J. Technol. Manag. Innov., 2006, Volume 1, Issue 3
Received August 14, 2006/ Accepted August 24, 2006
EXPERIÊNCIAS DE APOIO À INOVAÇÃO TECNOLÓGICA SETORIAL
Newton Muller Pereira
Departamento de Política Científica e Tecnológica.
Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, Brazil
newpe@ige.unicamp.br
Simone Pallone de Figueiredo
Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo.
Universidade Estadual de Campinas, Brazil.
Tel. 55-19-3788-5193.
spallone@unicamp.br
Abstract
Since 1999, Brazil has made use of an important instrument to support Science, Technology & Innovation (ST&I) which is
the sector-specific funds policy that currently supports twelve sectors of the economy. Experiences that consider investment
of federal research funds have been employed since the 1980´s. The Fifth Generation Project, in Japan, the Alvey Program,
in the United Kingdom, and the Small Business Innovation Research Program, in the United States, are some examples
found abroad. In Brazil, before the Sector Funds policy has been created the Program of Scientific and Technological
Support, dedicated to improving the development of high priority sectors. This article deals with some of these important
programs, showing that such experiences did not happen without a theoretical basis, since the sector-specific funds already
been diffused through the economic literature, which has Nelson and Winter (1982), Dosi (1982) and Pavitt (1984) as
precursory.
Keywords: ST&I Sector support to ST&I, experiences of ST&I government support, public policy, Sector-specific Funds.
Resumo
Desde 1999, o Brasil conta com um importante instrumento de apoio à CT&I, que é a política dos Fundos Setoriais, que
apóia doze setores específicos da economia. Experiências de apoio setorial governamental têm sido aplicadas desde os anos
80. O Fifth Generation Project, do Japão, o Alvey Program, do Reino Unido e o Small Business Innovation Research
Programm, dos Estados Unidos são alguns exemplos no exterior. No Brasil, antes dos Fundos Setoriais, havia sido criado o
Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, dedicado a incentivar o desenvolvimento de setores
prioritários. Este artigo discorre sobre alguns desses importantes programas, mostrando que tais experiências não se deram
num vácuo teórico, visto que o conceito de setorialidade já vinha sendo difundido na literatura econômica, tendo como
precursores Nelson e Winter (1982), Dosi (1982) e Pavitt (1984).
Palavras-chave: apoio setorial a C,T&I, experiências de apoio governamental a C,T&I, políticas públicas, Fundos
Setoriais.
ISSN: 0718-2724. (http://www.jotmi.org)
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Experiências de apoio à inovação tecnológica
setorial
O Brasil conta desde 1999 com um novo instrumento de
política científica e tecnológica, de apoio a setores
específicos da economia. A instituição de Fundos Setoriais,
como foi chamado esse instrumento, decorre da constatação
de que havia no Sistema Nacional de Inovação inconstância
de fluxos financeiros, ausência de importantes agentes do
processo inovativo – a destacar o setor industrial – e falta
de eficiência na gestão das atividades promovidas. Tais
carências levaram a uma situação em que os investimentos
governamentais em ciência e tecnologia não se traduziram
em produtos e processos com apelo mercadológico e em
ganhos de competitividade para a indústria, o que geraria,
por conseguinte, benefícios para toda a sociedade brasileira.
A exemplo do que ocorre em apoios setoriais estrangeiros,
os Fundos Setoriais foram criados para tentar corrigir
gargalos científicos, em algumas situações, mas
principalmente tecnológicos, oferecendo maiores condições
de competitividade para setores promissores.
O presente artigo apresenta na seção 1 o instrumento
adotado no Brasil, que são os Fundos Setoriais de Ciência e
Tecnologia, em relação aos seus objetivos e formas de
implementação. A segunda seção apresenta um conjunto de
políticas de apoio setorial implantados no exterior e no
Brasil, situando-as em um contexto teórico. Em seguida, a
seção 3 apresenta três dessas experiências, mostrando seus
impactos no financiamento de projetos inovativos. Por fim,
na seção 4, são apresentadas algumas constatações a que se
chega após empreender tal análise.
1 – Fundos setoriais
Um novo instrumento de política científica e tecnológica
foi implementado no Brasil a partir de 1999. Trata-se dos
Fundos Setoriais, receitas vinculadas a um fim específico,
oriundas de contribuições incidentes sobre o faturamento de
empresas, e/ou sobre o resultado da exploração de recursos
naturais pertencentes à União. Essas receitas são de várias
origens, tais como royalties, parcela de receita das empresas
beneficiárias de incentivos fiscais, compensação financeira,
entre outras. Os recursos são alocados no Fundo Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT),
cuja secretaria executiva está a cargo da Financiadora de
Estudos e Projetos (Finep), ligada ao Ministério de Ciência
e Tecnologia. O Fundo de Telecomunicações (Funtell) foge
a esta regra, sendo seus recursos geridos pelo Ministério
das Comunicações.
O FNDCT foi criado em 1969, visando proporcionar
autonomia financeira ao sistema nacional de ciência e
tecnologia ao contemplá-lo com recursos orçamentários e
empréstimos do exterior. Entretanto, esses nem sempre
foram suficientes ou asseguraram a realização das
atividades programadas, uma vez que sofriam toda a sorte
de descontinuidades. Mais recentemente, nos anos 90, a
restrição fiscal imposta pela União levou ministérios a
buscar a vinculação de recursos orçamentários, lógica que
conduziu aos Fundos Setoriais, no Ministério de Ciência e
Tecnologia (Pereira, 2004).
A vinculação de recursos conduziu à instituição dos Fundos
Setoriais (FSs), mas não se deve desconhecer que fatores
estruturais também corroboraram para tal, como as
privatizações de segmentos industriais relacionados à infraestrutura do país. Pode-se afirmar, portanto, que os FSs
vieram também para garantir que a pesquisa científica e
tecnológica, em setores privatizados ou abertos à
concorrência nos anos 90, tivesse solução de continuidade,
de forma a não colocar em risco a capacitação já alcançada
no país.
Assim, os primeiros fundos setoriais implantados, o do
Petróleo e Gás Natural (30/11/1998), o de Informática
(20/4/2001) o de Recursos Minerais (16/7/2001), o de
Energia Elétrica (16/7/2001), o de Recursos Hídricos
(19/7/2001) e o Espacial (12/9/2001) foram concebidos
com um recorte eminentemente setorial, com recursos que
se originaram no próprio setor em que deveriam ser
aplicados. Nesses fundos verifica-se que tanto a receita
como a aplicação, são vinculadas a um mesmo setor.
Paralelamente a esses fundos, foram implantados o fundo
de Infra-Estrutura (26/4/2001) e o Verde-Amarelo
(11/4/2002), mas sem compromisso com o apoio ao
desenvolvimento de algum setor específico, sendo assim
caracterizados como de abrangência horizontal, com a fonte
de receita desvinculada do setor de aplicação.
Em 2002, um novo conjunto de fundos foi instituído
enfocando áreas de notório interesse do país, todavia com
demarcação setorial um tanto difusa. São os fundos
setoriais de Biotecnologia (7/3/2002), Agronegócios
(12/3/2002),
Aeronáutica
(2/4/2002),
Transportes
(6/8/2002) e Saúde (25/2/2002). Ainda em 2002, para
finalizar esse apanhado sobre os fundamentos do apoio à
CT&I setorial, sobre o histórico, sobre a racionalidade e a
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implementação que cercaram a instituição da política de
ciência e tecnologia por intermédio de fundos setoriais,
tem-se a criação, em 1/10, do Fundo Setorial da Amazônia.
A instituição desse conjunto de FSs em 2002 pautou-se
fundamentalmente na oportunidade. Com exceção do
Fundo de Transportes, nenhum deles tem sua receita
originada em um setor específico, estando apenas a
aplicação vinculada aos seus respectivos setores.
A fonte de recursos dos fundos Verde-Amarelo,
Biotecnologia, Agronegócios, Aeronáutica e Saúde é de
parcela da Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico (CIDE), arrecadada da cobrança de uma
alíquota de 10% sobre a remessa de recursos ao exterior
para pagamento de assistência técnica, royalties e serviços
técnicos.1 Este tributo foi concebido pela Lei nº 10.168, de
29/12/2000, que criou o Programa de Estímulo à Interação
Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, que viria a
se tornar o Fundo Verde-Amarelo. Posteriormente, a Lei nº
10.332, de 19 de dezembro de 2001, alterou o artigo VI da
Lei nº 10.168, de maneira a garantir que 50% dos recursos
fossem destinados aos fundos de Biotecnologia,
Agronegócios, Aeronáutica e Saúde (Pereira, 2004).
As decisões sobre os Fundos são tomadas por Comitês
Gestores, constituídos por representantes do governo
federal, do setor produtivo e do setor acadêmico que juntos
definem as prioridades de cada um dos fundos, base para a
formulação de editais de convocação, lançados
periodicamente para desenvolvimento de projetos.
É importante observar que a vinculação de receitas, como é
feito nessa política de FSs, não é um mecanismo habitual
no financiamento de políticas públicas, sendo mais utilizada
na situação em que determinado setor ou segmento
desempenha função estratégica para o conjunto da
indústria. Não obstante, o direcionamento de recursos
governamentais para setores industriais específicos é
prática documentada desde o início dos anos 80, a partir de
quando se passa a ver a introdução de programas de
financiamento à CT&I setorial em vários países, conforme
se apresenta na seção seguinte.
2 – Experiências internacionais e nacionais de
apoio setorial
O primeiro apoio ao desenvolvimento científico e
tecnológico de caráter setorial documentado foi o programa
Fifth Generation Project, lançado pelo Ministério do
1
Além da CIDE referida, existe também a CIDE Combustíveis,
(Lei 10.336/01), que incide sobre a comercialização de petróleo e
derivados, gás natural e álcool.
Comércio e da Indústria (MITI) do Japão em 1981, para
defender sua indústria de telecomunicações da concorrência
norte-americana e européia. Em 1983 o Reino Unido
inaugurou o Alvey Program, de financiamento à pesquisa
do setor de Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) em reação ao programa japonês.
O Alvey Program representou uma iniciativa importante em
direção à prospecção de políticas para a área de tecnologia
da informação, promovendo P&D em tecnologias básicas
genéricas, que deveriam sustentar a inovação na indústria
de TICs no futuro. Os investimentos previstos para o
período de cinco anos foram de £ 350 milhões, metade
fornecida pelo governo britânico e metade pela indústria
local (Hobday, 1988).
Na mesma década foram lançados outros programas de
financiamento ao setor de telecomunicações. Na França (La
Filière Électronique, em 1983); nos Estados Unidos
(Finnish Programme for R&D in IT – FINPRIT, em 1984, e
Sematech Programme, em 1988); na Alemanha
(Informationstechnik, em 1984) e na então Comunidade
Européia (European Strategic Programme for R&D in ITESPRIT, em 1983, R&D in Advanced Communication for
Europe - RACE, em 1985, e ainda ESPRIT 2, em 1987)
(Hobday, 1988).
O ESPRIT, que se destaca por ter sido reeditado em 1987,
foi formulado como um programa integrado de projetos de
P&D industrial, coordenado pelo Diretório Geral da
Indústria, da Comissão Européia. Faz parte da política de
integração não só de diferentes setores como também de
diversos países europeus para o desenvolvimento de
pesquisas e de tecnologia. Entre outras ações, apóia
firmemente o setor das tecnologias de informação devido
ao potencial que apresenta de impulsionar a
competitividade em outros setores industriais.
Programas de financiamento à P&D setorial também foram
estabelecidos no campo da indústria do petróleo, tais como
o Fonds de Soutien aux Hydrocarbures, na França em 1994,
o Support for Innovation in the Oil and Gas Industry
Programme, no Reino Unido em 1995 e o Programa Demo
2000, estabelecido na Noruega em 1999 (Vianna e Corazza,
2004). Do mesmo modo que para o petróleo, o setor de
microeletrônica também foi recentemente contemplado com
financiamentos da União Européia, aqui podendo citar o
Microelectronics R&D Programme (MEDEA+).
A par dos grandes programas mencionados, outras formas
de apoio setorial também foram e estão sendo praticadas,
como aquela que incita pequenas e médias empresas
inovadoras a realizarem pesquisa e desenvolvimento em
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setores importantes para o país, tais como agricultura,
defesa, comércio, energia, educação, saúde, transporte,
entre outros. Tal é o caso do Small Business Innovation
Research Program (SBIR), implantado nos Estados Unidos
por meio do Small Business Innovation Development Act,
de 1982, e viabilizado graças ao financiamento com
recursos de fundos para P&D do Departamento de Defesa,
Departamento de Energia, Departamento de Saúde,
Departamento da Aeronáutica e Administração Espacial e
Fundação Nacional para Ciência, os quais influenciam nos
temas das pesquisas realizadas (Figueiredo, 2004).
Os Concerted Projects, implementados na Espanha em
1988, também apóiam setores diversos. Fazem parte do
National R&D Plan, cujos principais objetivos são fomentar
atividades na empresa e encorajar a cooperação destas com
centros de pesquisa públicos. O apoio consiste na concessão
de empréstimos, sem juros, para projetos de pesquisa em
setores competitivos desenvolvidos por empresários que
necessitem da participação de pesquisadores de
universidades ou outros centros de pesquisa públicos. Os
recursos para apoio aos projetos são oriundos de um Fundo
Nacional para P&D (Ballesteros e Rico, 2001).
No Brasil, a idéia de apoio à P&D setorial surge ao tempo
em que o programa britânico Alvey foi implantado, ainda
em 1983, com o lançamento do Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT),
dedicado a incentivar o desenvolvimento científico e
tecnológico de setores considerados prioritários, todavia
carentes de ordem institucional, de infra-estrutura física ou
ainda sem respaldo financeiro. Assim foi dado apoio aos
setores relacionados à química e engenharia química, à
biotecnologia, às geociências e tecnologia mineral e à
tecnologia industrial básica. O Programa foi previsto para
durar cinco anos e os recursos envolvidos somaram a casa
dos US$ 500 milhões, dos quais US$ 125 milhões sob
forma de empréstimo do BIRD (Teixeira e Rappel, 1991).
Mas as experiências de apoio ao desenvolvimento científico
e tecnológico setorial, resumidas no Quadro 1, não se
deram num vácuo teórico, visto que o conceito de
setorialidade já vinha sendo difundido na literatura
econômica quando os primeiros programas se articularam,
tendo por precursores os trabalhos de Nelson e Winter
(1982),
Dosi
(1982)
e
Pavitt
(1984).
Quadro 1 Programas de apoio governamental a projetos de P&D
Programa
Fifth Generation Project
Small Business Innovation Programm
Alvey Programm
La Filière Elètronique
PADCT
Finish Programme for R&D in TI (FINPRIT)
ESPRIT 1
Informationstechnik
Advanced Communication for Europe- RACE
ESPRIT 2
Sematech Programme
Concerted Projects
Fonds de Soutien aux Hydrocarbures
Support for innovation in the oil and gas industry
Demo 2000
Fundos Setoriais
País/Bloco Econômico
Japão
Estados Unidos
Reino Unido
França
Brasil
Estados Unidos
Comunidade Européia
Alemanha
Comunidade Européia
Comunidade Européia
Estados Unidos
Espanha
França
Reino Unido
Noruega
Brasil
Ano de criação
1981
1982
1983
1983
1983
1984
1983
1984
1985
1987
1988
1988
1994
1995
1999
1999
Fonte: Organizado pelos autores
Apoiado nesses autores, Malerba (2002) sustenta que o
conceito de setorialidade deve ser entendido a partir de uma
visão multidimensional, integrada e dinâmica dos diversos
setores. O autor reconhece sistemas setoriais de inovação e
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produção como constituídos por uma gama de produtos e de
agentes direta ou indiretamente relacionados ao mercado.
Agentes esses que podem ser indivíduos ou organizações
em vários níveis de agregação, com processos específicos
de aprendizado, competências, estruturas organizacionais,
crenças, objetivos e comportamentos, que interagem através
de processos de comunicação, trocas, cooperações,
competições e comandos. Além disso, acrescenta, um
sistema setorial possui uma base específica de
conhecimentos, institucionalidades, tecnologias, insumos e
demandas que se transforma a partir da co-evolução desses
próprios elementos.
Ainda para Malerba, as vantagens de uma visão sistêmica
setorial residem na possibilidade de maior conhecimento da
estrutura e das fronteiras de cada qual, de seus agentes e
interações, de seus processos de aprendizado de inovação e
de produção, de sua dinâmica de transformação, e dos
fatores que determinam as performances das firmas e dos
países em que se localizam.
Não obstante as considerações teóricas apontadas, a
setorialidade introduzida no sistema de ciência e tecnologia
no Brasil se pautou mais na oportunidade de vincular
recursos ao setor de ciência e tecnologia do que
propriamente para alcançar maior nível de aproveitamento
na aplicação dos recursos disponíveis, como preconiza a
literatura.
A divulgação escassa sobre programas de apoio setorial
apontados, levou à escolha de três experiências
internacionais a serem comparadas à experiência brasileira
dos Fundos Setoriais, em relação aos agentes envolvidos
nas relações de desenvolvimento dos projetos, além do
empenho de recursos. São elas a do Small Business
Innovation Research Program (SBIR), do Alvey Program e
a dos Concerted Projects, avaliação esta que será
apresentada a seguir.
3 – Impactos financeiros de três programas de
apoio setorial
O SBIR é um programa que encoraja a pequena empresa,
de diferentes setores da economia, a explorar seu potencial
tecnológico, incentivando o lucro da comercialização da
tecnologia desenvolvida. Os agentes envolvidos no SBIR
são o governo, por meio dos departamentos específicos, o
setor produtivo, com as empresas iniciantes, e o setor de
pesquisa. Os projetos não precisam estar ligados a uma
instituição de pesquisa, mas o pesquisador principal tem
que ser contratado pela empresa. O programa tem sido
exemplar na inclusão de novas empresas no cenário norteamericano de P&D, além de estimular o espírito
empreendedor naquele país e garantir a manutenção de
profissionais ligados à pesquisa na indústria, mesmo que
seja a de pequeno porte.
O SBIR apóia projetos de desenvolvimento tecnológico
inovativo em três fases distintas. Na primeira, de criação de
uma nova empresa, os candidatos concorrem a US$ 100
mil, tendo aproximadamente seis meses para a exploração
da tecnologia, verificando sua viabilidade técnica e
econômica. Na segunda fase, o projeto pode receber
quantias de até US$ 750 mil, por pelo menos dois anos,
para o desenvolvimento da pesquisa/tecnologia em si. Além
disso, é nesta fase que se estuda também o potencial
comercial da tecnologia. Uma terceira fase é prevista no
programa, quando a tecnologia deve sair dos laboratórios
das empresas para atingir o mercado realmente. Nesta fase
o apoio financeiro deve ser obtido pela pequena empresa no
mercado financeiro, seja no setor privado ou em agências
federais.
Como era de se esperar de uma superpotência econômica, o
empenho de recursos para projetos tecnológicos tem sido
muito grande nos Estados Unidos. Para exemplificar, em
2002, o estado da Califórnia recebeu US$ 300 milhões para
o apoio a um total de 1197 projetos. Em West Virginia, o
empenho de recursos chegou a US$ 1.271,071 para
subsidiar o desenvolvimento de 13 projetos, todos de fase 1.
No total, 5733 projetos, entre fase 1 e 2, receberam suporte
financeiro do SBIR naquele ano.
Nem tão promissores quanto o programa acima, os
Concerted Projects, da Espanha são outro exemplo de
iniciativa setorial de inovação, segundo alguns dos critérios
elencados por Malerba (2002) para caracterizar este tipo de
instrumento de política científica e tecnológica. Trata-se de
uma iniciativa, assim como a do SBIR, de apoio a projetos
tecnológicos de diferentes setores, que sejam desenvolvidos
a partir de uma relação de parceria entre diversos atores,
considerando-se entre eles as empresas e os centros de
pesquisa públicos.
Os Concerted Projects representam um dos principais
instrumentos de fomento ao desenvolvimento científico,
tecnológico e de inovação na Espanha, ao lado das ações do
Ministério da Indústria e Energia (Miner). Além desses,
outros programas são empreendidos em parceria com outros
países europeus ou latino-americanos e ainda, alguns
regionais. Segundo Ballesteros e Rico (2001), esta política
é “um instrumento fundamental com o qual a pesquisa
competitiva dentro da empresa é apoiada”.
É importante observar que este apoio público não é limitado
a empréstimos livres de juros, mas é coberto também por
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subsídios públicos de outras fontes como do Miner ou de
comunidades autônomas. No período entre 1988 e 1991,
foram empenhados cerca de 23 milhões de pesetas, em 443
projetos, que representaram 36,6% (1988), 29,2% (1989),
27% (1990) e 29,1% (1991) do orçamento do Fundo
Nacional de P&D.
Os
setores
contemplados
com
recursos
para
desenvolvimento de projetos foram automatização e
robótica,
biotecnologia,
agricultura,
farmacêutico,
agropecuário, espacial, microeletrônico, novos materiais,
conservação de patrimônio natural e processos de
degradação ambiental, recursos geológicos, recursos
marinhos e aqüicultura, saúde, sistemas de florestas e
recursos, P&D em tecnologia de alimentos, e tecnologias de
informação e comunicação (TICs). Desses programas, as
tecnologias que receberam maior financiamento em nível
nacional foram as TICs, microeletrônica e pesquisa
espacial.
No caso brasileiro, dos Fundos Setoriais, havia uma grande
expectativa de recursos adicionais ao sistema de C,T&I,
algo em torno de R$ 1,1 bilhão anual, de 2001 a 2005. Tal
patamar de recursos não foi alcançado, principalmente,
devido ao contingenciamento dos recursos a partir de 2000,
levando a um impacto menor do que o esperado para o
montante de recursos à disposição pelo Governo Federal
para financiar a ciência, tecnologia e inovação. O
contingenciamento retirou dos investimentos R$ 1,67
bilhão, cifra que ultrapassa o próprio valor investido pelos
FSs (1,53 bilhão), pondo por terra seu atributo de
proporcionar ao sistema estabilidade financeira pela
vinculação de receitas.
Em relação aos recursos empenhados, a distribuição pelos
fundos não foi equilibrada, como também já era esperado.
Os fundos do Petróleo (CTPetro), Verde-Amarelo (FVA) e
Infra-estrutura (CTInfra) destacaram-se dos demais ao
comprometerem cerca de R$ 100 milhões ao ano. O de
Energia (CTEnerg) apresentou um comprometimento
médio anual de R$ 55 milhões (com acréscimo de quantia
aplicada diretamente sob orientação da Aneel). Os demais
fundos tiveram um comprometimento médio anual inferior
aos R$ 20 milhões.
Para a implementação dos Fundos Setoriais foi exigida uma
articulação entre os diversos agentes do sistema de C,T&I
do país. Participaram das ações institutos de pesquisa
públicos, universidades (públicas e privadas), setor
industrial e governo. Utilizou-se nas ações de
implementação diversos modelos de articulação, tais como
redes de pesquisa, apoio à transferência de tecnologia da
universidade para a empresa, criação de novas empresas,
reforçando claramente a circulação de conhecimento e o
fortalecimento de setores específicos, importantes para o
crescimento da economia do país.
4 – Observações finais
A análise de políticas setoriais tal como proposta por
Malerba (2002) é uma importante ferramenta para o campo
dos estudos relativos à política científica, tecnológica, e de
inovação. Permite a compreensão de como a articulação
entre diferentes agentes ligados aos sistemas nacionais de
inovação, pode levar ao desenvolvimento de setores
específicos, importantes para o desenvolvimento de
competitividade econômica.
A partir da caracterização do sistema setorial é possível
enquadrar vários programas de apoio ao avanço da
tecnologia e da inovação de diferentes países, comparandoos entre si, mesmo que pelo viés do financiamento, tal
tarefa se torne mais difícil. Há uma grande disparidade de
cifras empreendidas em cada um dos programas devido ao
montante de recursos disponível para cada um em cada
país.
Porém, é possível fazer outros tipos de análises
considerando as três dimensões propostas por Malerba
(2002) que, segundo o autor, afetam a geração e adoção de
novas tecnologias assim como a organização da inovação e
produção nos seguintes níveis: conhecimento, atores e redes
e instituições.
Nesse sentido, se avaliarmos o SBIR, por exemplo,
podemos dizer que além de significar um acréscimo no
montante de recursos para desenvolvimento tecnológico –
no caso desse programa com forte estímulo à
comercialização de novas tecnologias – o programa
apresenta no campo das institucionalidades, em primeiro
lugar, o marco regulatório que o criou, que foi o Small
Business Act, que não só viabilizou a existência do
programa, o tipo de apoio financeiro, mas, além disso, foi
capaz de promover a ampliação da relação entre
universidade e empresa, com a contratação de
pesquisadores nas novas empresas, bem como o surgimento
de spin-offs acadêmicas. Vale lembrar que tal apoio é
voltado somente para pequenas empresas.
O fortalecimento dessa relação entre universidades, centros
de pesquisa, empresas e governo, responsável pelo suporte
financeiro, e também a articulação dos agentes relacionados
aos projetos, é um dos pontos fortes dos Concerted Projects
que favoreceram principalmente as pequenas empresas,
levando-as a ter, em muitos casos, o primeiro contato com
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centros de pesquisa públicos. Esse contato provou ser muito
produtivo em ações posteriores.
Em relação às grandes empresas, não foi observado um
apoio significativo, segundo Ballesteros e Rico (2001). A
explicação para este resultado é de que as empresas de
maior porte têm acesso outros tipos de financiamento, tanto
públicos como do sistema bancário privado. Outra razão é
que o estabelecimento de relações da grande empresa com
os Centros de Pesquisa já é mais comum.
Isso ocorre também em relação ao programa de fomento
brasileiro. Há algumas grandes empresas inovativas que já
estabelecem relações formais, ou não-formais, com centros
de pesquisa públicos, principalmente aqueles inseridos nas
universidades. Mesmo assim foi possível observar na
implementação dos Fundos Setoriais, um fortalecimento
dessas relações, bem como a formação de redes
cooperativas de pesquisa, apoio à formação de recursos
humanos, entre outras dimensões apontadas por Malerba
(2002) como vantajosas para um sistema setorial de
inovação.
Dos programas SBIR, Concerted Projects e Fundos
Setoriais, o que se mostrou nessa breve análise foi que o
estímulo financeiro governamental foi capaz de injetar
recursos adicionais ao desenvolvimento tecnológico dos
países, ajudando-os a se colocar na fronteira do
conhecimento em relação a setores econômicos específicos
e mais competitivos que outros. Além disso, foram também
capazes de desenvolver relações entre diferentes agentes do
sistema, ampliando as oportunidades de se manter nessa
fronteira ou de abrir novas janelas em outros setores, a
partir dessas experiências iniciais.
5. Referências bibliográficas
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pp.343-373.
Pereira, N.M. (2004). Fundos Setoriais: avaliação das
estratégias de implementação e gestão. Relatório Programa
Nacional de Apoio à Administração Fiscal para os Estados
Brasileiros - BRA/97/032 – Brasília: IPEA.
Vianna, C. e Corazza, R.I. (2004). Financiamento da
C,T&I: notas sobre o caso do CT-Petro no Brasil. Anais do
XXIII Simpósio de Gestão da Inovação Tecnológica,
Curitiba, 19 a 22 de outubro.
Sobre os autores:
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Newton Müller Pereira é doutor pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e pós-doutorado pelo
Science Policy Research Unit da Universidade de Sussex (Inglaterra). É docente da Universidade Estadual de
Campinas desde 1983, atuando junto ao Departamento de Política Científica e Tecnológica, Instituto de
Geociências, para o qual desenvolve atividades de ensino e pesquisa com foco na avaliação em ciência e
tecnologia, na política e no planejamento energético, especialmente do setor petróleo e gás natural, e na
componente ambiental dos processos tecnológicos.
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Simone Pallone de Figueiredo é jornalista, com especialização em Jornalismo Científico, pela Universidade
Estadual de Campinas e mestrado em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas.
Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo e doutoranda no Departamento de Política
Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de comunicação,
atuando principalmente no jornalismo científico. Como pesquisadora, atua na área de política científica e
tecnológica, políticas públicas, incubadoras de empresas e sociologia da ciência.
ISSN: 0718-2724. (http://www.jotmi.org)
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