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Dossiê: IƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ Ativismos e insurgências – Parte 1 ɨ‫ةףخ‬ȁ‫ןנמנةנخ‬ Dossiê: IƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ Ativismos e insurgências – Parte 1 ɨ‫ةףخ‬ȁ‫ןנמנةנخ‬ 0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌ²ɐǶ‫ ب‬Pensamento Social e Político em/desde/para América Latina, Caribe, África e Ásia. Dossiê: Feminismos latino-americanos – Ativismos e insurgências – Parte 1. Volume 5, número 2, 2021. X²²y‫ׅׅ׆ׇٌ׆ׂׂׅب‬ Foz do Iguaçu/PR: Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Revista “Epistemologias do Sul: pensamento social e político em/desde/para América Latina, Caribe, África e Ásia”. Av. Tarquínio Joslin dos Santos, 1000 - Jardim Universitário, sala C301 - Foz do Iguaçu - PR, 85870-901. Revista Epistemologias do Sul revista.epistemologias@unila.edu.br Dossiê: IƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ Ativismos e insurgências – Parte 1 ɨ‫ةףخ‬ȁ‫ןנמנةנخ‬ Epistemologias do Sul: Pensamento Social e Político em/para/ desde América Latina, Caribe, África e Ásia é um periódico online de publicação semestral do grupo de pesquisa homônimo ligado à Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu/PR. Seu objetivo é divulgar estudos e investigações sobre ou desde o pensamento social e político latino-americano, caribenho, africano e asiático, promovendo o diálogo Sul-Sul. ISSN 2526-7655 0ƮǞɈȌȲٌ0ɮƵƧɐɈǞɨȌ !ȌǶƊƦȌȲƊȲƊǿƧȌǿƵȺȺƵȁɑǿƵȲȌ Marcos de Jesus Oliveira Catherine Walsh Geni Núñez Hanayrá Negreiros Jade Alcântara Lôbo Larissa Fostinone Locoselli Lorena Marisol Cárdenas Oñate Luma Lessa Mara Coelho de Souza Lago Marcela Landazábal Mora Mayara Nicolau de Paula Ochy Curiel Patrícia Lânes Penélope Chaves Bruera Priscila Dorella ²Ȍ˛ƊðƊȲƊǐȌƧǞȁ Yarlenis Ileinis Mestre Malfrá 0ƮǞɈȌȲƵȺٌȺȺȌƧǞƊƮȌȺ Tereza Spyer Leo Name !ȌȁȺƵǶǘȌ0ƮǞɈȌȲǞƊǶ Ângela Maria De Souza (UNILA) Camilo Hernan Manchola Castillo (UNB) Caterina Alessandra Rea (UNILAB) Cesar Augusto Baldi (ULBRA) Cesar Torres Cruz (UAM) Elias Nazareno (UFG) Elzahrã M. Radwan Omar Osman (INEP) Estevão Rafael Fernandes (UNIR) Julio Pereyra (UDELAR) Li-Chang Shuen Cristina (UFMA) Lorena R. Tavares De Freitas (UNILA) Marcos de Jesus Oliveira (UNILA) Pablo Quintero (UFRGS) Priscila De Oliveira Coutinho (UERJ) Sônia Cristina Hamid (IFB) Waldemir Rosa (UNILA) 0ƮǞɈƊȲƊǿƵȺȺƵȁɑǿƵȲȌ Tereza Spyer / Editora-Chefe Maria Camila Ortiz / Editora-Adjunta !ȌƵƮǞɈƊȲƊǿƵȺȺƵȁɑǿƵȲȌ Ananda Vilela Cynthia Montalbetti Mariana Rocha Malheiros Priscila Dorella ÀȲƊƮɐɹǞȲƊǿȁƵȺȺƵȁɑǿƵȲȌ María Camila Ortiz (Coordenação) John Freddy Agudelo Gaspar Lívia Brito Barbosa Mariana Rocha Malheiros Tereza Spyer (Abstracts) ªƵɨǞȺƣȌƵȁȌȲǿƊɈǞɹƊƪƣȌ Ananda Vilela Maria Camila Ortiz Mariana Rocha Malheiros Priscila Dorella Tereza Spyer !ȌȌȲƮƵȁƊƪƣȌǐȲƋ˛ƧƊ Leo Name Oswaldo Freitez Carrillo §ȲȌǯƵɈȌǐȲƋ˛ƧȌ‫ة‬ƧƊȯƊƵǏȌǶǘƊȺƮƵȲȌȺɈȌ Oswaldo Freitez Carrillo 0ƮǞɈȌȲƊƪƣȌ Oswaldo Freitez Carrillo Editorial 0ɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊȺ‫ب‬ ‫מן‬ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ Maria Camila Ortiz, Mariana Malheiros e Tereza Spyer Entrevistas 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮ‫ة‬ ɐǿȺƊƦƋƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐɹƵǿ ‫מנ‬ Larissa Fostinone Locoselli e Penélope Chaves Bruera mɐɈƊƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ب‬ ɐǿƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿJƵȁǞyɑȋƵɹ ‫צס‬ Luma Lessa 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿ0ǶǞȺƊ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫ب‬ ǿȌɨǞǿƵȁɈȌƮƵwɐǶǘƵȲƵȺXȁƮǠǐƵȁƊȺƵIƵǿǞȁǞȺǿȌXȁƮǠǐƵȁƊ Jade Alcântara Lôbo 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊȁƮȌIǶƊɨǞƊªǞȌȺ‫ب‬ ɐǿȌǶǘƊȲȺȌƦȲƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁƵǐȲȌȺ ƊȯƊȲɈǞȲƮȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵȲƊƪƊƵǐƺȁƵȲȌȁȌ ȲƊȺǞǶƵȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ ‫צף‬ ‫פפ‬ Mayara Nicolau de Paula e Patrícia Lânes 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿXȲƵȁƵwƊȲǞƊ!ƊȲƮȌȺȌ‫ب‬ ƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ة‬ȯȌǶǠɈǞƧƊƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌ Priscila Dorella ‫מצ‬ Artigos 0ȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺɈȲƊȁȺ‫ب‬ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺȺȌƦȲƵƧƵȁƊȺ ‫נק‬ ƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺ Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez e Mara Coelho de Souza Lago ǿȯǶǞƊȁƮȌǶȌȺƵȺȯƊƧǞȌȺƮƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƮƵȺƮƵǶȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺɯ ɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ ‫עןן‬ ²Ȍ˛ƊðƊȲƊǐȌƧǞȁ RǞȺɈȍȲǞƊȺƮȌɨƵȺɈǞȲƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫ب‬ ƧȌȺɈɐȲƊȁƮȌǞƮƵǞƊȺǞȁǞƧǞƊǞȺȺȌƦȲƵƊȺǿȌƮƊȺ ƮƵɐǿƊǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ ‫פנן‬ Hanayrá Negreiros ƦȲƊɹƊȁƮȌǶƊǿƵǿȌȲǞƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶ ƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊƮƵǿɐȋƵƧƊȺƮƵɈȲƊȯȌƵȁÇƦɐȁɈɐ Lorena Marisol Cárdenas Oñate ÀǞƵȲȲƊȁƵǐȲƊ‫ب‬ ƊȲƊȺƮƵȺɐƵǶȌƵȁɈȲƵȯƊȺȌȺ‫ة‬ɨȌƧƵȺ‫ة‬ǞǿƋǐƵȁƵȺɯƧƊȁɈȌȺ Marcela Landazábal Mora ²ȌƦȲƵȌǐƺȁƵȲȌƵȺƵɐǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌ Catherine Walsh ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ Ochy Curiel ‫פען‬ ‫צפן‬ ‫צצן‬ ‫נמנ‬ Editorial Existências e resistências: ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ María Camila Ortiz ¡DALE!, PPGICAL / UNILA Mariana Malheiros ¡DALE!, PPGICAL / UNILA Tereza Spyer ¡DALE!, PPGICAL / UNILA Feminismos latino-americanos A Revista Epistemologias do Sul, vinculada à Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e ao grupo de pesquisa “Epistemologias do Sul: pensamento social e político em/ desde/para a América Latina, Caribe, Ásia e África”, traz como principal proposta a divulgação de es- 12 tudos sobre e/ou desde o pensamento social e político latino-americano, caribenho, africano e asiático. Destacam-se em suas produções os estudos decoloniais, subalternos e pós-coloniais, com toda ƊȺɐƊƮǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵƵɨƊȲǞƵƮƊƮƵɈƵȍȲǞƧƊȺƵǿƵɈȌƮȌǶȍǐǞƧƊȺ‫ـ‬ª0ßX²À0§X²À0w„m„JX²(„²Çm‫خفפןמנة‬ Ao colocar estas fontes epistêmicas na sua centralidade, a Revista carrega consigo, desde sua idealização, uma vocação internacionalista e transnacionalista, que se realiza na cooperação entre diferentes intelectuais que a torna(ra)m possível. Com um espaço permanente para o debate intelectual multidisciplinar/interdisciplinar possibilitou a troca de experiências entre pesquisadoras(es) e acadêmicas(os) de diversas partes do mundo não ligados diretamente ao grupo de pesquisa responsável por sua organização, mas também com outras(os) pesquisadoras(es) e gruȯȌȺǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮȌȺƧȌǿȌȯȲȌȯȍȺǞɈȌƮƵȺɐƊɈƵǿƋɈǞƧƊ‫ـ‬ª0ßX²À0§X²À0w„m„JX²(„²Çm‫خفפןמנة‬ §ȌȲƵȺɈƊȺƧƊȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺƮƵƊ˛ȁǞƮƊƮƵƵƮǞƋǶȌǐȌƧȌǿɈƊȁɈƊȺɨȌɹƵȺǞȁȺɐȲǐƵȁɈƵȺƵƮǞȺȺǞƮƵȁtes que se encontram territorialmente e epistemologicamente no Sul Global, tanto no comprometimento político quanto no epistêmico, foi possível o trabalho cooperativo com o grupo de pesquisa “¡DALE! – Decolonizar a América Latina e Seus Espaços”, com a organização conjunta não somente deste, mas de outros dossiês, especialmente no que se refere à divulgação dos estudos decoloniais e “epistemologias outras” que apresentam os objetivos da Revista. Esta é a quarta edição em que o ¡DALE! está diretamente envolvido na criação da proȯȌȺɈƊ‫ة‬ƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƵ˛ȁƊǶǞɹƊƪƣȌƮƵɐǿƊƵƮǞƪƣȌƮƊªƵɨǞȺɈƊ0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌ²ɐǶ‫خ‬ȺƊȁɈƵȲǞȌȲƵȺǏȌȲƊǿ‫رب‬JǞȲȌ(ƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫§ة‬ƊȲɈƵ‫بן‬ȲɈƵȺɨǞȺɐƊǞȺ‫ة‬ƊȲȱɐǞɈƵɈɐȲƊȺƵƊǶɈƵȲǞƮƊƮƵȺ‫ـر‬ɨȌǶ‫ةסמخ‬ȁ‫ةןמخ‬ ‫رسفקןמנ‬JǞȲȌ(ƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫§ة‬ƊȲɈƵ‫بנ‬JƺȁƵȲȌ‫ة‬ȲƊƪƊ‫ة‬ƧǶƊȺȺƵƵǐƵȌȯȌǶǠɈǞƧƊƮȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ‫ـر‬ɨȌǶ‫ةסמخ‬ȁ‫خ‬ ‫فקןמנةנמ‬Ƶٗ!ȌȲȯȌȺƵȺɐǯƵǞɈȌȺȁƊ‫ش‬ƮƊǿȌƮƵȲȁǞƮƊƮƵ٘‫ـ‬ɨȌǶ‫ةעמخ‬ȁ‫ ׋خفמנמנةןמخ‬Destacamos também que há publicações de integrantes do ¡DALE! em outras edições, bem como a participação na organização e na edição das revistas. A partir destes bem-sucedidos encontros, surgiu o convite para a elaboração deste dosȺǞƺȱɐƵȲƵȺɐǶɈȌɐȁȌɈǠɈɐǶȌ‫ر‬IƵǿǞȁǞȺǿȌȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫ة‬ƊɈǞɨǞȺǿȌȺƵǞȁȺɐȲǐƺȁƧǞƊȺ‫§ـ‬ƊȲɈƵ‫ةرفן‬ organizado por pesquisadoras integrantes do ¡DALE! a partir de questionamentos e tensionamentos debatidos dentro do próprio grupo. O ¡DALE! está cadastrado no Conselho Nacional de §ƵȺȱɐǞȺƊȺ‫!ـ‬y§ȱ‫ف‬ƮƵȺƮƵ‫פןמנ‬Ƶ‫ة‬ƧȌǿȌǯƋǿƵȁƧǞȌȁƊƮȌ‫ة‬ƮƵƮǞƧƊٌȺƵƜȺȯƵȺȱɐǞȺƊȺȱɐƵƵȁɨȌǶɨƵǿ ƊƮƵƧȌǶȌȁǞɹƊƪƣȌƮƵǞǿƊǐƵȁȺ‫ة‬ƧƊȲɈȌǐȲƊ˛ƊȺ‫ة‬ȯƊǞȺƊǐƵȁȺ‫ة‬ȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺƵƧȌȲȯȌȺƮƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊƵ do Caribe, aos movimentos sociais e dos territórios latino-americanos, tendo em vista conceitos e noções do giro decolonial, como, por exemplo, as colonialidades do poder, do ser e do saber ‫ـ‬yw0‫س‬²§æ0ª‫!س‬ÇyR‫خفקןמנة‬0ǿ‫ةקןמנ‬ƵǿƧȌȁǯɐȁɈȌƧȌǿȌmƊƦȌȲƊɈȍȲǞȌÇȲƦƊȁȌƵmƊƦȌȲƊɈȍȲǞȌ Co-Adaptativo (Labzat), ambos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o ¡DALE! organizou o minicurso “Insurgências decoloniais: geopolítica do conhecimento para outros mundos possíɨƵǞȺ٘‫ة‬ƧȌǿɈȲǞȁɈƊǘȌȲƊȺ‫מסـ‬ǘ‫ف‬ƵǿǞȁǞȺɈȲƊƮȌȯȌȲȯƵȺȱɐǞȺƊƮȌȲƵȺƮȌ‫(ج‬m0‫ث‬ȁƊÇI ‫ة‬ƵǿǿƊǞȌ‫س‬ȁƊ ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ IƵƮƵȲƊǶ ƮƵ wǞȁƊȺ JƵȲƊǞȺ Ƶǿ ƊǐȌȺɈȌ ‫ـ‬ÇIwJ‫ ةف‬Ƶ‫ ة‬ȯȌȲ ˛ǿ‫ ة‬ȁƊ ÇyXm‫ ة‬Ƶǿ ƊǐȌȺɈȌ Ƶ ȺƵɈƵǿƦȲȌƮȌǿƵȺǿȌƊȁȌ‫ـ‬yw0‫س‬²§æ0ª‫!س‬ÇyR‫خفקןמנة‬ A partir destes cursos surgiram questionamentos voltados à produção de/sobre/para mulheres como: onde estão as mulheres, especialmente as mulheres racializadas, no Giro Decolonial? Como raça, gênero, classe e sexualidade se articulam e impactam na dicotomia modernidade/colonialidade? Como pensamos os ativismos, insurgências e manifestações de mulheres no Sul Global fora das construções feministas hegemônicas do Norte? 1 Para acessar estas e outras edições da Revista Epistemologias do Sul: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/issue/archive. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021 Editorial §ƊȲƊƮƵƦƊɈƵȲƵȲƵ˜ƵɈǞȲǿƵǶǘȌȲƵȺɈƊȺȱɐƵȺɈȪƵȺ‫ة‬ȁɐǿȯȲǞǿƵǞȲȌǿȌǿƵȁɈȌ‫ة‬ƵȁɈȲƵȌɐɈɐƦȲȌƵ ȁȌɨƵǿƦȲȌƮƵ‫ةקןמנ‬Ȍ‫(ج‬m0‫ث‬ȌȲǐƊȁǞɹȌɐƵȺɈɐƮȌȺȯƊȲƊƊȯȲȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈȌƮƵȺɐƊȺ‫ـ‬ȺƵɐȺ‫ف‬ȯƵȺȱɐǞȺƊdoras(es) sobre “Feminismo Decolonial”. Naquele semestre, com debates motivados por textos de Gloria Anzáldua, Rita Segato, María Lugones, Karina Bidaseca e outras autoras, pudemos re˜ƵɈǞȲƵƮǞȺƧɐɈǞȲȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƮƵǐƺȁƵȲȌƮƵȁɈȲȌƮȌǐǞȲȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ب‬ƵȺɈƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊƶƧȌȁȺɈǞɈɐǞƮȌȲƊ da modernidade ocidental ou limita-se a um fenômeno dentro da Europa e ainda se gênero existia nas sociedades fora da Europa e/ou em qual intensidade. Dentro da proposta do ¡DALE!, procuramos encontrar caminhos para os enfrentamentos das colonialidades do poder, saber e ser, conceitos que transpassam direta e indiretamente as produções decoloniais, considerando, especialmente, as intersecções entre gênero, raça e sexualidade através das produções de autoras(es) decoloniais. Também pudemos, com as ferramentas construídas naquele semestre, analisar a emergência de vozes de mulheres, em movimentos e organizações por toda a América Latina e pelo Caribe, que produzem feminismos que ultrapassam a perspectiva de gênero moderno e incluem os debates e lutas contra o racismo, a heteronormatividade, o capitalismo, o antropocentrismo e outras opressões que impactam as vidas e territórios das mulheres, trazendo as suas próprias categorias, tanto para a práxis política quanto para a produção de epistemologias, especialmente na América Latina e no Caribe. E aqui queremos destacar que estas produções, ainda que dialoguem com o Giro Decolonial, são produções autônomas, originais e de uma força política e epistêmica que trazem novas percepções de organização e análise não somente sobre as ciências humanas e sociais, mas também na própria atuação política frente um cenário latino-americano de avanço político neoconservador e econômico neoliberal. Por isso, com a construção comum desta percepção, e já com acúmulo nas discussões para avançar em nossos trabalhos como grupo de pesquisa, recebemos o convite para a publicação deste dossiê, que contou com o trabalho editorial de: Ananda Vilela, Cynthia Montalbetti, Maria Camila Ortiz, Mariana Malheiros, Priscila Dorella e Tereza Spyer. Pela força destas produções, nós, editoras deste número, não queríamos que aqueles estudos se reduzissem a mais uma análise sobre gênero e epistemologias feministas. As produções das mulheres, a partir da interseccionalidade entre raça, classe, sexualidade e gênero, bem como com a elaboração de categorias próprias, possibilita pensar não só os feminismos no Sul Global, mas também a própria resposta política, econômica, cultural e epistêmica frente o cenário latino-americano e caribenho. E, exatamente por tamanhas respostas de resistência e diversidade, pudemos organizar este dossiê composto somente por trabalhos de mulheres, pesquisadoras e ativistas que constroem feminismos insurgentes, a partir de seus ativismos nas lutas de movimentos e organizações sociais, e também nas produções acadêmicas. Para todas nós, editoras, que não pesquisamos exclusivamente gênero – mas o trazemos para o diálogo transversal tanto no Giro Decolonial debatido no ¡DALE! quanto nas nossas pesȱɐǞȺƊȺǞȁƮǞɨǞƮɐƊǞȺ‫ى‬ǏȌǞǐȲƊɈǞ˛ƧƊȁɈƵƵƮƵǞǿƵȁȺȌƊȯȲƵȁƮǞɹƊƮȌƧȌȁǘƵƧƵȲɨƊȲǞƊƮȌȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺƮƵ mulheres que possibilitam pensar gênero, classe, raça e sexualidade por outros vieses. Contudo, entendemos que precisamos mostrar neste espaço que estas pesquisadoras, assim como cada ɐǿƊƮƵȁȍȺ‫ة‬ȲƵƊǶǞɹƊȲƊǿƵȺɈƵɈȲƊƦƊǶǘȌƮƵȁɈȲȌƮƵȲƵƊǶǞƮƊƮƵȺƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȺ‫ة‬ƧȌǿȺƵɐȺƧȌȁɈƵɮɈȌȺƵ corpos afetados pelos já mencionados avanços neoconservadores e neoliberais na América LaɈǞȁƊƵȁȌ!ƊȲǞƦƵ‫ة‬ƊǐȲƊɨƊƮȌȺƊǞȁƮƊȯȌȲɐǿȯƵȲǠȌƮȌȯƊȁƮƺǿǞƧȌƮƵ!ȌɨǞƮٌ‫ةקן‬ǞȁǞƧǞƊƮȌƵǿ‫خמנמנ‬ Aqui, queremos trazer um pouco das consequências deste contexto para as mulheres latino-americanas e caribenhas, especialmente na violência contra nossos corpos, o acúmulo do trabalho de cuidados na pandemia e a vulnerabilidade econômica que enfrentamos. María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer 13 Feminismos latino-americanos Primeiramente, destacamos a violência contra as mulheres. Em relatório a partir dos dados do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (OIG), a Comissão 0ƧȌȁȏǿǞƧƊȯƊȲƊƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊƵ!ƊȲǞƦƵ‫!ـ‬0§m‫ف‬ƊȯȌȁɈȌɐȱɐƵƵǿ‫מנמנ‬ƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊ 14 as mulheres diminuiu tanto na América Latina quanto no Caribe, com uma queda média de ‫ڭפةמן‬ƵǿȲƵǶƊƪƣȌƊȌƊȁȌƮƵ‫!ـקןמנ‬0§m‫„س‬XJ‫!خفןנמנة‬ȌȁɈɐƮȌ‫ة‬ȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺƵȌȲǐƊȁǞɹƊƪȪƵȺ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȁɐȁƧǞƊȲƊǿȱɐƵƵȺɈƵȁɑǿƵȲȌȁƣȌȲƵ˜ƵɈƵƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵ‫„خ‬ȱɐƵȺƵƊǶƵǐƊƶȱɐƵ‫ة‬ƧȌǿƊ necessidade de isolamento social e a falta de políticas públicas voltadas à segurança e autonomia física, milhares de mulheres optaram por não denunciar as agressões e maus-tratos sofridos, permanecendo em silêncio diante de um cenário exterior que não apresenta segurança, tanto para protegê-las de seus agressores quanto para garantir políticas de promoção visando ȯȲȌǿȌɨƵȲȺɐƊȺƊɐɈȌȁȌǿǞƊȺ˛ȁƊȁƧƵǞȲƊȺ‫ـ‬y„²0!m0‫خفמנמנة‬ O segundo ponto que destacamos é o trabalho das mulheres durante a pandemia de !ȌɨǞƮٌ‫„  خקן‬ȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌ §ƊȁٌǿƵȲǞƧƊȁƊ ƮƵ ²ƊɑƮƵ‫ ة‬Ƶǿ ȲƵǶƊɈȍȲǞȌ ȯɐƦǶǞƧƊƮȌ Ƶǿ ƮƵɹƵǿƦȲȌ ƮƵ ‫ ةןנמנ‬ƊȯȌȁɈȌɐ ȱɐƵ‫ ة‬Ƶǿ ɈȌƮȌ Ȍ ƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵ ƊǿƵȲǞƧƊȁȌ Ƶ ȁȌ !ƊȲǞƦƵ‫ ڭפצ ة‬ƮƊȺ ȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǞȺ ƮƵ saúde em contato diário com as(os) pacientes infectados com o coronavírus foram mulheres. Considerando a imprecisão dos dados sobre o trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, estima-se também que as responsáveis pelas(os) doentes em suas casas também foram ‫ـ‬ƵȺƣȌ‫ف‬ƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ة‬ƵǿȯȲȌȯȌȲƪƣȌȱɐƵȯȌƮƵȺƵȲƊǞȁƮƊȺɐȯƵȲǞȌȲ‫§ـ‬R„‫خفןנמנة‬ §ȌȲ˛ǿ‫ة‬ǏƊǶƊǿȌȺȺȌƦȲƵȌǞǿȯƊƧɈȌȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶȁƵȺɈƵƧƵȁƋȲǞȌ‫خ‬ªƵǶƊɈȍȲǞȌƮƊ!0§mȯɐƦǶǞƧƊƮȌ ȁȌǞȁǠƧǞȌƮƵ‫ןנמנ‬ǞȁƮǞƧȌɐȱɐƵƧƵȁɈȌƵƮƵɹȌǞɈȌǿǞǶǘȪƵȺƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺƵƧƊȲǞƦƵȁǘƊȺɨǞɨǞƊǿƵǿȺǞɈɐƊƪƣȌƮƵȯȌƦȲƵɹƊ‫!ـ‬0§m‫(خفןנמנة‬ƵȁɈȲȌƮȌǿƵȲƧƊƮȌǏȌȲǿƊǶƵǞȁǏȌȲǿƊǶƮƵ trabalho, também se apontou a redução dos níveis de ocupação das mulheres, com uma estimativa de um retrocesso de, ao menos, dez anos. Ainda, a taxa de desocupação das mulheres foi de ‫ڭנةננ‬Ƶǿ‫ةמנמנ‬ɐǿƊɐǿƵȁɈȌƮƵ‫ڭפةנן‬ȁƊɨƊȲǞƊƪƣȌ‫ة‬ƵǿƧȌǿȯƊȲƊƪƣȌƧȌǿ‫!ـקןמנ‬0§m‫خفןנמנة‬ „ȲƵǶƊɈȍȲǞȌɈƊǿƦƶǿɈȲȌɐɮƵȌƊǶƊȲǿƊȁɈƵƮƊƮȌȱɐƵ‫ڭקةפף‬ƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ Ƶ‫ڭסةעף‬ȁȌ!ƊȲǞƦƵƵȺɈƊɨƊǿƵǿȯȲƵǐƊƮƊȺƵǿȺƵɈȌȲƵȺƮƵƊǶɈȌȲǞȺƧȌ‫ة‬ƧȌǿǿƊǞȌȲɨɐǶȁƵȲƊƦǞǶǞƮƊƮƵ para manutenção e segurança de seus empregos, principalmente nos setores de turismo, manufatura, comércio e, principalmente, trabalho doméstico. Além do impacto econômico, o documento também trouxe os riscos da empregabilidade nas áreas de trabalho doméstico, saúde e educação, especialmente alta exposição ao vírus e na sobrecarga de trabalho, no caso das trabalhadoras domésticas e da saúde, e na sobrecarga de trabalho e pressões para adaptação ao ambiente remoto às trabalhadoras da educação, considerando ainda que as mulheres empregadas neste setor são as principais responsáveis pelo cuidado com as crianças e adolescentes, também em ensino remoto, e com idosas(os) e doentes, mais vulneráveis frente a pandemia ‫!ـ‬0§m‫§خفןנמנة‬ȌȲǞȺȺȌǿƵȺǿȌ‫ة‬ƊƧȌȁȺƵȱɐƺȁƧǞƊƮƵȺɈƵƧƵȁƋȲǞȌƮƊƵƮɐƧƊƪƣȌǏȌǞƊȲƵƮɐƪƣȌƮƊȺ ȯƵȺȱɐǞȺƊȺƵȯɐƦǶǞƧƊƪȪƵȺȲƵƊǶǞɹƊƮƊȺȯȌȲǿɐǶǘƵȲƵȺ‫خ‬ÀȲƊɈƊȁƮȌƵȺȯƵƧǞ˛ƧƊǿƵȁɈƵƮȌƧƵȁƋȲǞȌƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌ‫ة‬ƊȯȲȌƮɐƪƣȌƊƧƊƮƺǿǞƧƊƮƵǘȌǿƵȁȺƊɐǿƵȁɈȌɐƵǿ‫ةڭמף‬ƵȁȱɐƊȁɈȌƊƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺƮƵȺȯƵȁƧȌɐ ƮɐȲƊȁɈƵƊȯƊȁƮƵǿǞƊƮƵ!ȌɨǞƮٌ‫ـקן‬m0m‫خفןנמנة‬ Como pesquisadoras que procuram visibilizar os corpos que estes números representam, queremos dizer que todas nós, autoras e editoras, estamos incluídas nestes dados. Muitas de ȁȍȺȯƊȺȺƊȲƊǿȯȌȲƧȲǞȺƵȺ˛ȁƊȁƧƵǞȲƊȺ‫ة‬ƧƊȲǐƊƮƵɈȲƊƦƊǶǘȌƮɐȯǶǞƧƊƮƊ‫ـ‬ȌɐɈȲǞȯǶǞƧƊƮƊ‫ةف‬ǏȌǿȌȺȲƵȺȯȌȁsáveis pelo cuidado de crianças, idosas(os) e doentes e, ainda, como ativistas, também atenƮƵǿȌȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ɨǠɈǞǿƊȺ ƮƵ ɨǞȌǶƺȁƧǞƊ ƮȌǿƶȺɈǞƧƊ‫ خ‬ÀƵȲǿȌȺ Ɗ ȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌ ƮƵȺɈƵ ƮȌȺȺǞƺ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ Ɗ˛ȲǿƊȲ ȱɐƵ‫ ة‬ƊȯƵȺƊȲ ƮƵ ɈƵȁɈƊȲƵǿ ȁȌȺ ǿƊɈƊȲ ‫ ى‬ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵ ƊȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ȁƵǐȲƊȺ‫ ة‬mJ À©X‫ڕ‬ e indígenas que estão presentes neste dossiê – nós estamos aqui, apresentando ferramentas, dentro das nossas limitações nas universidades cada vez mais sucateadas em toda a América Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021 Editorial Latina e Caribe, com o avanço neoliberal que impactou nas políticas de educação, especialmenɈƵȁȌƵȁȺǞȁȌȺɐȯƵȲǞȌȲƵȁƊȯȲȌƮɐƪƣȌƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȲƵƊǶǞɹƊƮƊȯȌȲɈȌƮƊȺȁȍȺ‫خ‬yȌ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ƮƵȺɈƊƧƊٌȺƵƊ ação organizada pelo Governo Genocida de Jair Bolsonaro de invalidação do trabalho de pesquisadoras e pesquisadores, não somente com os cortes nos orçamentos das universidades, mas também no desprezo à ciência, que vimos em ação durante o pior período da pandemia ƮƵ!ȌɨǞƮٌ‫§خקן‬ȌȲǞȺȺȌȲƵƊ˛ȲǿƊǿȌȺƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊȁƣȌȺȍƵȯǞȺɈƺǿǞƧƊƮƵȺɈƵƮȌȺȺǞƺ‫ة‬ǿƊȺ‫ة‬ȯȲǞȁƧǞpalmente, política de resistência com o avanço neoconservador e neoliberal. Nosso (ȌȺȺǞƺ‫ ب‬IƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ ‫ ى‬ɈǞɨǞȺǿȌȺ Ƶ ǞȁȺɐȲǐƺȁƧǞƊȺ ‫§ ى‬ƊȲɈƵ ‫ן‬, ƵȺɈƋȌȲǐƊȁǞɹƊƮȌƵǿƮɐƊȺȺƵƪȪƵȺ‫ة‬ƊȯȲǞǿƵǞȲƊƧȌǿȯȌȺɈƊȯȌȲ‫ף‬ƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺƵƊȺƵǐɐȁƮƊȯȌȲ‫ץ‬ƊȲɈǞǐȌȺ‫خ‬ȺƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺȲƵ˜ƵɈƵǿƊƵȺƧȌǶǘƊƮƵɈƵǿƊȺƧƊȲȌȺƜȺƵƮǞɈȌȲƊȺƮƵȺɈƵɨȌǶɐǿƵƧȌǿȌƊɈȲƊƮɐƪƣȌ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶ‫ة‬ȱɐƵȺƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƮƵȺƮƵƊƧȌǶƵɈǞɨǞƮƊƮƵƵȁɈȲƵǿɐǶǘƵȲƵȺƮȌ²ɐǶJǶȌƦƊǶ ȺƵ ƵȺɈƊƦƵǶƵƧƵȁƮȌ ƧȌǿȌ ȲɐȯɈɐȲƊ ȁȌȺ ȯȲȌƧƵȺȺȌȺ ƵƮǞɈȌȲǞƊǞȺ ƧȌȁɈȲƊ ǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌȺ‫ س‬Ɗ ƧȌȺǿȌǐȌȁǞƊ ƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶǐɐƊȲƊȁǞȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊȁƮȌȌǞǿƊǐǞȁƋȲǞȌȯƊȲƊƊȱɐƵƦȲƊƮƊǿȌȁȌƧɐǶɈɐȲƊƧȌǿȌɐǿȺǞȺɈƵma de práticas violentas que vai além do modelo de produção agrícola se perpetuando numa ǞƮƵȌǶȌǐǞƊƧȌǶȌȁǞƊǶ‫س‬ȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿȌǏȌȲǿƊƮƵȯƵȁȺƊȲȌǿɐȁƮȌƊɈȲƊɨƶȺƮƊȌƦȺƵȲɨƊƪƣȌƮƵɐǿƊ ǿɐǶǘƵȲƮȌȯȌɨȌ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫س‬ȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊȺƮƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƵǿɐǶǘƵȲƵȺ negras e dos povos racializados na América Latina, e a agroecologia como modelo não hegemônico desde uma perspectiva indissociável do feminismo. hƋ ȁƊ ȺƵȺȺƣȌ ƮƵ ƊȲɈǞǐȌȺ‫ ة‬ƧȌȁɈƊǿȌȺ ƧȌǿ ‫ ף‬ƊȲɈǞǐȌȺ ȌȲǞǐǞȁƊǞȺ Ƶ ‫ נ‬ɈȲƊƮɐɹǞƮȌȺ ȱɐƵ ɨƵȲȺƊǿ sobre colonialidade do gênero e sua instrumentalização para perpetuar os domínios da exisɈƺȁƧǞƊ‫س‬ȌǶƵǐƊƮȌƮƵɐǿƊǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊȌȺƵɮɈȲƊɈǞɨǞȺǿȌȺƵƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫س‬ ƧȲǠɈǞƧƊ Ɯ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ Ƶ ƧǞȺǐƵȁƵȲǞƮƊƮƵ ƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊȺ‫ س‬ƊǿȯǶǞƊƪƣȌ ƮƊȺ ǐƵȌǐȲƊ˛ƊȺ Ƶ ƮȌȺ ƵȺȯƊƪȌȺƮƵƵȁɐȁƧǞƊƪƣȌȯƊȲƊȯƵȁȺƊȲǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȌɐɈȲȌȺ‫س‬ȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵƧȌȲȯȌȺƵɨƵȺɈǞǿƵȁɈƊȺ ǘǞȺɈȌȲǞƧƊǿƵȁɈƵȺɐƦƊǶɈƵȲȁǞɹƊƮȌȺ‫س‬ƦȌȁƵƧƊȺƮƵȯƊȁȌƧȌǿȌɈƵƧǞƮȌȺƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌȺ‫ة‬ƊȁɈǞƧƊȯǞɈƊǶǞȺɈƊȺ‫ة‬ ƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊǞȺƵƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺƵƊȲƊƧǞƊǶǞɹƊƪƣȌƮȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌƵƊȺǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵȺƮƊǐɐƵȲȲƊ‫خ‬ Neste sentido, este dossiê foi pensado como um espaço para as perspectivas feministas insurgentes, indígenas, afro, comunitárias etc., que colaboram de forma coletiva para construir um entendimento capaz de potencializar as necessidades, iniciativas, problemáticas e conheciǿƵȁɈȌȺƮƊƮǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺƵƧƊȲǞƦƵȁǘƊȺ‫خ‬ƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƵƮȌȺǏƵǿǞnismos contra hegemônicos se deve a uma articulação única entre teoria e práxis, onde formas de ação e ativismo fazem parte de uma luta global que vai muito além de questionar somente o patriarcado. Abrimos a seção 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺ com o texto “0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮ‫ة‬ɐǿȺƊƦƋ ƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐɹƵǿ”. Larissa Locoselli e Penélope Bruera, do Laboratório de Tradução da UNILA, realizaram uma entrevista com três integrantes do Coletivo Sycorax: Cecilia Farias, Leila Izidoro e Juliana Bittencourt. Trata-se de uma conversa entre tradutoras sobre a tradução ƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫خ‬ɐɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌƧȌǿȌɐǿٗȺƊƦƋƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐɹƵǿ٘‫ة‬Ȍ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮ reúne diferentes trajetórias na tradução e no feminismo que têm em comum a concepção da tradução como uma prática política feminista. De acordo com a práxis horizontal do Coletivo, as entrevistadas discutiram interna e coletivamente as perguntas enviadas pelas entrevistadoras previamente à conversa, na qual as entrevistadas compartilham de forma generosa importantes experiências e pontos de vista desta que é uma das mais chamativas iniciativas de tradução feminista no Brasil dos últimos anos. A entrevista realizada por Luma Lessa (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) a Geni Núñez (Universidade Federal de Santa Catarina), cujo título é “mɐɈƊƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƊȁɈǞٌ ƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ب‬ɐǿƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿJƵȁǞyɑȋƵɹ”, trata do ativismo e das insurgências como cami- María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer 15 Feminismos latino-americanos nhos construídos no diálogo entre a materialidade e a potencialidade das existências. Diálogo ǞȁƧǶɐȺǞɨƵƧȌȁ˜ǞɈɐȌȺȌ‫ة‬ɐǿƊɨƵɹȱɐƵƊǶɐɈƊȺƵƮƋȯƵǶƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵƧȌǿƦƊɈƵƮƊȺɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺƮƊȺ estruturas hegemônicas. Nessa entrevista, são endereçadas as violências dos discursos hege- 16 mônicos colonial cristão branco monogâmico cisheteronormativo. Geni Núñez aponta como a categorização binária da vida opera como um epistemicídio, etnocídio e genocídio de modos de vida outros. No Brasil, essas categorias, intrinsecamente cristãs, geraram o apagamento físico e simbólico dos povos indígenas em sua multiplicidade de etnias, modos de vida e pensamento. Esse etnocídio está intimamente conectado à perda dos territórios e à imposição de um antropocentrismo. Para a ativista guarani, não basta descolonizarmos o pensamento e as relações sociais e econômicas, tentando reparar e ajustar essas estruturas. É preciso ir além dos binarismos violentos da colonialidade e questionar a própria materialidade dessas categorias que nos separam em homens/mulheres, homo/hétero, branco/negro/pardo e humanidade/natureza. A luta, portanto, deve ser anticolonial. Ao invés de buscarmos respostas reparadoras, recusar as próprias perguntas como lugar de enunciação. Romper com essas amarras da monocultura do ȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌǿȌȁȌǐƓǿǞƧȌƧȲǞȺɈƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ة‬ȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊȲȌȁȌȺȺȌǞǿƊǐǞȁƋȲǞȌ‫ة‬ɈȲƊƪƊȁdo relações afetivas, sexuais e sociais que respeitem a autonomia de todes. Já a “0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿ0ǶǞȺƊ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫ب‬ǿȌɨǞǿƵȁɈȌƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌ ǞȁƮǠǐƵȁƊ٘‫ة‬foi realizada pela antropóloga Jade Alcântara Lôbo (Universidade Federal de Santa Catarina), com Elisa Urbano Ramos Pankararu, ativista indígena da etnia Pankararu e antropóloga que possui mais de uma década de participação de movimentos do campesinato, indígena e das mulheres. Neste diálogo entre duas mulheres engajadas na luta dos povos e contra a desigualdade de gênero, é abordada a trajetória de Elisa Pankararu e sua defesa da existência de um feminismo indígena. Por sua vez, ٗ0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊȁƮȌIǶƋɨǞƊªǞȌȺ‫ب‬ɐǿȌǶǘƊȲȺȌƦȲƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁƵǐȲȌȺƊȯƊȲٌ ɈǞȲƮȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵȲƊƪƊƵǐƺȁƵȲȌȁȌ ȲƊȺǞǶƵȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ٘, trata-se de uma entrevista realizada por Mayara Nicolau de Paula (Universidade Federal de Minas Gerais) e Patrícia Lânes (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A entrevista com a socióloga brasileira Flavia Rios teve como objetivo central ouvi-la acerca de suas contribuições para os estudos raciais e de gênero no Brasil, privilegiando seu trabalho sobre a intelectual e militante Lélia Gonzalez e os debates contemporâneos acerca de feminismos negros e interseccionalidade. A conversa foi realizada por meio de uma troca de mensagens via correio eletrônico. As questões foram formuladas a partir de discussões entre as duas entrevistadoras, pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento (Antropologia e Linguística), porém com grande interesse no debate sobre feminismos negros. Foi proposta uma divisão em três grandes frentes: (i) trajetória acadêmica e pessoal de Flavia Rios, (ii) seus estudos sobre vida e obra de Lélia Gonzalez e (iii) questões sobre feminismo negro e interseccionalidade. Flávia Rios faz uma breve apresentação pessoal para, em seguida, partir para os temas relativos a seu interesse no trabalho de Lélia Gonzalez e como isso se desdobrou em recentes publicações e aprofundamento na vasta produção da pensaƮȌȲƊ‫خ‬yƊȯƊȲɈƵ˛ȁƊǶ‫ة‬ƮƵȺɈƊƧƊٌȺƵƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺȌƦȲƵǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƵƧȌǿȌƵȺȺƊȁȌƪƣȌɨƵǿ sendo concebida como ferramenta de intervenção política por todas e todos que se interessam pelos avanços do feminismo, em especial o feminismo negro e latino-americano. A entrevista que fecha esta seção, 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿXȲƵȁƵwƊȲǞƊ!ƊȲƮȌȺȌ‫ب‬ƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ة‬ ȯȌǶǠɈǞƧƊƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌ, foi realizada por Priscila Dorella a Irene Cardoso, ambas da Universidade Federal de Viçosa. A agroecologia vem se apresentando há décadas como um movimento políɈǞƧȌ‫ة‬ȺȌƧǞƊǶƵƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌȱɐƵƊƦƊȲƧƊɐǿǘȌȲǞɹȌȁɈƵƮƵȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƧȌȁɈȲƊȌǿȌƮƵǶȌǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌ do agronegócio. Irene Cardoso é uma das principais professoras do Brasil que atua ativamente em defesa da ciência comprometida com a vida, dos saberes ancestrais que nos conectam com Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021 Editorial a natureza e dos movimentos feministas que lutam pela justiça e paz social. Sua entrevista é uma oportunidade de conhecermos a sua trajetória que nos inspira a construirmos outras cosmologias políticas. Abrimos a seção ȲɈǞǐȌȺcom um texto escrito por Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez. e Mara Coelho de Souza Lago, da Universidade Federal de Santa Catarina, ٗ0ȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ ƵyƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺÀȲƊȁȺ‫ب‬ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺȺȌƦȲƵƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺǶƊɈǞȁȌٌƊٌ ǿƵȲǞƧƊȁƊȺ٘‫ خ‬0ȺɈƵ ƊȲɈǞǐȌ ƶ ǞȁȺȯǞȲƊƮȌ ȁƊ ƊȁƋǶǞȺƵ ƮƵ ˛ǶǿƵȺ ƮȌ ƧǞȁƵǿƊ mJ À ȱɐƵ ȁȌȺ ǏƊǶƊǿ ƮƵ vidas de pessoas marginalizadas por suas identidades dissidentes da cisgeneridade e heterossexualidade compulsórias. Destaca alguns temas trazidos pelas teorias decoloniais, como epistemicídio e necropolítica. Tais teorias, que se desenvolveram no estudo dos regimes que atribuem a determinados corpos a condição de inumanos, tornando-os vulneráveis ao apagamento e ao genocídio, denunciam a perpetuação da eliminação dos corpos que se constituem como descartáveis nas sociedades contemporâneas. As autoras reconhecem que as sociedades latino-americanas, nas quais focam sua discussão, são herdeiras das relações coloniais instituidoras da hierarquização de diferenças por motivos de raça, gênero e sexualidade. Estes regimes de diferenciação estabelecem quais corpos importam e quais corpos se tornam matáveis: tais ƧȌǿȌȌȺƮƊȺȯƵȲȺȌȁƊǐƵȁȺɈȲƊȁȺwƊȁɐƵǶƊƵ ƊɐƵȲƮȌȺ˛ǶǿƵȺƮƵȺƵȁƧƊƮƵƊƮȌȲƵȺƮƵȺɈƊƊȁƋǶǞȺƵ‫خ‬ ²Ȍ˛ƊðƊȲƊǐȌƧǞȁ‫ة‬ƮƊÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮ²ƊȁIȲƊȁƧǞȺƧȌƮƵ©ɐǞɈȌ‫ة‬ƵǿٗǿȯǶǞƊȁƮȌǶȌȺƵȺȯƊƧǞȌȺƮƵ ǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƮƵȺƮƵǶȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺɯɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ٘, conecta ƊǐƵȌǐȲƊ˛ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƧȌǿȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫خ‬ƊɐɈȌȲƊ está interessada em explorar a relação entre racismo, colonialidade e espacialidade, reunindo ƵȺɈƊȺƮɐƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺɈƵȍȲǞƧƊȺ‫خ‬ǐƵȌǐȲƊ˛ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƊȁƊǶǞȺƊƊȺƊȲɈǞƧɐǶƊƪȪƵȺƵȁɈȲƵ colonialidade de gênero e racismo com a construção social do espaço. Enquanto o feminismo descolonial latino-americano promove uma perspectiva antirracista, anti-imperialista, anti-colonial e intersetorial dos feminismos de Abya Yala e do Sul. Este artigo responde às seguintes perguntas: Quais são os espaços dos feminismos descoloniais latino-americanos? Como a ƵȺȯƊƧǞƊǶǞƮƊƮƵƵȺɈƋȯȲƵȺƵȁɈƵȁȌɈȲƊƦƊǶǘȌƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶƮƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫د‬0˛ȁƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ ƧȌǿƦƊȺƵȁƊȲƵȺȯȌȺɈƊƜȺȯƵȲǐɐȁɈƊȺƊƧǞǿƊ‫ة‬ȱɐƊǞȺȺƣȌȌȺƵȺȯƊƪȌȺȱɐƵ˛ƧƊǿƮƵǏȌȲƊƮƵȺɈƊƊȁƋǶǞȺƵ‫د‬ A autora conclui que os espaços deixados de fora são territorialidades relacionais antirracistas e defende que, a partir destes processos de luta pelo território contra o racismo, podemos aproǏɐȁƮƊȲƊȲƵǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵƊȺǐƵȌǐȲƊ˛ƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ‫خ‬ Hanayrá Negreiros, da Pontifìcia Universidade Católica de São Paulo e do Museu de Arte de São Paulo, no artigo ٗRǞȺɈȍȲǞƊȺ ƮȌ ɨƵȺɈǞȲ ƮƵ !ƊɈǘƊȲǞȁƊ wǞȁƊ‫ ب‬ƧȌȺɈɐȲƊȁƮȌ ǞƮƵǞƊȺ ǞȁǞƧǞƊǞȺ ȺȌƦȲƵƊȺǿȌƮƊȺƮƵɐǿƊǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ٘, tem por objetivo fazer “costuras” iniciais sobre os modos de vestir de mulheres africanas na cidade de São Luís do Maranhão, durante o século XIX, com foco na segunda metade do período, partindo da trajetória de Catharina Rosa Ferreira de Jesus, conhecida popularmente na província como Catharina Mina. Mulher e africana, vivenciou escravidão e liberdade em uma vida marcada pela presença do patriarcado, do racismo e da vida em diáspora. O universo da cultura material, inserido no contexto escravista dessa época, assim como as relações de trabalho em cotidianos que envolviam tais mulheres são pano de fundo do artigo. O ponto de partida do estudo foca em ɐǿƊƦȲƵɨƵȲƵɨǞȺƣȌƦǞƦǶǞȌǐȲƋ˛ƧƊȱɐƵƊȲɈǞƧɐǶƊ‫ة‬ƊȯƊȲɈǞȲƮȌǿƶɈȌƮȌƮƊǿǞƧȲȌٌǘǞȺɈȍȲǞƊƵƮƊƦɐȺƧƊ ƮƵƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺƵǿǏȌȁɈƵȺȯȲǞǿƋȲǞƊȺ‫ـ‬ɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺ‫ة‬ǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌȺƵȲƵǐǞȺɈȲȌȺǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ‫ةف‬ƊȺƮǞmensões simbólicas e culturais presentes nas histórias do vestir de mulheres como Catharina, alçando a análise das roupas e dos adornos como instrumento capaz de apontar caminhos para o entendimento da vida africana em diáspora brasileira, tendo São Luís do Maranhão, dois anos antes da abolição da escravatura, como cenário principal. María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer 17 Feminismos latino-americanos Lorena Marisol Cárdenas Oñate, da Universidad Autónoma Metropolitana/México, em “ƦȲƊɹƊȁƮȌǶƊǿƵǿȌȲǞƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊƮƵǿɐȋƵƧƊȺƮƵɈȲƊȯȌƵǿÇƦɐȁɈɐ”, entende a metáfora como uma poética do conhecimento, que incorpora práticas semiótico-discur- 18 ȺǞɨƊȺƮȌȺ‫ـ‬ƊȺ‫ف‬ȺɐǯƵǞɈȌȺƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌȺƮƵȺɈƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺȱɐƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊǿȺƵȁȺǞƦǞǶǞdades complexas onde o trabalho com múltiplas inteligências e campos cognitivos alternativos interpela novos caminhos, falas e políticas de relacionalidade em paridade, reciprocidade, complementaridade e equidade. Este projeto para recuperar memórias estético-rituais das mulheres afrodescendentes é um espaço simbólico itinerante e intercultural com uma abordagem feminista decolonial. Um grupo de artesãs aprende e ensina a fazer bonecas negras de pano, gerando uma política de afetividade que encarna a sabedoria afrodescendente do Ubuntu-muntu (“eu sou porque você é parte de mim”). O exercício de um direito imaginativo e (auto) criativo permite o surgimento de uma argumentação emocional. O objetivo é construir uma proposta para um modelo estético-ritual a partir da semiose de rendas e pontos metafóricos. Nesta trama, vozes e silêncios de diversas mulheres estão alojados em uma polifonia alinhavada. Conclui-se que, ao se encarregarem de suas memórias, estas mulheres abrem um “aqui e um agora” esperançoso em comunidade. Os discursos da emoção-corpo-espiritualidade têm permitido que nossas culturas originarias ou diaspóricas resistam, insurjam, subvertam e representem lógicas de complexo sentipensamento de re-existência, regeneração e resiliência. Marcela Landazábal Mora, da Universidad Nacional Autónoma de México, em ٗÀǞƵȲȲƊȁƵٌ ǐȲƊ‫ب‬ƊȲƊȺƮƵȺɐƵǶȌƵȁɈȲƵȯƊȺȌȺ‫ة‬ɨȌƧƵȺ‫ة‬ǞǿƋǐƵȁƵȺɯƧƊȁɈȌȺ٘ entende que qualquer narrativa ƮȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌȁƊ!ȌǶȏǿƦǞƊƮƵɨƵɈƵȲƵǿƧȌȁɈƊƊǞȁȺɈƓȁƧǞƊȲƊƧǞƊǶǞɹƊȁɈƵȱɐƵȺƵƊȺȺƵȁɈƊȁȌ caráter de uma masculinidade guerreira, que faz fronteira com a extrema racionalidade das formas de governo do Estado, também formulada numa chave masculina – devido à sua gestão sempre parcelada das territorialidades e da vida. De uma perspectiva crítica de gênero, a interação da tríade crítica de raça, classe e gênero é considerada, incluindo um quarto vetor determinante, a juventude, nos atuais processos de resistência e nas suas práticas culturais, como uma aposta na reconstrução política. O texto começa com uma primeira seção que estabelece as coordenadas que revelam as consequências do abuso da escuridão, tanto nos corpos como nos territórios. Consequentemente, a segunda seção centra-se na avaliação desta categoria no ȱɐƊƮȲȌƮȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƮȌȺȯȌɨȌȺ‫ة‬ƮȌȺǘȌǿƵȁȺȁƵǐȲȌȺ‫ـ‬ƊǏƵɈƊƮȌȺȯƵǶȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌ‫ف‬ƵƮƊȺ mulheres negras violentadas devido à sua condição racial e de gênero. A terceira seção abre o ƧƊǿȯȌȯƊȲƊȲƵɨƵȲȌȺȲƵƧƵȁɈƵȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊǯɐɨƵȁǞǶ‫ة‬Ɗ˛ǿƮƵƮƵƧƊȁɈƊȲȁɐǿƵȺȱɐƵǿƊ de reconhecimento destas estéticas vernaculares, como formas de resistência, mas também de reparação de uma moralidade aniquilada pelos efeitos do colonialismo remanescente trançado ȯƵǶȌȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌȁȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫خ‬ §ȌȲ ˛ǿ‫ ة‬ǏƵƧǘƊȁƮȌ ƵȺɈƊ ȺƵƪƣȌ Ƶ Ȍ ƮȌȺȺǞƺ‫ ة‬ƊȯȲƵȺƵȁɈƊǿȌȺ ƮȌǞȺ ƊȲɈǞǐȌȺ ɈȲƊƮɐɹǞƮȌȺ ƮȌ ƵȺpanhol para o português. O primeiro deles‫ٗ ة‬²ȌƦȲƵ Ȍ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ ȺƵɐ ǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌ٘, de autoria de Catherine Walsh, da. Universidade Andina Simón Bolívar, foi traduzido por Lívia Brito Barbosa, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e John Freddy Agudelo Gaspar, da Universidad Tecnológica de Pereira. O artigo de Walsh trata sobre o ensaio seminal de wƊȲǞƊmɐǐȌȁƵȺٗÀǘƵ!ȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯȌǏJƵȁƮƵȲ٘‫فצממנـ‬ƧȌȁɈǞȁɐƊƊȺƵȲɨǞȲƮƵǞǿȯɐǶȺȌȯƊȲƊƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌ e o debate dentro das esferas acadêmica e ativista, e entre aqueles que se aliam à estrutura analítica da (de)colonialidade. Com este texto, Lugones torna visível a instrumentalidade do sistema colonial/moderno de gênero na sujeição de mulheres e homens de cor em todos os domínios da existência. Ao fazê-lo, ela mostra o elo intrincado entre gênero e raça, e revela como este sistema tem funcionado para romper e fraturar laços de solidariedade prática e de luta transformadora compartilhada. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021 Editorial O segundo e último artigo traduzido para o português, ٗ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌ ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ٘, de Ochy Curiel, da Universidade Nacional da Colômbia, foi traduzido por Mariana Rocha Malheiros da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Este artigo procura tratar do pensamento e da proposta de transformação social levada a cabo por Berta Cáceres. „ȌƦǯƵɈǞɨȌȁƣȌƶƮƵ˛ȁǞȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ة‬ȯȌǞȺƵǶƊȁɐȁƧƊȺƵƊȺȺɐǿǞɐ neste lugar, no entanto, como um dos princípios desta corrente é recuperar saberes, experiências, propostas e práticas individuais e coletivas que questionam as hierarquias históricas que ȺƣȌȯȲȌƮɐɹǞƮƊȺȯȌȲȺǞȺɈƵǿƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌ‫ة‬ȺƵƮƵ˛ȁǞȁƮȌƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȌɐȁƣȌ‫ة‬Ɗ autora do artigo se propõe neste texto em relacionar alguns posicionamentos e práticas de Berta Cáceres coincidentes com postulados chaves do feminismo decolonial que explicam porque hoje seu legado é tão importante. ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ CEPAL, Comissão Econômica para América Latina e o Caribe. La autonomía económica de las mujeres en la recuperación sostenible y con igualdad. ²ƊȁɈǞƊǐȌ‫ب‬XȁǏȌȲǿƵ0ȺȯƵƧǞƊǶ!ȌɨǞƮٌ‫קן‬ ȁѥ‫(خןנמנةקמ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȲƵȯȌȺǞɈȌȲǞȌ‫خ‬ƧƵȯƊǶ‫خ‬ȌȲǐ‫ش‬ƦǞɈȺɈȲƵƊǿ‫ش‬ǘƊȁƮǶƵ‫شףشסספפעشנפסןןش‬ ²‫صמעץמממנ‬ƵȺ‫خ‬ȯƮǏƧƵȺȺȌƵǿ‫خננמנشסמشןס‬ !0§m‫!ة‬ȌǿǞȺȺƣȌ0ƧȌȁȏǿǞƧƊȯƊȲƊƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊƵȌ!ƊȲǞƦƵ‫„س‬XJ‫„ة‬ƦȺƵȲɨƊɈȌȲǞȌƮƵXǐɐƊǶƮƊƮ de Género de América Latina y el Caribe. mƊȯƊȁƮƵǿǞƊƵȁǶƊȺȌǿƦȲƊ: femicidios o feminicidios ȌƧɐȲȲǞƮȌȺƵȁ‫מנמנ‬ƵȁǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊɯƵǶ!ƊȲǞƦƵ‫خןנמנة‬yȌɈƊXȁǏȌȲǿƊɈǞɨƊ‫(خןנמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶ ƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƧƵȯƊǶ‫خ‬ȌȲǐ‫ش‬ȺǞɈƵȺ‫ش‬ƮƵǏƊɐǶɈ‫˛ش‬ǶƵȺ‫ش‬ȁƵɩȺ‫˛ش‬ǶƵȺ‫صסקץממٌןנش‬ǏȌǶǶƵɈȌ‫ص‬ǶƊ‫ص‬ȯƊȁƮƵǿǞƊ‫ص‬Ƶȁ‫ص‬ǶƊ‫ص‬ ȺȌǿƦȲƊ‫ص‬ɩƵƦ‫خ‬ȯƮǏƧƵȺȺȌƵǿ‫خננמנشסמشקנ‬ m0m‫ة‬²‫خ‬wɐǶǘƵȲƵȺƵȺƧȲƵɨƵȲƊǿǿƵȁȌȺƊȲɈǞǐȌȺƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌȺƮɐȲƊȁɈƵƊȯƊȁƮƵǿǞƊƵǘȌǿƵȁȺȺɐƦmeteram em dobro. ²ƊȯȌ‫(ןנמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȯȌǶǞǐȲƊǏȌ‫خ‬ȺƊȯȌ‫خ‬ȯɈ‫ش‬ȺȌƧǞƵƮƊƮƵ‫ش‬ƊȲɈǞǐȌȺ‫ش‬ ǿɐǶǘƵȲƵȺٌƵȺƧȲƵɨƵȲƊǿٌǿƵȁȌȺٌƊȲɈǞǐȌȺٌƧǞƵȁɈǞ˛ƧȌȺٌƮɐȲƊȁɈƵٌƊٌȯƊȁƮƵǿǞƊٌƵٌǘȌǿƵȁȺٌȺɐƦǿƵɈƵȲƊǿٌƵǿٌƮȌƦȲȌƧƵȺȺȌƵǿ‫خןנמנخןןخןמ‬ yw0‫ة‬m‫سخ‬²§æ0ª‫ة‬À‫!سخ‬ÇyR‫ة‬J‫خ‬ª‫خ‬ƮƊ‫خ‬0ƮǞɈȌȲǞƊǶ‫خ‬ªƵɨǞȺɈƊ0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌ²ɐǶ‫ب‬ɨȌǶ‫ةסמخ‬ȁ‫ةןמخ‬ ‫(خקןמנ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȲƵɨǞȺɈƊȺ‫خ‬ɐȁǞǶƊ‫خ‬ƵƮɐ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌȺɐǶ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫קפןנشןסענش‬ ƧƵȺȺȌƵǿ‫ננמנخסמخץנ‬ y„²0!m0‫خ‬ßǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊƊǿɐǶǘƵȲƊɨƊȁƪƊƧȌǿƧȌȲȌȁƊɨǠȲɐȺȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ‫خ‬JȌɨƵȲȁȌ ƮȌ0ȺɈƊƮȌƮȌwƊɈȌJȲȌȺȺȌƮȌ²ɐǶ‫(خמנמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ȁƊȌȺƵƧƊǶƵ‫خ‬ǿȺ‫خ‬ǐȌɨ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ɨǞȌǶƵȁƧǞƊٌƧȌȁɈȲƊٌƊٌǿɐǶǘƵȲٌƊɨƊȁƧƊٌƧȌǿٌƧȌȲȌȁƊɨǞȲɐȺٌȁƊٌƊǿƵȲǞƧƊٌǶƊɈǞȁƊ‫ش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫خמנמנشעמشנמ‬ PAHO, Pan American Health Organization. JƵȁƮƵȲƵƮRƵƊǶɈǘȁƊǶɯȺǞȺ!„ßX(ٌ‫קן‬ǞȁɈǘƵǿƵٌ ȲǞƧƊȺ‫خ‬àƊȺǘǞȁǐɈȌȁ‫بخ!خ(ة‬àȌȲǶƮRƵƊǶɈǘ„ȲǐƊȁǞɹƊɈǞȌȁ‫(خןנמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ǞȲǞȺ‫خ‬ȯƊǘȌ‫خ‬ȌȲǐ‫ش‬ ƦǞɈȺɈȲƵƊǿ‫ش‬ǘƊȁƮǶƵ‫§شנסעףףشנخףפפמןش‬R„0J!!„ßX(ٌ‫صפמממןנקן‬Ƶȁǐ‫خ‬ȯƮǏ‫د‬ȺƵȱɐƵȁƧƵ‫ۋעڙ‬ǞȺǶǶȌɩƵƮ‫ڙ‬ɯ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫خננמנشסמشמס‬ REVISTA EPISTEMOLOGIAS DO SUL. Sobre a Revista. Foz do Iguaçu: Universidade Federal da XȁɈƵǐȲƊƪƣȌmƊɈǞȁȌٌǿƵȲǞƧƊȁƊ‫(خפןמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȲƵɨǞȺɈƊȺ‫خ‬ɐȁǞǶƊ‫خ‬ƵƮɐ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌȺɐǶ‫ش‬ƊƦȌɐɈƧƵȺȺȌƵǿ‫خננמנخסמخצנ‬ ²ªXß‫خ!خ ة‬ßǞȌǶƺȁƧǞƊƮƵǐƺȁƵȲȌȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊƧȲƵȺƧƵƵǿǿƵǞȌƜƧȌɨǞƮٌ‫خקן‬Çy‫ى‬ ǐƺȁƧǞƊÇȁǞɨƵȲȺǞɈƋȲǞƊƮƵyȌɈǠƧǞƊȺ. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), publicada em ‫(خןנמנخסמخקן‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺ‫ششب‬Ɗɐȁ‫خ‬ɩƵƦǘȌȺɈɐȺȯ‫خ‬ȺɈǞ‫خ‬ɐȺȯ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫شקןشסמشןנמנش‬ɨǞȌǶƵȁƧǞƊٌƮƵٌǐƵȁƵȲȌٌȁƊٌƊǿƵȲǞƧƊٌǶƊɈǞȁƊٌƧȲƵȺƧƵٌƵǿٌǿƵǞȌٌƊٌƧȌɨǞƮٌ‫شקן‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫خננמנشסמشקנ‬ María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer 19 Entrevistas Entrevista com o coletivo Sycorax, um sabá de mulheres que traduzem Larissa Fostinone Locoselli ¡DALE!, LEPLE / UNILA. Penélope Chaves Bruera PGET / UFSC 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿȌƧȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮ‫ة‬ ɐǿȺƊƦƋƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐɹƵǿ ªƵȺɐǿȌ Esta é uma entrevista com três integrantes do Coletivo Sycorax feita por duas integrantes do Laboratório de Tradução da UNILA. Trata-se de uma conversa entre traduɈȌȲƊȺȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫خ‬ɐɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌƧȌǿȌɐǿٗȺƊƦƋƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺ que traduzem”, o Coletivo Sycorax reúne diferentes trajetórias na tradução e no feminismo que têm em comum a concepção da tradução como uma prática política feminista. De acordo com a sua práxis horizontal, discutiram interna e coletivamente as perguntas que enviamos e, então, três integrantes se reuniram conosco para a conversa: Cecilia Farias, Leila Izidoro e Juliana Bittencourt. As entrevistadas compartilham de forma generosa importantes experiências e pontos de vista desta que é uma das mais chamativas iniciativas de tradução feminista no Brasil dos últimos anos. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ ب‬ɈȲƊƮɐƪƣȌ‫س‬ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫!س‬ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮ‫س‬mƊƦȌȲƊɈȍȲǞȌƮƵÀȲƊƮɐƪƣȌƮƊÇȁǞǶƊ‫خ‬ Entrevista al colectivo Sycorax, un aquelarre de mujeres que traducen Resumen Esta es una entrevista a tres de las integrantes del Colectivo Sycorax realizada por dos integrantes del Laboratorio de Traducción de UNILA. Se trata de una charla enɈȲƵɈȲƊƮɐƧɈȌȲƊȺȺȌƦȲƵǶƊɈȲƊƮɐƧƧǞȍȁɯǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫ى‬ɐɈȌƮƵ˸ȁǞƮȌƧȌǿȌɐȁ‫ٲ‬ƊȱɐƵǶƊȲȲƵƮƵǿɐǯƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐƧƵȁ‫لٳ‬ƵǶ!ȌǶƵƧɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮȲƵɑȁƵƮǞȺɈǞȁɈƊȺɈȲƊɯƵƧɈȌȲǞƊȺƵȁ ǶƊɈȲƊƮɐƧƧǞȍȁɯƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌȱɐƵɈǞƵȁƵȁƵȁƧȌǿɑȁǶƊƧȌȁƧƵȯƧǞȍȁƮƵǶƊɈȲƊƮɐƧƧǞȍȁ ƧȌǿȌɐȁƊȯȲƋƧɈǞƧƊȯȌǶǠɈǞƧƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ى‬²ƵǐɑȁȺɐȯȲƊɮǞȺǘȌȲǞɹȌȁɈƊǶ‫ل‬ƮǞȺƧɐɈǞƵȲȌȁǞȁɈƵȲȁƊ ɯƧȌǶƵƧɈǞɨƊǿƵȁɈƵǶƊȺȯȲƵǐɐȁɈƊȺȱɐƵǶƵȺƵȁɨǞƊǿȌȺɯ‫ل‬ǶɐƵǐȌ‫ل‬ɈȲƵȺǞȁɈƵǐȲƊȁɈƵȺȺƵȲƵɐȁǞƵȲȌȁƧȌȁȁȌȺȌɈȲƊȺȯƊȲƊǶƊƧǘƊȲǶƊ‫!ك‬ƵƧǞǶǞƊIƊȲǞƊȺ‫ل‬mƵǞǶƊXɹǞƮȌȲȌɯhɐǶǞƊȁƊ ǞɈɈƵȁƧȌɐȲɈ‫ى‬mƊȺ entrevistadas comparten con generosidad importantes experiencias y perspectivas ƮƵǶƊȱɐƵƵȺɐȁƊƮƵǶƊȺǞȁǞƧǞƊɈǞɨƊȺƮƵɈȲƊƮɐƧƧǞȍȁǏƵǿǞȁǞȺɈƊǿƋȺǶǶƊǿƊɈǞɨƊȺƵȁƵǶ ȲƊȺǞǶ ƮƵǶȌȺɑǶɈǞǿȌȺƊȋȌȺ‫ى‬ Palabras clave: traducción; feminismos; Colectivo Sycorax; Laboratorio de Traducción de Unila. Interview with the collective Sycorax, a women’s coven who translate Abstract This is an interview with three members of the Sycorax Collective taken by two participants of the UNILA Translation Laboratory. It is a conversation between translators ƊƦȌɐɈɈȲƊȁȺǶƊɈǞȌȁƊȁƮǏƵǿǞȁǞȺǿȺ‫ى‬²ƵǶǏ٧ƮƵ˸ȁƵƮƊȺƊ‫ٲ‬ɩȌǿƵȁ‫ٵ‬ȺƧȌɨƵȁɩǘȌɈȲƊȁȺǶƊɈƵ‫لٳ‬ the Sycorax Collective gathers different trajectories in translation and feminism that have in common the conception of translation as a feminist political practice. AccordǞȁǐɈȌɈǘƵǞȲǘȌȲǞɹȌȁɈƊǶȯȲƊɮǞȺ‫ل‬ɈǘƵɯƮǞȺƧɐȺȺƵƮǞȁɈƵȲȁƊǶǶɯƊȁƮƧȌǶǶƵƧɈǞɨƵǶɯɈǘƵȱɐƵȺɈǞȌȁȺ ɩƵ ȺƵȁɈ ƊȁƮ ɈǘƵȁ ɈǘȲƵƵ ǿƵǿƦƵȲȺ ǿƵɈ ɩǞɈǘ ɐȺ ǏȌȲ ɈǘƵ ƧȌȁɨƵȲȺƊɈǞȌȁ‫! ك‬ƵƧǞǶǞƊ IƊȲǞƊȺ‫ل‬ mƵǞǶƊXɹǞƮȌȲȌƊȁƮhɐǶǞƊȁƊ ǞɈɈƵȁƧȌɐȲɈ‫ى‬ÀǘƵǞȁɈƵȲɨǞƵɩƵƵȺǐƵȁƵȲȌɐȺǶɯȺǘƊȲƵǞǿȯȌȲɈƊȁɈ ƵɮȯƵȲǞƵȁƧƵȺƊȁƮɨǞƵɩȺƊƦȌɐɈɈǘǞȺȯȲȌǯƵƧɈ‫ل‬ȌȁƵȌǏɈǘƵǿȌȺɈƊɈɈȲƊƧɈǞɨƵǏƵǿǞȁǞȺɈɈȲƊȁȺǶƊɈǞȌȁǞȁǞɈǞƊɈǞɨƵȺǞȁ ȲƊɹǞǶǞȁɈǘƵǶƊȺɈɯƵƊȲȺ‫ى‬ Keywords: translation; Feminisms; Sycorax collective; UNILA Translation Laboratory. Enquanto mulheres, feministas, pesquisadoras e integrantes do Laboratório de Tradução da Unila‫ ׋‬foi para nós uma honra e um grande aprendizado entrevistar o Coletivo Sycorax, uma das iniciativas de tradução feminista mais chamativas no Brasil dos últimos anos. O coletivo se tornou famoso com a tradução de O Calibã e a bruxa e O ponto zero da revolução, de Silvia Federici, tendo adotado a política de livre acesso às obras‫ خ׌‬ɐɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌ ƧȌǿȌ ɐǿ ٗȺƊƦƋ ƮƵ mulheres que traduzem”, o Coletivo Sycorax reúne diferentes trajetórias na tradução e no feminismo que têm em comum a concepção da tradução como uma prática política feminista. De acordo com a sua práxis horizontal, discutiram interna e coletivamente as perguntas que enviamos e, então, três integrantes se reuniram conosco para a conversa. Cecilia Farias tem formação em Linguística e hoje faz doutorado na FFLCH-USP, estudando o galego enquanto língua minorizada no Estado espanhol. Faz parte do Língua Franca, ǐȲɐȯȌƮƵƮǞɨɐǶǐƊƪƣȌƮƊȯƵȺȱɐǞȺƊƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊƵǿǶǞȁǐɐǠȺɈǞƧƊ‫ة‬ƵƮȌ ƊƦƵǶ§ȌƮƧƊȺɈ‫ة‬ȯȌƮƧƊȺɈȺȌƦȲƵ diversidade linguística. Foi após um estágio de pesquisa na Espanha que começou a traduzir. Eram poemas antifranquistas‫׍‬, textos de luta que ela sentiu a necessidade de colocar em circuǶƊƪƣȌ‫خ‬²ɐƊƊɈɐƊƪƣȌȁȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮƧȌǿƵƪȌɐƵǿ‫צןמנ‬ƵǏȌǞƧȌǶƵɈǞɨƊǿƵȁɈƵȱɐƵƊȯȲƵȁƮƵɐƊ traduzir de maneira mais metódica e sistemática. Leila Giovana Macedo Izidoro é formada em Direito e mestra em Direitos Humanos pela USP, tendo abordado o caso dos catadores de materiais recicláveis na América Latina a partir da teoria marxista, direitos humanos e direitos socioambientais. Foi colaboradora da revista Geni ƵȁɈȲƵ ‫ ةףןמנٌעןמנ‬ȁȌ ǿƵȺǿȌ ȯƵȲǠȌƮȌ Ƶǿ ȱɐƵ ǏƵɹ ǞȁɈƵȲƧƓǿƦǞȌ ȁƊ ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ ƮƊ ªƵȯɑƦǶǞƧƊ (UDELAR, Uruguai), onde fez algumas parcerias, como entrevistas sobre aborto seguro no Uruguai, legalização do aborto e projetos de mineração a céu aberto. A tradução entra nesse momento de sua trajetória, como ferramenta de difusão das entrevistas, na revista Geni, mas sua ǿǞǶǞɈƓȁƧǞƊȁȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌɈǞȁǘƊƧȌǿƵƪƊƮȌƵǿ‫ةןןמנ‬ȁȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ(ƊȁƮƊȲƊ‫ة‬ƊǞȁƮƊƮɐȲƊȁɈƵƊǐȲƊduação. hɐǶǞƊȁƊ ǞɈɈƵȁƧȌɐȲɈƶǏȌȲǿƊƮƊƵǿǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊȁȌwƶɮǞƧȌƵƊɈɐƊǶǿƵȁɈƵƶǿƵȺɈȲƊȁƮƊƵǿ wɐȺƵȌǶȌǐǞƊ‫ة‬ɈƵǿƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȁƊƧȌȁȺƵȲɨƊƪƣȌٌȲƵȺɈƊɐȲƊƪƣȌȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶ‫ة‬ƊǶƶǿƮƵƊɈǞɨǞȺɈƊƵǿƮǞversos movimentos sociais da América Latina. Juliana, por sua vez, teve aproximações com a tradução a partir do ativismo: junto à Caravana Climática percorreu diversos territórios -desde ȌwƶɮǞƧȌƊɈƶȌ§ƵȲɐٌȲƵǐǞȺɈȲƊȁƮȌƊɈȲƊɨƶȺƮƊǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊƧȌȁ˜ǞɈȌȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊƮȌȺƊǿɐƮƊȁƪƊȺƧǶǞmáticas e justiça ambiental. Nesse projeto, que incluía jornalistas independentes, se produziam relatos e entrevistas para mídias independentes, dentre elas a revista Geni. Formam também a base do coletivo, mas não estiveram conosco na conversa, outras quatro integrantes. Cecilia Rosas é doutora em Literatura e Cultura Russa pela FFLCH-USP e uma ƮƊȺȯȌɐƧƊȺȱɐƵɈȲƊƦƊǶǘƊȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶǿƵȁɈƵƧȌǿɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌǐȲɐȯȌ‫خ‬1ɐǿƊɈȲƊƮɐɈȌȲƊƮƵȲɐȺȺȌ ȯȲƵǿǞƊƮƊƵȯȲƵȺɈǞǐǞƊƮƊ‫ة‬ɈƵȁƮȌǶƊȁƪƊƮȌƮǞɨƵȲȺƊȺɈȲƊƮɐƪȪƵȺȯƵǶƊ0ƮǞɈȌȲƊ‫ةעס‬ȺƵȁƮȌƊȺǿƊǞȺȲƵƧƵȁtes: ǿƊȲǐƵǿƵȺȱɐƵȲƮƊ, segundo volume dos Contos de Kolimá‫ة‬ƮƵßƊȲǶƊǿ!ǘƊǶƋǿȌɨ‫فפןמנـ‬Ƶ A guerra não tem rosto de mulher‫ة‬ƮƊ§ȲƺǿǞȌyȌƦƵǶƮƵmǞɈƵȲƊɈɐȲƊ²ɨƵɈǶƊȁƊǶƵDzȺǞƶɨǞɈƧǘ‫خفפןמנـ‬ Shislene de Oliveira é antropóloga e professora de francês, graduada em Ciências Sociais pela PUC-SP e pós-graduada em Estudos Feministas e de Gênero, no programa JƵȁȲƵٛȺٜ‫ل‬ȯƵȁȺƶƵȺƮƵǶƊƮǞǏǏƶȲƵȁƧƵ‫ل‬ȲƊȯȯȌȲɈȺƮƵȺƵɮƵ‫ة‬ƮƊÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ§ƊȲǞȺ‫צ‬ßǞȁƧƵȁȁƵȺٌ²ƊǞȁɈ(ƵȁǞȺ‫ة‬ȁƊIȲƊȁça. Também é tradutora do francês e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS - FFLCH-USP) e do Centro de Estudos Periféricos (CEP – Unifesp). 1 Projeto de extensão da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, criado e coordenado por Bruna Macedo de Oliveira, com a coordenação adjunta de Mario Torres Rodríguez. Trata-se de um espaço de formação e prática de tradução colaborativa que tem se voltado à tradução de vozes periféricas e marginalizadas, habitualmente desconsideradas pela academia. ׂ As obras encontram-se disponíveis no site do Coletivo: http://coletivosycorax.org/traducoes/. Ao longo da entrevista, é abordada essa política de livre acesso. 3 RƵǏƵȲƵٌȺƵƜȌȯȌȺǞƪƣȌƊȌǐȌɨƵȲȁȌƮȌƮǞɈƊƮȌȲJƵȁƵȲƊǶIȲƊȁƧǞȺƧȌIȲƊȁƧȌ‫ة‬ɐǿȲƵǐǞǿƵɈȌɈƊǶǞɈƋȲǞȌƵƊ˛ȁƊƮȌƊȌȁƊɹǞǏƊȺƧǞȺǿȌȱɐƵȺƵȯƵȲȯƵɈȲȌɐȯȌȲƧƵȲƧƊƮƵȱɐƊɈȲȌƮƶƧƊƮƊȺȁƊ0ȺȯƊȁǘƊ‫ة‬ƮƵȺƮƵȌ˛ǿƮƊJɐƵȲȲƊ!ǞɨǞǶ‫ة‬Ƶǿׁ‫ة׉׃׉‬ƊɈƶȌƊȁȌ ƮƵׁ‫خׇׅ׉‬ Lia Urbini é mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina ‫ـ‬ÇI²!‫ةف‬ƧȌǿȯƵȺȱɐǞȺƊȺȌƦȲƵƊǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊƮȌƵǿȯȲƵȺƊȲǞƊƮȌ˛ȁƊȁƧƵǞȲȌȁƊȺȯȌǶǠɈǞƧƊȺȯɑƦǶǞƧƊȺƮƵ ƵƮɐƧƊƪƣȌ‫ ة‬ɈƵȁƮȌ ƵȺɈɐƮƊƮȌ Ɗ ˛ȁƊȁƧƵǞȲǞɹƊƪƣȌ ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵ ȁȌ ȯƵȲǠȌƮȌ ƵȁɈȲƵ ‫ נממנ‬Ƶ ‫خעןמנ‬ É integrante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro (NESFI - CFH/UFSC Grupo de Pesquisa credenciado pelo CNPq). Lia foi essencial na estruturação do Sycorax, pois foi quem lançou as suas bases. Ela atuava na revista Geni desde seu começo e foi quem contactou e conversou com todas as demais mulheres que vieram a se reunir no coletivo. Atualmente, atua na editora Expressão Popular, que está vinculada ao Movimento Sem Terra. Além deste “núcleo duro”, nossas entrevistadas salientaram que o Coletivo Sycorax conta ƧȌǿ ǿɐǞɈƊȺ ȯƊȲɈǞƧǞȯƊȁɈƵȺ‫ خ‬0ǶƊȺ Ɗ˛ȲǿƊǿ ȱɐƵ ǏȌȲƊǿ ƵȁɈƵȁƮƵȁƮȌ Ƶ ȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊȁƮȌ Ɗ ȯȲȍȯȲǞƊ ideia de coletivo nas suas práticas, que sempre envolveram diversas parcerias. As integrantes mais constantes do grupo não são as únicas que de fato colaboram na realização e na execução dos projetos, algo fundamental em sua práxis feminista de tradução. O entendimento do Sycorax enquanto um coletivo feminista está na base de sua formação e fundamenta a sua prática até hoje. Conforme nos conta Giovana: “a primeira coisa que fez a gente se reunir coletivamente foi isso, foi se tocar que, por exemplo, o livro Calibã e a bruxa era um livro que dizia respeito a nossa vida, enquanto mulher latino-americana, inclusive tendo em vista como a obra foi recebida por outros movimentos de mulheres na América Latina. A primeira coisa de ter a necessidade de ser o coletivo foi essa, de poder ter um grupo, que a gente pudesse discutir aquele livro e como ele impactava na nossa vida”. Nesta entrevista, procuramos discutir a articulação entre tradução e feminismo, a relação entre a ação política feminista e a academia, assim como a relação entre feminismo e movimentos sociais, e as implicações que a tradução de línguas coloniais traz na América Latina. Foram quase duas horas de uma conversa instigante e generosa, com a qual aprendemos muito e que acreditamos que pode ressoar nos mais diferentes campos de atuação feminista, inclusive para além da tradução. Que assim seja, boa leitura! Foto: Coletivo Sycorax (cedida pelas entrevistadas). Entrevistas !ȌǿȌɨȌƧƺȺȯƵȁȺƊǿƊɈɐƊǶǿƵȁɈƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫ة‬ȁȌȯǶɐȲƊǶ‫د‬0ƊƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵȌƧƊǿȯȌ ƊƧƊƮƺǿǞƧȌƵȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȺȌƧǞƊǞȺȯƊȲƊƊƊƪƣȌȯȌǶǠɈǞƧƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫د‬ h‫ب‬Eu acho que feminismos no plural, ele vem da nossa própria experiência nos diversos lugares da América Latina ou mesmo com outras línguas minorizadas. E experiências de que esse feminismo vinha de um acúmulo já, de como ele recebia mesmo as discussões feitas, daquilo que chegava desses conhecimentos que são produzidos a partir dessas produções feministas, como era debatido e discutido em diversos lugares. Isso também foi o que nos levou a querer traduzir a Silvia [Federici], não foi pela obra em si, mas por como ela estava sendo recebida na América Latina, e as discussões que estavam sendo feitas a partir do livro, e muitas vezes com a participação dela. Então, era a ideia de buscar essa pluralidade, esse acúmulo, nossa percepção de que não daria para ser um feminismo só. Porque o próprio exercício da tradução coloca isso. Você como tradutora percebe que sua atuação também é ativa no que você faz. Então de certa forma as obras também vão se atualizando e tendo seu próprio circuito e nisso produzindo seu próprio conhecimento. J‫ ب‬Sobre essa questão de como a gente pensa atualmente os feminismos no plural, eu acho que tem um pouco a ver com os projetos que a gente está desenvolvendo agora, como a antologia latino-americana. Nela a gente pensa estruturar isso, ainda não temos o projeto pronto, mas estamos construindo. A ideia é tentar trazer um pouco desses feminismos, e de movimentos de mulheres que não necessariamente se enxergam assim, mas que estão lutando pela terra, por recursos naturais e tudo mais. A gente também começou traduzindo nesse sentido de ver como o livro [O Calibã e a bruxa] estava sendo recebido por esses feminismos plurais e como inclusive a autora estava dialogando com esses feminismos. Agora, sobre a articulação entre o campo acadêmico e os movimentos sociais para a prática política feminista, eu acho que a gente teve sempre muito esse cuidado de falar que a gente não é académica do campo de gênero, porque existem muitas discussões nas que a gente também é iniciante, porque partimos mais da prática dentro da militância, do que de dentro da academia. Até é engraçado, porque isso me lembrou da banca, quando eu entrei no mestrado, um dos professores, ȱɐƊȁƮȌ˛ƧȌɐȺƊƦƵȁƮȌȱɐƵƵɐǏȌȲǿƊɨƊȯƊȲɈƵƮȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ة‬ǿƵȯƵȲǐɐȁɈȌɐȯȌȲȱɐƵ eu não estudaria gênero no mestrado, sendo que o que eu queria estudar era outra coisa. Também tem essa questão, de que, como você é uma militante feminista, você necessariamente tem que estudar isso. Eu acho que é importante, sim, a academia estar ligada aos movimentos feministas, obviamente, mas não é porque nós não temos uma atuação na academia que isso nos impede de estar ligadas. !‫ب‬ǶƶǿƮǞȺȺȌ‫ة‬Ƶɐ˛ȱɐƵǞȯƵȁȺƊȁƮȌȁƵȺɈƊƧȌǞȺƊƮȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁȌȯǶɐȲƊǶƵƮƊƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌ‫خ‬ Então, é pensar que tem uma demanda, e é uma movimentação que está rolando em parte da ƊƧƊƮƵǿǞƊ‫ة‬ƮƵɐǿƊǞȁɈƵȲȌɐɈȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞƮƊƮƵ‫ة‬ƵƊǠƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺȌƦȲƵƧƵȲɈȌȺɈƵǿƊȺɨƣȌ˛ƧƊȲ cercadas dentro de um departamento. Você não precisa estar dentro de um departamento de ƵȺɈɐƮȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌȯƊȲƊƵȺɈɐƮƊȲǏƵǿǞȁǞȺǿȌȌɐȱɐƵȺɈȪƵȺmJ À©X‫خڕ‬0ɐƵȺɈȌɐɨƵȁƮȌɐǿƊǿȌɨǞmentação sim, ou estou com meus óculos de Poliana vendo tudo bonito, porque é justo o que eu com o meu grupo de estudos tentei fazer, que é essa interdisciplinaridade, de associar várias áreas de conhecimento. Então a gente está lidando com a antropologia e linguística e neurociência, ao mesmo tempo, costurando as coisas. Eu acho que é assim que tem que fazer também para essa parte das questões de gênero. Então eu estou lá, na linguística, tentando fazer coisas com isso também. Por exemplo, tem a parte da linguística descolonial, que vai buscar nas bases de um pensamento de divisão binária de mundo, coisas para discutir língua, mas que ao mesmo tempo eu uso para minha formação individual como feminista e como LGBT. Então acho que é uma articulação no sentido de cruzar departamentos que em algum momento não existiam. Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera 27 Coletivo Sycorax J‫ ب‬Eu acho que também tem uma limitação nos nossos feminismos plurais porque a gente é racialmente localizada, socialmente localizada, então também temos essa limitação dentro do coletivo. Como trazer pautas que a gente não necessariamente vive na pele? Isso 28 também é uma coisa importante de pontuar. h‫ ب‬O que eu queria acrescentar tem a ver com a nossa experiencia na tradução. Quando a gente traduziu Calibã e a bruxa, a gente organizou um lançamento na Escola Livre Ocupada que era um projeto do Movimento Terra Livre. A Lia Urbini, ela participou da inauguração da escola. Então ela foi convidada para falar justamente da pesquisa dela, sobre a participação do Itaú Unibanco nas políticas públicas para educação. Então a gente conhecia esse projeto, como funcionaria essa escola, esse espaço formativo dentro de uma ocupação de moradia e aí ƮƵƧǞƮǞǿȌȺǏƊɹƵȲȌǶƊȁƪƊǿƵȁɈȌǶƋ‫©خ‬ɐƊȁƮȌ˛ɹƵǿȌȺ‫ة‬ƧȌȁɨǞƮƊǿȌȺƊ(ƵƦȌȲƊwƊȲǞƊƮƊ²ǞǶɨƊ‫ة‬ƮȌǿȌvimento Mães de Maio, a Monique Prada, da Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais, e a Regiany Silva, que era do coletivo Nós, mulheres da periferia. Sempre mencionamos ǞȺȺȌȯȌȲȱɐƵȱɐƊȁƮȌ˛ɹƵǿȌȺƵȺȺƵƮƵƦƊɈƵȌȱɐƵƊƧȌȁɈƵƧƵɐǏȌǞȱɐƵƊȯȍȺƊƊȯȲƵȺƵȁɈƊƪƣȌƮƊ²ǞǶɨǞƊ [Federici], todas elas foram acolhendo o que a Silvia apresentou e de alguma forma atualizando dentro da sua própria prática política. Então a Debora Maria mencionou o fato dela ter perdido Ȍ˛ǶǘȌƮƵǶƊȁȌȺƧȲǞǿƵȺƮƵǿƊǞȌƮƵ‫ةפממנ‬ȌȱɐƊȁɈȌƵǶƊɈƊǿƦƶǿȺƵȺƵȁɈǞƊɐǿƊƦȲɐɮƊƵȱɐƵƵǶƊ associava o encarceramento em massa do Estado com a caça às bruxas. Então dentro do que a Silvia estava apresentando, ela fez essa conexão. A Regiany Silva mencionou como ela vivenciou isso, do ponto de vista de quem estava na periferia naquele momento, quando aconteceram os crimes, e impossibilitada de sair da casa dela. E o quanto essa situação e como a informação chegava levou ela a problematizar isso: a necessidade de fazer um jornalismo que noticiasse da periferia para a periferia. A Monique Prada, por sua vez, também conectou pelo fato dela se sentir como essa parte desses sujeitos. Quem que está na margem? Quem que é matável? Quem que pode morrer? E isso gerou uma situação que para gente foi importante, em que a gente pensou o livro como um exercício de tradução política também. E a Shis[laine de Oliveira] estava traduzindo para a Silvia do português para o inglês. Quando a Shis traduziu o número ƮƵ ǿȌȲɈȌȺ‫ ة‬ȱɐƊȁƮȌ Ɗ (ƶƦȌȲƊ ǏƊǶȌɐ ȱɐƵ ǏȌȲƊǿ ‫ ממסן‬ǿȌȲɈƵȺ Ƶǿ ɐǿ ǿƺȺ‫ ة‬Ɗ ²ǞǶɨǞƊ ȁƣȌ ƵȁɈƵȁƮƵɐ‫خ‬0ǶƊǏƊǶȌɐٗȁƣȌ‫ة‬ɨȌƧƺƮƵɨƵɈƵȲɈȲƊƮɐɹǞƮȌƵȲȲƊƮȌ٘‫خ‬0ǶƊ˛ƧȌɐƊȺȺȌǿƦȲƊƮƊƧȌǿƊȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵ de que fossem tantas mortes. E aí a Shis falou “não, eu traduzi isso mesmo, esse é o número”. Então tem um pouco um exercício, uma triangulação de traduções que para a gente foi muito ǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵ‫(خ‬ƊǠȯƵȁȺƊǿȌȺƧȌǿȌȲƵƊǶǿƵȁɈƵȁƣȌȺƵƵȺǐȌɈƊ‫ة‬Ȍ˛ǿȁƣȌƶȌǶǞɨȲȌ‫خ‬0ȁɈƣȌƊǐƵȁɈƵ vai ter que pensar que o nosso trabalho vai estar sempre um pouco para além disso, tentando incorporar essas demandas, sejam essas necessidades que a gente percebe, as lacunas, como a !ƵƧǞǶǞƊIƊȲǞƊȺǿƵȁƧǞȌȁȌɐ‫س‬ȺƵǯƊȱɐƊȁƮȌƊǐƵȁɈƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȱɐƵȌȺƮƵƦƊɈƵȺɨƣȌȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊȁƮȌ conforme a gente vai formando repertórios, conforme a gente vai se apropriando das discussões, até para fazer as críticas que cabem, né, gente? Mas, digamos, é um ponto de partida. J‫ ب‬E acho que isso tem a ver com nosso conceito de tradução também. Como as convidaƮƊȺɈȲƊƮɐɹǞȲƊǿȯƊȲƊƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵƮƵǶƊȺȌǶǞɨȲȌ‫ة‬ȺƵǿɈƵȲǶǞƮȌȌǶǞɨȲȌ‫ة‬ƊǞƮƵǞƊƮƵǏƊɹƵȲƊȺȌ˛ƧǞȁƊȺȯƊȲƊ lidar com as realidades das mulheres de outros territórios. „!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮȁƊȺƧƵƵǿǐȲƊȁƮƵǿƵƮǞƮƊƮƊƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊƊȁɈƵȲǞȌȲȁƊȲƵɨǞȺɈƊJƵȁǞ‫ة‬ƧɐǯƊȺ ǿƊɈƶȲǞƊȺƵȲƊǿȺȌƦȲƵǐƺȁƵȲȌƵȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ‫خ‬wƊȺƧȌǿȌƊƧȌȁɈƵƧƵƵȺȺƊȯƊȺȺƊǐƵǿȯƊȲƊɐǿƊ ȯȲƋɈǞƧƊƮƵɈȲƊƮɐƪƣȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫„د‬ȌǶǘƊȲƮƵɨȌƧƺȺȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌǏȌǞǿɐƮƊȁƮȌƊȌǶȌȁǐȌ ƮƵȺȺƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊ‫د‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021 Entrevistas J‫ ب‬Foi, e as técnicas também. Enquanto a Ju estava falando desse evento, que era a apreȺƵȁɈƊƪƣȌƮȌǶǞɨȲȌƮƵ‫ةפןמנ‬ȱɐƵƊǞȁƮƊȁƵǿƵȲƊƮƊƵƮǞƪƣȌǞǿȯȲƵȺȺƊ‫ة‬ƵɐǶƵǿƦȲƵǞƮƊmǞƊǏƊɹƵȁƮȌƊ tradução simultânea. A gente projetou um word na tela e a gente estava passando ao mesmo tempo que a Silvia ia falando. Que é um jeito muito... improvisado de fazer isso. Por exemplo, a gente agora tem usado o Wordfast e várias outras ferramentas de tradução que a gente não usava, que não usamos no Calibã‫س‬ƧȌǿƵƪƊǿȌȺƊɐȺƊȲȁȌReencantando. Ju, você quer contar como foi a ideia da tradução do Calibã e a bruxa, como é que íamos publicar originalmente? h‫ ب‬Sim, porque tem a ver com essa pregunta de vocês da Geni, porque a gente traduzia muitas coisas para a Geni. Então esse exercício da tradução já fazia parte das atividades que algumas pessoas desse corpo editorial faziam, mas quando estávamos fazendo a edição sobre Campo, que era a Lia Urbini a editora, dentre as coisas que a gente pensou sobre essa edição, principalmente falar, não do campo, mas da relação do campo com a cidade, trabalhamos muito nessa chave. E pensamos que era uma edição na qual o livro caberia, que o livro fosse traduzido para pensar os processos de espoliação, de expropriação, os processos literais de expropriação da terra. E pensar para além disso também, nesse exercício que a Silvia faz, pensando quais são esses mecanismos que entram em operação nesse movimento de acumulação do capital, de crise capitalista, quais são os mecanismos que funcionam. A gente achou que caberia. Então tivemos uma ideia de traduzir em fascículos na revista, no formato da revista. Mas a gente se deu conta que era um projeto que exigiria muito mais de nós, que precisaríamos levar a ɈȲƊƮɐƪƣȌƮȌƧȌǿƵƪȌƊȌ˛ǿƵ‫ة‬ƧȌǿȌƊȲƵɨǞȺɈƊƊƧƊƦȌɐƮƵǞɮƊȁƮȌƮƵƵɮǞȺɈǞȲ‫׎‬, decidimos nos estruturar como coletivo para concluir, porque de certa forma já tínhamos começado. A Aline Sodré‫׏‬ já tinha feito as primeiras traduções, antes mesmo do coletivo existir, então a gente estruturou o coletivo depois e até por isso o nome, porque já tinha a obra, já existia a tradução, o processo de tradução do !ƊǶǞƦƣƵƊƦȲɐɮƊ‫ ل‬antes do coletivo existir. E depois a gente se entendeu como coletivo no meio do caminho e continuamos até agora. Mudando as nossas práticas e também as nossas compreensões sobre o que seria a tradução, o que seria a tradução feminista. !‫ ب‬Acho que a parte depois desse processo de abrir caminhos, de se jogar no mundo como coletivo de tradução, com o passar do tempo gente foi entrando em contato, conhecenƮȌȯƵȺȺȌƊȺƵǿȌ˛ƧǞȁƊȺƵƊɈǞɨǞƮƊƮƵȺ‫خخخ‬0ƊǠǏȌǞƧǘƵǐƊȁƮȌǿƊǞȺǐƵȁɈƵǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮƊƵǿȯƊȲɈǞƧǞȯƊȲ ƮƵȺȺƵ ȯȲȌƧƵȺȺȌ‫ خ‬Ȍ ǶȌȁǐȌ ƮƵ ‫ ةמנמנ‬ȁȌ ȯȲǞǿƵǞȲȌ ƊȁȌ ƮƵ ȯƊȁƮƵǿǞƊ‫ ة‬Ɗ ǐƵȁɈƵ ɈȲƊƮɐɹǞɐ ɐǿ ǶǞɨȲȌ com vinte pessoas, nós somos vinte pessoas vindas de lugares diferentes, tanto territorialmente como de formação e vivência. E também lidar com isso, como pegar vinte pessoas para lidar com o livro?... A gente conheceu muita gente, né? Essa é uma parte muito legal. J‫ ب‬É, e acho que na pandemia a gente teve que se reunir pela internet e isso também ȺǞǐȁǞ˛ƧȌɐ‫ة‬ȯƵȁȺƊȁƮȌȁɐǿȯȌȁɈȌȯȌȺǞɈǞɨȌ‫ة‬ƊȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺƮƵȌɐɈȲȌȺǶɐǐƊȲƵȺȯƊȲɈǞciparem também. h‫ ب‬Isso acabou mudando a nossa prática e também como vemos a tradução. Pegando a ȱɐƵȺɈƣȌ‫ة‬ƵɐƊƧǘȌȱɐƵȁȌƧȌǿƵƪȌȁƣȌƵɮǞȺɈǞƊɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌȌɐȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫خ‬ÀǞȁǘƊƊ!ƵƧǞǶǞƊªȌȺƊȺ‫ة‬ƧǶƊȲȌ‫ة‬ȱɐƵƶɐǿƊɈȲƊƮɐɈȌȲƊȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶƵǏƊɹȯƊȲɈƵƮȌƧȌǶƵɈǞɨȌ ƵǯƋɈȲƊƦƊǶǘƊɨƊǏƊɹƵȁƮȌɈȲƊƮɐƪƣȌ‫خ‬wƊȺƵȺȺƊȲƵ˜ƵɮƣȌ‫ة‬ȁȌȺƵȁɈǞƮȌƮƵȺƵȲƊȯȲȌȯȲǞƊƮƊȯȌȲɈȌƮƊȺ‫ة‬ƮƵ ɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȱɐƵƧȌǶƵɈǞɨƊǿƵȁɈƵƊǐƵȁɈƵǏƊɹ‫ة‬ɨƵǞȌȯȌȺɈƵȲǞȌȲǿƵȁɈƵȱɐƊȁƮȌƧȌǿƵƪƊǿȌȺƊȯƵȁȺƊȲ sobre isso. É tradução feminista? É tradução coletiva? É tradução feminista e coletiva? E quais debates existem no campo da tradução que a gente sente que dão conta da nossa prática. Foi 4 O site da revista segue disponível, sendo possível acessar todas as edições publicadas, de forma livre e gratuita: https://revistageni.org. ‫ ׅ‬Ilustradora, tradutora, formada em Direito. Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera 29 Coletivo Sycorax um pouco conhecer, entrar em contato com isso, com a discussão sobre translocalidade, sobre tradução transnacional. Isso vem nesse momento em que a gente se propõe a escrever sobre esse processo de tradução do Calibã e a bruxa, que a gente publicou o artigo na Mutatis Mu- 30 tandis‫א‬. Tentamos pensar sobre as escolhas, sobre as inserções que tivemos. Não só em relação ao texto, mas também em relação aos paratextos. A gente começou a entender o quanto eles foram um recurso que a gente sentiu necessidade de expor. Pensar sobre a capa, pensar sobre as notas de tradução, pensar sobre como nos colocar dentro de uma nota, que chamamos ٗyȌɈƊƮƊȺɈȲƊƮɐɈȌȲƊȺ٘‫ة‬ƵƮƵȯȌǞȺɨƵǞȌƊȲƵ˜ƵɮƣȌ‫ٗب‬Ɗǘ‫ة‬ɈƋ‫ة‬ȲƵƊǶǿƵȁɈƵȺƣȌȌȺȯƊȲƊɈƵɮɈȌȺ‫خخخ‬ƊǐƵȁɈƵǏƵɹ ɐȺȌƮƵǶƵȺ‫ة‬ȲƵƊǶǿƵȁɈƵƶǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵ٘‫خ‬0ȁɈƣȌǏȌǞɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȯȌȺɈƵȲǞȌȲ‫ة‬ǿƊȺȱɐƵǏȌǞǏɐȁƮƊǿƵȁtal, porque de certa forma foi também apontando pra gente caminhos para o coletivo. Então vemos essa relação entre teoria e prática de uma forma bem orgânica. A gente vai buscar na ɈƵȌȲǞƊɐǿȯȌɐƧȌƮƵȱɐƵȺɈȪƵȺȱɐƵȲƵ˜ƵɈƵǿƊȯȲƋɈǞƧƊƵƊȁȌȺȺƊȯȲƋɈǞƧƊɨƊǞƧȲǞƊȁƮȌ‫ة‬ɨƊǿȌȺɈƵȁɈƊȁdo teorizar sobre ela. A Cecilia Farias pode falar melhor disso, da “tradução comunizante”, mas foi onde a gente entendeu que essas parcerias, essas relações, estavam apontando para uma outra prática que foi nomeada assim no processo de tradução de Reencantando o mundo, como tradução comunizante. Vamos sentindo a necessidade de nomear coisas que estamos vivenciando na nossa prática tradutória. hɐȺɈƊǿƵȁɈƵ‫خخخ‬ȺƊƦƵǿȌȺȱɐƵɨȌƧƺȺƧȌȁȺǞƮƵȲƊǿƊȯȲƋɈǞƧƊɈȲƊƮɐɈȍȲǞƊƧȌǶƵɈǞɨƊƧȌǿȌɐǿȯȲȌǯƵٌ ɈȌȯȌǶǠɈǞƧȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶ‫ة‬ȯȌƮƵȲǞƊǿȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌǿƊǞȺȺȌƦȲƵƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊ ƮƵȺȺƊƧȌȁƧƵȯƪƣȌ‫د‬ h‫ ب‬Acho que a Cecilia pode complementar porque ela esteve mais envolvida no processo de Reencantando o mundo, mas, assim, a gente entrou em contato com a Sonia Álvarez e também com a Olga Castro, e a gente conheceu as discussões sobre o que seriam essas perspectivas transnacionais e aí ela conectava com o que a gente entendia como o projeto do feminismo, de ser anticapitalista ou não será, será outra coisa. Nisso sempre tivemos uma relação muito forte com o projeto da Silvia, que é internacionalista, de que a gente tem que pensar como essas redes de solidariedade se estabelecem. Quando a gente conheceu a Silvia, ela estava fazendo uma plataforma onde várias mulheres do mundo inteiro colaboram, compartilhando estudos sobre mulheres e violência‫ב‬. Quando a gente a conheceu, a Silvia já estava vindo de uma articulação, então [transnacional] dentro do projeto do coletivo, pensando que seria um projeto feminista. Transnacional por essa questão de quem vivencia América Latina e percorre... quem ɨǞɨƵȁƧǞƊȌȱɐƊȁɈȌƵȺȺƊȺǏȲȌȁɈƵǞȲƊȺȺƣȌƵɮƧǶɐƮƵȁɈƵȺ‫ة‬ƊȲɈǞ˛ƧǞƊǞȺ‫ة‬ȯȌȁɈȌȺƮƵƵɮƵȲƧǠƧǞȌƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊ‫خ‬0 aí a gente foi pensando mais por esse link da estratégia política, quando elas discutem o feminismo transnacional como estratégia política. E aí teve um vínculo, a gente vinculou um pouco a nossa prática a isso, até que depois no artigo a gente chegou numa forma de nomear isso, que era essa da “tradução comunizante”, que a Cecília pode falar. J‫ ب‬Antes da Cecília falar da comunizante, tem uma outra discussão que a gente levantou nesse artigo, que também concordo com tudo o que a Ju falou, foi muito importante a gente ɈƵȲȲƵ˜ƵɈǞƮȌȺȌƦȲƵȌȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵɐǿƊǏȌȲǿƊɈƵȍȲǞƧƊ‫خ‬IȌǞǿɐǞɈȌǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵƵƊǶƶǿƮǞȺȺȌɈƵǿ ‫ ׆‬ªȌȺƊȺ‫!ة‬ƵƧǠǶǞƊ‫ س‬ǞɈɈƵȁƧȌɐȲɈ‫ة‬hɐǶǞƊȁƊ‫س‬XɹǞƮȌȲȌ‫ة‬mƵǞǶƊJǞȌɨƊȁƊƵwƊƧƵƮȌ‫ة‬²ǘǞȺǶƵȁǞƮƵ„ǶǞɨƵǞȲƊ‫!خف׀ׂ׀ׂـخ‬ȌȁǯɐȲƊȁƮȌɈȲƊduções: a tradução coletiva de Caliban and the Witch ao português brasileiro como estratégia feminista transnacional. Mutatis Mutandis. Revista Latinoamericana de Traducción, 13(1), p. 117-138. ‫ ׇ‬A Plataforma Feminista sobre Violências, conforme menciona a entrevistada, consiste num espaço comum de pesquisa sobre a violência contra as mulheres, as novas formas de acumulação capitalista e resistências. A Plataforma é criação de mulheres que vivem em Nova Iorque e que veem nela a possibilidade de compartilhar saberes ƵƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺƧȌǿǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƊȌȲƵƮȌȲƮȌǿɐȁƮȌƵɨǞƊƦǞǶǞɹƊȲȯȲȌǯƵɈȌȺƧȌǿɐȁȺȯƊȲƊȌ˛ǿƮƵȺȺƊȺɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺ‫خ‬0ȺɈƋ disponível, em inglês e espanhol, na página: https://feministresearchonviolence.org/. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021 Entrevistas a discussão do translocal. Também existia essa discussão de que as fronteiras dos Estados são ƊȲɈǞ˛ƧǞƊǞȺƵǯɐȺɈƊǿƵȁɈƵȯȌȲǞȺȺȌȱɐƵƵȺȺƊȺƊɐɈȌȲƊȺǏƊǶƊǿƮƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮȌƧȌȁƧƵǞɈȌƮƵɈȲƊȁȺǶȌƧƊǶǞƮƊƮƵƊȌǞȁɨƶȺƮƵɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ‫خ‬ǐƵȁɈƵ˛ƧȌɐɐǿȯȌɐƧȌȁȌȺƮȌǞȺƮɐȲƊȁɈƵȌƊȲɈǞǐȌ‫ة‬Ɗ gente fala de translocal, transnacional. Também porque foi o primeiro contato que a gente teve ƧȌǿƵȺȺƊȺɈƵȌȲǞƊȺ‫ة‬ƵȁɈƣȌƊǐƵȁɈƵƊǞȁƮƊɈƵǿƮɑɨǞƮƊȺȺȌƦȲƵƵǶƊȺ‫„خ‬ȱɐƊȁɈȌƵǶƊȺȯȌƮƵǿȲƵ˜ƵɈǞȲ exatamente o que a gente faz? A gente está tentando se encontrar. Acho que esse artigo foi uma forma da gente tentar se localizar em relação às teorias de tradução. Aí a Cecilia pode falar da comunizante. !‫ ب‬Nem sei se eu posso falar tanto assim, mas foi todo um processo, um pouco diferente no começo, porque geralmente, nos outros livros, a gente ia fazendo um glossário de termos ao longo da tradução e, nesse caso, a gente já começou a levantar termos desde o início. Então mesmo antes de fazer a tradução, já foi feita uma leitura geral. E aí tem uma coisa de tradução comunizante no sentido de que a tradução é uma coisa que se faz em conjunto como um ato de solidariedade‫ة‬ǯƋɨǞƵȺȺƵɈƵȲǿȌȯƊȲƊǞȺȺȌ‫خ‬0ȁɈƣȌ‫ة‬ƊȌǞȁɨƶȺƮƵɨȌƧƺ˛ƧƊȲǏȌƧƊȁƮȌƵǿǶȍǐǞƧƊȺ de propriedade, sabe? “esse pensamento pertence a alguém”, “esse conhecimento...”, você vai torná-lo comum, e não é sozinho. Não é tipo “eu passo aqui isso pra você”, não, a gente constrói juntas, sabe? Então a gente passa pra português, passa para outra língua juntas, a gente ȲƵ˜ƵɈƵǯɐȁɈƊȺ‫ة‬ƊȺƵȺƧȌǶǘƊȺȺƣȌǏƵǞɈƊȺƮƵǏȌȲǿƊƧȌǶƵɈǞɨƊ‫ة‬ƮƵǏȌȲǿƊƧȌǿɐǿ‫خ‬ƧǘȌȱɐƵȌƧȌǿɐȁǞzante vai nesse sentido. Principalmente isso, de sair dessa lógica de propriedade de via de mão ɑȁǞƧƊ‫ة‬ȺƊƦƵ‫(د‬ƵɐǿƊƧȌǞȺƊȱɐƵɨƊǞƵɨƵǿ‫ة‬ƵȁƣȌȯȲǞȌȲǞɹƊȲ˛ƮƵǶǞƮƊƮƵƮƵɈƵȲǿȌȺɈƊǿƦƶǿ‫خ‬ƧƊƦƊ sendo mais a tradução como atividade formativa, que era uma coisa que o coletivo já fazia de ƊȁɈƵȺ‫! خ‬ȌǿȌ Ɗ ǐƵȁɈƵ ǏƊǶȌɐ ƊȱɐǞ‫ ة‬ȱɐƵ ȁƣȌ ɈƵǿȌȺ ɐǿƊ ǏȌȲǿƊƪƣȌ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊ‫ ة‬ǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶ‫ ة‬Ƶǿ questões de gênero e feminismo anticapitalista, mas a gente vai se formando enquanto traduz. ɈȲƊƮɐƪƣȌƊƧƊƦƊȺƵȁƮȌɐǿǿƵǞȌ‫ة‬ǿƊǞȺƮȌȱɐƵɐǿ˛ǿ‫خ‬ h‫ب‬0ƊǐƵȁɈƵǏƵɹȌ˛ƧǞȁƊȺǞȁɈƵȲȁƊȺ‫ة‬ȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌƊ!ƵƧǞǶǞƊªȌȺƊȺƮƵɐɐǿƊȌ˛ƧǞȁƊȯȲƊǐƵȁɈƵ‫ة‬ de tradução. A Lia, por exemplo, falou muito também sobre revisão. Acho que um pouco dos coȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȺȱɐƵƊǶǐɐǿƊȺɈǞȁǘƊǿȯȌȁɈɐƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ƊȯƊȲɈǞȲƮƊȺƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǞȺƮƵǶƊȺ‫ة‬ e isso ia sendo compartilhado internamente. Também teve esses movimentos internos. ßȌǶɈƵǿȌȺƊƊǶǐȌȱɐƵɈƊǿƦƶǿȯȌƮƵȺƵȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƊȌƧȌǿɐȁǞɹƊȁɈƵ‫ب‬ȌȺƵɨƵȁɈȌȺƵȌ˛ƧǞȁƊȺȱɐƵ ɨȌƧƺȺȌȲǐƊȁǞɹƊȲƊǿǶƋȁƊȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌƮٚ„!ƊǶǞƦƣƵƊƦȲɐɮƊ‫ة‬ƧȌǿƊȯȲȍȯȲǞƊIƵƮƵȲǞƧǞƵƮǞƊǶȌǐƊȁٌ ƮȌƧȌǿƮǞɨƵȲȺȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȺȌƧǞƊǞȺ‫§خ‬ȌƮƵȲǞƊǿȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌƮƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮƵȺȺƵ ƧȌȁɈƊɈȌȯƊȲƊƊȯȲƋɮǞȺƮȌ!ȌǶƵɈǞɨȌƵȁȱɐƊȁɈȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫د‬ h‫ ب‬Eu acho que temos alguns exemplos a mais pra dar. Por exemplo, eu comentei lá trás como foi o evento. Mas nele estava a Monique Prada. Ela traduziu com a gente o Ponto zero da revolução. Em outras atividades a gente convidou a Helena Silvestre para estar com a gente, e a antologia, que é um projeto que a gente tem agora, a gente faz com a Helena. Então tem algumas pessoas de movimentos sociais que a gente chamava pra debater com a gente, também porque elas tinham uma prática de tradução. Isso é super interessante. A Monique Prada traduzia para Mundo Invisível‫ג‬, que é um site onde ela já traduzia vários textos. E a Helena traduzia na revista Amazonas‫ ד‬também, precisava traduzir. Então de certa forma as pessoas vão se encontrando dentro do movimento social também pela tradução. É um exemplo de como vão se dando as parcerias, é assim que a gente vai constituindo essas redes depois para os projetos. 8 Mundo Invisível é um projeto de mídia livre dedicado à defesa dos direitos e dos interesses das trabalhadoras sexuais cis e transgênero, disponível em: https://mundoinvisivel.org/ 9 Revista feminista e anticapitalista feita por mulheres, disponível em: https://www.revistaamazonas.com/ Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera 31 Coletivo Sycorax !‫ ب‬E é louco observar que também na base da formação, né? A parte das atividades e Ȍ˛ƧǞȁƊȺ‫ة‬ƵǶƊȺȁƣȌȺƣȌɐǿȺƵǐɐȁƮȌȯƊȺȺȌ‫ة‬ƵǶƊȺȺƣȌȌȁƊȺƧǞǿƵȁɈȌǿƵȺǿȌ‫ة‬ȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵƵǿƵȲgência do coletivo. 32 J‫ ب‬No Ponto zero da revoluçãoǞȁƧǶɐȺǞɨƵƊǐƵȁɈƵǏƵɹƊȺȌ˛ƧǞȁƊȺƵ‫ة‬ƮƵȯȌǞȺ‫ة‬ȌǶƊȁƪƊǿƵȁɈȌ‫خ‬ h‫ ب‬Lembrei também da Luciana Carvalho Fonseca. A gente conheceu em um debate que a gente organizou com a Silvia Federici, com George Caffentzis, na Fundação Rosa de Luxemburgo, e ela fez toda a tradução simultânea para a Silvia, ou uma boa parte dela, porque também estava a Maria Teresa Mhereb. Foram pessoas que a gente conheceu em uma atividade organizada pelo coletivo e depois a Luciana soube que tinha a editora Ema Livros e aí ela começou a participar com a gente. Ela é professora da USP, tem grupos de estudo em tradução feminista inclusive. Tem algum link entre pensar essa relação, esse trânsito entre a academia, os movimentos sociais, a prática do coletivo, porque a gente também não acha que está parada em um lugar exatamente. J‫ ب‬É, basicamente mulheres em movimento que encontram outras mulheres em movimento e fazem um movimento maior (risos). E o legal é que a revista Amazonas é bilingue português-espanhol. 0ȁȱɐƊȁɈȌɈȲƊƮɐɈȌȲƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫ة‬ƧȌǿȌɨȌƧƺȺȯƊɐɈƊǿƊƵȺƧȌǶǘƊƮƊȺȌƦȲƊȺȯƊȲƊɈȲƊƮɐɹǞȲ‫د‬ J‫ ب‬Eu acho que para além das questões de conteúdo político da obra, também tem a questão do projeto editorial original, porque a nossa proposta desde o começo foi publicar as obras de forma aberta. Então, direitos autorais podem impedir que isso aconteça. As obras que ƊǐƵȁɈƵɈȲƊƮɐɹǞɐƊɈƶƊǐȌȲƊ‫ة‬ɈȌƮƊȺƵǶƊȺǏȌȲƊǿȯɐƦǶǞƧƊƮƊȺƧȌǿǶǞƧƵȁƪƊȺ˜ƵɮǞƦǞǶǞɹƊƮƊȺ‫ة‬ǶǞƧƵȁƪƊȺƮȌ Creative Commons. Isso foi uma coisa importante pra gente. A Ju pode contar melhor como foi esse processo de entrar em contato com a Autonomedia, que foi a editora que publicou o Calibã e a bruxa‫س‬ƮƵȯȌǞȺƧȌǿƊÀȲƊ˛ƧƊȁɈƵƮƵȺɐƵȋȌȺ‫ة‬ȱɐƵǏƵɹƊȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌȁƊ0ȺȯƊȁǘƊ‫خ‬0ȁɈƣȌ também tem a ver com isso, a escolha das obras também tem a ver com outros projetos editoriais, que partem de pressupostos parecidos com o nosso, nesse sentido. h‫ ب‬Da Autonomedia, tem essa questão de a Silvia colocar a gente em contato, de ser um projeto que publicou com uma licença anti-copyright, que disponibilizou pra gente toda a icoȁȌǐȲƊ˛ƊƮȌǶǞɨȲȌ‫خ‬ȯƊȲɈǞȲƮƵȺȺƊǞƧȌȁȌǐȲƊ˛ƊƊǐƵȁɈƵǏƵɹɐǿƊȯƵȺȱɐǞȺƊɈƊǿƦƶǿ‫ة‬ƊǐƵȁɈƵƦɐȺƧȌɐ outras imagens e contextualizar melhor também algumas das imagens. Mas, assim, parte de ɐǿƵɮƵȲƧǠƧǞȌƮƵȯȲǞǿƵǞȲȌ‫ة‬ȯȌƮƵȲ‫خخخ‬ƊǐƵȁɈƵȯȌƮǞƊɈȲƊƮɐɹǞȲ‫ة‬ƊǞȁƮƊȱɐƵƊǐƵȁɈƵȁƣȌ˛ɹƵȺȺƵɐȺȌƧȌmercial, que as licenças abertas permitem a gente fazer. A gente também teve que compreender melhor como escolher essas licenças, isso foi um debate que a gente teve também. E acho que isso foi importante do porquê que a gente pode, nem sendo um coletivo ainda, traduzir a ȌƦȲƊƮƊ²ǞǶɨǞƊ‫خ‬ȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺȱɐƵƊǐƵȁɈƵƵȁƧȌȁɈȲȌɐƮƵȯȌǞȺ‫ة‬ƵǿȌɐɈȲƊȺȌƦȲƊȺƮƵǶƊȱɐƵƊǠ‫ة‬ȺǞǿ‫ة‬ estavam com editoras que detinham os direitos autorais. A gente já tinha tido condições de se ƵȺɈȲɐɈɐȲƊȲƧȌǿȌƧȌǶƵɈǞɨȌȯƊȲƊƮǞƊǶȌǐƊȲƧȌǿȌɐɈȲƊȺƵƮǞɈȌȲƊȺ‫ة‬ȱɐƵ˛ɹƵȲƊǿƵȺȺƊǞȁɈƵȲǿƵƮǞƊƪƣȌ‫خ‬ E aí eventualmente compraram os direitos autorais, como no caso da Elefante, ou o caso da Ema agora, e o coletivo conseguiu negociar a disponibilização da tradução, entendendo que a tradução tem direitos autorais também, que é considerada uma obra intelectual. E aí a gente libera nossa tradução. Geralmente a editora também é parceira porque compartilha com o proǯƵɈȌǐȲƋ˛ƧȌ‫ة‬ɈƵȁɈƊƮǞȺȯȌȁǞƦǞǶǞɹƊȲȌȯƮǏƮƵɐǿƊǏȌȲǿƊȱɐƵȺƵǯƊɐǿƊƧƵȺȺȌƜȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌǿƵȺǿȌ‫خ‬ Mas acho que a gente teve esse movimento inicial, passou por isso. Foi muito importante que o Calibã foi publicado sem copyright também. Depois disso a gente consegue ir se entendendo melhor. Pra além disso, a gente sempre vai traduzir obras que sejam anticapitalistas, que façam Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021 Entrevistas essa discussão que nos interessa. É um ponto de partida. E agora não só feministas, porque agora no projeto da antologia a gente está querendo traduzir mulheres que não necessariaǿƵȁɈƵȺƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫ة‬ǿƊȺǏƊɹƵǿȯƊȲɈƵƮƵƊǶǐɐǿǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȌƧǞƊǶ‫خ‬0ȁɈƣȌ‫ة‬ independente dos recortes que a gente possa fazer, eu acho que a gente tem procurado também se conectar com práticas, com pensamentos, diversos sobre a situação das mulheres, ou ǿƵȺǿȌȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫ة‬ǿƊȺȁɐǿƊȲƵǶƊƪƣȌȱɐƵǞȁƧǶɐȺǞɨƵȯȌƮƵȺƵȲƧȌȁ˜ǞɈǞɨƊ‫خ‬ǐƵȁɈƵƵȺɈƋǞȁɈƵressada em percorrer alguns caminhos por aí... §ƊȺȺƊȁƮȌƊȌɐɈȲȌɈƵǿƊ‫ة‬ƧȌǿȌɨȌƧƺȺȯƵȁȺƊǿƊȱɐƵȺɈƣȌƮƊƮǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵǶǞȁǐɐǠȺɈǞƧƊȁƊȲƵǐǞƣȌ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊ Ƶ‫ ة‬Ƶǿ ƵȺȯƵƧǞƊǶ‫ ة‬Ɗ ȯȲȌƦǶƵǿƋɈǞƧƊ ƮƊȺ ǶǠȁǐɐƊȺ ƮƵ ƧȌǶȌȁǞɹƊƪƣȌ‫ د‬ƧȲƵƮǞɈƊǿ ȱɐƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȯȌƮƵǯȌǐƊȲƊǶǐɐǿȯƊȯƵǶƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȁƵȺȺƵȺƵȁɈǞƮȌ‫د‬ !‫ب‬ƧǘȌȱɐƵ‫ـ‬ƵǞȺȺȌƵɐƵȺɈȌɐƵǶƊƦȌȲƊȁƮȌƊȱɐǞ‫ة‬ǐƵȁɈƵ‫ة‬ȁƣȌƶƊȺȺǞǿɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌƊȁɈƵȲǞȌȲ‫ف‬Ȍ simples fato da gente lembrar que não existem só línguas europeias sendo faladas no continente já é o primeiro passo pra gente ter um respeito, um mínimo respeito. Agora, por exemplo, na antologia a gente estava lidando... a gente começou ali pela América Central, e aí tem regiões que o espanhol é a língua hegemônica e aí quem quer ser contra hegemônico prefere usar o inglês e aí, às vezes, a gente tem o estereotipo de “ah, falou espanhol, tá lindo, maravilhoso. Vamos correr toda a América Latina”, e não é assim. Assim como falar português não quer dizer que você vai falar com todo habitante de território brasileiro. Tem gente que não fala português, que fala a sua língua originária ainda hoje. Então antes de tudo, é lembrar disso, lembrar desȺƊȺƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƵȺǶǞȁǐɐǠȺɈǞƧƊȺǶȌƧƊǞȺ‫خ‬ÀƵȁɈƊȲƵȁɈƵȁƮƵȲ‫خ‬ǐƵȁɈƵƊƧƊƦƊǶǞƮƊȁƮȌƧȌǿɈƵȲǿȌȺƮƊȺ línguas originárias que estão ali junto, com o espanhol, por exemplo. E aí a gente ir atrás disso, não apagar, não tentar simplesmente traduzir sem apontar da onde vem aquele termo. É o que me vem agora à mente, gente. J‫ ب‬Eu acho que essa questão está bem colocada agora mesmo pra gente, na antologia. A ǐƵȁɈƵƵȺɈƋɈƵȁɈƊȁƮȌƵȁɈƵȁƮƵȲƧȌǿȌǶǞƮƊȲƧȌǿƵǶƊǿƵȺǿȌ‫§خ‬ȌȲȱɐƵ‫ة‬Ƶȁ˛ǿ‫ة‬ƧȌǿȌƊǐƵȁɈƵɈȲƊƮɐziria algo de uma língua que a gente não conhece nada, e que poucas pessoas conhecem? Pra fazer essa tradução. Esse é um problema, como fazer isso acontecer, né? !‫ ب‬E de lembrar que os povos são muito diferentes. Assim como a gente não pode falar de um indígena brasileiro... tem toda uma discussão, os indigenistas têm discussões sobre isso de que “ai, é índio e aí é tudo igual”, “ai, isso é indígena”. Tá, mas qual? Caingangues ou Tupinambá? Assim como a gente não pode falar “Ah, esses povos andinos são iguais” ou “esses povos da wƵȺȌƊǿƶȲǞƧƊ٘‫ة‬ɈȲƊɈƊȲƧȌǿȌɐǿƊƧȌǞȺƊȺȍ‫خ‬mƵǿƦȲƊȲȌɈƵǿȯȌɈȌƮȌȱɐƵ‫خخخ‬Ƶȁ˛ǿ‫ة‬ȺƵƮƵȺƦȲƊȁȱɐǞɹƊȲ‫ة‬ digamos assim, porque a gente também tem uma formação eurocentrada. A gente tem que estar o tempo todo alerta pra lembrar que a gente tem essa formação e que a gente precisa desfazer isso. h‫ ب‬Eu queria só acrescentar que, por exemplo, na experiência no México, na Escolinha ðƊȯƊɈǞȺɈƊ‫ة‬ƵɐƵȁɈȲƵǞƵǿƧȌȁɈƊɈȌƧȌǿƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȱɐƵȌǞƮǞȌǿƊȱɐƵǏƊǶƊɨƊǿƵȲƊȌɈɹȌɈɹǞǶ‫ة‬ɈȌjolabal e o tzetzal. E um dos processos que foi importante para o zapatismo foi o de valorização das línguas indígenas, inclusive um dicionário de tzetzal para o espanhol. E o quanto as pessoas se orgulhavam de falar as línguas, o quanto isso era diferente em outros contextos, que não em comunidades zapatistas, esse orgulho de falar sua língua. Eu participei de atividades em que não foi traduzido pra mim. Eu lembro de ter perguntado “O que que foi dito?” e aí me falarem “Bom, eu não vou traduzir. Às vezes a gente não traduz também”. Então tem coisas interessantes da nossa experiência, a Cecilia Farias mencionou agora da antologia. Quando a gente entrevistou a Dolene Miller, é esse o caso que ela mencionou, que entre o inglês –que é o Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera 33 Coletivo Sycorax creole que os afrodescendentes da Nicarágua falam– ela prefere ao espanhol, por exemplo. É o mesmo quando conversamos com a Lorena Cabnal, da Guatemala: uma avó é maya e a outra ƊɨȍƶɮǞȁDzƊ‫ة‬ƵȁɈƣȌɈƊǿƦƶǿɈƵǿɐǿƊȲƵǶƊƪƣȌƧȌǿȌƵȺȯƊȁǘȌǶȱɐƵƶƮƵƧȌȁ˜ǞɈȌ‫ة‬ǞȁƧǶɐȺǞɨƵȁƣȌ 34 traduzindo alguns termos, trazendo a ideia de “rede da vida” que é tzetzal. Tem um termo que ela traduz como “rede da vida”, mas procura também não traduzir, trazer as palavras assim, sem tradução. Então a gente está imersa nisso, a gente não tem uma resposta, porque a gente acha que isso é uma grande... é muito importante a gente pensar sobre essa diversidade. Duzentas e setenta e quatro línguas são faladas no Brasil, né? Então a gente tem que pensar nisso de outras formas, considerando as nossas limitações ou tentando ver com uma parte delas o que é possível criar, estabelecer essas relações de aproximação. A gente gostou de pensar a tradução ƧȌǿȌƊȯȲȌɮǞǿƊƪƣȌ‫(خ‬ƊȺǿɐǞɈƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺ‫ة‬ɐǿƊƮƵǶƊȺǏȌǞƮƵƊȯȲȌɮǞǿƊƪƣȌ‫خ‬ J‫ ب‬E muitas notas de rodapé (risos). É interessante pensar que ao contrário de outros países da América Latina, aqui... pensar por exemplo o Paraguai, que está do nosso lado, e guarani ƶɐǿƊǶǠȁǐɐƊȌ˛ƧǞƊǶƵƊȱɐǞȁƣȌƶ‫خ‬²ƵǿȯȲƵ˛ƧȌƧɐȲǞȌȺƊȯƵȁȺƊȁƮȌƵȺȺƊȱɐƵȺɈƣȌ‫ة‬ƵɐȁƣȌȺȌɐƮƊ Linguística, mas o que a gente faz com as nossas línguas, das nossas regiões? Por exemplo, São Paulo também é um território guarani, e o que a gente sabe sobre isso, né? Acho que é uma ȲƵ˜ƵɮƣȌƊȺƵȲǏƵǞɈƊ‫ة‬ȺƵǿȯȲƵ‫خ‬ JȌȺɈƊȲǠƊǿȌȺ ƮƵ ƵȁɈƵȁƮƵȲ ƧȌǿȌ ɨȌƧƺȺ ȺƵ ȺɐȺɈƵȁɈƊǿ ǿƊɈƵȲǞƊǶǿƵȁɈƵ ƵȁȱɐƊȁɈȌ ƧȌǶƵɈǞɨȌ‫ة‬ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊȁƮȌƊȱɐƊȁɈǞƮƊƮƵƮƵɈȲƊƦƊǶǘȌƵȁɨȌǶɨǞƮȌ‫خ‬ßȌƧƺȺɈƺǿɐǿȺǞɈƵ‫ة‬ɨƋȲǞƊȺȌƦȲƊȺȯɐƦǶǞٌ ƧƊƮƊȺ‫ة‬ȯȲȌǿȌɨƵǿȌ˛ƧǞȁƊȺ‫ة‬ƵȁɈȲƵȌɐɈȲƊȺǏȲƵȁɈƵȺ‫§خ‬ȌƮƵǿȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌǿƊǞȺƮƵȺȺƵ ƊȺȯƵƧɈȌƮƵ˛ȁƊȁƧǞƊǿƵȁɈȌƮƊȺǞȁǞƧǞƊɈǞɨƊȺƮȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ‫د‬ !‫ ب‬A gente faz isso nas horas vagas (risos). A resposta concisa é essa. J‫ ب‬A gente não consegue se sustentar só dentro do coletivo, inclusive a gente recebe frequentemente pessoas com ideias de tradução perguntando “Posso ganhar um dinheiro com isso?”. Então a gente sempre está falando “Olha, se você contar com isso pra você sobreviver, não vai acontecer”. E ainda mais porque como a gente traduz coletivamente, a gente divide tudo. Então não teríamos como nos sustentar. Aí inclusive entra a questão que a gente sempre ƵȺƦƊȲȲƊ‫ب‬ƮƵȱɐƵǿɈȲƊƮɐɹȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶǿƵȁɈƵƧȌǶȌƧƊȲȱɐƵƊȺǞȁǞƧǞƊɈǞɨƊȺƮƵɈȲƊƮɐƪƣȌƧȌǶƵɈǞɨƊȺƣȌ formas de precarização do trabalho, existe essa discussão. Só que como a gente não faz isso para ganhar dinheiro... A gente está fazendo isso como projeto político, a gente tem trabalhos que são o que garantem o sustento. Ou não tem também, porque com esse desemprego, várias de nós estamos desempregadas. Eu agora voltei a trabalhar faz um mês, então... A gente não se sustenta com o coletivo e, dependendo de como está a agenda de cada uma também, nos organizamos. h‫ ب‬Eu acho só importante dizer que com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, que a gente conheceu nessa atividade na Escola Livre ocupada... eles disseram que tinham interesse em ajudar na publicação. Então eles adquiriram alguns exemplares e com essa aquisição antecipada - porque aí eles distribuiriam em atividades políticas e tal - aí então, com esse valor antecipado, a gente conseguiu fazer essa coedição. As duas primeiras tiragens do Calibã foram uma coedição do Coletivo com a Elefante. Isso permitiu a gente fazer um caixa, e esse é o caixa que permite que a gente pague, por exemplo, a manutenção do site. Ou, ao contrário, por exemplo, na atividade que a gente fez com a Débora, com a Regiany, com a Monique, a gente não tinha ȲƵƧɐȲȺȌȁƵȁǘɐǿ‫(خ‬ƊȺȌɐɈȲƊȺɨƵɹƵȺ‫ة‬ƊǐƵȁɈƵɈƵȁɈȌɐɐȺƊȲȌƧƊǞɮƊɈƊǿƦƶǿȯƊȲƊɨǞƊƦǞǶǞɹƊȲ‫س‬ƵɨƵȁtualmente a gente complementava. Hoje a gente pode complementar ou pagar um ˹ƊɈǏƵƵ, uma taxa para uma editora. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021 Entrevistas !‫ ب‬A gente está terminando de traduzir um livro e a editora que vai lançar pagou os direitos autorais, mas a gente tirou do nosso caixa uma taxa extra para poder disponibilizar o pdf gratuito. h‫ ب‬Sim, é mais ou menos assim. A gente tem esse caixa, e ele é restrito, mas ele nos permite algumas possiblidades. As vezes de se deslocar para algum lugar, quando era possível. E a gente foi tentando fazer parcerias, então quando temos um cronograma de atividades pronto tentamos viabilizar. Ou quando a gente participa de alguma atividade que é remunerada, por ƵɮƵǿȯǶȌ ȁȌ ²ƵȺƧ‫ ة‬ǞȺȺȌ ȺƵ ƮǞɨǞƮƵ ǞǐɐƊǶǿƵȁɈƵ ƵȁɈȲƵ ɈȌƮƊȺ‫ س‬ƵȺȺƵ ƮǞȁǘƵǞȲȌ ƵȁɈȲƊ ȲƵƊǶǿƵȁɈƵ ȯƊȲƊ cada uma, então cada uma chegou a receber alguns valores, mas que são apenas ajuda de custos, se a gente pensar. Porque realmente são muitas pessoas, e esses valores são sempre divididos. Mas a gente valoriza muito nosso caixa, essa ideia de ter um caixa, de recursos que a gente mantém e a gente discute sobre como ir, o que fazer com ele, que destino a gente vai dando. Até pensando de o coletivo seguir tendo cada vez mais autonomia, também. Ou tentar ter uma participação maior nos projetos e de repente chegar nesse ponto que a gente chegou com a Maria Mies, de acrescentar algo para liberar a obra. J‫ ب‬Tal vez seja importante frisar que a primeira edição impressa do Calibã e a bruxa foi uma coedição que a gente fez com a Elefante, não foi só uma tradução. Até porque a gente negociou junto. A gente conheceu a Fundação Rosa Luxemburgo e depois a fundação apresentou ƊƵƮǞɈȌȲƊȯƊȲƊƊǐƵȁɈƵ‫خ‬0ȁɈƣȌǿƵǞȌȱɐƵƊƵƮǞɈȌȲƊȲƵƧƵƦƵɐȌǶǞɨȲȌɈȲƊƮɐɹǞƮȌƵƧȌǿƊǞƧȌȁȌǐȲƊ˛ƊǯƋ feita também. Depois já não entramos em coedição porque isso implicaria que a gente investisse um dinheiro grande, para novas impressões. A gente não conseguiu acompanhar o ritmo de uma editora. A gente até pensou em se organizar assim, em uma editora, e as pessoas às vezes acham que a gente é uma editora. Mandam mensagens perguntando se queremos publicar os ǶǞɨȲȌȺƮƵǶƊȺ‫خ‬0ȁɈƣȌɈƵǿƵȺȺƊȱɐƵȺɈƣȌ‫ب‬ƊǐƵȁɈƵȁƣȌƶɐǿƊƵƮǞɈȌȲƊ‫ة‬ȁƵǿɈƵǿȌȺƊƧȌȁƮǞƪƣȌ˛ȁƊȁceira de ser. Com a publicação do Calibã a gente pensou nisso, mas não conseguiu avançar por conta de várias questões. yȌ˛ȁƊǶƮƵ‫ةמנמנ‬ɨȌƧƺȺǶƊȁƪƊȲƊǿȌȯȌƮƧƊȺɈ²ɯƧȌȲƊɮ‫ب‬²ȌǶȌ!ȌǿɐǿȱɐƵǏƊɹɐǿƊƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌ ƮȌɈȲƊƦƊǶǘȌƮȌ!ȌǶƵɈǞɨȌƧȌǿƮǞɨƵȲȺƊȺƧȌȁɨǞƮƊƮƊȺ‫„خ‬ȱɐƵǿȌɈǞɨȌɐƊƧȲǞƊƪƣȌƮƵȺȺƵȯȲȌǐȲƊǿƊ ƵƧȌǿȌǏȌǞȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƊȺɐƊȲƵƊǶǞɹƊƪƣȌ‫د‬ !‫ ب‬O livro‫ ׊׋‬já estava traduzido e daí a gente viu um edital e falamos “vamos mandar pro ƵƮǞɈƊǶ٘‫خ‬yȌ˛ǿƮƊȺƧȌȁɈƊȺȁƣȌȲȌǶȌɐȌƵƮǞɈƊǶ‫ة‬ǿƊȺȌȱɐƵȺƵȲǞƊɐǿȯȲȌǐȲƊǿƊƊǐƵȁɈƵƮƵȺƮȌƦȲȌɐ em uma série, em uma sequência. Uma coisa que foi muito bacana, considerando que em ȯƊȁƮƵǿǞƊȁƣȌȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺǏƊɹƵȲƊȺȌ˛ƧǞȁƊȺȁȌȺǿȌǶƮƵȺȱɐƵǏƊɹǠƊǿȌȺƊȁɈƵȺƵȱɐƵȱɐƵȲǠƊǿȌȺ fazer. O podcast foi uma forma. Existem várias formas possíveis, essa foi uma que acabamos ƊƮȌɈƊȁƮȌȯƊȲƊǏƊɹƵȲƧǞȲƧɐǶƊȲ‫خ‬yȌ˛ǿƮƊȺƧȌȁɈƊȺ‫ة‬ȌǶǞɨȲȌƊǞȁƮƊȁƵǿǏȌǞǶƊȁƪƊƮȌƵȌȯȌƮƧƊȺɈǯƋ está aí há meses. Bom, e foi um processo de primeiro eleger temas, temas que seriam de realce ȁƵȺȺƊȌƦȲƊ‫خ‬0ȁɈƣȌɈƵɨƵ‫ب‬ƊƧɐǿɐǶƊƪƣȌȯȲǞǿǞɈǞɨƊ‫ة‬ɈȲƊƦƊǶǘȌȲƵȯȲȌƮɐɈǞɨȌ‫˛ة‬ȁƊȁƧƵǞȲǞɹƊƪƣȌƮƊȲƵȯȲȌdução e o tema “reencantar o mundo” em si. A gente também ia fazer um episódio sobre “os comuns”, mas daí pensamos que como os comuns perpassa tanto a obra da Silvia, não só no Reencantando, que achamos mais interessante desdobrar esse episódio e ir intercalando com esses outros. Tanto que tem uma diferença de formato. Nos que a gente elegeu o tema escolhemos uma pessoa que estuda ou vive aquilo de alguma forma para, num formato de entrevista assim, num formato que não sei denominar muito bem. Aí a gente chamou professoras, gente 10 Refere-se ao livro Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns, de Silvia Federici. Terceiro projeto de tradução do Coletivo Sycorax. Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera 35 Coletivo Sycorax que debate teoricamente essas coisas. Mas não só isso, porque também pegamos, por exemplo, a Helena Silvestre no episódio “Reencantar o mundo”. E o percurso dela é outro, ela parte ƮƊȯȲƋɈǞƧƊƮƵɨǞƮƊƮƵǶƊȯȲƊƧǘƵǐƊȲƵǿƧȌȁȺɈȲɐƪȪƵȺ‫ة‬ƵǿƮƵ˛ȁǞƪȪƵȺ‫خ‬IȌǞǞȺȺȌ‫ة‬ǏȌǞǿɐǞɈȌǶƵǐƊǶ‫ة‬ƮƵ 36 ɈƵȲɐǿƊȺƊɐǶƊȺȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƵȺƵǿƊǶǐɐȁȺǿȌǿƵȁɈȌȺ‫خ‬0ɐ˛ɹȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵƊǿƊȲȲƊƪƣȌ‫ة‬ȯȌȲȱɐƵƵɐ já faço podcast em outro espaço, sobre diversidade linguística justamente. Então eu já sabia das ferramentas, e foi tudo software livre, distribuição livre de conteúdo, coisas que não precisa pagar para subir. A gente também articulou outras mulheres para traduzir. Uma das mulheres, a Leticia Pergamini, que também é musicista, elaborou a trilha sonora pra gente. Uma das tradutoras conhecia a Teresa Nardelli, que é uma artista que faz ilustrações, e aí ela fez a capa, ƊƊȲɈƵƮȌȺƵȯǞȺȍƮǞȌȺ‫خ‬0Ƶɐ˛ɹƊƵƮǞƪƣȌƮȌȺƋɐƮǞȌȺ‫خ‬ǐȲƊɨƊƪƣȌ‫ة‬ȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌƧȌǿȌȺɈƵǿƊȺٗ„Ⱥ comuns”, não era nesse formado de entrevista. Até a temporalidade era outra, porque quando a gente pegou aquele quadro, aqueles tópicos, era sempre gravar direto com a pessoa. Para “Os comuns” era mandar a pergunta por áudio, aí respondiam por áudio, mandávamos outra pergunta... e depois iam sendo costurados os áudios. Se você ouve na sequência, percebe que tem um clima diferente. Foi muito legal, porque tinha gente que não conhecia o Coletivo e ouviu o podcast, não porque o Coletivo divulgou, sabe? E a proposta é que seria lançado junto com o livro, mas com esse mundo imprevisível... a pandemia mexeu muito com a organização das editoras, a gente viu que estávamos com aquilo nas mãos e o livro não sairia logo... E a gente falou “Ah, não vamos esperar, não”, e jogamos no mundo. Agora que estou falando em voz alta me ocorreu que tem um paralelo com o Ponto zero da revolução, que a gente saiu fazendo as Ȍ˛ƧǞȁƊȺƊȁɈƵȺƮȌǶǞɨȲȌȺƵȲǶƊȁƪƊƮȌ‫׋׋‬. §ƊȲƊƵȁƧƵȲȲƊȲ‫ة‬ȯȌƮƵǿȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌƮȌȺȯǶƊȁȌȺȯƊȲƊȌǏɐɈɐȲȌ‫„د‬ƧȌǶƵɈǞɨȌɈƵǿȌɐɈȲƊȺ ȌƦȲƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȁȌǘȌȲǞɹȌȁɈƵ‫د‬ J‫ ب‬A gente está traduzindo agora o livro da Maria Mies, Patriarcado e acumulação em escala mundial: Mulheres na divisão internacional do trabalho. Foi um projeto de tradução que ƊǐƵȁɈƵǏƵɹƮƵȁɈȲȌƮƊDz§‫ة‬ȱɐƵȁƊɨƵȲƮƊƮƵƵȁɨȌǶɨƵɐɈƊǿƦƶǿȌ˛ƧǞȁƊ‫خ‬ßƊǿȌȺǶƊȁƪƊȲȯȲǞǿƵǞȲȌȌ livro, com a Ema Livros, e com a Editora Timo. Esse processo foi importante, primeiro porque é o primeiro livro que traduzimos que não é da Silvia Federici. É um livro que... não é que seja muito antigo, ele traz contribuições importantes, mas ao mesmo tempo ele parece muito localizado ȁƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫§خמצקןةמץקן‬ȌȲƧȌȁɈƊƮƊwƊȲǞƊwǞƵȺȺƵȲɐǿƊƊɐɈȌȲƊƊǶƵǿƣ‫ة‬ƵȁɈƣȌǿɐǞɈƊƧȌǞȺƊ que ela está falando é sobre a Alemanha Ocidental, porque é logo depois da queda do muro de ƵȲǶǞǿ‫خخخ‬0ȁ˛ǿ‫ة‬ƊȯƵȺƊȲƮƊȺǶǞǿǞɈƊƪȪƵȺ‫ة‬ƊɈƶǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺ‫ة‬ƮƵȌȁƮƵƵǶƊƵȺɈƋǏƊǶƊȁƮȌ‫ة‬ƶɐǿǶǞɨȲȌȱɐƵƵɐ considero importante porque fala da divisão internacional do trabalho e tenta fazer um paralelo com a experiencia que ela teve na Índia. Pra gente também foi importante por conta do que a Ju falou, pela primeira vez a gente conseguiu negociar um livro que foi publicado originalmente com uma licença fechada, que não iria permitir a gente divulgar livremente. Foi entender melhor como é que funcionam essas negociações de compra de direitos autorais. A gente entrou com isso também porque o projeto de divulgar gratuitamente é nosso. Acho que esse projeto é importante por essas duas questões e porque ele vai sair em breve. Já a antologia é um projeto ȱɐƵƊǐƵȁɈƵȱɐƵȲǏƊɹƵȲƮƵȺƮƵ‫ةפןמנ‬ƮƵȺƮƵȱɐƵƧȌǿƵƪƊǿȌȺƊȁȌȺȌȲǐƊȁǞɹƊȲ‫ة‬ȯȌȲȱɐƵɈƵǿƊɨƵȲ com um dos motivos de ter traduzido o Calibã: como que foi recebido pelos movimentos da América Latina. Só que é um projeto que demanda muito esforço, estamos acho que desde o ƧȌǿƵƪȌƮƵ‫خخخקןמנ‬ 11 O podcast Sycorax: Solo Comum pode ser acessado em: https://anchor.fm/coletivo-sycorax. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021 Entrevistas h‫ ب‬Na verdade desde o começo do coletivo, mas conseguimos fazer as primeiras reuniões Ƶǿ‫מנמנ‬ƵǶȌǐȌɨƵǞȌƊȯƊȁƮƵǿǞƊ‫خ‬ J‫ ب‬A gente começou pela América Central e ainda estamos lá. Pra nós está sendo muito interessante pelo que a gente sabia da América Central. A Ju, por ela ter morado no México por bastante tempo, por ela ter sido parte da Caravana Climática, acho que ela entre a gente é a que mais teve contato... Eu fui no ano passado lá, para fazer meu estágio de pesquisa que foi lá, e também tive contato com pessoas e com a história da América Central, a história das revoluções. Mais pouca coisa. E isso fez também com que a gente se interessasse mais por entender o que está acontecendo. Então é isso, estamos no projeto da antologia, que pensamos publicar em fascículos na revista Amazonas. Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera 37 Luta e pensamento anticolonial: ɐǿƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊ ƧȌǿJƵȁǞyɑȋƵɹ Luma Lessa PPGRI / PUCRio mɐɈƊƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ب‬ɐǿƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿJƵȁǞyɑȋƵɹ ªƵȺɐǿȌ O ativismo e insurgências são caminhos construídos no diálogo entre a materialidade ƵƊȯȌɈƵȁƧǞƊǶǞƮƊƮƵƮƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺ‫(خ‬ǞƋǶȌǐȌǞȁƧǶɐȺǞɨƵƧȌȁ˜ǞɈɐȌȺȌ‫ة‬ɐǿƊɨƵɹȱɐƵƊǶɐɈƊ se dá pela necessidade de combate das violências das estruturas hegemônicas. Nessa entrevista, endereçamos as violências dos discursos hegemônicos colonial cristão branco monogâmico cisheteronormativo. Geni Núñez nos aponta como a categorização binária da vida opera como um epistemicídio, etnocídio e genocídio de modos de vida outros. No Brasil, essas categorias, intrinsecamente cristãs, geraram o apagamento físico e simbólico dos povos indígenas em sua multiplicidade de etnias, modos de vida e pensamento. Esse etnocídio está intimamente conectado à perda dos territórios e à imposição de um antropocentrismo. Para a ativista guarani, não basta descolonizarmos o pensamento e as relações sociais e econômicas, tentando reparar e ajustar essas estruturas. É preciso ir além dos binarismos violentos da colonialidade e questionar a própria materialidade dessas categorias que nos separam em homens/ mulheres, homo/hétero, branco/negro/pardo, humanidade/natureza. A luta, portanto, deve ser anticolonial. Ao invés de buscarmos respostas reparadoras, recusar as próprias perguntas como lugar de enunciação. Romper com essas amarras da monoƧɐǶɈɐȲƊƮȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌǿȌȁȌǐƓǿǞƧȌƧȲǞȺɈƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ة‬ȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊȲȌȁȌȺȺȌ imaginário, traçando relações afetivas, sexuais e sociais que respeitem a autonomia de todes. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ب‬ƊɈǞɨǞȺǿȌ‫س‬ǞȁȺɐȲǐƺȁƧǞƊȺ‫س‬ȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫س‬ƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊ‫س‬JƵȁǞ Núñez. Lucha y pensamiento anticolonial: una entrevista con Geni Núñez Resumen: El activismo y las insurgencias son caminos construidos en el diálogo entre la maɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮ ɯ ǶƊ ȯȌɈƵȁƧǞƊǶǞƮƊƮ ƮƵ ǶƊȺ ƵɮǞȺɈƵȁƧǞƊȺ‫( ى‬ǞƋǶȌǐȌ ǞȁƧǶɐȺȌ ƧȌȁ˹ǞƧɈǞɨȌ‫ ل‬ɐȁƊ ɨƵɹ ȱɐƵȺƵȁƵƧƵȺǞɈƊǶɐƧǘƊȲȯƊȲƊƧȌǿƦƊɈǞȲǶƊɨǞȌǶƵȁƧǞƊƮƵǶƊȺƵȺɈȲɐƧɈɐȲƊȺǘƵǐƵǿȍȁǞƧƊȺ‫ى‬ 0ȁƵȺɈƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊ‫ل‬ƊƦȌȲƮƊǿȌȺǶƊɨǞȌǶƵȁƧǞƊƮƵǶȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƧȲǞȺɈǞƊȁȌȺǘƵǐƵǿȍȁǞƧȌȺǿȌȁȍǐƊǿȌȺƦǶƊȁƧȌȺƧǞȺǘƵɈƵȲȌȁȌȲǿƊɈǞɨȌȺ‫ى‬JƵȁǞyɑȋƵɹȁȌȺȺƵȋƊǶƊƧȍǿȌ ǶƊƧƊɈƵǐȌȲǞɹƊƧǞȍȁƦǞȁƊȲǞƊƮƵǶƊɨǞƮƊȌȯƵȲƊƧȌǿȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞƮǞȌ‫ل‬ƵɈȁȌƧǞƮǞȌɯǐƵȁȌƧǞƮǞȌ ƮƵȌɈȲƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵɨǞƮƊ‫ى‬0ȁ ȲƊȺǞǶ‫ل‬ƵȺɈƊȺƧƊɈƵǐȌȲǠƊȺǞȁɈȲǠȁȺƵƧƊǿƵȁɈƵƧȲǞȺɈǞƊȁƊȺǘƊȁ generado el borrado físico y simbólico de los pueblos indígenas en su multiplicidad ƮƵƵɈȁǞƊȺ‫ل‬ǏȌȲǿƊȺƮƵɨǞƮƊɯȯƵȁȺƊǿǞƵȁɈȌ‫ى‬0ȺɈƵƵɈȁȌƧǞƮǞȌƵȺɈƋƵȺɈȲƵƧǘƊǿƵȁɈƵȲƵǶƊƧǞȌnado con la pérdida de territorios y la imposición de un antropocentrismo. Para la ƊƧɈǞɨǞȺɈƊǐɐƊȲƊȁǠ‫ل‬ȁȌƦƊȺɈƊƧȌȁƮƵȺƧȌǶȌȁǞɹƊȲƵǶȯƵȁȺƊǿǞƵȁɈȌɯǶƊȺȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺȺȌƧǞƊǶƵȺ ɯƵƧȌȁȍǿǞƧƊȺ‫ل‬ǞȁɈƵȁɈƊȁƮȌȲƵȯƊȲƊȲɯƊǯɐȺɈƊȲƵȺɈƊȺƵȺɈȲɐƧɈɐȲƊȺ‫ى‬0ȺȁƵƧƵȺƊȲǞȌǞȲǿƋȺƊǶǶƋ de los violentos binarismos de la colonialidad y cuestionar la propia materialidad ƮƵƵȺɈƊȺƧƊɈƵǐȌȲǠƊȺȱɐƵȁȌȺȺƵȯƊȲƊȁƵȁǿƊȺƧɐǶǞȁȌُǏƵǿƵȁǞȁȌ‫ل‬ǘȌǿȌُǘƵɈƵȲȌ‫ل‬ƦǶƊȁƧȌُ ȁƵǐȲȌُǿƵȺɈǞɹȌ‫ل‬ǘɐǿƊȁǞƮƊƮُȁƊɈɐȲƊǶƵɹƊ‫ى‬mƊǶɐƧǘƊ‫ل‬ȯȌȲɈƊȁɈȌ‫ل‬ƮƵƦƵȺƵȲƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ى‬0ȁ ǶɐǐƊȲƮƵƦɐȺƧƊȲȲƵȺȯɐƵȺɈƊȺȲƵȯƊȲƊƮȌȲƊȺ‫ل‬ȲƵƧǘƊɹƊǶƊȺȯȲȌȯǞƊȺȯȲƵǐɐȁɈƊȺƧȌǿȌǶɐǐƊȲ de enunciación. Romper con estas cadenas de la monocultura del pensamiento moȁȌǐƋǿǞƧȌƧȲǞȺɈǞƊȁȌƧȌǶȌȁǞƊǶȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵȲƵǏȌȲƵȺɈƊȲȁɐƵȺɈȲȌǞǿƊǐǞȁƊȲǞȌ‫ل‬ɈȲƊɹƊȁƮȌȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƊǏƵƧɈǞɨƊȺ‫ل‬ȺƵɮɐƊǶƵȺɯȺȌƧǞƊǶƵȺȱɐƵȲƵȺȯƵɈƵȁǶƊƊɐɈȌȁȌǿǠƊƮƵɈȌƮȌȺ‫ى‬ Palabras clave: activismo; insurgencias; pensamiento anticolonial; entrevista; Geni yɑȋƵɹ‫ى‬ Struggle and anticolonial thought: an interview with geni núñez Abstract Activism and insurgencies are paths built on the dialogue between the materiality ƊȁƮɈǘƵȯȌɈƵȁɈǞƊǶǞɈɯȌǏƵɮǞȺɈƵȁƧƵȺ‫ى‬ƮǞƊǶȌǐɐƵɈǘƊɈƧƊȁƵɨƵȁƦƵƧȌȁ˹ǞƧɈǞɨƵ‫ل‬ȺǞȁƧƵɈǘƵ struggle takes place in the need to combat the violence of the hegemonic strucɈɐȲƵȺ‫ ى‬Xȁ ɈǘǞȺ ǞȁɈƵȲɨǞƵɩ‫ ل‬ɩƵ ƊƮƮȲƵȺȺ ɈǘƵ ɨǞȌǶƵȁƧƵ ȌǏ ǘƵǐƵǿȌȁǞƧ ɩǘǞɈƵ ǿȌȁȌǐƊǿȌɐȺ ƧǞȺǘƵɈƵȲȌȁȌȲǿƊɈǞɨƵ !ǘȲǞȺɈǞƊȁ ƧȌǶȌȁǞƊǶ ƮǞȺƧȌɐȲȺƵȺ‫ ى‬JƵȁǞ yɑȋƵɹ ȯȌǞȁɈȺ ɐȺ ɈȌ ǘȌɩ ɈǘƵ ƦǞȁƊȲɯ ƧƊɈƵǐȌȲǞɹƊɈǞȌȁ ȌǏ ǶǞǏƵ ȌȯƵȲƊɈƵȺ ƊȺ Ɗȁ ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞƮƵ‫ ل‬ƵɈǘȁȌƧǞƮƵ‫ ل‬ƊȁƮ ǐƵȁȌƧǞƮƵ ȌǏȌɈǘƵȲɩƊɯȺȌǏǶǞǏƵ‫ى‬Xȁ ȲƊɹǞǶ‫ل‬ɈǘƵȺƵǞȁɈȲǞȁȺǞƧƊǶǶɯ!ǘȲǞȺɈǞƊȁƧƊɈƵǐȌȲǞƵȺǘƊɨƵǐƵȁƵȲƊɈƵƮ the physical and symbolic erasure of the indigenous peoples in their multiplicity of ƵɈǘȁǞƧǞɈǞƵȺ‫ل‬ɩƊɯȺȌǏǶǞǏƵƊȁƮɈǘǞȁDzǞȁǐ‫ى‬ÀǘǞȺƵɈǘȁȌƧǞƮƵǞȺƧǶȌȺƵǶɯƧȌȁȁƵƧɈƵƮɈȌɈǘƵǶȌȺȺ ȌǏ ɈƵȲȲǞɈȌȲǞƵȺ ƊȁƮ ɈǘƵ ǞǿȯȌȺǞɈǞȌȁ ȌǏ Ɗȁ ƊȁɈǘȲȌȯȌƧƵȁɈȲǞȺǿ‫ ى‬IȌȲ ɈǘƵ JɐƊȲƊȁǞ ƊƧɈǞɨǞȺɈ‫ل‬ ǞɈ ǞȺ ȁȌɈ ƵȁȌɐǐǘ ɈȌ ƮƵƧȌǶȌȁǞɹƵ ɈǘƵ ɈǘǞȁDzǞȁǐ ƊȁƮ ɈǘƵ ȺȌƧǞƊǶ ƊȁƮ ƵƧȌȁȌǿǞƧ ȲƵǶƊɈǞȌȁȺ‫ل‬ trying to repair and adjust these structures. It is necessary to go beyond the violent ƦǞȁƊȲǞȺǿȺ ȌǏ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯ ƊȁƮ ȱɐƵȺɈǞȌȁ ɈǘƵ ɨƵȲɯ ǿƊɈƵȲǞƊǶǞɈɯ ȌǏ ɈǘƵȺƵ ƧƊɈƵǐȌȲǞƵȺ ɈǘƊɈ ȺƵȯƊȲƊɈƵɐȺǞȁɈȌǿƊǶƵُǏƵǿƊǶƵ‫ل‬ǘȌǿȌُȺɈȲƊǞǐǘɈ‫ل‬ɩǘǞɈƵُƦǶƊƧDzُƦȲȌɩȁ‫ل‬ǘɐǿƊȁǞɈɯُȁƊɈɐȲƵ‫ى‬ ÀǘƵȺɈȲɐǐǐǶƵ‫ل‬ɈǘƵȲƵǏȌȲƵ‫ل‬ǿɐȺɈƦƵƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ى‬XȁȺɈƵƊƮȌǏȺƵƵDzǞȁǐȲƵȯƊȲƊɈǞɨƵƊȁȺɩƵȲȺ‫ل‬ ɩƵǿɐȺɈȲƵǏɐȺƵɈǘƵȱɐƵȺɈǞȌȁȺɈǘƵǿȺƵǶɨƵȺƊȺƊȯǶƊƧƵȌǏƵȁɐȁƧǞƊɈǞȌȁ‫ ى‬ȲƵƊDzǞȁǐɐȯɩǞɈǘ these ties of the monoculture of colonial Christian monogamous thinking allows us ɈȌ ȲƵǏȌȲǐƵ ȌɐȲ ǞǿƊǐǞȁƊȲɯ‫ ل‬ɈȲƊƧǞȁǐ ƊǏǏƵƧɈǞɨƵ‫ ل‬ȺƵɮɐƊǶ‫ ل‬ƊȁƮ ȺȌƧǞƊǶ ȲƵǶƊɈǞȌȁȺǘǞȯȺ ɈǘƊɈ ȲƵȺȯƵƧɈƵɨƵȲɯȌȁƵ‫ٵ‬ȺƊɐɈȌȁȌǿɯ‫ى‬ Keywords:ƊƧɈǞɨǞȺǿَǞȁȺɐȲǐƵȁƧǞƵȺَƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶɈǘȌɐǐǘɈَǞȁɈƵȲɨǞƵɩَJƵȁǞyɑȋƵɹ‫ى‬ ƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊǏȌǞȲƵƊǶǞɹƊƮƊȁȌǞȁǠƧǞȌƮȌȺƵǐɐȁƮȌȺƵǿƵȺɈȲƵƮƵ‫ةןנמנ‬ƵǿǿƵǞȌƜȯƊȁƮƵǿǞƊ ƮƵ!„ßX(ٌ‫§خקן‬ȌȲǞȺȺȌ‫ة‬ǏȌǞȲƵƊǶǞɹƊƮƊƮƵǿȌƮȌɨǞȲɈɐƊǶ‫خ‬ȯƵȺƊȲƮƊǞǿȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮȌƧȌȁɈƊɈȌȯȲƵsencial, buscou-se uma troca durante todo o processo, com idas e vindas até alcançarmos um ɈƵȲȲƵȁȌƧȌǿɐǿ‫„خ‬ȌƦǯƵɈǞɨȌƮƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊǏȌǞɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȺȌƦȲƵȌȺƧƊǿǞȁǘȌȺƮƵƊɈǞɨǞȺǿȌƵǞȁsurgência a partir de uma perspectiva anticolonial. Nesse sentido, buscou-se entender como a ǶɐɈƊƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶȯƵȲȯƊȺȺƊƊȲƵƧɐȺƊƮƵɐǿȺǞȺɈƵǿƊƮƵǿȌȁȌƧɐǶɈɐȲƊȺƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊȲȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌ a partir do reconhecimento de modos de vida outros, como dos diversos povos indígenas. A entrevista foi conduzida por Luma Lessa, feminista, escritora, pesquisadora, internacionalista e mestre em política internacional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) com o enfoque em estudos de gênero, sexualidade e a mobilização política das mulheres indígenas no Brasil. Atualmente atua como assistente de proteção para casos de violência baseada em gênero no Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). E a pessoa entrevistada foi Geni Núñez, ativista indígena guarani, psicóloga, mestre em Psicologia Social (UFSC) e doutoranda no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC). Geni é membro da Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos/as (ABIPSI) e co-assistente da Comissão Guarani Yvurupa (CGY). Foto: Geni Núñez (cedida pela entrevistada). Entrevistas §ȲǞǿƵǞȲȌȱɐƵȲǞƊƊǐȲƊƮƵƧƵȲȯȌȲƊƧƵǞɈƊȲȌƧȌȁɨǞɈƵƵƮǞɹƵȲȱɐƵƵȺɈȌɐǿɐǞɈȌƧȌȁɈƵȁɈƵƵǿǏƊɹƵȲ ȯƊȲɈƵƮƵȺȺƵƮǞƋǶȌǐȌ‫خ‬ßƊǿȌȺƧȌǿƵƪƊȲǏƊǶƊȁƮȌɐǿȯȌɐƧȌȺȌƦȲƵƊȺɐƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊ‫خ‬ßȌƧƺȺƵǞƮƵȁٌ ɈǞ˛ƧƊƧȌǿȌJɐƊȲƊȁǞ‫ة‬ƊɈǞɨǞȺɈƊƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ة‬ȁƣȌǿȌȁȌ‫ة‬ȁƣȌƦǞȁƋȲǞƊ‫§خ‬ȌƮƵƵɮȯǶǞƧƊȲɐǿȯȌɐƧȌ ƮƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƵȁɈȲƵȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶƵƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫د‬ȺɐƊǏȌȲǿƊƪƣȌƊƧƊƮƺǿǞƧƊȺƵ ǞȁǞƧǞƊƵǿȯȺǞƧȌǶȌǐǞƊȺȌƧǞƊǶƵƮƵȯȌǞȺȺƵƊǿȯǶǞƊȯƊȲƊɐǿƊƋȲƵƊƮƵƵȺɈɐƮȌȺǞȁɈƵȲƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲ‫خ‬ !ȌǿȌɨȌƧƺɨƺƵɈȲƊȁȺǞɈƊȯȌȲƵȺȺƊȺǏȲȌȁɈƵǞȲƊȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲƵȺ‫د‬ Agradeço muito pelo espaço dessa entrevista, é uma honra poder participar. Eu tenho, nos últimos dez anos, focado em uma formação transdisciplinar, por entender que as disciplinas separadas em compartimentos por si só já é um sintoma da fragmentação desse tipo de saber acadêmico, de inspiração colonial. Então, busco uma nutrição epistêmica variada e múltipla. Em outras palavras, tenho brincado com o que chamo da importância de uma certa ȯȲȌǿǞȺƧɐǞƮƊƮƵƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶ‫ة‬ȺƵǿ˛ƮƵǶǞƮƊƮƵȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲƵȺ‫خ‬ O pensamento decolonial é um desses lugares com os quais muito já aprendi e sigo aprendendo, no entanto, há nele certas limitações de enunciação política. Como lembra o parente Anastácio Peralta, do povo guarani kaiowá, os não-indígenas não têm demonstrado, historicamente, um interesse em ouvir o que nós indígenas temos a dizer sobre colonização. Isso vale também para os cânones decoloniais. O processo de descolonização não é simétrico, não é porque falamos do sul global que estamos todes na mesma posição, como se não houvesse aqui em nosso território internamente uma estrutura organizada pelo privilégio branco, pelo etnocídio, pelo racismo. Parentas como Aline Kaiapó e Daiara Tukano vêm pontuando que nós, indígenas, nunca colonizamos povo nenhum, a nossa luta é anticolonial ou contra colonial, como ȺɐǐƵȲƵ ȁɈȌȁǞȌ ǞȺȯȌ‫ ة‬ǐȲƊȁƮƵ ǞȁȺȯǞȲƊƪƣȌ ȱɐǞǶȌǿƦȌǶƊ‫ خ‬XȺȺȌ ȁƣȌ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ ƮǞɹƵȲ ȱɐƵ ȌȺ ƵǏƵǞɈȌȺ desse processo não nos atinjam, mas é importante que não haja uma simetria de enunciação nesse projeto, que em alguns casos, beira uma alusão ao mito da democracia racial. Tenho me Ɗ˛ȲǿƊƮȌƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶƧȌǿȌɐǿƊǿƊȲƧƊƪƣȌȯƵǶƊȲƊƮǞƧƊǶǞƮƊƮƵƮȌȁȌȺȺȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƵǶɐɈƊ‫ة‬ȁȌ ȺƵȁɈǞƮȌƮƵȱɐƵȁƣȌƦɐȺƧȌȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲƊƧȌǶȌȁǞɹƊƪƣȌ‫ة‬ƊƧǘƊȲȌǶƊƮȌƦȌǿƮȌƵȺɈƊƮȌ‫ة‬ȯƊɐɈƊȲɐǿƊ polícia não violenta, uma monogamia saudável, uma positivação do deus colonial e assim por diante. „ȱɐƵƊȺȯǞȲƊǿȌȺƶȱɐƵƵȺȺƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺȺƵǯƊǿƮƵȺɈȲɐǠƮƊȺ‫ل‬ȁƣȌȲƵȯƊǐǞȁƊƮƊȺ‫ى‬ !ȌǿȌɨȌƧƺƊȲɈǞƧɐǶƊƊȲƵǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵƊƧƊƮƵǿǞƊƵƊɈǞɨǞȺǿȌ‫ة‬ƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌɈƵȍȲǞƧȌƵȯȲƋɈǞƧȌ ƵȁɈȲƵƊȺȲƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺƧȌǿɐǿƵȁɈƵƊȺȺȌƧǞƊƮƊȺƵƊɐɈȌȲǞɹƊƮƊȺȁȌƵȺȯƊƪȌƊƧƊƮƺǿǞƧȌƵȌƧȌȁǘƵٌ ƧǞǿƵȁɈȌƊƮȱɐǞȲǞƮȌȁƊȺɐƊɨǞɨƺȁƧǞƊ‫ة‬ȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌ‫ة‬ȁȌȺƮǞƋǶȌǐȌȺƧȌǿȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺٌ ɈƊȺ‫ة‬mJ À©‫ةڕ‬ƊȺƧȌȺǿȌǶȌǐǞƊȺǐɐƊȲƊȁǞƵƮƵȌɐɈȲȌȺȯȌɨȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫د‬ A academia vem sendo historicamente um espaço parasitário de saberes originários. Temos décadas, séculos de um montante de pesquisas com autoria não-indígena “dando voz” ȯƊȲƊȁȌȺȺȌȺȯȌɨȌȺ‫خ‬yȌ˛ǿƮƊȺƧȌȁɈƊȺ‫ة‬ȯƊȲƊƊǶƶǿƮƊȺٗƦȌƊȺǞȁɈƵȁƪȪƵȺ٘‫ة‬ȱɐƵǿȺƊǠƊƧȌǿƊƊɐɈȌȲǞƊ‫ة‬ currículo, emprego e carreira era o/a pesquisador não-indígena. Nos últimos anos, após muita luta dos movimentos sociais, percebemos algumas mudanças nesse cenário: temos feito a retomada de nossa autoria em primeira pessoa, não apenas nós indígenas, como também o povo ȁƵǐȲȌ‫ة‬ƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌɈȲƊȁȺ‫ة‬Ƶȁ˛ǿ‫ة‬ƮǞɨƵȲȺȌȺǐȲɐȯȌȺȱɐƵǘǞȺɈȌȲǞƧƊǿƵȁɈƵɨǞȁǘƊǿȺƵȁƮȌƧȌǶȌƧƊƮȌȺ unicamente na posição de objeto ou problema de pesquisa. Essa é uma crítica que aprendi no fazer ativista e que trago e ecoo, em coletivo, para o espaço acadêmico. Apesar dos avanços, o espaço acadêmico ainda é bastante emblemático, muito me incomoda habitar um espaço cujo ingresso seja mediado por um vestibular tão meritocrático, em que há pouquíssimas vagas para um grande contingente de candidatos. Um sistema de seleção que exclui a maioria, que impele nossas comunidades a uma expulsão indireta (eufemisticamente chamada de evasão Luma Lessa 43 Geni Núñez por alguns). Me lembra a narrativa do que chamo vestibular celeste, que como diz a Bíblia são “muitos chamados, poucos escolhidos”. A meritocracia cristã inspira profundamente a meritocracia capitalista. Eu não acho, por exemplo, que por eu ser doutoranda mereça ganhar mais 44 ƮȌȱɐƵɐǿƊȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶȱɐƵǏƊƪƊƧȲȌƧǘƺ‫ة‬ȱɐƵȺƵǯƊȯƊȲɈƵǞȲƊ‫ة‬ȱɐƵȺƵǯƊƊȲɈƵȺƣ‫خ‬0ȁɈƣȌƵȺȺƊǶȍǐǞƧƊ do tempo em que quanto mais se estuda nas instituições formais tanto mais se mereceria ganhar, eu vejo como violenta, racista. É nesse paradoxo que habito sendo uma pessoa ativista, indígena e ao mesmo tempo acadêmica. Parte do meu caminho é repartilhar coletivamente o ȱɐƵȲƵƧƵƦȌ‫˛ة‬ȁƊȁƧƵǞȲƊ‫ة‬ȯȌǶǠɈǞƧƊ‫ة‬ȺǞǿƦȌǶǞƧƊǿƵȁɈƵ‫خ‬ǐƵȁƵȲȌȺǞƮƊƮƵƶɐǿɨƊǶȌȲƮȌǿƵɐȯȌɨȌ‫ة‬ɐǿƊ ética contrária à acadêmica, que com toda sua competitividade, nos compele ao individualismo ƊɈȌƮȌǿȌǿƵȁɈȌ‫خ‬ÀƊǿƦƶǿȯȌȲǞȺȺȌȱɐƵǿƵƊ˛ȲǿȌƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ة‬ȯȌǞȺƧȌǿȌƊȯȲƵȁƮǞƧȌǿIƊȁȌȁ‫ة‬ o colonialismo é o próprio estado das coisas, nesse sentido não basta uma descolonização a nível da mudança das palavras, mas também de uma reparação concreta, a nível cotidiano. Não se descoloniza o pensamento com barriga vazia. ƧȲƵƮǞɈȌȱɐƵȌƵȺȯƊƪȌƮƊƊƧƊƮƵǿǞƊȁƣȌƮƵɨƊ ȺƵȲȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶ‫ل‬ȁƵǿȌǿƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȲƵƮɐɈȌƮȌȺƊƦƵȲ‫ل‬ǿƊȺȯȌƮƵȺƵȺȌǿƊȲƜȺǶɐɈƊȺȱɐƵȺƵƮƵsenvolvem em outros espaços. É nesse enlaçamento que me construo, que aprendo e que vivo. yȌȺƵɐȯƵȲƧɐȲȺȌ‫ة‬ɐǿƮȌȺȺƵɐȺƵȁǏȌȱɐƵȺƮƵȯƵȺȱɐǞȺƊƵƊɈǞɨǞȺǿȌƶȺȌƦȲƵƊƦȲƊȁȱɐǞɈɐƮƵƵƊȺ ȲƵǶƊƪȪƵȺ ƶɈȁǞƧȌٌȲƊƧǞƊǞȺ ȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ خ‬0ǿ ȺɐƊȺ ǏƊǶƊȺ‫ ة‬Ȍ ȲƊƧǞȺǿȌ ȺƵ ȌȲǐƊȁǞɹƊ ƮƵ ǿɐǞɈƊȺ ǏȌȲǿƊȺ‫ة‬ ƧȌǿȌȌƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌƮƊȺƵɈȁǞƊȺ‫ة‬ƧȌǿȁȌǿƵƊƪȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺƧȌǿȌٗǿƵȲǠȁƮǞȌȺ٘ƵٗǠȁƮǞȌ٘‫ة‬ ƦƵǿƧȌǿȌƊƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƪƣȌǿȌɈǞɨƊƮƊȁƣȌƊȯƵȁƊȺȯƵǶƊƧȌȲƮƵȯƵǶƵ‫ش‬ǏƵȁȍɈǞȯȌ‫ة‬ǿƊȺȯȌȲƊȯȲƵٌ ȺƵȁɈƊȲȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺȌɐɈȲƊȺƮƵɨǞɨƵȲ‫ة‬ƧȌǿȌƊȺȯƵȲȺƵǐɐǞƪȪƵȺƊȱɐǞǶȌǿƦȌȺƵƊǶƮƵǞƊȺ‫خ‬ßȌƧƺ ȯȌƮƵǏƊǶƊȲȺȌƦȲƵƊƦȲƊȁȱɐǞɈɐƮƵ‫ة‬ƵɈȁȌƧǠƮǞȌƵȌȲƊƧǞȺǿȌƮƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊǞȁƮǠǐƵȁƊƵƮƊǿȌƦǞǶǞٌ ɹƊƪƣȌƵȁɈȲƵȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǞȁƮǠǐƵȁƊƵȁƵǐȲȌ‫د‬ Sabe, cheguei a esse tema também pelo meu incômodo anterior, de nos ver sempre como objetos de pesquisa de não indígenas. Eu quis de alguma forma colaborar para um giro desses enfoques: se as violências são relacionais, por que expor apenas a dimensão subalternizada dessas relações? Nisso me inspiro muito no que Ochy Curiel chama de antropologia da dominação. A branquitude, a cisgeneridade, a heterossexualidade e outras posições hegemônicas têm, historicamente, o privilégio ontológico de expor e não serem expostas. Pois agora nosso convite é para que o espelho seja virado à própria hegemonia. Não o fazemos no intuito de inverter a dominação, pois este, como pontua Fanon, é um sonho branco. Nossas ȯƵȺȱɐǞȺƊȺ‫ة‬ƵǿɑǶɈǞǿƊǞȁȺɈƓȁƧǞƊ‫ة‬ɨǞȺƊǿƦƵȁƵ˛ƧǞƊȲǞȁƧǶɐȺǞɨƵȯƵȺȺȌƊȺƦȲƊȁƧƊȺ‫ة‬ȯȌǞȺƊƧȌǶȌȁǞɹƊƪƣȌ as cindiu em um processo que também empobrece suas experiências no mundo. Em minha tese venho pesquisando branquitude e etnocídio, pois o que observei nos últimos anos em ƧȌȁǐȲƵȺȺȌȺ‫ة‬ȺǞǿȯȍȺǞȌȺƵƊ˛ȁȺƵȁƊȲƵɨǞȺƣȌƦǞƦǶǞȌǐȲƋ˛ƧƊƶȱɐƵƦƊȺǞƧƊǿƵȁɈƵɈȌƮȌȺȌȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺ sobre branquitude versam sobre sua relação com negritude e seus espectros, muitas vezes reduzindo a cena racial brasileira ao dualismo branco-negro. Não seria um problema se houvesse nessas pesquisas o reconhecimento de que a branquitude-negritude não dá conta de nomear todo o racismo de nosso território. Infelizmente, o que observamos é que a temática racial é presumida como um espaço no qual nós indígenas não existimos. Na falta de um leɈȲƊǿƵȁɈȌ ȲƊƧǞƊǶ ǞȁƮǠǐƵȁƊ‫ ل‬Ȍ ȱɐƵ ƊƧƊƦƊ ƊƧȌȁɈƵƧƵȁƮȌ ƶ ȱɐƵ ȺƵ ɈȌǿƊǿ ƊȺ ƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺ ȲƊƧǞƊǞȺ ƦȲƊȁƧȌ٧ȁƵǐȲȌȯƊȲƊȁȌȺƮƵ˸ȁǞȲ‫ل‬ȌȱɐƵǞȁƵɨǞɈƊɨƵǶǿƵȁɈƵȲƵǏȌȲƪƊȌƵɈȁȌƧǠƮǞȌƧȌȁɈȲƊȁȌȺȺȌȺȯȌɨȌȺ‫ى‬ yǞȺȺȌ‫ل‬ƶƧȌǿɐǿȱɐƵƊȺȯƵȺȺȌƊȺȺǞǐƊǿƊǏȍȲǿɐǶƊ‫ك‬ǞȁƮǠǐƵȁƊȺƮƵȯƵǶƵƧǶƊȲƊȺƵȲǞƊǿƦȲƊȁƧȌȺƵ ǞȁƮǠǐƵȁƊȺƮƵȯƵǶƵƵȺƧɐȲƊ‫ل‬ȁƵǐȲȌȺ‫ى‬yƵȺȺƊƧȌȁɈƊƮƵȺƊȯƊȲƵƧƵǿȌȺ‫ ى‬Isso vem de muito longe, essa tentativa de nos ver como seres marcados pelo que era chamado, até antes da Constituição de ‫ةצצקן‬ƮƵƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺȌƧǞƊǶƮƵɈȲƊȁȺǞƪƣȌ‫خ‬ÀȲƊȁȺǞƪƣȌȱɐƵƮǞȲǞƊȲƵȺȯƵǞɈȌƜȯƊȺȺƊǐƵǿƮƵȺƵǶɨƊǐƵǿƊ civilizado, em que deixaríamos de ser indígenas e passaríamos a integrar algum outro grupo Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Entrevistas racial. !ȌǿȌƊȯȲƵȁƮǞƧȌǿȌȺȯƊȲƵȁɈƵȺ!ƊȺƶÀɐȯǞȁƊǿƦƋƵmƊǞȺwƊɮƊƧƊǶǞ‫ل‬ȁȍȺȺȌǿȌȺƮƊƧȌȲƮƊ terra e a terra tem todas as cores. Nossa luta é étnico-racial. Temos centenas de povos/etnias, ƧƊƮƊɐǿƧȌǿȺɐƊǶǠȁǐɐƊ‫ة‬ƧȌȺɈɐǿƵȺ‫ة‬ǿȌƮȌȺƮƵɨǞƮƊ‫„خ‬ȱɐƵƮƵ˛ȁƵȁȌȺȺȌȯƵȲɈƵȁƧǞǿƵȁɈȌȁƣȌƶ o tom da nossa pele. Com muita luta, conseguimos garantir o direito à autodeclaração. Auto no ȺƵȁɈǞƮȌƧȌǶƵɈǞɨȌ‫ة‬ȌɐȺƵǯƊ‫ة‬ƶȌȯȲȍȯȲǞȌȯȌɨȌȱɐƵǿȲƵƧȌȁǘƵƧƵƊȺǞǿƵȺǿȌƵȁƣȌɐǿȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶ ȁƣȌǞȁƮǠǐƵȁƊƊȁȌȺƮƵ˛ȁǞȲ‫خ‬ǞȁƮƊȱɐƵǶƵǐƊǶǿƵȁɈƵɈƵȁǘƊǿȌȺȌƮǞȲƵǞɈȌƜƊɐɈȌƮƵƧǶƊȲƊƪƣȌ‫ة‬ȁȌǞǿƊginário etnocida, permanece esse gesto colonizador do escrutínio de nossos traços, costumes, ƮƊȁȌȺȺƊƧȌȲȯȌȲƊǶǞƮƊƮƵ‫(خ‬ƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿȌX J0ƮƵ‫ةמןמנ‬ȁȍȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺȺƵȲǠƊǿȌȺƧƵȲƧƊƮƵ‫ڭעةמ‬ da população brasileira. Esse resultado não é um produto apenas do genocídio, que se dá através do extermínio direto de nossos povos, mas também do etnocídio. Ressalto que etnocídio é um tipo de violência colonial assente no esforço de homogeneização. Ele incide precisamente sobre a multiplicidade e singularidade de cada povo, etnia, nação nativa de determinado território. Povos originários de diversos continentes foram e continuam sendo alvos deste tipo de ȯȌǶǠɈǞƧƊ ƮƵ ƵɮɈƵȲǿǠȁǞȌ‫ خ‬XȁɈƵǶƵƧɈɐƊǞȺ ƧȌǿȌ „ɯDŽȲȍȁDzƶ „ɯƵɩɘǿǠ ‫ فץןמנـ‬Ƶ IȲƊȁɈɹ IƊȁȌȁ ‫فפממנـ‬ ȲƵ˜ƵɈƵǿƵǿȺƵɐȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺȺȌƦȲƵȌǿȌƮȌƊɈȲƊɨƶȺƮȌȱɐƊǶȌǿƊȲƧȌƧȌǶȌȁǞƊǶƧȲǞȌɐƊ˛ǐɐȲƊƮȌ “negro genérico” e por meio dela se buscou apagar todo uma multiplicidade de etnias, povos, costumes, línguas dos povos nativos africanos. Se antes as organizações sociais dos diferentes povos se davam através de seus próprios critérios internos, na colonização os critérios de raça e gênero passaram a cumprir uma função que, embora se propusesse descritiva, inventou realiƮƊƮƵȺǘȌǿȌǐƵȁƵǞɹƊƮƊȺ‫„ـ‬æ0àÏwZ‫خفץןמנة‬0ȺɈƵǿƊȲƧȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺɈƊȱɐƵƧȲǞȌɐƊǞƮƵǞƊƮȌٗȁƵǐȲȌ genérico” também foi e é responsável pela invenção do “índio genérico”, necessariamente sem roupas, na mata, sem povo, língua, sem-terra, pertencimento. O projeto político de etnocídio do Estado e da sociedade brasileira é tão bem estruturado quanto o genocídio. Tal como este último, o objetivo do etnocídio também visa o extermínio da população indígena, mas, desta vez, através do apagamento simbólico. Como comentei, um dos êxitos da violência etnocida se ƵɮȯȲƵȺȺƊȁȌȺƮƊƮȌȺȌ˛ƧǞƊǞȺƮȌX J0ȁȌȺȱɐƊǞȺȺƵƊ˛ȲǿƊȱɐƵƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌǞȁƮǠǐƵȁƊƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊƶ ƮƵƊȯƵȁƊȺ‫!خڭעةמ‬ȌǿȌǏƊɹƵȲƮƵȺƊȯƊȲƵƧƵȲƊȯȲƵȺƵȁƪƊǞȁƮǠǐƵȁƊ‫ة‬ȌȲǞǐǞȁƋȲǞƊƮƵȺɈƵɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌ‫د‬0ɈȁȌcídio visa impedir que pessoas indígenas sejamos o que somos, em nossas diferenças internas, ƵǿȁȌȺȺȌȺǿȌƮȌȺƮƵɨǞƮƊƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌȯƊȲƊȺƵȲǿȌȺƊȯƵȁƊȺٗƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌȺ٘‫خ‬0ǿƊƦȲǞǶƮƵ‫מנמנ‬ o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub ilustrou a premissa etnocida da homogeneiɹƊƪƣȌƊȌƊ˛ȲǿƊȲ‫ٗب‬ȌƮƵǞȌȌɈƵȲǿȌٙȯȌɨȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺٚ‫ة‬ȌƮƵǞȌƵȺȺƵɈƵȲǿȌ‫§فخخخـخ‬ȌƮƵȺƵȲȯȲƵɈȌ‫ة‬ȯȌƮƵ ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Só tem um povo nesse país”. Importante salientar que o ministro não usou o termo descendente para designar nem pessoas negras, nem brancas, nem amarelas (a quem homogeneizou sob a insígnia “japonês”). Uma das estratégias do etnocídio é dizer que somos um “quase” de outras ȲƊƪƊȺ‫ب‬ȺƵƮƵȯƵǶƵƧǶƊȲƊ‫ة‬ƦȲƊȁƧȌȺ‫س‬ȺƵƮƵȯƵǶƵƵȺƧɐȲƊ‫ة‬ȁƵǐȲȌȺ‫س‬ȌɐǿƵȺǿȌƊǿƊȲƵǶȌȺ‫خ‬ƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌ indígena pela cor da pele produz necessariamente o apagamento indígena, em que se tem apenas a caracterização do “descendente”. Não à toa, ao sujeito político descendente não se possibilita a luta por terras indígenas, por demarcação. §ƊȲƊȌ0ȺɈƊƮȌ‫ل‬ȱɐƊȁɈȌǿƊǞȌȲȌȁɑǿƵȲȌ ƮƵ‫ٲ‬ƮƵȺƧƵȁƮƵȁɈƵƮƵǠȁƮǞȌ‫ٳ‬ƵǿɨƵɹƮƵ‫ٲ‬ǠȁƮǞȌƮƵɨƵȲƮƊƮƵ‫ٳ‬ɈƊȁɈȌǿƊǞȺǏƊƧǞǶǞɈƊƮȌȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵȲƵtirada das terras originárias. Importante pontuar que embora atualmente as categorias raciais no Brasil, pelo Censo do IBGE, dividam-se em cinco: indígena, preto, branco, amarelo e pardo, ƵȺȺƊƮǞɨǞȺƣȌȁƵǿȺƵǿȯȲƵǏȌǞƊȺȺǞǿ‫خ‬yȌȯȲǞǿƵǞȲȌȲƵƧƵȁȺƵƊǿƵȁɈȌ‫ة‬ȲƵƊǶǞɹƊƮȌƵǿ‫ةנץצן‬ƧȌȁȺɈƊɨƊ a categoria “caboclo”, que pretensamente representaria “índios e descendentes de índios com ƦȲƊȁƧȌȺ٘‫„خ‬ɐȺƵǯƊ‫ة‬ɐǿƮȌȺȯȲǞǿƵǞȲȌȺȲƵǐǞȺɈȲȌȺȌ˛ƧǞƊǞȺƮȌɈƵȲǿȌٗƮƵȺƧƵȁƮƵȁɈƵ٘ƧȌȁȺɈƊǯƋȁƵȺɈƵ primeiro levantamento. Importante pontuar o papel da compulsória cristianização nesta “integração” violenta, já que a evangelização impulsionava/impulsiona um forte despertencimento indígena aos costumes, espiritualidade e modo de vida originário. Após a luta coletiva do mo- Luma Lessa 45 Geni Núñez vimento indígena contra este tipo de generalização e apagamento, tivemos um importante ǿƊȲƧȌȱɐƵƧɐǶǿǞȁȌɐȁƊǞȁƧǶɐȺƣȌƮƵɐǿƧƊȯǠɈɐǶȌƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȁƊ!ȌȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌƮƵ‫ةצצקן‬ƵǿȱɐƵ ƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊƮȌٗǠȁƮǞȌƧȌǿȌƧƊɈƵǐȌȲǞƊɈȲƊȁȺǞɈȍȲǞƊ٘ǏȌǞ‫ة‬Ȍ˛ƧǞƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ƊƦƊȁƮȌȁƊƮƊȯƵǶȌ0ȺɈƊƮȌ‫خ‬ 46 Neste capítulo, há o reconhecimento ao direito dos povos indígenas a terem seu modo de vida, línguas, costumes respeitados, bem como o direito à habitação de seus territórios. Ainda que presente na Lei, estes direitos constitucionais jamais foram realmente cumpridos pelo Estado. yƊȺȯƊǶƊɨȲƊȺƮƵ!ƊȺƶÀɐȯǞȁƊǿƦƋ‫ةמנמנـ‬ȯ‫ٗةفמץخ‬ǿƵȺǿȌƊȯȲȍȯȲǞƊ!ȌȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌƮƵ‫ةצצקן‬ƊȯƵȺƊȲ ƮƵƊɨƊȁƪƊȲȁȌȺƵȁɈǞƮȌƮƵȁƣȌǿƊǞȺȁȌȺƵȁƧƊȲƊȲƧȌǿȌƵǿƵɮɈǞȁƪƣȌ‫ة‬ƵǿȺƵɐȺƊȲɈǞǐȌȺ‫ןסנ‬Ƶ‫נסנ‬ ƮƵɨƵȲǞƊȌǏƵȲƵƧƵȲǿƊǞȺǐƊȲƊȁɈǞƊȺƮƵ˛ȁǞɈǞɨƊȺƜƮƵǿƊȲƧƊƪƣȌƮƵȁȌȺȺȌȺÀƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺƵƜȁȌȺȺƊƊɐɈȌnomia”. Nas últimas gestões dos governos brasileiros, inclusive as de esquerda, não tivemos um real engajamento para que o direito à demarcação fosse de fato cumprido. §ƊȲɈƵƮƵȺɈƵȯȲȌƧƵȺȺȌǘǞȺɈȍȲǞƧȌƵƦɐȲȌƧȲƋɈǞƧȌ‫ة‬ƊȯƵȁƊȺƵǿ‫ןקקן‬ȌɈƵȲǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊǏȌǞǞȁƧǶɐǠƮȌȁȌȺ!ƵȁȺȌȺȌ˛ƧǞƊǞȺ‫ة‬ȌɐȺƵǯƊ‫ة‬ȯȌȲǿƊǞȺƮƵɐǿȺƶƧɐǶȌȁƣȌǘȌɐɨƵȺƵȱɐƵȲƊȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵ marcação de racialidade indígena. Caboclos, bugres, pardos, mestiços, morenos são alguns dos termos que povoam também o imaginário social que apaga povos indígenas. Estes termos têm ƧȌȁɈǞȁǐƺȁƧǞƊȺǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺ‫ة‬ǐƵȌǐȲƋ˛ƧƊȺ‫ة‬ȁƵǿɈȌƮȌȺȺƣȌɐɈǞǶǞɹƊƮȌȺȁƊȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺȲƵǐǞȪƵȺƮȌȯƊǠȺ‫ة‬ pois cada região constrói suas próprias formas etnocidas de designar a racialidade indígena. ²ƵǐɐȁƮȌ0ƮȺȌȁ²ǞǶɨƊ‫ةفעממנـ‬ƧƊƦȌƧǶȌǏȌǞɐǿɈƵȲǿȌɐɈǞǶǞɹƊƮȌƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵȁƊȲƵǐǞƣȌȁȌȲƮƵȺɈƵ para se referir a supostos “remanescentes” de indígenas, mas vem sendo fortemente criticado‫׋‬ por seu viés etnocida. Foi como pardos que Pero Vaz de Caminha descreveu em suas cartas pessoas indígenas. Apesar desta associação entre pardo e indígena já remontar há muito tempo, o discurso etnocida cristalizou a noção de que raça no Brasil deveria ser pensada apenas em ɈƵȲǿȌȺƮƊȲƵǶƊƪƣȌƦȲƊȁƧȌٌȁƵǐȲȌ‫خ‬²ɐƵǶǞ!ƊȲȁƵǞȲȌ‫فףממנـ‬ǶƵǿƦȲƊȱɐƵǏȌǞƊȯƊȲɈǞȲƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫ةמץ‬ com os estudos sobre desigualdades sociais, que se tornou oportuno o agrupamento de pretos e pardos como negros, haja vista a similitude dos indicadores sociais entre esses grupos. Ainda que este agrupamento incorra em apagar populações indígenas ele continua válido em sua Ɗ˛ȲǿƊƪƣȌƮƵȱɐƵǘƋɐǿƊȁǠɈǞƮƊǘǞƵȲƊȲȱɐǞƊȲƊƧǞƊǶȁȌ ȲƊȺǞǶƵȁɈȲƵƦȲƊȁƧȌȺƵȁƣȌƦȲƊȁƧȌȺ‫خ‬ȯƵȺƊȲ ƮƵɈƵȲǿȌȺƧȌȁȱɐǞȺɈƊƮȌƊƵȁɈȲƊƮƊƮƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊǞȁƮǠǐƵȁƊȁȌX J0‫ة‬ƵǶƊȁƣȌɈƵǿȺǞƮȌȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵ para lutar contra a invisibilização estatística. Isso se deve a diversos motivos: assim como a poȯɐǶƊƪƣȌȁƵǐȲƊ‫ة‬ȱɐƵƵǿȺɐƊǿƊǞȌȲǞƊȺƵǿƊȲƧƊƧȌǿȌȯƊȲƮƊƵȁƣȌƧȌǿȌȁƵǐȲƊ‫!ـ‬ªy0Xª„‫ةفףממנة‬ ɈƊǿƦƶǿƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌǞȁƮǠǐƵȁƊȺƵǿƊȲƧƊȯƊȲƮƊƮƵɨǞƮȌƊȌȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺȲƊƧǞȺɈƊȺȱɐƵƮǞ˛ƧɐǶɈƊǿƊ ƵȁɐȁƧǞƊƪƣȌ‫خ‬wƊȺ‫ة‬ȯƊȲƊƊǶƶǿƮƵȺɈƊƮǞǿƵȁȺƣȌ‫ة‬ǿƵȺǿȌȱɐƵƊƊɐɈȌƊ˛ȲǿƊƪƣȌƧȌǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊȁƣȌ seja uma questão, indígenas são heterodeclarados como pardos em seu principal documento Ȍ˛ƧǞƊǶ‫ة‬ȌªyX‫ـ‬ªƵǐǞȺɈȲȌƮǿǞȁǞȺɈȲƊɈǞɨȌƮƵyƊȺƧǞǿƵȁɈȌƮƵZȁƮǞȌ‫خف‬0ǿȯƵȺȱɐǞȺƊȱɐƵƵȺɈȌɐȲƵƊǶǞɹƊȁƮȌƵǿǿȌƮƵǶȌȺƮƵªyXٚȺƮǞɨɐǶǐƊƮȌȺȯɐƦǶǞƧƊǿƵȁɈƵȌƦȺƵȲɨƵǞȱɐƵƵǿƦȌȲƊǘƊǯƊȌƧƊǿȯȌ ȯƊȲƊƊ˛ȲǿƊƪƣȌƶɈȁǞƧƊ‫ة‬ǘƋɈƊǿƦƶǿȌƧƊǿȯȌƧȌȲƵǿȱɐƵȌȯȲƵƵȁƧǘǞǿƵȁɈȌȯƊȲƮȌƧȌȁɈǞȁɐƊƧȌȁȺtando. A associação de pessoas indígenas à identidade parda é, portanto, documentada em seu próprio registro de identidade. Se consideramos os estados onde o percentual de população ȯƊȲƮƊƶǿƊǞȌȲ‫ة‬ƧȌǿȌȌƵȺɈƊƮȌƮȌ§ƊȲƋ‫ة‬ƵǿȱɐƵ‫ڭץةפץ‬ƮƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌȺƵƮƵƧǶƊȲƊȯƊȲƮƊ‫ة‬ƶȯȌȺȺǠɨƵǶ interseccionar com o fato de que a maior concentração indígena no país está justamente nas ȲƵǐǞȪƵȺyȌȲɈƵƵyȌȲƮƵȺɈƵ‫ـ‬wå!mX‫خفקןמנة‬ǞȁƮƊȌɐɈȲȌƵɮƵǿȯǶȌ‫ب‬ȁƊȲƵǐǞƣȌǿƵɈȲȌȯȌǶǞɈƊȁƊƮƵ wƊȁƊɐȺ‫ڭנةףة‬ƮƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌȺƵƊ˛ȲǿƊǞȁƮǠǐƵȁƊ‫ڭףץة‬ȯƊȲƮƊƵ‫ڭןةס‬ȯȲƵɈƊ‫ة‬ȺƵƊȺȌǿƊƊƧǞȌȁƊƮƊ ǏȌȲȯƊȲƮȌ‫ڕ‬ȯȲƵɈȌɈƵȲǠƊǿȌȺȱɐƵ‫ڭןةצץ‬ƮƵȺɈƊȲƵǐǞƣȌȺƵȲǞƊȁƵǐȲƊ‫ة‬ƊǶǐȌȱɐƵȁƣȌȺƵȺɐȺɈƵȁɈƊȺƵǶƵǿbrarmos que Amazonas é maciçamente um território ocupado por indígenas. Dentre os muitos 1 Há uma exceção a esta crítica, na região do Rio Grande do Norte, local em que não há nenhuma terra demarcada ƵȌȁƮƵƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮƵȯƵȲɈƵȁƧǞǿƵȁɈȌǞȁƮǠǐƵȁƊȯȌȺǞɈǞɨȌɐƧƊƦȌƧǶȌƧȌǿȌɐǿƊƵɈȁǞƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊ‫ة‬ƧȌǿȌȯȌȁɈɐȌɐƵǿ mesa redonda Juão Nyn, indígena potiguara. A mesa, intitulada (De)Colonialidades do Gênero e (Re)Existências Indígenas, ocorreu no dia 07/10/2020, em evento da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro). Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Entrevistas efeitos políticos do apagamento indígena na categoria pardo, um dos mais nefastos é a própria negação de racismo como sendo uma violência que incide também sobre pessoas indígenas. Estatisticamente, a população parda é a maioria no Brasil, mas agregada no termo negro, acaba por apagar que os dados de violência relativos ao encarceramento, à violência policial, obstétriƧƊƵȁɈȲƵȌɐɈȲƊȺ‫ة‬ȁƣȌȲƵ˜ƵɈƵǿƊȯƵȁƊȺƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵƮƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌȁƵǐȲƊ‫ة‬ƧȌǿȌɈƊǿƦƶǿǞǶɐȺɈȲƊǿȌ genocídio indígena. Ainda que tardiamente visibilizado, o incômodo quanto ao etnocídio vem sendo cada vez mais ecoado. !ȌǿȌƮǞɹ„ɯDŽȲȍȁDzƶ„ɯƸɩɘǿǠ‫ة‬ȌǐƺȁƵȲȌƶɐǿƊǞǿȯȌȺǞƪƣȌƮƵɐǿƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊȌƧǞƮƵȁɈƊǶ‫ة‬ƦƊٌ ȺƵƊƮƊȁƊǏƊǿǞǶǞƊȲȁɐƧǶƵƊȲƵȁƊƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵƵȁɈȲƵǘȌǿƵȁȺƵǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ة‬ȱɐƵƶǞȁƧȌǿƵȁȺɐٌ ȲƋɨƵǶƧȌǿƮǞɨƵȲȺƊȺȌɐɈȲƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵȺȌƧǞƊƦǞǶǞƮƊƮƵȱɐƵȌȲǐƊȁǞɹƊǿ‫ة‬ȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌ‫ة‬ƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺ ȺȌƧǞƊǞȺ‫ة‬ȯȌǶǠɈǞƧƊȺƵƵƧȌȁȏǿǞƧƊȺƮƵƮǞɨƵȲȺȌȺȯȌɨȌȺ‫خ‬ǞȁƮƊƊȺȺǞǿ‫ة‬ƶƊȯƊȲɈǞȲƮƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊƮƵ ǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ƵǿȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲ‫ة‬ǿɐǶǘƵȲ‫ة‬ȱɐƵǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȯȌǶǠɈǞƧȌȺƧȌǿȌȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȺƵƵȺɈȲɐɈɐٌ ȲƊǿ‫!خ‬ȌǿȌɨȌƧƺƵȁɈƵȁƮƵƵȺȺƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊƵƊǿȌƦǞǶǞɹƊƪƣȌȯȌǶǠɈǞƧƊƵǿɈȌȲȁȌƮƵǶƊ‫د‬²ȌƦȲƵȌ ǿȌɨǞǿƵȁɈȌƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫ة‬ƶȯȌȺȺǠɨƵǶǏƊǶƊȲƵǿǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊ‫د‬ yƣȌ ɈƵǿȌȺ ɐǿ ƧȌȁȺƵȁȺȌ ȱɐƊȁɈȌ Ɗ ȁȌȺ Ɗ˛ȲǿƊȲǿȌȺ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ ǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫ خ‬RƋ ȯƊȲƵȁɈƊȺ ȱɐƵɨƵƵǿȯȌɈƺȁƧǞƊȁƵȺȺƊƊ˛ȲǿƊƪƣȌ‫ة‬ȌɐɈȲƊȺȱɐƵȁƣȌ‫خ‬0ɐȲƵƧȌȁǘƵƪȌƊǿƊɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮƵ‫ة‬ƊƧȌȁƧȲƵɈɐde das violências de gênero, de maneira direta sobre mim, inclusive. Mas reconhecer os efeitos ƮƵɐǿƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȱɐƵƵɐȯƊƧɈɐƵƧȌǿƊǿǞɈȌǶȌǐǞƊȺȌƦȲƵƊȱɐƊǶƵǶƊȺƵƊȁƧȌȲƊ‫ٗخ‬wƊȺ e a realidade material?” — nos perguntam. Nós também somos materiais e concretos. De fato, a mudança da enunciação não muda, imediatamente, as condições de desigualdade, sabemos. Mas manter vocabulários que não nos acolhem também não tem nos livrado de séculos de opressões. Não devemos nada ao Estado, se chegamos até aqui foi apesar dele, não por sua conta. yƣȌƶȯȌȲȱɐƵȁȌȺǞǿȯɐȺƵȲƊǿȌǐƺȁƵȲȌȱɐƵɈƵȲƵǿȌȺƮƵȁȌȺ˸ǶǞƊȲƊȺƵɐȯƊȲɈǞƮȌ‫ى‬ IǞƧȌ ǿɐǞɈȌ ǞȁƧȌǿȌƮƊƮƵ ȱɐƊȁƮȌ ȁȌɈȌ ȱɐƵ Ȍ ƊǏƊȺɈƊǿƵȁɈȌ ƮƵ ǿɐǞɈƊȺ ƮƵ ȁȍȺ ƊȌ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌƶǞȁɈƵȲȯȲƵɈƊƮȌƧȌǿȌǏƊǶɈƊƮƵƧȌȁȺƧǞƺȁƧǞƊ‫ل‬ƧȌǿȌǏƊǶɈƊƮƵƧȌǿȯȲƵƵȁȺƣȌ‫ل‬ƧȌǿȺǞǐȁȌƮƵ ȯȌɐƧȌƵȺɈɐƮȌǏȌȲǿƊǶ‫ل‬ƧȌǿȌƊɐȺƺȁƧǞƊƮƵǞȁɈƵǶǞǐƺȁƧǞƊ‫ى‬yƣȌƊƮǿǞɈƵǿȱɐƵƶȯȌȺȺǠɨƵǶɐǿƊƮǞȺƧȌȲƮƓȁƧǞƊ Ƶ ɐǿƊ ȲƵƧɐȺƊ ƧȌȁȺƧǞƵȁɈƵȺ‫ ل‬ȯȌǞȺ‫ ل‬ƊȺȺǞǿ ƧȌǿȌ ȌȺ ƧȲƵȁɈƵȺ‫ ل‬ȯƵȁȺƊǿ ȱɐƵ ȺƵ ƊǶǐɐƶǿ ȲƵƧɐȺƊȌǐƺȁƵȲȌƶȯȌȲȱɐƵƊǞȁƮƊƵȁɈƵȁƮƵɐƦƵǿȺɐƊ§ƊǶƊɨȲƊ‫ل‬ƧȌǿȌȺƵȺɐƊƧȌȁɨƵȲȺƣȌƵȺɈǞɨƵȺȺƵ incompleta. ©ɐƊȁƮȌ ǘƋ ȲƵƧɐȺƊ‫ ة‬ȌǏƵȲɈƊǿ ɐǿƊ ȲƵǶƵǞɈɐȲƊ‫ ة‬ɐǿƊ ȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƪƣȌ‫ ب‬ɈƵǿȌȺ ƊȱɐǞ ɐǿ Jesus pra você, ele na verdade era uma indígena lésbica, é uma representação sob medida. Até ƧȌǿȯȲƵƵȁƮƵǿȱɐƵǘƊǯƊɐǿƊȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƪƣȌ‫ة‬ƮƵȺƮƵȱɐƵȁƣȌȺƵȺƊǞƊƮƊȺƵǞɈƊ‫ة‬ƮƵȺƮƵȱɐƵȁƣȌ haja a desistência dela. Isso me lembra a discussão que Françoise Vergès faz sobre o que chama de “feminismo civilizatório” — termo através do qual compartilha o modo como a colonialidade incide profundamente (também) sobre determinadas ideologias feministas. O que quer o/a missionário/a? Salvar. Invade nossos territórios em nome do bem, e quando lhe dissemos: “nós ȁƣȌȱɐƵȲƵǿȌȺȺɐƊȺƊǶɨƊƪƣȌ‫ة‬ȁƣȌȯȲƵƧǞȺƊǿȌȺƮƊȺɐƊɈɐɈƵǶƊ٘˛ƧƊǿƧȌǿǿɐǞɈƊ‫ة‬ǿƊȺǿɐǞɈƊȲƊǞɨƊ‫خ‬ Um grande traço da colonialidade é a universalização, buscam impor a todo o planeta o que pra eles é bom, saudável e o que não é. Nós temos nossas próprias formas de luta, com métodos que não necessariamente vão precisar acionar as mesmas ferramentas formuladas por não indígenas. Óbvio que não descarɈƊǿȌȺƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮƊȺƊǶǞƊȁƪƊȺ‫ة‬ƮƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺƵȺɈȲƊɈƶǐǞƧƊȺ‫ة‬ǿƊȺƧƊƮƊɨƵɹǿƊǞȺƮƵȺƧȌȁ˛Ȍ dessa narrativa de que as identidades são mesmo apenas estratégias, o que vejo são pessoas que realmente acreditam nelas como verdades ontológicas, que realmente concebem a existência universal de mulheres, de homens, de heterossexuais, homossexuais. 0ƊȱɐǞȁƣȌƵȺɈȌɐ ǏƊǶƊȁƮȌƮƵȲƵȺȺǞǐȁǞ˸ƧƊƪƣȌƮƊǞƮƵǞƊƮƵǿɐǶǘƵȲ‫ل‬ƮƵǘȌǿƵǿ‫ل‬ȁƣȌƵȺɈȌɐǏƊǶƊȁƮȌƮȌȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺ Luma Lessa 47 Geni Núñez ǿƊɈǞɹƵȺƵǞȁɈƵȲȺƵƧƪȪƵȺƵȁɈȲƵƵȺȺƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺ‫ل‬ƵȺɈȌɐǿƵȲƵǏƵȲǞȁƮȌƜȲƵƧɐȺƊ‫ل‬ƜƮƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊƮƵ ƊƧȲƵƮǞɈƊȲƵǿȺƵɐȺȺǞȺɈƵǿƊȺǞȁƮƵȯƵȁƮƵȁɈƵƮƵȱɐƊȁɈƊȺȁɐƊȁƧƵȺȯȌȺȺƊǿɈƵȲ‫ى‬ ǞȁƮƊȯƵȁȺƊȁƮȌȌǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ƵǿɐǿȯȌȺɈȯƵȲɈȌƮȌ(ǞƊƮƊwɐǶǘƵȲ‫ة‬ɨȌƧƺƊ˛ȲǿƊ‫ٗب‬ƮƵȺȯƵǞɈȌƮƵ 48 ɈȌƮƊȺƊȺ˛ƧƪȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ƧȌǿȌȲǐɐǶǘȌƮǞǐȌ‫ب‬ȁƣȌȺȌɐǿɐǶǘƵȲ‫ـ‬ȁƵǿǘȌǿƵǿ‫خ٘ف‬0ȺȺƊȲƵƧɐȺƊƮƊ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌƧȌǿȌǿɐǶǘƵȲȯƵȲȯƊȺȺƊƧȌǿȌȌƦǞȁƊȲǞȺǿȌƮƵǐƺȁƵȲȌȯƊȲɈƵƮƊƧǞȺƣȌƵȁɈȲƵȁƊٌ ɈɐȲƵɹƊƵǘɐǿƊȁǞƮƊƮƵƵƮƊȁƵǐƊƪƣȌƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪȪƵȺƵȲƵǶƊƪȪƵȺȺƵɮȌٌƊǏƵɈǞɨƊȺƮǞȺȺǞƮƵȁɈƵȺ‫د‬ Tenho pensado no cristianismo como uma imposição global de pensamento, ele incide ȺȌƦȲƵ ɈȌƮƵȺ ȁȍȺ‫ ة‬ǿƵȺǿȌ ƜȱɐƵǶƵȺ ȱɐƵ ȺƵ Ɗ˛ȲǿƊǿ ƊɈƵɐȺ‫ خ‬wɐǞɈƊȺ ɨƵɹƵȺ ƊȺ ȯƵȺȺȌƊȺ ƵȺɈȲƊȁǘƊǿ ȱɐƊȁƮȌƮǞǐmɐǐȌȁƵȺ‫ةفצממנـ‬ȱɐƊȁƮȌȌȺƧȌǶȌȁǞɹƊƮȌȲƵȺƧǘƵǐƊȲƊǿƊȱɐǞ‫ة‬ƊȯƵȁƊȺƵɐȲȌȯƵɐȺƊǶƪƊvam a posição de homens e mulheres, pessoas não brancas eram marcadas como macho e ǏƺǿƵƊ‫ ة‬ȁƣȌ Ɯ ɈȌƊ‫ ة‬Ɗ ǿƊȁƵǞȲƊ ƧȌǿ Ɗ ȱɐƊǶ ȌȺ ƮƵǿƊǞȺ ƦǞƧǘȌȺ ȺƣȌ ȁȌǿƵƊƮȌȺ‫ خ‬XȺȺȌ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ ȱɐƵ tornar-se mulher ou homem implicava na transição, na passagem de selvagem/animal a civilizado/humano. É, portanto, uma organização especicista, racista, colonial. Esse incômodo não é recente. Em minhas pesquisas em cartas jesuíticas, encontrei relatos do missionário Pero CorȲƵȲǞƊ‫فןףףןـ‬ƵǿȱɐƵƵǶƵƧȌǿƵȁɈƊƮƵǞȁƮǠǐƵȁƊȺȱɐƵٗƧȌǿƵɈƵǿȌȯƵƧƊƮȌƧȌȁɈȲƊƊȁƊɈɐȲƵɹƊ‫ة‬ƮƵ maneira que há muitas mulheres (sic) que usam armas e seguem todos os ofícios como se não fossem fêmeas. Mantêm namoro com outras mulheres com quem se dizem casadas e a maior injúria que se lhes pode fazer é chamá-las de mulheres. De tal forma que quem lhes disser algo ȯȌƮƵȲƋƧȌȲȲƵȲȌȲǞȺƧȌƮƵȱɐƵǶǘƵƊɈǞȲƵǿ˜ƵƧǘƊƮƊȺ٘‫خ‬ Internamente, esse sistema de gênero continua orientando um lugar determinado para as mulheres, um modus operandi para a família (monogâmica, heterossexual), um jeito de lidar com o tempo. Então quando pergunto: qual a principal fonte dos discursos lgbtfóbicos? Em qual religião pessoas dissidentes do gênero merecem ser queimadas no inferno? Em qual se postula a submissão das mulheres? Respondo com segurança: na mitologia cristã. E estou falando do nosso território, pois, como disse, quem universaliza é a colonialidade. Por vezes, dizem que o responsável por essas ideologias opressivas é o fundamentalismo religioso, mas acho desonesto não explicitarmos que não é qualquer religião, é a cristã. O projeto de impor seu deus como único verdadeiro, como único caminho a todes, como única forma para todo ȌȯǶƊȁƵɈƊȁƣȌƶɐǿɈȲƊƪȌȁȌȺȺȌ‫خ‬yƣȌ˛ɹƵǿȌȺƵɮȯǶȌȲƊƪȪƵȺȯȌȲƮǞɨƵȲȺȌȺƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵȺɈƵȁɈƊȁƮȌ salvar quem não acreditasse em Nhanderu, nossos povos mantêm suas culturas sem o projeto de conversão global. Voltando à sua pergunta, rs, digo isso tudo para dizer que para mim, não ǿƵƊ˛ǶǞƊȲƊȌǐƺȁƵȲȌƶɐǿǐƵȺɈȌƮƵƮƵȺƧƊɈƵȱɐǞɹƊƪƣȌ‫ة‬ƮƵƮƵȺƧȲǞȺɈǞƊȁǞɹƊƪƣȌ‫ة‬ȯȲȌƧƵȺȺȌȺƵǿȌȱɐƊǶ não é possível descolonizar, anticolonizar. §ȌȲɈƊȁɈȌ‫ة‬ȯƊȲƊƊǶƶǿƮƊƮǞȺȯɐɈƊƮƵȌɐɈȲȌȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌȺȯƊȲƊǿƊȺƧɐǶǞȁȌƵȯƊȲƊǏƵǿǞȁǞȁȌ‫ة‬ para homem e para mulher, temos o direito a considerar a desistência desses modelos como um caminho também válido, importante e potente. “Você não pode ter tudo: escolha apenas um gênero para si, escolha um para se atrair, e desse, apenas uma pessoa para amar, desejar e com ela escolher um estilo, um desejo e um destino”, nos dizem. A isso respondo: ɈȌƮƊȺƊȺƵȺƧȌǶǘƊȺƦǞȁƋȲǞƊȺȺƣȌǏƊǶȺȌȺƮǞǶƵǿƊȺ‫ل‬ȯȌǞȺƊɨǞƮƊ é uma proliferação de concomitâncias. Que tenhamos orgulho e coragem de não responder perguntas que partam de uma base ética com a qual discordamos. (ƵȺȌȲǞƵȁɈƊƮƵȺȺƵǯƊǿǞȺƮƊȺȌȲǞƵȁɈƊƪȪƵȺȺƵɮɐƊǞȺ‫ل‬ȯȌǞȺȁƣȌ ƵɮǞȺɈƵȲƵȺȯȌȺɈƊƧƵȲɈƊȱɐƊȁƮȌƊȯƵȲǐɐȁɈƊƵȺɈƋƵȲȲƊƮƊ‫ى‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Entrevistas Retomando um ponto que comentei anteriormente, me soa sintomático o fato de que, para muitas vezes, a luta com o Estado seja a única possível ou mais relevante. É importante questionarmos a naturalidade desse pressuposto de que a dependência do Estado é um dado imutável, a-histórico. Não deveria ser ok não vislumbramos uma vida em ȱɐƵȁƣȌ˛ȱɐƵǿȌȺȺƵǿȯȲƵȲƵǏƶȁȺƮƊȺǿǞǐƊǶǘƊȺȱɐƵȌ0ȺɈƊƮȌȁȌȺƮƋ‫خ‬ÀƊȁɈƊǶɐɈƊƵɈƊȁɈȌƵȺǏȌȲƪȌ coletivo que, não à toa, podem ser perdidos a qualquer momento. A fragilidade desses avanços e conquistas não é acidental, faz parte do projeto colonial de nos manter em eterna dependênƧǞƊ‫خ‬wƊǞȺƮƵ‫ממף‬ƊȁȌȺƮƵȺȺƊȲƵǶƊƪƣȌƵǿɐǞɈȌȺƊƧǘƊǿȱɐƵْƊǞȁƮƊْȁƣȌƶȌǿȌǿƵȁɈȌƮƵǶɐɈƊȲ com radicalidade. “Só gente privilegiada pode abrir mão desses rótulos”: essa é uma inversão, pois o fato de ȁƵǐƊȲǿȌȺƵȺȺƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺƵǿ‫ן‬ƊȯƵȺȺȌƊȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȱɐƵȁƣȌȺƵǯƊǿȌȺƧȌǿȯɐǶȺȌȲǞƊǿƵȁɈƵ rotulados a todo tempo, que não soframos as violências que deles decorrem. Privilegiado é quem vê o Estado como amigo e não como a estrutura violenta e abusiva cujas políticas públicas são ao mesmo tempo genocidas e de mínima reparação de danos. A luta pelo direito ao território, a luta dos movimentos indígenas está à frente na luta anticolonial porque busca a autonomia. Buscamos o direito a viver na terra e da terra, com dignidade e alegria. Para além de demandar alguém que use bem o poder sobre nós, não queremos que ninguém o tenha. Repito, por uma luta em que a palavra (em identidades ou não) não nos seja camisa de força, destino ou prisão e sim porosidades vivas como o movimento das águas. Sobre a questão das orientações sexuais, compartilho aqui algumas prosas-poemas que escrevi sobre isso esses tempos: Ɗ‫ف‬yƣȌȺȌɐǶƶȺƦǞƧƊ‫ة‬ȁƵǿǿɐǞɈȌǿƵȁȌȺǘƶɈƵȲȌ‫ة‬ɈƊǿƦƶǿȁƣȌǿƵƊ˛ȲǿȌȯƊȁȌɐƦǞ‫خ‬ÀƵȁǘȌ me afastado dessas categorias porque muitas vezes elas convocam uma resposta de um tempo que não tenho, o amanhã que ainda não vivi. wƊǞȺƮȌȱɐƵȺɐƦǿƵɈƵȲ‫ץ‬ƦǞǶǘȪƵȺƮƵȯƵȺȺȌƊȺƊ‫ף‬ƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺ‫ـ‬ƊȁɈƵȺƮȌƵȁƪƊ‫ة‬ƊǞȁƮƊǘȌǯƵȯƵcado), cabe nos fazermos uma pergunta anterior: qual a validade dessa necessidade de haver uma identidade para nomear nossos laços afetivo-sexuais? §ȲƵƧǞȺƊǿȌȺƮƵɐǿȁȌǿƵȯƊȲƊƮƵ˛ȁǞȲȱɐƵǿǐȌȺɈƊƮƵȯƊƪȌƧƊƵǶɐƊ‫(د‬ƵɐǿȁȌǿƵȯƊȲƊ quem ama sol ou suco de maçã? Será que dar esses nomes ao desejo não serviu e serve à criação de um contraste de quem é saudável, quem é normal e quem é patológico? ȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺ˛ɮƊȺǿɐǞɈƊȺɨƵɹƵȺƧȌȁƮɐɹƵǿƊȺȯƵȺȺȌƊȺƊȺƵȺƵȁɈǞȲƵǿǏȲƊɐƮƵȺ‫ة‬ƊƧɐǿȯȲǞȲƵǿɐǿȲȌɈƵǞȲȌƮȌȱɐƵƶɐǿƊٗǶƶȺƦǞƧƊ‫ش‬ƦǞƮƵɨƵȲƮƊƮƵ٘‫ة‬ƊȺƵȺƵȁɈǞȲƵǿǞȁȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵȺ‫ة‬ƊȺƵȺƵȁɈǞȲƵǿ ƧȌǿȯƵǶǞƮƊȺƊȺƵǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲƵǿ‫ة‬ƊƧȌȁɨƵȁƧƵȲƵǿ‫ة‬ƊǏƊɹƵȲƵǿȺƵȁɈǞƮȌƊȱɐƵǿǶǘƵȺȌȯȲǞǿƵ‫خ‬ Muitos passamos a vida tentando convencer a quem nos oprime de que realmente não pecamos, que realmente merecemos perdão e reconhecimento. Mas esquecemos que quem nos oferece a salvação e a redenção precisou inventar o pecado pelo qual nos desculpamos. Precisam que demandemos a salvação, senão não têm mais nada a nos oferecer ou exigir. Se o veto e a chantagem da aceitação já não nos imobilizam, podemos viver com mais alegria nossos dias, nossa vida. Se quando digo “eu sou” me cobrarão um roteiro daquilo de como devo ser, então que não paguemos o resgate, só assim a chantagem se desmantela. Luma Lessa 49 Geni Núñez Muitas vezes em nome das estratégias de luta nos perdemos e passamos a usar as identidades não como meio de luta, mas como doutrinas e passamos a ser crentes em sua mitologia colonial. §ƊȲƊƊǶǐɐȁȺƊȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƪƣȌƶɐǿƧƊǿǞȁǘȌ‫ة‬ǿƊȺƶǞǐɐƊǶǿƵȁɈƵǶƵǐǠɈǞǿƊƊȁƣȌƮƵǿƊȁƮƊ 50 de reconhecimento. Não cobro meu ingresso de meia entrada no show das mulheridades, não desejo mais uma vaga em nomes que sequer deveriam existir. ²ƵȺȍɈƵǿǐƺȁƵȲȌȱɐƵǿƶǘɐǿƊȁȌ‫ة‬ȯȲƵ˛ȲȌƧȌȁɈǞȁɐƊȲƦǞƧǘȌ‫خ‬ Que a palavra em vez de camisa de força, nos seja rede, apoio e abraço. b) A colonialidade precisa da gente reféns de seu reconhecimento e tutela. Querem que lutemos por uma branquitude boa, por uma heterossexualidade não violenta, por uma cisgeneridade saudável. Que lutemos por sua reforma e manutenção. É preciso ƧȌǿȯȲƵƵȁƮƵȲ ȱɐƵ Ȍ ˛ǿ ƮƊ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ ȺƵȲƋ ɈƊǿƦƶǿ Ȍ ˛ǿ ƮƊȺ ǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ‫ة‬ ƦǞȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ‫©خ‬ɐƵȌ˛ǿƮƊƦȲƊȁȱɐǞɈɐƮƵȺƵȲƋȌ˛ǿƮƊȁƵǐȲǞɈɐƮƵƵƮƊǞȁƮǞƊȁǞƮƊƮƵǐƵȁƶȲǞƧƊ‫خ‬ ©ɐƵȌ˛ǿƮȌƵȺȯƵƧǞȺǿȌȺƵȲƋȌ˛ǿƮȌǘɐǿƊȁȌ‫خ‬ Em nenhum desses casos estou me referindo a uma morte concreta, necessariamente, ǿƊȺƊȌ˛ǿƮƵɐǿƊ˛ƧƪƣȌȱɐƵǘǞƵȲƊȲȱɐǞɹƊɨǞƮƊȺƵȯȌȲǞȺȺȌȁȌȲǿƊǶǞɹƊȺɐƊȺǿȌȲɈƵȺ‫خ‬0ȺȺƵ˛ǿȺȍ será possível com reparação histórica. As identidades coloniais são parasitárias, ou seja, só se positivam negativando outras. Homossexualidade não vai deixar de ser pecado enquanto heterossexualidade não deixar de ser o ǿȌƮƵǶȌƮȌȺƊɐƮƋɨƵǶ‫خ‬yƣȌƮƋȯȲƊȱɐƵȲƵȲȌ˛ǿƮȌǞȁǏƵȲȁȌ‫ة‬ȺƵǿȱɐƵȲƵȲȌ˛ǿƮȌƧƶɐ‫خ‬ ٗwƊȺ Ɗ ȺȌƧǞƵƮƊƮƵ Ƕƺ ƮƵ ɈƊǶ ǏȌȲǿƊ٘‫© خ‬ɐƊȺƵ ‫ ڭמק‬ƮƊ ȯȌȯɐǶƊƪƣȌ ƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊ ȺƵ Ɗ˛ȲǿƊ ƧȲǞȺɈƣ‫ة‬ nem por isso me intimidarei com sua predominância cultuando-a apenas porque a maioria o ǏƊɹ‫ خ‬1 ȯȌȺȺǠɨƵǶ ȲƵƧȌȁǘƵƧƵȲ ȌȺ ƵǏƵǞɈȌȺ ƮƵȺȺƊȺ ˛ƧƪȪƵȺ‫ ة‬ƧȌǿƦƊɈƵȲ ȺɐƊȺ ɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺ ȺƵǿ ǏƵƧǘƊȲ ɐǿ pacto íntimo com elas. Liberdade não é escolher entre as opções que a colonialidade nos dá, mas ter a coragem e ousadia de poder questionar sua própria oferta. wƋɮǞǿȌ ȲƵȺȯƵǞɈȌ Ɗ ȱɐƵǿ ƦɐȺƧƊ ȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲ Ȍ ȱɐƵ‫ش‬ȱɐƵǿ ƶ ǿƊȺƧɐǶǞȁȌ Ƶ ǏƵǿǞȁǞȁȌ‫ ة‬ǘȌmem x mulher, mas que seja respeitado também o direito a não acreditar nesses pares, independente do tanto de matizes que tenham, da pluralidade com que se apresentem. A não conversão a essas lógicas não é falta de consciência/respeito, mas não exijam culto aos seus deuses. c) Poema Corpo potável: Minha inteligência não é feminina (nem masculina) Minhas orelhas não são femininas (nem masculinas) Nenhum órgão do meu corpo tem gênero, nem meu fígado, rins, nem meu coração, minha bunda ou vagina. O vento cuida de nós, os rios matam nossa sede, a terra nos abraça e nos cuida: nem por isso o cuidado é feminino (nem masculino). Os rios também têm curvas (nem por isso são mulheres). O sol que aquece as plantas não é homem (nem mulher). ɈƵȲȲƊ˜ȌȲƵȺƧƵȁƮȌ‫ة‬ƊƧǘɐɨƊƧƊǞȁƮȌ‫ة‬ȁƣȌȺƣȌǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ـ‬ȁƵǿǘȌǿƵȁȺ‫خف‬ Da mesma forma que um raio não é homem, nem uma borboleta é mulher, o binário de gênero nos descreve muito mal. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Entrevistas Quando dizem que só humano pode ser homem e mulher, querem dizer que ou se é humano ou se é bicho. Só elogiam o humano/humanizado porque veem bicho como ofensa. 51 “Parece animal” quem não é civilizado. Da hierarquia do humano (entre si e com os demais seres) que decorrem todas as violências. ²ƵȌǿɐȁƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶȁȌȺɨƺƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƮƵȺƮƵȺƵɐȺƧȲǞɈƶȲǞȌȺ‫ة‬ȁƣȌȺƵȲƋȯȌȲǞȺȺȌȱɐƵɈȌǿƊȲƵǞ como saudáveis suas regras. O folclore de gênero não faz sentido para mim, nem sua mitologia de que a cor rosa do céu é cor de mulher e o azul do mar, cor de homem. Cuidado, afeto, sensibilidade, força, inteligência ...tudo isso existe no mundo e não é coisa de mulher (nem de homem). yƣȌȺƵȲǿȌȺƧȲƵȁɈƵȺƮȌǐƺȁƵȲȌȁȌȺƊɐɮǞǶǞƊƊƮƵȺƧƵȁɈȲƊǶǞɹƊȲȌǘɐǿƊȁȌƮȌȺƵȁɈǞƮȌƮƊȺƧȌǞȺƊȺ‫סڜ‬ ²ƵȲǘɐǿƊȁȌȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȺƵȲǿƊǞȺɐǿƮƵȁɈȲƵǿɐǞɈȌȺƦǞƧǘȌȺ‫ة‬ǿƊȺȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶ‫ة‬ȌǿƊǞȺǞǿportante, o melhor. Isso é precisamente o que não sou, o que não somos. ƮƵȺȯƵǞɈȌƮƵɈȌƮƊȺƊȺ˛ƧƪȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ƧȌǿȌȲǐɐǶǘȌƮǞǐȌ‫ب‬ȁƣȌȺȌɐǿɐǶǘƵȲ‫ـ‬ȁƵǿǘȌǿƵǿ‫خف‬ Se a cor do caqui é brilhosa, ela deixa de brilhar se eu disser brilhoso? Se o calor do sol me esquenta, deixaria de me aquecer se eu dissesse no feminino? ²ƵƊȁɐɨƵǿƵȺɈƋƧǘƵǞƊ‫˛ة‬ƧƊȲǞƊɨƊɹǞƊȺƵƵɐƮǞȺȺƵȺȺƵƧǘƵǞȌ‫د‬ Se o som dos passarinhos é lindo, seria menos belo se eu dissesse linda? Se me digo amoroso, me torno alguém menos afetuoso por usar essa ou aquela letra? Se me digo sortude, tenho menos sorte? Os crentes do gênero tomam as letras a, o, u e atribuem a elas um valor hierárquico, essencial e moralista. Em vez de janelas abertas para a vida, as letras se tornam cadeados. “Usar rosa não me faz menos homem”/ “levantar menos peso não me faz menos mulher”, ƊȯȲƵȺȺƊǿٌȺƵƊƮǞɹƵȲ‫خ‬0ȺƵ˛ɹƵȲ‫©د‬ɐƊǶȌȯȲȌƦǶƵǿƊƵǿȺƵȲǿƵȁȌȺǘȌǿƵǿ‫د‬0ǿȺƵȲǿƵȁȌȺǿɐlher? Por que tanto medo em viver para além dessa mitologia? Homem e mulher não existem ȺƵȁƣȌƧȌǿȌɐǿƊ˛ƧƪƣȌ‫ة‬ƊȺȺǞǿƧȌǿȌɐǿȯƊȲƮƊǶȁƣȌƶɐǿǘȌǿƵǿ‫ة‬ȁƵǿɐǿƊȁɐɨƵǿƶǿɐǶǘƵȲ‫ة‬ repito, o binarismo do cis-gênero nos descreve muito mal. E olha que não tenho problema com ˛ƧƪȪƵȺƵǞȁɨƵȁƪȪƵȺ‫ة‬ȯƵȁȺȌȱɐƵȯȌƮƵǿȺƵȲǏȌȲǿƊȺǿɐǞɈȌǶǞȁƮƊȺƮƵȺƵȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƧȌǿƊɨǞƮƊ‫خ‬yȌ ƵȁɈƊȁɈȌ‫ة‬ƊȺ˛ƧƪȪƵȺƦǞȁƊȲǞȺɈƊȺȺƣȌȯȲȌƦǶƵǿƋɈǞƧƊȺȁƊǿƵƮǞƮƊƵǿȱɐƵȲƵȺɐǿƵǿȌǿɐȁƮȌƵǿƮȌǞȺ (quando muito, três). ªƵƧȌȁǘƵƧƵȲȌȱɐƵƵǿȁȍȺƶǞȁƧƊȯɈɐȲƋɨƵǶƶȯƊȲɈƵƮƊȺƵȲƵȁǞƮƊƮƵƮȌƊƦȲƊƪȌƊȌȺ˜ɐɮȌȺƮƵ nossas existências.  ƮƵǏƵȺƊ ƮƊ ǿȌȁȌǐƊǿǞƊ ƶ ǏƵǞɈƊ Ƶǿ ǐȲƊȁƮƵ ȯƊȲɈƵ ȯƊɐɈƊƮƊ ȁƊ ȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵ ƮƵ ƵȺƧȌǶǘƊ Ƶ ȁƊǞƮƵǞƊƮƵȱɐƵȺȍƊȺȺǞǿǘƋɐǿƊȲƵȺȯȌȁȺƊƦǞǶǞƮƊƮƵƊǏƵɈǞɨƊƶɈǞƧƊ‫§خ‬ȌȲȺɐƊɨƵɹ‫ة‬ƊɨǞȺƣȌƧȲǠɈǞƧƊ ƧȌǿȯȲƵƵȁƮƵƊǿȌȁȌǐƊǿǞƊƧȌǿȌɐǿƊƵȺɈȲɐɈɐȲƊƮƵȯȌƮƵȲȱɐƵȯȲȌǿȌɨƵƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵȺȁƊȺ ȲƵǶƊƪȪƵȺƊǏƵɈǞɨƊȺ‫ة‬ƧȌǶȌƧƊȁƮȌƵȺɈƊȺƧȌǿȌȯȲǞȌȲǞƮƊƮƵƵǿƮƵɈȲǞǿƵȁɈȌƮƵɐǿƊȲƵƮƵƮƵȲƵǶƊٌ ƪȪƵȺƵƵȁƧȌȁɈȲȌȺȯȌȺȺǠɨƵǞȺ‫ة‬ȁƣȌƊȯƵȁƊȺƊǏƵɈǞɨȌȺ‫ة‬ǿƊȺƮƵƊǿǞɹƊƮƵ‫ة‬ƮƵɈȲƊƦƊǶǘȌ‫ة‬ƮƵǶɐɈƊƵƮƵ ȁȍȺǿƵȺǿƵȺ‫„خ‬ȱɐƵƶƊȁƣȌٌǿȌȁȌǐƊǿǞƊƵȁȱɐƊȁɈȌɐǿȁƣȌٌǿȌƮƵǶȌȲƵǶƊƧǞȌȁƊǶƵɐǿƊȯȲƋɈǞٌ ƧƊƵǿǞȁƵȁɈƵǿƵȁɈƵȯȌǶǠɈǞƧƊ‫§د‬ƊȲƊɨȌƧƺ‫ة‬ƧȌǿȌǏɐȁƧǞȌȁƊƊƶɈǞƧƊƵǏƵɈǞɨƊȁƊȯȲƋɈǞƧƊȲƵǶƊƧǞȌȁƊǶ ȁƣȌٌǿȌȁȌǐƓǿǞƧƊ‫د‬ Luma Lessa Geni Núñez Tenho chamado de sistemas de monoculturas a lógica da colonialidade. Nela, o um é imposto como único caminho possível. O deus cristão não é apenas monoteísta, mas monogâmico: para provar que o ama, a pessoa precisa, necessariamente, não amar outros deuses, senão 52 comete adultério. É nessa linha que a monogamia é um sacramento cristão, ela é um casamento com Jesus. A imposição da monogamia, segundo a historiadora Vania Moreira, foi crucial para a implementação do projeto colonial. Ela comenta que o combate dos missionários à não monogamia indígena se tornou uma grande obsessão na época porque ela impedia o batismo e sem este, não seria possível levar adiante a catequização. Nas cartas jesuíticas, temos relatos ƮȌȺȯƊƮȲƵȺƵǿȱɐƵƊ˛ȲǿƊɨƊǿȱɐƵȌɑȁǞƧȌƧƊȺƊǿƵȁɈȌɨƵȲƮƊƮƵǞȲȌƵȲƊȌƧȲǞȺɈƣȌƵ‫ة‬ȯȌȲɈƊȁɈȌ‫ة‬Ȍ monogâmico. A qualidade exclusiva desse matrimônio estaria especialmente posta no seu atributo temporal, ou seja, só seria verdadeiro o vínculo que não se acabasse e/ou se transformasse. „ȺǯƵȺɐǠɈƊȺ˛ƧƊɨƊǿǘȌȲȲȌȲǞɹƊƮȌȺƵǿȌƦȺƵȲɨƊȲȱɐƵȁȌȺȺȌȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺǐɐƊȲƊȁǞǞȁɈƵȲȲȌǿȯǞƊǿȌ vínculo quando queriam e como desejavam, sem que houvesse punição ou constrangimento algum em relação a isso. Nisso, vemos que monogamia não era e não é sobre quantidade de pessoas com que se relaciona, mas sobretudo sobre o modo em que essa relação acontece. Se lembrarmos que a conquista do direito ao divórcio só foi plenamente assegurada na ConstituiƪƣȌƮƵ‫ةצצקן‬ȯƵȲƧƵƦƵǿȌȺƧȌǿȌƊɈƶȯȌɐȱɐǠȺȺǞǿȌɈƵǿȯȌ‫ة‬ƊȺȯƵȺȺȌƊȺȁƣȌɈǞȁǘƊǿȌƮǞȲƵǞɈȌǶƵǐƊǶ de interromper suas relações. O Estado colonial em que vivemos é fundamentalmente cristão, inclusive há poucos anos atrás ele criminalizava pessoas pelo crime de “adultério”, que em verƮƊƮƵȁƣȌȯƊȺȺƊƮƵɐǿȯƵƧƊƮȌƧȲǞȺɈƣȌ‫خ‬yȌǿƵȺǿȌȺƵȁɈǞƮȌ‫ة‬ƊƦǞǐƊǿǞƊȺƵǐɐƵȺƵȁƮȌȱɐƊǶǞ˛ƧƊƮƊ como um crime no Código Penal, o que me leva a perguntar: que escolha é essa que quando dissemos não podemos ir para a cadeia? Que elogio nostálgico é esse das antigas relações que duravam a vida toda, quando não havia outra possibilidade que não sua manutenção? Não monogamia anticolonial, para mim, é sobre a possibilidade de termos autonomia em nossas decisões sobre nossa própria afetividade, sexualidade. Assim como monogamia não é sobre quantidade, apenas, não monogamia também não. Assim como uma pessoa bissexual ɈƵǿƊȯȌɈƵȁƧǞƊǶǞƮƊƮƵƮƵȺƵƊɈȲƊǞȲȯȌȲǿƊǞȺƮƵɐǿٗǐƺȁƵȲȌ٘‫ة‬ǿƊȺǞȺȺȌȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȱɐƵƵǶƊȁƵcessariamente irá se atrair por todos, uma pessoa não monogâmica tem a potencialidade de se ȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƧȌǿǿƊǞȺƮƵɐǿƊȯƵȺȺȌƊƊȌǿƵȺǿȌɈƵǿȯȌ‫ة‬ƵǿƦȌȲƊǞȺȺȌȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ȱɐƵȱɐƵȁƵƧƵȺsariamente irá fazê-lo. ƧȲƵƮǞɈȌ ȱɐƵ ȁǞȁǐɐƶǿ ˛ƧƊȲǞƊ ǿɐǞɈȌ ƧȌȁǏȌȲɈƋɨƵǶ Ƶǿ Ɗ˛ȲǿƊȲ‫ ب‬ȌȯɈƵǞ ȯȌȲ ɐǿ ȺǞȺɈƵǿƊ ƮƵ controle, punição e impus exclusividade emocional/sexual a quem amo. Não, a narrativa em ƮƵǏƵȺƊƮƊǿȌȁȌǐƊǿǞƊƊƧǞȌȁƊƊȯȌȺǞɈǞɨƊƪƣȌƵƊȁȌƪƣȌƮƵƵȺƧȌǶǘƊȯƊȲƊ˛ƧƊȲƧȌȁǏȌȲɈƋɨƵǶƧȌȁȺǞgo. E aí o que tenho sugerido alguns questionamentos: ȺƵƊȯƵȺȺȌƊȁƣȌɈƵǿƮƵȺƵǯȌƮƵ˸ƧƊȲ ƧȌǿȌɐɈȲƊȺƊǶƶǿƮƊȱɐƵǶƊƧȌǿƊȱɐƊǶȁƊǿȌȲƊ‫ل‬ȁƣȌȺƵȲǞƊƊǠǿƵȺǿȌǿƊǞȌȲƊȌƦȺȌǶƵȺƧƺȁƧǞƊƮƊ ǿȌȁȌǐƊǿǞƊ‫ي‬²ƵƶǿƵȺǿȌɐǿƊƵȺƧȌǶǘƊǶǞɨȲƵ‫ل‬ȯȌȲȱɐƵƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵɐǿƧȌȁɈȲƊɈȌȯɐȁǞɈǞɨȌ‫ي‬ yƵǿɈɐƮȌȱɐƵƶƧȌǿƦǞȁƊƮȌ‫ل‬ƶƶɈǞƧȌƵƊǿƵɐɨƵȲ‫ل‬ƊɐɈȌȁȌǿǞƊȺȌƦȲƵȺǞǿƵȺǿȌƶƊǶǐȌȱɐƵȁƣȌ se terceiriza. Assim como o heterossexismo não é sobre a heterossexualidade como uma das sexualidades possíveis, mas como a única, a monogamia não é sobre se relacionar com uma pessoa e sim com apenas uma e com essa, de determinada forma, num determinado tempo. A colonialidade não admite concomitâncias. A demanda não é de também ser amado, mas de ser unicamente amado. No monoteísmo cristão, se houvesse o reconhecimento de que a espiritualidade cristã era apenas uma dentre muitas, não teríamos a motivação do projeto colonial de catequização. 0ȁɈƣȌ‫ل‬ȯƊȲƊǿǞǿ‫ل‬ȁƣȌǿȌȁȌǐƊǿǞƊƶȺȌƦȲƵȁȌȺƮƵȺƧƵȁɈȲƊǶǞɹƊȲǿȌȺ‫ك‬ȁƣȌȺȌǿȌȺ ȌƧƵȁɈȲȌƮȌȯǶƊȁƵɈƊ‫ل‬ȁƣȌȺȌǿȌȺȌƧƵȁɈȲȌƮƊɨǞƮƊƮƵȌɐɈȲƊȯƵȺȺȌƊ‫ل‬ȁƵǿȌǐƺȁƵȺǞȺ‫ل‬ƊȯȌƧƊǶǞȯȺƵ‫ل‬ ȲƶǐɐƊȌɐƦɑȺȺȌǶƊƮƊɨǞƮƊƊǶǘƵǞƊ‫ى‬Muitas pessoas acreditam que não monogamia é um modelo Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Entrevistas ƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌ‫ة‬ƊȁɈƊǐȏȁǞƧȌƊȌǿȌƮƵǶȌǿȌȁȌǐƓǿǞƧȌ‫خ‬yƵȺȺƊǶǞȁǘƊ‫ة‬ǘƊɨƵȲǞƊƊȯƵȁƊȺƮɐƊȺȌȯƪȪƵȺȲƵǶƊcionais. Este é um equívoco em muitos sentidos: vejam, monogamia é um sistema compulsório que se pretende como o único possível para bilhões de pessoas. Como que “daria certo” um único jeito de se relacionar para pessoas tão diversas, com histórias de vida tão distintas, com ɈƊȁɈƊȺ ƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺ ƮƵ ƧǶƊȺȺƵ‫ ة‬ȲƊƪƊ‫ ة‬ƵɈȁǞƊ‫ ة‬ƮƵ˛ƧǞƺȁƧǞƊ ƵɈƧ‫  دخ‬ȯƵȲǐɐȁɈƊ ƧȌȲȲƵɈƊ ƮƵɨƵȲǞƊ ȺƵȲ ƵȺȺƊ‫ة‬ mas a colonialidade inverte as perguntas. Toda hegemonia só se constrói nesse lugar através da violência, do apagamento, do epistemicídio. A partir do que tenho chamado de artesania dos afetos, não tem como existir apenas UMA não monogamia, mas sim a construção singular de cada relação, pois cada encontro é ɑȁǞƧȌ‫خ‬ÀƵƧƵȲ˛ȌȺƮƵȺƵȁɈǞƮȌȱɐƵƮƵƊǶǐɐǿƊǏȌȲǿƊƊƧȌǶǘƊǿȁȌȺȺƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊƶɐǿƊɈƊȲƵǏƊɈȲƊƦƊlhosa, mas ao mesmo tempo muito potente e produtora de saúde mental-físico-social. Muitas vezes sem uma referência pronta a gente se sente perdido, confuso e com medo, mas honrar nosso tempo de vida envolve termos a coragem de construir nosso próprio caminho, nosso próprio sentido, sempre provisório. Se as receitas prontas, de glutamato emocional, diminuem nossa capacidade de sentir os diferentes gostos dos alimentos, como podemos fazer para recuperar nossa capacidade de realmente conhecer nosso próprio paladar? Um gosto e uma alegria que não seja aquela do desespero que a dependência dá, com toda sua urgência, pressa e pasteurização. Lembro aqui de um trecho da música Transbordar que amo muito da grande artista @ dandaramanoela: “visto a roupa que você deixou pra mim, não me cai tão bem, mas eu visto mesmo assim, que é pra não te chatear, não quero te ver chorar, mas dói, dói em mim”. Como seria sua roupa se você fosse sua própria estilista? Que cor, tamanho e formato teria? É nesse sentido que penso na artesania nos afetos. ȺȯƊɐɈƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌƵȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƵȁƧȌȁɈȲƊǿƵȺȯƊƪȌƮƵƮǞƋǶȌǐȌȌɐȺƣȌȯȌǶƺǿǞƧƊȺƮƵȁɈȲȌ ƮȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǞȁƮǠǐƵȁƊ‫د‬ Falando pela experiência que tenho como guarani, temos encontros regionais e nacionais das Kunhangue, em que discutimos diversas pautas. Não é porque não falamos disso da mesma forma que determinados grupos o fazem que não fazemos. Sempre me senti muito acolhida entre meus parentes, embora, por sermos seres contemporâneos, os discursos cristãos e o pensamento monocultural inegavelmente também nos atingiu. „ɐɈȲȌɈȍȯǞƧȌƦƊȺɈƊȁɈƵƊƦȌȲƮƊƮȌȯƵǶƊȺȺɐƊȺǏƊǶƊȺƊɈƶƊȱɐǞƶȌȯƊȯƵǶƮƊȺȲƵǶǞǐǞȪƵȺƮƵǿƊɈȲǞɹ ƧȲǞȺɈƣȺ Ƶ Ɗ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ‫ خ‬RƋ ɐǿƊ ȲƵǶƊƪƣȌ ǘǞȺɈȍȲǞƧƊ ƮƵ ǐƵȁȌƧǠƮǞȌ Ƶ ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ ƵȁɈȲƵ Ɗ ȲƵǶǞǐǞƣȌƧȲǞȺɈƣƵȌȺȯȌɨȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫خ‬ɈɐƊǶǞɹƊȁƮȌƧȌǿȌȺƵƮƋƵȺȺƊȲƵǶƊƪƣȌƮƵȯȌƮƵȲƊǞȁƮƊ ȁȌƧȌȁɈƵɮɈȌƊɈɐƊǶ‫ة‬ɨȌƧƺƧȲǞɈǞƧƊƊȺƵȯƊȲƊƪƣȌƵȁɈȲƵƦȌȁȺƵǿƊɐȺƵƧȲǞȺɈƣȌȺ‫ة‬Ɗ˛ȲǿƊȁƮȌȁƣȌ ȺƵȲȯȌȺȺǠɨƵǶȲƵƊǶǞɹƊȲɐǿƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞɹƊƪƣȌȺƵǿɐǿƊƮƵȺƧƊɈƵȱɐǞɹƊƪƣȌ‫ة‬ȯȌƮƵǏƊǶƊȲǿƊǞȺȺȌƦȲƵ ƵȺȺƵƊȺȺɐȁɈȌ‫د‬ Como disse, a colonialidade não admite concomitâncias, por isso o avanço do cristianismo implica no direto desaparecimento de línguas e costumes originários. Foi preciso muito ȺƊȁǐɐƵȯƊȲƊȱɐƵǘȌǯƵƧƵȲƧƊƮƵ‫ڭמק‬ƮƵȺȺƵȯƊǠȺȺƵƊ˛ȲǿƵƧȲǞȺɈƣȌ‫ـ‬X J0‫خفמןמנة‬ÀȌƮƊƵȺȺƊǞȁɨƵȁƪƣȌƮƵ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ƧɐǯƊƦƊȁƮƵǞȲƊǘȌǿƵȁƊǐƵǞƊƊȺƧƊȺƊȺȯȌȲɈɐǐɐƵȺƊȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ƧɐǯƊǶǠȁǐɐƊȌ˛ƧǞƊǶƶȌ ȯȌȲɈɐǐɐƺȺ‫ة‬ƧɐǯƊȲƵǶǞǐǞƣȌȌ˛ƧǞƊǶƶȌƧȲǞȺɈǞƊȁǞȺǿȌ‫خ‬ǞǿȯȌȺǞƪƣȌƮƵȺȺƊȯȲƵɈƵȁȺƊǘȌǿȌǐƵȁƵǞɹƊƪƣȌ da identidade nacional tem como principais adversários nossa diversidade étnica, que a todo momento contradiz essas narrativas, lembrando que aqui nessa terra não há o português como única língua, nem o cristianismo como única espiritualidade, nem uma única nação. Nós somos Luma Lessa 53 Geni Núñez perseguidos não somente pela racialização da nossa pele, mas pelos nossos modos de vida, radicalmente contrários à lógica da exploração, do desenvolvimento (ordem e progresso!), da matança de bichos de toda ordem (humanos ou não). Nós buscamos um envolvimento de qua- 54 lidade entre o tecido da vida do qual fazemos parte, não vendo aos demais seres como objeto ou propriedade e sim como nossos parentes, nossos irmãos. Quando digo que o debate não é sobre o “verdadeiro cristão”, sobre os cristãos bons ou maus, o que quero pontuar é que a lógica do bem compõe a lógica da moralidade, não existe moral cristã sem bem e mal. E o que pauto é uma vida em que o acesso à saúde, educação, moradia não seja mediado por esse tipo de ȲƊƧǞȌƧǠȁǞȌ‫ة‬ƵȁɈƵȁƮƵ‫د‬yƣȌƮƋȯƊȲƊȱɐƵȲƵȲǿȌȺȌ˛ǿƮȌǞȁǏƵȲȁȌȺƵǿȌ˛ǿƮȌȯƊȲƊǠȺȌ‫„خ‬ȯȲȌǏƵȺȺȌȲ ȯƊȲƵȁɈƵJƵȲȺƵǿ ƊȁǞɩƊȁȌȺƵȁȺǞȁƊȱɐƵƊȁȌƪƣȌƮƵٗȺȌƦȲƵȁƊɈɐȲƊǶ٘ƮƊǿƊɈȲǞɹ˛ǶȌȺȍ˛ƧƊƵɐȲȌȯƵǞƊ cristã não contempla nossas perspectivas indígenas. Isso porque a ideia de algo sobre/supernatural coloca a natureza como apartado, inferior, distante. Os deuses coloniais costumam ser os seres nomeados como sobrenaturais - eles e os demais seres que excedem de alguma forma a ordem “natural” das coisas. Para nós, os espíritos, os seres encantados e os humanos não estão acima do mundo, acima da natureza, pois ela é tudo que há, é o que somos. A noção de ȺɐȯƵȲٌǘȌǿƵǿƮȌȺ˛ǶǿƵȺƵȺɈƊƮɐȁǞƮƵȁȺƵȺƶɐǿƮȌȺȺǞȁɈȌǿƊȺƮȌƮƵȺƵǯȌƮƵȺƵȲǿƊǞȺƵǿƊǞȌȲƮȌ que se é. Parece que ser uma pessoa comum é pouca coisa, seria necessário ser/ter algo muito maior que a banalidade da vida. Nisso, o imaginário branco recorre ao desejo por não ter limites: ȺƵȲǘǞȯƵȲƊǶȌȁǐƊƮȌ‫ة‬ɈƵȲɈƵǞƊȺǞǿƵȁȺƊȺ‫ة‬ƧȌȲȲƵȲǿƊǞȺȲƋȯǞƮȌȱɐƵȌƧȌǿɐǿ‫ة‬ɨȌƊȲ‫˛ة‬ƧƊȲǐǞǐƊȁɈƵȌɐ minúsculo, etc. Na minha visão, o limite de cada ser em sua espécie é uma falsa proposição, porque nosso corpo não termina na pele, como diz Haraway. Somos uma multidão de seres, íntima e profundamente conectados com o ar, com todos uma multidão de seres, íntima e profundamente conectados com o ar, com todos os poros da nossa pele, desde antes de nascermos até ƮƵȯȌǞȺƮƵȁȌȺȺƊǿȌȲɈƵ‫خ‬ƮǞǏƵȲƵȁƪƊǘɐǿƊȁȌɮƊȁǞǿƊǶƶɐǿƊ˛ƧƪƣȌ‫خ‬ȺƊȲƊȁǘƊȺȁƣȌȺƣȌǿȌȁȍtonas por não serem do tamanho de um prédio, o alongamento da lesma é perfeito mesmo que sua elasticidade não salve os EUA, haha. Cada vida é como tinha de ser, não lhes falta nem ȺȌƦȲƊȁƊƮƊ‫خ‬wɐǞɈƊȺƮƊȺȯȺǞƧȌȯƊɈȌǶȌǐǞƊȺȺƣȌȲƵ˜ƵɮȌƮƊƮǞȺɈȌȲƪƣȌƮȌɈƵǿȯȌ‫ب‬ƵɮƧƵȺȺȌƮƵǏɐɈɐȲȌ‫ة‬ de passado. Acolher nosso tamanho, nem maior nem menor do que deve é também se reconciliar com a vida, é parar de tentar se vingar do tempo. Sem super humano e sem sobrenatural conseguiremos parar de ferir (nossa) natureza. A luta contra si é sempre uma batalha perdida. Queria retomar a questão do tempo e da colonialidade, pois estamos em um momento ǿɐǞɈȌƧȲɐƧǞƊǶƮƵƮƵƧǞȺƣȌȺȌƦȲƵȌǿƊȲƧȌɈƵǿȯȌȲƊǶ‫ة‬ȁƊ§m‫(خמקע‬ƵȁɈȲƵƊȺȯȲƋɈǞƧƊȺǿƊǞȺƧȌȁƮƵnáveis pelos jesuítas estavam o “xamanismo, nudez, não monogamia e nomadismo” (Cartas ǯƵȺɐǠɈǞƧƊȺ‫ة‬wƊȁȌƵǶƮƊyȍƦȲƵǐƊ‫ٗ„خفמץףןٌץןףןة‬ȁȌǿƊƮǞȺǿȌ٘ƵȲƊƧȌȁƮƵȁƊƮȌȯƵǶȌȺǿǞȺȺǞȌȁƋȲǞȌȺ ȯȌȲȱɐƵƮǞ˛ƧɐǶɈƊɨƊƊƧȌȁɨƵȲȺƣȌ‫ة‬ƧȌȁɈȲȌǶƵƵȯɐȁǞƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶ‫خ‬ƧǞȲƧɐǶƊƪƣȌǞȁƮǠǐƵȁƊƵȁɈȲƵƮǞǏƵȲƵȁtes territórios era uma forma de fortalecimento cosmogônico e político, portanto uma grande inimiga da catequização. O “direito de ir e vir” nunca foi coletivo de fato. Pessoas colocadas na posição de propriedade alheia, por exemplo, jamais puderam exercê-lo (ex: escravização). Até ‫נפקן‬ǿɐǶǘƵȲƵȺƧƊȺƊƮƊȺȯȲƵƧǞȺƊɨƊǿƮƵƊɐɈȌȲǞɹƊƪƣȌƵȺƧȲǞɈƊƮȌǿƊȲǞƮȌȯƊȲƊɨǞƊǯƊȲ‫ة‬ɐǿƵɮƵǿȯǶȌ de como as opressões estão muito relacionadas ao controle, ao cerceamento da liberdade. O marco temporal também é um marco espacial, ideológico, cristão. É possível ser dono de algo ȱɐƵǿɐƮƊ‫ة‬ȱɐƵȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊ‫د‬yƣȌ‫ة‬ƊǶȍǐǞƧƊƮƊȯȲȌȯȲǞƵƮƊƮƵȯȲƵƧǞȺƊƮƊ˛ɮǞƮƵɹƮȌɈƵǿȯȌƵƮȌ ƵȺȯƊƪȌ‫خ‬²ƵٗȁȌǿƊƮǞȺǿȌ٘ƵȲƊƧȌȁȺǞƮƵȲƊƮȌɐǿȯƵƧƊƮȌǶƋƵǿ‫ةממףן‬ǘȌǯƵƧȌȁɈǞȁɐƊȺƵȁƮȌȯɐȁǞƮȌ pelo Estado brasileiro que permanece a cada dia mais cristão, estabelecendo fronteiras racistas, etnocidas e misóginas de quem pode ir e vir, onde e com quem. Nóbrega dizia que “sem sujeição não há conversão”. O impedimento do “nomadismo” facilitava muito a imposição da monogamia, já que controlar e cercear estando no mesmo lugar, na mesma casa e sem ter para onde Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Entrevistas ir eram (e continuam sendo) as condições ideais de controle e dependência. Só há progresso da ordem colonial se for possível controlar o tempo e o espaço. Querem que nos mantenhamos no mesmo lugar “até que a morte nos separe”, com a mesma pessoa, no mesmo trabalho, na mesma cidade, com a mesma sexualidade. “A civilização transforma o tempo do diabo, que é o tempo desordenado do ócio, em tempo de graça, cronometrado para oração e trabalho” – diz Nóbrega. Por isso sou contra todos os marcos coloniais do tempo. §ȌȲ˛ǿ‫ة‬ǐȌȺɈƊȲǞƊƮƵƊǐȲƊƮƵƧƵȲƵȯƵƮǞȲȱɐƵɨȌƧƺǏƊǶƊȺȺƵɐǿȯȌɐƧȌȺȌƦȲƵǏȌȲǿƊȺƮƵƮǞƋǶȌǐȌ Ƶ ȺȌǶǞƮƊȲǞƵƮƊƮƵ‫ خ‬yƊȺ ȺɐƊȺ ȲƵƮƵȺ ȺȌƧǞƊǞȺ‫ ة‬ɨȌƧƺ ȯȌȺɈƊ ȺȌƦȲƵ Ȍ ȺƵɐ ȯȌȺǞƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌ ȯȌǶǠɈǞƧȌ‫ة‬ ƮǞȺƧɐȺȺȪƵȺȺȌƦȲƵȌȺɈƵǿƊȺȱɐƵǏƊǶƊǿȌȺƊɈƶƊȱɐǞƵǿɐǞɈȌǿƊǞȺ‫ة‬ǿƊȺɈƊǿƦƶǿȯȲȌǿȌɨƵƊƪȪƵȺ ƵƧɐȲȺȌȺȯƊȲƊƊȲȲƵƧƊƮƊȲƮȌƊƪȪƵȺȯƊȲƊƊȺƧƊɐȺƊȺȱɐƵɨȌƧƺǏƊɹȯƊȲɈƵ‫خ‬ßȌƧƺɨƺƊȺȲƵƮƵȺȺȌƧǞƊǞȺ ƧȌǿȌɐǿƊȯǶƊɈƊǏȌȲǿƊƧƊȯƊɹƮƵȯȲȌǿȌɨƵȲɐǿƊɈȲȌƧƊƮƵǏƊɈȌ‫©د‬ɐƊǶȲƵƧƊƮȌɨȌƧƺƮƊȲǞƊȯƊȲƊ ȱɐƵǿƵȺɈƋȱɐƵȲƵȁƮȌȺƵƵȁǐƊǯƊȲƵƊȯȌǞƊȲƊǶɐɈƊƮȌȺȯȌɨȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫د‬ Eu me sinto muito presenteado por fazer parte das lutas junto com meu povo, a alegria do coletivo, da redistribuição é única. Para tornarmos possíveis nossas idas à Brasília, em atos, ǿƊȁǞǏƵȺɈƊƪȪƵȺ‫ة‬ȯƊȲƊɈƵȲǿȌȺƊǶǞǿƵȁɈȌ‫ة‬ǿȌȲƊƮǞƊƵƊ˛ȁȺ‫ة‬ȯȲƵƧǞȺƊǿȌȺ‫ة‬ǞȁǏƵǶǞɹǿƵȁɈƵ‫ة‬ƮƵȲƵƧɐȲȺȌ˛nanceiro. Então, eu sou uma gotinha no oceano das nossas lutas e uma das minhas frentes é essa, articular para somar na concretização de nossos projetos e enfrentamentos. Tenho chaǿƊƮȌƮƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊǿƵȁɈȌƮȌǞǿƊǐǞȁƋȲǞȌƵȺȺƵȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵƧɐȲƊƮƊȺǏƵȲǞƮƊȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ƵȺȺƵȯȲȌcesso da retomada não só da terra, mas também da nossa alegria. As redes sociais são uma das ȁȌȺȺƊȺ˜ƵƧǘƊȺƧȌȁɈƵǿȯȌȲƓȁƵƊȺƵƧȌǿȌǿƵƵȁȺǞȁȌɐǿƵɐȱɐƵȲǞƮȌȯƊȲƵȁɈƵ(ƊȁǞƵǶæƦƵȲƺ‫ة‬ȁȍȺ Ɗ˛ƊǿȌȺȁȌȺȺƊȺȯƊǶƊɨȲƊȺƵƧƊƪƊǿȌȺȁȌȺȺȌȺƧȌǶȌȁǞɹƊƮȌȲƵȺɈƊǿƦƶǿƮƵȺȺƊǏȌȲǿƊ‫خ‬wƊȺȁƣȌȯƊȲƊmos por aí. No meu trabalho mesmo, meu objetivo não está em convencer ou converter, haha, é sempre um convite mesmo, abre as portas e janelas de si quem/quando quer. Muito mais que buscar convencer quem nos oprime a deixar de fazê-lo, rs, o que busco é fortalecer minhas comunidades e com isso retirar o poder de quem nos oprime do acesso à opressão. Aos nossos apoiadores, a chamada que deixo é de que se lembrem que esse engajamento antirracista não ƶɐǿȯȲƵȺƵȁɈƵȌɐȺǞǐȁȌƮƵƦƵȁƵɨȌǶƵȁɈƵƧƊȲǞƮƊƮƵ‫ة‬ǿƊȺɐǿǐƵȺɈȌƮƵȲƵȯƊȲƊƪƣȌǘǞȺɈȍȲǞƧƊ‫خ‬yȌ˛ǿ ƮƊȺƧȌȁɈƊȺ‫ة‬ƊǶɐɈƊȯƵǶƊɈƵȲȲƊ‫ة‬ƊǶɐɈƊȯƵǶƊƊɐɈȌȁȌǿǞƊƦƵȁƵ˛ƧǞƊȲƋƊɈȌƮƵȺ‫خ‬ ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ !ªy0Xª„‫ة‬ȯƊȲƵƧǞƮƊ²ɐƵǶǞ‫س‬IX²!Rwyy‫ة‬ªȌȺƵǶǞ‫خ‬ƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮȌȌɐɈȲȌƧȌǿȌȁƣȌٌȺƵȲƧȌǿȌ ǏɐȁƮƊǿƵȁɈȌƮȌȺƵȲ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵƮƵ²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫خףממנة‬ CURIEL, Ochy. Construyendo metodologías feministas desde el feminismo decolonial. In: ɹDzɐƵ‫ة‬XȲƊȁɈɹɐwƵȁƮǞƊ‫س‬mɐɮƋȁ‫ة‬wƊȲɈƊ‫س‬mƵǐƊȲȲƵɈƊ‫ة‬wƊɈɮƊǶƵȁ‫س‬JɐɹǿƋȁ‫ة‬JǶȌȲǞƊ‫س‬ðǞȲǞȌȁ‫ة‬XDzƵȲ‫!ۋ‬ƊȲƦƊǶlo, Jokin Azpiazu. (Ed.). „ɈȲƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵ‫ـ‬ȲƵ‫ف‬ƧȌȁƵƧƵȲ‫ب‬ȲƵ˜ƵɮǞȌȁƵȺ‫ة‬ǘƵȲȲƊǿǞƵȁɈƊȺɯƊȯǶǞƧƊƧǞȌȁƵȺ ƮƵȺƮƵǶƊǞȁɨƵȺɈǞǐƊƧǞȍȁǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ خ‬ǞǶƦƊȌ‫ب‬ǧß‫ش‬0RÇ‫ةעןמנة‬ȯ‫خנפٌףעخ‬ Jy0‫ة‬yǞƧǘȌǶƊȺ‫س‬Rªàæ‫(ة‬ȌȁȁƊ‫خ‬²ƵȁȍȺȁɐȁƧƊǏȌǿȌȺǘɐǿƊȁȌȺ‫ة‬ȌȱɐƵǏƊɹƵȲ‫§د‬ȌȁɈȌÇȲƦƵ, ²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ة‬ɨ‫ةןخ‬ȁ‫ةפخ‬ȯ‫ןةףٌןخ‬ƊǐȌ‫خמןמנخ‬ FANON, Frantz. §ƵǶƵȁƵǐȲƊ‫ة‬ǿƋȺƧƊȲƊȺƦȲƊȁƧƊȺ‫خ‬²ƊǶɨƊƮȌȲ‫ب‬0(ÇI ‫خצממנة‬ ‫„خصصصصصص‬Ⱥ!ȌȁƮƵȁƊƮȌȺƮƊÀƵȲȲƊ‫خ‬hɐǞɹƮƵIȌȲƊ‫ب‬ÇIhI‫خפממנة‬ Luma Lessa 55 Geni Núñez INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). !ƵȁȺȌ ȲƊȺǞǶƵǞȲȌ de ‫מןמנ‬. Rio ƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ب‬X J0‫خנןמנة‬ LUGONES, María. Colonialidad y género. ÀƊƦɐǶƊªƊȺƊ‫ ة‬ȌǐȌɈƋ‫ة‬ȁ‫ةקخ‬ǯɐǶ‫ش خ‬ƮƵɹ‫ةخ‬ȯ‫خצממנخןמןٌסץخ‬ 56 wå!mX‫ة‬mƊǠȺðǞȁǘƊ‫خ‬ÇǿȯȌɐƧȌȺȌƦȲƵƵɈȁȌƧǠƮǞȌƵȯȌȲȱɐƵȁƣȌƵȺɈƊǿȌȺǏƊǶƊȁƮȌƮƵǐƵȁȌٌ ƧǠƮǞȌƵǿȺƵɐȺƵȁɈǞƮȌǶǞɈƵȲƊǶ‫خקןמנخ‬IƊƧƵƦȌȌDz‫ب‬mƊǠȺðǞȁǘƊ‫(خ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ǿ‫خ‬ǏƊƧƵƦȌȌDz‫خ‬ ƧȌǿ‫ش‬ȁɈ‫ش‬ȺƧȲƵƵȁ‫دش‬ȯƊȲƊǿȺ‫ננڭ ץڭڙ‬ȁȌɈƵ‫ص‬ǞƮ‫ۋ(ץڭקעקפפפץנננסץץנמןסڭננڭ‬ȯƊɈǘ‫נڭڙ‬IȁȌɈƵȺ‫נڭ‬IȁȌɈƵ‫נڭ‬I‫صۋ‬ȲƮȲ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫עب‬ƊǐȌ‫خןנמנخ‬ MOREIRA, Vania Maria Losada. Casamentos indígenas, casamentos mistos e política na América portuguesa: amizade, negociação, capitulação e assimilação social. ÀȌȯȌǞ‫ ة‬Rio de Janeiro), v. ‫ةקן‬ȁ‫ةקסخ‬ȯ‫خצןמנخנףٌקנخ‬ „æ3àÏwZ‫!خ„ة‬ȌȁƧƵǞɈɐƊȁƮȌȌǐƺȁƵȲȌ‫ب‬ȌȺǏɐȁƮƊǿƵȁɈȌȺƵɐȲȌƧƺȁɈȲǞƧȌȺƮȌȺƧȌȁƧƵǞɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ ƵȌƮƵȺƊ˛ȌƮƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƊǏȲǞƧƊȁƊȺ‫خ‬ÀȲƊƮɐƪƣȌ‫ب‬hɐǶǞƊȁƊȲƊɑǯȌ‫(„!خ‬0²ªXJƵȁƮƵȲ²ƵȲǞƵȺ, (ƊDzƊȲ‫ة‬ɨ‫ةןخ‬ȯ‫خעממנخצٌןخ‬ ‫خصصصصصص‬mƊǞȁɨƵȁƧǞȍȁƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺ: Una perspectiva africana sobre los ƮǞȺƧɐȲȺȌȺȌƧƧǞƮƵȁɈƊǶƵȺƮƵǐƶȁƵȲȌ‫ خ‬ȌǐȌɈƋ‫ب‬0ƮǞɈȌȲƊƵȁǶƊǏȲȌȁɈƵȲƊ‫خץןמנة‬ PIB. §ȌɨȌȺXȁƮǠǐƵȁƊȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ خ‬Página inicial. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/ ȯɈ‫ןڭס!ڭ§ش‬ǐǞȁƊ‫ص‬ȯȲǞȁƧǞȯƊǶ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫עب‬ƊǐȌ‫خןנמנخ‬ SEUSS, Paulo. A história dos jesuítas no Brasil. !XwX‫ןסة‬ǯƊȁ‫(خפממנ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ƧǞǿǞ‫خ‬ ȌȲǐ‫خ‬ƦȲ‫خشצקסענشןמشפממנش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫סب‬ƊǐȌ‫خןנמנخ‬ SILVA, Edson. “Os caboclos” que são índios: história e resistência indígena no Nordeste”. !0²ٌ ß²I‫ ة‬ƵǶƶǿƮƵ²ƣȌIȲƊȁƧǞȺƧȌ‫ة‬ƊȁȌXXX‫ة‬ȁ‫ةסخ‬ȯ‫خעממנخץסןٌץנןخ‬ ÀǧXyw ‫!ة‬ƊȺƶåɐƧɐȲɐȁǐƊɈɐ‫!ٗخ‬ƊȲƊǿƊȺɐǠǢƵٚǿȌȁǐɐƵɈƋȺǢƵٚƵȁǐƊȲƊȺ‫ب‬ƧƊȲɐƦƊȺwȌƵǿƊȺ ǢƵٚƵȁǐƊȺٌ‫ـ‬ªƵ‫ف‬0ɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺXȁƮǞǐƵȁƊǿƵȁɈƵ(ƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺ٘‫خ‬Xȁ‫„(ب‬ªªX!„‫ة‬hɐǶǞƵ‫(س‬yy0ª‫ة‬IƵȲȁƊȁƮȌ‫(س‬ƊȁȁƵȲ‫ة‬mƵȁȌIȲƊȁƧǞȺƧȌ‫„خ‬ȲǐȺ‫خ‬mǞɈƵȲƊɈɐȲƊXȁƮǠǐƵȁƊ ȲƊȺǞǶƵǞȲƊ!ȌȁɈƵǿȯȌȲƓȁƵƊ‫ب‬Autoria, ɐɈȌȁȌǿǞƊƵɈǞɨǞȺǿȌ‫§خ‬ȌȲɈȌǶƵǐȲƵ‫ب‬0ƮǞɈȌȲƊIǞ‫خמנמנة‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021 Foto: detalhe do cartaz de Renata Barbosa Reis, 2021. Entrevista com Elisa Pankararu: ǿȌɨǞǿƵȁɈȌƮƵ ǿɐǶǘƵȲƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ ƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊ Jade Alcântara Lôbo PPGAS/UFSC 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿ0ǶǞȺƊ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫ب‬ǿȌɨǞǿƵȁɈȌƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ ƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊ ªƵȺɐǿȌ O presente texto é a transcrição da entrevista realizada pela antropóloga Jade Alcântara Lôbo com Elisa Urbano Ramos Pankararu. , ativista indígena da etnia Pankararu e antropóloga que possui mais de uma década de participação de movimentos do campesinato, indígena e das mulheres. Neste diálogo entre duas mulheres engajadas na luta dos povos e contra a desigualdade de gênero abordamos sobre a trajetória de Elisa Pankararu e sua defesa da existência de um feminismo indígena. Esta entrevista ǏȌǞȲƵƊǶǞɹƊƮƊƮƵǏȌȲǿƊɨǞȲɈɐƊǶȁȌȺƵǐɐȁƮȌȺƵǿƵȺɈȲƵƮƵ‫ةןנמנ‬ȲƵȺȯƵǞɈƊȁƮȌȌȺȯȲȌɈȌƧȌǶȌȺȁƵƧƵȺȺƋȲǞȌȺǿƵƮǞƊȁɈƵƊȯƊȁƮƵǿǞƊ!ȌɨǞƮٌ‫خקן‬ §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ب‬IƵǿǞȁǞȺǿȌXȁƮǠǐƵȁƊ‫س‬0ǶǞȺƊÇȲƦƊȁȌªƊǿȌȺ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫س‬IƵǿǞȁǞȺǿȌ Comunitário. Entrevista a Elisa Pankararu: el movimiento de mujeres indígenas y el feminismo indígena Resumen 0ǶȯȲƵȺƵȁɈƵɈƵɮɈȌƵȺǶƊɈȲƊȁȺƧȲǞȯƧǞȍȁƮƵǶƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȲƵƊǶǞɹƊƮƊȯȌȲǶƊƊȁɈȲȌȯȍǶȌǐƊhƊƮƵ ǶƧƓȁɈƊȲƊmȏƦȌƊ0ǶǞȺƊÇȲƦƊȁȌ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫ل‬ƊƧɈǞɨǞȺɈƊǞȁƮǠǐƵȁƊƮƵǶƊƵɈȁǞƊ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ ɯ ƊȁɈȲȌȯȍǶȌǐƊ ȱɐƵ ȯƊȲɈǞƧǞȯƊ Ƶȁ ǿȌɨǞǿǞƵȁɈȌȺ ƧƊǿȯƵȺǞȁȌȺ‫ ل‬ǞȁƮǠǐƵȁƊȺ ɯ ƮƵ ǿɐǯƵȲƵȺ desde hace más de una década. En este diálogo entre dos mujeres comprometidas ƵȁǶƊǶɐƧǘƊƮƵǶȌȺȯɐƵƦǶȌȺɯƧȌȁɈȲƊǶƊƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƮƵǐƶȁƵȲȌ‫ل‬ƮǞȺƧɐɈǞǿȌȺǶƊɈȲƊɯƵƧɈȌria de Elisa Pankararu y su defensa de la existencia de un feminismo indígena. Esta ƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺƵȲƵƊǶǞɹȍƮƵǿƊȁƵȲƊɨǞȲɈɐƊǶƵȁƵǶȺƵǐɐȁƮȌȺƵǿƵȺɈȲƵƮƵ‫ل׺׻׹׻‬ȲƵȺȯƵɈƊȁƮȌ ǶȌȺȯȲȌɈȌƧȌǶȌȺȁƵƧƵȺƊȲǞȌȺƮƵƦǞƮȌƊǶƊȯƊȁƮƵǿǞƊƮƵǶ!ȌɨǞƮ٧‫ى؂׺‬ Palabras clave: Feminismo Indígena; Elisa Urbano Ramos Pankararu; Feminismo Comunitario. Interview with Elisa Pankararu: The Indigenous Women's Movement And Indigenous Feminism Abstract ÀǘƵȯȲƵȺƵȁɈɈƵɮɈǞȺɈǘƵɈȲƊȁȺƧȲǞȯɈȌǏɈǘƵǞȁɈƵȲɨǞƵɩƧƊȲȲǞƵƮȌɐɈƦɯƊȁɈǘȲȌȯȌǶȌǐǞȺɈhƊƮƵ ǶƧƓȁɈƊȲƊmȏƦȌɩǞɈǘ0ǶǞȺƊÇȲƦƊȁȌ§ƊȁDzƊȲƊȲɐ‫ل‬ƊȁǞȁƮǞǐƵȁȌɐȺƊƧɈǞɨǞȺɈǏȲȌǿɈǘƵ§Ɗȁkararu ethnic group and anthropologist who has participated in movements of ȯƵƊȺƊȁɈȺ‫ل‬ǞȁƮǞǐƵȁȌɐȺƊȁƮɩȌǿƵȁǏȌȲǿȌȲƵɈǘƊȁƊƮƵƧƊƮƵ‫ى‬XȁɈǘǞȺƮǞƊǶȌǐɐƵƦƵɈɩƵƵȁ ɈɩȌɩȌǿƵȁƵȁǐƊǐƵƮǞȁɈǘƵȺɈȲɐǐǐǶƵȌǏȯƵȌȯǶƵȺƊȁƮƊǐƊǞȁȺɈǐƵȁƮƵȲǞȁƵȱɐƊǶǞɈɯ‫ل‬ɩƵ discuss the trajectory of Elisa Pankararu and her defense of the existence of an indigƵȁȌɐȺǏƵǿǞȁǞȺǿ‫ى‬ÀǘǞȺǞȁɈƵȲɨǞƵɩɩƊȺƧȌȁƮɐƧɈƵƮɨǞȲɈɐƊǶǶɯǞȁɈǘƵȺƵƧȌȁƮǘƊǶǏȌǏ‫ل׺׻׹׻‬ ȲƵȺȯƵƧɈǞȁǐɈǘƵȁƵƧƵȺȺƊȲɯȯȲȌɈȌƧȌǶȺƮɐƵɈȌɈǘƵ!ȌɨǞƮ٧‫؂׺‬ȯƊȁƮƵǿǞƧ‫ى‬ Keywords: Indigenous Feminism. Elisa Urbano Ramos Pankararu. Popular Peasant Feminism. Elisa Urbano Ramos Pankararu é ativista indígena da etnia Pankararu com mais de uma década de participação dentro de movimentos do campesinato, indígena e das mulheres. Elisa também é mestre em Antropologia pelo PPGA-UFPE e Coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste. Sua dissertação “Mulheres Lideranças Indígenas em Pernambuco – Espaço de poder onde acontece a equidade de gênero” discute teoricamente a existência de um feminismo indígena e a luta de mulheres indígenas de Pernambuco. Esta entrevista ocorreu de forma virtual devido ƊȯƊȁƮƵǿǞƊƮȌƧȌɨǞƮٌ‫ةקן‬ȁȌȺƵǐɐȁƮȌȺƵǿƵȺɈȲƵƮƵ‫خןנמנ‬ Entrevistas Foto: Elisa Urbano Ramos Pankararu (cedida pela entrevistada). 61 Jade Alcântara Lôbo Elisa Pankararu 0ǶǞȺƊ‫ة‬ɈƵƧȌȁǘƵƧǞƊɈȲƊɨƶȺƮƊȯȲȌǏƵȺȺȌȲƊwƊȲǞȁƊJɐǞǿƊȲƣƵȺ‫ة‬ƧȌȌȲƮƵȁƊƮȌȲƊƮȌJȲɐȯȌ!Ȍȁ˜ɐƺȁٌ ƧǞƊȺǏȲȌǞȁƮǠǐƵȁƊȺƮƊÇI ‫ة‬ƵǿɐǿƊȯƵȱɐƵȁƊȲƵɐȁǞƣȌƮȌǐȲɐȯȌ‫خ‬wƵȺǞȁɈȌǘȌȁȲƊƮƊƮƵƵȺɈƊȲ ƊȯȲƵȁƮƵȁƮȌƧȌȁɈǞǐȌȁȌɨƊǿƵȁɈƵ‫خ‬ȯȲƵȁƮǞƦƊȺɈƊȁɈƵȺȌƦȲƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊǶƵȁƮȌȺɐƊƮǞȺٌ 62 ȺƵȲɈƊƪƣȌƵƮƵƦƊɈƵȁƮȌȁƊȱɐƵǶƊȲƵɐȁǞƣȌȱɐƵǿƊǞȺɈƊȲƮƵǶƵɨȌɐƜȁȌȺȺƊǶǞɨƵƮȌX!ǞƧǶȌƮƵ!ɐȲȺȌȺ 0ȁƧȲɐɹǞǶǘƊƮƊƮƵ²ƊƦƵȲƵȺǏȲȌǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫„خ‬ȱɐƵɈƵǶƵɨȌɐƊƵȺɈɐƮƊȲǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊ‫د‬ O meu interesse em pensar feminismo indígena vem a partir do meu conhecimento da ȁȌǿƵȁƧǶƊɈɐȲƊ‫ة‬ƮȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƵƮƊȺǶɐɈƊȺɈƊǶȱɐƊǶƵǶƵǞȁǞƧǞȌɐȁƊƵɐȲȌȯƊ‫خ‬0ƊǠƵɐƮǞǐȌȁƊ0ɐȲȌȯƊ de acordo com o registro, como que é escrito. Porque a Julieta Paredes vai dizer de feminismo ȱɐƵ ǯƋ ȁȌ ȺƶƧɐǶȌ ‫ סן‬ƊȺ ȁȌȺȺƊȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ƮƊ ƊǿƵȲǠȁƮǞƊ ǯƋ ɈǞȁǘƊǿ ƵȺȺƵ ȯȲȌɈƊǐȌȁǞȺǿȌ ƵǿƦȌȲƊ ƵȺȺƊȯƊǶƊɨȲƊȁƣȌǏȌȺȺƵɐɈǞǶǞɹƊƮƊ‫خ‬0ɐȺȌɐȯȲȌǏƵȺȺȌȲƊƮƵǏȌȲǿƊƪƣȌƮƵȯȲȌ˛ȺȺƣȌ‫ة‬ȁȌƵȁɈƊȁɈȌƶƊȯƊȲtir do movimento indígena que eu passo a participar de grupos que discutimos sobre mulheres. Em princípio sobre mulheres indígenas, mas principalmente violência com as mulheres, violência de gênero, contexto de desigualdade que sempre houve e havia naquele momento em que eu comecei a participar dessas reuniões. Aqui em Pernambuco a partir da APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste do departamento de mulheres indígenas começaram a acontecer alguns encontros com mulheres indígenas de todos os povos daqui de Pernambuco e havia um convite a partir de COPIPE - Comissão de Professores/as Indígenas de Pernambuco. A COPIPE é uma organização muito atuante, ela foi formada a partir de janeiro ƮƵ‫מממנ‬ƵȁƊȱɐƵǶƵǿȌǿƵȁɈȌƵǶƊƵȲƊǿƊǯȌȲǞɈƊȲǞƊǿƵȁɈƵƧȌǿȯȌȺɈƊȯȌȲǿɐǶǘƵȲƵȺ‫§خ‬ȌȲȺƵȲɐǿƊ organização que combatia muito o sistema governamental pelo direito da educação escolar ǞȁƮǠǐƵȁƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊƵƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊƮƊƦƵǿȁȌǞȁǠƧǞȌƮƊªƵȺȌǶɐƪƣȌ‫קקشס‬ƮȌ!ȌȁȺƵǶǘȌyƊƧǞȌȁƊǶƮƵ Educação‫ ׋‬- Câmara de Educação Básica a luta naquele momento era pela estadualização das escolas indígenas em Pernambuco, mas também pela implementação de diretrizes de uma escola indígena. Então aquelas mulheres eram questionadas pela sua saída das aldeias para a capital, mas principalmente por ser um grupo combatente que passavam a ter aquele destaque nos seus territórios não apenas pelas lutas, mas pelas conquistas. Algumas organizações, ONGs, passaram a realizar encontros de mulheres indígenas em Pernambuco. No princípio eu recebia os convites, mas não tinha empolgação porque naquele momento eu acreditava que discutir violência contra mulher era algo que não me pertencia porque eu entendia violência apenas como violência física. No entanto, eu fui me incorporando ao grupo e passei a fazer parte de uma organização aqui de Pernambuco que se chama Comissão Permanente de Mulheres Rurais onde tem várias organizações sociais do campo como a CPT, MST, Rede de Mulheres Quilombolas, Rede de Mulheres Indígenas a qual eu fui convidada e tivemos vários encontros para escrever um Plano Estadual de Políticas Públicas para Mulheres Rurais. Eu digo mulheres rurais porque foi a nomenclatura que foi utilizada embora houvesse a proposição que fosse utilizada a palavra campo, mas não passou. Nesses grupos, organizações e coletivos de mulheres havia sempre falas sobre gênero, feminismo, machismo, primeira onda, segunda onda, sobre a participação de algumas feministas ƵȺɈɐƮǞȌȺƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊƮȌȲƊȺƮȌƊȺȺɐȁɈȌȁƊȱɐƵǶƵǿȌǿƵȁɈȌ‫خ‬0ǿƦȌȲƊƵɐǯƋ˛ɹƵȺȺƵɐǿƊƮƵǏƵȺƊȺȌƦȲƵ os direitos das mulheres, eu não tinha um entendimento acadêmico. Eu sentia a necessidade de ƵȺɈɐƮƊȲȌƊȺȺɐȁɈȌ‫ة‬ƮƵƧȌȁǘƵƧƵȲȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƮƵȺȺƊȺȁȌǿƵȁƧǶƊɈɐȲƊȺƵǿȱɐƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƵȌȺ direitos das mulheres são discutidos. Então eu fui fazer um curso, uma especialização lato sensu sobre políticas para mulheres onde eu encontrei uma série de disciplinas que trouxeram essas ƮǞȺƧɐȺȺȪƵȺ ɈƊǶ ȱɐƊǶ Ƶɐ ɈǞȁǘƊ ǞȁɈƵȲƵȺȺƵ ƮƵ ƵȺɈɐƮƊȲ ƊɈȲƊɨƶȺ ƮƵ ɈƵɮɈȌȺ‫˛ ة‬ǶǿƵȺ Ƶ ƵɮȯȌȺǞƪȪƵȺ‫ خ‬0ȺȺƵ 1 Resolução ceb nº 3, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ CEB0399.pdf>. Acesso em 3 mar. 2022. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 58-65, 2021 Entrevistas curso foi ofertado pela Secretaria de Direito da Mulher e pelo PPGA da UFPE. Mas havia algo que ǿƵǞȁɈȲǞǐƊɨƊ‫ة‬ƊǶǐȌȱɐƵǿƵƧǘƊǿƊɨƊƊɈƵȁƪƣȌ‫ة‬ȱɐƵƵȲƊƊƊ˛ȲǿƊƪƣȌȱɐƵȁƣȌǘƊɨǞƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺǞȁƮǠgenas. Não havia feminista indígena! E isto me chamava atenção. Por quê? Como? Uma vez em um Conferência Estadual de Direito da Mulher, umas três conferências atrás, eu fui convidada para fazer uma fala em uma mesa eu fui apresentada como mulher indígena feminista. Todas as ǿɐǶǘƵȲƵȺƵȲƊǿƊȯȲƵȺƵȁɈƊƮƊȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫ة‬ƊȺɐƊȌȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌƵǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫خ‬0Ƶɐ˛ȱɐƵǞƧȌǿ ƊȱɐƵǶƊ ǞƮƵǞƊ ȁƊ ƧƊƦƵƪƊ‫ خ‬0ɐ ˛ȱɐƵǞ ƧȌǿ ƊȱɐƵǶƊ ǞƮƵǞƊ ȁƊ ƧƊƦƵƪƊ‫ٗ ب‬ƧȌǿȌ Ƶɐ ȺȌɐ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ د‬yƣȌ ƵɮǞȺɈƵǿɐǶǘƵȲǞȁƮǠǐƵȁƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊ٘‫خ‬0ƊȌǿƵȺǿȌɈƵǿȯȌǘƊɨǞƊȌɐɈȲƊƊ˛ȲǿƊƪƣȌȁƊǿǞȁǘƊƧƊƦƵƪƊ‫ب‬ ٗǿƊȺƵɐȺȌɐǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫„٘ث‬ɐȺƵǯƊ‫ة‬ɐǿƊƧƵȲɈƊƧȲǞȺƵƮƵǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵ‫خ‬ǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵƮƵȱɐƵƵɐǿƵƊ˛Ȳmava feminista e ao mesmo tempo que não havia feminismo entre as mulheres indígenas. Eu penso que esse é o princípio do meu interesse em pensar feminismo indígena. Por que sim? E por que não? A partir da minha identidade, do meu lugar de fala, da minha participação.. Então foi passando até a época em que eu cheguei no mestrado, mais de uma década que eu já havia feito várias leituras, ouvido muito sobre feminismo e já havia escrito um TCC sobre lideranças mulheres em Pernambuco que já havia sido publicado. Mas nesse texto eu não falava ainda de feminismo ainda, mas na minha cabeça já estava essa ideia de falar do feminismo do ponto de vista acadêmico. E na Universidade o único departamento aqui em Pernambuco, diferente da Bahia, o único departamento que vai falar sobre questões de gênero é na Antropologia. Então foi para lá que eu fui. E aí eu não vou apenas ouvir dizer que não existe mulher feminista, mas ler em algumas revistas. Na minha dissertação eu vou falar de uma leitura que me deixou bastante ǞȁɈȲǞǐƊƮƊȱɐƵǏȌǞȌ‫פ‬ѥ0y0Xٌ0ȁƧȌȁɈȲȌyƊƧǞȌȁƊǶƮƵ0ȺɈɐƮƊȁɈƵȺXȁƮǠǐƵȁƊȺٌȌȁƮƵȌƵƮǞɈƊǶƮƵƧǘƊmada de trabalho vai ser categórico no texto: “Não aceitamos trabalhos que falem sobre feminismo”. Isso me deixou mais intrigada ainda. Eu já estava em um patamar avançado de leituras, ƮƵƊ˛ȲǿƊƪƣȌƮƵǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵƵƮƵƧȌȁɨǞɨƺȁƧǞƊƧȌǿȌɐɈȲƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫خ‬ XȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵƵȺɈƊȺɐƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊ‫ة‬ƧȌǿȌǿɐǶǘƵȲȁƵǐȲƊȯƵȲƧȌȲȲǞɐǿƧƊǿǞȁǘȌǿɐǞɈȌȯƊȲƵƧǞƮȌ‫خ‬ §ȲǞǿƵǞȲƊǿƵȁɈƵ ǿƵ ȱɐƵȺɈǞȌȁƊɨƊ ȺƵ ȯȌƮƵȲǞƊ ǿƵ ȯȌȺǞƧǞȌȁƊȲ ƵȁȱɐƊȁɈȌ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ɨǞȺɈȌ ȱɐƵ ȌƦȺƵȲɨƊƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊȲƊƧǞƊǶƵȺȺƵȁƧǞƊǶǿƵȁɈƵǞǿƦȲǞƧƊƮƊȁƊȺƮƵǿƊǞȺ‫(خ‬ƵȯȌǞȺǏɐǞȌƦȺƵȲɨƊȁƮȌƊȺ ȯƊɐɈƊȺƮǞȺɈǞȁɈƊȺ‫ة‬ȯȲǞȁƧǞȯƊǶǿƵȁɈƵȁȌȱɐƵȺƵȲƵǏƵȲƵƊȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƦȲƊȁƧȌ‫خ‬wƊǞȺɈƊȲƮƵȯƵȲƧƵƦǞ ȱɐƵ ƵȺȺƵ ƮƵƦƊɈƵ ǞȁɈƵȲȁȌ ƵȲƊ ɈƊǿƦƶǿ Ȍ ƮƵ ɨƋȲǞƊȺ ȌɐɈȲƊȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ Ƶ ȱɐƵ ƵɮǞȺɈƵǿ ȯǶɐȲƊǞȺ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫ة‬ƧȌǿȌȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁɈƵȲȺȺƵƧǞȌȁƊǶȁƵǐȲȌƵƊɈƶǿƵȺǿȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȱɐƵƦɐȺٌ ƧƊǿƵȱɐǞƮƊƮƵƮƵǐƺȁƵȲȌǿƊȺȯȲƵǏƵȲƵǿȺƵƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊȲƮȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌ‫ة‬ƧȌǿȌ ǿɐǶǘƵȲǞȺǿȌƊǏȲǞƧƊȁƊ‫خ‬0ǿǿƵǞȌƊƵȺɈƵƮƵƦƊɈƵǞȁɈƵȲȁȌ‫ة‬ȱɐƵɈƊǿƦƶǿƶƧȌǶƵɈǞɨȌ‫ة‬ƧȌǿȌɨȌƧƺ ƧȌǿƵƪȌɐƊȯƵȁȺƊȲɈƵȌȲǞƧƊǿƵȁɈƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊ‫د‬ §ȌǞȺƶ‫ث‬0ɐǯƋƵȺɈƊɨƊȯƵȁȺƊȁƮȌƵǿɈƵȌȲǞɹƊȲ‫ة‬ǿƊȺɈǞȁǘƊƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺƵǿƵȁƧȌȁɈȲƊȲȲƵǏƵȲƺȁcias. É claro que eu utilizo muitos textos que trazem questões indígenas. Considerando que as mulheres indígenas exercem seus protagonistas em todos os espaços coletivos. !ȌǿȌǏȌǞƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮƵȺɐƊɈƵȺƵ‫د‬ßȌƧƺɐɈǞǶǞɹƊƦƊȺɈƊȁɈƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌȁȌȺƵɐ ɈȲƊƦƊǶǘȌƧȌǿȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈȌɈƵȍȲǞƧȌ‫§خ‬ȌȲȱɐƵƵȺȺƊƵȺƧȌǶǘƊ‫د‬ Então, em conversa com o Professor da UFBA Recôncavo Baiano Felipe Milanez, ele me falou sobre feminino comunitário. E me passou várias publicações em espanhol, publicadas em ɨƋȲǞȌȺȯƊǠȺƵȺƮƊwƵȺȌƊǿƶȲǞƧƊ‫خ‬ȌƦȲƊٗRǞǶƊȁƮȌ˛ȁȌƮƵȺƮƵƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌ٘ƮƵhɐǶǞƵɈƊ Paredes é a repercussão em torno da discussão. Foi nessa leitura que eu encontrei a base para teorizar o meu texto. Principalmente pelos elementos indígenas que encontrei. Os textos sobre feminismo comunitário serviram como embasamento teórico, no entanto, minha grande inspiração foi a observação de mulheres com as quais eu fui convivendo durante as minhas vivências Jade Alcântara Lôbo 63 Elisa Pankararu desde criança até os dias atuais. Aí eu vou falar no mundo dos sonhos. O mundo dos sonhos são inspirações que eu tenho para compor algumas frases a partir de lembranças repentinas de palavras que surgem na minha mente nesse mundo cosmológico que é a presença das mu- 64 lheres indígenas em todo o nosso território em todas nossas atividades. Eu escrevo pouco sobre Ȍ ɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌ‫ ة‬ǿƊȺ ƵǶƵ ɈƵǿ ɐǿ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ƊǿȯǶȌ ƮƵ ȯȲƵȺƵȁƪƊȺ ƊǿȯǶƊȺ Ƶ ƊɈǞɨǞƮƊƮƵȺ ǿɑǶɈǞȯǶƊȺ desde as práticas do cotidiano até o mundo da espiritualidade. Então são espaços políticos que discutem políticas públicas e de intervenção. Esses espaços são muitos, são vários, são diversos. Também escrevo sobre essa presença, essa força com que as mulheres indígenas participam, em princípio as mulheres Pankararu que é meu lugar de fala, mas também mulheres de outros povos de Pernambuco que são quem eu vou falar em especial. Claro que eu vou encontrar questionamentos como em relação a outros feminismos bem como você coloca quando fazem essa referência ao feminismo ocidental, chamado também de feminismo branco. No meu caso sobre o feminismo indígena é uma composição a partir de observações a partir de vivências. yƣȌƮƋȯƊȲƊ˛ƧƊȲȺƵƊȯƵǐƊȁƮȌƊǞƮƵǞƊȺƮƵƧȌȁɈȲƊȲǞƵƮƊƮƵ‫خ‬ȯƊǶƊɨȲƊǏƵǿǞȁǞȺǿȌƶɐǿƊȁȌǿƵȁclatura, mas também uma forma de pensar o mundo. E um mundo de harmonia, um mundo sem desigualdade. Então não é apenas a questão das mulheres, mas é também pensar um mundo de justiça para homens e mulheres e todos os seres. Então, para além da nomenclatura e sua origem de enquanto publicização, vamos pensar na diversidade de culturas. Vamos pensar o campesinato, o feminismo negro, o ecofeminismo.. Outras formas de pensar nessas ȌȲǐƊȁǞɹƊƪȪƵȺɨƣȌȺƵȁƮȌƵȺƧȲǞɈƊȺ‫ة‬ǿƊȺȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƮȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƶƊȁƣȌɨǞȌǶƺȁƧǞƊ‫ة‬ƶ a igualdade de direitos, é a justiça social. No Brasil até então não havia muita referência escrita ȺȌƦȲƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊƊǶƶǿƮƊȁƵǐƊƪƣȌƮǞȺȺȌƵǿȲƵɨǞȺɈƊȺȁƣȌƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȺ‫„خ‬ɐɈȲƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊdoras usavam a palavra feminino, mas eu penso que havia um certo receio em escrever e proȁɐȁƧǞƊȲǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫خ‬ÀƵȲǞƊȱɐƵȺƵȲɐǿƊǿɐǶǘƵȲǞȁƮǠǐƵȁƊȺȱɐƵ˛ɹƵȺȺƵɈȌƮƊƵȺȺƊƧȌȁɈƵɮɈɐƊǶǞɹƊƪƣȌ inclusive na questão do enfrentamento. Porque eu vou ouvir o enfretamento de ideias quando você vai falar de feminismo negro. E aí vamos pensar feminismo plurais, mas quando falei pela ȯȲǞǿƵǞȲƊɨƵɹƮƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊƵɐ˛ɹȲƵǏƵȲƺȁƧǞƊƊƵȺȺƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊɈƊǿƦƶǿƧȌǿȌ feminismos outros que está atrelado a ele a ideia da descolonização. !ȌǿȌƊȺȺɐƊȺƧȌǿȯƊȁǘƵǞȲƊȺƮƵǶɐɈƊƵɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌɈƊǿƦƶǿǞȁƮǠǐƵȁƊȺȲƵƧƵƦƵȲƊǿƊȺɐƊɈƵȺƵ ȺȌƦȲƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊ‫خ‬RȌɐɨƵƮǞɨƵȲǐƺȁƧǞƊȺ‫د‬ Penso que trazer a essência indígena fez com que as mulheres se encontrassem no meu texto. Porque ouvi a palavra: você me representa. Então me senti coletivo, uma vez que me inspiro nessas mulheres. 0ǶǞȺƊƮƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿȺƵɐȺƵȺɈɐƮȌȺȱɐƊǞȺȺƣȌȌȺǿƊǞȌȲƵȺƮƵȺƊ˛ȌȺƵɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺȱɐƵƊȺǿɐǶǘƵٌ ȲƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺɨǞɨƵȁƧǞƵǿǘȌǯƵ‫د‬ yȌƮƵƧȌȲȲƵȲƮƵȺȺƵȺ‫ןנף‬ƊȁȌȺƮƵǞȁɨƊȺƣȌȌƮƵȺƊ˛ȌƮƵƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺƵǯɐȁɈƊƊȌƮƵȺƊ˛ȌƮƵ resistir. E nessa atual conjuntura, a violência contra as mulheres indígenas podem ser citadas sob várias vertentes, vários patamares. Em primeiro lugar a violação dos nossos territórios, que implica uma violência contra a nossa espiritualidade, a mãe natureza e toda sua constituição. 0ǶǞȺƊ‫ة‬wɐǞɈȌ„ƦȲǞǐƊƮƊȯȌȲǿƵƧȌȁƧƵƮƵȲƵȺȺƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊ‫خ‬0ɐ˛ƧȌǿɐǞɈȌǏƵǶǞɹƮƵȌɐɨǞȲɨȌƧƺ‫©خ‬ɐƵ ȯȌȺȺƊǿȌȺƧƊƮƊɨƵɹǿƊǞȺȁȌȺǏȌȲɈƊǶƵƧƵȲƵǿƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȁƊǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊƊȺǞȁǯɐȺɈǞƪƊȺȺȌƧǞƊǞȺ‫خ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 58-65, 2021 Entrevistando Flavia Rios: ÇǿȌǶǘƊȲȺȌƦȲƵȌȺ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁƵǐȲȌȺƊ ȯƊȲɈǞȲƮȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵȲƊƪƊ ƵǐƺȁƵȲȌȁȌ ȲƊȺǞǶƵȁƊ ǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ Mayara Nicolau de Paula FAL / UFMG Patrícia Lânes PPCIS / UERJ 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊȁƮȌIǶƊɨǞƊªǞȌȺ‫ب‬ɐǿȌǶǘƊȲȺȌƦȲƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁƵǐȲȌȺƊ ȯƊȲɈǞȲƮȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵȲƊƪƊƵǐƺȁƵȲȌȁȌ ȲƊȺǞǶƵȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ ªƵȺɐǿȌ A entrevista com a socióloga brasileira Flavia Rios teve como objetivo central ouvi-la acerca de suas contribuições para os estudos raciais e de gênero no Brasil, privilegiando seu trabalho sobre a intelectual e militante Lélia Gonzalez e os debates contemporâneos acerca de feminismos negros e interseccionalidade. A entrevista foi realizada por meio de uma troca de mensagens via correio eletrônico. As questões foram formuladas a partir de discussões entre as duas entrevistadoras, pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento (Antropologia e Linguística), porém com grande interesse no debate sobre feminismos negros. Foi proposta uma divisão em três grandes frentes: (i) trajetória acadêmica e pessoal de Flavia Rios, (ii) seus estudos sobre vida e obra de Lélia Gonzalez e (iii) questões sobre feminismo negro e interseccionalidade. Flavia faz uma breve apresentação pessoal para, em seguida, partir para os temas relativos a seu interesse no trabalho de Lélia Gonzalez e como isso se desdobrou em recentes publicações e aprofundamento na vasta produção da pensadora. Na parte ˛ȁƊǶ‫ة‬ƮƵȺɈƊƧƊٌȺƵƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺȌƦȲƵǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƵƧȌǿȌƵȺȺƊȁȌƪƣȌɨƵǿȺƵȁƮȌ concebida como ferramenta de intervenção política por todas e todos que se interessam pelos avanços do feminismo, em especial o feminismo negro e latino-americano. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ب‬IƵǿǞȁǞȺǿȌyƵǐȲȌ‫س‬mƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫س‬XȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ‫خ‬ Entrevistando a Flavia Rios: una mirada a los feminismos negros a partir de estudios de raza y género en Brasil y América Latina Resumen 0ǶȌƦǯƵɈǞɨȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶƮƵǶƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌȁǶƊȺȌƧǞȍǶȌǐƊƦȲƊȺǞǶƵȋƊIǶƊɨǞƊªǞȌȺǏɐƵƵȺƧɐƧǘƊȲǶƊȺȌƦȲƵȺɐȺƊȯȌȲɈƵȺƊǶȌȺƵȺɈɐƮǞȌȺȲƊƧǞƊǶƵȺɯƮƵǐƶȁƵȲȌƵȁ ȲƊȺǞǶ‫ل‬ƧƵȁɈȲƋȁƮȌȺƵ en su trabajo sobre la intelectual y activista Lélia Gonzalez y los debates contemporáneos sobre los feminismos negros y la interseccionalidad. La entrevista se realizó mediante un intercambio de mensajes por correo electrónico. Las preguntas se ǏȌȲǿɐǶƊȲȌȁƊȯƊȲɈǞȲƮƵƮǞȺƧɐȺǞȌȁƵȺƵȁɈȲƵǶƊȺƮȌȺƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƮȌȲƊȺ‫ل‬ǞȁɨƵȺɈǞǐƊƮȌȲƊȺƮƵ ƮǞȺɈǞȁɈƊȺƋȲƵƊȺƮƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌٛȁɈȲȌȯȌǶȌǐǠƊɯmǞȁǐɖǠȺɈǞƧƊٜ‫ل‬ȯƵȲȌƧȌȁǐȲƊȁǞȁɈƵȲƶȺ en el debate sobre los feminismos negros. Se propuso una división en tres frentes ȯȲǞȁƧǞȯƊǶƵȺ‫ ك‬ٛǞٜ ǶƊ ɈȲƊɯƵƧɈȌȲǞƊ ƊƧƊƮƶǿǞƧƊ ɯ ȯƵȲȺȌȁƊǶ ƮƵ IǶƊɨǞƊ ªǞȌȺ‫ ل‬ٛǞǞٜ ȺɐȺ ƵȺɈɐƮǞȌȺ sobre la vida y obra de Lélia Gonzalez y (iii) cuestiones sobre el feminismo negro y la interseccionalidad. Flavia hace una breve presentación personal para luego pasar a temas relacionados con su interés por la obra de Lélia González y cómo eso se desdobló en publicaciones recientes y en una profundización de la vasta producción de ǶƊȯƵȁȺƊƮȌȲƊ‫ى‬0ȁǶƊȯƊȲɈƵ˸ȁƊǶ‫ل‬ȺƵƮƵȺɈƊƧƊǶƊƮǞȺƧɐȺǞȍȁȺȌƦȲƵǶƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮɯ cómo esta noción ha sido concebida como una herramienta de intervención política ȯȌȲȯƊȲɈƵƮƵȱɐǞƵȁƵȺȺƵǞȁɈƵȲƵȺƊȁƵȁǶȌȺƊɨƊȁƧƵȺƮƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫ل‬ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵƮƵǶ feminismo negro y latinoamericano. Palabras clave: Feminismo Negro; Lélia Gonzalez; Interseccionalidad. Flavia Rios Interviewing Flavia Rios: a look at black feminisms from the perspective of race and gender studies in Brazil and Latin America Abstract 68 ÀǘƵǞȁɈƵȲɨǞƵɩɩǞɈǘ ȲƊɹǞǶǞƊȁȺȌƧǞȌǶȌǐǞȺɈIǶƊɨǞƊªǞȌȺƊǞǿƵƮɈȌǶǞȺɈƵȁɈȌǘƵȲƊƦȌɐɈǘƵȲƧȌȁɈȲǞƦɐɈǞȌȁȺɈȌȲƊƧǞƊǶƊȁƮǐƵȁƮƵȲȺɈɐƮǞƵȺǞȁ ȲƊɹǞǶ‫ل‬ǏȌƧɐȺǞȁǐȌȁǘƵȲɩȌȲDzȌȁɈǘƵǞȁɈƵǶǶƵƧɈɐƊǶƊȁƮǿǞǶǞtant Lélia Gonzalez and the contemporary debates about black feminisms and intersectionalǞɈɯ‫ى‬ÀǘƵǞȁɈƵȲɨǞƵɩɩƊȺƧȌȁƮɐƧɈƵƮɈǘȲȌɐǐǘƊȁƵɮƧǘƊȁǐƵȌǏǿƵȺȺƊǐƵȺɨǞƊƵ٧ǿƊǞǶ‫ى‬ÀǘƵȱɐƵȺɈǞȌȁȺ ɩƵȲƵǏȌȲǿɐǶƊɈƵƮƦƊȺƵƮȌȁƮǞȺƧɐȺȺǞȌȁȺƦƵɈɩƵƵȁɈǘƵɈɩȌǞȁɈƵȲɨǞƵɩƵȲȺ‫ل‬ȲƵȺƵƊȲƧǘƵȲȺǏȲȌǿƮǞǏǏƵȲƵȁɈ ƊȲƵƊȺ ȌǏ DzȁȌɩǶƵƮǐƵ ٛȁɈǘȲȌȯȌǶȌǐɯ ƊȁƮ mǞȁǐɐǞȺɈǞƧȺٜ‫ ل‬ƦɐɈ ɩǞɈǘ ǐȲƵƊɈ ǞȁɈƵȲƵȺɈ Ǟȁ ɈǘƵ ƮƵƦƊɈƵ Ȍȁ ƦǶƊƧDz ǏƵǿǞȁǞȺǿȺ‫  ى‬ƮǞɨǞȺǞȌȁ ǞȁɈȌ ɈǘȲƵƵ ǿƊǯȌȲ ǏȲȌȁɈȺ ɩƊȺ ȯȲȌȯȌȺƵƮ‫ ك‬ٛǞٜ IǶƊɨǞƊ ªǞȌȺ‫ٵ‬Ⱥ ƊƧƊƮƵǿǞƧ ƊȁƮȯƵȲȺȌȁƊǶɈȲƊǯƵƧɈȌȲɯ‫ل‬ٛǞǞٜǘƵȲȺɈɐƮǞƵȺȌȁɈǘƵǶǞǏƵƊȁƮɩȌȲDzȌǏmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹƊȁƮٛǞǞǞٜȱɐƵȺɈǞȌȁȺ about black feminism and intersectionality. Flavia makes a brief personal presentation and then moves on to topics related to her interest in the work of Lélia Gonzalez and how these ȺɈɐƮǞƵȺȲƵȺɐǶɈƵƮǞȁȲƵƧƵȁɈȯɐƦǶǞƧƊɈǞȌȁȺƊȁƮƊȁƵɮɈƵȁƮǞȁǐȺɈɐƮɯȌǏɈǘƵɈǘǞȁDzƵȲ‫ٵ‬ȺɨƊȺɈȯȲȌƮɐƧɈǞȌȁ‫ى‬ XȁɈǘƵ˸ȁƊǶȯƊȲɈ‫ل‬ɈǘƵǏȌƧɐȺǞȺȌȁɈǘƵƮǞȺƧɐȺȺǞȌȁƊƦȌɐɈǞȁɈƵȲȺƵƧɈǞȌȁƊǶǞɈɯƊȁƮǘȌɩɈǘǞȺȁȌɈǞȌȁǘƊȺ been conceived as a tool of political intervention by all the ones interested in the advances of ǏƵǿǞȁǞȺǿ‫ل‬ƵȺȯƵƧǞƊǶǶɯƦǶƊƧDzǏƵǿǞȁǞȺǿǞȁmƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊ‫ى‬ Keywords: ǶƊƧDzIƵǿǞȁǞȺǿَmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹَXȁɈƵȲȺƵƧɈǞȌȁƊǶǞɈɯ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021 A socióloga brasileira Flavia Rios é hoje uma das referências para aquelas e aqueles que pretendem conhecer a produção intelectual negra do país. Formada em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP), Flavia se interessou pela intelectual e ativista Lélia Gonzalez ainda na graduação e, desde então, vem estudando sua obra e trajetória. Mestre e doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, além dos trabalhos sobre Lélia Gonzalez, que incluem a publicação de dois livros, Flavia Rios possui vasta produção acadêmica sobre teorias interseccionais, relações raciais e de gênero, Ditadura Militar e democracia, educação e políticas ƮƵƊƪȪƵȺƊ˛ȲǿƊɈǞɨƊȺȁȌƵȁȺǞȁȌȺɐȯƵȲǞȌȲ‫خ‬ 0ǶƊƊɈɐȌɐȁȌƧȌǿǞɈƺƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌƮȌmƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁȁɈǞٌȲƊƧǞȺǿǞȁƊٙ§ȌȺɈٌªƊƧǞƊǶٚǐƵ‫ـ‬m§„ª‫ف‬ƵȁɈȲƵ‫ץןמנ‬Ƶ‫צןמנ‬ƵƊɈɐƊǶǿƵȁɈƵǞȁɈƵǐȲƊȌ!ȌǿǞɈƺ!ǞƵȁɈǠ˛ƧȌƮȌIª„‫!ش‬0 ª§‫ة‬ȯƊȲɈǞƧǞȯƊƮȌ ȯȲȌǯƵɈȌٗßȌɹƵȺƮȌJƵȁȌƧǠƮǞȌƮƊhɐɨƵȁɈɐƮƵyƵǐȲƊ٘‫!ـ‬y§ȱ‫فקןמנش‬ƵƧȌȌȲƮƵȁƊȌȯȲȌǯƵɈȌٗJƵȺɈƣȌ municipal da igualdade racial e políticas inclusivas de educação e trabalho no município de NiɈƵȲȍǞ‫ب‬ƵȺɈɐƮȌȺƵƊƪȪƵȺȯƊȲƊȺɐƊǞǿȯǶƵǿƵȁɈƊƪƣȌ٘‫ش§(§ـ‬I0!‫خفננמנٌמנמנة‬IǶƊɨǞƊɈƊǿƦƶǿƊɈɐȌɐ como Visiting Student Researcher Collaborator na Princeton University/ EUA. Atualmente, coordena o grupo Grupo de Estudos e Pesquisa Guerreiro Ramos (NEGRA) na Universidade Federal IǶɐǿǞȁƵȁȺƵ‫ة‬ȌȁƮƵǶƵƧǞȌȁƊƮƵȺƮƵ‫ףןמנ‬ƵȌȁƮƵǞȁɈƵǐȲƊƊ§ȍȺٌǐȲƊƮɐƊƪƣȌƵǿ²ȌƧǞȌǶȌǐǞƊ‫§§ـ‬J²‫خف‬ As duas entrevistadoras chegaram ao trabalho de Flavia por diferentes caminhos. Patrícia Lânes é antropóloga, pesquisadora de pós-doutorado e bolsista da Capes vinculada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/ UERJ), onde vem investindo em estudos sobre memória coletiva, intervenções urbanas e artísticas e movimentos sociais populares a partir de perspectiva interseccional e de(s)colonial. Conheceu o trabalho da socióloga ainda no doutorado, quando Flavia lecionava na Universidade Federal Fluminense (UFF) onde Patrícia realizava doutorado em Antropologia. O encontro se deu a partir de amigos em comum e pela presença em bancas e eventos acadêmicos que se aliaram ao interesse pelas teorias da interseccionalidade e dos movimentos sociais contemporâneos com recortes racial e de gênero. Aproximou-se ainda mais do trabalho de Flavia Rios ƊɈȲƊɨƶȺƮƵȺƵɐǶǞɨȲȌǿƊǞȺȲƵƧƵȁɈƵȺȌƦȲƵmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫خ‬0ǿ‫ةצןמנ‬ªǞȌȺǏȌǞɐǿƊƮƊȺƮƵƦƊɈƵƮȌȲƊȺ do seminário do grupo de pesquisa CIDADES - Núcleo de Pesquisa Urbana, do qual Patrícia faz parte e cujo seminário ajudou a organizar. Para Mayara Nicolau de Paula, professora adjunta da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora associada ao DALE! – Decolonizar a América Latina e seus Espaços, a aproximação com o trabalho de Flavia Rios deu-se a partir do interesse nos trabalhos sobre Lélia Gonzalez. Mayara trabalha com questões relativas à variação linguística e leciona disciplinas nas quais a história do português brasileiro é pauta constante. A partir de leituras sobre o pretuguês, conceito cunhado por Lélia e abordado nesta entrevista, ela se ƊȯȲȌɮǞǿƊ ƮƊ ƦǞƦǶǞȌǐȲƊ˛Ɗ ȲƵƧƵȁɈƵ ȺȌƦȲƵ Ɗ ǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶ ȌȲǐƊȁǞɹƊƮƊ ȯȌȲ IǶƊɨǞƊ Ƶ ƵȁƧȌȁɈȲƊ ȌɐɈȲȌȺ ɈƵǿƊȺƮƵǞȁɈƵȲƵȺȺƵƧȌǿɐǿȯƊȲƊƊǶƶǿƮƊǶǠȁǐɐƊ‫س‬ɈƊǶƧȌǿȌȌȺƮƵƦƊɈƵȺȺȌƦȲƵȲƊƪƊ‫ة‬ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȁƵgro e interseccionalidade. Mayara e Patrícia conheceram-se no DALE! – Decolonizar a América Latina e seus Espaços e aproximaram-se a partir de seus interesses acadêmicos e políticos nos debates sobre raça e gênero que também as levaram à entrevista com Flavia. Flavia Rios aceitou gentilmente o convite para conversar com a Revista Epistemologias ƮȌ²ɐǶ‫خ‬ƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊǏȌǞȲƵƊǶǞɹƊƮƊƊɈȲƊɨƶȺƮƵɈȲȌƧƊƮƵƵٌǿƊǞǶȺȁȌȺƵǐɐȁƮȌȺƵǿƵȺɈȲƵƮƵ‫ןנמנ‬Ƶ resultou no texto que vocês encontram a seguir. Durante a conversa, ela fala um pouco sobre sua própria trajetória, seu interesse e pesquisas sobre Lélia Gonzalez e algumas das principais contribuições da pensadora para os estudos raciais e de gênero no Brasil, na América Latina e ȁȌǿɐȁƮȌ‫ة‬ƊǶƶǿƮƵƧȌǿȯƊȲɈǞǶǘƊȲȯƊȲɈƵƮƵȺɐƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺƊƧƵȲƧƊƮȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁƵǐȲȌȺƵƮȌ debate e usos atuais do conceito de interseccionalidade na academia e em múltiplas frentes de luta contra o racismo. Foto: FlaviaFlávia Rios Rios (cedida pela entrevistada). 70 Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021 Entrevistas ÀȲƊǯƵɈȍȲǞƊƊƧƊƮƺǿǞƧƊƵȯƵȺȺȌƊǶ JȌȺɈƊȲǠƊǿȌȺȱɐƵɨȌƧƺǞȁǞƧǞƊȺȺƵǏƊǶƊȁƮȌɐǿȯȌɐƧȌȺȌƦȲƵȺɐƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊȯƵȺȺȌƊǶƵƊƧƊƮƺǿǞٌ ƧƊ‫©خ‬ɐƊǞȺɨƵǿȺƵȁƮȌȺƵɐȺǞȁɈƵȲƵȺȺƵȺƮƵȯƵȺȱɐǞȺƊƊȌǶȌȁǐȌƮȌȺƵɐƧƊǿǞȁǘȌ‫„د‬ȱɐƵɈƵǶƵɨȌɐ ƊƵȺƧȌǶǘƵȲȺƵɐȺɈƵǿƊȺƮƵȯƵȺȱɐǞȺƊƮƵȁɈȲȌƮƊȺ!ǞƺȁƧǞƊȺ²ȌƧǞƊǞȺ‫!د‬ȌǿȌɨȌƧƺƧǘƵǐȌɐƜȺȯƵȺٌ ȱɐǞȺƊȺȺȌƦȲƵȯȲȌɈƵȺɈȌȺȁƵǐȲȌȺƵƮƵȱɐƵǏȌȲǿƊƵȺȺƵɈƵǿƊȺƵǞȁȺƵȲƵƵȁɈȲƵȌȺȺƵɐȺǞȁɈƵȲƵȺȺƵȺ ƮƵȯƵȺȱɐǞȺƊƊɈɐƊǶǿƵȁɈƵ‫د‬ Nasci no sul do Estado do Espírito Santo. Venho das classes populares e, até onde sei, meus antepassados de linhagem paterna e materna sofreram com a experiência da escravidão. Estudei em escolas públicas durante todos os ciclos educacionais e minha graduação e pós-graduação foram realizadas na Universidade de São Paulo. Fui a primeira da minha família a conseguir concluir o ensino superior. No primeiro ano da faculdade, no curso de Ciências Sociais, ingressei em grupos de discussão e estudos sobre a questão racial. Naquela ocasião, o professor Antônio Sérgio Guimarães – que viria a ser meu orientador – passou a organizar um seminário sobre o tema das relações raciais brasileiras. Ademais, animava um grupo de orientação que estudava intelectuais negros. Nesse ambiente voltado para o entendimento do pensamento e das trajetórias negras, que me interessei pela obra da Lélia Gonzalez e passei a pesquisá-la de forma sistemática e acadêmica. ɈɐƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ɨȌƧƺƧȌȌȲƮƵȁƊȌJȲɐȯȌƮƵ0ȺɈɐƮȌȺƵ§ƵȺȱɐǞȺƊJɐƵȲȲƵǞȲȌªƊǿȌȺ‫ـ‬y0Jª‫ف‬ȁƊ ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵIƵƮƵȲƊǶIǶɐǿǞȁƵȁȺƵ‫ة‬ȌȁƮƵǶƵƧǞȌȁƊ‫ة‬ƊǶƶǿƮƵXȁɈƵǐȲƊȲȌIª„‫!ش‬0 ª§‫ة‬ƧȌȌȲٌ ƮƵȁƊȁƮȌȯƵȺȱɐǞȺƊȺȺȌƦȲƵɈƵǿƊȺɨƊȲǞƊƮȌȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊƮȌȺƜȲƵƊǶǞƮƊƮƵƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺƵǘȌǿƵȁȺ ȁƵǐȲȌȺ‫ـ‬ƊȺ‫ف‬ȁȌ ȲƊȺǞǶƵɈƵȲǞȁɈƵǐȲƊƮȌȌƧȌǿǞɈƺƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌƮȌȯȲȌǯƵɈȌmƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁȁɈǞٌȲƊٌ ƧǞȺǿǞȁƊٙ§ȌȺɈٌªƊƧǞƊǶٚǐƵ‫ـ‬m§„ª‫خفצןמנٌץןמנة‬ßȌƧƺȯȌƮƵȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌȺȌƦȲƵƊ ȯȲȌȯȌȺɈƊƮƵȺȺƊȺƵƮƵȌɐɈȲƊȺǞȁǞƧǞƊɈǞɨƊȺƮƊȺȱɐƊǞȺɨȌƧƺǏƊɹȯƊȲɈƵƵȌȯƊȯƵǶƮƵǶƊȺȁȌƮƵȺƵȁٌ ɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƮƵƵȺɈɐƮȌȺƊǏȲȌٌƮǞƊȺȯȍȲǞƧȌȺƵǿȁǠɨƵǞȺǶȌƧƊǶ‫ة‬ȁƊƧǞȌȁƊǶƵǞȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶ‫د‬ No âmbito local e regional, busco desenvolver projetos que estudem a dinâmica das relações raciais na cidade do Rio de Janeiro e Região metropolitana. Tenho orientandas/os que entregam o núcleo de estudos Guerreiro Ramos, o Negra. O Negra é um grupo de pesquisa em Ciências Sociais, formado por estudantes de graduação e pós-graduação, que visa o estudo das desigualdades, com foco nas relações étnico-raciais e suas interseccionalidades. O grupo ȁƊȺƧƵɐƵǿ‫ץןמנ‬ƵƵȺɈƋȺƵƮǞƊƮȌȁȌ(ƵȯƊȲɈƊǿƵȁɈȌƮƵ²ȌƧǞȌǶȌǐǞƊƵwƵɈȌƮȌǶȌǐǞƊƵǿ!ǞƺȁƧǞƊȺ Sociais da Universidade Federal Fluminense e no Programa de Pós-graduação em Sociologia da mesma instituição. Tem atuado na formação acadêmica de pesquisadores em diferentes estágios e tem recebido pesquisadoras estrangeiras para estágio doutoral. O grupo atua em nível nacional associado ao Núcleo de Pesquisa Afro/Cebrap, e em nível municipal atua junto ao Núcleo de Desigualdades Globais da UFF. Atualmente, o Negra está na coordenação do projeto ٗJƵȺɈƣȌƮƊXǐɐƊǶƮƊƮƵªƊƧǞƊǶȁȌwɐȁǞƧǠȯǞȌƮƵyǞɈƵȲȍǞ٘‫ةفננמנٌןנמנـ‬ƊɈȲƊɨƶȺƮȌȱɐƊǶƮƵȺƵȁɨȌǶɨƵ pesquisa e monitoramento das desigualdades educacionais e laborais na referida cidade, por meio de levantamento e análise de dados quantitativos e qualitativos. Ademais, presta assessoria e formação a parlamentares e à burocracia municipal. yȌǏȲȌٌ!ƵƦȲƊȯɈȲƊƦƊǶǘƊǿȌȺƧȌǿɈƵǿƊȺȱɐƵȱɐƊǶǞ˛ȱɐƵǿȌƮƵƦƊɈƵƵƊȌȯǞȁǞƣȌȯɑƦǶǞƧƊ‫ة‬ além de desenvolvermos nossas pesquisas coletivas, buscando integrar diferentes áreas de conhecimento e instituições diversas que compõem o núcleo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento – o CEBRAP. Trabalhamos atualmente com justiça racial, desigualdades, memória e movimentos sociais e políticas públicas de igualdade racial. Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes 71 Flavia Rios As redes internacionais são bastante mediadas pela minha trajetória acadêmica na área das relações raciais e de gênero, especialmente os estudos sobre o feminismo negro. Como especialista dessa área, participo de associações acadêmicas as quais permitem diálogos e par- 72 cerias internacionais. Duas delas merecem destaque, a primeira refere-se as atividades desenvolvidas no âmbito da LASA, em mesas, seminários, projetos etc. A segunda delas tem a ver com a rede tricontinental que envolve os países do Sul Global, em particular com países da América mƊɈǞȁƊ‫ة‬ƮƊȺǞƊ‫ـ‬ȁȌɈƊƮƊǿƵȁɈƵƊZȁƮǞƊ‫ف‬ƵȯƊǠȺƵȺƊǏȲǞƧƊȁȌȺ‫ـ‬ƧȌǿƮƵȺɈƊȱɐƵȯƊȲƊðǞǿƦƊƦɩƵ‫ةف‬ȱɐƵ permitem a formação de grupos de estudos, cursos de formação, participação de eventos e diálogo sistemático e publicação na revista Agrarian South. mƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫ب‬ɨǞƮƊƵȌƦȲƊ Çǿ ƮƵ ȺƵɐȺ ǞȁɨƵȺɈǞǿƵȁɈȌȺ ƮƵ ȯƵȺȱɐǞȺƊ Ƶ ƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌ ǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶ ɈƵǿ ȺǞƮȌ Ɗ ȯƊȲɈǞȲ ƮȌȺ ƵȺɈɐƮȌȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊƮȌȺƜɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊƵȌƦȲƊƮƊǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶƵǿǞǶǞɈƊȁɈƵmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫ة‬ƧɐǯȌɈȲƊٌ ƦƊǶǘȌ‫ة‬ƊǶƶǿƮƵɈƵȲǞȁ˜ɐƵȁƧǞƊƮȌƵȺɈɐƮȌȺƵƵȁǐƊǯƊǿƵȁɈȌȺƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺƵǘȌǿƵȁȺȁƵǐȲȌȺ‫ـ‬ƊȺ‫ف‬ ƮƵȁɈȲȌ Ƶ ǏȌȲƊ ƮƊ ƊƧƊƮƵǿǞƊ ƮƵȺƮƵ ȌȺ ƊȁȌȺ ‫ ةמץקן‬ɨƵǿ ȺƵȁƮȌ ٗȲƵƮƵȺƧȌƦƵȲɈȌ٘ ȁȌȺ ɑǶɈǞǿȌȺ ƊȁȌȺ‫خ‬ȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌƮȌȺǶǞɨȲȌȺٗmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ٘‫ة‬ƵȺƧȲǞɈȌƵǿƧȌȁǯɐȁɈȌƧȌǿǶƵɮªƊɈɈȺƵȯɐƦǶǞٌ ƧƊƮȌȯƵǶƊƵƮǞɈȌȲƊ²ƵǶȌyƵǐȲȌ0ƮǞƪȪƵȺƵǿ‫מןמנ‬ƵƊȌȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌƮȌǶǞɨȲȌٗ§ȌȲɐǿǏƵǿǞȁǞȺǿȌ ƊǏȲȌٌǶƊɈǞȁȌ ƊǿƵȲǞƧƊȁȌ٘ Ƶǿ ƧȌȁǯɐȁɈȌ ƧȌǿ wƊȲƧǞƊ mǞǿƊ‫ ة‬ȯɐƦǶǞƧƊƮȌ Ƶǿ ‫ מנמנ‬ȯƵǶƊ ƵƮǞɈȌȲƊ ðƊǘƊȲȺƣȌƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪȪƵȺǏɐȁƮƊǿƵȁɈƊǞȺȯƊȲƊƊȲƵɈȌǿƊƮƊƮƊǶƵǞɈɐȲƊƮƊȌƦȲƊƮƵmƶǶǞƊƵƊɨƊǶȌٌ ȲǞɹƊƪƣȌƮƵȺɐƊƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȁƵǐȲƊƵƊȁɈȲȌȯȍǶȌǐƊ‫ش‬ǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶ‫خ‬ßȌƧƺȯȌƮƵȲǞƊ ȁȌȺƧȌȁɈƊȲƧȌǿȌȺɐȲǐǞɐȺƵɐǞȁɈƵȲƵȺȺƵȯƵǶƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊƵȌƦȲƊƮƵmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫!د‬ȌǿȌǏȌǞƊ ƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊƮƊƵƮǞƪƣȌƮƊȺƮɐƊȺȌƦȲƊȺ‫د‬ O meu interesse por Lélia Gonzalez começou no início do século XXI, quando passei a frequentar grupos de pesquisa na Universidade de São Paulo. O ambiente intelectual de um setor da USP, na área de sociologia, estava muito interessado em autores e autoras negras. Conheci Gonzalez por meio de uma amiga baiana e antropóloga, Thayna Pereira, que me colocou em diálogo com Luiza Bairros. Além de ter me apresentado os primeiros textos dela, Thayna me incentivou a pesquisar Lélia Gonzalez. Fiz minha primeira incursão, junto com uma amiga do curso de letras, Adriana de Cássia wȌȲƵǞȲƊ‫ة‬ȁƊƧǞƮƊƮƵƮȌªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ة‬ȁȌƊȁȌƮƵ‫ةנממנ‬ȱɐƊȁƮȌɈǞɨƵƊƧƵȺȺȌƊȌȺȺƵɐȺǿƊȁɐȺƧȲǞtos e o acervo pessoal de Gonzalez. Conversei com amigos, militantes e conhecidos da autora. (ƵȺȺƵȯȲǞǿƵǞȲȌƵȁƧȌȁɈȲȌ‫ة‬ƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞɐǿȯȲȌǯƵɈȌƮƵǞȁǞƧǞƊƪƣȌƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȺȌƦȲƵƊǶǐɐȁȺƮȌȺɈƵɮɈȌȺ ƮƵǶƊ‫خ‬yȌƊȁȌƮƵ‫ةעממנ‬ȌȯȲȌǏƵȺȺȌȲǶƵɮªƊɈɈȺȲƵƊǶǞɹȌɐɐǿƧɐȲȺȌȺȌƦȲƵȌ§ƵȁȺƊǿƵȁɈȌƮƵ ƵƊɈȲǞɹ Nascimento e Lélia Gonzalez no Copene‫( ׋‬Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as) em São Luis do Maranhão. Ele me convidou a participar desse evento. Eu e minha amiga, Adriana de Cássia Moreira, apresentamos a nossas interpretações sobre a obra da autora naquele evento, que contou com uma audiência bastante interessada. Como era ainda graduanda foi ɐǿƊƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊƮƵȺƊ˛ƊƮȌȲƊ‫ث‬ No retorno, continuei a estudar a vida e produção acadêmica de Gonzalez enquanto concluía minha graduação. Lembro-me também de ter apresentado meu trabalho numa mesa a ƧȌȁɨǞɈƵƮƊȯȲȌǏƵȺȺȌȲƊ0ɨƊ ǶƊɯ‫ة‬ȁȌƊȁȌƮƵ‫خפממנ‬ȯȲȌȯȌȺɈƊƮƵ ǶƊɯ‫ة‬ȁȌyɑƧǶƵȌƮƵ0ȺɈɐƮȌȺȺȌƦȲƵ a Mulher era apresentar às pesquisadoras da USP a abordagem do feminismo negro. Foi assim 1 Trata-se de um evento anula organizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021 Entrevistas ȱɐƵ Ȍ ȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌ ƮƵ mƶǶǞƊ JȌȁɹƊǶƵɹ ǏȌǞ ȯȌȺɈȌ Ƶǿ ƧȌȁɈȲƊȺɈƵ ƧȌǿ Ȍ ȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌ ƮƊ ˛ǶȍȺȌǏƊ Angela Davis naquele evento. Naquela ocasião, percebi que o pensamento de Gonzalez chamava muito a atenção das e dos estudantes universitários. A audiência para o evento contou com muitos estudantes da USP, mas também interessadas e interessados de outras instituições universitárias e teve o interesse de estudantes africanos que viviam no Brasil. ƵȺƧȲǞɈƊƮȌǶǞɨȲȌmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹȺȍɨƵǞȌƊƊƧȌȁɈƵƧƵȲȁȌƊȁȌƮƵ‫ةקממנ‬ȱɐƊȁƮȌƊǞȁƮƊȲƵƊlizava o mestrado e meu colega, Alex Ratts, então professor da Universidade Federal de Goiás, me convidou para essa parceria. Tratava-se de uma encomenda da Selo Negro, da editora Summus, que na ocasião havia incorporado o projeto da pesquisadora Vera Benedicto. Vera era da área de comunicação e via um grande potencial na produção de livros sobre intelectuais negros. Ela dirigiu a coleção Retratos do Brasil Negro, na qual se encontra o projeto da trajetória e ȯƵȲ˛ǶƮƵmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫ة‬ȱɐƵ˛ƧȌɐƊƧƊȲǐȌƮƵǶƵɮƵƵɐ‫§خ‬ƊȲƊƵȺȺƵǶǞɨȲȌ‫˛ة‬ɹƵǿȌȺȁȌɨƊȯƵȺȱɐǞȺƊ ƮȌƧɐǿƵȁɈƊǶƵƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺƵǿ²ƣȌ§ƊɐǶȌƵªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫§خ‬ɐƦǶǞƧƊǿȌȺȌǶǞɨȲȌƵǿǯɐǶǘȌƮƵ‫خמןמנ‬ 0ǿ‫ةמנמנ‬ƵǿȯǶƵȁƊȯƊȁƮƵǿǞƊ‫ة‬ƵɐƵwƋȲƧǞƊmǞǿƊ‫ة‬ƧȌȌȲƮƵȁƊƮȌȲƊƵǞƮƵƊǶǞɹƊƮȌȲƊƮȌǏȲȌٌ!ƵƦȲƊȯ‫ة‬ƊȯȲƵȺƵȁɈƊǿȌȺɐǿƊȯȲȌȯȌȺɈƊȯƊȲƊƊðƊǘƊȲ‫ة‬ȱɐƵƊƧƵǞɈȌɐȯɐƦǶǞƧƊȲȌǶǞɨȲȌƮȌȺƵȺƧȲǞɈȌȺƮƵ Lélia Gonzalez. A ideia era reunir tudo o que tínhamos da autora para que o público brasileiro mais amplo a conhecesse. Para essa pesquisa, contamos com Pamela Camargo, uma assistente de pesquisa, para nos ajudar a organizar e sistematizar a produção de Gonzalez. Contamos ƊǞȁƮƊƧȌǿɐǿƊƵȱɐǞȯƵȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶƮƊðRªȱɐƵɈȲƊƦƊǶǘȌɐǿɐǞɈȌƦƵǿȁƊƵƮǞƪƣȌƵȲƵɨǞȺƣȌ de todo o material. Nessa pesquisa, avançamos na publicação de materiais inéditos e ainda na tradução de textos importantes de Gonzalez em outras línguas e que não tinham ainda sido traduzidos para o português. Nesse trabalho acadêmico, conseguimos colocar à disposição do público uma reunião com grande parte da produção intelectual da autora, mostrando a diversidade, qualidade e abrangência de sua obra. ©ɐƊǶɨȌƧƺƊƧȲƵƮǞɈƊȺƵȲƊȯȲǞȁƧǞȯƊǶƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌƮȌɈȲƊƦƊǶǘȌƮƵmƶǶǞƊȯƊȲƊȌǿȌǿƵȁɈȌƊɈɐƊǶ Ƶ ƮƵ ȱɐƵ ǏȌȲǿƊ ɨƵǿ Ǟȁ˜ɐƵȁƧǞƊȁƮȌ Ɗ ƊɈɐƊƪƣȌ ƊƧƊƮƺǿǞƧƊ Ƶ ȯȌǶǠɈǞƧƊ ƮƊȺ ƊɈɐƊǞȺ ǐƵȲƊƪȪƵȺ ƮƵ ȯƵȺȱɐǞȺƊƮȌȲƊȺ Ƶ ǿǞǶǞɈƊȁɈƵȺ ȁƵǐȲƊȺ‫! د‬ȌǿȌ ɨȌƧƺ ȯƵȲƧƵƦƵ Ɗ ǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊ ƮƊ ǞƮƵǞƊ ƮƵ ƊǿƵǏȲǞƧƊȁǞƮƊƮƵȯƊȲƊȌƧȌȁɈƵɮɈȌƊɈɐƊǶƮƵƵȺɈɐƮȌȺƵǶɐɈƊȺȱɐƵƵȁǏȲƵȁɈƊǿȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌƵƊȺ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȺ‫د‬ÀƵȁƮȌƵǿɨǞȺɈƊƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊȺȱɐƵȲƵƊǶǞɹȌɐȺȌƦȲƵƵǶƊ‫ة‬ɨȌƧƺƊƧȲƵƮǞɈƊȱɐƵƵǶƊ ȺƵȲƵƧȌȁǘƵƧƵȲǞƊȁȌǶɐǐƊȲƮƵȲƵǏƵȲƺȁƧǞƊȯƊȲƊȯƊȲɈƵƧȌȁȺǞƮƵȲƋɨƵǶƮƊȺƊɐɈȌȲƊȺƵƊɐɈȌȲƵȺȱɐƵ ǞȁɈƵǐȲƊǿǘȌǯƵƵȺȺƵƧƊǿȯȌƮƵȯȲȌƮɐƪƣȌƮƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ‫د‬yƊȺɐƊȌȯǞȁǞƣȌȱɐƊǶƶƊǞǿȯȌȲٌ ɈƓȁƧǞƊƮƵȲƵƮƵ˛ȁǞȲǿȌȺȌɐȯȲȌȯȌȲǿȌȺȁȌɨȌȺƧȌȁƧƵǞɈȌȺƧȌǿȌǏƵɹmƶǶǞƊƧȌǿƊǿƵǏȲǞƧƊȁǞƮƊƮƵ Ƶ ȯȲƵɈɐǐɐƺȺ‫ ة‬ȯȌȲ ƵɮƵǿȯǶȌ‫ د‬XȺȺȌ ȯȌƮƵ ȁȌȺ ƊǯɐƮƊȲ Ɗ ƊɨƊȁƪƊȲ ȁƊ ƮǞȺȯɐɈƊ ƮƵ ȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺ ȱɐƵ ƵȁɨȌǶɨƵȌƮƵƦƊɈƵȺȌƦȲƵȯƊɐɈƊȺȲƊƧǞƊǞȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫د‬ Gonzalez nos legou alguns conceitos que merecem nossa atenção. O primeiro deles tem escopo global, maior escala e maior abstração. Trata-se do conceito “Racismo por denegação” que tem inspiração na socioantropologia e na psicanálise. A partir desse conceito a autora coloca em diálogo duas grandes áreas do conhecimento e busca entender o mesmo fenômeno que Grada Kilomba, que dedicaria ao assunto mais de três décadas depois da produção de Gonzalez. Ambas as autoras se interessavam pelo fenômeno do racismo que não assumia caȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺ ǏȲȌȁɈƊǞȺ Ƶ ƊƦƵȲɈƊȺ‫ ة‬ǿƊȺ ƦɐȺƧƊɨƊ Ɗ˛ȲǿƋٌǶȌ ȯȌȲ ȺƵȁɈƵȁƪƊȺ ȁƊ ȁƵǐƊɈǞɨƊ‫ ة‬ȯȌȲ ƵɮƵǿȯǶȌ‫ٗب‬yƣȌȺȌǿȌȺȲƊƧǞȺɈƊȺ٘‫ٗس‬0ɐȁƣȌȺȌɐȲƊƧǞȺɈƊ‫ة‬ɈƵȁǘȌƊɈƶɐǿƊƊǿǞǐƊȁƵǐȲƊ٘‫خ‬IȲƊȺƵȺƧȌǿȌƵȺȺƊȺ são tidas pelas autoras como evidências de uma estrutura cultural que tem o racismo como linguagem das relações sociais, contudo marcado pela negação de si mesmo. Essa forma de ocultamento intrigante é estudada por Gonzalez no plano estrutural e das grandes narrativas e discursos, enquanto Grada o estuda no âmbito do cotidiano, das relações interpessoais. Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes 73 Flavia Rios Já a categoria ameafricanidade foi mais bem desenvolvida em seu artigo “A categoria político cultural da Amefricanidade”. Gonzalez, com essa terminologia teórica e histórica, busca superar o nacionalismo metodológico, ultrapassando as barreiras territoriais, linguísticas e ideo- 74 lógicas das Américas. Trata-se, antes de tudo, de uma categoria anti-imperialista, ou seja, que busca reagir às formulações norte-americanas autorreferenciadas que se impunham sobre as demais partes do continente. Ademais, é uma categoria que tem por objetivo estabelecer bases comuns críticas à formação colonial. yƣȌȺƵɈȲƊɈƊ‫ل‬ȯȌȲƶǿ‫ل‬ƊȯƵȁƊȺƮƵɐǿɈƵȲǿȌȯƊȲƊȁȌǿƵƊȲ ƊȌȯȲƵȺȺƣȌƵƵɮȯǶȌȲƊƪƣȌƮȌȯƵȲǠȌƮȌƮƊƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌ‫ل‬ɈȲƊɈƊ٧ȺƵƊȁɈƵȺƮƵǶƊȁƪƊȲƦƊȺƵȺȯƊȲƊɐǿƊ ȺȌǶǞƮƊȲǞƵƮƊƮƵ ƧɐǶɈɐȲƊǶ Ƶ ȯȌǶǠɈǞƧƊ ǶƵɨƊȁƮȌ Ƶǿ ƧȌȁɈƊ ƊȺ ƮǞǿƵȁȺȪƵȺ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ ȌȺ ƵǶƵǿƵȁɈȌȺ ƶɈȁǞƧȌȺƵȲƊƧǞƊǞȺƮƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ‫ل‬ƊȱɐƊǶƶƧǘƊǿƊƮƊȯȌȲJȌȁɹƊǶƵɹƮƵǿƶǏȲǞƧƊmƊƮǞȁƊ‫ى‬Mas é preciso notar que Gonzalez entende por ameafricanos e ameafricanas não apenas mestiços, negros e indígenas, e, sim toda a diversidade de grupos que se formaram na região. Assim, ameafricanidade não seria uma exclusividade étnica racial, embora esses elementos sejam importantes para forjar uma solidariedade e uma imaginação coletiva que contemplem o corpo político e social que pertence a comunidade ladino-americana. ©ɐƊȁɈȌƊȌƧȌȁƧƵǞɈȌȯȲƵɈɐǐɐƺȺ‫ل‬ƵǶƵƵȺɈƋƊȺȺȌƧǞƊƮȌƊɐǿƊȲƵ˹ƵɮƣȌȁȌƓǿƦǞɈȌȁƊƧǞȌȁƊǶ‫ل‬ȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲǿƵȁɈƵƮǞɹȲƵȺȯƵǞɈȌƜǏȌȲǿƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊ‫ل‬ȺƵǯƊƵǿɈƵȲǿȌȺƮƊƮȌǿǞȁƊƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ل‬ ȺƵǯƊ Ƶǿ ɈƵȲǿȌȺ ƮƊȺ ȺɐƊȺ ǏȌȲǿƊȺ ƮƵ ȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊ Ƶ‫ ل‬ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵ‫ ل‬Ɗ ȺɐƊ ȺɐƦɨƵȲȺƣȌ‫ „ ى‬ȯȲƵɈɐǐɐƺȺ‫ ل‬ƵȁɈƣȌ‫ ل‬ƶ ɐǿƊ ǏȌȲǿƊ ƮƵ ȺɐƦɨƵȲȺƣȌ ȯȌȲ ǿƵǞȌ ƮƊ ǶǞȁǐɐƊǐƵǿ‫ ل‬ȁƣȌ ƊȯƵȁƊȺ ȁȌ ƧƊǿȯȌ ƮȌ ǞƮǞȌǿƊ٤ƵǿƦȌȲƊƊǶǠȁǐɐƊȺƵǯƊɐǿƊƮƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵȺɐƊƵɮȯȲƵȺȺƣȌ‫ى‬ƊɐɈȌȲƊƊɈȲǞƦɐǞƜȺǿɐǶǘƵȲƵȺ ȁƵǐȲƊȺ٤ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵƜǿƣƵȯȲƵɈƊ٤ƊȲƵȺȯȌȁȺƊƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵɈȲƊȁȺǿǞȺȺƣȌƮȌȯȲƵɈɐǐɐƺȺȯƊȲƊ ƊȺƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺƵƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌȺ‫ل‬ȌɐȺƵǯƊ‫ل‬ƊǶǠȁǐɐƊȯȌȲɈɐǐɐƵȺƊƊǏȲǞƧƊȁǞɹƊƮƊȯƵǶƊȺƊƦƵƮȌȲǞƊƮƊȱɐƵǶƊȺȱɐƵǐƊȲƊȁɈǞƊǿƊȲƵȯȲȌƮɐƪƣȌȺȌƧǞƊǶƮƊɨǞƮƊƵƊǞȁǞƧǞƊƪƣȌƊȌǿɐȁƮȌƮƊǶǞȁǐɐƊǐƵǿ‫ى‬²ɐƊȺ ƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪȪƵȺȯƊȲƊȯƵȁȺƊȲȌȯȲƵɈɐǐɐƺȺƦƊȺƵǞƊǿ٧ȺƵȁƊƧȌǿƦǞȁƊƪƣȌƮƵƊȁƋǶǞȺƵƮȌȺȌƧǞƊǶƵƮƊ ǶǞȁǐɐƊǐƵǿ‫ل‬ɨƊǶƵȁƮȌ٧ȺƵɈƊȁɈȌƮƵƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺƮƊƊȁɈȲȌȯȌǶȌǐǞƊƧȌǿȌƮƊƦƊȺƵƵȯǞȺɈƵǿȌǶȍǐǞƧƊƮƊ ȯȺǞƧƊȁƋǶǞȺƵ‫ل‬ƵǿȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƊƊƦȌȲƮƊǐƵǿǶƊƧƊȁǞƊȁƊƊȯǶǞƧƊƮƊƊȌǿɐȁƮȌƮƊƧɐǶɈɐȲƊ‫ى‬ 0ǿȺƵɐȺƵȁȺƊǞȌȺ‫ة‬ȲƵƧƵȁɈƵǿƵȁɈƵɈȲƊƮɐɹǞƮȌȺȯƊȲƊȌȯȌȲɈɐǐɐƺȺƵȯɐƦǶǞƧƊƮȌȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ƊǞȁɈƵٌ ǶƵƧɈɐƊǶƵǏƵǿǞȁǞȺɈƊȁƵǐȲƊƵȺɈƊƮɐȁǞƮƵȁȺƵƦƵǶǶǘȌȌDzȺƧǘƊǿƊƊƊɈƵȁƪƣȌȯƊȲƊƊȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺ ƵǿɈȌȲȁȌƮƊƵȺƧȲǞɈƊȱɐƵƊɈȲƊɨƵȺȺƊǿƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊƮƵƵȺƧȲǞɈȌȲƊȺȁƵǐȲƊȺ‫خ‬²ƵǐɐȁƮȌƵǶƊ‫ة‬ǘƋ‫ة‬ȯƵǶȌ ǿƵȁȌȺ‫ة‬ɐǿƊƮɐȯǶƊƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵƵȁǏȲƵȁɈƊƮƊ‫ب‬ƵǿȯȲǞǿƵǞȲȌǶɐǐƊȲƊȱɐƵǶƊȱɐƵǐǞȲƊƵǿɈȌȲȁȌƮƵ ɐǿƊƮȌǿƵȺɈǞƧƊƪƣȌƮƊǶǞȁǐɐƊǐƵǿȱɐƵ‫ة‬ȯƊȲƊǏƊɹƵȲǿȌȺɐǿƊȯȌȁɈƵƧȌǿƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊ‫ة‬ ƮƵǞɮƊȲǞƊƮƵǏȌȲƊȌٗȯȲƵɈȌǐɐƺȺ٘ƧȌǿȌȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƵȲƵ˜ƵɮƣȌ‫خ‬0ǿȺƵǐɐȁƮȌ ǶɐǐƊȲ‫ة‬ǘƋɐǿƊǏȌȲɈƵǞȁɈƵȲƮǞƪƣȌƵƮǞɈȌȲǞƊǶȱɐƵǏƊɹƧȌǿȱɐƵǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ـ‬ƵǘȌǿƵȁȺ‫ف‬ȁƵǐȲƊȺȺƵǯƊǿ ǿƵȁȌȺȯɐƦǶǞƧƊƮƊȺƵ‫ة‬ȯȌȲɈƊȁɈȌ‫ة‬ǿƵȁȌȺǶǞƮƊȺƵǿƵȁȌȺƧȌȁǘƵƧǞƮƊȺ‫خ‬ßȌƧƺƵȺɈƋƮƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿ ƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺɈȲƊɹǞƮƊȺȯȌȲǘȌȌDzȺ‫!د‬ȌǿȌƊȺɨƺɈƵȁƮȌƵǿɨǞȺɈƊƊƊɈɐƊǶȌȁƮƊƮƵȯɐƦǶǞƧƊƪȪƵȺƮƵ ƊɐɈȌȲƊȺƵƊɐɈȌȲƵȺȁƵǐȲȌȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ƵȁɈȲƵƵǶƊȺ‫ـ‬ƵȺ‫ف‬mƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹ‫ ة‬ƵƊɈȲǞɹyƊȺƧǞǿƵȁɈȌ‫ة‬²ɐƵǶǞ !ƊȲȁƵǞȲȌ‫ة‬²ǞǶɨǞȌǶǿƵǞƮƊƵ(ǯƊǿǞǶƊªǞƦƵǞȲȌ‫د‬ É preciso contextualizar e entender os mecanismos de exclusão das sociedades. Embora o racismo e o sexismo desempenhem um papel fundamental na estrutura de exclusão em diferentes contextos nacionais, isso não deve nos levar a simplesmente à importação de explicações ȯƊȲƊƊȺȲƵƊǶǞƮƊƮƵȺƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȺ‫(خ‬ǞǏƵȲƵȁɈƵǿƵȁɈƵƮȌȺ0Ç‫ة‬Ȍ ȲƊȺǞǶƧȌȁȺƵǐɐǞɐǿƊȁɈƵȲȯȌȲɐǿȺƶƧɐlo a ideia de que éramos uma democracia racial. E por um bom tempo lutou-se no país pela ideia ƮƵȱɐƵǘƊɨǞƊɐǿƊǶǞɈƵȲƊɈɐȲƊȁƵǐȲƊ‫س‬ƊǶǐȌȱɐƵȺƵƵȺɈƊƦƵǶƵƧƵɐȁȌȺ0ȺɈƊƮȌȺÇȁǞƮȌȺƮƵȺƮƵȌƧȌȁɈƵɮɈȌƊƦȌǶǞƧǞȌȁǞȺɈƊ‫ة‬ȱɐƊȁƮȌȌȺƵɮٌƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮȌȺǯƋȯȲȌƮɐɹǞȲƊǿƦǞȌǐȲƊ˛ƊȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȺȯƊȲƊȺɐȺɈƵȁɈƊȲ uma narrativa moral, de autoria negra, contra a escravidão. Ademais, a própria existência de universidades negras garantiu a formação de uma intelectualidade negra estadunidense em Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021 Entrevistas diferentes áreas do conhecimento. No Brasil, a produção negra considerada de alta relevância foi lida como literatura brasileira. É muito recente a construção de um campo legitimado do que seria uma intelectualidade negra, e não apenas escritos de ativistas, ou ainda algo que dissesse de nossa brasilidade, ofuscando e diluindo a autoria negra. Apesar desse ter sido o padrão dominante no século XX no Brasil, considero que neste novo século, especialmente na última década essa interpretação mudou, ganhando força a produção, o mercado e o consumo de livros de autoria negra enquanto uma produção de escritores, artistas e intelectuais negros e negras. Eu penso que na última década uma onda de produção de literatura feminista impulsionou a produção de intelectuais negras brasileiras e estrangeiras. No Brasil, em particular, o fenômeno verdadeiramente novo foi o das grandes editoras publicarem autoras negras nacioȁƊǞȺ‫ة‬ƵǿȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲȺɐƊȺȯȲȌƮɐƪȪƵȺƵȁȺƊǠȺɈǞƧƊȺƵǶǞɈƵȲƋȲǞƊȺ‫خ‬yƊɨƵȲƮƊƮƵ‫ة‬ȌǿƊǞȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨȌǏȌǞ a produção em maior escala, já que antes apenas uma ou outra autora tinha destaque. Acho ȱɐƵƊǿɐƮƊȁƪƊȁȌȯƊǠȺƮƵɨƵȺƵȲƵɮȯǶǞƧƊƮƊȯȌȲɐǿƧȌȁǯɐȁɈȌƮƵǏƊɈȌȲƵȺ‫فןب‬ƊǐȲƊȁƮƵȯȌǶǞɈǞɹƊƪƣȌ ȁƊƧǞȌȁƊǶ‫ة‬ȱɐƵɈƵɨƵȌɈƵǿƊƮȌȲƊƧǞȺǿȌƵƮƊȱɐƵȺɈƣȌƮƵǐƺȁƵȲȌƧȌǿȌƊȺȺɐȁɈȌȺƧƵȁɈȲƊǞȺ‫فנس‬ƊǿɐƮƊȁƪƊƮȌȯƵȲ˛ǶƮǞȺƧƵȁɈƵɐȁǞɨƵȲȺǞɈƋȲǞȌ‫ة‬ƊƦȲǞȁƮȌɐǿƊȁȌɨƊȌȁƮƊƮƵȯɑƦǶǞƧȌƧȌȁȺɐǿǞƮȌȲƮƵǶǞɨȲȌȺ ‫ـ‬ƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵɈȌȲȁƊȲƊٌȺƵǿƊǞȺȁƵǐȲƊ‫ة‬ǿƊǞȺǏƵǿǞȁǞȁƊƵǿƊǞȺȯȌȯɐǶƊȲ‫فסسف‬ȌǞǿȯƊƧɈȌƮƊȺȲƵƮƵȺ sociais e a circulação de conteúdos fora da centralização dos grandes meios de comunicação e das livrarias, o que gerou necessidade de absorção dos temas e das novas agendas e interesses dessa nova geração como estratégia de ampliação de público e modernização da produção ǐƵȲƊȁƮȌȺǞǿɐǶɈƊȁƵƊǿƵȁɈƵƊɐɈȌȲƵȺƵƧȌȁȺɐǿǞƮȌȲƵȺȁƵǐȲȌȺ‫فעس‬ǐȲƊȁƮƵȯȌǶǞɈǞɹƊƪƣȌǞȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶ seja no âmbito civil global, seja no âmbito das universidades (boa parte desse debate internacional pode ser lido na chave do anticolonialismo), o que também impacta um país como nosso que é marcado por uma política massiva de tradução de livros. 0ǿ ȺƵɐ ɈƵɮɈȌ ƧǶƋȺȺǞƧȌ ٗªƊƧǞȺǿȌ Ƶ ²ƵɮǞȺǿȌ ȁƊ !ɐǶɈɐȲƊ ȲƊȺǞǶƵǞȲƊ٘ ‫ ةفעצקןـ‬mƶǶǞƊ JȌȁɹƊǶƵɹ ȯȲȌȯȪƵȌȱɐƵȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺȯƵȲƧƵƦƵȲƧȌǿȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈȌȺȯƊȲƊɐǿƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌٌ ȁƊǶƮƵƊȁƋǶǞȺƵ‫خ‬0ǿȺɐƊȌȯǞȁǞƣȌ‫ة‬ȱɐƊǶǏȌǞƊǿƊǞȌȲƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌƮƊƊɐɈȌȲƊȯƊȲƊƊƧȌȁǏȌȲǿƊƪƣȌ ƮƵȺȺƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊ‫د‬ !ȌǿȌȁǐƵǶƊ(ƊɨǞȺ‫ة‬JȌȁɹƊǶƵɹȯƵȁȺƊɨƊ‫ة‬ȁƊɨǞȲƊƮƊƮȌȺƊȁȌȺƮƵ‫מץקן‬Ƶ‫ةמצקן‬ȺȌƦȲƵƊǞǿportância de se observar a discriminação em suas múltiplas dimensões, em particular àquelas que se referem às formas de dominação e exploração capitalistas, sexistas e racistas. Racismo, capitalismo e sexismos como três sistemas cujos impactos são mais bem observados na experiência de exploração e de subordinação das mulheres negras, mas também perceptíveis nas formas pelas quais elas elaboram suas formas de resistência. Não seria possível entender a agência das mulheres negras sem saber o modo como esses sistemas de dominação/exploração impactam suas vidas, suas experiências, suas formas de subjetivação, suas condições materiais de vida. Ambas deram importância ao entendimento histórico da violência colonial e suas interǏƊƧƵȺƧȌǿȌƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌƵȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫خ‬JȌȁɹƊǶƵɹ‫ة‬ȁȌƵȁɈƊȁɈȌ‫ة‬ɈǞȁǘƊƊǞȁƮƊȌƮƵȺƊ˛ȌƮƵǿȌȺɈȲƊȲ que o capitalismo na América Latina não era o mesmo dos países centrais. O caráter periférico do Brasil na economia global colocava outros impasses para entender a particularidade da hiper exploração no país e seus impactos sobre os trabalhadores negras e negros, em especial ƊǿɐǶǘƵȲȁƵǐȲƊ‫خ‬ƮƵǿƊǞȺ‫ة‬ȌȯȲȍȯȲǞȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌȁȌȯƊǠȺɈǞȁǘƊƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪȪƵȺȯȲȍȯȲǞƊȺ‫ة‬ȁȌɈƋɨƵǞȺ nas suas ideologias de acomodação racial, o embranquecimento e a democracia racial. O capiɈƊǶǞȺǿȌƮƵȯƵȁƮƵȁɈƵ‫ة‬ƦƵǿƧȌǿȌȌȲƊƧǞȺǿȌȯȌȲƮƵȁƵǐƊƪƣȌȺƣȌȌȺȺǞȺɈƵǿƊȺƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȺȱɐƵǏȌȲjam um tipo de patriarcado com essas marcas de racialização próprias das nações que negam o Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes 75 Flavia Rios ƧȌȁ˜ǞɈȌȲƊƧǞƊǶ‫ة‬ǿƊȺǿƊȁɈƵǿȲǠǐǞƮƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺƮƵƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵȺ‫خ‬ƮƵǿƊǞȺ‫ة‬ȌǏƊɈȌȲƮƵǿȌǐȲƋ˛ƧȌ‫ة‬ Ȍɐ ȺƵǯƊ‫ ة‬Ȍ ǐȲƊȁƮƵ ƧȌȁɈǞȁǐƵȁɈƵ ȯȌȯɐǶƊƧǞȌȁƊǶ ƮƵ ȁƵǐȲȌȺ ȁȌ ȯƊǠȺ ƶ ȌɐɈȲȌ ƮƵȺƊ˛Ȍ ǞȁɈƵȲȯȲƵɈƊɈǞɨȌ para o país. Como pensar essas estruturas de dominação cambiáveis sem desconsiderar o fato 76 de que estamos diante de maiorias negras, e não minorias racializadas? Essas perguntas, com base em uma teoria complexa, ou seja, de matriz interseccional, que parece ser um dos grandes legados da autora. E que tem gerado boa parte de sua recepção atual no Brasil e em outras partes do globo. IƵǿǞȁǞȺǿȌȁƵǐȲȌƵǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ 0ǿƊǶǐɐȁȺƮƵȺƵɐȺɈƵɮɈȌȺ‫ة‬ɨȌƧƺƊȺȺɐǿƵƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶƧȌǿȌٗƧƊɈƵǐȌȲǞƊǞȁƧȌȁٌ ɈȌȲȁƋɨƵǶȁȌƮƵƦƊɈƵƊƧƊƮƺǿǞƧȌƮƊƊɈɐƊǶǞƮƊƮƵ٘‫ـ‬ªǞȌȺƵ²ȌɈƵȲȌ‫خקןמנة‬ȯ‫خفןخ‬RƋƊǶǐɐǿƊȺƧȲǠɈǞƧƊȺ ƊƵȺȺƊƊƦȌȲƮƊǐƵǿ‫ة‬ȯȲȌȯȌȺɈƊǞȁǞƧǞƊǶǿƵȁɈƵȯȌȲ!ȲƵȁȺǘƊɩ‫ة‬ȱɐƵƵȁɈƵȁƮƵƊȺȌȯȲƵȺȺȪƵȺƧȌǿȌ ƵǞɮȌȺƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊɈȍȲǞȌȺȱɐƵȺƵȺȌƦȲƵȯȪƵǿȌɐȺƵƵȁɈȲƵƧȲɐɹƊǿƧȲǞƊȁƮȌƵȺȺƊȺǞȁɈƵȲȺƵƧƪȪƵȺƵǿ ɐǿƊƵȺȯƶƧǞƵƮƵǘǞƵȲƊȲȱɐǞƊ‫خ‬0ȺȺƊȺƧȲǠɈǞƧƊȺȺƵƧƵȁɈȲƊǿȁȌǏƊɈȌƮƵȱɐƵɐǿƊƊȁƋǶǞȺƵƮƵƦƊȺƵ ǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶȺƵȲǞƊǿɐǞɈȌƧƊȲɈƵȺǞƊȁƊȯƊȲƊƵȁɈƵȁƮƵȲɐǿƵȺȱɐƵǿƊƮƵȌȯȲƵȺȺȪƵȺȱɐƵȯȌƮƵȲǞƊ ȺƵȲ‫ة‬ȁƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵ‫ة‬ɐǿƊƵȺɈȲɐɈɐȲƊƮƵȯȌƮƵȲɑȁǞƧƊٌɐǿƊȺɐȯȲƵǿƊƧǞƊƦȲƊȁƧƊƵɐȲȌƧƺȁɈȲǞƧƊȱɐƵ ȺƵȺɐȺɈƵȁɈƊƊȯƊȲɈǞȲƮȌȲƊƧǞȺǿȌƵȱɐƵɈƵǿƧȌǿȌƧƊȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺȌǿƊƧǘǞȺǿȌ‫ة‬ƊǘȌǿȌǏȌƦǞƊ‫ة‬Ȍ ƧƊȯƊƧǞɈǞȺǿȌƵɈƧ‫„خ‬ɐɈȲȌȯȌȁɈȌȺƵƧƵȁɈȲƊȁȌǏƊɈȌƮƵɐǿƊƊȁƋǶǞȺƵǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶȺɐȯȌȺɈƊǿƵȁɈƵ ƧȌǶȌƧƊȲƵǿȯƶƮƵǞǐɐƊǶƮƊƮƵȌȯȲƵȺȺȪƵȺƮƵȁƊɈɐȲƵɹƊȺǿɐǞɈȌƮǞȺɈǞȁɈƊȺ‫ة‬ȲƵƦƊǞɮƊȁƮȌȌȲƊƧǞȺǿȌƊ ɐǿƊƵȺȯƶƧǞƵƮƵƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƪƣȌ‫ة‬ȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌ‫„خ‬ȱɐƵɨȌƧƺȯȌƮƵȲǞƊȁȌȺƮǞɹƵȲƵǿȲƵǶƊƪƣȌƊƵȺȺƵ ƮƵƦƊɈƵ‫د‬RƋƊȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵƧȌȁƧƵƦƵȲɐǿƊǘǞƵȲƊȲȱɐǞƊƮƵȌȯȲƵȺȺȪƵȺȌɐƮƵɨƵǿȌȺȯƵȁȺƊȲ‫ة‬ ƧȌǿȌȯȲȌȯȪƵɐƮȲƵmȌȲƮƵ‫ة‬ȁȌȺƵȁɈǞƮȌƮƵȁƣȌǘƊɨƵȲɐǿƊǘǞƵȲƊȲȱɐǞƊ‫د‬ Ao que parece esse debate sobre a hierarquização das opressões já foi superado mesmo no pensamento de Crenshaw. wƵȯƊȲƵƧƵȱɐƵȌƮƵƦƊɈƵƊǐȌȲƊƶȱɐƵƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ ƶɐǿƊƊƦȌȲƮƊǐƵǿǿɐǶɈǞƮǞǿƵȁȺǞȌȁƊǶȱɐƵȺƵȺȍȯȌƮƵȺƵȲǞȁȺƵȲǞƮƊȁɐǿƊɈƵȌȲǞƊƧȌǿȯǶƵɮƊƮȌ ȺȌƧǞƊǶ‫„ ى‬ɐ ȺƵǯƊ‫ ل‬ɈȲƊɈƊ٧ȺƵ ƮƵ ɐǿƊ ƊƦȌȲƮƊǐƵǿ ȱɐƵ ȯȲƵȺȺɐȯȪƵ Ɗ ǞȁɈƵȲƮƵȯƵȁƮƺȁƧǞƊ ƮȌȺ ǏƊɈȌȲƵȺ ƮƵɈƵȲǿǞȁƊȁɈƵȺƵƧƵȁɈȲƊǞȺȯƊȲƊǐƵȲƊȲƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵȺ‫ل‬ƵȺɈȲƊɈǞ˸ƧƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶƵƮƵȺɨƊȁɈƊǐƵȁȺȺǞȺɈƵǿƋɈǞƧƊȺȁɐǿƊƮƊƮƊȺȌƧǞƵƮƊƮƵ‫ل‬ƧȌǿǞǿȯǶǞƧƊƪȪƵȺǿƊƧȲȌȺȺȌƧǞƊǞȺ‫ل‬ȌȲǐƊȁǞɹƊƧǞȌȁƊǞȺƵƊɈƶǿƵȺmo subjetivas. Embora não tenha sido elaborada inicialmente como uma teoria do sujeito, a interseccionalidade, como uma teoria dos sistemas de opressão e exploração deve ser entendida também como um modelo que busca compreender quais são os fatores determinantes para uma dada situação de desempoderamento, desprestígio e de subordinação, como esses fatores se relacionam mutuamente? Inicialmente essa perspectiva interseccional, de fundamento ǿƊɈƵȲǞƊǶǞȺɈƊ‫ة‬ǏȌȲǯƊƮƊȁȌȺƊȁȌȺƮƵ‫ةמץקן‬ǯƋȯȲƵȺȺɐȯɐȁǘƊȱɐƵȯƵǶȌǿƵȁȌȺȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫ة‬ȌƧƊȯǞɈƊlismo e o racismo eram os sistemas estruturantes das hierarquias sociais. E que qualquer tentativa de compreender o social e de superar o atual estado de coisas dependeria de sua análise em conjunto, isto é, da análise dessa dinâmica de co-dependência e de estruturação mútua. Ou seja, esses sistemas não andam em paralelo, mas, antes, estão interseccionados. Na atualidade, o uso do termo interseccionalidade pode ser entendido analiticamente a partir de algumas dimensões. A interseccionalidade tem sido estudas por três registros prinƧǞȯƊǞȺ‫ فן ب‬ƧȌǿȌ ƧȌȁƧƵǞɈȌ ƮƊȺ ƧǞƺȁƧǞƊȺ ȺȌƧǞƊǞȺ Ƶ ǯɐȲǠƮǞƧƊȺ‫ فנ س‬ƧȌǿȌ ǏƵȲȲƊǿƵȁɈƊ ƮƵ ǞȁɈƵȲɨƵȁƪƣȌ ȯȌǶǠɈǞƧƊ‫س‬Ƶ‫فס‬ƧȌǿȌǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵƧȌǶƵɈǞɨƊ‫خ‬ Do ponto de vista teórico e conceitual, originalmente cunhado pela professora Kimberlé Crenshaw, a abordagem interseccional nasce do feminismo negro norte-americano, que se Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021 Entrevistas ȲƵƧɐȺƊƊƊȁƊǶǞȺƊȲƊƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵȁȌȺǞȁǐɐǶƊȲ‫ٶخ‬ȯƊȲɈǞȲƮǞȺȺȌ‫ة‬ƊȺǿɑǶɈǞȯǶƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌ sociais e produção de desigualdade são levadas em conta numa abordagem multidimensional, como raça, gênero, classe, religião, sexualidade, nacionalidade, geração. Antes que eu me esqueça, é preciso desfazer o engano de que a interseccionalidade dá conta do somatório das desvantagens sociais, culturais ou econômicas. Ou seja, não se trata de mensurar o sofrimento social, trata-se de analisar as causas múltiplas das desigualdades, seja qual for a sua natureza, sem pretender hierarquizá-las. Já a interseccionalidade como ferramenta de intervenção política abarca as variáveis que, em conjunto, seriam capazes de revelar os pontos em que as desvantagens se tornam mais cruƧǞƊǞȺȯƊȲƊɐǿƮƊƮȌǐȲɐȯȌȺȌƧǞƊǶ‫خ‬ȯƊȲɈǞȲƮƵȺȺƊǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌ‫ة‬ȺƣȌɈȌǿƊƮƊȺƮƵƧǞȺȪƵȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊdas às concepções de políticas públicas, entendidas como instrumentos de intervenção social com vistas a promover a equidade. No que se refere à construção da identidade coletiva, a interseccionalidade apresenta-se como uma rejeição ao feminismo do tipo branco e liberal, que ignora a situação da mulher ȁƵǐȲƊ‫ة‬ƵƶɐǿƊǏȌȲǿƊƮƵƧȲǞɈǞƧƊȲƊǞȁȺɐ˛ƧǞƺȁƧǞƊƮȌƧȌǿȯȌȁƵȁɈƵƮƵǐƺȁƵȲȌƵƮƊȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȁȌ feminismo negro mais tradicional. No que se refere à construção da identidade coletiva, a interseccionalidade apresenta-se como uma rejeição ao feminismo do tipo branco e liberal, que ignora a situação da mulher ȁƵǐȲƊ‫ة‬ƵƶɐǿƊǏȌȲǿƊƮƵƧȲǞɈǞƧƊȲƊǞȁȺɐ˛ƧǞƺȁƧǞƊƮȌƧȌǿȯȌȁƵȁɈƵƮƵǐƺȁƵȲȌƵƮƊȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȁȌ feminismo negro mais tradicional. yȌƧȌȁɈƵɮɈȌǿƊǞȺƊǿȯǶȌƮƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ‫ة‬ȌƮƵƦƊɈƵƮƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƵȁƧȌȁɈȲƊȁȌ ƮǞƋǶȌǐȌ ƧȌǿ ƊȺ ɈƵȌȲǞƊȺ ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ ة‬ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵ Ƶǿ ȺɐƊ ǞȁɈƵȲǏƊƧƵ ƧȌǿ Ȍ ȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ ة‬ƵȺȯƊƪȌȺ ȯƊȲƊ Ɗ ȯȲȌƮɐƪƣȌ ƮƵ ȲƵ˜ƵɮȪƵȺ ȱɐƵ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊǿ ƊȺȯƵƧɈȌȺ ƵȺɈȲɐɈɐȲƊǞȺ Ƶ ƮǞȁƓǿǞƧȌȺƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲƊȺȺȌƧǞƊƮȌȺƊȌȺƵǞɮȌȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌ‫خ‬DzȌɈǞȲƵȁƵ‫فצןמנـ‬ ƧǘƊǿƊƊƊɈƵȁƪƣȌȯƊȲƊƊƊȯȲȌȯȲǞƊƪƣȌƮƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶȯƵǶȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌȁƵȌǶǞٌ ƦƵȲƊǶ‫ة‬ƵȺɨƊɹǞƊȁƮȌȺɐƊƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌƮƊȺɐƊǏȌȲƪƊƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶƧȲǠɈǞƧƊ‫(خ‬ƵȱɐƵǏȌȲǿƊɨȌƧƺƊȁƊǶǞٌ ȺƊƊȺɈƵȁȺȪƵȺƧȌǶȌƧƊƮƊȺȯƊȲƊȌƮƵƦƊɈƵȺȌƦȲƵǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƮƵȁɈȲȌƵǏȌȲƊƮȌɐȁǞɨƵȲȺȌ ƊƧƊƮƺǿǞƧȌ‫د‬0ǿȱɐƵƧƊǿǞȁǘȌȺƶȯȌȺȺǠɨƵǶǞȁɨƵȺɈǞȲȯƊȲƊȱɐƵȺɐƊǏȌȲƪƊƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶƧȲǠɈǞƧƊȁƣȌ ȺƵȯƵȲƧƊ‫د‬yƊȺɐƊȌȯǞȁǞƣȌ‫ة‬ȱɐƊǶɨƵǿȺƵȁƮȌȌǶɐǐƊȲƊǞȁƧȌȲȯȌȲƊƪƣȌƮƵȌɐɈȲȌȺƵǞɮȌȺƮƵȌȯȲƵȺٌ ȺƣȌ‫ـ‬ƧȌǿȌǐƵȲƊƪƣȌƵȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ‫ف‬ȯƊȲƊȌƊɨƊȁƪȌƮƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶ‫د‬0ƮƵȱɐƵ ǿȌƮȌƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵɨƵǿǞȁ˜ɐƵȁƧǞƊȁƮȌƊȺƊǐƵȁƮƊȺƵȲƵȯƵȲɈȍȲǞȌȺƮƵǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺ ȺȌƧǞƊǞȺƧȌȁɈƵǿȯȌȲƓȁƵȌȺ‫ة‬ƵǿƵȺȯƵƧǞƊǶƮȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌȁƵǐȲȌ‫د‬ yȌ ƊȲɈǞǐȌ ȱɐƵ ªƵǐǞǿƵǞȲƵ wƊƧǞƵǶ Ƶ Ƶɐ ƵȺƧȲƵɨƵǿȌȺ Ƶǿ ‫ ةץןמנ‬ǿȌȺɈȲƊǿȌȺ ȱɐƵ Ȍ ɈƵȲǿȌ interseccionalidade havia se tornado uma ferramenta presente nas formas de ação coletiva de mulheres jovens, das novas gerações de ativismos, e que uma das características mais notáveis dessa nova geração era a sua capacidade de tornar categorias de raça, classe, gênero e sexualidade interdependentes. No feminismo negro mais tradicional no Brasil, a sexualidade aparecia em segundo plano. Para essa nova geração do século XXI, sexualidade tem o mesmo peso e valor analítico que as demais categorias. Nesse sentido, as novas gerações parecem ter estabelecido de forma mais evidente que as gerações anteriores a centralidade da sexualidade para a estruturação das desigualdades e também das subjetividades contemporâneas. Noutro artigo que escrevi com Arlene Ricoldi e com Olivia Cunha mostramos que o debate interseccional havia ganhado corações e mentes de alguns expressivos segmentos dos feminismos brasileiros – independentemente de ele ser negro ou não. Mostramos que na pro- Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes 77 Flavia Rios dução acadêmica de orientação feminista e também nas mobilizações de rua, bem como nos novos coletivos universitários e ainda nas organizações feministas e de mulheres no país, havia uma forte inclinação de pensar de forma interseccional o feminismo, buscando superar as hie- 78 rarquizações de categorias de opressão, com o objetivo de problematizar e enfrentar o racismo no interior dos movimentos sociais. ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ AKOTIRENE, C. „ȱɐƵƶǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ. Coordenação Djamila Ribeiro. Belo Horizonte: mƵɈȲƊǿƵȁɈȌ‫خצןמנة‬ J„yðm0ð‫ة‬m‫خ‬ƧƊɈƵǐȌȲǞƊȯȌǶǠɈǞƧȌٌƧɐǶɈɐȲƊǶƮƵƊǿƵǏȲǞƧƊȁǞƮƊƮƵ‫خ‬ÀƵǿȯȌ ȲƊȺǞǶƵǞȲȌ, Rio de JaneiȲȌ‫ة‬ɨ‫ةנקخ‬ȁ‫ةסקخ‬ȯ‫ـةנצٌקפخ‬ǯƊȁ‫ش خ‬ǯɐȁ‫צצקןةفخ‬Ʀ‫ة‬ȯ‫خנצٌקפخ‬ KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. !ȌƦȌǐȍ‫ןس‬ѤƵƮǞƪƣȌ‫צןـ‬ ǯɐȁǘȌ‫فקןמנ‬ ªX„²‫ة‬I‫§خ‬0ª0ð‫ة‬IƵªX!„m(X‫خة‬XȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵȁƊȺǿȌƦǞǶǞɹƊƪȪƵȺƮȌ ȲƊȺǞǶƧȌȁɈƵǿȯȌȲƓneo. In: ªƵɨǞȺɈƊmɐɈƊȺ²ȌƧǞƊǞȺɨ‫ננخ‬ȁ‫מסןبفצןמנـמעخ‬ƊȁȌȺƮƊƊƦȌǶǞƪƣȌٌƧƊɈǞɨƵǞȲȌƊƧƊƦȌɐ‫د‬ RIOS, F. e MACIEL, R. Feminismo negro em três tempos: Mulheres Negras, Negras Jovens Feministas e Feministas Interseccionais. In: ǶƊƦȲɯȺ‫ة‬ƶɈɐƮƵȺǏƶǿǞȁǞȺɈƵȺ‫ش‬ƵȺɈɐƮȌȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ ǯɐǶǘȌ‫ٌץןמנش‬ǯɐȁǘȌ‫شצןמנ‬ǯɐǞǶǶƵɈ‫ٌץןמנ‬ǯɐǞȁ‫خצןמנ‬ RIOS, F. e SOTERO, E. Apresentação: Gênero em perspectiva interseccional. In: ªƵɨǞȺɈƊ§ǶɐȲƊǶ v. ‫פנ‬ȁ‫بفקןמנـןخ‬JƺȁƵȲȌƵǿȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶ‫خ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021 Foto: Lélia Gonzalez de Cézar Loureiro. Entrevista com Irene Maria Cardoso: ƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ة‬ȯȌǶǠɈǞƧƊƵ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌ Priscila Dorella ¡DALE!, UFV 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿXȲƵȁƵwƊȲǞƊ!ƊȲƮȌȺȌ‫ب‬ǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ة‬ȯȌǶǠɈǞƧƊ ƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌ ªƵȺɐǿȌ A agroecologia vem se apresentando há décadas como um movimento político, social ƵƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌȱɐƵƊƦƊȲƧƊɐǿǘȌȲǞɹȌȁɈƵƮƵȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƧȌȁɈȲƊȌǿȌƮƵǶȌǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌ do agronegócio. Uma das principais professoras do Brasil, formada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), que atua ativamente em defesa da ciência comprometida com a vida, dos saberes ancestrais que nos conectam com a natureza e dos movimentos feministas que lutam pela justiça e paz social é Irene Cardoso. A entrevista que segue é uma oportunidade de conhecermos a sua trajetória que nos inspira a construirmos outras cosmologias políticas. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ب‬ƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫س‬ȯȌǶǠɈǞƧƊ‫س‬ǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫خ‬ Entrevista a Irene Maria Cardoso: Agroecología, política y feminismo Resumen mƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǠƊȺƵȯȲƵȺƵȁɈƊƮƵȺƮƵǘƊƧƵƮƶƧƊƮƊȺƧȌǿȌɐȁǿȌɨǞǿǞƵȁɈȌȯȌǶǠɈǞƧȌ‫ل‬ȺȌƧǞƊǶɯƧǞƵȁɈǠ˸ƧȌȱɐƵƊƦƊȲƧƊɐȁǘȌȲǞɹȌȁɈƵƮƵȯȌȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺǏȲƵȁɈƵƊǶǿȌƮƵǶȌǘƵǐƵǿȍȁǞƧȌƮƵǶƊǐȲȌȁƵǐȌƧǞȌ‫ى‬ÇȁƊƮƵǶƊȺȯȲȌǏƵȺȌȲƊȺǿƋȺƮƵȺɈƊƧƊƮƊȺƮƵ ȲƊȺǞǶ‫ل‬ǶǞƧƵȁƧǞƊƮƊȯȌȲ ǶƊÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮIƵƮƵȲƊǶƮƵßǞƪȌȺƊٛÇIßٜ‫ل‬ȱɐƵƮƵ˸ƵȁƮƵƊƧɈǞɨƊǿƵȁɈƵǶƊƧǞƵȁƧǞƊƧȌǿȯȲȌǿƵɈǞƮƊƧȌȁǶƊɨǞƮƊ‫ل‬ǶȌȺƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌȺƊȁƧƵȺɈȲƊǶƵȺȱɐƵȁȌȺƧȌȁƵƧɈƊȁƧȌȁǶƊȁƊɈɐȲƊǶƵɹƊɯǶȌȺǿȌɨǞǿǞƵȁɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȱɐƵǶɐƧǘƊȁȯȌȲǶƊǯɐȺɈǞƧǞƊȺȌƧǞƊǶɯǶƊȯƊɹ‫ل‬ƵȺXȲƵȁƵ !ƊȲƮȌȺȌ‫ى‬mƊȺǞǐɐǞƵȁɈƵƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƵȺɐȁƊȌȯȌȲɈɐȁǞƮƊƮȯƊȲƊƧȌȁȌƧƵȲȺɐɈȲƊɯƵƧɈȌȲǞƊȱɐƵ nos inspira a construir otras cosmologías políticas. Palabras clave: agroecología; política; feminismo. Interview with Irene Maria Cardoso: Agroecology, politics and feminism Abstract ǐȲȌƵƧȌǶȌǐɯǘƊȺƦƵƵȁȯȲƵȺƵȁɈǞȁǐǞɈȺƵǶǏǏȌȲƮƵƧƊƮƵȺƊȺƊȯȌǶǞɈǞƧƊǶ‫ل‬ȺȌƧǞƊǶƊȁƮȺƧǞƵȁɈǞ˸ƧǿȌɨƵǿƵȁɈɈǘƊɈƵȁƧȌǿȯƊȺȺƵȺƊǘȌȲǞɹȌȁȌǏȯȌȺȺǞƦǞǶǞɈǞƵȺƊǐƊǞȁȺɈɈǘƵǘƵǐƵǿȌȁǞƧ ǿȌƮƵǶȌǏƊǐȲǞƦɐȺǞȁƵȺȺ‫„ى‬ȁƵȌǏɈǘƵǿƊǞȁȯȲȌǏƵȺȺȌȲȺǞȁ ȲƊɹǞǶ‫ل‬XȲƵȁƵ!ƊȲƮȌȺȌ‫ل‬ǐȲƊƮɐƊɈƵƮ ǏȲȌǿɈǘƵIƵƮƵȲƊǶÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯȌǏßǞƪȌȺƊٛÇIßٜ‫ل‬ɩȌȲDzȺƊƧɈǞɨƵǶɯǞȁƮƵǏƵȁȺƵȌǏȺƧǞƵȁƧƵƧȌǿmitted to life and the ancestral knowledge that connects us with nature and also in ƮƵǏƵȁȺƵȌǏǏƵǿǞȁǞȺɈǿȌɨƵǿƵȁɈȺɈǘƊɈ˸ǐǘɈǏȌȲǯɐȺɈǞƧƵƊȁƮȺȌƧǞƊǶȯƵƊƧƵ‫ى‬ÀǘƵǏȌǶǶȌɩǞȁǐ interview is an opportunity to get to know her trajectory that inspires us to build other political scenarios. Keywords: agroecology; politics; feminism. Irene Maria Cardoso é agrônoma, feminista e defensora da agroecologia como uma forǿƊƮƵǶɐɈƊȯƵǶƊɨǞƮƊ‫(خ‬ƵȺƧƵȁƮƵȁɈƵƮȌȯȌɨȌǞȁƮǠǐƵȁƊ§ɐȲǞ‫˛ة‬ǶǘƊƮȌȌȲǞɮƋ„ǿȌǶɐ‫ة‬ȱɐƵƧɐǞƮƊƮƊ terra, procura exercer o seu ofício em sintonia com a sua espiritualidade. É uma visão de mundo construída na fronteira entre a universidade e a comunidade rural, que propicia troca de saberes e produz uma ecologia política transformadora das relações destrutivas dos seres humanos com a natureza. Nos últimos anos, presidiu a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) conȺǞƮƵȲƊȁƮȌȌȯƊȯƵǶƧƵȁɈȲƊǶȱɐƵƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊȌƧɐȯƊȁƵȺȺƊƋȲƵƊƮƵǏȌȲɈƵǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊƮƊȺɈȲƊƮǞƪȪƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ‫!خ‬ȌȁǘƵƧǞȌɈȲƊƦƊǶǘȌƮƵǶƊƵǿɐǿȯȲȌǯƵɈȌƮƵXȁɈƵȲƧƓǿƦǞȌǐȲȌƵƧȌǶȍǐǞƧȌ‫ة‬ƮƊðȌȁƊ da Mata Mineira, que busca articular diversos conhecimentos técnicos com metodologias participativas, inspirado no trabalho de Paulo Freire. A partir de então, o meu olhar como historiadora mudou, não deixei mais de considerar a importância de pensar a relação do homem com ƊȁƊɈɐȲƵɹƊ‫خ‬ƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȱɐƵȺƵǐɐƵǏȌǞǏƵǞɈƊ‫ة‬ƵǿȌɐɈɐƦȲȌƮƵ‫ةמנמנ‬ƊȯƊȲɈǞȲƮƵɐǿƊƦƵǶƊƧȌȁɨƵȲȺƊ‫ة‬ ȱɐƵ˜ɐǞɐƧȌǿȌɐǿȲǞȌƧƊɐƮƊǶȌȺȌ‫ة‬ƧƊȯƊɹƮƵȁɐɈȲǞȲȁȌȺȺƊǿƵȁɈƵȯƊȲƊȁȌȺƧȌȁȺƧǞƵȁɈǞɹƊȲǿȌȺƮƵ ȱɐƵƊǏȌȲǿƊƧȌǿȌƧɐǶɈǞɨƊǿȌȺƧƵȲɈȌȺƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȺƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌȺȁƵǿȺƵǿȯȲƵȺƵȲɨƵƊȌƦǞƵȁɨǞɨǞȲ‫خ‬ Foto: Irene Maria Cardoso (cedida pela entrevistada). Irene Maria Cardoso !ȌǿȌɨȌƧƺȺƵƊȯȲƵȺƵȁɈƊ‫د‬ 0ɐ ȺȌɐ ˛ǶǘƊ ƮƵ ƊǐȲǞƧɐǶɈȌȲƵȺ ǏƊǿǞǶǞƊȲƵȺ‫ ة‬ȁƊȺƧǞ ȁƊ ȲȌƪƊ Ƶǿ !ƊȲƊɈǞȁǐƊ‫ ة‬ȺƊǠ ǿɐǞɈȌ ƧƵƮȌ ƮƵ casa, mas sempre tive uma relação muito forte com a roça. Fiz agronomia. Trabalhei como 84 extensionista rural no Paraná e na Paraíba com o Movimento Sem Terra (MST). Passei pela pesquisa, antes de entrar na universidade, com uma especialização na Embrapa. Fiz mestrado em solos e nutrição de plantas e me tornei professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV), wǞȁƊȺ JƵȲƊǞȺ ‫ـ‬wJ‫( خ‬ƵȯȌǞȺ ˛ɹ ƮȌɐɈȌȲƊƮȌ Ƶ ǿƊȁɈǞɨƵ ǿɐǞɈƊȺ ȯƊȲƧƵȲǞƊȺ ƧȌǿ Ɗ ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ ƮƵ Wageningen (Holanda), que é para mim uma das universidades mais colonizadoras do mundo. É uma UFV internacional (universidade conhecida por fomentar o agronegócio), talvez até pior do que a UFV porque ela não é ligada ao Ministério da Educação, e sim ao Ministério da Agricultura, que possui uma relação mais próxima com empresas. Pela minha experiência, é possível perceber como aparece o pensamento colonial sutil e às vezes nem tão sutil na Universidade de Wageningen. ©ɐƊǶƶƊȺɐƊɨǞȺƣȌƮƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵȯɑƦǶǞƧƊ‫د‬ Se eu tivesse que começar tudo de novo seria professora universitária porque é um dos ambientes mais democráticos para trabalhar. Acho que a universidade pública nos dá abertura ȯƊȲƊƊǐƵȁɈƵƧȌȁȺɈȲɐǞȲȌȱɐƵƊǐƵȁɈƵȱɐǞȺƵȲ‫ة‬ǿƵȺǿȌȱɐƵƧȌǿƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺ‫ة‬ǿƵȺǿȌȱɐƵƧȌǿ pressões, mesmo sem apoio que a gente acha que deveria ter. A universidade possibilita essa construção. A universidade nos permite estar sempre próximos aos jovens, que são os estudantes, o que nos faz renovar sempre. Além disso, por menos que a gente critique e por mais que seja conservadora, ela dá espaço para o contraditório. Não é como a gente gostaria que fosse, mas ela dá espaço para o contraditório. Então na minha época de graduação, mesmo tendo estudado durante a ditadura, eu tive professores como o Mauro Rezende que tinha um olhar muito diferente da relação da agronomia com a natureza. Ele contribuiu muito com o pensamento agroecológico brasileiro. Embora poucos reconheçam, porque ele sempre foi muito reservado, ele contribuiu enormemente para a formação do pensamento agroecológico e até mesmo com a formação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). O Mauro falava assim: “Eu não trabalho para empresa porque o meu trabalho é tão valioso, eu custo tanto porque foi tanto investimento público nos meus estudos que não tem empresa nenhuma que ȯȌƮƵȯƊǐƊȲȌȱɐƵƵɐɨƊǶǘȌ‫خ‬0ȁɈƣȌƵɐȯȲƵ˛ȲȌɈȲƊƦƊǶǘƊȲȯƊȲƊȌȯȌƦȲƵȯȌȲȱɐƵƶȯȌƦȲƵƵȁƣȌɈƵǿ mesmo dinheiro para me pagar”. Ele vivia com o salário dele tendo outra relação com a universidade e com a sociedade. A universidade sempre foi para mim muito mais do que a sala de aula e isso é o que permite, a meu ver, trazer o contraditório. É importante dizer que participei ƮƊÀƵȌǶȌǐǞƊƮƊmǞƦƵȲɈƊƪƣȌ‫ة‬ƊȁɈƵȺƮƵƵȁɈȲƊȲȁƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ‫ة‬ƵƧȌǿȌ˛ǶǘƊƮƵƊǐȲǞƧɐǶɈȌȲǿƵɨƵǞȌƊ ƮƵƧǞȺƣȌƮƵƧȌȁɈȲǞƦɐǞȲƮƵƊǶǐɐǿƊǏȌȲǿƊȯƊȲƊɐǿǿɐȁƮȌǿƵǶǘȌȲ‫§خ‬ƵȲƧƵƦǞ‫ة‬ƮƵȺƮƵȌȺ‫פן‬ƊȁȌȺ‫ة‬ȱɐƵ ou eu buscava um caminho para contribuir com as coisas que eu acreditava, ou então eu não ǞƊɨƵȲȺƵȁɈǞƮȌȁƊɨǞƮƊ‫„خ‬ɐƵȲƊƊǶɐɈƊȌɐƵȲƊƊƮƵȯȲƵȺȺƣȌ‫خ‬0ɐȁƣȌ˛ɹƊǐȲȌȁȌǿǞƊȯƊȲƊǐƊȁǘƊȲȲǞȌȺ de dinheiro e trabalhar para multinacional. Fiz agronomia para atuar na agricultura familiar e para contribuir com os pobres, que é de onde eu venho, é a minha identidade. Escolhi a luta. As ǶƵǞɈɐȲƊȺȱɐƵ˛ɹƮƵmƵȌȁƊȲƮȌ ȌǏǏ‫ة‬IȲƵǞ ƵɈȌƵƊɈƶȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƮƵǶɐɈƊȺƧȌǿȌƊƮƊƦȌǶǞɨǞƊȁƊ Domitilia Barrios foram muito marcantes para mim. !ȌǿȌǏȌǞȌȺƵɐƧȌȁɈƊɈȌƧȌǿƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊȁƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵƮȌƊǐȲȌȁƵǐȍƧǞȌ‫ـ‬ÇIß‫دف‬ Quando entrei na universidade, já no primeiro mês, iniciamos uma greve que fortaleceu a articulação dos estudantes calouros com o movimento estudantil, a exemplo das atividades Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021 Entrevistas dos centros acadêmicos, mas a gente não tinha consciência sobre o que era a agroecologia. Nós tínhamos uma horta e nós, como estudantes, adorávamos jogar veneno. Mas o começo do processo de redemocratização do Brasil possibilitou a discussão na universidade sobre a agricultura alternativa, que criticava o modelo de agricultura que coloca a agricultura a serviço da indústria, o que é chamado hoje de agronegócio, com grandes consequências ambientais, ȺȌƧǞƊǞȺ Ƶ ƵƧȌȁȏǿǞƧƊȺ‫§ خ‬ƊȲƊ ƵɮƵǿȯǶǞ˛ƧƊȲ‫ ة‬ȌȺ ٗȯȲȌƮɐɈȌȺ ȱɐǠǿǞƧȌȺ٘ ƮƊȺ ǞȁƮɑȺɈȲǞƊȺ ƧȌȁɈƊǿǞȁƊǿ nossos alimentos, solo, água e biodiversidade e, portanto, nós mesmos. ǿȌƮƵȲȁǞɹƊƪƣȌƮȌƧƊǿȯȌȺƵǞȁǞƧǞȌɐȁȌȺƶƧɐǶȌåßXXXƵȺƵǞȁɈƵȁȺǞ˛ƧȌɐƊȯȍȺȌ˛ǿƮƊ²Ƶgunda Guerra Mundial. No Brasil foi na Ditadura Militar, que a modernização do campo, a partir do pacote da Revolução Verde, foi implantada. Muito da parafernália desenvolvida durante a guerra contribuiu para a mecanização do campo e a implementação de herbicidas e inseticidas no país. É um pacote tecnológico adotado que contém venenos (agrotóxicos), os adubos químicos, as sementes, como os híbridos, e atualmente a irrigação intensa acompanhada da mecanização. O uso do pacote exige a uniformização dos cultivos, o que levou então ao monocultivo. No Brasil, o pacote viabilizou o latifúndio, pois é um modelo que não precisa de muitas pessoas no campo, e com isto retirou a reforma agrária da pauta. João Goulart fez um esforço em favor da reforma agrária, mas foi deposto. Houve grande resistência dos latifundiários que diziam que a gente não precisa de reforma agrária, a gente precisa é de produzir. A narrativa para a implementação do pacote da revolução verde é que ƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊɈƵǿȱɐƵȺƵȲǿȌƮƵȲȁƊ‫ة‬ǞȁƮɐȺɈȲǞƊǶ‫ة‬ƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȯȌȲȱɐƵƊǐƵȁɈƵɈƵǿȱɐƵƊǶǞǿƵȁɈƊȲȌ mundo. Quem não se adequa a esse modelo está ultrapassado, é antiquado, é caipira, diziam. „ ȱɐƵ ȁƣȌ ƶ ǿȌƮƵȲȁȌ‫ ة‬ȁƣȌ ƶ ƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌ‫ ة‬ȁƣȌ ȺƵȲɨƵ ǿƊǞȺ‫ خخخ‬0ȺɈƊ ȁƊȲȲƊɈǞɨƊ ƮƵ ȱɐƵ ƶ ƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌ Ƶ capaz de alimentar o mundo é muito poderosa. Mas sabemos que não é bem assim. O mito ƮȌٗȯȲȌɨƊƮȌƧǞƵȁɈǞ˛ƧƊǿƵȁɈƵ٘ǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞɹƊƵ‫ش‬ȌɐƵǶǞǿǞȁƊǿɐǞɈƊȺȺƊƦƵƮȌȲǞƊȺȯȌȯɐǶƊȲƵȺ‫ة‬ƵǿɐǿɨƵȲdadeiro epistemicídio muito danoso à sociedade. Sabemos ainda que a narrativa de que tem ȱɐƵƊƧƊƦƊȲƧȌǿƊǏȌǿƵƮȌǿɐȁƮȌǏȲƊƧƊȺȺȌɐ‫خ‬0ǶƵȺƵȺɈƣȌƊǠǘƋ‫מצ‬ƊȁȌȺȯȲȌƮɐɹǞȁƮȌȌȱɐƵƵǶƵȺ chamam de alimento, mas as contas bancárias do complexo agroindustrial, e não as pessoas, é que foram muito bem alimentadas. A universidade atuou para implementar o pacote tecnológico. Para implementar tal pacote de políticas públicas que alterou os currículos das universidades, as instituições de pesquisa e extensão e o crédito agrícola. Ao extensionista (formado pelas universidades) coube a função de levar as tecnologias “modernas”, pesquisado e testado pelas universidades e empresas públicas de pesquisa. Para viabilizar a aquisição do pacote, havia os programas de créditos. Para assegurar o agricultor, em caso de algum problema fora de seu controle, havia o Proagro. Se o agricultor não cumprisse o que o extensionista da universidade falava ele podia até perder a ɈƵȲȲƊ‫ة‬ȯȌǞȺƊɈƵȲȲƊƵȲƊȯƵȁǘȌȲƊƮƊ‫خ‬²ƵƵǶƵ˛ɹƵȺȺƵɈɐƮȌƧȌȁǏȌȲǿƵƮƵɈƵȲǿǞȁƊƮȌȯƵǶȌƵɮɈƵȁȺǞȌȁǞȺɈƊƵ desse algum problema, ambiental, por exemplo, ele teria assegurado o dinheiro que emprestou do banco, mas não o lucro que teria, para as suas necessidades. A gente brincava que não era o Proagro, mas era Probanco. Muitos agricultores familiares resistiram a esse modelo. Na universidade as mudanças de percepção foram surgindo aos poucos. Livros como o de Raquel Carson - Primavera Silenciosa produziram impacto. Atitudes auto-críticas como a de José Lutzenberger, que tinha trabalhado com agrotóxico na Basf e se rebelou, em relação a isso, foram casos exemplares. Professores de Federais, como Pinheiro Machado, apontaram caminhos. E Ana Maria Primavesi, uma austríaca que migrou para o Brasil no pós guerra, surgiu como uma bruxa capaz de romper com a Revolução Verde e se tornar a matriarca da Agroecologia no Brasil ganhando uma ampla pro- Priscila Dorella 85 Irene Maria Cardoso jeção junto com outros agrônomos, articulados com algumas Associações de Agrônomos nos Estados. As associações de São Paulo e Paraná com o apoio da Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (FAEAB) e da Federação dos Estudantes de Agronomia do 86 ȲƊȺǞǶ‫ة‬ȌȲǐƊȁǞɹƊǿ‫ة‬Ƶǿ!ɐȲǞɈǞƦƊ‫ة‬Ȍ§ȲǞǿƵǞȲȌ0ȁƧȌȁɈȲȌƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊƮȌ ȲƊȺǞǶ‫خفןצקןـ‬ǶǐɐȁȺ estudantes de Viçosa foram ao encontro e voltaram dizendo que havia muitas críticas ao uso de venenos. Na minha cabeça isso caiu como um estalo: não pode mais usar veneno! Claro que não pode usar veneno! Aí os estudantes que já estavam se organizando em torno do movimento ambientalista, a exemplo do Grupo Alfa na UFV, começaram a se organizar, em todo o Brasil, em torno do tema da Agricultura Alternativa. Na UFV o grupo se chamava GAAV (Grupo de Agricultura Alternativa de Viçosa). O Alfa, além de um grupo de discussão, organizou também um restaurante vegetariano e uma comunidade, a comunidade Alfa da Violeira. Em Viçosa, o GAAV se desdobrou hoje em muitos grupos de agroecologia. Estes grupos foram as sementes de criação dos NEAs (Núcleos de Estudos em Agroecologia). O NEA da UFV é o ECOA (Núcleo de Educação do Campo e Agroecologia). ƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵǶǏƊƮƊßǞȌǶƵǞȲƊ‫ة‬ƵǿßǞƪȌȺƊ‫ة‬ȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿȌɐ‫ة‬Ƶǿ‫ةץצקן‬ȁȌ!ƵȁɈȲȌƮƵÀƵƧȁȌǶȌǐǞƊȺǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊȺƮƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊ‫ة‬ȱɐƵƧȌǿȯȏȺƊªƵƮƵ§À‫§ـ‬ȲȌǯƵɈȌƮƵÀƵƧȁȌǶȌǐǞƊȺǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊȺ‫ةف‬ɐǿƊªƵƮƵƮƵ„yJȺ‫ة‬ƦƊȺƵȯƊȲƊƊƧȲǞƊƪƣȌ‫ة‬Ƶǿ‫ةנממנ‬ƮƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌyƊƧǞȌȁƊǶƮƵǐȲȌƵcologia (ANA). E quem foi o grande teórico que embasava nossas discussões? Paulo Freire. Foi ele que mudou a visão sobre a extensão universitária. Seus livros, como Extensão ou comunicaƪƣȌ‫لي‬ƮȌȺƊȁȌȺƮƵ‫ةמפקן‬ǏȌȲƊǿǏɐȁƮƊǿƵȁɈƊǞȺȯƊȲƊƮƊȲȌȲǞǐƵǿǿƊǞȺɈƊȲƮƵƊɐǿȯȲǞȁƧǠȯǞȌƵȯǞȺtemológico importante para a agroecologia: a articulação dos saberes acadêmicos e populares. §ƊȲƊƵȺɈƊƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌƶǿɐǞɈȌǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ‫ة‬ȲƵƧȌȁǘƵƧƵȲƵȺǞȺɈƵǿƊɈǞɹƊȲȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ ȯȌȯɐǶƊȲ‫خ‬ªƵƮƵ§ÀȺƵȌȲǞǐǞȁȌɐƧȌǿȌȯȲȌȯȍȺǞɈȌƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ‫ة‬ȺǞȺɈƵǿƊɈǞɹƊȲƵȯȌȯɐǶƊȲǞɹƊȲƊȺ tecnologias alternativas, que atualmente diríamos as tecnologias sociais, inventadas, adaptadas e utilizadas pelo povo. yȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƊǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌƮƵȺɈƊȺɈƵƧȁȌǶȌǐǞƊȺƵȺɈƊªƵƮƵƮƵ„yJȺ‫ة‬ǞȁƧǶɐǞȁƮȌȌ!ÀȁƊ ðȌȁƊ ƮƊ wƊɈƊ‫ ة‬ƵȁƧȌȁɈȲȌɐ Ȍ ȯȌɨȌ ȺƵ ȲƵȌȲǐƊȁǞɹƊȁƮȌ ƧȌǿ Ȍ ȯȲȌƧƵȺȺȌ ƮƵ ȲƵƮƵǿȌƧȲƊɈǞɹƊƪƣȌ ƮȌ ȯƊǠȺ‫خ‬0ǿɨƋȲǞȌȺǶɐǐƊȲƵȺƮȌ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ǞȁƧǶɐȺǞɨƵȁƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊ‫ة‬ȌȺƊǐȲǞƧɐǶɈȌȲƵȺ‫ش‬ƊȺƵȺɈƊɨƊǿȌȲǐƊȁǞzando, ou reorganizando, os sindicatos dos trabalhadores rurais, com o apoio das CEBs (ComuȁǞƮƊƮƵȺ0ƧǶƵȺǞƊǞȺƮƵ ƊȺƵ‫ف‬ȱɐƵȯȲȌǿȌɨǞƊǿƵȯȲȌǿȌɨƵǿ‫ة‬ƮƵǏȌȲǿƊƧȲǠɈǞƧƊ‫ة‬ǐȲɐȯȌȺƮƵȲƵ˜ƵɮƣȌ ancorados nos preceitos da Teologia da Libertação. Um dos fundamentos das CEBs é ver, julgar ƵƊǐǞȲ‫ة‬ǿɐǞɈȌȺǞǿǞǶƊȲƊȌȱɐƵ§ƊɐǶȌIȲƵǞȲƵƧǘƊǿƊƮƵ§ȲƋɮǞȺ‫ـ‬ƊƪƣȌٌȲƵ˜ƵɮƣȌٌƊƪƣȌ‫©خف‬ɐƵȺɈȪƵȺƧȌǿȌ‫ب‬ Por que se usa veneno? Como está a água? O que podemos fazer para melhorar a situação? A ǞƮƵǞƊƮȌȯȌɨȌƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲȌȯȲȌƦǶƵǿƊ‫ة‬ȲƵ˜ƵɈǞȲȺȌƦȲƵƵǶƵ‫ـ‬ƊȯƊȲɈǞȲƮƊƦǠƦǶǞƊ‫ف‬ƵɈƵȲƊɈƊȲƵǏƊȯƊȲƊ mudar a realidade foi transformadora. É importante compreender que a agricultura é muito antiga. A palavra cultura foi escrita pela primeira vez na palavra agricultura, que é a arte de cultivar o campo, é o conhecimento do ƵƧȌȺȺǞȺɈƵǿƊƧȌǿǞȁɈƵȲɨƵȁƪƣȌǘɐǿƊȁƊ‫خ‬0ƵǶƊǶƵɨƊƊǞȁɑǿƵȲȌȺƧȌȁ˜ǞɈȌȺȯȌȲƮǞȺȯɐɈƊƮƵɈƵȲȲƊƵ recursos econômicos. O agronegócio diz para o pequeno agricultor que o que importa agora é o dinheiro no bolso, é articular a produção com o consumo para servir a indústria. Isso é que é ser moderno e ter qualidade de vida. O Seu Neném, um agricultor familiar, me disse certa vez, ǿƊǞȺȌɐǿƵȁȌȺƊȺȺǞǿ‫ٗب‬ƵǶƵȺ˛ƧƊǿǏƊǶƊȁƮȌȯȲƊǐƵȁɈƵȱɐƵƊǐƵȁɈƵȁƣȌɈƵǿȱɐƊǶǞƮƊƮƵƮƵɨǞƮƊ‫ة‬ sem nos perguntar o que é ter qualidade de vida. Para mim qualidade de vida é ter uma relação com a natureza e com a família.” Se pergunta muito para o jovem porque ele vai para a cidade, ǿƊȺȁƣȌȯƵȲǐɐȁɈƊȯƊȲƊȌǯȌɨƵǿȯȌȲȱɐƵƵǶƵ˛ƧƊȁȌƧƊǿȯȌ‫خ‬0ǶƵ˛ƧƊȁȌƧƊǿȯȌȯȌȲƧƊɐȺƊƮƊƊǐȲǞ!ÇmÀǪ‫ة‬ƵǶƵȁƣȌ˛ƧƊȁȌƧƊǿȯȌȯƵǶȌƊǐȲǞy0J !X„‫خ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021 Entrevistas IȌǞɐǿǶȌȁǐȌƧƊǿǞȁǘȌȯƊȲƊƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫מצקן‬ȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊȲ ȁƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊƮȌȺƊȁȌȺ‫خמממנ‬ɈƶȌȺƵȁƧȌȁɈȲȌȺƮƵƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊȺƵƧȌȁȺȌǶǞƮƊȲƵǿȁȌ ȲƊȺǞǶ em defesa da agricultura sustentável, ecologicamente correta, socialmente justa e economicamente viável. Os primeiros encontros de agricultura alternativa (precursores dos Congressos ȲƊȺǞǶƵǞȲȌȺƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ !ـ‬Ⱥ‫ف‬ȁȌȺƊȁȌȺƮƵ‫מצקן‬ȌƧȌȲȲƵȲƊǿǯƋȯȲȌƧɐȲƊȁƮȌƊȲɈǞƧɐǶƊȲƧȌȁǘƵcimentos técnicos com o conhecimento dos agricultores/as e a universidade, mas foi-se avanƪƊȁƮȌƧȌǿǐȲƊȁƮƵȺƊȯȲƵȁƮǞɹƊƮȌȺ‫ة‬ǞȁƧǶɐȺǞɨƵƧȌǿƧȌȁƵɮȪƵȺƧȌǿƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ‫خ‬0ȁɈȲƵ‫סןמנ‬ Ƶ‫ةץןמנ‬ǏɐǞȯȲƵȺǞƮƵȁɈƊƮƊȺȺȌƧǞƊƪƣȌyƊƧǞȌȁƊǶƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ف ـ‬ȱɐƵǿƵǏƵɹƧȌȁǘƵƧƵȲȌ Brasil e algumas experiências agroecológicas da América Latina. Um dos vários avanços que percebi foi que nos CBAs atuais participam crianças, jovens, adultos e idosos de todas as áreas ƮƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ‫ـ‬ƊǐȲȌȁȌǿǞƊ‫ة‬ƧǞƺȁƧǞƊȺȺȌƧǞƊǞȺ‫ة‬ȯƵƮƊǐȌǐǞƊ‫ة‬ƵȁǐƵȁǘƊȲǞƊ˜ȌȲƵȺɈƊǶƵɈƧ‫ةفخ‬ƊǐȲǞƧɐǶɈȌres/as, povos e comunidades tradicionais. A transdisciplinaridade é a força desse movimento democrático agroecológico que compreende a agroecologia enquanto movimento, prática e ciência. Enquanto ciência, a agroecologia estuda não apenas sobre a produção alimentos, e sim sobre o sistema agroalimentar. Estudos devem ser feitos cada vez mais contextualizados, a partir da compreensão, como nos ensinou Paulo Freire, de que o conhecimento deve ser construído a partir do diálogo com a população e do olhar sobre o que as pessoas fazem para solucionar seus problemas. Mas a força do capital é imensa. Do jeito que está esse sistema político não vamos avançar como precisamos. O agronegócio quer convencer que é popular e que até a agricultura familiar é agronegócio. AgriCULTURA está virando sinônimo de agriNEGÓCIO. Faz pouco tempo que ɐǿǶƊƦȌȲƊɈȍȲǞȌƮȌǿƵɐƮƵȯƊȲɈƊǿƵȁɈȌƵȺɈƊɨƊƧȌǿƵǿȌȲƊȁƮȌƵǿɐǿƵɨƵȁɈȌƮƵ‫ףע‬ƊȁȌȺƊȺƵȲɨǞƪȌƮȌƊǐȲȌȁƵǐȍƧǞȌ‫„خ‬ȱɐƵƶǞȺȺȌ‫§د‬ƵȲǐɐȁɈƵǞ‫خ‬ƧǘƵǞȱɐƵƵȲƊǿ‫ףע‬ƊȁȌȺƊȺƵȲɨǞƪȌƮƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊ‫ث‬ Não tem como negar. Lula e a Dilma apoiaram a agricultura familiar. Sabe a frase – Nunca antes na história desse país. É isso! Nunca antes na história desse país o agricultor familiar ɈƵɨƵ ƊƧƵȺȺȌ Ɯ Ƕɐɹ ƵǶƶɈȲǞƧƊ‫ ة‬Ɗ ȯƊȲɈǞȲ ƮȌ §ȲȌǐȲƊǿƊ mɐɹ ȯƊȲƊ ÀȌƮȌȺ‫ س‬ȯȲȌǐȲƊǿƊȺ ǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǞȺ ƮƵ compras de alimentos direto da agricultura familiar, como o PNAE (Política Nacional de AlimenɈƊƪƣȌ0ȺƧȌǶƊȲ‫ف‬Ƶ§‫§ـ‬ȲȌǐȲƊǿƊƮƵȱɐǞȺǞƪƣȌƮƵǶǞǿƵȁɈȌȺ‫§سف‬ȲȌǐȲƊǿƊyƊƧǞȌȁƊǶƮƵRƊƦǞɈƊƪƣȌ ªɐȲƊǶ‫§ـ‬yRª‫§سف‬ȌǶǠɈǞƧƊyƊƧǞȌȁƊǶƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫§ـ‬y§„‫ف‬Ƶ§ȲȌƮɐƪƣȌ„ȲǐƓȁǞƧƊ‫§س‬ȲȌǐȲƊǿƊƮƵ Crédito Fundiário e tantos outros. A razão por que desses serviços não terem chegado ao campo tinha relação com inúmeros preconceitos que escondiam a vontade de poder e controle das elites. O PAA e o PNAE apoiaram a agroecologia, pois apoiou a diversidade. Não é cadeia disto ou daquilo (café, leite, soja...). No PAA e PNAE compra-se o que é produzido. A sociedade civil organizada contribuiu muito para a elaboração destas políticas públicas. A PNAPO por exemplo, foi reivindicação da Marcha das Margaridas e foi elaborada de forma participativa, com imensa contribuição da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A Conquista de Terra em Conjuntos, de Araponga em Minas Gerais, inspirou a política de crédito fundiário do governo Lula. yƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊƵɈƊǿƦƶǿƵǿȌɐɈȲƊȺȲƵǐǞȪƵȺƮȌ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ة‬ȁȌǿƵɐƵȁɈƵȁder, se ancora no tripé técnica (com assessoria do CTA e apoio da UFV), movimentos sociais (a exemplo dos sindicatos) e espiritualidade (CEBS). O apoio de membros da UFV se dá a partir da compreensão do papel da extensão universitária. Segundo o fórum de Pró-Reitores de Extensão, a extensão universitária é, ou deveria ser, quem articula o ensino e a pesquisa. A extensão, não no sentido de estender, mas de alargar a universidade é maior do que a sala de aula. Nas universidades, a indissociabilidade entre a pesquisa, a extensão e o ensino é uma obrigatorieƮƊƮƵƧȌȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶƮƵȺƮƵ‫خצצקן‬0ȺɈƵƶɐǿȯȲǞȁƧǠȯǞȌǿɐǞɈȌǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȯƊȲƊƧȌȁȺɈȲɐǞȲƊƊǐȲȌƵcologia enquanto movimento, ciência e prática. Priscila Dorella 87 Irene Maria Cardoso Mas a agroecologia é marginal na universidade e sempre foi. Nos governos do PT, recebemos apoio como nunca. Tivemos a oportunidade de acessar vários editais de pesquisa em interface e extensão e construímos os NEAs. Entretanto, temos que admitir que o apoio foi 88 ainda maior para aqueles que contribuíram para a hegemonia do agronegócio, tanto nas universidades quanto fora. O programa de crédito continua favorecendo a implantação do pacote tecnológico da Revolução Verde. Ainda não ganhamos o debate, mas vamos ganhar. Muitos cientistas internacionais já apontam o fracasso do atual modelo de agricultura para a produção de alimentos saudáveis sem agredir a natureza. Os mesmos cientistas apontam a agroecologia como caminho alternativo, mas para isto precisamos de apoios efetivos de políticas públicas. A construção de tais políticas é uma tarefa de toda a sociedade, em um processo democrático de amplos debates. A sociedade ainda acha que é o agronegócio que produz alimentos. Não é verdade. A agricultura familiar é que produz nossos alimentos. O agronegócio produz commodities para a exportação e isto faz a balança comercial ser positiva. Mas na divisão internacional de produção do trabalho na América Latina cabe apenas a função de produtora de matéria prima. ContinuaǿȌȺȁƣȌƦƵȁƵ˛ƧǞƊȁƮȌȌȺƊǶǞǿƵȁɈȌȺȯȲȌƮɐɹǞƮȌȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫خ‬RȌǶƊȁƮƊƶȌȺƵǐɐȁƮȌǿƊǞȌȲǞǿȯȌȲɈƊƮȌȲƮƊȺȌǯƊƮȌ ȲƊȺǞǶƵƊɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊ‫ة‬ȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌ‫ة‬ƵǿƧƊȲȁƵƵǶƵǞɈƵ‫(خ‬ƊǠȌƦƵȁƵ˛ƧǞƊǿƵȁɈȌȺƵȲ o principal produto. Para a produção de agrotóxicos as empresas são isentas do pagamento de impostos. Agrotóxicos adoecem as pessoas e mata. Daí sobrecarrega o SUS (Sistema Único de Saúde). O Brasil importa praticamente todo o fertilizante utilizado na agricultura. A importação ƶǿƊǞȺƮƵ‫ڭמף‬ƮȌǏȍȺǏȌȲȌ‫ة‬ƮƵ‫ڭמץ‬ƮȌȁǞɈȲȌǐƺȁǞȌƵƮƵ‫ڭמק‬ƮȌȯȌɈƋȺȺǞȌ‫§خ‬ȌȲɈƊȁɈȌ‫ة‬ƊȯȲȌƮɐƪƣȌ baseada em fertilizantes químicos não é sustentável, pois não é autônoma. Com que custo tudo isso? Não se olha para a agricultura familiar como deveria... Toda a verdura e fruta que Ƶɐ ȯȲƵƧǞȺȌ Ƶɐ ȯƊǐȌ ǿɐǞɈȌ ǿƵȁȌȺ ƮȌ ȱɐƵ ȯƊǐȌ ƧȌǿ ȌȺ ȯȲȌƮɐɈȌȺ ƦƵȁƵ˛ƧǞƊƮȌȺ‫ خخخ‬ƶ Ɗ ȲƵǐȲƊ ƮƊ indústria aplicada à agricultura familiar que não favorece a agricultura familiar... Lula e Dilma favoreceram o agronegócio, mas o agronegócio não vota neles. Por quê? Porque parte dessas políticas para a agricultura familiar mexeram com as estruturas, o pensamento, a compreensão de mundo... foi algo profundo... „ȱɐƵƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊȯƊȲƊƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫د‬  ǿƶȲǞƧƊ mƊɈǞȁƊ ƶ ǿɐǞɈȌ ǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵ ȯƊȲƊ Ɗ ƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫  خ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌ Ƶǿ ‫ ةקצקן‬ȯȌȲ Patrícia Vaz, do livro Agroecologia: as bases da agricultura alternativa, editado pelo chileno wǞǐɐƵǶǶɈǞƵȲǞ‫ة‬ƧȌȁɈȲǞƦɐǞɐǿɐǞɈȌȯƊȲƊƊɈȲƊȁȺǞƪƣȌ‫ة‬ȁƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫ةמקקן‬ƮƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊƊǶɈƵȲȁƊɈǞva para agroecologia. A participação de brasileiros em cursos, como os promovidos pelo CLADES (Consorsio Latinoamericano sobre agroecologia y desarrollo) assim como inúmeras visitas em experiências nos países vizinhos também contribuíram para tanto. As articulações com a ²„!m‫ـ‬²ȌƧǞƵƮƊƮƵ!ǞƵȁɈǠ˛ƧƊmƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ف‬ɈƊǿƦƶǿƧȌȁɈȲǞƦɐǠȲƊǿȯƊȲƊȌ avanço da agroecologia na América. A SOCLA já foi presidida pela colombiana Clara Nichols e atualmente é presidida pelo argentino Santigo Sarandon. De onde vêm os princípios da agroecologia enquanto ciência? Vem da sistematização do conhecimento dos povos tradicionais latino-americanos. No México, por exemplo, o professor de etnobotânica Efraim Hernández começou a mostrar a importância dos sistemas alimentares de tradições indígenas que existem até hoje, como os maias. Os mexicanos Narciso Barrera-Bassols e Victor Toledo escreveram o clássico wƵǿȍȲǞƊ ǞȌƧɐǶɈɐȲƊǶ٤ǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƵƧȌǶȍǐǞƧƊ dos saberes tradicionais. Portanto, podemos dizer que a agroecologia não nasceu na academia. Os princípios da agroecologia, enquanto ciência, são anunciados a partir do encontro entre o Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021 Entrevistas saber acadêmico com os saberes populares. Por isto, talvez, a agroecologia ainda seja rejeitada por muitos da academia. A agroecologia, como concebemos hoje, nasceu na América Latina e não na Europa. Podemos então dizer que a agroecologia é um movimento político decolonial que busca a transformação dos sistemas agroalimentares insustentáveis e capitalistas e a busca do bem viver. O equatoriano Alberto Acosta sistematizou o conceito Sumak Kawsay, de origem quíchua, que expressa o ǞƵȁßǞɨǞȲ, colocado na Constituição da Bolívia e Equador com o intuito de construirmos sociedades verdadeiramente solidárias e sustentáveis. !ȌǿȌƶȺƵȲɐǿƊǿɐǶǘƵȲƮƵǏƵȁȺȌȲƊƮƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊƵǿɐǿƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵȱɐƵǏȌȲɈƊǶƵƧƵȌ ƊǐȲȌȁƵǐȍƧǞȌ‫د‬ Como já disse anteriormente, a universidade brasileira ainda permite o contraditório. Eu não me importo de estar contra o poder hegemônico, pois tenho segurança de estar no caminho certo. Eu não tenho uma contradição interna, eu não acho que estou errada, eu tenho ƧȌȲƊǐƵǿƮƵƵȁǏȲƵȁɈƊȲȌȺƮƵȺƊ˛ȌȺȯȌȲȱɐƵƵɐȺƵǞȱɐƵƵȺɈȌɐƮȌǶƊƮȌƧƵȲɈȌ‫خ‬ǿǞȁǘƊƧȌȁ˛ƊȁƪƊ vem da minha trajetória. Quando decidi sair de Caratinga para estudar, eu decidi fazer agronomia para trabalhar com a agricultura familiar. Então eu procuro fazer o que eu acredito, o que tem que ser feito e ... se não gostarem de mim, paciência. Em um momento de desmonte dos ȺƵȲɨǞƪȌȺȯɑƦǶǞƧȌȺƶǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵƊ˛ȲǿƊȲȱɐƵƊƵȺɈƊƦǞǶǞƮƊƮƵƮȌƵǿȯȲƵǐȌȯƵȲǿǞɈƵȌƧȌȁɈȲƊƮǞɈȍȲǞȌ‫خ‬ Trago comigo o princípio do trabalho. Eu jogo o jogo. Trabalho na extensão da mesma forma que em outras frentes de pesquisa e ensino. Trabalho muito. Então, podem não gostar de mim, mas respeitam o meu trabalho, de certa forma. ȺɐƊȯȌȺɈɐȲƊƧȌǿƦƊɈǞɨƊƶǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵȯȌȲȱɐƵƶǿɐǞɈȌƊȁɈƵȲǞȌȲƊȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊƊɈɐƊǶ‫خ‬ Mas a gente não tinha muita clareza do machismo, achávamos que era uma briga política. Era porque eu era do PT e da agroecologia. E o machismo confunde tem hora. Nunca aceitei os meus colegas de trabalho fazerem piadinhas constrangedoras quando as mulheres passavam, mas eles diziam você que é carola, conservadora. Daí, eu me confundia e pensava: “será que eu não gosto disso por conta da minha formação”? Uma vez eu estava fazendo estágio com um agrônomo e ele me fez abrir a porteira o dia inteiro e exercer algumas tarefas que eu não estava preparada. E depois disse: “Mulher é assim mesmo, se quiser fazer agronomia tem que trabalhar com sementes em laboratório. Não pode ɈȲƊƦƊǶǘƊȲȁȌƧƊǿȯȌ‫٘خ‬0ȺȺƊǏȌǞɐǿƊƊɈǞɈɐƮƵƦƵǿǿƊƧǘǞȺɈƊ‫(خ‬ƵȯȌǞȺƮƵ‫מנ‬ƊȁȌȺƵȁƧȌȁɈȲƵǞƧȌǿƵǶƵ e consegui dizer como a atitude dele foi machista! Faz pouco tempo que fui dar aula e abri a apostila da minha disciplina e percebi que em todos os lugares estava escrito o homem faz... o homem trabalha... o homem realiza... Na mesma semana uma estudante observou . Ela disse: “professora, essa apostila é muito machista” ...! Eu ȲƵȺȯȌȁƮǞ‫ٗب‬²Ǟǿ‫ة‬ƮƵȯȌǞȺƮƵ‫קנ‬ƊȁȌȺɐɈǞǶǞɹƊȁƮȌƊƊȯȌȺɈǞǶƊƵȺɈƊȺƵǿƊȁƊƵɐȯƵȲƧƵƦǞǞȺɈȌɈƊǿƦƶǿ٘‫خخخ‬ Em outra oportunidade eu encontrei meninas tomando cerveja e discutindo com os homens sobre o feminismo. Pensei, esta consciência não tem volta! Um dos slogans da agroecologia é “sem feminismo não há agroecologia”, por muitas razões, dentre elas porque não podemos aceitar a violência contra as mulheres. Na minha casa e na minha comunidade, não se aceitava a violência física contra a mulher. Então não vivi isso de perto, mas percebi desde cedo que havia racismo velado. Na agroecologia também dizemos: “com racismo, não há agroecologia”. Priscila Dorella 89 Irene Maria Cardoso Para mim, uma das questões mais sérias do racismo no Brasil é o desrespeito à religiosidade do povo africano e indígena. Porque isso envolve espiritualidade, componente da cosmovisão, portanto, é muito profundo. Deve ser muito pesado carregar uma tradição milenar e 90 ser chamada de macumbeira de forma desrespeitosa. No dia em que os terreiros e rituais indígenas forem considerados patrimônio imaterial do povo brasileiro, a gente começa a resolver o problema da nossa dívida histórica com esses povos. O Camdomblé é agroecologia! Por exemplo, o trabalho do professor Jefferson Brandão da Universidade Estadual da Bahia trabalha essa questão ao colocar em evidência que: Um Os orixás são representações da natureza. O insumo da agroecologia é a natureza. Estamos com a árvore que vai atrair insetos, estamos preocupados com a planta leguminosa que vai ˛ɮƊȲȌȁǞɈȲȌǐƺȁǞȌ‫ة‬ƵȺɈƊǿȌȺȯȲƵȌƧɐȯƊƮȌȺƵǿǿƊȁƵǯƊȲƊȁƊɈɐȲƵɹƊƊȯƊȲɈǞȲƮƊȁȌȺȺƊƧȌȺǿȌɨǞȺƣȌ‫ة‬ da forma como a gente pensa e acredita, sem veneno. Dois - As folhas da manga, da guiné, da espada de São Jorge são objeto de cura. Isso traz um conhecimento enorme sobre plantas medicinais. Muitas mulheres africanas com os seus patuás eram consideradas bruxas e muitas foram enviadas para a fogueira em Portugal porque dominavam o conhecimento das plantas medicinais! Três - Os terreiros de candomblé são comunidades, que expressam uma vida em comunidade conectada com a espiritualidade. Você alimenta os orixás com comida. E Orixá quer comida de qualidade, sem veneno como a agroecologia! Quatro - O terreiro é dominado por mulheres, assim como em muitas comunidades agroecológicas. XȲƵȁƵ‫ة‬ȱɐƊǶȲƊɹƣȌƮƵǏƊɹƵȲɐǿƮȌɐɈȌȲƊƮȌȁƊRȌǶƊȁƮƊȺȌƦȲƵƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊ‫د‬XȺȺȌȁƣȌǏȌǞɐǿƊ ƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊƧȌǶȌȁǞɹƊƮȌȲƊ‫د‬ Não. Não foi porque o doutorado sobre os solos foi feito com muita autonomia e não me trouxe grandes problemas. A compreensão do solo como um organismo vivo é difícil de ser aceita tanto nas universidades europeias como nas universidades brasileiras. O pensamento ǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌƶƮȌȺȌǶȌƧȌǿȌȺɐƦȺɈȲƊɈȌƮƵƧȌǶȌƧƊȲƊƮɐƦȌƵ˛ɮƊȲȯǶƊȁɈƊ‫خ‬0ǿƦȌȲƊȱɐƵȺɈǞȌȁƊƮȌ‫ة‬ este ainda é o pensamento hegemônico, tanto lá, quanto cá. Percebi a questão colonial em outros momentos. Alguns europeus fazem pesquisa no Brasil, tiram suas conclusões e, às vezes, nem agradecem! Alguns não reconhecem o nosso valor enquanto cientistas, nos tratam como se fossemos técnicos de campo. Usa o nosso conhecimento, usa a estrutura da universidade e não tratam a gente na mesma condição. Eu vou ȁƊȺɐƊɈƵȲȲƊƵƊƧǘȌȱɐƵƧȌǿȯȲƵƵȁƮȌǿƵǶǘȌȲƮȌȱɐƵɨȌƧƺȱɐƵɨǞɨƵȁƵǶƊǘƋ‫מס‬ƊȁȌȺ‫خخخ‬0ƵȺƧȲƵɨȌ sobre isto sem chamar você para ser coautor/a! As taxas universitárias é outro problema. Se um de nossos estudantes quer fazer parte de seu trabalho na Holanda, temos que pagar e caro, o que não acontece com os estudantes deles quando vêm para o Brasil! Demorei anos para entender que isso é colonial... No que se refere à agroecologia, só recentemente a Europa começou a reconhecê-la. Penso que não respeitam porque há um pensamento colonial. A agroecologia, como a entendemos, não nasceu na Europa! Muitos ainda aceitam a palavra agroecologia (ciência em movimento), eles aceitam a palavra separada agro-ecologia (ecologia agrícola). Aceitam a agroecologia enquanto ciência e prática, mas não aceitam facilmente a agroecologia enquanto movimento político de transformação dos sistemas agroalimentares. Parece-me que isto tem uma relação com a falsa neutralidade da ciência. Bom, a ciência não é neutra e tem um monte de interesse econômico e político envolvido. O que é ético? O que é neutro? A não neutralidade não pode ser confundida com falta de ética. Deve assumir que não é neutro com muita ética. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021 Entrevistas !ȌǿȌǏȌǞƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮƊÀȲȌƧƊƮƵȺƊƦƵȲƵȺȁƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ‫د‬ Não me preocupo com cargos na universidade, não busco reconhecimento institucional, evito disputas neste campo. A Troca Saberes surgiu a partir do Programa de Extensão Universitária Teia, na UFV. A ideia é colocar em diálogo a universidade, os/as agricultores/as familiares camponeses/as, os indígenas, os quilombolas, os sem terra, educadores, jovens, idosos e ƧȲǞƊȁƪƊȺ‫خ‬ÀȌƮȌȺȱɐƵȱɐƵǞȲƊǿȯƊȲɈǞƧǞȯƊȲ‫„خ‬ƵɨƵȁɈȌƶȲƵƊǶǞɹƊƮȌƊȁɐƊǶǿƵȁɈƵǘƋ‫נן‬ƊȁȌȺ‫(خ‬ɐȲƊȁɈƵ o evento há muitos aprendizados de fortalecimento. A Troca de Saberes nos traz resistência e resiliência. Compreendemos assim que temos que continuar com resistência e resiliência com atenção com aquilo que conseguimos interferir no momento, e aos poucos vamos construirmos as bases de uma transformação efetiva. ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ ALTIERE, Miguel.ǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ ب‬ƊȺƦƊȺƵȺƮƊƧɐǶɈɐȲƊƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊ‫خ‬ªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ب‬IƊȺƵ‫خקצקןة‬ ACOSTA, Alberto. „ƦƵǿɨǞɨƵȲ‫ب‬uma oportunidade de imaginar outros mundos. São Paulo: 0ƮǞɈȌȲƊ0ǶƵǏƊȁɈƵ‫خפןמנة‬ ªy(„‫ة‬hƵǏǏƵȲȺȌȁ(ɐƊȲɈƵ‫خ‬0ɈȁȌƵƧȌǶȌǐǞƊƵƧƊȁƮȌǿƦǶƶ‫ب‬ƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪȪƵȺȯƊȲƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫خ‬Caٌ ƮƵȲȁȌȺƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ؾة‬²‫خ‬Ƕ‫ةؿخ‬ɨ‫ةמןخ‬ȁ‫ةסخ‬ǿƊɯ‫خפןמנ‬X²²y‫(خעסקץٌפסננ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ ȲƵɨǞȺɈƊȺ‫خ‬ƊƦƊٌƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫خ‬ȌȲǐ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ƧƊƮ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خסףמקןش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫מסب‬ȌƧɈ‫خמנמנخ‬ !ª(„²„‫ة‬X‫خ‬w‫سخ‬²„Çð‫ة‬y‫سخخ‬ǐɐǞƊȲw‫خ‬ß‫(سخ‬wXJ„‫ة‬m‫سخ‬ǿƊȁƧǞȌ!‫خخ‬yɑƧǶƵȌȺƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ب‬ tecendo redes solidariedade, diversidade e resistência. ªƵɨǞȺɈƊ ȲƊȺǞǶƵǞȲƊƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ ‫„ـ‬ȁǶǞȁƵ‫ةف‬ɨ‫ةסןخ‬ȯ‫خצןמנةןخ‬ CARSON, Raquel. §ȲǞǿƊɨƵȲƊ²ǞǶƵȁƧǞȌȺƊ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬JƊǞƊ‫خמןמנة‬ FREIRE, Paulo. !ȌǿɐȁǞƧƊƪƣȌȌɐƵɮɈƵȁȺƣȌ‫د‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫§ب‬Ɗɹ‫ۋ‬ÀƵȲȲƊ‫خסצקןة‬ §XyR0Xª„w!R(„‫ة‬mÇXð!ƊȲǶȌȺ‫خ‬ƮǞƊǶƶɈǞƧƊƮƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ‫ب‬contribuição para um mundo ƧȌǿƊǶǞǿƵȁɈȌȺȺƵǿɨƵȁƵȁȌ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬0ɮȯȲƵȺȺƣȌ§ȌȯɐǶƊȲ‫خץןמנة‬ PRIMAVESE, Ana Maria. !ƊȲɈǞǶǘƊƮƊÀƵȲȲƊ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬0ɮȯȲƵȺȺƣȌ§ȌȯɐǶƊȲ‫خמנמנة‬ À„m0(„‫ة‬ßǞƧɈȌȲw‫ سخ‬ªª0Xªٌ ²²„m²‫ة‬yƊȲƧǞȺȌ‫خ‬mƊǿƵǿȍȲǞƊƦǞȌƧɐǶɈɐȲƊǶ‫ب‬la importância ƵƧȌǶȍǐǞƧƊƮƵǶƊȺȺƊƦǞƮɐȲǞƊȺɈȲƊƮǞƧǞȌȁƊǶƵȺ‫ خ‬ƊȲƧƵǶȌȁƊ‫ب‬XƧƊȲǞƊ0ƮǞɈȌȲǞƊǶ‫خצממנة‬ Priscila Dorella 91 Artigos Epistemicídio e necropolíticas trans: ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺ ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺȺȌƦȲƵƧƵȁƊȺ ƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺ Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán PPGICH / UFSC Geni Núñez PPGICH / UFSC Mara Coelho de Souza Lago PPGICH / UFSC 0ȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺɈȲƊȁȺ‫ب‬ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺ ȺȌƦȲƵƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺ ªƵȺɐǿȌ 0ȺɈƵƊȲɈǞǐȌƶǞȁȺȯǞȲƊƮȌȁƊƊȁƋǶǞȺƵƮƵ˛ǶǿƵȺƮȌƧǞȁƵǿƊmJ ÀȱɐƵȁȌȺǏƊǶƊǿƮƵɨǞƮƊȺ de pessoas marginalizadas por suas identidades dissidentes da cisgeneridade e heterossexualidade compulsórias. Destaca alguns temas trazidos pelas teorias decoloniais, como epistemicídio e necropolítica. Tais teorias, que se desenvolveram no estudo dos regimes que atribuem a determinados corpos a condição de inumanos, tornando-os vulneráveis ao apagamento e ao genocídio, denunciam a perpetuação da eliminação dos corpos que se constituem como descartáveis nas sociedades contemporâneas. Reconhecemos que as sociedades latino-americanas, nas quais focamos nossa discussão, são herdeiras das relações coloniais instituidoras da hierarquização de diferenças por motivos de raça, gênero, sexualidade. Estes regimes de diferenciação estabelecem quais corpos importam e quais corpos se tornam matáveis: tais como os das ȯƵȲȺȌȁƊǐƵȁȺɈȲƊȁȺwƊȁɐƵǶƊƵ ƊɐƵȲƮȌȺ˛ǶǿƵȺƮƵȺƵȁƧƊƮƵƊƮȌȲƵȺƮƵȺɈƊƊȁƋǶǞȺƵ. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫˛ب‬ǶǿȌǐȲƊ˛ƊǶǐƦɈ‫س‬ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ‫س‬ƧȌȲȯȌȺɈȲƊȁȺ‫س‬ȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫خ‬ Epistemicio y necropolíticas trans: consideraciones decoloniales ȺȌƦȲƵƵȺƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˸ƧƊȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺ Resumen 0ȺɈƵƊȲɈǠƧɐǶȌȺƵǞȁȺȯǞȲƊƵȁƵǶƊȁƋǶǞȺǞȺƮƵ˸ǶǿƵȺmJ ÀȱɐƵɈȲƊɈƊȁƮƵǶƊȺɨǞƮƊȺƮƵȯƵȲȺȌnas marginalizadas por sus identidades disidentes de la cisgeneridad y heterosexualidad obligatorias. Destaca algunos temas abordados por las teorías decoloniales ɈƊǶƵȺƧȌǿȌƵǶƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞȌɯǶƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫ى‬ÀƊǶƵȺɈƵȌȲǠƊȺ‫ل‬ȱɐƵȺƵƮƵȺƊȲȲȌǶǶƊȲȌȁƵȁƵǶ ƧȌȁɈƵɮɈȌ ƮƵ ǶȌȺ ƵȺɈɐƮǞȌȺ ƮƵ ǶȌȺ ȲƵǐǠǿƵȁƵȺ ȱɐƵ ƊɈȲǞƦɐɯƵȁ Ɗ ƮƵɈƵȲǿǞȁƊƮȌȺ ƧɐƵȲȯȌȺ ǶƊƧȌȁƮǞƧǞȍȁƮƵǞȁǘɐǿƊȁȌȺ‫ل‬ɈȌȲȁƋȁƮȌǶȌȺɨɐǶȁƵȲƊƦǶƵȺƊǶƦȌȲȲƊǿǞƵȁɈȌɯƊǶǐƵȁȌƧǞƮǞȌ‫ل‬ ƮƵȁɐȁƧǞƊȁǶƊȯƵȲȯƵɈɐƊƧǞȍȁƮƵǶƊƵǶǞǿǞȁƊƧǞȍȁƮƵƧɐƵȲȯȌȺȱɐƵȺƵƧȌȁȺɈǞɈɐɯƵȁƧȌǿȌ ƮƵȺƧƊȲɈƊƦǶƵȺƵȁǶƊȺȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺƧȌȁɈƵǿȯȌȲƋȁƵƊȺ‫ى‬ªƵƧȌȁȌƧƵǿȌȺȱɐƵǶƊȺȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺ ǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺ‫ل‬ƵȁǶƊȺƧɐƊǶƵȺƧƵȁɈȲƊǿȌȺȁɐƵȺɈȲƊƮǞȺƧɐȺǞȍȁ‫ل‬ȺȌȁǘƵȲƵƮƵȲƊȺƮƵȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺǞȁȺɈǞɈɐɯƵȁɈƵȺƮƵǶƊǯƵȲƊȲȱɐǞɹƊƧǞȍȁƮƵƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊȺȯȌȲǿȌɈǞɨȌȺƮƵ ȲƊɹƊ‫ل‬ǐƶȁƵȲȌ‫ل‬ȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮ‫ى‬0ȺɈȌȺȲƵǐǠǿƵȁƵȺƮƵƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊƧǞȍȁƵȺɈƊƦǶƵƧƵȁƧɐƋǶƵȺƧɐƵȲpos importan y cuáles se tornan posibles de ser matados: tales como Manuela y ƊɐƵȲ‫ل‬ȯƵȲȺȌȁƊǯƵȺƮƵǶȌȺ˸ǶǿƵȺȱɐƵƮƵȺƵȁƧƊƮƵȁƊȁƵȺɈȌȺƊȁƋǶǞȺǞȺ‫ى‬ §ƊǶƊƦȲƊȺƧǶƊɨƵ‫˸ك‬ǶǿȌǐȲƊǏǠƊǶǐƦɈَƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞȌَƧɐƵȲȯȌȺɈȲƊȁȺَȁƵcropolítica. Trans epistemicide and necropolitics: decolonial considerations on latin american cinematic scenes Abstract ÀǘǞȺƊȲɈǞƧǶƵǞȺǞȁȺȯǞȲƵƮƦɯɈǘƵƊȁƊǶɯȺǞȺȌǏ˸ǶǿȺǏȲȌǿmJ ÀƧǞȁƵǿƊɈǘƊɈɈƵǶǶɐȺƊƦȌɐɈɈǘƵ lives of people marginalized for their dissident identities from compulsory cisgenerity ƊȁƮ ǘƵɈƵȲȌȺƵɮɐƊǶǞɈɯ‫ ى‬XɈ ǘǞǐǘǶǞǐǘɈȺ ȺȌǿƵ ɈǘƵǿƵȺ ƦȲȌɐǐǘɈ ɐȯ Ʀɯ ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ ɈǘƵȌȲǞƵȺ‫ل‬ ȺɐƧǘƊȺƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞƮƵƊȁƮȁƵƧȲȌȯȌǶǞɈǞƧȺ‫ى‬²ɐƧǘɈǘƵȌȲǞƵȺ‫ل‬ɩǘǞƧǘƮƵɨƵǶȌȯƵƮǞȁɈǘƵȺɈɐƮɯ ȌǏȲƵǐǞǿƵȺɈǘƊɈƊɈɈȲǞƦɐɈƵɈȌƧƵȲɈƊǞȁƦȌƮǞƵȺɈǘƵƧȌȁƮǞɈǞȌȁȌǏǞȁǘɐǿƊȁ‫ل‬ǿƊDzǞȁǐɈǘƵǿ ɨɐǶȁƵȲƊƦǶƵɈȌƵȲƊȺɐȲƵƊȁƮǐƵȁȌƧǞƮƵ‫ل‬ƮƵȁȌɐȁƧƵɈǘƵȯƵȲȯƵɈɐƊɈǞȌȁȌǏɈǘƵƵǶǞǿǞȁƊɈǞȌȁ of bodies that constitute themselves as disposable in contemporary societies. We ȲƵƧȌǐȁǞɹƵɈǘƊɈmƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁȺȌƧǞƵɈǞƵȺ‫ل‬ȌȁɩǘǞƧǘɩƵǏȌƧɐȺȌɐȲƮǞȺƧɐȺȺǞȌȁ‫ل‬ƊȲƵǘƵǞȲȺ ɈȌƧȌǶȌȁǞƊǶȲƵǶƊɈǞȌȁȺɈǘƊɈǞȁȺɈǞɈɐɈƵƮɈǘƵǘǞƵȲƊȲƧǘǞɹƊɈǞȌȁȌǏƮǞǏǏƵȲƵȁƧƵȺƦƊȺƵƮȌȁȲƊƧƵ‫ل‬ ǐƵȁƮƵȲ‫ل‬ƊȁƮȺƵɮɐƊǶǞɈɯ‫ى‬ÀǘƵȺƵȲƵǐǞǿƵȺȌǏƮǞǏǏƵȲƵȁɈǞƊɈǞȌȁƵȺɈƊƦǶǞȺǘɩǘǞƧǘƦȌƮǞƵȺǿƊɈɈƵȲ and which bodies become killable: such as those of the trans characters Manuela ƊȁƮ ƊɐƵȲǞȁɈǘƵ˸ǶǿȺɈȲǞǐǐƵȲǞȁǐɈǘǞȺƊȁƊǶɯȺǞȺ‫ى‬ Keywords: ǶǐƦɈ˸ǶǿȌǐȲƊȯǘɯَƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞƮƵَɈȲƊȁȺƦȌƮǞƵȺَȁƵƧȲȌȯȌǶǞɈǞƧȺ‫ى‬ Artigos XȁɈȲȌƮɐƪƣȌ‫ب‬ƊȯȲƵȺƵȁɈƊȁƮȌȌȺ˛ǶǿƵȺ Este artigo e as discussões que nele propomos‫ة׺‬ɈȌǿƊǿƧȌǿȌȯȌȁɈȌƮƵȯƊȲɈǞƮƊƮȌǞȺ˛Ƕmes latino-americanos produzidos durante as últimas décadas do século XX, nomeadamente: ‫ٲ‬0ǶǶɐǐƊȲȺǞȁǶǠǿǞɈƵȺ‫فצץקןـٳ‬ƮȌƮǞȲƵɈȌȲȲɈɐȲȌªǞȯȺɈƵǞȁ‫ة‬ƵVera ‫فץצקןـ‬ƮȌƮǞȲƵɈȌȲ²ƵȲǐǞȌÀȌǶƵƮȌ‫ة‬ por considerarmos que constituem discursos pioneiros acerca das dissidências sexuais e de ǐƺȁƵȲȌƵǿȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺǘȌǿȌ‫ش‬ǶƵȺƦȌ‫ش‬ɈȲƊȁȺǏȍƦǞƧƊȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺ‫ـ‬XyJ0y²!Ræ‫خفןןמנة‬ El lugar sin límites ƶ ɐǿ ˛ǶǿƵ ȯȲȌƮɐɹǞƮȌ ȁȌ wƶɮǞƧȌ Ƶǿ ‫ ةץץקן‬ƮǞȲǞǐǞƮȌ ȯƵǶȌ ƧǞȁƵƊȺɈƊ ȲɈɐȲȌªǞȯȺɈƵǞȁ‫ة‬ƦƊȺƵƊƮȌƵǿȁȌɨƵǶƊƮȌƵȺƧȲǞɈȌȲƧǘǞǶƵȁȌhȌȺƶ(ȌȁȌȺȌȯɐƦǶǞƧƊƮƊƵǿ‫خפפקן‬ÀƵɨƵ como roteiristas Arturo Ripstein, José Donoso, Manuel Puig e José Emílio Pacheco. Foi escolhiƮȌȯƊȲƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊȲȌwƶɮǞƧȌȁƊȯȲƵǿǞƊƪƣȌƮȌ„ȺƧƊȲƵǿ‫קץקן‬ƵȲƵƧƵƦƵɐƮƊƧƊƮƵǿǞƊwƵɮǞƧƊȁƊƮƵȲɈƵȺƵ!ǞƺȁƧǞƊȺ!ǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺȌȺȯȲƺǿǞȌȺȲǞƵǶƮƵǿƵǶǘȌȲ˛ǶǿƵ‫ة‬ƮƵǿƵǶǘȌȲƊɈȌȲȯƊȲƊ Roberto Cobo e melhor ator coadjuvante para Gonzalo Vega. „˛ǶǿƵVeraƶɐǿƮȲƊǿƊƦǞȌǐȲƋ˛ƧȌƮǞȲǞǐǞƮȌƵƵȺƧȲǞɈȌȯƵǶȌƧǞȁƵƊȺɈƊƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌ²ƶȲǐǞȌÀȌǶƵƮȌƵǿ‫ةפצקן‬ƦƊȺƵƊƮȌȁƊƊɐɈȌƦǞȌǐȲƊ˛ƊƮƵȁƮƵȲȺȌȁRƵȲɹƵȲ‫©ةفנצקןـ‬ɐƵƮƊȯƊȲƊȌǶɈȌ‫خ‬ȁƮƵȲson foi um jovem escritor trans que esteve internado na Fundação Estadual para o Bem-estar do Menor (FEBEM) durante parte da adolescência, sem nunca ter delinquido. Tendo saído desta instituição conseguiu apoio para publicar seu livro a cujo lançamento não conseguiu assistir, ɈƵȁƮȌٌȺƵȺɐǞƧǞƮƊƮȌƊȌȺ‫מנ‬ƊȁȌȺƮƵǞƮƊƮƵ‫˛„خ‬ǶǿƵǏȌǞƵȺɈȲƵǶƊƮȌȯȌȲȁƊ ƵƊɈȲǞɹyȌǐɐƵǞȲƊ‫ة‬ƧɐǯȌ desempenho obteve o prêmio Candango de melhor atriz no Festival de Cinema de Brasília em ‫ةפצקן‬ƵȌÇȲȺȌƮƵ§ȲƊɈƊƮȌIƵȺɈǞɨƊǶXȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶƮƵ!ǞȁƵǿƊƮƵ ƵȲǶǞǿ‫ة‬Ƶǿ‫„خץצקן‬ƦɈƵɨƵɈƊǿbém o prêmio de trilha sonora (Arrigo Barnabé, Roberto Ferraz e Tércio da Motta). ȺȯȲȌɨȌƧƊƪȪƵȺȱɐƵƊǿƦȌȺȌȺ˛ǶǿƵȺȁȌȺɈȲƊɹƵǿ‫ة‬ǶƵɨƊǿٌȁȌȺƊȲƵ˜ƵɈǞȲƊƧƵȲƧƊƮƊȺǞȁɈƵȲǶȌcuções possíveis de serem estabelecidas entre os conceitos de heterossexualidade compulsóȲǞƊƵƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊǶƶȺƦǞƧƊƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞƮȌȺȯȌȲƮȲǞƵȁȁƵªǞƧǘ‫׻فמןמנـ‬, como disparadores que nos permitem ampliar esta discussão que, a nosso ver, envolve os temas do epistemicídio (SANTOS, ‫فעממנ‬ƵƮƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫ـ‬w 0w 0‫ةفצןמנة‬ȯȌȲȺƵɈȲƊɈƊȲƮƵǏȌȲǿƊȺƮƵƵɮɈƵȲǿǠȁǞȌƮƵƧȌȲȯȌȺȱɐƵ não ganham o estatuto de humanos. A desumanização destas existências se constata tanto na patologização e estigmatização a que são submetidas, quanto nos rituais que são realizados na eliminação material dessas vidas. 0ȺɈƵ ɈƵɮɈȌ ɨǞȺƊ ƊȁƊǶǞȺƊȲ ƧȲǞɈǞƧƊǿƵȁɈƵ ƵȺȺƵȺ ˛ǶǿƵȺ Ƶǿ ȲƵǶƊƪƣȌ ƊȌ ǿȌƮȌ ƧȌǿȌ Ɗ ȌȲƮƵǿ hegemônica de gênero retira a condição de humanidade a travestis e pessoas trans e ao fazê-lo induz diversos processos de extermínio desses corpos. Para desenvolver essa análise mobilizamos dispositivos teóricos dos estudos feministas e decoloniais. Na primeira seção do texto apresentamos as escolhas teóricas que guiam nossa análise. Na sequência articulamos essas chaves ɈƵȍȲǞƧƊȺȯƊȲƊƮƵȺƵȁɨȌǶɨƵȲɐǿƊǶƵǞɈɐȲƊƧȲǠɈǞƧƊƮƵƊǶǐɐǿƊȺȯƊȺȺƊǐƵȁȺƮȌȺ˛ǶǿƵȺ‫ة‬ƮƊȁƮȌƮƵȺɈƊȱɐƵƊȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌƵƜȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫خ‬yƊȺƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺ˛ȁƊǞȺƮƵȺɈƊƧƊǿȌȺɈƊȁɈȌƊȯȌɈƺȁƧǞƊ quanto os limites destas ferramentas teóricas no cenário de luta política contra as opressões de gênero que atingem pessoas trans e travestis. 1 Estas discussões começaram a ser gestadas no contexto da disciplina JƺȁƵȲȌƵǘƵɈƵȲȌȁȌȲǿƊɈǞɨǞƮƊƮƵƵǿƧǞȁƧȌ ˸ǶǿƵȺǶƊɈǞȁȌ٧ƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫ل‬ǿǞȁǞȺɈȲƊƮƊȯƵǶƊ§ȲȌǏƊ‫(ى‬ȲƊ‫ى‬Lourdes Martínez Echázabal, no Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2018. ׂ 0ȁǏƊɈǞɹƊǿȌȺȱɐƵ‫ة‬ȁƊƶȯȌƧƊƵǿȱɐƵȌȺ˛ǶǿƵȺǏȌȲƊǿȯȲȌƮɐɹǞƮȌȺ‫ة‬ȯȲƵƮȌǿǞȁƊɨƊǿƊǞȁƮƊȁȌƧƊǿȯȌƮƊȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ‫ة‬ os estudos de homossexualidade masculina e, impactando os estudos feministas, as teorizações de mulheres lésbicas. Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 99 Epistemicídio e necropolíticas trans !ȌȌȲƮƵȁƊƮƊȺƧȌȁƧƵȯɈɐƊǞȺ Para desenvolver as discussões, apelamos a uma ideia de hifenização de saberes (OLIVEI- 100 ª‫فמןמנة‬ƵȁȱɐƊȁɈȌǏƵȲȲƊǿƵȁɈƊȱɐƵȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵƵȺɈƊƦƵǶƵƧƵȲɐǿƮǞƋǶȌǐȌƵȁɈȲƵɨƋȲǞȌȺƧȌȁƧƵǞtos – cisheterossexualidade compulsória, epistemicídio e necropolíticas trans. Saberes hifenizados tratam-se de “espaços conceptualmente intersticiais marcados pela liminaridade e pela recusa da ereção de fronteiras estanques entre os saberes [...] essa organização dos saberes não ƶǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊƵȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺȯƵȁȺƋٌǶƊƧȌǿȌȲǞɹȌǿƋɈǞƧƊ٘‫„ـ‬mXß0Xª‫ةמןמנة‬ȯ‫خفץנخ‬ǞȁɈƵȲȺƵƧƪƣȌ dos saberes que advêm dos campos teóricos e políticos aos quais esses conceitos correspondem nos auxiliam na análise de realidades complexas como as que aqui pontuamos, realidades estas que não podem mais ser compreendidas por campos disciplinares “puros”. As perguntas que guiam a nossa análise são: Como vivem e como morrem os corpos ɈȲƊȁȺƵǿ˸ǶǿƵȺ‫ل‬ǿǠƮǞƊȺǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊȺ‫„ي‬ȱɐƵǞȺȺȌȁȌȺƊȯȌȁɈƊ‫ ي‬Começando pelas contribuiƪȪƵȺƮƵƮȲǞƵȁȁƵªǞƧǘ‫ةفמןמנـ‬ƧȌȁƧȌȲƮƊǿȌȺƧȌǿƊƊɐɈȌȲƊȱɐƵȌƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌƮƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺ dissidentes em determinados registros tais como a literatura, o cinema e outros, revela o modo como a heterossexualidade compulsória se constitui em um regime político. Tal regime aciona discursos e práticas que procuram controlar as dissidências de gênero das mais diversas formas e impor a heterossexualidade como a única forma legítima de existência. „ƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌȱɐƵªǞƧǘ‫فמןמנـ‬ȁȌǿƵǞƊȺƵȲƵǏƵȲƵƜȺǶƶȺƦǞƧƊȺ‫ة‬ǿƊȺȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺƵȺɈƵȁƮƺٌǶȌȯƊȲƊȯƵȁȺƊȲƊȯȲȌƮɐƪƣȌƮƵȺǞǶƺȁƧǞȌȺƵǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƮƵȌɐɈȲƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺȱɐƵƮƵȺƊ˛ƊǿƊȺ ȁȌȲǿƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌ‫خ‬0ȺɈƊȯȲȌȯȌȺɈƊƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶǞȁȺƵȲǞƮƊƮƵȁɈȲȌƮȌȱɐƊƮȲȌƮƵȲƵ˜ƵɮȪƵȺƮȌǏƵǿǞȁǞȺmo lésbico no qual Rich é localizada, parece-nos que pode habitar outros conceitos e debates, ɈƵȁƮȌƵǿƧȌȁɈƊƵȺɈƊǞƮƵǞƊƮƵǘǞǏƵȁǞɹƊƪƣȌƮƵȺƊƦƵȲƵȺ‫„ـ‬mXß0Xª‫خفמןמנة‬ Embora reconheçamos a importância desta contribuição, nossa proposta é ir além dela. Em nossa perspectiva, há outras importantes questões a serem consideradas e que vão além da mera “negação dos saberes”, para pensarmos a complexidade que envolve os processos de invisibilização e extermínio simbólico e material de determinadas existências. Neste sentido, apostamos que as provocações trazidas na teorização de Rich podem-se alargar a partir dos debates desenvolvidos no seio dos estudos decoloniais, permitindo assim aprofundar a compreensão das lógicas envolvidas na destruição de saberes e experiências, que são também formas de destruição de existências. Os estudos decoloniais têm trazido importantes discussões para dar conta destes processos de destruição simultânea de saberes e pessoas, que atingem seletivamente a alguns sujeitos, a saber, no Sul Global, mulheres, povos indígenas, entre outros. Assim, o porto-riquenho ªƊǿȍȁJȲȌȺǏȌǐɐƵǶ‫فסןמנـ‬ɈƵǿƵɮȯȲƵȺȺƊƮȌȱɐƵٗƵǶƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌȯȲȌƮɐƧǞƮȌȯȌȲǿɐǯƵȲƵȺɈƊǿƦǞƶȁƵȺǞȁǏƵȲǞȌȲǞɹƊƮȌɯǿƊȲǐǞȁƊƮȌ٘‫ـ‬ȯ‫§خفףסخ‬ȌƮƵȲǞƊȯƵȁȺƊȲٌȺƵȱɐƵɈƊȁɈȌƊƧȲǠɈǞƧƊƊɐǿƊǿƊɈȲǞɹƮƵ pensamento ocidental por parte das análises decoloniais, quanto a denúncia do pensamento ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶ‫ـ‬àXÀÀXJ‫فנקקןة‬ȯȌȲȯƊȲɈƵƮȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌǶƶȺƦǞƧȌ‫ة‬ƊȯȌȁɈƊǿȌǿȌƮȌƧȌǿȌȺƵȯȲȌduz uma ausência e apagamento de sujeitos que não existem nestes regimes dominantes. §ȌȲȌɐɈȲȌǶƊƮȌ‫ة‬ƮǞƊȁɈƵƮƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵȲƵ˜ƵɈǞȲƊƧƵȲƧƊƮƊȺƵȺɈȲƊɈƶǐǞƊȺƮƵƵǶǞǿǞȁƊƪƣȌƮƊȺ populações LGBT, o fato delas acontecerem sem produzir comoção, lançamos mão do conceito ƮƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵƧǘǞǶǶƵwƦƵǿƦƵ‫(خفצןמנـ‬ƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿȌƊɐɈȌȲ‫ة‬ƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵ olhar para o status que é dado à vida, à morte e ao corpo humano, em particular àquele corpo ȱɐƵȺƵɈȌȲȁƊȺɐȺƧƵɈǠɨƵǶƮƵȺƵȲǿƊȺȺƊƧȲƊƮȌȌɐǏƵȲǞƮȌ‫خ‬0ȺɈƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺƊɐɮǞǶǞƊǿȁƊƧȌǿȯȲƵƵȁȺƣȌ das mortes trans e de algumas das singularidades que as circundam. Nelas, opera-se por meio ƮƊȯȲȌƮɐƪƣȌ˛ƧƧǞȌȁƊǶƮƵɐǿǞȁǞǿǞǐȌȱɐƵƊǿƵƊƪƊƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊƮƵƊǶǐɐƶǿƵ‫ة‬ƧȌȁȺƵȱɐƵȁɈƵǿƵȁ- Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos te, autoriza o seu extermínio. Tanto a raça quanto o gênero ocupam um papel central na proƮɐƪƣȌƮƵȺȺƵ„ɐɈȲȌƧȌǿȌɐǿȁƣȌȺƵȲ‫!ـ‬ªy0Xª„‫سفףממנة‬ɐǿȁƣȌȺɐǯƵǞɈȌ‫ـ‬jXm„w ‫ةفקןמנة‬ɐǿ ȺƵȲƊƦǯƵɈȌ‫ ـ‬ÇÀm0ª‫خفקןמנة‬ ©ɐƊǶ ƶ ƵȁɈƣȌ Ȍ ȯƊȯƵǶ ƮƊ ˛ǶǿȌǐȲƊ˛Ɗ mJ À ȁƊ ƧȌȁɈƵȺɈƊƪƣȌ ƮȌȺ ȲƵǐǞǿƵȺ ƮƵ ȯȌƮƵȲ ȱɐƵ autorizam a morte de pessoas dissidentes de gênero? Se recorremos às discussões de Teresa ƮƵ mƊɐȲƵɈǞȺ ‫ فץצקןـ‬ƊƧƵȲƧƊ ƮȌ ƧǞȁƵǿƊ ƧȌǿȌ ɐǿƊ ɈƵƧȁȌǶȌǐǞƊ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ‫ ة‬ƧȌȁƧǶɐǠǿȌȺ ȱɐƵ ɈƊǞȺ tecnologias podem acabar reforçando determinadas representações, assim como podem subvertê-las. Entendemos, portanto, que os debates inspirados pelo cinema fazem parte de um compromisso ético-político enquanto feministas, ativistas e pesquisadoras destas questões. §ƊȲƊɈƊǶ‫ة‬ƊȯƊȲɈǞȲƮȌȺ˛ǶǿƵȺƵȺƧȌǶǘǞƮȌȺ‫ة‬ƊȁƊǶǞȺƊȲƵǿȌȺƊǶǐɐȁȺƮȌȺǿƵƧƊȁǞȺǿȌȺȺǞȺɈƵǿƋɈǞƧȌȺƮƵ eliminação de populações dissidentes de gênero. Acreditamos que tanto o epistemicídio quanto as necropolíticas que atuam sobre esses corpos compartilham das mesmas racionalidades. !ȌǿȌȲƵ˜ƵɈƵƧǘǞǶǶƵwƦƵǿƦƵ‫ةצןמנـ‬ȯ‫ٗفפخ‬ȺȌƦȱɐƊǞȺƧȌȁƮǞƪȪƵȺȯȲƋɈǞƧƊȺȺƵƵɮƵȲƧƵȌȯȌƮƵȲƮƵ matar, deixar viver ou expor à morte? Quem é o sujeito dessa lei? ƮƵȺƧȲǞƪƣȌƮȌȺ˛ǶǿƵȺ „˛ǶǿƵƮƵªǞȯȺɈƵǞȁ‫ة‬ȱɐƵȺƵȯƊȺȺƊȁɐǿƊƧǞƮƊƮƵƮȌǞȁɈƵȲǞȌȲƵǿƮƵƧƊƮƺȁƧǞƊ‫ة‬ȯȌȲɈƵȲȯƵȲdido importância econômica na região, apresenta uma quebra de tempo. Na continuidade da ȺƵȱɐƺȁƧǞƊǞȁǞƧǞƊǶƊȯȲƵȺƵȁɈƊƊȺǞǿƊǐƵȁȺƮƊȯƵȲȺȌȁƊǐƵǿwƊȁɐƵǶƊƵȺɐƊ˛ǶǘƊhƊȯȌȁƵȺǞɈƊ‫ة‬ƊƧȌȲdando assustadas no meio da noite com os barulhos de motor e buzinas em frente ao bordel de que são proprietárias. A travesti Manuela sabe que se trata de Pancho Vega, que já a espancara ɨǞȌǶƵȁɈƊǿƵȁɈƵȁȌȯƊȺȺƊƮȌ‫˛„خ‬ǶǿƵȺƵƮƵȺƵȁȲȌǶƊƧȌǿƧƵȁƊȺƮƵ§ƊȁƧǘȌƵȺƵɐƧɐȁǘƊƮȌƵǿǞȁɈƵração com Don Alejo, o político importante do local, de quem Pancho é devedor e que é dono da maioria das propriedades da cidade, as quais pretende comercializar com empresas de fora. ƧƊȺƊƮƵwƊȁɐƵǶƊƵȺɐƊ˛ǶǘƊȯȲƵƧǞȺƊɈƊǿƦƶǿȺƵȲɨƵȁƮǞƮƊȯƊȲƊƊɨǞƊƦǞǶǞɹƊƪƣȌƮȌȁƵǐȍƧǞȌ‫خ‬ Na quebra de tempo temos, no passado, a chegada de Manuela à Estación El Olivo, comȯȌȁƮȌɐǿǐȲɐȯȌƮƵǿȌƪƊȺȱɐƵɈȲƊƦƊǶǘƊǿƧȌǿȌȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǞȺƮȌȺƵɮȌƵƊȲɈǞȺɈƊȺ‫ة‬ȯƊȲƊƊɈɐƊȲƵǿ na casa de Japonesa, com quem Manuela se envolve numa relação de amizade que se transforma em sociedade quando se tornam proprietárias do imóvel, numa aposta estranha com Don ǶƵǯȌ‫خ‬ȁȌȺǿƊǞȺɈƊȲƮƵ‫ة‬ƧȌǿƊǿȌȲɈƵƮƵhƊȯȌȁƵȺƊ‫ة‬ȺɐƊ˛ǶǘƊƧȌǿwƊȁɐƵǶƊȺƵɈȌȲȁƊǘƵȲƮƵǞȲƊƮƊ casa. Na sequência das cenas temos a festa em que duas das moças recém-chegadas cantam ƵwƊȁɐƵǶƊȺƵƊȯȲƵȺƵȁɈƊƧȌǿȌɐǿƊȺƵȁȺɐƊǶƮƊȁƪƊȲǞȁƊƮƵ˜ƊǿƵȁƧȌ‫ة‬ƧȌǿȌƧȲƵȺƧƵȁɈƵƵȁɨȌǶɨǞmento dos fregueses homens na dança, em um clima de celebração e tensão misógina crescente, a qual culmina com cenas de violência contida que se espraia para fora do prostíbulo, terminando com Manuela sendo jogada em um lago e despida de sua provocante vestimenta de dançarina. Na cena seguinte ouve-se a fala de Manuela quando se recolhe a seu quarto para evitar novas agressões enquanto a festa continua: ‫ىىىىٲ‬ƵȺɈȌɯƊƧȌȺɈɐǿƦȲƊƮƊ‫ٳ‬. Voltando ao primeiro tempo, temos as sequências que nos mostram o envolvimento passional de Japonesinha e Manuela com o personagem Pancho, os desentendimentos entre ambas sobre a venda da propriedade que só Manuela deseja efetuar para ir embora da cidade, e o receio da volta de Pancho em sua perseguição obsessiva à Manuela. Acompanhado do cunhado, Pancho retorna e força a entrada no bordel onde é recebido por japonesinha enquanto wƊȁɐƵǶƊȺƵƵȺƧȌȁƮƵ‫ة‬ȯȲƵȺƵȁƧǞƊȁƮȌƊȺƧƵȁƊȺƮƵƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƮƊ˛ǶǘƊƧȌǿȌǞȁɨƊȺȌȲƵǿƮƊȁƪƊ carregada de sensualidade que se vai transmutando em violência crescente. O que leva Manuela a entrar em cena com representação artística de declamação e dança que envolve Pancho, Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 101 Epistemicídio e necropolíticas trans o qual a acompanha na dança e corresponde a seu beijo que, testemunhado pelo cunhado, resulta na selvagem perseguição de Manuela feita por ambos pelas ruas desertas do lugar com o caminhão. Desesperada e encurralada, Manuela é morta em espancamento cruel de Pancho 102 com o auxílio do cunhado, os quais, vendo-a morta, fogem da cidade. Don Alejo e seu criado, alertados pelos gritos de socorro de Manuela e o barulho do veículo, testemunham desapercebidos o espancamento de Manuela, sem intervir. É a morte de uma travesti. ßƵȲƊ‫ة‬ȯȲȌɈƊǐȌȁǞȺɈƊƮȌƮȲƊǿƊƦǞȌǐȲƋ˛ƧȌƮǞȲǞǐǞƮȌƵƵȺƧȲǞɈȌȯƵǶȌƧǞȁƵƊȺɈƊƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌ²ƶȲǐǞȌ ÀȌǶƵƮȌ‫ة‬ƶƧȌǶȌƧƊƮƊȁƊI0 0wƊȌȺ‫ען‬ƊȁȌȺ‫ة‬ȌȁƮƵƧȌȁɨǞɨƵƧȌǿƊƮǞɨǞȺƣȌǿƊȁǞȱɐƵǠȺɈƊǏȌȲɈƵǿƵȁɈƵ marcada entre feminino e masculino, com masculinidades assumidas por algumas internas que se impõem às outras em relacionamentos de dominação e proteção. Comportamento possessivo e agressivo que Vera/Bauer acaba por assumir em seus relacionamentos amorosos com muǶǘƵȲƵȺ‫ة‬ƵǿƧȌȁɈȲƊȺɈƵƧȌǿƊȺƵȁȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȱɐƵȺƵƮƵȺɨƵǶƊȁƊȺȯȌƵȺǞƊȺȱɐƵƵȺƧȲƵɨƵƵȁƊǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊção com os sofrimentos e vulnerabilidades dos outros, manifestos em suas ações de cuidados. ȌȺ‫צן‬ƊȁȌȺ‫ة‬ȺƊǞȁƮȌƮƊǞȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌ‫ ة‬ƊɐƵȲɈƵǿƊȯȲȌɈƵƪƣȌƮƵɐǿȯȲȌǏƵȺȺȌȲȱɐƵǶǘƵȯȲȌɨǞdencia hospedagem em pensão e um emprego na instituição onde trabalha, buscando propiciar-lhe oportunidades de desenvolver seu desejo de escrever. Bauer não consegue se manter no emprego, onde teria que se apresentar como mulher, com vestimentas adequadas ao corpo que estranha, que não combina com o que sente ser. ÀƊȁɈȌ ȁƊ I0 0w‫ ة‬ǞȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌ ɈȌɈƊǶ ‫ـ‬J„IIwy‫ ةفעץקן ة‬ȯƊȁȍȯɈǞƧƊ ‫ـ‬I„Ç!ÇmÀ‫ةفץץקן ة‬ quanto no local de trabalho, uma instituição de pesquisa, com biblioteca, exposições de arte, ȌȁƮƵƊȺȯƵȺȺȌƊȺƵɮǞǐƵǿȱɐƵ ƊɐƵȲȺƵƧȌǶȌȱɐƵȁȌƊȲǿƋȲǞȌ‫ـ‬²0(JàX!j‫فץממנة‬ƵǿȱɐƵȺƵǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞɹƊǿ ƊȺ ƮǞȺȺǞƮƺȁƧǞƊȺ ƮƊ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ ƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊ ‫ـ‬ªX!R‫ فמןמנ ة‬Ƶ ɈƊǿƦƶǿ‫ ة‬ƧȌǿ muita intensidade, as dissidências trans da cisgeneridade dominante, categoria trazida posteȲǞȌȲǿƵȁɈƵȯƵǶȌȺƵȺɈɐƮȌȺɈȲƊȁȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫ـ‬ß0ªJÇ0Xª„‫ةفצןמנة‬ȁƊȱɐƊǶȌɈȲƊȁȺ ƊɐƵȲȺƵƵȁƧƊǞɮƊ pela identidade masculina em que se reconhece e reivindica como a sua. Assim, Bauer perde o emprego na insistência em se vestir, posicionar e ser reconhecido como homem. Sem emprego para se manter, sem conseguir manter o relacionamento amoroso que ƧȌȁȺɈȲɐǠȲƊƧȌǿɐǿƊƧȌǶƵǐƊȯȌȲȺɐƊȺȯȌȺǞƪȪƵȺǿƊƧǘǞȺɈƊȺƮƵȯȌȺȺƵƵȺɐƊȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺƧȌǿȌ próprio corpo cujos caracteres femininos rejeita intensamente, Bauer faz um apelo desesperaƮȌƧȌǿƊƪƣȌƮƵƊɐɈȌǿɐɈǞǶƊƪƣȌ‫خ‬ȺƵȱɐƺȁƧǞƊ˛ȁƊǶƮȌ˛ǶǿƵɈȲƊɹ ƊɐƵȲɈȲƊȁȺǞɈƊȁƮȌȯȌȲƵȺȯƊƪȌȺ moventes labirínticos e escuros com sua voz dominando a cena: ‫ٲ‬²ƵǿȯȲƵɈƵǿǞȌǶǘƊȲȯƊȲƊƮƵȁɈȲȌƮƵǿǞǿƵȁƣȌƵȁƧȌȁɈȲƊȲȺƵȁƣȌȌȺǞǶƺȁƧǞȌ‫ىىىى‬wƊȺƊǐȌȲƊ ƵɐȺƵǞȱɐƵ‫ل‬ƊȯƵȺƊȲƮƵɈɐƮȌ‫ل‬ȁƣȌǘƋȌɐɈȲȌƧƊǿǞȁǘȌȯȌȺȺǠɨƵǶ‫ىٳىىىى‬ yƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺƵǿƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺ §ƊȲƊƵǶƊƦȌȲƊȲȺɐƊƧȌȁƧƵȯƪƣȌƮƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫ة‬wƦƵǿƦƵ‫فצןמנـ‬ƵȺƧǶƊȲƵƧƵɈƵȲٌȺƵǏɐȁƮƊǿƵȁɈƊƮȌ ȁƊȺ ɈƵȌȲǞɹƊƪȪƵȺ ƮƵ wǞƧǘƵǶ IȌɐƧƊɐǶɈ ‫ فקקקןـ‬ȺȌƦȲƵ ƦǞȌȯȌƮƵȲ Ƶ ƮƵ JǞȌȲǐǞȌ ǐƊǿƦƵȁ ‫فעממנـ‬ȺȌƦȲƵƵȺɈƊƮȌƮƵƵɮƧƵƪƣȌ‫خ‬IȌɐƧƊɐǶɈƵǶƊƦȌȲƊȌƧȌȁƧƵǞɈȌƮƵƦǞȌȯȌƮƵȲƊȁƊǶǞȺƊȁƮȌƊȺǏȌȲǿƊȺ históricas do poder relacionado à vida e à morte: o poder soberano e o poder disciplinar. O poder soberano, absolutista, com a capacidade de tirar a vida e, consequentemente, de deixar ɨǞɨƵȲ‫س‬ƵȌȯȌƮƵȲƮƵƧȌȁɈȲȌǶƵȺȌƦȲƵƊȺȯȌȯɐǶƊƪȪƵȺƦƊȺƵƊƮȌȁȌȺȺƊƦƵȲƵȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲƵȺ‫ة‬ƦǞȌȯȌƮƵȲ‫ة‬ o poder de controle da vida, de fazer viver e deixar morrer. Formas de exercício do poder que convivem nas sociedades contemporâneas. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos Os temas da vida e da morte trazem as questões da guerra e da política, está concebida, muitas vezes, como a guerra continuada por outros meios. Agamben analisa o estado de exceƪƣȌ‫ة‬ȱɐƵȺƵȺǞɈɐƊȁȌٗǶǞǿǞɈƵƵȁɈȲƵƊȯȌǶǠɈǞƧƊƵȌƮǞȲƵǞɈȌ٘‫ةעממנـ‬ȯ‫ةفןןخ‬Ɗ˛ȲǿƊȁƮȌƊƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵƮƵ ƮƵ˛ȁǞٌǶȌ‫ة‬ȯȌȲȺɐƊٗƵȺɈȲƵǞɈƊȲƵǶƊƪƣȌƧȌǿƊǐɐƵȲȲƊƧǞɨǞǶ‫ة‬ƊǞȁȺɐȲȲƵǞƪƣȌƵƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊ٘‫ةעממנـ‬ȯ‫خفנןخ‬Çǿ estado de suspensão das leis jurídicas constitucionais, que promove o desequilíbrio dos poderes em favor de um poder executivo soberano. As análises destes autores se detêm com mais vagar nas guerras mundiais, especialmente a segunda guerra do século passado, com a sua produção ƮȌǞȁǞǿǞǐȌȲƊƧǞƊǶȁƊ˛ǐɐȲƊƮȌǯɐƮƵɐȱɐƵƮƵɨƵȲǞƊȺƵȲƵǶǞǿǞȁƊƮȌ‫(خ‬ƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿIȌɐƧƊɐǶɈ‫ة‬ȯƊȲƊ ƵɮƵȲƧƵȲٗƊǏɐȁƪƣȌƮƊǿȌȲɈƵȁɐǿȺǞȺɈƵǿƊȯȌǶǠɈǞƧȌƧƵȁɈȲƊƮȌȁȌƦǞȌȯȌƮƵȲ٘‫ةקקקןـ‬ȯ‫فעמסخ‬ǏȌǞȁƵƧƵȺsário o racismo, as raças hierarquizadoras das populações em subgrupos desiguais. A importância dessas teorizações diz respeito ao fato de suas contribuições traçarem genealogias do funcionamento de poderes e concepções que persistem nas sociedades ocidentais modernas, na imbricação de poder soberano e biopoder onde o estado de exceção se atualiza, irrompendo para além de seus limites, como uma estrutura estabelecida. “O estado de exceção moderno é [...] uma tentativa de incluir na ordem jurídica a própria exceção, criando ɐǿƊɹȌȁƊƮƵǞȁƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊƪƣȌƵǿȱɐƵǏƊɈȌƵƮǞȲƵǞɈȌƧȌǞȁƧǞƮƵǿ٘‫ـ‬Jw 0y‫ةעממנة‬ȯ‫„خفנעخ‬ȺƮǞreitos humanos são suspensos e a justiça é precarizada. wƦƵǿƦƵ‫فצןמנـ‬ȯƊȲɈƵƮƵȺɈƊȺƊȁƋǶǞȺƵȺȯƊȲƊȯƵȁȺƊȲƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫ة‬ȁȌǐƵȁȌƧǠƮǞȌƮƊȺȯȌȯɐǶƊƪȪƵȺȁƵǐȲƊȺƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊȺȁƊȺǐɐƵȲȲƊȺƵǞȁɨƊȺȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌɈƊǿƦƶǿȺȌƦȲƵƊȌƦȲƊ ƮƵIȲƊȁɈɹIƊȁȌȁ‫ةفצממנـ‬ƵȺɈƵ‫ـ‬ƮƵȺɈƊƧƊƮȌǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵ‫ف‬ȯȲƵƧɐȲȺȌȲƮȌȺƵȺɈɐƮȌȺȯȍȺƵƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫خ‬ Os autores e autoras que pensam a colonização analisam as invasões coloniais e sua produção dos colonizados como os outros racializados, que tiveram contestado o próprio estatuto de humanidade, despidos de saberes, modos de vida, autonomia, reduzidos que foram a corpos produtivos e substituíveis, descartáveis, corpos matáveis. Povos sujeitos aos genocídios e epistemicídios que compuseram as diásporas populacionais no cruzamento das fronteiras ocidentais, como escravos inicialmente, depois como migrantes em busca de trabalho e melhores condições de vida, face à espoliação capitalista de seus habitats tradicionais. Contingentes de pessoas sujeitadas a epistemologias e diferenciações subalternizadoras também no interior de seus próprios países, submetidos às economias e políticas ocidentais. Uma crítica importante a todo o processo de colonização é feita, dentre muitos autores ƵƊɐɈȌȲƊȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ȯȌȲ„ɯDŽȲȌȁDzƶ„ɯƵɩɘǿǠ‫ةفץןמנـ‬ȁƊȌƦȲƊƵǿȱɐƵƊȁƊǶǞȺƊȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺȌƧǞdentais de gênero em uma perspectiva africana Iorubá, criticando as oposições maniqueístas ƮƊȺƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪȪƵȺȯȲȍȯȲǞƊȺƮƊȺƧɐǶɈɐȲƊȺȌƧǞƮƵȁɈƊǞȺƦƊȺƵƊƮƊȺȁƊǿƊɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȺƧȌȲȯȌȺ‫ة‬ȱɐƵƊ ƊɐɈȌȲƊƮƵȁɐȁƧǞƊƧȌǿȌƮƵ˛ȁǞƮƊȺȯȌȲɐǿƊƦǞȌٌǶȍǐǞƧƊƵȺɈȲƊȁǘƊƊȺȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺƧɐǯȌȺƧȌȺɈɐǿƵȺǞȁȺɈǞɈɐǠƊǿƮǞȺɈǞȁƪȪƵȺȺƵǿƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺ‫!خ‬ǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪȪƵȺȌƧǞƮƵȁɈƊǞȺƧȌȁȺɈǞɈɐǞƮȌȲƊȺƮƵƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺǘǞƵȲƊȲquizadas que valorizam certos corpos (masculinos, brancos, héteros) em detrimento de outros. No contato colonial, pela educação, pela evangelização, pelo sistema econômico que transforma em mercadoria seus bens de uso comum, como a terra, o colonizado vai sendo subjetivado na ƮƵȺɨƊǶȌȲǞɹƊƪƣȌƮȌȺƧȌȺɈɐǿƵȺȁƊɈǞɨȌȺ‫ة‬ƵǿȯȲȌƧƵȺȺȌǯƋƦƵǿƮƵɈƊǶǘƊƮȌȯȌȲIƊȁȌȁ‫خفצממנـ‬ As teorias decoloniais trazem questões que se atualizam em países com passados coloniais com prolongadas vivências de escravidão e extermínio de povos indígenas e afrodescendentes, em exercício contemporâneo da necropolítica. Verdadeiro genocídio de corpos racializados, em condições precárias de vida, perpetrado em geral por instituições de segurança do Estado. Mas também um outro tipo de genocídio, aquele praticado em função do gênero, na secundarização negativa do feminino, como atestam os números alarmantes de feminicídios, apesar das leis institucionalizadas em função das lutas dos movimentos feministas. E o genocídio generi- Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 103 Epistemicídio e necropolíticas trans ˛ƧƊƮȌ ȲƵȺɐǶɈƊȁɈƵ ƮƊ ǞȁɈƵȲȁƊǶǞɹƊƪƣȌ ƮƵ ȯȲƵƧȌȁƧƵǞɈȌȺ ǘȌǿȌ‫ش‬ǶƵȺƦȌ‫ش‬ɈȲƊȁȺǏȍƦǞƧȌȺ ȺȌƦȲƵ ȌȺ ƧȌȲȯȌȺ que subvertem as normas da hetero e cisgeneridade compulsórias. Mortes estas que, praticadas geralmente em relações civis diretas, não costumam mobilizar as instituições estatais para 104 ȺɐƊƵǶɐƧǞƮƊƪƣȌƵƊȯɐȁǞƪƣȌƮƵƧȲǞǿǞȁȌȺȌȺ‫خ‬wȌȲɈƵȺȱɐƵ˛ƧƊǿǞǿȯɐȁƵȺ‫ة‬ƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵƊȺǿȌȲɈƵȺ de pessoas trans, como acontece nestes tempos em muitos países. „ƮȌȺȺǞƺٗȺȺƊȺȺǞȁƊɈȌȺƵɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊɈȲƊɨƵȺɈǞȺƵɈȲƊȁȺƵɮɐƊǞȺƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺƵǿ‫ة٘קןמנ‬ȲƵƊlizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) em parceria com o Instituto ȲƊȺǞǶƵǞȲȌÀȲƊȁȺƮƵ0ƮɐƧƊƪƣȌ‫ـ‬X À0‫ةف‬ƊȯȌȁɈƊȌƊȺȺƊȺȺǞȁƊɈȌƮƵ‫ענן‬ȯƵȺȺȌƊȺɈȲƊȁȺƵɮɐƊǞȺȁƊȱɐƵle ano, no Brasil. Apesar de ter havido um pequeno decréscimo em relação aos números de ‫ةצןמנ‬Ȍ ȲƊȺǞǶƧȌȁɈǞȁɐƊɨƊƧȌǿȌǶǠƮƵȲȁȌȲƊȁDzǞȁǐǿɐȁƮǞƊǶƮƵǿȌȲɈƵȺƮƵȯƵȺȺȌƊȺɈȲƊȁȺ‫ة‬ƧȌǿɐǿ assassinato a cada três dias no país. Situação vivenciada em diferentes proporções em outros países da América Latina, com o México ocupando o segundo lugar na contagem destas morɈƵȺǞȁǏȲǞȁǐǞƮƊȺƧȌǿȲƵȱɐǞȁɈƵȺƮƵƧȲɐƵǶƮƊƮƵ‫ـ‬²Xmß‫ةفקןמנة‬ȱɐƵȁȌȺǶƵɨƊƊƧȌȁɈƊƦǞǶǞɹƋٌǶƊȺƧȌǿȌ resultantes da necropolítica de extermínio de corpos que não importam, os corpos matáveis. „Ⱥ˛ǶǿƵȺȲƵǶƊɈƊƮȌȺȁƵȺɈƵƊȲɈǞǐȌɈȲƊɈƊǿƮƵȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ‫ة‬ƮƵȲƵǶƊƪȪƵȺƊǿȌȲȌȺƊȺ‫ة‬ȺȌƧǞƊǞȺ‫ة‬ questões econômicas, políticas, em tempos em que os estudos das sexualidades dissidentes da norma cisheterossexual eram indiferenciados sob o título de estudos homossexuais e o ódio e discriminações das pessoas que divergiam da sexualidade hegemônica cabiam indistintamente no termo homofobia. Tempos anteriores ao desenvolvimento das teorias ȱɐƵƵȲque irromperam nos Estados Unidos e outros países do Norte Global antes de se difundirem nos países do Sul, neles fortemente interseccionadas aos estudos decoloniais. Os estudos ȱɐƵƵȲ, em que ɈǞɨƵȲƊǿ ǐȲƊȁƮƵ ƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌ ƊȺ ȲƵ˜ƵɮȪƵȺ ȺȌƦȲƵ Ɗ ȁȌȲǿƊɈǞɨǞƮƊƮƵ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶ‫ ة‬ǯƋ ȺƵ Ƶɮpressavam nas diferentes formas de artes como, no caso, o cinema. Por que relacionamos a morte da travesti, personagem de novela publicada na década ƮƵ‫מפקן‬Ƶ˛ǶǿƊƮƊȁȌȺƊȁȌȺ‫ةמץ‬ƵǿȱɐƵȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌƊǞȁƮƊȁƊƮƊɨƊǿȁƊƧǘƊǿƊƮƊȺƵǐɐȁƮƊȌȁƮƊƮȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȁȌȺȯƊǠȺƵȺƮȌyȌȲɈƵ‫ة‬ƊȁȌȺȺƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵȱɐƵȺɈȪƵȺ ƊɈɐƊǞȺ‫ة‬ǏɐȁƮƊƮƊȺƵǿɈƵȌȲǞƊȺǿƊǞȺȲƵƧƵȁɈƵȺ‫د‬0ȌƮȲƊǿƊƮȌɈȲƊȁȺǘȌǿƵǿ‫ـ‬ßXm‫ةفעןמנة‬ǞȁȺȯǞȲƊƮȌ ƵǿƊɐɈȌƦǞȌǐȲƊ˛ƊƵȺƧȲǞɈƊƵ˛ǶǿƊƮƊȁȌȺƊȁȌȺȌǞɈƵȁɈƊ‫فמצـ‬ƵǿȱɐƵȌȺƵȺɈɐƮȌȺƧȲǠɈǞƧȌȺƮƊȺɈȲƊȁȺƵxualidades eram ainda nascentes e não haviam chegado ao Sul Global? – Porque os assassinatos reais e simbólicos das pessoas trans, após todo o desenvolvimento dos estudos de gênero e sexualidades, com as teorias desconstrucionistas, ȱɐƵƵȲ, decoloniais, com o questionamento ȲƊƮǞƧƊǶȱɐƵ˛ɹƵȲƊǿ‫ش‬ǏƊɹƵǿƮȌȺƦǞȁƊȲǞȺǿȌȺȱɐƵȺɐȺɈƵȁɈƊǿƊȺƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵȺƮƊȺȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺƧƊȯǞɈƊǶǞȺɈƊȺȯƊɈȲǞƊȲƧƊǞȺȁƵȌǶǞƦƵȲƊǞȺ‫ة‬ƧȌȁɈǞȁɐƊǿƊƊƧȌȁɈƵƧƵȲƵǿȁȌȺȺȌȺȯƊǠȺƵȺ‫ة‬ƵȱɐƊȁɈǞ˛ƧƊƮȌȺȁƊȺ proporções alarmantes já mencionadas. ȯƵȲȺȌȁƊǐƵǿƮȌ˛ǶǿƵƮƵªǞȯȺɈƵǞȁɈƵǿɐǿƊǿȌȲɈƵȱɐƵȁƣȌƮǞǏƵȲƵƮȌǐƵȁȌƧǠƮǞȌƮƵƧȌȲȯȌȺ ǏƵǿǞȁǞȁȌȺ Ƶ ƮƵ ȯƵȺȺȌƊȺ ɈȲƊȁȺ Ƶǿ ȯƊǠȺƵȺ ƧȌǿȌ Ȍ ȲƊȺǞǶ Ƶ Ȍ wƶɮǞƧȌ ‫ـ‬²ƵǐƊɈȌ‫ ةفףממנ ة‬ƧȌǿ suas vergonhosas estatísticas de violência contra mulheres, transexuais, populações indígenas e negras. No caso de pessoas trans (especialmente as travestis), os assassinatos que costumam ocorrer em contatos diretos com grupos ou pessoas homicidas, são perpetrados com extrema ɨǞȌǶƺȁƧǞƊ‫خ‬²ƣȌǿǞǶǘƊȲƵȺƮƵwƊȁɐƵǶƊȺ‫(ة‬ƊȁƮƊȲƊȺ‫ةץןמנڕـ‬IȌȲɈƊǶƵɹƊ‫ ة‬ȲƊȺǞǶ‫ةف‬hƵȁǞǏǏƵȲȺ‫ةץןמנڕـ‬IǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ‫ ة‬ȲƊȺǞǶ‫ةف‬XȺƊƦƵǶǶƵȺƵ ȲɐȁƊȺ‫ةץןמנڕـ‬IǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ‫ ة‬ȲƊȺǞǶ‫!ـف‬ÀÀyX‫ةفמנמנة‬ƧȲǞǿƵȺȱɐƵ‫ة‬ em largas proporções, restam impunes. Corpos matáveis, corpos que não importam. „ ˛ǶǿƵ ƮƵ ÀȌǶƵƮȌ ɈȲƊɹ ɐǿ ȯƵȲȺȌȁƊǐƵǿ ȯȲȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈƵ ƵȁɨȌǶɨǞƮȌ ƧȌǿ ȺƵɐȺ ƧȌȁ˜ǞɈȌȺ identitários internos, além das condições externas de abandono, sobrevivência e aprisionamento submetido aos abusos de poder e agressões de instituições como a FEBEM no Brasil, que deveria ser um local de respeito aos direitos e de cuidados de menores de idade, sob a proteção Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Condições externas que não são resolvidas, ȱɐƊȁƮȌ ƊɐƵȲȺƵƮƵȯƊȲƊƧȌǿƊȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺƮƵǞȁɈƵȲƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶȁȌɈȲƊƦƊǶǘȌ‫ة‬ƵǿȱɐƵƶȲƵȯȲǞǿǞƮȌƵȁƣȌƊƧƵǞɈȌƧȌǿȌƊȯƵȺȺȌƊȱɐƵȱɐƵȲȺƵȲ‫خ‬yȌ˛ǶǿƵƮƵÀȌǶƵƮȌ‫ة‬ȱɐƵɈȲƊɹǞǿƊǐƵȁȺƵǏƊǶƊȺǿƊǞȺ centradas na questão identitária da pessoa trans, o personagem Bauer não consegue suportar o apagamento social que lhe é imposto. !ȌȲȯȌȲǞ˛ƧƊȁƮȌȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ‫خخخ‬ §ƊȲƊ ƊɐɈȌȲƵȺ ƧȌǿȌ ȌƊɨƵȁɈɐȲƊ ²ȌɐȺƊ ²ƊȁɈȌȺ ‫ ةفעממנـ‬ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ ƶ ƧȌǿȯȲƵƵȁƮǞƮȌ como o desperdício da riqueza imensa de experiências cognitivas de uma série de povos do Sul, entre outros marginalizados. O autor lamenta esse apagamento, posto que a fricção entre as diferentes formas de compreender os mais diversos processos bio-psico-sociais poderia ƦƵȁƵ˛ƧǞƊȲ Ɗ ɈȌƮƊȺ ƊȺ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺ ƵȁɨȌǶɨǞƮƊȺ‫ خ‬²ɐƵǶǞ !ƊȲȁƵǞȲȌ ‫ فףממנـ‬ƊȌ ɐȺƊȲ Ȍ ƧȌȁƧƵǞɈȌ ƮƵ ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌɈƊǿƦƶǿȲƵƧȌȲȲƵƊ ȌƊɨƵȁɈɐȲƊ²ȌɐȺƊ²ƊȁɈȌȺ‫ةفעממנـ‬ȯƊȲƊȱɐƵǿɈƊǶȯȲȌƧƵȺȺȌȺƵ constituiu em uma das ferramentas mais efetivas e persistentes na dominação étnico-racial, pela negação do conhecimento dos grupos subalternizados e pela deslegitimação destes enquanto sujeitos produtores de conhecimentos. Concordamos parcialmente com essas proposições, visto que de fato ainda há uma forte hierarquização dos saberes, que produz apagamento, invisibilização, epistemicídio. No entanto, em nossa perspectiva, há outras importantes questões a serem consideradas e que vão além da mera “negação dos saberes”. Arriscamos dizer que muitos dos saberes negros, indígenas, ȱɐǞǶȌǿƦȌǶƊȺ‫ة‬ǶƶȺƦǞƧȌȺ‫ة‬ɈȲƊȁȺ‫ة‬ƮƵ˛ƧǞƵȁɈƵȺ‫ة‬ƵȁɈȲƵȌɐɈȲȌȺƮƵȯȌȺǞƪƣȌȺɐƦƊǶɈƵȲȁǞɹƊƮƊ‫ة‬ɈƺǿȺǞǿɈǞƮȌ certa escuta na academia, especialmente nas últimas décadas. No entanto, essa escuta é intensamente afetada pelos lugares de enunciação, ou seja, entram os saberes nos vestíbulos acadêmicos, desde que ditos por corpos hegemônicos. Entram os saberes subalternos desde que os ƧȌȲȯȌȺȺɐƦƊǶɈƵȲȁȌȺ˛ȱɐƵǿǏȌȲƊƮȌȺƵȺȯƊƪȌȺǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶǞɹƊƮȌȺƮƵȺƊƦƵȲ‫خ‬ Assim, a noção de epistemicídio que gostaríamos de discutir reconhece a negação dos saberes subalternos, mas também acreditamos que falar dos saberes e não falar dos corpos é ainda manter a cisão colonial e dicotômica entre corpo e mente. Discutir os saberes é também falar das práticas, dos diferentes corpos em cena. Tomando como exemplo do que estamos ȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌȌȺƊɐɈȌȲƵȺßǞɨƵǞȲȌȺƮƵ!ƊȺɈȲȌ‫فפקקןـ‬Ƶ ȌƊɨƵȁɈɐȲƊ²ȌɐȺƊ²ƊȁɈȌȺ‫ةفעממנـ‬ƊǿƦȌȺȺƣȌ intelectuais reconhecidos mundialmente por ecoarem, respectivamente, saberes indígenas e saberes do sul global, sendo o primeiro um homem branco e o segundo um europeu, ou seja, ocupam exatamente as posições cuja hegemonia suas teorizações problematizam. Mencionamo-los como ilustrações, não no sentido de individualizar a crítica, ou de reduzir a imensa contribuição que deram e dão à produção de conhecimento, mas de justamente ȲƵȯƵȁȺƊȲȁȌȱɐƊȁɈȌƵȺȺƊƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊ‫ة‬ƧȌǿȌǶƵǿƦȲƊhȌƊȁ²ƧȌɈɈ‫ةفקקקןـ‬ȁƣȌƮǞɹƮƵɐǿƊɨǞɨƺȁƧǞƊ única, mas de relações que se constroem historicamente. É frequente que saberes feministas, abundantemente enunciados por mulheres, quando ditos por homens cisgêneros só então sejam tratados como grandes e brilhantes descobertas, ignorando-se muitas vezes toda a trajetória que aquelas ideias percorreram. No mesmo sentido, quando a “Ciência” atesta determinados discursos enunciados desde há muito por povos indígenas, aí sim essas contribuições ȲƵƧƵƦƵǿƵȺƧɐɈƊƵǶƵǐǞɈǞǿǞƮƊƮƵ‫خ‬0ȁ˛ǿ‫ة‬ǘƋǏƊȲɈȌȺƵɮƵǿȯǶȌȺƮƵȺȺƵɈǞȯȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȺƊƦƵȲ ‫ـ‬Jª„²I„JÇ0m‫فסןמנة‬ƵȌȱɐƵȱɐƵȲƵǿȌȺȯȌȁɈɐƊȲƶƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵȲƊƮǞƧƊǶǞɹƊȲǿȌȺȌƧȌȁƧƵǞɈȌ de epistemicídio, de um modo que se tenha as diferentes corporalidades de enunciação como ƧƵȁɈȲƊǞȺ‫ة‬ƧȌǿɈȌƮƊȺƊȺƧȌȁɈȲƊƮǞƪȪƵȺ‫ة‬ȯƊȲƊƮȌɮȌȺƵƧȌȁ˜ǞɈȌȺȱɐƵǞȺȺȌǞǿȯǶǞƧƊ‫خ‬ Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 105 Epistemicídio e necropolíticas trans yƵȺȺƊǿƵȺǿƊǶǞȁǘƊƮƵƊȁƋǶǞȺƵȌɈƵȍȲǞƧȌȯȍȺٌƧȌǶȌȁǞƊǶªƊǿȍȁJȲȌȺǏȌǐɐƵǶ‫فסןמנـ‬ɈƵǿƵɮȯǶǞcado o modo em que o conhecimento político produzido por outros corpos políticos: lésbicas, trans, gays, ȱɐƵƵȲ, intersexo, bissexuais, pessoas não binárias, é exterminado ou apagado. Acre- 106 ditamos que esse conhecimento político não só tem a ver com a sistematização e disseminação do que se conhece como “saberes acadêmicos”, mas com o impedimento de visibilidade de ȌɐɈȲƊȺƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪȪƵȺƵɮǞȺɈƵȁƧǞƊǞȺȱɐƵȁȌȺƵɐȯȲȍȯȲǞȌǿȌƮȌƮƵɨǞɨƵȲɈȌȲȁƊǿٌȺƵȺƊƦƵȲƵȺǶȌƧƊǶǞɹƊƮȌȺ‫ـ‬Rªàæ‫خفקממנة‬ yƵȺɈƵ ȺƵȁɈǞƮȌ JȲȌȺǏȌǐɐƵǶ ‫ فסןמנـ‬ƊȁƊǶǞȺƊ ȌȺ ȱɐƵ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊ ȌȺ ȱɐƊɈȲȌ ǐƵȁȌƧǠƮǞȌȺ‫ش‬ epistemicídios do século XVI, dentre os quais destaca o epistemicídio/genocídio contra mulheres. Mas poderíamos tensionar o argumento de Grosfoguel perguntando: quais mulheres? Na radicalização do conceito de epistemicidio é preciso um olhar interseccional dos apagamentos. Acreditamos que parte do esforço de desconstruir esse tipo de apagamento se dá em nos situarmos politicamente em nossas enunciações, compreendendo que a pretensão de neutralidade acaba por embranquecer, heterossexualizar e masculinizar os saberes. Escrevemos este texto a várias mãos: negras, indígenas, brancas, cis heterossexuais e não heterossexuais. Como minimização dos efeitos do privilégio cisgênero, que se expressa em outros aspectos na relação ƮƵƧǞȺƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ‫ـ‬ß0ªJÇ0Xª„‫ةفףןמנة‬ȱɐƵɈƣȌǏȲƵȱɐƵȁɈƵǿƵȁɈƵƧȌǶȌƧƊȯƵȺȺȌƊȺɈȲƊȁȺȁƊȯȌȺǞção de “objetos de pesquisa” e pessoas cisgêneras como sujeitos pesquisadores, buscamos priviǶƵǐǞƊȲǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǞȺɈȲƊȁȺƊȌƊƦȌȲƮƊȲǿȌȺɈƵǿƊȺȱɐƵƧȌȁƧƵȲȁƵǿƜȺȺɐƊȺɨǞɨƺȁƧǞƊȺ‫ـ‬JªXww‫خفפןמנة‬ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊ ƧȌǿȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ‫ب‬ƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵǞȲƊǶƶǿ Começamos falando sobre as vidas. De vidas de pessoas trans. Para tal, tomamos como ȲƵǏƵȲƺȁƧǞƊɐǿƊȺƵȱɐƺȁƧǞƊƮƵƧƵȁƊȺƮȌ˛ǶǿƵٗßƵȲƊ٘‫ة‬ȱɐƵƮƵȺƧȲƵɨƵƊƧȌȁɨǞɨƺȁƧǞƊƮƵ ƊɐƵȲȁȌ âmbito laboral. Professor: Eita Bauer, como é que está indo o trabalho? Bauer: Está legal Professor: E as pessoas? As pessoas estão te recebendo bem? ƊɐƵȲ‫ب‬ɈƵǿɐǿƊȺȯƵȺȺȌƊȺȱɐƵ˛ƧƊǿȌǶǘƊȁƮȌǿƵǞȌƵȺɈȲƊȁǘȌ‫ة‬ǿƊȺɈɐƮȌƦƵǿ‫ة‬ eu não ligo Professor: Senta aí. Bauer, você tem que compreender que as pessoas estão cheias de preconceitos, provavelmente tem muita gente que preferiria que você não estivesse aqui, você precisa se cuidar e evitar provocações. Seja cautelosa, você está num bom emprego. Não é nada fácil encontrar um lugar meǶǘȌȲȱɐƵƵȺȺƵƊȱɐǞ٘‫ـ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫ڙ‬ÇÀɈٌɯDzƮðƮ©‫݈צ‬ƧƵȺȺȌ ‫فקמبעןٌףןبסן‬ §ȌƮƵǿȌȺȯƵȁȺƊȲƵȺɈƵǏȲƊǐǿƵȁɈȌƮȌ˛ǶǿƵƊȯƊȲɈǞȲƮƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺƮƊhɐƮǞɈǘ ɐɈǶƵȲ‫فקןמנـ‬ sobre a violência normativa e do caráter relacional das identidades na delimitação de uma zona de exterioridade que, na sua relação com as normas, opera um conjunto de violências que atingem às pessoas dissidentes de gênero. Precisamente a partir do conceito de exterior constiɈɐɈǞɨȌ‫ـ‬m!mÇ‫س‬w„ÇII0‫ةفףןמנ‬ƶȯȌȺȺǠɨƵǶƵȁɈƵȁƮƵȲȱɐƵƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺȺƵƧȌȁȺɈȲȌƵǿȁɐǿƊ ȲƵǶƊƪƣȌƮƵȌȯȌȺǞƪƣȌȱɐƵƵɮȯɐǶȺƊƊɐǿƧȌȁǯɐȁɈȌƮƵٙȌɐɈȲȌȺٚ‫ى‬ɈǞƮȌȺƧȌǿȌȌȯȌȺɈȌȺ‫ى‬ƮƊƵȺǏƵȲƊƮƵ inteligibilidade cultural e política. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos yƊǶƵǞɈɐȲƊƮƵhɐƮǞɈǘ ɐɈǶƵȲ‫فקןמנـ‬ƮƵȺɈƊǞƮƵǞƊƮƵƵɮɈƵȲǞȌȲƧȌȁȺɈǞɈɐɈǞɨȌ‫ة‬ƊƊɐɈȌȲƊƊȯȌȁɈƊ ȱɐƵƊƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪƣȌƮƵɐǿƧƊǿȯȌƮƵǞȁɈƵǶǞǐǞƦǞǶǞƮƊƮƵƧɐǶɈɐȲƊǶȯȲƵȺȺɐȯȪƵƊƊƧƵǞɈƊƪƣȌƮƵƧƵȲɈƊȺ performances de gênero e o repúdio de outras. São estabelecidos assim os critérios acerca de quais sujeitos podem existir na esfera pública e sob quais condições. Nessa operação de limpeza, controle e regulação dos corpos que fogem às normatividades cis/hetero, podemos reconhecer a recorrência à violência de tais regimes. Os olhares insistentes que são direcionados a Bauer e o pedido do professor para se conformar a tais normas, mostra a violência deste regime de inteligibilidade. (ƊȁƮȌƧȌȁɈǞȁɐǞƮƊƮƵƜȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵȌƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌƮƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺƮǞȺȺǞƮƵȁɈƵȺ‫ة‬ȲƵɈȌmamos Adrienne Rich, quando denuncia o aniquilamento da existência lésbica de boa parte da literatura acadêmica feminista e o modo em que isso se torna mais grave ainda para mulheres ȁƵǐȲƊȺƵǶƶȺƦǞƧƊȺٗȯƵǶȌƮɐȯǶȌɨǞƶȺƮȌȲƊƧǞȺǿȌƵƮƊǘȌǿȌǏȌƦǞƊ٘‫ـ‬ªX!R‫ةמןמנة‬ȯ‫§خفמנخ‬ȌȺɈƵȲǞȌȲmente a autora nomeia o feixe de forças que viriam a garantir essa invisibilidade. Mesmo que ªǞƧǘȁƣȌǏƊǶƵƮȌƵɮɈƵȲǿǠȁǞȌǿƊɈƵȲǞƊǶƮƵȺȺƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺǶƶȺƦǞƧƊȺ‫ة‬ȁƊȺȺɐƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺƵƵȁƧȌȁtram subsídios para pensar sobre esta questão para além do apagamento de saberes. 0ȺȺƊȺǏȌȲƪƊȺǞȁƧǶɐƵǿ‫ة‬ȺƵǐɐȁƮȌªǞƧǘ‫ةמןמנـ‬ȯ‫فסנخ‬ƮƵȺƮƵٗƊƵȺƧȲƊɨǞɹƊƪƣȌǏǠȺǞƧƊǶǞɈƵȲƊǶƊɈƶƊ dissimulação e a distorção de opções possíveis”. Esse feixe de forças atua de modo correlacional, ou seja, na medida em que extermina as experiências lésbicas, empenha-se em legitimar, manter e manifestar por diversos meios, o que ela nomeia como poder masculino. Nota-se, assim, ȌǿȌƮȌƵǿȱɐƵƊȁȌȲǿƊȯȲƵƧǞȺƊƮƊȯȲȌƮɐƪƣȌƮƵɐǿƊƵȺǏƵȲƊƮƵƊƦǯƵƪƣȌ‫ ـ‬ÇÀm0ª‫فקןמנة‬ȯƊȲƊ se positivar. ªǞƧǘ‫فמןמנـ‬ƮƵȺɈƊƧƊȱɐƵȌȲƵǏȌȲƪȌƵƊɨƊǶǞƮƊƪƣȌƮƊǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƶɐǿƊƮƊȺǿɐǞɈƊȺ estratégias usadas para deixar invisível a existência lésbica. Esse deixar invisível implica tanto catalogar a lesbianidade como doença, quanto tratar a existência lésbica como uma excepcioȁƊǶǞƮƊƮƵȌɐɐǿٗƵȺɈǞǶȌƮƵɨǞƮƊ٘‫ة‬ȌȱɐƵƮƵǏƊɈȌȁƣȌȯƵȲǿǞɈƵȱɐƵȺƵǯƊȱɐƊǶǞ˛ƧƊƮƊƧȌǿȌɐǿƊٗɨǞƮƊ vivível”. Assim, comenta: E a existência lésbica tem sido vivida (diferentemente, digamos, da existência judaica e católica) sem qualquer acesso a qualquer conhecimento de tradição, continuidade e esteio social. A destruição de registros, memória e cartas documentando as realidades da existência lésbica deve ser tomada seriamente como um meio de manter a heterossexualidade compulsória para as mulheres ‫ؿخخخؾ‬ƊȺǶƶȺƦǞƧƊȺɈƺǿȺǞƮȌƮƵȺɈǞɈɐǠƮƊȺƮƵȺɐƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȯȌǶǠɈǞƧƊ‫ـ‬ªX!R‫ةמןמנة‬ȯ‫خفפסخ‬ yƵȺȺƵȺƵȁɈǞƮȌ‫ة‬ȯƊȲƵƧƵٌȁȌȺǞȁȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵƊȯȌȺɈƊȲƊȯƵȁƊȺƵǿȁȌǿƵƊȲƊٗǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵǶƶȺƦǞca”, pois talvez o que tenhamos sejam sim visibilidades, mas compostas de maneiras heterosȺƵɮǞȺɈƊȺ‫ة‬ǿǞȺȍǐǞȁƊȺ‫خ‬ȺȺǞǿ‫ة‬ƊȌǿƵȺǿȌɈƵǿȯȌƵǿȱɐƵȯȌƮƵǿȌȺƊ˛ȲǿƊȲȱɐƵȌǏƊɈȌƮƵƊȺǿɐǶǘƵres lésbicas aparecerem “pouco” em relação a pessoas heterossexuais, sua própria ausência é ɐǿƊǏȌȲǿƊƮƵȯȲƵȺƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌǶƵȺƦȌǏȍƦǞƧƊ‫خ‬ Apesar de termos ressaltado os pontos de intersecção entre misoginia e lesbofobia na vivência de mulheres trans e cis, é importante ressaltar que “heteronormatividade” não dá conta de nomear todos esses processos. Compreendemos que heterossexualidade compulsória, heteronorma, homofobia, são termos datados historicamente, ou seja, serviram e servem como termos englobadores. No entanto, os movimentos ativistas de lésbicas, bissexuais, de pessoas trans, vêm trazendo uma importante crítica à tendência por vezes apagadora que subjaz em alguns usos dessas categorias, o que acaba por privilegiar apenas alguns tipos de sujeitos. Assim, como comentamos, embora haja pontos de encontro, há também diferenças na forma como as vio- Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 107 Epistemicídio e necropolíticas trans lências incidem, por exemplo, em uma mulher cis lésbica e em uma mulher trans lésbica, sendo necessário dizermos da transfobia e da cisnorma, e não apenas da lesbofobia ou misoginia. XȁɈƵǶƵƧɈɐƊǞȺɈȲƊȁȺƧȌǿȌßǞɨǞƊȁƵßƵȲǐɐƵǞȲȌ‫فףןמנـ‬ƵªƊǠȺȺƊJȲǞǿǿ‫فסןמנـ‬ȁȌȺǶƵǿƦȲƊǿ 108 que a separação sexo-gênero, ainda que tenha tido uma contribuição para a desnaturalização ƮƵƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ƶǞȁȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵƮȌȯȌȁɈȌƮƵɨǞȺɈƊƮƵ˛ȺȺɐȲƊȲƊǘƵǐƵǿȌȁǞƊƧǞȺǐƺȁƵȲƊ‫خ‬ ɐɈǶƵȲ‫ةفקןמנـ‬ƵǿȺƵɐȺɑǶɈǞǿȌȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺȁƵȺɈƵɈƵǿƊɈƊǿƦƶǿȱɐƵȺɈǞȌȁƊƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵȌȁɈȌǶȍgica dessa divisão, que tantas vezes acaba por estabelecer uma dicotomia de verdadeiro e falso, ȺƵȁƮȌȌȺƵɮȌȲƵƊǶ‫ة‬ƦǞȌǶȍǐǞƧȌ‫ة‬ƵȌǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ƧȌȁȺɈȲɐǠƮȌ‫خ‬mƊȱɐƵɐȲ‫فןממנـ‬ɈȲȌɐɮƵɐǿƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌǏɐȁdamental acerca disso ao lembrar que o sexo binário é tão construído quanto o gênero. Assim, todos os seres humanos são “biológicos”, dizer que há “mulheres biológicas” para se referir às mulheres cisgêneras acaba por dizer que pessoas trans seriam menos “naturais”, legítimas, o ȱɐƵƧɐǶǿǞȁƊȁƊƮƵȺǶƵǐǞɈǞǿǞƪƣȌƮƵȺƵɐȺƧȌȲȯȌȺ‫ـ‬JªXww‫خفפןמנة‬ yȌ ȯȲȌƧƵȺȺȌ ƮƵ ƧǞȺƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ ‫ـ‬ßƵȲǐɐƵǞȲȌ‫ ةفףןמנ ة‬ȯƵȺȺȌƊȺ ɈȲƊȁȺ ȺƣȌ ȲƵƮɐɹǞƮƊȺ Ɯ ǿƊȲcação de sua diferença em relação às pessoas cis, não em relações de mútua diferença, mas de hierarquias de gênero. Um exemplo disso é que uma pessoa trans “parecer” cisgênera é tido como elogio, enquanto uma pessoa cis “parecer” com uma pessoa trans frequentemente é tido como ofensa. Nisso notamos que a cisgeneridade se coloca como ponto de partida para as experiências sexo-gênero, o que culmina em uma cisnormatividade (VERGUEIRO, ‫خفףןמנ‬ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȲƵƧȌȲɈƊȌȺƧȌȲȯȌȺƵƊȺȺǞȁǐɐǶƊȲǞƮƊƮƵȺ‫ة‬ȺƵǯƊǏȌƧƊȁƮȌƊȯƵȁƊȺȁƊƧȌȲƮƊȺ pessoas racializadas, em pedaços dos corpos das mulheres na orientação sexual de lésbicas, ƦǞȺȺƵɮɐƊǞȺ Ƶ ǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǞȺ‫ ة‬ȁƊ ƮƵ˛ƧǞƺȁƧǞƊ ƮƵ ȯƵȺȺȌƊȺ ƧȌǿ ƮƵ˛ƧǞƺȁƧǞƊ‫ ة‬Ƶ ȯȌȲ ƊǠ ɨƊǞ‫ خ‬yƊ ǿǠƮǞƊ essa colonialidade se expressa, dentre outros aspectos, na medida em que tudo que se pode dizer de uma pessoa trans é sua transexualidade, tudo que pode dizer de uma personagem lésbica, é sua lesbianidade. „ȯƊȲƊƮȌɮȌƮƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊ‫ـ‬²ƧȌɈɈ‫فנממנة‬ƮƵȯƵȁƮƵȁƮȌƮƊǿƊȁƵǞȲƊƧȌǿȌȺƵȌȲǐƊȁǞɹƊ‫ة‬ƊƧƊƦƊ por desumanizar pessoas vulnerabilizadas, tirando-as da possibilidade de viverem seus proƦǶƵǿƊȺ ƮƵ ǿƊȁƵǞȲƊ ǘɐǿƊȁƊ‫ ة‬ƧȌǿȌ ƮǞȲǞƊ IƊȁȌȁ ‫ خفצממנـ‬ȺȺǞǿ‫ ة‬ɐǿƊ ɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ ة‬ƊȌ mesmo tempo que não ignora reiteradamente a dimensão da raça, sexualidade, gênero e outros marcadores, não a torna a única narrativa importante de ser pautada. Ainda mais quando temos que a maior parte da visibilidade dessa dimensão sexo-gênero acaba por se basear em discursos negativistas, centrados no sofrimento. mƵȺƦȌǏȌƦǞƊƵǿƊƧǘǞȺǿȌƧȌȁɈȲƊǿɐǶǘƵȲƵȺɈȲƊȁȺ‫ب‬ƊǶǐɐǿƊȺ ƊȁƋǶǞȺƵȺƵƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺ É bastante frequente no senso comum transfóbico, misógino e heteronormativo que se acredite haver uma certa continuidade e coerência entre os sistemas sexo-gênero-desejo ‫ـ‬ªÇ Xy‫خفץןמנة‬ȺȺǞǿƧȌǿȌȁƊǿǞɈȌǶȌǐǞƊƧȲǞȺɈƣ(ƵɐȺɈƵȲǞƊƧȲǞƊƮȌ0ɨƊȯƊȲƊƮƣȌ‫ة‬ƊƵɮȯƵƧɈƊɈǞɨƊ misógina sobre os corpos das mulheres busca centralizar a existência delas à expectativa deles. Ou seja, no continuum heterossexual, as escolhas das mulheres sobre seus próprios corpos em termos de maquiagem ou não, tipo de roupa, cabelo, peso etc. – estariam sempre em um ƧȌȁɈƵɮɈȌƮƵȯȲƵɈƵȁȺƊƊǐȲƊƮƊƦǞǶǞƮƊƮƵƊȌȺǘȌǿƵȁȺ‫خ‬²ƵǐɐȁƮȌªƊǠȺȺƊJȲǞǿǿ‫ةفסןמנـ‬ǿɐǶǘƵȲɈȲƊȁȺ lésbica e pesquisadora, em se tratando de mulheres trans, há ainda o agravante da transfobia, visto que seus corpos são frequentemente tidos como a “evolução” de um homem muito afeminado, aquele que se feminiliza tanto que se tornara “quase mulher”. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos Nessa lógica, esse tornar-se mulher também não se dissocia da heteronorma, ou seja, essas “quase mulheres” comporiam seus corpos, desta forma, na suposta tentativa de “enganar” sexualmente homens cisgêneros heterossexuais. Se a expectativa heterossexual se apresenta intensamente sobre a vida de mulheres trans, a quebra desta suposta continuidade do gênero, no caso de mulheres trans, bissexuais ou lésbicas, resulta frequentemente em lesbofobia e bifobia, mutuamente reforçadas pela transfobia. Ou seja, neste imaginário transfóbico e lesbofóbico, é uma afronta que uma mulher trans faça todo uma transição de gênero que não seja em função ƮƵȺƵɈȌȲȁƊȲǿƊǞȺƊɈȲƊƵȁɈƵƊǘȌǿƵȁȺƧǞȺǐƺȁƵȲȌȺǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǞȺ‫خ‬ªƵƊ˛ȲǿƊǿȌȺȱɐƵɈƊǶƵɮȯƵƧɈƊtiva, de que os corpos e as vidas das mulheres supostamente estariam em função do desejo dos homens cisgêneros, é a um só tempo transfóbica e misógina com mulheres trans de qualquer ȌȲǞƵȁɈƊƪƣȌȺƵɮɐƊǶ‫ة‬ǿƊȺȱɐƵǐƊȁǘƊƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƵȺȁȌƧƊȺȌƮƊǶƵȺƦǞƊȁǞƮƊƮƵ‫ـ‬JªXww‫خفסןמנة‬ „ɐɈȲƊǞȁɈƵȲȺƵƧƪƣȌƵȁɈȲƵǶƵȺƦȌǏȌƦǞƊƵɈȲƊȁȺǏȌƦǞƊȺƵƮƋȁƊȁȌƪƣȌƮƵǞȁȺɐ˛ƧǞƺȁƧǞƊƵǏƊǶɈƊ‫خ‬ Aqui não nos referimos à falta constitutiva como humanos, mas uma falta diretamente relacionada à heteronorma. É comum que escutemos que “algo” falta às relações entre lésbicas cisgêneras, muitas vezes se pensa que esta falta é o pênis. No entanto, em relações lésbicas em que há mulheres trans, ainda faltaria algo, pois, sob nosso ponto de vista não se trata de uma falta material de um órgão, mas de uma falta fálica, simbólica. A falta não dita é a de um homem cisgênero, sem quem mulheres (cis ou trans) jamais estariam completas. Assim, ao mesmo tempo em que na transfobia não se reconhece a identidade de mulheres trans como mulheres, a violência lesbofóbica da “falta” denuncia muito nitidamente o quanto seus corpos não estão sendo tidos como corpos nos quais nada falta (homens cisgêneros). Como punição simbólica a essas mulheres que ousariam viver sem o que as “completaria”, é frequente que as narrativas sobre lesbianidade tragam destinos dramáticos, ridicularizaƮȌȺ‫ة‬ƧƊɈƊȺɈȲȍ˛ƧȌȺ‫خ‬ªȌǐƶȲǞȌhɐȁȱɐƵǞȲƊ‫فנןמנـ‬ǏƊǶƊƮƵȺɈƵȯȲȌƧƵȺȺȌƧȌǿȌȯƊȲɈƵƮȌȱɐƵƧǘƊǿƊƮƵ “pedagogia do armário”: um conjunto de práticas, através de diferentes instituições, que visa coagir, constranger e intimidar pessoas LGBT, com vistas a que deixem de ser o que/como são. ȁƊȲȲƊɈǞɨƊƮȌ˛ǶǿƵVera˛ǶǿƵɈȲƊɹɐǿƵɮƧƵǶƵȁɈƵƵɮƵǿȯǶȌƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌƧǞȺgênera. Os personagens transmasculinos, incluindo o protagonista, são representados com um ɈȌǿƮƵɨȌɹƧƊȲǞƧƊɈȌ‫ة‬ƵɮƧƵȺȺǞɨƊǿƵȁɈƵƊ˛ȲǿƊɈǞɨȌ‫ة‬ǘȌȺɈǞǶƵǐȲȌȺȺƵǞȲȌ‫ة‬ǏƊɹƵȁƮȌƊǶɐȺƣȌƮǞȲƵɈƊƵǞȁƮǞreta ao falso pressuposto de que transmasculinidades seriam uma imitação barata de homens cis heterossexuais. Aliás, esta pretensa imitação seria precisamente das masculinidades cis hegemônicas, violentas, visto que o personagem do professor cis que acolhe Bauer, por exemplo, não adota um tom de voz permanentemente irritadiço, sua masculinidade não é representada como agressiva tal qual a de Bauer é na maior parte do tempo. De modo complementar e com o intuito de causar um contraste moral, as vozes das mulheres cis femininas são representadas de modo misógino e heteronormativo, como doces, gentis, em baixo tom, reforçando o lugar que aloca o masculino no polo opressor e o feminino, no oprimido. A personagem namorada de Bauer, Clara, embora seja apresentada como alguém que apenas sofre violências, comete uma série de violências transfóbicas contra ele, seja na negaƪƣȌƮƊǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵƮƵ ƊɐƵȲ‫ـ‬ȺȌǿȌȺǞǐɐƊǞȺ‫ة‬ƵǶƊƊ˛ȲǿƊ‫ةف‬ȺƵǯƊȁȌƊȺȺƶƮǞȌƵƧȌƵȲƪƣȌȺƵɮɐƊǶƊȱɐƵȌ ȺɐƦǿƵɈƵ‫خ‬yƵȺɈƊƧƵȁƊ‫ة‬ƵǶƊƊȲǐɐǿƵȁɈƊȱɐƵȌǏƊɈȌƮƵǶƊ˛ƧƊȲȁɐƊȁȌȺƵɮȌƮƊȲǞƊƊƵǶƊȌƮǞȲƵǞɈȌȺȌƦȲƵ ȌƧȌȲȯȌƮƵǶƵ‫ة‬ƧȌǿȌȺƵȌƧȌȁȺƵȁɈǞǿƵȁɈȌƮƵǶƊƵǿƮƵɈƵȲǿǞȁƊƮƊȺȯȲƋɈǞƧƊȺƮƵɨƵȺȺƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲɐǿ ƊȺȺƵȁɈǞǿƵȁɈȌȺǞǿƶɈȲǞƧȌƮƊȯƊȲɈƵƮƵǶƵ‫خ‬0ǶƊƵȁɈƣȌȌƧȌȁȺɈȲƊȁǐƵ‫ة‬ƧǘƊȁɈƊǐƵǞƊ‫ـ‬ƮǞɹȱɐƵȁƣȌ˛ƧƊȲƣȌ mais juntos se ele não se submeter ao que ela exige) e o coage a tirar a blusa. Continua tocando-o mesmo diante dos seus evidentes sinais de constrangimento e desagrado. Quando liteȲƊǶǿƵȁɈƵǏȌǐƵƮƊȺǞɈɐƊƪƣȌƮƵƊƦɐȺȌ‫ة‬ȌȲȌɈƵǞȲȌƮȌ˛ǶǿƵƊǞȁƮƊȌǏƊɹȯƵƮǞȲƮƵȺƧɐǶȯƊȺƊƵǶƊ‫ة‬ȁɐǿƊ naturalização do abuso transfóbico representado na cena. Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 109 Epistemicídio e necropolíticas trans Há cenas em que Bauer faz comentários orientados pela norma monogâmica (VASALLO, ‫فקןמנ‬Ɯ!ǶƊȲƊ‫ة‬ƮƵǿȌȁȺɈȲƊȁƮȌɈƵȲƧǞɑǿƵƵȱɐƵȲƵȲƧȌȁɈȲȌǶƊȲƊǶǞƦƵȲƮƊƮƵƮƵǶƊƵǿƧȲǞƊȲȌɐɈȲȌȺǶƊços, de amizade, inclusive, algo bastante típico da monogamia como forma de relação. Enquan- 110 to as violências que Bauer comete são associadas ao fato dele ser trans, várias das violências que ele sofre são narradas de modo a criar uma empatia pelos seus agressores, como se assim agissem fruto de um desconhecimento ingênuo de sua vivência, e não por um exercício de poder cisgênero. 0ǿƦȌȲƊɈƵȁǘƊȺǞƮȌǶƊȁƪƊƮȌǘƋƮƶƧƊƮƊȺ‫ة‬ȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺɈȲƊȁȺǏȍƦǞƧȌȺƵǶƵȺƦȌǏȍƦǞƧȌȺƮȌ˛ǶǿƵ são bastante atuais. Um desses eixos está na relação que a cisheterossexualidade faz ao pressupor que quem originalmente se atrai por mulheres são homens cisheteros e como eles em geral o fazem de modo violento, todas as demais pessoas que também se atraem por mulheres estariam irmanadas com a violência machista. Esta aproximação simbólica é uma inversão que coloca perversamente como aliados grupos que em verdade nada têm de pactuados, pelo contrário. Cabe pontuar que a atração e afeto por mulheres não são uma propriedade simbólica de homens cis hétero, de modo que o vínculo entre mulheres e pessoas trans, por exemplo, não existe em função de copiar este suposto gênesis de desejo. RȌǿƵȁȺƧǞȺȁƣȌȺƣȌٗǘȌǿƵȁȺƮƵɨƵȲƮƊƮƵ٘ȯȌȲȱɐƵƊƧǞȺǐƵȁƵȲǞƮƊƮƵƶɐǿƊ˛ƧƪƣȌƮƵǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ƧȌǿƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƮƵȱɐƵ‫ة‬ƵȁɈȲƵȌɐɈȲƊȺ˛ƧƪȪƵȺȯȌȺȺǠɨƵǞȺ‫ة‬ƵǶƊƶɨǞȌǶƵȁɈƊ‫§خ‬ȌȲɈƊȁɈȌɈȲƊȁȺǿƊȺƧɐlinidades não são “de mentira”. Clara pergunta a Bauer, em determinado momento, como ele teria conseguido enganar (sic) os pais dela, que o trataram como homem. Ao que ele corajosamente comenta que não enganou ninguém, que as pessoas viram apenas o que ele é. Em tese de doutoramento em que estuda o cinema LGBTQ exibido no Brasil desde o ǞȁǠƧǞȌƮȌȺƊȁȌȺ‫מצקן‬ƊɈƶƊȺƵǐɐȁƮƊƮƶƧƊƮƊƮȌȺƊȁȌȺ‫!ةמממנ‬ƊȲǶȌȺIȲƵƮƵȲǞƧȌ ‫§خ‬ȌȁɈƵȺ‫فצןמנـ‬ ȺƵƮƵɈƶǿȁȌɈƵǿƊƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌǿȌȯƊȲɈƵƮȌƮǞȺƧɐȲȺȌƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧȌƮƊȺǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺǿƊȺƧɐǶǞȁƊȺ‫ة‬ƮƵȺɈƊƧƊȁƮȌȌɐɈȲƊȱɐƵȺɈƣȌȱɐƵ˛ƧȌɐǿƊȲƧƊƮƊȁƵȺɈƊƦȲƵɨƵƊȁƋǶǞȺƵƮȌȺ˛ǶǿƵȺ ɈȲƊɹǞƮȌȺƊƵȺɈƵɈƵɮɈȌ‫ب‬ƊƮƊǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊ‫„!ـ‬yy0mmƵw0²²0ª²!RwX(À‫خفסןממנة‬ ²ȌƦȲƵȌȺ˛ǶǿƵȺȱɐƵƊȁƊǶǞȺȌɐ‫ة‬ȌƊɐɈȌȲƊ˛ȲǿƊɈƵȲȌƦȺƵȲɨƊƮȌɐǿɈƵǿƊ que se entrelaçava de forma recorrente às imagens de violência relacionadas às expressões da sexualidade entre homens gays: a Ɗ˛ȲǿƊƪƣȌƮƊǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊde hegemônica e a consequente exclusão das dissidentes. Esses enunciados ȲƵǞɈƵȲƊɈǞɨȌȺƮƵƊ˛ȲǿƊƪƣȌƮƵɐǿƊǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵƧȌǿȯȲƵƵȁƮǞƮƊƧȌǿȌɨǞȲǞǶ‫ـ‬Ƶ normativa), pronunciados por personagens homo e heterossexuais, têm, para os primeiros, o objetivo de desvinculação do desejo sexual por outro homem ƧȌǿƊƧȌȁȺƵȱɐƵȁɈƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌƮƵȺɈƵƮƵȺƵǯȌƜǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶ‫خ‬hƋ para os personagens heterossexuais, a reiteração de uma masculinidade viril ǿƊȲƧƊȌȲƵƧǘƊƪȌƊȱɐƊǶȱɐƵȲǏȌȲǿƊȯȌȺȺǠɨƵǶƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌƧȌǿƊǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ‫ة‬ƦƵǿƧȌǿȌǯɐȺɈǞ˛ƧƊȌƵɮȯǶǠƧǞɈȌȯȲƵƧȌȁƧƵǞɈȌƵȲƵǯƵǞƪƣȌƮƊȺǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵȺƮǞȺȺǞƮƵȁɈƵȺ‫ة‬ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƮƊȺȺȌƧǞƊǶǿƵȁɈƵƧȌǿȌٙǿƊǞȺȯȲȍɮǞǿƊȺƮȌǏƵǿǞȁǞȁȌٚ٘‫„§ـخ‬yÀ0²‫ةצןמנة‬ȯ‫خףסןخ‬JȲǞǏȌƮȌƊɐɈȌȲ‫خف‬ Faz-se urgente a necessidade de que representações não transfóbicas de pessoas transmasculinas ganhem maior visibilidade, quebrando este longo ciclo de produções como a do ˛ǶǿƵVera, que apresentam pessoas não conformes ao (cis)gênero como violentas. Enquanto pessoas cis têm o direito humano de viverem seus erros enquanto sujeitos singulares, os erros ƮƵ ȯƵȺȺȌƊȺ ɈȲƊȁȺ ȺƣȌ ǏȲƵȱɐƵȁɈƵǿƵȁɈƵ ɈǞƮȌȺ ƧȌǿȌ ƧȌȁ˛ȲǿƊƪƣȌ ƮƊ ȯȲȌǏƵƧǞƊ ƊɐɈȌȲȲƵƊǶǞɹƊƮȌȲƊ que recai sobre elas. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos !ȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺ˛ȁƊǞȺ ©ɐƵȺɈȪƵȺƧȌǿɐȁȺǿƊȲƧƊǿƊȺƊȁƋǶǞȺƵȺƮȌȺƮȌǞȺ˛ǶǿƵȺ‫ة‬ȯȲȌƮɐɹǞƮȌȺƵǿƶȯȌƧƊȺƮǞɨƵȲȺƊȺ‫ة‬ em diferentes momentos dos estudos homossexuais e trans, com linguagens diferentes e avanços díspares, tanto epistêmicos quanto os referentes à discussão dos direitos humanos das pessoas dissidentes das normatividades cis e heterossexuais. A questão que se impõe quando ȲƵ˜ƵɈǞǿȌȺȺȌƦȲƵƵȺȺƵȺƮȌǞȺ˛ǶǿƵȺ‫ة‬ƶƊƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊȲƵƊǶƵȺǞǿƦȍǶǞƧƊƊȱɐƵƊȺȯƵȲȺȌȁƊǐƵȁȺȺƣȌ submetidas. Aparecem, assim, as violências extremadas no genocídio das pessoas trans e seu apagamento simbólico, exposto na trajetória de Bauer fora da instituição, onde não encontra lugar, a não ser que se encaixe no binarismo determinado por uma ordem biológica que o assinalara como mulher. yȌȺ˛ǶǿƵȺEl lugar sin límites e Vera‫˛ة‬ƧƊǿƵɨǞƮƵȁƧǞƊƮȌȺȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƮɐƊǶǞȺɈƊȺȱɐƵƵȺtão presentes nas relações das personagens com parceiros e parceiras. Estereótipos expressos no conceito de masculinidade hegemônica, que marcou profundamente os estudos das masculinidades desde seu início no campo dos estudos de gênero e que, em sua permanência conservadora, cabe hoje no termo de senso comum masculinidade tóxica. Tanto Manuela, quanto Vera/Bauer, subjetivada/s que foram em valores patriarcais androcêntricos, são representadas ȁȌȺ˛ǶǿƵȺȯȌȲɈƊȁƮȌٌȺƵ‫ة‬ƵǿȺƵɐȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺƊǿȌȲȌȺȌȺ‫ة‬ƧȌȁǏȌȲǿƵƵȺȺƵȺǿȌƮƵǶȌȺƵǿȱɐƵ os homens são possessivos e agressivos e as mulheres devem ser frágeis e submissas. Manuela, com poucas defesas em suas relações com homens agressivos, mesmo em suas performances ƧȌǿȌƮƊȁƪƊȲǞȁƊƵ‫˛ة‬ȁƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ƧȌǿȌɨǠɈǞǿƊǏƊɈƊǶƮȌǘȌǿƵǿȱɐƵȁƣȌȯȌƮǞƊȺɐȯȌȲɈƊȲƵǿȺǞȌ desejo que tinha por ela. Bauer, poeta sensível e atento à vulnerabilidade das companheiras, possessivo e dominante nos relacionamentos afetivo/sexuais com mulheres. (Ǟ˛ƧǞǶǿƵȁɈƵƊǶǐɐǿƧȌȁƧƵǞɈȌȯȌƮƵƮƊȲƧȌȁɈƊȯȌȲȺǞȺȍƮƊƧȌǿȯǶƵɮǞƮƊƮƵƮƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵȱɐƵ se propõe abordar. Pensamos aqui conceitos enquanto ferramentas ético-políticas que buscam operar uma crítica e, ao mesmo tempo, inspirar processos de transformação e emancipação social. Partimos da ideia de que tais conceitos e as análises que eles possibilitam não são neutros, antes bem eles implicam possibilidades de habitar o mundo. Este trabalho revisitou os conceiɈȌȺƮƵƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ‫ة‬ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺƵǿƮǞƋǶȌǐȌƧȌǿƮȌǞȺ˛Ƕmes latino-americanos numa proposta de hifenização de saberes, assumindo uma preocupação ƧȌǿȌȺƵǏƵǞɈȌȺǿȌȲɈǠǏƵȲȌȺƮƊȺȁȌȲǿƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌȯƊȲƊƊȺȯȌȯɐǶƊƪȪƵȺɈȲƊȁȺ‫خ‬ȺƧƵȁƊȺƮȌȺ˛ǶǿƵȺ selecionadas para guiar a nossa análise, serviram para ilustrar o modo como estas existências são percebidas nas margens da inteligibilidade social, autorizando, portanto, seu extermínio. Entendemos que o aniquilamento de corpos marginalizados, corpos que são considerados matáveis, tais como os de Manuela e Bauer, podem ser pensados numa perspectiva que se distancie da cisão colonial mente- corpo, muitas vezes presente quando se articulam os conceitos de epistemicídio e necropolítica trans de forma separada. Assim, para pensarmos a complexidade que envolve os processos de invisibilização e extermínio simbólico e material das existências trans, apontamos os limites no uso desses conceitos e das suas possibilidades analíticas, quando considerados sem levar em conta as intersecções entre vários marcadores ȺȌƧǞƊǞȺ‫خ‬XȁȺǞȺɈǞǿȌȺȁȌǿȌƮȌƧȌǿȌƊ˛ǶǿȌǐȲƊ˛ƊmJ ÀȯȌƮƵƧȌȁɈȲǞƦɐǞȲȯƊȲƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊƪȪƵȺȲƵducionistas das pessoas trans. Concluímos que tanto a pretensa neutralidade no uso de estes conceitos, como as representações estereotipadas das pessoas trans na mídia são duas faces do mesmo regime colonial de gênero. Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago 111 Epistemicídio e necropolíticas trans ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ AGAMBEN, Giorgio. 0ȺɈƊƮȌƮƵƵɮƧƵƪƣȌ‫خ‬ÀȲƊƮ‫خ‬XȲƊƧǞ(‫§خ‬ȌǶƵɈǞ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ ب‬ȌǞɈƵǿȯȌ‫خעממנة‬ȯ‫خ‬ 112 ‫خנען‬ ÁVILA, Simone. ÀȲƊȁȺǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵȺ: a emergência de novas identidades políticas e sociais. ªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ب‬wɐǶɈǞǏȌƧȌ‫خעןמנة‬ BUTLER, Judith. !ȌȲȯȌȺȱɐƵǞǿȯȌȲɈƊǿ‫„خ‬ȺǶǞǿǞɈƵȺƮǞȺƧɐȲȺǞɨȌȺƮȌٗȺƵɮȌ٘‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ة‬ȁٌ‫ן‬ƵƮǞƪȪƵȺ‫خקןמנة‬ CARNEIRO Aparecida Sueli. !ȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮȌ„ɐɈȲȌƧȌǿȌyƣȌٌ²ƵȲƧȌǿȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈȌƮȌ ²ƵȲ. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UniversiƮƊƮƵƮƵ²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ة‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫خףממנة‬ CASTRO, Eduardo Viveiros de. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana‫ؾة‬²‫خ‬m‫ةؿخ‬ɨ‫ةנخ‬ȁ‫ةנخ‬ȯ‫ةעעןٌףןןخ‬ȌɐɈ‫خפקקןخ‬IƊȯÇyXI0²§‫خ‬ǘɈɈȯ‫ششب‬Ʈɮ‫خ‬ƮȌǞ‫خ‬ȌȲǐ‫شמקףןخמןش‬Ⱥ‫ٌעמןמ‬ ‫خףממממנמממפקקןסןסק‬ CATTANI, Daian. !ȌȲȯȌȺƵǿǶǞƊȁƪƊ‫ب‬as lutas LGBT em Chapecó/SC. Dissertação de Mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Santa !ƊɈƊȲǞȁƊ‫خ‬IǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ‫خמנמנة‬ CONNELL, Robert/Raewyn e MESSERSCHMIDT, James. Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. ªƵɨǞȺɈƊ0ȺɈɐƮȌȺIƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫ة‬ɨ‫ةןנخ‬ȁ‫خסןמנةןخ‬ȯ‫خנצנٌןענخ‬ FANON, Frantz. §ƵǶƵȁƵǐȲƊ‫ة‬wƋȺƧƊȲƊȺƦȲƊȁƧƊȺ‫خ‬²ƊǶɨƊƮȌȲ‫ب‬0(ÇI ‫خצממנة‬ FOUCAULT, Michel. ßǞǐǞƊȲƵȯɐȁǞȲ‫ب‬ȁƊȺƧǞǿƵȁɈȌƮƊȯȲǞȺƣȌ‫§خ‬ƵɈȲȍȯȌǶǞȺ‫ب‬ßȌɹƵȺ‫خץץקןة‬ GOFFMAN, Erving. wƊȁǞƧȏǿǞȌȺ‫ة‬ȯȲǞȺȪƵȺƵƧȌȁɨƵȁɈȌȺ. São Paulo: Perspectiva - Coleção DebaɈƵȺ‫خעץקןة‬ GRIMM, Raíssa Eris. O que é ser uma mulher? ǶȌǐÀȲƊȁȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫(خסןמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɈȲƊȁȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ȌٌȱɐƵٌƵٌȺƵȲٌɐǿƊٌǿɐǶǘƵȲ‫ش‬ƧƵȺȺƊƮȌƵǿ‫خןנמנشעמشצן‬ GRIMM, Raíssa Eris. A violência cisgênera e suas hierarquias. ǶȌǐÀȲƊȁȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫(خפןמנة‬ǞȺ- ponível em: https://transfeminismo.com/a-violencia-cisgenera-e-suas-hierarquias/ Acessado Ƶǿ‫خןנמנشעמشצן‬ GROSFOGUEL, Ramón. Racismo/sexismo epistémico, universidades occidentalizadas y los ƧɐƊɈȲȌǐƵȁȌƧǞƮǞȌȺ‫ش‬ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞƮǞȌȺƮƵǶǶƊȲǐȌȺǞǐǶȌåßX‫ٶخ‬ÀƋƦɐǶƊªƊȺƊ‫ة‬ɨ‫ةןخ‬ȁ‫ةסןמנةקןخ‬ȯ‫ةצףٌןסخ‬ HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. §Ɗǐɐ‫!ة‬ƊǿȯǞȁƊȺ‫ة‬ɨ‫ةסة‬ȯ‫خקממנةןעٌץخ‬ R0ªð0ª‫ة‬ȁƮƵȲȺȌȁ‫©خ‬ɐƵƮƊȯƊȲƊȌǶɈȌ‫§خ‬ƵɈȲȍȯȌǶǞȺ‫ب‬ßȌɹƵȺ‫خנצקןة‬ INGENSCHAY, Dieter. Visualizaciones del deseo homosexual en el lugar sin límites de Arturo Ripstein. ²ƵƧɐƵȁƧǞƊȺ‫ب‬ªƵɨǞȺɈƊƮƵRǞȺɈȌȲǞƊƮƵǶ!ǞȁƵ‫ة‬ȁȌ‫ةןןמנةעס‬ȯ‫خץצٌסץخ‬ JUNQUEIRA, Rogério. “Pedagogia do armário e currículo em ação: heteronormatividade, heteȲȌȺȺƵɮǞȺǿȌƵǘȌǿȌǏȌƦǞƊȁȌƧȌɈǞƮǞƊȁȌƵȺƧȌǶƊȲ٘‫خ‬Xȁ‫خ‬wǞȺDzȌǶƧǞ‫ة‬ªǞƧǘƊȲƮ‫§ۋ‬ƵǶɑƧǞȌ‫ة‬mƊȲȲǞȺƊ‫„ـخ‬ȲǐȺ‫(خفخ‬ǞȺٌ ƧɐȲȺȌȺǏȌȲƊƮƊȌȲƮƵǿ‫ب‬ȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ‫ة‬ȺƊƦƵȲƵȺƵƮǞȲƵǞɈȌȺ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬ȁȁƊƦǶɐǿƵ‫ة‬ȯ‫خנןמנةףנٌןخ‬ KILOMBA, Grada. wƵǿȍȲǞƊȺƮƊȯǶƊȁɈƊƪƣȌ. Episódios do racismo cotidiano. Rio de Janeiro: !ȌƦȌǐȍ‫خקןמנة‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021 Artigos m!mÇ‫ة‬0ȲȁƵȺɈȌ‫س‬w„ÇII0‫!ة‬ǘƊȁɈƊǶ‫ٶخ‬RƵǐƵǿȌȁǠƊɯƵȺɈȲƊɈƵǐǞƊȺȌƧǞƊǶǞȺɈƊ: hacia una radicalizaƧǞȍȁƮƵǶƊƮƵǿȌƧȲƊƧǞƊ‫خ‬wƊƮȲǞƮ‫ب‬²ǞǐǶȌååX‫خץצקןة‬ LAQUEUR, Thomas. ǞȁɨƵȁƪƣȌƮȌȺƵɮȌ. Corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: ªƵǶɐǿƵ(ɐǿƊȲƋ‫خןןמנة‬ 113 LAURETIS, Teresa. ÀƵƧǘȁȌǶȌǐǞƵȺȌǏǐƵȁƮƵȲ. XȁƮǞƊȁƊ‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺ‫خץצקןة‬ MBEMBE, Achille. yƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊ: biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. ²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬ȁٌ‫ן‬ƵƮǞƪȪƵȺ‫خצןמנة‬ OLIVEIRA, João Manuel. Os feminismos habitam espaços hifenizados: a localização e intersecƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƮȌȺȺƊƦƵȲƵȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫ٶخ‬ƵɮٌƊƵȱɐȌ‫ة‬ɨȌǶ‫ةןخ‬ȁ‫ةננخ‬ȯ‫خמןמנةקסٌףנخ‬ „æ3àÏwZ‫„ة‬ɯDŽȲȌȁDzƶ‫ٶخ‬mƊǞȁɨƵȁƧǞȍȁƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺ: una perspectiva africana sobre los discurȺȌȺȌƧƧǞƮƵȁɈƊǶƵȺƮƵǶǐƶȁƵȲȌ‫ خ‬ȌǐȌɈƋ‫ب‬0ƮǞɈȌȲǞƊǶ0ȁmƊIȲȌȁɈƵȲƊ‫خץןמנة‬ PONTES, Carlos Frederico. !ǞȁƵǿƊmJ À©ƵɮǞƦǞƮȌȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ ب‬discursos, temáticas e tendências. Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em CiênƧǞƊȺRɐǿƊȁƊȺ‫ة‬ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵIƵƮƵȲƊǶƮƵ²ƊȁɈƊ!ƊɈƊȲǞȁƊ‫خ‬IǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ‫خצןמנة‬ RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. ƊǐȌƊȺ‫ة‬ɨȌǶ‫ةעخ‬ȁȌ‫ةף‬ ‫ةמןמנ‬ȯ‫خעעٌצןخ‬ RUBIN, Gayle. §ȌǶǠɈǞƧƊȺƮȌȺƵɮȌ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬Ç Ç0ƮǞɈȌȲƊ‫خץןמנة‬ ²yÀ„²‫ ة‬ȌƊɨƵȁɈɐȲƊƮƵ²ȌɐȺƊ‫!ٶخ‬ȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȯȲɐƮƵȁɈƵȯƊȲƊɐǿƊɨǞƮƊƮƵƧƵȁɈƵ: um discurȺȌȺȌƦȲƵƊȺƧǞƺȁƧǞƊȺȲƵɨǞȺǞɈƊƮȌ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫!ب‬ȌȲɈƵɹ‫خעממנة‬ SEDGWICK, Eve K. A epistemologia do armário. !ƊƮƵȲȁȌȺ§Ɗǐɐ‫ة‬ȁȌ‫ةץממנةצנ‬ȯ‫خעףٌקןخ‬ SEGATO, Rita. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. ªƵɨǞȺɈƊ0ȺɈɐƮȌȺIƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫ة‬ɨ‫ةסןخ‬ȁ‫ةףממנةנخ‬ȯ‫خףצנٌףפנخ‬ ²!„ÀÀ‫ة‬hȌƊȁ‫ٗخ‬0ɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊ‫ب‬ɈȌȲȁƊȁƮȌٌȺƵɨǞȺǠɨƵǶ٘‫خ‬Xȁ‫ب‬²ǞǶɨƊ‫ة‬ǶƧǞȌȁƵmƵǞɈƵƮƊ‫س‬mƊǐȌ‫ة‬wƊȲƊ!ȌƵǶǘȌƮƵ ²ȌɐɹƊ‫ۋ‬ªƊǿȌȺ‫ة‬ÀƓȁǞƊªƵǐǞȁƊ„ǶǞɨƵǞȲƊ‫„ـخ‬ȲǐȺ‫خفخ‬IƊǶƊȺƮƵJƺȁƵȲȌ. Florianópolis: Editora MulheȲƵȺ‫ةקקקןة‬ȯ‫خסנٌןخ‬ SCOTT, Joan. ƧǞƮƊƮƣȯƊȲƊƮȌɮƊǶ. As feministas francesas e os direitos do homem. Trad. Élvio ȁɈȌȁǞȌIɐȁDz‫خ‬IǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ‫ب‬0Ʈ‫خ‬wɐǶǘƵȲƵȺ‫خנממנة‬ VASALLO, Brigitte. §ƵȁȺƊǿǞƵȁɈȌǿȌȁȍǐƊǿȌ‫خ‬ÀƵȲȲȌȲȯȌǶǞƊǿȌȲȌȺȌ‫خ‬wƊƮȲǞƮ‫ب‬mƊȌɨƵǯƊȲȌǯƊ‫خקןמנة‬ VERGUEIRO, Viviane. §ȌȲǞȁ˜ƵɮȪƵȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺƮƵƧȌȲȯȌȺƵǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺƮƵǐƺȁƵȲȌǞȁƧȌȁٌ ǏȌȲǿƵȺ‫ب‬ɐǿƊƊȁƋǶǞȺƵƊɐɈȌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊƮƊƧǞȺǐƵȁƵȲǞƮƊƮƵƧȌǿȌȁȌȲǿƊɈǞɨǞƮƊƮƵ‫עענخףןמנخ‬Ǐ‫خ‬ Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e ²ȌƧǞƵƮƊƮƵ‫ة‬ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵIƵƮƵȲƊǶƮƊ ƊǘǞƊ‫ة‬²ƊǶɨƊƮȌȲ‫خףןמנة‬ ß0ªJÇ0Xª„‫ة‬ßǞɨǞƊȁƵ‫ٶخ‬²ȌɐɈȲƊɨƵȺɈǞȺ‫ ب‬estudando a cisgeneridade como uma possibilidade ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ خ‬ȲƊȺǠǶǞƊ‫§ب‬ƊƮƺ0ƮǞɈȌȲǞƊǶ‫خצןמנة‬àXÀÀXJ‫ة‬wȌȁǞȱɐƵ‫خ‬0ǶȯƵȁȺƊǿǞƵȁɈȌǘƵɈƵȲȌȺƵɮɐƊǶɯ ȌɈȲȌȺƵȁȺƊɯȌȺ‫ خ‬ƊȲƧƵǶȌȁƊ‫ب‬0ƮǞɈȌȲǞƊǶ0Jm0²‫خנקקןة‬ Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago Ampliando los espacios de los feminismos descoloniales desde los territorios y territorialidades antirracistas ²Ȍ˛ƊðƊȲƊǐȌƧǞȁ Universidad San Francisco de Quito ǿȯǶǞƊȁƮȌǶȌȺƵȺȯƊƧǞȌȺƮƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƮƵȺƮƵǶȌȺ ɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺɯɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ ªƵȺɐǿƵȁ Este artículo conecta la geografía feminista descolonial con los feminismos descoloniales latinoamericanos. Me interesa profundizar sobre la relación entre el racismo, la colonialidad y las espacialidades uniendo estos dos marcos teóricos. La geografía feminista descolonial analiza las articulaciones entre la colonialidad del género y el racismo con la construcción social del espacio. Mientras que el feminismo descolonial latinoamericano promueve una perspectiva antirracista, antiimperialista, anticolonial e interseccional de los feminismos desde el Abya Yala y el Sur. Este artículo responde a las siguientes preguntas: ¿Cuáles son los espacios de los feminismos descoloniales latinoamericanos? ¿Cómo está presente la espacialidad en los trabajos conceptuales ƮƵǶƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ‫د‬æ˛ȁƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ƧȌȁƦƊȺƵƵȁǶƊȲƵȺȯɐƵȺɈƊƊǶƊȺƊȁɈƵȲǞȌȲƵȺ preguntas, cuáles son los espacios que quedan por fuera de este análisis. Concluyo que los espacios que quedan por fuera son las territorialidades relacionales antirracistas y, sostengo que, desde estos procesos de lucha por el territorio en contra del racismo, podemos profundizar la relación entre las geografías feministas y el feminismo descolonial latinoamericano. §ƊǶƊƦȲƊȺ!ǶƊɨƵȺ‫ ب‬geografía feminista descolonial, territorios antirracistas, feminismos descoloniales. Expandindo os espaços dos feminismos decoloniais a partir de territórios e territorialidades antirracistas Resumo 0ȺɈƵƊȲɈǞǐȌƧȌȁƵƧɈƊƊǐƵȌǐȲƊ˸ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƧȌǿȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺǶƊɈǞȁȌ٧ƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫ى‬0ȺɈȌɐǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮƊƵǿƵɮȯǶȌȲƊȲƊȲƵǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵȲƊƧǞȺǿȌ‫ل‬ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƵƵȺȯƊƧǞƊǶǞƮƊƮƵ‫ل‬ȲƵɐȁǞȁƮȌƵȺɈƊȺƮɐƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺɈƵȍȲǞƧƊȺ‫ى‬ǐƵȌǐȲƊ˸ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƊȁƊǶǞȺƊƊȺƊȲɈǞƧɐǶƊƪȪƵȺƵȁɈȲƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮƵǐƺȁƵȲȌƵȲƊƧǞȺǿȌ ƧȌǿƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌȺȌƧǞƊǶƮȌƵȺȯƊƪȌ‫ى‬0ȁȱɐƊȁɈȌȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶǶƊɈǞȁȌ٧ƊǿƵȲǞƧƊȁȌȯȲȌǿȌɨƵɐǿƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊ‫ل‬ƊȁɈǞ٧ǞǿȯƵȲǞƊǶǞȺɈƊ‫ل‬ƊȁɈǞ٧ƧȌǶȌȁǞƊǶƵǞȁɈƵȲȺƵɈȌȲǞƊǶ ƮȌȺ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ƮƵ ƦɯƊ æƊǶƊ Ƶ ƮȌ ²ɐǶ‫ ى‬0ȺɈƵ ƊȲɈǞǐȌ ȲƵȺȯȌȁƮƵ ƜȺ ȺƵǐɐǞȁɈƵȺ perguntas: Quais são os espaços dos feminismos descoloniais latino-americanos? Como a espacialidade está presente no trabalho conceitual das feministas descoloȁǞƊǞȺ‫ي‬0˸ȁƊǶǿƵȁɈƵ‫ل‬ƧȌǿƦƊȺƵȁƊȲƵȺȯȌȺɈƊƜȺȯƵȲǐɐȁɈƊȺƊƧǞǿƊ‫ل‬ȱɐƊǞȺȺƣȌȌȺƵȺȯƊƪȌȺ ȱɐƵ˸ƧƊǿƮƵǏȌȲƊƮƵȺɈƊƊȁƋǶǞȺƵ‫!ي‬ȌȁƧǶɐȌȱɐƵȌȺƵȺȯƊƪȌȺƮƵǞɮƊƮȌȺƮƵǏȌȲƊȺƣȌɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊǞȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺƵƮƵǏƵȁƮȌȱɐƵ‫ل‬ƊȯƊȲɈǞȲƮƵȺɈƵȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵǶɐɈƊ ȯƵǶȌɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌƧȌȁɈȲƊȌȲƊƧǞȺǿȌ‫ل‬ȯȌƮƵǿȌȺƊȯȲȌǏɐȁƮƊȲƊȲƵǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵƊȺǐƵȌǐȲƊ˸ƊȺ feministas e o feminismo descolonial latino-americano. Palavras-chave: ǐƵȌǐȲƊ˸ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ل‬ɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ‫ل‬ǏƵǿǞȁǞȺmos decoloniais. Expanding the spaces for decolonial feminisms from anti-racist territories and territorialities Abstract This article brings together decolonial feminist geography and Latin American ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȺ‫ى‬XƵɮȯǶȌȲƵɈǘƵȲƵǶƊɈǞȌȁȺǘǞȯƦƵɈɩƵƵȁȲƊƧǞȺǿ‫ل‬ƧȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯƊȁƮȺȯƊtiality from these theoretical frameworks. Decolonial feminist geography analyzes the articulations between the coloniality of gender and racism with the social conȺɈȲɐƧɈǞȌȁȌǏȺȯƊƧƵ‫ل‬ɩǘǞǶƵmƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȯȲȌǿȌɈƵȺƊȁƊȁɈǞ٧ȲƊƧǞȺɈ‫ ل‬ƊȁɈǞ٧ǞǿȯƵȲǞƊǶǞȺɈ‫ ل‬ƊȁɈǞ٧ƧȌǶȌȁǞƊǶ ƊȁƮ ǞȁɈƵȲȺƵƧɈǞȌȁƊǶ ȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƵ ȌǏ ǏƵǿǞȁǞȺǿȺ ǏȲȌǿ ƦɯƊæƊǶƊƊȁƮɈǘƵ²ȌɐɈǘ‫ى‬ÀǘǞȺƊȲɈǞƧǶƵȲƵȺȯȌȁƮȺɈȌɈǘƵǏȌǶǶȌɩǞȁǐȱɐƵȺɈǞȌȁȺ‫ك‬àǘƊɈƊȲƵ the spaces of Latin American decolonial feminisms? How is spatiality present in the ƧȌȁƧƵȯɈɐƊǶɩȌȲDzȺȌǏƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȺ‫ي‬ȁƮ˸ȁƊǶǶɯ‫ل‬ɩǘƊɈƊȲƵɈǘƵȺȯƊƧƵȺɈǘƊɈƊȲƵ absent from this analysis. I conclude that the spaces that are left out are anti-racist relational territorialities which are necessary to deepen the relationship between feminist geographies and Latin American decolonial feminisms. Key words: ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺɈǐƵȌǐȲƊȯǘɯ‫ل‬ƊȁɈǞȲƊƧǞȺɈɈƵȲȲǞɈȌȲǞƵȺ‫ل‬ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȺ‫ى‬ Foto: detalhe do cartaz de Ana Gouvêa, 2021. Foto: detalhe do cartaz de Ana Gouvêa, 2021. Artigos XȁɈȲȌƮɐƧƧǞȍȁ ¿Cuáles son los espacios del feminismo descolonial latinoamericano? Existen espacios priorizados por parte de los feminismos descoloniales latinoamericanos, como son el Abya Yala y el Sur. El Abya Yala perteneciente al pueblo indígena Kuna y comprendido como la alternativa al término colonial de “América” es el lugar de enunciación para el feminismo descolonial. Para el feminismo descolonial, el Abya Yala es su epistémico y el espacio de enunciación (ESPINOSA, J w0ðæ„!R„‫ سעןמנة‬ªª„²„‫(خفעןמנة‬ƵȺƮƵƵǶƵȺȯƊƧǞȌƮƵǶƦɯƊæƊǶƊƵɮǞȺɈƵȁɐȁȺǞȁȁɑmero de propuestas descoloniales sobre particulares nociones espaciales multiescalares encarnadas (cuerpo-territorio), y relacionadas con territorios de poblaciones racializadas (indígenas y ƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞƊȺ‫!ـف‬ªÇð‫سמנמנة‬hXw1y0ð‫خفןנמנة‬0Ƕ²ɐȲ‫ة‬ƊȺɐɨƵɹ‫ة‬ǘƊȺǞƮȌɐɈǞǶǞɹƊƮȌȯƊȲƊƧȌȁɈƵȁƵȲǶƊ desigualdad geopolítica en la que se encuentran los feminismos de América Latina (ESPINOSA, ‫ خفעןמנ‬0ȁ ƵȺɈƵ ƊȲɈǠƧɐǶȌ ǿƵ ǐɐȺɈƊȲǠƊ ȯȲȌǏɐȁƮǞɹƊȲ ȺȌƦȲƵ ǶȌȺ ƵȺȯƊƧǞȌȺ ȲƊƧǞƊǶǞɹƊƮȌȺ ȱɐƵ ȯɐƵƮƵȁ aportar a profundizar la crítica antirracista, fundamental para los feminismos descoloniales laɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫خ‬mƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊȺȺȌƧǞȌƵȺȯƊƧǞƊǶƵȺƮƵǶƊƦǶƊȁȱɐǞɈɐƮ‫(ـ‬àæ0ªæh„y0²‫فמממנة‬ sostienen la dominancia del lugar de las mujeres blancas, así como, las metodologías feministas ǘƵǐƵǿȍȁǞƧƊȺ‫ـ‬Jªð y‫§خفצןמנة‬ȌȲǶȌȱɐƵǿƵǐɐȺɈƊȲǠƊȺɐǐƵȲǞȲ‫ة‬ȱɐƵƊƮƵǿƋȺƮƵȌɈȲƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌlogías y ontologías como formas de cuestionar la modernidad colonial, también necesitamos dialogar con esas otras territorialidades encarnadas y posicionadas desde el antirracismo. Las territorialidades antirracistas son muchas, emergidas desde distintos procesos de lucha contra los racismos ambientales, estructurales y en relación con el capitalismo. Las territorialidades antirracistas se posicionan en alianza con otros procesos de lucha feminista por los territorios como han sido las territorialidades feministas desde el Sur y el Abya Yala. Los feminismos territoriales rescatan los liderazgos de mujeres indígenas, afros, campesinas en la lucha por la defensa del territorio posicionando conceptos y metodologías de cuerpo-territorio que han impulsado ɐȁǐǞȲȌƵȯǞȺɈƵǿȌǶȍǐǞƧȌƵȁǶƊȺƧǞƵȁƧǞƊȺȺȌƧǞƊǶƵȺ‫ـ‬Çmm„‫خفןנמנسפןמנة‬²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌ‫ة‬ƵȺɈƋȁƊɐsentes de estas discusiones y sus conceptos-prácticas territoriales las propuestas antirracistas. Esto ha producido espacios y dinámicas incómodas entre los distintos feminismos, por ejemplo, existen mayor número de propuestas teóricas-practicas con los feminismos indígenas y comunitarios que con los feminismos negros latinoamericanos desde campos como la ecología políɈǞƧƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊɯǶƊȺȲƵ˜ƵɮǞȌȁƵȺȺȌƦȲƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺ‫خ‬yȌȺȌǶȌǘƊɯǿƊɯȌȲȯȲȌƮɐƧƧǞȍȁ conceptual y metodológica que prioriza una visión sobre otra, sino además no hay diálogos relacionales entre ellos. Esto es evidente en la cantidad de propuestas teóricas y desde la praxis ƵȁɈȌȲȁȌƊǶƧɐƵȲȯȌٌɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌٌɈǞƵȲȲƊ‫ !ـ‬ym‫فצןמנسמןמנة‬ɯȺɐȺƧȲɐƧƵȺƧȌȁǶƊƵƧȌǶȌǐǠƊȯȌǶǠɈǞƧƊ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊɯǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺ‫ ـ‬m²©Ç0ðwªÀZy0ð‫خفןנמנة‬0ɮǞȺɈƵȁȌɈȲƊȺȯȲȌȯɐƵȺɈƊȺ que amplían las posibilidades de cuestionar la espacialidad blanca-mestiza dominante de la región como son: las propuestas de Améfrica Ladina de Lélia Gonzalez retomadas por feminisɈƊȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺɯƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ‫ـ‬J w0ð‫سקןמנة‬ßXß0ª„²‫سמנמנة‬w„mm0À‫ةفןנמנة‬ǶȌǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧȌ propuesto por el Colectivo de Reexistencia Cimarrunas en el Ecuador y también sostenido por ɨƊȲǞɮȺƊɐɈȌȲɮȺƵȁɈȌƮƊȺǶƊȺǿƶȲǞƧƊȺ‫ ـ‬ª „ðæðªJ„!Xy‫ سןנמנة‬m0(²„0‫سץןמנة‬ªwZª0ð‫ةفמנמנة‬ȌƮƵȺƮƵȯȲƋƧɈǞƧƊȺƵȁƧƊȲȁƊƮƊȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺƧȌǿȌƵǶɈȌȁǐɐƵȌ‫ ـ‬0ªwyٌª0ßm„‫ة‬ ‫خفןנמנ‬0ȺɈȌȺƵǯƵǿȯǶȌȺƮƵɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊǶƵȺƮǞƊǶȌǐƊȁƧȌȁƮǞȺɈǞȁɈƊȺȯȲȌpuestas de los feminismos descoloniales y las geografías feministas descoloniales antirracistas y conectan los puntos de encuentro entre distintas formas de colonialidad visibilizando aún más los distintos procesos simultáneos de racialización y de creación de sistemas de género en todas las Américas. Propongo que la pluralidad territorial visibiliza y dinamiza la relacionalidad entre diferentes luchas antirracistas por el territorio. La relación entre las luchas territoriales Sofia Zaragocin 119 Ampliando los espacios de los feminismos antirracistas entre poblaciones indígenas, afros, latinx‫ ׋‬y otras, se conectan y se potencian. En lo que sigue del artículo, revisaré los espacios de los feminismos descoloniales y los planteamientos descoloniales de las geografías feministas emergentes para situar las territorialidades 120 antirracistas como una discusión que una estos dos marcos teóricos. mȌȺƵȺȯƊƧǞȌȺƮƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ ɯȺɐȲƵǶƊƧǞȍȁƧȌȁǶƊǐƵȌǐȲƊǏǠƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ En la literatura de los feminismos descoloniales latinoamericanos se han resaltado los siguientes espacios: el Abya Yala y el Sur. Para el Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación y Acción Feminista (GLEFAS) la apuesta es por una teoría feminista geopolíticamente situada ƮƵȺƮƵƵǶƦɯƊæƊǶƊ‫ـ‬w0y(„ð‫خفעןמנة‬²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌ‫ة‬ǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺȺȌȁȯǶɐȲƊǶƵȺ‫!„ـ‬R„‫فןנמנة‬ɯƧȌǿȌɈƊǶ‫ة‬ȺɐȺƵȺȯƊƧǞȌȺɈƊǿƦǞƶȁ‫خ‬mƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊȺȌɈȲƊȺɯ diversas de saberes populares y comunitarios son la base para la relación entre los feminismos ɯǶƊȺƊȯɐƵȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ‫ـ‬0²§Xy„²‫ة‬J„w0ðæ„!R„‫خفעןמנة‬mƊȺȲɐȯɈɐȲƊȺƧȌȁǶƊȺƵȯǞȺɈƵmologías modernas occidentales y el eurocentrismo para posicionar conocimientos comunitarios, indígenas, afros, populares, urbanos, muestra que es evidente que la pluralidad epistémica está en el centro de los feminismos descoloniales latinoamericanos. Estas epistemologías otras necesitan de espacios otros, y de procesos de creación de espacios que quedan por fuera de ǶȌȱɐƵwƊȲǠƊmɐǐȌȁƵȺǶǶƊǿƊƦƊǶƊƧƵǐɐƵȲƊƵȯǞȺɈƵǿȌǶȍǐǞƧƊƮƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌǘƵǐƵǿȍȁǞƧȌ‫خفעןמנـ‬ !ȌǿȌǶȌǿƵȁƧǞȌȁƊJȍǿƵɹ‫ةקןמנـ‬ȯ‫ةفפףخ‬ȺȌƦȲƵƵǶɈȲƊƦƊǯȌƮƵmɐǐȌȁƵȺ‫ة‬ƵȺɈƊƧƵǐɐƵȲƊƵȺǶƊٗǞȁƧƊpacidad de observar y analizar la centralidad de la raza en la construcción del sujeto femenino racializado”. Esta ceguera epistemológica feminista tiene consecuencias territoriales, al no reconocer los espacios racializados y los que resultan de sujetxs racializadxs. Las tensiones espaciales están muy presentes en debates sobre el lugar de los distinɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ‫§خ‬ȌȲƵǯƵǿȯǶȌ‫ ة‬ȲƵȁɯwƵȁƮȌɹƊ‫فמןמנـ‬ȲƵ˜ƵɮǞȌȁƊȺȌƦȲƵǶƊȲƵǶƊƧǞȍȁ entre los feminismos chicanos y los feminismos latinoamericanos. Ella nos deja la siguiente inquietud: ¿Cuál es esa relación entre los feminismos chicanos como los de Gloria Anzaldúa y Chela Sandoval con los feminismos latinoamericanos? Mendoza resalta que la crítica latinoamericana de la modernidad y la colonialidad mira al feminismo chicano y no al latinoamericano ‫خفמןמנـ‬ȺɐɨƵɹ‫ة‬ȺƵȋƊǶƊȱɐƵƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧǘǞƧƊȁȌȁȌȯɐƵƮƵȺɐȯǶƊȁɈƊȲƊǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ ‫ ةמןמנـ‬ȯ‫! خفסס خ‬ɐƵȺɈǞȌȁƊǿǞƵȁɈȌȺ ȺǞǿǞǶƊȲƵȺ ȌƧɐȲȲƵȁ ȺȌƦȲƵ ƵǶ ƵȺȯƊƧǞȌ ɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶ‫خ‬ æɐƮƵȲDzɯȺ0ȺȯǞȁȌȺƊwǞȋȌȺȌ‫فעןמנـ‬ƮǞȺȯɐɈƊƵǶƵȺȯƊƧǞȌɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶƮƵǶƊȺȯȲȌȯɐƵȺɈƊȺƮƵٗȺȌǶǞdaridad” de Chandra Mohanty concluyendo que el colonialismo discursivo sigue latente en las acciones sororas entre Norte y Sur. Mientras tanto, la geografía feminista latinoamericana comienza a dialogar con la literatura de la colonialidad, descolonialidad y antirracismo relativamente reciente. El I Encuentro de ǶƊªƵƮƮƵJƵȌǐȲƊǏǠƊȺIƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵǶ²ɐȲ‫ـ‬J0„I0w²Çª‫ف‬ȺƵȲƵƊǶǞɹƊƵȁƵǶ‫ןנמנ‬ƧȌȁٗ Este espacio ȺɐȲǐƵɯȺƵǶǶƵɨƊƊƧƊƦȌƵȁ‫ןנמנ‬ƵȁǶƊIƊƧɐǶɈƊƮƮƵ!ǞƵȁƧǞƊȺRɐǿƊȁƊȺƮƵǶƊÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮyƊƧǞȌȁƊǶ de Colombia, organizado por las geógrafas Astrid Ulloa y Diana Ojeda juntamente con el Colectivo Francia Márquez. Este encuentro es a su vez el resultado del IV Seminario Latinoamericano ƮƵ JƵȌǐȲƊǏǠƊ JƶȁƵȲȌ ɯ ²ƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ ȲƵƊǶǞɹƊƮȌ Ƶȁ ÀƊȁƮǞǶ ȲǐƵȁɈǞȁƊ Ƶȁ ‫ ةקןמנ‬ȌȲǐƊȁǞɹƊƮȌ ȯȌȲ Diana Lan y con la participación de geógrafxs de toda América Latina. En estos diálogos estuvieron presentes el feminismo comunitario, los feminismos indígenas y la propuesta de cuer- 1 Las geografías Latinx es un campo reciente y en construcción, pero podríamos entenderlas como formas de hacer espacio desde las distintas latinidades en EEUU. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 114-125, 2021 Artigos po-territorio como un método‫ ׌‬ƮƵ ǐƵȌǐȲƊǏǠƊ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ ‫ـ‬ðªJ„!Xy æ !ª0ÀÀ‫ة‬ ‫§خفןנמנ‬ƵȁƮǞƵȁɈƵƵȺɈƋƵǶƮǞƋǶȌǐȌƵȁɈȲƵǶƊȺǐƵȌǐȲƊǏǠƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƧȌȁǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺmos descoloniales de la región y, en particular, con los feminismos negros de Améfrica Ladina. Este escrito intenta aportar a esta discusión incipiente. 121 ¿Qué otros espacios pueden compartir las geografías feministas y los feminismos descoloniales de la región? Resulta incómodo referirnos a esta región del mundo como América Latina, por el legado y connotación colonial del término. Sin embargo, tampoco estoy segura de que Abya Yala y el Sur representan, hoy en día, todas las posibilidades espaciales descoloniales para los múltiples feminismos críticos de la colonialidad de género y desde posturas ƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ‫خ‬wƵȯȲƵǐɐȁɈȌȱɐƶƵȺȯƊƧǞȌȺȱɐƵƮƊȁȯȌȲǏɐƵȲƊɯȱɐƶȺǞǐȁǞ˛ƧƊǶƊƊɐȺƵȁƧǞƊƮƵƧǞƵȲɈȌȺ espacios. La geografía feminista puede aportar a los estudios de feminismos descoloniales latinoamericanos en profundizar sobre estas indagaciones. Desde la geografía feminista cuando decimos que el territorio nos habla y que los procesos de territorialización son el espejo para nuestro accionar, nos referimos a estos aportes. Los territorios racializados y antirracistas pueden potenciar aún más las discusiones entre la geografía feminista descolonial emergente y los feminismos descoloniales. ÀƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺɯɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ Mara Viveros nos menciona que en la actualidad vivimos un giro antirracista en Améfrica Ladina donde se presta mayor atención al racismo en el ámbito público y en los movimientos ȺȌƧǞƊǶƵȺ‫خفמנמנـ‬ßǞɨƵȲȌȺȁȌȺƊȺƵǐɐȲƊȱɐƵǘƊƧƵ‫מס‬ƊȋȌȺ‫ة‬ǶƊƮƵȁɐȁƧǞƊƮƵǶȲƊƧǞȺǿȌǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶ no estaba tan presente en Améfrica Ladina por la costumbre de minimizar el racismo y por el arraigo del discurso e ideología del mestizaje en la región. Este giro antirracista también está presente en las geografías antirracistas que muestran territorialidades relacionales entre territorios negros, indígenas, latinx, campesinos y feministas en toda la región. Los territorios y territorialidades antirracistas se crean en contra del racismo, entendiendo al racismo como “la ideología y prácticas que vinculan discursivamente cuerpos, comportamientos y herencias bioƧɐǶɈɐȲƊǶƵȺȯƊȲƊǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲ‫ة‬ȯȲȌƮɐƧǞȲɯȲƵȯȲȌƮɐƧǞȲȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƮƵƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮȱɐƵȺƵɈȲƊƮɐƧƵȁƵȁ ȯȲǞɨǞǶƵǐǞȌȺ‫ ة‬ƦƵȁƵ˛ƧǞȌȺ‫ ة‬ȯȌƮƵȲ ɯ ȺƵǐɐȲǞƮƊƮ ȱɐƵ ǶƵȺ ƧȌȲȲƵȺȯȌȁƮƵȁ Ɗ ƵȺɈȌȺ ȯȲȌƧƵȺȌȺ٘ ‫ـ‬ßXß0ª„²‫ة‬ ‫ةמנמנ‬ȯ‫خفננخ‬0ɮǞȺɈƵȁȯȲȌƧƵȺȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺȲƊƧǞȺɈƊȺȱɐƵȺȌȺɈǞƵȁƵȁǶƊƦǶƊȁȱɐǞɈɐƮǿȌƮƵȲȁƊȱɐƵ invisibiliza y borra intencionalmente a los territorios y territorialidades otros. Es en este contexto que los territorios y territorialidades antirracistas cuestionan la persistente blanquitud y ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮǞȁǘƵȲƵȁɈƵȺƵȁǶƊȺƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȌȁƵȺɨǞȌǶƵȁɈƊȺƮƵǶƵȺȯƊƧǞȌ‫ـ‬²X©ÇX0ª!„ªª0‫سץןמנة‬ („!ªw„!ªÇðæªÈh„(0„mXß0Xª‫خفץןמנة‬mƊȺǐƵȌǐȲƊǏǠƊȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺɯȯȲȌƧƵȺȌȺƮƵ territorialidades antirracistas que posicionan las geografías negras se plantean sobro todo desƮƵ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ƧȌȁƮǞȺƧɐȺǞȌȁƵȺǞȁƧǞȯǞƵȁɈƵȺƵȁƵǶȲƵȺɈȌƮƵǶƊȲƵǐǞȍȁ‫ـ‬²yÀ„²‫سץןמנةקממנة‬²X©ÇX0ª !„ªª0‫خفץןמנة‬ Para este artículo me gustaría posicionar los trabajos de territorios y territorialidades antirracistas que dialogan de manera relacional entre los feminismos descoloniales y las geografías antirracistas y descoloniales. Varias autoras están uniendo prácticas antirracistas del territorio con propuestas descoloniales feministas ya existentes. Diana Gómez conecta el Abya æƊǶƊƧȌȁǿƶǏȲǞƧƊmƊƮǞȁƊɯyɐƵȺɈȲƊǿƶȲǞƧƊ‫ةفקןמנـ‬ǿǞƵȁɈȲƊȺȱɐƵ²ǘƊȲǶƵȁƵwȌǶǶƵɈɐȁƵƵǶƦɯƊ æƊǶƊƧȌȁǿƶǏȲǞƧƊmƊƮǞȁƊɯƵǶƧɐƵȲȯȌٌɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌ‫خفןנמנـ‬mƊȺȯȲƋƧɈǞƧƊȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺƵȁƧƊȲȁƊƮƊȺƮƵ ׂ Cuerpo-territorio como método ha sido desarrollado por el Colectivo Miradas Críticas del Territorio desde el Feminismo. Sofia Zaragocin Ampliando los espacios de los feminismos las geografías negras en Colombia a través del tongueo une la propuesta de cuerpo-territorio de los feminismos comunitarios e indígenas con los procesos de territorialidad negra a nivel ǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧȌ‫ ـ‬0ªwyٌª0ßm„‫(خفןנמנة‬ƵƵȺɈƊǿƊȁƵȲƊ ƵȲǿƊȁٌȲƵɨƊǶȌɐȁƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺ 122 ƊǏȲȌƮƵȺƧƵȁƮǞƵȁɈƵȺƧȌȁǶƊǐƵȌǐȲƊǏǠƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵǿƵȲǐƵȁɈƵƵȁǶƊȲƵǐǞȍȁ‫خفןנמנـ‬²Ȍȁ en estas territorialidades antirracistas que la geografía feminista descolonial y los feminismos descoloniales se potencian. Tomando en cuenta mi propia posicionalidad como una mujer migrante entre EEUU y Latinoamérica, quisiera posicionar otro territorio antirracista, entendido como lo hemisférico. Me gustaría profundizar sobre los espacios que surgen a través de las geografías latinx que son ǏȌȲǿƊȺƮƵǘƊƧƵȲƵȺȯƊƧǞȌȺƮƵȺƮƵǶƊȺƮǞȺɈǞȁɈƊȺǶƊɈǞȁǞƮƊƮƵȺƵȁ00ÇÇ‫!ـ‬RDz‫سקןמנة‬wǃ„ð0 æ ªª‫ سקןמנ ة‬IXß0ªٌ²0ªy‫©ذ خفקןמנ ة‬ɐƶ ȌƧɐȲȲƵ Ƶȁ ɈƶȲǿǞȁȌȺ ƵȺȯƊƧǞƊǶƵȺ ƧɐƊȁƮȌ ǶȌ ǶƊɈǞȁɮ dialoga con los feminismos descoloniales del Sur? Las tensiones entre los feminismos latinoamericanos y los latinxs son evidentes y las feministas descoloniales de la región lo han debatido anteriormente con posturas que sostienen la necesidad de un propio feminismo latinoameȲǞƧƊȁȌƊǶƵǯƊƮȌƮƵǶyȌȲɈƵ‫ـ‬0²§Xy„²‫سעןמנة‬w0y(„ð‫©خفמןמנة‬ɐǞȺǞƵȲƊɈƵȲǿǞȁƊȲƵȺɈƵƊȲɈǠƧɐǶȌ cuestionando profundamente este planteamiento desde la crítica de las territorialidades antirracistas relacionales y las geografías feministas descoloniales. Geógrafxs latinxs enfatizan la importancia de lucha antirracista relacional entre geografías negras, indígenas y latinx donde las ƧȌȁƵɮǞȌȁƵȺǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺɯǶƊȯȲƊɮǞȺƧȌȁɈƵǿȯȌȲƋȁƵƊȯȌɈƵȁƧǞƊȁɐȁƊǶɐƧǘƊǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧƊ‫خ‬0ȺɈȌȺǞǐȁǞ˛ca que la praxis territorial de lucha antirracista por el territorio desde lo latinx no puede existir ni tampoco se puede comprender sin la defensa del territorio desde posturas indígenas o afro ‫!ـ‬RDz‫سקןמנة‬ªwZª0ð‫خفמנמנة‬ƵȺɈȌȁȌȺȲƵǏƵȲǞǿȌȺƧȌȁǶƊƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁƮƵɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺ antirracistas relacionales a nivel hemisférico que también están presentes en procesos colecɈǞɨȌȺƧȌǿȌƵȺƵǶƵȁƵǶ0ƧɐƊƮȌȲ‫ ـ‬ª „ðæðªJ„!Xy‫خفןנמנة‬IǞȁƊǶǿƵȁɈƵ‫ة‬ǶȌǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧȌƵȺ distinto a lo transnacional – que ha sido debatido anteriormente en los feminismos descoloniales latinoamericanos – en que no dialoga entre estados-naciones coloniales-racistas, sino entre luchas conectadas desde los antirracismos territoriales. De esta manera y para concluir, quisiera enfatizar la necesidad de pluralizar los espacios y las espacialidades de los feminismos descoloniales de la región más allá del Abya Yala y el Sur. Las geografías de los feminismos descoloniales necesitan un diálogo más estrecho con territorios y territorialidades antirracistas, pero desde una mirada relacional y alejados de lugares esencializados. ªƵǏƵȲƵȁƧǞƊȺ ª „ð‫ة‬ª‫س‬ðªJ„!Xy‫ة‬²‫ٗخ‬XȁɈȲȌƮɐƧƧǞȍȁ٘‫خ‬0ȁ‫ ب‬ª „ð‫ة‬ª‫س‬ðªJ„!Xy‫ة‬²‫ـخ‬ƵƮȺ‫خفخ‬ªƊƧǞȺǿȌȺ Ƶȁ0ƧɐƊƮȌȲ‫خ‬ªƵ˜ƵɮǞȌȁƵȺɯƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊȺǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶƵȺ‫©خ‬ɐǞɈȌ‫ب‬IȲǞƵƮȲǞƧǘٌ0ƦƵȲɈٌ²ɈǞǏɈɐȁǐ0ƧɐƊƮȌȲ‫خןנמנة‬ BARROSO, J. Feminismo decolonial: una ruptura con la visión hegemónica eurocéntrica, racista y burguesa. Entrevista con Yuderkys Espinosa Miñoso. XƦƵȲȌƊǿƶȲǞƧƊ²ȌƧǞƊǶ‫ب‬ȲƵɨǞȺɈƊٌȲƵƮƮƵ ƵȺɈɐƮǞȌȺȺȌƧǞƊǶƵȺ‫ـ‬XXX ‫خעןמנةססٌננة‬ BERMAN-AREVALO, E. Geografías negras del arroz en el Caribe Colombiano: tongues y cuerpo territorio en las grietas de la modernización agrícola. mƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁƊȁƮ!ƊȲǞƦƦƵƊȁ0ɈǘȁǞƧ ²ɈɐƮǞƵȺ‫خןנמנةקןٌןة‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 114-125, 2021 Artigos m²©Ç0ðwªÀXy0ð‫ة‬m‫خ‬0ƧȌǏȲȌȁɈƵȲƊ‫خ‬ȁƋǶǞȺǞȺƵƧȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵǶȌȺƵȺȯƊƧǞȌȺǞȁɈƵȲȺɈǞƧǞƊǶƵȺ como cuerpos-territorios. 0ƧȌǶȌǐǠƊ§ȌǶǠɈǞƧƊ‫خןנמנةקנٌננبןפة‬ BLEDSOE, A. Marronage as a Past and Present Geography in the Americas‫خ‬²ȌɐɈǘƵƊȺɈƵȲȁ JƵȌǐȲƊȯǘƵȲ‫خץןמנةמףٌמסبץףة‬ 123 CABNAL, L. IƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮǞɨƵȲȺȌȺ‫خ‬0ǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌ Madrid: Acsur Las Segovias, ‫خמןמנ‬ ! ym‫ة‬m‫خ‬ÀðjÀ‫ة‬ªƵƮƮƵ²ƊȁƊƮȌȲƊȺȁƧƵȺɈȲƊǶƵȺƮƵǶIƵǿǞȁǞȺǿȌ!ȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌȺƮƵȺƮƵXɮǞǿɐǶƵw-Guatemala.0ƧȌǶȌǐǠƊ§ȌǶǠɈǞƧƊ, ‫خצןמנةנמןٌצקبעף‬ CAHUAS, M. Interrogating absences in Latinx theory and placing Blackness in Latinx geograȯǘǞƧƊǶɈǘȌɐǐǘɈ‫ب‬ƧȲǞɈǞƧƊǶȲƵ˜ƵƧɈǞȌȁ‫ خ‬²ȌƧǞƵɈɯ‫ۋ‬²ȯƊƧƵ ‫ خקןמנ‬https://www.societyandspace.org/ forums/latinx-geographies. !ªÇðR0ªyy(0ð‫خ(ة‬À‫فמנמנـ‬IƵǿǞȁǞȺǿȌȺƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺƮƵƦɯƊæƊǶƊ‫ب‬ǿɐǯƵȲƵȺ organizadas contra las violencias y los despojos. ªƵɨǞȺɈƊ0ȺɈɐƮǞȌȺ§ȺǞƧȌȺȌƧǞƊǶƵȺmƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞٌ ƧƊȁȌȺ ‫خץמןٌצצفןـס‬ („!ªw„!ªÇð‫ة‬ß‫س‬ªÈh„(0„mXß0Xª‫ـخ(ة‬ȌȲǐ‫خفخ‬JƵȌǐȲƊ˛ƊƵǐǞȲȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ب‬experiências, ideias e horizontes de renovação do pensamentocrítico. Rio de Janeiro: Letra Capital, ‫خץןמנ‬ (àæ0ª‫س„ة‬h„y0²‫ة‬h§‫خ‬àǘǞɈƵȺȌƧǞȌٌȺȯƊɈǞƊǶ0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐɯ‫خ‬²ȌƧǞƊǶ‫!ۋ‬ɐǶɈɐȲƊǶJƵȌǐȲƊȯǘɯ‫ٌקמנبןة‬ ‫خמממנةנננ‬ 0²§Xy„²wXƒ„²„‫ة‬æ‫س‬J w0ð‫!„س(ة‬R„‫ة‬j‫ـخ‬0ƮȺ‫خفخ‬ÀƵǯǞƵȁƮȌƮƵȌɈȲȌǿȌƮȌ‫ ب‬Feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala Popaya: Editorial Universidad de Cauca, ‫خעןמנ‬ 0²§Xy„²wXƒ„²„‫ة‬æ‫ٗخ‬0ɈȁȌƧƵȁɈȲǞȺǿȌɯƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȁǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫ب‬ complicidades y consolidación de las hegemonías feministas en el espacio transnacional”. En 0²§Xy„²wXƒ„²„‫ة‬æ‫س‬J w0ð‫!„س(ة‬R„‫ة‬j‫ـخ‬ƵƮȺ‫خفخ‬ÀƵǯǞƵȁƮȌƮƵȌɈȲȌǿȌƮȌ‫ ب‬Feminismo, episteǿȌǶȌǐǠƊɯƊȯɐƵȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƵȁƦɯƊæƊǶƊ‫§خ‬ȌȯƊɯƊ‫ب‬0ƮǞɈȌȲǞƊǶÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƮƵ!ƊɐƧƊ‫خעןמנة‬ FAIVER-SERNA, C. Juntxs/Together: Building Latinx Geographies. ²ȌƧǞƵɈɯ‫ۋ‬²ȯƊƧƵ, ‫خקןממנ‬ https://www.societyandspace.org/forums/latinx-geographies. Jªð ywªÀXy0ð‫ة‬wÀ‫„خ‬ɮǞǿȌȲȌȁ‫ ة‬ǶƊȁȱɐǞɈɐƮɯǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȁƦɯƊæƊǶƊ‫(خ‬ƵȺٌ ƧƵȁɈȲƊƮƊ‫خצןמנبנة‬ J w0ð!„ªª0m‫خ(ة‬ǿƶǏȲǞƧƊmƊƮǞȁƊ‫ة‬ƦɯƊæƊǶƊɯyɐƵȺɈȲƊǿƶȲǞƧƊ‫ب‬ÀƵǯǞƵȁƮȌƵȺȯƵȲƊȁɹƊȺ realistas Dossier. El Pensamiento de Lélia Gonzalez, un legado y un horizonte.IȍȲɐǿ‫خ‬mƊɈǞȁ ǿƵȲǞƧƊȁ²ɈɐƮǞƵȺȺȺȌƧǞƊɈǞȌȁ‫קןמנخקןמנةקףٌףףبמףة‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ǏȌȲɐǿ‫خ‬ǶƊȺƊɩƵƦ‫خ‬ȌȲǐ‫˛ش‬ǶƵȺ‫ش‬ɨȌǶ‫ٌמף‬ǞȺȺɐƵ‫(شס‬ȌȺȺǞƵȲٌmƵǶǞƊٌJȌȁɹƊǶƵɹٌ‫خע‬ȯƮǏ hXw1y0ðßm(0ð‫ة‬0X‫(خ‬ǞȺȯɐɈƊȯȌȲǶȌȺƧɐƵȲȯȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺƵȁƦɯƊæƊǶƊ‫(ب‬ƵɹȌȁƊȺƮƵȺƊƧȲǞ˛ƧǞȌƊ espacios de sanación. JƵȌȯƊɐɈƊ‫خןנמנةנקٌצפبעة‬ mÇJ„y0²‫ة‬w‫!خ‬ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮɯǐƶȁƵȲȌ‫خ‬0ȁ0²§Xy„²wXƒ„²„‫ة‬æ‫س‬J w0ð‫!„س(ة‬R„‫ة‬j‫ـخ‬ƵƮȺ‫خفخ‬ ÀƵǯǞƵȁƮȌƮƵȌɈȲȌǿȌƮȌ‫ ب‬Feminismo, epistemología y apuestas descoloniales en Abya Yala. §ȌȯƊɯƊ‫ب‬0ƮǞɈȌȲǞƊǶÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƮƵ!ƊɐƧƊ‫خעןמנة‬ w0y(„ð‫خ ة‬mƊƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊƮƵǶȺɐȲ‫ة‬ǶƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƮƵǶǐƶȁƵȲȌɯƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞcano. ȯȲȌɮǞǿƊƧǞȌȁƵȺƧȲǠɈǞƧƊȺƊǶƊȺȯȲƋƧɈǞƧƊȺɈƵȍȲǞƧȌٌȯȌǶǠɈǞƧƊȺƮƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞٌ ƧƊȁȌ‫خמןמנةפסٌקןبןة‬ Sofia Zaragocin Ampliando los espacios de los feminismos MOLLET, S. Hemispheric, relational and intersectional political ecologies of Race: Centering Land-Body Entanglements in the Americas.ȁɈǞȯȌƮƵ, ‫خמנמנةןנٌןبמ‬ wǃ„ð‫ة‬m‫س‬æ ªª‫ة‬w‫خ‬XȁɈȲȌƮɐƧɈǞȌȁ‫خ‬mƊɈǞȁåJƵȌǐȲƊȯǘǞƵȺ ²ȯƊƧƵ‫ۋ‬²ȌƧǞƵɈɯ‫خקןמנة‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ 124 societyandspace.org/forums/latinx-geographies. „!R„wǃ„ð‫ة‬j‫خ‬IƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺȯƊȲƊȯȲǞȁƧǞȯǞƊȁɈƵȺ. Material de Lectura. Ciudad de México: Dirección General de Publicaciones y Fomento Editorial, ‫خןנמנ‬ ªwZª0ð‫ة‬w‫!خ‬ǞɈɯƊȺƦȌȲƮƵȲǶƊȁƮ‫ب‬JƵȁɈȲǞ˛ƧƊɈǞȌȁƊȁƮɈǘƵȯȌǶǞƧǞȁǐȌǏ ǶƊƧDzƊȁƮmƊɈǞȁɮǐƵȌǐȲƊȯǘǞƵȺǞȁ„ƊDzǶƊȁƮ‫خ‬0ȁɨǞȲȌȁǿƵȁɈƊȁƮ§ǶƊȁȁǞȁǐ(‫ب‬²ȌƧǞƵɈɯƊȁƮ²ȯƊƧƵ‫خמנמנةפפןٌץעןبצסٶة‬ SANTOS, E. ªƵƮǞȺƧɐɈǞȁƮȌȌ0ȁȺǞȁȌƮƵJƵȌǐȲƊ˛Ɗ‫ب‬ÀƵǿƊȺƮƊmƵǞ‫ קספخמן‬Rio de Janeiro: CEAP, ‫خקממנ‬ SANTOS, E. O Movimento negro brasileiro e sua luta antirracismo: por uma perspectiva descolonial. æɐɯƊɯDzɐȺɐȁ, ‫خץןמנةצמןٌסקبפ‬ SIQUEIRA CORREA, G. O branqueamento do território como dispositivo colonialidad do poder: notas sobre o contexto brasileiro. JƵȌǐȲƊ˛ƊƵǐǞȲȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ب‬ƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺ‫ة‬ǞƮƵǞƊȺƵǘȌȲǞٌ ɹȌȁɈƵȺƮƵȲƵȁȌɨƊƪƣȌƮȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƧȲǠɈǞƧȌ ‫خץןמנةןסןٌץןן‬ ULLOA, A. Feminismos territoriales en América latina: defensas de la vida frente a los extractivismos. yȍǿƊƮƊȺ‫خפןמנةקסןٌסנןبףעة‬ ULLOA, A. Repolitizar la vida, defender los cuerpos-territorios y colectivizar las acciones desde los feminismos indígenas. 0ƧȌǶȌǐǠƊ§ȌǶǠɈǞƧƊ‫خןנמנةצנٌצנبןפة‬ VIVEROS VIGOYA, M. Los colores del antirracismo (en Améfrica Ladina). ²ƵɮɐƊǶǞƮƊƮ‫ة‬²ƊǶɐƮɯ ²ȌƧǞƵƮƊƮ‫خ‬ªƵɨǞȺɈƊmƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊ, ‫خמנמנةעסٌקןبפס‬ ðªJ„!Xy‫ة‬²‫!س‬ª0ÀÀ‫ة‬w‫!خ‬ɐƵȲȯȌٌɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌ‫(ب‬ƵƧȌǶȌȁǞƊǶIƵǿǞȁǞȺɈJƵȌǐȲƊȯǘǞƧƊǶwƵɈǘȌƮǏȌȲ the Study of Embodiment. ȁȁƊǶȺȌǏɈǘƵǿƵȲǞƧƊȁȺȺȌƧǞƊɈǞȌȁȌǏJƵȌǐȲƊȯǘƵȲȺ‫ٌסמףןبןןןة‬ ‫خןנמנةצןףן‬ƮȌǞ‫خמץסנןצןخמנמנخנףעעקפענشמצמןخמןب‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 114-125, 2021 Foto: detalhe do cartaz de Ana Gouvêa, 2021. Histórias do vestir de Catharina Mina: ƧȌȺɈɐȲƊȁƮȌǞƮƵǞƊȺǞȁǞƧǞƊǞȺ ȺȌƦȲƵƊȺǿȌƮƊȺƮƵɐǿƊ ǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊȁȌ wƊȲƊȁǘƣȌȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ‫ן‬ Hanayrá Negreiros PUC-SP / MASP 1 Este artigo é uma adaptação de minha apresentação realizada no GT Moda, Cultura e Historicidade - histórias e ǿȌƮȌȺƮƵɨƵȺɈǞȲǞȁɨǞȺǠɨƵǞȺƵƵɮƧǶɐǠƮȌȺ‫ة‬ƮƵȁɈȲȌƮȌׁ‫׆‬ѥ!ȌǶȍȱɐǞȌƮƵwȌƮƊ‫خفׁׂ׀ׂـ‬ RǞȺɈȍȲǞƊȺƮȌɨƵȺɈǞȲƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫ب‬ƧȌȺɈɐȲƊȁƮȌǞƮƵǞƊȺǞȁǞƧǞƊǞȺ ȺȌƦȲƵƊȺǿȌƮƊȺƮƵɐǿƊǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ ªƵȺɐǿȌ No presente artigo tenho por objetivo fazer “costuras” iniciais sobre os modos de vestir de mulheres africanas na cidade de São Luís do Maranhão, durante o século XIX, com foco na segunda metade do período, partindo da trajetória de Catharina Rosa Ferreira de Jesus, conhecida popularmente na província como Catharina Mina. Mulher e africana, vivenciou escravidão e liberdade em uma vida marcada pela presença do patriarcado, do racismo e da vida em diáspora. O universo da cultura material, inserido no contexto escravista dessa época, assim como as relações de trabalho em cotidianos que envolviam tais mulheres são pano de fundo do artigo. O ponto de partida do ƵȺɈɐƮȌǏȌƧƊƵǿɐǿƊƦȲƵɨƵȲƵɨǞȺƣȌƦǞƦǶǞȌǐȲƋ˛ƧƊȱɐƵƊȲɈǞƧɐǶƊ‫ة‬ƊȯƊȲɈǞȲƮȌǿƶɈȌƮȌƮƊ micro-história e da busca de documentos em fontes primárias (testamentos, invenɈƋȲǞȌȺ Ƶ ȲƵǐǞȺɈȲȌȺ ǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ‫ ةف‬ƊȺ ƮǞǿƵȁȺȪƵȺ ȺǞǿƦȍǶǞƧƊȺ Ƶ ƧɐǶɈɐȲƊǞȺ ȯȲƵȺƵȁɈƵȺ ȁƊȺ histórias do vestir de mulheres como Catharina, alçando a análise das roupas e dos adornos como instrumento capaz de apontar caminhos para o entendimento da vida africana em diáspora brasileira, tendo São Luís do Maranhão, dois anos antes da abolição da escravatura, como cenário principal. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫!ب‬ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫س‬ßƵȺɈǞǿƵȁɈƊȺƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺ‫س‬²ƣȌmɐǠȺƮȌwƊȲƊȁǘƣȌ‫س‬²ƶƧɐǶȌåXå‫خ‬ Las historias del vestir de Catharina Mina: cosiendo las ideas iniciales sobre la moda de una mujer africana en el Maranhão del siglo xix Resumen 0ȁ ƵȺɈƵ ƊȲɈǠƧɐǶȌ ȯȲƵɈƵȁƮȌ ȲƵƊǶǞɹƊȲ ‫ٲ‬ƧȌȺɈɐȲƊȺ‫ ٳ‬ǞȁǞƧǞƊǶƵȺ ȺȌƦȲƵ ǶƊȺ ǏȌȲǿƊȺ ƮƵ ɨƵȺɈǞȲ ƮƵ ǶƊȺ ǿɐǯƵȲƵȺ ƊǏȲǞƧƊȁƊȺ Ƶȁ ǶƊ ƧǞɐƮƊƮ ƮƵ ²ƣȌ mɐǠȺ ƮȌ wƊȲƊȁǘƣȌ‫ ل‬ƮɐȲƊȁɈƵ ƵǶ ȺǞǐǶȌ åXå‫ل‬ ƧƵȁɈȲƋȁƮȌǿƵƵȁǶƊȺƵǐɐȁƮƊǿǞɈƊƮƮƵǶȯƵȲǠȌƮȌ‫ل‬ƊȯƊȲɈǞȲƮƵǶƊɈȲƊɯƵƧɈȌȲǞƊƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊªȌȺƊIƵȲȲƵǞȲƊƮƵhƵȺɐȺ‫ل‬ƧȌȁȌƧǞƮƊȯȌȯɐǶƊȲǿƵȁɈƵƵȁǶƊȯȲȌɨǞȁƧǞƊƧȌǿȌ!ƊɈǘƊȲǞȁƊ wǞȁƊ‫ى‬wɐǯƵȲɯƊǏȲǞƧƊȁƊ‫ل‬ƵɮȯƵȲǞǿƵȁɈȍǶƊƵȺƧǶƊɨǞɈɐƮɯǶƊǶǞƦƵȲɈƊƮƵȁɐȁƊɨǞƮƊǿƊȲƧƊƮƊ ȯȌȲǶƊȯȲƵȺƵȁƧǞƊƮƵǶȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫ل‬ƵǶȲƊƧǞȺǿȌɯǶƊɨǞƮƊƵȁǶƊƮǞƋȺȯȌȲƊ‫ى‬0ǶɐȁǞɨƵȲȺȌƮƵ ǶƊƧɐǶɈɐȲƊǿƊɈƵȲǞƊǶ‫ل‬ǞȁɈȲȌƮɐƧǞƮȌƵȁƵǶƧȌȁɈƵɮɈȌƵȺƧǶƊɨǞȺɈƊƮƵƵȺƊƶȯȌƧƊ‫ل‬ƊȺǠƧȌǿȌǶƊȺ ȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺǶƊƦȌȲƊǶƵȺƧȌɈǞƮǞƊȁƊȺȱɐƵǞȁɨȌǶɐƧȲƊƦƊȁƊƵȺɈƊȺǿɐǯƵȲƵȺ‫ل‬ȺȌȁƵǶɈȲƊȺǏȌȁƮȌ del artículo. El punto de partida del estudio se centra en una breve revisión bibliográ˸ƧƊȱɐƵƊȲɈǞƧɐǶƊ‫ل‬ƮƵȺƮƵƵǶǿƶɈȌƮȌƮƵǶƊǿǞƧȲȌǘǞȺɈȌȲǞƊɯǶƊƦɑȺȱɐƵƮƊƮƵƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺ ƵȁǏɐƵȁɈƵȺȯȲǞǿƊȲǞƊȺٛɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺ‫ل‬ǞȁɨƵȁɈƊȲǞȌȺɯȲƵǐǞȺɈȲȌȺǞƧȌȁȌǐȲƋ˸ƧȌȺٜ‫ل‬ǶƊȺƮǞǿƵȁsiones simbólicas y culturales presentes en los relatos de indumentaria de mujeres ƧȌǿȌ!ƊɈǘƊȲǞȁƊ‫ل‬ȯǶƊȁɈƵƊȁƮȌƵǶƊȁƋǶǞȺǞȺƮƵǶƊȲȌȯƊɯǶȌȺƊƮȌȲȁȌȺƧȌǿȌɐȁǞȁȺɈȲɐǿƵȁɈȌ ƧƊȯƊɹ ƮƵ ȺƵȋƊǶƊȲ ǏȌȲǿƊȺ ƮƵ ƵȁɈƵȁƮƵȲ ǶƊ ɨǞƮƊ ƊǏȲǞƧƊȁƊ Ƶȁ ǶƊ ƮǞƋȺȯȌȲƊ ƦȲƊȺǞǶƵȋƊ‫ل‬ ƧȌȁ ²ƣȌ mɐǠȺ ƮȌ wƊȲƊȁǘƣȌ‫ ل‬ƮȌȺ ƊȋȌȺ ƊȁɈƵȺ ƮƵ ǶƊ ƊƦȌǶǞƧǞȍȁ ƮƵ ǶƊ ƵȺƧǶƊɨǞɈɐƮ‫ ل‬ƧȌǿȌ escenario principal. Palabras clave: Catharina Mina; Indumentaria de mujeres negras; São Luís do MaȲƊȁǘƣȌَ²ǞǐǶȌåXå‫ى‬ Catharina Mina’s dress stories: sewing initial ideas about the fashions of an african woman in eighteenth-century Maranhão Abstract XȁɈǘǞȺƊȲɈǞƧǶƵXƊǞǿɈȌƮȌǞȁǞɈǞƊǶ‫ٲ‬ȺƵƊǿȺ‫ٳ‬ȌȁɈǘƵɩƊɯȺȌǏƮȲƵȺȺǞȁǐȌǏǏȲǞƧƊȁɩȌǿƵȁǞȁ ɈǘƵƧǞɈɯȌǏ²ƣȌmɐǠȺƮȌwƊȲƊȁǘƣȌ‫ل‬ƮɐȲǞȁǐɈǘƵ‫؂׺‬ɈǘƧƵȁɈɐȲɯ‫ل‬ǏȌƧɐȺǞȁǐȌȁɈǘƵȺƵƧȌȁƮ ǘƊǶǏȌǏɈǘƵȯƵȲǞȌƮ‫ل‬ȺɈƊȲɈǞȁǐǏȲȌǿɈǘƵɈȲƊǯƵƧɈȌȲɯȌǏ!ƊɈǘƊȲǞȁƊªȌȺƊIƵȲȲƵǞȲƊƮƵhƵȺɐȺ‫ل‬ ȯȌȯɐǶƊȲǶɯDzȁȌɩȁǞȁɈǘƵȯȲȌɨǞȁƧƵƊȺ!ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫ى‬àȌǿƊȁƊȁƮǏȲǞƧƊȁ‫ل‬ȺǘƵƵɮȯƵȲǞƵȁƧƵƮȺǶƊɨƵȲɯƊȁƮǏȲƵƵƮȌǿǞȁƊǶǞǏƵǿƊȲDzƵƮƦɯɈǘƵȯȲƵȺƵȁƧƵȌǏȯƊɈȲǞƊȲƧǘɯ‫ل‬ȲƊƧǞȺǿ‫ل‬ ƊȁƮǶǞǏƵǞȁɈǘƵƮǞƊȺȯȌȲƊ‫ى‬ÀǘƵɐȁǞɨƵȲȺƵȌǏǿƊɈƵȲǞƊǶƧɐǶɈɐȲƵ‫ل‬ǞȁȺƵȲɈƵƮǞȁɈǘƵȺǶƊɨƵƧȌȁɈƵɮɈ ȌǏɈǘƊɈɈǞǿƵ‫ل‬ƊȺɩƵǶǶƊȺɈǘƵƮƊǞǶɯɩȌȲDzȲƵǶƊɈǞȌȁȺǘǞȯȺɈǘƊɈǞȁɨȌǶɨƵƮɈǘƵȺƵɩȌǿƵȁƊȲƵ the background of the article. The starting point of the study focuses on a brief bibǶǞȌǐȲƊȯǘǞƧƊǶȲƵɨǞƵɩɈǘƊɈƊȲɈǞƧɐǶƊɈƵȺ‫ل‬ǏȲȌǿɈǘƵǿǞƧȲȌ٧ǘǞȺɈȌȲɯǿƵɈǘȌƮƊȁƮɈǘƵȺƵƊȲƧǘ ǏȌȲ ƮȌƧɐǿƵȁɈȺ Ǟȁ ȯȲǞǿƊȲɯ ȺȌɐȲƧƵȺ ٛɩǞǶǶȺ‫ ل‬ǞȁɨƵȁɈȌȲǞƵȺ ƊȁƮ ǞƧȌȁȌǐȲƊȯǘǞƧ ȲƵƧȌȲƮȺٜ‫ ل‬ɈǘƵ symbolic and cultural dimensions present in the stories of clothing of women like !ƊɈǘƊȲǞȁƊ‫ل‬ȲƊǞȺǞȁǐɈǘƵƊȁƊǶɯȺǞȺȌǏƧǶȌɈǘƵȺƊȁƮƊƮȌȲȁǿƵȁɈȺƊȺƊȁǞȁȺɈȲɐǿƵȁɈƧƊȯƊƦǶƵ ȌǏ ȯȌǞȁɈǞȁǐ ȌɐɈ ɩƊɯȺ ɈȌ ɐȁƮƵȲȺɈƊȁƮ ǏȲǞƧƊȁ ǶǞǏƵ Ǟȁ ɈǘƵ ȲƊɹǞǶǞƊȁ ƮǞƊȺȯȌȲƊ‫ ل‬ɩǞɈǘ ²ƣȌ mɐǠȺƮȌwƊȲƊȁǘƣȌ‫ل‬ɈɩȌɯƵƊȲȺƦƵǏȌȲƵɈǘƵƊƦȌǶǞɈǞȌȁȌǏȺǶƊɨƵȲɯ‫ل‬ƊȺɈǘƵǿƊǞȁȺƧƵȁƊȲǞȌ‫ى‬ Keywords: !ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊَ ǶƊƧDzɩȌǿƵȁ‫ٵ‬ȺǐƊȲǿƵȁɈȺَ²ƣȌmɐǠȺƮȌwƊȲƊȁǘƣȌَ‫؂׺‬Ɉǘ century. Artigos „ɨƵȺɈǞȲƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺ ƧȌǿȌƊȲǐɐǿƵȁɈȌ‫ب‬ƊǶǐɐǿƊȺǶǞȁǘƊȺ‫ة‬ƦȲƵɨƵȺǞƮƵǞƊȺ Investigar histórias de mulheres negras e as suas relações com o vestir no Brasil tem sido um dos meus principais temas de estudo nos últimos anos e é muito interessante perceber um campo que vem sendo tecido e fortalecido por óticas feministas com especial interesse para as trajetórias dessas mulheres. Dedicar o olhar para o estudo de modas e modos de viver de mulheres africanas e afro-brasileiras em diversas temporalidades e localidades se mostra uma ótima oportunidade para a construção de narrativas diversas e plurais que privilegiam histórias ȱɐƵǿɐǞɈƊȺƮƊȺɨƵɹƵȺƊƧƊƦƊǿ˛ƧƊȁƮȌȯȌȲٗƮƵƦƊǞɮȌƮȌȺȯƊȁȌȺ٘‫ة‬ƵɨȌƧƊȁƮȌƊȺǿɐǞɈƊȺɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊȺ femininas que urdiram histórias neste país. Rita Morais de Andrade em seu texto intitulado O vestuário como assunto: um ensaio ‫فןנמנـ‬ȲƵ˜ƵɈƵȌɨƵȺɈɐƋȲǞȌƧȌǿȌƵǶƵǿƵȁɈȌɐȁǞɨƵȲȺƊǶƮƊƧɐǶtura humana, nos apresentando a possibilidade para pensarmos as histórias do vestir, por meio ƮƵǿƵǿȍȲǞƊȺƵǞǿƊǐǞȁƋȲǞȌȺ‫ة‬ȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌȺȌƦȲƵƊȯȌȺȺǠɨƵǶȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƪƣȌƮƵɐǿƊǿƊȁƵǞȲƊƵȺȯƵƧǠ˛ca de historicizar os vestires com o pé nos modelos eurocêntricos de estudo: A história do vestir, mais comumente conhecida como história da moda, tamƦƶǿƵȺɈƵɐǿƧȌȁƧƵǞɈȌȲƵƧƵȁɈƵƮȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƮƊȺȯȲƋɈǞƧƊȺƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȺƵƊƧƊdêmicas, é uma construção baseada naquilo que se conhece dos remanescentes da cultura material e visual e do conhecimento transmitido oralmente por gerações. Portanto, a história do vestuário é uma construção feita de elementos da nossa própria memória e de invenção, do imaginário dos interesses que estão em jogo em determinado período e em determinada circunscrição geoȯȌǶǠɈǞƧƊ‫خ‬1ȯȌȺȺǠɨƵǶȱɐƵɈƵȁǘƊǿȌȺȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƮȌɐǿƊǏȌȲǿƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊƮƵǘǞȺɈȌricizar os modos de vestir com base no modelo da história da arte eurocêntrica ‫ـ‬y(ª(0‫ةןנמנة‬ȯ‫خفצןٌץןخ‬ ²ƵǐɐǞȁƮȌƊȺǶǞȁǘƊȺȯȲȌȯȌȺɈƊȺȯȌȲȁƮȲƊƮƵ‫ة‬ȌɐȺȌƊƊ˛ȲǿƊȲȱɐƵƊȱɐǞȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ة‬ȯƵǶȌǿƵnos em um sentido ampliado de estudos, que envolve perspectivas acadêmicas e as de fora da academia, as histórias do vestir que ganham mais visibilidade e possibilidade de pesquisas e divulgação são as brancas, tendo o norte global no que tange os territórios europeus e estadunidense como orientadores para esses estudos. Em minha experiência como pesquisadora e professora independente de moda‫׌‬, tenho acompanhado uma porção de estudantes que cada vez mais buscam por outras narrativas e histórias da e na moda‫׍‬, vislumbrando nos curȺȌȺǶǞɨȲƵȺ‫ة‬ȌȯȌȲɈɐȁǞƮƊƮƵȺȯƊȲƊȲƵ˜ƵɮƣȌȺȌƦȲƵȌƊȺȺɐȁɈȌ‫„خ‬ȱɐƵƧȌȺɈɐǿȌȯȲȌȯȌȲƵǿƊɐǶƊ‫ة‬ƊȺȺǞǿ como o que quero oferecer neste texto é que pensemos as negras maneiras de vestir como argumento, partindo do estudo das roupas e adornos vestidos por pessoas africanas e afro-braȺǞǶƵǞȲƊȺ‫ة‬Ɗ˛ǿƮƵȯȌƮƵȲƊǿȯǶǞƊȲƊȺƮǞȺƧɐȺȺȪƵȺƵǿȲƵǶƊƪƣȌƊȱɐƊǞȺǘǞȺɈȍȲǞƊȺƵȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺƮƵǿȌƮƊ podemos estudar e debater. Para tal, serão as histórias do vestir de Catharina Mina, mulher negra e africana, que nos servirão de linhas para essas primeiras costuras. ׂ Desde 2017 venho lecionando em instituições culturais a exemplo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), rede SESC e Adelina Instituto, cursos livres que abordam histórias da moda, brasileiras e africanas a partir de olhares e narrativas negras. E não estou sozinha, existem outras pesquisadoras tecendo esse campo. Para citar alguns nomes, temos Wanessa Yano, Cynthia Mariah, Nathália Grilo, Maria do Carmo Paulino dos Santos e Andreza Ferreira, mulheres negras, que assim como eu, se dedicam a pesquisar e ensinar estéticas e modas a partir de outras perspectivas. 3 NEGREIROS, Hanayrá. Por outras histórias da (e na) moda. ELLE Brasil, 2020. Disponível em: https://elle.com.br/ colunistas/por-outras-historias-da-e-na-moda. Acesso em 03 nov. 2021. Hanayrá Negreiros 131 Histórias do vestir de Catharina Mina §ȲǞǿƵǞȲƊȺƧȌȺɈɐȲƊȺ‫ب‬ƵǿƦɐȺƧƊƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ Para quem é de São Luís do Maranhão, o nome de Catharina‫ ׎‬Mina é familiar. É comum 132 perguntar pela história dela para os ludovicenses que quase sempre têm algum caso para contar sobre a senhora negra comerciante que nomeia um dos espaços mais conhecidos do centro histórico da cidade, o beco Catarina Mina. Ladeado por antigos casarões e composto por uma escadaria com mais de trinta degraus de pedra de lioz português, o beco é atualmente um dos espaços mais famosos do bairro da Praia Grande e possui estabelecimentos comerciais diversos, entre lojas e restaurantes. IȌǞƵǿɐǿƮƵȺȺƵȺƵȺɈƊƦƵǶƵƧǞǿƵȁɈȌȺ‫ة‬Ȍ!ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ ƊȲ‫ۋ‬ªƵȺɈƊɐȲƊȁɈƵ‫ة‬ȱɐƵ˛ƧƊƜƵȺquerda de quem sobe o beco de mesmo nome, que eu pude conhecer mais sobre a ilustre ƮƊǿƊȁƵǐȲƊ‫خ‬yȌƧȌǿƵƪȌƮƵ‫ةמנמנ‬ƊȁɈƵȺƮƵȺƵȲǿȌȺƊƧȌǿƵɈǞƮȌȺȯƵǶƊȯƊȁƮƵǿǞƊƮƵ!„ßX(ٌ‫ةקן‬ fui visitar os meus familiares em São Luís, ocasião que me proporcionou conhecer Maria de Lourdes, uma comerciante que mora e trabalha no beco. Lourdes é proprietária do bar que leva o nome de Catharina e uma das pesquisadoras e entusiastas de sua história. Foi conversando com ela em algumas tardes em seu restaurante que descobri que Catharina Mina fora uma popular comerciante, vendedora de farinha e carne de charque, dona de uma barraca aos pés do beco que leva o seu nome. Um outro fato interessante das histórias que ouvi sobre Catharina é a relação dela com o vestir, muitas vezes lembrada por ser vista trajando roupas elegantes e suntuosas joias pelas ruas da cidade. Tínhamos, ali, uma personalidade local muito lembrada pelas oralidades do povo ludovicense, com destaque especial para o seu vestir e suas habilidades com o comércio. Atualmente, para quem viaja até São Luís e tem a oportunidade de conhecer o bairro central da Praia Grande, pode facilmente encontrar alguém para lhe contar histórias sobre Catharina. Até hoje vários relatos são contados sobre o bom “faro para o negócio” que ela posȺɐǠƊ‫خ‬0ȺȺƵɈǞȁȌƧȌǿƵȲƧǞƊǶȯȌȺȺǞƦǞǶǞɈȌɐȱɐƵƵǶƊǿȌƮǞ˛ƧƊȺȺƵƊɨǞƮƊƮƵƵɮٌƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊƮƵǐƊȁǘȌ‫׏‬, lhe proporcionando a experiência de uma mulher forra, detentora de uma verdadeira fortuna, ȱɐƵȯȌƮƵȺƵȲƧȌȁǏƵȲǞƮƊƵǿȺƵɐɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌƵǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌ‫ة‬ƮƊɈƊƮȌȺƮƵ‫خפצצן‬wɐǞɈȌƧɐȲǞȌȺƊȯƊȲƊ saber mais sobre essa mulher, ao mesmo tempo misteriosa e famosa, perguntei à Lourdes se ela poderia saber de possíveis documentos que poderiam ter sido deixados por Catharina, ao que ela respondeu que alguma “papelada” poderia estar guardada no Arquivo Público do Estado do Maranhão. Após alguns dias de pesquisas em acervos documentais da cidade, fui orientada a visitar ȌȲȱɐǞɨȌƮȌÀȲǞƦɐȁƊǶƮƵhɐȺɈǞƪƊƮȌwƊȲƊȁǘƣȌ‫ة‬ȌȁƮƵ˛ȁƊǶǿƵȁɈƵǿƵƮƵȯƊȲƵǞȁƣȌȺȍƧȌǿɐǿ‫ة‬ mas com dois documentos de Catharina: o seu testamento e o seu inventário. E é aqui que este texto encontra as primeiras fontes para início de sua “costura”. Nas primeiras páginas de seu testamento, Catharina se declara “christã, catholica, apostholica romana, de nação Mina e solteira”‫خא‬ȯƊȲɈǞȲƮƵȺȺƊǞȁǏȌȲǿƊƪƣȌǏȌǞȯȌȺȺǠɨƵǶǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ!ƊɈǘƊȲǞȁƊƧȌǿȌɐǿƊǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊ 4  yƵȺɈƵ ƊȲɈǞǐȌ‫ ة‬Ɗ ȌȯƪƣȌ ƮƵ ǐȲƊ˛Ɗ ƮȌ ȁȌǿƵ ƮƵ !ƊɈǘƊȲǞȁƊ ȺƵȲƋ ƧȌǿ Ɉǘ‫ ة‬ȺƵǐɐǞȁƮȌ Ɗ ǏȌȲǿƊ ƵȁƧȌȁɈȲƊƮƊ Ƶǿ ȺƵɐȺ ƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺ‫ـ‬ɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌƵǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌ‫§خف‬ȌȲƶǿ‫ة‬ƊȌǶȌȁǐȌƮȌɈƵɮɈȌ‫ة‬ƊǐȲƊ˛ƊȯȌƮƵȲƋɨƊȲǞƊȲ‫ة‬ɐǿƊɨƵɹȱɐƵƊƵȺƧȲǞɈƊƮȌ nome não é consensual. ‫ ׅ‬Pretendo abordar de maneira introdutória, ao longo do texto, a presença das “negras de ganho” e as relações entre trabalho e escravidão presentes nos centros urbanos brasileiros do século XIX. ‫ ׆‬Maranhão. Tribunal de Justiça. Testamento de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da Comarca ƮƵ²ƣȌmɐǠȺ‫خ‬ȲȱɐǞɨȌhɐƮǞƧǞƋȲǞȌ(ƵȺƵǿƦƊȲǐƊƮȌȲwǞǶȺȌȁƮƵ²ȌɐɹƊ!ȌɐɈǞȁǘȌ‫!خ‬ȍƮ‫ خ‬ª‫ص‬w‫ص‬hٌÀhw‫خ‬²m²‫خׁ׀׀خ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos oriunda da Costa da Mina‫ ב‬em uma sociedade marcada por uma gama de referências raciais atribuídas às pessoas que se encontravam em solo brasileiro. !ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫ب‬ƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺȌǶǘƊȲƵȺ ƵǞȁɈƵȲƵȺȺƵȺȯȌȲɐǿƊǿƵȺǿƊǿɐǶǘƵȲ 133 ÇǿƮȌȺǞȁɈɐǞɈȌȺƮƵȺɈƵɈƵɮɈȌƶȺɐǐƵȲǞƮȌǯƋƵǿȺƵɐǞȁǠƧǞȌ‫ة‬ǿƊǞȺƵȺȯƵƧǞ˛ƧƊǿƵȁɈƵȁȌɈǠɈɐǶȌ‫ة‬ com a ideia de “costura” no sentido de também articular outras pesquisas que se debruçaram, a partir de diversos pontos de vista, sobre a história de Catharina. Vale ressaltar que o interesse por histórias de mulheres negras no Brasil escravista‫ ג‬não é uma novidade. Ao longo destes escritos, buscarei trazer para a discussão alguns exemplos de estudos que jogaram luz nas múltiplas experiências negras e femininas que engendraram realidades brasileiras neste país, que ǏȌǞȌɑǶɈǞǿȌƊƊƦȌǶǞȲƊƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌ‫ة‬ƵǿɐǿɈƊȲƮǞȌ‫סן‬ƮƵǿƊǞȌƮƵ‫خצצצן‬ A primeira produção que menciona Catharina da qual tive notícia foi o livro ÀȲƺȺ²ƶƧɐǶȌȺ de Modas‫ةفסנקןـ‬ƮƵƊɐɈȌȲǞƊƮƵhȌƣȌǏǏȌȁȺȌƮȌyƊȺƧǞǿƵȁɈȌ‫ד‬. Publicado no início do século XX, ȌǶǞɨȲȌȲƵ˜ƵɈƵ‫ة‬ƧȌǿȌƶȺɐǐƵȲǞƮȌƵǿȺƵɐɈǠɈɐǶȌ‫ة‬ɈȲƵɹƵȁɈȌȺƊȁȌȺƮƵǿȌƮƊ‫ة‬ȁȌȱɐƊǶȌƊɐɈȌȲƦɐȺƧȌɐ documentar modas e costumes europeus e brasileiros. Com um olhar voltado ao que se entenƮǞƊȯȌȲǿȌƮƊƊȯƊȲɈǞȲƮƵɐǿƊǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊȺȌƦȲƵɈɐƮȌƵɐȲȌȯƵǞƊ‫ة‬ȌƊɐɈȌȲɈƊǿƦƶǿƮƵȺǶȌƧȌɐȌȌǶǘƊȲ aos “tipos urbanos”, registrando pessoas e os seus modos de vestir que estavam pelas ruas do Norte e Nordeste do país. A “Preta Mina” desenhada por João Affonso é um desses tipos que, de ƊƧȌȲƮȌƧȌǿȌƊɐɈȌȲ‫ة‬ȺƵɨǞƊȯƵǶƊȺȲɐƊȺƮƵ²ƣȌmɐǠȺƵǿǿƵƊƮȌȺƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫מץצן‬ƵȁƣȌȺȍƮȌcumenta o estilo de mulheres negras africanas conhecidas como “mulheres de nação Mina”‫׊׋‬, como também menciona nominalmente Catharina como um expoente de tal vestir. Fernando RƊǐƵ‫ةفמנמנـ‬ƊȌǿƵȁƧǞȌȁƊȲȌȺƮƵȺƵȁǘȌȺƧȌǿɈȲƊƪȌȺƧƊȲǞƧƊɈɐȲƊǞȺȱɐƵhȌƣȌǏǏȌȁȺȌǏƵɹƮƵǿɐlheres negras, aponta que a “Preta Mina”, segundo o referido autor, possui traços e elementos semelhantes à mulher negra baiana, muito documentada‫ ׋׋‬em registros de artistas europeus como a inglesa Maria Graham, o francês Jean Baptiste Debret e o alemão Johann Moritz RuǐƵȁƮƊȺ‫ة‬ɈƊǶƧȌǿȌƵǿǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊȺƮƊɈƊƮƊȺƮƊȺƵǐɐȁƮƊǿƵɈƊƮƵƮȌȺƶƧɐǶȌåXå‫ة‬ƊƵɮƵǿȯǶȌȺƮƵǶƦƵȲɈȌRƵȁȺƧǘƵǶ‫ة‬ªȌƮȌǶȯǘȌmǞȁƮƵǿƊȁȁƵwƊȲƧIƵȲȲƵɹ‫خ‬ȱɐǞǿƵȲƵ˛ȲȌƮǞȲƵɈƊǿƵȁɈƵƜȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌ de Affonso, em um trecho‫׌׋‬ȁȌȱɐƊǶȌƊɐɈȌȲǿƵȁƧǞȌȁƊƊٗ§ȲƵɈƊwǞȁƊ٘‫ة‬ƮǞɹƵȁƮȌȱɐƵƵǶƊƮƵȺ˛ǶƊɨƊ ȯƵǶƊȺȲɐƊȺǿƊȲƊȁǘƵȁȺƵȺȲǞƧƊȺȲƵȁƮƊȺ‫ة‬ƵȺɈȌǏȌȺ˛ȁȌȺƵǿɐǞɈƊȺǯȌǞƊȺƮƵȌɐȲȌ‫ة‬ƧȌȁǏȌȲǿƵȺƵȌƦȺƵȲɨƊ ƊȺƵǐɐǞȲ‫ة‬ȁȌɈƵɮɈȌȯɐƦǶǞƧƊƮȌƵǿ‫بסנקן‬ ‫ ׇ‬Região também chamada por Golfo do Benim, recebe discussões mais aprofundadas em diversas publicações, ƮƵȁɈȲƵƵǶƊȺª„(ªXJÇ0²‫ة‬ǶƮƊǞȲ‫س‬mǞǿƊ‫ة‬XɨƊȁƊ²ɈȌǶɹƵ‫س‬IªX²‫ة‬hɐǶǞƊȁƊ ƊȲȲƵɈȌ‫„ـ‬ȲǐȺ‫خفخ‬A diáspora Mina: africanos enɈȲƵȌǐȌǶǏȌƮȌ ƵȁǞǿƵȌ ȲƊȺǞǶ. – 1. Ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2020. 8 !Ǐ‫خ‬ȌȺɈƵɮɈȌȺȯɐƦǶǞƧƊƮȌȺƵǿåßX0ª‫ة‬JǞȌɨƊȁƊ‫س‬IªX²‫ة‬hɐǶǞƊȁƊ ƊȲȲƵɈȌ‫س‬J„w0²‫ة‬IǶƋɨǞȌ‫„ـ‬ȲǐȺ‫خفخ‬Mulheres negras ȁȌ ȲƊȺǞǶƵȺƧȲƊɨǞȺɈƊƵƮȌȯȍȺ٧ƵǿƊȁƧǞȯƊƪƣȌ. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012, para um maior aprofundamento no tema. 9 hȌƣȌǏǏȌȁȺȌ‫ة‬ƧȌǿȌȯȌȯɐǶƊȲǿƵȁɈƵ˛ƧȌɐƧȌȁǘƵƧǞƮȌǏȌǞɐǿƊȲɈǞȺɈƊƵǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶȁƊȺƧǞƮȌȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȁƊƮƶƧƊƮƊ de 1850. Para mergulho em sua obra, utilizo a pesquisa de HAGE, Fernando. 0ȁɈȲƵȯƊǶƊɨȲƊȺ‫ل‬ƮƵȺƵȁǘȌȺƵǿȌƮƊȺ‫ك‬ ɐǿȯƵȲƧɐȲȺȌƧȌǿhȌƣȌǏǏȌȁȺȌ. Curitiba: Appris, 2020, a quem eu agradeço profundamente por compartilhar seus estudos. 10 A identidade africana Mina no Maranhão será um tópico a ser estudado ao longo de pesquisas futuras. Porém, discussões aprofundadas sobre mulheres de nação Mina no Brasil podem sem encontradas em Faria (2004), Farias (2012) e Graham (2012) e nos servirão de referencial aqui e em outros escritos. 11 ÇǿƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨƊƮȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧƊȺȌƦȲƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁȌȺȯƵȲǠȌƮȌȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵǞǿȯƵȲǞƊǶƦȲƊȺǞǶƵǞros pode ser encontrada em acervos digitais, a exemplo da Biblioteca Nacional e do Instituto Moreira Salles. Com certeza assunto para um outro texto. ׁׂ ǐȲƊ˛ƊȌȲǞǐǞȁƊǶǏȌǞȯȲƵȺƵȲɨƊƮƊ‫خ‬ Hanayrá Negreiros Histórias do vestir de Catharina Mina 134 Chegados ao Maranhão, se ahi já não fôr habitual cruzar nas ruas a “preta mina”, pelo menos haverá quem se recorde de a ter visto, há menos de cincoenta annos, pomposamente adereçada nos dias das grandes festas. A “preta ǿǞȁƊ٘ɨƵȺɈǞƊƧƊǿǞȺƊƵȺƊǞƊ‫س‬ƧƊǿǞȺƊƮƵƧȌɈƊƮƊ‫ة‬ƮƵǿƊȁǐƊȺƧɐȲɈƊȺ‫ة‬ɈȌƮƊǐɐƊȲȁƵƧǞda de belíssima renda de almofada, quando não era de labyrintho, ou de “ caƧɐȁƮƺ٘‫س‬ȺƊǞƊƮƵ˛ȁǠȺȺǞǿȌƵƊǶɨǞȺȺǞǿȌǶǞȁǘȌ‫ة‬ɈƵȁƮȌȁƊƦƵǞȲƊǶƊȲǐȌǏȏǶǘȌ‫ة‬ɈƊǿƦƶǿ de renda, como de renda é o lencinho que ella cuidadosamente segura na ǿƣȌƮǞȲƵǞɈƊ‫س‬ƵȺƵƊȺƊǶȌǞƊȯȌȲɈɐǐɐƵɹƊƵɮǘǞƦƵ‫ة‬ȁȌƮǞƊƮȌȌȲƋƧɐǶȌƮƊȺɐƊȯƊȲȌƧǘǞƊ‫ة‬ o melhor de seus haveres, representados em dixes e teteias de ouro, o “ ouro” da “ preta mina” é muito mais abundante, e mesmo muito mais sólido: na cabeça um par de pentes, e um par de “ travessas”, de tartaruga, chapeados de ȌɐȲȌƧǞȁɹƵǶƊƮȌ‫ب‬ȁƊȺȌȲƵǶǘƊȺ‫ة‬ƵȁȌȲǿƵȺƦȲǞȁƧȌȺƮƵȌɐȲȌ‫ة‬ȌƦȲƊƮȌ§ȌȲɈȌ‫س‬ƊƧȌǿƵƪƊȲ do pescoço, até ao decote da camisa, não se vê a pelle do collo, occulta sob ɐǿƊȺɐƧƵȺȺƣȌƮƵƵȁ˛ƊƮƊȺƮƵƧȌȁɈƊȺƮƵȌɐȲȌƵǿǐȲȌȺȺȌȺƦƊǐȌȺ‫ة‬ƊɐǶɈǞǿƊƮƊȺ ȱɐƊƵȺɈƵǿƮƵȯƵȁƮɐȲƊƮȌ‫ة‬ȁȌƧƵȁɈȲȌ‫ة‬ɐǿǐȲƊȁƮƵƧȲɐƧǞ˛ɮȌƮƵȌɐȲȌǿƊȺȺǞƪȌ‫ة‬Ƶ‫ة‬ por ultimo, em separado, um cordão de fortes élos de ouro, de que pendem, na frente e nas costas, os “ bentinhos” ou escapularios, de N . S. do Carmo, ou de N. S. das Mercês, segundo a confraria a que a preta pertencia, e que, enquanto a gente de poucos recursos se contentava em forrar com oleado, para preservar do contacto da transpiração do corpo, ella queria que fossem mettidos entre ƮɐƊȺƧǘƊȯƊȺƮƵȌɐȲȌ‫س‬ȁȌȺƦȲƊƪȌȺ‫ة‬ƮȌǞȺȌɐɈȲƵȺȯƊȲƵȺƮƵƦȲƊƧƵǶƵɈƵȺ‫ة‬ƮƵȯɐǶȺƵǞȲƊȺƮƵȌɐȲȌ‫ة‬ƮƵƊǶƵȁɈƊƮƊǐȲȌȺȺɐȲƊƵƵɮȱɐǞȺǞɈȌȺǏƵǞɈǞȌȺ‫س‬ƵǿƧƊƮƊƮƵƮȌƮƊȺƮɐƊȺ mãos, dois, tres, quatro anelões de ouro, de variados lavores. E com toda esta ȌȺɈƵȁɈƊƪƣȌƮƵƵȺɈȌǏȌȺ˛ȁȌȺ‫ة‬ȲƵȁƮƊȺƧƊȲƊȺƵƊƮȌȲȁȌȺƮƵȌɐȲȌ‫ة‬ƊٗȯȲƵɈƊǿǞȁƊ٘ɨƊƵ descalça. Há de haver, provavelmente, em São Luiz, quem reconheça no typo ȱɐƵƊȺȺǞǿ˛ƧƊƮƵȺƧȲǞȯɈȌ‫ة‬ƊƊƦƊȺɈƊƮƊƧƊȯǞɈƊǶǞȺɈƊ!ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫ة‬ȁƵǐȌƧǞƊȁɈƵƮƵ farinha, com armazém á rua do Trapiche, que teve o capricho de casar com um cafuz, para quem arranjou uma patente de alferes da Guarda Nacional (AFI„y²„‫ة‬hȌƣȌ‫ةסנקןة‬ȯ‫خفخףנןٌענןخ‬ Além da minuciosa descrição dos modos de vestir da “Preta Mina”, João Affonso refere-se à Catharina como “a abastada capitalista”, informando sobre aspectos de sua vida, a sua situação econômica e religiosidades, ressaltando também costumes e relações que tal mulher teria em sua experiência de vida na diáspora. As joias são elementos do vestir de Catharina que aparecem tanto na descrição e representação de João Affonso, como também no inventário‫׍׋‬ da própria mulher, que ao morrer deixa para alguns de seus entes “vinte e quatro anneis de diferentes tamanhos e feitios” e “um cordão grosso” entre outros itens de joalheria, tudo em ouro. Vale ressaltar outros detalhes salientados por Affonso do trajar da senhora negra, que se caracterizava pelo uso de tecidos nobres, como o linho e as diversas rendas, utilizados comumente pelas mulheres brancas e ricas da cidade. O uso de muitas joias de ouro também é destacado pelo autor que menciona “dois ou três pares de braceletes, de pulseiras de ouro, de alentada grossura e exquisitos feitios (...)”. XȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵȁȌɈƊȲȱɐƵƊǶƶǿƮȌȺɈƵƧǞƮȌȺ˛ȁȌȺƵǯȌǞƊȺȺɐȁɈɐȌȺƊȺ‫ة‬ǏǏȌȁȺȌǿƵȁƧǞȌȁƊƵȲƵtrata a mulher africana com traços de uma pessoa mais velha e descalça, enquanto a outra mulher negra, chamada de “Crioula do Maranhão”, nascida no Brasil e provavelmente mais jovem e descendente da “Preta Mina”, é apresentada com delicados sapatinhos e roupas consideradas pelo autor mais próximas às modas de mulheres brancas. Cabe aqui uma pergunta: que sociedade maranhense foi essa que possibilitou a existência de Catharina Mina? Matheus Gato de hƵȺɐȺ‫ةفףןמנـ‬ƵǿȺɐƊȯƵȺȱɐǞȺƊƮƵƮȌɐɈȌȲƊƮȌȺȌƦȲƵȲƊƧǞȺǿȌƵƮƵƧƊƮƺȁƧǞƊȁƊȺȌƧǞƵƮƊƮƵǿƊȲƊ- 13 Maranhão. Tribunal de Justiça. Inventário de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da Comarca ƮƵ²ƣȌmɐǠȺ‫خ‬ȲȱɐǞɨȌhɐƮǞƧǞƋȲǞȌ(ƵȺƵǿƦƊȲǐƊƮȌȲwǞǶȺȌȁƮƵ²ȌɐɹƊ!ȌɐɈǞȁǘȌ‫!خ‬ȍƮ‫ خ‬ª‫ص‬w‫ص‬hٌÀhw‫خ‬²m²‫خׁ׀׀خ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos 135 IǞǐɐȲƊ‫ן‬Ilustração da Preta Mina e da Crioula do Maranhão de João Affonso no livro Três séculos de Modas, Belém, ‫ىסנקן‬ȯƋǐǞȁƊȺƵǿȁɐǿƵȲƊƪƣȌ‫خ‬ Hanayrá Negreiros Histórias do vestir de Catharina Mina ȁǘƵȁȺƵȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊȲƵȺǐƊɈƊƊ˛ǐɐȲƊƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊƊȯƊȲɈǞȲƮƊȌƦȲƊƮƵhȌƣȌǏǏȌȁȺȌƊȌȯƊȺȺȌƵǿ ȱɐƵȲƵ˜ƵɈƵƊǿƊȲƧƊȁɈƵȯȲƵȺƵȁƪƊƮƵȯƵȺȺȌƊȺƊǏȲǞƧƊȁƊȺƵǿ²ƣȌmɐǠȺ‫ب‬ 136 Esses africanos deixaram marcas duradouras na memória social de São Luís, na religiosidade popular e mesmo na arquitetura da cidade. Famosa foi Catarina Mina, rica comerciante que estabeleceu seu negócio num imponente sobrado da Praia Grande, ladeando e competindo com os portugueses e os ǐȲƊȁƮƵȺƧȌǿƵȲƧǞƊȁɈƵȺƮƊɈƵȲȲƊ‫ـ‬h0²Ç²‫ةףןמנة‬ȯ‫خفמפخ‬ Como mencionado anteriormente, Catharina ascendeu economicamente por conta de sua atuação como comerciante e os seus modos de vestir registrados por artistas como Affonso, ˛ƧƊȲƊǿȯȲƵȺƵȁɈƵȺȁƊǿƵǿȍȲǞƊƮȌȯȌɨȌǶȌƧƊǶ‫(خ‬ƵƧƵȲɈȌ‫ة‬ɐǿƊǿɐǶǘƵȲȲǞƧƊƧȌǿȌ!ƊɈǘƊȲǞȁƊ‫ة‬ǘƊɨƵria de se vestir de acordo com a sua posição, utilizando-se também do “bem trajar” para marcar a sua presença na sociedade, buscando superar estigmas sociais e raciais por meio dos “estofos ˛ȁȌȺƵȲƵȁƮƊȺƧƊȲƊȺ٘‫خ‬ǶƮȲǞȁIǞǐɐƵǞȲƵƮȌ‫فנןמנـ‬ɈƊǿƦƶǿƊȯȲƵȺƵȁɈƊƊǶǐɐǿƊȺǞƮƵǞƊȺȺȌƦȲƵȌƮƵsenho de João Affonso, indicando que o imaginário da “Preta Mina” permanecia na sociedade maranhense nos primeiros anos republicanos, salientando que histórias não faltavam na recorƮƊƪƣȌƮƊȺȯƵȺȺȌƊȺ‫ـ‬IXJÇ0Xª0(„‫خفנןמנة‬ Descrições do vestir de mulheres negras no Brasil colonial e imperial podem ser encontradas em outras obras. No polêmico e criticado Casa Grande & Senzala‫ ةفפממנـ‬Gilberto Freyre observa o que ele chama de “traje africano” apontando para algumas das visualidades de mulheres negras atuantes no comércio de territórios, como Rio de Janeiro, Recife, Bahia e Minas Gerais: yƊ ƊǘǞƊ‫ة‬ȁȌªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ة‬ȁȌªƵƧǞǏƵ‫ة‬ƵǿwǞȁƊȺ‫ة‬ȌɈȲƊǯƵƊǏȲǞƧƊȁȌ‫ة‬ƮƵǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊ maometana, permaneceu longo tempo entre os pretos. Principalmente entre ƊȺȯȲƵɈƊȺƮȌƧƵǞȲƊȺ‫س‬ƵƵȁɈȲƵƊȺɨƵȁƮƵƮƵǞȲƊȺƮƵƊǶɐƋ‫خ‬ǶǐɐǿƊȺƮƵǶƊȺƊǿƊȁɈƵȺƮƵ ricos negociantes portugueses e por eles vestidas de seda e cetim. Cobertas de quimbembeques. De jóias e cordões de ouro. Figas da Guiné contra mau-olhado. Objetos de culto fálico. Fieiras de miçangas. Colares de búzios. Argolões de ouro atravessados nas orelhas. Ainda hoje se encontram pelas ruas da Bahia negras de doce com os seus compridos xales de pano-da-costa. Por cima das muitas saias de baixo, de linho alvo, a saia nobre, adamascadas, de cores vivas. Os peitos gordos, em pé, parecendo querer pular das rendas do cabeção. Tetéias. Figas. Pulseiras. Rodilha ou turbante mulçumano. Chinelinha na ponta ƮȌȯƶ‫خ‬0ȺɈȲƵǶƊȺǿƊȲǞȁǘƊȺƮƵȯȲƊɈƊ‫ خ‬ȲƊƧƵǶƵɈƵȺƮƵȌɐȲȌ‫ـخ‬Iª0æª0‫ةפממנة‬ȯ‫خفפקסخ‬ Abstenho aqui de analisar com profundidade as observações estereotipadas, diga-se de passagem, que Freyre faz sobre as relações amorosas das mulheres negras descritas, procurando evitar por ora de comentar a “análise” do autor sobre as formas físicas dessas mulheres. Busco, no entanto, focar apenas na descrição de alguns dos itens de vestuário e adornos usados ȯȌȲƵǶƊȺ‫ة‬ƧȌǿȌȌȺɈƵƧǞƮȌȺ˛ȁȌȺ‫ة‬ɈƊǞȺȱɐƊǞȺƧǞɈƊƮȌȺȯȌȲǏǏȌȁȺȌƊƵɮƵǿȯǶȌƮȌǶǞȁǘȌ‫ة‬ȺƵƮƊȺƵƧƵtins, assim como também as joias feitas em ouro. Um ponto que vale ser ressaltado é que tanto Catharina, como as mulheres negras mencionadas por Freyre são atuantes no comércio de rua. Seria essa uma possível moda vigente entre as mulheres negras comerciantes da época? Os escritos de Freyre sobre o trajar de mulheres negras se conectam de certa maneira com a segunda produção que rastreei e que se empenha em tratar do imaginário de Catharina. Lenita Estrela de Sá, contista, poetisa e dramaturga negra maranhense também se interessou pela história da comerciante africana e ainda uma jovem escritora conquistou o primeiro lugar ȁȌXX!ȌȁƧɐȲȺȌƮƵÀƵɮɈȌȺÀƵƊɈȲƊǞȺßǞȲǞƊɈȌ!ȌȲȲƵƊ‫ة‬Ƶǿ‫ةקץקן‬ƧȌǿƊȯƵƪƊٗ!ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ٘‫ة‬ȯȌȺɈƵ- Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos ȲǞȌȲǿƵȁɈƵȯɐƦǶǞƧƊƮƊƵǿǏȌȲǿƊɈȌƮƵǶǞɨȲȌǘȌǿȏȁǞǿȌƵǿ‫׎׋ץןמנ‬. Na referida publicação, Lenita constrói a imagem de Catharina como a de uma mulher independente, dona de seu próprio negócio e articuladora de uma complexa rede de relações entre pessoas brancas e negras, escravizadas e livres. Em sua primeira aparição na trama, a personagem principal é descrita como a negra esguia e insinuante da nação africana de Mina. Vestida de babados e blusa decotada, ƧȌǿɈɐȲƦƊȁɈƵƜǿȌƮƊƮƊǏȲǞƧƊƵƦȲǞȁƧȌȺƮƵȌɐȲȌ‫ـ‬²‫ةץןמנة‬ȯ‫خفעסخ‬ȱɐǞƶȯȌȺȺǠɨƵǶȯƵȲƧƵƦƵȲƧƵȲtas representações elaboradas durante os períodos colonial e imperial brasileiros e atribuídas com frequência às mulheres negras. Há uma certa “lascividade” no vestir dessas mulheres: blusas decotadas‫ ׏׋‬e o contraste das peles escuras em contato com os alvos linhos são exemplos dessa “sensualidade” fruto de um imaginário que até hoje entende o corpo de mulheres negras como disponível para o outro. bell hooks‫ א׋‬em seu livro Olhares negros: raça e representação‫فקןמנـ‬ȁȌȺƊȯȲƵȺƵȁɈƊɐǿ instigante ponto de vista sobre como mulheres negras vêm sendo representadas pela mídia cultural e pela História estadunidenses ao longo dos anos, e acredito que aqui cabe uma ligação com discussões feministas no âmbito brasileiro, como as tecidas por Beatriz Nascimento‫ב׋‬ e Lélia Gonzalez‫ג׋‬ƵȁɈȲƵȌȺ˛ȁƊǞȺƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫מץקן‬ƵǿƵƊƮȌȺƮƵ‫خמצקן‬yȌƧƊȯǠɈɐǶȌǞȁɈǞɈɐǶƊƮȌ “Vendendo uma buceta quente: representações da sexualidade da mulher negra no mercado cultural”, hooks pensa sobre imagens do século XX ao passo em que vai relacionando tais representações com os tipos de imagens popularizadas desde a escravidão, chamando a atenção ȯƊȲƊǘǞȺɈȍȲǞƊȺƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȱɐƵɈǞɨƵȲƊǿȌȺȺƵɐȺƧȌȲȯȌȺȌƦǯƵɈǞ˛ƧƊƮȌȺƵȺɐƊȺȯȲƵȺƵȁƪƊȺ ȲƵƮɐɹǞƮƊȺƊǿƵȲȌȺƵȺȯƵɈƋƧɐǶȌȺ‫ـ‬R„„j²‫ةקןמנة‬ȯ‫خفןסןخ‬ „ɐɈȲƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊȺȯɐƦǶǞƧƊƮƊȺȲƵƧƵȁɈƵǿƵȁɈƵ‫ة‬ƧȌǿȌƊƮƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮȌȲƊ0ƮȁƊ!ǘƊɨƵȺ‫ةفןנמנـ‬ intitulada !ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫ى‬Çǿ˸ȌǞȁɨǞȺǠɨƵǶȁȌɈƵƧƵȲƮƊǘǞȺɈȍȲǞƊ‫ك‬ɐǿƊǿɐǶǘƵȲȁƵǐȲƊƵƵȺƧȲƊɨƊɈƵƧƵȁƮȌǘǞȺɈȍȲǞƊȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȁƊȺƵǐɐȁƮƊǿƵɈƊƮƵƮȌȺƶƧɐǶȌåXå‫ة‬ƊȯȲƵȺƵȁɈƊƊǶǐɐǿƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺ acerca de experiências negras e femininas na província do Maranhão do Oitocentos, também com base nos documentos de Catharina. Ressaltando algumas lacunas sobre histórias de mulheres negras no território maranhense, Chaves aponta caminhos para pensarmos em uma ǘǞȺɈȌȲǞȌǐȲƊ˛ƊȯǶɐȲƊǶȱɐƵȯȲǞɨǞǶƵǐǞƵȯȲȌɈƊǐȌȁǞȺɈƊȺȁƵǐȲƊȺ‫ة‬ȲƵƧȌȁȺɈȲɐǞȁƮȌȌƧƊǿǞȁǘȌƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊ a partir dos espaços da cidade, como o beco que leva o seu nome, alinhavando assuntos como ƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌ‫ة‬ȯȌǶǠɈǞƧƊƵƵƧȌȁȌǿǞƊ‫خ‬XȲƊȁƵǞƮƵ²ȌƊȲƵȺƮƊ²ǞǶɨƊ‫ةفןנמנـ‬ƊȯȲƵȺƵȁɈƊȌȺƵɐƵȁƧȌȁɈȲȌƧȌǿ a nossa personagem principal em seu artigo intitulado !ƊɈǘƊȲǞȁƊªȌȺƊIƵȲȲƵǞȲƊƮƵhƵȺɐȺ‫ك‬ɐǿƊ ƊǏȲǞƧƊȁƊ ǿǞȁƊ ƮȌ ȺƶƧ‫ ى‬åXå ȁƊ ǞǶǘƊ ƮƵ ²ƣȌ mɐǠȺ ƮȌ wƊȲƊȁǘƣȌُ ȲƊȺǞǶ. Igualmente apoiada nos documentos de Catharina, a autora apresenta alguns aspectos da vida de mulheres afro-atlânticas, suas redes de sociabilidades, trabalhos e vida em diáspora. Aproveitando o ensejo, cabe ƊȱɐǞ Ɗ ȲƵ˜ƵɮƣȌ ȺȌƦȲƵ ȺƵȲ ȁƵǐȲƊ Ƶ ƊɈǶƓȁɈǞƧƊ‫ ة‬ȯƵȁȺƊȁƮȌ ɈȲƊɨƵȺȺǞƊȺ Ƶ ȯȲȌƧƵȺȺȌȺ ƮƵ ƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌ Ƶ 14 SÁ, Lenita Estrela de. Catarina Mina‫خ‬²ƣȌmɐǠȺ‫׀׆׃ب‬ѥJȲƋ˛ƧƊ0ƮǞɈȌȲƊ‫خׇׁ׀ׂة‬ ׁ‫ ׅ‬Há, contudo, de se levar em consideração que o uso de um vestir que privilegie decotes e ombros à mostra pode ser atribuído às mulheres africanas de diversas partes do continente, a exemplo de países como Mali, Senegal e Nigéria. Portanto a “lascividade” no vestir de tais mulheres podem ser discutida aqui por um olhar transgressor, de afronta aos olhares brancos e masculinos, algo semelhante ao que Maya Angelou propõe em seu poema ‫ٲ‬²ɈǞǶǶ XªǞȺƵ‫ ٳ‬de (1978). ׁ‫ ׆‬ǐȲƊ˛ƊƮȌȁȌǿƵƮƵƦƵǶǶǘȌȌDzȺȺƵǿƧȌǿƵƪƊȲȯȌȲǶƵɈȲƊȺǿƊǞɑȺƧɐǶƊȺȺƵǐɐƵƊȌȲǞƵȁɈƊƪƣȌƮƊȯȲȍȯȲǞƊƊɐɈȌȲƊȱɐƵ o preferia dessa maneira. Pseudônimo de Gloria Jean Watkins (uma homenagem à sua bisavó paterna, Bell Blair Hooks), a escritora era estadunidense, nascida em 1952 na cidade de Hopkinsville, Kentucky. Uma referência para os estudos feministas negros, faleceu em 2021 deixando um grande legado. ׁ‫ ׇ‬Cf. resenha de Lucilene Reginaldo (2021) sobre os pensamentos e obras de Beatriz Nascimento. Indico a parte ȁƊȱɐƊǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮȌȲƊƵɨȌƧƊȲƵ˜ƵɮȪƵȺƮƵyƊȺƧǞǿƵȁɈȌ‫ة‬ȱɐƵƮƵǿƊȁƵǞȲƊƧȲǠɈǞƧƊ‫ة‬ƊȯȌȁɈƊȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƊɈȲǞƦɐǠƮȌȺƜȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȯȲƵȺƵȁɈƵȺȁȌ˛ǶǿƵåǞƧƊƮƊ²ǞǶɨƊ‫ف׆ׇ׉ׁـ‬ƮƵ!ƊƧƋ(ǞƵǐɐƵȺ‫خ‬ 18 Cf. especialmente o texto A mulher negra no Brasil presente na obra Por um feminismo afro-latino-americano: ƵȁȺƊǞȌȺ‫ل‬ǞȁɈƵȲɨƵȁƪȪƵȺƵƮǞƋǶȌǐȌȺ‫ةف׀ׂ׀ׂـ‬ȌȲǐƊȁǞɹƊƮƊȯȌȲIǶƊɨǞƊªǞȌȺƵwƋȲƧǞƊmǞǿƊƵȯɐƦǶǞƧƊƮƊȯƵǶƊðƊǘƊȲ‫خ‬ Hanayrá Negreiros 137 Histórias do vestir de Catharina Mina liberdade. E para tal, adiciono a esta costura alguns pensamentos da já referida historiadora ȁƵǐȲƊ ƵƊɈȲǞɹyƊȺƧǞǿƵȁɈȌƵǿȁƊȲȲƊƪƣȌƮȌ˛ǶǿƵ‡ȲǠ‫ةفקצקןـד׋‬ȱɐƵȺƵƧȌȁƵƧɈƊǿƧȌǿƊǞƮƵǞƊƮƵ memórias e presenças negras em diáspora: 138 ȯƊɹǞȁ˛ȁǞɈƊ‫ة‬ȯȌƮƵȲǏƊɹƵȲƵǶȌȺƮƵǶǞǐƊƪƣȌȁɐǿƊǘǞȺɈȍȲǞƊǏȲƊǐǿƵȁɈƊƮƊ‫خ‬ǏȲǞƧƊƵ América e novamente Europa e África. Angola. Jagas. E os povos do Benin de ȌȁƮƵɨƵǞȌǿǞȁǘƊǿƣƵ‫خ‬0ɐȺȌɐƊɈǶƓȁɈǞƧƊ‫ـخ‬ªÀÀ²‫ةפממנة‬ȯ‫خفסץخ‬ É interessante pensar a relação que mulheres como Catharina poderiam ter estreitado com o mar em si. Nascimento quando fala em ser atlântica evoca a ideia da travessia e das ƋǐɐƊȺȱɐƵƦƊȁǘƊǿȌȺƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵȺƊǿƵȲǞƧƊȁȌƵƊǏȲǞƧƊȁȌƵɨƊǶƵȲƵ˜ƵɈǞȲǿȌȺȺȌƦȲƵƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ estrangeiras que no Brasil desembarcaram e experimentaram longas viagens pelo mar para aportar em uma terra desconhecida em um contexto nefasto e opressor, como o da escravidão negra e atlântica. Porém, vale pensar também nas religiosidades e cosmologias negras que encontram nas presenças de Kaya e Iemanjá‫ ׊׌‬a possibilidade de conexão e religação com ancestralidades femininas e com o axé, energia vital negra. ÇǿƊƦȲƵɨƵƦǞȌǐȲƊ˛ƊƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊɈƊǿƦƶǿƊȯƊȲƵƧƵǿƵȁƧǞȌȁƊƮƊƵȁɈȲƵƊȺǿƊǞȺƮƵ‫מףף‬ ǘǞȺɈȍȲǞƊȺƮƵȯƵȲȺȌȁƊǶǞƮƊƮƵȺȁƵǐȲƊȺƮǞɨǞƮǞƮƊȺƵǿ‫ץןע‬ɨƵȲƦƵɈƵȺǞȁƮǞɨǞƮɐƊǞȺƵƧȌǶƵɈǞɨȌȺƊȯȲƵȺƵȁɈƊdos no livro 0ȁƧǞƧǶȌȯƶƮǞƊȁƵǐȲƊ‫ك‬ƦǞȌǐȲƊ˸ƊȺƊǏȲȌ٧ƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺ‫ةفןנמנـ‬ɐǿƊȌȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌƮƵIǶƋɨǞȌ dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz. No verbete que ocupa duas páginas da publicação, a trajetória da africana é apresentada com especial foco em sua fortuna acuǿɐǶƊƮƊƵȁȌȺƮǞȲƵƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺȱɐƵƊɈƵȺɈƊƮȌȲƊǏƵɹƵǿȲƵǶƊƪƣȌƊȌȺƵɐȯƵƧɑǶǞȌ‫˛خ‬ȲǿƊȁƮȌȱɐƵ Catarina Mina soube administrar muito bem suas posses, propriedades e relações, assim como ȺƵɐǶƵǐƊƮȌ‫ـ‬J„w0²‫ة‬mǪXy„‫ة‬²!Ràª!ð‫ةןנמנة‬ȯ‫خفץןןخ‬ Há, contudo, de se prestar atenção em fatos que aparecem de maneiras díspares nos doƧɐǿƵȁɈȌȺȌ˛ƧǞƊǞȺƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊƵȁƊȲƵǏƵȲǞƮƊȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌ‫ب‬ȁƊƵȁƧǞƧǶȌȯƶƮǞƊƮƵ‫!ةןנמנ‬ƊɈǘƊȲǞȁƊƶ mencionada como a mulher que possuía trabalhadores escravizados e que morreu sem dá-lhes a alforria. Porém, uma das características que pude apurar em minhas pesquisas tendo o testamento de Catharina como fonte, é justamente o fato de o documento conter o que se conhece por alforrias testamentárias‫׋׌‬, concebendo a liberdade para todas as pessoas que trabalhavam para ela sob a condição de escravizadas, o que reitera a necessidade de mais estudos que se dediquem a pesquisar a fundo as complexas histórias e situações experienciadas por Catharina e sua rede de convívio. Sem dúvida, assunto e linhas para pesquisas e costuras futuras. RǞȺɈȍȲǞƊȺ‫ة‬ƧȌɈǞƮǞƊȁȌȺƵɈȲƊƦƊǶǘȌȺ ƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁȌ ȲƊȺǞǶȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ Histórias de mulheres negras no Brasil permeado pela escravidão e a suas relações com a vida urbana e com o comércio, sobretudo no que tange os estudos dos séculos XVIII e XIX têm sido investigadas há considerável tempo. Uma das pesquisas que pode servir como orientadora ȯƊȲƊƵȺȺƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺƣȌƊȺǞȁɨƵȺɈǞǐƊƪȪƵȺǏƵǞɈƊȺȯȌȲwƊȲǞƊ„ƮǞǶƊmƵǞɈƵƮƊ²ǞǶɨƊ(ǞƊȺ‫فףקקןـ‬Ƶǿ 19 Documentário dirigido por Raquel Gerber com roteiro e narração de Beatriz Nascimento. ׂ‫ ׀‬Divindades africanas ligadas às águas salgadas, muitas vezes cultuadas nos candomblés de origem angola e iorubá, respectivamente. ׁׂ De maneira breve é possível dizer que as alforrias testamentárias foram aquelas concedidas no ato da escritura dos testamentos de pessoas que possuíam trabalhadores cativos, que logo eram consideradas libertas com a feitura do documento. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos ©ɐȌɈǞƮǞƊȁȌƵ§ȌƮƵȲƵǿ²ƣȌ§ƊɐǶȌȁȌȺƶƧɐǶȌåXå‫ة‬ȁȌȱɐƊǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮȌȲƊȺƵǞȁɈƵȲƵȺȺƊƵǿȲƵ˜ƵɈǞȲ sobre a subjetividade e agência de mulheres no período, resgatando histórias femininas, ao ǿƵȺǿȌ ɈƵǿȯȌ Ƶǿ ȱɐƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊ ɐǿ ƊƦǞȺǿȌ ȁƊ ǘǞȺɈȌȲǞȌǐȲƊ˛Ɗ ƮƊ ƶȯȌƧƊ ȱɐƊȁƮȌ ȺƵ ɈȲƊɈƊ ƮƵ falar sobre essas mulheres do Brasil colonial e imperial. O cotidiano e os ofícios exercidos por mulheres de diferentes origens raciais, livres, forras ou escravizadas, na cidade de São Paulo são linha e agulha para se pensar hierarquias de pobreza ditadas pela cor e pelas relações e formas de trabalho tecidas entre tais mulheres. Para além de uma extensa pesquisa em arquivos, devassas e processos crimes, Dias faz ƮȌȺ ƵȺɈɐƮȌȺ ǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ Ƶ ƮȌȺ ȲƵǶƊɈȌȺ ƮƵ ɨǞƊǯƊȁɈƵȺ‫ ة‬ǏȌȁɈƵȺ ɨƊǶǞȌȺƊȺ ȯƊȲƊ ɐǿ ƵȁɈƵȁƮǞǿƵȁɈȌ mais amplo do assunto. Em uma dessas análises ela ressalta que os viajantes realçavam a vocaƪƣȌƮƵɨƵȁƮƵƮȌȲƊȺƮƊȺȁƵǐȲƊȺǿǞȁƊȺȌɐƮȌ(ƊȌǿƶ‫ة‬yǞǐƶȲǞƊ‫ة‬²ƵȁƵǐƊǶƵ!ȌȁǐȌ‫خ‬ǞȁƮƊƊ˛ȲǿƊȱɐƵ ȁƊ ƧȌȺɈƊ ȌƧǞƮƵȁɈƊǶ ƮƊ ǏȲǞƧƊ Ȍ ȯƵȱɐƵȁȌ ƧȌǿƶȲƧǞȌ ƵȲƊ ȯȲƋɈǞƧƊ ƵȺȺƵȁƧǞƊǶǿƵȁɈƵ ǏƵǿǞȁǞȁƊ‫ س‬ƊɈȲƊvessar e revender gêneros alimentícios de primeira necessidade garantia às mulheres papeis ȺȌƧǞƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȺ‫(ـ‬X²‫ةףקקןة‬ȯ‫§خفצףןخ‬ƊȲƊǿɐǞɈƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƊǏȲǞƧƊȁƊȺƵƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺ moradoras dos centros urbanos do país, o ganho era uma atividade que, dentro do limitado sistema escravista da época, possibilitava o acúmulo de pecúlio, tornando-se, muitas vezes, um caminho para que tais mulheres pudessem comprar as suas alforrias. !ƵƧǠǶǞƊ²ȌƊȲƵȺ‫فפקקןـ‬ǞȁɨƵȺɈǞǐȌɐƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺƵȁɈȲƵɈȲƊƦƊǶǘȌƵƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌƵȁɨȌǶɨƵȁƮȌǿɐlheres negras na cidade de Salvador no século XIX. A autora salienta o fato de as mulheres que ainda eram escravizadas e exerciam o ofício do ganho, por serem escravizadas, eram obrigadas a dar a seus senhores uma quantia previamente estabelecida, a depender de um contrato inǏȌȲǿƊǶƊƧƵȲɈƊƮȌƵȁɈȲƵƊȺȯƊȲɈƵȺ‫ـ‬²„ª0²‫ةפקקןة‬ȯ‫خفץףخ‬0ȲƊǿɨƵȁƮƵƮȌȲƊȺƮƵǏȲɐɈƊȺ‫ة‬ɨƵȲƮɐȲƊȺ‫ة‬ quitutes e uma sorte de outros produtos. Um dado relevante sobre as possibilidades de trabalho e liberdade para mulheres negras que viveram nessa época, é pensar que, somente após a ȯȲȌǿɐǶǐƊƪƣȌƮƊmƵǞƮȌßƵȁɈȲƵmǞɨȲƵ‫ة‬Ƶǿ‫ةןץצן‬ǏȌǞǏƊƧɐǶɈƊƮȌƜȺȯƵȺȺȌƊȺƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊȺƊȯƵȲǿǞȺȺƣȌȯƊȲƊǯɐȁɈƊȲȯƵƧɑǶǞȌ‫ـ‬XƦǞƮ‫ةخ‬ȯ‫خفץףخ‬ No ganho das ruas das cidades em expansão e traços de urbanização, a mulher negra acabou por conquistar destacado lugar no mercado de trabalho. Porém, como nos alerta Dias ‫ةفסןמנـ‬ȌƧƊǿǞȁǘȌƊɈƶƊƧȌȁȱɐǞȺɈƊƮƊǶǞƦƵȲƮƊƮƵƵȲƊǶȌȁǐȌƵǿɐǞɈȌȺƊȁȌȺƵȺƊƧȲǞǏǠƧǞȌȺƵȲƊǿȁƵƧƵȺȺƋȲǞȌȺȯƊȲƊȱɐƵɐǿƊǿɐǶǘƵȲƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊƧȌȁȺƵǐɐǞȺȺƵƵƧȌȁȌǿǞɹƊȲȌȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵ‫(ـ‬X²‫ةסןמנة‬ ȯ‫خفנצןخ‬ÀƵȁƮȌƵǿɨǞȺɈƊƊȺƧȌȁƮǞƪȪƵȺƮƊƶȯȌƧƊ‫ة‬ƶǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵȯƵȁȺƊȲƊȺȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƮƵǿȌbilidade e circulação que tais mulheres possuíam em suas vidas cotidianas relacionadas ao traƦƊǶǘȌ‫خ‬hȌƣȌhȌȺƶªƵǞȺ‫ةفפצקןـ‬ƊȌƊƦȌȲƮƊȲƧȌɈǞƮǞƊȁȌƵɈȲƊƦƊǶǘȌƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊȺ ƵǏȌȲȲƊȺȱɐƵǏȌȲǿƊɨƊǿȌǐȲɐȯȌǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƮȌȯȌȲٗǐƊȁǘƊƮƵǞȲƊȺ٘ȁƊ ƊǘǞƊ‫ة‬ȺƊǶǞƵȁɈƊƊȯȲƵȺƵȁƪƊƮƵ mulheres negras no comércio urbano: O pequeno comércio de rua era quase completamente dominado pelas ganhadeiras. Durante a época colonial uma série de leis tentaria em vão reduzir as atividades dessas mulheres. Pouco antes do início do século XIX Vilhena observou, entre preocupado e irritado, que elas praticamente monopolizavam a distribuiƪƣȌƮƵȯƵǞɮƵȺ‫ة‬ɨƵȲƮɐȲƊȺƵƊɈƶȯȲȌƮɐɈȌȺƮƵƧȌȁɈȲƊƦƊȁƮȌ‫ـ‬ª0X²‫ةפצקןة‬ȯ‫خفקקןخ‬ !ȌȁȺǞƮƵȲƊȁƮȌƊƦǞƦǶǞȌǐȲƊ˛ƊƵȺȯƵƧǞƊǶǞɹƊƮƊȁȌȌǏǠƧǞȌƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƧȌǿƵȲƧǞƊȁɈƵȺ‫ة‬Ɗ ƵɮƵǿȯǶȌƮƵ(ǞƊȺ‫ةفסןמנةףקקןـ‬²ȌƊȲƵȺ‫ةفפקקןـ‬IƊȲǞƊ‫فעממנـ‬ƵIƊȲǞƊȺ‫ةفנןמנـ‬ƶȯȌȺȺǠɨƵǶƵȁƧȌȁɈȲƊȲ outros exemplos de mulheres que, por meio do trabalho no ganho, puderam experienciar certa ascensão econômica, mesmo que em uma sociedade forjada no preconceito de cor e de gênero. No Rio de Janeiro do século XIX, as negras de nação Mina eram reconhecidas por sua altivez e autonomia. Como “exímias quitandeiras”, esquadrinhavam as ruas da cidade, mantinham sua Hanayrá Negreiros 139 Histórias do vestir de Catharina Mina freguesia no movimentado Mercado da Candelária e chegavam mesmo a formar “pequenas ǏȌȲɈɐȁƊȺ٘‫ـ‬IªX²‫ةנןמנة‬ȯ‫!خفצסخ‬ȌǿȌȺƵȌƦȺƵȲɨƊ‫ة‬ɈƊǶƊȺȺɐȁɈȌ˛ǐɐȲƊƵǿȯƵȺȱɐǞȺƊȺƧɐǯȌȺƧƵȁɈȲȌȺ são Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e Minas Gerais. O Maranhão, porém, teve Catharina Mina 140 nesse contexto e, por isso, a relevância de deslocar o olhar para além dos territórios já estudados. Os documentos de Catharina que comprovam o tamanho de sua fortuna são datados ƮƵ ‫ سפצצן‬ƧƊȺȌȺ ȺƵǿƵǶǘƊȁɈƵȺ Ɗ ƵȺȺƵ ȯȌƮƵǿ ȺƵȲ ƵȁƧȌȁɈȲƊƮȌȺ Ƶǿ ȌɐɈȲȌȺ ɈƵǿȯȌȺ Ƶ ɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺ ƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌȺ‫ة‬ƧȌǿȌǿȌȺɈȲƊǿƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊȺƮƵ0ƮɐƊȲƮȌIȲƊȁƪƊ§ƊǞɨƊ‫فקממנةןממנـ‬ƵhɐȁǞƊIɐȲɈƊƮȌ ‫خفסממנـ‬ȯƊȲɈǞȲƮƵȯƵȺȱɐǞȺƊƵǿƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺpost mortem e em outros arquivos, encontram-se histórias de mulheres como a da brasileira Bárbara Gomes de Abreu e Lima, natural de Sergipe del Rei, de onde saiu em direção às Minas, ainda escrava‫ ׌׌‬acompanhada de seu senhor (PAIVA, ‫ةןממנ‬ȯ‫ خفקעخ‬ƋȲƦƊȲƊ‫ة‬ƊȯȍȺȺƵɈȌȲȁƊȲǏȌȲȲƊ‫ة‬ɨǞȲȌɐƮȌȁƊƮƵɐǿƊƧƊȺƊƦƵǿȺǞɈɐƊƮƊȯȲȍɮǞǿƊƜXǐȲƵǯƊ Matriz, na Vila de Sabará, e possuía boa condição de vida, “protagonizando um caso exemplar, ȯƊȲƧǞƊǶǿƵȁɈƵȲƵǐǞȺɈȲƊƮȌƵǿȺƵɐɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌ٘‫§ـ‬Xß‫ةןממנة‬ȯ‫خفקןנخ‬ Sobre o vestir de Bárbara, o autor menciona alguns itens de joalheria e vestuário descritos em seu testamento, como brincos de aljôfar, argolinhas de ouro, saias de seda preta e roupas ƦȲƊȁƧƊȺ‫§ـ‬Xß‫ةןממנة‬ȯ‫فןננخ‬ƵƊȱɐǞƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵƊȺǯȌǞƊȺȯȌƮƵǿȺƵȲȯƵƪƊȺȱɐƵƵȺɈȲƵǞɈƊǿ ligações com os vestires de Catharina, que em sua documentação apresenta especial destaque para os adornos feitos em ouro. Ainda sobre mulheres negras que ascenderam economicaǿƵȁɈƵƵǿɈƵǿȯȌȺƮƵƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌ‫ة‬IɐȲɈƊƮȌ‫ةفסממנـ‬ȁȌǶǞɨȲȌ Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito, revisita a história da famosa senhora negra, nascida no Brasil e ex-escravizada, Francisca da Silva de Oliveira. O que conta a história é que Chica conquistou a sua alforria e mudou de vida quando conheceu o português João Fernandes de Oliveira, inserido nos negócios de diamantes da cidade, tornando-se uma das moradoras mais ilustres e ricas do setecentista e próspero Arraial do Tejuco, atual Diamantina, Minas Gerais. Interessante notar que as histórias que são contadas sobre as experiências de Catharina muito se assemelham aos modos de viver de outras mulheres negras. Mesmo terminando os seus dias como uma mulher de muitos bens, negócios e um núcleo de convívio composto por ǿƊǞȺƮƵ‫מס‬ȯƵȺȺȌƊȺ‫ة‬ƮǞɨǞƮǞƮƊȺƵȁɈȲƵƧƊɈǞɨȌȺƵǶǞɨȲƵȺ‫ة‬Ɗ˛ǶǘƊƮȌȺ‫ة‬ƧȌǿȯƊƮȲƵȺƵƊǿǞǐȌȺ‫ة‬ƊȺƵȁǘȌȲƊ ˛ǐɐȲƊƊɈƶȌȺƮǞƊȺƮƵǘȌǯƵƵǿȯƊȲɈƵƮƊǿƵǿȍȲǞƊǶɐƮȌɨǞƧƵȁȺƵƧȌǿȌƊٗȁƵǐȲƊƵȺƧȲƊɨƊȱɐƵȯȲȌȺperou graças a sua beleza”, casando-se com um homem mestiço. É fato que Catharina foi uma mulher de posses, mas em seu testamento – um dos documentos que servem de base para este artigo – é possível constatar que ela era solteira e “sem herdeiro algum necessário”‫׍׌‬. „ٗȌǶǘƊȲƊȌǿǞƧȲȌȺƧȍȯǞȌ٘ƵȌȺɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺƵ ǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌȺƧȌǿȌǏȌȁɈƵȺȯƊȲƊȌƵȺɈɐƮȌƮȌɨƵȺɈǞȲƮƵ ǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫ب‬ƮƵȺƊ˛ȌȺƵȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺ O “olhar ao microscópio” e o método da micro-história, tal como apresentado por Burke ‫ فצממנـ‬Ƶǿ „ ȱɐƵ é História Cultural‫ ة‬ȁȌȺ ȯȌȺȺǞƦǞǶǞɈƊ Ɗ ȲƵ˜ƵɮƣȌ ȺȌƦȲƵ ƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺ ƧȌȁƧȲƵɈƊȺ‫ة‬ ǞȁƮǞɨǞƮɐƊǞȺ Ȍɐ ǶȌƧƊǞȺ ‫ ـ‬Ǫj0‫ ةצממנ ة‬ȯ‫ خفצע خ‬0 Ɗ ٗƧȌȺɈɐȲƊ٘ ƮƵ ƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȺ ƮȌȺ ƧƊǿȯȌȺ ƮƊ ׂׂ 0ǿȯȲƊɈǞƧƊǿƵȁɈƵɈȌƮȌȌɈƵɮɈȌȯȲƵ˛ȲȌɐɈǞǶǞɹƊȲƊȺȯƊǶƊɨȲƊȺٗƧƊɈǞɨƊ٘ȌɐٗƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊ٘ȯƊȲƊǿƵȲƵǏƵȲǞȲƜƵȺȺƊȺǿɐlheres que trabalharam forçadamente, uma escolha política que visa a mudança gradativa de linguagem, salientando que a escravidão fora uma condição imposta de maneira estrutural. A palavra “escrava” aqui é utilizada em consequência da transcrição da citação da obra de Paiva (2001). Esse fato ocorre em outras partes do texto, nas ȱɐƊǞȺƊȺƵȺƧȌǶǘƊȺƮƵǐȲƊ˛ƊƮƊȺƊɐɈȌȲǞƊȺƧǞɈƊƮƊȺǏȌȲƊǿȯȲƵȺƵȲɨƊƮƊȺ‫خ‬ ׂ‫ ׃‬Maranhão. Tribunal de Justiça. Testamento de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da CoǿƊȲƧƊƮƵ²ƣȌmɐǠȺ‫خ‬ȲȱɐǞɨȌhɐƮǞƧǞƋȲǞȌ(ƵȺƵǿƦƊȲǐƊƮȌȲwǞǶȺȌȁƮƵ²ȌɐɹƊ!ȌɐɈǞȁǘȌ‫!خ‬ȍƮ‫ خ‬ª‫ص‬w‫ص‬hٌÀhw‫خ‬²m²‫خׁ׀׀خ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos História Social, História Cultural, História da Moda e Cultura Material, alinhavadas a discussões ȺȌƦȲƵǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ة‬ȲƊƪƊƵƧǶƊȺȺƵ‫ة‬ȯƊȲƊǏȲƊȺƵƊȁƮȌȁǐƵǶƊ(ƊɨǞȺ‫ةفפןמנـ‬ȺƵǿȌȺɈȲƊǿƧƊǿǞȁǘȌȺȯƊȲƊ compreendermos de maneira plural as experiências vivenciadas por mulheres como Catharina ȁȌȺƧƵȁɈȲȌȺɐȲƦƊȁȌȺƮȌ ȲƊȺǞǶƮȌ˛ȁƊǶƮȌȺƶƧɐǶȌåXå‫خ‬ O corpus documental deste artigo se baseia no inventário e no testamento de Catharina, ƵȁƧȌȁɈȲƊƮȌȺȁȌȲȱɐǞɨȌƮȌÀȲǞƦɐȁƊǶƮƵhɐȺɈǞƪƊƮȌwƊȲƊȁǘƣȌ‫ة‬ƮƊɈƊƮȌȺƮƵ‫„خפצצן‬ƧƊǿȯȌƮƵƵȺtudos de Moda e História baseados em documentos como inventários e testamentos encontra apoio em discussões como as fomentadas pela historiadora Camila Borges da Silva no artigo intitulado Os inventários no estudo da indumentária: possibilidades e problemas‫ةفצןמנـ‬ȲƵ˜Ƶtindo sobre caminhos possíveis para se estudar indumentária por meio do uso de inventários, ǶƵɨƊȁɈƊȁƮȌƊǶǐɐǿƊȺȱɐƵȺɈȪƵȺȺȌƦȲƵƵȺȺƵɈǞȯȌƮƵƮȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌ‫خ‬ƊɐɈȌȲƊƊ˛ȲǿƊȱɐƵȌȺƵȺɈɐdos do vestuário, quando se pautam em textos escritos e não em imagens, têm como fontes mais comuns a imprensa e a literatura. Poucos são os pesquisadores que se debruçam sobre inventários para o entendimento dos padrões indumentários de uma dada sociedade (SILVA, ‫ةצןמנ‬ȯ‫خفסעןخ‬ Em seu texto a autora nos apresenta o uso especialmente dos inventários como fontes de estudos qualitativos, porém advertindo para a necessidade de cuidado na utilização de tal documentação, apontando para os riscos de generalizações, visto que inventários não fornecem informações sobre todas as camadas da população e, sim, normalmente, apenas das mais ricas, ǯƋȱɐƵƵȲƊɐǿȯȲȌƧƵȺȺȌƧƊȲȌ‫ة‬ȱɐƵɈǞȁǘƊƊǞȁɈƵȁƪƣȌƮƵɈȲƊȁȺǿǞɈǞȲƦƵȁȺ‫ـ‬²Xmß‫ةצןמנة‬ȯ‫خفעעןخ‬ȱɐǞ é possível ligar os pensamentos da autora com o caso de Catharina e de algumas outras mulheres negras, africanas e brasileiras que experimentaram a ascensão econômica, cambiando da posição de pessoas escravizadas para mulheres livres e que conquistaram fortunas oriundas de ȺƵɐȺȁƵǐȍƧǞȌȺƵȯȲȌ˛ȺȺȪƵȺ‫خ‬RƋ‫ة‬ƧȌȁɈɐƮȌ‫ة‬ƮƵȺƵɈƵȲƧɐǞƮƊƮȌ‫ة‬ƧȌǿȌƊƮɨƵȲɈƵ ȌȲǐƵȺƮƊ²ǞǶɨƊ‫ة‬ȯƊȲƊ não cairmos nas generalizações já mencionadas que poderiam nos levar à falaciosas ideias de meritocracia e democracia racial visto que mulheres negras alforriadas e ricas no Brasil escravista eram minoria em comparação com as que permaneceram escravizadas e pobres. Porém, ƵǶƊȺƵɮǞȺɈǞȲƊǿƵƵǿȯƵȺȱɐǞȺƊȺƧȌǿȌƊȺƮƵ§ƊǞɨƊ‫فקממנـ‬ƵIƊȲǞƊȺ‫فנןמנـ‬ƵȺȺƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȺƵǿȌȺtraram pelas brechas da História, tomando esses documentos como possibilidades e espaços de narrativas para contarem não só sobre as suas vidas, mas também para demonstrarem, a partir de caminhos legais, o que haviam conquistado durante a caminhada. Como nos inforǿƊ§ƊǞɨƊ‫فקממנـ‬ƊȌǏƊǶƊȲƮƊǿȌƦǞǶǞƮƊƮƵȺȌƧǞƊǶƵƵƧȌȁȏǿǞƧƊƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁƊȺȌƧǞƵƮƊƮƵ mineira setecentista um fato importante desses legados materiais é que, em vários casos, eles tornaram-se a base com a qual as ex-escravizadas inseriram-se no universo dos livres (PAIVA, ‫ةקממנ‬ȯ‫خفצסןخ‬ Como mencionado anteriormente, no inventário e testamento de Catharina constatamos joias, como correntes e brincos de ouro, menção a peças de vestuário e utensílios que foram divididos por entre sua rede de sociabilidade, negra e branca. Essa é uma discussão que merece mais mergulho e tempo para ser desenvolvida, mas eu não poderia deixar de levantar esta questão, já que ao ler os documentos de Catharina, percebi semelhanças com outras tantas histórias de mulheres que a partir desse tipo de documentação, contaram histórias de vida, do vestir e marcaram as suas atuações neste país. Ainda sobre testamentos de mulheres ȁƵǐȲƊȺ‫ة‬ǿƊȁƮƊJƊɈǞȁǘȌÀƵǞɮƵǞȲƊ‫فץןמנـ‬ȺƊǶǞƵȁɈƊȱɐƵƊȯƵȺƊȲƮƊȺƊƮɨƵȲȺǞƮƊƮƵȺƵƮȌȺƮǞɨƵȲȺȌȺ preconceitos que sofriam, os testamentos e inventários mostram que essas mulheres sobrepujaram as barreiras e, mesmo mantendo os estigmas, andavam adornadas de joias e roupas de ȺƵƮƊȺ‫ة‬ƧǘȌƧƊȁƮȌƵƦɐȲǶƊȁƮȌƊȌȲƮƵǿɨǞǐƵȁɈƵ‫ـ‬À0Xå0Xª‫ةץןמנة‬ȯ‫خفצסצٌץסצخ‬ Hanayrá Negreiros 141 Histórias do vestir de Catharina Mina ǶǞȁǘƊɨȌȺ˛ȁƊǞȺƵƧȌȺɈɐȲƊȺǏɐɈɐȲƊȺ‫ענ‬ O intuito deste artigo foi pensar de maneira introdutória as histórias do vestir contidas 142 na trajetória da comerciante africana Catharina Rosa Ferreira de Jesus, moradora da ilha de São Luís do Maranhão durante o Oitocentos. Foi a partir de uma primeira leitura dos seus documentos (testamento e inventário), encontrados no Arquivo Judiciário Desembargador MilȺȌȁ ƮƵ ²ȌɐɹƊ !ȌɐɈǞȁǘȌ Ƶǿ ǯƊȁƵǞȲȌ ƮƵ ‫ ةמנמנ‬ȱɐƵ ȯɐƮƵ ƧȌȁǘƵƧƵȲ ǿƊǞȺ ȺȌƦȲƵ Ɗ ǘǞȺɈȍȲǞƊ ƮƵȺȺƊ personagem importante e ilustre da cidade. Nas páginas de seus documentos, Catharina vai contando um pouco de suas relações, religiosidades e maneiras de vestir, assim como também ɐɈǞǶǞɹƊƊȱɐƵǶƵƵȺȯƊƪȌȯƊȲƊǿƊȁǞǏƵȺɈƊȲȺɐƊȺɑǶɈǞǿƊȺɨȌȁɈƊƮƵȺƵȌȲǞƵȁɈƊƪȪƵȺȯƊȲƊȌȺȱɐƵ˛ƧƊȲƊǿ‫خ‬ A articulação deste artigo também se baseou em pesquisas que de alguma maneira se ǞȁɈƵȲƵȺȺƊȲƊǿȯƵǶƊȺǘǞȺɈȍȲǞƊȺƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊ‫ب‬ȺɐƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊƪƣȌǏƵǞɈƊȯȌȲhȌƣȌǏǏȌȁȺȌ‫فסנקןـ‬ȺƵ tornou uma das linhas principais desta costura para lançarmos mão de primeiras ideias sobre o estudo do vestir de tal mulher, assunto que ganhará novas informações e discussões em breve. Produções como as das intelectuais Lenita Estrela de Sá, Edna Chaves e Iraneide Soares da Silva também foram fundamentais para entendermos como a história de Catharina interessa à produção de conhecimento por diferentes perspectivas e campos, com destaque para as áreas de Literatura e História Social. Beatriz Nascimento, Maya Angelou, Lélia Gonzalez e bell hooks aparecem como faróis (negros), nos guiando a uma compreensão feminista sobre travessia, resistências e críticas a uma sociedade que insiste em transformar os corpos, vivências e experiências negras (e femininas) em espetáculo. §ȌȲ˛ǿ‫ة‬ȌƦȺƵȲɨƊٌȺƵƧȌǿƵȺɈƵƊȲɈǞǐȌƊȌȯȌȲɈɐȁǞƮƊƮƵƮƵƧȌȁɈȲǞƦɐǞȲƧȌǿɐǿƧƊǿȯȌȱɐƵȺƵ interessa cada vez mais por estudos de Moda que articulem histórias do vestir de mulheres neǐȲƊȺ‫ة‬ȲƵƊǶǞɹƊȁƮȌǞȁɨƵȺɈǞǐƊƪȪƵȺȱɐƵɈƵȁǘƊǿɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺ‫ة‬ǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌȺƵȲƵǐǞȺɈȲȌȺǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ ƧȌǿȌǏȌȁɈƵȺ‫ة‬ȯƊɐɈƊȁƮȌȌȺƮƵȺƊ˛ȌȺƵȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺȱɐƵƵȁɨȌǶɨƵǿɈƊǶƮȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌ‫ة‬ƊǶǞȁǘƊƮƊȺ ƊȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵǐƺȁƵȲȌƵǘǞȺɈȍȲǞƊȺƊǏȲȌٌƊɈǶƓȁɈǞƧƊȺ‫ة‬ǞȁȺƵȲǞƮƊȺȁȌȺƧȌȁɈƵɮɈȌȺǞǿȯƵȲǞƊǶƵƵȺƧȲƊɨǞȺɈƊ brasileiros. No caso deste texto, escolho a trajetória de Catharina, assim como algumas de suas histórias, memórias e trajes para elaborar ideias e “costuras” iniciais sobre a possibilidade de compreendermos o estudo sobre o vestir de mulheres negras durante o período imperial brasileiro como enunciador de identidades, território de memórias e agências. Por meio de estéticas africanas-brasileiras e brechas da História, esses vestires se fazem até os dias atuais maneiras de “desorganizar” aspectos coloniais, insurgindo corpos e vestimentas que historicamente foram e são subalternizados. Ao elaborarmos ideias sobre o vestir de Catharina, uma mulher que rompeu com estruturas racistas em uma sociedade marcada pelas violências da escravidão e do patriarcado, podemos compreender o seu vestir como uma maȁƵǞȲƊƮƵȺɐƦɨƵȲɈƵȲƊȺƊǿƊȲȲƊȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺ‫ة‬ƊǶƪƊȁƮȌƊȲȌɐȯƊȺƵȌȺƊƮȌȲȁȌȺƮȌƧȌȲȯȌƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨȌȺ elementos contra hegemônicos. A costura foi iniciada e com certeza em breve mais linhas virão para continuarmos nessa pesquisa. ׂׄ ÇɈǞǶǞɹȌƊȱɐǞƊȯƊǶƊɨȲƊƊǶǞȁǘƊɨȌƊȯƊȲɈǞȲƮȌȺȺƵȁɈǞƮȌȺƧȌȁȌɈƊɈǞɨȌƵƮƵȁȌɈƊɈǞɨȌƊ˛ǿƮƵȺɐǐƵȲǞȲƮƵǞɮƊȲƊȺǞƮƵǞƊȺ apresentadas neste texto abertas para futuras linhas, costuras e novas descobertas sobre o tema em questão. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ AFFONSO, João. ÀȲƺȺ²ƶƧɐǶȌȺƮƵwȌƮƊȺ‫ןخ‬ed‫ خ‬ƵǶƶǿ‫ب‬mǞɨȲƊȲǞƊÀƊɨƊȲƵȺ!ƊȲƮȌȺȌ‫!ۋ‬ǞƊ‫خסנקןة‬ ANDRADE, Rita Morais de. “O vestuário como assunto: um ensaio”. In: ANDRADE, Rita Morais ƮƵ‫ !س‬ªm‫ة‬ǶǶǞȁɯwƊǞƊ‫!س‬m$‫ة‬XȁƮɯƊȁƵǶǶƵwƊȲƪƊǶJƊȲƧǞƊ(Ǟ‫„ـ‬ȲǐȺ‫(خفخ‬ȌȺȺǞƺ‫ب‬ȌɨƵȺɈɐƋȲǞȌ ƧȌǿȌƊȺȺɐȁɈȌ: perspectivas de pesquisa a partir de artefatos e imagens [Ebook]. Goiânia: !ƵǐȲƊǏÇIJ‫خןנמנة‬ ANGELOU, Maya. ȁƮȺɈǞǶǶXȲǞȺƵ‫خ‬yƵɩæȌȲDz‫ب‬ªƊȁƮȌǿRȌɐȺƵ‫خצץקןة‬ BURKE, Peter. „ȱɐƵƶRǞȺɈȍȲǞƊ!ɐǶɈɐȲƊǶ‫د‬. Trad. Sergio Goes de Paula. Rio de Janeiro: Jorge ðƊǘƊȲ0ƮǞɈȌȲƊ‫خצממנخ‬ !Rß0²‫خ‬0ƮȁƊwƊȲǞƊ!ƊȲɨƊǶǘȌ‫!ٗخ‬ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫خ‬Çǿ˛ȌǞȁɨǞȺǠɨƵǶȁȌɈƵƧƵȲƮƊǘǞȺɈȍȲǞƊ‫ب‬ɐǿƊ mulher negra e escrava tecendo história no Maranhão na segunda metade do século XIX”. In: §ð‫ة‬hȌȺƶIǶƊɨǞȌ‫ـ‬ȌȲǐ‫§خفخ‬ȌƶɈǞƧƊȺƮȌƵƮɐƧƊȲ: gênero, poder e ensino remoto. Joinville: Clube de ɐɈȌȲƵȺ§ɐƦǶǞƧƊƪȪƵȺ²‫خןנמנةش‬ DAVIS, Angela. wɐǶǘƵȲƵȺ‫ة‬ȲƊƪƊƵƧǶƊȺȺƵ. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, ‫خפןמנ‬ DIAS, Maria Odila Leite da Silva. ©ɐȌɈǞƮǞƊȁȌƵȯȌƮƵȲƵǿ²ƣȌ§ƊɐǶȌȁȌȺƶƧɐǶȌåXå. São Paulo: ȲƊȺǞǶǞƵȁȺƵ‫خףקקןة‬ ‫ٗخصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصص‬0ȺƧȲƊɨƊȺ‫ب‬ȲƵȺǞȺɈǞȲƵȺȌƦȲƵɨǞɨƵȲ٘‫خ‬Xȁ‫§ب‬Xy²jæ‫!ة‬ƊȲǶƊ ƊȺȺƊȁƵɹǞ‫§ة‬0DRO, Joana Maria (Orgs.). yȌɨƊRǞȺɈȍȲǞƊƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȁȌ ȲƊȺǞǶ‫خןىخ‬ƵƮ‫ןةخ‬ѤȲƵǞǿȯȲƵȺȺƣȌ‫ىخ‬²ƣȌ §ƊɐǶȌ‫!ب‬ȌȁɈƵɮɈȌ‫خסןמנة‬ FARIA, Sheila de Castro. ²ǞȁǘƋȺȯȲƵɈƊȺ‫ة‬ƮƊǿƊȺǿƵȲƧƊƮȌȲƊȺ. As pretas minas nas cidades do ªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌƵ²ƣȌhȌƣȌ(ƵǶªƵɯ‫خفמףצןٌממץןـ‬ÀƵȺƵƮƵ§ȲȌǏƵȺȺȌȲÀǞɈɐǶƊȲƮƵǏƵȁƮǞƮƊǯɐȁɈȌƊȌ (ƵȯƊȲɈƊǿƵȁɈȌƮƵRǞȺɈȍȲǞƊƮƊÇII‫ة‬yǞɈƵȲȍǞ‫خעממנة‬ FARIAS, Juliana Barreto. De escrava a Dona: a trajetória da africana mina Emília Soares do Patrocínio no Rio de Janeiro do século XIX. In: mȌƧɐȺ‫ب‬ªƵɨǞȺɈƊƮƵRǞȺɈȍȲǞƊ‫ؾة‬²‫خ‬Ƕ‫ةؿخ‬ɨ‫ةצןخ‬ȁ‫خנןמנةנخ‬ (ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ڜب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȯƵȲǞȌƮǞƧȌȺ‫خ‬ɐǏǯǏ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ǶȌƧɐȺ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خڛץמפמנش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫עמب‬ ȺƵɈ‫خןנמנخ‬ FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. VESTIR A HISTÓRIA: pintura, moda e identidade nacional da ǿƊɹȏȁǞƊ‫ة‬Ƨ‫خסנקןٌפןקןخ‬Xȁ‫ب‬RǞȺɈȍȲǞƧƊ – Revista Eletrônica do Arquivo Público do Estado de ²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ة‬ȁѥ‫ةסף‬ƊƦȲ‫(خנןמנخ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ڜب‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ǘǞȺɈȌȲǞƧƊ‫خ‬ƊȲȱɐǞɨȌƵȺɈƊƮȌ‫خ‬Ⱥȯ‫خ‬ǐȌɨ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ ǿƊɈƵȲǞƊȺ‫ش‬ƊȁɈƵȲǞȌȲƵȺ‫ش‬ƵƮǞƧƊȌ‫شסף‬ǿƊɈƵȲǞƊ‫خڛشןמ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫קנب‬ȌɐɈ‫خןנמנخ‬ FREYRE, Gilberto. !ƊȺƊJȲƊȁƮƵ‫ۋ‬²ƵȁɹƊǶƊ: formação da família brasileira sob o regime da ecoȁȌǿǞƊȯƊɈȲǞƊȲƧƊǶ‫ןףخ‬ѤƵƮ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬JǶȌƦƊǶ‫خפממנة‬ FURTADO, Júnia Ferreira. !ǘǞƧƊƮƊ²ǞǶɨƊƵȌƧȌȁɈȲƊɈƊƮȌȲƮȌȺƮǞƊǿƊȁɈƵȺ: o outro lado do ǿǞɈȌ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫!ب‬ȌǿȯƊȁǘǞƊƮƊȺmƵɈȲƊȺ‫خסממנة‬ J„w0²‫ة‬IǶƋɨǞȌƮȌȺ²ƊȁɈȌȺ‫ة‬mǪXy„‫ة‬hƊǞǿƵ‫ة‬²!Ràª!ð‫ة‬mǞǶǞƊwȌȲǞɈɹ‫خ‬0ȁƧǞƧǶȌȯƶƮǞƊyƵǐȲƊ: ƦǞȌǐȲƊ˛ƊȺƊǏȲȌٌƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫!ب‬ȌǿȯƊȁǘǞƊƮƊȺmƵɈȲƊȺ‫خןנמנة‬ J„yðm0ð‫خ‬mƶǶǞƊ‫§خ‬ȌȲɐǿǏƵǿǞȁǞȺǿȌƊǏȲȌٌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ: ensaios, intervenções e diálogos. „ȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌ‫ب‬IǶƋɨǞƊªǞȌȺƵwƋȲƧǞƊmǞǿƊ‫خ‬ªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ب‬ðƊǘƊȲ‫خמנמנة‬ HAGE, Fernando. 0ȁɈȲƵȯƊǶƊɨȲƊȺ‫ة‬ƮƵȺƵȁǘȌȺƵǿȌƮƊȺ: um percurso com João Affonso. CuritiƦƊ‫ب‬ȯȯȲǞȺ‫خמנמנة‬ Hanayrá Negreiros 143 Histórias do vestir de Catharina Mina HOOKS, bell. „ǶǘƊȲƵȺȁƵǐȲȌȺ: raça e representação. Trad. Stephanie Borges. São Paulo: ElefanɈƵ‫خקןמנة‬ JESUS, Matheus Gato de. ªƊƧǞȺǿȌƵƮƵƧƊƮƺȁƧǞƊ: sociedade, cultura e intelectuais em São 144 mɐǠȺƮȌwƊȲƊȁǘƣȌ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬Dz§‫خ‬IƊƧɐǶƮƊƮƵƮƵIǞǶȌȺȌ˛Ɗ‫ة‬mƵɈȲƊȺƵ!ǞƺȁƧǞƊȺRɐǿƊȁƊȺ‫خףןמנة‬ Tese de Doutorado em Sociologia. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiɨƵǞȺ‫شנסןצشצش‬ɈƮƵٌ‫شעףןמסןٌפןמנףמןן‬ȯɈٌƦȲ‫خ‬ȯǘȯ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫ףנب‬ǿƊȲ‫خןנמנخ‬ NEGREIROS, Hanayrá. Por outras histórias da (e na) moda. 0mm0 ȲƊȺǞǶ‫(خמנמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ƵǶǶƵ‫خ‬ƧȌǿ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ƧȌǶɐȁǞȺɈƊȺ‫ش‬ȯȌȲٌȌɐɈȲƊȺٌǘǞȺɈȌȲǞƊȺٌƮƊٌƵٌȁƊٌǿȌƮƊ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫סמ‬ȁȌɨ‫خןנמנخ‬ PAIVA, Eduardo França. 0ȺƧȲƊɨȌȺƵǶǞƦƵȲɈȌȺȁƊȺwǞȁƊȺJƵȲƊǞȺƮȌȺƶƧɐǶȌåßXXX: estratégias de ȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊƊɈȲƊɨƶȺƮȌȺɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺ‫סخ‬ƵƮ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬ȁȁƊƦǶɐǿƵ‫ س‬ƵǶȌRȌȲǞɹȌȁɈƵ‫§§ب‬JRٌÇIwJ‫خקממנة‬ ‫خصصصصصصصصصصصصصصصصصصصصص‬0ȺƧȲƊɨǞƮƣȌƵÇȁǞɨƵȲȺȌ!ɐǶɈɐȲƊǶȁƊ!ȌǶȏȁǞƊ: wǞȁƊȺJƵȲƊǞȺ‫خקצץןىפןץןة‬ ƵǶȌRȌȲǞɹȌȁɈƵ‫ب‬0ƮǞɈȌȲƊÇIwJ‫خןממנة‬ RATTS, Alex. 0ɐȺȌɐɈǶƓȁɈǞƧƊ‫خ‬²ȌƦȲƵƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊƮƵɨǞƮƊƮƵ ƵƊɈȲǞɹyƊȺƧǞǿƵȁɈȌ. São Paulo, XǿȯȲƵȁȺƊ„˛ƧǞƊǶ‫خפממנة‬ REIS, João José. ªƵƦƵǶǞƣȌƵȺƧȲƊɨƊȁȌ ȲƊȺǞǶ: a história do levante dos Malês. São Paulo: Editora ȲƊȺǞǶǞƵȁȺƵ‫خפצקןة‬ REGINALDO, Lucilene. Nossa história é outra como é outra nossa problemática: Beatriz Nascimento por sua obra. ǏȲȌٌȺǞƊ‫ة‬²ƊǶɨƊƮȌȲ‫ة‬ȁ‫„(خןנמנةספخ‬X‫شןץץקخמןب‬ƊƊ‫خ‬ɨ‫מ‬Ǟ‫(خפףמעעخספ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȯƵȲǞȌƮǞƧȌȺ‫خ‬ɐǏƦƊ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ƊǏȲȌƊȺǞƊ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خפףמעעش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫סب‬ǿƊȲ‫خ‬ ‫خננמנ‬ ª„(ªXJÇ0²‫ة‬ǶƮƊǞȲ‫س‬mǞǿƊ‫ة‬XɨƊȁƊ²ɈȌǶɹƵ‫س‬IªX²‫ة‬hɐǶǞƊȁƊ ƊȲȲƵɈȌ‫„ـ‬ȲǐȺ‫خفخ‬ƮǞƋȺȯȌȲƊwǞȁƊ: afriƧƊȁȌȺƵȁɈȲƵȌǐȌǶǏȌƮȌ ƵȁǞǿƵȌ ȲƊȺǞǶ‫خןىخ‬0Ʈ‫خ‬ªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌ‫ب‬yÇ0ƮǞɈȌȲƊ‫خמנמנة‬ SÁ, Lenita Estrela de. !ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ‫خ‬²ƣȌmɐǠȺ‫מפסب‬ѥJȲƋ˛ƧƊ0ƮǞɈȌȲƊ‫خץןמנة‬ SILVA, Camila Borges da. Os inventários no estudo da indumentária: possibilidades e problemas. In: ƧƵȲɨȌ‫خ‬ªƵɨǞȺɈƊƮȌȲȱɐǞɨȌyƊƧǞȌȁƊǶ‫ة‬ɨ‫ةןסخ‬ȁ‫ةנخ‬ȯ‫ןסةמפןٌנעןخ‬ƊǐȌ‫(خצןמנخ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶ Ƶǿ‫ڜب‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ȲƵɨǞȺɈƊ‫خ‬ƊȲȱɐǞɨȌȁƊƧǞȌȁƊǶ‫خ‬ǐȌɨ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ȲƵɨǞȺɈƊƊƧƵȲɨȌ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خڛןןקش‬ƧƵȺȺȌ Ƶǿ‫מנ‬ƊƦȲ‫خןנמנخ‬ SILVA, Iraneide Soares da. Catharina Rosa Ferreira de Jesus: uma africana mina do séc. XIX na ilha de São Luís do Maranhão/Brasil. In: IƵǞȲƊmǞɈƵȲƋȲǞƊ ȲƊȺǞǶٌǏȲǞƧƊƮƵßǞɈȍȲǞƊ‫ى‬0²‫ة‬ɨ‫ةןמخ‬ȁ‫خ‬ ‫(خןנמנةעמ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ ‫ڜ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȯƵȲǞȌƮǞƧȌȺ‫خ‬ɐǏƵȺ‫خ‬ƦȲ‫˜ش‬ǞƦƊɨ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خڛץמפפסش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫מןب‬ȌɐɈ‫خןנמנخ‬ SOARES, Cecilia Moreira. As Ganhadeiras: mulher e resistência negra em Salvador no século XIX. In: ǏȲȌٌȺǞƊ‫ة‬ȁ‫ةץןخ‬ȯȯ‫!خפקקןةןץٌץףخ‬ƵȁɈȲȌƮƵ0ȺɈɐƮȌȺǏȲȌٌ„ȲǞƵȁɈƊǞȺ‫خ‬²ƊǶɨƊƮȌȲ‫ب‬0ÇI ‫خ‬ Disponível em: ‫ڜ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ȯȌȲɈƊǶȺƵƵȲ‫خ‬ɐǏƦƊ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ƊǏȲȌƊȺǞƊ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خڛפףעסןشפףצמנش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫סנب‬ȺƵɈ‫خ‬ ‫خןנמנ‬ TEIXEIRA, Amanda Gatinho. Joalheria de Crioulas: subversão e poder no Brasil colonial. In: ȁٌ ɈǠɈƵȺƵȺ‫ة‬ɨ‫ةמןخ‬ȁ‫ةמנخ‬ȯ‫ةפףצٌקנצخ‬ǯɐǶ‫ش خ‬ƮƵɹ‫(خץןמנخ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ ‫ڜ‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ɐƵǶ‫خ‬ƦȲ‫ش‬ȲƵɨǞȺɈƊȺ‫ش‬ɐƵǶ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ƊȁɈǞɈƵȺƵȺ‫ش‬ƊȲɈǞƧǶƵ‫ش‬ɨǞƵɩ‫خڛנץףקנش‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫סמب‬ȁȌɨ‫خ‬ ‫خןנמנ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021 Artigos åßX0ª‫ة‬JǞȌɨƊȁƊ‫س‬IªX²‫ة‬hɐǶǞƊȁƊ ƊȲȲƵɈȌ‫س‬J„w0²‫ة‬IǶƋɨǞȌ‫„ـ‬ȲǐȺ‫خفخ‬wɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁȌ ȲƊȺǞǶ ƵȺƧȲƊɨǞȺɈƊƵƮȌȯȍȺٌƵǿƊȁƧǞȯƊƪƣȌ‫خ‬²ƣȌ§ƊɐǶȌ‫ب‬²ƵǶȌyƵǐȲȌ0ƮǞƪȪƵȺ‫خנןמנة‬ !ƵȁɈȲȌȺƮƵ§ƵȺȱɐǞȺƊ‫ى‬ȲȱɐǞɨȌȺ 145 wªyR„‫ خ‬Tribunal de Justiça. Inventário de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da Comarca de São Luís. Arquivo Judiciário Desembargador Milson de Souza Coutinho. !ȍƮ‫ خ‬ª‫ص‬w‫ص‬hٌÀhw‫خ‬²m²‫خןממخ‬ wªyR„‫خ‬ÀȲǞƦɐȁƊǶƮƵhɐȺɈǞƪƊ‫خ‬ÀƵȺɈƊǿƵȁɈȌƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊªȌȺƊIƵȲȲƵǞȲƊƮƵhƵȺɐȺ‫خ‬IɐȁƮȌ documental da Comarca de São Luís. Arquivo Judiciário Desembargador Milson de Souza !ȌɐɈǞȁǘȌ‫!خ‬ȍƮ‫ خ‬ª‫ص‬w‫ص‬hٌÀhw‫خ‬²m²‫خןממخ‬ Hanayrá Negreiros Abrazando la memoria estética ritual diaspórica de muñecas de trapo en Ubuntu Lorena Marisol Cárdenas Oñate Universidad Autónoma Metropolitana / UAM- Xochimilco, México ƦȲƊɹƊȁƮȌǶƊǿƵǿȌȲǞƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊƮƵǿɐȋƵƧƊȺƮƵ ɈȲƊȯȌƵȁÇƦɐȁɈɐ ªƵȺɐǿƵȁ La metáfora, como poética de conocimiento, encarnas prácticas semiótico-discursiɨƊȺƮƵǶƊȺɯǶȌȺȺɐǯƵɈȌȺƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌȺƮƵƵȺɈƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǶƵȺȱɐƵƧȌȁ˛ǐɐran sensibilidades complejas donde el trabajo con inteligencias múltiples y campos cognitivos alternativos interpelan nuevos caminos, hablas y políticas de relacionalidad en paridad, reciprocidad, complementariedad y equidad. Este proyecto de recuperación de memorias estético-rituales de mujeres afrodescendientes es un espacio simbólico itinerante e intercultural con enfoque feminista decolonial. Un grupo de artesanas aprenden y enseñan a elaborar muñecas de trapo negras, generando una política de afectividad que encarna la sabiduría afrodescendiente del Ubuntu-muntu (“soy porque eres parte de mí”). El ejercicio del derecho imaginativo y (auto) creativo posibilita la emergencia de argumentación emocional. El objetivo es construir una propuesta de modelo estético-ritual desde la semiosis de encajes y puntadas metafóricas. En esta trama se alberga a voces y silencios de mujeres diversas en polifonía hilvanada. Se concluye que, al hacerse cargo de sus memorias, estas mujeres abren un “aquí y un ahora” esperanzador en comunidad. Los discursos de la emoción-cuerpo-espiritualidad han permitido a nuestras culturas originarias o diaspóricas resistir, insurgir, subvertir, y representan lógicas de sentipensamiento complejo de re-existencia, regeneración y resiliencia. §ƊǶƊƦȲƊȺƧǶƊɨƵ‫ب‬estética ritual, feminismo, metáfora cimarrona. Abraçando a memória estética ritual diáspora de bonecas de pano em Ubuntu Resumo ǿƵɈƋǏȌȲƊ‫ل‬ƧȌǿȌɐǿƊȯȌƶɈǞƧƊƮȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ‫ل‬ǞȁƧȌȲȯȌȲƊȯȲƋɈǞƧƊȺȺƵǿǞȍɈǞƧȌ٧ƮǞȺƧɐȲȺǞɨƊȺƮȌȺٛƊȺٜȺɐǯƵǞɈȌȺƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌȺƮƵȺɈƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺȱɐƵƧȌȁ˸ǐɐȲƊǿȺƵȁȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƧȌǿȯǶƵɮƊȺȌȁƮƵȌɈȲƊƦƊǶǘȌƧȌǿǿɑǶɈǞȯǶƊȺǞȁɈƵǶǞǐƺȁƧǞƊȺƵƧƊǿȯȌȺ ƧȌǐȁǞɈǞɨȌȺƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨȌȺǞȁɈƵȲȯƵǶƊȁȌɨȌȺƧƊǿǞȁǘȌȺ‫ل‬ǏƊǶƊȺ e políticas de relacionalidaƮƵƵǿȯƊȲǞƮƊƮƵ‫ل‬ȲƵƧǞȯȲȌƧǞƮƊƮƵ‫ل‬ƧȌǿȯǶƵǿƵȁɈƊȲǞƮƊƮƵƵƵȱɐǞƮƊƮƵ‫ى‬0ȺɈƵȯȲȌǯƵɈȌȯƊȲƊ recuperar memórias ƵȺɈƶɈǞƧȌٌȲǞɈɐƊǞȺ das mulheres afrodescendentes é um espaço simbólico itinerante e intercultural com uma abordagem feminista decolonial. Um ǐȲɐȯȌƮƵƊȲɈƵȺƣȺƊȯȲƵȁƮƵƵƵȁȺǞȁƊƊǏƊɹƵȲƦȌȁƵƧƊȺȁƵǐȲƊȺƮƵȯƊȁȌ‫ل‬ǐƵȲƊȁƮȌɐǿƊ ȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵƊǏƵɈǞɨǞƮƊƮƵȱɐƵƵȁƧƊȲȁƊƊȺƊƦƵƮȌȲǞƊƊǏȲȌƮƵȺƧƵȁƮƵȁɈƵƮȌÇƦɐȁɈɐٌǿɐȁٌ Ɉɐ ٛ‫ٲ‬Ƶɐ ȺȌɐ ȯȌȲȱɐƵ ɨȌƧƺ ƶ ȯƊȲɈƵ ƮƵ ǿǞǿ‫ٳ‬ٜ‫ „ ى‬ƵɮƵȲƧǠƧǞȌ ƮƵ ɐǿ ƮǞȲƵǞɈȌ ǞǿƊǐǞȁƊɈǞɨȌ Ƶ (auto) criativo permite o surgimento de uma argumentação emocional. O objetivo é construir uma proposta para um modelo estético-ritual a partir da semiose de renƮƊȺƵȯȌȁɈȌȺǿƵɈƊǏȍȲǞƧȌȺ‫ى‬yƵȺɈƊɈȲƊǿƊ‫ل‬ɨȌɹƵȺƵȺǞǶƺȁƧǞȌȺƮƵƮǞɨƵȲȺƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺƵȺɈƣȌ ƊǶȌǯƊƮȌȺƵǿɐǿƊȯȌǶǞǏȌȁǞƊƊǶǞȁǘƊɨƊƮƊ‫!ى‬ȌȁƧǶɐǞ٧ȺƵȱɐƵ‫ل‬ƊȌȺƵƵȁƧƊȲȲƵǐƊȲƵǿƮƵȺɐƊȺ ǿƵǿȍȲǞƊȺ‫ل‬ƵȺɈƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺƊƦȲƵǿɐǿ‫ٲ‬ƊȱɐǞƵɐǿƊǐȌȲƊ‫ٳ‬ƵȺȯƵȲƊȁƪȌȺȌƵǿƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵ‫„ى‬ȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺƮƊƵǿȌƪƣȌ٧ƧȌȲȯȌ٧ƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶǞƮƊƮƵɈƺǿȯƵȲǿǞɈǞƮȌȱɐƵȁȌȺȺƊȺƧɐǶɈɐȲƊȺȌȲǞǐǞȁƊȲǞƊȺȌɐƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊȺȲƵȺǞȺɈƊǿ‫ل‬ǞȁȺɐȲǯƊǿ‫ل‬ȺɐƦɨƵȲɈƊǿƵȲƵȯȲƵȺƵȁɈƵǿǶȍǐǞƧƊȺ de complexo ȺƵȁɈǞȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƮƵȲƵ٧ƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊ‫ل‬ȲƵǐƵȁƵȲƊƪƣȌƵȲƵȺǞǶǞƺȁƧǞƊ‫ى‬ Palavras-chave:ƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶ‫ل‬ǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫ل‬ǿƵɈƋǏȌȲƊƧǞǿƊȲȲȌȁƊ‫ى‬ Embracing the diasporic ritual aesthetic memory of ragdolls in Ubuntu Abstract ÀǘƵ ǿƵɈƊȯǘȌȲ‫ ل‬ƊȺ Ɗ ȯȌƵɈǞƧȺ ȌǏ DzȁȌɩǶƵƮǐƵ‫ ل‬ƵǿƦȌƮǞƵȺ ȺƵǿǞȌɈǞƧ٧ƮǞȺƧɐȲȺǞɨƵ ȯȲƊƧɈǞƧƵȺ ȌǏ ɈǘƵ ƧȌǿǿɐȁǞɈɯ ȺɐƦǯƵƧɈȺ ȌǏ ɈǘƵȺƵ ƊȁƧƵȺɈȲƊǶ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƵȺ ɈǘƊɈ ƧȌȁ˸ǐɐȲƵ ƧȌǿplex sensitivities where the work with multiple intelligences and alternative cognitive ˸ƵǶƮȺǞȁɈƵȲȯƵǶǶƊɈƵȁƵɩȯƊɈǘȺ‫ل‬ȺȯƵƵƧǘƵȺƊȁƮȯȌǶǞƧǞƵȺȌǏȲƵǶƊɈǞȌȁƊǶǞɈɯǞȁȯƊȲǞɈɯ‫ل‬ȲƵƧǞȯȲȌƧǞɈɯ‫ل‬ƧȌǿȯǶƵǿƵȁɈƊȲǞɈɯƊȁƮƵȱɐǞɈɯ‫ى‬ÀǘǞȺȯȲȌǯƵƧɈȌǏȲƵƧȌɨƵȲɯȌǏaesthetic-ritual memories of Afro-descendant women is an itinerant and intercultural symbolic space with a decolonial feminist approach. A group of craftswomen learn and teach how to make ƦǶƊƧDzȲƊǐƮȌǶǶȺ‫ل‬ǐƵȁƵȲƊɈǞȁǐƊȯȌǶǞƧɯȌǏƊǏǏƵƧɈǞɨǞɈɯɈǘƊɈƵǿƦȌƮǞƵȺɈǘƵǏȲȌ٧ƮƵȺƧƵȁƮƊȁɈ wisdom of Ubuntu-muntuٛ‫ٲ‬XƊǿƦƵƧƊɐȺƵɯȌɐƊȲƵȯƊȲɈȌǏǿƵ‫ٳ‬ٜ‫ى‬ÀǘƵƵɮƵȲƧǞȺƵȌǏɈǘƵ imaginative and (self-) creative right enables the emergence of emotional argumentation. The objective is to build a proposal for an aesthetic-ritual model from the seǿǞȌȺǞȺȌǏǶƊƧƵƊȁƮǿƵɈƊȯǘȌȲǞƧƊǶȺɈǞɈƧǘƵȺ‫ى‬XȁɈǘǞȺȯǶȌɈ‫ل‬ɨȌǞƧƵȺƊȁƮȺǞǶƵȁƧƵȺȌǏƮǞɨƵȲȺƵ ɩȌǿƵȁƊȲƵǘȌɐȺƵƮǞȁƊɈǘȲƵƊƮƵƮȯȌǶɯȯǘȌȁɯ‫ى‬XɈǞȺƧȌȁƧǶɐƮƵƮɈǘƊɈ‫ل‬ƦɯɈƊDzǞȁǐƧǘƊȲǐƵȌǏ ɈǘƵǞȲǿƵǿȌȲǞƵȺ‫ل‬ɈǘƵȺƵɩȌǿƵȁȌȯƵȁƊǘȌȯƵǏɐǶ‫ٲ‬ǘƵȲƵƊȁƮȁȌɩ‫ٳ‬ǞȁɈǘƵƧȌǿǿɐȁǞɈɯ‫ى‬ÀǘƵ discourses of emotion-body-spirituality have allowed our native or diasporic cultures ɈȌȲƵȺǞȺɈ‫ل‬ǞȁȺɐȲǐƵȁƧƵ‫ل‬ȺɐƦɨƵȲɈ‫ل‬ƊȁƮȲƵȯȲƵȺƵȁɈǶȌǐǞƧȺȌǏƧȌǿȯǶƵɮȺƵȁɈǞǿƵȁɈƊǶɈǘǞȁDzǞȁǐȌǏ ȲƵ٧ƵɮǞȺɈƵȁƧƵ‫ل‬ȲƵǐƵȁƵȲƊɈǞȌȁƊȁƮȲƵȺǞǶǞƵȁƧƵ‫ى‬ Keywords:ȲǞɈɐƊǶƊƵȺɈǘƵɈǞƧȺ‫ل‬ǏƵǿǞȁǞȺǿ‫ل‬ǿƵɈƊȯǘȌȲǞƧƊǶǿƊȲȌȌȁ‫ى‬ Artigos Los cabellos de Angelou Cósmica mujer espina dibujas mapas de nostalgia entre los puentes de tus trenzas y el pasado Mujeres delantal nanabuela migrante cimarrona candombe cadera con cadera zigzagueas el poder en los territorios del encaje Vacío tejido a raíz raíz es amor‫׺‬ §ɐȁɈƊƮƊȺƧȌȁɈƵɮɈɐƊǶƵȺ La fabricación manual de muñecas de trapo negras es una práctica del arte popular y religioso común en la geopolítica afrodescendiente. Alrededor de este objeto ritual de la infancia nace el grupo de mujeres afroecuatorianas Piel Canela, con una década de trabajo en el Valle del Chota, al norte de la Sierra ecuatoriana. Esta práctica semiótico-discursiva transcultuȲƊǶ‫ـ‬RX(ª‫فפממנةעקקןة‬ƧȌǿƦǞȁƊƵȺɈƵƵǿȯȲƵȁƮǞǿǞƵȁɈȌƊɐɈȌȺɐȺɈƵȁɈƊƦǶƵƧȌȁǶƊɨȌǶɐȁɈƊƮƮƵ exploración sobre los ciclos de vida de las mujeres. En ella se interseccionalizan varias dimensiones de la realidad, campos cognitivos, así como sujetos de diversos géneros, raza, clase, etnicidad y dimensión etaria en contextos del continuum rural-urbano, y es un tipo de representación que transciende escenarios, tiempo-espacios y funcionalidades. 0ȁƵȺɈƵƵȺɈɐƮǞȌȺƵƧȌȁȺǞƮƵȲƊǶƊǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊȺǞǿƦȍǶǞƧƊ‫ة‬ƵǶƊƦȌȲƊƮƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨƊǿƵȁɈƵȯȌȲ mujeres, como una estética ritual comunitaria ‫!ـ‬ª(0y²‫ةןןמנة‬ȯ‫فצעخ‬ƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊ‫ة‬ɐȁƊɈȲƊȁȺnarrativa de espirales de sentido presentes en la intersubjetividad artesanal con funcionamiento ritual. La intersección entre creatividad y poder bioenergético que ofrenda el campo de la ritualidad entre sujetos y niveles de realidad hace posible la dialógica muerte, como parte de la vida, y la regeneración como una práctica de las mujeres en situaciones de violencia. Los residuos, hilachas y trapos con los que se vuelve a crear, pueden verse como un método feminista regenerativo en la diáspora, históricamente ejercido por las mujeres, según Donna RƊȲƊɩƊɯ ‫ ةןקקןـ‬ȯ‫ خفמץן خ‬²Ƶ ȺɐǿƊȁ ɈƊǿƦǞƶȁ ǶȌȺ ȯȲǞȁƧǞȯǞȌȺ ƮƵ ǶƊȺ ȺƊƦǞƮɐȲǠƊȺ ƊȁƧƵȺɈȲƊǶƵȺ ȱɐƵ ǞȁƧǶɐɯƵȁ ƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺ ǶȍǐǞƧƊȺ ƮƵ ȲƵƧǞƧǶƊǯƵ ȺǞǿƦȍǶǞƧȌ ɯ ȺƵǿǞȌȺǞȺ ƮƵ ǏȲƊǐǿƵȁɈȌȺ‫ ة‬ȱɐƵ ƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁ una semiótica de seducción en la muñeca de trapo. De ahí que la producción del conocimiento estético también está situada y funciona como traductor inter y transcultural de “semiósferas”, posibilitando la vida de los signos en el campo emocional, corporal y espiritual, como otro ejemȯǶȌƮƵٗǶƵȁǐɐƊǯƵǿȌƮƵǶǞɹƊȁɈƵ٘‫ـ‬m„Àwy‫ةפקקןة‬ȯ‫ةקץקןسנןخ‬ȯ‫خفץסخ‬ La emergencia de sutiles emociones en el camino zigzagueante de estos hilos subjetivos, ocultos en bordes, encajes e hilvanes, y el punto atrás del proceso de hacer consciente lo inconsciente – y a veces también trascendente – interpela el deseo femenino en diversidad de intereses y objetos socioestético-culturales. La disputa del sentido se da en el contrapunto ǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶƮƵǶǐƶȁƵȲȌ‫ة‬ȲƊƧǞƊǶǞƮƊƮ‫ة‬ƧǶƊȺƵɯƵɈȁǞƧǞƮƊƮ‫ة‬ƮȌȁƮƵȺƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺǿɑǶɈǞȯǶƵȺƵȁǶɐǐƊȲƵȺƵȁɐȁƧǞƊɈǞɨȌȺǿƵɈƊǏȍȲǞƧȌȺƧȌǿȯǶƵǯȌȺ‫!ـ‬ª(0y²‫ةקןמנة‬ȯ‫خفקפףخ‬ 1 Poema de Marisol Cárdenas en trabajo de campo, 2015. Lorena Marisol Cárdenas Oñate 151 Muñecas de trapo en Ubuntu Las muñecas de trapo cimarronean‫ ׌‬lo que María Lugones denominó el sistema moderȁȌ‫ش‬ƧȌǶȌȁǞƊǶƮƵǐƶȁƵȲȌ‫ةצממנـ‬ȯ‫فנקخ‬ƊɈȲƊɨƶȺƮƵǶƵǯƵȲƧǞƧǞȌƮƵǶƮƵȲƵƧǘȌƊǞǿƊǐǞȁƊȲȱɐƵƧɐƵȺɈǞȌȁƊ críticamente representaciones normalizadas, las que interdictan la sexualidad y naturalizan lo 152 ȱɐƵªǞɈƊ²ƵǐƊɈȌƊȲǐɐǿƵȁɈƊƧȌǿȌٗȯƵƮƊǐȌǐǠƊȺƮƵǶƊƧȲɐƵǶƮƊƮ٘‫ةסןמנـ‬ȯ‫ةفסצخ‬ȯƊɈȲȍȁƮƵȺƮƵƵǶ cual se construyen los cuerpos femeninos discriminados que desencajan el patrón estético hegemónico blanco-mestizo. En juego retórico, palimpsesto de metáforas, como continente de la metonimia, sinestesia y elipsis, la producción de la muñeca hecha con sus manos deviene en un espacio fragmental, que desde la insurgencia afectiva trastoca y transforma a través de la concienciación corporal, formas de violencias de todo tipo, históricamente ejecutadas por el patriarcado del Estado-nación colonial/moderno. Así, esta estética ritual diaspórica – en clave cimarrona – deviene en una práctica política del conocimiento y reparación comunitaria como el Ubuntu.‫׍‬ mƊ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊ ƮƵ ǶƊ ɈȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞƵƮƊƮ ‫ـ‬yX!„m0²!Ç‫ فפקקן ة‬ɈƊǿƦǞƶȁ ȯȲƵȺƵȁɈƵ Ƶȁ esta práctica activa potenciales sentidos al apelar a la multidimensionalidad de la realidad. Está ubicada en la urdimbre intercultural crítica del cruce entre varias racionalidades que evidencian lenguajes de opacidad del poder en el sutil campo de las emociones. Así, la estética ritual incluye espirales argumentativas de emocionalidad, corporalidad y espiritualidad a través de la simplicidad compleja de estos sujetos dialógicos: las muñecas y sus creadoras. ªƵƧȌȲƮƊȁƮȌƊ§ƵǞȲƧƵ‫!ٗب‬ƊƮƊȺǠǿƦȌǶȌƵȺƵȁȺɐȌȲǞǐƵȁ‫ة‬ɐȁƊǞǿƊǐƵȁƮƵǶƊǞƮƵƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮƊ‫ة‬ o una reminiscencia de alguna ocurrencia individual, persona o cosa, conectada con su signi˛ƧƊƮȌȌƵȺɐȁƊǿƵɈƋǏȌȲƊ٘‫ةןצקןـ‬ȯ‫خفנננخנخ‬²ǞƦǞƵȁȺȌȁȯȌƧƊȺǶƊȺȌƧƊȺǞȌȁƵȺƵȁȱɐƵǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊ es mencionada, este autor la ubica como un signo icónico – hipoícono – siendo el único modo de comunicar ideas este tipo de signo que genera tres correlatos: la primeridad donde están las imágenes, la segundidad con los diagramas y en la ɈƵȲƧƵȲǞƮƊƮ‫ل‬ǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊ‫§ـ‬0Xª!0‫ةןצקןة‬ ȯ‫(خفץץנخנٌפץנخנخ‬ƵǿȌƮȌȱɐƵǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊƵȺɈƋƵȁǶƊterceridad pero desde la primeridad, por tanto, habría una inferencia argumentativa en la metáfora. §ȌȲ ȌɈȲƊ ƊȲǞȺɈƊ‫ ة‬ǶƊ ǞƮƵƊ ƮƵ ƵȁƧƊǯƵ ƮǞȺƧɐȲȺǞɨȌ ȯȲȌȯɐƵȺɈƊ ȯȌȲ ªɐǞɹ wȌȲƵȁȌ ɯ ²ȌǶǠȺ ðƵȯƵƮƊ ‫فצממנـ‬ȺƵȲƵƧɐȯƵȲƊȯƊȲƊƊȲɈǞƧɐǶƊȲǶȌƊǶǿȌƮƵǶȌƮƵ§ƵǞȲƧƵ‫ة‬ȱɐƵƮƵȺƮƵǶƊsegundidad del objeto‫׎‬ ‫ى‬ƵȺƮƵƧǞȲ‫ة‬ǶƊȯȲȌƮɐƧƧǞȍȁƮƵǶƊǿɐȋƵƧƊ‫ى‬ȲƵ˛ƵȲƵƊǶƊɈȲǠƊƮƊǠƧȌȁȌ‫ة‬ǠȁƮǞƧƵɯȺǠǿƦȌǶȌ‫ة‬ȺǞƵȁƮȌǶƊǿƵtáfora el eje transversal de todo el sistema. La metáfora es creativa, imaginaria, cognitiva, dialógica e iluminadora. La correlación icónica deviene en simbólica, al ser convencionalizada. Sin embargo, es en esta trayectoria de semiosis donde se abre un campo de posibilidades: pistas, indicios, huellas, descifrarlas de modo abductivo se considera importante de explorar en este objeto indexicalizado. Desde este diálogo ampliado con el modelo peirciano, se abordan las imágenes de la infancia de estas mujeres articuladas en cosmopercepciones en disputa de sentidos en primeridad. Por tanto, habría un pensamiento icónico‫ـ‬0ß0ª0ªÀٌ(0²w0(À‫ةצממנة‬ȯ‫فפקخ‬ƵȁƵǶȌȲƮƵȁ de la primeridad, el cual desde la perspectiva del continuum de lógicas de esta investigación se construye con la noción de sentipensamiento icónico metafórico. En la segundidad donde ׂ Desde la historia afrodiaspórica, la práctica de la cimarronía metafórica sería una expresión de la estética ritual en clave feminista actual. 3 El Ubuntu expresa el principio del continuum comunitario negroafricano de la interrelación entre sujetos de diferentes realidades, interconectados, y por tanto sus prácticas forman parte de una política de cooperación, reconciliación e intervinculación del todo de todos, mutuamente. Así, haciendo un neologismo, algunos intelectuales afrodescendientes lo han asumido con el término muntualidad (J. Chalá, comunicación personal, 24 octubre de 2019). 4 El triángulo invertido responde a una analogía feminista corpórea. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Artigos ȺƵƮƊƵǶǏɐȁƧǞȌȁƊǿǞƵȁɈȌƮƵǶȌȺǘƵƧǘȌȺƵȺɈƋǶƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶƮƵǶȌȺƵȁƧƊǯƵȺȯɐȁɈȌǐȲƋ˛ƧȌȺ‫ب‬ǏƵministas, diaspóricos, los cuales son traducidos en argumentos simbólico- narrativos, ya en un proceso de semiosis en terceridad. De tantas palabras metáfora se elige la muntualidad del Ubuntu por ser la que ha encontrado mayor resonancia en América Latina y correspondería al correlato icónico de la primeridad como sentipensamiento metafórico comunitario. La estética retórica del encaje, donde la muñequita es el territorio corporal, pertenecería a la ȺƵǐɐȁƮǞƮƊƮ‫ل‬y como narrativa bioetnográ˛ƧƊ‫خ‬mƊȲƵƧɐȲȲƵȁƧǞƊƮƵǶƊƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊƮƵǿƊɈƵȲȁƊɹǐȌȺǞȁƮƊǐƊȲǠƊƊȺɐɨƵɹǶƊǐȲƊƮǞƵȁƧǞƊƵȁƧȌǿplejidad de sentidos de esta creatividad, en terceridad ‫!ـ‬ª(0y²‫ةקןמנة‬ȯ‫خفעמןٌסמןخ‬ Así, este modelo de encaje semiótico trabaja con una doble mirada: por un lado, como ɐȁƊǿƊɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺɈƶɈǞƧƊٌȲƵɈȍȲǞƧƊ‫ـ‬RX(ª‫ةפממנة‬ȯ‫ةفסצخ‬ƵǶƵȁƧƊǯƵǏɐȁƧǞȌȁƊƧȌǿȌɐȁƊ˛ǐɐȲƊ que permite la emergencia de un cronotopo metafórico donde pueden encajar cuerpos silenƧǞƊƮȌȺ‫ة‬ɨǞȌǶƵȁɈƊƮȌȺ‫ة‬ƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƮȌȺ‫س‬ɯ‫ة‬ȯȌȲȌɈȲȌǶƊƮȌ‫ة‬ƵȺɈƵƵȁƧƊǯƵǐƵȁƵȲƊȁɐƵɨȌȺȺƵȁɈǞƮȌȺɯȯȌƶticas de resiliencia desde la transformación intersubjetiva como estrategia política narrativa. De esta manera, este modelo metafórico con enfoque feminista analiza una espiral de dimensiones que encajan en niveles interpretativos del sentido y de realidades, argumentaciones lógicas diversas, retóricas metafóricas ancestrales desde lugares situados del campo complejo propuesto de las estéticas rituales. Esta elipsis o semiosis metafórica se desarrolla a través de transversalizar tres hilos decoloniales, en clave semiótica afrofeminista, desde la dimensión estético- ritual en historicidad de prácticas de cimarronaje que recuerdan estas puestas en escena – los talleres de muñequería cimarrona –, donde se actualizan e hilvanan no solo palabras, sino también metodologías de resistencia, reexistencia y regeneraciones basadas en “hablas” plásticas de insurgencia. Finalmente se retoma la noción del sƵȁɈǞȯƵȁȺƊȲ‫ل‬palabra-raíz de los pueblos del sur de Colombia, quienes expresan en este continuum razón-emoción un método de argumentación ancestral del ser, hacer y estar en el mundo, que siempre es comunitario: ‫ خן‬El sentipensamiento icónico estético ritual comunitario del Ubuntu en disputa ideológica. ‫ خנ‬Los encajes icónicos estético rituales – puntografías feministas decoloniales – en la fabricación de la muñeca de trapo. ‫ خס‬Memorias diaspóricas de maternidades en nostalgia, es decir, formas ampliadas de interpretación simbólica de los partos cocreativa entre mujeres. 0ȁƧƊǯƵȺǞƧȍȁǞƧȌȺƮƵǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊ ƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞƊƮƵǶUbuntu-muntu La metáfora, como una forma estética de conocimiento, es confeccionada desde sensibilidades diversas y, por tanto, desde matrices estéticas complejas, construidas a partir de los principios etnocomunitarios. El trabajo con las inteligencias múltiples y campos cognitivos alternativos abren nuevos caminos, hablas y políticas de relacionalidad en paridad, desde la diferenciación/complementariedad y pluralidad/unidad, principios de equidad en reciprocidad de la pedagogía comunitaria de los pueblos ancestrales y afrodiaspóricos. El Ubuntu-muntu está asociado a la muntualidad y ha sido acogido por la diáspora afrodescendiente latinoamericana porque es una política metafórica de la Gran Comarca, es decir, un territorio simbólico de plenitud, armonía y belleza desde su propia matriz de ordena- Lorena Marisol Cárdenas Oñate 153 ENCAJE ICÓNICO METAFÓRICO Desde el sentipensamiento icónico de la estética ritual imaginaria - Representamen: imaginarias en disputa la infancia con ideología hegemónica atriarcal frente a los principios energéticos de la naturaleza y sus poderes en continuum de armonía comunitaria (ecofeminista). - Figura retórica: resonancia. - Memoria etnoestética metafórica. - Argumento intuitivo emotivo. - Lógica abductiva: imaginal-afectiva. ‫מן‬ 0ǶǞȯȺǞȺ ǿƵɈƊǏȍȲǞƧƊ ƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊ ƵȁƵȺɈƶɈǞƧƊȺ ȲǞɈɐƊǶƵȺ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ ‫מס‬ ENCAJE SIMBÓLICO METAFÓRICO Desde el sentipensamiento icónico estético ritual de la cura metafórica - Interpretante emocional-espiritual: desde la insurgencia de la ternura del territorio diaspórico Ubuntu-muntu (como política y poética de errancia). - Figura retórica: reexistencia-resiliencia. - Proyección: erotismo metafórico, pasionalidad narrativa. - Argumentos: elipsis emocional, visceral- kisceral,racional. - Lógica simbólica-emotiva-racional: sentimientos, valores, conciencia individual y comunitaria, trascendencia de violencias. - Encajes recursivos dialógicos: trabajo de parto simbólico en maternazgos diaspóricos (espiritualidad, autoritualidad creativa). - lntersubjetividad comunitaria: geopolítica de desplazamiento reparativo en sus memorias. ENCAJE INDEXICAL METAFÓRICO Desde el sentipensamiento icónico de la estética ritual performativa - Objeto estético ritual: muñeca de trapo con piel negra. - Figura retórica: empatía sinergética (intersiendo en compasión, intervinculación), resistencia, transmutación, traducción. - Acción metafórica: estética del encaje en el continuum sujeta comunitaria. - Argumento visceral-espiritual:ɈȲƊȁȺٌȁƊȲȲƊɈǞɨƊƦǞȌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊ en polifonía multisituada de puntografías cosidas (corporeidades metafóricas de mujeres afrodescendientes) con compleja densidad de texturas. - Lógica abductiva (indexical): encajes estético-ritual metafóricos. ‫מנ‬ IǞǐɐȲƊ‫خן‬Modelo semiótico estético-ritual metafórico de mi autoría. Muñecas de trapo en Ubuntu ǿǞƵȁɈȌȺ‫خ‬0ȺɐȁƊȌȁɈȌǶȌǐǠƊƶɈǞƧȌٌƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶȱɐƵȲƵ˛ƵȲƵƊǏȲǞƧƊ‫ة‬ƮȌȁƮƵȺƵȲƵƧɐƵȲƮƊƵǶȯȲǞȁƧǞȯǞȌ de coexistencia basado en la familia extendida, la tribu que “intersiente con todos los seres sintientes”‫ ׏‬y que es un principio transcultural comunitario en varias tradiciones que se viven 156 intervinculadas con varios niveles de realidad, desde su propio axis mundi. Esta noción en la lengua xhosa de África del Sur ha sido traducida como “una persona es solo a través de su relación con los otros”, noción también similar en la lengua zulú (CÁRDENAS, ‫ةפןמנ‬ȯ‫فספףخ‬ȱɐƵƮƵǿɐƵȺɈȲƊƵǶȯȲȌǏɐȁƮȌƵȁȲƊǞɹƊǿǞƵȁɈȌƊǶɨǠȁƧɐǶȌǞȁɈƵȲȲƵǶƊƧǞȌȁƊǶ‫خ‬0ȁɑǶɈǞǿƊ instancia, ȺȌɯȯȌȲȱɐƵȺȌǿȌȺ expresa de modo radicalmente inclusivo lo que nutre el sentipensamiento afrodescendiente, que incluye a los presentes y ausentes físicamente – ancestros –, sujetos implícitos o explícitos, así como las deidades en otra dimensión y jerarquía, pero siempre en integración con los principios energéticos de la naturaleza y sus poderes. En esta y otras palabras-metáfora participan sujetos de conocimiento en diferentes diǿƵȁȺǞȌȁƵȺɯƧȌȺǿȌƧȌȁƧƵȯƧǞȌȁƵȺƮƵǶƊȲƵƊǶǞƮƊƮȱɐƵƵȁƧƊǯƊȁ‫ة‬ȲƵƧɐȯƵȲƊȁƮȌǶƊ˛ǶȌȺȌǏǠƊƮȌǿƶȺɈǞca, en lo que algunas abuelas afrodescendientes de la geopolítica cimarrona del Chocó asumen como el vivir sabroso: estar a gusto como persona en comunidad. Esta ética de convivencia en armonía incluye la lógica de los opuestos complementarios, que se opone a las prácticas de exterminio, competencia, destrucción de la madre tierra y sus ecosistemas, de la civilización tecno-capitalista del consumo. Sin embargo, esta cosmopercepción‫ א‬ɈƊǿƦǞƶȁ ȲƵƧȌȁȌƧƵ ǶȌȺ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌȺ ǞȁɈƵȲȁȌȺ ɯ ƵǯƵȲcicios de poder como el machismo y el sexismo. Desde las propuestas de los movimientos de las mujeres negras y/o afrodescendientes se convoca a trabajar multidimensionalmente para lograr esa armonía como pueblo, pues aún necesita de la concienciación, reparación y reconciǶǞƊƧǞȍȁƮƵǶȌȺȺɐǯƵɈȌȺ‫ة‬ɯƵȺɈȌɈƊǿƦǞƶȁǞȁɈƵȲȯƵǶƊٗƧƊȺƊƊƮƵȁɈȲȌ٘‫ة‬ƧȌǿȌȺƵȺɐƵǶƵǶǶƊǿƊȲƊǶƊǞȁ˜ƵɮǞȍȁ comunitaria, retomando justamente otra metáfora epistémica del maestro Juan García, investigador afroecuatoriano pionero, que desde esta metodología cotidiana trabajó por recuperar la memoria colectiva: §ƊȲƊ ȁȌȺȌɈȲȌȺ ǶƊ ǿƵǿȌȲǞƊ ƧȌǶƵƧɈǞɨƊ ƵȺ ǶƊ ȲƵƊ˛ȲǿƊƧǞȍȁ ƮƵ ǶȌ ȱɐƵ ǶƊ ɈȲƊƮǞƧǞȍȁ nos enseña, de lo que el ancestro enseña. Justamente es memoria colectiva porque está en todo el colectivo, las personas tienen mayor o menor conocimiento sobre un hecho, sobre una forma de hacer las cosas, sobre un valor o sobre un decir, sobre una manera casa adentro de entender (Walsh y García ‫ةףןמנ‬ȯ‫خفסצخ‬ Así, la elaboración de muñequería en talleres se convierte en una “casa adentro”, un tercer espacio para repensarse y reconocer las prácticas comunitarias como pretexto para el reconocimiento de los derechos de las mujeres y los otros géneros, también diferentes en las culturas ancestrales. Desde estos lugares situados, sin embargo, encuentran en sus experiencias compartidas ecos de complicidad: “Caminamos juntas como en una estrategia de autosustentabilidad, de sostenibilidad de la familia porque muchas de las mujeres son jefas de familia” (S. ßXß0ª„²‫ ة‬ƧȌǿɐȁǞƧƊƧǞȍȁ ȯƵȲȺȌȁƊǶ‫ מס ة‬ƮƵ ƊǐȌȺɈȌ ƮƵ ‫ خفצןמנ‬ƮƵǿƋȺ‫ ة‬ǘƊɯ ƵȁɈȲƵƧȲɐƧƵȺ ƶɈȁǞƧȌȺ‫ب‬ “Aquí en Cuenca la afrodescendencia no se puede entender sin su relación con los rituales a ‫ ׅ‬Retomamos esta noción planteada por el maestro buidista zen Thich Nhat Hanh, que propone este neologismo para evidenciar la acción de inter-ser en cada momento, porque además de ser coincidente con otras culturas ancestrales, explica la raíz de esta concepción tradicional transcultural basada en la cosmovisión animista. Ver su libro Ser paz y el corazón de la compasión. ‫ ׆‬Se propone hablar de cosmopercepción desde la inclusión de todos los sentidos sensoriales y también los intuitivos. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Artigos la Pachamama. Hay aquí un vínculo entre lo indígena y lo negro, que surge en el gusto por la nutrición sagrada, y que es interesante. Yo le llamo lo afroandino” (M. YAMA, comunicación perȺȌȁƊǶ‫סة‬ƮƵƮǞƧǞƵǿƦȲƵƮƵ‫خفפןמנ‬0ȁȺɐȺȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺȺƵƵȁǶƊɹƊȁɨƊȲǞƊȺǘǞȺɈȌȲǞƊȺȺƊɹȌȁƊƮƊȺƵȁɐȁƊ cocina intercultural. Los talleres sirven para compartir deliciosas memorias envueltas 0ȁƧƊǯƵǞȁƮƵɮǞƧƊǶ‫ب‬ǿɐǯƵȲƵȺ‫ـ‬ƮƵȺ‫ف‬ƧȌȺǞƵȁƮȌ ǿƵǿȌȲǞƊȺƧȌȁǘǞǶȌȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƵȁɈȲƊǿƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ La historia racializada de las mujeres negroafricanas, nacidas libres, nos recuerda que ǏɐƵȲȌȁƵȺƧǶƊɨǞɹƊƮƊȺƵȁǶƊƧȌȁȱɐǞȺɈƊɯ!ȌǶȌȁǞƊ‫ة‬ƮȌȁƮƵȺƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊȲȌȁƧȌȁƮǞƧǞȌȁƵȺȺȌƧǞƊǶƵȺƮƵ IǞǐɐȲƊ‫ خנ‬Colectivo Piel Canela, muñecas en casa de Jobita Lara. Fuente: Fotografía de Giovanni Spissu producción que hicieron emerger metalenguajes en creativos sistemas y códigos. Así, la práctica semiótica fue un asunto de sobrevivencia. No solo tuvieron que aprender un nuevo idioma, el del colonizador, sino también otras maneras de “hablar”, que ni siquiera contaban con su lengua natal como refugio o cobijo materno, como sí lo hicieron sus congéneres indígenas. Las mujeres de las casas “grandes” de los ingenios, por ejemplo, a través de las estéticas cotidianas abrieron un espacio para el entretejido de una historia poco contada que también luchó estratégicamente contra la esclavitud. A través de prácticas corporales, como la danza, la ritualidad espiritual-religiosa, la nutrición, el canto y la partería, ellas hablaban desde sus cuerpos, como una política de resistencia-re-existencia en el mundo doméstico. Esta estética tuvo, en el campo de las manualidades textiles, un sutil cronotopo creativo. El bordado es de nuestro especial interés por su trabajo con el detalle que genera una dimensión de atención, placer y belleza. Esta práctica impuesta que tuvieron que aprender las mujeres esclavizadas gestó lugares de descanso, complicidad y secreteo, y ofreció veladuras donde dejaron su impronta energética. Así como en tantos otros casos de mestizaje insurgente, llegó a ser con el tiempo un trabajo muy apreciado, aunque no remunerado. Lorena Marisol Cárdenas Oñate 157 Muñecas de trapo en Ubuntu La estética del encaje habita actualmente múltiples salas de museos estadounidenses ƮƵǶȺɐȲƵȺɈƵ‫ة‬ɯƵȺ‫ة‬ƮƵǘƵƧǘȌ‫ة‬ɐȁƊ˛ǐɐȲƊȱɐƵǘƊȺǞƮȌȲƵƧɐȯƵȲƊƮƊƧȌǿȌǿȌƮƵǶȌȺƵǿǞȍɈǞƧȌٌƮǞȺƧɐȲsivo desde la acción y el efecto de encajar, que recupera la labor plástica de esta costura orna- 158 ǿƵȁɈƊǶƮƵƊǯɐȺɈƵ‫ة‬ƊƧȌǿȌƮȌ‫ة‬ƵȁƧƊǯƵ‫ة‬ɯȱɐƵɈǞƵȁƵƧȌǿȌȲƊȺǐȌȯƵȲɈǞȁƵȁɈƵǶƊ˛ȁƊǶǞƮƊƮƮƵƵǿƦƵǶǶƵcer: “La intencionalidad estético-afectiva constitucional que se percibe sobre todo en el plano de la expresión, por un doble efecto concomitante: el de un espacio que se mete dentro de otro, ƵȁȯȲȌǏɐȁƮǞƮƊƮ‫ة‬ɯƵǶƮƵɐȁƊȺɐȯƵȲ˛ƧǞƵǘƵƧǘƊƮƵƵȺȯƊƧǞȌȺɨƊƧǠȌȺ‫ش‬ƵȺȯƊƧǞȌȺǶǶƵȁȌȺƵȁǶƊƵɮɈƵȁȺǞȍȁ٘ ‫ـ‬ªÇXðw„ª0y„ƵɈƊǶ‫ةצממנةخ‬ȯ‫خفנןخ‬ El juego arquitectónico entre forma y vacío del encaje posibilita simbólicamente atravesar narrativas con estrategias retóricas de distintos registros. Se puede desplazar a lugares trasfronterizos, que son cronotopos de argumentación metafórica de la o el sujeto en su ubicación multisituada en varios niveles de la realidad. Emergen así en esta disputa de opacidad/ transparencia diversas voces que acallan, tejidas en complejas tonalidades y coloridos del poder al decir, omitir, susurrar u olvidar. El patchwork ƊǏȲȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ ƵȺ ɐȁƊ ƧȲƵƊɈǞɨǞƮƊƮ ȱɐƵ ǿƊȁǞ˛ƵȺɈƊ ƵȺɈƊ ǶȍǐǞƧƊ ƵȺɈƶɈǞƧƊ ƊǶ unir, con costuras, varios pedazos de tela de diversos colores, texturas y formas que generan un todo armónico, con lo cual, desde su aparición, en el siglo pasado, se hicieron colchas para cama llamadas ȱɐǞǶɈȺ‫ ى‬Estas obras del arte popular íntimo, hecho en sus inicios por mujeres, ingresaron en la esfera estética institucional y dejaron de ser invisibilizadas. Geraldine Chouard argumenta sobre este arte popular en los Estados Unidos y destaca la relación con las artistas afroamericanas: Sabemos que en las plantaciones había algunas mujeres negras que cosían ȱɐǞǶɈȺ para las mujeres blancas. Ser una “esclava costurera” era una situación que les permitía escapar del trabajo agrícola más duro, como la pizca del algodón. De hecho, estas mujeres aprendieron a coser elaborando colchas con los modelos o patterns y, además, hacían algunas para ellas mismas con los retaɹȌȺȱɐƵǶƵȺȺȌƦȲƊƦƊȁ‫(خ‬ƵȺȯɐƶȺƮƵǶƊƊƦȌǶǞƧǞȍȁƮƵǶƊƵȺƧǶƊɨǞɈɐƮ‫ة‬ƊǶ˛ȁƊǶƮƵǶȺǞǐǶȌ XIX, la costumbre ya se había extendido y se reunían en lo que se llamaba las ȱɐǞǶɈǞȁǐȯƊȲɈǞƵȺ, tertulias de costura colectiva alrededor de una obra en curso ‫!ـ‬R„Ǫ(‫ةעןמנة‬ȯ‫خفקעخ‬ Estas tertulias de costura que los trabajos con tejidos posibilitan, son prácticas cimarronas que hasta la fecha recuperan la labor de encaje de las mujeres y han devenido en estéticas rituales en las protestas por el derecho al voto, a decidir sobre su cuerpo, los derechos sexuales y reproductivos, la lucha contra los racismos, la segregación y discriminación, entre tantas otras voces contra la violencia estructural patriarcal que se apropia de los cuerpos de las mujeres. Por tanto, es un lenguaje con alta semiosis en la lucha por la reparación y justicia social en general. En este sentido, esta metáfora estético-semiótica ofrece una recursividad dialógica que se enraíza y a la vez se desplaza, en un estilo de paradoja nómade. Recuperando la noción de creolizaciónƮƵ0ƮɩƊȲƮJǶǞȺȺƊȁɈ‫فפממנـ‬ȺƵȯɐƵƮƵƊȺɐǿǞȲȱɐƵ este espacio de intimidad desarrolló una crianza de hablas de sobrevivencia, como la estética del cabello, donde guardaban huellas y mapas de camino hacia los palenques. El de San Basilio, en lo que hoy es Colombia, es un ejemplo de gran comarca libertaria, pues acogió a muchos cimarrones y cimarronas que lograban llegar a este territorio, que si bien fue parte de esta historia, aún sigue revitalizando el imaginario, a través de la metáfora política del cimarronaje. La práctica nómade es en sí una metodología feminista. La dimensión performativa hace posible que “surjan encuentros y fuentes de interacción de experiencias y conocimiento insos- Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Artigos ȯƵƧǘƊƮȌ‫ ة‬ȱɐƵ ƮƵ ȌɈȲȌ ǿȌƮȌ ƮǞǏǠƧǞǶǿƵȁɈƵ ɈƵȁƮȲǠƊȁ ǶɐǐƊȲ٘ ‫ ـ‬ªX(„ÀÀX‫ ةמממנ ة‬ȯ‫ خفנס خ‬0Ƕ ȁȌǿƊdismo es un viaje, no siempre literal, de hecho, un viaje siempre es metafórico, ya que implica el encuentro con los otros y consigo mismo o misma. Con esta estrategia poética y política se hace posible destejer los patrones de exclusión, sexualizados y racializados en un ambiente de sororidad que ofrecen estos talleres, a través del desplazamiento de los imaginarios en la búsqueda de tiempo-espacios de regeneración entre mujeres que coinciden en ellos. Otra larga tradición africana es la escultura sagrada que en la diáspora logró sobrevivir en un encaje de objetos lúdicos. Por ejemplo, las culturas afroantillanas y afrobrasileñas elaboran un tipo de muñequería sagrada en el vudú y la santería, por mencionar ejemplos cuyo uso animista de “sujetos” cargados de intencionalidad energética, cobran vida a través de prácticas estéticas rituales. En esta religiosidad popular emerge el habla de ese tercero oculto de la ȯȲȌȯɐƵȺɈƊɈȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞƊ‫ـ‬yX!„m0²!„Ç‫ةפקקןة‬ȯ‫ةفעעخ‬ȯȌȲǶƊƧɐƊǶȺƵƊƧƧƵƮƵƊȌɈȲȌȺɈǞȯȌȺƮƵ ƵȺƧɐƧǘƊ‫ة‬ȯȌȲƵǯƵǿȯǶȌ‫ة‬ǶƊƮƵǠ˛ƧƊ‫خ‬ǶٗǿȌȁɈƊȲƵǶȺƊȁɈȌ٘‫ ב‬en las ceremonias yorubas, se generan condiciones para la sanación, trasmisión de información que en otros momentos serían impensables, y también son instantes que posibilitan condiciones de placer, afectividad, transformación, todos estos aprendizajes en comunidad. IǞǐɐȲƊ‫خס‬hƵȁȁɯ(ƵǶǐƊƮȌ‫!ة‬ȌǶƵƧɈǞɨȌ§ǞƵǶ!ƊȁƵǶƊ‫خעןמנة‬IɐƵȁɈƵ‫ب‬IȌɈȌǐȲƊǏǠƊJǞȌɨƊȁȁǞ²ȯǞȺȺɐ‫خףןמנة‬ ‫ ׇ‬IȲƊȺƵȱɐƵƵȁƧǶƊɨƵɯȌȲɐƦƊȺƵɐɈǞǶǞɹƊȯƊȲƊǞȁƮǞƧƊȲǶƊȯȌȺƵȺǞȍȁƮƵǠ˛ƧƊƮƵƊǶǐɑȁƵȺȯǠȲǞɈɐƵȁǶƊȯƵȲȺȌȁƊ‫§خ‬ȌȲɈƊȁɈȌ‫ة‬ǶȌ que hable, baile o haga semióticamente se asume como un heterodiscurso. Lorena Marisol Cárdenas Oñate 159 Muñecas de trapo en Ubuntu En paralelismo simbólico con esta práctica, en los talleres de muñequería se inscriben anecdotarios propios o de otras mujeres y las citas afectivas que hacen de ellas, a las que se vinculan de un modo corporal mientras están elaborando su “muñequita”, lo cual genera un 160 proceso de co-creatividad transnarrativa comunitaria provocada por el objeto-sujeto metonímico en sinestesia metafórica, donde se sincronizan hablas polivocales y hasta heteroglósicas, ɈƊȁɈȌƧȌǿȌȯȌǶǞǏȌȁǠƊȺȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺ‫ ـ‬hÀXy‫ةקצקןة‬ȯ‫خفץץخ‬ Este lenguaje de crianzaٗɈȌǿƊȯȲƵȺɈƊƮȌ٘ƵǶƵǿƵȁɈȌȺƮƵȌɈȲƊȺǶƵȁǐɐƊȺ‫ـ‬JmX²²yÀ‫ةפממנة‬ ȯ‫ فצנ خ‬Ȍ ɨȌƧƵȺ ȯƊȲƊ Ⱥɐ ɨǞƮƊ‫ ة‬ȯȌȲ ǶȌ ȱɐƵ ȺǞƵǿȯȲƵ ƵǶ ȯȲȌƧƵȺȌ ɯ ƵǶ ȲƵȺɐǶɈƊƮȌ ƵȺ ǞǿȯȲƵɨǞȺǞƦǶƵ‫ خ‬0Ƕ diálogo ventricular con las mujeres de su memoria funciona como un discurso corporal-visceral, así como también la dialógica con ellas mismas: “niñas”, que ahora ya trasversalizadas por múltiples experiencias, ideologías, intereses, desde el lugar enunciativo de mujeres adultas, hoy se permiten percibir detalles que antes no los pudieron asumir. Esta especie de psicoanálisis plástico funciona como un habla en sentipensamiento icónico metafórico con alto grado de semiosis feminista que posibilita una textura políglota, donde se hilvanan argumentos en complicidad, desencajando la estética hegemónica al traspasarla justamente por sus propios encajes afectivos. 0ȁƧƊǯƵȺȲƵƧɐȲȺǞɨȌȺȺǞǿƦȍǶǞƧȌȺ ƮƵǿƊɈƵȲȁǞƮƊƮƵȺƵȁȁȌȺɈƊǶǐǞƊ La dimensión afectiva de la diáspora en América tiene también un encaje de nostalgias en las maternidades. Retomando otro fragmento histórico, las mujeres afrodescendientes eran las encargadas del cuidado de los y las niñas blanco-mestizas, las “amitas” – como eran llamadas en la Colonia –, quienes ejercieron labores de nanas, madres sustitutas, nodrizas, madres de leche, entre una amplia gama de prácticas de maternazgo, y también cuidaron a las hijas de otras mujeres negras. Ahí también cimarronearon espacios de insurgencia, de solidaridad entre pares. Recordemos que al amparo de la única política de crueldad institucionalizada (SEGATO, ‫ةסןמנ‬ȯ‫فסצخ‬ƧȌǿȌǏɐƵƵǶǿȌƮȌƮƵȯȲȌƮɐƧƧǞȍȁƵȺƧǶƊɨǞȺɈƊ‫ة‬ƵǶǶƊȺȁǞȺǞȱɐǞƵȲƊȯȌƮǠƊȁƊɈƵȁƮƵȲƊȺɐȺ propias hijas, pues eran separadas y otras mujeres negras ayudaban en la crianza de las niñas esclavizadas, hasta su venta. ²ƵǞȁ˛ƵȲƵɈƊǿƦǞƶȁȯȌȲƵǶɈǞƵǿȯȌƮƵɈȲƊȺǶƊƮȌƊǶȁɐƵɨȌƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵ‫ة‬ȱɐƵǿɐƧǘƊȺƮƵƵȺɈƊȺ mujeres parían en los sótanos de los barcos transatlánticos, por lo que cobijaban a sus hijos e hijas con sus trapos. Las arrullaban y hacían muñequitas rasgando su ropa para que dejaran de llorar. Este imaginario posible desde una lógica abductiva ha sido recreado por la artesana y activista del movimiento negro de Brasil, Lena Martins, quien también ha desarrollado talleres de muñequería simbólica menos elaborada en su manufactura, pero con profunda proyección política, con el proyecto Abayomi, “mi presente” en lengua yoruba. En Ecuador, el Colectivo Piel Canela, compuesto por Susy Pérez, Jenny Delgado y Jobita Lara, emprenden este arte popular a través de Alice Trepp, escultora ecuatoriano-suiza que ofreció una muestra de muñecas de trapo para invitarlas a que las hagan con sus rasgos etno-estéticos. Este encaje dialógico ha cobrado colorido propio debido al gusto que ellas sienten por elaborarlas, y se han ido empoderando de esta erótica de manufactura al que acompaño en calidad de etnógrafa comunitaria y gestora cultural – o quizás nana – del proyecto, el cual viene caminado por varias zonas del callejón interandino y costa, territorios de asentamientos afrodescendientes. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Artigos Uno de los temas que más se hilvana es la maternidad infantil que muchas mujeres han vivido en espiral recursiva, lo que ha generado una práctica de desplazamiento materno, al ser las madres o abuelas quienes crían a sus hijos, y así se repite y hereda el ciclo que también irrumpe en imágenes estereotipadas: “La mujer en el Chota siempre andaba con el niño en su espalda, con uno en la barriga y otro al lado, porque eso sí, las mujeres de acá tenían muchos hiǯȌȺ‫ة‬ɯǘƊȺɈƊǶƊƊƧɈɐƊǶǞƮƊƮ‫ؾ‬ȲǞȺƊ‫ـ٘ؿ‬²Ç²æ§1ª0ð‫ة‬ɈƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊ‫ة‬0ǶhɐȁƧƊǶ‫(خفנןמנة‬ƵƊǘǠȱɐƵ ȺƵƵǶǞǐǞȍƵǶȯƊȲɈȌȺǞǿƦȍǶǞƧȌƧȌǿȌɈȲƊƦƊǯȌƮƵ˛ȁȌǘǞǶƊƮȌƵȁƧȌǿȯǶǞƧǞƮƊƮȯƊȲƊǶƊȺƧȌȁɨƵȲȺƊƧǞȌȁƵȺ‫ة‬ mientras elaboran estos “sujetos” estético-rituales. 0ȁɐȁȌƮƵǶȌȺȯȲǞǿƵȲȌȺɈƊǶǶƵȲƵȺ‫ة‬ƮȌȋƊðȌǞǶǞɈƊ0ȺȯǞȁȌɹƊ‫ة‬ȲƵƧȌȁȌƧǞƮƊƦƊǞǶƊƮȌȲƊƮƵǶßƊǶǶƵƮƵǶ Chota en Ecuador, se permitió jugar con la muñeca al compartirnos una canción de cuna que cantaban las abuelas: “Duérmase mi niña, duérmase no más, porque dormidita se parece un sol, duérmase Alicita [el nombre de la escultora que inspiró esta propuesta], duérmase nomás, ȯȌȲȱɐƵȺǞȁȌƮɐƵȲǿƵɯƊɨǞƵȁƵƵǶȲƊɈȍȁ٘‫ـ‬ð‫خ‬0ȺȯǞȁȌɹƊ‫ة‬ɈƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊ‫ة‬0ǶhɐȁƧƊǶ‫(خفנןמנة‬ƵȺde este campo indexical se abren variaciones recursivas sobre la noche y el dormir en su pueblo. Recogiendo ese hilo, agrega Janeth, también oriunda del sector: Por la noche dormía con mi muñeca, una mazorca de maíz [se ríe]. Le hacía dormir en el cucho, donde duermen los guaguas. La gente negra aquí tenemos esa costumbre. El papá duerme en el canto, la mamá en la mitad y el guagua en el cucho. Las camas por eso se ponen apegadas a la pared, para que no ȺƵƧƊǞǐƊƵǶǐɐƊǐɐƊ‫خ‬0ȺƵƵȺƵǶƧɐƧǘȌ‫ـ‬h‫خ‬0ȺȯǞȁȌɹƊ‫ة‬ɈƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊ‫خفנןמנة‬ 0ȺɈƊٗȯȲƋƧɈǞƧƊƧɐǶɈɐȲƊǶ٘ȲƵ˜ƵǯƊǶƊȺǞɈɐƊƧǞȍȁƮƵƵǿȯȌƦȲƵƧǞǿǞƵȁɈȌƮƵǶƊȺǏƊǿǞǶǞƊȺƮƵǶǶɐǐƊȲ‫ة‬ ya que en muchos hogares tienen una sola habitación para todos sus miembros, viven del trabajo precarizado vendiendo productos agrícolas en buses interprovinciales y, por tanto, “al día a día”, como se suele decir. Desde esta otra orilla, este retorno al “trabajo de parto” se hace ahora en complicidad entre mujeres y a veces con hombres críticos, inclusivos y sensibles, así como de otros géneros, que se han integrado a esta práctica. Se pretende crear condiciones de posibilidad para que ellas puedan elegir cómo y cuándo desean ejercer sus derechos sexuales y reproductivos, informadas ƮƵȺƮƵȺɐȺȯȲȌȯǞƊȺƮǞǿƵȁȺǞȌȁƵȺǞȁɈƵȲȯƵǶƊɈǞɨƊȺƮƵƊ˛ȁǞƮƊƮǞƮƵȁɈǞɈƊȲǞƊ‫ة‬ƧȲƵƮȌȌƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶǞƮƊƮ‫خ‬ En los talleres se ha visto que al asumirse como sujetos sexo-genérico situados, se atreven a desanudar los mandatos patriarcales encarnados también en metáforas, donde se reproducen, entre otros, los estereotipos hegemónicos de belleza “blanca”. El cuerpo así es explorado en su corporeidad diferenciada, asumiendo sus fenotipos en espejeo, la variancia de vestimenɈƊȺɯȌɈȲȌȺƧȍƮǞǐȌȺȱɐƵƵɨǞƮƵȁƧǞƊȁƵȺɈƊȺƧȌȲȯȌǐȲƊǏǠƊȺ‫ٗب‬mƊȺ˛ǐɐȲƊƧǞȌȁƵȺȺȌȁǞǿƋǐƵȁƵȺƮƵƦƊȺƵ política que retratan la interacción compleja de diversos niveles de subjetividad” (BRAIDOTTI, ‫ةמממנ‬ȯ‫خفמסخ‬ Por todo ello, se propone que estas creadoras encajan en una noción de imagineras cimarronas, pues regresan al territorio de la infancia con este “juego” –tomado seriamente – para destejer, retejer y rematar con puntadas aglutinantes los encajes de sus experiencias. De este modo, en esta producción se puntografía ausencias o presencias, incómodas o alegres, nostalgias, el color de su piel, otras recuerdan a sus parientas, las que les cuidaron. “Yo vivía con mi abuela a quien quise mucho. Ella me cuidaba. Incluso guardé una mecha de su cabello. El otro día hice una muñequita con eso. Lástima que se me dañó el celular donde le tomé foto. Me quedó bien bonita. Le regalé a mi nietecita para que la cuide” (J. Delgado, comunicación personal, ‫צ‬ƮƵǿƊȲɹȌƮƵ‫خفמנמנ‬ Lorena Marisol Cárdenas Oñate 161 Muñecas de trapo en Ubuntu Estos talleres ofrecen íntimos homenajes en espacios de terceridad simbólica, donde se trabajan relaciones emocorporales. Es decir, desde el continuum recursivo del campo de lo sensible y lo emotivo se encarna aquello que Julieta Haidar propone como el campo de las semió- 162 ɈǞƧƊȺƮƵǶȌǞȁɨǞȺǞƦǶƵ‫ةפממנـ‬ȯ‫فמעخ‬ƊȯƊȲɈǞȲƮƵǶƊƧȌǿɐȁǞƧƊƧǞȍȁƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶ‫خ‬0ȺɈȌȯȌɈƵȁƧǞƊɐȁƊcura metafórica a través de este arte-sanador que encaja con una de las dimensiones del Ubuntu que predica un intresiendo, tanto en lo favorable como en lo contrario, por lo cual hasta que no se consiga una salud integral comunitaria, quedan caminos por recorrer. RǞǶɨƊȁƵȺƮƵƵȺƧɐǶɈɐȲƊȺ ƦǞȌٌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊȺƵȁȯȲȌɯƵƧƧǞȍȁȺǞǿƦȍǶǞƧƊ Esculpir en trapo activa el componente lúdico de la creatividad. Requiere la atención a la aguja y al hilo, la mirada al detalle, la generación de ritmos corporales, pausas y respiros sincopados, por lo que “arreglando los ojos”, como suelen decir en los talleres, se puede ver esta práctica como una meditación en movimiento. Implica a cada imaginera ir y venir del pasado al presente para dialogar con la textura del aquí y el ahora, las sensaciones de los materiales, el diseño, la fabricación, la puntada insurgente en el boceto imaginal de quienes les inspiran: tía, hermana, abuela, ellas mismas. Jenny nos comparte: “Este vestuario me recuerda a mi tía Pie- IǞǐɐȲƊ‫خע‬ÀƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊƵȁJɐƊɯƊȱɐǞǶ‫خקןמנة‬wɐȋƵƧƊȺƵȁǶƊƧȌƧǞȁƊ‫خ‬IɐƵȁɈƵ‫ب‬IȌɈȌǐȲƊǏǠƊwƊȲǞȺȌǶ !ƋȲƮƵȁƊȺ‫خקןמנة‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Artigos dad. Ella se vestía así. Era alta, gruesa, gordita. Siempre que hago la muñeca me acuerdo de ella ȯȌȲȱɐƵǏɐƵǿɐɯƦɐƵȁƊƧȌȁǿǞǐȌƧɐƊȁƮȌƵȲƊȁǞȋƊ٘‫ـ‬h‫(خ‬0mJ(„‫خفמנמנة‬ȺǠƵɮȯǶȌȲƊȁǶȌȺƧȌǶȌȲƵȺ del género, traduciendo en forma plástica el espesor y la textura de sus memorias. !ȌȁɈȌƮȌƵȺɈȌɈƊǿƦǞƶȁȺƵƮƵȺȯǶƊɹƊǶƊƵɈȁȌǐȲƊǏǠƊƊǶǶɐǐƊȲǞȁ˜ƵɮǞɨȌ‫ة‬ȁȍǿƊƮƊ‫ة‬ǿɐǶɈǞȺǞɈɐƊƮȌ ǿƵƮǞƊȁɈƵ ɐȁƊ ǿƵɈȌƮȌǶȌǐǠƊ ǘȌȲǞɹȌȁɈƊǶ ɯ ƧȌȯƊȲɈǞƧǞȯƊɈǞɨƊ‫ ة‬ƊɐɈȌ ɯ ǘƵɈƵȲȌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊ ƊǶ ȲƵƮǞǿƵȁsionar el ejercicio creativo como un derecho de todos y todas. Esta metodología anclada en la mímesis del saber hacer como experiencia práctica de los aprendizajes de vida deviene en una lógica basada en la cognición metafórica, donde la construcción del dato intersubjetivo es compleja, transita por varios lenguajes y registros alternativos. A través del objeto ritual, visualidades en residuo, fetiche, garabato, el juego, la magia religiosa y popular develadas en tonalidades ƧȌǿȌƵǶƧƊȁɈȌƮƵȺƊ˛ȁƊƮȌ‫ة‬ƵǶȺɐȺɐȲȲȌ‫ة‬ǶƊɨȌɹƦƊǯƊɯȺǞǶƵȁƧǞȌȺ‫ة‬hablan también los correlatos olvidados por la estética hegemónica heteronormativa, patriarcal y patrimonial de la historia del arte. Es, por tanto, un lugar de mutuo-muntu intercambio en reciprocidad y sororidad, un espacio para la autorreparación a través de la producción del hecho estético que permite regenerarse desde una política insurgente de la ternura ‫ـ‬JÇ0ªª0ª„‫ةץממנة‬ȯ‫خفנףעخ‬²ȌȁǿɐǯƵȲƵȺ produciendo en pasionalidad expresada en gestos, pero también en el tiempo que dedican, ofrecen a otras, comparten. Trabajar con tijeras broncas, mientras relatan su infancia, recuerdan refranes, a veces albureando y riendo, se vuelve placentero. Así, esta interacción simbólica produce satisfactores en intercambios de saberes con los que cimarronean sus tristezas, y encuentran en esta práctica de hoy un punto de fuga, a pesar de la diferencia que también se evidencia en sus historias de vida. Remate A partir de lo expuesto, se considera que esta poética cimarronea desde el erotismo metafórico del sentipensamiento con las manos, genera estrategias de emplazamiento reparativo en sus memorias, a través de la semiosis abierta de signos energéticos, con los que van ȲƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁƮȌɐȁȁɐƵɨȌƵȁȲƊǞɹƊǿǞƵȁɈȌƮǞƊȺȯȍȲǞƧȌ‫خ‬ǘȌȲƊƵǶ˜ɐǯȌȁȌǿƋƮǞƧȌƮƵǶƊǞȁɈɐǞƧǞȍȁ‫ة‬ǶƊ exploración, la curiosidad, la negociación, los préstamos y una serie de economías simbólicas del lenguaje, las empodera desde los saberes inscritos en el primer territorio de vínculo afectivo-cognitivo: su cuerpo. Con este trabajo mancomunado entre estéticas de encaje y narrativa polifónica se transdisciplina la noción encasillada del arte popular y coloca a estas obras artesanales junto con sus creadoras en un lugar más allá de la factura (técnica), ya que deviene en una pedagogía íntima comunitaria, que muestra sus estados de ánimo, por lo que intrínsecamente está vinculada a lo afectivo-corpo-espiritual que genera sinergia entre ellas, la cual es traducida en memoria estética. El trabajo con las memorias históricas, los imaginarios espaciotemporales de esta geopolítica del conocimiento, los discursos tabú sesgados en diálogo con los derechos humanos, sexuales y reproductivos interpela a estas mujeres a reordenar sus pasos para mirar y elegir varios horizontes, ya sea para ellas o sus generaciones, en una búsqueda por paisajes de equidad intersubjetiva en convivencia comunitaria autorrespetuosa y solidaria. 0ȺɈȌƧȌȁǶǶƵɨƊȌɈȲȌǿƶɈȌƮȌƦǞȌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫ة‬ȺǞɈɐƊƮȌƵȁƵǶȯȌƮƵȲȺǞǿƦȍǶǞƧȌɯɐƦǞcuo de lo diaspórico. Las muñecas transitan estados de ánimo, preocupaciones, dolores de sus imagineras, como algún día nos confesó una de ellas, luego de la recuperación de salud de su hermana, cuando volvió a coser una sonrisa en sus muñecas. Este tipo de discursividad evidencia la importancia de la salud emocional. Lorena Marisol Cárdenas Oñate 163 Muñecas de trapo en Ubuntu 164 IǞǐɐȲƊ‫خף‬Susana Pérez, Colectivo Piel Canela. Ritual a Yemanyá, Fuente: Fotografía Marisol !ƋȲƮƵȁƊȺ‫נة‬IƵƦȲƵȲȌ‫ةקןמנ‬JɐƊɯƊȺ IǞǐɐȲƊ‫خפ‬Exposición en el Museo ƮƵȲɈƵwȌƮƵȲȁȌ‫!ة‬ɐƵȁƧƊ‫خקןמנة‬ IǞǐɐȲƊ‫خץ‬Colectivo Piel Canela y Marisol Cárdenas. Detalle de altar a Marielle Franco. Paralelismo de maternazgos entre la muñeca y su fotografía con su hija Homenaje con estudiantes brasileños en la Universidad de !ƊǶǞǏȌȲȁǞƊ‫ ة‬ƵȲDzƵǶƵɯ‫خצןמנة‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Artigos Así se trabaja desde una etnografía transdisciplinaria en diálogo situado en epistemes diversas, que valora una forma lúdica de conocimiento practicado históricamente y que se entrecruza con las teorías de la complejidad, decolonialidad y los (eco) feminismos en el lugar nómada fronterizo, dialógico y crítico de la acción manufacturera y coparticipativa del ejercicio creativo, entendido como otro de los derechos universales. Es una lógica de sabiduría anclada en el saber hacer, saber recordar y trasmutar una experiencia práctica y herencia de vida. Finalmente, esta interculturalidad estética de la memoria‫!ـ‬ª(0y²‫ةמןמנة‬ȯ‫فןצخ‬ƵȺ anticapitalista, antipatriarcal y antirracista, cuyo tiempo-espacio de ubicuidad desestabiliza los ejercicios de poder dominante blanco-mestizo, naturalizado y heteronormativo. Mediante esta ɈȲƊȁȺȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺƵƧȌȲɈƊ‫ة‬ǘǞǶɨƊȁƊɯ‫ـ‬ȲƵ‫ف‬ƧȌȺƵǶƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺ‫ش‬Ɗ˛ȁǞƮƊƮƵȺƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺƊɈȲƊɨƶȺƮƵǶ diálogo con discernimiento, información, sabiduría etaria y diversidad. Así, esta memoria estétiƧƊƧȌȁ˛ǐɐȲƊɐȁǶɐǐƊȲƮƵƧɐǞƮƊƮȌƊǏƵƧɈǞɨȌƮȌȁƮƵǶƊȺɈȲƊǿƊȺƮƵƧȌǿȯǶǞƧǞƮƊƮȯȌȺǞƦǞǶǞɈƊȁƵǯƵȲƧƵȲ el derecho a tejer su propia historia, así como los horizontes políticos de su futuro, con sus propios colores, en armonías polifónicas y esperanzas múltiples. ªƵǏƵȲƵȁƧǞƊȺ hÀXy‫ة‬w‫ٗٶخ‬mƊȯƊǶƊƦȲƊƵȁǶƊȁȌɨƵǶƊ٘ÀƵȌȲǠƊɯ0ȺɈƶɈǞƧƊƮƵǶƊȁȌɨƵǶƊ‫خ‬wƊƮȲǞƮ‫ب‬ÀƊɐȲɐȺ‫خקצקןة‬ ªX(„ÀÀX‫ة‬ª‫ٶخ‬²ɐǯƵɈȌȺȁȍǿƊƮƵȺ‫خ‬Corporización y diferencia sexual en la teoría feminista conɈƵǿȯȌȲƋȁƵƊ‫خ‬ÀȲƊƮɐƧƧǞȍȁǶǞƧǞƊ ǞɮǞȌ‫ خ‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫§ب‬ƊǞƮȍȺ‫خמממנة‬ !ª(0y²‫ة‬w‫(ٶخ‬ƵǶƊȺǞȲƵȁƊƊǶƊǿɐǯƵȲǘƊɯɐȁǿƊȲƮƵǞǿƊǐǞȁƊȲǞȌȺ‫خ‬Metáforas visuales nómadas en la estética ritual de la semiosfera altercreativa oaxaqueña. (Tesis de doctorado). UniverȺǞƮƊƮɐɈȍȁȌǿƊwƵɈȲȌȯȌǶǞɈƊȁƊٌåȌƧǘǞǿǞǶƧȌ‫!خ‬ǞɐƮƊƮƮƵwƶɮǞƧȌ‫ب‬wƶɮǞƧȌ‫خמןמנة‬ ‫ٗصص‬ÇƦɐȁɈɐ‫ٶخ‬ßȌɹȯƊǶƵȁȱɐƵȲƊƮƵǿɑǶɈǞȯǶƵȺƧȌǶȌȲƵȺ‫خ‬RƊƧǞƊɐȁƊƊȲǐɐǿƵȁɈƊƧǞȍȁǿƵɈƊǏȍȲǞƧƊƧǞǿƊȲȲȌȁƊ٘‫خ‬ªƵɨǞȺɈƊƵǶƵƧɈȲȍȁǞƧƊ‫(ٶ‬ǞȺƧɐȲȺȌɯ²ȌƧǞƵƮƊƮ‫ٶ‬ßȌǶ‫ـٶץצףٌקףףةفעـמןخ‬IɐȁƮƊƮƊɯƧȌȌȲƮǞȁƊƮƊ ȯȌȲÀƵɐȁ‫خ‬ɨƊȁ(ɯƧDzƵȁƵǶ!ƵȁɈƵȲȌǏ(ǞȺƧȌɐȲȺƵ²ɈɐƮǞƵȺ‫ ف‬ƊȲƧƵǶȌȁƊ‫خפןמנة‬ ‫ٗٶصص‬wƵɈƊȯǘȌȲǞƧƊǶ0ɈǘȁȌǐȲƊȯǘɯ‫ب‬àȌǿƵȁ݈ȺßȌǞƧƵȺ²ɈǞɈƧǘƵƮ݈ǞȁƊªǞɈɐƊǶƵȺɈǘƵɈǞƧȌǏ!ǘǞǶƮǘȌȌƮ٘‫ٶخ‬²ƵǿǞȌɈǞƧ‫بצןמנ‬ªƵȺǞǶǞƵȁƧƵǞȁƊȁǐƵȌǏªƵǶƊɈǞȌȁ‫خ‬æƵƊȲƦȌȌDzȌǏɈǘƵ²ƵǿǞȌɈǞƧ‫ٶ‬²ȌƧǞƵɈɯȌǏ ǿƵȲǞƧƊ‫§ٶخ‬ǘǞǶȌȺȌȯǘɯ(ȌƧɐǿƵȁɈƊɈǞȌȁ!ƵȁɈƵȲ‫خקןמנةעןןٌןמןب‬ !R„Ǫ(‫ة‬J‫ٗٶخ‬IȌȲǿƊȺ‫ة‬ɈƵȁƮƵȁƧǞƊȺɯɨƊǶȌȲƵȺƮƵǶ‫ٶ‬ȯƊɈƧǘɩȌȲDz‫ٶ‬ƊǏȲȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌƮƵǶȌȺ0ȺɈƊƮȌȺÇȁǞdos de Norteamérica (siglos XVIII-XXI)”. wɐǯƵȲƵȺ‫ة‬ǏƵǿǞȁǞȺǿȌɯƊȲɈƵȯȌȯɐǶƊȲ‫ خ‬Eli Bartra y María JɐƊƮƊǶɐȯƵRɐƊƧɐɹ0ǶǠƊȺ‫ٶخספٌץעٶة‬wƶɮǞƧȌ‫ب‬Çw‫ٶخעןמנة‬ EVERAERT-DESMEDT, N. “¿Que hace una obra de arte? Un modelo peirceano de la creatividad artística”. ÇɈȌȯǠƊɯȯȲƊɮǞȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊ‫ـ‬ƵȁƵȲȌٌǿƊȲɹȌ‫خف‬wƊȲƊƧƊǞƦȌ‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƮƵðɐǶǞƊ‫ة‬ ‫خצממנ‬ GLISSANT, E. ÀȲƊɈƊƮȌƮƵǶɈȌƮȌٌǿɐȁƮȌ‫ خ‬Traducción de María Teresa Gallegos Urrutia. Madrid: 0ǿƦƊǯƊƮƊƮƵIȲƊȁƧǞƊƵȁ0ȺȯƊȋƊɯƮƵǶwǞȁǞȺɈƵȲǞȌǏȲƊȁƧƶȺƮƵȺɐȁɈȌȺ0ɮɈƵȲǞȌȲƵȺ‫خؿפקקןؾפממנة‬ JÇ0ªª0ª„‫!ٶٶخ§ة‬ȌȲƊɹȌȁƊȲɐȁƊƊȁɈȲȌȯȌǶȌǐǠƊƧȌǿȯȲȌǿƵɈǞƮƊƧȌȁǶƊɨǞƮƊ‫ٶخ‬ȺɐȁƧǞȍȁ‫ب‬IȌȁƮƵƧ‫ة‬ ‫خץממנ‬ HAIDAR, J. “Las prácticas culturales como prácticas semiótico-discursivas”. González y Galindo, !ƋƧƵȲƵȺ‫ـ‬ƵƮȺ‫ٶفخ‬wƵɈȌƮȌǶȌǐǠƊɯƧɐǶɈɐȲƊ‫ٶخמפןٌקןןة‬wƶɮǞƧȌ‫„!ب‬y!ÇmÀ‫עקקןة‬ Lorena Marisol Cárdenas Oñate 165 Muñecas de trapo en Ubuntu ‫صص‬ÀȌȲƦƵǶǶǞȁȌȯƊȺǞȌȁƊǶƮƵǶȌȺƊȲǐɐǿƵȁɈȌȺ. México: Universidad Autónoma Metropolitana, ‫ٶخפממנ‬ Rªàæ‫خ(ة‬wƊȁǞ˛ƵȺɈȌ!ɯƦȌȲǐ‫خ‬0ǶȺɐƵȋȌǞȲȍȁǞƧȌƮƵɐȁǶƵȁǐɐƊǯƵƧȌǿɑȁȯƊȲƊǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺ 166 ƵȁƵǶƧǞȲƧɐǞɈȌǞȁɈƵǐȲƊƮȌ. Traducción de Manuel Talens con pequeños cambios de David de ÇǐƊȲɈƵ‫خ‬²‫ش‬Ƶ‫خעצקןة‬ m„Àwy‫ة‬X‫ٶخ‬²ƵǿǞȌȺǏƵȲƊX‫ـٶ‬ƵƮ‫خ‬ɯɈȲƊƮ‫(خ‬ƵȺǞƮƵȲǞȌyƊɨƊȲȲȌ‫ف‬wƊƮȲǞƮ‫!ب‬ƋɈƵƮȲƊ‫ش‬IȲȍȁƵȺǞȺ‫ٶخפקקןة‬ ‫صص‬²ƵǿǞȍɈǞƧƊƮƵǶƊƧɐǶɈɐȲƊ‫خ‬wƊƮȲǞƮ‫ب‬0ƮǞƧǞȌȁƵȺ!ƋɈƵƮȲƊ‫خקץקןة‬ LUGONES, M. !ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮɯǐƶȁƵȲȌ‫ٶخ‬ÀƊƦɐǶƊªƊȺƊ‫ خ‬ȌǐȌɈƋ‫خ‬yȌ‫ןמןٌסץبק‬ǯɐǶǞȌٌƮǞƧǞƵǿƦȲƵ‫ة‬ ‫خצממנ‬ NICOLESCU, B. ÀȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞɈƶ‫ـ‬wƊȁǞ˛ƵȺɈȌ‫§ف‬ƊȲǞȺ‫ب‬hƵƊȁ§ƊɐǶ ƊȲɈȲƊȁƮ‫ٶخפקקןة‬ PEIRCE, CH. !ȌǶǶƵƧɈƵƮ§ƊȯƵȲȺ‫ة‬RƊȲɨƊȲƮÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺ‫خفעןקןٌקסצןـٶ‬Ǟ‫!סןקןٌפפצןخ‬ȌǶǶƵƧɈƵƮ §ƊȯƵȲȺȌǏ!ǘƊȲǶƵȺ²ƊȁƮƵȲȺ§ƵǞȲƧƵ‫ة‬ɨȌǶȺ‫פىןخ‬ƵƮ‫!خ‬ǘƊȲǶƵȺRƊȲɈȺǘȌȲȁƵƊȁƮ§ƊɐǶàƵǞȺȺ‫!ـ‬ƊǿƦȲǞƮǐƵ‫ة‬w‫ب‬RƊȲɨƊȲƮÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺ‫سفצףקןٌןסקןة‬ɨȌǶ‫צٌץخ‬ƵƮ‫خ‬ȲɈǘɐȲà‫ خ‬ɐȲDzȺ‫!ـ‬ƊǿƦȲǞƮǐƵ‫ة‬w‫ب‬ RƊȲɨƊȲƮÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺ‫خؿצףקןٌןסקןؾןצקןةفצףקןة‬ ªÇXðw„ª0y„‫ة‬m‫خ‬æw‫خ‬²„mX²‫خ‬0ȁƧƊǯƵȺƮǞȺƧɐȲȺǞɨȌȺ‫خ‬0ȺɈɐƮǞȌȺȺƵǿǞȍɈǞƧȌȺ. México: Benemérita ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮɐɈȍȁȌǿƊƮƵ§ɐƵƦǶƊ‫ش‬0ƮǞƧǞȌȁƵȺƮƵ0ƮɐƧƊƧǞȍȁɯ!ɐǶɈɐȲƊ‫خצממנة‬ SEGATO, R. mƊƵȺƧȲǞɈɐȲƊƵȁƵǶƧɐƵȲȯȌƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺƊȺƵȺǞȁƊƮƊȺƵȁ!ǞɐƮƊƮhɐƋȲƵɹ‫خ‬ÀƵȲȲǞɈȌٌ ȲǞȌ‫ة‬ȺȌƦƵȲƊȁǠƊɯƧȲǠǿƵȁƵȺƮƵȺƵǐɐȁƮȌƵȺɈƊƮȌ‫ خ‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫ب‬ɈǞȁɈƊǶǞǿȍȁ‫خؿפממנؾסןמנة‬ WALSH, C. Y J. GARCÍA. “Memoria colectiva, escritura y Estado. Prácticas pedagógicas de existencia afroecuatoriana”. !ɐƊƮƵȲȁȌȺƮƵmǞɈƵȲƊɈɐȲƊßȌǶ‫خ‬åXå‫خצסخ‬hɐǶǞȌٌƮǞƧǞƵǿƦȲƵ‫خףןמנةצקٌקץب‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021 Tierra negra: ƊȲƊȺƮƵȺɐƵǶȌƵȁɈȲƵȯƊȺȌȺ‫ة‬ ɨȌƧƵȺ‫ة‬ǞǿƋǐƵȁƵȺɯƧƊȁɈȌȺ Marcela Landazábal Mora Universidad Nacional Autónoma de México ÀǞƵȲȲƊȁƵǐȲƊ‫ب‬ƊȲƊȺƮƵȺɐƵǶȌƵȁɈȲƵȯƊȺȌȺ‫ة‬ɨȌƧƵȺ‫ة‬ǞǿƋǐƵȁƵȺɯƧƊȁɈȌȺ ªƵȺɐǿƵȁ ÀȌƮƊ ȁƊȲȲƊɈǞɨƊ ƮƵǶ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌ ƊȲǿƊƮȌ Ƶȁ !ȌǶȌǿƦǞƊ ƮƵƦƵ ȲƵȯƊȲƊȲ Ƶȁ ǶƊ ǞȁȺɈƊȁƧǞƊ racializante que reposa en el carácter de una masculinidad bélica, la cual colinda con la racionalidad extrema de las formas de gobierno del Estado, también formulada en clave masculina –por su manejo siempre parcelado de las territorialidades y la vida. Desde una perspectiva crítica de género se considera la interacción de la triada crítica de la raza, clase y género, incluyendo un cuarto vector determinante, las juventudes, en los actuales procesos de resistencia y sus prácticas culturales como apuestas de reconstrucción política. El texto parte de un primer apartado disponiendo las coordenadas que revelan las secuelas del abuso sobre lo negro tanto en cuerpos como territorios. En consecuencia, el segundo apartado se centra en evaluar esta categoría en ƵǶǿƊȲƧȌƮƵǶƊƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯƊƧǞȍȁƮƵȯɐƵƦǶȌȺ‫ة‬ɨƊȲȌȁƵȺȁƵǐȲȌȺ‫ـ‬ƊǏƵƧɈƊƮȌȺȯȌȲƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ armado) y mujeres negras violentadas por su condición racial y de género. El tercer apartado abre campo para revisar los recientes procesos de resistencia de las juventudes para decantar en un esquema de reconocimiento de estas estéticas vernáculas, como formas de resistencia, pero también de reparación de una moral aniquilada por ǶȌȺƵǏƵƧɈȌȺƮƵǶƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌȲƵǿƊȁƵȁɈƵɈȲƵȁɹƊƮȌƧȌȁƵǶȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌƵȁƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ armado colombiano. §ƊǶƊƦȲƊȺƧǶƊɨƵ‫ب‬ÀƵȲȲǞɈȌȲǞȌȲƊƧǞƊǶǞɹƊƮȌ‫س‬ǿɐǯƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺ‫س‬ǯɐɨƵȁɈɐƮƵȺɯȯȲƋƧɈǞƧƊȺƧɐǶɈɐȲƊǶƵȺƮƵȲƵȺǞȺɈƵȁƧǞƊ‫س‬ƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫خ‬ Terra preta: ao nível do chão entre passos, vozes, imagens e cantos Resumo ©ɐƊǶȱɐƵȲ ȁƊȲȲƊɈǞɨƊ ƮȌ ƧȌȁ˹ǞɈȌ ƊȲǿƊƮȌ ȁƊ !ȌǶȏǿƦǞƊ ƮƵɨƵ ɈƵȲ Ƶǿ ƧȌȁɈƊ Ɗ ǞȁȺɈƓȁƧǞƊȲƊƧǞƊǶǞɹƊȁɈƵȱɐƵȺƵƊȺȺƵȁɈƊȁȌƧƊȲƋɈƵȲƮƵɐǿƊǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵǐɐƵȲȲƵǞȲƊ‫ل‬ȱɐƵǏƊɹ ǏȲȌȁɈƵǞȲƊƧȌǿƊƵɮɈȲƵǿƊȲƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƮƊȺǏȌȲǿƊȺƮƵǐȌɨƵȲȁȌƮȌ0ȺɈƊƮȌ‫ل‬ɈƊǿƦƶǿ ǏȌȲǿɐǶƊƮƊȁɐǿƊƧǘƊɨƵǿƊȺƧɐǶǞȁƊ٤ƮƵɨǞƮȌƜȺɐƊǐƵȺɈƣȌȺƵǿȯȲƵȯƊȲƧƵǶƊƮƊƮƊȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƵƮƊɨǞƮƊ‫(ى‬ƵɐǿƊȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊƧȲǠɈǞƧƊƮƵǐƶȁƵȲȌ‫ل‬ƊǞȁɈƵȲƊƪƣȌƮƊɈȲǠƊƮƵ ƧȲǠɈǞƧƊ ƮƵ ȲƊƪƊ‫ ل‬ƧǶƊȺȺƵ Ƶ ǐƺȁƵȲȌ ƶ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƮƊ‫ ل‬ǞȁƧǶɐǞȁƮȌ ɐǿ ȱɐƊȲɈȌ ɨƵɈȌȲ ƮƵɈƵȲǿǞȁƊȁɈƵ‫ ل‬Ɗ ǯɐɨƵȁɈɐƮƵ‫ ل‬ȁȌȺ ƊɈɐƊǞȺ ȯȲȌƧƵȺȺȌȺ ƮƵ ȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊ Ƶ ȁƊȺ ȺɐƊȺ ȯȲƋɈǞƧƊȺ ƧɐǶɈɐȲƊǞȺ‫ل‬ƧȌǿȌɐǿƊƊȯȌȺɈƊȁƊȲƵƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌȯȌǶǠɈǞƧƊ‫„ى‬ɈƵɮɈȌƧȌǿƵƪƊƧȌǿɐǿƊȯȲǞǿƵǞȲƊȺƵƪƣȌȱɐƵƵȺɈƊƦƵǶƵƧƵƊȺƧȌȌȲƮƵȁƊƮƊȺȱɐƵȲƵɨƵǶƊǿƊȺƧȌȁȺƵȱɐƺȁƧǞƊȺƮȌƊƦɐȺȌ ƮƊƵȺƧɐȲǞƮƣȌ‫ل‬ɈƊȁɈȌȁȌȺƧȌȲȯȌȺƧȌǿȌȁȌȺɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺ‫!ى‬ȌȁȺƵȱɐƵȁɈƵǿƵȁɈƵ‫ل‬ƊȺƵǐɐȁƮƊ ȺƵƪƣȌƧƵȁɈȲƊ٧ȺƵȁƊƊɨƊǶǞƊƪƣȌƮƵȺɈƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊȁȌȱɐƊƮȲȌƮȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƮȌȺȯȌɨȌȺ‫ل‬ ƮȌȺǘȌǿƵȁȺȁƵǐȲȌȺٛƊǏƵɈƊƮȌȺȯƵǶȌƧȌȁ˹ǞɈȌƊȲǿƊƮȌٜƵƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺɨǞȌǶƵȁɈƊƮƊȺƮƵɨǞƮȌƜȺɐƊƧȌȁƮǞƪƣȌȲƊƧǞƊǶƵƮƵǐƶȁƵȲȌ‫ى‬ɈƵȲƧƵǞȲƊȺƵƪƣȌƊƦȲƵȌƧƊǿȯȌȯƊȲƊ ȲƵɨƵȲȌȺȲƵƧƵȁɈƵȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊǯɐɨƵȁǞǶ‫ل‬Ɗ˸ǿƮƵƮƵƧƊȁɈƊȲȁɐǿƵȺȱɐƵǿƊ ƮƵȲƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƮƵȺɈƊȺƵȺɈƶɈǞƧƊȺɨƵȲȁƊƧɐǶƊȲƵȺ‫ل‬ƧȌǿȌǏȌȲǿƊȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊ‫ل‬ǿƊȺ ɈƊǿƦƶǿƮƵȲƵȯƊȲƊƪƣȌƮƵɐǿƊǿȌȲƊǶǞƮƊƮƵƊȁǞȱɐǞǶƊƮƊȯƵǶȌȺƵǏƵǞɈȌȺƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌ ȲƵǿƊȁƵȺƧƵȁɈƵɈȲƊȁƪƊƮȌȯƵǶȌȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌȁȌƧȌȁ˹ǞɈȌƊȲǿƊƮȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫ى‬ Palavras-chave: Território racializado; mulheres negras; juventude e práticas cultuȲƊǞȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊَƧȌȁ˹ǞɈȌƊȲǿƊƮȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫ى‬ Black earth: at ground level between steps, voices, images and songs ȁɯȁƊȲȲƊɈǞɨƵȌǏɈǘƵƊȲǿƵƮƧȌȁ˹ǞƧɈǞȁ!ȌǶȌǿƦǞƊǿɐȺɈȲƵȯƊǞȲǞȁɈǘƵȲƊƧǞƊǶǞɹǞȁǐǞȁȺɈƊȁƧƵ ɈǘƊɈȲƵȺɈȺȌȁɈǘƵƧǘƊȲƊƧɈƵȲȌǏƊɩƊȲǶǞDzƵǿƊȺƧɐǶǞȁǞɈɯ‫ل‬ɩǘǞƧǘƦȌȲƮƵȲȺɩǞɈǘɈǘƵƵɮɈȲƵǿƵ ȲƊɈǞȌȁƊǶǞɈɯ ȌǏ ǐȌɨƵȲȁǿƵȁɈ ȌǏ ǿȌƮƵȲȁ ȁƊɈǞȌȁ٧²ɈƊɈƵ‫ ل‬ƊǶȺȌ ǏȌȲǿɐǶƊɈƵƮ Ǟȁ Ɗ ǿƊȺƧɐǶǞȁƵ key - for its always parcelled management of territorialities and life. From a critical ǐƵȁƮƵȲ ȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƵ‫ ل‬ɈǘƵ ǞȁɈƵȲƊƧɈǞȌȁ ȌǏ ɈǘƵ ƧȲǞɈǞƧƊǶ ɈȲǞƊƮ ȌǏ ȲƊƧƵ‫ ل‬ƧǶƊȺȺ ƊȁƮ ǐƵȁƮƵȲ ǞȺ ƧȌȁȺǞƮƵȲƵƮ‫ل‬ǞȁƧǶɐƮǞȁǐƊǏȌɐȲɈǘƮƵɈƵȲǿǞȁƊȁɈɨƵƧɈȌȲ‫ل‬ɈǘƵɯȌɐɈǘ‫ل‬ǞȁɈǘƵƧɐȲȲƵȁɈȯȲȌƧƵȺȺƵȺ of resistance and its cultural practices as bets of political reconstruction. The text beǐǞȁȺɩǞɈǘƊ˸ȲȺɈȺƵƧɈǞȌȁȺƵɈɈǞȁǐȌɐɈɈǘƵƧȌȌȲƮǞȁƊɈƵȺɈǘƊɈȲƵɨƵƊǶɈǘƵƊǏɈƵȲǿƊɈǘȌǏɈǘƵ ƊƦɐȺƵȌǏƦǶƊƧDzȁƵȺȺǞȁƦȌɈǘƦȌƮǞƵȺƊȁƮɈƵȲȲǞɈȌȲǞƵȺ‫!ى‬ȌȁȺƵȱɐƵȁɈǶɯ‫ل‬ɈǘƵȺƵƧȌȁƮȺƵƧɈǞȌȁ focuses on evaluating this category within the framework of the stereotyping of peoȯǶƵȺ‫ل‬ƦǶƊƧDzǿƵȁٛƊǏǏƵƧɈƵƮƦɯɈǘƵƊȲǿƵƮƧȌȁ˹ǞƧɈٜƊȁƮƦǶƊƧDzɩȌǿƵȁɨǞȌǶƊɈƵƮǏȌȲɈǘƵǞȲ ȲƊƧǞƊǶ ƊȁƮ ǐƵȁƮƵȲ ƧȌȁƮǞɈǞȌȁ‫ ى‬ÀǘƵ ɈǘǞȲƮ ȺƵƧɈǞȌȁ ȌȯƵȁȺ ɈǘƵ ˸ƵǶƮ ɈȌ ȲƵɨǞƵɩ ɈǘƵ ȲƵƧƵȁɈ processes of resistance of the youth to decant in a scheme of recognition of these ɨƵȲȁƊƧɐǶƊȲƊƵȺɈǘƵɈǞƧȺ‫ل‬ƊȺǏȌȲǿȺȌǏȲƵȺǞȺɈƊȁƧƵ‫ل‬ƦɐɈƊǶȺȌȌǏȲƵȯƊȲƊɈǞȌȁȌǏƊǿȌȲƊǶǞɈɯƊȁnihilated by the effects of the remaining colonialism braided with neoliberalism in ɈǘƵ!ȌǶȌǿƦǞƊȁƊȲǿƵƮƧȌȁ˹ǞƧɈ‫ى‬ Key Words: Racialized territory; black women; youth and cultural practices of resisɈƊȁƧƵَ!ȌǶȌǿƦǞƊȁƊȲǿƵƮƧȌȁ˹ǞƧɈȌ Artigos Las poéticas no cesan de combatir. mƊȺȯȌƶɈǞƧƊȺȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƵȺ‫ل‬ȺȌƦȲƵɨƵȁǞƮƊȺƵȁƵǶǿɐȁƮȌ‫ل‬ son políticas realizables en todos lados Édouard Glissant, Filosofía de la Relación. ȁɈƵǶƊƮƵȺȌǶƊƧǞȍȁƊǶƊȱɐƵƧȌȁƮƵȁƊƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫ة‬ȺƵȲƵȱɐǞƵȲƵȲƵƧƊȯǞɈɐǶƊȲǶƊƮǞǿƵȁȺǞȍȁȺǞǿƦȍǶǞƧƊƮƵɈȌƮȌȺǶȌȺƋǿƦǞɈȌȺƮƵǶȌȺƵȁȺǞƦǶƵ‫س‬ɐȁƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲƵȺɈƊɐȲƊƮȌȲƊȱɐƵ excede las mediaciones institucionalizadas y los relatos dominantes. La violencia armada consɈǞɈɐɯƵƵǶȯƊɈȲȍȁƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƧǞȍȁȁȌȺȍǶȌƮƵǶȌȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺǐȲɐȯȌȺƊǶǿƊȲǐƵȁƮƵǶƊǶƵɯ‫ة‬ȺǞȁȌƮƵ ǶȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺ‫س‬ƵȺɐȁƊǞȁȺɈƊȁƧǞƊٙȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƮƊٚ‫خ‬²ƵɈȲƊɈƊƮƵɐȁƊȁƊȲȲƊɈǞɨƊȱɐƵȲƵȯȌȺƊƵȁƵǶƧƊȲƋƧɈƵȲ de una masculinidad bélica que colinda con la racionalidad extrema de las formas de gobierno del Estado, también formuladas en clave masculina –por su manejo siempre parcelado de las territorialidades y la vida. La prevalencia de la instancia mercenaria en las narrativas sobre ámbiɈȌȺȲɐȲƊǶƵȺǶǶƵɨƊǞǿȯǶǠƧǞɈƊǶƊɨǞƧɈǞǿǞɹƊƧǞȍȁƧȌǿȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶƧǶƊɨƵƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƧǞȍȁȺȌƦȲƵȯƵȲȺȌȁƊȺ y territorios subsumidos en visiones homogenizantes. Bajo esta lógica de control una cadena ƮƵȺƵƧɐƵǶƊȺƵȁƵǶȌȲƮƵȁȺƵȁȺǞƦǶƵƮƵǶƊȺȌƧǞƵƮƊƮȯȲƵٌ˛ǐɐȲƊȁƵǶȌȲƮƵȁȯȌǶǠɈǞƧȌ‫ـ‬ɯƊƮƵȺ˛ǐɐȲƊƮȌ‫ة‬ binario y desigual) –ǿƊǶȌȺُƦɐƵȁȌȺَȲǞƧȌȺُȯȌƦȲƵȺَƧƊǿȯȌȺُƧǞɐƮƊƮƵȺَƧƵȁɈȲȌُȯƵȲǞǏƵȲǞƊȺَǿƊƧǘȌȺُ hembras y siempre, la insistente relación ƦǶƊȁƧȌٛȺُٜȁƵǐȲȌٛȺٜ‫ ل‬donde se sustentan los olvidos históricos y las reiteraciones reduccionistas. Estas fracturas, enmarcadas en las narrativas del colapso, sólo alertan sobre peligros inminentes, y a la vez, fragilizan la capacidad creadora y de recuperación – por la que tanto se han esforzado durante generaciones poblaciones atravesadas por la guerra y, sobre todo, sus mujeres, que optan por prácticas opacas de sostenimiento de la vida a través de principios elementales: la escucha, los afectos (con sus afectaciones) y el cuidado de las vidas. (ƵȺȯɐƶȺƮƵǶƊ˛ȲǿƊƮƵǶƧɐƵȲƮȌƮƵ§ƊɹƵȁ‫ةפןמנ‬ǶƊȺƵȺɈȲƊɈƵǐǞƊȺƮƵȲƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌ‫ة‬ȯȲǞȁcipalmente promovidas por la Comisión de la Verdad han delatado la necesidad de nombrar, de hablar y de construir un horizonte de diálogo que involucre todas las esferas de la sociedad colombiana. Pero nombrar no sólo es denunciar o inhabilitarse tras los fantasmas y las paranoias ƮƵǶƊǐɐƵȲȲƊ‫س‬ǶƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺǿƋȺƊǏƵƧɈƊƮƊȺȯȌȲƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌǘƊȁȺǞƮȌȯȌȲɈƊƮȌȲƊȺƮƵɐȁƊȯƵƮƊǐȌǐǠƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȯƊȲƊȱɐƵ‫ة‬Ƶȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫ة‬ȺƵƊȯȲƵȁƮǞƵȲƊƊȁȌǿƦȲƊȲǶȌǞȁȁȌǿƦȲƊƦǶƵ‫(خ‬ƵǿƊȁƵȲƊ que, la narrativa del colapso carece de poder reparador si sólo es denunciada sin advertir su ƧȌȁɈȲƊȯƊȲɈƵ‫ة‬ǶƊȲƵƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁ‫ة‬ƵǶƮƵȲƵƧǘȌɯƮƵƦƵȲƮƵȺƊȁƊƧǞȍȁƮȌȁƮƵٙǶȌȺƧȌȁƮƵȁƊƮȌȺɯƧȌȁƮƵȁƊƮƊȺٚȯȌȲɯƵȁƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌǶȌǐȲƊȁɐȁƊǞȁɈƵȲɨƵȁƧǞȍȁȲƵȺɈƊɐȲƊƮȌȲƊƊɈȲƊɨƶȺƮƵƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺ mecanismos propiciados por el orden sensible compartido. Aquí se revoca esa lógica masculina atropelladora que impera tanto en los formatos de guerra, como en los de administración y gesɈǞȍȁƮƵƧȌȁ˜ǞƧɈȌȺƵȁƵǶȌȲƮƵȁȺɐȯȲƊٌǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶǐǶȌƦƊǶ‫ة‬ȯƵȲȌɈƊǿƦǞƶȁƵȁƊǶǐɐȁƊȺƮƵƧƊƮƵȁɈƵȺ lecturas del mundo actual, que, si bien se muestran críticas, al no brindar alternativas, paralizan. Es necesario visibilizar el mecanismo estético que se ha tejido de manera colectiva en el marco de post-acuerdo y que tiene diferentes matices y formas de aparición, como principal motor político, y a su vez, diferenciarlo del orden estetizante del discurso de negación que duȲƊȁɈƵƮƶƧƊƮƊȺǘƊȁȺȌȺɈƵȁǞƮȌǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƵȺȌ˛ƧǞƊǶƵȺƊȯȌɯƊƮƊȺƵȁǶȌȺǿƵƮǞȌȺƮƵƧȌǿɐȁǞƧƊƧǞȍȁ privados aliados con el Estado –cuyo principio rector sobre las narrativas de guerra en el país ha seguido revictiminzando personas y sosteniendo la condición de lejanía de los territorios más azotados, sean periferias o entornos rurales. Esa crasa parcelación hace parte de un orden mundial de desconexión y expulsiones, y a la vez, se expresa de maneras radicales en la memoria de generaciones de un país en guerra continua durante más de siete décadas, condición que alberǐƊɐȁɐȲǐƵȁɈƵƧɐƵȺɈǞȌȁƊǿǞƵȁɈȌȯȌȲǶƊǏȌȲǿƊƮƵƧȌȁȺɈȲɐǞȲǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊɯƮƵȲƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲǶƊǿƵǿȌȲǞƊ‫خ‬ Marcela Landazábal Mora 173 Tierra negra (ƵȺȯɐƶȺ ƮƵ ɈȌƮȌ‫ ة‬ƊɐȁȱɐƵ ǶƊ ǘǞȺɈȌȲǞƊ ƮƵƦƊ ȺƵǐɐǞȲȺƵ Ɗ ȲƊȺ ƮƵ ȺɐƵǶȌ‫ ة‬ƧȌǿȌ ƦǞƵȁ Ɗ˛Ȳǿȍ Michel de Certeau, en Colombia – cuyo suelo ha sido minado, deformado, racializado y abusado con cultivos ilícitos, monocultivos y químicos de control depredadores del medio – esta 174 máxima adquiere un sentido de urgencia al ser el segundo país, después de Afganistán, en el ȯƊƮƵƧǞǿǞƵȁɈȌƮƵǿǞȁƊȺƊȁɈǞȯƵȲȺȌȁƊ‫ى‬ƧȌȁȌƧǞƮƊȺǶȌƧƊǶǿƵȁɈƵƧȌǿȌٙȱɐǞƵƦȲƊٌȯƊɈƊȺٚɯƵǶȺƵǐɐȁƮȌ‫ة‬ después de Siria, en desplazamiento forzado.‫׋‬0ȁɈȌȁƧƵȺǶƊƧȲƵƊɈǞɨǞƮƊƮ‫س‬ƵǶȺǞǐǞǶȌɯƵǶȺǞǶƵȁƧǞȌƮƵ ȯƊȺȌȺȁȌƊƮɨƵȲɈǞƮȌȺ‫ة‬ƊɨƵƧƵȺƮƵɐȁȺȌǶȌȯǞƵ‫س‬ƮƵȯƊȺȌȺƧȌȁǶƊȺǿƊȁȌȺ‫س‬ȌƊȱɐƵǶǶȌȺƊƧƊǶǶƊƮȌȺȱɐƵȁȌ ƊǶƧƊȁɹƊȲȌȁƊƮƵǯƊȲǘɐƵǶǶƊȺƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁɐȁƊƧɐǿɐǶƊƮȌȺƵȁȺǞƦǶƵȯƊȲƊǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮƵȲƵƧɐȯƵȲƊƧǞȍȁ que urge también reconstruir. ¿Cómo y hacia dónde caminar después de todo esto? ¿Dónde ɐƦǞƧƊȲٙȁɐƵȺɈȲȌȺٚȯǞƵȺɯƊȁƮƊȲǶȌȺȯƊȺȌȺƮƵƊȱɐƵǶǶȌȺȱɐƵȺǞǐɐƵȁƧƊǿǞȁƊȁƮȌȯƵȺƵƊǶƮƵȺȯǶƊɹƊmiento y las heridas de la guerra? ¿Cómo ser bastones de esos bastiones de resistencia?... Sabemos que la memoria del suelo, aunque devastada, nos sigue nutriendo en cada cosecha. La ȯȲƵȺƵȁɈƵȲƵ˜ƵɮǞȍȁȺȌȺɈǞƵȁƵǶƊǿǞȲƊƮƊƊǶƵȁɨƶȺƮƵƵȺƵǘȌȲǞɹȌȁɈƵƮȌǶȌȲȌȺȌȱɐƵƧȌǿȌƮƵȺɈǞȁȌǘƊ trazado la guerra y se concentrará en una lectura crítica de las narrativas más difundidas sobre ƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƮƵȺȯɐƶȺƮƵǶ§ȲȌƧƵȺȌƮƵ§ƊɹƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫ة‬ƮƵȺɈƊƧƊȁƮȌǶƊȺȯȲȌƮɐƧƧǞȌȁƵȺȱɐƵ siguen activando las voces, los colores, los ritmos y el juego de las estéticas de la resistencia –un acumulado sensible tan potente que ha logrado sostener las vidas más expuestas y vulneradas de manera insospechada. !ȌȌȲƮƵȁƊƮƊȺȯƊȲƊƧƊǿǞȁƊȲȺǞȁȱɐƵƦȲƊȲȁȌȺ‫ـ‬Ƶȁ‫ف‬ǶȌȺȯƊȺȌȺ El trabajo de instancias como la Comisión de la Verdad y el Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH) ha logrado desentrañar algunas capas recubiertas por la complejidad del ƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊƧɈɐƊǶ‫§خ‬ȌȲƵǯƵǿȯǶȌ‫ة‬Ɗ˛ȁƊǶƵȺƮƵǶƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫מץקן‬ƵǞȁǞƧǞȌȺƮƵ‫ةמצקן‬ǏɐƵȲȌȁƧȌȁȱɐǞȺtadas extensas áreas de tierras para monocultivo – en principio zonas bananeras– con presencia paramilitar al noreste del país, contratada por empresarios privados y con apoyo de autoȲǞƮƊƮƵȺ ǶȌƧƊǶƵȺ ƊƮǿǞȁǞȺɈȲƊɈǞɨƊȺ ɯ ȁƊȲƧȌɈȲƋ˛ƧȌ‫ خ‬0Ƕ ǏƵȁȍǿƵȁȌ ƮƵǶ ȯƊȲƊǿǞǶǞɈƊȲǞȺǿȌ ƧȌǿȌ ǏɐƵȲɹƊ contrainsurgente en esas décadas visibilizó la acción de las autodefensas contra los grupos ǐɐƵȲȲǞǶǶƵȲȌȺ‫خ‬RȌɯƮǠƊ‫ة‬ǶƊȺǶƵƧɈɐȲƊȺƮƵǶȌȺƦƊȁƮȌȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƧȌȁȺɐȺȲƵȺȯƵƧɈǞɨƊȺƮǞɨǞȺǞȌȁƵȺƵȁ ǐȲɐȯȌȺȯȌǶǠɈǞƧȌȺ‫ة‬ǐɐƵȲȲǞǶǶƊȺ‫ة‬ƊɐɈȌƮƵǏƵȁȺƊȺɯȁƊȲƧȌɈȲƋ˛ƧȌȁȌȯɐƵƮƵƵȺɈƊƦǶƵƧƵȲȺƵƮƵǿƊȁƵȲƊɈƊȁ delimitada por el manejo de cultivos ilícitos, armamento y otros activos implicados, lo cual ha complejizado las lecturas y posturas políticas y más bien, ha expuesto las evidentes economías de guerra. Se trata de un denso entramado de tensiones por el control de materias primas, rutas de comercio, armamento y dinero en marcos de criminalidad extrema donde las vidas ƊƮȱɐǞƵȲƵȁɨƊǶȌȲƮƵƊƧɐƵȲƮȌƧȌȁȺɐǏɐȁƧǞȍȁƊƧɈǞɨƊƵȁƵȺɈƵȺǞȺɈƵǿƊƮƵȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƵƧȌȁȍǿǞƧƊȺ‫س‬ una total aniquilación de principio integrador de las vidas propiciada por el secuestro biótico ƊɐȁƊƮȌƊǶƊȲƵƮɐƧƧǞȍȁȯȺǠȱɐǞƧƊɯǿȌȲƊǶƮƵȯȌƦǶƊƧǞȌȁƵȺƵȁɈƵȲƊȺ‫ـ‬I!À!R0!jXy‫خفץןמנة‬ ƧǞȁƧȌƊȋȌȺƮƵǶƊ˛ȲǿƊƮƵǶƧɐƵȲƮȌƮƵ§Ɗɹ‫ى‬ƮȌȁƮƵƵȁǶƊȯȲǞǿƵȲƊȲȌȁƮƊǐƊȁȍƵǶNo al acuerdo como un síntoma de fractura colectiva a nivel nacional– se reconoce de manera púƦǶǞƧƊȱɐƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌȁȌǘƊƊƧƊƦƊƮȌ‫خ‬0ȺɈƊƊ˛ȲǿƊƧǞȍȁǏɐƵƧƵȁɈȲƊǶȯƊȲƊǞȁǞƧǞƊȲɐȁƊɨǠƊƧȌȁɈȲƊƵǶ negacionismo histórico de una serie de masacres y abusos en el país que no había sido nomƦȲƊƮƊƮƵǿƊȁƵȲƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊ‫ـ‬ð m‫!سקןמנة‬²ÀXmm0h„‫خفצןמנة‬²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌ‫ة‬ȁȌǿƦȲƊȲȁȌƵȺ Ⱥɐ˛ƧǞƵȁɈƵ‫خ‬0ȁƵǶȲƵȯȌȲɈƵƮƵǶƊ!ȌǿǞȺǞȍȁXȁɈƵȲƊǿƵȲǞƧƊȁƊƮƵ(ƵȲƵƧǘȌȺRɐǿƊȁȌȺ‫!ـ‬X(R‫ف‬ƮƵƮǞ- 1 0ȺɈƵƵȺɐȁȌƮƵǶȌȺ˜ƊǐƵǶȌȺǿƋȺɨǞȺǞƦǶƵȺȱɐƵǘƊƧȌƦȲƊƮȌɨǠƧɈǞǿƊȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫خ‬ɐȁȱɐƵ‫ة‬ƵȁƵǶǿƊȲƧȌ de las acciones del Comisionado para la Paz, el desmine del territorio nacional se preveía libre en 2021, las estadísticas del 31 de octubre alertan que los esfuerzos para mitigar los efectos de las minas, continúan. Pero no se ha completado el proyecto. Véase http://www.accioncontraminas.gov.co/Estadisticas/estadisticas-de-victimas Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos ƧǞƵǿƦȲƵƮƵ‫קןמנ‬ȺƵƵɮȯȲƵȺƊɐȁƊƮƵǶƊȺǏȲƊƧɈɐȲƊȺǿƋȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȺƮƵǶȯȌȺɈٌƊƧɐƵȲƮȌ‫ب‬ƊɐȁȱɐƵǶƊ ɈƊȺƊƮƵǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺȲƵƮɐǯȌ‫ـ‬ȺǞƵȁƮȌ‫ץןמנ‬ǶƊǿƋȺƦƊǯƊȲƵǐǞȺɈȲƊƮƊƮƵȺƮƵ‫ةفקקקן‬ǶȌȺǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺƮƵ ȱɐǞƵȁƵȺƮƵ˛ƵȁƮƵȁǶȌȺƮƵȲƵƧǘȌȺǘɐǿƊȁȌȺɨƊȁƵȁƊɐǿƵȁɈȌƮȲƊǿƋɈǞƧȌ‫!ـ‬X(R‫خفקןמנة‬mȌȺƊȺƵȺǞȁƊɈȌȺƮƵǶǠƮƵȲƵȺɯǶǞƮƵȲƵɹƊȺȺȌƧǞƊǶƵȺɯƊǿƦǞƵȁɈƊǶƵȺȺƵǘƊȁȲƵƧȲɐƮƵƧǞƮȌƵȁƵǶɑǶɈǞǿȌƊȋȌ‫خ‬0Ƕ‫ןס‬ƮƵ ȌƧɈɐƦȲƵƮƵ‫ةמנמנ‬ƮƵƊƧɐƵȲƮȌƧȌȁǶƊªƵƮyƊƧǞȌȁƊǶƮƵXȁǏȌȲǿƊƧǞȍȁ‫ة‬ƊǶǿƵȁȌȺ‫פצעخעעןخן‬ȯƵȲȺȌnas de comunidades negras, afrocolombianas, palenqueras y raizales aparecieron registradas ƧȌǿȌɨǠƧɈǞǿƊȺƵȁƵǶɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫„!ـ‬wX²X y(0mß0ª((‫خفמנמנة‬0ȺɈȌȺƵƵȁǿƊȲƧƊ en los tres momentos en los que un hecho victimizante – como el desplazamiento forzado – se ǞȁƧȲƵǿƵȁɈȍƊǏƵƧɈƊȁƮȌƊƵȺɈȌȺǐȲɐȯȌȺƶɈȁǞƧȌȺ‫צממנٌץממנسנממנٌמממנب‬ɯ‫!ـעןמנٌסןמנ‬0yÀª„ y!X„ym(0w0w„ªXRX²À ªX!‫خفףןמנة‬ (ƵǶȌȺ‫ץןנ‬ǶǠƮƵȲƵȺȺȌƧǞƊǶƵȺƊȺƵȺǞȁƊƮȌȺƵȁɈȲƵ‫ףןמנ‬ɯ‫ةקןמנ‬ȺȌǶȌƵȁ‫ץןמנ‬ȺƵȲƵȯȌȲɈȍȱɐƵ ‫ץץ‬ǏɐƵȲȌȁƊǏȲȌƮƵȺƧƵȁƮǞƵȁɈƵȺ‫ة‬ȺƵǐɑȁǶƊǞȁǏȌȲǿƊƧǞȍȁȲƵƧȌȯǞǶƊƮƊȯȌȲǶƊ!ȌȁȺɐǶɈȌȲǠƊȯƊȲƊǶȌȺ(ƵȲƵchos Humanos y el Desplazamiento. El CNMH señaló que la mayoría de los homicidios de líderes sociales, pertenecientes a pueblos negros, ocurrió en Cauca y Nariño, departamentos con alta ȯȲƵȺƵȁƧǞƊƮƵȯȌƦǶƊƧǞȍȁƊǏȲȌƮƵȺƧƵȁƮǞƵȁɈƵƵǞȁƮǠǐƵȁƊ‫خ‬0ȁɈȲƵ‫ןממנ‬ɯ‫פןמנ‬ȺƵǐƵȁƵȲƊȲȌȁ‫צמנخע‬ alertas tempranas por parte de comunidades negras y afrocolombianas que denunciaban desplazamiento forzado, homicidios selectivos, amenazas, masacres y reclutamiento forzado. Los ƮȌȺƮƵȯƊȲɈƊǿƵȁɈȌȺǿƋȺƊǏƵƧɈƊƮȌȺǏɐƵȲȌȁ!ǘȌƧȍ‫סצפخןـ‬ƊǶƵȲɈƊȺ‫ف‬ɯyƊȲǞȋȌ‫ץץמخןـ‬ƊǶƵȲɈƊȺ‫خف‬0Ƕ‫ڭמע‬ ƮƵǶƊȯȌƦǶƊƧǞȍȁƊǏȲȌƮƵȺƧƵȁƮǞƵȁɈƵƵȁƵǶȯƊǠȺƵȺɨǠƧɈǞǿƊƮǞȲƵƧɈƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ‫خ‬ Tomando algunas acciones ante lo anterior la Comisión de la Verdad enumera los siguientes puntos para organizar una distinción relativa a las expresiones y consecuencias de la guerra en las comunidades afrodescendientes en Colombia: ٙ0ǶȲƊƧǞȺǿȌɯǶƊƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƧǞȍȁȲƊƧǞƊǶǏɐƵɐȁǏƊƧɈȌȲȱɐƵǞȁɈƵȁȺǞ˛ƧȍǶƊȺƊǏƵƧɈƊƧǞȌȁƵȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌȺȌƦȲƵƵǶȯɐƵƦǶȌȁƵǐȲȌ‫س‬ En consecuencia, se atiende a la exclusión que han vivido las comunidades ƊǏȲȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁƊȺ‫ة‬ȁƵǐȲƊȺ‫ة‬ȲƊǞɹƊǶƵȺɯȯƊǶƵȁȱɐƵȲƊȺƵȁǶȌȺȯȲȌƧƵȺȌȺƮƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƧǞȍȁƮƵǶƊǞƮƵȁɈǞƮƊƮɯƵǶ0ȺɈƊƮȌ‫س‬ Otro factor es el de los efectos sobre los territorios y sus comunidades por la ȯȲƵȺƵȁƧǞƊƮƵƵƧȌȁȌǿǠƊȺǶƵǐƊǶƵȺƵǞǶƵǐƊǶƵȺ‫س‬ Por último, se deben considerar los impactos individuales y colectivos a la identidad, el territorio, la autonomía y el gobierno propio, y las diversas formas de resistencia y contribuciones a la paz del pueblo negro, afrocolombiano, raizal y ȯƊǶƵȁȱɐƵȲȌ‫„!ـ‬wX²X y(0mß0ª((‫خفמנמנة‬ Este telón de fondo debe atender un último detalle, después de que la Constitución de ‫ןקקן‬ɯǶƊmƵɯ‫מץ‬ƮƵ‫סקקן‬ƊƦȲǞƵȲƊȁƊƮƵƦƊɈƵȯɑƦǶǞƧȌǶƊȲƵȺɈǞɈɐƧǞȍȁƮƵɈǞƵȲȲƊȺɯƵǶȲƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌ ƮƵǶȌȺȯɐƵƦǶȌȺƊǏȲȌƵȁǿƵƮǞȌƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƵɮƊƧƵȲƦƊƮȌȯȌȲƵǶȁƊȲƧȌɈȲƋ˛ƧȌ‫ة‬ƧɐɯƊȺȯƵȌȲƵȺ consecuencias se vivían en los entornos rurales, el discurso humanitario acaparó la gestión de las poblaciones afectadas. El discurso humanitario paraliza y, sobre todo, minimiza el impacto social de un trauma colectivo cuando se tratan de manera separada los casos de las personas ƮƊǿȁǞ˛ƧƊƮƊȺ‫§خ‬ȌȲƵǯƵǿȯǶȌ‫ة‬ȺƵƮƊȲƵǶƵɨƊȁƧǞƊƊǶƊȺƊǶɐƮǏǠȺǞƧƊ‫ى‬ƵɮȯɐƵȺɈƊƊǶƊȯȲƵƧƊȲǞƵƮƊƮƮƵǶȌȺ recursos en las zonas de atención – mientras se deja de lado la salud psicológica y espiritual de las personas y del colectivo, pensando que la primera es la única que sostiene la vida. El sujeto ƮƊǿȁǞ˛ƧƊƮȌɨɐƵǶɈȌƊȺɐƧɐƵȲȯȌǞȁƮǞɨǞƮɐƊǶ‫ـ‬ƊɈȲƊɨƶȺƮƵǶƊǘƵȲǞƮƊɯǶƊƵȁǏƵȲǿƵƮƊƮɯƧȌȁɨƵȲɈǞƮȌƵȁ estadística) es dislocado del entramado colectivo en el que tiene un rol social de recomposición ƊȯƊȲɈǞȲƮƵǶƮȌǶȌȲƧȌǿȯƊȲɈǞƮȌ‫ـ‬0(„ƵɈƊǶ‫خفץןמנةخ‬²ƵɈȲƊɈƊƮƵɐȁƊȯȲȌǏɐȁƮƊȺɐǿǞȺǞȍȁǿȌȲƊǶƮƵ las subjetividades negras (también indígenas y mestizas campesinas) que reta constantemente su capacidad de recomposición colectiva. Marcela Landazábal Mora 175 Tierra negra (Ƶ ƵȺɈƊ ǿƊȁƵȲƊ‫ ة‬ƵǶ ƊȺǞȺɈƵȁƧǞƊǶǞȺǿȌ Ƶȁ Ⱥɐ ǿƊȲƧȌ ƮƵ ƊɈƵȁƧǞȍȁ ȯȌȲ ٙɐȁǞƮƊƮƵȺٚ ǏȲƊǐǿƵȁɈƊ la conectividad que ya ha sido fracturada por otra forma de violencia. No se trata ya de comunidades históricamente oprimidas, en vías de reconocimiento, sino de comunidades víctimas, fragilizadas nuevamente por las distinciones de un sistema regulador en clave racional 176 ǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞȺɈƊ‫خ‬mƊǘǞȺɈȌȲǞƊƧȌǶȌȁǞƊǶȺƵɈȲƵȁɹȍƮȌǶȌȲȌȺƊǿƵȁɈƵƧȌȁǶƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌǐƵȁƵrando un dispositivo de estereotipación sobre las comunidades negras, raizales, afro e indígenas donde ni el pasado de desarraigo y opresión heredado de sus ancestros esclavizados, ni el de expulsión de sus territorios en tiempos recientes, ha podido ser reparado. De ahí la importancia de atender a las propias organizaciones conformadas desde y por las comunidades, en ǿƊɈƵȲǞƊƮƵȯȲȌɈƵƧƧǞȍȁ‫!ـ‬yǪ‫خفעןמנٌנןמנة‬ ÀȌƮƊȁƊȲȲƊɈǞɨƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊƮƵƦƵȲƵȯƊȲƊȲƵȁǶƊǞȁȺɈƊȁƧǞƊȲƊƧǞƊǶǞɹƊȁɈƵ ȱɐƵȯȲƵƮȌǿǞȁƊɈƊȁɈȌƵȁǶƊȺƵɮȯȲƵȺǞȌȁƵȺƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊƧȌǿȌƵȁǶȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺȌ˛ƧǞƊǶƵȺɯǿƵƮǞƋticos y las acciones de intervención del Estado. Las poblaciones desplazadas circulan en narrativas de precariedad donde se exponen como incómodas y fuera de lugar. La separación no sólo recae sobre los desorbitados y recién llegados a las urbes – cuyo destino está expuesto (predispuesto) hacia otras redes delictivas propias de las periferias urbanas – sino entre todas las formas de vida dispuestas en razas, clases, géneros tanto de las personas como de los entornos que habitan. Esta mutilación constante de la vida en su forma más íntegra viene de larga data, desde la matriz colonial, herencia que recogen muy bien todas las formas capitalistas ǿȌƮƵȲȁƊȺ‫ة‬ǞȁƧǶɐɯƵȁƮȌɯȱɐǞɹƋ‫ة‬ȯȌȲȺȌƦȲƵɈȌƮȌƵǶȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌ‫ة‬ƮǞȺȯȌȁǞƵȁƮȌ‫ى‬ƧȌǿȌǶȌƊ˛Ȳǿȍ ya Achille Mbembe – un mundo en compartimentos (tanto territoriales y económicos, como subjetivos, afectivos y morales).‫׌‬ ²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌ‫ة‬ƵȺǿɐɯƮǞǏǠƧǞǶǞǿƊǐǞȁƊȲɈȌƮȌƵȺɈȌȺǞȁƵǶɨƵǘǠƧɐǶȌƮƵǞȁȺɈƊȁƧǞƊȺƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȺƧȌǿȌ las imágenes, las narrativas y otras formas de condensación de los imaginarios de la guerra sobre ǶƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȁƵǐȲƊȺ‫©ذخ‬ɐƶɈƵȁȺǞȍȁȺƵɐƦǞƧƊƵȁƵȺɈƊȺǐȲƊǿƋɈǞƧƊȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ‫ة‬ǿǞƵȁtras se acompañan de las imágenes centenarias del estereotipo de lo(s) negro(s) en Colombia? !ȲƵƊȲȌƊȁǞȱɐǞǶƊȲǶƊǞǿƊǐǞȁƊƧǞȍȁ‫ب‬ ǞǿƋǐƵȁƵȺٌƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊǏȲƵȁɈƵƊƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯȌȺ Lo negro ha sido aprovechado por la industria cultural en Colombia y ha ido fraguando Ƶȁ ǶȌȺ ƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯȌȺ ƮƵǶ ǏȌǶDzǶȌȲƵ ƮƵ ƧƊȲƋƧɈƵȲ ȁƊƧǞȌȁƊǶǞȺɈƊ‫ خ‬ٙmƊ ǿɑȺǞƧƊٚ‫ ة‬ٙƵǶ ȲǞɈǿȌٚ ɯ ƵǶ ٙȺƊƦȌȲٚ ȺȌȁ pilares de la herencia negra. No obstante, esta lectura presenta una dicotomía: en su modo abstracto e idealizado es positiva, se enmaraña en un lenguaje de aproximación y aparente ȲƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌ‫ ة‬ǿǞƵȁɈȲƊȺ ȺɐȺ ƧɐƵȲȯȌȺ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȺ ƊȯƊȲƵƧƵȁ ȺǞƵǿȯȲƵ Ƶȁ ɈƊȁɈȌ ƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊ ȁƵgativa, puro y craso distanciamiento y repulsión. Esta relación irreconciliable entre la idea de lo negroǏȲƵȁɈƵƊǶƧɐƵȲȯȌƮƵǶƊȺȁƵǐȲƊȺɯȁƵǐȲȌȺɈƊǿƦǞƶȁȺƵƵɮȯȲƵȺƊƵȁǶƊȺǞǿƋǐƵȁƵȺȱɐƵ˛ǯƊȁƊǶƊ ɨǠƧɈǞǿƊɨǞȌǶƵȁɈƊƮƊƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫س‬ƮǞƦɐǯƊȺȌƦȲƵƵǶȁƵǐȲȌ‫ـ‬ƵȁɈƊȁɈȌȺɐǯƵɈȌ‫ف‬ɐȁȺǞȁȍȁǞǿȌƮƵȌǶɨǞƮȌ‫خ‬ ²ǞƦǞƵȁ‫ة‬Ƶȁ!ȌǶȌǿƦǞƊƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌɈƊǿƦǞƶȁǘƊȲƵȯƵȲƧɐɈǞƮȌƵȁƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȌȲǞǐǞȁƊȲǞƊȺɯǿƵȺɈǞzas campesinas, tomaré un par de ejemplos que permiten entender el vínculo extremo entre imagen, masculinidad, territorio y mujer (desde las instancias negras). Primero por la forma en que la imagen del estereotipo colonial sigue actuando, y segundo, porque algunas instancias ٙȁƵǐȲƊȺٚȺȌȁǿƊɯȌȲǿƵȁɈƵɨǞȺǞƦǞǶǞɹƊƮƊȺƵȁٙǶȌȁƊƧǞȌȁƊǶٚ‫ة‬ƮƵȺƮƵǶƊƵȺɈƵɈǞɹƊƧǞȍȁȱɐƵȲƵƮɐƧƵǶƊǿƵׂ La actualización de la revisión de Condenados de la tierra del martiniqués Frantz Fanon que hace el autor surafricano involucra las instancias actuales que intervienen en las expulsiones masivas, segregación y exterminio ƮƵȯɐƵƦǶȌȺȯȲƵƧƊȲǞɹƊƮȌȺȯȌȲƊƧƧǞȌȁƵȺƮƵɈȲƊȺȁƊƧǞȌȁƊǶƵȺɯȌɈȲƊȺǏɐƵȲɹƊȺ˛ȁƊȁƧǞƵȲƊȺȱɐƵƮƵǐȲƊƮƊȁǶȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺ‫خ‬ (MBEMBE, 2016). Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos ǿȌȲǞƊƮƵǶƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȁƵǐȲƊȺ‫خ‬0ȺɈƊȲƵ˜ƵɮǞȍȁȁȌɈȲƊɈƊƮƵȯƊȲƧƵǶƊȲǶƊȺƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊȺƮȌǶȌȺƊȺ‫ة‬ ǿƋȺƦǞƵȁɈȌǿƊɐȁȯƊȲƮƵǏȌɈȌǐȲƊǿƊȺƮƵƵȺƊٙǞǿƊǐƵȁٌǿȌɨǞǿǞƵȁɈȌٚ‫ة‬ƵǶƧȌȁɈǞȁɐɐǿƵȁǿƊȲƊȋƊƮȌ ȱɐƵƧȌȁǏȌȲǿƊǶƊɨǞƮƊ‫ى‬ȯƵȺƵƊǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ‫ى‬Ƶȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫خ‬ 177 IȌɈȌǐȲƊǿƊ‫ بן‬ȌǯƊɯƋ ȌǯƊɯƋƵȺǘȌɯƮǠƊɐȁȯɐȁɈȌƮƵǞȁ˜ƵɮǞȍȁƵȁǶƊǿƵǿȌȲǞƊƧȌǶƵƧɈǞɨƊǞǿȯȌȺǞƦǶƵƮƵȌƧɐǶɈƊȲ‫خ‬mȌȺ recuerdos de la masacre resumen la violenta reacción defensiva de la guerrilla ante el desembarco de los grupos paramilitares que pasaron todos los retenes de seguridad del ejército para llegar al pueblo, donde un cilindro de gas fue detonado como proyectil de destrucción masiva ƵȁǶƊǞǐǶƵȺǞƊƧƵȁɈȲƊǶƮƵǶȯɐƵƦǶȌǿǞƵȁɈȲƊȺȲƵȺǐɐƊȲƮƊƦƊƧƵȁɈƵȁƊȲƵȺƮƵƧǞɨǞǶƵȺ‫ة‬ƵȁǿƊɯȌƮƵ‫خנממנ‬ ȌǯƊɯƋǏɐƵɐȁȯɐƵƦǶȌȲǞɨƵȲƵȋȌɨǞȌǶƵȁɈƊƮȌȯȌȲƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ‫ة‬ȲƵɨǞƧɈǞǿǞɹƊƮȌȯȌȲǶƊȁƊȲȲƊɈǞɨƊƮƵǐɐƵȲȲƊȱɐƵȁȌƧȌȁȺǞƮƵȲȍǶƊƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƮƵȺɐȯȌƦǶƊƧǞȍȁȁƵǐȲƊ‫ة‬ȯƵȲȌȺǠƮƊƦƊƶȁǏƊȺǞȺƊǶƧȌȁɈƵȌƮƵ víctimas. De este hecho, no sólo quedarían mutilados los cuerpos y el cristo de la iglesia, tamƦǞƶȁ ȺƊǶƮȲǠƊȁ ƵɮȯɐǶȺƊƮƊȺ ǏƊǿǞǶǞƊȺ ƵȁɈƵȲƊȺ‫ خ‬mƊ ǞȁǿƵȁȺƊ ǿƊɯȌȲǠƊ ƮƵ ǶȌȺ ǘƊƦǞɈƊȁɈƵȺ ƮƵǶ ǶɐǐƊȲ‫ ٶ‬ȺƵ fueron hacia Vigía del Fuerte o a Quibdó, la capital del departamento. Se calcula que sólo en ǿƊɯȌƮƵƵȺƵƊȋȌ‫ٶ‬ƧƊȺǞ‫פ‬ǿǞǶȯƵȲȺȌȁƊȺ‫ة‬ƵȁȺɐǿƊɯȌȲǠƊƮƵ ȌǯƊɯƋ‫ة‬ȯƵȲȌɈƊǿƦǞƶȁƮƵǶɐǐƊȲƵȺƊǶƵƮƊȋȌȺ‫ٶة‬ǶǶƵǐƊȲȌȁƊƵȺƊƧǞɐƮƊƮ‫خ‬0ȁɈȌȁƧƵȺ‫ة‬ƵȺɈƊǿƵǿȌȲǞƊȁƵǐȲƊƵȺɐȁƊǿƵǿȌȲǞƊƮƵǶƮƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌ‫ة‬ del desarraigo, del desgarro y la mutilación de cuerpos y territorios. Cuatro meses después empezó el retorno y con éste, una desordenada ayuda gubernamental.‫ ׍‬Aquí el factor mediático impulsó y usufructuó testimonios y relatos de la masacre, sin embargo, fue a través de iniciativas autogestivas y de la Diócesis de Quibdó que el retorno se empezó a organizar cuatro meses después de la masacre, primero porque comenzaban las consecuencias del desabastecimientos de recursos en otros lugares, pero también por las proǿƵȺƊȺƮƵǶƊªƵƮƮƵ²ȌǶǞƮƊȲǞƮƊƮ²ȌƧǞƊǶƦƊǯȌƵǶȯȲƵƧƵȯɈȌƮƵٙȲƵƧǞƦǞȲǿƋȺƊɯɐƮƊǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞƊȺǞȺƵ ȲƵɈȌȲȁƊƊǶǶɐǐƊȲٚ‫ـ‬Xm²‫خفפממנة‬mƊȺƵȺɈȲƊɈƵǐǞƊȺƮƵȺƵƮɐƧƧǞȍȁȯƊȲƊƵǶȲƵɈȌȲȁȌȺȌȁƦǞƵȁƵǿȯǶƵƊƮƊȺ en la gestión humanitaria, pues funcionan como contención del problema y prevención de migración empobrecida y no deseada en ciudades y países cercanos.‫׎‬mƊ„˛ƧǞȁƊƮƵǶǶɈȌ!ȌǿǞsionado de la ONU para Colombia realizó una investigación sobre los hechos, que fue rechazada tanto por el gobierno como por los militares. Y en medio de esta disyuntiva institucional, el retorno se hizo vigente, por obligación también, y por la necesidad de seguir haciendo la vida, o de restituirla. Fue un contingente de mujeres el que se encargó de organizar a tientas ese camȯȌƮƵǐɐƵȲȲƊɯƊȺǠȲƵƧǞƦǞȲ‫ממףן‬ȯƵȲȺȌȁƊȺȱɐƵɨȌǶɨǠƊȁƵȁǶƊȁƧǘƊȺ‫ة‬ȯƊȲƊƵȁƧȌȁɈȲƊȲƵȁɐȁƊȁȌƧǘƵ oscura, la presencia de la fuerza pública y la latencia del peligro inminente por la vida, sumada ƊǶƊɈȲǞȺɈƵɹƊƮƵȁȌǘƊƦƵȲȺƵƮƵȺȯƵƮǞƮȌƮƵȺɐȺǿɐƵȲɈȌȺ‫ـ‬Xm²‫خفפממנة‬ Las masacres tienen por objeto incidir en la vida comunitaria bajo un desviado pretexto de escarmiento. Después de esta experiencia de violencia queda un largo camino, a veces infructuoso, para restituir la vida colectiva porque los puntos de apoyo moral (familiar, simbólico, cultural y religioso) han sido vulnerados. Es más, el sentido deshumanizante que implica todo atentado con la vida de un grupo de personas instituye una pregunta persistente por las versio- 3 mƊƊɯɐƮƊȯȲȌɨƵȁǠƊٙƮƵǶƊȺƵȁɈǞƮƊƮƵȺƮƵǶ0ȺɈƊƮȌȲƵƧǞƦǞȍƊɯɐƮƊɐȁׄ‫ـڭׁة׃‬ƮǞɨǞƮǞƮƊƮƵǶƊȺǞǐɐǞƵȁɈƵǿƊȁƵȲƊ‫ب‬ªƵƮƮƵ ²ȌǶǞƮƊȲǞƮƊƮ²ȌƧǞƊǶ‫ةڭ׈׉ة׃׃‬²ƵƧȲƵɈƊȲǠƊƮƵ0ƮɐƧƊƧǞȍȁ‫ةڭׇׄة׀‬²ƵƧȲƵɈƊȲǠƊƮƵ²ƊǶɐƮ‫ةڭׂة‬X! I‫سفڭׅ׆ة׆‬ƮƵǶƊ!ȲɐɹªȌǯƊyƊƧǞȌȁƊǶ‫سڭ׃ׁة׀ׁة‬ƮƵǶƊ!ȲɐɹªȌǯƊXȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶ‫سڭׇׂة׉ة‬ƮƵǶƊ„˛ƧǞȁƊƮƵǶƊȺyƊƧǞȌȁƵȺÇȁǞƮƊȺȯƊȲƊǶȌȺªƵǏɐǐǞƊƮȌȺƧȁɐȲ‫ة‬ ‫سڭׂׅة׃‬ƮƵǶƊȺȌȲǐƊȁǞɹƊƧǞȌȁƵȺȁȌǐɐƦƵȲȁƊǿƵȁɈƊǶƵȺ‫سڭ׆׀ة׀ة‬ƮƵ§ƊȺɈȌȲƊǶȺȌƧǞƊǶ‫سڭׄ׀ةׁׂة‬ƮƵȯƊȲȲȌȱɐǞƊȺ‫سڭ׉׀ة׈‬ƮƵǶƊȺ ȲƵƮƵȺƮƵǏƊǿǞǶǞƊȲƵȺɯƧȌȁȌƧǞƮȌȺ‫ڭ׀ׁة‬ٚ‫ـ‬Xm²‫خف׆׀׀ׂة‬ 4 Esto lo he podido constatar en paralelo con las estrategias humanitarias empleadas en Tailandia para que los refugiados de Laos regresaran a sus territorios – pese a las minas y bombas de fragmentación presentes, y la deɨƊȺɈƊƧǞȍȁƊǶƊȱɐƵǘƊƦǠƊȺǞƮȌȺȌǿƵɈǞƮȌ‫ـ‬my(ð m‫خفׁׂ׀ׂة‬ Marcela Landazábal Mora Tierra negra ȁƵȺɯƊƧɐƵȲƮȌȺƮƵǘɐǿƊȁǞƮƊƮȱɐƵȺƵɈȲƊȺǶƊȯƊȁƵȁɈȲƵǶȌȺƊƧɈȌȲƵȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ‫!ذخ‬ȍǿȌ es que las instancias racializantes, deshumanizantes por excelencia, siguen vigentes? Esto ya ȁȌ ȲƵ˛ƵȲƵ Ɗ ɐȁƊ ƦƋȺǞƧƊ ƮǞȺɈǞȁƧǞȍȁ ȺȌƦȲƵ ǿƊȲƧƊƮȌȲƵȺ ƮƵ ȯǞƵǶ ƧȌǿȌ ƧȌȁƮǞƧǞȌȁƊȁɈƵȺ ƮƵ ȲƊɹƊ‫ س‬ƵǶ 178 racismo también se inscribe en la deshumanización del otro por el rechazo hacia sus formas poéticas, políticas, sus formatos de alteridad ¿Cómo se ha inscrito todo esto en la memoria de las poblaciones oprimidas? Para las comunidades afro e indígenas históricamente la memoria colectiva es el principal eje de resistencia, una memoria muchas veces reimaginada o fabulada, para anteponerse al abuso y desplazamiento de sus territorios ancestrales – los cuales se reconstruyen y tejen también en el entramado de relatos dispersos en otros lugares. El problema del cuerpo negro radica en que, debido al lastre colonial, siempre ha sido un cuerpo abyecto, ƊȯȲȌȯǞƊƦǶƵ‫ة‬ƮƵȺȯǶƊɹƊƦǶƵ‫ة‬ǞȁƧǶƊȺǞ˛ƧƊƦǶƵ‫خ‬ÇȁƊǿƊȺƊ‫ى‬ȱɐƵƊȺɐɨƵɹƵȺƮǞɨǞƮǞƮƊƵȁǿƊƧǘȌȺɯǘƵǿbras del mismo color. 0Ƕ ȁƵǐȲȌ‫ ة‬ٙɈƊȁ ǿƊȺƧɐǶǞȁȌٚ‫ ة‬ɈƊȁ ٙǿȌȁȺɈȲɐȌȺȌٚ‫ س‬ٙǶƊ ȁƵǐȲƊٚ ɈƊȁ ǏƵǿǞȁǞɹƊƮƊ‫ ة‬ٙɈƊȁ ƊȯȲȌȯǞƊƦǶƵٚ ‫ى‬ como ya lo dejaba saber Frantz Fanon– tienen perspectivas diversas de aproximación en sus ƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯȌȺ‫ خ‬0Ƕ ɨƊȲȍȁ ȁƵǐȲȌ ƧƊǿȯƵȺǞȁȌ ƵȁƧƊȲȁƊ ǿɐƧǘȌ ƮƵ ٙȺƊǶɨƊǯƵٚ‫ ة‬ƵȺ ɐȁ ȺƵȲ ƧƊǶǞƦƋȁǞƧȌ ȯȌȲ excelencia. Sin embargo, en medio de la explotación mediática de Bojayá, la fotografía de Jesús Abad Colorado –quien también ha sido ampliamente difundido, pero no por ello, su obra carece de valor ético–enseña otra sensación de esas masculinidades en medio del fuego cruzado, principalmente la de la ternura y la vulnerabilidad. Dos rasgos desatendidos en las masculinidades de guerra. Escuchar a los varones en entornos bélicos es difícil, porque se expresan con armas, o bien porque deben guardar silencio para proteger su vida. Sin embargo, la serie de fotografías tomadas en Bojayá permiten organizar otra narrativa de la masculinidad –ya no guerrera– sino ƊȱɐƵǶǶƊǞȁǿƵȲȺƊƵȁƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƊɈƵȁǞƮƊƊǶƊȲƵȺɈƊɐȲƊƧǞȍȁƮƵȺɐƵǿȌƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮǘɐǿƊȁƊ‫ة‬ así como al derecho y deber (de los hombres) de proteger, cuidar, llorar y sanar la vida. Quizá la imagen que inmortalizó el daño moral y físico en Bojayá es el Cristo mutilado de la iglesia del pueblo (Figura I). En la esquina inferior izquierda, como un relato marginado de la esperanza, se contrapone al espacio devastado que advierte la profanación a la que fue sometida la sacralidad de la vida. La profanación de lo sagrado es un típico acto de guerra, compromete el daño de una manifestación material -como los templos– con el daño o afectación de los pilares simbólicos.‫׏‬mȌȱɐƵǘƊƧƵȲƵɨƵȲƦƵȲƊȲƵȺɈƊǞǿƊǐƵȁƵȁǶƊǿƵǿȌȲǞƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ es precisamente la concreción visual de una sensibilidad devastada que se viene dando hace muchas décadas. Funciona como una analogía, pero, sobre todo, absorbe en la pulsión visual lo que no puede ser narrado con palabras, por efectos de un hecho traumático.‫א‬ mƊȲƵƧɐȲȲƵȁɈƵǞǿƊǐƵȁƮƵǶٙ!ȲǞȺɈȌƮƵ ȌǯƊɯƋٚȯɐƵƮƵƵȁƧȌȁɈȲƊȲȺƵƵȁƮǞɨƵȲȺƊȺȯǶƊɈƊǏȌȲǿƊȺ en internet y funciona como un referente frecuente tanto del trabajo de Jesús Abad Colorado – ƵǶȲƵȯȌȲɈƵȲȌȱɐƵǶƊƧƊȯɈȍƊȯƵȁƊȺɐȁȌȺǿȌǿƵȁɈȌȺƮƵȺȯɐƶȺƮƵǶǘƵƧǘȌ‫ى‬ƧȌǿȌƮƵǶƊȺ˛ǐɐȲƊƧǞȌȁƵȺ de la violencia reciente en Colombia. Hay dos factores que ya determina la imagen original: la mutilación de lo sagrado expuesta en el cristo mutilado y el silenciamiento abrupto – el contexto de ruina física y moral– que queda después de la masacre. Por ello reproducir de nuevo esa fotografía, sólo se enfatizaría en el ícono y no en su dimensión crítica. La excesiva circulación que ha tenido la imagen ha generado un acostumbramiento de la mirada pública en el contex‫ ׅ‬En este sentido, el análisis de Susan Sontag sobre los episodios de guerra vividos a lo largo de las últimas déƧƊƮƊȺƵȁwƵƮǞȌ„ȲǞƵȁɈƵ‫ة‬ƮƵǯƊȁɨƵȲȱɐƵǶȌȺȯǞǶƊȲƵȺȺǞǿƦȍǶǞƧȌȺȁȌƧȌȁ˛ƵȲƵȁȺȌǶƊǿƵȁɈƵƊǶƊǞȁȺɈƊȁƧǞƊƊȲȱɐǞɈƵƧɈȍȁǞƧƊ sacra, sino a la misma incapacidad de crear imágenes con las que se pueda entender la guerra (MORSS, 2010). ‫ ׆‬Al respecto, convienen las distinciones desarrolladas por Susan Sontag en ȁɈƵƵǶƮȌǶȌȲƮƵǶȌȺƮƵǿƋȺ‫ل‬Ciudad de México: De Bolsillo, 2018 donde denuncia esa cualidad de la fotografía periodística, resumida en su capacidad de impacto, antes que su capacidad narrativa. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos 179 IǞǐɐȲƊ‫!خן‬ȌȁɈƵɮɈȌƮƵǶƊǿɐɈǞǶƊƧǞȍȁƮƵǶ!ȲǞȺɈȌƮƵ ɐƵȁƊɨǞȺɈƊƵȁ ȌǯƊɯƋ‫خ‬ȲȲǞƦƊ(ƵɈƊǶǶƵƮƵǶƧȲǞȺɈȌǿɐɈǞǶƊƮȌ‫س‬ abajo, iglesia después del ataque. Fotografías de Jesús Abad Colorado, tomadas de Revista Semana y El País, acondicionadas para esta publicación. Marcela Landazábal Mora Tierra negra to colombiano, es una imagen icónica, por ello, al tomar sus dos puntos de tensión, el detalle (arriba) y el contexto amplio de la iglesia que congrega la comunidad (abajo), se busca visibilizar cómo cuerpo y espacio – sagrado, comunitario y público– funcionan en tanto detonante ana- 180 lítico entre las dimensiones íntimas y externas que atravesaron la experiencia de Bojayá y son ƧƊɈƵǐȌȲǠƊȺƧƵȁɈȲƊǶƵȺȯƊȲƊȲƵɨǞȺƊȲƧɐƊǶȱɐǞƵȲƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊƧȌȁƧȲƵɈƊƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧto armado en Colombia. 0ȁ ‫ ץןמנ‬ɈɐɨȌ ǶɐǐƊȲ ƵǶ ȲƵǐȲƵȺȌ ƮƵǶ ǏȲƊǐǿƵȁɈȌ ƮƵǶ ƧȲǞȺɈȌ ǿɐɈǞǶƊƮȌ Ɗ ȌǯƊɯƋ‫ ة‬Ƶȁ ɐȁƊ ƧƵremonia precedida por el Papa Francisco II y donde, en una romería por las calles del pueblo, aún en proceso de recomposición, se tejían estrategias que, a modo de restitución en el marco de pos-acuerdo, se vienen labrando en el terreno de la reparación de la memoria histórica en !ȌǶȌǿƦǞƊ‫!ـ‬0yÀª„y!X„ym(0w0w„ªXRX²À ªX!‫سץןמנة‬ª„(ªZJÇ0ð‫خفקןמנة‬0ǶƮǞǏǠƧǞǶ diálogo entre instituciones y necesidades –físicas y morales– de la comunidad enseña un largo ƧƊǿǞȁȌƮƵǞȁȺɈƊȁƧǞƊȺȁȌƮǞƊǶȌǐƊƮƊȺɯ‫ة‬ƊȺɐɨƵɹ‫ة‬ɐȁƵȁȌȲǿƵƮƵȺƧȌȁƧǞƵȲɈȌȯƊȲƊȺɐɈɐȲƊȲǶƊȺ˛ȺɐȲƊȺ de lo íntimo-sagrado, las más lastimadas en las comunidades negras a lo largo de la historia de !ȌǶȌǿƦǞƊ‫ة‬ȁȌȺȍǶȌƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ‫(خ‬ƵǿƊȁƵȲƊȱɐƵ‫ة‬ǶƊȯȌɈƵȁƧǞƊƮƵǶƊǞǿƊǐƵȁƮƵǶٙƧȲǞȺɈȌƮƵ ȌǯƊɯƋٚȲƊƮǞƧƊƵȁȺɐƧƊȲƋƧɈƵȲƧȌȁǏȲȌȁɈƊɈǞɨȌȺȌƦȲƵǶƊƮƵƦƊƧǶƵƶɈǞƧƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌȱɐƵƮƵǯƊ en evidencia, una vez más, la vulnerabilidad de los cuerpos, la intensidad de los daños padeciƮȌȺɯƵǶƧȌȁƮǞƧǞȌȁƊȁɈƵƮƵȲƵȯƊȲƊƧǞȍȁƵȁǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƧȌǿȌɐȁƊٙ‫ـ‬Ǟǿ‫ف‬ȯȌȺǞƦǞǶǞƮƊƮٚ‫ى‬ǞȁƧǶɐȺȌȯƊȲƊȺƵȲ imaginada. Aquí no se trata de la vulnerabilidad constitutiva de la vida –como la entiende Judith Butler– sino de una vulnerabilidad que funciona como estamento de control ante la ausencia del Estado, en una zona históricamente marginada y expuesta a ejercicios densos de extracción de riquezas naturales y culturales, donde, precisamente, se deben recuperar las narrativas de ǶƊȺƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊȺƮƵɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȱɐƵǘƊȁǞƮȌƧɐǶɈǞɨƊȁƮȌȺɐȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺ‫ ـ‬ÇÀm0ª‫خفמןמנة‬ IȌɈȌǐȲƊǿƊ‫خנ‬mƊɈǞƵȲȲƊ‫ـ‬ɯǶƊ‫ف‬ȁƵǐȲƊɯƵǶȯƵȲȯƵɈȲƊƮȌȲ Sin embargo, el daño moral no culmina sin su máxima expresión, la profanación del cuerȯȌƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺƧȌǿȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶƊɈƵȁɈƊƮȌƊǶɈƵǯǞƮȌȺȌƧǞƊǶ‫س‬ɯƶȺɈƵƧȌǿȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶȯȲȌȯɐǶȺȌȲƮƵ expulsión y desarraigo de la tierra. Por ello, comprender la resistencia de las mujeres exige escucha, primero porque la mayoría de las veces no hay imágenes de los crímenes o ni siquiera, sus huellas – hay que rescatar algunos balbuceos pronunciados con profunda vergüenza, con rabia o desilusión. Segundo porque las mujeres son el primer frente de contención ante las desapariciones y asesinatos de los varones en sus comunidades. Y tercero, porque por esos motivos son la primera línea violentada sexualmente – para después ser ahuyentadas, espantadas y revictimizadas durante los desplazamientos forzados, incluso si forman parte de los grupos armados. La incisión tan grande que dejan las violaciones como estatuto central en los crímenes de guerra también atraviesa la capacidad de relatar, de sanar, de perdonar y de continuar con la vida – se agrede la forma de rememorar la historia. ¿Cómo hablar de las heridas cuando en la mayoría de los casos no se empuñan armas? ¿Cómo curar al otro, si el centro de la dignidad y la libertad ha sido herido? Hay un par de relatos que, a la manera en que Rita Segato lo puede explicar, se entiende ese lazo entre mujer y territorio cuando son franqueados por una fuerza ǿƊȺƧɐǶǞȁƊƦƶǶǞƧƊ‫ـ‬²0JÀ„‫خفפןמנة‬²ƵɈȲƊɈƊƮƵƮȌȺɈƵȺɈǞǿȌȁǞȌȺ‫ة‬ɈȌǿƊƮȌȺƮƵǶƊȯƋǐǞȁƊɩƵƦƮƵǶƊ !ȌǿǞȺǞȍȁƮƵßƵȲƮƊƮ‫فקןמנـ‬ȱɐƵǿƵǞȁɈƵȲƵȺƊȲƵȺƊǶɈƊȲ‫ب‬ El primer caso habla de los horrores de la guerra en los cuerpos de las mujeres negras en la vereda San Miguel en el municipio Buenos Aires, Cauca: Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos Nos tocó aprender a las buenas o a las malas qué era un hombre o qué eran muchos hombres también” relató una testimoniante. Los autores de las accioȁƵȺȺƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƦƊȁƧȌǿȌÇ!‫ٗب‬0ȺƊǐƵȁɈƵǶǶƵǐȍ‫ة‬ȺƵȯȲƵȺƵȁɈȍɯɯƊ‫ة‬ȺƵƊȯȌƮƵȲƊron de la vereda, de nosotros, de todo. Es decir, después del apropiamiento simbólico de las mujeres –que son a la vez la promesa de vida en el tejido comunitario, y a la vez el cuerpo deseado del opresor, una suerte de tributo – en el sentido que Rita Segato explica las guerras clásicas. Lo que se debe rescatar en esa forma violenta de apropiación del cuerpo femenino, es el anuncio de la apropiación del territorio – la aniquilación de las mujeres como personas y la reducción viril de los hombres (en tanto protectores) en las comunidades afectadas. Aquí la condición de género no está atravesada de manera visible por la de raza, como en el siguiente ejemplo. „ɈȲȌ ɈƵȺɈǞǿȌȁǞȌ ǏɐƵ ƮƵ ǶȌȺ ǘƵƧǘȌȺ ɨǞɨǞƮȌȺ Ƶȁ ƵǶ ‫ מממנ‬ȯȌȲ ɐȁƊ ǿɐǯƵȲ ƮƵ wƊȲǠƊ mƊ ƊǯƊ ‫ ـ‬ȌǶǠɨƊȲ‫ةف‬ƊȱɐǞƵȁɐȁȯƊȲƊǿǞǶǞɈƊȲǶƊȌƦǶǞǐȍƊƮƵȺ˛ǶƊȲǏȲƵȁɈƵƊȌɈȲȌȺǘȌǿƦȲƵȺƮƵǶƊȺɐɈȌƮƵǏƵȁȺƊȺ Unidas de Colombia (AUC) y, luego, fue marcada con un hierro caliente: “Creo que él me marcó porque era negra y me marcó como si fuera una esclava”. Ella relató que a las mujeres las obliǐƊƦƊȁƊǘƊƧƵȲȌ˛ƧǞȌȺ‫ة‬ƊǶƊɨƊȲǶȌȺƧƊǿɐ˜ƊƮȌȺɯƊƧȌƧǞȁƊȲǶƵȺ‫خ‬ La histórica violencia colonial que observa en el cuerpo negro es degradación de lo vivo. Primero, la reminiscencia colonial de la reducción de la humanidad los esclavizados negros a aniǿƊǶƵȺɯȺƵǐɐȁƮȌ‫ة‬ǶƊƊȯȲȌȯǞƊƧǞȍȁٙƮƵǶƊȁǞǿƊǶٚ‫ة‬ƮƵٙǶȌȁƊɈɐȲƊǶٚƧȌǿȌǞȁȺɈƊȁƧǞƊǞȁǏƵȲǞȌȲƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁǶƊ ecuación de ruptura de todo vínculo sagrado con el equilibrio de lo vivo. De este modo, y con una ƮƵȁȺƊȺƊɈɐȲƊƧǞȍȁƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊȺȲƊƧǞȺɈƊȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺɯƮƵǐƶȁƵȲȌȺƵȺȌȺɈǞƵȁƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ ƵȁȺɐǿȌƮȌƧȌȁɈƵǿȯȌȲƋȁƵȌ‫خ‬0ǶɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺƵǏȲƊǐǞǶǞɹƊ‫ة‬ȺƵٙǏƵǿǞȁǞɹƊٚ‫ة‬ȯƊȲƊɐǶɈȲƊǯƊȲǶȌ‫ة‬ȯƊȲƊɈȌǿƊȲǶȌ‫خ‬ mȌȺ ɈƵȺɈǞǿȌȁǞȌȺ ȲƵƧɐȯƵȲƊƮȌȺ Ƶȁ ƵȺɈƵ ƊȯƊȲɈƊƮȌ ǘƊƧƵȁ ȯƊȲɈƵ §ȲȌǐȲƊǿƊ ٙwǞ ƧɐƵȲȯȌ ƮǞƧƵ ǶƊßƵȲƮƊƮٚƵȁƵǶǿƊȲƧȌƮƵǶ(ǠƊyƊƧǞȌȁƊǶȯȌȲǶƊ(ǞǐȁǞƮƊƮƮƵǶƊȺwɐǯƵȲƵȺßǠƧɈǞǿƊȺƮƵßǞȌǶƵȁƧǞƊȺ ²ƵɮɐƊǶƵȺ‫خ‬IɐƵȲȌȁǿƋȺƮƵ‫ףנ‬ǿǞǶɨǠƧɈǞǿƊȺƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊȺȺƵɮɐƊǶƵȺƵȁɈȲƵ‫ףצקן‬ɯ‫פןמנ‬ƵȁƵǶǿƊȲƧȌ ƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ‫ة‬ƮƵǶƊȺƧɐƊǶƵȺ‫ڭןק‬ȺȌȁǿɐǯƵȲƵȺ‫خ‬ El estereotipo de lo negro en Colombia tiene un fuerte anclaje en las disputas territoriales ancestrales, aquí la presencia de los cuerpos femeninos en el escenario de guerra permanente tiene una función dual, por una parte, son objeto de deseo y por otra, el contrapunto de resistencia, son objetivo de desequilibrio. Si bien se ha trazado una línea asociativa entre la mujer y la ɈǞƵȲȲƊ‫ة‬ƵǶɨƊȲȍȁȁƵǐȲȌ‫ة‬ɈƊǿƦǞƶȁƵȺɨǞȁƧɐǶƊƮȌƊǶɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌ‫ة‬ȯƵȲȌƵȁȺɐǿȌƮȌǿƋȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫س‬ƊɈȲƊɨƶȺ de su presencia física se suscribe en tanto trabajador – cultivador, cañero, mercenario – o bien, como víctima – muchas veces ausente. Generaciones enteras de padres negros desaparecidos obligan a plantear que la memoria negra es también una de orfandad, donde las generaciones ǿƋȺǯȍɨƵȁƵȺƮƵƦƵȁȺƊǶƮƊȲǶƊȺƮƵɐƮƊȺǿȌȲƊǶƵȺȱɐƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌǘƊƮƵǯƊƮȌ‫خ‬0ȺɈȌȺƵɨǞƵȁƵ ǘƊƧǞƵȁƮȌ ȺǞȁ ȱɐƵ ƵǶ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌ ƊȲǿƊƮȌ ǘƊɯƊ ƊƧƊƦƊƮȌ‫ ة‬ȯƵȺƵ Ɗ ǶƊ ƊɈȌǿǞɹƊƧǞȍȁ ɯ ǶƊ ǿƊȲǐǞȁƊƧǞȍȁ a la que obliga el desplazamiento. De esto se han encargado en gran medida las abuelas (y los pocos abuelos que quedan vivos) activándose como bisagras entre la incertidumbre y el desasosiego de la guerra, el pasado ancestral y la duda hacia la proyección de todo futuro. De ahí la importancia por atender no sólo los racismos o las divisiones de género, sino un diálogo intergeneracional donde se permita restaurar ese tejido ancestral conectivo que durante siglos pudo sostener la resistencia moral de las comunidades negras. Marcela Landazábal Mora 181 Tierra negra ɈǞƵȁɈƊȺɯƧȌȁƵǶȯɐǶȺȌƊǶƦȌȲȌɈƊƮȌ‫ة‬ ƊȁƮƊȁƮȌɐȁƊɈȲȌƧǘƊƮƵȲǞɈǿȌȺɯȯƊǶƊƦȲƊȺ 182 Sosteniendo el asunto de las juventudes negras, sin que estas sean homogéneas, me ƮƵȺȯǶƊɹƊȲƶ ȲƋȯǞƮƊǿƵȁɈƵ ǘƊƧǞƊ ɐȁƊ ȲƵ˜ƵɮǞȍȁ ȱɐƵ ȺɐȲǐƵ Ƶȁ ǶƊ ƧȌȁ˜ɐƵȁƧǞƊ ƮƵ ǶƊȺ ƊǐȲƵȺǞȌȁƵȺ Ɗ las que se vieron abocadas las generaciones más jóvenes que participaron del paro nacional en Colombia, en especial las más negras, las más indias y las más pobres, durante los sucesos ƮƵǿƊɯȌƮƵ‫ىןנמנ‬ƮƵȺȯɐƶȺƮƵǶƊǞȺǶƊǿǞƵȁɈȌƮƵǶƊȯƊȁƮƵǿǞƊɯƮƵǶƊȺǏȌȲǿƊȺƵȁȱɐƵƵǶƮǞȺǐɐȺɈȌ social, compartido a lo largo y ancho del país, fue sofocado durante algunos meses. Se habla de la triada crítica raza, clase y género para confrontar el pensamiento sistémico, sin embargo, la condición intergeneracional debe considerarse para situar no sólo lo político, sino las oportunidades de transformación que se siguen gestando desde los improvisados bastiones de resistencia. La parcelación de las edades aptas para el habla y aptas para la escucha constituye otro efecto de ese mundo en compartimentos –donde la distinción de adultez está aunada a la de civilización y madurez, y la de juventud a la impulsividad irracional– que decanta en la desƧƊǶǞ˛ƧƊƧǞȍȁȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵǶȌȺǿƋȺǯȍɨƵȁƵȺ‫خ‬ǶȌƦȺƵȲɨƊȲǶȌȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺƦȲȌɈƵȺƮƵǞȁƧȌȁǏȌȲǿǞƮƊƮ‫ة‬ƮƵ rebeldía, de crítica en las calles, el diálogo entre jóvenes y viejos, entre abuelas, madres y nietas ȺƵǘǞɹȌɨǞǐƵȁɈƵƵȁɐȁƊƧȌȁ˛ǐɐȲƊƧǞȍȁƮƵƧɐǞƮƊƮȌȺɯƵɮȯȲƵȺǞȌȁƵȺȺǞȁȯȲƵƧƵƮƵȁɈƵȺƵȁƵǶȯƊǠȺ‫خ‬mƊ principal consigna fue la pregunta por el sostenimiento de la vida digna y la capacidad de imaginar un futuro, en medio de un presente desesperanzador, no por la incertidumbre propia de la vida, sino por las formas en que los destinos de sus vidas son administrados. Hubo disturbios, represión policial y paramilitar, pero siempre y en resistencia, música, que es la forma en que las juventudes conducen afectiva y efectivamente su palabra. No obstante, hablar de música tampoco dispone un terreno neutral ni idílico. La música negra circula ɯȺƵƵɮȯȌȲɈƊƧȌǿȌɐȁȯȲȌƮɐƧɈȌɈȲȌȯǞƧƊǶƮƵƧȌȁȺɐǿȌɈȲǞɨǞƊǶȺȌƦȲƵǶȌȺȯƵȲ˛ǶƵȺƮƵǶǞǿǞɈƊƮȌȺƮƵǶƊ industria cultural que hace propaganda en el país – y en la región, en general, por eso, debe atenderse que en las músicas negras su factor rítmico y festivo tiene diferentes capas semánticas, hasta llegar al dolor histórico. Durante siglos las músicas negras han acallado el clamor ƮƵǶȌȺǐȲǞɈȌȺƮƵǐɐƵȲȲƊɯǘƊȁƵȁɈȌȁƊƮȌǶȌȺƊǶƊƦƊȌȺƮƵƊȱɐƵǶǶȌȺȱɐƵȁȌƵȁƧȌȁɈȲƊȲȌȁȯƊɹƵȁɨǞƮƊ‫س‬ también se han acomodado al compás de los cuerpos de los rituales de resistencia porque danzar, se ha aprendido muy bien desde los palenques, libera.‫ ב‬La música negra contra el devenir negro del mundo – término que tomo de Achille Mbembe para enfatizar que lo negro y el negro ahora se instalan en proyectos divergentes de futuro – es una forma poética-política por ƵɮƧƵǶƵȁƧǞƊȱɐƵƧȌȁɨȌƧƊǶȌȺƧɐƵȲȯȌȺǘƊƧǞƊǶƊȲƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊƧǞȍȁƮƵǶƊȺƵǿȌƧǞȌȁƵȺƧȌǿȌȯȌɈƵȁƧǞƊ transformadora. Este acumulado sensible dotó de sentido a la máxima consigna ¡#NosEstánMatando, pero seguimos vivas/ vivos! Hoy día en Colombia, las juventudes rurales y de las periferias urbanas, también las de ƧǶƊȺƵȺǿƵƮǞƊȺ‫ة‬ƵȺɈƋȁƊƦȌƧƊƮƊȺƊɐȁȺȌǏȌƧƊǿǞƵȁɈȌȱɐƵǶƵȺȺǞǐɐƵƮǞɨǞƮǞƵȁƮȌƵȁɈȲƵٙǘƶȲȌƵȺƮƵǶƊ ȯƊɈȲǞƊٚ‫س‬ǶȌȺȱɐƵȯƵǶƵƊȁ‫س‬ǶȌȺȱɐƵȲƵȺǞȺɈƵȁ‫س‬ǶȌȺȱɐƵɈƵȲǿǞȁƊȁƧȌȁȺɐɨǞƮƊǿɐɯȯȲȌȁɈȌƧȌȁǿȌƧǞȌȁƊƮȌȺȯȌȲǶƊȺƵƧȌȁȌǿǠƊȺƮƵǶǞƧɈǞɨƊȺ‫س‬ǶȌȺȱɐƵƮƵǯƊȁƧƊȲȲƵȲƊȺɈȲɐȁƧƊȺ‫س‬ǶȌȺǿƵȲƧƵȁƊȲǞȌȺɯǶȌȺȯȲǞɨǞǶƵǐǞƊdos –que tienen muy poca oportunidad y deseo de intervenir en la transformación de la historia. Fue cierto, una política de terror estatal y paraestatal se impuso sobre los jóvenes, muestra de ƵǶǶȌ ǏɐƵȲȌȁ ƊƧȌȁɈƵƧǞǿǞƵȁɈȌȺ ȌƧɐȲȲǞƮȌȺ Ƶȁ ɐȁ ƧƊȋƊƮɐɹƊǶ ƮƵǶ ßƊǶǶƵ ƮƵǶ !ƊɐƧƊ‫ ة‬Ƶȁ ‫ ةמנמנ‬ƮȌȁƮƵ cinco varones adolescentes fueron inexplicablemente abatidos, sólo con un sobreviviente que ‫  ׇ‬0ȁ ƵȺɈȌ ȺȌȁ ƧȲɐƧǞƊǶƵȺ ǶƊȺ ȯƊȲɈǞƧǞȯƊƧǞȌȁƵȺ ɯ ƵǶ ǶƵǐƊƮȌ ƮƵ ǶȌȺ ǘƵȲǿƊȁȌȺ wƊȁɐƵǶ ðƊȯƊɈƊ „ǶǞɨƵǶǶƊ ɯ (ƵǶǞƊ ðƊȯƊɈƊ Olivella, sólo por citar un ejemplo. Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos logró contar la historia. El primer interrogatorio lo recibió el jefe de gobierno y una de sus respuestas fue: wɐƧǘƊȺȯƵȲȺȌȁƊȺǘƊȁƮǞƧǘȌ‫ب‬ٙɨȌǶɨǞƵȲȌȁǶƊȺǿƊȺƊƧȲƵȺ‫ة‬ɨȌǶɨǞƵȲȌȁǶƊȺǿƊȺƊƧȲƵȺٚ‫ة‬ primero hablemos del nombre preciso: ‫ٴ‬ǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺ ƧȌǶƵƧɈǞɨȌȺ‫ ٵ‬y tristemente hay que aceptarlo como país, no es que volvieron, es que no se han ido tristeǿƵȁɈƵƵȺɈȌȺǘƵƧǘȌȺ٘‫ٶخ‬²ȌȺɈɐɨȌƵǶȯȲƵȺǞƮƵȁɈƵXɨƊȁ(ɐȱɐƵ‫!ـ‬Ǫ²Xß²§ª„§ªX‫ة‬ ‫خفמנמנ‬ ²ǞƦǞƵȁǶƊȺƧȲǠɈǞƧƊȺƊȁɈƵƵǶȁƵǐƊƧǞȌȁǞȺǿȌƧȌȁȺɈǞɈɐɈǞɨȌƮƵȺƮƵǶƊƧƊƦƵɹƊȯȲƵȺǞƮƵȁƧǞƊǶƧȌȁ˛Ȳmaron la desconexión de un estado ausente en muchos espacios, la mayor denuncia simbólica se logró a través de la música. El tema Quién los mató compuesto y cantado por Junior Jein, Hendriz Hinestroza, Nidia Góngora y Alexis Play comenzó a circular en redes, bajo una factura única, la letra de la canción cita diferentes episodios de criminalización y violencia armada contra las comunidades negras. La repetición propia de las canciones insiste en denunciar, pero también debate la negación constante de los efectos de cada uno de los actos violentos a los que son sometidas las juventudes. De ahí que la forma en que la música se instala en el cuerpo, por repetición, sea tan efectivamente política para la memoria. La canción montada en una ƧȌǿƦǞȁƊƧǞȍȁƮƵȲƊȯɯȲƵǐǐƊƵɈȍȁ‫ة‬ƧȌȁƦƊȺƵȺȲǠɈǿǞƧƊȺٙƊǏȲȌٚȺȌȺɈɐɨȌƵǶȺǞǐɐǞƵȁɈƵƮǞȺƧɐȲȺȌ‫ب‬ Madre / No llegaré a la hora de la cena/ Aparecí en un lugar/ Que no era mi hogar/ Dicen que ven mi cuerpo/ Oigo me están llorando// Hay sangre en la arena y esta vez no es del torero/ Son cinco chicos que salieron pero nunca volvieron/ Uno de ellos resistió de una manera inexplicable/ Para señalar el camino y que lo pudiera encontrar su madre// En medio de una escena con respuestas en potencia/ Y unos cuántos que no se entendía que hacían allí/ El dolor de familiares impulsados por el miedo /Queriendo llevar sus hijos sin saber si podrían salir// Con vida a contarle al mundo lo ya sucedido / Si esta madre no se atreve ɈȌƮȌƵȺɈƊȲǠƊȯƵȲƮǞƮȌ‫ش‬æƵȺɈƊȲǠƊƵȁƊȲƧǘǞɨȌɯȌɈȲƊǘǞȺɈȌȲǞƊȯƊٚƧȌȁɈƊȲ‫(ش‬ƵǶȯƊǠȺ con la clase obrera que se muere en la impunidad // Sangre / Hay sangre en unas manos ajenas / Si me convierto en canción / Solo recuérdame feliz / Aquí no pasa el tiempo /No hay pena o sufrimiento// Ahora soy yo quien va a escandalizarse /Con la fuerza de los gritos de Ruby Cortes en los cañaduzales/ Le exijo a la justicia que este caso se aclare/ Y que no quede impune como casi siempre hacen// Nada, la vida de los negros no importa nada/ Lo primero que dicen es: “andaban en cosas raras”/ Como Jean Paul, Jair, Léyder, Álvaro y Fernando / Somos víctimas del sistema y el abandono del estado / Pero el pueblo no se rinde ƧƊȲƊǯȌ‫ـفتـ‬h0XyƵɈƊǶ‫خفמנמנةخ‬ El tema musical es acompañado de un relato visual que delata el territorio apropiado – inicia con un plano aéreo de los cañaduzales y posteriormente los cantantes, instalados en ataúdes toman voz por aquellos que no pudieron hablar, evoca a las madres, a las hermanas, y enumera casos de universitarios, de chicos del campo y otras experiencias no reconocidas por el Estado. El video termina con un plano amplio que reúne todas las personas participantes del video portando antorchas en una noche de estrellas, enfatizando que, pese a todo, no se ha adormecido la capacidad de contemplar la existencia ٛIǞǐɐȲƊ‫׻‬ٜ‫ ى‬El contrapunto entre imagen ɯȺȌȁǞƮȌƵȁƊǶǐȌǿƋȺƮƵ‫ס‬ǿǞȁɐɈȌȺƮƵɨǞƮƵȌȯƵȲǿǞɈƵƧȌǿȯȲƵȁƮƵȲȱɐƵƵǶƮȌǶȌȲǿȌȲƊǶƵȺǘǞȺɈȍrico en las comunidades, pero también en los territorios deshechos –por las fuerzas históricas ƮƵƮȌǿǞȁǞȌ‫ى‬ٙȺǞǿȯǶƵȺȯƊǞȺƊǯƵȺٚƮȌȁƮƵǶȌɨǞɨȌƵȺɈƋȺɐǯƵɈȌƊǶƵɮɈƵȲǿǞȁǞȌ‫خ‬hɐȁǞȌȲhƵǞȁ‫ة‬ɐȁȌƮƵǶȌȺ cantantes de la pieza musical aquí presentada y activista por derechos de comunidades negras, ǏɐƵƊȺƵȺǞȁƊƮȌƵȁɐȁƦƊȲƮƵ!ƊǶǞƵȁǯɐȁǞȌƮƵ‫خןנמנ‬ Marcela Landazábal Mora 183 Tierra negra ǶƵǯƊȁƮȲȌ !ƊȺɈǞǶǶƵǯȌ !ɐƵǶǶƊȲ‫ ة‬ƧȌǿǞȺǞȌȁƊƮȌ ƮƵ ȯƊɹ‫ ة‬Ɗ˛Ȳǿȍ ȱɐƵ ǘƊƦǶƊȲ ɯ ƮƵǯƊȲ ƵǶ ȯƊȺƊƮȌ ƊɈȲƋȺƵȺǶƊٙǞǶɐȺǞȍȁƵȯǞȺɈƵǿȌǶȍǐǞƧƊٚƮƵǶƮǞȺƧɐȲȺȌƮƵȯƊɹ‫خ‬0ȺɈƊƧƊȲǐƊƮƵȲƵƧȌȁƧǞǶǞƊƧǞȍȁȺȌƦȲƵǶƊȺ víctimas como un acto de conciencia, de ruptura con su pasado ligada a la promesa de futuro 184 ȯƊȲƊٙȺƵǐɐǞȲƊƮƵǶƊȁɈƵƧȌȁǶƊɨǞƮƊٚȯɐƵƮƵȺƵȲɐȁȌƮƵǶȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺǿƋȺȯƵȲɨƵȲȺȌȺƵȁƵǶƵȺƧƵȁƊȲǞȌ del acuerdo de paz. Pero entonces ¿qué función desempeña la música? La música, replanteada en el escenario actual, con contenidos densos, unos de denuncia, otros de lamento y otros de ȲƵƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁ ɯ ȲƵȺǞȺɈƵȁƧǞƊ ƦȲǞȁƮƊ ƧȌǘƵȺǞȍȁ‫ س‬ȲƵȺɈƊɐȲƊ ǶƊ ƮǞǐȁǞƮƊƮ‫ س‬ȁȌ ƦɐȺƧƊ ǶƊ ȯƊɹ‫ ة‬ȯƊȲɈƵ ƮƵ ella para apoyar la voz y denuncia, para relatar, para, recuperar al menos, en breves espacios, momentos de escucha. Lo que pasa entonces con la histórica interacción entre negro, música, violencia, territorio es un cambio semántico, auspiciado por generaciones huérfanas que quieren agruparse por medio de la música para apoyar la reparación de lo colectivo. En toda esta ecuación subyace la voz de la abuela negra, de las madres antaño cimarronas y las cantaoras que conjuran de otra ǿƊȁƵȲƊǶƊǿƵǿȌȲǞƊƮȌǶȌȺƊ‫خ‬yȌȺƵɈȲƊɈƊƮƵǶȁƵǐȲȌǿǠɈǞƧȌ‫ة‬ƮƵǶٙȲǞɈǿȌɯƵǶȺƊƦȌȲٚǿǞȺɈǞ˛ƧƊƮȌȺȯȌȲ los mercados, sino de músicas negras que buscan andar la historia – reconstruirla mientras apoyan la reparación emocional que rebasa sus propios territorios y atraviesa el territorio nacional. §ƊȲƊɐȁrumboƮƵǶǶƵǐƊƮƊ Cuando se persigue una verdad –una forma verdadera de la reparación– distinta a la mera acusación, se busca también liberar de la angustia y el silencio, de los olvidos históricos, de las instancias de opresión transparentes, normalizadas y vigentes que refuerzan las lectuȲƊȺ ƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯƊȁɈƵȺ ƮƵǶ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌ ƊȲǿƊƮȌ‫ خ‬ǘǠ ǶƊ ǞǿȯȌȲɈƊȁƧǞƊ ƮƵ ǶƊ ǏɐƵȲɹƊ ƮǞǐȁǞ˛ƧƊȁɈƵ ƮƵ ǶƊȺ experiencias de vida, apoyadas por estatutos judiciales y otras estrategias que se han venido ƮƵȺȯǶƵǐƊȁƮȌƮƵȺƮƵƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺǞȁȺɈƊȁƧǞƊȺȌ˛ƧǞƊǶƵȺɯǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞƊȺ‫ة‬ȯƵȲȌȱɐƵȁƵƧƵȺƊȲǞƊǿƵȁɈƵǶȌȺ rebasan. Porque la reconstrucción colectiva está en manos de los diferentes grupos del entramado socio-cultural y biótico de todo contexto oprimido en el mundo, aunque en este caso se dedique el presente argumento a Colombia, mi país natal. La reparación es un compromiso político, así mismo la sanación, que a su vez es un compromiso ético – una forma moral de la política, necesaria para atravesar las instancias más laǿƵȁɈƊƦǶƵȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƊƦȲǞƵȁƮȌƧƊǿȯȌǘƊƧǞƊȌɈȲƊȲƵǶƊƧǞȍȁƧȌȁǶƊɈǞƵȲȲƊɯƧȌȁǶƊȺǐƵneraciones que vienen. Esta forma de la estética – liberada del peso (dominio) histórico de las ƊȲɈƵȺ‫ة‬ǶȌȺȺƊƦƵȲƵȺƮƵƊǶƧɐȲȁǞƊ‫س‬ƵǶƵȺȁȌƦǞȺǿȌƊƧƊƮƶǿǞƧȌɯƮƵǶƊǞȁƮɐȺɈȲǞƊƧɐǶɈɐȲƊǶ‫ى‬ǿƋȺƊɐɈȍȁȌma, habilitada en la sensibilidad y la experiencia compartida constituye una ética, base para toda reparación moral. Aquí la acción de las madres, de las mujeres que sobrevivieron, resisɈǞƵȲȌȁɯȺƵƊɈȲƵɨǞƵȲȌȁƊƧȲƵƊȲǿƊȲƧȌȺƮƵƮǞǐȁǞ˛ƧƊƧǞȍȁȯƵȺƵƊȺɐȺɨǞɨƵȁƧǞƊȺƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ armado, debe tomarse como una pedagogía volcada hacia la vida – en su cualidad más política y creativa –. En el entramado de esta línea materna de resistencia puede comprenderse la importancia de las juventudes en los escenarios de sutura social a los que se aboca Colombia, pero esto también puede percibirse a lo largo de la región con las marchas masivas que América LaɈǞȁƊɨǞɨǞȍƮƵȺƮƵ‫קןמנ‬ǘƊȺɈƊƵǶ‫ةןנמנ‬ƮȌȁƮƵ‫ة‬ƵǶƧȌȁɈƵɮɈȌƮƵȯƊȁƮƵǿǞƊȲƵƧȲɐƮƵƧǞȍǶƊȺƦȲƵƧǘƊȺȺȌcioeconómicas, por lo que la respuesta social convocó diferentes sectores sociales en conjunto. La expoliación sufrida por comunidades y territorios no puede comprenderse en su dimensión más crítica si no se toma en cuenta la experiencia de violencia inscrita en los cuerpos de las mujeres, en los territorios feminizados y en las formas de degradación de la vida donde se profana la dimensión de la ternura, el cuidado y la reparación. A lo largo de estas líneas se ha Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos ɨǞȺɈȌȱɐƵƵȺɈƊȺɈȲƵȺٙɨǞȲɈɐƮƵȺٚƮƵǶƊƮǞǐȁǞ˛ƧƊƧǞȍȁƮƵǶƊɨǞƮƊȁȌȺƵƧȌȁƧƵȁɈȲƊȁ‫ة‬ȁǞƧȌȲȲƵȺȯȌȁƮƵȁ ȺȍǶȌƊǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺ‫خ‬yȌȌƦȺɈƊȁɈƵ‫ة‬ƵȁǿƊȲƧȌȺƧȌǿȌƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƮƵ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫ى‬ƮƵȺȯɐƶȺ de las desapariciones forzadas de varones, y el disciplinamiento para la aniquilación casi total ƮƵǶȌȺƧɐƵȲȯȌȺǿƊȺƧɐǶǞȁȌȺƵȁǶƊǐɐƵȲȲƊ‫ى‬ǘƊȁȺǞƮȌǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺǶƊȺƵȁƧƊȲǐƊƮƊȺƮƵȲƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊȲ sostener, y en muchos casos, comenzar de nuevo a elaborar el tejido social. Al esbozar algunos episodios vividos por las comunidades, cuerpos y territorios negros, sólo se busca destacar una instancia ejemplar de resistencia ante la reiterada sumisión política y expoliación territorial que también comprende tierras indígenas – anunciadas como resguardos a modo de segregaciones preventivas de control – en zonas marginales de las ciudades y otros entornos donde el principio regulador de las vidas se da en marcos de desigualdad económica y racismo en los cuales, las mujeres componen el eslabón más bajo de la cadena, soportando todo el peso de los esquemas institucionales y los prejuicios sociales. De ahí la importancia para pensar la memoria en femenino, no como una instancia minimizada – feminizada –, sino como un andamiaje que ƧȌȁɨȌƧƊǶȌƧȌɈǞƮǞƊȁȌƵǠȁɈǞǿȌǘƊȺɈƊǶȌǿƋȺƊǿȯǶǞ˛ƧƊƮȌɯɨǞȺǞƦǶƵƮƵǶȌƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌ‫ة‬ƊɈȲƊɨƶȺƮƵ estrategias que pasan por el cuerpo, el sostenimiento de la alimentación, la higiene, la salud, el ƧɐǶɈǞɨȌƮƵɈȲƊƮǞƧǞȌȁƵȺɯȲƵǶƊɈȌȺ‫ة‬ƮƵǶƊȺƵǿȌƧǞȌȁƵȺɯƮƵǶƊȺ˛ƦȲƊȺƮƵǶȌƧȌǿɑȁ‫خ‬ IǞǐɐȲƊ‫خנ‬IȌɈȌǐȲƊǿƊ˛ȁƊǶƮƵɨǞƮƵȌٌƧǶǞȯ©ɐǞƶȁǶȌȺǿƊɈȍ‫ـ‬h0XyƵɈƊǶ‫خفמנמנةخ‬ Marcela Landazábal Mora 185 Tierra negra Toda esa recomposición social y política requiere un vasto entramado de relaciones e interacciones y condiciones poéticas que permitan volver a crear, volver a pensar e, incluso y contra todo pronóstico, imaginar acompañando. Denunciar el colapso no sirve de nada cuan- 186 do se trata de sostener la vida viviendo. En Colombia la música, sobre todo, los cantos negros ƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁɐȁƧȌǶƧǘȍȁƵǿȌƧǞȌȁƊǶƊǶƧɐƊǶƊƧɐƮǞȲƊȁɈƵǶƊɐȲǐƵȁɈƵƮƵǿƊȁƮƊȯȌȲǶƊȯȌȺǞƦǞǶǞƮƊƮƮƵ ǘƊƦǞǶǞɈƊȲȯȲȌɯƵƧɈȌȺȯȌȲٌɨƵȁǞȲ‫(خ‬ƵƵȺɈƊǿƊȁƵȲƊǶƊȯƊȲƧƵǶƊƧǞȍȁƊǿȯǶǞ˛ƧƊƮƊȯȌȲǶƊȺȯȌǶǠɈǞƧƊȺƵƧȌȁȍǿǞƧƊȺ‫ة‬ǶȌȺǿȌȁȌƧɐǶɈǞɨȌȺɯƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ‫ة‬ƵȺƵdevenir negro del mundo que bien explica Achille Mbembe, se rebate a través de las potencias negras, amarillas, rojas y todas las formas poéticas de las resistencias, porque ellas encarnan principalmente la capacidad de transformación política. Y sabemos que no hay resistencia política carente de poética. ªƵǏƵȲƵȁƧǞƊȺ 0(„‫سخة‬wǪªæ‫ة‬w‫خ‬ɯ !!RX((XÇ‫ة‬J‫خ‬RƊƧǞƊɐȁƊƧǞƵȁƧǞƊȺȌƧǞƊǶƧȲǠɈǞƧƊ‫خ‬0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƊ(ǞƮǞƵȲ Fassin. En ȁƮƊǿǞȌȺßȌǶ‫ةעןخ‬yɐǿ‫§خעסخ‬ȯ‫خץןמנةעפסٌןףס‬ BUCK MORSS, S. Pensar tras el terror. 0ǶǞȺǶƊǿǞȺǿȌɯǶƊɈƵȌȲǠƊƧȲǠɈǞƧƊƮƵǞɹȱɐǞƵȲƮƊ. Madrid: wƊƧǘƊƮȌmǞƦȲȌȺ‫خמןמנة‬ BUTLER, J. Marcos de guerra. mƊȺɨǞƮƊȺǶǶȌȲƊƮƊȺ‫!خ‬ǞɐƮƊƮƮƵwƶɮǞƧȌ‫!ب‬ȌȁɈƵɮɈȌȺƵǞƮƵƊȺ‫מןמנة‬ my(ð mٌw„ª‫ة‬w‫خ‬mƊǘǞȺɈȌȲǞƊ‫ـ‬ƮƵȺ‫ف‬ƦȌȲƮƊƮƊ‫ب‬ǞǿƋǐƵȁƵȺƮƵǶƊȺȲƵǏɐǐǞƊƮƊȺǶƊȌȺǞƊȁƊȺƵȁ América Latina, en yȍǿƊƮƊȺyȌ‫(خןנמנةעף‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁǘɈɈȯ‫ششب‬ȁȌǿƊƮƊȺ‫خ‬ɐƧƵȁɈȲƊǶ‫خ‬ƵƮɐ‫خ‬ƧȌ‫ش‬ ȁȌǿƊƮƊȺ‫ش‬ȯƮǏ‫ش‬ȁȌǿƊƮƊȺ‫קصעףشעףص‬m‫ص‬mƊ‫ص‬ǘǞȺɈȌȲǞƊ‫ص‬ƮƵȺƦȌȲƮƊƮƊ‫خ‬ȯƮǏ MBEMBE, A. !ȲǠɈǞƧƊƮƵǶƊȲƊɹȍȁȁƵǐȲƊ‫ خ‬ƊȲƧƵǶȌȁƊ‫ب‬y0(0ƮǞƧǞȌȁƵȺ‫خפןמנة‬ SEGATO, R. mƊǐɐƵȲȲƊƧȌȁɈȲƊǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺ‫خ‬wƊƮȲǞƮ‫ب‬ÀȲƊ˛ƧƊȁɈƵȺƮƵ²ɐƵȋȌȺ‫خפןמנة‬ SONTAG, S. ȁɈƵƵǶƮȌǶȌȲƮƵǶȌȺƮƵǿƋȺ‫!ة‬ǞɐƮƊƮƮƵwƶɮǞƧȌ‫(ب‬Ƶ ȌǶȺǞǶǶȌ‫צןמנة‬ ACCIÓN CONTRA MINAS. 0ȺɈƊƮǠȺɈǞƧƊȺƮƵƮƵȺǿǞȁƊƮȌǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞȌ. http://www.accioncontraminas.gov.co/Estadisticas/Paginas/Estadisticas-DH.aspx ACNUR, ǏȲȌƮƵȺƧƵȁƮǞƵȁɈƵȺƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫ ة‬ȌǶƵɈǠȁ‫خעןמנٌנןמנ‬ ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƊƧȁɐȲ‫خ‬ȌȲǐ‫˛ش‬ǶƵƊƮǿǞȁ‫(ش‬ȌƧɐǿƵȁɈȌȺ‫§ش‬ɐƦǶǞƧƊƧǞȌȁƵȺ‫خפפןקشסןמנش‬ȯƮǏ COMISIÓN DE LA VERDAD. 0ǶȲƊƧǞȺǿȌɯǶƊƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƧǞȍȁǞȁɈƵȁȺǞ˛ƧƊȲȌȁǶƊɨǞȌǶƵȁƧǞƊƵȁ ƧȌȁɈȲƊƮƵǶȯɐƵƦǶȌȁƵǐȲȌ‫خ‬0ȁƧɐƵȁɈȲȌȯȌȲǶƊɨƵȲƮƊƮ‫(خ‬ǞƧǞƵǿƦȲƵ‫ק‬ƮƵ‫(خמנמנ‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁ‫ب‬ https://comisiondelaverdad.co/actualidad/noticias/reconocimiento-verdad-pueblo-negro-racisǿȌٌƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƧǞȌȁٌǞȁɈƵȁȺǞ˛ƧƊȲȌȁٌɨǞȌǶƵȁƧǞƊ COMISIÓN DE LA VERDAD. !ȌǿǞȺǞȍȁƮƵǶƊɨƵȲƮƊƮȲƵƧȌȁȌƧƵǶƊƮǞǐȁǞƮƊƮƮƵßǠƧɈǞǿƊȺƮƵßǞȌٌ ǶƵȁƧǞƊ²ƵɮɐƊǶƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ‫ة‬wƊɯȌƮƵ‫(خקןמנ‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁǘɈɈȯȺ‫ششب‬ƧȌǿǞȺǞȌȁƮƵǶƊɨƵȲƮƊƮ‫خ‬ co/actualidad/noticias/comision-de-la-verdad-reconoce-la-dignidad-de-victimas-de-violenƧǞƊٌȺƵɮɐƊǶٌƮɐȲƊȁɈƵٌƵǶٌƧȌȁ˜ǞƧɈȌ COMISIÓN INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS (CIDH). XȁǏȌȲǿƵȺȌƦȲƵǶƊȺǞɈɐƊƧǞȍȁ ƮƵȯƵȲȺȌȁƊȺƮƵǏƵȁȺȌȲƊȺƮƵƮƵȲƵƧǘȌȺǘɐǿƊȁȌȺɯǶǠƮƵȲƵȺȺȌƧǞƊǶƵȺƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫(خ‬ǞƧǞƵǿƦȲƵ‫פ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021 Artigos ƮƵ‫(خקןמנ‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ȌƊȺ‫خ‬ȌȲǐ‫ش‬ƵȺ‫ش‬ƧǞƮǘ‫ش‬ǞȁǏȌȲǿƵȺ‫ش‬ȯƮǏȺ‫(ش‬ƵǏƵȁȺȌȲƵȺ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫خ‬ȯƮǏ CENTRO NACIONAL DE MEMORIA HISTÓRICA. ÇȁƊȁƊƧǞȍȁƮƵȺȯǶƊɹƊƮƊ‫خ‬XȁǏȌȲǿƵȁƊƧǞȌȁƊǶ ƮƵƮƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊ‫ خ‬ȌǐȌɈƋ‫!ب‬ƵȁɈȲȌƮƵwƵǿȌȲǞƊRǞȺɈȍȲǞƧƊ‫(خףןמנة‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁ ǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƧƵȁɈȲȌƮƵǿƵǿȌȲǞƊǘǞȺɈȌȲǞƧƊ‫خ‬ǐȌɨ‫خ‬ƧȌ‫ش‬ƮƵȺƧƊȲǐƊȺ‫ش‬ǞȁǏȌȲǿƵȺ‫شףןמנ‬ȁƊƧǞȌȁٌƮƵȺȯǶƊɹƊƮƊ‫ش‬ una-nacion-desplazada.pdf LATINOAMERICANO DE SERVICIOS LEGALES ALTERNATIVOS (ILSA). Instituto Desplazamiento y retorno. Balance de una política. mǞƦȲȌ‫ נ‬0ȺȯǞȲƊǶƵȺƮƵǶƮƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌ‫ة‬0ǶȲƵɈȌȲȁȌƮƵ ȌǯƊɯƋ‫!ة‬ǘȌƧȍ‫ خ‬ȌǐȌɈƋ‫ب‬JƵȁɈƵƮƵƊȱɐǠɯƊǘȌȲƊ‫(خפממנة‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ǞǶȺƊ‫خ‬ȌȲǐ‫خ‬ƧȌ‫ش‬ ƦǞƦǶǞȌɈƵƧƊ‫ش‬ÀƵɮɈȌȺ‫ص‬ƮƵ‫ص‬ƊȱɐǞ‫ص‬ɯ‫ص‬ƊǘȌȲƊ‫ش‬ÀƵɮɈȌȺƮƵƊȱɐǞɯƊǘȌȲƊ‫(شמןص‬ƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌ‫ص‬ɯ‫ص‬ȲƵɈȌȲȁȌ‫ص‬mǞƦȲȌ‫صנص‬0ȺȯǞȲƊǶƵȺ‫ص‬ƮƵǶ‫ص‬ƮƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌ‫ص‬0Ƕ‫ص‬ȲƵɈȌȲȁȌ‫ص‬Ɗ‫ ص‬ȌǯƊɯ‫!صةןڭס!ڭ‬ǘȌƧ‫صס ڭס!ڭ‬mɐɹ‫§ص‬ǞƵƮƊƮ‫!ص‬ƊǞƧƵƮȌ‫(صة‬ƊȁǞƵǶ‫ص‬wƊȁȲǞȱɐƵ‫(صة‬ƵǶǿƊ‫!ص‬ȌȁȺɈƊȁɹƊ‫ص‬wǞǶǶ‫ןڭס!ڭ‬ȁ‫ص‬ɯ‫ ص‬ƵǶDzɯ‫ص‬wƊȲɯ‫§ص‬ɐǶǞƮȌ‫!ص‬ȌǶƵƧƧǞ‫ס ڭס!ڭ‬ȁ‫ص‬ÀƵɮɈȌȺ‫ص‬ƮƵ‫ص‬Ɗȱɐ‫ص(ڭס!ڭ‬ɯ‫ص‬ƊǘȌȲƊ‫ןص‬Ɗ‫ص‬0ƮǞƧǞ‫ס ڭס!ڭ‬ȁ‫ص‬Xm²!ȌǶȌǿƦǞƊ‫خפממנة‬ȯƮǏ CASTILLEJO, A. Entre el negacionismo y el revisionismo del pasado violento. 0ǶƵȺȯƵƧɈƊƮȌȲ, ȁȌɨǞƵǿƦȲƵ‫סן‬ƮƵ‫خצןמנ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƵǶƵȺȯƵƧɈƊƮȌȲ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ƧȌǶȌǿƦǞƊٌ‫شמנ‬ƊȁƊǶǞȺɈƊȺ‫ش‬ƵȁɈȲƵٌƵǶٌȁƵǐƊcionismo-y-el-revisionismo-del-pasado-violento-article/. !Ǫ²Xß²§ª„§X‫خؤ‬0ȁ!ȌǶȌǿƦǞƊȁȌǘƊɯٙǿƊȺƊƧȲƵȺٚȺǞȁȌٙǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺƧȌǶƵƧɈǞɨȌȺٚ‫(ب‬ɐȱɐƵ‫خ‬ 0Ƕ!ȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫ة‬ǐȌȺɈȌ‫סנ‬ƮƵ‫מנמנ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƵǶƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ƧȌǶȌǿƦǞƊ‫ش‬ƮɐȱɐƵٌƊ˛ȲǿƊٌȱɐƵٌƵȁٌƧȌǶȌǿƦǞƊٌȁȌٌǘƊɯٌǿƊȺƊƧȲƵȺٌȺǞȁȌٌǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺٌƧȌǶƵƧɈǞɨȌȺٌ0§‫خץסצצקעסן‬ FACT CHECKIN. Origen del paramilitarismo. En ªɐɈƊȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ‫ة‬ƊƦȲǞǶƮƵ‫ץןמנ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫ڙ‬ƧƊǶǏRåƧȲٌ©Ƨ‫خ‬ ª„ m0²ð m‫ة‬h‫خ‬ƵȁyƵǐƊȲǶȌƵɨǞƮƵȁɈƵ‫ة‬²ƵǿƊȁƊ‫נة‬ƮƵƵȁƵȲȌƮƵ‫ةקןמנ‬ƮǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁǘɈɈȯȺ‫ششب‬ ɩɩɩ‫خ‬ȺƵǿƊȁƊ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ȌȯǞȁǞȌȁ‫ش‬ƊȲɈǞƧɐǶȌ‫ش‬ȁƵǐƊƧǞȌȁǞȺǿȌٌƵȁٌƧȌǶȌǿƦǞƊٌȯȌȲٌǯȌƊȱɐǞȁٌȲȌƦǶƵȺ‫خشןמץפקףش‬ ª„(ªZJÇ0ð‫خة‬ª‫ خ‬ȌǯƊɯƋȯȌȲ˛ȁȯȌƮȲƋǘƊƧƵȲƵǶƮɐƵǶȌƮƵȺɐǿɐƵȲɈȌ‫خ‬0ǶÀǞƵǿȯȌ‫(خקןמנة‬ǞȺȯȌȁǞƦǶƵƵȁǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƵǶɈǞƵǿȯȌ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ǞȁǏȌǐȲƊ˛ƊȺ‫شמןشקןמנش‬ƦȌǯƊɯƊ‫ش‬ƮƵȺDzɈȌȯ‫ش‬ ²‫خخ‬0ȁ!ȌǶȌǿƦǞƊȁȌǘƊɯٙǿƊȺƊƧȲƵȺٚȺǞȁȌٙǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺƧȌǶƵƧɈǞɨȌȺٚ‫(ب‬ɐȱɐƵ‫خ‬0Ƕ!ȌǶȌǿƦǞƊȁȌ, ǐȌȺɈȌ‫סנ‬ƮƵ‫מנמנ‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ƵǶƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ƧȌǶȌǿƦǞƊ‫ش‬ƮɐȱɐƵٌƊ˛ȲǿƊٌȱɐƵٌƵȁٌƧȌǶȌǿƦǞƊٌȁȌٌǘƊɯٌǿƊȺƊƧȲƵȺٌȺǞȁȌٌǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺٌƧȌǶƵƧɈǞɨȌȺٌ0§‫خץסצצקעסן‬ hÇyX„ª‫ة‬h‫سخ‬R0y(ªX‫ة‬R‫سخ‬J yJ„ª‫ة‬y‫§سخ‬mæ‫©خة‬ɐǞƶȁǶȌȺǿƊɈȍ‫מנמנة‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫ڙ‬Ǟ‫ץ‬ɨ ßɨɨR ææ Marcela Landazábal Mora 187 Sobre o gênero e seu modo-muito-outro ‫׋‬ Catherine Walsh Universidade Andina Simón Bolívar - Equador Tradução: Lívia Brito Barbosa UNILA John Freddy Agudelo Gaspar Universidad Tecnológica de Pereira 1 A versão original deste texto foi escrita em inglês e foi publicada como: “On Gender and its Otherwise”, em The Palgrave Handbook on Gender and Development Handbook: Critical Engagements in feminist theory and practice, W. RƊȲƧȌɐȲɈ‫ـ‬ƵƮ‫ةفخ‬mȌȁƮȌȁ‫§ب‬ƊǶǐȲƊɨƵ‫ة‬ǯƊȁƵǞȲȌƮƵׂ‫خ׆ׁ׀‬0ǿƦȌȲƊٗȌɈǘƵȲɩǞȺƵ٘ɈƵǿȺǞƮȌɈǞȯǞƧƊǿƵȁɈƵɈȲƊƮɐɹǞƮȌƧȌǿȌٗȌɐɈȲȌ modo”, escolho aqui por “modo-muito-outro”, assim referenciando tanto o uso zapatista da expressão “muito ouɈȲȌ‫ش‬Ɗ٘‫ة‬ƧȌǿȌȌɐȺȌƵȺɈƊƦƵǶƵƧǞƮȌȯƵǶȌǿƊȲȲȌȱɐǞȁȌƦƮƵǶDzƵƦǞȲjǘƊɈǞƦǞ‫فׁ׀׀ׂـ‬ƵǿȺɐƊǏȲƊȺƵٗȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌٌȌɐɈȲȌ٘‫(خ‬ƵȺɈƊ maneira pretendo apontar o caráter radical, insurgente e subversivo do “modo-muito-outro” e seu posicionamento ƮƵ‫ش‬ƮƵȺƮƵƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƊǶƶǿƮȌƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨȌ‫ـخ‬yȌɈƊƮƊȺ0ƮǞɈȌȲƊȺ‫خف‬ ²ȌƦȲƵȌǐƺȁƵȲȌƵȺƵɐǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌ ªƵȺɐǿȌ‫ب‬ „ƵȁȺƊǞȌȺƵǿǞȁƊǶƮƵwƊȲǞƊmɐǐȌȁƵȺٗÀǘƵ!ȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯȌǏJƵȁƮƵȲ٘‫فצממנـ‬ƧȌȁɈǞȁɐƊƊȺƵȲvir de impulso para a discussão e o debate dentro das esferas acadêmica e ativista, e entre aqueles que se aliam à estrutura analítica da (de)colonialidade. Com este texto, Lugones torna visível a instrumentalidade do sistema colonial/moderno de gênero na sujeição de mulheres e homens de cor em todos os domínios da existência. Ao fazê-lo, ela mostra o elo intrincado entre gênero e raça, e revela como este sistema tem funcionado para romper e fraturar laços de solidariedade prática e de luta transformadora compartilhada. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ب‬ÀƵȌȲǞƊ!ȲǠɈǞƧƊȺȌƦȲƵªƊƪƊ‫س‬²ǞȺɈƵǿƊƮƵJƺȁƵȲȌ‫س‬0ȁƵȲǐǞƊ!ȲǞƊɈǞɨƊ‫س‬IȲƊɈɐȲƊƮƵßǠȁƧɐǶȌȺ‫س‬XȁɨƊȺƣȌ!ȌǶȌȁǞƊǶ‫خ‬ Sobre el género y su modo-muy-otro Resumen: 0ǶƵȁȺƊɯȌǏɐȁƮƊƧǞȌȁƊǶƮƵwƊȲǠƊmɐǐȌȁƵȺ‫ٲ‬mƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƮƵǶǐƶȁƵȲȌ‫ٳ‬ٛ‫؁׹׹׻‬ٜȺǞǐɐƵ sirviendo de impulso para la discusión y el debate en las esferas académicas y actiɨǞȺɈƊȺ‫ل‬ɯƵȁɈȲƵȱɐǞƵȁƵȺȺƵƊǶǠƊȁƧȌȁƵǶǿƊȲƧȌƊȁƊǶǠɈǞƧȌƮƵǶƊٛƮƵٜƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮ‫!ى‬ȌȁƵȺɈƵ ɈƵɮɈȌ‫ل‬mɐǐȌȁƵȺǘƊƧƵɨǞȺǞƦǶƵǶƊǞȁȺɈȲɐǿƵȁɈƊǶǞƮƊƮƮƵǶȺǞȺɈƵǿƊƮƵǐƶȁƵȲȌƧȌǶȌȁǞƊǶُǿȌderno en el sometimiento de mujeres y hombres de color en todos los ámbitos de la ƵɮǞȺɈƵȁƧǞƊ‫ى‬ǶǘƊƧƵȲǶȌ‫ل‬ǿɐƵȺɈȲƊƵǶƧȌǿȯǶƵǯȌɨǠȁƧɐǶȌƵȁɈȲƵƵǶǐƶȁƵȲȌɯǶƊȲƊɹƊ‫ل‬ɯȲƵɨƵǶƊ ƧȍǿȌƵȺɈƵȺǞȺɈƵǿƊǘƊǏɐȁƧǞȌȁƊƮȌȯƊȲƊȱɐƵƦȲƊȲɯǏȲƊƧɈɐȲƊȲǶȌȺǶƊɹȌȺƮƵȺȌǶǞƮƊȲǞƮƊƮ práctica y de lucha transformadora compartida. Palabras Clave: Teoría Crítica de la Raza; Sistema de Género; Energía Creativa; Fractura de Vínculos; Invasión Colonial. On gender and its otherwise Abstract: wƊȲǞƊmɐǐȌȁƵȺ‫ٵ‬ȺƵǿǞȁƊǶƵȺȺƊɯ‫ٴ‬ÀǘƵ!ȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯȌǏJƵȁƮƵȲ‫ٵ‬ٛ‫؁׹׹׻‬ٜƧȌȁɈǞȁɐƵȺɈȌȺƵȲɨƵ ƊȺƊȁǞǿȯƵɈɐȺǏȌȲƮǞȺƧɐȺȺǞȌȁƊȁƮƮƵƦƊɈƵɩǞɈǘǞȁƊƧƊƮƵǿǞƧƊȁƮƊƧɈǞɨǞȺɈȺȯǘƵȲƵȺ‫ل‬ƊȁƮ among those who ally themselves with the analytical framework of (de)coloniality. àǞɈǘ ɈǘǞȺ ɈƵɮɈ‫ ل‬mɐǐȌȁƵȺ ǿƊDzƵȺ ɨǞȺǞƦǶƵ ɈǘƵ ǞȁȺɈȲɐǿƵȁɈƊǶǞɈɯ ȌǏ ɈǘƵ ƧȌǶȌȁǞƊǶُǿȌƮƵȲȁ gender system in subjecting women and men of colour in all domains of existence. XȁȺȌƮȌǞȁǐ‫ل‬ȺǘƵȺǘȌɩȺɈǘƵǞȁɈȲǞƧƊɈƵǶǞȁDzƦƵɈɩƵƵȁǐƵȁƮƵȲƊȁƮȲƊƧƵ‫ل‬ƊȁƮȺǘƵȲƵɨƵƊǶȺ how this system has worked to disrupt and fracture bonds of practical solidarity and shared transformational struggle. Keywords:!ȲǞɈǞƧƊǶªƊƧƵÀǘƵȌȲǞȺɈَJƵȁƮƵȲ²ɯȺɈƵǿَ!ȲƵƊɈǞɨƵ0ȁƵȲǐɯَIȲƊƧɈɐȲƵ ȌȁƮَ Colonial Invasion. Artigos „ǐƺȁƵȲȌƶɐǿƊǏƵȲȲƊǿƵȁɈƊƮƊƧƊȺƊ٧ǐȲƊȁƮƵ‫ي‬ Betty Ruth Lozano ȲƊƪƊȁƣȌƶǿƊǞȺǿǠɈǞƧƊȌɐ˸ƧɈǠƧǞƊ ȱɐƵȌǐƺȁƵȲȌ‫ل‬ƊǿƦȌȺȺƣȌȯȌƮƵȲȌȺƊȺ˸ƧƪȪƵȺ‫ى‬ María Lugones O texto fundamental de María Lugones, “A Colonialidade do Gênero” continua servindo como impulso para a discussão e o debate dentro de esferas acadêmicas e ativistas, e entre aqueles que se colocam dentro do marco analítico da (de)colonialidade. Com esse texto, Lugones visibiliza a instrumentalidade do sistema de gênero moderno/colonial na subjetivação de mulheres e homens “de cor” em todos os domínios da existência. Nesse fazer, ela revela como este sistema tem trabalhado para perturbar e fraturar os laços de solidariedade prática e as lutas, compartilhadas, de transformação. A seguir, eu abordo diversas considerações centrais no texto de Lugones: a colonialidade ƵȺɐƊǿƊɈȲǞɹƮƵȯȌƮƵȲ‫ة‬ǐƺȁƵȲȌƵȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫ة‬ƵƊȺƧȌȁƵɮȪƵȺƵȁɈȲƵƵƊǶƶǿƮȌȺƮǞȺǿȌȲ˛ȺǿȌȺƦǞȁƋrios. O meu objetivo é duplo. De um lado, pensar a partir dessas considerações, especialmente em relação aos debates emergentes em Abya Yala/América Latina hoje. E por outro lado, problematizar, pluralizar, e dar movimento a essas esferas, e revelar não só sua complexidade, mas ɈƊǿƦƶǿ‫ة‬ƵȯȲȌɨƊɨƵǶǿƵȁɈƵǿƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵƊǞȁƮƊ‫ة‬ƊȺƵȁƵȲǐǞƊȺƧȲǞƊɈǞɨƊȺȱɐƵƮƵȺƊ˛ƊǿǿƊǞȺƮƵ quinhentos anos de dominação e divisão. X‫خ‬ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƵȺɐƊǿƊɈȲǞɹƮƵȯȌƮƵȲ A denominação de Aníbal Quijano da colonialidade do poder no começo da década de ‫ מקקן‬ȺǞǐȁǞ˛ƧȌɐ‫ ة‬ƧȌǿȌ ȺɐȺɈƵȁɈƊ mɐǐȌȁƵȺ‫ ة‬ɐǿƊ ɈƵȌȲǞƊ ǘǞȺɈȍȲǞƧƊ ƮƊ ƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌ ȺȌƧǞƊǶ ƮƊ ȯȌpulação mundial baseada na ideia de “raça” como constitutiva do “modelo de poder global, eurocêntrico e capitalista”. Como ela aponta “também gera um espaço conceitual para entender as disputas históricas pelo controle do trabalho, do sexo, da autoridade coletiva e da interȺɐƦǯƵɈǞɨǞƮƊƮƵƧȌǿȌȯȲȌƧƵȺȺȌȺƵǿƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƮƵǶȌȁǐƊƮɐȲƊƪƣȌ٘‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةץןخ‬ tradução nossa). Nas conceitualizações de Quijano, “raça” foi o eixo do qual todas as outras relações de poder emanaram. O gênero, mesmo que não fosse diretamente nomeado, está “constituído por e constituindo à colonialidade do poder”, diz Lugones. “Neste sentido, não há uma separabilidade ƮƵǐƺȁƵȲȌƵȲƊƪƊȁȌǿȌƮƵǶȌƮƵ©ɐǞǯƊȁȌ‫ةצממנـ‬ȯ‫خفףנخ‬ȱɐƵȺɈƣȌ‫ة‬ƊȲǐɐǿƵȁɈƊmɐǐȌȁƵȺ‫ة‬ȁƣȌƵȺɈƋ na sua vinculação de gênero e raça – que faz sentido – mas sim na sua limitada conceitualização do gênero como uma estrutura e um estruturante do poder. Na visão de Quijano, a dominação ƮȌǐƺȁƵȲȌƶȲƵȺɈȲǞɈƊٗƊȌƧȌȁɈȲȌǶƵƮȌȺƵɮȌ‫ة‬ȺƵɐȺȲƵƧɐȲȺȌȺƵȺƵɐȺȯȲȌƮɐɈȌȺ٘‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫خ‬ ‫ةצן‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ O que Lugones oferece à analítica de Quijano sobre a colonialidade do poder? Como isso amplia e torna mais complexo esse marco e sua construção? Em primeiro lugar, alguns detalhes sobre o próprio Aníbal Quijano e seu ponto de vista ȺƣȌɑɈƵǞȺȯƊȲƊƵȁɈƵȁƮƵȲȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƵƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ‫©خ‬ɐǞǯƊȁȌɈƵǿȺǞƮȌɐǿƊ ˛ǐɐȲƊƧƵȁɈȲƊǶȁȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƧȲǠɈǞƧȌƵȯȌǶǠɈǞƧȌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȯȌȲǿƊǞȺƮƵ‫מף‬ƊȁȌȺ‫خ‬²ɐƊǞȁɈȲȌƮɐƪƣȌƊȌƧȌȁƧƵǞɈȌƮƵǘƵɈƵȲȌǐƵȁƵǞƮƊƮƵƵȺɈȲɐɈɐȲƊǶȁȌȺƊȁȌȺ‫מפ‬ƵȁȌȺƊȁȌȺ‫מץ‬ȯƊȲƊƮƵȺƧȲƵɨƵȲ a realidade socioeconômica e política latino-americana, assim como suas contribuições à teoria da dependência e às críticas ao desenvolvimento imperial e colonial são bem conhecidas, e são Catherine Walsh 191 Sobre o gênero e seu modo-muito-outro ȲƵ˜ƵɮȌƮƵɐǿƊɨƵȲɈƵȁɈƵȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƮȌǿƊȲɮǞȺǿȌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ‫ة‬ƊǶǞȁǘƊƮȌƧȌǿȺƵɐƧȌǿȯƊtriota peruano José Carlos Mariátegui. Com a sua introdução do marco conceitual e estrutural ƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲȁȌȺ˛ȁƊǞȺƮȌȺƊȁȌȺƮƵ‫מצקן‬ƵƧȌǿƵƪȌȺƮȌȺƊȁȌȺ‫©ةמק‬ɐǞǯƊȁȌƮƵȺƊ- 192 ˛ȌɐƊǘǞȺɈȍȲǞƧƊǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵٗȲƊƪƊ٘ȁƊȯȌǶǠɈǞƧƊƵȁȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ‫ة‬ƵȌȺȯȲƵceitos teóricos e analíticos de classe vigentes, inclusive no seu próprio trabalho. Sua descrição de como a invenção de “raça” serviu como componente fundamental à dominação colonial e ao capitalismo como um sistema mundial eurocêntrico de poder, estabeleceu um marco conceitual radicalmente diferente para a compreensão dos padrões sociais, culturais, cognitivos, ontológicos, políticos e econômicos atuais do poder. Quando Quijano compreende esses eixos ƧȌǿȌǞȁɈƵȲǶǞǐƊƮȌȺ‫ة‬ƊǞǿȯȌȺǞƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶƮƵɐǿȺǞȺɈƵǿƊǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧȌƮƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶȱɐƵ foi ao mesmo tempo racial (europeu como “branco”, “índio”, e africano como “negro”), e geocultural-geopolítico (“América” como Estados Unidos e Europa) faz com que a ideia de “raça” seja crucial. Para Quijano, “todo o controle sobre sexo, subjetividade, autoridade e trabalho se ƊȲɈǞƧɐǶƊǿƵǿɈȌȲȁȌƮƵȺɈƊ‫ـ‬ƊȲƊƪƊ‫ـ٘ف‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةצןٌץןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬0ȺȺƊƊȁƊǶǠɈǞƧƊ tem uma ampla base de uso hoje, orientando análises, perspectivas e lutas ao redor do mundo. Como analítica, a colonialidade do poder não é um marco fechado que pretende descrever todas as formas modernas/coloniais de poder e dominação existentes. Em contrapartida, ƵǶƊƧȌȁɨǞƮƊƊȺƵȲɐȺƊƮƊ‫خ‬0ȯȲȌɨȌƧƊƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺ‫ة‬ȲƵ˜ƵɮȪƵȺƵƵɮȯƊȁȺȪƵȺƮƵȺƵɐȺƵȺƧȌȯȌȺƵƮƵ sua operatividade. Em parte, esse é o projeto de Lugones. Ela usa, amplia e expande as lentes ƮƵ©ɐǞǯƊȁȌ‫خ‬wƊȺƵǶƊ‫ة‬ƊǶƶǿƮǞȺȺȌ‫ة‬ǿȌȺɈȲƊƧȌǿȌƵȺȺƊȺǶƵȁɈƵȺȲƵ˜ƵɈƵǿƵȲƵǏȲƊɈƊǿɐǿƊȯȲȌȺȯƵƧɈǞɨƊ ǘƵɈƵȲȌȁȌȲǿƊɈǞɨƊƵƊȁƮȲȌƧƺȁɈȲǞƧƊȱɐƵȺǞǿȯǶǞ˛ƧƊ‫ة‬ƦǞȌǶȌǐǞɹƊ‫ة‬ƵƮǞȺǿȌȲ˛ɹƊȌǐƺȁƵȲȌ‫خ‬ O interesse de Lugones é, por um lado, a interseccionalidade de raça e gênero. Para ela, a interseccionalidade ajuda revelar o que não é visto quando raça e gênero são tratados como categorias separadas (e frequentemente homogêneas). Isso faz visível àquelxs que têm sido dominadxs e victimizadxs nos termos das duas categorias e sua fusão, particularmente, às muǶǘƵȲƵȺƮƵƧȌȲ‫„ٗخ‬ƵǞɮȌƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȁƣȌƶȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵȯƊȲƊƧƊȯɈɐȲƊȲɈȌƮȌȺȌȺƊȺȯƵƧɈȌȺƮȌǐƺȁƵȲȌ٘‫ة‬ƮǞɹmɐǐȌȁƵȺ‫ةצממנـ‬ȯ‫ةצןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬XȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ‫ة‬ȁƵȺɈƵȺƵȁɈǞƮȌ‫ة‬ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ outra forma de ler a colonialidade que contribui para uma compreensão analítica mais profunda de sua operação diferencial. “Apesar de que tudo na modernidade capitalista eurocêntrica está racializado e atribuído a um gênero, não todos estão dominados e vitimizados por esse ȯȲȌƧƵȺȺȌ٘‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةמנخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫§خف‬ȌȲɈƊȁɈȌ‫ة‬ɐǿƊȲƵƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶǞɹƊƪƣȌƮƊǶȍǐǞca da interseção é um passo necessário em favor de expandir e tornar mais complexo tanto a matriz do poder colonial como sua análise. Colocar em diálogo esses dois marcos conceituais - e seus “pensadorxs” (por exemplo, mulheres feministas de cor, teóricos críticos da raça e intelectuais do projeto de modernidade/(de)colonialidade), e avançar na articulação desses, são aspectos da contribuição de Lugones, não só à análise teórica, mas também às lutas libertadoras e decoloniais. O interesse e a contribuição de Lugones com relação à colonialidade não acaba aqui. Neste trabalho ela também abre o debate sobre a própria ideia de “gênero”, e sobre a existência e o funcionamento do que ela denomina o “sistema de gênero colonial/moderno”, um ȺǞȺɈƵǿƊ ƧȌȁȺǞȺɈƵȁɈƵǿƵȁɈƵ ǏȌȲǿƊƮȌ ƊɈȲƊɨƶȺ ƮƊ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ ƮȌ ȯȌƮƵȲ٘ ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ ةצממנ ة‬ȯ‫خ‬ ‫ ةקן‬ɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ‫ خف‬0ǿƦȌȲƊ Ƶɐ ǶƵɨƵ Ƶǿ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪƣȌ ƵȺȺƊ ǞƮƵǞƊ Ƶ ƵȺȺƵ ȺǞȺɈƵǿƊ ǿƊǞȺ ƊƮǞƊȁte, o meu interesse aqui é realçar, mais uma vez, o pensamento de Lugones com relação à colonialidade tal como foi levantado por Quijano. Apesar das limitações que ela vê no modelo de Quijano, Lugones não o rejeita, mas o complementa e constrói sobre ele. “Tento começar um diálogo e um projeto de pesquisa e educação que seja colaborativo e participativo”, diz, “para começar a ver detalhadamente o sentido profundo dos processos do sistema de colonialidade/ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021 Artigos gênero, intrincados na colonialidade do poder no presente, para revelar sua colaboração e para ƧȌȁɨǞƮƊȲƊȲƵǯƵǞɈƋٌǶƊƵǿȺɐƊȺɨƊȲǞƊƮƊȺƊȯȲƵȺƵȁɈƊƪȪƵȺ٘‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةץןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ 0ȺɈƊ Ɗ˛ȲǿƊƪƣȌ ƶ ȲƵ˜ƵɮȌ ƮƊ ȁƊɈɐȲƵɹƊ ƊƦƵȲɈƊ‫ ة‬ƧȌǶƊƦȌȲƊɈǞɨƊ Ƶ ȯƵƮƊǐȍǐǞƧƊ ƮƊ ȯȲȌȯȌȺɈƊ‫ ة‬ƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌƵȯȲȌǯƵɈȌƮƵmɐǐȌȁƵȺ‫خ‬ªƵ˜ƵɈƵɈƊǿƦƶǿȺɐƊȯȌȺǞƪƣȌƧȌǿȌƵƮɐƧƊƮȌȲƊȯȌȯɐǶƊȲƵƊɈǞɨǞȺɈƊ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ‫س‬ɐǿƊȯȌȺǞƪƣȌȱɐƵɈȲƊƦƊǶǘƊȯƊȲƊƮƵȺǶȌƧƊȲƊɨȌɹƊɐɈȌȲǞɹƊƮƊǿƊȺƧɐǶǞȁƊ‫ة‬ɈƣȌƧƵȁɈȲƊǶȁƊ ȲƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ„ƧǞƮƵȁɈƊǶƵȯƊȲƊƮƵȺƊ˛ƊȲƊȺȯȌȺǞƪȪƵȺȱɐƵٗȯƊȲƊƮǞǐǿƊɈǞɹƊǿ٘Ƶٗ˛ɮƊǿ٘ȌǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ a sexualidade, a raça e a colonialidade, encobrindo a continuidade dos processos e práticas de dominação, sujeição, violência e vitimização. Busca encorajar outrxs para se juntar a seu mapeamento, revelação, e análise, do sistema moderno colonial de gênero. Neste sentido, Lugones não pretende saber a complexidade e mecanismos desse sistema em sua totalidade. Em vez disso, com esse texto, a autora começa sua exploração e escavação, enfatizando a co-construƪƣȌƮƵȺȺƵȺǞȺɈƵǿƊƵƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲ‫ة‬ƵƮƵǶǞȁƵǞƊȌɈȲƊƦƊǶǘȌȱɐƵ˛ƧƊƊƮǞƊȁɈƵ‫خ‬²ƵɐȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺȺɐƦȺƵȱɐƵȁɈƵȺǶƵɨƊǿƵȺȺƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺƵƮƵƦƊɈƵȺƊǶǐɐȁȺȯƊȺȺȌȺƊǶƶǿ‫خ‬ Lugones, é claro, não é a única a trazer à tona considerações críticas de gênero, em questionar esta ideia e em revelar aspectos desse sistema, mas se mantém como um interlocutor essencial nesses debates. A seguir, destaco a adiantada compreensão de Lugones sobre “gênero” e coloco-o em diálogo e debate com outras feministas de Abya Yala‫׌‬. XX‫ـخ‬0ȁ‫ف‬ǐƵȁƵȲǞɹƊǿƵȁɈȌȺ Para muitas feministas, inclusive Lugones, a categoria de gênero é importante para distinǐɐǞȲƊȌȯȲƵȺȺƣȌȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ‫خ‬mɐǐȌȁƵȺȁƣȌȲƵƧɐȺƊƵȺȺƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊ‫س‬ƊɈȌȲȁƊǿƊǞȺƧȌǿȯǶƵɮƊ‫خ‬ A luta das feministas brancas e da “segunda liberação da mulher” dos anos ‫מץ‬ƵǿƮǞƊȁɈƵȯƊȺȺȌɐƊȺƵȲɐǿƊǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊȯȌȺǞƪȪƵȺ‫ة‬ȯƊȯƶǞȺ‫ة‬ƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺ‫ة‬ƧƊracterísticas e desejos impostos com a subordinação das mulheres burguesas brancas. Elas não cuidaram da opressão de gênero de ninguém mais. Elas conceberam a mulher como um ser corpóreo e evidentemente branco, mas sem ƧȌȁȺƧǞƺȁƧǞƊ ƵɮȯǶǠƧǞɈƊ ƮƊ ǿȌƮǞ˛ƧƊƪƣȌ ȲƊƧǞƊǶ‫© خ‬ɐƵȲ ƮǞɹƵȲ‫ ة‬ƵǶƊȺ ȁƣȌ ȺƵ ƵȁɈƵȁƮƵram em termos interseccionais, na intersecção raça, gênero, e outras potentes marcas de sujeição e dominação. Como elas não perceberam essas profundas diferenças, não encontraram nenhuma necessidade de criar alianças. Elas assumiram que havia uma irmandade, uma sororidade, um vínculo que já existia ƮƵɨǞƮȌƜȺɐǯƵǞƪƣȌƮƵǐƺȁƵȲȌ‫ـخ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةץעٌפעخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫ف‬ O sistema de gênero que Lugones mapeia tem trabalhado para encobrir as intersecções de gênero, raça, classe e sexualidade. Ela revela seu lado “claro” e seu lado “escuro”. O dimor˛ȺǿȌ ƦǞȌǶȍǐǞƧȌ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶ ȺƣȌ ƧƊȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧȌȺ ƮȌ ǶƊƮȌ ٗƧǶƊȲȌ٘‫ٗ خ‬RƵǐƵǿȌȁǞƧƊǿƵȁɈƵ‫ ة‬ƵȺɈƣȌ ƵȺƧȲǞɈȌȺ Ƶǿ ǶƵɈȲƊȺ ǐȲƊȁƮƵȺ ȺȌƦȲƵ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ٘ ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנ ة‬ ȯ‫ةעןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫„خف‬ǶƊƮȌƧǶƊȲȌٗƧȌȁȺɈȲȍǞȌǐƺȁƵȲȌƵƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌ ƵǿƊǶǞƊȁƪƊ٘‫ة‬ȌȲƮƵȁƊȁƮȌƊȺɨǞƮƊȺƮȌȺǘȌǿƵȁȺƵǿɐǶǘƵȲƵȺƦɐȲǐɐƵȺƵȺ‫ة‬ƵƧȌȁȺɈǞɈɐǞȁƮȌȌȺǞǐȁǞ˛cado moderno/colonial de “homem” e “mulher” em termos heterossexualistas brancos. O lado “escuro” por sua vez, está marcado pela violência da colonialidade que procurou converter os povos indígenas e lxs africanxs escravizadxs – percebidxs como “sem gênero” – de selvagens animalescos a masculinos e femininos. “Os masculinos se converteram em não-humanos-por-não-homens, a qualidade humana, e as mulheres colonizadas se converteram em não-muǶǘƵȲƵȺٌȯȌȲٌȁƣȌٌǘɐǿƊȁƊȺ٘ ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ ةנןמנ ة‬ȯ‫ ةסץ خ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ‫ خف‬Ⱥ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ȲƊƧǞƊǶǞɹƊƮƊȺ ׂ ٗƦɯƊæƊǶƊ٘ȱɐƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊٗɈƵȲȲƊƵǿȯǶƵȁƊǿƊɈɐȲǞƮƊƮƵ٘ȁȌǞƮǞȌǿƊƮȌȺȯȌɨȌȺkuna, é uma forma cada vez mais difundida de chamar ao continente batizado pelos poderes coloniais como “América Latina”. Catherine Walsh 193 Sobre o gênero e seu modo-muito-outro ƧȌǿȌǞȁǏƵȲǞȌȲƵȺٗǏȌȲƊǿƧȌȁɨƵȲɈǞƮƊȺƵǿɨƋȲǞƊȺɨƵȲȺȪƵȺƮƵٙǿɐǶǘƵȲƵȺٚƜǿƵƮǞƮƊƮȌƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ eurocêntrico” e suas disposições heterossexuais e patriarcais de dominação e poder (LUGONES, ‫ةצממנ‬ȯ‫ةןנخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ 194 §ƊȲƊmɐǐȌȁƵȺ‫ة‬ȌǐƺȁƵȲȌƶɐǿƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶ‫„خ‬ȺƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊǞȺƮƵǐƺȁƵȲȌȱɐƵƮƵ˛nem as mulheres em relação aos homens dentro de um marco de oposições binárias, dicotômicas, antagônicas e hierárquicas são as partes componentes do sistema colonial/moderno que ela descreve‫׍‬. Provavelmente ninguém negaria que a invasão colonial lançou um regime de poder no qual a ideia de “gênero” e patriarcado foram chave. No entanto, hoje existem disputas entre as feministas em Abya Yala sobre as origens do gênero, do patriarcado e da sua contribuição, ou não, ao pensamento feminista. A noção de “gênero”, como argumenta a feminista afro-colombiana Betty Ruth Lozano, foi reconhecida como uma categoria com o seu próprio status epistemológico, explicativo das relações sociais entre homens e mulheres, e entendido como a representação cultural do sexo ‫ـ‬m„ðy„‫خفמןמנة‬ȱɐǞƊƦƊȺƵȌȁɈȌǶȍǐǞƧƊƮƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺƵɮɐƊǶƶƮƵǞɮƊƮƊ‫ة‬ȁƊǿƊǞȌȲǞƊƮƊȺȌƧƊȺǞȪƵȺ‫ة‬ ȺƵǿȱɐƵȺɈǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺ‫ـ‬²Çª0ð‫ٗخفצממנة‬JƺȁƵȲȌ٘‫ة‬ȁƵȺɈƵȺƵȁɈǞƮȌ‫ة‬ƶɐǿƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊƵɈȁȌƧƺȁɈȲǞƧƊ na maioria dos casos. Dá credibilidade às relações entre homens e mulheres na cultura ocidental. E nega a diversidade nas concepções, nas formas e nas práticas de ser mulher, encobrindo as diversas formas que os povos e as culturas – não brancas ou não ocidentais – pensam sobre ȺƵɐȺƧȌȲȯȌȺƵƮƵȺƊ˛ƊǿȁƊȺȺɐƊȺƧȌȺǿȌǐȌȁǞƊȺȌɐƵǿȺɐƊȯȲƋɈǞƧƊɨǞɨƊ‫ة‬ȌȺƮɐƊǶǞȺǿȌȺƵȯȌǶƊȲǞƮƊƮƵȺƮȌǿƊȺƧɐǶǞȁȌ‫ش‬ǏƵǿǞȁǞȁȌƵǘȌǿƵǿ‫ش‬ǿɐǶǘƵȲ‫ـ‬ɨƵȲȯƊȲɈƵ‫ס‬ƮƵȺȺƵƵȁȺƊǞȌ‫خف‬ȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƪƣȌƮƊ ideia e da categoria tanto de gênero como de patriarcado dentro do próprio feminismo são parte integral do que Lozano chama de “o habitus colonial moderno”. O pensamento feminista, em seus termos mais generalizados, tem sido confrontado pelo feminismo negro, indígena e popular. A elaboração geral do patriarcado tem sido quase sempre a do primeiro mundo, convertendo-a numa concepção etnocêntrica que pretende medir as relações de gênero em todas as culturas. Sem eliminar o etnocentrismo, gênero e patriarcado se convertem em formas de subsumir e subordinar as cosmogonias dos outros mundos (inƮǠǐƵȁƊ‫ة‬ȁƵǐȲȌƵɈƧ‫فخ‬ƊȌɐȁǞɨƵȲȺȌ‫ـ‬ȌƧǞƮƵȁɈƊǶ‫ف‬ƧȌȁǘƵƧǞƮȌ‫ـخ‬m„ðy„‫ةמןמנة‬ȯ‫ةסןخ‬ tradução nossa) Neste sentido, Lozano se pergunta se as categorias de gênero e patriarcado não são parte do arsenal do senhor – ferramentas da razão imperial –, com as quais é impossível destruir a sua ƧƊȺƊٌǐȲƊȁƮƵ‫ـ‬m„ðy„‫ةמןמנة‬ȯ‫خفצخ‬ÀƊǶȱɐƵȺɈǞȌȁƊǿƵȁɈȌƊȯȌȁɈƊƊȌȺȯȲȌƦǶƵǿƊȺƵƜȺɈƵȁƮƺȁƧǞƊȺ hegemônicas dentro do próprio feminismo, incluindo a persistência dos marcos conceituais euro e norte-americanos centrados e a continuada invisibilização da experiência diferenciada das mulheres negras e pardas, afrodescendentes, mestiças e indígenas, de corpos não só generizados pela cultura patriarcal, mas também sujeitos da política de racialização, empobreciǿƵȁɈȌƵȯƊɐȯƵȲǞɹƊƪƣȌ‫ـ‬0²§Xy„²‫سקממנة‬JªJmm„‫سסןמנة‬m„ðy„‫خفמןמנة‬ȱɐǞƊƧȲǠɈǞƧƊƮƊ feminista dominicana Yuderkys Espinosa é relevante: Nos momentos que se abriu um espaço dentro dos movimentos sociais, em particular dentro do feminismo, para a visibilidade e recuperação de posições de sujeito não reconhecidas anteriormente, que corpos se tornaram objeto da representação desse esquecimento e quais foram mais uma vez apagados e ȯȌȲȱɐƺ‫ـد‬0²§Xy„²‫ةקממנ‬ȯ‫ةמעخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫ف‬ 3 Como Quijano nos lembra, a dicotomia é, de fato, a pedra fundamental da racionalidade ocidental, naturalizada ƵƊƧƵǞɈƊȺƵǿȱɐƵȺɈǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺ‫ـ‬ßƵȲȁǠƦƊǶ©ɐǞǯƊȁȌٗ!ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶ٘‫ة‬hȌɐȲȁƊǶȌǏàȌȲǶd-Systems Research. VI, 2, 2000, p. 342-386). Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021 Artigos De maneira semelhante a Lozano, Espinosa destaca a vigência de uma luta transnacional de epistemologias e práticas baseadas em ideologias etnocêntricas de classe, raça e normatividade heterossexual, e a colaboração entre feminismos tanto do Norte como do Sul na manutenção de privilégios de classe, raça e etnia. Ela se posiciona em prol de um feminismo decolonial que deve, necessariamente, assumir uma postura explicitamente antirracista. As feministas indígenas comunitárias de Abya Yala fazem questionamentos, similarmente, ao etnocentrismo e à homogeneidade das categorias de gênero e patriarcado. Questionam também a ideia de que o patriarcado começou com a invasão colonial. Essas feministas falam ƮƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƧȲǞƊƮƊȺȯȌȲȯƊɈȲǞƊȲƧƊȺ‫ة‬ƵǿȯǶɐȲƊǶ‫س‬ǞȺɈȌƶ‫ة‬ɐǿٗƵȁɈȲȌȁȱɐƵ” – um vínculo, uma relação, uma justaposição de patriarcados de origem ancestral e do ocidental. Como destaca a feminista aymara boliviana Julieta Paredes: “A opressão de gênero não começou unicamente com os colonizadores espanhóis... também tinha sua versão nas sociedades e culturas pré-coloniais. Quando os espanhóis chegaram ambas as visões se encontraram, para a desgraça das mulheres que vivem na Bolívia, esse é o entronque ou a justaposição patriarcal” ‫§ـ‬ª0(0²‫ةמןמנة‬ȯ‫ةפפخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫ف‬ Lorena Cabnal, feminista comunitária maia-xinka da Guatemala, descreve a construção ƮƵ ɐǿƊ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞƊ Ƶǿ ƦɯƊ æƊǶƊ ȱɐƵ Ɗ˛ȲǿƊ Ɗ ƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊ ƮƵ ɐǿ patriarcado originário ancestral. “Isto é, um sistema estrutural milenário de opressão contra as mulheres nativas ou indígenas. Esse sistema, argumenta Cabnal, “estabelece sua base de ȌȯȲƵȺȺƣȌƊȯƊȲɈǞȲƮƊȺɐƊ˛ǶȌȺȌ˛ƊȱɐƵȁȌȲǿƊɈǞɨǞɹƊɐǿƊǘƵɈƵȲȌٌȲƵƊǶǞƮƊƮƵ‫ ׎‬cosmogônica como mandato, tanto para a vida das mulheres como para a dos homens e a de ambos em relação ƧȌǿȌ!ȌȺǿȌȺ‫ !ـ٘خ‬ym‫ةמןמנة‬ȯ‫ةעןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫!ف‬ȌǿƊȯƵȁƵɈȲƊƪƣȌƮȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ„ƧǞdental, diz Cabnal, o patriarcado ancestral originário foi refuncionalizado. yƵȺɈƊƧȌȁǯɐȁɈɐȲƊǘǞȺɈȍȲǞƧƊ‫ة‬ǘƋɐǿƊƧȌȁɈƵɮɈɐƊǶǞɹƊƪƣȌƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪƣȌƮƵȁȌȺȺƊȺ próprias manifestações e expressões que são o núcleo para o nascimento do mal do racismo, mais tarde do capitalismo, do neoliberalismo, da globalização ƵȌȲƵȺɈȌ‫!خ‬ȌǿǞȺɈȌƵɐȱɐƵȲȌƊ˛ȲǿƊȲƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊƮƵƧȌȁƮǞƪȪƵȺȯȲƶɨǞƊȺȁƊȺȁȌȺsas culturas nativas que permitiram ao patriarcado ocidental se fortalecer e ƊɈƊƧƊȲ‫ !ـ‬ym‫ةמןמנة‬ȯ‫ةףןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ Para Cabnal, Paredes e outras feministas comunitárias indígenas, o problema do patriarcado e a opressão de gênero não pode estar limitado à colonialidade e à invasão colonial, e tampouco suas manifestações e expressões podem ser entendidas unicamente como vindas do marco moderno/colonial. Essas perspectivas, parte do que Cabnal nomeia a recuperação da ٗǏƵǿǞȌǶȌǐǞƊƮƵȁȌȺȺƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺǿɐǶǘƵȲƵȺ٘‫ةמןמנـ‬ȯ‫ةענخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫ةف‬ƮƵȺƊ˛ƊƊƊɈɐƊǶȺǞǿȯǶǞ˛ƧƊƪƣȌƵȲƵƧɐȯƵȲƊƪƣȌƮƊȺƧȌȺǿȌǶȌǐǞƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺƵȺƵɐɐȺȌȯƵǶȌȺǘȌǿƵȁȺƧȌǿȌǿƊȁƮƊɈȌȺ ȯƊȲƊ ƧȌȁɈȲȌǶƊȲ‫ ة‬ȌȲƮƵȁƊȲ‫ ة‬ƮƵ˛ȁǞȲ Ƶ ȺɐƦȌȲƮǞȁƊȲ ƜȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ خ‬ÀƊǿƦƶǿ ƮƵȺƊ˛Ɗǿ ƊȺ ȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊȺ feministas que idealizam a dualidade de gênero, a paridade e a complementaridade caracterís- 4 Para Cabnal, a “hetero-realidade” é uma norma étnico-essencialista que estabelece que todas as relações da humanidade entre si, e com o cosmos, estejam baseadas em princípios e valores de complementariedade heteȲȌȺȺƵɮɐƊǶƵɐǿƊƮɐƊǶǞƮƊƮƵȱɐƵǘƊȲǿȌȁǞɹƊƵƮƋƵȱɐǞǶǠƦȲǞȌƜɨǞƮƊ‫ٗخ‬ƦƊȺƵ˛ǶȌȺȍ˛ƧƊƮƊȺƧȌȺǿȌɨǞȺȪƵȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺ‫ى‬Ƶ a denominação dos elementos cósmicos como femininos e masculinos, onde um depende, se relaciona com, e é complementário do outro – tem sido fortalecida com essas práticas hegemônicas de espiritualidade com as quais a opressão das mulheres é perpetuada em uma relação heterossexual com a natureza” (CABNAL, 2010, p. 16, tradução nossa). Catherine Walsh 195 Sobre o gênero e seu modo-muito-outro tica das culturas andinas e mesoamericanas‫׏‬. Lourdes Huanca, da organização FEMUCARINAP de Peru, deixa claro os perigos vividos: hoje as ideias andinas da dualidade e paridade muito frequentemente recaem na ideia de superioridade do homem – do poder dos testículos –, jus- 196 ɈǞ˛ƧƊȁƮȌȌƵȺɈɐȯȲȌƮƵǿƵȁǞȁƊȺǯȌɨƵȁȺƧȌǿȌٗȁƊɈɐȲƊǶ٘‫س‬ȌȺǘȌǿƵȁȺƵɮƵȲƧǞɈƊȁƮȌȺɐƊǏȌȲƪƊȺȌƦȲƵ os corpos femininos como natureza‫א‬. A feminista decolonial argentino-brasileira Rita Segato, partindo do seu trabalho com mulheres indígenas de Abya Yala, argumenta também que existem dois momentos do patriarcado: “um patriarcado de baixa intensidade próprio do mundo da comunidade ou da aldeia” e “o perverso patriarcado da colonialidade/modernidade” com sua imposição da lógica e da ordem ocidentais, inclusive em relação à sexualidade, ao corpo, às relações de gênero, e à violência generizada. !ȌȁɈȲƋȲǞȌ ƊȌ ȱɐƵ ȌɐɈȲȌȺ ƊɐɈȌȲƵȺ ƧȲǠɈǞƧȌȺ ƮƊ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ ɈƵǿ Ɗ˛ȲǿƊƮȌ (Lugones e Oyewùmí, entre outros), eu acho que o gênero existia nas sociedades pré-coloniais, mas de um jeito diferente daquela da modernidade. (...) Quando essa modernidade colonial começa a aproximar-se do gênero da comunidade, muda-o perigosamente, intervindo nas estruturas das relações, capturando e reorganizando essas relações dentro de si, ao tempo que se mantém uma aparência de continuidade, mas transformando o sentido Ƶ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ ƮƊȺ ȲƵǶƊƪȪƵȺ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ‫ـ خ‬²0JÀ„‫ ةעןמנ ة‬ȯ‫ةסןפ خ‬ tradução nossa). Para Segato, a ideia de gênero está ligada, em parte, às dimensões que tem construído a masculinidade desde o princípio da humanidade, o que ela chama uma “pré-história patriarcal da humanidade” caracterizada por uma lenta temporalidade. Esta masculinidade constrói um sujeito obrigado a se comportar de uma determinada maneira. Para provar a si mesmo, aos outros e a seus pares suas habilidades de resistência, agressividade e domínio, e para mostrar um conjunto de potências – guerreira, política, sexual, intelectual e moral – que lhe permita ser reconhecido e ƧǘƊǿƊƮȌɐǿȺɐǯƵǞɈȌǿƊȺƧɐǶǞȁȌƧȌǿƧƵȲɈƊǘǞƵȲƊȲȱɐǞƊȺȌƦȲƵȌǏƵǿǞȁǞȁȌ‫ـ‬²0JÀ„‫خفנןמנة‬ Na ordem mundial existente (...) uma linguagem que era hierárquica... é transǏȌȲǿƊƮƊ Ƶǿ ɐǿƊ ȌȲƮƵǿ ȺɐȯƵȲٌǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊ‫ ب‬Ɗ ǘǞȯƵȲǞȁ˜ƊƪƣȌ ƮȌȺ ǘȌǿƵȁȺ ȁȌ ambiente comunitário, no seu papel de intermediários com o mundo exterior, ȌɐȺƵǯƊ‫ة‬ƧȌǿƊƊƮǿǞȁǞȺɈȲƊƪƣȌƮȌƦȲƊȁƧȌ‫س‬ƊƧƊȺɈȲƊƪƣȌƮƵȺȺƵȺǘȌǿƵȁȺȁȌƊǿƦǞƵȁɈƵƵɮɈȲƊƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌ‫ة‬ǏȲƵȁɈƵƊȌȯȌƮƵȲƮȌȺƊƮǿǞȁǞȺɈȲƊƮȌȲƵȺƦȲƊȁƧȌȺ‫س‬ƊǘǞȯƵȲǞȁ˜ƊƪƣȌƵɐȁǞɨƵȲȺƊǶǞɹƊƪƣȌƮƊƵȺǏƵȲƊȯɑƦǶǞƧƊ‫ة‬ȱɐƵƵȲƊǘƊƦǞɈƊƮƊƊȁƧƵȺɈȲƊǶǿƵȁɈƵ ȯƵǶȌȺǘȌǿƵȁȺ‫ة‬ƵȌƧȌȁȺƵȱɐƵȁɈƵƧȌǶƊȯȺȌƵƊȯȲǞɨƊɈǞɹƊƪƣȌƮƊƵȺǏƵȲƊƮȌǿƶȺɈǞƧƊ‫س‬ e a binarização da outrora dualidade de espaços, resultante da universalização de um dos seus dois termos quando constituído agora como esfera pública, ȯȌȲȌȯȌȺǞƪƣȌƊȌȌɐɈȲȌ‫ة‬ƧȌȁȺɈǞɈɐǠƮȌƧȌǿȌƵȺȯƊƪȌȯȲǞɨƊƮȌ‫ـخ‬²0JÀ„‫ةנןמנة‬ȯ‫ةףןخ‬ tradução nossa). ‫ ׅ‬Se a complementaridade de gênero foi a base fundamental para a interação humana, a reprodução cultural e a ordem da natureza em um setor importante do Abya Yala – como muitos argumentam –, não é nenhuma surpresa que também se tenha convertido na ferramenta essencial de dominação. Isso, certamente, não foi só para os espanhóis, mas também para os incas por exemplo, que usavam o esquema daquela ideia andina de gênero como uma estratégia central da conquista imperial, como uma base para desenhar e forjar vínculos que sujeitassem aos conquistados, vínculos que, com o tempo, também começariam a marcar assimetrias de classe e gênero (SILVERBLATT, 1990 e Walsh, 2015). ‫ ׆‬Apresentação de Lourdes Huanca na “Rede de mulheres defensoras de direitos sociais e ambientais”, Quito, Equador, outubro de 2013, citado em Walsh (2015). Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021 Artigos Deste modo, a ordem colonial/moderna existente gera e generiza, uma matriz de poder muito mais complexa que não só imbrica ao gênero como a limitada e particularizada esfera da mulher e do homem, mas também ao gênero como o campo relacional que atravessa a totalidade da estrutura social e todos os aspectos da vida social e da vida mesma‫ב‬. Neste sentido, a leitura de Segato da interação entre o mundo da pré-intrusão e o mundo da modernidade colonial baseado nas transformações do sistema de gênero, amplia os argumentos de Lugones: Não é meramente para introduzir o gênero como um dos temas da crítica decolonial ou como um dos aspectos de dominação no modelo da colonialidade, mas também para dar-lhe um estado teorético e epistêmico real, como uma categoria central capaz de iluminar todos os aspectos da transformação imposta sobre as vidas das comunidades capturadas pela nova orƮƵǿƧȌǶȌȁǞƊǶǿȌƮƵȲȁƊ‫ـ‬²0JÀ„‫ةןנמנة‬ȯ‫ةנןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ No entanto, ao expandir os argumentos de Lugones, Segato põe em questão não só a suposição central de Lugones de que o gênero e o patriarcado são construções coloniais do Ocidente, mas também uma das fontes primárias para esse argumento: Oyèronké Oyewùmí. Lugones baseia sua suposição principalmente no texto de Oyewùmí: A invenção da Mulher ‫ فץקקןـ‬Ƶ ȁƊ ȯȌȺǞƪƣȌ ƮƵȺȺƊ ƊɐɈȌȲƊ ƮƵ ȱɐƵ Ȍ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ ȁƣȌ ƵɮǞȺɈǞƊǿ ȁƊ ƧɐǶɈɐȲƊ Yorubá africana, mas sim que foram introduzidos pelo Ocidente como uma ferramenta de dominação. Segato, trabalhando principalmente a partir da expansão da religião yorubá no Brasil, sustenta que “o sistema de gênero é um fator crucial e estruturante na continuidade da tradiƪƣȌ‫ؾ‬ɯȌȲɐƦƋ‫ةؿ‬ƶȌȁɑƧǶƵȌǿƵȺǿȌƮƵȺɈƊ٘‫ـ‬²0JÀ„‫ةצממנة‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ Eu me encontro frente ao que poderia se chamar – não sem uma margem de erro semântico – suas características homossexuais e andróginas, indicadas tantas vezes como elementos recorrentes na sociabilidade e na sexualidade dos cultos, não como um elemento separado, mas como uma consequência de uma construção do sistema de gênero particular que não é meramente um atributo associado ao culto entre muitos outros, mas sim que constitui uma estrutura central e fundamental para a compreensão do universo do CandomƦǶƶ‫ـخ‬²0JÀ„‫ةצממנة‬ȯ‫ةממףخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ !ȌǿȌƧȌȁɈǞȁɐƊƮǞɹƵȁƮȌ²ƵǐƊɈȌ‫„ٗب‬ɐȺȌƮƵɈƵȲǿȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌƵƮƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪȪƵȺǏƊǿǞǶǞƊȲƵȺ‫ى‬ɈƊȁɈȌȁȌȯƊȁɈƵƣȌƧȌǿȌȁƊٙǏƊǿǠǶǞƊƮȌȺƊȁɈȌٚ‫ى‬ƧȌȁȺɈǞɈɐǞɐǿȲƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƵɐǿƊƊƧƵǞtação formal da perspectiva patriarcal hegemônica alinhados com o resto da sociedade, mas ɈȲƊȁȺǐȲƵƮǞƮȌƵƮƵƦǞǶǞɈƊƮȌȯƵǶȌɐȺȌ٘‫ـ‬²0JÀ„‫ةצממנة‬ȯ‫ةעמףخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ O ponto aqui não é quem tem a razão, ou que interpretação religiosa (a africana de Yoruba ou a brasileira-sincrética do Candomblé) é a correta. O ponto é mais precisamente como pensar não só contra o gênero mas, talvez mais importante, para além da sua matriz ideológica heterosȺƵɮɐƊǶƵǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊ‫ة‬ƵƧȌǿȯȲƋɈǞƧƊȺȱɐƵƊƮƵȺƵȺɈƊƦǞǶǞɹƵǿ‫ة‬ǿǞȁƵǿ‫ة‬ɈȲƊȁȺǐȲǞƮƊǿƵƊǞȁɈƵȲȲȌǿȯƊǿ‫س‬ com práticas que criem, construam e permitam a interação, mobilidade e trânsito, e que causem as energias espirituais e criativas do andrógino como um modo-muito-outro do gênero. ‫ ׇ‬Ver o livro compreensivo de Yuderkys Espinosa Miñoso, Diana Gómez Correal e Karina Ochoa Muñoz (Eds), TeƧƵȁƮȌƮƵ‫ٲ‬ȌɐɈȲȌǿȌƮȌ‫كٳ‬IƵǿǞȁǞȺǿȌȺ‫ل‬ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊƵƊȯȌȺɈƊȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺƵǿƦɯƊæƊǶƊ, Popayán: Universidade de Cauca, 2014. Esse livro foi publicado depois da preparação do presente texto, por isso não está incluído na análise e discussão aqui. Catherine Walsh 197 Sobre o gênero e seu modo-muito-outro XXX‫خ‬wȌƦǞǶǞƮƊƮƵ‫˜ة‬ɐɮȌȺƵȌǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌƊȁƮȲȍǐǞȁƊ Lugones deixa claros os limites das aproximações ao gênero, incluindo a de Quijano, que 198 ƵȺɈƣȌƵɮƧƵȺȺǞɨƊǿƵȁɈƵƦǞȌǶȌǐǞɹƊƮƊȺ‫ة‬ȯȲƵȺȺɐȯȌȁƮȌٗƮǞǿȌȲ˛ȺǿȌȺƵɮɐƊǶ‫ة‬ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ‫ة‬ƮǞȺɈȲǞƦɐǞƪƣȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊǶƮȌȯȌƮƵȲƵȌɐɈȲȌȺٚٚ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةצןخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫„خف‬ƮǞǿȌȲ˛ȺǿȌ sexual é, para Lugones, uma característica importante do “lado claro” do sistema de gênero colonial/moderno (ex. uma característica dos homens e mulheres burgueses) já que aqueles ȁȌٗǶƊƮȌƵȺƧɐȲȌ٘ȁƣȌȁƵƧƵȺȺƊȲǞƊǿƵȁɈƵƵȁɈƵȁƮǞƮȌȺƮƵɐǿǯƵǞɈȌƮǞǿȍȲ˛ƧȌȁȌƦǞȁƊȲǞȺǿȌȺƵɮɐƊǶ‫خ‬ (ƵȺƊ˛ƊȲ ɈƊǞȺ ٗƊȺȺɐȁƪȪƵȺ ƧƊȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺ٘ ƶ ɐǿ ƮȌȺ ȌƦǯƵɈǞɨȌȺ ƮƵ mɐǐȌȁƵȺ‫ س‬ƵȺȺƵ ƮƵȺƊ˛Ȍ ǶƵɨƊ Ɯ ȱɐƵȺɈƣȌƮƵٗƧȌǿȌȌƮǞǿȌȲ˛ȺǿȌȺƵɮɐƊǶȺƵȲɨǞɐƵȺƵȲɨƵƜƵɮȯǶȌȲƊƪƣȌ‫ش‬ƮȌǿǞȁƊƪƣȌƮȌƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ ǐǶȌƦƊǶƵɐȲȌƧƺȁɈȲǞƧȌ٘‫ةצממנـ‬ȯ‫ةןנخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬0ƊƦȲƵƊȲƵ˜ƵɮƣȌȁƣȌȺȍȺȌƦȲƵȌƦǞȁƊȲǞȺǿȌ sexual em si mesmo, mas também, e talvez mais importante, sobre outros imaginários que perturbam a polaridade, sua dicotomia antagonista, e sua racionalidade totalizante construída em e através do gênero. !ȌǿȌ ɨƵȁǘȌ ƊȲǐɐǿƵȁɈƊȁƮȌ ȁȌɐɈȲȌ ǿȌǿƵȁɈȌ ‫ـ‬àm²R‫ ةفףןמנ ة‬ƊȁɈƵȺ ƮƊ ǞȁɨƊȺƣȌ ƵɐȲȌpeia as construções de gênero nos Andes e Mesoamérica eram entendidas como dinâmicas, ˜ɐǞƮƊȺ‫ة‬ƊƦƵȲɈƊȺƵȁƣȌǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊȺ‫خ‬yƣȌƵȺɈƊɨƊǿƦƊȺƵƊƮƊȺƵǿƮǞȺɈǞȁƪȪƵȺƊȁƊɈȏǿǞƧƊȺ‫ة‬ǿƊȺȺǞǿ associadas com o desempenho, com o que as pessoas fazem e com a suas formas de ser no ǿɐȁƮȌ‫ة‬ǏȌȲǿƊȺȱɐƵȁƣȌƵȺɈƊɨƊǿ˛ɮƊȺƵȺǞǿƵǿƧȌȁȺɈƊȁɈƵǿȌɨǞǿƵȁɈȌ‫ة‬ǿɐƮƊȁƪƊ‫ة‬ǿȌƮǞ˛ƧƊƪƣȌ Ƶ˜ɐǞƮȌƵȱɐǞǶǠƦȲǞȌ‫ـ‬wª!„²‫سפממנة‬²Xmß0ª mÀÀ‫خفמקקןة‬ƮɐƊǶǞƮƊƮƵƮȌǐƺȁƵȲȌǞǿȯǶǞƧƊɨƊƵǿ uma interpenetração do masculino e do feminino, a existência de entidades (reais e sobrenaturais) que incorporavam características femininas e masculinas, matizes de combinações e um continuumȱɐƵǏƊƧǞǶǿƵȁɈƵȺƵǿȌɨǞƊƵȁɈȲƵȯȌǶȌȺ‫ـ‬m §0ðDzÀXyƊȯɐƮwª!„²‫„خفפממנة‬ masculino-feminino nessas culturas ancestrais, e em muitas cosmologias e tradições ancestrais ƊǏȲǞƧƊȁƊȺɈƊǿƦƶǿ‫ة‬ƶɐǿȺǞǐȁǞ˛ƧƊȁɈƵƮƵȺƊƦƵƮȌȲǞƊƵȯȌƮƵȲƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶ‫ة‬ɐǿƧȌǿȯȌȁƵȁɈƵǏɐȁƮƊmental, e uma metáfora de pensamento, do cosmos e do universo, e do corpo individual. No seu estudo das complexidades da cultura andina do gênero, Michael Horswell detalha o papel simbólico e performativo do feminino e do andrógino, e do “posicionamento-intermédio”, o que ele denomina como ritualistas do terceiro gênero e sujeitos que “cumpriam o propósito de criar harmonia e complementaridade entre os sexos e invocam o poder e o privilégio ƮƊ ǏȌȲƪƊ ƧȲǞƊɈǞɨƊ ƊȁƮȲȍǐǞȁƊ٘ ‫ـ‬R„ª²à0mm‫ ةףממנ ة‬ȯ‫ ةע خ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ‫ خف‬0ȺȺƊ ٗǏȌȲƪƊ ƊȁƮȲȍǐǞȁƊ ƧȲǞƊɈǞɨƊ٘ƮƵȺƊ˛ƊȌȺǿȌƮƵǶȌȺǿƊȺƧɐǶǞȁȌȺƮƵȯȌƮƵȲƵɨƊǞƊǶƶǿƮȌǐƺȁƵȲȌƧȌǿȌȌƧȌȁǘƵƧƵǿȌȺ‫خ‬ É uma energia presente e imaginada em muitas culturas indígenas e afrodescendentes que transcende a biologia e a orientação sexual,‫ ג‬que convoca às forças cósmicas de criação (representadas em divindades criadoras andróginas), que faz mediação entre os opostos absolutos, e realça uma subjetividade sacro-espiritual e uma totalidade complementaria. A força criadora ƊȁƮȲȍǐǞȁƊȁƣȌƶȺǞǿȯǶƵȺǿƵȁɈƵɐǿƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƧɐǶɈɐȲƊǶƮȌȯƊȺȺƊƮȌ‫س‬ȯƊȲƊƵȺɈƵȁƮƵȲƊȲƵǏƵȲƺȁcia de Jaqui Alexander ao espiritual: “[esta] é vivida no mesmo cenário onde as hierarquias são ȺȌƧǞƊǶǿƵȁɈƵǞȁɨƵȁɈƊƮƊȺƵǿƊȁɈǞƮƊȺ٘‫ـ‬m0åy(0ª‫ةףממנة‬ȯ‫ةמןסخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬1ɐǿƊǏȌȲƪƊ vital que empodera e provoca um desejo radicalmente diferente, uma erótica do ser, do fazer, do sentir, e do saber em relação.‫ד‬ 8 Agradeço a Raúl Moarquech Ferrera-Balanquet por essa observação. 9 ȱɐǞƵɐƵȺɈȌɐɐȺƊȁƮȌٗƵȲȍɈǞƧȌ٘ȁȌȺƵȁɈǞƮȌƮƵɐƮȲƵmȌȲƮƵ‫ٗب‬ȱɐƊȁƮȌǏƊǶȌƮƵƵȲȍɈǞƧȌ‫ة‬ǿƵȲƵ˛ȲȌƊɐǿƊƊȺȺƵȲƪƣȌ ƮƊǏȌȲƪƊɨǞɈƊǶƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ‫س‬ƮƵȺȺƊƵȁƵȲǐǞƊƧȲǞƊɈǞɨƊƵǿȯȌƮƵȲƊƮƊ‫ة‬ȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƵɐȺȌƮȌȱɐƵǘȌǯƵƵȺɈƊǿȌȺȲƵǞɨǞȁdicando na nossa linguagem, nossa história, nossas danças, o nosso ato de amar, nosso trabalho, nossas vidas. (...) O erótico é a nutrição, a fonte de alimentação de todo nosso mais profundo conhecimento”. (Lorde, 1984, p. 55-56, tradução nossa) Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021 Artigos Neste sentido, a discussão de Lugones de intersexualidade não basta. A intersexualidade ƶ ƵȁɈƵȁƮǞƮƊ ƧȌǿȌ ȲƵǶƊƧǞȌȁƊƮƊ ƧȌǿ Ɗ ǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵ ȺƵɮɐƊǶ‫ س‬ǞȁƮǞɨǠƮɐȌȺ ǞȁɈƵȲȺƵɮɐƊƮȌȺ ȺƣȌ ǐƵȲƊǶmente considerados como biologicamente masculinos e femininos. No entanto, enquanto a intersexualidade denota uma interrupção do biológico “isto ou aquilo”, isso liga a genitalidade às categorias de homem e mulher, sua esfera conceptual geralmente permanece biológica, anatômica e antropocêntrica. A associação de Lugones da intersexualidade com o ginocêntrico tenta ir além da biologia e dar presença para modos de organização e relação social que sejam igualitários, espirituais e feminino-cêntricos. No entanto, deixa fora uma discussão da androginia como a totalidade originária, a fonte da criação e da força criativa central para as cosmogonias andinas, mesoamericanas, e de yoruba e lucumi, e para o pensamento, visões e práticas espirituais.  ɈȌɈƊǶǞƮƊƮƵ ƊȁƮȲȍǐǞȁƊ ȌȲǞǐǞȁƋȲǞƊ ƵɮƵǿȯǶǞ˛ƧƊ Ȍ ƵȱɐǞǶǠƦȲǞȌ ȺǞǿƶɈȲǞƧȌ ƵȁɈȲƵ Ȍ masculino e o feminino‫׊׋‬, suas tensões ritualmente negociadas, seus papéis performativos e sua presença criativo-espiritual em divindadxs, orixás, chamanxs, e líderes e lideranças espirituais. Rompe com a própria ideia do gênero, e desloca a biologia e suas determinações anatômicas como componentes centrais de conceitualização, debate e discussão. Ao fazer isto, o andrógino de então e sua manifestação como força de energia hoje, evocam e incorporam o modo-muito-outro do gênero. A partir de Paula Gunn Allen e Oyèronké Oyewùmí, Lugones sustenta que “os indivíduos intersexuados eram reconhecidos em muitas sociedades tribais prévias à colonização sem ƊȺȺǞǿǞǶƊƪƣȌ ƧȌǿ Ɗ ƦǞȁƊȲǞƵƮƊƮƵ ȺƵɮɐƊǶ٘ ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ ةצממנ ة‬ȯ‫ ةןס خ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ‫  خف‬ƧƊɈƵǐȌȲǞƊ ƮƵ RȌȲȺɩƵǶǶ ƮƵ ٗɈƵȲƧƵǞȲȌ ǐƺȁƵȲȌ٘‫ ة‬ȱɐƵ ٗƊƦȲƵ ǿƊǞȺ ƧȌǿƦǞȁƊƪȪƵȺ ȯȌȺȺǠɨƵǞȺ ȱɐƵ ƊȺ ƮǞǿȍȲ˛ƧƊȺ٘ ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ة‬ȯ‫ةמעخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫ةف‬ƶɐȺƊƮƊƧȌǿƊȯȌǞȌƊƮǞƧǞȌȁƊǶȯƊȲƊƊȺȲɐȯɈɐȲƊȺƧȌǿƊƦǞȯȌlaridade sexual e de gênero (apesar de que o interesse de Horswell é no transgénero e não na intersexualidade). Essas rupturas e seus modos muito outros, no entanto, não são o foco do projeto de Lugones. Eles servem melhor para ilustrar e mostrar a construção e produção moderna/ colonial do gênero - isto é, a colonialidade do gênero- e suas características heterossexuais e patriarcais. Neste sentido, sua análise é sobre o sistema de gênero moderno/colonial e não sobre as energias espirituais e criativas do modo-muito-outro, nem sobre a mobilidade, trânsito e ɈȲƊȁȺǞɈǞɨǞƮƊƮƵȱɐƵƮƵȺƊ˛ƊǿƵȺȺƵȺǞȺɈƵǿƊƊƦȺȌǶɐɈȌƵȺɐƊȺƮƵ˛ȁǞƪȪƵȺƮƵǐƺȁƵȲȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈƊƮƊȺ biologicamente. Pensar com e a partir deste modo-muito-outro e revelando o passado e o presente de sua pedagogia, projeto, possibilidade e potencial decoloniais, poderia vislumbrar um ƧƊǿǞȁǘȌƮǞǏƵȲƵȁɈƵ‫ة‬ǿƊȺƧȌǿȯǶƵǿƵȁɈƋȲǞȌ‫ة‬ƮƵǞȁƮƊǐƊƪƣȌƵȲƵ˜ƵɮƣȌ‫خ‬ ªƵ˜ƵɮȪƵȺƵȯƵȲǐɐȁɈƊȺ˛ȁƊǞȺ Em “A colonialidade do gênero”, Lugones indica “compreender a organização do social em busca de fazer visível a nossa colaboração com a sistemática e racializada violência de gênero, em prol de chegar em um inevitável reconhecimento nos nossos mapas da realidade” ‫ـ‬mÇJ„y0²‫ةצממנة‬ȯ‫ةעףخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ȯƵȺƊȲƮƵȱɐƵȌǐƺȁƵȲȌ‫ة‬ƧȌǿȌƊȲƊƪƊ‫ة‬ƶɐǿƊȯȌƮƵȲȌȺƊ ˛ƧƪƣȌ‫ة‬ƵȺȺƵƶȌȯȌȁɈȌƮƵȯƊȲɈǞƮƊƵȌȯȌȁɈȌ˛ȁƊǶƮƵȺɐƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȁƵȺɈƵɈƵɮɈȌ‫خ‬²ɐƊǞȁɈƵȁƪƣȌƶ fazer evidente a instrumentalidade do sistema de gênero moderno/colonial para a sujeição/ subjetivação tanto de mulheres como de homens de cor em todos os âmbitos da existência, 10 Nos Andes, tal simetria foi claramente demonstrada em vários textos de testemunhos da época, incluídas as cartas e desenhos de Guamán Poma de Ayala n‫ٵ‬ȺȁȌɨƊȺƧȲȏȁǞƧƊȺƮƵƦȌǿ governo (1615) e nos Manuscritos de Huarochiri de Francisco de Ávila (século XVI). Na Mesoamérica, o Popol Vuh (século XVI) serve de exemplo adicional. Catherine Walsh 199 Sobre o gênero e seu modo-muito-outro para o rompimento dos laços práticos de solidariedade e para o exercício de um modo particular de dominação global e violência sistemática que serve aos interesses do poder capitalista eurocêntrico. Nesta perspectiva a suposição de que o gênero e o patriarcado são construções 200 coloniais é válida no sentido de que demarcam um modelo global de poder que começou com a intromissão ocidental que iniciou com a invasão espanhola. No entanto, como outras feministas da região têm argumentado, a dominação patriarcal existia, embora de maneira diferente, ƊȁɈƵȺƮƊƧǘƊǿƊƮƊƧȌȁȱɐǞȺɈƊ‫ !ـ‬ym‫§سמןמנة‬ª0(0²‫سמןמנة‬²0JÀ„‫خفנןמנة‬yȌǿɐȁƮȌȺȌcial daquele, então caracterizado não por polos estáticos de gênero (que essencializam homens ƵǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ةف‬ǿƊȺȺǞǿȯȌȲɐǿƊƧȌȁƮǞƪƣȌǿƵɈƊǏȍȲǞƧƊ‫ة‬ƮǞɨǞȁƊƵƧȌȲȯȍȲƵƊƮƵƮɐƊǶǞƮƊƮƵ‫˜ة‬ɐǞƮƵɹƵ ˜ƵɮǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƊƵȁƵȲǐǞƊǏƵǿǞȁǞȁƊٌǿƊȺƧɐǶǞȁƊ‫ة‬ȱɐƵǞǿȯƵƮƵ‫ة‬ȌɐȯƵǶȌǿƵȁȌȺȯȲȌƦǶƵǿƊɈǞɹƊ‫ة‬ƊƮƵ˛nição, a concepção moderna, ǐƵȁƵȲǞɹƊƮƊ‫ ل‬de patriarcado (mas também de gênero e de sexualidade) radicalmente diferentes. Neste sentido, é importante reconhecer como a modernidade e a colonialidade remarcam essas mesmas condições, e como marcam e limitam os nossos imaginários, conceitualizações, práticas e consciências. ²Ǟǿ‫ة‬ƧȌǿȌƊȲǐɐǿƵȁɈƊmȌɹƊȁȌ‫ةמןמנـ‬ȯ‫ةفצخ‬ƊȺƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌƵȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌȺƣȌȯƊȲte do arsenal de ferramentas do senhor – da razão imperial – com as que é impossível destruir a sua moradia ou casa-grande, quanto valor tem de pensar com e desde posturas, perspectivas e experiências que transgredem, interrompem e rompem com os universalismos, os dualismos e as pretensões hegemônicas que essas categorias anunciam e constroem? Como poder pensar com e a partir de posturas, perspectivas e experiências que desessencializam, desbiologizam e pluralizam à “mulher” sem ter que comparar ela/nós com o “homem”? E de que maneira poderiam esses processos contribuir não só à descolonização do gênero, mas também, e talvez mais importante, o reconhecimento, passado e presente, de seu modo-muito-outro? Quer dizer, da energia criativa e da força vital do andrógino que nos envolve e que empodera o erótico. Reconhecer o poder do erótico dentro de nossas vidas pode nos dar a energia para buscar a mudança genuína dentro de nosso mundo, no lugar de se conformar meramente com uma mudança de papéis na mesma novela ultrapassada. Já que não só tocamos a nossa mais profunda fonte criativa, como ǏƊɹƵǿȌȺ ƊȱɐǞǶȌ ȱɐƵ ƶ ǏƵǿǞȁǞȁȌ Ƶ ƊɐɈȌ Ɗ˛ȲǿƊɈǞɨȌ ȁƊ ƧƊȲƊ ƮƵ ɐǿƊ ȺȌƧǞƵƮƊƮƵ ȲƊƧǞȺɈƊ‫ة‬ȯƊɈȲǞƊȲƧƊǶƵƊȁɈǞٌƵȲȍɈǞƧƊ‫ـخ‬m„ª(0‫ةעצקןة‬ȯ‫ةקףخ‬ɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ‫خف‬ ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ ALEXANDER, M.J. Pedagogies of Crossing. wƵƮǞɈƊɈǞȌȁȺȌȁIƵǿǞȁǞȺǿ‫ة‬²ƵɮɐƊǶ§ȌǶǞɈǞƧȺ‫ة‬wƵٌ ǿȌȲɯ‫ة‬ƊȁƮɈǘƵ²ƊƧȲƵƮ‫(خ‬ɐȲǘƊǿ‫ة‬y!‫(ب‬ɐDzƵ§ȲƵȺȺ‫خףממנة‬ CABNAL, L.. Acercamiento a la construcción de la propuesta de pensamiento epistémico de las mujeres indígenas feministas comunitarias de Abya Yala. IƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮǞɨƵȲȺȌȺ‫ ب‬el feminisǿȌƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌ‫خ‬ƧȺɐȲٌmƊȺ²ƵǐȌɨǞƊȺ‫خמןמנةףנٌןןب‬ ESPINOSA, Y 0ɈȁȌƧƵȁɈȲǞȺǿȌɯƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȁǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ‫ ب‬Complicidaes y consolidación de las hegemonías feministas en el espacio transnacional. Revista VeneɹȌǶƊȁƊƮƵ0ȺɈɐƮǞȌȺƮƵǶƊwɐǯƵȲ‫ةفססـעןة‬hɐǶɯٌ(ƵƧƵǿƦƵȲ‫خקממנةעףٌץסب‬ 0²§Xy„²‫ة‬æ‫(سخ‬XyJ‫سخ!خ‬jªXy‫خ„ة‬w‫ـخ‬0ƮȺ‫خفخ‬ÀƵǯǞƵȁƮȌƮƵٗȌɈȲȌǿȌƮȌ٘‫ب‬Feminismo, episteǿȌǶȌǐǠƊɯƊȯɐƵȺɈƊȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƵȁƦɯƊæƊǶƊ‫§ة‬ȌȯƊɯƋȁ‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƮƵ!ƊɐƧƊ‫خעןמנة‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021 Artigos GARGALLO, F. (ƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵǶƊǞǐɐƊǶƮƊƮƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌ‫(خסןמנخ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶ Ƶǿ‫ب‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬DzƊȌȺƵȁǶƊȲƵƮ‫خ‬ȁƵɈ‫ش‬ƵȺȯƵƧǞƊǶƵȺ‫ٌממףצףش‬ƮƵǶٌǏƵǿǞȁǞȺǿȌٌƮƵٌǶƊٌǞǐɐƊǶƮƊƮٌƊǶٌǏƵǿǞȁǞȺmo-comunitario. HORSWELL, M. (ƵƧȌǶȌȁǞɹǞȁǐɈǘƵ²ȌƮȌǿǞɈƵ‫خ‬ɐȺɈǞȁ‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯȌǏÀƵɮƊȺ§ȲƵȺȺ‫מעخףממנة‬ KHATIBI, A. Maghreb plural. In: MIGNOLO, W. (Comp.), !ƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌɯǐƵȌȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵǶƧȌȁȌƧǞٌ ǿǞƵȁɈȌ‫خ‬0ǶƵɐȲȌƧƵȁɈȲǞȺǿȌɯǶƊ˛ǶȌȺȌǏǠƊƮƵǶǞƦƵȲƊƧǞȍȁƵȁƵǶƮƵƦƊɈƵǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶƧȌȁɈƵǿȯȌȲƋȁƵȌ‫ب‬ ‫ خןממנةנקٌןץ‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫ب‬0ƮǞƧǞȌȁƵȺƮƵǶȺǞǐȁȌ‫خ‬ LORDE, A. Uses of the Erotic: The Erotic as Power. ²ǞȺɈƵȲ„ɐɈȺǞƮƵȲ0ȺȺƊɯȺƊȁƮ²ȯƵƵƧǘƵȺ‫ٌסףب‬ ‫خעצקןةקף‬IȲƵƵƮȌǿ‫ب‬ÀǘƵ!ȲȌȺȺǞȁǐ§ȲƵȺȺ‫خ‬ m„ðy„‫خ ة‬ª‫خ‬0ǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌȁȌȯɐƵƮƵȺƵȲɐȁȌȯȌȲȱɐƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺȺȌǿȌȺƮǞɨƵȲȺƊȺ‫خ‬ȯȌȲɈƵȺƊ ɐȁǏƵǿǞȁǞȺǿȌȁƵǐȲȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶƮƵȺƮƵǶƊƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƮƵǶ§ƊƧǞ˛ƧȌƧȌǶȌǿbiano. mƊǿƊȁɹƊȁƊƮƵǶƊƮǞȺƧȌȲƮǞƊ‫ةفנـף‬hɐǶɯٌ(ƵƧƵǿƦƵȲ‫خמןמנةענٌץب‬ mÇJ„y0²‫ة‬w‫خ‬wƵɈǘȌƮȌǶȌǐǞƧƊǶyȌɈƵȺÀȌɩƊȲƮƊ(ƵƧȌǶȌȁǞƊǶIƵǿǞȁǞȺǿ‫خ‬Xȁ‫ب‬X²²Xٌ(Zð‫خة‬w‫سخ‬ MENDIETA, E. (Eds.), (ƵƧȌǶȌȁǞɹȁǐ0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƵȺ‫خ‬mƊɈǞȁƊ‫ش‬ȌÀǘƵȌǶȌǐɯƊȁƮ§ǘǞǶȌȺȌȯǘɯ‫ةפצٌצפب‬ ‫خנןמנ‬yƵɩæȌȲDz‫ب‬IȌȲƮǘƊǿ‫خ‬ ‫!خصصصصصصصصصصصص‬ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮɯǐƶȁƵȲȌ‫ب‬ǘƊƧǞƊɐȁǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫خ‬0ȁwXJy„m„‫ة‬à‫!ـخ‬Ȍǿȯ‫فخ‬ JƶȁƵȲȌɯƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮ‫ خעףٌסןب‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫(ب‬ɐDzƵÇȁǞɨƵȲȺǞȺɈɯ‫ش‬0ƮǞƧǞȌȁƵȺƮƵǶ²ǞǐȁȌ‫خצממנة‬ MARCOS, S. Taken from the Lips. JƵȁƮƵȲƊȁƮ0ȲȌȺǞȁwƵȺȌƊǿƵȲǞƧƊȁªƵǶǞǐǞȌȁȺ. Boston, MA: ȲǞǶǶ‫خפממנة‬ PAREDES, J. RǞǶƊȁƮȌ˛ȁȌƮƵȺƮƵƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌ‫©خ‬ɐƵȲƶɈƊȲȌ‫ة‬wƶɮǞƧȌ‫ب‬JȲǞƵɈƊȺ‫خמןמנة‬ ©ÇXhy„‫!خة‬ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƮƵǶȯȌƮƵȲɯƧǶƊȺǞ˛ƧƊƧǞȍȁȺȌƧǞƊǶ‫خ‬hȌɐȲȁƊǶȌǏàȌȲǶƮٌ²ɯȺɈƵǿȺªƵȺƵƊȲٌ Ƨǘ‫خ‬ßX‫ةفנـ‬²ɐǿǿƵȲ‫ش‬IƊǶǶ‫خמממנةפצסٌנעסب‬ SEGATO, R.L. El sexo y la norma: frente estatal, patriarcado, desposesión, colonialidad. ªƵɨǞȺɈƊ 0ȺɈɐƮȌȺIƵǿǞȁǞȺɈƊȺ‫خעןמנةפןפٌסקףةفנـננة‬ ‫خصصصصصصصصصصص‬JƵȁƮƵȲ‫§ة‬ȌǶǞɈǞƧȺ‫ة‬ƊȁƮRɯƦȲǞƮǞȺǿǞȁɈǘƵÀȲƊȁȺȁƊɈǞȌȁƊǶǞɹƊɈǞȌȁȌǏæȌȲɐƦƊ!ɐǶɈɐȲƵ‫خ‬Xȁ‫ب‬ OLUPONA, J.K. and REY, T. (Eds.), ’ȲǨȺƜ(ƵɨȌɈǞȌȁƊȺàȌȲǶƮªƵǶǞǐǞȌȁ‫ ب‬The Globalization of YorùƦƋªƵǶǞǐǞȌɐȺ!ɐǶɈɐȲƵ‫خצממנةנןףٌףצעب‬wƊƮǞȺȌȁ‫ة‬àX‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯȌǏàǞȺƧȌȁȺǞȁ§ȲƵȺȺ‫خ‬ ‫خصصصصصصصصصصص‬JƶȁƵȲȌɯƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮ‫ ب‬En busca de claves de lectura y de un vocabulario estratéǐǞƧȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫خנןמנة‬Xȁ‫ب‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ȁǞǐȺ‫خ‬ȯƊǐǞȁƊȺ‫خ‬ɐǏȺƧ‫خ‬ƦȲ‫˛ش‬ǶƵȺ‫شקמشנןמנش‬ǐƵȁƵȲȌ‫ص‬ɯ‫ص‬ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮ‫ص‬Ƶȁ‫ص‬ ƦɐȺƧƊ‫ص‬ƮƵ‫ص‬ƧǶƊɨƵȺ‫ص‬ƮƵ‫ص‬ǶƵƧɈɐȲƊ‫ص‬ɯ‫ص‬ƮƵ‫ص‬ɐȁ‫ص‬ɨȌƧƊƦɐǶƊȲǞȌ‫ص‬ƵȺɈȲƊɈƵǐǞƧȌ‫ص‬ƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ص‬ȲǞɈƊȺƵǐƊɈȌ‫خ‬ȯƮǏ SILVERBLATT, I. Luna, sol y brujas. Género y clase en los Andes prehispánicos y coloniales. Cusco: !ƵȁɈȲȌƮƵ0ȺɈɐƮǞȌȺªƵǐǞȌȁƊǶƵȺȁƮǞȁȌȺ ƊȲɈȌǶȌǿƶƮƵǶƊȺ!ƊȺƊȺ‫خמקקןة‬ ²Çª0ð‫ة‬m‫!خ‬ȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌ‫ة‬ǐȌƦƵȲȁƊƦǞǶǞƮƊƮɯǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȯȌȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ‫خ‬Xȁ‫ب‬²Çª0ð‫ة‬m‫ןעخ‬ƊȁƮ R0ªyy(0ð‫ة‬ª‫ـخ‬0ƮȺ‫(ةفخ‬ƵȺƧȌǶȌȁǞɹƊȁƮȌƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌ: teorías y prácticas desde los márgenes: ‫خצממנةסץٌןס‬ßƊǶƵȁƧǞƊ‫ب‬ÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƮƵßƊǶƵȁƧǞƊ‫خ‬ àm²R‫خ!ة‬mǞǏƵ‫ة‬yƊɈɐȲƵ‫ة‬ƊȁƮJƵȁƮƵȲ„ɈǘƵȲɩǞȺƵ‫خ‬IƵǿǞȁǞȺɈªƵ˜ƵƧɈǞȌȁȺƊȁƮ§ȲȌɨȌƧƊɈǞȌȁȺǏȲȌǿ the Andes. In HARCOURT, W. and NELSON, T. (Eds.), ƵɯȌȁƮɈǘƵJȲƵƵȁ0ƧȌȁȌǿɯ: Connecting mǞɨƵȺ‫ة‬yƊɈɐȲƵȺ‫ة‬ƊȁƮJƵȁƮƵȲȺ„ɈǘƵȲɩǞȺƵ‫خףןמנةצנןٌןמןب‬mȌȁƮȌȁ‫ب‬ðƵƮ ȌȌDzȺ‫خ‬ Catherine Walsh 201 Berta Cáceres e o feminismo decolonial ‫׋‬ Ochy Curiel Universidade Nacional da Colômbia Tradução Mariana Rocha Malheiros ¡DALE!, PPGICAL / UNILA 1 Este artigo foi originalmente publicado em espanhol, sob o título “Berta Cáceres y el feminismo decolonial”, nos ƊȁƊǞȺƮȌm²I„ªÇw‫ة‬ɨ‫׀ׅخ‬ȁ‫ةׄخ‬ȌɐɈɐƦȲȌƮƵׂ‫ة׉ׁ׀‬ȯ‫ـ׉׆ٌׄ׆خ‬yȌɈƊƮƊȺ0ƮǞɈȌȲƊȺ‫خف‬ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ ªƵȺɐǿȌ‫ب‬ Este artigo procura tratar do pensamento e da proposta de transformação social leɨƊƮƊƊƧƊƦȌȯȌȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫„خ‬ȌƦǯƵɈǞɨȌȁƣȌƶƮƵ˛ȁǞȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊ decolonial, pois ela nunca se assumiu neste lugar, no entanto, como um dos princípios desta corrente é recuperar saberes, experiências, propostas e práticas individuais e coletivas que questionam as hierarquias históricas que são produzidas por sistemas ƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌ‫ة‬ȺƵƮƵ˛ȁǞȁƮȌƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȌɐȁƣȌ‫ة‬ƊƊɐɈȌȲƊƮȌƊȲɈǞǐȌȺƵ propõe neste texto em relacionar alguns posicionamentos e práticas de Berta Cáceres coincidentes com postulados chaves do feminismo decolonial que explicam porque hoje seu legado é tão importante. §ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵ‫ب‬ǏƵǿǞȁǞȺǿȌ‫س‬ƊȁɈǞƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ‫ة‬ƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫ة‬ƊȁɈǞȲƊƧǞȺǿȌ‫ س‬ƵȲɈƊ Cáceres. Berta Cáceres y el feminismo decolonial Resumen: Este artículo pretende abordar el pensamiento y la propuesta de transformación ȺȌƧǞƊǶ ǶǶƵɨƊƮƊ Ɗ ƧƊƦȌ ȯȌȲ ƵȲɈƊ !ƋƧƵȲƵȺ‫ ى‬0Ƕ ȌƦǯƵɈǞɨȌ ȁȌ ƵȺ ƮƵ˸ȁǞȲ Ɗ ƵȲɈƊ !ƋƧƵȲƵȺ ƧȌǿȌɐȁƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ل‬ɯƊȱɐƵȁɐȁƧƊƊȺɐǿǞȍƵȺɈƊȯȌȺǞƧǞȍȁ‫ل‬ȯƵȲȌƧȌǿȌɐȁȌ ƮƵǶȌȺȯȲǞȁƧǞȯǞȌȺƮƵƵȺɈƊƧȌȲȲǞƵȁɈƵƵȺȲƵƧɐȯƵȲƊȲƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌȺ‫ل‬ƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊȺ‫ل‬ȯȲȌȯɐƵȺɈƊȺɯȯȲƋƧɈǞƧƊȺǞȁƮǞɨǞƮɐƊǶƵȺɯƧȌǶƵƧɈǞɨƊȺȱɐƵƧɐƵȺɈǞȌȁƊȁǶƊȺǯƵȲƊȲȱɐǠƊȺǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺȱɐƵ ȯȲȌƮɐƧƵȁ ǶȌȺ ȺǞȺɈƵǿƊȺ ƮƵ ȌȯȲƵȺǞȍȁ ɯ ƮȌǿǞȁƊƧǞȍȁ‫ ل‬ƮƵ˸ȁǞƶȁƮȌȺƵ ƧȌǿȌ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ Ȍ ȁȌ‫ل‬ǶƊƊɐɈȌȲƊƮƵǶƊȲɈǠƧɐǶȌȺƵȯȲȌȯȌȁƵƵȁƵȺɈƵɈƵɮɈȌȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƊǶǐɐȁƊȺƮƵǶƊȺȯȌȺǞƧǞȌȁƵȺɯȯȲƋƧɈǞƧƊȺƮƵ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺȱɐƵƧȌǞȁƧǞƮƵȁƧȌȁȯȌȺɈɐǶƊƮȌȺƧǶƊɨƵƮƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌ ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶȱɐƵƵɮȯǶǞƧƊȁȯȌȲȱɐƶȺɐǶƵǐƊƮȌƵȺɈƊȁǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵƵȁǶƊƊƧɈɐƊǶǞƮƊƮ‫ى‬ Palabras clave: ǏƵǿǞȁǞȺǿȌَƊȁɈǞƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ‫ل‬ƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫ل‬ƊȁɈǞȲƊƧǞȺǿȌَ ƵȲɈƊ Cáceres. BERTA CÁCERES AND DECOLONIAL FEMINISM Abstract: This article seeks to address the thought and proposal for social transformation carȲǞƵƮȌɐɈƦɯ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫ى‬ÀǘƵȌƦǯƵƧɈǞɨƵǞȺȁȌɈɈȌƮƵ˸ȁƵ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƊȺƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ ǏƵǿǞȁǞȺɈ‫ ل‬ƦƵƧƊɐȺƵ ȺǘƵ ȁƵɨƵȲ ƊȺȺɐǿƵƮ ɈǘǞȺ ȯȌȺǞɈǞȌȁ‫ ى‬RȌɩƵɨƵȲ‫ ل‬ȺǞȁƧƵ ȌȁƵ ȌǏ ɈǘƵ ȯȲǞȁƧǞȯǶƵȺȌǏɈǘǞȺƧɐȲȲƵȁɈǞȺɈȌȲƵƧȌɨƵȲDzȁȌɩǶƵƮǐƵ‫ل‬ƵɮȯƵȲǞƵȁƧƵȺ‫ل‬ȯȲȌȯȌȺƊǶȺƊȁƮǞȁƮǞɨǞƮɐƊǶ ƊȁƮƧȌǶǶƵƧɈǞɨƵȯȲƊƧɈǞƧƵȺɈǘƊɈȱɐƵȺɈǞȌȁɈǘƵǘǞȺɈȌȲǞƧƊǶǘǞƵȲƊȲƧǘǞƵȺɈǘƊɈƊȲƵȯȲȌƮɐƧƵƮƦɯ ȺɯȺɈƵǿȺȌǏȌȯȯȲƵȺȺǞȌȁƊȁƮƮȌǿǞȁƊɈǞȌȁ‫ل‬ƮƵ˸ȁǞȁǐɈǘƵǿȺƵǶɨƵȺƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈȺȌȲȁȌɈ‫ل‬ɈǘƵ ƊɐɈǘȌȲȌǏɈǘƵƊȲɈǞƧǶƵȯȲȌȯȌȺƵȺǞȁɈǘǞȺɈƵɮɈɈȌȲƵǶƊɈƵȺȌǿƵȌǏ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫ٵ‬ȯȌȺǞɈǞȌȁȺ and practices that coincide with key postulates of decolonial feminism that explain why her legacy is so important today. Keywords: ǏƵǿǞȁǞȺǿَƊȁɈǞƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿ‫ل‬ƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ‫ل‬ƊȁɈǞȲƊƧǞȺǿَ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫ى‬ Artigos BERTA NAS ÁGUAS poema de Melisa Cardoza Sagrado sal de nossas lutas Chuva sobre as milpas‫׌‬ Morangos divididos em todas as mãos §ȌȲɈȌƮƊɨǞƮƊ‫ ل‬ƵȲɈƊ‫ل‬ƧȌǿȯƊȁǘƵǞȲƊ Que saberá o assassino da luz de sua esperança „ƧȌɨƊȲƮƵȁƣȌȯȌƮƵȲƋǞȁƧǶǞȁƊȲ٧ȺƵƜɐɈȌȯǞƊȁƵǿƵǿȯƊǶƊɨȲƊȺ Muitos séculos terão para pagar por esta morte 0ɈȌǿƊȲƊȱɐƵƊȯȌƮȲƵƪƊƊƋǐɐƊƵǿȺɐƊȺǐƊȲǐƊȁɈƊȺ ǶɈȌƶȌȲǞȌJɐƊǶƧƊȲȱɐƵƵȁɈȲƵƊȺǿȌȁɈƊȁǘƊȺ ªɐǐƵȺɐƊǏɑȲǞƊƵƧǞǿƦȲƵȺɐƊƊǿƵƊƪƊ ȱɐǞ‫ل‬ƊȁƮƊǿȌȺƵȁǶɐɈƊƮƊȺ‫ل‬ƧǘȌȲȌȁƊȺ‫ل‬ǏƵȲǞƮƊȺ wƊƧǘɐƧƊƮƊȺǏȲƵȁɈƵȌǞȁƧȌȁƧƵƦǠɨƵǶƮƵȺɐƊȺ˹ȌȲƵȺ Murchas Viemos ao seu leito yȍȺ‫ل‬ȺɐƊȺǞȲǿƣȺ‫ل‬ȲȌǿȯǞƮƊȺȯƵǶƊɈƵȲȲǠɨƵǶǘȌȲƊ ƵȲɈǞƧƊȁȌȺȺƊ‫ ل‬ƵȲɈƊƮƊȺƋǐɐƊȺ „ȍƮǞȌƮȌȺǘȌǿƵȁȺȱɐƵɈƊȁɈȌȁȌȺƊȺȺǞȁƊǶƊǿ yƣȌȯȌƮƵǿƧȌǿɈƊȁɈƊƦƵǶƵɹƊ‫ل‬ǏȌȲƪƊƵǐȲƊƪƊ Por isso matam. Por isso matam. Por isso matam. Não sabem da nossa vingança de sermos livres E não mudar a rebeldia por nada Lágrimas no rio Muitas lágrimas 1ǘȌȲƊƮƊǿȌȲɈƵ‫ل‬ƮȌȲ‫ل‬ƮƵȺɨƵȁɈɐȲƊ wƊǶ˸ɹƵǿȌȺƵǿȁƵǐƊȲƊƮȌȲƵȺƵɐȺǐȌǶȯƵȺ Convocamos ao fogo e a terra ao arrependimento ªƵǏȲƵȺȱɐƵƊƋǐɐƊƵȺɈƵǿƊȁɈȌƮƵɈȲǞȺɈƵɹƊ‫ىىى‬ƵɈƊȁɈƊ yƣȌȯƵȲƮȌƊȲƵǿȌȺ‫ل‬ȁƵǿƵȺȱɐƵƧƵȲƵǿȌȺ‫ ل‬ƵȲɈǞɈƊ ßƵǯƊȌȱɐƵȌƊǿȌȲƊǶƧƊȁƪƊȯƊȲƊƊǿƊǶƮǞƪȌƊȲȌǿƊǶȌȁƮƵȱɐƵȲȱɐƵȺƵ abaixe yƣȌƵȺƧɐɈƊȲƵǿȌȺȌƵȺȱɐƵƧǞǿƵȁɈȌƊȌȱɐƊǶȁȌȺƧǘƊǿƊǿ Damos as boas-vindas com seu nome a todas as mulheres desviadas ƊȌȺƧȌȲȯȌȺǿɐɈǞǶƊƮȌȺȯƵǶƊǿƵȺǿƊƮɐȲƊǿƣȌȱɐƵǶǘƵƊȺȺƊȺȺǞȁƊȲƊǿ‫ى‬ mƊɨƊǿȌȺȁƵȺɈƵȲǞȌƊȺǏƵȲǞƮƊȺƮƊȺȱɐƵȁȌȺǏƊǶɈƊǿ Que venham os hipócritas de sempre ƧȌǿȺƵɐȺȯƊȯƊȺ‫ل‬ȯƊȺɈȌȲƵȺƵȯȌǶǠɈǞƧȌȺ seus brancos direitos humanos ƵɈȌƮȌȺȌȺȺƵɐȺƧɑǿȯǶǞƧƵȺ Que façam seus monumentos de lixo E mostrem os sorrisos ensaiados yȍȺ‫ل‬ƧȌǿȯǞɈƊ‫ل‬ȌǏƵȲƵƧƵǿȌȺƊȱɐǞȁȌȺȺƊƊȁɈǞǐƊȲƊǞɨƊ Que estamos acumulando por séculos ׂ Milpas são sistemas produtivos utilizados na América Latina antes da invasão europeia. O nome Milpa deriva do idioma NáhuatlƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊٗȌȱɐƵȺƵȺƵǿƵǞƊƵǿƧǞǿƊƮƊȯƊȲƧƵǶƊ٘‫خ‬wǞǶȯƊǞȁɈƵǐȲƊɈƊȁɈȌȌƵȺȯƊƪȌǏǠȺǞƧȌ‫ة‬ƊɈƵȲȲƊ‫ة‬ como as espécies vegetais, a diversidade produtiva que cresce sobre ela. Também agrupa o conhecimento, a tecȁȌǶȌǐǞƊƵȯȲƋɈǞƧƊȺƊǐȲǠƧȌǶƊȺȯƊȲƊƊɈƵȁƮǞǿƵȁɈȌƮƊȺȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵȺƮƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺƧƊǿȯƵȺǞȁƊȺ‫خ‬ȺȺǞǿ‫ة‬ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ um sistema de conhecimentos que integra natureza e agricultura, tanto para sobrevivência biológica como reprodução social (Nota da Tradutora [N.T.]). Ochy Curiel 205 Berta Cáceres e o feminismo decolonia ȺɨƵɹƵȺƧǘƵǞƊȺƮƵǏȌȲƪƊ‫ل‬ƜȺɨƵɹƵȺȺƊȁǐȲƊȁƮȌ Nós mesmas nos faremos justiça ©ɐƵƊȱɐǞȯƵȲǿƊȁƵƪƊȺɐƊȯȲƵȺƵȁƪƊ Que os prantos do mundo nos acompanhem Em todas as línguas e aldeias distantes Que conseguiram entender sua prosa libertária 206 ©ɐƵƦȲǞȁȱɐƵȌƮɐƵȁƮƵǏƵǶǞɹ e cantem as meninas lencas ao gozo com seu corpo nu entre as águas yƣȌƶȯƊȲƊƊǞȁɨƵǯƊ‫ل‬ƵȺƧƋȲȁǞȌ‫ل‬ƮƵȺǐȲƊƪƊ Que se levantarão em cada córrego e riacho a memória dos seus passos Desgraça é ter tanta luz 0ǿɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺȯȌɨȌƊƮȌȺƮƵǐƊȁƓȁƧǞƊƵƊȺɈɑƧǞƊ yƊȺƧƵȲƵȁɈȲƵɈƊȁɈȌȺƦƊȁƮǞƮȌȺ‫ل‬ƊǠƵȺɈƋƊƮƵȺǐȲƊƪƊ Não vamos olhar de novo o fresco foco de água nas suas pupilas ƵȲɈƊ‫ل‬ǞȲǿƣ‫ل‬ Não encontraremos mais seu bolso com papéis ƊǶǞǐƊƪƣȌɐȲǐƵȁɈƵ‫ل‬ƊȺƧȌǞȺƊȺȯƊȲƊǏƊɹƵȲ‫ل‬ƊȺǶȌȁǐƊȺɨǞƊǐƵȁȺ As noites agora são extensas desde a terrível madrugada ǿƊȺɐǿƮǞƊƵȁƧȌȁɈȲƊȲƵǿȌȺƧȌȁȺȌǶȌ‫ل‬ƧȌǿȯǞɈƊ ȯƊȲƊȺƊƦƵȲȱɐƵǞȺɈȌƮƊǿȌȲɈƵƶȺȌǿƵȁɈƵƧȌȁɨƵȲȺƊ ȱɐƵȌȁȌȺȺȌƶƊɨǞƮƊȺƵǿȯƵȲǿǞȺȺȪƵȺ‫ل‬ȺƵǿȁƵǐȍƧǞȌȺ‫ل‬ȺƵǿƧȌȁɨƵȲȺƊ ˸ƊƮƊ Um dia haveremos de nos encontrar em algum sítio antigo de magia ȯƊȲƊƧȌǿƵƪƊȲƮƵȁȌɨȌ‫ ل‬ƵȲɈǞƧƊ‫ل‬ȯȌȲȱɐƵƊȱɐǞƵȺɈƋƧƣȌ ǿƊȺƧȌǿȌ‫ل‬ȁƵǿȱɐƵɈǞɨƶȺȺƵǿȌȺƵǿɨƵɹƮƵȺƊȁǐɐƵ‫ل‬ȌȲƧǘƊɈƊ yƵȺɈƵǿƊȲƪȌƮƵȺƊȁǐɐƵ‫ل‬ǞǿȯɐȁǞƮƊƮƵƵǶƋǐȲǞǿƊȺ ǞȲǿƣƮƵƊǶǿƊ‫ل‬ƮƵǞɮƵ٧ȁȌȺǏƊɹƵȲƵȺɈƵƧƊȁɈȌǿƵǶƊȁƧȍǶǞƧȌ ƵȁɈȲƵƊȺȯƵƮȲƊȺǏȲƵȺƧƊȺƮȌȲǞȌȱɐƵƊǿƊɨƊ a mãe terra contigo em seu aconchegante ventre ȱɐƊȁɈȌƵɈƣȌǏȌȲɈƵȁȌȺȯɐɮƊ ƊȱɐǞƵȺɈƊǿȌȺ‫ل‬ȺƵɐȯȌɨȌ‫ل‬ƵƊɈƊȲƵǏƊǞȁƧȌȁƧǶɐȺƊ ƊȱɐǞ‫ل‬ƵȯƊȲƊɈȌƮȌȺȌȺɈƵǿȯȌȺȺƵɐƵȁƶȲǐǞƧȌƧǘƊǿƊƮȌ wƊȲƪȌȁƵǏƊȺɈȌƮƵȺɈƵɈȲǞȺɈƵ‫פןמנ‬ Escrever sobre Berta Cáceres me remete para este poema de Melisa Cardoza: escritora, feminista, hondurenha, lutadora, amiga de Berta e minha amiga/irmã de longa data. Foi através dela que a conheci. Melisa me falou muitas vezes dessa mulher de forças e convicções, que algum dia devia conhecer. A primeira vez que a escutei foi em frente de um público multitudinário que se assumia ƧȌǿȌ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ȁƊ ǶɐɈƊ ƧȌȁɈȲƊ Ȍ ƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ‫ ة‬Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ Ƶ Ȍ ȲƊƧǞȺǿȌ‫ خ‬0ɐ ˛ȱɐƵǞ ǿƊȲƊɨǞǶǘƊda pela maneira em que aquela charmosa e potente mulher lenca‫ ׍‬colocava com tranquilidade, mas com contundência, cada palavra, cada expressão, seu pensamento e sua proposta de transformação social. 3 Os lencas são povos indígenas que habitavam os territórios de Honduras e El Salvador antes da invasão espanhola. Hoje, estão concentrados nos municípios hondurenhos de San Miguelito, Jesús de Otoro, Yamagranguila, La Esperanza e Intibucá. Apesar da violência colonialista, os lencas conseguiram conservar sua cosmovisão, idioma e cultura. (N.T.). Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021 Artigos Depois, em uma jornada na Guatemala que organizamos como Grupo Latino-Americano de Estudos, Formação e Ação Feminista – GLEFAS – no qual participamos ativistas e pensadoras ƮƵƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺȯƊǠȺƵȺȯƊȲƊǏƊǶƊȲȺȌƦȲƵȲƊƧǞȺǿȌȺ‫ة‬ƵɮȯɐǶȺȪƵȺƮȌɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌ‫ة‬ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƵƮƵ˛ȁǞȲ nossas lutas políticas, eu pude me aproximar mais de Berta, entender a situação em Honduras de modo mais elaborado e conhecer mais sobre as ações que distintos movimentos sociais estavam realizando frente à expulsão e repressão. A partir dali, Berta Cáceres foi se transformando em uma referência importante para mim, porque sua proposta política coincidia com muitos dos meus posicionamentos como feminista decolonial. yƣȌȯȲƵɈƵȁƮȌƮƵ˛ȁǞȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ة‬ȯȌǞȺƵǶƊȁɐȁƧƊȺƵƊȺȺɐmiu neste lugar, no entanto, como um dos princípios desta corrente é recuperar saberes, experiências, propostas e práticas individuais e coletivas que questionam as hierarquias históricas ȱɐƵȺƣȌȯȲȌƮɐɹǞƮƊȺȯȌȲȺǞȺɈƵǿƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌ‫ة‬ȺƵƮƵ˛ȁǞȁƮȌƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȌɐ não, me proponho neste texto em relacionar alguns posicionamentos e práticas de Berta Cáceres coincidentes com postulados chaves do feminismo decolonial que explicam porque hoje seu legado é tão importante para muitas de nós. „ȯȌȁɈȌƮƵɨǞȺɈƊ Yuderkys Espinosa Minõso, em seu texto (ƵǶ ȯȌȲ ȱɐƶ ƵȺ ȁƵƧƵȺƊȲǞȌ ɐȁ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌ decolonial ‫ ׎فפןמנـ‬já caracterizou o que é o feminismo decolonial em Abya Yala‫׏‬. Segundo a ƊɐɈȌȲƊ‫ة‬ȺƵɈȲƊɈƊƮƵɐǿȯȌȁɈȌƮƵǞȁ˜ƵɮƣȌƵɐǿƊƦǞǏɐȲƧƊƪƣȌȁȌƧƊǿǞȁǘȌȱɐƵǿɐǞɈƊȺɈƵǿȌȺȲƵcorrido através das correntes mais críticas que questionaram a universalização das experiências das mulheres baseadas em sexo/gênero, situadas geopoliticamente no Norte, com privilégios de raça e classe. A autora apresenta que uma das fontes em que se referencia esta corrente são as teorizações, análises e propostas do Feminismo Negro, o feminismo de cor e terceiro mundista dos Estados Unidos da América (EUA), assim como o de mulheres e feministas afrodescendentes e indígenas que a partir de Abya Yala, em sua crítica à postura feminista clássica centrada somente no gênero, e sua proposta em considerar a imbricação das opressões de classe, raça, gênero, sexualidade. Ainda, destaca que o feminismo decolonial também se nutre da corrente feminista auɈȏȁȌǿƊǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊ‫ة‬ȺɐȲǐǞƮƊȁƊƮƶƧƊƮƊƮƵ‫ةמקקן‬ȱɐƵƮƵȁɐȁƧǞȌɐƊǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶǞɹƊƪƣȌƮȌ feminismo que produziu a interferência de políticas desenvolvimentistas nos países do chamado terceiro mundo, o que conduziu a uma agenda global de desenvolvimento e de direitos, políticas que obedeceram aos interesses neocoloniais no Norte Global, entre outras fontes importantes. Espinosa aponta que o feminismo decolonial reinterpreta a história com chave crítica da modernidade, “já não só por seu androcentrismo e misoginia, como feito pela epistemologia feminista clássica, mas também por seu caráter profundamente racista e eurocêntrico” (EspiȁȌȺƊ‫ةפןמנة‬ȯ‫خفעעןخ‬ 4 O artigo mencionado pela autora foi traduzido para o português por Cecilia Floresta e Gabriel Bueno sob o título “Sobre por que é necessário um feminismo decolonial: diferenciação, dominação coconstitutiva da modernidade ocidental”, publicado no wƊȺȯǏɈƵȲƊǶ‫ل‬2020, p. 03-12. Como a versão traduzida foi reduzida, optei pela manutenção da referência de Curiel sobre o texto original em espanhol (N.T.). ‫ ׅ‬ƦɯƊæƊǶƊȯȌƮƵȺƵȲƵȁɈƵȁƮǞƮȌƧȌǿȌٗɈƵȲȲƊɨǞɨƊ٘‫ٗة‬ɈƵȲȲƊǿƊƮɐȲƊ٘ƵٗɈƵȲȲƊƵǿ˜ȌȲƵȺƧǞǿƵȁɈȌ٘‫§خ‬ȌȺȺɐǞȌȲǞǐƵǿȁȌ idioma do povo Kuna, originário do Norte da Colômbia e que atualmente habita a costa caribenha do Panamá. Abya Yala vem sendo usado pelos povos indígenas para designar a América, em contraponto às denominações impostas pelos europeus (N.T.). Ochy Curiel 207 Berta Cáceres e o feminismo decolonia Contribuindo com os argumentos desta autora, com quem temos compartilhado a construção desta corrente política, queria adicionar que a diferença de muitas das que hoje se assumem como feministas decoloniais que se limitam a um exercício acadêmico e teórico, a maioria 208 das que nos localizamos nesta linha genealógica temos sido ativistas destas correntes políticas críticas, como afrodescendentes, indígenas, lésbicas, migrantes, portanto, as teorizações e análises que temos feito estão sendo construídas a partir das práticas políticas coletivas de acordo com esses lugares de enunciação que produzem pontos de vistas particulares. !ȌǿȌƊȁƊǶǞȺȌɐƊƊǏȲȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊ§ƊɈȲǞƧǞƊRǞǶǶ!ȌǶǶǞȁȺ‫فמקקןـ‬ȯƊȲƊȌƧƊȺȌƮƊȺƊǏȲȌٌƊǿƵȲǞcanas, o ponto de vista tem dois componentes fundamentais: experiências política-econômica-sociais que oferecem uma perspectiva particular e a consciência que se cria a partir destas experiências, o que permite entender como se experimenta, se problematiza e se atua sobre uma matriz de opressão. O ponto de vista de Berta Cáceres também se localiza nesta relação dialética da sua experiência particular e sua consciência sobre as injustiças sociais, o que segundo suas próprias palavras herdou de sua mãe: Cresci em um ambiente de luta, que vem de minha mãe, que igualmente é uma lutadora, uma defensora, em que coube viver contextos de ditadura, dentro do contexto da guerra fria na América Central e se converteu em uma pessoa muito ativa, além disso, rompendo todo o imposto… todo o poder militar, patriarcal, rompendo esquemas, se converteu também em uma líder política apoiando aos refugiados salvadorenhos… desde acompanhar o parto das refugiadas, o que era um crime, porque minha mãe era parteira. Seu trabalho de saúde sempre foi com as mulheres lencas. Realmente, acredito que vem dela minha construção da consciência de lutar, do sentido da justiça (Berta Cáceres in:Xwٌ(ƵǏƵȁȺȌȲƊȺ‫خفקןמנة‬ Berta Cáceres compreendeu como se localizam o racismo, o sexismo e o classismo com as novas políticas neocoloniais a partir de um ponto de vista situado e encarnado, por sua experiencia de mulher, parte de uma comunidade lenca localizada em um país centro-americano, sem privilégios de classe e raça, e neste lugar impulsionou suas práticas políticas. (ƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƜƧȌǶȌȁǞƊǐƵǿ Um marco de análise importante para o feminismo decolonial tem sido as propostas do Grupo Modernidade/Decolonialidade as quais têm permitido entender as condições históricas que deram origem a uma organização social, produto do colonialismo, repleta de hierarquias sociais de raça, sexo, sexualidade, nacionalidade, geopolítica e que se sustentam ao longo da história deste continente cujas vítimas principais têm sido povos indígenas e negros. A partir ƮƵȺɈƊȯȲȌȯȌȺɈƊ‫ة‬ƶǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȯƊȲƊɈȌƮƊȺȁȍȺȌƧȌȁƧƵǞɈȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮƵ˛ȁǞƮȌȯȌȲȁǠƦƊǶ ©ɐǞǯƊȁȌ‫فמממנـ‬ƧȌǿȌɐǿٗȯƊƮȲƣȌƮƵȯȌƮƵȲ٘ȱɐƵȺɐȲǐƵƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌ‫ة‬ǿƊȺȱɐƵȯƵȲƮɐȲƊƊɈƶ nossos tempos, que tem se sustentado com base na exploração do trabalho, promovendo e ǶƵǐǞɈǞǿƊȁƮȌɐǿɈǞȯȌƮƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌƮƵȁɈȲȌƮƵɐǿƊȲƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƵɐȲȌƧƺȁɈȲǞƧƊƵ branca, que afeta, inclusive, relações intersubjetivas. Este padrão de poder sustenta o mercado capitalista mundial e em todo ele a ideia de raça é fundamental. Berta Cáceres, embora não tenha utilizado o conceito de colonialidade, partia do colonialismo como a condição histórica que gerou estruturas hierárquicas de opressão. Assinalou que tudo o que se sofria em Honduras (e para além) em relação a pobreza, pilhagem, racismo e violência, era uma continuidade do que ela chamou coloniagem‫א‬: ‫ ׆‬A palavra trazida por Curiel é coloniaje. (N.T.). Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021 Artigos É a mesma coisa. Se alteram os nomes, mas é o mesmo. É a coloniagem, a ǿƵȺǿƊ ƮƵ ‫ ממף‬ƊȁȌȺ ƊɈȲƋȺ Ƶ ƊǐȌȲƊ ɨƵǿȌȺ ɐǿƊ ǞȁɨƵȺɈǞƮƊ ƮȌ ƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ ƮƵ modo mais agressivo aos povos indígenas. Estamos em um ponto que temos que lutar pela sobrevivência dos povos indígenas. Estamos em um ponto em ȱɐƵȺƵȁƣȌȌ˛ɹƵȲǿȌȺɨƊǿȌȺƮƵȺƊȯƊȲƵƧƵȲƵǿȯȌɐƧȌɈƵǿȯȌ‫ ـ‬ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫ة‬in: „ǶǞɨƶɯ ǞǶƦƊȌ‫خفנןמנة‬ Para Berta, a continuidade do que chamou coloniagem supunha entender que a violência contra os povos indígenas e afros, suas culturas, seus bens naturais, sua autonomia e autodeterminação, teria uma origem e era o colonialismo, entretanto, analisou como na atuaǶǞƮƊƮƵƵɮǞȺɈǞƊɐǿƊȲƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪƣȌǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊǞǿȯƵȲǞƊǶȱɐƵǞȁɨƊƮƵȌȺɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺƵȯȌɨȌȺǿƵdiante projetos de anexação, bases militares, monopólios, invasão cultural e midiática, planos contrarrevolucionários que eram sustentados pelas elites brancas e ricas do Norte e também ƊȺƧȲǞȌɐǶƊȺƮƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ‫ـ‬j„ª„m‫ةצןמנة‬ȯ‫§خفספٌנפخ‬ȌƮƵǿȌȺƮǞɹƵȲȱɐƵƊƧȌǶȌȁǞƊǐƵǿƮƵ Berta Cáceres é outra maneira de denominar a um padrão de poder que envolve o extrativismo, a dependência econômica dos países do Sul com o do Norte, com base na exploração de alguns grupos, a desigual distribuição das riquezas em nível global, mas também no interior dos países do Sul, com o curso da desumanização material, social e espiritual de certos grupos que historicamente têm sido colocados nas mais baixas hierarquias sociais como indígenas, negros e camponeses. ƊȯȌȺɈƊȁƣȌǏȲƊǐǿƵȁɈƊƮƊƮƊȺǶɐɈƊȺƧȌȁɈȲƊƊȺȌȯȲƵȺȺȪƵȺ Um dos aportes chaves que recupera o feminismo decolonial do feminismo negro, é sua proposta de não fragmentar as análises sobre as realidades, considerando que o racismo, o classismo e o heterossexismo se articulavam e interligavam na vida das mulheres negras. Vários conceitos explicam esta proposta política: encadeamento de opressões (Coletiva do Rio Combahee)‫ةב‬ǿƊɈȲǞɹƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌȌɐƮȌǿǞȁƊƪƣȌ‫ـ‬RǞǶǶ!ȌǶǶǞȁȺ‫ةفמקקןة‬ǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ‫!ـ‬ȲƵȁȺǘƊɩ‫ة‬ ‫ةفסקקן‬ƧȌٌƧȌȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌƮƵȌȯȲƵȺȺȪƵȺ‫ـ‬mɐǐȌȁƵȺ‫خفצממנة‬ȯƊȲɈǞȲƮƵȺɈƊȺƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪȪƵȺƵɈȌȲȁƊȁƮȌ-o mais complexo com análises da colonialidade, nós, feministas decoloniais, entendemos que um dos efeitos do sistema moderno/colonial vem sendo gerar a diferença colonial (Mignolo, ‫ةفץממנ‬ȯȲȌƮɐɈȌƮƵɐǿƊƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌȱɐƵǿƊȲƧȌɐƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƧȌǿȌǞȁǏƵȲǞȌȲǞƮƊƮƵȯƊȲƊǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲ a exploração, a pilhagem e a violência. Indixs, negrxs, lésbicas, homossexuais, transsexuais, empobrecidxs, mulheres etc., todos têm sido categorias, lugares sociais e experiências individuais e coletivas produto da hierarquização social que produziu o colonialismo e que continua na colonialidade, que, somada ao impacto do multiculturalismo liberal – que reforça as políticas identitárias – apresenta como resultado a fragmentação das lutas políticas e visões de mundo. ȺȯȲȌȯȌȺɈƊȺȱɐƵƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȁƵǐȲƊȺɈƺǿǏȌȲǿɐǶƊƮȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊǿȱɐƵȁƣȌƶȯȌȺȺǠɨƵǶƵȁɈƵȁƮƵȲ nem teórica e analiticamente os sistemas de dominação separados, muito menos empreender uma luta política que priorize algumas lutas sobre outras. Nesse sentido, da mesma forma que as feministas negras, Berta Cáceres considerou sempre um feminismo que lutasse contra todas as formas de dominação. Não vamos ser ingênuas. Nós estamos demandando um feminismo que realmente desmonte todas as formas de dominação, não com maquiagem ou discurso demagogo, mas com o desmonte concreto e que enfrente a essas formas de dominação de diversas maneiras (BERTA CÁCERES in:j„ª„m‫ةצןמנة‬ȯ‫خفףמןٌעמןخ‬ ‫ ׇ‬O Combahee River Colective iniciou suas reuniões em 1974. O grupo reunia feministas negras e lésbicas em Boston, nos EUA. O coletivo permaneceu em atividade até 1980. Optei pela tradução em língua portuguesa realizada pela Difusão Herética, mas este mesmo grupo já foi traduzido como Coletivo Combahee River em várias publicações em português. Ou seja, se trata do mesmo coletivo (N.T.). Ochy Curiel 209 Berta Cáceres e o feminismo decolonia Para Berta, essas formas de dominação eram fundamentalmente o capitalismo, o racisǿȌ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ ‫ـ‬jXy„ªw‫ خفפןמנ ة‬0ȺɈƵ ȯȌȺǞƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌ ƮƵ ƵȁɈƵȁƮƵȲ Ƶ ƊɈɐƊȲ Ɯ ǏȲƵȁɈƵ Ƶ contra todos os sistemas de opressão, nos têm levado a problematizar o separatismo pelo qual 210 muitas de nós havíamos optado e exercido, aprendido do feminismo branco e hegemônico que ƊȺȺɐǿƵȱɐƵȌȺǞȺɈƵǿƊȺƵɮȌ‫ش‬ǐƺȁƵȲȌ‫ـ‬ªÇ Zy‫فףץקןة‬ƵȲƊƊƦƊȺƵƧȌǿɐǿƮƊȌȯȲƵȺȺƣȌƮƵɈȌƮƊȺƊȺ mulheres, por isso, assumíamos que todos os homens eram nossos inimigos naturais. Contudo, entendendo que uma aposta decolonial de transformação social não pode ser limitada à ǶɐɈƊȯƵǶȌ˛ǿƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ‫ة‬ǿƊȺɈƊǿƦƶǿƜȺɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺȲƊƧǞȺɈƊȺ‫ة‬ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮǞȺtas, neoliberais, ecocidas, que não afetam somente as mulheres, mas comunidades inteiras, incluindo os homens e pessoas de dissidência sexual, o que implica compreender que as lutas devem envolver sujeitos múltiplos. Nesse sentido, apostamos em recuperar a comunidade, não só territorial ou incentivando lutas integrais, mas também as resistências históricas que foram construídas por todas as partes de Abya Yala. Berta Cáceres atuou sempre em comunidade. No Conselho Cívico de OrganiɹƊƪȪƵȺ§ȌȯɐǶƊȲƵȺƵXȁƮǠǐƵȁƊȺƮƵRȌȁƮɐȲƊȺ‫§„!ـ‬XyR‫ةف‬ȺɐȲǐǞƮȌƵǿ‫סקקן‬ƵȱɐƵ ƊȲɈǞƧɐǶƊ ǿƊǞȺ ƮƵ ‫ـ ממן‬ƧƵǿ‫ ف‬ƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺ‫ ة‬ȲƵƊǶǞɹȌɐ ȺɐƊȺ ǶɐɈƊȺ ƧƵȁɈȲƊǞȺ‫ ة‬ǯɐȁɈȌ com outros e outras. Embora consciente do machismo dos homens e das violências que muitos exerciam contra as mulheres, sendo ela mesma vítima de ɨǞȌǶƺȁƧǞƊƮƵȺƵɐȺƵɮٌƧȌǿȯƊȁǘƵǞȲȌȺ‫ة‬ƵȁɈƵȁƮǞƊȱɐƵƵȺȺƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȯȲƵƧǞȺƊɨƊǿ ser realizadas na comunidade, de modo coletivo. Assim, foram se construindo os pilares da luta do COPINH: o anticapitalismo, o antipatriarcado e o antirracismo. “Nós, as mulheres, levamos esta luta tripla e queríamos também que os homens a levassem para desmontar todas as formas de Opressão” (BERTA !!0ª0²Xȁ‫ب‬jXy„ªw‫خفפןמנة‬ Em várias ocasiões declarou que no COPINH não era fácil difundir a luta antipatriarcal, porém, para ela, como para outras mulheres da organização, era fundamental que todos e todas assumissem todas as lutas que foram propostas. Por isso, desenvolveram processos de formação política: Nessas assembleias, por exemplo, quando se falava de tema antipatriarcal, não só participavam mulheres, também os homens. No tópico de assembleia dos jovens, não somente eram os jovens, mas também as demais pessoas. Na mesa de povos indígenas, igualmente. Foi muito integral, porque sempre ocorȲǞƊƮƵȺɈƵǿȌƮȌ‫ة‬ǿƊȺȁȌ˛ǿƮƊǶɐɈƊƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊǶȺȍȲƵȺɈƊɨƊǿƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ‫(خ‬Ƶ ȱɐƊǶȱɐƵȲ ǿȌƮȌ‫ ة‬ǏȌǞ ɐǿƊ ǞȁɈƵǐȲƊƪƣȌ Ƶǿ ɈȌƮȌȺ ƵȺɈƵȺ ƮƵƦƊɈƵȺ ‫!!ـ‬0ª0²‫ س‬j„ª„m‫ةצןמנة‬ȯ‫خفסןןٌנןןخ‬ Como feministas decoloniais sabemos as consequências da separação das lutas políticas. XȺɈȌ ɈƵǿ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ȱɐƵ Ɗ ǿƊǞȌȲǞƊ ƮƊȺ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ ȁƣȌ ƊȺȺɐǿƵǿ Ɗ ǶɐɈƊ ƧȌȁɈȲƊ Ȍ ȲƊƧǞȺǿȌ‫ ة‬ȱɐƵ ǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺƵȁƵǐȲȌȺȯȌɐƧȌƊȺȺɐǿƵǿƊǶɐɈƊȯƵǶȌ˛ǿƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ e de dissidentes sexuais, o que provoca a reprodução destes sistemas de dominação dentro dos movimentos sociais. Berta tinha tudo isto muito nítido, propunha um mundo sem nenhum tipo de opressão e para isso era necessário que a luta coletiva se dirigisse para eliminar todas elas. ǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊƊƊƧɐǿɐǶƊƪƣȌȯȌȲƵȺȯȌǶǞƊƪƣȌ Berta Cáceres se opôs ao grande monstro do capitalismo global: os megaprojetos mineiros e hidroelétricos, que não são mais que a expressão da “acumulação por espoliação”, uma das ƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺȯȲȌȯȌȺɈƊȺȯƵǶȌǐƵȍǐȲƊǏȌǿƊȲɮǞȺɈƊ(ƊɨǞƮRƊȲɨƵɯ‫فעממנـ‬ȱɐƵƊȯȌȁɈƊƊȺǏȌȲǿƊȺȱɐƵ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021 Artigos o capitalismo neoliberal transnacional retira as comunidades de suas águas, bosques, saberes, conhecimentos e de suas vidas. Seus responsáveis: as grandes mineradoras, agroindústrias, hidroelétricas, farmacêuticas transnacionais que, com a anuência de governos locais, acumulam capital em nível global, acompanhado do discurso de desenvolvimento que se transforma em intervenção concreta através da espoliação, que não afeta somente as subjetividades, mas culturas, sociedades e mundos completos, trazendo consigo a ideia de progresso da modernidade ȌƧǞƮƵȁɈƊǶȱɐƵȺƵǞȁȺɈƊǶȌɐƮƵȺƮƵȌȯƵȲǠȌƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶ‫ـ‬0²!„ ª‫خفץממנة‬ Esta foi uma luta permanente de Berta Cáceres desde que o COPINH iniciou, mas se tornou mais contundente quando se formou a Frente Nacional de Resistência Popular que surgiu ƮɐȲƊȁɈƵȌǐȌǶȯƵƮƵƵȺɈƊƮȌƮƵ‫קממנ‬ƮƊƮȌƊȌǐȌɨƵȲȁȌƮȌȯȲƵȺǞƮƵȁɈƵwƊȁɐƵǶðƵǶƊɯƊ‫ة‬ƮȌȱɐƊǶƵǶƊ e o COPINH faziam parte. El COPINH denunciou que haviam iniciado uma grande quantidade de megaprojetos que produziam a destruição e privatização de comunidades indígenas, afros ƵƧƊǿȯƵȺǞȁƊȺ‫ة‬ƵȱɐƵȌǐȌɨƵȲȁȌǐȌǶȯǞȺɈƊǘƊɨǞƊƧȌȁƧƵƮǞƮȌ‫ڭמס‬ƮȌɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȁƊƧǞȌȁƊǶƵǿƧȌȁƧƵȺsões mineiras‫ג‬. As lutas do COPINH contra este monstro capitalista se fortaleceram em anos ȯȌȺɈƵȲǞȌȲƵȺ‫خ‬ȱɐǞƵȺɈƋɐǿƊƮƊȺƮƵƧǶƊȲƊƪȪƵȺƮƵ ƵȲɈƊƵǿ‫بסןמנ‬ (ƵȺƮƵ‫ן‬ѥƮƵƊƦȲǞǶƮƵ‫סןמנ‬ȁȌȺƵȁƧȌȁɈȲƊǿȌȺȁƵȺɈƊƊƪƣȌǘǞȺɈȍȲǞƧƊƮƊȺƧȌǿɐȁǞdades do Setor Norte do Município de Intibucá, no Rio Branco‫ד‬, composta por várias comunidades lencas que por séculos e séculos estão defendendo a vida, o território, o bosque, a água, os rios. Isto é o que estamos fazendo precisamente hoje, seguindo o legado de Lempira‫׊׋‬. Temos que lembrar que este projeto foi favorecido pelo golpe de Estado, que outorgou autorizações às empresas. Toda a entrega de bens comuns foi determinada sem consulta e respeito, violentando – no caso dos Povos Originários – o direito à consulta plena, livre e informada, Ɗ!ȌȁɨƵȁƪƣȌ‫קפן‬ƮƊ„ȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌXȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶƮȌÀȲƊƦƊǶǘȌ‫„ـ‬XÀ‫ف‬ȺȌƦȲƵ§ȌɨȌȺ Indígenas e Tribais do Mundo, a Declaração da ONU sobre Povos Indígenas, títulos antigos e o direito ancestral ao território, suas culturas e espiritualidade, patrimônios econômicos e comunitários. Temo uma ação nas imediações ƮȌ ȯȲȌǯƵɈȌ ǘǞƮȲƵǶƶɈȲǞƧȌ ǐɐƊ ðƊȲƧƊ‫ خ‬Ⱥ ƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺ ƮƵ ªǞȌ ȲƊȁƧȌ ɈȌǿƊȲƊǿ a decisão de impedir que se instale esse projeto aqui, que veio privatizar o Rio Gualcarque por mais vinte anos, dando a concessão às empresas DESA, a SINOHYDRO, transnacional chinesa com participação de FICOHSA, um banco que se apropriou de grande parte da dívida interna de Honduras, que desempenhou um papel ativo no golpe de estado e tem interesses em muitos setores, não só energético, mas o turístico e outros, sendo favorecido com os fundos do BCIE (Banco Centro-Americano de Integração Econômica), do Banco Francês, ƮƊDzX!ȱɐƵȺƣȌǏɐȁƮȌȺƮȌJȌɨƵȲȁȌƮȌȺ0Ç‫!!ـ‬0ª0²‫س‬j„ª„m‫ةצןמנة‬ȯ‫خفספןخ‬ Berta denunciava com nomes próprios os responsáveis pela espoliação. Grandes monoȯȍǶǞȌȺƮȌƵɮɈȲƊɈǞɨǞȺǿȌƵƧȌȁȏǿǞƧȌƵ˛ȁƊȁƧƵǞȲȌ‫ة‬ƵǿȯȲƵƵȁƮƵȁƮȌǯɐȁɈȌƜȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺƊƪȪƵȺƮƵ resistência. Por esta questão foi perseguida, ameaçada de morte, assediada sexualmente pelos representantes das empresas, policiais, militares e servidores do governo. 8 As concessões mineiras (concesiones mineras) outorgam direitos aos entes particulares, para exploração de recursos minerais no subsolo da área concedida pelos governos dos países latino-americanos (N.T.). 9 O Río Blanco é um riacho que se localiza no município de Intibucá, no Departamento de Intibucá, em Honduras (N.T.). 10 Lempira foi um importante cacique lenca que encabeçou uma rebelião contra os espanhóis em 1537, unindo contra todo o povo lenca contra os invasores. Ele faleceu neste mesmo ano, lutando na defesa do território lenca. A história da resistência protagonizada por Lempira é tão importante para o povo hondurenho que um dos Departamentos do país recebeu o seu nome, bem como a unidade monetária de Honduras, tendo ainda seu rosto estampado na nota de 1 lempira (N.T.). Ochy Curiel 211 Berta Cáceres e o feminismo decolonia Sua luta incansável fez com que recebesse vários prêmios. Dentro deles, possivelmente o ǿƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵǏȌǞȌ§ȲƺǿǞȌJȌǶƮǿƊȁ‫ةףןמנ‬ƮƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨȌȲƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȯƊȲƊǶɐɈƊƮȌȲƵȺƵ lutadores ambientalistas. Ainda que Berta Cáceres não tenha sido somente ambientalista, nem 212 ƧȲƵǞȌȱɐƵɈƵȁǘƊȺƵƮƵ˛ȁǞƮȌƮƵȺɈƊǏȌȲǿƊ‫ة‬ƵȺɈƵȯȲƺǿǞȌ‫ة‬ƧȌǿȌƵǶƊǿƵȺǿƊƮǞȺȺƵ‫ة‬ȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊɨƊɐǿ reconhecimento aos processos de resistência das comunidades, mas também apontou que: “o que nos inspira não são os prêmios, mas os princípios. Aqui, com ou sem reconhecimento, ɈƵǿȌȺǶɐɈƊƮȌƵȺƵǐɐǞȲƵǿȌȺǶɐɈƊȁƮȌ٘‫!!ـ‬0ª0²‫س‬ª!RX߄ßX߄‫خفצןמנة‬ ƧȌȺǿȌɨǞȺƣȌǶƵȁƧƊ Nós, feministas decoloniais, recuperamos espiritualidades dos povos e comunidades das quais somos parte. São expressões de resistência à imposição judaico-cristã que trouxe o colonialismo que apagou e deslegitimou espiritualidades, religiões e tradições sagradas não-cristãs. Apesar da violência com que foi implantado o judeu-cristianismo, a tal ponto que atualmente as igrejas em toda Abya Yala possuem uma força política extraordinária, estas espiritualidades “outras” permaneceram e têm sido fundamentais para a vida e lutas dos povos. Na cosmovisão lenca, como outras de povos indígenas e afrodescendentes, não há uma separação entre xs humanxs, a água, as montanhas, os animais, o ar, a terra, os mortos e mortas. Toda forma parte de vida existência comunitária, que precisa cuidar e preservar, não somente para si mesma, mas para toda humanidade: Em nossas cosmovisões somos seres que surgiram da terra, da água e do milho. Dos rios nós, povo lenca, somos guardiões ancestrais, além disso, protegidos pelos espíritos das meninas que nos ensinam que dar a vida de múltiplas formas na defesa dos rios é dar a vida para o bem da humanidade e deste ȯǶƊȁƵɈƊ‫!!ـ‬0ª0²‫خفףןמנة‬ É por esta cosmovisão que a defesa dos territórios não se trata somente de materialidades que permitem a sobrevivência, mas uma conexão dos seres com a transcendência espiritual. Na cosmovisão lenca, os rios são fundamentais, não só porque suas águas permitem vida, mas porque neles habitam os espíritos das meninas, guardiãs das águas. Por isso, Berta foi uma ǐɐƊȲƮǞƣƮȌȺȲǞȌȺ‫ة‬ƧȌǿȌɈƊȁɈƊȺȌɐɈȲƊȺƵȌɐɈȲȌȺƮƵȺɈƵȯȌɨȌ‫خ‬0ȲƊɈƊȁɈȌȌȱɐƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊɨƊǿȌȺȲǞȌȺ‫ة‬ que ela disse em várias ocasiões que sabia que ganharia a luta contra a instalação da hidroelétrica no Rio Gualcarque porque “me disse o rio”. Estas forças espirituais, a concepção dos territórios não como mercadorias, mas como comunidades de vida coletiva, que questiona a ideia de um desenvolvimento que busca a espoliação e a depredação, foram centrais para Berta Cáceres: Nossas consciências serão sacudidas pelo fato de somente estarmos contemplando a autodestruição baseada na depredação capitalista, racista e patriarcal. O Rio Gualcarque nos tem chamado, assim como os demais que estão seriamente ameaçados. Devemos acudir. A Mãe Terra militarizada, cercada, envenenada, onde se viola sistemáticamente os direitos elementares, nos exige atuar. Então, construamos sociedades capazes de coexistir de maneira justa, digna e pela vida. Nos juntemos e sigamos com esperança, defendendo e ƧɐǞƮƊȁƮȌƮȌȺƊȁǐɐƵƮƊɈƵȲȲƊƵƮȌȺƵȺȯǠȲǞɈȌȺ‫!!ـ‬0ª0²‫خفףןמנة‬ Mas, para os depredadores, capitalistas, colonialistas, heteropatriarcais e racistas não interessam estas cosmovisões, seu objetivo é acumular a margem da produção ecológica, material, Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021 Artigos espiritual e epistemológica dos povos e, para alcançar seu objetivo, precisam eliminar quem se opõe. Por isso assassinaram Berta Cáceres. Ela representava a ação política comunitária, a oposição à violência contra as mulheres, a luta contra as políticas neocoloniais que roubam e eliminam as vidas dos que, historicamente, são considerados como não humanos, produto de um ȲƊƧǞȺǿȌƵȺɈȲɐɈɐȲƊǶȱɐƵȺƵǏȌȲǿȌɐǘƋǿƊǞȺƮƵ‫ממף‬ƊȁȌȺ‫خ‬0ǶƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊɨƊƊɨǞƮƊƵǿƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵ‫خ‬ ȯƊǶƊɨȲƊƮƵȌȲƮƵǿȱɐƵƮƵɐƊɨȌǶɈƊƊȌǿɐȁƮȌ‫ ٗب‬ƵȲɈƊȁƣȌǿȌȲȲƵɐ‫ة‬ȺƵǿɐǶɈǞȯǶǞƧȌɐ٘‫ة‬ȲƵ˜ƵɈƵ o legado que nos deixou sua luta e compromisso, e depois que tantas e tantos choramos seu assassinato, hoje ela revive em nossos pensamentos e política feminista decolonial e queremos seguir seu legado, pois como disse Melisa Cardozo em seu poema dedicado a Berta: yȍȺ‫ل‬ƧȌǿȯǞɈƊ‫ل‬ȌǏƵȲƵƧƵǿȌȺƊȱɐǞȁȌȺȺƊƊȁɈǞǐƊȲƊǞɨƊ Que estamos acumulando por séculos ȺɨƵɹƵȺƧǘƵǞƊȺƮƵǏȌȲƪƊ‫ل‬ƜȺɨƵɹƵȺȺƊȁǐȲƊȁƮȌ Nós mesmas nos faremos justiça ©ɐƵƊȱɐǞȯƵȲǿƊȁƵƪƊȺɐƊȯȲƵȺƵȁƪƊ Que os prantos do mundo nos acompanhem Em todas as línguas e aldeias distantes Que conseguiram entender sua prosa libertária ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ CRENSHAW, K. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory, and Antiracist Politics, In: (‫خ‬jƵǶǶƵɯàƵǞȺƦƵȲǐ ‫ـ‬ƵƮ‫ةفخ‬IƵǿǞȁǞȺɈmƵǐƊǶÀǘƵȌȲɯ‫ب‬IȌɐȁƮƊɈǞȌȁȺ‫§خ‬ǘǞǶƊƮƵǶȯǘǞƊ‫ب‬ÀƵǿȯǶƵÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺ‫ة‬ȯȯ‫ةףקסٌסצס‬ ‫خסקקן‬ CÁCERES. B. (ǞȺƧɐȲȺȌ§ȲƺǿǞȌǿƦǞƵȁɈƊǶJȌǶƮǿƊȁ‫(خףןמנخ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ȲƵǶٌɐǞɈƊ‫خ‬ ȌȲǐ‫ش‬ƊȲƧǘǞɨȌ‫ش‬ǞȁƮƵɮ‫خ‬ȯǘȯ‫ش‬ƵȺ‫ش‬ƦƵȲɈǘƊٌƧƊƧƵȲƵȺ‫ش‬ǞɈƵǿ‫ٌננעץش‬ƮǞȺƧɐȲȺȌٌƮƵٌƦƵȲɈǘƊٌƧƊƧƵȲƵȺٌƊǶٌȲƵƧǞƦǞȲٌƵǶٌȯȲƵǿǞȌٌƊǿƦǞƵȁɈƊǶٌǐȌǶƮǿƊȁٌ‫خףןמנ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫נן‬ƮƵǏƵɨƵȲƵǞȲȌƮƵ‫خננמנ‬ COMBAHEE RIVER COLLECTIVE. The Combahee River Collective Statement, In: Barbara Smith ‫ـ‬ƧȌǿȯ‫ٶةفخ‬RȌǿƵJǞȲǶȺ‫ ة‬ǶƊƧDzIƵǿǞȁǞȺɈȁɈǘȌǶȌǐɯ‫ٶخ‬yƵɩæȌȲDz‫ب‬jǞɈƧǘƵȁÀƊƦǶƵ‫س‬àȌǿƵȁȌǏ!ȌǶȌȲȺ §ȲƵȺȺ‫ة‬XȁƧ‫ةخ‬ȯȯ‫خץץקןشסצקןةנצנٌנץנخ‬ ESCOBAR, A. mƊǞȁɨƵȁƧǞȍȁƮƵǶÀƵȲƧƵȲwɐȁƮȌ‫ب‬ƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁɯƮƵȺƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁƮƵǶƮƵȺƊȲȲȌǶٌ ǶȌ‫!خ‬ƊȲƊƧƊȺ‫ب‬0ƮǞɈȌȲǞƊǶƵǶȯƵȲȲȌɯǶƊȲƊȁƊ‫خץממנة‬ ESPINOSA, Y. De por qué es necesario un feminismo descolonial: diferenciación, dominación ƧȌٌƧȌȁȺɈǞɈɐɈǞɨƊƮƵǶƊǿȌƮƵȲȁǞƮƊƮȌƧƧǞƮƵȁɈƊǶɯƵǶ˛ȁƮƵǶƊȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵǞƮƵȁɈǞƮƊƮ‫خ‬²ȌǶƊȲ‫נןة‬ ‫خפןמנةןץןٌןעןةفןـ‬ IM-DEFENSORAS. mƊmɐƧǘƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫(خקןמנخ‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫ ڙ‬hɈɨ‫ץ‬åƧ‫ץ‬Ƶɐæ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫נן‬ƮƵǏƵɨƵȲƵǞȲȌƮƵ‫خננמנ‬ HILL COLLINS, P. ǶƊƧDzIƵǿǞȁǞȺɈÀǘȌɐǐǘɈ‫ب‬jȁȌɩǶƵƮǐƵ‫!ة‬ȌȁȺƧǞȌɐȺȁƵȺȺ‫ٶ‬ƊȁƮɈǘƵȯȌǶǠɈǞƧȺȌǏ 0ǿȯȌɩƵȲǿƵȁɈ‫خ‬yƵɩæȌȲDz‫ب‬ªȌɐɈǶƵƮǐƵ!ǶƊȺȺǞƧȺ‫خמקקןة‬ HARVEY, D. 0ǶȁɐƵɨȌǞǿȯƵȲǞƊǶǞȺǿȌ‫خ‬DzƊǶ‫ة‬wƊƮȲǞƮ‫خעממנة‬ KINORAMA COLOMBIA. ßȌǶɨƵȲƶɯȺƵȲƶǿǞǶǶȌȁƵȺ‫ة‬RȌǿƵȁƊǯƵƊ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫(خפןמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫ڙ‬w ÀªmǿǯåǏX‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫נן‬ƮƵǏƵɨƵȲƵǞȲȌƮƵ‫خננמנ‬ Ochy Curiel 213 Berta Cáceres e o feminismo decolonia KOROL, C. mƊȺȲƵɨȌǶɐƧǞȌȁƵȺƮƵ ƵȲɈƊ‫ خ‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫ب‬ǿƶȲǞƧƊmǞƦȲƵ‫خצןמנة‬ LUGONES, M. Colonialidad y Género: Hacia un feminismo descolonial, In: W, Mignolo (comp.), JƶȁƵȲȌɯ(ƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮ‫ خ‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫(ب‬ƵǶȺǞǐȁȌ‫خצממנة‬ 214 „mXß1‫ سخ!ة‬Xm „‫خة‬ßƵȲƮƵ!ƊȲȁƵÀǞƵȲȲƊwɐƵȲɈƊ‫(خנןמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫ڙ‬ÀÇàɈ!‫ס‬ɩɈƮǞȌ‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫נן‬ƮƵǏƵɨƵȲƵǞȲȌƮƵ‫خננמנ‬ PAULO FREIRE ARCHIVO VIVO. 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ‫(خצןמנة‬ǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿ‫ب‬ǘɈɈȯȺ‫ششب‬ɩɩɩ‫خ‬ ɯȌɐɈɐƦƵ‫خ‬ƧȌǿ‫ش‬ɩƊɈƧǘ‫د‬ɨ‫صڙ‬J0X(ɐIƵȌDz‫خ‬ƧƵȺȺȌƵǿ‫נן‬ƮƵǏƵɨƵȲƵǞȲȌƮƵ‫خננמנ‬ ªÇ Xy‫ة‬J‫خ‬ÀǘƵɈȲƊǏ˛ƧǞȁɩȌǿƵȁ‫ب‬ȁȌɈƵȺȌȁɈǘƵȯȌǶǞɈǞƧƊǶƵƧȌȁȌǿɯȌǏȺƵɮ‫ة‬Xȁ‫ب‬ªƵǞɈƵȲ‫ة‬ª‫ـخ‬ƵƮ‫ٶخفخ‬ÀȌٌ ɩƊȲƮƊȁƮȁɈǘȲȌȯȌǶȌǐɯȌǏàȌǿƵȁ‫خ‬yƵɩæȌȲDz‫ب‬wȌȁɈǘǶɯªƵɨǞƵɩ§ȲƵȺȺ‫خ‬ȯȯ‫خףץקןةמןנٌץףןخ‬ QUIJANO, A. Colonialidad del Poder, Eurocentrismo y América latina, In: mƊ!ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƮƵǶ ²ƊƦƵȲ‫ب‬0ɐȲȌƧƵȁɈȲǞȺǿȌɯ!ǞƵȁƧǞƊȺ²ȌƧǞƊǶƵȺ‫خ‬my(0ª‫ة‬0‫ـخ‬ƧȌȌȲƮ‫ فخ‬ɐƵȁȌȺǞȲƵȺ‫!ب‬ǶƊƧȺȌ‫خ‬ȯ‫ةעןٌןخ‬ ‫خמממנ‬ Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021 Artigos 215 Ochy Curiel Epistemologias do Sul: Pensamento Social e Político em/para/ desde América Latina, Caribe, África e Ásia é um periódico online de publicação semestral do grupo de pesquisa homônimo ligado à Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu/PR. Seu objetivo é divulgar estudos e investigações sobre ou desde o pensamento social e político latino-americano, caribenho, africano e asiático, promovendo o diálogo Sul-Sul. ISSN 2526-7655 X²²y‫ףףפץٌפנףנ‬