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Bispos, terras e reis

2021, Roda da Fortuna

O objetivo deste artigo é analisar de que maneira grupos de origem escandinava inseriram-se nas dinâmicas de poder local e do reino da Inglaterra no século X. Para tanto, tomaremos como referência duas personagens aparentadas, da região da Danelaw e de descendência escandinava, que ascenderam a posições importantes na Igreja inglesa: Oda, bispo de Ramsbury e arcebispo de Canterbury e Oswald, bispo de Worcester, arcebispo de York e sobrinho de Oda. Sua participação em charters régios e locais e em círculos próximos à casa de Wessex fornecem-nos bons indícios de como pessoas de família escandinava vinham a integrar-se às lógicas de poder pré-existentes. Levaremos em consideração, ainda, o papel desses clérigos na reforma monástica na ilha e em como a vinculação a monarcas anglo-saxões contribuiu a favor deles. -------- The aim of this article is to analyse the ways in which Scandinavian groups become inserted in dynamics of local power and of Kingdom of England in the 10th Century. To do so, it will be taken as references two kin related characters, from Danelaw region and from Scandinavian ancestry, which ascended to important offices in English Church: Oda, bishop of Ramsbury and archbishop of Canterbury and Oswald, bishop of Worcester, archbishop of York and Oda's nephew. Their involvement in royal and local charters and in closer circles to Wessex house provide us supporting evidence of how people from Scandinavian family become inserted in pre-existent dynamics of power. It will be also take into consideration the role played by theses clergy in monastic movement at the island and how the entailment to Anglo-Saxon monarchs contributed in their favour.

Roda da Fortuna Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo Electronic Journal about Antiquity and Middle Ages Isabela Albuquerque1 Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglosaxônica a partir da região da Danelaw (século X) Bishops, lands and kings: power dynamics in Anglo-Saxon England from Danelaw region (10h Century) _____________________________________________________________ Resumo: O objetivo deste artigo é analisar de que maneira grupos de origem escandinava inseriram-se nas dinâmicas de poder local e do reino da Inglaterra no século X. Para tanto, tomaremos como referência duas personagens aparentadas, da região da Danelaw e de descendência escandinava, que ascenderam a posições importantes na Igreja inglesa: Oda, bispo de Ramsbury e arcebispo de Canterbury e Oswald, bispo de Worcester, arcebispo de York e sobrinho de Oda. Sua participação em charters régios e locais e em círculos próximos à casa de Wessex fornecem-nos bons indícios de como pessoas de família escandinava vinham a integrar-se às lógicas de poder pré-existentes. Levaremos em consideração, ainda, o papel desses clérigos na reforma monástica na ilha e em como a vinculação a monarcas anglo-saxões contribuiu a favor deles. Palavras-chave: Inglaterra anglo-saxônica; Danelaw; Oda de Canterbury; Oswald de Worcester Abstract: The aim of this article is to analyse the ways in which Scandinavian groups become inserted in dynamics of local power and of Kingdom of England in the 10th Century. To do so, it will be taken as references two kin related characters, from Danelaw region and from Scandinavian ancestry, which ascended to important offices in English Church: Oda, bishop of Ramsbury and archbishop of Canterbury and Oswald, bishop of Worcester, archbishop of York and Oda's nephew. Their involvement in royal and local charters and in closer circles to Wessex house provide us supporting evidence of how people from Scandinavian family become inserted in pre-existent dynamics of power. It will be also take into consideration the role played by theses clergy in monastic movement at the island and how the entailment to Anglo-Saxon monarchs contributed in their favour. Keywords: Anglo-Saxon England; Danelaw; Oda of Canterbury; Oswald of Worcester. 1 Professora Adjunta de História Medieval e Ensino de História Medieval da Universidade de Pernambuco (UPE) - Campus Garanhuns. 124 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com 1. O estabelecimento da Danelaw: delimitações de um conceito A presença escandinava na Inglaterra iniciou-se em finais do século VIII e início do século IX, dentro do que se convencionou chamar de Era Viking (VIIIXI), inicialmente sob a forma de ataques esporádicos. Os motivos que levaram esses povos a migrarem para fora da Escandinávia estavam vinculados a fatores diversos que vão muito além de saques e pilhagens. Dentre eles, podemos destacar as frequentes disputas entre lideranças locais – e a dificuldade de se estabelecerem enquanto monarcas – e a atração pela expansão comercial na Europa do norte a partir do século VIII, tanto para participação nas trocas mercantis quanto pela possibilidade de realização de saques (Brink & Price, 2008; Sawyer, 2001). Os enfoques recentes nas pesquisas apontam para um período de presença escandinava anterior, ainda em princípio do século VIII, e sua participação em atividades mercantis no Mar do Norte, tais como Dorestad, Quentovic, Hamwic, York e Ipswich (Brink, 2008: 5). Essa virada dentro dos estudos sobre grupos vikings e escandinavos durante o período medieval tornou possível também a reflexão da participação em outros espaços, para além dos estereótipos de guerreiros em busca de espólios de guerra. Quando Alfred (871-899) ascendeu ao trono como rei de Wessex em 871, os vikings já haviam realizado alguns ataques à ilha que, a partir de 836, passaram a ser cada vez mais regulares. Os intervalos eram de cerca de 2 anos apenas e tinham como alvo os reinos de Mercia, Kent e Wessex (Swanton, 2000). A partir de 865, as fontes escritas atestam que os grupos em questão passaram também a permanecer na ilha e as evidências arqueológicas confirmam que isso ocorreu sob a forma de assentamentos (Hadley, 2006; Richards, 2007). Ainda durante o reinado de Alfred, após a batalha de Edington (878), travada entre Alfred e o líder viking Guthrum (m.890) e decisiva para conter o avanço dos exércitos nórdicos no final do século IX, foram possivelmente fixadas as fronteiras que separavam as áreas sob influência dos anglo-saxões daquelas que estavam sob domínio escandinavo. Mesmo derrotados, aos escandinavos estava garantido um território em que poderiam se fixar. As narrativas são muito controversas com relação às datas em que o acordo teria sido firmado, bem como quando teria ocorrido a delimitação das fronteiras. Segundo Williams, a paz formal entre Alfred e Guthrum foi firmada entre 878-886, quando se delimitaram as fronteiras que correspondiam aos domínios de ambos, bem como suas esferas de influência (Williams, 1999: 17). Já para Richards, o acordo, na verdade, só teria ocorrido entre os anos de 889-890 e uma de suas exigências foi o batismo de Guthrum, sendo este, desta forma, incorporado ao sistema de liderança da ilha ao aderir o nome anglo-saxão de Æthelstan (Richards, 2007: 35). Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 125 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com A formação da região comumente denominada de Danelaw enquanto um espaço de contatos culturais ocorreu a partir da presença escandinava na Inglaterra. Apesar de não representar uma entidade política com fronteiras bem delimitadas e vinculada a lideranças específicas, o conceito ainda é utilizado por pesquisadores e acadêmicos que se dedicam a investigar o desenrolar do processo histórico nessa região. A área correspondia basicamente a Yorkshire, Ânglia Oriental e as porções central e oriental das Midlands. Dentre todas essas regiões, o antigo reino da Ânglia Oriental é um dos menos documentados e muito pouco pode ser dito do que se tornaram as regiões de Norfolk e Suffolk nos anos subsequentes à presença escandinava (Molyneaux, 2015: 16). O manuscrito original a respeito da delimitação desse acordo entre Alfred e Guthrum foi perdido e sua cópia mais antiga data de cerca de 1100.2 Muito embora o tratado, aparentemente, tenha sido o responsável pelo estabelecimento das fronteiras entre os territórios controlados pelos anglo-saxões e outros pelos escandinavos, este não impediu movimentação de tropas de ambos os lados. Os autores divergem quanto às datas de sua organização, o que demonstra que é difícil avaliar quanto tempo as fronteiras iniciais da Danelaw duraram ou se foram posteriormente reformuladas, já que a região nunca chegou a ser uma unidade política autônoma e sua suposta autonomia foi relativamente breve. Enquanto Davis estima que seu período de vigência do acordo tivesse sido algo entre sete e dezessete anos (Davis, 1982), Graham-Campbell sua suposta independência não durou mais que cinquenta anos (1987, p. 2). Ambos os autores especulam que as fronteiras estabelecidas possivelmente seguiam a antiga estrada romana de Watling Street, que ligava Dover até Wroxeter. Na seleção de fontes English Historical Documents, vol. 1, editada pela medievalista Dorothy Whitelock, a possível data do tratado encontra-se entre os anos de 886-890, haja vista que Londres já havia sido ocupada pelos exércitos liderados por Wessex e se trata de antes da morte de Guthrum (Whitelock, 2007: 417). Na entrada do ano de 1013 do MS E da Crônica Anglo-Saxônica, no momento da invasão de Svein, pai de Cnut, há a referência a Watling Street, num indicativo de que ainda era uma um possível limite entre norte e sul da ilha, ao mencionar que avançou o seu exército para o norte de Watling Street (7 raðe þæs eall here be norðan Wætlinga stræte). Entretanto, há poucas evidências anteriores ao século XI que possam nos auxiliar na investigação de que essa área correspondia ao traçado do Tratado de Wedmore, entre Alfred e Guthrum. Apesar de seu uso relativamente frequente entre os acadêmicos e pesquisadores sobre o período, o termo Danelaw só passou a ser corrente no início 2 O MS 383 encontra-se em Cambridge, no Corpus Christi College, e faz parte da coletânea de leis anglosaxônicas. Segundo Davis, não existe motivo para dúvidas acerca da autenticidade do documento, pois “a linguagem do tratado e os estilos de ambos os reis e seus conselhos (witan) e seu povo parecem autênticos e não há nenhum sinal de anacronismo em nenhuma das suas cláusulas (Davis, 1982: 804). Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 126 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com do século XI e difundiu-se apenas no século XII como uma forma de definir as áreas ao norte e ao leste da Inglaterra que estiveram sob a lei escandinava, em oposição a Mercia e a Wessex, que constituíam territórios sob a lei dos saxões (Hadley, 2000: 2). Entretanto, mesmo em se tratando de uma área litigiosa e marcada por constantes embates políticos e armados, a Danelaw correspondia também a um espaço de contatos culturais frequentes, em função da presença de grupos já pré-estabelecidos na ilha e daqueles recém-chegados. Para historiadoras e historiadores que se debruçam sobre os estudos da região da Danelaw no século X, algumas questões ainda são motivo de diversas controvérsias: quem eram os daneses, como estes podem ser identificados – se é que isso é possível – e de que forma podemos observar a participação desses grupos junto a uma dinâmica inglesa? Sobre o tema, Abrams afirma que não faz sentido na documentação escrita a existência de uma fraccionária destes grupos, muito embora os mesmos documentos adotem o silêncio e não mencionem nada a respeito (Abrams. In: Scragg, 2008: 173). Logo, uma hipótese plausível a se considerar é se de fato essa separação entre ingleses/anglo-saxões e daneses/escandinavos não foi uma preocupação para habitantes locais que interagiam frequentemente com os recém-chegados. Abordagens clássicas, como a de Frank Stenton em sua famosa obra AngloSaxon England (1943, 1ª Ed.), sobre a Danelaw enfocavam as transformações pelas quais a região passou durante a Era Viking, identificando-a como predominantemente escandinava e alvo de massiva migração. Os objetivos principais consistiam em destacá-la como uma região distinta em termos políticos e culturais, numa espécie de hiato dentro da própria tradição da ilha. Com uma visão a acerca da região um pouco mais atenuada, mas ainda assim marcada pela influência dessa tradição, James Campbell em The Anglo-Saxons reforça ainda que não há nada de improvável em supor que os daneses e seus descendentes impuseram seus costumes na região e que, de uma forma ou de outra, sobreviveram até a conquista normanda (1982: 164). As análises de Stenton e Cambell, dois autores considerados clássicos dentro dos estudos sobre Inglaterra anglo-saxônica, muito pouco abordam para a compreensão da região a partir de uma dinâmica local própria, mas frequentemente às lentes da monarquia do sul da ilha, de Wessex. Nas últimas duas décadas, no entanto, muito se avançou a respeito dos estudos da região. A partir de finais dos anos 90, uma nova geração de pesquisadora/es inglesas/es viam com outros olhos a presença escandinava no contexto insular e, especificamente, no que tange à região da Danelaw, um dos trabalhos de maior destaque são os de Dawn M. Hadley e de Julian R. Richards 3, 3 Outros/as pesquisadores/as também foram importantes para a revisão dentro das obras produzidas a respeito da Danelaw. No entanto, seus trabalhos tangenciam a região da Danelaw, sem estabelecê-la propriamente enquanto um recorte específico ou um objeto. Destacamos aqui autoras Lesley Abrams, Clare Dowham, Judith Jesch e o historiador Peter Swayer. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 127 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com ambos professores do Departamento de Arqueologia da Universidade de York. Partindo de uma análise comparativa com outras regiões ocupadas por grupos vikings como Normandia, Escócia, Irlanda e Ilhas de Man, para uma melhor compreensão da realidade anglo-escandinava, Hadley defende que não há padrões que definam as relações entre as lideranças e a população local e que cada experiência histórica quanto à presença escandinava deve ser analisada à luz de seu contexto específico (Hadley, 2006: 278). Portanto, além de compreender as especificidades da região, deve-se observar também de que forma seus agentes históricos, leigos e eclesiásticos, articularam-se politicamente. Hadley, por exemplo, relativiza, ainda, o protagonismo de divisões étnicas nas relações entre anglosaxões/ingleses e daneses/escandinavos e minimiza os efeitos que os últimos tiveram na Danelaw, apontando para novas possibilidades de análise da região a partir das particularidades específicas desses assentamentos e das dinâmicas sociais próprias que eles tendem a articular com os poderes locais (Hadley, 2006: 278). Concordamos com Hadley nesse aspecto de que seria mais profícuo para este debate compreender que não se trata tanto do número de ocupantes escandinavos em questão ou pensar numa lógica de mão única de como esses agentes históricos exerceram sua influência nessa região das Midlads, especificamente, mas que mudanças vieram acompanhadas desse processo e como as mesmas podem ser identificadas não apenas dentro das fronteiras da Danelaw, mas em outras regiões da atual Inglaterra.4 As transformações na região da Danelaw foram um desdobramento da presença de uma aristocracia escandinava – e não de grupos escandinavos, no geral – na região. Sua migração enquanto um movimento diaspórico, promoveu o deslocamento para as Ilhas, sem perder sua referência enquanto grupo e mantendo laços com suas comunidades de origem (Jesch, 2015: 81). Acrescentamos também que essas influências não se tratam de um processo unilateral e que ao mesmo tempo em que esses grupos foram agentes de transformações culturais, sofrem-nas também. Os próprios conceitos de danes, dinamarquês e nórdico - presente em fontes legais, narrativas e nos charters - não são sinônimos de pessoa oriunda da Escandinávia e tais vocábulos precisam ser interpretados à luz de seus contextos específicos (Medeiros, 2020). No período referente ao reinado de Edgar (959-975), por exemplo, o avanço pela região da Danelaw já havia sido considerável, colocando as áreas da Midlands sob a órbita de Wessex. Entretanto, na Northumbria, até o ano de 942, havia um rei de origem hiberno-nórdica em York, que muito provavelmente falava um idioma derivado do nórdico antigo. Dessa forma, é preciso avaliar com 4 Ao abordar aspectos de uma sociedade anglo-escandinava que desenvolveu uma espécie de bilinguismo, Matthew Towhend em seu livro Language and History in Viking Age England-Linguistic Relations between Speakers of Old Norse and Old English Turnhout:Brepols, 2002, abordou também questões de topônimos de influência do nórdico antigo fora das regiões ocupadas pelos escandinavos. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 128 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com cautela e identificar a região à qual os documentos referem-se, bem como não perder de vista como funcionavam as relações locais entre esses grupos. Em uma tese recente cujo objeto é justamente a Danelaw, Thomas apresenta uma visão interessante a respeito da região, trazendo a guisa que o conceito deve ser analisado como uma construção, o que torna difícil precisar exatamente a quais os aspectos o vocábulo remete, pois tende a variar de acordo com o período em que é empregado. Entretanto, a influência da Danelaw extrapolou os limites territoriais dentro da própria Inglaterra – como pode ser atestado, segundo o autor, por evidências nos topônimos de origem escandinava distantes da região em si – a manutenção de um próspero comércio conectado no Norte da Europa e a forma como a região da Danelaw foi governada e administrada (Thomas, 2021: 57-58). Em nossa análise, entendemos que tais indícios representam pontos cruciais para a compreensão das dinâmicas e relações de poder na Inglaterra anglo-saxônica, sobretudo a partir da segunda metade do século X, bem como de que forma as fronteiras da Danelaw impactaram a lei e o governo da Inglaterra anglo-saxônica em longo prazo. 2. Oda e Oswald: dados de um percurso Para ilustrar os possíveis caminhos trilhados por integrantes de origem escandinava assentados na Danelaw, abordaremos a trajetória de duas personagens relevantes dentro da igreja. A primeira trata-se de Oda (941-958), bispo de Ramsbury (c.927-941) e arcebispo de Canterbury (941-958), sé pela qual adquiriu importantes propriedades. As principais informações sobre sua vida encontram-se na primeira parte da Vita S. Oswaldi, de Byrhtfirth de Ramsey (970-1020) e na obra pós-conquista Vita Odonis, cuja autoria é atribuída a Eadmer de Canterbury (c.1060c.1130) e a qual utilizaremos aqui como parte de nosso corpora. Monge beneditino de origem inglesa, possivelmente de Kent, que viveu a chegada e os primeiros anos dos normandos na Inglaterra. Desde sua infância, Eadmer esteve ligado à abadia beneditina de Christ Church e a seu fascínio por santos de origem inglesa – num contexto já anglo-normando – pode ser atestada a partir das biografias de S. Dunstan (Vita Dunstani), S. Oda (Vita S.Odonis), S. Oswald (Vita S.Oswaldi) e S. Anselm (Vita Anselmi)(Turner & Muir, 2006: XV). As obras de Eadmer representam um material profícuo acerca da história da Inglaterra Anglo-Saxônica Tardia e fornece ao mesmo tempo uma rica imagem espiritual e intelectual dos monastérios beneditinos ingleses do final do século XI e início do século XII (Turner & Muir, 2006: p. xxxv). É possível observarmos também sua valorização em registrar relatos hagiográficos a respeito de figuras importantes da Reforma Beneditina da Inglaterra, na qual Oswald e Dunstan participaram ativamente. Segundo a narrativa de Eadmer, a família de Oda era de origem escandinava (nobilibus sed paganis parentibus oriundus) e seu pai havia chegado à Inglaterra junto com Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 129 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com a expedição de Ivarr, (Eadmer, 2006, p. 4) no ano de 865, de acordo com a Crônica Anglo-Saxônica. Desejoso por sua conversão, Oda deixou a casa em que vivia e se colocou sob a proteção de Æthelhelm, earldorman5 de Wiltshire, morto, segundo a Crônica, em 898. Pelas informações contidas na obra, ainda, teria cruzado em sua trajetória com diversos monarcas (Alfred, Edward, o Velho, Æthelstan, Edmund, Eadred). Wareham acha pouco provável que esse episódio a respeito de Oda e Oswald tenha sido inventado por Byrhtferth de Ramsey e que tenha sido reproduzido depois na obra de Eadmer e que a Chronicon Abbatiae Rameseiensis (Crônica dos Abades de Ramsey) sugere que Oswald possuía conexões expressivas na Ânglia oriental e que era bem conectada com a aristocracia danesa da região (Wareham. In: Brooks, 1996: 49). Ainda de acordo com o capítulo 1, mesmo impedido de mencionar o nome de Cristo (prohibebat ne omnino Christum nominaret) por seu "incrédulo pai" e obrigado a praticar os "costumes de seus ancestrais", Oda começou a frequentar a igreja, motivo pelo qual levou seu pai a deserdá-lo, mesmo tendo ele direito pela lei da primogenitura (iusque haereditatis quod ad ilium lege primogenitorum uenire debebat subtrahit). Após ser rejeitado por seus pais e desprovido de sua fortuna, aproximou-se de ealdorman Æthelhelm – cuja morte é citada na entrada do ano de 898 do MS A da Crônica Anglo-Saxônica – implorando que este o protegesse de seus pais com seu poder e autoridade. Eadmer destaca ainda que Oda foi recebido por Æthelhelm com filiação paternal, protegendo-o da ira de seu pai e provendo-o do que fosse necessário e além (paterno ilium affectu suscepit, defensione muniuit, auxiliis necessariis simul et non necessariis fouit). Neste primeiro capítulo algumas informações sobre Oda chamam nossa atenção. Na narrativa destaca-se que, apesar de sua família ser de origem escandinava e de seu pai estar vinculado aos “costumes de seus ancestrais”, Oda interessou-se pela fé cristã e começou a frequentar a igreja – o que, em se tratando de um relato biográfico acerca de uma personagem da Igreja, é algo recorrente nas fontes hagiográficas. No entanto, foi a partir da sua filiação a Æthelhelm, alguém de extirpe elevada e próximo à monarquia de Wessex, tanto que sua morte é mencionada no MS A da Crônica, que Oda iniciou sua trajetória. Os tópicos relativos à sua conversão ou demais motivos que o levaram a não estar associado mais à sua casa paterna são complexos e fica difícil aqui especularmos se a personagem converteu-se de fato ao cristianismo ou não. Contudo, podemos afirmar que sua associação à figura de Æthelhelm foi um divisor de águas, pois, a partir daí, Oda passou a ter acesso a professores que o instruíram no latim e no grego, facilitando seu ingresso, posteriormente, na vida eclesiástica, 5 Optamos por manter o termo em inglês antigo devido à ausência de um vocábulo que se aplique integralmente ao seu significado e ao contexto da Inglaterra anglo-saxônica. Nos primeiros séculos, seu uso esteve associado a um homem de posição social elevada, detentor de um poder local. No entanto, a partir do século IX, o conceito passou a ser adotado num contexto mais específico quando um nobre de alta estirpe exercia o poder em nome de um rei. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 130 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com investido como clérigo por Wulfhelm (926-941), arcebispo de Canterbury, e tonsurado no continente na abadia beneditina de Fleury, informações contidas nos capítulos 6 e 9, respectivamente. A participação de Oda junto aos monarcas anglo-saxões é narrada em momentos distintos da Vita S. Odonis, como quando conhece os monarcas Alfred, Edward e Æthelstan, por exemplo. Afora essas informações na narrativa – que podem ser fidedignas ou não – em duas passagens da Crônica Anglo-Saxônica, já como arcebispo, Oda é citado: 1) no de 958 do MS D, quando “Arcebispo Oda divorciou o rei Eadwig e Alfgifu porque eles eram aparentados”6; 2) no ano de 961 do MS A, quando deixa o arcebispado de Canterbury, em decorrência da sua morte, para Dunstan.7 Dos dois trechos podemos identificar que o bispo desempenhou um papel importante junto à durante o governo de Eadwig, ao ser o responsável pelo divórcio do monarca. Apesar da alegação de consanguinidade, não há registros de que Eadwig e Alfgifu tenham tido filhos, o que é provável causa para essa alegação. O outro trecho corresponde ao momento de sua morte, quando deixa uma das posições de maior destaque na Inglaterra: o arcebispado de Canterbury, palco importante nas diretrizes da igreja insular. Apresentado na narrativa de Eadmer como sobrinho de Oda, Oswald (961992) foi uma das figuras mais importantes da Reforma Beneditina na Inglaterra. É provável que Eadmer tenha escrito a Vita Oswaldi no momento em que permaneceu na comissão da igreja de Worcester, em função da forma como descreve os milagres "como viu e como tocou a casula com a qual Oswald foi enterrado” e muito possivelmente se utilizou de fontes locais. A influência pela regra beneditina veio possivelmente pelo tempo - por volta de 950 – quando permaneceu junto aos monges na abadia de Fleury, no reino Franco. Os laços possivelmente estreitados com essa comunidade beneditina levaram ao acolhimento de um grupo de monges de Fleury à abadia de Ramsey, em 985, quando Abbo de Fleury aceitou ensinar aos monges locais. Oda atingiu um dos postos mais elevados da igreja na Inglaterra: arcebispo de Canterbury. Apesar de a narrativa de Eadmer mencionar a origem escandinava por parte de seu pai, não encontramos muitas informações além a respeito de como era sua vida antes de estar sob tutela do ealdorman de Wiltshire. Contudo, podemos especular que certamente estratégias individuais e coletivas foram estabelecidas que o fizeram a galgar a tal posição. 6 Her on þissum geare Oda arcebiscop totwæmde Eadwi cyning 7 ælgyfe, for þæm þe hi wæron to gesybbe. 7 Her gewat Odo arcebisceop 7 Sancte Dunstan feng to arcebisceoprice. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 131 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com Com relação a Oswald, a informação de seu parentesco com Oda – irmão de seu pai – aparece logo no capítulo 1 8 da vida de Eadmer e no capítulo 4, há a informação de que os pais de Oswald confiam-no seu a Oda, para que fosse “imbuído por seus ensinamentos e moldado por seu exemplo” (Vita S. Oswaldi, cap. 1 e 4).9 A vinculação entre Oswald e Oda, explícita desde o início da narrativa, justifica-se por uma relação de parentesco e se intensifica a partir de conexões eclesiásticas. Colocar Oswald aos cuidados do tio não era apenas como aprender a ser um bom cristão e incluí-lo no ambiente religioso, pois não fora Oda seu preceptor, segundo da narrativa, mas outro clérigo de nome Frithegod. O objetivo maior era o de trazer ao seio das relações familiares as conexões – sobretudo políticas – das quais Oda dispunha. Após sua passagem como diácono em Winchester, a mando de seu tio, Oswald (Capítulo 5) expressou seu desejo de seguir a vida religiosa e ser feito monge na abadia de Fleury, na Gália, seguindo, portanto, a regra dos beneditinos (capítulo 6). No capítulo 8, a narrativa fornece mais detalhes a respeito da associação entre Oswald e Oda, quando, este pede para acompanhar aquele na sua ida à Fleury. No entanto, observa-se outra informação interessante na Vita S. Oswaldi de Eadmer: o desejo de Oda em usar Oswald na instrução de homens de sua própria gente (suae gentis uiros) na observância da Regra. Estaria Eadmer fazendo referência aos daneses ou a Oswald como um aliado importante na região dentro do movimento monástico? Acreditamos que possivelmente a segunda opção. Wareham, ao analisar as conexões de parentesco de Oswald ao longo de sua trajetória a partir da documentação produzida em Ramsey, identificou que o apoio familiar auxiliou no suporte real e arquiepiscopal que o bispo recebeu, à medida em que sua família obteve êxito em manter controle sobre a riqueza do bispado de Worcester no século X (Wareham. In: Brooks, 1996: 61). A vida de Oswald aparentemente menos empolgante que a de outras figuras importantes da Reforma Beneditina como Dunstan – exilado pelo rei Eadwig – é em certa medida o reflexo desses proveitosos vínculos interpessoais. Na análise de Barrow, os motivos que levaram a transformações das instituições religiosas na região oriental da Danelaw foram diversos: reorganização das paróquias e de suas respectivas dioceses, atuação de famílias anglo-escandinavas importantes e fundação de monastérios beneditinos na região (Barrow, 2009. In: “Bonus siquidem et unus de praecipuis patribus Anglorum, Odo nomine, frater erat patris eius, uir praestans religione, discretione sullimis, moribus grauis, iusticiae cultor, magnus consilio, qui et in omni actione sua circumspectus auctoritate praeminebat.” 8 “Huius igitur patris nepos puer Dei Oswaldus existens, a parentibus suis eius doctrinis imbuendus, eius exemplis instituendus ei commendatus est.” 9 Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 132 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com Hadley e Richards). Contudo, a autora destaca que, possivelmente, lideranças eclesiásticas na região atuaram enquanto negociadores com Wessex e com a porção inglesa da Mercia, numa clara demonstração de que circulavam com certa facilidade entre diferentes esferas do poder. Sobre a circulação em diversos espaços os quais os recém-chegados passaram a ocupar, Hadley destaca que Uma vez deslocados de seu contexto original e como buscavam se estabelecer num ambiente instável, não é surpresa que esses governantes buscaram rapidamente adotar os adornos do senhorio predominantes na Inglaterra, como cunhagem de moedas, dependência do apoio da Igreja e o uso da escrita e encontrar meios de interagir com governantes locais (Hadley, 2006: 70).10 (Tradução nossa) Logo, fora de seu local de origem e submetidos a um novo contexto, era importante para esses grupos identificarem e aderirem às lógicas dos poderes locais. É difícil precisarmos em números a quantidade de migrantes que se estabeleceram na Inglaterra em finais do século IX e ao longo do século X, porém, a fim de não apenas garantirem a sobrevivência de suas comunidades a médio e longo prazo era estratégico interagirem, negociarem e fazerem uso de instrumentos - inclusive simbólicos – políticos, assim como também cunhar moedas e se aproximarem das instituições eclesiásticas. A pura reprodução da dicotomia entre cristãos e pagãos, uma estratégia discursiva frequente nas fontes documentais escritas dos séculos IXX, não faz tanto sentido para dar conta dos métodos desempenhados por esses indivíduos. Tais atitudes levam-nos à reflexão de por quanto tempo uma identificação étnica binária entre ingleses e daneses foi recorrente e que é mais provável que após a organização dos primeiros assentamentos, os escandinavos já buscassem integrar-se à lógica local. 3. O fortalecimento da monarquia inglesa e a Reforma Beneditina (século X) Desde obras mais clássicas da historiografia inglesa como a de Stenton, as regiões das Midlands ocidentais e a Ânglia Oriental no século X têm sido recorte para estudos em função das transformações – anteriormente atribuídas à presença escandinava. Tal tradição historiográfica inseria as mudanças ocorridas na Inglaterra em função das migrações vikings como a grande força motriz desta. Ressaltavam-se “Once removed from their background, and as they sought to establish themselves in an unstable environment, it is perhaps not surprising that these rulers should have come so quickly to adopt the trappings of lordship prevalent in England, including the issuing of coinage, reliance on the support of the Church, and the use of literacy, and to have found ways to interact with local rulers.” 10 Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 133 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com algumas influências, sobretudo no campo da toponímia, mas enfocavam-se como as regiões nas quais os escandinavos assentaram-se apresentavam descontinuidades quando comparadas com áreas ao sul, referentes ao controle de Wessex. A partir de sítios arqueológicos nas regiões norte e nordeste da Inglaterra, pode-se identificar que algumas igrejas foram abandonadas ou destruídas entre finais do século VIII-X, como os de Whitiby, Monkwearmouth, Jarrow e Lindisfarne, em Northumbria, e os de Dunwich, Elham e Lindsey (Hadley, 2006: 194-196; Richards, 2007: 180-181) e, muito embora o discurso da documentação escrita apontasse as invasões vikings na ilha como a ruína da Igreja, não se pode atribuir todos os problemas dela apenas à presença escandinava na região. O Prefácio da sua tradução de Pastoral Care, atribuído ao rei Alfred, atenta para a presença escandinava enquanto um aviso divino da punição, caso os ingleses não se dedicassem a ensinar e transmitir saber para outros (Keynes & Lapidge, 2004). Essas retóricas, contudo, precisam ser relativizadas, pois é evidente que existe nelas uma tentativa de designar os grupos escandinavos como antagonistas nesse processo de invasão e ocupação da Inglaterra, numa oposição pagani versus chritiani, tal como Asser aponta Vita Ælfredi. Outro ponto de reflexão passa pela indagação de até que ponto o suposto horror que essas populações escandinavas causavam descrito nessas narrativas era uma prerrogativa desses grupos ou uma recorrência no período alto-medieval. Adentrando o processo de formação da Inglaterra, o mesmo confunde-se por vezes com o fortalecimento da casa de Wessex, como um movimento paulatino, iniciado a partir do projeto de Alfred e consolidado ao longo dos reinados de seu filho Edward (899-924), que estendeu sua autoridade para o sul da Danelaw (912920). Não obstante, a afirmação de tal autoridade não esteve isenta de resistência de outros grupos. Seu primo Æthelwold recebeu apoio na Ânglia Oriental e na Mercia danesa e chegaram a se enfrentar em 905. No MS D da Crônica está explícito que dentre as baixas do lado danes estavam “rei Eoric e ætheling Æthelwold, a quem escolheram como rei” (7 on þæra Deniscena healfe wæs ofslægen Eoric cyning, 7 Aþelwold æþeling, þe hi him to cyninge gecurum). Um rei anglo-saxão escolhido pelos daneses reforça nossa ideia de que as alianças eram mais complexas do que elementos de pertença a um mesmo grupo étnico. Após a morte de sua irmã Æthelflæd, em 918, – que governava como senhora da Mercia – Edward conseguiu estabelecer a autoridade de Wessex no antigo reino. A posição de Edward enquanto monarca ainda não estava totalmente assegurada e era importante impor-se como rei da região, a fim de evitar futuros questionamentos de sua autoridade (Campbell, 1982: 161). Entretanto, esses eventos tratam das questões ao sul do Humber, haja vista que o a Northumbria ainda permanecia sob controle escandinavo e que, novamente em 919, sofreu com novas incursões advindas de grupos vikings da Irlanda. Logo, não se pode afirmar que Alfred e Edward tenham sido reis de uma Inglaterra como se entende sua composição territorial na contemporaneidade. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 134 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com O primeiro rei ao sul ao conquistar terras da Northumbria e submetê-las à esfera de poder do sul foi Æthelstan (924-939). Considerado o primeiro rei dos ingleses, centralizou a administração das terras ao sul do Humber e estabeleceu importantes alianças na Northumbria ao casar uma de suas irmãs com Sihtric, rei de York, em 926, o qual morre no ano seguinte deixando a rainha de York, viúva. O episódio tornou-se uma justificativa para que Æthelstan iniciasse sua campanha ao norte, cuja resistência de outras lideranças escandinavas não foi párea para deter o êxito em submeter a Northumbria ao controle de Wessex – o qual estendeu-se até o ano de 934 (Foot, 2011: 10). Outro episódio destacado em seu governo foi a Batalha de Brunambuhr, atribuída ao ano de 937 de acordo com a Crônica, quando uma importante vitória foi conquistada contras os escandinavos (Campbell, 1982: 161). Os líderes subsequentes de Wessex não teriam a mesma “sorte” que a primeira geração alfrediana. O avanço realizado por Edward e pelo seu filho Æthelstan seria posto em xeque com seu irmão mais novo Edmund (939-946), com 18 anos à época. O líder Olaf Guthfrithson (do reino escandinavo de Dublin) que passou a governar a partir de York em 939, estendeu seus domínios também pelas regiões de Lincoln, Leicester, Nottingham, Stamford e Derby e entre os anos de 940-942. Edmund era rei apenas ao sul de Watling Street, haja vista que Olaf controlava os territórios ao norte. De acordo com o MS A da Crônica, apenas após a morte de Olaf em 942 que Edmund conseguiu retomar alguns desses territórios, trazendo “toda Northumbria para seu domínio” (eal Norþhymbra land to him gewealdan). Os dois períodos seguintes, dos monarcas Eadred (946-955) e Eadwig (955959) estiveram marcados por distúrbios internos e externos. No reinado de Eadred houve a retomada seguida – novamente – de uma nova perda dos territórios da Northumbria e foi morto a facadas por um opositor que havia sido exilado. (MS D – Crônica/948). Seu sobrinho Eadwig, na tentativa de organizar o seu próprio grupo de confiança, como Ælfheah, ealdorman da Mercia, Ælfhere, ealdorman de Wessex, e Byrhthelm, bispo de Winchester, enfrentava as oposições de Dunstan e de Æthelstan Meio-Rei, membros influentes de seu finado tio. Ao buscar novas alianças políticas e reunir para perto de si novos apoiadores, provavelmente deve ter preocupado as antigas famílias poderosas estabelecidas ao sul do Humber, levando, inclusive, a divisão em dois reinos em 957: o sul do Tâmisa, governado por Eadwig e ao norte por Edgar (Jayakumar In Scragg, 2008: 90). A divisão de Eadwig como rei da Inglaterra e Edgar como rei da Mercia permaneceu até 959, quando o irmão mais velho veio a falecer. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 135 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com Imagem 1: Monarcas da Casa de Wessex de Alfred a Edgar – autoria nossa É difícil abordarmos uma Inglaterra como política e administrativamente unificada nesse período, tendo em vista as dissidências políticas e facções distintas tanto ao norte quanto ao sul do Humber. Sua organização tratava-se, portanto, de um projeto em curso. Alguns autores como Campbell (1982: 168) e Keynes (1998: 6) ressaltam a tentativa de construção de uma tradição compartilhada entre as duas principais regiões ao sul do Humber, o reino de Wessex e a Mercia, numa estratégia de dar coesão e demonstrar a força e a autoridade de Wessex frente aos conflitos com os escandinavos em finais do século IX e início do século X. O próprio termo anglo-saxão e suas variantes podem ser observados a partir dos charters emitidos por Alfred e Edward, por exemplo, reforçando o esforço por identificar os grupos anglos também associados à casa dos saxões do oeste (Albuquerque, 2017: 116-117). Contudo, as instabilidades políticas após a morte de Æthelstan em 939 e a ideia de um reino coeso e unificado ainda no século X torna-se algo difícil de conceber à luz de constantes combates, assassinatos de monarcas e territórios como a Northumbria ainda não consolidados sob seu controle e autoridade. É justamente a partir do entendimento da Inglaterra como um território marcado por disputas, que compreendermos como as narrativas a respeito de Edgar (957-975) estruturaram-se. Sob o epíteto pacificus (pacificador), a figura de Edgar esteve associada às tentativas do monarca em estabelecer a paz e garantir a integridade territorial do seu reino. Tais ações derivam certamente de ações enérgicas contra seus adversários, ao mesmo tempo em que buscou associações com figuras importantes dentro da Inglaterra. A paz do reino de Edgar foi Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 136 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com provavelmente resultado dessas ações astuciosas combinadas e do uso de força militar do que serenidade do monarca. Foi provavelmente o uso da violência que ajudou a manter a Inglaterra longe de novas incursões, pois não há atividade registrada de grupos escandinavos entre 954 (quando Erick Machado Sangrento deixou York) e 980 (quando uma nova onda de ataques escandinavos começou) (Miller, 2006. In: Blair et all: 158). As representações de Edgar como um monarca pio, correto e virtuoso destoa daquelas do antecessor, seu irmão Eadwig, descrito por boa parte dos narradores - clérigos associados em maior ou menos grau à Reforma Beneditina na Inglaterra - como alguém de caráter vil. Logo, deve-se tomar uma leitura atenta e cuidado com essa documentação a respeito da Inglaterra do século X, pois tais produções correspondem ao círculo da reforma monástica e acabam por fornecer uma perspectiva essencialmente beneditina da condição da igreja (Keynes. In: Reuter, 2000: 458). A quantidade de charters que são atribuídos a Edgar (955-975) também é elevada: 164 charters, como rei da Mercia e da Inglaterra, e, comparado com outros monarcas do período anglo-saxônico, foi o rei que mais emitiu charters em seu nome.11 Talvez o maior episódio de destaque durante o seu governo tenha sido a reforma monástica, uma tentativa de submissão da igreja sob sua autoridade, cujo ápice ficou conhecido como Reforma Beneditina na Inglaterra. Nas duas obras escritas ao final do século X, Vita S. Æthelwold – cuja autoria é atribuída a Wulfstan – e na Vita S. Oswaldi de Byrhtferth de Ramsey, as representações acerca da figura de Edgar vêm associadas à reforma monástica. Os principais pilares religiosos desse movimento foram a atuação de Dunstan, arcebispo de Canterbury (959-988), Æthelwold, bispo de Winchester (963-984), e Oswald, bispo de Worcester (961-992) e arcebispo de York (971-998). A Regularis Concordia (973) foi o documento que inaugurou a Reforma Beneditina na Inglaterra, com o objetivo de estabelecer uma observância uniforme para monges e freiras, baseada na Regra de São Bento. O documento – cuja autoria mais provável é que tenha sido escrito por Æthelwold – codifica a próspera aliança entre o rei Edgar, a rainha Ælfthryth e os partidários da reforma, com o objetivo de proteger os bens das casas religiosas de interesses seculares. A reforma monástica na Inglaterra, tal qual no continente, não procedeu da vontade do poder central – o que não impediu que fosse abraçado por ele. Segundo Vauchez, o regresso ao antigo fervor não se tratava de um programa administrativo de organização, “mas das profundas aspirações da sociedade monástica a uma renovação espiritual.” (Vauchez, 1995: 39). Iniciado com a fundação da abadia de Cluny, em 909, na Borgonha, o movimento monástico se expande para outras regiões do antigo Império Carolíngio. Edward, o Velho (899-924) – 29; Æthelstan (924-927/927-939) – 74; Edmund (939-946) – 57; Eadwig (955-959) – 87; Edward, o Mártir – 5; Æthelred II – 117. 11 Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 137 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com No entanto, não focaremos neste momento nos aspectos religiosos da reforma inglesa. De acordo com o documento, o rei Edgar submetia bispos, abades e abadessas à uniformidade da Regula S. Benedicti (Regra de São Bento), tendo em vista que, na Inglaterra, havia diferentes variações da tradição beneditina. A introdução da regra beneditina na ilha, a partir de finais do século VI, floresceu apoiada na diversidade de suas influências. Um movimento reformador na ilha já vinha sendo desenhado em alguns monastérios, como na abadia de Glastonbury, onde Dunstan era abade, Abingdon como uma comunidade monástica recémestabelecida e Oda enquanto um nome proeminente pró-reforma (John, 1959:65). Porém, desde o reinado de Æthelstan nenhum deles mostrou-se disposto o suficiente a abraçar um movimento do gênero. Foi apenas com Edgar que houve um esforço conjunto para um projeto político, no qual se fazia urgente garantir a proteção e subordinação das igrejas na Inglaterra, bem como controlar a eleição dos seus superiores (Leyser, 2000 In: Saul: 180-181). As principais figuras do clero que levariam a cabo as propostas de transformações de Edgar eram, além de Æthelwold, Dunstan, arcebispo de Canterbury (959-988) e Oswald, arcebispo de York (971992). O ano de 970 foi decisivo para a reforma monástica do reinado de Edgar, pois, além de diversos clérigos começarem a frequentar a corte do rei, todos os abades novos vieram de casas recém-reformadas. Ely, Peterborough e Ramsey, na Ânglia Oriental, fundadas entre os anos de 970-973, Deerhurst, Evesham e Winchcombe, nas Midlands ocidentais e possivelmente a partir da liderança de Oswald, foram erguidas e restauradas nesta mesma época (Banton, 1982: 76). Mesmo dentro de um movimento aparentemente organizado como a Reforma Beneditina, é importante ressaltarmos que os ditos clérigos reformadores do rei Edgar – Æthelwold, Dunstan e Oswald – não agiam todos em consonância, suas ações quanto à reforma não eram iguais e fizeram uso de estratégias eclesiásticas, políticas e dinásticas distintas (Blair, 2005: 351). 4. Concessão de terras e benefícios A palavra latina monasterium deu origem a forma em inglês antigo mynster e ambas apresentam um significado abrangente, que engloba todo tipo de estabelecimento religioso no qual há uma igreja (Blair, 2005: 3). À luz dos registros documentais, fica difícil por vezes precisar o que os agentes históricos objetivavam designar, pois um mynster poderia significar tanto uma comunidade religiosa e seus laços sociais, quanto o prédio ou construção física em si. Logo, é importante ler esses documentos com cautela e de forma contextualizada com relação ao período que abarca e a região à qual aludem. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 138 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com Blair relativiza ainda a retórica da historiografia tradicional ao considerar que as igrejas teriam sido abandonadas ou devastadas durante a chamada Era Viking na Inglaterra, tendo sido restauradas posteriormente no reinado de Edgar (2005: 292). É preciso tomar cuidado com tais interpretações, pois tais narrativas estão vinculadas a círculos pró-reforma e que tendem a superlativizar seus feitos. Casas religiosas prosperaram em vários níveis sob o patronato daqueles que se identificavam com seus interesses, adquirindo e consolidando doações substanciais de terras através de compra, presente e troca; ao mesmo tempo em que os chefes dessas casas ganharam influência nos círculos mais elevados e encontraram-se no controle dos serviços de uma grande quantidade de homens. Estados rurais continuaram a ser administrados de acordo com os costumes locais; mercados desenvolveram-se onde o excedente pudesse ser vendido ou trocado por outro produto mais útil; cidades floresceram a partir do comércio doméstico e estrangeiro. Grande quantidade de ouro e prata estava em circulação e a economia conseguia sustentar uma cunhagem de moedas bem regulamentada (Keynes. In: Reuter: 458).12 (Tradução nossa) Os charters eram uma maneira efetiva de levantar somas substanciais de dinheiro em curto prazo - com rendimentos certos pelos anos subsequentes -, uma forma de recompensar grupos específicos pelo seu apoio ou uma garantia de que conseguir orações de homens da igreja, intercedendo junto a Deus (Keynes In: Reuter, 2000: 465-466). Os chaters entre 940-950 passaram a ser mais do que propaganda e expressões do poder régio, à medida em que Oda e outros bispos desviavam a atenção de que aquele documento havia sido chancelado por um rei, a partir do momento em que incluíam muitas testemunhas, muitas delas, clérigos. Na concepção de Snook, ainda, esse grupo pró-reforma aproveitou-se de sua posição privilegiada junto à corte e utilizou os charters como uma ferramenta para propagarem sua própria agenda, o que contribuiu, na visão do autor, por ofuscar, inclusive, a própria voz do monarca nesses documentos (Snook, 2015: 128). Campbell atenta ainda que cerca de 60 charters foram emitidos por bispos em Worcester – diocese de Oswald – na segunda metade do século X (Campbell, 1982: 173). Muito embora esses charters tenham sido emitidos com o aval dos monarcas “Religious houses prospered to varying degrees under the patronage of those who identified with their interests, acquiring and consolidating substantial endowments of land by purchase, gift and exchange; at the same time, the heads of these houses gained influence in high circles, and found themselves in control of the services of increasingly large numbers of men. Rural estates continued to be managed in accordance with local customs; markets thrived where surplus produce could be sold, or exchanged for more useful commodities; and towns flourished on domestic and foreign trade. Large quantities of gold and silver were in circulation, and the economy could support a well-regulated coinage.” 12 Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 139 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com ingleses, o bispo apresentava-se na posição de um senhor e distribuidor de terras e benefícios. De acordo com o site The Prosopography of Anglo-Saxon England (PASE)13, um banco de dados com informações a respeito de todos os habitantes registrados em fontes escritas na Inglaterra entre os séculos VI e XI, Oda é citado em 158 charters, tendo servido como testemunha na maioria deles e possivelmente tendo escrito alguns, o que torna evidente sua aproximação da chancela régia. Num charter de 957 (S 646), o rei Eadwig concedeu a Oda 40 hidas 14 em Ely, provavelmente como um presente pessoal ao arcebispo. Esse benefício concedido – lembrando que, juntamente com o território, vinham acompanhados todas as possessões que nele havia, assim como pessoas – foi feito um ano antes da participação no episódio do divórcio de Eadwig, certamente como um presente pela proximidade com o monarca ou pela sua lealdade ao rei. Pelo mapa abaixo, produzido a partir das informações contidas nos chartes, podemos observar quais os mynsters (entendidos aqui tanto como monastérios quanto como suas construções) foram fundados ou reestabelecidos entre os anos de 950-960. Nas setas amarelas, estão indicados alguns dos monastérios fundados e restabelecidos por Oda e por Oswald. Dentre as localidades destacadas, observa-se que Worcester, Westbury on Trym, Ramsbury, Winchcombe e Pershore estão localizadas na porção das Midlandas ocidentais, ao passo que Ramsey e North Elmham, nas Midlands orientais e Peterborough e Ely na Ânglia Oriental. 13 O site https://pase.ac.uk/index.html uma ferramenta de pesquisa desenvolvida pelo Department of History e do Centre for Computing in the Humanities, no King’s College, London, pelo Department of Anglo-Saxon, Norse, and Celtic, at the University of Cambridge. 14 O tamanho de uma hida, hiwisc em inglês antigo, podia variar de acordo com o valor e dos recursos envolvidos na terra. Com o passar do tempo, estabeleceu-se uma média de cerca de 120 acres (49 hectares) (Faith, 2008: 238). Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 140 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com Imagem 2: Monastérios fundados e reestabelecidos por Oda e Oswald nas Midlands – autoria nossa Três charters emitidos do ano de 970 (S 779, S 780 e S 781) garantem territórios à abadia de Ely. No charter S 779 e S 781, há um número expressivo de testemunhas, dentre elas alguns nomes de origem escandinava como Cnut, Oscytel, Ulf, Siferth, Frena e, possivelmente, Hroold, todos eles designados como clérigos (minister).15 Como um charter produzido e referente à abadia de Ely, na Ânglia Oriental, as testemunhas clericais com nomes de origem escandinava chamam nossa atenção bem como a participação desses indivíduos em eventos régios. Já o S 780 (970), possivelmente escrito por Oswald, apresenta-se outra doação de terras de 10 hidas feita por Edgar à abadia de Ely. Outro charter de 972 (S 786) garante a restauração da abadia de Pershore e garante concessão de diversas terras à mesma no entorno. Outro exemplo é um texto presente no MS E da Crônica, no qual Edgar concedia autonomia a Peterborough perante o rei e que nenhum bispo detinham autoridade lá, à exceção do abade do monastério. No excerto, Edgar garante ainda 15 Para consultas a respeito de nomes escandinavos em fontes da Inglaterra anglo-saxônica, consultar a obra de LEHISTE, Ilse. Names of Scandinavians in the Anglo-Saxon Chronicle. PMLA, Vol. 73, No. 1 (Mar., 1958), pp. 6-22. Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 141 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com uma quantidade expressiva de terras e privilégios (como cunhagem de moedas em Stamford) à abadia de Peterborough e determina que nenhum bispo tem autoridade na abadia, salvo o abade do monastério16. Trata-se de um trecho extenso - presente apenas no MS E, vinculado à abadia de Peterborough - possivelmente escrito por Oswald. De acordo com o banco de dados do PASE, Oswald foi testemunha, ao todo, em 198 charters. Essa proximidade aos monarcas provavelmente foi o que rendeu a Oswald a possibilidade de, inclusive, emitir charters em seu nome, garantindo aluguéis de terras em propriedades próximas a uma de suas comunidades, Worcester. Num charter de 967 (S 1315), Oswald, enquanto bispo de Worcester, concede terras como aluguel de 2 hidas em Bradanbeorh e em Holdfast in Ripple ao seu irmão Osulf (germano meo Osulfo), podendo ser as mesmas revertidas posteriormente para a diocese de Worcester. O documento deixa evidente como Oswald utiliza de sua influência na região para garantir favores aos membros de sua família. 5. Conclusão Identificar a trajetória de quem era de origem escandinava na Inglaterra não é uma tarefa fácil. Ao nos debruçarmos sobre evidências das trajetórias de Oda e Oswald, encontramos muito mais do que a referência a um passado escandinavo, mas uma tentativa de formar uma teia de relações envolvendo postos importantes na igreja, distribuição de terras e benefícios entre membros de suas famílias e o estabelecimento de relações junto aos monarcas anglo-saxões. O fato de serem de origem escandinava – tal como a narrativa de Eadmer sugere – pareceu não configurar maiores entraves para suas participações nesses espaços de poder. O que se apresentou como grande diferencial nessa ascensão foram suas conexões com indivíduos importantes e entenderem como funcionavam as instituições da Inglaterra anglo-saxônica do século X. Com isso, aproximaram-se de círculos junto à monarquia anglo-saxônica, obtendo mais benefícios e terras para si e para as igrejas as quais estavam vinculados, seja por meio de aluguéis provisórios ou por doações. A associação ao movimento monástico também é um dado importante nesse contexto. Para além da análise de questões espirituais e religiosas sobre o movimento, na tentativa de se desvencilharem da autoridade de senhores locais, que poderiam ser tanto de origem anglo-saxônica quanto escandinava, Oda e Oswald 16 "Ic Ædgar geate 7 gife to dæi toforen Gode 7 toforen þone ærcebiscop Dunstan freodom Sancte Petres mynstre Medeshamstede of kyng 7 of biscop, 7 ealle þa þorpes þe ðærto lin, þet is Æstfeld 7 Dodesthorp 7 Ege 7 Pastun, 7 swa ic hit freo þet nan biscop ne haue þær nane hæse buton se abbot of þone minstre." Roda da Fortuna. Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo, 2021, Volume 10, Número 1, pp. 123-144. ISSN: 2014-7430 142 Albuquerque, Isabela Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglo-saxônica a partir da região da Danelaw (século X) www.revistarodadafortuna.com possivelmente compreendem a importância de integrarem o mesmo e em como isso poderia contribuir para uma maior autonomia dos monastérios nas Midlands. Sejam de origem danesa ou não, a atuação desses dois bispos oriundos da Danelaw foi importante para os rumos religiosos e políticos da Igreja na Inglaterra. Referências Fontes Anglo-Saxon Charters. Disponíveis em www.esawyer.org.uk Eadmer of Canterbury (2006). Lives and Miracles of Saints Oda, Dunstan, and Oswald. Oxford: Oxford University Press. Page, W.; Granville, P.; Norris, H. E. (1926). Houses of Benedictine monks: The abbey of Ramsey. In: A History of the County of Huntingdon: Volume 1. (pp. 377-385). London. British History Online http://www.britishhistory.ac.uk/vch/hunts/vol1/pp377-385 . Acesso em 19 de maio de 2021. Swanton, M. J. (ed.) (2000). The Anglo-Saxon Chronicles. London: Phoenix Press. The Anglo-Saxon Chronicle. Versão http://asc.jebbo.co.uk/a/a-L.html. em inglês antigo. Disponível em Whitelock, D. (2007). English Historical Documents - Vol. I c. 500–1042. London and New York: Routledge/ Taylor & Francis Group. Bibliografia Adams, J.; Holman, K. (2004). 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