A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Julio Cesar Pinto de Souza
Diego Rafael Cunha Cavalcante
Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo
(Organizadores)
A Saúde Mental em Discussão
Volume 2
1ª Edição
Belo Horizonte
Poisson
2022
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade
Conselho Editorial
Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais
Ms. Davilson Eduardo Andrade
Dra. Elizângela de Jesus Oliveira – Universidade Federal do Amazonas
Msc. Fabiane dos Santos
Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia
Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC
Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy
Ms. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S255
A saúde mental em discussão – Volume 2 –
Organização: Julio Cesar Pinto de Souza
Diego Rafael Cunha Cavalcante, Suelânia
Cristina Gonzaga de Figueiredo, Belo
Horizonte – MG: Poisson, 2022
Formato: PDF
ISBN: 978-65-5866-182-5
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5
Modo de acesso: World Wide Web
Inclui bibliografia
1. Saúde Mental 2. Psicologia I.
SOUZA, Julio Cesar Pinto II.CAVALCANTE,
Diego Rafael Cunha III.FIGUEIREDO, Suelânia
Cristina Gonzaga de IV. Título
CDD-150
Sônia Márcia Soares de Moura – CRB 6/1896
O conteúdo deste livro está licenciado sob a Licença de Atribuição Creative
Commons 4.0.
Com ela é permitido compartilhar o livro, devendo ser dado o devido crédito, não
podendo ser utilizado para fins comerciais e nem ser alterada.
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responsabilidade exclusiva dos seus respectivos autores.
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contato@poisson.com.br
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Comissão Organizadora
Julio Cesar Pinto de Souza
Graduado em psicologia clinica pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM),
especialista em psicologia do esporte (Faculdades Integradas-Brasília/DF) e Mestre em
psicologia (linha psicossocial) pela UFAM. Também possui especializações nas seguintes
áreas: Gestão com ênfase em Administração Hospitalar (FGV-RJ) e Relações Públicas e
especialidades de marketing (UVA-RJ). Participante do grupo de pesquisa Psicologia e
práticas socioculturais da UFAM. Parecerista da Revista Psicologia e Saúde. Atuação na
área da Assistência Social e professor de graduação e pós-graduação. Atualmente
professor do Instituto Metropolitano de Ensino – IME.
Diego Rafael Cunha Cavalcante
Possui graduação em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Manaus, pósgraduado em Psicologia Organizacional e em MBA em Gestão de Pessoas por
.
Competências. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia
Organizacional, T&D, Remuneração & Benefícios, assim como em Psicologia
Experimental e Pesquisas. Docente do Ensino Superior em Psicologia desde 2010.
Atualmente docente do Instituto Metropolitano de Ensino- IME.
Suelânia Cristina Gonzaga de Figueiredo
Doutora em Ciências da Educação pela Universidade Nihon Gakko/PI, Mestrado em
Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM,
Especialização em Gerência Financeira pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM,
Especialização em Educação Personalizada pelo CEUNI FAMETRO e Graduação em
Economia pela Universidade Regional do Cariri/Universidade Estadual do Ceará-UECE.
Atualmente é Coordenadora de Pesquisa e Extensão do GRUPO FAMETRO, atuando
principalmente nos seguintes temas: Pesquisa e Extensão, Iniciação Científica,
Sustentabilidade Ambiental, Articulação Ensino, Pesquisa, Extensão e Responsabilidade
Social na formação acadêmica. Idealizadora e organizadora do Congresso Científico
FAMETRO, do Programa Produzir e Publicar, realizando um trabalho de incentivo à
produção e publicação acadêmica.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
PREFÁCIO
Durante muito tempo a Psicologia e a pesquisa estiveram em um campo que
parecia muito distante da comunidade, sempre envolvida em uma aura de preconceitos
ou elitizada. Escrever e publicar parecia muito difícil, que somente os doutores o
poderiam fazer. Hoje percebemos que cada vez mais encontramos pessoas que buscam
participar ativamente da construção de caminhos que levem ao crescimento pessoal,
acadêmico e social.
Ao ser convidado para escrever o prefácio da obra organizada pelo Prof. Júlio
Pinto surge um sentimento de gratidão e ao mesmo tempo de imensa responsabilidade,
quando se percebe os caminhos que a Psicologia toma no Amazonas e gratifica a todos
aqueles que estão na docência, pois sonhamos inserir o alunado no processo da pesquisa
e descobrimos a vontade e a reciprocidade dos acadêmicos em não estarem apenas
expectadores mas se tornarem protagonistas diante deste proesso o que engradece os
caminhos e a produção de construção de conhecimento.
A obra em questão traz em seu bojo pesquisas efetuadas pelos finalistas do curso
de Psicologia da FAMETRO sob orientação dos Mestres da instituição que buscam de
forma integrada conduzir os acadêmicos a produção de material que seja disseminado
não somente dentro da faculdade mas que possa alcançar o maior número de leitores e
interessados sobre as temáticas abordadas.
.
Ao tomar esse material em mãos o leitor encontrará temáticas que caminham no
campo da Psicologia Positiva e sua atuação nas organizações; o psicólogo na atenção
multidisciplinar além dos instrumentos deste profissional, como a psicoterapia, na
compulsão alimentar; a mulher no contexto da violência e de suas relações ou final de
relações afetivas; drogas e impressões por parte de grupos militares; dependência
química e influência na família; a morte no contexto hospitalar; liberdade e existência na
visão de Jean Paul Sartre e também estudos sobre TEA.
Podemos perceber que a diversidade de temas, atuais e intrigantes, não é
destinado apenas a Psicólogos ou acadêmicos de psicologia, mas uma obra necessária
para toda a sociedade acadêmica e em geral visando assim, além da produção de
conhecimento, a divulgação das atividades propostas e efetuadas pela instituição.
Quando você, caro leitor, estiver folheando, seja fisicamente ou digitalmente este
riquíssimo material, primeiro o faça de forma descompromissada e logo em seguida faça
uma leitura apurada buscando entender, compreender e apreender todo conteúdo que é
resultado de trabalhos incansáveis e de qualidade.
Prof. Ênio Andrade
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
SUMÁRIO
Capítulo 1: Psicologia positiva nas organizações e no trabalho ........................................ 08
Edilamar Miranda Duarte, Rebeka Alves de Oliveira
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.01
Capítulo 2: Atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar do centro estadual de referência
e apoio à mulher de Manaus no acompanhamento de mulheres vítimas de violência ........ 21
Estefanny de Castro Arantes
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.02
Capítulo 3: Violência doméstica contra a mulher: O impacto psicológico na saúde mental
............................................................................................................................................. 36
Sabrina de Oliveira Ferreira
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.03
Capítulo 4: Saúde mental do militar: A percepção de militares de uma organização do
exército brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e drogas ........................................... 49
Vanessa Regina de Almeida Ladislau, Amanda Campos Larrat Froes
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.04
Capítulo 5: O processo diagnóstico vivenciado por mães de crianças diagnosticadas com
Transtorno do Espectro Autista (TEA) ............................................................................... 61
Gabriel Ruan Silveira dos Santos, Rebecca Marcela Dantas Mattos
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.05
Capítulo 6: A psicoterapia como auxílio no tratamento de pessoas obesas que possuem
Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) .................................................... 70
Sabrina Ferreira de Azevedo, Mayara Maria Martins Castro
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.06
Capítulo 7: A dependência química e os efeitos da codependência famíliar ..................... 80
Jovam Souza Barbosa, Taynara de Albuquerque Gallio
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.07
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
SUMÁRIO
Capítulo 8: Aspectos emocionais da morte no contexto hospitalar: A equipe de saúde e o
processo de finitude humana ............................................................................................... 89
Thalita Regina Araújo da Costa, Vanessa da Silva Almeida
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.08
Capítulo 9: Mulheres e o fim da relação amorosa: Uma compreensão fenomenológicoexistencial ............................................................................................................................ 99
Letícia Moura Patrício da Silva, Cleison Guimarães Pimentel
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.09
Capítulo 10: Liberdade e existência: A relevância do conceito de liberdade de Jean-Paul
Sartre para a psicologia fenomenológico-existencial .......................................................... 115
Rebeca Tomás Alves
DOI: 10.36229/978-65-5866-182-5.CAP.10
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 1
Psicologia positiva nas organizações e no trabalho
Edilamar Miranda Duarte
Rebeka Alves de Oliveira
Resumo: Grande parte da nossa vida se passa no ambiente de trabalho, é através dele
que conseguimos prazer e realização, logo, é de suma importância entender e construir
capital psicológico positivo para assim, criar ambientes de trabalho sustentáveis e
saudáveis, pois, permitem que tanto pessoas como organizações se desenvolvam. Uma
organização saudável, é o lugar onde o colaborador pode realizar seu trabalho de forma
saudável, através de recursos laborais necessários, que o auxiliam na proteção da vida,
conseguindo renovar suas energias, preservando o prazer, elevando a auto realização
durante suas atividades, garantindo o bem-estar e qualidade de vida. A partir do tema
apresentado, a fim de nortear a pesquisa, elaborou-se como objetivo geral deste
trabalho: Discutir o uso da Psicologia Positiva dentro das organizações. Esta pesquisa foi
norteada por um procedimento bibliográfico e abordagem qualitativa. A abordagem
qualitativa foi necessária, visto que se coletou uma variedade de materiais e práticas
interpretativas interligadas, visando compreender melhor o assunto em pauta. Para a
realização da coleta de dados foram pesquisadas fontes científicas nas plataformas
Periódicos CAPES, Scielo e PepsiCo Brasil. O material bibliográfico abordado para a
análise foram artigos, trabalhos acadêmicos, pesquisas apresentadas em congresso e
livros completos, todos encontrados nas plataformas científicas. Os objetivos propostos
nesta pesquisa foram alcançados, obtendo como compilação final a concordância com o
que há de mais recente sobre a psicologia positiva aplicada nas organizações e no
trabalho.
Palavras-chave: Psicologia positiva; Organizações; Organizações saudáveis.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A Psicologia positiva aplicada às organizações e no trabalho, tem ganhado espaço
dentro das organizações, ambiente acadêmico e entre trabalhadores de gestão e
desenvolvimento humano, assim como profissionais da área da psicologia
organizacional; pois este campo traz inúmeros benefícios, não somente para as
organizações, como também para os trabalhadores. Nesse sentido, aplicar os conceitos
da psicologia positiva nas organizações tem permitido mudanças extraordinárias, no
desempenho e engajamento das atividades laborais dentro e até mesmo fora das
organizações, como também para cada trabalhador.
A presente pesquisa elucida a importância e o impacto que uma organização
saudável para o bem-estar do sujeito. Conforme Guimarães (2018), boa parte da vida das
pessoas se desenvolve nos ambientes de trabalho, além do que o trabalho é
transformador, que viabiliza a realização dessas pessoas, por isso, compreender e
permitir que os ambientes de trabalho se tornem mais sustentáveis e saudáveis, habilita
os indivíduos e as organizações a se desenvolverem em conjunto por meio de políticas,
programas e práticas que promovam um ambiente equilibrado.
A partir do tema apresentado, a fim de nortear a pesquisa, elaborou-se como
objetivo geral deste trabalho: discutir o uso da psicologia positiva dentro das
organizações. A fim de alcançar o objetivo geral estabeleceram-se como objetivos
específicos: descrever as organizações saudáveis a partir da Psicologia Positiva;
investigar o uso da Psicologia positiva na construção do bem-estar no trabalho; destacar
o uso da Psicologia Positiva na construção do capital psicológico positivo.
Nos últimos anos as organizações buscam cada vez mais a valorização dos seus
trabalhadores, a reformulação das motivações, estilos de liderança diferenciados e maior
engajamento, por isso, a importância desta pesquisa está em evidenciar os benefícios
que a psicologia positiva pode proporcionar na resolução de conflitos internos, bem
como promover um pensamento criativo e original que possa contribuir para ambiente
de trabalho.
São múltiplas as contribuições que esta pesquisa proporciona ao meio acadêmico,
institucional, científico e social. Vislumbra-se como ponto de partida, quando se reflete
sobre a cooperação que este estudo oferece, ao meio acadêmico, a possibilidade aos
discentes do aperfeiçoamento de seus conhecimentos, o desenvolvimento de inúmeras
habilidades profissionais, além de proporcionar para a instituição e comunidades
científicas novas fontes de pesquisas.
No que tange à contribuição para o institucional, este estudo propõe subsídios
teóricos que visam auxiliar nas bases de estudo sobre a temática, além do que, numa
perspectiva macro a cooperação entre os diversos polos de ensino, como a resolução de
pontos específicos e a clarificação a respeito do assunto investigado. No campo da
ciência, nota-se a possibilidade de reforço teórico, corroborando com estudos pretéritos
que auxiliam o saber. E por fim, no âmbito social, destaca-se a consolidação da teoria à
prática, por meio dos estudos científicos, os quais, em investigação, perpassam pelos
contextos sociais, surgindo assim como agente transformador, ao promover reflexões e
mudanças sobre o tema em destaque.
Esta pesquisa foi norteada por um procedimento bibliográfico e abordagem
qualitativa. O procedimento bibliográfico foi através de fontes já publicadas, como livros,
teses, dissertações, artigos, entre outros (GIL et al, 2007). A abordagem qualitativa foi
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
necessária, visto que se coletou uma variedade de materiais e práticas interpretativas
interligadas, visando compreender melhor o assunto em pauta (DENZIN; LINCOLN,
2006).
Para a realização da coleta de dados foram pesquisadas fontes científicas nas
plataformas Periódicos Capes (CAPES), Scielo e PepsiCo, no período de 10 de agosto a 30
de setembro de 2021. O material bibliográfico abordado para a análise foram artigos,
trabalhos acadêmicos, pesquisas apresentadas em congresso e livros completos, todos
encontrados nas plataformas científicas.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para essa pesquisa foi feita uma busca no portal de periódicos da Capes
(http://www.periodicos.capes.gov.br/), Scielo Brasil (https://www.scielo.org/)
e
PepsiCo Brasil (https://www.pepsico.com.br/) no dia 06 de julho de 2021, com o
descritor “Psicologia Positiva nas organizações”, “organizações saudáveis”, “Bem-estar
no trabalho” e “Psicologia Positiva” com o filtro dos últimos cinco anos, e somente em
português, foram obtidos como resultado total de 245 publicações, das quais, 238 eram
artigos, 3 resenhas de livros, 1 Anais, 2 dissertações, e 1 trabalho acadêmico.
Além desses achados para essa pesquisa foi utilizada do acervo pessoal 6 e-books
e 1 livro físico. De todos os materiais encontrados na pesquisa, serão utilizadas apenas
16 publicações, por serem as únicas que tratam diretamente sobre Psicologia Positiva
nas organizações e no trabalho.
2.1 PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL POSITIVA
A psicologia positiva é uma área da psicologia que estuda os aspectos
psicológicos positivos dos seres humanos, como as virtudes, o bem-estar e a felicidade
(SELIGMAN, 2010). Para Claro e Filho (2019), a psicologia positiva investiga a
construção, o reforço e a promoção das capacidades e das forças humana, dais quais são
mensuráveis. Borges (2017) define a Psicologia Positiva uma abordagem nova, capaz de
tratar demandas antigas e atuais, utilizando-se da modernidade do mundo atual, que
tem como objetivo explorar o que há de melhor nos seres humanos, como suas forças de
caráter, virtudes, criatividade entre outras.
Para Holanda (2019) é o estudo científico das características positivas do ser
humano, por meio da compressão do que o faz sentir-se em estado de pleno
funcionamento, favorecendo a expressão do melhor de sua essência. Omais (2018),
afirma que a Psicologia Positiva não é uma ciência da “felizologia” que visa tornar todo
mundo feliz, tão pouco esquecer as emoções negativas, mas sim, fazer com que o
indivíduo seja estimulado a usar de seus próprios recursos, para neutralizar sentimentos
negativos.
Nesse sentido, a psicologia Positiva não nega as emoções positivas, pelo
contrário, entende a sua importância para a vida das pessoas, uma vez que é através
delas que se tornam mais resistentes, no entanto, o ideário é que essas emoções sirvam
apenas de alerta para resolução de problemas ou ameaças. A Psicologia Positiva é
diferente do pensamento positivo, que é pregada de forma errônea por outras teorias, a
positividade pregada pela psicologia positiva é algo mais profunda, provado por
pesquisas científicas, e traz diversos benefícios, tanto para o corpo, quanto para o
comportamento humano.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Este campo de estudo é estruturado em três áreas de investigação, que são a
experiência subjetiva; as características individuais; e os grupos, abrangendo
instituições e comunidades, (BEDIN; ZAMARCHID, 2019).Historicamente a Psicologia
Positiva teve suas raízes em 1970, com base na Psicologia humanista de Abraham
Maslow, Carlos Rogers, Victor Franklin, Moreno e Erich From, que já refletiam sobre o
que torna uma vida feliz, além de Aaron Beck e Victor Frankl, e assim abriram caminho
para o nascimento da Psicologia Positiva. (BOEHS; SILVA, 2017).
As práticas científicas e psicológicas no ambiente organizacional têm impactos
benéficos, uma vez que a ciência pode investigar quais forças e fraquezas o ambiente de
trabalho pode ter. Nesse sentido, Boehs e Silva (2017) afirmam que as estratégias da
Psicologia Positiva aplicadas às organizações, favorecem a criação de organizações
saudáveis, e que o objetivo dentro das organizações é estudar as estruturas, os processos
e os comportamentos das pessoas, reforçando a construção de comportamentos
positivos, com o objetivo de desenvolver o melhor das pessoas, focando nas virtudes e
no potencial. Para Vazquez e Hutz (2021, p.82) “a Psicologia Organizacional Positiva é o
estudo das experiências e traços subjetivos positivos no local de trabalho e em
organizações positivas, bem como a sua aplicação para melhorar a efetividade e a
qualidade de vida nas organizações”.
Para os autores Cunha e Esper (2017), Vazquez e Hutz (2021) a Psicologia dentro
das organizações, formam duas linhas de aplicação, que são a POS (Positive Organization
Scholarchiop), e POB (Positive Organization Behavior), a primeira procura entender, o
que faz as organizações e as pessoas terem alto desempenho, enfatizando a coragem e
otimismo, já a segunda, foca no desenvolvimento das competências e pontos fortes, para
melhorar o desempenho.
Recentemente, houve uma revisão teórica na aplicação da psicologia positiva nas
organizações e no trabalho e surgiu a POP (positive organizational psychology), um
termo mais globalizado com base nas duas anteriores, que segundo Donaldson e Ko
(2010, p.178), citado por Vasques e hutz, (2021, p,81) “é o estudo científico de
experiências e traços positivos no local de trabalho e em organizações positivas, e sua
aplicação para melhorar a eficácia e a qualidade de vida nas organizações”. Vasquez
(2019) salienta que a POP leva em consideração tanto as necessidades da empresa,
quanto das pessoas, buscando sempre ganhos mútuos é uma abordagem focada na
abundância, e que as intervenções têm se mostrado serem, bem-sucedidas no sentido de
melhorar tanto o bem-estar quanto o desempenho dos trabalhadores, além se ser uma
ferramenta que indiretamente, diminui indicadores negativos como estresse, Burnout,
depressão e ansiedade.
Nesse sentido, Boehs et al. (2017), entende que o propósito fundamental da
Psicologia Positiva é pesquisar e intervir na realidade histórica e social das organizações,
focando na criação e manutenção da cultura, estrutura e processos, que possam
contribuir para o desenvolvimento recorrente das qualidades, potencialidades e
virtudes humanas. Cunha et al. (2013) citado por Vasquez (2021, p.33) afirmam que:
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
[...] estudos positivos organizacionais, é um exercício de desenvolvimento das
virtudes humanas baseado em assunções positivas, mas realistas. Não é um
exercício de resignação conformista apresentado como realismo (no sentido
que a realidade comanda a vida). Os estudos organizacionais positivos
consideram que o sonho pode comandar a vida. Mas também assumem (ou
devem assumir) que a vida excessivamente sonhadora pode transformar-se em
pesadelo.
Pode-se observar através da literatura analisada, que a psicologia positiva tem
ganhado espaço dentro da psicologia organizacional, no entanto, ainda tem um longo
percurso a ser percorrido dentro das organizações. Para Favretto e Silva (2019), a
aplicação da psicologia nas organizações é muito recente, e precisa iniciar pela alta
direção, envolvendo mudanças em vários aspectos dentro das organizações, e não
somente como ações isoladas, visando a felicidade no trabalho. No entanto, traz vários
benefícios para as organizações, tais como: otimismo, resiliência, políticas e práticas de
gestão orientadas para o bem-estar, felicidade, melhores resultados de performance e
engajamento dos colaboradores, gerando dessa forma organizações mais saudáveis.
Vazquez e Hutz (2021) entendem que as relações de trabalho ainda são frágeis, e
pouco se tem feito para compreender a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, além
disso, o maior foco dos estudos ainda é sobre as características pessoais positivas, como
liderança positiva e capital psicológico. Contudo, para Holanda (2019) as organizações
consideradas positivas têm chamado a atenção de empresas e empresários, como uma
nova forma de gerir pessoas, com o objetivo de conseguir melhores resultados. A
introdução da Psicologia positiva nas organizações é uma ferramenta para a promoção
do bem-estar do trabalhador e a conquista de vantagem competitiva para as
organizações.
2.2 PARTICIPAÇÃO DA PSICOLOGIA POSITIVA NAS ORGANIZAÇÕES SAUDÁVEIS
Grande parte da nossa vida se passa no ambiente de trabalho, é através dele que
conseguimos realização e prazer, logo, é de suma importância entender e construir
ambientes de trabalho sustentáveis e saudáveis, pois permite que tanto pessoas como
organizações se desenvolvam. (GUIMARÃES et al. 2018). Partindo desse pressuposto,
Alves e Ambiel (2020) entende que organizações saudáveis são aquelas que possuem
ambiente físico e psicossocial que favorecem o bem estar das pessoas, e reconhecem as
necessidades tanto das pessoas, quanto das organizações, e essa relação ocorre de forma
mútua.
Para Vásquez (2019) uma organização saudável, é onde o colaborador pode
realizar seu trabalho de forma saudável, através de recursos laborais necessários, que o
auxiliam na proteção da vida, conseguindo renovar suas energias, preservando o prazer,
elevando a auto realização durante suas atividades. Boehs et al. (2017) define
organizações saudáveis como construções humanas com significados e propósitos, que
se percebe, entende e compartilha, além, do equilíbrio entre resultados, lucratividade,
bem-estar, felicidade e qualidade de vida.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Para uma organização se tornar saudável é necessário que além dela ser um
excelente local para se trabalhar, deve possuir algumas características, tais como: Os
relacionamentos entre os colegas devem ser saudáveis e significativos, os gestores
devem ser vistos e entendidos como íntegros e confiáveis, a missão a visão, devem ser
interpretadas e compartilhadas como significativas e de alta relevância para todos os
interessados (BOEHS et al., 2017). Ademais, Guimarães et al. (2018) enfatiza que para os
relacionamentos se tornarem saudáveis, devem possuir algumas peculiaridades como o
respeito, autonomia, valores e vitalidade entre e para as pessoas, focando sempre nos
relacionamentos, interações e realização de todos, criando assim trabalhos com
propósitos, significados e pertencimento.
Dessa forma, as organizações saudáveis trazem grandes contribuições para as
organizações, que conforme aponta Guimarães et al. (2018):
organização saudável permite trilhar um caminho positivo para a
produtividade e a sustentabilidade da organização e do trabalhador por meio
de um enfoque salutogênico, no qual saúde e segurança se tornam valores
estratégicos autênticos para toda a comunidade organizacional. Esse caminho
aponta práticas que geralmente constituem organizações saudáveis e que
buscam se alinhar ao conceito de trabalho decente e da dignidade humana.
(p.511)
Contudo, para Holanda (2019), descreve as organizações saudáveis e resilientes
como empresas com processos definidos, planejadas e proativos, como o objetivo de
melhorar resultados, e o ambiente tanto para colaboradores, quanto para gestores.
Para Holanda (2019) empresas que oferecem experiência negativas para as
pessoas, são chamadas de empresas destrutivas, que geram prejuízos tantos para
empresas, quanto para colaboradores. Diante disso, a Psicologia Positiva vem com o
objetivo de construir ambientes físico, psíquico e social que favoreçam o bem-estar,
qualidade de vida e felicidade, de tal maneira que essas empresas possam ser
caracterizadas como saudáveis.
Dessa forma, Boehs et al. (2017) entendem que as organizações saudáveis a
partir da psicologia positiva devem ser construídas através de políticas e práticas de
gestão positiva, tendo como base valores e crenças, vindos da cultura organizacional da
empresa. Essas práticas são “comunicação eficiente, apoio social, feedback, autonomia,
equilíbrio entre vida pessoal e profissional, trabalho em equipe e líderes positivos”
(BUDGE; SILVA, 2019, p.46).
A relação das organizações saudáveis para o bem-estar, a qualidade de vida e a
felicidade para Biavati et al. (2018) depende da relação entre esses constructos, que
devem ser construídas com base nas políticas e práticas organizacionais, que irão
fornecer as condições adequadas para promover a saúde do colaborador.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Figura 2. Qualidade de vida, bem-estar e felicidade no trabalho
Fonte: BIAVATI et al., 2018.
Holanda (2019) entende que organizações saudáveis, devem ter enfoque positivo
em seus processos e gestão, pois nos momentos de adversidade, se fortalecem e
crescem. Logo, para Boehs et al. (2017, p.57) “Organizações caracterizadas como
saudáveis expressam seus potenciais por meio de relações éticas, que se caracterizam
como equilibradas, reciprocamente confiáveis e não ameaçadoras”.
Uma organização saudável, a partir da Psicologia Positiva Para Vasquez e Hutz
(2021) deve ser uma constante, através de rotinas e práticas no contexto organizacional,
que orientam a conduta dos colaboradores, com estratégias para desenvolver a proteção
laboral, focando em fatores que freiem potenciais de riscos e prejuízos tais como:
1. identificação de potenciais ao trabalho saudável com ações que visem a
redução ou a mitigação de seus impactos: efeito amortecedor do risco laboral. 2.
avaliação do efeito na cadeia de reações aos potenciais riscos identificados e de
seu possível desdobramento em contagio negativo (processo estressor) ou na
espiral positiva de ganho (processo motivacional): efeito amortecedor do risco
laboral e possível efeito impulsionador do trabalho saudável.3. planejamento de
estratégia de desenvolvimento positivo baseada em emoções e estados mentais
propícios ao desenvolvimento do trabalho saudável e na construção coletiva de
rotas de bem-estar: efeito impulsionador do trabalho saudável.4. promover
intervenções com foco no engajamento no trabalho e na abertura de
oportunidades para as pessoas que possibilitem desafios e autorrealização, em
vez de dilemas ou vulnerabilidades continuadas: efeito impulsionador do
trabalho saudável (VASQUEZ; HUTZ, 2021, p.22).
Uma organização é composta de gestores e colaboradores, vistos como
essenciais, que dão vida e energia as estruturas e os processos, que criam e inovam
dentro das organizações, contribuindo dessa forma, com a qualidade de vida dentro das
organizações (VAZQUEZ; HUTZ ,2021). Portanto, os discursos de que os colaboradores
são o patrimônio fundamental das organizações, não deve ficar só no discurso, devem
ser confirmadas, através da criação de políticas e práticas de gestão positiva e eficazes
de gestão de pessoas, uma vez que isso não ocorra, existirá o sentimento de hipocrisia
por parte das pessoas que compõe o ambiente organizacional (BOEHS et al., 2017).
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.3 A PSICOLOGIA POSITIVA COMO FERRAMENTA PARA O BEM-ESTAR
Nos últimos anos tem crescido os estudos em busca de uma perspectiva positiva
em vários aspectos da vida, principalmente no ambiente de trabalho, focando no bemestar físico e mental (SILVA, 2020). Para Seligman (2010), entender os enfoques
positivos da experiência humana, estão entre as prioridades da psicologia do século XXI.
Dessa forma Biavati et al. (2018) afirmam que, nas últimas três décadas houve grandes
avanços científicos que caracterizam o bem-estar como gerador de uma vida saudável, e
tem como propositivo a compreensão fatores psicológicos. E diante de vários fatores e
mudanças no contexto do trabalho, as organizações estão focadas em construir um
ambiente de trabalho que aliados a produtividade e qualidade, seja um gerador de bemestar, uma vez que evidências empíricas demostram que tais variáveis afetam o
desempenho das pessoas e geram resultados organizacionais desejáveis (HOLANDA,
2019).
O conceito de bem-estar tem sido estudado a partir da psicologia positiva, e é
dividido em quatro categorias que são o bem-estar subjetivo, bem-estar psicológico,
bem-estar social, e bem-estar no trabalho (BIAVATI et al., 2018). Já para Vasquez et al.,
(2019) os estudos de bem-estar são divididos em duas linhas, que são o bem-estar
objetivo e subjetivo. O objetivo foca em questões de segurança e higiene, já o subjetivo
em questões psicológicas.
O bem-estar no trabalho tem ganhado espaço nos últimos tempos dentro da
literatura organizacional, haja vista que podem contribuir para melhores condições de
trabalho e de vida, e dentro da psicologia Positiva, é sinônimo de felicidade.
(PANTALEÃO; VEIGA, 2019). Silveira e Romani (2017) entendem que o bem-estar no
trabalho é compreendido como uma forma de trazer equilíbrio no ambiente de trabalho
de vários fatores, como financeiros, segurança, oportunidades de desenvolvimento,
crescimento profissional, reconhecimento, e que esses fatores devem estar ligados a
satisfação e envolvimento ao trabalho. Segundo Boehs et al. (2021), o bem-estar no
trabalho é um constructo de ordem psicológica, de múltiplos aspectos, e ao mesmo
tempo ajustado a vínculos afetivos positivos com o trabalho, que envolvem a satisfação e
relacionamentos, e com a organização, que envolvem o comprometimento, ou seja, e
prevalência de emoções positivas no ambiente de trabalho. Para Seligman (2010) é um
construto, e pode ser mensurado a partir de cinco elementos que são emoção positiva,
engajamento, relacionamentos, sentido e realização.
A satisfação no trabalho tem sido caracterizada como hedônico ou eudamônico,
na visão hedônica o prazer e a satisfação com a vida são os elementos centrais, dos quais
são sentidos com certa frequência, à medida que se sobressaem aos sentimentos
negativos, já na Eudaimonia entra a questão do sentido e significado do trabalho, sendo
visto como algo mais duradouro (PANTALEÃO; VEIGA, 2019). O bem-estar é
compreendido como um estado subjetivo de felicidade, caracterizado do hedonismo,
com foco nos momentos de prazer, já o bem-estar eudamônico, é um estado de bemestar psicológico, está relacionado a realização plena de todas as potencialidades, e
ambos se concentram.
15
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Muitos estudos afirmam que o conceito de bem-estar e felicidade são sinônimos,
porém, Boehs et al. (2017) afirma que não são sinônimos, e sim correlatos, e que a
felicidade é um fenômeno superior a qualidade de vida e ao bem-estar, por uma questão
de perenidade. Para Seligman (p.10, 2010) “O Bem-estar é um construto, e felicidade é
uma coisa. Uma “coisa real” é uma entidade diretamente mensurável. Uma tal entidade
pode ser “operacionalizada” — o que significa que é definida por um conjunto muito
específico de medidas”.
Figura 03. Interfaces e distinções entre qualidade de vida, bem-estar e felicidade
Qualidade
de vida
Bem-estar
Felicidade
Fonte: BOEHS et al., 2017.
2.4 A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA POSITIVA NA CONSTRUÇÃO DE CAPITAL
PSICOLÓGICO POSITIVO
Desenvolver o capital psicológico positivo dentro das organizações é de extrema
importância, pois está diretamente atrelado ao potencial e sucesso dos colaboradores,
dessa forma, é importante compreender os fatores que afetam o capital psicológico
positivo (SILVA, 2020). O entendimento do Capital Psicológico Positivo se dá através do
comportamento organizacional positivo, corrente que se opõe aos estudos comuns
organizacionais, que foca nas vulnerabilidades das pessoas. Os estudos voltados para o
capital psicológico avaliam as capacidades psicológicas positivas que podem estimular o
desempenho das organizações e validar o comportamento organizacional positivo.
(CLARO; FILHO, 2019).
Esse campo de estudo é um constructo que surgiu recentemente, e tem como
base a Psicologia Positiva, tem como proposta romper com a visão limitante e
adoecedora das pessoas, reduzindo-as como um simples recurso (BARBOSA, 2021).
Geremias (2017) entende o capital psicológico positivo como sendo um constructo
essencial e emergente, que está relacionado ao desempenho dos funcionários. Boehs et
al. (2017) conceitua capital psicológico positivo (PsyCap) como um construto positivo,
composto de quatro dimensões, que são auto eficácia, otimismo, esperança e resiliência.
16
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Luthans, Avey e Avolio (2006) citado por Geremias (2017, p.2) conceitua capital
psicológico positivo como:
Estado psicológico positivo de desenvolvimento de um indivíduo que pode ser
caracterizado por: (1) ter confiança para assumir tarefas desafiadoras e fazer o
esforço necessário para ter sucesso (auto eficácia); (2) fazer uma abordagem
positiva sobre o sucesso, agora e no futuro (otimismo); (3) ser persistente no
alcance de objetivos e, quando necessário, redirecionar os caminhos, em função
dos objetivos para alcançar o sucesso (esperança); (4) ser capaz de ultrapassar
os obstáculos e as adversidades, sem nunca desistir, para alcançar o sucesso
(resiliência).
Claro e Filho (2019) afirmam que essas quatros dimensões, foram estudadas e
validadas cientificamente com base em estudos e em conhecimentos teóricos e em solida
investigação empírica de Luthans e seus colaboradores, e para um melhor
entendimento, veremos as dimensões detalhada.
Claro e Filho (2019) conceituam a Autoeficácia como um estado afetivo que que
está direcionado para os desafios presentes e futuros, tem relação com a crença de
capacidade de ação, vontade, perseverança e intervenção do indivíduo frente a seus
desafios e obstáculos. É o tanto que o indivíduo consegue se desenvolver, impulsionar e
melhorar sua motivação, sua capacidade cognitiva e seus esforços ao desempenho com
êxito de seus objetivos em um determinado contexto (CLARO; FILHO, 2019). Nesse
sentido, Geremias (2017) assegura que, a autoeficácia se refere a confiança individual
que eleva os níveis motivacionais e os recursos cognitivos.
O Otimismo para Geremias (2017) consiste em estimular características
positivas e expetativas na realização de futuros eventos, para Claro e Filho (2019). É um
estado afetivo, que se direciona sempre para o futuro, mesmo que esteja num evento
presente, é a expectativa de que coisas positivas irão ocorrer para se alcançar resultados
positivos, frente uma situação que não é considerada positiva, pesquisam comprovam
que pode ser desenvolvido dentro dos indivíduos.
Para Claro e Filho (2019) é um estado afetivo, que se direciona sempre para o
futuro, tem como objetivos, planos e metas, que podem ser de curto e médio prazo. É a
determinação, força de vontade de conseguir algo, mesmo não tendo condições
favoráveis, na esperança se devolve diversas estratégias que se permite prosseguir sem
perder o foco, tem um impacto grande no desempenho do trabalho estudam compram
que pode ser desenvolvido dentro das pessoas, já para Geremias (2017) é uma relação
entre a determinação e a elaboração de etapas úteis e concretas para atingir metas e
objetivos.
E por último temos a resiliência que para Geremias (2017) é considerada como a
capacidade que permite aos indivíduos se adequarem e enfrentar positivamente às
adversidades, e para Claro e Filho (2019) é um estado afetivo, que tem foco em eventos
ocorridos no passado, porém, preparando os indivíduos para o presente. É a capacidade
de se recuperar de adversidades e aceitar a realidade, é capacidade das pessoas em
improvisar e se adaptar. Enfrentando as dificuldades com forma e confiança, sempre se
recuperando e gerando menos stress, pessoas com resiliência conseguem planejar o
futuro com melhores resultados, e pesquisam demostram que podem ser desenvolvidas
nas pessoas
17
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
O desenvolvimento do capital psicológico, dentro das organizações permite o
crescimento das pessoas, elevando a performance tanto no trabalho como em outros
aspectos da vida, e a relação das quatro facetas geram melhores resultados, tanto de
gestores, quanto de funcionários. (BOEHS et al., 2017). Conforme Geremias (2017), a
combinação dessas facetas permite que se crie um nível elevado de capital psicológico,
levando o indivíduo ter foco na realização das tarefas almejando o sucesso na conclusão
delas. O desenvolvimento de capital psicológico dentro das organizações permite
maiores desempenho de seus funcionários, conforme aponta Holanda (2019).
Um exemplo da relação de capital psicológico positivo com performance é
apontado por Seligman, quando este comprovou em um estudo, publicado em
1998, a eficácia da força do otimismo: o autor demonstrou que vendedores mais
otimistas vendiam mais, em comparação com os vendedores menos otimistas,
mesmo tendo está maior experiência do que os primeiros, reforçando a
importância da aplicabilidade do capital psicológico positivo no contexto
organizacional (p.36).
Silva (2020) entende que desenvolver o PsyCap é um investimento, mais que terá
retorno dos quais podem ser mensurados através da diminuição do turnover,
presenteísmo e absenteísmo, além de potencializar comportamentos de cidadania
organizacional, possibilitando as organizações terem melhores resultados. Holanda
(2019) afirma que pesquisas demostram que o Psycap tem influência na satisfação com o
trabalho, ao bem-estar afetivo, e qualidade de vida no trabalho, e cabe as organizações
criarem intervenções com intuito de desenvolvê-lo, com ações através de gestão, e que
devem estar abetos para relacionamentos verdadeiros com seus liderados.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta pesquisa foi possível compreender a contribuição da Psicologia
Positiva para as organizações, na formação do capital psicológico positivo e geração do
bem-estar e qualidade de vida. Apesar das autoras que vos escrevem trabalharem na
área organizacional, investigar, a partir dos artigos coletados, trouxe um olhar bem mais
profundo do que antes havia sobre o conteúdo exposto. O processo desde a identificação
de quais artigos, livros, anais entre outros a serem usados, até a conclusão deste
trabalho, foi uma construção de saber rica e relevância.
O modo que cada autor ao apresentar sua perspectiva mostrou como cada ideia
pode ser usada para alcançar por caminhos diferentes, uma organização pautada na
psicologia positiva. Os desafios foram muitos, pois durante a pesquisa foram nos
apresentas diversas ideias e de autores que não pertenciam ao contexto atual. Além
disso, por ser uma pesquisa que deveria ser dentro das organizações, para compreender
a real situação dos ambientes de trabalho, poucas são aquelas que abrem as portas,
tendo assim em abundância apenas perspectivas teóricas e escassos estudos de campo.
Contudo, grande parte das publicações sobre Psicologia positiva são publicados em
língua inglesas, o que dificultou a pesquisa.
Outro ponto a salientar, de extrema importância, foi a experiência obtida com a
realização desta pesquisa. É relevante destacar também a conexão existente entre a
presente pesquisa com o tema: A psicologia positiva aplicada às organizações e ao
trabalho e um outro tema o qual seria clima organizacional ou perfis de liderança dentro
das organizações.
18
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Os objetivos propostos nesta pesquisa foram alcançados, obtendo como
compilação final a concordância com o que há de mais recente sobre a psicologia
positiva aplicada nas organizações e no trabalho. Propõe-se a continuação deste trabalho
que vise explorar mais as características dessas organizações, e assim possibilitar
abrangência que explique melhor a dinâmica da psicologia positiva dentro das
organizações.
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relações com instrumentos de avaliação de afetos e interesses profissionais. Estudos
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19
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
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realização permanente. Rio de janeiro: objetiva, 2010.
[18] SELIGMAN, Martin E. P. Florescer: uma nova compreensão sobre a natureza da
felicidade e do bem-estar / Martin E. P. Seligman; tradução Cristina Paixão Lopes. - Rio de
Janeiro: Objetiva, 2012.
[19] SILVA, Cátia Mendes. Capital Psicológico Positivo, Satisfação com o Trabalho e Bemestar Afetivo com o Trabalho: o efeito mediador da Qualidade de Vida no Trabalho. Tese
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Acesso em: 06 de jul.2021.
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Bem-Estar, Engajamento e Redesenho no Trabalho. Avaliação Psicológica, São Paulo, v. 18, n. 4, p.
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organizacional e do trabalho na prática. 1. ed., São Paulo: Hogrofe, 2021.
20
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 2
Atuação do psicólogo na equipe multidisciplinar do
Centro Estadual de Referência e apoio à Mulher de
Manaus no acompanhamento de mulheres vítimas de
violência
Estefanny de Castro Arantes
Resumo: Ao longo dos anos, a violência contra a mulher tornou-se cada vez mais
evidente e frequente, o que obrigou o governo a buscar meios de contribuir para a
retirada da mulher agredida do ciclo de violência vivenciado. Dentre esses, a criação da
Rede de Apoio à Mulher de Manaus, que conta com serviços emergenciais oferecidos
gratuitamente às mulheres vítimas de violência. Este trabalho tem como objetivo
discutir a participação dos psicólogos na equipe multidisciplinar do CREAM (Centro
Estadual de Referência Apoio à Mulher de Manaus) no atendimento de mulheres vítimas
de violência, a partir do método de pesquisa qualitativa de caráter exploratóriodescritivo, sendo utilizadas entrevistas como instrumento sob a análise do conteúdo de
Bardin (2011). Após a leitura do material sobre o referido assunto, é possível inferir que
a atuação do psicólogo é de essencial importância não só para o encerramento do ciclo
de violência, como para a preparação da mulher para a pós-libertação do ciclo, quando
ela enfrentará o desafio de se redescobrir como ser individual e capaz.
Palavras-chave: Mulher; ciclo de violência; psicólogo.
21
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é uma realidade no cotidiano das cidades e do mundo.
Mulheres silenciadas pelo medo, pela dependência financeira e emocional, pela baixaestima resultante das manipulações do agressor e pela insistência do homem que não
aceita que ela se liberte do ciclo violento em que foi colocada. Embora seja um assunto
ainda pouco discutido, é de âmbito e questão sociais, visto que, para a prevenção ou
rompimento do ciclo de violência, é necessária a contribuição de equipes
multiprofissionais. Entre os profissionais dessa equipe destaca-se o psicólogo.
Nos casos de violência, o trabalho do psicólogo vai muito além de escutas
emergenciais e/ou terapêuticas, pois quando uma mulher é agredida verbal, moral ou
fisicamente, parte dela se despedaça. Parte dessa mulher desaba em dor emocional,
fragilidade, medo, insegurança, desesperança e baixa autoestima. O trabalho do
psicólogo tem mais significância que apenas escutá-la.
A partir dessa discussão, este trabalho foi conduzido com o objetivo geral de
discutir a participação dos psicólogos na equipe multidisciplinar do Centro Estadual de
Referência e Apoio à Mulher de Manaus (CREAM) no atendimento de mulheres vítimas
de violência. Para nortear a pesquisa e alcançar o objetivo primário, estabeleceram-se
como objetivos específicos: a. Levantar as atividades desenvolvidas pelo psicólogo no
CREAM no atendimento da mulher; b. Apresentar o ciclo de violência que gera danos
emocionais às mulheres vítimas; e c. Explanar sobre a importância de um profissional da
saúde mental para a recuperação da mulher vítima de violência.
Este trabalho contribui para que a sociedade perceba a gravidade do assunto
‘’violência contra a mulher’’ e tenha uma nova percepção quanto ao que é violência e
suas diversas formas, pois muitas mulheres ainda sofrem com a falta de informação e
acreditam que a violência só ocorre quando há agressão física.
Os resultados apresentam informações relevantes sobre o processo a ser
realizado quando a violência é identificada, discutindo o processo de recuperação do
trauma que a violência causa à vítima.
A presente pesquisa teve uma abordagem qualitativa e cunho exploratóriodescritivo. Segundo Mattar (1997), a abordagem qualitativa identifica a presença ou
ausência de algo. O uso da abordagem qualitativa buscou compreender os fenômenos a
partir da narrativa dos participantes, sobre a questão em estudo (GODOY, 1995).
Como instrumento de pesquisa foi utilizado a entrevista estruturada. De acordo
com May (2004), a diferença central desse tipo de entrevista “é o seu caráter aberto”, ou
seja, o entrevistado responde as perguntas dentro de sua concepção, mas não se trata de
deixá-lo falar livremente, pois o pesquisador não deve perder de vista o seu objetivo.
Para a coleta de dados, obteve-se inicialmente o termo de anuência da instituição
responsável e os trabalhos de coleta foram realizados no mês de agosto de 2021. Aos
psicólogos voluntários a participar da pesquisa, foram distribuídos individualmente e
todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para participar
da pesquisa, os psicólogos deveriam atender aos seguintes critérios: a) livre
concordância em participar da pesquisa através do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido; b) ser membro atuante do projeto que trabalha com mulheres vítimas de
violência; e c) trabalhar com atendimento psicológico à mulher vítima de violência.
22
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Para análise dos dados qualitativos, utilizou-se a análise do conteúdo de Bardin
(2011), que descreve um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em
constante aperfeiçoamento que se aplica a discursos extremamente diversificados.
Para o desenvolvimento da pesquisa, foram respeitadas as normas previstas na
resolução nº 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, preservando e considerando o
respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das
pesquisas científicas envolvendo seres humanos, além do desenvolvimento e do
engajamento ético.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir das perguntas elaboradas aos participantes foram construídas três
categorias. Da mesma forma, as respostas dos participantes foram analisadas e
classificadas de acordo com sua similaridade. As análises das respostas foram expressas
por palavras ou termos, as quais foram denominadas subcategorias, conforme figura
abaixo.
Figura 1 - Análises das respostas expressas por palavras ou termos
A importância do
psicólogo na equipe do
cream
Atividades que contribuem
para o processo de
recuperação das vítimas de
violência
A participação do
psicólogo no processo de
recuperação da mulher
vítima de violência
• fundamental/ suma importância/
essencial/ importância principal
•
•
•
•
•
•
•
•
acolhimento inicial
escuta qualificada
psicoterapia em grupo
psicoterapia individual
ressiginificação
autoconhecimento
percepção do que é real
empoderamento
Fonte: Autoria própria, 2022
A coleta de dados foi realizada em três momentos. No primeiro, foi questionada a
importância do psicólogo na equipe do CREAM. No segundo momento, os participantes
foram questionados sobre as atividades desenvolvidas para a contribuição da
recuperação das mulheres vítimas. Por último, foram questionados de que maneira o
psicólogo contribui no processo de recuperação da mulher vítima de violência. A seguir
serão discutidas as categorias e subcategorias levantadas.
23
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.1 A IMPORTÂNCIA DO PSICÓLOGO NA EQUIPE DO CREAM
Na primeira categoria, obteve-se uma única subcategoria, tendo em vista que na
síntese das falas houve unanimidade nas respostas das participantes: a importância é
fundamental.
As cinco psicólogas entrevistadas deixaram em evidência que consideram muito
importante a participação do psicólogo na equipe do CREAM, como podemos identificar
na fala da participante P1: “Eu gostaria muito de dizer que a psicologia é a essência do
CREAM, mas aí pode soar como se estivesse desqualificando algumas outras categorias.
Mas eu entendo que é isso, ela é fundamental”. Na fala da participante P4, consta o
seguinte: “Eu vejo como uma importância principal. É como se o psicólogo fosse uma base
e dele irradiasse, dele partisse, e dele fosse norteado o atendimento”.
De acordo com Chiattone (2000; apud Moré et al., 2004) No caso de estarem
esclarecidas as atribuições do psicólogo, espera-se que o profissional seja capaz de
mostrar competência o suficiente para que sua prática seja considerada necessária’’.
A participante P2 afirma que “O psicólogo é de suma importância na ajuda do
enfrentamento a violência contra a mulher. Por ser um profissional que atua com a mente
e responsável pelo comportamento humano, vai conduzir essa mulher a uma
autodescoberta”. O que corrobora com SPM/PR (2011, p.8), quando afirma que:
[...] o conceito de rede de enfrentamento à violência contra as mulheres diz
respeito [...] ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de
políticas que garantam o empoderamento e construção da autonomia das
mulheres, e os seus direitos humanos.
De acordo com Dutra (2004), não se pode pensar em um sujeito sem antes
entender sua história e o meio em que está inserido, isto é, compreender o contexto no
qual a mulher está inserida para, assim, buscar entender as atitudes a serem tomadas
para o seu processo de recuperação.
Cada mulher é um ser individual e, apesar de diversas vezes nos depararmos com
histórias e situações parecidas, devemos lembrar que somos seres individuais e que as
situações são encaradas de formas diferentes por cada vítima. A atuação do psicólogo na
equipe do CREAM também se torna essencial na função de entender a subjetividade de
cada paciente e assim traçar planos terapêuticos adequados para cada situação e para
cada mulher que chega à procura de acolhimento.
2.2 ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELO PSICÓLOGO QUE CONTRIBUEM PARA O
PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
Na segunda categoria, as profissionais foram questionadas sobre as atividades
desenvolvidas pelos psicólogos que contribuem para o processo de recuperação da
mulher vítima. Obtiveram-se quatro subcategorias: acolhimento inicial, psicoterapia em
grupo, psicoterapia individual e escuta qualificada.
24
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2.1 ACOLHIMENTO INICIAL
O acolhimento se dá pelo atendimento emergencial, sem agendamento prévio às
vítimas da violência doméstica, que ao chegarem à Instituição se encontram abaladas e
fragilizadas. Ele se constitui como um espaço de escuta especializada que propicia à
mulher uma reflexão sobre a real situação em que se encontra e suas necessidades. É a
partir deste que, posteriormente, as mulheres são encaminhadas para instituições
variadas que acolhem demandas da mulher em situação de violência. Quanto à questão
do acolhimento, a Participante P3 comenta: “A mulher quando ela chega ao CREAM ela
está totalmente fragilizada, então é feita uma escuta inicial, um atendimento a essa
mulher para saber quais as suas necessidades. Se são psicológicas, sociais ou jurídicas”.
Conforme Fiorelli e Mangini (2020), a vítima de violência doméstica encontra-se
com a autoestima diminuída, e seria mais que recomendável o acolhimento e apoio
psicológico e multidisciplinar.
Segundo Santos (2018) e Balbueno (2011), é necessário ressaltar a importância
do acolhimento e do apoio psicossocial às vítimas de violência doméstica, pois, na
maioria das vezes, essas mulheres se encontram em muitos conflitos psicológicos e
emocionais, além de um estado de saúde debilitado.
De acordo com Silva e Welzbacher (2011 apud AGUIAR; ROSO, 2016), o
acolhimento é uma ferramenta que promove, de algum modo, a resolução das demandas
pontuais dos pacientes. Assim, esta recepção mais humanizada às vítimas constitui um
espaço reflexivo. Dessa forma, o CREAM se configura como um ambiente de acolhimento
e de aceitação do usuário com sua dor e respeito, quando busca ajuda. Esse
entendimento é reforçado na fala da Participante P2 ao comentar que:
Se eu pudesse criar um protocolo de acolhimento inicial para mulheres vítimas de
violência no CREAM, eu colocaria um profissional de psicologia nesse acolhimento
inicial. Um psicólogo, um estagiário de psicologia, alguém que tenha essa
sensibilidade para entender o que aquela mulher está falando. Porque escutar, é
diferente de ouvir.(P2)
De acordo com o Ministério da Saúde, o “acolhimento” é definido como:
Uma diretriz da Política Nacional de Humanização (PNH), que não tem local
nem hora certa para acontecer, nem um profissional específico para fazê-lo: faz
parte de todos os encontros do serviço de saúde. O acolhimento é uma postura
ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimento do
seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabilização
pela resolução, com ativação de redes de compartilhamento de saberes
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008, p. 8).
Cezar (2007 apud LAGO, 2009) destaca a importância de um profissional apto
para realizar o acolhimento. Ele precisa possuir habilidade em ouvir, demonstrar
paciência, empatia e capacidade de deixar a vítima à vontade. Deve, ainda, conhecer
acerca da dinâmica da violência, atentando-se a preservar o estado emocional da vítima.
25
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Então temos que ter esse manejo [...] perceber os comportamentos, às vezes ter o
manejo pra saber se precisam de alguma coisa, porque a gente sabe que mexe
com a gente, porque somos formadas e temos essa noção, mas às vezes o pessoal
de social não tem essa noção e o jurídico também não, e é bom a gente dar essa
escuta.(P5).
2.2.2 ESCUTA QUALIFICADA
No processo de acolhimento, a vítima que por vezes acabou de sofrer a violência
chegava abalada, carregando o sentimento de culpa, desesperança e vergonha, o que a
impedia de conversar sobre o ocorrido com familiares e amigos. Nesse momento,
utilizando as técnicas de escuta adequadas, foi possível promover um vínculo de
confiança por meio do qual elas puderam relatar seus sentimentos e conflitos gerados
pela vivência de cada uma frente à violência.
Nesse sentido, Benincá et al. (2018) destaca a necessidade de um trabalho de
escuta psicológica junto a mulheres que sofreram violência doméstica, de modo a
disponibilizar momentos de acolhimento capazes de promover seu bem-estar
emocional, por meio de uma intervenção individual ou coletiva, capaz de levar as vítimas
a compreenderem e enfrentarem seus sofrimentos.
Fazer com que essa mulher entenda o cenário que está inserida faz com que ela se
enxergue a real situação e tenha mais disposição para mudá-la e recebendo todo
apoio da equipe ela se vê segura e com forças para dar os passos que precisa para
recuperar sua saúde mental. (P2).
A partir da escuta psicológica, foi possível perceber o sofrimento e o impacto
emocional que as acolhidas passavam e assim encaminhá-las às intervenções adequadas
a cada caso, de forma a atender às demandas. Nessa perspectiva, sabemos que a escuta
psicológica é, de fato, o grande instrumento com o qual acessamos o outro e, nesse
sentido, Dolto (2004), em seu trabalho clínico, já destacava que uma das especificidades
do trabalho clínico era justamente a capacidade de escuta.
Às vezes o jurídico não tem a sensibilidade da psicologia, ele está ali disponível
para ajudar essa mulher no que ela precisar diante da sua área, assim como o
social. Nós, psicólogos, somos responsáveis por ouvir as dores dessa mulher e
tratar com cuidado e empatia das suas feridas. (P1).
Nos casos de violência doméstica com agressão física, a vítima passa por um
médico legista que faz o procedimento de confirmação da agressão (que por si só, já é
uma outra forma de violência). Ele realiza também uma escuta referente ao ocorrido.
Entretanto, nesse momento de necessidade de atenção à saúde mental dessa mulher, é
realizada a escuta médica que, conforme Guedes (2003, apud FOSSI; GUARESCHI, 2004),
por vezes direcionadas apenas para obtenção dos dados específicos do procedimento
médico.
Quando chega ao CREAM a mulher é acolhida com a forma de escuta necessária,
acompanhada por um profissional da saúde mental que lidará com suas dores internas.
26
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2.3 PSICOTERAPIA EM GRUPO
A psicoterapia em grupo é um instrumento de extrema importância para a
recuperação da vítima, visto que ela pode reconhecer a sua história no relato de outras
mulheres, gerando, assim, uma esperança frente a entender que, por não ser a única a
passar por isso, pode também como as demais mulheres superar esse cenário.
Através das atividades realizadas no Grupo [...], pode-se verificar a
ressignificação das violências sofridas, no sentido que as mulheres têm a
possibilidade de se reconhecerem na dor das outras. [...] O grupo auxilia na
identificação da violência através do olhar do outro e para o outro, construindo
saberes outros sobre a melhor forma de combater as sequelas das violências
sofridas (GALVÃO, 2020, p.4).
Segundo os estudos de Boaventura Santos (2010, p.9, apud GALVÃO, 2020), toda
experiência social produz e reproduz conhecimento, e ao fazê-lo, pressupõe uma ou
várias epistemologias.
No Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher de Manaus, a psicóloga Flávia
Favoretti desenvolveu o ‘’Use suas asas’’, um projeto de psicoterapia coletiva com
mulheres vítimas, no qual visualizam a oportunidade de compartilhar suas experiências
de vida, expondo não apenas suas dores, bem como todos os traumas que subsequentes,
para posterior trabalho junto ao grupo e ao psicólogo, possibilidades de recuperação.
No processo de caminhar em conjunto, é trabalhar esses conceitos que estão
fragilizados na mulher, trabalhar essa superação, trabalhar novas possibilidades
para essa mulher que não se vê fora desse relacionamento. No coletivo, no
trabalho psicoterapêutico em grupo é demonstrar através de relatos que existem
mulheres que vivenciam a mesma situação. (P1).
A temática do grupo “Use suas asas” é trabalhar o feminismo no processo de
empoderamento, resgate de valores que foram ‘’perdidos’’ ou esquecidos no período do
ciclo violento, assim como trabalhar a ressignificação da violência para a mulher,
fazendo com que ela se entenda como ser de autonomia e independência.
Para Galvão e Lanne (2020), o grupo auxilia na identificação da violência por
meio do olhar do outro e para o outro, construindo saberes outros sobre a melhor forma
de combater as sequelas das violências sofridas. Quanto a isso, a participante P4 afirma
que:
Vendo suas histórias sendo contadas por outras mulheres, porque é assim que elas
se sentem quando se identificam com as histórias de suas companheiras de grupo
na psicoterapia de grupo, essas mulheres veem também que existem meios de sair
do ciclo violento. E isso dá a elas algo que elas não sentiam na maioria dos casos
há bastante tempo: esperança. (P4)
27
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Freud (1976) afirma que psicologia de grupo se interessa pelo indivíduo como
membro de uma raça, de uma nação, de uma casta, de uma profissão, de uma instituição
ou como parte de uma multidão de pessoas que se organizaram em grupo, numa ocasião
determinada, para um intuito definido. Sendo assim, um grupo de pessoas com
experiências e feridas diferentes que podem enxergar suas histórias sendo contadas na
história de outras pessoas.
2.2.4 PSICOTERAPIA INDIVIDUAL
A psicoterapia individual é uma forma da mulher se sentir acolhida e extravasar
sua dor através da fala e também se mostra como uma via para acolher o sofrimento
psíquico (ZUANAZZI; SEI, 2019).
Fochesatto (2011) afirma que por meio da fala o paciente recebe a oportunidade
de se conectar com ideias que muitas vezes podem estar recalcadas causando sintomas
atuais. Assim, o mesmo passa a ter uma nova compreensão dessa memória. Supõe-se que
enquanto o paciente manter ideias recalcadas do passado, estes se tornarão presentes,
uma vez que são constantemente atualizados através dos sintomas. Quando a reação é
reprimida, o afeto permanece ligado à lembrança e produz o sintoma. Observa-se a
importância da psicoterapia individual, nas falas abaixo:
Eu posso te dizer que a psicologia exerce um papel fundamental no CREAM [...] no
acompanhamento individual, quando aquela mulher chega na crise mesmo sabe?
E a gente faz aquela escuta pra tentar compreender o que ela ta passando. (P1).
A psicoterapia individual no CREAM deve ser considerada diferente da psicologia
clínica propriamente dita, uma vez que ‘’os acompanhamentos das mulheres
vítimas de violência são feitos semanalmente ou quinzenalmente dependendo da
demanda e urgência da assistida.(P3).
Trabalhar com a temática da violência doméstica e familiar contra a mulher é
uma maneira diferenciada de atuação do profissional da psicologia, pois se difere do
modelo da clínica privada, no qual o trabalho é feito em um consultório, através de
psicoterapia individual (MONTEIRO, 2012, p.22). A participante P4 evidencia essa
questão na sua fala:
Essa mulher ela chega no CREAM cheia de mazelas machucada ne ela chega com
uma dependência emocional muito exacerbada e o trabalho que a gente faz ali é
de reconhecimento da autoimagem porque a psicologia acredita que essa mulher
se reconhecendo como mulher como pessoa ela se sente na soberania de não ter
que depender de outra pessoa para ser feliz, ela se basta, né a gente vem
trabalhando isso. Então eu posso te dizer que a psicologia exerce um papel
fundamental no Cream tanto no acompanhamento individual que é feito
semanalmente ou quinzenalmente, como na escuta emergencial. (P4)
Na psicoterapia individual são trabalhadas a escuta das dores dessa mulher, bem
como o reconhecimento da sua autoimagem com o objetivo que essas mulheres, vítimas
de violência, “resgatem sua condição de sujeito, redescobrindo seus desejos e vontades,
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
que durante a relação violenta foram anuladas, além de resgatar sua autoestima”
(MONTEIRO, 2012, p.48).
Com o passar das semanas e do trabalho de acolhimento pode-se identificar
reações nas mulheres atendidas como: Sentirem-se mais seguras tanto socialmente
quanto de si, demonstrações de resgate de valores esquecidos, a volta do autocuidado e
a alegria de reconhecerem-se novamente como mulheres.
2.3 A CONTRIBUIÇÃO DO PSICÓLOGO NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA
MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA
Nesta categoria, as profissionais foram questionadas de que maneira o psicólogo
contribui no processo de recuperação da mulher vítima de violência. Foram obtidas
cinco subcategorias: ressignificação, autoconhecimento, empoderamento, percepção do
que é real e novos caminhos.
2.3.1 RESSIGNIFICAÇÃO
Quando uma mulher vítima de violência chega ao CREAM, ela recebe todo apoio
social necessário, sendo ele jurídico, social, psicológico e pedagógico. No processo do
apoio psicológico, inclui-se a psicoterapia, que é um processo de fundamental
importância na ressignificação da violência que essa mulher sofreu, como podemos
comprovar na fala da participante P1 quando afirma que: “ressignificando os processos
traumáticos que essa mulher passou então nós possibilitamos uma visão além do que ela
vê”. Assim, o trabalho do psicólogo pode levá-la a enxergar um mundo além da violência
que a traumatizou.
A ressignificação ocorre quando uma mulher chega ao serviço desacreditada
em si mesmo, achando que é culpada pela violência sofrida e envergonhada por
estar ali, e depois de receber acolhimento, atendimento e participar das
atividades do Grupo acaba por se reconhecer além de vítima, mas como uma
mulher forte, assim como todas as outras (GALVÃO, 2020, p.9).
Outrossim, em processo de recuperação e cura da pós-violência, em um processo
de ressignificação da violência à mulher precisa estar disposta a buscar ajuda.
Eu falo importante, por que é essencial a participação dela, a psicoterapia, o
psicoterapeuta ali é só uma porcentagem, a assistida precisa estar a par desse
processo que ela está iniciando, quando falo a par, ela precisa querer
ressignificar, ela precisa querer superar. (P1).
Não há como, no processo de tratamento da mulher vítima de violência, não
serem trabalhados princípios de autoimagem e empoderamento que desmistifiquem
esses tabus alimentados pela sociedade há anos.
Quando a mulher se enxerga como inserida no ciclo de violência e aceita que
precisa do processo de cura, são trabalhadas ressignificações, desmistificando
conceitos sociais impregnados desde que essa mulher nasceu. Por exemplo: ‘’briga
de marido e mulher ninguém mete a colher’’, ‘’casamento é pra sempre”. (P1).
29
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Trazer a essa mulher uma visão feminista de que ela merece grandes coisas e que
é capaz de conquistar sua independência é um passo importante no processo de cura e
ressignificação do cenário de violência do qual ela estava inserida.
Na concepção de Catarina Martins (2016, p. 267), “o feminismo implica uma
reflexão que entenda a opressão feminina e que formule pensamentos combativos e
empenhados em acabar com essa opressão”. Essa é uma das funções do psicólogo no
trabalho de ressignificação da violência para a mulher vítima: ajudá-la a entender
formas de continuar com a vida, redescobrindo-se como mulher capaz.
2.3.2 AUTOCONHECIMENTO
Um dos grandes danos causados pela violência e pelo ciclo violento é que a
mulher se perde, deixando de se reconhecer como mulher. Tal questão é bem
expressada na fala da Participante P2
Essa mulher sabe se identificar como mãe, como esposa, como filha, mas ela
esquece de se ver como mulher, esquece de quem ela é, do que gosta de fazer, do
que a faz feliz e principalmente, esquece do quanto ela é capaz de constituir uma
vida independente.(P2)
Essa mulher torna-se insegura, desenvolvendo uma baixa autoestima, pois, na
maioria das vezes, o ciclo violento faz com que essa mulher aos poucos vá se anulando
da relação, da vida, da autonomia e dos conceitos de felicidade que antes ela acreditava e
queria para si. Miller (1999) afirma que para a mulher tentar suportar a realidade da
agressão, ela tende a abdicar de seus sentimentos e de suas vontades. Nos casos de
violência continuada, a mulher passa a desenvolver uma autopercepção de incapacidade,
inutilidade e baixa autoestima, abandonando assim o seu amor próprio, conforme se
verifica na fala da participante P5 ao comentar que: “Aos poucos, o ciclo violento vai
fazendo com que a mulher esqueça-se de si. E passe a não se conhecer mais”.
De acordo com Assis (2017, p.5):
a capacidade de refletir sobre a própria realidade através do autoconhecimento
promove ações positivas no âmbito da saúde mental da mulher,
reestabelecendo assim uma relação de amor próprio com ela mesma.
Tal argumento é apresentado pela Participante P3 ao comentar que:
Através de suas técnicas e abordagem o psicólogo ajudará na ressignificação
dessa mulher, mostrando a ela autoconhecimento e fortalecendo seu psicológico
de situações e conflitos que foram vivenciados. Deste modo restabelecendo sua
saúde mental para que prossiga em uma nova caminhada de uma forma mais
saudável.(P3).
O autoconhecimento não deve ser confundido com achar que existe um padrão
perfeito e sem defeitos de mulher, que nunca saberá o que é ficar triste. “O
autoconhecimento se dá em descobrir quem você é em qualidades e defeitos e aceitar isso”
(P1). Além disso, o autoconhecimento está diretamente ligado com a aceitação do que
somos, dos nossos gostos e interesses, além de pontos fortes e fracos (WHO, 1997).
30
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.3.3 PERCEPÇÃO DO REAL
O ciclo de violência pode gerar danos físicos, mas também psicológicos e morais
na mulher. É de fundamental importância que sejam tratadas as feridas físicas por
profissionais capacitados, assim como, é também indispensável um olhar científico e
empático diante das feridas emocionais, que podem gerar na mulher distorção da
autoimagem, perda de valores, perda da autoestima e distorção sobre o que é real ou
não.
Bevenuti (2010) afirma que, em linhas gerais, distorções da realidade envolvem
uma visão que as pessoas mantêm de si mesmas, que não corresponde às suas reais
capacidades, sendo aumentadas ou diminuídas como acontece no caso das mulheres
vítimas. Essa percepção do real é apresentada pela Participante P4 ao comentar que:
No processo de viver um ciclo de violência é como se a mulher se visse em um
espelho quebrado, é como se fosse um tipo de mosaico e ela se vê com aquela
imagem destorcida. É uma mentira apresentada pelo espelho, então o que ela vai
fazer com isso né? O trabalho de reflexão envolve também ela entender que isso é
temporário, mesmo que seja uma fase longa, não breve, é temporário e não
definitivo. Ela está assim, ela não é assim.
Corroborando com a participante P4, a participante P2 afirma que:
Por o psicólogo ser um profissional que atua com a mente e responsável pelo
comportamento humano, permite que esse profissional venha fazer uma
intervenção na situação de violência que essa mulher se encontra, promovendo a
ela apoio, e resgatando valores que foram perdidos diante do ciclo de violência,
conduzindo essa mulher a uma autodescoberta do que ela realmente é e não do
que a violência fez com que ela pensasse que era. (P2)
A atuação do psicólogo no processo de recuperação da percepção de realidade
dessa mulher é de extrema importância, visto que o psicólogo irá auxiliá-la como
profissional da saúde mental a enxergar o contexto da realidade, bem como criar
estratégias para driblar e superar as consequências da violência. Isso é corroborado
pelos pensamentos de Hirigoyen (2006) e Monteiro (2012) os quais afirmam que a
mulher vítima de algum tipo de violência, maior parte das vezes, necessitará do auxílio
do psicólogo para criar estratégias que lhe permitam alterar sua realidade, assim como,
entendê-la e superá-la, resgatando sua condição de mulher e sujeito com desejos e
vontades.
2.3.4 EMPODERAMENTO
Como apresentado anteriormente nas categorias discutidas, uma das maiores
consequências da violência é o rebaixamento da autoestima da mulher. O papel do
psicólogo no CREAM, seja em tratamentos individuais ou em grupo, é resgatar esses
valores perdidos e fazer com que a mulher se enxergue autossuficiente e desenvolva
saúde mental e emocional para compreender que “toda ilusão criada pelo agressor de que
aquele amor doído era o melhor que ela iria conseguir na vida e que ele estava fazendo um
favor de estar com ela, é na verdade uma ilusão, uma manipulação”. (P5).
31
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
O empoderamento da vítima, realizado por meio da mediação psicossocial, auxilia
na transformação ou na saída da situação de violência, revelando formas de lutar pelos
seus direitos e objetivos de vida, em conformidade com os pressupostos de Tenório
(2012).
A participante P3 ressalta que, “quando uma mulher enxerga o valor que ela tem,
ela não aceita mais estar nessa situação, ela não aceita mais habitar nesse ciclo, ela se
enxerga como uma mulher emponderada” e diz: ‘eu não aceito mais isso’ (P3).
O empoderamento é olhar para si, para seus valores, desejos e vontades e
entender que não é qualquer tipo de amor que nos cabe. É ensinar essa mulher que não
há apenas o admirar do que há de bom e positivo, mas sim, entender que é um sujeito
com qualidades e defeitos e aceitá-los de maneira a não mais se rebaixar por achar
merecer menos.
O empoderamento pressupõe que o sujeito faça uma apreciação de si como capaz
de produzir uma mudança individual, ao nível das suas crenças e atitudes e,
consequentemente, tal pode contribuir para uma mudança social (GUTIERREZ, 1995).
Entender-se como sujeito também nos faz desenvolver responsabilidade afetiva
para com nós mesmos. A participante P2 aborda essa questão ao dizer que “se esse é o
tipo de amor que tu tens a me oferecer, me desculpe, mas não quero”. A participante P4
pontua corretamente o empoderamento da mulher ao comentar que:
Quando uma mulher entende através do processo terapêutico e do apoio recebido
também jurídica e socialmente que ela não está sozinha, e que nela existe uma
versão anulada pela violência que é uma versão dona de si e autossuficiente, ela
enxerga de fato seu poder. (P4).
Monteiro (2012) ressalta que o processo para se desvincular de um
relacionamento abusivo pode ser difícil e demorar anos se não contar com uma rede de
apoio para trabalhar essas questões e o empoderamento da mulher, podendo assim,
muitas vezes, dificultar a saída dessa mulher da relação e do ciclo violento.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desta pesquisa, foi possível compreender os danos profundos gerados
nas mulheres vítimas de violência e que nesse contexto o papel do psicólogo no trabalho
de acolhimento e tratamento para a recuperação dessa mulher é de essencial
importância nos órgãos de acolhimento.
Apesar de ter uma noção básica sobre o assunto por ter atuado por nove meses
na Rede, investigar isso de perto, a partir das entrevistas com as psicólogas atuantes no
CREAM fez com que eu desenvolvesse um olhar mais profundo do que tinha sobre o
determinado assunto. A produção deste trabalho, desde as entrevistas com as psicólogas
até o embasamento teórico e as conclusões finais, foi um processo de construção de
saberes rico e relevante para toda sociedade, bem como para o meu pensamento
profissional.
32
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
O modo como cada psicóloga descreveu sobre seu trabalho e a importância dele
demonstrou como é enriquecedor fazer parte de uma profissão que olha com cuidado e
empatia para cada pessoa, respeitando sempre seus valores e sua trajetória de vida.
É preciso muito cuidado e sensibilidade para tratar de determinado assunto e
com a confiança depositada em compartilhar sobre, pois ele foi pautado na construção
de algo válido e sensível, aqui apresentado conforme a problemática e o
desenvolvimento da pesquisa.
Foi desafiador trabalhar com uma problemática tão delicada e tentar inserir nela
todo processo e explicação da importância dos profissionais da saúde mental, bem como
a delicadeza do processo de cura da mulher vítima. É uma pesquisa que exigiu minúcia
na apuração dos fatos e informações para que o entendimento se torne edificante para
todos aqueles que lerem este texto.
A partir do que foi visto em relação a tal assunto, deve-se considerar que existem
poucas fontes que discutam a atuação do psicólogo no tratamento e recuperação de
mulheres vítimas de violência no Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher de
Manaus. Entende-se a necessidade de aprimorar as políticas públicas locais para que
visem a reverter o índice da violência contra a mulher na cidade por meio de
informações sobre a definição de violência e quais recursos a serem tomados diante
desse cenário, assunto ainda pouco conhecido pelas mulheres da cidade, que se veem
com medo e perdidas em relação a qual atitude tomar diante da violência, e das muitas
que ainda acreditam que violência é apenas quando há agressão física.
Por fim, propõe-se a continuação deste trabalho que vise a explorar mais acerca
das possíveis atuações do psicólogo na rede de enfrentamento à violência contra a
mulher, em maior quantidade de entrevistados, e assim, possibilitar a criação de novas
táticas a serem abrangidas no processo de acolhimento e de tratamento da mulher
vítima de violência.
33
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
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35
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 3
Violência doméstica contra a mulher: O impacto
psicológico na saúde mental
Sabrina de Oliveira Ferreira
Resumo: É notório que a violência doméstica contra a mulher ainda é um fenômeno
social entendido como uma das maiores barbáries cometidas por agressores que
promovem abusos psicológicos, físicos, sexuais e morais à vítima. Os autores desse tipo
de violência, além de possuir um vínculo direto com as vítimas, as manipulam, o que
causa destruição psíquica, desestabilização emocional e moral. Para que as vítimas
consigam se desvencilhar do agressor, elas precisam de ajuda profissional, nesse
sentido, o psicólogo é o especialista que promove a recuperação da saúde mental e bemestar das vítimas. Por isso, o objetivo deste construto visa discutir a atuação do psicólogo
no enfrentamento e tratamento das vítimas de violência doméstica. Os métodos foram
baseados em uma revisão sistemática de literatura, por meio de uma abordagem
qualitativa, de caráter descritivo. Os instrumentos da pesquisa foram obtidos por coleta
de dados pesquisados em plataforma digitais, por meio de publicações, revistas e jornais.
Os resultados apontam que a acolhida especializada é uma ferramenta imprescindível,
no que tange ao tratamento às vítimas, por meio da relação vincular profissional, a qual
auxilia a recuperação da saúde mental e motivacional das mesmas, expostas em grande
maioria e por anos, à violência doméstica. Tal elo de confiança com o profissional tem o
intuito de reduzir os traumas advindos dos tipos de violências citados, além de
recuperar a autoestima e independência da vítima. Conclui-se que essa recuperação não
depende apenas do vínculo profissional entre paciente e psicólogo, mas no engajamento
da vítima para encerrar esse ciclo de violência.
Palavras-chave: Violência Doméstica; Mulheres; Traumas; Saúde Mental.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A violência doméstica pode ser definida como um ato agressivo que pode
desencadear dor, sofrimento e traumas às vítimas. A literatura evidencia esse tipo de
violência relacionada aos lares e casais, estendendo-se em vários casos a todos os
membros de uma mesma residência, seus resultados são avassaladores podendo deixar
inúmeras sequelas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (2020, p. 01), o conceito de
violência doméstica tem relação com “qualquer ato de violência de gênero que resulte,
ou possa resultar em dano físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluindo ameaças
de tais atos, coerção ou privação arbitrária de liberdade que ocorram em público ou vida
privada”.
A origem etimológica da palavra violência é Latim “vis” (força) a interpretação é
o uso excessivo de força, obrigando que a pessoa aja contrário à sua vontade, contudo, o
conceito de violência doméstica é muito amplo e tal ato pode ser praticado por inúmeros
modos operantes (VIERA; GARCIA; MACIEL, 2020). Quando esse ato é contra uma
mulher, a agressão possui uma relação para além da questão física, pois geralmente
inicia com agressões verbais, pequenas ofensas e humilhações, que vão destruindo a
autoestima, autoconfiança e independência de suas vítimas. Ela funciona como uma
prisão que contém paredes emocionais e psicológicas. A violência doméstica é um
fenômeno social que vai depauperando a vítima, gerando consequências emocionais,
físicas, cognitivas, sociais, comportamentais, econômicas e culturais (SILVA et al., 2020).
O ciclo da violência se inicia na primeira fase denominada “aumento de tensão”,
nesta etapa o agressor tende a demonstrar um comportamento alterado e começa a criar
discussões por qualquer situação ou ato banal do lar, proferindo palavras ofensivas e
colocando a responsabilização de todos os transtornos à vítima que é constrangida e
humilhada por ele (BATISTA; MARQUES, 2020). Nesta fase, os impactos emocionais
começam a surgir, desenvolvendo o sentimento de culpa na vítima e não permitindo que
ela consiga avaliar a situação. Após isso, surgem conflitos emocionais como medo,
angústia, tristeza, pequenas crises de ansiedade, a vítima fica sem saber qual o
procedimento tomar, por se sentir insegura e indecisa (REIS, 2018).
A segunda fase é chamada de “ato de violência”, quando o agressor está mais
descontrolado, transformando seus atos em violências verbais, morais, psicológicas e
patrimonial. Nessa fase geralmente a vítima não consegue reagir e absorve toda tirania.
A vítima busca ajuda e desenvolve reações psíquicas mais severas como ansiedade,
insônia, perda de peso, conflitos internos como culpa pela reação do companheiro,
vergonha e insegurança (SILVA, 2018).
A terceira fase ocorre uma mudança repentina, momento em que o agressor
surge arrependido e com um comportamento carinhoso. Como um comportamento
sedutor, o algoz manipula a vítima com promessas, mantendo um curto período de “lua
de mel” e voltando em pouco tempo aos comportamentos da primeira fase com uma
intensidade maior que a primeira vez (REIS, 2018).
Esse ciclo de violência cria um sentimento de inferioridade nas mulheres,
tornando-as objeto do comportamento sádico e cruel dos agressores. Um ponto que
agrava esse fenômeno social é a banalização dos relacionamentos violentos, pois
colocam o agressor como um ser honrado, justo pelas suas atitudes e a mulher se torna
um objeto sexual e de caráter duvidoso (FINCO, 2018).
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
As consequências da violência levam ao desenvolvimento de transtornos
psiquiátricos e sentimento de desvalia e baixa autoestima. A depressão é uma das
consequências das mulheres expostas à violência doméstica, nesse quadro a vítima
passa a realizar atos de autossabotagem, alimentando pensamentos negativos, os quais
tendem a consumir e destruir qualquer intenção positiva. A depressão nesses casos é
vista como um transtorno mental, fase em que o portador perde a motivação em
qualquer área de sua vida, vivenciando uma agonia, dor e tristeza profunda (BITTAR;
KOHLSDORF, 2017).
Existem outras doenças ou transtornos desencadeados por vítima de violência
doméstica, em grande parte elas apresentam uma aversão a convivência social, traumas
e desencadeiam outros eventos, sem contar os impactos oriundos de violência sexual,
que acarretam inúmeras sequelas emocionais e em muitos casos Infecções Sexualmente
Transmissíveis (ALBUQUERQUE; CALLOU; MAGALHÃES, 2021).
É valido citar que muitas dessas mulheres se submetem a esse tipo de violência
por vários motivos, dos quais é importante salientar: 27% por questões econômicas,
20% falta de ajuda para criar os filhos, 15% medo de perseguição do agressor, e grande
parte das mulheres por não ver resultado jurídico em criar condições de protegê-las e
ajudá-las (DIAS; CANAVEZ; MATOS, 2018).
Por todo o exposto, é notório que as consequências são previsíveis, uma ligada
aos ciclos repetitivos dos agressores, dos quais as vítimas em primeiro momento não
conseguem se desvencilhar, por motivos já citados anteriormente, bem como os
inúmeros transtornos que surgem com a violência, os quais desencadeiam o Transtorno
de Estresse Pós-traumático (TEPT), síndrome do pânico, fobias específicas ou sociais,
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), com sintomas reais ou psicológicos causando
uma angústia imensa ao portador.
Para a recuperação das vítimas da violência faz-se necessário profissionais da
saúde mental, entre eles o psicólogo. No atendimento psicológico a essas vítimas, o
profissional busca criar um vínculo, dando-as segurança necessária para diagnosticar os
transtornos e ajudá-las a conviver com eles, e/ou superar. Nesse aspecto, a acolhida à
paciente e o tratamento clínico buscam restabelecer a segurança e preparar as mulheres
para denunciar o agressor, além de conseguir superar esse período de conflito, além do
resgate como da convivência em sociedade (PEREIRA; CAMARGO; AOYAMA, 2018).
Com essa temática para investigação, o objetivo geral do estudo foi discutir o
trabalho desenvolvido pelo psicólogo no enfrentamento à violência doméstica, uma vez
que a profissão escolhida permite levar qualidade de vida, auxiliar no processo de
enfrentamento a situação de violência, pode ser trabalhado questões de autoestima,
autonomia, autoimagem, etc. Ao considerar este aspecto mulheres vítimas de violência
vivenciam dores e traumas tão intensos, muitas vezes incompreensíveis, devido a sua
complexidade. Nesse sentido, o especialista tem o poder de contribuir com a
recuperação em muitos aspectos dessas mulheres, a fim de que as mesmas voltem a
possuir objetivos claros e lutar por eles.
Esta investigação foi baseada em uma revisão sistemática, por meio de
procedimento bibliográfico e abordagem qualitativa. Corroborando com Roever (2017,
p. 01) destaca que “A metodologia da Revisão Sistemática deve ser explicada de forma
clara e lógica”. A natureza da pesquisa foi básica, buscando agregar informações sobre
determinado tema, os objetivos descritivos buscaram informar sobre aspectos da
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
violência doméstica como um fenômeno social, com resultados avassaladores a suas
vítimas, por meio de procedimentos bibliográficos.
As publicações utilizadas foram obtidas por meio de plataforma digital e bancos
de dados como Scientific Electronic Library Online – SCIELO.ORG, SCI – HUB, Medical
Literature Analysis and Retrieval System Online – MEDLINE/PUBMED, Google Acadêmico.
Por meio de uma pesquisa qualitativa que enriqueceu o embasamento teórico textual.
Teve início no segundo semestre de 2021, fase em que se priorizou material atualizado a
começar de 2016 em diante. O estudo abordou “Violência doméstica contra a mulher: o
impacto psicológico na saúde mental.
As contribuições acadêmicas da pesquisa possuem relação com a compreensão
das fases explanadas acima, dos possíveis traumas e sofrimentos acarretados à vítima,
como também as possíveis variáveis de transtornos oriundos da violência doméstica.
Além disso, é preciso identificar os métodos dos agressores, com suas respectivas
variáveis, as quais resultam na desestruturação emocional e racional podendo ainda
chegar ao homicídio ou suicídio da mesma. Quanto a contribuição do estudo para a área
da psicologia, este estudo pretende agregar informações que possam auxiliar na
detecção da violência doméstica e incluiu algumas possibilidades de tratamento de
transtornos, papel que somente os profissionais da área podem desenvolver.
É válido ressaltar que, tal pesquisa contribuiu para a desmistificação do
fenômeno da violência doméstica, baseada em critérios sociais que cultuam os conflitos
entre homens e mulheres como um problema marital, quando na verdade é um
problema de saúde pública, o que necessita de enfrentamento e punição legal aos
agressores, bem como garantir suporte adequado às vítimas, para que recebam
tratamento psicológico e apoio.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nos resultados desse estudo foram selecionados 21 publicações, sendo 01
publicação do Ministério da Saúde, 01 publicação das Organização das Nações Unidas, 01
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, que estatiza os registros da violência
doméstica no Brasil entre outras análises quantitativas, 01 publicação da Organização
Pan-Americana da Saúde, 04 publicações de artigos de conclusão de curso, 09 artigos de
revista, 01 seminário sobre a violência da mulher, 01 simpósio e 2 publicações em
jornais.
2.1 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO NO TRATAMENTO DE VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
É de extrema importância que o rapport, bem como a aliança terapêutica sejam
bem estabelecidos, já que o contato inicial é um fator determinante dentro da
intervenção psicológica, pois este pode influenciar nas demais sessões em casos de
processo psicoterápico ou no decorrer de toda a sessão em caso de escuta emergencial,
não obstante, leva-se em consideração o perfil da vítima de violência doméstica, como já
citado anteriormente este é marcado por baixa autoestima, desesperança, medo,
ansiedade, retração, entre outros, ou ainda pelo desenvolvimento de transtornos
psicológicos (FINCO, 2018).
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
O psicólogo por sua vez, para o bom estabelecimento de vínculo necessitará de
uma postura acolhedora, ética e livre de julgamentos morais, ressaltando sempre a
confidencialidade e sigilo profissional, citados pelo Código de ética, a fim de proteger ,
por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que
tenha acesso no exercício de sua profissão (CFP, 2005), sendo este sigilo quebrado
apenas em casos de risco real a vida da vítima, como predispõem ainda, o código de ética
do psicólogo.
Destarte, a vítima tende a ter sentimento de culpa e vergonha, sendo necessário
que a mesma visualize por meio do seu terapeuta a abertura de um espaço, cujo possa se
sentir segura e acolhida para compartilhar seus medos e anseios, assim contribuindo
para a adesão ao processo terapêutico (FINCO, 2018).
O papel da Psicologia, nesse contexto, se dá pela capacidade de informar,
acolher, ter escuta ativa, orientar, apoiar e contribuir para a efetivação da rede
intersetorial de atendimento às mulheres. (Souza e Souza, 2019). O tratamento
psicológico à vítima de violência doméstica busca auxiliar a desvinculação do agressor,
bem como prepará-la para lidar com os traumas e consequentemente supera-los,
fazendo com que a mesma se desvencilhe do sentimento de culpa e vergonha, outrora
citados, cultivado pelo período exposto a violência.
Ainda sobre a atuação do profissional da psicologia neste cenário, o Conselho
Federal de Psicologia, dispõe por meio do CREPOP (2013), atribuições essenciais na
atuação prática do profissional, sendo estas; A) Acolhimento: como já exposto
anteriormente, a mulher vítima, pode apresentar comportamentos de fuga e esquiva,
advindos da violência sofrida, portanto a necessidade de uma escuta qualificada, sendo o
sigilo inerente e primordial a esse tipo de trabalho. Levando-se em consideração a
dificuldade da vítima que já sofre pela exposição a inúmeros procedimentos jurídicos
(em casos de denúncia) e a pressões sociais e familiares. B) Planejamento de atuação:
O atendimento à mulher vítima de violência, por vezes, pode demandar a inserção de
profissionais de outras áreas, sendo necessário o acompanhamento transdisciplinar da
mesma, de forma articulada. Nesse sentido, cada profissional atuará em sua
especialidade visando compreender a vítima e proporcionar saúde. Cabe ainda ao
psicólogo o estabelecimento e cumprimento de um cronograma e horários para
atendimento da vítima. C) Encaminhamento: O encaminhamento deve ser entendido
como ato de conduzir ou orientar a vítima que está sendo atendida em determinado
serviço para outro, este ato, no entanto não transfere a responsabilidade do Psicólogo
para qualquer outro profissional, é apenas o acolhimento de eventuais serviços que
venham ser necessários. D) Acompanhamento: Este se dá pelo monitoramento do
próprio serviço prestado a vítima, bem como dos encaminhamentos ou trabalho
transdisciplinar, sempre estabelecendo diálogos que viabilizem intervenção conjunta no
suporte a vítima. E) Estudo de caso: o estudo de caso permite ao profissional um
suporte que serve para visualizar de forma minuciosa o caso do “paciente/vitima”,
possibilitando assim a tomada de estratégias resolutivas.
É fato que a psicologia possui diversas abordagens teóricas, no entanto a teoria
cognitiva e comportamental, como aponta Beck citado por Finco (2018), é uma
abordagem com ampla intervenção em diferentes demandas psicológicas, sendo uma
abordagem de procedimentos cientificamente comprovados. A TCC estabelece que o
primeiro procedimento metodológico adotado é a conceptualização cognitiva da
paciente, a fim de estabelecer os objetivos a serem trabalhados, seguido pela
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
identificação de pensamento, emoções e comportamentos envolvidos na situação
vivenciada pela vítima.
Como mencionado anteriormente a vítima apresenta baixa autoestima,
pensamentos negativos e automáticos, portanto a identificação do modelo cognitivo se
torna fundamental para possibilitar a vítima novas perspectivas de vida. (FINCO, 2018).
Por meio disso objetiva-se alcançar a reestruturação cognitiva da vítima, que consiste na
desconstrução de pensamentos automáticos e disfuncionais, bem como crenças
limitantes, ocasionando atenuação dos sintomas e conseguinte qualidade de vida (BECK,
2013).
Existem variadas técnicas que podem ser exploradas pelo psicólogo de
orientação cognitiva e comportamental, como, psicoeducação que objetiva orientar e
nortear o paciente acerca de pontuais problemáticas, aqui em específico a violência
sofrida pela mulher. Técnicas de role-plays, conhecida pelas dramatizações e ainda o
encorajamento na tomada de decisão, por meio da técnica de vantagens e desvantagens.
É válido ressaltar que como afirma Beck (2013), o objetivo da TCC é tornar o paciente o
seu próprio terapeuta, por tanto tais técnicas podem potencializar a melhora
significativa nos danos sofridos por mulheres vítimas de violência.
As barreiras encontradas pelo psicólogo são inúmeras e cada vítima pode
apresentar um quadro diferente na recuperação de sua saúde mental, esta por sua vez,
está relacionada com a maneira que a vítima reagiu a toda pressão externa sofrida pelo
período exposto à violência, as consequências são variáveis de cada caso tratado, não
existindo uma terapia única e especifica, muitas vezes o que deu certo para um paciente
não surtira efeito ao outro (ZOTTO; MEHL, 2017). Algumas mulheres se encontram tão
destruídas e seu psíquico acabam se tornando fragmentos de dor e sofrimento, havendo
a necessidade de um vínculo que produza credibilidade entre psicólogo e paciente. É
preciso citar que, um dos maiores desafios está relacionado ao trabalho de desconstruir
a culpa sentida pela paciente, bem como a forma de manipulação do parceiro, seguida de
uma restauração da confiança e o desejo de viver, sonhar e idealizar e correr atrás de
seus objetivos, além do reestabelecimento da saúde mental dessas vítimas.
Spinillo (2018) frisa que a Lei Maria da Penha é uma ferramenta jurídica que
possui o papel de “atender mulheres vítima de violência. Contudo, mesmo que a
legislação elenque e tipifique a violência psicológica como dano emocional e obstrução
aos desejos e autoestima de suas vítimas, o sistema judiciário ainda carece de
mecanismo e percepção para punir o agressor, desconsiderando todo o sofrimento
psíquico dessas vítimas. Desse modo, a vítima não recebe esse acompanhamento e
tratamento dos transtornos desenvolvidos pela prática causada.
2.1.1 POLÍTICAS SOCIAIS
Dado o exposto, é válido citar o que Castilho (2018) afirma, pois há inúmeros
abusos sofridos pelas vítimas como físico, psicológico, patrimonial, demonstrando que a
justiça inseriu o psicólogo no campo jurídico para que ele trabalhasse o equilíbrio
emocional das vítimas para que elas possam ter condições de denunciar seu agressor.
Contudo, o sistema de justiça ainda não foi preparado para prestar uma resposta rápida
a sociedade, pois após a formalização da queixa alguns mecanismos devem ser
realizados pelo Ministério Público para sanar questões que garantam a possibilidade da
vítima buscar recompor sua vida, entre elas existe o “mandato de segurança” que
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
deveria garantir que o companheiro não se aproximasse da vítima, contudo analisando
os números de mandatos expedidos em 2019 eles chegaram a 32 mil medidas protetivas,
isso significa atestar que o sistema de justiça falhou com 114 mulheres que foram a
óbitos.
Outra questão é a falta de preparo dos profissionais que recebem essas vítimas
em delegacias, ao considerar que existem 417 delegacias e mais de 5000 cidades no
Brasil, pode-se acreditar que muito ainda precisa ser realizado não apenas na questão
legal, mas também na conscientização social. Albuquerque e Callou e Magalhães (2021)
enfatizam que, além das violências citadas por Castilho, as vítimas sofrem violência
moral, ou seja, o agressor descredibiliza a vítima perante a comunidade local, ruindo
mais ainda a determinação e autoestima das mesmas. Essa questão vem sendo usada em
tribunais com o intuito de punir a vítima, o agressor se alia a pessoas com as mesmas
convicções morais e apoiam-se um ao outro perante o júri. Vale ressaltar que, em muitos
casos a vítima foi cerceada de seus direitos sociais, a violência e imposição do agressor
limitaram a mulher à vida doméstica. Isso contribui para fortalecer atitudes errôneas do
agressor e destruir ainda mais a vítima. Silva et al. (2020) frisa que a conivência e o
machismo cultural brasileiro são ferramentas a serem combatidas para buscar a redução
do impacto da violência em mulheres. A história brasileira atesta essa prática de coerção
e violência doméstica como parte de sua rotina diária, desde a colonização Portuguesa
houve a exploração sexual das índias, posteriormente a escravidão. As negras eram
abusadas sexualmente, violentadas e exploradas, o que deixou um histórico a ser
combatido para a busca igualitária social.
A violência doméstica trata-se diretamente de um problema de saúde pública,
estes por sua vez estão relacionados aos problemas que afligem um determinado grupo,
que represente uma parte da sociedade, desse modo esses conflitos com sequelas
diversificados e de resultado final grave como o feminicídio. Situações citadas fazem
parte da rotina de inúmeras famílias e se não for realizado um enfrentamento, as
mazelas emocionais e físicas não se limitam aos casais, mas aos filhos que cresceram
com inúmeros transtornos e possíveis quadros de sociopatia. Além do fazer-se cumprir a
legislação, é indispensável que a sociedade busque uma maneira alternativa em
conscientizar todos dos prejuízos psicológicos e físicos.
2.2 PRINCIPAIS TRANSTORNOS EMOCIONAIS DESENVOLVIDOS PELAS VÍTIMAS
Para Batista e Marques (2019) a fragilidade das vítimas de violência doméstica é
resultado de anos de exposição a violência psicológica, destruição da sua autoestima e
ações que desestruturam sua motivação. Esse poder em controlar a vítima e dominar
todas as suas resistências estão ligados diretamente com anos de violência sofrida e
foram explicadas no ciclo da violência frisados na introdução do estudo. Kosak, Pereira e
Inácio (2021) afirmam que, a violência doméstica infelizmente ultrapassa as paredes da
casa, sendo estendida em ambientes públicos frequentados pelo casal e filhos. O algoz
tende a humilhar, constranger e ridicularizar a vítima em locais públicos como
restaurantes, lanchonete e eventos sociais, o agressor aproveita todas as oportunidades
de destruir a autoestima da vítima.
Os anos de sofrimento das vítimas tendem a colocar essa pessoa em uma inércia,
sem estrutura emocional para lutar e desvencilhar-se desse conflito, seu ambiente já não
lhe garante proteção e a expõe a conflitos. Não existe um local seguro se o companheiro
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
estiver com a vítima e como ele controla suas idas e vindas ela acaba aprofundando-se
mais a sua dor, que realizará inúmeros problemas emocionais.
Para Bittar e Kohlsdorf (2017) alguns transtornos comuns em mulheres vítimas
de violência no âmbito doméstico estão de acordo com TSPT – Transtorno póstraumático, síndromes de pânico e automutilação, consumo indevido de substâncias
licitas, como álcool e ilícitas como substâncias tóxicas que levam ao quadro de
melancolia, podendo evoluir para áreas físicas e tentativa de assassinato.
Baragatti et al (2019) complementa que os principais transtornos emocionais
são baseados em quadros de depressão, falta de motivação perspectiva de sair desse
círculo vicioso, vinculados em grande maioria dos casos de condições financeiras de auto
sustento. Mas um dos maiores agravos resultantes da violência doméstica está
relacionado ao abismo de solidão que as vítimas acabam entrando, pois se sentem
envergonhadas pela situação vivenciada e passam a se isolar cada vez mais, obtendo
sentimento de culpa por todos os acontecimentos, fragilizada e manipulada pelo
agressor ela passa a entrar no ciclo da violência e não encontra forças para sair.
Uma das graves consequências das situações citadas acima é o desequilíbrio da
saúde mental da vítima, pois o agressor a coloca como uma pessoa desequilibrada e o
que a desequilibra psiquicamente. A partir destas investidas a vítima passa a
desenvolver inúmeros transtornos que podem afetar desde sua estrutura emocional e
física. Envolvida entre a primeira fase da tensão marcada por ofensas, humilhações ela é
ameaçada constantemente, nesse período o caminho segue para a segunda fase a
explosão da violência onde o algoz parte para as agressões físicas e ainda culpa a mulher
por isso. Nesse estágio a manipulação comum o agressor passa a tratar a mulher com
atenção e faz inúmeras promessas, nunca honradas, e esse é o terceiro estágio, a lua de
mel.
Dias e Canavez e Matos (2018) a violência psicológica contra a mulher é um
problema tão extenso que as instituições nacionais e internacionais de saúde na década
de 80 declararam a violência contra a mulher como um problema de saúde pública e
nessa mesma época as instituições públicas e privadas passaram a vincular às suas
equipes multidisciplinares o profissional de psicologia, a fim de estruturar avaliações
das vítimas.
Finco (2018) complementa que as terapias comportamentais auxiliaram os
psicólogos a criar estudos e auxiliar nas novas diretrizes para proteção a integridade
física da mulher. Contudo são poucos os postos de saúde compostos por equipe
multidisciplinar que tenham um profissional da área de psicologia, tentando sanar essa
situação as instituições, as quais passaram a compor os CAPS – (Centro de Atendimento
Psicossocial). No entanto, mesmo com esse esforço existe apenas uma instituição dessa
para atender a demanda de uma região sendo insuficiente os números de profissionais,
fora o custo de deslocamento para que a vítima receba atendimento.
A maioria das doenças psicológicas manifestadas pelas vítimas de violência
doméstica são reações emocionais que podem variar aos longos períodos de traumas e
frustrações obtidas no âmbito doméstico. Conseguir tratamento na rede pública ainda é
uma tarefa árdua, visto que a vítima em grande maioria das vezes está desempregada e
precisa restaurar-se em todos os campos sociais.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Para Souza e Souza (2019) inúmeros programas foram criados buscando tratar
os transtornos mentais das vítimas de violência, contudo a legislação só veio em 2006,
onde houve a criminalização dessa barbárie. Silva et al (2020) mesmo com a legislação e
as inúmeras políticas públicas nunca houve um real interesse em sanar ou reduzir
drasticamente a violência, as cidades não possuem estrutura para receber as vítimas e
nem para encaminhá-las para abrigos, dependentes do agressor a grande maioria volta
calada para casa e desiste da denúncia, a maioria das cidades não possuem delegacia da
mulher para receberem a denúncia e nas cidades pequenas o constrangimento impera o
socorro (SILVA, 2018). Todos os aspectos citados nessa discussão elencam a dificuldade
em romper o ciclo da violência entre dependência emocional, financeira e a falta de força
emocional para recomeçar.
A limitação de políticas públicas que possam gerar resultados expressivos,
precisa ir além do papel legislativo, a necessidade de direcionar as vítimas para casas de
acolhidas com oferta de ajuda profissional e profissionalizante. Recomeçar após um
período de exposição a violência doméstica é uma tarefa árdua e complexa, sendo
necessário a ampliação de programas que sanem as dificuldades das vítimas, que vão
além do dano psicológico, físico, moral e também atinge em grande maioria a questão de
sobrevivência financeira da vítima e filhos, visto que as pensões raramente são
suficientes a sua sobrevivência.
2.3 A IMPORTÂNCIA DO ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO ÀS VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Para Costa (2019) o impacto sofrido por essas mulheres, são os mais cruéis
possíveis, sendo necessário inúmeras sessões de terapias para que elas possam buscar
seu recomeço e a motivação que tanto foi destruída. Para a ONU (2017) essa violência é
maior do que a denunciada em média ela alcança 1 a cada 3 mulheres, a necessidade em
conscientizar cada vez mais as mulheres seria um diferencial em reduzir esses índices. O
IPEA (2019) demonstrou que entre os últimos 02 anos a violência diminuiu pelo menos
no aspecto de denúncias, mas mesmo assim os números são altíssimos. A pandemia do
COVID-19 trancafiou mulheres junto aos seus algozes, além da pressão externa, como
massificação televisiva sobre os aspectos que envolveram a fase da quarentena, levaram
tal situação, ainda, ao desemprego, angustia e conflitos gerais como perda de entes
queridos e pessoas próximas, mais as limitações dos serviços públicos podem ter sido
agravadoras de situações devastadoras dentro dos lares.
Mesmo com a amplitude da violência doméstica, ainda existem inúmeras
vítimas que não se sentem representadas pela legislação, tais vítimas não denunciam
seus agressores, o que gera uma sensação de impunidade aos algozes. O medo
perpetrado dentro das vítimas precisam ser trabalhos em parceria com instituições
como escolas, e outros grupos que possam contribuir com a divulgação de informação
sobre o que é a violência doméstica e como ela acontece.
O Brasil possui uma cultura de marginalização das vítimas, enaltecendo os
agressores e apoiando-os, preservando uma cultura agressiva e machista, a necessidade
de modificar essa visão pode e deve ser trabalhada nas escolas com o intuito de mudar a
visão cultural da sociedade. Mello (2017) argumenta que, a violência pode regredir se a
sociedade for reeducada, ou punida, nossa colonização portuguesa e a violência
exacerbada aos povos indígenas e aos negros deixou claro nossa herança cultural, pois é
notório que a mulher sempre foi vista como um objeto.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A necessidade em mudar o layout de acolhida as vítimas de violência doméstica
precisam ser reformuladas e resultar no atendimento e tratamento das mulheres, bem
como a execução penal desse crime. Além da punição penal em um sistema de justiça
cheio de falhas e processos que tramitam em um ritmo moroso, a necessidade de a
vítima conseguir retomar as rédeas de sua vida por meio de terapias, tratamento
medicamentosos e principalmente um trabalho que lhe garanta a dignidade de
recomeçar sua vida.
Brasil (2020) afirma que, no ano de 2019 o Governo federal vem criando novos
mecanismos para socorrer vítimas de violência doméstica, mas nem sempre há um
esforço no âmbito municipal em fazer a diferença as vítimas. A verdade que a dimensão
continental do Brasil vinculado a falta de interesse na esfera municipal e estadual fazem
que em grande parte as verbas não cheguem as instituições que possam auxiliar as
vítimas de violência. Para Viera, Garcia e Maciel (2020) a pandemia de COVID-19
prejudicou muito as políticas públicas e a limitação dos serviços públicos e privados
dificultando ainda mais a minimização da violência doméstica.
E além de todos os complexos existentes, as mulheres mais sensíveis passam a
autodestruição para reduzir a culpa e o seu sofrimento, realizando automutilação um
fenômeno onde a vítima se mutila para criar dor a si mesmo, demonstrando a
dificuldade em lidar com as pressões humanas. Essa característica não é vista como uma
doença e sim como um sintoma que mostra que a pessoa precisa de ajuda.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a psicologia a violência doméstica e um dos maiores desafios, pela
complexidade de doenças desenvolvidas pelo sofrimento as suas vítimas. O longo
período de exposição e a complexidade da crueldade humana resultam em uma série de
transtornos como depressão, Transtornos de Estresse Pós-Traumáticos, crise de
ansiedade, pânico, Transtorno Obsessivo Compulsivo, sem contar os distúrbios de
personalidade acarretados como uma reação do subconsciente para conseguir suportar
toda dor e sofrimento.
Raramente, uma pessoa que sofreu com a violência doméstica tem apenas um
transtorno a tratar, geralmente a vítima está tão destruída que as terapias demoram em
grande maioria dos casos para apresentar um resultado, algumas vítimas passam por
gatilhos que desencadeiam crises compulsivas de choro, a fragilidade construída em
meio a exposição de violência cria além das doenças psicológicas, fugas que resultam em
uso de tóxicos e medicamentos controlados, gerando além das doenças uma
dependência química.
Mas além de todos os complexos existentes, as mulheres mais sensíveis passam
a autodestruição para reduzir a culpa e o seu sofrimento, realização automutilação um
fenômeno onde a vítima se mutila para criar dor a si mesmo, demonstra apenas a
dificuldade em lidar com as pressões humanas. Essa característica não é vista como uma
doença e sim como um sintoma que mostra que a pessoa precisa de ajuda.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A evolução histórica social removeu a mulher do papel de parceira e colocou-a
como objeto de submissão. Nesse aspecto a sociedade moldou-se a essa definição arcaica
e fechou os olhos para a saúde mental de suas vítimas. Mesmo com tantas organizações e
instituições assumirem o fracasso das políticas públicas e declararem a violência
doméstica como um problema de saúde, muito lentamente essa questão vem sendo
transformada em solução.
As vítimas de violência doméstica tendem a desenvolver inúmeras sequelas
emocionais, sendo comum apresentarem quadros de depressão, Transtorno de Estresse
Pós-Traumático, síndrome do pânico, automutilação, consumo abusivo de drogas lícitas
e ilícitas, fobias variadas e ações autodestrutivas. Os estudos apontam inúmeras
possibilidades de doenças mentais, não existindo uma ação predominante elas podem
ter maiores ou menores consequências de acordo com a personalidade das mulheres
violentadas e seu tempo de exposição.
Os algozes tendem a ter uma personalidade narcisista e manipuladora, após
diferentes tipos de agressões e controle sobre as vítimas, por anos eles passam a
dominar a vida das vítimas e isolar ela de qualquer pessoa que represente uma ameaça a
sua dominação. Para eles isso é um jogo, e a destruição mental das vítimas é o objetivo
principal, e quando elas conseguem sair dessa área de controle eles buscam seu domínio
por meio de ameaças e morte de suas vítimas.
No estudo apresentado mostramos os conflitos perpetuados por séculos e
enraizados em nosso contexto cultural, social, histórico e psicológico, como resultado
dessa passividade e conivência social mais a legislação que ainda carece de melhores
implantações e ações que resultem na prisão dos autores da agressão. Nesse aspecto,
para a psicologia compreender o universo das mulheres vítimas de violência doméstica e
elencar os inúmeros transtornos acarretados por anos de violência moral, social,
psicológica e física, deve-se abrir o caminho para estudos que permitem a discussão do
trabalho desenvolvido pelo psicólogo e a troca de experiência que agreguem valor e
resultados positivos.
Hoje existem inúmeras terapias conhecidas pela psicologia, contudo ainda se faz
indispensável que a vítima acredite no tratamento e nas políticas públicas, essa lacuna
precisa ser preenchida e estudada cada vez mais, sendo necessário aprofundar-se nesse
universo para conseguir mudar esse problema cultural, psicológico e social.
46
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
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48
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 4
Saúde mental do militar: A percepção de militares de
uma organização do exército brasileiro em Manaus
sobre o uso de álcool e drogas
Vanessa Regina de Almeida Ladislau
Amanda Campos Larrat Froes
Resumo: O uso e abuso de drogas tem ganhado a atenção da comunidade científica no
Brasil, sobretudo, os estudos acerca das motivações que levam ao uso e os padrões de
consumo praticados. Esta pesquisa teve como objetivo analisar as percepções de
militares de uma organização do Exército Brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e
drogas. O estudo tem uma abordagem quantitativa e qualitativa, caráter descritivo e de
campo, foram utilizados o teste para identificação de problemas relacionados ao uso de
álcool (AUDIT) e um questionário semiestruturado como instrumentos. Quanto aos
resultados, observou-se que há relevância no tema, mas pouca produção científica sobre
a temática com populações de indivíduos militares, sobretudo, através de dados
qualitativos. Sendo assim, a maior parte demonstrou bom conhecimento sobre drogas e
uma relação controlada com o álcool, destacando-se o uso principalmente recreativo e
com fins de socialização, entretanto, o número daqueles que praticavam Binge Drinking
foi elevado.
Palavras-chave: Saúde mental; Exército Brasileiro; Álcool e outras drogas; Manaus.
49
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que há registros desde antigas e diversificadas civilizações do consumo
de substâncias pelos seres humanos, principalmente das bebidas fermentadas. A
literatura aponta que as substâncias exerciam papéis para variados objetivos, tais quais
religiosos, recurso para socialização ou mesmo farmacêuticos, uma vez que tinham a
fama de atenuar preocupações e aliviar dores, mas somente após a revolução industrial
a qual houve aprimoramento do processo de urbanização e destilação, as demandas
provenientes dos danos do uso e abuso de drogas ganharam atenção da saúde e da
justiça (MACHADO; MIRANDA, 2007; LYMAN; POTTER, 2007).
Entende-se que o exercício da profissão militar exige conhecimentos específicos e
um estado de saúde apto a proporcionar uma combinação de estado físico, funções
cognitivas e atributos psicológicos para desempenhar atividades estratégicas,
operacionais e de apoio às Forças de Paz do Exército Brasileiro. A composição da força
de trabalho é formada por jovens do sexo masculino a partir dos 18 anos, que se
apresentam ao serviço militar obrigatório, militares de carreira concursados e formados
nas escolas militares distribuídas pelo Brasil, especialmente a Academia Militar das
Agulhas Negras (AMAN), Escola de Sargentos das Armas (EsSA) e Escola de Sargento de
Logística (EsSLog). Também há os militares temporários que desempenham suas
funções complementando as necessidades específicas de cada organização militar
(MACHADO; MIRANDA, 2007).
Constatou-se na literatura que o consumo de bebida alcoólica no Brasil é
significativo e o consumo excessivo de drogas tornou-se alvo de atenção da saúde
pública. Os grupos de efetivos mais jovens se destacam na vulnerabilidade por coincidir
com fases as quais o cérebro ainda não atingiu biologicamente sua maturação. Também
se observou escassos dados sobre o tema com população contendo militares oficiais.
As instâncias do ofício muitas vezes requerem que não apenas o militar tenha
atributos concernentes à área afetiva, mas também à sua família, pois, as mudanças,
distanciamento de vínculos e por vezes a ausência do militar neste âmbito podem
ocasionar desestruturações na esfera familiar e vice-versa.
O Exército Brasileiro possui sistema de saúde próprio, dispondo de serviços para
demandas de adicções químicas em departamentos de assistência social e psicológica,
entretanto, é apontado na literatura uma resistência maior do sexo masculino a procurar
serviços de saúde. O desconhecimento e o receio da descredibilização são reconhecidos
como empecilhos para o alcance de adictos e de sua participação em programas
direcionados (LYMAN; POTTER, 2007).
O exercício laboral do militar contempla atividades de grande peso,
responsabilidade, ordem, defesa e combate em prol da nação. Os estudos psicológicos
provenientes da área militar se destacam pelas pesquisas principalmente sobre
Transtorno de Estresse Pós-Traumático, devido o envolvimento dos exércitos em
guerras, entretanto, as adversidades são presentes também em tempos de paz. Embora o
exército brasileiro preze por condições físicas apropriadas de seu efetivo, as quais
atenuam o risco de doenças, a problemática com drogas atinge a todos os grupos sociais,
inclusive o meio militar (PINTO; FIGUEIREDO; SOUZA, 2013).
Considerando a temática relevante e com o intuito de nortear a pesquisa,
elaborou-se como objetivo geral analisar as percepções de militares de uma organização
do Exército Brasileiro em Manaus sobre o uso de álcool e drogas. Para tal, levantou-se os
50
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
seguintes objetivos específicos: apontar a relação destes militares com o álcool; verificar
o conhecimento dos militares sobre drogas; e levantar a percepção dos militares acerca
do uso de álcool e outras drogas.
Quanto às contribuições deste trabalho à sociedade, entende-se que os resultados
da pesquisa, principalmente para a sociedade militar, auxiliam na compreensão de como
militares se relacionam com álcool e outras drogas, relevante para as áreas de
dependência química e diversas áreas da saúde. Também se espera que os resultados
auxiliem na fomentação de ações preventivas e psicoeducativas (PINTO; FIGUEIREDO;
SOUZA, 2013).
No que se refere à contribuição acadêmica e para a comunidade científica, a
pesquisa colabora para produção de material científico sobre o tema, acrescentando
perspectivas para o desenvolvimento da psicologia aplicada à atividade militar, frente a
demandas em tempos de paz, a obtenção de dados mais recentes e fornece suporte
teórico aos acadêmicos, bem como incentivar pesquisas de cunho semelhante para o
avanço nas áreas de atuação e de possibilidades do psicólogo. A organização militar
onde foi realizada a pesquisa teve como retorno a vantagem de ter obtido dados
recentes de seu pessoal, bem como informações que auxiliam na articulação
organizacional de profissionais da saúde e a partir dos resultados, avaliar a eficácia e
fragilidades que demandem medidas de ação (MINAYO, 2013).
A presente pesquisa teve abordagem quantitativa e qualitativa, com caráter
descritivo e de campo. Para Gil (2008) a pesquisa quantitativa baseia-se na obtenção de
conclusivas, através de uma amostra significativa da população que se pretende estudar,
ganha particular relevância pelo conhecimento direto da realidade, possibilidade de
quantificação, economia e rapidez.
A utilização da abordagem qualitativa se deu porque esta “[...] se preocupa com o
significado dos fenômenos e processos sociais, motivações, crenças, valores e
representações encontradas nas relações sociais” (KNECHTEL, 2014, p. 531).
A pesquisa foi realizada em uma das unidades vinculadas ao Comando Militar da
Amazônia, pois observou-se a necessidade de ir a campo, uma vez que a pesquisa se
interessa por aspectos sociais de um grupo, visando contribuir de maneira mais efetiva
com a sociedade, principalmente a científica, a partir de uma construção metodológica
prática e descritiva, pois se dará através da obtenção de dados por instrumentos de
coleta padronizados, sem a interferência do pesquisador, para que pudesse de fato ser
algo construído de maneira fidedigna com a proposta da investigação (MARCONI;
LAKATOS, 2003).
Para obtenção dos dados foram utilizados como instrumentos o Teste para
Identificação de Problemas Relacionados ao Uso de Álcool (AUDIT), desenvolvido pela
Organização Mundial de Saúde (OMS), a fim de se detectar precocemente o uso abusivo
de álcool e intervenção breve (tradução nossa) Babor et al (2001), é composto por dez
perguntas que pontuam de 0 a 40 pontos e classificam o consumo do indivíduo em Zona
I a Zona IV que representam a proximidade com a dependência de álcool, e questionário
semiestruturado com perguntas voltadas ao conhecimento e percepção dos militares
sobre drogas que foi analisado qualitativamente. Para Marconi e Lakatos (2017, p.133)
“[...] questionário é um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série
ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do
entrevistador”.
51
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Quanto a análise dos dados qualitativos, foi utilizada a análise de conteúdo com
categorização apoiando-se teoricamente em Bardin (1977). Para a análise dos dados
quantitativos foi utilizada a estratégia estatístico-descritiva, objetivando a tabulação das
informações coletadas e tornando o conteúdo mais palpável para análise e interpretação
dos resultados, etapa fundamental e nuclear para a produção de conclusivas (MARCONI;
LAKATOS, 2003).
Inicialmente, pretendia-se abranger uma amostra censitária da população,
entretanto, foi alterada para amostragem por conveniência, visto que existem militares
que cumprem suas atividades de trabalho fora da Unidade, alguns de férias e outros de
serviço e aqueles que recusaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Como critérios de participação foram considerados militares voluntários que exerciam
alguma atividade dentro da unidade militar. Alcançou-se um número de 95
participantes, considerando a hierarquia existente no âmbito militar, a população foi
dividida em três grandes grupos: 1. Oficiais superiores (coronel, tenente-coronel e
major), oficiais intermediários (capitães) e oficiais subalternos (1° e 2° tenentes); 2.
Subtenentes, sargentos e 3. Cabos e soldados.
Por se tratar de seres humanos esta pesquisa seguiu rigorosamente as
determinações estabelecidas na Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. A
participação foi voluntária, mediante assinatura do TCLE, documento que esclareceu aos
participantes quanto aos critérios e assegurou a legitimidade, sigilo ético e
confidencialidade dos dados coletados. A pesquisa foi aprovada por meio do parecer nº
4.604.968, de 22 de março de 2021, do Comitê de Ética do Centro Universitário do Norte
- UNINORTE.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1 FAIXA ETÁRIA
A fim de contextualização foi levantada a faixa-etária dos participantes que variou
de 18 a 59 anos. Os resultados indicaram que 76% dos participantes possuem entre 18 e
31 anos, 17% possuem entre 32 e 45 anos e 4% possuem entre 46 e 59 anos,
verificando-se, portanto, que existe maior prevalência de participantes jovens-adultos.
De forma geral, essa faixa etária tem apresentado um alto grau de consumo de álcool.
Em 2017, uma pesquisa realizada por Bastos et al. (2017) verificou-se que a faixa etária
entre 18 e 44 anos reportou parcela significativa quanto ao consumo de álcool, sendo
ainda esta faixa etária a mais vulnerável ao consumo.
2.2 A RELAÇÃO DO MILITAR COM O ÁLCOOL E O BINGE DRINKING
A fim de se verificar a relação da população com o consumo de álcool, aplicou-se o
AUDIT em uma amostra de 95 militares e subdividida em: Oficiais (16), Subtenentes e
Sargentos (28) e Cabos e soldados (51), a amostra do sexo masculino (92) foi
significativamente maior que a amostra do sexo feminino (3).
Constatou-se que 68 (71,58%) indivíduos são consumidores de bebidas alcoólicas
e 27 (28,4%) não possuíam relação com o álcool nos últimos 12 meses. Fazendo-se um
comparativo das graduações citadas anteriormente, o grupo de consumidores é
composto por 14 Oficiais, 22 Subtenentes e Sargentos e 32 Cabos e Soldados.
52
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Gráfico 1 – Relação dos militares com a bebida alcoólica
Nos resultados apresentados observou-se que 49,47% dos participantes
encontram-se na zona I ou zona primária, dos quais 12 são oficiais, 14 subtenentes e
sargentos e 21 cabos e soldados. Esta classificação representa um consumo baixo de
bebida alcoólica, que não costuma oferecer risco à dependência.
A segunda maior parcela de consumidores encontra-se na Zona II, totalizando
16,9%, estes geralmente não apresentam problema decorrente do uso de álcool, mas são
considerados usuários de risco, sendo 1 oficial, 6 Subtenentes e Sargentos e 9 Cabos e
Soldados. Não houve resultados para a zona III, e por fim verificou-se que 5,26%
encontravam-se no nível IV, considerada uma relação abusiva com a bebida alcoólica,
sendo 1 Oficial, 2 Subtenentes e Sargentos e 2 Cabos e Soldados.
Os resultados indicam que os participantes possuem, na maioria uma relação
controlada com a droga (álcool), entretanto alguns perderam esse controle, tornando-se
alcoolistas. Babor et al. (2001) recomendam que indivíduos em um nível IV sejam
encaminhados a um especialista para melhor avaliação e caso haja necessidade iniciar o
tratamento, já que as pontuações deste nível indicam altas chances de dependência.
O conhecimento sobre o consumo de álcool e drogas por militares é de alta
relevância, uma vez que esta população está diretamente ligada a serviços de segurança
e em diversos momentos porta ou tem acesso a armas potencialmente lesivas, podendo
comprometer a própria segurança e da organização, tais como os demais integrantes do
contingente e os deixando vulneráveis à subtração de materiais, além da tendência a
praticar outras infrações penais após o seu consumo, como abandono de posto e
incidentes com armas de fogo (GORRILHAS, 2011).
2.2.1 BINGE DRINKING
A dose padrão no Brasil é estipulada em 14 gramas de álcool por bebida,
equivalente a 350 mL de cerveja, 150 mL de vinho ou 45 mL de destilados (OMS, 2018).
Um padrão de consumo vem recebendo mais atenção dos pesquisadores, devido os
prejuízos à saúde a curto e longo prazo, o Binge drinking. O Instituto de Abuso de Álcool
e Alcoolismo dos Estados Unidos aprovou em 2004 a definição de Binge drinking como o
consumo de 4 ou mais doses para mulheres e 5 ou mais doses para homens em um
53
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
período de 2 horas nos últimos 30 dias (NIAA, 2004). Este padrão de consumo está
relacionado com maiores chances de agravos as consequências do álcool como
hospitalizações e envolvimento em brigas tanto fora de casa, quanto dentro, visto que os
conflitos familiares podem advir de respostas desproporcionais associadas ao uso álcool
(GOMES et al, 2019).
Através da pergunta “com que frequência você toma seis ou mais doses de uma
vez?” do questionário AUDIT, foi possível determinar que embora a maior parcela dos
participantes estivesse na Zona I, ou seja, no consumo que teoricamente não ofereceria
riscos, 41 participantes praticam o Binge drinking, portanto, as consequências desse
padrão apresentam-se como um risco à força de trabalho e à prejuízos pessoais graves.
Neste contexto, para Malbergier, Cardoso e Amaral (2012) o abuso de álcool
contribui para a violência doméstica, conflitos interpessoais, separação do casal,
negligência infantil, dificuldades financeiras e legais. O adicto não se reconhece como
dependente e sua família também não, além de ocultar situações desta natureza pelo
estigma e vergonha, dificultando o tratamento e reinserção social.
O álcool, por muitos não é considerado uma droga que pode causar perturbações
psicológicas e comportamentais, pelo contrário, os indivíduos bebem cada vez mais,
aumentando a capacidade de o organismo tolerar a bebida alcoólica, necessitando de
doses maiores. (PINTO; FIGUEIREDO; SOUZA, 2013; MINAYO, 2013).
2.3 CONCEITUAÇÃO DE DROGAS POR MILITARES
Ao questionar a população sobre o que é droga, verificou-se que apenas 8 dos 95
participantes não souberam responder à pergunta. Os militares que não responderam
eram cabos e soldados, na faixa etária de 19 a 22 anos. Os respondentes apresentaram
definições diferentes, sobressaindo as seguintes categorias: Agente de alterações,
Gerador de prejuízos e Vício/Dependência, conforme se discutirá a seguir:
2.3.1 AGENTE DE ALTERAÇÕES
Observou-se na fala de 45 participantes a subcategoria agente de alterações. Para
esses participantes, a droga é um agente de alteração no organismo e podem ser
sintéticas ou naturais. Esse entendimento é notório, mesmo para as drogas lícitas. Os
participantes ainda afirmam que as drogas produziam alteração nas emoções, no humor,
na sensopercepção, no comportamento, na consciência e nos processos cognitivos e
físicos. O participante M47 comenta que droga é “Qualquer substância que altere o
funcionamento normal do organismo” e o participante M7 afirma que é uma “substância
química ou natural com efeito psicotrópico”.
Tal percepção assemelha-se ao termo médico de “droga”, tratando-se de qualquer
substância capaz de alterar os organismos vivos em suas funções, fisiologicamente ou de
forma comportamental, neste caso, as substâncias psicoativas ou também chamadas
drogas psicotrópicas, referem-se às substâncias capazes de alterar a atividade do
Sistema Nervoso Central (SNC), tendo o cérebro como principal receptor desses
impactos e relevantes alterações no psiquismo (CEBRID, 2014).
54
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Destaca-se que 3 participantes relataram que as drogas podem ser produzidas ou
utilizadas para fins terapêuticos, não podendo ser entendidas somente como substâncias
psicoativas, o participante M3 comenta que “medicações de rotina” e exemplifica que
“anticoncepcionais” comumente utilizado pelo sexo feminino também podem ser
entendidos como droga, ainda, o III Levantamento de uso de drogas pela população
brasileira (LNUD) demonstrou que as mulheres tendem a utilizar mais medicações não
prescritas que os homens, especialmente benzodiazepínicos, opiáceos e anfetamínicos
(BASTOS et al, 2017).
Ressalta-se ainda que, para 7 participantes o entendimento de droga é vinculado
a ilicitude, e embora para esses participantes a droga tenha esta característica,
observou-se que 6 alegam fazer uso de álcool ou outras substâncias, sendo três, usuários
de risco.
Segundo o relatório mundial de drogas de 2019, o consumo de drogas aumentou
rapidamente nos países em desenvolvimento em comparação com os países
desenvolvidos no período de 2000 a 2018, e de 2009 para 2020 observou-se o aumento
no consumo de drogas em 30%, sendo a maconha a droga mais utilizada e a substância
que mais encaminha para o contato com a justiça criminal (UNODC, 2018).
A percepção das drogas como ilícitas pode dificultar a busca por auxílio, Souza et
al (2013) aponta em um estudo semelhante que, nesta percepção impera o cunho
jurídico, principalmente devido à criminalização do uso de drogas ilícitas, sendo um
agravante a diversas penalidades criminais. Ainda neste contexto, Venturi (2017)
ressalta que o estigma que acompanha as drogas ilícitas, no campo da saúde pública,
bloqueia discussões acerca das características e potenciais terapêuticos e no campo da
segurança pública está atrelado à criminalidade, principalmente no que tange as
ilegalidades do seu comércio, independentemente da quantidade que se consuma.
2.3.2 GERADOR DE PREJUÍZOS
Na subcategoria Gerador de prejuízos, 17 participantes entendem que a droga é
um gerador de prejuízos, pois trazem consequências negativas aos seres humanos.
Foram relatados danos ao corpo e à saúde física, mental, na capacidade de conduzir a
vida, na vida financeira e causa de óbitos. Os prejuízos, segundos as respostas, não se
limitam a esfera individual e se estendem principalmente à convivência e aos membros
do âmbito familiar do usuário. Conforme o participante M31 a droga “é um elemento que
causa prejuízos físicos, mentais, familiares e financeiros” e o participante M33 comenta
que “as drogas prejudicam a saúde de quem faz uso levando a maioria dos casos a morte
do indivíduo”.
Tais respostas convergem com o Manual de Treinamento físico Militar (2015),
que estabelece que o consumo de álcool interfere negativamente no desempenho físico,
devido a alterações metabólicas e cognitivas, favorece o aumento de gordura e
diminuição de massa magra e a longo prazo contribui para desenvolver patologias como:
cirrose hepática, úlceras, doenças cardíacas, diabetes, miopatias, problemas ósseos e
psicológicos.
Além dos prejuízos físicos, esta questão demonstrou que a primeira coisa que os
participantes descreveram sobre droga é em conotação negativa para si e para os outros,
como “destruição”, “degradação pessoal”, “degradação familiar” e causa de óbito,
55
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
corroborando com Venturi (2017, p. 34) quando este aponta que “[...] a droga vem sendo
percebida como problema social”.
Embora tenham sido relatados respostas conscientes de tais impactos, 7
indivíduos com esta percepção estão na zona II do AUDIT, podendo não possuir
problemas decorrentes do uso, mas são considerados usuários de risco. Pelicioli et al
(2017) apontam que mesmo em populações da área da saúde, a taxa de consumo de
bebidas alcoólicas é elevada, ou seja, é perceptível que em alguns momentos, as pessoas
conseguem distinguir os malefícios da utilização de drogas, sejam elas quais forem,
contudo, mesmo sabendo dos riscos, principalmente de possível dependência, isto não
impede o uso.
2.3.3 VÍCIO/DEPENDÊNCIA
A categoria Vício/dependência focaliza a característica de tornar o usuário
dependente como principal forma de descrever uma droga, nas respostas de 25
indivíduos foi possível observar que os participantes ainda abordam sobre as
consequências e comportamento do indivíduo adicto. Como observado na resposta de
M13: “São substâncias que geram dependência química, que afetam o sistema psicológico
do ser humano fazendo com que o dependente tome atitudes irracionais para satisfazer a
sua dependência”.
O manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, DSM-V, aborda os
transtornos por uso de substâncias no capítulo “Transtornos relacionados a substâncias
e transtornos aditivos”, compreendendo dez classes de drogas como: o álcool; a cafeína;
cannabis; alucinógenos; inalantes; opioides; sedativos, hipnóticos; ansiolíticos;
estimulantes; tabaco; e outras substâncias (DSM-V, 2014). Definindo como transtorno a
característica essencial da “presença de um agrupamento de sintomas cognitivos,
comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo apesar de
problemas significativos relacionados à substância” (DSM-V, 2014. p. 483) e ainda o
caracteriza a partir de quatro grupos de critérios, sendo o baixo controle sobre o uso da
substância; prejuízos sociais; o uso arriscado da substância e critérios farmacológicos.
O abuso pode levar a disfunções cognitivas, alto grau de incapacidade na
coordenação motora, incapacidade de reação aos estímulos externos e parada
respiratória (LYMAN; POTTER, 2007; CEBRID, 2014). Com o uso contínuo, o sistema de
recompensa é intensamente estimulado e a funcionalidade do indivíduo pode ser
prejudicada, portanto, pode-se inferir que o fenômeno da dependência é complexo e
multifacetado, interferindo além do âmbito individual e em muitos casos, na convivência
familiar (DSM-V, 2014), já que neste cenário, um estudo realizado por Maciel et al
(2018) demonstra que a maior parte de cuidadores de dependentes químicos eram do
sexo feminino e com próximo grau de parentesco como mães, esposas e irmãs, e em sua
maioria, sofriam com a sobrecarga deste papel.
56
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.4 SITUAÇÕES QUE O MILITAR INGERE BEBIDA ALCÓOLICA OU OUTRA
SUBSTÂNCIA
Quando questionados sobre as situações em que o álcool ou outras substâncias
eram ingeridas, 2 participantes não responderam e 30 participantes alegaram que nunca
ou em nenhuma situação fazem uso. Após observar esse resultado, verifica-se que existe
uma não conformidade com o resultado apresentado no item 3.1, o qual demonstra que
o número de abstêmios é 27.
Foi identificado também que dos 63 respondentes à questão, 59 alegaram fins
recreativos e 4 não souberam especificar as situações em que faziam uso de bebida
alcoólica, atribuindo frequência, 2 relataram mensalmente e 2 “de vez em quando” ou “às
vezes”.
2.4.1 RECREAÇÃO
O uso recreativo aparece nas falas da maioria dos militares que alegaram fazer
uso de bebida alcoólica ou outra substância durante atividades definidas como
recreativas. Essa proposta de recreação foi observada na fala do participante M26 ao
comentar que “Ir à balada”, Participante M45 quando disse “Bares e restaurantes” e do
participante M10 quando comenta “Confraternizações de trabalho”. Datas
comemorativas também sobressaíram como exemplifica M17 ao comentar
“Aniversários” e o participante M40 ao dizer “Festas de fim de ano”.
Percebe-se que tais respostas associaram o uso de álcool a condições de
descanso, lazer e tentativa de relaxamento. Tais condições podem ser entendidas como
consequência das alterações psicológicas e fisiológicas ocasionadas pelo álcool, alguma
das principais são: relaxamento dos músculos, desinibição e a fácil absorção do álcool no
organismo (COSTA, 2003). Ainda, os efeitos do álcool, mesmo sendo ingerido em poucos
momentos ou em pouca quantidade, são distintos de pessoa para pessoa e geralmente
agem no sistema nervoso central, proporcionando uma sensação de prazer,
desencadeando ações dos neurotransmissores, que mobilizados tornam-se mais difíceis
de serem resistidos (ACSELRAD et al, 2015).
De acordo com Acselrad et al. (2015), o consumo de álcool em momentos
recreativos, pode de alguma maneira passar a representar perigos em sua ingestão,
principalmente para as pessoas que possuem baixa tolerância a álcool, ao abusarem do
uso, podem obter respostas demasiadamente prejudiciais para seu organismo e
consequentemente para si.
2.5 MOTIVAÇÕES SOBRE O USO PESSOAL DE ÁLCOOL E OUTRAS SUBSTÂNCIAS
Foi pedido que os militares explicassem por que faziam uso nas situações citadas
anteriormente, desconsiderando-se 23 respostas que os participantes relataram não
fazer uso, 8 respostas em branco e 8 respostas que os militares não souberam
responder, as demais respostas sintetizaram-se na categoria abaixo.
2.5.1 BEM-ESTAR PESSOAL E SOCIALIZAÇÃO
Verificou-se nas respostas de 56 militares, conteúdos que buscavam satisfazer o
prazer pessoal ao fazer uso, por “gostar do sabor” como explica M8, ou dos efeitos, como
57
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
a “sensação que o álcool proporciona” exemplifica M48, “para relaxar e aliviar o estresse”
como afirma M31. Para 20 participantes, o consumo também esteve atrelado a
socialização, M43 considera “Perda de vergonha para com as interações sociais [..]” e M6:
“obter aceitação do grupo [...]”.
Neves, Teixeira e Ferreira (2015) ressaltam que, na grande maioria das vezes os
discursos sobre o uso de álcool e/outras drogas, dizem respeito a fatores psicológicos,
principalmente aqueles negativos, os quais podem ser identificados como sentimento de
frustração, angústia, vergonha, revolta, pressão social, questões laborais e pessoais.
Dázio, Zago e Fava (2012) enfatizam que o bem-estar associado ao álcool tende a
estar associado como uma ‘’válvula de escape’’ e também com a socialização, neste
sentido, a desinibição com o sexo oposto, a busca por pertencimento e identidade que
potencializam a ingestão de bebidas alcoólicas. Bastos (2013) destaca que podem
exercer influência, os fatores que fazem parte da sociedade, como por exemplo, o
convívio com outras pessoas que fazem uso, o marketing social que é transparecido em
diversos meios de comunicação e crenças individuais que podem ser desenvolvidas
pelas pessoas acerca de uma espécie de “necessidade” da ingestão de álcool ou do uso de
outras substâncias e assim racionalizar o consumo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a realização desta pesquisa, pode-se inferir que os militares demonstraram
ter uma relação de baixo risco com a bebida, entretanto, quase metade dos participantes
apresenta o padrão de uso em Binge drinking, apontando que, embora o consumo não
seja recorrente, quando ocorre torna-se descontrolado. Há ainda que se considerar que,
por se tratar de uma instituição militar a qual impera valores com ordem e disciplina,
pode ter ocorrido receio em reportar o uso de álcool e principalmente outras drogas que
não são socialmente aceitas.
A pesquisa demonstrou que, parte da amostra possuía conhecimento satisfatório
acerca de drogas, entretanto, ainda há aqueles que em suas respostas eram
caracterizadas pelo estigma que envolve o assunto, e mesmo em seus discursos
imperando o cunho negativo, o uso se fez presente, inclusive em zonas de consumo que
caracterizam provável dependência, considera-se que esta é uma limitação do estudo e
seria interessante o aprofundamento nessa relação entre o discurso e a prática das ações
dos indivíduos.
Observou-se que, principalmente, a bebida alcoólica é parte da vida dos militares,
seja para diversão, acompanhar atividades como assistir a jogos esportivos, como para
atenuar desconfortos, esta última faz-se necessário cautela, pois o uso da bebida pode
mascarar problemas de maior amplitude.
Faz-se necessário que ações preventivas sejam fomentadas como forma de
atualização e aperfeiçoamento dos militares, sobretudo dos que se alistam ao serviço
obrigatório, pois coincidem com faixas etárias de maior consumo e riscos de prejuízos
em seus desenvolvimentos nos mais diversos aspectos e que em tal atividade não seja
vigente apenas a moralização acerca da temática, pois como proposto por alguns
autores, os potenciais a serem explorados são impedidos devido a estigmatização e
marginalização de diversas substâncias.
58
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
REFERÊNCIAS
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60
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 5
O processo diagnóstico vivenciado por mães de
crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro
Autista (TEA)
Gabriel Ruan Silveira dos Santos
Rebecca Marcela Dantas Mattos
Resumo: No que se refere aos estudos voltados ao autismo, há uma grande quantidade
de estudos com o enfoque na criança. Dessa forma, pouco se vê contempladas as
vivências das mães que têm as suas vidas impactadas por tal fato com a mesma
frequência, dessa forma, dificilmente se encaixam como objetos de estudo. Por essa
razão, este estudo parte do processo diagnóstico vivenciado por mães de crianças
diagnosticadas com TEA e teve como objetivo geral compreender o processo de
aceitação pós-diagnóstico do TEA. Quanto aos procedimentos metodológicos, a pesquisa
se caracterizou como uma investigação de campo, de abordagem qualitativa e com
caráter descritivo. A pesquisa também contou com a participação de 05 mulheres mães
de crianças autistas, na faixa etária de 25 a 40 anos. Como instrumento, utilizou-se de
uma entrevista semiestruturada contendo 08 perguntas. Nos resultados, verificou-se
que as mães vivenciam uma profusão de sentimentos, a maioria recebe apoio familiar e
há grande impacto em vários aspectos na vida das mães após o diagnóstico dos seus
filhos.
Palavras-chave: Mães; Autismo; Processo de Aceitação.
61
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A expectativa da concepção de um filho e da construção do papel social de “mãe”
são processos de aprendizagem que não acabam, mas se adaptam com o passar do
tempo. A descoberta de um diagnóstico do filho que apresenta TEA traz uma variedade
de emoções à mãe, desde o momento em que ela busca compreender a condição de seu
filho, até o diagnóstico e a readaptação da sua realidade.
Com isso, pressupõe-se que há mudanças na vida da mãe e alterações na
dinâmica familiar para que haja uma adaptação às necessidades da criança, afetando,
especialmente, a figura materna durante esse processo. Desde o momento do
diagnóstico do filho, a mãe vivencia um processo de reconstrução de seu papel social,
tendo que compreender a situação da criança, lidando com os medos e incertezas do
futuro quanto a vida de seu filho, além dos seus próprios sentimentos.
Este estudo teve como objetivo compreender o processo de aceitação pós
diagnóstico, investigando o apoio recebido por essas mulheres, investigando os
sentimentos gerados e levantando o desdobramento do impacto pela mãe após receber o
diagnóstico.
Dito isso, partiu-se da hipótese de que o estresse e a negação fazem parte do
processo de aceitação, porém a questão de ter uma rede de apoio familiar favorável
torna o processo mais fácil e muitas dessas mães buscam uma alternativa para lidar com
o diagnóstico de uma forma mais assertiva, como terapia, grupo de apoio, entre outros.
Para comunidade entrevistada, foi uma forma de compartilhar uma gama de
informações para as mães que estão em busca de ajuda e que estão nesse processo de
pré-diagnóstico, o artigo oferece informações pertinentes para um olhar voltado para o
papel de mãe, suas expectativas em relação à maternidade, seu futuro como mulher e
mãe de criança com TEA, podendo auxiliar no seu processo de aceitação.
Sendo assim, a pesquisa expressou a sua importância para a sociedade, pois no
que implica a individualidade e sociabilidade destacando suas características subjetivas
e sociais, sendo importante entender a importância do “papel de mãe”, sua construção e
adaptação, suas expectativas quanto a sua nova realidade, seu futuro como mulher, mãe,
acadêmica e profissional, no que tange aos processos que permeiam o diagnóstico de um
filho com TEA, contribuindo, principalmente, para a desconstrução de preconceitos e
estereótipos.
A pesquisa teve relevancia para a comunidade acadêmica e científica a pesquisa
oferece um novo olhar e conhecimentos que podem agregar ao amplo campo de estudo
do autismo e saúde mental de mães de pessoas diagnosticadas com TEA. Oferecendo
dados atualizados sobre o impacto que o diagnóstico de TEA causa ou atinge mães de
crianças autistas, sendo uma pesquisa bastante pertinente aos estudos
multidisciplinares.
A presente pesquisa utilizou-se o método descritivo, com abordagem qualitativa e
teve o intuito de explorar de maneira mais efetiva os dados levantados na pesquisa de
campo. Segundo Silva e Menezes (2000, p. 21 apud OLSEN, 2016) “a pesquisa descritiva
visa descrever as características de determinada população ou fenômeno ou o
estabelecimento de relações entre variáveis.
Como instrumento de pesquisa foi utilizada a entrevista semiestruturada,
composta por 8 perguntas elaboradas a partir das necessidades de se entender a
percepção dos entrevistados sobre o processo diagnóstico vivenciado por mães de
62
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
crianças diagnosticadas do Transtorno do Espectro Autista. Para Minayo, Deslandes e
Gomes (2007), esse tipo de entrevista (semiestruturada) é o combinado de perguntas
referente a temática em questão, no entanto, o entrevistado fica livre para respondê-las.
Para a análise das entrevistas semiestruturadas com as mães de crianças autistas,
foi utilizada a análise de conteúdo (BARDIN, 2011) em cima da amostra que fora colhida,
que parte da categorização a partir das falas obtidas, que serão discutidas conforme
bibliografia levantada. As informações do diário de campo enriquecerão os demais
dados obtidos, dando mais consistência ao texto final.
Se tratando de uma pesquisa com seres humanos, foram seguidos todos os
procedimentos relacionados à ética, estabelecidos na Resolução nº 466, de 12 de
dezembro de 2012, do Conselho nacional de Saúde. A partir da aquisição de autorização
da Instituição que cederá o espaço para a pesquisa, todos os participantes voluntários
tiveram que assinar o TCLE, o qual garantiu o sigilo total dos dados concedidos. Os
critérios de seleção de participantes desta pesquisa foram: mães de crianças
diagnosticadas com TEA; mães que vivenciaram o processo diagnóstico dos(s) filhos(s);
residentes em Manaus.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram realizadas 05 entrevistas com mães de crianças que receberam o
diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). A idade das entrevistadas variou
entre 25 a 40 anos, todas residentes na cidade de Manaus. Além disso, 04 das 05
entrevistadas tinham filhos do gênero masculino e 01 com uma filha de gênero feminino,
03 possuíam ensino superior incompleto, 01 possuía ensino superior completo e 01
possuía pós graduação, já a idade das crianças variou entre 03 e 13 anos.
A partir das entrevistas, foram geradas 03 categorias que foram desdobradas em
subcategorias, conforme veremos a seguir.
2.1 APOIO FAMILIAR
Ao serem perguntadas se tiveram apoio familiar e se isso as ajudou, foram
identificadas 02 subcategorias: acolhimento e sofrimento. A seguir ver-se-ão as
subcategorias.
2.1.1 ACOLHIMENTO
O acolhimento é de grande importância desde a maternidade até descoberta do
diagnóstico e, principalmente, no pós-diagnóstico em diante. O sentimento de sentir-se
acolhida em um momento de incertezas, especialmente pela família, ajuda a mãe a não se
sentir desamparada. Na fala abaixo nota-se que o apoio familiar trouxe esse sentimento
de acolhimento e fez uma diferença significativa para lidar com o processo pósdiagnóstico:
63
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
“sim, me senti muito acolhida pela minha família, senti também que a minha
família acolhe muito bem ele, pondera as palavras, os atos por isso.”
(Participante M1)
“Sim, com certeza, o apoio familiar fez toda a diferença.” (Participante M4)
“Olha, apoio familiar a gente recebeu da minha sogra e dos meus pais, assim,
todos acolhem, todos sabem que ele tem” (Participante M5)
Um estudo realizado por Maia et al. (2016) sobre o retrato do autismo no Brasil
mostrou que várias entidades de atendimento a pessoas com TEA e/ou a seus familiares
destacaram a importância do acolhimento dos pais cujosfilhos receberam o diagnóstico
de TEA. Os autores afirmam que o apoio pode evitar o sofrimento e a solidão dos
familiares, além de ampliar as possibilidades de colaboração e de sucesso na assistência
ao familiar com TEA.
Os pais podem não possuir estrutura emocional para manejar esta nova
reconfiguração de sua rotina, bem como, as demandas sociais envolvendo o preconceito
e a falta de estrutura para acolher esta criança (CHAIM et al., 2019; PERUFFO, 2021).
2.1.2 SOFRIMENTO
Para muitas mães de crianças diagnosticadas com TEA, o convívio familiar é um
amparo, em que se sentem seguras e acolhidas, para outras, é o âmbito em que se
sentem mais rejeitadas, inseguras e incompreendidas, geralmente, por falta de diálogo
por parte dos familiares ou falta de busca e compreensão sobre o TEA. As falas abaixo
relatam o sofrimento das mães com a falta de compreensão e manejo da família com a
situação vivida:
“[...] eu sofri muito que eu ainda tava na casa da minha mãe, quase que eu pego
uma briga de mão com o meu irmão, porque ele é grosso, ignorante... Pra eles o
autismo e o TDAH era só frescura, foi difícil.” (Participante M1)
“É difícil a convivência em questão de como lidar comele, eu e o pai dele sabemos
como lidar em praticamente todas as situações. [...] Preconceito a gente não sofre,
mas as pessoas não procuram saber como lidar e isso afeta no convívio familiar...
quando não é sua realidade, ninguém vai atras de saber.” (Participante M3)
As famílias, principalmente dos pais, são afetadas de diversas formas pelo
transtorno, desde a sobrecarga física e mental pelos cuidados dispensados até aspectos
financeiros e sociais, de forma que o sistema se comporte integralmente em função da
criança autista (DUARTE, 2019). A perspectiva sistêmica considera que as condições
próprias do TEA podem causar um desequilíbrio familiar por afetar, principalmente, os
processos de comunicação e a reciprocidade das relações interpessoais (BOSA;
SIFUENTES; SEMENSATO, 2012 apud FARO, 2019).
A família, nesse contexto, sofre alterações no seu funcionamento no que diz
respeito ao desempenho dos papéis, pois é demandada pela condição da criança, que
requer interações diferenciadas conforme o seu estágio de desenvolvimento. Nos casos
mais graves do TEA, o impacto na família tende a ser maior, pois há uma necessidade de
cuidado integral com a criança devido às dificuldades no controle dos impulsos, aos
prejuízos no julgamento deperigo e em alguns casos, comportamentos autolesivos
(GORLIN et al., 2016 apud FARO, 2019).
64
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2 SENTIMENTOS NO PÓS-DIAGNÓSTICO
Foi levantado o questionamento para essas mães sobre quais foram os
sentimentos vivenciados ao receberem o diagnóstico de seus filhos, de acordo com as
respostas, identificou-se 02 subcategorias: aceitação e medo.
2.2.1 ACEITAÇÃO
Ao receber o diagnóstico do filho(a), muitas mães passam por um processo de
aceitação dessa “nova realidade”, muitos sentimentos surgem, muitas informações para
serem compreendidas, levam um tempo para se adaptar, algumas mães aceitam bem e
outras demoram a aceitar, conforme verifica-se nas falas abaixo:
“Teve o momento da aceitação, chorei muito, chorei muito[...]” (Participante M1)
“Pra mim foi um alívio, porque eu finalmente tinha descoberto o que ele tinha pra
poder dar a melhor condição, tem muitas mães que não aceitam e que não
querem aceitar, que não querem ver o tratamento... eu não sabia que era o TEA
especificamente, mas eu sabia que tinha alguma coisa, sabia que não era normal
o comportamento dele.” (Participante M4)
"O impacto não foi, eu vou te dizer assim, não foi algo que eu sofri em saber,
porque eu, coração de mãe, eu já tinha aceitado isso, eu sabia que meu filho ele
não era que nem as outras crianças.” (Participante M5)
Após o choque do diagnóstico e com o passar do tempo, as mães começam o
processo de aceitação, aceitando seus filhos como eles realmente são e aprendendo a
ajudá-los a desenvolver suas habilidades. Neste sentido, a ressignificação do filho se dá
de maneira cuidadosa pela família que acolhe, pois esta, aceita o filho,
independentemente de suas limitações, buscando aceitar o diagnóstico que foi inserido
na família da melhor forma possível, recorrendo a intervenções que lhe pareçam mais
adequadas (LOPES et al., 2019, p. 11).
2.2.2 MEDO
O momento do diagnóstico é a ignição de uma profusão desentimentos para a
família. Há reações de luto, medo, insegurança, frustração, culpa, entre outros. Houve
relatos nas entrevistas sobre medo no diagnóstico, sob o prisma de que havia muitas
incertezas em relação ao futuro, especialmente preocupações quanto as limitações que a
criança poderia ter. O medo é um sentimento identificado nas falas abaixo:
“Senti muito medo do futuro, das questões que estavam por vir. Não sabia se
conseguiria me comunicar com o meu filho, se ele conseguiria falar com as
pessoas, se casar... Mas o que mais me preocupava era a questão da minha
comunicação com ele.” (Participante M2)
“Foi bem dolorosa, a gente recebeu né, a descoberta, o principal medo era a
minha filha ser limitada, não fazer aquilo que as crianças fazem.” (Participante
M4)
65
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
O momento do diagnóstico de uma doença ou síndrome crônica para a família é
envolvido por um conjunto de sentimentos diversos, a exemplo da frustração,
insegurança, culpa, luto, medo e desesperança, principalmente quando o paciente é uma
criança (SAMSON et al., 2013 apud PINTO et al., 2016).
O nascimento de um filho se constitui na formulação de um novo ciclo vital, o qual
passa a ser idealizado pelos pais e por toda a família. Entretanto, no momento em que
ocorre alguma ruptura nesses planos todos os membros familiares são diretamente
afetados (EBERT et al., 2013 apud PINTO et al., 2016)
É de conhecimento geral dos estudiosos da área que o TEA compromete, em
diversos níveis, o desenvolvimento psicossocial e cognitivo do indivíduo e, em alguns
casos, torna dificultoso o processo que o autista perpassa para desenvolver a
independência. Com isso, cerca de dois terços das crianças com TEA não são capazes de
viver independentemente de outras pessoas. Dessa forma, apenas um terço terá a
capacidade de ser independente na vida adulta (APA, 2014; CUNHA; PEREIRA;
ALMOHALHA, 2018 apud TAVARES, 2020).
De acordo com essas ideias, é importante ressaltar que:
[...] deparar-se com as limitações do filho, em qualquer família, é sempre um
encontro com o desconhecido. Enfrentar essa nova e inesperada realidade
causa sofrimento, confusão, frustrações e medo. Por isso, exercer tanto a
maternidade como a paternidade torna-se uma experiência complexa, e, mesmo
existindo o apoio de inúmeros profissionais e outros familiares, é sobre os pais
que recaem as maiores responsabilidades (BUSCAGLIA 2006 apud PINTO et al.,
2016, p. 02).
2.3. DIFICULDADES
VIVENCIADAS
NA
CARREIRA,
SOCIO-ECONOMICAS
E
CULTURAIS
Nesta categoria as participantes apresentaram as dificuldades vivenciadas em
consequência da nova rotina adotada voltada para a satisfação das necessidades do
filho(a). Nas falas das participantes identificaram-se as seguintes subcategorias:
Dificuldades na carreira, dificuldades financeiras e questões socio-culturais e gênero.
2.3.1 DIFICULDADES NA CARREIRA
Por conta das limitações físicas e sociais de seus filhos, estas mulheres precisam
doar integralmente o seu tempo para que sejam satisfeitas todas as necessidades
inerentes ao autismo, causando prejuizo na continuidade da carreira profissional destas
mulheres. Entende-se que, em consequência deste fato, surjam dificuldades para essa
mãe.
“Com certeza, porque assim, tu pensa como que eu vou largar o emprego, é uma
das minhas maiores frustrações que eu tenho que aceitar [...]” (Participante M3)
“Sim, eu parei de trabalhar para fica com ele.” (Participante M5)
Sousa (2018) ratifica o entendimento de que a dedicação total aos cuidados aos
filhos realmente é a causa da interrupção profissional por parte de algumas mães.
Principalmente em casos onde há a centralidade de tarefas na figura materna. De acordo
66
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
com Alves (2020), a interrupção profissional também possui uma relação com a
dedicação da mãe para com o filho, faltando tempo hábil para o trabalho.
Cabe ressaltar que a participante M3 afirmou não possuir dificuldade na carreira
ao responder que “Não, graças a Deus.” ( Participante M4)
2.3.2 DIFICULADES FINANCEIRAS
A maternidade em suas condições “normais” já é bastante exigente no que
concerne ao poder aquisitivo da mãe. Quando se trata de mães que possuem filhos com
alguma limitação física ou social, as mesmas precisam investir maior tempo aos
cuidados dos seus filhos. Desta maneira, impossibilitando mulheres como uma das
entrevistadas que passou por dificuldades financeiras pelo desemprego decorrente da
maternidade, conforme observa-se na fala abaixo:
“Sim, porque eu não pude trabalhar a gente passou por dificuldades financeiras,
então eu pegava uma latinha, pegava uma trufa, deixava ele na escola e ia
oferecer aquelas trufas pra que quando chegasse o tempo pra ele chegar da
escola, ele tivesse algo para comer...” (Participante M1)
Além disso, o estresse vivido por essas mães é gerado por aspectos inerentes ao
contexto de vida em que estão inseridas, tendo o financeiro como um destes aspectos
(SCHIMIDT; BOSA, 2003; FÁVERO; ANTOS, 2005; SCHIMIDT et al., 2007; SILVA;
RIBEIRO, 2012; AMARAL, 2013 apud NOGUEIRA; RUSCH; ALVES, 2020).
2.3.3 QUESTÕES SOCIO-CULTURAIS E GÊNERO
Do mesmo modo, constata-se que mulheres sofrem, em especial mulheres mães
de filhos com limitações físicas ou sociais. Alguns autores corroboram a associação entre
as desigualdades de gênero e o sofrimento das mães. Essa relação é mediada pela baixa
autoestima das mulheres e sua falta de controle frente ao contexto de vida em que estão
inseridas (SOUSA, 2018).
Em princípio, deve-se levar em consideração ao abordar este subtópico, o
contexto histórico-cultural em que essas mães vivem. Entende-se a mãe como principal
agente na vida da criança, obrigando a mesma a se afastar de suas antigas atividades, em
casos de mães acadêmicas que podem ter dificuldades em manter com suas
responsabilidades acadêmicas. A participante M2 comentou que “Ah, algumas vezes sim.
Dificuldade de ir no estágio, estudar, ir pra faculdade.”
Sanin et al. (2010, apud PINTO; CONSTANTINIDIS, 2020) explica as
consequências da falta de uma rede de apoio satisfatória para a mãe no momento do
diagnóstico. Ele comenta que essa lacuna pode resultar na intensificação de dúvidas,
incertezas e tristezas que já surgiriam naturalmente devido ao momento em questão.
Corroborando a visão sobre a influência do contexto histórico culturalno papel de
importância realizado pela mulher quando se torna mãe, o contextono qual a mesma faz
parte pode vir a coloca-la no papel de cuidadora primária, sendo somada a questão
afetiva mãe-bebê pode justificar o protagonismomaterno no ato de cuidar (PINTO et al.,
2016).
67
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta pesquisa foi possível compreender o processo de aceitação pós
diagnóstico através da entrevista feita com as mães de crianças diagnosticadas com TEA,
investigando o apoio recebido por essas mulheres após o diagnóstico, se seus familiares
ou pessoas próximas auxiliaram e apoiaram nesse processo, investigou-se os
sentimentos gerados após o diagnóstico, no que diz respeito as vivencias, medo e
aceitação foram os principais sentimentos identificados, levantou-se o desdobramento
do impacto pela mãe após receber o diagnóstico, tais como impactos ocorridos na
carreira e/ou nos estudos, assim como, na vida social e financeira.
Devido a pandemia da COVID-19, esta pesquisa teve que ser realizada de formas
altaernativas, algumas entrevistas foram feitas pessoalmente tomando todos os
cuidados de distanciamento e proteção, outras entrevistas feitas por chamadas de áudio
gravadas e com o consentimento das mesmas, assim como, o contexto no qual cada uma
delas estava inserida, tendo que dividir a atenção entre responder a entrevista e cuidar
de seus filhos, simultaneamente.
Entrevistar essas mulheres foi além dos objetivos previstos dentro do campo de
pesquisa, a realidade de cada uma delas é subjetiva, emocionante e cheia de obstáculos
dos quais elas precisam ultrapassar todos os dias, observando o contexto que cada uma
esta inserida, todos os dias elas lidam com dificuldades na sociedade como preconceito,
estereotipos e falta de informação e preparo de muitas instituições e pessoas que não
sabem lidar com uma pessoa que possui TEA, além de algumas dessas mulheres
entrevistadas serem mãe solo e chefes de família, tendo que equilibrar entre os cuidados
da criança e o trabalho que traz o sustento para a casa.
Por isso, foi tão impactante pesquisar essas mulheres, pois é importante ressaltar
que, antes de ser mãe, antes da maternidade, essas mulheres foram e são pessoas com
sonhos, planos, desejos, vontades, emoções e sentimentos, dos quais elas também
precisam lidar, além de que, são diariamente cobradas de suprir as expectativas da
sociedade e que elas tem de si mesmas como mulher, mãe, profissional, acadêmica e
tantos outros papéis que compõe a sua realidade. Dito isto, há uma grande necessidade
de destacar a importancia da saúde mental de mulheres que são mães de crianças
diagnosticadas com TEA.
Dentro da pesquisa, poderiam ter sido aprofundados os aspectos que dizem
respeito aos impactos pós diagnóstico, tais como, a mãe de criança autista inserida no
mercado de trabalho ou como acadêmica, e suas dificuldades no dia a dia, especialmente
quando são a fonte de principal renda financeira em casa, assim como, impactos gerados
pelo TEA na visão de mulher e mãe que elas tinham e tem sobre si mesmas.
68
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
REFERÊNCIAS
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION et al. DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico
[1]
de transtornos mentais. Porto Alegre:Artmed, 2014.
[2]
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
[3]
CONSTANTINIDIS, Teresinha Cid, PINTO, Alinne;. Revisão Integrativa sobre a Vivência de
Mães de Crianças com Transtorno de Espectro Autista. Revista Psicologia e Saúde, Vitória, v.
13, p. 97-111, 2020.
[4]
FARO, Kátia Carvalho Amaral et al. Autismo e mães com e sem estresse: análise da
sobrecarga materna e do suporte familiar. Psico, Rio de Janeiro, v. 50, n. 2, p. e30080-e30080,
2019.
[5]
LAURINDO, Anderson Pedro; DA SILVA, Josie Ágatha Parrilha. Introdução à pesquisa:
características e diferenças teórico-conceituais entre o estudo qualitativo e quantitativo. Revista
Uniabeu, v. 10, n. 26, p. 45-55, 2018.
[6]
LOPES, Hiara de Bodas; MENESES, Idaiane Cristine; KLINGER,EllenFernanda; Suzushi,
Jaqueline. Transtorno Do Espectro Autista: ressonâncias emocionais e ressignificação da relação
mãe-filho. Revista Cereus. v.11, n. 2, p. 56-78. 2019.
[7]
MAIA FILHO, Antônio Luiz Martins et al. A Importância Da Família No CuidadoDa Criança
Autista/The Importance Of The Family In The Care Of Autist Children. Saúde em Foco, v. 3, n. 1,
p. 66-83, 2016.
[8]
MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). DESLANDES, Suely Ferreira. GOMES, Romeu.
Pesquisas Social: Teoria, Método e Criatividade. 25. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
[9]
NOGUEIRA, Maria Teresa Duarte; RUSCH, Franciele da silva ; ALVES,Giovanna Del Grande
da Silva. Mães de crianças com o transtorno do espectroautista: estresse e sobrecarga. Revista
eletrônica humanitaris, v. 3, p. 56-72, 2020.
[10] NUNES, Ginete Cavalcante; NASCIMENTO, Maria Cristina Delmondes do; LUZ, Maria
Aparecida Carvalho Alencar. Pesquisa científica: conceitos básicos. Id on Line Revista de
Psicologia, v. 10, n. 29, p. 144-151, 2016.
[11] OLSEN, Débora; ZAMBERLAN, Luciano. O comportamento do consumidor no processo de
compra de refrigerantes. Salão do Conhecimento, 2016.
[12] PERUFFO, Bruna. Transtorno do espectro autista: apoio psicológico para pais frente ao
diagnóstico. 2021.
[13] PINTO, Rayssa Naftaly Muniz et al. Autismo infantil: impacto do diagnóstico e
repercussões nas relações familiares. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 37, 2016.
[14] SOUSA, Brena Stefani Meira Acioly De. Terapia comunitária integrativa:impacto na
vida de mulheres, mães de autistas (história oral temática). Dissertação (Mestrado em
Enfermagem) - Universidade Federal da Paraíba. Paraíba, 2018.
69
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 6
A psicoterapia como auxílio no tratamento de pessoas
obesas que possuem Transtorno de Compulsão
Alimentar Periódica (TCAP)
Sabrina Ferreira de Azevedo
Mayara Maria Martins Castro
Resumo: Com as pressões e as exigências sociais para a aparência do corpo belo, magro e
muitas vezes irreal, a sociedade tem adoecido psiquicamente e organicamente, alguns
autores afirmam esse ser uma das causas desencadeadoras de transtornos alimentares,
dentre eles, o transtorno de compulsão alimentar periódica. Esta pesquisa possui como
objetivo geral compreender o papel da psicoterapia no tratamento de obesos que
possuem transtorno de compulsão alimentar periódica. Para a realização desse estudo,
foi utilizada a investigação bibliográfica sistêmica, que é pautada através da pesquisa
qualitativa, onde foram coletados os dados a partir site acadêmicos e científicos, no
âmbito nacional, Scielo, Pespsic, Periódicos Capes. A língua base das obras coletadas foi o
português, cuja publicação tenha ocorrido na última década, e aquelas que discorriam
acerca do tratamento psicoterápico do transtorno de compulsão alimentar periódica que
possuem obesidade em comorbidade. Ao final, foram selecionados 15 artigos científicos,
para realizar a discussão teórica. Como principais resultados obtidos se encontra a
importância do tratamento psicológico para esse transtorno, sendo a Terapia Cognitivo
Comportamental um dos tratamentos mais promissores e com bons resultados para essa
condição.
Palavras-chave: Transtorno de compulsão alimentar, obesidade, psicoterapia.
70
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
Com as pressões e as exigências sociais para a aparência de um corpo belo, magro
e muitas vezes irreal, a sociedade tem adoecido psiquicamente e organicamente. Diante
dessa perspectiva alguns autores mencionam, que esse é considerado um dos fatores
decisivos para o desencadeamento da obesidade e até mesmo transtorno alimentar,
sendo um deles em grande escala o transtorno de compulsão alimentar periódica.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já considera a obesidade como uma
epidemia mundial, que é causada principalmente por uma alimentação inadequada e
pela falta de exercícios físicos, a sua crescente prevalência é atribuída a diversos
processos biopsicossociais, indicando que não é uma responsabilidade que pode ser
inteiramente atribuída ao indivíduo, e sim, diversos fatores que acabam o levando a essa
condição, como o ambiente, a economia, política, fatores psicológicos e sociais, e um dos
desafios é justamente tentar compreender de que forma esses fatores interagem (DIAS
et al., 2017).
Segundo Ponsiano (2017) a obesidade é o acúmulo anormal ou excessivo de
gordura corpórea que pode atingir graus que são capazes de afetar a saúde do indivíduo.
Além de focar nas questões médicas, nutricionais, e fisioterapêuticas, é preciso ter em
vista as questões psicológicas e comportamentais no tratamento desses indivíduos
(KUNEN, 2016).
Geralmente problemas emocionais são compreendidos como consequência da
obesidade, no entanto conflitos e problemas psicológicos podem anteceder o
desenvolvimento dessa condição, os aspectos emocionais são considerados decisivos
para o desencadeamento da obesidade e de transtornos alimentares, sendo um deles o
Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) (VASQUES; MARTINS; AZEVEDO,
2016).
De acordo com Rech et al. (2016) por se tratar de um distúrbio crônico que
resulta no excesso de peso, a obesidade acaba gerando várias implicações na vida do
indivíduo, que não estão ligadas apenas aos fatores fisiológicos, gerando muitas vezes
problemas em suas relações sociais, ocupacionais, e amorosas, o que acaba causando em
uma baixa qualidade de vida, algumas psicopatologias podem ajudar no surgimento da
obesidade, dentre elas está o Transtorno de Compulsão Alimentar (TCAP).
Marques e Baldessin (2016) afirmam que apesar do peso não ser um critério de
diagnóstico de TCAP, esse transtorno alimentar é frequentemente associado ao
sobrepeso e obesidade, sendo esses indivíduos pessoas com uma maior predisposição a
quadros de vulnerabilidade psicológica, como por exemplo, alterações de humor,
ansiedade, culpa, baixa autoestima e outros sintomas.
Segundo Luz e Oliveira (2016) pode-se associar a descarga emocional com
comportamentos alimentares inadequados, os indivíduos acabam utilizando esse meio
como forma de enfrentamento dos problemas. De acordo com os autores, pessoas
inseguras que se irritam com mais facilidade, que são nervosas, ou que tem dificuldade
para lidar com situações de estresse tendem a descarregar emocionalmente seus
sentimentos em comida, para dessa forma diminuir o sofrimento psíquico, o que pode
ser um fator para o desenvolvimento de transtornos alimentares.
Têm se tornado cada vez mais comum a incidência de transtornos alimentares
(TA) na população, que podem ser descritos como transtornos psiquiátricos que estão
relacionados a hábitos alimentares, gerando inúmeros prejuízos à saúde da pessoa, que
71
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
acaba aumentando a prevalência da morbidade e da mortalidade, assim como a
obesidade o TA tem uma etiologia multifatorial, sendo muito importante investigar as
causas que levaram o indivíduo a desenvolver esse transtorno, a presença de TCAP não
tem qualquer associação com grau de excesso de peso, faixa etária e composição
corporal (SILVA; ATHERINO; LIMA, 2020).
O transtorno de compulsão alimentar de acordo com o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais 5° edição (DSM-V) (2014), tem como principal
característica episódios de compulsão alimentar que devem ocorrer, pelo menos uma
vez durante a semana, por três meses. Esse episódio de compulsão é caracterizado pela
ingestão de uma grande quantidade de comida, em um curto espaço de tempo, e uma
quantidade definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiriam no mesmo
período, sob as circunstâncias.
Esta pesquisa foi realizada a partir de uma pesquisa bibliográfica que Appolinário
(2011) alega, que seu foco principal é a revisão de literaturas de um determinado tema
ou contexto teórico, buscando explicar uma problemática a partir de referências teóricas
que já foram publicadas, como livros, teses, dissertações, artigos dentre outras fontes.
Este capítulo tem como objetivo principal compreender o papel da psicoterapia
no tratamento de obesos que possuem transtorno de compulsão alimentar periódica, e
para isso estabelece-se objetivos específicos: 1) conceituar a TCAP; 2) identificar o
impacto que o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP) associado a
obesidade pode ter sobre o indivíduo e 3) Levantar formas de tratamento psicoterápico
para o transtorno de compulsão alimentar periódica associado à obesidade.
Além de se tratar de uma revisão bibliográfica, essa é uma pesquisa de método
qualitativa, pois tem o objetivo de realizar uma discussão através das contribuições de
diversos autores, e para a realização dessa coleta de dados foi realizado uma pesquisa
nas bases de dados Scientific Electronic Library Online - Scielo, Periódicos Eletrônicos de
Psicologia - Pepsic, Periódico CAPES, no período de 2010 a 2021. O material que foi
coletado para análise derivou de artigos, trabalhos acadêmicos e revistas cientificas, com
o intuito de selecionar material que tivesse relação com o tema proposto, a partir disso
elegeu-se os descritores: obesidade, transtorno de compulsão alimentar, terapia e
terapia cognitivo comportamental.
Essa pesquisa possui múltiplas contribuições, a se referir nos campos científicos,
acadêmico e social. No campo científico sua contribuição se dá pela escassez de estudos
científicos e atuais sobre essa problemática, diante disso os pesquisadores desejam
gerar mais conhecimento científico, e posteriormente servir como aporte teórico para
outros pesquisadores.
Quanto ao campo social por se tratar de um assunto tão atual e comum na
sociedade, esta monografia trará diversas contribuições para esse meio, já no campo
acadêmico uma de suas contribuições será a ampliação dos logos das pesquisadoras, o
que será de grande valia em suas atividades como psicólogas.
72
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas bases de dados foram identificados 200 artigos, sendo 100 publicados entre
os períodos de 2010 a 2021 e em português, deste quantitativo 50 estavam disponíveis
para download, deste número identificou-se que alguns artigos se repetiam uma ou mais
vezes, na mesma ou em diferentes bases de dados. Os artigos repetidos foram
eliminados. Na sequência da análise foram lidos os resumos e sinopses a fim de verificar
se a publicação estava relacionada ao escopo do trabalho. Após a análise, permaneceram
15 artigos os quais foram lidos, realizado o fichamento, levantadas as ideias chave dos
autores, além de interpretadas as ideias apresentadas.
2.1. TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA
Na 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental (DSM) o
TCAP era caracterizado como um transtorno alimentar sem outra especificação
(PIVETTA; SILVA, 2010), no entanto, Oliveira et al. 2020, acrescenta que com a
reformulação do DSM-V em 2013, a síndrome teve o seu diagnóstico separado, que foi
definido por sua frequência média/mínima de um episódio de compulsão alimentar por
semana, em um período de três meses.
O transtorno de compulsão alimentar periódica se caracteriza pela ingestão de
uma grande quantidade de alimentos, maior do que outras pessoas consumiriam nas
mesmas circunstancias, em um período de duas horas (BLOC et al., 2019). Durante esse
episódio de compulsão alimentar o indivíduo come mais rápido que o habitual, mesmo
sem estar com fome, até sentir-se desconfortavelmente cheio, realiza refeições sozinho
ou escondido por se sentir envergonhado pela quantidade exagerada de comida que está
consumindo (BOLOGNESE et al., 2018).
Pereira e Chehter (2011) destacam que a perda de controle ao comer é a principal
característica do Transtorno de Compulsão Alimentar, em detrimento de outros
aspectos, assim como a quantidade de alimento ingerido, a velocidade e o tempo, no
entanto, Fusco et al. (2020) descrevem estes critérios como inconsistentes, tendo em
vista que não existem informações sobre os valores ideais, tanto para a velocidade
quanto para a quantidade de alimentos ingeridos, mas a falta de controle sobre um ato
está ligada a impulsividade.
Pivetta e Silva (2010) afirmam que na população geral a prevalência de
transtorno da compulsão alimentar periódica pode variar de 1,5% a 5%, e Marques e
Baldessin (2016) alegam que cerca de 1,8 a 4,6 da população geral possui esse
transtorno, ambos os autores apresentam um quantitativo equivalente a respeito da
prevalência do TCAP na população geral.
2. 2. O TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR E A OBESIDADE
A compulsão alimentar por muito tempo foi associada à obesidade, e por se tratar
ainda de um fenômeno clínico que foi descrito pela primeira vez por indivíduos obesos
(BOLOGNESE et al., 2018), no entanto nos dias de hoje com os avanços das pesquisas,
sabe-se que esse transtorno não se restringe somente a esse grupo, o TCAP é encontrado
em diferentes indicies de massas corporais, sendo reportado em diversos grupos
independente da obesidade (GHADIE et al., 2018).
73
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
No entanto, alguns autores destacam que mesmo sendo um transtorno que
acomete todo tipo de pessoa, sua maior prevalência continua sendo na população obesa
ou em pessoas com sobrepeso.
Pivetta e Silva (2010) alegam que em indivíduos obesos comportamentos de
compulsão alimentar são mais frequentes, e entre as pessoas obesas que procuram
tratamento a prevalência do transtorno varia de 5% a 30%, autores que trazem dados
aproximados a esses é Duchesne et al. (2010) que afirmam que o TCAP, está
frequentemente associado à obesidade e ao sobrepeso, sendo que 30% da população
obesa possui TCAP.
Algumas pesquisas indicam que o TCAP associado a obesidade, acaba sendo mais
danoso aos indivíduos, do que somente a obesidade em si, pois além dos problemas
fisiológicos que a doença pode desencadear, ainda existe o predisponente dos problemas
psíquicos, Bolognese et al. (2018) os obesos que possuem TCAP apresentam sofrimento
psicológico devido a depreciação de sua imagem física e a preocupação excessiva com o
peso e com o que os outros pensam de si.
2.2.1 OS IMPACTOS PSICOLÓGICOS DO TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR
PERIÓDICA NOS INDIVÍDUOS OBESOS
O TCAP pode acarretar diversos impactos psicológicos para a vida do indivíduo
acometido por este transtorno, após os episódios de compulsão, a pessoa sente um
intenso mal estar subjetivo, causado por sentimento de culpa, angústia, tristeza,
vergonha ou até mesmo repulsa de si mesmo (DUSHESNE et al., 2010), autores como
(BLOC et al., 2019) afirmam que pacientes obesos que possuem TCAP acabam
apresentando maiores comorbidades psiquiátricas, do que obesos que não possuem o
transtorno.
Algumas pesquisas indicaram que pessoas que possuíam obesidade em
comorbidade com a TCAP tinham um IMC maior, além de níveis mais graves de
depressão, ansiedade, sentimentos fortes de inadequação e inferioridade, assim como
sintomas obsessivos compulsivos (STIVAL et al., 2020), em concordância a essa
afirmação (FLORIDO et al., 2019) destacam que esses comportamentos alimentares
desordenados em pessoas obesas, geram um forte impacto psicológico negativo, que em
grande maioria estão relacionados a depressão e ansiedade.
Para Duchesne et al. (2010), quando comparados obesos com TCAP aos que não
possuem esse transtorno, os do primeiro grupo apresentam mais sintomas
psicopatológicos ou alimentares, em indivíduos que possuem TCAP, foi encontrado
maiores níveis de perfeccionismos, impulsividade, ansiedade e isolamento social, foi
relatada ainda uma pior qualidade de vida e uma pior autoestima, já Azevedo et al.
(2010) corroboram que os obesos com transtorno de compulsão alimentar tem a
autoestima mais baixa e acabam se preocupando mais com o peso e a sua forma física do
que as pessoas que também estão sobrepeso mas não possuem o transtorno.
2.2.2 OS IMPACTOS DO TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR NA PERDA DE
PESO DE INDIVÍDUOS OBESOS
Alguns pesquisadores afirmam que o transtorno de compulsão alimentar
periódica quando não tratado, pode interferir na perda de peso, prejudicando até mesmo
quem passa pela cirurgia bariátrica, pois em grande maioria apresentam uma perda de
74
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
peso menor que outros pacientes.
Segundo Florido et al. (2019), salientam, que o transtorno de compulsão não está
associado somente a má qualidade de vida e problemas emocionais, mas acaba
prejudicando a perda de peso. Silva e Crahim (2019) mencionam que os pacientes que
não tratam o TCAP junto a obesidade, tem demonstrado uma maior taxa de insucesso na
perda de peso.
Segundo Prazeres, Coral e Leonildo (2017), pessoas obesas que possuíam TCAP
antes de realizar a cirurgia bariátrica, e não buscaram tratamento para o transtorno
apresentaram menor perda de peso após a cirurgia e maiores necessidades de
intervenções, a fim de obter um resultado favorável. Florido et al. (2019) afirma que
indivíduos que apresentam desordens alimentares como o transtorno de compulsão
alimentar periódica e não tratam o transtorno junto ao sobrepeso, tem mostrado uma
maior taxa de insucesso quando o assunto é perda de peso a longo prazo.
2.3 TRATAMENTOS PARA PESSOAS OBESAS QUE POSSUEM TRANSTORNO DE
COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA
Segundo Stival et al. (2020) o tratamento para pessoas que possuem transtorno
de compulsão alimentar periódica concomitante com a obesidade deve se dar de
maneira multidisciplinar e com uso de medicamentos, Silva e Crahim (2019) alegam
ainda que uma equipe multidisciplinar, composta por médicos, nutricionistas e
psicólogos tem um papel muito importante nesse tratamento.
Ghadie et al. (2020) atesta que os estudos sobre o tratamento de TCAP, tem certas
limitações, pois os estudos a maioria dos estudos foram realizados com amostras
pequenas de pessoas, além, de ter taxas elevadas de desistências durantes os estudos,
porém Florido et al. (2019) destaca que intervenções nutricionais e/ou
comportamentais, se fazem de extrema importância para o tratamento de transtornos
alimentares, mas um dos meios de tratamento que mais tem se destacado é o
psicológico.
2.3.1 O TRATAMENTO PSICOLÓGICO DE INDIVÍDUOS OBESOS QUE POSSUEM
TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA
Muitos autores destacam a importância do acompanhamento psicológico durante
o tratamento de pessoas obesas que possuem TCAP, dentre eles, Ghadie et al. (2020)
destaca que esse acompanhamento tem sido apontado como necessário para tratar
pessoas com e sem transtorno de compulsão alimentar periódica, e sendo indispensável
para quem deseja passar pela cirurgia bariátrica. Racine e Hovart (2018) alegam que
pacientes com TCAP necessitam de uma atenção de tratamentos e técnicas que ajudem a
diminuir as suas demandas emocionais.
A regulação emocional no tratamento desse transtorno é um papel importante da
psicologia (EICHEN et al., 2016), pois este auxilia na compreensão profunda dos motivos
da TCAP e proporciona uma mudança sustentável de vida que o ajude não só a perder
peso, mas também a manter essa perda de peso a longo prazo (LUZ; OLIVEIRA, 2013).
Na psicologia, existem diversas linhas teóricas, quando se fala sobre o tratamento
psicológico do TCAP não é diferente, essas linhas incluem diferentes tipos de terapia, a
comportamental dialética, a interpessoal e a terapia cognitivo-comportamental
75
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
(PRAZERES et al., 2017).
No tratamento psicoterápico desses indivíduos, deve ter como principal objetivo
alterar os comportamentos e pensamentos inadequados quanto a alimentação (LUZ;
OLIVEIRA, 2013). Nesse sentido, a Terapia Cognitivo-Comportamental tem sido bastante
indicada no tratamento de obesos que possuem transtorno de compulsão alimentar
periódica.
2.3.2 A TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DE PESSOAS
OBESAS QUE POSSUEM TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICA
Autores como Luz e Oliveira (2013) alegam que a Terapia CognitivoComportamental tem apresentado resultados consolidados da sua eficácia no
tratamento de TCAP. A TCC é uma das formas de intervenções psicoterápicas, e uma das
mais indicadas quando o assunto é transtorno alimentar, pois ela utiliza de técnicas que
auxiliam nas modificações dos comportamentos que estão relacionados a hábitos
alimentares (STIVAL et al., 2020).
Luz e Oliveira (2013) alegam ainda, que essa terapia é baseada na mudança de
estilo de vida, em relação aos padrões alimentares e as atividades físicas, esse é um
tratamento baseado em evidencias. Para a TCC, o sistema disfuncional de crenças está
associado ao desenvolvimento de TCAP (DUSCHESNE et al., 2010), consequentemente, a
modificações desses padrões distorcidos é o principal foco de tratamento, podendo ser
utilizada diversas técnicas cognitivas para tal finalidade.
Se faz necessário citar que a psicoeducação é uma das primeiras técnicas a ser
utilizadas na TCC, sendo considerada imprescindível para o tratamento, pois é uma
técnica em que o terapeuta compartilha de maneira lúdica, o que significa o modelo
cognitivo-comportamental (MARQUES; BALDESSIN, 2016). Stival et al. (2020)
complementam que o objetivo principal da psicoeducação é fazer com que o paciente
entenda o modelo cognitivo e transformá-lo em um colaborador ativo em seu processo
de cura.
Dushesne et al. (2010) descreve algumas das técnicas da comportamentais que
são utilizadas para ajudar na modificação dos hábitos alimentares: a auto monitoração
que consiste na observação sistemática e o registro dos alimentos que foram ingeridos e
as circunstâncias que estão associadas, existem também as técnicas de controle de
estímulos, que está envolvida com a identificação das situações que que favorecem a
compulsão alimentar e o treinamento de resoluções de problemas, o autor Júnior (2016)
acrescenta que as intervenções teóricas oferecidas TCC abordam dez tópicos que são: a)
estabelecimento de metas; b) auto-observação dos próprios comportamentos e as
consequências; c) discriminação e a análise de sentimentos; d) imagem corporal; e)
ampliação do autocontrole e análise de eventos internos; f) aspectos relacionados a
automotivação e autocontrole; g) relacionamentos interpessoais; h) resoluções de
problemas; i) reestruturação cognitiva e j) prevenção de recaída.
Para Marques e Baldessin (2016) os tratamentos que seguem esse modelo de
atuação, acabam tendo melhores resultados, com o tempo de aplicabilidade de seis a
doze meses, em concordância a essa afirmação os autores Luz e Oliveira (2013)
destacam que o tratamento a curto prazo em uma sessão de TCC por semana durante um
período de sete meses com pacientes obesos que possuem TCAP em comorbidade, pode
ser muito benéfico a longo prazo para esses indivíduos. Marçal e Júnior (2018) destacam
76
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
que nem todos os pacientes respondem a mesma maneira durante o tratamento, por
isso, se faz de extrema importância avaliar cada caso em suas especificidades, e adequar
as intervenções de acordo com a demanda do paciente.
A partir da discussão, observamos que a maioria dos autores concordam quando
discorrem a respeito do Transtorno de Compulsão Alimentar e os seus impactos na vida
dos indivíduos, mas por se tratar de uma doença que ganhou visibilidade a pouco tempo,
ainda existe uma grande necessidade de se realizarem mais estudos acerca do tema.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos estudos que foram coletados para a realização dessa pesquisa sobre a
terapia como auxilio no tratamento de pessoas obesas que possuem transtorno de
compulsão alimentar, ficou claro as implicâncias que essas doenças associadas podem
gerar sobre a vida dos indivíduos acometidos por elas, destacando-se a importância do
profissional da psicologia.
Os estudos revelam que dentre os pacientes obesos que procuram tratamentos
para reduzir o peso, a maioria deles possui TCAP associado, no entanto, ainda não há
muitos estudos que tratam de intervenções da TCC para obesos que possuem TCAP, mas
muitos autores já evidenciam esse tratamento como um aporte seguro e muito
promissor, pois tem apresentado resultados satisfatórios, validos e eficaz no tratamento
de obesos que possuem TCAP.
Constatou-se por meio dessa revisão que programas de terapia cognitivocomportamental acabam resultando em melhoras significativas nos sintomas
característicos do TCAP, pode-se observar melhoras na autoestima, nos relacionamentos
interpessoais, no humor, na qualidade de vida, na perda de peso, além de uma melhoria
subjetiva de bem-estar do paciente. Além disso, diversos autores concordaram quando
discorreram acerca da importância desse tratamento, pois como foi levantado por
alguns autores, as demandas psíquicas também devem ser tratadas, quando elas são
desconsideradas os pacientes podem até podem perder peso, porém voltam a ganhar e
acabam não tendo um tratamento efetivo.
Durante a discussão pode-se perceber que algumas demandas psicológicas
também podem desencadear transtornos alimentares, dentre ele o de compulsão
alimentar, e alguns profissionais tratam do físico, mas não o psíquico que é onde muitas
vezes se encontra a raiz do problema.
Em virtude do que foi mencionado, a pesquisadora alcançou os objetivos que
haviam sido propostos nesta pesquisa, obtendo uma compilação final em concordância
com o que foi descrito até aqui. Destacando a importância do tratamento psíquico, como
um agente transformador de comportamentos e de pensamentos, que acarreta em uma
mudança positiva em diversas esferas na vida do indivíduo.
Outro ponto a salientar, foi a experiência e o conhecimento obtidos através dessa
pesquisa. No decorrer do percurso e da realização da mesma, um dos maiores desafios
foi encontrar artigos recentes que tratem do assunto abordado, destacando desta forma
a escassez de conteúdos atualizados a respeito do tema em questão.
77
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
REFERÊNCIAS
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79
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 7
A dependência química e os efeitos da codependência
famíliar
Jovam Souza Barbosa
Taynara de Albuquerque Gallio
Resumo: A temática da dependência química se apresenta como o cerce de diversas
discussões sob diversos aspectos, sendo possível destacar dentre tantos os reflexos
desta problemática junto aos familiares dos dependentes, apontando a questão da
codependência da família, o que compromete a saúde, a qualidade de vida e as relações
de todos os envolvidos. Esta pesquisa sistemática tem como objetivo geral analisar os
efeitos da codependência de familiares de indivíduos dependentes químicos. Para
alcance do mesmo foram estipulados como objetivos específicos: caracterizar a
Codependência química sob a perspectiva da dinâmica familiar; estudar as
consequências da codependência na qualidade de vida dos codependentes; identificar
estratégias de superação da codependência química. A metodologia apresentada como
adequada para a realização deste estudo é de caráter sistemático, com foco em pesquisas
publicadas em revistas científicas entre os anos de 2017 e 2021, embasando assim a
análise e discussão dos resultados encontrados em conformidade com os objetivos
propostos. Com os doze estudos selecionados foi possível identificar que as
consequências comuns da codependência se apresentam como comprometimentos da
qualidade de vida, saúde física e mental, bem como enfraquecimento das relações sociais
e familiares. No que se trata de estratégias de tratamento da codependência foram
identificadas iniciativas como tratamento psicoterápico e encontros em grupos para tal.
Este estudo se mostra uma iniciativa a ser estimulada para o desenvolvimento de
pesquisas mais aprofundadas na temática em consideração principalmente aos efeitos
da codependência.
Palavras-chave: Dependência química; codependência química; Família.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A temática da dependência química se apresenta como o cerce de diversas
discussões sob diversos aspectos, sendo possível destacar dentre tantos os reflexos
desta problemática junto aos familiares dos dependentes, apontando a questão da
codependência da família, o que compromete a saúde, a qualidade de vida e as relações
de todos os envolvidos.
De acordo com Sobral e Pereira (2012) a codependência química se define pelo
fenômeno em que pessoas que não são dependentes químicos convivem diretamente
com indivíduos que se caracterizam como tais dependentes, principalmente como
usuários de álcool e outras drogas. Marinho, Souza e Teixeira (2015) complementam que
tal ocorrência se estende as pessoas do círculo familiar e de convivência do dependente
químico, uma vez que estabelecem relações com os mesmos ou com os codependentes
diretos.
No que tange a codependência Carvalho e Crisóstomo (2016) esclarecem que os
números se mostram ainda mais alarmantes, uma vez que a proporção estimada é de
três a quatro codependentes para cada dependente químico, o que potencializa a
quantidade de pessoas que se encontram sob impacto do uso de entorpecentes,
ocasionando assim uma série de consequências para o meio familiar e para a sociedade
como um todo.
A presente pesquisa se mostra pertinente diante a necessidade eminente de
construção de conhecimentos sobre o tema por parte dos autores, bem como contribui
para a formação acadêmica e profissional futura dos mesmos. Também é possível
apontar como contribuição do estudo em tela a disposição de novos achados voltados
para a qualidade de vida e superação da situação de codependência encontrada em
inúmeras famílias, o que visa auxiliar a comunidade de profissionais que atuam junto à
esta problemática, destacando o psicólogo.
Esta pesquisa teve como objetivo geral analisar os efeitos da codependência de
familiares de indivíduos dependentes químicos. Para alcançar o objetivo primário foram
estipulados como objetivos específicos: a. Caracterizar a codependência química sob a
perspectiva da dinâmica familiar; b. estudar as consequências da codependência na
qualidade de vida dos familiares; e cientificar estratégias de superação da
codependência química.
Esta pesquisa teve um procedimento bibliográfico, baseado em uma revisão
sistemática, a qual se define pela identificação de literatura acerca de um determinado
tema, buscando promover a sistematização de ideias entre os achados, realizando uma
avaliação crítica e o confronto entre os resultados, ainda que estes tenham origem
diversa. É através deste método que se apresentam as possibilidades identificação de
diversos prismas acerca de uma mesma temática, o que favorece a discussão dos
resultados obtidos nas pesquisas originais.
Trata-se de uma pesquisa sistemática, ou seja, o pesquisador estuda os
fenômenos sem intervir de forma sistemática, ou seja, observa, registra, analisa e
correlaciona fatos e variáveis sem manipulá-los. De A pesquisa descritiva foi definida
para o estudo proposto, visto que o seu objeto principal consiste na “[...] descrição das
características de determinada população ou fenômeno ou o estabelecimento de
relações entre variáveis. [...] uma de suas características mais significativas está na
utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados.
81
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A escolha destes procedimentos metodológicos se justifica primordialmente pela
possibilidade de compreensão dos fenômenos abordados em pesquisas já realizadas, o
que se apresenta como uma forma de compreensão da realidade em que a temática se
insere, confrontando as informações encontradas.
Os dados foram coletados a partir dos cruzamentos das seguintes palavras-chave:
“dependência química”, “Codependência química” e “família”. Para o embasamento
teórico foram incluídos, os achados científicos devidamente publicados, incluindo livros,
teses, dissertações, artigos e documentos oficiais como legislações e códigos de categoria
profissional.
Como critérios de inclusão foram estabelecidos a avaliação de achados entre os
anos de 2017 e 2021, nas bases de dados Scielo, PubMed, Lilacs, Google Acadêmico, bem
como na biblioteca da instituição, devidamente publicados na língua portuguesa e
inglesa, e que se relacionem com os objetivos da pesquisa proposta. Como critérios de
exclusão, não foram selecionados estudos sem reconhecimento científico e que se
apresentassem em contradição aos objetivos da referida revisão.
A análise dos dados se dá através da categorização dos itens a serem avaliados,
identificando por categorias, sendo estas a caracterização das produções científicas e a
caracterização dos temas e resultados encontrados nos estudos selecionados, os quais
são avaliados em conformidade com o aparecimento e com as ideias apresentadas.
Ao analisar os estudos selecionados para esta revisão de literatura faz-se
necessário desenvolver avaliação e confronto dos resultados alcançados pelos mesmos,
sendo importante a categorização similar em conformidade com os temas apresentados,
considerando assim os objetivos inicialmente propostos por esta pesquisa sistemática.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1 A CODEPENDÊNCIA QUÍMICA E DINÂMICA FAMILIAR
No que tange ao reconhecimento da relação estabelecida entre a codependência e
a dinâmica familiar é possível realizar uma série de análises que apontam não somente
para os resultados e os impactos, mas também para a percepção e vivências neste
sentido.
Em relação aos resultados apresentados, Diehl, Silva e Bosso (2017) esclarecem
que a dinâmica familiar sofre impactos diretos após a instauração da dependência
química, uma vez que observaram de forma primordial a vivência de um histórico de
disfuncionalidade familiar por parte do codependente químico, apontando para
experiências aversivas neste sentido, com vinculações afetivas deficientes na infância e
adolescência, fatores estes que culminam na repetição de um modelo de sujeição a
abusos emocionais e negligências com o dependente químico em questão, destacando
inclusive as mulheres como codependentes.
Observa-se que o codependente químico em geral possui uma gama de
experiências negativas quando se trata de vivências passadas em sua dinâmica familiar
quando em relação a possíveis traumas neste sentido, não necessariamente com o
convívio com dependentes químicos, mas que apontem para questões como
vulnerabilidade emocional e frágil vinculação afetiva, comprometendo sua saúde
emocional e promovendo futuras relações semelhantes.
Sobre isto, Meira et al. (2020) corrobora tais achados ao afirmar que
considerando o elevado nível de envolvimento emocional entre dependente e
82
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
codependente são notados casos em que se estabelece uma relacionamento abusivo,
com sobrecarga do codependente, bem como ressaltou que tal evento ocorre
principalmente com pessoas do gênero feminino quando envolvidas, evidenciando as
cônjuges e companheiras de dependentes.
Nota-se assim que as bases fragilizadas de relacionamentos anteriores culminam
na experiência da codependência apontando-se inclusive para o estabelecimento de
relacionamentos não saudáveis, com ocorrências de abusos de ordem psicológica ou
mesmo físicos, com situações em que ambos ocorrem e prejudicam a dinâmica familiar.
Um ponto a ser apresentado nesta categoria é identificado nos estudos de Dias et
al. (2020) no que se trata do cotidiano das pessoas codependentes químicas, sendo
notado que muitas destas afirmam que sua rotina passa a ser direcionada em
conformidade com a vida do dependente químico, seja das atribuições diárias e triviais
como aquelas em que são direcionadas para questões de saúde e segurança. Rocha
(2017) apresenta como resultados neste sentido o comprometimento e adoecimento da
dinâmica familiar, uma vez que o codependente passa a estabelecer sua vida em função
da vida do dependente químico.
Quando se trata do adoecimento de toda a família que convive com o
codependente químico são notadas questões que se tratam referentes ao
comprometimento da saúde física e psicológica de todos, uma vez que com os abalos
comuns a dinâmica familiar neste sentido é observada problemáticas que envolvem
também os vínculos afetivos.
Maciel et al. (2018), a exemplo de Meira et al. (2020) que a dinâmica familiar ao
se mostrar comprometida e disfuncional quando se estabelece a relação de dependência
e codependência, é determinante em fragilizar relacionamentos de todos os envolvidos,
ainda que não codependentes, uma vez que toda a família vivencia as consequências e se
preocupa e desgasta com os sintomas apresentados pelo codependente.
Sobre isto, Dias et al. (2020) afirma se tratar de mais uma questão de
instabilidade na dinâmica familiar saudável, pois os membros não codependentes
passam a estabelecer uma postura retaliativa com o dependente em consideração à
condição do codependente.
Novamente são observadas relações que podem ser analisadas como
emocionalmente adoecidas, uma vez que a condição de codependência por diversas
vezes perpassa pela nuance de vivência integral em função do dependente, o que acaba
por adoecer ambos bem como a relação familiar como um todo, o que demanda inclusive
problemáticas com os demais membros familiares.
Com a análise dos achados desta categoria é possível observar que os abalos
sofridos na dinâmica familiar em que se estabelece uma situação de codependência
acabam por atingir todos os membros da família, com destaque percebido em quatro dos
cinco estudos para as consequências voltadas para as mulheres codependentes.
83
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2 A SUPERAÇÃO DA CODEPENDÊNCIA QUÍMICA
Na apresentação dos resultados deste contexto é salutar a identificação de
estratégias voltadas para que a codependência seja superada, ou minimamente reduzida,
sendo de suma importância que se compreenda tanto as estratégias reconhecidas
enquanto iniciativa do poder público quanto as possibilidades apresentadas pela
iniciativa privada, sendo estas em geral vinculadas a grupos de familiares de
dependentes químicos.
Segundo os achados de Ávila e Kruger (2017) a participação dos codependentes
em grupos de mútua ajuda tem se destacado como uma estratégia eficiente no
fortalecimento emocional destes indivíduos, uma vez que foca no desenvolvimento da
resiliência dos mesmos através da escuta e compartilhamento de experiências, o que é
determinante para que sejam identificadas semelhanças nas vivências de cada familiar
codependente, assim como sejam notadas estratégias de superação sob a ótica de
pessoas que já as vivenciaram em prática.
Nota-se que os grupos de ajuda mútua se apresentam como uma ferramenta leiga
de convívio e compartilhamento de experiências, sob a percepção dos próprios
codependentes e daqueles que convivem com os mesmos, sendo importante o
conhecimento inclusive das estratégias adotadas para enfrentamento da condição de
codependência, sendo salutar a ressalva de que tais grupos não possuem caráter
psicoterapêutico ou ainda embasamento científico como ferramenta em sanar tal
situação.
Silva et al. (2018) esclarecem que as comunidades terapêuticas voltadas para o
tratamento dos dependentes químicos possuem grupos de ajuda mútua voltada para a
mitigação de problemas apresentados por codependentes, os quais são, a exemplo do
apresentado pelo estudo anterior, uma ferramenta exitosa para tal, uma vez que nos
encontros são identificados vivências e sentimentos dos codependentes e estabelecem
as melhores estratégias de tratamento.
É notado neste tipo de estratégia que, em geral, as comunidades terapêuticas
possuem profissionais que conduzem o tratamento da codependência como tal, sendo
oficializadas pelo compartilhamento de experiências e relatos de ajuda, porém com o
direcionamento profissional para tal, conferindo-se assim o status de estratégia mais
científica.
Outra questão neste quesito foi identificada no estudo desenvolvido por Horta et
al. (2017) em que os codependentes traçaram estratégias individuais de enfrentamento,
tanto da dependência química quanto da codependência em si, como por exemplo a
procura por estabelecimento de vínculos até então rompidos, ou ainda o afastamento
total em relação ao dependente, como um forma de ressignificar a vida.
Observa-se nesta estratégia em análise, que enquanto forma de superação da
codependência individualmente, o codependente não necessariamente busca por um
apoio profissional ou em grupo, mas opta por estabelecer metodologias individuais, o
que não necessariamente demanda sucesso diante a condição imposta.
Por fim, Assalin et al. (2021) uma possibilidade de superação da situação de
codependência é através da definição e adesão do tratamento do dependente químico
em si, uma vez que, quando este adere ao tratamento, de forma subsequente são
estabelecidas diretrizes de melhoria do processo de codependência. Avila e Kruger
(2017) também obteve achados direcionados neste sentido, uma vez que com a
84
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
participação de codependentes em processos de tratamento de dependentes químicos é
possível notar uma melhoria dos codependentes.
É observado que a adesão do dependente a tratamentos especializados é
apontada como ferramentas eficazes para a superação inclusive da situação de
codependência, uma vez que ao superar a dependência química a relação de
codependência também pode ser superada.
Spagnol (2018) aponta para a importância do fomento de estratégias de
atendimento e tratamento voltada para codependentes no âmbito da saúde pública, uma
vez que através da Rede de Atenção Psicossocial é possível atender esta demanda. Os
resultados apontaram para o maior cuidado no que tange ao trato com os
codependentes em relação a seriedade dos sintomas apresentados pelos mesmos, como
ansiedade e depressão, da mesma forma que se notou deficiências nos métodos de
tratamentos no que tange a padronização dos mesmos, ainda que os resultados tenham
se mostrado satisfatórios no que tange ao tratamento da codependência.
É possível notar nesta categoria que as estratégias de enfrentamento e
tratamento da codependência, ainda que insipientes, se mostram eficazes quando se
trata da possibilidade de vislumbre de alternativas para superação de tal condição.
2.3 CONSEQUÊNCIAS DA CODEPENDÊNCIA QUÍMICA NA QUALIDADE DE VIDA
Quando se trata da avaliação dos impactos da codependência na qualidade de
vida das pessoas acometidas pela tal é primordial que sejam identificadas quais as
possíveis consequências neste sentido, bem como as relações estabelecidas após tais
ocorrências.
Os achados de Melo e Cavalcante ( 2019) apontam para o comprometimento da
vivência dos codependentes em diversos níveis como o adoecimento físico e emocional,
com o aparecimento de sintomas relacionados a dores de cabeça, desenvolvimento de
transtornos de humor, complicações alimentares, problemas de ordem gástrica e
cardiológica, entre outros. Os autores também esclareceram que o isolamento foi
apontado como uma questão bastante comum aos codependentes, impactando assim
nos relacionamentos e na convivência com terceiros.
Nota-se neste caso que as questões de ordem física são notadas como uma
manifestação de todo o sofrimento psíquico comum a codependência, uma vez que o
acúmulo de emoções associados ao estresse vivido acabam por culminar em
adoecimento físico em si, sendo notado inclusive ocorrências de isolamento, o que
propulsiona ainda mais tais problemáticas diante da impossibilidade de convivência
com outras pessoas.
É importante aprofundar a análise dos impactos relacionadas ao isolamento que o
codependente em geral vivencia, o qual se mostra na maioria das vezes como um fato
ligado pela vontade do mesmo, seja em razão do sentimento de vergonha ou por não
saber lidar com as manifestações da codependência, sendo notada inclusive uma
resistência em aceitar possíveis intervenções de terceiros em sua situação, assim como
tal isolamento ocorre em razão do preconceito social sobre a dependência do familiar.
Martinho et al. (2020) apontaram também as percepções negativas que os
codependentes possuem quando se trata da interferência da codependência e a
qualidade de vida, com a descoberta de questionamentos como a incapacidade de
85
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
criação de filhos, desenvolvimento do sentimento de culpa, entre outros, os quais
impactam na qualidade de vida em decorrência de suas implicações com a saúde física,
emocional, mental e social.
Observa-se, portanto, uma autopunição do codependente químico no que se trata
da condição do familiar dependente, o que auxilia na promoção de sentimentos
negativos sobre a sua própria existência e capacidades enquanto ente do dependente,
sendo determinante inclusive na saúde do codependente, comprometendo a qualidade
de vida do mesmo.
Observa-se que quando se trata das consequências em relação a codependência
química e a qualidade de vida em codependentes é possível vislumbrar diversas
complicações que promovem a redução da qualidade de vida, com o aparecimento de
problemas de ordem física e emocional, contribuindo inclusive para complicações no
convívio social e comunitário dos codependentes, estabelecendo-se assim como uma das
problemáticas de maior destaque neste contexto, influenciando inclusive questões que
interferem no tratamento dos dependentes químicos.
Assim, é importante que o codependente, e toda a rede que o envolve, esteja
atenta para o desenvolvimento de questões como as acima relatadas, uma vez que diante
a ocorrência das mesmas é possível que haja um comprometimento da qualidade de vida
do codependente químico.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da realização da presente pesquisa foi possível identificar diversos
pontos de convergência que apontam para os efeitos da codependência química na vida
dos codependentes, perpassando pela importância do aprofundamento em temas
específicos como a definição de codependência e sua relação com a dinâmica familiar,
quais as consequências da codependência na qualidade de vida das pessoas que a
desenvolvem e quais as estratégias atualmente reconhecidas para o tratamento da
codependência.
Foi possível identificar que, em relação a dinâmica familiar que envolve um
codependente químico são notados impactos de grande atenção e que demandam
iniciativas tanto dos demais membros da família quanto de profissionais, uma vez que
tal perspectiva se mostra um importante ponto de partida de problemas mais
aprofundados como doenças psicossomáticas por exemplo.
Em relação as consequências da codependência foi notado que o codependente
em si tem, na maioria das vezes, consciência de sua condição e quais são os empecilhos e
complicadores neste sentido, mas nem sempre consegue obter êxito sozinho, sendo
necessária a intervenção de terceiros.
No que concerne as estratégias de superação observou-se que ainda são
incipientes as iniciativas devidamente reconhecidas, sendo apenas elencadas grupos de
apoio, terapias em grupo ou individuais, e iniciativas particulares, sendo importante
ressaltar que quando tais estratégias são conduzidas por profissionais, as chances de
sucesso se mostram maiores.
Essa experiência foi importante para nós, pois percebemos que muito se falava na
dependência química em trabalhar o dependente, e se esquece da família que também
adoece nessa dinâmica.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Neste sentido ressalta-se que este estudo teve os objetivos propostos
devidamente alcançados, salientando que o mesmo não se apresenta como uma
iniciativa isolada e com caráter finito, quando na verdade a expectativa dos autores é
contrária, uma vez que a temática se mostra amplamente permeada de nuances dignas
do desenvolvimento de pesquisas, principalmente em razão das limitações encontradas
para este trabalho, como o maior número de pesquisas recentes direcionadas ao
dependente químico em si, fato este que coloca a codependência em segundo plano.
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88
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 8
Aspectos emocionais da morte no contexto hospitalar:
A equipe de saúde e o processo de finitude humana
Thalita Regina Araújo da Costa
Vanessa da Silva Almeida
Resumo: A morte e o morrer são fenômenos inerentes na vida de qualquer ser humano.
No ambiente hospitalar a morte se faz presente de maneira constante, mas, ainda assim
é considerada um tabu pela equipe de saúde, pois falar do processo de perda faz com
que esse público entre em contato com suas próprias fraquezas e conteúdos. Assim, o
objetivo desta pesquisa é compreender a vivência da equipe de saúde frente a morte de
pacientes no hospital. Para a realização desse estudo utilizou-se uma abordagem
qualitativa de caráter bibliográfico. Mediante os resultados obtidos, constata-se que essa
estranheza ligada a terminalidade se dá devido a construção histórica da morte e a falta
de preparo emocional na graduação desses profissionais, visto que esse público é
treinado apenas para a cura e promoção da saúde, sendo a morte um fracasso para essa
equipe. Os resultados obtidos servirão para alertar sobre possíveis patologias no âmbito
hospitalar, enfatizando a necessidade de uma preparação mais humanística na
graduação, bem como ações voltadas para a saúde mental desses profissionais.
Palavras-chave: Morte; profissionais da saúde; hospital.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A morte bem como o nascer é um fenômeno intrínseco do desenvolvimento
humano, que permeia a vida de todos os seres vivos ao longo do tempo. Entretanto, nas
conjunturas atuais esse tema ainda é pouco difundido devido aos significados atribuídos,
sendo esse comumente excluído ou evitado das rodas de conversas. Refletir sobre a
finitude humana é um processo complexo, uma vez que os conceitos de vida e morte
constituem o nosso ser e estão atreladas as duas esferas da existência humana. Assim, a
morte caracteriza-se como sendo um processo social, uma vez que seus significados e
percepções estão intimamente ligados a construção cultural de cada sujeito (CARAM et
al., 2018).
No contexto hospitalar a morte se faz presente corriqueiramente, sendo
considerada uma companheira diária da equipe de saúde. Apesar de habitual, a temática
ainda é vista como algo negativo, e essa classificação está associada a construção cultural
da morte que se modificou ao longo dos anos, bem como a falta de preparo emocional e
técnico durante a formação desses profissionais.
Os profissionais da saúde durante sua formação são treinados apenas para a cura
e manutenção da vida, anulando assim, a possibilidade da morte e ignorando o
fenômeno como parte inerente do desenvolvimento humano. Na maioria das vezes a
morte é vista pelos profissionais como um fracasso, sendo relacionada assim ao
insucesso profissional. Nesse sentido, percebe-se que tal evento pode desencadear
nesses profissionais diversas reações como: estresse, esgotamento, ansiedade, levandoos ao adoecimento psíquico, ou ao surgimento de doenças subjacentes (FARIAS;
FIGUEIREDO, 2017).
O interesse em se pesquisar essa temática surgiu devido a situação atual em que o
mundo se encontra, a pandemia de Covid-19. Pois, a ciência bem como a medicina, é
imprescindível em nossas vidas, e esse momento atual veio reforçar o quanto é
necessário falar sobre saúde. Partindo desse pressuposto, a saúde mental desses
profissionais que atuam na linha de frente da doença foi o fator preponderante que
motivou a escolha do tema, por esse cenário pandêmico ser uma preocupação a nível
mundial e afetar diretamente esse público.
A partir do tema apresentado, o estudo teve como objetivo geral compreender a
vivência da equipe de saúde frente a morte de seus pacientes no âmbito hospitalar. A fim
de alcançar o objetivo geral, estabeleceram se como objetivos específicos: a. Investigar
como os profissionais da equipe de saúde lidam com a morte de seus pacientes; b.
Identificar o preparo emocional da equipe de saúde para lidar com o processo de perda;
c. Levantar os sentidos atribuídos pela equipe de saúde frente a morte e o morrer.
No que se refere ao método, a pesquisa pautou-se na investigação bibliográfica e
qualitativa. Segundo Sousa, Oliveira e Alves (2021 p. 65) a pesquisa bibliográfica tem
como principal finalidade “o aprimoramento e atualização de conhecimentos, através de
uma investigação científica de obras já publicadas.” A pesquisa qualitativa foi necessária,
pois buscou-se um contato direto entre o pesquisador e o objeto de estudo. Proetti
(2018), afirma que a abordagem qualitativa não visa a quantificação, pelo contrário, a
sua principal relevância está na compreensão e interpretação dos fatos.
Para o levantamento dos dados utilizados na pesquisa foram utilizados artigos
acadêmicos, monografias, livros, e-books, dissertações e teses. Todo o material analisado
foi publicado em língua portuguesa e em território nacional. É válido destacar, que o
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
local da pesquisa foram as plataformas científicas Scielo, Pepsic e Capes. Além disso,
todos os achados científicos estavam voltados para o processo de morte e morrer no
âmbito hospitalar, e foram publicados nos últimos 5 anos (2016-2021). Logo, as obras
que não correspondiam aos critérios acima, foram descartadas desta investigação.
Ademais, para a discussão, a busca foi iniciada no Scielo através dos descritores:
morte/hospital/profissionais/saúde mental. Nessa base foram encontrados 95 artigos
relacionados ao tema. Desse total, apenas 75 pesquisas realizadas no Brasil foram
selecionadas, e 41 destas obras foram escritas antes de 2015, assim sendo, restou-se
apenas um total de 34 publicações. Dessas 34, 13 não eram condizentes com o objetivo
do trabalho, e 6 estavam escritas em outras traduções, o que impossibilitou a leitura
desses achados. Mediante esse filtro realizado, foram selecionados pela pertinência dos
critérios de inclusão 15 publicações ao todo.
No que tange a relevância desse trabalho para a sociedade, o presente estudo
contribuirá no sentido de descontruir as crenças negativas ligadas ao fenômeno da
morte e do morrer. E assim, proporcionar um entendimento maior acerca da temática,
fazendo com que ela seja compreendida com mais naturalidade e como parte integrante
do desenvolvimento humano.
No campo científico, o presente estudo irá reforçar os achados já existentes, e
contribuirá ainda para um melhor entendimento sobre o assunto, visto que esse
fenômeno é pouco discutido atualmente. Para a academia e para o curso de Psicologia, o
trabalho irá agregar conhecimento e novas informações acerca da terminalidade, o que
pode ser útil para pesquisas futuras, e para o público da instituição de modo geral.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após análise das literaturas encontradas, foram obtidas o total de 15 publicações.
Sendo todas as publicações em formato de artigos científicos e em língua portuguesa. A
apresentação dos resultados da pesquisa ocorreu por meio de tabela, no qual realizou-se
uma síntese com o ano, autores, título e conteúdo das obras científicas utilizadas. A
seguir será apresentada a discussão das três categorias: As formas de enfrentamento
utilizadas pelos profissionais da saúde no lidar com a morte, a preparação emocional da
equipe de saúde no lidar com a morte, e os sentidos atribuídos pela equipe de saúde
frente a morte e o morrer.
2.1 AS FORMAS DE ENFRENTAMENTO ADOTADAS PELOS PROFISSIONAIS DA
SAÚDE NO LIDAR COM A MORTE
Entre as dificuldades que permeiam a vida dos profissionais da saúde no âmbito
hospitalar, nota-se a morte como sendo um fenômeno complexo e desafiador na vida
dessa equipe, uma vez que o processo de terminalidade é vivenciado de maneira muito
particular por cada indivíduo. Domingues et al. (2013 citado por VASQUES et al., 2019)
salienta que comumente a equipe de saúde se sente responsável pela manutenção da
vida de seus pacientes, no entanto, quando não há êxito, os profissionais tendem a negar
esse processo, encarando a morte como um fracasso profissional.
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Diante do exposto, constata-se que a experiência da morte transcende o aspecto
físico e confronta a finitude, a religiosidade, as crenças e os valores individuais de cada
sujeito (CARDOSO et al., 2020). Assim, percebe-se que falar sobre a morte ainda é uma
tarefa difícil para esse público, uma vez que a morte do outro leva esses profissionais a
perceberem a sua própria finitude humana. (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018).
Em contrapartida, em um estudo realizado por Leite e Montelo (2021) verificouse que por a morte ser uma constante na vida desses profissionais, tal evento não produz
efeito tão significativo, logo, alguns profissionais vivenciam esse fenômeno como parte
de seu trabalho, sendo a morte muitas vezes inevitável. Corroborando, em seu estudo
Martins et al. (2019) verificou que os profissionais vêm a morte como sendo um alívio,
uma passagem, ou fim do sofrimento e descanso. Para os autores supracitados, essa
percepção auxilia os profissionais a se protegerem do sofrimento psíquico, e a se
adaptarem de forma mais natural a realidade de trabalho deles. Uma vez que pensar na
morte “representa, para os profissionais, a não efetivação do trabalho” (CARAM, et al.,
2018, p. 52).
Ademais, os autores enfatizam que os significados que as pessoas geralmente
atribuem à morte de alguém depende de vivências, valores pessoais (MOTA, et al., 2011
citado por LEITE; MONTELO, 2021) e da religiosidade (CARAM et al., 2018). Nesse
contexto, Vicensi (2016), destaca em seu estudo que a percepção da morte é algo
individual de cada sujeito, para uns a morte pode representar a ruptura da vida, ou seja,
a finitude. Já para outros, pode representar a eternidade, e ter um sentido
transcendental (LEITE; MONTELO, 2021). E por fim, há profissionais que atribuem à
morte de seus pacientes, ao fim de um ciclo, tendo esses cumprido sua missão na terra.
(MARTINS et al., 2019).
Outro ponto importante que se sobressai nos estudos, é o dilema vivenciado por
esses profissionais entre a responsabilidade técnica/profissional e as suas próprias
crenças, ou individualidade acerca da morte (VICENSI, 2016). Nesse contexto, esses
profissionais tentam se adaptar de forma abrupta a realidade, criando se assim uma
relação extremamente profissional, a fim de separar suas vivências profissionais das
vivências pessoais (MARTINS et al., 2019).
Frente a isso, Nasser (2020) e seus colaboradores, atentam para a importância de
se trabalhar o processo de morte e morrer no ambiente laboral e na capacitação desses,
uma vez que a temática é pouco discutida, ou explorada de forma superficial na
graduação, conforme constatado em estudos já realizados (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA,
2018).
Em linhas gerais, percebe-se que a maioria dos profissionais se sentem
despreparados para lidar com a morte, uma vez que a visão deles sobre o processo de
terminalidade está atrelado ao fracasso, impotência, culpa, angústia, frente a morte de
seus pacientes. Assim, nessa conjuntura “a terminalidade, é julgada como sendo um teste
à competência profissional” (CARAM, et al., 2018, p. 52). Dessa forma, o que era para ser
visto como um procedimento técnico, se estipula como sendo um processo de culpa.
(AREDES; MODESTO, 2016).
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2 PREPARAÇÃO EMOCIONAL DA EQUIPE DE SAÚDE NO LIDAR COM A MORTE
A morte e o processo de morte/morrer são interpretados como fenômenos
complexos, incertos e singulares devido a sua construção social. Nasser et al. (2020)
expõem que dentre os principais motivos levantados durante a sua pesquisa, nota-se
que existe uma grande dificuldade no preparo desses profissionais em lidar com a
morte, advindas desde a formação. Perboni, Zilli e Oliveira (2018) estão de concordância
com esse pensamento, e salientam que a graduação promove poucas discussões acerca
da morte, principalmente devido à fragmentação do ensino, onde disciplinas acabam
treinando o olhar do estudante a visualizar um corpo, transformando-o em apenas
órgãos, tecidos celulares e afastando o seu sentido de humanidade.
Diante dos textos analisados podemos destacar o despreparo da equipe médica
frente ao fenômeno da morte, onde Viscensi (2016) descreve que dentre as dificuldades
que o profissional de saúde enfrenta, destaca-se a formação deficiente. O processo
formativo está muito escasso no que diz respeito à transmissão de conhecimentos e
preparação adequada para atuar e acompanhar a morte e o processo de morrer. Uma
vez que o método de ensino adotado visa apenas a preservação da vida. Um estudo
realizado por Lima e Andrade (2017) mostrou que, a formação é um fator
preponderante que interfere diretamente na forma como eles lidam com a
terminalidade.
Viscensi (2016) explica que no Brasil que não há disciplinas que prepare os
estudantes da área de saúde para lidar com pacientes terminais; ao contrário, o que se
observa é o aumento da desumanização. Médicos intensivistas descrevem que não
tiveram em sua formação nenhuma forma de preparo, aprendizado ou informação a
respeito dos sentimentos e emoções que emergem no exercício de suas atividades
profissionais em unidade de tratamento intensivo (UTI). Santos e Pintarelli (2019, p. 6)
relatam que “acredita-se que exista a percepção pelos estudantes de medicina (EM) e
médicos residentes (MR) da necessidade de implementação de novas disciplinas e
outros recursos didáticos destinados a proporcionar maiores conhecimentos relativos
ao tema do morrer e da morte.” Em concordância Lima, Andrade (2017) aponta que há
carência de disciplinas que tratam da temática da morte nos currículos profissionais da
área da saúde, ocasionando, por conseguinte, barreiras estruturais e formativas que se
colocam frente ao cuidado de pacientes em processo de morte e morrer.
Viscensi (2016) especifica que em muitas universidades, a cura ainda é
considerada a única forma de obter sucesso profissional. As equipes de saúde, por
formação, lutam incessantemente pela vida e não abrem espaço para questionar,
dialogar ou refletir acerca da morte. Adiante Martins et al. (2019) especifica que na
formação acadêmica dos profissionais da área da saúde, a temática morte é
negligenciada ou até inexistente, pois a grade curricular aborda a parte técnica, mas
restringe a parte humanística e filosófica e quando é abordada é de forma superficial.
Vasquez et al. (2016) detalha que alguns trabalhadores da área da saúde
reconhecem seu despreparo para cuidar de indivíduos no processo de morte e morrer,
sua preparação tem sido praticamente negligenciada desde a sua formação, levando-o a
fazer essa aprendizagem no seu dia a dia. Cardoso et al. (2020, p. 8) “pondera que o
assunto morte e morrer vem sendo negligenciado nas instituições de formação, o que
repercute em tensões que incidem na prática profissional”. Santos, Pintarelli (2019, p. 9)
apresenta que “a formação médica precisa ser completa para o pleno exercício
profissional, havendo necessidade de unir ciência e formação humanista.”
93
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Contudo, essa falta de preparação faz com que o profissional lide apenas com a
cura, não preparando esses trabalhadores para cuidar da finitude, o que pode favorecer
o afastamento do trabalhador, percebido, frequentemente, como manifestação de
negligência na assistência (VASQUEZ et al., 2016). Portanto, Monteiro, Mendes e Beck
(2020) defendem que cabe à instituição oferecer capacitações aos profissionais e,
enquanto hospital de ensino, aos seus estudantes de diferentes formações em estágios
da graduação e/ou durante as residências, possibilitando a reflexão sobre esse assunto
desde antes da vida profissional.
Santos e Pintarelli (2019, p. 7) revelam “os médicos são capacitados no combate
às doenças, no entanto enfrentam empecilhos diante da postura de negação quanto à
morte, comum a toda sociedade”. No entanto, Lima e Andrade (2017) detalha que “para
que a atuação da equipe de saúde seja relevante e efetiva, os profissionais precisam
compreender esse processo como algo natural, desenvolvendo alternativas humanizadas
de cuidado.” Pois, como já foi mencionado nos tópicos acima, se preparar para a morte é
algo complexo, tanto para a própria morte, como para a morte do outro, assim, por esses
profissionais lidarem com a terminalidade diariamente e estarem mais susceptíveis a
esse processo, torna-se imprescindível esse olhar humanístico.
Diante do exposto, essa escassez de preparação faz com que ao longo da
graduação seja construída uma espécie de negação perante a morte, o que impede que o
tema seja abordado de maneira mais sólida. (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018). Dessa
forma, Martins et al. (2019) relata que quanto mais amplos forem os conhecimentos
sobre a morte que tiver, além dos seus aspectos clínicos e legais, melhor assistência o
profissional de saúde poderá prestar. Contudo, Santos e Pintarelli (2019) explicam que
se deve engrandecer o currículo médico com disciplinas baseadas na formação
humanista, como cuidados paliativos, psicologia, entre outras áreas. Afinal, “os
profissionais de saúde estão em contato diariamente com o evento da morte do outro e,
mesmo assim, sua relação com a morte possui fragilidades, principalmente no aspecto
da aceitação” (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018 p. 7).
2.3 OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS PELA EQUIPE DE SAÚDE FRENTE A MORTE E O
MORRER
A equipe de saúde lida constantemente com situações de sofrimento e dor no
ambiente hospitalar, tendo como companheira diária a morte de seus pacientes
(MONTEIRO; MENDES; BECK, 2020). Logo, pela temática fazer parte corriqueiramente
da rotina desses indivíduos, compreende-se que tal ato pode levar a frustação desses
profissionais (PERBONI; ZILLI; OLIVEIRA, 2018). Complementando esse pensamento,
Nasser et al. (2020) destaca em seu estudo que a negação da morte por partes dos
profissionais ocorre devido seus esforços serem voltados apenas para a cura e a
promoção da saúde.
Nesse cenário, os médicos bem como os profissionais da saúde de modo geral, são
treinados para combater doenças ao longo de sua formação. No entanto, quando isso não
ocorre, apresentam resistência quanto a terminalidade, processo esse considerado um
tabu socialmente (SANTOS; PINTARELLI, 2019) por afligir a maioria dos indivíduos
(VICENSI, 2016).
Nesse contexto, para Vicensi (2016, p. 65) “o processo de morrer passa a ser fator
de ansiedade para os profissionais da saúde, dada a sensação de fracasso advinda da não
aceitação da morte como fenômeno natural.” Barbosa e Massaroni (2016) salientam
94
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
ainda que o ser humano apresenta resistência em suportar a inquietude e o sofrimento
ocasionado pela morte, e com o intuito de minimizá-la, o homem tem utilizado ao seu
favor os recursos tecnológicos. Mas, por ser a morte algo que interrompe a
cura/tratamento e transcende a tecnologia, quando não se é possível evitá-la, o que fica é
o sentimento de perda e incapacidade.
Complementando esse pensamento, em um estudo realizado por Martins et al.
(2019) com profissionais que atuam na UTI, contatou-se que o processo de perda é
comumente associado ao fracasso ou impotência, o que acaba por desencadear nesses
profissionais angústia, culpa, e sofrimento frente ao processo de terminalidade, o que
complementa outros achados. Os autores em destaque enfatizaram ainda que como
forma de enfrentamento, esse público ressaltou a importância da espiritualidade
(MARTINS et al., 2019).
Contudo, entende-se que quando o prolongamento da vida não pode ser evitado,
e a morte torna-se a única certeza, os profissionais deixam de ver esse processo como
algo natural, associando assim o fato a uma falha da equipe de saúde. (PEGORARO;
PAGANINI, 2019). Barbosa e Massaroni (2016) destacam que a sensação de culpa e
impotência frente a morte são ainda mais presentes quando esse evento ocorre de
maneira precoce.
Nessa conjuntura, entende-se que a não preparação da equipe de saúde perante a
morte e o morrer, pode levar esses profissionais ao estresse laboral, à ansiedade, e
Síndrome de Burnout (CARDOSO et al., 2020). Diante do exposto, é de suma importância
que os profissionais da saúde aprendam a conviver com a finitude de seus pacientes, não
deixando que as suas experiências pessoais interfiram no âmbito profissional, pois não
podemos esquecer que a equipe de saúde bem como todo ser humano, tem suas
fraquezas e subjetividade (BARBOSA; MASSARONI, 2016).
Sumarizando, a morte se sobressai a todas as tentativas de vencê-la; e a ação
humana pode por vezes adiá-la, mas excluí-la torna se impossível. Assim, entende-se que
a morte do outro nos remete aos nossos próprios sentimentos, emoções e nos levam a
pensar na nossa própria finitude humana (VICENSI 2016). Nesse contexto, Barbosa e
Massaroni (2016 p. 458) salientam que “a morte não é um mal a ser destruído, um
inimigo a ser combatido ou uma prisão de onde devemos fugir” pelo contrário, a morte
deve ser vista como parte integrante da vida, bem como o nascer. Mas, o que se observa
é que as pessoas estão sempre buscando afastar-se do tema, devido as suas
representações (FARIAS; FIGUEIREDO, 2017).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as literaturas coletadas para a realização desta monografia, podese constatar que as dificuldades encontradas pelos profissionais da saúde no lidar com a
morte, ocorrem em razão da formação desse público, que por sua vez concentra-se
apenas na cura e promoção da saúde, anulando assim o processo de terminalidade como
parte integrante da vida.
Observou-se ainda, que os pensamentos e expectativas frente a morte são
vivenciados de maneira distinta por cada profissional. No entanto, segundo os achados, a
impotência aparece como sendo um dos fatores de maior incidência entre a equipe de
saúde. Assim, compreende-se que essa escassez advinda do processo normativo, afeta
diretamente a qualidade de vida e a saúde mental desses profissionais, podendo levar
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
essa classe ao esgotamento no ambiente laboral, bem como contribuir para o
desenvolvimento futuro de patologias.
Os desafios encontrados foram muitos, pois apesar da morte ser uma das certezas
do desenvolvimento humano, estar ou não preparado para lidar com a temática é algo
muito complexo e subjetivo, uma vez que as esferas de vida e morte constituem o nosso
ser. Entretanto, embora seja um processo desafiador, não se pode excluí-lo, visto que a
terminalidade se faz presente no cotidiano de toda a humanidade, e tende a ocorrer de
forma mais habitual na vida dos profissionais da saúde.
Assim, sugere-se uma preparação mais humanística no que se refere a graduação
desses profissionais, ou seja, é necessário a implementação de disciplinas que venham a
conduzir esse público para além do campo técnico. Pois, o que se percebe é que essa
defasagem na graduação, bem como os avanços tecnológicos contribuem para esse
quadro, fazendo com que esse público ignore muitas vezes o inevitável, que é a morte.
Em virtude do que foi mencionado, a Psicologia ocupa um papel de fundamental
importância na vida desses profissionais, pois como já foi discutido no decorrer da
pesquisa, o hospital é um ambiente de grande tensão emocional. Ou seja, é um lugar de
realização, frustração, superação, luto, estresse, por outro lado auxilia na construção de
resiliência, superação de limites e inúmeras outras sensações. Diante do exposto,
buscou-se enfatizar com o estudo a necessidade do cuidado com a saúde mental dos
profissionais da saúde.
A partir disso, sugere-se em caráter de urgência a criação de espaços
psicossociais nas instituições hospitalares, para que esses profissionais possam tratar do
assunto de maneira permanente. Além de discussões e reflexões, rodas de conversas
centradas na preparação emocional e nas relações interpessoais que emergem a partir
do cuidar, serão de grande valia para que esses profissionais tenham a possibilidade de
expressar suas angústias, desejos, e possíveis medos durante o acompanhamento no
processo de morte e morrer de seus pacientes. Logo, esse recurso auxiliará no
desenvolvimento de novas habilidades e atitudes frente ao fenômeno, de forma a
facilitar as intervenções junto ao paciente e qualificar a assistência profissional.
Em linhas gerais, o presente estudo conseguiu alcançar os objetivos propostos. E
quanto as suas contribuições, essa pesquisa auxiliará a instituição e o campo científico a
desmistificar o processo de finitude humana que por sua vez, passará a ser visto com
mais naturalidade.
96
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
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98
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 9
Mulheres e o fim da relação amorosa: Uma
compreensão fenomenológico-existencial
Letícia Moura Patrício da Silva
Cleison Guimarães Pimentel
Resumo: Vivenciar o rompimento de um relacionamento amoroso é identificado como
um processo dolorido e que gera impacto para os integrantes do relacionamento
findado. Diante disso, o presente trabalho de conclusão de curso visou compreender
como mulheres vivenciaram o rompimento de um relacionamento amoroso numa
perspectiva fenomenológico-existencial. Para que o objetivo geral fosse alcançado, os
seguintes objetivos específicos foram estabelecidos: a) analisar como mulheres
experimentam relacionamentos amorosos em nosso horizonte histórico; b) discutir
acerca da influência de gênero e discursos de amor no sofrimento das mulheres, diante
de um rompimento amoroso; e c) identificar quais os sentidos atribuídos por mulheres
ao rompimento dos relacionamentos amorosos. A pesquisa apresentou caráter
qualitativo, de tipo descritiva. O método fenomenológico foi utilizado para análise do
conteúdo e, por meio de uma questão disparadora, pretendeu-se desvelar o fenômeno
vivenciado pelas participantes. A partir da entrevista, foram identificadas as seguintes
categorias de análise: vivenciando e experimentando o fim da relação amorosa; as
atmosferas afetivas presentes no fim da relação amorosa; o que eu poderia ter feito e
agora, o que eu faço? E a última categoria, ser-mulher. As categorias identificaram que
mulheres vivenciam o término de relacionamento de maneira específica, com influências
de questões de gênero e discursos de amor que podem sobrecarregar essa etapa. Com
este trabalho, espera-se possibilitar um espaço de acolhimento para as vivências das
mulheres, assim como proporcionar mais uma referência bibliográfica voltada ao tema
em questão.
Palavras-chave: Término; relacionamento amoroso; mulheres; método fenomenológico.
99
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
Escutar e compreender os sentimentos que perpassam a mulher durante o
término de uma relação amorosa é oferecer um espaço de reflexão acerca de conteúdos
que muitas vezes são identificados como simplórios, fazendo com que não haja um lugar
para que a mulher seja ouvida em momentos de angústia ocasionados por essa situação
específica.
Para falar a respeito do tema proposto, é necessário pontuar o ser-mulher desde a
sua origem até os dias atuais. Dessa forma, coadunando com Vieira (2005), os diversos
discursos que englobam o sujeito e todas as suas mudanças são responsáveis por criar e
constituir o que se entende sobre a identidade feminina e, por corresponderem a um
contexto histórico característico, os modos particulares de sentir emoções e vivências
culturais constroem o ser-mulher.
Moreira e Dutra (2013) afirmam também que as lutas, valores e normas culturais
do passado ainda são presentes na atualidade, ainda que de maneiras diferentes. Essas
questões são fundamentais para entender como a mulher se relaciona amorosamente e
experencia o término dessa relação.
A violência contra as mulheres, muitas vezes, está presente nos relacionamentos
amorosos e nos términos. Segundo dados do Senado Federal (2016), apesar da criação
de serviços governamentais especializados no enfrentamento da violência contra a
mulher, durante os anos de 2006 e 2014, foi identificado um aumento em 10% desse
tipo de violência nos estados brasileiros. Além disso, vale destacar que homicídios
contra mulheres brancas diminuiu em 3%, enquanto para mulheres pardas e pretas,
houve um aumento em 20%. Dessa forma, faz-se relevante no âmbito social direcionar o
olhar da sociedade para essa questão, tendo em vista que os índices de violência estão
atrelados ao sofrimento feminino.
O tema, apesar de pouco comentado e discutido no âmbito acadêmico da
psicologia, é bastante presenciado como sofrimento no cotidiano de muitas mulheres.
Refletir acerca das experiências de mulheres que vivenciaram o rompimento de uma
relação amorosa é direcionar o olhar da psicologia para a saúde existencial da mulher. É
também pensar em proporcionar um espaço de compreensão atenta sobre como as
mulheres se cuidam diante dessa situação singular, olhando tanto para o seu horizonte
de sentido, quanto para o horizonte histórico.
Muitas vezes a procura por atendimento psicoterápico é iniciada devido ao
término de um relacionamento, momento esse que pode ser vivido com muita
ansiedade, rebaixamento da autoestima, sintomas depressivos e comportamentos
suicidas. Desse modo, também é relevante para a psicologia enquanto clínica e pesquisa,
pois os profissionais e pesquisadores que lidam com tal fenômeno devem atentar-se aos
fatores que estão em jogo no modo como a mulher experimenta o rompimento de uma
relação.
Junto a isso, também é importante observar a questão de gênero implicada no
tema abordado pela pesquisa. O nosso horizonte histórico define como as mulheres
devem se relacionar com o outro, o modo como deve performar o seu gênero e até
mesmo o que deve ou não desejar. Dessa maneira, fez-se relevante destacar o papel do
gênero no modo como a mulher experencia o rompimento amoroso. Além desse fator, a
experiência de um término de relacionamento pode atravessar muitas mulheres e de
diversas formas, de modo que a relevância da pesquisa é observada para a população
100
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
pesquisada.
Ressalta-se que este trabalho possui como objetivo principal compreender como
mulheres vivenciaram um rompimento amoroso, por meio de uma perspectiva
fenomenológica-existencial. Para se atingir o objetivo geral, os objetivos específicos da
pesquisa analisaram como mulheres experimentam relacionamentos amorosos em
nosso horizonte histórico, discutiram a influência do gênero e discursos de amor no
sofrimento das mulheres diante de um rompimento amoroso e identificaram quais os
sentidos atribuídos por mulheres ao rompimento dos relacionamentos amorosos. A
pesquisa apresentou caráter qualitativo e teve como principal foco a análise
fenomenológica-existencial das experiências das participantes.
O método fenomenológico de investigação foi utilizado para ir de encontro ao
fenômeno e, como o próprio método indica, a análise se guiou a partir das experiências,
tal como elas se apresentaram. Dessa maneira, além de ter criado o espaço para
entendimento da perspectiva da mulher mediante um término de relacionamento
amoroso, o projeto também possibilitou abrir um espaço de estudo em pesquisa
qualitativa, com ênfase na fenomenologia-existencial, área afim da psicologia que precisa
ter um espaço maior no meio acadêmico, devido à sua importância, tanto por seu
método específico de pesquisa, quanto por ser uma das possibilidades dentro da atuação
clínica. Dessa maneira, pretendeu-se deixar em aberto o espaço de diálogo e escuta tanto
para as mulheres participantes da pesquisa, quanto para as que se sentirem próximas a
este tema, bem como trazer reflexões sobre como mulheres experimentam as relações
amorosas, especificamente o seu fim.
A metodologia desta pesquisa delineou-se no modelo qualitativo que, segundo
Denzin e Lincoln (2010) apud Taquette (2016), é uma área do estudo que abarca
diversas abordagens e temas, cujo objetivo é a descrição, compreensão e interpretação
das vivências dos sujeitos e fenômenos pesquisados. Appolinário (2012) complementa
que essa dimensão de pesquisa tem como base a interação social entre pesquisador e
fenômeno estudado. Sua natureza é descritiva, sendo assim, este tipo de pesquisa
propõe-se a narrar a realidade sem a pretensão de interferir ou indagar a respeito desta
(APPOLINÁRIO, 2012).
Por possuir uma pequena quantidade de participantes, a amostragem da pesquisa
se delineou no modelo não probabilístico, do tipo bola de neve. Dessa maneira, foi
selecionada uma participante por escolha ou conveniência da pesquisadora e essa
escolhida indicou outra pessoa que estivesse dentro dos critérios de inclusão e, assim,
sucessivamente (APPOLINÁRIO, 2012).
O instrumento que a pesquisadora utilizou para compreender como mulheres
vivenciaram o rompimento de um relacionamento amoroso foi uma entrevista aberta e
individual, do tipo fenomenológica (JOAQUIM et al., 2020). A seguinte pergunta: como
você vivenciou o término de seu relacionamento amoroso? serviu de questão disparadora
para que o fenômeno fosse desvelado no encontro único entre pesquisadora e
participante.
Devido à situação de pandemia que o mundo vivencia e para garantia de saúde,
tanto da pesquisadora quanto da participante, as entrevistas ocorreram no formato
online, por meio da plataforma Google Meet e o áudio captado por um gravador digital.
101
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Por ser uma pesquisa qualitativa, o método fenomenológico foi utilizado para
análise e aproximação das vivências experenciadas pelas pesquisadas. Segundo Andrade
(2010) apud Pimentel (2015), essa técnica busca a compreensão dos fenômenos
vivenciados e, para se aproximar da experiência, inicialmente, foi necessário a utilização
de envolvimento existencial e distanciamento reflexivo. O primeiro define a volta do
pesquisador à experiência, seguindo-se da compreensão acerca do significado que a
situação representa para a pessoa. Além disso, Andrade (2010) apud Pimentel (2015)
destacam que o método possui três etapas, sendo a redução fenomenológica a busca da
verdade existente nos sujeitos da pesquisa, a intersubjetividade, definida como a
reciprocidade oriunda da relação entre pesquisadora e participante, bem como o
cruzamento das histórias de ambas, e a retomada ao vívido, em que o retorno da história
da participante é vivenciado. Dessa forma, utilizar uma postura fenomenológica para ir
em direção a experiências singulares proporcionou a abertura para que o fenômeno em
questão se desvelasse tal como ele é (SIANI; CORREA; CASAS, 2016).
Para assegurar a integridade e sigilo das mulheres pesquisadas, a resolução
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde foi utilizada. As participantes estavam cientes
dos principais tópicos do projeto e concordaram com os pontos descritos no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Como elementos de inclusão da pesquisa, a população foi composta por nove
mulheres, com idade entre 18 e 25 anos, que vivenciaram um rompimento de
relacionamento com, no mínimo, um ano de término e que demonstraram interesse em
participar da pesquisa. Foram desconsideradas mulheres que não tinham idade
suficiente para participar, que não estavam dispostas a se voluntariar e que não
vivenciaram um término de relacionamento dentro do período mínimo de um ano.
Como qualquer pesquisa que envolva seres humanos, riscos são identificados.
Para que tais eventualidades não viessem a ocorrer, a pesquisadora, primeiramente, leu
o Consentimento Livre e Esclarecido para as participantes, dirimiu as dúvidas e coletou a
confirmação. As voluntárias não foram identificadas em nenhuma parte das análises e do
texto, as entrevistas foram realizadas de maneira individual para que a integridade e o
sigilo das participantes fossem mantidos. Caso a participante se sentisse abalada
emocionalmente, a entrevista seria interrompida e, se houvesse desconforto emocional a
longo prazo, o pesquisador responsável e a pesquisadora auxiliar se disponibilizariam
para a prestação dos devidos atendimentos psicológicos às participantes.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1 APRESENTAÇÃO DAS PARTICIPANTES
As participantes da pesquisa são mulheres cisgênero, dentro da faixa etária jovem
adulta. Os nomes foram trocados por outros aleatórios, descritos a seguir: Carol, Suellen,
Mônica, Eduarda, Márcia, Cecília, Catarina, Larissa e Jaqueline. Carol, Márcia e Catarina
foram as únicas participantes que tiveram a iniciativa do término e o relacionamento de
Catarina foi o único relacionamento lésbico da pesquisa, sendo os restantes,
relacionamentos heterossexuais.
A seguir, iniciaremos a discussão e análise dos dados coletados. Vale ressaltar que
foram identificadas quatro categorias de análise: vivenciando e experimentando o fim da
relação amorosa; as atmosferas afetivas presentes no fim da relação amorosa; o que eu
poderia ter feito e agora, o que eu faço? e ser-mulher.
102
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2 VIVENCIANDO E EXPERIMENTANDO O FIM DA RELAÇÃO AMOROSA
A primeira categoria de análise relata a experiência singular de ter vivido um
término de relacionamento. Neste tópico, serão comentadas as percepções que as
participantes tiveram quando se perceberam sem a presença de um relacionamento
amoroso e como elas lidaram com isso. Dentro desta categoria, foram identificadas falas
que relatam uma experiência difícil e dolorosa da vivência do término:
“vivenciei muito mal, porque eu jurava que ia ser ok, até porque a gente não
brigou quando a gente terminou, foi uma coisa bem amigável até [...] foi muito,
muito, muito difícil, assim... Na primeira semana eu pensei que o mundo tinha
acabado, foi muito assim, uma sensação muito ruim que eu não tinha tido ainda
na minha vida, eu não pensei que eu teria algum dia alguma situação desse tipo
porque eu achava que, ué, foi tudo ok, amigável, mas não”. (Suellen)
“É... eu li bastante sobre isso pra tentar superar, sabe? Então, acho que se
enquadra muito num luto [...] eu ficava triste mesmo, dormia por horas esperando
que o tempo passasse e as coisas mudassem, sabe? Chorei bastante, chorava em
lugares muito fácil, por exemplo, ônibus, faculdade, esses lugares públicos. Eu
definiria como um vício, pra mim seria um vício[...]”. (Mônica)
“Eu fiquei muito mal, eu fiquei de uma forma absurda de mal, ainda mais porque
eu soube que em uma semana depois ele ficou com uma menina, isso me deixou
muito mal. [...] e a forma que eu lidei com o término foi querendo mostrar que eu
tava bem, então sempre eu postava story ou eu falava pra ele “olha só como eu tô
agora, superei você”, só pra querer... não sei, acho que me afirmar de que eu
estava bem, só que na verdade não tava, tanto é que em 2017, quando a gente
terminou, foi quando eu comecei a fazer coisas que eu não fazia antes, sair, beber,
ficar com outras pessoas assim adoidado, então acho que foi uma forma de
mostrar o quanto tava frustrada pelo término.” (Eduarda)
Quando observamos atentamente essas falas, podemos identificar alguns pontos
importantes. A participante Suellen destacou que o fim da relação despertou uma
sensação muito ruim nunca experenciada antes, uma falta de sentido como se “o mundo
tivesse acabado”. Mônica enquadra a sua vivência como um luto, com a presença de uma
sensibilidade emocional. Eduarda relata o mal-estar que se fez presente nessa etapa e a
forma como lidou tentando parecer bem, mesmo não estando.
Quando se fala de morte, pensa-se, primeiramente, na morte fática, a morte do
corpo biológico. No entanto, para Pinto e Cunha (2016) apud Alvarenga (2018), a morte
não ocorre apenas quando o corpo deixa de existir, ela ocorre de variadas formas, ou
seja, pode ocorrer também por uma perda de alguém por distanciamento e rompimento
de vínculos, por exemplo. A experiência de término demonstra o caráter ontológico de
ser-para-a-morte do ser-aí. O dasein experimenta a finitude enquanto possibilidade
distante, mas quando se depara com a sua concretização, o ser-aí olha para si mesmo
não compreendendo a sua condição ontológica, experimentando angústia e medo. A
experiência do medo pode levar o ser-aí a afastar-se de si e, nesse afastamento, não se
percebe mais em seu mundo, não enxergando outras possibilidades (ALVARENGA,
2018). As vivências relatadas apontam o mal-estar e a fragilidade emocional presentes
durante a experiência de finitude de um relacionamento amoroso.
103
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Para Caruso (1981) apud Marcondes, Trierweiler e Cruz (2006), pesquisar sobre o
término de relacionamento amoroso revela o estudo da morte em vida. Citando o ditado
francês partir c’est mourrir un peu (partir é morrer um pouco), no rompimento, Caruso
(1981) apud Marcondes, Trierweiler e Cruz (2006, p. 96) define que existe a
concretização de morte mútua: “o outro morre em vida dentro de mim e eu também
morro na consciência do outro”.
Outras maneiras de lida também foram observadas. Nas seguintes falas, identificase a fuga e a ocupação como formas de evitar pensar ou ficar triste frente ao rompimento
amoroso. Junto a isso, as entrevistadas perceberam que, quando a ocupação não era
mais possível, a dificuldade e os sentimentos de tristeza ganhavam espaço na
experiência de vivenciar o término da relação.
“Logo de início eu falei que tava, era ok porque tinha sido uma decisão minha e
tipo eu tava triste, mas que não era uma coisa que eu ia ficar sofrendo [...] então
eu me ocupei muito, acaba que eu quando tô passando por um problema assim,
né, eu acabo me ocupando pra tentar esquecer alguma coisa que aconteceu, nesse
caso foi o que aconteceu. Como eu tava muito ocupada, e aí, eu tive vários clientes
e tudo mais, eu consegui ocupar bastante a minha mente e eu não, meio que não
perdia meu tempo pensando naquilo, eu tentava fazer outras coisas. [...] e na terça
eu realmente parei, aí que veio meio que o baque, aí que eu entendi, e tal. Aí eu
fiquei triste, acabei falando com os meus amigos [...]”.(Márcia)
“Lá no Rio eu não tava sentindo tanto porque, sei lá, tava de férias, tinha coisa pra
me distrair, novidade e tal [...] quando eu cheguei em Manaus foi um pouco
diferente porque aqui eu não tenho com o que ocupar minha cabeça, né, aqui eu
não tenho com o que ocupar minha cabeça, o que eu vou fazer aqui? Ficar
pensando. Então tem sido um pouco mais complicado [...]”.(Cecília)
Nessas falas é possível observar o peso que a impessoalidade ocupa dentro da
experiência do fim da relação. O entretenimento, a ocupação e o falatório participam da
dinâmica de impessoalização do ser-aí. Dessa forma, o ser-aí direciona-se ao mundo a
partir do que já está sedimentado pelo outro, afastando-se de sua angústia. Quando essa
dinâmica de sentido previamente constituído falha, o ser-aí angustia-se, e é justamente
nesse momento que o ser-aí pode buscar novas formas de existir mais próprias ou
impessoalizadas. A angústia, por sua vez, revela a indeterminação e o fato de que o
dasein tem de escolher o que deve vir a ser, por si mesmo (OLIVEIRA et al., 2021). Nesse
caso, fazer uma viagem ou ocupar “a mente” com trabalhos alivia momentaneamente a
angústia de vivenciar o término de um relacionamento. A partir do momento em que as
ocupações não são mais possíveis, a vulnerabilidade existencial ganha espaço.
A vivência de um término, como discutido acima, é vista de maneira mais
“positiva” ou de maneira mais dolorida, mas sempre se faz presente uma questão
fundamental: a finitude. O que mais se fez evidente foi a fragilidade emocional
ocasionada pelo rompimento amoroso, além da ocupação como forma de lidar com a
angústia que surge.
104
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.3 AS ATMOSFERAS AFETIVAS PRESENTES NO FIM DA RELAÇÃO AMOROSA
O término da relação despertou algumas atmosferas afetivas para as participantes.
Dentre elas, observou-se a tristeza, falta de estabilidade, ideações suicidas, sintomas
ansiosos e solidão.
“O que eu mais senti era solidão, então eu tava começando a ficar extremamente
dependente [...] a gente tinha uma rotina e quando eu saí dessa rotina é como se o
meu chão tivesse saído também [...] então eu não conseguia comer, não conseguia
ter motivação pras coisas, eu não conseguia falar nesse assunto que me dava
vontade de chorar, assim tudo. [...] Eu não tinha planos meus, eu tinha planos
nossos, então quando ele saiu não existia mais nós, existia eu. Como os planos só
eram relacionados a nós, eu não tinha mais nada [...] e aí, depois da primeira
semana isso foi o que mais pesou, eu não tinha planos meus, só os nossos.”
(Suellen)
“[...] uma insegurança, dificuldade em confiar nas pessoas, mas não é como foi no
momento que me deixou bem abalada.” (Catarina)
“Então, eu meio que lidei da pior forma possível porque eu tive depressão, eu
comecei a fazer terapia pela primeira vez, e... e eu, não sei, eu tinha ideias bem
suicidas até, por conta desse término. É, acho que foi isso.” (Eduarda)
“Nossa, foi... foi bem dureza. A minha família toda percebeu, eu tive muitas crises
de ansiedade, é... duas vezes eu cheguei a ter, não sei se foi uma síndrome do
pânico [...].” (Mônica)
Dentro de uma perspectiva existencial, os afetos não são apenas simples aparatos
mentais do ser. Dessa forma, correspondem a maneiras de ser fundamentais do ser-aí.
São modos de abertura por meio dos quais o ser-aí interpreta o que ele é. Nesse sentido,
as emoções e afetos representam os modos de ser que o ser-aí utiliza para se relacionar
consigo mesmo enquanto ser-no-mundo (OLIVEIRA, 2020). Pode-se dizer que o ser
sempre está em relação consigo e as tonalidades afetivas fornecem condições para a
experimentação fática de mundo, assim como se fazem presentes ininterruptamente na
dinâmica existencial (FEIJOO; PROTASIO, 2015).
Feijoo (2010) destaca que, na angústia, enquanto tonalidade afetiva fundamental,
o ser se reconhece enquanto estranho, sem lugar e sem nada. O estranho leva-nos a
pensar na falta de familiaridade com as coisas e, com a angústia, existe o estranhamento
de si. Segundo Heidegger (1987, p.254) apud Feijoo (2010, p. 91), “O não sentir-se em
casa deve ser compreendido existencialmente e ontologicamente, como o fenômeno
mais originário”.
Nas falas de Catarina e Suellen, respectivamente, é possível identificar
insegurança e falta de sentido. Suellen relata com bastantes detalhes a rotina que se fazia
presente durante o relacionamento e, quando esse relacionamento chega ao seu fim, foi
“como se o meu chão tivesse saído também”. Além disso, reconhece que o que mais
pesou durante as primeiras semanas do término foi a falta de planos seus. A partir da
estranheza originada devido ao desligamento com o que já estava previamente prescrito,
da angústia, da falta de planos seus, Suellen conseguiu se aperceber. A situação a
convoca a entrar em contato com o seu ser mais próprio e, a partir disso, encontrar
novas possibilidades, como ir em busca dos seus projetos ou permanecer com os modos
de ser já conhecidos (LIMA, 2020).
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A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A participante Eduarda experenciou ideias suicidas e depressão. Devido a esses
fatores, iniciou acompanhamento psicoterápico para melhor enfretamento dessa etapa.
Consoante Angerami-Camon (1997, p. 19) apud Astine (2021, p. 194770), a
contemporaneidade colabora com a vivência do desespero existencial, logo, “a solidão e
o tédio existencial, angústia e outras formas de desespero da existência humana corroem
um sem-número de pessoas”. Antecipar a morte pode ser uma possibilidade devido a
várias situações, e como o que está em jogo neste texto é a experiência do término de
relacionamento, Eduarda enxergou na tentativa de suicídio uma solução para lidar com o
seu sofrimento.
A partir do que foi discutido nesta categoria, solidão, falta de sentido e angústia
foram tonalidades afetivas possíveis que surgiram com maior ênfase durante a
experimentação do rompimento amoroso. A dureza de lidar com esse acontecimento e a
falta de sentido que mulheres podem experimentar diante do esquecimento de si dentro
de uma relação amorosa, motivaram as próximas categorias.
2.4 O QUE EU PODERIA TER FEITO E AGORA, O QUE EU FAÇO?
A categoria tem como objetivo elucidar as possibilidades que teriam se realizado
antes do término e as escolhas do porvir. A categoria também traz os pensamentos e os
modos de ser das participantes enquanto solteiras. Nas falas abaixo, é possível perceber
que os seguintes questionamentos foram comuns entre as quatro participantes: o que eu
fiz de errado para o relacionamento terminar? O que eu poderia ter feito para reaver o
relacionamento? A seguir, as falas serão destacadas:
“Procuro entender. A primeira pergunta é o que eu fiz de errado e tentar
consertar o que aparecer de errado que eu tenha feito.” (Larissa)
“[...] O meu sentimento em relação a isso é como que eu permiti que isso
acontecesse? Que era uma coisa tão bonita que se tornou tão agressiva, no fim de
tudo, sabe? Que eu falava coisas que machucavam porque eu já tava tão
machucada, que eu acabava fazendo isso também, então, é isso que eu sinto
quando eu lembro. Eu penso assim, era uma coisa que podia dar tão certo, o que é
que deu errado? E por que que eu deixei dar errado? Mas... por algum motivo teve
que ser assim.” (Cecília)
“[...] às vezes eu pensava “será que eu não insisti o suficiente ou será que
realmente eu tava sendo, é... chata, mandona ou alguma coisa do tipo, né” [...].”
(Márcia)
“A gente sente desesperança em relação ao outro porque a gente fica pensando no
que a gente poderia ter feito de diferente.” (Suellen)
Nas falas acima, é possível identificar a culpa que as mulheres atribuem a si,
mediante o término da relação. Com facilidade, as participantes se colocam nesse lugar
de culpa e de erro, como se o término tivesse sido ocasionado por alguma falha cometida
por elas durante a relação. A intenção da discussão não é problematizar a relação em si,
mas elucidar que, independentemente do motivo do término, as participantes, de
antemão, se posicionam enquanto culpadas e erradas.
Segundo Santos, Moreira e Lopes (2018), a culpa, em termos existenciais, não tem
como fundo a moralidade, mas sim um remorso em relação ao próprio ser, ou seja, tem
um fundo ontológico em jogo. A experiência de culpa é oriunda da liberdade, pois ao
106
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
mesmo tempo em que me escolho em uma possibilidade, abro mão de outras. Nesse
sentido, uma escolha também reflete em uma não escolha.
As pesquisas realizadas por Zanello e Gomes (2010), Zanello e Romero (2012)
apud Zanello, Fiuza e Costa (2015) apontaram que a cultura é responsável por
direcionar valores e padrões para homens e mulheres. Segundo os pesquisadores, uma
das esferas que são valorizadas no contexto social e que assujeitam mulheres, são as
dedicações de amor, enquanto cuidado, ao outro, manifestadas nas suas relações
enquanto mãe, dona de casa, esposa e namorada. No dispositivo amoroso, a mulher,
esquecendo de si, sacrifica-se para dedicar amor ao outro.
Outras percepções atravessaram as participantes:
“[...] mas o sentimento de nunca mais vou ser feliz, nunca mais vou conhecer
alguém, e... “ah, o beijo dele é o melhor”, prevaleceu. Atualmente, hoje, né, eu sei
que tô super feliz, conheci outras pessoas e vi que eu sou muito jovem porque a
gente pensa, num término, que nunca mais vai acontecer, mas eu sentia como se
fosse um vício mesmo, eu precisava daquilo, se não, eu não seria feliz.” (Mônica).
“Então, eu tava muito numa ideia da minha cabeça de que eu não podia ficar só,
que eu não podia ficar sozinha, eu tava a qualquer custo procurando alguém,
tanto é que eu vivia no tinder olhando alguém e tal, ou procurando alguém em
festas, então eu tinha isso na cabeça de que eu precisava ter alguém, mas ao
mesmo tempo que eu achava que eu não teria alguém que me amasse da mesma
forma.” (Eduarda)
“Eu fiquei, eu achei que eu nunca mais ia ter, não só gostar de outra pessoa, como
tipo, achei que eu nunca mais ia voltar a ser aquela pessoa que eu era, né, antes
[...] quando terminou eu fiquei com essa sensação de que eu nunca mais ia ficar
com outra pessoa, que eu não ia conseguir gostar também de outra pessoa.”
(Jaqueline)
Mônica achou que, com o término, nunca mais seria feliz e que não iria mais
conhecer alguém como a pessoa que ela se relacionava, nomeando como vício o precisar
daquilo. Daquilo será interpretado como o relacionamento amoroso. Mônica enxergava
que a única possibilidade para ser feliz seria se relacionando amorosamente com
alguém. Eduarda, em contrapartida, buscou incessantemente estar com alguém e,
semelhante a fala de Mônica, trouxe a necessidade de ter alguma relação amorosa.
Jaqueline, por exemplo, queixou-se de não conseguir enxergar enquanto possibilidade se
relacionar e gostar de outras pessoas.
Existe uma grande demanda de queixas amorosas em atendimentos psicológicos
clínicos a mulheres. Zanello e Bukowitz (2011) apud Palma, Richwin e Zanello (2021)
listam alguns exemplos, sendo eles, a ausência de sucesso no amor, não estar se
relacionando com alguém e não ser desejada por outra pessoa. Vivenciar essas questões
trazem à mulher um sofrimento existencial intenso carregado de culpa e sobrecarga.
Desse modo, observa-se o espaço central que essa temática ocupa na vida das mulheres.
Catarina logo iniciou um relacionamento amoroso. No entanto, mesmo ao ir em
busca de se relacionar novamente, observa-se a dúvida e dificuldade em saber o que
fazer:
107
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
“[...] mas não foi difícil entrar num relacionamento, o que foi difícil foi assumir que
eu estava gostando de outra pessoa, e... aquela dificuldade “poxa, eu tô gostando e
agora? O que eu faço? Me afasto ou não me afasto?”, mas aí, eu consegui lidar com
a situação porque eu vi que uma pessoa era diferente de outra, não
necessariamente as histórias iriam se repetir, né. Então não foi difícil não.”
(Catarina)
Em contrapartida, Suellen interpreta no término um sinal para ficar sozinha:
“E aí, quando a gente terminou eu falei “não, agora realmente isso é um sinal de
ficar sozinha, e é isso”. Mas assim, de início eu pensei assim, “não, não quero nunca
mais me relacionar com ninguém pra nunca mais passar por esse tipo de
sentimento” [...].” (Suellen)
Na fala de Catarina, observa-se a dúvida do que fazer frente à percepção de gostar
de outra pessoa. A partir da experiência na relação, Catarina percebeu que as histórias
não iriam se repetir. No relato de Suellen, o término trouxe para ela a interpretação de
que deveria ficar sozinha e não se relacionar mais com alguma pessoa, para, assim, se
proteger da experiência da finitude de uma relação.
De acordo com Casanova (2013) apud Braga, Farinha e Mosqueira (2019),
Heidegger descreve o dasein como sendo o ser que é a cada vez sua própria
possibilidade. Nesse caso, o dasein pode se escolher, esquecer-se e ganhar-se, pois
originalmente é abertura e indeterminação. Não sendo possível a sua tematização, o
dasein não possui determinações primárias que direcionam como proceder. Sendo-nomundo, é apresentado ao dasein um entendimento prévio de ser, sendo assim, é poderser devido à falta de determinação.
Dessa forma, o ser-aí vai sendo as suas possibilidades de ser e, por ser
inicialmente sem sentido, o dasein busca incessantemente um campo de sentido. No
entanto, esse campo nunca possibilitará uma completude total de sentido, uma vez que o
ser-aí é abertura (BRAGA; FARINHA; MOSQUEIRA, 2019). Casanova (2018) apud Braga,
Farinha e Mosqueira (2019, p. 6), sintetizam:
“Em uma perspectiva hermenêutica, Heidegger considera que, junto a nosso
caráter de abertura, estamos situados em nosso tempo histórico, em nossa
linguagem, em nossa realidade sociocultural (Casanova, 2018). No entanto, não
nos encontramos presos às significações sedimentadas: se a essência do Dasein
é sua própria condição relacional de existir, o projetar-se no aí que o Dasein
constantemente realiza, também chamado movimento ek-stático (dos termos
ek, “para fora”; e sistere, “movimento”) do Dasein, abre sempre novas
possibilidades de singularização que mudam a face da experiência de nós
mesmos’’ (CASANOVA, 2018 apud BRAGA; FARINHA; MOSQUEIRA, 2019, p. 6).
Diante disso, é possível compreender as preocupações de Catarina frente à nova
possibilidade de se relacionar com outra pessoa e a imprevisibilidade que toda relação
carrega, assim como o sentido impessoal que Suellen atribui a si, a partir do término,
para evitar entrar em contato com a experiência de angústia que a finitude traz consigo.
108
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A categoria demonstrou a dinâmica existencial das participantes a partir do
término, bem como medos, culpas e dúvidas do que poderiam ter feito para mudar o
rompimento da relação. Dessa forma, enxerga-se que o fenômeno relação amorosa é um
tema central na vida das mulheres, tema esse que pode trazer bastante sofrimento.
2.5 SER-MULHER
A categoria ser-mulher demonstrou como as participantes enxergam as
influências dos discursos de amor e de gênero durante o relacionamento amoroso e no
período do término. As entrevistadas reconheceram a pressão que é imposta ao gênero
feminino para a obtenção de um relacionamento. Utilizando-se dos estudos da psicóloga
Valeska Zanello, professora que dedica seus estudos a questões de gênero e saúde
mental, será demonstrado como os dispositivos podem causar prejuízos nas relações
afetivas e sofrimento existencial nas mulheres. As falas das participantes destacaram
que a busca e manutenção de um relacionamento é visto como algo em que a mulher
deve perseverar, pois, se obter sucesso, pode atingir uma determinada realização
pessoal. A seguir, Larissa e Eduarda discutem a respeito:
“Infelizmente é ensinado pra nós mulheres, é... nosso maior sucesso ser atingido no
dia que a gente conquistar um relacionamento amoroso, ter um homem pra poder
amar você. Às vezes a gente fica um pouco obcecada com isso, né, já que o nosso
sucesso pessoal depende exclusivamente de ter um relacionamento,
principalmente um relacionamento com um homem, e... nossa, eu tive muito isso.”
(Larissa)
“ [...] parece que é mais importante tu achar outra pessoa pra tu namorar do que
tu poder entender como ser sozinha, então eu acho isso meio estranho. A pessoa
falar “ah, termina com essa pessoa e fica com essa outra aqui” sendo que, mano, é
bom as vezes ficar solteira ainda mais quando vive um término desse.” (Eduarda)
Esteban (2011) e Zanello (2018) apud Palma, Richwin e Zanello (2021) destacam
que, diferentemente do que se pensa, o amor não é inato ao ser humano e a-histórico,
mas é uma emoção possibilitada a partir de uma construção de mundo em suas esferas
vigentes, que são distintas e especificadas a partir de questões como gênero, cor, etnia,
classe social e faixa etária. Dessa maneira, partindo desse princípio de configurações
múltiplas, o amor aparece e é interpretado de variadas e diferentes maneiras para
homens e mulheres.
A partir do que foi explicitado, Zanello (2018) apud Palma, Richwin e Zanello
(2021) apropriam-se da metáfora da “prateleira de amor”, utilizada para o melhor
entendimento de como o dispositivo amoroso é violento e participa do processo
identitário ser-mulher. Essa configuração tem seu início no século XX e segue até os dias
atuais, reforçando um padrão estético “ideal”, o que em nosso contexto significa branco,
magro, louro e juvenil. Caso a mulher esteja longe desse padrão, ela não é “escolhida” na
prateleira do amor e as chances de ser desejada amorosamente por um homem se
tornam menores. Atrelado a isso, ser solteira é enxergado de maneira negativa, ou seja,
não ser escolhida mostra que a mulher tem algum problema, pois não há protagonismo
em ser solteira (PALMA; RICHWIN; ZANELLO, 2021). Essas formas de ser-no-mundo
trazem diversos sofrimentos às mulheres, visto que, como Eduarda relata, parece ser
mais importante que a mulher tenha outro relacionamento após o término do que
aprenda a ser sozinha, assim como Larissa, que destacou a sua busca incessante por um
109
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
relacionamento amoroso devido à influência dos dispositivos amorosos. A seguir, serão
destacados alguns trechos da fala de Mônica que vão de encontro ao que se discute:
“[...] O sentimento de achar que... que era o amor da minha vida, que era minha
alma gêmea, que eu não seria feliz se não fosse com ele e eu tinha muito medo
também de nunca mais, tipo, nunca mais vou ser tão feliz assim, sabe? Como se eu
tivesse ganhado na loteria e eu desperdicei todo o prêmio e nunca mais eu vou
ganhar de novo porque não vai acontecer de novo isso. (Mônica)
“[...] apesar do mundo ter melhorado muito nisso, na minha cabeça, é... tinha a
ideia de... poder ser feliz e ele vai mudar, a gente vai conseguir casar e realizar
nossos sonhos, então acho que de certa forma sim, nós somos acostumados, né,
que não se pode jogar fora o que a gente tem, tem que preservar o
relacionamento, que homem amadurece mais devagar que a mulher, então, aí, eu
pensei “ah, eu vou dar um tempo, então ele vai ter o tempo dele de ser jovem, fazer
as burradas dele e depois ele vai crescer, e aí, vai ficar tudo bem” [...].” (Mônica)
“[...] mas eu tenho um pouco de raiva sim e também, comigo mesma, de pensar
tipo “nossa, porquê que eu me submeti a tantas situações, sendo que eu deveria
ter ido embora muito antes?”, mas eu quis perseverar porque eu acreditava que
iria acontecer alguma coisa de diferente.” (Mônica)
Na nossa cultura, o amor tem um valor identitário para a mulher. A mulher
aprende a amar muitas coisas, mas, exclusivamente, amar os homens ocupa um papel
central e esse dispositivo é cada vez mais naturalizado a partir de fatores como mídia,
cinema e músicas (ZANELLO, 2018).
Além disso, não é simplesmente ser escolhida, mas cabe à mulher o papel de
manter e sustentar a relação e, caso a relação finde, a mulher experimenta um abalo na
sua identidade ou, como os autores mencionam, a mulher fracassa enquanto mulher.
Para evitar tal situação, é comum encontrar muitas mulheres em relações desamorosas
(PALMA; RICHWIN; ZANELLO, 2021). Vale ressaltar que essa dinâmica existencial
favorece os homens e prejudica as mulheres, afetando principalmente a sua existência
em suas diversas esferas. Atrelado a isso, Zanello (2018) apud Palma, Richwin e Zanello
(2021) destacam outro dispositivo presente e naturalizado: o dispositivo materno.
Junto ao dispositivo amoroso, o dispositivo materno educa mulheres a sempre
privilegiar as demandas alheias ao invés das suas próprias, mantendo-as nesse local de
cuidado ao outro, com empatia e disponibilidade. Nesse sentido, a fala de Mônica reflete
essa disponibilidade de tempo ao outro, pois, centrada na ideia impessoal de que o
homem amadurece mais devagar que a mulher, enxergava como sua responsabilidade a
espera e a disponibilidade para que, quando o outro mudasse e amadurecesse, a relação
pudesse continuar. Além disso, Mônica sustentava o pensamento de perseverar na
relação, pois estava direcionada pelo discurso de amor que afirma existir uma alma
gêmea, um amor destinado à sua vida.
Nas falas abaixo, Catarina e Suellen observam que o mundo possibilita uma
vivência sentimental diferente entre homens e mulheres que experienciam o fim de uma
relação:
110
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
“[...] jogam assim pra cima da mulher que a mulher tem que sofrer o término, que
a mulher tem que sofrer, que a mulher tem que viver o “luto”, né, assim entre
aspas, do término, e... traz um coitadismo, posso dizer assim, pra mulher, muito
grande, e pro homem não, por exemplo, tudo bem o homem pegar e superar, ficar
com outras pessoas e é até engraçado dentro do círculo de amizades dele, mas pra
mulher já é uma coisa “ué, como assim você já superou? Já tá com outra pessoa?
Você não gostava dele?”, jogavam muito isso pra cima de mim, sabe?” (Catarina)
“todos os contextos que a mulher vive ela sempre tem a tendência de fazer esses
planos mais relacionados a futuro, a não sei o que, não sei o que lá. E aí, não
generalizando, porque tem vários homens também que acabam fazendo isso, mas
é mais comum a gente ver mulheres nessa situação [...] É... e aí, também tem toda
a questão de ah, o homem não pode sofrer tanto porque acabou, não sei o que,
então é a mulher que vai sofrer, depois de um tempo que o homem vai sofrer, não
sei o que, não sei o que lá [...] então acredito que a mulher não consegue disfarçar
tanto pelo que a sociedade coloca, “ah, ela vai sentir, vai sofrer, não sei o que, não
sei o que lá”, e o homem ele já olha com um sentimento de “oh, isso daí passa,
acontece, vida que segue”, e aí, acaba que cria esse estereótipo de “ah, a mulher
tem que sentir, ela vai sentir, vai sofrer e a gente vai olhar com um olhar de pena e
vai tudo acontecer, não sei o que, não sei o que lá” (Suellen)
A partir dos relatos de Suellen e Catarina, é esperado que as mulheres sofram por
mais tempo com o fim da relação, enquanto que, para os homens, é permitido vivenciar
essa etapa se relacionando com outras mulheres, por exemplo. Caso a mulher saia dessa
norma instituída, o mundo vai olhá-la com certa suspeita e desconfiança. Para vivenciar
o ser-mulher, o mundo prescreveu características específicas, como ser amáveis,
atenciosas, comprometidas e recatadas. Essa norma instituída silencia as mulheres e
direciona sua existência ao desejo do outro, não dando abertura para que elas possam
ser e sentir o que quiserem de fato (ZANELLO; FIUZA; COSTA, 2015). Em contrapartida,
Zanello e Gomes (2010) apud Zanello, Fiuza e Costa (2015) destacam que um ideal
valorizado nos homens é a virilidade, efetivada pelo seu desempenho sexual ativo, nesse
caso, ser “pegador”. Essa lógica também traz sofrimento para o homem, tema que requer
uma atenção maior possibilitada por novas pesquisas.
Constatou-se, assim, que o mundo e suas demandas de gênero podem adoecer e
gerar fatores de riscos para a saúde existencial da mulher. A partir dos relatos
apresentados, percebe-se que o movimento de buscar um amor representa, na nossa
cultura, uma das determinações impostas para as mulheres e que, de certo modo,
sobrecarregam as experiências de término de relacionamento.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de uma análise fenomenológico-existencial, o presente texto demonstrou
como as mulheres vivenciam o término de relacionamento. Inicialmente, foram
apresentados temas como as representações históricas do ser-mulher até os dias atuais,
discursos de amor, rompimento amoroso e a fenomenologia existencial, método que
definiu o modo de encontro entre a pesquisadora e as participantes.
Ao analisar o relato das participantes, é evidente a importância que o
relacionamento amoroso ocupa dentro das possibilidades existências das mulheres e o
quanto essa importância corrobora pra uma busca incessante causadora de sofrimentos
significativos para a sua vida. Quando existe um rompimento na relação amorosa, a
mulher experimenta o fracasso em ser-mulher, culpa e perda de sentido. Junto a isso,
entende-se que o término também representa a possibilidade de morte em vida, pois, a
111
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
partir da finitude da relação, é necessário seguir os seus próprios rumos sem aquela
pessoa que até então se fazia presente.
A partir das questões discutidas, constatou-se que os objetivos foram alcançados
e, devido à dificuldade em encontrar artigos que falem sobre este tema, também se
verificou a necessidade de ampliar essa discussão dentro do campo da psicologia,
principalmente no que tange a pesquisas acadêmicas. Temáticas futuras podem surgir a
partir deste trabalho, como a busca incessante de relacionamentos amorosos na
contemporaneidade, masculinidades, as formas de se relacionar amorosamente
interligadas a questões culturais e sociais e o lugar em que a mulher coloca as relações
amorosas em sua existência. Ressalta-se que algumas questões ficaram em aberto na
pesquisa, em especial, relacionamentos abusivos. Por ventura, reitera-se que o tema
discutido pode surgir enquanto demanda de pacientes mulheres para aqueles
profissionais da psicologia que escolherem a atuação clínica.
Dessa forma, é necessário que os psicólogos se apropriem e aprofundem seus
estudos levando em consideração a questão de gênero atrelada e as influências dos
discursos de amor. Para a pesquisadora, também mulher, psicóloga e que vivenciou o
rompimento de uma relação amorosa, a pesquisa foi bastante transformadora, capaz de
promover a aproximação entre a profissional e as participantes da pesquisa.
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114
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Capítulo 10
Liberdade e existência: A relevância do conceito de
liberdade de Jean-Paul Sartre para a psicologia
fenomenológico-existencial
Rebeca Tomás Alves
Resumo: O que é liberdade? Essa dúvida inspirou a pesquisa, que buscou refletir sobre a
liberdade do existente a partir da fenomenologia existencial de Jean-Paul Sartre. A
pesquisa bibliográfica foi construída por meio de literaturas científicas publicadas nas
plataformas digitais (SCIELO, periódicos eletrônicos, e-book, artigos, trabalhos
acadêmicos, revistas eletrônicas) e de livros para atender aos objetivos do estudo. Para
compreender a liberdade existencial foram, primeiramente, expostos os diferentes
conceitos de ser considerado livre ao longo da história da humanidade, inclusive na
própria psicologia, até a presença de Sartre, para então iniciar a discussão sobre a
liberdade fenomenológico-existencial de Sartre e a relevância de Jean-Paul-Sartre para a
Psicologia Fenomenológico-Existencial. Com isso, Sartre foi um filósofo francês engajado
em vários campos das ciências humanas, sua presença é relevante para a Psicologia
Fenomenológica e a Fenomenologia-Existencial, pois estudou o conceito de liberdade,
bem como criticou o determinismo psíquico, o biologismo e o psicologismo além de ter
um olhar rígido para a Psicologia que cristaliza as experiências dos existentes por meio
de universalizações.
Palavras-chave: liberdade; fenomenologia-existencial; existência; Sartre.
115
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
1. INTRODUÇÃO
A liberdade humana é uma complexa abstração, pois o conceito de liberdade foi
estudado por muitos pensadores ao longo da história da humanidade. Consoante
Schneider (2011) Sartre empenhou-se de maneira árdua para definir o humano como
livre de modo totalmente diferente aos conceitos anteriores apresentados na história da
ciência. Para Sartre oexistente tem o compromisso de governar a si e a humanidade, pois
a liberdade é condição essencial e existencial para constituir a própria trajetória, o seu
projeto fundamental e edificar o mundo.
De acordo com Schneider (2006) Sartre investigou o ser humano por meio da
filosofia de Husserl e Heidegger que criticavam o psicologismo, nesse sentido o filósofo
francês engajou seus estudos nas explorações teóricas no espaço da Psicologia na
tentativa de reformular esse campo científico. Segundo Nascimento, Campos e Barata
(2012) corroboram a relevância de Sartre para a Psicologia Fenomenológica, pois
propôs pensar a Psicologia para além do cientificismo e do reducionismo positivo.
Portanto, a pesquisa tem como objetivo geral apresentar o conceito de liberdade do
Jean- Paul Sartre. Enquanto os objetivos específicos: abordar a liberdade para a
Psicologia Fenomenológica, como também discutir sobre a noção de liberdade para a
Fenomenologia Existencial, por fim apontar a relevância da liberdade existencial de
Sartre para a Psicologia Fenomenológico-Existencial.
Como a liberdade atravessa a existência do ser? A referente problemática
antecede a discussão hipotética, pois provoca de modo reflexivo a abertura para tecer o
tema. Ao apreciar esse raciocínio é passível cogitar que o ser é livre por existência, logo a
maneira de lidar com a liberdade é escolher. Mediante a isso, a liberdade pode
sobrecarregar o ser, assim, o ser movimenta-se em função das escolhas e possibilidades
que aparecem no mundo. Neste contexto, o ser se relaciona com a liberdade, mas
também com a responsabilidade e angústia
A liberdade existencial é uma performance de ser o que está sendo, por isso é
relevante levantar essa discussão para a sociedade compreender o movimento de ser
livre e escolher, encarar-se de modo responsável e com propriedade para escolher-se.
Com isso, é notável gerar conhecimento acerca desse conteúdo para entender as
mudanças de experienciar. Mediante ao contexto, é necessário discutir o conceito de ser
livre para refletir sobre si relacionando-se com o mundo e sendo afetado. Pois, todos
escolhem no cotidiano e por vezes as ações feitas não são refletidas, mas isso não isenta
da responsabilidade consigo e com o mundo, ou seja, sustentar a escolhas é uma tarefa.
Apresentar essa discussão para a sociedade é importante para compreender que ser
livre não é querer fazer tudo, mas escolher o que pode fazer naquela situação.
Para a Psicologia estudar a liberdade existencial na perspectiva fenomenológicoexistencial Sartreana é essencial para instigar o modo tradicional de encarar o humano
lançado no mundo ao relacionar-se com o outro e sendo afetado, mas também
atravessado por si. A Psicologia Fenomenológica aborda outros caminhos para além do
psicologismo científico, por isso pensar a liberdade existencial na concepção da
psicologia fenomenológico-existencial é um caminho possível que pode ser mais
explorado. Com isso, é importante discutir a liberdade afastada do biologismo, distante
das determinações.
116
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Mediante ao exposto, para a comunidade acadêmica é de fundamental interesse
investigar tais conhecimentos a respeito da liberdade humana, pois a partir disso existe
a possibilidade de estudar novas maneiras de compreender o sujeito diante da
dificuldade sobre o caos da vida cotidiana, olhar para si e o mundo. A liberdade é escolher,
portanto todo existente mundano está a todo momento escolhendo, edificando,
empreendendo o seu projeto de vida e ao mesmo tempo escolhendo o mundo que quer
viver. Por fim, para os futuros estudantes de Psicologia é curioso compreender o
comportamento humano e fenômenos que permeiam o homem a escolher e manter um
olhar atento para as responsabilidades de ser um sujeito livre.
O presente estudo foi caracterizado por pesquisa bibliográfica de abordagem
qualitativa.De acordo com Lima e Mioto (2007) entende-se que a pesquisa bibliográfica é
exemplificada por investigações a respeito de pensamentos, reflexões sobre
determinado problema, utiliza-se literaturas científicas para fundamentar a pesquisa. A
pesquisa bibliográfica qualitativa é histórica, possuiu consciência histórica, identidade
com o autor da pesquisa, é ideológica e essencialmente qualitativa, isso significa o
processo do pesquisador com a realidade frente a carga histórica produzida em
pesquisas anteriores sobre o tema.
Mediante ao exposto, foi feito o uso de artigos, e-book, trabalhos acadêmicos,
publicações cientificas nas plataformas digitais (revistas eletrônicas, Scielo e periódicos)
e livros para a elaboração dessa pesquisa. Durante a busca foi realizado um filtro com os
critérios de inclusão e exclusão para facilitar a procura dos textos publicados nas
plataformas digitais. Com isso, utilizou-se como critérios de inclusão palavras-chaves:
Sartre, fenomenologia- existencial, liberdade existencial, liberdade e psicologia
fenomenológica. Como critérios de exclusão: quaisquer textos que não mencionassem
essas palavras e publicações de artigos, trabalhos acadêmicos inferiores ao ano de 2016.
Com a exceção do livro Existência Liberdade:uma introdução à filosofia de Sartre do Paulo
Perdigão de 1995 e o E-book Sartre e a Psicologia Clínica da Daniela Ribeiro Schneider
de 2011, pois são da biblioteca pessoal e ambos os autores são referência no Brasil para
os estudos do Sartre e não possuem reimpressõesatuais.
Após a analise de 42 publicações obtidas no levantamento de dados, foram
selecionadas 19 produções para a discussão desta pesquisa: sendo 5 livros, 1 dissertação
de mestrado,1 trabalho de conclusão de curso, 12 artigos cientificos.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1 UM DIÁLOGO ENTRE PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICA E FENOMENOLOGIAEXISTENCIAL SOBRE A LIBERDADE
Consoante Endrissi e Stenzel (2020) a Psicologia mantém-se distante à liberdade
do homem no sentido holístico, pois assume uma visão jurídica simplista e pouco
explora a trama do sujeito livre. Contudo, apesar de reconhecer, as abordagens discutem
tal tema de maneira afunilada no reducionismo ao limitar-se somente nos
determinismos psíquicos ou biológicos, além de igualmente acolher posicionamentos
teóricos relacionados às casualidades, assim, não obstante ignora o caráter primordial da
existência humana, a liberdade.
117
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A Psicologia Fenomenológico-Existencial é uma extensão que se empenhou em
perceber, como também envolver questionamentos da existência humana. Neste sentido,
a liberdade fenomenológica é consagrada uma das faculdades fundamentais da
existência do homem, pois segundo Endrissi e Stenzel (2020) ser livre é uma condição
existencial, além da morte, solidão e a falta de sentido, ou seja, é encarada como caráter
essencial para a compreensão da própria humanidade individual.
De acordo com Endrissi e Stenzel (2020) pensadores se propuseram, após as
grandes guerras mundiais, engrenar aos estudos existenciais para refletir sobre as
condições humanas sem a interferência das leis científicas como protagonistas, mas o
sujeito de fato e seus fenômenos. Deste modo, a fenomenologia atribuiu outros sentidos,
além das dimensões diferentes a serem exploradas do homem que por vezes eram
colocadas como coadjuvantes, portanto a relação entre sujeito-objeto estava em
processo de reavaliação. Outrossim, as aberturas para compreensões distintas do que
haviam se pensado tradicionalmente na psicoterapia e “uma radical mudança ontológica
e epistemológica do que predominava nos estudos em Psicologia na época, de uma visão
objetificante de sujeito, para uma visão compreensiva do fenômeno psíquico”
(ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 462).
“Na perspectiva fenomenológico-existencial, a liberdade é axiomática, é condição
constitutiva do humano. Ela aparece atrelada ao caráter de indeterminação da existência
que torna o homem responsável por aquilo que faz de si” (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p.
462). Na fenomenologia existencial a negação da liberdade é a inautenticidade da
existência humana, contudo é causa manifesta da indeterminação do homem, neste
sentido é o poder de ser responsável por si. Com isso, existe a competência da
responsabilidade sobre si e as escolhas lançadas, pois, o homem é livre para decidir e o
modo que escolhe o concede abertura para o mundo, conforme o sujeito movimenta-se
mediante às escolhas há o descerramento de si. Logo, escolher (ser livre) é lidar com o
compromisso consigo e, igualmente sustentar os possíveis dessas ações, portanto a
angústia pode aparecer como possibilidade de enfrentamento:
Se a existência humana é compreendida, na psicologia fenomenológicoexistencial, como uma clareira da qual os fenômenos do mundo necessitam para
poder aparecer e ser dentro dela, a liberdade do ser vem à tona justamente na
possibilidade de corresponder ou de esquivar-se de tais reivindicações do
mundo (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 463).
A indeterminação da existência é a não definição de si, o ser é o nada, portanto a
angústiaestá presa à liberdade, por meio dela há abertura ao mundo de possibilidades. O
vazio do ser não é um espaço interior como o plano cartesiano tradicional do cogito do
eu, por isso não existe uma intuição ou roteiro para deliberar e lidar com as escolhas
lançados ao próprio mundo em construção, projeto de vida. A angústia sobrevém por
meio da decisão, porque escolher diante de tantas chances diferentes é deixar de
escolher outros possíveis. Com isso, a responsabilidade é vínculo inseparável da
liberdade, pois ao escolher o homem é responsável por sustentar tal ação: “a escolha é
inevitável e, seja ela qual for, é livre” (ENDRISSI; STENZEL, 2020, p. 463).
118
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
A Psicologia fenomenológica encara o homem por meio dos fenômenos humanos
existenciais, por este motivo o coloca na posição de controle sobre si no sentido operante,
poder ser ao seu modo de ser, para criar o próprio projeto de vida. Entende-se que o
homem desvela o mundo livremente, por isso a angústia é fenômeno ontológico do ser,
fenômeno existencial, que provoca e reivindica o nada, o ser afasta-se de si para se
reconhecer por meio das escolhas, o peso de ser (condenado) um ser livre (ENDRISSI;
STENZEL, 2020).
Segundo Vicente (2017) para Husserl as circunstâncias existenciais são
compreendidas enquanto autoridades primordiais, não é somente parte do sujeito
dividida ou compactada, o ser carrega o fardo pesado de responder sobre si, neste
sentido não há potencialidade ou entidade oculta que possa criar o indivíduo, o homem é
origem do homem, compete-lhe apenas se definirpor meio das escolhas.
Para Quintiliano (2020), Husserl entende por liberdade a própria transcendência
atravessada pela temporalidade, pois cada consciência pertence ao tempo particular. A
liberdade é vínculo da consciência transcendental efeito das reduções fenomenológicas,
ou seja, essência do ser. Husserl aponta a contribuição de Kant para a compreensão de
consciência natural, a causalidade, contudo o contraria ao impulsionar o sujeito por meio
da transcendência que o liberta na imensidão das possibilidades mundanas de maneira
reduzida ao fenômeno, a pureza:
Essa inversão aparente da relação entre a consciência e o mundo confere a
possibilidade de determinar o mundo segundo os critérios da consciência e a
constituição do mundo se torna ao mesmo tempo criação do mundo, liberdade.
O Eu puro, enquanto pura unidade das vivências, vive nelas como o seu “meio”,
como o “plano de fundo” da consciência, como seu “campo de liberdade”. O Eu
puro, apesar de entrelaçado às suas próprias vivências, não é dependente delas.
A consciência fenomenológica não é relativa porque ela constitui a si própria
como temporalidade (QUINTILIANO, 2020, p. 38-39).
Segundo Guimarães (2018) a consciência para o filósofo alemão é mediadora das
causas feitas no mundo, portanto é na transcendência que existe a abertura para as
possibilidades, embora esse movimento é origem do pensamento dicotômico entre
mundo e consciência. Pois, a dualidade entre o empírico e transcendental era a forma de
Husserl conceber o objeto da consciência, o mundo, neste ponto a consciência é
consciente de algo que existe na realidade jogada para fora.
A consciência empírica era reconhecida por Kant, mas a consciência
transcendental proposta por Husserl é a condição do homem ser considerado criador de si
e organizar o próprio mundo à sua maneira, não mais como figura projetada no mundo
enquanto submisso pensamento que Kant assentia por meio da metafísica da
casualidade natural, apesar das duas consciências abarcarem sentidos diferentes ambas
se pertenciam, uma relação de dependência, assim como consciência e mundo
(GUIMARÃES, 2018).
Heidegger crítica a filosofia da transcendência Husserliana e engaja-se no
pensamento existencial radical. O Dasein é a “modalidade originária do movimento da
vida humana” (WEBER; GIUBILATO, 2019, p. 131) ao tratar o “homem” enquanto finito
para as aberturas possíveis da existência. Defrontar a mobilidade da vida do ser-aí é
desamarrar, bem como destruir qualquer tradição filosófica precedente, a composição
119
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
dessa noção desprende-se das convicções abstratas para de fato conferir a realidade da
vida, pois o verdadeiro viver é realizado no “enquanto estou sendo” na temporalidade. O
“homem” está em movimento no mundo conferido a ele na sua plena incompletude
vivendo a vida e voltando-se para viver (WEBER; GIUBILATO, 2019).
Heidegger discorda de Husserl no sentido de transcender a consciência para
livrar-se ou alcançar a libertação, neste modo não admite uma suposta suspenção como
meio de ser autêntico. Pelo contrário, afirma que a abertura e a liberdade são caráter
essencial da existência, por este motivo nega a consciência como fator fundador da
humanidade. A autoconsciência é a ilusão do desamparo do dasein, pois não há controle
superior se não o próprio ser-aí-mundo desvelando-se, jogado e lançado na presença do
outro (WEBER; GIUBILATO, 2019, p. 133):
[...] seu limite na fenomenologia Husserliana, quanto a inauguração de um
domínio original do pensamento, no qual se fundamenta a possibilidade de que
a vida humana se desprenda de sua dinâmica arruinante de degradação
(Ruinanz,Verfall), de encobrimento (Verdeckung) e de precipitação (Sturz) para
alcançar uma espécie de autossalvação independente, ancorada em sua própria
capacidade de se orientar mesmo diante da obscuridade de uma finitude
radical.
Consoante Menin (2021) Heidegger crítica a liberdade Kantiana ao discutir a
metafísica da razão, a casualidade condicionada mediante as leis da natureza em seu
sentido negativo e positivo enquanto facticidade transcendental do conhecimento
racional. Para Kant é a moral do pensamento que constrói o sujeito no mundo-objeto,
porém para Heidegger afirmar tal liberdade no sentido moral é abster-se do ente finito,
negar esta condição de finitude do dasein é escapar da verdade. A essência da liberdade
do ser-aí é acometida pela condição de ser-na- verdade e ao mesmo tempo ser-na-nãoverdade, ou seja, o conflito paradoxal de ser-jogado na condição finita, escolher-se e não
escolher.
Moral e liberdade para Kant são atribuições subjetivas para a compreensão da
razão do homem no mundo, contudo para Heidegger essas noções são conjuntas e
inseparáveis, seria comportar a “autoconsciência moral” configurada na pessoalidade, no
pensar e agir. Para Kant o respeito é a ordem de qualidade da razão pura diante a
natureza de modo independente, sentimento moral, enquanto para Heidegger essa
questão é considerada a própria existência humana no sentido de aparição no mundo,
configura-se na exposição de si (LOPES, 2018).
Segundo Lopes (2018) para Heidegger a determinação da liberdade não possuiu
antecedentes causais, não existe uma causa originária para ser livre e fazer sentido para
o ser, por isso a negatividade da libertação é o ponto de partida para as interpretações. A
liberdade negativa é a aparição manifestada tal como é, assumir a positividade do
fenômeno ontológico fundamental da libertação é reconhecer a determinação de si,
autodeterminação, poder-ser.
O existir para Kant é a liberdade ainda em subsistência, um lugar do eu submisso
responsável e elevado, essa condição para Heidegger é a causalidade natural das ações
no sentido ontológico, o modo de ser de cada ente corresponde a liberação do
comportamento intencional, a liberdade é a relação da intencionalidade do dasein na
libertação dos entes do ser-aí. Martin Heidegger correlaciona a transcendência, liberdade
120
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
e intencionalidade do ser livre responsivo, a maneira que o ser-aí comporta-se, mostrase, ser “livre (Frei) é o ente na medidaem que é liberado” (LOPES, 2018, p. 204).
Neste modo operante liberal, a transcendência para Heidegger seria a vinculação
de ser responsivo, responsável por si diante das aberturas dos possíveis. A angústia, para
Heidegger, é o peso da liberdade transpassada pela existência humana, causa criadora de
si, pois defrontar-se com a possibilidade de poder-ser é sustentar e suportar o
desvelamento diante do nada que é existir, essência da existência. O nada não é a
negação do ente, mas é a vigilância do próprio ser no sentido de vigorar os possíveis, ou
seja, o nada é em caráter cuidar do ser. Pois, o é-aí está sendo aberto para as
possibilidades de pode-ser no mundoao perceber o nada enquanto condição de ser e não
ser, liberdade e miséria (PESSOA, 2018).
Não assumir tal fundamento é cristalizar a verdade em determinações,
identidades, acolher e apegar-se na segurança ilusória da impessoalidade, o nada é a
indeterminação do ser que está sendo e é. Heidegger também considera o ser-para-amorte como cuidado com a vida, “só o homem morre, só ele é livre para a morte”
(PESSOA, 2018, p. 47). O ente é incompleto, finito e inacabado, Deus é o todo e eterno,
não há o nada, logo é acabado e não morre: “apenas assumindo a estranheza de sua
morte, pode o homem sentir a extraordinária liberdade de existir (PESSOA, 2018, p. 49).
Ramos (2021) concretiza a liberdade do homem como a verdade libertadora, com
isso propõem a narração Heideggeriana da verdadeira essência do existir. O nada do ser
é o destino sem chão seguro da existência, a encruzilhada das experiências movimenta o
mistério do vazio íntimo que não oculta, mas expõe a propriedade de ser: “liberação do
homem com o seu mundo para o outro modo de existir e coexistir, sente-se que a
liberdade de ser apreendida desde a condição que se encontra a humanidade imersa na
evasão de um chão que escorre” (RAMOS, 2021, p. 107).
O ser é rachadura no mundo “ferida por uma fenda que é o profundo abismo de
uma não dimensionada ausência, pois mal pressentida e ainda não pensada no fundo e,
por isso, não reverberou como transformação da essência do existir do homem” (RAMOS,
2021, p. 107). A essência do existir é engolida pelo vazio fundo desconhecido ou
temporalmente não descoberto, neste percurso misterioso o homem enfrenta e prova o
saber da falta, volta-se paraa origem de ser, experimenta a liberdade como verdade. É no
enigma do nada que o homem pode ser aberto para as possibilidades, “livre de deixar-se
pertencer no cuidado e no abrigo do mistério do ser” (RAMOS, 2021, p. 108). O
movimento da liberdade é o cuidar apropriando-sedo nada, contemplar a acolhida do ser
rachado, olhar para a fenda exposta.
“O Ser humano é livre na medida em que experimenta sua existência como
possibilidade. Possibilidade apresenta-se, portanto, como o horizonte no qual o ente
humano transcende toda a presença atual, projetando-se temporalmente” (LOPES, 2016,
p. 142). A liberdade Heideggeriana está vinculada a transcendência dos entes, na
liberação dos entes do dasein, a verdade de cada ente do ser sendo liberada de modo
autêntico e verdadeiro em detrimento do ser qualificado, próprio ao fenômeno
ontológico.
O movimento da libertação do ente na transcendência é a exposição do dasein no
seu campo de sentido ao compreender-se no desamparo de ser livre e assumir modos de
ser diferentes. Liberdade para Heidegger é condiçãoconstituinte do projeto descerrado, o
ser-aí não possui liberdade, mas a liberdade o possui e determina a existência, a clareira
do ente (LOPES, 2016).
121
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
De acordo com Braga (2019) Heidegger afirma que a liberdade e a
transcendência do Dasein são fundamentos próximos e semelhantes. Pois o estado de ser
livre no mundo, ser-no- mundo, é causa fundadora do ser transcendente à liberdade em
si, logo o ser-aí está no mundo para fundar-se, ser causa de si à sua maneira, modos de
ser, liberados pelos entes. A libertação é “deixar-ser”, liberar os entes do ser-aí na
tonalidade dos possíveis. Para Heidegger na temporalização do cotidiano é possível
deixar-ser do ser dos entes a aparição de como são e estão sendo, ou seja, é perceber o
dasein que existe e está existindo tal como é e está sendo. Em outras palavras o ser-aí
movimenta-se para a liberdade de deixar-ser o ser-aí liberado no mundo,deixando-o ser.
Para Ferreira (2020) é na finitude temporal da existência do projeto decaído,
dasein, noreconhecimento da morte, no descerramento do horizonte histórico que o seraí encontra-se lançado nas possibilidades, apropriar-se dos modos de ser é a forma de
lidar com as aberturas desse mundo. Mediante a isso, a filosofia Kantiana proporcionou
uma investigação sobre a liberdade do homem relacionada na razão, no conhecimento
refletivo do ser pautada na filosofia “velha”, todavia abriu espaço para outras discussões
e possibilidades. Husserl, Heidegger elaboraram pensamentos distintos da conceituação
da liberdade na fenomenologia de maneira crítica, bem como contribuíram para a
compreensão de uma nova forma de encarar o homem livre desprendido da visão
filosófica tradicional. Nesse contexto, no próximo tópico está a versão teórica de JeanPaul Sartre sobre a liberdade fenomenológico-existencial, visto que foi uma figura
simbólica, como também significativa para a fenomenologia-existencial.
2.2 SARTRE E
SARTREANAS
LIBERDADE
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL:
ABSTRAÇÕES
2.2.1 FENÔMENO
Em O Ser e o Nada – Ensaio de Ontologia Fenomenológica Sartre (1943) discorre
sobre a ideia de fenômeno no capítulo I. Descreve as primeiras impressões sobre a
filosofia moderna, com isso fez menção ao pensamento dicotômico que acompanhou a
história filosófica, objetivo- subjetivo, alma x corpo, mente e mundo. Nesse contexto,
questionou se essa forma de pensar sustentou a realidade humana, por isso
desconsiderou as dualidades pressupostas do existente, interior e exterior, como
também rejeitou a ideia de natureza humana. Por isso, afirmou não existir algo “atrás”
do fenômeno manifestado na aparição: “a aparência remete à série total das aparências e
não a uma realidade oculta que drenasse para si todo o ser do existente (SARTRE,2020, p.
15), ou seja, o fenômeno é absoluto, pois se revela como aparenta.
2.2.2 Ser
A questão fundamental “o que é o ser?” para Sartre o levou a refletir os modos de
ser do existente, diferente de Heidegger que propôs analisar a existência do dasein e
desvelar o mistério do ser-aí. Sartre preocupou-se em compreender o ser, o Em-si,
lançado no cotidiano mundano, na concretude totalizante na vida do existente e, além
disso, procurou descrever evidências das manifestações qualificadas do ente no sentido
Heideggeriano, logo o Em-si pode performar de maneira distinta e aparecer no mundo
(PERDIGÃO, 1995).
122
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Sartre (2020) descarta a visão de sujeito Kantiano, o ser não é mais entendido
como produto do conhecimento ou pensamento, ser racional, portanto o ser é enquanto
é. O ser não é uma entidade devoradora do existente, tampouco o mascara ou ao
contrário, o existente não desvela ou engole o ser, ou seja, apenas é, pois, “o existente é
fenômeno [...] Designa-se a si mesmo, e não seu ser (SARTRE, 2020, p. 19). A definição de
ser é compreendida como noção de desvelar, ser-para-desvelar e, não mais encarada
como o ser descoberto, desvelado, logo “o ser é si-mesmo” (SARTRE, 2020, p. 37) e não
passividade de algo, não é também causa anteriorde outro ser ou da consciência.
Consoante Perdigão (1995) ao rejeitar a visão de Aristóteles e Kant no tocante
conteúdo do ser enquanto substância escondida, Sartre afirma que o ser é aparição, está
em ato sem quaisquer amarras obscuras ou ocultas, nesse sentido é revelação de si
manifestada. Embora, o ser possa aparecer mesmo quando não se mostra, isso se dá,
pois, o fenômeno do ser não se esgota somente na presença, ou melhor, “seria impossível,
por exemplo, definir o ser como uma presença – porque a ausência também revela o ser,
já que não estar aí é ainda ser (SARTRE, 2020. p. 19).
Sartre dispõem de dois seres para iniciar a compreensão do ser, o ser-em-si e o serpara-si, contudo, nesse caso alerta que o ser é pleno de si, pois é o que é em si, portanto é
o si (SARTRE, 2020). De acordo com Souza e Silva (2020) o ser-em-si é pura positividade,
ou seja,é pleno e definido previamente ou predeterminado, como também descrito como
aparição, o fenômeno de ser é tão somente ser o que é, sem quaisquer modificações, pois
é o que é. Não possuiu, portanto, uma abertura para essencializar antes da aparência. O
ser-em-si é em si mesmo. O ser-para-si carrega o nada em sim, o nada habita no bojo ser do
Para-si para projetar- se no mundo, pois não há outra forma de empreender se não a de
escolher e fazer-se.
2.2.3 CONSCIÊNCIA
O eu fenomenológico, incialmente, para Sartre é compreendido como o ser do
Para-si em contraposição do Em-si. O Para-si é coexistência do Em-si, ou seja, o Em-si é
“auto-de- algo” e o Para-si existe na relação com o Em-si, a partir desse encontro
coexistente a consciência “é” consciente de algo, portanto intencional. Sartre adverte que
esse eu consciente não é entendido enquanto um eu de substâncias, substancializado em
algo ou um ser de substratos, não convêm afirmar que a consciência “está” contida ou
fundamentada, significa declarar que a consciência é pura aparição e fundamento de si,
logo, “funda a si” (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020).
A consciência sartreana é o recuo do ser no mundo, ou seja, não cabe aqui afirmar
que é somente propriedade ou faculdade do existente pelo contrário está em
“companhia” ou de acordo com Paulo Perdigão (1995, p. 38) está “em presença dele,
colocada à distância dele”. Esse movimento afastado do ser, de si, confere no perder-se
do existente, desprender-se de si, quando percebe desgarrado de si e cede abertura
para se aventurar em si. A consciência representa a aparição do ser, embora não se
pode reduzir o Em-si (ser) a esse processo, portanto o Em-si consciente é aquele que
certifica o mundo tal como é, mas isso não os funde, apenas mostra a responsabilidade
do Em-si ao criar a si próprio.
123
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
“[...] toda existência consciente existe como consciência de existir” (SARTRE, 2020,
p. 25). Com isso, Sartre define a consciência como consciente de si não no sentido de
conhecimento, mas de modo posicional, ou seja, exprime a ideia do existente se
posicionar no mundo, estar posicionado. Isso significa dizer que a existência não é uma
qualidade da consciência de si ou que a consciência é uma qualidade da existência,
portanto “há um ser indivisível, indissolúvel – não uma substância que conversasse suas
qualidades como seres menores, mas um ser que é existência de ponta a ponta”
(SARTRE, 2020, p. 26).
[...] a consciência existe por si. E não se deve entender com isso que a
consciência “se extrai do nada”. Não poderia haver “nada de consciência” antes
da consciência. “Antes” da consciência só se pode conceber plenitude de ser, em
que nenhum elemento pode remeter a uma consciência ausente. Para haver
nada de consciência é preciso uma consciência que haja sido e não é mais, e
uma consciência-testemunha que coloque o nada da primeira consciência para
uma síntese de reconhecimento. A consciência é anterior ao nada e “se extrai”
do ser (SARTRE, 2020, p. 27).
Vale ressaltar que a consciência por si não é compreendida somente no sentido
de evidência ou ato do ser, a consciência é plena existência. Também consiste na
afirmação de que nada antecede ou cria a consciência, apenas é o modo de ser. Seria
prudente concluir que a consciência não surgi do “nada”, mas é o nada? (SARTRE, 2020).
A consciência nada tem substancial, é pura “aparência”, no sentido de que só
existe na medida que aparece. Mas, precisamente por ser pura aparência, um
vazio total (já que o mundo inteiro se encontra fora dela), por essa identidade
que nela existe entre aparência e existência, a consciência pode ser considerada
absoluto (SARTRE, 2020,p. 28).
É interessante realizar uma comparação, de maneira breve, entre a consciência
antes e depois do O ser e o nada. Portanto, a consciência para Sartre antes do ensaio
ontológico, marcou um conjunto de críticas em A transcendência do ego mencionado
anteriormente, contudo é importante acrescentar mais uma informação, a saber a
autoconsciência para compreender o eu. Sartre destaca que toda consciência “é”
autoconsciente, mas reitera que não é no sentido reflexivo, ou seja, a consciência em si
não precisa necessariamente ser reflexiva de si, Sartre usa o termo “não posicional”: “a
justificativa é que a consciência é transparente e, em particular, transparente consigo
mesma; portanto, toda a consciência está consciente em si” (CHURCHILL; REYNOLDS,
2020, p. 61).
Em O ser e nada, Sartre descreve a consciência pré-reflexiva antes entendida
como consciência não posicional ao perceber esse movimento consciente da consciência
em si e constatar que a consciência é transparente. A pré-reflexiva é consciente de algo,
uma crença e a reflexiva é “eu estou consciente” desse algo, ou seja, a pré-reflexiva é a
apenas a própria crença desse algo, porém vale aqui salientar que esse movimento não é
correspondente do (ser)Em-si. Nesse sentido, Sartre evidenciou um problema, crença e a
consciência de crença, esse reflexo da consciência não é no sentido de “pensar” ou
“refletir” e, sim, “espelhar”. Nesse caso, o nada é responsável por separar a crença da
consciência de crença e é “o nada que está no coração do Para-si” (CHURCHILL;
124
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
REYNOLDS, 2020, p. 65). Sartre afirma que essa dualidade é uma instabilidade que deve
estabelecer uma relação irredutível e também acrescentaque o Para-si é a nadificação.
2.2.4 NADA
“O nada, não sustentado pelo ser, dissipa-se enquanto nada, e recaímos no ser. O
nada não pode se nadificar a não ser sobre um fundo de ser: se um nada pode existir, não
é antes ou depois do ser, nem de modo geral, fora do ser, mas no bojo do ser, em seu
coração como um verme” (SARTRE, 2020, p. 64). O nada é negação de determinações do
ser, pois, Sartre afirma que antes de qualquer determinação do ser do existente existe a
indeterminação, embora o nada não é a origem do ser, ao contrário, o nada está no
“miolo” do Ser.
A negatividade do ser é o não ser, ou seja, o nada é o não é. Pode soar confuso ao
leitor, contudo Sartre (2020) diferente de Heidegger não compreende o nada enquanto
nadificação do Dasein, não confere ao nada a posição de nadificar, o nada se nadifica. “O
nada carrega o ser em seu coração” (SARTRE, 2020, p. 60) Sartre quis dizer que somente o
ser nesse caso poderia se nadificar. Porém, o nada não está no ser-Em-si, pois esse ser é
pleno de pura positividade, não há o Nada. Nesse contexto, Sartre convida a reflexão:
ora, se o Nada não é, portanto não é o Ser (é o não ser), não está fora do Ser e muito
menos pode nadificar-se. Qual a origem do Nada?
“O Ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve nadificar o Nada em seu Ser [...] O Ser
pelo o qual o Nada vem ao mundo é um ser para o qual, em seu Ser, está em questão o
Nada de seu ser: o ser pelo qual o Nada vem ao mundo deve ser seu próprio Nada”
(SARTRE, 2020, p. 65). Movimento esse que o Nada assume uma característica ontológica
do Ser, que por sua vez é o seu próprio Nada. É interessante verificar que para Sartre o
Ser padece de determinações, visto que o Ser está em aberto para as possibilidades, de
Ser à sua maneira de ser, por isso poderevelar-se como Nada. Pois não há um seguimento
de como ser um Ser, não há roteiros.
Nesse ponto, Sartre considera a interrogação como um processo humano. O
interrogador atravessa o interrogado de ser ou não ser, à medida que estabelece essa
relação dada ao existente acontece o recuo nadificador que “escapa a ordem causal do
mundo e se desgarra do Ser” (SARTRE, 2020, p. 66), ou seja, a nadificação é com efeito
feita por um movimento entre interrogador e interrogado por si: “deslocando-se do ser
para poder extrair de si a possibilidade de um não ser” (SARTRE, 2020, p. 66), com isso,
confere ao existente o poder de perguntar, olhar distante de si, desgarrando-se do ser e
afetando-se por não ser, portanto, o homem é o sero qual o Nada manifesta-se no mundo.
“Ser-do-existente” é o ser que produz um ser do existente ou o ser que gera o ser do
homem, logo apontar o ser enquanto produtor do produto de si é questionar o processo
do existente que coloca-se fora do ser e, ao mesmo tempo, é estrutura de ser do Ser,
Sartre caminha por essa dinâmica do ser e afirma que o Nada o qual aparece no ser do
homem é o ser da liberdade (SARTRE, 2020).
Verificou-se que o nada é negação do ser, suspenção de si e o processo
nadificador é o recuo do ser do homem do ser, em uma relação consigo e o tempo. O
nada é a separação do passado para o existente consciente se constituir, isso remete ao
estar consciente dessa ruptura do ser, nesse caso “[...] a consciência vive como
nadificação de seu ser passado” (SARTRE, 2020, p. 72). Cabe pontuar que a liberdade é
visualizar a própria indeterminação, o seu passado à medida da nadificação, ou seja, ser
125
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
consciente da consciência da liberdade, portanto, como o ser humano percebe a
consciência da liberdade? Sartre reconhece angústia enquanto consciência da liberdade,
ou seja, “[...] a angústia é o modo ser da liberdade como consciência de ser; é na angústia
que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão” (SARTRE, 2020, p.
72).
2.2.5 ESCOLHENDO O PROJETO DE VIDA
É sabido que o ser do Para-si carrega a liberdade no seu coração e o ser-livre
desprende- se nos possíveis situados, nesse sentido somente o ser-do-para-si pode
nadificar por meio da liberdade que é. Escolher é condição da existência, pois o existente
não é determinado ou poderia afirmar que a “determinação” do ser é ser-livre
(PERDIGÃO, 1995). O Para-si é rachado, negação de si, ou seja, vazio, por isso o nada é a
manifestação do movimento da liberdade, é nesse espaço de falta que o Para-si nadificase no mundo, projeta-se nos seus empreendimentos no cotidiano. O nada é a negação do
Para-si que o possibilita encarar consciente que não é, não é pleno como o Em-si,
desse modo o nada é a abertura para a liberdade, condição existencial. A liberdade é,
essencialmente, o Ser no sentido de estar no íntimo, portanto o existente tem por caráter
definir-se na realidade humana por meio das escolhas (SOUZA; SILVA, 2020).
Nesse caso, pode-se observar esse movimento da existência no seriado original
da Netflix, Something in the rain (2018), uma produção sul-coreana. Jin-A é uma mulher
de 35 anos com emprego fixo e consolidado, moradora da capital da Coreia do Sul, Seul.
Passou por muitos problemas de relacionamento com a família por questões culturais.
No fim da trama, a personagem decidiu se demitir, com isso abandonou o emprego sólido,
mudou-se para a Ilha deJeju e abriu um pequeno restaurante com sua amiga. Jin-A nunca
imaginou trocar a movimentação da cidade urbana, para uma ilha pataca e distante da
capital, isso significa que ela é o Nada, logo as possibilidades foram aparecendo para ela
escolher e ao se deparar com a indeterminação da sua existência decidiu não mais
sustentar uma identidade, uma carreira consolidada, “percebeu” que é o Nada e,
portanto, é livre para constituir-se, fundar a si sem qualquer determinação e poder
nadificar-se ao empreender seu projeto de vida de maneira situada, conforme escolheu.
A liberdade aparece por meio do Para-si que não possuiu uma predeterminação,
logo é vazio, o nada. Nesse contexto, a liberdade é manifestação do Para-si que busca
preencher a abertura da rachadura que é, por isso é a partir das escolhas projetadas
para o futuro que a existência do homem se faz, se forma e se empreende (SOUZA; SILVA,
2020). Contudo, Sartreressalta que as escolhas são situadas, fazem parte de um campo de
sentido, a facticidade. Está na realidade objetiva, pois a liberdade descrita por Sartre não
é similar ao subjetivismo abstracionista (PERDIGÃO, 1995).
A facticidade é a realidade situada do existente, ou seja, compreende por aspectos
sociais, políticos, culturais e econômicos. Sartre considera a realidade situacional do
cotidiano enquanto situações que aparecem no mundo as quais o existente está lançado
sem qualquer roteiro a seguir, nesse caso a liberdade para Sartre é atravessada tanto pela
subjetividade do Sercomo pela objetividade dos fatos enquanto realidade social, portanto
ser livre é ser e ter o poder de escolher dentro dos possíveis (SOUZA; SILVA, 2020), logo,
“a liberdade humana está na autonomia da escolha. Não consiste em poder fazer o que se
quer, mas em querer fazer o que se pode” (PERDIGÃO, 1995, p. 89).
126
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Sartre entente por liberdade existencial o vazio no âmago do Ser do homem, por
isso a possibilidade de movimentar a própria existência enquanto protagonista de si, sem
a objeção de um Deus para narrar a história ou um autor que não a si próprio. Diante
disso, essa liberdade integrada no nada é o ser humano, a essência de vir a ser após
existir, pois o homem é o único ser o qual a existência preexiste a essência, ou seja, não há
destino. O existente é indeterminado, nesse contexto é jogado no cotidiano situado para
devir a si (SOUZA; SILVA, 2020).
Souza (2020) reafirma que não há natureza humana que sustente a existência,
visto que o homem é desprovido, destituído de um chão para fincar. Assim, a liberdade é o
enfrentamento no mundo com o outro, posto que carregar o peso de si no mundo é
escolher, agir e posicionar-se. Sartre define o ser como não amparado, no sentido de não
estar destinado e somente amparado por si, isso significa que escapa ao determinismo
para desvelar a si. O processo nadificante se dá no desgarrar-se, escapar-se e com isso,
se nadifica livremente (FUJIWARA, 2020).
O ser é temporal, portanto se temporaliza. A temporalidade e nadificação fazem
parte da existência, o nada separa o passado, afasta o presente e distância o futuro. Esse
movimento temporal acompanha a nadificação e engrena o Para-si em função da
liberdade numa espécie de empurrão, ser jogado para si com e no mundo enquanto
escolhe livremente, vivendo e experimentando. O passado é Em-si, fechado e acabado, o
ser na forma do “eu era”, enquanto o Para-si se faz no presente no “estou sendo” e se
projeta para o futuro no “irei ser”. Nesse contexto, “sou meu passado sob a forma de não
sê-lo”, o processo paradoxal entre o tempo e a nadificação do ser, um abandono de quem
eu fui, quem estou sendo e o desconhecido de quem virei a ser enquanto decido
livremente nas possibilidades (FUJIWARA, 2020, p. 71).
Nesse caso, a liberdade aparece angustiada diante de si, pois esse ser livre
angustia-se por escolher enquanto se escolhe. O homem percebe na temporalidade que
não é definido, precisa sustentar o nada que é, a sua indeterminação, o seu não ser
(FUJIWARA, 2020). A liberdade é expressa em ato, portanto a escolha não é fundamento
regida por uma essência superior que universaliza o eu e o outro. A liberdade é a
essência das coisas que permite ao existente escolher, como também desvelar o mundo
por meio dos possíveis e abrir possibilidades de ser na ruptura, o nada, por sua vez a
liberdade é a nadificação do Para-si em função do Em-si (SARTRE, 2020). A negação do
Para-si é a forma do ser humano desapropriar de ser livre, recusar a liberdade, contudo
“não somos livres para deixar de ser livres” (SARTRE, 2020, p. 544). Nesse sentido, a
liberdade é condição existencial a qual não se pode fugir, não existe essa possibilidade,
pois até quando “escolhemos não escolher estamos escolhendo”.
A liberdade é escolha, entretanto Paulo Perdigão (1995) não considera um agir
somente na gratuidade de maneira arbitraria, existe coerência nos atos de cada sujeito,
um significado que move as escolhas de cada homem a seu modo, esse formato de
deliberações humanas é o projeto fundamental, tais decisões edificam o projeto de vida
do existente. O homem é uma totalização-em-curso, o Para-si, que almeja segurança do
Em-si, a permanência total de si, a solidez do Ser. Embora, o Ser evoca o Para-si no esforço
de procurar segurança, visto que é fissura de si mesmo, aberto para poder escolher. Com
isso, o Para-si é falta, ausência de Em-si, por isso busca por conversão, mas esse projeto
de ser é ruína, logo persistir nessa concretude é findar no insucesso visto que insistir
nessa solidez do Ser é “estar no futuro enquanto “espera de esperas”, como um eterno
“ainda-não-que-será” (PERDIGÃO,1995, p. 106).
127
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
Mediante a isso, o homem agarra-se de definições para acabar com a frustração de
não ser, o projeto fundamental inicia, portanto, na ocupação desse espaço vazio do ser do
Para-si. É interessante afirmar que o projeto fundamental é tornar-se em uma “coisa
consciente” (PERDIGÃO, 1995, p. 106), pois o homem é destituído de natureza humana,
não existe coisaalguma inata no seu ser, apenas o poder de se eleger, porque é livre para
criar a sua essência por meio da existência (PERDIGÃO, 1995).
O projeto individual é instigado pelo desejo que o sujeito tem de fazer, ter e ser
apropriação. O desejo de fazer é possuir o ter, por exemplo, eu faço esse trabalho para ter
um diploma. O desejo de ter é a apropriação por fenômenos, por exemplo, ter
conhecimento. O desejo de ser é a síntese entre o fazer e o ter, Perdigão (1995)
menciona a autenticidade da possessão de querer pertencimento, ou seja, possuir o êxito
de cumprir uma realização concreta. Essa posse é traduzida no sentido ontológico na
relação entre ser possuidor e objeto possuído, portanto não cabe compreender a
apropriação de acordo com as leis cívicas de ordem social.
Para compreender o desejo sartreano, eis um exemplo, no filme original da
Disney Tangled (2010) traduzido para o português Enrolados. Rapunzel, a personagem
principal da animação, vivia trancafiada na mais alta torre do reino, distante da
civilização e seu maior desejo era ver as lanternas que aparecem no céu todo ano no dia
seu aniversário, para ela era uma falta que existia na sua existência. Certo dia, Flynn
Rider apareceu em sua vida, um fugitivo da lei na esperança de encontrar um
esconderijo na torre, contudo foi surpreendido pela presença da jovem moça. Rapunzel
nunca havia visto outro ser humano além, é claro, da sua suposta mãe. Então, sugeriu a
Flynn Rider que a levasse para conhecer as lanternas, contudo nunca havia saído da
torre e sua mãe a fez prometer que permaneceria assim, porém Rapunzel é livre para
decidir e mover o seu projeto individual. Motivada a buscar a realização do seu desejo,
visto que é rachadura, ou seja, ela é o Nada, nadificou-se ao escolher sair da torre e
procurar por uma concretude. Nesse contexto, Rapunzel fez uma escolha para possuir o
desejo realizado e ser pertencente a algo, preencher a lacuna que há no Para-si (ela).
O Para-si movimenta-se em direção a completude na tentativa de preencher a
falta que há em sua existência, visto que é incompleto, o ser do Para-si procura
incansavelmente acolher a apropriação, essa caça pela propriedade de ser confere em
fazer e ter a si mesmo como o ser do Em-si, pois o ser de totalização-em-curso anseia
por meio da apropriação e da posse ser um ser pleno e completo ao se perceber
insuficiente em comparação ao ser do Em- si. Esse movimento do existente é o projeto
individual o qual remete a ações simbólicas e significativas de tornar-se seu, adotar a si
e possuir o “meu” e o “que sou” (PERDIGÃO, 1995).Pensar no projeto de vida é pensar em
escolhas e como essas decisões constroem o tal projeto fundamental de cada sujeito. Veja,
no seriado norte americano, How i met your mother (2005) tradução para o português
Como conheci a sua mãe, narra como as escolhas feitas pelo personagem principal
cominaram no encontro da sua esposa, mãe de seus filhos. Teddy Mosby almejava
encontrar o amor da sua vida, com isso se colocou em situações paraencontrar mulheres
e empreender um relacionamento sólido. Visto que ele é o Nada, fissura de si sem
nenhuma predeterminação para guiar nessa jornada, por isso se escolhe, apropriar-se e
se defini enquanto alguém que procura casar, ter filhos, um bom emprego, uma casa
grande, esse é o seu projeto. Apropriar-se de identidades (ser pai, ser esposo, ser
sucedido no emprego) para se definir, pois ele é o Nada lançado no mundo.
128
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
É certo afirmar que o Para-si fracassa ao possuir o objeto localizado no exterior,
esseempreendimento ontológico escapa do sujeito, pois está sempre lançado para fora. O
objeto em questão perde sentido, deixa de corresponder em dado momento, com isso
esgota-se e o leva a outro desejo, ou seja, esse movimento de ser total é fadado ao fracasso,
pois a possessãoé simbólica e apenas isso, nada além de passagem: “nós nos “enchemos”
com o Ser concretoque nos falta” (PERDIGÃO, 1995, p. 110).
O existente está jogando no mundo em processo de decadência e o objeto pelo
qual o sujeito deseja e almeja possuir para preencher o nada do ser do Para-si está no
mundo, com isso as escolhas são diferentes em cada homem, cada um simbolicamente
escolhe o objeto pelo qual considera significante ao elaborar o próprio projeto
fundamental (PERDIGÃO, 1995).
Segundo Schneider (2011) o homem para Sartre é liberdade e está no mundo,
realidade humana, portanto, escolhe a própria história ao escolher-se. As escolhas são
ações livres, aparições da liberdade humana, a todo momento durante a existência o
sujeito se escolhe, poisé livre. Mediante a isso, cada homem escolhe de maneira diferente
visto que não há determinação que sustente as escolhas a não ser ele mesmo. Pois,
“a vida é permanente escolha, e, com cada uma de nossas escolhas, escolhemos o que
somos, definimos a nós mesmos, por nós mesmos” (PERDIGÃO, 1995, p. 113).
Outro exemplo, no filme American Gangster (2008) traduzido para o português O
gângster. Jimmy Zee trabalha para o seu primo Frank Lucas, um importante líder
criminoso do tráfico de narcóticos. Richie Roberts é o investigador responsável pelo caso
de Frank Lucas e seus crimes, após flagrar Jimmy atirando em uma mulher o leva para a
delegacia e propõemum acordo, o qual o colocaria numa posição de traidor nos negócios
de Frank Lucas. Richie Roberts ofereceu um acordo para Jimmy escolher, tentativa de
homicídio com 15 anos de reclusão ou caso decida colaborar sairia sem fiança, sem
queixa e sem ficha criminal. Richie Roberts diz “você escolhe” para Jimmy.
De acordo com Schneider (2011) uma pessoa na situação de tortura vive a
angústia dessa liberdade, visto que terá que escolher entre a dor, a morte, o silêncio ou
aceitar a condição proposta por seu torturador. No caso de Jimmy, ele não era
prisioneiro, mas a situação era de decisão, portanto escolheu conforme a sua liberdade
dentro dos possíveis apresentados mesmo que angustiado, por isso aceitou a condição
proposta e delatou os esquemas do seu primo para sair impune do crime feito. Jimmy
poderia ter escolhido outra decisão ou poderia livremente criar uma possibilidade, mas
escolheu o que surgiu como possibilidade na sua realidade situada.
2.2.6 MÁ-FÉ, ANGÚSTIA E RESPONSABILIDADE
Consoante Paulo Perdigão (1995) o homem está lançado na realidade situada a
procura de fundamentar a si, logo edifica o seu projeto fundamental para tornar-se
concreto e pronto, nesse sentido a totalização-em-curso busca a solidez do Ser e nega a
própria liberdade. Ao agir desse modo engana-se ao desconsiderar a própria condição
existencial, ser livre para escolher e se constituir, pois lidar com a liberdade dessa
maneira é fugir das próprias responsabilidades, como também uma tentativa de
intrigante de dissimular-se sobre si.
A má-fé é não reconhecer que está ignorando algo, seria prudente afirmar que a
má-fé é uma negação não intencional? Para definir a má-fé é interessante diferenciar
aquele que mente, pois o mentiroso esconde a verdade para o outro enquanto na má-fé a
129
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
mentira é contada por si e usada para vedar a si, ou seja, mentir para si (SARTRE, 2020).
Dito isso, a má-fé é uma fuga da verdade a qual o próprio existente esconde, tal verdade é
a liberdade evitada, poisliberdade é escolher e consequentemente sustentar o peso de ser
livre é ser responsável por si. Esse fardo que o sujeito carrega durante a sua existência é
uma forma de lidar com a realidade humana, com o fato de todo indivíduo ser livre. Por
esse motivo a pessoa acredita na falsificação dessa verdade, isso acontece porque o ser
da consciência é afastado de si, bem como “atravessado por negações, dualidades e
ambiguidades” (CHURCHILL; REYNOLDS,2020, p. 65).
Com efeito, ao acreditar nessa falsidade é preciso “cuidar” da verdade no sentido
de ocultar para si, por exemplo, no filme De onde eu te vejo (2016) Ana Lúcia e Fábio são
um ex-casal na grande metrópole de São Paulo, Ana acredita na crença de “sinais do
universo”, “energias” e “astros”. Antes do fim do casamento Ana propôs a Fábio fazer um
ritual o qual os dois encenaram o dia que se conheceram na intenção de evitar o fim da
relação, Ana mencionou para Fábio “se você não levar a sério o universo também não vai
levar”, Fábio diz que tudo aquilo não passava de uma brincadeira e Ana disse “Não fica
falando que é brincadeira, porque daí não funciona. É um ritual”. Para Sartre isso é a
manifestação da má- fé, Ana é livre e elege suas escolhas, embora negou a própria
liberdade ao responsabilizar o universo da mudança do seu projeto de vida e negar para
si que o relacionamento acabou.
Aqui pode-se refletir a respeito do inconsciente psicanalítico para descrever esse
movimento do existente, embora para Sartre essa ideia é refutada (SARTRE, 2020). A
consciência é a liberdade, logo quando a consciência percebe o movimento de ser só,
vazia e separada encara a realidade de não ter chão que assegure para escolher, por isso
deparar-se diante de si, solto e livre, frente as escolhas e percebe a angústia, ao
incomodo consciente de ser-livre, portanto a má-fé é o caminho da consciência de fugir
desse peso da liberdade, “contudo a consciência até pode tentar fugir para ignorar, no
entanto não pode ignorar que foge” (ALMEIDA, 2017, p. 26).
[...] “a má-fé é para fugir do que não se pode fugir, fugir do que se é” (SARTRE,
2020, p. 118). Essa fuga se dá pela má-fé, pois a crença na negação é o suporte atribuído
para lidar com os modos de ser ao tentar escapar da liberdade, contudo não se pode
fugir, visto que a liberdade é a consciência livre de se perceber jogado no mundo, na
cotidianidade, logo a ação de escolher é feita durante a existência do homem, não há
como não escolher, pois não escolher é escolher. Deliberar é angustiante, como também
sustentar a escolha feita, nesse contexto ser afetado pela má-fé é suspender a
responsabilidade de si ao escolher (SARTRE, 2020).
A angústia, consoante Churchill e Reynolds (2020), é a consciência reflexiva da
liberdade. Escolher sendo orientado pelo futuro é angustiante, pois o devir desse projeto
é não saber como será, apesar da projeção não existe algo que assegure concretizar tal
realização. Qual seria a segurança dessa escolha feita no presente em direção ao futuro?
Nesse contexto, a frustração dessa liberdade é perceber “minhas próprias atitudes,
escolhas e ações futuras. Estou preocupado, em suma, com minha própria liberdade. Isso
é angústia” (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020, p. 166).
De acordo com Paulo Perdigão (1995) na angústia temporal o sujeito perceber-se
lançado na própria temporalidade, distante de si, de quem fui no passado e de quem
serei no futuro. Ser livre é a todo momento escolher, portanto é escapar-se de si nas
deliberações visto que uma ação feita no passado não define uma decisão o presente ou
no futuro. Na comédia romântica, Os delírios de consumo de Becky Bloom (2009),
130
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
originalmente intitulado Confessions of a Shopaholic, Rebecca é uma jornalista falida,
apesar do recente emprego possuiu muitas dividas devido sua compulsão por compras.
Ela tentou diversas vezes controlar seu comportamento, procurou ajuda no grupo de
apoio para compradores compulsivos, assistiu aulas para gerir suas finanças e até mesmo
congelou seus cartões em cubos de gelo na geladeira, durante um curto tempo reduziu a
compulsividade, no entanto decidiu mais vez comprar. Isso significa, segundo Sartre que
a escolha anterior não sustenta a escolha atual, logo a deliberação é uma constância e
precisa de reafirmação ou então poderá mudar o projeto de vida como no caso da
Rebecca.
Perdigão (1995) ressalta que a liberdade sartreana é uma escolha individual,
porém tal decisão é responsabilidade com a humanidade, valores e coletividade. Sartre
utiliza da descrição de autenticidade para contrapor a má-fé, o sentido representado pelo
existencialista corresponde ao compromisso de escolher, perceber a escolha de maneira
clarificadora, apropriar-se das responsabilidades e, por fim, assumir os possíveis desse
posicionamento (CHURCHILL; REYNOLDS, 2020).
Sartre (2018) afirma que todo homem é responsável pela a sua existência, todavia
issonão significa dizer que é responsável somente por sua individualidade: “o homem é
responsável por si mesmo, não queremos dizer que ele é responsável estritamente por
sua individualidade, mas que é responsável por todos os homes” (SARTRE, 2018, p. 26).
Ou seja, toda escolha empreendida individualmente carrega a responsabilidade com a
humanidade.
Na minissérie original da Netflix Self Made traduzido para o português A Vida e a
História de Madam C.J. Walker. Conta a história da primeira mulher negra norteamericana milionária do século XX. Sarah Breedlove foi uma empreendedora de sucesso
com produtos para cabelo, a partir da sua autoimagem e necessidade de encontrar
solução para os seus problemas com queda de cabelo, resolveu criar um produto próprio
e comercializar para ajudar outras mulheres a reconquistar a autoestima. O sucesso das
vendas e do produto de qualidade foi tanto que a Madam C.J aumentou sua linha de
produção, comprou um local para produzir em grande quantidade, ampliou os negócios e
empregou outras mulheres negras para a conquistar a independência financeira. Madam
C.J mudou-se para Nova York e conquistou as prateleiras das farmácias, C.J em uma
conversa com a sua filha e sucessora da empresa comentou “o intuito da empresa era
dar escolhas e liberdade para mulheres como elas”. Madam C.J doou quantias generosas
para faculdades negras.
Ao escolher vender produtos de cabelo para outras mulheres Madam escolheu
não somente ela, mas todas as mulheres. Para Sartre essa é a responsabilidade com a
humanidade. A responsabilidade de ser livre é carregar o peso de existir e escolher-se
lançando a sua própria humanidade em questão e intimamente na criação do mundo, ou
seja, “é ser responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto maneira de ser” (SARTRE,
2020, p. 678). Paulo Perdigão (1995) conceitua essa modalidade como a escolha do
universal, afirma que todos são responsáveis ao escolher e agregar valor significativo
dessa decisão no mundo, pois ao deliberar lanço-me no mundo ao meu modo de ser e
envolvo toda a humanidade. É evidente que ser livre é ser abandonado, solto e sozinho,
jogado nos contornos do desamparo para escolher, angustiar-se e responsabilizar-se
(SARTRE, 2020).
131
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
2.2.7 A RELEVÂNCIA DO CONCEITO DE LIBERDADE DO SARTRE PARA A
PSICOLOGIA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
Jean-Paul Sartre ainda se faz presente e vivo por meio das literaturas, além da
grandeza dos estudos filosóficos e psicológicos. Pois, o seu devir foi compreendido e
empreitado para contemplar a liberdade existencial enquanto condição humana
ontológica, sua relevância foi tanta para a Psicologia fenomenológico-existencial em
caráter de verificar o sujeito enquanto propriedade de si. A liberdade para Sartre é a
essência da existência, escolher é existir, se posicionar no mundo frente a sua própria
edificação de modo responsável com a própria humanidade e a humanidade do mundo.
Por isso, encarar a liberdade existencial na Psicologia Fenomenológica é enfrentar o
sofrimento de maneira diferente, antagônica as universalizações reducionistas do
psicologismo. Sartre relacionou a liberdade existencial como abertura para o cotidiano
de cada existente, reconheceu a angústia e a responsabilidade de escolher. Para a
Psicologia Fenomenológica Sartre contribuiu imensamente ao descamar, desvelar e
acolher o sofrimento de ser um existente que ao escolher a si escolhe o mundo, esse
movimento pode serdifícil, conflituoso e angustiar (HOLLO, 2019).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme a discussão apresentada nos capítulos anteriores acerca do que é
liberdade foi interessante comparar a construção das reflexões feitas por pensadores
clássicos e contemporâneos, como também evidenciar concepções divergentes da
liberdade humana. Pensar no homem enquanto condicionado a ser livre é questionar a
própria plenitude autêntica, como também apurar outras noções: necessidades, escolhas,
facticidade, vontades e desejos, as paixões e emoções em contraposição à racionalidade.
Mas afinal, qual a definição de liberdade humana? Existe de uma única e verdadeira
noção de liberdade?
O existente é complexo, por isso o conceito de liberdade está diante de múltiplas
possibilidades, ou seja, diversos prismas teóricos cujo releituras foram feitas na intenção
de refutar teses ou complementar ideias, portanto desvendar tal abstração é
compreender pressupostos por meio da criação do conhecimento. Mediante ao contexto,
ser considerado um ser livre é ainda reduzir a existência individual, pois implica em
interpretações deterministas, psíquicas, espiritualidade, política, leis da natureza
humana, faculdades psicológicas ou biológicas, sociais, culturais de uma sociedade e
como está organizada, além dos aspectos jurídicos e cívicos do estado enquanto ordem
suprema.
A liberdade humana foi pensada diante dos determinismos das ciências sociais, a
natureza humana ou condição natural, conforme pensamentos foram rompidos ainda
repercute de maneira universal o entendimento de ser autônomo uma questão de livre
arbítrio, liberdadede expressão, ou seja, estas considerações são atribuídas por conta da
influência dos filósofos e psicólogos clássicos ou modernos na tentativa de reunir uma
explicação para a relação do sujeito com e no mundo. Por isso, inúmeras “fórmulas”
científicas foram desenvolvidas para dar alusão a esta definição, porém definir o
humano que muda de forma contínua é negar a essência da existência, a liberdade.
Diante disso, a liberdade do indivíduo ainda é posta enquanto uma mensuração de
leis superiores regida por Deus, Estado, psique, razão, moral, paixões etc. Assim, anula e
limita a liberdade tal como é para o sujeito. Embora exista uma conquista paradoxal em
132
A Saúde Mental em Discussão - Volume 2
escolher de modo livre, pois ao que foi exposto o triunfo pela liberdade é um fardo que
jamais homem algum obteve de forma completa, ou seja, de domínio pessoal e subjetivo. É
taxada uma espéciede troféu que nenhum sujeito poderá alcançar e compreender outras
dimensões sobre si para experimentar a completude de escolher livremente. Contudo, a
liberdade é a existência, segundo Jean-Paul Sartre não existe uma corrida ou um caminho
certo para viver, escolher. O movimento de ser livre é próprio e escolher é ser livre.
Sartre empreitou o conceito de liberdade ao existencialismo, a liberdade
existencial, encontrou na fenomenologia-existencial respostas e perguntas que
comportam a existência humana. A relevância de Sartre para a Psicologia é importante,
pois foi possível enfrentar a liberdade de outra maneira, além de olhar para o cotidiano
como de fato é, sem quaisquer ilusões. Escolher é o movimento da existência humana,
antes de ser essência nós existimos, não somos determinados a algo ou alguém. Estamos
no mundo lançados, desamparados e livres para nos devir e edificar o mundo. Escolher
não é um capricho ou uma contemplação utópica, escolher é engajar realizações em
direção ao futuro, como também sustentar as decisões feitas e que ainda serão feitas, isso
pode angustiar, afetar e mais ainda responsabilizarmos. A presença de Jean-Paul Sartre
atravessou a Psicologia Fenomenológico-Existencial ao enfrentar as situações mundanas
do existente lançado no cotidiano de modo atento.
O presente estudo verificou a importância dos conceitos de Sartre como liberdade,
má- fé, angústia, responsabilidade, projeto de vida, consciência para compor uma
perspectiva para Psicologia Fenomenológico-Existencial atrelada ao existencialismo de
Sartre. Pode-se compreender que a contribuição de Sartre para a Psicologia foi de
enxergar o existente enquanto o próprio devir sem as amarras do psiquismo, pois o
humano sartreano é o nada, sem determinação, sem natureza humana, sem um roteiro
acabado para definir como deve ou não viver as experiências. E perceber isso é
angustiante, pois remete ao existente perceber o quanto é incompleto de definições, falta
algo e o existente está em busca dessa falta para dar sentido, ou enfrenta o conflito da
perda de sentido no seu projeto de vida. Isso significa que todos para Sartre são livres
para inventar o próprio projeto diante dos possíveis e sustentar o seu modo de ser
indeterminado.
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