórdão tomado por maioria de votos (art. 498,
parágrafo único, do CPC).
Por fim, importa sublinhar que a figura tratada pelo Código de Processo Civil, ora estudada, não
guarda relação alguma com a medida disciplinada pelo art. 34 da Lei 6.830/80.31 Também este
último dispositivo fala em "embargos infringentes"; porém, esses embargos não são os mesmos
disciplinados pelo Código de Processo Civil. Os embargos regidos pela Lei 6.830/80 (Lei de
Execução Fiscal) comportam-se mais como pedido de reconsideração, dirigido ao próprio juiz
da causa, não guardando relação alguma com a divergência de juízos no julgamento colegiado.
3.8.2 Efeitos da interposição dos embargos infringentes
Os embargos infringentes têm efeito devolutivo restrito: O campo da devolução fica limitado
àextensão da divergência verificada no julgamento recorrido. Não se pode, pela via dos
embargos infringentes, examinar temas fora do âmbito do dissenso verificado na decisão, salvo
se a questão tratar de matéria de ordem pública, que compete ao tribunal conhecer de ofício em
qualquer tempo ou grau de jurisdição (efeito translativo).
"Art. 34. Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta)
Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN só se admitirão embargos infringentes e de declaração."
(...)
5 1° Os embargos infringentes, instruídos, ou não, com documentos novos, serão deduzidos, no pra/.o de 10 (dez)
dias, perante o mesmo juízo, em petição fundamentada.
§ 3,° Ou vido o embargado, no prazo de 10 (dez) dias, serão os autos conclusos ao juiz, que, dentro de 20 (vinte) dias,
os rejeitará ou reformará a sentença.
os RECURSOS
595
Mais do que isso, pode acontecer que o recorrente, ao oferecer os embargos infringentes, faça
pedido que esteja aquém do voto vencido, pleiteando benefício menor do que aquele que lhe
outorgava o magistrado divergente. Nesse caso, o pedido da parte recorrente imporá limite ainda
menor à devolutividade dos embargos infringentes, condizentes com a intenção do embargante.
Interpostos os embargos infringentes, impede-se que a decisão recorrida gere efeitos (inclusive
o de substituir-se à decisão anterior). Pela interposição, então, dos embargos infringentes,
mantém-se a situação como era existente. Por isso, se a sentença podia ser executada "provisoriamente", diante da ausência de efeito suspensivo da apelação (por exemplo, o art. 520 do
CPC), essa "execução provisória" não é alterada em função da interposição dos embargos
infringentes. Ainda que o julgamento do tribunal, por maioria na ocasião da apelação, tenha
entendido por reverter completamente o entendimento manifestado em primeiro grau,
reformando totalmente a sentença, aexecuçãoprovisória aindapode prosseguir, já que o acórdão
da apelação não opera efeito algum.
Porém, esse efeito da interposição dos embargos infringentes limita-se à parte do julgamento em
que reside a divergência. Assim, se parte do acórdão foi decidido por unanimidade dos juizes e
parte por maioria, a interposição dos embargos infringentes —que só pode ocorrer quanto a esta
última parte do acórdão - somente impede que esta última parcela da decisão impugnada gere
efeitos. Quanto ao restante da decisão, pode ela perfeitamente operar efeitos imediatos (ainda
que provisórios), sendo que o recurso cabível contra essa fração não tem efeito suspensivo (art.
497 do CPC).
3.8.3 Procedimento dos embargos infringentes
O procedimento dos embargos infringentes também foi substancialmente alterado pela Lei
10.352/2001. No intuito de dar maior flexibilidade ao recurso, a nova lei outorgou aos
regimentos internos maior competência para disciplinar a figura. Assim é que o art. 533 prevê
que, uma vez admitidos os embargos, estes serão processados e julgados na forma prevista pelo
regimento interno de cada tribunal.
O interessado em opor esse recurso dispõe do prazo de quinze dias (art. 508 do CPC). Diante do
novo art. 498 do CPC, quando o acórdão
596
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
contiver julgamento por maioria e julgamento unânime, esse prazo servirá somente para a
interposição de embargos infringentes, uma vez que o prazo para recurso extraordinário e
recurso especial, relativamente ao julgamento unânime, ficará sobrestado até a intimação da
decisão nos embargos. Se não forem interpostos embargos infringentes, obviamente não será
possível a interposição de recurso especial ou extraordinário em relação â parte do acórdão
tomada por maioria (em vista da ausência de esgotamento das vias ordinárias - Súmula n. 207
do STJ). Nesse caso, o prazo relativo à parte unânime terá como dia de início aquele em que
transitar em julgado a decisão por maioria de votos. (art. 498, parágrafo único, do CPC).
O recurso será apresentado, em petição escrita, dirigida ao relator do acórdão proferido por
maioria, devidamente fundamentado com a caracterização da divergência e o pedido de decisão
que se espera - dentro do âmbito do dissenso. Instruirá o recurso o comprovante de preparo,
salvo quando o recorrente seja dispensado de adimplir com essas despesas (art. 51 1
doCPC).Antes davigênciada Lei 10.352/2001,uma vezoferecidos os embargos, cumpriaao
relator (dadecisão recorrida) proceder a um juízo de admissibilidade prévio, para só então (em
caso de admissão do recurso) abrir vista ao embargado para que oferecesse suas contra-razões.
Na nova sistemática, inverteu-se essa ordem e, por decorrência, uma vez oferecidos os
embargos, a secretaria- independentemente de despacho - abrirá vista à parte contrária para que
ofereça contra-razões ao recurso. Somente após a realização do contraditório sobre o recurso é
que o processo será encami nhado ao relator da decisão recorrida, para prévio juízo de
admissibilidade (art. 531 do CPC). Esse juízo, evidentemente, é provisório, podendo ser revisto
pelo colegiado por ocasião do exame dos embargos infringentes.
Admitido o recurso, serão os autos encaminhados ao órgão competente do tribunal, de acordo
com a disciplina estabelecida no regimento interno (art. 533 do CPC). A partir desse instante, o
regime desse recurso passa a ser aquele contemplado na norma regimental específica de cada
tribunal, que assim pode variar de lugar para lugar. Seja como for, o Código de Processo Civil
faz. uma recomendação aos regimentos internos locais: de acordo com o art. 534, quando o
regimento interno do tribunal entender por selecionar novo relator para o julgamento dos
embargos infringentes, aquele deve, preferencialmente, ser escolhido dentre juizes
os RECURSOS
597
que não participaram do julgamento recorrido. Em regra, o julgamento dos embargos
infringentes competirá a órgão "maior" do que aquele que proferiu a decisão atacada - em geral,
um grupo de câmaras, uma seção, como acontece no Superior Tribunal de Justiça (art. 262 do
RISTJ), ou o pleno do tribunal, embora a questão dependa da previsão regimental específica de
cada tribunal.
Para o julgamento, "a secretaria do tribunal expedirá cópias autenticadas do relatório e as
distribuirá entre os juizes que compuserem o tribunal [reclius, o órgão competente do tribunal]
competente para o julgamento" (art. 553 do CPC). Após o exame do recurso pelo relator, serão
os autos encaminhados ao revisor (salvo nos casos em que esta figura seja dispensável,
conforme o art. 551, § 3.°, do CPC), cabendo, ademais, no julgamento, a sustentação oral das
partes. No mais, devem ser seguidas as previsões genéricas a respeito do julgamento perante os
tribunais, observadas sempre as previsões específicas contidas nos regimentos internos locais.
Caso os embargos não sejam admitidos, poderá o interessado oferecer, contra essa decisão
monocrática do relator, recurso de agravo — que não se confunde com o agravo estudado
anteriormente, de que tratam os arts. 522 a 529 do CPC -, no prazo de cinco dias, a ser
encaminhado para o órgão competente para o julgamento dos embargos infringentes (art. 532,
CPC). Esse agravo será processado na forma regimental e, se provido, obrigará o julgamento do
seu mérito.
3.9 Recurso ordinário constitucional
3.9.1 Cabimento
O "recurso ordinário constitucional" faz, grosso modo, as vezes da apelação. É recurso dirigido
a tribunais superiores (Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça), mas em
matérias civis geralmente designadas à competência originária cie tribunais.
Conforme prevê o art. 102, II, da CF, cabe recurso ordinário ao Supremo Tribunal Federal (em matéria
cível) do julgamento de mandados de. segurança, "habeas data " e mandados de injunção,
decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a deci-
598
MANUAL DO PROCBSSO DE CONHECIMENTO
são - incluído nessa noção os casos em que o julgamento é de extinção do processo sem exame
32
de mérito.
Outrossim, caberá recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça (art. 105, II, da CF) nos
casos de julgamento de mandados de segurança, decididos em única instância pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios,
quando denegatória a decisão (ou ainda quando a decisão for de extinção do processo sem
exame do mérito),33 bem como das causas, julgadas por juiz federal, envolvendo Estado
estrangeiro ou organismo internacional de um lado, e de outro município ou pessoa residente
ou domiciliada no Brasil. Nesta última hipótese, ou seja, nas causas envolvendo, de urna lado
Estado estrangeiro ou organismo internacional e de outro, município ou pessoa residente ou
domiciliada no Brasil, o recurso ordinário constitucional somente caberá da sentença do
magistrado, pois das decisões interlocutórias caberá agravo, conforme prevê o art. 539,
parágrafo único, do CPC, regido pelas disposições específicas contidas no art. 522 e ss. do
mesmo código.
.?. 9.2 Efeitos da interposição do recurso ordinário
Considerando que o recurso ordinário assemelha-se em tudo à apelação - a cuja disciplina, aliás,
expressamente remete o art. 540 do CPC -, é natural que os efeitos gerados por sua interposição
sejam os mesmos.
Assim, em regra, tem o recurso ordinário efeito devolutivo amplo, tal como acontece com a
apelação, disciplinada, por remissão, pelos arts. 515 e 5 16 do CPC. Assim, acognição (em
extensão) do tribunal superior fica limitada ao objeto da impugnação no recurso, sendo viável,
todavia, que, em profundidade, se conheçam de todos os fundamentos atinentes á matéria, assim
como acontece com a apelação. Também podem ser deduzidos fatos novos em casos
excepcionais - aqueles já vistos por ocasião da apelação -, podendo ainda o tribunal conhecer
das matérias que lhe tocariam examinar de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição
(efeito translativo).
i: 2)
' Quando a decisão for concessiva, caberá recurso extraordinário. (3i) Em sendo a decisão concessiva, poderão ser
interpostos recurso especial e recurso extraordinário, conforme o caso.
os RECURSOS
599
Observe-se, por outro lado, que a Súmula 405 do STFcstabelece que, "denegado o mandado de segurança
pela sentença, ou no julgamento do agravo, dela interposto, fica sem efeito a liminar concedida,
retroagindo os efeitos da decisão contrária". Embora esta pareça não ser solução adequada à hipótese, a
jurisprudência dos tribunais superiores vem entendendo que a sentença ou o acórdão denegatório de
mandado de segurança permite a imediata cassação da liminar concedida anteriormente.
3.9.3 Procedimento do recurso ordinário
Segundo estabelece o art. 540 do CPC, o procedimento do recurso ordinário, no juízo de origem, será o
mesmo da apelação. Já na instância superior, será aplicada a disciplina prevista nos regimentos internos
do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça-que também, em linhas gerais, remetem à
disciplina da apelação (art. 247 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e art. 33 c ss. da
Lei 8.038/90).
Tratando-se de recurso ordinário interposto contra decisão proferida por Tribunal Regional Federal ou por
Tribunal de Estado ou do Distrito Federal, será ele interposto perante o relator, no prazo de 15 (quinze)
dias, com os motivos do pedido de reforma (art. 33 da Lei 8.038/90). Sendo admitido o recurso, e
efetivado o contraditório, serão os autos remetidos ao Superior Tribunal de Justiça, onde será ele
distribuído a um relator, abrindo a secretaria vista dos autos imediatamente ao Ministério Público, para
manifestação no prazo de cinco dias (art. 35 da Lei 8.038/90, e art. 248 do Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça). Devolvidos os autos, serão estes conclusos ao relator, que pedirá dia para julgamento
(art. 35, parágrafo único, da Lei 8.038/90, e art. 248, parágrafo único, do Regimento Interno do Superior
Tribunal de Justiça).
Sendo o recurso ordinário interposto contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, será ele interposto
perante o relator da decisão recorrida, que encaminhará os autos ao presidente do tribunal, a quem
compete o exame da admissão do recurso (art. 270 do Regimento Interno do Superior Tribunal de
Justiça). Admitido o recurso, serão os autos encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, onde sua
tramitação será idêntica àquela acima descrita.
Em qualquer das hipóteses, não sendo admitido o recurso ordinário, caberá agravo dessadecisão, a ser
interposto diretamente no tribunal adquem
600
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
(competente parajulgaro recursoordinário), no prazo decincodias (art. 270, parágrafo único, do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça).
O recurso ordinário, interposto nos casos em que são partes Estado estrangeiro ou organismo
internacional de um lado, e de outro município ou pessoa domiciliada ou residente no Brasil,
chamado pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e pela Lei 8.038/90 de
apelação cível, tem procedimento com algumas variações. Como estabelecem o art. 249 do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e o art. 37 da Lei 8.038/90, no juízo a quo,
em termos de procedimento e de requisitos de admissibilidade, serão aplicáveis (íiestaapelação
cível) as regras tradicionais atinentes à apelação. Perante o Superior Tribunal de Justiça, após
distribuído o recurso, dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público pelo prazo de vinte dias
(art. 250 do RISTJ). Sendo os autos devolvidos, pedirá o relator dia para julgamento, o qual não
pode ser anterior à data designada para o exame de eventual agravo interposto contra decisão
interlocutória proferida no feito.
3.10 Recurso extraordinário e recurso especial
3.10.1 Cabimento
Os dois recursos que serão estudados a partir de agora (o recurso especial e o recurso
extraordinário) possuem caráter nitidamente distinto dos que foram até aqui examinados. Ao
contrário dos recursos anteriores, não se prestam esses recursos constitucionais a exercer juízo
sobre o mérito da decisão inquinada. Melhor explicando: através dos recursos extraordinário e
especial não se reaprecia o caso posto ao crivo judicial. O recurso especial e o recurso
extraordinário têm por finalidade principal assegurar o regime federativo, por meio do controle
da aplicação da lei federal e da Constituição Federal ao caso concreto. Vale dizer que a
finalidade desses recursos é assegurar que a lei federal e a Constituição Federal - por serem leis
que devem ter o mesmo teor e a mesma aplicabilidade em todo o território nacional e para todas
as causas —, sejam corretamente aplicadas e interpretadas por todos os tribunais e juizes do
país.
Por isso mesmo, esses recursos são chamados de recursos de fundamentação vinculada. Éque
só permitem a discussão de certas situações, e assim possuem âmbito restrito. O cabimento
dessas espécies recursais
OS RECURSOS
601
exige a presença, na decisão recorrida, de alguma controvérsia arespeito da aplicação ou da
interpretação de lei federal ou de dispositivo da Constituição Federal. Sem que se tenha presente
uma dessas questões, fica o interessado impedido de socorrer-se da via destes recursos.
Conclui-se, então, que tais recursos objetivam propiciar a correta aplicação do direito objetivo.
Não se discute, portanto, em recurso especial e extraordinário, matéria de fato ou apreciação
feita pelo tribunal inferior a partir da prova dos autos (Súmula 279 do STF e Súmula 7 do STJ);
o âmbito de discussão aqui se limita, exclusivamente, à aplicação dos direitos sobre o fato, sem
mais se discutir se o fato efetivamente existiu ou não.
Conforme estabelece o art. 102, III, da CF, compete ao Supremo Tribunal Federal, instância
máxima do Judiciário brasileiro, julgar, por meio de recurso extraordinário, as causas decididas
em única ou última instância, quando adecisão recorrida:";;;) contrariar dispositivo da
Constituição Federal ; b) declarara inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c)julgar
válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição".
De outra parte, prevê o art. 105, III, da CF, que cabe ao Superior Tribunal de Justiça julgar, por
meio de recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos tribunais
Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a
decisão recorrida: "a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válida
lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal; e c) dera lei federal interpretação
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal".
Do exame dessas duas regras da Constituição Federal, observa-se prontamente que a guarda das
regras da Lei Maior fica a cargo do Supremo Tribunal Federal; é a ele dirigido o recurso
extraordinário, que tem por objeto precisamente a aferição da correta aplicação e hermenêutica
das regras da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal funciona, portanto, como uma
espécie de tribunal constitucional, cabendo-lhe controlar, na via principal e direta (ação direta
de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade), ou na via incidental e casuística (através do recurso extraordinário) - aqui em última instância-, o adequado manejo das
regras da Constituição Federal.34
"4) Observe-se que o controle da interpretação feita pelo Supremo Tribunal Federal cinge-sc à
Constituição Federal. Se a discussão diz respeito no controle de
602
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Já Superior Tribunal de Justiça reservou a Constituição Federal a função de guardião da
aplicação e da inteipretação adequadada lei federal (note-se que o tratado internacional, desde
que recepcionado pelo direito interno, tem o mesmo status, ao menos na ótica da maioria da
doutrina, de lei federal). Suas atribuições, portanto, tocam diretamente no exame da adequada
aplicação da lei federal pelos tribunais brasileiros, dando homogeneidade ao trato desta pelas
cortes nacionais e garantindo que essa lei — por maiores que sejam as dimensões do território
nacional, as diferenças culturais, as realidades locais, e as composições dos tribunais inferiores,
estaduais ou federais -, por ser uma só para todo o Brasil, seja aplicada e interpretada de
maneira única, por todo o Judiciário. Note-se, porém, que a atuação do Su-perior Tribunal de
Justiça resume-se ao controle da aplicação e hermenêutica da lei federal frente aos tribunais da
Justiça Comum; exclui-se de sua órbita de atividades o controle das chamadas Justiças
Especializadas (Justiça do Trabalho, JustiçaMilitarc Justiça Eleitoral), que terão instâncias
próprias para exercer este papel (Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar e
Tribunal Superior Eleitoral).
Da comparação dos arts. 102. III, e 105, III, da CF, salta aos olhos uma diferença essencial: o
recurso especial exige que a decisão recorrida seja de tribunal (estadual ou federal), enquanto o
recurso extraordinário não. Assim, certas situações, cujo exame não elevado, pela lei brasileira,
a uma segunda instância recursal caracterizada como tribunal, jamais admitirão a interposição
de recurso especial, não obstante possam ser reapreciadas pelo Supremo Tribunal Federal, em
sede extraordinária, e para o controle da aplicação da Constituição Federal. Imagine-se a situação dos juizados especiais ou das execuções Fiscais de menos de cinqüenta OTNs: as últimas
comportam apenas, como já restou visto, embargos infringentes e embargos de declaração para
o próprio juiz da causa, enquanto as primeiras admitem recurso (inominado) para um colegiado
de juizes de primeiro grau, não sendo, nenhuma destas causas, levada ao exame dos tribunais
locais. Contra estas decisões, então, proferidas ou pelo juiz da execução Fiscal, ou pelo
colegiado do Juizado Especial, não
constilucionalidade não nacional, relativamente, por exemplo, a lei municipal c Constituição Estadual, ou lei estadual
c Constituição Estadual, esta ma" teria foge da atribuição do Supremo Tribunal Federal, passando à competência dos
tribunais estaduais.
OS RI-CURSOS
603
será cabível recurso especial (porque não se trata de decisão de "tribunal"), mas sim recurso
extraordinário, desde que, obviamente, os demais pressupostos de cabimento estejam
preenchidos. Naturalmente, é de se questionar a rcitio desta distinção, posta pela Constituição
Federal, que parece efetivamente não ter nenhuma razão. De lege ferenda, seria razoável
uniformizar o cabimento destes recursos, não havendo sentido no tratamento díspar, conferido a
cada um deles.
Note-se, por outro lado, que ambos os recursos exigem o esgotamento das vias ordinárias. É
dizer que os recursos especial e extraordinário somente são cabíveis uma vez não existindo mais
recurso ordinário cabível (apelação, agravo, embargos infringentes etc.) para atacar a decisão
inquinada. Situação particularmente interessante pode ocorrer no caso dos embargos
infringentes: como já se viu, esse recurso se presta para tentar fazer prevalecer o voto
minoritário, quando a decisão não é unânime; quando esse dissenso, porém, é verificado apenas
com relação aparte do acórdão, apenas quanto a essa parcela são cabíveis os embargos infringentes. Nesse caso, se os embargos infringentes não forem utilizados, não caberá, por óbvio,
a utilização de recurso especial ou de recurso extraordinário contra a parte não unânime. Esses
recursos só cabem em relação à parcela unânime do acórdão, sendo que o prazo para a sua utilização somente inicia, diante da não apresentação de embargos infringentes, a partir do dia em
que a decisão não unânime transita em julgado, ou em outro caso, quando os embargos
infringentes são opostos, a partir da intimação da decisão dos embargos (art. 498 do CPC).
Também se exige, para a interposição de ambos os recursos, a existência deprequestionamenlo.
A fim de que seja cabível, seja o recurso especial, seja o extraordinário, é necessário que a
questão legal ou constitucional já esteja presente nos autos, tendo sido decidida pelo tribunal (ou
juízo, no caso de recurso extraordinário) a cjuo, ou ao menos debatida pelas partes e submetida
ao crivo judicial anteriormente à interposição do recurso (Súmulas 282 do STF e 211 do STJ).
Essa exigência, pacífica na jurisprudência dos tribunais superiores nacionais, decorre da
exigência, estabelecida nos arts. 102, III, e 105, III, da CF, de que as causas tenham sido
"decididas" na instância inferior, tendo essa decisão gerado o exame da lei federal ou da
Constituição Federal.
Admite-se, para efeito de prequestionamento, a utilização dos embargos de declaração, ao fito
de provocar a manifestação expressa do órgão
604
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
jurisdicional a quo a respeito da questão legal ou constitucional controvertida. Assim, se o
tribunal (ou juízo) não se manifesta expressamente sobre a aplicação ou interpretação da lei
federal ou da regra constitucional, incumbe ao interessado na interposição do recurso valer-se
dos embargos de declaração, provocando o órgão jurisdicional a apreciar especificamente o
tema legal ou constitucional (ver Súmulas 356 do STF e 98doSTJ).
Finalmente, cabe salientar que, embora esses recursos visem diretamente à proteção da correta
aplicação da Constituição Federal e da lei federal, surgem inúmeras situações em que a falta de
pressuposto recursal impede seu conhecimento - não porque não haja a questão federal ou
constitucional controvertida, mas porque falta algum pressuposto essencial para o exame do
recurso, como a legitimidade, o preparo e especialmente o interesse recursal. Assim, quando o
exame da questão federal ou constitucional mostra-se incapaz de alterar a decisão da causa, não
se tem admitido o recurso especial ou o recurso extraordinário. Nessa linha, afirma-se que se a
decisão recorrida baseia-se em dois fundamentos, e apenas em relação a um deles interpõe-se o
recurso (especial ou extraordinário), sua solução nenhum benefício trará ao recorrente, uma vez
que o outro fundamento da decisão subsistirá incólume. Conclui-se existir, aí, falta de interesse,
5
36
o que impossibilita o conhecimento do recurso (cf. Súmulas 126 do STP e 283 do STF )3.10.2 Efeitos
Os recursos extraordinário e especial têm apenas efeito clevolutivo, não se lhes atribuindo, ex
lege, o efeito suspensivo (art. 542, § 2.°, do CPC). Assim, ainda que interposto qualquer desses
recursos (ou mesmo ambos) não se impede a "execução provisória" da sentença (ou do acórdão)
recorrida (art. 497 do CPC). Entretanto, para evitar grave dano irreparável ou de difícil
reparação, vem sendo admitido o uso de ações cautelares para dar efeito suspensivo a recurso
especial ou a recurso extraordinário,
1<>I
"É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamento constitucional c
infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso
extraordinário."
11(>)
"ti inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento
suficiente e o recurso não abransíe todos eles."
r
OS RECURSOS
605
ou mais precisamente para suspender os efeitos das decisões impugnadas por esses recursos
(sobre isso, vera seguir, quando será analisado o uso dessa espécie de ação cautelar diante dos
recursos especial e extraordinário).
O efeito devolutivo de que são dotados, por outro lado, é restrito à matéria constitucional ou
legal de competência do respectivo tribunal. Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal, no
exame do recurso extraordinário, limitar-se-á a examinar a questão constitucional controvertida
no recurso, sem estender sua análise a outros temas-ainda que constitucionais, e ainda que
presentes no julgamento recorrido. No mesmo diapasão, o SuperiorTribunal de Justiça ficará
circunscrito ao julgamento da questão relativa à lei federal invocada, sem poder ampliar sua
cognição a outros temas, mesmo que haja, em outra parcela da decisão atacada, violação a lei
federal.
Também não se devolve ao tribunal superior o exame de questões de fato. Não é função desses
tribunais, na análise dos recursos especial e extraordinário, avaliar fatos ou provas de fatos, mas
apenas questões de direito.
Outrossim, não têm os recursos em tela o chamado efeito translati-vo. Vale dizer que os
tribunais superiores, no exame dos recursos especial e extraordinário, não podem examinar
questões de ordem pública, salvo se tiverem estas sido prequestionadas no julgamento recorrido.
3.10.3 Os recursos especial e extraordinário retidos
Atualmente, prevê o direito brasileiro duas modalidades de recursos extraordinário e especial: a
de devolução imediata e a forma retida. Da primeira modalidade, ver-se-á adiante o
procedimento e suas particularidades, porque forma padrão dos recursos em comento. A última
constitui inovação trazida pela Lei 9.756/98, e tem como objetivo minimizar a acumulação de
recursos nos tribunais superiores.
Os recursos extraordinário e especial devem ficar retidos, como expressa o art. 542, § 3.°, do
CPC, "quando interpostos contra decisão in-lerlocutória cm processo de conhecimento, cautelar,
ou embargos à execução". Tais recursos devem ser interpostos contra acórdãos que configuram
decisão interlocutória, e não contra qualquer acórdão que julga agravo de instrumento interposto
contra decisão interlocutória. É preci-
606
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
so sublinhar que nem todo acórdão proferido em razão de agravo de instrumento abrirá ensejo a
recurso retido. Se o acórdão, dando provimento a agravo de instrumento, extingue o processo, o
caso não será de recurso retido, mas de recurso de subida imediata. Aliás, no caso inverso, se a
sentença de extinção for reformada em razão de recurso de apelação, o acórdão conterá decisão
interlocutória, que decidiu que o processo deve prosseguir, e assim o recurso contra ele
interposto deverá ficar retido.
Ademais, em todos os casos em que acórdão que não põe fim ao processo determinar a prática
de ato que possa causar dano grave, ou mesmo negar a concessão de providência capaz de
impedir que dano de igual natureza seja gerado, o recurso, ainda que impugnando acórdão que
contém decisão que não põe fim ao processo, obviamente não pode restar retido, sob pena de
desnaturamento da própria função recursal.
Porém, quando o caso realmente abre oportunidade a recurso retido, deverá ficar ele retido nos
autos até o final do processo, "e somente será processado se o reiterar a parte, no prazo para a
interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra razões" (art. 542, § 3.°, do
CPC).
Inspirados, pois, na figura do agravo retido, esses recursos apenas se prestam para evitar a
preclusão, não sendo dirigidos desde logo ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal
de Justiça. Seu exame pelos tribunais competentes dependerá de reiteração, quando o tribunal
local vier a apreciar, em última instância, o recurso contra a sentença (ou ainda quando vier a
pronunciar em única instância esta decisão). Proferida a decisão final sobre a causa (em análise
originária ou em razão de recurso), poderá a parte interessada, no prazo que tem para oferecer
recursos extraordinário e especial ou para as suas contra-razões, reiterar o recurso extraordinário
e/ou o recurso especial retido. A partir daí, o recurso retido será processado, com a abertura de
prazo para a apresentação de resposta e a realização de juízo de admissibilidade, com o posterior
encaminhamento do recurso ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal, se
for o caso.
3.10.4 Procedimento na instância inferior
O interessado em oferecer qualquer desses recursos constitucionais tem prazo de quinze dias
para fazê-lo.-17 Nesse prazo deverá, se forem
m
' Note-se que, no sistema atual, quando o julgamento da apelação (ou da ação rescisória)
admitir embargos infringentes (por ser ler sido parte da decisão
f
OS RECURSOS
607
cabíveis ambos os recursos, oferecer as razões fundamentadas das duas modalidades recursais.
Os recursos especial e extraordinário serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do
tribunal que proferiu a decisão recorrida,38 conforme dispuser seu regimento interno, em petições
diversas, que devem conter "a exposição do fato e do direito, a demonstração do cabimento do recurso
interposto e as razões do pedido de reforma da decisão recorrida" (art. 541 do CPC). Quando o recurso
especial for interposto com base em divergênciajurisprudencial -que, deixe-se claro, somente autoriza a
interposição de recurso especial quando o julgado apontado como divergente for de tribunal diverso ao do
tribunal recorrido, conforme determina expressa previsão constitucional c segundo aponta a Súmula 13 do
STJ-, a respeito da interpretação de regra de direito (art. 105, III, c, da CF), incumbe também ao
39
recorrente efetivar a "prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do
40
repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão divergente,
mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados" (art. 541,
parágrafo único, do CPC). Em qualquer dos casos, deverá sempre instruir a petição das razões do recurso
o comprovante do pagamento das custas recursais e do porte de remessa e de retorno (salvo,
evidentemente, o caso em que o recorrente esteja dispensado desse preparo).
proferida por maioria), o prazo para a interposição de recurso especial ou extraordinário quanto à parte
unânime ficará sobrestado até o julgamento dos embargos, ou, se for o caso, até o término do prazo para
sua interposição (art. 498 do CPC).
|!S)
Eventualmente, como já se disse anteriormente, o recurso extraordinário pode ser cabível diretamente de decisão
proferida cm primeiro grau, caso cm que o recurso será interposto perante o próprio juiz da causa.
m>
O art. 544, § 1.", in fine, do CPC, diz que "as cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo
próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal". O art. 255, § 1.°, do Regimento Interno do Superior Tribunal de
Justiça, afirma que as cópias dos acórdãos juntados como divergentes podem ser declaradas autênticas pelo próprio
advogado, sob sua responsabilidade pessoal.
l4()i
Assim, por exemplo, a Revista de Direito Processual Civil, da Gênesis Edito ra, a qual constitui repertório
autorizado de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
608
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Recebida a petição (ou as petições, se forem interpostos ambos os recursos) pela secretaria do
tribunal - após nele protocolado, ou em outro lugar, de acordo com as regras de protocolo
descentralizado (art. 542, interpretado de acordo com a nova redação dada pela Lei 10.352/01)41
-, será intimado o recorrido para, em prazo igual ao concedido para a inter-posição do recurso
(quinze dias) oferecer as contra-razões- exceção feita, recorde-se, aos recursos constitucionais
retidos, que ficarão entranha-dos nos autos, aguardando sua eventual reiteração posterior.
Oferecidas ou não as contra-razões no prazo legal, serão os autos encaminhados à presidência
(ou vice-presidência) do tribunal, para o exame de sua admissibilidade.
Havendo a interposição simultânea dos recursos especial e extraordinário, e sendo ambos
admitidos, os autos serão inicialmente encaminhados ao SuperiorTribunal de Justiça para o
exame do recurso especial, e, posteriormente, se ainda existir razão para tanto- não estando o
recurso prejudicado -, para o Supremo Tribunal Federal para o julgamento do recurso
extraordinário. Essa ordem de julgamento, porém, pode ser invertida, conforme prevê o arl. 543,
§ 2.°, do CPC, se o relator do recurso especial entender que o exame do recurso extraordinário é
prejudicial à análise do recurso submetido a sua avaliação. Configurada tal hipótese, esse
relator, em decisão irrecorrível, suspenderá o julgamento do recurso especial, encaminhando os
autos ao Supremo Tribunal Federal, para que ele aprecie, antes, o recurso extraordinário.
Chegando os autos ao Supremo Tribunal Federal, e designado o relator do recurso, pode ele
entender inexistir a prejudicialidade anunciada, caso cm que, em decisão monocrática
irrecorrível, restituirá os autos ao SuperiorTribunal de Justiça para análise do recurso especial
(art. 543, §§ 2.° e 3.°, do CPC).
Se não for admitido o recurso especial ou o recurso extraordinário, pode o recorrente insurgir-se
contra esse juízo de admissibilidade negativo, por meio de agravo de instrumento. Este agravo,
como preceitua o art. 544 do CPC, deve ser oferecido no prazo de 10 (dez) dias, contados
1411
Fim razão da nova redação dada ao arl. 542, que suprime a expressão "...e ai protocolada...", permitindo, por
conseqüência, a interpretação de que também se admite o uso do protocolo integrado para tais modalidades de
recursos, parece ter ficado superada a Súmula 256 do STJ, que estabelece que "o sistema de 'protocolo integrado' não
se aplica aos recursos dirigidos ao Superior Tribunal de Justiça".
OS RECURSOS
609
da intimação (publicação no Diário Oficial) da decisão que não admitiu o recurso. São peças
obrigatórias para este agravo - não podendo ser ele conhecido sem que o recurso esteja instruído
com estes documentos: "cópia do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão
da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do
agravado"42 (art. 544, § 1.°, do CPC). Tais cópias, no regime atual, não mais precisam ser
autenticados pelo cartório; de acordo com a parte final do art. 544, § 1.", "as cópias das peças do
processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade
pessoal". O recurso em exame será dirigido à presidência do tribunal a quo, sendo dispensado
do pagamento de quaisquer despesas ou custas postais (art. 544, § 2.°).
Ainda no tribunal de origem, abrir-se-á prazo de dez dias ao recorrido para contra-razões —
com as quais poderá ele oferecer cópias das peças que entender relevantes. Ultimada essa
providência, determinará o presidente do tribunal a quo a subida do recurso ao tribunal superior,
onde será ele processado na forma do regimento interno respectivo (art. 544, § 2.°, infine).
Distribuído o recurso no tribunal superior, será ouvido, quando necessário, o Ministério Público
(art. 315 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e art. 254, caput, do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça), seguindo-se o julgamento pelo próprio relator (art.
254,1, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça). Essa decisão, quando entender
admissível o recurso especial ou extraordinário, determinará a subida ao tribunal do recurso não
admitido na origem. Todavia, essa deliberação, proferida monocraticamente pelo relator, não
impede que o colegiado, por ocasião da análise do recurso especial ou extraordinário, venha a
não conhecer do recurso por entender ausente algum dos pressupostos de admissibilidade (art.
316 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e art. 254, § 1.°, do Regimento Inter|42)
Dispensa-sc este requisito, obviamente, quando não houver esse documento nos autos, como no caso do advogado
que postula em causa própria ou ainda quando é parte o Ministério Público ou a União. No primeiro caso, todavia,
entende-se que deve ser apresentada certidão que indique a advocacia em causa própria.
610
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
no do Superior Tribunal de Justiça). Outrossim, na decisão de admissão do recurso, proferida no
agravo, pode o relator, se o agravo estiver satisfatoriamente instruído (com todas as peças
necessárias), ao invés de fazer subir o recurso especial ou extraordinário, converter o agravo no
recurso especifico cuja admissibilidade estaria sendo feita, determinando seu seguimento como
se o agravo fosse um recurso especial ou extraordinário, observando-se então o procedimento
respectivo a esse tipo de recurso (art. 544, § 3.°, parte final, do CPC). Mais que isso, poderá o
relator, em certas circunstâncias, dando provimento ao agravo, conhecer diretamente do recurso
especial ou do recurso extraordinário (conforme o caso) e dar-lhe provimento imediato, sem
submetê-lo ao exame do colegiado (art. 544, § 3.°, do CPC). Como a questão será melhor
examinada adiante (em tópico próprio), remete-se o leitor à sua análise.
Recorde-se que o juízo de admissibilidade positivo, efetuado pelo presidente do tribunal a quo,
é provisório. Por isso, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça podem,
caso entendam que determinado recurso extraordinário ou especial não preenche algum
pressuposto de admissibilidade, contrariar a primeira decisão de admissibilidade, negando
seguimento ao recurso admitido perante o tribunal de origem.
Pode ainda acontecer que o recurso especial ou extraordinário seja conhecido apenas
parcialmente, quando, interposto por vários fundamentos (mais de uma alínea do art. 102, III, ou
do art. 105, III, da CF), somente seja conhecido pelo tribunal local por um deles. Nesse caso,
como preceitua a Súmula 292 do STF, "a admissão apenas por um deles não prejudica o seu
conhecimento por qualquer dos outros".43
3.10.5 Procedimento no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça
Perante o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, o exame do recurso
seguirá, em linhas gerais, o mesmo procedimento adotado para os demais recursos.
1431
Assim também prevê a Súmula 528 do STF: "se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo
Presidente do Tribunal a quo, de recurso extraordinário que sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a
apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interpo-sição de agravo de instrumento".
OS RECURSOS
6)1
Chegando o recurso ao tribunal, será ele distribuído a um relator, que abrirá, se necessário, vista ao
Ministério Público, pelo prazo de vinte dias, não havendo a figura do revisor (Regimento Interno do
Superior Tribunal de Justiça, art. 256; art. 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Retornando os autos, pedirá o relator dia para julgamento, ressalvada a hipótese de julgamento imediato
(monocrático, por ele mesmo), como se verá adiante.
No exame do recurso, será verificado, preliminarmente, seu cabimento, após o que, sendo conhecido o
recurso, examinar-se-á seu mérito, aplicando o direito à espécie, interpretando-se corretamente a norma
de lei federal ou constitucional e decidindo-se a causa com base nessa hermenêutica (art. 257 do
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e art. 324 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal).
3.11 Embargos nos tribunais superiores
Também perante os tribunais superiores são cabíveis algumas modalidades de embargos. Segundo
prescrevem os regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, serão
cabíveis, perante tais tribunais, embargos de declaração, embargos infringen-tes e embargos de
divergência.
3.11.1 Embargos de declaração
No tocante aos embargos de declaração, nenhuma peculiaridade existe, relativamente a seu procedimento
perante os tribunais superiores. Serão disciplinados na forma estabelecida pelo regimento interno de cada
um dos tribunais, tomando-se como delineamento geral as previsões contidas no Código de Processo
Civil. Apenas algumas ressalvas merecem ser tecidas, em razão da sucessão de leis processuais no tempo,
que tornaram anacrônicas algumas previsões contidas nos regimentos desses tribunais.
44
Segundo prescrevem o art. 337 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, eoart. 263 do
Regimento Interno do SuperiorTribui-i-i) "Ari. 337. Cabem embargos de declaração, quando houver no acórdão obscu-ridade, dúvida,
contradição ou omissão que devam ser sanadas."
612
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
nal de Justiça,4í seriam cabíveis os embargos de declaração, tanto nas hipóteses descritas no
Código de Processo Civil (obscuridade, contradição ou omissão), como ainda na ocorrência de
dúvida. A situação de dúvida sempre ensejou críticas da doutrina, uma vez que a dúvida é sempre subjetiva, podendo não representar algum defeito concreto na decisão impugnada. Por isso
mesmo, a reforma processual de 1994 alterou a previsão do cabimento dos embargos
declaratórios, eliminando a hipótese de dúvida como situação que abriria ensejo ao recurso. Os
regimentos internos dos tribunais superiores, todavia, por serem mais antigos do que essa
reforma, ainda contêm em seus textos o fundamento da dúvida. Deve-se entender, porém, que a
lei da reforma processual (Lei 8.950/94) -por se tratar de lei posterior, que disciplinou de forma
completa o tema -revogou os dispositivos regimentais com ela incompatíveis. De modo que,
também perante os tribunais superiores, os embargos de declaração somente se prestam a sanar
os vícios de omissão, obscuridade e contradição.
O mesmo vale para as demais regras, contidas nos regimentos internos desses tribunais, que se
apresentem incompatíveis com a atual disciplina do instituto, conferida pelo Código de Processo
Civil. Os regimentos internos continuam afirmando que os embargos de declaração somente
.suspendem o prazo para a interposição de novos recursos, conforme estabelecia o antigo regime
dos embargos declaratórios existente no Código de Processo Civil. Atualmente, como é óbvio,
em razão de disposição expressa no art. 538 do CPC, que afirma que "os embargos de
declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por qualquer das
partes", não é possível mais atender às normas dos regimentos internos que ainda aludem à
suspensão do prazo para a interposição de recurso.
O prazo para oferecimento destes embargos de declaração é de cinco dias, devendo ser
encaminhados ao relator da decisão impugnada-ou, se ausente ele, a seu substituto (art. 263, §
1.°, do Regimento Interno do
"Art. 263. Aos acórdãos proferidos pela Corte Especial, pelas Seções ou pelas Turmas, poderão ser opostos embargos
de declaração no prazo de cinco dias, cm se tratando de matéria cível, ou, no prazo de dois dias, em se tratando de
matéria penal, contados de sua publicação, cm petição dirigida ao relator, na qual será indicado o ponto obscuro,
duvidoso, contraditório ou omisso, cuja declaração se imponha."
OS RECURSOS
613
Superior Tribunal de Justiça) -, que, sem maiores formalidades, incum-bir-se-á de colocá-los em
julgamento na primeira sessão seguinte do órgão respectivo.
3.11.2 Embargos infringentes
Também os embargos infringentes não suscitam maiores controvérsias. Seu procedimento é,
essencialmente, o mesmo previsto para os embargos infringentes já estudados.
No que pertine à apelação e à ação rescisória, a interpretação dos dispositivos dos Regimentos
Internos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal que abrem ensejo aos
embargos infringentes devem ser interpretados à luz do art. 530 do CPC, tal como restou depois
de alterado pela Lei 10.352/2001. De acordo com essa nova regra, os embargos infringentes
somente serão cabíveis se o julgamento não unânime tiver reformado, em grau de apelação, a
sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória.
Perante o Supremo Tribunal Federal cabem os embargos infringentes, não apenas nos casos de
julgamento não unânime já referidos, mas também no caso de julgamento por maioria proferido
em ação direta de inconstitucionalidade (art. 333, IV, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal). De decisão proferida pelo plenário desse tribunal, somente é cabível esse
recurso se existirem, ao menos, quatro votos divergentes (art. 333, parágrafo único, do mesmo
regimento).
O prazo para oferecimento do recurso é de quinze dias, devendo ser ele oferecido perante a
Secretaria do tribunal. Perante o Superior Tribunal de Justiça (arts. 261 e 262 do Regimento
Interno do Superior Tribunal de Justiça), será o recurso encaminhado ao relator da decisão
embargada. Admitido o recurso, serão os autos restituídos ã secretaria, que providenciará a
distribuição do feito a novo relator, preferencialmente escolhido entre os Ministros que não
participaram do julgamento impugnado. Tendo sido efetivado o contraditório (prazo de quinze
dias), os embargos serão encaminhados ao relator sorteado, que, elaborando seu relatório nos
autos, pedirá dia parajulgamento. No mais, o procedimento é idêntico àquele já estudado, por
ocasião dos embargos infringentes opostos nos tribunais inferiores, inclusive quanto
àdistribuição decópias do relatório para os demais juizes que participarão da sessão de
julgamento.
614
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Perante o Supremo Tribunal Federal (arts. 334 e 336 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal), não se sentem grandes variações em relação ao procedimento, considerando
aquilo que acima foi descrito. Apenas se há de notar que, nos termos expressos no art. 335 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o juízo de admissibilidade não é feito pelo
relator da decisão embargada, mas já pelo novo relator, sorteado para os embargos.
Além disto, estabelece o mesmo art. 335, agora em seu § 2.°, que, admitidos os embargos, a
secretaria abrirá vista ao embargado por dez dias, para impugnação. Note-se que o prazo
previsto para as contra-razões, no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é de apenas
dez dias (art. 335, § 2.°) o que evidentemente é inconstitucional, por ofensa ao princípio da
isonomia (já que o prazo para deduzir os embargos é de quinze dias).
Assim, é de se considerar que o prazo para resposta é de quinze dias.
Outrossim, o preparo, em relação aos embargos infringentes, não é feito juntamente com a
interposição do recurso, mas sim após asuaadmissão (art. 335, §§ 2.° e 3.°, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal).
3.113 Embargos de divergência
Dentre os embargos viáveis perante as cortes superiores, os únicos que efetivamente constituem
alguma novidade são os embargos de divergência. Estes somente são admissíveis perante o
Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, não existindo nas instâncias inferiores.
Prestam-se a superar a divergência interna, havida dentro da própria corte, quanto à
interpretação da regra constitucional ou da lei federal discutida. Somente são admissíveis, na
atual sistemática do direito processual civil brasileiro: i) da decisão tomada em recurso especial
(Superior Tribunal de Justiça) que divergir de julgamento de outra turma, da seção ou do órgão
especial; e ii) da decisão proferidaem recurso extraordinário (Supremo Tribunal Federal) que
divergir de julgamento da outra turma ou do plenário (art. 546 do CPC).46
O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal previa outra hipótese de cabimento dos embargos de divergência:
o julgamento de agravo de instru-
OS RECURSOS
6J5
Os embargos de divergência somente são cabíveis se houver na decisão impugnada,
comparativamente com outra decisão de órgão do próprio tribunal, divergência na interpretação
de lei federal ou na interpretação da Constituição Federal. Como está claro, o recurso tem a
finalidade de uniformizar o entendimento sobre a lei federal ou a Constituição Federal dentro do
próprio tribunal superior.
O procedimento desses embargos é, em síntese, idêntico àquele previsto para os embargos
infringentes. Interpõem-se os embargos de divergência no prazo de quinze dias (art. 508 do
CPC) - prazo idêntico àquele que se confere ao embargado para impugnar. No oferecimento do
recurso, deve-se demonstrar de maneira idônea a divergência, por certidão ou cópia autenticada
do acórdão utilizado como paradigma,47 ou ainda pela citação do repositório de jurisprudência
oficial ou autorizado (à semelhança do que ocorre com o recurso especial), indicando-se as
passagens que apontam para a divergência. Conforme esclarece o art. 331, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, "não serve para comprovar divergência
acórdão já invocado para demonstrá-la, mas repelido corno não dissidente no julgamento do
recurso extraordinário". De outra banda, também não são cabíveis os embargos se a jurisprudência do tribunal superior se houver firmado no sentido da decisão impugnada (art. 332
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).
Admitidos os embargos, será dada vista do recurso ao embargado, para impugná-los, ouvindose, se for o caso, o Ministério Público. Após, o relator, elaborado o relatório, pedirá dia para
julgamento, seguindo-se, no mais, as regras comuns atinentes ao julgamento dos recursos
perante os tribunais.
mento cm divergência a outra decisão de turma ou do plenário da Corte (art. 330). Porem, não tendo essa previsão
sido repetida cm regra nova do CPC, a ele incorporada pela Lei 8.950/94, não mais se pode admitir a utilização do
recurso nesse caso.
Lcmbre-sc que recente alteração no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça passou a admitir que cópias
de acórdãos divergentes sejam declaradas autênticas pelo próprio advogado, sol? sua responsabilidade pessoal (art.
255, § l.°,doRISTJ).
616
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.12 Incidentes no procedimento recursal
3.12.1 Introdução
No presente capítulo foram reunidos alguns dos principais incidentes que podem ocorrer durante
a tramitação dos recursos. Em especial, interessarão aqui a figura do recurso adesivo, a variação
de competência para examinar o recurso no juízo aclquem - tanto quando se atribui a função de
julgá-lo exclusivamente ao relator, como quando se confere essa função a um colegiado maior,
capaz de representar de forma mais exata a interpretação do tribunal a respeito de certa matéria e finalmente as questões da atribuição de efeito suspensivo e da concessão de tutela antecipatória diante dos recursos extraordinário e especial.
3.12.2 Recurso adesivo 3.12.2.1 Cabimento
Em certos casos, admite-se que, mesmo após findo o prazo para a interposição de recurso, possa
a parte (e somente ela, não valendo essa hipótese nem para o Ministério Público, nem para o
terceiro prejudicado) beneficiar-se de recurso interposto por seu adversário, aderindo a ele no
seu interesse. É o que se chama de recurso adesivo.
A figura vem disciplinada pelo art. 500 do CPC, e somente tem cabimento no caso de
sucumbência recíproca, isto é, quando, relativamente a determinada sentença ou acórdão, sejam
simultaneamente vencidos autor e réu. Nesse caso, havendo, por qualquer das partes, a
interposição de apelação, embargos infringentes, recurso especial ou recurso extraordinário
(art. 500, II, do CPC) - e somente em face desses recursos, somando-se a eles, por interpretação
jurisprudencial, o recurso ordinário constitucional, que se assemelha à apelação -, ao recurso
oferecido tempestivamente poderá a outra parte aderir, no prazo que dispõe para apresentar
contra-razões, oferecendo, juntamente com estas, as razões que tiver para a reforma da decisão
em seu próprio benefício. Assim, por exemplo, sendo vencidos autor e réu, relativamente a certa
sentença, e interposta a apelação no prazo regular (quinze dias) apenas pelo autor, poderá o réu,
no prazo que tem para apresentar as contra-razões, oferecer
OS RECURSOS
617
também apelação adesiva, em que apresentará seus motivos para a reforma (ou anulação) da
sentença em seu próprio benefício.
Note-se que somente aquele que tem direito de apresentar contra-razões ao recurso tem a
possibilidade de oferecer o recurso adesivo, já que este último deve ser interposto no prazo
concedido para a apresentação das contra-razões (art. 500,1, do CPC). Outrossim, em recursos
nos quais se espera maior brevidade de solução, como acontece com os embargos de declaração
ou com o agravo, exclui-se a possibilidade de utilização dessa via quase "reconvencional".
Obviamente, se a parte j á ofereceu recurso "principal", não terá como apresentar recurso
adesivo. Aliás, nem poderá fazê-lo, em função da ocorrência àepreclusão consumativa. Ou seja,
não será possível a interposi-ção de recurso adesivo, uma vez que a interposição do recurso já se
consumou (mediante a interposição de recurso na forma principal). O mesmo raciocínio se
aplica para a hipótese de alguma parte pretender apresentar recurso adesivo diante de recurso
adesivo já oferecido pelo adversário: como o recurso adesivo somente tem cabimento após a
interposição do recurso principal, o oferecimento deste gera para a parte preclu-são
consumativa, não podendo esta, ulteriormente, ampliar seu recurso por meio de "recurso
adesivo ao recurso adesivo ".
3.12.2.2 Procedimento
Como já se disse, a parte dispõe do prazo designado ao oferecimento das contra-razões para
deduzir seu recurso adesivo. Será ele apresentado perante a mesma autoridade competente para
admitir o recurso principal (art. 500,1, do CPC), seguindo-se, quanto à competência
parajulgamen-to, as mesmas regras relativas ao recurso ao qual aderiu.
O grande "problema" do recurso adesivo está em que seu destino fica na dependência da sorte
do recurso principal (subordinante). Assim, se este, por qualquer motivo, não for conhecido,
esta circunstância impedirá também o conhecimento do recurso adesivo. Da mesma forma, se
houver desistência do recurso principal antes de seu julgamento, restará inviabilizado o
conhecimento do recurso adesivo (art. 500, III, do CPC).
No mais, as regras próprias do recurso principal, quanto à sua admissibilidade, processamento
no juízo a quo e julgamento no juízo adquem,
618
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
aplicam-se integralmente ao recurso adesivo, já que sua natureza recursal não se afasta da
natureza daquele.
3.12.3 O art. 557 do CPC e ospoderes do "relator"
3.12.3.1 O duplo grau de jurisdição, a morosidade do processo e os novos poderes do "relator"
Indubitavelmente, o sistema recursal atual padece de mal grave e de difícil solução. A busca de
decisões mais perfeitas bate-se contra a necessidade de respostas rápidas do processo. Se o
primeiro objetivo exige tempo, o segundo escopo impõe a restrição desse elemento. A compatibilização destas duas metas não é fácil, mas o sistema processual, por vários meios, tenta
acomodar tais interesses conflitantes.
Por meio da Lei 9.756/98, tentou-se dar mais um passo na busca do ponto perfeito de equilíbrio
entre tais objetivos, ampliando-se os poderes conferidos ao relator para o julgamento dos
recursos submetidos ao tribunal. Antes mesmo dessa nova lei, já eram amplos esses poderes havendo inúmeros casos em que se admitia o julgamento do recurso por ato exclusivo do relator
-, mas o novo tratamento legal amplia substancialmente estes poderes, buscando uma tutela
jurisdicional mais célere.
Se, todavia, essa foi, certamente, a primitiva idéia do legislador ao conceber a referida lei,
dificilmente se poderá dizer que ela atingiu o resultado esperado. Observando-se a praxe
forense, nota-se que essa reforma introduzida no CPC vem sendo compreendida como a
introdução de mais um estágio na linha recursal, autorizando um primeiro exame pelo relator da
impugnação e um posterior pelo colegiado. Nesse contexto, e considerada a atual visão
emprestada ao instituto, conclui-se pela timidez da abrangência da inovação, acolocar em
dúvida suautilidade.48
(4S)
Com efeito, os dados obtidos junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, a respeito do
volume de feitos que por aquelas instâncias tramita, são frustrantes. No ano de 1998 (antes, portanto, da entrada em
vigor da nova lei), perante o Supremo Tribunal Federal, foram distribuídos 50.273 feitos, tendo havido 51.307
julgamentos, resultando em 13.954 acórdãos; já em 1999, diante da nova disciplina, tem-se distribuídos 54.437 feitos,
tendo havido 56.307 julgamentos, num total de 16.117 acórdãos; e, no ano de 2000 (até 20 de agosto), já haviam sido
distribuídos 40.867 leitos, tendo ocorrido 39.062 julgamentos,
OS RECURSOS
6)9
3.12.3.2 A nova disciplina dospoderes do "relator"
Salvo a péssima redação dada aos dispositivos que disciplinam a fi-gura-fato, aliás, jáapontado pelos mais
diversos e ilustresprocessualistas em inúmeros ensaios publicados -, a quem examina as regras trazidas
pelos novos arts. 544, § 3.°, e 557 certamente virá à mente a preocupação em relação à sua
constitucionalidade. Afinal, especialmente no que atine aos recursos constitucionais (extraordinário e
especial), a Constituição Federal é clara ao dispor que o julgamento destes compete ao Supremo Tribunal
Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Houve, de fato, quem defendesse a idéia de que, diante da
previsão constitucional, não poderia a lei ordinária retirar da competência de umcolegiado a atribuição de
49
julgar esses recursos. O argumento, contudo, não há de proceder. É que, como tem observado a
doutrina, conquanto estabeleça a Lei Maior a competência desses tribunais para o julgamento de tais
recursos, não há determinação alguma no sentido de que esse julgamento deva ser levado a cabo por tal
ou qual órgão do tribunal. Em vista disso, nenhumarestrição existe a que se confira ao relator - desde que
este também é um dos órgãos do tribunal - poderes para julgar, monocraticamente, qualquer espécie de
50
recurso. Inexiste qualquer lesão ao princípio do juiz natural nessa prática, sendo absolutamente
incensurável do ponto de vista constitucional.
totalizando 6.54Ü acórdãos. Da mesma forma, no que atine ao Superior Tribunal de Justiça, em 1998,
haviam sido distribuídos 92.107 feitos, logrando o tribunal julgar 101.467 casos; já em 1999, verificou-se
a distribuição de 118.977 feitos, tendo havido 128.042 julgamentos (todos estes dados foram obtidos em consulta
à página eletrônica mantida pelo Supremo Tribunal Federal).
Ainda que os dados possam não refletir fielmente o número de julgamentos de recursos perante esses tribunais, é
certo que são eles capazes de apontar para a inexistência de alguma significativa ampliação do volume de julgamentos, determinada em função da nova sistemática recursal. Com efeito, o incremento verificado não dissente daquilo
que já se verificava, normalmente, nos anos anteriores.
(4 J)
' BARBOSA MOREIRA, José Carlos. 'Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos cíveis". In
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999. p. 321.
(51
" Nesse sentido, ver MEDINA, José Miguel Garcia. "Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos na
nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudência!, de acordo com as Leis 9.756/98 e 9.800/99". Aspectos
polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT, 2000. p. 734.
620
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Mais que isso, o próprio Supremo Tribunal Federal veio a aniquilar qualquer polêmica que
pudesse vir a ser travada nesta seara, mesmo antes da incidência da nova lei. Isto porque, como
se sabe, ainda anteriormente à nova disciplina dos poderes do relator, havia a autorização para
que este julgasse liminarmente (e sem a colaboração do restante do cole-giado) alguns recursos
em determinadas situações.51 E, na pendência do antigo regime, ao julgar o Agravo Regimental
no Mandado de Injunção n. 375/PR,52 entendeu a Suprema Corte que "podem os Tribunais atribuir competência a seus membros, desde que as decisões tomadas por estes, solitariamente,
possam ser, mediante recurso, submetidas ao controle do colegiado".53
É, no mínimo, curiosa essa decisão, porque, ao que parece - e não obstante venha ela a rechaçar
qualquer argumentação no sentido da in-constitucionalidade da nova previsão-, suas conclusões
conflitam diretamente com o fundamento aqui utilizado. Afinal, se efetivamente não há (como
de fato é o que parece) qualquer determinação que imponha o julgamento de recursos por
órgãos colegiados, então fica sem sentido a advertência do julgado,54 no sentido de que não
existiria inconstitucio(53) (5J)
Assim já prescrevia a primitiva redação do art. 557, por exemplo: "O relator negará seguimento a recurso
manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal
superior". "Constitucional - Mandado de segurança- Seguimento negado pelo relator -Competência do relator
(RI/STF, art. 21, § 1.°; Lei 8.038,^ 1990, art. 38): Constitucionalidade. Pressupostos do mandado de injunção.
Legitimidade ativa.
I - É legítima, sob o ponto de vista constitucional, a atribuição conferida ao Relator para arquivar ou negar
seguimento a pedido ou recurso intempestivo, incabível ou improcedente e, ainda, quando contrariar a jurisprudência
predominante do Tribunal ou for evidente a sua incompetência (RISTF, art. 21, § 1.°; Lei 8.038, de 1990, art. 38),
desde que, mediante recurso - agravo regimental - possam as decisões ser submetidas ao controle do colegiado.
(...)" (STF, Pleno. Mandado de Injunção 375 (AgRg) - PR, rei. Min. Carlos Velloso.-R77 139/53). Op. e loc. cits., p.
57.
Manifestação esta, aliás, reiterada no Supremo Tribunal Federal, como o demonstram os julgamentos da ADIn 531 -6
(AgRg) - DF e da Representação 1.299-GO (rei. Min. Célio Borja).
OS RECURSOS
621
nalidade quando houvesse a possibilidade de que a decisão do relator pudesse ser revista pela
Corte. Ora, ou não existe óbice constitucional ao julgamento monocrático do recurso pelo
relator, ou existe esta restrição (caso em que realmente não se poderia prescindir do reexame do
julgamento, em qualquer hipótese, pelo colegiado original) e, mais que isso, a delegação
dessafunção ofenderia, diretamente, a proibição constitucional, ainda que se previsse dessa
atribuição reexame da matéria pelo órgão colegiado. Na verdade, essa última orientação, que
parece ter sido adotada pelo Supremo Tribunal Federal no caso narrado, poderia ser comparada
à hipótese em que se previsse a possibilidade de um Juiz do Trabalho julgar as causas
submetidas à Justiça Comum, desde que se autorizasse recurso dessa sua deliberação para o Juiz
de Direito. Data vertia, não é essa a orientação constitucional.
Deveras, não existe, concretamente, nenhum obstáculo na atribuição do julgamento de segundo
grau a um órgão monocrático. A inexistência de previsão expressa de recurso, da decisão do
relator, em forma nenhuma viria a ferir regra ou princípio constitucional.55 Indubitavelmente, a
previsão do recurso (agravo) é recomendável, mesmo como forma de controle da atividade do
relator - que, não fosse essa imposição, tomar-se-ia absoluta e praticamente inquestionável, na
medida em que os eventuais recursos dessa decisão somente seriam cabíveis para os Tribunais
Superiores (exceção feita ao caso em que a decisão já fosse de um desses tribunais), onde,
notoriamente, apenas se há de discutir direito.
Superado esse ponto, cumpre, então, considerar o que efetivamente resulta da inovação aportada
pelos arts. 544, §§ 3.° e 4.°, e 557 do CPC. Seriam essas novas figuras (dos julgamentos
liminares pelo relator) novas espécies recursais? Ou poderiam ser melhor enquadradas apenas
como
<5Í>
Em sentido contrário, parece ser o pensamento de Cândido Rangel Dinamarco, segundo quem "esse cuidado
homenageia a garantia constitucional do devido processo legal, na medida em que põe limite ao poder do relator em
julgamentos que em princípio pertencem aos órgãos colegíados; presta reverência também ao valor das garantias do
juiz natural, porque os colegiados são o juiz natural dos recursos" ("O relator, a jurisprudência e os recursos". In
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1998. p. 132).
Também assim é a manifestação de José Carlos Barbosa Moreira ("Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de
recursos cíveis", cit.,p. 324).
622
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
uma "delegação" da função jurisdicional, do colegiado para a pessoa exclusiva do relator?
Doutrina e jurisprudência têm oscilado, ao que se tem notícia, entre uma destas duas tendências:
ou se supõe que o julgamento liminar pelo relator constitui verdadeiro recurso (destinado
naturalmente a ele e com a ulterior possibilidade de um novo recurso, o agravo previsto nos arts.
545 e 557, § 1.°), ou se entende que, em essência, esse procedimento importa em mera
delegação da função da Corte ao relator, que age em nome do colegiado e sujeita-se a seu
controle.
Conforme a orientação que se adote, diferentes reflexos advirão para inúmeras questões
passíveis de apresentação frente ao tema. Infelizmente, a lei não se preocupou em fornecer
definição suficientemente clara a respeito dessa natureza jurídica, razão pela qual cumpre ao
aplicador essa hercúlea tarefa. Ao que parece, melhor é o entendimento de que, na verdade, não
constitui a decisão monocrática do relator (disciplinada pelos arts. 544, § 3.°, e 557, caput)
espécie nova de recurso.
Essa conclusão não resulta da constatação de que o colegiado seria o juízo natural para apreciar
o recurso - o que, conforme já esclarecido no item anterior, não corresponde ao pensamento
aqui defendido. Como dito acima, não há qualquer óbice constitucional a que se estabeleça, em
lei, previsão no sentido de que o julgamento de certo recurso deve competir a determinado
órgão do tribunal, ainda que esse órgão seja, exclusivamente, o relator.
O que leva à conclusão de que a figura de que aqui se trata não constitui recurso, mas sim
delegação da função do colegiado ao relator, é a própria dicção do texto normativo.56 Note-se
que a lei diz, no art. 545, que "da decisão do relator que não admitir o agravo de instrumento
[aquele previsto no art. 544], negar-lhe provimento ou reformar o acórdão recorrido, caberá
agravo no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso..."
(grifamos). Ora, indubitavelmente, quando a lei refere-se ao "órgão competente para o
julgamento do recurso", aponta para a conclusão de que existe um órgão competente para seu
julgamen1:161
Aliás, cabível mesmo em figuras que nao têm natureza recursal, como é o caso do reexame necessário. Nesse
passo, com efeito, estabelece a Súmula n. 253 do STJ que "o art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o
recurso, alcança o reexame necessário".
OS RECURSOS
623
to (o do agravo de instrumento), que não é o relator - ou, então, ficaria sem nenhum sentido a
previsão legal. Tem-se, então, que a própria lei considera que há um órgão originariamente
competente para o julgamento do recurso (o colegiado),57 e que esta atribuição será delegada,
em razão de certas particularidades da questão submetida à apreciação - particularidades estas
relacionadas à evidência do tema debatido e, portanto, à certeza quanto à conclusão da Corte - a
apenas um dos membros do órgão plural.
O mesmo se há de dizer no atinente ao preceito contido no art. 557. Também aí existe a
afirmação que da decisão caberá agravo "ao órgão competente para o julgamento do recurso"
(art. 557, § 1.°) Nesse caso, conforme ainda estabelece o art. 557, § 1.°, em suaparte final, sendo
provido esse "agravo ", "o recurso terá seguimento ".
Fica clara, pois, a opção da lei por manter o juiz natural do recurso em mãos do colegiado,
limitando-se a delegar a função decisória da in-surgência ao relator (sem necessária cooperação
dos demais membros da Corte) em casos em que a questão for de evidente solução. Não houve,
portanto, uma cisão do antigo recurso em dois novos - um inicialmente dirigido ao relator, e
outro posteriormente ao colegiado. Ocorreu, na voz de BARBOS A MOREIRA, apenas a
transformação do relator em "porta-voz avançado" do colegiado, em situações excepcionais.58 O
relator, nesses casos, não age em nome próprio, mas sim como representante do colegiado.
Por essa razão, tratando-se de delegação legal, não se pode imaginar que constitua a previsão
mera faculdade do relator, e que ficaria a seu exclusivo alvitre julgar monocraticamente o
recurso ou submetê-lo ao colegiado. Embora não se trate de recurso novo, evidencia o
dispositivo legal formulação de competência funcional do relator, motivo pelo qual não lhe é
dado desvencilhar-se de sua atribuição, remetendo a causa à análise do colegiado. É preciso,
assim, tomar cum grano salis a dicção do art. 544, § 3.°, quando alude a que o relator "poderá"
conhecer o agravo e dar-lhe provimento. Este "poderá" (como, aliás, ocorre em diversos
1571
Competência esta determinada pela lei, mas não por uma imposição constitucional, reitere-se.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos cíveis", cit., p.
324.
l58>
624
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
casos da legislação processual brasileira) não representa faculdade, mas verdadeiro dever59
60
poder atribuído ao magistrado.
3.12.3.3 Pressupostos para o julgamento monocrático do "relator"
Fixada a premissa acima estabelecida, cumpre examinar, ainda que brevemente, os pressupostos
mais complexos para esse deslocamento de atribuições.
Prevê o novo texto legal que essa delegação pode dar-se essencialmente em três circunstâncias:
a) manifesto descabimento; /;) manifesta improcedência; e c) manifesta procedência. Conquanto
a redação do art. 557 (integrada à dicção do seu § 1 °- A) traga a impressão de serem cinco os
casos, nota-se facilmente que a hipótese em que o recurso mostre-se "prejudicado" importa
espécie própria de inadmissibilidade (diante da falta de interesse recursal), sendo certo que o
confronto com súmula ou jurisprudência dominante de tribunal caracteriza evidente situação de
improcedência. Reduzindo-se, então, os casos ao essencial, ter-se-ão sempre, três hipóteses.
Prontamente, uma questão se apresenta, no concernente à caracterização legal: a lei alude à
evidência que revista a situação examinanda pelo magistrado; diz o texto do art. 557 que o
recurso deve ser manifestamente inadmissível, improcedente ou procedente. Sabe-se que a
definição do que seja manifesto ou não depende, não raro, da avaliação subjetiva do magistrado;
eventualmente, para um juiz, o recurso pode ter solução manifesta, enquanto para outro, de
menor conhecimento naquela específica área do Direito, a resposta poderá ser diversa. 61
Todavia, a avaliaSobre esta figura, v. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 8. ed., São Paulo, Malheiros,
1996, p. 29-30. Em sentido contrário, tomando como faculdade verdadeira esta previsão, v. Cândido Rangel
Dinamarco, "O relator, a jurisprudência e os recursos", cit., p. 132. A questão lembra a discussão -já antiga em direito
processual - a respeito do requisito necessário para a concessão do mandado de segurança. Sabe-se que a doutrina
discutiu por longo tempo sobre a noção que adviria da locução "direito líquido e certo". Não obstante, "direito líquido
e certo" não é uma categoria pertencente ao direito material, mas sim ao direito processual. Neste sentido ver Luiz
Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 21.
OS RECURSOS
625
ção da delegação de competência não pode ficar vinculada à discriciona-riedade do juiz relator
do recurso, dependente de seu maior ou menor grau de convicção em relação ao tema a ser
decidido. Ou a hipótese é de aplicação do art. 557 (ou ainda do art. 544, § 3.°) ou não, devendo
esse tema ser avaliado objetivamente, e não de maneira subjetiva pelo magistrado, segundo sua
cultura, seu conhecimento a respeito da jurisprudência dominante, das súmulas dos tribunais ou
ainda do texto legal.
Com efeito, as causas de descabimento do recurso são questões de pressupostos recursais (e,
portanto, questões de direito), sendo todas situações evidentes. O mesmo seria possível dizer em
relação aos casos de conflito do julgado recorrido à súmula de tribunal (ou ainda de sua adequação a essa súmula); também aqui a questão sempre há de mostrar-se manifesta, ou porque se
verifica a ofensa à súmula, ou porque, ao contrário, não ocorre essa divergência. Em todos esses
casos, a situação será manifesta e não será possível apontar caso em que essa resposta evidente
não se verifique de pronto. A menção, portanto, à "manifesta improcedência" (e seus
semelhantes) deveria ser retirada do texto, a fim de impedir diferentes interpretações sobre a
incidência da regra.
De qualquer forma, é certo que o relator deve avaliar de forma objetiva a presença ou não do
descabimento, improcedência ou procedência (esta avaliada exclusivamente em relação à
súmula ou ajurisprudência predominante dos tribunais superiores), exigidos pela lei para sua
atuação monocrática.
Não épossível deixar de enxergar que o art. 557 afirma que o relator pode negar seguimento ao
recurso em caso de "manifesta improcedência " e "confronto com a súmula ou com
ajurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal, ou de tribunal
superior". Se é assim, deve o intérprete dizer o que é "manifesta improcedência", não lhe sendo
lícito afirmar que confronto com a súmula ou com ajurisprudência dominante do tribunal, de
tribunal superior ou do Supremo Tribunal Federal, é o mesmo que "manifesta improcedência",
pois se realmente de uma hipótese pretendesse tratar o legislador, não teria feito referência a
duas.
Há casos em que o relator sabe, de antemão, em vista de jurisprudên-cia pacífica da sua Câmara
ou Turma, qual a decisão que vai ser tomada. Se nesse caso não importa a Súmula, nem
ajurisprudência dominante de seu Tribunal ou de tribunal superior ou do Supremo Tribunal
Federal, poderia ser dito que há "manifesta improcedência" no caso em que o re-
626
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
curso confronta com jurisprudência pacífica da Câmara (ou Turma) julgadora. Também deve ser
considerado manifestamente improcedente o recurso deduzido contra texto expresso de lei ou
fato incontroverso.
Exceto isso, cabe analisar os dois pressupostos que autorizam ao relator negar seguimento ao
recurso nos casos em que este confronta com i) súmula ou com ii) jurisprudência dominante de
seu tribunal, de tribunal superior, ou do Supremo Tribunal Federal.
No atinente à súmula, não haverá problema em sua caracterização. Conforme estabelece o art.
479 do CPC, "o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o
tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da j urisprudência".
Está aí a definição legal do que seja súmula, não havendo espaço para maiores elucubrações.
O único senão cabível na aplicação das súmulas (bem como da jurisprudência dominante), como
critério para deslocamento da competência para julgamento do recurso, diz respeito à utilização,
pelo Superior Tribunal de Justiça, de súmula emanada do Supremo Tribunal Federal para, desde
logo e pelo relator, julgar-se recurso especial. JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA manifesta-se
contrário aessa possibilidade, afirmando que "no que respeita à resolução de questões federais
propriamente ditas, o Superior Tribunal de Justiça é a última instância, já que não há 'Tribunal
Superior' ao mesmo, com competência para julgar tais questões. Portanto, a jurisprudência
dominante utilizada como base para a análise do relator, ao aplicar o art. 557 do CPC, seja para
dar, seja para negar seguimento ao recurso especial, será a oriunda do próprio Superior Tribunal
de Justiça".62 Ressalva o autor, todavia, a possibilidade de invocaçãode súmulado Supremo
Tribunal Federal, para ter por inadmitido o recurso especial, relativamente à inadmissibilidade
do recurso extraordinário; para esses casos, tendo em conta que o recurso especial deriva do
recurso extraordinário, a homogeneidade no trato de ambos os recursos aconselha à
possibilidade da comunicação entre as duas figuras.63
1621
MEDINA, José Miguel Garcia. "Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos na nova sistemática
recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as Leis 9.756/98 e 9.800/99". Aspectos polêmicos e atuais
dos recursos, cit., p. 370.
(<>3)
Idem, ibidem, p. 370, nota 77.
OS RECURSOS
627
Em essência, não há como discordar da ponderação feita pelo processual ista. Efetivamente,
tratando-se de competências distintas (do STJ e do STF), não existe caso em que se possa
invocar a jurisprudência ou as súmulas de um tribunal para solucionar tema afeto ao outro, já
que, qualquer exame que um faça sobre matéria atinente ao outro, constituirá intromissão
indevida em competência alheia.
Apenas em duas hipóteses tem-se como cabível a invocação, pelo STJ, de súmula do STF, para
a aplicação dos arts. 544, § 3.°, ou 557 do CPC, cabendo então uma pequena ressalva à ótica de
JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA. A primeira dirá respeito às súmulas anteriores à
Constituição Federal; nesses casos, tendo em conta que naquela época o STF também fazia a
análise da legislação infraconstitucional (matéria hoje atribuída ao STJ), parece razoável
entender que as súmulas então elaboradas podem servir de supedâneo para o julgamento
monocrático do relator do recurso especial, desde que a jurisprudência do STJ não se tenha
fixado em sentido oposto. O outro caso guarda relação com a interpretação de regras
infraconstitucionais, tendo por base algum princípio constitucional . Imagine-se a hipótese em
que o recurso especial tenha sido interposto sob a alegação de que certa decisão judicial, ao
aplicar lei federal, não lhe confere o sentido adequado, havendo outra decisão que melhor interpreta aquela lei, porque o faz com base em algum princípio constitucional (art. 105, III, c, da
CF). Nesse caso, tendo em conta que o fundamento do recurso especial invoca a adequada
interpretação de um princípio constitucional, é de se considerar como adequada a avaliação do
entendimento guardado pelo Supremo Tribunal Federal em relação aesse princípio e, se for o
caso (dada a existência de súmula dessa Suprema Corte sobre o tema), julgar-se
monocraticamente o recurso apresentado.
Porém, o tema que mais incita controvérsia é, certamente, o da noção de "jurisprudência
dominante do tribunal". O que, afinal, significa o termo "jurisprudência dominante do tribunal"?
Como se há de avaliar sua presença diante da situação concreta?
A aparente facilidade com que a doutrina vem abordando o tema pode oferecer a falsa
impressão de que se trata de questão de evidente solução, e de pouca, senão nenhuma,
problemática. Realmente, seria muito simples dizer que a jurisprudência dominante de certo
tribunal é aquela que predomina naquela específica instância. Porém, essa resposta esconde
inúmeras perguntas que se poderiam formular, e deixa em aberto toda a
628
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
caracterização de qual seria essajurisprudência dominante. Desde logo, seria possível se
questionar: dominante em relação a quem? Em relação à câmara (ou turma)? Em relação ao
tribunal? Em relação aos tribunais semelhantes (tribunais de justiça)? Dominante quando?
Dominante frente a qual composição do tribunal?
As dúvidas, diante de tão aberta definição, poderiam multiplicar-se ao infinito, mas a
objetividade com que se deve tratar esse deslocamento de competência exige maior precisão de
análise.
Inicialmente, convém precisar que jurisprudência dominante, nos termos do que estabelece a
lei, não pode confundir-se com jurisprudência pacífica. M Pacífica será ajurisprudência quando
não encontrar ela relevante oposição, ou seja, nos casos em que não se discute a respeito de
certo tema ou, ainda, a discussão que ele enseja não merece séria atenção. Dominante, ao
contrário, é a j urisprudência que predomina na orientação do cole-giado, ainda que pese contra
ela outra "idéia" ou "concepção".
Dado esse passo inicial, cumpre notar que os tribunais já tiveram a oportunidade - mesmo antes
das inovações trazidas pela Lei 9.756/98 -de conviver com a noção de jurisprudência
dominante, através da interpretação do art. 38 da Lei 8.038/90 e do art. 21, § 1.°, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal (ou, ainda, da antiga redação do art. 308 desse regimento).
E, nesse contexto, ficou assente a orientação no sentido de que jurisprudência dominante seria
aquela presente em número significativo de julgados, de maneira reiterada. Investigando mais a
fundo essa tendência, PRISCILA KEIS ATO encontra dois critérios para a determinação do
significado de jurisprudência dominante: "a) existência de mais de um acórdão que reflita
aquele entendimento, ou unicidade de decisão, desde que esta faça menção de outros julgados
no mesmo sentido; b) decisão do Tribunal Pleno, mesmo que não unânime".65
Os critérios são bons, mas ainda assim não deixam de apresentar problemas. Em especial a
primeira das diretrizes pode gerar sérias dúviCf. MEDINA, José Miguel Garcia. "Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos na nova sistemática
recursal e sua compreensão jurispruden-cial, de acordo com as Leis 9.756/98 e 9.800/99", cit., p. 372. Assim também
entende ajurisprudência, (v.g., STJ, 2.a T., AGREsp 162.816/SP, rela. Ministra Fátima Nancy Andrighi, DJU
14.08.2000, p.159).
SATO, Priscila Kei. "Jurisprudência (pre)dominante". In Aspectos polêmicos e atuais cios recursos. São Paulo: RT,
2000. p. 583.
OS RECURSOS
629
das sobre tratar-se, certa orientação de tribunal, espécie de jurisprudência dominante e
significativa, apta a demonstrar que a visão de dado tema por algum tribunal se tenha,
realmente, fixado em determinada posição. Como bem lembra BARBOSA MOREIRA, a
prevalecer esse entendimento de que bastaria, para caracterizar a existência de jurisprudência
dominante, a existência de acórdãos em idêntico sentido, dentro de um mesmo tribunal, ter-seia, eventualmente, o caso em que "sucessivas decisões tomadas numa única sessão bastam para
converter em majoritária, no tribunal, tese a cujo favor, até então, falava número menor de
precedentes".66 Ninguém pode esquecer que, especialmente nos tribunais federais e nacionais,
alguns tipos de recursos são julgados por categoria (o que facilmente se demonstra através da
publicação em Diário da Justiça dos respectivos acórdãos, todos útil izando-se da mesma ementa), sendo certo que, em um mesmo dia, pode ser julgado número expressivo de recursos
versando sobre a mesma matéria. Não se pode, porém, dizer que, apenas tomando por base uma
única sessão de julgamento, em certo dia e diante de determinada composição do colegiado, se
tenha formado jurisprudência dominante, seja do tribunal, seja mesmo da turma. Assim, e não
obstante o fato de que este critério pode servir de apoio para encontrar a definição que se torna
necessária, não parece possa ele servir de norte, por si só, para encerrar a discussão. Conforme
já dito anteriormente, tratando-se de definição de atribuições no exame recursal, é necessário
encontrar critérios sólidos para resolver as controvérsias surgidas, sob pena de encarar o assunto
"informalidade" e, ao fim e ao cabo, gerar-se lesão ao princípio do juiz natural, criando-se,
ademais, instabilidade séria na interpretação da lei processual.67
Ao que parece, a noção de jurisprudência dominante de um tribunal não pode ser obtida senão
com o auxílio do conceito e da finalidade da "súmula". Os casos em que se verifica a existência
de "jurisprudência dominante" de um tribunal a respeito de certo tema, sempre deveriam gerar a
edição de uma súmula. Se isso não acontece, é porque deve haver algum elemento a indicar que
a questão ainda não apresenta orientação
(M
" BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos cíveis", cit., p.
325.
((>7)
Ou, o que é pior, sujeitando indevidamente a parte recorrente às sanções disciplinadas no § 2.° do art. 557 do
CDC.
630
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
dominante no tribunal. Portanto, a noção de jurisprudência dominante no tribunal, capaz de
ensejar o julgamento monocrático do recurso, há de ser vista sob o mesmo prisma da súmula,
como algo que representa a visão majoritária de uma Corte. Nesse sentido, é correto entender
que existe "jurisprudência dominante do tribunal" na decisão, objeto de incidente de
uniformização de jurisprudência, onde não se logrou atingir o quorum especial, exigido para a
elaboração de súmula. Havendo decisão em incidente semelhante, em que a deliberação do
tribunal se dê por maioria simples de votos em determinado sentido, é de se entender que essa
decisão (como um degrau que se põe diante da edição de uma súmula) representa a
jurisprudência dominante do tribunal em relação a determinado tema - haja vista a finalidade
específica que o incidente de uniformização de jurisprudência possui.
Dessa forma, diante do incidente de uniformização de jurisprudência, atingido o número de
votos necessário para qualificar a decisão como tomada por maioria absoluta, tem-se a edição de
uma súmula do tribunal, e ela representará a opinião da Corte. Caso a decisão se dê por maioria
simples, inviabilizada resta a elaboração de súmula, mas ainda assim a posição do tribunal não
pode ser desconsiderada, representando "jurisprudência dominante", para os fins aqui tratados.
Contudo, também aqui interessa o novo art. 555, § 1.°, do CPC, que disciplina o incidente
processual de deslocamento de competência. Segundo esse artigo, "ocorrendo relevante questão
de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tri bunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegia-do que o regimento
indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado
julgará o recurso". No Superior Tribunal de Justiça, o deslocamento de competência,
disciplinado no art. 127 do seu Regimento Interno, pode levar à edição de súmula (se for o
caso), mas certamente conduzirá a entendimento que constituirá jurisprudência dominante para
os fins que importam neste momento.
3.12.3.4 Julgamento monocrático pelo relator e consectários re-cursais
Sob outra ótica, a presença de "jurisprudência pacífica da Câmara ou Turma" ou de
"jurisprudênciaí/om/nan/e do tribunal", como critérios
OS RECURSOS
631
para o deslocamento da competência de exame do recurso para o relator, pode suscitar polêmica
interessante, no consentâneo a outros recursos, eventualmente cabíveis contra a decisão do
colegiado ao qual competiria o julgamento da questão.
Assim é que se poderia perguntar do eventual cabimento de embargos de divergência ou de
embargos i nfringentes contra a decisão do relator. Imagine-se, por hipótese, a decisão do
relator, proferida com base em súmula do tribunal, que nega provimento a recurso especial, mas
que contrasta diretamente com decisão proferida em caso idêntico por outra turma da mesma
Corte; tivesse sido essa decisão proferida pelo colegiado, não haveria dúvida do cabimento, na
espécie, do recurso de embargos de divergência, disciplinado pelo art. 546,1, do CPC. Será,
entretanto, cabível esse mesmo recurso se o julgamento se der diretamente (e exclusivamente)
pelo relator, com base no art. 557? Ou será necessário, primeiramente, submeter o exame da
matéria ao colegiado, pela via do agravo, previsto pelo art. 557, § 1.°?
A segunda resposta encontraria objeção na letra clara da lei àqueles que, na esteira da ampla
maioria da doutrina, vêem no agravo (previsto pelo art. 557, § 1.°) figura recursal nova. Como
expressamente prevê o art. 546, o recurso de embargos de divergência apenas tem cabimento
contra decisão proferida em recurso especial ou recurso extraordinário, não havendo previsão de
sua admissibilidade frente a julgamento de agravo, ainda que originário do julgamento
monocrátíco de tais recursos. É evidente que, como ficou dito acima, não é essa a opinião aqui
esposada; não parece que o agravo, a que se refere o art. 557, § 1.° (bem assim o art. 545),
constitua novo recurso, capaz de alterar a natureza da impugnação inicialmente feita. Dentro
desse paradigma, perderia sentido o óbice aqui delineado, o que, todavia, não retira a
importância da observação, já que corresponde ao entendimento hoje dominante.
Porém, sendo correta a essência que aqui se empresta à figura do julgamento li minar feito pelo
relator (como mera delegação da atividade do órgão fracionário), não se pode fugir da conclusão
de que contra essa mesma decisão seria já cabível a insurreição pela via dos embargos de
divergência. Essa é, aliás, a opinião manifestada pelo ilustre Ministro MILTON LUIZ
PEREIRA. Partindo da premissa de que a atuação do relator, na espécie, constitui ato de
delegação legal da função inicialmente atribuída ao colegiado, conclui o magistrado que "com o
alinhamento das pontuações realçadas, afigura-se propícia a inclusão de decisão
632
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
laborada pelo Relator, ex legc, substituindo o colegiado (art. 557 e § 1 ,°-A do CPC), como examinável na
via dos embargos de divergência, ulti-mando-se o escopo do reexame, sem a desnaturação da finalidade
do recurso, acertado que acorreção do julgamento não se desvia de sua base de sustentação originária.
Pois adecisão desafiada tem assentamento em súmula ou najurisprudência pacificada por órgão
68
colegiado. Ultima ratio, constitui singular reafirmação de julgamento firmado por colegiado".
Com efeito, irrepreensível a conclusão exposta pelo jurista. Considerada a decisão do relator como
representativa da opinião do colegiado (que ele representa em sua manifestação isolada), esta deve ser
aceita como a opinião do órgão fracionário sobre o recurso (especial ou extraordinário) apresentado para
julgamento. Se, assim, essa decisão disputa com outro julgado, sobre matéria idêntica, de outro órgão do
mesmo tribunal -ainda que esse órgão venha representado, também, por decisão unitária (do relator,
apenas) de outra turma, da seção ou do pleno - inevitável será a conclusão pelo cabimento dos embargos
de divergência.
69
No caso dos embargos infringentes, a solução também não poderá ser outra. Observe-se, inicialmente,
na linha do que já foi dito antes, que jurisprudência dominante não quer dizer o mesmo que jurisprudência
pacífica. Nesse sentido pode acontecer que, dentro de uma mesma turma ou câmara, coexistam opiniões
diferentes quanto a certo tema. Assim, pode estar entranhado na decisão do relator o voto vencido do
magistrado que discorda da opinião dominante, sendo certo que poderá haver interesse, por iniciativa da
parte vencida, de se tentar rever a posição da turma ou câmara, fazendo prevalecer em órgão colegiado
maior o entendimento do que possui entendimento discrepante.
3.12.3.5 Julgamento monocrático pelo relator e revisão pelo colegiado. O agravo
Em conclusão a essas observações, não seria adequado deixar de considerar, ainda que de maneira
superficial, a figura do agravo, tratado
<f.s) PEREIRA, Milton Luiz. "Embargos de divergência contra decisão lavrada por relator", Revista de
direito processual civil 16/309, Curitiba: Gênesis.
"" Evidentemente, nesse caso, o cabimento dos embargos infringentes ficaria limitado às hipóteses de
recursos. Quanto à ação rescisória, por não constituir recurso, inaplicável seria a disciplina do art. 557 do
CPC.
os RECURSOS
633
pelos arts. 545 e 557, § § 1.° e 2.°, do CPC. Talvez ainda mais interessantes que as dificuldades
apresentadas pelo trato do julgamento liminar do recurso pelo relator, serão aquelas decorrentes
da aplicação adequada desse instituto complexo, a que a lei decidiu, desafortunadamente, chamar de
O art. 545 viabiliza a interposição de "agravo interno" contra a decisão do relator do agravo de
instrumento interposto contra decisão que negou seguimento a recurso especial ou a recurso
extraordinário. Este "agravo interno", que deve ser endereçado ao órgão competente para o
julgamento do agravo de instrumento, é cabível contra "decisão do relator que não admitir o
agravo de instrumento, negar-lhe provimento, ou reformar o acórdão recorrido" (art. 545 do
CPC).
Além disto, segundo o artigo 557, § 1.°, é cabível esse mesmo tipo de "agravo interno" contra a
decisão do relator- e aqui não mais apenas diante de decisão monocrática tomada em agravo de
instrumento interposto contra decisão que negou seguimento a recurso especial ou a recurso
extraordinário - de inadmissibilidade, improvimento ou provimento do recurso (o provimento
apenas nos caso em que as razões do recurso foram impugnadas).
Interposto o "agravo interno ", faculta-se ao relator, como estabelece o art. 557, § 1.°, o juízo de
retratação. Não havendo alteração quanto à decisão, a questão deve ser submetida ao colegiado.
Antes de qualquer outra ponderação, cumpre deixar clara a opinião exposta no curso de toda
essa exposição, no sentido de que esse "agravo interno", a que alude a lei, não configura espécie
do recurso de agravo, disciplinado pelo Código de Processo Civil em diversos dispositivos e
sob diferentes modalidades. Em verdade, tal "agravo interno" constitui apenas maneira de
devolver ao colegiado competência que originaria-mente já era sua e, por isso mesmo, não pode
constituir recurso novo, assemelhando-se, nesse ponto, substancialmente ao agravo de que trata
o art. 544. De fato, tanto numa espécie como na outra, o que se tem é um recurso destinado a
certo órgão, cujo seguimento se vê obstado pela intervenção de alguém (o relator, no caso aqui
investigado, ou o presidente do tribunal a quo, no outro caso). Em ambos os casos, o agravo
apenas desobstrui a via normal do recurso, permitindo a fluência adequada da irresignação.
634
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A figura, portanto, não se apresenta como medida recursal nova, mas como singelo meio de
devolver ao colegiado competência que já era sua - dado que não era lícito ao relator julgar,
naquela espécie, isoladamente o recurso. Trata-se, então, de mera forma de reiteração do recurso
inicialmente oferecido, solicitando-se, em que pese a manifestação do relator em sentido
contrário à pretensão do recorrente (e, em princípio, representando a opinião do órgão
fracionário competente), a afirmação da orientação do corpo de magistrados a quem
inicialmente tocaria o julgamento da impugnação. Frise-se que a locução contida na parte final
do art. 557, § 1.°, esboça nitidamente essa idéia, ao mencionar que, "provido o agravo, o recurso
terá seguimento".
Por isso, conclui-se que o agravo, por não constituir figura nova, não tem a virtude de alterar a
natureza do primitivo recurso interposto. Vale dizer que, submetida a decisão do relator ao
colegiado (pela via do "agravo"), esse órgão - se entender que a conduta do relator não é
adequada -iniciará o julgamento não de um agravo, mas do recurso originariamente
apresentado.
Tendo-se por firme esta convicção, fica-se habilitado a enfrentar alguns dos mais tormentosos
aspectos que envolvem a figura desse "agravo". Desde logo, partindo-se da premissa acima
lançada, não é possível aceitar-se a tese de que no julgamento desse "agravo" é incabível a sustentação oral. Ora, esse "agravo" não se confunde com alguma espécie de agravo de
instrumento, nem é ele que será julgado, "de forma principal", pelo colegiado. O "agravo"
apenas representa a manifestação de vontade da parte, no sentido de que o recurso inicialmente
apresentado (e originariamente endereçado ao colegiado) seja submetido à apreciação do órgão
coletivo originariamente competente. Visto sob esse prisma, não é possível esquivar-se da
conclusão óbvia de que aquilo que será examinado, prioritariamente, pelo colegiado, será o
recurso inicial mente interposto, não havendo motivo para impedir-se à parte (desde que esse
recurso o comporte) o uso da faculdade de sustentar oralmente suas razões.
Também por esta razão, não parece razoável a tendência, que vem despontando em diversos
julgados, no sentido de submeter o "agravo" a novo preparo de custas. Se o raciocínio
acimaelaborado está correto, então o agravo não é, propriamente, novo recurso, mas apenas uma
forma de fazer retornai" ao colegiado competênciaque, originariamente, jáera sua,
e que foi indevidamente exercida pelo relator. Assim, é lícito pensar que
OS RECURSOS
635
as custas pagas, quando da interposição do recurso originário (seja ele qual for), já se referem às
despesas necessárias a fazê-lo tramitar de maneira completa, por todas as etapas e todos os atos,
até final julgamento pelo colegiado naturalmente competente. A interrupção da seqüência
prevista para o rito do recurso, por atuação do relator - que entendeu, equivocadamente, ser sua,
com exclusividade, a atribuição para analisar o feito -, não pode ter o efeito de incrementar o
custo do procedimento, inexistindo, portanto, motivo para condicionar o prosseguimento da tramitação da insurgência a novo preparo. Mais que isso, a solução encontrada pela jurisprudência
- com nítido sabor de forma transversa de deixar de julgar o "agravo" - acaba por ratificar o
ilegítimo apossamento de competência do colegiado por um de seus membros, dando validade à
injurídica usurpação de competênciafuncional (e, portanto, absoluta) do órgão fracionário.
Submeter o recorrente - que viu a atribuição para julgar seu recurso indevidamente tomada pelo
relator, que fora das hipóteses legais, pretendeu analisá-lo isoladamente - a novo preparo, é
esquecer que o colegiado, ao apreciar o recurso, não aprecia nova figura, mas apenas retoma
para si a competência que sempre foi sua, invalidando o ato do relator que excedeu sua esfera de
tarefas. Daí, resulta claro que não incidem "novas custas" a serem arcadas pelo recorrente, já
que esteja as desembolsou quando interpôs o recurso primeiro (na verdade, o único).
É esse mesmo raciocínio que justifica (talvez a conclusão mais polêmica até aqui exposta) a
inexistência de contraditório no "agravo". Ora, como já se viu, tal agravo não constitui recurso
novo, mas apenas reiteração do pedido inicialmente exposto no primitivo recurso, no sentido de
que a insurgência seja apreciada pelo colegiado. Pois bem, se no recurso "originário" já se deu a
oportunidade adequada para o contraditório, não há razão para que se autorize, novamente, a
reabertura de prazo para manifestação do recorrido. Contudo, se isso (em virtude da natureza do
recurso) não aconteceu, o recorrido deve ter oportunidade para apresentar resposta. De modo
que, na hipótese em que o agravo de instrumento for inadmitido ou improvido liminarmente
(art. 527,1, do CPC), o recorrido deve ser intimado para apresentar resposta se e quando for
provido o "agravo interno".
Talvez, o mais grave problema que se possa atribuir à redação do dispositivo aqui tratado (art.
557, § 1.°) diga com a inexistência de menção
636
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
à necessidade de publicação em pauta da data do julgamento. Se, como visto, o agravo não
altera a natureza do recurso originário, então poderá caber, no procedimento da análise do
recurso pela Corte, momento para a sustentação oral. Todavia, uma vez que as partes não têm
ciência oficial da data em que o recurso é levado à apreciação do colegiado, pode ocorrer que
não se façam presentes à sessão, ainda que desejem apresentar oralmente seus argumentos.
Ainda mais importante que isso, como bem detecta BARBOSA MOREIRA, "se se apresenta o
feito 'em mesa', sem inclusão em pauta, e por conseguinte sem cientificação oficial das partes,
poderia em tese acontecer que, provido o agravo, viesse o agravado a receber, com total
surpresa, e talvez até sem possibil idade de reação, a notícia de fato consumado que lhe
transforma, sem mais aquela, a vitória em derrota". 70
Com efeito - e insistindo sempre no mesmo ponto -, se é verdade que o "agravo" não altera a
natureza do recurso originariamente apresentado, e se é este que deverá ser julgado pelo tribunal
(caso se convença de que a atuação do relator, ao decidir isoladamente o recurso, foi descabida),
então o procedimento a ser adotado pelo colegiado, inclusive quanto à preparação da sessão de
julgamento, deverá levar em conta o procedimento próprio para o exame daquele primitivo
recurso. Vale dizer, por outras palavras, que, se para o rito legal de julgamento de um recurso há
a previsão de que se anunciaria às partes odiada sessão de julgamento do colegiado, então essa
determinação permanece como imperativa para o válido processamento do "agravo" e,
subseqüentemente, do exame do recurso originário.71 Porém, como já foi dito, a análise do
"agravo interno", interposto contra decisão liminar de inadmissibilidade ou improvi-mento do
agravo de instrumento (art. 527,1, do CPC), deve anteceder o julgamento deste último,
exatamente para que seja oportunizadarespos-ta ao agravado. Nesse caso, porque não cabe
sustentação oral em agravo de instrumento (art. 554 do CPC), não é possível, por conseqüência
lógica, sustentação oral no "agravo interno".
De qualquer forma, e em qualquer caso, seja da decisão que, considerando a interposição do
"agravo", designa data para julgamento pelo
1701
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Algumas inovações da Lei 9.756 em
matéria de recursos cíveis", cit., p. 327. 1711 Em sentido contrário, ver CARNEIRO, Athos Gusmão. "Inovações da
Lei
9.756, de 17.12.1998, no âmbito do processo civil", cit., p. 12.
OS RECURSOS
637
colegiado, seja ainda da decisão do relator que, à vista do "agravo", se retrata, deverá haver a
competente cientifícação às partes.
Apenas como última observação, mostra-se indispensável anotar algo referente à
constitucionalidade da multa, apresentada pelo § 2.° do art. 557. Como se observa do teor do
dispositivo mencionado, autoriza-se, quando o "agravo" for manifestamente infundado ou
inadmissível, a imposição de multa ao "agravante", cujo depósito é condicionante para a
interposição de qualquer outro recurso.
A constituição do depósito da multa como questão impeditiva do conhecimento de qualquer
outro recurso suscita indagações a respeito de sua constitucionalidade. Erigir a satisfação da
multa à condição de requisito para a interposição de outros recursos seria inconstitucional,
segundo determinada visão, por constituir obstáculo ilegítimo à possibi-lidade de recorrer. Além
do mais, conforme adverte DONALDO ARMELIN, "levada às suas últimas conseqüências essa
cominação, o beneficiário da assistência jurídica e o insolvente civil não teriam mais como
recorrer nos autos, sempre que punidos com a multa em tela".72
Não se pode admitir como constitucional semelhante previsão em casos em que o recorrente
(punida por seu recurso evidentemente temerário) não tem condições de, sem prejuízo ao seu
sustento, arcar com o pagamento da sanção imposta. Em tais situações, a constitucionalidade da
imposição da sanção dependerá da análise do caso concreto. Quando a parte não puder arcar
com o depósito da multa (e isso estiver evidenciado), o juiz não poderá condicionar a admissão
dos recursos ainda cabíveis a uma i mposição que não tem qualquer legitimidade perante ela
(uma vez que a multa pecuniária somente é legítima, como é óbvio, diante da parte que pode
sofrê-la).
Nas demais situações, todavia, não há sentido em ter a norma como inconstitucional. Salvo a
hipótese antes examinada, não há como entender que a lei não pode reprimir o abuso de
recorrer, eliminando a possibilidade de a parte interpor os recursos que, em tese, ainda seriam
cabíveis. É necessário estabelecer a diferença entre impedir a defesa ou a interpo(72)
ARMELIN, Donaldo. "Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à lei 8.038/90, impostas
pela Lei 9.756/98". In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT,
1999. p. 214.
638
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sição de recurso a partir de um ônus de desembolso de dinheiro, e a repressão do abuso do
direito de recorrer por meio da imposição do depósito de soma em dinheiro ou da supressão da
possibilidade de interposi-ção de outro qualquer recurso.
Assim, feita a ressalva da situação em que a parte efetivamente demonstre não ter condições de
efetivar o depósito determinado em lei, e considerando que existe somente a exigência de
"depósito" (e não de pagamento) da multa em juízo, não se vê na medida qualquer inconstitucionalidade, constituindo ela, isto sim, excelente medida profilática, tendente a evitar a completa
inversão da intenção da lei ao conceber o exame monocrático dos recursos pelo relator.
3.12.4 O novo incidente de deslocamento de competência do art. 555, §1." 3.12.4.1
Generalidades e cabimento
Assim como a lei admite, em certas hipóteses, a outorga de poderes ao relator para o julgamento
monocrático de recursos, também permite ela, em outros casos, a atribuição da competência
para o julgamento daqueles acolegiado mais significativo do tribunal. Caminhando exatamente
nessa última linha, o novo art. 555, § 1.°, do CPC, estabelece que "ocorrendo relevante questão
de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do
tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento
indicar, reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão
colegiadojulgaráo recurso". O dispositivo tem origeminocultável - mesmo reconhecida pela
exposição de motivos do projeto que deu origem à recente lei que modificou o CPC - na
previsão do art. 14, II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. 73
Esse permissivo tem por escopo evitar ou compor divergência entre os órgãos fracionários do
tribunal - função esta, aliás, semelhante à já desenvolvida pelo incidente de uniformização de
jurisprudência, que será
|7:i)
"Art. 14. As Turmas remeterão os feitos de sua competência à Seção de que são integrantes: (...) II - quando
convier pronunciamento da Seção, em razão da relevância da questão, e para prevenir divergência entre as Turmas da
mesma Seção."
OS RECURSOS
639
adiante estudado - de forma a tornar unívoca a aplicação do direito no âmbito da corte.
A medida em exame não é novo recurso, previsto para ampliar o rol previsto na legislação brasileira.
Trata-se, antes, de incidente do procedimento recursal, por meio do qual se atribui o julgamento do
recurso (de qualquer um deles) a outro colegiado, "maior" que o original, a fim de prevenir ou compor
divergência de interpretação sobre questão de direito. De fato, a preocupação com a uniformização da
interpretação do direito leva o legislador a conceber inúmeros mecanismos para evitar que convivam, no
Poder Judiciário, decisões contrastantes aesse respeito. Para esse fim existem, entre outros mecanismos, o
recurso especial (especialmente o fundado no art. 105, inc. III, c, da CF), os embargos de divergência, o
incidente de uniformização dejurisprudênciae, agora, a composição de divergência, estabelecida no art.
555, § 1.°, do CPC. Em todos esses instrumentos, revela-se a preocupação do legislador em evitar que
eventuais divergências surgidas na interpretação do Direito pelos juizes possa acarretar a insegurança
jurídica decorrente da incerteza quanto ao exato comando da norma.
Observe-se, então, que o mecanismo em exame visa a compor a divergência de interpretação dentro do
tribunal (divergência interna, o que o assemelha muito ao incidente de uniformização de jurisprudência),
e não entre tribunais (divergência externa, que é função desempenhada pelo recurso especial).
Diferentemente, porém, do incidente de uniformização de jurisprudência, o presente instituto não visa
apenas a submeter a questão jurídica de interpretação controvertida a um outro colegiado. Vai além, para
74
atribuir o julgamento de todo o recurso a esse outro órgão. Trata-se de inovação, cuja intenção é - no
intuito de evitar divergências jurispruden-ciais a respeito de certa questão de direito - submeter o exame
do próprio recurso (que tenha por objeto essa questão) diretamente a um órgão do tribunal que
virtualmente represente a opinião da corte sobre o tema. Outrossim, o resultado do julgamento dessa
figura não é capaz de gerar a formação de súmula (como acontece com o incidente de uniformização de
jurisprudência), resultando, simplesmente em acórdão, que conclui o exame do recurso interposto.
(74)
WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves comentários à 2. "fase da
reforma do Código de Processo Civil, cit., p. 197.
640
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A intenção evidente, na criação desse mecanismo, foi simplificar a unificação do entendimento
(sobre questões de direito) no tribunal, evitando o procedimento (às vezes demorado e
complexo) do incidente de uniformização de jurisprudência. De qualquer forma, a figura nova
não exclui (nem revoga) o incidente de uniformização. Ambas as medidas continuam existindo,
embora com regimes e particularidades distintas.
Enfim, não parece haver mistério na figura recentemente criada: trata-se simplesmente de
modalidade de deslocamento de competência, instituída com o objetivo de evitar ou de compor
divergência jurispru-dencial. Seu resultado, por conseqüência, é apenas um acórdão (como
qualquer outro, que examinasse o recurso de forma normal), que poderá constituir sedimentação
da "jurisprudência dominante" do tribunal, para os fins do art. 557 do CPC.
3.12.4.2 Pressupostos para a aplicação do deslocamento de competência
O primeiro requisito exigido pela lei para esse deslocamento é que haja, perante o tribunal, um
recurso a ser apreciado. A solução da divergência não pode ser feita espontaneamente, sem ter
por base recurso a ser julgado pelo tribunal. Note-se, assim, que, conquanto a função dessa
medida seja (ao menos)/;reve/?ir o conflito dejurisprudência, não pode essa prevenção ocorrer
sem lastro em caso específico, por simples iniciativa do próprio tribunal. Frise-se que essa
iniciativa só pode ocorrer no exame de recurso, não sendo cabível a aplicação da medida em
outros procedimentos que tramitam perante o tribunal (como em ação rescisória, em ações
originárias, ou no julgamento de conflitos de competência).
Em segundo lugar, é necessário que esse recurso contenha relevante questão de direito. É
preciso, portanto, que o recurso submetido à apreciação do tribunal envolva - como única ou
como uma das questões a serem resolvidas, de maneira direta - questão de direito, ou seja,
controvérsia sobre a aplicação (ou interpretação) de certa norma jurídica ou de instituto jurídico.
Essa questão, ademais, não pode ser de qualquer natureza, mas deve ser relevante. Porém, o
conceito de "relevância" não poderá ser encontrado se for pensado como critério eminentemente
subjetivo (aquilo que é relevante para alguém pode não o ser para outrem). Ao que parece, a
noção de "relevante", para os fins aqui tratados, deve ser
OS RECURSOS
641
encontrada na segunda parte do dispositivo em exame, que acentua que, uma vez reconhecido o
interesse público no incidente, ocorrerá a assunção de competência. Desta forma, o conceito de
"relevante" deve relacionar-se, necessariamente, com a idéia de interesse público, de maneira
que somente será relevante a questão jurídica quando houver interesse público em sua resolução
e na solução da efetiva ou potencial divergência jurisprudencial a seu respeito. Assim, por
exemplo, quando houver séria discussão (doutrinária ou jurisprudencial) a respeito da interpretação de certa regra, quando for ampla a repercussão social da decisão sobre a questão jurídica, ou
quando a adequada solução da questão de direito puder mostrar-se significativa para a unidade e
estabilidade do sistema jurídico, estará presente a relevante questão de direito, a autorizar a
aplicação do instituto em exame. Por outro lado, se a questão é isolada ou se o tema já é
pacificado (especialmente em outro tribunal superior), não haverá razão para reconhecer-se o
interesse público, nem estará autorizado o deslocamento da competência.75
O terceiro requisito exigido é a existência de divergência, potencial ou efetiva, sobre a
interpretação da questão de direito. De fato, este é o objetivo da medida (eliminar essa
divergência) e, portanto, ela só é cabível quando, sobre a questão de direito, puder ocorrer
dúvida objetiva (demonstrada pela provável ou concreta disparidade em sua hermenêutica).
Note-se que, de acordo com a lei, essa divergência pode ser efetiva (no sentido de já se ter
76
verificado) ou potencial (provável, mas ainda não ocorrida), ao contrário do que ocorre com o
incidente de uniformização, que apenas admite a divergência efetiva. De qualquer forma, a
divergência deve ser atual, não podendo basear-se em situações pretéritas, já superadas.
Outrossim, essa divergência deve ser veri ficada no interior do tribunal que deve apreciar a
questão (e não entre tribunais ou dentro de outro tribunal).
Além desses requisitos, de ordem substancial, o incidente submete-se a outro, de ordem formal,
que é sua propositura pelo relator e a admis1751
V. a respeito, ARRUDA ALVIM, José Manoel. "Notas sobre algumas das mutações
verificadas com a Lei 10.352/2001". Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de
impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson Ncry Jr., Teresa Arruda Al vim Wambier, São Paulo: RT, 2002, p.
86.
l7<
'' Para indicar isso, estabelece a lei que deve ser conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou
turmas do tribunal.
642
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
são por ambos os colegiados (o que seria responsável pelo julgamento do recurso, e o outro
designado pelo regimento interno para conhecer dessa espécie de pedido). Essa decisão, vale
ressaltar, é tomada em duas instâncias sucessivamente: em primeiro lugar, pelo órgão que seria,
naturalmente, competente para julgar o recurso; e, em seguida, pelo órgão designado pelo
regimento interno como responsável pelo exame do julgamento por deslocamento de
competência. Apenas quando for obtida decisão positiva em ambos os órgãos é que o
deslocamento poderá ocorrer, outorgando-se a novo colegiado competência para julgar o
recurso.
3.12.4.3 Procedimento do incidente nos tribunais inferiores
Quanto ao procedimento, pouca coisa pode ser dita no atual estágio do instituto. Diante da
ausência de previsão da medida nos regimentos internos (ressalvados os do Superior Tribunal de
Justiça e do Supremo Tribunal Federal), quase nada se pode adiantar em relação ao seu processamento.
Nos termos do art. 555, § 1.°, caberá sempre e exclusivamente ao relator propor o deslocamento
de competência. Porém, é evidentemente viável que essa proposta do relator se dê por
provocação de algum interessado (outro julgador, parte ou Ministério Público, por exemplo).
A proposta de deslocamento é feita perante o órgão competente, ori-ginariamente, para julgar o
recurso. Cabe a ele deliberar se é conveniente propor a assunção de competência (pelo órgão
previsto no regimento interno), abstendo-sedejulgarorecurso.Casoentendapelo deslocamento,
paralisará o exame do recurso, encaminhando-o ao órgão colegiado designado para a
composição da divergência.
A distribuição e o procedimento, nesse novo órgão, será o previsto no regimento interno. De
toda sorte, o incidente passará por um juízo prévio de admissibilidade, em que esse colegiado
deliberará se efetivamente há o interesse público na prevenção ou na composição da divergência, observados sempre os requisitos antes tratados. Reconhecido o interesse público em
assumir a competência do órgão fracionário proponente, o novo colegiado passará a julgar o
recurso, que sairá da esfera de atribuição daquele. Caso, porém, não verifique a presença de
algum dos requisitos, restituirá o feito ao colegiado proponente para o julgamento do recurso.
os RECURSOS
643
Outrossim, a decisão do colegiado novo é a deliberação sobre o recurso interposto. Por isso,
contra ela caberão todos os recursos tradicionais (e já estudados) que caberiam em face da
decisão que seria tomada pela câmara, pela turma ou por outro órgão fracionário.
Finalmente, é importante salientar que, embora a função do instituto seja unificar o
entendimento sobre questão de direito, não há previsão — ao menos na lei - de que a decisão
nele tomada torne-se precedente vinculante para outras decisões sobre a mesma matéria. Dessa
forma, embora seja conveniente o respeito a essa decisão (que se torna paradigma para outros
casos em que a questão de direito seja novamente ventilada), nada impõe aos órgãos
fracionários a obediência e a aceitação incondicional da posição adotada pelo colegiado
julgador. Sua decisão poderá, sem dúvida, ser tida como expressão da "jurisprudência dominante do tribunal" (para os fins do art. 557 do CPC), mas certamente não é imperativa para os
magistrados que compõem o tribunal.
3.12.4.4 Procedimento perante os tribunais superiores
Conforme dito anteriormente, os tribunais superiores já prevêem, em seus regimentos internos, a
figura aqui estudada (arts. 14, II, e 127, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e
arts. 11 e 22 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). O Regimento Interno do
Superior Tribunal de Justiça apresenta procedimento específico e perfeitamente delineado. Já o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal oferece disciplina mais complexa, omitindo-se
em prever todos os passos da formação do incidente.
De acordo com o que prevê o art. 14, II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça,
a medida (deslocamento da competência para julgamento pela Seção) tem aplicação - além de
possuir outras funções, não exatamente idênticas àquela desempenhada pela figura tratada pelo
art. 555, § 1.°-quando convier pronunciamento da Seção, em razão da relevância da questão, e
para prevenir divergência entre suas Turmas. Quando a divergência for suscitada entre as
Seções, o pronunciamento deve ser feito pela Corte Especial, conforme previsão do art. 16, IV,
do mesmo Regimento Interno.
De acordo com o que dispõe o art. 127 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o
relator ou qualquer ministro participante
644
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
do julgamento do recurso pode solicitar esse deslocamento. Acolhida a proposta, o feito será
encaminhado - independentemente da lavratura de acórdão - ao órgão competente (Seção ou
Corte Especial). Com as notas taquigráficas da deliberação proponente, os autos serão
encaminhados ao Presidente do órgão ad quem (Seção ou Corte Especial) para a designação de
sessão de julgamento. Estabelecida a data, cabe à secretaria expedir e encaminhar cópias
autenticadas do relatório e das notas taquigráficas a todos os ministros componentes do órgão
(art. 127, § 1.°, do RISTJ). Efetivado o julgamento do recurso, pelo órgão designado, será
encaminhada cópia do acórdão, no prazo de sua publicação, à Comissão de Jurisprudência, para
elaboração de projeto de súmula, se for o caso (art. 127, §2.°, do RISTJ).
Perante o Supremo Tribunal Federal, o procedimento é essencialmente o mesmo. Cabe ao
relator (de recurso ou de ação), de acordo com o art. 22 do seu Regimento Interno, remeter o
feito ao plenário quando houver relevante argüição de inconstitucionalidade ainda não decidida
ou quando "houver matéria em que divirjam as Turmas entre si ou alguma delas em relação ao
Plenário", ou quando "em razão da relevância da questão j urídica ou da necessidade de prevenir
divergência entre as Turmas, convier pronunciamento do Plenário" (art. 22, parágrafo único).
Caso não o faça o relator, poderáaTurmaproporesse deslocamento, por ocasião dojulgamento do
feito, nas mesmas hipóteses (art. 11, parágrafo único, do RISTF).
A remessa, em todos os casos, independe de acórdão ou de nova pauta (art. 11, caput, do
RISTF), sendo, ademais, irrecorrível (art. 305, do RISTF). Assumida a competência, caberá ao
plenário do tribunal o julgamento do feito, comunicando-se a decisão ao final adotada à Comissão de Coordenação para as providências necessárias, destinadas à prevenção de decisões
discrepantes (art. 34, do RISTF).
3.12.5 Uniformização cie jurisprudência 3.12.5.1 Generalidades e cabimento
Os arts. 476 a 479 do CPC tratam do incidente de uniformização de jurisprudência, que também
objetiva expressar a opinião do tribunal a respeito da interpretação de certa norma jurídica. Esse
incidente (que não constitui recurso), previsto no CPC desde sua elaboração, tem intuito
os RECURSOS
645
evidentemente semelhante ao do deslocamento de competência, visto no item anterior.
É cabível o presente incidente sempre que se verificar, em qualquer julgamento proferido pelo
tribunal (por meio de seus órgãos), em recurso ou ação originária, divergência a respeito da
interpretação do direito. Tal divergência pode ser interna, quando existente entre os membros
do colegiado que têm a atribuição de julgar o caso concreto, ou seja, quando a tese jurídica
(interpretação sobre alguma questão jurídica) esboçada por um dos julgadores é distinta e
antagônica àquela apresentada por outro dos juizes que dá composição ao quorum de votação do
caso concreto; ou pode também ser externa, isto é, relativa a julgamento proferido por outro
órgão do próprio tribunal (câmara, grupo de câmaras ou câmaras reunidas, no âmbito estadual,
ou ainda turma e seção, na esfera federal), caso em que a comparação da hermenêutica dada a
certa regra no julgamento que se está procedendo com a dada em outra situação idêntica reflete
a variação de entendimento, a exigir que o tribunal se pronuncie a propósito de qual é a
interpretação efetivamente válida. A divergência externa há de ser verificada entre a orientação
que se esboça no julgamento do caso concreto e outra anteriormente dada por outro órgão do
tribunal, não sendo viável admitir-se o incidente apenas porque existem, no tribunal, em
diversos órgãos, orientações divergentes sobre a mesma questão jurídica.77 De qualquer forma, a
divergência deve ser atual, ou seja, existir ainda no seio da Corte - não se prestando a invocação
de tese já superada, ou esposada por juizes que já não mais integram a composição do tribunal,
para calcar a divergência -, e efetiva, ou seja, realmente existente entre interpretações veiculadas
no tribunal, estrutura desta Corte.
Presente a divergência, o incidente de uniformização pode ser suscitado por qualquer juiz que
tenha atribuição de votar no julgamento do caso específico. Também poderá ser requerido pela
parte interessada no julgamento do recurso, e ainda pelo Ministério Público (este somente
quando atue como recorrente ou recorrido no feito). Havendo interesse da parte em suscitar o
incidente, compete-lhe fazê-lo nas próprias razões recursais ou por meio de petição avulsa,
requerendo, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao procedimento da uniformização.
1771
Esta situação até pode ensejar o incidente, por comparação entre o resultado do caso concreto com um daqueles
precedentes. Todavia, a simples existência de divergência pretérita a respeito da interpretação de certo dispositivo legal não se enquadra em nenhuma das previsões do art. 476 do CPC.
646
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.12.5.2 Procedimento
Suscitado o incidente por qualquer dos juizes que dá composição ao órgão responsável pelo
exame do caso concreto (em que se verifica a divergência interna ou externa), ou mesmo pela
parte, por ocasião da inter-posição do recurso, suspende-se o julgamento do caso, apreciando-se
o cabimento do incidente.
Demonstrada a divergência interna ou a divergência externa (divergência que deve ser atual e
efetiva), deve ser admitido o incidente, lavrando o colegiado (que apreciava o caso específico) o
acórdão - que apenas autoriza a instauração do incidente - e encaminhando os autos ao
presidente do tribunal respectivo para a designação de sessão de julgamento (art. 477 do CPC).
Para a sessão, à semelhança do que ocorre com os embargos infringentes, a secretaria do
tribunal providenciará cópias do acórdão (proferido no colegiado em que se suscitou a
divergência, e que admitiu o incidente), que serão entregues a todos os juizes que participarão
do julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência.
Na sessão de julgamento, o tribunal - ouvido o Ministério Público, que atuará aqui como fiscal
da lei —, desde que admita o incidente (reconhecendo que, efetivamente, existe a divergência),
"dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada" (art. 478 do CPC). Note-se que o tribunal apenas se manifestará a respeito da
interpretação da questão jurídica surgida, sem adentrar o exame do caso específico, ou a
valoração da prova dos autos. Porém, essa decisão é vinculante para o julgamento do caso
concreto, que prosseguirá, por parte do órgão originário, adotando a orientação a respeito da
interpretação da questão de direito objeto do incidente de uniformização.
Se não for reconhecida a divergência, o colegiado simplesmente restituirá os autos ao órgão do
tribunal responsável pelo exame do caso específico, para que prossiga no julgamento.
A decisão adotada pelo tribunal, a respeito da interpretação da questão jurídica surgida, não é,
por si, recorrível. A parte prejudicada por aquela, poderá recorrer, ulteriormente, da decisão do
órgão fracionário do tribunal, que, aplicando o entendimento manifestado pelo tribunal em face
do incidente de uniformização de jurisprudência, decida a controvérsia em prejuízo seu. Para
tanto, valer-se-á do recurso adequado, segundo as circunstâncias.
OS RECURSOS
647
Quando a decisão do tribunal, no incidente de uniformização de jurisprudência, for tomada por
maioria absoluta de votos (mais da metade dos membros que dão composição ao órgão que deve
julgar o incidente), será ela objeto de súmula, constituindo precedente para a uniformização de
jurisprudência do tribunal (art. 479 do CPC), e autorizando, posteriormente, o julgamento
monocrático no tribunal, conforme já estudado acima. Caso contrário, sendo tomada a decisão
apenas por maioria simples dos membros, poderá ela valer como jurisprudência dominante do
tribunal para os efeitos de julgamento monocrático do relator, segundo as regras dos arts. 544 e
557 do CPC.
Salvo, porém, para o caso concreto, a decisão do tribunal a respeito da interpretação da questão
de direito não é vinculante para os demais órgãos jurisdicionais (mesmo subordinados
administrativamente a esse tribunal). Porém, constitui-se em precedente considerável, que
espelha, com certa tranqüilidade, o entendimento da corte a respeito da específica
questãojurídica.
3.12.6 Declaração de inconstitucionalidade 3.12.6.1 Generalidades e cabimento
O controle da constitucionalidade das leis pode fazer-se por duas vias: por via direta, através de
ação específica, voltada a declarar inconstitucional certo preceito de lei ou ato normativo, ou por
via incidental, ou seja, indiretamente, no exame do caso concreto, negando-se aplicação a
dispositivos de lei (ou a atos normativos) reputados inconstitucionais.
Segundo estabelece a Constituição Federal (art. 102,1, a), o controle de constitucionalidade pela
via direta somente pode ser realizado (em relação a leis ou atos normativos federais ou
estaduais, contestados em face da Constituição Federal) pelo Supremo Tribunal Federal ou
(relativamente a leis ou atos normativos estaduais ou municipais contrastantes com as
Constituições Estaduais) pelos Tribunais de Justiça locais. Já o controle incidental pode ser
realizado por qualquer juiz, de qualquer instância, do Poder Judiciário nacional, sem nenhuma
restrição. Todavia, quando esse reconhecimento se dê por órgão colegiado (tribunal), existe
certo procedimento próprio que deve ser obedecido, em homenagem ao previsto no art. 97 da
CF.
648
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Como preceitua o art. 97 da CF, "somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou
dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo do Poder Público". Entende-se que, de acordo com essa norma constitucional, o reconhecimento da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, perante os
tribunais, há de tomar em consideração o voto da maioria absoluta dos membros da corte, sem o
que não se pode afastar sua incidência. Então, alguém poderá perguntar: mas qual a função da
regra se, em primeiro grau de jurisdição, o juiz pode, sozinho, afastar a incidência de lei ou ato
normativo? Por acaso, a Constituição Federal confere maior poder ao juiz de primeiro grau do
que ao tribunal?
Realmente, não há muita lógica nessa idéia. Em verdade, ela deveria aplicar-se apenas à
declaração direta de inconstitucionalidade, e não à incidental. De fato, não se pode confundir
"declaração de inconstitucionalidade " com "reconhecimento da inconstitucionalidade" e
aconseqüen-te não aplicação da regra considerada inconstitucional diante do caso concreto. A
"declaração de inconstitucionalidade" somente ocorre principaliter, como objeto principal da
prestação jurisdicional, ou seja, quando a pretensão exposta pela parte é, precisamente, a de
declarar uma norma inconstitucional. Já o reconhecimento de inconstitucionalidade ocorre
sempre que, dentro da organização estrutural do direito positivo, se observe que a regra não
encontra respaldo na norma constitucional, não merecendo, por isso, reger a situação concreta tornando-se então inaplicável para a solução da controvérsia dela surgida.
A Constituição Federal alude apenas à "declaração de inconstitucionalidade", razão pela qual o
art. 97 da CF deveria restringir-se a essa hipótese. Todavia, jurisprudência e doutrina nacionais
entendem que o incidente de inconstitucionalidade, que ora nos interessa, aplica-se ao
reconhecimento indireto de inconstitucionalidade.
3.12.6.2 Procedimento
Pode o incidente ser provocado por qualquer dos magistrados, aquém submete o exame da
causa, e ainda pela parte ou mesmo pelo Ministério Público (seja ele parte ou custos legis no
caso concreto). Porém, o incidente sempre há de ser formado antes de concluído o julgamento
do recurso (ou da ação originária) pelo colegiado, por razões naturais.
OS RECURSOS
649
Segundo prevê o art. 480 do CPC, aventada, no julgamento de certo caso concreto, a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, seja pelo Ministério Público ou
pelas partes do recurso (ou da ação originária), seja por um dos magistrados incumbidos de
julgá-lo, cria-se questão prejudicial (sobre o tema jurídico) que impede o prosseguimento do
exame do litígio específico. Paralisando-se, então, o julgamento da causa, e após permitida a
manifestação do Parquet, ouve-se a respeito da questão o órgão colegiado.
Se o colegiado rejeitar a tese da inconstitucionalidade, não se formará o incidente,
prosseguindo-se normalmente no julgamento da controvérsia. Mas se a argüição de
inconstitucionalidade for acolhida pelo órgão fracionário, terá ensejo o incidente. Como não
pode esse colegiado reconhecer a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, deve
submeter a questão ao plenário do tribunal ou, se for o caso, ao seu órgão especial. Deverá ser
lavrado, então, o respectivo acórdão a respeito da inconstitucionalidade da lei ou do ato
normativo impugnado, encami-nhando-se os autos à presidência do tribunal para a designação
de sessão para o exame da questão.
Na verdade, depois de distribuídas cópias do acórdão (que admitiu a questão da
inconstitucionalidade) a todos os juizes do tribunal (ou do órgão especial), é que o presidente da
Corte designará sessão para o julgamento do incidente.
Na data designada, reunir-se-á o tribunal pleno (ou seu órgão especial), analisando,
primeiramente, o cabimento do incidente de inconstitucionalidade. Admitido, terá início seu
julgamento. No julgamento da questão, a lei ou o ato normativo público somente será
considerado inconstitucional se a maioria absoluta dos membros do tribunal (ou de seu órgão
especial) assim entender. Caso contrário, deve-se considerar como constitucional o ato
impugnado, ainda que a maioria simples (dos presentes) entenda-o por inconstitucional. Note-se
que o incidente de inconstitucionalidade pode ser instaurado e ser julgado com qualquer número
de juizes presentes: mas a regra somente poderá ser dita inconstitucional pela maioria absoluta
de votos (mais da metade dos juizes do tribunal ou de seu órgão especial).
A decisão que examina o incidente de inconstitucionalidade é irre-corrível, assim como ocorre
com o incidente de uniformização de jurisprudência. Cabe, contudo, recurso da decisão do
órgão fracionário que,
650
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
adotando o entendimento fornecido pelo tribunal (a respeito da inconsti-tucionalidade da regra),
julga o caso concreto. Nesse caso, será cabível o recurso específico, conforme as circunstâncias
da decisão prolatada.78 Com efeito, proferida a decisão do incidente, restituem-se ao cole-giado
suscitante os autos, a fim de que prossiga no julgamento do caso específico. Seja qual for o
resultado do julgamento do incidente de in-constitucionalidade, será ele vinculante para o órgão
originário. Ou seja, o colegiado que suscitou a questão da inconstitucionalidade fica vinculado
ao julgamento a esse respeito, devendo julgar o caso específico que lhe foi submetido conforme
esse "resultado".
3.12.7 Medida cautelarpara dar efeito suspensivo a recurso especial e a recurso extraordinário
3.12.7.1 Considerações preliminares
A decisão objeto de recurso especial ou, conforme o caso, de recurso extraordinário, pode ser
executada na sua pendência. Em outros termos, tais recursos devem ser recebidos apenas no
efeito devolutivo, não tendo aptidão para suspender os efeitos da decisão recorrida. 79
A execução que pode ser feita enquanto pendente o recurso é chamada de "execução
provisória", muito embora seja mais correto falar, nesses casos, em execução fundada em
decisão provisória (ver Parte III, Capítulo n. 1). De fato, como diz o art. 587 do CPC, "a
execução é definitiva quando fundada em sentença transitada em julgado ou em título
extrajudicial; é provisória, quando a sentença for impugnada mediante recurso, recebido só no
efeito devolutivo'''.
O novo art. 588 do CPC admite, nas hipóteses em que é possível a execução na pendência do
recurso, "o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de
domínio ou dos quais
Nesse sentido é a Súmula 513 do STF: "a decisão que enseja a interposição do recurso ordinário ou extraordinário
não é a do plenário, que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas)
que completa o julgamento do feito".
Art. 542, § 2.°, do CPC: "Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo".
OS RECURSOS
651
possa resultar grave dano ao executado", desde que seja prestada "caução idônea" (art. 588, II),
a qual poderá ser dispensada "nos casos de crédito de natureza alimentar, até o limite de 60
(sessenta) vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar em estado de necessidade"
(art. 588, § 2.°).
E certo que a execução na pendência dos recursos especial e extraordinário tem como objetivo
conferir maior tempestividade à tutela juris-dicional, mas também é inegável que ela pode trazer
dano grave ao recorrente. Exatamente por esse motivo, pensa-se na viabilidade do uso da
cautelar para suspender os efeitos da decisão objeto de recurso especial ou de recurso
extraordinário. O fim da cautelar, nesses casos, é suspender os efeitos da decisão recorrida,
impedindo que dano grave seja ocasionado ao recorrente na pendência do processamento do
recurso. Como é óbvio, e partindo-se da premissa do provimento de tais recursos, não é possível
que a parte (o recorrente) sofra dano enquanto espera a decisão que reconhecerá o seu direito.
3.12.7.2 Medida cautelare recurso admitido
Quando o tribunal faz juízo positivo acerca da admissibilidade do recurso, não há dúvida a
respeito do cabimento da cautelar para suspender os efeitos da decisão que podem acarretar
dano grave ao recorrente.
Se o recurso extremo já foi admitido, restando apenas o julgamento do Superior Tribunal de
Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, é lógico que a competência para julgar a cautelar que
objetive suspender os efeitos da decisão objeto do recurso deve ser do Superior Tribunal de
Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu:
"Cautelar inominada. Efeito suspensivo. Possibilidade jurídica. Competência. Instrumentalidade
do processo. Precedentes e excepcio-nalidade. Em casos excepcionais, restritivamente
considerados e autorizados por norma regimental, é lícito ao Superior Tribunal de Justiça
deferir efeito suspensivo ao recurso especial, em atenção aos princípios da instrumentalidade e
da efetividade do processo, desde que ocorrentes os pressupostos do 'periculum in mora' e do
fumus boni iuris'. "80
(80)
STJ, MC 34-RJ, rei. Min. Sálvio de Figueiredo, Revista doSTJ, vol. 13, p. 215.
652
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.12.7.3 Medida cautelar quando ainda não interposto recurso ou quando o recurso ainda não
foi submetido ao juízo de admissibilidade rio tribunal de origem
A sentença somente produz efeitos após o trânsito em julgado, ou depois de ter sido objeto de
recurso de apelação recebido apenas no efeito devolutivo. Nesse último caso, a sentença não
produz efeitos até o momento em que, eventualmente, o recurso de apelação seja recebido
somente no efeito devolutivo.
Entretanto, no caso de decisão objeto de recurso especial ou de recurso extraordinário, a decisão
produz efeitos desde logo, não estando subordinada ao recebimento do recurso no efeito
devolutivo.
O fato de a decisão poder produzir efeitos imediatos, ainda que não escoado o prazo recursal,
gera a possibilidade de a decisão poder provocar danos já nos primeiros momentos de sua
existência. Ou melhor, a decisão pode causar dano grave enquanto épreparado (para interposição) o recurso especial ou o recurso extraordinário, ou mesmo durante o processamento no
tribunal de origem.
Como a decisão pode provocar dano mesmo que o recurso especial ou o recurso extraordinário
não tenha sido ainda interposto, é lógico que aí é cabível cautelar, a qual evidentemente não terá
a possibilidade de atribuir efeito suspensivo ao recurso. Na realidade, embora se fale, por
facilidade de linguagem, em cautelar para dar efeito suspensivo ao recurso, o correto é pensar
em suspender os efeitos da decisão (objeto do recurso). Não se trata apenas de precisão
conceituai, mas sobretudo da necessidade de evidenciar que é a decisão que pode trazer dano
grave, pouco importando o fato de o recurso já ter sido interposto.
Portanto, presentes o "fumus boni iuris" e a probabilidade de dano, cabe cautelar para suspender
os efeitos da decisão, mesmo que ainda não tenha sido interposto recurso especial ou recurso
extraordinário, e com muito mais razão nos casos em que o recurso foi interposto e é esperado
o juízo de admissibilidade no tribunal de origem. Porém, na hipótese em que o recurso ainda
não foi interposto, o autor da cautelar deverá anunciar sua interposição, até porque a tutela
cautelar é vinculada a esse recurso, ou melhor, só tem razão de ser quando interposto o
recurso.
O Superior Tribunal de Justiça, percebendo que a cautelar não serve propriamente para dar
efeito suspensivo ao recurso, mas sim para sus-
OS RECURSOS
653
pender os efeitos da decisão, já admitiu a cautelar mesmo que ainda não interposto o especial:
"Cautelar - Recurso especial - Possibilidade, em tese, de ser concedida a suspensão da execução
de ato judicial, mesmo não interposto ain da o especial (...)-"81
Em outro caso, o mesmo tribunal afirmou ser possível a cautelar não obstante a circunstância de
o recurso especial ainda não ter sido interposto ou estar à espera do juízo de admissibilidade:
"É possível a concessão de medida cautelar, para suspender execução de decisão judicial sem
trânsito em julgado. Verificados o perigo de lesão irreversível e a aparência do bom direito, é
irrelevante a circunstância de o recurso especial ainda não ter sido interposto ou estar à espera
do juízo de admissibilidade." 92
3.12.7.4 Competência para o julgamento da cautelar enquanto não proferido juízo de
admissibilidade no tribunal de origem
Alguém poderia supor que, enquanto não proferido juízo de admissibilidade no tribunal de
origem, a competência para o julgamento da cautelar é desse tribunal, e não do Superior
Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Isto pela razão de que ofumus boni iuris
possui íntima relação com a decisão a respeito da admissibilidade do recurso especial ou do
recurso extraordinário. Em outras palavras: não seria possível apreciar o fumiis boni iuris da
cautelar, que tem relação com a
(S
" STJ, MC488-PB, rei. Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 19.08.1996.
STJ, MC 444-PR, rei. Min. Gomes de Barros, A/de 30.09.1996. Veja-se, ainda, a seguinte decisão: "Medida
cautelar - Efeito suspensivo a recurso especial - Perigo de intervenção estadual nos negócios de município - Recurso
ainda não submetido ao juízo de admissibilidade.
1. Constatado o perigo de intervenção estadual imediata nos negócios do Município e argüida a incompetência do
Tribunal, para apreciar questões relacionadas com o pagamento de precatório, justifica-se a adoção de medida
cautelar, para emprestar efeito suspensivo a recurso especial.
2. A circunstância de o Recurso Especial ainda não haver passado pelo juízo de admissibilidade não torna
impossível a medida cautelar' (STJ, MC 311-SP, 1 ."Turma, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em
08.11.1995).
(S2)
654
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
probabilidade de êxito do recurso, antes de o tribunal de origem analisar sua admissibilidade,
sob pena de restar invertida a "ordem das coisas".
O raciocínio tem lógica em um primeiro instante, mas não sobrevive à constatação de que o que
se deve proibir, na verdade, é a possibilidade do tribunal de origem adentrar a apreciação do
mérito do recurso. Ora, dando-se ao tribunal local competência para julgar a cautelar, confere-se
a ele não só a possibilidade de realizar juízo de admissibilidade em relação ao recurso, mas
também o poder de apreciar, ainda que com base em probabilidade, seu mérito. É preciso
perceber que o mérito do recurso não pode ser apreciado pelo tribunal local, ao passo que a
admissibilidade, ainda que deva ser feita em primeiro lugar por esse tribunal, também deve ser
realizada pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal.
No caso em que o perigo de dano é reconhecido - e esse é um dos requisitos da cautelar —, o
Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal ficam investidos da competência
de imediatamente apreciar apro-babilidade de êxito do recurso. Aliás, é sabido que o Superior
Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento dos recursos especial
e extraordinário (respectivamente), podem fazer juízo de admissibilidade diverso daquele
realizado pelo tribunal de origem.
No caso em que o recurso extremo não foi ainda interposto, mas existe fundado temor de dano
grave, parece adequado dar competência para a apreciação da cautelar ao tribunal no qual o
recurso deve ser protocolado. É que o pedido formulado na cautelar - como é óbvio, já que o
recurso ainda não foi interposto - não permitirá a apreciação das razões recur-sais, mas apenas
dirá respeito à possibilidade de modificação da decisão e ao fundado receio de que esta possa
trazer grave dano à parte que anuncia o recurso, o qual deve ter sua interposição controlada
pelo próprio tribunal, uma vez que a eficácia de eventual cautelar evidentemente estará
condicionada a essa interposição.
3.12.7.5 Recurso extraordinário ou especial não admitidos, interposição de agravo de
instrumento e medida cautelar para suspender os efeitos da decisão
Não é pelo fato de que o recurso extremo não foi admitido que a decisão não poderá causar
dano ao recorrente. Sefoi interposto agravo de instrumento contra a decisão de
inadmissibilidade do recurso, é lógico
os RECURSOS
655
que, durante o tempo para a definição da sorte dos recursos, poderá ser ocasionado dano grave. Na
realidade, o pressuposto da probabilidade do dano não se modifica quando se passa a pensar no agravo
em substituição ao recurso especial ou ao recurso extraordinário. O que merecerá maior atenção é a
questão do "fumus boni iuris ", pois se restou decidido não estarem presentes os requisitos de
admissibilidade do recurso, será possível concluir estar ausente o pressuposto da probabilidade de seu
êxito.
Supor que a cautelar não é admissível no caso de juízo negativo de admissibilidade, e que assim
a cautelar não pode ser usada quando interposto agravo de instrumento, é o mesmo que concluir
que o juízo de inad-missibilidade não pode ser modificado em sede de cautelar, ou que o "fumus
boni iuris " da cautelar não pode ser objeto de juízo diverso ao daquele feito quando se decidiu
pela inadmissibilidade do recurso. Entretanto, assim como o Superior Tribunal de Justiça ou o
Supremo Tribunal Federal podem, dando provimento ao agravo de instrumento, modificar a
decisão de inadmissibilidade, eles podem entender estar presente o "fumus boni iuris".
Em decisão recente, proferida em 3 de julho de 2002, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu
expressamente a indiscutível possibilidade de decidir sobre ofumus boni iuris de forma diferente
do juízo feito pelo tribunal de origem a respeito da admissibilidade do recurso. Entendeu-se ser
possível conceder "efeito suspensivo " em face de agravo de instrumento interposto contra
decisão denegatória de recurso especial. Eis o teor de despacho do Ministro-Presidente: "...
defiro em parte a liminar, ad referendum da turma julgadora, para impedir o afastamento do
prefeito até apreciação nesta corte do agravo de instrumento interposto, mantidas as
determinações de quebra de sigilo bancário e fiscal, bem como da indisponibilidade de bens do
requerente."83
Se o recurso especial não foi admitido, obviamente não há como atribuir a ele algum efeito.
Ademais, não é tecnicamente correto conferir efeito suspensivo a agravo de instrumento
interposto contra decisão negativa (que não admitiu o recurso extremo). Isto por uma razão
bastante simples: uma decisão negativa não produz efeitos. Como não epossível suspender o
nada, não é viável atribuir efeito suspensivo a um recurso interposto contra decisão que não
produz efeito algum.
""> STJ, MC 5211, decisão de 03.07.2002.
656
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
No caso de agravo de instrumento interposto contra decisão de inad-missibilidade de recurso
extremo, o certo épedir a suspensão dos efeitos da decisão objeto do recurso inadmitido.
3.12.7.6 Competência para o julgamento da cautelar quando interposto recurso de agravo de
instrumento
Quando já interposto agravo de instrumento, a competência para a apreciação da
admissibilidade dos recursos jáfoi transferida ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo
Tribunal Federal, os quais podem, como visto, reaiizarjuizo diverso daquele feito pelo tribunal
de origem. De modo que não há dúvida de que têm eles competência para conhecer e processar
a cautelar destinada a suspender os efeitos da decisão objeto do recurso inadmitido.
3.12.8 Tutela antecipatória em face dos recursos especial e extraordinário
3.12.8.1 Generalidades
Vimos, no item antecedente, o problema da necessidade de suspensão dos efeitos da decisão na
pendência dos recursos especial e extraordinário. Como salientado, o objetivo dessa suspensão é
evitar que grave dano seja causado ao recorrente. Acontece que não é apenas a decisão que
produz efeitos concretos que pode prejudicar o recorrente, mas também a ausência de decisão
que possa produzi-los. Ou melhor, há situações em que o recorrente precisa imediatamente de
determinada providência, sob pena de sofrer dano grave. Nesses casos, o recorrente não pode
esperar o tempo de processamento do recurso, e assim é necessário dar-lhe a possibilidade de
obter tutela jurisdicional ainda que diante do recurso. É aí que passa a importar a possibilidade
de obtenção de tutela antecipatória diante dos recursos especial e extraordinário.
3.12.8.2 Instrumento processual para a postulação da tutela antecipatória
O novo art. 527,111, doCPC, afirma expressamente que, recebido o agravo de instrumento no tribunal
(trata-se do agravo interposto diretamente no tribunal), o relator "poderá atribuir efeito suspensivo ao
recurso, ou deferir, em antecipação da tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal.-"-
OS RECURSOS
657
A alusão a essa norma tem por objetivo apenas evidenciar a possibilidade de tutela antecipatória
diante da interposição de recurso. É claro que a tutela antecipatória pode ser postulada na
mesma petição em que são apresentadas as razões recursais; isto quando o recurso pode ser imediatamente apresentado ao órgão competente para a apreciação da tutela antecipatória. Quando
o recurso deve ser apresentado no tribunal de origem - como acontece com os recursos especial
e extraordinário - e a competência para a apreciação da tutela antecipatória é de órgão superior no caso o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal -, é que surge o
problema. Nessa hipótese, como é evidente, a postulação de tutela antecipatória não pode ser
apresentada na petição de recurso, mas deve ser veiculada por meio de instrumento próprio.
Embora a cautelar, no caso de suspensão de efeito de decisão recorrida, já estej a sendo utilizada
de maneira inadequada, parece que não é correto estender ainda mais seu uso, agora
pretendendo abarcar o pedido de tutela antecipatória.
O art. 67 do Regimento interno do Superior Tribunal de Justiça, objetivando racionalizar o
serviço, define as classes das petições que a ele podem ser endereçadas. Embora não fale
expressamente em tutela antecipatória, alude em seu inciso XX a "petição (Pet)". Com efeito,
como aliás já sugeriu o Ministro Athos Gusmão Carneiro,84 após protocolado o recurso especial
no tribunal de origem, o pedido de tutela antecipatória no Superior de Tribunal de Justiçapoc/e
ser classificado, à falta de melhor enquadramento, como "petição".
3.12.8.3 Tutela antecipatória enquanto não interposto recurso
Como já foi dito, é inquestionável que uma decisão pode produzir danos logo após ter sido
proferida, ou melhor, enquanto não foi ainda possível protocolar o recurso extremo.
Nesse caso, porém, a competência para a apreciação da tutela antecipatória será do próprio
tribunal local em que o recurso deverá ingressar. Isto porque a apreciação de tutela
antecipatória/?tt<9 importará em consideração do recurso - até pela razão de que isso é
impossível,já que ele ainda não foi interposto — mas apenas em juízo a respeito da
possibilidade de modificação da decisão e do dano que a não concessão da tutela poderá gerar.
(!i4)
Athos Gusmão Carneiro. Recurso especial, agravos e agravo interno. Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 85.
658
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
3.12.8.4 Tutela antecipatória depois de protocolado o recurso no tribunal de origem
Após protocolado o recurso no tribunal de origem, a tutela antecipatória deve ser solicitada ao
Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal (conforme o caso), ainda que não
tenha sido realizado juízo de admissibilidade.
Se foi feito juízo positivo de admissibilidade, é evidente que a tutela antecipatória poderá ser
requerida ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal (conforme o caso),
esteja o recurso em um destes tribunais, ou ainda diante do tribunal local.
No caso de juízo de admissibilidade negativo e interposição de agravo de instrumento, a tutela
antecipatória também poderá ser requerida ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo
Tribunal Federal (conforme o caso), uma vez que pode haver, nessa hipótese, necessidade de
sua imediata concessão, além de a admissibilidade poder ser objeto de juízo diferente nesses
tribunais.
Frise-se que o fato de o Superior Tribunal de Justiça (por exemplo) não prever especificamente
o instrumento do requerimento de tutela antecipatória, não impede que ela seja postulada. A
tutela antecipatória é instrumento novo, e por essa razão muitas vezes não previsto de maneira
específica nos Regimentos Internos dos tribunais, ao contrário da velha "medida cautelar". Isso
não quer dizer, porém, que o pedido de tutela antecipatória não possa ser visto como "petição",
já que é inegável a possibilidade de seu requerimento diante dos termos do art. 5.°, XXXV, da
CF, que garante a todos tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva.
3.12.9 Recurso especial e recurso extraordinário retidos e necessidade de suspensão dos efeitos
da decisão recorrida ou de tutela antecipatória
3.12.9.1 Os recursos especial e extraordinário retidos diante da ameaça de dano ao recorrente
O art. 542, § 3.°, do CPC (ver item 3.10.3), afirma que os recursos extraordinário e especial
devem ficar retidos "quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de
conhecimento, cautelar, ou embargos à execução". Como jáfoi dito (item 3.10.3), estes recursos
devem ser interpostos contra acórdãos que configuram decisão interlocutória,
OS RECURSOS
659
e não contra qualquer acórdão que julga agravo de instrumento interposto contra decisão
interlocutória, até porque acórdão que julga recurso de apelação pode ter substância de decisão
interlocutória.
Além disso, em todos os casos em que acórdão determinar a prática de ato que possa causar
dano grave, ou mesmo negar a concessão de providência capaz de impedir que dano de igual
natureza seja gerado, o recurso, ainda que impugnando acórdão que contém decisão que não põe
fim ao processo, evidentemente não poderá ficar retido. Melhor explicando: a regra do art. 542,
§ 3.", relativa à retenção dos recursos, não se aplica aos casos em que a decisão interlocutória
puder causar dano grave. Nesse caso, o interesse recursol está ligado à possibilidade de se
afastar o dano; a parte tem interesse em recurso que tenha a capacidade de afastar o dano, e
não em recurso que, ficando retido, nada pode fazer contra o dano temido.
3.12.9.2 Admissão do processamento dos recursos e necessidade de medida cautelar
Importa esclarecer que a admissão do processamento do recurso não significa, por óbvio, juízo
de admissibilidade positivo, e assim possibilidade de subida do recurso ao Superior Tribunal de
Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal. Admitir o processamento é determinar a apresentação
de respostaeviabilizaroimediatojuízo de admissibilidade recursal, ou melhor, negar a
obstacularização do processamento do recurso ou, o que é o mesmo, negar sua retenção.
Ainda que o recurso não tenha tido seu processamento obstaculizado, pode existir necessidade
de cautelar para evitar que a decisão recorrida provoque dano grave ao recorrente. Tenha sido
feito, ou não, juízo de admissibilidade, a cautelar deverá ser proposta perante um dos tribunais
superiores. Por outro lado, se o juízo de admissibilidade foi negativo por parte do tribunal local,
nada impede a propositura de cautelar perante um dos tribunais superiores caso tenha sido
interposto agravo de instrumento (ver item 3.12.7.5).
3.12.9.3 Admissão do processamento dos recursos e necessidade de tutela antecipatória
Caso o acórdão recorrido tenha negado providência fundamental para evitar dano grave ao
recorrente, ela poderá ser buscada nos tribunais
660
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
superiores, quando evidentemente houver a possibilidade de recurso a eles.
A situação é semelhante à exposta no item antecedente. O único problema que poderia ser posto
diz respeito ao instrumento por meio do qual a tutela antecipatória deve ser requerida. Mas esse
problema já foi devidamente enfrentado nos itens 3.12.8.2 e 3.12.8.4, quando deixou-se claro
que o direito à tutela antecipatória está garantido no art. 5.°, XXXV, da CF, e assim, diante da
ausência de previsão específica, pode ser exercido através de "petição".
3.12.9.4 Indevida decisão de retenção, meio de sua impugnação e necessidade de medida
cautelar ou de tutela antecipatória
Se o tribunal de origem decide obstaculizar o recurso, não obstante a demonstração de fundado
receio de dano, essa decisão merece ser corrigida.
É certo que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o recurso especial, quando
indevidamente retido, pode ser destrancado por meio de qualquer meio processual, inclusive por
cautelar. Na verdade, o Superior Tribunal de Justiça vem salientando, em tais casos, a
necessidade de imediata correção da decisão de retenção, sem dar muita importância à forma
por meio da qual ela é requerida.^
Entretanto, esse mesmo tribunal, em decisão de que foi relator o Ministro Nilson Naves, embora
admitindo o uso de cautelar, registrou que "contra despacho de retenção do recurso especial
cabe agravo de instrumento, e não outro expediente processual. Se cabe do despacho de nãoadmissão (CPC, art. 544), por que há de se negar seu cabimento, em hipótese tal? Em alguns
casos não existe diversidade ontológica entre não-admitir e reter".S6
(S5
> STJ, MC 1.933/SP, DJU 07.02.2000; STJ, MC ! .963/RS, DJU 08.10.1999;
STJ,MC1728/SP,Djy25.05.1999;STJ,MC1.659/PR,DJÍ/08.11.1999; STJ, AGRMC 3396/DF, DJ(/06.05.2002; STJ,
MC3396/DF, DJÍ723.09.2002; STJ, RESP292670/RJ, DJt/22.04.2002; STJ, MC2198/RS, DJ£/24.06.2002; STJ, MC
3229/PR, DJU 13.05.2002.
(S(
" STJ, MC 2.361/SP, DJU 13.03.2000.
OS RECURSOS
661
O real problema que está por detrás dessa questão é o de que não basta somente a correção da
decisão indevida de retenção, mas é necessário também a suspensão dos efeitos da decisão
recorridapormeio do recurso indevidamente retido, ou mesmo a concessão da providência por
ela não concedida. Ou seja, não basta atacar a decisão de retenção, sendo preciso considerar,
igualmente, a decisão que foi objeto do recurso obstaculizado.
Note-se que o uso da cautelar, para suspender os efeitos da decisão objeto do recurso e para
impugnar o seu indevido trancamento, tem nítido sabor recursal} 1 Mas com um agravante: na
hipótese existe um instrumento atacando duas decisões (a objeto do recurso e a que determinou
a obstacularização do seu processamento). De modo que não há como admitir apenas o uso da
cautelar. E necessário interpor agravo de instrumento contra a decisão de retenção e cautelar
para dar efeito suspensivo à decisão objeto do recurso retido.88 Aliás, como já foi demonstrado,
a cautelar pode ser requerida ainda que o recurso esteja sendo processado. Em resumo: não é
possível o uso da cautelar para dar efeito suspensivo a uma decisão e, ainda, para impugnar
outra, que tem nítida substância de decisão. Ora, trancar o recurso, no caso em que se alega
fundado receio de dano, é o mesmo que não admiti-lo, ao menos na forma em que foi interposto.
De outra parte, se a decisão recorrida através do recurso retido negou ao recorrente providência
necessária para neutralizar situação danosa, o que importa é a possibilidade de sua obtenção.
Para tanto, não bastará somente o recurso de agravo de instrumento (contra a decisão de retenção), mas também será necessário requerer tutela antecipatória perante o tribunal superior (sobre
a forma de requerimento da tutela antecipatória, ver itens 3.12.8.2 e 3.12.8.4). Lembre-se que
essa tutela antecipatória
<S7)
Sobre o tema, José Miguel Garcia Medina. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São
Paulo: RT, 2001, p. 186 e ss; Luiz Rodrigues Wambier, "Da integração dos subsistemas recursal e cautelar nas
hipóteses de recurso especial e recurso extraordinário", Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e c/e outras
formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2001, p. 730 e ss; Rodolfo de Camargo Mancuso.
Recurso extraordinário e recurso especial. São Paulo: RT, 2001, p. 257 e ss.
(8S)
Porem, cabe frisar que o STJ tem admitido que apenas o uso da cautelar é suficiente nestas hipóteses (STJ, AGA
266834/PR, DJU 20.03.2000).
662
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
poderá ser requerida ainda que o recurso esteja sendo processado, e que a indevida retenção do
recurso serve apenas para melhor evidenciar o perigo, o qual deve ser analisado juntamente
com o "fumus boni iuris" pertinente ao recurso que foi obstaculizado.
3.13 Reexame necessário
3.13.1 Generalidades
Estabelece o novo art. 475 do CPC: "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo
efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, o
Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da
Fazenda Pública (art. 585, VI)...".
As hipóteses enumeradas nos dois incisos do art. 475 somente exigirão o chamado "reexame
necessário", ou melhor, o reexame da sentença por parte do tribunal ainda que não interposto
recurso voluntariamente, quando não houver a incidência do disposto nos §§ 2.° e 3.° do art.
475, que assim rezam: "§ 2.° Não se aplica o disposto neste artigo (art. 475) sempre que a
condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta)
salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de
dívida ativa do mesmo valor. § 3."Também não se aplica o disposto neste artigo quando a
sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em
súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente".
Como se vê, o reexame necessário não deve ser feito nos casos em que a condenação, ou o
direito controvertido, for de valor certo não excedente a sessenta salários mínimos, bem como
no caso de procedência dos embargos na execução de dívida ativa do mesmo valor. Isto, como
ja foi dito, nos casos de sentenças proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o
Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, além das sentenças de
procedência proferidas em embargos do executado opostos contra execução de dívida ativa.
Quando houver condenação parcial, ou procedência de parte dos embargos do executado
opostos à execução da dívida ativa, o reexame
OS RECURSOS
663
apenas se impõe quando a condenação ou a procedência parcial atingir valor superior a sessenta
salários mínimos.
Ademais, no caso em que a sentença de procedência estiver fundada em jurisprudência do
plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior
competente (para apreciar recurso contra acórdão de Tribunal estadual ou de Tribunal Regional Federal), não há que se pensar em reexame necessário, ainda que a condenação ou a
procedência parcial dos embargos supere o valor de sessenta salários mínimos. Nesse caso,
como é óbvio, a súmula, ou mesmo a jurisprudência invocada, deve ser atual, e não defasada ou
ultrapassada.
3.13.2 Natureza jurídica
Conforme dispõe o § 1.° do referido art. 475, "nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a
remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do
tribunal avocá-los".
Como é evidente, diante do disposto no art. 475, caput e § 1.°, a sentença, nas situações acima
narradas, não produz efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, pouco importando a
ausência de recurso de apelação. Se recurso não é interposto, o juiz deve ordenar a remessa dos
autos ao tribunal, ou, em caso negativo, o tribunal deve avocá-los.
Portanto, a hipótese contida na norma que acaba de ser transcrita nada tem a ver com recurso.
Trata-se de condição para a eficácia da sentença. Ou melhor, a norma deixa claro que, em
certos casos, a sentença - embora válida — não produz efeito senão depois de confirmada pelo
tribunal.
O reexame necessário, exatamente pelo fato de que é instituído para preservar a esfera j uridica
da parte vencida, não pode gerar a piora de sua situação, ou mesmo seu agravamento. É nesse
sentido a Súmula n. 45 do Superior Tribunal de Justiça: "No reexame necessário, é defeso ao
Tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública"
PRECLUSÃO
SUMÁRIO: 4.1 Generalidades - 4.2 Conceito e classificação - 4.3 Efeitos.
4.1 Generalidades
O processo é uma marcha para frente, tendente a atingir certo objetivo predeterminado, que é a
prestação integral da tutela jurisdicional.
Para que o processo possa seguir sempre adiante, é preciso que se criem mecanismos destinados
a impedir a repetição da prática de atos processuais ou o retorno a fases e atos já praticados,
evitando-se, com isso, contradições (entre atos já praticados e outros a serem praticados) e
círculos viciosos na tramitação processual.
De outra parte, vários princípios processuais contribuem para que as partes se comportem no
processo de forma a expor, integral e completamente, o conflito de interesses que desejam ver
solucionado pela jurisdição (assim, por exemplo, tem-se o princípio da demanda, da eventualidade etc). A impossibilidade de se retornar a fases e atos já praticados (como regra) tem também
o escopo de impedir a má-fé processual, pois impede que as partes venham a surpreender uma a
outra, justapondo argumentos, fatos e pedidos anteriormente não formulados, prejudicando, com
isso, a prova dos fatos, a concatenação das razões e das defesas.
Por todos esses motivos, é necessário pensar em mecanismos que auxiliem o processo a sempre
avançar, permitindo uma ordenação simplificada, coordenada e racional da atividade
jurisdicional, possibilitando àquele atingir o mais rapidamente possível seus objetivos. Daí a
importância do instituto áapreclusão. É precisamente esse instituto que permite ao processo
desenvolver-se adequadamente, dirigindo-se ao seu objetivo final, à sua conclusão.
PRECLUSÃO
665
Toda a marcha processual se ordena sob o critério da preclusão, sendo esta, ainda, o pressuposto
essencial para a figura a ser adiante estudada, a coisa julgada. Esta é, por muitos, considerada a
preclusão por excelência, capaz de gerar efeitos mesmo para fora do processo onde ocorre.
4.2 Conceito e classificação
Conforme clássica definição de CHIOVENDA, a preclusão consiste na perda, ou na extinção ou
na consumação de uma faculdade processual. Isso pode ocorrer pelo fato:
i) de não ter a parte observado a ordem assinalada pela lei ao exercício da faculdade, como os
termos peremptórios ou a sucessão legal das atividades e das exceções;
ii) de ter a parte realizado atividade incompatível com o exercício da faculdade, como a
proposição de uma exceção incompatível com outra, ou a prática de ato incompatível com a
intenção de impugnar uma decisão;
iii) de ter a parte já exercitado validamente a faculdade.'
Efetivamente, como se observa desta definição, apreclusão consiste - fazendo-se um paralelo
com figuras do direito material, como a prescrição e a decadência- na perda de "direitos
processuais", que pode decorrer de várias causas. Assim como acontece com o direito material,
também no processo a relação jurídica estabelecida entre os sujeitos processuais pode levar à
extinção de direitos processuais, o que acontece, diga-se, tão freqüentemente quanto em
relações jurídicas de direito material. A preclusão é o resultado dessa extinção, e é precisamente
o elemento (aliado à ordem legal dos atos, estabelecida na lei) responsável pelo avanço da
tramitação processual.
Observe-se que a relação processual forma situações jurídicas ativas epassivas entre os sujeitos
do processo. A cada situação ativa de alguém corresponde uma situação passiva de outrem.
Diante de certa posição de vantagem de um sujeito, sua fruição abre espaço para inúmeras
outras situações jurídicas processuais. Exemplificando: a juntada de documen"' CHIOVENDA, Giuscppc. "Cosagiudicata e preclusione". In Saggi di diritto pmccssuale
civile. Milano: Giuffrò, 1993. vol. 3, p. 233.
666
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
to impõe a realização do contraditório etc. A cada ato praticado no processo, abre-se ensejo à
realização de outros atos, vinculados ao anterior. Eis a razão pela qual a preclusão é tão
importante para a marcha processual: a prática de um ato (ou sua não realização) reverbera em
situações novas (para o próprio sujeito ou para outros) que põem a pessoa em condição de
adotar outra conduta, e assim sucessivamente, em direção ao objetivo final do processo.
A preclusão, como se pode concluir dessas observações, é instituto concebido para gerar efeitos
dentro do processo, vinculados aos direitos, ônus, poderes e sujeições que conformam a relação
jurídica processual.
Da definição oferecida por CH10VENDA, pode-se ver que existem basicamente três tipos de
preclusão:
a) Preclusão temporal: todos os atos processuais têm oportunidade e ocasião próprias para
realização. A lei processual concebe prazos a serem obedecidos, sob pena de sanções (por
exemplo, art. 183 do CPC). Esgotado o prazo de que dispunha o sujeito para a prática de
determinado ato (tratando-se de prazo peremptório) ou superada a oportunidade adequada para
tanto, extingue-se o direito de realizá-lo, ocorrendo, então, a preclusão temporal .Assim, por
exemplo, se o réu deixa de oferecer resposta no prazo assinalado pelo Código de Processo Civil,
extingue-se o direito de fazê-lo posteriormente, ficando-lhe vedado oferecer resposta
ulteriormente (salvo em situações específicas).
b) Preclusão lógica: a extinção do direito de efetivar certo ato processual também pode derivar
da prática de algum ato com ele incompatível. Dessa forma, se a parte renuncia ao direito de
recorrer, certamente não poderá manifestar interesse em oferecer recurso, já que praticara
anteriormente ato incompatível com a segunda faculdade. A perda do direito de recorrer decorre
da prática de ato logicamente inconciliável com
aquele.
c) Preclusão consiimaliva: finalmente, a extinção da faculdade processual pode nascer de sua
causa mais natural, que é a efetiva prática do ato validamente. Praticado o ato, consumado está
ele, não tendo mais o sujeito a faculdade de fazê-lo. Apresentada a petição inicial pelo autor,
oferecida a contestação pelo réu, interposto o recurso pela parte (ainda que o prazo não estivesse
esgotado), já está realizado o ato, motivo pelo qual não mais há mais como tornar a praticá-lo.
PRECLUSÃO
667
Ao lado dessas espécies de preclusão, alude a doutrina à preclusão projudicato, ou seja, aquela
que se operaria em relação ao órgão jurisdi-cional. Essa preclusão nada mais seria do que as
modalidades normais de preclusão, porém observadas em relação à figura do juiz. Discute-se a
respeito da existência dessa preclusão para o magistrado, especialmente considerando-se a
utilidade de se impor ao juiz limitações quanto às suas decisões.
Em geral, admite a doutrina que o magistrado também está, em determinadas circunstâncias,
sujeito à preclusão, mas apenas àconsumati-va. Efetivamente, considerando que os prazos para
o órgão jurisdicional são impróprios (ou seja, não há sanção ao seu descumprimento), seria
impossível caracterizar para ele prazos peremptórios e, em conseqüência, preclusão temporal.
De outra parte, admitindo-se que todas as decisões interlocutórias são recorríveis pela via do
agravo, e considerando que esse recurso, como visto, autoriza o juízo de retratação, sempre seria
possível que, ao menos mediante provocação, a autoridade jurisdicional reconsiderasse decisão
anteriormente tomada, não se podendo então falar em preclusão lógica. Resta, portanto, apenas
a preclusão consumati-va, como capaz de operar em relação ao órgão jurisdicional. Esta, sim,
pode ocorrer, como no caso mais importante, que é a prolação de sentença; como assevera o art.
463, "ao publicar a sentença de mérito, o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional", não lhe
sendo mais lícito alterá-la, senão em situações excepcionais.
Todavia, nem todas as decisões jurisdicionais estão sujeitas à preclusão consumativa. O exame
de matéria de ordem pública, como as condições da ação ou os pressupostos processuais, não
preclui jamais. Por exemplo: a admissão de prova anteriormente não admitida não está vedada
pela preclusão. Somente em circunstâncias especiais, é possível dizer que o magistrado está
sujeito à preclusão. Apenas quando, por dispositivo expresso em lei, for vedado ao juiz alterar
decisão já prolatada, é que se poderá afirmar, com certeza, a existência de situação de preclusão
projudicato.
4.3 Efeitos
Ocorrida a preclusão, extingue-se, mesmo independentemente de qualquer declaração judicial, o
direito de praticar o ato processual (art. 183doCPC).
668
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Gera a preclusão, por outro lado, nova situação jurídica processual,2 determinante da seqüência
do procedimento. É exato afirmar, assim, que ela constitui a causa motriz do andamento
processual.
Por tudo isso, fica proibido ao sujeito processual rediscutir questões já decididas, no curso do
processo, a cujo respeito já se operou a preclusão (art. 473 do CPC). O ato, praticado após a
ocorrência de preclusão, é nulo e não produz efeito algum. Assim, se já decorreu o prazo para o
oferecimento da resposta, o ulterior oferecimento de contestação é irrelevante e incapaz de
alterar a situação de revelia operada.3
Enfim, como já se assinalou anteriormente, a preclusão é pressuposto indispensável para a
ocorrência da coisa julgada, confundindo-se, aliás, como se verá adiante, com aquilo que a
doutrina costuma chamar de coisa julgada formal.
1:1
Cl". Giuscppe Chiovenda, Princípios de derecho procescd civil, cit., t. II, P3.358. m Cf. Manoel Caetano Ferreira Filho, A preclusão no direito processual civil,
Curitiba: Juruá, 1991, p. 31.
5 COISA JULGADA
SUMARIO: 5.1 Coisa julgada material c coisa julgada formal - 5.2 Generalidades e definição - 5.3 Limites subjetivos
da coisa julgada - 5.4 Limites objetivos da coisa julgada- 5.5 Eficácia preclusiva da coisa julgada.
5.1 Coisa julgada material e coisa julgada formal
Neste capítulo será estudada a figura da coisa julgada, mas o exame ficará restrito à análise da
chamada coisa julgada material. A doutrina costuma tratar, como espécies de um mesmo
gênero, da coisa julgada formal e da coisa julgada material, mas por razões que ficarão mais claras adiante, parece exato observar o fenômeno da coisa julgada somente por seu prisma
material, retirando do exame deste instituto a figura da coisa julgada formal.
Provisoriamente, receba-se como conceito de coisa julgada a imutabilidade decorrente da
sentença de mérito, que impede sua discussão posterior. O conceito ainda é impreciso, mas
presta-se para o fim aqui objetivado, que é realizar a separação entre coisa julgada formal e
material.
Quando se pensa nessa indiscutibilidade da sentença de mérito, logo surgirá a seguinte questão:
indiscutibilidade interna ou externa à relação processual em que a sentença foi prolatada? Como
foi visto anteriormente, as decisões judiciais (e aí se incluem as sentenças) podem ser objeto de
revisão, dentro da própria relação processual de onde emanam, por meio dos recursos. Em tese,
também poderiam ser revistas fora daquela relação processual, através de outro processo.
670
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Quando se alude à indiscutibilidade da sentença judicial fora do processo, portanto em relação a
outros feitos judiciais, o campo é da coisa julgadamaterial, que aqui realmente importae
constitui, verdadeiramente, o âmbito de relevância da coisa julgada. Já a indiscutibilidade da decisão judicial verificada dentro do processo remete à noção de coisa julgada formal. A coisa
julgada formal, como se nota, é endoprocessual, e se vincula à impossibilidade de rediscutir o
tema decidido dentro da relação jurídica processual em que a sentença foi prolatada. Já a coisa
julgada material é extraprocessual, ou seja, seus efeitos repercutem fora do processo.
A impossibilidade de rediscutir a matéria decidida dentro da mesma relação processual conduz,
inexoravelmente, à idéia áe preclusão. Afinal, a preclusão é a extinção de uma faculdade
processual, operada internamente à relação processual. De fato, somente se pode pensar que,
dentro do processo, não se pode discutir a sentença prolatada, se por algum motivo não mais
houver a possibilidade de interposição de recurso em relação a ela.
Por isso mesmo, a chamada coisa julgada formal, em verdade, não se confunde com a
verdadeira coisa julgada (ou seja, com a coisajulgada material). É, isto sim, uma modalidade de
preclusão, a última do processo de conhecimento, que torna insubsistente a faculdade processual
1
de rediscutir a sentença nele proferida.
A "coisajulgada formal" opera-se em relação a qualquer sentença, a partir do momento em que
precluir o direito do interessado em impugná-la internamente à relação processual. Como
preclusão que é, não deve ser confundida com a figura (e o regime) da coisajulgada (material).
Por isso, este estudo há de restringir-se ao tratamento da coisa julgada material, deixando de
lado a chamada coisa julgada formal, porque esta não guarda ligações axiológicas com a
primeira. Naturalmente, a coisajulgada material tem como pressuposto inafastável a coisa
julgada formal. Todavia, a imutabilidade que realmente tem relevância é aquela caracterizada
externamente ao processo (decorrente da coisa julgada material).
1
'> Nesse sentido, v. Egas Dirceu Moni/. de Aragão, Sentença e coisajulgada. R10 de Janeiro: Aide, 1992, p. 217-218;
Manoel Caetano Ferreira Filho, A preclusão no direito processual civil, cit., p. 70.
COISA JULGADA
671
5.2 Generalidades e definição
A idéia de jurisdição (iuris dictio) indubitavelmente conduz à inferência de que a função j
urisdicional se destina, exclusivamente, a dizer o direito diante do caso concreto. Realmente,
não é difícil perceber a identificação do fim do processo, em especial o de conhecimento, com o
juízo de concreção (subsunção), ou seja, com a idéia de adequação do fato específico,
apresentado em juízo, a uma norma abstrata prevista no ordenamento jurídico. É neste sentido,
aliás, a clássica definição de CHIOVENDA a respeito de jurisdição. Quando diz ele que a
jurisdição se presta para a atuação da vontade concreta da lei, está precisamente a apontar nessa
direção, identificando a função do processo com o reconhecimento da norma específica que rege
determinada situação.2
Não obstante seja possível questionar a validade dessas idéias, certo é que, nessa ótica
tradicional, uma vez efetivada a subsunção do fato à normajurídica abstrata, tem-se por
realizada a função jurisdicional. Certificada a vontade concreta da lei para o caso concreto,
como diria CHIOVENDA, concluiu-se a atividade jurisdicional, atingindo-se seu escopo
fundamental.3 O conflito de interesses estará, a partir de então, julgado, e aí reside a essência da
figura da coisa julgada.
(21
Significativas, a propósito, são as palavras de CHIOVENDA. Como diz o autor, "toda norma encerrada na lei
representa uma vontade geral, abstrata, hipotética, condicionada à verificação de determinados fatos, que, em regra,
podem multiplicar-se indefinidamente. Cada vez que se verifica o fato ou grupo de fatos previstos pela norma, formase uma vontade concreta da lei, ao tempo em que da vontade geral e abstrata nasce uma vontade particular que tende
a atuar no caso determinado. (...)
Ora, o processo civil, que se encaminha por demanda de uma parte (autor) em frente a outra (réu), serve justamente,
como em seguida melhor demonstraremos, não mais a tornar concreta a vontade da lei, pois essa vontade já se formou como vontade concreta anteriormente ao processo, mas a certificar qual seja a vontade concreta da lei afirmada
pelo autor, a qual, se existente, é efetivada com o recebimento da demanda, ou em caso contrário a vontade negativa
da lei, efetivada com a recusa" (CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil, cit., v. p. 18-19).
<3
' Obviamente, a grande crítica que se pode fazer a essa visão é sua despreocupação com o mundo real. Ademais, a
mera certificação do direito não esgota a função jurisdicional simplesmente porque é, por si só, muitas vezes inábil
para solucionar o conflito de interesses e efetivar os direitos reconhecidos.
672
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Uma ve/Julgado o caso, restará declarada a disciplina que o direito abstrato confere à situação
específica. Por isso, prestada a tutelajurisdi-cional, haverá ela de ser imutável. Assim, a
imutabilidade, característica essencial da coisajulgada material, como se verá a seguir, nada
mais é do que reflexo natural do sistemajuridico positivo adotado por nossa ordem jurídica.
É cediço que as normas jurídicas abstratas são concebidas (e todo o sistemajuridico calcado em
regras positivadas é assim) com certa estabilidade, a fim de permanecerem regulando a conduta
social indefinidamente (ate, pelo menos, que o legislador note alguma modificação da conduta
social, capaz de alterar o regramento que o direito oferece). Daí por que se concebe total
ritualismo para a edição de normas jurídicas, e também para sua modificação. Para simbolizar
que a conduta apanhada pela norma deve ser obedecida indefinidamente, afirma-se que a
realidade fica "engessada" na norma produzida.4
Pois bem. A declaração contida na sentença nada mais é do que a concreção da norma abstrata.
Como pondera OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, "o chamado efeito dcclaratório da sentença,
ou sua eficácia de-claratória, corresponde ao juízo de subsunção praticado pelo julgador, ao
considerar incidente no caso concreto a regra normativa constante da lei". 5 De fato, a
coisajulgada nada mais é do que o reflexo da ordem jurídica abstrata no caso concreto; se a
regra abstrata é (ao menos em princípio, c enquanto a necessidade social estiver acorde com ela)
imutável, também a regra concreta assim deve ser. E, considerando que na sentença o juiz
"concretiza" a norma abstrata, fazendo a lei cio caso concreto, nada mais normal que essa lei
também se mostre imutável.
Tem-se, então, que a coisa julgada material corresponde à imutabilidade da declaração judicial
sobre o direito da parte que requer alguma prestação jurisdicional. Portanto, para que possa
ocorrer coisajulgada material, é necessário que a sentença seja capaz de declarar a existência ou
não de um direito. Se o juiz não tem condições de "declarar" a exisNão c por outra razão que se entende que a norma jurídica deve ser hipotética, abstrata e genérica. Tais conceitos são
necessários exatamente para poder tun-damentar uma regra que tenha valia indeterminada, que possa vigorar por
tempo
indeterminado e de forma estável.
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada, cit., p. 210.
COISA JULGADA
673
tência ou não de um direito (em razão de não ter sido concedida às partes ampla oportunidade
de alegação e produção de prova), o seu juízo — que na verdade formará uma "declaração
sumária" — não terá força suficiente para gerar a imutabilidade típica da coisa julgada. Se o
juiz não tem condições de conhecer os fatos adequadamente (com cognição exauriente) para
fazer incidir sobre estes uma normajurídica, não é possível a imunização da decisão judicial,
derivada da coisa julgada material.
Tal é o que ocorre com as ações cautelares. Nelas, o juiz cinge-se a decidir com base na
"aparência" (cm fumus boni iuris), sem que possa chegar a um juízo de "certeza sobre os fatos"
— e, portanto, sem que tenha condições de declarar, deforma definitiva, a existência de um direito. Por essa razão, a doutrina é cética em reconhecer a possibilidade de o provimento cautelar
gerar coisa julgada material - com exceção feita à hipótese, prevista no art. 810 do CPC, em que
o juiz reconhece, na ação cautelar, a ocorrência de prescrição ou decadência do direito acautelado.6
(6)
Esquece-se a doutrina que, nessa hipótese, esse provimento gera coisa julgada material pelo fato de que aí o juiz
decide com base em um juízo de "certeza", e não de "aparência". Tratando-se de questão de direito -onde não importa
a análise (e, portanto, a prova) de fatos - o reconhecimento da prescrição e da decadência é dever do juiz, sem que ele
careça de qualquer atuação positiva" da parte (salvo, quanto à prescrição cm matéria de direito patrimonial, onde a
questão deve ser aventada pela parte). Considerando que, nessa hipótese, o juiz tem condições de chegar a um juízo
de certeza sobre a questão (até porque se trata de mera questão de direito, onde não há necessidade de prova), evidente que sobre esse julgamento haveria de incidir coisa julgada material. Modernamente, o legislador brasileiro
ampliou as hipóteses de coisa julgada material formada no próprio processo cautelar. Trata-se da previsão constante
na Lei 8.397, de 06.01.1992 (que trata da medida cautelar fiscal), que em seu art. 15 prevê: "o indeferimento da
medida cautelar fiscal não obsta a que a Fazenda Pública intente a execução judicial da Dívida Ativa, nem influi no
julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar fiscal, acolher alegação de pagamento, de compensação,
de transação, de remissão, de prescrição ou decadência, de conversão do depósito em renda, ou qualquer outra
modalidade de extinção da pretensão deduzida". Neste texto se observa a aceitação, cm lei, da declaração de direitos
cm ação cautelar, desde que estejam presentes, evidentemente, condições de produzir declaração suficiente sobre
relação jurídica.
674
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Antigamente, identificava-se o fenômeno da coisa julgada material com a descoberta da
verdade. É clássica a idéia, estampada no Digesto romano, de que a coisa julgada é aceita como
verdade (res iudicatapro veritate accipitur). Houve ainda quem visse na coisa julgada não propriamente a verdade, mas sim uma ficção (ou uma presunção) de verdade.
Em realidade, a coisa julgada não se liga, ontologicamente, à noção de verdade. Não a
representa, nem constitui ficção (ou presunção) legal de verdade. Trata-se, antes, de uma opção
do legislador, ditada por critérios de conveniência, que exigem a estabilidade das relações
sociais, e conseqüentemente das decisões judiciais. É notório que o legislador, ao conceber o
sistema jurisdicional, pode inclinar-se para a certeza jurídica ou para a estabilidade. Pode
privilegiar a certeza, buscando incessantemente descobrir como as coisas aconteceram,
autorizando sempre e a qualquer tempo a revisão da decisão prolatada, e fazendo infinita a solução da controvérsia. Ou pode fazer prevalecer a estabilidade, colocando, em determinado
momento, um fim à prestação jurisdicional, e estabelecendo que a resposta dada nessa ocasião
representa a vontade do Estado relativamente ao conflito posto à sua solução. É comum
observar que o processo penal tende para a primeira opção, enquanto o processo civil dirige-se,
com maior freqüência, para a segunda. Nenhuma das alternativas, porém, é adotada de forma
radical por qualquer desses sistemas, sempre se buscando o equilíbrio ideal entre elas.
Considerando o exame anteriormente feito, a respeito da função da verdade no processo, e
partindo-se das premissas ali lançadas, tem-se como razoável considerar que o instituto da
coisa julgada representa critério de justiça para o processo civil. Eternizar-se a solução do
conflito, na busca de uma verdade que, em sua essência, jamais será possível dizer estar
atingida, constitui certamente algo inaceitável, mormente em se considerando o perfil das
relações sociais e econômicas da sociedade moderna. E, por isso, realmente indispensável
colocar, em determinado momento, um fim ao litígio submetido à apreciação jurisdicional,
recrudescendo a decisão judicial adotada. A esse momento corresponde a coisa julgada.
A definição de coisa julgada como sendo a decisão judicial da qual não caiba recurso, embora
colabore para determinar o momento em que
COISA JULGADA
675
se opera a coisa julgada, é incapaz, de apreender a real essência do instituto.1
Já o Código de Processo Civil, em seu art. 467, dita que "denomina-se coisa julgada material a
eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou
extraordinário". Nessa conceituação, dá-se um passo avante na explicação do fenômeno. Realmente, diz ela com a imutabilidade e a indiscutibilidade da sentença (e não de qualquer espécie
de decisão) de mérito (como se pode acrescentar, a partir da dicção do art. 468), decorrente
dapreclusão incidente sobre o debate em torno dessa sentença.
Entretanto, peca a definição ofertada pelo Código de Processo Civil ao estabelecer a coisa
julgada como um efeito da sentença. Como demonstrou LIEBMAN, ao tratar da coisa julgada,
"esta expressão, assaz abstrata, não pode e não é de referir-se a um efeito autônomo que possa
estar de qualquer modo sozinho; indica pelo contrário a força, a maneira com que certos efeitos
se produzem, isto é, uma qualidade ou modo de ser deles. O mesmo se pode dizer das diversas
palavras por que se procura explicar a fórmula legislativa tradicional: imutabilidade,
definitividade, intangibilidade, incontestabilidade, termos que exprimem todos eles uma
propriedade, uma qualidade particular, um atributo do objeto a que se referem, porque são, por
si sós, expressões vazias, privadas de conteúdo e de sentido".lS E, conclui, então, o
processualista, dizendo que "a linguagem induziu-nos, portanto, inconscientemente, à
descoberta desta verdade: que a autoridade da coisa julgada não é o efeito da sentença, mas uma
qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e
diversos, consoante as diferentes categorias das sentenças". 9 Daí se pode concluir que, em
verdade, a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma qualidade que pode agregar-se a
estes efeitos.
A fim de bem entender essa distinção, é necessário distinguir os conceitos de eficácia, efeito e
conteúdo da sentença. A eficácia da sentença
(7)
Cl'. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Ainda e sempre a coisa julgada".
In Direito processual civil. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. n. 3, p. 135-136). (S) LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e
autoridade da sentença. Trad. Alfredo
Buzaid e Benvindo Aires. Rio de Janeiro: Forense, 1945. p. 15-16. (9) Idcm, ibidem, p. 16.
676
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
é a potencialidade (virtualidade) que lhe é atribuída, para produzir efeitos. Toda sentença,
porque deve (ou ao menos pode) corresponder à pretensão de direito material exposta pelo
autor, deve conter, em si, eficácias capazes de corresponder àquela pretensão e, assim, exercer a
ação de direito material buscada. O conjunto dessas eficácias, somado a alguns efeitos (que
ocorrem concomitantetnente com a sentença), conforma aquilo que se denomina de conteúdo da
sentença. E, ao se realizarem concretamente, essas eficácias convertem-se em efeitos concretos
(sendo que esse momento pode ou não ocorrer instantaneamente com a prolação da sentença).
Os efeitos sentenciais podem ser internos ou externos à sentença, na medida em que podem
participar da essência do ato decisório ou não. Os efeitos que operam exclusivamente no plano
jurídico (em geral, isso acontece com o efeito condenatório, constitutivo e declaratório),
operam-se independentemente de qualquer outra coisa, a partir do momento fixado em lei, e
portanto independem de qualquer outro agente externo para serem materializados. Já os efeitos
executivo e mandamental (e, eventualmente, também alguns dos anteriores) materializam-se
apenas com a adoção de providências externas à sentença e, por isso, podem ou não operar
concretamente. Conclui-se, portanto, que estes efeitos concretos da sentença .vão livremente
disponíveis pelos interessados, que podem ou não envidar esforços para sua realização efetiva.
Já os efeitos exclusivamente jurídicos encerram-se na sentença, nascendo dela e nela, não
sendo, por isso, alteráveis, já que não fica na esfera do interessado (ou de qualquer agente
externo) ensejar que esses efeitos se operem realmente.
A eficácia da sentença, enquanto mera virtualidade, não pode ser abarcada pela imutabilidade
decorrente da coisa julgada, já que não existe concretamente. Os efeitos é que podem, em tese,
ser acobertados pela indiscutibilidade característica da coisa julgada. Todavia, dentre esses
efeitos há aqueles que dependem de agentes externos para se rea-Hz.arem, e por isso não
podem ser atingidos pela imutabilidade da coisa julgada, pois podem vir a não operar
efetivamente. Assim, por exemplo, a ação de execução pode não ser jamais intentada, quando o
efeito executivo da sentença condenatória não será atuado, assim como pode acontecer que um
mandado de manutenção de posse não possa ser cumprido, impedindo a realização material do
efeito mandamental. Einbo-
COISA JULGADA
677
ra as respectivas sentenças contivessem em si a eficácia executiva e mandamental, os efeitos
correspondentes não operaram no plano concreto, o que demonstra a participação de
circunstâncias a elas externas.
Acontecendo o pagamento voluntário por parte do condenado, é evidente que o efeito executivo
será inibido. Mas isso, como é óbvio, não retira o selo de imutabilidade relativo à declaração
contida na sentença, ou seja, ninguém poderá negar, depois de passada em julgado a sentença,
aqui Io que nela foi declarado. Essa declaração (eficácia declaratória) gera um efeito
declaratório que, no caso de sentença capaz de produzir coisa julgada, é por ela imunizado.
De modo que nem todos os efeitos tornam-se imutáveis em decorrência da coisa julgada.
Retomando as considerações lançadas no início deste capítulo, se a coisa julgada representa a
imutabilidade decorrente da formação da lei do caso concreto, se ela representa a certificação
dada pela jurisdição a respeito da pretensão de direito material exposta pelo autor, somente isso
é que pode transitar em julgado. Somente o efeito declaratório é que pode, efetivamente, tornarse imutável em decorrência da coisa julgada.
Deixe-se claro, porém, que todas as sentenças têm mais de uma eficácia (e, portanto, podem
gerar mais de um efeito), sendo sua classificação feita com base na eficácia preponderante,
porém não exclusiva. Portanto, todas as sentenças têm algo de declaratório. Assim, quando se
diz que a coisa julgada material incide sobre o efeito declaratório, deseja-se - em primeiro
lugar — afirmar que a coisa julgada material toca no elemento declaratório das sentenças
declaratórias, condenató-rias, constitutivas, executivas e mandamentais — e não apenas na
"declaração " própria da sentença declaratória - projetando para fora do processo um efeito
declaratório imutável. Melhor explicando: a coisa julgada é uma qualidade que toma imutável
o efeito declaratório da sentença. Entretanto, a coisa julgada somente incide em relação ao
efeito declaratório de algumas sentenças — não das sentenças proferidas no processo cautela/;
por exemplo. Além disso, a partir do momento em que se entende que a coisa julgada é uma
qualidade que adere somente ao efeito declaratório da sentença, fica claro que a coisajulgada
não écapaz, de imunizar os outros efeitos da sentença, os quais podem não se realizar em vista
da atuação das partes ou de circunstâncias externas (à sen-
678
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tença), como, por exemplo, no caso em ocorre o pagamento e o efeito executivo da sentença
condenatória desaparece.
A tal conclusão, aliás, já havia chegado CHIOVENDA, ao dizer, em relação às sentenças
constitutivas, que o que "passa em julgado não é o ato do juiz enquanto produz um novo estado
jurídico, mas enquanto afirma ou nega a vontade da lei de que o novo estado se produza". ia
Modernamente, porém, e com maior clareza, afirma PONTES DE MIRANDA que "o que se há
de entender por eficácia de coisajulgada material é a eficácia que o elemento declarativo da
sentença produz, chamada força (seprepondera), ou efeito (se se junta à força específica da
sentença). Consiste em vincular as partes à declaração. Tal o conceito científico, claríssimo em
Konrad Hellwig (Wesen und subjektive Begrenzunf der Rechtskraft, l,s; System, I,764)"."
A coisajulgada é fenômeno típico e exclusivo da atividade jurisdi-cional. Somente a função
jurisdicional é que pode conduzir a uma declaração que se torne efetivamente imutável e
indiscutível, sobrevivendo mesmo à sucessão de leis (art. 5.°, XXXVI, da CF).12 Através do
fenômeno da coisajulgada, torna-se indiscutível - seja no mesmo processo, seja em processos
subseqüentes-a decisão proferida pelo órgão jurisdicional, que passa a ser, para a situação
específica, a "lei do caso concreto".
Com isso, se em ulterior processo alguém pretender voltar a discutir a declaração transitada em
julgado, essa rediscussão não poderá ser admitida. A isso é que se denomina efeito negativo da
coisajulgada, impe-dindo-se que o tema já decidido (que tenha produzido coisajulgada) venha a
ser novamente objeto de decisão judicial. Por outro lado, a coisajulgada também operará o
chamado efeito positivo, vinculando os juizes de causas subseqüentes à declaração proferida (e
transitada em julgado) no processo anterior. Dessa forma, se em uma primeira demanda é
reconhecido o estado de filho do autor frente ao réu, não poderá o juiz de ação
{l0)
CHIOVENDA, Giuscppe. Instituições de direito processual civil, cit., vol. 1 •
p. 247. " " PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de
Processo Civil, cit., p. 157. ll2) Somente um novo ordenamento constitucional pode abalar o recrudescimento decorrente da coisa julgada.
COISA JULGADA
679
seguinte (tendente a obter alimentos do pai reconhecido) negar essa condição ao demandante,
sob pena de ofensa à coisa julgada. Deverá tomar por pressuposto o fato de que o autor
realmente é filho do réu, seguindo daí o exame que pode fazer dos elementos do litígio. Aquela
declaração tornou-se a "lei do caso concreto", e por isso não pode ser desconsiderada pelos
demais magistrados, nem revista por nenhum órgão jurisdicio-nal.
Obviamente, retomando as considerações feitas no início deste capítulo, a declaração judicial
somente é apta a receber a qualidade de coisa julgada material se tiver intensidade suficiente
para tornar-se definiti va. A declaração calcada na provisoriedade (como nas ações cautelares,
em que a cognição é sumária) ou em cognição rarefeita (como acontece nos procedimentos de
jurisdição voluntária, ou no processo de execução), não é apta a gerar coisa julgada
simplesmente porque não visa, em essência, a produzir definitividade.
De outro lado, como já foi dito, a declaração qualificada pelo selo da coisa julgada gera uma "lei
cio caso concreto ", mas apenas para o caso concreto. Quer dizer que a imutabilidade
decorrente da declaração transitada em julgado somente pode dizer respeito ao caso em relação
ao qual a declaração foi produzida. Outro caso evidentemente não será regido por aquela
declaração judicial. Mais que isso, mesmo para o caso específico, a imutabilidade apenas se
manifestará entre as mesmas partes (perante as quais a declaração foi obtida), e enquanto
permanecerem intocadas as circunstâncias fáticas e jurídicas, como se verá mais adiante, pois
somente assim pode-se afirmar que se estará diante do mesmo caso concreto.
Deveras, a fim de que a preliminar de coisa julgada seja acolhida — ou melhor, para que se
reconheça a inviabilidade da segunda demanda, porque esta já foi discutida e decidida pelo
Poder Judiciário, formando uma "coisa" já julgada - é indispensável, como parece ser óbvio, que
a segunda demanda verse sobre a mesma lide. Essencialmente, a objeção da coisa julgada
impede que o órgão jurisdicional decida novamente alguma ação já anteriormente julgada. O
texto do Código de Processo Civil é claro a propósito, c a redação de seu art. 301, § 3.°, não
deixa dúvida: ''há coisa julgada, quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que
não caiba recurso".
680
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
■
Portanto, o impedimento de se discutir certa questão em juízo em decorrência da coisa julgada
exige que se tenha ação repetida, ou seja, ação idêntica àquela que foi anteriormente ajuizada.
Esta identidade, por seu turno, há de ser apurada com fulcro no art. 301, § 2.°, do Código de
Processo Civil, que estabelece que "uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes,
a mesma causa de pedir e o mesmo pedido". Nesse sentido, vale lembrar a lição de ANTUNES
VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, que pontificam que "é através desta
tríplice identidade - de sujeitos, do pedido e da causa de pedir - que se define a extensão do caso
julgado".13 A imutabilidade, portanto, que protege aparte dispositiva da sentença (art. 469 do
CPC, a contrario sensu) não é capaz de escudar a declaração ali constante contra qualquer espécie de declaração contrastante. Novas decisões, contrárias à declaração presente na sentença,
somente serão proibidas se, e somente se, refletirem litígio envolvendo as mesmas partes diante
da mesma causa de pedir.
Nesse passo, importa lembrar que a causa de pedir, conforme a precisa e singela definição de
PAULA BAPTISTA, é "o fato ou ato de que resulta direta e imediatamente o direito, ou a
obrigação, que constitui o objeto da ação ou exceção". '4 Trata-se, enfim, a causa de pedir, do
fundamento bastante para a obtenção do resultado (efeito jurídico) pretendido a título de pedido
na ação formulada. O Regulamento 737, neste contexto, possuía dicção magistral a respeito,
dizendo que a petição inicial deveria conter "o contracto, transacção, ou Jacto dos quaes
resultar, segundo o Código, o direito do autor, e a obrigação do réo" (art. 66, § 2.°).
Em conclusão, é possível estabelecer que a formação (e a individua-lização) de uma causa de
pedir reside precisamente na reunião dos pressupostos necessários e suficientes para ensejar
certo efeito jurídico, que será precisamente o pedido a ser formulado pelo autor em sua petição
inicial. Eventualmente, é óbvio, pode suceder que diversos "grupos" de fatos jurídicos permitam
arealização do mesmo efeito jurídico; neste caso, cada um dos conjuntos de fatos jurídicos capazes de, autonomamente, resultar no efeito em questão - deverá ser considerado como uma
causa
íOt
Manual de processo de conhecimento. 2. ed., Coimbra, 1985, p. 709.
PAULA BAPTISTA, Francisco de. Teoria e prática cio processo civil e comercial. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 135-136.
1 U)
COISA JULGADA
681
de pedir autônoma, capaz de individualizar uma ação isolada. Nesse caso, ainda que o pedido
seja um só, a existência de pluralidade de causas de pedir revelarão a possibilidade também de
pluralidade de ações.
Como está claro, a alteração completa da causa de pedir importa nova ação, infensa a qualquer
influência do resultado (e da imutabilidade decorrente) do primeiro julgamento. Cabe indagar,
porém, se o mesmo ocorrerá se a alteração se der apenas em relação a um dos elementos da
causa de pedir (a causa próxima ou a remota) ? Não há dúvida que sim. Como já dito, a causa
de pedir é um todo, integrado por seus dois elementos. Desta forma, a alteração de um destes
elementos importa, inquestionavelmente, na alteração da própria causa de pedir, gerando, por
conseqüência, nova ação.
Imagine-se, assim, que em determinada ação, relativa a crédito, ao invés de alegar o
inadimplemento da obrigação, sustente o autor o seu adimplemento extemporâneo. Há, aí,
simples alteração da causa de pedir próxima da demanda, mas esta singela modificação é
suficiente para fazer com que uma nova ação nasça - observe-se, aliás, que esta alteração da
causa de pedir exigiria, mesmo, a modificação do pedido, já que o principal não poderia mais
ser exigido.
O que se quer dizer é que a criação de outra causa de pedir não exige que se narre, na nova
demanda, fundamento relativo a fatos absolutamente desvinculados dos que foram alegados na
primeira ação. Basta que sejam apresentadas modificações táticas capazes de apontar para um
fundamento distinto.
De tudo o que restou até aqui exposto, fica evidente que a extensão objetiva da coisa julgada
limita-se à parte dispositiva da sentença, tornando imutável o seu efeito declaratório. Todavia,
dimensiona-se esta imutabilidade pelo exame dos três elementos que identificam a ação, ou seja,
pela observação das partes, do pedido e da causa de pedir. Modificado algum destes elementos,
estar-se-á evidentemente diante de uma nova ação, para a qual nenhuma relevância possui a
existência de coisa julgada na demanda anterior.
Frise-se que a mera alteração de parcela da causa de pedir (ou seja, de um de seus elementos),
importa em outra ação, uma vez que daí surgirá uma modificação evidente da causa de pedir e,
por conseqüência, da ação.
682
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Por fim, é importante lembrar que, como fixação da lei do caso concreto que é, a coisajulgada
somente se manifesta em relação às sentenças definitivas, ou seja, em relação às sentenças que
efetivamente examinam o pedido do autor, acolhendo-o ou rejeitando-o (art. 269,1, do CPC).
Somente essa sentença certifica e estabelece a vontade concreta do direito em face do caso
concreto. Não se produz, portanto, coisajulgada material sobre as sentenças meramente
terminativas, nem sobre as sentenças homologatórias (art. 269, II a V).1S
Outrossim, sendo de mérito a sentença, terá ela condições de receber (desde que, como visto,
porte carga declaratória suficiente) a força da coisajulgada material, pouco importando a
eficácia preponderante nela residente. Essa observação é importante porque, ao examinar as
considerações anteriormente feitas, poderá alguém supor que, como a coisa julgada somente se
opera sobre o efeito declaratório da sentença, somente as sentenças proferidas em ação
declaratória poderiam gerá-la. Na verdade, não é assim. Como se sabe, as sentenças sempre
comportam mais de uma eficácia (e, portanto, podem gerar mais de um efeito), sendo sua
classificação feita com base na eficácia preponderante, mas não exclusiva. Assim, mesmo as
sentenças condenatórias, constitutivas, executivas e mandamentais têm carga declaratória em
si, mesmo porque fixam, cada qual, uma lei para o caso concreto. Ao lado desta certificação,
estas sentenças agregam outras eficácias, necessárias para realizar suas funções específicas
(condenar, constituir, realizar ou ordenarj, mas não se pode negar que também declaram e
estabelecem uma vontade concreta do direito. Assim, o fenômeno da coisajulgada também incidirá sobre o elemento declaratório dessas outras sentenças. O mesmo vale para as sentenças de
improcedência, já que também elas declaram a vontade do direito em face do caso concreto.
(l5)
Precisamente isto é que justifica a existência, no Código de Processo Civil, da previsão do art. 486, estabelecendo
procedimento e ações diferenciadas para a sentença de mérito e as sentenças terminativas e homologatórias. A
imutabilidade que se verifica em relação às sentenças homologatórias não 6 precisamente inerente à sentença, mas
decorrente do ato jurídico perfeito homologado (renúncia, transação etc). É o ato jurídico perfeito que a sentença
homolo-gatória reconhece que opera a sua estabilidade - com status, inclusive constitucional, idêntico ao da
coisajulgada, e capaz, por isso mesmo, de operar semelhantes efeitos no mundo das relações sociais.
COISA JULGADA
6g3
5.3 Limites subjetivos da coisa julgada
A coisa julgada, como visto, atinge a declaração suficiente que existe na sentença de mérito,
estabelecendo a "lei do caso concreto", capaz de reger especificamente a situação deduzida em
juízo. Mas essa imutabilidade se estende a quem? Certamente, não é lógico admitir que, uma
vez julgada certa demanda entre duas partes, todas as outras fiquem impedidas de discutir a
sentença, mesmo que tenham sido diretamente prejudicadas pela decisão.
Tome-se o seguinte exemplo: "A" propõe ação reivindicatória em face de "B", relativamente a
certo bem imóvel. Julgando a demanda, entende o Judiciário que, efetivamente, "A" deve ser
consagrado como proprietário do imóvel. Poderia "C", que não participou (nem teve ciência)
dessa demanda, propor futuramente ação em face de "A", invocando sua condição de
proprietário, para recuperar o bem atualmente em posse deste último? Enfim, a coisa julgada
formada na primeira ação, atinge também terceir os, que não fizeram parte da relação processual
original?
O Código de Processo Civil pretende tratar do assunto por meio de seu art. 472, ao estabelecer
que "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem
prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no
processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada
em relação a terceiros".
Emprincípio, portanto, tomando-se a regra geral, tem-se que somente as partes ficam
acobertadas pela coisa julgada. Autor e réu da ação ficam vinculados à decisão judicial, já que
foram os sujeitos do contraditório que resultou na edição da solução judicial. Naturalmente, se
esses sujeitos tiveram condição de influenciar na prolação da decisão judicial, tendo, aliás, o
autor, solicitado essa tutela estatal, indubitavelmente hão de sujeitar-se à resposta jurisdicional
oferecida. Para as partes, assim, a decisão judicial, preclusa em função do esgotamento dos
meios de im-pugnação, torna-se imutável.
Equanto aos terceiros? Segundo estabelece a parte final do art. 472, a sentença operará efeitos
perante terceiros quando, em ações relativas ao estado de pessoa, forem citados (como partes,
portanto) todos os interessados.
684
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Afim de examinar adequadamente essa assertiva, é necessário formular uma distinção entre
terceiros interessados e terceiros indiferentes. A questão já foi abordada anteriormente, quando
do exame da intervenção de terceiros no processo. Apenas para recordar a distinção, cabe frisar
que terceiro interessado é aquele que tem interesse jurídico na causa, decorrente da existência
de alguma relação jurídica que mantém, conexa ou dependente, em face da relação jurídica
deduzida em juízo. Esses sujeitos, em função da existência desse interesse jurídico, são
admitidos a participar do processo, intervindo quando menos na condição de assistentes
simples.
Já os terceiros indiferentes são aqueles que não mantêm nenhuma relação jurídica
interdependente com aquela submetida à apreciação judicial. Não têm interesse jurídico na
solução do litígio e, por essa circunstância, não são admitidos a intervir no processo (ao menos
na condição de sujeito interessado).
A sentença judicial pode produzir efeitos em relação a todos esses sujeitos, sejam partes, sejam
terceiros interessados, sejam ainda terceiros indiferentes. Esses efeitos, porém, serão sentidos e
recepcionados de maneira distinta, conforme a condição do sujeito que os sofre. Traduzindo
essa idéia através de um exemplo: a sentença que decreta o despejo de alguém opera efeitos,
indubitavelmente, perante o inquilino (que deverá deixar o imóvel), mas também em relação à
sua família (que o acompanhará), a seus amigos (que haverão de reconhecer que aquela pessoa
não reside mais naquele determinado local), a seus credores (que, para cobrar dívidas quesíveis,
deverão procurá-lo em seu novo endereço) etc. Da mesma forma, tal sentença atuará perante o
sublocatário, que tenha, por hipótese, alugado um quarto no imóvel alugado.
Todas essas pessoas, participantes ou não do processo que resultou no despejo, sofrem efeitos
da decisão judicial, em maior ou menor intensidade. Haverá, porém, alguma diferença entre a
qualidade dos efeitos que sofrem? Sem dúvida, sim. Aqueles sujeitos que têm algum interesse,
qual ificado comojurídico, em relação ao litígio, e à solução que recebeu, podem - porque têm
legitimidade para tanto - opor-se, de algum modo, à afetação de sua esfera jurídica por tais
efeitos.
A parte (inquilino), pode opor-se à submissão aos efeitos da decisão por meio dos recursos
cabíveis, rediscutindo a sentença e, conseqüente-
COISA JULGADA
685
mente, impedindo que os efeitos desta o atinjam. Poderia, em tese, se não fosse o fenômeno da
coisa julgada a impedi-lo, propor nova demanda, postulando sua manutenção no imóvel.
O sublocatário, mantendo relação com o locatário (legítima, pois autorizada pelo locador)
dependente da relação de locação, é admitido como assistente simples no processo, no intuito de
evitar a incidência dos efeitos de eventual despejo sobre seus interesses. Poderia, ainda, recorrer
da sentença, como terceiro prejudicado, visando sua reformulação e a conseqüente cassação dos
efeitos que lhe são prejudiciais. Da mesma forma, se não tivesse sido cientificado da ação (e em
sendo legítima a sublocação, porque autorizada pelo locador), poderia, mesmo depois de
proferida a sentença e precluso o processo, opor-se à realização de seus efeitos por meio de
embargos de terceiro. Estes "terceiros", portanto, somente se submetem aos efeitos da sentença
se não quiserem, ou não puderem, valer-se dos meios idôneos para afastá-los. Resumindo: aqueles que não são partes do litígio, e assim não podem ser atingidos pela coisa julgada, mas nele
têm interesse jurídico, apenas podem ser alcançados pelos efeitos reflexos da sentença, e por
essa razão são considerados terceiros interessados (ou terceiros juridicamente interessados),
os quais têm legitimidade para ingressar no processo na qualidade de assistente simples da
parte (por exemplo: o sublocatário na condição de assistente simples do locatário) ou
manifestar oposição aos efeitos da sentença.
Se o terceiro não é juridicamente interessado, como o amigo ou o credor do locatário, e
justamente por essa razão não tem legitimidade para ingressar no processo em que se discute o
despejo, ele sofre "naturalmente" os efeitos da sentença, os quais são imutáveis, e chamados em
razão da sua natureza de "efeitos naturais da sentença". Em outros termos: a sentença produz,
em relação aos terceiros que não têm interesse jurídico, efeitos denominados de "naturais ", os
quais são inafastáveis e imutáveis.
Os terceiros que não têm interesse jurídico não precisam do fenômeno da coisa julgada para que
a decisão se torne imutável. Como eles não possuem legitimidade perante o litígio, tais efeitos
são imutáveis naturalmente. Nesse sentido, a questão da imutabilidade, para os terceiros, pode
ser resumida a um problema de legitimação diante do litígio, não tendo relação com a coisa
julgada. Quando o terceiro possui interesse
686
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
jurídico - e assim legitimidade -, ele pode opor-se aos efeitos da sentença; quando não a possui,
ele sofre naturalmente tais efeitos.
Há, ainda, terceiros juridicamente interessados que podem, independentemente de ter relação
jurídica com a parte assistida, ingressar no processo para discutir o litígio posto em juízo pelo
autor. Assim, por exemplo, o tabelião diante da ação anulatoria de escritura fundada em dolo.
Nesse caso, ocorrendo a intervenção, o tabelião não poderá, em processo futuro, rediscutir os
fundamentos da sentença, a menos que incidam alguns dos incisos do art. 55 do CPC (tendo
ocorrido, assim, má gestão processual). Essa intervenção impede que o assistente discuta,
futuramente, o que se chama de "justiça da decisão". Em outras palavras: os fundamentos da
sentença, em vista do denominado "efeito da intervenção", tornam-se imutáveis. Isso, como é
óbvio, porque a sentença produz efeitos (reflexos) que incidem sobre a fundamentação da decisão, impedindo o assistente de discuti-la no futuro. Note-se que os fatos relativos a determinado
litígio podem interessarão assistente, por terem repercussão sobre a sua esfera jurídica. Tais
fatos, por essa razão, podem ser por ele discutidos. Intervindo o interessado no processo para
discuti-los, ele é atingido pelos efeitos da sentença que os considerou como fundamentos.
Melhor dizendo: o assistente, nessa situação, é atingido pelos efeitos da sentença, ficando
impedido de discutir mais tarde a "justiça da decisão".
Em conclusão, observa-se que somente as partes precisam da coisa julgada. Não fosse a coisa
julgada, em função da legitimidade que ostentam para discutir a sentença, poderiam debater o
conflito de interesses ao infinito. Para esses sujeitos, sim, a coisa julgada resulta em utilidade,
pondo fim, em determinado momento, à controvérsia, e tornando definitiva a solução judicial
oferecida. Por isso, somente as partes é que ficam vinculadas pela coisa julgada. Embora
terceiros possam sofrer efeitos da sentença de procedência, é certo que a autoridade da coisa
julgada não os atinge.16
Tornando, por derradeiro, à segunda determinação contida no art. 472 ("nas causas relativas ao
estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os
interessados, a senten1161
Conforme lição antiga, advinda do direito romano, "res inter alios iudicata aliis non
praeiudicare" (D. 42.1.63;44.2.1).
COISA JULGADA
687
ça produz coisa julgada em relação a terceiros"), observa-se que ela encerra evidente equívoco.
Confunde-se, aí, o efeito próprio da coisa julgada com o efeito natural da sentença.
Efetivamente, no caso descrito na regra - assim como ocorreria em qualquer outra situação, em
que todos os sujeitos interessados (portanto, partes e terceiros interessados) viessem a participar
de certo processo, a sentença daí resultante seria indiscutível por todas as pessoas. Para
algumas, por falta de legitimidade (terceiros indiferentes). Para outras, em razão de intervenção
(terceiros interessados), e somente para algumas em função da coisa julgada (partes). A
sentença de interdição é imutável perante todos, não porque tenha operado coisa julgada em
relação a todos, mas porque a coletividade não tem legitimidade ad causam para propor ação
que venha a rediscutir a interdição de determinada pessoa.
É preciso, portanto, em conclusão, não confundir a força de recru-descimento decorrente da
coisa julgada com a imutabilidade derivada da natureza das coisas, captada pelo processo pelo
mecanismo da legitimação de partes.
5.4 Limites objetivos da coisa julgada
Examinada a extensão subjetiva da coisa julgada, resta, agora, avaliar sua abrangência objetiva.
Viu-se que a coisa julgada agrega-se à declaração contida na sentença, para torná-la imutável e
indiscutível. Em sendo assim, o que fica exatamente abrangido pela coisa julgada?
A resposta parece ser bastante simples, mesmo em decorrência da definição aqui adotada. Se
este fenômeno incide sobre a declaração contida na sentença, e se esa declaração somente pode
existir como resposta jurisdicional, é certo que a coisa julgada atingirá apenas a parte dispositiva
da sentença. Realmente, observando-se o relatório e a fundamentação da sentença, nota-se que,
em nenhum desses dois elementos, existe propriamente (ainda) julgamento. Neles o magistrado
ainda não certifica a vontade do direito que incide sobre o caso concreto, vindo isto a acontecer
apenas na última etapa, ou seja, no dispositivo (decisum).
Esta conclusão encontra respaldo na própria dicção do Código de Processo Civil, quando
estabelece, em seu art. 469, que não fazem coisa julgada: I) os motivos, ainda que importantes
para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II) a verdade dos fatos, estabelecida
como
688
MANUALDO PROCESSO DE CONHECIMENTO
fundamento da sentença; e III) a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo. De outro lado, e seguindo o mesmo raciocínio, a resolução da questão prejudicial
pode vir a ser abarcada pela imutabilidade da coisa julgada, se e quando tiver havido, no curso
do processo, apropositurade ação declaratória incidental a seu respeito (arts. 5.°, 325 e 470 do
CPC). Nesse caso, diante da ação proposta, terá o magistrado de julgá-la por sentença,
estabelecendo-se, então, sobre essa questão (que agora passa a ser mérito de uma demanda)
julgamento e, em conseqüência, sobre a declaração nela contida, coisajulgada.17
Decorre daí que aimutabilidade,ínsitaàcoisajulgada, somente atinge a parte dispositiva da
sentença, na qual se estabeleceu a lei do caso concreto. Todo o restante, ou seja, a
fundamentação e o relatório, não restam imutáveis. Vale dizer que, se proposta uma ação por
alguém que se supõe filho de outrem, para o fim de perceber deste alimentos, sendo julgada
procedente a pretensão, a única certificação que se torna imutável é a do recebimento dos
alimentos, não se atingindo a afirmação da condição de filho (que, no exemplo dado, constitui
mzm fundamento do pedido). Em ação subseqüente, portanto, em que este suposto filho venha
habilitar-se a receber seu quinhão na herança do assim considerado pai (após seu falecimento),
nada impede que o magistrado dessa ação entenda que aquele que se afirma filho não tenha
direito à herança (por não ser filho). Embora logicamente essas duas sentenças possam ser
antagônicas - na medida em que uma reconhece como existente algo que a outra supõe não
ocorrido -Juridicamente elas não têm defeito. As premissas estabelecidas pela primeira sentença
não transitam em julgado, não se tornam imutáveis, nem vinculam a apreciação de outros juizes
em casos futuros.
Obviamente, se, no exemplo mencionado, a segunda ação tendesse novamente ao
reconhecimento dos alimentos, aqui, sim, haveria incidência da coisajulgada, impedindo o
reexame da questão (direito àpercepção dos alimentos).
Em conclusão ao tema aqui exposto, da extensão objetiva da coisa julgada, resta abordar tema
de menor complexidade, mas nem sempre compreendido pelo direito brasileiro. Como já se
disse anteriormente, a
ll7)
A respeito, v. José Carlos Barbosa Moreira. "Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo Código de
Processo Civil" in Temas de direito processual, primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 93 e ss.
COISA JULGADA
6g9
imutabilidade da coisa julgada protege a declaração judicial apenas enquanto as circunstâncias
(fáticas e jurídicas) da causa permanecerem as mesmas, inseridas que estão na causa de pedir
da ação.
Assim, se uma ação de cobrança é julgada improcedente porque não há prova da dívida, e mais
tarde o autor dessa ação empresta dinheiro ao réu, que deixa de cumprir sua obrigação, é
evidente que a coisa julgada relativa à primeira ação não privará o autor de buscarem juízo
acobrança do valor por último emprestado. As circunstâncias da causa, agora, são outras
(tratando-se, inclusive, de outra dívida), não havendo que se falar aqui em coisa julgada, como
impeditivo à propositura da segunda ação.
O mesmo se poderia imaginar no caso de alguém que propõe ação reivindicatória, buscando a
recuperação de imóvel alegando ser seu titular. Perdendo a demanda, porque reconhecido que
não é ele o proprietário do bem, seria possível que viesse ele a propor novamente a ação, após
ter adquirido, de outrem, a propriedade sobre o imóvel? Obviamente não se há de vedar-lhe a
nova ação, pela simples circunstância de sereia nova, e não mais a antiga. O fato de ser ele,
agora, proprietário (fundado em novo título), confere a essa ação nova causa de pedir, afastando
a declaração imutável anterior (que dizia respeito àquela ação primeira).
Nesses casos, como se tem por evidente, há substancial alteração na causa de pedir, criando-se
então nova ação que, por isso, nada tem que ver com a ação anterior (cuja solução teve seu
elemento declaratório transitado em julgado).
Sempre, portanto, que as circunstâncias (fáticas ou jurídicas) da causa forem alteradas de
maneira tal a compor nova causa de pedir, surgirá ensejo a nova ação, totalmente diferente da
ação anterior, e, por essa razão, não preocupada com a coisa julgada imposta sobre a primeira
decisão.
É isso que pretende o Código de Processo Civil retratar, embora dando certa conotação distinta,
no seu art. 471. Diz-se aí que nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas
à mesma lide, salvo: I) se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação
no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído
na sentença; e II) nos demais casos prescritos em lei. No mesmo sentido, e mostrando mais
claramente a intenção da legislação nacional, prevê o art. 15 da Lei 5.478/68, que: "A decisão
judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tem-
690
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
po ser revista em face da modificação da situação financeira dos interessados".
Conclui-se das regras mencionadas que a lei nacional não conseguiu tratar adequadamente do
tema. Em verdade, dizer, como faz a Lei de Alimentos, que a sentença judicial que os analisa
não transita em julgado é, no mínimo, impróprio. Fosse isso verdadeiro, então seria viável a
revisãodadecisãojudicial sempre, perantequaisquer circunstâncias, ainda que não se alterasse a
situação financeira dos interessados. Em essência, como esclarece MONIZ DE ARAGÃO, "o
que a lei concebe é a possibilidade de ser proferido outro julgamento à face de fatos novos,
sobrevin-dos à sentença, aqual diante deles tornar-se-ia insustentável precisamente porque
exarada rebus sic stantibus. O que se examina, pois, são novos fatos, que constituem por sua vez
nova causa de pedir, a qual autoriza outro pedido".IS
A sentença espelha os fatos e o direito que serviram como seus fundamentos, de maneira que,
alterados os fatos ou o direito, modificada estará a causa de pedir, e por conseqüência a ação.
Em outros termos: a alteração das circunstâncias de fato constitui alteração da causa de pedir,
formando outra (nova) ação e abrindo ensejo a outra (nova) coisa julgada. Assim, quando são
alteradas as circunstâncias de fato, será formada outra (nova) coisa julgada, que deverá conviver
em harmonia com a coisa julgada respeitante às circunstâncias anteriores. Portanto, não é correto dizer, apenas porque as circunstâncias que fundaram a sentença podem variar, que não se
forma coisajidgada em relação a ela, ou, o que é pior, que esta não transita em julgado. Não há
aqui que se falar em ofensa à coisa julgada, já que a nova ação (proposta com base em nova
causa de pedir) ainda não foi examinada pela jurisdição.
5.5 Eficácia preclusiva da coisa julgada
Mantendo ainda o mesmo exemplo acima utilizado, relativo aos alimentos, seria possível fazer
uma outra pergunta: o que aconteceria se a ação fosse inversa? Se, ao invés de se ter,
novamente, ação tendente ao
1181
MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Sentença e coisajidgada, cit., p. 279. Ver, também, Araken de Assis.
Doutrina e prática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001, p. 247 e ss.
COISA JULGADA
691
recebimento dos alimentos, o suposto pai propusesse demanda para verse exonerado do dever de
prestá-los, sustentando não ser pai do primitivo autor? Será possível propor esta nova ação, sem
ofensa à coisa julgada formada anteriormente?
Certamente não seria razoável que isso fosse possível. Em verdade, qualquer nova ação, que
tenda a retirar o benefício concreto, ocasionado pela primeira ação (cuja declaração transitou em
julgado), é de reputar-se inviável, também por ofensa à coisa julgada. Afinal, ou a declaração
resultante dessa ação confirmará aquela emanada da primeira ação (entendendo improcedente a
pretensão do autor, e mantendo o direito aos alimentos pelo réu), sendo por isso inútil, ou então
contrariará a primeira decisão (exonerando do dever de alimentos), tornando-se inviável por
ofensa à declaração havida na primeira ação.
Como elemento protetor da decisão judicial, o Código de Processo Civil brasileiro concebe a
chamada eficácia preclusiva da coisa julgada (também denominada, antigamente, de
julgamento implícito). De acordo com a previsão contida no art. 474: "Passada em julgado a
sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte
poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido".
Note-se que, agora, e especificamente para proteger a declaração transitada em julgado, todo o
material relacionado com o primeiro julgamento ficaprecluso, inviabilizando
suareapreciaçãojudicialem ação subseqüente. Todas as alegações deduzidas, bem como aquelas
que seriam dedutí-veis, porque mantêm relação direta com o material da primeira demanda
(ainda que não tenham sido apresentadas em juízo ou apreciadas pelo magistrado), presumem-se
oferecidas e repelidas pelo órgão jurisdicio-nal.
Isto não quer dizer que os motivos da sentença transitam em julgado, mas apenas que, uma vez
julgada a controvérsia, e elaborada a regra concreta do caso, todo o material utilizado como
pressuposto para atingir essa declaração torna-se irrelevante e superado (mesmo que, sobre ele,
não se tenha o órgão jurisdicional manifestado expressamente, ou completamente).
Por essa razão, a preocupação com o "julgamento implícito", ou com a eficácia preclusiva da
coisa julgada, só tem relevância se houver a pos-
692
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sibilidade de ofensa (na segunda ação) à coisa julgada já formada. Como assinala BARBOSA
MOREIRA, "a eficácia preclusiva de coisa julgada material se sujeita, em sua área de
manifestação, a uma limitação fundamental : ela só opera em processos nos quais se ache em
jogo a auctoritas rei iudicatae adquirida por sentença anterior. Tal limitação resulta diretamente
da função instrumental que se pôs em relevo: não teria sentido, na verdade, empregar o meio
quando não se trate de assegurar a consecução do fim a que ele se ordena. Isto significa que a
preclusão das questões logicamente subordinantes apenas prevalece em feitos onde a lide seja a
mesmayã decidida, ou tenha solução dependente da que se deu à lide já decidida. Fora dessas
raias, ficam abertas à livre discussão e apreciação as mencionadas questões, independentemente
da circunstância de havê-las de fato examinado, ou não, o primeiro juiz, ao assentar as
premissas de sua conclusão".19
Problema maior, relacionado à eficácia preclusiva da coisa julgada, diz respeito a quais temas
não deduzidos ficam acobertados por essa preclusão, presumindo-se tenham sido alegados e
rechaçados, como pretende o art. 474. Parta-se do exame de alguns exemplos, a fim de melhor
compreender a situação: em ação de despejo, promovida sob o fundamento de danos ao imóvel,
sendo rejeitada a demanda, será possível ao autor pretender novamente o despejo, mas agora
calcado na alegação do não pagamento dos aluguéis? Pleiteado o divórcio, sob a alegação de
certa conduta desonrosa (a manutenção, por exemplo, de amante), e sendo rejeitado o divórcio
diante da ausência de prova da conduta imputada, poderia a autora postular novamente o
divórcio, embasada ainda na existência da amante, mas agora atribuindo essa condição a pessoa
diversa da primeira? E se, ainda neste exemplo, a segunda ação versasse sobre conduta
desonrosa, mas agora se atribuísse ao réu outro tipo de conduta vil?
O que, afinal, define as alegações que ficaram preclusas em razão do trânsito em julgado da
sentença? Seriam aquelas que dizem respeito à norma jurídica contemplada como fundamento
para o pedido? Seriam apenas as circunstâncias acessórias, que acompanham o fato principal
que compõe a causa de pedir?
(1 ;)
' BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo civil
brasileiro". In Temas de direito processual, cit., p. 102.
r
COISA JULGADA
693
Não há dúvida de que, no exemplo da ação de despejo, seria absurdo supor que, rejeitada a primeira
demanda, outra, com base em novo fundamento (não pagamento de aluguéis), ficasse também impedida.
A declaração resultante da primeira ação não será, de modo algum, ofendida pela segunda, que apreciar o
referido fundamento.
Na verdade, apenas as questões relativas à mesma causa de pedir ficam preclusas em função da
incidência da previsão do art. 474. Todas as demais são livremente dedutíveis em demanda posterior.
A fim de melhor determinar o alcance do art. 474, e no intuito de justificar a conclusão acima exposta, é
necessário retornar à origem do preceito, ponderando a função a ele entregue em sua gênese. Ora, este
dispositivo constitui aprimoramento do art. 287, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1939,
20
conforme observou BARBOSA MOREIRA tratando do projeto Buzaid. O art. 287 dizia que "a sentença
que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas"; e, em seu
parágrafo único, estabelecia que "con-siderar-se-ão decididas todas as questões que constituam premissa
necessária da conclusão".
a
Esta regra, por seu turno, foi inspirada no art. 300,2. parte, do Projeto preliminar de CARNELUTTI para
o Código de Processo Civil italiano, que assim dispunha: "a sentença que decide total ou parcialmente
uma lide tem força de lei nos limites da lide e da questão decidida. Considera-se decidida, ainda que não
haja sido resolvida expressamente, toda questão cuja resolução constitua uma premissa necessária da
disposição contida na sentença".
Estabelecida a origem histórica do dispositivo, ainda falta precisar a sua correta interpretação. Qualquer
pessoa que se dê ao trabalho de buscar na origem - nas idéias de CARNELUTTI - a função deste preceito,
encontrará, com facilidade, resposta nas próprias palavras do genial mestre italiano. Ao tratar do tema, e
da função desempenhada pela regra em comento, alude CARNELUTTI à figura chamada de julgamento
implícito (palavra anteriormente utilizada, embora hoje criticada, para designar a eficácia preclusiva da
coisa julgada). Segundo este processualista,
<20)
A eficácia preclusiva da coisa julgada material. RT AA1, São Paulo: RT, julho de 1972, p. 17.
694
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
a figura em exame referia-se às chamadas sentenças (e processos) parciais, em que apenas parte
21
da "lide" era trazida à apreciação do Judiciário.
Precisamente por esta razão - porque a "lide", nestas situações, não era integralmente posta à
apreciação do juízo - afirmava C ARNELUTTI que a coisa julgada estabelecida no processo
parcial não poderia abranger questões externas à matéria deduzida no processo. Apenas com
relação às questões internas ao tema deduzido no processo—cuja solução era premissa
necessária para a solução da específica causa - haveria a incidência do "julgamento implícito", a
proibir sua ulterior discussão em processo subseqüente.
A idéiado "julgamento implícito", por conseqüência, (considerados evidentemente os elementos
que identificam a ação) abrange somente as questões cujo exame constitui premissa necessária
para a conclusão a que se chega no processo. Neste sentido, debruçando-se sobre o temaem
apreço, concluiu MACHADO GUIMARÃES, ainda na vigência do Código de Processo Civil
anterior, que "todas as questões — as deduzidas e as deduzíveis - que constituam premissas
necessárias da conclusão, considerar-se-ão decididas".22
Vai daí que - na esteira do que previa o art. 287, parágrafo único, do Código de Processo Civil
de 1939, a eficácia preclusiva da coisa julgada não é capaz de tornar indiscutíveis quaisquer
espécies de alegações, mas tão-somente aquelas relacionadas com o thema decidendum da demanda, ou seja, aquelas vinculadas ao pedido, às partes e à causa de pedir oferecidos na ação
respectiva. Trata-se, com efeito, de simples questão de lógica. Considerando que, na elaboração
do libelo que fundamenta o pedido de certa tutela jurisdicional, devem estar presentes, a título
de causa de pedir, apenas os elementos relacionados ao específico fundamento — fatos
jurídicos necessários e suficientes para ensejar certo efeito jurídico, que corresponde ao pedido
na ação - somente os fatos relacionados a esta causa de pedir deverão ser contemplados na
petição inicial da causa.
121)
V. Lezionididirittopwcessuale civile. Padova: Cedam, 1986, vol. 4, p. 425-427.
MACHADO GUIMARÃES, Luiz. "Prcclusão, coisa julgada, efeito preclu-sivo" in Estudos de direito
processual civil. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária, 1969, p. 22.
122)
COISA JULGADA
695
Outros fatos, ainda que pudessem subsidiar outra causa de pedir, são totalmente impertinentes a
essa demanda e, evidentemente, não devem figurar na narrativa apresentada pela parte em sua
petição inicial. Precisamente porque impertinentes a essa específica demanda, não há razão para
serem apreciados no julgamento da causa. Por conseguinte, sendo questões totalmente alheias a
essa causa determinada, não estando (nem podendo estar) sujeitas à decisão judicial nesse
processo, obviamente não podem vir a ser consideradas como implicitamente examinadas na
sentença ou como preclusas, por decorrência do trânsito em julgado da sentença de mérito.23
Em síntese, pois, é necessário fixar a seguinte conclusão: a preclu-são, capaz de operar em razão
do art. 474 do Código de Processo Civil, diz respeito apenas às questões concernentes à mesma
causa de pedir. Somente as questões internas à causa determinada, relativas à ação proposta - e,
portanto, referentes às mesmas partes, ao mesmo pedido e à mesma causa de pedir—é que serão
apanhadas por esse efeito preclusivo, de forma a torná-las não dedutíveis em demanda diversa.
Qualquer outra questão, não pertencente àquela específica ação, ainda que relacionada
indiretamente a ela - porque correspondente a outra causa de pedir passível de gerar o mesmo
pedido, ou porque concernente à pretensão de outra parte sobre o mesmo objeto etc. — não
pode ficar sujeita a essa eficácia preclusiva.
Por fim, nesse mesmo contexto, como leciona OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA, a
imutabilidade da coisa julgada dimensiona-se pelos motivos da sentença, de forma que os fatos
relacionados com o material da primeira ação ficarão intocáveis após a decisão. Nas palavras do
proces(2t|
E. D. MONIZ DE ARAGÃO, examinando especificamente o tema em comento {Sentença e coisa
julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 326), lembra, desde logo, o cuidado com que se deve enfrentar o art. 474, em
razão da possível lesão, em sua aplicação, à garantia do acesso à justiça (art. 5o , XXXV da Constituição Federal). De
fato, como a Constituição Federal garante que nenhuma lei pode excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito, não se pode conferir ao art. 474 dimensão que possa impedir que demanda não proposta venha a ser
acobertada pelo manto da coisa julgada, impedindo a sua apreciação pela "justiça" (e isto é ainda mais evidente diante
do fim objetivado por posições contemporâneas, que insistem para a "relativização" da coisa julgada material).
696
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sualista, "outra, aliás, não é a conclusão a que chega Schwab, em sua obra considerada já
clássica, sobre o assunto, quando afirma que o efeito de exclusão causado pela coisajulgada
atingirá toda a cadeia de fatos similares, mas não abrangerá os fatos que não guardem relação
com o material do primeiro processo, vale dizer que correspondam a uma pretensão discrepante
da exposta na primeira demanda (op. cit., p. 225), pois 'o objeto litigioso é a petição de uma
resolução designada no pedido. Essa petição necessita, contudo, em qualquer caso, ser
fundamentada por fatos' (p. 251)".24 Assim, sempre que, futuramente, uma situação semelhante
àquela que ensejou a ação (ou que "guarde relação com o material desta primeira ação") ocorrer,
a situação já estará decidida, e a força daquela primeira sentença também incidirá sobre esta
causa nova, impedindo a reapreciação da questão, ainda que com os novos argumentos
apresentados.
Como é evidente, a noção desse "relacionamento de materiais" é de nítido cunho subjetivo, e
certamente acarretará problemas concretos. Entretanto, parece ser a única solução aceitável e
possível, no manejo da dimensão objetiva da coisajulgada, sem pender a extremos de limitação
ou de liberdade. De fato, acentua-se que "se poderia objetar que uma conclusão dessa ordem
legitimaria uma margem excessiva de insegurança e imprecisão, quanto ao estabelecimento dos
limites objetivos da coisa julgada, pela admissão de um certo subjetivismo na caracterização da
demanda, já que se atribuiria ao autor a faculdade de configurá-la em seu pedido de tutela
jurídica, subjetivismo que Schwab, ao que parece, exagera (op. cit., p. 238). Contudo, se a
objeção é procedente, não se pode dizer que a solução alvitrada seja novidade, pois outra coisa
não recomendavam os textos romanos, quando sugeriam que, nos casos duvidosos, quando não
se tivesse certeza sobre a perfeita identidade do objeto litigioso, se recorresse, para conhecê-lo,
à intenção manifestada pelo autor, em sua petição de tutela jurídica (D. 5, 1, 61,pr.;eD. 45, 1,
83, 1). Essa é, também, a excelente exposição de Biscardi (Lezioni sul processo romano antico e
clássico, p. 289-294-1967)".25
Pode ser que exista, nessa opção, excessiva confiança na subjetividade dos operadores do
direito. Entretanto, entre o frio rigor de esque(2J)
SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada, cit., p. 167. <:5 > Idem, ibidem, p. 170.
COISA JULGADA
697
mas abstratos legislativos e a convicção da temperança e prudência daqueles escolhidos para o
26
trato com o direito, parece evidente que esta última opção merece prevalecer. A solução
apontada, ainda que abra leque amplo para a atividadejunsdicional, permite a construção de
norte capaz de orientar a atividade do magistrado.
(26)
Como lembra Egas Dirceu MonizdeAragão, trazendo a lembrança da doutrina sobre a questão, "RENÉ MOREL
escreveu que 'é inútil ter uma boa lei de processo se c má a organização c insuficientes os juizes, ao passo que juizes
com extensos conhecimentos podem, a rigor, satisfazer-se com as leis medíocres'. FRANZ WIEACKER desenvolveu
a mesma idéia a propósito do Código Civil de Napoleão, ao dizer que 'uma magistratura extremamente inteligente e
bastante independente e uma ciência jurídica prática altamente desenvolvida têm até aqui mantido este Código,
freqüentemente ultrapassado do ponto de vista social e econômico, em contato com a realidade'. EDUARDO
COUTURE, posto que com outro objetivo, disse algo que deve ser aqui evocado: 'O direito valerá, cm um país c cm
um momento histórico, o que valham os juizes como homens'." ("Efetividade do processo de execução", Revista
Forense 326/33)
AÇÃO RESCISÓRIA
SUMÁRIO: 6.1 Noção - 6.2 Hipóteses de cabimento - 6.3 Consolidação dos pressupostos da ação rescisória - 6.4
Ação anulatória de ato judicial - 6.5 Cumulação do indiciam rescindens com o iudicium rescissoriwn -6.6
Procedimento da ação rescisória - 6.7 A questão da relativização da coisa julgada.
6.1 Noção
A coisa julgada, como visto, visa tornar imutável e indiscutível a sentença de mérito, a partir de
sua preclusão no processo. A decisão de recorrer ao instituto da coisa julgada parte de opção
feita pelo legislador, no sentido de fazer preponderar a segurança das relações sociais sobre a
chamada "justiça material". Esta opção, porém, se efetivamente é dominante no processo civil
atual (brasileiro e também da ampla maioria dos sistemas de direito comparado), não representa
uma alternativa abraçada incondicionalmente.
Com efeito, há situações (excepcionalíssimas, aliás) em que tornar indiscutível uma decisão
judicial, por meio da coisa julgada, representa injustiça tão grave, e solução tão ofensiva aos
princípios que pautam o ordenamento jurídico, que é necessário prever mecanismos de revisão
da decisão transitada em julgado. Imagine-se a hipótese de se descobrir, posteriormente ao
trânsito em julgado da sentença, que esta foi dada por juiz corrompido. De fato, embora
normalmente a coisa julgada sane todo e qualquer vício do processo em que operou, este defeito
é tão grave que, fazer vistas grossas seria altamente prejudicial à legitimidade do ordenamento
jurídico e da prestação jurisdicional.
Por isso, para casos excepcionais, o ordenamento jurídico prevê instrumentos destinados a
superar acoisajulgada, autorizando areapreciaçao
AÇÃO RESCISÓRIA
699
da sentença que, em princípio, seria indiscutível. São exemplos dessas figuras os embargos à
execução (em especial art. 741,1 do CPC) e, sobretudo, a ação rescisória. Esta última é ação
destinada precipuamente a obter anulação (e não declaração de nulidade) da coisa julgada
formada sobre decisão judicial, permitindo, então, por conseguinte, a revisão do julgamento.
Note-se que o objetivo da ação rescisória é desconstituir a força da coisa julgada (eficácia
preponderante anu latória),jáque a sentença transitada em julgado presume-se, até prova em
contrário, válida e eficaz.
6.2 Hipóteses de cabimento
O cabimento da ação rescisória limita-se a casos extraordinários, expressamente enumerados em
lei, através do art. 485 do CPC. São eles:
a) Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. Os três defeitos constituem tipos penais, em
que pode inserir-se o servidor público (no caso presente, o juiz) e que, por sua gravidade,
certamente não podem ser chancelados pela incidência da coisa julgada. A prevaricação (tipificada pelo art. 319 do CP) vincula-se à situação em que o juiz, para satisfazer interesse ou
sentimento pessoal, retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou ainda pratica ato contra
disposição expressa de lei. O motivo, que leva o juiz a agir contra legem, é a satisfação de
algum interesse ou sentimento pessoal, como, por exemplo, a perseguição a alguém, a simpatia
por certa pessoa etc. A concussão (art. 316 do CP) liga-se à exigência, pelo magistrado, de
vantagem indevida, em razão de suas funções. Aqui, o juiz exige, para a prática do ato (no caso,
para a prolação da sentença), certa vantagem, pecuniária ou não. Por fim, a corrupção, que para
legitimar a ação rescisória deve ser passiva (art. 317 do CP), importa na solicitação, ou
recebimento, pelo servidor público, em razão de suas funções, de vantagem indevida, ou
aceitação quanto à promessa de recebê-la. Note-se que, ao contrário do que ocorre com a
concussão, aqui o servidor limita-se asolicitar ou a recebera vantagem ilícita, ou ainda aaceitar
a promessa, sem, todavia, exigi-la. Em todos esses casos, a conduta ilícita do magistrado, além
de configurar um delito, compromete a seriedade da prestação jurisdicional. Por isso,
evidenciado o crime, autoriza-se a revisão da decisão proferida, por meio de ação rescisória.
b) Impedimento ou incompetência absoluta do juiz. A falta de capacidade subjetiva ou objetiva
absolutas do magistrado também são cau-
700
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sas de ação rescisória. Sendo ojuiz absolutamente incompetente (art. 113, CPC), ou estando
impedido (art. 134, CPC) para atuar no processo, sua participação viola, de tal maneira, o
ordenamento estatal, que o resultado da tutela jurisdicional se torna imprestável. Observe-se que
apenas a incompetência absoluta e o impedimento geram a possibilidade da utilização da ação
rescisória. A incompetência relativa (art. 114, CPC) e a suspeição do juiz (art. 135, CPC) são
sanadas pela coisa julgada, não podendo ser invocadas para revivificar a discussão sobre a
decisão prolatada.
c) Existência de dolo da parte vencedora em relação à vencida, ou colusão entre as partes, no
intuito de fraudar a lei. A lei busca impedir que as partes se sirvam do processo para fins
ilícitos. Como estabelece o art. 129 do CPC, "Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de
que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido
por lei, ojuiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes". O desvirtuamento da função
do processo é tão relevante para a jurisdição que pode, até mesmo, ser invocada depois de
concluído o julgamento do feito, por meio da ação rescisória. O mesmo se diga quando for
verificada a ocorrência de dolo de urna parte (vencedora) em detrimento da outra (vencida).
Nesse caso, ou a parte vencedora obsta-culiza a adequada participação da parte vencida no
processo, impedindo suas alegações e produção de provas, ou mesmo, e sempre de formadolosa,
leva o juiz a interpretar a situação litigiosa de forma contrária a ela (parte vencida). A má-fé
processual não pode ser admitida no processo, cabendo contra ela a sanção máxima, que é a
anulabilidade da coisa julgada derivada do processo onde ocorre.
d) Ofensa à coisa julgada. A coisa julgada impede a rediscussão da sentença. Ora, se é assim,
em havendo a propositura de uma segunda demanda, idêntica a outra, cuja decisão transitou em
julgado, mesmo que essa segunda ação seja julgada (sem observância da coisajulgada formada
anteriormente), a "coisajulgada" nela formada ofende a coisajulgada anterior. Por isso, este
segundo julgamento, embora possa transitar em julgado, admitirá sua desconstituição. A grande
questão ocorre no conflito dessas coisas julgadas, após o esgotamento do prazo existente para o
oferecimento da ação rescisória (de dois anos - cf. art. 495 do CPC). Findo esse prazo, tem-se
em tese duas coisas julgadas (possivelmente antagônicas) convivendo no mundo jurídico, o que
certamente não e
AÇÃO RESCISÓRIA
701
possível. Pareceque, nesses casos, deveprevalecerasegundacoisajulgada em detrimento da
primeira. Além de a primeira coisa julgada não ter sido invocada no processo que levou à edição
da segunda, ela nem mesmo foi lembrada em tempo oportuno, permitindo o uso da ação
rescisória e, assim, a desconstituição da coisa julgada formada posteriormente. É absurdo pensar
que a coisa julgada, que poderia ser desconstituída até determinado momento, simplesmente
desaparece quando a ação rescisória não é utilizada. Se fosse assim, não haveria razão para o
art. 485, IV, e portanto para apropositura da ação rescisória, bastando esperar o escoamento
do prazo estabelecido para seu uso.
e) Violação de literal dispositivo de lei. Se no julgamento o juiz desrespeita ou não observa
regra expressa de direito (que deveria regular a situação concreta que lhe foi submetida), sua
decisão não representa a vontade do Estado sobre a questão julgada, não podendo por isso
prevalecer. Obviamente, não se admite a utilização da ação rescisória nos casos em que exista
divergência sobre a interpretação estabelecida na sentença, sob pena de desestabilizar -se toda a
ordem e segurança jurídicas. A ação rescisória constitui remédio extremo, e assim não pode ser
confundida com mero recurso. Em outras palavras: a sentença que possui interpretação
divergente daquela que é estabelecida pela doutrina e pelos tribunais, exatamente pelo fato de
que interpretações diversas são plenamente viáveis e lícitas, não abre ensejo para ação
rescisória (Súmula n. 343 do STF). A ação rescisória somente é cabível nos casos de ofensa
indiscutível a disposição de lei. Esse requisito de indiscutibilidade vale, desde a origem do
instituto, para qualquer espécie de norma jurídica. Assim, é irrelevante saber a categoria da
regra jurídica em discussão (se constitucional ou infraconstitucional), razão pela qual é
incorreto admitir ação rescisória no caso em que o Supremo Tribunal Federal conferiu à regra
constitucional interpretação divergente daquela que lhe foi dada pela sentença que se pretende
rescindir.' De outro modo, estar-se-ia legitimando evidente paradoxo no sistema hermenêutico
nacional, em que o ordenamento pátrio autorizaria mais de uma interpretação adequada e
aceitável aos textos normativos infraconstitucionais, mas não faria o mesmo com os preceitos
constitucionais, para os quais so111
Ver, adiante, o item 6.7 deste Capítulo, cm que essaquestãoé abordada de forma mais aprofundada.
702
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
mente uma interpretação seria correta e, por conseqüência, válida. Q Superior Tribunal de
Justiça já decidiu neste exato sentido:
"Constitucional e processual civil. Ação rescisória. Aplicação da Súmula 343 do STF. Recurso
não conhecido.
I - O respeito à coisa julgada não pode ficar condicionado a futuro e incerto julgamento do STF
sobre a matéria, não tendo o ulterior pronunciamento daquela Corte, ao exercer o controle
difuso na estreita via do recurso extraordinário, o condão de possibilitar a desconstituição dos
julgados, proferidos pelos tribunais de apelação à luz da jurisprudência prevalente antes do
julgamento proferido pelo STF.
II - Como qualquer norma jurídica, as regras insertas na Constituição Federal não estão
isentas de interpretação divergente, seja por parte da doutrina, seja por parte dos tribunais.
Quando isso ocorre, a tese não pode ser tida como absurda a ponto de abrir a augusta via da
ação rescisória aos insatisfeitos. Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC
prospere é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo
aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão
rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação
rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero 'recurso ' com prazo de
'interposição' de dois anos.
III — Recurso especial não conhecido, prestigiando-se os acórdãos proferidos no Tribunal
Regional Federal".2
f) Fundamento essencial em prova falsa, assim reconhecida em processo criminal ou na
própria ação rescisória. O julgamento depende não apenas da manipulação adequada das regras
jurídicas, mas do conhecimento adequado dos fatos da causa. Se o magistrado, ao formar seu
convencimento sobre os fatos, apóia-se em prova falsa, certamente é induzido em erro na sua
valoração. Entretanto, se a sentença puder sobreviver, ou seja, puder ser mantida no seu
resultado, ainda que fundada em prova reconhecida como falsa, não há razão para a
desconstituição da coisa julgada. A prova apontada como falsa na ação rescisória pode ser assim
reconhecida na própria rescisória, ou em outro processo civil ou criminal, desde que a parte que
pode sofrer as conseqüências da falsidade tenha deles participado em contraditório.
121
STJ, 2." Turma; REsp 168.836; rcl. Min. Adhemar Maciel; DJU 01.02.1999.
AÇÃO RESCISÓRIA
703
g) Prova nova, antes ignorada ou de que não se pôde fazer uso, capaz de, por si só, alterar a
conclusão do julgamento. Identicamente à situação anterior, aqui está o código protegendo a
idoneidade da "reconstrução" dos fatos dacausa. A existênciade documento não utilizado (porque desconhecido ou porque dele não se pôde fazer uso), e que possa alterar a concepção dos
fatos envolvidos no litígio, pode dar ensejo à ação rescisória quando relevante para, por si só,
assegurar "pronunciamento favorável (art. 485, VII, CPC). Tal documento deve ser capaz de,
por si só, gerar resultado favorável ao autor da rescisória. Esse documento, embora chamado de
"documento novo", pode ser usado na rescisória quando era ignorado ou não pode ser usado no
processo que deu origem à sentença rescindenda, ainda que existente antes dela. 3
h) Existência de confissão, renúncia, reconhecimento do pedido ou transação inválidos. O art.
485, VIII, fala em fundamento para invalidar "confissão, desistência ou transação, em que se
baseou a sentença". Portanto, é necessário deixar claro, em primeiro lugar, que é necessário
atribuir à expressão "desistência" o significado de "renúncia", uma vez que a desistência
extingue o processo sem julgamento do mérito. Além disto, não hão razão para o
reconhecimento do pedido não ser enquadrado no inciso VIII para os efeitos de admissibilidade
de ação rescisória. No caso de confissão, a rescisória pode ser utilizada após o trânsito em
julgado da sentença. Antes de findo o processo, a confissão pode ser atacada através da ação
anulatória prevista no art. 486 do CPC (art. 352, CPC). Por outro lado, e tomando-se em
consideração o art. 486, que alude a "sentença homologatória", certamente surge o problema de
se saber qual a via processual que deve ser utilizada nos casos de renúncia, reconhecimento do
pedido e transação, os quais são objetos de sentenças homologatórias. A ação rescisória,
fundada no art. 485, VIII, ou a ação anulatória, baseada no art. 486, que viabiliza a anulação das
sentenças homologatórias? Para solucionar esse impasse, é necessário distinguir sentença
homologatória de renúncia, de reconhecimento do pedido ou de transação, e sentença fundada
em renúncia, ou em reconhecimento do pedido ou em transação. A hipótese versada no art. 485,
VIII, representa
'" Sobre a possibilidade de ação rescisória, fundada em laudo de DNA, para des-constituir sentença proferida em ação
de investigação de paternidade, ver adiante o item 6.7 desse Capítulo, pertinente à "questão da relativização da coisa
julgada".
704
MANUAL DO PROCESSO DF. CONHECIMENTO
caso em que se tem uma sentença que aprecia o mérito, acolhendo ou rejeitando o pedido, e
encontra fundamento em renúncia, ou em reconhecimento do pedido ou em transação (casos
certamente raros, mas não impossíveis). Já o art. 486 diz respeito a sentenças efetivamente
homologatórias, de renúncia, de reconhecimento do pedido ou de transação. O tema será melhor
esclarecido no item 6.4.
i) Fundamento em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa. Por fim,
autoriza-se a rescisão da coisa julgada quando a sentença de mérito esteja calcada em erro de
fato. Não se trata, aqui, de documento novo nem de prova falsa. Para a admissão da rescisória
fundada em "erro de fato" é preciso que exista nexo de causalidade entre ele e a sentença
rescindenda. É necessário, em outras palavras, que um erro de fato tenha determinado o
resultado da sentença. Afirma-se que "há erro quando a sentença admitirfato inexistente, ou
quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido" (art. 485, § 1.°), e que "é indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia nzmpronunciamento judicial
sobre o fato" (art. 485, § 2.°). Portanto, a admissão da rescisória, neste caso, é subordinada aos
seguintes requisitos: i) que a sentença esteja baseada em erro de fato; ii) que esse erro possa ser
apurado i ndependentemente da produção de novas provas; iii) que sobre o fato não tenha
havido controvérsia entre as partes; e iv) que não tenha havido pronunciamento judicial sobre o
fato. Sc o fato foi objeto de cognição mediante prova (ou seja, de valoração) no curso do
raciocínio que o juiz empregou para formar seu juízo, não cabe rescisória. Mas se o fato foi
suposto, no raciocínio, como mera etapa para o juiz chegar a uma conclusão (juízo), a ação
rescisória é admissível. Não é certo dizer que a ação rescisória não é admissível nos casos de
equivocada valoração da prova ou dos fatos. Ocorrendo má valoração da prova a rescisória é
cabível, desde que não tenha ocorrido valoração de prova que incidiu diretamente sobre o fato
admitido ou não admitido. Se a equivocada valoração da prova repercutiu na compreensão
distorcida da existência ou da inexistência do fato, e isto serviu como etapa do raciocínio que o
juiz empregou para formar seu juízo, a ação rescisória é cabível.
6.3 Consolidação dos pressupostos da ação rescisória
Em todas essas circunstâncias, a sentença de mérito pode ser revista, como decorrência da
anulação da coisa julgada que se busca por meio de
AÇÃO RESCISÓRIA
705
ação rescisória. Para tanto, basta que se preencham os seguintes pressupostos:
I - sentença (ou acórdão) que, efetivamente, aprecie o mérito da demanda, acolhendo ou
rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado (art. 269,1, do CPC);
II-ocorrência de coisa julgada material sobre essa sentença, em função da preclusão da
faculdade recursal sobre ela;
III - presença de uma das causas apontadas no art. 485 do CPC;
IV - não exaurimento do prazo previsto para a ação rescisória (art. 495, CPC).
É cabível ação rescisória contra qualquer espécie de sentença de mérito. Não é possível utilizar
ação rescisória em relação às sentenças meramente homologatórias (como as proferidas em
feitos de jurisdição voluntária), ou ainda frente a atos judiciais que independam de sentença
(como os atos administrativos, realizados por órgãos do Judiciário). Para estes, prevê o Código
de Processo Civil, no seu art. 486, outra espécie de mecanismo, como se verá a seguir.
Não obstante, observa-se do rol trazido pelo art. 485, a falta de previsão de certas hipóteses, que
constituem vícios gravíssimos, e que também poderiam, no cotejo com aquelas versadas na lei,
legitimar o uso da ação rescisória. Imagine-se, por exemplo, a questão da falta (inexistência) de
citação no processo. Essa matéria é tão grave que admite, inclusive, sua invocação em sede de
embargos do executado, por ocasião da efetivação da sentença estável (art. 741,1, do CPC).
Será, portanto, razoável excluir essa matéria do âmbito da rescisória?
Em verdade, para vícios como a ausência de citação, não se há de falar cm ação rescisória (a não
ser que se interprete a hipótese como subsumida à previsão do art. 485, V, já que a ausência de
citação viola literal dispositivo de lei, istoé, ao art. 214 do CPC). Note-se que a existência de
citação constitui ver&ddcko pressuposto processualde existência do processo. Quer dizer que,
ausente esse pressuposto, o processo não existe, ao menos enquanto processo. Outra não era a
conclusão a que chegavam as Ordenações Filipinas, dizendo que "a sentença, que é por Direito
nenhuma, nunca em tempo algum passa em coisa julgada, mas em todo o tempo se pode opor
contra ela, que é nenhuma e de nenhum efeito, e portanto não é necessário ser dela apelado. E é
por Direito a sen-
706
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tença nenhuma, quando é dada sem a parte ser primeiro citada" (L. III, T LXXV, princ.).4 Tais
sentenças, proferidas em "processo" em que falta pressuposto processual de existência presença e dualidade de partes, jurisdição do órgão julgador, pedido e citação (compreendida,
aliás, no
primeiro dos pressupostos) - sequer podem ser consideradas "sentenças" (ou, quando muito,
podem ser chamadas de "sentença nenhuma "), porque proferidas no espaço, e não em um
processo (pois o processo depende, para existir, de seus pressupostos de existência).
Se, assim, tais "sentenças" são formadas fora do processo, não se pode chamar a isto de
exercício de jurisdição. Ora, se a decisão não é resultado do exercício da jurisdição, ela não
pode receber o selo de imutabilidade decorrente da coisa julgada. Essas sentenças não transitam
em julgado nunca, podendo, quando muito, ser equiparadas a uma espécie mal formada de
arbitragem (porque também violam as garantias atinentes aesta figura).
Se não existe, aí, coisa julgada, inexiste espaço para o cabimento de ação rescisória contra tais
atos. Para esses atos judiciais, viciados mortalmente, deve o interessado valer-se da ação
declaratória de nulidade (rectius, inexistência) de ato judicial, que tem sua origem na renomada
"querela nullitatis ", do direito bárbaro primitivo. Esta ação, de procedimento ordinário e que
tramita perante o primeiro grau de jurisdição, tem por objetivo tão-somente reconhecer a
inexistência do ato judicial (ao menos enquanto processo), negando-lhe os efeitos típicos,
inclusive a qualidade da coisa julgada que poderia sobrepor-se ao efeito declarató-rio dele
derivado.
6.4 Ação anulatória de ato judicial
Segundo estabelece o art. 486 do CPC, os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em
que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral,
nos termos da lei civil.
Há, portanto, uma categoria de atos judiciais cuja impugnação não se submete ao regime da
ação rescisória, mas aos ditames normais — pre(4)
V. a respeito, Egas Dirceu Moniz de Aragão. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1998, vol. II, p. 161.
AÇÃO RESCISÓRIA
707
vistos para os atos jurídicos em geral - estampados no Código Civil. Ou seja, esses atos, se
viciados, não serão impugnados pela via da ação rescisória, mas sim pelos caminhos
tradicionais da ação anulatória ou da ação declaratória de nulidade, em consonância com o que
ocorre com qualquer outro atojurídico no sistema brasileiro.
A solução deve ser aplaudida. Como já foi anotado, a coisa julgada incide sobre o elemento
declaratório da sentença de mérito. Sendo assim, se o ato judicial independe de sentença, não
pode ele vir a ser acobertado pela coisa julgada, por falta do substrato ao qual deve aderir. O
mesmo vale para as sentenças homologatórías. Embora aqui se tenha, efetivamente, uma
sentença, não vem ela revestida da eficácia declaratória suficiente para gerar o efeito sobre o
qual deve aderir a qualidade de imutabilidade decorrente da coisa julgada.
Como observado pela doutrina, "quando se homologa algum ato, reputa-se esse ato o homólogo
do ato in abstracto, que se tem por modelo, ou idéia".5 A sentença homologatória é, pois, como
observa PONTES DE MIRANDA, atojurídico processual transparente, 6 porque nada acrescenta
ao ato homologado, limitando-se a atestar a conformidade/órmal deste ato com os ditames do
Direito. Dessa forma, como mera certificação formal, sem qualquer avaliação do conteúdo do
atojurídico homologado, é certo que essa sentença propriamente não sente (não julga) nada.
Cinge-se a atribuir ao atojurídico os efeitos típicos de atos judiciais, porque aquele ato, na ótica
do Estado, reveste-se dos requisitos formais necessários. O atojurídico é, assim,
reconhecidamente, ato jurídico perfeito.
Ora, essa constatação leva à conclusão de que a sentença homologatória, porque não é capaz de
examinar o conteúdo do conflito, não é apta a criar a lei do caso concreto. Não tem a sentença
homologatória carga declaratória suficiente para certificar a vontade da lei no caso concreto,
limitando-se a reconhecer que, formalmente, o ato realizado amolda-se aos ditames legais.
Por isso, toda a força decorrente das sentenças homologatórias, em verdade, não está
precisamente na sentença, mas sim no atojurídico
(5)
(6)
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória. São Paulo: RT, 1970. vol. 1.
Idem, ibidem.p. 411.
708
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
perfeito que ela reconhece. O que se torna imutável, em razão da sentença homologatória, não é,
exatamente, a sentença, mas o ato jurídico realizado, que, por enquadrar-se na categoria de ato
jurídico perfeito, recebe o mesmo status que a coisa julgada (art. 5.°, XXXVI, da CF).
Como não tem força declaratória suficiente, a sentença homologatória não pode produzir coisa
julgada. Não opera coisa julgada simplesmente porque lhe falta o elemento declaratório
suficiente para tanto - é, como diz PONTES DE MIRANDA, "sentença a quase zero de declaratividade".7
Porque não operamcoisa julgada material, essas sentenças homolo-gatórias não podem ser
rescindidas. O que pode ocorrer, isto sim, é a anulação do ato jurídico que lhe é subjacente, por
meio da ação anulató-ria competente. Afinal, é precisamente este o interesse da parte: é o ato
jurídico perfeito que reflete efeitos na esfera do interessado. É esse ato jurídico que, enquanto
considerado como válido e eficaz, ameaça o interesse do sujeito. E, por isso mesmo, ele que
deve ser atacado, e não a sentença (transparente, como disse PONTES DE MIRANDA), que
nada lhe acrescenta, senão a chancela judicial.
Com estas considerações, parece ser fácil enfrentar a questão da dualidade existente entre o art.
485, VIII, e o art. 486. A primeira regra trata de sentença de mérito fundada em renúncia,
reconhecimento do pedido ou transação que possam ser invalidados. Será necessário, então, que
exista uma sentença de mérito (e não apenas uma sentença equiparada, pelo art. 269, à
verdadeira sentença de mérito, como a sentença homologatória) que tenha baseado sua
conclusão — acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido - em confissão, renúncia,
reconhecimento ou transação inválidos. Como foi dito anteriormente, salvo a hipótese da
confissão, os outros casos serão raros, mas não impossíveis de acontecer. Nesses casos, o valor
da renúncia, do reconhecimento ou da
171
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, 1998. t. I,p. 314.
Pontes de Miranda, aliás, bem observa esta circunstância, ao tratar das sentenças proferidas em ações de jurisdição
voluntária. Como acentua o mestre, "as resoluções, sentenças ou decisões, proferidas em jurisdição voluntária ou
graciosa, não têm força material de coisa julgada, porque a coisa julgada material se liga à segurança extrínseca, ao
evitamento de litígios futuros" (idem, ibidem, p. 310).
AÇÃO RESCISÓRIA
709
transação (assim como acontece com a confissão, daí a razão para o tratamento conjunto das
figuras) não está precisamente em si, como ato jurídico, mas em seu reflexo para a solução do
processo. Aqui se pode realmente dizer que a sentença baseia-se nesses atosjurídicos (e não que
teve por objeto tais atos). Essa é realmente uma sentença de mérito, e assim pode ser rescindida.
Ao revés, se a sentença se limita a homologar a transação, a renúncia ou o reconhecimento, é
caso de ação anulatória - não propriamente da sentença, mas sim do ato jurídico que está por
detrás dela -sempre que esse ato se mostre viciado em face de algum dos critérios fornecidos
pelo direito material.
6.5 Cumulação do iudicium rescindens com o iudicium rescissorium
O pedido de rescisão da coisa julgada não precisa limitar-se, na ação rescisória, à solicitação de
anulação da deliberação inquinada.
Ao contrário, como estabelece expressamente o art. 488,1, do CPC, pode a parte autora da ação
rescisória cumular o pedido de rescisão da coisa julgada (iudicium rescindens) com o de novo
julgamento da causa submetida anteriormente ao exame )uvisá\ciona\(iudiciumrescissorium).
Trata-se de cumulação de pedidos, de modalidade sucessiva, na qual o segundo pedido (o de
novo julgamento) somente será analisado se procedente o primeiro (de rescisão do julgado
anterior).
Afirma o referido art. 488,1, que o autor da rescisória deve "cumular ao pedido de rescisão, se
for o caso, o de novo julgamento da causa". Isto quer dizer que, sendo o caso de "novo
julgamento", não basta apenas o pedido de rescisão (iudicium rescindens), sendo necessário o
pedido de "novo julgamento" (iudicium rescissorium). Mais precisamente, nas hipóteses em que
não é suficiente a rescisão, o pedido de "novo julgamento" deve ser cumulado. A cumulação,
neste sentido, é obrigatória.
Normalmente, quando é feita a rescisão, é necessário um novo julgamento que venha a ocupar o
lugar do rescindido. Como isso é necessário apenas "normalmente", o art. 488,1, afirma que a
cumulação deve ser feita quando "for o caso". Essa cumulação tem pressupostos lógicos, que se
regem pelas previsões relativas à cumulação dos pedidos, especialmente aquelas atinentes à sua
compatibilidade lógica. Por isso, nem sem-
710
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
pre é admissível a cumulação, sendo ela viável apenas quando a causa determinante do vício do
julgamento rescindendo não incida diante do segundo. Assim, por óbvio, não é viável a
cumulação quando a causa da rescisória for ofensa à coisa julgada. Nesse caso, a ação somente
pode rescindir o julgamento ofensivo à coisa julgada, sem nada mais poder estabelecer, pois sua
função é devolver a autoridade à coisa julgada anterior. O mesmo se dirá em relação à ação
rescisória fundada na colusão das partes. Ainda sucederá o mesmo no caso da rescisão da
sentença de-claratória, jáque, "anulada a decisão, desaparece 'incontinenti'sua eficácia como
preceito".8
Portanto, a idéia do art. 488, I, posta quando diz que a cumulação deve ocorrer "quando for o
caso", tem o significado de exigir a cumulação quando a rescisão não bastar e for possível a
realização de "novo julgamento ".
Imagine-se o exemplo da rescisão da sentença proferida por juiz absolutamente incompetente.
Como é evidente, nessa hipótese não é suficiente apenas a rescisão, sendo imprescindível "novo
julgamento". Contudo, este novo julgamento somente poderá ser feito pelo órgão que rescindiu
o julgamento se ele tiver competência para isto. Em outras palavras: um órgão do Poder
Judiciário pode ter competência para o iudicium rescindens, mas não ter competência para o
"novo julgamento". Para resumir: o pedido de "novo julgamento" não precisa ser feito quando a
mera rescisão do julgado for suficiente, ou quando não for possível ao órgão competente para a
rescisão proferir novo julgamento.
Quando a cumulação deve ser realizada, não cabe argumentar com ofensa ao duplo grau de
jurisdição. Ora, como corretamente advertiu FREDERICO MARQUES, "considerar
inadmissível a cumulação, sob o fundamento de que se suprime, com isso, uma instância, é
abraçar entendimento sem consistência, uma vez que já houve, antes, decisão sobre a lide do
iudicium rescissorium, pelo menos no juízo de primeiro grau. Na ação rescisória, o órgão
judiciário competente para decidi-la se sobrepõe, nos graus de jurisdição, àqueles que antes se
pronunciaram sobre a causa, proferindo nova decisão que deve prevalecer sobre aquelas
anteriormente proferidas. Além de anular o julgamento rescindendo, esse
<81
MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1975.
vol. 3, parte 2, p. 266.
AÇÃO RESCISÓRIA
71)
órgão judiciário ainda revê a sentença ali proferida, tal como nos recursos de devolução plena
sobre o thema decidendum" ? Na realidade, não bastasse a constatação, já exposta neste
"Manual", de que o duplo grau de jurisdição não é princípio que se deva ter por inafastável no
sistema processual brasileiro, é de se ver que, na ação rescisória, o julgamento de uma causa,
que foi realizado deforma irremediavelmente viciada, é transferido (não em razão de recurso,
mas por razões excepcionais, expressamente prevista em lei) para outro órgão do Poder
Judiciário, e assim não há que se pensar, nem ao menos em tese, em ofensa ao duplo grau. No
caso de ação rescisóriaja ocorreu o julgamento definitivo da causa, mas deforma viciada. O
desejado duplo grau, assim, já se exauriu.
6.6 Procedimento da ação rescisória
A ação rescisória pode ser proposta pela parte prejudicada (ou por seu sucessor a título universal
ou singular), pelo terceiro juridicamente interessado, ou ainda pelo Ministério Público (art. 487
do CPC). O Ministério Público, porém, só detém legitimidade para propor a ação rescisória cm
duas situações: ou quando não foi ouvido, em processos em que era obrigatória sua intervenção;
ou quando a sentença é o efeito de colusão das partes, no intuito de fraudar a lei (art. 487, III, a
e b, do CPC).
A competência para examinar a ação rescisória será sempre de tribunal. Quando se trate de
sentença de primeiro grau, a competência será do tribunal hierarquicamente superior ao juízo
prolator do julgamento rescindendo (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal). Se o
julgamento a ser rescindido for de tribunal - decorrente de competência originária ou recursal 10 , competirá ao próprio tribunal julgar a ação rescisória (art. 102,1,/; art. 105,1, e; e art. 108,1, b,
da CF).
A petição inicial da ação rescisória obedecerá aos requisitos normais, expressos no art. 282 do
CPC, cabendo ao autor da ação cumular, se for o caso, o pedido de rescisão com o de novo
julgamento (art. 488,1, CPC). Também deverá, concomitantemente com a propositura da ação,
depositar a i mportância de 5 % (cinco por cento) sobre o valor da causa, a qual
191
Idcm, ibidem, p. 265-266.
1101
O efeito substitutivo do recurso faz com que a decisão do tribunal, ainda que confirmando
a decisão recorrida, substitua-se à anterior (art. 512, CPC).
712
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
será revertida em favor do réu (e por isso o art. 488, II, fala em depósito "a título de multa"),
caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente. Essa
exigência de depósito prévio não se aplica à União, ao Estado, ao Município ou ao Ministério
Publico (art. 488, parágrafo único, do CPC), bem como às autarquias vinculadas a essas
entidades.
Também deve o autor, juntamente com a petição inicial, apresentar os documentos
indispensáveis à propositura da demanda (art. 283 do CPC), assim entendidos, por exemplo,
como o documento que demonstre a declaração de falsidade da prova que fundou a sentença que
se pretende desconstituir (no caso, evidentemente, de ação rescisória baseada em prova já
declarada falsa - art. 485, VI, CPC).
Como é óbvio, a ação rescisória também deve obedecer às condições da ação e aos pressupostos
processuais. Nesse sentido, e por exemplo, é correto afirmar que a parte beneficiada pela
sentença viciada não tem interesse de agir. Com efeito, ausentes quaisquer dos requisitos antes
apontados, a ação rescisória deve ser indeferida liminarmente (art. 490 do CPC).
Poderá o autor, excepcionalmente, e em havendo a demonstração irretorquível de que a
execução da sentença rescindenda poderá causar-lhe dano irreparável ou de difícil reparação,
postular tutela antecipatória para suspender os efeitos da sentença rescindenda- desde que
demonstre, de pronto, a "verossimilhança" do fundamento da ação rescisória (art. 273, CPC).
Apesar do que expressamente estabelece o art. 489 - negando que a ação rescisória possa
suspender a execução da sentença rescindenda - não se pode interpretar esse dispositivo
divorciado do contexto do sistema processual nacional. É certo que não é efeito natural da propositura da ação rescisória suspender os efeitos do ato recorrido. Porém, não é possível negar
que o autor pode, em alguns casos, demonstrar com facilidade (e até mesmo através de prova
documental), algumas das hipóteses do art. 485. Em casos assim, certamente não é justo
submeter aos efeitos da sentença, a parte que pode demonstrar desde logo o seu vício. Ora, se
até mesmo os efeitos da lei, na ação declaratória de incons-titucionalidade, podem ser suspensos
(art. 102,1, p, da CF), porque não admitir a suspensão dos efeitos da sentença? Será correto
submeter o jurisdicionado, por exemplo, a uma sentença proferida por juiz absolutamente
incompetente, apenas pelo fato de que a ação rescisória ainda se
AÇÃO RESCISÓRIA
713
arrasta para a definição de algo que já foi evidenciado no início do processo? Absolutamente
não. Se é assim, alguém poderia questionar sobre o instrumento hábil para a suspensão dos
efeitos da sentença rescinden-da: a ação cautelar ou a tutela antecipatória. Tal dúvida ainda
persiste pelo fato de que a doutrina e os operadores do direito não se deram conta de que a
suspensão dos efeitos de algo que se pretende dcsconstituir é, evidentemente, antecipação da
tutela final. Acontece que, antigamente, essa tutela antecipatória apenas podia ser obtida por
meio do uso da ação cautelar. Com a introdução da tutela antecipatória no Código de Processo
Civil (art. 273), o uso distorcido da ação cautelar foi corrigido, de modo que, em casos como o
da necessidade de suspensão dos efeitos da sentença, deve ser utilizada a tutela antecipatória.''
Afinal, em se negando completamente essa possibilidade, não será difícil imaginar situações em
que o julgamento da ação rescisória será completamente inútil, porque já exaurido o dano
decorrente da efetivação da sentença viciada. '2
Recebida a ação, será sorteado relator para o feito, que determinará, ao tomar contato com a
petição inicial, a citação do réu darescisóriapara responder em prazo compreendido entre quinze
e trinta dias (art. 491, primeira parte, do CPC), tomando em conta a complexidade da causa. O
réu da ação rescisória será a parte adversária do requerente na ação em que foi proferida a
sentença guerreada, ou seu sucessor a título universal ou singular. Ainda quando se alegue vício
relativo à autoridade judiciária que funcionou no primeiro processo, não é ele quem deve figurar
no pólo passivo da ação rescisória, podendo, se for o caso, habilitar-se como assistente do réu,
buscando evitar eventuais sanções posteriores, decorrentes de sua má atuação jurisdicional.
Não se aplicam, à ação rescisória, as alterações de prazo previstas pelos arts. 188 e 191 do CPC.
A flexibilidade do prazo de resposta, expresso pelo art. 491, visa, precisamente, a permitir ao
relator, segundo as circunstâncias da causa, adequar o prazo de resposta às peculiaridades
(ll)
Como corretamente observam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, "na ação
rescisória, em tese, pode ser concedida antecipação da tutela" {Código de Processo Civil comentado e
legislação processual civil extravagante em vigor. 5. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 733).
(l2>
A possibilidade de liminares suspensivas em ação rescisória já foi ventilada em leis especiais, especialmente em
favor do Poder Público (por exemplo, o art. 71, parágrafo único, da Lei 8.212/91).
714
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
da situação concreta. Além disso, tratando a ação rescisória de direito indisponível (coisa
julgada), não incidem os efeitos da revelia, caso o réu (ou os réus) deixe de oferecer defesa no
prazo fixado.
Oferecida ou não a resposta, correrá o processo pelo procedimento ordinário, com as
providências preliminares e a fase de saneamento, seguindo-se, se for o caso, para a instrução.
Esta última, evidentemente, só deverá acontecer se o fundamento da rescisória exigir a
comprovação, por provas orais ou periciais, das afirmações feitas inicialmente. Sendo necessária
a instrução da causa, esta será delegada ao juízo de primeiro grau da comarca onde a prova deva
ser produzida, fixando-se prazo entre quarenta e cinco e noventa dias para a conclusão das
diligências e para a restituição dos autos (art. 492 do CPC).
Encerrada a instrução, terão as partes o direito de se manifestar no prazo sucessivo de dez dias
(iniciando-se pelo autor, e posteriormente abrindo-se vista ao réu) em "razões finais". Em
seguida, serão os autos encaminhados ao relator, para as providências preparatórias do
julgamento, em especial para a elaboração do relatório, encaminhando-os, posteriormente, ao
revisor (art. 551 do CPC). Este, após examinar o feito, pedirá ao presidente do colegiado dia
para o julgamento.
O julgamento da ação rescisória deve obedecer aos ditames fixados nos Regimentos Internos
(tribunais superiores e federais) ou nas leis de organização judiciária, em relação aos tribunais
estaduais. Em regra, tais previsões não diferem das regras atinentes aos julgamentos dos recursos, razão pela qual desmerecem maiores observações. Os juizes que tiverem participado do
julgamento rescindendo não estão, só por esta circunstância, impedidos de julgar a ação
rescisória (Súmula 252 do STF).
Ao julgar a ação rescisória, se houver pedido nesse sentido (e, evidentemente, isto for possível),
o tribunal também deverá, se procedente o pedido de rescisão, proferir "novo julgamento" em
substituição ao anulado. Caso contrário, julgando improcedente a pretensão, ou considerando
inadmissível a ação, fará reverter em favor do réu (quando o julgamento ocorrer por
unanimidade de votos) o montante do depósito inicial.
Da decisão proferida na ação rescisória, caberão, se for o caso, embargos infringentes, embargos
de declaração ou, ainda recurso especial ou extraordinário, desde que obedecidos os
pressupostos jáexaminados. Lembre-se que, de acordo com o novo art. 530 do CPC, somente
cabem
AÇÃO RESCISÓRIA
715
embargos infringentes no caso em que "acórdão não unânime" "houver julgado procedente ação
rescisória", não bastando mais, para o cabimento do recurso, a simples não unanimidade do
"julgado proferido em ação rescisória", como preceituava a antiga redação do art. 530.
6.7 A questão da relativização da coisa julgada
a) Em razão de certos casos, há quem sustente a possibilidade de se desconsiderar a sentença
transitada em julgado - produtora de coisa julgada material -, sem a necessidade da propositura
de ação rescisória. Um dos exemplos que tem sido usado para dar fundamento a essa tese é o da
ação de investigação de paternidade, cuja sentença, transitada em julgado, declarou que o autor
não é filho do réu (ou o inverso), vindo depois um exame de DNA a demonstrar o contrário.
Diante disso, e para tornar possível a rediscussão do que foi afirmado pela sentença transitada
em julgado, argumenta-se que a indiscutibilidade dacoisajulgada não pode prevalecer sobre a
realidade, e que assim deve ser possível rever a conclusão formada.
O problema, aqui, não é o de saber se é possível pensar em sentenças que, por possuírem vícios
de extrema gravidade, podem ser desconsideradas independentemente de ação rescisória, como
a proferida contra quem não foi citado. Lembre-se, aliás, que PONTES DE MIRANDA já
sustentava, há muito tempo, a existência de sentenças nulas e inexistentes - que dispensariam
rescisão, por meio de ação rescisória própria-, reconhecendo que "a sentença nula não precisa
ser rescindida. Nula é; e a ação constitutiva negativa pode ser exercida ainda incidenter,
cabendo ao juiz a própria desconstituição de ofício".13
O que importa, nesse momento, é indagar se é possível e conveniente, diante de certas
circunstâncias, dispensar a ação rescisória para abrir oportunidade para a revisão de sentenças
transitadas em julgado. Tal possibilidade implicaria na aceitação de que a coisa julgada deve ser
"relativizada".14
1151
PONTES DE MIRANDA. Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisóriadas sentenças e de outras decisões.
5. cd. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 194.
(l4)
Sobre o tema, ver os trabalhos de Cândido Rangel Dinamarco, Relativizar a coisajulgada material; José Augusto
Delgado, Efeitos da coisa julgada eprin-
716
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Em favor da "relativização" da coisajulgada, argumenta-se a partir de três princípios: o da
proporcionalidade, o da legalidade e o da instru-mentalidade. No exame desse último, sublinhase que o processo, quando visto em sua dimensão instrumental, somente tem sentido quando o
julgamento estiver pautado pelos ideais de Justiça e adequado à realidade. Em relação ao
princípio da legalidade, afirma-se que, como o poder do Estado deve ser exercido nos limites da
lei, não é possível pretender conferir a proteção da coisajulgada a uma sentença totalmente
alheia ao direito positivo. Por fim, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade,
sustenta-se que a coisajulgada, por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente,
não pode prevalecer sobre outros valores que tem o mesmo grau hierárquico. Admitindo-se que
a coisajulgada pode se chocar com outros princípios igualmente dignos de proteção, conclui-se
que a coisajulgada pode ceder diante de outro valor merecedor de agasalho.
b) Contudo, não é possível esquecer a razão pela qual a jurisdição foi, por muito tempo,
caracterizada pela coisajulgada material. Quando se afirma que a coisa julgada material não
deve ser vista como característica fundamental da jurisdição, alude-se a provimentos que,
embora não contenham carga declaratória capaz de fazer surgir coisajulgada material, são
fundamentais para a efetividade da tutela dos direitos, como aquele que põe fim ao processo
cautelar. Porém, note-se bem: entender que a coisa julgada material não é característica da
jurisdição não é o mesmo do que dizer que a jurisdição não deva zelar pela coisajulgada
material peculiar ao processo de conhecimento.
A coisajulgada material é atributo indispensável ao Estado Democrático de Direito e à
efetividade do direito fundamental de acesso ao Poder Judiciário - obviamente quando se pensa
no processo de conhecimento. Ou seja, de nada adianta falar em direito de acesso à justiça sem
darão cidadão o direito de ver o seu conflito solucionado definitivamente. Por isso, se a
definitividade inerente à coisajulgada pode, em alguns casos,
cípio.i constitucionais; c Humberto Thcodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria, A coisa julgada inconstitucional e
os instrumentos processuais para seu controle, todos eles publicados na coletânea organizada por Carlos Valder do
Nascimento sob o título de Coisajulgada inconstitucional, e publicada através da Editora América Jurídica (Rio de
Janeiro, 2002).
AÇÃO RESCISÓRIA
717
produzir situações indesejáveis ao próprio sistema, não é correto imaginar que, em razão disso,
ela simplesmente possa ser desconsiderada.
Nesse sentido, não parece que a simples afirmação de que o Poder Judiciário não pode emitir
decisões contrárias à justiça, à realidade dos fatos e à lei, possa ser vista como um adequado
fundamento para o que se pretende ver como "relativização" da coisa julgada. Ora, o próprio
sistema parte da idéia de que o juiz não deve decidir desse modo, mas não ignora - nem poderia
- que isso possa ser feito. Tanto éque prevê a ação rescisória, cabível em casos tipificados pela
lei.
O que aconteceu, diante da inevitável possibilidade de comportamentos indesejadospelo
sistema, foi a expressa definição das hipóteses em que a coisa j ulgada pode ser rescindida. Com
isso, objetivou-se, a um só tempo, dar atenção a certas situações absolutamente discrepantes da
tarefa jurisdicional, mas sem eliminar a garantia de indiscutibilidade e imutabilidade, inerentes
ao poder estabelecido para dar solução aos conflitos, como também imprescindível à efetividade
do direito de acesso aos tribunais e à segurança e à estabilidade da vida das pessoas.
c) O nosso sistema não reserva apenas ao Supremo Tribunal Federal a apreciação de
inconstitucionalidade da lei. Como é sabido, os juízos de primeiro e segundo graus também
podem fazer esse controle, no curso de um processo qualquer, como questão incidental ao
julgamento do mérito.
A idéia de que a declaração de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal
nulifica a sentença (transitada em julgado) que nela se fundou, gera algo que se poderia chamar
de "controle da consti-tucionalidade da sentença transitada em julgado".
Ou melhor, a hipótese seria de retroatividade da decisão de inconstitucionalidade para apanhara
coisajiilgada. Isso é o mesmo que aceitar que a sentença que se fundou em lei reputada
constitucional, e foi proferida em processo que observou todas as garantias processuais das
partes, pode ser nulificada por decisão do Supremo Tribunal Federal, que, mais tarde, declarou
a mesma lei inconstitucional. Como está claro, o que importa é saber se a decisão de
inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal pode retroagir para atingir a coisa julgada
material.
Não há dúvida que, no direito brasi leiro, entende-se, sem grande controvérsia, que a decisão de
inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc,
718
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
e assim retroage até o momento da edição da lei. Afirma-se, nesse sentido, que tal decisão não
possui caráter desconstitutivo, e por isso não apenas revoga a lei. A sua natureza é declaratória,
pois reconhece a nulidade da lei, vale dizer, um estado já existente. 15
Acontece que essa tese (da retroatividade dos efeitos) deve ser vista com cautela, uma vez que
não há sentido em admitir que uma teoria, apenas porque idônea em "determinado sentido",
possa ser aceita como adequada em "outro" somente para que o seu arcabouço lógico-formal
não seja abalado. Esse "outro sentido", de que se fala, diz respeito exatamente àquelas situações
que não devem ser atingidas pela declaração de inconstitucionalidade.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em voto proferido pelo Ministro Leitão de Abreu,
salientou a necessidade de se temperar a tese da retroatividade da declaração de
inconstitucionalidade para se deixar imunes as situações jurídicas fundadas em ato praticado de
boafé.16 Aliás, mesmo nos Estados Unidos, país em que a expressão "lei inconstitucional"
chegou a ser considerada uma contradição em termos diante da expressiva afirmação de que the
inconstitutional statute is not law at ali,17 existem sinais de abrandamento da força da teoria da
eficácia ex tunc}%
Recentemente, a Lei 9.868, de 10.11.1999 -que "dispõe sobre o processo e julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal"-estabeleceu, no seu art. 27, que, "ao declarar a inconsti tucionalida(16) (17)
"Encontra-se, hoje, superada a discussão a respeito dos efeitos produzidos pela decisão que declara a
inconstitucionalidade de ato normativo, se ex time ou ex mtnc. Já foi afirmado, quando se tratou da fiscalização
incidental, que influenciado pela doutrina e jurisprudência americanas, o direito brasileiro acabou por definir que a
inconstitucionalidade eqüivale à nulidade absoluta da lei ou ato normativo" (CLÈVE, Clèmerson Merlin. A
fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995. p. 163). RTJ 97/1.369.
MENDES, Gilmar Ferreira. "Controle de constitucionalidade: uma análise das Leis 9868/99 e 9882/99", Revista
Diálogo Jurídico, n. 11, fev. 2002. Disponível na internet em: www.direitopublico.com.br.
ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. "Justicia constitucional. La doctrina pros-pectiva en Ia declaración de ineficácia de
Ias leyes inconstitucionales". Revista de Direito Público 92/5.
AÇÃO RESCISÓRIA
719
de de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus
membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de
seu trânsito em julgado ou de outro momento em que venha a ser fixado". l9
Há quem afirme, porém, que "o vício da inconstitucionalidade gera invalidade do ato público,
seja legislativo, executivo ou judiciário", e assim uma "sentença nula de pleno direito", que
pode assim ser reconhecida "a qualquer tempo e em qualquer procedimento", por ser "insanável" o vício nela contida.20
Tal entendimento deve supor que a coisa julgada sempre pôde ser atingida pelos efeitos da
declaração de inconstitucionalidade ou, na melhor das hipóteses, que a coisa julgada poderá
ser alcançada quando a decisão declaratória de inconstitucionalidade não a ressalvar, nos
termos do art. 27 da Lei 9.368/99.
Acontece que a coisa julgada não se sujeita- ou poderá se sujeitar -aos efeitos ex tunc da
declaração de inconstitucionalidade, e, assim, mesmo antes do art. 27 da Lei 9.868/99 - que, na
realidade, com ela não tem relação -, já era imune a tais efeitos. Clèmerson Merlin Clève, em
livro publicado em 1995, já dizia que "a coisa julgada consiste num importante limite à eficácia
da decisão declaratória de inconstitucionalidade",21 enquanto que o próprio Gilmar Ferreira
Mendes, muito antes de 1999, frisou que o sistema de controle da constitucionalidade brasileiro
contempla "uma ressalva expressa a essa doutrina da retroatividade: a coisa julgada. Embora a
doutrina não se refira a essa peculiaridade, tem-se por certo que a pronúncia de
inconstitucionalidade não faz tabula rasa da coisa julgada erigida pelo constituinte em garantia
constitucional
1191
Ver Gilmar Ferreira Mendes, "Processo ejulgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: uma proposta de projeto de lei", Revista
Jurídica Virtual, n. 6, nov. 1999. Disponível na internet em: www.planalto.gov.br.
1201
THEODORO JÚNIOR, Humberto e FARIA, Juliana Cordeiro de. "A coisa julgada inconstitucional e os
instrumentos processuais para seu controle", Revista de Direito Processual Civil 21/558.
1211
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 169.
720
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
(CF, art. 153, § 3.°22). Ainda que não se possa cogitar de direito adquirido ou de ato jurídico
perfeito, fundado em lei inconstitucional, afigura-se evidente que a nulidade ex tunc não afeta a
norma concreta contida na sentença ou acórdão".23
É certo que, após a edição do art. 27 da Lei 9.868/99, alguém poderia dizer que a coisa julgada
será atingida pelos efeitos ex tunc se não for expressamente ressalvada na decisão que declarar a
inconstitucionalidade. Então vejamos: tal artigo tem nítida inspiração no art. 282.°, 4, da
Constituição da República Portuguesa, que é assim redigido: "Quando a segurança jurídica,
razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o
exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da
ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos ns. 1 e 2". A semelhança entre as
duas normas é indisfarçável.24 Enquanto que o art. 27 da lei brasileira alude a "razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social", a norma da Constituição portuguesa fala
expressamente em "segurança jurídica" e em "razões de equidade ou interesse público de
excepcional relevo".
Deixe-se claro que a Constituição portuguesa admite a eficácia ex tunc da decisão de
inconstitucionalidade (art. 282.°, 1). Entretanto, e como é óbvio, a Constituição portuguesa,
quando diz que o Tribunal Constitucional pode limitar os efeitos da declaração de
inconstitucionalidade "quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de
excepcional relevo" o exigirem, não parte da premissa de que a coisa
(22)
Trata-se da Constituição Federal anterior.
MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalicla.de. Aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva,
1990, p. 280. Sublinhe-se, aliás, a seguinte afirmação de Sérgio Luiz Wctzel de Mattos, baseada na doutrina de
Gilmar Ferreira Mendes: "De outra parte, admite-se pacificamente que a declaração de inconstitucionalidade de uma
norma jurídica, por si só, não des-trói a coisa julgada resultante de uma sentença que se haja fundado naquela
norma" (Ação direta de inconstitucionalidade. Disponível na Internet: www.ucpel.tche.br).
1241
Lenio Luiz Streck, por exemplo, ressalta expressamente a semelhança do art. 27 da Lei 9.868/99 com o art. 282",
4, da Constituição portuguesa (Lenio Luiz Streck. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2002, p. 543.
1231
r
AÇÃO RESCISÓRIA
721
julgada material, para ser ressalvada, depende de a decisão de inconsti-tucionalidade ter
restringido os seus efeitos em relação a ela. Na verdade, o sistema da Constituição portuguesa é
expresso no sentido de que os efeitos da decisão de inconstitucionalidade não atingem a coisa
julgada, o que somente pode acontecer em casos excepcionais, quando a própria decisão de
inconstitucionalidade assim declarar. Com efeito, segundo o art. 282.°, 3, da Constituição
portuguesa, "ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal
Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao argüido".25
Ou seja, em relação à coisa julgada os efeitos não retroagem, o que pode acontecer somente em
hipóteses excepcionais, expressamente declaradas pelo Tribunal Constitucional. Como explica
Canotilho, "quando a Constituição (art. 282.°, 3) estabelece a ressalva dos casos julgados isso
significa a imperturbabilidade das sentenças proferidas com fundamento na lei inconstitucional.
Deste modo, pode dizer-se que elas não são nulas nem reversíveis em conseqüência da
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Mais: a declaração de inconstitucionalidade não impede sequer, por via de princípio, que as sentenças adquiram/orffl de caso
julgado. Daqui se pode concluir também que a declaração de inconstitucionalidade não tem
efeito constitutivo da intangibilidade do caso julgado (...) Em sede do Estado de direito, o
princípio da intangibilidade do caso julgado é ele próprio um princípio densifícador dos
princípios da garantia da confiança e da segurança inerentes ao Estado de Direito". 26
No direito português, o art. 282.°, 3, da Constituição portuguesa estabelece uma exceção ao
princípio da intangibilidade da coisa julgada. "Nas hipóteses de casos julgados em matérias de
ilícito penal, ilícito disciplinar e ilícito de mera ordenação social, a exceção à ressalva do caso
julgado pode justificar-se em nome do tratamento mais favorável aos
Ver Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, Coimbra: Coimbra Editora, vol. 2, p. 258 ess.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. cd. Coimbra: Almcdina,
2002, p. 1.004. Em sentido contrário, Paulo Otero, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: LexJurídica, 1993, p. 83.
722
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
indivíduos que foram sujeitos a medidas sancionatórias penais, discipli-nares ou contraordenacionais. A exceção à regra consistiria, portanto, no seguinte: a declaração de
inconstitucionalidade tem efeitos retroativos mesmo em relação aos casos julgados se da revisão
retroativa das decisões transitadas em julgado resultar um regime mais favorável aos cidadãos
condenados por ilícito criminal, ilícito disciplinar ou ilícito contra-ordenacional. Note-se que
esta exceção ao princípio da intangi-bilidade do caso julgado não opera automaticamente como
mero corolário lógico da declaração de inconstitucionalidade. A revisão de sentenças
transitadas em julgado deve ser expressamente decidida pelo Tribunal em que se declare a
inconstitucionalidade da norma".21
Advirta-se, porém, que, no direito brasileiro, a mesma doutrina constitucional que ressalvava a
coisa julgada em face da eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade, excluía desse
temperamento a coisa julgada das sentenças penais baseadas em norma penal desfavorável.28
Por outro lado, e agora em outra dimensão, é preciso dizer que, na hipótese de efeito retroativo
da decisão de inconstitucionalidade em relação à coisa julgada, o objeto atingido não seria o
texto legal, mas a própria decisão judicial ou a norma do caso concreto. Na verdade, a tese da
retroatividade em relação à coisa julgada esquece que a decisão judicial transitada em julgado
não é uma simples lei - que pode ser negada por ser nula —, mas sim o resultado da
interpretação judicial que se fez autônoma ao se desprender do texto legal, dando origem à
normajurídica do caso concreto.29
d) É importante evidenciar, ademais, que a admissão da ação rescisória, sem uma adequada
compreensão da importância da coisa julgada
( 7)
- CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, c\t., p. 1.005.
> CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p. 169.
( 9)
- Cabe argumentar que uma decisão jurisdicional pode se fundar em dois textos legais, mas apenas um ser
declarado inconstitucional. Nesse caso, como e evidente, nem mesmo aquele que aceita a retroatividade da decisão de
inconstitucionalidade cm relação à coisa julgada, pode deixar de ver a absoluta distinção entre a decisão e o texto de
lei, admitindo a absoluta intangibilidade da decisão jurisdicional.
(2S
r
AÇÃO RESCISÓRIA
723
material, também importa em admissão de que a declaração de inconsti-tucionalidade a
destrói.30 Ou seja, quando se imagina que, no caso de declaração de inconstitucionalidade, a
desconstituição da coisa julgada está sujeita apenas à mera propositura da ação rescisória,
admite-se que a declaração de inconstitucionalidade retroage para apanhar a coisa julgada. A
diferença, que nada tem a ver com a substância do problema, é a de que, no caso de ação
rescisória, a desconsideração da coisa julgada não seria efeito automático da decisão de
inconstitucionalidade.
Portanto, se não se quer negar a importância da coisa julgada, não é possível aceitar como
racional a tese de que a ação rescisória pode ser utilizada como um mecanismo de
uniformização da interpretação da Constituição voltado para o passado. Como é sabido, o art.
485, V, do CPC, afirma que a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida,
quando "violar literal disposição de lei". Trata-se de hipótese que, em uma interpretação
ajustada àquele que não se conforma com a decisão transitada em julgada, pode simplesmente
eliminar a garantia constitucional da coisa julgada material. Ou seja, se o surgimento de in1101
Teresa Arruda Alvim Wambicr e José Miguel Garcia Mcdina entendem que, no caso de decisão de
inconstitucionalidade, nem mesmo a ação rescisória c necessária, pois a decisão é juridicamente inexistente. Dizem:
"segundo o que nos parece, seria rigorosamente desnecessária a propositura da ação rescisória, já que a decisão que
seria alvo de impugnação seria juridicamente inexistente, pois que baseada em 'lei'que não é lei ('lei' inexistente).
Portanto, em nosso entender, a parte interessada deveria, sem necessidade de se submeter ao prazo do art. 495 do
CPC, intentar ação de natureza declaratória, com o único objetivo de gerar maior grau de segurança jurídica à sua
situação. O interesse de agir, em casos como esse, nasceria, não da necessidade, mas da utilidade da obtenção de uma
decisão nesse sentido, que tornaria indiscutível o assunto, sobre o qual passaria a pesar autoridade de coisa julgada. O
fundamento para a ação declaratória de inexistência seria a ausência de uma das condições da ação: a possibilidade
jurídica do pedido. Para nós, a possibilidade de impugnação das sentenças de mérito proferidas apesar de ausentes as
condições da ação não fica adstrita ao prazo do art. 495 do CPC (ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa e
MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo: RT, 2003. p. 43). Como se vê, esse autores
entendem que a ação que levou à sentença proferida com base na lei inconstitucional (para eles uma "lei que não era
lei") não transita em julgado porque terá faltado à ação a possibilidade jurídica do pedido - uma de suas condições.
724
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
terpretação divergente em relação a que foi dada pela decisão transitada em julgado puder
implicar na admissão de violação de disposição de lei para efeito de ação rescisória, estará
sendo desconsiderado exatamente o que a coisa julgada quer garantir, que é a estabilidade da
decisão jurisdi-cional e a segurança do cidadão.
Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 343, que afirma não caber "ação
rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais". Em um dos acórdãos que deram
origem a essa Súmula, frisou o seu relator, o saudoso Ministro Victor Nunes Leal, que "a má
interpretação que justifica o judiciam rescindens há de ser de tal modo aberrante do texto que
equivalha à sua violação literal". Lembrou, ainda, que "a Justiça nem sempre observa, na prática
quotidiana, esse salutar princípio, que, entretanto, devemos defender, em prol da estabilidade
das decisões judiciais". 31
Porém, o próprio Supremo Tribunal Federal tem decidido no sentido de que tal Súmula somente
se aplica à interpretação controvertida da lei infraconstitucional. Afirma-se, nessa linha, que a
Súmula 343 se reporta à interpretação controvertida da lei, e não à matéria constitucional, que,
32
pela sua supremacia jurídica, "não pode ficar sujeita à perplexidade".
Se a Súmula 400 do Supremo Tribunal Federal - que dispõe que a "decisão que deu razoável
interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário" — não
deve prevalecer, pois a função do Supremo Tribunal Federal é a de ditar a interpretação da
Constituição, isso não pode levará tese extrema de que o Supremo Tribunal Federal, ao
declarar a inconstitucionalidade da lei, deve se voltar ao passado para fazer prevalecer o seu
entendimento em relação a todos aqueles que já tiveram os seus litígios solucionados pelo
próprio Poder Judiciário. Semelhante idéia levaria à instituição de um "controle da
constitucionalidade da decisão transitada em julgado", ou melhor, na aceitação de que o
controle da constitucionalidade da lei pode levarão uso da ação rescisória como mecanismo
para uniformizar a interpretação da Constituição, o que épouco mais do que absurdo.
°" "Ementa: Para corrigir interpretação de lei, possivelmente errônea, não cabe
ação rescisória" (STF, 2." Turma, rei. Min. Victor Nunes Leal, RE 50.046). 1321 STF, 1 .a Turma, rei. Min. Rafael
Mayer, RE 101.114-9.
AÇÃO RESCISÓRIA
725
Imaginar que a ação rescisória pode servir para unificar o entendimento sobre a Constituição é
desconsiderar a coisa julgada. Se é certo que o Supremo Tribunal Federal deve zelar pela
uniformidade na interpretação da Constituição, isso obviamente não quer dizer que ele possa
impor a desconsideração dos julgados que já produziram coisa julgada material. Aliás, se fosse
verdade, como pensam aqueles que não admitem a aplicação da Súmula 343, que a interpretação
do Supremo Tribunal Federal deve implicar na desconsideração da coisa julgada, o mesmo
deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidou no Superior Tribunal de
Justiça. Não se diga, como já fez o Superior Tribunal de Justiça, que a diferença entre as duas
situações está em que, no caso da declaração de inconstitucionalidade, a coisajulgada se funda
em lei inválida, enquanto que "uma decisão contra a lei ou que lhe negue vigência supõe lei
válida".n
Ora, ninguém mais nega — e o art. 27 da Lei 9.868/99 é a prova mais eloqüente disso - que, em
razão de a decisão de inconstitucionalidade ter, em princípio, eficácia ex tunc, não é possível a
manutenção de situações anteriores fundadas na lei declarada inconstitucional (na lei inválida).
Se isso é evidentemente possível, não é correto argumentar que a coisajulgada material,™
quando fundada em lei declarada inconstitucional, não deve ser considerada pelo simples fato
de ter se baseado em uma "lei inválida"?5
Isso quer dizer que ou a Súmula 343 não vale para nada — nem mesmo para as leis
infraconstitucionais - ou ela deve ser aplicada também à matéria constitucional. Mas, pensar na
eliminação da Súmula 343 significa dar extensão desmedida ao art. 485, V, do CPC,36
equivalente não à
<"> STJ, 2:' Turma, rei. Min. Ari Pargendler, REsp 127.510.
<34>
Que não precisa nem ao menos ser ressalvada pela decisão de inconstitucionalidade para ser preservada.
(í5)
STJ, 2:' Turma, rei. Min. Ari Pargendler, REsp 127.510.
Ob)
Nessa linha, é correta a análise de Leonardo Greco, no sentido de que rescisória que ressuscite questão de direito
ampla e definitivamente resolvida no juízo rescindendo, com fundamento no art. 485, V, do CPC, viola claramente a
garantia dacoisajulgada (GRECO, Leonardo. "Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade em relação à coisajulgada anterior". Problemas de processo judicial tributário. São Paulo:
Dialética, 2002. p. 206 ess).
726
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
necessidade de uma exceção à coisa julgada material, mas sim à negação da sua própria
essência.37
A tentativa de eliminar a coisajulgada diante de uma nova interpretação constitucional não só
retira o mínimo que o cidadão pode esperar do Poder Judiciário3 * - que é a estabilização da
sua vida após o encerramento do processo que definiu o litígio -, como também parece ser uma
tese fundada na idéia de impor um controle sobre as situações pretéritas.
Não é possível esquecer, porém, o teor do novo parágrafo único do art. 741 do CPC, segundo o
qual o executado poderá, por meio de embargos à execução, afirmar a inexigibilidade do título
judicial (sentença) "fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição
Federal".39
Trata-se de dispositivo baseado em uma falsa suposição de que os embargos do executado
devem servir para manter a uniformidade das decisões juiisdicionais, como se a coisajulgada
fosse um valor menor e insignificante.
Entende-se que tal parágrafo faz referência à declaração de inconsti -tucionalidade realizada pelo
Supremo Tribunal Federal através do controle concentrado ou incidentalmente. No primeiro
caso, o executado somente poderia se valer da decisão do Supremo Tribunal Federal quando a
decisão não houvesse ressalvado a coisajulgada. Na segunda hipótese, os embargos somente
teriam cabimento quando o Senado, após a decisão incidenter tantum, tivesse retirado a norma
do ordenamento juCom efeito, as decisões que abordaram incidentalmente questão constitucional cuja interpretação era controvertida
nos tribunais não podem ser simplesmente riscadas da realidade, sob pena de desautorizarem os juizes e a ignorarem
a necessidade de segurança para a estabilidade da vida das pessoas. A Corte Européia de Direitos Humanos, por
exemplo, freqüentemente ressalta a importância do respeito à coisajulgada no Estado Democrático de Direito. Ver
Mario Chiavario, "Diritto ad un processo equo". In Commentario alia Convenzjone Europeu per Ia tutela dei diritti
delVuomo e delle liberta fomkunentali (a cura di Sérgio Bartole, BenedettoConfortieGuidoRaimondi). Padova:
Cedam, 2001, p. 170 e ss.
Ver Eduardo Talamini, "Embargos à execução de título judicial eivado de in-constitucionalidade", Revista de
Processo 106/38 e ss.
AÇÃO RESCISÓRIA
727
rídico, imprimindo a essa retirada eficácia ex tunc. Afirma-se, ainda, que os embargos podem
ser manejados quando a sentença aplicou ou interpretou o texto legal de modo já considerado
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. 40 Nesse sentido, alude-se à "declaração parcial
de inconstitucionalidade sem redução de texto" e à "interpretação conforme a Constituição", que
constituem instrumentos de controle da consti-tucionalidade das leis e atos normativos.41
Embora já tenha sido demonstrado que a decisão declaratória de inconstitucionalidade não
atinge a coisa julgada, é conveniente ressaltar, aqui, a sua natureza de princípio constitucional,
que se impõe sobre as normas infraconstitucionais que a tentem invalidar. Nessa perspectiva,
não haveriacomo deixar de entender essa normacomo inconstitucional. 42
Cf. Teresa Arruda Al vim Wambier c José Miguel Garcia Mediria, O dogma da coisa julgada, cit., p. 74-76.
A diferença entre as duas últimas reside no fato de que a interpretação conforme deve ser utilizada nos casos de leis
manifestamente inconstitucionais e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto nas hipóteses de leis em
princípio compatíveis com a Constituição. A interpretação conforme estabelece uma única interpretação conforme a
Constituição, declarando que todas as outras são com ela incompatíveis. Na declaração parcial de nulidade, declarase a inconstitucionalidade de algumas interpretações, preservando-se a literalidade do texto legal. Na declaração
parcial de nulidade os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública ficam proibidos de realizar determinadas interpretações, enquanto que, na interpretação conforme, estabelece-se uma única interpretação cabível. Em
ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal pode julgar parcialmente procedente o pedido para
declarar inconstitucionais todas as interpretações possíveis, exceto uma, estabelecida expressamente no acórdão, ou
para declarar inconstitucionais algumas interpretações, nele hipotetizadas. No primeiro caso há interpretação
conforme, que possui efeitos erga omnes e vinculante sobre todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração
Pública, impedindo-os de dar interpretação diversa. No segundo caso há declaração parcial de nulidade, também com
efeitos erga omnes e vinculante, proibindo os juizes e a Administração Pública de adotar qualquer uma das
interpretações declaradas inconstitucionais. (Ver Eduardo Fernando Appio. Interpretação conforme a Constituição.
Curitiba: Juruá, 2002).
Em tal sentido a conclusão do estudo de Leonardo Greco, intitulado de "Eficácia da declaração erga omnes de
constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior". In Problemas de processo judicial
tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 207.
728
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Entretanto, em uma operação de salvamento da norma, cabe a interpretação no sentido de que
esse parágrafo único somente pode ser invocado no caso em que a sentença impugnada se
fundou em lei ou em ato normativo declarado inconstitucional, ou em aplicação ou interpretação
consideradas incompatíveis com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal, no caso
em que pode prosperar apropria ação rescisóriafun-dada em violação do texto constitucional,
vale dizer, na hipótese de ausência de controvérsia jurisprudencial sobre a questão
constitucional.
É interessante observar que parte da doutrina, ainda que discordando das intenções do parágrafo
único antes invocado, acaba a ele se rendendo, e assim subjugando os direitos a uma norma
flagrantemente inconstitucional . É nesse sentido, por exemplo, a lição de Araken de Assis, que
dispara contra a insensatez da norma, sem contudo prevenir as suas conseqüências: "A coisa
julgada, em qualquer processo, adquiriu a incomum e a insólita característica de surgir e
subsistir 'sub conditione'. A qualquer momento, pronunciada a inconstitucionalidade da lei ou
do ato normativo em que se baseou o pronunciamento judicial, desaparecerá a eficácia do art.
467. E isso se verificará ainda que a Corte Constitucional se manifeste após o prazo de dois anos
43
da rescisória (art. 495)".
e) Resta tratar dos casos em que, posteriormente ao encerramento do processo, verifica-se falta
de identificação entre o afirmado na sentença e a realidade. Aqui é necessário cuidado, pois o
oportunismo daqueles que já tiveram seus direitos rejeitados pode servir de estímulo a pretensões que desejem reavivar a discussão de fatos já analisados, ou mesmo de provas já produzidas
e valoradas. E isso, lamentavelmente, não tem sido incomum, pois têm surgido, na prática, casos
em que, por exemplo, a Fazenda Pública é condenada a pagar quantia que julga exorbitante, mas
que é resultado de laudo pericial que foi devidamente discutido em contraditório. Se a Fazenda
Pública supõe, diante de certo caso concreto, que o valor a que foi condenada a pagar é indevido
ou excessivo, não é por isso que poderá pretender rever o laudo pericial que, discutido
plenamente em contraditório, chegou a tal valor. O problema do funcionamento indevido dos
corpos jurídicos não pode ser resolvido mediante a simples tentativa de rediscussão de sentença
acobertada pela coisa julgada material.
(43Í
ASSIS, Araken de. "Eficácia da coisa julgada inconstitucional". Revista Jurídica 301/18.
AÇÃO RESCISÓRIA
729
Se o laudo, no caso exemplificado, tiver se fundado em prova falsa, caberá ação rescisória, em
conformidade com o art. 485, VI, do CPC. Isso porque a prova falsa, aí, dá constituição à
própria perícia, na qual a sentença se fundou para chegar ao valor imposto à Fazenda Pública.
Entretanto, há nítida e gritante diferença entre perícia que se serviu de prova falsa e perícia
que chegou a um resultado destoante daquele que se poderia chegar através de nova prova
pericial.
f) Porém, também cabe ação rescisória se, depois da sentença, a parte obtiver documento novo,
"cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar
pronunciamento favorável" (art. 485, VII, CPC). A hipótese, como é evidente, não abre ensejo
para a simples revisão do fato, uma vez que só admite a rescisão da sentença que produziu coisa
julgada material quando a parte puder apresentar documento cuja existência ignorava ou de que
não pôde fazer uso, e capaz, por si só, de lhe assegurar resultado favorável.
Contudo, o caso exemplar da investigação de paternidade não se enquadra perfeitamente na
moldura da norma antes descrita, pois um laudo de DNA não é exatamente um documento. Não
obstante, o objetivo do legislador, ao se referir a documento novo, foi o de viabilizar a rescisão
no caso de prova de que não se pôde fazer uso, capaz de conduzir a julgamento diverso. Se é
assim, nos casos em que a investigação de paternidade ocorreu na época em que o exame de
DNA ainda não existia, não há dúvidaque o laudo de DNA pode ser equiparado a um
"documento novo".
Todavia, o problema vai além, pois quando se pensa que a ação rescisória deve ser proposta no
prazo de dois anos, contado do trânsito em julgado da decisão que se almeja rescindir — como
quer o art. 495 do CPC -, surge uma questão adicional, uma vez que a decisão da ação de
investigação de paternidade pode ter transitado em julgado há mais de dois anos do momento
em que se tornar possível o exame de DNA.
Não há como deixar de observar, é certo, que quando se pensa em documento novo, supõe-se
documento existente à época da ação, mas que não pôde ser uti lizado, e que esse raciocínio não
pode ser empregado diante do DNA, pois esse não constitui documento ou algo que existia na
época da ação. O exame de DNA é um meio técnico novo para se pôr em evidência um fato que
foi afirmado na ação, ou uma prova pericial que não pôde ser realizada para demonstrar o fato
afirmado, por consistente em técnica que ainda não podia ser utilizada.
730
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Entretanto, se o prazo não pode ser contado a partir do trânsito em julgado da decisão que se
quer impugnar, porque não se trata de algo que já existia na época da ação, mas de um meio
que passou a existir não se sabe quanto tempo após o trânsito em julgado, aparece uma nova
questão: é certo deixar que o vencido na ação de investigação de paternidade, seja autor ou réu,
possa rever a sentença a qualquer tempo, sem subordiná-lo a qualquer prazo? Será que a
biologia não estaria se sobrepondo à própria necessidade da definição da relação de filiação, a
qual é imprescindível para o surgimento do afeto necessário para a vida entre pai e filho, ou
mesmo tornando indefinida a vida das pessoas? Perceba-se que a eterna abertura à discussão da
relação de filiação consistiria algo que sempre estaria a estimular a desconfiança dos
envolvidos.44 Porém, é claro que, mesmo em relação à investigação de paternidade, o estabelecimento de prazo para a rescisão da sentença é um imperativo da natureza do ser humano e da
vida em sociedade e, assim, da própria necessidade da jurisdição. 43
Como é óbvio, não se pretende afirmar que a evolução tecnológica não possui importância para
a descoberta da relação de filiação. O que se
Lembre-se, apenas para animar a reflexão, que já existem meios técnicos capazes de colocar em dúvida os resultados
dos próprios exames de DNA. E que o método que vem sendo empregado para a análise do DNA, o tradicional PCR
(Polymerase Chain Reaction),é de menor precisão do que o novo método RFLP (Reslriclion Fragmente Lenght
Polymorpliism). Será que isso seria um indício de que em futuro próximo poderemos chegar a admitir uma terceira
ação para desconsiderar a segunda coisa julgada e fazer prevalecer o resultado da primeira ação?
Atente-se para a lição do Prof. Barbosa Moreira: "A segurança das relações sociais exige que a autoridade da coisa
julgada, uma vez estabelecida, não fique demoradamente sujeita à possibilidade de remoção. Ainda quanto às sentenças eivadas de vícios muito graves, a subsistência indefinida da impugna-bilidadc, incompatível com a
necessidade da certeza jurídica, não constituiria solução aceitável no plano da política legislativa, por mais que em
seu favor se pretendesse argumentar com o mal que decerto representa a eventualidade de um prevaleeimento
definitivo do erro. O legislador dos tempos modernos, aqui c alhures, tem visto nesse o mal menor. Daí a fixação de
prazo para a impugna-ção; decorrido certo lapso de tempo, a sentença torna-se imune a qualquer ataque. É o que
acontece na generalidade dos ordenamentos contemporâneos' (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao
Código de Processo Ci-v;7. Rio de Janeiro, Forense, 1999. vol. 5, p. 214).
AÇÃO RESCISÓRIA
731
deseja evidenciar é que a eternização da possibilidade da revisão da coi-sajulgada pode
estimulara dúvida e, desse modo, dificultara estabilização das relações.
Seria correto concluir que a sentença da ação de investigação de paternidade somente pode ser
rescindida a partir de prazo contado da ciência da parte vencida sobre a existência do exame de
DNA. Não obstante, a dificuldade de identificação dessa ciência, que certamente seria levantada, é somente mais uma razão a recomendar a imediata intervenção legislativa.
Como essa ação possui relação com a evolução da tecnologia, ou melhor, com uma forma de
produção de prova impensável na época em que o art. 485 do CPC passou a reger a ação
rescisória, é imprescindível que esse artigo seja alterado para deixar clara a possibilidade do
uso da ação rescisória com base em laudo de DNA, bem como o seu prazo.
g) Como está claro, o problema da ação de investigação de paternidade tem relação com o
fenômeno da evolução tecnológica. Isso demonstra que não se trata de balancear a coisa
julgada material com o direito já levado ao juiz, mas sim de admitir que a parte, diante de
limitações técnicas da época em que o processo foi instaurado, não teve a oportunidade de
demonstrar o seu direito.
A impossibilidade de o legislador acompanhar a velocidade do progresso da tecnologia não
pode levar à conclusão de que o juiz pode definir, mediante a aplicação da regra da
proporcionalidade, os direitos que não se submetem à coisa julgada material.
É verdade que há, no direito contemporâneo, uma tendência em aumentar os poderes do juiz,
com o objetivo de lhe conferir a possibilidade de tratar adequadamente do caso concreto.
Antigamente, em razão da necessidade de limitação do poder do juiz, derivada da garantia de
liberdade dos cidadãos, o controle do poder judicial era feito através da lei, que definia o que
podia, e o que não podia, ser feito. Isso ocorria, para se dar um exemplo bem claro, com a
expressa previsão legal dos meios executivos que podiam ser utilizados pelo juiz, dando-se ao
cidadão a garantia de que sua esfera jurídica jamais seria invadida através de um meio de
execução não tipificado na lei. Com o passar do tempo, verificou-se que, diante das diferentes
situações litigiosas, não seria possível dar tutela adequada aos direitos apenas através dos meios
executivos previstos pela lei, os quais obviamente eram desenhados em abstrato,
732
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
desconsiderando a diversidade das situações conflitivas. Em razão disso, o art. 84 do CDC e o
art. 461 do CPC deram ao juiz a possibilidade de trabalhar com a medida executiva adequada ao
caso concreto ou com aquilo que esses artigos expressamente chamam de "medidas necessárias". Tais artigos, como é óbvio, privilegiaram a "justiça do caso concreto", cientes de que, para
uma tutela mais perfeita dos direitos, era indispensável atribuir maior poder ao juiz. Ou melhor,
apostaram no juiz, ainda que esse - diante de sua própria condição humana - lamentavelmente
possa ser arbitrário. Porém, justamente em razão de que o juiz obviamente não pode deixar de
ser controlado, o que mudou foi apenas a forma de controle do juiz, que antes era feita através
da lei e agora deve ser realizada através da regra da proporcionalidade, especificamente das suas
sub-regras da adequação e da necessidade.
Mas, o que aqui interessa éperguntar se a proporcionalidade pode ser admitida como critério
para a "relativização" da coisa julgada. Como é evidente, a proporcionalidade, nesse caso, não
poderia ser pensada como adequação ou necessidade, mas como proporcionalidade em sentido
estrito, ou seja, como regra hermenêutica que seria capaz de solucionar as situações de choque
entre a manutenção da coisa julgada e a proteção de bem que torne indispensável a revisão do
julgado. Seria o caso, em outras palavras, de aplicar um método de "ponderação" dos bens, e
não de simples harmonização, lembrando-se que "ponderar" é o mesmo do que sopesar para
definir o bem que deve prevalecer, enquanto que "harmonizar" indica a necessidade de
contemporizar para assegurar "a aplicação coexistente dos princípios em conflito". 46
Entretanto, a harmonização somente deve ser utilizada em situações excepcionais, em que não
exista outra alternativa a não ser a ponderação dos direitos. Ou seja, a harmonização não só é
um método complementar, mas talvez, como diz Enrique Alonso Garcia, o mais criticado de
quantos existem.47
Ressalte-se que a harmonização não é um método de interpretação. Como explica Canotilho, "a
atividade interpretativa começa por uma
(J6)
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. cit.,p. 1.227.
GARCIA, Enrique Alonso. La interpretación de Ia Constitución. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales,
1984. p. 426.
(J7)
AÇÃO RESCISÓRIA
733
reconstrução e qualificação dos interesses ou bens conflitantes procurando, em seguida, atribuir
um sentido aos textos normativos a aplicar. Por sua vez, -dponderação visa elaborar critérios de
ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito
de bens".4*
h) Para aceitar como plausível a alusão à proporcionalidade em face da ação de investigação de
paternidade, a contraposição não estaria sendo feita entre o direito à descoberta da relação de
filiação e a coisa julgada material em abstrato, mas sim no caso concreto, considerado o surgimento do meio técnico do DNA como capaz de dar nova conformação à decisão transitada em
julgado.
Porém, não há qualquer possibilidade ou razão para apelo à "harmonização " quando o que
está em jogo é o surgimento de meio técnico capaz, de modificar o julgamento. Como já foi
dito, se o exame de DNA pode alterar o julgamento que se formou na sentença acobertada pela
coisa julgada, o correto é interpretar tal exame como um "documento novo" que não pôde ser
utilizado, mas que é capaz, por si só, de "assegurar um pronunciamento favorável" (art. 485, VII
do CPC).49 O prazo da ação rescisória deve decorrer a partir da ciência da parte a respeito da
existência dessa técnica — e não, evidentemente, a partir do trânsito em julgado. Ademais,
diante da natureza da prova do momento dessa ciência, caberá ao réu da rescisória demonstrar
que o autor teve tal ciência há mais de dois anos.
Como se vê, basta somente adequar o conceito de "documento novo" - desenvolvido em época
já distante - à realidade da sociedade contemporânea, isto é, à descoberta do exame de DNA. Ao
que se saiba, essa forma de interpretar o texto legal nada mais é do que uma obrigação do
intérprete.
Lembre-se, com efeito, que o texto da norma não se confunde com a norma jurídica, que é o
resultado da interpretação. O juiz deve ler o texto legal em face da sociedade em que vive,
adequando-o às novas realidades. Ao interpretar o texto o juiz chega a uma conclusão - ou
resultado
(4S)
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 1.223.
Não é preciso que o autor junte, com a petição inicial, o exame de DNA, bastando que esse exame seja requerido
como prova pericial.
(49)
734
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
-, que nada mais é do que a norma jurídica. Nessa perspectiva, se o texto da normapode
envelhecer, ele deve ser reavivado através da interpretação judicial, que estabelece a norma
jurídica. Desse modo, a normativi-dade deve ser vista como um "processo ", e não como uma
qualidade do texto. Ela não é; ela age.50
i) Ora, se a interpretação é suficiente para realçar o significado que a regra processual deve
possuir diante da descoberta do método "DNA", chega a ser incompreensível a razão para se
pensar na aplicação da proporcionalidade ou da ponderação no caso de coisa julgada material.
A menos que se imagine que é possível contrapor, em abstrato, um direito - ainda que protegido
constitucionalmente - à coisa julgada material, como se ao juiz pudesse ser dado o poder de
dizer que determinado direito não se sujeita à coisa julgada material. Ou seja, é de todo insustentável dizer, por exemplo, que ajusta indenização se sobrepõe àcoisa julgada material.
Nesse caso, aliás, não seria nem sequer possível pensar em proporcionalidade ou harmonização,
pois não há como colocar no mesmo plano um direito que foi definido pela jurisdição e a coisa
julgada material. Essa última, em uma "escala de valores", possui valor superlativo, não
podendo ser objeto do balanceamento pretendido.
Aliás, o fato de determinados bens não poderem se submeter à proporcionalidade é conhecida
na prática do direito constitucional, bastando lembrar decisão do Tribunal Constitucional
Federal Alemão que deixou claro que os direitos subtraídos ao poder de revisão, nos termos do
art. 79, § 3.°, e do art. 19, § 2.°, da Lei Fundamental, têm valor supracons-titucional. 51
A coisa julgada é inerente ao Estado de Direito e, assim, deve ser vista como um subprincípio
que lhe dá conformação. Não há como aceitar a tese de José Augusto Delgado52 e Humberto
Theodoro Júnior e Juliana
1501
Cf. Cristina Queiroz, Direitos fundamentais (teoria geral). Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 87.
" Entscheidungen cies Bundesverfassungsgericht, n. 7, 377, 411.
(52)
DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais, cit.
15
AÇÃO RESCISÓRIA
735
Cordeiro de Faria,53 no sentido de que a garantia da coisa julgada material, insculpida no art. 5.°,
XXXVI, da CF, dirige-se apenas ao legislador, impedindo-o de legislar em prejuízo da coisa
julgada. Ora, como é evidente, a coisa julgada é garantia constitucional do cidadão diante do
Estado (em geral) e dos particulares. Não é por razão diversa que, na doutrina portuguesa, falase em "princípio da intangibilidade do caso julgado" como garantidor da "segurança jurídica".54
Por esse motivo, a decisão acobertada pela coisa julgada material somente pode ser revista em
razão de previsão legal. Não há cabimento em ponderar um direito que deve ser protegido pela
jurisdição e um atributo que objetiva garantir a própria decisão jurisdicional. A coisa julgada
não pode ser colocada no mesmo plano do direito que constitui o objeto da decisão a qual adere.
Ela é elemento integrante do conceito de decisão jurisdicional, ao passo que o direito é apenas o
seu objeto. Não há dúvida que os direitos podem, conforme o caso, ser contrapesados para fazer
surgir a decisão jurisdicional adequada,55 mas a própria decisão não pode ser oposta a um
direito, como se ao juiz pudesse ser conferido o poder de destruir a própria estabilidade do seu
poder, a qual, antes de tudo, é uma garantia do cidadão.
A coisa julgada sempre pôde ser relativizada nos casos expressos em lei, como, por exemplo, na
hipótese de documento novo de que a parte não pôde fazer uso, mas que seja capaz, por si só, de
lhe assegurar pronunciamento favorável (art. 485, VII, do CPC). Trata-se de hipóteses em que
se admite a relativização da coisa julgada em virtude de certas circunstâncias, que não são
relativas apenas a um direito em especial, mas sim a situações que podem marcar qualquer
direito. Ou melhor, os casos de ação rescisória não abrem margem para a desconstituição da
coisa julgada em razão da especial natureza de determinado direito, mas sim em virtude de
motivos excepcionais capazes de macular a própria razão de ser da jurisdição.
(51)
THEODORO JÚNIOR, Humberto c FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada
inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. Revista de Direito Processual Civil 21/549 -550.
(54)
C ANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, cit., p. 287.
(551
Ver Alberto Vcspaziani, Interpretazioni dei bilanciamento dei diritti fondamenlali. Padova: Cedam, 2002.
736
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Isso quer dizer que não é um direito em específico, mas sim uma dada situação excepcional, que
pode exigir que se dê maior atenção ao tema da coisajulgada. Nesse caso, entretanto, como se
não se tratará de considerar o direito material objeto da decisão acobertada pela coisajulgada
material, mas sim uma circunstância que impede a idoneidade da decisão jurisdicional acerca do
direito, não existirá como pensar em contrapesar esse direito com a coisajulgada, mas sim em
uma interpretação da regra processual capaz de atender as situações que pulsam da realidade e
não podem deixar de ser impostas às categorias jurídicas.
j) Note-se que a idéia de se dar ao juiz o poder de balancear um direito com a coisa julgada
material elimina a essência da coisajulgada como princípio garantidor da segurança jurídica,
passando a instituir um sistema aberto.
Contudo, a própria razão de ser da coisajulgada impede que se imagine um sistema desse tipo,
em que o juiz possa analisar, diante do caso concreto, se ela deve, ou não, prevalecer. Um
sistema aberto não se concilia com a natureza da coisa julgada material.
Ademais, a possibilidade de o juiz desconsiderar a coisajulgada diante de determinado caso
concreto certamente estimulará a eternização dos conflitos e colaborará para o agravamento,
hoje quase insuportável, da "demora da justiça", caminhando em sentido diretamente oposto
àquele apontado pela doutrina processual contemporânea. Aliás, dizer que a "justa indenização"
ou o "interesse público" podem se sobrepor à coisa julgada material é algo difícil de
compreender quando se deseja retirar os prazos deferidos à Fazenda Pública, que são
costumeiramente acusados de "privilégios inconcebíveis".
Sc não é possível adotar a proporcionalidade, pois isso seria abrir mão da própria coisa julgada
material - que é princípio inerente ao Estado de Direito —, é necessário que os operadores do
direito compreendam, de vez por todas, que têm o dever de ajustar os textos legais às
necessidades da vida. Dessa forma não será difícil eliminar os óbices que, em uma leitura fria e
descompromissada do texto legal, impedem que a ação rescisória tenha um rendimento
adequado.
PARTE IV JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
1. Teoria geral dos juizados especiais cíveis
2. Juizados especiais cíveis estaduais
3. Juizados especiais cíveis federais
TEORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
SUMÁRIO: 1.1 Filosofia dos juizados especiais cíveis - 1.2 Princípios fundamentais: 1.2.1 Oralidade; 1.2.2
Simplicidade; 1.2.3 Informalidade; 1.2.4 Economia processual; 1.2.5 Celeridade.
1.1 Filosofia dos juizados especiais cíveis
O procedimento comum pode já ter despertado no leitor o questionamento a respeito de sua
inadequação para a tutela de determinados tipos de interesses. Indubitavelmente, o processo
tradicional se mostra completamente inábil a lidar com diversos tipos de direitos, para os quais o
formalismo, o alto custo, a demora e outras características que lhe são ínsitas, importam
certamente em antagonismo insuperável.
Imagine-se utilizar o processo tradicional para a cobrança de uma dívida de R$ 100,00 (cem
reais). Ninguém em sã consciência proporia uma demanda cível de conhecimento para atender a
esta pretensão con-denatória, haj a vista o custo do processo, a demora natural da solução do
litígio — que poderia retirar completamente a vantagem pleiteada —, e tantos outros obstáculos,
que comprometeriam a utilidade da tutela ju-risdicional no caso concreto.
A doutrina atual tem-se debruçado sobre a questão do acesso à justi ça, mostrando que o
processo tradicional é incompatível com grande parte dos direitos da sociedade atual, em
especial com as situações típicas da sociedade moderna (como os direitos transindividuais, as
relações de consumo e as relações pulverizadas no conjunto social), 1 e com os direi(l)
V. sobre o tema, entre outros, Luiz Guilherme Marinoni, Novas linhas dopro-cesso civil, cit.:
Mauro CappellettieBryantGarth,Ace.ç.çoày'«í?/fa,cit.; Andréa
740
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tos individuais não patrimoniais.2 Na verdade, concluiu-se que, praticamente, o processo
tradicional apenas se mostra adequado para atender algumas pretensões patrimoniais, capazes de
ser convertidas em perdas e danos, sendo completamente inadequado para atender aos
chamados "novos direitos".
Problemas como o do custo e da duração excessiva do processo, bem como o da sua
incapacidade de bem tratar determinadas situações de direito substancial, tem levado o
jurisdicionado a se afastar da jurisdição, buscando meios alternativos de solução de seus
conflitos. Quando esses meios são encontrados fora do aparato estatal, pode surgir grave risco
para a legitimidade do Estado e para o monopólio, concebido por ele, relativamente ao
reconhecimento dos direitos e a sua atuação concreta. De fato, o estreitamento do canal do
acesso à justiça, além de produzir o indesejável descrédito do povo nas instituições jurídicas,
produz o agravamento da litigiosidade latente, ponto que tem preocupado de forma muito
significativa, pelas profundas repercussões de ordem social que pode acarretar. A expansão da
autotutela privada, com o recrudescimen-to da violência e o surgimento dos chamados
"justiceiros", que fazem a "justiça" que reflete o empobrecimento do espírito solidarista da
população, são expressões magnas desse problema.
O Estado, então, preocupa-se (e deve preocupar-se) em fornecer meios alternativos de resolução
das disputas, adequadas à solução dos casos concretos, direcionadas a atender às
particularidades específicas das situações litigiosas. É preciso, para muitos casos, tornar mais
informal a forma de prestação da tutela jurisdicional, aproximando-a do cidadão, permitindo que
efetivamente tenha ele condições de buscar a solução de seu conflito de interesses.
Osjuizados especiais encaixam-se nessa tendência.3 Visam eles apresentar aojurisdicionado um
caminho de solução das controvérsias mais
Proto Pisani, Appunti sulla giustizici civile, cit.; Vittorio Denti, Um progetto per Ia giustizici civile, Bologna, II
Mulino, 1982.
(2)
O processo civil clássico, ou seja, aquele que apenas pode desembocar nas três sentenças da classificação trinária, e
que portanto ignora a ação inibitória (fundada nos arts. 461 do CPC e 84 do CDC), não é capaz de tutelar adequadamente os direitos não patrimoniais. Para tais direitos, e outros "novos direitos" de conteúdo patrimonial, somente
serve a ação inibitória (ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, cit., p. 19-24).
131
Sobre a estrutura dos juizados especiais, ver os excelentes "Comentários" de Joel Dias Figueira Jr. e Maurício
Ribeiro Lopes {Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, São Paulo, RT, 1995).
TEORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
741
rápido, informal e desburocratizado, capaz de atender às necessidades do cidadão e do direito
postulado. Têm sua origem nos Conselhos de Conciliação e Arbitragem, instituídos pelo Rio
Grande do Sul, em 1982, figura depois disseminada pelos vários Estados da federação brasileira,
o que culminou com a edição, em 1984, da Lei 7.244, que instituiu no Brasil os Juizados de
Pequenas Causas. Diante do sucesso da instituição, sua idéiaevoluiu, adquiriu contornos
constitucionais (art. 98,1 e seu parágrafo único, da CF) e chegou ao atual estágio, com a criação,
pela Lei 9.099/95, dos "Juizados Especiais Cíveis e Criminais", e ainda, mais recentemente, por
meio da Lei 10.259/2001, com a instituição dos denominados "Juizados Especiais Federais".
Note-se que o Juizado Especial é órgão dajurisdição estatal, constituindo verdadeira estrutura
vinculada ao Poder Judiciário, por expressa determinação constitucional. Por isso, os agentes
que ali atuam exercem jurisdição e são dotados de atribuição jurisdicional, podendo suas decisões gerar coisa julgada material.
Privilegiando a conciliação e a arbitragem, certamente os Juizados Especiais, em função de sua
gratuidade, de sua rapidez e de sua informalidade aproximam-se muito mais da realidade de
inúmeros litígios existentes no seio social, permitindo que estes venham a ser regulados por
órgão estatal, legitimando a jurisdição pública e o controle da atuação do Direito pelo Estado.
1.2 Princípios fundamentais
Segundo prescreve o art. 2.° da Lei 9.099/95, o procedimento nos juizados especiais deve
pautar-se pelos critérios da "oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação". Todo o regime
previsto nessa lei deve orientar-se por esses critérios, sob pena de comprometer o sistema como
um todo. As regras dispostas a respeito do procedimento exigem que o intérprete que as
examina tenha em mente tais princípios, pois somente assim se poderá adequadamente lidar e
manejar o poderoso instrumento previsto por essa lei.
Outrossim, é importante dizer que todos estes princípios, embora previstos expressamente
apenas na lei dos juizados estaduais, também são aplicáveis aos juizados federais (praticamente
sem grande alteração,
742
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que, quando existentes, têm em mente a diversidade de interesses manejados na esfera federal).
Isto porque, como se verá adiante, a lei dos juizados federais não estabelece procedimento
próprio, mas se limita a prever as alterações de procedimento e de regime que a lei dos juizados
estaduais deve sofrer para ser aplicada na dimensão federal. Assim, os princípios contemplados
na lei estadual devem ser também utilizados nos juizados federais.
1.2.1 Oralidade
O procedimento nos juizados especiais é, eminentemente, oral. Aqui, efetivamente, ao contrário
do que se observa em relação ao processo comum - em que se prega a oralidade como princípio,
mas a prática demonstra exatamente o inverso, ou seja, que o processo é estritamente escrito -, o
procedimento é todo desenhado para desenvolver-se oralmente, reduzindo-se ao máximo as
peças escritas e, mesmo, a escrituração das declarações orais.
A oralidade, sem dúvida, contribui não apenas para acelerar o ritmo do processo, como ainda
para obter-se uma resposta muito mais fiel à realidade. O contato direto com os sujeitos do
conflito, com a prova e com as nuances do caso permitem ao magistrado apreender de forma
muito mais completa a realidade vivida, possibilitando-lhe adotar visão mais ampla da
controvérsia e decidir de maneira mais adequada. Essa característica, especialmente quando
observada do ponto de vista dos temas que são levados aos juizados especiais (geralmente
caracterizados por conflitos de vizinhança, litígios de pequenas proporções e, especialmente,
questões de pessoas mais carentes), mostra-se de sensível importância.
Assim é que o pedido de tutela jurisdicional poderá ser fornecido por escrito ou oralmente (art.
14, LJEE). Também a resposta do réu pode ser dada oralmente (art. 30, LJEE). As provas orais,
produzidas perante o juizado, não serão reduzidas a escrito, devendo a sentença referir, no essencial, os informes trazidos nos depoimentos (art. 36, LJEE).
Enfim, nota-se das claras disposições da Lei dos Juizados Especiais, a nítida orientação no
sentido de que o processo se desenvolva de maneira absolutamente oral, minimizando-se a
burocratização e acelerando-se, conseqüentemente, a solução da controvérsia.
TEORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
743
É preciso notar, porém, que a oralidade enquanto princípio norteador do procedimento - e para que possa
trazer as vantagens que lhe são ínsitas, tão propagadas por CHIOVENDA - exige, para que se possa
realizar completamente, a justaposição de outros princípios também importantes. Segundo
CHIOVENDA,4 a oralidade só tem condições de gerar seus benefícios se acompanhada dos critérios da
identidade física do juiz, concentração do pleito e irrecorribilidade em separado das interlocutórias. De
fato, não é possível ver os benefícios da oralidade - especialmente a aceleração da resposta jurisdicional e
a mais adequada percepção da realidade-, senão quando o magistrado que julgará o conflito hajapresidido a colheita da prova (identidade física do juiz), quando então será possível ao juiz recordar do contexto
do litígio (concentração), o que somente será viável se o curso do procedimento não for interrompido, a
cada instante, em razão de recursos interpostos em face de decisões interlocutórias (irrecorribilidade das
interlocutórias).
A lei dos juizados especiais busca preservar, certamente, ao menos duas dessas garantias correlatas: a
irrecorribilidade das interlocutórias-já que não se prevêem recursos para esse tipo de decisão (exceto, na
esfera dos Juizados Federais, de decisões sobre medidas de urgência - art. 5.° da LJEF) - e a concentração
- prevendo a lei prazos exíguos para a instrução do procedimento, quando não for possível realizar-se ela
juntamente com a audiência preliminar de conciliação (art. 27, parágrafo único, LJEE). Também, de
forma menos enfática, busca a lei preservar a garantia da identidade física do juiz, permitindo, no juizado
especial estadual, que o juiz leigo, que hajapresidido a instrução da causa, colabore com o juiz togado na
elaboração da sentença, apresentando a este um "esboço" de julgamento, que poderá ser acolhido ou
rejeitado, no todo ou em parte, pelo magistrado como sentença do caso específico (art. 40, LJEE).
1.2.2 Simplicidade
Ninguém duvida que o cidadão comum não conhece e não entende o procedimento judicial. Conforme
brilhantemente descrito por Franz
<4)
CHIOVENDA, Giuseppe. Princípios de derecho pmcesal civil. Madrid: Réus, 1925.1. II, p. 136.
744
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Kafka, em sua afamada obra O processo, o processo judicial é, para o leigo, uma figura
nebulosa e intangível, somente compreendida pelos letrados na matéria. Essa perspectiva do
processo assusta o cidadão e lhe impõe uma carga psicológica negativa a respeito da atuação
jurisdicional. Porque não consegue entender o mecanismo processual, o cidadão comum especialmente o não habituado às demandas judiciais (litigante eventual) - titubeia quando
precisa recorrer ao Judiciário, sentindo-se muitas vezes intimidado frente à máquinajudicial.
Esse constrangimento, não raro, leva o indivíduo a abdicar do direito de ação, suportando a
lesão a seu direito, e dando azo à chamada litigiosidade contida.
A compreensão do procedimento judicial, portanto, constitui-se em importante elemento para
aproximar o cidadão da tutela jurisdicional do Estado. O juizado especial busca facilitar essa
compreensão, instituindo procedimento simplificado, facilmente assimilável pelas partes, em
que se dispensam maiores formalidades e se impedem certos incidentes do processo tradicional.
Não se admite, no procedimento do juizado especial, a reconvenção, a ação declaratória
incidental, ou os infindáveis recursos, típicos do processo clássico. Evitam-se os trâmites
excessivamente formais e regula-res, privilegiando-se a explicação do procedimento às partes.
Nesse sentido, cabe ao juiz alertar às partes a respeito da conveniência de serem assistidas por
advogados em causas mais complexas (art. 9.°, § 2.°, LJEE), bem como das vantagens da
conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio (art. 21, LJEE). Essa
orientação dada aos sujeitos envolvidos no litígio é necessária para tornar mais compreensível o
procedimento, facilitando o approach do cidadão com a jurisdição. Sem falar que a
"simplicidade" também permite uma tutelajurisdicional mais rápida, o que é altamente positivo
quando se pensa em estimular o acesso à justiça.
1.2.3 Informalidade
Vinculado aos demais critérios, o princípio da informalidade é levado às suas mais altas
conseqüências no procedimento do juizado especial. A fim de tornar o processo menos
burocrático e mais rápido (e assim mais acessível), tudo deve ser feito da maneira mais simples
e informal possível.
TEORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
745
Assim, desde que atendidas as garantias fornecidas aos litigantes, todo ato processual deve ser
reputado como válido, desde que atingida sua finalidade (art. 13, LJEE). A ação proposta pelo
autor não depende de maiores formalidades, bastando que constem de forma simples e em linguagem acessível, o nome, a qualificação e o endereço das partes, os fatos e fundamentos de
maneira resumida e o objeto da pretensão e o seu valor (art. 14, § 1.°, LJEE). As intimações
também não exigem maiores formalidades, podendo ser realizadas por qualquer meio idôneo de
comunicação (art. 19, LJEE 5). Esses são apenas exemplos da aplicação do critério da
informalidade no procedimento dos juizados especiais.
O juizado, ao romper com o formalismo processual, elimina os litígios de modo mais simples e
célere. Além disso, por não ser burocratiza-do e não guardar a mesma formalidade dos outros
órgãos do Poder Judiciário, o juizado é mais simpático ao cidadão comum, que deixa de se
sentir intimidado ao entrar nos salões da administração da justiça.
Com destaque merece ser lembrada a previsão contida no art. 12 da Lei dos Juizados Especiais
Estaduais. Para facilitar o acesso do cidadão à tutela estatal, o juizado pode funcionar no horário
noturno, quando assim o recomendar a situação específica da comarca ou do Estado. Realmente,
esta previsão é fundamental, pois toma em consideração precisamente a situação do cidadão
carente de tutela jurisdicional. Normalmente, o cidadão tem dificuldades para deixar o seu
emprego no horário normal de trabalho — especialmente quando a lesão não é tão grave, a
ponto de determinar, sobquaisquer circunstâncias, abuscadajurisdição.Porisso, a possibilidade
de funcionamento dos juizados fora do expediente normal representa grande avanço, no sentido
de aproximar o cidadão da justiça.
1.2.4 Economia processual
A solução das controvérsias submetidas ao juizado especial exige, para a sua eficácia mais
completa, o menor gasto de dinheiro possível.
Nos juizados federais, essa característica é sensivelmente alterada, em razão da espécie de interesse com que se lida e
das maiores garantias que devem vigorar em relação aos interesses públicos. Assim, em relação aos entes públicos,
devem ser obedecidas formalidades típicas dos "processos comuns" (v. arts. 7.°e8.°, LJEF).
746
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Para tanto, é necessário minimizar a quantidade de atos processuais, evitando-se repetir os atos j
á praticados, quando isso não seja indispensável para o legítimo desenvolvimento do processo.
Não se deve, no juizado especial, repetir ato, ainda que nulo, que tenha atingido sua finalidade,
desde que obedecidas as garantias fundamentais outorgadas às partes. Outrossim, é preciso
privilegiar a concentração dos atos processuais, empregando-se esforços para que o processo
todo possa desenvolver-se em uma única audiência (art. 21 e 27, LJEE), desde a fase de
conciliação, passando-se pela sua instrução e imediato julgamento. Também nesse sentido, a
prova pericial pode assumir conotações diferenciadas, resumindo-se a uma inspeção que pode
ser realizada pessoalmente pelo juiz ou por pessoa de sua confiança, sobre a pessoa ou a coisa
que interessarem à solução do litígio (art. 35, parágrafo único, LJEE).
Minimizando-se o procedimento tendente ao oferecimento da prestação jurisdicional, ganha-se
de forma menos complicada uma resposta jurisdicional mais barata e rápida, o que é
fundamental para estimular o acesso à justiça.
1.2.5 Celeridade
As causas submetidas aos juizados especiais de menor complexidade (art. 98,1, da CF) exigem
solução célere. Na verdade, o legislador está obrigado a instituir um procedimento que confira
ao cidadão uma resposta tempestiva, já que o direito de acesso à justiça, albergado no art. 5.°,
XXXV, da CF, decorre do princípio de que todos têm direito a uma resposta tempestiva6 ao
direito de ir ao juiz para buscar a realização de seus direitos. Ora, o procedimento dos juizados
especiais de menor complexidade constitui apenas a resposta do legislador a esse direito, que
portanto deve ser realmente efetiva, e não meramente ilusória.
Os efeitos do tempo no processo podem ser altamente perniciosos, 7 cabendo ainda considerar
que não são sentidos com a mesma intensida<G1
M ARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 32 e ss;
A antecipação da tutela, cit., p. 1 1 1 e ss; Tutela antecipatária e julgamento
antecipado, cit., p. 13 e ss. (7) Como ponderava Chiovenda, "tendo em conta que a atividade do Estado, para
operar a atuação da lei, exige tempo e despesa, urge impedir que aquele, que
TEORIA GERAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
747
de por pessoas mais pobres em comparação com aquelas de maior poder econômico. Com
efeito, ninguém pode negar que, para uma pessoa pobre, a demora em receber certa soma em
dinheiro pode comprometer sua própria subsistência, ao passo que dificilmente essa mesma
conseqüência poderia advir para pessoas de mais elevada condição econômica.
Por isso, e porque o juizado é desenhado precisamente para atender à litigiosidade contidanascida, em geral de conflitos ocorridos em classes de menor poder aquisitivo—, a resposta
jurisdicional deve ser breve, evitando-se os efeitos do tempo do processo sobre o direito
postulado. De outra parte, quando a violação do direito é de menor valor, a demora na resposta
jurisdicional pode simplesmente anular o benefício postulado. Receber R$ 100,00 (cem reais)
em uma semana, representa, indubitavelmente, vantagem econômica (e ainda psicológica) maior
do que receber essa quantia (ainda que corrigida monetariamente) em dois anos. Percebe-se isso
ainda com mais nitidez quando a pessoa depende desse montante para sobreviver.
Nos juizados especiais, objetivando-se maior celeridade, são estabelecidos prazos exíguos para
a conclusão do procedimento. Ademais, no juizado especial estadual, o recurso contra a
sentença deve ser recebido, em regra, somente no efeito devolutivo (apenas excepcionalmente,
para evitar dano irreparável, é que o recurso será recebido também no efeito suspensivo).
Entretanto, esta última característica não é encontrada nos Juizados Especiais Federais. No
âmbito federal, as decisões só são efetivadas ao final, após o trânsito em julgado da decisão
(arts. 16 e 17, LJEF). Esse fato, novamente, tem razoável justificativa na diversidade de valores
e de interesses tratados nos procedimentos, sendo de se relevar, sempre, que na esfera federal o
procedimento lida com interesses públicos.
se viu na necessidade de servir-se do processo para obter razão, tenha prejuízo do tempo e da despesa exigidos: a
necessidade de servir-se do processo para obter razão não deve reverter em dano a quem tem razão"
(CHIOVENDA, Giuseppc. Instituições de direito processual civil, cit., vol. !. p. 199).
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
SUMÁRIO: 2.1 Introdução -2.2 Competência - 2.3 Da conciliação e da arbitragem - 2.4 Capacidade para atuar no
juizado estadual: 2.4.1 A capacidade genérica; 2.4.2 A capacidade para ser autor; 2.4.3 Capacidade postulatória - 2.5
Procedimento diferenciado - 2.6 Recursos e meios de impugnação.
2.1 Introdução
A lei dos juizados estaduais, além de estabelecer arcabouço princi-piológico característico,
também contempla rito e regime próprios, distintos daqueles apresentados pelo Código de
Processo Civil.
Cumpre então, sempre tendo em mente os princípios examinados anteriormente, bem observar
tudo isso.
2.2 Competência
Conforme dispõe o art. 3.° da lei dos juizados especiais estaduais, a competência cível desses
órgãos engloba a conciliação, o processamento e o julgamento das causas cíveis de menor
complexidade, entendidas como tais as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o
salário mínimo; as enumeradas no art. 275, II, do CPC; a ação de despejo para uso próprio; e as
ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos.
Além disso, também compete a estes juizados especiais promover a execução de seus próprios
julgados, bem como de títulos executivos extrajudiciais no valor de até quarenta salários
mínimos (art. 3.°, § 1.°).
Ainda que possam se encaixar na descrição acima elaborada, não são de atribuição dos juizados
especiais cíveis "as causas de natureza alimen-
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
749
tar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de
trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial" (art.
3.°, § 2.°).
Discute-se se a competência fixada para os juizados especiais seria absoluta ou relativa.
Conquanto o tema já esteja praticamente pacificado na jurisprudência - que se inclinou por
entender que a competência do juizado especial é relativa, tratando-se de mera opção feita pela
parte -, é oportuno fazer algumas observações a respeito da questão, em especial diante dos
critérios que pautam o instituto.
Aqueles que entendem ser relativa a competência do juizado especial fundam sua conclusão em
vários argumentos, a saber:1
a) o art. 3.°, § 3.°, expressamente conduz a essa conclusão, ao falar em "opção " pelo
procedimento dos juizados especiais;
b) os incs. I e IV do art. 3.° fixam nítida competência pelo valor da causa (causas de até
quarenta vezes o salário mínimo), que, por aplicação analógica do Código de Processo Civil,
constitui critério relativo de determinação de competência;
c) tornar obrigatório o rito do juizado especial seria violar a garantia constitucional da ação, uma
vez que esse procedimento não contempla as mesmas garantias (p. ex., a ampla defesa, a
abrangência do contraditório, a plenitude da prova etc.) que o processo tradicional, podendo
mesmo, no juizado especial, recorrer ao uso da eqüidade (não apenas excepcionalmente, mas de
forma normal) como critério para julgamento.
Como já se disse, essa é a orientação dominante perante os tribunais. Talvez possa ser
considerada a melhor em uma perspectiva meramente pragmática. Contudo, é preciso salientar
a falta de solidez teórica nos argumentos arrolados para sustentar a competência relativa desse
órgão.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que a competência dos juizados especiais é fixada em razão
da matéria, e não com base no valor da causa, como sustentam alguns. É o caput do art. 3.°,
calcado, aliás, no próprio texto constitucional (claro neste sentido), que determina competir aos j
uizados o exame das causas cíveis de menor complexidade. As especifi0)
V. por todos, Athos Gusmão Carneiro, "Questões relevantes nos processos sob rito sumário. Perícia.
Recursos. Juizados especiais cíveis". Ajuris 67/173 e ss., Porto Alegre: Ajurisjul. 1996.
750
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
cações contidas nos incisos do art. 3.° da lei visam apenas explicar quais sejam essas causas, o
que, todavia, não altera a circunstância de que a competência determinada em lei para esse
órgão do Judiciário seja fixada em razão da matéria e, por isso mesmo, seja absoluta.
Afirmar que a lei dos juizados teria previsto sua competência como relativa, em função da
alusão, no art. 3.°, § 3.°, à "opção pelo procedimento", é, no mínimo, desconsiderar o contexto
onde essa regra se insere. Observando com acuidade o texto da lei, nota -se que, em nenhum
momento, ela se preocupou em estabelecer, clara e diretamente, se relativa ou absoluta a
competência dos juizados especiais. A regra do art. 3.°, § 3.°, visa, na verdade, estabelecer
premissa para o direito material e não para o processo. Não é uma regra de fixação de
competência, mas sim de presunção absoluta de renúncia ao direito excedente à capacidade do
juizado, se a parte resolve ingressar com ação perante esse órgão. Vale dizer que a
competenciapermanece sendo absoluta sempre. Porém, aquele que detém crédito superior ao
limite gizado (como critério de determinação da causa de menor complexidade) na lei, poderá
valer-se do procedimento dos juizados especiais, desde que renuncie ao excedente. Assim
fazendo, obviamente, seu crédito tornar-se-á compatível com o limite dos juizados, admitindo
seu tratamento por esse órgão. A regra, portanto, não alude a alguma espécie de opção de
procedimento, mas sim a um critério relativo ao direito material, pelo qual se transforma um
direito de maior complexidade em menor complexidade, através da renúncia ao excedente, no
limite que caracteriza os conflitos de menor complexidade, cuja competência para exame é do
juizado especial.
De outra parte, também não seria correto dizer que a obrigatoriedade do uso do juizado especial
violaria a garantia da ação, já que submeteria a parte a uma justiça de "qualidade inferior", onde
não se preservam, em sua máxima potencialidade, o contraditório, a ampla defesa, o devido
processo legal, a cláusula do julgamento com base na legalidade etc. É preciso compreender que
o procedimento dos juizados especiais é pensado sob a ótica das tutelas diferenciadas,
buscando-se adaptar o rito (e a forma de proteção do direito como um todo) às particularidades
do direito material posto a exame.2 O direito processual não pode tratar a todos
V. sobre o tema, entre outros, Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade í/»/;roce.w«,cit.;VittorioDenti, Un
progetío per Ia giustizia civile, cit.; Andréa
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
75 1
os direitos indiferentemente, porque isto seria ignorar as peculiaridades vivenciadas por cada
espécie de direito e por cada situação concreta. A mentalidade que informa os juizados especiais
é precisamente esta: verificado que o conflito de menor complexidade tem certas particularidades próprias, é preciso dotar a jurisdição de instrumento capaz de lidar com esse litígio, sob
pena de o conflito não encontrar na jurisdição estatal campo suficientemente adequado para ser
resolvido. Assim, o rito do juizado especial não é, verdadeiramente, menos "garantístico", mas
sim adequado para a realidade da situação concreta. De fato, há restrições, no procedimento dos
juizados especiais, em termos de prova e mesmo em relação à resposta do réu (não se pode, por
exemplo, oferecer recon-venção). Todavia, isso não pode ser entendido como limitações inconstitucionais a garantias fundamentais do processo, mas sim como compa-tibilizações entre as
garantias fundamentais que presidem a atuação de ambas as partes (autor e réu) no processo.
Explica-se: se é verdade que o procedimento do juizado diminui a garantia da ampla defesa, do
direito à prova etc, é também certo que o faz no intuito de permitir que o autor tenha, pela via
desse instituto, condições de buscar, junto à jurisdição estatal, a adequada solução do conflito
surgido. Sem essas alterações no perfil da tutela jurisdicional oferecida, ficaria a lesão
experimentada pelo autor carente de tutela (ao menos de uma tutela adequada). As conformações das garantias no rito do juizado especial visam, portanto, à adequação de todas elas
(atinentes a ambas as partes no processo) às peculiaridades da específica situação conflituosa
verificada. Ninguém diria que o processo de execução, ainda que obrigatório, é inconstitucional,
porque lhe falta a garantia da ampla defesa. A lógica desse raciocínio se encontra precisamente
em função da situação particular em que se encontra a lesão ao direito cuja solução se postula: é
precisamente a condição especial do direito do autor (fundado em título líquido, certo e
exigivei) que lhe autoriza buscar proteção em procedimento diferenciado. O mesmo raciocínio
deve aqui ser utilizado: a situação particular do direito exige proteção diferenciada - e só por
essa proteção específica pode ser ele adequadamente satisfeito -, razão pela qual as garantias
que se atribuem ao réu (ampla defesa, contraditório etc), compatibilizadas com o interesse
Proto Pisani, Appunti sulla giustizia civile, cit. (este, em especial, em seu capítulo dedicado às tutelas diferenciadas capítulo V).
752
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
de o autor obter uma tutela jurisdicional adequada (direito de ação), resultam no procedimento
balanceado dos juizados especiais. Certamente, como já se disse no início, ninguém submeteria
ao Poder Judiciário uma demanda condenatória de R$ 100,00, em função das particularidades
do "procedimento normal" previsto para essa tutela, que não é pensado para a proteção desse
tipo de situação. Não fosse, portanto, o rito específico dos juizados especiais, essa lesão restaria
sem tutela, violan-do-se a garantia da ação. Somente com um procedimento diferenciado, que
tome em conta as particularidades da situação concreta, é que se pode realmente pensar em uma
proteção efetiva dessa espécie de direito.
Enfim, é de se ponderar que ter como opcional o rito dos juizados especiais é, simplesmente,
aniquilar toda a possibilidade de dar-se ao direito postulado uma tutela adequada. Sim, porque
pensar como opcional o rito dos juizados - à mingua de regras próprias - imporia estabelecer
esta opção sob a ótica do Código de Processo Civil. Haveria, portanto, em relação aos juizados
especiais, competência relativa, que poderia ser, então, simplesmente recusada, como se a
instituição desse órgão e de seu procedimento não fossem, antes de tudo, de interesse do
próprio Estado.
Não se pode esquecer que o juiz do juizado (e o próprio juizado em si) é órgão da jurisdição,
dotado dos mesmos poderes e atribuições de qualquer outro juiz. O juizado especial não pode
ser visto como um órgão de segunda categoria, reservado como si mples alternativa para a parte.
É ele órgão da jurisdição, caminho adequado para a solução dos conflitos de interesses de menor
complexidade, e assim instituto adequado e devidamente instrumentalizado para tanto. Na
realidade, o juizado especial é absolutamente fundamental para o Estado cumprir seu dever de
propiciar aos cidadãos efetivo acesso à justiça.3
No que concerne à competência territorial (esta, sim, evidentemente relativa), a lei dos juizados
expressamente disciplina a questão, em seu art. 4.°, dizendo que a competência se estabelece
pelo foro do domicílio do réu ou, a critério do autor, do local onde aquele exerça atividades profissionais ou econômicas ou mantenha estabelecimento, filial, sucursal ou escritório; do lugar
onde a obrigação deva ser satisfeita; e do domicíPor um exame mais detalhado do tema, v. HorácioWanderlei Rodrigues, "Lei 9.099/95: a obrigatoriedade da
competência e do r\\o", Ajuris 67/186 e ss. jul. 1996.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
753
lio do autor ou do local do ato ou fato, nas ações para reparação de dano de qualquer natureza.
Obviamente, em relação a essa competência, aplicam-se os critérios de prorrogação e
modificação de competência, estabelecidos no Código de Processo Civil.
2.3 Da conciliação e da arbitragem
Os vários problemas que marcam a administração da justiça e a tomada de consciência de que o
que importa é a pacificação social - e não a forma através da qual ela é obtida -, levaram à
retomada da arbitragem e da conciliação como formas alternativas à solução dos conflitos. Além
disso, como já foi visto, o próprio processo, como técnica, passa por uma "deformalização",
procurando-se via menos formal e mais rápida e econômica para atender às pessoas que têm
dificuldades de recorrer ao Poder Judiciário pelas mais diversas razões, dentre as quais se
sobressai a questão do custo do processo, da lentidão da tutelajurisdicional e da inadequação
dessa tutela para as diferentes espécies de direitos.
Portanto, se o objetivo é facilitar o acesso à justiça, é evidente que os princípios fundamentais
do procedimento dos juizados especiais (antes analisados) têm relação muito íntima com a
arbitragem e com a conciliação. Em outros termos: o procedimento dos juizados especiais não
pode abrir mão das fases propícias à arbitragem e à conciliação.
A conciliação permite que as causas mais agudas do litígio sejam consideradas e temperadas,
viabilizando a eliminação do conflito no plano sociológico. Este efeito é importante na atual
sociedade de massa, em que se sucedem pequenos conflitos nas relações de vizinhança, consumo etc, situações em que a coexistência é duradoura no tempo e fundamental a convivência
cordial entre as pessoas.
Ademais, também não pode ser desconsiderado o aspecto político da conciliação e da
arbitragem, o qual é posto em evidência pela possibilidade de participação popular na
administração da justiça. A presença de "leigos" na conciliação e na arbitragem, significando
participação popular, além de contribuir para a educação cívica, atende à necessidade de
legitimação democrática da administração da justiça. 4 É bom lembrar que o art. 7.° da Lei
9.099/95 afirma que "os conciliadores e juizes lei141
Ver Ada Pellegrini Grinover, "A conciliação extrajudicial no quadro participativo", in
Participação eprocesso, São Paulo: RT, 1988, p. 281.
754
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
gos são auxiliares da Justiça, recrutados, os primeiros, preferencialmente, entre os bacharéis em
Direito, e os segundos, entre advogados com mais de 5 (cinco) anos de experiência", enquanto
que o art. 24, § 2.°, da mesma lei, estabelece que "o árbitro será escolhido entre os juizes
leigos".
A conciliação é notoriamente privilegiada nos juizados especiais, onde é estabelecida a tentativa
de conciliação como pressuposto necessário e inarredável para a passagem à fase de instrução e
julgamento. Por outro lado, a figura do juízo arbitrai, expressamente prevista na Lei 9.099/ 95
(art. 24 e seguintes), pode contribuir para a acomodação de determinadas controvérsias, como as
pertinentes a consumo, vizinhança e proteção ao locatário, as quais são muito importantes
quando se consideram os objetivos que orientam os juizados especiais.
2.4 Capacidade para atuar no juizado estadual
2.4.1 A capacidade genérica
O juizado especial não deve ser pensado como simples meio de agilizar a prestação
jurisdicional. Seu objetivo, em especial, é atender às causas de menor complexidade relativas a
certos segmentos da sociedade que não teriam, em condições normais, formas de apresentar
suas demandas em juízo.
Por isso, a legitimidade (ad processum) perante o juizado especial (tanto ativa, como passiva)
não é tão ampla quanto na justiça comum. De outro lado, tendo em vista que o juizado privilegia
a conciliação e a arbitragem, é também natural que haja restrição em termos de aptidão para
estar em juízo, possibilitando-se esta apenas para aquelas pessoas (e aqueles litígios) que
possam submeter-se a esses mecanismos.
Diante desses critérios, a Lei 9.099/95 não admite como parte no juizado (seja na qualidade de
autor ou de réu) "o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas
públicas da União, a massa falida e o insolvente civil" (art. 8.°). Porém, a recente Lei
10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, acomodou de forma parcialmente
diferente a legitimidade para ser parte - logicamente que considerando as peculiaridades das
causas que competem à Justiça Federal -, estabelecendo que podem ser partes, "como rés, a
União, autarquias, fundações e empresas públicas federais" (art. 6.°, II, Lei 10.259/2001).
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
755
2.4.2 A capacidade para ser autor
É bom deixar claro que neste momento interessa somente a capacidade para ser parte
estabelecida na Lei. 9.099/95, dita Lei dos Juizados Especiais Estaduais. Assim, é necessário
consignar que o art. 8.°, § 1.°, da Lei 9.099/95 afirma que "somente as pessoas físicas capazes
serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito
de pessoas jurídicas".
Considera-se como capaz o maior de dezoito anos, que poderá agir perante o juizado especial,
independentemente de assistência, em todos os atos do processo, inclusive para fins de
conciliação (art. 8.°, § 2.°, Lei 9.099/95). O maior de dezoito anos (obviamente, desde que não
atingido por outra causa de incapacidade, absoluta ou relativa), goza de capacidade processual
plena (e também capacidade civil absoluta) perante os juizados, podendo atuar livremente no
processo, bem como dispor, mesmo sem assistência, de seus direitos. 5
Exclui-se a possibilidade de a pessoa física capaz que seja cessionária de direitos de pessoa
jurídica vir a ser autora perante o juizado especial (art. 8.°, § 1.°, infine). A razão é intuitiva: a
lei deseja que apenas direitos de pessoas físicas capazes sejam pleiteados perante os juizados.
Admitir que a pessoa física venha a demandar em juízo por direito cedido por pessoa jurídica
permitiria burlar o espírito da lei, na medida em que seria viável que, por interposta pessoa
(física), viesse a pessoa jurídica a postular perante o juizado. A restrição, por isso mesmo, deve
ser vista com esse espírito, autorizando-se a pessoa física, cessionária de direito de pessoa
jurídica, a pleitear perante o juizado especial desde que prove de maneira objetiva não haver a
fraude que a lei busca coibir.
2.4.3 Capacidade postulatória
E também interessante tecer algumas considerações a propósito da capacidade postulatória
perante os juizados especiais. Como se sabe, em regra, perante a justiça comum, essa
capacidade é outorgada exclusivamente a advogados. Nos juizados especiais, porém, a solução
alvitrada é
(5)
Essa regra está de acordo com os arts. 4.°, I, e 5.°, caput, do novo Código Civil (Lei
10.406/2002), que reduz a menoridade para 18 anos.
756
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
outra, determinada precisamente pelos critérios de informalidade, simplicidade e gratuidade que
os informam.
Perante os juizados especiais, nas causas de até vinte salários mínimos, dispensa-se a
necessidade de que a parte seja representada por advogado, podendo defender seus direitos
sozinha. Somente nas ações relativas a direitos compreendidos entre vinte e quarenta salários
mínimos é que se torna obrigatória a intervenção do advogado (art. 9.°, Lei 9.099/ 95),
aplicando-se aí então as regras próprias, atinentes à representação por procurador, do Código de
Processo Civil.
Todavia, mesmo quando não haja a obrigatoriedade da participação de advogado, não fica
excluída a possibilidade de que a parte se faça acompanhar de procurador judicial. Nesse caso,
sempre que uma das partes esteja assistida por advogado - ou ainda quando seja ré pessoa
jurídica ou firma individual -, terá a outra, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão
instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local (art. 9.°, § 1.°, Lei 9.099/95).
Outrossim, poderá (e mesmo deverá) o juiz, considerando as circunstâncias da causa específica,
o grau de complexidade da matéria e a situação particular das partes, recomendar (sem poder,
evidentemente, obrigar) a assistência de um advogado (público ou particular), que terá a
incumbência de melhor informá-las a respeito da defesa de seus interesses, bem como tratar de
seus direitos adequadamente em juízo (art. 9.°, § 2.°, Lei 9.099/95).
De qualquer forma, no caso de recurso, consoante prevê o art. 41, § 2.°, da Lei 9.099/95, "as
partes serão obrigatoriamente representadas por advogado". Isso ocorre em vista da natureza do
recurso, que reclama conhecimentos técnicos próprios do advogado.
Note-se, por fim, que, mais uma vez norteada pelos critérios da informalidade e da simplicidade,
a lei prevê que a outorga do mandato judicial para o advogado possa ser feita na forma "verbal".
Apenas para a outorga de poderes especiais é que se exige o instrumento escrito, obje-tivandose evidentemente resguardar os interesses dos sujeitos envolvidos no contrato (art. 9.°, § 3.°, Lei
9.099/95).
2.5 Procedimento diferenciado
O procedimento dos juizados especiais cíveis estaduais (tanto do processo de conhecimento
como de execução) é nitidamente distinto dos
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
757
normais, previstos pelo Código de Processo Civil, visando, de um lado, atender aos critérios
informativos do instituto (art. 2.°, Lei 9.099/95), e de outro fornecer mecanismos apropriados
para a tutela dos interesses que se inserem na competência do órgão.
A competência funcional do procedimento do juizado é dividida entre três figuras: o
conciliador, o juiz leigo e o juiz togado. O juiz togado é um juiz de direito, pertencente aos
quadros da magistratura estadual, designado para atuar perante o juizado especial. Os outros
dois agentes são considerados auxiliares da justiça, sendo os juizes leigos escolhidos entre
advogados com mais de cinco anos de experiência e os conciliadores, preferencialmente,
selecionados entre bacharéis em direito (art. 7.°, Lei 9.099/95).6
Os atos processuais são sempre realizados da forma mais informal possível, devendo ficar
registrados porescrito (manuscrito, datilografia, taquigrafia ou estenotipia) apenas os atos
considerados essenciais. Todos os demais atos poderão ser gravados em meio idôneo, e serão
inutilizados após o trânsito em julgado da decisão (art. 13, § 3.°, Lei 9.099/ 95). A nulidade de
qualquer ato processual somente será declarada se resultar em prejuízo para a parte ou quando a
violação de forma não permitir-lhe atingir suas finalidades (art. 13, caput, e seu § 1.°, Lei 9.099/
95). Também a comunicação dos atos processuais será feita da forma mai s simples possível,
podendo solicitar-se a realização de diligências em outras comarcas por qualquer meio idôneo
(art. 13, § 2.°, Lei 9.099/95).
Em primeiro grau de jurisdição, o processo perante o juizado especial independe do pagamento
de custas, taxas ou despesas (art. 54, Lei 9.099/95). Somente no caso de recurso é que haverá
necessidade de pagar despesas processuais (inclusive as de primeiro grau). Da mesma for(6)
Os juizes leigos exercem, em geral, a arbitragem. Com a nova lei de arbitragem (Lei 9.307/96), poderia alguém
supor que, pelo fato de prever que o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes (art. 13
da Lei 9.307/96), tivesse sido revogado o art. 7." da Lei 9.099/95, na qualificação do agente que pode exercer a
função de juiz leigo - podendo o mesmo raciocínio estender-se para as demais regras de arbitragem contidas na Lei
9.099/95. Ao que parece, porém, a Lei 9.099/95 deve ser considerada "lei especial". Esta, assim, ainda que anterior à
lei de arbitragem, não foi revogada. Na verdade, para a arbitragem instituída no interior do procedimento do juizado
especial, permanece a regência própria da Lei 9.099/95.
758
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
ma, a sentença de primeiro grau não imporá às partes o ônus da sucum-bência, podendo,
entretanto, aplicar as sanções atinentes à litigância de má-fé (art. 55, Lei 9.099/95). No segundo
grau, julgando o recurso, haverá a incidência de sucumbência, relativa às despesas com os
honorários do advogado (obrigatório em segundo grau).
O processo tem início pela apresentação de pedido, escrito ou oral, diretamente à Secretaria dos
juizados especiais. Para que o pedido seja aceito, é necessário constar, de forma simples e em
linguagem clara e acessível, o nome, a qualificação e o endereço das partes; os fatos e fundamentos de forma sucinta; e o objeto e seu valor (art. 14, § 1.°, Lei 9.099/ 95). Admite-se a
cumulação alternativa ou sucessiva de pedidos, bem como o pedido genérico (quando não se
puder especificar, de maneira pronta, a extensão da obrigação). Compete à parte autora instruir
seu pedido, prontamente, com os documentos que entenda convenientes para instruir sua
pretensão, muito embora possa apresentar tais peças mais tarde, por ocasião da audiência, sem
nenhum ônus ou preclusão (art. 33, Lei 9.099/95).
Caso compareçam, concomitantemente, autor e réu, dispensa-se o registro do pedido e a citação
do demandado, instaurando-se prontamente a sessão de conciliação. Caso contrário, será o réu,
independentemente de distribuição do feito ou autuação, citado para sessão de conciliação,
designada conforme a possibilidade da pauta pela própria Secretaria do juizado, a ocorrer em
prazo máximo de quinze dias (art. 16, Lei 9.099/95).
Não se admite, no procedimento do juizado, citação por edital, pois a regra é a citação pelo
correio (correspondência com aviso de recebimento), sendo que somente em circunstâncias
excepcionais cabe a citação por oficial de justiça (independentemente de mandado ou carta precatória).
Se o réu não comparecer à sessão designada (ou mesmo, posteriormente, deixar de comparecer à
audiência de instrução e julgamento, eventualmente necessária) sem apresentar justa causa,
"reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resulta r da
convicção do juiz" (art. 20, Lei 9.099/95). Como se vê, o art. 20 da Lei 9.099/95 afirma que a
revelia gera presunção relativa de veracidade dos fatos, podendo ser afastada sempre que as
circunstâncias da causa indicarem sentido contrário. Além do efeito material, a revelia gera
efeito
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
759
processual, identificado ao julgamento antecipado da lide, autorizando o magistrado, desde
logo, a proferir sentença (art. 23, Lei 9.099/95).
Comparecendo o réu, será aberta a sessão de conciliação, competindo ao juiz togado ou ao juiz
leigo esclarecer as partes da conveniência da conciliação e dos riscos do prosseguimento do
processo. A conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador, sob sua
orientação. Obtida a conciliação, será ela reduzida a termo e homologada pelo juiz togado,
servindo como título executivo judicial (art. 22, parágrafo único, Lei 9.099/95).
Se não tiver êxito a conciliação, será oferecida às partes a possibilidade de se submeterem à
arbitragem. Se qualquer delas recusar a proposta, terá seguimento normal o processo. Caso
ambas aceitem, instaura-se o procedimento arbitrai, facultando-se às partes a escolha do árbitro,
dentre os juizes leigos componentes do juizado. Escolhido o árbitro, este será convocado para a
mesma sessão, para instaurar o procedimento; se ele não estiver presente, o juiz designará data
próxima para audiência arbitrai, convocando o juiz leigo (árbitro) para a sessão. Instruído o
feito, pelo árbitro, compete-lhe, imediatamente ou no prazo de cinco dias, proferir laudo arbitrai
(podendo, inclusive, decidir por eqüidade), que será, posteriormente, submetido à homologação
pelo juiz togado, em sentença irrecorrível, que valerá como título executivo.
Não aceita a arbitragem, como dito, prosseguirá o processo seu curso regular, seja com a
imediata prolação da sentença ou instaurando-se, quando necessário, audiência de instrução
ejulgamento. Essa audiência terá início prontamente, desde que tenha o réu condições de
oferecer sua defesa de pronto (art. 27, Lei 9.099/95), ou então no prazo de quinze dias (art. 27,
parágrafo único, Lei 9.099/95).
Na audiência, inicialmente, abre-se espaço para que o réu ofereça defesa, de forma escrita ou
oral, consistente em contestação e exceções (de impedimento, suspeição e
incompetênciarelativa). Não cabe, no procedimento do juizado especial, a reconvenção, embora
se admita que o réu formule pedido contraposto, nos limites da competência do órgão, desde
que "fundado nos mesmos fatos que constituem objeto da controvérsia" (art. 31, Lei 9.099/95).
A esse pedido, poderá o autor responder na própria audiência ou, se não estiver habilitado, em
outra data, designada para ocasião próxima (art. 31, parágrafo único, Lei 9.099/95).
760
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Serão decididas na própria audiência todos os incidentes que interfiram no andamento normal
da audiência. Outras questões incidentais serão avaliadas por ocasião da sentença (art. 29, Lei
9.099/95).
Admite-se a produção de todas as provas, típicas ou atípicas. Em regra, a prova será produzida
em audiência, ainda que não tenha havido prévio requerimento a respeito, cabendo ao
magistrado indeferir a prova considerada excessiva, impertinente ou protelatória (art. 33, Lei
9.099/95). A presidência da instrução pode ser delegada, pelo juiz togado, a um juiz leigo, sob
sua supervisão (art. 37, Lei 9.099/95), caso em que este poderá apresentar, ao juiz togado,
posteriormente (para a preservação do princípio da identidade física do juiz), decisão que poderá
ser por este último homologada, substituída ou, ainda, antes de qualquer dessas atitudes,
precedida de diligências complementares (art. 40, Lei 9.099/95).
A prova documental pode ser apresentada na própria audiência, dando-se imediata vista à parte
contrária para sobre ela manifestar-se (art. 29, parágrafo único, Lei 9.099/95). A prova
testemunhai é limitada ao número de três testemunhas (para cada parte), que deverão
comparecer à audiência independentemente de intimação, ou mediante intimação, caso esta
tenha sido previamente requerida pela parte. A prova pericial, assim como a inspeção judicial,
será realizada informalmente, viabilizando-se a mera inquirição de técnicos de confiança, bem
como a apresentação de pareceres técnicos pelas partes (art. 35, Lei 9.099/95). Poderá ainda
ojuiz conduzir, no curso da audiência, a realização de inspeção "em pessoas ou coisas, ou
determinar que o faça pessoa de sua confiança, que lhe relatará informalmente o verificado" (art.
35, parágrafo único, Lei 9.099/95).
A prova, produzida oralmente na audiência, não será reduzida a escrito, devendo-se registrar, na
sentença, o essencial das informações trazidas no depoimento.
Não é admissível, no procedimento dos juizados especiais, nenhuma modalidade de intervenção
de terceiro, nem ação declaratória incidental.
A sentença, proferida pelo magistrado, ou pelo juiz leigo (homologada por aquele - art. 40),
deverá mencionar os elementos de convicção, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos
em audiência, dispensado o relatório (art. 38, Lei 9.099/95). A sentença será sempre líquidaainda que o pedido tenha sido genérico —, sendo ineficaz no montante que exceder a
competência do juizado especial.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
76 1
Não pode o processo prosseguir, devendo ser extinto, quando o autor deixar de comparecer a
qualquer das audiências no processo; quando inadmissível o procedimento instituído na lei dos
juizados ou o seu prosseguimento após a conciliação; quando reconhecida a incompetência
territorial; quando sobrevier qualquer dos impedimentos previstos no art. 8.° da Lei 9.099/95;
quando, falecido o autor, a habilitação depender de sentença ou não se der no prazo de trinta
dias; e quando, falecido o réu, o autor não promover a citação dos sucessores no prazo de trinta
dias da ciência do fato (art. 51, Lei 9.099/95).
Quanto à execução - seja da sentença do próprio juizado, seja de título executivo extrajudicial,
da competência desse órgão - segue ela sub-sidiariamente as regras contidas no Código de
Processo Civil.
A execução de título executivo judicial terá início, quando possível, por intimação na própria
audiência em que for proferida a sentença. Não cumprida a sentença, inicia-se a execução
coativa. Se a execução for de obrigação de entregar, de fazer ou de não fazer, compete ao juiz
(se já não o houver feito na sentença) cominar multa diária para o adimplemento da prestação,
que poderá ser posteriormente alterada. No caso de obrigação de fazer, sendo isso viável, poderá
o magistrado determinar a realização do fato por terceiro, determinando-se ao devedor que
deposite a importância respectiva, sob pena de multa diária. Na execução por quantia certa, o
rito é, em essência, o mesmo daquele previsto pelo Código de Processo Civil, com a penhora e
alienação de bens do devedor, para satisfação da obrigação. A alienação pode ser realizada por
leiloeiro (como no processo civil tradicional) ou pelos sujeitos do conflito (credor ou devedor),
dispensando-se a publicação de editais em jornal, quando o bem a ser alienado for de pequeno
valor. São admissíveis embargos do executado, apenas para a discussão dos seguintes temas:
falta ou nulidade de citação no processo (se ele correu à revelia); manifesto excesso de execução; erro de cálculo; e causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação,
superveniente à sentença (art. 52, IX, Lei 9.099/95).
A execução de título extrajudicial, da competência do juizado, observará as mesmas variações
acima apresentadas de forma sumária, contando ainda com uma audiência de conciliação.
Efetuada a penhora de bens, será o devedor intimado a comparecer à audiência de conciliação,
em que poderá oferecer embargos à execução. Nessa audiência, será tentada a conciliação, e, em
sendo esta infrutífera e não tendo sido apresen-
762
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tados embargos, deve o processo prosseguir para que o credor tenha o seu direito satisfeito o
mais rápido possível.
2.6 Recursos e meios de impugnação
A estrutura dos juizados especiais estaduais também prevê juízo recursal (art. 41, Lei 9.099/95).
Não se trata, porém, do tribunal local, e sim de um colegiado, interno ao juizado, composto por
três juizes togados de primeiro grau (art. 41, § 1.°, da Lei 9.099/95). Em determinada perspectiva, que costuma ser apontada pela doutrina como fundamento para o duplo grau de
jurisdição, esse colegiado não pode ser considerado como verdadeiro órgão de segundo grau de
jurisdição, pela simples razão de que os juizes que a ele dão composição estão em primeiro
grau de jurisdição, ou seja, no mesmo grau de jurisdição em que está o magistrado prolatorda
sentença recorrida. Os membros do Colegiado não estão em grau hierarquicamente superior ao
do juiz singular, e assim, na lógica sustentada pela doutrina que tanto gosta do duplo grau de
jurisdição, não têm maior experiência do que o juiz singular. Todavia, embora hierarquicamente
esses juizes não sejam superiores ao seu colega, cuja sentença deve ser reexaminada, exercem
eles poderes jurisdicionais de revisão, constituindo nítida instância recursal. Em outras
palavras: esse juízo exerce função revisora, mas é composto por juiz.es que estão no mesmo
grau de jurisdição daquele que profere a sentença, existindo no juizado um juízo encarregado
de novamente julgar a causa já definida pelo juiz singular.
O acesso a essa instância recursal depende do atendimento a certas condições, não exigíveis na
instância ordinária. Assim, devem as partes estar assistidas por advogados (art. 41, § 2.°, Lei
9.099/95). A instância recursal depende, ao contrário do que ocorre em primeiro grau, do pagamento das despesas respectivas, e mesmo daquelas atinentes à instância ordinária (ressalvada
ahipótese de assistênciajudiciáriagratuita), sendo que, no juízo recursal, o recorrente, vencido,
deverá pagar honorários advocatí-cios (art. 42, § 1.°, art. 54, parágrafo único, e art. 55, Lei
9.099/95).
As decisões interlocutórias (ao menos aquelas que não podem gerar danos irreparáveis a
direito) são irrecorríveis. Das sentenças, ,excetuadas as homologatórias de conciliação ou de
laudo arbitrai, cabem os embargos de declaração e um recurso inominado - semelhante à
apelação (art. 41, Lei 9.099/95).
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
763
O recurso inominado deve ser interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença,
em petição escrita que deve conter as razões do recurso e o pedido de revisão. A parte dispõe do
prazo de quarenta e oito horas, após a interposição do recurso, para efetuar o preparo, sob pena
de deserção. Efetuado o preparo, será o recorrido intimado para oferecer resposta escrita, no
prazo de dez dias, após o que o recurso será encaminhado ao colegiado (art. 42, Lei 9.099/95).
O recurso inominado tem apenas, ex lege, efeito devolutivo, podendo o juiz recorrido dar-lhe
efeito suspensivo para evitar lesão irreparável para qualquer das partes (art. 43, Lei 9.099/95).
No julgamento do recurso, dispensa-se a lavratura de acórdão formal; a decisão constará de ata
do colegiado, com a indicação do processo, fundamentação breve e parte dispositiva; se
confirmatória a decisão, a súmula do julgamento servirá de acórdão (art. 46, Lei 9.099/95).
Quanto aos embargos de declaração, são eles cabíveis quando existir na sentença (ou no acórdão
do colegiado) obscuridade, contradição, omissão ou dúvida. Conforme já estudado por ocasião
da análise dos recursos, os embargos de declaração calcados em dúvida colocam problema
grave para o aplicador: a dúvida é subjetiva e, portanto, de difícil comprovação; por isso, à
semelhança do que ocorre em face do "processo tradicional" (o art. 535,I, do CPC não mais
considera a dúvida como motivo capaz, de ensejar embargos de declaração), esta hipótese não
deveria viabilizar embargos de declaração.
Os embargos declaratórios são cabíveis no prazo de cinco dias, da ciência da decisão, por
petição escrita ou oralmente. Sua interposição suspende o prazo para oferecimento de outros
recursos, ao contrário do que se passa com os embargos de declaração do processo tradicional,
que interrompem tais prazos (arts. 49 e 50, Lei 9.099/95). Quanto a seu julgamento, aplica-selhes as regras próprias dos embargos declaratórios, existentes no Código de Processo Civil.
Além desses recursos, admite-se, como visto anteriormente (no exame dos recursos
constitucionais no processo tradicional), a interposição de recurso extraordinário. O tema foi
abordado no momento respectivo, razão pela qual remete-se o leitor àquelas considerações.
Transitada em julgado a decisão do juizado especial, não se admite, contra ela, a interposição de
ação rescisória (art. 59, Lei 9.099/95).
764
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
É de se observar que, embora previsto o juízo recursal no procedimento dos juizados, a
admissão de recurso contra a sentença atenta contra os princípios da oralidade e da celeridade.
Como é sabido, a oralidade enseja contato direto do juiz com as partes e com as provas, e por
essa razão propicia maior qualidade ao serviço jurisdicional. De modo que, por razão
lógica,/a/ar em oralidade é supor apenas a sentença do juiz que teve este contato direto, e não o
julgado proferido por aqueles que não conheceram as partes e não tiveram qualquer contato
direto com as provas. Em outras palavras, a oralidade somente pode ser benéfica ao julgado do
juiz singular, mas jamais para o julgado do colegiado, que analisa a causa por meio dos termos
escritos das provas produzidas. Além do mais, como também é de lógica evidente, dois juízos
sobre o mérito consomem mais tempo da jurisdição do que um só. Nesse sentido, o duplo juízo
sobre o mérito, previsto no juizado, atenta contra os princípios da oralidade e da celeridade, os
quais são instituídos expressamente como princípios informadores no art. 2." da Lei 9.099/95.
Portanto, é natural perguntar o motivo pelo qual o juízo recursal foi previsto na lei dos juizados.
A razão somente pode ser uma: supõe-se que a dupla revisão do julgado é garantia
constitucional, e assim a lei dos juizados não teria como negar o juízo recursal sob pena de
inconstitucio-nalidade. Contudo, como foi amplamente demonstrado quando analisa do o duplo
grau de jurisdição (ver Parte III, Capítulo II), a Constituição Federal não garante um duplo juízo
sobre o mérito. Como já dito, o duplo juízo, exatamente porque deixa de lado os benefícios da
oralidade e desconsidera a necessidade de celeridade, absolutamente fundamental para a
efetividade do direito constitucional de acesso à justiça (que, afinal, éa razão de ser da
instituição dos Juizados Especiais), não deve ser pensado como princípio fundamental de
justiça ao menos diante das causas de menor complexidade. Na realidade, trata-se de saber o
que está por trás dos Juizados Especiais: a busca de uma ilusória segurança, que seria
garantida pela dupla revisão, ou um acesso mais efetivo à justiça, que requer maior celeridade
da prestação jurisdicional?
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
SUMÁRIO: 3.1 Generalidades e noções fundamentais -3.2 Capacidade processual para os juizados federais - 3.3
Competência- 3.4 O procedimento - 3.5 Arbitragem e juizado especial federal - 3.6 Os recursos nos juizados
especiais federais - 3.7 A atuação dos provimentos emanados dos juizados especiais federais.
3.1 Generalidades e noções fundamentais
Ao lado dos juizados especiais já conhecidos, o direito positivo brasileiro também reconhece,
atualmente, essa categoria diferenciada de órgãos jurisdicionais na esfera da Justiça Federal. A
partir da Emenda Constitucional 22, de 19 de março de 1999,' passou a estrutura judiciária da
Justiça Federal, tal como estabelecida na Constituição Federal, a aceitar esse órgão como
integrante de seu corpo. Posteriormente, com o advento da Lei 10.259/2001, tal previsão
constitucional foi efetivamente disciplinada, tornando realidade os Juizados Especiais Federais.
Correndo o risco de parecer óbvio, é importante mencionar que essa estrutura não corresponde a
instituição nova, totalmente desconhecida no âmbito do Poder Judiciário nacional. Ao contrário,
trata-se de simples adaptação, à esfera federal, da experiênciabem sucedida dos Juizados
Especiais Estaduais. Em decorrência disso, a nova lei não se preocupou em disciplinar de
maneira exaustiva o procedimento dos juizados especiais federais. Ao contrário, a Lei
10.259/2001 vem a somar-se à Lei 9.099/
O seu art. 1.° acrescentou ao art. 98, da Constituição Federal, um parágrafo único, com a seguinte redação: "Lei
federal disporá sobre a criação dos juizados especiais no âmbito da Justiça Federal".
766
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
95, formando um sistema que procura disciplinar o instituto dos juizados especiais federais, bem
como o procedimento a ser nele adotado. Como é sabido, a Lei 9.099/95 - que trata dos juizados
especiais estaduais -não permitia que, por seu procedimento, fossem veiculadas pretensões
emfacedeórgãospúblicos,menosaindafederais.2 Por isso, mesmo com a emenda constitucional
que autorizou a criação dos juizados especiais federais, faltava uma lei própria, que fosse capaz
de disciplinar em que termos seria utilizável o seu procedimento. A lei veio, e sem abolir os
institutos, princípios e filosofia da Lei 9.099/95, na verdade adaptou-a às peculiaridades do
tratamento de causas federais.
Em vista de tudo isso, é de se notar que todo o arcabouço teórico e jurisprudencial - ressalvadas
algumas particularidades que adiante serão consideradas — formado em relação à lei de
juizados especiais, é perfeitamente aplicável à lei nova, haja vista a integração plena entre seus
dispositivos.
Assim, o procedimento aplicável aos juizados especiais federais será, em sua essência, o mesmo
utilizado pelos juizados estaduais. Os prazos, a isenção de custas, a capacidade de estar em
juízo, a forma de escolha dos conciliadores e juizes leigos, tudo enfim que não possua disciplina
específica na diretiva nova será regido pela lei geral anterior. Esta conclusão, embora singela,
permite lidar de modo adequado com algumas omissões significativas da Lei 10.259/2001, as
quais poderiam trazer dúvidas incontornáveis quando da aplicação do novo instituto.
3.2 Capacidade processual para os juizados federais
Exemplo daquilo que se acabou de dizer, relativo à complementaridade existente entre as duas
leis, é a questão da capacidade de estar em juízo e postulatória para demandar perante os
juizados especiais federais.
A Lei 9.099/95 é expressa ao tratar do tema, indicando que somente tem capacidade de estar em
juízo, na condição de autor, a pessoa física
Com efeito, o art. 3.°, § 2.°, da Lei 9.099/95, afirma que as causas de interesse da Fazenda Pública estão excluídas da
competência dos juizados, sendo que seu art. 8.°, caput, expressamente excluía a União e as suas empresas pú blicas
de figurarem como partes nos juizados especiais.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
767
capaz,3 assim também considerado o maior de dezoito anos (art. 8.°, §§ 1.° e 2.°). Outrossim,
estabelece a mesma lei, que, nas causas de até vinte vezes o valor do salário mínimo, está a
parte habilitada a postular independentemente da representação (diz a lei "assistência") de
advogado, somente carecendo desse profissional nas causas que superem aquela importância.
Já a Lei 10.259/2001 apresenta tratamento bem mais singelo ao caso, limitando-se a dizer, sem
aludir à questão da capacidade postulatória do autor, que têm capacidade para estar em juízo,
nos juizados especiais federais, "as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno
porte, assim definidas na Lei 9.317, de 5 de dezembro de 1996" (art. 6.°, inc. I). Põem-se, então,
algumas questões: poderá o incapaz demandar perante os juizados especiais federais? Será
considerado plenamente capaz, para os fins dos juizados federais, o maior de dezoito anos? Será
necessária a participação de advogado, para representar os interesses do autor em juízo?
Poderão o insolvente civil e o preso ser autores de demanda perante os juizados especiais cíveis
federais?
A fim de solucionar tais questões, cumpre manter em mente a previsão do art. 1.° da Lei
10.259/2001, a contemplar a aplicação subsidiária daLei 9.099/95 às situações omissas na
disciplinaespecíficados juizados especiais federais. Pautado por esse critério, é de se concluir,
em resposta à primeira pergunta, que, em vista da determinação específica, estabelecida no art.
6.° da Lei 10.259/2001, a permitir que se apresente, na condição de autor nos juizados especiais
federais, qualquer pessoa física, inclui-se igualmente aí os incapazes. Deverá, porém, ser
considerado incapaz, para o fim de suprimento de legitimidade adprocessum nessa instância
judiciária, apenas o menor de dezoito anos, haja vista a aplicação subsidiária, nesse
procedimento, da previsão contida no art. 8.°, § 2.°, da Lei 9.099/95.
De outra parte, é de se reconhecer capacidade para litigar como autor nos juizados especiais
federais ao insolvente civil e ao preso.4 Isto porm
Excluídos o preso e o insolvente civil (art. 8.°, caput).
Obviamente, a alusão ao preso, aqui, não se refere à sua participação nos juizados especiais federais criminais,
porquanto isso seria mais do que evidente. Busca-se investigar da possibilidade de o preso ser sujeito em demanda
civil.
M>
768
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
que o art. 8.° da Lei 9.099/95, por constituir "norma proibitiva", impeditiva de acesso à
jurisdição, há de ser interpretada restritivamente, de modo a somente abranger a instância
judiciária nela especificamente designada. É certo que existiriam razões ponderáveis para
excluir o insolvente civil e o preso da capacidade de ser autor perante os juizados especiais federais. Seja pela dificuldade de se fazerem presentes em juízo (em relação ao preso), seja pela
impossibilidade de disporem de seu patrimônio, e assim transigirem (no caso do insolvente),
certamente muitas das vantagens do procedimento diferenciado ficariam prejudicadas. Todavia,
não se deve esquecer que nem a presença efetiva do autor - que pode constituir representante,
conforme prevê o art. lOdaLei 10.259/2001-nem a impossibilidade de chegar a algum acordo
sobre o litígio - o que, aliás, nem poderia ser obrigatório para a parte—são indispensáveis no
procedimento novo. Ademais, a celeridade e a informalidade do procedimento são benefícios
que não podem ser negados a essas pessoas.
Quanto à necessidade de representação por advogado perante os juizados especiais federais,
parece ser mais condizente com o espírito do instituto e com as regras contidas na lei nova a
solução que dispensa essa participação. Observe-se que a dispensa da representação por
advogado, nos juizados especiais, visa precisamente a permitir, por meio da diminuição dos
custos da demanda, que interesses de pequena monta sejam levados à apreciação judicial.
Notoriamente, grande parte da litigiosidade reprimida se deve aos elevados gastos com o
profissional da áreajurídica que deve patrocinar a causa. Impor-se o desembolso desses valores
perante o juizado especial federal significa retornar ao passado, na contramão da história,
retirando por uma via o que se concede por outra; à outorga de via mais expedita e menos
onerosa de proteção dos interesses, opor-se-ia a necessidade de contratar advogado, o que
inviabilizaria, por via reflexa, a tutela dos direitos de pequena expressão econômica.
Além dessas considerações de ordem principiológica, outro argumento poderia justificar a
desnecessidade de representação por advogado no pólo ativo do procedimento dos juizados
especiais federais. Trata-se da regra inscrita no art. 10 da Lei 10.259/2001, a afirmar que "as
partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não". A lei não
esclarece se essa representação, mencionada no dispositivo, refere-se à judicial ou a outra
espécie de mandato. Poderia alguém sustentar que a previsão relaciona-se à representação
negociai (e
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
769
não à judicial), nada tendo que ver com a questão da capacidade postula-tória para os juizados.
Essa conclusão poderia estar respaldada pelo disposto no art. 8.°, § l.°,daLei 10.259/2001, que
prevê que, ressalvada a intimação da sentença, as demais serão feitas diretamente aos advogados
das partes (ou dos "Procuradores", como diz a regra), o que indicaria obrigatoriedade da
presença de advogado, a representar os interesses da parte autora em juízo. É de se ponderar,
entretanto, que se a regra do art. 10 efetivamente buscasse disciplinar questão atinente ao
mandato civil perante os juizados, não haveria sentido em fazer expressa alusão àpessoa do
advogado. O mandato é negócio jurídico essencialmente intuitu personae, sendo natural que o
outorgante possa eleger, livremente, aquele que deve representá-lo no ato designado; a previsão,
assim, tornar-se-ia esdrúxula e desprovida de sentido. Somente se considerada como tratando da
capacidade postulatória, adquire a regra, em sua inteireza, algum conteúdo, razão pela qual esta
deve ser a solução a ser aceita. De outra parte, não violentaria a lógica interpretar o contido no
art. 8.°, § 1.°, como referente apenas aos casos em que a parte autora venha, efetivamente, a
fazer-se representar em juízo por advogado.
No que se refere ao pólo passivo da demanda, podem aí estar todas as pessoas que figurariam
normalmente como réus em demandas perante a Justiça Federal. Assim, podem comparecer nos
juizados especiais federais, como rés, a União, as autarquias, as fundações e as empresas públicas federais.
3.3 Competência
Merece alusão, por outro lado, o tratamento dado pela nova lei à questão da competência dos
juizados especiais federais. De acordo com o que prevê o art. 3.°dessa lei, compete aos Juizados
Federais processar e julgar todas as causas de competência da Justiça Federal, de valor igual ou
inferior a sessenta salários mínimos. O exame desse teto deve considerar, em caso de postulação
de prestações vincendas, o cômputo de doze prestações (art. 3.°, § 2.°, Lei 10.259/2001).
Exclui-se, porém, de sua competência o exame das ações "referidas no art. 109, incisos II, III e
XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e
demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre
direitos ou interesses
770
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
difusos, coletivos ou individuais homogêneos; sobre bens imóveis da União, autarquia e
fundações públicas federais; para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal,
salvo o de natureza previden-ciária e o de lançamento fiscal; que tenham como objeto a
impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções
disciplinares aplicadas a militares" (art. 3.°, § 1.°, Lei 10.259/2001).
Perdeu-se, aqui, oportunidade ímpar de conferir ao tema tratamento adequado, evitando-se os
longos debates travados em relação à espécie de critério que determina a competência dos
juizados especiais estaduais. Com efeito, ao invés de estabelecer, de forma clara, se é relativa ou
absoluta a competência dos juizados especiais federais, apresentou a lei nova alguns
dispositivos esparsos, que praticamente em nada contribuem para a solução do problema mais
grave existente nesse campo.
Em especial, chama a atenção a previsão contida no art. 3.°, § 3.°, da Lei 10.259/2001.
Estabelece-se aí que "no foro onde estiver instalada Vara do Juizado Especial, a sua
competência é absoluta". Embora avance em relação à Lei 9.099/95, indicando a competência
absoluta dos juizados, contempla regra que torna absolutamente estranha a sua fixação. Em
verdade, trazendo-se a aplicação da regra para o campo da "competência tradicional", seria
possível dizer que ela diz algo como: "a competência das varas criminais é absoluta nas
comarcas em que elas existam". Em outras palavras, a norma cinge-se a dizer o óbvio, já que é
indiscutível que, dentro do foro, a competência de juízo é absoluta.
A regra, porém, não se presta para solucionar o principal problema da competência dos juizados
especiais, que é a sua determinação como absoluta ou relativa. Se absoluta, é obrigatória a sua
utilização por qualquer pessoa que se encaixe na determinação legal - causas de até sessenta
salários mínimos, excluídas aquelas previstas no art. 3.°, § 1.°. Se, porém, é relativa, então
constitui mera faculdade atribuída ao autor valer-se ou não do procedimento e do aparato dos
juizados especiais federais. Di ante da regra como posta, todavi a, é de se perguntar: poderá a
parte autora, para evitar submeter a causa ao juizado federal, propor a ação -haja vista a
possibilidade de escolha a ela atribuída pelo art. 109, § 2.°, da CF, entre o seu domicílio, o lugar
do ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja a coisa, ou ainda o Distrito Federal —
em outra circuns-crição judiciária, que não seja sede de juizado? Em outras palavras, estaria a
lei criando uma competência "semi-absoluta", por permitir que a
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
77 ]
parte escolha o foro onde quer propor a ação, mas não o juízo (dentro daquele, se nele existir
juizado especial) em que fará tramitar seu pleito?
A resposta há de ser positiva. Embora confusa a regra, essa é precisamente sua intenção. A
solução apontada pela lei é exatamente a mesma aplicável à questão das varas da fazenda
pública: onde elas existem, sua competência é absoluta; onde não, as ações de interesse do
Estado são de atribuição de qualquer outra vara. No campo da Justiça Federal, entretanto, em
vista da regra acima apontada, que prevê a opção de foro para a propositura de ação em face da
União, essa faculdade pode resultar na burla à previsão legal, permitindo que a parte escolha
submeter ou não sua demanda ao juizado especial, por meio da indicação da circunscri-ção em
que pretende seja proposta a demanda (em especial quando uma for sede de juizado e a outra
não). Infelizmente, parece não haver forma de contornar essa possibilidade. A lei realmente abre
espaço para tal situação, sem que se possa dela fugir.
Intrinsecamente vinculada a essa questão, põe-se em discussão a previsão do art. 20 da Lei
10.259/2001, a estabelecer que "onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no
Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4.", da Lei 9.099, de 26 de
setembro de 1995, vedada a aplicação desta Lei no juízo estadual".
Obviamente, a i ntenção da lei foi di sciplinar a propositura da demanda quando no local em que
deveria ser proposta a demanda não existir Vara Federal, proibindo, terminantemente, a
aplicação do art. 109, § 3.°, in fine, da Constituição Federal. Dessa forma, quando o local
indicado pelos critérios de competência territorial (fixados no art. 4.° da Lei 9.099/ 95) não for
sede de Vara Federal, não poderá a parte intentar sua demanda perante o juizado especial
estadual, devendo recorrer ao juizado federal. Novamente, não parece ter sido feliz a disciplina
legal. Isto porque nem sempre o juizado federal mais próximo corresponderá ao juizado federal
existente na sede da circunscrição judiciária a que determinada cidade pertence. Mais uma vez,
parece estar estabelecida a persistente confusão entre as unidades de competência territorial que
norteiam a divisão judiciáriana Justiça Estadual (comarcas) e aquelas utilizadas pela Justiça
Federal (circunscrições judiciárias). O problema já foi enfrentado pelo Judiciário brasileiro, em
relação às ações coletivas (resultando na edição da Súmula, em bom tempo já superada, n. 183,
do Superior Tribunal de Justiça), onde ficava clara a confusão entre tais critérios ou,
772
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
antes disso, o esquecimento em relação à existência das chamadas cir-cunscrições judiciárias. O
dispositivo em exame, uma vez mais, reflete a dificuldade que se tem em lidar com essa unidade
territorial federal. A previsão nitidamente deixa de lado esse critério, para valer-se de outro,
evidentemente menos preciso e metajuridico, que é a proximidade com a sede do juizado
federal. Ao invés de partir para a solução mais simples (e muito mais adequada), que seria
indicar a competência da Vara Federal (rectius, do Juizado Especial Adjunto) existente na
circunscrição, resolveu a lei apontar para o juizado especial mais próximo. É de se perguntar,
então, se, no caso de estar o interessado em município que não seja sede de Vara Federal, mas
pertença à circunscrição judiciária A, estando ele mais próximo da sede da circunscrição
judiciária^, haveria ele de propor sua demanda perante esta ou aquela.
Adotando-se a solução literal, proposta pela lei nova, a resposta seria no sentido de que deveria
o interessado apresentar sua ação perante o juizado especial existente
nacircunscriçãojudiciáriafi, aindaque ele esteja domiciliado na área abrangida pela circunscrição
A. Ocorre, porém, que esse critério é de difícil aferição, sendo ilógico e sem sentido imaginar
que essa eleição possa dar-se porque a circunscrição A fica a dez quilômetros do local do ato
(de que resulta a ação), enquanto a B está a quinze quilômetros deste lugar. Não obstante tenha
sido boa a intenção do legislador ao fixar a proximidade como critério determinante, é de se
concluir ser ela completamente desajustada para a fixação da competência territorial in casu.
3.4 O procedimento
Em termos de procedimento, poucas são as diferenças existentes entre o procedimento dos
Juizados Estaduais e o procedimento dos Juizados Federais. Em razão da presença de ente
público no processo, algumas garantias permanecem, mesmo diante da informalidade que se
pretende imprimir ao procedimento. Assim, as citações eintimações feitas àUnião obedecem às
previsões especiais, contidas na Lei Complementar 73/93. São, por conseqüência, pessoais, e
devem ser feitas à autoridade especificada, sob pena de nulidade. Na mesma linha, as citações
das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais devem ser feitas à autoridade
máxima da entidade no local ou em sua sede.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS EEDERAIS
773
De outra parte, tirante a intimação da sentença, que deve ser pessoal, por meio de carta
registrada, todas as demais comunicações são realizadas apenas aos advogados ou procuradores,
facultando-se o uso, nos tribunais, do meio eletrônico para tanto (art. 8.°e seus parágrafos, Lei
10.259/ 2001).
Visando dar maior celeridade ao procedimento do Juizado, torna a lei inaplicáveis os prazos
diferenciados existentes no Código de Processo Civil para a Fazenda Pública (art. 9.° Lei
10.259/2001).
Impõe a lei o dever de a entidade pública oferecer toda a documentação relevante para a causa,
até a instalação da audiência de conciliação. A previsão não traz nenhuma novidade, já que é
reflexo da regra do art. 339 do CPC. Todavia, tem ela o intuito de facilitar o procedimento, desobrigando o autor a requerer, na inicial, a exibição de documentos em face de órgãos públicos
(art. 399, CPC).
Frise-se, ademais, que o art. 10, parágrafo único, da Lei 10.259/2001, outorga expresso poder
aos representantes judiciais dos entes públicos para transigir. Também faculta ao juiz, para
subsidiar o acordo, valer-se de exame pericial (técnico) — que também pode ser usado para
fundamentar a sentença (art. 12, Lei 10.259/2001).
'No mais, o procedimento será aquele previsto pela Lei 9.099/95.
3.5 Arbitragem e juizado especial federal
No que tange à utilização da arbitragem, é de se notar que a Lei 10.259/ 2001 não faz qualquer
alusão à possibilidade de recurso a essa via. Menciona-se, a par do juiz togado, apenas a figura
do conciliador (art. 18, caput, segunda parte), sem qualquer previsão sobre a pessoa do árbitro.
Não obstante isso, diante da aplicação subsidiária das regras da Lei 9.099/ 95, como
determinado pelo art. 1.° da Lei 10.259/2001, é de se perguntar da viabilidade ou não da
submissão da questão controvertida à arbitragem, nos moldes do contido na lei dos juizados
especiais estaduais.
É correto, em princípio, dizer que os interesses "federais" (e "estatais" cm geral) não podem
submeter-se à arbitragem, em razão de sua indisponibilidade. Ao autorizar, porém, a conciliação
em relação a esses interesses - outorgando, até mesmo, ex lege, autorização para que os representantes legais dos órgãos públicos federais possam conciliar e tran-
774
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sigir5 nos procedimentos submetidos aos juizados federais - a lei torna mais flexível essa
taxativa proibição. Ora, se é possível que a Administração Pública transija sobre seus interesses,
abdicando de parte deles, por que não seria admissível também que ela submetesse esses
interesses à arbitragem, considerando que isto é um minus em relação àquilo? Se a
Administração Pública pode transigir, por que não pode submeter-se à arbitragem?
É certo que a Lei 10.259/2001 não teve a intenção de autorizar a arbitragem nos juizados
federais. Entretanto, mostra-se injustificável tal negativa, em vista da permissão posta a respeito
da transação e da conciliação. Ora, sempre que possível for a conciliação (ou a transação), deverá também estar autorizada a arbitragem, pena de se dar tratamento distinto a situações iguais. A
arbitragem deverá ser presidida pelas mesmas regras que disciplinam a figura perante os
juizados especiais estaduais, à mingua de previsões específicas.
3.6 Os recursos nos juizados especiais federais
Ao tratar dos aspectos distintivos da lei que disciplina osjuizados federais, impossível seria
deixar de fazer algumas considerações sobre a sistemática recursal adotada por esses órgãos. Em
se tratando de direitos relativos ao patrimônio e ao interesse públicos, é natural que a lei tenha
tomado maior cautela nessa disciplina — em relação ao regime adotado pelos juizados especiais
estaduais - forrando o procedimento de maiores garantias no plano recursal.
A Lei 10.259/2001 permite recursos apenas da sentença definitiva e das decisões proferidas em
relação às medidas de natureza antecipatória ou cautelar (art. 5.°). As decisões desses juizados
não estão sujeitas, em hipótese alguma, ao reexame necessário (art. 13), mas apenas a quatro
151
A Lei 10.259/2001 afirma, no seu art. 10, parágrafo único, que é possível aos representantes legais dos órgãos
públicos federais desistir, o que, porém, é de se estranhar (salvo em relação às medidas de natureza antecipatória ou
cautelar - art. 4.°, desta lei), considerando que somente podem ser autores perante os juizados as pessoas físicas e
microempresas ou empresas de pequeno porte (art. 6.°, I, da Lei 10.259/2001) e nunca as entidades da Administração
Pública, o que as impossibilita de desistir de qualquer ação.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
775
espécies recursais: o recurso inominado, os embargos de declaração, o pedido de uniformização
de interpretação de lei federal (art. 14) e o recurso extraordinário (art. 15).
Observe-se que a Lei 10.259/2001 não prevê expressamente o cabimento do recurso inominado
(semelhante à apelação, previsto no art. 41 e seguintes da Lei 9.099/95) para as turmas
recursais. Todavia, é intuitivo o cabimento desse recurso, tendo em conta a menção, na Lei
10.259/ 2001, às turmas recursais (art. 21). Ora, considerando que essa lei não menciona, em
momento algum, qual é a competência dessas turmas recursais — e porque não se pode entender
que elas existem para nada — é de se lhes aplicar o conteúdo da lei geral dos juizados especiais
(Lei 9.099/ 95), atribuindo-lhes a competência de julgar os recursos contra as sentenças
definitivas proferidas nos juizados federais.
Os juizados federais também admitem os embargos de declaração (arts. 48 a 50 da Lei
9.099/95). Embora não pelo mesmo fundamento antes apontado, tratando-se de mecanismo de
aperfeiçoamento da decisão judicial, impõe-se a conclusão de que a lei nova admite essa via
recursal, mesmo porque nada há de incompatível em suas disposições com o transporte dessa
figura da lei geral (Lei 9.099/95).
Quanto ao recurso extraordinário, é intuitivo seu cabimento, haja vista a disciplina da figura,
contemplada pela Constituição Federal (art. 102, inc. ITT). É assim em relação aos juizados
especiais estaduais e nenhuma razão justificaria a restrição em face dos juizados federais.
Importa, contudo, analisar com maior cautela a figura do pedido de uniformização, previsto no
art. 14 da Lei 10.259/2001. Conforme estabelece o caput desse artigo, "caberá pedido de
uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre
questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei". Quando a
divergência for verificada entre turmas recursais componentes da mesma Região, terá
competência para dirimir o conflito um órgão formado pela reunião das turmas envolvidas. Se a
divergência ocorrer entre turmas de Regiões distintas (ou ainda quando a decisão da turma
recursal ofender súmula ou jurisprudência dominante do Supe-riorTribunal de Justiça), então a
questão será decidida por umaTurma de Uniformização, formada por juizes pertencentes a
turmas recursais, sob a presidência do "Coordenador" da Justiça Federal (art. 14, § 2.°, Lei
10.259/2001). De toda sorte, caso a decisão da Turma de Uniformização
776
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
(não das turmas reunidas, de acordo com o que prevê o art. 14, § 4.°, da Lei 10.259/2001)
contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, cria a lei a
possibilidade de revisão dessa decisão por essa Corte, mediante provocação da parte - cabendo
aqui, até mesmo, conferir-se efeito suspensivo a esse pedido, por meio do qual, mediante a
conjugação dos requisitos de plausibilidade do direito invocado e do receio de dano de difícil
reparação, pode o relator determinar a suspensão dos processos onde se verifica a divergência,
extensível a outros casos semelhantes, decididos por turmas recursais (art. 14, §§ 5.°e6.°,Lei
10.259/2001).
Deste breve resumo do instituto, nota-se que constitui ele nova figura recursal, assemelhada aos
embargos de divergência, cuja finalidade básica é de manter a uniformidade na interpretação do
direito material de interesse federal. Cria-se, então, nova instância recursal, além das turmas
recursais, com finalidade específica de tornar idêntica a aplicação do direito federal. Infeliz foi a
previsão, porque vai na contramão de toda filosofia (e dos princípios) que fundamenta os
Juizados Especiais. Se a intenção desse juízo especializado é fornecer tutela rápida e eficiente a
direitos de menor complexidade e menores reflexos econômicos, prever novo grau de jurisdição
é, indubitavelmente, contrariar toda a essência do instituto. Outrossim, a escassa disciplina
recebida pelo instituto na lei certamente dificultará sua aplicação, já que não se determinam
prazos para a interposição da medida, forma, legitimidade ou outras questões essenciais para o
funcionamento da figura. 6
Poderia alguém afirmar que a necessidade da previsão em tela se justifica na medida em que se
põe em disputa o interesse público, tangente ao patrimônio público. Pondere-se, entretanto, que
a divergência em relação ao direito federal não justifica a previsão de nova instância recursal
(mais do que justificaria em qualquer outra espécie de juízo - inclusive nos juizados especiais
estaduais). Se semelhante figura nunca foi pensada em relação a outros órgãos do Poder
Judiciário, descabida se mostra sua contemplação apenas em face das causas que podem ser
levadas aos Juizados Federais.
O procedimento foi delegado, todo, pelo art. 14, § 10, da Lei 10.259/2001, aos tribunais (Tribunais Regionais
Federais, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), em regra de duvidosa constitucionalidade, ao
menos no que se refere às atribuições dos Tribunais Regionais Federais.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
777
Pior ainda é a previsão do pedido dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, na forma
estabelecida pelo art. 14, § 4.°, da Lei 10.259/2001. Como dito anteriormente, se a decisão da
Turma de Uniformização ofender sumulaoujurisprudência predominante do Superior Tribunal
de Justiça, caberá ao interessado provocar sua manifestação, no intuito de dirimir a divergência.
No exame desse "incidente", poderá o Superior Tribunal de Justiça conferir-lhe efeito
suspensivo, que estenderá seus efeitos para além da divergência específica (objeto do
questionamento), atingindo também qualquer outro pedido de uniformização, que ficará retido
nos autos, perante as turmas recursais, até a decisão da Corte.
A figura, sem sombra de dúvida, apresenta uma nova espécie de recurso especial, travestida em
inocente regra de lei. Obviamente, o que se está prevendo é a possibilidade de "recurso especial"
ao Superior Tribunal de Justiça (baseado em contrariedade às suas súmulas ou à suajurisprudência dominante), em caso não contemplado pelo art. 105, inc. III, da Constituição Federal.
Portanto, é clara a inconstitucionalidade da figura, que por via oblíqua busca superar debate
surgido no campo dos juizados especiais estaduais.
Sabe-se que diante dos juizados especiais estaduais mostra-se incabível a interposição de
recurso especial contra a decisão final da turma recursal, precisamente porque esta não se
confunde com um tribunal.7 Também a turma recursal federal, ou mesmo a turma de uniformização agora criada, não é tribunal, razão pela qual a mesma conclusão se impõe. Mediante
artifício, buscou-se superar a previsão constitucional, criando-se figura inominada - ainda que
com a mesma finalidade e a mesma utilidade do recurso especial — dirigida ao Superior
Tribunal de Justiça. Inquestionável é a inconstitucionalidade do "incidente", pois cria nova
hipótese de recurso especial (ainda que mascarado), fora dos casos previstos exaustivamente no
texto constitucional.
3.7 A atuação dos provimentos emanados dos juizados especiais federais
Por derradeiro, resta fazer algumas observações tópicas a propósito da forma de atuação dos
provimentos emanados dos Juizados Especiais
l7)
Lembre-se que, nos termos do art. 105, III, da CF, o recurso especial somente cabe contra as decisões de
tribunais.
778
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Federais. Como se sabe, o sistema de precatórios requisitórios e as dificuldades inerentes à
execução contra a Fazenda Pública tornam normalmente impossível encontrar efetividade nas
condenações impostas ao Estado.
Atento a essa circunstância - e orientado pelo critério de que o Poder Judiciário (de onde advém
a ordem que deve ser cumprida) também pertence ao Estado, sendo absolutamente anacrônica a
desconfiança tradicional depositada na autoridade do juiz-, o legislador criou mecanismo mais
adequado e atual ao cumprimento das decisões judiciais. Ao invés de submeter tais julgamentos
ao regime do processo de execução, preferiu reconhecer (como, aliás, sempre deveria ter sido) a
autoridade e o imperium da decisão judicial, dotando-lhe de eficácia imediata ecoativa. Assim,
não há, nos Juizados Especiais, processo de execução. As decisões judiciais são cumpridas - por
meio de determinação judicial específica, veiculada por simples ofício.
Nesse sentido, as prestações -de cunho obrigacional ou não-de fazer ou não fazer, bem como as
de entrega de coisa, deverão ser cumpridas pela autoridade pública logo após o trânsito em
julgado da sentença, ou assim que estiver acabado o prazo para i mpugnação do acordo
celebrado entre as partes. Para tanto, em não havendo cumprimento espontâneo pela autoridade,
cabe ao magistrado expedir ofício, com cópia da sentença ou do acordo, ordenando o imediato
cumprimento da determinação (art. 16, Lei 10.259/2001). Obviamente, a desatenção a essa
ordem acarretará, para a autoridade negligente, as conseqüências administrativas, civis e criminais pertinentes.
Em relação às obrigações pecuniárias (de pagar quantia certa), também fica dispensado o
procedimento de execução contra a Fazenda Pública (arts. 730/731 do CPC), bem como o
regime de precatório requisi-tório. Tais pagamentos também serão objeto de ordem específica
do juiz (art. 17',caput, da Lei 10.259/2001). Expedido o comando, tem a autoridade prazo de 60
(sessenta) dias, contados da entrega da requisição, para promover o pagamento, depositando o
valor respectivo junto à agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou no Banco do
Brasil, independentemente de precatório (art. 17, infine, Lei 10.259/2001). Desa-tendida a
ordem, além das sanções civis, criminais e administrativas adequadas, o fato acarreta o
seqüestro, ordenado pelo juiz, do numerário suficiente à satisfação do crédito (art. 17, § 2.°, Lei
10.259/2001), diretamente junto à conta do ente público renitente.
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS FEDERAIS
779
Cumpre observar que esse rito diferenciado, para o pagamento de créditos decorrentes de
decisão tomada no Juizado Especial, apenas se aplica (com a dispensa de precatórios) para os
casos autorizados na Constituição Federal (art. 100, § 3.°), ou seja, para créditos de pequeno
valor, assim considerados, no âmbito federal, aqueles de até sessenta salários mínimos. Se,
eventualmente, a decisão judicial, ainda que tomada no âmbito do Juizado Especial, ultrapassar
esse limite, por qualquer razão que seja, a ordem judicial mencionada acima não será para o
pagamento imediato, mas consistirá na expedição de precatório (art. 17, § 4.°, Lei 10.259/2001).
Nesse caso, novamente não haverá processo de execução (nos termos dos arts. 730/731 do
CPC), mas apenas a expedição imediata de precatório requisitorio, após o trânsito em julgado da
decisão final do Juizado Especial, ou a preclusão do acordo havido. De toda sorte, nessa
hipótese, e em razão dos inconvenientes do regime de precatório, pode a parte autora optar pela
renúncia do excedente ao teto dos Juizados Especiais, a fim de beneficiar-se do imediato
pagamento (art. 17, § 4.°, Lei 10.259/2001).
Exatamente por conta desse excepcional instrumento, forra-se a lei contra abusos, de quem
pretenda violar, de forma oblíqua, o espírito dos juizados especiais. Por isso mesmo, prevê o art.
17, § 3.°, da Lei 10.259/ 2001, que "são vedados o ('racionamento, repartição ou quebra do valor
da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1.° desse
artigo, e, em parte, mediante expedição do preca-. tório, e a expedição de precatório
complementar ou suplementar do valor pago". A função do preceito é intuitiva: evitar que
alguém, ciente da rapidez do procedimento instituído para o Juizado Especial, beneficie-se
deste, recebendo imediatamente parte de seu crédito, aguardando a percepção do restante por
meio do precatório. Afinal, a regra da Constituição Federal é clara, apenas dispensando do
regime de precatório os créditos cie pequeno valor (art. 100, § 3.°, da CF).
T
PARTE V AÇÃO COLETIVA
1. Filosofia da ação coletiva
2. Sistema legal para a proteção de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos
3. Legitimidade para requerer a proteção de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos
4. Da ação para a tutela de direitos difusos e coletivos
5. Tutelas e sentenças para a proteção dos direitos difusos e coletivos
6. Execução das sentenças para a proteção de direitos difusos e coletivos
7. Ação para a tutela de direitos individuais homogêneos
8. A coisa julgada material e as ações coletivas
9. Litispendência
10. Conexão
11. Da ação coletiva inibitória contra o uso de cláusulas gerais abusivas
1
FILOSOFIA DA AÇÃO COLETIVA
A sociedade moderna caracteriza-se por uma profunda alteração no quadro dos direitos e na sua
forma de atuação. De um lado, verifica-se a alteração substancial no perfil dos direitos desde
sempre conhecidos, que assumem contornos completamente novos (basta pensar na função social do direito de propriedade, na publicização do direito privado e na privatização do direito
público), e de outro a ampliação do próprio rol dos direitos, reconhecendo-se direitos
tipicamente vinculados à sociedade de consumo e à economia de massa, padronizada e
globalizada. Estes últimos costumam ser tratados como direitos de terceira geração, os quais
são ditos de solidariedade e caracterizados por sua "transindividualidade", pertencendo não mais
apenas ao indivíduo, considerado como tal, mas sim a toda a coletividade (por exemplo, o
direito ao meio ambiente saudável e os direitos dos consumidores).
O surgimento dessa nova categoria de direitos — assim como o novo perfil atribuído a direitos
antigos determinou em outra área - exigiu que o processo civil fosse remodelado para atender
adequadamente as necessidades da sociedade contemporânea.
Além da necessidade de um processo civil que pudesse dar conta de direitos transindividuais,
percebeu-se que ele também deveria voltar-se aos direitos que podem ser lesados em face dos
conflitos próprios à sociedade de massa. A sociedade moderna abre oportunidade a situações em
que determinadas atividades podem trazer prejuízo aos interesses de grande número de pessoas,
fazendo surgir problemas ignorados nas demandas individuais.1 O risco de tais lesões, que
afetam simultaneamen(
" Cf. CAPPELLETTI, Mauro. "Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alia giustizia civile". Rivista di
diritto processuale. Padova: Cedam, 1975. p.
784
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
te inúmeros indivíduos ou categorias inteiras de pessoas, constitui fenômeno cada vez mais
amplo e freqüente na sociedade contemporânea.2 Ora, se a sociedade atual é caracterizada por
ser de produção e consumo de massa, é natural que passem a surgir conflitos de massa e que os
processualistas estejam cada vez mais preocupados em configurar um adequado "processo civil
coletivo" para tutelar os conflitos emergentes.3
Esse "processo", embora fundamental, é bastante complexo.4 Em primeiro lugar porque,
tratando-se de direitos transindividuais, a legiti mação para a causa, tradicionalmente fundada na
"titularidade" do direito invocado, deve ser pensada de forma diversa, uma vez que, como é
óbvio, não é possível dizer que uma pessoa determinada é "titular" do direito à higidez do meio
ambiente (por exemplo), o que também exige urna outra maneira de se compreender a coisa
julgada material, pois a eventual sentença de tutela desses direitos certamente beneficiará a coletividade, e não mais ficará limitada, como acontece em demandas individuais, aos "titulares" do
direito em litígio. É de se observar, ainda, que no caso de lesões em massa a lesão patrimonial
sofrida por todos os indivíduos da coletividade é, em regra, pequena, podendo não justificar, em
certa perspectiva (tempo, despesas com advogado e custas processuais), a busca do Poder
Judiciário. Isso pela razão de que o processo civil, nessa ótica, seria antieconômico.
Contudo, esses fatores, embora graves, não podem impedir a configuração de efetivo "processo
civil coletivo". Assim, é imprescindível que se concebam mecanismos adequados de proteção
das situações de direito substancial inerentes à sociedade contemporânea, sob pena de eliminarse do sistema a própria categoria dos "novos direitos". Assim é que
365 e ss. DENTI, Vittorio. "Le azioni a tutella di interessi colcttivi". Rivista di diritiapwcessuale. Padova: Cedam,
1974. p. 533-550. VILLONE, Massimo. "La collocazione istituzionale deli 'interesse diffuso". La tutela degli
interessi diffusi nel dirillo comparato. Milano: Giuffrè, 1976. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo
civil, cit., p. 86 e ss. CAPPELLETTI, Mauro. "Formazioni sociali e interessi di gruppodavanti alia giusti/ia civile", cit.,
p. 365.
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 87. V. CAPPELLETTI, Mauro, GARTH,
Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northflect. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 26-28.
FILOSOFIA DA AÇÃO COLETIVA
785
se concebeu, com base nas class action surgidas do direito medieval inglês (em especial, a bill
ofpeace), e desenvolvidas no direito norte-americano do século XIX,5 as chamadas "ações
coletivas". Tais ações foram especificamente desenvolvidas para a proteção desses direitos
transindi-viduais, bem como dos direitos individuais que podem ser lesados em massa, contando
com várias características próprias, que as fazem radicalmente distintas das ações individuais (e
de toda a filosofia que as inspira). É preciso, pois, para bem operar com as ações coletivas,
despir-se de velhos preconceitos (ou "pré-conceitos"), evitando recorrer a raciocínios aplicáveis
apenas à "tutela individual" para solucionar questões atinentes à "tutela coletiva", que não é, e
não pode ser, pensada sob a perspectiva da teoria da "ação individual". Os institutos que
presidem essa ação (ao menos em sua grande maioria) são incompatíveis e inapli-cáveis à tutela
coletiva, simplesmente porque foram concebidos para operar em outro ambiente.
Esse, com efeito, é o grande mal enfrentado pela tutela coletiva no direito brasileiro. Em que
pese o fato de o direito nacional estar munido de suficientes instrumentos para a tutela das novas
situações de direito substancial, o despreparo para o trato com esses novos e poderosos mecanismos vem, nitidamente, minando o sistema e transformando-o em ente teratológico que
flutua no limbo. As demonstrações dessa crise são evidentes, e são mostradas diariamente por
meio dos veículos de comunicação, quando se vê o tratamento dispensado às ações coletivas no
direito brasileiro. Para impedir o prosseguimento desta visão míope da figura, bem corno para
permitir a adequada aplicação do instituto, é necessário não se afastar do norte fundamental: o
direito transindividual não pode ser confundido com o direito individual, e mesmo este último,
diante das peculiaridades da sociedade de massa, merece tratamento diferenciado.
Sobre a evolução do instituto da class aclion, v. Stcphen C. Yeazell. From medieval group litigation Io lhe modem
class action. New Haven: Yale Uni-versity Press, 1987.
SISTEMA LEGAL PARA A PROTEÇÃO
DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS
E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
O direito brasileiro é dotado de amplo sistema de proteção dos direitos transindividuais e dos
direitos individuais que merecem "processo diferenciado" diante da sociedade de massa.
O primeiro diploma concebido, no direito nacional, especificamente para a tutela dos interesses
da coletividade, foi a Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), editada para proteção do patrimônio
público. O diploma legal permanece em vigor, mas não será aqui examinado de modo detido,
por conta da ti midez da disciplina ofertada à tutela coletiva, que a põe praticamente em desuso
atualmente. De fato, o grande defeito dessa lei reside na legitimação conferida. Embora
represente louvável homenagem à democracia participativa, permitindo que qualquer cidadão
possa ir a juízo para a proteção do patrimônio público, é certo que o cidadão normalmente não
tem condições (econômicas, jurídicas e mesmo interesse efetivo) de postular, perante o
Judiciário, em oposição à Administração Pública ou a grandes empresas (eventualmente
beneficiadas pelo ato lesivo). Essa dificuldade, assim, praticamente anula o benefício introduzido pela Lei da Ação Popular, muito embora ainda se encontrem no foro algumas ações
específicas que dele se valem para proteção dos interesses públicos.
A superação desse inconveniente veio coma edição, em 1985, da Lei 7.347 (Lei da Ação Civil
Pública). Inicialmente, essa lei desejou regular apenas as ações tendentes à tutela do meio
ambiente, do consumidor e de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico c
paisagístico. Atualmente, em face de alterações introduzidas em seu art. 1.° ela pode ser
utilizada para proteção de qualquer interesse difuso ou coletivo,
DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
757
inclusive por infração da ordem econômica e da economia popular (art. 1.°, IV eV, da Lei
7.347/85).
A essa lei agregou-se o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/ 90), formando assim um
sistema integrado. Isto porque o art. 90 do Código de Defesa do Consumidor manda aplicar às
ações ajuizadas com base nesse código as regras pertencentes à Lei da Ação Civil Pública e ao
Código de Processo Civil, naquilo que sejam compatíveis. Por outro lado, em razão de regra
constante no art. 21 da Lei da Ação Civil Pública -introduzida pelo art. 117 do Código de
Defesa do Consumidor - são aplicáveis às ações nela calcadas as disposições processuais
existentes no Código de Defesa do Consumidor. Portanto, a Lei da Ação Civil Pública e o
Código de Defesa do Consumidor estão interligados, existindo perfeita interação entre os dois
estatutos legais.
O sistema de proteção dos direitos transindividuais é complementa-dopor leis esparsas, relativas
a situações específicas, como aLei de Abuso do Poder Econômico (Lei 8.884/94, especialmente
art. 29 e ss.) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90, especialmente art. 208
ess.).
Na verdade, esse sistema permite dizer que é admissível, perante o direito nacional, a proteção
de qualquer direito transindividual, e ainda a tutela adequada dos direitos que podem ser lesados
nas relações características da sociedade de massa (cf. art. 91 e ss. do CDC). Tudo isso por meio
do que se pode chamar de "ação coletiva", a qual pode tutelar direitos denominados de i)
difusos, ii) coletivos e iii) individuais homogêneos (a definição desses "direitos" está no art. 81
do CDC). Para a proteção dos direitos transindividuais, diante de determinadas circunstâncias, é
possível até mesmo o uso de "ações específicas", de intervenção rápida e relevância
constitucional, como o mandado de segurança coletivo (art. 5.°,LXX,CF).
De início, a Lei da Ação Civil Pública foi concebida para regular apenas as ações de
responsabilidade civil, de obrigação de fazer e não fazer, e as ações cautelares. Hoje, porém,
em vista do art. 83 do CDC-que consagra o direito à adequada tutela jurisdicional -, são
cabíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos
direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 81, CDC). Aliás, não seria razoável
excluir os direitos individuais que podem ser lesados em face das relações da sociedade de
massa (ditos direi-
788
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
tos individuais homogêneos - art. 81,111, CDC) do campo de incidência da ação coletiva. A
proteção "coletiva" desses direitos (a tutela de direitos individuais por meio de uma técnica
coletiva, isto é, adequada às lesões próprias das relações de massa), além de eliminar o custo das
inúmeras ações individuais c de tornar mais racional o trabalho do Poder Judiciário, supera os
problemas de ordem cultural e psicológica que impedem o acesso àjustiça e neutraliza as
vantagens dos litigantes habituais e dos litigantes mais fortes (como as grandes empresas).
O direito nacional admite três categorias de direitos (difusos, coletivos e individuais
homogêneos) que podem ser tutelados por meio da "ação coletiva". Frise-se que a "ação
coletiva" é o veículo por meio do qual é viabilizada a tutela de direitos definidos pelo legislador
(no art. 81 do CDC) como i) difusos; ii) coletivos e iii) individuais homogêneos. Como já foi
dito, tais direitos podem ter qualquer natureza, muito embora sua proteção esteja prevista, em
parte, no Código de Defesa do Consumidor.
Os direitos individuais homogêneos, embora não sejam, por razões óbvias, definidos como
transindividuais, podem ser tutelados por meio da ação coletiva, a qual tem, nesse caso, seu
procedimento específico delineado a partir do art. 91 do CDC. Isso ocorre porque os direitos
individuais que podem ser lesados nas relações de massa merecem procedimento diferenciado.
É nesse sentido que o art. 81 do CDC afirma, em seu parágrafo único, que "a defesa coletiva
será exercida quando se tratar" "de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim
entendidos os decorrentes de origem comum".
Exceto os chamados direitos individuais homogêneos, vejamos as definições de direitos difusos
e coletivos. Elas estão no art. 81, parágrafo único, I e II, do Código de Defesa do Consumidor:
a) direitos difusos. Na dicção do art. 81, parágrafo único, I, esses seriam os direitos
"transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato";
b) direitos coletivos (que poderiam ser chamados, para não haver confusão com o gênero,
direitos coletivos stricto sensu). Segundo define o art. 81, parágrafo único, II, do CDC, esses
seriam os direitos "transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria
ou classe de pessoas, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base".
DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
739
Os direitos difusos e coletivos {stricto sensu) são tipicamente direitos transindividuais, ou seja,
não pertencentes a um indivíduo determinado. Não se confundem com direitos específicos
(individuais), atribuídos a todas as pessoas, como os direitos da personalidade (direito à vida,
direito à educação, direito ao nome, direito à honra etc), porque estes últimos são individuais,
pertencem a cada um dos sujeitos isoladamente (embora de maneira uniforme). Os direitos
difusos e coletivos, ao contrário, não podem ser isolados diante de um único sujeito, não pertencem a uma única pessoa. Compare-se, para bem entender a distinção, o direito à imagem e o
direito ao meio ambiente sadio: conquanto se possa dizer que o direito à imagem é universal,
porque todos os sujeitos o possuem, é fácil identificar, em cada pessoa, seu próprio direito
(legitiman-do-se, por isso mesmo, cada titular a propor ações para a tutela de seu específico
interesse); já o direito ao meio ambiente (direito difuso), porque pertencente a toda
coletividade, deforma diluída, não admite que ninguém, isoladamente, seja considerado como
seu titular (ou mesmo de parcela determinada dele).
Outrossim, esses direitos - difusos e coletivos (stricto sensu) - são caracterizados por sua
natureza indivisível. Não pertencem a um único indivíduo, e ainda se mostram indivisíveis
dentre os sujeitos que dão composição à comunidade. Não se pode, por isso mesmo, admitir que
tais direitos sejam confundidos com a somatóriados direitos individuais, pertencentes a cada um
dos sujeitos que integram a coletividade. Também se mostra inconcebível a limitação da tutela
oferecida a estes direitos - muitas vezes feita pelos tribunais - a certos parâmetros territoriais
(como por exemplo ao Estado do Paraná), já que isso ofenderia a essência do próprio direito. 1
Note-se, por outro lado, que a diferença essencial entre os direitos difusos e direitos coletivos
(stricto sensu) reside no fato de que direitos difusos pertencem, naturalmente, apessoas
indeterminadas, dissolvidas na sociedade, e que por meras circunstâncias fáticas estão ligadas
entre si, enquanto os direitos coletivos (stricto sensu) têm como titular grupo, categoria ou
classe de pessoas que estão ligadas entre si ou com o violador (ou potencial violador) do direito
por uma relação jurídica base. PortanV. WATANABE, Kazuo et alii. Comentários ao Código brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos
autores do anteprojeto), cit., p. 721.
790
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
to, ao contrário do que ocorre com os direitos difusos, os coletivos permitem que se identifique,
em um conjunto de pessoas, um núcleo determinado de sujeitos como "titular". Não interessa se
esse grupo é ou não organizado. O que importa realmente é a existência de um agrupamento
identificável, como titular do interesse (p. ex., os consumidores, os aposentados, os
contribuintes etc), não sendo necessário que todos estejam inseridos em associação, sindicato ou
outro órgão representativo. Esse órgão será efetivamente legitimado a propor a ação, mas os
efeitos da tutela abrangerão a todos os que pertençam ao grupo, independentemente de estarem
ou não vinculados ao organismo.
São exemplos de direitos difusos: o direito ao meio ambiente, o direito à saúde pública2 ou o
direito à cultura. Por outro lado, podem ser considerados como direitos coletivos, porque
indivisíveis mas pertencentes a um grupo determinado: o direito de certa classe de trabalhadores
a um ambiente sadio de trabalho, o direito dos índios ao seu território, ou o direito dos
consumidores à informação adequada.3
Os direitos individuais homogêneos, contrariamente ao que ocorre com as duas outras espécies
de direitos já examinadas, são em verdade direitos individuais, perfeitamente atribuíveis a
sujeitos específicos. Mas, por se tratar de direitos individuais idênticos (de massa), admitem - e
mesmo recomendam, para evitar decisões conflitantes, com otimização
daprestaçãojurisdicionaldoEstado-proteçãocoletiva, 4 através de uma
(2)
Que não se confunde com o direito individual à saúde, nitidamente um direito individual.
Novamente, todos esses direitos podem expressar-se, de maneira diferente, diante de cada um dos sujeitos
que dão composição ao grupo. Assim, cada um dos trabalhadores tem direito de exigir, para si, condições
dignas de trabalho, cada consumidor poderia exigir a informação adequada, para si, sobre determinado
produto. Mas, considerado como interesse coletivo (o direito da classe inteira dos trabalhadores a boas
condições de trabalho, o direito dos indígenas ao território respectivo e o direito dos consumidores, como
um todo, à informação sobre os produtos de consumo), tem ele a dimensão genérica da proteção não
individualizada do interesse.
"Direito coletivo é direito transindividual (= sem titular determinado) e indivisível. Pode ser difuso ou
coletivo stricto sensu. Já os direitos individuais homogêneos são, na verdade, simplesmente direitos
subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não desvirtua essa sua natureza, mas simples-
DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
79 ]
única ação. Assim deve ser porque tais direitos são uniformes (nascem de um mesmo fatogênese, ou de fatos iguais), permitindo, então, resolução unívoca. São exemplos desses direitos:
os dos contribuintes de impugnar a exação tributária tida como inconstitucional, ou os direitos
dos consumidores a serem indenizados da quantidade a menor de produto existente na
embalagem. Estes direitos individuais homogêneos, portanto, não são transindividuais, mas
nitidamente individuais. Também não são indivisíveis, permitindo perfeita identificação da
porção correspondente a cada um dos interessados. Poderia, assim, cada um dos lesados buscar
a reparação de seu específico prejuízo. Porém, por inúmeras circunstâncias - dentre as quais
sobressai, muitas vezes, a exigüidade do dano experimentado pelos sujeitos individualmente,
ainda que a soma total seja relevante5 - é mais aconselhável a proteção coletiva.
Resumindo: o direito positivo brasileiro contempla, basicamente, duas espécies de ações: uma
para tutela de direitos coletivos stricto sensu e difusos, e outra para tutela de direitos
individuais homogêneos (os quais podem ter qualquer natureza), sempre influenciadas pela
interferência existente entre a disciplina prevista pelo Código de Defesa do Consumidor e pela
Lei da Ação Civil Pública.
mente os relaciona a outros direitos individuais assemelhados, permitindo a defesa coletiva de todos eles. 'Coletivo',
na expressão 'direito coletivo' é qualificativo de 'direi to'e por certo nada tem a ver com os meios de tutela. Já quando
se fala em 'defesa coletiva' o que se está qualificando é o modo de tutelar o direito, o instrumento de sua defesa"
(ZAVASCKI, Teori Albino. "Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos", cit., p. 33). (5) É o caso de
certos produtos vendidos com a indicação de certo peso, o qual, na verdade, não é exato. Ninguém proporia ação para
ver abatido no preço a diferença, ou para recobrá-la do produtor, em função da quantidade do prejuízo individual.
Todavia, o prejuízo considerado globalmente pode ser relevante, surgindo então o interesse na propositura da ação
coletiva. Esta ação é de grande importância, bastando perceber que a norma (e assim o ordenamento jurídico, ao
menos em parte) que impede que determinado produto seja oferecido ao público consumidor em quantidade inferior
àquele determinado no seu rótulo, poderia ficar sem atuação, simplesmente por não compensar economicamente a
ação na forma individual.
LEGITIMIDADE PARA REQUERER
A PROTEÇÃO DE DIREITOS DIFUSOS,
COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Das considerações feitas até aqui, é possível concluir que uma das mais complexas questões, no
que diz respeito às ações coletivas, refere-se à legitimidade para a causa. Seja porque os direitos
são transindividu-ais (não pertencendo a pessoas específicas), seja por estarem os direitos
individuais enfeixados em um conjunto (direitos individuais homogêneos), difícil será imaginar
uma hipótese de legitimidade ordinária para essas ações, pois não se conseguirá fazer com que o
titular do direito seja também titular da ação processual.
Por isso, a lei processual brasileira concebe, para as ações coletivas, um sistema de legitimação
extraordinária, 1 atribuindo a defesa dos diO termo "legitimação extraordinária", assim como o uso ulterior da noção de substituição processual, tem exclusivo
fim didático, visando facilitar a compreensão do aluno. Com efeito, conforme já se advertiu anteriormente, não se
pode conceber o processo coletivo sob a perspectiva da ação individual, nem se pode aplicar indiscriminadamente as
noções do processo individual para a tutela coletiva. De fato, não há razão para tratar da legitimidade para a tutela dos
direitos transindividuais (ou mesmo dos direitos individuais homogêneos) a partir de seu correspondente no processo
civil individual. Quando se pensa em "direito alheio", raciocina-se a partir de uma visão individualista, que não
norteia a aplicação da tutela coletiva. Não só a partir da premissa de que apenas o titular do direito material está
autorizado a ir a juízo, mas principalmente a partir da idéia de que somente há direitos individuais. A noção de
direitos transindividuais, como é óbvio, rompe com a noção de que o direito ou é próprio ou é alheio. Se o direito é da
comunidade ou da coletividade, não c possível falar em direito alheio, não sendo mais satisfatória, por simples
conseqüência lógica, a clássica dicotomia que classifica a legitimidade em ordinária e
LEGITIMIDADE PARA REQUERER A PROTEÇÃO DE DIREITOS
793
reitos difusos, coletivos e individuais homogêneos a determinados organismos que, supõe-se,
tenham condições de adequadamente protegê-los. O sistema tem, em certa medida, inspiração
na disciplina existente para as class actions do direito anglo-americano, no qual se prevê a
chamada "representatividade adequada". Para esse sistema legal, a avaliação da condição de
certo(s) autor(es) para representar os interesses de todo o grupo é feita pelo magistrado, caso a
caso, conforme expressem efetivamente os interesses da categoria e sejam dignos de agir em
nome dela em juízo.2
O direito brasileiro seguiu, em parte -mas com inúmeras adaptações, diante da realidade
nacional -, a experiência do direito anglo-americano, estabelecendo uma dualidade entre as
condições de legitimação. De um lado, buscou efetivamente atender a critério semelhante ao da
"representatividade adequada", autorizando a propositura das ações coletivas às associações
legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a
defesa dos interesses específicos (art. 82, IV, do CDC e art. 5.° da Lei 7.347/85). Estabelecidos
os critérios da "representatividade adequada" em lei, cumpre ao magistrado avaliar, no caso
concreto, o preenchimento de tais condições, outorgando então à associação a legitimidade para
a postulação do interesse. Eventualmente, corno esclarece o art. 82, § 1.°, do CDC (bem assim o
art. 5.°, §4.°, da Lei da Ação Civil Pública), poderá o magistrado dispensar o requisito da préconstituição mínima de um ano, nas ações para a defesa de direitos individuais homogêneos,
"quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou
pela relevância do bem jurídico a ser protegido".3 Note-se que, para a defesa destes interesses,
extraordinária (v., a respeito, Luiz Guilherme Marinoni, Novas Unhas do processo civil, cit., p. 89-90).
(2)
YEAZELL, Stephen C. From medieval group litigation to the modem class adiou, cit., p. 238 e ss.
'!| É importante assinalar que a Lei 9.494/97 também trata de tutela coletiva. A MP 2.180-35/2001 (que constitui
reedição de inúmeros outros diplomas idênticos), acrescentou-lhe o art. 2.°-A, cujo parágrafo único tem a seguinte
redação: "Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios c suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da
assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus
794
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
não depende a associação de autorização assemblear ou de específica outorga de poderes pelos
interessados.
Além desse ente legitimado, o direito brasileiro confere a agentes públicos determinados o
poder de exercer a ação coletiva. Seja por representarem, por sua própria natureza, o interesse
público, seja pela estrutura e prerrogativas de que gozam, entende o legislador como
conveniente autorizar também a órgãos públicos a defesa desses direitos. Assim, estabelece-se
como legitimados para a ação coletiva: I) o Ministério Público; II) a União, os Estados, os
Municípios e o Distrito Federal; e III) as entidades e órgãos da administração pública, direta ou
indireta, aindaque sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos direitos
difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 82 do CDC).
A legitimação desses entes para propor ação coletiva em defesa de quaisquer interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos é concorrente e disjuntiva, vale dizer, independe da
participação dos outros. Assim, qualquer um dos legitimados pode, sozinho, intentar ação coletiva para tutela desses interesses, sendo o eventual litisconsórcio formado meramente
facultativo.4 A Lei da Ação Civil Pública, aliás, permite mesmo a formação de litisconsórcio
entre os Ministérios Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 5.°, § 5.°).
associados e indicação dos respectivos endereços." É flagrante a inconstitu-cionalidadc do dispositivo, seja por lesão
ao princípio da isonomia, seja por violação ao princípio do acesso à justiça. Mais que isto, a previsão distorce
completamente a natureza dos direitos coletivos, transformando estes direitos, somente quando em face da União,
Estados, Municípios e respectivas autarquias e fundações, cm direitos individuais. Obviamente, o texto não merece
séria apreciação, no que diz respeito às ações para a tutela de direitos coletivos. Trata-se de previsão que somente
pode ser aplicada para objetivos distintos, ou seja, quando a associação estiver cm juízo demandando interesses
individuais e privados dos seus associados, caso em que, efetivamente, a representação fica na dependência da
expressa autorização assemblear (cf. WATANABE, Kazuo, et alli. Código brasileiro de Defesa do Consumidor
(comentado pelos autores do anteprojeto), cit., p. 738). Ressalvada esta hipótese, completamente inaplicávcl c o
dispositivo.
(4i
V. WATANABE, Kazuo, et alii. Código brasileiro de Defesa do Consumidor (comentadopelos autores do
anteprojeto), cit., p. 732 e ss.; NERY Jr., Nelson. "Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor",
Revista do Consumidor, v. 1. p. 208.
LEGITIMIDADE PARA REQUERER A PROTEÇÃO DE DIREITOS
795
Calha tecer, rapidamente, algumas considerações a respeito da legitimação do Ministério
Público para as ações coletivas. A Constituição Federal prevê, em seu art. 129, III, a atribuição
ao Ministério Público para "promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". Da
dicção dessa previsão parece transparecer que o Ministério Público não teria legitimidade para
propositura de ações relativas a direitos individuais homogêneos. Assim não é, no entanto. O
Ministério Público também é legitimado para as ações atinentes a direitos individuais
homogêneos, por expressa previsão do Código de Defesa do Consumidor (art. 82,1) e
autorização de sua lei específica (no âmbito federal, art. 6.°, XII, da Lei Complementar 75/93).
Poderia alguém supor como inconstitucionais essas previsões de lei, por transbordarem os
limites fixados na norma constitucional antes apontada (art. 129,111, daCF). Não se deve
olvidar, todavia, que a própria Constituição Federal permite a ampliação, por lei, da
competência do Ministério Público, ao estabelecer, em seu art. 129, IX, que também é
atribuição desse órgão "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de
entidades públicas". Ora, indubitavelmente, a defesa de interesses individuais homogêneos,
porque intimamente relacionada à proteção da ordem jurídica (art. 127 da CF), é atribuição
harmônica com a finalidade do Ministério Público. Não há, portanto, razão para negar-se a este
órgão a legitimidade para a propositura de ações coletivas para a tutela de interesses individuais
homogêneos. A única ressalva que merece ser feita alude à relevância social do interesse
individual homogêneo a ser defendido pelo Ministério Público. De fato, para que se justifique a
intervenção do Ministério Público na defesa de interesses individuais (ainda que homogêneos),
é necessário que estes se caracterizem como interesses sociais ou individuais indisponíveis (art.
127 da CF). Não é, assim, qualquer direito individual (ainda que pertencente a várias pessoas)
que admite a tutela por via de ação coletiva proposta pelo Ministério Público, mas apenas
aqueles caracterizados por sua relevância social ou por seu caráter indisponível.
DA AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
Como se disse anteriormente, a lei brasileira concebe, basicamente, dois meios para se buscar a
tutela dos direitos que não se amoldam ao processo individual. Um para os direitos difusos e
coletivos, e outro voltado para a proteção dos direitos individuais homogêneos.
A ação coletiva para a tutela de direitos difusos e coletivos é basicamente regida pelo conjunto
formado pela Lei 7.347/85 e pelo Código de Defesa do Consumidor. Em verdade, não se trata
de uma única ação, mas sim de um conjunto aberto de ações, de que se pode lançar mão sempre
que se apresentem adequadas para a tutela desses direitos. Nesse sentido, claramente estabelece
o art. 83 do CDC que, para a defesa dos direitos difusos e coletivos, são admissíveis todas as
espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Portanto, não se pode di zer, realmente, que exista uma ação coletiva. Existe, isto sim, uma categoria de ações, que
recebem todas o rótulo de "ação coletiva", mas que se mostram distintas entre si com as
peculiaridades de cada direito carente de tutela.
A ação coletiva, pois, pode veicular quaisquer espécies de pretensões imagináveis, sejam elas
inibitória-executiva, reintegratória, do adimplemento na forma específica, ou ressarcitória (na
forma específica ou pelo equivalente monetário). Todas podem ser prestadas por qualquer
sentença adequada (inclusive, portanto, pelas sentenças man-damental e executiva). 1 Admitem,
ainda, pretensões declaratórias e constitutivas.
Sobre o tema da classificação das tutelas e das sentenças, ver a parte II, Capítulo 14 (Sentença), deste Manual.
DA AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS DIFUSOS K COLETIVOS
797
Todas as ações coletivas, tanto aquelas que tratam de relações de consumo, como as demais, que
versam sobre outros interesses, são gratuitas para o autor coletivo (salvo quando se verifique sua
má-fé na pro-positura da ação). Assim, não há, no processo coletivo, adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais ou outras despesas, nem condenação dos autores coletivos
nos ônus da sucumbência, exceto no caso de má-fé. Nesses termos são claras as disposições do
art. 87 do CDC e do art. 18 da Lei da Ação Civil Pública.2
Não há, então, como já dito, uma ação coletiva, mas sim tantos remédios quantas sejam as
pretensões coletivas dedutíveis. Todavia, a Lei da Ação Civil Pública contém uma disciplina
mínima a respeito do procedimento a ser obedecido como regra em qualquer dessas demandas.
A competência para tais ações será sempre determinada pelo local da lesão (dano ou ilícito),
conforme prevê o art. 2.° da Lei 7.347/85. Se a lesão for sentida para além das fronteiras de uma
comarca (ou circuns-crição judiciária), qualquer delas será competente para a causa, fixando-se
aí a prevenção para as demais ações que versem sobre a questão. Em relação à Justiça Federal, a
Súmula 183 do STJ, mandava processar, perante o juiz estadual, as ações coletivas, ainda que
fosse parte no processo a União ou seus entes diretamente vinculados, quando o local do dano
não fosse sede de vara federal. Esse entendimento, todavia, deve ser temperado (como de fato o
foi, ante o cancelamento da aludida súmula3), especialmente após a edição do Código de Defesa
do Consumidor, onde há específica relativização da regra a respeito do local do dano. Conforme
estabelece o art. 93 desse código, a regra do local do dano ressalva expressamente a
competência da Justiça Federal. Deste modo, quando a ação competir à Justiça Federal, é de
entender-se que a competência será do juízo federal cuja competência abarque o "local do
dano". A circunsUm exame superficial do dispositivo pode levar à conclusão de que somente não se condenará cm custas, honorários
c despesas processuais a associação autora. Os outros legitimados, portanto, haveriam de submeter-se à sucumbência.
Assim não é, todavia. Todos os legitimados para a ação coletiva estão isentos desses pagamentos (exceto a hipótese
de má-fé processual), sempre. Esta súmula foi cancelada, pela própria 1." Seção do Superior Tribunal de Justiça, no
dia 08.1 1.2000 (no julgamento dos Embargos de Declaração no CC 27.676-BA, publicado no DJU de 24.11.2000, p.
265).
798
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
crição judiciária, com efeito, não toma em conta as divisões administrativas territoriais, mas
apenas as divisões iemioúàisjurisdicionais. Assim, pode, e geralmente sucede dessa forma,
ocorrer que uma circunscrição judiciária (como, aliás, pode acontecer com adistribuição das
comarcas) abranjamais de um município. A lesão ocorridaem qualquer destes municípios será,
então, da competência do juízo federal que encampe essa localidade. O raciocínio é óbvio, e
sequer justificava toda a polêmica travada a respeito da questão: assim como ninguém suporia
que o dano ocorrido em município que não é comarca deveria ser resolvida no âmbito do
município (e não na comarca), não havia sentido na exceção imposta pelo enunciado do
Superior Tribunal de Justiça para a competência federal. 4
Admite-se, como regra, para a ação coletiva, a utilização de ações cautelares (art. 4.° da Lei da
Ação Civil Pública) e de tutela antecipada (art. 12 da mesma lei), quando necessário para a
consecução dos objetivos da tutela (final) pretendida. Mais que isso, para instruir a petição inicial, dota-se o legitimado coletivo de certos poderes investigatórios e requisitórios, no intuito de
permitir-lhe adequadamente preparar-se para a ação e apresentar provas em juízo. Com esse
objetivo, autoriza-se ao interessado requerer (em verdade, requisitar) "às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15
(quinze) dias" (art. 8.° da Lei da Ação Civil Pública), sendo vedada a negativa em fornecer essas
informações, salvo no caso de imposição, por lei, de sigilo. Faculta-se também ao Ministério
Público instaurar inquérito civil para a colheita dessas provas (que seguirá o procedimento
fixado pelo art. 9.° da Lei 7.347/85, além das normas específicas previstas pelas leis do
Ministério Público).
Considerando a relevância da matéria veiculada nessa categoria de ações, não se admite que,
uma vez proposta, desista dela o autor. Assim, considerando que não se pode obrigar o
legitimado autor a litigar, havendo desistência infundada por este da ação proposta, ou
abandono da causa, prevê a lei que o Ministério Público assuma o prosseguimento dela (art. 5.°,
§ 3.°). Terá, então, esse órgão o dever de continuar com a ação, até final julgamento, não lhe
sendo lícito desistir (imotivadamente) ou abandonar a causa.
141
Neste sentido, v. STF, Pleno, RE 228.955/RS, rei. Ministro limar Galvão, DJU 14.04.2000, p. 56.
r
DA AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
799
No mais, a disciplina dessas ações deve pautar-se pelas regras/?roce-dimentais do Código de
Processo Civil, desde que se mostrem compatíveis com o "processo coletivo" e com os
objetivos da ação proposta (arts. 19 da Lei 7.347/85 e 90 do CDC).
Os dispositivos legais aplicáveis à ação coletiva instituem sentenças e meios de execução
adequados para a tutela de direitos difusos e coletivos (arts. 3.°, 4.°, 11,13 e 15 da Lei da Ação
Civil Pública e especialmente art. 84 do CDC). Além disso, tratando de direitos individuais
homogêneos, estruturam de forma completa o procedimento (art. 91 ess.doCDC), prevendo
ainda sentença de condenação genérica (art. 95 do CDC) e a forma de liquidação e execução a
eles aplicável (arts. 97,98,99 e 100 do CDC).
TUTELAS E SENTENÇAS PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DIFUSOS
E COLETIVOS
Se a ação para a tutela de direitos difusos e coletivos pode veicular qualquer espécie de
pretensão, isso importa no consectario reflexo de que a sentença aqui poderá ter, como eficácia
preponderante, qualquer das cinco eficácias conhecidas. Pode, assim, dar origem a sentenças
declara-tória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva.
É certo que o texto da Lei da Ação Civil Pública apenas alude à sentença condenatória (art. 13)
e às sentenças mandamental e executiva (art. 11), deixando de lado as demais espécies. Parte da
doutrina, diante da ação coletiva, considera praticamente sem muita utilidade as sentenças
declaratória e constitutiva.' Contudo, essas sentenças, se não tem a importância das sentenças
mandamental e executiva, evidentemente podem ser úteis e necessárias diante de determinados
casos concretos. Basta pensar, por exemplo, na necessidade de anulação de contrato lesivo ao
meio ambiente.
É preciso frisar que o correto manejo da ação inibitoriae da sentença mandamental é
absolutamente fundamental para proteção de direitos difusos e coletivos, principalmente pela
razão de que essa forma de tutela c essencialmente preventiva. Aliás, a ação inibitória é a
principal forma de ação coletiva.
Aliás, c imprescindível distinguir, aqui, sentença e tutela dos direitos. A sentença é o meio que
deve estar presente na legislação processual para que a tutela dos direitos possa ser
efetivamente prestada. Melhor explicando: se a efetiva tutela do direito ao meio ambiente (por
exemplo)
V. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 5. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 183-186.
TUTELAS E SENTENÇAS
801
exige tutela inibitória, reintegratória e ressarcitória na forma específica, a previsão das
sentenças mandamental e executiva é apenas resposta do legislador atento à necessidade de
instituir um processo civil realmente capaz, de proteger os direitos, evitando que eles sejam
transformados em pecúnia, ou mesmo expropriados por aqueles que estão convencidos de que
vale a pena "pagar" por eles.
Em outras palavras, as diversas sentenças e meios de execução nada mais são do que
instrumentos técnicos-processuais que devem estar dispostos na lei para que os direitos possam
ser efetiva e concretamente tutelados. Para que tudo isso seja melhor compreendido é
importante seguir o seguinte raciocínio: em primeiro lugar é necessário conhecer a natureza do
direito material e as tutelas que a ele são inerentes. Após, é preciso verificar quais são as
sentenças e meios de execução adequados à prestação dessas tutelas. Se para o direito ao meio
ambiente saudável, em vista de sua natureza, é imprescindível a tutela inibitória, não há como se
pensar apenas nas sentenças declaratória, constitutiva e condenató-ria. É indispensável
socorrer-se das sentenças mandamental e executiva e de meios de execução adequados. Cumpre,
então, pesquisar na legislação se tais instrumentos existem, pena de o processo civil não
cumprir sua mais elementar missão. Em nosso caso, as sentenças mandamental e executiva,
bem como os meios de execução adequados à tutela do direito ao meio ambiente saudável (por
exemplo), estão presentes no art. 84 do CDC. Nessa perspectiva, é possível dizer que o processo
civil está adequadamente estruturado para conferir tutela efetiva aos direitos difusos e coletivos,
pois têm sentenças e meios de execução capazes de prestar as tutelas que lhes são
imprescindíveis.
De toda sorte, sempre que a sentença proferida na ação coletiva seja condenatória ao pagamento
do equivalente em dinheiro à lesão (e, assim, capaz de prestar somente tutela ressarcitória pelo
equivalente), prevê a lei que o valor da condenação - porque não poderia ser entregue aos
indivíduos que tenham sofrido prejuízos com o ato ilícito, já que a ação não visa à tutela de seus
específicos interesses - reverta em favor de um fundo, cujos recursos serão utilizados para a
recuperação dos bens e interesses lesados (art. 13 da Lei da Ação Civil Pública).
Cumpre observar, por fim, que o recurso cabível contra a sentença proferida na ação coletiva é o
previsto no Código de Processo Civil. Entretanto, ao contrário do que ocorre no "processo
individual", na ação
802
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
coletiva o recurso de apelação (que é o recurso cabível) não tem, como regra, efeito suspensivo
ex lege. Em princípio, portanto, as sentenças de primeiro grau admitem "execução provisória",
ou melhor, admitem que a sentença produza efeitos na pendência do recurso de apelação. Pode
o juiz, contudo, para evitar grave e irreparável dano à parte sucumbente (que tanto pode ser o
autor como o réu),2 conferir, ope iudicis, o efeito suspensivo à apelação interposta, inibindo os
efeitos potenciais da sentença. O mesmo vale, no campo da tutela coletiva, para outros recursos
(desprovidos de efeito suspensivo), como é o caso de recurso de agravo.
{2)
Advcrtindo-se, porém, que, em sendo julgada improcedente a ação coletiva, não haverá prejuízo direto ao autor da
ação, mas ao titular do direito (comunidade, grupo, categoria, classe etc). É este prejuízo, pois, que deve ser avaliado
para apreciar-se o cabimento ou não do efeito suspensivo ao recurso.
EXECUÇÃO DAS SENTENÇAS
PARA A PROTEÇÃO
DE DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
A efetivação da sentença coletiva obedece, em linhas gerais, os mesmos ditames contemplados
para o processo individual moderno. Também pode ocorrer, no processo coletivo, assim, a
chamada execução da sentença condenatória, e a efetivação das sentenças mandamentais e executivas lato sensu.1
Apenas algumas peculiaridades merecem ser ressalvadas, inerentes ao processo coletivo,
precisamente em função dos contornos especiais dos direitos aqui tratados.
Como acima foi consignado, a execução da sentença condenatória opera destinação especial do
dinheiro arrecadado. Porque o direito em questão é difuso ou coletivo, pertencendo à
coletividade ou, ao menos, a um grupo de pessoas, torna-se natural que o dinheiro conseguido
na execução não reverta individualmente a nenhum sujeito. Porque o direito ofendido é
transindividual e indivisível, a única forma adequada de tutela ressarcitória destes interesses
seria a tutela ressarcitória na forma específica. 2 Assim, quando é impossível a tutela ressarcitória
na forma específica, a Lei da Ação Civil Pública contempla, como mecanismo de satisfação do
direito (pela via ressarcitória pelo equivalente em dinheiro), o direcionamento do montante
arrecadado a um fundo, gerido por Conselho Federal ou Conselhos Estaduais (conforme o caso),
com a participação necessária do Ministério Público e de representantes da comunidade,
formando um patrimônio a ser posteriormente utilizado na recuperação dos bens lesados (art. 13
da Lei da Ação Civil Pública).
<!|
Para maior aprofundamento, recomenda-se a obra Execução da tutela coletiva (São Paulo: Malheiros, 2000), de
Elton Venturi. (2) Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela específica, cit., p. 154 e ss.
804
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Dessa forma, o legitimado coletivo, que tenha atuado como autor na ação de conhecimento que
culminou na condenação do réu, deve, uma vez transitada em julgado a sentença, iniciar a
execução do julgado, por meio do processo de execução comum. Obviamente, desde que a
apelação da sentença não seja recebida no efeito suspensivo, caberá também a "execução
provisória" do julgado, que seguirá (na falta de regras específicas) os parâmetros fixados pelo
Código de Processo Civil.
O legitimado coletivo, que haja promovido a ação de conhecimento, tem o prazo de sessenta
dias, contado a partir do trânsito em julgado da sentença, para iniciar a execução. Durante esse
prazo, tem o autor da ação legitimidade exclusiva para a execução. Findo o lapso fixado, abre-se
aos demais legitimados a faculdade (e ao Ministério Público o dever) de requerer a execução do
julgado (art. 15 da Lei da Ação Civil Pública). Obviamente, a regra apenas tem aplicação para a
execução definitiva e não para a provisória, mesmo porque esta depende de juízo de
conveniência e oportunidade do autor - que, até mesmo, sujeita-se a reparar os prejuízos
sofridos pelo executado, com a efetivação da sentença, se acaso houver alteração desta no
julgamento do recurso (art. 588,1 e III, do CPC).
Emrelação à atuação dos provimentos mandamentais e executivos, valem as mesmas regras
atinentes à tutela específica individual. Admite-se, para atuação da sentença executiva, a
realização do ato por terceiro, cobrando-se o custo disso do devedor, bem como a efetivação da
sentença mandamental através da imposição de multa coercitiva, sem falar-se do uso das
chamadas "medidas necessárias", previstas no art. 84, § 5.°, do Código de Defesa do
Consumidor. Dessa forma, a ordem de cumprimento de prestação de fazer ou não fazer deverá,
na própria sentença, vir acompanhada de medida de multa para o caso de descumprimento. Ou,
quando isso for mais adequado, a sentença determinará que se realize o ato por terceiro,
seguindo-se a cobrança do valor respectivo do devedor inadimplente, sem falar-se, como já foi
dito, no uso (quando for o caso) das "medidas necessárias".
A opção por uma ou por outra sentença deverá pautar-se pelos critérios de efetividade da
medida e do menor sacrifício ao executado.
De toda sorte, quando emjogo as sentenças executivas e mandamentais, deve ser obtida a "tutela
específica ou o seu resultado prático equivalente". Somente se admitirá a conversão da tutela
específica em perdas e danos quando a primeira se mostrar impossível ou quando assim optar o
autor legitimado (art. 84, § 1.°, do CDC).
AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
SUMÁRIO: 7.1 Sentença de condenação genérica - 7.2 Liquidação - 7.3 Execução.
No atual sistema existente para a tutela dos direitos, reserva o Código de Defesa do Consumidor
expressamente um mecanismo de proteção destinado a lidar com os direitos individuais
homogêneos. Esses direitos, caracterizados por não serem direitos transindividuais, mas sim
direitos individuais de massa, recebem do Código de Defesa do Consumidor um meio autônomo
de proteção, chamado de ação coletiva de condenação genérica, disciplinada a partir do art. 91
desse código.1 Muito embora se possa supor que também em relação aos direitos individuais
homogêneos sejam admissíveis, em conformidade com o que prevê o art. 83 do CDC, quaisquer
espécies de ações adequadas,2 o Código de DefeDestaca, neste sentido, Teori Albino Zavascki que "o título III desse código [alude ele ao Código de Defesa do
Consumidor], que trata 'da defesa do consumidor em juízo' , estabelece distinções importantes entre a configuração
processual da defesa dos direitos coletivos e difusos dos consumidores e da defesa dos seus direitos individuais. Para
esse último caso, há regras específicas, em capítulo próprio. Os entes legitimados, elencados no art. 82, embora comuns, têm, quando em defesa de direitos individuais, limitações maiores que quando demandam por direitos
coletivos e difusos. Em suma, os regimes são diferentes e suas diferenças merecem consideração do intérprete"
("Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos", cit., p. 42). Ora, se tais direitos podem ser protegidos
através de uma ação coletiva de condenação genérica (que visa conceder aos lesados uma tutela ressarcitória pelo
equivalente em pecúnia), não é possível dizer que tais direitos não precisem
806
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
sa do Consumidor limita-se a traçar procedimento apenas para a condenação genérica, ou seja,
para a tutela ressarcitória pelo equivalente em dinheiro, que é a menos importante de todas as
formas de tutela.
Tal ação (de condenação genérica) é, efetivamente, a representação nacional da class action
norte-americana, disciplinada através da regra 23, das "FederalRules of CivilProcedure"
daquele sistema.3
Na ótica do Código de Defesa do Consumidor, há substancial diferença
entreoreg
de condenação genérica relativa aos direitos individuais homogêneos. Esta última objetiva
viabilizar o tratamento processual coletivo a direitos substancialmente individuais. Quando
determinado ilícito ocasiona danos a inúmeros direitos individuais, vale dizer, quando um ilícito
espalha seus efeitos danosos sobre um grande número de direitos (lesões em massa - "direitos
decorrentes de origem comum"), aparece como oportuna e viável a ação coletiva que,
oportunizando sentença de condenação genérica, abre ensejo à tutela dos "direitos individuais
homogêneos".
Inicialmente, no que respeita à competência, incide a regra especial do art. 93 do CDC. Afirmase que, ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa ajustiça local: i)
no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; e no foro da
Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional,
aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente (art.
93 do CDC). Fixa-se, assim, em relação a danos de âmbito regional um foro determinado para a
propositura da ação (capital do Estado ou Distrito Federal), ao contrário do que ocorre com a
competência para a ação destinada à tutela de direitos difusos e coletivos.
Frise-se que a condenação, no caso da ação que neste momento nos interessa, efetivamente há
de ser genérica, resultando apenas na fixação do dever de indenizar, sem, contudo, especificar o
montante devido a cada vítima do prejuízo.
de outras formas de tutela, principalmente a tutela inibitória e a tutela ressarcitória na forma específica (prestadas
através da sentença mandamental). Sobre isto v. Luiz Guilherme Marinoni, Tutela específica, cit., p. 174 e ss. Cf.
GRINOVER, Ada Pellegrini. "O novo processo do consumidor", Revista de Processo 62/'142.
AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
gQ7
Dessa forma, a lei contempla a possibilidade de uma ação coletiva com o exclusivo intuito de
"condenação genérica", a ser proposta por qualquer dos legitimados estabelecidos no art. 82 do
CDC.
Incoada a ação, deve ser publicado edital no órgão oficial, para que os interessados - indivíduos
lesados em seus interesses pelo ato inquinado na ação - integrem a ação, na condição de
litisconsortes, para a defesa de seus interesses. Não se pode esquecer que esta ação visa à
proteção de direitos individuais e que, por isso, não pode excluir a participação de seus titulares.
No mais, a ação respeitará os preceitos contidos no Código de Processo Civil, a propósito do
procedimento ordinário, devendo-se atentar para a diversidade de prazos, na hipótese de
formação de litisconsórcio (seja entre legitimados coletivos, seja com os titulares individuais
dos direitos postulados).
7.1 Sentença de condenação genérica
A sentença que ora nos interessa, ao contrário do que acontece com as sentenças condenatórias
tradicionais, é condenatória genérica, conforme adverte o art. 95 do CDC. Será genérica,
porque se limitará a fixar o an debeatur, ou seja, o dever de indenizar. Tal sentença
condenatória genérica cingir-se-á a delimitar a responsabilidade ou não pelos danos
experimentados pelas vítimas do fato ilícito (dever de indenizar), sem todavia apresentar a
extensão dessa responsabilidade.
Em conseqüência, a atuação do magistrado, na ação de condenação genérica, estará adstrita a
fixar se o réu é ou não responsável pelo dano que a ele é atribuído, impondo, em caso
afirmativo, o dever de indenizar. Isso, porém, não significa dizer que a sentença nessa ação
desobedece às determinações do art. 460, parágrafo único, do CPC, no sentido de que a sentença
deve ser certa. Essa sentença é, evidentemente, certa, embora de condenação genérica, porque
fixa claramente os direitos e obrigações decorrentes do fato deduzido em juízo. Trata-se,
portanto, de sentença certa, embora ilíquida.
Dessa sentença caberá o recurso de apelação, da mesma forma que ocorre no "processo
tradicional". Em face da complementaridade existente entre o Código de Defesa do Consumidor
e a Lei da Ação Civil Públ ica, é de se entender que essa apel ação também não tem, ex lege,
efeito
808
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
suspensivo. Poderá, porém, o magistrado outorgar, para evitar irreparável dano à parte, efeito
suspensivo ao recurso, nos termos do que estabelece o art. 14 da Lei 7.347/85.
7.2 Liquidação
Obtida a sentença de condenação genérica, será necessário determinar especificamente o
montante da indenização devida. Isso se fará por meio de liquidação que, todavia, seguirá
particularidades próprias, determinadas pela peculiaridade do objeto. Tratando-se de direito
individual , dá-se preferência para a liquidação (e para todo o restante do procedimento, até a
satisfação integral da vítima) ao interessado individual, titular do direito pleiteado e
reconhecido.
Conforme prevê o art. 97 do Código, tanto poderão promover a liquidação os legitimados do art.
82 do CDC, como as vítimas específicas do dano (ou seus sucessores). Se, porém, estes se
adiantarem no requerimento de liquidação, fica subtraída a legitimidade dos entes coletivos,
haja vista o exercício da pretensão diretamente pelo titular do interesse.
Na liquidação, o autor - a vítima ou seu sucessor, ou ainda o legitimado coletivo - deve provar
que, em vista da responsabilidade do réu (já reconhecida), há direito à indenização. Além do
dano e da relação de causalidade, deverá ficar provado o quantum. É preciso, pois, que a vítima
demonstre que sua situação subsume-se à hipótese reconhecida em sentença, como autorizadora
da responsabilidade do réu.
Para esse fim, cria-se verdadeira ação nova (chamada por muitos de ação de cumprimento), em
que se abre novo contraditório, não para demonstrar a responsabilidade do réu sobre o fato
danoso, mas para estabelecer o direito de indenização àquele que se apresenta como vítima do
fato.
A atuação do ente coletivo nessa demanda é nitidamente caso de representação processual
(estabelecida em lei), em que agirá na proteção específica do interesse do particular, cujo nome
e identificação devem estar expressamente consignados nos autos. Haverá, então, litisconsór-cio
ativo na demanda, com representação pelo ente coletivo.4
Assim, Teori Albino Zavascki, "Defesa de direitos coletivos e defesa coletiva de direitos", cit., p. 44.
AÇÃO PARA A TUTELA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS
Isso, porém, não se aplica à liquidação prevista no art. 100 do CDC, que dispõe que, decorrido o
prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do
dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e a execução da indenização
devida. Essa indenização tem outra destinação, pois vai para o fundo de que trata a Lei
7.347/85. Nas hipóteses de danos individualmente insignificantes, porém ponderáveis no seu
conjunto (por exemplo: venda de produto cujo peso não corresponda ao determinado no rótulo
da embalagem), poderá não existir interesse das vítimas na habilitação. Para situações como esta
é que se pensou em uma "indenização fluida", destinada a permitir ao "Fundo" a proteção de
bens e valores da coletividade lesada.
E de se sublinhar, outrossim, que o prazo fixado no art. 100 do CDC não constitui prazo
prescricional para a liquidação. Trata-se de prazo para a execução coletiva, com direcionamento
do produto ao fundo de que trata a Lei da Ação Civil Pública (fluid recovery). O prazo para a
liquidação, ao contrário, deve ser encontrado nas regras de direito material, conforme a prescrição da pretensão material à recuperação do prejuízo experimentado.5
7.3 Execução
Tal como acontece com a liquidação, a execução da tutela coletiva que trata de direitos
individuais homogêneos pode ser individual ou coletiva.
A execução individual também pode ser realizada por ente coletivo, mediante representação
(estabelecida em lei). Esta é admitida para abranger as "vítimas cujas indenizações já tiverem
sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções".
Nesse caso, o ente coletivo agirá em nome da vítima, postulando em seu nome e em seu
benefício, visando a entregar para este o benefício resultante da execução, como se fora a
própria vítima demandando em juízo.
A execução individual - promovida pela vítima pessoalmente, ou representada pelo ente
coletivo - deve ter por título a certidão da(s) sentença(s) de liquidação, onde constará o trânsito
em julgado ou não desta.
Será competente para essa execução (individual) o juízo da liquidação do dano (art. 98, § 2.°, I,
do CDC), que pode ou não corresponder ao
GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do
anteprojeto), cit., p. 786-787.
810
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
juízo da ação de condenação genérica. Trata-se, todavia, de competência relativa, sendo sempre
viável afastar essa regra, quando benéfico para a vítima. A execução será processada pela via
normal das execuções, obedecendo o procedimento previsto para a execução por quantia certa
contra devedor solvente, estabelecido no Código de Processo Civil.
Ao lado da execução individual, porém, existe ainda a possibilidade de execução coletiva,
submetida ao regime da chamada/Zw/í/ recovery. Haverá hipóteses em que o prejuízo sofrido
por cada indivíduo isoladamente será irrelevante. Não obstante, pode ser que, tomado no
conjunto, o valor global do montante seja absolutamente relevante. Nessas situações,
certamente, não haverá interesse das vítimas pleitearem indenização na forma individual, diante
da pequenez do prejuízo. Assim, em situações em que, decorrido largo período de tempo, sem
que se habilitem vítimas em número suficiente com a gravidade do dano, surgirá a ocasião para
a execução coletiva, já que demonstrada a falta de interesse das vítimas na execução individual.
Conforme prevê o art. 100 do CDC, passado o prazo de um ano, sem que haja a habilitação
suficiente de vítimas - a ponto de mostrar-se adequado ao volume e gravidade do dano causado terão os legitimados do art. 82 do CDC legitimidade para propor execução coletiva do julgado,
cujo produto reverterá, não mais em benefício das vítimas do fato, mas em favor do fundo concebido pelo art. 13 da Lei 7.347/85.
Essa execução será promovida no juízo da ação de condenação genérica (art. 98, § 2°, II, do
Código de Defesa do Consumidor), e obedecerá, em linhas gerais, aos critérios para a execução
por quantia certa determinados no Código de Processo Civil.
Naturalmente, diante de uma mesma ação coletiva, podem coexistir execuções individuais e
execução coletiva, quando algumas das vítimas tenham proposto a execução individual, para
satisfação de seus interesses exclusivos, mas não de modo suficiente a abarcar a real dimensão
do dano ocorrido. Neste caso, evidentemente, a execução coletiva não retira a possi-bilidade da
execução individual, nem o produto desta última reverterá para o patrimônio do fundo. Ao
contrário, sempre terá preferência a execução individual sobre a coletiva, devendo as vítimas
receber as indenizações antes da canalização da importância recuperada para o fundo coletivo
(art. 99 do CDC). A destinação da importância arrecadada para o fundo coletivo, portanto, será
meramente residual, após a satisfação de todos os interesses individuais deduzidos em relação à
lesão de massa verificada.
8
A COISA JULGADA MATERIAL E AS AÇÕES COLETIVAS
O tema da coisa julgada diante das ações coletivas é um dos mais complexos e polêmicos de
todo o exame da "tutela coletiva". O exame da matéria agrava-se ainda mais em função da
atuação displicente do Poder Executivo (chancelada hoje em legislação aprovada pelo
Congresso Nacional) na regência legal da questão, buscando a todo custo minimizar os
incômodos e prejuízos que possam ser-lhe causados pela procedência de ações coletivas.
Insta lembrar, antes de prosseguir no exame da matéria, que a disciplina da coisa julgada em
relação às ações coletivas no direito brasileiro é dada, seja para direitos coletivos, seja para
difusos ou ainda individuais homogêneos, pelos arts. 103 e 104 do CDC. É que, em função da
previsão contida no art. 21 da Lei 7.347/85' (Lei da Ação Civil Pública) - e não obstante o veto
imposto ao art. 89 do CDC2 -, existe verdadeira "simbiose" entre as duas leis. Daí deflui que as
regras atinentes à coisa julgada, previstas pelo Código de Defesa do Consumidor para a tutela
das relações de consumo, aplicam-se também às demais "ações coletivas", e em relação a
direitos de qualquer natureza.
Segundo se observa do art. 103 do CDC, a disciplina da coisa julgada frente às ações coletivas é
estabelecida de modo diferenciado, conforme a espécie de "direito coletivo" (direito coletivo
stricto sensu, direito difuso ou direito individual homogêneo) objeto da ação.
Com a redação dada pelo art. 117 do CDC.
Tais artigos tinham o mesmo teor c, conquanto um tenha sido vetado, a presença do outro no ordenamento jurídico
brasileiro é suficiente para gerar os eleitos necessários para ambos os diplomas legais.
812
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Primeiramente, é preciso lembrar algo que é evidente para quem compreende bem o fenômeno
da coisajulgada. Como estudado no lugar pertinente deste Manual (Parte III, Capítulo 5),
somente se pode falar em coisajulgada (material) diante de sentenças definitivas (de mérito). Por
isso, se a sentença da ação coletiva for meramente terminativa, inexiste coisajulgada, não tendo
aplicação a previsão do art. 103 do CDC. De outra parte, também cumpre sublinhar que a
coisajulgada se prende à indiscutibilidade do efeito declaratório da sentença, tornando-o imutável. Portanto, para que a sentença possa ser revestida pela coisajulgada, é preciso que tenha ela
carga declaratória suficiente em seu conteúdo, para certificar a incidência da regra material de
regência do caso concreto.
Conforme prevê o art. 103,1, a coisajulgada, em relação às ações que tratam de direitos difusos,
será erga omnes (oponível contra todos), salvo quando o pedido for julgado improcedente por
falta de provas. O direito difuso, como visto, é aquele direito transindividual, indivisível, de
sujeito indeterminado, pertencente a toda a coletividade. Ora, se o direito pertence a todos (ou
ao menos a um complexo indeterminado e indeterminável de sujeitos), realmente a solução da
controvérsia sobre o direito (que é transindividual e indivisível) deve abranger a todos, tornando-se a decisão imutável para as partes do processo (autor legitimado extraordinariamente e
réu) e para as partes em sentido material, para usar a nomenclatura de CARNELUTTT. 3
Na verdade, bem observada a disciplina da questão, nota-se que nenhuma particularidade
(exceto pela questão da possibilidade de propor nova ação mediante prova nova, em caso de
improcedência por falta de prova, a ser adiante examinada) tem ela em relação ao trato comum
da coisajulgada no direito brasileiro. Em essência, não é a coisajulgada que opera efeitos erga
omnes, e sim os efeitos diretos da sentença. 4 Realmente, para quem não tem legitimidade para
propor a ação - no caso, por se tratar de direito transindividual, nenhuma pessoa física poderia
fazê-lo, mas apenas os legitimados contemplados em lei, por expressa determinação legal (art.
82 do CDC e art. 5.° da Lei 7.347/85) -, a imutabilidade da decisão não decorre da coisajulgada,
mas sim, apenas, da impossibiliCARNELUTTI, Francesco. Instituições cio processo civil, cit., vol. I, p. 79. (4) V., a respeito, a Parte III,
Capítulo 5, deste Manual, naquilo que refere-se à extensão subjetiva da coisajulgada.
m
A COISA JULGADA MATERIAL E AS AÇÕES COLETIVAS
g]3
dade concreta de discutir judicialmente a questão, por falta de legitimidade para agir.5
Apenas em relação aos co-legitimados para a ação coletiva é que se verifica a extensão da
coisajulgada para além dos limites das partes. Isto, porém, também ocorre naturalmente, porque
o trânsito em julgado da sentença abarca o efeito declaratório da sentença, que se torna imutável
em face da relação jurídica exposta no pedido formulado. Ora, se os co-legitimados
(extraordinários, porque o direito postulado não lhes pertence, mas sim a toda coletividade ou,
ao menos a um plexo indeterminado de sujeitos) podem expor em juízo apenas uma única
relação jurídica material, o trânsito em julgado da sentença torna imutável a declaração sobre
essa relação jurídica para as partes materiais e também para os legitimados extraordinários,
que, afinal, nada mais são que longa manus dos titulares do direito, com autorização legal para
agirem em nome destes. Poder-se-ia equiparar o fenômeno, para melhor compreender-se o que
aqui se diz, com a hipótese de determinado sujeito, titular do direito, possuir, para a tutela de
seus interesses em juízo, dois ou mais substitutos processuais. A propositura da ação por
qualquer um deles (seja pelo titular, ou ainda por um dos substitutos) e seu julgamento acarreta
a incidência da coisajulgada não apenas, por óbvio, àquele que efetivamente propôs a ação, mas
também para os demais (co-legitimados), porque a relação jurídica material já foi julgada.
Conclui-se, assim, que a coisajulgada disciplinada em relação às ações para a tutela de direitos
difusos ou coletivos não tem nenhuma particularidade. Sabendo compreender corretamente a
disciplina da coisa julgada da ação individual, a disciplina da coisajulgada coletiva é,
praticamente, intuitiva.
O mesmo se pode dizer em rei ação ao preceito do art. 103, II, do CDC. Esse dispositivo trata da
ação coletiva para a defesa de direitos coletivos (stricto sensu). Estes direitos, vale recordar,
caracterizam-se por serem direitos transindividuais, de natureza indivisível, mas com sujeito
determinado, representado por um grupo, categoria ou classe de sujeitos, ligados entre si ou com
a parte contrária por uma relação jurídica base. A coisajulgada nessa ação se opera ultra partes
— ressalvada a hipótese de
V., de maneira semelhante, Antônio Gidi, Coisa julgada e litispendência em ações coletivas, São Paulo, Saraiva,
1995, p. 126-127.
814
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
improcedência por falta de prova -, ou seja, para além das partes do processo, atingindo a todo o
grupo, categoria ou classe a quem pertence o direito discutido (art. 103, II, CDC). Novamente, a
mesma objeção pode ser oposta: não é, na verdade, a coisa julgada que se estende para além das
partes do processo. Na verdade, é o efeito direto da sentença que opera em relação aos titulares
do direito de maneiraimutável, pela singela circunstância de que eles não detêm legitimidade ad
causam para discuti-la.
Em ambos os casos (coisa julgada em ação para a tutela de direitos difusos e em ação para a
tutela de direitos coletivos), a coisa julgada é dita secundum eventum litis, porque se opera
apenas em face das circunstâncias da causa. Quando o legislador afirma que a mesma ação
coletiva pode ser proposta com base em prova nova, há ruptura com o principio (que é uma
ficção necessária) de que a plenitude do contraditório é bastante para fazer surgir cognição
exauriente. Há, em outras palavras, expressa aceitação das hipóteses de que a participação do
legitimado (do art. 82) no processo pode não ser capaz de fazer surgir cognição exauriente, e de
que essa deficiente participação não pode prejudicar a comunidade ou a coletividade. É correto
afirmar, portanto, que- nas ações que tutelam direitos transindividuais - pode haver sentença de
improcedência com carga declaratória insuficiente para a produção de coisa julgada material.
Nas ações coletivas que tutelam direitos transindividuais, assim, a sentença de improcedência de
cognição exauriente e sua conseqüência, que é a formação de coisa julgada material, ocorrem,
mais precisamente, secundum eventum probationis, ou seja, conforme o sucesso da prova.6
Em função dessa característica da coisa julgada nas ações coletivas, quando o magistrado julgue
a ação improcedente por insuficiência de provas (ainda que não exponha, manifestamente, essa
causa como motivo da rejeição da demanda), não haverá formação de coisa julgada material
(mas apenas formal), sendo plenamente viável a propositura da mesma ação futuramente, desde
que instruída com prova nova, capaz de alterar o quadro cognitivo da ação anterior. A noção de
prova nova, como utilizada em outros campos do direito processual civil, não se cinge à prova
surgida após a conclusão do processo anterior. Na verdade, pode ser utilizada qualquer prova,
ainda que já existente e conhecida (mas não
Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 93-94.
A COISA JULGADA MATERIAL H AS AÇÕES COLETIVAS
8]5
utilizada por má-fé ou por falta de preparo, não importa). Desde que presente essa prova nova,
qualquer legitimado - mesmo aquele que propôs a primeira ação - pode intentar novamente a
ação coletiva.
No concernente à coisa julgada em relação às ações que tutelam direitos individuais
homogêneos, a situação é significativamente distinta. Como se observou anteriormente, ao
contrário do que ocorre com os direitos coletivos e difusos, os direitos individuais homogêneos
não são transindividuais, mas, ao contrário, são direitos nitidamente individuais, com sujeito
determinado e unitário. Todavia, por serem direitos individuais idênticos (inerentes a vários
sujeitos), podem ser tutelados de maneira uniforme e única, por meio de uma única ação. A
sentença que julga essa ação coletiva, portanto, examina pretensões individuais (pertencentes a
cada um dos substituídos), de maneira unívoca. A coisa julgada formada nessa ação, conforme
prescreve o art. 103, III, é erga omnes somente no caso de procedência da ação, para beneficiar
todos os sujeitos titulares dos direitos individuais postulados, bem como seus sucessores.
Encontra-se aqui nova modalidade da coisa julgada secundum eventum litis, porque somente
operada, em sua condição descrita na lei, quando a sentença for de procedência.7
171
É necessário ter certa cautela, hoje, com a estrutura da coisa julgada frente às ações para tutela de direitos
individuais homogêneos. Isto porque uma medida provisória, ainda em vigor, alterou substancialmente a disciplina da
figura, transformando, magicamente, a ação coletiva em ação individual com substituição processual voluntária
tradicional. Eis o que está escrito no art. 2."-A da Lei 9.494/97 (MP 2.180-35/2001): "Art. 2.°-A. A sentença civil
prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses c direitos de seus
associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da
competência territorial do órgão prolator". Inúmeras objeções podem ser levantadas a essa nova previsão, desde a
inconstitucionalidade da medida provisória (por ausência de seus pressupostos de edição: urgência e relevância), até a
desnaturação completa da ação coletiva, transformando-a em ação individual, com autor mul-titudinário substituído.
Pior ainda é a previsão do parágrafo único do art. 2.°-A, ao dizer que "nas ações coletivas propostas contra a União,
os Estados, o Distrito Federal, os Municípios c suas autarquias e fundações, a petição ini cial deverá obrigatoriamente
estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos
seus associados e indicação dos respectivos endereços". Não satisfeita em trans-
816
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Não significa isto dizer que, quando julgada improcedente a ação para tutela de direitos
individuais homogêneos, não fará ela coisajulgada material. Em verdade, no caso de
improcedência, o que não existirá é a coisajulgada erga omnes, expandida para beneficiar as
vítimas e seus sucessores. Ainda assim, essa sentença (de improcedência) operará coisajulgada
para as partes do processo — inclusive para as pessoas (titulares dos direitos individuais
homogêneos) que hajam intervindo na condição de litisconsortes nesse feito-, tornando
paraestas, mas não para os sujeitos não Íntervenientes (titulares do direito, que poderão oferecer
suas ações individuais, conforme estabelece o art. 103, § 2.°, do CDC), imutável a decisão.
A disciplina da coisajulgada frente às ações coletivas ainda traz outra inovação (sempre ditada
no intuito de facilitar a situação das vítimas individuais da lesão): o transporte da coisajulgada,
in utilibus, para as ações individuais que versem sobre o tema. Conforme prescreve o art. 104 do
CDC, "as ações coletivas, previstas nos incisos I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem
litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisajulgada erga omnes ou ultra
partes a que aludem os incs. II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações
individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência
nos autos do ajuizamento da ação coletiva". Há, evidentemente, na redação do dispositivo,
nítido equívoco nas remissões feitas aos incisos do parágrafo único do art. 81 e aos incisos do
art. 103. Não obstante grande parcela da doutrina entenda que a remissão correta estaria
contemplando apenas os incs. II e III do parágrafo único do art. 81 (e, por conseqüência, os incs.
II e III do art. 103), parece ser mais adequado compreender que a remissão abrange os três
incisos do art. 103, vaformar a ação coletiva em ação individual, a medida provisória foi além, transformando a legitimação para essa ação
em mera representação processual. Certamente, legislação como essa não pode ser considerada séria; o que se deu
com uma mão (através da moderna legislação nacional sobre direitos coletivos e sua tutela) se tira com a outra, de
maneira obviamente irresponsável e perigosamente simples. Ainda que se espere que preceitos como esses não
venham a subsistir, seja por reconsideração do próprio governo, seja pela atuação do controle de constitucionalidade,
é bom lembrar que tal previsão por enquanto existe, e que, embora flagrantemente inconstitucional, vem sendo utilizada em alguns julgadores.
A COISA JULGADA MATERIAL E AS AÇÕES COLETIVAS
8]7
lendo, portanto, os efeitos ali descritos, para todas as espécies de ações coletivas.8
O objetivo do art. 104 é tornar possível o ajuizamento da ação individual mesmo que pendente
ação coletiva para a tutela de direito difuso, coletivo e individual homogêneo e, ainda, o de
deixar claro que a tutela coletiva não trará benefícios para aquele que não requerer a suspensão
do processo individual no prazo de trinta dias após obter a ciência do ajuizamento da ação
coletiva.
O autor da ação individual somente não será beneficiado quando, ciente nos autos do
ajuizamento da ação coletiva, deixar de requerer a suspensão do processo individual no prazo de
trinta dias. Caso não estejaciente da ação coletiva concomitante, o autor i ndividual será
beneficiado pela coisajulgada coletiva, devendo sua ação ser extinta sem julgamento de mérito.9
Na hipótese de concomitância entre ação individual e ação coletiva para a tutela de direitos
individuais homogêneos, o autor individual, uma vez ciente da ação coletiva, deve requerer a
suspensão do processo, por prazo indeterminado, para que possa ser beneficiado pela
coisajulgada erga omnes. Caso o processo não seja suspenso e a sentença individual seja de
improcedência, o autor não poderá invocar em seu benefício a coisajulgada formada em razão
da sentença de procedência da ação coletiva. Não há conflito de decisões, pois o autor da ação
individual, justamente em razão de seu insucesso, não poderá proceder à liquidação. l0
Por derradeiro, cabe atentar para uma particularidade, imposta à redação do art. 16 da Lei
7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), pela Lei 9.494/ 97. Segundo prescreve este dispositivo,
em sua atual redação, "a sentença civil fará coisajulgada erga omnes, nos limites da
competência territorial do órgão prolator" (grifado). Houve, portanto, em relação às ações
coletivas (que não dizem respeito a relações de consumo —j á que estas são especificamente
regidas pelo Código de Defesa do Consumidor, onde não existe semelhante previsão) tentativa
de limitação em relação à coisajulgada, que ficaria restrita aos limites territoriais de
competência do órgão prolator.
(S)
V., a respeito, Rodolfo de Camargo Mancuso, "Defesa do consumidor: reflexões acerca da eventual concomitância
de ações coletivas e individuais", Revista do consumidor, vol. 2, p. 148-156.
191
GIDI, Antônio. Coisajulgada e litispendência em ações coletivas, cit., p. 203.
<io) MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil, cit., p. 96.
818
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
A regra vem sendo, sem maior parcimônia, aplicada pelos tribunais, conquanto já se esboce
significativa alteração no pensamento jurispru-dencial a respeito. A quem examinar
adequadamente a regra, detendo um mínimo de conhecimento a respeito da teoria da
coisajulgada, concluirá com tranqüilidade que a previsão é, em essência, absurda, ou por ser iló gica, ou por ser incompatível com a regência da coisajulgada. Como já se viu inúmeras vezes, a
coisajulgada representa a qualidade de indiscu-tibilidade de que se reveste o efeito declaratório
da sentença de mérito. Não se trata - também já foi observado, com a crítica de Liebman - de
um efeito da sentença, mas de qualidade que se agrega a certo efeito. Ora, pensar que uma
qualidade de determinado efeito só existe em determinada porção do território, seria o mesmo
que dizer que uma fruta só é vermelha em certo lugar do país. Ora, da mesma forma que uma
fruta não deixará de ter sua cor apenas por ingressar em outro território da federação, só se pode
pensar em uma sentença imutável frente à jurisdição nacional, e nunca em face de parcela dessa
jurisdição. Se um juiz brasileiro puder decidir novamente causa já decidida em qualquer lugar
do Brasil (da jurisdição brasileira), então é porque não existe, sobre a decisão anterior, coisa
julgada. O pensamento da regra chega a ser infantil, não se lhe podendo dar nenhuma função ou
utilidade.
Aliás, dar a essa regra alguma aplicação concreta aporta ao processo coletivo inúmeros e sérios
problemas. Imagine-se ação coletiva proposta para impedir a construção de barragem em
determinado rio (que divida dois Municípios ou dois Estados). Se a ação é proposta para atender
à intenção do art. 16 da Lei 7.347/85, em ambos os Estados (já que em ambos ocorrerá o dano
ambiental), poder-se-ia imaginar a hipótese de um juiz (do Estado A) julgar procedente o pedido
e o outro (do Estado B) considerá-lo improcedente? A barragem, então, poderia ser construída
até o meio do rio? E seja estivesse pronta a barragem (e a ação fosse repressiva), teria ela de ser
destruída até a metade do rio? Obviamente, ninguém em sã consciênciadefenderia essas
conclusões. A questão ainda se agravaria mais, caso se imaginasse a hipótese recursal neste
caso: chegando o processo até o Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça,
órgãos de competência nacional, e considerando-se que a decisão dessas instâncias opera efeito
substitutivo em face da decisão recorrida (art. 512 do CPC), aí então teria a decisão abrangência
nacional? E se houvesse dois recursos, um em cada uma das ações coletivas
A COISA JULGADA MATERIAL E AS AÇÕES COLETIVAS
8 19
intentadas, poderiam esses tribunais superiores conhecer por duas vezes da questão, decidindo
(sem lesão à idéia de litispendência) por duas ocasiões a controvérsia?
Na verdade, a restrição pretendida pela lei não diz respeito à coisajulgada. Limitar a abrangência
da coisajulgada é impossível, sob pena de deixar ela de ser coisajulgada. O objetivo do
dispositivo é limitar a abrangência dos efeitos da sentença (dentre os quais, certamente, não se
encaixa a coisa julgada). Mas nem para isso ele se presta. Os efeitos concretos da decisão (que
se operam no inundo real) operam-se em sentidos imprevisíveis e não podem ser contidos pela
vontade do legislador. Assim como uma pessoa divorciada não pode ser divorciada apenas na
cidade onde foi prolatada a sentença de seu divórcio (passando a ser casada em outros
municípios), uma sentença proferida em ação coletiva não pode ter seus efeitos limitados a certa
porção do território nacional. Os efeitos da sentença operam-se onde devem operar-se, e não
onde o legislador queira que eles se verifiquem. Como é óbvio, os efeitos da sentença de
divórcio se operam onde quer que estejam as partes, e não apenas na cidade "A" ou "B". Os
efeitos da sentença, enfim, acompanham os sujeitos da controvérsia e do processo, bem como a
relação jurídica deduzida e examinada judicialmente, pouco importando onde essa relação tenha
sido formada ou extinta, ou onde estejam seus sujeitos. Em especial, considerando-se que os
direitos difusos são, por sua própria natureza, transindividuais, outorgar limites à coisajulgada
ou aos efeitos da sentença seria, inquestionavelmente, dar a um só direito a possibilidade de dois
tratamentos diferentes.''
Por tudo isso, é de se ver que, mesmo em relação às ações coletivas que não versem sobre
relação de consumo, a regra de regência da coisa julgada permanece sendo aquela insculpida no
art. 103 do CDC. Isto porque, tirante a previsão teratológica do art. 16 da Lei 7.347/85 (imposta
pela Lei 9.494/97), no mais a disciplina deste artigo é completamente compatível com a
daquele.
" " V. sobre o tema, as críticas feitas por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Ncry. Código de Processo Civil
comentado. 3. ed. São Paulo: RT, p. 1.157-1.158; José Marcelo Menezes Vigliar, "A Lei 9.494, de 10 de setembro de
1997, c a nova disciplina da coisajulgada nas ações coletivas: inconstitucionalida-de", RT1'45/67-72, São Paulo, RT,
novembro de 1997; Ada Pellegrini Grinover et alü, Código brasil eiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos
autores do anteprojeto), cit., p. 8 1 8 e ss.
LITISPENDÊNCIA
A análise da litispendência não oferece particularidade especial quando enfrentada em face do
"processo coletivo".
Não há litispendência, por óbvio, no cotejo entre a ação individual e as ações para a tutela de
direitos difusos ou coletivos. A conclusão decorre não apenas da dicção expressa do art. 104 do
CDC, como também da própria natureza das ações examinadas. De fato, em relação às ações
para a defesa de direitos coletivos e difusos, é de se notar que esses direitos pertencem a toda
coletividade ou a um grupo determinado, e não a cada indivíduo considerado isoladamente. Por
isso, tais direitos não se confundem com eventuais direitos individuais decorrentes do mesmo
fato ilícito. Exemplificando: o despejo de certo produto tóxico em um rio afeta, certamente, o
direito ao meio ambiente hígido (direito difuso) e autoriza, por isso mesmo, a propositura de
ação coletiva para a tutela desse interesse. Todavia, se alguém, que se serviu dessa água poluída
para sua lavoura ou para seu gado, sofreu dano em decorrência desse mesmo ilícito, terá ele
direito a indenização, surgindo-lhe, então, a faculdade de propor ação individual. A ação
individual, obviamente, não terá por objeto o direito difuso (meio ambiente), mas o prejuízo
específico experimentado pelo agricultor. Um mesmo fato, nesse caso, terá dado azo à propositura de duas ações, para a tutela de direitos distintos (direito difuso e direito individual).
Ora, para os direitos difusos e coletivos sequer se há de pensar em litispendência em relação a
direitos individuais que envolvam o mesmo fato. Isto porque o indivíduo não tem legitimidade
para propor a ação coletiva. Dos direitos difusos e coletivos apenas podem tratar os "legitimados
coletivos". Tem-se, assim, pedidos diversos, baseados em causas de pedir distintas. Possuindo,
então, elementos diferentes, são ações diferentes, razão suficiente para afastar a questão da
litispendência entre elas.
LITISPENDÊNCIA
g21
Naturalmente, pode ocorrer litispendência entre ações coletivas. Se um legitimado para a ação
coletiva ingressa com ação já proposta por outro legitimado (ações idênticas, com a mesma
causa de pedir e o mesmo pedido), evidentemente se estará diante de um caso de litispendência.
Alguém poderia objetar, dizendo que se trata de sujeitos distintos, e que, portanto, haveria um
elemento da ação distinto entre as ações. É bom lembrar, porém, que os legitimados para essas
ações não agem em defesa de direito próprio, mas sim alheio (legitimação extraordinária), pertencente à coletividade ou a certo grupo de pessoas. O sujeito material do processo, portanto,
permanece sendo o mesmo, ainda que distintos os legitimados "formais" para a ação. As ações
são, por isso, iguais, havendo litispendência desde que sejam uniformes a causa de pedir e o
pedido.'
Merece exame em separado o tema da litispendência no concernente às ações que visam à tutela
de direitos individuais homogêneos. É sabido que essas ações, ao contrário do que ocorre com
as ações para a tutela de direitos difusos ou coletivos, buscam a proteção de direitos nitidamente
individuais que, por terem a mesma origem (por serem idênticos), autorizam e mesmo
recomendam seu exame em bloco. As ações para a tutela de direitos individuais homogêneos,
portanto, tratam de direitos para cuja proteção o indivíduo tem legitimação concorrente.
Poderiam, por isso mesmo, essas ações, em tese, operar litispendência não apenas em relação a
outra ação coletiva proposta para a defesa desses interesses, mas ainda para as ações individuais,
propostas por cada um dos lesados para a satisfação de suas específicas pretensões. Imagine-se a
situação de uma demanda, proposta para condenar certa montadora de veículos a trocar
gratuitamente peça defeituosa encontrada em determinado lote de veículos produzidos, em
benefício de seus adquirentes. Trata-se de direito nitidamente individual homogêneo,
pertencente a todos os compradores dos veículos (individualmente), que por ser igual para todos
eles permite a tutela na forma coletiva. Pode, portanto, um dos legitimados coletivos
(l)
Esse mesmo raciocínio vale para o exame de ação popular em relação a outra ação coletiva. Como se tem por certo,
a ação popular não deixa de ser uma ação para a defesa de direitos difusos, proposta pelo cidadão em benefício da
coletividade. Nesse caso, tratando-se novamente de legitimação extraordinária particular, à semelhança do que ocorre
com a ação coletiva, pode acontecer que, desde que tenham a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, ocorra
litispendência entre uma ação coletiva e uma ação popular.
822
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
(art. 82 do CDC ou art. 5.° da Lei 7.347/85) propor a ação coletiva para a tutela desses direitos,
mas também pode cada um dos consumidores propor sua ação individual, para ter trocada a
peça defeituosa de seu veículo. Haverá aí litispendência?
Em princípio, considerando o processo civil individual, a resposta seria afirmativa. Porém, a lei
exclui expressamente essa possibilidade, dando ao tema disciplina própria e particular. É o que
se lê do art. 104 do CDC, ao prever que "as ações coletivas, previstas nos incs. I e II do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da
coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incs. II e III do artigo anterior não
beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de
trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva". Observou-se no item
anterior (Capítulo 8) que a remissão contida no dispositivo deve ser interpretada como
abrangendo os três incisos (I, II e III, tanto do art. 81, parágrafo único, como do art. 103),
tratando-se, portanto, de ações para a tutela de direitos coletivos, difusos e individuais
homogêneos. Sabe-se, por outro lado, que a litispendência é instituto concebido (e,
conseqüentemente, regido arbitrariamente) pelo legislador, que pode dar-lhe a disciplina que
bem lhe aprouver. Em relação à litispendência considerada em face de ações individuais, a
solução ai vi-trada pelo legislador é simples: a segunda ação deve ser extinta sem exame do
mérito (art. 267, V, c/c o art. 301, § 3.°, do CPC). Mas no referente às ações coletivas a
disciplina é outra: a litispendência não se opera como regra, sendo livre a propositura, na
pendência de ação coletiva, de ação individual (ou vice-versa), sem que uma venha a influenciar
a outra.
De fato, como se prevê no dispositivo examinado, a sorte da ação coletiva não influencia o
resultado da ação individual - ainda que ambas versem sobre o mesmo tema, fundados na
mesma causa de pedir e contendo o mesmo pedido-o não ser quando, ciente da propositura da
ação coletiva, o autor da ação individual expressamente requeira a suspensão de seu pleito
nuclear para aguardar o resultado daquela. A ausência de requerimento de suspensão da ação
individual é tomada pelo legislador como uma presunção de manifestação de vontade do sujeito,
no sentido de excluir da legitimação do ente coletivo a tutela de seu direito. A legitimação
extraordinária do titular da ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos fica,
por assim dizer, submetida a con-
T
LITISPENDENCIA
823
dição resolutiva parcial, já que a propositura de ação individual (e a ausência de pedido de sua
suspensão) importam na retirada da legitimação do ente coletivo do poder de proteger o direito
daquele que postulou e insistiu na tutela de seu direito na forma individual.
O pedido de suspensão deve ser feito no prazo máximo de trinta dias, contados da ciência
inequívoca da propositura da ação individual. Findo o prazo, preclui o direito de pleitear a
suspensão e de beneficiar-se do resultado da ação coletiva. A ação individual, então, estará
lançada à sua própria sorte, independentemente da solução a ser dada à ação coletiva.
Obviamente, porém, nada impede que a ação individual venha a servir-se dos elementos da ação
coletiva (como dos argumentos, das provas etc.) em seu benefício. Isso, todavia, não assegurará
ao autor da ação individual (que não foi suspensa) o mesmo resultado da ação coletiva.
Havendo a suspensão da ação individual, somente a sentença de procedência da ação coletiva
influenciará positivamente o resultado da ação individual. Se a ação coletiva for julgada
improcedente, poderá a ação individual prosseguir, buscando-se o resultado favorável à
pretensão específica (art. 103, § 2.°, do CDC).
10 CONEXÃO
De acordo com o art. 103 do CPC, "reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for
comum o objeto ou a causa de pedir". Também em relação a ações coletivas pode ocorrer de
existirem duas ações com idêntica causa de pedir ou idêntico pedido. E então de se perguntar se
a figura da conexão, com seus resultados específicos (reunião dos processos, perante o juiz
prevento), também seria aplicável ao "processo coletivo".
A resposta é, evidentemente, pela afirmativa. Não há nenhuma razão para negar a aplicação da
conexão e de seus efeitos aos processos coletivos. Havendo duas ações coletivas, com idêntico
pedido ou igual causa de pedir, serão elas reputadas conexas, resultando na necessidade de sua
reunião (salvo se distintos forem os critérios de competência absoluta, para cada uma delas).
Segundo determina o Código de Processo Civil, essa reunião será feita: i) perante o juiz que
despachou em primeiro lugar, se as ações tiverem a mesma competência de foro (art. 106 do
CPC); ii) perante o juízo onde se obteve a primeira citação válida, quando as ações tiverem
competência de foro distinta (art. 219 do CPC).
Novamente, porém, põe-se aqui o problema da inovação introduzida no art. 16 da Lei da Ação
Civil Pública, pela Lei 9.494/97. Como foi visto acima, pela nova redação dada ao dispositivo, a
coisa julgada proferida em ações coletivas somente operaria nos limites da competência
territorial do juízo prolator da decisão. Fosse viável a previsão, evidentemente não haveria
sentido na reunião de processos coletivos que tramitassem em comarcas (ou circunscrições
jurisdicionais) distintas, já que a decisão de um magistrado não se operaria para além do
território de sua competência. Estar-se-ia, então, diante de invencível conflito entre dois
preceitos: o que determina a reunião das causas conexas perante um único magistrado e o que 1
imita os "poderes" do juiz apenas à sua competên-
CONEXÃO
§25
cia territorial. Obviamente, conforme já se pontuou, essa regra não merece aplicação, porque
inviável. A questão, portanto (salvo se admitida como sustentável a limitação), não coloca
maiores problemas, desde que afastada a possibilidade de aplicação do art. 16 da Lei da Ação
Civil Pública em sua atual redação.
Questão que merece atenção é a da conexão em face das ações que versam sobre direitos
individuais homogêneos. Essas ações, em face das ações individuais, apresentam, como se tem
por intuitivo, uma relação de continência, em que a ação individual está naturalmente contida na
ação coletiva (que trata, dentre o feixe de direitos individuais, também do direito deduzido na
ação individual). O resultado natural seria considerar que a propositura da primeira ação,
individual ou coletiva (para a tutela de direitos individuais homogêneos), induziria prevenção
em relação às demais (pelo primeiro despacho ou pela primeira citação válida), pelo que
deveriam todas ser encaminhadas ao mesmo juízo.
Essa solução, embora decorra instintivamente da disciplina da conexão no Código de Processo
Civil, não parece estar adequada ao espírito e à intenção do legislador do Código de Defesa do
Consumidor. Com efeito, os preceitos dos arts. 103, § 2.°, e 104 (esta com a interpretação aqui
utilizada) desse código, conduzem à conclusão de que o legislador pretendeu isolar,
completamente, o julgamento da ação individual e da ação coletiva (ainda que para a tutela de
direitos individuais homogêneos). O resultado da ação coletiva, portanto, não deve interferir no
julgamento da ação individual - salvo para beneficiar o autor desta, no caso de procedência da
primeira, havendo pedido expresso de suspensão da ação individual. Ora, se é assim, fica
prejudicada a principal função da conexão: evitar decisões conflitantes. Realmente, o que se
extrai do espírito da legislação coletiva é a intenção de tornar autônomas as esferas de julgamento da ação coletiva e da ação individual (salvo na exceção da suspensão desta), isolando a
interferência que o exame de uma ação pudesse exercer sobre a outra. Torna-se, portanto,
completamente imprestável (por irrelevante) o instituto da conexão no cotejo de ação coletiva
para a tutela de direitos individuais homogêneos e ação individual. Não há, portanto,
necessidade de reunir, perante um único juízo, ação individual e ação coletiva (para a tutela de
direitos individuais homogêneos).
Tal solução parece mais harmoniosa com o sistema processual da tutela coletiva, sendo ainda
mais adequada para a realidade concreta.
826
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Deveras, adotar-se a conexão entre ações coletivas (para a tutela de direitos individuais
homogêneos) e ações individuais (para análise das pretensões específicas contidas naquela)
poderia inviabilizar, diante do volume de ações reunidas sob um único juízo, a operacionalidade
de uma vara. O volume (que pode ser monstruoso) de ações a serem reunidas importará em
fazer o juízo trabalhar, praticamente, apenas com aquela questão, abandonando todas as demais
causas submetidas a seu exame e, ainda assim, correndo o risco de prestar tutela inadequada
para a situação particular de cada ação individual. O tumulto que se criaria, então, com
essareunião, recomenda a não aplicação do instituto da conexão entre ações coletivas e ações
individuais.
11
DA AÇÃO COLETIVA INIBITORIA CONTRA O USO DE CLÁUSULAS
GERAIS ABUSIVAS
Com a sociedade de consumo, surge a necessidade de contratação em massa e assim, a
padronização dos contratos, indispensável para a economia de custos e para a agilização do
comércio jurídico. Essa modalidade de contratação se dá através de formulários com cláusulas
prees-tabelecidas, que não são efetivamente discutidas.
Trata-se de contratação que é feita por adesão. O art. 54, caput, do CDC, define como contrato
de adesão "aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou
estabelecidas unilateral-mente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor
possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo".
Não se pode separar o contrato de adesão, na implementação da contratação em massa, das
chamadas cláusulas gerais dos contratos, que têm sido amplamente utilizados nos contratos
bancários, de seguros, de planos de saúde, de consórcios etc. Essas cláusulas, que também têm
os atributos do preestabelecimento, unilateralidade da estipulação, uniformidade e rigidez, são
marcadas pela "abstração", o que significa que têm por fim permitir que qualquer pessoa possa a
elas aderir, de modo que a contratação possa realmente se dar em larga escala.'
Não há dúvida que estas cláusulas, por serem preestabelecidas pelo estipulante para que o
consumidor (a parte mais fraca da relação contratual) as aceite sem qualquer discussão, podem
ser abusivas e portanto lesivas a seus direitos.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, teve o cuidado de enumerar uma série de
cláusulas abusivas, submetendo-as ao regime
(
'' Nelson Nery Júnior. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, p. 291.
828
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
da nulidade de pleno direito. Trata-se, contudo, de rol não exaustivo, não só porque o art. 51,
caput, alude a outras cláusulas que podem ser abusivas, como também porque o inc. XV desse
artigo fala expressamente em cláusulas que "estejam em desacordo com o sistema de proteção
ao consumidor".2
De acordo com o art. 6.°, IV, do CDC, constitui direito do consumidor a proteção contra
"práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços". O mesmo
artigo, em seu inc. VI, afirma que é direito do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".
Se é certo que o consumidor tem o direito de ser protegido contra "cláusulas abusivas", e se não
há dúvida de que ele também tem o direito à tutela preventiva, é difícil compreender a razão
pela qual o parágrafo único do art. 83 do CDC foi vetado. Esse parágrafo admitia, expressamente, "ação visando ao controle abstrato e preventivo das cláusulas contratuais gerais".
Esse veto, contudo, evidentemente não tem o condão de eliminar a necessidade e a possibilidade
de uma tutela que impeça a difusão de cláusulas gerais abusivas. Lembre-se que os contratos de
adesão dizem respeito, em regra, a produtos e serviços essenciais, o que lhes confere ampla
relevância social. Pense-se, por exemplo, nos "planos de saúde", aos quais, em face da falência
da previdência social, o consumidor é praticamente obrigado a aderir. Não tem cabimento supor
que o consumidor, necessitando efetuar um plano de saúde, um seguro, ou movimentar uma
conta bancária, tenha que se submeter a uma cláusula abusiva para apenas depois ter a
oportunidade de discuti-la emjuízo. É obvio que a tutela repressiva não é adequada a esses
casos.
Não é muito eficaz tutelar o consumidor após a celebração dos contratos, já que nessa hipótese o
direito já terá sido violado. Além disso, a abusividade pode fazer com que o consumidor, que
necessita satisfazer um interesse que não pode ser atendido de outro modo, seja obrigado a
aceitar calado a impossibilidade de usufruir de produtos e serviços essenciais para sua vida.
(2)
Cláudia Lima Marques. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 296.
DA AÇÃO COLETIVA INIB1TÓRIA
829
Como se vê, pouco adianta tratar das cláusulas abusivas sem se pensar em uma ação coletiva
inibitória capaz de impedir sua difusão. Os arts. 83 e 84 do CDC, iluminados pela idéia de que
o consumidor tem o direito de ser protegido, através de ação inibitória (art. 5. °, XXXV, CF e
art. 6°, VI, CDC), contra o uso de cláusulas gerais abusivas (art. 6.°, IV, CDC), permitem que
se diga que os legitimados à ação coletiva (art. 82, CDC) podem propor ação coletiva
inibitória para inibir a difusão de cláusulas gerais abusivas.
T
BIBLIOGRAFIA
ABELHA RODRIGUES, Marcelo; DIDIER JR., Fredie c JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma processual Comentários às Leis ns. 10.317/2001, 10.352/ 2001, 10.358/2001 e 10.444/2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
ALEXY, Robcrt. Teoria de Ia argumentación jurídica - La teoria dei discurso racional como teoria de Ia
fundamentación jurídica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1989.
ALSINA, Hugo. Tratado teóricopractico de derechoprocesal civily comercial. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 1961. t.
III.
ALVES, Maristela da Silva. "O ônus da prova como regra de julgamento". In Prova cível. Rio de Janeiro: Forense,
1999.
ANDOLINA, ítalo e VIGNERA, Giuseppe. // modello costituzionale dei processo civile italiano. Torino:
Giappichelli, 1990.
ANDOLINA, ítalo. "Cognizione" ed "esecuzioneforzata" nei'sistema delia tutela giurisdiz.ionale. Milano: Giulfrô,
1983.
ANDRADE, Manuel de. Noções elementares de processo civil, 1979. Apud, BRITO, Wanda Ferraz; SOARES,
Fernando Luso; MESQUITA, Duarte Romeira. Código de Processo Civil aclualizado e anotado. Coimbra: Almedina,
1994.
ANTOINE, Mircille, ELOY, Marc, BRAKELAND, Jean-François. "Le droit de Ia
preuvcfaceauxnouvellestcchnologiesderinformation".InCfl/7;er.Ví7(íCeí!íre de Reclierches Injormatique et Droit, n.
7, Namur: E. Story-Scientia, 1992.
APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação conforme a Constituição. Curitiba: Juruá, 2002.
ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT.
-----------. Tule/a inibitória da vida privada. São Paulo: RT, 2000.
ARMELIN, Donaldo. 'Apontamentos sobre as alterações ao Código de Processo Civil e à Lei 8.038/90, impostas pela
Lei 9.756/98". In Aspectos polêmicos e aluais dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT,
1999.
ARRUDA ALVIM, José Manoel. "Notas sobre algumas das mutações verificadas com a Lei 10.352/2001". In
Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. Coord. Nelson
Ncry Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo: RT, 2002.
-----------. Tratado de direito processual civil. São Paulo: RT, 1990. vol. 1.
832
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
-----------. 'Deitado de direito processual civil. São Paulo: RT, 1990. vol. 2.
ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Agravo de instrumento. São Paulo: RT, 1991.
ASSIS, Araken de. Doutrina eprática do processo civil contemporâneo. São Paulo: RT, 2001.
-----------. "Eficácia da coisa julgada inconstitucional", Revista Jurídica, vol. 301.
-----------. e MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada. São Paulo:
RT, 2003.
AT1ENZA, Manuel. Las razones dei derecho - Teorias de Ia argumentación jurídica. Madrid: Centro de Estúdios
Constitucionales, 1997.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
BAR ASSI, Lodovico. La teoria generale delle obbligazioni. Mi lano: Giuffrè, 1964.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "A Constituição e as provas ilicitamente adquiridas", Ajuris, vol. 68.
-----------. "A eficácia picclusiva da coisa julgada material no sistema do processo
civil brasileiro". In Temas de direito processual- Primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
-----------. "Ainda e sempre a coisa julgada". In Direito processual civil. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. n. 3.
-----------. "Algumas inovações da Lei 9.756 em matéria de recursos cíveis". In Aspectos polêmicos e atuais dos
recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1999.
-----------. "As presunções c a prova". In Temas de direito processual - Primeira
série. 2. cd. São Paulo: Saraiva, 1988.
-----------. Comentários ao Códigode Processo Civil. RiodeJaneiro: Forense, 1999.
vol. 5.
-----------. O novo processo civil brasileiro. 19. cd. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
-----------. O novo processo civil brasileiro. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
-----------. "Os limites objetivos da coisa julgada no sistema do novo Código de Processo Civil". In Temas de direito
processual -Primeira série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
-----------. "Sobre a multiplicidade de perspectivas no estudo do processo", Revista
brasileira de Direito Processual, vol. 56.
-----------. "Sobre a participação do juiz no processo civil". In Participação e processo. São Paulo: RT, 1988. BAUR, Fritz. Tutela jurídica mediante medidas cautelares. Porto Alegre: Fabris,
1985. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz- 2. ed. São Paulo:
RT, 1994.
BIBLIOGRAFIA
833
-----------. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. São
Paulo: Malheiros, 1998.
BORGHESI,Domenico."L'anticipa7.ionedeiresecuzioneforzatanellariformadel processo civile", Rivista trimestrale di
Diritto e Procedura Civile, Milano: Giuffrè, 1991.
CALAMANDREI, Piero. "Conseguenze delia mancata esibizione di documenti in giudizio", Rivista di Diritto
Processuale Civile, vol. VII. Padova: Cedam, 1930.
-----------. Eles, os juizes, vistos por umadvogado. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
-----------. Introduzione alio studio sistemático deiprovvedimenti cautelari. Padova:
Cedam, 1936.
-----------. "Lacondanna". In Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1972.
-----------. "Verità e verossimiglianza nel processo civile", Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1955.
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
vol. 3.
-----------. Comentários ao Código de Processo Civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. vol. 3.
CAMPOS, Francisco. "Igualdade de todos perante a lei", Revista de Direito Administrativo, vol. 11.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina,
2002.
CAPPELLETTI, Mauro. "Dictameniconoclástico sobre Ia reforma dei proceso civil italiano". In Proceso, ideologias,
sociedad. Buenos Aires: Ejea, 1974.
-----------. "Doppio grado di giurisdizione: parere iconoclastico n. 2, o razionalizzazione deUMconoclastia?". Giurisprudenza italiana, 1978.
-----------. "Formazioni sociali e interessi di gruppo davanti alia giustizia civile",
Rivista di Diritto Processuale, Padova: Cedam, 1975.
-----------. "La dimensione sociali: 1'accesso alia giustizia". In Dimensioni delia
giustizia nella società contemporanee. Bologna: II Mulino, 1994.
-----------. La testimonianz.a delia parte nel sistema delVoralità. Milano: Giuffrè,
1962. vol. I. ----e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 10. ed. São Paulo: Saraiva,
1998. -----------. "Questões relevantes nos processos sob rito sumário. Perícia. Recursos.
Juizados especiais cíveis", Ajuris, vol. 67, Porto Alegre: Ajuris, jul. 1996. -----------. Recurso especial, agravos e
agravo interno. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
834
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1958.
-----------. "Documento (teoria moderna)". In Novíssimo digesto italiano. Torino:
UTET, 1960. t. VI.
-----------. "Documento e testimonianza". In Studi di diritto processuale. Padova:
Cedam, 1939. vol. 3.
-----------. Instituições do processo civil. Trad. Adrián Sotero de Witt Batista. Campinas: Servanda, 1999. vol. 1.
-----------. Istituzioni dei processo civile italiano. Roma: Soe. ed. dei "Foro italiano", 1956. vol. 2.
-----------. La prova civile. Roma: DelTAtteneo, 1947.
-----------. Lezione di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1986. vol. 3.
-----------. Lezioni di diritto processuale civile. Padova: Cedam, 1986. vol. 2.
-----------. Sistema de derechoprocesal civil. Trad. Alcalá-Zamora y Castillo e Santiago Sentis Melendo. Buenos
Aires: UTEHA, 1944. vol. IV.
-----------. Studi sulla sottoscrizione. In Studi di diritto processuale. Padova: Cedam, 1939. vol. 3.
-----------. "Verità, dubbio, certeza", Rivista di Diritto Processuale, vol. XX (II Série), Padova: Cedam, 1965. CARPI, Federico. La provvisoria esecutorietà delia sentenza. Milano: Giuffrè,
1979. C ARRIÒ,GenaroR. Notas sobre de rechoylenguaje. Buenos Aires: Abeledo-Perrot,
1990. CASTRO, Amilcar de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT,
1974. vol. 8. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade
das leis na nova Constituição do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. CECCHERINI, Grazia. Risarcimento
dei danno e riparazione informa specifica.
Milano: Giuffrè, 1989. CHAYES, Abram. "The role of thejudge in public law litigation", Harvard Law
Review, vol. 89. CHI ANALE, Ângelo. Diritto soggettivo e tutela informa specifica (Indagine in tema
di responsabilità extracontrattuale). Milano: Giuffrè, 1993. CHIARLONI, Sérgio. Misure coercitive e tutela dei
diritti. Milano: Giuffrè, 1980. CHIAVARIO, Mario. "Diritto ad un processo equo". In Commentario alia Convenzione Europea per Ia tutela dei diritti deli 'uomo e delle liberta fondamen tali(acuradi SérgioBartole,BenedettoConforti cGuido Raimondi). Padova:
Cedam, 2001.
CHINA,SergioLa. "Esibizionedocumentale".In£nc/cto/;eí/í'flí/e/£'ín7ío, vol.XV. CHIOVENDA, Giuseppe. "Cosa
giudicata e preclusione". In Saggi di diritto
processuale civile. Milano: Giuffrè, 1993. vol. 3.
BIBLIOGRAFIA
335
-----. Instituições de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1998 vol
Ie2.
-----. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1965 vol 1
2e3.
-----. Princípios de derecho procesal civil. Trad. espanhola da 3. ed. Madrid:
Réus, 1922.1.1. -----. Princípios de derecho procesal civil. Trad. José Casais y Santaló. Madrid:
Réus, 1925. t. II. -. "Sulla perpetuatio iurisdictionis". In Saggi di diritto processuale civile.
Roma: II Foro Italiano, 1930.
CLEVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: RT, 1995.
COMOGLIO, Luigi Paolo. Commentario delia Costituzione. Bologna-Roma: Zanichelli-Foro italiano, 1981.
-----------; FERRI, Corrado e TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile. 2.
ed. Bologna:ilMulino, 1998.
COSTA, Newton C. A. da. "Conjectura e quase-verdade". In Direito Política Filosofia Poesia: estudos em
homenagem ao Professor Miguel Reale, em seu octogésimo aniversário. Coord. Celso Lafer e Tercio Sampaio Ferraz
Jr. São Paulo: Saraiva, 1992.
COTTA, Sérgio. "Quidquid latet apparebit: le problème de Ia vérité du jugement". In Archives de philosophie du
droit. Paris: Dalloz, 1995. tome 39.
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos dei derecho procesal civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1958.
DANTAS, F.C. de San Tiago. Problemas de direito positivo. Rio de Janeiro: Forense, 1953.
DELGADO, José Augusto. "Efeitos da coisa julgada e princípios constitucionais". In Coisa julgada inconstitucional.
Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.
DENTI,Vittorio."Diritti delia personaetecnicheditutelagiudiziale".InL';n/óí-mazí'oí7e e i diritti deliapersona. Napoli:
Jovene, 1983.
-----------. La giustizia civile. Bologna: II Mulino, 1989.
-----------. "Le azioni a tutella di interessi colettivi", Rivista di Diritto Processuale,
Padova: Cedam, 1974.
-----------. "Prova documentale (dir. proa civ.). In Enciclopédia dei Diritto. Milano:
Giuffrè, 1988, vol. XXXVII. -----. Un progetto per Ia giustizia civile. Bologna: II Mulino, 1982.
DE SANTO, Víctor. La prueba judicial, teoria y práctica. 1. ed. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1994.
DIDIER JR., Fredie; ABELHA RODRIGUES, Marcelo e JORGE, Flávio Cheim. A nova reforma processual Comentários às Leis ns. 10.317/2001, 10.352/ 2001, 10.358/2001 e 10.444/2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
836
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Dl MAJO, Adolfo. La tutela civile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993. DINAMARCO, Cândido Rangel. A
instrumentalidade do processo. São Paulo:
Malheiros, 1996.
-----------. Litisconsórcio. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
-----------. "O relator, ajurisprudência e os recursos". In Aspectos polêmicos e atuais
dos recursos cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. São Paulo: RT, 1998. -----------. "Relativizar a coisa julgada
material". In Coisa julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.
DORIA, Rogéria Dotti. A tutela antecipada em relação à parle incontroversa da demanda. São Paulo: RT, 2000.
DUSSEL, Enrique. Ética da libertação, na idade da globalização e da exclusão. Petrópolis: Vozes, 2000.
ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. "Justicia constitucional. La doctrina prospectiva en Ia declaracion de ineficácia de
Ias leyes Ínconstitucionales". Revista de Direito Público, vol. 92.
FARIA, Juliana Cordeiro de c THEODORO JR., Humberto. "A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos
processuais para seu controle". Revista de Direito Processual Civil, vol. 21.
FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. A preclusão no direito processual civil. Curitiba: Juruá, 1991.
-----------. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 7: do processo de conhecimento, arts.496 a 565. São Paulo:
RT, 2000.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FIGUEIRA JR., Joel Dias e LOPES, Maurício Ribeiro. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
São Paulo: RT, 1995.
FIX-ZAMUDIO, Héctor. Constitución y proceso civil en latinoamérica. México: Unam, 1974.
FRANCESCHELLI,Remo."Studisullaconcorrenzasleale-Lafattispecie",/?iv/.9to di diritto industriale, 1963.
FRIGNANI, Aldo. Uinjunction nella common law e Vinibitoria nel diritto italiano. Milano: Giuffrè, 1974.
FURNO, Cario. Contributo alia teoria delia prova legale. Padova: Cedam, 1940.
-----------. La sospensione dei processo esecutivo. Milano: Giuffrè, 1956.
-----------. Teoria de laprueba legal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado,
1954.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método - Traços fundamentais de uma her-menêuticafilosófica. 2. ed. trad.
Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1998.
GARCIA, Enrique Alonso. La interpretación de Ia Constitución. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1984.
BIBLIOGRAFIA
837
GIDI, Antônio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas São Paulo- Saraiva, 1995.
GIORGIANNI, Michele. "Tutela dei creditore e tutela "reale"', Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
1975.
GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991.
GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
GORDO, Adolfo Perez. La ejecución provisional en ei proceso civil. Barcelona: Bosch, 1973.
GRECO, Leonardo. "Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à
coisa julgada anterior". In Problemas de processo judicial tributário. São Paulo: Dialética, 2002.
GRINOVER, Ada Pellegrini, et alii. Código brasileiro de Defesa do Consumidor (comentado pelos autores do
anteprojeto). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
GRINOVER, Ada Pellegrini. "A conciliação extrajudicial no quadro participativo". In Participação e processo. São
Paulo: RT, 1988.
-----------. "O novo processo do consumidor", Revista de Processo, vol. 62.
GROSSEN, Jacques Michel. "L'azione in prevenzione ai di fuori dei giudizi immobiliari", Rivista di diritto
processuale, Padova: Cedam, 1959.
GUASP, Jaime. Derecho procesal civil. 4. ed. Atualização de Pedro Aragoneses. Madrid: Civitas, 1998.1.1.
GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003.
HABERMAS, Jürgen. Consciência moraly acción comunicativa. Madrid: Edicio-nes Península, 1985.
-----------. Direito e democracia, entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. vol. 1.
-----------. Teoria de Ia acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1988.1.1.
HABSCHEID, Walther J. Drpitjudiciaireprivesuisse. 2. ed. Genève: Librairie de
UUniversité - Georg & Cie. S.A., 1981. HAZARD JR. Geoffrey C; TARUFFO, Michele. American civil procedure.
New
Haven: Yale University Press, 1993. JAMES Jr, Fleming; HAZARD Jr.; Geoffrey C; LEUBSDORF, John. Civil
procedure. 4. ed. Boston: Little, Brown and Company, 1992. JORGE, Flávio Cheim; ABELHA RODRIGUES,
Marcelo e DIDIER JR., Fredie.
A nova reforma processual - Comentários às Leis ns. 10.317/2001, 10.352/
2001, 10.358/2001 e 10.444/2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. KARAM, Munir. "Ônus da prova", Revista da
Associação dos Magistrados do
Paraná, vol. 22.
838
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
KAYSER, Pierre. "Les droits de Ia personalité - Aspects théoriques et pratiques", Revue trimestrielle du Droit Civil,
n. 3, Paris: Sirey, jul./set. 1971.
LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.
LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição no direito processual civil. São Paulo: RT, 1995.
LENT, Friedrich. Diritto processuale civile tedesco. Napoli: Morano, 1962.1 .a parte.
LESSONA, Carlos. Teoria general de laprueba en derecho civil. Trad. José Maria Manresa y Navarro. Madrid: Réus,
1928. vol. 1.
LEVY-BRUHL, Henri. Lapreuve judiciaire, étude de sociologie juridique. Paris: Librairie Mareei Rivière et Cie.,
1964.
LIEBM AN, Enrico Tullio. Eficácia e autoridade da sentença.Trad. Alfredo Buzaid e Benvindo Aires. Rio de
Janeiro: Forense, 1945.
-----------. "II titolo esecutivo riguardo ai terzi", Rivista di Diritto Processuale Civile,
1934.
-----------. Manual de direito processual civil. Trad. de Cândido R. Dinamarco. Rio
de Janeiro: Forense, 1984.1.1.
-----------. Manuale di diritto processuale civile — Principi. 5. ed. Milano: Giuffrè,
1992.
-----------. Processo de execução. São Paulo: Saraiva, 1968.
-----------. "Sentenza e cosa giudicata: recenti polemiche", Rivista di Diritto Processuale, 1980.
LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. vol. 6, t. 2.
LIPARI, F. G. "Sulla indivisibilità delia confessione", Rivista di diritto processuale civile, Padova: La Litotipo, 1925,
vol. II.
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: RT, 1999.
-----------. "O depoimento pessoal e o interrogatório livre no processo civil brasileiro e estrangeiro", Revista de
processo, n. 13, São Paulo: RT, jan./mar. 1979.
MALACHINI, Edson Ribas. Questões sobre a execução e os embargos do deve-dor. São Paulo: RT, 1980.
MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. 5. ed. São Paulo: RT, 1997.
-----------. "Defesa do consumidor: reflexões acerca da eventual concomitância de
ações coletivas e individuais", Revista do Consumidor, vol. 2.
-----------. Recurso Extraordinário e Recurso Especial.l. ed. São Paulo: RT, 2001.
MANDRIOLI, Crisanto. Corso di diritto processuale. Torino: Utet, 1981. vol. 3.
-----------. L'azione esecutiva. Milano: Giuffrè, 1955.
-----------. "Sulla correlazione necessária tra condanna ed eseguibilità forzata",
Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1976.
BIBLIOGRAFIA
839
MARCATO, Antônio Carlos. Proceí//me«tove.ípeciaij. São Paulo: Malheiros, 1998. MARCHEIS. "Probabilità e
prova: considerazioni sulla struttura dei giudizio di
fatto", Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1991. M ARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da
tutela. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
2002.
-----------. A prova na ação inibitória, Revista de Direito Processual Civil, vol. 24.
-----------. Efetividade do processo e tutela de urgência. Porto Alegre: Fabris, 1994.
-----------. Novas linhas do processo civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
-----------. Questões do novo direito processual civil brasileiro. Curitiba: Juruá, 1999.
-----------. "Sobre o assistente litisconsorcial", Revista de Processo, vol. 58.
-----------. Simulação e prova, Revista de Direito Processual Civil, vol. 22.
-----------. Tutela antecipatóriae julgamento antecipado 5. ed.SãoPaulo:RT , 2002..
-----------. Tutela cautelar e tutela antecipatória. 2. tir. São Paulo: RT, 1994.
-----------. Tutela específica. São Paulo: RT, 2000.
-----------. Tutela inibitória. 2. ed. São Paulo: RT, 2000.
-----------. c ARENHART, Sérgio Cru/. Comentários ao Código de Processo Civil.
São Paulo: RT, 2000. vol. 5, t. 1 e2.
MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1972. vol. III.
-----------.Manual de direito processual civil. l.ed. atual, por Vilson Rodrigues Alves.
Campinas: Bookseller, 1997. vol. 1.
-----------. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1974. vol. 2.
-----------. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1975. vol. 3, parte 2.
MATTOS, Sérgio LuizWetzel de. "Ação direta de inconstitucionalidade". Disponível em: www.ucpel.tche.br.
MAZZAMUTO, Salvatore. L'attuazione degli obblighi difare. Napoli: Jovene, 1978.
MEDINA, José Miguel Garcia. "Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos na nova sistemática recursal
e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as Leis 9.756/98 e 9.800/99". In Aspectos polêmicos e atuais dos
recursos. São Paulo: RT, 2000.
-----------. O prequestionamcnto nos recursos extraordinário e especial. 3. ed. São
Paulo: RT, 2002.
-----------. e ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. O dogma da coisa julgada. São
Paulo: RT, 2003. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade. Aspectos jurídicos e
políticos. São Paulo: Saraiva, 1990. -----------. "Controle de constitucionalidade: uma análise das Leis 9.868/99 e
9.882/
99". Revista Diálogo Jurídico, n. 11, fev. 2002.
840
MANUAL DO PROCFiSSO DE CONHECIMENTO
-----------. "Processo ejulgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação
declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: uma proposta de projeto de lei". Revista
Jurídica Virtual, n. 6, nov. 1999. Disponível em: www.planalto.gov.br.
MENDONÇA JR., Delosmar. Princípios da ampla defesa e da efetividade no pro cesso civil brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 2001.
MERRYM AN, John Henry. La tradiciónjurídica romano-canónica. Trad. de Eduardo L. Suárez. México: Fondo de
Cultura Econômica, 1998.
-----------. The civil law tradition. Stanford: Stanford University Press, 1985.
MICHELI,GianAntonioeTARUFFO,Michele."Aprova",/?eF/-o,n. 16, São Paulo: RT, out./dez. 1979.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, vol. 2.
MITTERMAYER, C.J.A. Tratado da prova em matéria criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique
Laemmert, 1879.
MÒCCIOLA, Michele. "Problemi dei risarcimento dei danno in forma specifíca nella giurisprudcnza", Rivista Critica
dei Diritto Privato, 1984.
MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. Comentários ao Código de Processo Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. vol. 2.
-----------. "Efetividade do processo de execução", Revista Forense, vol. 326.
-----------. "Embargos de declaração", Revista dos Tribunais, n. 633. São Paulo: RT,
jul. 1988.
-----------. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Aide, [s.d.]. vol. 4, t. 1.
-----------. Exegese do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Aide. vol. IV, 1.1.
-----------. "Medidas cautelares inominadas", Revista brasileira de Direito Processual, vol. 57. -----. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
MONTESANO, Luigi Montesano. Le tutele giurisdizionale dei diritti. Bari: Cacucci, 1981.
MORTARA, Lodovico. Manuale deliaprocedura civile. 8. ed.Torino: Utet, 1916. vol. I.
MUNIZ, Antônio Carlos. "Do incidente de falsidade", RT vol. 541. São Paulo: RT, nov. 1980.
NERY Ji\, Nelson. "Aspectos do processo civil no Código de Defesa do Consumidor", Revista do consumidor, vol. 1.
-----------. Atualidades sobre o processo civil. São Paulo: RT, 1995.
-----------. Princípios do processo civil na Constituição da República. São Paulo:
RT, 1995.
-----------. Princípios fundamentais - Teoria geral dos recursos. 3. ed. São Paulo:
RT, 1996.
BIBLIOGRAFIA
841
NERY Jr., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: RT.
NEVES E CASTRO, Francisco Augusto das e PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Theoria das provas e
sua applicação aos actos civis. 2. ed. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos editor, 1917.
OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex-Jurídi-ca, 1993.
PATTI, Salvatore. Prove, disposizjonigenerali. Bologna-Roma: ZanichellieII Foro italiano, 1987.
PAULA BAPTISTA, Francisco de. Teoria e prática do processo civil e comercial. São Paulo: Saraiva, 1988.
PEREIRA, Luis Cezar Ramos. "A prova do direito estrangeiro e sua aplicabilidade", Revista de Processo, vol. 39.
PEREIRA, Milton Luiz. "Embargos de divergência contra decisão lavrada por relator", Revista de direito processual
civil, vol. 16, Curitiba: Gênesis.
PERELMAN, ChaYm. Retóricas. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
PERROT, Roger. "Les mesures provisoires en droit trancais". In Les mesures provisoires en procédure civile.
Milano: Giuffrè, 1985.
PINTO, Nelson Luiz. Manual dos Recursos Cíveis. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
PIZZORUSSO, Alessandra. "Doppio grado di giurisdizione e principi costituzio-nali", Rivista di diritto processuale,
1978.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio c Janeiro: Forense,
1976. vol. 9.
-----------. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. t. IV.
----------. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. atual, por Sérgio
Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1995.1.1.
-----------. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. t. 5.
-----------. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 1976. -----. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, 1998.1.1.
PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.
PORTO, Sérgio Gilberto. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2000. vol. 6.
PROTO PISANI, Andréa. Appunti sulla giustizia civile. Bari: Cacucci, 1982.
842
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
-. "Appunti sulla tutela sommaria". In I processi speciali. Napoli: Jovene,
1979. -----. Brevi note in tema di tutela specifica e tutela risarcitoria. Foro italiano,
1983. -----. Intervenio (Atti deiXV Convegno Nazionale, Bari, 4-5 ottobre 1985), La
tutela d'urgenza. Maggioli Editore, 1985. -----. "Ueffcttivitàdei mezzidi
tutelagiurisdizionaleconparticolareriferimento
alTattuazione delia sentenza di condanna", Rivista di Diritto Processuale,
1975.
-----. La miova disciplina dei processo civile. Napoli: Jovene, 1991.
-----. Lezioni di diritto processuale civile Napoli: Jovene, 1994.
-----. "Nuovi diritti e tccniche di tutela". In Scritti in onore di Elio Fazzalari.
Milano: Giuffrè, 1993. vol. 2. QUEIROZ, Cristina. Direitos fundamentais (teoria geral). Coimbra: Coimbra
Editora, 2002. RAPIS ARDA, Cristina. "Inibitoria (azione)". In Enciclopédia Giuridica Trecanni,
vol. 17.
-----------. Profili delia tutela civile inibitoria. Padova: Cedam, 1987.
RASSELI, Alessandra. "Sentenze determinative e classificazione delle sentenze".
In Scritti giuridici in onore di Francesco Carnelutti. Padova: Cedam, 1950.
vol. 2.
REALE, Miguel. Verdade e conjectura. Nova Fronteira, 1983. REDENTI, Enrico. Diritto processuale civile. 4. ed.
Milano: Giuffrè, 1997. vol. 2. RIBEIRO, Eduardo. "Proteção cautelar, tutela preventiva, contracautela", Revista
Trimestral de Direito Público, vol. 3. RICCI, Edoardo. "A tutela antecipatória brasileira vista por um italiano",
Revista
de Direito Processual Civil, vol. 6, Curitiba: Gênesis editora. -----------. "Comentário ao artigo 7.° da Lei n. 534/95".
In Le nuove leggi civili
commentate. Padova: Cedam, 1996.
-----------. "Possíveis novidades sobre a tutela antecipada na Itália", Revista de Direito Processual Civil, vol. 7,
Curitiba: Gênesis editora. RIPERT, Georges e BOULANGER, Jean. Traité de droit civil. Paris: Librairie géncrale de droit et de jurisprudence, 1957.
RODRIGUES, Horário Wanderlei. "Lei n. 9.099/95: a obrigatoriedade da competência c do rito". Ajuris, n. 67, jul.
1996. ROSENBERG, Leo. La cargade laprueba.Tmd. Ernesto Krotoschin. Buenos Aires:
Ejea, 1956. -----------. Tratado de derecho procesal civil. Trad. de Angela Romera Vera. Buenos
Aires: Ejea, 1955. t. II. ROTONDI, Mario. Diritto industriale. Padova: Cedam, 1965.
BIBLIOGRAFIA
843
SALVI, Cesarc. "II risarcimento dei danno in forma specifica". In Processo e tecniche di attuazione dei diritti.
Napoli: Jovene, 1989. vol. 1.
-----------. "Legittimità e 'razionalità' dell'art. 844 Códice Civile", Giurisprudenza
italiana, 1975.
SANSEVERINO, Milton. "Recurso cabível no incidente de falsidade documental", Revista de processo, n. 24. São
Paulo: RT, out./dez. 1981.
SANTOS, Boaventura de Sousa. "Introdução à sociologia da administração da justiça", Revista de Processo, vol. 37.
SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. vol. IV.
-----------. Prova judiciária no cível e comercial. 3. ed. São Paulo: Max Limonad.
vol. III.
SASSON, Cristina Rapisarda. "inMtoiia" An Digestodelle discipline privatistiche, 1993. vol. IX.
SATO, Priscila Kei. "Jurisprudência (pre)dominante". In Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT,
2000.
SATTA, Salvatore. "Uesecuzioneforzatanella tutela giurisdizionale dei diritti". In Scritti in onore di Francesco
Carnelutti. Padova: Cedam, 1950. vol. 2.
-----------. "Premesse generali alia dottrina delia esecuzione forzata", Rivista di
Diritto Processuale Civile, 1932.
-----------. "Provvedimenti d'urgenza e urgenza di provvedimenti". In Soliloqui e
colloqui di un giurista. Padova: Cedam, 1968.
-----------e PUNZI, Carmine. Diritto processuale civile. 12. ed. Padova: Cedam,
1996.
SCHÕNKE, Adolfo. Derecho procesal civil. Barcelona: Bosch, 1950. SCOGNAMIGLIO, Renato. "II risarcimento
dei danno in forma specifica", Rivista
trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São
Paulo: Malheiros,
1995.
SILVA, José Casado. "Considerações sobre a prova documental", Revista Forense, vol. 289. SIUVA,Ovíd\o
A.Bapústada. Comenta rios ao Código de Processo Civil. São Paulo:
RT, 2000.1.1.
-----------. Curso de processo civil. 4. ed. São Paulo: RT, 1998. vol. I.
-----------. Curso de processo civil. Porto Alegre: Fabris, 1987. vol. 1.
-----------. Curso de processo civil. São Paulo: RT, 2000. vol. 1.
-----------. Sentença e coisa julgada. 3. ed. Porto Alegre: Fabris, 1995.
-----------. "Tutela antecipatória e juízos de verossimilhança". In O processo civil
contemporâneo (coordenado por Luiz Guilherme Marinoni). Curitiba:
Juruá, 1994.
844
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
SILVESTRI, Elisabetta. "Riüevi comparatistici in tema di esecuzione forzata degli
obblighi di tare e di non fare". In Rivista de diritto civile, 1988. SIMAS, Hugo. Comentários ao Código de Processo
Civil. 2. ed. atual, por João
Vicente Campos. Rio de Janeiro: Forense, 1962. t. II, vol. VIII. SMIT, Hans. "Constitutional guarantees in civil
litigation in the United States of
America" .In Fundamental guarantees of'the parties in civil litigation. Coord.
Mauro Cappelletti e Denis Tallon. Milano: Giuffrè, 1973. SPOLIDORO, Marco Saverio. Le misure di prevenzione
nel diritto industriale.
Milano: Giuffrè, 1982. STEFANO, Franco de. L'instruzione delia causa nel nuovoprocesso civile. Padova:
Cedam, 1999. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2002.
SZANIAWSKI, Elimar. Direitosdapersonalidadeesua tutela. São Paulo: RT, 1993. TALAMINI, Eduardo.
"Embargos à execução de título judicial eivado de inconstitucionalidade". Revista de Processo, vol. 106. TARELLO, Giovanni. Storia delia cultura giuridica moderna
(assolutismo e
codificazione dei diritto). Bologna: II Mulino, 1976. TARUFFO,M\chc\e. Laprovadeifattigiuridici,nozionigenerali.
Milano: Giuffrè,
1992. TARZIA, Giuseppe. "Per Ia revisione dei Códice di Procedura Civile, Relazione",
Rivista di Diritto Processuale, 1996. THEODORO JR., Humberto. "Ação declaratória e incidente de falsidade: falso
ideológico e intervenção de terceiros", Revista de Processo, vol. 51. -----------. e FARIA, Juliana Cordeiro de. "A
coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle". Revista de Direito Processual Civil,
vol. 21. TOMMkS¥,0,¥znucc\o. Appuntidi diritto processuale civile.Tovmo:G\açp \c\\e\\\,
1995.
TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione. Milano: Giuffrè, 1974. TUCCI, José Rogério Cruz e. "Garantia da
prestação jurisdicional sem dilações
indevidas como corolário do devido processo legal", Revista de Processo,
vol. 66.
-----------. Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997.
TWINING, William. Rethinking evidence - Exploratory essays. Evanston:
Northwestern University Press, 1994.
VARELA, Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1978. vol. 2. VENTURI, Elton. Execução da
tutela coletiva. São Paulo: Malheiros, 2000. VERDE, Giovanni. "Considerazioni sul procedimento d'urgenza". In
Iprocessi
speciali; studioffertia VirgilioAndriolidai.v«rj/í7//;evi. Napoli: Jovene, 1979.
BIBLIOGRAFIA
345
-----. "L'attuazione delia tutela d'urgenza". In La tutela d'urgenza. Rimini:
Maggioli, 1985. -----. "Prova (diritto processuale civile)". In Enciclopédia dei Diritto. Milano:
Giuffrè, 1988. vol. XXXVII.
VESPAZIANI, Alberto. Interpretazioni dei bilanciamentodei diritti fondamentali. Padova: Cedam, 2002.
VIGLIAR, José Marcelo Menezes. "A Lei 9.494, de 10 de setembro de 1997, e a nova disciplina da coisa julgada nas
ações coletivas: inconstitucionalidade", Revista dos Tribunais, n. 745, São Paulo: RT, nov. 1997.
VIGORITI, Vincenzo. Garanzie costituzionali dei processo civile. Milano: Giuffrè, 1973.
VILLEY, Michel. Philosophiedit droit, II. Lesmoyensdu droit. 2. ed. Paris: Dalloz, 1984.
-----------. Réflexions sur Ia philosophie et le droit, les carnets. Paris: PUF, 1995.
VILLONE, Massimo. "La collocazione istituzionale delTinteresse diffuso". In La tutela degli interessi diffusi nel
diritto comparato. Milano: Giuffrè, 1976.
WALTER, Gerhard. Libre apreciación de laprueba. Bogotá: Temis, 1985.
WAMBIER, Luiz Rodrigues et alii. Curso avançado de processo civil. São Paulo: RT, 1998. vol. 1.
-----------. Da integração dos subsistemas recursal e cautelar nas hipóteses de recurso especial e recurso
extraordinário, in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais.
Coord. Nelson Nery Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2001. vol. 4.
-----------e ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa. Breves comentários à 2."etapa
da reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: RT, 2002.
WATANABE, Kazuo, et alii. Código brasileiro de defesa do consumidor (comentado pelos autores do anteprojeto).
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
WELZEL, Hans. Dasdeutsche Strafrecht. 11. ed. Berlim: Walterde Gruyter, 1969.
YEAZELL, Stephcn C. From medieval group litigation to the modem class action. New Haven: Yale University
Press, 1987.
ÍNDICE ALFABETICO-REMISSIVO
Ação, 64 c ss.
Condições da, 68
Direito à adequada tutela jurisdi-cional, 71
Preventiva e Repressiva, 75
Ação coletiva, 783 e ss.
Coisa julgada material, 811 Condenação genérica, 807 Conexão, 824 Execução, 803, 809 Fundamentos, 783, 786
Indevida restrição, 792 Inibitória, 800, 827 Legitimidade, 792 Liquidação, 808 Litispendência, 820 Sentenças, 800,
807 Sistema legal, 786 Tutelas, 800, 807
Ação declaratória incidental, 177 e ss. Competência, 184
Existência de questão prejudicial, 178 ess
Função, 177, 178 Interesse de agir, 182
Legitimidade das partes, 182
Possibilidade jurídica do pedido, 182
Procedimento, 184 Recurso, 186
Ação de remoção do ilícito, 495
Ação do adimplemento da obrigação contratual na forma específica, 500
Ação inibitória, 484 e ss., 827 e ss. Fundamento constitucional, 486 Fundamento processual, 488 Inibitória coletiva,
488, 827 Inibitória individual, 488
Inibitória para impedir o uso de cláusulas gerais abusivas, 827
Pressupostos, 485
Prova, 343 e ss.
Prova indiciaria, 332 e ss.
Ação rescisória, 698 e ss
E ação anulatória de ato judicial, 706
Hipóteses de cabimento, 699 ludicium rescindens, 709 Iudicium rescissorium, 709 Procedimento, 711
Relativização da coisa julgada material, 715
848
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ação ressarcitória na forma específica, 500
Acareação (prova testemunhai), 436 Agravo (ver recurso)
Antecipação de tutela (ver tutela ante-cipatória)
Apelação (ver recurso)
Arbitragem, 33 e ss.
Constitucional idade, 34
Corolário do princípio da autonomia da vontade, 34
Assistência litisconsorcial, 204 e ss. Coisa julgada material, 204, 205
Litisconsorte facultativo ulterioi; 205
Poderes do assistente, 206
Assistência simples, 208 e ss.
Efeitos reflexos da sentença, 208, 209, 210
Gestor de negócios do assistido, 211
Justiça da decisão, 211, 212 Poderes do assistente, 210, 211
Assistente técnico (ver prova pericial)
Audiência de instrução e julgamento, 446 c ss.
Desdobramento, 447 Necessidade, 446, 447 Unidade, 447
Audiência preliminar, 291 e ss.
Circunstâncias que evidenciam ser improvável a obtenção de conciliação, 293
Decisão das questões pendentes, 293, 294
Dispensa da audiência e saneamento por escrito do processo, 294
Direitos que não admitem transação, 292
Fixação dos pontos controvertidos, 293, 294
Avaliação, 439
Causa de pedir, 102 e ss. Modificação da, 114
Chamamento ao processo, 223 e ss. Hipóteses de cabimento, 223, 224 Procedimento, 224 Sentença, 225
Citação, 124 e ss. Correio, 126
Constituir em mora o devedor, 131 Edital, 128 Espécies, 124 e ss. Efeitos, 129 e ss. Litispendência, 130 Oficial de
Justiça, 127 Prevenção, 130 Prescrição, 132 Renovação da, 132 Repetição da, 132 Tornar litigiosa a coisa, 131
Coisa julgada formal (ver coisa julgada material)
ÍNDICE ALFABÉT1CO-REM1SSIVO
849
Coisa julgada material, 669 e ss.
Ação rescisória (ver ação rescisória)
Alteração das circunstâncias de fato, 688, 689, 690
E coisa julgada formal, 669
E efeitos reflexos da sentença, 685 e ss.
E efeitos naturais da sentença, 685 e ss.
E preclusão, 670 Eficácia prechtsiva, 690 e ss. Erga omnes, 811 e ss. Julgamento implícito, 691 Limites objetivos,
687 e ss. Limites subjetivos, 683 e ss. Na.s ações coletivas, 811 e ss.
Relativiz.ação da coisa julgada material, 715
Secundum eventum litis, 814 Transporte in utilibus, 8/6 Ultra partes, 811 e ss.
Competência, 36 c ss. Absoluta, 44 e ss. Argüição da incompetência, 47 Conflito de competência, 56 De Juízo, 41,
42, 43, 44 e ss.
De "Jurisdição", 41, 42, 43, 44 e ss.
Funcional, 42, 43 Internacional, 40 Material, 42, 43 Originária, 41, 42, 43 Princípios, 49
Princípio da competência sobre a competência, 51
Princípio da perpetuação da competência, 50
Princípio do juiz natural, 49 Prorrogação, 51 e ss.
Prorrogação voluntária e legal, 51 e ss.
Recursal, 41, 42, 43 Relativa, 44 e ss. Territorial, 42, 43, 44 Valor, 42, 43
Conciliação (ver audiência preliminar) Confissão (ver prova)
Contestação (ver Defesa), 156 e ss. Defesa de mérito e defesa processual, 153, 154, 155, 156
Efeitos da contestação, 161, 162 Não-contestação, 157, 158
Não-contestação e suas exceções (art. 302, CPC), 157, 158, 159
Ônus da impugnação específica, 157, 158
Contradita da testemunha, 436
Cumulação de pedidos, 113, 114 Alternativa, 114 Objetiva, 113 Simples, 113 Sucessiva, 114
Criptografia (prova documental), 407, 408
D
Declaração de inconstitucionalidade, 647
850
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Defesa (ver Contestação e Exceções), 152 ess.
Defesas materiais diretas, 154 Defesas materiais indiretas, 154
Defesas processuais dilatórias, 153
Defesas processuais peremptórias, 153
Denunciação da lide, 217 e ss. Ação de regresso, 217, 219
Denunciação realizada pelo autor, 220
Denunciação realizada pelo réu, 220
Denunciação sucessiva, 221, 222 Denunciação obrigatória, 220 Evicção, 217 Hipóteses, 217 e ss.
Depoimento pessoal (ver prova)
Deslocamento de competência para o julgamento do recurso (art. 555, § C), 638 ess.
Direito
À adequada tutela jurisdicional, 71 Coletivo, 783 e ss. Difuso, 783 e ss.
individual homogêneo, 783 e ss., 786 e ss.
Transindividual, 783 e ss. Distribuição da petição inicial, 100
Documento (ver prova documental) Autenticidade, 401 e ss. Autoria, 401 e ss. Conteúdo e suporte, 396
Documento e instrumento, 395 Fax, 410
Indivisibilidade, 414 Particular, 401 e ss. Público, 401 e ss.
Duplo grau de jurisdição, 525 e ss. E Abuso do direito de recorrer, 530
E Princípio da oralidade, 527, 528, 529
Eprincípio da celeridade, 530, 531
Desconfiança em relação ao juiz, 531
Garantia constitucional, 533
Necessidade de mitigação, 527,
528, 529, 530, 531, 532, 533
Princípio fundamental, 527, 528,
529, 530, 531, 532, 533
Va Io riza ção dafig u ra do juiz de 1." grau, 531, 532, 533
E
Efeito de intervenção, 211 Efeito devolutivo, 557 Efeito expansivo, 562 Efeito infringente, 588 Efeito substitutivo,
562 Efeito suspensivo, 560 Efeito translativo, 561
Embargos de declaração (ver recurso), 583 e ss.
Embargos de divergência, 614 Embargos infringentes, 589 e ss, 613
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO
851
Embargos nos tribunais superiores, 611 e ss.
Emenda à petição inicial, 118 Exame (prova), 439
Exceção de impedimento, 166 e ss. Procedimento, 167, 168 Suspensão do processo, 168
Exceção de incompetência relativa, 164 e ss.
Procedimento, 165 Suspensão do processo, 165, 166
Exceção de suspeição, 166 e ss. Procedimento, 167, 168 Suspensão do processo, 168
Execução
Direitos difusos e coletivos, 803
Direitos individuais homogêneos, 809
Juizados Especiais Federais, 777
Execução provisória, 5Ü7 e ss.
Alienação de bem na pendência do recurso, 523
Caução, 523
Execução completa, 521 e ss.
Execução fundada em título provisório e execução definitiva, 519 e ss.
Execução incompleta, 521 e ss.
Hipóteses no direito brasileiro, 511 e ss.
Levantamento de dinheiro, 523 Exibição (ver prova) Extinção anômala do processo, 280
Fac-simile, 410
Falsidade documental, 419
Fato futuro, 344 (ver prova indiciaria)
Fato notório, 319
Fluicl recovery, 809
I
Impedimento (ver também exceção de impedimento) Perito, 437, 438 Testemunha, 430
Incapaz (absolutamente), 430
Incidente de uniformização de jurisprudência, 644
Indeferimento da petição inicial, 118 Indício (ver prova indiciaria) Inépcia da petição inicial, 101, 118 Informante,
360,431 Inspeção judicial, 443 e ss.
Interesse
Processual (de agir), 67 Jurídico, 209 Recursal, 551, 552, 553
Interrogatório livre e depoimento pessoal, 357 e ss.
Intervenção anômala (Lei 9.469/97), 225
lnconstitucionalidade, 225, 226, 227
852
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Ausência de interesse jurídico, 225
Juízo, 341 (ver prova indiciaria)
Intimaçao, 133 Pessoal, 134 Por correio, 134
Por publicação no órgão oficial, 134
Juizado Especial, 739 c ss.
Capacidade para atuai; 754 e ss., 766
Características, 739 e ss. Celeridade, 746 Competência, 748, 769
Determinação de pagamento de soma em dinheiro, 778
Duplo juízo, 762 e ss., 774 e ss. Dispensa de precatório, 778, 779 Economia processual, 745
Execução perante tis Juizados Especiais Federais, 777 e ss.
Filosofia dos Juizados Especiais, 739 e ss.
informalidade, 744
Juizado Especial Estadual, 748 e ss.
Juizado Especial Federal, 765 e ss. Obrigações de pequeno valor, 778 Oralidade, 742 Simplicidade, 743 Recursos,
762 e ss, 774 e ss.
Seqüestro de soma em dinheiro diante do não atendimento à sentença que determina o seu pagamento, 778
Julgamento antecipado do mérito, 283 e ss.
Hipóteses, 284 e ss., 286 e ss.. Fato pertinente, 285 Fato relevante, 285
Julgamento do recurso pelo relator (ver recursos)
Litisconsórcio
Facultativo, 195
Hipóteses de cabimento, 197
Necessário, 195, 202 e ss.
Regime, 199
Simples, 196
Unitário, 196
Litispendência em ação coletiva, 820
M
Medida cautelar diante da interposição de agravo contra a decisão que não admitiu o recurso especial ou o recurso
extraordinário, 654
Medida cautelar em face dos recursos especial e extraordinário retidos, 658 e ss.
Medida cautelar e recurso admitido, 651
Medida cautelar e recurso ainda não submetido ao juízo de admissibilidade no tribunal de origem, 652
Medida cautelar para suspender os efeitos de decisão objeto de recurso
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO
853
especial ou de recurso extraordinário, 650 e ss.
Momento da concessão da tutela ante-cipatória, 256 e ss.
N
Nomeação à autoria, 214 Função, 214, 215 Hipóteses de cabimento, 215, 216 Procedimento, 216, 217
O
Obscuridade, 583 Omissão, 584
Ônus (ver ônus da prova e ônus da alegação)
Oposição, 212
Função, 212, 213
Requisitos da petição inicial, 213, 214
Procedimento, 214
Parte, 189 e ss.
Conceito, 189 e ss. Parte e terceiro, 189 e ss.
Pedido, 105
Alternativo, 112
Condenatório para o futuro, 110
Cumulação (ver Cumulação de Pedidos)
Imediato, 105
Indeterminado, 111
Julgamento fora do pedido, 109, 456, 458
Mediato, 105 Modificação do, 114
Perícia (ver prova pericial) Perícia complexa, 440 Perito (ver prova pericial)
Petição inicial, 100 e ss. Causa de pedir, 102
Cumulação (ver Cumulação de Pedidos)
Distribuição, 100
Emenda à petição inicial, 118
Indeferimento da petição inicial, 118
Modificação da causa de pedir, 114
Modificação do pedido, 114 Partes, 116 Pedido (ver Pedido)
Princípio da congruência, 109, 456, 458
Requisitos, 101 Valor da causa, 117
Poderes do juiz, 58 e ss.
De conceder medida cautela/; 62 De polícia, 58
De reprimir a litigância de má-fé, 60
Poderes instrutórios, 61
Prazos, 136 e ss. Contagem, 136 Dilatórios , 136
854
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Preclusão, 664 c ss.
Eficácia preclusiva da coisa julgada, 690
Preclusão e coisa julgada, 669 Preclusão conswnativa, 666 Preclusão lógica, 666 Preclusão temporal, 666
Presunção (ver prova indiciaria) Pressupostos Recursais, 55 1 Presunção, 341
Princípios
Celeridade, 232, 507, 526, 664, 746
Congruência, 109, 456, 458 Duplo grau de jurisdição, 543 Economia processual, 277, 745
Frutos da árvore venenosa (prova), 328
Fungibilidade, 269, 547 Informalidade, 744 Oralidade, 527, 528, 529, 742
Proibição da reformatio in pejus, 550
Proporciona/idade, 325, 326, 327, 328
Simplicidade, 743 Taxatividade, 545 Unirrecorribilidade, 546
Procedimento, 88 c ss. Comum, 88 Especial, 88
Juizados Especiais, 741 e ss, 756, 772
Ordinário, 88
Sumário, 89
Processo
Cante lar, 81 e ss. Conhecimento, 81 e ss. Execução, 81 e ss. Extinção anômala, 280 Instauração, 100 Suspensão,
228
Prova, 295 e ss.
Ação inibitória, 343 e ss. Admissão da prova, 331 Ameaça, 347 Busca da verdade, 296
Confissão efetiva e confissão ficta, 371
Confissão (elementos), 366
Confissão espontânea e confissão provocada, 373
Confissão (e reconhecimento do pedido, renúncia ao direito e admissão), 369
Confissão (indivisibilidade), 375
Confissão judicial e extrajudicial, 373
Confissão (natureza jurídica), 365 Definição de prova, 311
Depoimento pessoal do representante de pessoa jurídica, 358, 359
Depoimento pessoal e confissão, 357
Depoimento pessoal e interrogatório livre, 357
Depoimento pessoal (natureza jurídica), 361
Dever de guardar sigilo, 356
ÍNDICE ALFABHTICO-REMISSIVO
855
Emprestada, 323
Exibição contra o Poder Público, 380
Exibição dirigida contra a parte e contra terceiro, 382
Exibição e dever de colaboração com o Judiciário, 380
Exibição (procedimento em face da parte), 386
Exibição (procedimento em face de terceiro), 387
Fases do procedimento probatório, 330
Fatos que não dependem de prova, 319 e ss.
Fato notório, 319 Função da prova, 296
Inexigibi/idade de auto-imputação criminosa, 354, 355, 381, 431
Inspeção judicial, 443 e ss. Não-contestação, 320 Objeto da prova, 314 Ônus da alegação, 316 Ônus da prova, 315
Poder probatório do juiz., 322
Presunção legal de existência ou de veracidade, 322
Produção da prova, 331
Prova documental (autenticidade), 401
Prova documental (assinatura eletrônica), 406, 407, 408, 409, 410
Prova documental (autoria do documento), 401
Prova documental (conceito), 390
Prova documental (conteúdo e suporte do documento), 396 e ss.
Prova documental (Criptografia), 407, 408
Prova documental (documento e instrumento), 395
Prova documental (documento informático), 406
Prova documental (documento público e documento privado), 401
Prova documental e documentos essenciais à propositura da ação, 415
Prova documental e fac-símile, 410 Prova documental e internet, 407
Prova documental e prova documentada, 393
Prova documental (falsidade ideológica e material), 424
Prova documental (força proban-te dos documentos), 413
Prova documental (incidente de argüição de falsidade), 419 e ss.
Prova documental (indivisibilida-de), 414
Prova documental (instrumento público que é da substância do ato), 413
Prova documental (momento da produção), 418, 419
Prova documental (novas tecnologias), 404
Prova documental (rasura do documento), 414
Prova ilícita (Princípio da proporcionalidade), 325, 326, 327, 328
Prova ilícita (Princípio dos frutos da árvore venenosa), 328
Prova ilícita (Prova derivada de prova ilícita), 328
856
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Prova ilícita (Teoria da desconta-minação do julgado), 329
Prova indiciaria (ação inibilória), 343 e ss.
Prova indiciaria {Conceito), 332 e ss.
Prova indiciaria e presunção legal, 335
Prova indiciaria (fato futuro), 344 Prova indiciaria (indício), 341 Prova indiciaria (juízo), 341 Prova indiciaria
(presunção), 341
Prova indiciaria (Raciocínio pre-suntivo), 341
Prova testemunhai (acareação), 436
Prova testemunhai (Contradita da testemunha), 436
Prova testemunhai (dados que devem informar o rol de testemunhas), 434
Prova testemunhai (exceções), 430, 431
Prova testemunhai (incapacidade, impedimento e suspeição), 430 e ss.
Prova testemunhai (informante), 431
Prova testemunhai (prazo para a apresentação do rol de testemunhas), 434
Prova testemunhai (regras de. privilégio), 431
Prova testemunhai (testemunha referida), 436
Prova pericial (avaliação, exame e vistoria), 439
Prova pericial (conceito), 437
Prova pericial (contraditório-inti-mação das partes da data e do local em que terá início a prova), 442
Prova pericial (dispensa), 437
Prova pericial (esclarecimentos sobre o laudo e pareceres técnicos), 442, 443
Prova pericial (fato que pode ser constatado de forma informal-possibilidade de mera inquirição do perito e
assistentes técnicos), 440, 441
Prova pericial (impedimento e suspeição), 437, 438
Prova pericial (nomeação do perito), 439
Prova pericial (perícia complexa), 440
Prova pericial (prazo para a apresentação do laudo e pareceres técnicos), 441, 442
Prova pericial (produção), 440 e ss.
Prova pericial (quesitos suplementares), 442
Prova pericial (segunda perícia), 443
Prova pericial (substituição do perito), 440, 441, 442
Prova pericial (valoração), 443 Regras de privilégio, 354 Valoração da prova, 332
Q
Quesitos (prova pericial), 441, 442 Questão prejudicial, 178 e ss.
ÍNDICE ALFABÉTICO-REMISSIVO
857
R
Raciocínio presuntivo, 341 (ver prova indiciaria)
Reconhecimento do pedido, 151
Rcconvenção, 169 ess.
Autonomia diante da ação, 169 Conexão com a causa de pedir, 173
Conexão com o fundamento da defesa, 174
Interesse de agir, 171
Julgamento simultâneo com a ação, 175
Legitimidade, 170 Requisitos, 169
Pedido contraposto no procedimento sumário, 172
Possibilidade jurídica, 170 Pressupostos processuais, 172 Reconvenção em reconvenção, 174 Recurso cabível, 176
Recurso, 540 e ss.
Agravo (por instrumento), 574 e ss., 579
Agravo (retido), 574 e ss., 578
Agravo de instrumento (conversão em agravo retido), 581
Agravo inominado, 574, 632 Apelação, 563
Declaração de inconstitucionali-dade, 647
Deslocamento de competência para o julgamento do recurso (art. 555, § 1.", CPC), 638 e ss.
Efeito devolutivo, 557 Efeito suspensivo, 560
Efeito translativo, 561 Embargos de declaração, 583, 611
Embargos de declaração (com caráter infringente), 588
Embargos de declaração (interrupção do prazo), 585
Embargos de declaração (pressupostos), 583, 584
Embargos de divergência, 614
Embargos infringentes (nova sistemática de cabimento), 589
Embargos nos tribunais superiores, 611
Julgamento monocrático pelo relator (arts. 544 e 557, CPC), 610, 618 e ss.
Interesse recursal, 551 Legitimidade recursal, 553
Medida cautelar diante da inter-posição de agravo contra a decisão que não admitiu o recurso especial ou o recurso
extraordinário, 654
Medida cautelar em face dos recursos especial e extraordinário retidos, 658 e ss.
Medida cautelar e recurso admitido, 651
Medida cautelar e recurso ainda não submetido ao juízo de admissibilidade no tribunal de origem, 652
Medida cautelar para suspender os efeitos de decisão objeto de recurso especial ou de recurso extraordinário, 650 e
ss.
Princípios (fungibilidade, proibição da reformatio in pejus, taxatividade, imirrecorribilida-de), 545, 546, 547,
548, 549, 550
858
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Pressupostos recursais, 551
Procedimento recitrsal nos Juizados Especiais, 762, 774
Recurso adesivo, 616 e ss. Recurso especial, 600 Recurso extraordinário, 600
Recurso especial e extraordinário retidos, 605 e ss., 658 e ss.
Recurso ordinário constitucional, 597
Reexame necessário, 662
Tutela antecipatória em face dos recursos especial e extraordinário, 656 e ss.
Tutela antecipatória em face dos recursos especial e extraordinário retidos, 658 e ss.
Uniformização de jurisprudência, 644
Regras de privilégio, 354 Renúncia ao direito, 151
Relativização da coisa julgada material, 715 e ss.
Representante, 358
Revelia, 140 c ss.
Caracterização, 141 Dispensa de intiniação, 149 Efeitos, 140
Exceções à presunção de veracidade decorrente da não apresentação de contestação, 144, 145, 146, 147, 148
Julgamento antecipado do mérito, 148
Presunção de veracidade, 143
Saneamento do processo, 293, 294
Sentença, 449 e ss.
Classificação trinária das sentenças (origem e superação), 459, 460, 461, 462, 463, 464
Conceito - art. 162, CPC, 449 Condenatória, 467 Constitutiva, 466 Declaratória, 464 Executiva , 472
Fundamentação, 452 llíquida, 455 Mandamental, 470 Parte dispositiva, 453
Princípio da congruência entre a sentença e o pedido, 456, 458
Sentença certa e relação jurídica condicional, 458
Sentença de condenação genérica (direitos individuais homogêneos), 801
Sentença e tutela dos direitos, 474 Sentença e tutela específica, 480
Sentença para a tutela de direitos difusos e coletivos, 800
Sentença para a tutela dos direitos individuais homogêneos, 801
Sentença nos Juizados Especiais Federais, 777
Sentença satisfativa e sentença não-satisfativa, 477
Requisitos, 451 Relatório, 451 Vícios, 454
ÍNDICE ALFABETICO-REMISSIVO
859
Suspensão do processo, 228
Hipóteses do cirt. 265, CPC, 228
Suspensão do processo diante de exceção de incompetência, 163, 164
Suspensão do processo diante de exceção de impedimento, 168
Suspensão do processo diante de exceção de suspeição, 168
Testemunha (ver prova testemunhai) Testemunha referida, 436
Tutela Antecipatória, 232 e ss. Ação condenatória, 260, 261 Ação constitutiva, 262 Ação declaratória, 263 Ação
executiva, 260 Ação mandainental, 260
Aplicação do princípio da fiingi-bilidade (tutela antecipatória e tutela cautelar), 269
Concessão antes da ouvida réu (excepcionalidade), 256
Concessão depois de encerrada a instrução, 256, 257, 258, 259
Exceção substancial indireta provavelmente infundada, 275
Direito evidente, 278 Execução, 273 Irreversibilidade, 271 Fundado receio de dano, 260
Incontrovérsia de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados, 278, 279
Julgamento no curso do procedimento, 277, 278, 279
Momento da concessão, 256 e ss.
Não-contestação, 276 Procedimento compatíveis, 252 Prova inequívoca, 248 Reconhecimento parcial, 276 Técnica
monitoria, 275
Tutela antecipatória e tutela cautelar, 235, 264 e ss.
Tutela antecipatória em face dos recursos especial e extraordinário, 656 e ss.
Tutela antecipatória em face dos recursos especial e extraordinário retidos, 658 e ss.
Verossimilhança, 248
Tutela do adimplemento da obrigação contratual na forma específica, 498
Tutela específica e tutela pelo equivalente monetário, 480, 502
Tutela inibitória, 484 c ss. Pressupostos, 485 Ação inibitória individual, 488
Ação inibitória coletiva, 488, 796, 800, 827
Ação inibitória coletiva para impedir o uso de cláusulas gerais abusivas, 827
Tutela final e tutela antecipatória, 268, 269
Tutela de remoção do ilícito (reintegra-tória) , 495
Tutela ressarcitória na forma específica, 500
Tutela pelo equivalente monetário, 502
Tutela pelo equivalente monetário e tutela prestada em pecúnia, 502
860
MANUAL DO PROCESSO DE CONHECIMENTO
U
Vias alternativas de pacificação social, 32
Uniformização de jurisprudência, 644
V Valor da causa, 117
Arbitragem, 33
Constitucionalidade da arbitragem, 34
Vistoria, 439
Editoração eletrônica:
MPR Representações Ltda. CNPJ 65.588.444/0001-35
Impressão e encadernação:
Editora ParriTa Ltda. CNPJ 62.722.103/0001-12
OUTRAS PUBLICAÇÕES
Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Oveis e de outras formas de
impugnação às decisões
Coord.: Nelson Nery ir. e Teresa Arruda Alvim Wambier
Causa de Pedir e Pedido no Processo Civil
liidla José ifejÉrio Cruz e lucíl e
Josi literto dos Santos tèéape
ÍS^
Mio
Chamamento ao Processo 2." edição revista e atualizada
0^
A Monografia Jurídica
6." edição revista, atualizadar« ampliada
Eduardo de Oliveira Leite
A.S. L3878-01
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS
ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR
TeL 0800-702-2433
www.rt.com.br