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Artigo Original DOI:10.5902/2179460X12607 Ciência e Natura, Santa Maria, v. 36 Ed. Especial II, 2014, p. 798–805 Revista do Centro de Ciências Naturais e Exatas - UFSM ISSN impressa: 0100-8307 ISSN on-line: 2179-460X “Promovendo a aprendizagem sobre fungos por meio de atividades práticas” “Promoting learning about fungi through of practice activities” Chantele Santos Johan*1, Michele Soares Carvalho2, Regiane Zanovello3, Ronaldo Prado de Oliveira4, Tânea Maria Bisognin Garlet5, Nilda Berenice de Vargas Barbosa6, Terimar Ruoso Moresco7 1,2,3,4 Acadêmicos do curso de Ciências Biológicas, bolsista PIBID UFSM, RS, Brasil. Docente de Botânica do Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas - CESNORS/UFSM, RS, Brasil 6 Docente de Bioquímica do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular do CCNE/UFSM 7 Docente de Microbiologia do Departamento de Ciências da Saúde do CESNORS/UFSM - Palmeira das Missões, RS, Brasil 5 Resumo Os fungos são organismos presentes no cotidiano dos indivíduos e, por isso, faz-se necessário que este tema seja abordado de maneira mais efetiva durante o ensino fundamental. Neste trabalho, é apresentada uma sequência de cinco atividades sobre fungos para ser desenvolvida em forma de oficinas com estudantes da sétima série de uma escola pública de Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul, Brasil. Nelas, foram utilizadas diferentes abordagens que enfatizam o trabalho em equipe e o lúdico, com o objetivo de proporcionar um melhor desenvolvimento do tema. As atividades foram propostas por acadêmicos de Ciências Biológicas, bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)-UFSM. É apresentada uma discussão sobre a importância das atividades práticas e alguns conceitos-chave para o ensino de ciências. Ao finalizar as oficinas, os alunos demonstraram uma maior compreensão do conhecimento sobre os fungos evidenciada em suas falas. Sabendo que cada sujeito apresenta formas de aprendizagem diferenciadas, é fundamental que os educadores utilizem, em suas práticas pedagógicas, metodologias distintas, a fim de contemplar a aprendizagem para um maior número de educandos. Palavras-chave: Ensino de Ciências, atividade prática, fungos. Abstract Fungi are organisms present in daily life and, therefore, it is necessary that this issue be addressed more effectively during elementary school. In this work, a sequence of activities about fungi is shown to be developed in basic education. First, a discussion of the importance of the practical activities in science teaching, are then exposed five activities in fungi, developed by students of the seventh grade in a public school in Palmeira das Missões, Rio Grande do Sul, Brazil. The activities have different approaches that emphasize teamwork and playfulness with the goal of providing a better development of the theme. The activities have been proposed by undergraduates of Biological Sciences, the Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID)-UFSM. At the end of the workshop, it became clear that each subject has different ways of learning, so it is essential that educators use in their teaching practices, different methodologies in order to contemplate the vast numbers of learners. Keywords: Teaching of Science, practical activity, fungi. * chantelejohan@hotmail.com Recebido: 15/01/2014 Aceito: 20/03/2014 Ciência e Natura, v. 36 Ed. Especial II, 2014, p. 798–805 1 Introdução O Reino Fungi faz parte do Domínio Eukarya (CAVALIER-SMITH, 1998) e neste grupo estão incluídas espécies que produzem estruturas reprodutivas visíveis a olho desarmado como os cogumelos, mas também muitas formas de vida microscópicas como bolores e leveduras (RAVEN et al., 2007). Os fungos são fundamentais para estabelecer o equilíbrio ambiental, pois atuam como seres decompositores na cadeia alimentar. Devido à sua grande importância ecológica e econômica, o potencial destes organismos é explorado pela humanidade desde os seus primórdios, (TORTORA et al., 2010). Espécies de fungos podem ser patogênicas para os animais (incluindo o homem) e vegetais causando grandes perdas econômicas. No entanto, também existem muitas espécies com potencial econômico, já que são capazes de produzir substâncias úteis para o homem. A relevância dos fungos para o planeta e seus habitantes é notória, assim percebe-se a importância de discussões sobre esses organismos para próximo dos alunos, pois, segundo Chassot (2006), quando o cidadão é capaz de dominar os conhecimentos científicos e tecnológicos necessários para desenvolver-se na vida diária, este pode ser considerado alfabetizado cientificamente. A Educação em Ciência deve dar prioridade à formação de cidadãos cientificamente cultos, capazes de participar ativa e responsavelmente na sociedade, além de serem capazes de compreender os fenômenos naturais, entender e controlar o ambiente, seja ele natural ou tecnológico (DELIZOICOV et al., 2011; CHASSOT, 2006). Cachapuz et al.(2011) afirmam que embora exista uma grande distância entre o que os cientistas sabem e o que o público sabe, o ensino fundamental pode ser a única oportunidade para que conhecimentos básicos de ciências sejam apresentados à maioria da população em nosso país. Dessa forma, é preciso valorizar a ciência considerando-a como um instrumento de mudança que deve ser de domínio público, tendo-se obviamente a necessidade de divulgá-la, pois a ciência não é parte da cultura do nosso povo como, por exemplo, é o futebol (PAVÃO & FREITAS, 2011). Segundo Silva et al. (2009), a forma como o tema “Reino Fungi” vem sendo tratado pelos professores nas aulas de biologia, assume uma abordagem exclusivamente expositiva, com supervalorização dos conteúdos conceituais e descritivos, enfocando a sua classificação, morfologia, e reprodução. Nessa perspectiva, identificam-se problemas referentes à contextualização deste tema e os alunos associam os fungos apenas às doenças por eles causadas, esquecendo-se das suas ações de importância na natureza, inclusive de suas relações com os demais seres vivos. Estes pressupostos são incorporados na vida do sujeito desde seus primeiros anos de vida e por não serem compatíveis com novos conceitos científicos tornam-se os principais obstáculos para o 799 seu aprendizado. Considerando que as aulas devem ser vistas como um processo em que educar não se limita a repassar informações ou mostrar apenas um caminho, é preciso oferecer várias ferramentas para que o aluno possa escolher aquele que for compatível com sua visão de mundo (BALBINOT, 2005). Dentre os problemas enfrentados pela escola na atualidade, está à carência estrutural, o que colabora com um ensino de ciências alheio a experimentação. Assim, os laboratórios de ciências não têm sido ambientes frequentados pelos estudantes, locais estes, que deveriam estar disponíveis para que os estudantes pudessem praticar ciência, instigar sua curiosidade e tentar responder perguntas sobre fenômenos cotidianos (AXT & MOREIRA, 1991). Conforme ressaltam Afonso & Leite (2000), “usar o laboratório não é só por si melhor do que não o usar, a sua utilidade depende, acima de tudo, do modo como é usado”. É preciso inovar e ousar para permitir que o aluno construa seus saberes, com alegria e prazer, possibilitando a criatividade, o relacionamento e o pensar criticamente no que faz (BALBINOT, 2005). Laburu & Arruda (2003) já defendiam uma proposta metodológica pluralista para a educação científica, pois “partem do pressuposto de que todo processo de ensino-aprendizagem é altamente complexo, mutável no tempo, envolve múltiplos saberes e está longe de ser trivial”. As atividades lúdicas, quando contextualizadas, permitem a interação entre os sujeitos, para que o aluno sinta-se entusiasmado a aprender novos conceitos científicos, sobre fungos, por exemplo. Estes conteúdos, não devem ser trabalhados somente de forma teórica nas salas de aula, é importante a utilização de metodologias diferenciadas. Como ressalta Pacheco (1997), o uso de atividades práticas é importante no processo de ensino-aprendizagem, pois podem atuar como ferramentas pedagógicas instigantes, visto que despertam nos alunos a motivação para a aprendizagem. Para Hofstein & Lunneta (1982), as principais funções das aulas práticas no Ensino de Ciências são: despertar e manter o interesse dos alunos; envolver os estudantes em investigações científicas; desenvolver a capacidade de resolver problemas, compreender conceitos básicos e desenvolver habilidades. O objetivo deste artigo é propor e discutir sobre um conjunto de atividades pedagógicas desenvolvidas para propiciar, aos estudantes, uma visão abrangente e científica sobre os fungos e a sua importância no contexto científico-social, econômico e ambiental. 2 Material e métodos Trata-se de uma proposta envolvendo uma sequência de atividades pedagógicas tendo como tema principal ’Fungos: heróis ou vilões’ composta por cinco diferentes oficinas conforme consta no Quadro 1. Os sujeitos foram os estudantes da 7ª série, do Colégio Estadual Três 800 Johan et al.:“Fungos: heróis ou vilões? Promovendo a aprendizagem sobre fungos.... Mártires, de Palmeira das Missões, município situado no norte do estado do Rio Grande do Sul, Brasil. As atividades aconteceram no Laboratório de Microbiologia (CEMICRO), nos campos e áreas reflorestadas da Universidade Federal de Santa Maria – campus de Palmeira das Missões (UFSM) e também no laboratório de Ciências do Colégio Estadual Três Mártires de Palmeira das Missões (Quadro 1). QUADRO 1 – Atividades desenvolvidas na oficina ‘Fungos: heróis ou vilões’ e os locais onde foram realizadas. Atividade Local 1ª Observação microscópica dos diferentes bolores presentes nos alimentos em processo de degradação. CEMICRO 2ª Experimento sobre fermentação utilizando Saccharomyces cerevisiae Laboratório da escola 3ª Saída de campo em busca da visualização de fungos macroscópicos presentes neste ambiente. UFSM 4ª 5ª Confecção de modelos didáticos dos fungos macroscópicos Encerramento da oficina com o jogo didático “Trilha da Microbiologia” Laboratório da escola Laboratório da escola Primeiramente, os participantes se reuniram no laboratório da escola para socialização da proposta. Os sujeitos foram convidados a participar voluntariamente destas atividades didáticas formando uma turma de 30 alunos. A oficina totalizou aproximadamente 10 horas de atividades (duas horas diárias), distribuídas ao longo de cinco semanas. As atividades foram elaboradas e mediadas por acadêmicos do Curso de Ciências Biológicas da UFSM, orientadas pela professora de microbiologia da mesma instituição e supervisionadas pelo professor de Ciências da escola. Todos os envolvidos nas atividades eram participantes do Programa de Bolsa Iniciação à Docência (PIBID) UFSM - Ciências Biológicas – CESNORS/PM. A primeira atividade teve como objetivo mostrar aos estudantes sobre existência de um mundo que não pode ser visto a olho nu e que os fungos fazem parte deste mundo. Para isto, os estudantes foram levados até o laboratório da universidade, onde tiveram acesso aos microscópios e foram orientados sobre sua importância, funcionamento e manipulação. Os alunos utilizaram alimentos embolorados, como pães e frutos para obterem as amostras para análise. Com bastante cuidado, utilizando uma alça de platina, colocaram parte da estrutura do fungo em uma lâmina e em seguida uma gota de água sobre a amostra. Cobriram com lamínula e observaram em aumento de 400 vezes. Na realização da segunda atividade, cujo tema foi fermentação, explorou-se a utilidade dos fungos para a indústria e há quanto tempo os mesmos têm sido utilizados pelos homens para produção de alimentos como o vinho e o pão. Esta atividade foi realizada no laboratório da escola, já que o mesmo possui um espaço organizado e estruturado para realização de atividades práticas pelos professores. Como material utilizou-se três garrafas plásticas de refrigerante, água, açúcar, fermento biológico e bexigas plásticas. No primeiro recipiente, misturou-se água fria e fermento biológico, no segundo, água quente (em torno de 40°C), fermento biológico e sal e no terceiro, água morna (aproximadamente 30°C), fermento biológico e açúcar. Todos os recipientes foram fechados com uma bexiga. A primeira etapa da terceira atividade foi a visita dos acadêmicos aos campos e áreas florestadas, para verificar quais oportunidades educacionais o local oferece. Após isto, os alunos da escola foram levados até o local e orientados a fazer a observação dos fungos em seu habitat natural com o objetivo de encontrar diferentes espécimes de fungos e discutir sobre suas estruturas, modo de vida e reprodução. Esta atividade teve duração de um turno. Na quarta atividade, os alunos confeccionaram modelos didáticos dos fungos que observaram na saída de campo. Essa atividade foi realizada no laboratório da escola e os modelos foram confeccionados com massa de biscuit e tinta guache, após, os modelos ficaram expostos no laboratório de ciências da escola. Esta atividade teve o intuito de que os alunos representassem aquilo que haviam aprendido sobre a morfologia dos fungos. Para finalizar a oficina, foi utilizado um jogo didático, no qual os assuntos discutidos no decorrer das atividades foram revistos de forma lúdica e prazerosa, estabelecendo uma análise geral sobre o que foi estudado e uma abordagem final sobre o tema. O material do jogo era constituído de: um tabuleiro contendo uma trilha, cartelas contendo perguntas sobre os fungos e um dado para cada grupo. Para jogar, os estudantes foram separados em grupos e receberam o material. No tabuleiro havia espaços com interrogações e à medida que os alunos jogavam o dado, teriam que responder uma das perguntas se esse caísse nas interrogações. A avaliação da oficina foi baseada na análise dos comentários dos estudantes registrados nos diários de campo, o qual de acordo com Triviños (1987) são anotações não formais, diferentes de entrevistas ou questionários, realizadas sobre o cenários onde a pesquisa acontece. Desse modo, os diários de campo dos acadêmicos foram objeto de análise. Ciência e Natura, v. 36 Ed. Especial II, 2014, p. 798–805 3 Resultados e discussão As pessoas constroem representações mentais para captar o mundo exterior. Estas representações têm papel fundamental na aprendizagem dos conceitos, assim é necessário o entendimento das concepções e modos de raciocínio dos alunos para poder abordar os conceitos com modelos pedagógicos mais adequados. As representações modificam com as experiências vivenciadas, sendo elas boas ou ruins e, de acordo com Moreira (1996) as representações mentais, são maneiras de “re -presentar” internamente o mundo externo, por isso, este trabalho, apresenta diferentes metodologias e leva os alunos para diferentes ambientes, pois acredita que quanto maior for o contato dos alunos com diferentes situações envolvendo os fungos, mais representações mentais sobre este tema os alunos serão capazes de ter. Para Ferracioli (1999), é na adolescência que é alcançada a capacidade de abstração, surgindo o período das operações formais. Sua característica geral é o modo de raciocínio, que não se baseia apenas em objetos ou realidades observáveis, mas também em hipóteses, permitindo, dessa forma, a construção de reflexões e teorias. Ao trabalhar os conteúdos de microbiologia, manifestam-se dificuldades de aprendizagem, visto que muitos dos saberes científicos desta área são abstratos e difíceis de serem compreendidos somente com as aulas tradicionais, principalmente se estas estiverem descontextualizadas da realidade do aluno. Tal preocupação tem surgido recentemente, devido à necessidade de se ensinar ciência a todos os cidadãos, para que estes sejam capazes de compreender a própria ciência, a tecnologia e o ambiente, as relações entre eles e suas implicações na sociedade (CACHAPUZ, 2000). É diante desta necessidade que se evidencia a importância da aplicação de metodologias diferenciadas, principalmente no ensino de ciências, visto que, nesta disciplina, os estudantes procuram explicações para fenômenos naturais e suas relações. Para realizar a primeira atividade, os estudantes foram levados até a universidade, (com consentimento dos pais e da equipe diretiva da escola, bem como com o acompanhamento do professor de ciências da turma). Na universidade, os estudantes foram recepcionados no laboratório e orientados pelos acadêmicos de Ciências Biológicas. Estavam eufóricos com o laboratório e realizaram todas as atividades com empenho e atenção. A turma ficou aproximadamente duas horas realizando observações de diferentes bolores ao microscópio e dialogando sobre o que estavam observando. A manifestação mais comum foi de surpresa com a quantidade de bolor nos alimentos além de asco ao manipular os alimentos mofados. Conforme relato de aluno, “Quando eu pensava em fungos imaginava que só existiam cogumelos e frieiras” também ao olharem no microscópio, afirmavam ter enxergado estruturas que nem imaginavam existir. Além disso, acreditavam que nos alimentos, os bolores estavam 801 restritos à parte que podiam visualizar, não tendo ainda a percepção de que os fungos desenvolvem-se por meio de hifas que penetram profundamente o alimento. Este conhecimento prévio demonstrado pelos alunos pode ser aprofundado após a execução desta atividade, pois eles puderam perceber de forma mais concreta, visualizando os bolores como estruturas mais complexas do às que imaginavam. A apropriação deste novo saber significa uma oportunidade de desenvolvimento cognitivo e este, por sua vez, uma constante busca de equilíbrio, ou seja, a adaptação dos esquemas existentes ao mundo exterior (FERRACIOLI, 1999). Para Piaget (1982), a adaptação é o equilíbrio entre a assimilação da experiência às estruturas dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência. Vale ressaltar que estas concepções não são alteradas de forma imediata, mas a partir deste estudo, os alunos possuem mais elementos para incluir no seu conhecimento e melhorar seus conceitos sobre os fungos. Além disso, o docente tem o papel de auxiliar na tarefa de formulação e de reformulação de conceitos, servir como mediador do saber, ativando o senso comum por meio da apresentação do tema articulando esses conhecimentos à nova informação, fazendo uso de recursos didáticos que facilitem a compreensão do conteúdo pelo aluno. A atividade sobre fermentação foi realizada no laboratório da escola com duração de aproximadamente duas horas. Os estudantes fizeram as “misturas” de acordo com a orientação dos acadêmicos. Aguardaram cerca de 40 minutos e iniciaram as observações; os dois primeiros recipientes não demonstraram alteração na forma da bexiga. No entanto, no terceiro recipiente, o acúmulo de gás na bexiga ficou evidente após ter transcorrido este tempo, o que permitiu aos alunos visualizarem o aumento de tamanho da bexiga que o fechava, sugerindo que, neste recipiente, ocorreu a metabolização dos açúcares e consequente produção de gás carbônico. Os estudantes perceberam e comentaram que “os fungos precisam de açúcar para crescer”, ficaram surpresos e curiosos com o aumento da bexiga quando comparada com as demais e questionavam o porquê deste fenômeno. A partir deste experimento, foram explorados os fatores que influenciam no crescimento e metabolismo dos fungos bem como a importância dos seus produtos para as indústrias alimentícias e de medicamentos, com o objetivo de desmistificar a crença de que os fungos são somente agentes causadores de doenças. Para Krasilchik (2011), os laboratórios têm lugar garantido nas aulas de Biologia, entretanto sua função é muito maior do que somente “expor” um fenômeno, este tipo de modalidade didática permite que os alunos tenham contato direto com fenômenos, manipulando os materiais e equipamentos e observando organismo, o que de acordo com Carvalho (1999), permite que o aluno saia de uma postura passiva e comece a agir sobre seu objeto de estudo. Marandino et al.(2009) enfatiza a importância de deixar evidente que a experimentação escolar não tem a mesma 802 Johan et al.:“Fungos: heróis ou vilões? Promovendo a aprendizagem sobre fungos.... Figura 1: Saída de campo. finalidade que a experimentação cientifica. Embora não seja desprovida de método, é resultado da adaptação de conteúdos e procedimentos para atender a finalidade da aprendizagem. O conhecimento científico precisa passar por um processo de transformação em conhecimento escolar, pois os processos de produção destas formas de conhecimento escolar se inter-relacionam, mas não se sobrepõem, tendo cada uma suas peculiaridades. Essa transformação do saber científico em saber escolar, é conhecida como “transposição didática” foi proposta por Chevallard em 1985 e pretende adequar o conhecimento acadêmico às possibilidades cognitivas dos alunos, levando em consideração elementos internos e externos como, por exemplo: força política, religiosidade, força de mercado. É importante que se atente às “deformações” sofridas pelo saber científico para que este não seja despersonalizado e tampouco descontemporalizado (ASTOLFI & DEVELAY, 1990). O conhecimento experimental diretamente relacionado ao conhecimento científico também sofre estas transformações até chegar ao saber ensinado através da experimentação em aula, levando consigo a responsabilidade de orientar o aluno para deduzir o conhecimento a partir dessas práticas. Segundo Bevilacqua & Silva (2007), para que o pensamento científico seja incorporado pelo educando como uma prática de seu cotidiano é preciso que a ciência esteja ao seu alcance, que o conhecimento tenha sentido e possa ser utilizado na compreensão da realidade que o cerca. Seguindo o pensamento deste autor, realizou-se a saída de campo como terceira atividade desta sequência didática com o objetivo de encontrar diferentes espécies de fungos e discutir sobre suas estruturas, modo de vida e reprodução (Figura 1). Os alunos estavam à vontade e procuravam sozinhos os fungos no ambiente além de comentar e chamar a atenção dos colegas e acadêmicos quando encontravam algum espécime diferente e novo mostrando-se empolgados e surpresos com as observações, tirando fotos e registrar em seus diários de campo suas observações. Além de favorecer a observação, esta atividade permitiu a discussão das estruturas morfológicas dos fungos e, contribuiu também, para a reflexão sobre como e porque eram ali encontrados. Os alunos também comentaram que “nunca haviam percebido os fungos no ambiente e que a partir de agora iriam sempre percebê-los no ambiente”. Esta modalidade didática tem sido utilizada para designar uma modalidade específica de atividade extraescolar com maior deslocamento (Fernandes, 2007) e traz vantagens ao estudante, além daquelas relacionadas aos ganhos cognitivos, acentuando também o desenvolvimento de atitudes de afetividade, trabalho em equipe e promoção de atitudes favoráveis à preservação ambiental. Segundo Mendes e Munford (2005), na prática de Ciência e Natura, v. 36 Ed. Especial II, 2014, p. 798–805 803 Figura 2: Confecção de modelos didáticos. ensino, busca-se a integração entre a prática e os conhecimentos teóricos, através de sua aplicação, reflexão, debate e reelaboração. Tendo em vista este pensamento, percebeu-se que durante a atividade, a maioria dos participantes estava motivada, pois constantemente discutiam sobre o que encontravam no ambiente e estavam de alguma forma colocando em prática o saber adquirido. É indispensável destacar a importância que o docente responsável por tal atividade tenha domínio sobre o tema abordado, pois no decorrer da caminhada várias formas de fungos foram encontradas surgindo diversos questionamentos por parte dos alunos. Desta forma, faz-se necessário que o responsável tenha um conhecimento prévio para estimular o debate, embasar o saber e incentivar os alunos a buscar resposta. O professor deve buscar a atualizar seus conhecimentos, o desenvolvimento e a descoberta de novos materiais e metodologias e atividades pedagógicas além da reflexão constante, através de leituras, pesquisas e troca de experiências sobre sua atividade. Segundo Tardif et al. (1991), o exercício cotidiano da profissão docente exige “uma cota de improvisação e de habilidade pessoal, bem como a capacidade de enfrentar situações mais ou menos transitórias e variáveis”. O professor deve julgar e fazer escolhas difíceis, que são auxiliadas pelos saberes que ele possui (GAUTHIER et al., 1998). Dentro desse contexto, a saída de campo em busca de fungos macroscópicos, possibilitou a criação de um Figura 3: Jogo didático. ambiente investigativo em que o aluno desenvolveu não somente a capacidade de reconhecê-los na natureza, mas, sobretudo, de refletir e investigar as diversas hipóteses envolvidas nas relações destes organismos com o ambiente, participando como agentes ativos na construção do próprio conhecimento. Com o intuito de representar o que haviam observado sobre a morfologia dos fungos na saída de campo, na terceira atividade, os alunos foram instigados a confeccionar modelos didáticos (Figura 2). Lembrando que os cogumelos e a maioria das estruturas visíveis são relacionadas a reprodução, os alunos construíram modelos representacionais tridimensionais dos espécimes observados. O professor acompanhou, deu sugestões, auxiliou e conduziu os alunos. Durante a construção de um modelo, o discente pode utilizar sua imaginação e tentar se aproximar ao máximo da realidade. A partir dessa construção, da observação e das explicações vistas em aula e fora dela, ele poderá criar e/ou recriar seus modelos mentais. De acordo com Giordan & Vecchi (1996), um modelo é uma construção, uma imagem analógica que permite materializar uma ideia ou um conceito, tornando-os melhor assimiláveis. Já Krasilchik (2011) aponta problemas que o professor enfrenta ao trabalhar com modelo didático, ele precisa fazer com que o aluno entenda que os modelos são simplificações de uma estrutura ou mesmo representam 804 Johan et al.:“Fungos: heróis ou vilões? Promovendo a aprendizagem sobre fungos.... estágios de algum processo biológico, que é dinâmico, para diminuir essas limitações é importante que o aluno construa seu próprio modelo. A última atividade foi um jogo didático na forma de tabuleiro contendo perguntas sobre o assunto (figura 3). Após a aplicação do recurso didático, os alunos demostraram que a alternativa didática oportunizou um espaço lúdico de conhecimento, percebido por meio dos comentários: “o jogo foi muito legal”, “foi divertido”, “tiramos dúvidas” ou, ainda, “relembrei várias coisas”, “pude aprender várias coisas”. Assim, além do jogo ser um recurso pedagógico instigante e significativo para a aprendizagem, sua utilização é uma alternativa viável e passível de ser desenvolvida, auxiliando na planificação do aprendizado dos alunos quando justaposto ao ensino e revisão dos conhecimentos sobre Fungos. O jogo pode ser utilizado como promotor de aprendizagem das práticas escolares, possibilitando a aproximação dos alunos ao conhecimento científico, levando-os a ter uma vivência, mesmo que virtual, de solução de problemas que são muitas vezes próximas da realidade que o homem enfrenta ou enfrentou (CAMPOS et al. 2003) Os resultados deste trabalho concordam com Miranda (2001) quando afirma que: mediante diferentes atividades didáticas, vários objetivos podem ser atingidos, relacionados à cognição (desenvolvimento da inteligência e da personalidade); afeição (desenvolvimento da sensibilidade e da estima e atuação no sentido de estreitar laços de amizade e afetividade); socialização (simulação de vida em grupo); motivação (envolvimento da ação, do desfio e mobilização da curiosidade) e criatividade (p. 64-66). Lunetta (1991) acrescenta que estas atividades ajudam no desenvolvimento de conceitos científicos e permitem que os alunos aprendam como abordar objetivamente o seu mundo e como desenvolver soluções para problemas complexos. Podem, ainda, segundo Souza et al. (2008) ser vistas como facilitadoras do ensino uma vez que o aluno procura algo que ele mesmo possa elaborar ou manipular, tornando o aprendizado mais prazeroso e agradável. Essas alternativas didáticas permitem que a aprendizagem ocorra de maneira mais simples, desprendida, possibilitando aos alunos a construção do conhecimento de uma forma mais interativa e divertida, contribuindo para a alfabetização científica. 4 Conclusões Em uma sala de aula é perceptível que nem todos os indivíduos aprendem da mesma forma, por isso propõese a utilização de diferentes metodologias didáticas a fim de sensibilizar um maior número de alunos quanto interesse pelo conhecimento, envolvendo, também, sua dimensão emocional, como social e afetiva. Embora seja difícil prever o momento em que essa aprendizagem se consolidará, foi notório através das manifestações dos alunos que, no decorrer da oficina, demonstraram uma maior compreensão do conhecimento sobre os fungos, desde os conhecimentos científicos até sua importância no cotidiano. Foi possível trabalhar vários conceitos (importância ecológica e médica, importância industrial, estruturas, fisiologia e reprodução, modo de vida), procedimentos (formulação de perguntas e respostas, visualização e identificação dos fungos) e atitudes (adoção de atitudes preventivas de hábitos de higiene e preservação ambiental) as quais acreditamos que contribuíram para o desenvolvimento não só cognitivo como também social e ético dos alunos. Agradecimento A CAPES pelo o apoio financeiro e pelas bolsas de estudo. Aos alunos do Colégio Estadual Três Mártires pela participação e ao professor de ciências Alexandre Bacega pelo apoio. Referências AFONSO, A.; LEITE, L. 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