Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
I Plano Municipal para a Integração dos Imigrantes de Lisboa RELATÓRIO DE ESTÁGIO CURRICULAR | MESTRADO EM MIGRAÇÕES, INTER-ETNICIDADES E TRANSNACIONALISMO MARTA FERREIRA DA SILVA MANAÇAS Novembro de 2015 Relatório de estágio para a obtenção do grau de mestre em Migrações, Inter-etnicidades e Transnacionalismo, realizado sob a coordenação científica da Professora Doutora M. Margarida Marques e a coorientação do Professor Doutor José Leitão da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas II DECLARAÇÕES Declaro que este relatório de estágio é o resultado da minha investigação pessoal e independente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia. O candidato, _________________________________ Lisboa, de de 2015 Declaro que este relatório se encontra em condições de ser apresentado a provas públicas. O(s) orientador(es), _________________________________ Lisboa, de de 2015 III RESUMO A base teórica do trabalho que se segue pretende, por um lado, oferecer um enquadramento a nível europeu, considerando o Outro enquanto construção sob um paradigma ocidental hegemónico. Por outro lado, visa refletir sobre a aplicação dos principais modelos de integração de imigrantes e como desenvolver uma ‘cidadania imigrante’ ativa. Surgem também questões relacionadas sobre qual o modelo que tem vindo a ser aplicado em Portugal e de que forma é que o último se distingue no contexto europeu face às implicações institucionais supranacionais. A metodologia aplicada tem assim um cariz essencialmente descritivo e exploratório, com o intuito de observar mais criticamente o trabalho desenvolvido durante o estágio curricular. O I Plano Municipal de Integração de Imigrantes de Lisboa é o projeto em que participei durante os meses de estágio. O projeto é em si objeto de análise no relatório. O plano municipal é um projeto desenvolvido cooperativamente por diferentes atores mas que, de um ponto de vista mais crítico, se vê limitado por imposições institucionais, colocando em confronto três níveis políticos: a União Europeia, a Câmara Municipal de Lisboa e a rede associativa. A União Europeia financia o projeto através do Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de Países Terceiros (FEINPT) cuja entidade responsável pela delegação, em Portugal, é o Alto Comissariado para as Migrações (ACM); a Câmara Municipal de Lisboa coordena o projeto desenvolvendo-o em cooperação com associações e organizações ligadas à temática, sobretudo através do Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania (CMIC); e a rede associativa constitui o terceiro nível político, através do qual participam os ‘nacionais de países terceiros’, a quem o fundo como propósito se destina. PALAVRAS-CHAVE: Integração, Participação, Cidadania, Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de Países Terceiros, Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania ABSTRACT The theoretical basis of the following work intends to offer an european context considering the construction of the Other under a hegemonic western view. From another perspective it intends to reflect about the main integration models and how to develop an active ‘immigrant citizenship’. There are also related questions about the portuguese IV integration model and how the last distinguishes itself in the european context against the supranational institutional entailments. The methodology is essentially descriptive and exploratory aiming to observe more critically the work that was developped during the internship. The city council plan for the integration of immigrants in Lisbon is the project in which I have participated during seven months of internship. The project is itself the report’s object of analysis. The city council integration plan is a project developped in cooperation between different actors. From a sceptical view, it is restricted by institutional entailments, placing in confront three political levels: the European Union, the City Council of Lisbon and the associative network. The European Union made available a financial aid through the European Fund for the Integration of Third Countries Nationals; the City Council coordinates the project mainly through its consultative body for interculturality and citizenship; the associative network is the third political level, in which third countries nationals participate for whom the Fund exists. KEYWORDS: Integration, Participation, Citizenship, European Fund for the Integration of Third Countries Nationals and Consultative Body for Interculturality and Citizenship V Nota de apresentação e agradecimentos A motivação que me levou a ingressar no mestrado em Migrações, Inter-etnicidades e Transnacionalismo prendeu-se, primeiro que tudo, ao fator humano. Os anos de licenciatura em Estudos Europeus deram-me a conhecer desde excertos de literatura clássica à literatura colonial, a história da revolução francesa e os filósofos da democracia do século XVIII até ao direito da União Europeia e política económica, entre outras matérias. Após conhecer uma Europa de infinidades, é com mau grado que tenho assistido aos noticiários sabendo que, no século XXI, vivo numa Europa tecnocrática e economicamente ditatorial. Foi na emergência de um sentido que o mestrado em Migrações, Inter-etncidades e Transnacionalismo me pareceu um meio de fazer parte de uma mudança social. E, também, porque sinto uma identificação e empatia para com a figura do ‘estrangeiro’, vi neste mestrado um caminho com um conteúdo de matérias muito aliciantes e ferramentas teóricas para um futuro trabalho com imigrantes. Para além da vontade de aprofundar os meus conhecimentos e definir uma direção profissional, quis ir ao encontro da ‘estrangeira’ que existe dentro de mim e, de algum modo, ser capaz de sentir o encantamento, surpresa e dor do Outro que chega a um lugar estranho. O segundo ano de mestrado deu-me a hipótese de elaborar uma dissertação, um estágio curricular ou um trabalho de projeto. Com pouca hesitação, decidi optar pelo estágio curricular pela oportunidade de contactar com o mundo do trabalho e, finalmente, aplicar os conhecimentos adquiridos. Desta forma, o desafio de estagiar na Câmara Municipal de Lisboa parecia-me grande e tentador. Foi uma nova etapa da minha vida que abracei com dedicação e que me trouxe um sentimento de gratificação pelas pessoas que conheci e pelo ambiente de trabalho. Quero agradecer à minha família que sempre me apoiou nas minhas escolhas académicas e que tanta força me deu nesta etapa. Aos meus Pais, irmãs, Joana e Inês, cunhados, Manuel e Jorge, à minha Avó, à Zita, ao sobrinho João e ao Rogério, um grande obrigado por todo o amor e carinho. Um especial obrigado ao cunhado Manuel pela generosidade e ajuda na revisão do trabalho. Muito agradeço aos meus orientadores, Prof.ª Doutora M. Margarida Marques e Doutor José Leitão, pela constante disponibilidade, atenção, rigor e abertura de pensamento. VI A toda a equipa de trabalho do Departamento de Desenvolvimento Social da Câmara Municipal de Lisboa, em especial à Dr.ª Susana Ramos, orientadora no local de estágio, pelo profissionalismo, simpatia e amabilidade e à equipa da Interculturalidade (Sylvie Silva, Paula Gomes, Dulce Caldeira e Vera Medeiro) e à Sónia Noronha pelo acolhimento e aprendizagem. VII Índice RESUMO……………………………………………………………………………………………………….IV e V Nota de apresentação e agradecimentos………………………………VI e VII Índice…………………………………………………………………...VIII e IX 1. Introdução…………………………………………………………………..1 2. Estado da questão 2.1.Integração pela participação………………………………………………...3 2.2.Políticas de cidadania……………………………………………………...10 3. O I Plano Municipal para a Integração de Imigrantes de Lisboa: projeto desenvolvido pela Câmara Municipal de Lisboa 3.1.Orgânica da CML e estrutura do Departamento de Desenvolvimento Social……………………………………………………………………….15 3.2.Objetivos do Plano de Ação e do Pelouro dos Direitos Sociais………........16 3.3.Funções e projetos desempenhados pela equipa da Interculturalidade…….16 3.4.Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania………………..19 3.5.Plano Municipal para a Integração dos Imigrantes de Lisboa: objetivos e enquadramento formal……………………………………………………..20 3.6.Elaboração do PMIIL, etapas e atividades desenvolvidas 3.6.1. Constituição do Grupo Restrito e do Grupo de Trabalho…………….21 3.6.2. Consulta de estratégias noutros países e cidades……………….…….24 3.6.3. Realização do diagnóstico……………………………………….……25 3.6.4. Recursos internos da CML……………………………………….…...30 3.6.5. Workshop do PMIIL…………………………………………………..35 3.6.6. Reuniões do Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania…………………………………………………….………..37 3.6.7. Debates temáticos na Assembleia Municipal de Lisboa……………...38 VIII 4. Considerações finais 4.1.O paradigma europeu……………………………………………………...39 4.2.O processo participativo…………………………………………………...40 4.3.Limitações da interculturalidade…………………………………………..41 5. A minha participação e autoavaliação…………………………………...42 6. Conclusões…………………………………………………………………43 Bibliografia …………………………………………………………………….45 Anexos………………………………………………………………………….49 IX 1. Introdução No mundo pós-moderno, os movimentos migratórios atingiram níveis nunca antes vistos que, inevitavelmente, têm causado mudanças sociais, políticas e culturais. São cada vez mais as pessoas a passar fronteiras e a desafiar o sistema internacional de estados-nação instituído há quatros séculos com a Paz de Vestefália em 16481, a qual inaugurou a trindade estado, nação, território ou, pelo menos, deu início ao processo do estabelecimento quase universal do estado moderno. As barreiras que se ultrapassam não são assim meramente físicas e territoriais: conceitos como cidadania e democracia, aliados à participação política, são redefinidos em consequência das migrações. Considerando o seu enquadramento europeu numa era pós-colonial2, os debates em torno das políticas migratórias e para os imigrantes são essencialmente ideológicos. A este propósito, em Portugal, manifestam-se de variadas formas invenções e celebrações sobre um passado que, na opinião de Almeida (2002), deveria ser confrontado. Importa ainda sublinhar que, nas últimas duas décadas, a União Europeia inaugurou o espaço Schengen3 e, numa progressiva abertura de fronteiras internas (de pessoas, bens, capitais e serviços) e um alargamento da União para ‘Leste’, as fronteiras externas foram sendo reforçadas, manifestando-se assim uma tensão entre duas forças opostas: abertura e fechamento. Como notam Haas e Czaika (2013) as regulações e legislações discriminatórias (de raça) foram abolidas e, hoje em dia, os países favorecem cada vez mais a imigração em espaços de livre circulação, tais como a União Europeia ou a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental. A questão é que ao mesmo 1 Durante algum tempo foi consensual designar-se a Paz de Vestefália como o ponto de viragem para o estado moderno. Sendo assim é um ponto de referência na história, no entanto, como nota Moita (2012), os Tratados de Vestefália não inauguraram o Estado moderno e muito menos o Estado laico que é precisamente um dos atributos do Estado moderno. No entanto considera-se este momento a base de algumas divisões e uma nova geografia europeia. 2 Entenda-se por era pós-colonial não o período imediatamente após a queda do colonialismo enquanto instituição mas sim como o período que resultou do fracasso do socialismo, do anticolonialismo e em que triunfou a economia de mercado neoliberal à escala planetária (Almeida, 2002). 3 O Acordo de Schengen foi inicialmente assinado em 1985 por cinco países e previu a abolição progressiva de fronteiras. Em 1990 é assinada a Convenção Schengen, tendo sido implementados os acordos Schengen em 1995. Portugal assinou a Convenção em 1991. Atualmente fazem parte do espaço Schengen a maioria dos estados-membro da UE com exceção da Bulgária, Roménia, Chipre, Irlanda e Reino Unido. Pertencem ainda ao espaço Schengen os seguintes países não membros da UE: Noruega, Islândia, Suíça e Liechtenstein. 1 tempo, há uma restrição em relação aos imigrantes de países terceiros quando comparados com os imigrantes provenientes de países pertencentes a esses espaços de livre circulação. A Europa atravessa várias crises internas, desde a crise económica que muitos afirmam ser antes uma crise de ideologia até a uma crise democrática. Neste contexto históricopolítico têm emergido com uma força crescente partidos de extrema-direita que, através de discursos populistas e nacionalistas, ganham apoiantes e fomentam a xenofobia e o racismo. Aliado a estes últimos fatores e perante a maior crise internacional de refugiados desde a Segunda Guerra, a União Europeia ‘assiste’ a uma vaga migratória que entra pelo Sul Oriental e pela Itália4. Nos últimos anos não é estranho associar-se as migrações para a Europa à crise no Mediterrâneo5, muito pelo poder da comunicação social que tem tido um papel maioritariamente negligente ou perversamente negativo na construção da imagem do imigrante, associando-o a fenómenos de pobreza, desespero, crime, ilegalidade, tanto quando o coloca no papel da vítima como quando o coloca no papel do ‘invasor’ e especialmente após os ataques terroristas no início do século XXI, contribuindo assim para o ciclo vicioso de marginalização da população imigrante. Portugal, banhado a Ocidente pelo Atlântico, é também um país mediterrânico, um país europeu e um país da Europa do Sul. A posição geográfica do país tem permitido, ao longo dos séculos, uma alternância nas suas direções de interesses. Foi durante muito tempo um país de ‘emigração’, tendo-se tornado num país de ‘imigração’ no final do último milénio, o que conduziu ao desenvolvimento de políticas e mecanismos de integração. No discurso político português, é comum ser referido o sucesso das suas políticas de integração de imigrantes e o seu vantajoso segundo lugar no ranking do MIPEX6. No entanto, continuam a existir desigualdades económicas e sociais entre os 4 A crise de refugiados que se atravessa no momento é a maior crise que a Europa atravessa desde a segunda guerra mundial. Segundo dados da Comissão Europeia, estima-se que haja mais de 4 milhões de refugiados nos países vizinhos da Síria (http://ec.europa.eu/echo/files/aid/countries/factsheets/syria_en.pdf). 5 Na última década a União Europeia tem sido alvo de críticas pela academia e alguma comunicação social pelo forte investimento no controlo de fronteiras, nomeadamente com a criação da agência FRONTEX em 2004, na sequência dos acontecimentos no Mediterrâneo. 6 O MIPEX (Migration Integration Policy Index) é um instrumento de avaliação das políticas de integração dos imigrantes e atua em todos os países membros da União Europeia, América do Norte (Estados Unidos da América e Canadá), Austrália, Islândia, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Noruega, Suíça, Turquia. 2 imigrantes, dificuldades no acesso à saúde e à educação, bem como deficiências noutros campos essenciais. 2. Estado da questão 2.1. Integração pela participação No contexto do presente trabalho a dimensão simbólica de olhar o outro conduz a uma análise mais profunda e crítica sobre como a população é diferenciada entre si e como se delineiam fronteiras. Deste modo pretende-se caminhar para a obtenção de políticas realmente eficazes sem cair em pressupostos superficiais e simplistas, como, por exemplo, os da realidade administrativa. No caso português, “imigrante” é um termo que não existe no texto legislativo, sendo o termo usado “estrangeiro”, o que torna a informação proveniente das fontes estatísticas oficiais bastante limitativa. Estas fornecem-nos informação dos estrangeiros residentes no país e, assim, todos aqueles que são “imigrantes” e que já adquiriram a nacionalidade portuguesa não são contabilizados estatisticamente. Isto levou a que as agendas políticas portuguesas de integração tenham, ao longo dos anos, optado por criar conceitos como “descendentes de imigrantes” ou, mais recentemente, “novos portugueses”7. A sua criação foi no sentido de direcionar medidas mais específicas para os mesmos. Ainda assim, qualquer um dos termos categoriza de uma forma redutora toda uma população que é muito mais complexa e diversa entre si, abrindo-se um fosso entre a política administrativa e a realidade e políticas locais. Por outro lado, o uso dos termos não é neutro nem meramente burocrático, está sim intrínseco a determinadas ideologias políticas. No presente, o termo internacional ‘politicamente correto’ é “migrante” e, não, “imigrante”. Em Portugal, a última agenda política no domínio das migrações optou por incluir medidas direcionadas para os ‘emigrantes’, tendo-se alterado inclusivamente a estrutura do antigo Alto Comissariado Os “novos portugueses” são cidadãos que, nascidos no estrangeiro ou nascidos em território nacional mas sendo filhos de progenitor ou progenitores estrangeiro ou estrangeiros, adquiriram a nacionalidade portuguesa. Qualquer um dos dois termos – “descendentes de imigrantes” ou “novos portugueses” – aplicase a indivíduos que nasceram cá e não têm experiência migratória nem, muitas vezes, qualquer contato com a terra dos seus ancestrais. 7 3 para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), agora denominado de Alto Comissariado para as Migrações (ACM)8. Estas duas últimas questões existem numa base de divergência: o conflito políticoideológico e a diversidade local e regional face ao sistema administrativo e ao sistema institucional supranacional. No entanto, é limitativo observá-las exclusivamente no contexto presente de Portugal. Se quisermos ir mais atrás, no mundo antigo o ‘estrangeiro’ foi, sob outras formas, alguém indesejado. No sentido mais amplo, as questões do ‘outro’ e da sua construção, como nota Staszak (2008), insurgem-se no início dos anos 80 mas esta era já uma questão muito anterior, como vemos por Homero, por Heródoto e a sociedade persa ou por Hipócrates que procurou explicar a diversidade social através da influência do contexto. O mesmo autor refere ainda que o Renascimento e a descoberta de novas civilizações, especialmente na América, trouxeram a questão geográfica do Outro para a linha da frente, abrindo caminho aos ocidentais para procurar meios de classificar as sociedades. A ideia de um progresso universal, ou uma cronologia que seja válida para todas as sociedades, permitiria que as sociedades fossem organizadas hierarquicamente da mais primitiva até à mais civilizada (europeus). Mas como nem todas as formas de alteridade são geográficas por natureza (…) as migrações e especialmente as migrações forçadas resultaram na vinda do Outro, outrora distante geograficamente, para o meio de ‘nós’ (idem, 2008:5). Sob outro ponto de vista, se recuarmos a Barth, segundo a teoria da fronteira étnica (1969), a identidade étnica é basicamente uma identidade social que emerge na própria interação com os outros e não no isolamento social. Deste modo, invalida a visão simplista de que a diversidade cultural é mantida devido sobretudo ao isolamento geográfico e social. Os atores usam as identidades que lhe são atribuídas com o propósito de interagir. Assim tem-se em conta não a soma de traços ‘objetivos’ mas sim aqueles escolhidos ou que se tornam significantes para os que atribuem9. O problema é que 8 O decreto de lei n.º31/2014 de 27 de fevereiro designa que o Alto Comissariado para as Migrações é um instituto público integrado na administração indireta do Estado e visa colaborar na definição de políticas públicas, transversais e setoriais em matéria de migrações. 9 Assim não interessam as diferenças ‘objetivas’ entre A e B mas sim a ‘fronteira étnica’, que se forma no contraste e na interação porque A se afirma enquanto tal e deseja ser tratado como A em contraste com B. Assim a ‘fronteira étnica’ define o grupo. São fronteiras sociais, pois mantem-se quando indivíduos interagem com outros e não se limitam à exclusiva ocupação de determinado território (Barth, 2010). 4 nalgumas relações algumas diferenças radicais são ignoradas ou negadas. Com isto, o autor argumenta que os traços de uma cultura que sinalizam a fronteira podem ser alterados bem como as características dos seus membros, ainda que a dicotomia entre o membro e o ‘outsider’ permita especificar a natureza da continuidade e investigar a mudança da forma cultural e do conteúdo (Barth, 2010). A hostilidade de sociedades em relação ao ‘outro’, seja este uma maioria ou minoria oprimida, seja estrangeiro, culturalmente ou socialmente diferente, parece ser segundo a literatura uma constante. Mas é de notar que, contemporaneamente, se assiste a uma reemergência de um preconceito mais específico e, ainda assim, tão antigo, que é o preconceito contra os muçulmanos. Houve uma crescente atenção dada aos islâmicos e muçulmanos na discussão pública europeia especialmente nos anos 1980 quando apareceu o conceito de ‘islamofobia’10 (Strabac e Listhaug, 2007). O sentimento ocidental contra os muçulmanos cresceu especialmente depois dos atentados terroristas no virar do milénio. De acordo com Farred (2007), o 11 de setembro inaugurou o ‘terrorista’ islâmico como o inimigo absoluto. Facto que foi reforçado pelos atentados terroristas posteriores (Londres, Madrid e Paris). A questão do terrorismo e a crescente ênfase na segurança pode ter levado alguns autores a defenderem e a fundamentarem que o multiculturalismo falhou na Europa11. Mas era já anterior o confronto filosófico de posições em relação ao multiculturalismo. Colombo (2015) expõe três formas de explicar o multiculturalismo: enquanto assunto normativo (apelando à coexistência entre as normas do liberalismo e da liberdade individual e uma política apologista da diferença e dos direitos culturais), como uma anti ideologia (esta de cariz contestatório, focando-se nas relações de poder e decorrente da teoria póscolonial ao conceber a cultura enquanto construção contra uma visão essencialista da cultura) ou, em terceiro, como uma característica das sociedades globais (não como um 10 De uma forma geral esta atenção tem-se caracterizado por um alarmismo e simplificação. Como notam Strabac e Listhaug (2007), há duas grandes áreas em que se desenvolvem os estereótipos negativos contra os muçulmanos: o primeiro baseia-se no tipo de argumentação do ‘choque das civilizações’ e enfatiza a presumível ameaça que o Islão faz ao mundo não-muçulmano; e o segundo campo de estereótipos desenvolve-se em torno da noção dos ‘traços culturais muçulmanos’, focando-se nas questões das relações de género e da vida familiar. 11 Gozdecka et al. (2014) apontam para a era do pós-multiculturalismo e que esta se define pela ênfase nas questões de género, a substituição de etnicidade pela cultura através da religião (nomeadamente o Islão), as novas formas de racismo, o relativismo nos direitos humanos internacionais e transnacionais. 5 simples facto quantitativo e demográfico mas como um esforço para encontrar um novo meio cultural, político e legal de adaptação à diferença cultural). Aponta Kymlicka (2012:8-9) para o facto de o multiculturalismo enquanto celebração da diversidade cultural ter sido alvo de algumas críticas ao longo dos anos. Desta forma, o multiculturalismo teria ignorado as desigualdades económicas e políticas. Teria sido negligente quanto ao facto de a celebração de práticas culturais consideradas como ‘únicas’ serem causa de controvérsia face a determinados direitos humanos. Para além disto, o modelo multiculturalista encorajaria uma perspetiva das culturas como fechadas e estáticas, ignorando o processo de adaptação cultural e eternizando as minorias como o ‘outro’, tornando-o num produto consumível, através da sua música e cozinha. Para o teórico, estas críticas não correspondem à realidade pois no fundamento do multiculturalismo está presente uma ideologia de aceitação da diversidade, respeito pela diferença e pelos direitos humanos. A ideia de que o multiculturalismo e a política assimilacionista falharam na Europa foi de alguma forma generalizada e levou a que, nos anos recentes, o Conselho da Europa tenha introduzido uma nova abordagem para a diversidade cultural. Assim surge a introdução do conceito de ‘diálogo intercultural’12 (Conselho da Europa, 2008). Estes conceitos de ‘interculturalidade’ e de ‘diálogo intercultural’ foram também adotados no discurso político português. De acordo com Kymlicka (2012:14) estes novos conceitos são mais uma questão de mudança no discurso do que propriamente nas políticas reais que, em muitos países europeus, continuam a favorecer o multiculturalismo. Neste contexto e considerando que a integração é um processo construtivo em que o diálogo é uma das chaves essenciais, importa ter em conta as diferentes formas de categorização e as diversas manifestações de preconceito e de racismo. Para o caso de Portugal, a linha argumentativa de um crescente preconceito contra os muçulmanos (derivado dos ataques terroristas) não é, aparentemente, facilmente aplicável, pois a percentagem de população muçulmana a viver no país é muito inferior relativamente a outros países europeus13. No entanto, Portugal encontra em si elevados níveis de O ‘diálogo intercultural’ é definido pelo Conselho da Europa (2008) como uma “troca aberta de pontos de vista, com base no respeito e na compreensão mútua entre os indivíduos e as comunidades com diferentes histórias e origens étnicas, culturais, religiosas e linguísticas. Sendo que o diálogo se opera a todos os níveis – nas sociedades, entre as sociedades da Europa e entre a Europa e o resto do mundo.” 12 13 Segundo os CENSOS 2011, residem em Portugal 20.640 indivíduos que afirmam a sua orientação religiosa como sendo a muçulmana 6 xenofobia, racismo e preconceito. Este último facto pode constatar-se através do aumento de queixas à Comissão para a Igualdade e Combate à Discriminação Racial (CICDR)14. Os fenómenos de racismo, xenofobia e desconhecimento dos direitos dos estrangeiros são muitas das vezes a alavanca para acessos desiguais e, assim, as políticas de integração ao nível local e numa lógica de proximidade podem ser instrumentos fundamentais para a diminuição ou atenuação destes fenómenos. Desta forma, tem-se dado uma crescente politização da migração a um nível central e local. Não só foram crescentes as políticas adotadas pelos estados-nação como também as grandes cidades (entre as quais Lisboa não é exceção15), como principais focos de atração16, se redimensionaram por influência das tendências migratórias contemporâneas e por um crescente cosmopolitismo. As cidades não só se alteraram naturalmente nas suas várias esferas de atividade bem como se manifestam nas mesmas as políticas e modelos adotados pelos estados-nação. Mas de que falamos quando exploramos modelos e políticas de integração de imigrantes? No plano ideológico parece óbvio que uma sociedade democrática aceite e valorize a diversidade, mas de modo a não cair em abstrações com pouca validade empírica, é pertinente refletir sobre como é aplicada uma política para a diversidade cultural. Dado a complexidade do fenómeno, em termos (http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=ine_censos_indicador&contexto=ind&indOco rrCod=0006396&selTab=tab10). Importa referir que 14.202 residem na região de Lisboa (CensosResultados definitivos. Região de Lisboa 2011). 14 O número total de queixas apresentadas à CICDR (Comissão para a Igualdade e Combate à Discriminação Racial) foi, em 2013, de 615, sendo que a maioria dos atos discriminatórios se deram na “área laboral” (124) ou “outros serviços” 14 (113). Por nacionalidade o maior número de queixas corresponde à nacionalidade brasileira, ainda que este número possa ser proporcional ao número de estrangeiros brasileiros residentes em Portugal, que é também maioritário (Oliveira e Gomes, 2014). No entanto, nota-se também que as queixas apresentadas pelos estrangeiros brasileiros têm diminuído ao longo dos últimos anos, facto que não se tem notado em relação às outras nacionalidades. Por exemplo, quando se analisa em termos de grupo étnico/cultural, denota-se que há um aumento das queixas por parte de indivíduos de etnia cigana ou negros/pretos (Oliveira e Gomes, 2014). 15 Cerca de 50% dos estrangeiros residentes em Portugal vivem na região de Lisboa, tendo sido, desde o início, a área metropolitana de Lisboa o destino mais escolhido. A maioria dos estrangeiros estabeleceramse nos concelhos de Sintra, Lisboa e Amadora (Censos, 2011). https://www.google.pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&sqi=2&ved=0 CBsQFjAAahUKEwjbjvWTpbIAhWCbhoKHQlvDw4&url=https%3A%2F%2Fwww.ine.pt%2Fngt_server%2Fattachfileu.jsp%3Flook _parentBoui%3D150133806%26att_display%3Dn%26att_download%3Dy&usg=AFQjCNHIhDExX1ePlHRg4YTXUABb03Lhw&bvm=bv.106130839,d.d2s 16 A este propósito, Low (1996) refere como Leeds foi influente para o estudo das cidades focando-se nas ligações entre o supralocal e local, no nível de análise do Estado-nação e sobretudo em como a cidade é um ponto de articulação destas relações complexas. 7 teórico-práticos, é uma área que atravessa várias disciplinas desde o planeamento urbano à geografia e à história até à sociologia, antropologia ou psicologia. Classicamente existem dois modelos em que as minorias se adaptam à sociedade recetora: o modelo da assimilação (cujo melhor exemplo foi o praticado pelo colonialismo) e o da integração. No modelo assimilacionista, as diferenças desaparecem pois as minorias conformam-se à estrutura dominante. No modelo de integração, no já mencionado modelo multiculturalista ou no pluralismo, há uma adaptação mas as diferenças são mantidas e as identidades separadas ou até preservadas. Na academia, foi nos Estados Unidos da América que os fenómenos urbanos de segregação de minorias étnicas começaram a ser estudados com a Escola de Chicago, nos anos 1920 e 1930. Esta escola sociológica começou a olhar a cidade sob uma perspetiva ecológica onde se formavam nichos de população dispostos numa série de anéis concêntricos à volta de um núcleo central (Burgess, 1926)17. Na Europa, o clássico exemplo das bidonvilles18 deu origem a muitos estudos e foi o lugar onde viveram muitos emigrantes portugueses entre os anos 1950 e 1970 (Gastaut, 2004). Em Portugal, os fenómenos de segregação surgiram mais tarde com o aparecimento dos denominados ‘bairros de barracas’. Por este motivo foi crescente a visibilidade dos níveis de desigualdades económicas e sociais. Foi então no final do século XX, nos anos 1990, que se investiu na promoção da integração dos imigrantes e o Estado português desenvolveu o programa especial de realojamento (PER)19 (Cachado, 2013). Na mesma década, foi criado o Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (1996) e 17 Segundo Peach (2010), a Escola de Chicago, que conceptualizou corretamente a relação entre o padrão espacial e o processo social, falhou quando assumiu como único e inevitável o processo de transição unidirecional do interior da cidade com um alto nível de concentração para a dispersão suburbana. Ainda segundo o autor, desta forma, a Escola de Chicago apenas assumiu o processo assimilacionista, não mencionou o multiculturalismo ou o pluralismo e não fez uma distinção clara entre o enclave étnico e o gueto. Para Peach (2010) o surgimento de guetos na Europa não foi relevante como nos Estados Unidos, tendo-se dado sobretudo a emergência de enclaves étnicos. O termo bidonvilles, traduzido à letra, significa “bairros de contentores” e em português pode-se equiparar ao termo “bairros de lata”. As bidonvilles tiveram a sua origem no Magreb, ainda no período colonial. Mais tarde, em França, formaram-se na periferia das grandes cidades nos anos 1950 com a migração do pós-guerra. O seu aparecimento deu-se especialmente na cidade de Paris e subúrbios. As bidonvilles foram o local de habitação mais comum da maioria dos imigrantes (Gastaut, 2004). 18 19 O PER veio a ser alvo de críticas, nomeadamente pela grande heterogeneidade que compunha os bairros criando conflitos étnicos e ‘pequenos guetos’ dentro da cidade (Cachado, 2013:139). 8 formou-se a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP, 1996). Os anos 1990 corresponderam assim aos primórdios das políticas de integração em Portugal. Também a integração do país à escala europeia levou ao desenvolvimento progressivo e à transposição de determinados princípios no âmbito da política comum de imigração. Por exemplo, na área da luta contra a discriminação, é de referir a transposição de duas diretivas do Conselho Europeu (a diretiva “raça”20 e a diretiva “emprego”21) para o quadro legislativo nacional em 2000. Quanto ao desenvolvimento da política ao nível local, foram relevantes, no âmbito da agenda europeia comum para a integração (2005), a influência da adoção dos princípios básicos comuns22 em 2004 pelo Conselho Justiça e Assuntos Internos (JAI) e a proposta da Comissão Europeia de novos instrumentos no âmbito da capacitação de recursos ao nível regional e local e que deu origem ao Fundo de Integração para os Nacionais de Países Terceiros (FEINPT)23. O último corresponde ao atual Fundo Asilo Migração e Integração (FAMI)24. 20 Diretiva 2000/43/CE de 29 de Junho transposta para o quadro legislativo nacional através da lei nº 18/2004 de 11 de Maio. 21 Diretiva 2000/78/CE de 27 de Novembro transposta para o quadro legislativo nacional através da lei nº 99/2003 de 27 de Agosto que aprovou o Código de Trabalho. A este respeito é de referir que o nono princípio básico comum da agenda europeia afirma que “a participação de imigrantes no processo democrático e na elaboração de políticas e medidas de integração, especialmente a nível local, apoia a sua integração.” 22 23 O Fundo Europeu para a Integração de Nacionais de Países Terceiros visa a integração dos nacionais de países terceiros que residam legalmente em qualquer estado-membro da União. O fundo é especialmente destinado aos recém-chegados e visa a aplicação de políticas através de um processo dinâmico e recíproco (fonte consultada: http://www.acm.gov.pt/-/fundo-europeu-para-integracao-dos-nacionais-de-paisesterceiros). Este fundo foi previsto para o período entre 2007 e 2013 conforme consta no artigo 1.º da Decisão do Conselho Europeu 2007/435/CE (fonte eletrónica: http://www.sg.mai.gov.pt/FundosComunitarios/ProgramaQuadroSOLID/FundoEuropeuIntegracao/Docu ments/Decis%C3%A3o%20do%20Conselho%202007_435_CE.pdf). Os ‘nacionais de países terceiros’ são todos aqueles que não sejam nacionais de nenhum estado-membro da União Europeia e que aí residam legalmente. Sob uma visão mais cética, o princípio em si apresenta um misto de solidariedade e paternalismo sendo por si já discriminatório, quando distingue os ‘nacionais de países terceiros’ dos outros imigrantes. Tendo o FEINPT chegado ao final do seu período de vigência, foi criado o Fundo Asilo Migração e Integração (FAMI) para o período 2014-2020. O FAMI diferencia-se relativamente ao anterior FEINPT, apresentando um maior enfoque no acolhimento e integração dos requerentes de asilo ou refugiados e no regresso voluntário dos que pretendem retornar para o país de origem [Regulamento (UE) nº 516/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014]. 24 9 De um outro ponto de vista (que não o institucional ou o do apoio social), é recente, como aponta Santos (2008:82), ao nível local, e muito especificamente em Lisboa, o aproveitamento urbano da diversidade trazida pela imigração se comparada com outras cidades europeias. Segundo a autora, foi depois do virar do milénio que se cimentou a relação entre o turismo e a imigração através da produção cultural e dinamização dos bairros históricos (idem: 92). Neste enquadramento as zonas lisboetas do Martim Moniz, Mouraria e Intendente tornaram-se conhecidas como um centro da multiculturalidade, já que se concentraram, nesta zona, múltiplas nacionalidades que estabeleceram os mais diversos tipos de negócio, revitalizando e renovando a economia local25. Não só a renovação se deu na esfera económica, como na própria imagem e ambiente da cidade. 2.2. Políticas de cidadania Estudar as migrações implica compreender as fronteiras, as políticas de controlo e o que as mesmas refletem sobre o processo histórico. As diferentes formas e circunstâncias em que se concede o estatuto oficial de cidadania são um ponto de partida para a reflexão e redefinição de conceitos. Emergem ainda outros fenómenos associados à cidadania, motivados por elementos da sociedade que extravasam o controlo dos estados-nação, como é o caso de uma política local participativa, do associativismo, e ainda, sem deixar de mencionar, o que as tecnologias de comunicação, as redes virtuais e o acesso à informação, numa sociedade de redes26, trouxeram para a metamorfose da vida democrática a uma escala transnacional27. Falar de cidadania ativa e de uma sociedade civil desenvolvida significa também a participação política dos estrangeiros. 25 Inicialmente deu-se a chegada de moçambicanos de ascendência indiana que estabeleceram negócios de mobiliário e de revenda de produtos importados do Extremo Oriente. Estes eram, sobretudo, ismaelitas. Nos anos 1990 ocorre uma diversificação das origens dos comerciantes. Os chineses exploram a restauração ou a revenda de vestuário e minimercados abrem e os africanos abrem cabeleireiros, lojas de cosméticos, cafés e mercearias (Malheiros, 2008). Refere Castells (2008:79) que (…) “a nossa sociedade, a sociedade de redes, organiza a sua esfera pública, mais do que qualquer outra forma histórica de organização, na base de redes de meios de comunicação. Na era digital isto inclui tanto os mass media, a Internet e as redes de comunicação sem fios” e (…) “é através da esfera pública que diversas formas de sociedade civil recriam o debate público e influenciam as decisões do estado.” 26 27 Mormente a teoria sobre o transnacionalismo tenha sido explorada essencialmente na esfera da vida económica por diversos autores, Faist (2000) desenvolve a sua aplicação na dimensão da cidadania. Refere o autor como os avanços nas tecnologias de comunicação aceleraram a emergência dos espaços sociais transnacionais. 10 Ao recuar milenarmente ao mundo clássico, o conceito de cidadania está ligado ao desenvolvimento da cidade-estado de Roma ou da Grécia. No mundo antigo, a cidadeestado era a arena pública para os homens racionais e livres que funcionava como uma segurança coletiva contra as ameaças exteriores e disputa interna (Turner, 1990). Se considerarmos a reemergência da cidadania e do homem enquanto animal político28 aliado ao processo de formação do estado moderno – ao Iluminismo, às revoluções americana e francesa no século XVIII e ao surgimento dos nacionalismos no século XIX – é inevitável que, sob esta perspetiva, se mantenha intrínseca uma noção de pertença, sendo a cidadania um estatuto, concedido por determinado Estado numa base coletiva e não individual. No que concerne à nacionalidade, existem teoricamente dois modos de pertença e identidades nacionais: a nacionalidade “cívica” e a nacionalidade “étnica”. As formas cívicas estarão relacionadas com a cidadania enquanto estatuto legal, obtido por alguém que queira aceitar um sistema particular legal, político e social. Já as formas étnicas têm que ver com a adesão à cultura nacional, por virtude ou nascimento num dado território, a uma religião e língua comum, tradições nacionais, a uma ancestralidade e à pertença a um grupo étnico ou racial dominante. A forma étnica ou nacionalista deriva numa pertença nacional única. A conceção cívica permite que pessoas que não tenham nascido num dado lugar possam assumir a sua identidade nacional e, ainda assim, tonarem-se membros da sociedade desse mesmo lugar (Fligstein et al., 2012). No sentido do estatuto cívico, veja-se o caso da cidadania britânia face às diversas nacionalidades: inglesa, escocesa ou gaulesa (McCrone e Kiely, 2000) ou a cidadania europeia face às diversas nações europeias. O direito de nacionalidade foi sendo progressiva e respetivamente alterado do princípio do jus sanguinis para o princípio do jus soli29 ou para um misto dos dois princípios 28 Considera-se o conceito de animal político de Aristóteles que distingue os homens dos outros animais enquanto ser dotado de palavra. 29 O direito à nacionalidade sob o princípio do jus sanguinis (direito de sangue) assenta basicamente numa ideia de ascendência, ao contrário do princípio do jus soli (direito à terra/território) pelo qual quem nasce em território y, é nacional de território y. Por regra, aos países que, tipicamente, são países de emigração, interessa ao Estado o princípio do jus sanguini, já que assim perdem menos população. Aos países de imigração interessa ao Estado aumentar a sua população e portanto regerem-se pelo princípio do jus soli. São exceções na Europa o exemplo da Suíça, um país com uma forte população imigrante, que mantem o princípio do jus sanguini, assim como a Holanda e a Suécia. Já países como Espanha ou Itália optaram por um misto dos dois princípios. 11 nalguns estados europeus. Isto foi também um reflexo da tendência de inversão de países classicamente de emigração para países de imigração. Quanto à concessão de cidadania portuguesa ou direito à nacionalidade, a última alteração à lei da nacionalidade foi em 2006. Esta alteração foi significativa pois passou a prevalecer o princípio do jus soli30. Como nota Turner (1990), muito importante para a conceptualização da cidadania foi a teoria de Marshall31 que foi a base para muitos autores interessados no assunto, inclusivamente para a teoria social americana na área das relações raciais32. Turner (1990), que faz referência a diversos críticos da teoria de Marshall, nota que o problema central da teoria de Marshall foi este não ter desenvolvido suficientemente uma teoria sobre o Estado. Refere ainda que a criação da cidadania dentro das fronteiras políticas do Estado-nação moderno normalmente envolveu e requereu a subordinação ou a incorporação das minorias étnicas ou aborígenes. Como mostra Hindess (2001), o paradoxo das democracias modernas é o seu compromisso com os direitos humanos universais e a sua prática discriminatória contra os estrangeiros dentro das próprias fronteiras. Assim a cidadania é um pacote complexo de direitos e responsabilidades do indivíduo por virtude da sua pertença a uma política e 30 Como referido no decreto-Lei n.o 237-A/2006 de 14 de Dezembro promulgado em Diário da República, 1.a série—N.o 239—14 de Dezembro de 2006 “pela nova lei é atribuída a nacionalidade portuguesa de origem aos nascidos em território português, filhos de estrangeiros, se pelo menos um dos progenitores também aqui tiver nascido e aqui tiver residência, independentemente de título, ao tempo do nascimento do filho, bem como aos nascidos no território português, filhos de estrangeiros que não se encontrem ao serviço do respetivo Estado, se declararem que querem ser portugueses, desde que, no momento do nascimento, um dos progenitores aqui resida legalmente há, pelo menos, cinco anos.” É de referir que a lei da nacionalidade, antes da última alteração em 2006, ainda privilegiava os cidadãos de países de língua portuguesa sobre os outros estrangeiros. 31 Marshall focou-se no caso inglês e a sua teoria conceptualizou a cidadania em três dimensões do direito (cívicos, sociais e políticos) que emergiram em diferentes fases históricas. Os direitos cívicos, ou seja, a liberdade de expressão, a igualdade perante a lei e o acesso igualitário ao sistema legal, desenvolveram-se durante o século XVIII. Os direitos políticos, isto é, o maior acesso ao processo legislativo, foi conquistado através do desenvolvimento dos direitos eleitorais e do maior acesso às instituições políticas para a articulação de interesses. Esta fase dos direitos políticos desenvolveu-se durante o século XIX a par da luta da classe operária. E, finalmente, os direitos sociais – o estabelecimento de um sistema de segurança social em períodos de desemprego, doença ou emergência – surgiram durante o século XX. Neste panorama, as três instituições centrais correspondentes da sociedade contemporânea seriam os tribunais, o parlamento e o sistema social (Turner, 1990). É de realçar o trabalho de Talcott Parsons sobre o conceito de ‘comunidade societal’ no plano da cidadania. Assim a ‘comunidade societal’ basear-se-ia do seguinte modo: 1) igual valorização, inclusão e aceitação dos indivíduos como membros da sociedade (servir a integração), 2) os direitos legais de cidadania, incluindo o direito constitucional de igual proteção legal no campo civil e criminal (função de integração), 3) direitos políticos, inclusive o direito de voto, mas estendendo-se ao direito a formar associações ativas politicamente e petições públicas (servir o alcance de objetivos) e 4) direitos sociais e benefícios (função adaptação) (Lidz, 2009). 32 12 é uma marca de identificação a um Estado. Dando-se, ao mesmo tempo, a emergência daquilo que parecem ser os elementos supranacionais da cidadania, tais como a cidadania europeia e a crescente ênfase nos direitos humanos universais na comunidade internacional. Neste sentido, se emergem elementos supranacionais de cidadania a par de uma crescente ênfase nos direitos humanos universais, seguem-se as questões: Qual é o estatuto internacional e europeu oficialmente instituído do “migrante”? Quais os seus direitos e qual a proteção que lhe é conferida pela lei supranacional? De acordo com Matias (2014), os direitos dos migrantes são objeto de tratamento sobretudo no quadro da proteção internacional dos direitos humanos, podendo apontar-se como exceção de um texto internacional dedicado aos direitos dos migrantes a convenção internacional sobre a proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e dos membros das suas famílias, que praticamente não mereceu a ratificação dos países desenvolvidos. Quer isto dizer que, ao nível do direito internacional, o migrante é reconhecido na dimensão humanitária e timidamente como uma força laboral. Ou como refere ainda Matias (2014:15) que a “desregulação internacional das migrações assenta na convicção há muito firmada de que a decisão de aceitar imigrantes se encontra profundamente radicada na soberania dos Estados, sendo uma decisão interna essencialmente livre.” Existe portanto uma proteção conferida aos migrantes com o estatuto de refugiado e existe uma proteção para os migrantes trabalhadores. No que respeita à União Europeia, houve um desenvolvimento no quadro do reagrupamento familiar33. A Constituição portuguesa, à semelhança de outras constituições de Estados de direito democráticos, consagra, no seu artigo 15º, um princípio de equiparação de direitos entre cidadãos portugueses e estrangeiros, abrindo exceção quanto aos direitos políticos34 (Matias, 2014). No entanto, denota-se que a legislação portuguesa tem conferido, entre os estrangeiros, um tratamento preferencial aos cidadãos lusófonos. 33 O Tratado de Lisboa insere um capítulo no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia sobre Políticas Relativas aos Controlos nas Fronteiras, ao Asilo e à Imigração (artigos 77º, 78º, 79º e 80º). Neste capítulo, confere-se especial atenção ao reagrupamento familiar como referido no artigo 79º na alínea a) do ponto 2. 34 O ponto 2 do artigo 15º abre exceção do princípio quanto aos “direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.” 13 A propósito da extensão dos direitos políticos concedidos aos estrangeiros residentes, a lei portuguesa tem um cunho original pois assenta numa base de reciprocidade, o que faz de Portugal um caso (quase) excecional na Europa (Pedroza, 2013). O mesmo autor refere que alguns países nórdicos, que também se baseavam na reciprocidade e no tratamento preferencial de alguns estrangeiros durante os anos 1980, rapidamente estenderam os direitos a favor do sufrágio universal. A Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugal e o Brasil de 197135, incorporada na legislação portuguesa pelo decreto-lei 126/72 de 22 de abril, já previa os direitos políticos através do requerimento do estatuto geral de igualdade. Mas, num sentido mais lato, a inclusão dos direitos políticos dos estrangeiros lusófonos na Constituição portuguesa estava prevista desde 1976. Em 1989 previu-se um alargamento a estrangeiros de outras nacionalidades (não só de países lusófonos) mas ainda numa base de reciprocidade. Em 1992 como resultado de regulamentação europeia alarga-se aos cidadãos da União Europeia. Mas é apenas em 1996 que é aprovada a lei 50/96 de 4 de setembro que regulamenta atualmente os direitos políticos dos estrangeiros36. Paralelamente e em consequência da lentidão do processo de conquista de direitos políticos, o associativismo imigrante funcionou como uma força bottom-up. O associativismo imigrante foi protagonizado pelas comunidades africanas e especialmente impulsionado pela comunidade cabo-verdiana37. O crescimento do associativismo caboverdiano prendeu-se fundamentalmente ao facto de alguma da população proveniente do A Convenção de Igualdade de Direitos e Deveres de 1971 é revogada pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta de 2000. O ponto 2 do Título II do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta refere-se ao estatuto de igualdade entre portugueses e brasileiros, nomeadamente no artigo 17.º, no que concerne à igualdade de direitos políticos. 35 36 Em Portugal, no que concerne aos direitos políticos dos estrangeiros residentes, estes têm capacidade ativa e passiva, tendo assim o direito de votar e ser eleitos para os órgãos locais. Mas isto assenta numa base de reciprocidade, ou seja, se no país de origem em causa o cidadão português também puder votar. No caso dos estrangeiros provenientes de um estado-membro da União Europeia, qualquer cidadão tem o direito ao voto e eleição local (consequência da diretiva 94/80/CE do Conselho de 19 de dezembro de 1994). Como refere Mendes (2010:233),“a vinda de um grande número de cidadãos africanos para Portugal após a independência dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, que se fixaram na Área Metropolitana de Lisboa, está na origem da criação de associações informais que, na falta de apoio das autoridades portuguesas, procuraram acolher e integrar os seus conterrâneos. Esta primeira fase, que decorreu entre meados da década de 70 e toda a década de 80 do século XX, viria a ser designada por alguns investigadores como a fase de emergência.” 37 14 país ser constituída por estudantes, nas várias fases da emigração cabo-verdiana, antes e após a independência do país (Carita e Rosendo, 1993). Para aqueles que se encontram sem família e ligações sociais, as associações tornam-se uma segunda casa; um lugar onde podem confraternizar com os seus conterrâneos, partilhar memórias e experiências e manter o contacto com o caboverdianismo, assim como discutir assuntos sobre a vida em Portugal (Sardinha, 2010). Mas, para além do associativismo cabo-verdiano, o associativismo imigrante no seu todo tem ganhado dimensão38. Neste sentido, a criação do Conselho Municipal para as Comunidades Imigrantes e Minorias Étnicas em 1993 (atual Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania39) por parte da Câmara Municipal de Lisboa foi um dos primeiros passos para mediar o diálogo entre a autarquia e a rede associativa imigrante e para a sua participação na construção das políticas locais. 3. O I Plano Municipal para a Integração de Imigrantes de Lisboa: projeto desenvolvido pela Câmara Municipal de Lisboa 3.1. Descrição da instituição: orgânica da Câmara Municipal de Lisboa e estrutura do Departamento de Desenvolvimento Social O estágio curricular decorreu na Câmara Municipal de Lisboa no Departamento de Desenvolvimento Social40. A Câmara Municipal de Lisboa tem um modelo de estrutura 38 Em Portugal, no ano de 2012, contabilizavam-se 131 associações de imigrantes cuja representatividade era reconhecida pelo ACIDI (atual ACM) sendo que a maioria dos reconhecimentos formais se deram entre 1999 e 2002, a par da legislação que definiu o regime de constituição e os direitos e deveres das associações representativas dos imigrantes e seus descendentes em Portugal. A comunidade cabo-verdiana contava com o maior número de associações reconhecidas, quase 25 associações (por comunidade representada) em 2012, seguida respetivamente das comunidades guineense, angolana e brasileira (Fonte: GATAI – ACIME/ACIDI/ACM, Oliveira e Gomes, 2014). O CMIC é uma estrutura consultiva da CML. O pelouro dos Direitos Sociais integra este conselho a par de outros conselhos, tais como o Conselho Municipal para a Igualdade, o Conselho Municipal para a Juventude ou o Conselho Municipal para a Inclusão da Pessoa com Deficiência. 39 40 Com o despacho 5347/2015 de 21 de maio publicado em Diário da República n.º 98/2015, Série II de 2015-05-21, o Departamento de Desenvolvimento Social enquanto unidade orgânica setorial passa a designar-se por Departamento para os Direitos Sociais, deixando de ser uma subunidade da Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Local. O Departamento para os Direitos Sociais passa a ter as seguintes divisões internas: Divisão para a Participação e Cidadania, Divisão para a Coesão e Juventude e Divisão para a Intervenção Social. 15 organicamente hierarquizada com unidades transversais, setoriais e territoriais. No momento do estágio, o Departamento de Desenvolvimento Social pertencia à Direção Municipal de Habitação e Desenvolvimento Local e compunha internamente duas divisões: a Divisão de Cidadania e Inovação Social e a Divisão de Ação Social e Saúde. A Divisão de Cidadania e Inovação Social era composta pelas equipas do Voluntariado, Deficiência, Economia e Inovação Social, Direitos Humanos, Interculturalidade, Igualdade de Género e Direitos LGBTI, Desenvolvimento Comunitário e Espaço a Brincar (Direitos da Criança). A Divisão de Ação Social e Saúde incluía as seguintes equipas: Dependências, Sem-abrigo, Saúde, Idosos e Família. 3.2. Objetivos do Plano de Ação e do Pelouro dos Direitos Sociais O Pelouro dos Direitos Sociais, a cargo do Vereador Arq.º João Afonso, é um dos pelouros do município de Lisboa e lançou um plano de ação com vigência para o período 2014-2017. O plano de ação conta com três eixos de ação: Participação, Coesão e Intervenção. No eixo da Coesão, a área 9 dedica-se à temática do diálogo intercultural e inter-religioso e conta com quatro missões: 1. Apoiar e incluir imigrantes, 2. Promover a integração das comunidades imigrantes, grupos étnicos, culturais e religiosos, 3. Promover a participação no domínio da interculturalidade e interreligiosidade, 4. Potenciar as relações de cooperação existentes na área da interculturalidade e interreligiosidade. Apesar da aparente similitude entre as missões, as diferenças entre a primeira missão e a segunda relacionam-se com os diferentes sentidos a que se propõem, a primeira num sentido individual e a segunda num sentido coletivo. Assim como da terceira para a quarta missão, existem objetivos diferentes, tendo a terceira duas medidas relacionadas com o Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania (CMIC), ou seja, num sentido bottom-up, e a quarta um sentido top-down, prevendo cooperar com entidades diversas, inclusive o Alto-Comissariado para as Migrações (ACM, I.P.). É de referir que outros dos objetivos do Plano de Ação do Pelouro dos Direitos Sociais são criar uma Casa de África e apoiar a população refugiada. 3.3. Funções e projetos desempenhados pela equipa da Interculturalidade 16 A equipa da Interculturalidade é responsável por diversas funções com vista a cumprir os objetivos da Município de Lisboa na área da interculturalidade. É responsável pelo atendimento no Centro Local de Apoio à Integração dos Imigrantes (CLAII)41, o qual foi estabelecido em 2005 através de um protocolo entre a Câmara Municipal de Lisboa e o antigo Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME, I.P.). Sobre o CLAII, tem vindo a ser questionado o sentido da sua manutenção na CML visto a escassez de procura. Tive a oportunidade durante o período de estágio de assistir a dois atendimentos no CLAII. No dia 14 de outubro de 2014, assisti ao atendimento de um casal italiano, vindo de França. O casal tinha-se dirigido ao CLAII porque a senhora precisava de um comprovativo em como estava à procura de emprego. Foi um atendimento bastante simples e as pessoas estavam bem-dispostas e, apesar de não ter sido resolvida a sua situação, ficaram agradecidos pelas indicações. Mais tarde, assisti a um outro atendimento de dois jovens angolanos que tinham vindo para o país por motivos de estudo. Neste segundo caso, denotou-se alguma ansiedade por parte dos mesmos, pela questão burocrática ou porque houve a necessidade de responderem a algumas perguntas. As técnicas responsáveis pela interculturalidade encarregam-se ainda da avaliação das candidaturas ao Regulamento de Atribuição de Apoios no Município de Lisboa (RAAML)42 e posterior monitorização dos projetos aceites. No quadro deste regulamento, existem dois tipos de apoios – a cedência de espaços e o apoio financeiro. No dia 3 de novembro de 2014, no âmbito da monitorização de projetos apoiados através do RAAML, deslocámo-nos ao Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas (CACR), onde vivem jovens e crianças refugiadas. O Centro pertence ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) e situa-se no Parque da Bela Vista. A visita de monitorização baseou-se numa supervisão geral das condições logísticas do Centro, assim como das atividades desenvolvidas pelos técnicos. Foram também escutadas as necessidades e dificuldades, as quais eram sobretudo ao nível dos recursos financeiros. 41 A rede CLAII foi criada em 2003 pelo então Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas (ACIME). A par dos CLAII, existem também os Gabinetes de Apoio Especializado ao Imigrante (GAEI), contabilizando no total cerca de 148 gabinetes por todo o país distribuídos por 19 distritos e 76 concelhos. 42 O Regulamento de Atribuição de Apoios pelo Município de Lisboa foi aprovado em 2008, podendo beneficiar dos apoios Associações, Fundações, Instituições particulares de solidariedade social (IPSS), entre outras entidades que tenham um fim de interesse público municipal. Segundo as técnicas, a aprovação do RAAML veio simplificar e tornar mais eficaz o processo de apoio prestado. 17 De um ponto de vista pessoal, emocionei-me com esta experiência que decorreu num dia cinzento e de alguma chuva, metáfora para o clima humano um tanto fechado e concentrado que se vivia no Centro de Acolhimento. Alguns dos jovens adolescentes, sentados na sala de convívio, pareciam entretidos com os seus telemóveis enquanto uma jovem adolescente no andar de cima, descrita pela técnica como mais problemática, estava retraída no seu quarto quando passámos. A visita prosseguiu e enquanto passeávamos por uma casa recheada de quartos coloridos e janelas amplas, por onde passaria a luz em dias mais soalheiros, a técnica contava-nos o dia-a-dia no centro, como os jovens se entretinham com atividades de teatro e eram ajudados a fazer os trabalhos de casa. Na cozinha, os jovens aprendiam a cozinhar e conheciam os hábitos culturais e gastronómicos uns dos outros. Era uma casa cheia de angústias mas onde certamente haveria também muita compaixão, partilha e alegria e, sobretudo, onde se sentia uma ânsia por parte dos técnicos em torná-la cada vez mais numa “casa” no sentido emocional. É de apontar, dentro do que concerne ao apoio ao asilo, que a Câmara Municipal de Lisboa assinou no dia 15 de dezembro de 2014 um protocolo com a Rede Europeia de Reinstalação, cuja entidade representante em Portugal é o Conselho Português para os Refugiados. A equipa da interculturalidade tem também o papel de secretariado técnico do Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania (CMIC) e organiza o Fórum Municipal para a Interculturalidade (FMINT). Para o FMINT aconteceram duas reuniões até ser decidido que o Fórum iria ser integrado nas Festas de Lisboa, a cargo da empresa municipal EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural). A propósito da organização do FMINT, é interessante que tenha surgido algum conflito ideológico. Neste sentido, duas associações do CMIC opuseram-se à integração do Fórum Municipal nas Festas de Lisboa. Uma das associações, que organizou inclusivamente um evento cultural em paralelo (a Festa da Diversidade), decidiu não colaborar para a organização do Fórum Municipal. O FMINT 2015, que se realizou no mês de maio no Largo de São Paulo, acabou por ter bastante adesão por parte de diversas associações. 18 As técnicas da interculturalidade estão também a colaborar no Projeto Mentores43 com a equipa do Voluntariado. Sobre este projeto tive também a oportunidade de assistir a uma reunião que decorreu no dia 13 de janeiro de 2015. Foi ainda desenvolvido pela equipa o Roteiro Imigrante (cuja concretização era um dos objetivos do Plano de Ação do Pelouro dos Direitos Sociais) e que foi lançado publicamente no dia 21 de abril de 2015. Para além do trabalho realizado pela equipa da interculturalidade, a CML tem outros projetos diretamente relacionados com as questões da interculturalidade, que são eles o projeto Empreendedorismo Imigrante (DELI) e o Gabinete Lisboa Encruzilhada de Mundos (GLEM) que organiza o Festival TODOS44 e participa em encontros internacionais. 3.4. Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania O atual Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania (CMIC) foi criado em 1993 com a então designação de Conselho Municipal para as Comunidades Imigrantes e Minorias Étnicas (CMCIME). A criação do conselho teve o intuito de reforçar o diálogo e o papel ativo de comunidades étnicas para a ação política do município. Em 2008, o Ano Europeu para o Diálogo Intercultural conferiu ao CMCIME uma intensa atividade. Em 2009 deu-se uma alteração ao regulamento do CMIC e surgiu também o Fórum Municipal para a Interculturalidade enquanto espaço de reflexão, debate e estudo. Os anos de 2011 a 2013 foram anos de pouca ou nenhuma atividade. O CMIC é assim uma estrutura consultiva do Município de Lisboa que tem por objetivo garantir a participação e colaboração dos imigrantes, dos ciganos e de outros (as) cidadãos e cidadãs com identidades culturais diversas, através das suas associações, nas políticas que se lhes dirigem. Pode ter um máximo de 31 associações membro e reúne um mínimo de quatro vezes por ano. O CMIC é presidido pelo vereador do pelouro dos Direitos Sociais e integram ainda o Conselho um representante a designar pela Assembleia 43 O Projeto Mentores é promovido pelo ACM e é desenvolvido por um conjunto de parceiros locais. Procura promover experiências de troca, entreajuda e apoio entre voluntários (cidadãos portugueses) e migrantes (emigrantes e imigrantes) e/ou refugiados. 44 O Festival TODOS teve lugar, nas primeiras edições, nas zonas do Intendente, Martim Moniz e Mouraria, tendo-se alargado até à zona de São Bento e Poço dos Negros nos últimos anos. Este é um projeto com base numa ideia de abertura e de convite à participação dos lisboetas e que pretende atrair o maior número de pessoas, saindo à rua e chegando até às pessoas. Entenda-se por “lisboetas” todos aqueles que vivem na cidade de Lisboa partindo da ideia de um “Povo” de Lisboa com vários povos dentro de si e, por isso, o nome do festival ser 'TODOS' (disponível em ). 19 Municipal e dois cidadãos ou cidadãs de reconhecido mérito, designados (as) pelas associações/entidades membro do Conselho Municipal. Podem ainda participar nas reuniões do CMIC representantes de outras organizações ou organismos públicos, a título de observadores e a convite do Presidente. Os membros do CMIC podem apresentar propostas, moções e declarações; usar a palavra; requerer informações ou elementos da CML. 3.5. Plano Municipal para a Integração dos Imigrantes de Lisboa: objetivos e enquadramento formal O Plano Municipal para a Integração de Imigrantes de Lisboa (PMIIL) é um projeto que surge no quadro europeu da estratégia Lx-Europa 2020 no objetivo Melhor Cidade45. O objetivo Melhor Cidade designa, entre outras intenções, a valorização da interculturalidade e a promoção da cidadania, através de projetos locais de ação, apoio e diálogo. De acordo com os parâmetros europeus e com as necessidades e potencialidades específicas de Lisboa, o PMIIL insere, como principais objetivos e áreas, os seguintes pontos: melhoria da articulação de recursos e meios existentes entre as várias unidades orgânicas da Câmara Municipal de Lisboa (CML), que influenciem a integração dos imigrantes; valorização e conhecimento da diversidade cultural; eliminação e desconstrução de estereótipos sobre as comunidades imigrantes; diminuição da pobreza, exclusão social e discriminação; combate à violência de género e ao tráfico de seres humanos; fomentar mais diálogo de proximidade, na dimensão dos direitos humanos, através de uma plataforma de cidadania; reforço do papel da sociedade civil como agente estruturante para a Igualdade; contribuir para o aumento da capacitação das organizações da sociedade civil, para que tenham melhor atuação no terreno; promoção do trabalho em rede e constituição de uma base de recursos teórico-empíricos para o diagnóstico e intervenção da situação de imigração em Lisboa. Desta forma, a CML visou que o PMIIL se enquadrasse na estratégia Lx-Europa 2020, respondendo a condições externas, como também, quis melhorar internamente o próprio funcionamento e articulação de unidades diversas da CML no que concerne à área da interculturalidade. A inspiração nos Planos Nacionais para a Integração dos Imigrantes 45 A estratégia Lisboa 2020, no objetivo Melhor Cidade, propõe-se à reabilitação do edificado, regeneração BIP-ZIP, Mobilidade Sustentável e Inclusiva, Cultura e Criatividade. Insere ainda dentro do eixo Inclusão e Coesão Social, projetos em torno dos direitos das comunidades de imigrantes e/ou minoritárias. 20 (PII’s)46 estabeleceu, desde o início, a contemplação de áreas de intervenção como o Acolhimento, a Saúde, a Educação e a Habitação. Quanto a fontes de financiamento, a Câmara de Lisboa candidatou-se, a convite do Alto Comissariado para as Migrações (ACM, I.P.), ao financiamento da ação 4 do Fundo Europeu para a Integração dos Nacionais de Países Terceiros (FEINPT) para a implementação de planos municipais de integração, tendo a CML beneficiado de um orçamento de 10.000 €. Ao abrigo deste financiamento vigoram 19 planos de integração nos seguintes municípios: Viana do Castelo, Braga, Vila Nova de Gaia, Figueira da Foz, Lousã, Alcanena, Óbidos, Lourinhã, Torres Vedras47, Loures, Amadora, Lisboa, Sintra, Cascais, Oeiras, Montijo, Seixal, Odemira, Portimão, Loulé e S. Brás de Alportel. A aprovação e o apoio através do ACM, I.P. implicou pressupostos básicos para a conceção do enquadramento teórico do Plano, tais como os princípios básicos da Agenda Comum para a Integração ou o percurso nacional das políticas de integração. Ainda assim, foi sempre um objetivo por parte da CML que o plano avançasse, mesmo sem a aprovação e apoio financeiro por parte do ACM, I.P. Esta decisão foi, na minha opinião, relevante para a afirmação de uma posição mais persistente por parte da CML nas sessões de monitorização face ao ACM, I.P. As técnicas do Alto-Comissariado responsáveis pela avaliação e monitorização dos Planos Municipais foram-se mostrando algo solidárias com a equipa de trabalho do PMIIL ao longo do processo, pelas meticulosidades formais e pelas exigências de prazos, mas não deixaram de referir que também elas próprias estariam sujeitas a várias avaliações e monitorizações por parte da União Europeia. 3.6. Elaboração do PMIIL, etapas e atividades desenvolvidas 3.6.1. Constituição do Grupo Restrito e do Grupo de Trabalho A elaboração do PMIIL implicou, primeiro que tudo, a constituição de um grupo de trabalho e de um grupo de trabalho restrito. Seguiu-se uma fase de diagnóstico, fino e participado, através de um protocolo assinado com o Instituto de Geografia e 46 O ACIDI desenvolveu dois Planos de Integração de Imigrantes na primeira década do milénio 47 Os municípios de Óbidos, Lourinhã e Torres Vedras elaboraram um plano intermunicipal. 21 Ordenamento do Território (IGOT). Recorreu-se ainda ao contributo do Conselho Municipal para a Interculturalidade, numa lógica participativa. A fase de elaboração culminou em sessões territoriais com a participação de estrangeiros nacionais de países terceiros. De modo a compreender cada uma das fases de elaboração do PMIIL, segue-se uma descrição dos momentos que acompanhei e em que participei. Para a realização do Plano Municipal foram criados um Grupo de Trabalho e um Grupo Restrito. O Grupo de Trabalho foi composto pela Dr.ª Susana Ramos (diretora do Departamento de Desenvolvimento Social e coordenadora do Plano Municipal), Dr.ª Cláudia Prazeres (chefe de divisão da Cidadania e Inovação Social), Dr.ª Teresa Craveiro (coordenadora da Equipa de Projeto do Programa Local de Habitação e Direitos Sociais – EP-PLHDS), pelo Arq.º Miguel Graça (assessor do gabinete do Vereador João Afonso) e, finalmente, pelo Dr. André Costa Jorge (Serviço Jesuíta aos Refugiados). O último elemento do Grupo de Trabalho voluntariou-se em reunião do CMIC (24 de novembro de 2014) depois do convite lançado pelo Presidente do Conselho, o Vereador João Afonso. Do Grupo Restrito constituíram parte os seguintes parceiros com os quais foi assinado protocolo: Fundação Aga Khan, Fundação Calouste Gulbenkian, Associação Renovar a Mouraria, Comunidade Islâmica de Lisboa, Associação dos Amigos da Mulher Angolana, Serviço Jesuíta aos Refugiados, CASA (Centro de Apoio aos Sem Abrigo), Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania (ALCC), FAIASCA-P (Federação de Associações de Imigrantes e Amigos do Sector de Calequisse em Portugal), Federação das Organizações Cabo-verdianas, Centro Padre Alves Correia, Instituto de Segurança Social e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Foi ainda assinado um protocolo com o Instituo de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT), tendo este parceiro um estatuto diferente, pois beneficiou de uma quantia de 5.000 € (do orçamento disponibilizado à CML pelo FEINPT) para a realização do diagnóstico sobre o contexto da população imigrante residente em Lisboa. O IGOT tinha já um trabalho prévio desenvolvido com a Câmara de Lisboa, nomeadamente, um inquérito às associações e organizações que compõem o CMIC48. A primeira reunião a que assisti, no dia 29 de outubro de 2014, realizou-se com o grupo restrito e estiveram presentes os seguintes elementos: Fundação Aga Khan, Comunidade 48 «Inquéritos às Associações de Imigrantes, às Organizações com trabalho orientado para os imigrantes e às Organizações Ciganas – Análise básica de resultados», Centro de Estudos Geográficos, Lisboa, setembro de 2014. 22 Islâmica de Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Associação dos Amigos da Mulher Angolana, Associação Renovar a Mouraria, Serviço Jesuíta aos Refugiados, CASA (Centro de Apoio aos Sem Abrigo), Associação Lusofonia, Cultura e Cidadania (ALCC), Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Equipa de Projeto do Programa Local de Habitação e Direitos Sociais (EP-PLHDS). Nesta reunião, foram apresentados os objetivos gerais do Plano Municipal, o orçamento disponibilizado, a calendarização e lista de parceiros do grupo restrito, tendo sido ainda relembradas as dezassete áreas de intervenção do último plano nacional49. Após a apresentação, ficou em aberto o espaço para a discussão e sugestão de ideias. As áreas sugeridas de realce foram o empreendedorismo enquanto estratégia local de capacitação e empoderamento do imigrante, o diálogo inter-religioso como área merecedora de especial atenção, já que nos planos nacionais foi abordada de forma vaga, dispersando-se em conceitos como “diversidade” e “interculturalidade”. A partir desta reunião foi possível traçar as linhas estratégicas de atuação e as áreas de intervenção, resultando na definição de três eixos transversais a 10 áreas, que viria mais tarde a ser alterado50, tendo ficado primeiramente definido o seguinte: 1. Cidadania e Participação: Acolhimento, Habitação, Saúde, Educação; 2. Emprego, empreendedorismo, valorização e capacitação: Emprego e empreendedorismo, Qualificação, Associativismo 3. Diversidade: Diálogo inter-religioso e intercultural, Racismo e Discriminação, Exclusão Social A propósito da definição dos eixos estratégicos, surgiram ainda outras questões como a distinção entre o que é responsabilidade e competência nacional e o que é da competência local. Exemplo disto foi a discussão sobre o Centro Local de Apoio à Integração de Imigrantes (CLAII) e se este teria recursos suficientes para oferecer apoio aos estrangeiros na área do acolhimento. Abordou-se como o PMIIL poderia colmatar esta 49 As 17 áreas de intervenção do último PII foram as seguintes: Acolhimento; Cultura e Língua; Emprego, Formação e Dinâmicas Empresariais; Educação; Solidariedade Social; Saúde; Habitação; Justiça; Racismo e Discriminação; Acesso à Cidadania e Participação Política; Associativismo Imigrante; Descendentes de Imigrantes; Idosos Imigrantes; Relações com os Países de Origem; Promoção da Diversidade e Interculturalidade; Questões de Género; Tráfico de Seres Humanos. 50 Mais tarde e, segundo sugestão do IGOT, acrescentaram-se as áreas Participação Cívica e Política, Dinâmicas Culturais Urbanas e Relações com os Países de Origem. 23 insuficiência através de uma articulação entre os diversos CLAII’s do município. Quanto à área do diálogo inter-religioso, optou-se por não a designar de ‘religião’, considerando que é um assunto que implica subtileza terminológica. Na área dos fenómenos de exclusão (que pretenderia abordar mulheres, idosos e sem-abrigo) tentou-se encará-la pela positiva, o que levou a inseri-la no eixo da diversidade. Quanto à conceção metodológica do Plano, recorreu-se também à consulta do Plano Municipal de Prevenção e Combate à Violência Doméstica (PMPCVD) desenvolvido pela equipa da Igualdade. Para a conceção do PMPCVD, a equipa inspirou-se no plano nacional e focou-se em cinco áreas, assim como o PMIIL previu a contemplação do trabalho desenvolvido a nível nacional. Desta forma, pudemos concluir que a sua metodologia se baseou numa simplificação das áreas em cinco temas principais, especificação da população vítima de violência doméstica e definição de populações de intervenção prioritária. Tendo em conta que o Plano Municipal de Prevenção e Combate à Violência Doméstica visou contemplar população de origem imigrante ou imigrante, o PMIIL excluiu a questão nos seus objetivos. 3.6.2. Consulta de estratégias de integração noutros países e cidades A consulta de estratégias de integração noutros países foi mais uma das etapas na elaboração e definição das linhas de intervenção e medidas do PMIIL, como meio de inspiração. Aparentemente, esta etapa foi pouco decisiva, salvo na conceção do enquadramento formal do plano. No entanto, é de referir que, em reunião do Grupo Restrito, foi sugerido que se consultasse bibliografia e estudos comparativos, tais como o questionário Immigrant Citizens Survey (2012)51 ou as medidas de avaliação do MIPEX52. Neste contexto, houve uma curiosidade em pesquisar as estratégias utilizadas pelos governos na Suécia, que tem liderado o ranking nas avaliações do MIPEX. A pesquisa 51 Este estudo, realizado em 2012, abrangeu as seguintes cidades: Antuérpia, Bruxelas, Lieja, Lyon, Paris, Berlim, Estugarda, Budapeste, Milão, Nápoles, Faro, Lisboa, Setúbal, Barcelona, Madrid. Sobre as três cidades portuguesas (Faro, Lisboa e Setúbal) concluiu-se que a maioria da população tem entre os 25-39 anos, vive na cidade há cerca de 10 anos, trabalha no setor privado, recebe pouco apoio do setor público e qualificações. Os principais problemas em encontrar trabalho prendem-se com a barreira linguística em Faro. Na área da Participação Cívica e Política 75% afirmou que votaria se amanhã houvesse uma eleição geral, mais de 90% concorda com a existência de deputados de origem imigrante. 52 O MIPEX (Migration Integration Policy Index) é um instrumento de avaliação das políticas de integração dos imigrantes e atua em todos os países membros da União Europeia, América do Norte (Estados Unidos da América e Canadá), Austrália, Islândia, Japão, Coreia do Sul, Nova Zelândia, Noruega, Suíça, Turquia. 24 apontou para que a posição da Suécia no topo do ranking se deveria à ênfase num tratamento justo e igualitário da população estrangeira. Sendo assim, a política e legislação anti discriminação teria um grande peso. Espanha foi outro dos países europeus elegidos para a pesquisa. Através da disponibilização de alguns planos de integração de imigrantes implementados em algumas cidades e regiões espanholas (Madrid, Totana, Astúrias, Andaluzia, Vitória, Barcelona, Euskadi, Saragoça), procedeu-se a uma leitura da estrutura e medidas dos planos em Espanha enquanto potencial fonte de inspiração. Concluiu-se que houve um forte investimento humano na criação de bolsas de mediadores interculturais (Madrid)53, no reforço do pessoal técnico territorial (Barcelona), na criação de grupos de estudo (profissionais estrangeiros ou não) para o melhoramento dos procedimentos e metodologias de acolhimento (Saragoça). Foi também interessante encontrar num dos planos uma medida que contemplava sessões formativas para o associativismo (como criar associações). Em termos de similitudes, o plano de Barcelona (2012-2015) tinha algumas semelhanças estruturais ao que se pretendia para Lisboa. O plano de Barcelona tinha então três eixos de intervenção (igualdade, diversidade e interação). Nas áreas de intervenção, assemelhava-se ao Plano do Município de Albacete (2011-2014). Ainda no contexto internacional, é importante referir que Lisboa é membro da Rede Europeia de Cidades para Políticas Locais de Integração dos Imigrantes – a rede CLIP54. A nível nacional, é de salientar a atenção dada ao Índice dos Municípios Amigos da Diversidade55, como recomendado pelo ACM, I.P. 3.6.3. Realização do Diagnóstico Para a realização do diagnóstico, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) assinou um protocolo com o Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (IGOT). O grupo de Mais tarde, no workshop do PMIIL (20 de março de 2015), a questão da mediação intercultural acabou por ser apelada como algo fundamental para uma boa integração dos imigrantes. 53 54 Fazem parte da rede CLIP 30 cidades europeias. O Índice dos Municípios Amigos da Diversidade (IMAD) é uma ferramenta do ACM, I.P. de apoio à monitorização das políticas de integração dos imigrantes. O IMAD é inspirado no trabalho levado a cabo pelo Conselho da Europa. 55 25 trabalho realizou ao longo do processo de elaboração do PMIIL diversas reuniões com a equipa de investigação. Seguem-se agora as principais considerações e conclusões do diagnóstico realizado pelo IGOT, que envolveu, entre outros pontos, a caracterização da população imigrante, a sua distribuição geográfica, situação laboral e económica56. a) Caracterização da população Uma das primeiras considerações referenciadas pelo IGOT prendeu-se com a questão estatística sobre a população imigrante residente em Portugal. Existe uma tendência decrescente de população imigrante no país ao contrário do que acontece na Área Metropolitana de Lisboa (AML), onde o volume de população estrangeira residente continua a aumentar e, especialmente, no município de Lisboa. Há uma maior diversidade de origens, evidenciando-se a crescente presença de populações asiáticas, da China, do Nepal ou do Bangladeche. A par disto, dá-se um decréscimo dos grupos tradicionais, correspondentes à nacionalidade cabo-verdiana, brasileira, angolana, ucraniana, guineense ou são-tomense. b) Refugiados A população refugiada é uma população sobre a qual também se pretendeu trabalhar visto a atualidade e emergência da questão. Assim e, como já referido anteriormente, o objetivo de apoiar refugiados estava previsto na missão 4 do Plano de Ação do Pelouro dos Direitos Sociais. Neste sentido, no dia 9 de fevereiro de 2015, realizou-se uma reunião na Assembleia Municipal de Lisboa com um grupo de refugiados (pertencentes à Plataforma Refugee 1951) em que também estiveram presentes técnicos e investigadores na área do trabalho com refugiados. Nesta reunião foi possível averiguar as principais dificuldades sentidas no dia-a-dia dos refugiados, nomeadamente, as dificuldades económicas, a integração no mercado de trabalho e as barreiras que se colocam por motivos de desconhecimento da língua portuguesa e o difícil acesso aos cursos de português por inconveniência de horários ou meios de transporte. O porta-voz do grupo de famílias refugiadas em Portugal sublinhou a discriminação existente, salientou as promessas de petição por parte do 56 Opta-se por não incluir todos os pontos explorados no estudo mas sim aqueles que se consideraram mais relevantes. 26 governo português, tendo apenas dois partidos políticos dado resposta (o partido comunista e os verdes). No campo dos refugiados, o IGOT referiu no diagnóstico que Portugal tem recebido um número reduzido de requerentes de asilo, ainda que tenha havido um aumento considerável em 2013 devido à chegada da população síria e, em 2014, com a vinda de população ucraniana. No momento do diagnóstico, a equipa de investigação concluiu que existia falta de informação referente aos requerentes de asilo quanto à sua distribuição geográfica para além da sua estadia proporcionada pelo Conselho Português para os Refugiados (CPR), no Centro de Acolhimento para Refugiados (CAR), na Bobadela, e no Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas (CACR), no Parque da Bela Vista. No entanto, há várias deslocações, por parte das pessoas que aí residem, à cidade de Lisboa por motivos de trabalho, consumo ou tratamento de questões burocráticas. c) Acesso à habitação No contexto do acesso à habitação, as políticas de habitação e de realojamento social foram apenas direcionadas para situações de carência acentuada. As áreas com maior presença de imigrantes são o centro histórico e zonas envolventes e a Freguesia de Santa Clara. A maioria dos estrangeiros vivem em casas arrendadas, com exceção dos estrangeiros europeus e chineses. Em termos de condições de habitação verifica-se que existe uma percentagem de população a viver em alojamentos sobrelotados. Na área da habitação social, o IGOT recorreu a informação e estudos da GEBALIS, empresa responsável pela gestão do arrendamento social, que aponta diversos problemas relacionados com o isolamento urbano, desemprego, insucesso escolar, insegurança, estigmatização e ainda, pontualmente, conflitos interétnicos entre população de países africanos e população cigana. A par da informação disponibilizada pela GEBALIS, também se considerou o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no âmbito do programa BIP-ZIP (projeto desenvolvido pela CML em bairros considerados zonas de intervenção prioritária). d) Saúde 27 No aspeto da saúde, os principais problemas diagnosticados ligam-se sobretudo aos desafios colocados na prestação de cuidados de saúde dado as vulnerabilidades e diferenças específicas, culturais e linguísticas. O diagnóstico refere como fenómenos de intervenção a questão da mutilação genital feminina, sendo esta uma prática pouco conhecida em Portugal57, o desencadeamento de depressões e distúrbios psicológicos na população estrangeira adolescente relacionado com o processo de adaptação a um novo código cultural ou, ainda, problemas derivados de má alimentação num contexto de dificuldades económicas. Quanto aos profissionais de saúde, existe muita falta de informação sobre o igual direito dos estrangeiros no acesso à saúde, bem como, um desconhecimento de diferentes hábitos culturais dos pacientes como, por exemplo, certas restrições alimentares. Há também uma referência quanto ao potencial desconhecimento de determinadas doenças por parte dos profissionais de saúde. e) Educação Na área da educação as principais barreiras tem que ver com a falta de informação e conhecimento sobre os direitos e deveres no acesso à educação, sobre as instituições de ensino. A dificuldade de comunicação ou o pouco domínio da língua também se constitui como uma das principais barreiras. O estudo aponta ainda a falta de conhecimento e interação mútua entre a comunidade escolar e as famílias e a falta de docentes com competências para o ensino da língua portuguesa e para se adaptarem à diversidade dos seus conhecimentos linguísticos. f) Participação Política e Cívica Dentro da população estrangeira residente no concelho de Lisboa, apenas 11% é recenseada. A discriminação do enquadramento político português sobre os direitos de voto dos estrangeiros manifesta-se também numa menor taxa de estrangeiros nãocomunitários recenseados. Pelo contrário, a taxa de estrangeiros provenientes de países da União Europeia é superior. g) Associativismo 57 Sobre o tema, veja-se Sofia Branco, a única jornalista portuguesa a explorar o tema. Inclusivamente, o seu interesse deu origem à publicação do livro Cicatrizes de Mulher (2006). 28 No campo do associativismo, o IGOT realizou inquéritos a 18 associações com sede no concelho de Lisboa, das quais seis foram selecionadas para a realização de entrevistas 58. São associações relativamente pequenas no número de associados, na sua maioria contando com menos de 500 (com exceção da Solidariedade Imigrante que declara ter 24.800 membros associados). As associações são também pequenas no número de funcionários, sendo de realçar que apenas sete associações declararam ter funcionários imigrantes. O tecido associativo conta também com a colaboração do trabalho voluntário, especialmente as associações que se destinam diretamente ao serviço de imigrantes e aquelas de cariz cívico-religioso. Financeiramente, recorrem, substancialmente, aos donativos e quotas dos associados e aos financiamentos de origem pública. No entanto, enfrentam várias dificuldades económicas, insuficiência de recursos humanos, problemas logísticos e de instalações, falta de divulgação das atividades e pouco apoio jurídico. Os entrevistados mencionaram a excessiva burocratização das candidaturas a fundos públicos que atrasam os processos. Assim referiram também a necessidade da criação de uma entidade que financiasse as associações quando estas estão sem recursos para pagar os salários dos seus funcionários. Segundo os entrevistados, os apoios são sobretudo da Câmara Municipal de Lisboa e do Alto-Comissariado para as Migrações. Neste contexto precisam de mais apoio e divulgação através de estratégias nos meios de comunicação. A articulação com empresas privadas seria mais uma forma de dinamização das suas atividades. Nas entrevistas, foi ainda apelada a necessidade de uma entidade responsável pela articulação entre as associações e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sendo que a regularização é uma das questões fulcrais para a população imigrante, sobre a qual as associações nem sempre conseguem dar resposta. É interessante como um dos entrevistados não espera ajuda das Câmaras quanto à falta de profissionalização dos seus funcionários. Neste aspeto encara que pedir ajuda na valorização dos profissionais associativos seria uma forma competição com os 58 As associações selecionadas para entrevistas foram a Associação Cabo-verdiana de Lisboa, Associação Guineense de Solidariedade Social, Casa do Brasil, Solidariedade Imigrante – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes, Associação dos Ucranianos em Portugal e a Comunidade Islâmica de Portugal. 29 funcionários das autarquias. Neste sentido, não espera que a Câmara ajude na valorização e formação profissional dos trabalhadores associativos. Um dos representantes associativos entrevistados, quando questionado sobre o que é integrar, afirma que a integração é o acesso à habitação (face aos valores tão elevados das rendas em Lisboa), ao emprego e o domínio da língua portuguesa. Esta afirmação coincide em parte com os resultados dos inquéritos Delphi realizados pelo IGOT, que demonstram que as principais dificuldades dos imigrantes são, em primeiro, o acesso ao emprego, a regularização e o acesso à habitação ou segregação espacial. h) Diálogo inter-religioso e intercultural Quanto à área do diálogo inter-religioso e intercultural, o IGOT refere como principais conclusões: a ausência de conflitos entre fés, mesmo quando existe proximidade no espaço urbano. No entanto, a população local mais antiga não conhece bem as novas comunidades religiosas. Dá-se também a ocorrência de alguns episódios de discriminação ao nível individual contra os muçulmanos e sikhs ou episódios de conflitos ligados à prática cultural por motivos de barulho e uso do espaço público. O estudo denota ainda uma falta de representatividade dos novos grupos de cada comunidade religiosa, havendo uma representatividade local forte mas fraca ao nível metropolitano. 3.6.4. Recursos internos da CML Foram ainda utilizados recursos internos da CML, o que se traduziu inicialmente em duas reuniões no mês de novembro e dezembro de 2014. a) Resultados da primeira reunião: No âmbito de uma melhor articulação dos recursos internos da Câmara Municipal de Lisboa, foram convocados para reunião, no dia 18 de novembro de 2014, variados responsáveis de diversos departamentos e divisões, que contribuíram para a elaboração do diagnóstico e implementação do Plano Municipal. Os participantes pertenciam aos seguintes departamentos/gabinetes/equipas/projetos: Educação, Relações Internacionais, EGEAC, GEBALIS, equipa do BIP ZIP, a Equipa Missão Lisboa 2020, Desporto, Economia e Inovação, Unidade de Coordenação Territorial, Cultura e Projeto Local de Habitação e Desenvolvimento Social (PLHDS). Um dos objetivos desta reunião foi reunir informação relevante sobre atividades e projetos desenvolvidos na temática da interculturalidade, tais como alguns projetos e 30 atividades da EGEAC ou os projetos desenvolvidos pelo Programa BIP-ZIP em variados bairros. Pretendeu-se obter ainda informação sobre a população imigrante residente nos diversos bairros, tais como a sua nacionalidade e as suas condições de habitação. O Departamento da Educação forneceu informação referente à origem dos alunos nas escolas, os jardins-de-infância (70 escolas) e escolas de 1º ciclo (90 escolas), para o ano letivo 2013/14. Aproximadamente um décimo dos alunos são estrangeiros com uma significativa diversidade de origens. Há alguma concentração sendo que sete dos jardinsde-infância têm mais de 40% de alunos estrangeiros. O Departamento de Relações Internacionais disponibilizou uma lista sobre os Acordos de Geminação e os Acordos de Cooperação e Amizade que Lisboa tem vindo a celebrar com várias cidades, tendo realçado o facto de os Acordos de Geminação mais ativos terem sido celebrados com antigas e atuais cidades capitais de língua portuguesa, dinamizados pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA). A EGEAC sublinhou a importância das Marchas Populares e como a sua realização tem permitido um relacionamento de proximidade com as comunidades locais e interculturais. Desta forma, referiu a empresa, originam-se novos ritmos e tendências. A empresa prevê que para 2015 a programação se mantenha igual no campo da interculturalidade, mas com especial destaque para temas relacionados com culturas que tenham laços históricos com Portugal. De acordo com a informação disponibilizada, a programação do cinema São Jorge quanto a festivais de cinema apresenta alguma diversidade relativamente à representatividade de origens (Comunidade de Países de Língua Portuguesa - CPLP, países centro-europeus, países europeus de leste, américa-latina, (ficando a haver um lapso quanto à representatividade cinematográfica de países da Ásia). A Direção Municipal de Economia e Inovação que coordena atualmente o projeto DELI (Desenvolvimento na Economia e Integração Local), bem como a startup59 “EI! Serviços de Apoio ao Imigrante”. A DMEI forneceu ainda informação sobre as startups com fundadores estrangeiros. Os fundadores e colaboradores são sobretudo da Alemanha, dos EUA, da França e do Reino Unido. 59 Startups são empresas iniciantes que procuram um modelo de negócio inovador. 31 Foi também importante a informação proveniente através do Programa BIP-ZIP sobre a dispersão dos projetos de imigrantes, sendo nas freguesias de Santa Clara e de Marvila onde decorrem mais projetos. Um dos pontos negativos dos bairros que os responsáveis deste projeto referem é que muitas vezes acontece uma mistura forçada de várias etnias devido a um realojamento sem “preocupações interculturais”60. Na maioria das reuniões e debates a que assisti referiam-se os conflitos entre africanos e ciganos. A Equipa Missão Europa 2020, no âmbito dos objetivos Estratégicos da Estratégia Lisboa/Europa 2020 e mais especificamente no objetivo “Melhor Cidade”, fez referência à importância da valorização da diversidade cultural, nomeadamente através do empreendedorismo enquanto mecanismo de empoderamento, do associativismo como forma de promover uma cidadania ativa e das iniciativas de base local como meio de dinamização da cidade. De seguida, alertou para as ações elegíveis para a obtenção de fundos no domínio da promoção da inclusão ativa de imigrantes e minorias étnicas e que são as seguintes: ações de formação em cidadania, língua portuguesa e língua portuguesa técnica dirigida a cidadãos imigrantes; apoio a consórcios locais que promovam a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconómicos mais vulneráveis, particularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas incluindo ciganos, tendo em vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social; ações de mediação intercultural em serviços públicos, nomeadamente apoios à formação e contratação de mediadores; apoio a estratégias de governação integrada para inclusão de imigrantes (designadamente CNAI - Lisboa). O departamento do desporto referiu que não faz uma diferenciação nos seus programas, não tendo nenhum projeto exclusivamente destinado à população imigrante. No entanto apontou como projetos de realce o projeto “Desporto Mexe Comigo”. Este projeto tem como objetivo a inclusão social da população infantojuvenil considerada em situação de risco, através da promoção do acesso à atividade desportiva regular, aos residentes nos bairros de Realojamento Social (PER) da cidade. Um outro projeto desenvolvido pelo departamento do desporto que, pela sua dimensão de público-alvo, abrange também população imigrante é o “Programa de apoio à natação curricular das Escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico”. Interpreta-se que a “mistura forçada de várias etnias” foi usualmente associada a conflitos entre populações de origem africana e etnia cigana. Deste modo, as “preocupações interculturais” poderão significar uma maior e melhor gestão de conflitos e distribuição da população. 60 32 A GEBALIS, que realizou um inquérito de satisfação em 2011 aos residentes nos bairros pelos quais é responsável, conclui que a percentagem de população estrangeira é de 5,3%. Forneceu ainda informação sobre os bairros onde predomina mais população estrangeira. Ao nível dos projetos em que estão envolvidos, referem a sua parceria com o GABIP no Bairro Padre Cruz, a sua participação em projetos de empreendedorismo ou diversidade religiosa e ainda de projetos inseridos no Programa Escolhas, entre outros. O Gabinete Lisboa Cidade Educadora, quando questionado sobre os concelhos com projetos a funcionar específicos para as populações imigrantes, prestou informação sobre a sua realização apenas aliada à atividade dos Centros Locais de Apoio à Integração dos Imigrantes (CLAII). Neste sentido, indicou projetos na área do ensino da língua portuguesa, formação para o empreendedorismo e sobre legislação intercultural, na área do património ou ainda na mediação intercultural. b) Resultados da segunda reunião: Unidades de Intervenção Territorial de Lisboa Seguiu-se à reunião de 18 de novembro, e ainda dentro do mesmo objetivo de maximização dos recursos internos, uma reunião com as várias Unidades de Intervenção Territorial de Lisboa no dia 15 de dezembro de 2014. A reunião decorreu de forma relativamente tranquila ainda que um dos presentes tenha resistido ao motivo da reunião pois interpretou como uma abordagem com falta de rigor metodológico, ou seja, os seus contributos e conhecimentos sobre a população imigrantes nunca seriam uma amostra fidedigna da realidade mas sim uma amostra com base numa perceção subjetiva. No entanto, as questões que se colocaram aos convocados após a reunião foram questões genéricas com vista a escolher os locais de intervenção para desenvolver projetos, ter uma melhor noção da evolução do empreendedorismo imigrante nos diversos bairros, os locais de culto (visto ter sido anteriormente percebido que há um vazio de fontes de informação a este nível) ou as condições gerais de habitação. Após esta reunião foi disponibilizada a seguinte informação: A freguesia de Arroios foi descrita como a mais diversificada em nacionalidades da população residente: Índia, Nepal, Bangladeche, Paquistão, Ucrânia, Brasil, Angola, Cabo-verde, Guiné e China. Foi ainda, não surpreendentemente, referida como a freguesia com mais comércio étnico e com uma maior variedade na oferta de produtos. O comércio distribui-se por toda a freguesia mas realçam-se as ruas Av. Almirante Reis e a Rua do Bem-formoso. Os técnicos das UIT da zona oriental também afirmaram existir 33 um alto nível de autoemprego e comércio ambulante no bairro de Marvila e do Beato. Também para a zona ocidental, foi sublinhada a presença de populações asiáticas (chineses, indianos, nepaleses ou bengali) a par do estabelecimento do pequeno comércio, beneficiando a concorrência de preços e contribuindo para o combate à desertificação da zona aos fins-de-semana. As condições de habitabilidade foram descritas muitas vezes como mínimas ou precárias. Por exemplo, no bairro do Areeiro e em Arroios muita população vive em casas sobrelotadas, chegando a haver três a quatro famílias a viverem na mesma casa, muitas vezes sem as infraestruturas básicas. Também foi referido como precário o caso de alguns imigrantes chineses a viverem na própria loja onde trabalham durante o dia. Na zona do Areeiro e de Campolide, entre outras nacionalidades, há alguma predominância de população da Europa de Leste. Ou, pelo menos, de uma forma mais visível para o caso de Campolide, já que alguma população da Europa de Leste e africana foi indicada como estando a viver sob viadutos e ocupando abusivamente edifícios devolutos. Na zona oriental de Lisboa, a maioria dos imigrantes vive em habitação municipal e muitas pessoas foram realojadas através do Programa Especial de Realojamento (PER), o que também acontece para a zona centro da cidade (nomeadamente, na zona das Avenidas Novas). Na maioria das freguesias e zonas de Lisboa, foram identificados como problemas associados à população imigrante o desemprego (especialmente o desemprego jovem), a falta de documentação de identificação ou a situação irregular de residência, alguma discriminação racial e a falta de comunicação ou poucos conhecimentos da língua portuguesa. Para as freguesias de Marvila e do Beato foi ainda sublinhada a falta de integração e relação intergrupal. Quanto à diversidade de locais de culto destacam-se, na zona centro, a freguesia de Arroios, Santo António, Alvalade e Avenidas. De acordo com a informação prestada a zona oriental da cidade é menos rica em associações culturais e locais de culto ou instituições religiosas. No entanto, destacam-se o Templo de Shiva (um lugar de culto da comunidade Hindu) nos Olivais e, na freguesia de Marvila, o novo templo Hindu de Lisboa. 34 Os técnicos indicaram como benefícios trazidos pela população imigrante a revitalização dos bairros a nível comercial e o seu contributo positivo para as taxas de natalidade, assim como a importante troca de saberes e culturas. 3.6.5. Workshop PMIIL 20 de março de 2015 A 20 de Março de 2015 realizou-se um workshop que juntou cerca de 60 pessoas e onde foram discutidos, através de uma análise SWOT61, a utilidade, os pontos fortes e os pontos fracos do PMIIL. O workshop iniciou-se com a abertura do Dr. José Leitão, seguida de uma apresentação do Plano Municipal pela Dr.ª Susana Ramos. De seguida, o IGOT apresentou um resumo do diagnóstico e organizou o debate em seis mesas temáticas, correspondentes às áreas de intervenção do PMIIL: 1) Acolhimento e Habitação; 2) Saúde e Educação; 3) Participação Cívica e Política e Associativismo; 4) Emprego, empreendedorismo, valorização e capacitação; 5) Diálogo Inter-religioso e intercultural e Dinâmicas Culturais Urbanas; 6) Racismo e Discriminação e Exclusão Social. Seguiu-se assim a análise SWOT do diagnóstico que decorreu em cerca de duas intensivas horas, tendo acontecido uma boa adesão e colaboração por parte dos convidados. Após a discussão nas mesas, um representante de cada mesa pronunciou-se sobre o tema que lhe correspondia. Durante a parte da manhã, a maioria das conclusões apresentadas pelos diferentes representantes das mesas consideraram o diagnóstico útil, apesar do curto tempo para a sua realização, mas houve alguma dificuldade na compreensão da linguagem do diagnóstico, considerada por alguns como “demasiado técnica”. No caso do associativismo, considerou-se a amostra presente no diagnóstico como superficial e que, nesse sentido, se deveria ter recorrido a mais associações. Foi também referenciada a importância de abordar o fenómeno de autoexclusão das associações pelas dificuldades (sobretudo financeiras e burocráticas) que atravessam. Assim como, na área do diálogo inter-religioso, os presentes sugeriram contactar as entidades religiosas locais e apelaram para que fosse também dada uma perspetiva da população autóctone sobre a sua vivência em relação às diferentes religiões e práticas religiosas. E, pela mesa da A análise SWOT é uma matriz que permite analisar os seguintes pontos: os pontos fortes – “Strenghts”, os pontos fracos – “Weaknesses”, as oportunidades/utilidades – “Opportunities” e as ameaças – “Threats”. 61 35 exclusão social, uma das sugestões foi entrevistar pessoas imigrantes. Desta forma, concluiu-se que seria necessário reforçar a dimensão qualitativa do diagnóstico. Outra das questões indicada foi a recolha de mais dados sobre os sem-abrigo e como o fazer. Apelou-se ainda que fosse abordado o tema da violência doméstica. E, na área da educação, considerou-se pertinente explorar o tema da educação não-formal e da educação para adultos. Surgiram críticas a expressões presentes no diagnóstico, tais como “conflitos com comunidades ciganas” ou “conflitos entre imigrantes em bairros sociais”, considerando estas como abordagens generalistas e desnecessárias. Na área do racismo, o racismo institucional foi apontado como o mais grave de todos por limitar o exercício dos direitos. Neste sentido e paralelamente, existe uma falta de conhecimento sobre direitos e deveres e até sobre a possibilidade de realizar queixas de situações de discriminação ou racismo. A tarde de workshop foi dedicada à sugestão de medidas a implementar e baseou-se na mesma metodologia: discussão nas mesas seguida de uma breve apresentação das conclusões. Desta forma, foram sugeridas medidas como a identificação de casas vazias na melhoria do acesso à habitação e a criação de uma bolsa de mediadores interculturais de bairro. Na área da saúde a melhoria do acesso ao Sistema Nacional de Saúde através de ações de sensibilização junto da população imigrante e ações de informação para os profissionais de saúde, assim como, a contemplação da área da saúde mental que, segundo o interlocutor da mesa da saúde, “a saúde mental não deve estar num plano secundário”. No campo do empreendedorismo, reforçou-se a ideia de fomentar o empreendedorismo inclusivo através da facilitação do acesso a lojas municipais para a implementação de negócios próprios. Quanto ao diálogo inter-religioso e diálogo intercultural, propôs-se a organização de visitas guiadas a instituições religiosas, um encontro ecuménico anual e a realização de mostras culturais (artísticas, gastronómicas, intelectuais). A par disto, propôs-se ainda a rentabilização de alguns espaços culturais cujas entidades responsáveis têm desenvolvido trabalho em parceria com a CML. Na área do racismo e discriminação, sugeriu-se a promoção do conhecimento entre imigrantes e nacionais e a garantia da continuidade das dinâmicas culturais existentes dentro do próprio tecido associativo. Para além disto, referiu-se como uma mais-valia as ações de formação sobre o racismo junto de profissionais diversos. Na área do 36 associativismo, incentivou-se o apoio ao reconhecimento jurídico das associações através dos Gabinetes Jurídicos do ACM, I.P. Na fase final de realização do diagnóstico e de recolha de contributos para o PMIIL, acrescentou-se uma área de intervenção, a área ‘Relações com os Países de Origem’. O quadro de áreas de intervenção resultou no seguinte: 1. Cidadania e Participação: Acolhimento, Habitação, Saúde, Participação Cívica e Política, Educação, Associativismo 2. Emprego, empreendedorismo, valorização e capacitação: Emprego, Empreendedorismo, Qualificação 3. Diversidade: Relações com os Países de Origem, Diálogo inter-religioso e intercultural, Racismo e Discriminação, Dinâmicas Culturais Urbanas, Exclusão Social 3.6.6. Reuniões do Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania No dia 24 de novembro de 2014, em reunião do Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania, foi apresentado o Plano Municipal para a Integração de Imigrantes. Nesta reunião, o PMIIL estava ainda numa fase muito prematura. Foram apenas apresentados os aspetos formais do Plano (financiamento, plano cronológico), as áreas de intervenção e a metodologia a aplicar no diagnóstico. De um modo geral, os presentes na reunião não intervieram com exceção de alguns representantes associativos que se opuseram ao princípio ideológico do Plano, interpretando-o como parte de medidas negativamente exclusivas. No dia 23 de fevereiro de 2015, numa fase mais avançada do PMIIL, foi apresentado o diagnóstico e o Prof. Jorge Malheiros alertou para o facto de o PMIIL ter uma abordagem contrária às lógicas assistencialistas. A propósito das conclusões do diagnóstico para o PMIIL, surgiu a questão sobre como criar uma voz dos grupos asiáticos, cuja presença em Lisboa está em forte crescimento. Foi distribuído um documento com um resumo do diagnóstico, tendo surgido elogios ao projeto. No seguimento da apresentação do diagnóstico do Plano Municipal para a Integração dos Imigrantes, um representante da comunidade cigana referiu que existe mais violência policial sobre a comunidade de etnia cigana do que sobre os imigrantes, facto este que é silenciado. Referiu ainda o mesmo representante que “os ciganos não são imigrantes nem 37 são população autóctone”, encontrando-se numa espécie de limbo, alvos de perseguições. Para além disto, há um empobrecimento dos ciganos que estão a ficar sem o Rendimento Social de Inserção. Nesta última intervenção, o vereador João Afonso interrompeu, introduzindo uma dimensão prática e uma procura de soluções, e afirmou que a integração se faz através de medidas concretas. Neste sentido, a Dr.ª Susana Ramos convidou os presentes a participarem no workshop para o PMIIL no dia 20 de março e o Dr. José Leitão anunciou os debates temáticos organizados pela Assembleia Municipal de Lisboa. Quando abordada a questão do Fórum Municipal e a apelação de ideias e sugestões aos presentes, surge mais uma vez a manifestação de uma divergência ideológica, como já referido anteriormente. Uma das associações presentes opôs-se à integração do FMINT nas Festas de Lisboa. Nesta sequência, outra associação aproveitou para dar a conhecer a Festa da Diversidade. Na mesma reunião do CMIC, tinham já sido anunciados vários eventos culturais próximos. Entre a euforia de acontecimentos previstos, foi anunciado para 10 de maio de 2015 um jantar das comunidades do Intendente, em que se serviria um prato por cada comunidade, seguido da visualização do documentário La Cour de Babel ao ar livre. O Instituto franco-português anunciou o colóquio “Migrações, multiculturalismo, laicidade e integração na Europa” a realizar-se nos dias 11, 12 e 13 de maio de 2015 com o propósito de pensar o tema da integração dos imigrantes no contexto da laicidade e abordar a desconstrução do mito (ou não) da integração dos imigrantes em Portugal. Para além da referida organização e oferta cultural, sugeriu-se ainda o evento Comer Lisboa no Teatro Maria Matos. 3.6.7. Debates temáticos na Assembleia Municipal de Lisboa No âmbito do ciclo de debates temáticos promovidos pela Assembleia Municipal de Lisboa, realizou-se, no dia 21 de abril de 2015, a abertura aos debates sobre o tema “Demografia e Migrações em Lisboa: Políticas e Prospetiva” às 18 horas, logo após o lançamento público do Roteiro Imigrante, também no Fórum Municipal. O tema “Demografia e Migrações em Lisboa: Políticas e Prospetiva” incluiu mais três sessões nos dias 5 de maio, 19 de maio e 12 de junho de 2015. 38 No dia 21 de abril, entre os oradores convidados, estava o investigador Rui Pena Pires (CIES, ISCTE-IUL. Investigador no Observatório sobre Emigração) que descreveu a situação migratória atual de Portugal e como este é de novo um país de emigração. Neste sentido, em termos relativos, Portugal é dos países com menos imigração e mais emigração, dando-se a última sobretudo para a Europa. A oradora Joana Lopes Martins (SociNova Migrações. Membro do projeto PORDATA) alertou para a distinção entre as diferentes fontes estatísticas sobre os estrangeiros, que criam confusão e conflito. Por um lado, há as estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e, por outro, os dados dos CENSOS tratados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). 4. Considerações finais 4.1. O paradigma europeu O primeiro ponto a analisar na fase de discussão relaciona-se, como mencionado na introdução, com o confronto existente entre a realidade regional e local e o paradigma normativo da instituição supranacional – a União Europeia. Sendo o Plano Municipal beneficiário do FEINPT, colocou-se um obstáculo à sua realização e plena eficácia pois o público-alvo do plano teve que corresponder apenas aos Nacionais de Países Terceiros. O princípio do FEINPT em si pode ser interpretado, por um lado, como uma política irrealista, já que pressupõe que os imigrantes cidadãos da União Europeia não carecem de políticas integrativas. No caso lisboeta, exclui os cidadãos da Roménia enquanto público-alvo do Plano de Integração (tendo o diagnóstico do PMIIL identificado alguma população romena residente em Lisboa com graves dificuldades de integração social e económica). Por outro lado, o princípio de que as políticas de integração não se destinam a imigrantes nacionais do espaço europeu parte da premissa de que a União Europeia é social e economicamente coesa entre os diversos estados-membros e que os cidadãos europeus que circulam dentro do espaço europeu são privilegiados relativamente a nacionais de países terceiros. Sob este ponto de vista ideológico, o princípio do FEINPT pode também desencadear o efeito perverso de atribuir aos “nacionais de países terceiros” o motivo dos conflitos e preocupações sociais, pois ‘sem eles’ a União Europeia seria um espaço de estabilidade e harmonia social. Nesta perspetiva, é uma política discriminatória. 39 Se a Comissão Europeia desenha as suas políticas com base num ideal normativo de cidadania europeia, o caso de muitos imigrantes romenos em Lisboa torna evidente um fosso entre a cidadania nacional ou cidadanias nacionais e a cidadania europeia. A segunda questão a refletir prende-se com os modelos de avaliação e monitorização aos quais se recorreu durante a elaboração do Plano Municipal. Como já superficialmente abordado no ponto 2, o MIPEX enquanto instrumento de avaliação das políticas de integração tem uma metodologia de 167 indicadores, oito áreas políticas e o máximo de três pontos por resposta. O MIPEX avalia a institucionalização (legislação e burocratização) das medidas para a integração mas não avalia os seus efeitos na vida das pessoas nem estabelece prioridades. Em consequência, uma das etapas do Plano, em que também fui parte responsável, visou uma pesquisa mais aprofundada sobre as políticas de integração em países como a Suécia ou a Espanha. A Suécia, que tem liderado o ranking do MIPEX, tem por si níveis cívicos superiores e é mais desenvolvida em termos de justiça social. O outro país foi a Espanha (que ficou em 11º lugar na última edição do MIPEX). Espanha, na sua população imigrante, tem uma grande diferença proporcional relativamente a Portugal e uma diferença nas origens e necessidades das pessoas imigrantes que lá residem (veja-se o exemplo dos imigrantes refugiados que entram pelo mar Mediterrâneo, por Ceuta ou Melilha). Desta forma, seria importante tornar mais rigorosos os meios e a seleção dos modelos de comparação. 4.2. O processo participativo O Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania, enquanto estrutura consultiva do município para a interculturalidade, foi designado como plataforma colaborativa na conceção e monitorização do Plano Municipal. Contudo, algumas falhas poderão ter tornado a conceção do Plano num processo menos participativo do que o idealmente desejado. Uma das falhas refere-se ao vazio de representatividade de determinadas nacionalidades de imigrantes cuja presença na cidade de Lisboa é cada vez mais significativa. Como foi inclusivamente referido no diagnóstico elaborado pelo IGOT, o volume de população chinesa tem vindo a aumentar e o mesmo é verdade para outras populações de origem asiática (nomeadamente os bangladechianos, paquistaneses e nepaleses). Seria pertinente a sua representação no CMIC. 40 Por outro lado, o número de vezes que o CMIC reúne anualmente é escasso. Ainda que tenha havido a convocação de mais reuniões no último ano, as reuniões acabam por ser pouco produtivas. Quanto à discussão sobre o Plano Municipal, houve uma apresentação do mesmo ainda numa fase prematura e, mais tarde, uma apresentação e distribuição do documento sobre os resultados do diagnóstico acerca do contexto dos imigrantes em Lisboa. Formalmente, houve um recurso às associações membro do CMIC para a criação do Grupo Restrito (respetivamente, as seguintes: Associação Mulher Angolana, Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados, Comunidade Islâmica de Lisboa, FAIASCA-P, Associação Renovar a Mouraria, Centro de Apoio aos Sem-Abrigo, Associação Lusofonia Cultura e Cidadania). A criação do Grupo Restrito poderia ter sido um reforço à participação através do Conselho Municipal. No entanto, as poucas reuniões realizadas não conduziram a um trabalho mais aprofundado e à distribuição de tarefas na fase de conceção, tendo antes servido para o brotar de algumas ideias e sugestões. Quanto à participação dos nacionais de países terceiros, aconteceram duas sessões de auscultação no terreno que foram realizadas durante o mês de maio. Nesta etapa, recorreuse a uma metodologia interativa no sentido em que os mecanismos e as dinâmicas devem ser criados de modo a potenciar o processo participativo. Os resultados das sessões de auscultação, as quais visavam obter contributos diretos de imigrantes nacionais de países terceiros, ficaram aquém do pretendido. Este enquadramento reforça o argumento de que o CMIC, enquanto estrutura representativa, deveria ter ganhado protagonismo no processo de elaboração do Plano. 4.3. Limitações da interculturalidade Por fim, é de refletir sobre como, de acordo com a teoria abordada, o multiculturalismo ou a interculturalidade podem ou não, simbolicamente, limitar o ‘outro’ a um produto de consumo. Foi recorrente, na organização ou divulgação de atividades com visibilidade pública, a associação à dança, música e gastronomia. Relativamente à organização do FMINT conferiu-se espaço ao debate ou não fosse esse o motivo original do Fórum, mas, quanto a iniciativas literárias, apenas uma pessoa insistiu, em reunião para a organização do Fórum Municipal para a Interculturalidade, numa banca para a literatura lusófona, apesar da “pouca adesão do público nos anos anteriores”. 41 A transposição dos princípios da interculturalidade para a dimensão operacional do PMIIL (medidas) foi feita na área da educação (creches e escolas), cujos efeitos serão mais evidentes a longo prazo. A curto prazo, na área do diálogo intercultural e interreligioso e na área das dinâmicas culturais urbanas, prevê-se a implementação de um espaço intercultural e a organização de atividades e encontros diversos. É também um dos objetivos do PMIIL realizar sessões de sensibilização para técnicos de diferentes profissões e administrações. Mas ficam a falhar ações no campo da comunicação social, cujo papel é fundamental na construção simbólica do ‘outro’. Neste sentido, interpretando que o conceito de integração se aplica à facilitação do acesso ao emprego, saúde, habitação e ao acolhimento dos estrangeiros e o conceito de interculturalidade é tendencialmente associado à sensibilização do público e às áreas da educação e do diálogo inter-religioso, o papel do associativismo e a participação política dos estrangeiros não é menos complementar. Pelo contrário, o associativismo imigrante e a participação política dos estrangeiros são a sua voz e oportunidade de afirmação. 5. A minha participação e autoavaliação Em todo o processo de elaboração do I Plano para a Integração de Imigrantes de Lisboa, que tive a oportunidade de acompanhar praticamente desde o início, considero que a minha participação se traduziu numa colaboração transversal. Por um lado, contribuí para a realização em equipa das tarefas de secretariado: desde a preparação das reuniões, o que envolveu a comunicação dos eventos, à realização de memorandos após as reuniões. Por outro lado, a minha participação foi sempre uma participação atenta, enquanto estudante de Migrações, nas reuniões com o Grupo Restrito, nas reuniões do CMIC, com a equipa de investigação e nas sessões de monitorização do PMIIL. Destas reuniões resultou a correspondente recolha de informação e tratamento e a colaboração no desenho e planificação do Plano. A participação na elaboração do documento escrito que sustenta o PMIIL e a produção de texto foi realizada através de pesquisa bibliográfica e do recurso a fontes estatísticas (INE e SEF) para o enquadramento conceptual. Para o enquadramento formal, contribui com pesquisa sobre a agenda comum europeia e a legislação europeia, a legislação referente aos direitos dos estrangeiros, a legislação anti discriminação, bem como o estudo sobre o percurso nacional de políticas de integração. 42 Como referido nas considerações finais, o meu contributo na pesquisa sobre as estratégias e políticas implementadas noutras cidades e/ou países poderia ter sido mais persistente e rigoroso, tal como o foi noutras fases do processo. Deste modo, diria que a minha participação foi mais preponderante a um nível mais interno, ou seja, com a equipa da interculturalidade, no que nos coube à produção do documento escrito do PMIIL. Colocou-se ainda a possibilidade de assistir a algumas das entrevistas, realizadas pelo IGOT, aos representantes associativos. Esta última possibilidade acabou por não se concretizar por falha de comunicação ou incompatibilidade de horários. Assim como participei na elaboração do PMIIL, pude também conhecer outros projetos desenvolvidos pela Câmara Municipal de Lisboa ou por outras entidades com ligações à autarquia no âmbito da interculturalidade, o que só enriqueceu a experiência de estágio e me ofereceu um olhar mais crítico. Interessei-me também por estar presente, sempre que possível, em conferências e debates organizados por instituições diversas e que de uma forma mais ou menos direta poderiam influenciar o meu desempenho no estágio. Exemplo disto foram os seguintes eventos: “Desafios para as Organizações de Migrantes na Europa e Mediterrâneo” (org. Associação Bairros, 13 de novembro de 2014); XI Congresso Internacional do CPR “Mediterrâneo. A Última Fronteira” (27 de novembro de 2014); I Colóquio FOCV “Migrações e Direitos Sociais em Portugal, As Novas Desigualdades em Tempos de Crise” (21 de fevereiro de 2015, org. Federação das Organizações Caboverdeanas em Portugal); II Fórum da Cidadania da CML (28 de fevereiro de 2015, org. Pelouro dos Direitos Sociais). 6. Conclusões Sob um ponto de vista técnico e/ou teórico, e como referido nas considerações finais, conclui-se que, à luz dos princípios europeus, as políticas de integração carecem ainda de uma transformação estrutural. As mesmas restringem o público a que se destinam. Ainda que esta seja uma questão já explorada, a experiência do I Plano Municipal de Integração de Lisboa comprova na prática o desencadeamento de entraves derivado do princípio europeu que distingue os imigrantes em diferentes categorias (imigrantes de países pertencentes ao espaço europeu e imigrantes provenientes de ‘países terceiros’) e da intransigência institucional face a estas implicações. 43 Neste contexto, a atuação da Câmara Municipal de Lisboa através do Conselho Municipal para a Interculturalidade e Cidadania pode ser melhorada de modo a alcançar uma maior representatividade local das diversas comunidades imigrantes, acionando outros meios de integração através das redes existentes. Quanto à questão pessoal, a experiência de conhecer os meios e modos de atuação da Câmara de Lisboa na área dos direitos sociais surpreendeu-me positivamente por sentir que existia liberdade de ação e de propor iniciativas. No entanto, e considerando que este relatório de estágio é sobretudo um testemunho individual que não é imparcial, foi de certa forma claro que a elaboração do I Plano Municipal para a Integração de Imigrantes, mediante as implicações burocráticas (estabelecimento de prazos, relatórios de atividades e orçamentos) e face a alguma distância entre os múltiplos grupos de trabalho, deixou pouco espaço para a reflexão e amadurecimento de ideias. 44 Bibliografia: Almeida, Miguel Vale (2002), «O Atlântico Pardo: Antropologia, Pós-colonialismo e o Caso ‘Lusófono’» in Bastos, C., M. Vale de Almeida e B. Feldman-Bianco (orgs.), Trânsitos Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros, Lisboa: ICS, pp.23-37 <http://miguelvaledealmeida.net/wp-content/uploads/2008/07/o-atlantico-pardo.pdf> Barth, Fredrik, «Introduction to ethnic groups and boundaries: the social organization of cultural difference» in Selected Studies in International Migration and Immigrant Incorporation, Martiniello, Marco & Rath, Jan (2010), IMISCOE TEXTBOOKS, Amsterdam University Press, 2010, pp. 407-436 Burgess, Ernest (1967), «The growth of the city: an introduction to a research project» in Park, Robert e Ernest Burgess, The City, University of Chicago School, Londres, pp. 4762 Cachado, Rita Ávila (2013), «O Programa Especial de Realojamento. Ambiente histórico, político e social», Análise Social 206, XLVIII (1.º), pp.134-152, ISSN online 2182-2999 <http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/AS_206_d03.pdf> Carita, Cristina e Vasco Nuno Rosendo (1993), «Associativismo cabo-verdiano em Portugal Estudo de caso da Associação Cabo-verdiana em Lisboa», Sociologia Problemas e Práticas, Nº 13, 1993, pp. 135-152, <http://hdl.handle.net/10071/921> Castells, Manuel (2008), «The New Public Sphere: Global Civil Society, Communication Networks and Global Governance», ANNALS, AAPSS, 616, March 2008, pp.78-93 Colombo, Enzo (2015), «Multiculturalism: An overview of multicultural debates in western societies», Current Sociology Review, vol. 63 (6), pp. 800-824, DOI: 10.1177/0011392115586802 <http://csi.sagepub.com/content/early/2015/06/05/0011392115586802.abstract> Gozdecka, Dorota, et al. (2014), «From multiculturalism to post-multiculturalism: Trends and paradoxes», Journal of sociology, Vol. 50(1), 51-64, DOI: 10.1177/1440783314522191 <http://jos.sagepub.com/content/50/1/51.abstract> Faist, Thomas (2000), «Transnationalization in international migration: implications for the study of citizenship and culture», Ethnic and Racial Studies, 23:2, 189-222, DOI: 45 10.1080/014198700329024 <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/014198700329024> Farred, Grant (2007), «Foreigners among citizens», Cultural Critique no. 67, Edward Said and After: Toward a New Humanism, University of Minnesota Press, pp.141-159, <http://www.jstor.org/stable/4539823> Fligstein et al. (2012), «European Integration, Nationalism and European Identity», Journal of Common Market Studies, Vol. 50, Nº S1, pp. 106–122 Gastaut, Yvan «Les bidonvilles, lieux d’exclusion et de marginalité en France durant les trente glorieuses», Cahiers de la Méditerranée [En ligne], 69 | 2004, mis en ligne le 10 mai 2006 <http://cdlm.revues.org/829> Gorjão-Henriques, Manuel (Org.) (2010), Tratado de Lisboa, 2ª Edição, Almedina, Coimbra Haas, Hein de, and Mathias Czaika (2013), «The Effectiveness of Immigration Policies», Population and Development Review 39 (3), pp.487-508, <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1728-4457.2013.00613.x/abstract> Hindess, Barry (2001), «Citizenship in the International Management of Populations» in Meredyth, Denise & Jeffrey Minson, Citizenship and Cultural Policy, ed., SAGE, Londres, pp. 92-103 Kymlicka, Will (2012), Multiculturalism: Success, Failure, and the Future, Washington, DC: Migration Policy Institute (Disponível em: http://www.migrationpolicy.org/research/TCM-multiculturalism-success-failure) Kymlicka, Will and Ruth Rubío Marín (1999), «Liberalism and Minority Rights. An Interview.», Ratio Juris, Vol. 12 No. 2, Junho 1999, pp. 133-52 (Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/1467-9337.00116/abstract) Lidz, Victor (2009) «Talcott Parsons on full citizenship for African Americans: retrospective interpretation and evaluation», Citizenship Studies, 13:1, 75-83, DOI: 10.1080/13621020802586776, <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13621020802586776> Malheiros, Jorge (2008), «Comunidades de Origem Indiana na Área Metropolitana de Lisboa – iniciativas empresariais e estratégias sociais criativas na cidade», in Oliveira, 46 Catarina Reis e Rath, Jan (org.), Revista Migrações – Número Temático Empreendedorismo Imigrante, Outubro 2008, nº 3, Lisboa: ACIDI, pp. 139-164 Matias, Gonçalo Saraiva (2014), Migrações e Cidadania, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Relógio d’Água, Lisboa McCrone, David e Richard Kiely (2000), Nationalism and Citizenship, Sociology, Vol. 34 No.1, (BSA Publications, United Kingdom), pp.19-34 Mendes, Felismina Rosa (2010), «Reflexões sobre o movimento associativo imigrante em Portugal» in Horta, Ana Paula Beja (org.), Revista Migrações – Número Temático Associativismo Imigrante, Abril 2010, nº 6, Lisboa: ACIDI, pp. 233-236 <http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Revista_6/Migr6_Sec3_Art2.pdf> Peach, Ceri (2010), «The ghetto and the ethnic enclave» in Martinello, Marco and Jan Rath, Selected Studies in International Migrations and Immigrant Incorporation, Amsterdam University Press, IMISCOE TEXTBOOKS, pp. 581-606 Pedroza, Luicy (2013), «Policy framing and denizen enfranchisement in Portugal: why some migrant voters are more equal than others», Citizenship Studies, 17:6-7, 852-872, DOI: 10.1080/13621025.2013.834140 <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13621025.2013.834140> Santos, Sofia (2014), «Os instrumentos de planeamento urbano em Lisboa e o espaço dos imigrantes» in Marques, M. Margarida (org.), Lisboa Multicultural, Fim de Século, Lisboa, pp. 73-113 Sardinha, João (2003), «O associativismo cabo-verdiano na Área Metropolitana de Lisboa e a inserção da comunidade cabo-verdiana na sociedade portuguesa», in GeoINova, Revista do Departamento de Geografia e Planeamento Regional, vol. 8, Lisboa: Centro de Estudos Geográficos e Planeamento Regional, pp. 35-60, <http://fcsh.unl.pt/geoinova/revistas/files/n8-2.pdf> Staszak, Jean-François (2008), «Other/Otherness», International Encyclopedia of Human Geography, 2008, Elsevier 47 Strabac, Zan and Ola Listhaug (2008), «Anti-muslim prejudice in Europe: A multilevel analysis of survey data from 30 countries», Social Science Research, 37, pp. 268-286, Elsevier <http://www.annalindhfoundation.org/publications/anti-muslim-prejudice- europe-multilevel-analysis-survey-data-30-countries> Turner, Bryan S. (1990), «Outline of a Theory of Citizenship», SAGE, <http://soc.sagepub.com/content/24/2/189> 48 ANEXOS Anexo I: Exemplos de materiais realizados e/ou produzidos durante o estágio. 49