Revista Prolíngua – ISSN 1983-9979
Volume 6 - Número 1 - jan/jun de 2011
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ARGUMENTAÇÃO E POLIFONIA NA PRODUÇÃO DE TEXTOS DE OPINIÃO:
REPENSANDO A FUNÇÃO DO “MAS”
Marcos Antônio da Silva1 (UFPB/PROLING/CAPES)
sambiar@ig.com.br
2
Erivaldo Pereira do Nascimento (UFPB/PROLING/CNPq)
erivaldo@ccae.ufpb.br
RESUMO
Este artigo apresenta um recorte de uma dissertação de mestrado na qual foi realizada
uma análise semântico-discursiva do mas na produção do texto de opinião. Tal
empreendimento está fundamentado na Teoria da Argumentação na Língua postulada por
Ducrot e colaboradores (1987 1988 e 1994). Nosso corpus é constituído de textos de opinião
produzidos por alunos candidatos no Processo Seletivo Seriado - (PSS) 2009 - da UFPB,
coletados em fevereiro do mesmo ano. A análise nos possibilitou compreender e descrever o
funcionamento do mas na produção do texto de opinião, bem como entender o
posicionamento do locutor diante dos diferentes pontos de vista presentes nos enunciados.
Ainda com base nas análises é relevante afirmar que o mas presente no textos analisados pode
orientar os enunciados para conclusões opostas, mas também para conclusões que se
complementam.
PALAVRAS-CHAVE: Argumentação. Polifonia. Texto de opinião.
ABSTRACT
This paper presents a piece of a Master’s dissertation which was made a semanticdiscursive analysis of mas operator in the opinion textual production. The research is based on
the Argumentation Theory in Language that is proposed by Ducrot et al (1987, 1988 and
1994). Our corpus consists in opinion texts which were produced by candidates students in
the achievement of SERIES SELECTION PROCESS (PSS-2009) from Federal University of
Paraíba (UFPB). These texts were collected in February at the same year. We can understand
and describe the mas operation in the production of opinion text, as well as we can also
understand the positioning of the speaker on the different points of view present in the
statements. Still based on the analysis, it is pertinent to affirm that the mas operator present in
the analyzed texts can guide the statements to contrary conclusions, but also to conclusions
which, to some extent, are complemented.
KEY WORDS: Argumentation. Polyphony. Opinion Text.
1
2
Doutorando em Linguística pelo PROLING/ Bolsista CAPES.
Doutor em Linguística, Professor da UFPB e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
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INTRODUÇÃO
Conhecer uma língua e utilizá-la de forma eficiente é conhecer seus recursos e
estratégias de usos, bem como sua plasticidade, quando da exigência de utilização nos
diferentes contextos sociais. Logo, pensar em ensino de língua é também re-pensar a
concepção de linguagem que se está levando para a sala de aula.
Neste artigo, percebemos a linguagem enquanto processo de interação entre os
indivíduos, posição já defendida por Bakhtin (1999), Koch (2007), dentre outros estudiosos,
por entendermos que a linguagem serve muito mais do que simplesmente para nomear seres e
que vai além de um instrumento de comunicação, uma vez que ela dirige relações humanas.
Assim, é através da linguagem que expomos nossas opiniões, organizamos nossas falas com
base em determinados objetivos e interagimos com nossos interlocutores.
Dessa forma, constitui objetivo nosso, nesse estudo, analisar o funcionamento
semântico-discursivo do operador mas em produções textuais de alunos egressos do ensino
médio. Os textos foram produzidos durante o PSS (Processo Seletivo Seriado-2009), da
Universidade Federal da Paraíba, quando do momento da realização da prova de redação.
Nosso corpus é constituído de 139 redações, no entanto, por motivo de espaço, trouxemos
para nossa análise apenas oito textos.
O estudo aqui em questão faz parte de uma pesquisa de mestrado e está vinculado ao
projeto “Estudos Semântico-Argumentativos de Gêneros do Discurso: redação escolar e
gêneros formulaicos (ESAGD)”, financiado com recursos do CNPq3, cujo objetivo é
descrever
a
estrutura
semântico-argumentativa
de
gêneros
textuais
do
universo
oficial/empresarial, denominados de formulaicos, e da redação escolar.
Este artigo tem como bases norteadoras os trabalhos apresentados por AnscombreDucrot (1994), Ducrot (1987 e 1988), sobre a Teoria da Argumentação na Língua, bem como
Guimarães (1987) e Vogt e Ducrot (1980), sobre os operadores argumentativos.
Tal estudo nos possibilitou observar e descrever o funcionamento do operador mas, na
produção textual, e verificar que usos não previstos na teoria se materializam nos textos
produzidos.
3
O projeto ESAGD é coordenado pelo professor doutor Erivaldo Pereira do Nascimento e tem apoio do CNPq,
processo número: 501922/2009-1.
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1. TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA: ANSCOMBRE E DUCROT
Proposta por Ducrot (1988) e Ducrot e colaboradores (1994), a Teoria da
Argumentação na Língua (TAL) percebe a argumentação como algo inerente à língua. Essa
concepção está vinculada ao fato destes linguistas verificarem que há orientações de natureza
argumentativa na significação de determinados enunciados. Consoante esse estudioso (1988,
p.49), essa teoria tem “[...] como principal objetivo se opor à noção tradicional de sentido”.
Para demonstrar tal oposição foram traçadas algumas considerações a respeito da noção de
sentido.
As pesquisas apresentadas por Ducrot (1988) postulam que a noção tradicional de
sentido afirma que um enunciado apresenta três indicações de sentido: objetivas, subjetivas e
intersubjetivas. Para explicar sua crítica a essa noção, Ducrot (1988, p. 50) traz o enunciado:
Pedro é inteligente.
Observando esse enunciado, é possível identificar que o sentido objetivo é a
descrição de uma realidade, ou seja, a descrição de Pedro; o subjetivo é a intenção do falante
ao mostrar admiração por Pedro, e o intersubjetivo é o que o falante espera causar no seu
interlocutor, ou seja, que o outro pode confiar em Pedro.
Assim, esse autor propõe que se a realidade é descrita através da linguagem, essa
forma de descrevê-la se dá por meio dos aspectos subjetivos e intersubjetivos. A junção
desses aspectos é considerada por esse estudioso como o valor argumentativo dos enunciados.
No interior da TAL, considerando já os estudos sobre os operadores argumentativos, Ducrot
(1988, p.51) chegar a afirmar que “O valor argumentativo de uma palavra é por definição a
orientação que essa palavra dá ao discurso”.
Percebendo, pois, que em todas as esferas sociais precisamos expor nossas opiniões,
argumentar, discutir sobre fatos do cotidiano, acrescentamos ao nosso estudo a contribuição
de Espíndola (2004, p.13) ao afirmar que, não só a língua é argumentativa, como propunha
Ducrot (1988), mas “[...] o uso também é argumentativo”.
De acordo com Koch (2004, p. 17), “[...] a interação social por intermédio da língua
caracteriza-se, fundamentalmente, pela argumentatividade". Essa interação – ação verbal – é
marcada por uma intenção daquele que fala/escreve. Assim, pode-se dizer que argumentar é
orientar o discurso tendo em vista uma conclusão pré-determinada.
As pesquisas concernentes à argumentação empreendidas por Ducrot (1988)
apresentam ainda o conceito de polifonia na língua.
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Inicialmente, o termo polifonia foi utilizado no universo musical para se referir a um
tipo de composição na qual ocorre uma superposição de vozes. Mikhail Bakhtin (2002
[1997]), nos estudos literários, utilizou o termo para diferenciar dois tipos de literatura: a
literatura dogmática e a literatura polifônica ou carnavalesca. Aquela ocorre quando há a
presença de apenas uma única voz ou ainda quando o autor decide/julga o pensamento da
personagem, enquanto esta ocorre quando os inúmeros personagens existentes, no romance,
por exemplo, apresentam-se por si mesmas, ou seja, têm vidas próprias. Para esse autor, o
melhor exemplo de literatura polifônica é a obra de Dostoiévski.
É com Ducrot (1987) que a noção de polifonia chega aos estudos linguísticos, a fim
de demonstrar como se dá a presença de pelo menos dois pontos de vista em um mesmo
enunciado. Para esse linguísta é possível distinguir dois tipos de polifonia: a polifonia de
locutores e a polifonia de enunciadores. A primeira ocorre, geralmente, no discurso relatado
no estilo direto, indireto ou indireto livre. Encontramos polifonia de locutores em exemplos
como: “Pedro me disse: eu irei amanhã”. Nesse exemplo, o primeiro enunciado pertence ao
locutor L1 e o segundo enunciado ao L2. O que acontece é que o locutor L1 produz seu
enunciado e recupera o enunciado produzido por L2 e os funde em um só acontecimento
enunciativo. Além disso, podemos perceber que as marcas linguísticas, como os pronomes me
e eu, pertencem a produtores/locutores distintos.
Ocorre, por outro lado, a polifonia de enunciadores quando em um mesmo enunciado
há a presença de vários enunciadores, ou seja, vários pontos de vista diferentes. Assim,
Ducrot (1988, p. 69-70) apresenta o enunciado “Tenho vontade de passear, mas tenho dor nos
pés”, na qual é possível identificar os seguintes pontos de vista:
E1: Tenho vontade de passear;
E2: Irei passear/ ao passeio; (conclusão r)
E3: Mas tenho dor nos pés;
E4: Não irei passear. (conclusão não-r)
Nesse caso, podemos afirmar que o locutor responsável por esse enunciado assimila
E1, identifica-se com os enunciadores E3 e E4 e rechaça E2, que foi a primeira conclusão
produzida com base apenas na primeira proposição.
A presença dessas poucas palavras sobre a polifonia se faz relevante pelo fato de em
nossas análises nos depararmos com a estrutura masPA, que, conforme Ducrot (1988), possui
índice de polifonia.
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2. A GRAMÁTICA TRADICIONAL E AS CONJUNÇÕES COORDENATIVAS
ADVERSATIVAS: VERDADEIROS OPERADORES ARGUMENTATIVOS
Conforme Nicola e Infante (1997, p 232), conjunção “[...] é a palavra invariável usada
para ligar orações ou termos semelhantes (de mesma função sintática) de uma oração”. Para
esses autores a palavra mas está presente nas orações coordenadas adversativas, bem como
porém, contudo, todavia, entanto, entretanto e ainda as locuções no entanto, não obstante,
nada obstante, introduzindo essa oração e exprimindo contraste, oposição ou compensação
em relação à anterior. Como exemplo, os autores apresentam (1997, p. 302): Este mundo é
redondo mas está ficando muito chato (Barão de Itararé) e O amor é difícil mas pode luzir em
qualquer ponto da cidade (Ferreira Gullar).
Faraco e Moura (2002, p.369) afirmam que conjunção “[...] é a palavra invariável que
estabelece relação entre duas orações ou entre dois termos que exercem a mesma função
sintática”. Esses autores trazem como exemplo a oração: Gostaria de ler bastante, mas não
tenho tempo.
Os autores também reservam o mas como pertencendo ao mesmo grupo de porém,
todavia, contudo etc., que são as conjunções adversativas e apresentam “relação de
oposição”.
Para Bechara (2009, p. 319), “A língua possui unidades que têm por missão reunir
orações num mesmo enunciado”, classificadas tradicionalmente como conjunções
coordenativas ou subordinativas. Aquelas têm como função reunir “orações que pertencem ao
mesmo nível sintático: dizem-se independentes umas das outras e, por isso mesmo, podem
aparecer em enunciados separados.”
Sobre as conjunções coordenativas adversativas, Bechara (2009, p. 321), considera
que a característica dessas é que elas “[...] enlaçam unidades apontando uma oposição entre
elas”. Como exemplo dado pelo autor, temos: Acabou-se o tempo das ressurreições, mas
continua o das insurreições.
De acordo com o conceito colocado por Bechara (2009), podemos entender que entre
acabar o tempo das ressurreições e continuar o das insurreições ocorreria uma relação de
oposição. Esse mesmo autor ainda considera as conjunções mas, porém e senão “adversativas
por excelência”. De acordo com Bechara (2009, p. 321), a explicação seria a seguinte: “Ao
contrário das aditivas e alternativas, que podem enlaçar duas ou mais unidades, as
adversativas se restringem a duas. Mas e porém acentuam a oposição; senão marca a
incompatibilidade”.
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Os estudos empreendidos por Koch (1999, p. 17), já a partir de uma abordagem da
semântica-argumentativa, revelam que os operadores têm como função relacionar
semanticamente elementos no interior do texto, essenciais para a interpretação do mesmo. A
pesquisadora afirma ainda que “A coesão, por estabelecer relações de sentido, diz respeito ao
conjunto de recursos semânticos por meio dos quais uma sentença se liga com a que veio
antes, aos recursos semânticos mobilizados com o propósito de criar textos”. Trata-se,
portanto, de um “elo coesivo” o funcionamento desses recursos coesivos, na produção textual.
Consoante, ainda, essa autora (2007, p.31-38) os operadores podem ser classificados
da seguinte maneira:
a)
Operadores que assinalam o argumento mais forte de uma escala orientada no
sentido de determinada conclusão: até, mesmo, até mesmo, inclusive.
b)
Operadores que somam argumentos a favor de uma mesma conclusão: e,
também, ainda, nem, não só... mas também, tanto...como, além de..., além disso..., a
par de..., etc.
c)
Operadores que introduzem uma conclusão relativa a argumentos
apresentados em enunciados anteriores: portanto, logo, por conseguinte, pois, em
decorrência, consequentemente, etc.
d)
Operadores que introduzem argumentos alternativos que levam a conclusões
diferentes ou opostas: ou, ou então, quer...quer, seja...seja, etc.
e)
Operadores que estabelecem relações de comparação entre elementos, com
vistas a uma dada conclusão: mais que, menos que, tão...como, etc.
f)
f)Operadores que introduzem uma justificativa ou explicação relativa ao
enunciado anterior: porque, que, já que, pois, etc.
g)
Operadores que contrapõem argumentos orientados para conclusões
contrárias: mas (porém, contudo, todavia, no entanto, etc.), embora (ainda que, posto
que, apesar de (que), etc.).
h)
Operadores que tem por função introduzir no enunciado conteúdos
pressupostos: já, ainda, agora, etc.
i)
Operadores que se distribuem em escalas opostas, isto é, um deles funciona
numa escala orientada para a afirmação total e o outro, numa escala orientada para a
negação total: um pouco e pouco.
Como se percebe acima, o operador mas pertence ao grupo G, ou seja, ao grupo dos
operadores que contrapõe argumentos orientando os enunciados para conclusões opostas.
Em artigo intitulado de “De magis a mas: uma hipótese semântica”, Ducrot e Vogt
(1980) mostraram-se ser os primeiros linguistas a realizar um estudo mais profundo do mas,
como operador argumentativo. Para esses autores uma possível explicação é que a palavra
mas, presente em algumas línguas como o português (mas), o francês (mais) e o italiano (ma),
tenha se formado a partir do advérbio magis proveniente da língua latina, e não do adversativo
latino sed. Em algumas línguas, esse advérbio deu origem a outros vocábulos, como é o caso
da língua portuguesa em que há a existência de mais e mas, para usos como Pedro é mais alto
que o irmão ou Pedro quer ser aprovado mas não estuda. Vale salientar que, às vezes, na
oralidade é quase impossível identificar diferenças de pronuncia nos dois vocábulos.
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Entretanto, em línguas como o francês, o advérbio latino originou apenas a palavra mais que
corresponde ao nosso mas, funcionando como conjunção adversativa, como em Le livre est
petit, mais est très bon (O livro é pequeno, mas é muito bom); quando é exigida a comparação
usa-se plus, como em Il est plus intelligent que son frère (Ele é mais inteligente que seu
irmão).
Dando continuidade aos estudos sobre o magis, esses autores distinguiram dois tipos
de mas, dele derivados, que apresentam funções diferentes, que seriam o masSN e o masPA.
Ducrot e Vogt (1980, p. 102) explicitam que o masSN corresponde ao alemão sondern e ao
espanhol sino. O masPA equivale ao espanol pero e ao alemão aber. A função de um masSN
é retificar; sua posição no enunciado é sempre “[...] depois de uma proposição negativa p=
não-p`, e introduz uma determinação q que substitui a determinação p` negada em p e
atribuída a um interlocutor real ou virtual”. Como exemplo, os autores destacam o enunciado:
Ele não é inteligente, mas apenas esperto.
Assim, o desenho do enunciado seria: Ele não inteligente (p) <= (p`) => mas apenas
esperto(q), onde p é a proposição enunciada, p` a conclusão realizada pelo interlocutor, e
substituída por q, tornando p´ um não-p´, ou seja uma determinação descartada/retificada por
q.
Sobre o fato de o masSN exigir que a proposição anterior seja negativa, Guimarães (
1987, p. 61-62), ao realizar estudos sobre o funcionamento das conjunções no português,
afirma que esse conectivo aparece com a “[...] função de correção de algo suposta ou
realmente dito antes”, como no exemplo exposto pelo autor: Ela não é nadadora mas atleta.
No tocante ao masPA, os autores fazem uma ressalva no que diz respeito a sua origem,
pois o mesmo pode ter sido ou derivado do advérbio latino magis, como dito anteriormente,
entretanto, sendo usado no latim vulgar, ou o advérbio latino teria formado “apenas o masSN
que, em seguida, ter-se-ia estendido para preencher a função PA” ( 1980, p. 117).
Explicando a estrutura do funcionamento do masPA, Ducrot e Vogt (1980, p.104)
afirmam que “[...] sua função é introduzir uma proposição q que orienta para uma conclusão
não-r oposta a uma conclusão r para a qual p poderia conduzir”. Como exemplo para o
exposto, os autores nos dão o seguinte enunciado: Ele é inteligente, masPA estuda pouco.
Assim, seja Ele é inteligente (p), essa proposição orientará o interlocutor para a conclusão r
(possivelmente, ele é muito estudioso), no entanto, o masPA introduz uma outra proposição
estuda pouco (q) gerando, portanto, uma conclusão não-r que diverge da conclusão anterior r
indicada pelo segmento.
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Aplicando os mesmos critérios de teste aos enunciados produzidos com o masPA,
Guimarães (1987, p. 63-64) aponta, a partir do seguinte exemplo: Paulo era o mais adequado
para o cargo mas não foi o escolhido.
Conforme dito anteriormente, Ducrot (1988) assevera que o operador argumentativo
masPA também pode funcionar como um índice de polifonia nos enunciados. Com a presença
do masPA em um enunciado, é possível não só identificar diferentes enunciadores, como
também descrever o posicionamento do locutor responsável pelo discurso com relação a esses
enunciadores.
Buscando traçar uma representação para as posições do locutor frente aos
enunciadores, Ducrot (1988, p. 69-71) apresenta em três análises de enunciados com estrutura
X mas Y as possíveis posições do locutor L. Ao final de suas análises, o pesquisador
estabelece que:
“[...] L rechaça siempre a E2 y se identifica com E4, es decir que el locutor
siempre concluye no r. En quanto a E1 y E3 todo lo que podemos decir es que L no
los rechaça, en unos casos puede aprobarlos, en otros casos puede identificarse con
ellos4”. (Grifo nosso)
Assim, como pode ser observado na citação acima, esse autor propõe como regra que
essas são as posições possíveis do locutor L em relação aos enunciadores presentes nos
enunciados. No entanto, são possíveis outros posicionamentos de L com relação a E2, não
previstos por Ducrot, conforme veremos em nossas análises.
3. O GÊNERO TEXTO DE OPINIÃO: ALGUMAS PALAVRAS
Segundo Marcuschi (2008), o interesse dos pesquisadores/estudiosos pelos gêneros
textuais não é nada recente, mas ultimamente tem tomado grandes proporções.
No entanto, é preciso considerar que desde tempos longínquos esse objeto já
despertava desejo em filósofos como Aristóteles (1966), com a Poética, quando classificava
os gêneros literários em tragédia, comédia e epopéia e os gêneros da retórica em judiciário,
deliberativo e epidítico, e Platão (2000), com A República, em seu diálogo com Adimanto,
quando buscava fazer uma sistematização dos gêneros já estudados pelo autor de A Poética. É
4
[...] L rechaça sempre a E2 e se identifica com E4, quer dizer que o locutor sempre conclui não-r. Enquanto a
E1 e E3 tudo que podemos dizer é que L não os rechaça, em uns casos pode aprová-los, em outros casos pode se
identificar com eles. (Tradução nossa.)
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relevante ressaltar que os filósofos citados não usavam o termo gêneros textuais, mas gêneros
literários ou gêneros da retórica e que, por sinal, foram esses os gêneros até pouco tempo
utilizados e estudados nas escolas e para diferentes concursos.
Nos estudos hodiernos sobre o tema em questão, o autor russo Mikhail Bakhtin
(2000[1992]) surge com a proposta de que os gêneros do discurso são textos produzidos nas
diversas esferas da sociedade. Para esse autor, os gêneros são constituídos de três elementos
básicos: estilo, estrutura composicional e conteúdo temático. Esse autor afirma ainda que os
gêneros do discurso podem ser considerados como “tipos relativamente estáveis de
enunciados”. Isso significa dizer que os gêneros do discurso podem sofrer variações em
quaisquer dos seus três elementos constituintes. Assim, uma carta pode ter um estilo informal
(aquela que escrevo para um amigo mais íntimo) ou um estilo mais formal (aquela dirigida ao
diretor da escola) e ainda assim será considerada uma carta, enquanto gênero.
Os estudos desenvolvidos por Marcuschi (2008) apresentam a distinção entre tipos
textuais e gêneros textuais. Esse autor (2007, p.22), sobre os tipos textuais, afirma:
Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de sequência
teoricamente definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção.
Em relação aos gêneros textuais, Marcuschi (2008, p. 155) assevera que:
Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições
funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração
de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os
gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em
designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. Alguns exemplos
de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal,
romance, bilhete, reportagem, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia
jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras,
cardápio de restaurante, instruções de uso, inquérito policial, resenha, edital de
concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo
por computador, aulas virtuais e assim por diante. Como tal, os gêneros são formas
textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.
Um aspecto relevante sobre os gêneros textuais é que, dependendo do seu propósito
comunicativo, conteúdo temático e estilo, podem apresentar subgêneros. Podemos pensar, por
exemplo, no gênero epistolar carta que pode desencadear na carta pessoal, na carta de pedido
de emprego, na carta ao leitor, carta do leitor, carta de intenção, carta de recomendação, entre
outras, e todas elas com seu propósito comunicativo específico visando a uma determinada
situação.
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Partindo da definição de gêneros discursivos proposta por Bakhtin e da de gêneros
textuais proposta por Marcuschi (2008), consideraremos o texto de opinião um gênero
textual/discursivo, até mesmo porque assim o foi considerado no PSS. Para tanto, foi urgente
observar a proposta de Swales (apud Andrade, 2000, p. 1118), ao especificar as condições
necessárias para considerar um texto como um gênero:
Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos, cujos exemplares
compartilham os mesmos propósitos comunicativos. Esses propósitos são
reconhecidos pelos membros mais experientes da comunidade discursiva original e
constituem a razão do gênero. A razão subjacente dá o contorno da estrutura
esquemática do discurso e influencia e restringe as escolhas de conteúdo e estilo. O
propósito comunicativo é o critério que é privilegiado e que faz com que o escopo
do gênero se mantenha enfocado estreitamente em determinada ação retórica
compatível com o gênero. Além do propósito, os exemplares do gênero demonstram
padrões semelhantes, mas com variações em termos de estrutura, estilo, conteúdo
temático e público-alvo. Se forem realizadas todas as expectativas em relação àquilo
que é altamente provável para o gênero, o exemplar será visto pela comunidade
discursiva original como um protótipo. Os gêneros têm nomes herdados e
produzidos pelas comunidades discursivas e importados por outras comunidades.
Esses nomes constituem uma comunicação etnográfica valiosa, porém normalmente
precisam de validação adicional.
A partir da definição apresentada por Swales, o texto de opinião nos parece atender a
todos os três elementos apresentados por esse autor, constituindo, dessa forma, um gênero
textual. Vejamos as condições possíveis para essa nossa posição, uma vez que o texto de
opinião apresenta:
Propósito comunicativo: o locutor do texto de opinião terá seu(s) objetivo(s), o de
“convencer alguém” a aceitar seu ponto de vista em relação a uma dada questão, em
determinado contexto;
Razão subjacente: as escolhas, em relação ao conteúdo e estilo, tendo em mente os
interlocutores os quais o produtor deseja atingir;
Padrões semelhantes: ainda que os textos de opinião possuam uma estrutura
característica do gênero, podem variar em relação ao conteúdo temático (o texto pode abordar
desde a questão do funk carioca à transposição das águas do Rio São Francisco); à estrutura (o
texto pode ter apenas a metade de uma página, como duas ou mais páginas); ao estilo (formal
ou informal) e ao público-alvo (desde o colega de sala ao Ministro da Saúde).
Com base nessas considerações, podemos dizer que o texto de opinião é o lugar onde o
locutor apresenta sua opinião sobre um determinado fato/assunto, tendo como objetivo
convencer seu interlocutor a aceitar/assumir o mesmo ponto de vista defendido por ele, o
locutor.
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Quando da elaboração de um texto de opinião, é necessário que o seu locutor adote
uma posição (contra ou a favor) sobre um fato, e que através de argumentos teça essa posição.
Para a confecção do texto de opinião, o indivíduo pode lançar mão, por exemplo, de estruturas
como “Eu acho que...”, “Na minha opinião...”, “No meu ponto de vista...”, “Para mim...” etc.,
na construção daquilo que será enunciado. Expressões como: em primeiro lugar, finalmente,
por um lado, por outro lado etc., servem para articular grupos de períodos, enquanto os tipos:
assim, desse modo, etc., servem à conclusão do texto.
Além de garantir a coesão do texto, com o uso desses operadores e expressões, o
locutor pode garantir o sucesso na aceitação do seu ponto de vista ou de seus argumentos em
relação ao que ele propõe ao seu interlocutor.
4. O MAS NO TEXTO DE OPINIÃO: ANÁLISES
Analisamos nesta seção o operador mas na produção do texto de opinião. Ao todo são
analisados, por motivo de espaço, oito textos produzidos durante a realização da prova de
língua portuguesa no PSS (Processo Seletivo Seriado), para ingressar na UFPB (Universidade
Federal da Paraíba), no ano de 2009.
A partir de duas citações extraídas da revista VEJA, uma sobre os direitos das crianças
e outra sobre o número de menores abandonados, foi proposta a seguinte questão:
Imagine que você está participando de uma pesquisa de opinião, disponível em um
site, em que são apresentados os textos acima, devendo responder à seguinte pergunta:
A ADOÇÃO RESOLVE O PROBLEMA DO MENOR ABANDONADO NO
BRASIL?
Para o desenvolvimento das análises adotamos duas etapas: à primeira coube
classificar, consoante classificação proposta por Vogt e Ducrot (1980), cada uma das
ocorrências do operador mas, com o objetivo de verificar com que frequência cada uma das
funções semântico-discursivas ocorre no referido corpus. Estivemos atentos, inclusive, para
verificar se os alunos empregaram esse operador com outras funções não previstas por Ducrot
e outros estudiosos da área.
À segunda etapa coube analisar e descrever as funções semântico-discursivas e os
efeitos de sentidos gerados pelo(s) uso(s) desse operador.
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Por ser esta pesquisa de caráter documental e com abordagem qualitativa, a nossa
preocupação é, principalmente, fazer uma análise do(s) uso(s) do mas pelos alunos, não
focamos nossa análise na quantificação e ocorrência desses operadores. No entanto, não
deixamos de observá-la, até mesmo para que tivéssemos como verificar a ocorrência de cada
uma das funções semântico-discursivas do referido operador, no corpus em estudo.
É relevante destacar aqui que a COPERVE, em seus concursos, trabalha com a noção
de gêneros discursivos/textuais conforme postulações de Bakhtin (2000) e Marcuschi (2008),
e apresenta, na prova de redação, a seguinte definição de texto de opinião:
Texto de opinião é um texto argumentativo, em que o autor apresenta seu ponto de vista acerca de
determinado assunto, com o objetivo de convencer o leitor a aceitar suas idéias.
DUTRA, Vânia L.R. O texto de opinião no ensino fundamental. Disponível em:
<http://www.filologia.org.br/ixcnlf/10/13.htm>. Acesso em: 21 nov. 2008.
a) Operador masPA em que o locutor aprova parcialmente E2
Texto 01:
É preciso haver um controle responsável na adoção, isso é
indispensável, mas as leis precisam ser revistas, como poder permitir a
adoção por casais homossexuais. (TP)5
Na ocorrência do texto 01, o produtor do texto apresenta o argumento, e dá sua
aprovação ao mesmo, de que é preciso que haja um controle no processo de adoção, o que
leva o interlocutor a concluir que os critérios atuais para a adoção são eficazes e suficientes.
Ao utilizar a estrutura mas no início da segunda proposição “Mas as leis precisam ser revistas,
como poder permitir a adoção por casais homossexuais”, o produtor textual permite ao seu
interlocutor concluir que “os critérios atuais não são completamente eficazes e suficientes.
Como é possível observar, as conclusões não são opostas.
Polifonicamente, temos:
E1: É preciso haver um controle responsável na adoção, isso é indispensável.
E2: Os critérios atuais são eficazes e suficientes.
E3: Mas as leis precisam ser revistas, como poder permitir a adoção por casais homossexuais.
E4: Os critérios atuais não são totalmente eficazes e suficientes.
Nesse trecho, o locutor L identifica-se com E3 e E4, aprova E1 e rechaça parcialmente
E2.
5
Os textos marcados com TP estão transcritos parcialmente. Aqueles marcados com TT, totalmente.
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Texto 02:
A adoção de crianças é um ato muito nobre, mas ele sozinho não
resolverá o problema do menor abandonado aqui no Brasil. (TP)
No tocante à análise do texto 02, há um argumento apresentado pelo locutor, o de que
adotar é um ato nobre, argumento esse que leva o interlocutor à conclusão (de que a adoção
contribui de forma significante para a solução do problema do abandono de menores). Outro
argumento que é apresentado pelo locutor é o de que esse ato (o de adotar), sozinho, não
funciona no Brasil e, portanto, a adoção não resolverá totalmente esse problema dos menores
abandonados.
Entre esses dois argumentos há o operador mas, cuja função, nessa ocorrência, é
quebrar a expectativa do interlocutor em relação ao que vinha sendo posto pela primeira
proposição.
Ou
seja,
a proposição
introduzida por esse operador direciona
o
ouvinte/interlocutor a produzir, agora, outra conclusão (não-r), que nesse caso, não será
contrária a que ele já havia concluído, com base apenas no primeiro argumento. Isso significa
dizer que, ainda que seja nobre, o ato de adotar não é suficiente para erradicar de forma
definitiva o grande número de meninos abandonados nas ruas do país.
A polifonia dos enunciados pode ser explicitada da seguinte maneira:
E1: A adoção de crianças é um ato muito nobre.
E2: A adoção solucionará o problema do menor abandonado.
E3: Mas ele sozinho não resolverá o problema do menor abandonado aqui no Brasil.
E4: A adoção não solucionará por completo o problema do menor abandonado.
Nesse exemplo, o locutor L também aprova E3, identifica-se com E1 e E4 e rechaça
parcialmente E2.
b) Operador masPA em que o locutor rechaça totalmente E2
Texto 03:
[...] na verdade muitas delas não usufluem até porque as condições em
que vivem não as favorecem para que esses direitos sejam gosados. Em geral
elas pertencem a uma classe menos favorecida.
Mas tudo isso pode ser mudado, quando ouver mais impenho por
parte da sociedade como um todo, buscando uma igualdade visando melhor
distribuição de renda que pode transformar tudo isso para melhor. (TT)
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Quanto à ocorrência do operador mas, no texto 03, esse contrasta duas porções
textuais, levando a conclusões opostas. O primeiro parágrafo ao expor o problema do
desrespeito aos direitos da criança levaria o interlocutor à conclusão de que não há solução
para o abandono de menores no Brasil. No entanto, com os argumentos expostos no segundo
parágrafo, apresenta-se uma conclusão segundo a qual é possível uma solução para o
problema do menor abandonado no Brasil.
Polifonicamente, temos:
E1: As condições [...] não as favorecem para que esses direitos sejam gosados.
E2: As crianças não terão futuro melhor. (conclusão r).
E3: Mas tudo isso pode ser mudado quando ouver mais impenho por parte da [...]
E4: As crianças terão um futuro melhor. (conclusão não-r)
No texto 03, o locutor se posiciona da seguinte forma: aprova E1, identifica-se com E3
e E4 e recusa totalmente E2.
Texto 04:
Na questão do menor abandonado, o Brasil tem uma legislação para
tratar dos seus direitos, mas na prática o Estado é omisso. (TP)
No recorte do texto 04 o produtor do texto utilizou-se do argumento de que o Brasil
possui uma legislação que rege/cuida dos direitos reservados aos menores e adolescentes.
Esse argumento leva o ouvinte à seguinte conclusão: O Estado (aqui entendido como algo
maior) cuida dos seus menores. Ao introduzir o operador mas na proposição seguinte “mas na
prática o Estado é omisso”, o interlocutor deve perceber que há uma divergência entre o que
já foi concluído e o que deverá sê-lo. Assim, a segunda conclusão (não-r) com base na última
proposição será a de que o Estado não zela pelos seus menores.
Assim, temos a presença de conclusões diferentes orientadas pela função do masPA.
A polifonia de enunciadores se apresenta da seguinte forma:
E1: Na questão do menor [...], o Brasil tem uma legislação para tratar dos seus direitos.
E2: O Estado cuida dos seus menores. (conclusão r)
E3: Mas na prática o Estado é omisso.
E4: O Estado não cuida dos seus menores. (conclusão não-r)
Mais uma vez, identificamos que o locutor L do texto aprova E1, identifica-se com E3
e E4 e rechaça completamente E2.
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c) masSN em que o locutor rechaça parcialmente E1
Texto 05:
No Brasil é comum darmos aos problemas o tratamento mais
superficial, e geralmente não como uma forma de prevenção, mas sim como
solução trivial.
A adoção, na maioria dos casos, não resolve o problema da criança,
mas sim do casal. (TP)
No texto do exemplo 05, o mas introduzido na segunda proposição, serve para retificar
a ideia ou o fato de que a adoção é uma medida que resolve os problemas das crianças que
vivem na rua. No ponto de vista do locutor, a adoção resolve o problema do casal. Como já
foi destacado anteriormente, a proposição anterior vem sempre com uma partícula negativa.
Polifonicamente, teremos a seguinte estrutura para os enunciadores:
E1: A adoção resolve o problema da criança.
E2: A adoção, na maioria dos casos, não resolve o problema da criança.
E3: Mas sim do casal.
O locutor rechaça parcialmente E1, aprova E2 e se identifica com E3. Nesse caso
específico, observamos que o rechaço ao E1 não é total, visto que o locutor utilizou a
expressão “na maioria dos casos”, ou seja, em alguns poucos casos a adoção resolve o
problema das crianças.
Texto 06:
[...] não são todas as famílias adotando por uma questão de amor, mas
sim por um questão de dinheiro, afim de lucrar com a exploração infantil.
(TP)
Em relação ao texto 06, o locutor do texto utilizou o masSN com a função de retificar
o fato de um outro enunciador ter dito que “todas as famílias (estão) adotando por uma
questão de amor”. Conforme o locutor, as famílias estão adotando “por uma questão de
dinheiro, a fim de lucrar com a exploração infantil”.
No tocante à polifonia, é possível identificar os seguintes enunciadores:
E1: Todas as famílias estão adotando por uma questão de amor.
E2: [...] não são todas as famílias adotando por uma questão de amor.
E3: Mas sim por uma questão de dinheiro, a fim de lucrar com a exploração infantil.
O locutor rechaça parcialmente E1, aprova E2 e se identifica com E3.
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d) masSN em que o locutor rechaça totalmente E1
Texto 07:
O problema do menor abandonado não se restringe à ausência de
fraternidade, de um lar, mas de educação e disciplina. (TP)
O uso do mas com função de retificador é o que ocorre no exemplo do texto 07.
Analisando esse exemplo, nos reportamos à questão da negação polêmica. Nesse caso, trata-se
de um masSN que refuta ou retifica algo dito antes. Conforme afirmou Guimarães (1987), o
masSN ocorre com a presença de uma partícula negativa na primeira proposição, como em
“[...] não se restringe [...]” e é introduzido na segunda proposição com o objetivo de retificar
aquilo que fora dito anteriormente, ou seja, na primeira proposição, nesse caso, o que é
retificado é a ideia do problema do menor abandonado estar restrita “à ausência de
fraternidade, de um lar”
É interessante observar que, ainda que o masSN esteja desempenhando uma função de
retificar ou refutar algo, é possível identificar vários pontos de vista.
Vejamos a distribuição do enunciado do texto 07, em relação aos enunciadores.
E1: O problema do [...] se restringe à ausência de fraternidade, de um lar.
E2: O problema do [...] não se restringe à ausência de fraternidade, de um lar.
E3: Mas de educação e disciplina.
O locutor L assume a seguinte posição: rechaça E1, aprova E2 e se identifica com E3.
Texto 08:
[...], deve-se ter o cuidado de não deixar a grandiosidade deste ato ser
ofuscada por interesses pessoais em busca de “estereótipos padrões”, pois,
não estamos lidando com produtos, mas com vidas. (TP)
No exemplo do texto 08, o locutor retifica a forma como as crianças devem ser
tratadas. Não como meros produtos que podem ser escolhidos por “padrões”, mas como
crianças que necessitam de cuidados.
Analisando a polifonia é possível identificar os seguintes enunciadores:
E1: Estamos lidando com produtos.
E2: Não estamos lidando com produtos.
E3: Mas com vidas.
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A posição do locutor é a seguinte: rechaça totalmente E1, identifica-se com E3 e
aprova E2.
5. DISCUTINDO OS RESULTADOS
Com base na descrição, foi possível mapear qual tipo de mas aparece com mais
frequência na produção textual, bem como os posicionamentos dos locutores responsáveis
pelos enunciados. A tabela abaixo sumariza a ocorrência de masPA e masSN no corpus
analisado.
Tabela 1 - Distribuição geral dos operadores masPA e do masSN no corpus.
Operador
Ocorrências
Percentagem
masPA
129
87%
masSN
18
13%
TOTAL /mas
147
100%
Conforme é possível observar na tabela 01, há uma predominância do uso do operador
masPA, comparado com o uso da estrutura masSN. A partir dessa ocorrência é possível
afirmar que os alunos produtores dos textos analisados têm maior familiaridade com aquela
estrutura em detrimento do masSN.
Com relação ao masSN, ainda na tabela 1, é importante afirmar que identificamos
apenas dezoito ocorrências dessa função retificadora em todo nosso corpus. Esse dado pode
demonstrar que os alunos não mostram tanta familiaridade com essa estrutura, seja talvez pela
própria função do masSN ou, possivelmente, pelo fato do espaço destinado à produção do
gênero em questão limitar-se à apenas 10 ou 12 linhas e isso talvez não fosse suficiente para
que o candidato produzisse/apresentasse um ponto de vista e em seguida retificasse esse ponto
de vista. Sobre este último posicionamento nosso, percebemos que o mesmo merece mais
investigações, visto que identificamos apenas 18 ocorrências da estrutura masSN, nossa
posição aqui revela somente algumas breves especulações.
No entanto, o masSN apresentou algumas questões não identificadas ou descritas por
Ducrot (1988), como a presença da polifonia marcada pelo elemento negativo não, e as
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posições possíveis, por parte do locutor, em relação ao E1, ora o enunciador rechaça de forma
total, ora pode de forma parcial.
No que se refere ao masPA, identificamos, além do uso previsto pela teoria (L rechaça
totalmente E2), a ocorrência de um novo uso: em que o locutor responsável pelo enunciado
rechaça parcialmente o segundo enunciador. A tabela abaixo sumariza esses casos:
Tabela 2 - Distribuição geral dos operadores masPA.
Operador
Ocorrências
Percentagem
masPA com rechaço
total de E2
41
32%
masPA com rechaço
parcial de E2
88
68%
Total de masPA
129
100%
Uma rápida análise da tabela 2 revela, sobre o masPA, o predomínio de um
posicionamento do locutor em relação ao E2, em que aquele rechaça parcialmente este ponto
de vista. Esse fato revela que o locutor do texto, ao se posicionar em relação ao argumento
apresentado, percebe que a conclusão, ou seja, o ponto de vista E2 não é tido como aceito
para resolver determinado problema, mas que pode contribuir de alguma forma, ou seja, que
pode ajudar. Dessa forma, o locutor entende que E2 não deve ser recusado integralmente. Em
relação a essa “recusa parcial”, acreditamos tratar de duas possibilidades que merecem ser
ainda investigadas com maior profundidade: essa forma de rechaço parcial é registro de um
novo uso para o mas ou indica um problema com o uso dessa estrutura.
É importante ressaltar que essa posição do locutor de rechaçar parcialmente E2 não
havia sido prevista por Ducrot (1988) nas suas análises, nem quando da definição das
posições do locutor frente aos enunciadores.
O rechaço parcial também foi percebido em enunciados com o masSN. Salientamos
que nesses enunciados a polifonia de enunciadores é ativada pela presença da palavra não,
marca de negação polêmica. A tabela abaixo apresenta a ocorrência do rechaço total e do
rechaço parcial do locutor responsável pelo enunciado com relação ao enunciador E1.
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Tabela 3 - Distribuição geral do masSN.
Operador
Ocorrências
Percentagem
masSN com rechaço
total de E1
8
45%
masSN com rechaço
parcial de E1
10
55%
Total de masSN
18
100%
Reiteramos que a tabela 03 destaca uma questão importante já apontada nas análises: o
rechaço parcial e/ou total do locutor em relação a um enunciador. O que detectamos nas
análises é que o locutor pode rechaçar totalmente ou parcialmente um enunciador, quando da
utilização do operador masPA, conforme a tabela 2, mas também identificamos casos em
enunciados construídos com a estrutura masSN em que o locutor rechaça totalmente ou
parcialmente o enunciador E1, como está exposto na tabela 3.
Um ponto relevante decorrente do rechaço parcial diz respeito ao que Ducrot (1988)
estabeleceu como regra para a posição do locutor em relação à E2. O que vimos é que haverá,
sim, um rechaço, mas este pode ser total ou parcial. Essa questão (parcialidade ou totalidade)
não foi apontada por esse autor.
A descrição polifônica do uso do masPA e dos enunciados em que aparece o masSN
nos fez perceber que os posicionamentos do locutor são constitutivos do sentido dos
enunciados, uma vez que são indispensáveis para verificar as conclusões pretendidas por ele
com as suas prováveis intenções.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando as questões aqui levantadas e discutidas, é pertinente afirmar que as
estruturas por hora analisadas não podem ser consideradas apenas como partícula que serve
para ligar termos ou orações com mesmos valores sintáticos, como estabelecem as gramáticas
tradicionais, mas que sua função vai muito além disso. Seu uso é, na verdade, uma estratégia
argumentativa.
Muito embora não fosse nosso objetivo tratar de questões relacionadas ao ensino do
mas, mas verificar, na produção textual de alunos egressos do ensino médio, o funcionamento
argumentativo que essa palavra assume, é possível refletir sobre a situação de produção dessa
palavra, no contexto maior do Ensino de Língua Portuguesa.
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Assim, observando o contexto de ensino aprendizagem de Língua Portuguesa no qual
centenas de professores estão inseridos, esta pesquisa tem sua relevância ao buscar
proporcionar aos docentes envolvidos na formação de alunos críticos e pensantes, conforme
propõem os PCNs (1998), uma reflexão sobre o processo de ensino/aprendizagem de língua
escrita, especificamente, em relação ao funcionamento das chamadas conjunções
coordenativas adversativas, ou seja, possibilitar um outro olhar sobre os operadores
argumentativos.
Logo, a desconsideração por essas estruturas linguísticas, se tratadas como termos
destituídos de valores semânticos, simplesmente relacionais, como apresentam muitos
manuais didáticos, pode impedir que leitores e produtores de textos descubram e usem
estratégias argumentativas em suas produções escritas/orais.
Foi exatamente na produção textual de alunos egressos do ensino médio que pudemos
mapear novos usos para a palavra mas, não previstos pela teoria linguística estudada. Isso
pode significar duas coisas: ou os alunos ainda não têm proficiência suficiente sobre o uso
desse operador, ou estão apresentando um uso novo, permitido pela própria estrutura da
língua. Acreditamos que a hipótese mais provável seja a segunda, uma vez que a língua é
dinâmica e, a partir do uso, a estrutura linguística é passível de transformação. No entanto,
apenas futuras investigações poderão comprovar qual dessas hipóteses é a verdadeira.
Para o professor é importante que esteja atento para o funcionamento discursivo do da
palavra mas, bem como dos outros conectores e operadores, quando se materializarem na
produção textual dos seus alunos, a fim de discutir, em sala de aula, prováveis efeitos de
sentido gerados pela ocorrência dessas estruturas. Além disso, não deve agir de forma
“preconceituosa”, mas reconhecer que novos usos são possíveis para as estruturas da língua,
sempre verificando se esses usos funcionam discursivamente.
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