Location via proxy:   [ UP ]  
[Report a bug]   [Manage cookies]                
O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa Armando Marques Guedes Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Francisco Pereira Coutinho Doutorando da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Resumo Abstract The Process of European Integration and the Portuguese Constitution O artigo olha de perto a Constituição Portuguesa, pelo prisma das sete revisões constitucionais que tiveram lugar desde 1976. Torna-se fácil verificar que todas as revisões que tiveram lugar foram induzidas, na maior parte dos casos directamente, por processos associados com a integração europeia em curso. Alguns deles fizeram-no em “momentos constitucionais” antecipatórios que tornaram possível a nossa entrada na Comunidade Europeia. A maioria seguiu os imperativos dos sucessivos Tratados. Um caso atípico foi o ligado à criação de um Tribunal Penal Internacional. O artigo liga um ao outro estes dois processos paralelos – o das revisões constitucionais portuguesas e o da integração europeia – e encara o estabelecimento desta ligação como um reflexo de uma nova comunidade política, mais abrangente, imaginada pelas elites políticas portuguesas. Outono-Inverno 2006 N.º 115 - 3.ª Série pp. 83-112 The paper takes a close look at the Portuguese Constitution, through the prism of the seven revisions which it underwent since 1976. It is easy to note that all of the revisions which took place were induced, in most cases directly, by processes associated by the ongoing European integration. Some did so in anticipatory “constitutional moments” which rendered possible our entry into the European Community. Most followed the successive Treaty imperatives. An atypical case was linked to the creation of the International Criminal Court. The paper connects these two parallel processes – that of Portuguese constitutional revisions and that of European integration – to each other and sees the establishment of this link as a reflection of a wider and new political community imagined by Portuguese political elites. 83 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa Introdução Uma vintena de anos após a entrada de Portugal na União Europeia (doravante UE), os impactos jurídicos da adesão continuam a ser objecto de um crescendo de interesse e discussão. E decerto continuarão a sê-lo por muito tempo. Neste artigo escolhemos como ponto focal da atenção dispensada os impactos político-constitucionais que ela teve, já que nos pareceu útil cartografar de maneira precisa alguns dos contornos da evolução do processo português de integração europeia, conjugados com aqueles outros incorridos na progressão da nossa ordem constitucional1. Esperamos assim alimentar as discussões e o interesse suscitados, especificando-lhes um ponto de aplicação delineado com uma clareza maior do que aquela que infelizmente tem sido habitual. A opção por uma análise do âmbito constitucional levou-nos a preterir, em larga medida, o estudo de outras questões relacionadas com a integração europeia, tais como, por exemplo, a europeização dos tribunais ou da administração pública nacionais. Ou, pelo menos, a secundarizá-las. É fácil explicar porquê. Não há dúvida que o esmiuçar aturado de minudências nos oferece sempre dividendos analíticos a não desprezar; uma análise jurídica que se restrinja a níveis micro tem, por conseguinte, enormes vantagens. Um mínimo de atenção mostra-nos, contudo, que as implicações jurídicas da adesão portuguesa à UE são mais plenamente intelegíveis se e quando perspectivadas num quadro analítico maior, ou seja, tornam-se mais nítidas num plano macro. Isto significa que os investimentos heurísticos que façamos se tornam tão mais rentáveis – no sentido forte de que nos permitem interpretações mais densas, ricas, e profícuas – quanto maior for a abertura de ângulo que consigamos lograr2. No caso em análise, a razão para tanto é simples: o que está em causa naquilo que aqui abordamos é o esboço de uma redefinição da comunidade política originária, o que forma o contexto patente para uma qualquer “completude sistémica” que possamos ambicionar. 1 Não podemos deixar de agradecer os comentários, quantas vezes da maior utilidade, que as primeiras versões deste texto receberam de Armando M. Marques Guedes, Miguel Poiares Maduro, Rui Pinto Duarte, Nuno Piçarra, Leonor Rossi, N’Gunu Tiny, Pedro Velez, Ravi Afonso Pereira, Gonçalo Almeida Ribeiro, e Jorge Azevedo Correia. A responsabilidade pelo texto final é, no entanto, apenas dos dois autores. 2 Por outras palavras: a juridicidade não pode explicar-se a ela própria, ou seja sem recurso a enquadramentos mais amplos que nos permitam ver o encadeamento dos vários formatos que, a par e passo, assume. Em poucos lugares tal é tão evidente como nos da juridicidade constitucional. 85 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho É certo que a natureza singular da rápida evolução da UE, que já em 1986 tinha, com nitidez, ultrapassado o estádio de mera organização internacional, prenunciava alterações significativas no plano constitucional. Como iremos ter a oportunidade de verificar nalgum detalhe, os sucessivos aprofundamentos da União, e em especial aqueles que desencadearam alterações tectónicas como o Tratado de Maastricht, reflectiram-se de facto com presteza e em profundidade no texto constitucional – gerando por vezes, no processo, debates que se centraram em matérias tão diferentes umas das outras como a relação entre o Direito da UE3 e a Constituição portuguesa, ou a própria legitimidade democrática do nosso processo de integração. Mas era difícil prever a escala que efectivamente tiveram. Eloquentes, no que diz respeito a essa reflexão, são as duas últimas revisões constitucionais. A primeira (a de 2004) procurou esbater a possibilidade de conflito entre a afirmação do, por um lado, primado do Direito da UE feita pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (daqui por diante TJCE) e, por outro, o primado da Constituição nacional. A segunda revisão (a de 2005) teve como razão próxima a necessidade de ratificação do Tratado Constitucional Europeu, o que levou a uma alteração do regime do referendo nacional com vista a tornar mais fácil, de um ponto de vista jurídico-constitucional, o referendar daquele Tratado. Estes dois casos não são de modo nenhum, como iremos tornar patente, únicos, num processo que tem sido marcado por acomodações4 desse tipo. A Constituição portuguesa tem-se sucessivamente adaptado à pertença de Portugal à União, verificando-se que as constantes revisões constitucionais entretanto ocorridas tiveram sempre como espectro a necessidade de uma harmonização com o desenrolar do processo de integração. Nisso, a cronologia não tem sido linear: como haverá a oportunidade de verificar na primeira parte deste estudo, umas vezes tem-no tido a posteriori, outras por antecipação. Mas sempre essa necessidade se tem feito sentir e vindo a 3 Uma palavra de salvaguarda. Por razões de simplicidade, ao longo do texto utilizaremos a expressão “direito da UE”, ainda que, em certos casos, fosse mais correcto utilizar a expressão Direito Comunitário, uma vez que em determinadas situações as normas da UE não beneficiam da autoridade normalmente atribuídas às normas comunitárias. 4 Como bem nota Jorge Miranda (“O direito constitucional português da integração europeia. Alguns aspectos”, Nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa de 1976 – Evolução Constitucional e Perspectivas Futuras, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2001, p. 17), num artigo que abarca, embora sob uma perspectiva algo diferente da nossa, a temática do presente estudo, “senão a própria pertença às Comunidades, pelo menos os sucessivos passos no sentido na União, para maior integração, têm pressuposto sempre revisão constitucional ou mutação tácita da Constituição” (itálico nosso). 86 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa actuar como constrangimento formatador essencial na progressão diacrónica da Constituição portuguesa. O significado deste processo sistemático de adaptações, iremos argumentar, torna-se por demais evidente: e é o de que a dinâmica de constitucionalização nacional está longe de ser concebível como um processo endógeno, constrangido por meras internalidades expressivas de eventuais projectos cá gizados para reconfigurações “domésticas” da comunidade política originária. Pelo contrário – e será essa a linha de argumentação implícita que seguimos – a dinâmica de adaptação constitucional portuguesa responde, em larga escala, à actuação de externalidades que são depois internamente consentidas pelos actores político-jurídicos que, em Portugal, têm tido poder para o fazer5. As implicações de tal facto não podem ser menosprezadas, dada a amplitude da sua alçada. Para tornar claras as traves mestras da linha de argumentação escolhida: talvez mais relevante, em termos práticos, do que as alterações formais descritas, terão sido as verdadeiras mutações introduzidas na ordem constitucional portuguesa pelo poder efectivamente exercido pela UE no quadro das suas atribuições6, que subverteram a própria dinâmica do processo de revisão constitucional, tornando-o instrumental face ao processo de integração europeia7. Ou seja, mais do que simples modificações avulsas, as transformações ocorridas devem ser encaradas enquanto reconfigurações sistémicas de alcance maior. Como iremos tentar ilustrar, a influência de efeitos informais sobre a prática constitucional acabou por ser responsável pelo surgimento de várias das revisões constitucionais ocorridas nos últimos vinte anos. Em nossa opinião, acomodações do tipo das verificadas pautam o fluxo de evolução conjunta dos dois processos que aqui 5 Neste sentido, afirmando mesmo a existência de uma “verdadeira heterovinculação constitucional” que determinaria o conteúdo das revisões constitucionais, v. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2003, p. 607. Não podemos deixar de aqui reconhecer a importância dos trabalhos, inovadores em Portugal, de Isabel Jalles para um melhor enquadramento e uma melhor compreensão destas mutações. 6 Introduzimos aqui o conceito de mutação constitucional por oposição aos de reforma ou revisão constitucional na esteira da conceitualização avançada no início do séc. XX por Georg Jellinek (Reforma y mutacion de la Constitución, Centro de Estudios Constitucionales, (trad. Christian Föster, LXXX, Madrid, 1991) que, recorde-se, identificava esta última com a modificação dos textos constitucionais por acção voluntária e intencional, enquanto a primeira se continha numa modificação lograda sem alteração formal do texto constitucional, a qual poderia ocorrer pela prática parlamentar, pela prática constitucional, ou ainda pelo desuso. 7 Paulo Otero (op. cit., p. 606) alude, a este propósito, a um “processo informal dinamizador de uma normatividade “não oficial” que se foi impondo ao texto da Constituição “oficial”. 87 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho tentamos abordar em paralelo: por um lado, a dinâmica de integração europeia; e, por outro, a progressão da ordem constitucional portuguesa. Mais ainda, as acomodações sucessivas demonstram a presença de uma progressiva, senão subordinação, pelo menos indexação genérica do segundo (o das mutações constitucionais induzidas na nossa ordem constitucional) ao primeiro (aqueloutro processo que remete para a mecânica maior de construção europeia). Ou talvez melhor: o andamento dos dois processos por nós aqui arrolados e aferidos põe em muito clara evidência um enorme grau de porosidade na conceitualização formal, levada a cabo pelas elites políticas portuguesas, da nossa comunidade imaginada de pertença8. Embora seguramente este não tenha sido o único caminho percorrido, a sintonia, chame-se-lhe assim, é com maior facilidade compreendida em sede da lógica de mutações constitucionais que tem vindo a alargar, a par e passo mas de maneira teimosa, os limites da comunidade política imaginada, fazendo-os crescentemente coincidir com a mais geral dos “europeus”. O que acabámos de sugerir não deixa, naturalmente, de se ver projectado na estrutura orgânica que decidimos dar ao presente artigo. Assim, num primeiro passo do que se segue, levamos a cabo um breve rastreio das sete revisões constitucionais que em Portugal ocorreram desde 1976. Numa segunda parte, centrar-nos-emos, em consonância com as finalidades que enunciámos, na procura da projecção que o poder detido pela UE tem tido na ordem constitucional portuguesa, especialmente nos mecanismos do seu exercício, o que nos permitirá (pelo menos assim o esperamos) aferir o real impacto da adesão à UE sobre a ordem constitucional portuguesa. Em breves conclusões, terminaremos com uma abordagem geral deste mesmo ponto, tecendo algumas considerações sobre a textura e as consequências do impacto verificado. 1. Um Primeiro Rastreio do Impacto do Processo de Integração Europeia nas Revisões da Constituição Portuguesa I. A UE conheceu nos últimos vinte anos alterações substanciais que resultaram, muito embora em grau diferente, de mudanças exigidas no texto do Tratado de Maastricht 8 Comunidade imaginada é expressão que aqui utilizamos num sentido próximo do de Benedict Anderson (em Imagined Communities, Cambridge University Press, Cambridge, 1992), que diz respeito à construção dos esquemas conceptuais organizadores da comunidade política de referência de actores sociais. 88 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa (1992), do Tratado de Amesterdão (1997) e do Tratado de Nice (2002). O mesmo poderá suceder caso o Tratado Constitucional (cujo texto data de 2004) venha a entrar em vigor, algo que se afigura menos provável face à suspensão sine die do processo de ratificação, acordada no Conselho Europeu de Gotemburgo de Junho de 2005 na sequência dos referendos negativos ocorridos na França e na Holanda. O impacto das transformações ocorridas a nível europeu foi imediato no quadro das jurisdições nacionais9. A ordem jurídica portuguesa não foi excepção, verificando-se que as seis revisões ocorridas nos últimos vinte anos tiveram, em maior ou menor grau, como causa próxima a necessidade sentida de acompanhar de perto o passo do processo da nossa integração europeia. II. Comecemos por uma constatação. A versão originária da Constituição portuguesa de 1976, apesar de não totalmente imune à influência de algumas declarações e convenções internacionais (v. g. o art. 16.º, n.º 2), não continha nenhuma referência às Comunidades Europeias. De algum modo, até, contrapunha-se-lhes; ou, pelo menos, indicava uma direção alternativa em relação a ela. Numa altura em que o processo de integração estava ainda dominado pela vertente económica, a opção da Constituição portuguesa, fruto de um imbricado compromisso entre forças políticas de pendor muito diverso, embrenhou-se no sentido da adopção de um sistema económico misto, mas com forte pendor colectivizante (v.g. art. 92.º, n.º 1, da CRP76), a que acresciam reivindicações soberanistas (v.g. art. 7.º) dificilmente harmonizáveis com a adesão a uma entidade de matriz supranacional10. Vivia-se uma fase de um curioso dualismo. 9 Embora aqui não levemos a cabo um estudo comparativo, há que sublinhar o enorme interesse e alcance analítico que um trabalho desses poderá vir a ter para um mais completo enquadramento das questões que suscitamos neste trabalho. Comparações sitemáticas com o que tem tido lugar noutros Estados membros permitir-nos-iam deslocar a atenção dos processos de adaptação centrados num Estado para o enquadramento maior em que cada uma e todas elas têm lugar: o constituído pela União Europeia enquanto nova comunidade política de referência viabilizando, assim, um estudo fundamentado sobre o complexo e laborioso processo de construção desta. 10 A questão da compatibilidade do texto da Constituição de 1976 com os Tratados de Roma foi objecto de candente debate na doutrina portuguesa nos anos que antecederam a adesão. As opiniões dos intervenientes, geralmente centradas na necessidade de adaptação do regime económico constitucional português ou na compatibilidade da adesão a entidade supranacional com o princípio da independência nacional postulado pela Constituição, chegariam, contudo, a resultados muito diferentes. Pugnando pela necessidade de revisão da Constituição, em particular do seu regime económico, com vista a permitir a adesão à C.E.E., encontramos, entre outros, Paulo de Pitta e Cunha (“A regulação constitucional da organização económica e a adesão à C.E.E.”, Estudos sobre a Constituição, III Vol., Petrony, Lisboa, 1979, p. 455 e “O sistema económico português e a adesão ao mercado comum”, Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias, 89 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho Embora a maioria das elites políticas nacionais fosse já então porventura favorável à plena integração portuguesa na Europa comunitária, a correlação de forças existente não lhe permitia uma expressão conclusiva. A primeira revisão constitucional, ocorrida em 1982, viria, contudo, a preparar o caminho da adesão às Comunidades Europeias, afastando normas e princípios constitucionais que poderiam, eventualmente, constituir um obstáculo à integração nas Comunidades Europeias11 e aditando um n.º 3 ao art. 8.º, referente em termos gerais ao Direito Internacional de origem convencional, nos termos do qual foi declarada a vigência automática na ordem jurídica portuguesa das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte, desde de que tal se encontre expressamente estabelecido nos respectivos tratados constitutivos. O preceito foi introduzido com o propósito de abarcar o chamado direito secundário da UE12, o qual, desta forma, poderia vigorar sem necessidade de interposição, ou transformação, legislativa. Não vale decerto a pena perder muito tempo com o que diz respeito às coordenadas de uma transformação que é tão bem conhecida como a que ocorreu em 1982. Mas na leitura que aqui defendemos, note-se, a revisão de 1982 demonstrou uma marcada permeabilidade (é este o termo) à Europa: redundou numa antecipação das exigências Inteuropa, Lisboa, 1981, p. 57) e Fausto Quadros, para quem a Constituição seria “materialmente incompatível com o espírito do Tratado de Roma” (“Problemas Políticos e Constitucionais do alargamento da Comunidade”, Revista de Política Externa, n.º 2, Lisboa, 1978, p. 12). Em sentido contrário, sustentando a compatibilidade entre a Constituição portuguesa e o Tratado de Roma, pronunciaram-se, entre outros, Jorge Miranda (“A Constituição Portuguesa e o Ingresso nas Comunidades Europeias”, Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias, Inteuropa, Lisboa, 1981, p. 94) e Marcelo Rebelo de Sousa (“A adesão de Portugal à C.E.E. e a Constituição de 1976”, Estudos sobre a Constituição, III Vol., Petrony, Lisboa, 1979, pp. 457 e segs.). Para este último autor, a eventual incompatibilidade do conteúdo de alguns preceitos constitucionais, particularmente no âmbito do regime económico, seria desmentida pela prática constitucional, o que seria suficiente para afastar eventuais obstáculos à adesão (Marcelo Rebelo de Sousa, “Aspectos Institucionais da Adesão de Portugal”, Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias, Inteuropa, Lisboa, 1981, p. 149). Sobre este debate, v. ainda Jorge Miranda, “O direito constitucional português da integração europeia. Alguns aspectos.”, cit., pp. 28 a 32. 11 A este respeito, cumpre salientar a extinção do Conselho da Revolução, que poderia contender com o princípio democrático inerente ao processo de integração (António Vitorino, “A adesão de Portugal às Comunidades Europeias – A problemática da aplicabilidade directa e do primado do Direito comunitário face ao nosso ordenamento jurídico”, Estudos de Direito Público, Cognitio, 1984, p. 12, nota 2), ou o facto de as alterações introduzidas na Constituição económica reflectirem um esbatimento da opção socialista de 1976, antecipando uma mudança de rumo no sentido de uma economia pluralista, consonante com a dos demais Estados membros, que ocorreria somente em 1989. 12 Jorge Miranda, “O Tratado de Maastricht e a Constituição Portuguesa”, A União Europeia Numa Encruzilhada, obra colectiva, Almedina, Coimbra, 1996, p. 47. 90 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa de a integração plena de Portugal na Europa, que então estava já a ser projectada e a constituir objecto de preparação em fast tracks em inúmeros planos. Invertendo a ordem cronológica “normal”, operou por antecipação. Por outras palavras, e em termos se se quiser genealógicos: o verdadeiro “momento constituinte” da nossa primeira grande revisão constitucional do pós-25 de Abril teve lugar antes de 1982, e radicou na tomada colectiva de uma decisão que levou as nossas elites políticas a procurar garantir a exequibilidade da adesão portuguesa à Europa. III. A adesão de Portugal às Comunidades Europeias, que teve lugar em 1 de Janeiro de 1986, ocorreu sem ter sido sentida a necessidade de uma qualquer revisão constitucional. Mas uma nova mutação formal não iria tardar. Pensar-se-ia que a revisão de 1982 teria afastado todas as normas ou princípios constitucionais que poderiam constituir entraves à adesão. Pouco tempo depois, contudo, sob pressão de vastos sectores da opinião pública13, a segunda revisão constitucional, ocorrida em 1989, viria a demonstrar o contrário ao reformular boa parte das matérias relativas à organização económica, afastando-a definitivamente de uma lógica socialista, sobre o pano de fundo de uma integração europeia que preconizava uma união económica que se não compadecia, a longo prazo, com princípios constitucionais como o da irreversibilidade das nacionalizações14. A revisão constitucional de 1989, muito embora estivesse centrada na organização económica, viria ainda a introduzir um conjunto de disposições de enorme relevância com incidência mais directa no processo de integração europeia. Em primeiro lugar, acrescentou um n.º 5 ao art. 7.º, no qual se previa que Portugal se iria empenhar “no reforço da identidade europeia e no fortalecimento da acção dos Estados europeus a favor da paz, do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos”. Por outro lado, desenvolvendo os laços de identificação com o processo de integração, operou 13 Vital Moreira argumenta, a este respeito, que a revisão de 1989 teve “um salutar efeito de “descarga de pressão” que se vinha acumulando sobre o texto constitucional em alguns domínios e que ameaçava a própria credibilidade e autoridade normativa da Lei Fundamental” (“A segunda revisão constitucional”, Revista de Direito Público, Ano IV, n.º 7, Janeiro/Junho 1990, p. 14). 14 Art. 85.º da CRP89 e 296.º da CRP89 (actual art. 293.º). No mesmo sentido, refira-se também a eliminação da referência a nacionalizações entre as incumbências do Estado (art. 81.º, alínea e) da CRP89), a restrição e o condicionamento de intervenção administrativa na gestão de empresas privadas (art. 87.º, n.º 2, CRP89, actual art. 86.º, n.º 2) ou ainda a substituição, na cláusula de limites materiais, do princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção pelo da coexistência de sectores público, privado e cooperativo e do princípio da planificação democrática da economia pelo da existência de planos no âmbito da economia (art. 288.º, alíneas f) e g)). 91 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho a constitucionalização do Parlamento Europeu15, bem como a atribuição (ainda que não em exclusividade) aos cidadãos da então CEE de capacidade eleitoral para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais16. Por último, merece especial menção a alteração cirúrgica do art. 8.º, n.º 3, do qual foi retirado o advérbio “expressamente” com o claro objectivo de permitir a aplicação directa das directivas comunitárias, porquanto apenas os regulamentos comunitários estão contemplados no texto dos Tratados como dotados de aplicabilidade directa17. A pretexto da economia, um novo passo político de peso tinha sido dado. IV. Continuemos. A assinatura do Tratado de Maastricht, em 7 de Fevereiro de 1992, esteve na origem da terceira revisão da Constituição. À semelhança do que sucederia com um vasto conjunto de Estados membros, a natureza e amplitude das matérias atribuídas à UE pelo referido Tratado, matérias essas que envolviam a partilha de poderes soberanos dos Estados, impôs a necessidade de reformas de teor constitucional. Como observadores atentos não deixaram logo de sublinhar, o passo dado era de gigante. Os imperativos decorrentes de uma tão imprescindível quão rápida adequação seguiram-se-lhe, naturalmente, a curto trecho. Com a revisão de 1992 pretendeu-se efectuar um controlo de constitucionalidade sistémico, empreendido com o fito de afastar preceitos constitucionais que pudessem contrariar este Tratado e possibilitando, dessa forma, não só a sua ratificação como também a prevenção de conflitos entre a ordem jurídica nacional e a europeia. Efectivamente, as mutações induzidas pela crescente porosidade que se vinha afirmando foram bastante amplas. No quadro das alterações efectuadas, realce-se, no plano das relações externas, a incorporação da integração europeia nos objectivos constitucionais de internacionalização do Estado português, sugerindo o exercício em comum de poderes soberanos (art. 7.º, n.º 6, da CRP92)18. Pela revisão foi também 15 Nos arts. 136.º, alínea b) da CRP89, actual art. 133.º, alínea b) e 139.º, n.º 3, alínea c) da CRP89, actual 136.º, n.º 3, alínea c). Como bem notou Jorge Miranda (“O Tratado de Maastricht e a Constituição Portuguesa”, op. cit., p. 48) está terá sido a primeira ocasião em que um órgão próprio de uma organização internacional ganhou relevância no interior de uma Constituição estadual. 16 Art. 15.º, n.º 4. 17 Por esta razão, o Tribunal Constitucional, na primeira ocasião em que se pronunciou sobre o Direito da UE, parecia estar preparado para negar efeito directo às directivas comunitárias. Cfr. Acórdão n.º 184/89, Diário da República – I Série, n.º 57, de 9 de Março de 1989, p. 1051. 18 Seria, portanto, apenas em 1992 que se introduziria uma norma permitindo a atribuição de poderes para da esfera nacional para a da UE, o que levou Paulo Otero a questionar-se sobre qual o fundamento 92 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa constitucionalizada a atribuição a cidadãos de Estados membros da UE residentes em Portugal, em condições de reciprocidade, do direito de elegerem e de serem eleitos deputados para o Parlamento Europeu (art. 15.º, n.º 5). Não foi, no entanto, tudo. Ao mesmo tempo, e pela primeira vez, foram introduzidas na Constituição disposições relativas ao relacionamento da Assembleia da República e do Governo com o processo de integração, sendo atribuída àquela a possibilidade de “acompanhar e apreciar, nos termos da lei, a participação de Portugal no processo de construção da União Europeia” (166.º da CRP92 (actual art. 163.º), alínea f)), cabendo ao Governo “apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República […] informação referente ao processo de construção da União Europeia” (art. 200.º (actual 197.º), n.º 1, alínea i) da CRP92). Tratou-se pois, de assegurar o reconhecimento evidente da necessidade de uma partição relativamente clara das águas, uma vez tornado patente o impacto potencial de uma crescente articulação normativa europeia. Finalmente, ao nível da organização económica, refira-se ainda (a título de mero exemplo suplementar) a reformulação, então levada a cabo, do papel do Banco de Portugal, uma reformulação-emagrecimento que antecipou a emergência de uma moeda única europeia e a criação de um Banco Central Europeu19. V. Mas prossigamos. A quarta revisão constitucional, ocorrida em 1997, não foi, ao contrário da anterior, consequência directa da participação de Portugal na UE20. Tal não significa, contudo, que algumas das modificações que introduziu na Constituição não tenham sido o resultado da dinâmica do processo de integração europeia. Bem pelo contrário. Entre estas cumpre destacar a alteração efectuada quanto ao regime do referendo político nacional, bem como a preocupação de atribuir à Assembleia da República e às regiões autónomas papel mais proeminente na definição das posições de Portugal nas políticas europeias. constitucional para as transferências ou delegações de poderes ocorridas até aquele momento. A resposta, segundo o mesmo autor, dever-se-ia encontrar no desenvolvimento de uma normatividade “não oficial” “que se foi impondo progressivamente com convicção de obrigatoriedade e, por essa via, descaracterizando a Constituição “oficial” (op. cit., p. 609). 19 Art. 105.º da CRP92. Este preceito viria a ser novamente alterado em 1997, no sentido de uma ainda maior diminuição de conteúdo, dispondo o actual art. 102.º que “o Banco de Portugal é o banco central nacional e exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que o Estado Português se vincule”. 20 A diversidade das modificações introduzidas por esta revisão não permite, em todo o caso, encontrar um núcleo temático principal. 93 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho Mapear consequências a este nível é da maior utilidade. Não obstante a sua consagração constitucional em 1989, o instituto do referendo político nacional não pôde ser utilizado em 1992, aquando da ratificação do Tratado de Maastricht visto o mesmo não permitir referendar a vinculação do Estado a tratados internacionais21. Iria ser apenas em 1997 que o art. 118º (actual 115.º) seria alvo de várias alterações, entre as quais se incluíu a possibilidade de referendar “questões de relevante interesse nacional que devam ser objecto de convenção internacional” (art. 115.º, n.º 5). As implicações políticas desta revisão foram, sem dúvida, de alguma monta. E, apesar das cautelas que foram sendo erigidas, não deixaram de se fazer sentir. No plano da modulação, designadamente, do sistema de governo, a revisão constitucional de 1997 significou um aumento material muito concreto dos poderes parlamentares, o que, como é óbvio, exprimiu também uma consciência cada vez maior das alterações internas sentidas no plano da correlação democrática de forças (no sentido forte da lógica da separação de poderes), mais ou menos mecanicamente induzidas pelo processo de integração normativa na Europa. Uma das principais justificações prendeu-se justamente com a preocupação de evitar fraudes constitucionais, levadas a cabo à sombra do processo de integração22, designadamente através da subversão dos princípios constitucionais de reserva de lei e reserva da competência parlamentar pela participação do Governo no seio das instituições europeias23. Tratava-se de uma consciência e de um esforço correctivo que tinham vindo para ficar. E os seus pontos de aplicação foram significativos. Desenvolvendo as directrizes já inicialmente traçadas pela revisão de 1992, a Assembleia da República ganhou em 1997 mecanismos mais fortes, ainda que não vinculativos, de controlo do processo decisório da UE, tendo-lhe sido facultada a possibilidade de se pronunciar sobre as matérias pendentes de decisão de órgãos da UE que incidissem sobre a sua esfera de competência legislativa (art. 161.º, alínea n)), bem como com relação ao poder de decretar, em termos gerais, o regime de designação dos titulares de órgãos da UE, com excepção dos da Comissão (art. 164.º, alínea p)). 21 Aquando da revisão de 1992, foram apresentadas algumas propostas no sentido de submeter a referendo questões relativas a tratados internacionais. Não viriam, no entanto, a ser acolhidas. O mesmo sucedeu em 1994 mas, como se sabe, esta revisão não veio a realizar-se. Sobre este assunto, Francisco Pereira Coutinho, “O referendo político nacional em Portugal”, Estudos de Direito Público, Âncora Editora, Lisboa, 2005, p. 90. 22 Neste sentido, Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, Almedina, 2005, p. 517. 23 Voltaremos a este ponto, com maior desenvolvimento, na segunda parte deste artigo. 94 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa Por outro lado, introduziram-se também no texto constitucional poderes de participação das regiões autónomas na definição das posições portuguesas junto da UE, poderes de participação esses que incluíam o direito de pronúncia, por iniciativa própria ou sob consulta dos órgãos de soberania, relativamente a questões da competência que lhes dissessem respeito ou em matérias do seu interesse específico (art. 227.º, n.º 1, alínea v) 2ª parte); o direito de participar no processo de construção europeia mediante representação nas respectivas instituições regionais (art. 227.º, n.º 1, alínea x), 1ª parte); o direito de participar nas delegações envolvidas em processos de decisão da UE quando estivessem em causa matérias do seu interesse específico (art. 227.º, n.º 1, alínea x), 2ª parte). Finalmente, no plano das relações das fontes normativas internas com as fontes normativas da UE, saliente-se ainda a mudança que impôs a transposição dos actos jurídicos da UE para a ordem jurídica nacional através de lei ou decreto-lei, conforme a matéria por elas abarcada inclua ou não no âmbito da reserva da Assembleia da República (art. 112.º, n.º 9). Por esta via, a Constituição criou uma reserva de lei no que concerne à incorporação de normas jurídicas da UE no direito interno português. VI. Em termos cronológicos, aproximava-se entretanto a quinta revisão constitucional (2001). Muito embora cirúrgica e centrada, no essencial, na necessidade de compatibilizar o texto constitucional com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional (assinado em Roma a 11 de Julho de 1998), esta revisão não deixaria também de envolver a modificação de preceitos relacionados com o processo de integração europeia. No âmbito do exercício em comum – ou em cooperação – dos poderes necessários à construção da UE foi incluído o “espaço de liberdade, segurança e justiça” (art. 7.º, n.º 6), nova realidade então emergente. É interessante verificar como teve lugar a modificação operada. Um dos grandes “estaleiros” do actual processo de integração24, a criação de um “espaço de liberdade, segurança e justiça” a nível europeu, favoreceu a necessidade de compatibilizar a Constituição com algumas das suas concretizações, nomeadamente através da desconstitucionalização de algumas garantias relativas à expulsão e à extradição, no âmbito das “normas de cooperação penal estabelecidas no âmbito da União Europeia” (art. 33.º, 24 Nuno Piçarra,”O espaço de liberdade, segurança e justiça no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa: unificação e aprofundamento”, O Direito, IV-V, Almedina, 2005, p. 1009. 95 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho n.º 5). O empenho do Estado português no processo de integração dificilmente poderia ser mais nítido. VII. O tópico europeu voltaria, pouco tempo depois, a ser um dos grandes protagonistas da revisão constitucional que se seguiu, a sexta, levada a efeito em 2004. Desta feita, o objecto da intervenção constitucional versaria, sobretudo, a posição do Direito da UE face à Constituição Portuguesa. Esta questão, cujo debate constituiu uma réplica evidente do ocorrido em maior ou menor grau em todos (ou praticamente todos) os Estados membros, tem conhecido nos últimos tempos enorme controvérsia na doutrina nacional25. Subjacentes à mesma estão posições entre si divergentes: por um lado, a assunção do primado do Direito da UE pelo TJCE26; e, por outro, a defesa do primado da Constituição nacional que, para a maioria da doutrina constitucional portuguesa e para o Tribunal Constitucional, continua a ocupar o topo da hierarquia normativa. No quadro genérico das constantes revisões constitucionais que têm acompanhado o desenvolvimento do processo de integração europeia, esta intervenção constituiu, na época, novidade inusitada e foi decerto muitíssimo significativa. O risco de conflito entre as duas diferentes narrativas, a que tais disparidades discursivas deram corpo, tinha até aí vindo a ser esbatido de uma forma pragmática, abstendo-se o Tribunal Constitucional de abordar directamente esta questão no quadro das suas funções de fiscalização constitucional. Conhecia agora uma resposta de cariz sistémico, estabelecendo o novo n.º 4 do art. 8.º: “As disposições dos tratados que regem a UE e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”. Por força do novo preceito, a Constituição portuguesa passou então, inovadoramente, a reconhecer o primado efectivo do Direito da UE, ao determinar que a priori25 Sobre o “estado da arte” da doutrina e da jurisprudência constitucional sobre esta matéria, v. Miguel Poiares Maduro, “The State of Portuguese European constitutional discourse”, FIDE, XX Congress, London, Vol. II, 2003, p. 387 e segs.. 26 O qual tem por fundamento a própria necessidade “existencial” do Direito da UE, de forma a garantir a sua aplicação uniforme em todos os Estados membros (cfr. Proc. n.º 6/64, M. Flaminio Costa vs. E.N.E.L., Colectânea de Jurisprudência (CJ), 1964, pp. 549 a 563), e que , portanto, se projecta inclusivamente sobre as normas constitucionais nacionais (cfr. Proc. n.º 11/70, Internationale Handelsgesellschaft mbH v Einfuhr – und Vorratsstelle für Getreide und Futtermittel, CJ, 1970, pp. 625 a 634). 96 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa dade normativa deste Direito é definida de acordo com os parâmetros estabelecidos na ordem jurídica da União. Tal reconhecimento, asseverou-se, só valerá, contudo, se e enquanto os ordenamentos jurídico português e europeu forem compatíveis em termos sistémicos, sendo tal compatibilidade aferida com base no respeito pelo Direito da UE dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático: princípios esses, também já acolhidos no quadro dos valores fundamentais sobre que se alicerçam a ordem constitucional portuguesa27. O empenho do Estado português no processo de integração europeia ficava ainda reforçado pela nova redacção do n.º 6 do art. 7.º, que passou a referir-se ao “aprofundamento da união europeia” e à “definição e execução de um política externa, de segurança e de defesa comum”, ressalvando-se sempre, mais uma vez, o “respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”. Por último, a revisão constitucional de 2004 envolveu também um aumento assinalável dos poderes das regiões autónomas que naturalmente se refrangeria na sua posição face à União, designadamente no plano legislativo, passando ambas as regiões a poder transpor actos jurídicos da UE através de decreto legislativo regional (art. 112.º, n.º 8, parte final e 227.º, n.º 1, alínea x), parte final). VIII. A mais recente revisão constitucional, ocorrida em 2005, consubstanciou o mais recente episódio da saga que tem rodeado a tentativa de referendar o Tratado Constitucional Europeu. Escusado será por isso sublinhar o papel que nela tiveram as acomodações a uma Europa em tentativa acelerada de construção. Apesar de, como se viu, em 1997 a quarta revisão constitucional ter vindo a alterar o regime do referendo nacional, permitindo que o mesmo se reportasse a convenções internacionais, verificar-se-ia, na prática, que condicionalismos relacionados com o seu regime 27 Este reconhecimento do primado do Direito da UE mesmo sobre as normas constitucionais não implica, argumentam Miguel Poiares Maduro e Francisco Pereira Coutinho (“A aplicação do Direito da UE na ordem jurídica portuguesa”, ICS, no prelo.), um postergar da “soberania” da Constituição, na medida em que se encontra subordinado ao respeito pelos mesmos valores fundamentais acolhidos pela ordem constitucional portuguesa, sendo precisamente esta identificação axiológica de base entre os dois ordenamentos jurídicos que previne a existência de eventuais conflitos de carácter normativo. Em sentido contrário, v. a forte crítica de Jorge Bacelar Gouveia (op. cit., p. 536) ao art. 8.º, n.º 4, numa expressão do que Jürgen Habermas chamou “patriotismo constitucional”, para o qual adverte a possibilidade de uma interpretação abrogante por violar o princípio da constitucionalidade, do qual resultaria que a Constituição deve prevalecer sobre todas as outras ordens normativas, internas e externas. Sobre este assunto, v. também Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005, pp. 93 e 94. 97 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho iriam efectivamente inviabilizar a sua realização28. Foi então aberto um procedimento de revisão extraordinário da Constituição por parte da Assembleia da República com a finalidade de permitir a realização de referendo nacional sobre o texto do Tratado Constitucional, e não apenas sobre questões acerca do mesmo. A suspensão do procedimento de ratificação do Tratado Constitucional pelos Estados membros viria, no entanto, a impossibilitar a efectivação do referendo previsto. Mas – e este ponto é do maior interesse para o argumento a este propósito por nós adiantado – a vontade política das elites político-jurídicas portuguesas não deixou, por isso, de se manifestar alto e bom som: a referida suspensão, com efeito, não prejudicou a aprovação pela Assembleia da República de uma alteração constitucional no sentido de possibilitar que, daí para o futuro, novos Tratados Europeus, ou as suas revisões, pudessem ser sujeitas directamente a referendo nacional. O gesto foi tão significativo quão expressivo da ratio implícita na revisão que teve lugar. Passou a admitir-se uma excepção ao regime geral do Direito Referendário Português que possibilitará a submissão a sufrágio dos cidadãos de articulados jurídicos, que ficaria consagrada no art. 295.º: “O disposto no n.º 3 do artigo 115.º não prejudica a possibilidade de convocação e efectivação de referendo sobre a aprovação de tratado que vise a construção e aprofundamento da União Europeia”. 2. Algumas Mutações Introduzidas pelo Processo de Integração Europeia na Constituição Portuguesa I. Se, na parte inicial do presente artigo, o intuito foi o de conseguir uma boa reconstrução racional de um processo político-constitucional complexo, composto por dois desenvolvimentos paralelos – de um lado, a dinâmica de integração europeia e, 28 Em causa estava a exigência de que as questões a colocar aos cidadãos fossem objectivas, claras e precisas, não devendo sugerir, de forma directa ou indirecta, o sentido das respostas (cfr. art. 7.º da Lei Orgânica do Regime do Referendo). Este requisito mostrou-se inultrapassável quer aquando do pedido de referendo ao Tratado de Amesterdão em 1997, quer no pedido de referendo do Tratado Constitucional em 2005, uma vez que em ambas as ocasiões o Tribunal Constitucional consideraria que as propostas pela Assembleia da República não respeitava as referidas exigências de objectividade, clareza e precisão (cfr., respectivamente, Acórdão n.º 531/98, de 29 de Julho, in Diário da República, I-A Série, Suplemento, pp. 3660 (2) a 3660 (12), cuja relatora foi Maria Helena Brito), do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1ª Série-A, de 30 de Julho, p. 3660 e Acórdão n.º 704/2004, de 17 de Dezembro de 2004, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 1ª Série-A, de 30 de Dezembro, p. 304. 98 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa de outro, a progressão da ordem constitucional portuguesa, asseverado logo à partida – importa decerto, num segundo segmento da nossa exposição, lograr uma mudança de patamar analítico, uma mudança só viável através de um recuo que viabilize uma perspectivação mais macro do que tudo aquilo a que foi referido; olhar para a configuração da floresta, uma vez identificadas as árvores, a sua distribuição “genealógica”, e a arrumação “arquitectónica” que lhes foi reservada. Há vantagens em encetar este recuo por exclusão de partes. A medida do real impacto que a adesão à UE teve sobre o texto constitucional não pode ser avaliada apenas pela mera enunciação, por muito pormenorizada que possa ser, das revisões constitucionais que sobre ela se debruçaram. Com excepção dos momentos de harmonização do texto constitucional contemporâneos à ratificação dos Tratados europeus, como sucedeu com o de Maastricht em 1992, as demais revisões constitucionais são explicáveis pela projecção que a evolução gradual do processo de integração teve sobre o próprio substrato constitucional. Como se irá tentar demonstrar, as mutações induzidas pelo processo de integração geraram pressões (talvez constrangimentos seja aqui um mais adequado termo) que determinaram a necessidade de alterar o texto constitucional de forma a procurar corrigir o desfasamento entretanto verificado perante a realidade nua e crua dos factos. Como? Dois exemplos podem, estamos em crer, senão explicar, pelo menos ilustrar, de maneira bastante esclarecedora, este fenómeno: em primeiro lugar, as mutações introduzidas no princípio da separação de poderes; e, em segundo, as provocadas pela organização económica da Constituição. Sobre este par de exemplos nos debruçaremos antes de mais. II. Esmiucemo-los pela ordem por que os arrolámos. A atribuição de competências à UE, inter alia de algumas das anteriormente detidas pelos Estados membros, teve consequências imediatas sobre o princípio da separação de poderes previsto a nível interno nos textos constitucionais. Na verdade, a circunstância de o exercício do processo decisório da UE estar concentrado no Conselho29, o que significa que a representação dos Estados membros está a cargo dos respectivos governos. As implicações, logo à partida, são assim incontornáveis. É ocasião de sublinhar as mais importantes. Ao nível legislativo, a natureza intergovernamental dos centros 29 A outra instituição com poderes de decisão, o Parlamento Europeu, é, como se sabe, directamente eleita pelos cidadãos através de sufrágio directo. 99 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho de decisão da UE redunda na diminuição dos poderes dos Parlamentos nacionais face aos respectivos Governos, pois as competências que pertencem à reserva parlamentar, ao serem transferidas para a esfera de decisão europeia, passam a ser controladas pelos executivos nacionais. Esta situação desde logo colocou (e coloca ainda, apesar das manobras correctivas a que de início foi feita alusão) directamente em causa o primado legislativo de que os Parlamentos tradicionalmente gozam, gerando igualmente preocupações relativamente ao défice democrático daqui decorrente30. No plano do procedimento legislativo português, a grande “vítima” deste fenómeno foi a Assembleia da República, que viu matérias compreendidas no âmbito da reserva que lhe cabia serem aprovadas sem a sua intervenção a nível europeu, perdendo também a possibilidade de requerer a apreciação parlamentar dos decretos-lei nessas áreas elaborados pelo Governo, mesmo em domínios que não pertençam à área reservada. Em paralelo, as competências do Presidente da República foram também comprimidas, pois este deixou de poder exercer o direito de veto e promulgação sobre diplomas da Assembleia da República e do Governo nessas áreas, com excepção das leis ou decretos-lei que procedam à transposição de directivas (art. 112.º, n.º 8). No quadro da direcção política, no caso português, o desequilíbrio nas funções de representação externa é ainda mais notório, quanto mais não seja porque o Presidente da República, a quem compete representar a República Portuguesa (art. 120.º), não tem acesso ao Conselho, assegurando o Primeiro-Ministro a representação de Portugal nas reuniões do Conselho ao nível de Chefes de Estado e de Governo31. 30 Neste sentido, v. por todos, Gérard Laprat (“Reforme des Traités: le Risque du Double Déficit Démocratique – Les Parlements nationaux et l´élaboration de la Norme Communautaire”, Revue do Marche Commun, 351, 1991, pp. 710 e segs.) que, a este respeito, alude à existência na UE de um “duplo défice democrático” que se consubstancia no esvaziamento dos poderes dos Parlamentos nacionais, a que acresce o défice democrático das próprias instituições da UE. 31 Esta situação, contrária à existente em França, onde o Presidente da República participa no Conselho Europeu, por ao mesmo tempo ser o Chefe de Estado e o Chefe do Executivo, significava para Francisco Lucas Pires (“A Experiência Comunitária do Sistema de Governo da Constituição Portuguesa”, Perspectivas Constitucionais – Nos 20 Anos Da Constituição De 1976, Jorge Miranda (org.), Vol. II,Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 642), um reforço da imagem e da realidade do poder do Governo e do seu líder, valorizando-os ainda mais na balança constitucional de poderes. Após a adesão, os poderes do Presidente da República, no quadro da sua função de representação externa, adquiriram uma importância diferente consoante se tratava da UE ou do resto do mundo (op. cit., p. 644). No plano da UE, pouco mais resta ao Presidente da República do que o direito de ser informado acerca dos assuntos respeitantes à condução da política externa (art. 201.º, n.º1), onde se inclui a política da UE. A este respeito, nota Jorge Miranda (O direito constitucional português da integração europeia. Alguns aspectos, cit., p. 52) ser omisso no texto constitucional, um preceito análogo ao introduzido para a Assembleia da República em 1992 e 1997, que possibilitasse um direito de participação mais forte por parte do Presidente da República – pelo menos no que concerne à designação de membros portugueses da Comissão e do TJCE. 100 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa Acrescentemos outros dados, antes de nos abalançarmos a uma ponderação de conjunto neste novo patamar analítico. A governamentalização do sistema político português resultante da transferência de competências da esfera nacional para a europeia não foi, para além do mais, acompanhada por efectivos mecanismos de responsabilização política. No plano formal, em todo o caso, Portugal não foi o único Estado da União em que isso aconteceu. O exercício dos poderes dos Governos nacionais no seio do Conselho não é geralmente controlado pelos Parlamentos nacionais; o que, um pouco por toda a parte, permitiu aos executivos transferir os custos de determinadas decisões políticas para uma entidade supranacional que não é responsável perante ninguém32. Um pouco por toda a parte, também, a reacção dos Parlamentos nacionais não deixou de se fazer esperar33. Em Portugal, como vimos na primeira parte deste estudo, a revisão constitucional de 1992 introduziu “medidas compensatórias”, embora o tenha feito num quadro genérico que apelidou “de acompanhamento”, obrigando formalmente o Governo a informar a Assembleia da República da sua participação nas instituições da UE34. O grande impulso seria dado, todavia, tão-somente em 1997. E sê-lo-ia com a obrigação de a Assembleia da República se dever pronunciar, nos termos da lei, sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos da UE cuja competência incida sobre a sua esfera própria de competência legislativa (art. 161.º, alínea n). Estas medidas, cuja aplicação prática tem sido muito deficitária35, se por um lado 32 O Tratado Constitucional contém, a este propósito, uma disposição que atribui aos Parlamentos nacionais um poder de intervenção de manifesto relevo. Nos termos do artigo 5º do Protocolo Relativo à Aplicação do Princípio da Subsidiariedade, anexo ao Tratado, os Parlamentos nacionais podem, no prazo de seis semanas a contar do envio das propostas legislativas por parte da Comissão Europeia, dirigir às instituições comunitárias queixa fundamentada de violação do princípio da subsidiariedade por essas propostas. Quando forem apresentadas queixas por um terço dos Parlamentos Nacionais, a Comissão Europeia deverá reanalisar a sua proposta. 33 Sobre as várias soluções encontradas em vários Estados membros de organizar a participação parlamentar no processo decisório da UE, v., por todos, Ana Frada, Os Parlamentos Nacionais e a Legitimidade da Construção Europeia, Edições Cosmos, Lisboa, 2001, pp. 72 a 102. 34 Antes disso, tinham sido já várias, no plano legal, as tentativas para atribuir carácter reforçado à participação do Parlamento nas decisões europeias, destacando-se a Lei n.º 28/87, de 29 de Junho, sobre a “participação da Assembleia da República na definição das políticas comunitárias”, e a Lei n.º 111/88, de 15 de Dezembro, que revogou a anterior. Ambos os diplomas legislativos, contudo, viriam a ter uma aplicação residual (Luís Sá, O Lugar da Assembleia da República no Sistema Político, Caminho, Lisboa, 1994, pp. 418 a 422). O mesmo fenómeno aconteceria com a Lei n.º 20/94, de 15 de Junho, que revogou a Lei n.º 111/88, de 15 de Dezembro, aprovada na sequência da revisão de 1992 e dita de “acompanhamento e apreciação pela Assembleia da República no processo de construção da União Europeia”. 35 A lei que concretizaria o direito de pronúncia da Assembleia da República ainda não foi aprovada pela Assembleia da República, o que, passado nove anos desde a revisão de 1997, é sintomático do manifesto insucesso em que se tem consubstanciado o acompanhamento pela AR do processo de integração. A este 101 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho não obviaram à possibilidade de violação de competências parlamentares – pois o direito de pronúncia atribuído à Assembleia da República não tem carácter vinculativo36 – também não ajudaram, por outro, a resolver a questão de fundo, que continua a traduzir-se num défice de responsabilização política do Governo pela sua actuação junto da UE. Podemos, por conseguinte, começar por enunciar uma primeira grande coordenada do novo patamar de inteligibilidade-balanço atingido. A influência do processo de integração europeia sobre o sistema de governo português resulta evidente: introduz mutações no sentido de um crescente pendor governamental que as sucessivas revisões constitucionais têm procurado mitigar37. III. Não custa nada ir mais longe, sem em boa verdade com isso pretender constituir um exemplo distinto. Ainda no quadro do princípio da separação de poderes, importa verificar qual a influência da integração europeia sobre o poder judicial e o administrativo; o que nos permitirá alargar lateralmente, por assim dizer, o ponto focal do balanço geral que aqui esboçamos. Comecemos por uma simples constatação. O ordenamento jurídico da UE está organizado de uma forma descentralizada, funcionando os tribunais e as administrações nacionais simultaneamente como entidades europeias. O papel do TJCE tem sido, neste âmbito, de importância capital, ao repetidamente afirmar que os Estados membros podem ser responsabilizados “pelos prejuízos causados aos particulares pelas violações respeito, saliente-se o facto de, finalmente, estarem a ser discutidos na Assembleia da República vários projectos de lei que pretendem concretizar as diversas competências parlamentares neste âmbito, designadamente as de acompanhamento, pronuncia e escolha de membros de órgãos da UE, revogando a actual Lei n.º 20/94 (cfr. Projecto de Lei n.º 250/X (PSD) Projecto de Lei n.º 245/X (PCP); na legislatura anterior, v. Projecto de Lei 323/IX (CDS), Projecto de Lei n.º 444/IX (PCP)), que viriam a ser aprovados na generalidade pelo Plenário da Assembleia da República, mas entretanto caducaram por força de interrupção da Legislatura). 36 Neste sentido, Jorge Miranda (“O direito constitucional português da integração europeia. Alguns aspectos.”, cit., p. 55), para quem estas medidas têm uma natureza de poderes de fiscalização e não de decisão, situando-se no âmbito da função política stricto sensu. 37 A este propósito, Francisco Lucas Pires (op. cit., p. 644) mencionava a existência de uma “espécie de oculta revisão deslizante do sistema de governo”, ao passo que Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, V, 2ª Ed., Coimbra, p. 181), adverte para a existência de “uma verdadeira evasão legislativa que beneficia o Governo”, da qual resultaria “uma modificação tácita ou indirecta dos arts. 161º, 164º e 165º da Constituição”. Por seu turno, Marcelo Rebelo de Sousa (“A integração europeia pós Maastricht e o sistema de governos do Estados membros, Análise Social, 118/119, Vol. XXVII, 1992, pp. 798 e 799) já em 1992 alertava para que o “parlamento, sem uma profunda reforma orgânica e procedimental, não conseguirá enfrentar os desafios de mais intensa integração europeia”. 102 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa do direito comunitário que lhes são imputáveis” 38. Este princípio da responsabilidade estadual compreende qualquer violação do Direito da UE “independentemente da entidade do Estado membro cuja acção ou omissão esteja na sua origem”39. Tal significa que engloba tanto a actuação da Administração, como inclusivamente dos Tribunais40. As consequências não têm, por isso, sido de somenos. A nova missão atribuída aos Tribunais e às Administrações nacionais produziu uma mutação na própria idiossincrasia destas entidades, que passaram, doravante, a estar investidas numa veste nacional e numa veste europeia. Este duplo papel garantiu-lhes uma maior “independência” face ao seu Estado de origem, o que se reflectiu nos seus comportamentos mesmo em relação ao exercício de competências anteriormente apenas destinadas ao “foro interno”41. Os tribunais constituem, neste âmbito, uma boa ilustração da eficácia do processo de integração europeia. Com decisões judiciais sucessivas e bem entrosadas umas nas outras, os juízes ganharam a possibilidade de afastar normas nacionais que conflituassem com normas europeias, aplicando estas directamente ou apelando para o TJCE por via do art. 234.º do Tratado das Comunidades Europeias, o que se traduziu num impacto muito significativo sobre o princípio da separação de poderes, ao atribuir-lhes poderes de fiscalização da actividade parlamentar perante o Direito da UE. Há no entanto que mitigar um pouco o alcance deste ponto, por evidente e enxuto que, em abstracto, ele possa parecer. No caso português, por exemplo, a circunstância de os juízes nacionais serem responsáveis pela fiscalização concreta da Constituição (art. 204.º), ao contrário da generalidade dos seus congéneres nos demais Estados membros, levou a que a faceta de juiz europeu não significasse uma mudança assinalável na sua função. Em todo o caso, o simples facto de um juiz português poder legitimar a sua actuação directamente perante o Direito da UE, afastando qualquer espécie de dever ou lealdade face às normas nacionais, atribui-lhe uma ainda maior 38 39 40 41 Acórdão Francovitch et Bonifaci, de 19 de Novembro de 1991, Proc. C-6/90 e C-9/90, CJ, 1991, p. I-5357. Acórdão Brasserie du Pêcheur SA, Proc. C-46/93 e C-48/98, CJ, 1996, p. I-1029 Acórdão Köbler, de 30 de Setembro de 2003, Proc. C-224/04, CJ, 2001, p. I-10239. Como bem notou Francisco Lucas Pires (op. cit., p. 847), “a integração comunitária ao mesmo tempo que reduz a “discricionariedade” política das funções soberanas do Estado, como que alarga a “discricionariedade” administrativa e jurídica das funções secundárias de intermediação. A razão estará em que a maior distância entre as normas comunitárias e os mecanismos da Justiça e da Administração nacionais quando actuam como agências executivas daquelas é, por si só, um factor de ampliação das faculdades de adaptação e das medidas de proporcionalidade a ter em conta”. 103 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho independência face ao poder legislativo nacional e, inclusivamente, dentro da hierarquia judicial interna, em relação à jurisprudência dos tribunais superiores. Para nos atermos a apenas um dos aspectos, ainda que porventura o mais óbvio, desta questão: o reduzidíssimo número de questões prejudiciais colocadas ao TJCE por juízes portugueses é, todavia, sintomático do reduzido impacto que o processo de integração europeia parece estar a ter sobre os tribunais portugueses42. Mas o potencial deste mecanismo é enorme, e em muitos outros Estados membros tem tido grande eficácia. IV. Ainda neste novo patamar analítico, incluído neste segundo segmento do nosso trabalho, passemos então a um outro ponto, o relativo às mutações induzidas pelo processo de integração europeia na organização económica da Constituição portuguesa. Como já tivemos oportunidade de referir, a Constituição económica, gizada pelo texto original da Constituição de 1976, tinha adoptado um projecto económico dificilmente harmonizável com o Tratado de Roma, que tinha como pedra de toque a consagração de um conjunto de liberdade económicas que pressupunham a adopção de um modelo de economia de mercado concorrencial43. Os efeitos da integração far-se-iam sentir ainda antes da própria adesão, que teve lugar em 1986, não faltando vozes que se pronunciaram no sentido da necessidade e conveniência de uma revisão constitucional por causa da integração europeia44. As alterações introduzidas pela revisão de 1982, contudo, não reconfiguraram a estrutura da Constituição económica definida em 1976, permanecendo a intenção socialista (art. 2.º CRP82) e o princípio da “apropriação colectiva dos principais meios de produção” (art. 80.º, alínea c), CRP82)45. 42 Sobre este assunto, com números actualizados relativamente às questões prejudiciais colocadas por juízes portugueses, Miguel Poiares Maduro e Francisco Pereira Coutinho, “A aplicação do Direito da UE na ordem jurídica portuguesa”, ICS, 2005, no prelo. 43 Apesar de, em princípio, competir ao foro da Constituição económica de cada Estado membro a dimensão do sector público da economia, à integração na UE pressupõe a integração num espaço económico comum que, a par proibição do favorecimento de empresas públicas ou privadas nacionais face às suas congéneres europeus, implica a criação de condições de acesso ao mercado nacional que apenas ganham sentido no quadro de uma economia de mercado concorrencial (v.g. regras relativas à concorrência e aos auxílios de Estado). 44 Neste sentido, a opinião de Jorge Miranda (“A Constituição e o ingresso nas Comunidades Europeias”, cit., p. 100), curiosamente um dos autores que, como vimos (cfr. supra), sempre sustentaram a compatibilidade do Tratado de Roma com a Constituição portuguesa. 45 Como bem notam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, as alterações introduzidas em 1982 “não alcançaram a dimensão de uma alteração radical ou global da constituição económica. A estrutura das suas componentes originárias adquiriu um novo equilíbrio, mas persistiu a mesma em aspectos essenciais” (Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991, p. 155). 104 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa A adesão formal de Portugal em 1986 acarretou definitivamente a adopção de um modelo de economia de mercado concorrencial, o que, consequentemente, veio limitar ainda mais a liberdade de conformação política que a Constituição atribuía à orientação governativa, introduzindo uma verdadeira mutação constitucional num texto que sufragava ainda a opção por um modelo económico de matriz socialista. Esta circunstância viria a projectar-se sobre as interpretações dadas às normas da Constituição económica e redundaria, um pouco mais tarde, na própria revisão deste regime. Na verdade, seria em 1989 que a Constituição económica, no quadro de uma ampla revisão do seu conteúdo, deixaria definitivamente de se reger pelo princípio de transformação de sentido socialista (art. 2.º). Os efeitos constitucionais da integração far-se-iam ainda sentir mais cabalmente em 1997, foi estabelecido como princípio fundamental “a liberdade de iniciativa e de organização empresarial” (art. 80.º, alínea c)), afastando-se definitivamente a ideia de “apropriação colectiva de meios de produção e solos”46. Sem que seja grande o risco, pode por conseguinte afirmar-se que as mutações induzidas pelo processo de integração europeia na ordem constitucional económica portuguesa foram de enorme alcance, tendo sido um dos factores determinantes para a transformação dos seus princípios orientadores no sentido de uma crescente europeização do Direito Constitucional dos Estados membros em matérias de índole económica, segundo um modelo de economia de mercado e de livre concorrência47. V. É possível agora – e, para além do mais, é desejável – ensaiar um primeiro grande balanço das revisões que tiveram lugar, das suas origens e dos respectivos pontos de aplicação. Comecemos pelo topo, por assim dizer. A descrição, ainda que breve, dos pontos de contacto entre, por um lado, as sete revisões constitucionais e, por outro, o processo de integração europeia é bem ilustrativo da “influência” que este tem tido sobre a Constituição. Ou, se se preferir, a porosidade é manifesta na progressão constitucional portuguesa face ao processo de integração na Europa. Em boa verdade, verifica-se que a permeabilidade patente perante factores exógenos à ordem jurídica 46 O art. 80.º, alínea d), faz hoje apenas referência à “propriedade pública dos recursos naturais e de meios de produção, de acordo com o interesse colectivo”. 47 A própria leitura e interpretação dos preceitos da Constituição económica portuguesa não podem, doravante, ser efectuada sem atender ao prescrito pelo direito da UE, devendo mesmo orientar-se por um princípio de interpretação da Constituição em conformidade com o direito da UE. Neste sentido, Paulo Otero, op. cit., p. 580. 105 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho nacional é comum a todas as revisões efectuadas, sendo o factor europeu omnipresente, em maior ou menor grau, em todas elas. Revisitemos de forma sucinta a sequência. Se em 1982 se alterou a Constituição com vista a prepará-la para uma futura adesão, as revisões de 1989, 1992, 2001 e 2004 tiveram como propósito promover um verdadeiro controlo de constitucionalidade sistémica com o objectivo de prevenir riscos de colisão entre normas de fonte europeia e nacional, o que foi efectuado quer através da supressão de normas nacionais contrárias a normas europeias (1989, 1992 e 2001), quer pelo reconhecimento (ainda que limitado) do primado do Direito da UE (2004). As revisões de 1997 e 2005, por seu turno, justificaram-se também pela vontade de legitimar o processo de integração através da realização de um referendo nacional (1997 e 2005), bem como pela necessidade de modelar o funcionamento dos órgãos de soberania em função da participação nos órgãos da UE (1992 e 1997). Sem a “pressão” que a dinâmica do processo de integração europeia tem exercido sobre a ordem constitucional portuguesa não teria sido sentida qualquer necessidade de rever extraordinariamente a Constituição em 1992, ou em 2005, sendo também pouco provável que a revisão de 1989 ou (embora porventura mais limitadamente) a de 2001 e 2004, tivessem o mesmo alcance. Uma leitura diacrónica do andar da carruagem, por assim dizer, é agora também possível – e muitíssimo esclarecedora. A estreita ligação e abertura da Constituição ao processo de integração europeia tem conhecido, como é bom de ver, um claro incremento que tem vindo a cristalizar-se no texto constitucional por intermédio de sucessivas revisões constitucionais. Melhor: pode mesmo afirmar-se que o compromisso de Portugal para com o ambicioso projecto europeu não passou ao lado da Constituição, que tem sido mantida sempre na sua vanguarda. Mais ainda: este processo tem vindo a acelerar o passo, tanto no tocante ao seu ritmo como no que diz respeito à sua densidade normativa. Questão diversa, mas conexa, consiste em saber se este fenómeno constitui uma consequência da circunstância da evolução do direito da UE, na perspectiva do constitucionalismo nacional, depender de correcções sistémicas na constituição nacional48, ou se de facto, pelo contrário, é a própria constituição nacional que se deve adaptar 48 Esta é a opinião de Jorge Miranda (“A “Constituição Europeia” e a ordem jurídica portuguesa”, Colóquio Ibérico: Constituição Europeia – Homenagem ao Doutor Francisco Lucas Pires, Studia Ivridica 84, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005, p. 553 e 554), para quem os sucessivos aprofundamentos da UE redundariam apenas num “impulso legiferante constitucional” e não numa imposição de modificação das Constituições nacionais. 106 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa ao direito da UE. Neste último sentido encontramos vários autores portugueses49, havendo mesmo quem sustente que a evolução do processo de integração europeia, aprofundando a associação constitucional dos Estados membros, representaria ela própria um processo constituinte de revisão das constituições nacionais50, ou que até, ainda mais extremadamente, sufraga a existência de um poder constituinte informal de fonte europeia a qual, apesar de ainda assentar numa base autovinculativa, determinaria a prevalência deste elemento externo na determinação do conteúdo das revisões constitucionais51. Por outro lado, é assaz interessante verificar que a “internacionalização” crescente da Constituição sugere um ancorar do processo português de revisão constitucional, de modo progressivo mas indubitável, nos processos de transformação global da ordem político-jurídica europeia. A sugestão parece desta forma ser a de que a cada vez maior porosidade ou permeabilidade do processo português de constitucionalização se torna mais inteligível no quadro amplo da globalização, o que, com os benefícios da retrospecção, não é especialmente surpreendente. Porventura menos trivial é a sugestão, ancilar, de que é no quadro dessa globalização que a integração europeia (pelo menos no plano constitucional e naquilo que a Portugal diz respeito) melhor faz sentido. Regressaremos a este ponto no quadro de um esboço de um alargamento do âmbito da nossa análise para domínios mais metajurídicos. O que ocupará um último segmento do presente artigo. 3. Algumas Breves Conclusões De acordo com a ordem de exposição que propusemos no início deste artigo, cabe-nos agora tentar, num terceiro e último segmento deste breve estudo, proceder à aferição genérica do real impacto jurídico-político da adesão à UE sobre a ordem constitucional portuguesa e ensaiar um balanço de conjunto. Fá-lo-emos lançando a rede analítica num 49 Francisco Lucas Pires, “Competência das Competências: Competente mas sem Competências?”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3885, 1998, p. 356 e Miguel Poiares Maduro, A Constituição Plural, Principia, Cascais, 2006, p. 22. 50 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª Edição, Coimbra, 2002, p. 822. 51 Paulo Otero (op. cit., p. 581 e, especialmente, 607), inclusivamente sustenta dever “ser a Constituição que tem de ficar conforme com o Direito Comunitário e não este último que é elaborado em conformidade com as opções constitucionais” (p. 579). 107 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho arco bem mais amplo, embora o levemos a cabo de forma muito rápida, sucinta, e meramente indicativa. Uma palavra prévia de salvaguarda e precisão. Muitos exemplos poderiam ter sido aduzidos, com a finalidade de retratar, com fidelidade, os impactos jurídicos associados ao processo de integração portuguesa no processo de sedimentação europeia em curso. Poder-se-ia, designadamente, ter focado a atenção na forma como a incorporação do direito da EU tem ocorrido nos tribunais, ou na Administração pública, ou ainda em termos de transposição do direito da UE para a legislação portuguesa (quando tal é exigido), tal como também teria sido possível, para aventar uma outra hipótese, ter apontado, como outros o têm feito, as nossas baterias analíticas para descortinar o impacto da integração europeia no que toca às mutações registadas nos processos de produção normativa. Ao nos decidirmos por uma perspectivação político-constitucional, preferimos tentar um balanço geral mais macro e de muitíssimo maior fundo. Insistimos já no cariz meramente indicativo deste estudo. Sem embargo de eventuais estudos posteriores, o que faremos não ultrapassará esta meta a que nos propusémos. Indicaremos tão-só três grandes frentes, ou trincheiras, se se preferir, em que tal é aqui ensaiado. Uma primeira diz respeito à reperspectivação que a análise que levámos a cabo implica para a polémica que entre nós grassou quanto ao primado do Direito da UE, como se sabe afirmado peremptoriamente pelo Tratado Constitucional, polémica essa que toma diferentes contornos quando se torna consciência da crescente permeabilização político-jurídico portuguesa em geral, relativamente à Europa. Se é certo que a questão jurídica do eventual primado do Tratado Constitucional europeu sobre a Constituição nacional se pode ver sujeita a interpretações alternativas, também parece evidente o ascendente político que o processo de integração tem tido sobre a evolução e progressão constitucionais portuguesas, que significou um verdadeiro subverter da tradicional mecânica do processo de revisão constitucional. Fazem pouco sentido, por conseguinte, leituras que não tenham este facto em devida conta. Uma segunda frente de aferição genérica versa o que, para todos os efeitos, pode ser tomado como uma generalização da primeira, e é a de que pela via de procedimentos sucessivos de acomodação e harmonização, claros processos de policy transfer têm corrido da Europa para Portugal, muitos deles pela via jurídico-constitucional. Neste sentido, aquilo que tem acontecido por efeito de convergências interessantes que importa saber pesar se se quiser vir a compreender o processo de integração-construção da Europa como um todo. Tal como importa saber ponderá-las, caso se queira melhor 108 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa perceber as várias facetas da disponibilidade portuguesa em aderir a este processo de construção, sobretudo no que diz respeito à sua dimensão supranacional52. Mais do que meras transposições e adequações em série, aquilo que se tem vindo a viver tem-se consolidado numa profunda reconfiguração no que toca à própria definição jurídico-política da comunidade política que constituímos. Uma terceira e última conclusão-balanço situa-se num outro âmbito. Põe em jogo uma questão que porventura podemos apelidar de cognitiva. Trata-se da questão que nos parece mais fácil enunciar como uma pergunta: porque é que a generalidade da comunidade científica53 não assumiu ainda com a clareza e frontalidade que seriam de esperar regularidades como aquelas sobre as quais aqui nos debruçámos, e que se tornam tão evidentes e fáceis de apurar mediante um simples esforço de seriação comparativa? A resposta que propomos para tanto, é simples: na enorme maioria dos casos, as “pressões externas” de que traçámos um rastreio não são encaradas como constrangimentos impostos de fora para dentro. Pelo contrário, já que são forças amplamente consentidas e mesmo desejadas, conceptualmente arrumadas como resultados de actos internos da vontade soberana nacional. As suas características fundamentais não são, por isso, espontaneamente visíveis, por efeito do que, no fundo, podemos considerar como uma ilusão de óptica ou, talvez melhor, um erro de paralaxe. É bem mais difícil, efectivamente, identificar padrões em processos que dependem de interacções dinâmicas do que naqueles que resultam da simples actuação de mecanismos causais unívocos. E nem sempre as tentações normativistas de que padecemos nos permitem o recuo analítico necessário para entrever as regularidades que emergem de processos tão complexos como têm sido os da integração de Portugal na Europa. 52 Não queríamos deixar passar a oportunidade de alargar ainda mais o foco da nossa análise, o que aliás indicámos iríamos fazer: um leitor menos precavido pode ficar com a ideia de que sugerimos que a governamentalização da decisão política, chame-se-lhe isso, teria em nossa opinião lugar como consequência única do processo de integração europeia. Em grande parte tal é verdade, mas em parte não. É óbvio que uma qualquer estrutura supranacional desloca (é o termo) o epicentro da decisão política para fora das estruturas do Estado. Mas isso acontece também por força da inevitável interdependência crescente entre os Estados, patente designadamente na regulamentação de vários sectores da actividade económica através da abolição de entraves nas trocas entre Estados. A deslocação verificada pelo processo de integração tem sido potenciada com a liberalização das trocas ao nível internacional. Ou seja, a “globalização” tem também potenciado a deslocalização da decisão política, pela proibição de quaisquer restrições ao comércio que impõe. Agradecemos ao Ravi Afonso Pereira o ter-nos chamado a atenção para este ponto, que efectivamente recontextualiza toda a argumentação num círculo concêntrico maior. 53 Como referimos, vários autores sugeriram já interpretações potenciais que parecem ir na direcção geral daquela que aqui propomos. Mas nunca de maneira explícita nem de forma exaustiva. 109 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho Ao perspectivar de maneira espontânea como interno algo que releva tanto do endógeno como do exógeno, e bem assim da interacção entre estes dois planos, condenamo-nos, em simultâneo, a uma miopia e a um estigmatismo conceituais, cujas consequências são sempre nefastas – porque transtornam, impedindo-a, a avaliação de pormenor de questões de fundo essenciais para o nosso bem comum. O futuro nos dirá se estamos aqui perante um passo robusto e irreversível no sentido de um alargamento coerente de pertenças que a globalização veio acelerar ou, tão-somente, de mais uma tentativa titubeante por tanto condenada ao insucesso. Em todo o caso há que manter sempre em mente que, se o projecto europeu tem constituído uma vanguarda cosmopolita, ele tem decerto também funcionado como uma barreira eficaz às forças centrípetas em que formas mais amplas de integração se consubstanciam. No plano das transformações globais seria, por isso mesmo, porventura exagerado supor uma intervenção inexorável e linear de uma nova “regra de reconhecimento” alargada. Bibliografia Ana Frada, Os Parlamentos Nacionais e a Legitimidade da Construção Europeia, Edições Cosmos, Lisboa, 2001. António Vitorino, “A adesão de Portugal às Comunidades Europeias – A problemática da aplicabilidade directa e do primado do Direito comunitário face ao nosso ordenamento jurídico”, Estudos de Direito Público, Cognitio, 1984. Benedict Anderson, Imagined Communities, Cambridge University Press, Cambridge, 1992. Fausto de Quadros, “Problemas Políticos e Constitucionais do alargamento da Comunidade”, Revista de Política Externa, n.º 2, Lisboa, 1978. Francisco Lucas Pires, “A Experiência Comunitária do Sistema de Governo da Constituição Portuguesa”, Perspectivas Constitucionais – Nos 20 Anos Da Constituição De 1976, Jorge Miranda (org.), Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1997. _______________, “Competência das Competências: Competente mas sem Competências?”, Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3885, 1998. 110 O Processo de Integração Europeia e a Constituição Portuguesa Francisco Pereira Coutinho, “O referendo político nacional em Portugal”, Estudos de Direito Público, Âncora Editora, Lisboa, 2005. Georg Jellinek, Reforma y mutacion de la Constitución, Centro de Estudios Constitucionales, (Trad. Christian Föster), LXXX, Madrid, 1991. Gérard Laprat, “Reforme des Traités: le Risque du Double Défici Democratique – Les Parlements nationaux et l´élaboration de la Norme Communautaire”, Revue du Marché Commun, 351, 1991. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 3ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993. _______________, Fundamentos da Constituição, Coimbra Editora, 1991. J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª Edição, Coimbra, 2002. Jorge Bacelar Gouveia, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, Almedina, 2005. Jorge Miranda, “A Constituição Portuguesa e o Ingresso nas Comunidades Europeias”, Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias, Inteuropa, Lisboa, 1981. ___________, Manual de Direito Constitucional, V, 2ª Ed., Coimbra. ___________, “O Tratado de Maastricht e a Constituição Portuguesa”, A União Europeia Numa Encruzilhada, Obra Colectiva, Almedina, Coimbra, 1996. ____________, “A “Constituição Europeia” e a ordem jurídica portuguesa”, Colóquio Ibérico: Constituição Europeia – Homenagem ao Doutor Francisco Lucas Pires, Studia Ivridica 84, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2005. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, 2005. Luís Sá, O Lugar da Assembleia da República no Sistema Político, Caminho, Lisboa, 1994. Marcelo Rebelo de Sousa, “A adesão de Portugal à C.E.E. e a Constituição de 1976”, Estudos sobre a Constituição, III Vol., Petrony, Lisboa, 1979. ___________________, “Aspectos Institucionais da Adesão de Portugal”, Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias, Inteuropa, Lisboa, 1981. ___________________, “A integração europeia pós-Maastricht e o sistema de governos do Estados membros, Análise Social, 118/119, Vol. XXVII, 1992. 111 Armando Marques Guedes e Francisco Pereira Coutinho Miguel Poiares Maduro, “The State of Portuguese European constitutional discourse”, F.I.D.E, XX Congress London, Vol. II, 2003. ___________________, A Constituição Plural, Principia, Cascais, 2006. Nuno Piçarra, “O espaço de liberdade, segurança e justiça no Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa: unificação e aprofundamento”, O Direito, IV-V, Almedina, 2005. Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, Almedina, Coimbra, 2003. Paulo de Pitta e Cunha, “A regulação constitucional da organização económica e a adesão à C.E.E.”, Estudos sobre a Constituição, III Vol., Petrony, Lisboa, 1979. ________________, “O sistema económico português e a adesão ao mercado comum”, Portugal e o Alargamento das Comunidades Europeias, Inteuropa, Lisboa, 1981. Vital Moreira, “A segunda revisão constitucional”, Revista de Direito Público, Ano IV, n.º 7, Jan/Junho 1990. 112