Roda da Fortuna
Revista Eletrônica sobre Antiguidade e Medievo
Electronic Journal about Antiquity and Middle Ages
Isabela Albuquerque1
Bispos, terras e reis: dinâmicas de poder na Inglaterra anglosaxônica a partir da região da Danelaw (século X)
Bishops, lands and kings: power dynamics in Anglo-Saxon England from Danelaw
region (10h Century)
_____________________________________________________________
Resumo:
O objetivo deste artigo é analisar de que maneira grupos de origem escandinava
inseriram-se nas dinâmicas de poder local e do reino da Inglaterra no século X. Para
tanto, tomaremos como referência duas personagens aparentadas, da região da
Danelaw e de descendência escandinava, que ascenderam a posições importantes na
Igreja inglesa: Oda, bispo de Ramsbury e arcebispo de Canterbury e Oswald, bispo
de Worcester, arcebispo de York e sobrinho de Oda. Sua participação em charters
régios e locais e em círculos próximos à casa de Wessex fornecem-nos bons indícios
de como pessoas de família escandinava vinham a integrar-se às lógicas de poder
pré-existentes. Levaremos em consideração, ainda, o papel desses clérigos na
reforma monástica na ilha e em como a vinculação a monarcas anglo-saxões
contribuiu a favor deles.
Palavras-chave:
Inglaterra anglo-saxônica; Danelaw; Oda de Canterbury; Oswald de Worcester
Abstract:
The aim of this article is to analyse the ways in which Scandinavian groups become
inserted in dynamics of local power and of Kingdom of England in the 10th
Century. To do so, it will be taken as references two kin related characters, from
Danelaw region and from Scandinavian ancestry, which ascended to important
offices in English Church: Oda, bishop of Ramsbury and archbishop of Canterbury
and Oswald, bishop of Worcester, archbishop of York and Oda's nephew. Their
involvement in royal and local charters and in closer circles to Wessex house
provide us supporting evidence of how people from Scandinavian family become
inserted in pre-existent dynamics of power. It will be also take into consideration
the role played by theses clergy in monastic movement at the island and how the
entailment to Anglo-Saxon monarchs contributed in their favour.
Keywords:
Anglo-Saxon England; Danelaw; Oda of Canterbury; Oswald of Worcester.
1
Professora Adjunta de História Medieval e Ensino de História Medieval da Universidade de Pernambuco
(UPE) - Campus Garanhuns.
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Albuquerque, Isabela
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1. O estabelecimento da Danelaw: delimitações de um conceito
A presença escandinava na Inglaterra iniciou-se em finais do século VIII e
início do século IX, dentro do que se convencionou chamar de Era Viking (VIIIXI), inicialmente sob a forma de ataques esporádicos. Os motivos que levaram esses
povos a migrarem para fora da Escandinávia estavam vinculados a fatores diversos
que vão muito além de saques e pilhagens. Dentre eles, podemos destacar as
frequentes disputas entre lideranças locais – e a dificuldade de se estabelecerem
enquanto monarcas – e a atração pela expansão comercial na Europa do norte a
partir do século VIII, tanto para participação nas trocas mercantis quanto pela
possibilidade de realização de saques (Brink & Price, 2008; Sawyer, 2001). Os
enfoques recentes nas pesquisas apontam para um período de presença escandinava
anterior, ainda em princípio do século VIII, e sua participação em atividades
mercantis no Mar do Norte, tais como Dorestad, Quentovic, Hamwic, York e
Ipswich (Brink, 2008: 5). Essa virada dentro dos estudos sobre grupos vikings e
escandinavos durante o período medieval tornou possível também a reflexão da
participação em outros espaços, para além dos estereótipos de guerreiros em busca
de espólios de guerra.
Quando Alfred (871-899) ascendeu ao trono como rei de Wessex em 871, os
vikings já haviam realizado alguns ataques à ilha que, a partir de 836, passaram a ser
cada vez mais regulares. Os intervalos eram de cerca de 2 anos apenas e tinham
como alvo os reinos de Mercia, Kent e Wessex (Swanton, 2000). A partir de 865, as
fontes escritas atestam que os grupos em questão passaram também a permanecer
na ilha e as evidências arqueológicas confirmam que isso ocorreu sob a forma de
assentamentos (Hadley, 2006; Richards, 2007).
Ainda durante o reinado de Alfred, após a batalha de Edington (878), travada
entre Alfred e o líder viking Guthrum (m.890) e decisiva para conter o avanço dos
exércitos nórdicos no final do século IX, foram possivelmente fixadas as fronteiras
que separavam as áreas sob influência dos anglo-saxões daquelas que estavam sob
domínio escandinavo. Mesmo derrotados, aos escandinavos estava garantido um
território em que poderiam se fixar. As narrativas são muito controversas com
relação às datas em que o acordo teria sido firmado, bem como quando teria
ocorrido a delimitação das fronteiras.
Segundo Williams, a paz formal entre Alfred e Guthrum foi firmada entre
878-886, quando se delimitaram as fronteiras que correspondiam aos domínios de
ambos, bem como suas esferas de influência (Williams, 1999: 17). Já para Richards,
o acordo, na verdade, só teria ocorrido entre os anos de 889-890 e uma de suas
exigências foi o batismo de Guthrum, sendo este, desta forma, incorporado ao
sistema de liderança da ilha ao aderir o nome anglo-saxão de Æthelstan (Richards,
2007: 35).
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A formação da região comumente denominada de Danelaw enquanto um
espaço de contatos culturais ocorreu a partir da presença escandinava na Inglaterra.
Apesar de não representar uma entidade política com fronteiras bem delimitadas e
vinculada a lideranças específicas, o conceito ainda é utilizado por pesquisadores e
acadêmicos que se dedicam a investigar o desenrolar do processo histórico nessa
região. A área correspondia basicamente a Yorkshire, Ânglia Oriental e as porções
central e oriental das Midlands. Dentre todas essas regiões, o antigo reino da Ânglia
Oriental é um dos menos documentados e muito pouco pode ser dito do que se
tornaram as regiões de Norfolk e Suffolk nos anos subsequentes à presença
escandinava (Molyneaux, 2015: 16).
O manuscrito original a respeito da delimitação desse acordo entre Alfred e
Guthrum foi perdido e sua cópia mais antiga data de cerca de 1100.2 Muito embora
o tratado, aparentemente, tenha sido o responsável pelo estabelecimento das
fronteiras entre os territórios controlados pelos anglo-saxões e outros pelos
escandinavos, este não impediu movimentação de tropas de ambos os lados. Os
autores divergem quanto às datas de sua organização, o que demonstra que é difícil
avaliar quanto tempo as fronteiras iniciais da Danelaw duraram ou se foram
posteriormente reformuladas, já que a região nunca chegou a ser uma unidade
política autônoma e sua suposta autonomia foi relativamente breve. Enquanto Davis
estima que seu período de vigência do acordo tivesse sido algo entre sete e dezessete
anos (Davis, 1982), Graham-Campbell sua suposta independência não durou mais
que cinquenta anos (1987, p. 2). Ambos os autores especulam que as fronteiras
estabelecidas possivelmente seguiam a antiga estrada romana de Watling Street, que
ligava Dover até Wroxeter. Na seleção de fontes English Historical Documents, vol. 1,
editada pela medievalista Dorothy Whitelock, a possível data do tratado encontra-se
entre os anos de 886-890, haja vista que Londres já havia sido ocupada pelos
exércitos liderados por Wessex e se trata de antes da morte de Guthrum (Whitelock,
2007: 417).
Na entrada do ano de 1013 do MS E da Crônica Anglo-Saxônica, no momento
da invasão de Svein, pai de Cnut, há a referência a Watling Street, num indicativo de
que ainda era uma um possível limite entre norte e sul da ilha, ao mencionar que
avançou o seu exército para o norte de Watling Street (7 raðe þæs eall here be norðan
Wætlinga stræte). Entretanto, há poucas evidências anteriores ao século XI que
possam nos auxiliar na investigação de que essa área correspondia ao traçado do
Tratado de Wedmore, entre Alfred e Guthrum.
Apesar de seu uso relativamente frequente entre os acadêmicos e
pesquisadores sobre o período, o termo Danelaw só passou a ser corrente no início
2
O MS 383 encontra-se em Cambridge, no Corpus Christi College, e faz parte da coletânea de leis anglosaxônicas. Segundo Davis, não existe motivo para dúvidas acerca da autenticidade do documento, pois “a
linguagem do tratado e os estilos de ambos os reis e seus conselhos (witan) e seu povo parecem autênticos e
não há nenhum sinal de anacronismo em nenhuma das suas cláusulas (Davis, 1982: 804).
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do século XI e difundiu-se apenas no século XII como uma forma de definir as
áreas ao norte e ao leste da Inglaterra que estiveram sob a lei escandinava, em
oposição a Mercia e a Wessex, que constituíam territórios sob a lei dos saxões
(Hadley, 2000: 2). Entretanto, mesmo em se tratando de uma área litigiosa e
marcada por constantes embates políticos e armados, a Danelaw correspondia
também a um espaço de contatos culturais frequentes, em função da presença de
grupos já pré-estabelecidos na ilha e daqueles recém-chegados.
Para historiadoras e historiadores que se debruçam sobre os estudos da
região da Danelaw no século X, algumas questões ainda são motivo de diversas
controvérsias: quem eram os daneses, como estes podem ser identificados – se é que
isso é possível – e de que forma podemos observar a participação desses grupos
junto a uma dinâmica inglesa? Sobre o tema, Abrams afirma que não faz sentido na
documentação escrita a existência de uma fraccionária destes grupos, muito embora
os mesmos documentos adotem o silêncio e não mencionem nada a respeito
(Abrams. In: Scragg, 2008: 173). Logo, uma hipótese plausível a se considerar é se
de fato essa separação entre ingleses/anglo-saxões e daneses/escandinavos não foi
uma preocupação para habitantes locais que interagiam frequentemente com os
recém-chegados.
Abordagens clássicas, como a de Frank Stenton em sua famosa obra AngloSaxon England (1943, 1ª Ed.), sobre a Danelaw enfocavam as transformações pelas
quais a região passou durante a Era Viking, identificando-a como
predominantemente escandinava e alvo de massiva migração. Os objetivos
principais consistiam em destacá-la como uma região distinta em termos políticos e
culturais, numa espécie de hiato dentro da própria tradição da ilha. Com uma visão a
acerca da região um pouco mais atenuada, mas ainda assim marcada pela influência
dessa tradição, James Campbell em The Anglo-Saxons reforça ainda que não há nada
de improvável em supor que os daneses e seus descendentes impuseram seus
costumes na região e que, de uma forma ou de outra, sobreviveram até a conquista
normanda (1982: 164). As análises de Stenton e Cambell, dois autores considerados
clássicos dentro dos estudos sobre Inglaterra anglo-saxônica, muito pouco abordam
para a compreensão da região a partir de uma dinâmica local própria, mas
frequentemente às lentes da monarquia do sul da ilha, de Wessex.
Nas últimas duas décadas, no entanto, muito se avançou a respeito dos
estudos da região. A partir de finais dos anos 90, uma nova geração de
pesquisadora/es inglesas/es viam com outros olhos a presença escandinava no
contexto insular e, especificamente, no que tange à região da Danelaw, um dos
trabalhos de maior destaque são os de Dawn M. Hadley e de Julian R. Richards 3,
3
Outros/as pesquisadores/as também foram importantes para a revisão dentro das obras produzidas a
respeito da Danelaw. No entanto, seus trabalhos tangenciam a região da Danelaw, sem estabelecê-la
propriamente enquanto um recorte específico ou um objeto. Destacamos aqui autoras Lesley Abrams, Clare
Dowham, Judith Jesch e o historiador Peter Swayer.
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ambos professores do Departamento de Arqueologia da Universidade de York.
Partindo de uma análise comparativa com outras regiões ocupadas por grupos
vikings como Normandia, Escócia, Irlanda e Ilhas de Man, para uma melhor
compreensão da realidade anglo-escandinava, Hadley defende que não há padrões
que definam as relações entre as lideranças e a população local e que cada
experiência histórica quanto à presença escandinava deve ser analisada à luz de seu
contexto específico (Hadley, 2006: 278). Portanto, além de compreender as
especificidades da região, deve-se observar também de que forma seus agentes
históricos, leigos e eclesiásticos, articularam-se politicamente. Hadley, por exemplo,
relativiza, ainda, o protagonismo de divisões étnicas nas relações entre anglosaxões/ingleses e daneses/escandinavos e minimiza os efeitos que os últimos
tiveram na Danelaw, apontando para novas possibilidades de análise da região a
partir das particularidades específicas desses assentamentos e das dinâmicas sociais
próprias que eles tendem a articular com os poderes locais (Hadley, 2006: 278).
Concordamos com Hadley nesse aspecto de que seria mais profícuo para este
debate compreender que não se trata tanto do número de ocupantes escandinavos
em questão ou pensar numa lógica de mão única de como esses agentes históricos
exerceram sua influência nessa região das Midlads, especificamente, mas que
mudanças vieram acompanhadas desse processo e como as mesmas podem ser
identificadas não apenas dentro das fronteiras da Danelaw, mas em outras regiões da
atual Inglaterra.4 As transformações na região da Danelaw foram um
desdobramento da presença de uma aristocracia escandinava – e não de grupos
escandinavos, no geral – na região. Sua migração enquanto um movimento
diaspórico, promoveu o deslocamento para as Ilhas, sem perder sua referência
enquanto grupo e mantendo laços com suas comunidades de origem (Jesch, 2015:
81). Acrescentamos também que essas influências não se tratam de um processo
unilateral e que ao mesmo tempo em que esses grupos foram agentes de
transformações culturais, sofrem-nas também.
Os próprios conceitos de danes, dinamarquês e nórdico - presente em fontes
legais, narrativas e nos charters - não são sinônimos de pessoa oriunda da
Escandinávia e tais vocábulos precisam ser interpretados à luz de seus contextos
específicos (Medeiros, 2020). No período referente ao reinado de Edgar (959-975),
por exemplo, o avanço pela região da Danelaw já havia sido considerável, colocando
as áreas da Midlands sob a órbita de Wessex. Entretanto, na Northumbria, até o ano
de 942, havia um rei de origem hiberno-nórdica em York, que muito provavelmente
falava um idioma derivado do nórdico antigo. Dessa forma, é preciso avaliar com
4
Ao abordar aspectos de uma sociedade anglo-escandinava que desenvolveu uma espécie de bilinguismo,
Matthew Towhend em seu livro Language and History in Viking Age England-Linguistic Relations
between Speakers of Old Norse and Old English Turnhout:Brepols, 2002, abordou também questões de
topônimos de influência do nórdico antigo fora das regiões ocupadas pelos escandinavos.
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cautela e identificar a região à qual os documentos referem-se, bem como não
perder de vista como funcionavam as relações locais entre esses grupos.
Em uma tese recente cujo objeto é justamente a Danelaw, Thomas apresenta
uma visão interessante a respeito da região, trazendo a guisa que o conceito deve ser
analisado como uma construção, o que torna difícil precisar exatamente a quais os
aspectos o vocábulo remete, pois tende a variar de acordo com o período em que é
empregado. Entretanto, a influência da Danelaw extrapolou os limites territoriais
dentro da própria Inglaterra – como pode ser atestado, segundo o autor, por
evidências nos topônimos de origem escandinava distantes da região em si – a
manutenção de um próspero comércio conectado no Norte da Europa e a forma
como a região da Danelaw foi governada e administrada (Thomas, 2021: 57-58). Em
nossa análise, entendemos que tais indícios representam pontos cruciais para a
compreensão das dinâmicas e relações de poder na Inglaterra anglo-saxônica,
sobretudo a partir da segunda metade do século X, bem como de que forma as
fronteiras da Danelaw impactaram a lei e o governo da Inglaterra anglo-saxônica em
longo prazo.
2. Oda e Oswald: dados de um percurso
Para ilustrar os possíveis caminhos trilhados por integrantes de origem
escandinava assentados na Danelaw, abordaremos a trajetória de duas personagens
relevantes dentro da igreja. A primeira trata-se de Oda (941-958), bispo de
Ramsbury (c.927-941) e arcebispo de Canterbury (941-958), sé pela qual adquiriu
importantes propriedades. As principais informações sobre sua vida encontram-se
na primeira parte da Vita S. Oswaldi, de Byrhtfirth de Ramsey (970-1020) e na obra
pós-conquista Vita Odonis, cuja autoria é atribuída a Eadmer de Canterbury (c.1060c.1130) e a qual utilizaremos aqui como parte de nosso corpora. Monge beneditino de
origem inglesa, possivelmente de Kent, que viveu a chegada e os primeiros anos dos
normandos na Inglaterra. Desde sua infância, Eadmer esteve ligado à abadia
beneditina de Christ Church e a seu fascínio por santos de origem inglesa – num
contexto já anglo-normando – pode ser atestada a partir das biografias de S.
Dunstan (Vita Dunstani), S. Oda (Vita S.Odonis), S. Oswald (Vita S.Oswaldi) e S.
Anselm (Vita Anselmi)(Turner & Muir, 2006: XV). As obras de Eadmer representam
um material profícuo acerca da história da Inglaterra Anglo-Saxônica Tardia e
fornece ao mesmo tempo uma rica imagem espiritual e intelectual dos monastérios
beneditinos ingleses do final do século XI e início do século XII (Turner & Muir,
2006: p. xxxv). É possível observarmos também sua valorização em registrar relatos
hagiográficos a respeito de figuras importantes da Reforma Beneditina da Inglaterra,
na qual Oswald e Dunstan participaram ativamente.
Segundo a narrativa de Eadmer, a família de Oda era de origem escandinava
(nobilibus sed paganis parentibus oriundus) e seu pai havia chegado à Inglaterra junto com
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a expedição de Ivarr, (Eadmer, 2006, p. 4) no ano de 865, de acordo com a Crônica
Anglo-Saxônica. Desejoso por sua conversão, Oda deixou a casa em que vivia e se
colocou sob a proteção de Æthelhelm, earldorman5 de Wiltshire, morto, segundo a
Crônica, em 898. Pelas informações contidas na obra, ainda, teria cruzado em sua
trajetória com diversos monarcas (Alfred, Edward, o Velho, Æthelstan, Edmund,
Eadred). Wareham acha pouco provável que esse episódio a respeito de Oda e
Oswald tenha sido inventado por Byrhtferth de Ramsey e que tenha sido
reproduzido depois na obra de Eadmer e que a Chronicon Abbatiae Rameseiensis
(Crônica dos Abades de Ramsey) sugere que Oswald possuía conexões expressivas
na Ânglia oriental e que era bem conectada com a aristocracia danesa da região
(Wareham. In: Brooks, 1996: 49).
Ainda de acordo com o capítulo 1, mesmo impedido de mencionar o nome
de Cristo (prohibebat ne omnino Christum nominaret) por seu "incrédulo pai" e obrigado a
praticar os "costumes de seus ancestrais", Oda começou a frequentar a igreja,
motivo pelo qual levou seu pai a deserdá-lo, mesmo tendo ele direito pela lei da
primogenitura (iusque haereditatis quod ad ilium lege primogenitorum uenire debebat subtrahit).
Após ser rejeitado por seus pais e desprovido de sua fortuna, aproximou-se de
ealdorman Æthelhelm – cuja morte é citada na entrada do ano de 898 do MS A da
Crônica Anglo-Saxônica – implorando que este o protegesse de seus pais com seu
poder e autoridade. Eadmer destaca ainda que Oda foi recebido por Æthelhelm com
filiação paternal, protegendo-o da ira de seu pai e provendo-o do que fosse
necessário e além (paterno ilium affectu suscepit, defensione muniuit, auxiliis necessariis simul et
non necessariis fouit).
Neste primeiro capítulo algumas informações sobre Oda chamam nossa
atenção. Na narrativa destaca-se que, apesar de sua família ser de origem
escandinava e de seu pai estar vinculado aos “costumes de seus ancestrais”, Oda
interessou-se pela fé cristã e começou a frequentar a igreja – o que, em se tratando
de um relato biográfico acerca de uma personagem da Igreja, é algo recorrente nas
fontes hagiográficas. No entanto, foi a partir da sua filiação a Æthelhelm, alguém de
extirpe elevada e próximo à monarquia de Wessex, tanto que sua morte é
mencionada no MS A da Crônica, que Oda iniciou sua trajetória.
Os tópicos relativos à sua conversão ou demais motivos que o levaram a não
estar associado mais à sua casa paterna são complexos e fica difícil aqui
especularmos se a personagem converteu-se de fato ao cristianismo ou não.
Contudo, podemos afirmar que sua associação à figura de Æthelhelm foi um divisor
de águas, pois, a partir daí, Oda passou a ter acesso a professores que o instruíram
no latim e no grego, facilitando seu ingresso, posteriormente, na vida eclesiástica,
5
Optamos por manter o termo em inglês antigo devido à ausência de um vocábulo que se aplique
integralmente ao seu significado e ao contexto da Inglaterra anglo-saxônica. Nos primeiros séculos, seu uso
esteve associado a um homem de posição social elevada, detentor de um poder local. No entanto, a partir do
século IX, o conceito passou a ser adotado num contexto mais específico quando um nobre de alta estirpe
exercia o poder em nome de um rei.
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investido como clérigo por Wulfhelm (926-941), arcebispo de Canterbury, e
tonsurado no continente na abadia beneditina de Fleury, informações contidas nos
capítulos 6 e 9, respectivamente.
A participação de Oda junto aos monarcas anglo-saxões é narrada em
momentos distintos da Vita S. Odonis, como quando conhece os monarcas Alfred,
Edward e Æthelstan, por exemplo. Afora essas informações na narrativa – que
podem ser fidedignas ou não – em duas passagens da Crônica Anglo-Saxônica, já como
arcebispo, Oda é citado: 1) no de 958 do MS D, quando “Arcebispo Oda divorciou
o rei Eadwig e Alfgifu porque eles eram aparentados”6; 2) no ano de 961 do MS A,
quando deixa o arcebispado de Canterbury, em decorrência da sua morte, para
Dunstan.7 Dos dois trechos podemos identificar que o bispo desempenhou um
papel importante junto à durante o governo de Eadwig, ao ser o responsável pelo
divórcio do monarca. Apesar da alegação de consanguinidade, não há registros de
que Eadwig e Alfgifu tenham tido filhos, o que é provável causa para essa alegação.
O outro trecho corresponde ao momento de sua morte, quando deixa uma das
posições de maior destaque na Inglaterra: o arcebispado de Canterbury, palco
importante nas diretrizes da igreja insular.
Apresentado na narrativa de Eadmer como sobrinho de Oda, Oswald (961992) foi uma das figuras mais importantes da Reforma Beneditina na Inglaterra. É
provável que Eadmer tenha escrito a Vita Oswaldi no momento em que permaneceu
na comissão da igreja de Worcester, em função da forma como descreve os milagres
"como viu e como tocou a casula com a qual Oswald foi enterrado” e muito
possivelmente se utilizou de fontes locais.
A influência pela regra beneditina veio possivelmente pelo tempo - por volta
de 950 – quando permaneceu junto aos monges na abadia de Fleury, no reino
Franco. Os laços possivelmente estreitados com essa comunidade beneditina
levaram ao acolhimento de um grupo de monges de Fleury à abadia de Ramsey, em
985, quando Abbo de Fleury aceitou ensinar aos monges locais.
Oda atingiu um dos postos mais elevados da igreja na Inglaterra: arcebispo
de Canterbury. Apesar de a narrativa de Eadmer mencionar a origem escandinava
por parte de seu pai, não encontramos muitas informações além a respeito de como
era sua vida antes de estar sob tutela do ealdorman de Wiltshire. Contudo, podemos
especular que certamente estratégias individuais e coletivas foram estabelecidas que
o fizeram a galgar a tal posição.
6
Her on þissum geare Oda arcebiscop totwæmde Eadwi cyning 7 ælgyfe, for þæm þe hi wæron to gesybbe.
7
Her gewat Odo arcebisceop 7 Sancte Dunstan feng to arcebisceoprice.
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Com relação a Oswald, a informação de seu parentesco com Oda – irmão de
seu pai – aparece logo no capítulo 1 8 da vida de Eadmer e no capítulo 4, há a
informação de que os pais de Oswald confiam-no seu a Oda, para que fosse
“imbuído por seus ensinamentos e moldado por seu exemplo” (Vita S. Oswaldi, cap.
1 e 4).9
A vinculação entre Oswald e Oda, explícita desde o início da narrativa,
justifica-se por uma relação de parentesco e se intensifica a partir de conexões
eclesiásticas. Colocar Oswald aos cuidados do tio não era apenas como aprender a
ser um bom cristão e incluí-lo no ambiente religioso, pois não fora Oda seu
preceptor, segundo da narrativa, mas outro clérigo de nome Frithegod. O objetivo
maior era o de trazer ao seio das relações familiares as conexões – sobretudo
políticas – das quais Oda dispunha. Após sua passagem como diácono em
Winchester, a mando de seu tio, Oswald (Capítulo 5) expressou seu desejo de seguir
a vida religiosa e ser feito monge na abadia de Fleury, na Gália, seguindo, portanto, a
regra dos beneditinos (capítulo 6).
No capítulo 8, a narrativa fornece mais detalhes a respeito da associação
entre Oswald e Oda, quando, este pede para acompanhar aquele na sua ida à Fleury.
No entanto, observa-se outra informação interessante na Vita S. Oswaldi de Eadmer:
o desejo de Oda em usar Oswald na instrução de homens de sua própria gente (suae
gentis uiros) na observância da Regra. Estaria Eadmer fazendo referência aos daneses
ou a Oswald como um aliado importante na região dentro do movimento
monástico? Acreditamos que possivelmente a segunda opção.
Wareham, ao analisar as conexões de parentesco de Oswald ao longo de sua
trajetória a partir da documentação produzida em Ramsey, identificou que o apoio
familiar auxiliou no suporte real e arquiepiscopal que o bispo recebeu, à medida em
que sua família obteve êxito em manter controle sobre a riqueza do bispado de
Worcester no século X (Wareham. In: Brooks, 1996: 61). A vida de Oswald
aparentemente menos empolgante que a de outras figuras importantes da Reforma
Beneditina como Dunstan – exilado pelo rei Eadwig – é em certa medida o reflexo
desses proveitosos vínculos interpessoais.
Na análise de Barrow, os motivos que levaram a transformações das
instituições religiosas na região oriental da Danelaw foram diversos: reorganização
das paróquias e de suas respectivas dioceses, atuação de famílias anglo-escandinavas
importantes e fundação de monastérios beneditinos na região (Barrow, 2009. In:
“Bonus siquidem et unus de praecipuis patribus Anglorum, Odo nomine, frater erat patris eius, uir praestans
religione, discretione sullimis, moribus grauis, iusticiae cultor, magnus consilio, qui et in omni actione sua
circumspectus auctoritate praeminebat.”
8
“Huius igitur patris nepos puer Dei Oswaldus existens, a parentibus suis eius doctrinis imbuendus, eius
exemplis instituendus ei commendatus est.”
9
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Hadley e Richards). Contudo, a autora destaca que, possivelmente, lideranças
eclesiásticas na região atuaram enquanto negociadores com Wessex e com a porção
inglesa da Mercia, numa clara demonstração de que circulavam com certa facilidade
entre diferentes esferas do poder.
Sobre a circulação em diversos espaços os quais os recém-chegados passaram
a ocupar, Hadley destaca que
Uma vez deslocados de seu contexto original e como buscavam se
estabelecer num ambiente instável, não é surpresa que esses governantes
buscaram rapidamente adotar os adornos do senhorio predominantes na
Inglaterra, como cunhagem de moedas, dependência do apoio da Igreja e
o uso da escrita e encontrar meios de interagir com governantes locais
(Hadley, 2006: 70).10 (Tradução nossa)
Logo, fora de seu local de origem e submetidos a um novo contexto, era
importante para esses grupos identificarem e aderirem às lógicas dos poderes locais.
É difícil precisarmos em números a quantidade de migrantes que se estabeleceram
na Inglaterra em finais do século IX e ao longo do século X, porém, a fim de não
apenas garantirem a sobrevivência de suas comunidades a médio e longo prazo era
estratégico interagirem, negociarem e fazerem uso de instrumentos - inclusive
simbólicos – políticos, assim como também cunhar moedas e se aproximarem das
instituições eclesiásticas. A pura reprodução da dicotomia entre cristãos e pagãos,
uma estratégia discursiva frequente nas fontes documentais escritas dos séculos IXX, não faz tanto sentido para dar conta dos métodos desempenhados por esses
indivíduos. Tais atitudes levam-nos à reflexão de por quanto tempo uma
identificação étnica binária entre ingleses e daneses foi recorrente e que é mais
provável que após a organização dos primeiros assentamentos, os escandinavos já
buscassem integrar-se à lógica local.
3. O fortalecimento da monarquia inglesa e a Reforma Beneditina (século X)
Desde obras mais clássicas da historiografia inglesa como a de Stenton, as
regiões das Midlands ocidentais e a Ânglia Oriental no século X têm sido recorte
para estudos em função das transformações – anteriormente atribuídas à presença
escandinava. Tal tradição historiográfica inseria as mudanças ocorridas na Inglaterra
em função das migrações vikings como a grande força motriz desta. Ressaltavam-se
“Once removed from their background, and as they sought to establish themselves in an unstable
environment, it is perhaps not surprising that these rulers should have come so quickly to adopt the trappings
of lordship prevalent in England, including the issuing of coinage, reliance on the support of the Church, and
the use of literacy, and to have found ways to interact with local rulers.”
10
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algumas influências, sobretudo no campo da toponímia, mas enfocavam-se como as
regiões nas quais os escandinavos assentaram-se apresentavam descontinuidades
quando comparadas com áreas ao sul, referentes ao controle de Wessex.
A partir de sítios arqueológicos nas regiões norte e nordeste da Inglaterra,
pode-se identificar que algumas igrejas foram abandonadas ou destruídas entre finais
do século VIII-X, como os de Whitiby, Monkwearmouth, Jarrow e Lindisfarne, em
Northumbria, e os de Dunwich, Elham e Lindsey (Hadley, 2006: 194-196; Richards,
2007: 180-181) e, muito embora o discurso da documentação escrita apontasse as
invasões vikings na ilha como a ruína da Igreja, não se pode atribuir todos os
problemas dela apenas à presença escandinava na região. O Prefácio da sua tradução
de Pastoral Care, atribuído ao rei Alfred, atenta para a presença escandinava enquanto
um aviso divino da punição, caso os ingleses não se dedicassem a ensinar e
transmitir saber para outros (Keynes & Lapidge, 2004). Essas retóricas, contudo,
precisam ser relativizadas, pois é evidente que existe nelas uma tentativa de designar
os grupos escandinavos como antagonistas nesse processo de invasão e ocupação da
Inglaterra, numa oposição pagani versus chritiani, tal como Asser aponta Vita Ælfredi.
Outro ponto de reflexão passa pela indagação de até que ponto o suposto horror
que essas populações escandinavas causavam descrito nessas narrativas era uma
prerrogativa desses grupos ou uma recorrência no período alto-medieval.
Adentrando o processo de formação da Inglaterra, o mesmo confunde-se
por vezes com o fortalecimento da casa de Wessex, como um movimento paulatino,
iniciado a partir do projeto de Alfred e consolidado ao longo dos reinados de seu
filho Edward (899-924), que estendeu sua autoridade para o sul da Danelaw (912920). Não obstante, a afirmação de tal autoridade não esteve isenta de resistência de
outros grupos. Seu primo Æthelwold recebeu apoio na Ânglia Oriental e na Mercia
danesa e chegaram a se enfrentar em 905. No MS D da Crônica está explícito que
dentre as baixas do lado danes estavam “rei Eoric e ætheling Æthelwold, a quem
escolheram como rei” (7 on þæra Deniscena healfe wæs ofslægen Eoric cyning, 7
Aþelwold æþeling, þe hi him to cyninge gecurum). Um rei anglo-saxão escolhido
pelos daneses reforça nossa ideia de que as alianças eram mais complexas do que
elementos de pertença a um mesmo grupo étnico.
Após a morte de sua irmã Æthelflæd, em 918, – que governava como
senhora da Mercia – Edward conseguiu estabelecer a autoridade de Wessex no
antigo reino. A posição de Edward enquanto monarca ainda não estava totalmente
assegurada e era importante impor-se como rei da região, a fim de evitar futuros
questionamentos de sua autoridade (Campbell, 1982: 161). Entretanto, esses eventos
tratam das questões ao sul do Humber, haja vista que o a Northumbria ainda
permanecia sob controle escandinavo e que, novamente em 919, sofreu com novas
incursões advindas de grupos vikings da Irlanda. Logo, não se pode afirmar que
Alfred e Edward tenham sido reis de uma Inglaterra como se entende sua
composição territorial na contemporaneidade.
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O primeiro rei ao sul ao conquistar terras da Northumbria e submetê-las à
esfera de poder do sul foi Æthelstan (924-939). Considerado o primeiro rei dos
ingleses, centralizou a administração das terras ao sul do Humber e estabeleceu
importantes alianças na Northumbria ao casar uma de suas irmãs com Sihtric, rei de
York, em 926, o qual morre no ano seguinte deixando a rainha de York, viúva. O
episódio tornou-se uma justificativa para que Æthelstan iniciasse sua campanha ao
norte, cuja resistência de outras lideranças escandinavas não foi párea para deter o
êxito em submeter a Northumbria ao controle de Wessex – o qual estendeu-se até o
ano de 934 (Foot, 2011: 10). Outro episódio destacado em seu governo foi a Batalha
de Brunambuhr, atribuída ao ano de 937 de acordo com a Crônica, quando uma
importante vitória foi conquistada contras os escandinavos (Campbell, 1982: 161).
Os líderes subsequentes de Wessex não teriam a mesma “sorte” que a
primeira geração alfrediana. O avanço realizado por Edward e pelo seu filho
Æthelstan seria posto em xeque com seu irmão mais novo Edmund (939-946), com
18 anos à época. O líder Olaf Guthfrithson (do reino escandinavo de Dublin) que
passou a governar a partir de York em 939, estendeu seus domínios também pelas
regiões de Lincoln, Leicester, Nottingham, Stamford e Derby e entre os anos de
940-942. Edmund era rei apenas ao sul de Watling Street, haja vista que Olaf
controlava os territórios ao norte. De acordo com o MS A da Crônica, apenas após a
morte de Olaf em 942 que Edmund conseguiu retomar alguns desses territórios,
trazendo “toda Northumbria para seu domínio” (eal Norþhymbra land to him
gewealdan).
Os dois períodos seguintes, dos monarcas Eadred (946-955) e Eadwig (955959) estiveram marcados por distúrbios internos e externos. No reinado de Eadred
houve a retomada seguida – novamente – de uma nova perda dos territórios da
Northumbria e foi morto a facadas por um opositor que havia sido exilado. (MS D
– Crônica/948). Seu sobrinho Eadwig, na tentativa de organizar o seu próprio grupo
de confiança, como Ælfheah, ealdorman da Mercia, Ælfhere, ealdorman de Wessex, e
Byrhthelm, bispo de Winchester, enfrentava as oposições de Dunstan e de
Æthelstan Meio-Rei, membros influentes de seu finado tio. Ao buscar novas alianças
políticas e reunir para perto de si novos apoiadores, provavelmente deve ter
preocupado as antigas famílias poderosas estabelecidas ao sul do Humber, levando,
inclusive, a divisão em dois reinos em 957: o sul do Tâmisa, governado por Eadwig
e ao norte por Edgar (Jayakumar In Scragg, 2008: 90). A divisão de Eadwig como
rei da Inglaterra e Edgar como rei da Mercia permaneceu até 959, quando o irmão
mais velho veio a falecer.
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Imagem 1: Monarcas da Casa de Wessex de Alfred a Edgar – autoria nossa
É difícil abordarmos uma Inglaterra como política e administrativamente
unificada nesse período, tendo em vista as dissidências políticas e facções distintas
tanto ao norte quanto ao sul do Humber. Sua organização tratava-se, portanto, de
um projeto em curso. Alguns autores como Campbell (1982: 168) e Keynes (1998:
6) ressaltam a tentativa de construção de uma tradição compartilhada entre as duas
principais regiões ao sul do Humber, o reino de Wessex e a Mercia, numa estratégia
de dar coesão e demonstrar a força e a autoridade de Wessex frente aos conflitos
com os escandinavos em finais do século IX e início do século X. O próprio termo
anglo-saxão e suas variantes podem ser observados a partir dos charters emitidos
por Alfred e Edward, por exemplo, reforçando o esforço por identificar os grupos
anglos também associados à casa dos saxões do oeste (Albuquerque, 2017: 116-117).
Contudo, as instabilidades políticas após a morte de Æthelstan em 939 e a ideia de
um reino coeso e unificado ainda no século X torna-se algo difícil de conceber à luz
de constantes combates, assassinatos de monarcas e territórios como a Northumbria
ainda não consolidados sob seu controle e autoridade.
É justamente a partir do entendimento da Inglaterra como um território
marcado por disputas, que compreendermos como as narrativas a respeito de Edgar
(957-975) estruturaram-se. Sob o epíteto pacificus (pacificador), a figura de Edgar
esteve associada às tentativas do monarca em estabelecer a paz e garantir a
integridade territorial do seu reino. Tais ações derivam certamente de ações
enérgicas contra seus adversários, ao mesmo tempo em que buscou associações com
figuras importantes dentro da Inglaterra. A paz do reino de Edgar foi
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provavelmente resultado dessas ações astuciosas combinadas e do uso de força
militar do que serenidade do monarca. Foi provavelmente o uso da violência que
ajudou a manter a Inglaterra longe de novas incursões, pois não há atividade
registrada de grupos escandinavos entre 954 (quando Erick Machado Sangrento
deixou York) e 980 (quando uma nova onda de ataques escandinavos começou)
(Miller, 2006. In: Blair et all: 158). As representações de Edgar como um monarca
pio, correto e virtuoso destoa daquelas do antecessor, seu irmão Eadwig, descrito
por boa parte dos narradores - clérigos associados em maior ou menos grau à
Reforma Beneditina na Inglaterra - como alguém de caráter vil. Logo, deve-se tomar
uma leitura atenta e cuidado com essa documentação a respeito da Inglaterra do
século X, pois tais produções correspondem ao círculo da reforma monástica e
acabam por fornecer uma perspectiva essencialmente beneditina da condição da
igreja (Keynes. In: Reuter, 2000: 458). A quantidade de charters que são atribuídos a
Edgar (955-975) também é elevada: 164 charters, como rei da Mercia e da Inglaterra,
e, comparado com outros monarcas do período anglo-saxônico, foi o rei que mais
emitiu charters em seu nome.11
Talvez o maior episódio de destaque durante o seu governo tenha sido a
reforma monástica, uma tentativa de submissão da igreja sob sua autoridade, cujo
ápice ficou conhecido como Reforma Beneditina na Inglaterra. Nas duas obras
escritas ao final do século X, Vita S. Æthelwold – cuja autoria é atribuída a Wulfstan –
e na Vita S. Oswaldi de Byrhtferth de Ramsey, as representações acerca da figura de
Edgar vêm associadas à reforma monástica. Os principais pilares religiosos desse
movimento foram a atuação de Dunstan, arcebispo de Canterbury (959-988),
Æthelwold, bispo de Winchester (963-984), e Oswald, bispo de Worcester (961-992)
e arcebispo de York (971-998).
A Regularis Concordia (973) foi o documento que inaugurou a Reforma
Beneditina na Inglaterra, com o objetivo de estabelecer uma observância uniforme
para monges e freiras, baseada na Regra de São Bento. O documento – cuja autoria
mais provável é que tenha sido escrito por Æthelwold – codifica a próspera aliança
entre o rei Edgar, a rainha Ælfthryth e os partidários da reforma, com o objetivo de
proteger os bens das casas religiosas de interesses seculares. A reforma monástica na
Inglaterra, tal qual no continente, não procedeu da vontade do poder central – o que
não impediu que fosse abraçado por ele. Segundo Vauchez, o regresso ao antigo
fervor não se tratava de um programa administrativo de organização, “mas das
profundas aspirações da sociedade monástica a uma renovação espiritual.”
(Vauchez, 1995: 39). Iniciado com a fundação da abadia de Cluny, em 909, na
Borgonha, o movimento monástico se expande para outras regiões do antigo
Império Carolíngio.
Edward, o Velho (899-924) – 29; Æthelstan (924-927/927-939) – 74; Edmund (939-946) – 57; Eadwig
(955-959) – 87; Edward, o Mártir – 5; Æthelred II – 117.
11
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No entanto, não focaremos neste momento nos aspectos religiosos da
reforma inglesa. De acordo com o documento, o rei Edgar submetia bispos, abades
e abadessas à uniformidade da Regula S. Benedicti (Regra de São Bento), tendo em
vista que, na Inglaterra, havia diferentes variações da tradição beneditina. A
introdução da regra beneditina na ilha, a partir de finais do século VI, floresceu
apoiada na diversidade de suas influências. Um movimento reformador na ilha já
vinha sendo desenhado em alguns monastérios, como na abadia de Glastonbury,
onde Dunstan era abade, Abingdon como uma comunidade monástica recémestabelecida e Oda enquanto um nome proeminente pró-reforma (John, 1959:65).
Porém, desde o reinado de Æthelstan nenhum deles mostrou-se disposto o
suficiente a abraçar um movimento do gênero. Foi apenas com Edgar que houve
um esforço conjunto para um projeto político, no qual se fazia urgente garantir a
proteção e subordinação das igrejas na Inglaterra, bem como controlar a eleição dos
seus superiores (Leyser, 2000 In: Saul: 180-181). As principais figuras do clero que
levariam a cabo as propostas de transformações de Edgar eram, além de Æthelwold,
Dunstan, arcebispo de Canterbury (959-988) e Oswald, arcebispo de York (971992).
O ano de 970 foi decisivo para a reforma monástica do reinado de Edgar,
pois, além de diversos clérigos começarem a frequentar a corte do rei, todos os
abades novos vieram de casas recém-reformadas. Ely, Peterborough e Ramsey, na
Ânglia Oriental, fundadas entre os anos de 970-973, Deerhurst, Evesham e
Winchcombe, nas Midlands ocidentais e possivelmente a partir da liderança de
Oswald, foram erguidas e restauradas nesta mesma época (Banton, 1982: 76).
Mesmo dentro de um movimento aparentemente organizado como a Reforma
Beneditina, é importante ressaltarmos que os ditos clérigos reformadores do rei
Edgar – Æthelwold, Dunstan e Oswald – não agiam todos em consonância, suas
ações quanto à reforma não eram iguais e fizeram uso de estratégias eclesiásticas,
políticas e dinásticas distintas (Blair, 2005: 351).
4. Concessão de terras e benefícios
A palavra latina monasterium deu origem a forma em inglês antigo mynster e
ambas apresentam um significado abrangente, que engloba todo tipo de
estabelecimento religioso no qual há uma igreja (Blair, 2005: 3). À luz dos registros
documentais, fica difícil por vezes precisar o que os agentes históricos objetivavam
designar, pois um mynster poderia significar tanto uma comunidade religiosa e seus
laços sociais, quanto o prédio ou construção física em si. Logo, é importante ler
esses documentos com cautela e de forma contextualizada com relação ao período
que abarca e a região à qual aludem.
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Blair relativiza ainda a retórica da historiografia tradicional ao considerar que
as igrejas teriam sido abandonadas ou devastadas durante a chamada Era Viking na
Inglaterra, tendo sido restauradas posteriormente no reinado de Edgar (2005: 292).
É preciso tomar cuidado com tais interpretações, pois tais narrativas estão
vinculadas a círculos pró-reforma e que tendem a superlativizar seus feitos.
Casas religiosas prosperaram em vários níveis sob o patronato daqueles
que se identificavam com seus interesses, adquirindo e consolidando
doações substanciais de terras através de compra, presente e troca; ao
mesmo tempo em que os chefes dessas casas ganharam influência nos
círculos mais elevados e encontraram-se no controle dos serviços de uma
grande quantidade de homens. Estados rurais continuaram a ser
administrados de acordo com os costumes locais; mercados
desenvolveram-se onde o excedente pudesse ser vendido ou trocado por
outro produto mais útil; cidades floresceram a partir do comércio
doméstico e estrangeiro. Grande quantidade de ouro e prata estava em
circulação e a economia conseguia sustentar uma cunhagem de moedas
bem regulamentada (Keynes. In: Reuter: 458).12 (Tradução nossa)
Os charters eram uma maneira efetiva de levantar somas substanciais de
dinheiro em curto prazo - com rendimentos certos pelos anos subsequentes -, uma
forma de recompensar grupos específicos pelo seu apoio ou uma garantia de que
conseguir orações de homens da igreja, intercedendo junto a Deus (Keynes In:
Reuter, 2000: 465-466).
Os chaters entre 940-950 passaram a ser mais do que propaganda e
expressões do poder régio, à medida em que Oda e outros bispos desviavam a
atenção de que aquele documento havia sido chancelado por um rei, a partir do
momento em que incluíam muitas testemunhas, muitas delas, clérigos. Na
concepção de Snook, ainda, esse grupo pró-reforma aproveitou-se de sua posição
privilegiada junto à corte e utilizou os charters como uma ferramenta para
propagarem sua própria agenda, o que contribuiu, na visão do autor, por ofuscar,
inclusive, a própria voz do monarca nesses documentos (Snook, 2015: 128).
Campbell atenta ainda que cerca de 60 charters foram emitidos por bispos em
Worcester – diocese de Oswald – na segunda metade do século X (Campbell, 1982:
173). Muito embora esses charters tenham sido emitidos com o aval dos monarcas
“Religious houses prospered to varying degrees under the patronage of those who identified with their
interests, acquiring and consolidating substantial endowments of land by purchase, gift and exchange; at the
same time, the heads of these houses gained influence in high circles, and found themselves in control of the
services of increasingly large numbers of men. Rural estates continued to be managed in accordance with
local customs; markets thrived where surplus produce could be sold, or exchanged for more useful
commodities; and towns flourished on domestic and foreign trade. Large quantities of gold and silver were in
circulation, and the economy could support a well-regulated coinage.”
12
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ingleses, o bispo apresentava-se na posição de um senhor e distribuidor de terras e
benefícios.
De acordo com o site The Prosopography of Anglo-Saxon England (PASE)13, um
banco de dados com informações a respeito de todos os habitantes registrados em
fontes escritas na Inglaterra entre os séculos VI e XI, Oda é citado em 158 charters,
tendo servido como testemunha na maioria deles e possivelmente tendo escrito
alguns, o que torna evidente sua aproximação da chancela régia. Num charter de 957
(S 646), o rei Eadwig concedeu a Oda 40 hidas 14 em Ely, provavelmente como um
presente pessoal ao arcebispo. Esse benefício concedido – lembrando que,
juntamente com o território, vinham acompanhados todas as possessões que nele
havia, assim como pessoas – foi feito um ano antes da participação no episódio do
divórcio de Eadwig, certamente como um presente pela proximidade com o
monarca ou pela sua lealdade ao rei.
Pelo mapa abaixo, produzido a partir das informações contidas nos chartes,
podemos observar quais os mynsters (entendidos aqui tanto como monastérios
quanto como suas construções) foram fundados ou reestabelecidos entre os anos de
950-960. Nas setas amarelas, estão indicados alguns dos monastérios fundados e
restabelecidos por Oda e por Oswald. Dentre as localidades destacadas, observa-se
que Worcester, Westbury on Trym, Ramsbury, Winchcombe e Pershore estão
localizadas na porção das Midlandas ocidentais, ao passo que Ramsey e North
Elmham, nas Midlands orientais e Peterborough e Ely na Ânglia Oriental.
13
O site https://pase.ac.uk/index.html uma ferramenta de pesquisa desenvolvida pelo Department of
History e do Centre for Computing in the Humanities, no King’s College, London, pelo Department of
Anglo-Saxon, Norse, and Celtic, at the University of Cambridge.
14
O tamanho de uma hida, hiwisc em inglês antigo, podia variar de acordo com o valor e dos recursos
envolvidos na terra. Com o passar do tempo, estabeleceu-se uma média de cerca de 120 acres (49 hectares)
(Faith, 2008: 238).
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Imagem 2: Monastérios fundados e reestabelecidos por Oda e Oswald nas Midlands – autoria nossa
Três charters emitidos do ano de 970 (S 779, S 780 e S 781) garantem
territórios à abadia de Ely. No charter S 779 e S 781, há um número expressivo de
testemunhas, dentre elas alguns nomes de origem escandinava como Cnut, Oscytel,
Ulf, Siferth, Frena e, possivelmente, Hroold, todos eles designados como clérigos
(minister).15 Como um charter produzido e referente à abadia de Ely, na Ânglia
Oriental, as testemunhas clericais com nomes de origem escandinava chamam nossa
atenção bem como a participação desses indivíduos em eventos régios. Já o S 780
(970), possivelmente escrito por Oswald, apresenta-se outra doação de terras de 10
hidas feita por Edgar à abadia de Ely. Outro charter de 972 (S 786) garante a
restauração da abadia de Pershore e garante concessão de diversas terras à mesma
no entorno.
Outro exemplo é um texto presente no MS E da Crônica, no qual Edgar
concedia autonomia a Peterborough perante o rei e que nenhum bispo detinham
autoridade lá, à exceção do abade do monastério. No excerto, Edgar garante ainda
15
Para consultas a respeito de nomes escandinavos em fontes da Inglaterra anglo-saxônica, consultar a obra
de LEHISTE, Ilse. Names of Scandinavians in the Anglo-Saxon Chronicle. PMLA, Vol. 73, No. 1 (Mar.,
1958), pp. 6-22.
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uma quantidade expressiva de terras e privilégios (como cunhagem de moedas em
Stamford) à abadia de Peterborough e determina que nenhum bispo tem autoridade
na abadia, salvo o abade do monastério16. Trata-se de um trecho extenso - presente
apenas no MS E, vinculado à abadia de Peterborough - possivelmente escrito por
Oswald.
De acordo com o banco de dados do PASE, Oswald foi testemunha, ao
todo, em 198 charters. Essa proximidade aos monarcas provavelmente foi o que
rendeu a Oswald a possibilidade de, inclusive, emitir charters em seu nome,
garantindo aluguéis de terras em propriedades próximas a uma de suas
comunidades, Worcester. Num charter de 967 (S 1315), Oswald, enquanto bispo de
Worcester, concede terras como aluguel de 2 hidas em Bradanbeorh e em Holdfast
in Ripple ao seu irmão Osulf (germano meo Osulfo), podendo ser as mesmas revertidas
posteriormente para a diocese de Worcester. O documento deixa evidente como
Oswald utiliza de sua influência na região para garantir favores aos membros de sua
família.
5. Conclusão
Identificar a trajetória de quem era de origem escandinava na Inglaterra não é
uma tarefa fácil. Ao nos debruçarmos sobre evidências das trajetórias de Oda e
Oswald, encontramos muito mais do que a referência a um passado escandinavo,
mas uma tentativa de formar uma teia de relações envolvendo postos importantes
na igreja, distribuição de terras e benefícios entre membros de suas famílias e o
estabelecimento de relações junto aos monarcas anglo-saxões.
O fato de serem de origem escandinava – tal como a narrativa de Eadmer
sugere – pareceu não configurar maiores entraves para suas participações nesses
espaços de poder. O que se apresentou como grande diferencial nessa ascensão
foram suas conexões com indivíduos importantes e entenderem como funcionavam
as instituições da Inglaterra anglo-saxônica do século X. Com isso, aproximaram-se
de círculos junto à monarquia anglo-saxônica, obtendo mais benefícios e terras para
si e para as igrejas as quais estavam vinculados, seja por meio de aluguéis provisórios
ou por doações.
A associação ao movimento monástico também é um dado importante nesse
contexto. Para além da análise de questões espirituais e religiosas sobre o
movimento, na tentativa de se desvencilharem da autoridade de senhores locais, que
poderiam ser tanto de origem anglo-saxônica quanto escandinava, Oda e Oswald
16
"Ic Ædgar geate 7 gife to dæi toforen Gode 7 toforen þone ærcebiscop Dunstan freodom Sancte Petres
mynstre Medeshamstede of kyng 7 of biscop, 7 ealle þa þorpes þe ðærto lin, þet is Æstfeld 7 Dodesthorp 7
Ege 7 Pastun, 7 swa ic hit freo þet nan biscop ne haue þær nane hæse buton se abbot of þone minstre."
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possivelmente compreendem a importância de integrarem o mesmo e em como isso
poderia contribuir para uma maior autonomia dos monastérios nas Midlands. Sejam
de origem danesa ou não, a atuação desses dois bispos oriundos da Danelaw foi
importante para os rumos religiosos e políticos da Igreja na Inglaterra.
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Recebido: 21 de maio de 2021
Aprovado: 20 de setembro de 2021
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