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Saude Mental em Discussao Vol 2

2022, Saúde mental em discussão Vol 2

A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Julio Cesar Pinto de Souza Diego Rafael Cunha Cavalcante Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo (Organizadores) A Saúde Mental em Discussão Volume 2 1ª Edição Belo Horizonte Poisson 2022 2 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade Conselho Editorial Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais Ms. Davilson Eduardo Andrade Dra. Elizângela de Jesus Oliveira – Universidade Federal do Amazonas Msc. Fabiane dos Santos Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy Ms. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S255 A saúde mental em discussão – Volume 2 – Organização: Julio Cesar Pinto de Souza Diego Rafael Cunha Cavalcante, Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo, Belo Horizonte – MG: Poisson, 2022 Formato: PDF ISBN: 978-65-5866-182-5 DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5 Modo de acesso: World Wide Web Inclui bibliografia 1. Saúde Mental 2. Psicologia I. SOUZA, Julio Cesar Pinto II.CAVALCANTE, Diego Rafael Cunha III.FIGUEIREDO, Suelânia Cristina Gonzaga de IV. Título CDD-150 Sônia Márcia Soares de Moura – CRB 6/1896 O conteúdo deste livro está licenciado sob a Licença de Atribuição Creative Commons 4.0. Com ela é permitido compartilhar o livro, devendo ser dado o devido crédito, não podendo ser utilizado para fins comerciais e nem ser alterada. O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correção e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos seus respectivos autores. www.poisson.com.br contato@poisson.com.br 3 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Comissão Organizadora Julio Cesar Pinto de Souza Graduado em psicologia clinica pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), especialista em psicologia do esporte (Faculdades Integradas-Brasília/DF) e Mestre em psicologia (linha psicossocial) pela UFAM. Também possui especializações nas seguintes áreas: Gestão com ênfase em Administração Hospitalar (FGV-RJ) e Relações Públicas e especialidades de marketing (UVA-RJ). Participante do grupo de pesquisa Psicologia e práticas socioculturais da UFAM. Parecerista da Revista Psicologia e Saúde. Atuação na área da Assistência Social e professor de graduação e pós-graduação. Atualmente professor do Instituto Metropolitano de Ensino – IME. Diego Rafael Cunha Cavalcante Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Manaus, pósgraduado em Psicologia Organizacional e em MBA em Gestão de Pessoas por . Competências. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Organizacional, T&D, Remuneração & Benefícios, assim como em Psicologia Experimental e Pesquisas. Docente do Ensino Superior em Psicologia desde 2010. Atualmente docente do Instituto Metropolitano de Ensino- IME. Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Nihon Gakko/PI, Mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Especialização em Gerência Financeira pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Especialização em Educação Personalizada pelo CEUNI FAMETRO e Graduação em Economia pela Universidade Regional do Cariri/Universidade Estadual do Ceará-UECE. Atualmente é Coordenadora de Pesquisa e Extensão do GRUPO FAMETRO, atuando principalmente nos seguintes temas: Pesquisa e Extensão, Iniciação Científica, Sustentabilidade Ambiental, Articulação Ensino, Pesquisa, Extensão e Responsabilidade Social na formação acadêmica. Idealizadora e organizadora do Congresso Científico FAMETRO, do Programa Produzir e Publicar, realizando um trabalho de incentivo à produção e publicação acadêmica. 4 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 PREFÁCIO Durante muito tempo a Psicologia e a pesquisa estiveram em um campo que parecia muito distante da comunidade, sempre envolvida em uma aura de preconceitos ou elitizada. Escrever e publicar parecia muito difícil, que somente os doutores o poderiam fazer. Hoje percebemos que cada vez mais encontramos pessoas que buscam participar ativamente da construção de caminhos que levem ao crescimento pessoal, acadêmico e social. Ao ser convidado para escrever o prefácio da obra organizada pelo Prof. Júlio Pinto surge um sentimento de gratidão e ao mesmo tempo de imensa responsabilidade, quando se percebe os caminhos que a Psicologia toma no Amazonas e gratifica a todos aqueles que estão na docência, pois sonhamos inserir o alunado no processo da pesquisa e descobrimos a vontade e a reciprocidade dos acadêmicos em não estarem apenas expectadores mas se tornarem protagonistas diante deste proesso o que engradece os caminhos e a produção de construção de conhecimento. A obra em questão traz em seu bojo pesquisas efetuadas pelos finalistas do curso de Psicologia da FAMETRO sob orientação dos Mestres da instituição que buscam de forma integrada conduzir os acadêmicos a produção de material que seja disseminado não somente dentro da faculdade mas que possa alcançar o maior número de leitores e interessados sobre as temáticas abordadas. . Ao tomar esse material em mãos o leitor encontrará temáticas que caminham no campo da Psicologia Positiva e sua atuação nas organizações; o psicólogo na atenção multidisciplinar além dos instrumentos deste profissional, como a psicoterapia, na compulsão alimentar; a mulher no contexto da violência e de suas relações ou final de relações afetivas; drogas e impressões por parte de grupos militares; dependência química e influência na família; a morte no contexto hospitalar; liberdade e existência na visão de Jean Paul Sartre e também estudos sobre TEA. Podemos perceber que a diversidade de temas, atuais e intrigantes, não é destinado apenas a Psicólogos ou acadêmicos de psicologia, mas uma obra necessária para toda a sociedade acadêmica e em geral visando assim, além da produção de conhecimento, a divulgação das atividades propostas e efetuadas pela instituição. Quando você, caro leitor, estiver folheando, seja fisicamente ou digitalmente este riquíssimo material, primeiro o faça de forma descompromissada e logo em seguida faça uma leitura apurada buscando entender, compreender e apreender todo conteúdo que é resultado de trabalhos incansáveis e de qualidade. Prof. Ênio Andrade 5 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 SUMÁRIO Capítulo 1: Psicologia positiva nas organizações e no trabalho ........................................ 08 Edilamar Miranda Duarte, Rebeka Alves de Oliveira DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.01 Capítulo 2: Atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar do centro estadual de referência e apoio à mulher de Manaus no acompanhamento de mulheres vítimas de violência ........ 21 Estefanny de Castro Arantes DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.02 Capítulo 3: Violência doméstica contra a mulher: O impacto psicológico na saúde mental ............................................................................................................................................. 36 Sabrina de Oliveira Ferreira DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.03 Capítulo 4: Saúde mental do militar: A percepção de militares de uma organização do exército brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e drogas ........................................... 49 Vanessa Regina de Almeida Ladislau, Amanda Campos Larrat Froes DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.04 Capítulo 5: O processo diagnóstico vivenciado por mães de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ............................................................................... 61 Gabriel Ruan Silveira dos Santos, Rebecca Marcela Dantas Mattos DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.05 Capítulo 6: A psicoterapia como auxílio no tratamento de pessoas obesas que possuem Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) .................................................... 70 Sabrina Ferreira de Azevedo, Mayara Maria Martins Castro DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.06 Capítulo 7: A dependência química e os efeitos da codependência famíliar ..................... 80 Jovam Souza Barbosa, Taynara de Albuquerque Gallio DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.07 6 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 SUMÁRIO Capítulo 8: Aspectos emocionais da morte no contexto hospitalar: A equipe de saúde e o processo de finitude humana ............................................................................................... 89 Thalita Regina Araújo da Costa, Vanessa da Silva Almeida DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.08 Capítulo 9: Mulheres e o fim da relação amorosa: Uma compreensão fenomenológicoexistencial ............................................................................................................................ 99 Letícia Moura Patrício da Silva, Cleison Guimarães Pimentel DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.09 Capítulo 10: Liberdade e existência: A relevância do conceito de liberdade de Jean-Paul Sartre para a psicologia fenomenológico-existencial .......................................................... 115 Rebeca Tomás Alves DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.10 7 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 1 Psicologia positiva nas organizações e no trabalho Edilamar Miranda Duarte Rebeka Alves de Oliveira Resumo: Grande parte da nossa vida se passa no ambiente de trabalho, é através dele que conseguimos prazer e realização, logo, é de suma importância entender e construir capital psicológico positivo para assim, criar ambientes de trabalho sustentáveis e saudáveis, pois, permitem que tanto pessoas como organizações se desenvolvam. Uma organização saudável, é o lugar onde o colaborador pode realizar seu trabalho de forma saudável, através de recursos laborais necessários, que o auxiliam na proteção da vida, conseguindo renovar suas energias, preservando o prazer, elevando a auto realização durante suas atividades, garantindo o bem-estar e qualidade de vida. A partir do tema apresentado, a fim de nortear a pesquisa, elaborou-se como objetivo geral deste trabalho: Discutir o uso da Psicologia Positiva dentro das organizações. Esta pesquisa foi norteada por um procedimento bibliográfico e abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa foi necessária, visto que se coletou uma variedade de materiais e práticas interpretativas interligadas, visando compreender melhor o assunto em pauta. Para a realização da coleta de dados foram pesquisadas fontes científicas nas plataformas Periódicos CAPES, Scielo e PepsiCo Brasil. O material bibliográfico abordado para a análise foram artigos, trabalhos acadêmicos, pesquisas apresentadas em congresso e livros completos, todos encontrados nas plataformas científicas. Os objetivos propostos nesta pesquisa foram alcançados, obtendo como compilação final a concordância com o que há de mais recente sobre a psicologia positiva aplicada nas organizações e no trabalho. Palavras-chave: Psicologia positiva; Organizações; Organizações saudáveis. 8 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A Psicologia positiva aplicada às organizações e no trabalho, tem ganhado espaço dentro das organizações, ambiente acadêmico e entre trabalhadores de gestão e desenvolvimento humano, assim como profissionais da área da psicologia organizacional; pois este campo traz inúmeros benefícios, não somente para as organizações, como também para os trabalhadores. Nesse sentido, aplicar os conceitos da psicologia positiva nas organizações tem permitido mudanças extraordinárias, no desempenho e engajamento das atividades laborais dentro e até mesmo fora das organizações, como também para cada trabalhador. A presente pesquisa elucida a importância e o impacto que uma organização saudável para o bem-estar do sujeito. Conforme Guimarães (2018), boa parte da vida das pessoas se desenvolve nos ambientes de trabalho, além do que o trabalho é transformador, que viabiliza a realização dessas pessoas, por isso, compreender e permitir que os ambientes de trabalho se tornem mais sustentáveis e saudáveis, habilita os indivíduos e as organizações a se desenvolverem em conjunto por meio de políticas, programas e práticas que promovam um ambiente equilibrado. A partir do tema apresentado, a fim de nortear a pesquisa, elaborou-se como objetivo geral deste trabalho: discutir o uso da psicologia positiva dentro das organizações. A fim de alcançar o objetivo geral estabeleceram-se como objetivos específicos: descrever as organizações saudáveis a partir da Psicologia Positiva; investigar o uso da Psicologia positiva na construção do bem-estar no trabalho; destacar o uso da Psicologia Positiva na construção do capital psicológico positivo. Nos últimos anos as organizações buscam cada vez mais a valorização dos seus trabalhadores, a reformulação das motivações, estilos de liderança diferenciados e maior engajamento, por isso, a importância desta pesquisa está em evidenciar os benefícios que a psicologia positiva pode proporcionar na resolução de conflitos internos, bem como promover um pensamento criativo e original que possa contribuir para ambiente de trabalho. São múltiplas as contribuições que esta pesquisa proporciona ao meio acadêmico, institucional, científico e social. Vislumbra-se como ponto de partida, quando se reflete sobre a cooperação que este estudo oferece, ao meio acadêmico, a possibilidade aos discentes do aperfeiçoamento de seus conhecimentos, o desenvolvimento de inúmeras habilidades profissionais, além de proporcionar para a instituição e comunidades científicas novas fontes de pesquisas. No que tange à contribuição para o institucional, este estudo propõe subsídios teóricos que visam auxiliar nas bases de estudo sobre a temática, além do que, numa perspectiva macro a cooperação entre os diversos polos de ensino, como a resolução de pontos específicos e a clarificação a respeito do assunto investigado. No campo da ciência, nota-se a possibilidade de reforço teórico, corroborando com estudos pretéritos que auxiliam o saber. E por fim, no âmbito social, destaca-se a consolidação da teoria à prática, por meio dos estudos científicos, os quais, em investigação, perpassam pelos contextos sociais, surgindo assim como agente transformador, ao promover reflexões e mudanças sobre o tema em destaque. Esta pesquisa foi norteada por um procedimento bibliográfico e abordagem qualitativa. O procedimento bibliográfico foi através de fontes já publicadas, como livros, teses, dissertações, artigos, entre outros (GIL et al, 2007). A abordagem qualitativa foi 9 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 necessária, visto que se coletou uma variedade de materiais e práticas interpretativas interligadas, visando compreender melhor o assunto em pauta (DENZIN; LINCOLN, 2006). Para a realização da coleta de dados foram pesquisadas fontes científicas nas plataformas Periódicos Capes (CAPES), Scielo e PepsiCo, no período de 10 de agosto a 30 de setembro de 2021. O material bibliográfico abordado para a análise foram artigos, trabalhos acadêmicos, pesquisas apresentadas em congresso e livros completos, todos encontrados nas plataformas científicas. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para essa pesquisa foi feita uma busca no portal de periódicos da Capes (http://www.periodicos.capes.gov.br/), Scielo Brasil (https://www.scielo.org/) e PepsiCo Brasil (https://www.pepsico.com.br/) no dia 06 de julho de 2021, com o descritor “Psicologia Positiva nas organizações”, “organizações saudáveis”, “Bem-estar no trabalho” e “Psicologia Positiva” com o filtro dos últimos cinco anos, e somente em português, foram obtidos como resultado total de 245 publicações, das quais, 238 eram artigos, 3 resenhas de livros, 1 Anais, 2 dissertações, e 1 trabalho acadêmico. Além desses achados para essa pesquisa foi utilizada do acervo pessoal 6 e-books e 1 livro físico. De todos os materiais encontrados na pesquisa, serão utilizadas apenas 16 publicações, por serem as únicas que tratam diretamente sobre Psicologia Positiva nas organizações e no trabalho. 2.1 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL POSITIVA A psicologia positiva é uma área da psicologia que estuda os aspectos psicológicos positivos dos seres humanos, como as virtudes, o bem-estar e a felicidade (SELIGMAN, 2010). Para Claro e Filho (2019), a psicologia positiva investiga a construção, o reforço e a promoção das capacidades e das forças humana, dais quais são mensuráveis. Borges (2017) define a Psicologia Positiva uma abordagem nova, capaz de tratar demandas antigas e atuais, utilizando-se da modernidade do mundo atual, que tem como objetivo explorar o que há de melhor nos seres humanos, como suas forças de caráter, virtudes, criatividade entre outras. Para Holanda (2019) é o estudo científico das características positivas do ser humano, por meio da compressão do que o faz sentir-se em estado de pleno funcionamento, favorecendo a expressão do melhor de sua essência. Omais (2018), afirma que a Psicologia Positiva não é uma ciência da “felizologia” que visa tornar todo mundo feliz, tão pouco esquecer as emoções negativas, mas sim, fazer com que o indivíduo seja estimulado a usar de seus próprios recursos, para neutralizar sentimentos negativos. Nesse sentido, a psicologia Positiva não nega as emoções positivas, pelo contrário, entende a sua importância para a vida das pessoas, uma vez que é através delas que se tornam mais resistentes, no entanto, o ideário é que essas emoções sirvam apenas de alerta para resolução de problemas ou ameaças. A Psicologia Positiva é diferente do pensamento positivo, que é pregada de forma errônea por outras teorias, a positividade pregada pela psicologia positiva é algo mais profunda, provado por pesquisas científicas, e traz diversos benefícios, tanto para o corpo, quanto para o comportamento humano. 10 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Este campo de estudo é estruturado em três áreas de investigação, que são a experiência subjetiva; as características individuais; e os grupos, abrangendo instituições e comunidades, (BEDIN; ZAMARCHID, 2019).Historicamente a Psicologia Positiva teve suas raízes em 1970, com base na Psicologia humanista de Abraham Maslow, Carlos Rogers, Victor Franklin, Moreno e Erich From, que já refletiam sobre o que torna uma vida feliz, além de Aaron Beck e Victor Frankl, e assim abriram caminho para o nascimento da Psicologia Positiva. (BOEHS; SILVA, 2017). As práticas científicas e psicológicas no ambiente organizacional têm impactos benéficos, uma vez que a ciência pode investigar quais forças e fraquezas o ambiente de trabalho pode ter. Nesse sentido, Boehs e Silva (2017) afirmam que as estratégias da Psicologia Positiva aplicadas às organizações, favorecem a criação de organizações saudáveis, e que o objetivo dentro das organizações é estudar as estruturas, os processos e os comportamentos das pessoas, reforçando a construção de comportamentos positivos, com o objetivo de desenvolver o melhor das pessoas, focando nas virtudes e no potencial. Para Vazquez e Hutz (2021, p.82) “a Psicologia Organizacional Positiva é o estudo das experiências e traços subjetivos positivos no local de trabalho e em organizações positivas, bem como a sua aplicação para melhorar a efetividade e a qualidade de vida nas organizações”. Para os autores Cunha e Esper (2017), Vazquez e Hutz (2021) a Psicologia dentro das organizações, formam duas linhas de aplicação, que são a POS (Positive Organization Scholarchiop), e POB (Positive Organization Behavior), a primeira procura entender, o que faz as organizações e as pessoas terem alto desempenho, enfatizando a coragem e otimismo, já a segunda, foca no desenvolvimento das competências e pontos fortes, para melhorar o desempenho. Recentemente, houve uma revisão teórica na aplicação da psicologia positiva nas organizações e no trabalho e surgiu a POP (positive organizational psychology), um termo mais globalizado com base nas duas anteriores, que segundo Donaldson e Ko (2010, p.178), citado por Vasques e hutz, (2021, p,81) “é o estudo científico de experiências e traços positivos no local de trabalho e em organizações positivas, e sua aplicação para melhorar a eficácia e a qualidade de vida nas organizações”. Vasquez (2019) salienta que a POP leva em consideração tanto as necessidades da empresa, quanto das pessoas, buscando sempre ganhos mútuos é uma abordagem focada na abundância, e que as intervenções têm se mostrado serem, bem-sucedidas no sentido de melhorar tanto o bem-estar quanto o desempenho dos trabalhadores, além se ser uma ferramenta que indiretamente, diminui indicadores negativos como estresse, Burnout, depressão e ansiedade. Nesse sentido, Boehs et al. (2017), entende que o propósito fundamental da Psicologia Positiva é pesquisar e intervir na realidade histórica e social das organizações, focando na criação e manutenção da cultura, estrutura e processos, que possam contribuir para o desenvolvimento recorrente das qualidades, potencialidades e virtudes humanas. Cunha et al. (2013) citado por Vasquez (2021, p.33) afirmam que: 11 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 [...] estudos positivos organizacionais, é um exercício de desenvolvimento das virtudes humanas baseado em assunções positivas, mas realistas. Não é um exercício de resignação conformista apresentado como realismo (no sentido que a realidade comanda a vida). Os estudos organizacionais positivos consideram que o sonho pode comandar a vida. Mas também assumem (ou devem assumir) que a vida excessivamente sonhadora pode transformar-se em pesadelo. Pode-se observar através da literatura analisada, que a psicologia positiva tem ganhado espaço dentro da psicologia organizacional, no entanto, ainda tem um longo percurso a ser percorrido dentro das organizações. Para Favretto e Silva (2019), a aplicação da psicologia nas organizações é muito recente, e precisa iniciar pela alta direção, envolvendo mudanças em vários aspectos dentro das organizações, e não somente como ações isoladas, visando a felicidade no trabalho. No entanto, traz vários benefícios para as organizações, tais como: otimismo, resiliência, políticas e práticas de gestão orientadas para o bem-estar, felicidade, melhores resultados de performance e engajamento dos colaboradores, gerando dessa forma organizações mais saudáveis. Vazquez e Hutz (2021) entendem que as relações de trabalho ainda são frágeis, e pouco se tem feito para compreender a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, além disso, o maior foco dos estudos ainda é sobre as características pessoais positivas, como liderança positiva e capital psicológico. Contudo, para Holanda (2019) as organizações consideradas positivas têm chamado a atenção de empresas e empresários, como uma nova forma de gerir pessoas, com o objetivo de conseguir melhores resultados. A introdução da Psicologia positiva nas organizações é uma ferramenta para a promoção do bem-estar do trabalhador e a conquista de vantagem competitiva para as organizações. 2.2 PARTICIPAÇÃO DA PSICOLOGIA POSITIVA NAS ORGANIZAÇÕES SAUDÁVEIS Grande parte da nossa vida se passa no ambiente de trabalho, é através dele que conseguimos realização e prazer, logo, é de suma importância entender e construir ambientes de trabalho sustentáveis e saudáveis, pois permite que tanto pessoas como organizações se desenvolvam. (GUIMARÃES et al. 2018). Partindo desse pressuposto, Alves e Ambiel (2020) entende que organizações saudáveis são aquelas que possuem ambiente físico e psicossocial que favorecem o bem estar das pessoas, e reconhecem as necessidades tanto das pessoas, quanto das organizações, e essa relação ocorre de forma mútua. Para Vásquez (2019) uma organização saudável, é onde o colaborador pode realizar seu trabalho de forma saudável, através de recursos laborais necessários, que o auxiliam na proteção da vida, conseguindo renovar suas energias, preservando o prazer, elevando a auto realização durante suas atividades. Boehs et al. (2017) define organizações saudáveis como construções humanas com significados e propósitos, que se percebe, entende e compartilha, além, do equilíbrio entre resultados, lucratividade, bem-estar, felicidade e qualidade de vida. 12 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Para uma organização se tornar saudável é necessário que além dela ser um excelente local para se trabalhar, deve possuir algumas características, tais como: Os relacionamentos entre os colegas devem ser saudáveis e significativos, os gestores devem ser vistos e entendidos como íntegros e confiáveis, a missão a visão, devem ser interpretadas e compartilhadas como significativas e de alta relevância para todos os interessados (BOEHS et al., 2017). Ademais, Guimarães et al. (2018) enfatiza que para os relacionamentos se tornarem saudáveis, devem possuir algumas peculiaridades como o respeito, autonomia, valores e vitalidade entre e para as pessoas, focando sempre nos relacionamentos, interações e realização de todos, criando assim trabalhos com propósitos, significados e pertencimento. Dessa forma, as organizações saudáveis trazem grandes contribuições para as organizações, que conforme aponta Guimarães et al. (2018): organização saudável permite trilhar um caminho positivo para a produtividade e a sustentabilidade da organização e do trabalhador por meio de um enfoque salutogênico, no qual saúde e segurança se tornam valores estratégicos autênticos para toda a comunidade organizacional. Esse caminho aponta práticas que geralmente constituem organizações saudáveis e que buscam se alinhar ao conceito de trabalho decente e da dignidade humana. (p.511) Contudo, para Holanda (2019), descreve as organizações saudáveis e resilientes como empresas com processos definidos, planejadas e proativos, como o objetivo de melhorar resultados, e o ambiente tanto para colaboradores, quanto para gestores. Para Holanda (2019) empresas que oferecem experiência negativas para as pessoas, são chamadas de empresas destrutivas, que geram prejuízos tantos para empresas, quanto para colaboradores. Diante disso, a Psicologia Positiva vem com o objetivo de construir ambientes físico, psíquico e social que favoreçam o bem-estar, qualidade de vida e felicidade, de tal maneira que essas empresas possam ser caracterizadas como saudáveis. Dessa forma, Boehs et al. (2017) entendem que as organizações saudáveis a partir da psicologia positiva devem ser construídas através de políticas e práticas de gestão positiva, tendo como base valores e crenças, vindos da cultura organizacional da empresa. Essas práticas são “comunicação eficiente, apoio social, feedback, autonomia, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, trabalho em equipe e líderes positivos” (BUDGE; SILVA, 2019, p.46). A relação das organizações saudáveis para o bem-estar, a qualidade de vida e a felicidade para Biavati et al. (2018) depende da relação entre esses constructos, que devem ser construídas com base nas políticas e práticas organizacionais, que irão fornecer as condições adequadas para promover a saúde do colaborador. 13 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Figura 2. Qualidade de vida, bem-estar e felicidade no trabalho Fonte: BIAVATI et al., 2018. Holanda (2019) entende que organizações saudáveis, devem ter enfoque positivo em seus processos e gestão, pois nos momentos de adversidade, se fortalecem e crescem. Logo, para Boehs et al. (2017, p.57) “Organizações caracterizadas como saudáveis expressam seus potenciais por meio de relações éticas, que se caracterizam como equilibradas, reciprocamente confiáveis e não ameaçadoras”. Uma organização saudável, a partir da Psicologia Positiva Para Vasquez e Hutz (2021) deve ser uma constante, através de rotinas e práticas no contexto organizacional, que orientam a conduta dos colaboradores, com estratégias para desenvolver a proteção laboral, focando em fatores que freiem potenciais de riscos e prejuízos tais como: 1. identificação de potenciais ao trabalho saudável com ações que visem a redução ou a mitigação de seus impactos: efeito amortecedor do risco laboral. 2. avaliação do efeito na cadeia de reações aos potenciais riscos identificados e de seu possível desdobramento em contagio negativo (processo estressor) ou na espiral positiva de ganho (processo motivacional): efeito amortecedor do risco laboral e possível efeito impulsionador do trabalho saudável.3. planejamento de estratégia de desenvolvimento positivo baseada em emoções e estados mentais propícios ao desenvolvimento do trabalho saudável e na construção coletiva de rotas de bem-estar: efeito impulsionador do trabalho saudável.4. promover intervenções com foco no engajamento no trabalho e na abertura de oportunidades para as pessoas que possibilitem desafios e autorrealização, em vez de dilemas ou vulnerabilidades continuadas: efeito impulsionador do trabalho saudável (VASQUEZ; HUTZ, 2021, p.22). Uma organização é composta de gestores e colaboradores, vistos como essenciais, que dão vida e energia as estruturas e os processos, que criam e inovam dentro das organizações, contribuindo dessa forma, com a qualidade de vida dentro das organizações (VAZQUEZ; HUTZ ,2021). Portanto, os discursos de que os colaboradores são o patrimônio fundamental das organizações, não deve ficar só no discurso, devem ser confirmadas, através da criação de políticas e práticas de gestão positiva e eficazes de gestão de pessoas, uma vez que isso não ocorra, existirá o sentimento de hipocrisia por parte das pessoas que compõe o ambiente organizacional (BOEHS et al., 2017). 14 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.3 A PSICOLOGIA POSITIVA COMO FERRAMENTA PARA O BEM-ESTAR Nos últimos anos tem crescido os estudos em busca de uma perspectiva positiva em vários aspectos da vida, principalmente no ambiente de trabalho, focando no bemestar físico e mental (SILVA, 2020). Para Seligman (2010), entender os enfoques positivos da experiência humana, estão entre as prioridades da psicologia do século XXI. Dessa forma Biavati et al. (2018) afirmam que, nas últimas três décadas houve grandes avanços científicos que caracterizam o bem-estar como gerador de uma vida saudável, e tem como propositivo a compreensão fatores psicológicos. E diante de vários fatores e mudanças no contexto do trabalho, as organizações estão focadas em construir um ambiente de trabalho que aliados a produtividade e qualidade, seja um gerador de bemestar, uma vez que evidências empíricas demostram que tais variáveis afetam o desempenho das pessoas e geram resultados organizacionais desejáveis (HOLANDA, 2019). O conceito de bem-estar tem sido estudado a partir da psicologia positiva, e é dividido em quatro categorias que são o bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico, bem-estar social, e bem-estar no trabalho (BIAVATI et al., 2018). Já para Vasquez et al., (2019) os estudos de bem-estar são divididos em duas linhas, que são o bem-estar objetivo e subjetivo. O objetivo foca em questões de segurança e higiene, já o subjetivo em questões psicológicas. O bem-estar no trabalho tem ganhado espaço nos últimos tempos dentro da literatura organizacional, haja vista que podem contribuir para melhores condições de trabalho e de vida, e dentro da psicologia Positiva, é sinônimo de felicidade. (PANTALEÃO; VEIGA, 2019). Silveira e Romani (2017) entendem que o bem-estar no trabalho é compreendido como uma forma de trazer equilíbrio no ambiente de trabalho de vários fatores, como financeiros, segurança, oportunidades de desenvolvimento, crescimento profissional, reconhecimento, e que esses fatores devem estar ligados a satisfação e envolvimento ao trabalho. Segundo Boehs et al. (2021), o bem-estar no trabalho é um constructo de ordem psicológica, de múltiplos aspectos, e ao mesmo tempo ajustado a vínculos afetivos positivos com o trabalho, que envolvem a satisfação e relacionamentos, e com a organização, que envolvem o comprometimento, ou seja, e prevalência de emoções positivas no ambiente de trabalho. Para Seligman (2010) é um construto, e pode ser mensurado a partir de cinco elementos que são emoção positiva, engajamento, relacionamentos, sentido e realização. A satisfação no trabalho tem sido caracterizada como hedônico ou eudamônico, na visão hedônica o prazer e a satisfação com a vida são os elementos centrais, dos quais são sentidos com certa frequência, à medida que se sobressaem aos sentimentos negativos, já na Eudaimonia entra a questão do sentido e significado do trabalho, sendo visto como algo mais duradouro (PANTALEÃO; VEIGA, 2019). O bem-estar é compreendido como um estado subjetivo de felicidade, caracterizado do hedonismo, com foco nos momentos de prazer, já o bem-estar eudamônico, é um estado de bemestar psicológico, está relacionado a realização plena de todas as potencialidades, e ambos se concentram. 15 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Muitos estudos afirmam que o conceito de bem-estar e felicidade são sinônimos, porém, Boehs et al. (2017) afirma que não são sinônimos, e sim correlatos, e que a felicidade é um fenômeno superior a qualidade de vida e ao bem-estar, por uma questão de perenidade. Para Seligman (p.10, 2010) “O Bem-estar é um construto, e felicidade é uma coisa. Uma “coisa real” é uma entidade diretamente mensurável. Uma tal entidade pode ser “operacionalizada” — o que significa que é definida por um conjunto muito específico de medidas”. Figura 03. Interfaces e distinções entre qualidade de vida, bem-estar e felicidade Qualidade de vida Bem-estar Felicidade Fonte: BOEHS et al., 2017. 2.4 A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA POSITIVA NA CONSTRUÇÃO DE CAPITAL PSICOLÓGICO POSITIVO Desenvolver o capital psicológico positivo dentro das organizações é de extrema importância, pois está diretamente atrelado ao potencial e sucesso dos colaboradores, dessa forma, é importante compreender os fatores que afetam o capital psicológico positivo (SILVA, 2020). O entendimento do Capital Psicológico Positivo se dá através do comportamento organizacional positivo, corrente que se opõe aos estudos comuns organizacionais, que foca nas vulnerabilidades das pessoas. Os estudos voltados para o capital psicológico avaliam as capacidades psicológicas positivas que podem estimular o desempenho das organizações e validar o comportamento organizacional positivo. (CLARO; FILHO, 2019). Esse campo de estudo é um constructo que surgiu recentemente, e tem como base a Psicologia Positiva, tem como proposta romper com a visão limitante e adoecedora das pessoas, reduzindo-as como um simples recurso (BARBOSA, 2021). Geremias (2017) entende o capital psicológico positivo como sendo um constructo essencial e emergente, que está relacionado ao desempenho dos funcionários. Boehs et al. (2017) conceitua capital psicológico positivo (PsyCap) como um construto positivo, composto de quatro dimensões, que são auto eficácia, otimismo, esperança e resiliência. 16 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Luthans, Avey e Avolio (2006) citado por Geremias (2017, p.2) conceitua capital psicológico positivo como: Estado psicológico positivo de desenvolvimento de um indivíduo que pode ser caracterizado por: (1) ter confiança para assumir tarefas desafiadoras e fazer o esforço necessário para ter sucesso (auto eficácia); (2) fazer uma abordagem positiva sobre o sucesso, agora e no futuro (otimismo); (3) ser persistente no alcance de objetivos e, quando necessário, redirecionar os caminhos, em função dos objetivos para alcançar o sucesso (esperança); (4) ser capaz de ultrapassar os obstáculos e as adversidades, sem nunca desistir, para alcançar o sucesso (resiliência). Claro e Filho (2019) afirmam que essas quatros dimensões, foram estudadas e validadas cientificamente com base em estudos e em conhecimentos teóricos e em solida investigação empírica de Luthans e seus colaboradores, e para um melhor entendimento, veremos as dimensões detalhada. Claro e Filho (2019) conceituam a Autoeficácia como um estado afetivo que que está direcionado para os desafios presentes e futuros, tem relação com a crença de capacidade de ação, vontade, perseverança e intervenção do indivíduo frente a seus desafios e obstáculos. É o tanto que o indivíduo consegue se desenvolver, impulsionar e melhorar sua motivação, sua capacidade cognitiva e seus esforços ao desempenho com êxito de seus objetivos em um determinado contexto (CLARO; FILHO, 2019). Nesse sentido, Geremias (2017) assegura que, a autoeficácia se refere a confiança individual que eleva os níveis motivacionais e os recursos cognitivos. O Otimismo para Geremias (2017) consiste em estimular características positivas e expetativas na realização de futuros eventos, para Claro e Filho (2019). É um estado afetivo, que se direciona sempre para o futuro, mesmo que esteja num evento presente, é a expectativa de que coisas positivas irão ocorrer para se alcançar resultados positivos, frente uma situação que não é considerada positiva, pesquisam comprovam que pode ser desenvolvido dentro dos indivíduos. Para Claro e Filho (2019) é um estado afetivo, que se direciona sempre para o futuro, tem como objetivos, planos e metas, que podem ser de curto e médio prazo. É a determinação, força de vontade de conseguir algo, mesmo não tendo condições favoráveis, na esperança se devolve diversas estratégias que se permite prosseguir sem perder o foco, tem um impacto grande no desempenho do trabalho estudam compram que pode ser desenvolvido dentro das pessoas, já para Geremias (2017) é uma relação entre a determinação e a elaboração de etapas úteis e concretas para atingir metas e objetivos. E por último temos a resiliência que para Geremias (2017) é considerada como a capacidade que permite aos indivíduos se adequarem e enfrentar positivamente às adversidades, e para Claro e Filho (2019) é um estado afetivo, que tem foco em eventos ocorridos no passado, porém, preparando os indivíduos para o presente. É a capacidade de se recuperar de adversidades e aceitar a realidade, é capacidade das pessoas em improvisar e se adaptar. Enfrentando as dificuldades com forma e confiança, sempre se recuperando e gerando menos stress, pessoas com resiliência conseguem planejar o futuro com melhores resultados, e pesquisam demostram que podem ser desenvolvidas nas pessoas 17 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 O desenvolvimento do capital psicológico, dentro das organizações permite o crescimento das pessoas, elevando a performance tanto no trabalho como em outros aspectos da vida, e a relação das quatro facetas geram melhores resultados, tanto de gestores, quanto de funcionários. (BOEHS et al., 2017). Conforme Geremias (2017), a combinação dessas facetas permite que se crie um nível elevado de capital psicológico, levando o indivíduo ter foco na realização das tarefas almejando o sucesso na conclusão delas. O desenvolvimento de capital psicológico dentro das organizações permite maiores desempenho de seus funcionários, conforme aponta Holanda (2019). Um exemplo da relação de capital psicológico positivo com performance é apontado por Seligman, quando este comprovou em um estudo, publicado em 1998, a eficácia da força do otimismo: o autor demonstrou que vendedores mais otimistas vendiam mais, em comparação com os vendedores menos otimistas, mesmo tendo está maior experiência do que os primeiros, reforçando a importância da aplicabilidade do capital psicológico positivo no contexto organizacional (p.36). Silva (2020) entende que desenvolver o PsyCap é um investimento, mais que terá retorno dos quais podem ser mensurados através da diminuição do turnover, presenteísmo e absenteísmo, além de potencializar comportamentos de cidadania organizacional, possibilitando as organizações terem melhores resultados. Holanda (2019) afirma que pesquisas demostram que o Psycap tem influência na satisfação com o trabalho, ao bem-estar afetivo, e qualidade de vida no trabalho, e cabe as organizações criarem intervenções com intuito de desenvolvê-lo, com ações através de gestão, e que devem estar abetos para relacionamentos verdadeiros com seus liderados. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta pesquisa foi possível compreender a contribuição da Psicologia Positiva para as organizações, na formação do capital psicológico positivo e geração do bem-estar e qualidade de vida. Apesar das autoras que vos escrevem trabalharem na área organizacional, investigar, a partir dos artigos coletados, trouxe um olhar bem mais profundo do que antes havia sobre o conteúdo exposto. O processo desde a identificação de quais artigos, livros, anais entre outros a serem usados, até a conclusão deste trabalho, foi uma construção de saber rica e relevância. O modo que cada autor ao apresentar sua perspectiva mostrou como cada ideia pode ser usada para alcançar por caminhos diferentes, uma organização pautada na psicologia positiva. Os desafios foram muitos, pois durante a pesquisa foram nos apresentas diversas ideias e de autores que não pertenciam ao contexto atual. Além disso, por ser uma pesquisa que deveria ser dentro das organizações, para compreender a real situação dos ambientes de trabalho, poucas são aquelas que abrem as portas, tendo assim em abundância apenas perspectivas teóricas e escassos estudos de campo. Contudo, grande parte das publicações sobre Psicologia positiva são publicados em língua inglesas, o que dificultou a pesquisa. Outro ponto a salientar, de extrema importância, foi a experiência obtida com a realização desta pesquisa. É relevante destacar também a conexão existente entre a presente pesquisa com o tema: A psicologia positiva aplicada às organizações e ao trabalho e um outro tema o qual seria clima organizacional ou perfis de liderança dentro das organizações. 18 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Os objetivos propostos nesta pesquisa foram alcançados, obtendo como compilação final a concordância com o que há de mais recente sobre a psicologia positiva aplicada nas organizações e no trabalho. Propõe-se a continuação deste trabalho que vise explorar mais as características dessas organizações, e assim possibilitar abrangência que explique melhor a dinâmica da psicologia positiva dentro das organizações. REFERÊNCAS [1] ALVES, Barbara de Paula. AMBIEL, Rodolfo Augusto Matteo. Escala de forças de caráter: relações com instrumentos de avaliação de afetos e interesses profissionais. Estudos Interdisciplinares em Psicologia. Londrina, v. 9, n. 2, p. 04-20, ago. 2018. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/pdf/eip/v9n2/a02 >. Acesso em: 06 de jul.2021. [2] BEDIN, Maria Lívia. ZAMARCHIB, Morgana. Florescimento no trabalho: Revisão integrativa da literatura. Revista Psicologia: Organizações e trabalho. v.19, n.1, 2019. Disponível em:< http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v19n1/v19n1a06.pdf>. Acesso em: 06 jul.2021. [3] BOEHS. S, T, M. CUGNIER. J, S. SILVA, N. Psicologia aplicada as organizações e ao trabalho. In. SILVA, Narbal. BOEHS, Samanta de Toledo Martins. Psicologia nas organizações e no trabalho: Conceitos fundamentais e sentidos aplicados. São Paulo: Vetor, 2017. p.43-60. [4] BOEHS, S.T.M. SILVA, N. Psicologia Positiva: Historicidade, episteme, ontologia, natureza Humana e método. In. SILVA, Narbal. BOEHS, Samanta de Toledo Martins. Psicologia Positiva nas organizações e no trabalho: Conceitos fundamentais e sentidos aplicados. São Paulo: Vetor, 2017.p.23-41. [5] BORGES, Evandro. Psicologia Positiva: Uma mudança de perspectiva. 1 ed. Joinville: Clube de Autores, 2017. [6] BIAVATI, V.P. BOEHS, S.T.M. FARSEN, T.C. SILVA, A.D. SILVA, N. Qualidade de vida, bemestar e felicidade no trabalho: Sinônimos ou conceitos que se diferenciam. Interação no trabalho. v.22, n.01, 2018. Disponível em: <https://pdfs.semanticscholar.org/5a18/43d19b0bdd6451a582b5e274eb72446fe800.pdf>. Acesso em: 06 de jul.2021. [7] BUDGE, Cristiane. SILVA, Narbal. Impactos na percepção de felicidade no trabalho após um processo de redução nas políticas e nas práticas de gestão de pessoas. Psicología desde el Caribe, v.37, n.1, p.40-69, 2019. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/pdf/psdc/v37n1/2011-7485-psdc-37-01-40.pdf>. Acesso em: 06 de jul.2021. [8] CLARO, José A. C. S. FILHO, Angelo Polizzi. O Impacto de Bem-estar no trabalho e capital psicológico sobre intenção de rotatividade: Um estudo com professores. Revista de Administração Mackenzie, São Paulo, 2019. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/ram/a/MmksyBHtL86M5DQG7mb43xb/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 06 de jul.2021 [9] CUNHA, Cristiano José Castro de Almeida. ESPER, Aulina Judith Folle. Liderança Autêntica: Impactos nos resultados individuais. In. SILVA, Narbal. BOEHS, Samanta de Toledo Martins. Psicologia nas organizações e no trabalho: Conceitos fundamentais e sentidos aplicados. São Paulo: Vetor, 2017. p.79-97. 19 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 [10] DENSIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. O Planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. São Paulo: Artmed, 2006 [11] GEREMIAS, Rosa Lutete.O Capital Psicológico como facilitador da aprendizagem. IV congresso lusófono de comportamento organizacional e gestão. Universidade Presbiteriana Macknzie.2017. Disponível em: <https://www.mackenzie.br/fileadmin/OLD/62/ARQUIVOS/PUBLIC/user_upload/34__o_capital_psicologico.pdf >. Acesso em: 06 de jul.2021 [12] GIL, A. C. Metodologia do ensino superior. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2011. [13] GUIMARÃES, L.A.M. OLIVEIRA. F, F. JUNIOR, J.M. REBOLO. Em busca de organizações saudáveis. Revista Psicologia: organizações e trabalho. Campo Grande, v.18, n.4, p. 511-513. 2018. Disponível em: pepsic.bvsalud.org/pdf/rpot/v18n4/v18n4a08.pdf. Acesso em: 06 de jul.2021. [14] HOLANDA, Izabela Rocha. Estudo sobre o Bem-estar no trabalho à luz da Psicologia Positiva. Tese (Mestrado em Psicologia), Centro Universitário do Ceará, Departamento de Psicologia. Fortaleza, 2019. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/42635 . Acesso em: 06 de jul.2021. [15] PANTALEÃO, P.F. VEIGA. H, M, S. Bem-estar no trabalho: Revisão sistemática da literatura nacional na última década. Holos. Ano 35, v.5, e7570, 2019. Disponível em: https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/7570/pdf. Acesso em: 06 de jul.2021 [16] OMAIS, Sáluma. Manual de Psicologia Positiva.1ed. Rio de Janeiro: qualitymark, 2018. [17] SELIGMAN, M. E.P. Felicidade Autêntica: Usando a nova psicologia Positiva para a realização permanente. Rio de janeiro: objetiva, 2010. [18] SELIGMAN, Martin E. P. Florescer: uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem-estar / Martin E. P. Seligman; tradução Cristina Paixão Lopes. - Rio de Janeiro: Objetiva, 2012. [19] SILVA, Cátia Mendes. Capital Psicológico Positivo, Satisfação com o Trabalho e Bemestar Afetivo com o Trabalho: o efeito mediador da Qualidade de Vida no Trabalho. Tese (Mestrado em Psicologia), universidade de Lisboa, 2020. Disponível em: ulfpie055727_tm.pdf. Acesso em: 06 de jul.2021. [20] TREINTA, Fernanda Tavares et al. Metodologia de pesquisa bibliográfica com a utilização de método multicritério de apoio à decisão. Production, v. 24, p. 508-520, 2014. [21] VAZQUEZ, A. C. S., FERREIRA, M. C., & MENDONÇA, H. Avanços na Psicologia Positiva: Bem-Estar, Engajamento e Redesenho no Trabalho. Avaliação Psicológica, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 343–351. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.15689/ap.2019.1804.18859.02>. Acesso em: 06 de jul.2021. [22] VAZQUEZ., Ana Claudia Souza. HUTZ, Claudio Simon. Psicologia Positiva organizacional e do trabalho na prática. 1. ed., São Paulo: Hogrofe, 2021. 20 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 2 Atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar do Centro Estadual de Referência e apoio à Mulher de Manaus no acompanhamento de mulheres vítimas de violência Estefanny de Castro Arantes Resumo: Ao longo dos anos, a violência contra a mulher tornou-se cada vez mais evidente e frequente, o que obrigou o governo a buscar meios de contribuir para a retirada da mulher agredida do ciclo de violência vivenciado. Dentre esses, a criação da Rede de Apoio à Mulher de Manaus, que conta com serviços emergenciais oferecidos gratuitamente às mulheres vítimas de violência. Este trabalho tem como objetivo discutir a participação dos psicólogos na equipe multidisciplinar do CREAM (Centro Estadual de Referência Apoio à Mulher de Manaus) no atendimento de mulheres vítimas de violência, a partir do método de pesquisa qualitativa de caráter exploratóriodescritivo, sendo utilizadas entrevistas como instrumento sob a análise do conteúdo de Bardin (2011). Após a leitura do material sobre o referido assunto, é possível inferir que a atuação do psicólogo é de essencial importância não só para o encerramento do ciclo de violência, como para a preparação da mulher para a pós-libertação do ciclo, quando ela enfrentará o desafio de se redescobrir como ser individual e capaz. Palavras-chave: Mulher; ciclo de violência; psicólogo. 21 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A violência contra a mulher é uma realidade no cotidiano das cidades e do mundo. Mulheres silenciadas pelo medo, pela dependência financeira e emocional, pela baixaestima resultante das manipulações do agressor e pela insistência do homem que não aceita que ela se liberte do ciclo violento em que foi colocada. Embora seja um assunto ainda pouco discutido, é de âmbito e questão sociais, visto que, para a prevenção ou rompimento do ciclo de violência, é necessária a contribuição de equipes multiprofissionais. Entre os profissionais dessa equipe destaca-se o psicólogo. Nos casos de violência, o trabalho do psicólogo vai muito além de escutas emergenciais e/ou terapêuticas, pois quando uma mulher é agredida verbal, moral ou fisicamente, parte dela se despedaça. Parte dessa mulher desaba em dor emocional, fragilidade, medo, insegurança, desesperança e baixa autoestima. O trabalho do psicólogo tem mais significância que apenas escutá-la. A partir dessa discussão, este trabalho foi conduzido com o objetivo geral de discutir a participação dos psicólogos na equipe multidisciplinar do Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher de Manaus (CREAM) no atendimento de mulheres vítimas de violência. Para nortear a pesquisa e alcançar o objetivo primário, estabeleceram-se como objetivos específicos: a. Levantar as atividades desenvolvidas pelo psicólogo no CREAM no atendimento da mulher; b. Apresentar o ciclo de violência que gera danos emocionais às mulheres vítimas; e c. Explanar sobre a importância de um profissional da saúde mental para a recuperação da mulher vítima de violência. Este trabalho contribui para que a sociedade perceba a gravidade do assunto ‘’violência contra a mulher’’ e tenha uma nova percepção quanto ao que é violência e suas diversas formas, pois muitas mulheres ainda sofrem com a falta de informação e acreditam que a violência só ocorre quando há agressão física. Os resultados apresentam informações relevantes sobre o processo a ser realizado quando a violência é identificada, discutindo o processo de recuperação do trauma que a violência causa à vítima. A presente pesquisa teve uma abordagem qualitativa e cunho exploratóriodescritivo. Segundo Mattar (1997), a abordagem qualitativa identifica a presença ou ausência de algo. O uso da abordagem qualitativa buscou compreender os fenômenos a partir da narrativa dos participantes, sobre a questão em estudo (GODOY, 1995). Como instrumento de pesquisa foi utilizado a entrevista estruturada. De acordo com May (2004), a diferença central desse tipo de entrevista “é o seu caráter aberto”, ou seja, o entrevistado responde as perguntas dentro de sua concepção, mas não se trata de deixá-lo falar livremente, pois o pesquisador não deve perder de vista o seu objetivo. Para a coleta de dados, obteve-se inicialmente o termo de anuência da instituição responsável e os trabalhos de coleta foram realizados no mês de agosto de 2021. Aos psicólogos voluntários a participar da pesquisa, foram distribuídos individualmente e todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para participar da pesquisa, os psicólogos deveriam atender aos seguintes critérios: a) livre concordância em participar da pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; b) ser membro atuante do projeto que trabalha com mulheres vítimas de violência; e c) trabalhar com atendimento psicológico à mulher vítima de violência. 22 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Para análise dos dados qualitativos, utilizou-se a análise do conteúdo de Bardin (2011), que descreve um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante aperfeiçoamento que se aplica a discursos extremamente diversificados. Para o desenvolvimento da pesquisa, foram respeitadas as normas previstas na resolução nº 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, preservando e considerando o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos, além do desenvolvimento e do engajamento ético. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO A partir das perguntas elaboradas aos participantes foram construídas três categorias. Da mesma forma, as respostas dos participantes foram analisadas e classificadas de acordo com sua similaridade. As análises das respostas foram expressas por palavras ou termos, as quais foram denominadas subcategorias, conforme figura abaixo. Figura 1 - Análises das respostas expressas por palavras ou termos A importância do psicólogo na equipe do cream Atividades que contribuem para o processo de recuperação das vítimas de violência A participação do psicólogo no processo de recuperação da mulher vítima de violência • fundamental/ suma importância/ essencial/ importância principal • • • • • • • • acolhimento inicial escuta qualificada psicoterapia em grupo psicoterapia individual ressiginificação autoconhecimento percepção do que é real empoderamento Fonte: Autoria própria, 2022 A coleta de dados foi realizada em três momentos. No primeiro, foi questionada a importância do psicólogo na equipe do CREAM. No segundo momento, os participantes foram questionados sobre as atividades desenvolvidas para a contribuição da recuperação das mulheres vítimas. Por último, foram questionados de que maneira o psicólogo contribui no processo de recuperação da mulher vítima de violência. A seguir serão discutidas as categorias e subcategorias levantadas. 23 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO NA EQUIPE DO CREAM Na primeira categoria, obteve-se uma única subcategoria, tendo em vista que na síntese das falas houve unanimidade nas respostas das participantes: a importância é fundamental. As cinco psicólogas entrevistadas deixaram em evidência que consideram muito importante a participação do psicólogo na equipe do CREAM, como podemos identificar na fala da participante P1: “Eu gostaria muito de dizer que a psicologia é a essência do CREAM, mas aí pode soar como se estivesse desqualificando algumas outras categorias. Mas eu entendo que é isso, ela é fundamental”. Na fala da participante P4, consta o seguinte: “Eu vejo como uma importância principal. É como se o psicólogo fosse uma base e dele irradiasse, dele partisse, e dele fosse norteado o atendimento”. De acordo com Chiattone (2000; apud Moré et al., 2004) No caso de estarem esclarecidas as atribuições do psicólogo, espera-se que o profissional seja capaz de mostrar competência o suficiente para que sua prática seja considerada necessária’’. A participante P2 afirma que “O psicólogo é de suma importância na ajuda do enfrentamento a violência contra a mulher. Por ser um profissional que atua com a mente e responsável pelo comportamento humano, vai conduzir essa mulher a uma autodescoberta”. O que corrobora com SPM/PR (2011, p.8), quando afirma que: [...] o conceito de rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz respeito [...] ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e construção da autonomia das mulheres, e os seus direitos humanos. De acordo com Dutra (2004), não se pode pensar em um sujeito sem antes entender sua história e o meio em que está inserido, isto é, compreender o contexto no qual a mulher está inserida para, assim, buscar entender as atitudes a serem tomadas para o seu processo de recuperação. Cada mulher é um ser individual e, apesar de diversas vezes nos depararmos com histórias e situações parecidas, devemos lembrar que somos seres individuais e que as situações são encaradas de formas diferentes por cada vítima. A atuação do psicólogo na equipe do CREAM também se torna essencial na função de entender a subjetividade de cada paciente e assim traçar planos terapêuticos adequados para cada situação e para cada mulher que chega à procura de acolhimento. 2.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELO PSICÓLOGO QUE CONTRIBUEM PARA O PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA Na segunda categoria, as profissionais foram questionadas sobre as atividades desenvolvidas pelos psicólogos que contribuem para o processo de recuperação da mulher vítima. Obtiveram-se quatro subcategorias: acolhimento inicial, psicoterapia em grupo, psicoterapia individual e escuta qualificada. 24 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2.1 ACOLHIMENTO INICIAL O acolhimento se dá pelo atendimento emergencial, sem agendamento prévio às vítimas da violência doméstica, que ao chegarem à Instituição se encontram abaladas e fragilizadas. Ele se constitui como um espaço de escuta especializada que propicia à mulher uma reflexão sobre a real situação em que se encontra e suas necessidades. É a partir deste que, posteriormente, as mulheres são encaminhadas para instituições variadas que acolhem demandas da mulher em situação de violência. Quanto à questão do acolhimento, a Participante P3 comenta: “A mulher quando ela chega ao CREAM ela está totalmente fragilizada, então é feita uma escuta inicial, um atendimento a essa mulher para saber quais as suas necessidades. Se são psicológicas, sociais ou jurídicas”. Conforme Fiorelli e Mangini (2020), a vítima de violência doméstica encontra-se com a autoestima diminuída, e seria mais que recomendável o acolhimento e apoio psicológico e multidisciplinar. Segundo Santos (2018) e Balbueno (2011), é necessário ressaltar a importância do acolhimento e do apoio psicossocial às vítimas de violência doméstica, pois, na maioria das vezes, essas mulheres se encontram em muitos conflitos psicológicos e emocionais, além de um estado de saúde debilitado. De acordo com Silva e Welzbacher (2011 apud AGUIAR; ROSO, 2016), o acolhimento é uma ferramenta que promove, de algum modo, a resolução das demandas pontuais dos pacientes. Assim, esta recepção mais humanizada às vítimas constitui um espaço reflexivo. Dessa forma, o CREAM se configura como um ambiente de acolhimento e de aceitação do usuário com sua dor e respeito, quando busca ajuda. Esse entendimento é reforçado na fala da Participante P2 ao comentar que: Se eu pudesse criar um protocolo de acolhimento inicial para mulheres vítimas de violência no CREAM, eu colocaria um profissional de psicologia nesse acolhimento inicial. Um psicólogo, um estagiário de psicologia, alguém que tenha essa sensibilidade para entender o que aquela mulher está falando. Porque escutar, é diferente de ouvir.(P2) De acordo com o Ministério da Saúde, o “acolhimento” é definido como: Uma diretriz da Política Nacional de Humanização (PNH), que não tem local nem hora certa para acontecer, nem um profissional específico para fazê-lo: faz parte de todos os encontros do serviço de saúde. O acolhimento é uma postura ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimento do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabilização pela resolução, com ativação de redes de compartilhamento de saberes (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008, p. 8). Cezar (2007 apud LAGO, 2009) destaca a importância de um profissional apto para realizar o acolhimento. Ele precisa possuir habilidade em ouvir, demonstrar paciência, empatia e capacidade de deixar a vítima à vontade. Deve, ainda, conhecer acerca da dinâmica da violência, atentando-se a preservar o estado emocional da vítima. 25 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Então temos que ter esse manejo [...] perceber os comportamentos, às vezes ter o manejo pra saber se precisam de alguma coisa, porque a gente sabe que mexe com a gente, porque somos formadas e temos essa noção, mas às vezes o pessoal de social não tem essa noção e o jurídico também não, e é bom a gente dar essa escuta.(P5). 2.2.2 ESCUTA QUALIFICADA No processo de acolhimento, a vítima que por vezes acabou de sofrer a violência chegava abalada, carregando o sentimento de culpa, desesperança e vergonha, o que a impedia de conversar sobre o ocorrido com familiares e amigos. Nesse momento, utilizando as técnicas de escuta adequadas, foi possível promover um vínculo de confiança por meio do qual elas puderam relatar seus sentimentos e conflitos gerados pela vivência de cada uma frente à violência. Nesse sentido, Benincá et al. (2018) destaca a necessidade de um trabalho de escuta psicológica junto a mulheres que sofreram violência doméstica, de modo a disponibilizar momentos de acolhimento capazes de promover seu bem-estar emocional, por meio de uma intervenção individual ou coletiva, capaz de levar as vítimas a compreenderem e enfrentarem seus sofrimentos. Fazer com que essa mulher entenda o cenário que está inserida faz com que ela se enxergue a real situação e tenha mais disposição para mudá-la e recebendo todo apoio da equipe ela se vê segura e com forças para dar os passos que precisa para recuperar sua saúde mental. (P2). A partir da escuta psicológica, foi possível perceber o sofrimento e o impacto emocional que as acolhidas passavam e assim encaminhá-las às intervenções adequadas a cada caso, de forma a atender às demandas. Nessa perspectiva, sabemos que a escuta psicológica é, de fato, o grande instrumento com o qual acessamos o outro e, nesse sentido, Dolto (2004), em seu trabalho clínico, já destacava que uma das especificidades do trabalho clínico era justamente a capacidade de escuta. Às vezes o jurídico não tem a sensibilidade da psicologia, ele está ali disponível para ajudar essa mulher no que ela precisar diante da sua área, assim como o social. Nós, psicólogos, somos responsáveis por ouvir as dores dessa mulher e tratar com cuidado e empatia das suas feridas. (P1). Nos casos de violência doméstica com agressão física, a vítima passa por um médico legista que faz o procedimento de confirmação da agressão (que por si só, já é uma outra forma de violência). Ele realiza também uma escuta referente ao ocorrido. Entretanto, nesse momento de necessidade de atenção à saúde mental dessa mulher, é realizada a escuta médica que, conforme Guedes (2003, apud FOSSI; GUARESCHI, 2004), por vezes direcionadas apenas para obtenção dos dados específicos do procedimento médico. Quando chega ao CREAM a mulher é acolhida com a forma de escuta necessária, acompanhada por um profissional da saúde mental que lidará com suas dores internas. 26 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2.3 PSICOTERAPIA EM GRUPO A psicoterapia em grupo é um instrumento de extrema importância para a recuperação da vítima, visto que ela pode reconhecer a sua história no relato de outras mulheres, gerando, assim, uma esperança frente a entender que, por não ser a única a passar por isso, pode também como as demais mulheres superar esse cenário. Através das atividades realizadas no Grupo [...], pode-se verificar a ressignificação das violências sofridas, no sentido que as mulheres têm a possibilidade de se reconhecerem na dor das outras. [...] O grupo auxilia na identificação da violência através do olhar do outro e para o outro, construindo saberes outros sobre a melhor forma de combater as sequelas das violências sofridas (GALVÃO, 2020, p.4). Segundo os estudos de Boaventura Santos (2010, p.9, apud GALVÃO, 2020), toda experiência social produz e reproduz conhecimento, e ao fazê-lo, pressupõe uma ou várias epistemologias. No Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher de Manaus, a psicóloga Flávia Favoretti desenvolveu o ‘’Use suas asas’’, um projeto de psicoterapia coletiva com mulheres vítimas, no qual visualizam a oportunidade de compartilhar suas experiências de vida, expondo não apenas suas dores, bem como todos os traumas que subsequentes, para posterior trabalho junto ao grupo e ao psicólogo, possibilidades de recuperação. No processo de caminhar em conjunto, é trabalhar esses conceitos que estão fragilizados na mulher, trabalhar essa superação, trabalhar novas possibilidades para essa mulher que não se vê fora desse relacionamento. No coletivo, no trabalho psicoterapêutico em grupo é demonstrar através de relatos que existem mulheres que vivenciam a mesma situação. (P1). A temática do grupo “Use suas asas” é trabalhar o feminismo no processo de empoderamento, resgate de valores que foram ‘’perdidos’’ ou esquecidos no período do ciclo violento, assim como trabalhar a ressignificação da violência para a mulher, fazendo com que ela se entenda como ser de autonomia e independência. Para Galvão e Lanne (2020), o grupo auxilia na identificação da violência por meio do olhar do outro e para o outro, construindo saberes outros sobre a melhor forma de combater as sequelas das violências sofridas. Quanto a isso, a participante P4 afirma que: Vendo suas histórias sendo contadas por outras mulheres, porque é assim que elas se sentem quando se identificam com as histórias de suas companheiras de grupo na psicoterapia de grupo, essas mulheres veem também que existem meios de sair do ciclo violento. E isso dá a elas algo que elas não sentiam na maioria dos casos há bastante tempo: esperança. (P4) 27 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Freud (1976) afirma que psicologia de grupo se interessa pelo indivíduo como membro de uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição ou como parte de uma multidão de pessoas que se organizaram em grupo, numa ocasião determinada, para um intuito definido. Sendo assim, um grupo de pessoas com experiências e feridas diferentes que podem enxergar suas histórias sendo contadas na história de outras pessoas. 2.2.4 PSICOTERAPIA INDIVIDUAL A psicoterapia individual é uma forma da mulher se sentir acolhida e extravasar sua dor através da fala e também se mostra como uma via para acolher o sofrimento psíquico (ZUANAZZI; SEI, 2019). Fochesatto (2011) afirma que por meio da fala o paciente recebe a oportunidade de se conectar com ideias que muitas vezes podem estar recalcadas causando sintomas atuais. Assim, o mesmo passa a ter uma nova compreensão dessa memória. Supõe-se que enquanto o paciente manter ideias recalcadas do passado, estes se tornarão presentes, uma vez que são constantemente atualizados através dos sintomas. Quando a reação é reprimida, o afeto permanece ligado à lembrança e produz o sintoma. Observa-se a importância da psicoterapia individual, nas falas abaixo: Eu posso te dizer que a psicologia exerce um papel fundamental no CREAM [...] no acompanhamento individual, quando aquela mulher chega na crise mesmo sabe? E a gente faz aquela escuta pra tentar compreender o que ela ta passando. (P1). A psicoterapia individual no CREAM deve ser considerada diferente da psicologia clínica propriamente dita, uma vez que ‘’os acompanhamentos das mulheres vítimas de violência são feitos semanalmente ou quinzenalmente dependendo da demanda e urgência da assistida.(P3). Trabalhar com a temática da violência doméstica e familiar contra a mulher é uma maneira diferenciada de atuação do profissional da psicologia, pois se difere do modelo da clínica privada, no qual o trabalho é feito em um consultório, através de psicoterapia individual (MONTEIRO, 2012, p.22). A participante P4 evidencia essa questão na sua fala: Essa mulher ela chega no CREAM cheia de mazelas machucada ne ela chega com uma dependência emocional muito exacerbada e o trabalho que a gente faz ali é de reconhecimento da autoimagem porque a psicologia acredita que essa mulher se reconhecendo como mulher como pessoa ela se sente na soberania de não ter que depender de outra pessoa para ser feliz, ela se basta, né a gente vem trabalhando isso. Então eu posso te dizer que a psicologia exerce um papel fundamental no Cream tanto no acompanhamento individual que é feito semanalmente ou quinzenalmente, como na escuta emergencial. (P4) Na psicoterapia individual são trabalhadas a escuta das dores dessa mulher, bem como o reconhecimento da sua autoimagem com o objetivo que essas mulheres, vítimas de violência, “resgatem sua condição de sujeito, redescobrindo seus desejos e vontades, 28 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 que durante a relação violenta foram anuladas, além de resgatar sua autoestima” (MONTEIRO, 2012, p.48). Com o passar das semanas e do trabalho de acolhimento pode-se identificar reações nas mulheres atendidas como: Sentirem-se mais seguras tanto socialmente quanto de si, demonstrações de resgate de valores esquecidos, a volta do autocuidado e a alegria de reconhecerem-se novamente como mulheres. 2.3 A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA Nesta categoria, as profissionais foram questionadas de que maneira o psicólogo contribui no processo de recuperação da mulher vítima de violência. Foram obtidas cinco subcategorias: ressignificação, autoconhecimento, empoderamento, percepção do que é real e novos caminhos. 2.3.1 RESSIGNIFICAÇÃO Quando uma mulher vítima de violência chega ao CREAM, ela recebe todo apoio social necessário, sendo ele jurídico, social, psicológico e pedagógico. No processo do apoio psicológico, inclui-se a psicoterapia, que é um processo de fundamental importância na ressignificação da violência que essa mulher sofreu, como podemos comprovar na fala da participante P1 quando afirma que: “ressignificando os processos traumáticos que essa mulher passou então nós possibilitamos uma visão além do que ela vê”. Assim, o trabalho do psicólogo pode levá-la a enxergar um mundo além da violência que a traumatizou. A ressignificação ocorre quando uma mulher chega ao serviço desacreditada em si mesmo, achando que é culpada pela violência sofrida e envergonhada por estar ali, e depois de receber acolhimento, atendimento e participar das atividades do Grupo acaba por se reconhecer além de vítima, mas como uma mulher forte, assim como todas as outras (GALVÃO, 2020, p.9). Outrossim, em processo de recuperação e cura da pós-violência, em um processo de ressignificação da violência à mulher precisa estar disposta a buscar ajuda. Eu falo importante, por que é essencial a participação dela, a psicoterapia, o psicoterapeuta ali é só uma porcentagem, a assistida precisa estar a par desse processo que ela está iniciando, quando falo a par, ela precisa querer ressignificar, ela precisa querer superar. (P1). Não há como, no processo de tratamento da mulher vítima de violência, não serem trabalhados princípios de autoimagem e empoderamento que desmistifiquem esses tabus alimentados pela sociedade há anos. Quando a mulher se enxerga como inserida no ciclo de violência e aceita que precisa do processo de cura, são trabalhadas ressignificações, desmistificando conceitos sociais impregnados desde que essa mulher nasceu. Por exemplo: ‘’briga de marido e mulher ninguém mete a colher’’, ‘’casamento é pra sempre”. (P1). 29 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Trazer a essa mulher uma visão feminista de que ela merece grandes coisas e que é capaz de conquistar sua independência é um passo importante no processo de cura e ressignificação do cenário de violência do qual ela estava inserida. Na concepção de Catarina Martins (2016, p. 267), “o feminismo implica uma reflexão que entenda a opressão feminina e que formule pensamentos combativos e empenhados em acabar com essa opressão”. Essa é uma das funções do psicólogo no trabalho de ressignificação da violência para a mulher vítima: ajudá-la a entender formas de continuar com a vida, redescobrindo-se como mulher capaz. 2.3.2 AUTOCONHECIMENTO Um dos grandes danos causados pela violência e pelo ciclo violento é que a mulher se perde, deixando de se reconhecer como mulher. Tal questão é bem expressada na fala da Participante P2 Essa mulher sabe se identificar como mãe, como esposa, como filha, mas ela esquece de se ver como mulher, esquece de quem ela é, do que gosta de fazer, do que a faz feliz e principalmente, esquece do quanto ela é capaz de constituir uma vida independente.(P2) Essa mulher torna-se insegura, desenvolvendo uma baixa autoestima, pois, na maioria das vezes, o ciclo violento faz com que essa mulher aos poucos vá se anulando da relação, da vida, da autonomia e dos conceitos de felicidade que antes ela acreditava e queria para si. Miller (1999) afirma que para a mulher tentar suportar a realidade da agressão, ela tende a abdicar de seus sentimentos e de suas vontades. Nos casos de violência continuada, a mulher passa a desenvolver uma autopercepção de incapacidade, inutilidade e baixa autoestima, abandonando assim o seu amor próprio, conforme se verifica na fala da participante P5 ao comentar que: “Aos poucos, o ciclo violento vai fazendo com que a mulher esqueça-se de si. E passe a não se conhecer mais”. De acordo com Assis (2017, p.5): a capacidade de refletir sobre a própria realidade através do autoconhecimento promove ações positivas no âmbito da saúde mental da mulher, reestabelecendo assim uma relação de amor próprio com ela mesma. Tal argumento é apresentado pela Participante P3 ao comentar que: Através de suas técnicas e abordagem o psicólogo ajudará na ressignificação dessa mulher, mostrando a ela autoconhecimento e fortalecendo seu psicológico de situações e conflitos que foram vivenciados. Deste modo restabelecendo sua saúde mental para que prossiga em uma nova caminhada de uma forma mais saudável.(P3). O autoconhecimento não deve ser confundido com achar que existe um padrão perfeito e sem defeitos de mulher, que nunca saberá o que é ficar triste. “O autoconhecimento se dá em descobrir quem você é em qualidades e defeitos e aceitar isso” (P1). Além disso, o autoconhecimento está diretamente ligado com a aceitação do que somos, dos nossos gostos e interesses, além de pontos fortes e fracos (WHO, 1997). 30 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.3.3 PERCEPÇÃO DO REAL O ciclo de violência pode gerar danos físicos, mas também psicológicos e morais na mulher. É de fundamental importância que sejam tratadas as feridas físicas por profissionais capacitados, assim como, é também indispensável um olhar científico e empático diante das feridas emocionais, que podem gerar na mulher distorção da autoimagem, perda de valores, perda da autoestima e distorção sobre o que é real ou não. Bevenuti (2010) afirma que, em linhas gerais, distorções da realidade envolvem uma visão que as pessoas mantêm de si mesmas, que não corresponde às suas reais capacidades, sendo aumentadas ou diminuídas como acontece no caso das mulheres vítimas. Essa percepção do real é apresentada pela Participante P4 ao comentar que: No processo de viver um ciclo de violência é como se a mulher se visse em um espelho quebrado, é como se fosse um tipo de mosaico e ela se vê com aquela imagem destorcida. É uma mentira apresentada pelo espelho, então o que ela vai fazer com isso né? O trabalho de reflexão envolve também ela entender que isso é temporário, mesmo que seja uma fase longa, não breve, é temporário e não definitivo. Ela está assim, ela não é assim. Corroborando com a participante P4, a participante P2 afirma que: Por o psicólogo ser um profissional que atua com a mente e responsável pelo comportamento humano, permite que esse profissional venha fazer uma intervenção na situação de violência que essa mulher se encontra, promovendo a ela apoio, e resgatando valores que foram perdidos diante do ciclo de violência, conduzindo essa mulher a uma autodescoberta do que ela realmente é e não do que a violência fez com que ela pensasse que era. (P2) A atuação do psicólogo no processo de recuperação da percepção de realidade dessa mulher é de extrema importância, visto que o psicólogo irá auxiliá-la como profissional da saúde mental a enxergar o contexto da realidade, bem como criar estratégias para driblar e superar as consequências da violência. Isso é corroborado pelos pensamentos de Hirigoyen (2006) e Monteiro (2012) os quais afirmam que a mulher vítima de algum tipo de violência, maior parte das vezes, necessitará do auxílio do psicólogo para criar estratégias que lhe permitam alterar sua realidade, assim como, entendê-la e superá-la, resgatando sua condição de mulher e sujeito com desejos e vontades. 2.3.4 EMPODERAMENTO Como apresentado anteriormente nas categorias discutidas, uma das maiores consequências da violência é o rebaixamento da autoestima da mulher. O papel do psicólogo no CREAM, seja em tratamentos individuais ou em grupo, é resgatar esses valores perdidos e fazer com que a mulher se enxergue autossuficiente e desenvolva saúde mental e emocional para compreender que “toda ilusão criada pelo agressor de que aquele amor doído era o melhor que ela iria conseguir na vida e que ele estava fazendo um favor de estar com ela, é na verdade uma ilusão, uma manipulação”. (P5). 31 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 O empoderamento da vítima, realizado por meio da mediação psicossocial, auxilia na transformação ou na saída da situação de violência, revelando formas de lutar pelos seus direitos e objetivos de vida, em conformidade com os pressupostos de Tenório (2012). A participante P3 ressalta que, “quando uma mulher enxerga o valor que ela tem, ela não aceita mais estar nessa situação, ela não aceita mais habitar nesse ciclo, ela se enxerga como uma mulher emponderada” e diz: ‘eu não aceito mais isso’ (P3). O empoderamento é olhar para si, para seus valores, desejos e vontades e entender que não é qualquer tipo de amor que nos cabe. É ensinar essa mulher que não há apenas o admirar do que há de bom e positivo, mas sim, entender que é um sujeito com qualidades e defeitos e aceitá-los de maneira a não mais se rebaixar por achar merecer menos. O empoderamento pressupõe que o sujeito faça uma apreciação de si como capaz de produzir uma mudança individual, ao nível das suas crenças e atitudes e, consequentemente, tal pode contribuir para uma mudança social (GUTIERREZ, 1995). Entender-se como sujeito também nos faz desenvolver responsabilidade afetiva para com nós mesmos. A participante P2 aborda essa questão ao dizer que “se esse é o tipo de amor que tu tens a me oferecer, me desculpe, mas não quero”. A participante P4 pontua corretamente o empoderamento da mulher ao comentar que: Quando uma mulher entende através do processo terapêutico e do apoio recebido também jurídica e socialmente que ela não está sozinha, e que nela existe uma versão anulada pela violência que é uma versão dona de si e autossuficiente, ela enxerga de fato seu poder. (P4). Monteiro (2012) ressalta que o processo para se desvincular de um relacionamento abusivo pode ser difícil e demorar anos se não contar com uma rede de apoio para trabalhar essas questões e o empoderamento da mulher, podendo assim, muitas vezes, dificultar a saída dessa mulher da relação e do ciclo violento. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio desta pesquisa, foi possível compreender os danos profundos gerados nas mulheres vítimas de violência e que nesse contexto o papel do psicólogo no trabalho de acolhimento e tratamento para a recuperação dessa mulher é de essencial importância nos órgãos de acolhimento. Apesar de ter uma noção básica sobre o assunto por ter atuado por nove meses na Rede, investigar isso de perto, a partir das entrevistas com as psicólogas atuantes no CREAM fez com que eu desenvolvesse um olhar mais profundo do que tinha sobre o determinado assunto. A produção deste trabalho, desde as entrevistas com as psicólogas até o embasamento teórico e as conclusões finais, foi um processo de construção de saberes rico e relevante para toda sociedade, bem como para o meu pensamento profissional. 32 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 O modo como cada psicóloga descreveu sobre seu trabalho e a importância dele demonstrou como é enriquecedor fazer parte de uma profissão que olha com cuidado e empatia para cada pessoa, respeitando sempre seus valores e sua trajetória de vida. É preciso muito cuidado e sensibilidade para tratar de determinado assunto e com a confiança depositada em compartilhar sobre, pois ele foi pautado na construção de algo válido e sensível, aqui apresentado conforme a problemática e o desenvolvimento da pesquisa. Foi desafiador trabalhar com uma problemática tão delicada e tentar inserir nela todo processo e explicação da importância dos profissionais da saúde mental, bem como a delicadeza do processo de cura da mulher vítima. É uma pesquisa que exigiu minúcia na apuração dos fatos e informações para que o entendimento se torne edificante para todos aqueles que lerem este texto. A partir do que foi visto em relação a tal assunto, deve-se considerar que existem poucas fontes que discutam a atuação do psicólogo no tratamento e recuperação de mulheres vítimas de violência no Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher de Manaus. Entende-se a necessidade de aprimorar as políticas públicas locais para que visem a reverter o índice da violência contra a mulher na cidade por meio de informações sobre a definição de violência e quais recursos a serem tomados diante desse cenário, assunto ainda pouco conhecido pelas mulheres da cidade, que se veem com medo e perdidas em relação a qual atitude tomar diante da violência, e das muitas que ainda acreditam que violência é apenas quando há agressão física. Por fim, propõe-se a continuação deste trabalho que vise a explorar mais acerca das possíveis atuações do psicólogo na rede de enfrentamento à violência contra a mulher, em maior quantidade de entrevistados, e assim, possibilitar a criação de novas táticas a serem abrangidas no processo de acolhimento e de tratamento da mulher vítima de violência. 33 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REFERÊNCIAS [1] ALMEIDA DE AGUIAR, Gracielle; LUCION ROSO, Patrícia. O empoderamento de mulheres vítimas de violência através do serviço de acolhimento psicológico: caminhos possíveis. Seminário Internacional Demandas Sociais e Políticas Públicas na Sociedade Contemporânea, 2016. Disponível em https://online.unisc.br/acadnet/anais/index.php/sidspp/article/view/15876. Acesso em: 20 Out. 2021. [2] ASSIS, Neoma Mendes de. Grupo de empoderamento e terapia comunitária com mulheres em situação de violência doméstica. 2017. Disponível em https://www.semanticscholar.org/paper/GRUPO-DE-EMPODERAMENTO-E-TERAPIACOMUNIT%C3%81RIA-PARA-Assis-Martins/c1c0e3db7ed0637be36054df1598331d9b5d4d25. Acesso em: 21 Out. 2021 [3] BALBUENO, B. Investigação sobre atendimento psicossocial oferecido em delegacias de defasa da mulher in Psicólogo in Formação, v. 15, n. 15, p. 69-82, 2011. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoinfo/v15n15/v15n15a05.pdf. Acesso em: 21 Out. 2021 [4] BARDIN, Laurence. Análise do conteúdo. 70. ed. São Paulo: 2011. 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Acesso em: 20 Out. 2021. 35 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 3 Violência doméstica contra a mulher: O impacto psicológico na saúde mental Sabrina de Oliveira Ferreira Resumo: É notório que a violência doméstica contra a mulher ainda é um fenômeno social entendido como uma das maiores barbáries cometidas por agressores que promovem abusos psicológicos, físicos, sexuais e morais à vítima. Os autores desse tipo de violência, além de possuir um vínculo direto com as vítimas, as manipulam, o que causa destruição psíquica, desestabilização emocional e moral. Para que as vítimas consigam se desvencilhar do agressor, elas precisam de ajuda profissional, nesse sentido, o psicólogo é o especialista que promove a recuperação da saúde mental e bemestar das vítimas. Por isso, o objetivo deste construto visa discutir a atuação do psicólogo no enfrentamento e tratamento das vítimas de violência doméstica. Os métodos foram baseados em uma revisão sistemática de literatura, por meio de uma abordagem qualitativa, de caráter descritivo. Os instrumentos da pesquisa foram obtidos por coleta de dados pesquisados em plataforma digitais, por meio de publicações, revistas e jornais. Os resultados apontam que a acolhida especializada é uma ferramenta imprescindível, no que tange ao tratamento às vítimas, por meio da relação vincular profissional, a qual auxilia a recuperação da saúde mental e motivacional das mesmas, expostas em grande maioria e por anos, à violência doméstica. Tal elo de confiança com o profissional tem o intuito de reduzir os traumas advindos dos tipos de violências citados, além de recuperar a autoestima e independência da vítima. Conclui-se que essa recuperação não depende apenas do vínculo profissional entre paciente e psicólogo, mas no engajamento da vítima para encerrar esse ciclo de violência. Palavras-chave: Violência Doméstica; Mulheres; Traumas; Saúde Mental. 36 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A violência doméstica pode ser definida como um ato agressivo que pode desencadear dor, sofrimento e traumas às vítimas. A literatura evidencia esse tipo de violência relacionada aos lares e casais, estendendo-se em vários casos a todos os membros de uma mesma residência, seus resultados são avassaladores podendo deixar inúmeras sequelas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020, p. 01), o conceito de violência doméstica tem relação com “qualquer ato de violência de gênero que resulte, ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluindo ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade que ocorram em público ou vida privada”. A origem etimológica da palavra violência é Latim “vis” (força) a interpretação é o uso excessivo de força, obrigando que a pessoa aja contrário à sua vontade, contudo, o conceito de violência doméstica é muito amplo e tal ato pode ser praticado por inúmeros modos operantes (VIERA; GARCIA; MACIEL, 2020). Quando esse ato é contra uma mulher, a agressão possui uma relação para além da questão física, pois geralmente inicia com agressões verbais, pequenas ofensas e humilhações, que vão destruindo a autoestima, autoconfiança e independência de suas vítimas. Ela funciona como uma prisão que contém paredes emocionais e psicológicas. A violência doméstica é um fenômeno social que vai depauperando a vítima, gerando consequências emocionais, físicas, cognitivas, sociais, comportamentais, econômicas e culturais (SILVA et al., 2020). O ciclo da violência se inicia na primeira fase denominada “aumento de tensão”, nesta etapa o agressor tende a demonstrar um comportamento alterado e começa a criar discussões por qualquer situação ou ato banal do lar, proferindo palavras ofensivas e colocando a responsabilização de todos os transtornos à vítima que é constrangida e humilhada por ele (BATISTA; MARQUES, 2020). Nesta fase, os impactos emocionais começam a surgir, desenvolvendo o sentimento de culpa na vítima e não permitindo que ela consiga avaliar a situação. Após isso, surgem conflitos emocionais como medo, angústia, tristeza, pequenas crises de ansiedade, a vítima fica sem saber qual o procedimento tomar, por se sentir insegura e indecisa (REIS, 2018). A segunda fase é chamada de “ato de violência”, quando o agressor está mais descontrolado, transformando seus atos em violências verbais, morais, psicológicas e patrimonial. Nessa fase geralmente a vítima não consegue reagir e absorve toda tirania. A vítima busca ajuda e desenvolve reações psíquicas mais severas como ansiedade, insônia, perda de peso, conflitos internos como culpa pela reação do companheiro, vergonha e insegurança (SILVA, 2018). A terceira fase ocorre uma mudança repentina, momento em que o agressor surge arrependido e com um comportamento carinhoso. Como um comportamento sedutor, o algoz manipula a vítima com promessas, mantendo um curto período de “lua de mel” e voltando em pouco tempo aos comportamentos da primeira fase com uma intensidade maior que a primeira vez (REIS, 2018). Esse ciclo de violência cria um sentimento de inferioridade nas mulheres, tornando-as objeto do comportamento sádico e cruel dos agressores. Um ponto que agrava esse fenômeno social é a banalização dos relacionamentos violentos, pois colocam o agressor como um ser honrado, justo pelas suas atitudes e a mulher se torna um objeto sexual e de caráter duvidoso (FINCO, 2018). 37 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 As consequências da violência levam ao desenvolvimento de transtornos psiquiátricos e sentimento de desvalia e baixa autoestima. A depressão é uma das consequências das mulheres expostas à violência doméstica, nesse quadro a vítima passa a realizar atos de autossabotagem, alimentando pensamentos negativos, os quais tendem a consumir e destruir qualquer intenção positiva. A depressão nesses casos é vista como um transtorno mental, fase em que o portador perde a motivação em qualquer área de sua vida, vivenciando uma agonia, dor e tristeza profunda (BITTAR; KOHLSDORF, 2017). Existem outras doenças ou transtornos desencadeados por vítima de violência doméstica, em grande parte elas apresentam uma aversão a convivência social, traumas e desencadeiam outros eventos, sem contar os impactos oriundos de violência sexual, que acarretam inúmeras sequelas emocionais e em muitos casos Infecções Sexualmente Transmissíveis (ALBUQUERQUE; CALLOU; MAGALHÃES, 2021). É valido citar que muitas dessas mulheres se submetem a esse tipo de violência por vários motivos, dos quais é importante salientar: 27% por questões econômicas, 20% falta de ajuda para criar os filhos, 15% medo de perseguição do agressor, e grande parte das mulheres por não ver resultado jurídico em criar condições de protegê-las e ajudá-las (DIAS; CANAVEZ; MATOS, 2018). Por todo o exposto, é notório que as consequências são previsíveis, uma ligada aos ciclos repetitivos dos agressores, dos quais as vítimas em primeiro momento não conseguem se desvencilhar, por motivos já citados anteriormente, bem como os inúmeros transtornos que surgem com a violência, os quais desencadeiam o Transtorno de Estresse Pós-traumático (TEPT), síndrome do pânico, fobias específicas ou sociais, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), com sintomas reais ou psicológicos causando uma angústia imensa ao portador. Para a recuperação das vítimas da violência faz-se necessário profissionais da saúde mental, entre eles o psicólogo. No atendimento psicológico a essas vítimas, o profissional busca criar um vínculo, dando-as segurança necessária para diagnosticar os transtornos e ajudá-las a conviver com eles, e/ou superar. Nesse aspecto, a acolhida à paciente e o tratamento clínico buscam restabelecer a segurança e preparar as mulheres para denunciar o agressor, além de conseguir superar esse período de conflito, além do resgate como da convivência em sociedade (PEREIRA; CAMARGO; AOYAMA, 2018). Com essa temática para investigação, o objetivo geral do estudo foi discutir o trabalho desenvolvido pelo psicólogo no enfrentamento à violência doméstica, uma vez que a profissão escolhida permite levar qualidade de vida, auxiliar no processo de enfrentamento a situação de violência, pode ser trabalhado questões de autoestima, autonomia, autoimagem, etc. Ao considerar este aspecto mulheres vítimas de violência vivenciam dores e traumas tão intensos, muitas vezes incompreensíveis, devido a sua complexidade. Nesse sentido, o especialista tem o poder de contribuir com a recuperação em muitos aspectos dessas mulheres, a fim de que as mesmas voltem a possuir objetivos claros e lutar por eles. Esta investigação foi baseada em uma revisão sistemática, por meio de procedimento bibliográfico e abordagem qualitativa. Corroborando com Roever (2017, p. 01) destaca que “A metodologia da Revisão Sistemática deve ser explicada de forma clara e lógica”. A natureza da pesquisa foi básica, buscando agregar informações sobre determinado tema, os objetivos descritivos buscaram informar sobre aspectos da 38 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 violência doméstica como um fenômeno social, com resultados avassaladores a suas vítimas, por meio de procedimentos bibliográficos. As publicações utilizadas foram obtidas por meio de plataforma digital e bancos de dados como Scientific Electronic Library Online – SCIELO.ORG, SCI – HUB, Medical Literature Analysis and Retrieval System Online – MEDLINE/PUBMED, Google Acadêmico. Por meio de uma pesquisa qualitativa que enriqueceu o embasamento teórico textual. Teve início no segundo semestre de 2021, fase em que se priorizou material atualizado a começar de 2016 em diante. O estudo abordou “Violência doméstica contra a mulher: o impacto psicológico na saúde mental. As contribuições acadêmicas da pesquisa possuem relação com a compreensão das fases explanadas acima, dos possíveis traumas e sofrimentos acarretados à vítima, como também as possíveis variáveis de transtornos oriundos da violência doméstica. Além disso, é preciso identificar os métodos dos agressores, com suas respectivas variáveis, as quais resultam na desestruturação emocional e racional podendo ainda chegar ao homicídio ou suicídio da mesma. Quanto a contribuição do estudo para a área da psicologia, este estudo pretende agregar informações que possam auxiliar na detecção da violência doméstica e incluiu algumas possibilidades de tratamento de transtornos, papel que somente os profissionais da área podem desenvolver. É válido ressaltar que, tal pesquisa contribuiu para a desmistificação do fenômeno da violência doméstica, baseada em critérios sociais que cultuam os conflitos entre homens e mulheres como um problema marital, quando na verdade é um problema de saúde pública, o que necessita de enfrentamento e punição legal aos agressores, bem como garantir suporte adequado às vítimas, para que recebam tratamento psicológico e apoio. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nos resultados desse estudo foram selecionados 21 publicações, sendo 01 publicação do Ministério da Saúde, 01 publicação das Organização das Nações Unidas, 01 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que estatiza os registros da violência doméstica no Brasil entre outras análises quantitativas, 01 publicação da Organização Pan-Americana da Saúde, 04 publicações de artigos de conclusão de curso, 09 artigos de revista, 01 seminário sobre a violência da mulher, 01 simpósio e 2 publicações em jornais. 2.1 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO TRATAMENTO DE VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É de extrema importância que o rapport, bem como a aliança terapêutica sejam bem estabelecidos, já que o contato inicial é um fator determinante dentro da intervenção psicológica, pois este pode influenciar nas demais sessões em casos de processo psicoterápico ou no decorrer de toda a sessão em caso de escuta emergencial, não obstante, leva-se em consideração o perfil da vítima de violência doméstica, como já citado anteriormente este é marcado por baixa autoestima, desesperança, medo, ansiedade, retração, entre outros, ou ainda pelo desenvolvimento de transtornos psicológicos (FINCO, 2018). 39 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 O psicólogo por sua vez, para o bom estabelecimento de vínculo necessitará de uma postura acolhedora, ética e livre de julgamentos morais, ressaltando sempre a confidencialidade e sigilo profissional, citados pelo Código de ética, a fim de proteger , por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício de sua profissão (CFP, 2005), sendo este sigilo quebrado apenas em casos de risco real a vida da vítima, como predispõem ainda, o código de ética do psicólogo. Destarte, a vítima tende a ter sentimento de culpa e vergonha, sendo necessário que a mesma visualize por meio do seu terapeuta a abertura de um espaço, cujo possa se sentir segura e acolhida para compartilhar seus medos e anseios, assim contribuindo para a adesão ao processo terapêutico (FINCO, 2018). O papel da Psicologia, nesse contexto, se dá pela capacidade de informar, acolher, ter escuta ativa, orientar, apoiar e contribuir para a efetivação da rede intersetorial de atendimento às mulheres. (Souza e Souza, 2019). O tratamento psicológico à vítima de violência doméstica busca auxiliar a desvinculação do agressor, bem como prepará-la para lidar com os traumas e consequentemente supera-los, fazendo com que a mesma se desvencilhe do sentimento de culpa e vergonha, outrora citados, cultivado pelo período exposto a violência. Ainda sobre a atuação do profissional da psicologia neste cenário, o Conselho Federal de Psicologia, dispõe por meio do CREPOP (2013), atribuições essenciais na atuação prática do profissional, sendo estas; A) Acolhimento: como já exposto anteriormente, a mulher vítima, pode apresentar comportamentos de fuga e esquiva, advindos da violência sofrida, portanto a necessidade de uma escuta qualificada, sendo o sigilo inerente e primordial a esse tipo de trabalho. Levando-se em consideração a dificuldade da vítima que já sofre pela exposição a inúmeros procedimentos jurídicos (em casos de denúncia) e a pressões sociais e familiares. B) Planejamento de atuação: O atendimento à mulher vítima de violência, por vezes, pode demandar a inserção de profissionais de outras áreas, sendo necessário o acompanhamento transdisciplinar da mesma, de forma articulada. Nesse sentido, cada profissional atuará em sua especialidade visando compreender a vítima e proporcionar saúde. Cabe ainda ao psicólogo o estabelecimento e cumprimento de um cronograma e horários para atendimento da vítima. C) Encaminhamento: O encaminhamento deve ser entendido como ato de conduzir ou orientar a vítima que está sendo atendida em determinado serviço para outro, este ato, no entanto não transfere a responsabilidade do Psicólogo para qualquer outro profissional, é apenas o acolhimento de eventuais serviços que venham ser necessários. D) Acompanhamento: Este se dá pelo monitoramento do próprio serviço prestado a vítima, bem como dos encaminhamentos ou trabalho transdisciplinar, sempre estabelecendo diálogos que viabilizem intervenção conjunta no suporte a vítima. E) Estudo de caso: o estudo de caso permite ao profissional um suporte que serve para visualizar de forma minuciosa o caso do “paciente/vitima”, possibilitando assim a tomada de estratégias resolutivas. É fato que a psicologia possui diversas abordagens teóricas, no entanto a teoria cognitiva e comportamental, como aponta Beck citado por Finco (2018), é uma abordagem com ampla intervenção em diferentes demandas psicológicas, sendo uma abordagem de procedimentos cientificamente comprovados. A TCC estabelece que o primeiro procedimento metodológico adotado é a conceptualização cognitiva da paciente, a fim de estabelecer os objetivos a serem trabalhados, seguido pela 40 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 identificação de pensamento, emoções e comportamentos envolvidos na situação vivenciada pela vítima. Como mencionado anteriormente a vítima apresenta baixa autoestima, pensamentos negativos e automáticos, portanto a identificação do modelo cognitivo se torna fundamental para possibilitar a vítima novas perspectivas de vida. (FINCO, 2018). Por meio disso objetiva-se alcançar a reestruturação cognitiva da vítima, que consiste na desconstrução de pensamentos automáticos e disfuncionais, bem como crenças limitantes, ocasionando atenuação dos sintomas e conseguinte qualidade de vida (BECK, 2013). Existem variadas técnicas que podem ser exploradas pelo psicólogo de orientação cognitiva e comportamental, como, psicoeducação que objetiva orientar e nortear o paciente acerca de pontuais problemáticas, aqui em específico a violência sofrida pela mulher. Técnicas de role-plays, conhecida pelas dramatizações e ainda o encorajamento na tomada de decisão, por meio da técnica de vantagens e desvantagens. É válido ressaltar que como afirma Beck (2013), o objetivo da TCC é tornar o paciente o seu próprio terapeuta, por tanto tais técnicas podem potencializar a melhora significativa nos danos sofridos por mulheres vítimas de violência. As barreiras encontradas pelo psicólogo são inúmeras e cada vítima pode apresentar um quadro diferente na recuperação de sua saúde mental, esta por sua vez, está relacionada com a maneira que a vítima reagiu a toda pressão externa sofrida pelo período exposto à violência, as consequências são variáveis de cada caso tratado, não existindo uma terapia única e especifica, muitas vezes o que deu certo para um paciente não surtira efeito ao outro (ZOTTO; MEHL, 2017). Algumas mulheres se encontram tão destruídas e seu psíquico acabam se tornando fragmentos de dor e sofrimento, havendo a necessidade de um vínculo que produza credibilidade entre psicólogo e paciente. É preciso citar que, um dos maiores desafios está relacionado ao trabalho de desconstruir a culpa sentida pela paciente, bem como a forma de manipulação do parceiro, seguida de uma restauração da confiança e o desejo de viver, sonhar e idealizar e correr atrás de seus objetivos, além do reestabelecimento da saúde mental dessas vítimas. Spinillo (2018) frisa que a Lei Maria da Penha é uma ferramenta jurídica que possui o papel de “atender mulheres vítima de violência. Contudo, mesmo que a legislação elenque e tipifique a violência psicológica como dano emocional e obstrução aos desejos e autoestima de suas vítimas, o sistema judiciário ainda carece de mecanismo e percepção para punir o agressor, desconsiderando todo o sofrimento psíquico dessas vítimas. Desse modo, a vítima não recebe esse acompanhamento e tratamento dos transtornos desenvolvidos pela prática causada. 2.1.1 POLÍTICAS SOCIAIS Dado o exposto, é válido citar o que Castilho (2018) afirma, pois há inúmeros abusos sofridos pelas vítimas como físico, psicológico, patrimonial, demonstrando que a justiça inseriu o psicólogo no campo jurídico para que ele trabalhasse o equilíbrio emocional das vítimas para que elas possam ter condições de denunciar seu agressor. Contudo, o sistema de justiça ainda não foi preparado para prestar uma resposta rápida a sociedade, pois após a formalização da queixa alguns mecanismos devem ser realizados pelo Ministério Público para sanar questões que garantam a possibilidade da vítima buscar recompor sua vida, entre elas existe o “mandato de segurança” que 41 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 deveria garantir que o companheiro não se aproximasse da vítima, contudo analisando os números de mandatos expedidos em 2019 eles chegaram a 32 mil medidas protetivas, isso significa atestar que o sistema de justiça falhou com 114 mulheres que foram a óbitos. Outra questão é a falta de preparo dos profissionais que recebem essas vítimas em delegacias, ao considerar que existem 417 delegacias e mais de 5000 cidades no Brasil, pode-se acreditar que muito ainda precisa ser realizado não apenas na questão legal, mas também na conscientização social. Albuquerque e Callou e Magalhães (2021) enfatizam que, além das violências citadas por Castilho, as vítimas sofrem violência moral, ou seja, o agressor descredibiliza a vítima perante a comunidade local, ruindo mais ainda a determinação e autoestima das mesmas. Essa questão vem sendo usada em tribunais com o intuito de punir a vítima, o agressor se alia a pessoas com as mesmas convicções morais e apoiam-se um ao outro perante o júri. Vale ressaltar que, em muitos casos a vítima foi cerceada de seus direitos sociais, a violência e imposição do agressor limitaram a mulher à vida doméstica. Isso contribui para fortalecer atitudes errôneas do agressor e destruir ainda mais a vítima. Silva et al. (2020) frisa que a conivência e o machismo cultural brasileiro são ferramentas a serem combatidas para buscar a redução do impacto da violência em mulheres. A história brasileira atesta essa prática de coerção e violência doméstica como parte de sua rotina diária, desde a colonização Portuguesa houve a exploração sexual das índias, posteriormente a escravidão. As negras eram abusadas sexualmente, violentadas e exploradas, o que deixou um histórico a ser combatido para a busca igualitária social. A violência doméstica trata-se diretamente de um problema de saúde pública, estes por sua vez estão relacionados aos problemas que afligem um determinado grupo, que represente uma parte da sociedade, desse modo esses conflitos com sequelas diversificados e de resultado final grave como o feminicídio. Situações citadas fazem parte da rotina de inúmeras famílias e se não for realizado um enfrentamento, as mazelas emocionais e físicas não se limitam aos casais, mas aos filhos que cresceram com inúmeros transtornos e possíveis quadros de sociopatia. Além do fazer-se cumprir a legislação, é indispensável que a sociedade busque uma maneira alternativa em conscientizar todos dos prejuízos psicológicos e físicos. 2.2 PRINCIPAIS TRANSTORNOS EMOCIONAIS DESENVOLVIDOS PELAS VÍTIMAS Para Batista e Marques (2019) a fragilidade das vítimas de violência doméstica é resultado de anos de exposição a violência psicológica, destruição da sua autoestima e ações que desestruturam sua motivação. Esse poder em controlar a vítima e dominar todas as suas resistências estão ligados diretamente com anos de violência sofrida e foram explicadas no ciclo da violência frisados na introdução do estudo. Kosak, Pereira e Inácio (2021) afirmam que, a violência doméstica infelizmente ultrapassa as paredes da casa, sendo estendida em ambientes públicos frequentados pelo casal e filhos. O algoz tende a humilhar, constranger e ridicularizar a vítima em locais públicos como restaurantes, lanchonete e eventos sociais, o agressor aproveita todas as oportunidades de destruir a autoestima da vítima. Os anos de sofrimento das vítimas tendem a colocar essa pessoa em uma inércia, sem estrutura emocional para lutar e desvencilhar-se desse conflito, seu ambiente já não lhe garante proteção e a expõe a conflitos. Não existe um local seguro se o companheiro 42 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 estiver com a vítima e como ele controla suas idas e vindas ela acaba aprofundando-se mais a sua dor, que realizará inúmeros problemas emocionais. Para Bittar e Kohlsdorf (2017) alguns transtornos comuns em mulheres vítimas de violência no âmbito doméstico estão de acordo com TSPT – Transtorno póstraumático, síndromes de pânico e automutilação, consumo indevido de substâncias licitas, como álcool e ilícitas como substâncias tóxicas que levam ao quadro de melancolia, podendo evoluir para áreas físicas e tentativa de assassinato. Baragatti et al (2019) complementa que os principais transtornos emocionais são baseados em quadros de depressão, falta de motivação perspectiva de sair desse círculo vicioso, vinculados em grande maioria dos casos de condições financeiras de auto sustento. Mas um dos maiores agravos resultantes da violência doméstica está relacionado ao abismo de solidão que as vítimas acabam entrando, pois se sentem envergonhadas pela situação vivenciada e passam a se isolar cada vez mais, obtendo sentimento de culpa por todos os acontecimentos, fragilizada e manipulada pelo agressor ela passa a entrar no ciclo da violência e não encontra forças para sair. Uma das graves consequências das situações citadas acima é o desequilíbrio da saúde mental da vítima, pois o agressor a coloca como uma pessoa desequilibrada e o que a desequilibra psiquicamente. A partir destas investidas a vítima passa a desenvolver inúmeros transtornos que podem afetar desde sua estrutura emocional e física. Envolvida entre a primeira fase da tensão marcada por ofensas, humilhações ela é ameaçada constantemente, nesse período o caminho segue para a segunda fase a explosão da violência onde o algoz parte para as agressões físicas e ainda culpa a mulher por isso. Nesse estágio a manipulação comum o agressor passa a tratar a mulher com atenção e faz inúmeras promessas, nunca honradas, e esse é o terceiro estágio, a lua de mel. Dias e Canavez e Matos (2018) a violência psicológica contra a mulher é um problema tão extenso que as instituições nacionais e internacionais de saúde na década de 80 declararam a violência contra a mulher como um problema de saúde pública e nessa mesma época as instituições públicas e privadas passaram a vincular às suas equipes multidisciplinares o profissional de psicologia, a fim de estruturar avaliações das vítimas. Finco (2018) complementa que as terapias comportamentais auxiliaram os psicólogos a criar estudos e auxiliar nas novas diretrizes para proteção a integridade física da mulher. Contudo são poucos os postos de saúde compostos por equipe multidisciplinar que tenham um profissional da área de psicologia, tentando sanar essa situação as instituições, as quais passaram a compor os CAPS – (Centro de Atendimento Psicossocial). No entanto, mesmo com esse esforço existe apenas uma instituição dessa para atender a demanda de uma região sendo insuficiente os números de profissionais, fora o custo de deslocamento para que a vítima receba atendimento. A maioria das doenças psicológicas manifestadas pelas vítimas de violência doméstica são reações emocionais que podem variar aos longos períodos de traumas e frustrações obtidas no âmbito doméstico. Conseguir tratamento na rede pública ainda é uma tarefa árdua, visto que a vítima em grande maioria das vezes está desempregada e precisa restaurar-se em todos os campos sociais. 43 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Para Souza e Souza (2019) inúmeros programas foram criados buscando tratar os transtornos mentais das vítimas de violência, contudo a legislação só veio em 2006, onde houve a criminalização dessa barbárie. Silva et al (2020) mesmo com a legislação e as inúmeras políticas públicas nunca houve um real interesse em sanar ou reduzir drasticamente a violência, as cidades não possuem estrutura para receber as vítimas e nem para encaminhá-las para abrigos, dependentes do agressor a grande maioria volta calada para casa e desiste da denúncia, a maioria das cidades não possuem delegacia da mulher para receberem a denúncia e nas cidades pequenas o constrangimento impera o socorro (SILVA, 2018). Todos os aspectos citados nessa discussão elencam a dificuldade em romper o ciclo da violência entre dependência emocional, financeira e a falta de força emocional para recomeçar. A limitação de políticas públicas que possam gerar resultados expressivos, precisa ir além do papel legislativo, a necessidade de direcionar as vítimas para casas de acolhidas com oferta de ajuda profissional e profissionalizante. Recomeçar após um período de exposição a violência doméstica é uma tarefa árdua e complexa, sendo necessário a ampliação de programas que sanem as dificuldades das vítimas, que vão além do dano psicológico, físico, moral e também atinge em grande maioria a questão de sobrevivência financeira da vítima e filhos, visto que as pensões raramente são suficientes a sua sobrevivência. 2.3 A IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Para Costa (2019) o impacto sofrido por essas mulheres, são os mais cruéis possíveis, sendo necessário inúmeras sessões de terapias para que elas possam buscar seu recomeço e a motivação que tanto foi destruída. Para a ONU (2017) essa violência é maior do que a denunciada em média ela alcança 1 a cada 3 mulheres, a necessidade em conscientizar cada vez mais as mulheres seria um diferencial em reduzir esses índices. O IPEA (2019) demonstrou que entre os últimos 02 anos a violência diminuiu pelo menos no aspecto de denúncias, mas mesmo assim os números são altíssimos. A pandemia do COVID-19 trancafiou mulheres junto aos seus algozes, além da pressão externa, como massificação televisiva sobre os aspectos que envolveram a fase da quarentena, levaram tal situação, ainda, ao desemprego, angustia e conflitos gerais como perda de entes queridos e pessoas próximas, mais as limitações dos serviços públicos podem ter sido agravadoras de situações devastadoras dentro dos lares. Mesmo com a amplitude da violência doméstica, ainda existem inúmeras vítimas que não se sentem representadas pela legislação, tais vítimas não denunciam seus agressores, o que gera uma sensação de impunidade aos algozes. O medo perpetrado dentro das vítimas precisam ser trabalhos em parceria com instituições como escolas, e outros grupos que possam contribuir com a divulgação de informação sobre o que é a violência doméstica e como ela acontece. O Brasil possui uma cultura de marginalização das vítimas, enaltecendo os agressores e apoiando-os, preservando uma cultura agressiva e machista, a necessidade de modificar essa visão pode e deve ser trabalhada nas escolas com o intuito de mudar a visão cultural da sociedade. Mello (2017) argumenta que, a violência pode regredir se a sociedade for reeducada, ou punida, nossa colonização portuguesa e a violência exacerbada aos povos indígenas e aos negros deixou claro nossa herança cultural, pois é notório que a mulher sempre foi vista como um objeto. 44 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A necessidade em mudar o layout de acolhida as vítimas de violência doméstica precisam ser reformuladas e resultar no atendimento e tratamento das mulheres, bem como a execução penal desse crime. Além da punição penal em um sistema de justiça cheio de falhas e processos que tramitam em um ritmo moroso, a necessidade de a vítima conseguir retomar as rédeas de sua vida por meio de terapias, tratamento medicamentosos e principalmente um trabalho que lhe garanta a dignidade de recomeçar sua vida. Brasil (2020) afirma que, no ano de 2019 o Governo federal vem criando novos mecanismos para socorrer vítimas de violência doméstica, mas nem sempre há um esforço no âmbito municipal em fazer a diferença as vítimas. A verdade que a dimensão continental do Brasil vinculado a falta de interesse na esfera municipal e estadual fazem que em grande parte as verbas não cheguem as instituições que possam auxiliar as vítimas de violência. Para Viera, Garcia e Maciel (2020) a pandemia de COVID-19 prejudicou muito as políticas públicas e a limitação dos serviços públicos e privados dificultando ainda mais a minimização da violência doméstica. E além de todos os complexos existentes, as mulheres mais sensíveis passam a autodestruição para reduzir a culpa e o seu sofrimento, realizando automutilação um fenômeno onde a vítima se mutila para criar dor a si mesmo, demonstrando a dificuldade em lidar com as pressões humanas. Essa característica não é vista como uma doença e sim como um sintoma que mostra que a pessoa precisa de ajuda. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para a psicologia a violência doméstica e um dos maiores desafios, pela complexidade de doenças desenvolvidas pelo sofrimento as suas vítimas. O longo período de exposição e a complexidade da crueldade humana resultam em uma série de transtornos como depressão, Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos, crise de ansiedade, pânico, Transtorno Obsessivo Compulsivo, sem contar os distúrbios de personalidade acarretados como uma reação do subconsciente para conseguir suportar toda dor e sofrimento. Raramente, uma pessoa que sofreu com a violência doméstica tem apenas um transtorno a tratar, geralmente a vítima está tão destruída que as terapias demoram em grande maioria dos casos para apresentar um resultado, algumas vítimas passam por gatilhos que desencadeiam crises compulsivas de choro, a fragilidade construída em meio a exposição de violência cria além das doenças psicológicas, fugas que resultam em uso de tóxicos e medicamentos controlados, gerando além das doenças uma dependência química. Mas além de todos os complexos existentes, as mulheres mais sensíveis passam a autodestruição para reduzir a culpa e o seu sofrimento, realização automutilação um fenômeno onde a vítima se mutila para criar dor a si mesmo, demonstra apenas a dificuldade em lidar com as pressões humanas. Essa característica não é vista como uma doença e sim como um sintoma que mostra que a pessoa precisa de ajuda. 45 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A evolução histórica social removeu a mulher do papel de parceira e colocou-a como objeto de submissão. Nesse aspecto a sociedade moldou-se a essa definição arcaica e fechou os olhos para a saúde mental de suas vítimas. Mesmo com tantas organizações e instituições assumirem o fracasso das políticas públicas e declararem a violência doméstica como um problema de saúde, muito lentamente essa questão vem sendo transformada em solução. As vítimas de violência doméstica tendem a desenvolver inúmeras sequelas emocionais, sendo comum apresentarem quadros de depressão, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, síndrome do pânico, automutilação, consumo abusivo de drogas lícitas e ilícitas, fobias variadas e ações autodestrutivas. Os estudos apontam inúmeras possibilidades de doenças mentais, não existindo uma ação predominante elas podem ter maiores ou menores consequências de acordo com a personalidade das mulheres violentadas e seu tempo de exposição. Os algozes tendem a ter uma personalidade narcisista e manipuladora, após diferentes tipos de agressões e controle sobre as vítimas, por anos eles passam a dominar a vida das vítimas e isolar ela de qualquer pessoa que represente uma ameaça a sua dominação. Para eles isso é um jogo, e a destruição mental das vítimas é o objetivo principal, e quando elas conseguem sair dessa área de controle eles buscam seu domínio por meio de ameaças e morte de suas vítimas. No estudo apresentado mostramos os conflitos perpetuados por séculos e enraizados em nosso contexto cultural, social, histórico e psicológico, como resultado dessa passividade e conivência social mais a legislação que ainda carece de melhores implantações e ações que resultem na prisão dos autores da agressão. Nesse aspecto, para a psicologia compreender o universo das mulheres vítimas de violência doméstica e elencar os inúmeros transtornos acarretados por anos de violência moral, social, psicológica e física, deve-se abrir o caminho para estudos que permitem a discussão do trabalho desenvolvido pelo psicólogo e a troca de experiência que agreguem valor e resultados positivos. Hoje existem inúmeras terapias conhecidas pela psicologia, contudo ainda se faz indispensável que a vítima acredite no tratamento e nas políticas públicas, essa lacuna precisa ser preenchida e estudada cada vez mais, sendo necessário aprofundar-se nesse universo para conseguir mudar esse problema cultural, psicológico e social. 46 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REFERÊNCIAS [1] ALBUQUERQUE, Grayce Alencar; CALLOU, Regiane Clarice Macêdo; MAGALHÃES, Beatriz de Castro. Violência doméstica: construções, repercussões e manutenção. Revista Saúde, v. 17, n. 2, p. 191-220, 2021. [2] BATISTA, Ana Letícia Soares; MARQUES, Maria Inez Barboza. Reflexões sobre o ciclo da violência doméstica a partir do Creas de Paranavaí/PR. Braz. J. de Desenvolver, Curitiba, v. 6, n. 3, p. 12955-12966 março 2020. [3] BARAGATTI, Daniella Yamada; ROLIM, Ana Carine Arruda; CASTRO, Cristiane Pereira de; MELO, Márcio Cristiano de; SILVA, Eliete Maria. 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Disponível em: <http://periodicos.unesc.net/iniciacaocientifica/article/view/3741> Acesso em: 25 Out 2021. 48 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 4 Saúde mental do militar: A percepção de militares de uma organização do exército brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e drogas Vanessa Regina de Almeida Ladislau Amanda Campos Larrat Froes Resumo: O uso e abuso de drogas tem ganhado a atenção da comunidade científica no Brasil, sobretudo, os estudos acerca das motivações que levam ao uso e os padrões de consumo praticados. Esta pesquisa teve como objetivo analisar as percepções de militares de uma organização do Exército Brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e drogas. O estudo tem uma abordagem quantitativa e qualitativa, caráter descritivo e de campo, foram utilizados o teste para identificação de problemas relacionados ao uso de álcool (AUDIT) e um questionário semiestruturado como instrumentos. Quanto aos resultados, observou-se que há relevância no tema, mas pouca produção científica sobre a temática com populações de indivíduos militares, sobretudo, através de dados qualitativos. Sendo assim, a maior parte demonstrou bom conhecimento sobre drogas e uma relação controlada com o álcool, destacando-se o uso principalmente recreativo e com fins de socialização, entretanto, o número daqueles que praticavam Binge Drinking foi elevado. Palavras-chave: Saúde mental; Exército Brasileiro; Álcool e outras drogas; Manaus. 49 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO Sabe-se que há registros desde antigas e diversificadas civilizações do consumo de substâncias pelos seres humanos, principalmente das bebidas fermentadas. A literatura aponta que as substâncias exerciam papéis para variados objetivos, tais quais religiosos, recurso para socialização ou mesmo farmacêuticos, uma vez que tinham a fama de atenuar preocupações e aliviar dores, mas somente após a revolução industrial a qual houve aprimoramento do processo de urbanização e destilação, as demandas provenientes dos danos do uso e abuso de drogas ganharam atenção da saúde e da justiça (MACHADO; MIRANDA, 2007; LYMAN; POTTER, 2007). Entende-se que o exercício da profissão militar exige conhecimentos específicos e um estado de saúde apto a proporcionar uma combinação de estado físico, funções cognitivas e atributos psicológicos para desempenhar atividades estratégicas, operacionais e de apoio às Forças de Paz do Exército Brasileiro. A composição da força de trabalho é formada por jovens do sexo masculino a partir dos 18 anos, que se apresentam ao serviço militar obrigatório, militares de carreira concursados e formados nas escolas militares distribuídas pelo Brasil, especialmente a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), Escola de Sargentos das Armas (EsSA) e Escola de Sargento de Logística (EsSLog). Também há os militares temporários que desempenham suas funções complementando as necessidades específicas de cada organização militar (MACHADO; MIRANDA, 2007). Constatou-se na literatura que o consumo de bebida alcoólica no Brasil é significativo e o consumo excessivo de drogas tornou-se alvo de atenção da saúde pública. Os grupos de efetivos mais jovens se destacam na vulnerabilidade por coincidir com fases as quais o cérebro ainda não atingiu biologicamente sua maturação. Também se observou escassos dados sobre o tema com população contendo militares oficiais. As instâncias do ofício muitas vezes requerem que não apenas o militar tenha atributos concernentes à área afetiva, mas também à sua família, pois, as mudanças, distanciamento de vínculos e por vezes a ausência do militar neste âmbito podem ocasionar desestruturações na esfera familiar e vice-versa. O Exército Brasileiro possui sistema de saúde próprio, dispondo de serviços para demandas de adicções químicas em departamentos de assistência social e psicológica, entretanto, é apontado na literatura uma resistência maior do sexo masculino a procurar serviços de saúde. O desconhecimento e o receio da descredibilização são reconhecidos como empecilhos para o alcance de adictos e de sua participação em programas direcionados (LYMAN; POTTER, 2007). O exercício laboral do militar contempla atividades de grande peso, responsabilidade, ordem, defesa e combate em prol da nação. Os estudos psicológicos provenientes da área militar se destacam pelas pesquisas principalmente sobre Transtorno de Estresse Pós-Traumático, devido o envolvimento dos exércitos em guerras, entretanto, as adversidades são presentes também em tempos de paz. Embora o exército brasileiro preze por condições físicas apropriadas de seu efetivo, as quais atenuam o risco de doenças, a problemática com drogas atinge a todos os grupos sociais, inclusive o meio militar (PINTO; FIGUEIREDO; SOUZA, 2013). Considerando a temática relevante e com o intuito de nortear a pesquisa, elaborou-se como objetivo geral analisar as percepções de militares de uma organização do Exército Brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e drogas. Para tal, levantou-se os 50 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 seguintes objetivos específicos: apontar a relação destes militares com o álcool; verificar o conhecimento dos militares sobre drogas; e levantar a percepção dos militares acerca do uso de álcool e outras drogas. Quanto às contribuições deste trabalho à sociedade, entende-se que os resultados da pesquisa, principalmente para a sociedade militar, auxiliam na compreensão de como militares se relacionam com álcool e outras drogas, relevante para as áreas de dependência química e diversas áreas da saúde. Também se espera que os resultados auxiliem na fomentação de ações preventivas e psicoeducativas (PINTO; FIGUEIREDO; SOUZA, 2013). No que se refere à contribuição acadêmica e para a comunidade científica, a pesquisa colabora para produção de material científico sobre o tema, acrescentando perspectivas para o desenvolvimento da psicologia aplicada à atividade militar, frente a demandas em tempos de paz, a obtenção de dados mais recentes e fornece suporte teórico aos acadêmicos, bem como incentivar pesquisas de cunho semelhante para o avanço nas áreas de atuação e de possibilidades do psicólogo. A organização militar onde foi realizada a pesquisa teve como retorno a vantagem de ter obtido dados recentes de seu pessoal, bem como informações que auxiliam na articulação organizacional de profissionais da saúde e a partir dos resultados, avaliar a eficácia e fragilidades que demandem medidas de ação (MINAYO, 2013). A presente pesquisa teve abordagem quantitativa e qualitativa, com caráter descritivo e de campo. Para Gil (2008) a pesquisa quantitativa baseia-se na obtenção de conclusivas, através de uma amostra significativa da população que se pretende estudar, ganha particular relevância pelo conhecimento direto da realidade, possibilidade de quantificação, economia e rapidez. A utilização da abordagem qualitativa se deu porque esta “[...] se preocupa com o significado dos fenômenos e processos sociais, motivações, crenças, valores e representações encontradas nas relações sociais” (KNECHTEL, 2014, p. 531). A pesquisa foi realizada em uma das unidades vinculadas ao Comando Militar da Amazônia, pois observou-se a necessidade de ir a campo, uma vez que a pesquisa se interessa por aspectos sociais de um grupo, visando contribuir de maneira mais efetiva com a sociedade, principalmente a científica, a partir de uma construção metodológica prática e descritiva, pois se dará através da obtenção de dados por instrumentos de coleta padronizados, sem a interferência do pesquisador, para que pudesse de fato ser algo construído de maneira fidedigna com a proposta da investigação (MARCONI; LAKATOS, 2003). Para obtenção dos dados foram utilizados como instrumentos o Teste para Identificação de Problemas Relacionados ao Uso de Álcool (AUDIT), desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a fim de se detectar precocemente o uso abusivo de álcool e intervenção breve (tradução nossa) Babor et al (2001), é composto por dez perguntas que pontuam de 0 a 40 pontos e classificam o consumo do indivíduo em Zona I a Zona IV que representam a proximidade com a dependência de álcool, e questionário semiestruturado com perguntas voltadas ao conhecimento e percepção dos militares sobre drogas que foi analisado qualitativamente. Para Marconi e Lakatos (2017, p.133) “[...] questionário é um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador”. 51 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Quanto a análise dos dados qualitativos, foi utilizada a análise de conteúdo com categorização apoiando-se teoricamente em Bardin (1977). Para a análise dos dados quantitativos foi utilizada a estratégia estatístico-descritiva, objetivando a tabulação das informações coletadas e tornando o conteúdo mais palpável para análise e interpretação dos resultados, etapa fundamental e nuclear para a produção de conclusivas (MARCONI; LAKATOS, 2003). Inicialmente, pretendia-se abranger uma amostra censitária da população, entretanto, foi alterada para amostragem por conveniência, visto que existem militares que cumprem suas atividades de trabalho fora da Unidade, alguns de férias e outros de serviço e aqueles que recusaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Como critérios de participação foram considerados militares voluntários que exerciam alguma atividade dentro da unidade militar. Alcançou-se um número de 95 participantes, considerando a hierarquia existente no âmbito militar, a população foi dividida em três grandes grupos: 1. Oficiais superiores (coronel, tenente-coronel e major), oficiais intermediários (capitães) e oficiais subalternos (1° e 2° tenentes); 2. Subtenentes, sargentos e 3. Cabos e soldados. Por se tratar de seres humanos esta pesquisa seguiu rigorosamente as determinações estabelecidas na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. A participação foi voluntária, mediante assinatura do TCLE, documento que esclareceu aos participantes quanto aos critérios e assegurou a legitimidade, sigilo ético e confidencialidade dos dados coletados. A pesquisa foi aprovada por meio do parecer nº 4.604.968, de 22 de março de 2021, do Comitê de Ética do Centro Universitário do Norte - UNINORTE. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO 2.1 FAIXA ETÁRIA A fim de contextualização foi levantada a faixa-etária dos participantes que variou de 18 a 59 anos. Os resultados indicaram que 76% dos participantes possuem entre 18 e 31 anos, 17% possuem entre 32 e 45 anos e 4% possuem entre 46 e 59 anos, verificando-se, portanto, que existe maior prevalência de participantes jovens-adultos. De forma geral, essa faixa etária tem apresentado um alto grau de consumo de álcool. Em 2017, uma pesquisa realizada por Bastos et al. (2017) verificou-se que a faixa etária entre 18 e 44 anos reportou parcela significativa quanto ao consumo de álcool, sendo ainda esta faixa etária a mais vulnerável ao consumo. 2.2 A RELAÇÃO DO MILITAR COM O ÁLCOOL E O BINGE DRINKING A fim de se verificar a relação da população com o consumo de álcool, aplicou-se o AUDIT em uma amostra de 95 militares e subdividida em: Oficiais (16), Subtenentes e Sargentos (28) e Cabos e soldados (51), a amostra do sexo masculino (92) foi significativamente maior que a amostra do sexo feminino (3). Constatou-se que 68 (71,58%) indivíduos são consumidores de bebidas alcoólicas e 27 (28,4%) não possuíam relação com o álcool nos últimos 12 meses. Fazendo-se um comparativo das graduações citadas anteriormente, o grupo de consumidores é composto por 14 Oficiais, 22 Subtenentes e Sargentos e 32 Cabos e Soldados. 52 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Gráfico 1 – Relação dos militares com a bebida alcoólica Nos resultados apresentados observou-se que 49,47% dos participantes encontram-se na zona I ou zona primária, dos quais 12 são oficiais, 14 subtenentes e sargentos e 21 cabos e soldados. Esta classificação representa um consumo baixo de bebida alcoólica, que não costuma oferecer risco à dependência. A segunda maior parcela de consumidores encontra-se na Zona II, totalizando 16,9%, estes geralmente não apresentam problema decorrente do uso de álcool, mas são considerados usuários de risco, sendo 1 oficial, 6 Subtenentes e Sargentos e 9 Cabos e Soldados. Não houve resultados para a zona III, e por fim verificou-se que 5,26% encontravam-se no nível IV, considerada uma relação abusiva com a bebida alcoólica, sendo 1 Oficial, 2 Subtenentes e Sargentos e 2 Cabos e Soldados. Os resultados indicam que os participantes possuem, na maioria uma relação controlada com a droga (álcool), entretanto alguns perderam esse controle, tornando-se alcoolistas. Babor et al. (2001) recomendam que indivíduos em um nível IV sejam encaminhados a um especialista para melhor avaliação e caso haja necessidade iniciar o tratamento, já que as pontuações deste nível indicam altas chances de dependência. O conhecimento sobre o consumo de álcool e drogas por militares é de alta relevância, uma vez que esta população está diretamente ligada a serviços de segurança e em diversos momentos porta ou tem acesso a armas potencialmente lesivas, podendo comprometer a própria segurança e da organização, tais como os demais integrantes do contingente e os deixando vulneráveis à subtração de materiais, além da tendência a praticar outras infrações penais após o seu consumo, como abandono de posto e incidentes com armas de fogo (GORRILHAS, 2011). 2.2.1 BINGE DRINKING A dose padrão no Brasil é estipulada em 14 gramas de álcool por bebida, equivalente a 350 mL de cerveja, 150 mL de vinho ou 45 mL de destilados (OMS, 2018). Um padrão de consumo vem recebendo mais atenção dos pesquisadores, devido os prejuízos à saúde a curto e longo prazo, o Binge drinking. O Instituto de Abuso de Álcool e Alcoolismo dos Estados Unidos aprovou em 2004 a definição de Binge drinking como o consumo de 4 ou mais doses para mulheres e 5 ou mais doses para homens em um 53 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 período de 2 horas nos últimos 30 dias (NIAA, 2004). Este padrão de consumo está relacionado com maiores chances de agravos as consequências do álcool como hospitalizações e envolvimento em brigas tanto fora de casa, quanto dentro, visto que os conflitos familiares podem advir de respostas desproporcionais associadas ao uso álcool (GOMES et al, 2019). Através da pergunta “com que frequência você toma seis ou mais doses de uma vez?” do questionário AUDIT, foi possível determinar que embora a maior parcela dos participantes estivesse na Zona I, ou seja, no consumo que teoricamente não ofereceria riscos, 41 participantes praticam o Binge drinking, portanto, as consequências desse padrão apresentam-se como um risco à força de trabalho e à prejuízos pessoais graves. Neste contexto, para Malbergier, Cardoso e Amaral (2012) o abuso de álcool contribui para a violência doméstica, conflitos interpessoais, separação do casal, negligência infantil, dificuldades financeiras e legais. O adicto não se reconhece como dependente e sua família também não, além de ocultar situações desta natureza pelo estigma e vergonha, dificultando o tratamento e reinserção social. O álcool, por muitos não é considerado uma droga que pode causar perturbações psicológicas e comportamentais, pelo contrário, os indivíduos bebem cada vez mais, aumentando a capacidade de o organismo tolerar a bebida alcoólica, necessitando de doses maiores. (PINTO; FIGUEIREDO; SOUZA, 2013; MINAYO, 2013). 2.3 CONCEITUAÇÃO DE DROGAS POR MILITARES Ao questionar a população sobre o que é droga, verificou-se que apenas 8 dos 95 participantes não souberam responder à pergunta. Os militares que não responderam eram cabos e soldados, na faixa etária de 19 a 22 anos. Os respondentes apresentaram definições diferentes, sobressaindo as seguintes categorias: Agente de alterações, Gerador de prejuízos e Vício/Dependência, conforme se discutirá a seguir: 2.3.1 AGENTE DE ALTERAÇÕES Observou-se na fala de 45 participantes a subcategoria agente de alterações. Para esses participantes, a droga é um agente de alteração no organismo e podem ser sintéticas ou naturais. Esse entendimento é notório, mesmo para as drogas lícitas. Os participantes ainda afirmam que as drogas produziam alteração nas emoções, no humor, na sensopercepção, no comportamento, na consciência e nos processos cognitivos e físicos. O participante M47 comenta que droga é “Qualquer substância que altere o funcionamento normal do organismo” e o participante M7 afirma que é uma “substância química ou natural com efeito psicotrópico”. Tal percepção assemelha-se ao termo médico de “droga”, tratando-se de qualquer substância capaz de alterar os organismos vivos em suas funções, fisiologicamente ou de forma comportamental, neste caso, as substâncias psicoativas ou também chamadas drogas psicotrópicas, referem-se às substâncias capazes de alterar a atividade do Sistema Nervoso Central (SNC), tendo o cérebro como principal receptor desses impactos e relevantes alterações no psiquismo (CEBRID, 2014). 54 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Destaca-se que 3 participantes relataram que as drogas podem ser produzidas ou utilizadas para fins terapêuticos, não podendo ser entendidas somente como substâncias psicoativas, o participante M3 comenta que “medicações de rotina” e exemplifica que “anticoncepcionais” comumente utilizado pelo sexo feminino também podem ser entendidos como droga, ainda, o III Levantamento de uso de drogas pela população brasileira (LNUD) demonstrou que as mulheres tendem a utilizar mais medicações não prescritas que os homens, especialmente benzodiazepínicos, opiáceos e anfetamínicos (BASTOS et al, 2017). Ressalta-se ainda que, para 7 participantes o entendimento de droga é vinculado a ilicitude, e embora para esses participantes a droga tenha esta característica, observou-se que 6 alegam fazer uso de álcool ou outras substâncias, sendo três, usuários de risco. Segundo o relatório mundial de drogas de 2019, o consumo de drogas aumentou rapidamente nos países em desenvolvimento em comparação com os países desenvolvidos no período de 2000 a 2018, e de 2009 para 2020 observou-se o aumento no consumo de drogas em 30%, sendo a maconha a droga mais utilizada e a substância que mais encaminha para o contato com a justiça criminal (UNODC, 2018). A percepção das drogas como ilícitas pode dificultar a busca por auxílio, Souza et al (2013) aponta em um estudo semelhante que, nesta percepção impera o cunho jurídico, principalmente devido à criminalização do uso de drogas ilícitas, sendo um agravante a diversas penalidades criminais. Ainda neste contexto, Venturi (2017) ressalta que o estigma que acompanha as drogas ilícitas, no campo da saúde pública, bloqueia discussões acerca das características e potenciais terapêuticos e no campo da segurança pública está atrelado à criminalidade, principalmente no que tange as ilegalidades do seu comércio, independentemente da quantidade que se consuma. 2.3.2 GERADOR DE PREJUÍZOS Na subcategoria Gerador de prejuízos, 17 participantes entendem que a droga é um gerador de prejuízos, pois trazem consequências negativas aos seres humanos. Foram relatados danos ao corpo e à saúde física, mental, na capacidade de conduzir a vida, na vida financeira e causa de óbitos. Os prejuízos, segundos as respostas, não se limitam a esfera individual e se estendem principalmente à convivência e aos membros do âmbito familiar do usuário. Conforme o participante M31 a droga “é um elemento que causa prejuízos físicos, mentais, familiares e financeiros” e o participante M33 comenta que “as drogas prejudicam a saúde de quem faz uso levando a maioria dos casos a morte do indivíduo”. Tais respostas convergem com o Manual de Treinamento físico Militar (2015), que estabelece que o consumo de álcool interfere negativamente no desempenho físico, devido a alterações metabólicas e cognitivas, favorece o aumento de gordura e diminuição de massa magra e a longo prazo contribui para desenvolver patologias como: cirrose hepática, úlceras, doenças cardíacas, diabetes, miopatias, problemas ósseos e psicológicos. Além dos prejuízos físicos, esta questão demonstrou que a primeira coisa que os participantes descreveram sobre droga é em conotação negativa para si e para os outros, como “destruição”, “degradação pessoal”, “degradação familiar” e causa de óbito, 55 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 corroborando com Venturi (2017, p. 34) quando este aponta que “[...] a droga vem sendo percebida como problema social”. Embora tenham sido relatados respostas conscientes de tais impactos, 7 indivíduos com esta percepção estão na zona II do AUDIT, podendo não possuir problemas decorrentes do uso, mas são considerados usuários de risco. Pelicioli et al (2017) apontam que mesmo em populações da área da saúde, a taxa de consumo de bebidas alcoólicas é elevada, ou seja, é perceptível que em alguns momentos, as pessoas conseguem distinguir os malefícios da utilização de drogas, sejam elas quais forem, contudo, mesmo sabendo dos riscos, principalmente de possível dependência, isto não impede o uso. 2.3.3 VÍCIO/DEPENDÊNCIA A categoria Vício/dependência focaliza a característica de tornar o usuário dependente como principal forma de descrever uma droga, nas respostas de 25 indivíduos foi possível observar que os participantes ainda abordam sobre as consequências e comportamento do indivíduo adicto. Como observado na resposta de M13: “São substâncias que geram dependência química, que afetam o sistema psicológico do ser humano fazendo com que o dependente tome atitudes irracionais para satisfazer a sua dependência”. O manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, DSM-V, aborda os transtornos por uso de substâncias no capítulo “Transtornos relacionados a substâncias e transtornos aditivos”, compreendendo dez classes de drogas como: o álcool; a cafeína; cannabis; alucinógenos; inalantes; opioides; sedativos, hipnóticos; ansiolíticos; estimulantes; tabaco; e outras substâncias (DSM-V, 2014). Definindo como transtorno a característica essencial da “presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de problemas significativos relacionados à substância” (DSM-V, 2014. p. 483) e ainda o caracteriza a partir de quatro grupos de critérios, sendo o baixo controle sobre o uso da substância; prejuízos sociais; o uso arriscado da substância e critérios farmacológicos. O abuso pode levar a disfunções cognitivas, alto grau de incapacidade na coordenação motora, incapacidade de reação aos estímulos externos e parada respiratória (LYMAN; POTTER, 2007; CEBRID, 2014). Com o uso contínuo, o sistema de recompensa é intensamente estimulado e a funcionalidade do indivíduo pode ser prejudicada, portanto, pode-se inferir que o fenômeno da dependência é complexo e multifacetado, interferindo além do âmbito individual e em muitos casos, na convivência familiar (DSM-V, 2014), já que neste cenário, um estudo realizado por Maciel et al (2018) demonstra que a maior parte de cuidadores de dependentes químicos eram do sexo feminino e com próximo grau de parentesco como mães, esposas e irmãs, e em sua maioria, sofriam com a sobrecarga deste papel. 56 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.4 SITUAÇÕES QUE O MILITAR INGERE BEBIDA ALCÓOLICA OU OUTRA SUBSTÂNCIA Quando questionados sobre as situações em que o álcool ou outras substâncias eram ingeridas, 2 participantes não responderam e 30 participantes alegaram que nunca ou em nenhuma situação fazem uso. Após observar esse resultado, verifica-se que existe uma não conformidade com o resultado apresentado no item 3.1, o qual demonstra que o número de abstêmios é 27. Foi identificado também que dos 63 respondentes à questão, 59 alegaram fins recreativos e 4 não souberam especificar as situações em que faziam uso de bebida alcoólica, atribuindo frequência, 2 relataram mensalmente e 2 “de vez em quando” ou “às vezes”. 2.4.1 RECREAÇÃO O uso recreativo aparece nas falas da maioria dos militares que alegaram fazer uso de bebida alcoólica ou outra substância durante atividades definidas como recreativas. Essa proposta de recreação foi observada na fala do participante M26 ao comentar que “Ir à balada”, Participante M45 quando disse “Bares e restaurantes” e do participante M10 quando comenta “Confraternizações de trabalho”. Datas comemorativas também sobressaíram como exemplifica M17 ao comentar “Aniversários” e o participante M40 ao dizer “Festas de fim de ano”. Percebe-se que tais respostas associaram o uso de álcool a condições de descanso, lazer e tentativa de relaxamento. Tais condições podem ser entendidas como consequência das alterações psicológicas e fisiológicas ocasionadas pelo álcool, alguma das principais são: relaxamento dos músculos, desinibição e a fácil absorção do álcool no organismo (COSTA, 2003). Ainda, os efeitos do álcool, mesmo sendo ingerido em poucos momentos ou em pouca quantidade, são distintos de pessoa para pessoa e geralmente agem no sistema nervoso central, proporcionando uma sensação de prazer, desencadeando ações dos neurotransmissores, que mobilizados tornam-se mais difíceis de serem resistidos (ACSELRAD et al, 2015). De acordo com Acselrad et al. (2015), o consumo de álcool em momentos recreativos, pode de alguma maneira passar a representar perigos em sua ingestão, principalmente para as pessoas que possuem baixa tolerância a álcool, ao abusarem do uso, podem obter respostas demasiadamente prejudiciais para seu organismo e consequentemente para si. 2.5 MOTIVAÇÕES SOBRE O USO PESSOAL DE ÁLCOOL E OUTRAS SUBSTÂNCIAS Foi pedido que os militares explicassem por que faziam uso nas situações citadas anteriormente, desconsiderando-se 23 respostas que os participantes relataram não fazer uso, 8 respostas em branco e 8 respostas que os militares não souberam responder, as demais respostas sintetizaram-se na categoria abaixo. 2.5.1 BEM-ESTAR PESSOAL E SOCIALIZAÇÃO Verificou-se nas respostas de 56 militares, conteúdos que buscavam satisfazer o prazer pessoal ao fazer uso, por “gostar do sabor” como explica M8, ou dos efeitos, como 57 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 a “sensação que o álcool proporciona” exemplifica M48, “para relaxar e aliviar o estresse” como afirma M31. Para 20 participantes, o consumo também esteve atrelado a socialização, M43 considera “Perda de vergonha para com as interações sociais [..]” e M6: “obter aceitação do grupo [...]”. Neves, Teixeira e Ferreira (2015) ressaltam que, na grande maioria das vezes os discursos sobre o uso de álcool e/outras drogas, dizem respeito a fatores psicológicos, principalmente aqueles negativos, os quais podem ser identificados como sentimento de frustração, angústia, vergonha, revolta, pressão social, questões laborais e pessoais. Dázio, Zago e Fava (2012) enfatizam que o bem-estar associado ao álcool tende a estar associado como uma ‘’válvula de escape’’ e também com a socialização, neste sentido, a desinibição com o sexo oposto, a busca por pertencimento e identidade que potencializam a ingestão de bebidas alcoólicas. Bastos (2013) destaca que podem exercer influência, os fatores que fazem parte da sociedade, como por exemplo, o convívio com outras pessoas que fazem uso, o marketing social que é transparecido em diversos meios de comunicação e crenças individuais que podem ser desenvolvidas pelas pessoas acerca de uma espécie de “necessidade” da ingestão de álcool ou do uso de outras substâncias e assim racionalizar o consumo. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após a realização desta pesquisa, pode-se inferir que os militares demonstraram ter uma relação de baixo risco com a bebida, entretanto, quase metade dos participantes apresenta o padrão de uso em Binge drinking, apontando que, embora o consumo não seja recorrente, quando ocorre torna-se descontrolado. Há ainda que se considerar que, por se tratar de uma instituição militar a qual impera valores com ordem e disciplina, pode ter ocorrido receio em reportar o uso de álcool e principalmente outras drogas que não são socialmente aceitas. A pesquisa demonstrou que, parte da amostra possuía conhecimento satisfatório acerca de drogas, entretanto, ainda há aqueles que em suas respostas eram caracterizadas pelo estigma que envolve o assunto, e mesmo em seus discursos imperando o cunho negativo, o uso se fez presente, inclusive em zonas de consumo que caracterizam provável dependência, considera-se que esta é uma limitação do estudo e seria interessante o aprofundamento nessa relação entre o discurso e a prática das ações dos indivíduos. Observou-se que, principalmente, a bebida alcoólica é parte da vida dos militares, seja para diversão, acompanhar atividades como assistir a jogos esportivos, como para atenuar desconfortos, esta última faz-se necessário cautela, pois o uso da bebida pode mascarar problemas de maior amplitude. Faz-se necessário que ações preventivas sejam fomentadas como forma de atualização e aperfeiçoamento dos militares, sobretudo dos que se alistam ao serviço obrigatório, pois coincidem com faixas etárias de maior consumo e riscos de prejuízos em seus desenvolvimentos nos mais diversos aspectos e que em tal atividade não seja vigente apenas a moralização acerca da temática, pois como proposto por alguns autores, os potenciais a serem explorados são impedidos devido a estigmatização e marginalização de diversas substâncias. 58 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REFERÊNCIAS [1] ACSELRAD, G. Consumo do álcool no brasil. Flacso Brasil, 2015. Disponível em: [2] <http://flacso.redelivre.org.br/files/2015/03/58N12-GilbertaAcserlrad.pdf>. Acesso em 12 nov. 2021. [3] BABOR, T. F. et al. The alcohol use disordersidentification test. Geneva: World Health Organization, 2001. [4] BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. [5] BASTOS, F. I. P. M. et al (Orgs.). 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Por essa razão, este estudo parte do processo diagnóstico vivenciado por mães de crianças diagnosticadas com TEA e teve como objetivo geral compreender o processo de aceitação pós-diagnóstico do TEA. Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa se caracterizou como uma investigação de campo, de abordagem qualitativa e com caráter descritivo. A pesquisa também contou com a participação de 05 mulheres mães de crianças autistas, na faixa etária de 25 a 40 anos. Como instrumento, utilizou-se de uma entrevista semiestruturada contendo 08 perguntas. Nos resultados, verificou-se que as mães vivenciam uma profusão de sentimentos, a maioria recebe apoio familiar e há grande impacto em vários aspectos na vida das mães após o diagnóstico dos seus filhos. Palavras-chave: Mães; Autismo; Processo de Aceitação. 61 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A expectativa da concepção de um filho e da construção do papel social de “mãe” são processos de aprendizagem que não acabam, mas se adaptam com o passar do tempo. A descoberta de um diagnóstico do filho que apresenta TEA traz uma variedade de emoções à mãe, desde o momento em que ela busca compreender a condição de seu filho, até o diagnóstico e a readaptação da sua realidade. Com isso, pressupõe-se que há mudanças na vida da mãe e alterações na dinâmica familiar para que haja uma adaptação às necessidades da criança, afetando, especialmente, a figura materna durante esse processo. Desde o momento do diagnóstico do filho, a mãe vivencia um processo de reconstrução de seu papel social, tendo que compreender a situação da criança, lidando com os medos e incertezas do futuro quanto a vida de seu filho, além dos seus próprios sentimentos. Este estudo teve como objetivo compreender o processo de aceitação pós diagnóstico, investigando o apoio recebido por essas mulheres, investigando os sentimentos gerados e levantando o desdobramento do impacto pela mãe após receber o diagnóstico. Dito isso, partiu-se da hipótese de que o estresse e a negação fazem parte do processo de aceitação, porém a questão de ter uma rede de apoio familiar favorável torna o processo mais fácil e muitas dessas mães buscam uma alternativa para lidar com o diagnóstico de uma forma mais assertiva, como terapia, grupo de apoio, entre outros. Para comunidade entrevistada, foi uma forma de compartilhar uma gama de informações para as mães que estão em busca de ajuda e que estão nesse processo de pré-diagnóstico, o artigo oferece informações pertinentes para um olhar voltado para o papel de mãe, suas expectativas em relação à maternidade, seu futuro como mulher e mãe de criança com TEA, podendo auxiliar no seu processo de aceitação. Sendo assim, a pesquisa expressou a sua importância para a sociedade, pois no que implica a individualidade e sociabilidade destacando suas características subjetivas e sociais, sendo importante entender a importância do “papel de mãe”, sua construção e adaptação, suas expectativas quanto a sua nova realidade, seu futuro como mulher, mãe, acadêmica e profissional, no que tange aos processos que permeiam o diagnóstico de um filho com TEA, contribuindo, principalmente, para a desconstrução de preconceitos e estereótipos. A pesquisa teve relevancia para a comunidade acadêmica e científica a pesquisa oferece um novo olhar e conhecimentos que podem agregar ao amplo campo de estudo do autismo e saúde mental de mães de pessoas diagnosticadas com TEA. Oferecendo dados atualizados sobre o impacto que o diagnóstico de TEA causa ou atinge mães de crianças autistas, sendo uma pesquisa bastante pertinente aos estudos multidisciplinares. A presente pesquisa utilizou-se o método descritivo, com abordagem qualitativa e teve o intuito de explorar de maneira mais efetiva os dados levantados na pesquisa de campo. Segundo Silva e Menezes (2000, p. 21 apud OLSEN, 2016) “a pesquisa descritiva visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Como instrumento de pesquisa foi utilizada a entrevista semiestruturada, composta por 8 perguntas elaboradas a partir das necessidades de se entender a percepção dos entrevistados sobre o processo diagnóstico vivenciado por mães de 62 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 crianças diagnosticadas do Transtorno do Espectro Autista. Para Minayo, Deslandes e Gomes (2007), esse tipo de entrevista (semiestruturada) é o combinado de perguntas referente a temática em questão, no entanto, o entrevistado fica livre para respondê-las. Para a análise das entrevistas semiestruturadas com as mães de crianças autistas, foi utilizada a análise de conteúdo (BARDIN, 2011) em cima da amostra que fora colhida, que parte da categorização a partir das falas obtidas, que serão discutidas conforme bibliografia levantada. As informações do diário de campo enriquecerão os demais dados obtidos, dando mais consistência ao texto final. Se tratando de uma pesquisa com seres humanos, foram seguidos todos os procedimentos relacionados à ética, estabelecidos na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho nacional de Saúde. A partir da aquisição de autorização da Instituição que cederá o espaço para a pesquisa, todos os participantes voluntários tiveram que assinar o TCLE, o qual garantiu o sigilo total dos dados concedidos. Os critérios de seleção de participantes desta pesquisa foram: mães de crianças diagnosticadas com TEA; mães que vivenciaram o processo diagnóstico dos(s) filhos(s); residentes em Manaus. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram realizadas 05 entrevistas com mães de crianças que receberam o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). A idade das entrevistadas variou entre 25 a 40 anos, todas residentes na cidade de Manaus. Além disso, 04 das 05 entrevistadas tinham filhos do gênero masculino e 01 com uma filha de gênero feminino, 03 possuíam ensino superior incompleto, 01 possuía ensino superior completo e 01 possuía pós graduação, já a idade das crianças variou entre 03 e 13 anos. A partir das entrevistas, foram geradas 03 categorias que foram desdobradas em subcategorias, conforme veremos a seguir. 2.1 APOIO FAMILIAR Ao serem perguntadas se tiveram apoio familiar e se isso as ajudou, foram identificadas 02 subcategorias: acolhimento e sofrimento. A seguir ver-se-ão as subcategorias. 2.1.1 ACOLHIMENTO O acolhimento é de grande importância desde a maternidade até descoberta do diagnóstico e, principalmente, no pós-diagnóstico em diante. O sentimento de sentir-se acolhida em um momento de incertezas, especialmente pela família, ajuda a mãe a não se sentir desamparada. Na fala abaixo nota-se que o apoio familiar trouxe esse sentimento de acolhimento e fez uma diferença significativa para lidar com o processo pósdiagnóstico: 63 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 “sim, me senti muito acolhida pela minha família, senti também que a minha família acolhe muito bem ele, pondera as palavras, os atos por isso.” (Participante M1) “Sim, com certeza, o apoio familiar fez toda a diferença.” (Participante M4) “Olha, apoio familiar a gente recebeu da minha sogra e dos meus pais, assim, todos acolhem, todos sabem que ele tem” (Participante M5) Um estudo realizado por Maia et al. (2016) sobre o retrato do autismo no Brasil mostrou que várias entidades de atendimento a pessoas com TEA e/ou a seus familiares destacaram a importância do acolhimento dos pais cujosfilhos receberam o diagnóstico de TEA. Os autores afirmam que o apoio pode evitar o sofrimento e a solidão dos familiares, além de ampliar as possibilidades de colaboração e de sucesso na assistência ao familiar com TEA. Os pais podem não possuir estrutura emocional para manejar esta nova reconfiguração de sua rotina, bem como, as demandas sociais envolvendo o preconceito e a falta de estrutura para acolher esta criança (CHAIM et al., 2019; PERUFFO, 2021). 2.1.2 SOFRIMENTO Para muitas mães de crianças diagnosticadas com TEA, o convívio familiar é um amparo, em que se sentem seguras e acolhidas, para outras, é o âmbito em que se sentem mais rejeitadas, inseguras e incompreendidas, geralmente, por falta de diálogo por parte dos familiares ou falta de busca e compreensão sobre o TEA. As falas abaixo relatam o sofrimento das mães com a falta de compreensão e manejo da família com a situação vivida: “[...] eu sofri muito que eu ainda tava na casa da minha mãe, quase que eu pego uma briga de mão com o meu irmão, porque ele é grosso, ignorante... Pra eles o autismo e o TDAH era só frescura, foi difícil.” (Participante M1) “É difícil a convivência em questão de como lidar comele, eu e o pai dele sabemos como lidar em praticamente todas as situações. [...] Preconceito a gente não sofre, mas as pessoas não procuram saber como lidar e isso afeta no convívio familiar... quando não é sua realidade, ninguém vai atras de saber.” (Participante M3) As famílias, principalmente dos pais, são afetadas de diversas formas pelo transtorno, desde a sobrecarga física e mental pelos cuidados dispensados até aspectos financeiros e sociais, de forma que o sistema se comporte integralmente em função da criança autista (DUARTE, 2019). A perspectiva sistêmica considera que as condições próprias do TEA podem causar um desequilíbrio familiar por afetar, principalmente, os processos de comunicação e a reciprocidade das relações interpessoais (BOSA; SIFUENTES; SEMENSATO, 2012 apud FARO, 2019). A família, nesse contexto, sofre alterações no seu funcionamento no que diz respeito ao desempenho dos papéis, pois é demandada pela condição da criança, que requer interações diferenciadas conforme o seu estágio de desenvolvimento. Nos casos mais graves do TEA, o impacto na família tende a ser maior, pois há uma necessidade de cuidado integral com a criança devido às dificuldades no controle dos impulsos, aos prejuízos no julgamento deperigo e em alguns casos, comportamentos autolesivos (GORLIN et al., 2016 apud FARO, 2019). 64 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2 SENTIMENTOS NO PÓS-DIAGNÓSTICO Foi levantado o questionamento para essas mães sobre quais foram os sentimentos vivenciados ao receberem o diagnóstico de seus filhos, de acordo com as respostas, identificou-se 02 subcategorias: aceitação e medo. 2.2.1 ACEITAÇÃO Ao receber o diagnóstico do filho(a), muitas mães passam por um processo de aceitação dessa “nova realidade”, muitos sentimentos surgem, muitas informações para serem compreendidas, levam um tempo para se adaptar, algumas mães aceitam bem e outras demoram a aceitar, conforme verifica-se nas falas abaixo: “Teve o momento da aceitação, chorei muito, chorei muito[...]” (Participante M1) “Pra mim foi um alívio, porque eu finalmente tinha descoberto o que ele tinha pra poder dar a melhor condição, tem muitas mães que não aceitam e que não querem aceitar, que não querem ver o tratamento... eu não sabia que era o TEA especificamente, mas eu sabia que tinha alguma coisa, sabia que não era normal o comportamento dele.” (Participante M4) "O impacto não foi, eu vou te dizer assim, não foi algo que eu sofri em saber, porque eu, coração de mãe, eu já tinha aceitado isso, eu sabia que meu filho ele não era que nem as outras crianças.” (Participante M5) Após o choque do diagnóstico e com o passar do tempo, as mães começam o processo de aceitação, aceitando seus filhos como eles realmente são e aprendendo a ajudá-los a desenvolver suas habilidades. Neste sentido, a ressignificação do filho se dá de maneira cuidadosa pela família que acolhe, pois esta, aceita o filho, independentemente de suas limitações, buscando aceitar o diagnóstico que foi inserido na família da melhor forma possível, recorrendo a intervenções que lhe pareçam mais adequadas (LOPES et al., 2019, p. 11). 2.2.2 MEDO O momento do diagnóstico é a ignição de uma profusão desentimentos para a família. Há reações de luto, medo, insegurança, frustração, culpa, entre outros. Houve relatos nas entrevistas sobre medo no diagnóstico, sob o prisma de que havia muitas incertezas em relação ao futuro, especialmente preocupações quanto as limitações que a criança poderia ter. O medo é um sentimento identificado nas falas abaixo: “Senti muito medo do futuro, das questões que estavam por vir. Não sabia se conseguiria me comunicar com o meu filho, se ele conseguiria falar com as pessoas, se casar... Mas o que mais me preocupava era a questão da minha comunicação com ele.” (Participante M2) “Foi bem dolorosa, a gente recebeu né, a descoberta, o principal medo era a minha filha ser limitada, não fazer aquilo que as crianças fazem.” (Participante M4) 65 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 O momento do diagnóstico de uma doença ou síndrome crônica para a família é envolvido por um conjunto de sentimentos diversos, a exemplo da frustração, insegurança, culpa, luto, medo e desesperança, principalmente quando o paciente é uma criança (SAMSON et al., 2013 apud PINTO et al., 2016). O nascimento de um filho se constitui na formulação de um novo ciclo vital, o qual passa a ser idealizado pelos pais e por toda a família. Entretanto, no momento em que ocorre alguma ruptura nesses planos todos os membros familiares são diretamente afetados (EBERT et al., 2013 apud PINTO et al., 2016) É de conhecimento geral dos estudiosos da área que o TEA compromete, em diversos níveis, o desenvolvimento psicossocial e cognitivo do indivíduo e, em alguns casos, torna dificultoso o processo que o autista perpassa para desenvolver a independência. Com isso, cerca de dois terços das crianças com TEA não são capazes de viver independentemente de outras pessoas. Dessa forma, apenas um terço terá a capacidade de ser independente na vida adulta (APA, 2014; CUNHA; PEREIRA; ALMOHALHA, 2018 apud TAVARES, 2020). De acordo com essas ideias, é importante ressaltar que: [...] deparar-se com as limitações do filho, em qualquer família, é sempre um encontro com o desconhecido. Enfrentar essa nova e inesperada realidade causa sofrimento, confusão, frustrações e medo. Por isso, exercer tanto a maternidade como a paternidade torna-se uma experiência complexa, e, mesmo existindo o apoio de inúmeros profissionais e outros familiares, é sobre os pais que recaem as maiores responsabilidades (BUSCAGLIA 2006 apud PINTO et al., 2016, p. 02). 2.3. DIFICULDADES VIVENCIADAS NA CARREIRA, SOCIO-ECONOMICAS E CULTURAIS Nesta categoria as participantes apresentaram as dificuldades vivenciadas em consequência da nova rotina adotada voltada para a satisfação das necessidades do filho(a). Nas falas das participantes identificaram-se as seguintes subcategorias: Dificuldades na carreira, dificuldades financeiras e questões socio-culturais e gênero. 2.3.1 DIFICULDADES NA CARREIRA Por conta das limitações físicas e sociais de seus filhos, estas mulheres precisam doar integralmente o seu tempo para que sejam satisfeitas todas as necessidades inerentes ao autismo, causando prejuizo na continuidade da carreira profissional destas mulheres. Entende-se que, em consequência deste fato, surjam dificuldades para essa mãe. “Com certeza, porque assim, tu pensa como que eu vou largar o emprego, é uma das minhas maiores frustrações que eu tenho que aceitar [...]” (Participante M3) “Sim, eu parei de trabalhar para fica com ele.” (Participante M5) Sousa (2018) ratifica o entendimento de que a dedicação total aos cuidados aos filhos realmente é a causa da interrupção profissional por parte de algumas mães. Principalmente em casos onde há a centralidade de tarefas na figura materna. De acordo 66 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 com Alves (2020), a interrupção profissional também possui uma relação com a dedicação da mãe para com o filho, faltando tempo hábil para o trabalho. Cabe ressaltar que a participante M3 afirmou não possuir dificuldade na carreira ao responder que “Não, graças a Deus.” ( Participante M4) 2.3.2 DIFICULADES FINANCEIRAS A maternidade em suas condições “normais” já é bastante exigente no que concerne ao poder aquisitivo da mãe. Quando se trata de mães que possuem filhos com alguma limitação física ou social, as mesmas precisam investir maior tempo aos cuidados dos seus filhos. Desta maneira, impossibilitando mulheres como uma das entrevistadas que passou por dificuldades financeiras pelo desemprego decorrente da maternidade, conforme observa-se na fala abaixo: “Sim, porque eu não pude trabalhar a gente passou por dificuldades financeiras, então eu pegava uma latinha, pegava uma trufa, deixava ele na escola e ia oferecer aquelas trufas pra que quando chegasse o tempo pra ele chegar da escola, ele tivesse algo para comer...” (Participante M1) Além disso, o estresse vivido por essas mães é gerado por aspectos inerentes ao contexto de vida em que estão inseridas, tendo o financeiro como um destes aspectos (SCHIMIDT; BOSA, 2003; FÁVERO; ANTOS, 2005; SCHIMIDT et al., 2007; SILVA; RIBEIRO, 2012; AMARAL, 2013 apud NOGUEIRA; RUSCH; ALVES, 2020). 2.3.3 QUESTÕES SOCIO-CULTURAIS E GÊNERO Do mesmo modo, constata-se que mulheres sofrem, em especial mulheres mães de filhos com limitações físicas ou sociais. Alguns autores corroboram a associação entre as desigualdades de gênero e o sofrimento das mães. Essa relação é mediada pela baixa autoestima das mulheres e sua falta de controle frente ao contexto de vida em que estão inseridas (SOUSA, 2018). Em princípio, deve-se levar em consideração ao abordar este subtópico, o contexto histórico-cultural em que essas mães vivem. Entende-se a mãe como principal agente na vida da criança, obrigando a mesma a se afastar de suas antigas atividades, em casos de mães acadêmicas que podem ter dificuldades em manter com suas responsabilidades acadêmicas. A participante M2 comentou que “Ah, algumas vezes sim. Dificuldade de ir no estágio, estudar, ir pra faculdade.” Sanin et al. (2010, apud PINTO; CONSTANTINIDIS, 2020) explica as consequências da falta de uma rede de apoio satisfatória para a mãe no momento do diagnóstico. Ele comenta que essa lacuna pode resultar na intensificação de dúvidas, incertezas e tristezas que já surgiriam naturalmente devido ao momento em questão. Corroborando a visão sobre a influência do contexto histórico culturalno papel de importância realizado pela mulher quando se torna mãe, o contextono qual a mesma faz parte pode vir a coloca-la no papel de cuidadora primária, sendo somada a questão afetiva mãe-bebê pode justificar o protagonismomaterno no ato de cuidar (PINTO et al., 2016). 67 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desta pesquisa foi possível compreender o processo de aceitação pós diagnóstico através da entrevista feita com as mães de crianças diagnosticadas com TEA, investigando o apoio recebido por essas mulheres após o diagnóstico, se seus familiares ou pessoas próximas auxiliaram e apoiaram nesse processo, investigou-se os sentimentos gerados após o diagnóstico, no que diz respeito as vivencias, medo e aceitação foram os principais sentimentos identificados, levantou-se o desdobramento do impacto pela mãe após receber o diagnóstico, tais como impactos ocorridos na carreira e/ou nos estudos, assim como, na vida social e financeira. Devido a pandemia da COVID-19, esta pesquisa teve que ser realizada de formas altaernativas, algumas entrevistas foram feitas pessoalmente tomando todos os cuidados de distanciamento e proteção, outras entrevistas feitas por chamadas de áudio gravadas e com o consentimento das mesmas, assim como, o contexto no qual cada uma delas estava inserida, tendo que dividir a atenção entre responder a entrevista e cuidar de seus filhos, simultaneamente. Entrevistar essas mulheres foi além dos objetivos previstos dentro do campo de pesquisa, a realidade de cada uma delas é subjetiva, emocionante e cheia de obstáculos dos quais elas precisam ultrapassar todos os dias, observando o contexto que cada uma esta inserida, todos os dias elas lidam com dificuldades na sociedade como preconceito, estereotipos e falta de informação e preparo de muitas instituições e pessoas que não sabem lidar com uma pessoa que possui TEA, além de algumas dessas mulheres entrevistadas serem mãe solo e chefes de família, tendo que equilibrar entre os cuidados da criança e o trabalho que traz o sustento para a casa. Por isso, foi tão impactante pesquisar essas mulheres, pois é importante ressaltar que, antes de ser mãe, antes da maternidade, essas mulheres foram e são pessoas com sonhos, planos, desejos, vontades, emoções e sentimentos, dos quais elas também precisam lidar, além de que, são diariamente cobradas de suprir as expectativas da sociedade e que elas tem de si mesmas como mulher, mãe, profissional, acadêmica e tantos outros papéis que compõe a sua realidade. Dito isto, há uma grande necessidade de destacar a importancia da saúde mental de mulheres que são mães de crianças diagnosticadas com TEA. Dentro da pesquisa, poderiam ter sido aprofundados os aspectos que dizem respeito aos impactos pós diagnóstico, tais como, a mãe de criança autista inserida no mercado de trabalho ou como acadêmica, e suas dificuldades no dia a dia, especialmente quando são a fonte de principal renda financeira em casa, assim como, impactos gerados pelo TEA na visão de mulher e mãe que elas tinham e tem sobre si mesmas. 68 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico [1] de transtornos mentais. Porto Alegre:Artmed, 2014. [2] BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. [3] CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid, PINTO, Alinne;. Revisão Integrativa sobre a Vivência de Mães de Crianças com Transtorno de Espectro Autista. Revista Psicologia e Saúde, Vitória, v. 13, p. 97-111, 2020. [4] FARO, Kátia Carvalho Amaral et al. Autismo e mães com e sem estresse: análise da sobrecarga materna e do suporte familiar. 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Paraíba, 2018. 69 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 6 A psicoterapia como auxílio no tratamento de pessoas obesas que possuem Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) Sabrina Ferreira de Azevedo Mayara Maria Martins Castro Resumo: Com as pressões e as exigências sociais para a aparência do corpo belo, magro e muitas vezes irreal, a sociedade tem adoecido psiquicamente e organicamente, alguns autores afirmam esse ser uma das causas desencadeadoras de transtornos alimentares, dentre eles, o transtorno de compulsão alimentar periódica. Esta pesquisa possui como objetivo geral compreender o papel da psicoterapia no tratamento de obesos que possuem transtorno de compulsão alimentar periódica. Para a realização desse estudo, foi utilizada a investigação bibliográfica sistêmica, que é pautada através da pesquisa qualitativa, onde foram coletados os dados a partir site acadêmicos e científicos, no âmbito nacional, Scielo, Pespsic, Periódicos Capes. A língua base das obras coletadas foi o português, cuja publicação tenha ocorrido na última década, e aquelas que discorriam acerca do tratamento psicoterápico do transtorno de compulsão alimentar periódica que possuem obesidade em comorbidade. Ao final, foram selecionados 15 artigos científicos, para realizar a discussão teórica. Como principais resultados obtidos se encontra a importância do tratamento psicológico para esse transtorno, sendo a Terapia Cognitivo Comportamental um dos tratamentos mais promissores e com bons resultados para essa condição. Palavras-chave: Transtorno de compulsão alimentar, obesidade, psicoterapia. 70 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO Com as pressões e as exigências sociais para a aparência de um corpo belo, magro e muitas vezes irreal, a sociedade tem adoecido psiquicamente e organicamente. Diante dessa perspectiva alguns autores mencionam, que esse é considerado um dos fatores decisivos para o desencadeamento da obesidade e até mesmo transtorno alimentar, sendo um deles em grande escala o transtorno de compulsão alimentar periódica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já considera a obesidade como uma epidemia mundial, que é causada principalmente por uma alimentação inadequada e pela falta de exercícios físicos, a sua crescente prevalência é atribuída a diversos processos biopsicossociais, indicando que não é uma responsabilidade que pode ser inteiramente atribuída ao indivíduo, e sim, diversos fatores que acabam o levando a essa condição, como o ambiente, a economia, política, fatores psicológicos e sociais, e um dos desafios é justamente tentar compreender de que forma esses fatores interagem (DIAS et al., 2017). Segundo Ponsiano (2017) a obesidade é o acúmulo anormal ou excessivo de gordura corpórea que pode atingir graus que são capazes de afetar a saúde do indivíduo. Além de focar nas questões médicas, nutricionais, e fisioterapêuticas, é preciso ter em vista as questões psicológicas e comportamentais no tratamento desses indivíduos (KUNEN, 2016). Geralmente problemas emocionais são compreendidos como consequência da obesidade, no entanto conflitos e problemas psicológicos podem anteceder o desenvolvimento dessa condição, os aspectos emocionais são considerados decisivos para o desencadeamento da obesidade e de transtornos alimentares, sendo um deles o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) (VASQUES; MARTINS; AZEVEDO, 2016). De acordo com Rech et al. (2016) por se tratar de um distúrbio crônico que resulta no excesso de peso, a obesidade acaba gerando várias implicações na vida do indivíduo, que não estão ligadas apenas aos fatores fisiológicos, gerando muitas vezes problemas em suas relações sociais, ocupacionais, e amorosas, o que acaba causando em uma baixa qualidade de vida, algumas psicopatologias podem ajudar no surgimento da obesidade, dentre elas está o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCAP). Marques e Baldessin (2016) afirmam que apesar do peso não ser um critério de diagnóstico de TCAP, esse transtorno alimentar é frequentemente associado ao sobrepeso e obesidade, sendo esses indivíduos pessoas com uma maior predisposição a quadros de vulnerabilidade psicológica, como por exemplo, alterações de humor, ansiedade, culpa, baixa autoestima e outros sintomas. Segundo Luz e Oliveira (2016) pode-se associar a descarga emocional com comportamentos alimentares inadequados, os indivíduos acabam utilizando esse meio como forma de enfrentamento dos problemas. De acordo com os autores, pessoas inseguras que se irritam com mais facilidade, que são nervosas, ou que tem dificuldade para lidar com situações de estresse tendem a descarregar emocionalmente seus sentimentos em comida, para dessa forma diminuir o sofrimento psíquico, o que pode ser um fator para o desenvolvimento de transtornos alimentares. Têm se tornado cada vez mais comum a incidência de transtornos alimentares (TA) na população, que podem ser descritos como transtornos psiquiátricos que estão relacionados a hábitos alimentares, gerando inúmeros prejuízos à saúde da pessoa, que 71 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 acaba aumentando a prevalência da morbidade e da mortalidade, assim como a obesidade o TA tem uma etiologia multifatorial, sendo muito importante investigar as causas que levaram o indivíduo a desenvolver esse transtorno, a presença de TCAP não tem qualquer associação com grau de excesso de peso, faixa etária e composição corporal (SILVA; ATHERINO; LIMA, 2020). O transtorno de compulsão alimentar de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5° edição (DSM-V) (2014), tem como principal característica episódios de compulsão alimentar que devem ocorrer, pelo menos uma vez durante a semana, por três meses. Esse episódio de compulsão é caracterizado pela ingestão de uma grande quantidade de comida, em um curto espaço de tempo, e uma quantidade definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiriam no mesmo período, sob as circunstâncias. Esta pesquisa foi realizada a partir de uma pesquisa bibliográfica que Appolinário (2011) alega, que seu foco principal é a revisão de literaturas de um determinado tema ou contexto teórico, buscando explicar uma problemática a partir de referências teóricas que já foram publicadas, como livros, teses, dissertações, artigos dentre outras fontes. Este capítulo tem como objetivo principal compreender o papel da psicoterapia no tratamento de obesos que possuem transtorno de compulsão alimentar periódica, e para isso estabelece-se objetivos específicos: 1) conceituar a TCAP; 2) identificar o impacto que o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) associado a obesidade pode ter sobre o indivíduo e 3) Levantar formas de tratamento psicoterápico para o transtorno de compulsão alimentar periódica associado à obesidade. Além de se tratar de uma revisão bibliográfica, essa é uma pesquisa de método qualitativa, pois tem o objetivo de realizar uma discussão através das contribuições de diversos autores, e para a realização dessa coleta de dados foi realizado uma pesquisa nas bases de dados Scientific Electronic Library Online - Scielo, Periódicos Eletrônicos de Psicologia - Pepsic, Periódico CAPES, no período de 2010 a 2021. O material que foi coletado para análise derivou de artigos, trabalhos acadêmicos e revistas cientificas, com o intuito de selecionar material que tivesse relação com o tema proposto, a partir disso elegeu-se os descritores: obesidade, transtorno de compulsão alimentar, terapia e terapia cognitivo comportamental. Essa pesquisa possui múltiplas contribuições, a se referir nos campos científicos, acadêmico e social. No campo científico sua contribuição se dá pela escassez de estudos científicos e atuais sobre essa problemática, diante disso os pesquisadores desejam gerar mais conhecimento científico, e posteriormente servir como aporte teórico para outros pesquisadores. Quanto ao campo social por se tratar de um assunto tão atual e comum na sociedade, esta monografia trará diversas contribuições para esse meio, já no campo acadêmico uma de suas contribuições será a ampliação dos logos das pesquisadoras, o que será de grande valia em suas atividades como psicólogas. 72 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nas bases de dados foram identificados 200 artigos, sendo 100 publicados entre os períodos de 2010 a 2021 e em português, deste quantitativo 50 estavam disponíveis para download, deste número identificou-se que alguns artigos se repetiam uma ou mais vezes, na mesma ou em diferentes bases de dados. Os artigos repetidos foram eliminados. Na sequência da análise foram lidos os resumos e sinopses a fim de verificar se a publicação estava relacionada ao escopo do trabalho. Após a análise, permaneceram 15 artigos os quais foram lidos, realizado o fichamento, levantadas as ideias chave dos autores, além de interpretadas as ideias apresentadas. 2.1. TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA Na 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM) o TCAP era caracterizado como um transtorno alimentar sem outra especificação (PIVETTA; SILVA, 2010), no entanto, Oliveira et al. 2020, acrescenta que com a reformulação do DSM-V em 2013, a síndrome teve o seu diagnóstico separado, que foi definido por sua frequência média/mínima de um episódio de compulsão alimentar por semana, em um período de três meses. O transtorno de compulsão alimentar periódica se caracteriza pela ingestão de uma grande quantidade de alimentos, maior do que outras pessoas consumiriam nas mesmas circunstancias, em um período de duas horas (BLOC et al., 2019). Durante esse episódio de compulsão alimentar o indivíduo come mais rápido que o habitual, mesmo sem estar com fome, até sentir-se desconfortavelmente cheio, realiza refeições sozinho ou escondido por se sentir envergonhado pela quantidade exagerada de comida que está consumindo (BOLOGNESE et al., 2018). Pereira e Chehter (2011) destacam que a perda de controle ao comer é a principal característica do Transtorno de Compulsão Alimentar, em detrimento de outros aspectos, assim como a quantidade de alimento ingerido, a velocidade e o tempo, no entanto, Fusco et al. (2020) descrevem estes critérios como inconsistentes, tendo em vista que não existem informações sobre os valores ideais, tanto para a velocidade quanto para a quantidade de alimentos ingeridos, mas a falta de controle sobre um ato está ligada a impulsividade. Pivetta e Silva (2010) afirmam que na população geral a prevalência de transtorno da compulsão alimentar periódica pode variar de 1,5% a 5%, e Marques e Baldessin (2016) alegam que cerca de 1,8 a 4,6 da população geral possui esse transtorno, ambos os autores apresentam um quantitativo equivalente a respeito da prevalência do TCAP na população geral. 2. 2. O TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR E A OBESIDADE A compulsão alimentar por muito tempo foi associada à obesidade, e por se tratar ainda de um fenômeno clínico que foi descrito pela primeira vez por indivíduos obesos (BOLOGNESE et al., 2018), no entanto nos dias de hoje com os avanços das pesquisas, sabe-se que esse transtorno não se restringe somente a esse grupo, o TCAP é encontrado em diferentes indicies de massas corporais, sendo reportado em diversos grupos independente da obesidade (GHADIE et al., 2018). 73 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 No entanto, alguns autores destacam que mesmo sendo um transtorno que acomete todo tipo de pessoa, sua maior prevalência continua sendo na população obesa ou em pessoas com sobrepeso. Pivetta e Silva (2010) alegam que em indivíduos obesos comportamentos de compulsão alimentar são mais frequentes, e entre as pessoas obesas que procuram tratamento a prevalência do transtorno varia de 5% a 30%, autores que trazem dados aproximados a esses é Duchesne et al. (2010) que afirmam que o TCAP, está frequentemente associado à obesidade e ao sobrepeso, sendo que 30% da população obesa possui TCAP. Algumas pesquisas indicam que o TCAP associado a obesidade, acaba sendo mais danoso aos indivíduos, do que somente a obesidade em si, pois além dos problemas fisiológicos que a doença pode desencadear, ainda existe o predisponente dos problemas psíquicos, Bolognese et al. (2018) os obesos que possuem TCAP apresentam sofrimento psicológico devido a depreciação de sua imagem física e a preocupação excessiva com o peso e com o que os outros pensam de si. 2.2.1 OS IMPACTOS PSICOLÓGICOS DO TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA NOS INDIVÍDUOS OBESOS O TCAP pode acarretar diversos impactos psicológicos para a vida do indivíduo acometido por este transtorno, após os episódios de compulsão, a pessoa sente um intenso mal estar subjetivo, causado por sentimento de culpa, angústia, tristeza, vergonha ou até mesmo repulsa de si mesmo (DUSHESNE et al., 2010), autores como (BLOC et al., 2019) afirmam que pacientes obesos que possuem TCAP acabam apresentando maiores comorbidades psiquiátricas, do que obesos que não possuem o transtorno. Algumas pesquisas indicaram que pessoas que possuíam obesidade em comorbidade com a TCAP tinham um IMC maior, além de níveis mais graves de depressão, ansiedade, sentimentos fortes de inadequação e inferioridade, assim como sintomas obsessivos compulsivos (STIVAL et al., 2020), em concordância a essa afirmação (FLORIDO et al., 2019) destacam que esses comportamentos alimentares desordenados em pessoas obesas, geram um forte impacto psicológico negativo, que em grande maioria estão relacionados a depressão e ansiedade. Para Duchesne et al. (2010), quando comparados obesos com TCAP aos que não possuem esse transtorno, os do primeiro grupo apresentam mais sintomas psicopatológicos ou alimentares, em indivíduos que possuem TCAP, foi encontrado maiores níveis de perfeccionismos, impulsividade, ansiedade e isolamento social, foi relatada ainda uma pior qualidade de vida e uma pior autoestima, já Azevedo et al. (2010) corroboram que os obesos com transtorno de compulsão alimentar tem a autoestima mais baixa e acabam se preocupando mais com o peso e a sua forma física do que as pessoas que também estão sobrepeso mas não possuem o transtorno. 2.2.2 OS IMPACTOS DO TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR NA PERDA DE PESO DE INDIVÍDUOS OBESOS Alguns pesquisadores afirmam que o transtorno de compulsão alimentar periódica quando não tratado, pode interferir na perda de peso, prejudicando até mesmo quem passa pela cirurgia bariátrica, pois em grande maioria apresentam uma perda de 74 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 peso menor que outros pacientes. Segundo Florido et al. (2019), salientam, que o transtorno de compulsão não está associado somente a má qualidade de vida e problemas emocionais, mas acaba prejudicando a perda de peso. Silva e Crahim (2019) mencionam que os pacientes que não tratam o TCAP junto a obesidade, tem demonstrado uma maior taxa de insucesso na perda de peso. Segundo Prazeres, Coral e Leonildo (2017), pessoas obesas que possuíam TCAP antes de realizar a cirurgia bariátrica, e não buscaram tratamento para o transtorno apresentaram menor perda de peso após a cirurgia e maiores necessidades de intervenções, a fim de obter um resultado favorável. Florido et al. (2019) afirma que indivíduos que apresentam desordens alimentares como o transtorno de compulsão alimentar periódica e não tratam o transtorno junto ao sobrepeso, tem mostrado uma maior taxa de insucesso quando o assunto é perda de peso a longo prazo. 2.3 TRATAMENTOS PARA PESSOAS OBESAS QUE POSSUEM TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA Segundo Stival et al. (2020) o tratamento para pessoas que possuem transtorno de compulsão alimentar periódica concomitante com a obesidade deve se dar de maneira multidisciplinar e com uso de medicamentos, Silva e Crahim (2019) alegam ainda que uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, nutricionistas e psicólogos tem um papel muito importante nesse tratamento. Ghadie et al. (2020) atesta que os estudos sobre o tratamento de TCAP, tem certas limitações, pois os estudos a maioria dos estudos foram realizados com amostras pequenas de pessoas, além, de ter taxas elevadas de desistências durantes os estudos, porém Florido et al. (2019) destaca que intervenções nutricionais e/ou comportamentais, se fazem de extrema importância para o tratamento de transtornos alimentares, mas um dos meios de tratamento que mais tem se destacado é o psicológico. 2.3.1 O TRATAMENTO PSICOLÓGICO DE INDIVÍDUOS OBESOS QUE POSSUEM TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA Muitos autores destacam a importância do acompanhamento psicológico durante o tratamento de pessoas obesas que possuem TCAP, dentre eles, Ghadie et al. (2020) destaca que esse acompanhamento tem sido apontado como necessário para tratar pessoas com e sem transtorno de compulsão alimentar periódica, e sendo indispensável para quem deseja passar pela cirurgia bariátrica. Racine e Hovart (2018) alegam que pacientes com TCAP necessitam de uma atenção de tratamentos e técnicas que ajudem a diminuir as suas demandas emocionais. A regulação emocional no tratamento desse transtorno é um papel importante da psicologia (EICHEN et al., 2016), pois este auxilia na compreensão profunda dos motivos da TCAP e proporciona uma mudança sustentável de vida que o ajude não só a perder peso, mas também a manter essa perda de peso a longo prazo (LUZ; OLIVEIRA, 2013). Na psicologia, existem diversas linhas teóricas, quando se fala sobre o tratamento psicológico do TCAP não é diferente, essas linhas incluem diferentes tipos de terapia, a comportamental dialética, a interpessoal e a terapia cognitivo-comportamental 75 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 (PRAZERES et al., 2017). No tratamento psicoterápico desses indivíduos, deve ter como principal objetivo alterar os comportamentos e pensamentos inadequados quanto a alimentação (LUZ; OLIVEIRA, 2013). Nesse sentido, a Terapia Cognitivo-Comportamental tem sido bastante indicada no tratamento de obesos que possuem transtorno de compulsão alimentar periódica. 2.3.2 A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DE PESSOAS OBESAS QUE POSSUEM TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA Autores como Luz e Oliveira (2013) alegam que a Terapia CognitivoComportamental tem apresentado resultados consolidados da sua eficácia no tratamento de TCAP. A TCC é uma das formas de intervenções psicoterápicas, e uma das mais indicadas quando o assunto é transtorno alimentar, pois ela utiliza de técnicas que auxiliam nas modificações dos comportamentos que estão relacionados a hábitos alimentares (STIVAL et al., 2020). Luz e Oliveira (2013) alegam ainda, que essa terapia é baseada na mudança de estilo de vida, em relação aos padrões alimentares e as atividades físicas, esse é um tratamento baseado em evidencias. Para a TCC, o sistema disfuncional de crenças está associado ao desenvolvimento de TCAP (DUSCHESNE et al., 2010), consequentemente, a modificações desses padrões distorcidos é o principal foco de tratamento, podendo ser utilizada diversas técnicas cognitivas para tal finalidade. Se faz necessário citar que a psicoeducação é uma das primeiras técnicas a ser utilizadas na TCC, sendo considerada imprescindível para o tratamento, pois é uma técnica em que o terapeuta compartilha de maneira lúdica, o que significa o modelo cognitivo-comportamental (MARQUES; BALDESSIN, 2016). Stival et al. (2020) complementam que o objetivo principal da psicoeducação é fazer com que o paciente entenda o modelo cognitivo e transformá-lo em um colaborador ativo em seu processo de cura. Dushesne et al. (2010) descreve algumas das técnicas da comportamentais que são utilizadas para ajudar na modificação dos hábitos alimentares: a auto monitoração que consiste na observação sistemática e o registro dos alimentos que foram ingeridos e as circunstâncias que estão associadas, existem também as técnicas de controle de estímulos, que está envolvida com a identificação das situações que que favorecem a compulsão alimentar e o treinamento de resoluções de problemas, o autor Júnior (2016) acrescenta que as intervenções teóricas oferecidas TCC abordam dez tópicos que são: a) estabelecimento de metas; b) auto-observação dos próprios comportamentos e as consequências; c) discriminação e a análise de sentimentos; d) imagem corporal; e) ampliação do autocontrole e análise de eventos internos; f) aspectos relacionados a automotivação e autocontrole; g) relacionamentos interpessoais; h) resoluções de problemas; i) reestruturação cognitiva e j) prevenção de recaída. Para Marques e Baldessin (2016) os tratamentos que seguem esse modelo de atuação, acabam tendo melhores resultados, com o tempo de aplicabilidade de seis a doze meses, em concordância a essa afirmação os autores Luz e Oliveira (2013) destacam que o tratamento a curto prazo em uma sessão de TCC por semana durante um período de sete meses com pacientes obesos que possuem TCAP em comorbidade, pode ser muito benéfico a longo prazo para esses indivíduos. Marçal e Júnior (2018) destacam 76 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 que nem todos os pacientes respondem a mesma maneira durante o tratamento, por isso, se faz de extrema importância avaliar cada caso em suas especificidades, e adequar as intervenções de acordo com a demanda do paciente. A partir da discussão, observamos que a maioria dos autores concordam quando discorrem a respeito do Transtorno de Compulsão Alimentar e os seus impactos na vida dos indivíduos, mas por se tratar de uma doença que ganhou visibilidade a pouco tempo, ainda existe uma grande necessidade de se realizarem mais estudos acerca do tema. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos estudos que foram coletados para a realização dessa pesquisa sobre a terapia como auxilio no tratamento de pessoas obesas que possuem transtorno de compulsão alimentar, ficou claro as implicâncias que essas doenças associadas podem gerar sobre a vida dos indivíduos acometidos por elas, destacando-se a importância do profissional da psicologia. Os estudos revelam que dentre os pacientes obesos que procuram tratamentos para reduzir o peso, a maioria deles possui TCAP associado, no entanto, ainda não há muitos estudos que tratam de intervenções da TCC para obesos que possuem TCAP, mas muitos autores já evidenciam esse tratamento como um aporte seguro e muito promissor, pois tem apresentado resultados satisfatórios, validos e eficaz no tratamento de obesos que possuem TCAP. Constatou-se por meio dessa revisão que programas de terapia cognitivocomportamental acabam resultando em melhoras significativas nos sintomas característicos do TCAP, pode-se observar melhoras na autoestima, nos relacionamentos interpessoais, no humor, na qualidade de vida, na perda de peso, além de uma melhoria subjetiva de bem-estar do paciente. Além disso, diversos autores concordaram quando discorreram acerca da importância desse tratamento, pois como foi levantado por alguns autores, as demandas psíquicas também devem ser tratadas, quando elas são desconsideradas os pacientes podem até podem perder peso, porém voltam a ganhar e acabam não tendo um tratamento efetivo. Durante a discussão pode-se perceber que algumas demandas psicológicas também podem desencadear transtornos alimentares, dentre ele o de compulsão alimentar, e alguns profissionais tratam do físico, mas não o psíquico que é onde muitas vezes se encontra a raiz do problema. Em virtude do que foi mencionado, a pesquisadora alcançou os objetivos que haviam sido propostos nesta pesquisa, obtendo uma compilação final em concordância com o que foi descrito até aqui. Destacando a importância do tratamento psíquico, como um agente transformador de comportamentos e de pensamentos, que acarreta em uma mudança positiva em diversas esferas na vida do indivíduo. Outro ponto a salientar, foi a experiência e o conhecimento obtidos através dessa pesquisa. No decorrer do percurso e da realização da mesma, um dos maiores desafios foi encontrar artigos recentes que tratem do assunto abordado, destacando desta forma a escassez de conteúdos atualizados a respeito do tema em questão. 77 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REFERÊNCIAS APPOLINÁRIO, Fabio. Dicionário de Metodologia Cientifica. 2. ed. São Paulo: Atlas, [1] 2011. [2] AZEVEDO, Alexandre Pinto de Andrade et al. Transtorno da compulsão alimentar periódica. 2010. [3] BARROSO, Taianah Almeida et al. Associação entre a obesidade central e a incidência de doenças e fatores de risco cardiovascular. Int. J. Cardiovasc. Sci., Rio de Janeiro, v. 30, n. 5, p. 416-424, set. 2017. [4] BECK, Judith. Pense magro por toda a vida. (Trad. M. Veronese). Porto Alegre: Artes Médicas, 2011. [5] BECK, Judith. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2013. 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Acesso em: 15 nov. 2021. 79 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 7 A dependência química e os efeitos da codependência famíliar Jovam Souza Barbosa Taynara de Albuquerque Gallio Resumo: A temática da dependência química se apresenta como o cerce de diversas discussões sob diversos aspectos, sendo possível destacar dentre tantos os reflexos desta problemática junto aos familiares dos dependentes, apontando a questão da codependência da família, o que compromete a saúde, a qualidade de vida e as relações de todos os envolvidos. Esta pesquisa sistemática tem como objetivo geral analisar os efeitos da codependência de familiares de indivíduos dependentes químicos. Para alcance do mesmo foram estipulados como objetivos específicos: caracterizar a Codependência química sob a perspectiva da dinâmica familiar; estudar as consequências da codependência na qualidade de vida dos codependentes; identificar estratégias de superação da codependência química. A metodologia apresentada como adequada para a realização deste estudo é de caráter sistemático, com foco em pesquisas publicadas em revistas científicas entre os anos de 2017 e 2021, embasando assim a análise e discussão dos resultados encontrados em conformidade com os objetivos propostos. Com os doze estudos selecionados foi possível identificar que as consequências comuns da codependência se apresentam como comprometimentos da qualidade de vida, saúde física e mental, bem como enfraquecimento das relações sociais e familiares. No que se trata de estratégias de tratamento da codependência foram identificadas iniciativas como tratamento psicoterápico e encontros em grupos para tal. Este estudo se mostra uma iniciativa a ser estimulada para o desenvolvimento de pesquisas mais aprofundadas na temática em consideração principalmente aos efeitos da codependência. Palavras-chave: Dependência química; codependência química; Família. 80 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A temática da dependência química se apresenta como o cerce de diversas discussões sob diversos aspectos, sendo possível destacar dentre tantos os reflexos desta problemática junto aos familiares dos dependentes, apontando a questão da codependência da família, o que compromete a saúde, a qualidade de vida e as relações de todos os envolvidos. De acordo com Sobral e Pereira (2012) a codependência química se define pelo fenômeno em que pessoas que não são dependentes químicos convivem diretamente com indivíduos que se caracterizam como tais dependentes, principalmente como usuários de álcool e outras drogas. Marinho, Souza e Teixeira (2015) complementam que tal ocorrência se estende as pessoas do círculo familiar e de convivência do dependente químico, uma vez que estabelecem relações com os mesmos ou com os codependentes diretos. No que tange a codependência Carvalho e Crisóstomo (2016) esclarecem que os números se mostram ainda mais alarmantes, uma vez que a proporção estimada é de três a quatro codependentes para cada dependente químico, o que potencializa a quantidade de pessoas que se encontram sob impacto do uso de entorpecentes, ocasionando assim uma série de consequências para o meio familiar e para a sociedade como um todo. A presente pesquisa se mostra pertinente diante a necessidade eminente de construção de conhecimentos sobre o tema por parte dos autores, bem como contribui para a formação acadêmica e profissional futura dos mesmos. Também é possível apontar como contribuição do estudo em tela a disposição de novos achados voltados para a qualidade de vida e superação da situação de codependência encontrada em inúmeras famílias, o que visa auxiliar a comunidade de profissionais que atuam junto à esta problemática, destacando o psicólogo. Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar os efeitos da codependência de familiares de indivíduos dependentes químicos. Para alcançar o objetivo primário foram estipulados como objetivos específicos: a. Caracterizar a codependência química sob a perspectiva da dinâmica familiar; b. estudar as consequências da codependência na qualidade de vida dos familiares; e cientificar estratégias de superação da codependência química. Esta pesquisa teve um procedimento bibliográfico, baseado em uma revisão sistemática, a qual se define pela identificação de literatura acerca de um determinado tema, buscando promover a sistematização de ideias entre os achados, realizando uma avaliação crítica e o confronto entre os resultados, ainda que estes tenham origem diversa. É através deste método que se apresentam as possibilidades identificação de diversos prismas acerca de uma mesma temática, o que favorece a discussão dos resultados obtidos nas pesquisas originais. Trata-se de uma pesquisa sistemática, ou seja, o pesquisador estuda os fenômenos sem intervir de forma sistemática, ou seja, observa, registra, analisa e correlaciona fatos e variáveis sem manipulá-los. De A pesquisa descritiva foi definida para o estudo proposto, visto que o seu objeto principal consiste na “[...] descrição das características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. [...] uma de suas características mais significativas está na utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados. 81 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A escolha destes procedimentos metodológicos se justifica primordialmente pela possibilidade de compreensão dos fenômenos abordados em pesquisas já realizadas, o que se apresenta como uma forma de compreensão da realidade em que a temática se insere, confrontando as informações encontradas. Os dados foram coletados a partir dos cruzamentos das seguintes palavras-chave: “dependência química”, “Codependência química” e “família”. Para o embasamento teórico foram incluídos, os achados científicos devidamente publicados, incluindo livros, teses, dissertações, artigos e documentos oficiais como legislações e códigos de categoria profissional. Como critérios de inclusão foram estabelecidos a avaliação de achados entre os anos de 2017 e 2021, nas bases de dados Scielo, PubMed, Lilacs, Google Acadêmico, bem como na biblioteca da instituição, devidamente publicados na língua portuguesa e inglesa, e que se relacionem com os objetivos da pesquisa proposta. Como critérios de exclusão, não foram selecionados estudos sem reconhecimento científico e que se apresentassem em contradição aos objetivos da referida revisão. A análise dos dados se dá através da categorização dos itens a serem avaliados, identificando por categorias, sendo estas a caracterização das produções científicas e a caracterização dos temas e resultados encontrados nos estudos selecionados, os quais são avaliados em conformidade com o aparecimento e com as ideias apresentadas. Ao analisar os estudos selecionados para esta revisão de literatura faz-se necessário desenvolver avaliação e confronto dos resultados alcançados pelos mesmos, sendo importante a categorização similar em conformidade com os temas apresentados, considerando assim os objetivos inicialmente propostos por esta pesquisa sistemática. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO 2.1 A CODEPENDÊNCIA QUÍMICA E DINÂMICA FAMILIAR No que tange ao reconhecimento da relação estabelecida entre a codependência e a dinâmica familiar é possível realizar uma série de análises que apontam não somente para os resultados e os impactos, mas também para a percepção e vivências neste sentido. Em relação aos resultados apresentados, Diehl, Silva e Bosso (2017) esclarecem que a dinâmica familiar sofre impactos diretos após a instauração da dependência química, uma vez que observaram de forma primordial a vivência de um histórico de disfuncionalidade familiar por parte do codependente químico, apontando para experiências aversivas neste sentido, com vinculações afetivas deficientes na infância e adolescência, fatores estes que culminam na repetição de um modelo de sujeição a abusos emocionais e negligências com o dependente químico em questão, destacando inclusive as mulheres como codependentes. Observa-se que o codependente químico em geral possui uma gama de experiências negativas quando se trata de vivências passadas em sua dinâmica familiar quando em relação a possíveis traumas neste sentido, não necessariamente com o convívio com dependentes químicos, mas que apontem para questões como vulnerabilidade emocional e frágil vinculação afetiva, comprometendo sua saúde emocional e promovendo futuras relações semelhantes. Sobre isto, Meira et al. (2020) corrobora tais achados ao afirmar que considerando o elevado nível de envolvimento emocional entre dependente e 82 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 codependente são notados casos em que se estabelece uma relacionamento abusivo, com sobrecarga do codependente, bem como ressaltou que tal evento ocorre principalmente com pessoas do gênero feminino quando envolvidas, evidenciando as cônjuges e companheiras de dependentes. Nota-se assim que as bases fragilizadas de relacionamentos anteriores culminam na experiência da codependência apontando-se inclusive para o estabelecimento de relacionamentos não saudáveis, com ocorrências de abusos de ordem psicológica ou mesmo físicos, com situações em que ambos ocorrem e prejudicam a dinâmica familiar. Um ponto a ser apresentado nesta categoria é identificado nos estudos de Dias et al. (2020) no que se trata do cotidiano das pessoas codependentes químicas, sendo notado que muitas destas afirmam que sua rotina passa a ser direcionada em conformidade com a vida do dependente químico, seja das atribuições diárias e triviais como aquelas em que são direcionadas para questões de saúde e segurança. Rocha (2017) apresenta como resultados neste sentido o comprometimento e adoecimento da dinâmica familiar, uma vez que o codependente passa a estabelecer sua vida em função da vida do dependente químico. Quando se trata do adoecimento de toda a família que convive com o codependente químico são notadas questões que se tratam referentes ao comprometimento da saúde física e psicológica de todos, uma vez que com os abalos comuns a dinâmica familiar neste sentido é observada problemáticas que envolvem também os vínculos afetivos. Maciel et al. (2018), a exemplo de Meira et al. (2020) que a dinâmica familiar ao se mostrar comprometida e disfuncional quando se estabelece a relação de dependência e codependência, é determinante em fragilizar relacionamentos de todos os envolvidos, ainda que não codependentes, uma vez que toda a família vivencia as consequências e se preocupa e desgasta com os sintomas apresentados pelo codependente. Sobre isto, Dias et al. (2020) afirma se tratar de mais uma questão de instabilidade na dinâmica familiar saudável, pois os membros não codependentes passam a estabelecer uma postura retaliativa com o dependente em consideração à condição do codependente. Novamente são observadas relações que podem ser analisadas como emocionalmente adoecidas, uma vez que a condição de codependência por diversas vezes perpassa pela nuance de vivência integral em função do dependente, o que acaba por adoecer ambos bem como a relação familiar como um todo, o que demanda inclusive problemáticas com os demais membros familiares. Com a análise dos achados desta categoria é possível observar que os abalos sofridos na dinâmica familiar em que se estabelece uma situação de codependência acabam por atingir todos os membros da família, com destaque percebido em quatro dos cinco estudos para as consequências voltadas para as mulheres codependentes. 83 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2 A SUPERAÇÃO DA CODEPENDÊNCIA QUÍMICA Na apresentação dos resultados deste contexto é salutar a identificação de estratégias voltadas para que a codependência seja superada, ou minimamente reduzida, sendo de suma importância que se compreenda tanto as estratégias reconhecidas enquanto iniciativa do poder público quanto as possibilidades apresentadas pela iniciativa privada, sendo estas em geral vinculadas a grupos de familiares de dependentes químicos. Segundo os achados de Ávila e Kruger (2017) a participação dos codependentes em grupos de mútua ajuda tem se destacado como uma estratégia eficiente no fortalecimento emocional destes indivíduos, uma vez que foca no desenvolvimento da resiliência dos mesmos através da escuta e compartilhamento de experiências, o que é determinante para que sejam identificadas semelhanças nas vivências de cada familiar codependente, assim como sejam notadas estratégias de superação sob a ótica de pessoas que já as vivenciaram em prática. Nota-se que os grupos de ajuda mútua se apresentam como uma ferramenta leiga de convívio e compartilhamento de experiências, sob a percepção dos próprios codependentes e daqueles que convivem com os mesmos, sendo importante o conhecimento inclusive das estratégias adotadas para enfrentamento da condição de codependência, sendo salutar a ressalva de que tais grupos não possuem caráter psicoterapêutico ou ainda embasamento científico como ferramenta em sanar tal situação. Silva et al. (2018) esclarecem que as comunidades terapêuticas voltadas para o tratamento dos dependentes químicos possuem grupos de ajuda mútua voltada para a mitigação de problemas apresentados por codependentes, os quais são, a exemplo do apresentado pelo estudo anterior, uma ferramenta exitosa para tal, uma vez que nos encontros são identificados vivências e sentimentos dos codependentes e estabelecem as melhores estratégias de tratamento. É notado neste tipo de estratégia que, em geral, as comunidades terapêuticas possuem profissionais que conduzem o tratamento da codependência como tal, sendo oficializadas pelo compartilhamento de experiências e relatos de ajuda, porém com o direcionamento profissional para tal, conferindo-se assim o status de estratégia mais científica. Outra questão neste quesito foi identificada no estudo desenvolvido por Horta et al. (2017) em que os codependentes traçaram estratégias individuais de enfrentamento, tanto da dependência química quanto da codependência em si, como por exemplo a procura por estabelecimento de vínculos até então rompidos, ou ainda o afastamento total em relação ao dependente, como um forma de ressignificar a vida. Observa-se nesta estratégia em análise, que enquanto forma de superação da codependência individualmente, o codependente não necessariamente busca por um apoio profissional ou em grupo, mas opta por estabelecer metodologias individuais, o que não necessariamente demanda sucesso diante a condição imposta. Por fim, Assalin et al. (2021) uma possibilidade de superação da situação de codependência é através da definição e adesão do tratamento do dependente químico em si, uma vez que, quando este adere ao tratamento, de forma subsequente são estabelecidas diretrizes de melhoria do processo de codependência. Avila e Kruger (2017) também obteve achados direcionados neste sentido, uma vez que com a 84 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 participação de codependentes em processos de tratamento de dependentes químicos é possível notar uma melhoria dos codependentes. É observado que a adesão do dependente a tratamentos especializados é apontada como ferramentas eficazes para a superação inclusive da situação de codependência, uma vez que ao superar a dependência química a relação de codependência também pode ser superada. Spagnol (2018) aponta para a importância do fomento de estratégias de atendimento e tratamento voltada para codependentes no âmbito da saúde pública, uma vez que através da Rede de Atenção Psicossocial é possível atender esta demanda. Os resultados apontaram para o maior cuidado no que tange ao trato com os codependentes em relação a seriedade dos sintomas apresentados pelos mesmos, como ansiedade e depressão, da mesma forma que se notou deficiências nos métodos de tratamentos no que tange a padronização dos mesmos, ainda que os resultados tenham se mostrado satisfatórios no que tange ao tratamento da codependência. É possível notar nesta categoria que as estratégias de enfrentamento e tratamento da codependência, ainda que insipientes, se mostram eficazes quando se trata da possibilidade de vislumbre de alternativas para superação de tal condição. 2.3 CONSEQUÊNCIAS DA CODEPENDÊNCIA QUÍMICA NA QUALIDADE DE VIDA Quando se trata da avaliação dos impactos da codependência na qualidade de vida das pessoas acometidas pela tal é primordial que sejam identificadas quais as possíveis consequências neste sentido, bem como as relações estabelecidas após tais ocorrências. Os achados de Melo e Cavalcante ( 2019) apontam para o comprometimento da vivência dos codependentes em diversos níveis como o adoecimento físico e emocional, com o aparecimento de sintomas relacionados a dores de cabeça, desenvolvimento de transtornos de humor, complicações alimentares, problemas de ordem gástrica e cardiológica, entre outros. Os autores também esclareceram que o isolamento foi apontado como uma questão bastante comum aos codependentes, impactando assim nos relacionamentos e na convivência com terceiros. Nota-se neste caso que as questões de ordem física são notadas como uma manifestação de todo o sofrimento psíquico comum a codependência, uma vez que o acúmulo de emoções associados ao estresse vivido acabam por culminar em adoecimento físico em si, sendo notado inclusive ocorrências de isolamento, o que propulsiona ainda mais tais problemáticas diante da impossibilidade de convivência com outras pessoas. É importante aprofundar a análise dos impactos relacionadas ao isolamento que o codependente em geral vivencia, o qual se mostra na maioria das vezes como um fato ligado pela vontade do mesmo, seja em razão do sentimento de vergonha ou por não saber lidar com as manifestações da codependência, sendo notada inclusive uma resistência em aceitar possíveis intervenções de terceiros em sua situação, assim como tal isolamento ocorre em razão do preconceito social sobre a dependência do familiar. Martinho et al. (2020) apontaram também as percepções negativas que os codependentes possuem quando se trata da interferência da codependência e a qualidade de vida, com a descoberta de questionamentos como a incapacidade de 85 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 criação de filhos, desenvolvimento do sentimento de culpa, entre outros, os quais impactam na qualidade de vida em decorrência de suas implicações com a saúde física, emocional, mental e social. Observa-se, portanto, uma autopunição do codependente químico no que se trata da condição do familiar dependente, o que auxilia na promoção de sentimentos negativos sobre a sua própria existência e capacidades enquanto ente do dependente, sendo determinante inclusive na saúde do codependente, comprometendo a qualidade de vida do mesmo. Observa-se que quando se trata das consequências em relação a codependência química e a qualidade de vida em codependentes é possível vislumbrar diversas complicações que promovem a redução da qualidade de vida, com o aparecimento de problemas de ordem física e emocional, contribuindo inclusive para complicações no convívio social e comunitário dos codependentes, estabelecendo-se assim como uma das problemáticas de maior destaque neste contexto, influenciando inclusive questões que interferem no tratamento dos dependentes químicos. Assim, é importante que o codependente, e toda a rede que o envolve, esteja atenta para o desenvolvimento de questões como as acima relatadas, uma vez que diante a ocorrência das mesmas é possível que haja um comprometimento da qualidade de vida do codependente químico. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da realização da presente pesquisa foi possível identificar diversos pontos de convergência que apontam para os efeitos da codependência química na vida dos codependentes, perpassando pela importância do aprofundamento em temas específicos como a definição de codependência e sua relação com a dinâmica familiar, quais as consequências da codependência na qualidade de vida das pessoas que a desenvolvem e quais as estratégias atualmente reconhecidas para o tratamento da codependência. Foi possível identificar que, em relação a dinâmica familiar que envolve um codependente químico são notados impactos de grande atenção e que demandam iniciativas tanto dos demais membros da família quanto de profissionais, uma vez que tal perspectiva se mostra um importante ponto de partida de problemas mais aprofundados como doenças psicossomáticas por exemplo. Em relação as consequências da codependência foi notado que o codependente em si tem, na maioria das vezes, consciência de sua condição e quais são os empecilhos e complicadores neste sentido, mas nem sempre consegue obter êxito sozinho, sendo necessária a intervenção de terceiros. No que concerne as estratégias de superação observou-se que ainda são incipientes as iniciativas devidamente reconhecidas, sendo apenas elencadas grupos de apoio, terapias em grupo ou individuais, e iniciativas particulares, sendo importante ressaltar que quando tais estratégias são conduzidas por profissionais, as chances de sucesso se mostram maiores. Essa experiência foi importante para nós, pois percebemos que muito se falava na dependência química em trabalhar o dependente, e se esquece da família que também adoece nessa dinâmica. 86 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Neste sentido ressalta-se que este estudo teve os objetivos propostos devidamente alcançados, salientando que o mesmo não se apresenta como uma iniciativa isolada e com caráter finito, quando na verdade a expectativa dos autores é contrária, uma vez que a temática se mostra amplamente permeada de nuances dignas do desenvolvimento de pesquisas, principalmente em razão das limitações encontradas para este trabalho, como o maior número de pesquisas recentes direcionadas ao dependente químico em si, fato este que coloca a codependência em segundo plano. REFERÊNCIAS [1] AVILA, Maria Roseli Rossi; KRÜGER, Rolf Roberto. Codependência de álcool e outras drogas: a mútua ajuda como vetor de resiliência nas famílias codependentes. Vox Scripturae Revista Teológica Internacional, São Bento do Sul, v. XXV, n. 2, p.307-323. Mai/ago. 2017. [2] ASSALIN, Ana Carolina Belmonte et al. Facilidades de adesão familiar no tratamento da dependência química: percepção dos familiares. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) [online], v.17, n.1, p. 17-25. 2021. [3] CARVALHO, Peterson Rodrigo; CHRISÓSTOMO, Alessandra Cássia Ribeiro. A família e a codependência química. Revista Educação, v.11, n.3, p.33-33, 2016. [4] DIAS, Leone Mendes et al. Pessoal de saúde, relações familiares e codependência de substâncias 2019: uma abordagem fenomenológica. Revista Brasileira de Enfermagem, São Paulo, v. 74, n. 1, p.35-48. 2021. [5] DIEHL, Alessandra; DA SILVA, Dalzira BOSSO, Aline Tagliatti BOSSO Aline Tagliatti, codependência entre familiares de usuários de álcool e outras drogas: de fato uma doença? Debates em psiquiatria, São Paulo, v.1, n.1, p.34-42, 2017. [6] HORTA, Ana Lucia de Moraes et al. Vivência e estratégias de enfrentamento de familiares de dependentes. Revista Brasileira de Enfermagem, São Paulo, v. 69, p. 1024-1030, 2016. [7] LOPES, H. P; GONÇALVES, A. M. A política nacional de redução de danos: do paradigma da abstinência às ações de liberdade. Revista Pesquisas e Práticas Psicossociais, v. 13, n. 1, p. 115, 2018. [8] MACIEL, Silvana Carneiro et al. Cuidadoras de dependentes químicos: um estudo sobre a sobrecarga familiar. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 34, e34416. 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102.3772e34416. Acesso em 21 Out 2021. [9] MARTINHO, Neudson J. et al. Significados e significâncias de codependentes quanto a recuperação de dependentes químicos–A dimensão humanística do cuidar. Brazilian Applied Science Review, v. 4, n. 6, p. 3714-3719, 2020. [10] MARINHO, Paulo Henrique Fernandes; SOUZA, Gerson Martins; TEIXEIRA, Agostinho Figueiredo Corrêa. AA Dependência Química e a Codependência famíliar. Uma revisão critica. Projeção direito e sociedade, v.6, n.2, p.48-54. 2015. [11] MELO, Cynthia; CAVALCANTE, ihan Souza. A Codependência em familiares de adictos. Rev. Pesqui. Cuid. Fundam. (Online), v.11, n.2, p.304-310, 2019. [12] MEIRA, Edméia Campos et al. Mulheres codependentes em convivência com familiar alcoolista. Revista Enfermagem Atual, v. 94, n. 32, p. 21-56. 2020. 87 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 [13] ROCHA, Gleyca Thyês da Silva Romeiro. Família e dependência química na contemporaneidade: o lugar da família na política sobre drogas. 2017. Dissertação de Mestrado. Universidade federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2017. [14] SILVA, Michele Peixoto et al. Codependência química: percepção de familiares de usuários de substâncias de uma comunidade terapêutica do Sul do Brasil. Revista Enfermagem Atual, v. 86, n. 24, p.1-7. 2018 [15] SOBRAL, Carlos Alberto; PEREIRA, Paulo Celso. A codependência dos familiares do dependente químico: revisão da literatura. Revista Fafibe On-Line, v. 5, n. 5, p. 1-7, 2012. [16] SPAGNOL, Silvia Campos Brunetti. Familiares de dependentes químicos na rede de atenção psicossocial: panorama atual e perfil do grupo. 2018. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. 2018. 88 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Capítulo 8 Aspectos emocionais da morte no contexto hospitalar: A equipe de saúde e o processo de finitude humana Thalita Regina Araújo da Costa Vanessa da Silva Almeida Resumo: A morte e o morrer são fenômenos inerentes na vida de qualquer ser humano. No ambiente hospitalar a morte se faz presente de maneira constante, mas, ainda assim é considerada um tabu pela equipe de saúde, pois falar do processo de perda faz com que esse público entre em contato com suas próprias fraquezas e conteúdos. Assim, o objetivo desta pesquisa é compreender a vivência da equipe de saúde frente a morte de pacientes no hospital. Para a realização desse estudo utilizou-se uma abordagem qualitativa de caráter bibliográfico. Mediante os resultados obtidos, constata-se que essa estranheza ligada a terminalidade se dá devido a construção histórica da morte e a falta de preparo emocional na graduação desses profissionais, visto que esse público é treinado apenas para a cura e promoção da saúde, sendo a morte um fracasso para essa equipe. Os resultados obtidos servirão para alertar sobre possíveis patologias no âmbito hospitalar, enfatizando a necessidade de uma preparação mais humanística na graduação, bem como ações voltadas para a saúde mental desses profissionais. Palavras-chave: Morte; profissionais da saúde; hospital. 89 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A morte bem como o nascer é um fenômeno intrínseco do desenvolvimento humano, que permeia a vida de todos os seres vivos ao longo do tempo. Entretanto, nas conjunturas atuais esse tema ainda é pouco difundido devido aos significados atribuídos, sendo esse comumente excluído ou evitado das rodas de conversas. Refletir sobre a finitude humana é um processo complexo, uma vez que os conceitos de vida e morte constituem o nosso ser e estão atreladas as duas esferas da existência humana. Assim, a morte caracteriza-se como sendo um processo social, uma vez que seus significados e percepções estão intimamente ligados a construção cultural de cada sujeito (CARAM et al., 2018). No contexto hospitalar a morte se faz presente corriqueiramente, sendo considerada uma companheira diária da equipe de saúde. Apesar de habitual, a temática ainda é vista como algo negativo, e essa classificação está associada a construção cultural da morte que se modificou ao longo dos anos, bem como a falta de preparo emocional e técnico durante a formação desses profissionais. Os profissionais da saúde durante sua formação são treinados apenas para a cura e manutenção da vida, anulando assim, a possibilidade da morte e ignorando o fenômeno como parte inerente do desenvolvimento humano. Na maioria das vezes a morte é vista pelos profissionais como um fracasso, sendo relacionada assim ao insucesso profissional. Nesse sentido, percebe-se que tal evento pode desencadear nesses profissionais diversas reações como: estresse, esgotamento, ansiedade, levandoos ao adoecimento psíquico, ou ao surgimento de doenças subjacentes (FARIAS; FIGUEIREDO, 2017). O interesse em se pesquisar essa temática surgiu devido a situação atual em que o mundo se encontra, a pandemia de Covid-19. Pois, a ciência bem como a medicina, é imprescindível em nossas vidas, e esse momento atual veio reforçar o quanto é necessário falar sobre saúde. Partindo desse pressuposto, a saúde mental desses profissionais que atuam na linha de frente da doença foi o fator preponderante que motivou a escolha do tema, por esse cenário pandêmico ser uma preocupação a nível mundial e afetar diretamente esse público. A partir do tema apresentado, o estudo teve como objetivo geral compreender a vivência da equipe de saúde frente a morte de seus pacientes no âmbito hospitalar. A fim de alcançar o objetivo geral, estabeleceram se como objetivos específicos: a. Investigar como os profissionais da equipe de saúde lidam com a morte de seus pacientes; b. Identificar o preparo emocional da equipe de saúde para lidar com o processo de perda; c. Levantar os sentidos atribuídos pela equipe de saúde frente a morte e o morrer. No que se refere ao método, a pesquisa pautou-se na investigação bibliográfica e qualitativa. Segundo Sousa, Oliveira e Alves (2021 p. 65) a pesquisa bibliográfica tem como principal finalidade “o aprimoramento e atualização de conhecimentos, através de uma investigação científica de obras já publicadas.” A pesquisa qualitativa foi necessária, pois buscou-se um contato direto entre o pesquisador e o objeto de estudo. Proetti (2018), afirma que a abordagem qualitativa não visa a quantificação, pelo contrário, a sua principal relevância está na compreensão e interpretação dos fatos. Para o levantamento dos dados utilizados na pesquisa foram utilizados artigos acadêmicos, monografias, livros, e-books, dissertações e teses. Todo o material analisado foi publicado em língua portuguesa e em território nacional. É válido destacar, que o 90 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 local da pesquisa foram as plataformas científicas Scielo, Pepsic e Capes. Além disso, todos os achados científicos estavam voltados para o processo de morte e morrer no âmbito hospitalar, e foram publicados nos últimos 5 anos (2016-2021). Logo, as obras que não correspondiam aos critérios acima, foram descartadas desta investigação. Ademais, para a discussão, a busca foi iniciada no Scielo através dos descritores: morte/hospital/profissionais/saúde mental. Nessa base foram encontrados 95 artigos relacionados ao tema. Desse total, apenas 75 pesquisas realizadas no Brasil foram selecionadas, e 41 destas obras foram escritas antes de 2015, assim sendo, restou-se apenas um total de 34 publicações. Dessas 34, 13 não eram condizentes com o objetivo do trabalho, e 6 estavam escritas em outras traduções, o que impossibilitou a leitura desses achados. Mediante esse filtro realizado, foram selecionados pela pertinência dos critérios de inclusão 15 publicações ao todo. No que tange a relevância desse trabalho para a sociedade, o presente estudo contribuirá no sentido de descontruir as crenças negativas ligadas ao fenômeno da morte e do morrer. E assim, proporcionar um entendimento maior acerca da temática, fazendo com que ela seja compreendida com mais naturalidade e como parte integrante do desenvolvimento humano. No campo científico, o presente estudo irá reforçar os achados já existentes, e contribuirá ainda para um melhor entendimento sobre o assunto, visto que esse fenômeno é pouco discutido atualmente. Para a academia e para o curso de Psicologia, o trabalho irá agregar conhecimento e novas informações acerca da terminalidade, o que pode ser útil para pesquisas futuras, e para o público da instituição de modo geral. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Após análise das literaturas encontradas, foram obtidas o total de 15 publicações. Sendo todas as publicações em formato de artigos científicos e em língua portuguesa. A apresentação dos resultados da pesquisa ocorreu por meio de tabela, no qual realizou-se uma síntese com o ano, autores, título e conteúdo das obras científicas utilizadas. A seguir será apresentada a discussão das três categorias: As formas de enfrentamento utilizadas pelos profissionais da saúde no lidar com a morte, a preparação emocional da equipe de saúde no lidar com a morte, e os sentidos atribuídos pela equipe de saúde frente a morte e o morrer. 2.1 AS FORMAS DE ENFRENTAMENTO ADOTADAS PELOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE NO LIDAR COM A MORTE Entre as dificuldades que permeiam a vida dos profissionais da saúde no âmbito hospitalar, nota-se a morte como sendo um fenômeno complexo e desafiador na vida dessa equipe, uma vez que o processo de terminalidade é vivenciado de maneira muito particular por cada indivíduo. Domingues et al. (2013 citado por VASQUES et al., 2019) salienta que comumente a equipe de saúde se sente responsável pela manutenção da vida de seus pacientes, no entanto, quando não há êxito, os profissionais tendem a negar esse processo, encarando a morte como um fracasso profissional. 91 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Diante do exposto, constata-se que a experiência da morte transcende o aspecto físico e confronta a finitude, a religiosidade, as crenças e os valores individuais de cada sujeito (CARDOSO et al., 2020). Assim, percebe-se que falar sobre a morte ainda é uma tarefa difícil para esse público, uma vez que a morte do outro leva esses profissionais a perceberem a sua própria finitude humana. (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018). Em contrapartida, em um estudo realizado por Leite e Montelo (2021) verificouse que por a morte ser uma constante na vida desses profissionais, tal evento não produz efeito tão significativo, logo, alguns profissionais vivenciam esse fenômeno como parte de seu trabalho, sendo a morte muitas vezes inevitável. Corroborando, em seu estudo Martins et al. (2019) verificou que os profissionais vêm a morte como sendo um alívio, uma passagem, ou fim do sofrimento e descanso. Para os autores supracitados, essa percepção auxilia os profissionais a se protegerem do sofrimento psíquico, e a se adaptarem de forma mais natural a realidade de trabalho deles. Uma vez que pensar na morte “representa, para os profissionais, a não efetivação do trabalho” (CARAM, et al., 2018, p. 52). Ademais, os autores enfatizam que os significados que as pessoas geralmente atribuem à morte de alguém depende de vivências, valores pessoais (MOTA, et al., 2011 citado por LEITE; MONTELO, 2021) e da religiosidade (CARAM et al., 2018). Nesse contexto, Vicensi (2016), destaca em seu estudo que a percepção da morte é algo individual de cada sujeito, para uns a morte pode representar a ruptura da vida, ou seja, a finitude. Já para outros, pode representar a eternidade, e ter um sentido transcendental (LEITE; MONTELO, 2021). E por fim, há profissionais que atribuem à morte de seus pacientes, ao fim de um ciclo, tendo esses cumprido sua missão na terra. (MARTINS et al., 2019). Outro ponto importante que se sobressai nos estudos, é o dilema vivenciado por esses profissionais entre a responsabilidade técnica/profissional e as suas próprias crenças, ou individualidade acerca da morte (VICENSI, 2016). Nesse contexto, esses profissionais tentam se adaptar de forma abrupta a realidade, criando se assim uma relação extremamente profissional, a fim de separar suas vivências profissionais das vivências pessoais (MARTINS et al., 2019). Frente a isso, Nasser (2020) e seus colaboradores, atentam para a importância de se trabalhar o processo de morte e morrer no ambiente laboral e na capacitação desses, uma vez que a temática é pouco discutida, ou explorada de forma superficial na graduação, conforme constatado em estudos já realizados (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018). Em linhas gerais, percebe-se que a maioria dos profissionais se sentem despreparados para lidar com a morte, uma vez que a visão deles sobre o processo de terminalidade está atrelado ao fracasso, impotência, culpa, angústia, frente a morte de seus pacientes. Assim, nessa conjuntura “a terminalidade, é julgada como sendo um teste à competência profissional” (CARAM, et al., 2018, p. 52). Dessa forma, o que era para ser visto como um procedimento técnico, se estipula como sendo um processo de culpa. (AREDES; MODESTO, 2016). 92 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2 PREPARAÇÃO EMOCIONAL DA EQUIPE DE SAÚDE NO LIDAR COM A MORTE A morte e o processo de morte/morrer são interpretados como fenômenos complexos, incertos e singulares devido a sua construção social. Nasser et al. (2020) expõem que dentre os principais motivos levantados durante a sua pesquisa, nota-se que existe uma grande dificuldade no preparo desses profissionais em lidar com a morte, advindas desde a formação. Perboni, Zilli e Oliveira (2018) estão de concordância com esse pensamento, e salientam que a graduação promove poucas discussões acerca da morte, principalmente devido à fragmentação do ensino, onde disciplinas acabam treinando o olhar do estudante a visualizar um corpo, transformando-o em apenas órgãos, tecidos celulares e afastando o seu sentido de humanidade. Diante dos textos analisados podemos destacar o despreparo da equipe médica frente ao fenômeno da morte, onde Viscensi (2016) descreve que dentre as dificuldades que o profissional de saúde enfrenta, destaca-se a formação deficiente. O processo formativo está muito escasso no que diz respeito à transmissão de conhecimentos e preparação adequada para atuar e acompanhar a morte e o processo de morrer. Uma vez que o método de ensino adotado visa apenas a preservação da vida. Um estudo realizado por Lima e Andrade (2017) mostrou que, a formação é um fator preponderante que interfere diretamente na forma como eles lidam com a terminalidade. Viscensi (2016) explica que no Brasil que não há disciplinas que prepare os estudantes da área de saúde para lidar com pacientes terminais; ao contrário, o que se observa é o aumento da desumanização. Médicos intensivistas descrevem que não tiveram em sua formação nenhuma forma de preparo, aprendizado ou informação a respeito dos sentimentos e emoções que emergem no exercício de suas atividades profissionais em unidade de tratamento intensivo (UTI). Santos e Pintarelli (2019, p. 6) relatam que “acredita-se que exista a percepção pelos estudantes de medicina (EM) e médicos residentes (MR) da necessidade de implementação de novas disciplinas e outros recursos didáticos destinados a proporcionar maiores conhecimentos relativos ao tema do morrer e da morte.” Em concordância Lima, Andrade (2017) aponta que há carência de disciplinas que tratam da temática da morte nos currículos profissionais da área da saúde, ocasionando, por conseguinte, barreiras estruturais e formativas que se colocam frente ao cuidado de pacientes em processo de morte e morrer. Viscensi (2016) especifica que em muitas universidades, a cura ainda é considerada a única forma de obter sucesso profissional. As equipes de saúde, por formação, lutam incessantemente pela vida e não abrem espaço para questionar, dialogar ou refletir acerca da morte. Adiante Martins et al. (2019) especifica que na formação acadêmica dos profissionais da área da saúde, a temática morte é negligenciada ou até inexistente, pois a grade curricular aborda a parte técnica, mas restringe a parte humanística e filosófica e quando é abordada é de forma superficial. Vasquez et al. (2016) detalha que alguns trabalhadores da área da saúde reconhecem seu despreparo para cuidar de indivíduos no processo de morte e morrer, sua preparação tem sido praticamente negligenciada desde a sua formação, levando-o a fazer essa aprendizagem no seu dia a dia. Cardoso et al. (2020, p. 8) “pondera que o assunto morte e morrer vem sendo negligenciado nas instituições de formação, o que repercute em tensões que incidem na prática profissional”. Santos, Pintarelli (2019, p. 9) apresenta que “a formação médica precisa ser completa para o pleno exercício profissional, havendo necessidade de unir ciência e formação humanista.” 93 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Contudo, essa falta de preparação faz com que o profissional lide apenas com a cura, não preparando esses trabalhadores para cuidar da finitude, o que pode favorecer o afastamento do trabalhador, percebido, frequentemente, como manifestação de negligência na assistência (VASQUEZ et al., 2016). Portanto, Monteiro, Mendes e Beck (2020) defendem que cabe à instituição oferecer capacitações aos profissionais e, enquanto hospital de ensino, aos seus estudantes de diferentes formações em estágios da graduação e/ou durante as residências, possibilitando a reflexão sobre esse assunto desde antes da vida profissional. Santos e Pintarelli (2019, p. 7) revelam “os médicos são capacitados no combate às doenças, no entanto enfrentam empecilhos diante da postura de negação quanto à morte, comum a toda sociedade”. No entanto, Lima e Andrade (2017) detalha que “para que a atuação da equipe de saúde seja relevante e efetiva, os profissionais precisam compreender esse processo como algo natural, desenvolvendo alternativas humanizadas de cuidado.” Pois, como já foi mencionado nos tópicos acima, se preparar para a morte é algo complexo, tanto para a própria morte, como para a morte do outro, assim, por esses profissionais lidarem com a terminalidade diariamente e estarem mais susceptíveis a esse processo, torna-se imprescindível esse olhar humanístico. Diante do exposto, essa escassez de preparação faz com que ao longo da graduação seja construída uma espécie de negação perante a morte, o que impede que o tema seja abordado de maneira mais sólida. (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018). Dessa forma, Martins et al. (2019) relata que quanto mais amplos forem os conhecimentos sobre a morte que tiver, além dos seus aspectos clínicos e legais, melhor assistência o profissional de saúde poderá prestar. Contudo, Santos e Pintarelli (2019) explicam que se deve engrandecer o currículo médico com disciplinas baseadas na formação humanista, como cuidados paliativos, psicologia, entre outras áreas. Afinal, “os profissionais de saúde estão em contato diariamente com o evento da morte do outro e, mesmo assim, sua relação com a morte possui fragilidades, principalmente no aspecto da aceitação” (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018 p. 7). 2.3 OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELA EQUIPE DE SAÚDE FRENTE A MORTE E O MORRER A equipe de saúde lida constantemente com situações de sofrimento e dor no ambiente hospitalar, tendo como companheira diária a morte de seus pacientes (MONTEIRO; MENDES; BECK, 2020). Logo, pela temática fazer parte corriqueiramente da rotina desses indivíduos, compreende-se que tal ato pode levar a frustação desses profissionais (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018). Complementando esse pensamento, Nasser et al. (2020) destaca em seu estudo que a negação da morte por partes dos profissionais ocorre devido seus esforços serem voltados apenas para a cura e a promoção da saúde. Nesse cenário, os médicos bem como os profissionais da saúde de modo geral, são treinados para combater doenças ao longo de sua formação. No entanto, quando isso não ocorre, apresentam resistência quanto a terminalidade, processo esse considerado um tabu socialmente (SANTOS; PINTARELLI, 2019) por afligir a maioria dos indivíduos (VICENSI, 2016). Nesse contexto, para Vicensi (2016, p. 65) “o processo de morrer passa a ser fator de ansiedade para os profissionais da saúde, dada a sensação de fracasso advinda da não aceitação da morte como fenômeno natural.” Barbosa e Massaroni (2016) salientam 94 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 ainda que o ser humano apresenta resistência em suportar a inquietude e o sofrimento ocasionado pela morte, e com o intuito de minimizá-la, o homem tem utilizado ao seu favor os recursos tecnológicos. Mas, por ser a morte algo que interrompe a cura/tratamento e transcende a tecnologia, quando não se é possível evitá-la, o que fica é o sentimento de perda e incapacidade. Complementando esse pensamento, em um estudo realizado por Martins et al. (2019) com profissionais que atuam na UTI, contatou-se que o processo de perda é comumente associado ao fracasso ou impotência, o que acaba por desencadear nesses profissionais angústia, culpa, e sofrimento frente ao processo de terminalidade, o que complementa outros achados. Os autores em destaque enfatizaram ainda que como forma de enfrentamento, esse público ressaltou a importância da espiritualidade (MARTINS et al., 2019). Contudo, entende-se que quando o prolongamento da vida não pode ser evitado, e a morte torna-se a única certeza, os profissionais deixam de ver esse processo como algo natural, associando assim o fato a uma falha da equipe de saúde. (PEGORARO; PAGANINI, 2019). Barbosa e Massaroni (2016) destacam que a sensação de culpa e impotência frente a morte são ainda mais presentes quando esse evento ocorre de maneira precoce. Nessa conjuntura, entende-se que a não preparação da equipe de saúde perante a morte e o morrer, pode levar esses profissionais ao estresse laboral, à ansiedade, e Síndrome de Burnout (CARDOSO et al., 2020). Diante do exposto, é de suma importância que os profissionais da saúde aprendam a conviver com a finitude de seus pacientes, não deixando que as suas experiências pessoais interfiram no âmbito profissional, pois não podemos esquecer que a equipe de saúde bem como todo ser humano, tem suas fraquezas e subjetividade (BARBOSA; MASSARONI, 2016). Sumarizando, a morte se sobressai a todas as tentativas de vencê-la; e a ação humana pode por vezes adiá-la, mas excluí-la torna se impossível. Assim, entende-se que a morte do outro nos remete aos nossos próprios sentimentos, emoções e nos levam a pensar na nossa própria finitude humana (VICENSI 2016). Nesse contexto, Barbosa e Massaroni (2016 p. 458) salientam que “a morte não é um mal a ser destruído, um inimigo a ser combatido ou uma prisão de onde devemos fugir” pelo contrário, a morte deve ser vista como parte integrante da vida, bem como o nascer. Mas, o que se observa é que as pessoas estão sempre buscando afastar-se do tema, devido as suas representações (FARIAS; FIGUEIREDO, 2017). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as literaturas coletadas para a realização desta monografia, podese constatar que as dificuldades encontradas pelos profissionais da saúde no lidar com a morte, ocorrem em razão da formação desse público, que por sua vez concentra-se apenas na cura e promoção da saúde, anulando assim o processo de terminalidade como parte integrante da vida. Observou-se ainda, que os pensamentos e expectativas frente a morte são vivenciados de maneira distinta por cada profissional. No entanto, segundo os achados, a impotência aparece como sendo um dos fatores de maior incidência entre a equipe de saúde. Assim, compreende-se que essa escassez advinda do processo normativo, afeta diretamente a qualidade de vida e a saúde mental desses profissionais, podendo levar 95 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 essa classe ao esgotamento no ambiente laboral, bem como contribuir para o desenvolvimento futuro de patologias. Os desafios encontrados foram muitos, pois apesar da morte ser uma das certezas do desenvolvimento humano, estar ou não preparado para lidar com a temática é algo muito complexo e subjetivo, uma vez que as esferas de vida e morte constituem o nosso ser. Entretanto, embora seja um processo desafiador, não se pode excluí-lo, visto que a terminalidade se faz presente no cotidiano de toda a humanidade, e tende a ocorrer de forma mais habitual na vida dos profissionais da saúde. Assim, sugere-se uma preparação mais humanística no que se refere a graduação desses profissionais, ou seja, é necessário a implementação de disciplinas que venham a conduzir esse público para além do campo técnico. Pois, o que se percebe é que essa defasagem na graduação, bem como os avanços tecnológicos contribuem para esse quadro, fazendo com que esse público ignore muitas vezes o inevitável, que é a morte. Em virtude do que foi mencionado, a Psicologia ocupa um papel de fundamental importância na vida desses profissionais, pois como já foi discutido no decorrer da pesquisa, o hospital é um ambiente de grande tensão emocional. Ou seja, é um lugar de realização, frustração, superação, luto, estresse, por outro lado auxilia na construção de resiliência, superação de limites e inúmeras outras sensações. Diante do exposto, buscou-se enfatizar com o estudo a necessidade do cuidado com a saúde mental dos profissionais da saúde. A partir disso, sugere-se em caráter de urgência a criação de espaços psicossociais nas instituições hospitalares, para que esses profissionais possam tratar do assunto de maneira permanente. Além de discussões e reflexões, rodas de conversas centradas na preparação emocional e nas relações interpessoais que emergem a partir do cuidar, serão de grande valia para que esses profissionais tenham a possibilidade de expressar suas angústias, desejos, e possíveis medos durante o acompanhamento no processo de morte e morrer de seus pacientes. Logo, esse recurso auxiliará no desenvolvimento de novas habilidades e atitudes frente ao fenômeno, de forma a facilitar as intervenções junto ao paciente e qualificar a assistência profissional. Em linhas gerais, o presente estudo conseguiu alcançar os objetivos propostos. E quanto as suas contribuições, essa pesquisa auxiliará a instituição e o campo científico a desmistificar o processo de finitude humana que por sua vez, passará a ser visto com mais naturalidade. 96 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REFERÊNCIAS ARAUJO, L.T. Reflexões sobre morte na perspectiva de psicólogos hospitalares. 2008. [1] (Monografia em Psicologia) - Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Brasília. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/185253058.pdf. Acesso em: 30 set. 2020. [2] AREDES, J.S; MODESTO, A.L. Entre vidas e mortes, entre máscaras e fugas: um estudo sobre a prática médica hospitalar. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.26, n.2, p.435-453, 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/HRTSMC67pPpQHFbwNZxRRDB/abstract/?lang=pt. Acesso em: 26 set. 2021. [3] CARAM, C. S. et al. Percepção dos profissionais acerca da morte de pacientes no contexto da unidade de terapia intensiva. Rev. Nova Esperança, v.16, n.2, p. 48-57. 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Para que o objetivo geral fosse alcançado, os seguintes objetivos específicos foram estabelecidos: a) analisar como mulheres experimentam relacionamentos amorosos em nosso horizonte histórico; b) discutir acerca da influência de gênero e discursos de amor no sofrimento das mulheres, diante de um rompimento amoroso; e c) identificar quais os sentidos atribuídos por mulheres ao rompimento dos relacionamentos amorosos. A pesquisa apresentou caráter qualitativo, de tipo descritiva. O método fenomenológico foi utilizado para análise do conteúdo e, por meio de uma questão disparadora, pretendeu-se desvelar o fenômeno vivenciado pelas participantes. A partir da entrevista, foram identificadas as seguintes categorias de análise: vivenciando e experimentando o fim da relação amorosa; as atmosferas afetivas presentes no fim da relação amorosa; o que eu poderia ter feito e agora, o que eu faço? E a última categoria, ser-mulher. As categorias identificaram que mulheres vivenciam o término de relacionamento de maneira específica, com influências de questões de gênero e discursos de amor que podem sobrecarregar essa etapa. Com este trabalho, espera-se possibilitar um espaço de acolhimento para as vivências das mulheres, assim como proporcionar mais uma referência bibliográfica voltada ao tema em questão. Palavras-chave: Término; relacionamento amoroso; mulheres; método fenomenológico. 99 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO Escutar e compreender os sentimentos que perpassam a mulher durante o término de uma relação amorosa é oferecer um espaço de reflexão acerca de conteúdos que muitas vezes são identificados como simplórios, fazendo com que não haja um lugar para que a mulher seja ouvida em momentos de angústia ocasionados por essa situação específica. Para falar a respeito do tema proposto, é necessário pontuar o ser-mulher desde a sua origem até os dias atuais. Dessa forma, coadunando com Vieira (2005), os diversos discursos que englobam o sujeito e todas as suas mudanças são responsáveis por criar e constituir o que se entende sobre a identidade feminina e, por corresponderem a um contexto histórico característico, os modos particulares de sentir emoções e vivências culturais constroem o ser-mulher. Moreira e Dutra (2013) afirmam também que as lutas, valores e normas culturais do passado ainda são presentes na atualidade, ainda que de maneiras diferentes. Essas questões são fundamentais para entender como a mulher se relaciona amorosamente e experencia o término dessa relação. A violência contra as mulheres, muitas vezes, está presente nos relacionamentos amorosos e nos términos. Segundo dados do Senado Federal (2016), apesar da criação de serviços governamentais especializados no enfrentamento da violência contra a mulher, durante os anos de 2006 e 2014, foi identificado um aumento em 10% desse tipo de violência nos estados brasileiros. Além disso, vale destacar que homicídios contra mulheres brancas diminuiu em 3%, enquanto para mulheres pardas e pretas, houve um aumento em 20%. Dessa forma, faz-se relevante no âmbito social direcionar o olhar da sociedade para essa questão, tendo em vista que os índices de violência estão atrelados ao sofrimento feminino. O tema, apesar de pouco comentado e discutido no âmbito acadêmico da psicologia, é bastante presenciado como sofrimento no cotidiano de muitas mulheres. Refletir acerca das experiências de mulheres que vivenciaram o rompimento de uma relação amorosa é direcionar o olhar da psicologia para a saúde existencial da mulher. É também pensar em proporcionar um espaço de compreensão atenta sobre como as mulheres se cuidam diante dessa situação singular, olhando tanto para o seu horizonte de sentido, quanto para o horizonte histórico. Muitas vezes a procura por atendimento psicoterápico é iniciada devido ao término de um relacionamento, momento esse que pode ser vivido com muita ansiedade, rebaixamento da autoestima, sintomas depressivos e comportamentos suicidas. Desse modo, também é relevante para a psicologia enquanto clínica e pesquisa, pois os profissionais e pesquisadores que lidam com tal fenômeno devem atentar-se aos fatores que estão em jogo no modo como a mulher experimenta o rompimento de uma relação. Junto a isso, também é importante observar a questão de gênero implicada no tema abordado pela pesquisa. O nosso horizonte histórico define como as mulheres devem se relacionar com o outro, o modo como deve performar o seu gênero e até mesmo o que deve ou não desejar. Dessa maneira, fez-se relevante destacar o papel do gênero no modo como a mulher experencia o rompimento amoroso. Além desse fator, a experiência de um término de relacionamento pode atravessar muitas mulheres e de diversas formas, de modo que a relevância da pesquisa é observada para a população 100 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 pesquisada. Ressalta-se que este trabalho possui como objetivo principal compreender como mulheres vivenciaram um rompimento amoroso, por meio de uma perspectiva fenomenológica-existencial. Para se atingir o objetivo geral, os objetivos específicos da pesquisa analisaram como mulheres experimentam relacionamentos amorosos em nosso horizonte histórico, discutiram a influência do gênero e discursos de amor no sofrimento das mulheres diante de um rompimento amoroso e identificaram quais os sentidos atribuídos por mulheres ao rompimento dos relacionamentos amorosos. A pesquisa apresentou caráter qualitativo e teve como principal foco a análise fenomenológica-existencial das experiências das participantes. O método fenomenológico de investigação foi utilizado para ir de encontro ao fenômeno e, como o próprio método indica, a análise se guiou a partir das experiências, tal como elas se apresentaram. Dessa maneira, além de ter criado o espaço para entendimento da perspectiva da mulher mediante um término de relacionamento amoroso, o projeto também possibilitou abrir um espaço de estudo em pesquisa qualitativa, com ênfase na fenomenologia-existencial, área afim da psicologia que precisa ter um espaço maior no meio acadêmico, devido à sua importância, tanto por seu método específico de pesquisa, quanto por ser uma das possibilidades dentro da atuação clínica. Dessa maneira, pretendeu-se deixar em aberto o espaço de diálogo e escuta tanto para as mulheres participantes da pesquisa, quanto para as que se sentirem próximas a este tema, bem como trazer reflexões sobre como mulheres experimentam as relações amorosas, especificamente o seu fim. A metodologia desta pesquisa delineou-se no modelo qualitativo que, segundo Denzin e Lincoln (2010) apud Taquette (2016), é uma área do estudo que abarca diversas abordagens e temas, cujo objetivo é a descrição, compreensão e interpretação das vivências dos sujeitos e fenômenos pesquisados. Appolinário (2012) complementa que essa dimensão de pesquisa tem como base a interação social entre pesquisador e fenômeno estudado. Sua natureza é descritiva, sendo assim, este tipo de pesquisa propõe-se a narrar a realidade sem a pretensão de interferir ou indagar a respeito desta (APPOLINÁRIO, 2012). Por possuir uma pequena quantidade de participantes, a amostragem da pesquisa se delineou no modelo não probabilístico, do tipo bola de neve. Dessa maneira, foi selecionada uma participante por escolha ou conveniência da pesquisadora e essa escolhida indicou outra pessoa que estivesse dentro dos critérios de inclusão e, assim, sucessivamente (APPOLINÁRIO, 2012). O instrumento que a pesquisadora utilizou para compreender como mulheres vivenciaram o rompimento de um relacionamento amoroso foi uma entrevista aberta e individual, do tipo fenomenológica (JOAQUIM et al., 2020). A seguinte pergunta: como você vivenciou o término de seu relacionamento amoroso? serviu de questão disparadora para que o fenômeno fosse desvelado no encontro único entre pesquisadora e participante. Devido à situação de pandemia que o mundo vivencia e para garantia de saúde, tanto da pesquisadora quanto da participante, as entrevistas ocorreram no formato online, por meio da plataforma Google Meet e o áudio captado por um gravador digital. 101 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Por ser uma pesquisa qualitativa, o método fenomenológico foi utilizado para análise e aproximação das vivências experenciadas pelas pesquisadas. Segundo Andrade (2010) apud Pimentel (2015), essa técnica busca a compreensão dos fenômenos vivenciados e, para se aproximar da experiência, inicialmente, foi necessário a utilização de envolvimento existencial e distanciamento reflexivo. O primeiro define a volta do pesquisador à experiência, seguindo-se da compreensão acerca do significado que a situação representa para a pessoa. Além disso, Andrade (2010) apud Pimentel (2015) destacam que o método possui três etapas, sendo a redução fenomenológica a busca da verdade existente nos sujeitos da pesquisa, a intersubjetividade, definida como a reciprocidade oriunda da relação entre pesquisadora e participante, bem como o cruzamento das histórias de ambas, e a retomada ao vívido, em que o retorno da história da participante é vivenciado. Dessa forma, utilizar uma postura fenomenológica para ir em direção a experiências singulares proporcionou a abertura para que o fenômeno em questão se desvelasse tal como ele é (SIANI; CORREA; CASAS, 2016). Para assegurar a integridade e sigilo das mulheres pesquisadas, a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foi utilizada. As participantes estavam cientes dos principais tópicos do projeto e concordaram com os pontos descritos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como elementos de inclusão da pesquisa, a população foi composta por nove mulheres, com idade entre 18 e 25 anos, que vivenciaram um rompimento de relacionamento com, no mínimo, um ano de término e que demonstraram interesse em participar da pesquisa. Foram desconsideradas mulheres que não tinham idade suficiente para participar, que não estavam dispostas a se voluntariar e que não vivenciaram um término de relacionamento dentro do período mínimo de um ano. Como qualquer pesquisa que envolva seres humanos, riscos são identificados. Para que tais eventualidades não viessem a ocorrer, a pesquisadora, primeiramente, leu o Consentimento Livre e Esclarecido para as participantes, dirimiu as dúvidas e coletou a confirmação. As voluntárias não foram identificadas em nenhuma parte das análises e do texto, as entrevistas foram realizadas de maneira individual para que a integridade e o sigilo das participantes fossem mantidos. Caso a participante se sentisse abalada emocionalmente, a entrevista seria interrompida e, se houvesse desconforto emocional a longo prazo, o pesquisador responsável e a pesquisadora auxiliar se disponibilizariam para a prestação dos devidos atendimentos psicológicos às participantes. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO 2.1 APRESENTAÇÃO DAS PARTICIPANTES As participantes da pesquisa são mulheres cisgênero, dentro da faixa etária jovem adulta. Os nomes foram trocados por outros aleatórios, descritos a seguir: Carol, Suellen, Mônica, Eduarda, Márcia, Cecília, Catarina, Larissa e Jaqueline. Carol, Márcia e Catarina foram as únicas participantes que tiveram a iniciativa do término e o relacionamento de Catarina foi o único relacionamento lésbico da pesquisa, sendo os restantes, relacionamentos heterossexuais. A seguir, iniciaremos a discussão e análise dos dados coletados. Vale ressaltar que foram identificadas quatro categorias de análise: vivenciando e experimentando o fim da relação amorosa; as atmosferas afetivas presentes no fim da relação amorosa; o que eu poderia ter feito e agora, o que eu faço? e ser-mulher. 102 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2 VIVENCIANDO E EXPERIMENTANDO O FIM DA RELAÇÃO AMOROSA A primeira categoria de análise relata a experiência singular de ter vivido um término de relacionamento. Neste tópico, serão comentadas as percepções que as participantes tiveram quando se perceberam sem a presença de um relacionamento amoroso e como elas lidaram com isso. Dentro desta categoria, foram identificadas falas que relatam uma experiência difícil e dolorosa da vivência do término: “vivenciei muito mal, porque eu jurava que ia ser ok, até porque a gente não brigou quando a gente terminou, foi uma coisa bem amigável até [...] foi muito, muito, muito difícil, assim... Na primeira semana eu pensei que o mundo tinha acabado, foi muito assim, uma sensação muito ruim que eu não tinha tido ainda na minha vida, eu não pensei que eu teria algum dia alguma situação desse tipo porque eu achava que, ué, foi tudo ok, amigável, mas não”. (Suellen) “É... eu li bastante sobre isso pra tentar superar, sabe? Então, acho que se enquadra muito num luto [...] eu ficava triste mesmo, dormia por horas esperando que o tempo passasse e as coisas mudassem, sabe? Chorei bastante, chorava em lugares muito fácil, por exemplo, ônibus, faculdade, esses lugares públicos. Eu definiria como um vício, pra mim seria um vício[...]”. (Mônica) “Eu fiquei muito mal, eu fiquei de uma forma absurda de mal, ainda mais porque eu soube que em uma semana depois ele ficou com uma menina, isso me deixou muito mal. [...] e a forma que eu lidei com o término foi querendo mostrar que eu tava bem, então sempre eu postava story ou eu falava pra ele “olha só como eu tô agora, superei você”, só pra querer... não sei, acho que me afirmar de que eu estava bem, só que na verdade não tava, tanto é que em 2017, quando a gente terminou, foi quando eu comecei a fazer coisas que eu não fazia antes, sair, beber, ficar com outras pessoas assim adoidado, então acho que foi uma forma de mostrar o quanto tava frustrada pelo término.” (Eduarda) Quando observamos atentamente essas falas, podemos identificar alguns pontos importantes. A participante Suellen destacou que o fim da relação despertou uma sensação muito ruim nunca experenciada antes, uma falta de sentido como se “o mundo tivesse acabado”. Mônica enquadra a sua vivência como um luto, com a presença de uma sensibilidade emocional. Eduarda relata o mal-estar que se fez presente nessa etapa e a forma como lidou tentando parecer bem, mesmo não estando. Quando se fala de morte, pensa-se, primeiramente, na morte fática, a morte do corpo biológico. No entanto, para Pinto e Cunha (2016) apud Alvarenga (2018), a morte não ocorre apenas quando o corpo deixa de existir, ela ocorre de variadas formas, ou seja, pode ocorrer também por uma perda de alguém por distanciamento e rompimento de vínculos, por exemplo. A experiência de término demonstra o caráter ontológico de ser-para-a-morte do ser-aí. O dasein experimenta a finitude enquanto possibilidade distante, mas quando se depara com a sua concretização, o ser-aí olha para si mesmo não compreendendo a sua condição ontológica, experimentando angústia e medo. A experiência do medo pode levar o ser-aí a afastar-se de si e, nesse afastamento, não se percebe mais em seu mundo, não enxergando outras possibilidades (ALVARENGA, 2018). As vivências relatadas apontam o mal-estar e a fragilidade emocional presentes durante a experiência de finitude de um relacionamento amoroso. 103 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Para Caruso (1981) apud Marcondes, Trierweiler e Cruz (2006), pesquisar sobre o término de relacionamento amoroso revela o estudo da morte em vida. Citando o ditado francês partir c’est mourrir un peu (partir é morrer um pouco), no rompimento, Caruso (1981) apud Marcondes, Trierweiler e Cruz (2006, p. 96) define que existe a concretização de morte mútua: “o outro morre em vida dentro de mim e eu também morro na consciência do outro”. Outras maneiras de lida também foram observadas. Nas seguintes falas, identificase a fuga e a ocupação como formas de evitar pensar ou ficar triste frente ao rompimento amoroso. Junto a isso, as entrevistadas perceberam que, quando a ocupação não era mais possível, a dificuldade e os sentimentos de tristeza ganhavam espaço na experiência de vivenciar o término da relação. “Logo de início eu falei que tava, era ok porque tinha sido uma decisão minha e tipo eu tava triste, mas que não era uma coisa que eu ia ficar sofrendo [...] então eu me ocupei muito, acaba que eu quando tô passando por um problema assim, né, eu acabo me ocupando pra tentar esquecer alguma coisa que aconteceu, nesse caso foi o que aconteceu. Como eu tava muito ocupada, e aí, eu tive vários clientes e tudo mais, eu consegui ocupar bastante a minha mente e eu não, meio que não perdia meu tempo pensando naquilo, eu tentava fazer outras coisas. [...] e na terça eu realmente parei, aí que veio meio que o baque, aí que eu entendi, e tal. Aí eu fiquei triste, acabei falando com os meus amigos [...]”.(Márcia) “Lá no Rio eu não tava sentindo tanto porque, sei lá, tava de férias, tinha coisa pra me distrair, novidade e tal [...] quando eu cheguei em Manaus foi um pouco diferente porque aqui eu não tenho com o que ocupar minha cabeça, né, aqui eu não tenho com o que ocupar minha cabeça, o que eu vou fazer aqui? Ficar pensando. Então tem sido um pouco mais complicado [...]”.(Cecília) Nessas falas é possível observar o peso que a impessoalidade ocupa dentro da experiência do fim da relação. O entretenimento, a ocupação e o falatório participam da dinâmica de impessoalização do ser-aí. Dessa forma, o ser-aí direciona-se ao mundo a partir do que já está sedimentado pelo outro, afastando-se de sua angústia. Quando essa dinâmica de sentido previamente constituído falha, o ser-aí angustia-se, e é justamente nesse momento que o ser-aí pode buscar novas formas de existir mais próprias ou impessoalizadas. A angústia, por sua vez, revela a indeterminação e o fato de que o dasein tem de escolher o que deve vir a ser, por si mesmo (OLIVEIRA et al., 2021). Nesse caso, fazer uma viagem ou ocupar “a mente” com trabalhos alivia momentaneamente a angústia de vivenciar o término de um relacionamento. A partir do momento em que as ocupações não são mais possíveis, a vulnerabilidade existencial ganha espaço. A vivência de um término, como discutido acima, é vista de maneira mais “positiva” ou de maneira mais dolorida, mas sempre se faz presente uma questão fundamental: a finitude. O que mais se fez evidente foi a fragilidade emocional ocasionada pelo rompimento amoroso, além da ocupação como forma de lidar com a angústia que surge. 104 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.3 AS ATMOSFERAS AFETIVAS PRESENTES NO FIM DA RELAÇÃO AMOROSA O término da relação despertou algumas atmosferas afetivas para as participantes. Dentre elas, observou-se a tristeza, falta de estabilidade, ideações suicidas, sintomas ansiosos e solidão. “O que eu mais senti era solidão, então eu tava começando a ficar extremamente dependente [...] a gente tinha uma rotina e quando eu saí dessa rotina é como se o meu chão tivesse saído também [...] então eu não conseguia comer, não conseguia ter motivação pras coisas, eu não conseguia falar nesse assunto que me dava vontade de chorar, assim tudo. [...] Eu não tinha planos meus, eu tinha planos nossos, então quando ele saiu não existia mais nós, existia eu. Como os planos só eram relacionados a nós, eu não tinha mais nada [...] e aí, depois da primeira semana isso foi o que mais pesou, eu não tinha planos meus, só os nossos.” (Suellen) “[...] uma insegurança, dificuldade em confiar nas pessoas, mas não é como foi no momento que me deixou bem abalada.” (Catarina) “Então, eu meio que lidei da pior forma possível porque eu tive depressão, eu comecei a fazer terapia pela primeira vez, e... e eu, não sei, eu tinha ideias bem suicidas até, por conta desse término. É, acho que foi isso.” (Eduarda) “Nossa, foi... foi bem dureza. A minha família toda percebeu, eu tive muitas crises de ansiedade, é... duas vezes eu cheguei a ter, não sei se foi uma síndrome do pânico [...].” (Mônica) Dentro de uma perspectiva existencial, os afetos não são apenas simples aparatos mentais do ser. Dessa forma, correspondem a maneiras de ser fundamentais do ser-aí. São modos de abertura por meio dos quais o ser-aí interpreta o que ele é. Nesse sentido, as emoções e afetos representam os modos de ser que o ser-aí utiliza para se relacionar consigo mesmo enquanto ser-no-mundo (OLIVEIRA, 2020). Pode-se dizer que o ser sempre está em relação consigo e as tonalidades afetivas fornecem condições para a experimentação fática de mundo, assim como se fazem presentes ininterruptamente na dinâmica existencial (FEIJOO; PROTASIO, 2015). Feijoo (2010) destaca que, na angústia, enquanto tonalidade afetiva fundamental, o ser se reconhece enquanto estranho, sem lugar e sem nada. O estranho leva-nos a pensar na falta de familiaridade com as coisas e, com a angústia, existe o estranhamento de si. Segundo Heidegger (1987, p.254) apud Feijoo (2010, p. 91), “O não sentir-se em casa deve ser compreendido existencialmente e ontologicamente, como o fenômeno mais originário”. Nas falas de Catarina e Suellen, respectivamente, é possível identificar insegurança e falta de sentido. Suellen relata com bastantes detalhes a rotina que se fazia presente durante o relacionamento e, quando esse relacionamento chega ao seu fim, foi “como se o meu chão tivesse saído também”. Além disso, reconhece que o que mais pesou durante as primeiras semanas do término foi a falta de planos seus. A partir da estranheza originada devido ao desligamento com o que já estava previamente prescrito, da angústia, da falta de planos seus, Suellen conseguiu se aperceber. A situação a convoca a entrar em contato com o seu ser mais próprio e, a partir disso, encontrar novas possibilidades, como ir em busca dos seus projetos ou permanecer com os modos de ser já conhecidos (LIMA, 2020). 105 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A participante Eduarda experenciou ideias suicidas e depressão. Devido a esses fatores, iniciou acompanhamento psicoterápico para melhor enfretamento dessa etapa. Consoante Angerami-Camon (1997, p. 19) apud Astine (2021, p. 194770), a contemporaneidade colabora com a vivência do desespero existencial, logo, “a solidão e o tédio existencial, angústia e outras formas de desespero da existência humana corroem um sem-número de pessoas”. Antecipar a morte pode ser uma possibilidade devido a várias situações, e como o que está em jogo neste texto é a experiência do término de relacionamento, Eduarda enxergou na tentativa de suicídio uma solução para lidar com o seu sofrimento. A partir do que foi discutido nesta categoria, solidão, falta de sentido e angústia foram tonalidades afetivas possíveis que surgiram com maior ênfase durante a experimentação do rompimento amoroso. A dureza de lidar com esse acontecimento e a falta de sentido que mulheres podem experimentar diante do esquecimento de si dentro de uma relação amorosa, motivaram as próximas categorias. 2.4 O QUE EU PODERIA TER FEITO E AGORA, O QUE EU FAÇO? A categoria tem como objetivo elucidar as possibilidades que teriam se realizado antes do término e as escolhas do porvir. A categoria também traz os pensamentos e os modos de ser das participantes enquanto solteiras. Nas falas abaixo, é possível perceber que os seguintes questionamentos foram comuns entre as quatro participantes: o que eu fiz de errado para o relacionamento terminar? O que eu poderia ter feito para reaver o relacionamento? A seguir, as falas serão destacadas: “Procuro entender. A primeira pergunta é o que eu fiz de errado e tentar consertar o que aparecer de errado que eu tenha feito.” (Larissa) “[...] O meu sentimento em relação a isso é como que eu permiti que isso acontecesse? Que era uma coisa tão bonita que se tornou tão agressiva, no fim de tudo, sabe? Que eu falava coisas que machucavam porque eu já tava tão machucada, que eu acabava fazendo isso também, então, é isso que eu sinto quando eu lembro. Eu penso assim, era uma coisa que podia dar tão certo, o que é que deu errado? E por que que eu deixei dar errado? Mas... por algum motivo teve que ser assim.” (Cecília) “[...] às vezes eu pensava “será que eu não insisti o suficiente ou será que realmente eu tava sendo, é... chata, mandona ou alguma coisa do tipo, né” [...].” (Márcia) “A gente sente desesperança em relação ao outro porque a gente fica pensando no que a gente poderia ter feito de diferente.” (Suellen) Nas falas acima, é possível identificar a culpa que as mulheres atribuem a si, mediante o término da relação. Com facilidade, as participantes se colocam nesse lugar de culpa e de erro, como se o término tivesse sido ocasionado por alguma falha cometida por elas durante a relação. A intenção da discussão não é problematizar a relação em si, mas elucidar que, independentemente do motivo do término, as participantes, de antemão, se posicionam enquanto culpadas e erradas. Segundo Santos, Moreira e Lopes (2018), a culpa, em termos existenciais, não tem como fundo a moralidade, mas sim um remorso em relação ao próprio ser, ou seja, tem um fundo ontológico em jogo. A experiência de culpa é oriunda da liberdade, pois ao 106 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 mesmo tempo em que me escolho em uma possibilidade, abro mão de outras. Nesse sentido, uma escolha também reflete em uma não escolha. As pesquisas realizadas por Zanello e Gomes (2010), Zanello e Romero (2012) apud Zanello, Fiuza e Costa (2015) apontaram que a cultura é responsável por direcionar valores e padrões para homens e mulheres. Segundo os pesquisadores, uma das esferas que são valorizadas no contexto social e que assujeitam mulheres, são as dedicações de amor, enquanto cuidado, ao outro, manifestadas nas suas relações enquanto mãe, dona de casa, esposa e namorada. No dispositivo amoroso, a mulher, esquecendo de si, sacrifica-se para dedicar amor ao outro. Outras percepções atravessaram as participantes: “[...] mas o sentimento de nunca mais vou ser feliz, nunca mais vou conhecer alguém, e... “ah, o beijo dele é o melhor”, prevaleceu. Atualmente, hoje, né, eu sei que tô super feliz, conheci outras pessoas e vi que eu sou muito jovem porque a gente pensa, num término, que nunca mais vai acontecer, mas eu sentia como se fosse um vício mesmo, eu precisava daquilo, se não, eu não seria feliz.” (Mônica). “Então, eu tava muito numa ideia da minha cabeça de que eu não podia ficar só, que eu não podia ficar sozinha, eu tava a qualquer custo procurando alguém, tanto é que eu vivia no tinder olhando alguém e tal, ou procurando alguém em festas, então eu tinha isso na cabeça de que eu precisava ter alguém, mas ao mesmo tempo que eu achava que eu não teria alguém que me amasse da mesma forma.” (Eduarda) “Eu fiquei, eu achei que eu nunca mais ia ter, não só gostar de outra pessoa, como tipo, achei que eu nunca mais ia voltar a ser aquela pessoa que eu era, né, antes [...] quando terminou eu fiquei com essa sensação de que eu nunca mais ia ficar com outra pessoa, que eu não ia conseguir gostar também de outra pessoa.” (Jaqueline) Mônica achou que, com o término, nunca mais seria feliz e que não iria mais conhecer alguém como a pessoa que ela se relacionava, nomeando como vício o precisar daquilo. Daquilo será interpretado como o relacionamento amoroso. Mônica enxergava que a única possibilidade para ser feliz seria se relacionando amorosamente com alguém. Eduarda, em contrapartida, buscou incessantemente estar com alguém e, semelhante a fala de Mônica, trouxe a necessidade de ter alguma relação amorosa. Jaqueline, por exemplo, queixou-se de não conseguir enxergar enquanto possibilidade se relacionar e gostar de outras pessoas. Existe uma grande demanda de queixas amorosas em atendimentos psicológicos clínicos a mulheres. Zanello e Bukowitz (2011) apud Palma, Richwin e Zanello (2021) listam alguns exemplos, sendo eles, a ausência de sucesso no amor, não estar se relacionando com alguém e não ser desejada por outra pessoa. Vivenciar essas questões trazem à mulher um sofrimento existencial intenso carregado de culpa e sobrecarga. Desse modo, observa-se o espaço central que essa temática ocupa na vida das mulheres. Catarina logo iniciou um relacionamento amoroso. No entanto, mesmo ao ir em busca de se relacionar novamente, observa-se a dúvida e dificuldade em saber o que fazer: 107 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 “[...] mas não foi difícil entrar num relacionamento, o que foi difícil foi assumir que eu estava gostando de outra pessoa, e... aquela dificuldade “poxa, eu tô gostando e agora? O que eu faço? Me afasto ou não me afasto?”, mas aí, eu consegui lidar com a situação porque eu vi que uma pessoa era diferente de outra, não necessariamente as histórias iriam se repetir, né. Então não foi difícil não.” (Catarina) Em contrapartida, Suellen interpreta no término um sinal para ficar sozinha: “E aí, quando a gente terminou eu falei “não, agora realmente isso é um sinal de ficar sozinha, e é isso”. Mas assim, de início eu pensei assim, “não, não quero nunca mais me relacionar com ninguém pra nunca mais passar por esse tipo de sentimento” [...].” (Suellen) Na fala de Catarina, observa-se a dúvida do que fazer frente à percepção de gostar de outra pessoa. A partir da experiência na relação, Catarina percebeu que as histórias não iriam se repetir. No relato de Suellen, o término trouxe para ela a interpretação de que deveria ficar sozinha e não se relacionar mais com alguma pessoa, para, assim, se proteger da experiência da finitude de uma relação. De acordo com Casanova (2013) apud Braga, Farinha e Mosqueira (2019), Heidegger descreve o dasein como sendo o ser que é a cada vez sua própria possibilidade. Nesse caso, o dasein pode se escolher, esquecer-se e ganhar-se, pois originalmente é abertura e indeterminação. Não sendo possível a sua tematização, o dasein não possui determinações primárias que direcionam como proceder. Sendo-nomundo, é apresentado ao dasein um entendimento prévio de ser, sendo assim, é poderser devido à falta de determinação. Dessa forma, o ser-aí vai sendo as suas possibilidades de ser e, por ser inicialmente sem sentido, o dasein busca incessantemente um campo de sentido. No entanto, esse campo nunca possibilitará uma completude total de sentido, uma vez que o ser-aí é abertura (BRAGA; FARINHA; MOSQUEIRA, 2019). Casanova (2018) apud Braga, Farinha e Mosqueira (2019, p. 6), sintetizam: “Em uma perspectiva hermenêutica, Heidegger considera que, junto a nosso caráter de abertura, estamos situados em nosso tempo histórico, em nossa linguagem, em nossa realidade sociocultural (Casanova, 2018). No entanto, não nos encontramos presos às significações sedimentadas: se a essência do Dasein é sua própria condição relacional de existir, o projetar-se no aí que o Dasein constantemente realiza, também chamado movimento ek-stático (dos termos ek, “para fora”; e sistere, “movimento”) do Dasein, abre sempre novas possibilidades de singularização que mudam a face da experiência de nós mesmos’’ (CASANOVA, 2018 apud BRAGA; FARINHA; MOSQUEIRA, 2019, p. 6). Diante disso, é possível compreender as preocupações de Catarina frente à nova possibilidade de se relacionar com outra pessoa e a imprevisibilidade que toda relação carrega, assim como o sentido impessoal que Suellen atribui a si, a partir do término, para evitar entrar em contato com a experiência de angústia que a finitude traz consigo. 108 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A categoria demonstrou a dinâmica existencial das participantes a partir do término, bem como medos, culpas e dúvidas do que poderiam ter feito para mudar o rompimento da relação. Dessa forma, enxerga-se que o fenômeno relação amorosa é um tema central na vida das mulheres, tema esse que pode trazer bastante sofrimento. 2.5 SER-MULHER A categoria ser-mulher demonstrou como as participantes enxergam as influências dos discursos de amor e de gênero durante o relacionamento amoroso e no período do término. As entrevistadas reconheceram a pressão que é imposta ao gênero feminino para a obtenção de um relacionamento. Utilizando-se dos estudos da psicóloga Valeska Zanello, professora que dedica seus estudos a questões de gênero e saúde mental, será demonstrado como os dispositivos podem causar prejuízos nas relações afetivas e sofrimento existencial nas mulheres. As falas das participantes destacaram que a busca e manutenção de um relacionamento é visto como algo em que a mulher deve perseverar, pois, se obter sucesso, pode atingir uma determinada realização pessoal. A seguir, Larissa e Eduarda discutem a respeito: “Infelizmente é ensinado pra nós mulheres, é... nosso maior sucesso ser atingido no dia que a gente conquistar um relacionamento amoroso, ter um homem pra poder amar você. Às vezes a gente fica um pouco obcecada com isso, né, já que o nosso sucesso pessoal depende exclusivamente de ter um relacionamento, principalmente um relacionamento com um homem, e... nossa, eu tive muito isso.” (Larissa) “ [...] parece que é mais importante tu achar outra pessoa pra tu namorar do que tu poder entender como ser sozinha, então eu acho isso meio estranho. A pessoa falar “ah, termina com essa pessoa e fica com essa outra aqui” sendo que, mano, é bom as vezes ficar solteira ainda mais quando vive um término desse.” (Eduarda) Esteban (2011) e Zanello (2018) apud Palma, Richwin e Zanello (2021) destacam que, diferentemente do que se pensa, o amor não é inato ao ser humano e a-histórico, mas é uma emoção possibilitada a partir de uma construção de mundo em suas esferas vigentes, que são distintas e especificadas a partir de questões como gênero, cor, etnia, classe social e faixa etária. Dessa maneira, partindo desse princípio de configurações múltiplas, o amor aparece e é interpretado de variadas e diferentes maneiras para homens e mulheres. A partir do que foi explicitado, Zanello (2018) apud Palma, Richwin e Zanello (2021) apropriam-se da metáfora da “prateleira de amor”, utilizada para o melhor entendimento de como o dispositivo amoroso é violento e participa do processo identitário ser-mulher. Essa configuração tem seu início no século XX e segue até os dias atuais, reforçando um padrão estético “ideal”, o que em nosso contexto significa branco, magro, louro e juvenil. Caso a mulher esteja longe desse padrão, ela não é “escolhida” na prateleira do amor e as chances de ser desejada amorosamente por um homem se tornam menores. Atrelado a isso, ser solteira é enxergado de maneira negativa, ou seja, não ser escolhida mostra que a mulher tem algum problema, pois não há protagonismo em ser solteira (PALMA; RICHWIN; ZANELLO, 2021). Essas formas de ser-no-mundo trazem diversos sofrimentos às mulheres, visto que, como Eduarda relata, parece ser mais importante que a mulher tenha outro relacionamento após o término do que aprenda a ser sozinha, assim como Larissa, que destacou a sua busca incessante por um 109 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 relacionamento amoroso devido à influência dos dispositivos amorosos. A seguir, serão destacados alguns trechos da fala de Mônica que vão de encontro ao que se discute: “[...] O sentimento de achar que... que era o amor da minha vida, que era minha alma gêmea, que eu não seria feliz se não fosse com ele e eu tinha muito medo também de nunca mais, tipo, nunca mais vou ser tão feliz assim, sabe? Como se eu tivesse ganhado na loteria e eu desperdicei todo o prêmio e nunca mais eu vou ganhar de novo porque não vai acontecer de novo isso. (Mônica) “[...] apesar do mundo ter melhorado muito nisso, na minha cabeça, é... tinha a ideia de... poder ser feliz e ele vai mudar, a gente vai conseguir casar e realizar nossos sonhos, então acho que de certa forma sim, nós somos acostumados, né, que não se pode jogar fora o que a gente tem, tem que preservar o relacionamento, que homem amadurece mais devagar que a mulher, então, aí, eu pensei “ah, eu vou dar um tempo, então ele vai ter o tempo dele de ser jovem, fazer as burradas dele e depois ele vai crescer, e aí, vai ficar tudo bem” [...].” (Mônica) “[...] mas eu tenho um pouco de raiva sim e também, comigo mesma, de pensar tipo “nossa, porquê que eu me submeti a tantas situações, sendo que eu deveria ter ido embora muito antes?”, mas eu quis perseverar porque eu acreditava que iria acontecer alguma coisa de diferente.” (Mônica) Na nossa cultura, o amor tem um valor identitário para a mulher. A mulher aprende a amar muitas coisas, mas, exclusivamente, amar os homens ocupa um papel central e esse dispositivo é cada vez mais naturalizado a partir de fatores como mídia, cinema e músicas (ZANELLO, 2018). Além disso, não é simplesmente ser escolhida, mas cabe à mulher o papel de manter e sustentar a relação e, caso a relação finde, a mulher experimenta um abalo na sua identidade ou, como os autores mencionam, a mulher fracassa enquanto mulher. Para evitar tal situação, é comum encontrar muitas mulheres em relações desamorosas (PALMA; RICHWIN; ZANELLO, 2021). Vale ressaltar que essa dinâmica existencial favorece os homens e prejudica as mulheres, afetando principalmente a sua existência em suas diversas esferas. Atrelado a isso, Zanello (2018) apud Palma, Richwin e Zanello (2021) destacam outro dispositivo presente e naturalizado: o dispositivo materno. Junto ao dispositivo amoroso, o dispositivo materno educa mulheres a sempre privilegiar as demandas alheias ao invés das suas próprias, mantendo-as nesse local de cuidado ao outro, com empatia e disponibilidade. Nesse sentido, a fala de Mônica reflete essa disponibilidade de tempo ao outro, pois, centrada na ideia impessoal de que o homem amadurece mais devagar que a mulher, enxergava como sua responsabilidade a espera e a disponibilidade para que, quando o outro mudasse e amadurecesse, a relação pudesse continuar. Além disso, Mônica sustentava o pensamento de perseverar na relação, pois estava direcionada pelo discurso de amor que afirma existir uma alma gêmea, um amor destinado à sua vida. Nas falas abaixo, Catarina e Suellen observam que o mundo possibilita uma vivência sentimental diferente entre homens e mulheres que experienciam o fim de uma relação: 110 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 “[...] jogam assim pra cima da mulher que a mulher tem que sofrer o término, que a mulher tem que sofrer, que a mulher tem que viver o “luto”, né, assim entre aspas, do término, e... traz um coitadismo, posso dizer assim, pra mulher, muito grande, e pro homem não, por exemplo, tudo bem o homem pegar e superar, ficar com outras pessoas e é até engraçado dentro do círculo de amizades dele, mas pra mulher já é uma coisa “ué, como assim você já superou? Já tá com outra pessoa? Você não gostava dele?”, jogavam muito isso pra cima de mim, sabe?” (Catarina) “todos os contextos que a mulher vive ela sempre tem a tendência de fazer esses planos mais relacionados a futuro, a não sei o que, não sei o que lá. E aí, não generalizando, porque tem vários homens também que acabam fazendo isso, mas é mais comum a gente ver mulheres nessa situação [...] É... e aí, também tem toda a questão de ah, o homem não pode sofrer tanto porque acabou, não sei o que, então é a mulher que vai sofrer, depois de um tempo que o homem vai sofrer, não sei o que, não sei o que lá [...] então acredito que a mulher não consegue disfarçar tanto pelo que a sociedade coloca, “ah, ela vai sentir, vai sofrer, não sei o que, não sei o que lá”, e o homem ele já olha com um sentimento de “oh, isso daí passa, acontece, vida que segue”, e aí, acaba que cria esse estereótipo de “ah, a mulher tem que sentir, ela vai sentir, vai sofrer e a gente vai olhar com um olhar de pena e vai tudo acontecer, não sei o que, não sei o que lá” (Suellen) A partir dos relatos de Suellen e Catarina, é esperado que as mulheres sofram por mais tempo com o fim da relação, enquanto que, para os homens, é permitido vivenciar essa etapa se relacionando com outras mulheres, por exemplo. Caso a mulher saia dessa norma instituída, o mundo vai olhá-la com certa suspeita e desconfiança. Para vivenciar o ser-mulher, o mundo prescreveu características específicas, como ser amáveis, atenciosas, comprometidas e recatadas. Essa norma instituída silencia as mulheres e direciona sua existência ao desejo do outro, não dando abertura para que elas possam ser e sentir o que quiserem de fato (ZANELLO; FIUZA; COSTA, 2015). Em contrapartida, Zanello e Gomes (2010) apud Zanello, Fiuza e Costa (2015) destacam que um ideal valorizado nos homens é a virilidade, efetivada pelo seu desempenho sexual ativo, nesse caso, ser “pegador”. Essa lógica também traz sofrimento para o homem, tema que requer uma atenção maior possibilitada por novas pesquisas. Constatou-se, assim, que o mundo e suas demandas de gênero podem adoecer e gerar fatores de riscos para a saúde existencial da mulher. A partir dos relatos apresentados, percebe-se que o movimento de buscar um amor representa, na nossa cultura, uma das determinações impostas para as mulheres e que, de certo modo, sobrecarregam as experiências de término de relacionamento. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir de uma análise fenomenológico-existencial, o presente texto demonstrou como as mulheres vivenciam o término de relacionamento. Inicialmente, foram apresentados temas como as representações históricas do ser-mulher até os dias atuais, discursos de amor, rompimento amoroso e a fenomenologia existencial, método que definiu o modo de encontro entre a pesquisadora e as participantes. Ao analisar o relato das participantes, é evidente a importância que o relacionamento amoroso ocupa dentro das possibilidades existências das mulheres e o quanto essa importância corrobora pra uma busca incessante causadora de sofrimentos significativos para a sua vida. Quando existe um rompimento na relação amorosa, a mulher experimenta o fracasso em ser-mulher, culpa e perda de sentido. Junto a isso, entende-se que o término também representa a possibilidade de morte em vida, pois, a 111 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 partir da finitude da relação, é necessário seguir os seus próprios rumos sem aquela pessoa que até então se fazia presente. A partir das questões discutidas, constatou-se que os objetivos foram alcançados e, devido à dificuldade em encontrar artigos que falem sobre este tema, também se verificou a necessidade de ampliar essa discussão dentro do campo da psicologia, principalmente no que tange a pesquisas acadêmicas. Temáticas futuras podem surgir a partir deste trabalho, como a busca incessante de relacionamentos amorosos na contemporaneidade, masculinidades, as formas de se relacionar amorosamente interligadas a questões culturais e sociais e o lugar em que a mulher coloca as relações amorosas em sua existência. Ressalta-se que algumas questões ficaram em aberto na pesquisa, em especial, relacionamentos abusivos. Por ventura, reitera-se que o tema discutido pode surgir enquanto demanda de pacientes mulheres para aqueles profissionais da psicologia que escolherem a atuação clínica. Dessa forma, é necessário que os psicólogos se apropriem e aprofundem seus estudos levando em consideração a questão de gênero atrelada e as influências dos discursos de amor. Para a pesquisadora, também mulher, psicóloga e que vivenciou o rompimento de uma relação amorosa, a pesquisa foi bastante transformadora, capaz de promover a aproximação entre a profissional e as participantes da pesquisa. REFERÊNCIAS [1] ALVARENGA, R. E. A. Questões do Humano em sua Finitude: Uma Perspectiva Fenomenológica Existencial. 2018. 46 f. Monografia (Bacharelado) - Curso de Psicologia, Faculdade de Ciências da Educação e Saúde, Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2018. 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Para compreender a liberdade existencial foram, primeiramente, expostos os diferentes conceitos de ser considerado livre ao longo da história da humanidade, inclusive na própria psicologia, até a presença de Sartre, para então iniciar a discussão sobre a liberdade fenomenológico-existencial de Sartre e a relevância de Jean-Paul-Sartre para a Psicologia Fenomenológico-Existencial. Com isso, Sartre foi um filósofo francês engajado em vários campos das ciências humanas, sua presença é relevante para a Psicologia Fenomenológica e a Fenomenologia-Existencial, pois estudou o conceito de liberdade, bem como criticou o determinismo psíquico, o biologismo e o psicologismo além de ter um olhar rígido para a Psicologia que cristaliza as experiências dos existentes por meio de universalizações. Palavras-chave: liberdade; fenomenologia-existencial; existência; Sartre. 115 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 1. INTRODUÇÃO A liberdade humana é uma complexa abstração, pois o conceito de liberdade foi estudado por muitos pensadores ao longo da história da humanidade. Consoante Schneider (2011) Sartre empenhou-se de maneira árdua para definir o humano como livre de modo totalmente diferente aos conceitos anteriores apresentados na história da ciência. Para Sartre oexistente tem o compromisso de governar a si e a humanidade, pois a liberdade é condição essencial e existencial para constituir a própria trajetória, o seu projeto fundamental e edificar o mundo. De acordo com Schneider (2006) Sartre investigou o ser humano por meio da filosofia de Husserl e Heidegger que criticavam o psicologismo, nesse sentido o filósofo francês engajou seus estudos nas explorações teóricas no espaço da Psicologia na tentativa de reformular esse campo científico. Segundo Nascimento, Campos e Barata (2012) corroboram a relevância de Sartre para a Psicologia Fenomenológica, pois propôs pensar a Psicologia para além do cientificismo e do reducionismo positivo. Portanto, a pesquisa tem como objetivo geral apresentar o conceito de liberdade do Jean- Paul Sartre. Enquanto os objetivos específicos: abordar a liberdade para a Psicologia Fenomenológica, como também discutir sobre a noção de liberdade para a Fenomenologia Existencial, por fim apontar a relevância da liberdade existencial de Sartre para a Psicologia Fenomenológico-Existencial. Como a liberdade atravessa a existência do ser? A referente problemática antecede a discussão hipotética, pois provoca de modo reflexivo a abertura para tecer o tema. Ao apreciar esse raciocínio é passível cogitar que o ser é livre por existência, logo a maneira de lidar com a liberdade é escolher. Mediante a isso, a liberdade pode sobrecarregar o ser, assim, o ser movimenta-se em função das escolhas e possibilidades que aparecem no mundo. Neste contexto, o ser se relaciona com a liberdade, mas também com a responsabilidade e angústia A liberdade existencial é uma performance de ser o que está sendo, por isso é relevante levantar essa discussão para a sociedade compreender o movimento de ser livre e escolher, encarar-se de modo responsável e com propriedade para escolher-se. Com isso, é notável gerar conhecimento acerca desse conteúdo para entender as mudanças de experienciar. Mediante ao contexto, é necessário discutir o conceito de ser livre para refletir sobre si relacionando-se com o mundo e sendo afetado. Pois, todos escolhem no cotidiano e por vezes as ações feitas não são refletidas, mas isso não isenta da responsabilidade consigo e com o mundo, ou seja, sustentar a escolhas é uma tarefa. Apresentar essa discussão para a sociedade é importante para compreender que ser livre não é querer fazer tudo, mas escolher o que pode fazer naquela situação. Para a Psicologia estudar a liberdade existencial na perspectiva fenomenológicoexistencial Sartreana é essencial para instigar o modo tradicional de encarar o humano lançado no mundo ao relacionar-se com o outro e sendo afetado, mas também atravessado por si. A Psicologia Fenomenológica aborda outros caminhos para além do psicologismo científico, por isso pensar a liberdade existencial na concepção da psicologia fenomenológico-existencial é um caminho possível que pode ser mais explorado. Com isso, é importante discutir a liberdade afastada do biologismo, distante das determinações. 116 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Mediante ao exposto, para a comunidade acadêmica é de fundamental interesse investigar tais conhecimentos a respeito da liberdade humana, pois a partir disso existe a possibilidade de estudar novas maneiras de compreender o sujeito diante da dificuldade sobre o caos da vida cotidiana, olhar para si e o mundo. A liberdade é escolher, portanto todo existente mundano está a todo momento escolhendo, edificando, empreendendo o seu projeto de vida e ao mesmo tempo escolhendo o mundo que quer viver. Por fim, para os futuros estudantes de Psicologia é curioso compreender o comportamento humano e fenômenos que permeiam o homem a escolher e manter um olhar atento para as responsabilidades de ser um sujeito livre. O presente estudo foi caracterizado por pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa.De acordo com Lima e Mioto (2007) entende-se que a pesquisa bibliográfica é exemplificada por investigações a respeito de pensamentos, reflexões sobre determinado problema, utiliza-se literaturas científicas para fundamentar a pesquisa. A pesquisa bibliográfica qualitativa é histórica, possuiu consciência histórica, identidade com o autor da pesquisa, é ideológica e essencialmente qualitativa, isso significa o processo do pesquisador com a realidade frente a carga histórica produzida em pesquisas anteriores sobre o tema. Mediante ao exposto, foi feito o uso de artigos, e-book, trabalhos acadêmicos, publicações cientificas nas plataformas digitais (revistas eletrônicas, Scielo e periódicos) e livros para a elaboração dessa pesquisa. Durante a busca foi realizado um filtro com os critérios de inclusão e exclusão para facilitar a procura dos textos publicados nas plataformas digitais. Com isso, utilizou-se como critérios de inclusão palavras-chaves: Sartre, fenomenologia- existencial, liberdade existencial, liberdade e psicologia fenomenológica. Como critérios de exclusão: quaisquer textos que não mencionassem essas palavras e publicações de artigos, trabalhos acadêmicos inferiores ao ano de 2016. Com a exceção do livro Existência Liberdade:uma introdução à filosofia de Sartre do Paulo Perdigão de 1995 e o E-book Sartre e a Psicologia Clínica da Daniela Ribeiro Schneider de 2011, pois são da biblioteca pessoal e ambos os autores são referência no Brasil para os estudos do Sartre e não possuem reimpressõesatuais. Após a analise de 42 publicações obtidas no levantamento de dados, foram selecionadas 19 produções para a discussão desta pesquisa: sendo 5 livros, 1 dissertação de mestrado,1 trabalho de conclusão de curso, 12 artigos cientificos. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO 2.1 UM DIÁLOGO ENTRE PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E FENOMENOLOGIAEXISTENCIAL SOBRE A LIBERDADE Consoante Endrissi e Stenzel (2020) a Psicologia mantém-se distante à liberdade do homem no sentido holístico, pois assume uma visão jurídica simplista e pouco explora a trama do sujeito livre. Contudo, apesar de reconhecer, as abordagens discutem tal tema de maneira afunilada no reducionismo ao limitar-se somente nos determinismos psíquicos ou biológicos, além de igualmente acolher posicionamentos teóricos relacionados às casualidades, assim, não obstante ignora o caráter primordial da existência humana, a liberdade. 117 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A Psicologia Fenomenológico-Existencial é uma extensão que se empenhou em perceber, como também envolver questionamentos da existência humana. Neste sentido, a liberdade fenomenológica é consagrada uma das faculdades fundamentais da existência do homem, pois segundo Endrissi e Stenzel (2020) ser livre é uma condição existencial, além da morte, solidão e a falta de sentido, ou seja, é encarada como caráter essencial para a compreensão da própria humanidade individual. De acordo com Endrissi e Stenzel (2020) pensadores se propuseram, após as grandes guerras mundiais, engrenar aos estudos existenciais para refletir sobre as condições humanas sem a interferência das leis científicas como protagonistas, mas o sujeito de fato e seus fenômenos. Deste modo, a fenomenologia atribuiu outros sentidos, além das dimensões diferentes a serem exploradas do homem que por vezes eram colocadas como coadjuvantes, portanto a relação entre sujeito-objeto estava em processo de reavaliação. Outrossim, as aberturas para compreensões distintas do que haviam se pensado tradicionalmente na psicoterapia e “uma radical mudança ontológica e epistemológica do que predominava nos estudos em Psicologia na época, de uma visão objetificante de sujeito, para uma visão compreensiva do fenômeno psíquico” (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 462). “Na perspectiva fenomenológico-existencial, a liberdade é axiomática, é condição constitutiva do humano. Ela aparece atrelada ao caráter de indeterminação da existência que torna o homem responsável por aquilo que faz de si” (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 462). Na fenomenologia existencial a negação da liberdade é a inautenticidade da existência humana, contudo é causa manifesta da indeterminação do homem, neste sentido é o poder de ser responsável por si. Com isso, existe a competência da responsabilidade sobre si e as escolhas lançadas, pois, o homem é livre para decidir e o modo que escolhe o concede abertura para o mundo, conforme o sujeito movimenta-se mediante às escolhas há o descerramento de si. Logo, escolher (ser livre) é lidar com o compromisso consigo e, igualmente sustentar os possíveis dessas ações, portanto a angústia pode aparecer como possibilidade de enfrentamento: Se a existência humana é compreendida, na psicologia fenomenológicoexistencial, como uma clareira da qual os fenômenos do mundo necessitam para poder aparecer e ser dentro dela, a liberdade do ser vem à tona justamente na possibilidade de corresponder ou de esquivar-se de tais reivindicações do mundo (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 463). A indeterminação da existência é a não definição de si, o ser é o nada, portanto a angústiaestá presa à liberdade, por meio dela há abertura ao mundo de possibilidades. O vazio do ser não é um espaço interior como o plano cartesiano tradicional do cogito do eu, por isso não existe uma intuição ou roteiro para deliberar e lidar com as escolhas lançados ao próprio mundo em construção, projeto de vida. A angústia sobrevém por meio da decisão, porque escolher diante de tantas chances diferentes é deixar de escolher outros possíveis. Com isso, a responsabilidade é vínculo inseparável da liberdade, pois ao escolher o homem é responsável por sustentar tal ação: “a escolha é inevitável e, seja ela qual for, é livre” (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 463). 118 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 A Psicologia fenomenológica encara o homem por meio dos fenômenos humanos existenciais, por este motivo o coloca na posição de controle sobre si no sentido operante, poder ser ao seu modo de ser, para criar o próprio projeto de vida. Entende-se que o homem desvela o mundo livremente, por isso a angústia é fenômeno ontológico do ser, fenômeno existencial, que provoca e reivindica o nada, o ser afasta-se de si para se reconhecer por meio das escolhas, o peso de ser (condenado) um ser livre (ENDRISSI; STENZEL, 2020). Segundo Vicente (2017) para Husserl as circunstâncias existenciais são compreendidas enquanto autoridades primordiais, não é somente parte do sujeito dividida ou compactada, o ser carrega o fardo pesado de responder sobre si, neste sentido não há potencialidade ou entidade oculta que possa criar o indivíduo, o homem é origem do homem, compete-lhe apenas se definirpor meio das escolhas. Para Quintiliano (2020), Husserl entende por liberdade a própria transcendência atravessada pela temporalidade, pois cada consciência pertence ao tempo particular. A liberdade é vínculo da consciência transcendental efeito das reduções fenomenológicas, ou seja, essência do ser. Husserl aponta a contribuição de Kant para a compreensão de consciência natural, a causalidade, contudo o contraria ao impulsionar o sujeito por meio da transcendência que o liberta na imensidão das possibilidades mundanas de maneira reduzida ao fenômeno, a pureza: Essa inversão aparente da relação entre a consciência e o mundo confere a possibilidade de determinar o mundo segundo os critérios da consciência e a constituição do mundo se torna ao mesmo tempo criação do mundo, liberdade. O Eu puro, enquanto pura unidade das vivências, vive nelas como o seu “meio”, como o “plano de fundo” da consciência, como seu “campo de liberdade”. O Eu puro, apesar de entrelaçado às suas próprias vivências, não é dependente delas. A consciência fenomenológica não é relativa porque ela constitui a si própria como temporalidade (QUINTILIANO, 2020, p. 38-39). Segundo Guimarães (2018) a consciência para o filósofo alemão é mediadora das causas feitas no mundo, portanto é na transcendência que existe a abertura para as possibilidades, embora esse movimento é origem do pensamento dicotômico entre mundo e consciência. Pois, a dualidade entre o empírico e transcendental era a forma de Husserl conceber o objeto da consciência, o mundo, neste ponto a consciência é consciente de algo que existe na realidade jogada para fora. A consciência empírica era reconhecida por Kant, mas a consciência transcendental proposta por Husserl é a condição do homem ser considerado criador de si e organizar o próprio mundo à sua maneira, não mais como figura projetada no mundo enquanto submisso pensamento que Kant assentia por meio da metafísica da casualidade natural, apesar das duas consciências abarcarem sentidos diferentes ambas se pertenciam, uma relação de dependência, assim como consciência e mundo (GUIMARÃES, 2018). Heidegger crítica a filosofia da transcendência Husserliana e engaja-se no pensamento existencial radical. O Dasein é a “modalidade originária do movimento da vida humana” (WEBER; GIUBILATO, 2019, p. 131) ao tratar o “homem” enquanto finito para as aberturas possíveis da existência. Defrontar a mobilidade da vida do ser-aí é desamarrar, bem como destruir qualquer tradição filosófica precedente, a composição 119 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 dessa noção desprende-se das convicções abstratas para de fato conferir a realidade da vida, pois o verdadeiro viver é realizado no “enquanto estou sendo” na temporalidade. O “homem” está em movimento no mundo conferido a ele na sua plena incompletude vivendo a vida e voltando-se para viver (WEBER; GIUBILATO, 2019). Heidegger discorda de Husserl no sentido de transcender a consciência para livrar-se ou alcançar a libertação, neste modo não admite uma suposta suspenção como meio de ser autêntico. Pelo contrário, afirma que a abertura e a liberdade são caráter essencial da existência, por este motivo nega a consciência como fator fundador da humanidade. A autoconsciência é a ilusão do desamparo do dasein, pois não há controle superior se não o próprio ser-aí-mundo desvelando-se, jogado e lançado na presença do outro (WEBER; GIUBILATO, 2019, p. 133): [...] seu limite na fenomenologia Husserliana, quanto a inauguração de um domínio original do pensamento, no qual se fundamenta a possibilidade de que a vida humana se desprenda de sua dinâmica arruinante de degradação (Ruinanz,Verfall), de encobrimento (Verdeckung) e de precipitação (Sturz) para alcançar uma espécie de autossalvação independente, ancorada em sua própria capacidade de se orientar mesmo diante da obscuridade de uma finitude radical. Consoante Menin (2021) Heidegger crítica a liberdade Kantiana ao discutir a metafísica da razão, a casualidade condicionada mediante as leis da natureza em seu sentido negativo e positivo enquanto facticidade transcendental do conhecimento racional. Para Kant é a moral do pensamento que constrói o sujeito no mundo-objeto, porém para Heidegger afirmar tal liberdade no sentido moral é abster-se do ente finito, negar esta condição de finitude do dasein é escapar da verdade. A essência da liberdade do ser-aí é acometida pela condição de ser-na- verdade e ao mesmo tempo ser-na-nãoverdade, ou seja, o conflito paradoxal de ser-jogado na condição finita, escolher-se e não escolher. Moral e liberdade para Kant são atribuições subjetivas para a compreensão da razão do homem no mundo, contudo para Heidegger essas noções são conjuntas e inseparáveis, seria comportar a “autoconsciência moral” configurada na pessoalidade, no pensar e agir. Para Kant o respeito é a ordem de qualidade da razão pura diante a natureza de modo independente, sentimento moral, enquanto para Heidegger essa questão é considerada a própria existência humana no sentido de aparição no mundo, configura-se na exposição de si (LOPES, 2018). Segundo Lopes (2018) para Heidegger a determinação da liberdade não possuiu antecedentes causais, não existe uma causa originária para ser livre e fazer sentido para o ser, por isso a negatividade da libertação é o ponto de partida para as interpretações. A liberdade negativa é a aparição manifestada tal como é, assumir a positividade do fenômeno ontológico fundamental da libertação é reconhecer a determinação de si, autodeterminação, poder-ser. O existir para Kant é a liberdade ainda em subsistência, um lugar do eu submisso responsável e elevado, essa condição para Heidegger é a causalidade natural das ações no sentido ontológico, o modo de ser de cada ente corresponde a liberação do comportamento intencional, a liberdade é a relação da intencionalidade do dasein na libertação dos entes do ser-aí. Martin Heidegger correlaciona a transcendência, liberdade 120 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 e intencionalidade do ser livre responsivo, a maneira que o ser-aí comporta-se, mostrase, ser “livre (Frei) é o ente na medidaem que é liberado” (LOPES, 2018, p. 204). Neste modo operante liberal, a transcendência para Heidegger seria a vinculação de ser responsivo, responsável por si diante das aberturas dos possíveis. A angústia, para Heidegger, é o peso da liberdade transpassada pela existência humana, causa criadora de si, pois defrontar-se com a possibilidade de poder-ser é sustentar e suportar o desvelamento diante do nada que é existir, essência da existência. O nada não é a negação do ente, mas é a vigilância do próprio ser no sentido de vigorar os possíveis, ou seja, o nada é em caráter cuidar do ser. Pois, o é-aí está sendo aberto para as possibilidades de pode-ser no mundoao perceber o nada enquanto condição de ser e não ser, liberdade e miséria (PESSOA, 2018). Não assumir tal fundamento é cristalizar a verdade em determinações, identidades, acolher e apegar-se na segurança ilusória da impessoalidade, o nada é a indeterminação do ser que está sendo e é. Heidegger também considera o ser-para-amorte como cuidado com a vida, “só o homem morre, só ele é livre para a morte” (PESSOA, 2018, p. 47). O ente é incompleto, finito e inacabado, Deus é o todo e eterno, não há o nada, logo é acabado e não morre: “apenas assumindo a estranheza de sua morte, pode o homem sentir a extraordinária liberdade de existir (PESSOA, 2018, p. 49). Ramos (2021) concretiza a liberdade do homem como a verdade libertadora, com isso propõem a narração Heideggeriana da verdadeira essência do existir. O nada do ser é o destino sem chão seguro da existência, a encruzilhada das experiências movimenta o mistério do vazio íntimo que não oculta, mas expõe a propriedade de ser: “liberação do homem com o seu mundo para o outro modo de existir e coexistir, sente-se que a liberdade de ser apreendida desde a condição que se encontra a humanidade imersa na evasão de um chão que escorre” (RAMOS, 2021, p. 107). O ser é rachadura no mundo “ferida por uma fenda que é o profundo abismo de uma não dimensionada ausência, pois mal pressentida e ainda não pensada no fundo e, por isso, não reverberou como transformação da essência do existir do homem” (RAMOS, 2021, p. 107). A essência do existir é engolida pelo vazio fundo desconhecido ou temporalmente não descoberto, neste percurso misterioso o homem enfrenta e prova o saber da falta, volta-se paraa origem de ser, experimenta a liberdade como verdade. É no enigma do nada que o homem pode ser aberto para as possibilidades, “livre de deixar-se pertencer no cuidado e no abrigo do mistério do ser” (RAMOS, 2021, p. 108). O movimento da liberdade é o cuidar apropriando-sedo nada, contemplar a acolhida do ser rachado, olhar para a fenda exposta. “O Ser humano é livre na medida em que experimenta sua existência como possibilidade. Possibilidade apresenta-se, portanto, como o horizonte no qual o ente humano transcende toda a presença atual, projetando-se temporalmente” (LOPES, 2016, p. 142). A liberdade Heideggeriana está vinculada a transcendência dos entes, na liberação dos entes do dasein, a verdade de cada ente do ser sendo liberada de modo autêntico e verdadeiro em detrimento do ser qualificado, próprio ao fenômeno ontológico. O movimento da libertação do ente na transcendência é a exposição do dasein no seu campo de sentido ao compreender-se no desamparo de ser livre e assumir modos de ser diferentes. Liberdade para Heidegger é condiçãoconstituinte do projeto descerrado, o ser-aí não possui liberdade, mas a liberdade o possui e determina a existência, a clareira do ente (LOPES, 2016). 121 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 De acordo com Braga (2019) Heidegger afirma que a liberdade e a transcendência do Dasein são fundamentos próximos e semelhantes. Pois o estado de ser livre no mundo, ser-no- mundo, é causa fundadora do ser transcendente à liberdade em si, logo o ser-aí está no mundo para fundar-se, ser causa de si à sua maneira, modos de ser, liberados pelos entes. A libertação é “deixar-ser”, liberar os entes do ser-aí na tonalidade dos possíveis. Para Heidegger na temporalização do cotidiano é possível deixar-ser do ser dos entes a aparição de como são e estão sendo, ou seja, é perceber o dasein que existe e está existindo tal como é e está sendo. Em outras palavras o ser-aí movimenta-se para a liberdade de deixar-ser o ser-aí liberado no mundo,deixando-o ser. Para Ferreira (2020) é na finitude temporal da existência do projeto decaído, dasein, noreconhecimento da morte, no descerramento do horizonte histórico que o seraí encontra-se lançado nas possibilidades, apropriar-se dos modos de ser é a forma de lidar com as aberturas desse mundo. Mediante a isso, a filosofia Kantiana proporcionou uma investigação sobre a liberdade do homem relacionada na razão, no conhecimento refletivo do ser pautada na filosofia “velha”, todavia abriu espaço para outras discussões e possibilidades. Husserl, Heidegger elaboraram pensamentos distintos da conceituação da liberdade na fenomenologia de maneira crítica, bem como contribuíram para a compreensão de uma nova forma de encarar o homem livre desprendido da visão filosófica tradicional. Nesse contexto, no próximo tópico está a versão teórica de JeanPaul Sartre sobre a liberdade fenomenológico-existencial, visto que foi uma figura simbólica, como também significativa para a fenomenologia-existencial. 2.2 SARTRE E SARTREANAS LIBERDADE FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL: ABSTRAÇÕES 2.2.1 FENÔMENO Em O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica Sartre (1943) discorre sobre a ideia de fenômeno no capítulo I. Descreve as primeiras impressões sobre a filosofia moderna, com isso fez menção ao pensamento dicotômico que acompanhou a história filosófica, objetivo- subjetivo, alma x corpo, mente e mundo. Nesse contexto, questionou se essa forma de pensar sustentou a realidade humana, por isso desconsiderou as dualidades pressupostas do existente, interior e exterior, como também rejeitou a ideia de natureza humana. Por isso, afirmou não existir algo “atrás” do fenômeno manifestado na aparição: “a aparência remete à série total das aparências e não a uma realidade oculta que drenasse para si todo o ser do existente (SARTRE,2020, p. 15), ou seja, o fenômeno é absoluto, pois se revela como aparenta. 2.2.2 Ser A questão fundamental “o que é o ser?” para Sartre o levou a refletir os modos de ser do existente, diferente de Heidegger que propôs analisar a existência do dasein e desvelar o mistério do ser-aí. Sartre preocupou-se em compreender o ser, o Em-si, lançado no cotidiano mundano, na concretude totalizante na vida do existente e, além disso, procurou descrever evidências das manifestações qualificadas do ente no sentido Heideggeriano, logo o Em-si pode performar de maneira distinta e aparecer no mundo (PERDIGÃO, 1995). 122 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Sartre (2020) descarta a visão de sujeito Kantiano, o ser não é mais entendido como produto do conhecimento ou pensamento, ser racional, portanto o ser é enquanto é. O ser não é uma entidade devoradora do existente, tampouco o mascara ou ao contrário, o existente não desvela ou engole o ser, ou seja, apenas é, pois, “o existente é fenômeno [...] Designa-se a si mesmo, e não seu ser (SARTRE, 2020, p. 19). A definição de ser é compreendida como noção de desvelar, ser-para-desvelar e, não mais encarada como o ser descoberto, desvelado, logo “o ser é si-mesmo” (SARTRE, 2020, p. 37) e não passividade de algo, não é também causa anteriorde outro ser ou da consciência. Consoante Perdigão (1995) ao rejeitar a visão de Aristóteles e Kant no tocante conteúdo do ser enquanto substância escondida, Sartre afirma que o ser é aparição, está em ato sem quaisquer amarras obscuras ou ocultas, nesse sentido é revelação de si manifestada. Embora, o ser possa aparecer mesmo quando não se mostra, isso se dá, pois, o fenômeno do ser não se esgota somente na presença, ou melhor, “seria impossível, por exemplo, definir o ser como uma presença – porque a ausência também revela o ser, já que não estar aí é ainda ser (SARTRE, 2020. p. 19). Sartre dispõem de dois seres para iniciar a compreensão do ser, o ser-em-si e o serpara-si, contudo, nesse caso alerta que o ser é pleno de si, pois é o que é em si, portanto é o si (SARTRE, 2020). De acordo com Souza e Silva (2020) o ser-em-si é pura positividade, ou seja,é pleno e definido previamente ou predeterminado, como também descrito como aparição, o fenômeno de ser é tão somente ser o que é, sem quaisquer modificações, pois é o que é. Não possuiu, portanto, uma abertura para essencializar antes da aparência. O ser-em-si é em si mesmo. O ser-para-si carrega o nada em sim, o nada habita no bojo ser do Para-si para projetar- se no mundo, pois não há outra forma de empreender se não a de escolher e fazer-se. 2.2.3 CONSCIÊNCIA O eu fenomenológico, incialmente, para Sartre é compreendido como o ser do Para-si em contraposição do Em-si. O Para-si é coexistência do Em-si, ou seja, o Em-si é “auto-de- algo” e o Para-si existe na relação com o Em-si, a partir desse encontro coexistente a consciência “é” consciente de algo, portanto intencional. Sartre adverte que esse eu consciente não é entendido enquanto um eu de substâncias, substancializado em algo ou um ser de substratos, não convêm afirmar que a consciência “está” contida ou fundamentada, significa declarar que a consciência é pura aparição e fundamento de si, logo, “funda a si” (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020). A consciência sartreana é o recuo do ser no mundo, ou seja, não cabe aqui afirmar que é somente propriedade ou faculdade do existente pelo contrário está em “companhia” ou de acordo com Paulo Perdigão (1995, p. 38) está “em presença dele, colocada à distância dele”. Esse movimento afastado do ser, de si, confere no perder-se do existente, desprender-se de si, quando percebe desgarrado de si e cede abertura para se aventurar em si. A consciência representa a aparição do ser, embora não se pode reduzir o Em-si (ser) a esse processo, portanto o Em-si consciente é aquele que certifica o mundo tal como é, mas isso não os funde, apenas mostra a responsabilidade do Em-si ao criar a si próprio. 123 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 “[...] toda existência consciente existe como consciência de existir” (SARTRE, 2020, p. 25). Com isso, Sartre define a consciência como consciente de si não no sentido de conhecimento, mas de modo posicional, ou seja, exprime a ideia do existente se posicionar no mundo, estar posicionado. Isso significa dizer que a existência não é uma qualidade da consciência de si ou que a consciência é uma qualidade da existência, portanto “há um ser indivisível, indissolúvel – não uma substância que conversasse suas qualidades como seres menores, mas um ser que é existência de ponta a ponta” (SARTRE, 2020, p. 26). [...] a consciência existe por si. E não se deve entender com isso que a consciência “se extrai do nada”. Não poderia haver “nada de consciência” antes da consciência. “Antes” da consciência só se pode conceber plenitude de ser, em que nenhum elemento pode remeter a uma consciência ausente. Para haver nada de consciência é preciso uma consciência que haja sido e não é mais, e uma consciência-testemunha que coloque o nada da primeira consciência para uma síntese de reconhecimento. A consciência é anterior ao nada e “se extrai” do ser (SARTRE, 2020, p. 27). Vale ressaltar que a consciência por si não é compreendida somente no sentido de evidência ou ato do ser, a consciência é plena existência. Também consiste na afirmação de que nada antecede ou cria a consciência, apenas é o modo de ser. Seria prudente concluir que a consciência não surgi do “nada”, mas é o nada? (SARTRE, 2020). A consciência nada tem substancial, é pura “aparência”, no sentido de que só existe na medida que aparece. Mas, precisamente por ser pura aparência, um vazio total (já que o mundo inteiro se encontra fora dela), por essa identidade que nela existe entre aparência e existência, a consciência pode ser considerada absoluto (SARTRE, 2020,p. 28). É interessante realizar uma comparação, de maneira breve, entre a consciência antes e depois do O ser e o nada. Portanto, a consciência para Sartre antes do ensaio ontológico, marcou um conjunto de críticas em A transcendência do ego mencionado anteriormente, contudo é importante acrescentar mais uma informação, a saber a autoconsciência para compreender o eu. Sartre destaca que toda consciência “é” autoconsciente, mas reitera que não é no sentido reflexivo, ou seja, a consciência em si não precisa necessariamente ser reflexiva de si, Sartre usa o termo “não posicional”: “a justificativa é que a consciência é transparente e, em particular, transparente consigo mesma; portanto, toda a consciência está consciente em si” (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020, p. 61). Em O ser e nada, Sartre descreve a consciência pré-reflexiva antes entendida como consciência não posicional ao perceber esse movimento consciente da consciência em si e constatar que a consciência é transparente. A pré-reflexiva é consciente de algo, uma crença e a reflexiva é “eu estou consciente” desse algo, ou seja, a pré-reflexiva é a apenas a própria crença desse algo, porém vale aqui salientar que esse movimento não é correspondente do (ser)Em-si. Nesse sentido, Sartre evidenciou um problema, crença e a consciência de crença, esse reflexo da consciência não é no sentido de “pensar” ou “refletir” e, sim, “espelhar”. Nesse caso, o nada é responsável por separar a crença da consciência de crença e é “o nada que está no coração do Para-si” (CHURCHILL; 124 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 REYNOLDS, 2020, p. 65). Sartre afirma que essa dualidade é uma instabilidade que deve estabelecer uma relação irredutível e também acrescentaque o Para-si é a nadificação. 2.2.4 NADA “O nada, não sustentado pelo ser, dissipa-se enquanto nada, e recaímos no ser. O nada não pode se nadificar a não ser sobre um fundo de ser: se um nada pode existir, não é antes ou depois do ser, nem de modo geral, fora do ser, mas no bojo do ser, em seu coração como um verme” (SARTRE, 2020, p. 64). O nada é negação de determinações do ser, pois, Sartre afirma que antes de qualquer determinação do ser do existente existe a indeterminação, embora o nada não é a origem do ser, ao contrário, o nada está no “miolo” do Ser. A negatividade do ser é o não ser, ou seja, o nada é o não é. Pode soar confuso ao leitor, contudo Sartre (2020) diferente de Heidegger não compreende o nada enquanto nadificação do Dasein, não confere ao nada a posição de nadificar, o nada se nadifica. “O nada carrega o ser em seu coração” (SARTRE, 2020, p. 60) Sartre quis dizer que somente o ser nesse caso poderia se nadificar. Porém, o nada não está no ser-Em-si, pois esse ser é pleno de pura positividade, não há o Nada. Nesse contexto, Sartre convida a reflexão: ora, se o Nada não é, portanto não é o Ser (é o não ser), não está fora do Ser e muito menos pode nadificar-se. Qual a origem do Nada? “O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve nadificar o Nada em seu Ser [...] O Ser pelo o qual o Nada vem ao mundo é um ser para o qual, em seu Ser, está em questão o Nada de seu ser: o ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve ser seu próprio Nada” (SARTRE, 2020, p. 65). Movimento esse que o Nada assume uma característica ontológica do Ser, que por sua vez é o seu próprio Nada. É interessante verificar que para Sartre o Ser padece de determinações, visto que o Ser está em aberto para as possibilidades, de Ser à sua maneira de ser, por isso poderevelar-se como Nada. Pois não há um seguimento de como ser um Ser, não há roteiros. Nesse ponto, Sartre considera a interrogação como um processo humano. O interrogador atravessa o interrogado de ser ou não ser, à medida que estabelece essa relação dada ao existente acontece o recuo nadificador que “escapa a ordem causal do mundo e se desgarra do Ser” (SARTRE, 2020, p. 66), ou seja, a nadificação é com efeito feita por um movimento entre interrogador e interrogado por si: “deslocando-se do ser para poder extrair de si a possibilidade de um não ser” (SARTRE, 2020, p. 66), com isso, confere ao existente o poder de perguntar, olhar distante de si, desgarrando-se do ser e afetando-se por não ser, portanto, o homem é o sero qual o Nada manifesta-se no mundo. “Ser-do-existente” é o ser que produz um ser do existente ou o ser que gera o ser do homem, logo apontar o ser enquanto produtor do produto de si é questionar o processo do existente que coloca-se fora do ser e, ao mesmo tempo, é estrutura de ser do Ser, Sartre caminha por essa dinâmica do ser e afirma que o Nada o qual aparece no ser do homem é o ser da liberdade (SARTRE, 2020). Verificou-se que o nada é negação do ser, suspenção de si e o processo nadificador é o recuo do ser do homem do ser, em uma relação consigo e o tempo. O nada é a separação do passado para o existente consciente se constituir, isso remete ao estar consciente dessa ruptura do ser, nesse caso “[...] a consciência vive como nadificação de seu ser passado” (SARTRE, 2020, p. 72). Cabe pontuar que a liberdade é visualizar a própria indeterminação, o seu passado à medida da nadificação, ou seja, ser 125 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 consciente da consciência da liberdade, portanto, como o ser humano percebe a consciência da liberdade? Sartre reconhece angústia enquanto consciência da liberdade, ou seja, “[...] a angústia é o modo ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão” (SARTRE, 2020, p. 72). 2.2.5 ESCOLHENDO O PROJETO DE VIDA É sabido que o ser do Para-si carrega a liberdade no seu coração e o ser-livre desprende- se nos possíveis situados, nesse sentido somente o ser-do-para-si pode nadificar por meio da liberdade que é. Escolher é condição da existência, pois o existente não é determinado ou poderia afirmar que a “determinação” do ser é ser-livre (PERDIGÃO, 1995). O Para-si é rachado, negação de si, ou seja, vazio, por isso o nada é a manifestação do movimento da liberdade, é nesse espaço de falta que o Para-si nadificase no mundo, projeta-se nos seus empreendimentos no cotidiano. O nada é a negação do Para-si que o possibilita encarar consciente que não é, não é pleno como o Em-si, desse modo o nada é a abertura para a liberdade, condição existencial. A liberdade é, essencialmente, o Ser no sentido de estar no íntimo, portanto o existente tem por caráter definir-se na realidade humana por meio das escolhas (SOUZA; SILVA, 2020). Nesse caso, pode-se observar esse movimento da existência no seriado original da Netflix, Something in the rain (2018), uma produção sul-coreana. Jin-A é uma mulher de 35 anos com emprego fixo e consolidado, moradora da capital da Coreia do Sul, Seul. Passou por muitos problemas de relacionamento com a família por questões culturais. No fim da trama, a personagem decidiu se demitir, com isso abandonou o emprego sólido, mudou-se para a Ilha deJeju e abriu um pequeno restaurante com sua amiga. Jin-A nunca imaginou trocar a movimentação da cidade urbana, para uma ilha pataca e distante da capital, isso significa que ela é o Nada, logo as possibilidades foram aparecendo para ela escolher e ao se deparar com a indeterminação da sua existência decidiu não mais sustentar uma identidade, uma carreira consolidada, “percebeu” que é o Nada e, portanto, é livre para constituir-se, fundar a si sem qualquer determinação e poder nadificar-se ao empreender seu projeto de vida de maneira situada, conforme escolheu. A liberdade aparece por meio do Para-si que não possuiu uma predeterminação, logo é vazio, o nada. Nesse contexto, a liberdade é manifestação do Para-si que busca preencher a abertura da rachadura que é, por isso é a partir das escolhas projetadas para o futuro que a existência do homem se faz, se forma e se empreende (SOUZA; SILVA, 2020). Contudo, Sartreressalta que as escolhas são situadas, fazem parte de um campo de sentido, a facticidade. Está na realidade objetiva, pois a liberdade descrita por Sartre não é similar ao subjetivismo abstracionista (PERDIGÃO, 1995). A facticidade é a realidade situada do existente, ou seja, compreende por aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos. Sartre considera a realidade situacional do cotidiano enquanto situações que aparecem no mundo as quais o existente está lançado sem qualquer roteiro a seguir, nesse caso a liberdade para Sartre é atravessada tanto pela subjetividade do Sercomo pela objetividade dos fatos enquanto realidade social, portanto ser livre é ser e ter o poder de escolher dentro dos possíveis (SOUZA; SILVA, 2020), logo, “a liberdade humana está na autonomia da escolha. Não consiste em poder fazer o que se quer, mas em querer fazer o que se pode” (PERDIGÃO, 1995, p. 89). 126 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Sartre entente por liberdade existencial o vazio no âmago do Ser do homem, por isso a possibilidade de movimentar a própria existência enquanto protagonista de si, sem a objeção de um Deus para narrar a história ou um autor que não a si próprio. Diante disso, essa liberdade integrada no nada é o ser humano, a essência de vir a ser após existir, pois o homem é o único ser o qual a existência preexiste a essência, ou seja, não há destino. O existente é indeterminado, nesse contexto é jogado no cotidiano situado para devir a si (SOUZA; SILVA, 2020). Souza (2020) reafirma que não há natureza humana que sustente a existência, visto que o homem é desprovido, destituído de um chão para fincar. Assim, a liberdade é o enfrentamento no mundo com o outro, posto que carregar o peso de si no mundo é escolher, agir e posicionar-se. Sartre define o ser como não amparado, no sentido de não estar destinado e somente amparado por si, isso significa que escapa ao determinismo para desvelar a si. O processo nadificante se dá no desgarrar-se, escapar-se e com isso, se nadifica livremente (FUJIWARA, 2020). O ser é temporal, portanto se temporaliza. A temporalidade e nadificação fazem parte da existência, o nada separa o passado, afasta o presente e distância o futuro. Esse movimento temporal acompanha a nadificação e engrena o Para-si em função da liberdade numa espécie de empurrão, ser jogado para si com e no mundo enquanto escolhe livremente, vivendo e experimentando. O passado é Em-si, fechado e acabado, o ser na forma do “eu era”, enquanto o Para-si se faz no presente no “estou sendo” e se projeta para o futuro no “irei ser”. Nesse contexto, “sou meu passado sob a forma de não sê-lo”, o processo paradoxal entre o tempo e a nadificação do ser, um abandono de quem eu fui, quem estou sendo e o desconhecido de quem virei a ser enquanto decido livremente nas possibilidades (FUJIWARA, 2020, p. 71). Nesse caso, a liberdade aparece angustiada diante de si, pois esse ser livre angustia-se por escolher enquanto se escolhe. O homem percebe na temporalidade que não é definido, precisa sustentar o nada que é, a sua indeterminação, o seu não ser (FUJIWARA, 2020). A liberdade é expressa em ato, portanto a escolha não é fundamento regida por uma essência superior que universaliza o eu e o outro. A liberdade é a essência das coisas que permite ao existente escolher, como também desvelar o mundo por meio dos possíveis e abrir possibilidades de ser na ruptura, o nada, por sua vez a liberdade é a nadificação do Para-si em função do Em-si (SARTRE, 2020). A negação do Para-si é a forma do ser humano desapropriar de ser livre, recusar a liberdade, contudo “não somos livres para deixar de ser livres” (SARTRE, 2020, p. 544). Nesse sentido, a liberdade é condição existencial a qual não se pode fugir, não existe essa possibilidade, pois até quando “escolhemos não escolher estamos escolhendo”. A liberdade é escolha, entretanto Paulo Perdigão (1995) não considera um agir somente na gratuidade de maneira arbitraria, existe coerência nos atos de cada sujeito, um significado que move as escolhas de cada homem a seu modo, esse formato de deliberações humanas é o projeto fundamental, tais decisões edificam o projeto de vida do existente. O homem é uma totalização-em-curso, o Para-si, que almeja segurança do Em-si, a permanência total de si, a solidez do Ser. Embora, o Ser evoca o Para-si no esforço de procurar segurança, visto que é fissura de si mesmo, aberto para poder escolher. Com isso, o Para-si é falta, ausência de Em-si, por isso busca por conversão, mas esse projeto de ser é ruína, logo persistir nessa concretude é findar no insucesso visto que insistir nessa solidez do Ser é “estar no futuro enquanto “espera de esperas”, como um eterno “ainda-não-que-será” (PERDIGÃO,1995, p. 106). 127 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 Mediante a isso, o homem agarra-se de definições para acabar com a frustração de não ser, o projeto fundamental inicia, portanto, na ocupação desse espaço vazio do ser do Para-si. É interessante afirmar que o projeto fundamental é tornar-se em uma “coisa consciente” (PERDIGÃO, 1995, p. 106), pois o homem é destituído de natureza humana, não existe coisaalguma inata no seu ser, apenas o poder de se eleger, porque é livre para criar a sua essência por meio da existência (PERDIGÃO, 1995). O projeto individual é instigado pelo desejo que o sujeito tem de fazer, ter e ser apropriação. O desejo de fazer é possuir o ter, por exemplo, eu faço esse trabalho para ter um diploma. O desejo de ter é a apropriação por fenômenos, por exemplo, ter conhecimento. O desejo de ser é a síntese entre o fazer e o ter, Perdigão (1995) menciona a autenticidade da possessão de querer pertencimento, ou seja, possuir o êxito de cumprir uma realização concreta. Essa posse é traduzida no sentido ontológico na relação entre ser possuidor e objeto possuído, portanto não cabe compreender a apropriação de acordo com as leis cívicas de ordem social. Para compreender o desejo sartreano, eis um exemplo, no filme original da Disney Tangled (2010) traduzido para o português Enrolados. Rapunzel, a personagem principal da animação, vivia trancafiada na mais alta torre do reino, distante da civilização e seu maior desejo era ver as lanternas que aparecem no céu todo ano no dia seu aniversário, para ela era uma falta que existia na sua existência. Certo dia, Flynn Rider apareceu em sua vida, um fugitivo da lei na esperança de encontrar um esconderijo na torre, contudo foi surpreendido pela presença da jovem moça. Rapunzel nunca havia visto outro ser humano além, é claro, da sua suposta mãe. Então, sugeriu a Flynn Rider que a levasse para conhecer as lanternas, contudo nunca havia saído da torre e sua mãe a fez prometer que permaneceria assim, porém Rapunzel é livre para decidir e mover o seu projeto individual. Motivada a buscar a realização do seu desejo, visto que é rachadura, ou seja, ela é o Nada, nadificou-se ao escolher sair da torre e procurar por uma concretude. Nesse contexto, Rapunzel fez uma escolha para possuir o desejo realizado e ser pertencente a algo, preencher a lacuna que há no Para-si (ela). O Para-si movimenta-se em direção a completude na tentativa de preencher a falta que há em sua existência, visto que é incompleto, o ser do Para-si procura incansavelmente acolher a apropriação, essa caça pela propriedade de ser confere em fazer e ter a si mesmo como o ser do Em-si, pois o ser de totalização-em-curso anseia por meio da apropriação e da posse ser um ser pleno e completo ao se perceber insuficiente em comparação ao ser do Em- si. Esse movimento do existente é o projeto individual o qual remete a ações simbólicas e significativas de tornar-se seu, adotar a si e possuir o “meu” e o “que sou” (PERDIGÃO, 1995).Pensar no projeto de vida é pensar em escolhas e como essas decisões constroem o tal projeto fundamental de cada sujeito. Veja, no seriado norte americano, How i met your mother (2005) tradução para o português Como conheci a sua mãe, narra como as escolhas feitas pelo personagem principal cominaram no encontro da sua esposa, mãe de seus filhos. Teddy Mosby almejava encontrar o amor da sua vida, com isso se colocou em situações paraencontrar mulheres e empreender um relacionamento sólido. Visto que ele é o Nada, fissura de si sem nenhuma predeterminação para guiar nessa jornada, por isso se escolhe, apropriar-se e se defini enquanto alguém que procura casar, ter filhos, um bom emprego, uma casa grande, esse é o seu projeto. Apropriar-se de identidades (ser pai, ser esposo, ser sucedido no emprego) para se definir, pois ele é o Nada lançado no mundo. 128 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 É certo afirmar que o Para-si fracassa ao possuir o objeto localizado no exterior, esseempreendimento ontológico escapa do sujeito, pois está sempre lançado para fora. O objeto em questão perde sentido, deixa de corresponder em dado momento, com isso esgota-se e o leva a outro desejo, ou seja, esse movimento de ser total é fadado ao fracasso, pois a possessãoé simbólica e apenas isso, nada além de passagem: “nós nos “enchemos” com o Ser concretoque nos falta” (PERDIGÃO, 1995, p. 110). O existente está jogando no mundo em processo de decadência e o objeto pelo qual o sujeito deseja e almeja possuir para preencher o nada do ser do Para-si está no mundo, com isso as escolhas são diferentes em cada homem, cada um simbolicamente escolhe o objeto pelo qual considera significante ao elaborar o próprio projeto fundamental (PERDIGÃO, 1995). Segundo Schneider (2011) o homem para Sartre é liberdade e está no mundo, realidade humana, portanto, escolhe a própria história ao escolher-se. As escolhas são ações livres, aparições da liberdade humana, a todo momento durante a existência o sujeito se escolhe, poisé livre. Mediante a isso, cada homem escolhe de maneira diferente visto que não há determinação que sustente as escolhas a não ser ele mesmo. Pois, “a vida é permanente escolha, e, com cada uma de nossas escolhas, escolhemos o que somos, definimos a nós mesmos, por nós mesmos” (PERDIGÃO, 1995, p. 113). Outro exemplo, no filme American Gangster (2008) traduzido para o português O gângster. Jimmy Zee trabalha para o seu primo Frank Lucas, um importante líder criminoso do tráfico de narcóticos. Richie Roberts é o investigador responsável pelo caso de Frank Lucas e seus crimes, após flagrar Jimmy atirando em uma mulher o leva para a delegacia e propõemum acordo, o qual o colocaria numa posição de traidor nos negócios de Frank Lucas. Richie Roberts ofereceu um acordo para Jimmy escolher, tentativa de homicídio com 15 anos de reclusão ou caso decida colaborar sairia sem fiança, sem queixa e sem ficha criminal. Richie Roberts diz “você escolhe” para Jimmy. De acordo com Schneider (2011) uma pessoa na situação de tortura vive a angústia dessa liberdade, visto que terá que escolher entre a dor, a morte, o silêncio ou aceitar a condição proposta por seu torturador. No caso de Jimmy, ele não era prisioneiro, mas a situação era de decisão, portanto escolheu conforme a sua liberdade dentro dos possíveis apresentados mesmo que angustiado, por isso aceitou a condição proposta e delatou os esquemas do seu primo para sair impune do crime feito. Jimmy poderia ter escolhido outra decisão ou poderia livremente criar uma possibilidade, mas escolheu o que surgiu como possibilidade na sua realidade situada. 2.2.6 MÁ-FÉ, ANGÚSTIA E RESPONSABILIDADE Consoante Paulo Perdigão (1995) o homem está lançado na realidade situada a procura de fundamentar a si, logo edifica o seu projeto fundamental para tornar-se concreto e pronto, nesse sentido a totalização-em-curso busca a solidez do Ser e nega a própria liberdade. Ao agir desse modo engana-se ao desconsiderar a própria condição existencial, ser livre para escolher e se constituir, pois lidar com a liberdade dessa maneira é fugir das próprias responsabilidades, como também uma tentativa de intrigante de dissimular-se sobre si. A má-fé é não reconhecer que está ignorando algo, seria prudente afirmar que a má-fé é uma negação não intencional? Para definir a má-fé é interessante diferenciar aquele que mente, pois o mentiroso esconde a verdade para o outro enquanto na má-fé a 129 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 mentira é contada por si e usada para vedar a si, ou seja, mentir para si (SARTRE, 2020). Dito isso, a má-fé é uma fuga da verdade a qual o próprio existente esconde, tal verdade é a liberdade evitada, poisliberdade é escolher e consequentemente sustentar o peso de ser livre é ser responsável por si. Esse fardo que o sujeito carrega durante a sua existência é uma forma de lidar com a realidade humana, com o fato de todo indivíduo ser livre. Por esse motivo a pessoa acredita na falsificação dessa verdade, isso acontece porque o ser da consciência é afastado de si, bem como “atravessado por negações, dualidades e ambiguidades” (CHURCHILL; REYNOLDS,2020, p. 65). Com efeito, ao acreditar nessa falsidade é preciso “cuidar” da verdade no sentido de ocultar para si, por exemplo, no filme De onde eu te vejo (2016) Ana Lúcia e Fábio são um ex-casal na grande metrópole de São Paulo, Ana acredita na crença de “sinais do universo”, “energias” e “astros”. Antes do fim do casamento Ana propôs a Fábio fazer um ritual o qual os dois encenaram o dia que se conheceram na intenção de evitar o fim da relação, Ana mencionou para Fábio “se você não levar a sério o universo também não vai levar”, Fábio diz que tudo aquilo não passava de uma brincadeira e Ana disse “Não fica falando que é brincadeira, porque daí não funciona. É um ritual”. Para Sartre isso é a manifestação da má- fé, Ana é livre e elege suas escolhas, embora negou a própria liberdade ao responsabilizar o universo da mudança do seu projeto de vida e negar para si que o relacionamento acabou. Aqui pode-se refletir a respeito do inconsciente psicanalítico para descrever esse movimento do existente, embora para Sartre essa ideia é refutada (SARTRE, 2020). A consciência é a liberdade, logo quando a consciência percebe o movimento de ser só, vazia e separada encara a realidade de não ter chão que assegure para escolher, por isso deparar-se diante de si, solto e livre, frente as escolhas e percebe a angústia, ao incomodo consciente de ser-livre, portanto a má-fé é o caminho da consciência de fugir desse peso da liberdade, “contudo a consciência até pode tentar fugir para ignorar, no entanto não pode ignorar que foge” (ALMEIDA, 2017, p. 26). [...] “a má-fé é para fugir do que não se pode fugir, fugir do que se é” (SARTRE, 2020, p. 118). Essa fuga se dá pela má-fé, pois a crença na negação é o suporte atribuído para lidar com os modos de ser ao tentar escapar da liberdade, contudo não se pode fugir, visto que a liberdade é a consciência livre de se perceber jogado no mundo, na cotidianidade, logo a ação de escolher é feita durante a existência do homem, não há como não escolher, pois não escolher é escolher. Deliberar é angustiante, como também sustentar a escolha feita, nesse contexto ser afetado pela má-fé é suspender a responsabilidade de si ao escolher (SARTRE, 2020). A angústia, consoante Churchill e Reynolds (2020), é a consciência reflexiva da liberdade. Escolher sendo orientado pelo futuro é angustiante, pois o devir desse projeto é não saber como será, apesar da projeção não existe algo que assegure concretizar tal realização. Qual seria a segurança dessa escolha feita no presente em direção ao futuro? Nesse contexto, a frustração dessa liberdade é perceber “minhas próprias atitudes, escolhas e ações futuras. Estou preocupado, em suma, com minha própria liberdade. Isso é angústia” (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020, p. 166). De acordo com Paulo Perdigão (1995) na angústia temporal o sujeito perceber-se lançado na própria temporalidade, distante de si, de quem fui no passado e de quem serei no futuro. Ser livre é a todo momento escolher, portanto é escapar-se de si nas deliberações visto que uma ação feita no passado não define uma decisão o presente ou no futuro. Na comédia romântica, Os delírios de consumo de Becky Bloom (2009), 130 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 originalmente intitulado Confessions of a Shopaholic, Rebecca é uma jornalista falida, apesar do recente emprego possuiu muitas dividas devido sua compulsão por compras. Ela tentou diversas vezes controlar seu comportamento, procurou ajuda no grupo de apoio para compradores compulsivos, assistiu aulas para gerir suas finanças e até mesmo congelou seus cartões em cubos de gelo na geladeira, durante um curto tempo reduziu a compulsividade, no entanto decidiu mais vez comprar. Isso significa, segundo Sartre que a escolha anterior não sustenta a escolha atual, logo a deliberação é uma constância e precisa de reafirmação ou então poderá mudar o projeto de vida como no caso da Rebecca. Perdigão (1995) ressalta que a liberdade sartreana é uma escolha individual, porém tal decisão é responsabilidade com a humanidade, valores e coletividade. Sartre utiliza da descrição de autenticidade para contrapor a má-fé, o sentido representado pelo existencialista corresponde ao compromisso de escolher, perceber a escolha de maneira clarificadora, apropriar-se das responsabilidades e, por fim, assumir os possíveis desse posicionamento (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020). Sartre (2018) afirma que todo homem é responsável pela a sua existência, todavia issonão significa dizer que é responsável somente por sua individualidade: “o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que ele é responsável estritamente por sua individualidade, mas que é responsável por todos os homes” (SARTRE, 2018, p. 26). Ou seja, toda escolha empreendida individualmente carrega a responsabilidade com a humanidade. Na minissérie original da Netflix Self Made traduzido para o português A Vida e a História de Madam C.J. Walker. Conta a história da primeira mulher negra norteamericana milionária do século XX. Sarah Breedlove foi uma empreendedora de sucesso com produtos para cabelo, a partir da sua autoimagem e necessidade de encontrar solução para os seus problemas com queda de cabelo, resolveu criar um produto próprio e comercializar para ajudar outras mulheres a reconquistar a autoestima. O sucesso das vendas e do produto de qualidade foi tanto que a Madam C.J aumentou sua linha de produção, comprou um local para produzir em grande quantidade, ampliou os negócios e empregou outras mulheres negras para a conquistar a independência financeira. Madam C.J mudou-se para Nova York e conquistou as prateleiras das farmácias, C.J em uma conversa com a sua filha e sucessora da empresa comentou “o intuito da empresa era dar escolhas e liberdade para mulheres como elas”. Madam C.J doou quantias generosas para faculdades negras. Ao escolher vender produtos de cabelo para outras mulheres Madam escolheu não somente ela, mas todas as mulheres. Para Sartre essa é a responsabilidade com a humanidade. A responsabilidade de ser livre é carregar o peso de existir e escolher-se lançando a sua própria humanidade em questão e intimamente na criação do mundo, ou seja, “é ser responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser” (SARTRE, 2020, p. 678). Paulo Perdigão (1995) conceitua essa modalidade como a escolha do universal, afirma que todos são responsáveis ao escolher e agregar valor significativo dessa decisão no mundo, pois ao deliberar lanço-me no mundo ao meu modo de ser e envolvo toda a humanidade. É evidente que ser livre é ser abandonado, solto e sozinho, jogado nos contornos do desamparo para escolher, angustiar-se e responsabilizar-se (SARTRE, 2020). 131 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 2.2.7 A RELEVÂNCIA DO CONCEITO DE LIBERDADE DO SARTRE PARA A PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Jean-Paul Sartre ainda se faz presente e vivo por meio das literaturas, além da grandeza dos estudos filosóficos e psicológicos. Pois, o seu devir foi compreendido e empreitado para contemplar a liberdade existencial enquanto condição humana ontológica, sua relevância foi tanta para a Psicologia fenomenológico-existencial em caráter de verificar o sujeito enquanto propriedade de si. A liberdade para Sartre é a essência da existência, escolher é existir, se posicionar no mundo frente a sua própria edificação de modo responsável com a própria humanidade e a humanidade do mundo. Por isso, encarar a liberdade existencial na Psicologia Fenomenológica é enfrentar o sofrimento de maneira diferente, antagônica as universalizações reducionistas do psicologismo. Sartre relacionou a liberdade existencial como abertura para o cotidiano de cada existente, reconheceu a angústia e a responsabilidade de escolher. Para a Psicologia Fenomenológica Sartre contribuiu imensamente ao descamar, desvelar e acolher o sofrimento de ser um existente que ao escolher a si escolhe o mundo, esse movimento pode serdifícil, conflituoso e angustiar (HOLLO, 2019). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme a discussão apresentada nos capítulos anteriores acerca do que é liberdade foi interessante comparar a construção das reflexões feitas por pensadores clássicos e contemporâneos, como também evidenciar concepções divergentes da liberdade humana. Pensar no homem enquanto condicionado a ser livre é questionar a própria plenitude autêntica, como também apurar outras noções: necessidades, escolhas, facticidade, vontades e desejos, as paixões e emoções em contraposição à racionalidade. Mas afinal, qual a definição de liberdade humana? Existe de uma única e verdadeira noção de liberdade? O existente é complexo, por isso o conceito de liberdade está diante de múltiplas possibilidades, ou seja, diversos prismas teóricos cujo releituras foram feitas na intenção de refutar teses ou complementar ideias, portanto desvendar tal abstração é compreender pressupostos por meio da criação do conhecimento. Mediante ao contexto, ser considerado um ser livre é ainda reduzir a existência individual, pois implica em interpretações deterministas, psíquicas, espiritualidade, política, leis da natureza humana, faculdades psicológicas ou biológicas, sociais, culturais de uma sociedade e como está organizada, além dos aspectos jurídicos e cívicos do estado enquanto ordem suprema. A liberdade humana foi pensada diante dos determinismos das ciências sociais, a natureza humana ou condição natural, conforme pensamentos foram rompidos ainda repercute de maneira universal o entendimento de ser autônomo uma questão de livre arbítrio, liberdadede expressão, ou seja, estas considerações são atribuídas por conta da influência dos filósofos e psicólogos clássicos ou modernos na tentativa de reunir uma explicação para a relação do sujeito com e no mundo. Por isso, inúmeras “fórmulas” científicas foram desenvolvidas para dar alusão a esta definição, porém definir o humano que muda de forma contínua é negar a essência da existência, a liberdade. Diante disso, a liberdade do indivíduo ainda é posta enquanto uma mensuração de leis superiores regida por Deus, Estado, psique, razão, moral, paixões etc. Assim, anula e limita a liberdade tal como é para o sujeito. Embora exista uma conquista paradoxal em 132 A Saúde Mental em Discussão - Volume 2 escolher de modo livre, pois ao que foi exposto o triunfo pela liberdade é um fardo que jamais homem algum obteve de forma completa, ou seja, de domínio pessoal e subjetivo. É taxada uma espéciede troféu que nenhum sujeito poderá alcançar e compreender outras dimensões sobre si para experimentar a completude de escolher livremente. Contudo, a liberdade é a existência, segundo Jean-Paul Sartre não existe uma corrida ou um caminho certo para viver, escolher. O movimento de ser livre é próprio e escolher é ser livre. Sartre empreitou o conceito de liberdade ao existencialismo, a liberdade existencial, encontrou na fenomenologia-existencial respostas e perguntas que comportam a existência humana. A relevância de Sartre para a Psicologia é importante, pois foi possível enfrentar a liberdade de outra maneira, além de olhar para o cotidiano como de fato é, sem quaisquer ilusões. Escolher é o movimento da existência humana, antes de ser essência nós existimos, não somos determinados a algo ou alguém. Estamos no mundo lançados, desamparados e livres para nos devir e edificar o mundo. Escolher não é um capricho ou uma contemplação utópica, escolher é engajar realizações em direção ao futuro, como também sustentar as decisões feitas e que ainda serão feitas, isso pode angustiar, afetar e mais ainda responsabilizarmos. A presença de Jean-Paul Sartre atravessou a Psicologia Fenomenológico-Existencial ao enfrentar as situações mundanas do existente lançado no cotidiano de modo atento. O presente estudo verificou a importância dos conceitos de Sartre como liberdade, má- fé, angústia, responsabilidade, projeto de vida, consciência para compor uma perspectiva para Psicologia Fenomenológico-Existencial atrelada ao existencialismo de Sartre. Pode-se compreender que a contribuição de Sartre para a Psicologia foi de enxergar o existente enquanto o próprio devir sem as amarras do psiquismo, pois o humano sartreano é o nada, sem determinação, sem natureza humana, sem um roteiro acabado para definir como deve ou não viver as experiências. E perceber isso é angustiante, pois remete ao existente perceber o quanto é incompleto de definições, falta algo e o existente está em busca dessa falta para dar sentido, ou enfrenta o conflito da perda de sentido no seu projeto de vida. Isso significa que todos para Sartre são livres para inventar o próprio projeto diante dos possíveis e sustentar o seu modo de ser indeterminado. REFERÊNCIA [1] ALMEIDA, J. Sartre e a má-fé na origem da consciência. Saberes – Revista Interdisciplinarde Filosofia e Educação. Natal. v. 1. n. 16. p. 24-36. 2017. [2] BRAGA, Arin Rommel Pinheiro. A questão da finitude nos escritos de Heidegger de 1927- 1930: transcendência, mundo e liberdade. 2019. Dissertação (Mestrado em Filosofia) Universidade Federal do Pará, Pará, 2019. [3] CHURCHILL, S; REYNOLDS, S. Jean-Paul Sartre: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Vozes, 2020. [4] ENDRISSI, T; STENZEL, L. Liberdade numa perspectiva da psicologia fenomenológicoexistencial: revisão sistemática da produção bibliográfica dos últimos vinte anos, Phenomenological Studies - Revista da Abordagem Gestáltica. Goiânia, v. 26, p.461-471, 2020. [5] FUJIWARA, G. A liberdade ontológica de Sartre: algumas considerações críticas. 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