Dossiê:
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Ativismos e insurgências – Parte 1
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Ativismos e insurgências – Parte 1
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0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌ²ɐǶ بPensamento Social e Político em/desde/para América Latina, Caribe,
África e Ásia. Dossiê: Feminismos latino-americanos – Ativismos e insurgências – Parte 1. Volume 5,
número 2, 2021.
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Foz do Iguaçu/PR: Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Revista “Epistemologias do Sul: pensamento
social e político em/desde/para América Latina, Caribe, África e Ásia”. Av. Tarquínio Joslin dos Santos,
1000 - Jardim Universitário, sala C301 - Foz do Iguaçu - PR, 85870-901.
Revista Epistemologias do Sul
revista.epistemologias@unila.edu.br
Dossiê:
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Ativismos e insurgências – Parte 1
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Epistemologias do Sul: Pensamento Social e Político em/para/
desde América Latina, Caribe, África e Ásia é um periódico online
de publicação semestral do grupo de pesquisa homônimo ligado
à Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz
do Iguaçu/PR. Seu objetivo é divulgar estudos e investigações
sobre ou desde o pensamento social e político latino-americano,
caribenho, africano e asiático, promovendo o diálogo Sul-Sul.
ISSN 2526-7655
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Marcos de Jesus Oliveira
Catherine Walsh
Geni Núñez
Hanayrá Negreiros
Jade Alcântara Lôbo
Larissa Fostinone Locoselli
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
Luma Lessa
Mara Coelho de Souza Lago
Marcela Landazábal Mora
Mayara Nicolau de Paula
Ochy Curiel
Patrícia Lânes
Penélope Chaves Bruera
Priscila Dorella
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Yarlenis Ileinis Mestre Malfrá
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Tereza Spyer
Leo Name
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Ângela Maria De Souza (UNILA)
Camilo Hernan Manchola Castillo (UNB)
Caterina Alessandra Rea (UNILAB)
Cesar Augusto Baldi (ULBRA)
Cesar Torres Cruz (UAM)
Elias Nazareno (UFG)
Elzahrã M. Radwan Omar Osman (INEP)
Estevão Rafael Fernandes (UNIR)
Julio Pereyra (UDELAR)
Li-Chang Shuen Cristina (UFMA)
Lorena R. Tavares De Freitas (UNILA)
Marcos de Jesus Oliveira (UNILA)
Pablo Quintero (UFRGS)
Priscila De Oliveira Coutinho (UERJ)
Sônia Cristina Hamid (IFB)
Waldemir Rosa (UNILA)
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Tereza Spyer / Editora-Chefe
Maria Camila Ortiz / Editora-Adjunta
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Ananda Vilela
Cynthia Montalbetti
Mariana Rocha Malheiros
Priscila Dorella
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María Camila Ortiz (Coordenação)
John Freddy Agudelo Gaspar
Lívia Brito Barbosa
Mariana Rocha Malheiros
Tereza Spyer (Abstracts)
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Ananda Vilela
Maria Camila Ortiz
Mariana Rocha Malheiros
Priscila Dorella
Tereza Spyer
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Leo Name
Oswaldo Freitez Carrillo
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Oswaldo Freitez Carrillo
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Oswaldo Freitez Carrillo
Editorial
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Maria Camila Ortiz, Mariana Malheiros e Tereza Spyer
Entrevistas
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Larissa Fostinone Locoselli e Penélope Chaves Bruera
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Jade Alcântara Lôbo
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Mayara Nicolau de Paula e Patrícia Lânes
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Priscila Dorella
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Artigos
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Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez e Mara Coelho de Souza Lago
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Hanayrá Negreiros
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Lorena Marisol Cárdenas Oñate
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Marcela Landazábal Mora
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Catherine Walsh
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Ochy Curiel
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Editorial
Existências e
resistências:
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María Camila Ortiz
¡DALE!, PPGICAL / UNILA
Mariana Malheiros
¡DALE!, PPGICAL / UNILA
Tereza Spyer
¡DALE!, PPGICAL / UNILA
Feminismos latino-americanos
A Revista Epistemologias do Sul, vinculada à Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e ao grupo de pesquisa “Epistemologias do Sul: pensamento social e político em/
desde/para a América Latina, Caribe, Ásia e África”, traz como principal proposta a divulgação de es-
12
tudos sobre e/ou desde o pensamento social e político latino-americano, caribenho, africano e asiático. Destacam-se em suas produções os estudos decoloniais, subalternos e pós-coloniais, com toda
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Ao colocar estas fontes epistêmicas na sua centralidade, a Revista carrega consigo, desde
sua idealização, uma vocação internacionalista e transnacionalista, que se realiza na cooperação
entre diferentes intelectuais que a torna(ra)m possível. Com um espaço permanente para o debate intelectual multidisciplinar/interdisciplinar possibilitou a troca de experiências entre pesquisadoras(es) e acadêmicas(os) de diversas partes do mundo não ligados diretamente ao grupo de
pesquisa responsável por sua organização, mas também com outras(os) pesquisadoras(es) e gruȯȌȺǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮȌȺƧȌǿȌȯȲȌȯȍȺǞɈȌƮƵȺɐƊɈƵǿƋɈǞƧƊـª0ßX²À0§X²À0wmJX²(²Çmخفפןמנة
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pesquisa “¡DALE! – Decolonizar a América Latina e Seus Espaços”, com a organização conjunta
não somente deste, mas de outros dossiês, especialmente no que se refere à divulgação dos
estudos decoloniais e “epistemologias outras” que apresentam os objetivos da Revista.
Esta é a quarta edição em que o ¡DALE! está diretamente envolvido na criação da proȯȌȺɈƊةƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƵ˛ȁƊǶǞɹƊƪƣȌƮƵɐǿƊƵƮǞƪƣȌƮƊªƵɨǞȺɈƊ0ȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƮȌ²ɐǶخȺƊȁɈƵȲǞȌȲƵȺǏȌȲƊǿربJǞȲȌ(ƵƧȌǶȌȁǞƊǶ§ةƊȲɈƵبןȲɈƵȺɨǞȺɐƊǞȺةƊȲȱɐǞɈƵɈɐȲƊȺƵƊǶɈƵȲǞƮƊƮƵȺـرɨȌǶةסמخȁةןמخ
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فקןמנةנמƵٗ!ȌȲȯȌȺƵȺɐǯƵǞɈȌȺȁƊشƮƊǿȌƮƵȲȁǞƮƊƮƵ٘ـɨȌǶةעמخȁ خفמנמנةןמخDestacamos também
que há publicações de integrantes do ¡DALE! em outras edições, bem como a participação na
organização e na edição das revistas.
A partir destes bem-sucedidos encontros, surgiu o convite para a elaboração deste dosȺǞƺȱɐƵȲƵȺɐǶɈȌɐȁȌɈǠɈɐǶȌرIƵǿǞȁǞȺǿȌȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺةƊɈǞɨǞȺǿȌȺƵǞȁȺɐȲǐƺȁƧǞƊȺ§ـƊȲɈƵةرفן
organizado por pesquisadoras integrantes do ¡DALE! a partir de questionamentos e tensionamentos debatidos dentro do próprio grupo. O ¡DALE! está cadastrado no Conselho Nacional de
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do Caribe, aos movimentos sociais e dos territórios latino-americanos, tendo em vista conceitos
e noções do giro decolonial, como, por exemplo, as colonialidades do poder, do ser e do saber
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Co-Adaptativo (Labzat), ambos da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o ¡DALE! organizou o
minicurso “Insurgências decoloniais: geopolítica do conhecimento para outros mundos possíɨƵǞȺ٘ةƧȌǿɈȲǞȁɈƊǘȌȲƊȺמסـǘفƵǿǞȁǞȺɈȲƊƮȌȯȌȲȯƵȺȱɐǞȺƊƮȌȲƵȺƮȌ(جm0ثȁƊÇI ةƵǿǿƊǞȌسȁƊ
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A partir destes cursos surgiram questionamentos voltados à produção de/sobre/para
mulheres como: onde estão as mulheres, especialmente as mulheres racializadas, no Giro
Decolonial? Como raça, gênero, classe e sexualidade se articulam e impactam na dicotomia
modernidade/colonialidade? Como pensamos os ativismos, insurgências e manifestações de
mulheres no Sul Global fora das construções feministas hegemônicas do Norte?
1 Para acessar estas e outras edições da Revista Epistemologias do Sul: https://revistas.unila.edu.br/epistemologiasdosul/issue/archive.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021
Editorial
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de Gloria Anzáldua, Rita Segato, María Lugones, Karina Bidaseca e outras autoras, pudemos re˜ƵɈǞȲƵƮǞȺƧɐɈǞȲȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƮƵǐƺȁƵȲȌƮƵȁɈȲȌƮȌǐǞȲȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶبƵȺɈƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊƶƧȌȁȺɈǞɈɐǞƮȌȲƊ
da modernidade ocidental ou limita-se a um fenômeno dentro da Europa e ainda se gênero
existia nas sociedades fora da Europa e/ou em qual intensidade. Dentro da proposta do ¡DALE!,
procuramos encontrar caminhos para os enfrentamentos das colonialidades do poder, saber e
ser, conceitos que transpassam direta e indiretamente as produções decoloniais, considerando,
especialmente, as intersecções entre gênero, raça e sexualidade através das produções de autoras(es) decoloniais.
Também pudemos, com as ferramentas construídas naquele semestre, analisar a emergência de vozes de mulheres, em movimentos e organizações por toda a América Latina e
pelo Caribe, que produzem feminismos que ultrapassam a perspectiva de gênero moderno e
incluem os debates e lutas contra o racismo, a heteronormatividade, o capitalismo, o antropocentrismo e outras opressões que impactam as vidas e territórios das mulheres, trazendo as
suas próprias categorias, tanto para a práxis política quanto para a produção de epistemologias,
especialmente na América Latina e no Caribe.
E aqui queremos destacar que estas produções, ainda que dialoguem com o Giro
Decolonial, são produções autônomas, originais e de uma força política e epistêmica que trazem novas percepções de organização e análise não somente sobre as ciências humanas e
sociais, mas também na própria atuação política frente um cenário latino-americano de avanço político neoconservador e econômico neoliberal. Por isso, com a construção comum desta
percepção, e já com acúmulo nas discussões para avançar em nossos trabalhos como grupo
de pesquisa, recebemos o convite para a publicação deste dossiê, que contou com o trabalho
editorial de: Ananda Vilela, Cynthia Montalbetti, Maria Camila Ortiz, Mariana Malheiros, Priscila
Dorella e Tereza Spyer.
Pela força destas produções, nós, editoras deste número, não queríamos que aqueles
estudos se reduzissem a mais uma análise sobre gênero e epistemologias feministas. As produções das mulheres, a partir da interseccionalidade entre raça, classe, sexualidade e gênero,
bem como com a elaboração de categorias próprias, possibilita pensar não só os feminismos
no Sul Global, mas também a própria resposta política, econômica, cultural e epistêmica frente
o cenário latino-americano e caribenho. E, exatamente por tamanhas respostas de resistência
e diversidade, pudemos organizar este dossiê composto somente por trabalhos de mulheres,
pesquisadoras e ativistas que constroem feminismos insurgentes, a partir de seus ativismos nas
lutas de movimentos e organizações sociais, e também nas produções acadêmicas.
Para todas nós, editoras, que não pesquisamos exclusivamente gênero – mas o trazemos
para o diálogo transversal tanto no Giro Decolonial debatido no ¡DALE! quanto nas nossas pesȱɐǞȺƊȺǞȁƮǞɨǞƮɐƊǞȺىǏȌǞǐȲƊɈǞ˛ƧƊȁɈƵƵƮƵǞǿƵȁȺȌƊȯȲƵȁƮǞɹƊƮȌƧȌȁǘƵƧƵȲɨƊȲǞƊƮȌȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺƮƵ
mulheres que possibilitam pensar gênero, classe, raça e sexualidade por outros vieses. Contudo,
entendemos que precisamos mostrar neste espaço que estas pesquisadoras, assim como cada
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corpos afetados pelos já mencionados avanços neoconservadores e neoliberais na América LaɈǞȁƊƵȁȌ!ƊȲǞƦƵةƊǐȲƊɨƊƮȌȺƊǞȁƮƊȯȌȲɐǿȯƵȲǠȌƮȌȯƊȁƮƺǿǞƧȌƮƵ!ȌɨǞƮٌةקןǞȁǞƧǞƊƮȌƵǿخמנמנ
Aqui, queremos trazer um pouco das consequências deste contexto para as mulheres latino-americanas e caribenhas, especialmente na violência contra nossos corpos, o acúmulo do trabalho de cuidados na pandemia e a vulnerabilidade econômica que enfrentamos.
María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer
13
Feminismos latino-americanos
Primeiramente, destacamos a violência contra as mulheres. Em relatório a partir dos dados do Observatório de Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe (OIG), a Comissão
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14
as mulheres diminuiu tanto na América Latina quanto no Caribe, com uma queda média de
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necessidade de isolamento social e a falta de políticas públicas voltadas à segurança e autonomia física, milhares de mulheres optaram por não denunciar as agressões e maus-tratos sofridos, permanecendo em silêncio diante de um cenário exterior que não apresenta segurança,
tanto para protegê-las de seus agressores quanto para garantir políticas de promoção visando
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O segundo ponto que destacamos é o trabalho das mulheres durante a pandemia de
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saúde em contato diário com as(os) pacientes infectados com o coronavírus foram mulheres.
Considerando a imprecisão dos dados sobre o trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, estima-se também que as responsáveis pelas(os) doentes em suas casas também foram
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trabalho, também se apontou a redução dos níveis de ocupação das mulheres, com uma estimativa de um retrocesso de, ao menos, dez anos. Ainda, a taxa de desocupação das mulheres foi de
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para manutenção e segurança de seus empregos, principalmente nos setores de turismo, manufatura, comércio e, principalmente, trabalho doméstico. Além do impacto econômico, o documento também trouxe os riscos da empregabilidade nas áreas de trabalho doméstico, saúde
e educação, especialmente alta exposição ao vírus e na sobrecarga de trabalho, no caso das trabalhadoras domésticas e da saúde, e na sobrecarga de trabalho e pressões para adaptação ao
ambiente remoto às trabalhadoras da educação, considerando ainda que as mulheres empregadas neste setor são as principais responsáveis pelo cuidado com as crianças e adolescentes,
também em ensino remoto, e com idosas(os) e doentes, mais vulneráveis frente a pandemia
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Como pesquisadoras que procuram visibilizar os corpos que estes números representam,
queremos dizer que todas nós, autoras e editoras, estamos incluídas nestes dados. Muitas de
ȁȍȺȯƊȺȺƊȲƊǿȯȌȲƧȲǞȺƵȺ˛ȁƊȁƧƵǞȲƊȺةƧƊȲǐƊƮƵɈȲƊƦƊǶǘȌƮɐȯǶǞƧƊƮƊـȌɐɈȲǞȯǶǞƧƊƮƊةفǏȌǿȌȺȲƵȺȯȌȁsáveis pelo cuidado de crianças, idosas(os) e doentes e, ainda, como ativistas, também atenƮƵǿȌȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ɨǠɈǞǿƊȺ ƮƵ ɨǞȌǶƺȁƧǞƊ ƮȌǿƶȺɈǞƧƊ خÀƵȲǿȌȺ Ɗ ȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌ ƮƵȺɈƵ ƮȌȺȺǞƺ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ
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e indígenas que estão presentes neste dossiê – nós estamos aqui, apresentando ferramentas,
dentro das nossas limitações nas universidades cada vez mais sucateadas em toda a América
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021
Editorial
Latina e Caribe, com o avanço neoliberal que impactou nas políticas de educação, especialmenɈƵȁȌƵȁȺǞȁȌȺɐȯƵȲǞȌȲƵȁƊȯȲȌƮɐƪƣȌƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȲƵƊǶǞɹƊƮƊȯȌȲɈȌƮƊȺȁȍȺخyȌ ȲƊȺǞǶةƮƵȺɈƊƧƊٌȺƵƊ
ação organizada pelo Governo Genocida de Jair Bolsonaro de invalidação do trabalho de pesquisadoras e pesquisadores, não somente com os cortes nos orçamentos das universidades,
mas também no desprezo à ciência, que vimos em ação durante o pior período da pandemia
ƮƵ!ȌɨǞƮٌ§خקןȌȲǞȺȺȌȲƵƊ˛ȲǿƊǿȌȺƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊȁƣȌȺȍƵȯǞȺɈƺǿǞƧƊƮƵȺɈƵƮȌȺȺǞƺةǿƊȺةȯȲǞȁƧǞpalmente, política de resistência com o avanço neoconservador e neoliberal.
Nosso (ȌȺȺǞƺ بIƵǿǞȁǞȺǿȌȺ ǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺ ىɈǞɨǞȺǿȌȺ Ƶ ǞȁȺɐȲǐƺȁƧǞƊȺ § ىƊȲɈƵ ן,
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ǞƮƵȌǶȌǐǞƊƧȌǶȌȁǞƊǶسȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƧȌǿȌǏȌȲǿƊƮƵȯƵȁȺƊȲȌǿɐȁƮȌƊɈȲƊɨƶȺƮƊȌƦȺƵȲɨƊƪƣȌƮƵɐǿƊ
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negras e dos povos racializados na América Latina, e a agroecologia como modelo não hegemônico desde uma perspectiva indissociável do feminismo.
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sobre colonialidade do gênero e sua instrumentalização para perpetuar os domínios da exisɈƺȁƧǞƊسȌǶƵǐƊƮȌƮƵɐǿƊǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊȌȺƵɮɈȲƊɈǞɨǞȺǿȌȺƵƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶس
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Neste sentido, este dossiê foi pensado como um espaço para as perspectivas feministas
insurgentes, indígenas, afro, comunitárias etc., que colaboram de forma coletiva para construir
um entendimento capaz de potencializar as necessidades, iniciativas, problemáticas e conheciǿƵȁɈȌȺƮƊƮǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊȺƵƧƊȲǞƦƵȁǘƊȺخƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƵƮȌȺǏƵǿǞnismos contra hegemônicos se deve a uma articulação única entre teoria e práxis, onde formas
de ação e ativismo fazem parte de uma luta global que vai muito além de questionar somente
o patriarcado.
Abrimos a seção 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺ com o texto “0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮةɐǿȺƊƦƋ
ƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐɹƵǿ”. Larissa Locoselli e Penélope Bruera, do Laboratório de Tradução
da UNILA, realizaram uma entrevista com três integrantes do Coletivo Sycorax: Cecilia Farias,
Leila Izidoro e Juliana Bittencourt. Trata-se de uma conversa entre tradutoras sobre a tradução
ƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺخɐɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌƧȌǿȌɐǿٗȺƊƦƋƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐɹƵǿ٘ةȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮ
reúne diferentes trajetórias na tradução e no feminismo que têm em comum a concepção da
tradução como uma prática política feminista. De acordo com a práxis horizontal do Coletivo, as
entrevistadas discutiram interna e coletivamente as perguntas enviadas pelas entrevistadoras
previamente à conversa, na qual as entrevistadas compartilham de forma generosa importantes experiências e pontos de vista desta que é uma das mais chamativas iniciativas de tradução
feminista no Brasil dos últimos anos.
A entrevista realizada por Luma Lessa (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro)
a Geni Núñez (Universidade Federal de Santa Catarina), cujo título é “mɐɈƊƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƊȁɈǞٌ
ƧȌǶȌȁǞƊǶبɐǿƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿJƵȁǞyɑȋƵɹ”, trata do ativismo e das insurgências como cami-
María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer
15
Feminismos latino-americanos
nhos construídos no diálogo entre a materialidade e a potencialidade das existências. Diálogo
ǞȁƧǶɐȺǞɨƵƧȌȁ˜ǞɈɐȌȺȌةɐǿƊɨƵɹȱɐƵƊǶɐɈƊȺƵƮƋȯƵǶƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵƧȌǿƦƊɈƵƮƊȺɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺƮƊȺ
estruturas hegemônicas. Nessa entrevista, são endereçadas as violências dos discursos hege-
16
mônicos colonial cristão branco monogâmico cisheteronormativo. Geni Núñez aponta como a
categorização binária da vida opera como um epistemicídio, etnocídio e genocídio de modos de
vida outros. No Brasil, essas categorias, intrinsecamente cristãs, geraram o apagamento físico e
simbólico dos povos indígenas em sua multiplicidade de etnias, modos de vida e pensamento.
Esse etnocídio está intimamente conectado à perda dos territórios e à imposição de um antropocentrismo. Para a ativista guarani, não basta descolonizarmos o pensamento e as relações
sociais e econômicas, tentando reparar e ajustar essas estruturas. É preciso ir além dos binarismos violentos da colonialidade e questionar a própria materialidade dessas categorias que nos
separam em homens/mulheres, homo/hétero, branco/negro/pardo e humanidade/natureza. A
luta, portanto, deve ser anticolonial. Ao invés de buscarmos respostas reparadoras, recusar as
próprias perguntas como lugar de enunciação. Romper com essas amarras da monocultura do
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Já a “0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿ0ǶǞȺƊ§ƊȁDzƊȲƊȲɐبǿȌɨǞǿƵȁɈȌƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌ
ǞȁƮǠǐƵȁƊ٘ةfoi realizada pela antropóloga Jade Alcântara Lôbo (Universidade Federal de Santa
Catarina), com Elisa Urbano Ramos Pankararu, ativista indígena da etnia Pankararu e antropóloga que possui mais de uma década de participação de movimentos do campesinato, indígena e das mulheres. Neste diálogo entre duas mulheres engajadas na luta dos povos e contra a
desigualdade de gênero, é abordada a trajetória de Elisa Pankararu e sua defesa da existência
de um feminismo indígena.
Por sua vez, ٗ0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊȁƮȌIǶƋɨǞƊªǞȌȺبɐǿȌǶǘƊȲȺȌƦȲƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺȁƵǐȲȌȺƊȯƊȲٌ
ɈǞȲƮȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵȲƊƪƊƵǐƺȁƵȲȌȁȌ ȲƊȺǞǶƵȁƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊ٘, trata-se de uma entrevista
realizada por Mayara Nicolau de Paula (Universidade Federal de Minas Gerais) e Patrícia Lânes
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A entrevista com a socióloga brasileira Flavia Rios
teve como objetivo central ouvi-la acerca de suas contribuições para os estudos raciais e de
gênero no Brasil, privilegiando seu trabalho sobre a intelectual e militante Lélia Gonzalez e os
debates contemporâneos acerca de feminismos negros e interseccionalidade. A conversa foi
realizada por meio de uma troca de mensagens via correio eletrônico. As questões foram formuladas a partir de discussões entre as duas entrevistadoras, pesquisadoras de diferentes áreas
do conhecimento (Antropologia e Linguística), porém com grande interesse no debate sobre
feminismos negros. Foi proposta uma divisão em três grandes frentes: (i) trajetória acadêmica e
pessoal de Flavia Rios, (ii) seus estudos sobre vida e obra de Lélia Gonzalez e (iii) questões sobre
feminismo negro e interseccionalidade. Flávia Rios faz uma breve apresentação pessoal para,
em seguida, partir para os temas relativos a seu interesse no trabalho de Lélia Gonzalez e como
isso se desdobrou em recentes publicações e aprofundamento na vasta produção da pensaƮȌȲƊخyƊȯƊȲɈƵ˛ȁƊǶةƮƵȺɈƊƧƊٌȺƵƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺȌƦȲƵǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƵƧȌǿȌƵȺȺƊȁȌƪƣȌɨƵǿ
sendo concebida como ferramenta de intervenção política por todas e todos que se interessam
pelos avanços do feminismo, em especial o feminismo negro e latino-americano.
A entrevista que fecha esta seção, 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊƧȌǿXȲƵȁƵwƊȲǞƊ!ƊȲƮȌȺȌبƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊة
ȯȌǶǠɈǞƧƊƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌ, foi realizada por Priscila Dorella a Irene Cardoso, ambas da Universidade
Federal de Viçosa. A agroecologia vem se apresentando há décadas como um movimento políɈǞƧȌةȺȌƧǞƊǶƵƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌȱɐƵƊƦƊȲƧƊɐǿǘȌȲǞɹȌȁɈƵƮƵȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƧȌȁɈȲƊȌǿȌƮƵǶȌǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌ
do agronegócio. Irene Cardoso é uma das principais professoras do Brasil que atua ativamente
em defesa da ciência comprometida com a vida, dos saberes ancestrais que nos conectam com
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021
Editorial
a natureza e dos movimentos feministas que lutam pela justiça e paz social. Sua entrevista é
uma oportunidade de conhecermos a sua trajetória que nos inspira a construirmos outras cosmologias políticas.
Abrimos a seção ȲɈǞǐȌȺcom um texto escrito por Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni
Núñez. e Mara Coelho de Souza Lago, da Universidade Federal de Santa Catarina, ٗ0ȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ
ƵyƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺÀȲƊȁȺبƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺȺȌƦȲƵƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺǶƊɈǞȁȌٌƊٌ
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vidas de pessoas marginalizadas por suas identidades dissidentes da cisgeneridade e heterossexualidade compulsórias. Destaca alguns temas trazidos pelas teorias decoloniais, como
epistemicídio e necropolítica. Tais teorias, que se desenvolveram no estudo dos regimes que
atribuem a determinados corpos a condição de inumanos, tornando-os vulneráveis ao apagamento e ao genocídio, denunciam a perpetuação da eliminação dos corpos que se constituem
como descartáveis nas sociedades contemporâneas. As autoras reconhecem que as sociedades
latino-americanas, nas quais focam sua discussão, são herdeiras das relações coloniais instituidoras da hierarquização de diferenças por motivos de raça, gênero e sexualidade. Estes regimes
de diferenciação estabelecem quais corpos importam e quais corpos se tornam matáveis: tais
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ƊǐƵȌǐȲƊ˛ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƧȌǿȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺخƊɐɈȌȲƊ
está interessada em explorar a relação entre racismo, colonialidade e espacialidade, reunindo
ƵȺɈƊȺƮɐƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺɈƵȍȲǞƧƊȺخǐƵȌǐȲƊ˛ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƊȁƊǶǞȺƊƊȺƊȲɈǞƧɐǶƊƪȪƵȺƵȁɈȲƵ
colonialidade de gênero e racismo com a construção social do espaço. Enquanto o feminismo
descolonial latino-americano promove uma perspectiva antirracista, anti-imperialista, anti-colonial e intersetorial dos feminismos de Abya Yala e do Sul. Este artigo responde às seguintes perguntas: Quais são os espaços dos feminismos descoloniais latino-americanos? Como a
ƵȺȯƊƧǞƊǶǞƮƊƮƵƵȺɈƋȯȲƵȺƵȁɈƵȁȌɈȲƊƦƊǶǘȌƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶƮƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺد0˛ȁƊǶǿƵȁɈƵة
ƧȌǿƦƊȺƵȁƊȲƵȺȯȌȺɈƊƜȺȯƵȲǐɐȁɈƊȺƊƧǞǿƊةȱɐƊǞȺȺƣȌȌȺƵȺȯƊƪȌȺȱɐƵ˛ƧƊǿƮƵǏȌȲƊƮƵȺɈƊƊȁƋǶǞȺƵد
A autora conclui que os espaços deixados de fora são territorialidades relacionais antirracistas e
defende que, a partir destes processos de luta pelo território contra o racismo, podemos aproǏɐȁƮƊȲƊȲƵǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵƊȺǐƵȌǐȲƊ˛ƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌخ
Hanayrá Negreiros, da Pontifìcia Universidade Católica de São Paulo e do Museu de Arte
de São Paulo, no artigo ٗRǞȺɈȍȲǞƊȺ ƮȌ ɨƵȺɈǞȲ ƮƵ !ƊɈǘƊȲǞȁƊ wǞȁƊ بƧȌȺɈɐȲƊȁƮȌ ǞƮƵǞƊȺ ǞȁǞƧǞƊǞȺ
ȺȌƦȲƵƊȺǿȌƮƊȺƮƵɐǿƊǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ٘, tem por objetivo fazer
“costuras” iniciais sobre os modos de vestir de mulheres africanas na cidade de São Luís do Maranhão, durante o século XIX, com foco na segunda metade do período, partindo da trajetória
de Catharina Rosa Ferreira de Jesus, conhecida popularmente na província como Catharina
Mina. Mulher e africana, vivenciou escravidão e liberdade em uma vida marcada pela presença do patriarcado, do racismo e da vida em diáspora. O universo da cultura material, inserido
no contexto escravista dessa época, assim como as relações de trabalho em cotidianos que
envolviam tais mulheres são pano de fundo do artigo. O ponto de partida do estudo foca em
ɐǿƊƦȲƵɨƵȲƵɨǞȺƣȌƦǞƦǶǞȌǐȲƋ˛ƧƊȱɐƵƊȲɈǞƧɐǶƊةƊȯƊȲɈǞȲƮȌǿƶɈȌƮȌƮƊǿǞƧȲȌٌǘǞȺɈȍȲǞƊƵƮƊƦɐȺƧƊ
ƮƵƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺƵǿǏȌȁɈƵȺȯȲǞǿƋȲǞƊȺـɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺةǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌȺƵȲƵǐǞȺɈȲȌȺǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺةفƊȺƮǞmensões simbólicas e culturais presentes nas histórias do vestir de mulheres como Catharina,
alçando a análise das roupas e dos adornos como instrumento capaz de apontar caminhos para
o entendimento da vida africana em diáspora brasileira, tendo São Luís do Maranhão, dois anos
antes da abolição da escravatura, como cenário principal.
María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer
17
Feminismos latino-americanos
Lorena Marisol Cárdenas Oñate, da Universidad Autónoma Metropolitana/México, em
“ƦȲƊɹƊȁƮȌǶƊǿƵǿȌȲǞƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊƮƵǿɐȋƵƧƊȺƮƵɈȲƊȯȌƵǿÇƦɐȁɈɐ”, entende a metáfora como uma poética do conhecimento, que incorpora práticas semiótico-discur-
18
ȺǞɨƊȺƮȌȺـƊȺفȺɐǯƵǞɈȌȺƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌȺƮƵȺɈƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺȱɐƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊǿȺƵȁȺǞƦǞǶǞdades complexas onde o trabalho com múltiplas inteligências e campos cognitivos alternativos
interpela novos caminhos, falas e políticas de relacionalidade em paridade, reciprocidade, complementaridade e equidade. Este projeto para recuperar memórias estético-rituais das mulheres afrodescendentes é um espaço simbólico itinerante e intercultural com uma abordagem
feminista decolonial. Um grupo de artesãs aprende e ensina a fazer bonecas negras de pano,
gerando uma política de afetividade que encarna a sabedoria afrodescendente do Ubuntu-muntu (“eu sou porque você é parte de mim”). O exercício de um direito imaginativo e (auto)
criativo permite o surgimento de uma argumentação emocional. O objetivo é construir uma
proposta para um modelo estético-ritual a partir da semiose de rendas e pontos metafóricos.
Nesta trama, vozes e silêncios de diversas mulheres estão alojados em uma polifonia alinhavada. Conclui-se que, ao se encarregarem de suas memórias, estas mulheres abrem um “aqui e
um agora” esperançoso em comunidade. Os discursos da emoção-corpo-espiritualidade têm
permitido que nossas culturas originarias ou diaspóricas resistam, insurjam, subvertam e representem lógicas de complexo sentipensamento de re-existência, regeneração e resiliência.
Marcela Landazábal Mora, da Universidad Nacional Autónoma de México, em ٗÀǞƵȲȲƊȁƵٌ
ǐȲƊبƊȲƊȺƮƵȺɐƵǶȌƵȁɈȲƵȯƊȺȌȺةɨȌƧƵȺةǞǿƋǐƵȁƵȺɯƧƊȁɈȌȺ٘ entende que qualquer narrativa
ƮȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌȁƊ!ȌǶȏǿƦǞƊƮƵɨƵɈƵȲƵǿƧȌȁɈƊƊǞȁȺɈƓȁƧǞƊȲƊƧǞƊǶǞɹƊȁɈƵȱɐƵȺƵƊȺȺƵȁɈƊȁȌ
caráter de uma masculinidade guerreira, que faz fronteira com a extrema racionalidade das
formas de governo do Estado, também formulada numa chave masculina – devido à sua gestão sempre parcelada das territorialidades e da vida. De uma perspectiva crítica de gênero, a
interação da tríade crítica de raça, classe e gênero é considerada, incluindo um quarto vetor determinante, a juventude, nos atuais processos de resistência e nas suas práticas culturais, como
uma aposta na reconstrução política. O texto começa com uma primeira seção que estabelece
as coordenadas que revelam as consequências do abuso da escuridão, tanto nos corpos como
nos territórios. Consequentemente, a segunda seção centra-se na avaliação desta categoria no
ȱɐƊƮȲȌƮȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƮȌȺȯȌɨȌȺةƮȌȺǘȌǿƵȁȺȁƵǐȲȌȺـƊǏƵɈƊƮȌȺȯƵǶȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌفƵƮƊȺ
mulheres negras violentadas devido à sua condição racial e de gênero. A terceira seção abre o
ƧƊǿȯȌȯƊȲƊȲƵɨƵȲȌȺȲƵƧƵȁɈƵȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊǯɐɨƵȁǞǶةƊ˛ǿƮƵƮƵƧƊȁɈƊȲȁɐǿƵȺȱɐƵǿƊ
de reconhecimento destas estéticas vernaculares, como formas de resistência, mas também de
reparação de uma moralidade aniquilada pelos efeitos do colonialismo remanescente trançado
ȯƵǶȌȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌȁȌƧȌȁ˜ǞɈȌƊȲǿƊƮȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌخ
§ȌȲ ˛ǿ ةǏƵƧǘƊȁƮȌ ƵȺɈƊ ȺƵƪƣȌ Ƶ Ȍ ƮȌȺȺǞƺ ةƊȯȲƵȺƵȁɈƊǿȌȺ ƮȌǞȺ ƊȲɈǞǐȌȺ ɈȲƊƮɐɹǞƮȌȺ ƮȌ ƵȺpanhol para o português. O primeiro delesٗ ة²ȌƦȲƵ Ȍ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ ȺƵɐ ǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌ٘, de
autoria de Catherine Walsh, da. Universidade Andina Simón Bolívar, foi traduzido por Lívia Brito
Barbosa, da Universidade Federal da Integração Latino-Americana e John Freddy Agudelo Gaspar, da Universidad Tecnológica de Pereira. O artigo de Walsh trata sobre o ensaio seminal de
wƊȲǞƊmɐǐȌȁƵȺٗÀǘƵ!ȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯȌǏJƵȁƮƵȲ٘فצממנـƧȌȁɈǞȁɐƊƊȺƵȲɨǞȲƮƵǞǿȯɐǶȺȌȯƊȲƊƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌ
e o debate dentro das esferas acadêmica e ativista, e entre aqueles que se aliam à estrutura
analítica da (de)colonialidade. Com este texto, Lugones torna visível a instrumentalidade do
sistema colonial/moderno de gênero na sujeição de mulheres e homens de cor em todos os domínios da existência. Ao fazê-lo, ela mostra o elo intrincado entre gênero e raça, e revela como
este sistema tem funcionado para romper e fraturar laços de solidariedade prática e de luta
transformadora compartilhada.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 10-19, 2021
Editorial
O segundo e último artigo traduzido para o português, ٗ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƵȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌ
ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ٘, de Ochy Curiel, da Universidade Nacional da Colômbia, foi traduzido por Mariana
Rocha Malheiros da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Este artigo procura
tratar do pensamento e da proposta de transformação social levada a cabo por Berta Cáceres.
ȌƦǯƵɈǞɨȌȁƣȌƶƮƵ˛ȁǞȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶةȯȌǞȺƵǶƊȁɐȁƧƊȺƵƊȺȺɐǿǞɐ
neste lugar, no entanto, como um dos princípios desta corrente é recuperar saberes, experiências, propostas e práticas individuais e coletivas que questionam as hierarquias históricas que
ȺƣȌȯȲȌƮɐɹǞƮƊȺȯȌȲȺǞȺɈƵǿƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌةȺƵƮƵ˛ȁǞȁƮȌƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȌɐȁƣȌةƊ
autora do artigo se propõe neste texto em relacionar alguns posicionamentos e práticas de Berta Cáceres coincidentes com postulados chaves do feminismo decolonial que explicam porque
hoje seu legado é tão importante.
ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ
CEPAL, Comissão Econômica para América Latina e o Caribe. La autonomía económica de las
mujeres en la recuperación sostenible y con igualdad. ²ƊȁɈǞƊǐȌبXȁǏȌȲǿƵ0ȺȯƵƧǞƊǶ!ȌɨǞƮٌקן
ȁѥ(خןנמנةקמǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺششبȲƵȯȌȺǞɈȌȲǞȌخƧƵȯƊǶخȌȲǐشƦǞɈȺɈȲƵƊǿشǘƊȁƮǶƵشףشסספפעشנפסןןش
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!0§m!ةȌǿǞȺȺƣȌ0ƧȌȁȏǿǞƧƊȯƊȲƊƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊƵȌ!ƊȲǞƦƵسXJةƦȺƵȲɨƊɈȌȲǞȌƮƵXǐɐƊǶƮƊƮ
de Género de América Latina y el Caribe. mƊȯƊȁƮƵǿǞƊƵȁǶƊȺȌǿƦȲƊ: femicidios o feminicidios
ȌƧɐȲȲǞƮȌȺƵȁמנמנƵȁǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊɯƵǶ!ƊȲǞƦƵخןנמנةyȌɈƊXȁǏȌȲǿƊɈǞɨƊ(خןנמנةǞȺȯȌȁǠɨƵǶ
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PAHO, Pan American Health Organization. JƵȁƮƵȲƵƮRƵƊǶɈǘȁƊǶɯȺǞȺ!ßX(ٌקןǞȁɈǘƵǿƵٌ
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REVISTA EPISTEMOLOGIAS DO SUL. Sobre a Revista. Foz do Iguaçu: Universidade Federal da
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(خןנמנخסמخקןǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿǘɈɈȯȺششبƊɐȁخɩƵƦǘȌȺɈɐȺȯخȺɈǞخɐȺȯخƦȲشǞȁƮƵɮخȯǘȯشקןشסמشןנמנشɨǞȌǶƵȁƧǞƊٌƮƵٌǐƵȁƵȲȌٌȁƊٌƊǿƵȲǞƧƊٌǶƊɈǞȁƊٌƧȲƵȺƧƵٌƵǿٌǿƵǞȌٌƊٌƧȌɨǞƮٌشקןƧƵȺȺȌƵǿخננמנشסמشקנ
María Camila Ortiz, Mariana Malheiros,Tereza Spyer
19
Entrevistas
Entrevista com
o coletivo Sycorax,
um sabá de
mulheres que
traduzem
Larissa Fostinone Locoselli
¡DALE!, LEPLE / UNILA.
Penélope Chaves Bruera
PGET / UFSC
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Esta é uma entrevista com três integrantes do Coletivo Sycorax feita por duas integrantes do Laboratório de Tradução da UNILA. Trata-se de uma conversa entre traduɈȌȲƊȺȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌƵȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺخɐɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌƧȌǿȌɐǿٗȺƊƦƋƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺ
que traduzem”, o Coletivo Sycorax reúne diferentes trajetórias na tradução e no feminismo que têm em comum a concepção da tradução como uma prática política
feminista. De acordo com a sua práxis horizontal, discutiram interna e coletivamente
as perguntas que enviamos e, então, três integrantes se reuniram conosco para a conversa: Cecilia Farias, Leila Izidoro e Juliana Bittencourt. As entrevistadas compartilham
de forma generosa importantes experiências e pontos de vista desta que é uma das
mais chamativas iniciativas de tradução feminista no Brasil dos últimos anos.
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Entrevista al colectivo Sycorax,
un aquelarre de mujeres que traducen
Resumen
Esta es una entrevista a tres de las integrantes del Colectivo Sycorax realizada por
dos integrantes del Laboratorio de Traducción de UNILA. Se trata de una charla enɈȲƵɈȲƊƮɐƧɈȌȲƊȺȺȌƦȲƵǶƊɈȲƊƮɐƧƧǞȍȁɯǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺىɐɈȌƮƵ˸ȁǞƮȌƧȌǿȌɐȁٲƊȱɐƵǶƊȲȲƵƮƵǿɐǯƵȲƵȺȱɐƵɈȲƊƮɐƧƵȁلٳƵǶ!ȌǶƵƧɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮȲƵɑȁƵƮǞȺɈǞȁɈƊȺɈȲƊɯƵƧɈȌȲǞƊȺƵȁ
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entrevistadas comparten con generosidad importantes experiencias y perspectivas
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Palabras clave: traducción; feminismos; Colectivo Sycorax; Laboratorio de Traducción
de Unila.
Interview with the collective Sycorax,
a women’s coven who translate
Abstract
This is an interview with three members of the Sycorax Collective taken by two participants of the UNILA Translation Laboratory. It is a conversation between translators
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the Sycorax Collective gathers different trajectories in translation and feminism that
have in common the conception of translation as a feminist political practice. AccordǞȁǐɈȌɈǘƵǞȲǘȌȲǞɹȌȁɈƊǶȯȲƊɮǞȺلɈǘƵɯƮǞȺƧɐȺȺƵƮǞȁɈƵȲȁƊǶǶɯƊȁƮƧȌǶǶƵƧɈǞɨƵǶɯɈǘƵȱɐƵȺɈǞȌȁȺ
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Keywords: translation; Feminisms; Sycorax collective; UNILA Translation Laboratory.
Enquanto mulheres, feministas, pesquisadoras e integrantes do Laboratório de Tradução
da Unila foi para nós uma honra e um grande aprendizado entrevistar o Coletivo Sycorax, uma
das iniciativas de tradução feminista mais chamativas no Brasil dos últimos anos. O coletivo
se tornou famoso com a tradução de O Calibã e a bruxa e O ponto zero da revolução, de Silvia
Federici, tendo adotado a política de livre acesso às obras خɐɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌ ƧȌǿȌ ɐǿ ٗȺƊƦƋ ƮƵ
mulheres que traduzem”, o Coletivo Sycorax reúne diferentes trajetórias na tradução e no feminismo que têm em comum a concepção da tradução como uma prática política feminista.
De acordo com a sua práxis horizontal, discutiram interna e coletivamente as perguntas que
enviamos e, então, três integrantes se reuniram conosco para a conversa.
Cecilia Farias tem formação em Linguística e hoje faz doutorado na FFLCH-USP, estudando o galego enquanto língua minorizada no Estado espanhol. Faz parte do Língua Franca,
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diversidade linguística. Foi após um estágio de pesquisa na Espanha que começou a traduzir.
Eram poemas antifranquistas, textos de luta que ela sentiu a necessidade de colocar em circuǶƊƪƣȌخ²ɐƊƊɈɐƊƪƣȌȁȌ!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮƧȌǿƵƪȌɐƵǿצןמנƵǏȌǞƧȌǶƵɈǞɨƊǿƵȁɈƵȱɐƵƊȯȲƵȁƮƵɐƊ
traduzir de maneira mais metódica e sistemática.
Leila Giovana Macedo Izidoro é formada em Direito e mestra em Direitos Humanos pela
USP, tendo abordado o caso dos catadores de materiais recicláveis na América Latina a partir da
teoria marxista, direitos humanos e direitos socioambientais. Foi colaboradora da revista Geni
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(UDELAR, Uruguai), onde fez algumas parcerias, como entrevistas sobre aborto seguro no Uruguai, legalização do aborto e projetos de mineração a céu aberto. A tradução entra nesse momento de sua trajetória, como ferramenta de difusão das entrevistas, na revista Geni, mas sua
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tradução a partir do ativismo: junto à Caravana Climática percorreu diversos territórios -desde
ȌwƶɮǞƧȌƊɈƶȌ§ƵȲɐٌȲƵǐǞȺɈȲƊȁƮȌƊɈȲƊɨƶȺƮƊǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊƧȌȁ˜ǞɈȌȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊƮȌȺƊǿɐƮƊȁƪƊȺƧǶǞmáticas e justiça ambiental. Nesse projeto, que incluía jornalistas independentes, se produziam
relatos e entrevistas para mídias independentes, dentre elas a revista Geni.
Formam também a base do coletivo, mas não estiveram conosco na conversa, outras quatro integrantes. Cecilia Rosas é doutora em Literatura e Cultura Russa pela FFLCH-USP e uma
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A guerra não tem rosto de mulherةƮƊ§ȲƺǿǞȌyȌƦƵǶƮƵmǞɈƵȲƊɈɐȲƊ²ɨƵɈǶƊȁƊǶƵDzȺǞƶɨǞɈƧǘخفפןמנـ
Shislene de Oliveira é antropóloga e professora de francês, graduada em Ciências Sociais
pela PUC-SP e pós-graduada em Estudos Feministas e de Gênero, no programa JƵȁȲƵٛȺٜلȯƵȁȺƶƵȺƮƵǶƊƮǞǏǏƶȲƵȁƧƵلȲƊȯȯȌȲɈȺƮƵȺƵɮƵةƮƊÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵ§ƊȲǞȺצßǞȁƧƵȁȁƵȺٌ²ƊǞȁɈ(ƵȁǞȺةȁƊIȲƊȁça. Também é tradutora do francês e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Marcadores
Sociais da Diferença (NUMAS - FFLCH-USP) e do Centro de Estudos Periféricos (CEP – Unifesp).
1 Projeto de extensão da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, criado e coordenado por Bruna
Macedo de Oliveira, com a coordenação adjunta de Mario Torres Rodríguez. Trata-se de um espaço de formação e
prática de tradução colaborativa que tem se voltado à tradução de vozes periféricas e marginalizadas, habitualmente desconsideradas pela academia.
ׂ As obras encontram-se disponíveis no site do Coletivo: http://coletivosycorax.org/traducoes/. Ao longo da entrevista, é abordada essa política de livre acesso.
3 RƵǏƵȲƵٌȺƵƜȌȯȌȺǞƪƣȌƊȌǐȌɨƵȲȁȌƮȌƮǞɈƊƮȌȲJƵȁƵȲƊǶIȲƊȁƧǞȺƧȌIȲƊȁƧȌةɐǿȲƵǐǞǿƵɈȌɈƊǶǞɈƋȲǞȌƵƊ˛ȁƊƮȌƊȌȁƊɹǞǏƊȺƧǞȺǿȌȱɐƵȺƵȯƵȲȯƵɈȲȌɐȯȌȲƧƵȲƧƊƮƵȱɐƊɈȲȌƮƶƧƊƮƊȺȁƊ0ȺȯƊȁǘƊةƮƵȺƮƵȌ˛ǿƮƊJɐƵȲȲƊ!ǞɨǞǶةƵǿׁة׃ƊɈƶȌƊȁȌ
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Lia Urbini é mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina
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É integrante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro (NESFI - CFH/UFSC Grupo de Pesquisa credenciado pelo CNPq). Lia foi essencial na estruturação do Sycorax, pois
foi quem lançou as suas bases. Ela atuava na revista Geni desde seu começo e foi quem contactou e conversou com todas as demais mulheres que vieram a se reunir no coletivo. Atualmente,
atua na editora Expressão Popular, que está vinculada ao Movimento Sem Terra.
Além deste “núcleo duro”, nossas entrevistadas salientaram que o Coletivo Sycorax conta
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ideia de coletivo nas suas práticas, que sempre envolveram diversas parcerias. As integrantes
mais constantes do grupo não são as únicas que de fato colaboram na realização e na execução
dos projetos, algo fundamental em sua práxis feminista de tradução.
O entendimento do Sycorax enquanto um coletivo feminista está na base de sua formação e fundamenta a sua prática até hoje. Conforme nos conta Giovana: “a primeira coisa que fez
a gente se reunir coletivamente foi isso, foi se tocar que, por exemplo, o livro Calibã e a bruxa
era um livro que dizia respeito a nossa vida, enquanto mulher latino-americana, inclusive tendo
em vista como a obra foi recebida por outros movimentos de mulheres na América Latina. A primeira coisa de ter a necessidade de ser o coletivo foi essa, de poder ter um grupo, que a gente
pudesse discutir aquele livro e como ele impactava na nossa vida”.
Nesta entrevista, procuramos discutir a articulação entre tradução e feminismo, a relação
entre a ação política feminista e a academia, assim como a relação entre feminismo e movimentos sociais, e as implicações que a tradução de línguas coloniais traz na América Latina. Foram quase duas horas de uma conversa instigante e generosa, com a qual aprendemos muito e
que acreditamos que pode ressoar nos mais diferentes campos de atuação feminista, inclusive
para além da tradução. Que assim seja, boa leitura!
Foto: Coletivo Sycorax (cedida pelas entrevistadas).
Entrevistas
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ƊƧƊƮƺǿǞƧȌƵȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȺȌƧǞƊǞȺȯƊȲƊƊƊƪƣȌȯȌǶǠɈǞƧƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊد
hبEu acho que feminismos no plural, ele vem da nossa própria experiência nos diversos
lugares da América Latina ou mesmo com outras línguas minorizadas. E experiências de que
esse feminismo vinha de um acúmulo já, de como ele recebia mesmo as discussões feitas,
daquilo que chegava desses conhecimentos que são produzidos a partir dessas produções feministas, como era debatido e discutido em diversos lugares. Isso também foi o que nos levou
a querer traduzir a Silvia [Federici], não foi pela obra em si, mas por como ela estava sendo recebida na América Latina, e as discussões que estavam sendo feitas a partir do livro, e muitas vezes com a participação dela. Então, era a ideia de buscar essa pluralidade, esse acúmulo, nossa
percepção de que não daria para ser um feminismo só. Porque o próprio exercício da tradução
coloca isso. Você como tradutora percebe que sua atuação também é ativa no que você faz.
Então de certa forma as obras também vão se atualizando e tendo seu próprio circuito e nisso
produzindo seu próprio conhecimento.
J بSobre essa questão de como a gente pensa atualmente os feminismos no plural, eu
acho que tem um pouco a ver com os projetos que a gente está desenvolvendo agora, como
a antologia latino-americana. Nela a gente pensa estruturar isso, ainda não temos o projeto
pronto, mas estamos construindo. A ideia é tentar trazer um pouco desses feminismos, e de
movimentos de mulheres que não necessariamente se enxergam assim, mas que estão lutando pela terra, por recursos naturais e tudo mais. A gente também começou traduzindo nesse
sentido de ver como o livro [O Calibã e a bruxa] estava sendo recebido por esses feminismos
plurais e como inclusive a autora estava dialogando com esses feminismos. Agora, sobre a articulação entre o campo acadêmico e os movimentos sociais para a prática política feminista,
eu acho que a gente teve sempre muito esse cuidado de falar que a gente não é académica do
campo de gênero, porque existem muitas discussões nas que a gente também é iniciante, porque partimos mais da prática dentro da militância, do que de dentro da academia. Até é engraçado, porque isso me lembrou da banca, quando eu entrei no mestrado, um dos professores,
ȱɐƊȁƮȌ˛ƧȌɐȺƊƦƵȁƮȌȱɐƵƵɐǏȌȲǿƊɨƊȯƊȲɈƵƮȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊةǿƵȯƵȲǐɐȁɈȌɐȯȌȲȱɐƵ
eu não estudaria gênero no mestrado, sendo que o que eu queria estudar era outra coisa. Também tem essa questão, de que, como você é uma militante feminista, você necessariamente
tem que estudar isso. Eu acho que é importante, sim, a academia estar ligada aos movimentos
feministas, obviamente, mas não é porque nós não temos uma atuação na academia que isso
nos impede de estar ligadas.
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Então, é pensar que tem uma demanda, e é uma movimentação que está rolando em parte da
ƊƧƊƮƵǿǞƊةƮƵɐǿƊǞȁɈƵȲȌɐɈȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞƮƊƮƵةƵƊǠƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺȌƦȲƵƧƵȲɈȌȺɈƵǿƊȺɨƣȌ˛ƧƊȲ
cercadas dentro de um departamento. Você não precisa estar dentro de um departamento de
ƵȺɈɐƮȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌȯƊȲƊƵȺɈɐƮƊȲǏƵǿǞȁǞȺǿȌȌɐȱɐƵȺɈȪƵȺmJ À©Xخڕ0ɐƵȺɈȌɐɨƵȁƮȌɐǿƊǿȌɨǞmentação sim, ou estou com meus óculos de Poliana vendo tudo bonito, porque é justo o que
eu com o meu grupo de estudos tentei fazer, que é essa interdisciplinaridade, de associar várias
áreas de conhecimento. Então a gente está lidando com a antropologia e linguística e neurociência, ao mesmo tempo, costurando as coisas. Eu acho que é assim que tem que fazer também
para essa parte das questões de gênero. Então eu estou lá, na linguística, tentando fazer coisas
com isso também. Por exemplo, tem a parte da linguística descolonial, que vai buscar nas bases
de um pensamento de divisão binária de mundo, coisas para discutir língua, mas que ao mesmo
tempo eu uso para minha formação individual como feminista e como LGBT. Então acho que é
uma articulação no sentido de cruzar departamentos que em algum momento não existiam.
Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera
27
Coletivo Sycorax
J بEu acho que também tem uma limitação nos nossos feminismos plurais porque a
gente é racialmente localizada, socialmente localizada, então também temos essa limitação
dentro do coletivo. Como trazer pautas que a gente não necessariamente vive na pele? Isso
28
também é uma coisa importante de pontuar.
h بO que eu queria acrescentar tem a ver com a nossa experiencia na tradução. Quando
a gente traduziu Calibã e a bruxa, a gente organizou um lançamento na Escola Livre Ocupada
que era um projeto do Movimento Terra Livre. A Lia Urbini, ela participou da inauguração da
escola. Então ela foi convidada para falar justamente da pesquisa dela, sobre a participação
do Itaú Unibanco nas políticas públicas para educação. Então a gente conhecia esse projeto,
como funcionaria essa escola, esse espaço formativo dentro de uma ocupação de moradia e aí
ƮƵƧǞƮǞǿȌȺǏƊɹƵȲȌǶƊȁƪƊǿƵȁɈȌǶƋ©خɐƊȁƮȌ˛ɹƵǿȌȺةƧȌȁɨǞƮƊǿȌȺƊ(ƵƦȌȲƊwƊȲǞƊƮƊ²ǞǶɨƊةƮȌǿȌvimento Mães de Maio, a Monique Prada, da Central Única das Trabalhadoras e Trabalhadores
Sexuais, e a Regiany Silva, que era do coletivo Nós, mulheres da periferia. Sempre mencionamos
ǞȺȺȌȯȌȲȱɐƵȱɐƊȁƮȌ˛ɹƵǿȌȺƵȺȺƵƮƵƦƊɈƵȌȱɐƵƊƧȌȁɈƵƧƵɐǏȌǞȱɐƵƊȯȍȺƊƊȯȲƵȺƵȁɈƊƪƣȌƮƊ²ǞǶɨǞƊ
[Federici], todas elas foram acolhendo o que a Silvia apresentou e de alguma forma atualizando
dentro da sua própria prática política. Então a Debora Maria mencionou o fato dela ter perdido
Ȍ˛ǶǘȌƮƵǶƊȁȌȺƧȲǞǿƵȺƮƵǿƊǞȌƮƵةפממנȌȱɐƊȁɈȌƵǶƊɈƊǿƦƶǿȺƵȺƵȁɈǞƊɐǿƊƦȲɐɮƊƵȱɐƵƵǶƊ
associava o encarceramento em massa do Estado com a caça às bruxas. Então dentro do que a
Silvia estava apresentando, ela fez essa conexão. A Regiany Silva mencionou como ela vivenciou
isso, do ponto de vista de quem estava na periferia naquele momento, quando aconteceram
os crimes, e impossibilitada de sair da casa dela. E o quanto essa situação e como a informação
chegava levou ela a problematizar isso: a necessidade de fazer um jornalismo que noticiasse
da periferia para a periferia. A Monique Prada, por sua vez, também conectou pelo fato dela
se sentir como essa parte desses sujeitos. Quem que está na margem? Quem que é matável?
Quem que pode morrer? E isso gerou uma situação que para gente foi importante, em que a
gente pensou o livro como um exercício de tradução política também. E a Shis[laine de Oliveira]
estava traduzindo para a Silvia do português para o inglês. Quando a Shis traduziu o número
ƮƵ ǿȌȲɈȌȺ ةȱɐƊȁƮȌ Ɗ (ƶƦȌȲƊ ǏƊǶȌɐ ȱɐƵ ǏȌȲƊǿ ממסןǿȌȲɈƵȺ Ƶǿ ɐǿ ǿƺȺ ةƊ ²ǞǶɨǞƊ ȁƣȌ ƵȁɈƵȁƮƵɐخ0ǶƊǏƊǶȌɐٗȁƣȌةɨȌƧƺƮƵɨƵɈƵȲɈȲƊƮɐɹǞƮȌƵȲȲƊƮȌ٘خ0ǶƊ˛ƧȌɐƊȺȺȌǿƦȲƊƮƊƧȌǿƊȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵ
de que fossem tantas mortes. E aí a Shis falou “não, eu traduzi isso mesmo, esse é o número”.
Então tem um pouco um exercício, uma triangulação de traduções que para a gente foi muito
ǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵ(خƊǠȯƵȁȺƊǿȌȺƧȌǿȌȲƵƊǶǿƵȁɈƵȁƣȌȺƵƵȺǐȌɈƊةȌ˛ǿȁƣȌƶȌǶǞɨȲȌخ0ȁɈƣȌƊǐƵȁɈƵ
vai ter que pensar que o nosso trabalho vai estar sempre um pouco para além disso, tentando
incorporar essas demandas, sejam essas necessidades que a gente percebe, as lacunas, como a
!ƵƧǞǶǞƊIƊȲǞƊȺǿƵȁƧǞȌȁȌɐسȺƵǯƊȱɐƊȁƮȌƊǐƵȁɈƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȱɐƵȌȺƮƵƦƊɈƵȺɨƣȌȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊȁƮȌ
conforme a gente vai formando repertórios, conforme a gente vai se apropriando das discussões, até para fazer as críticas que cabem, né, gente? Mas, digamos, é um ponto de partida.
J بE acho que isso tem a ver com nosso conceito de tradução também. Como as convidaƮƊȺɈȲƊƮɐɹǞȲƊǿȯƊȲƊƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵƮƵǶƊȺȌǶǞɨȲȌةȺƵǿɈƵȲǶǞƮȌȌǶǞɨȲȌةƊǞƮƵǞƊƮƵǏƊɹƵȲƊȺȌ˛ƧǞȁƊȺȯƊȲƊ
lidar com as realidades das mulheres de outros territórios.
!ȌǶƵɈǞɨȌ²ɯƧȌȲƊɮȁƊȺƧƵƵǿǐȲƊȁƮƵǿƵƮǞƮƊƮƊƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊƊȁɈƵȲǞȌȲȁƊȲƵɨǞȺɈƊJƵȁǞةƧɐǯƊȺ
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021
Entrevistas
J بFoi, e as técnicas também. Enquanto a Ju estava falando desse evento, que era a apreȺƵȁɈƊƪƣȌƮȌǶǞɨȲȌƮƵةפןמנȱɐƵƊǞȁƮƊȁƵǿƵȲƊƮƊƵƮǞƪƣȌǞǿȯȲƵȺȺƊةƵɐǶƵǿƦȲƵǞƮƊmǞƊǏƊɹƵȁƮȌƊ
tradução simultânea. A gente projetou um word na tela e a gente estava passando ao mesmo
tempo que a Silvia ia falando. Que é um jeito muito... improvisado de fazer isso. Por exemplo, a
gente agora tem usado o Wordfast e várias outras ferramentas de tradução que a gente não
usava, que não usamos no CalibãسƧȌǿƵƪƊǿȌȺƊɐȺƊȲȁȌReencantando. Ju, você quer contar
como foi a ideia da tradução do Calibã e a bruxa, como é que íamos publicar originalmente?
h بSim, porque tem a ver com essa pregunta de vocês da Geni, porque a gente traduzia
muitas coisas para a Geni. Então esse exercício da tradução já fazia parte das atividades que
algumas pessoas desse corpo editorial faziam, mas quando estávamos fazendo a edição sobre
Campo, que era a Lia Urbini a editora, dentre as coisas que a gente pensou sobre essa edição,
principalmente falar, não do campo, mas da relação do campo com a cidade, trabalhamos muito nessa chave. E pensamos que era uma edição na qual o livro caberia, que o livro fosse traduzido para pensar os processos de espoliação, de expropriação, os processos literais de expropriação da terra. E pensar para além disso também, nesse exercício que a Silvia faz, pensando quais
são esses mecanismos que entram em operação nesse movimento de acumulação do capital,
de crise capitalista, quais são os mecanismos que funcionam. A gente achou que caberia. Então tivemos uma ideia de traduzir em fascículos na revista, no formato da revista. Mas a gente
se deu conta que era um projeto que exigiria muito mais de nós, que precisaríamos levar a
ɈȲƊƮɐƪƣȌƮȌƧȌǿƵƪȌƊȌ˛ǿƵةƧȌǿȌƊȲƵɨǞȺɈƊƊƧƊƦȌɐƮƵǞɮƊȁƮȌƮƵƵɮǞȺɈǞȲ, decidimos nos estruturar como coletivo para concluir, porque de certa forma já tínhamos começado. A Aline Sodré
já tinha feito as primeiras traduções, antes mesmo do coletivo existir, então a gente estruturou
o coletivo depois e até por isso o nome, porque já tinha a obra, já existia a tradução, o processo
de tradução do !ƊǶǞƦƣƵƊƦȲɐɮƊ لantes do coletivo existir. E depois a gente se entendeu como
coletivo no meio do caminho e continuamos até agora. Mudando as nossas práticas e também
as nossas compreensões sobre o que seria a tradução, o que seria a tradução feminista.
! بAcho que a parte depois desse processo de abrir caminhos, de se jogar no mundo
como coletivo de tradução, com o passar do tempo gente foi entrando em contato, conhecenƮȌȯƵȺȺȌƊȺƵǿȌ˛ƧǞȁƊȺƵƊɈǞɨǞƮƊƮƵȺخخخ0ƊǠǏȌǞƧǘƵǐƊȁƮȌǿƊǞȺǐƵȁɈƵǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮƊƵǿȯƊȲɈǞƧǞȯƊȲ
ƮƵȺȺƵ ȯȲȌƧƵȺȺȌ خȌ ǶȌȁǐȌ ƮƵ ةמנמנȁȌ ȯȲǞǿƵǞȲȌ ƊȁȌ ƮƵ ȯƊȁƮƵǿǞƊ ةƊ ǐƵȁɈƵ ɈȲƊƮɐɹǞɐ ɐǿ ǶǞɨȲȌ
com vinte pessoas, nós somos vinte pessoas vindas de lugares diferentes, tanto territorialmente
como de formação e vivência. E também lidar com isso, como pegar vinte pessoas para lidar
com o livro?... A gente conheceu muita gente, né? Essa é uma parte muito legal.
J بÉ, e acho que na pandemia a gente teve que se reunir pela internet e isso também
ȺǞǐȁǞ˛ƧȌɐةȯƵȁȺƊȁƮȌȁɐǿȯȌȁɈȌȯȌȺǞɈǞɨȌةƊȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺƮƵȌɐɈȲȌȺǶɐǐƊȲƵȺȯƊȲɈǞciparem também.
h بIsso acabou mudando a nossa prática e também como vemos a tradução. Pegando a
ȱɐƵȺɈƣȌةƵɐƊƧǘȌȱɐƵȁȌƧȌǿƵƪȌȁƣȌƵɮǞȺɈǞƊɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌȌɐȺȌƦȲƵƊɈȲƊƮɐƪƣȌ
ǏƵǿǞȁǞȺɈƊخÀǞȁǘƊƊ!ƵƧǞǶǞƊªȌȺƊȺةƧǶƊȲȌةȱɐƵƶɐǿƊɈȲƊƮɐɈȌȲƊȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶƵǏƊɹȯƊȲɈƵƮȌƧȌǶƵɈǞɨȌ
ƵǯƋɈȲƊƦƊǶǘƊɨƊǏƊɹƵȁƮȌɈȲƊƮɐƪƣȌخwƊȺƵȺȺƊȲƵ˜ƵɮƣȌةȁȌȺƵȁɈǞƮȌƮƵȺƵȲƊȯȲȌȯȲǞƊƮƊȯȌȲɈȌƮƊȺةƮƵ
ɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȱɐƵƧȌǶƵɈǞɨƊǿƵȁɈƵƊǐƵȁɈƵǏƊɹةɨƵǞȌȯȌȺɈƵȲǞȌȲǿƵȁɈƵȱɐƊȁƮȌƧȌǿƵƪƊǿȌȺƊȯƵȁȺƊȲ
sobre isso. É tradução feminista? É tradução coletiva? É tradução feminista e coletiva? E quais
debates existem no campo da tradução que a gente sente que dão conta da nossa prática. Foi
4 O site da revista segue disponível, sendo possível acessar todas as edições publicadas, de forma livre e gratuita:
https://revistageni.org.
ׅIlustradora, tradutora, formada em Direito.
Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera
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Coletivo Sycorax
um pouco conhecer, entrar em contato com isso, com a discussão sobre translocalidade, sobre
tradução transnacional. Isso vem nesse momento em que a gente se propõe a escrever sobre
esse processo de tradução do Calibã e a bruxa, que a gente publicou o artigo na Mutatis Mu-
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tandisא. Tentamos pensar sobre as escolhas, sobre as inserções que tivemos. Não só em relação
ao texto, mas também em relação aos paratextos. A gente começou a entender o quanto eles
foram um recurso que a gente sentiu necessidade de expor. Pensar sobre a capa, pensar sobre
as notas de tradução, pensar sobre como nos colocar dentro de uma nota, que chamamos
ٗyȌɈƊƮƊȺɈȲƊƮɐɈȌȲƊȺ٘ةƵƮƵȯȌǞȺɨƵǞȌƊȲƵ˜ƵɮƣȌٗبƊǘةɈƋةȲƵƊǶǿƵȁɈƵȺƣȌȌȺȯƊȲƊɈƵɮɈȌȺخخخƊǐƵȁɈƵǏƵɹ
ɐȺȌƮƵǶƵȺةȲƵƊǶǿƵȁɈƵƶǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵ٘خ0ȁɈƣȌǏȌǞɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȯȌȺɈƵȲǞȌȲةǿƊȺȱɐƵǏȌǞǏɐȁƮƊǿƵȁtal, porque de certa forma foi também apontando pra gente caminhos para o coletivo. Então
vemos essa relação entre teoria e prática de uma forma bem orgânica. A gente vai buscar na
ɈƵȌȲǞƊɐǿȯȌɐƧȌƮƵȱɐƵȺɈȪƵȺȱɐƵȲƵ˜ƵɈƵǿƊȯȲƋɈǞƧƊƵƊȁȌȺȺƊȯȲƋɈǞƧƊɨƊǞƧȲǞƊȁƮȌةɨƊǿȌȺɈƵȁɈƊȁdo teorizar sobre ela. A Cecilia Farias pode falar melhor disso, da “tradução comunizante”, mas
foi onde a gente entendeu que essas parcerias, essas relações, estavam apontando para uma
outra prática que foi nomeada assim no processo de tradução de Reencantando o mundo,
como tradução comunizante. Vamos sentindo a necessidade de nomear coisas que estamos
vivenciando na nossa prática tradutória.
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ɈȌȯȌǶǠɈǞƧȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶةȯȌƮƵȲǞƊǿȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌǿƊǞȺȺȌƦȲƵƊɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊ
ƮƵȺȺƊƧȌȁƧƵȯƪƣȌد
h بAcho que a Cecilia pode complementar porque ela esteve mais envolvida no processo
de Reencantando o mundo, mas, assim, a gente entrou em contato com a Sonia Álvarez e também com a Olga Castro, e a gente conheceu as discussões sobre o que seriam essas perspectivas transnacionais e aí ela conectava com o que a gente entendia como o projeto do feminismo,
de ser anticapitalista ou não será, será outra coisa. Nisso sempre tivemos uma relação muito forte com o projeto da Silvia, que é internacionalista, de que a gente tem que pensar como essas
redes de solidariedade se estabelecem. Quando a gente conheceu a Silvia, ela estava fazendo
uma plataforma onde várias mulheres do mundo inteiro colaboram, compartilhando estudos
sobre mulheres e violênciaב. Quando a gente a conheceu, a Silvia já estava vindo de uma articulação, então [transnacional] dentro do projeto do coletivo, pensando que seria um projeto
feminista. Transnacional por essa questão de quem vivencia América Latina e percorre... quem
ɨǞɨƵȁƧǞƊȌȱɐƊȁɈȌƵȺȺƊȺǏȲȌȁɈƵǞȲƊȺȺƣȌƵɮƧǶɐƮƵȁɈƵȺةƊȲɈǞ˛ƧǞƊǞȺةȯȌȁɈȌȺƮƵƵɮƵȲƧǠƧǞȌƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊخ0
aí a gente foi pensando mais por esse link da estratégia política, quando elas discutem o feminismo transnacional como estratégia política. E aí teve um vínculo, a gente vinculou um pouco
a nossa prática a isso, até que depois no artigo a gente chegou numa forma de nomear isso, que
era essa da “tradução comunizante”, que a Cecília pode falar.
J بAntes da Cecília falar da comunizante, tem uma outra discussão que a gente levantou
nesse artigo, que também concordo com tudo o que a Ju falou, foi muito importante a gente
ɈƵȲȲƵ˜ƵɈǞƮȌȺȌƦȲƵȌȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵɐǿƊǏȌȲǿƊɈƵȍȲǞƧƊخIȌǞǿɐǞɈȌǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵƵƊǶƶǿƮǞȺȺȌɈƵǿ
׆ªȌȺƊȺ!ةƵƧǠǶǞƊ سǞɈɈƵȁƧȌɐȲɈةhɐǶǞƊȁƊسXɹǞƮȌȲȌةmƵǞǶƊJǞȌɨƊȁƊƵwƊƧƵƮȌة²ǘǞȺǶƵȁǞƮƵǶǞɨƵǞȲƊ!خف׀ׂ׀ׂـخȌȁǯɐȲƊȁƮȌɈȲƊduções: a tradução coletiva de Caliban and the Witch ao português brasileiro como estratégia feminista transnacional. Mutatis Mutandis. Revista Latinoamericana de Traducción, 13(1), p. 117-138.
ׇA Plataforma Feminista sobre Violências, conforme menciona a entrevistada, consiste num espaço comum de
pesquisa sobre a violência contra as mulheres, as novas formas de acumulação capitalista e resistências. A Plataforma é criação de mulheres que vivem em Nova Iorque e que veem nela a possibilidade de compartilhar saberes
ƵƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺƧȌǿǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƊȌȲƵƮȌȲƮȌǿɐȁƮȌƵɨǞƊƦǞǶǞɹƊȲȯȲȌǯƵɈȌȺƧȌǿɐȁȺȯƊȲƊȌ˛ǿƮƵȺȺƊȺɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺخ0ȺɈƋ
disponível, em inglês e espanhol, na página: https://feministresearchonviolence.org/.
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Entrevistas
a discussão do translocal. Também existia essa discussão de que as fronteiras dos Estados são
ƊȲɈǞ˛ƧǞƊǞȺƵǯɐȺɈƊǿƵȁɈƵȯȌȲǞȺȺȌȱɐƵƵȺȺƊȺƊɐɈȌȲƊȺǏƊǶƊǿƮƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮȌƧȌȁƧƵǞɈȌƮƵɈȲƊȁȺǶȌƧƊǶǞƮƊƮƵƊȌǞȁɨƶȺƮƵɈȲƊȁȺȁƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵخǐƵȁɈƵ˛ƧȌɐɐǿȯȌɐƧȌȁȌȺƮȌǞȺƮɐȲƊȁɈƵȌƊȲɈǞǐȌةƊ
gente fala de translocal, transnacional. Também porque foi o primeiro contato que a gente teve
ƧȌǿƵȺȺƊȺɈƵȌȲǞƊȺةƵȁɈƣȌƊǐƵȁɈƵƊǞȁƮƊɈƵǿƮɑɨǞƮƊȺȺȌƦȲƵƵǶƊȺخȱɐƊȁɈȌƵǶƊȺȯȌƮƵǿȲƵ˜ƵɈǞȲ
exatamente o que a gente faz? A gente está tentando se encontrar. Acho que esse artigo foi
uma forma da gente tentar se localizar em relação às teorias de tradução. Aí a Cecilia pode falar
da comunizante.
! بNem sei se eu posso falar tanto assim, mas foi todo um processo, um pouco diferente
no começo, porque geralmente, nos outros livros, a gente ia fazendo um glossário de termos
ao longo da tradução e, nesse caso, a gente já começou a levantar termos desde o início. Então
mesmo antes de fazer a tradução, já foi feita uma leitura geral. E aí tem uma coisa de tradução
comunizante no sentido de que a tradução é uma coisa que se faz em conjunto como um ato
de solidariedadeةǯƋɨǞƵȺȺƵɈƵȲǿȌȯƊȲƊǞȺȺȌخ0ȁɈƣȌةƊȌǞȁɨƶȺƮƵɨȌƧƺ˛ƧƊȲǏȌƧƊȁƮȌƵǿǶȍǐǞƧƊȺ
de propriedade, sabe? “esse pensamento pertence a alguém”, “esse conhecimento...”, você vai
torná-lo comum, e não é sozinho. Não é tipo “eu passo aqui isso pra você”, não, a gente constrói juntas, sabe? Então a gente passa pra português, passa para outra língua juntas, a gente
ȲƵ˜ƵɈƵǯɐȁɈƊȺةƊȺƵȺƧȌǶǘƊȺȺƣȌǏƵǞɈƊȺƮƵǏȌȲǿƊƧȌǶƵɈǞɨƊةƮƵǏȌȲǿƊƧȌǿɐǿخƧǘȌȱɐƵȌƧȌǿɐȁǞzante vai nesse sentido. Principalmente isso, de sair dessa lógica de propriedade de via de mão
ɑȁǞƧƊةȺƊƦƵ(دƵɐǿƊƧȌǞȺƊȱɐƵɨƊǞƵɨƵǿةƵȁƣȌȯȲǞȌȲǞɹƊȲ˛ƮƵǶǞƮƊƮƵƮƵɈƵȲǿȌȺɈƊǿƦƶǿخƧƊƦƊ
sendo mais a tradução como atividade formativa, que era uma coisa que o coletivo já fazia de
ƊȁɈƵȺ! خȌǿȌ Ɗ ǐƵȁɈƵ ǏƊǶȌɐ ƊȱɐǞ ةȱɐƵ ȁƣȌ ɈƵǿȌȺ ɐǿƊ ǏȌȲǿƊƪƣȌ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊ ةǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶ ةƵǿ
questões de gênero e feminismo anticapitalista, mas a gente vai se formando enquanto traduz.
ɈȲƊƮɐƪƣȌƊƧƊƦƊȺƵȁƮȌɐǿǿƵǞȌةǿƊǞȺƮȌȱɐƵɐǿ˛ǿخ
hب0ƊǐƵȁɈƵǏƵɹȌ˛ƧǞȁƊȺǞȁɈƵȲȁƊȺةȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌƊ!ƵƧǞǶǞƊªȌȺƊȺƮƵɐɐǿƊȌ˛ƧǞȁƊȯȲƊǐƵȁɈƵة
de tradução. A Lia, por exemplo, falou muito também sobre revisão. Acho que um pouco dos coȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȺȱɐƵƊǶǐɐǿƊȺɈǞȁǘƊǿȯȌȁɈɐƊǶǿƵȁɈƵةƊȯƊȲɈǞȲƮƊȺƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǞȺƮƵǶƊȺة
e isso ia sendo compartilhado internamente. Também teve esses movimentos internos.
ßȌǶɈƵǿȌȺƊƊǶǐȌȱɐƵɈƊǿƦƶǿȯȌƮƵȺƵȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƊȌƧȌǿɐȁǞɹƊȁɈƵبȌȺƵɨƵȁɈȌȺƵȌ˛ƧǞȁƊȺȱɐƵ
ɨȌƧƺȺȌȲǐƊȁǞɹƊȲƊǿǶƋȁƊȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌƮٚ!ƊǶǞƦƣƵƊƦȲɐɮƊةƧȌǿƊȯȲȍȯȲǞƊIƵƮƵȲǞƧǞƵƮǞƊǶȌǐƊȁٌ
ƮȌƧȌǿƮǞɨƵȲȺȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȺȌƧǞƊǞȺ§خȌƮƵȲǞƊǿȁȌȺƧȌȁɈƊȲɐǿȯȌɐƧȌƮƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮƵȺȺƵ
ƧȌȁɈƊɈȌȯƊȲƊƊȯȲƋɮǞȺƮȌ!ȌǶƵɈǞɨȌƵȁȱɐƊȁɈȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊد
h بEu acho que temos alguns exemplos a mais pra dar. Por exemplo, eu comentei lá trás
como foi o evento. Mas nele estava a Monique Prada. Ela traduziu com a gente o Ponto zero da
revolução. Em outras atividades a gente convidou a Helena Silvestre para estar com a gente,
e a antologia, que é um projeto que a gente tem agora, a gente faz com a Helena. Então tem
algumas pessoas de movimentos sociais que a gente chamava pra debater com a gente, também porque elas tinham uma prática de tradução. Isso é super interessante. A Monique Prada
traduzia para Mundo Invisívelג, que é um site onde ela já traduzia vários textos. E a Helena traduzia na revista Amazonas דtambém, precisava traduzir. Então de certa forma as pessoas vão se
encontrando dentro do movimento social também pela tradução. É um exemplo de como vão
se dando as parcerias, é assim que a gente vai constituindo essas redes depois para os projetos.
8 Mundo Invisível é um projeto de mídia livre dedicado à defesa dos direitos e dos interesses das trabalhadoras
sexuais cis e transgênero, disponível em: https://mundoinvisivel.org/
9 Revista feminista e anticapitalista feita por mulheres, disponível em: https://www.revistaamazonas.com/
Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera
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Coletivo Sycorax
! بE é louco observar que também na base da formação, né? A parte das atividades e
Ȍ˛ƧǞȁƊȺةƵǶƊȺȁƣȌȺƣȌɐǿȺƵǐɐȁƮȌȯƊȺȺȌةƵǶƊȺȺƣȌȌȁƊȺƧǞǿƵȁɈȌǿƵȺǿȌةȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵƵǿƵȲgência do coletivo.
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J بNo Ponto zero da revoluçãoǞȁƧǶɐȺǞɨƵƊǐƵȁɈƵǏƵɹƊȺȌ˛ƧǞȁƊȺƵةƮƵȯȌǞȺةȌǶƊȁƪƊǿƵȁɈȌخ
h بLembrei também da Luciana Carvalho Fonseca. A gente conheceu em um debate que
a gente organizou com a Silvia Federici, com George Caffentzis, na Fundação Rosa de Luxemburgo, e ela fez toda a tradução simultânea para a Silvia, ou uma boa parte dela, porque também estava a Maria Teresa Mhereb. Foram pessoas que a gente conheceu em uma atividade
organizada pelo coletivo e depois a Luciana soube que tinha a editora Ema Livros e aí ela começou a participar com a gente. Ela é professora da USP, tem grupos de estudo em tradução
feminista inclusive. Tem algum link entre pensar essa relação, esse trânsito entre a academia,
os movimentos sociais, a prática do coletivo, porque a gente também não acha que está parada
em um lugar exatamente.
J بÉ, basicamente mulheres em movimento que encontram outras mulheres em movimento e fazem um movimento maior (risos). E o legal é que a revista Amazonas é bilingue
português-espanhol.
0ȁȱɐƊȁɈȌɈȲƊƮɐɈȌȲƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺةƧȌǿȌɨȌƧƺȺȯƊɐɈƊǿƊƵȺƧȌǶǘƊƮƊȺȌƦȲƊȺȯƊȲƊɈȲƊƮɐɹǞȲد
J بEu acho que para além das questões de conteúdo político da obra, também tem a
questão do projeto editorial original, porque a nossa proposta desde o começo foi publicar as
obras de forma aberta. Então, direitos autorais podem impedir que isso aconteça. As obras que
ƊǐƵȁɈƵɈȲƊƮɐɹǞɐƊɈƶƊǐȌȲƊةɈȌƮƊȺƵǶƊȺǏȌȲƊǿȯɐƦǶǞƧƊƮƊȺƧȌǿǶǞƧƵȁƪƊȺ˜ƵɮǞƦǞǶǞɹƊƮƊȺةǶǞƧƵȁƪƊȺƮȌ
Creative Commons. Isso foi uma coisa importante pra gente. A Ju pode contar melhor como
foi esse processo de entrar em contato com a Autonomedia, que foi a editora que publicou o
Calibã e a bruxaسƮƵȯȌǞȺƧȌǿƊÀȲƊ˛ƧƊȁɈƵƮƵȺɐƵȋȌȺةȱɐƵǏƵɹƊȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌȁƊ0ȺȯƊȁǘƊخ0ȁɈƣȌ
também tem a ver com isso, a escolha das obras também tem a ver com outros projetos editoriais, que partem de pressupostos parecidos com o nosso, nesse sentido.
h بDa Autonomedia, tem essa questão de a Silvia colocar a gente em contato, de ser um
projeto que publicou com uma licença anti-copyright, que disponibilizou pra gente toda a icoȁȌǐȲƊ˛ƊƮȌǶǞɨȲȌخȯƊȲɈǞȲƮƵȺȺƊǞƧȌȁȌǐȲƊ˛ƊƊǐƵȁɈƵǏƵɹɐǿƊȯƵȺȱɐǞȺƊɈƊǿƦƶǿةƊǐƵȁɈƵƦɐȺƧȌɐ
outras imagens e contextualizar melhor também algumas das imagens. Mas, assim, parte de
ɐǿƵɮƵȲƧǠƧǞȌƮƵȯȲǞǿƵǞȲȌةȯȌƮƵȲخخخƊǐƵȁɈƵȯȌƮǞƊɈȲƊƮɐɹǞȲةƊǞȁƮƊȱɐƵƊǐƵȁɈƵȁƣȌ˛ɹƵȺȺƵɐȺȌƧȌmercial, que as licenças abertas permitem a gente fazer. A gente também teve que compreender melhor como escolher essas licenças, isso foi um debate que a gente teve também. E acho
que isso foi importante do porquê que a gente pode, nem sendo um coletivo ainda, traduzir a
ȌƦȲƊƮƊ²ǞǶɨǞƊخȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺȱɐƵƊǐƵȁɈƵƵȁƧȌȁɈȲȌɐƮƵȯȌǞȺةƵǿȌɐɈȲƊȺȌƦȲƊȺƮƵǶƊȱɐƵƊǠةȺǞǿة
estavam com editoras que detinham os direitos autorais. A gente já tinha tido condições de se
ƵȺɈȲɐɈɐȲƊȲƧȌǿȌƧȌǶƵɈǞɨȌȯƊȲƊƮǞƊǶȌǐƊȲƧȌǿȌɐɈȲƊȺƵƮǞɈȌȲƊȺةȱɐƵ˛ɹƵȲƊǿƵȺȺƊǞȁɈƵȲǿƵƮǞƊƪƣȌخ
E aí eventualmente compraram os direitos autorais, como no caso da Elefante, ou o caso da
Ema agora, e o coletivo conseguiu negociar a disponibilização da tradução, entendendo que a
tradução tem direitos autorais também, que é considerada uma obra intelectual. E aí a gente
libera nossa tradução. Geralmente a editora também é parceira porque compartilha com o proǯƵɈȌǐȲƋ˛ƧȌةɈƵȁɈƊƮǞȺȯȌȁǞƦǞǶǞɹƊȲȌȯƮǏƮƵɐǿƊǏȌȲǿƊȱɐƵȺƵǯƊɐǿƊƧƵȺȺȌƜȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌǿƵȺǿȌخ
Mas acho que a gente teve esse movimento inicial, passou por isso. Foi muito importante que o
Calibã foi publicado sem copyright também. Depois disso a gente consegue ir se entendendo
melhor. Pra além disso, a gente sempre vai traduzir obras que sejam anticapitalistas, que façam
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021
Entrevistas
essa discussão que nos interessa. É um ponto de partida. E agora não só feministas, porque
agora no projeto da antologia a gente está querendo traduzir mulheres que não necessariaǿƵȁɈƵȺƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌةǿƊȺǏƊɹƵǿȯƊȲɈƵƮƵƊǶǐɐǿǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺȌƧǞƊǶخ0ȁɈƣȌة
independente dos recortes que a gente possa fazer, eu acho que a gente tem procurado também se conectar com práticas, com pensamentos, diversos sobre a situação das mulheres, ou
ǿƵȺǿȌȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺةǿƊȺȁɐǿƊȲƵǶƊƪƣȌȱɐƵǞȁƧǶɐȺǞɨƵȯȌƮƵȺƵȲƧȌȁ˜ǞɈǞɨƊخǐƵȁɈƵƵȺɈƋǞȁɈƵressada em percorrer alguns caminhos por aí...
§ƊȺȺƊȁƮȌƊȌɐɈȲȌɈƵǿƊةƧȌǿȌɨȌƧƺȺȯƵȁȺƊǿƊȱɐƵȺɈƣȌƮƊƮǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵǶǞȁǐɐǠȺɈǞƧƊȁƊȲƵǐǞƣȌ
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!بƧǘȌȱɐƵـƵǞȺȺȌƵɐƵȺɈȌɐƵǶƊƦȌȲƊȁƮȌƊȱɐǞةǐƵȁɈƵةȁƣȌƶƊȺȺǞǿɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌƊȁɈƵȲǞȌȲفȌ
simples fato da gente lembrar que não existem só línguas europeias sendo faladas no continente já é o primeiro passo pra gente ter um respeito, um mínimo respeito. Agora, por exemplo, na
antologia a gente estava lidando... a gente começou ali pela América Central, e aí tem regiões
que o espanhol é a língua hegemônica e aí quem quer ser contra hegemônico prefere usar
o inglês e aí, às vezes, a gente tem o estereotipo de “ah, falou espanhol, tá lindo, maravilhoso.
Vamos correr toda a América Latina”, e não é assim. Assim como falar português não quer dizer
que você vai falar com todo habitante de território brasileiro. Tem gente que não fala português,
que fala a sua língua originária ainda hoje. Então antes de tudo, é lembrar disso, lembrar desȺƊȺƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƵȺǶǞȁǐɐǠȺɈǞƧƊȺǶȌƧƊǞȺخÀƵȁɈƊȲƵȁɈƵȁƮƵȲخǐƵȁɈƵƊƧƊƦƊǶǞƮƊȁƮȌƧȌǿɈƵȲǿȌȺƮƊȺ
línguas originárias que estão ali junto, com o espanhol, por exemplo. E aí a gente ir atrás disso,
não apagar, não tentar simplesmente traduzir sem apontar da onde vem aquele termo. É o que
me vem agora à mente, gente.
J بEu acho que essa questão está bem colocada agora mesmo pra gente, na antologia. A
ǐƵȁɈƵƵȺɈƋɈƵȁɈƊȁƮȌƵȁɈƵȁƮƵȲƧȌǿȌǶǞƮƊȲƧȌǿƵǶƊǿƵȺǿȌ§خȌȲȱɐƵةƵȁ˛ǿةƧȌǿȌƊǐƵȁɈƵɈȲƊƮɐziria algo de uma língua que a gente não conhece nada, e que poucas pessoas conhecem? Pra
fazer essa tradução. Esse é um problema, como fazer isso acontecer, né?
! بE de lembrar que os povos são muito diferentes. Assim como a gente não pode falar de
um indígena brasileiro... tem toda uma discussão, os indigenistas têm discussões sobre isso de
que “ai, é índio e aí é tudo igual”, “ai, isso é indígena”. Tá, mas qual? Caingangues ou Tupinambá? Assim como a gente não pode falar “Ah, esses povos andinos são iguais” ou “esses povos da
wƵȺȌƊǿƶȲǞƧƊ٘ةɈȲƊɈƊȲƧȌǿȌɐǿƊƧȌǞȺƊȺȍخmƵǿƦȲƊȲȌɈƵǿȯȌɈȌƮȌȱɐƵخخخƵȁ˛ǿةȺƵƮƵȺƦȲƊȁȱɐǞɹƊȲة
digamos assim, porque a gente também tem uma formação eurocentrada. A gente tem que
estar o tempo todo alerta pra lembrar que a gente tem essa formação e que a gente precisa
desfazer isso.
h بEu queria só acrescentar que, por exemplo, na experiência no México, na Escolinha
ðƊȯƊɈǞȺɈƊةƵɐƵȁɈȲƵǞƵǿƧȌȁɈƊɈȌƧȌǿƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȱɐƵȌǞƮǞȌǿƊȱɐƵǏƊǶƊɨƊǿƵȲƊȌɈɹȌɈɹǞǶةɈȌjolabal e o tzetzal. E um dos processos que foi importante para o zapatismo foi o de valorização
das línguas indígenas, inclusive um dicionário de tzetzal para o espanhol. E o quanto as pessoas se orgulhavam de falar as línguas, o quanto isso era diferente em outros contextos, que
não em comunidades zapatistas, esse orgulho de falar sua língua. Eu participei de atividades
em que não foi traduzido pra mim. Eu lembro de ter perguntado “O que que foi dito?” e aí me
falarem “Bom, eu não vou traduzir. Às vezes a gente não traduz também”. Então tem coisas
interessantes da nossa experiência, a Cecilia Farias mencionou agora da antologia. Quando a
gente entrevistou a Dolene Miller, é esse o caso que ela mencionou, que entre o inglês –que é o
Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera
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Coletivo Sycorax
creole que os afrodescendentes da Nicarágua falam– ela prefere ao espanhol, por exemplo. É o
mesmo quando conversamos com a Lorena Cabnal, da Guatemala: uma avó é maya e a outra
ƊɨȍƶɮǞȁDzƊةƵȁɈƣȌɈƊǿƦƶǿɈƵǿɐǿƊȲƵǶƊƪƣȌƧȌǿȌƵȺȯƊȁǘȌǶȱɐƵƶƮƵƧȌȁ˜ǞɈȌةǞȁƧǶɐȺǞɨƵȁƣȌ
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traduzindo alguns termos, trazendo a ideia de “rede da vida” que é tzetzal. Tem um termo que
ela traduz como “rede da vida”, mas procura também não traduzir, trazer as palavras assim, sem
tradução. Então a gente está imersa nisso, a gente não tem uma resposta, porque a gente acha
que isso é uma grande... é muito importante a gente pensar sobre essa diversidade. Duzentas
e setenta e quatro línguas são faladas no Brasil, né? Então a gente tem que pensar nisso de
outras formas, considerando as nossas limitações ou tentando ver com uma parte delas o que é
possível criar, estabelecer essas relações de aproximação. A gente gostou de pensar a tradução
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J بE muitas notas de rodapé (risos). É interessante pensar que ao contrário de outros países da América Latina, aqui... pensar por exemplo o Paraguai, que está do nosso lado, e guarani
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Linguística, mas o que a gente faz com as nossas línguas, das nossas regiões? Por exemplo, São
Paulo também é um território guarani, e o que a gente sabe sobre isso, né? Acho que é uma
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JȌȺɈƊȲǠƊǿȌȺ ƮƵ ƵȁɈƵȁƮƵȲ ƧȌǿȌ ɨȌƧƺȺ ȺƵ ȺɐȺɈƵȁɈƊǿ ǿƊɈƵȲǞƊǶǿƵȁɈƵ ƵȁȱɐƊȁɈȌ ƧȌǶƵɈǞɨȌة
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ƊȺȯƵƧɈȌƮƵ˛ȁƊȁƧǞƊǿƵȁɈȌƮƊȺǞȁǞƧǞƊɈǞɨƊȺƮȌ!ȌǶƵɈǞɨȌد
! بA gente faz isso nas horas vagas (risos). A resposta concisa é essa.
J بA gente não consegue se sustentar só dentro do coletivo, inclusive a gente recebe frequentemente pessoas com ideias de tradução perguntando “Posso ganhar um dinheiro com
isso?”. Então a gente sempre está falando “Olha, se você contar com isso pra você sobreviver,
não vai acontecer”. E ainda mais porque como a gente traduz coletivamente, a gente divide
tudo. Então não teríamos como nos sustentar. Aí inclusive entra a questão que a gente sempre
ƵȺƦƊȲȲƊبƮƵȱɐƵǿɈȲƊƮɐɹȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǶǿƵȁɈƵƧȌǶȌƧƊȲȱɐƵƊȺǞȁǞƧǞƊɈǞɨƊȺƮƵɈȲƊƮɐƪƣȌƧȌǶƵɈǞɨƊȺƣȌ
formas de precarização do trabalho, existe essa discussão. Só que como a gente não faz isso
para ganhar dinheiro... A gente está fazendo isso como projeto político, a gente tem trabalhos
que são o que garantem o sustento. Ou não tem também, porque com esse desemprego, várias
de nós estamos desempregadas. Eu agora voltei a trabalhar faz um mês, então... A gente não
se sustenta com o coletivo e, dependendo de como está a agenda de cada uma também, nos
organizamos.
h بEu acho só importante dizer que com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, que a
gente conheceu nessa atividade na Escola Livre ocupada... eles disseram que tinham interesse
em ajudar na publicação. Então eles adquiriram alguns exemplares e com essa aquisição antecipada - porque aí eles distribuiriam em atividades políticas e tal - aí então, com esse valor antecipado, a gente conseguiu fazer essa coedição. As duas primeiras tiragens do Calibã foram uma
coedição do Coletivo com a Elefante. Isso permitiu a gente fazer um caixa, e esse é o caixa que
permite que a gente pague, por exemplo, a manutenção do site. Ou, ao contrário, por exemplo,
na atividade que a gente fez com a Débora, com a Regiany, com a Monique, a gente não tinha
ȲƵƧɐȲȺȌȁƵȁǘɐǿ(خƊȺȌɐɈȲƊȺɨƵɹƵȺةƊǐƵȁɈƵɈƵȁɈȌɐɐȺƊȲȌƧƊǞɮƊɈƊǿƦƶǿȯƊȲƊɨǞƊƦǞǶǞɹƊȲسƵɨƵȁtualmente a gente complementava. Hoje a gente pode complementar ou pagar um ˹ƊɈǏƵƵ,
uma taxa para uma editora.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021
Entrevistas
! بA gente está terminando de traduzir um livro e a editora que vai lançar pagou os direitos autorais, mas a gente tirou do nosso caixa uma taxa extra para poder disponibilizar o pdf
gratuito.
h بSim, é mais ou menos assim. A gente tem esse caixa, e ele é restrito, mas ele nos permite algumas possiblidades. As vezes de se deslocar para algum lugar, quando era possível. E a
gente foi tentando fazer parcerias, então quando temos um cronograma de atividades pronto
tentamos viabilizar. Ou quando a gente participa de alguma atividade que é remunerada, por
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cada uma, então cada uma chegou a receber alguns valores, mas que são apenas ajuda de
custos, se a gente pensar. Porque realmente são muitas pessoas, e esses valores são sempre
divididos. Mas a gente valoriza muito nosso caixa, essa ideia de ter um caixa, de recursos que
a gente mantém e a gente discute sobre como ir, o que fazer com ele, que destino a gente vai
dando. Até pensando de o coletivo seguir tendo cada vez mais autonomia, também. Ou tentar
ter uma participação maior nos projetos e de repente chegar nesse ponto que a gente chegou
com a Maria Mies, de acrescentar algo para liberar a obra.
J بTal vez seja importante frisar que a primeira edição impressa do Calibã e a bruxa foi
uma coedição que a gente fez com a Elefante, não foi só uma tradução. Até porque a gente negociou junto. A gente conheceu a Fundação Rosa Luxemburgo e depois a fundação apresentou
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feita também. Depois já não entramos em coedição porque isso implicaria que a gente investisse um dinheiro grande, para novas impressões. A gente não conseguiu acompanhar o ritmo de
uma editora. A gente até pensou em se organizar assim, em uma editora, e as pessoas às vezes
acham que a gente é uma editora. Mandam mensagens perguntando se queremos publicar os
ǶǞɨȲȌȺƮƵǶƊȺخ0ȁɈƣȌɈƵǿƵȺȺƊȱɐƵȺɈƣȌبƊǐƵȁɈƵȁƣȌƶɐǿƊƵƮǞɈȌȲƊةȁƵǿɈƵǿȌȺƊƧȌȁƮǞƪƣȌ˛ȁƊȁceira de ser. Com a publicação do Calibã a gente pensou nisso, mas não conseguiu avançar por
conta de várias questões.
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ƵƧȌǿȌǏȌǞȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƊȺɐƊȲƵƊǶǞɹƊƪƣȌد
! بO livro já estava traduzido e daí a gente viu um edital e falamos “vamos mandar pro
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em uma série, em uma sequência. Uma coisa que foi muito bacana, considerando que em
ȯƊȁƮƵǿǞƊȁƣȌȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺǏƊɹƵȲƊȺȌ˛ƧǞȁƊȺȁȌȺǿȌǶƮƵȺȱɐƵǏƊɹǠƊǿȌȺƊȁɈƵȺƵȱɐƵȱɐƵȲǠƊǿȌȺ
fazer. O podcast foi uma forma. Existem várias formas possíveis, essa foi uma que acabamos
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está aí há meses. Bom, e foi um processo de primeiro eleger temas, temas que seriam de realce
ȁƵȺȺƊȌƦȲƊخ0ȁɈƣȌɈƵɨƵبƊƧɐǿɐǶƊƪƣȌȯȲǞǿǞɈǞɨƊةɈȲƊƦƊǶǘȌȲƵȯȲȌƮɐɈǞɨȌ˛ةȁƊȁƧƵǞȲǞɹƊƪƣȌƮƊȲƵȯȲȌdução e o tema “reencantar o mundo” em si. A gente também ia fazer um episódio sobre “os
comuns”, mas daí pensamos que como os comuns perpassa tanto a obra da Silvia, não só no
Reencantando, que achamos mais interessante desdobrar esse episódio e ir intercalando com
esses outros. Tanto que tem uma diferença de formato. Nos que a gente elegeu o tema escolhemos uma pessoa que estuda ou vive aquilo de alguma forma para, num formato de entrevista
assim, num formato que não sei denominar muito bem. Aí a gente chamou professoras, gente
10 Refere-se ao livro Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns, de Silvia Federici. Terceiro projeto de tradução do Coletivo Sycorax.
Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera
35
Coletivo Sycorax
que debate teoricamente essas coisas. Mas não só isso, porque também pegamos, por exemplo, a Helena Silvestre no episódio “Reencantar o mundo”. E o percurso dela é outro, ela parte
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36
ɈƵȲɐǿƊȺƊɐǶƊȺȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƵȺƵǿƊǶǐɐȁȺǿȌǿƵȁɈȌȺخ0ɐ˛ɹȌȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵƊǿƊȲȲƊƪƣȌةȯȌȲȱɐƵƵɐ
já faço podcast em outro espaço, sobre diversidade linguística justamente. Então eu já sabia
das ferramentas, e foi tudo software livre, distribuição livre de conteúdo, coisas que não precisa
pagar para subir. A gente também articulou outras mulheres para traduzir. Uma das mulheres,
a Leticia Pergamini, que também é musicista, elaborou a trilha sonora pra gente. Uma das
tradutoras conhecia a Teresa Nardelli, que é uma artista que faz ilustrações, e aí ela fez a capa,
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comuns”, não era nesse formado de entrevista. Até a temporalidade era outra, porque quando
a gente pegou aquele quadro, aqueles tópicos, era sempre gravar direto com a pessoa. Para “Os
comuns” era mandar a pergunta por áudio, aí respondiam por áudio, mandávamos outra pergunta... e depois iam sendo costurados os áudios. Se você ouve na sequência, percebe que tem
um clima diferente. Foi muito legal, porque tinha gente que não conhecia o Coletivo e ouviu
o podcast, não porque o Coletivo divulgou, sabe? E a proposta é que seria lançado junto com
o livro, mas com esse mundo imprevisível... a pandemia mexeu muito com a organização das
editoras, a gente viu que estávamos com aquilo nas mãos e o livro não sairia logo... E a gente
falou “Ah, não vamos esperar, não”, e jogamos no mundo. Agora que estou falando em voz alta
me ocorreu que tem um paralelo com o Ponto zero da revolução, que a gente saiu fazendo as
Ȍ˛ƧǞȁƊȺƊȁɈƵȺƮȌǶǞɨȲȌȺƵȲǶƊȁƪƊƮȌ.
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J بA gente está traduzindo agora o livro da Maria Mies, Patriarcado e acumulação em escala mundial: Mulheres na divisão internacional do trabalho. Foi um projeto de tradução que
ƊǐƵȁɈƵǏƵɹƮƵȁɈȲȌƮƊDz§ةȱɐƵȁƊɨƵȲƮƊƮƵƵȁɨȌǶɨƵɐɈƊǿƦƶǿȌ˛ƧǞȁƊخßƊǿȌȺǶƊȁƪƊȲȯȲǞǿƵǞȲȌȌ
livro, com a Ema Livros, e com a Editora Timo. Esse processo foi importante, primeiro porque é o
primeiro livro que traduzimos que não é da Silvia Federici. É um livro que... não é que seja muito
antigo, ele traz contribuições importantes, mas ao mesmo tempo ele parece muito localizado
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que ela está falando é sobre a Alemanha Ocidental, porque é logo depois da queda do muro de
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considero importante porque fala da divisão internacional do trabalho e tenta fazer um paralelo
com a experiencia que ela teve na Índia. Pra gente também foi importante por conta do que a
Ju falou, pela primeira vez a gente conseguiu negociar um livro que foi publicado originalmente
com uma licença fechada, que não iria permitir a gente divulgar livremente. Foi entender melhor como é que funcionam essas negociações de compra de direitos autorais. A gente entrou
com isso também porque o projeto de divulgar gratuitamente é nosso. Acho que esse projeto é
importante por essas duas questões e porque ele vai sair em breve. Já a antologia é um projeto
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com um dos motivos de ter traduzido o Calibã: como que foi recebido pelos movimentos da
América Latina. Só que é um projeto que demanda muito esforço, estamos acho que desde o
ƧȌǿƵƪȌƮƵخخخקןמנ
11 O podcast Sycorax: Solo Comum pode ser acessado em: https://anchor.fm/coletivo-sycorax.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 20-37, 2021
Entrevistas
h بNa verdade desde o começo do coletivo, mas conseguimos fazer as primeiras reuniões
ƵǿמנמנƵǶȌǐȌɨƵǞȌƊȯƊȁƮƵǿǞƊخ
J بA gente começou pela América Central e ainda estamos lá. Pra nós está sendo muito
interessante pelo que a gente sabia da América Central. A Ju, por ela ter morado no México por
bastante tempo, por ela ter sido parte da Caravana Climática, acho que ela entre a gente é a
que mais teve contato... Eu fui no ano passado lá, para fazer meu estágio de pesquisa que foi lá,
e também tive contato com pessoas e com a história da América Central, a história das revoluções. Mais pouca coisa. E isso fez também com que a gente se interessasse mais por entender
o que está acontecendo. Então é isso, estamos no projeto da antologia, que pensamos publicar
em fascículos na revista Amazonas.
Larissa Fostinone Locoselli, Penélope Chaves Bruera
37
Luta
e pensamento
anticolonial:
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ƧȌǿJƵȁǞyɑȋƵɹ
Luma Lessa
PPGRI / PUCRio
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ªƵȺɐǿȌ
O ativismo e insurgências são caminhos construídos no diálogo entre a materialidade
ƵƊȯȌɈƵȁƧǞƊǶǞƮƊƮƵƮƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺ(خǞƋǶȌǐȌǞȁƧǶɐȺǞɨƵƧȌȁ˜ǞɈɐȌȺȌةɐǿƊɨƵɹȱɐƵƊǶɐɈƊ
se dá pela necessidade de combate das violências das estruturas hegemônicas. Nessa entrevista, endereçamos as violências dos discursos hegemônicos colonial cristão
branco monogâmico cisheteronormativo. Geni Núñez nos aponta como a categorização binária da vida opera como um epistemicídio, etnocídio e genocídio de modos
de vida outros. No Brasil, essas categorias, intrinsecamente cristãs, geraram o apagamento físico e simbólico dos povos indígenas em sua multiplicidade de etnias, modos de vida e pensamento. Esse etnocídio está intimamente conectado à perda dos
territórios e à imposição de um antropocentrismo. Para a ativista guarani, não basta
descolonizarmos o pensamento e as relações sociais e econômicas, tentando reparar
e ajustar essas estruturas. É preciso ir além dos binarismos violentos da colonialidade
e questionar a própria materialidade dessas categorias que nos separam em homens/
mulheres, homo/hétero, branco/negro/pardo, humanidade/natureza. A luta, portanto,
deve ser anticolonial. Ao invés de buscarmos respostas reparadoras, recusar as próprias perguntas como lugar de enunciação. Romper com essas amarras da monoƧɐǶɈɐȲƊƮȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌǿȌȁȌǐƓǿǞƧȌƧȲǞȺɈƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶةȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊȲȌȁȌȺȺȌ
imaginário, traçando relações afetivas, sexuais e sociais que respeitem a autonomia
de todes.
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Núñez.
Lucha y pensamiento anticolonial: una entrevista con Geni Núñez
Resumen:
El activismo y las insurgencias son caminos construidos en el diálogo entre la maɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮ ɯ ǶƊ ȯȌɈƵȁƧǞƊǶǞƮƊƮ ƮƵ ǶƊȺ ƵɮǞȺɈƵȁƧǞƊȺ( ىǞƋǶȌǐȌ ǞȁƧǶɐȺȌ ƧȌȁ˹ǞƧɈǞɨȌ لɐȁƊ ɨƵɹ
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generado el borrado físico y simbólico de los pueblos indígenas en su multiplicidad
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de los violentos binarismos de la colonialidad y cuestionar la propia materialidad
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de enunciación. Romper con estas cadenas de la monocultura del pensamiento moȁȌǐƋǿǞƧȌƧȲǞȺɈǞƊȁȌƧȌǶȌȁǞƊǶȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵȲƵǏȌȲƵȺɈƊȲȁɐƵȺɈȲȌǞǿƊǐǞȁƊȲǞȌلɈȲƊɹƊȁƮȌȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƊǏƵƧɈǞɨƊȺلȺƵɮɐƊǶƵȺɯȺȌƧǞƊǶƵȺȱɐƵȲƵȺȯƵɈƵȁǶƊƊɐɈȌȁȌǿǠƊƮƵɈȌƮȌȺى
Palabras clave: activismo; insurgencias; pensamiento anticolonial; entrevista; Geni
yɑȋƵɹى
Struggle and anticolonial thought: an interview with geni núñez
Abstract
Activism and insurgencies are paths built on the dialogue between the materiality
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struggle takes place in the need to combat the violence of the hegemonic strucɈɐȲƵȺ ىXȁ ɈǘǞȺ ǞȁɈƵȲɨǞƵɩ لɩƵ ƊƮƮȲƵȺȺ ɈǘƵ ɨǞȌǶƵȁƧƵ ȌǏ ǘƵǐƵǿȌȁǞƧ ɩǘǞɈƵ ǿȌȁȌǐƊǿȌɐȺ
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the physical and symbolic erasure of the indigenous peoples in their multiplicity of
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trying to repair and adjust these structures. It is necessary to go beyond the violent
ƦǞȁƊȲǞȺǿȺ ȌǏ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯ ƊȁƮ ȱɐƵȺɈǞȌȁ ɈǘƵ ɨƵȲɯ ǿƊɈƵȲǞƊǶǞɈɯ ȌǏ ɈǘƵȺƵ ƧƊɈƵǐȌȲǞƵȺ ɈǘƊɈ
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these ties of the monoculture of colonial Christian monogamous thinking allows us
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Keywords:ƊƧɈǞɨǞȺǿَǞȁȺɐȲǐƵȁƧǞƵȺَƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶɈǘȌɐǐǘɈَǞȁɈƵȲɨǞƵɩَJƵȁǞyɑȋƵɹى
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ƮƵ!ßX(ٌ§خקןȌȲǞȺȺȌةǏȌǞȲƵƊǶǞɹƊƮƊƮƵǿȌƮȌɨǞȲɈɐƊǶخȯƵȺƊȲƮƊǞǿȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮȌƧȌȁɈƊɈȌȯȲƵsencial, buscou-se uma troca durante todo o processo, com idas e vindas até alcançarmos um
ɈƵȲȲƵȁȌƧȌǿɐǿخȌƦǯƵɈǞɨȌƮƊƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊǏȌǞɐǿƊȲƵ˜ƵɮƣȌȺȌƦȲƵȌȺƧƊǿǞȁǘȌȺƮƵƊɈǞɨǞȺǿȌƵǞȁsurgência a partir de uma perspectiva anticolonial. Nesse sentido, buscou-se entender como a
ǶɐɈƊƊȁɈǞƧȌǶȌȁǞƊǶȯƵȲȯƊȺȺƊƊȲƵƧɐȺƊƮƵɐǿȺǞȺɈƵǿƊƮƵǿȌȁȌƧɐǶɈɐȲƊȺƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊȲȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌ
a partir do reconhecimento de modos de vida outros, como dos diversos povos indígenas.
A entrevista foi conduzida por Luma Lessa, feminista, escritora, pesquisadora, internacionalista e mestre em política internacional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro (PUC-Rio) com o enfoque em estudos de gênero, sexualidade e a mobilização política
das mulheres indígenas no Brasil. Atualmente atua como assistente de proteção para casos de
violência baseada em gênero no Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). E a pessoa
entrevistada foi Geni Núñez, ativista indígena guarani, psicóloga, mestre em Psicologia Social
(UFSC) e doutoranda no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas
(UFSC). Geni é membro da Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos/as (ABIPSI) e co-assistente da Comissão Guarani Yvurupa (CGY).
Foto: Geni Núñez (cedida pela entrevistada).
Entrevistas
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Agradeço muito pelo espaço dessa entrevista, é uma honra poder participar. Eu tenho,
nos últimos dez anos, focado em uma formação transdisciplinar, por entender que as disciplinas separadas em compartimentos por si só já é um sintoma da fragmentação desse tipo
de saber acadêmico, de inspiração colonial. Então, busco uma nutrição epistêmica variada e
múltipla. Em outras palavras, tenho brincado com o que chamo da importância de uma certa
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O pensamento decolonial é um desses lugares com os quais muito já aprendi e sigo
aprendendo, no entanto, há nele certas limitações de enunciação política. Como lembra o parente Anastácio Peralta, do povo guarani kaiowá, os não-indígenas não têm demonstrado, historicamente, um interesse em ouvir o que nós indígenas temos a dizer sobre colonização. Isso
vale também para os cânones decoloniais. O processo de descolonização não é simétrico, não
é porque falamos do sul global que estamos todes na mesma posição, como se não houvesse
aqui em nosso território internamente uma estrutura organizada pelo privilégio branco, pelo etnocídio, pelo racismo. Parentas como Aline Kaiapó e Daiara Tukano vêm pontuando que nós, indígenas, nunca colonizamos povo nenhum, a nossa luta é anticolonial ou contra colonial, como
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desse processo não nos atinjam, mas é importante que não haja uma simetria de enunciação
nesse projeto, que em alguns casos, beira uma alusão ao mito da democracia racial. Tenho me
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polícia não violenta, uma monogamia saudável, uma positivação do deus colonial e assim por
diante. ȱɐƵƊȺȯǞȲƊǿȌȺƶȱɐƵƵȺȺƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺȺƵǯƊǿƮƵȺɈȲɐǠƮƊȺلȁƣȌȲƵȯƊǐǞȁƊƮƊȺى
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A academia vem sendo historicamente um espaço parasitário de saberes originários. Temos décadas, séculos de um montante de pesquisas com autoria não-indígena “dando voz”
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currículo, emprego e carreira era o/a pesquisador não-indígena. Nos últimos anos, após muita
luta dos movimentos sociais, percebemos algumas mudanças nesse cenário: temos feito a retomada de nossa autoria em primeira pessoa, não apenas nós indígenas, como também o povo
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unicamente na posição de objeto ou problema de pesquisa. Essa é uma crítica que aprendi no
fazer ativista e que trago e ecoo, em coletivo, para o espaço acadêmico. Apesar dos avanços,
o espaço acadêmico ainda é bastante emblemático, muito me incomoda habitar um espaço
cujo ingresso seja mediado por um vestibular tão meritocrático, em que há pouquíssimas vagas
para um grande contingente de candidatos. Um sistema de seleção que exclui a maioria, que
impele nossas comunidades a uma expulsão indireta (eufemisticamente chamada de evasão
Luma Lessa
43
Geni Núñez
por alguns). Me lembra a narrativa do que chamo vestibular celeste, que como diz a Bíblia são
“muitos chamados, poucos escolhidos”. A meritocracia cristã inspira profundamente a meritocracia capitalista. Eu não acho, por exemplo, que por eu ser doutoranda mereça ganhar mais
44
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do tempo em que quanto mais se estuda nas instituições formais tanto mais se mereceria ganhar, eu vejo como violenta, racista. É nesse paradoxo que habito sendo uma pessoa ativista,
indígena e ao mesmo tempo acadêmica. Parte do meu caminho é repartilhar coletivamente o
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ética contrária à acadêmica, que com toda sua competitividade, nos compele ao individualismo
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o colonialismo é o próprio estado das coisas, nesse sentido não basta uma descolonização a nível da mudança das palavras, mas também de uma reparação concreta, a nível cotidiano. Não
se descoloniza o pensamento com barriga vazia. ƧȲƵƮǞɈȌȱɐƵȌƵȺȯƊƪȌƮƊƊƧƊƮƵǿǞƊȁƣȌƮƵɨƊ
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Sabe, cheguei a esse tema também pelo meu incômodo anterior, de nos ver sempre
como objetos de pesquisa de não indígenas. Eu quis de alguma forma colaborar para um giro
desses enfoques: se as violências são relacionais, por que expor apenas a dimensão subalternizada dessas relações? Nisso me inspiro muito no que Ochy Curiel chama de antropologia
da dominação. A branquitude, a cisgeneridade, a heterossexualidade e outras posições hegemônicas têm, historicamente, o privilégio ontológico de expor e não serem expostas. Pois
agora nosso convite é para que o espelho seja virado à própria hegemonia. Não o fazemos no
intuito de inverter a dominação, pois este, como pontua Fanon, é um sonho branco. Nossas
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as cindiu em um processo que também empobrece suas experiências no mundo. Em minha
tese venho pesquisando branquitude e etnocídio, pois o que observei nos últimos anos em
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sobre branquitude versam sobre sua relação com negritude e seus espectros, muitas vezes
reduzindo a cena racial brasileira ao dualismo branco-negro. Não seria um problema se houvesse nessas pesquisas o reconhecimento de que a branquitude-negritude não dá conta de
nomear todo o racismo de nosso território. Infelizmente, o que observamos é que a temática
racial é presumida como um espaço no qual nós indígenas não existimos. Na falta de um leɈȲƊǿƵȁɈȌ ȲƊƧǞƊǶ ǞȁƮǠǐƵȁƊ لȌ ȱɐƵ ƊƧƊƦƊ ƊƧȌȁɈƵƧƵȁƮȌ ƶ ȱɐƵ ȺƵ ɈȌǿƊǿ ƊȺ ƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺ ȲƊƧǞƊǞȺ
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tentativa de nos ver como seres marcados pelo que era chamado, até antes da Constituição de
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civilizado, em que deixaríamos de ser indígenas e passaríamos a integrar algum outro grupo
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Entrevistas
racial. !ȌǿȌƊȯȲƵȁƮǞƧȌǿȌȺȯƊȲƵȁɈƵȺ!ƊȺƶÀɐȯǞȁƊǿƦƋƵmƊǞȺwƊɮƊƧƊǶǞلȁȍȺȺȌǿȌȺƮƊƧȌȲƮƊ
terra e a terra tem todas as cores. Nossa luta é étnico-racial. Temos centenas de povos/etnias,
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o tom da nossa pele. Com muita luta, conseguimos garantir o direito à autodeclaração. Auto no
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da população brasileira. Esse resultado não é um produto apenas do genocídio, que se dá através do extermínio direto de nossos povos, mas também do etnocídio. Ressalto que etnocídio é
um tipo de violência colonial assente no esforço de homogeneização. Ele incide precisamente
sobre a multiplicidade e singularidade de cada povo, etnia, nação nativa de determinado território. Povos originários de diversos continentes foram e continuam sendo alvos deste tipo de
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“negro genérico” e por meio dela se buscou apagar todo uma multiplicidade de etnias, povos,
costumes, línguas dos povos nativos africanos. Se antes as organizações sociais dos diferentes
povos se davam através de seus próprios critérios internos, na colonização os critérios de raça e
gênero passaram a cumprir uma função que, embora se propusesse descritiva, inventou realiƮƊƮƵȺǘȌǿȌǐƵȁƵǞɹƊƮƊȺـæ0àÏwZخفץןמנة0ȺɈƵǿƊȲƧȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺɈƊȱɐƵƧȲǞȌɐƊǞƮƵǞƊƮȌٗȁƵǐȲȌ
genérico” também foi e é responsável pela invenção do “índio genérico”, necessariamente sem
roupas, na mata, sem povo, língua, sem-terra, pertencimento. O projeto político de etnocídio
do Estado e da sociedade brasileira é tão bem estruturado quanto o genocídio. Tal como este
último, o objetivo do etnocídio também visa o extermínio da população indígena, mas, desta
vez, através do apagamento simbólico. Como comentei, um dos êxitos da violência etnocida se
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ƵǿȁȌȺȺȌȺǿȌƮȌȺƮƵɨǞƮƊƵȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌȯƊȲƊȺƵȲǿȌȺƊȯƵȁƊȺٗƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌȺ٘خ0ǿƊƦȲǞǶƮƵמנמנ
o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub ilustrou a premissa etnocida da homogeneiɹƊƪƣȌƊȌƊ˛ȲǿƊȲٗبȌƮƵǞȌȌɈƵȲǿȌٙȯȌɨȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺٚةȌƮƵǞȌƵȺȺƵɈƵȲǿȌ§فخخخـخȌƮƵȺƵȲȯȲƵɈȌةȯȌƮƵ
ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Só
tem um povo nesse país”. Importante salientar que o ministro não usou o termo descendente
para designar nem pessoas negras, nem brancas, nem amarelas (a quem homogeneizou sob a
insígnia “japonês”). Uma das estratégias do etnocídio é dizer que somos um “quase” de outras
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indígena pela cor da pele produz necessariamente o apagamento indígena, em que se tem
apenas a caracterização do “descendente”. Não à toa, ao sujeito político descendente não se
possibilita a luta por terras indígenas, por demarcação. §ƊȲƊȌ0ȺɈƊƮȌلȱɐƊȁɈȌǿƊǞȌȲȌȁɑǿƵȲȌ
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no Brasil, pelo Censo do IBGE, dividam-se em cinco: indígena, preto, branco, amarelo e pardo,
ƵȺȺƊƮǞɨǞȺƣȌȁƵǿȺƵǿȯȲƵǏȌǞƊȺȺǞǿخyȌȯȲǞǿƵǞȲȌȲƵƧƵȁȺƵƊǿƵȁɈȌةȲƵƊǶǞɹƊƮȌƵǿةנץצןƧȌȁȺɈƊɨƊ
a categoria “caboclo”, que pretensamente representaria “índios e descendentes de índios com
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primeiro levantamento. Importante pontuar o papel da compulsória cristianização nesta “integração” violenta, já que a evangelização impulsionava/impulsiona um forte despertencimento
indígena aos costumes, espiritualidade e modo de vida originário. Após a luta coletiva do mo-
Luma Lessa
45
Geni Núñez
vimento indígena contra este tipo de generalização e apagamento, tivemos um importante
ǿƊȲƧȌȱɐƵƧɐǶǿǞȁȌɐȁƊǞȁƧǶɐȺƣȌƮƵɐǿƧƊȯǠɈɐǶȌƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȁƊ!ȌȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌƮƵةצצקןƵǿȱɐƵ
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46
Neste capítulo, há o reconhecimento ao direito dos povos indígenas a terem seu modo de vida,
línguas, costumes respeitados, bem como o direito à habitação de seus territórios. Ainda que
presente na Lei, estes direitos constitucionais jamais foram realmente cumpridos pelo Estado.
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ƮƵɨƵȲǞƊȌǏƵȲƵƧƵȲǿƊǞȺǐƊȲƊȁɈǞƊȺƮƵ˛ȁǞɈǞɨƊȺƜƮƵǿƊȲƧƊƪƣȌƮƵȁȌȺȺȌȺÀƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺƵƜȁȌȺȺƊƊɐɈȌnomia”. Nas últimas gestões dos governos brasileiros, inclusive as de esquerda, não tivemos um
real engajamento para que o direito à demarcação fosse de fato cumprido.
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marcação de racialidade indígena. Caboclos, bugres, pardos, mestiços, morenos são alguns dos
termos que povoam também o imaginário social que apaga povos indígenas. Estes termos têm
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pois cada região constrói suas próprias formas etnocidas de designar a racialidade indígena.
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para se referir a supostos “remanescentes” de indígenas, mas vem sendo fortemente criticado
por seu viés etnocida. Foi como pardos que Pero Vaz de Caminha descreveu em suas cartas
pessoas indígenas. Apesar desta associação entre pardo e indígena já remontar há muito tempo, o discurso etnocida cristalizou a noção de que raça no Brasil deveria ser pensada apenas em
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com os estudos sobre desigualdades sociais, que se tornou oportuno o agrupamento de pretos
e pardos como negros, haja vista a similitude dos indicadores sociais entre esses grupos. Ainda
que este agrupamento incorra em apagar populações indígenas ele continua válido em sua
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para lutar contra a invisibilização estatística. Isso se deve a diversos motivos: assim como a poȯɐǶƊƪƣȌȁƵǐȲƊةȱɐƵƵǿȺɐƊǿƊǞȌȲǞƊȺƵǿƊȲƧƊƧȌǿȌȯƊȲƮƊƵȁƣȌƧȌǿȌȁƵǐȲƊ!ـªy0Xªةفףממנة
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seja uma questão, indígenas são heterodeclarados como pardos em seu principal documento
Ȍ˛ƧǞƊǶةȌªyXـªƵǐǞȺɈȲȌƮǿǞȁǞȺɈȲƊɈǞɨȌƮƵyƊȺƧǞǿƵȁɈȌƮƵZȁƮǞȌخف0ǿȯƵȺȱɐǞȺƊȱɐƵƵȺɈȌɐȲƵƊǶǞɹƊȁƮȌƵǿǿȌƮƵǶȌȺƮƵªyXٚȺƮǞɨɐǶǐƊƮȌȺȯɐƦǶǞƧƊǿƵȁɈƵȌƦȺƵȲɨƵǞȱɐƵƵǿƦȌȲƊǘƊǯƊȌƧƊǿȯȌ
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próprio registro de identidade. Se consideramos os estados onde o percentual de população
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interseccionar com o fato de que a maior concentração indígena no país está justamente nas
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1 Há uma exceção a esta crítica, na região do Rio Grande do Norte, local em que não há nenhuma terra demarcada
ƵȌȁƮƵƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮƵȯƵȲɈƵȁƧǞǿƵȁɈȌǞȁƮǠǐƵȁƊȯȌȺǞɈǞɨȌɐƧƊƦȌƧǶȌƧȌǿȌɐǿƊƵɈȁǞƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊةƧȌǿȌȯȌȁɈɐȌɐƵǿ
mesa redonda Juão Nyn, indígena potiguara. A mesa, intitulada (De)Colonialidades do Gênero e (Re)Existências
Indígenas, ocorreu no dia 07/10/2020, em evento da UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro).
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Entrevistas
efeitos políticos do apagamento indígena na categoria pardo, um dos mais nefastos é a própria
negação de racismo como sendo uma violência que incide também sobre pessoas indígenas.
Estatisticamente, a população parda é a maioria no Brasil, mas agregada no termo negro, acaba
por apagar que os dados de violência relativos ao encarceramento, à violência policial, obstétriƧƊƵȁɈȲƵȌɐɈȲƊȺةȁƣȌȲƵ˜ƵɈƵǿƊȯƵȁƊȺƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵƮƊȯȌȯɐǶƊƪƣȌȁƵǐȲƊةƧȌǿȌɈƊǿƦƶǿǞǶɐȺɈȲƊǿȌ
genocídio indígena. Ainda que tardiamente visibilizado, o incômodo quanto ao etnocídio vem
sendo cada vez mais ecoado.
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e a realidade material?” — nos perguntam. Nós também somos materiais e concretos. De fato,
a mudança da enunciação não muda, imediatamente, as condições de desigualdade, sabemos. Mas manter vocabulários que não nos acolhem também não tem nos livrado de séculos
de opressões. Não devemos nada ao Estado, se chegamos até aqui foi apesar dele, não por sua
conta. yƣȌƶȯȌȲȱɐƵȁȌȺǞǿȯɐȺƵȲƊǿȌǐƺȁƵȲȌȱɐƵɈƵȲƵǿȌȺƮƵȁȌȺ˸ǶǞƊȲƊȺƵɐȯƊȲɈǞƮȌى
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incompleta. ©ɐƊȁƮȌ ǘƋ ȲƵƧɐȺƊ ةȌǏƵȲɈƊǿ ɐǿƊ ȲƵǶƵǞɈɐȲƊ ةɐǿƊ ȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƪƣȌ بɈƵǿȌȺ ƊȱɐǞ ɐǿ
Jesus pra você, ele na verdade era uma indígena lésbica, é uma representação sob medida. Até
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haja a desistência dela. Isso me lembra a discussão que Françoise Vergès faz sobre o que chama
de “feminismo civilizatório” — termo através do qual compartilha o modo como a colonialidade
incide profundamente (também) sobre determinadas ideologias feministas. O que quer o/a
missionário/a? Salvar. Invade nossos territórios em nome do bem, e quando lhe dissemos: “nós
ȁƣȌȱɐƵȲƵǿȌȺȺɐƊȺƊǶɨƊƪƣȌةȁƣȌȯȲƵƧǞȺƊǿȌȺƮƊȺɐƊɈɐɈƵǶƊ٘˛ƧƊǿƧȌǿǿɐǞɈƊةǿƊȺǿɐǞɈƊȲƊǞɨƊخ
Um grande traço da colonialidade é a universalização, buscam impor a todo o planeta o que pra
eles é bom, saudável e o que não é.
Nós temos nossas próprias formas de luta, com métodos que não necessariamente vão
precisar acionar as mesmas ferramentas formuladas por não indígenas. Óbvio que não descarɈƊǿȌȺƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮƊȺƊǶǞƊȁƪƊȺةƮƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺƵȺɈȲƊɈƶǐǞƧƊȺةǿƊȺƧƊƮƊɨƵɹǿƊǞȺƮƵȺƧȌȁ˛Ȍ
dessa narrativa de que as identidades são mesmo apenas estratégias, o que vejo são pessoas
que realmente acreditam nelas como verdades ontológicas, que realmente concebem a existência universal de mulheres, de homens, de heterossexuais, homossexuais. 0ƊȱɐǞȁƣȌƵȺɈȌɐ
ǏƊǶƊȁƮȌƮƵȲƵȺȺǞǐȁǞ˸ƧƊƪƣȌƮƊǞƮƵǞƊƮƵǿɐǶǘƵȲلƮƵǘȌǿƵǿلȁƣȌƵȺɈȌɐǏƊǶƊȁƮȌƮȌȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺ
Luma Lessa
47
Geni Núñez
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48
ɈȌƮƊȺƊȺ˛ƧƪȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺةƧȌǿȌȲǐɐǶǘȌƮǞǐȌبȁƣȌȺȌɐǿɐǶǘƵȲـȁƵǿǘȌǿƵǿخ٘ف0ȺȺƊȲƵƧɐȺƊƮƊ
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Tenho pensado no cristianismo como uma imposição global de pensamento, ele incide
ȺȌƦȲƵ ɈȌƮƵȺ ȁȍȺ ةǿƵȺǿȌ ƜȱɐƵǶƵȺ ȱɐƵ ȺƵ Ɗ˛ȲǿƊǿ ƊɈƵɐȺ خwɐǞɈƊȺ ɨƵɹƵȺ ƊȺ ȯƵȺȺȌƊȺ ƵȺɈȲƊȁǘƊǿ
ȱɐƊȁƮȌƮǞǐmɐǐȌȁƵȺةفצממנـȱɐƊȁƮȌȌȺƧȌǶȌȁǞɹƊƮȌȲƵȺƧǘƵǐƊȲƊǿƊȱɐǞةƊȯƵȁƊȺƵɐȲȌȯƵɐȺƊǶƪƊvam a posição de homens e mulheres, pessoas não brancas eram marcadas como macho e
ǏƺǿƵƊ ةȁƣȌ Ɯ ɈȌƊ ةƊ ǿƊȁƵǞȲƊ ƧȌǿ Ɗ ȱɐƊǶ ȌȺ ƮƵǿƊǞȺ ƦǞƧǘȌȺ ȺƣȌ ȁȌǿƵƊƮȌȺ خXȺȺȌ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊ ȱɐƵ
tornar-se mulher ou homem implicava na transição, na passagem de selvagem/animal a civilizado/humano. É, portanto, uma organização especicista, racista, colonial. Esse incômodo não é
recente. Em minhas pesquisas em cartas jesuíticas, encontrei relatos do missionário Pero CorȲƵȲǞƊفןףףןـƵǿȱɐƵƵǶƵƧȌǿƵȁɈƊƮƵǞȁƮǠǐƵȁƊȺȱɐƵٗƧȌǿƵɈƵǿȌȯƵƧƊƮȌƧȌȁɈȲƊƊȁƊɈɐȲƵɹƊةƮƵ
maneira que há muitas mulheres (sic) que usam armas e seguem todos os ofícios como se não
fossem fêmeas. Mantêm namoro com outras mulheres com quem se dizem casadas e a maior
injúria que se lhes pode fazer é chamá-las de mulheres. De tal forma que quem lhes disser algo
ȯȌƮƵȲƋƧȌȲȲƵȲȌȲǞȺƧȌƮƵȱɐƵǶǘƵƊɈǞȲƵǿ˜ƵƧǘƊƮƊȺ٘خ
Internamente, esse sistema de gênero continua orientando um lugar determinado para
as mulheres, um modus operandi para a família (monogâmica, heterossexual), um jeito de lidar com o tempo. Então quando pergunto: qual a principal fonte dos discursos lgbtfóbicos?
Em qual religião pessoas dissidentes do gênero merecem ser queimadas no inferno? Em qual
se postula a submissão das mulheres? Respondo com segurança: na mitologia cristã. E estou
falando do nosso território, pois, como disse, quem universaliza é a colonialidade. Por vezes,
dizem que o responsável por essas ideologias opressivas é o fundamentalismo religioso, mas
acho desonesto não explicitarmos que não é qualquer religião, é a cristã. O projeto de impor
seu deus como único verdadeiro, como único caminho a todes, como única forma para todo
ȌȯǶƊȁƵɈƊȁƣȌƶɐǿɈȲƊƪȌȁȌȺȺȌخyƣȌ˛ɹƵǿȌȺƵɮȯǶȌȲƊƪȪƵȺȯȌȲƮǞɨƵȲȺȌȺƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵȺɈƵȁɈƊȁƮȌ
salvar quem não acreditasse em Nhanderu, nossos povos mantêm suas culturas sem o projeto
de conversão global. Voltando à sua pergunta, rs, digo isso tudo para dizer que para mim, não
ǿƵƊ˛ǶǞƊȲƊȌǐƺȁƵȲȌƶɐǿǐƵȺɈȌƮƵƮƵȺƧƊɈƵȱɐǞɹƊƪƣȌةƮƵƮƵȺƧȲǞȺɈǞƊȁǞɹƊƪƣȌةȯȲȌƧƵȺȺȌȺƵǿȌȱɐƊǶ
não é possível descolonizar, anticolonizar.
§ȌȲɈƊȁɈȌةȯƊȲƊƊǶƶǿƮƊƮǞȺȯɐɈƊƮƵȌɐɈȲȌȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌȺȯƊȲƊǿƊȺƧɐǶǞȁȌƵȯƊȲƊǏƵǿǞȁǞȁȌة
para homem e para mulher, temos o direito a considerar a desistência desses modelos como
um caminho também válido, importante e potente.
“Você não pode ter tudo: escolha apenas um gênero para si, escolha um para se atrair,
e desse, apenas uma pessoa para amar, desejar e com ela escolher um estilo, um desejo e um
destino”, nos dizem. A isso respondo: ɈȌƮƊȺƊȺƵȺƧȌǶǘƊȺƦǞȁƋȲǞƊȺȺƣȌǏƊǶȺȌȺƮǞǶƵǿƊȺلȯȌǞȺƊɨǞƮƊ
é uma proliferação de concomitâncias.
Que tenhamos orgulho e coragem de não responder perguntas que partam de uma
base ética com a qual discordamos. (ƵȺȌȲǞƵȁɈƊƮƵȺȺƵǯƊǿǞȺƮƊȺȌȲǞƵȁɈƊƪȪƵȺȺƵɮɐƊǞȺلȯȌǞȺȁƣȌ
ƵɮǞȺɈƵȲƵȺȯȌȺɈƊƧƵȲɈƊȱɐƊȁƮȌƊȯƵȲǐɐȁɈƊƵȺɈƋƵȲȲƊƮƊى
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Entrevistas
Retomando um ponto que comentei anteriormente, me soa sintomático o fato de que,
para muitas vezes, a luta com o Estado seja a única possível ou mais relevante.
É importante questionarmos a naturalidade desse pressuposto de que a dependência
do Estado é um dado imutável, a-histórico. Não deveria ser ok não vislumbramos uma vida em
ȱɐƵȁƣȌ˛ȱɐƵǿȌȺȺƵǿȯȲƵȲƵǏƶȁȺƮƊȺǿǞǐƊǶǘƊȺȱɐƵȌ0ȺɈƊƮȌȁȌȺƮƋخÀƊȁɈƊǶɐɈƊƵɈƊȁɈȌƵȺǏȌȲƪȌ
coletivo que, não à toa, podem ser perdidos a qualquer momento. A fragilidade desses avanços
e conquistas não é acidental, faz parte do projeto colonial de nos manter em eterna dependênƧǞƊخwƊǞȺƮƵממףƊȁȌȺƮƵȺȺƊȲƵǶƊƪƣȌƵǿɐǞɈȌȺƊƧǘƊǿȱɐƵْƊǞȁƮƊْȁƣȌƶȌǿȌǿƵȁɈȌƮƵǶɐɈƊȲ
com radicalidade.
“Só gente privilegiada pode abrir mão desses rótulos”: essa é uma inversão, pois o fato de
ȁƵǐƊȲǿȌȺƵȺȺƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺƵǿןƊȯƵȺȺȌƊȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȱɐƵȁƣȌȺƵǯƊǿȌȺƧȌǿȯɐǶȺȌȲǞƊǿƵȁɈƵ
rotulados a todo tempo, que não soframos as violências que deles decorrem. Privilegiado é
quem vê o Estado como amigo e não como a estrutura violenta e abusiva cujas políticas públicas são ao mesmo tempo genocidas e de mínima reparação de danos. A luta pelo direito ao
território, a luta dos movimentos indígenas está à frente na luta anticolonial porque busca a
autonomia. Buscamos o direito a viver na terra e da terra, com dignidade e alegria. Para além
de demandar alguém que use bem o poder sobre nós, não queremos que ninguém o tenha.
Repito, por uma luta em que a palavra (em identidades ou não) não nos seja camisa de força,
destino ou prisão e sim porosidades vivas como o movimento das águas.
Sobre a questão das orientações sexuais, compartilho aqui algumas prosas-poemas que
escrevi sobre isso esses tempos:
ƊفyƣȌȺȌɐǶƶȺƦǞƧƊةȁƵǿǿɐǞɈȌǿƵȁȌȺǘƶɈƵȲȌةɈƊǿƦƶǿȁƣȌǿƵƊ˛ȲǿȌȯƊȁȌɐƦǞخÀƵȁǘȌ
me afastado dessas categorias porque muitas vezes elas convocam uma resposta de um tempo
que não tenho, o amanhã que ainda não vivi.
wƊǞȺƮȌȱɐƵȺɐƦǿƵɈƵȲץƦǞǶǘȪƵȺƮƵȯƵȺȺȌƊȺƊףƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺـƊȁɈƵȺƮȌƵȁƪƊةƊǞȁƮƊǘȌǯƵȯƵcado), cabe nos fazermos uma pergunta anterior: qual a validade dessa necessidade de haver
uma identidade para nomear nossos laços afetivo-sexuais?
§ȲƵƧǞȺƊǿȌȺƮƵɐǿȁȌǿƵȯƊȲƊƮƵ˛ȁǞȲȱɐƵǿǐȌȺɈƊƮƵȯƊƪȌƧƊƵǶɐƊ(دƵɐǿȁȌǿƵȯƊȲƊ
quem ama sol ou suco de maçã?
Será que dar esses nomes ao desejo não serviu e serve à criação de um contraste de
quem é saudável, quem é normal e quem é patológico?
ȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺ˛ɮƊȺǿɐǞɈƊȺɨƵɹƵȺƧȌȁƮɐɹƵǿƊȺȯƵȺȺȌƊȺƊȺƵȺƵȁɈǞȲƵǿǏȲƊɐƮƵȺةƊƧɐǿȯȲǞȲƵǿɐǿȲȌɈƵǞȲȌƮȌȱɐƵƶɐǿƊٗǶƶȺƦǞƧƊشƦǞƮƵɨƵȲƮƊƮƵ٘ةƊȺƵȺƵȁɈǞȲƵǿǞȁȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵȺةƊȺƵȺƵȁɈǞȲƵǿ
ƧȌǿȯƵǶǞƮƊȺƊȺƵǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲƵǿةƊƧȌȁɨƵȁƧƵȲƵǿةƊǏƊɹƵȲƵǿȺƵȁɈǞƮȌƊȱɐƵǿǶǘƵȺȌȯȲǞǿƵخ
Muitos passamos a vida tentando convencer a quem nos oprime de que realmente não
pecamos, que realmente merecemos perdão e reconhecimento.
Mas esquecemos que quem nos oferece a salvação e a redenção precisou inventar o pecado pelo qual nos desculpamos.
Precisam que demandemos a salvação, senão não têm mais nada a nos oferecer ou exigir. Se o veto e a chantagem da aceitação já não nos imobilizam, podemos viver com mais alegria nossos dias, nossa vida.
Se quando digo “eu sou” me cobrarão um roteiro daquilo de como devo ser, então que
não paguemos o resgate, só assim a chantagem se desmantela.
Luma Lessa
49
Geni Núñez
Muitas vezes em nome das estratégias de luta nos perdemos e passamos a usar as identidades não como meio de luta, mas como doutrinas e passamos a ser crentes em sua mitologia colonial.
§ƊȲƊƊǶǐɐȁȺƊȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊƪƣȌƶɐǿƧƊǿǞȁǘȌةǿƊȺƶǞǐɐƊǶǿƵȁɈƵǶƵǐǠɈǞǿƊƊȁƣȌƮƵǿƊȁƮƊ
50
de reconhecimento. Não cobro meu ingresso de meia entrada no show das mulheridades, não
desejo mais uma vaga em nomes que sequer deveriam existir.
²ƵȺȍɈƵǿǐƺȁƵȲȌȱɐƵǿƶǘɐǿƊȁȌةȯȲƵ˛ȲȌƧȌȁɈǞȁɐƊȲƦǞƧǘȌخ
Que a palavra em vez de camisa de força, nos seja rede, apoio e abraço.
b) A colonialidade precisa da gente reféns de seu reconhecimento e tutela.
Querem que lutemos por uma branquitude boa, por uma heterossexualidade não violenta, por uma cisgeneridade saudável. Que lutemos por sua reforma e manutenção. É preciso
ƧȌǿȯȲƵƵȁƮƵȲ ȱɐƵ Ȍ ˛ǿ ƮƊ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ ȺƵȲƋ ɈƊǿƦƶǿ Ȍ ˛ǿ ƮƊȺ ǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺة
ƦǞȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺ©خɐƵȌ˛ǿƮƊƦȲƊȁȱɐǞɈɐƮƵȺƵȲƋȌ˛ǿƮƊȁƵǐȲǞɈɐƮƵƵƮƊǞȁƮǞƊȁǞƮƊƮƵǐƵȁƶȲǞƧƊخ
©ɐƵȌ˛ǿƮȌƵȺȯƵƧǞȺǿȌȺƵȲƋȌ˛ǿƮȌǘɐǿƊȁȌخ
Em nenhum desses casos estou me referindo a uma morte concreta, necessariamente,
ǿƊȺƊȌ˛ǿƮƵɐǿƊ˛ƧƪƣȌȱɐƵǘǞƵȲƊȲȱɐǞɹƊɨǞƮƊȺƵȯȌȲǞȺȺȌȁȌȲǿƊǶǞɹƊȺɐƊȺǿȌȲɈƵȺخ0ȺȺƵ˛ǿȺȍ
será possível com reparação histórica.
As identidades coloniais são parasitárias, ou seja, só se positivam negativando outras. Homossexualidade não vai deixar de ser pecado enquanto heterossexualidade não deixar de ser o
ǿȌƮƵǶȌƮȌȺƊɐƮƋɨƵǶخyƣȌƮƋȯȲƊȱɐƵȲƵȲȌ˛ǿƮȌǞȁǏƵȲȁȌةȺƵǿȱɐƵȲƵȲȌ˛ǿƮȌƧƶɐخ
ٗwƊȺ Ɗ ȺȌƧǞƵƮƊƮƵ Ƕƺ ƮƵ ɈƊǶ ǏȌȲǿƊ٘© خɐƊȺƵ ڭמקƮƊ ȯȌȯɐǶƊƪƣȌ ƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊ ȺƵ Ɗ˛ȲǿƊ ƧȲǞȺɈƣة
nem por isso me intimidarei com sua predominância cultuando-a apenas porque a maioria o
ǏƊɹ خ1 ȯȌȺȺǠɨƵǶ ȲƵƧȌȁǘƵƧƵȲ ȌȺ ƵǏƵǞɈȌȺ ƮƵȺȺƊȺ ˛ƧƪȪƵȺ ةƧȌǿƦƊɈƵȲ ȺɐƊȺ ɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺ ȺƵǿ ǏƵƧǘƊȲ ɐǿ
pacto íntimo com elas.
Liberdade não é escolher entre as opções que a colonialidade nos dá, mas ter a coragem
e ousadia de poder questionar sua própria oferta.
wƋɮǞǿȌ ȲƵȺȯƵǞɈȌ Ɗ ȱɐƵǿ ƦɐȺƧƊ ȲƵȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲ Ȍ ȱɐƵشȱɐƵǿ ƶ ǿƊȺƧɐǶǞȁȌ Ƶ ǏƵǿǞȁǞȁȌ ةǘȌmem x mulher, mas que seja respeitado também o direito a não acreditar nesses pares, independente do tanto de matizes que tenham, da pluralidade com que se apresentem. A não conversão a essas lógicas não é falta de consciência/respeito, mas não exijam culto aos seus deuses.
c) Poema Corpo potável:
Minha inteligência não é feminina (nem masculina)
Minhas orelhas não são femininas (nem masculinas)
Nenhum órgão do meu corpo tem gênero, nem meu fígado, rins, nem meu coração,
minha bunda ou vagina.
O vento cuida de nós, os rios matam nossa sede, a terra nos abraça e nos cuida: nem por
isso o cuidado é feminino (nem masculino).
Os rios também têm curvas (nem por isso são mulheres).
O sol que aquece as plantas não é homem (nem mulher).
ɈƵȲȲƊ˜ȌȲƵȺƧƵȁƮȌةƊƧǘɐɨƊƧƊǞȁƮȌةȁƣȌȺƣȌǿɐǶǘƵȲƵȺـȁƵǿǘȌǿƵȁȺخف
Da mesma forma que um raio não é homem, nem uma borboleta é mulher, o binário de
gênero nos descreve muito mal.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Entrevistas
Quando dizem que só humano pode ser homem e mulher, querem dizer que ou se é
humano ou se é bicho.
Só elogiam o humano/humanizado porque veem bicho como ofensa.
51
“Parece animal” quem não é civilizado.
Da hierarquia do humano (entre si e com os demais seres) que decorrem todas as violências.
²ƵȌǿɐȁƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶȁȌȺɨƺƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƮƵȺƮƵȺƵɐȺƧȲǞɈƶȲǞȌȺةȁƣȌȺƵȲƋȯȌȲǞȺȺȌȱɐƵɈȌǿƊȲƵǞ
como saudáveis suas regras. O folclore de gênero não faz sentido para mim, nem sua mitologia
de que a cor rosa do céu é cor de mulher e o azul do mar, cor de homem.
Cuidado, afeto, sensibilidade, força, inteligência ...tudo isso existe no mundo e não é coisa
de mulher (nem de homem).
yƣȌȺƵȲǿȌȺƧȲƵȁɈƵȺƮȌǐƺȁƵȲȌȁȌȺƊɐɮǞǶǞƊƊƮƵȺƧƵȁɈȲƊǶǞɹƊȲȌǘɐǿƊȁȌƮȌȺƵȁɈǞƮȌƮƊȺƧȌǞȺƊȺסڜ
²ƵȲǘɐǿƊȁȌȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȺƵȲǿƊǞȺɐǿƮƵȁɈȲƵǿɐǞɈȌȺƦǞƧǘȌȺةǿƊȺȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶةȌǿƊǞȺǞǿportante, o melhor.
Isso é precisamente o que não sou, o que não somos.
ƮƵȺȯƵǞɈȌƮƵɈȌƮƊȺƊȺ˛ƧƪȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺةƧȌǿȌȲǐɐǶǘȌƮǞǐȌبȁƣȌȺȌɐǿɐǶǘƵȲـȁƵǿǘȌǿƵǿخف
Se a cor do caqui é brilhosa, ela deixa de brilhar se eu disser brilhoso?
Se o calor do sol me esquenta, deixaria de me aquecer se eu dissesse no feminino?
²ƵƊȁɐɨƵǿƵȺɈƋƧǘƵǞƊ˛ةƧƊȲǞƊɨƊɹǞƊȺƵƵɐƮǞȺȺƵȺȺƵƧǘƵǞȌد
Se o som dos passarinhos é lindo, seria menos belo se eu dissesse linda?
Se me digo amoroso, me torno alguém menos afetuoso por usar essa ou aquela letra?
Se me digo sortude, tenho menos sorte?
Os crentes do gênero tomam as letras a, o, u e atribuem a elas um valor hierárquico, essencial e moralista. Em vez de janelas abertas para a vida, as letras se tornam cadeados.
“Usar rosa não me faz menos homem”/ “levantar menos peso não me faz menos mulher”,
ƊȯȲƵȺȺƊǿٌȺƵƊƮǞɹƵȲخ0ȺƵ˛ɹƵȲ©دɐƊǶȌȯȲȌƦǶƵǿƊƵǿȺƵȲǿƵȁȌȺǘȌǿƵǿد0ǿȺƵȲǿƵȁȌȺǿɐlher? Por que tanto medo em viver para além dessa mitologia? Homem e mulher não existem
ȺƵȁƣȌƧȌǿȌɐǿƊ˛ƧƪƣȌةƊȺȺǞǿƧȌǿȌɐǿȯƊȲƮƊǶȁƣȌƶɐǿǘȌǿƵǿةȁƵǿɐǿƊȁɐɨƵǿƶǿɐǶǘƵȲة
repito, o binarismo do cis-gênero nos descreve muito mal. E olha que não tenho problema com
˛ƧƪȪƵȺƵǞȁɨƵȁƪȪƵȺةȯƵȁȺȌȱɐƵȯȌƮƵǿȺƵȲǏȌȲǿƊȺǿɐǞɈȌǶǞȁƮƊȺƮƵȺƵȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƧȌǿƊɨǞƮƊخyȌ
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(quando muito, três).
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nossas existências.
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Luma Lessa
Geni Núñez
Tenho chamado de sistemas de monoculturas a lógica da colonialidade. Nela, o um é imposto como único caminho possível. O deus cristão não é apenas monoteísta, mas monogâmico: para provar que o ama, a pessoa precisa, necessariamente, não amar outros deuses, senão
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comete adultério. É nessa linha que a monogamia é um sacramento cristão, ela é um casamento com Jesus. A imposição da monogamia, segundo a historiadora Vania Moreira, foi crucial
para a implementação do projeto colonial. Ela comenta que o combate dos missionários à não
monogamia indígena se tornou uma grande obsessão na época porque ela impedia o batismo
e sem este, não seria possível levar adiante a catequização. Nas cartas jesuíticas, temos relatos
ƮȌȺȯƊƮȲƵȺƵǿȱɐƵƊ˛ȲǿƊɨƊǿȱɐƵȌɑȁǞƧȌƧƊȺƊǿƵȁɈȌɨƵȲƮƊƮƵǞȲȌƵȲƊȌƧȲǞȺɈƣȌƵةȯȌȲɈƊȁɈȌةȌ
monogâmico. A qualidade exclusiva desse matrimônio estaria especialmente posta no seu atributo temporal, ou seja, só seria verdadeiro o vínculo que não se acabasse e/ou se transformasse.
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vínculo quando queriam e como desejavam, sem que houvesse punição ou constrangimento
algum em relação a isso. Nisso, vemos que monogamia não era e não é sobre quantidade de
pessoas com que se relaciona, mas sobretudo sobre o modo em que essa relação acontece. Se
lembrarmos que a conquista do direito ao divórcio só foi plenamente assegurada na ConstituiƪƣȌƮƵةצצקןȯƵȲƧƵƦƵǿȌȺƧȌǿȌƊɈƶȯȌɐȱɐǠȺȺǞǿȌɈƵǿȯȌةƊȺȯƵȺȺȌƊȺȁƣȌɈǞȁǘƊǿȌƮǞȲƵǞɈȌǶƵǐƊǶ
de interromper suas relações. O Estado colonial em que vivemos é fundamentalmente cristão,
inclusive há poucos anos atrás ele criminalizava pessoas pelo crime de “adultério”, que em verƮƊƮƵȁƣȌȯƊȺȺƊƮƵɐǿȯƵƧƊƮȌƧȲǞȺɈƣȌخyȌǿƵȺǿȌȺƵȁɈǞƮȌةƊƦǞǐƊǿǞƊȺƵǐɐƵȺƵȁƮȌȱɐƊǶǞ˛ƧƊƮƊ
como um crime no Código Penal, o que me leva a perguntar: que escolha é essa que quando
dissemos não podemos ir para a cadeia? Que elogio nostálgico é esse das antigas relações que
duravam a vida toda, quando não havia outra possibilidade que não sua manutenção?
Não monogamia anticolonial, para mim, é sobre a possibilidade de termos autonomia
em nossas decisões sobre nossa própria afetividade, sexualidade. Assim como monogamia não
é sobre quantidade, apenas, não monogamia também não. Assim como uma pessoa bissexual
ɈƵǿƊȯȌɈƵȁƧǞƊǶǞƮƊƮƵƮƵȺƵƊɈȲƊǞȲȯȌȲǿƊǞȺƮƵɐǿٗǐƺȁƵȲȌ٘ةǿƊȺǞȺȺȌȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊȱɐƵƵǶƊȁƵcessariamente irá se atrair por todos, uma pessoa não monogâmica tem a potencialidade de se
ȲƵǶƊƧǞȌȁƊȲƧȌǿǿƊǞȺƮƵɐǿƊȯƵȺȺȌƊƊȌǿƵȺǿȌɈƵǿȯȌةƵǿƦȌȲƊǞȺȺȌȁƣȌȺǞǐȁǞ˛ȱɐƵȱɐƵȁƵƧƵȺsariamente irá fazê-lo.
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controle, punição e impus exclusividade emocional/sexual a quem amo. Não, a narrativa em
ƮƵǏƵȺƊƮƊǿȌȁȌǐƊǿǞƊƊƧǞȌȁƊƊȯȌȺǞɈǞɨƊƪƣȌƵƊȁȌƪƣȌƮƵƵȺƧȌǶǘƊȯƊȲƊ˛ƧƊȲƧȌȁǏȌȲɈƋɨƵǶƧȌȁȺǞgo. E aí o que tenho sugerido alguns questionamentos: ȺƵƊȯƵȺȺȌƊȁƣȌɈƵǿƮƵȺƵǯȌƮƵ˸ƧƊȲ
ƧȌǿȌɐɈȲƊȺƊǶƶǿƮƊȱɐƵǶƊƧȌǿƊȱɐƊǶȁƊǿȌȲƊلȁƣȌȺƵȲǞƊƊǠǿƵȺǿȌǿƊǞȌȲƊȌƦȺȌǶƵȺƧƺȁƧǞƊƮƊ
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yƵǿɈɐƮȌȱɐƵƶƧȌǿƦǞȁƊƮȌلƶƶɈǞƧȌƵƊǿƵɐɨƵȲلƊɐɈȌȁȌǿǞƊȺȌƦȲƵȺǞǿƵȺǿȌƶƊǶǐȌȱɐƵȁƣȌ
se terceiriza.
Assim como o heterossexismo não é sobre a heterossexualidade como uma das sexualidades possíveis, mas como a única, a monogamia não é sobre se relacionar com uma pessoa e sim com apenas uma e com essa, de determinada forma, num determinado tempo. A
colonialidade não admite concomitâncias. A demanda não é de também ser amado, mas de
ser unicamente amado. No monoteísmo cristão, se houvesse o reconhecimento de que a espiritualidade cristã era apenas uma dentre muitas, não teríamos a motivação do projeto colonial de
catequização. 0ȁɈƣȌلȯƊȲƊǿǞǿلȁƣȌǿȌȁȌǐƊǿǞƊƶȺȌƦȲƵȁȌȺƮƵȺƧƵȁɈȲƊǶǞɹƊȲǿȌȺكȁƣȌȺȌǿȌȺ
ȌƧƵȁɈȲȌƮȌȯǶƊȁƵɈƊلȁƣȌȺȌǿȌȺȌƧƵȁɈȲȌƮƊɨǞƮƊƮƵȌɐɈȲƊȯƵȺȺȌƊلȁƵǿȌǐƺȁƵȺǞȺلƊȯȌƧƊǶǞȯȺƵل
ȲƶǐɐƊȌɐƦɑȺȺȌǶƊƮƊɨǞƮƊƊǶǘƵǞƊىMuitas pessoas acreditam que não monogamia é um modelo
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Entrevistas
ƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌةƊȁɈƊǐȏȁǞƧȌƊȌǿȌƮƵǶȌǿȌȁȌǐƓǿǞƧȌخyƵȺȺƊǶǞȁǘƊةǘƊɨƵȲǞƊƊȯƵȁƊȺƮɐƊȺȌȯƪȪƵȺȲƵǶƊcionais. Este é um equívoco em muitos sentidos: vejam, monogamia é um sistema compulsório
que se pretende como o único possível para bilhões de pessoas. Como que “daria certo” um
único jeito de se relacionar para pessoas tão diversas, com histórias de vida tão distintas, com
ɈƊȁɈƊȺ ƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺ ƮƵ ƧǶƊȺȺƵ ةȲƊƪƊ ةƵɈȁǞƊ ةƮƵ˛ƧǞƺȁƧǞƊ ƵɈƧ دخȯƵȲǐɐȁɈƊ ƧȌȲȲƵɈƊ ƮƵɨƵȲǞƊ ȺƵȲ ƵȺȺƊة
mas a colonialidade inverte as perguntas. Toda hegemonia só se constrói nesse lugar através da
violência, do apagamento, do epistemicídio.
A partir do que tenho chamado de artesania dos afetos, não tem como existir apenas
UMA não monogamia, mas sim a construção singular de cada relação, pois cada encontro é
ɑȁǞƧȌخÀƵƧƵȲ˛ȌȺƮƵȺƵȁɈǞƮȌȱɐƵƮƵƊǶǐɐǿƊǏȌȲǿƊƊƧȌǶǘƊǿȁȌȺȺƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊƶɐǿƊɈƊȲƵǏƊɈȲƊƦƊlhosa, mas ao mesmo tempo muito potente e produtora de saúde mental-físico-social. Muitas
vezes sem uma referência pronta a gente se sente perdido, confuso e com medo, mas honrar
nosso tempo de vida envolve termos a coragem de construir nosso próprio caminho, nosso
próprio sentido, sempre provisório. Se as receitas prontas, de glutamato emocional, diminuem
nossa capacidade de sentir os diferentes gostos dos alimentos, como podemos fazer para recuperar nossa capacidade de realmente conhecer nosso próprio paladar? Um gosto e uma
alegria que não seja aquela do desespero que a dependência dá, com toda sua urgência, pressa
e pasteurização.
Lembro aqui de um trecho da música Transbordar que amo muito da grande artista @
dandaramanoela: “visto a roupa que você deixou pra mim, não me cai tão bem, mas eu visto
mesmo assim, que é pra não te chatear, não quero te ver chorar, mas dói, dói em mim”. Como
seria sua roupa se você fosse sua própria estilista? Que cor, tamanho e formato teria?
É nesse sentido que penso na artesania nos afetos.
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Falando pela experiência que tenho como guarani, temos encontros regionais e nacionais das Kunhangue, em que discutimos diversas pautas. Não é porque não falamos disso da
mesma forma que determinados grupos o fazem que não fazemos. Sempre me senti muito
acolhida entre meus parentes, embora, por sermos seres contemporâneos, os discursos cristãos
e o pensamento monocultural inegavelmente também nos atingiu.
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Como disse, a colonialidade não admite concomitâncias, por isso o avanço do cristianismo implica no direto desaparecimento de línguas e costumes originários. Foi preciso muito
ȺƊȁǐɐƵȯƊȲƊȱɐƵǘȌǯƵƧƵȲƧƊƮƵڭמקƮƵȺȺƵȯƊǠȺȺƵƊ˛ȲǿƵƧȲǞȺɈƣȌـX J0خفמןמנةÀȌƮƊƵȺȺƊǞȁɨƵȁƪƣȌƮƵ ȲƊȺǞǶةƧɐǯƊƦƊȁƮƵǞȲƊǘȌǿƵȁƊǐƵǞƊƊȺƧƊȺƊȺȯȌȲɈɐǐɐƵȺƊȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺةƧɐǯƊǶǠȁǐɐƊȌ˛ƧǞƊǶƶȌ
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da identidade nacional tem como principais adversários nossa diversidade étnica, que a todo
momento contradiz essas narrativas, lembrando que aqui nessa terra não há o português como
única língua, nem o cristianismo como única espiritualidade, nem uma única nação. Nós somos
Luma Lessa
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Geni Núñez
perseguidos não somente pela racialização da nossa pele, mas pelos nossos modos de vida,
radicalmente contrários à lógica da exploração, do desenvolvimento (ordem e progresso!), da
matança de bichos de toda ordem (humanos ou não). Nós buscamos um envolvimento de qua-
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lidade entre o tecido da vida do qual fazemos parte, não vendo aos demais seres como objeto
ou propriedade e sim como nossos parentes, nossos irmãos. Quando digo que o debate não é
sobre o “verdadeiro cristão”, sobre os cristãos bons ou maus, o que quero pontuar é que a lógica
do bem compõe a lógica da moralidade, não existe moral cristã sem bem e mal. E o que pauto
é uma vida em que o acesso à saúde, educação, moradia não seja mediado por esse tipo de
ȲƊƧǞȌƧǠȁǞȌةƵȁɈƵȁƮƵدyƣȌƮƋȯƊȲƊȱɐƵȲƵȲǿȌȺȌ˛ǿƮȌǞȁǏƵȲȁȌȺƵǿȌ˛ǿƮȌȯƊȲƊǠȺȌخȯȲȌǏƵȺȺȌȲ
ȯƊȲƵȁɈƵJƵȲȺƵǿ ƊȁǞɩƊȁȌȺƵȁȺǞȁƊȱɐƵƊȁȌƪƣȌƮƵٗȺȌƦȲƵȁƊɈɐȲƊǶ٘ƮƊǿƊɈȲǞɹ˛ǶȌȺȍ˛ƧƊƵɐȲȌȯƵǞƊ
cristã não contempla nossas perspectivas indígenas. Isso porque a ideia de algo sobre/supernatural coloca a natureza como apartado, inferior, distante. Os deuses coloniais costumam ser
os seres nomeados como sobrenaturais - eles e os demais seres que excedem de alguma forma a ordem “natural” das coisas. Para nós, os espíritos, os seres encantados e os humanos não
estão acima do mundo, acima da natureza, pois ela é tudo que há, é o que somos. A noção de
ȺɐȯƵȲٌǘȌǿƵǿƮȌȺ˛ǶǿƵȺƵȺɈƊƮɐȁǞƮƵȁȺƵȺƶɐǿƮȌȺȺǞȁɈȌǿƊȺƮȌƮƵȺƵǯȌƮƵȺƵȲǿƊǞȺƵǿƊǞȌȲƮȌ
que se é. Parece que ser uma pessoa comum é pouca coisa, seria necessário ser/ter algo muito
maior que a banalidade da vida. Nisso, o imaginário branco recorre ao desejo por não ter limites:
ȺƵȲǘǞȯƵȲƊǶȌȁǐƊƮȌةɈƵȲɈƵǞƊȺǞǿƵȁȺƊȺةƧȌȲȲƵȲǿƊǞȺȲƋȯǞƮȌȱɐƵȌƧȌǿɐǿةɨȌƊȲ˛ةƧƊȲǐǞǐƊȁɈƵȌɐ
minúsculo, etc. Na minha visão, o limite de cada ser em sua espécie é uma falsa proposição, porque nosso corpo não termina na pele, como diz Haraway. Somos uma multidão de seres, íntima
e profundamente conectados com o ar, com todos uma multidão de seres, íntima e profundamente conectados com o ar, com todos os poros da nossa pele, desde antes de nascermos até
ƮƵȯȌǞȺƮƵȁȌȺȺƊǿȌȲɈƵخƮǞǏƵȲƵȁƪƊǘɐǿƊȁȌɮƊȁǞǿƊǶƶɐǿƊ˛ƧƪƣȌخȺƊȲƊȁǘƊȺȁƣȌȺƣȌǿȌȁȍtonas por não serem do tamanho de um prédio, o alongamento da lesma é perfeito mesmo
que sua elasticidade não salve os EUA, haha. Cada vida é como tinha de ser, não lhes falta nem
ȺȌƦȲƊȁƊƮƊخwɐǞɈƊȺƮƊȺȯȺǞƧȌȯƊɈȌǶȌǐǞƊȺȺƣȌȲƵ˜ƵɮȌƮƊƮǞȺɈȌȲƪƣȌƮȌɈƵǿȯȌبƵɮƧƵȺȺȌƮƵǏɐɈɐȲȌة
de passado. Acolher nosso tamanho, nem maior nem menor do que deve é também se reconciliar com a vida, é parar de tentar se vingar do tempo. Sem super humano e sem sobrenatural
conseguiremos parar de ferir (nossa) natureza. A luta contra si é sempre uma batalha perdida.
Queria retomar a questão do tempo e da colonialidade, pois estamos em um momento
ǿɐǞɈȌƧȲɐƧǞƊǶƮƵƮƵƧǞȺƣȌȺȌƦȲƵȌǿƊȲƧȌɈƵǿȯȌȲƊǶةȁƊ§m(خמקעƵȁɈȲƵƊȺȯȲƋɈǞƧƊȺǿƊǞȺƧȌȁƮƵnáveis pelos jesuítas estavam o “xamanismo, nudez, não monogamia e nomadismo” (Cartas
ǯƵȺɐǠɈǞƧƊȺةwƊȁȌƵǶƮƊyȍƦȲƵǐƊٗخفמץףןٌץןףןةȁȌǿƊƮǞȺǿȌ٘ƵȲƊƧȌȁƮƵȁƊƮȌȯƵǶȌȺǿǞȺȺǞȌȁƋȲǞȌȺ
ȯȌȲȱɐƵƮǞ˛ƧɐǶɈƊɨƊƊƧȌȁɨƵȲȺƣȌةƧȌȁɈȲȌǶƵƵȯɐȁǞƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶخƧǞȲƧɐǶƊƪƣȌǞȁƮǠǐƵȁƊƵȁɈȲƵƮǞǏƵȲƵȁtes territórios era uma forma de fortalecimento cosmogônico e político, portanto uma grande
inimiga da catequização. O “direito de ir e vir” nunca foi coletivo de fato. Pessoas colocadas na
posição de propriedade alheia, por exemplo, jamais puderam exercê-lo (ex: escravização). Até
נפקןǿɐǶǘƵȲƵȺƧƊȺƊƮƊȺȯȲƵƧǞȺƊɨƊǿƮƵƊɐɈȌȲǞɹƊƪƣȌƵȺƧȲǞɈƊƮȌǿƊȲǞƮȌȯƊȲƊɨǞƊǯƊȲةɐǿƵɮƵǿȯǶȌ
de como as opressões estão muito relacionadas ao controle, ao cerceamento da liberdade. O
marco temporal também é um marco espacial, ideológico, cristão. É possível ser dono de algo
ȱɐƵǿɐƮƊةȱɐƵȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊدyƣȌةƊǶȍǐǞƧƊƮƊȯȲȌȯȲǞƵƮƊƮƵȯȲƵƧǞȺƊƮƊ˛ɮǞƮƵɹƮȌɈƵǿȯȌƵƮȌ
ƵȺȯƊƪȌخ²ƵٗȁȌǿƊƮǞȺǿȌ٘ƵȲƊƧȌȁȺǞƮƵȲƊƮȌɐǿȯƵƧƊƮȌǶƋƵǿةממףןǘȌǯƵƧȌȁɈǞȁɐƊȺƵȁƮȌȯɐȁǞƮȌ
pelo Estado brasileiro que permanece a cada dia mais cristão, estabelecendo fronteiras racistas,
etnocidas e misóginas de quem pode ir e vir, onde e com quem. Nóbrega dizia que “sem sujeição não há conversão”. O impedimento do “nomadismo” facilitava muito a imposição da monogamia, já que controlar e cercear estando no mesmo lugar, na mesma casa e sem ter para onde
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Entrevistas
ir eram (e continuam sendo) as condições ideais de controle e dependência. Só há progresso
da ordem colonial se for possível controlar o tempo e o espaço. Querem que nos mantenhamos
no mesmo lugar “até que a morte nos separe”, com a mesma pessoa, no mesmo trabalho, na
mesma cidade, com a mesma sexualidade. “A civilização transforma o tempo do diabo, que é o
tempo desordenado do ócio, em tempo de graça, cronometrado para oração e trabalho” – diz
Nóbrega. Por isso sou contra todos os marcos coloniais do tempo.
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Eu me sinto muito presenteado por fazer parte das lutas junto com meu povo, a alegria
do coletivo, da redistribuição é única. Para tornarmos possíveis nossas idas à Brasília, em atos,
ǿƊȁǞǏƵȺɈƊƪȪƵȺةȯƊȲƊɈƵȲǿȌȺƊǶǞǿƵȁɈȌةǿȌȲƊƮǞƊƵƊ˛ȁȺةȯȲƵƧǞȺƊǿȌȺةǞȁǏƵǶǞɹǿƵȁɈƵةƮƵȲƵƧɐȲȺȌ˛nanceiro. Então, eu sou uma gotinha no oceano das nossas lutas e uma das minhas frentes é
essa, articular para somar na concretização de nossos projetos e enfrentamentos. Tenho chaǿƊƮȌƮƵȲƵ˜ȌȲƵȺɈƊǿƵȁɈȌƮȌǞǿƊǐǞȁƋȲǞȌƵȺȺƵȯȲȌƧƵȺȺȌƮƵƧɐȲƊƮƊȺǏƵȲǞƮƊȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺةƵȺȺƵȯȲȌcesso da retomada não só da terra, mas também da nossa alegria. As redes sociais são uma das
ȁȌȺȺƊȺ˜ƵƧǘƊȺƧȌȁɈƵǿȯȌȲƓȁƵƊȺƵƧȌǿȌǿƵƵȁȺǞȁȌɐǿƵɐȱɐƵȲǞƮȌȯƊȲƵȁɈƵ(ƊȁǞƵǶæƦƵȲƺةȁȍȺ
Ɗ˛ƊǿȌȺȁȌȺȺƊȺȯƊǶƊɨȲƊȺƵƧƊƪƊǿȌȺȁȌȺȺȌȺƧȌǶȌȁǞɹƊƮȌȲƵȺɈƊǿƦƶǿƮƵȺȺƊǏȌȲǿƊخwƊȺȁƣȌȯƊȲƊmos por aí. No meu trabalho mesmo, meu objetivo não está em convencer ou converter, haha,
é sempre um convite mesmo, abre as portas e janelas de si quem/quando quer. Muito mais
que buscar convencer quem nos oprime a deixar de fazê-lo, rs, o que busco é fortalecer minhas
comunidades e com isso retirar o poder de quem nos oprime do acesso à opressão. Aos nossos
apoiadores, a chamada que deixo é de que se lembrem que esse engajamento antirracista não
ƶɐǿȯȲƵȺƵȁɈƵȌɐȺǞǐȁȌƮƵƦƵȁƵɨȌǶƵȁɈƵƧƊȲǞƮƊƮƵةǿƊȺɐǿǐƵȺɈȌƮƵȲƵȯƊȲƊƪƣȌǘǞȺɈȍȲǞƧƊخyȌ˛ǿ
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CURIEL, Ochy. Construyendo metodologías feministas desde el feminismo decolonial. In:
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55
Geni Núñez
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MOREIRA, Vania Maria Losada. Casamentos indígenas, casamentos mistos e política na América portuguesa: amizade, negociação, capitulação e assimilação social. ÀȌȯȌǞ ةRio de Janeiro), v.
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SEUSS, Paulo. A história dos jesuítas no Brasil. !XwXןסةǯƊȁ(خפממנǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿبǘɈɈȯȺششبƧǞǿǞخ
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SILVA, Edson. “Os caboclos” que são índios: história e resistência indígena no Nordeste”. !0²ٌ
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 38-57, 2021
Foto: detalhe do cartaz de Renata Barbosa Reis, 2021.
Entrevista com
Elisa Pankararu:
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Jade Alcântara Lôbo
PPGAS/UFSC
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O presente texto é a transcrição da entrevista realizada pela antropóloga Jade Alcântara Lôbo com Elisa Urbano Ramos Pankararu. , ativista indígena da etnia Pankararu
e antropóloga que possui mais de uma década de participação de movimentos do
campesinato, indígena e das mulheres. Neste diálogo entre duas mulheres engajadas
na luta dos povos e contra a desigualdade de gênero abordamos sobre a trajetória de
Elisa Pankararu e sua defesa da existência de um feminismo indígena. Esta entrevista
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Comunitário.
Entrevista a Elisa Pankararu: el movimiento de mujeres indígenas
y el feminismo indígena
Resumen
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desde hace más de una década. En este diálogo entre dos mujeres comprometidas
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Palabras clave: Feminismo Indígena; Elisa Urbano Ramos Pankararu; Feminismo
Comunitario.
Interview with Elisa Pankararu: The Indigenous Women's
Movement And Indigenous Feminism
Abstract
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discuss the trajectory of Elisa Pankararu and her defense of the existence of an indigƵȁȌɐȺǏƵǿǞȁǞȺǿىÀǘǞȺǞȁɈƵȲɨǞƵɩɩƊȺƧȌȁƮɐƧɈƵƮɨǞȲɈɐƊǶǶɯǞȁɈǘƵȺƵƧȌȁƮǘƊǶǏȌǏل
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Keywords: Indigenous Feminism. Elisa Urbano Ramos Pankararu. Popular Peasant
Feminism.
Elisa Urbano Ramos Pankararu é ativista indígena da etnia Pankararu com mais de uma
década de participação dentro de movimentos do campesinato, indígena e das mulheres. Elisa
também é mestre em Antropologia pelo PPGA-UFPE e Coordenadora do Departamento de
Mulheres Indígenas da APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste. Sua dissertação “Mulheres Lideranças Indígenas em Pernambuco – Espaço de poder onde
acontece a equidade de gênero” discute teoricamente a existência de um feminismo indígena
e a luta de mulheres indígenas de Pernambuco. Esta entrevista ocorreu de forma virtual devido
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Entrevistas
Foto: Elisa Urbano Ramos Pankararu (cedida pela entrevistada).
61
Jade Alcântara Lôbo
Elisa Pankararu
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O meu interesse em pensar feminismo indígena vem a partir do meu conhecimento da
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de acordo com o registro, como que é escrito. Porque a Julieta Paredes vai dizer de feminismo
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Em princípio sobre mulheres indígenas, mas principalmente violência com as mulheres, violência de gênero, contexto de desigualdade que sempre houve e havia naquele momento em que
eu comecei a participar dessas reuniões. Aqui em Pernambuco a partir da APOINME - Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste do departamento de mulheres indígenas
começaram a acontecer alguns encontros com mulheres indígenas de todos os povos daqui de
Pernambuco e havia um convite a partir de COPIPE - Comissão de Professores/as Indígenas de
Pernambuco. A COPIPE é uma organização muito atuante, ela foi formada a partir de janeiro
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organização que combatia muito o sistema governamental pelo direito da educação escolar
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Educação - Câmara de Educação Básica a luta naquele momento era pela estadualização das
escolas indígenas em Pernambuco, mas também pela implementação de diretrizes de uma
escola indígena. Então aquelas mulheres eram questionadas pela sua saída das aldeias para a
capital, mas principalmente por ser um grupo combatente que passavam a ter aquele destaque nos seus territórios não apenas pelas lutas, mas pelas conquistas. Algumas organizações,
ONGs, passaram a realizar encontros de mulheres indígenas em Pernambuco. No princípio eu
recebia os convites, mas não tinha empolgação porque naquele momento eu acreditava que
discutir violência contra mulher era algo que não me pertencia porque eu entendia violência
apenas como violência física. No entanto, eu fui me incorporando ao grupo e passei a fazer parte de uma organização aqui de Pernambuco que se chama Comissão Permanente de Mulheres
Rurais onde tem várias organizações sociais do campo como a CPT, MST, Rede de Mulheres Quilombolas, Rede de Mulheres Indígenas a qual eu fui convidada e tivemos vários encontros para
escrever um Plano Estadual de Políticas Públicas para Mulheres Rurais. Eu digo mulheres rurais
porque foi a nomenclatura que foi utilizada embora houvesse a proposição que fosse utilizada
a palavra campo, mas não passou.
Nesses grupos, organizações e coletivos de mulheres havia sempre falas sobre gênero, feminismo, machismo, primeira onda, segunda onda, sobre a participação de algumas feministas
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os direitos das mulheres, eu não tinha um entendimento acadêmico. Eu sentia a necessidade de
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direitos das mulheres são discutidos. Então eu fui fazer um curso, uma especialização lato sensu
sobre políticas para mulheres onde eu encontrei uma série de disciplinas que trouxeram essas
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1 Resolução ceb nº 3, de 10 de novembro de 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/
CEB0399.pdf>. Acesso em 3 mar. 2022.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 58-65, 2021
Entrevistas
curso foi ofertado pela Secretaria de Direito da Mulher e pelo PPGA da UFPE. Mas havia algo que
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um Conferência Estadual de Direito da Mulher, umas três conferências atrás, eu fui convidada
para fazer uma fala em uma mesa eu fui apresentada como mulher indígena feminista. Todas as
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penso que esse é o princípio do meu interesse em pensar feminismo indígena. Por que sim? E
por que não? A partir da minha identidade, do meu lugar de fala, da minha participação.. Então
foi passando até a época em que eu cheguei no mestrado, mais de uma década que eu já havia
feito várias leituras, ouvido muito sobre feminismo e já havia escrito um TCC sobre lideranças
mulheres em Pernambuco que já havia sido publicado. Mas nesse texto eu não falava ainda de
feminismo ainda, mas na minha cabeça já estava essa ideia de falar do feminismo do ponto de
vista acadêmico. E na Universidade o único departamento aqui em Pernambuco, diferente da
Bahia, o único departamento que vai falar sobre questões de gênero é na Antropologia. Então
foi para lá que eu fui. E aí eu não vou apenas ouvir dizer que não existe mulher feminista, mas ler
em algumas revistas. Na minha dissertação eu vou falar de uma leitura que me deixou bastante
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mulheres indígenas exercem seus protagonistas em todos os espaços coletivos.
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Então, em conversa com o Professor da UFBA Recôncavo Baiano Felipe Milanez, ele me
falou sobre feminino comunitário. E me passou várias publicações em espanhol, publicadas em
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Paredes é a repercussão em torno da discussão. Foi nessa leitura que eu encontrei a base para
teorizar o meu texto. Principalmente pelos elementos indígenas que encontrei. Os textos sobre
feminismo comunitário serviram como embasamento teórico, no entanto, minha grande inspiração foi a observação de mulheres com as quais eu fui convivendo durante as minhas vivências
Jade Alcântara Lôbo
63
Elisa Pankararu
desde criança até os dias atuais. Aí eu vou falar no mundo dos sonhos. O mundo dos sonhos
são inspirações que eu tenho para compor algumas frases a partir de lembranças repentinas
de palavras que surgem na minha mente nesse mundo cosmológico que é a presença das mu-
64
lheres indígenas em todo o nosso território em todas nossas atividades. Eu escrevo pouco sobre
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desde as práticas do cotidiano até o mundo da espiritualidade. Então são espaços políticos que
discutem políticas públicas e de intervenção. Esses espaços são muitos, são vários, são diversos.
Também escrevo sobre essa presença, essa força com que as mulheres indígenas participam,
em princípio as mulheres Pankararu que é meu lugar de fala, mas também mulheres de outros povos de Pernambuco que são quem eu vou falar em especial. Claro que eu vou encontrar
questionamentos como em relação a outros feminismos bem como você coloca quando fazem
essa referência ao feminismo ocidental, chamado também de feminismo branco. No meu caso
sobre o feminismo indígena é uma composição a partir de observações a partir de vivências.
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sem desigualdade. Então não é apenas a questão das mulheres, mas é também pensar um
mundo de justiça para homens e mulheres e todos os seres. Então, para além da nomenclatura e sua origem de enquanto publicização, vamos pensar na diversidade de culturas. Vamos
pensar o campesinato, o feminismo negro, o ecofeminismo.. Outras formas de pensar nessas
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a igualdade de direitos, é a justiça social. No Brasil até então não havia muita referência escrita
ȺȌƦȲƵǏƵǿǞȁǞȺǿȌǞȁƮǠǐƵȁƊƊǶƶǿƮƊȁƵǐƊƪƣȌƮǞȺȺȌƵǿȲƵɨǞȺɈƊȺȁƣȌƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȺخɐɈȲƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊdoras usavam a palavra feminino, mas eu penso que havia um certo receio em escrever e proȁɐȁƧǞƊȲǏƵǿǞȁǞȺǿȌخÀƵȲǞƊȱɐƵȺƵȲɐǿƊǿɐǶǘƵȲǞȁƮǠǐƵȁƊȺȱɐƵ˛ɹƵȺȺƵɈȌƮƊƵȺȺƊƧȌȁɈƵɮɈɐƊǶǞɹƊƪƣȌ
inclusive na questão do enfrentamento. Porque eu vou ouvir o enfretamento de ideias quando
você vai falar de feminismo negro. E aí vamos pensar feminismo plurais, mas quando falei pela
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feminismos outros que está atrelado a ele a ideia da descolonização.
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Penso que trazer a essência indígena fez com que as mulheres se encontrassem no meu
texto. Porque ouvi a palavra: você me representa. Então me senti coletivo, uma vez que me inspiro nessas mulheres.
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resistir. E nessa atual conjuntura, a violência contra as mulheres indígenas podem ser citadas
sob várias vertentes, vários patamares. Em primeiro lugar a violação dos nossos territórios, que
implica uma violência contra a nossa espiritualidade, a mãe natureza e toda sua constituição.
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 58-65, 2021
Entrevistando
Flavia Rios:
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Mayara Nicolau de Paula
FAL / UFMG
Patrícia Lânes
PPCIS / UERJ
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A entrevista com a socióloga brasileira Flavia Rios teve como objetivo central ouvi-la
acerca de suas contribuições para os estudos raciais e de gênero no Brasil, privilegiando seu trabalho sobre a intelectual e militante Lélia Gonzalez e os debates contemporâneos acerca de feminismos negros e interseccionalidade. A entrevista foi realizada
por meio de uma troca de mensagens via correio eletrônico. As questões foram formuladas a partir de discussões entre as duas entrevistadoras, pesquisadoras de diferentes áreas do conhecimento (Antropologia e Linguística), porém com grande interesse no debate sobre feminismos negros. Foi proposta uma divisão em três grandes
frentes: (i) trajetória acadêmica e pessoal de Flavia Rios, (ii) seus estudos sobre vida e
obra de Lélia Gonzalez e (iii) questões sobre feminismo negro e interseccionalidade.
Flavia faz uma breve apresentação pessoal para, em seguida, partir para os temas
relativos a seu interesse no trabalho de Lélia Gonzalez e como isso se desdobrou em
recentes publicações e aprofundamento na vasta produção da pensadora. Na parte
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concebida como ferramenta de intervenção política por todas e todos que se interessam pelos avanços do feminismo, em especial o feminismo negro e latino-americano.
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Entrevistando a Flavia Rios: una mirada a los feminismos negros
a partir de estudios de raza y género en Brasil y América Latina
Resumen
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en su trabajo sobre la intelectual y activista Lélia Gonzalez y los debates contemporáneos sobre los feminismos negros y la interseccionalidad. La entrevista se realizó mediante un intercambio de mensajes por correo electrónico. Las preguntas se
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en el debate sobre los feminismos negros. Se propuso una división en tres frentes
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sobre la vida y obra de Lélia Gonzalez y (iii) cuestiones sobre el feminismo negro y la
interseccionalidad. Flavia hace una breve presentación personal para luego pasar a
temas relacionados con su interés por la obra de Lélia González y cómo eso se desdobló en publicaciones recientes y en una profundización de la vasta producción de
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cómo esta noción ha sido concebida como una herramienta de intervención política
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feminismo negro y latinoamericano.
Palabras clave: Feminismo Negro; Lélia Gonzalez; Interseccionalidad.
Flavia Rios
Interviewing Flavia Rios: a look at black feminisms from the
perspective of race and gender studies in Brazil and Latin America
Abstract
68
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about black feminism and intersectionality. Flavia makes a brief personal presentation and
then moves on to topics related to her interest in the work of Lélia Gonzalez and how these
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been conceived as a tool of political intervention by all the ones interested in the advances of
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021
A socióloga brasileira Flavia Rios é hoje uma das referências para aquelas e aqueles que
pretendem conhecer a produção intelectual negra do país. Formada em Ciências Sociais pela
Universidade de São Paulo (USP), Flavia se interessou pela intelectual e ativista Lélia Gonzalez
ainda na graduação e, desde então, vem estudando sua obra e trajetória. Mestre e doutora
em Sociologia pela Universidade de São Paulo, além dos trabalhos sobre Lélia Gonzalez, que
incluem a publicação de dois livros, Flavia Rios possui vasta produção acadêmica sobre teorias
interseccionais, relações raciais e de gênero, Ditadura Militar e democracia, educação e políticas
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municipal da igualdade racial e políticas inclusivas de educação e trabalho no município de NiɈƵȲȍǞبƵȺɈɐƮȌȺƵƊƪȪƵȺȯƊȲƊȺɐƊǞǿȯǶƵǿƵȁɈƊƪƣȌ٘ش§(§ـI0!خفננמנٌמנמנةIǶƊɨǞƊɈƊǿƦƶǿƊɈɐȌɐ
como Visiting Student Researcher Collaborator na Princeton University/ EUA. Atualmente, coordena o grupo Grupo de Estudos e Pesquisa Guerreiro Ramos (NEGRA) na Universidade Federal
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As duas entrevistadoras chegaram ao trabalho de Flavia por diferentes caminhos. Patrícia Lânes é antropóloga, pesquisadora de pós-doutorado e bolsista da Capes vinculada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PPCIS/ UERJ), onde vem investindo em estudos sobre memória coletiva, intervenções urbanas e
artísticas e movimentos sociais populares a partir de perspectiva interseccional e de(s)colonial.
Conheceu o trabalho da socióloga ainda no doutorado, quando Flavia lecionava na Universidade Federal Fluminense (UFF) onde Patrícia realizava doutorado em Antropologia. O encontro
se deu a partir de amigos em comum e pela presença em bancas e eventos acadêmicos que
se aliaram ao interesse pelas teorias da interseccionalidade e dos movimentos sociais contemporâneos com recortes racial e de gênero. Aproximou-se ainda mais do trabalho de Flavia Rios
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do seminário do grupo de pesquisa CIDADES - Núcleo de Pesquisa Urbana, do qual Patrícia faz
parte e cujo seminário ajudou a organizar.
Para Mayara Nicolau de Paula, professora adjunta da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora associada ao DALE! – Decolonizar a América
Latina e seus Espaços, a aproximação com o trabalho de Flavia Rios deu-se a partir do interesse
nos trabalhos sobre Lélia Gonzalez. Mayara trabalha com questões relativas à variação linguística e leciona disciplinas nas quais a história do português brasileiro é pauta constante. A partir
de leituras sobre o pretuguês, conceito cunhado por Lélia e abordado nesta entrevista, ela se
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Latina e seus Espaços e aproximaram-se a partir de seus interesses acadêmicos e políticos nos
debates sobre raça e gênero que também as levaram à entrevista com Flavia.
Flavia Rios aceitou gentilmente o convite para conversar com a Revista Epistemologias
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resultou no texto que vocês encontram a seguir. Durante a conversa, ela fala um pouco sobre
sua própria trajetória, seu interesse e pesquisas sobre Lélia Gonzalez e algumas das principais
contribuições da pensadora para os estudos raciais e de gênero no Brasil, na América Latina e
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debate e usos atuais do conceito de interseccionalidade na academia e em múltiplas frentes
de luta contra o racismo.
Foto:
FlaviaFlávia
Rios Rios (cedida pela entrevistada).
70
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021
Entrevistas
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Nasci no sul do Estado do Espírito Santo. Venho das classes populares e, até onde sei,
meus antepassados de linhagem paterna e materna sofreram com a experiência da escravidão. Estudei em escolas públicas durante todos os ciclos educacionais e minha graduação e
pós-graduação foram realizadas na Universidade de São Paulo. Fui a primeira da minha família
a conseguir concluir o ensino superior.
No primeiro ano da faculdade, no curso de Ciências Sociais, ingressei em grupos de discussão e estudos sobre a questão racial. Naquela ocasião, o professor Antônio Sérgio Guimarães
– que viria a ser meu orientador – passou a organizar um seminário sobre o tema das relações
raciais brasileiras. Ademais, animava um grupo de orientação que estudava intelectuais negros.
Nesse ambiente voltado para o entendimento do pensamento e das trajetórias negras, que me
interessei pela obra da Lélia Gonzalez e passei a pesquisá-la de forma sistemática e acadêmica.
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No âmbito local e regional, busco desenvolver projetos que estudem a dinâmica das relações raciais na cidade do Rio de Janeiro e Região metropolitana. Tenho orientandas/os que
entregam o núcleo de estudos Guerreiro Ramos, o Negra. O Negra é um grupo de pesquisa
em Ciências Sociais, formado por estudantes de graduação e pós-graduação, que visa o estudo
das desigualdades, com foco nas relações étnico-raciais e suas interseccionalidades. O grupo
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Sociais da Universidade Federal Fluminense e no Programa de Pós-graduação em Sociologia
da mesma instituição. Tem atuado na formação acadêmica de pesquisadores em diferentes
estágios e tem recebido pesquisadoras estrangeiras para estágio doutoral. O grupo atua em
nível nacional associado ao Núcleo de Pesquisa Afro/Cebrap, e em nível municipal atua junto ao
Núcleo de Desigualdades Globais da UFF. Atualmente, o Negra está na coordenação do projeto
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pesquisa e monitoramento das desigualdades educacionais e laborais na referida cidade, por
meio de levantamento e análise de dados quantitativos e qualitativos. Ademais, presta assessoria e formação a parlamentares e à burocracia municipal.
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além de desenvolvermos nossas pesquisas coletivas, buscando integrar diferentes áreas de conhecimento e instituições diversas que compõem o núcleo do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento – o CEBRAP. Trabalhamos atualmente com justiça racial, desigualdades, memória e movimentos sociais e políticas públicas de igualdade racial.
Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes
71
Flavia Rios
As redes internacionais são bastante mediadas pela minha trajetória acadêmica na área
das relações raciais e de gênero, especialmente os estudos sobre o feminismo negro. Como
especialista dessa área, participo de associações acadêmicas as quais permitem diálogos e par-
72
cerias internacionais. Duas delas merecem destaque, a primeira refere-se as atividades desenvolvidas no âmbito da LASA, em mesas, seminários, projetos etc. A segunda delas tem a ver com
a rede tricontinental que envolve os países do Sul Global, em particular com países da América
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permitem a formação de grupos de estudos, cursos de formação, participação de eventos e
diálogo sistemático e publicação na revista Agrarian South.
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O meu interesse por Lélia Gonzalez começou no início do século XXI, quando passei a frequentar grupos de pesquisa na Universidade de São Paulo. O ambiente intelectual de um setor
da USP, na área de sociologia, estava muito interessado em autores e autoras negras. Conheci
Gonzalez por meio de uma amiga baiana e antropóloga, Thayna Pereira, que me colocou em
diálogo com Luiza Bairros. Além de ter me apresentado os primeiros textos dela, Thayna me
incentivou a pesquisar Lélia Gonzalez.
Fiz minha primeira incursão, junto com uma amiga do curso de letras, Adriana de Cássia
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Nascimento e Lélia Gonzalez no Copene( Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as)
em São Luis do Maranhão. Ele me convidou a participar desse evento. Eu e minha amiga, Adriana de Cássia Moreira, apresentamos a nossas interpretações sobre a obra da autora naquele
evento, que contou com uma audiência bastante interessada. Como era ainda graduanda foi
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No retorno, continuei a estudar a vida e produção acadêmica de Gonzalez enquanto concluía minha graduação. Lembro-me também de ter apresentado meu trabalho numa mesa a
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a Mulher era apresentar às pesquisadoras da USP a abordagem do feminismo negro. Foi assim
1 Trata-se de um evento anula organizado pela Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021
Entrevistas
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Angela Davis naquele evento. Naquela ocasião, percebi que o pensamento de Gonzalez chamava muito a atenção das e dos estudantes universitários. A audiência para o evento contou com
muitos estudantes da USP, mas também interessadas e interessados de outras instituições universitárias e teve o interesse de estudantes africanos que viviam no Brasil.
ƵȺƧȲǞɈƊƮȌǶǞɨȲȌmƶǶǞƊJȌȁɹƊǶƵɹȺȍɨƵǞȌƊƊƧȌȁɈƵƧƵȲȁȌƊȁȌƮƵةקממנȱɐƊȁƮȌƊǞȁƮƊȲƵƊlizava o mestrado e meu colega, Alex Ratts, então professor da Universidade Federal de Goiás,
me convidou para essa parceria. Tratava-se de uma encomenda da Selo Negro, da editora Summus, que na ocasião havia incorporado o projeto da pesquisadora Vera Benedicto. Vera era da
área de comunicação e via um grande potencial na produção de livros sobre intelectuais negros. Ela dirigiu a coleção Retratos do Brasil Negro, na qual se encontra o projeto da trajetória e
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Lélia Gonzalez. A ideia era reunir tudo o que tínhamos da autora para que o público brasileiro
mais amplo a conhecesse. Para essa pesquisa, contamos com Pamela Camargo, uma assistente de pesquisa, para nos ajudar a organizar e sistematizar a produção de Gonzalez. Contamos
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de todo o material. Nessa pesquisa, avançamos na publicação de materiais inéditos e ainda na
tradução de textos importantes de Gonzalez em outras línguas e que não tinham ainda sido
traduzidos para o português. Nesse trabalho acadêmico, conseguimos colocar à disposição do
público uma reunião com grande parte da produção intelectual da autora, mostrando a diversidade, qualidade e abrangência de sua obra.
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Gonzalez nos legou alguns conceitos que merecem nossa atenção. O primeiro deles tem
escopo global, maior escala e maior abstração. Trata-se do conceito “Racismo por denegação”
que tem inspiração na socioantropologia e na psicanálise. A partir desse conceito a autora coloca em diálogo duas grandes áreas do conhecimento e busca entender o mesmo fenômeno
que Grada Kilomba, que dedicaria ao assunto mais de três décadas depois da produção de
Gonzalez. Ambas as autoras se interessavam pelo fenômeno do racismo que não assumia caȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺ ǏȲȌȁɈƊǞȺ Ƶ ƊƦƵȲɈƊȺ ةǿƊȺ ƦɐȺƧƊɨƊ Ɗ˛ȲǿƋٌǶȌ ȯȌȲ ȺƵȁɈƵȁƪƊȺ ȁƊ ȁƵǐƊɈǞɨƊ ةȯȌȲ ƵɮƵǿȯǶȌٗبyƣȌȺȌǿȌȺȲƊƧǞȺɈƊȺ٘ٗس0ɐȁƣȌȺȌɐȲƊƧǞȺɈƊةɈƵȁǘȌƊɈƶɐǿƊƊǿǞǐƊȁƵǐȲƊ٘خIȲƊȺƵȺƧȌǿȌƵȺȺƊȺ
são tidas pelas autoras como evidências de uma estrutura cultural que tem o racismo como
linguagem das relações sociais, contudo marcado pela negação de si mesmo. Essa forma de
ocultamento intrigante é estudada por Gonzalez no plano estrutural e das grandes narrativas e
discursos, enquanto Grada o estuda no âmbito do cotidiano, das relações interpessoais.
Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes
73
Flavia Rios
Já a categoria ameafricanidade foi mais bem desenvolvida em seu artigo “A categoria
político cultural da Amefricanidade”. Gonzalez, com essa terminologia teórica e histórica, busca
superar o nacionalismo metodológico, ultrapassando as barreiras territoriais, linguísticas e ideo-
74
lógicas das Américas. Trata-se, antes de tudo, de uma categoria anti-imperialista, ou seja, que
busca reagir às formulações norte-americanas autorreferenciadas que se impunham sobre as
demais partes do continente. Ademais, é uma categoria que tem por objetivo estabelecer bases
comuns críticas à formação colonial. yƣȌȺƵɈȲƊɈƊلȯȌȲƶǿلƊȯƵȁƊȺƮƵɐǿɈƵȲǿȌȯƊȲƊȁȌǿƵƊȲ
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é preciso notar que Gonzalez entende por ameafricanos e ameafricanas não apenas mestiços,
negros e indígenas, e, sim toda a diversidade de grupos que se formaram na região. Assim,
ameafricanidade não seria uma exclusividade étnica racial, embora esses elementos sejam importantes para forjar uma solidariedade e uma imaginação coletiva que contemplem o corpo
político e social que pertence a comunidade ladino-americana.
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É preciso contextualizar e entender os mecanismos de exclusão das sociedades. Embora
o racismo e o sexismo desempenhem um papel fundamental na estrutura de exclusão em diferentes contextos nacionais, isso não deve nos levar a simplesmente à importação de explicações
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uma narrativa moral, de autoria negra, contra a escravidão. Ademais, a própria existência de
universidades negras garantiu a formação de uma intelectualidade negra estadunidense em
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021
Entrevistas
diferentes áreas do conhecimento. No Brasil, a produção negra considerada de alta relevância
foi lida como literatura brasileira. É muito recente a construção de um campo legitimado do que
seria uma intelectualidade negra, e não apenas escritos de ativistas, ou ainda algo que dissesse
de nossa brasilidade, ofuscando e diluindo a autoria negra. Apesar desse ter sido o padrão dominante no século XX no Brasil, considero que neste novo século, especialmente na última década
essa interpretação mudou, ganhando força a produção, o mercado e o consumo de livros de
autoria negra enquanto uma produção de escritores, artistas e intelectuais negros e negras.
Eu penso que na última década uma onda de produção de literatura feminista impulsionou a produção de intelectuais negras brasileiras e estrangeiras. No Brasil, em particular, o
fenômeno verdadeiramente novo foi o das grandes editoras publicarem autoras negras nacioȁƊǞȺةƵǿȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲȺɐƊȺȯȲȌƮɐƪȪƵȺƵȁȺƊǠȺɈǞƧƊȺƵǶǞɈƵȲƋȲǞƊȺخyƊɨƵȲƮƊƮƵةȌǿƊǞȺȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨȌǏȌǞ
a produção em maior escala, já que antes apenas uma ou outra autora tinha destaque. Acho
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sociais e a circulação de conteúdos fora da centralização dos grandes meios de comunicação e
das livrarias, o que gerou necessidade de absorção dos temas e das novas agendas e interesses
dessa nova geração como estratégia de ampliação de público e modernização da produção
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seja no âmbito civil global, seja no âmbito das universidades (boa parte desse debate internacional pode ser lido na chave do anticolonialismo), o que também impacta um país como nosso
que é marcado por uma política massiva de tradução de livros.
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que se referem às formas de dominação e exploração capitalistas, sexistas e racistas. Racismo,
capitalismo e sexismos como três sistemas cujos impactos são mais bem observados na experiência de exploração e de subordinação das mulheres negras, mas também perceptíveis
nas formas pelas quais elas elaboram suas formas de resistência. Não seria possível entender a
agência das mulheres negras sem saber o modo como esses sistemas de dominação/exploração impactam suas vidas, suas experiências, suas formas de subjetivação, suas condições materiais de vida.
Ambas deram importância ao entendimento histórico da violência colonial e suas interǏƊƧƵȺƧȌǿȌƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌƵȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌخJȌȁɹƊǶƵɹةȁȌƵȁɈƊȁɈȌةɈǞȁǘƊƊǞȁƮƊȌƮƵȺƊ˛ȌƮƵǿȌȺɈȲƊȲ
que o capitalismo na América Latina não era o mesmo dos países centrais. O caráter periférico do Brasil na economia global colocava outros impasses para entender a particularidade da
hiper exploração no país e seus impactos sobre os trabalhadores negras e negros, em especial
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nas suas ideologias de acomodação racial, o embranquecimento e a democracia racial. O capiɈƊǶǞȺǿȌƮƵȯƵȁƮƵȁɈƵةƦƵǿƧȌǿȌȌȲƊƧǞȺǿȌȯȌȲƮƵȁƵǐƊƪƣȌȺƣȌȌȺȺǞȺɈƵǿƊȺƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȺȱɐƵǏȌȲjam um tipo de patriarcado com essas marcas de racialização próprias das nações que negam o
Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes
75
Flavia Rios
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para o país. Como pensar essas estruturas de dominação cambiáveis sem desconsiderar o fato
76
de que estamos diante de maiorias negras, e não minorias racializadas?
Essas perguntas, com base em uma teoria complexa, ou seja, de matriz interseccional,
que parece ser um dos grandes legados da autora. E que tem gerado boa parte de sua recepção
atual no Brasil e em outras partes do globo.
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Ao que parece esse debate sobre a hierarquização das opressões já foi superado mesmo no pensamento de Crenshaw. wƵȯƊȲƵƧƵȱɐƵȌƮƵƦƊɈƵƊǐȌȲƊƶȱɐƵƊǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ
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também como um modelo que busca compreender quais são os fatores determinantes para
uma dada situação de desempoderamento, desprestígio e de subordinação, como esses fatores se relacionam mutuamente? Inicialmente essa perspectiva interseccional, de fundamento
ǿƊɈƵȲǞƊǶǞȺɈƊةǏȌȲǯƊƮƊȁȌȺƊȁȌȺƮƵةמץקןǯƋȯȲƵȺȺɐȯɐȁǘƊȱɐƵȯƵǶȌǿƵȁȌȺȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌةȌƧƊȯǞɈƊlismo e o racismo eram os sistemas estruturantes das hierarquias sociais. E que qualquer tentativa de compreender o social e de superar o atual estado de coisas dependeria de sua análise
em conjunto, isto é, da análise dessa dinâmica de co-dependência e de estruturação mútua. Ou
seja, esses sistemas não andam em paralelo, mas, antes, estão interseccionados.
Na atualidade, o uso do termo interseccionalidade pode ser entendido analiticamente
a partir de algumas dimensões. A interseccionalidade tem sido estudas por três registros prinƧǞȯƊǞȺ فן بƧȌǿȌ ƧȌȁƧƵǞɈȌ ƮƊȺ ƧǞƺȁƧǞƊȺ ȺȌƧǞƊǞȺ Ƶ ǯɐȲǠƮǞƧƊȺ فנ سƧȌǿȌ ǏƵȲȲƊǿƵȁɈƊ ƮƵ ǞȁɈƵȲɨƵȁƪƣȌ
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Do ponto de vista teórico e conceitual, originalmente cunhado pela professora Kimberlé Crenshaw, a abordagem interseccional nasce do feminismo negro norte-americano, que se
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021
Entrevistas
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sociais e produção de desigualdade são levadas em conta numa abordagem multidimensional,
como raça, gênero, classe, religião, sexualidade, nacionalidade, geração.
Antes que eu me esqueça, é preciso desfazer o engano de que a interseccionalidade dá
conta do somatório das desvantagens sociais, culturais ou econômicas. Ou seja, não se trata de
mensurar o sofrimento social, trata-se de analisar as causas múltiplas das desigualdades, seja
qual for a sua natureza, sem pretender hierarquizá-las.
Já a interseccionalidade como ferramenta de intervenção política abarca as variáveis que,
em conjunto, seriam capazes de revelar os pontos em que as desvantagens se tornam mais cruƧǞƊǞȺȯƊȲƊɐǿƮƊƮȌǐȲɐȯȌȺȌƧǞƊǶخȯƊȲɈǞȲƮƵȺȺƊǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌةȺƣȌɈȌǿƊƮƊȺƮƵƧǞȺȪƵȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊdas às concepções de políticas públicas, entendidas como instrumentos de intervenção social
com vistas a promover a equidade.
No que se refere à construção da identidade coletiva, a interseccionalidade apresenta-se
como uma rejeição ao feminismo do tipo branco e liberal, que ignora a situação da mulher
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feminismo negro mais tradicional.
No que se refere à construção da identidade coletiva, a interseccionalidade apresenta-se
como uma rejeição ao feminismo do tipo branco e liberal, que ignora a situação da mulher
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interseccionalidade havia se tornado uma ferramenta presente nas formas de ação coletiva de
mulheres jovens, das novas gerações de ativismos, e que uma das características mais notáveis
dessa nova geração era a sua capacidade de tornar categorias de raça, classe, gênero e sexualidade interdependentes. No feminismo negro mais tradicional no Brasil, a sexualidade aparecia
em segundo plano. Para essa nova geração do século XXI, sexualidade tem o mesmo peso e
valor analítico que as demais categorias. Nesse sentido, as novas gerações parecem ter estabelecido de forma mais evidente que as gerações anteriores a centralidade da sexualidade para a
estruturação das desigualdades e também das subjetividades contemporâneas.
Noutro artigo que escrevi com Arlene Ricoldi e com Olivia Cunha mostramos que o debate interseccional havia ganhado corações e mentes de alguns expressivos segmentos dos
feminismos brasileiros – independentemente de ele ser negro ou não. Mostramos que na pro-
Flavia Rios, Mayara Nicolau de Paula, Patrícia Lânes
77
Flavia Rios
dução acadêmica de orientação feminista e também nas mobilizações de rua, bem como nos
novos coletivos universitários e ainda nas organizações feministas e de mulheres no país, havia
uma forte inclinação de pensar de forma interseccional o feminismo, buscando superar as hie-
78
rarquizações de categorias de opressão, com o objetivo de problematizar e enfrentar o racismo
no interior dos movimentos sociais.
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AKOTIRENE, C. ȱɐƵƶǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ. Coordenação Djamila Ribeiro. Belo Horizonte:
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KILOMBA, G. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. !ȌƦȌǐȍןسѤƵƮǞƪƣȌצןـ
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Feministas e Feministas Interseccionais. In: ǶƊƦȲɯȺةƶɈɐƮƵȺǏƶǿǞȁǞȺɈƵȺشƵȺɈɐƮȌȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 66-79, 2021
Foto: Lélia Gonzalez de Cézar Loureiro.
Entrevista com
Irene Maria Cardoso:
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Priscila Dorella
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A agroecologia vem se apresentando há décadas como um movimento político, social
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do agronegócio. Uma das principais professoras do Brasil, formada pela Universidade
Federal de Viçosa (UFV), que atua ativamente em defesa da ciência comprometida
com a vida, dos saberes ancestrais que nos conectam com a natureza e dos movimentos feministas que lutam pela justiça e paz social é Irene Cardoso. A entrevista
que segue é uma oportunidade de conhecermos a sua trajetória que nos inspira a
construirmos outras cosmologias políticas.
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Entrevista a Irene Maria Cardoso: Agroecología, política
y feminismo
Resumen
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nos inspira a construir otras cosmologías políticas.
Palabras clave: agroecología; política; feminismo.
Interview with Irene Maria Cardoso: Agroecology, politics
and feminism
Abstract
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interview is an opportunity to get to know her trajectory that inspires us to build other
political scenarios.
Keywords: agroecology; politics; feminism.
Irene Maria Cardoso é agrônoma, feminista e defensora da agroecologia como uma forǿƊƮƵǶɐɈƊȯƵǶƊɨǞƮƊ(خƵȺƧƵȁƮƵȁɈƵƮȌȯȌɨȌǞȁƮǠǐƵȁƊ§ɐȲǞ˛ةǶǘƊƮȌȌȲǞɮƋǿȌǶɐةȱɐƵƧɐǞƮƊƮƊ
terra, procura exercer o seu ofício em sintonia com a sua espiritualidade. É uma visão de mundo
construída na fronteira entre a universidade e a comunidade rural, que propicia troca de saberes e produz uma ecologia política transformadora das relações destrutivas dos seres humanos
com a natureza. Nos últimos anos, presidiu a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) conȺǞƮƵȲƊȁƮȌȌȯƊȯƵǶƧƵȁɈȲƊǶȱɐƵƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊȌƧɐȯƊȁƵȺȺƊƋȲƵƊƮƵǏȌȲɈƵǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊƮƊȺɈȲƊƮǞƪȪƵȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺ!خȌȁǘƵƧǞȌɈȲƊƦƊǶǘȌƮƵǶƊƵǿɐǿȯȲȌǯƵɈȌƮƵXȁɈƵȲƧƓǿƦǞȌǐȲȌƵƧȌǶȍǐǞƧȌةƮƊðȌȁƊ
da Mata Mineira, que busca articular diversos conhecimentos técnicos com metodologias participativas, inspirado no trabalho de Paulo Freire. A partir de então, o meu olhar como historiadora mudou, não deixei mais de considerar a importância de pensar a relação do homem com
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Foto: Irene Maria Cardoso (cedida pela entrevistada).
Irene Maria Cardoso
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casa, mas sempre tive uma relação muito forte com a roça. Fiz agronomia. Trabalhei como
84
extensionista rural no Paraná e na Paraíba com o Movimento Sem Terra (MST). Passei pela pesquisa, antes de entrar na universidade, com uma especialização na Embrapa. Fiz mestrado em
solos e nutrição de plantas e me tornei professora da Universidade Federal de Viçosa (UFV),
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Wageningen (Holanda), que é para mim uma das universidades mais colonizadoras do mundo.
É uma UFV internacional (universidade conhecida por fomentar o agronegócio), talvez até pior
do que a UFV porque ela não é ligada ao Ministério da Educação, e sim ao Ministério da Agricultura, que possui uma relação mais próxima com empresas. Pela minha experiência, é possível
perceber como aparece o pensamento colonial sutil e às vezes nem tão sutil na Universidade
de Wageningen.
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Se eu tivesse que começar tudo de novo seria professora universitária porque é um dos
ambientes mais democráticos para trabalhar. Acho que a universidade pública nos dá abertura
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pressões, mesmo sem apoio que a gente acha que deveria ter. A universidade possibilita essa
construção. A universidade nos permite estar sempre próximos aos jovens, que são os estudantes, o que nos faz renovar sempre. Além disso, por menos que a gente critique e por mais que
seja conservadora, ela dá espaço para o contraditório. Não é como a gente gostaria que fosse,
mas ela dá espaço para o contraditório. Então na minha época de graduação, mesmo tendo estudado durante a ditadura, eu tive professores como o Mauro Rezende que tinha um olhar muito diferente da relação da agronomia com a natureza. Ele contribuiu muito com o pensamento
agroecológico brasileiro. Embora poucos reconheçam, porque ele sempre foi muito reservado,
ele contribuiu enormemente para a formação do pensamento agroecológico e até mesmo com
a formação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). O Mauro falava
assim: “Eu não trabalho para empresa porque o meu trabalho é tão valioso, eu custo tanto
porque foi tanto investimento público nos meus estudos que não tem empresa nenhuma que
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mesmo dinheiro para me pagar”. Ele vivia com o salário dele tendo outra relação com a universidade e com a sociedade. A universidade sempre foi para mim muito mais do que a sala de
aula e isso é o que permite, a meu ver, trazer o contraditório. É importante dizer que participei
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ou eu buscava um caminho para contribuir com as coisas que eu acreditava, ou então eu não
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de dinheiro e trabalhar para multinacional. Fiz agronomia para atuar na agricultura familiar e
para contribuir com os pobres, que é de onde eu venho, é a minha identidade. Escolhi a luta. As
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Domitilia Barrios foram muito marcantes para mim.
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Quando entrei na universidade, já no primeiro mês, iniciamos uma greve que fortaleceu
a articulação dos estudantes calouros com o movimento estudantil, a exemplo das atividades
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021
Entrevistas
dos centros acadêmicos, mas a gente não tinha consciência sobre o que era a agroecologia.
Nós tínhamos uma horta e nós, como estudantes, adorávamos jogar veneno. Mas o começo
do processo de redemocratização do Brasil possibilitou a discussão na universidade sobre a
agricultura alternativa, que criticava o modelo de agricultura que coloca a agricultura a serviço
da indústria, o que é chamado hoje de agronegócio, com grandes consequências ambientais,
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nossos alimentos, solo, água e biodiversidade e, portanto, nós mesmos.
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do pacote da Revolução Verde, foi implantada. Muito da parafernália desenvolvida durante a
guerra contribuiu para a mecanização do campo e a implementação de herbicidas e inseticidas
no país. É um pacote tecnológico adotado que contém venenos (agrotóxicos), os adubos químicos, as sementes, como os híbridos, e atualmente a irrigação intensa acompanhada da mecanização. O uso do pacote exige a uniformização dos cultivos, o que levou então ao monocultivo.
No Brasil, o pacote viabilizou o latifúndio, pois é um modelo que não precisa de muitas pessoas
no campo, e com isto retirou a reforma agrária da pauta.
João Goulart fez um esforço em favor da reforma agrária, mas foi deposto. Houve grande
resistência dos latifundiários que diziam que a gente não precisa de reforma agrária, a gente
precisa é de produzir. A narrativa para a implementação do pacote da revolução verde é que
ƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊɈƵǿȱɐƵȺƵȲǿȌƮƵȲȁƊةǞȁƮɐȺɈȲǞƊǶةƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȯȌȲȱɐƵƊǐƵȁɈƵɈƵǿȱɐƵƊǶǞǿƵȁɈƊȲȌ
mundo. Quem não se adequa a esse modelo está ultrapassado, é antiquado, é caipira, diziam.
ȱɐƵ ȁƣȌ ƶ ǿȌƮƵȲȁȌ ةȁƣȌ ƶ ƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌ ةȁƣȌ ȺƵȲɨƵ ǿƊǞȺ خخخ0ȺɈƊ ȁƊȲȲƊɈǞɨƊ ƮƵ ȱɐƵ ƶ ƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌ Ƶ
capaz de alimentar o mundo é muito poderosa. Mas sabemos que não é bem assim. O mito
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chamam de alimento, mas as contas bancárias do complexo agroindustrial, e não as pessoas, é
que foram muito bem alimentadas.
A universidade atuou para implementar o pacote tecnológico. Para implementar tal pacote de políticas públicas que alterou os currículos das universidades, as instituições de pesquisa e extensão e o crédito agrícola. Ao extensionista (formado pelas universidades) coube a função de levar as tecnologias “modernas”, pesquisado e testado pelas universidades e empresas
públicas de pesquisa. Para viabilizar a aquisição do pacote, havia os programas de créditos. Para
assegurar o agricultor, em caso de algum problema fora de seu controle, havia o Proagro. Se
o agricultor não cumprisse o que o extensionista da universidade falava ele podia até perder a
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desse algum problema, ambiental, por exemplo, ele teria assegurado o dinheiro que emprestou
do banco, mas não o lucro que teria, para as suas necessidades. A gente brincava que não era o
Proagro, mas era Probanco.
Muitos agricultores familiares resistiram a esse modelo. Na universidade as mudanças de
percepção foram surgindo aos poucos. Livros como o de Raquel Carson - Primavera Silenciosa
produziram impacto. Atitudes auto-críticas como a de José Lutzenberger, que tinha trabalhado
com agrotóxico na Basf e se rebelou, em relação a isso, foram casos exemplares. Professores
de Federais, como Pinheiro Machado, apontaram caminhos. E Ana Maria Primavesi, uma austríaca que migrou para o Brasil no pós guerra, surgiu como uma bruxa capaz de romper com a
Revolução Verde e se tornar a matriarca da Agroecologia no Brasil ganhando uma ampla pro-
Priscila Dorella
85
Irene Maria Cardoso
jeção junto com outros agrônomos, articulados com algumas Associações de Agrônomos nos
Estados. As associações de São Paulo e Paraná com o apoio da Federação das Associações dos
Engenheiros Agrônomos do Brasil (FAEAB) e da Federação dos Estudantes de Agronomia do
86
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estudantes de Viçosa foram ao encontro e voltaram dizendo que havia muitas críticas ao uso
de venenos. Na minha cabeça isso caiu como um estalo: não pode mais usar veneno! Claro que
não pode usar veneno! Aí os estudantes que já estavam se organizando em torno do movimento ambientalista, a exemplo do Grupo Alfa na UFV, começaram a se organizar, em todo o Brasil,
em torno do tema da Agricultura Alternativa. Na UFV o grupo se chamava GAAV (Grupo de
Agricultura Alternativa de Viçosa). O Alfa, além de um grupo de discussão, organizou também
um restaurante vegetariano e uma comunidade, a comunidade Alfa da Violeira. Em Viçosa, o
GAAV se desdobrou hoje em muitos grupos de agroecologia. Estes grupos foram as sementes
de criação dos NEAs (Núcleos de Estudos em Agroecologia). O NEA da UFV é o ECOA (Núcleo
de Educação do Campo e Agroecologia).
ƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵǶǏƊƮƊßǞȌǶƵǞȲƊةƵǿßǞƪȌȺƊةȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿȌɐةƵǿةץצקןȁȌ!ƵȁɈȲȌƮƵÀƵƧȁȌǶȌǐǞƊȺǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊȺƮƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊةȱɐƵƧȌǿȯȏȺƊªƵƮƵ§À§ـȲȌǯƵɈȌƮƵÀƵƧȁȌǶȌǐǞƊȺǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊȺةفɐǿƊªƵƮƵƮƵyJȺةƦƊȺƵȯƊȲƊƊƧȲǞƊƪƣȌةƵǿةנממנƮƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌyƊƧǞȌȁƊǶƮƵǐȲȌƵcologia (ANA). E quem foi o grande teórico que embasava nossas discussões? Paulo Freire. Foi
ele que mudou a visão sobre a extensão universitária. Seus livros, como Extensão ou comunicaƪƣȌليƮȌȺƊȁȌȺƮƵةמפקןǏȌȲƊǿǏɐȁƮƊǿƵȁɈƊǞȺȯƊȲƊƮƊȲȌȲǞǐƵǿǿƊǞȺɈƊȲƮƵƊɐǿȯȲǞȁƧǠȯǞȌƵȯǞȺtemológico importante para a agroecologia: a articulação dos saberes acadêmicos e populares.
§ƊȲƊƵȺɈƊƊȲɈǞƧɐǶƊƪƣȌƶǿɐǞɈȌǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲةȲƵƧȌȁǘƵƧƵȲƵȺǞȺɈƵǿƊɈǞɹƊȲȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ
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tecnologias alternativas, que atualmente diríamos as tecnologias sociais, inventadas, adaptadas e utilizadas pelo povo.
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ȯƊǠȺخ0ǿɨƋȲǞȌȺǶɐǐƊȲƵȺƮȌ ȲƊȺǞǶةǞȁƧǶɐȺǞɨƵȁƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊةȌȺƊǐȲǞƧɐǶɈȌȲƵȺشƊȺƵȺɈƊɨƊǿȌȲǐƊȁǞzando, ou reorganizando, os sindicatos dos trabalhadores rurais, com o apoio das CEBs (ComuȁǞƮƊƮƵȺ0ƧǶƵȺǞƊǞȺƮƵ ƊȺƵفȱɐƵȯȲȌǿȌɨǞƊǿƵȯȲȌǿȌɨƵǿةƮƵǏȌȲǿƊƧȲǠɈǞƧƊةǐȲɐȯȌȺƮƵȲƵ˜ƵɮƣȌ
ancorados nos preceitos da Teologia da Libertação. Um dos fundamentos das CEBs é ver, julgar
ƵƊǐǞȲةǿɐǞɈȌȺǞǿǞǶƊȲƊȌȱɐƵ§ƊɐǶȌIȲƵǞȲƵƧǘƊǿƊƮƵ§ȲƋɮǞȺـƊƪƣȌٌȲƵ˜ƵɮƣȌٌƊƪƣȌ©خفɐƵȺɈȪƵȺƧȌǿȌب
Por que se usa veneno? Como está a água? O que podemos fazer para melhorar a situação? A
ǞƮƵǞƊƮȌȯȌɨȌƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲȌȯȲȌƦǶƵǿƊةȲƵ˜ƵɈǞȲȺȌƦȲƵƵǶƵـƊȯƊȲɈǞȲƮƊƦǠƦǶǞƊفƵɈƵȲƊɈƊȲƵǏƊȯƊȲƊ
mudar a realidade foi transformadora.
É importante compreender que a agricultura é muito antiga. A palavra cultura foi escrita
pela primeira vez na palavra agricultura, que é a arte de cultivar o campo, é o conhecimento do
ƵƧȌȺȺǞȺɈƵǿƊƧȌǿǞȁɈƵȲɨƵȁƪƣȌǘɐǿƊȁƊخ0ƵǶƊǶƵɨƊƊǞȁɑǿƵȲȌȺƧȌȁ˜ǞɈȌȺȯȌȲƮǞȺȯɐɈƊƮƵɈƵȲȲƊƵ
recursos econômicos. O agronegócio diz para o pequeno agricultor que o que importa agora é
o dinheiro no bolso, é articular a produção com o consumo para servir a indústria. Isso é que é
ser moderno e ter qualidade de vida. O Seu Neném, um agricultor familiar, me disse certa vez,
ǿƊǞȺȌɐǿƵȁȌȺƊȺȺǞǿٗبƵǶƵȺ˛ƧƊǿǏƊǶƊȁƮȌȯȲƊǐƵȁɈƵȱɐƵƊǐƵȁɈƵȁƣȌɈƵǿȱɐƊǶǞƮƊƮƵƮƵɨǞƮƊة
sem nos perguntar o que é ter qualidade de vida. Para mim qualidade de vida é ter uma relação
com a natureza e com a família.” Se pergunta muito para o jovem porque ele vai para a cidade,
ǿƊȺȁƣȌȯƵȲǐɐȁɈƊȯƊȲƊȌǯȌɨƵǿȯȌȲȱɐƵƵǶƵ˛ƧƊȁȌƧƊǿȯȌخ0ǶƵ˛ƧƊȁȌƧƊǿȯȌȯȌȲƧƊɐȺƊƮƊƊǐȲǞ!ÇmÀǪةƵǶƵȁƣȌ˛ƧƊȁȌƧƊǿȯȌȯƵǶȌƊǐȲǞy0J !Xخ
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021
Entrevistas
IȌǞɐǿǶȌȁǐȌƧƊǿǞȁǘȌȯƊȲƊƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵמצקןȺƵɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊȲ
ȁƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊƮȌȺƊȁȌȺخמממנɈƶȌȺƵȁƧȌȁɈȲȌȺƮƵƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊȺƵƧȌȁȺȌǶǞƮƊȲƵǿȁȌ ȲƊȺǞǶ
em defesa da agricultura sustentável, ecologicamente correta, socialmente justa e economicamente viável. Os primeiros encontros de agricultura alternativa (precursores dos Congressos
ȲƊȺǞǶƵǞȲȌȺƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ !ـȺفȁȌȺƊȁȌȺƮƵמצקןȌƧȌȲȲƵȲƊǿǯƋȯȲȌƧɐȲƊȁƮȌƊȲɈǞƧɐǶƊȲƧȌȁǘƵcimentos técnicos com o conhecimento dos agricultores/as e a universidade, mas foi-se avanƪƊȁƮȌƧȌǿǐȲƊȁƮƵȺƊȯȲƵȁƮǞɹƊƮȌȺةǞȁƧǶɐȺǞɨƵƧȌǿƧȌȁƵɮȪƵȺƧȌǿƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊخ0ȁɈȲƵסןמנ
ƵةץןמנǏɐǞȯȲƵȺǞƮƵȁɈƊƮƊȺȺȌƧǞƊƪƣȌyƊƧǞȌȁƊǶƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊف ـȱɐƵǿƵǏƵɹƧȌȁǘƵƧƵȲȌ
Brasil e algumas experiências agroecológicas da América Latina. Um dos vários avanços que
percebi foi que nos CBAs atuais participam crianças, jovens, adultos e idosos de todas as áreas
ƮƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌـƊǐȲȌȁȌǿǞƊةƧǞƺȁƧǞƊȺȺȌƧǞƊǞȺةȯƵƮƊǐȌǐǞƊةƵȁǐƵȁǘƊȲǞƊ˜ȌȲƵȺɈƊǶƵɈƧةفخƊǐȲǞƧɐǶɈȌres/as, povos e comunidades tradicionais. A transdisciplinaridade é a força desse movimento
democrático agroecológico que compreende a agroecologia enquanto movimento, prática e
ciência. Enquanto ciência, a agroecologia estuda não apenas sobre a produção alimentos, e
sim sobre o sistema agroalimentar. Estudos devem ser feitos cada vez mais contextualizados,
a partir da compreensão, como nos ensinou Paulo Freire, de que o conhecimento deve ser
construído a partir do diálogo com a população e do olhar sobre o que as pessoas fazem para
solucionar seus problemas.
Mas a força do capital é imensa. Do jeito que está esse sistema político não vamos avançar
como precisamos. O agronegócio quer convencer que é popular e que até a agricultura familiar
é agronegócio. AgriCULTURA está virando sinônimo de agriNEGÓCIO. Faz pouco tempo que
ɐǿǶƊƦȌȲƊɈȍȲǞȌƮȌǿƵɐƮƵȯƊȲɈƊǿƵȁɈȌƵȺɈƊɨƊƧȌǿƵǿȌȲƊȁƮȌƵǿɐǿƵɨƵȁɈȌƮƵףעƊȁȌȺƊȺƵȲɨǞƪȌƮȌƊǐȲȌȁƵǐȍƧǞȌخȱɐƵƶǞȺȺȌ§دƵȲǐɐȁɈƵǞخƧǘƵǞȱɐƵƵȲƊǿףעƊȁȌȺƊȺƵȲɨǞƪȌƮƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊث
Não tem como negar. Lula e a Dilma apoiaram a agricultura familiar. Sabe a frase – Nunca antes na história desse país. É isso! Nunca antes na história desse país o agricultor familiar
ɈƵɨƵ ƊƧƵȺȺȌ Ɯ Ƕɐɹ ƵǶƶɈȲǞƧƊ ةƊ ȯƊȲɈǞȲ ƮȌ §ȲȌǐȲƊǿƊ mɐɹ ȯƊȲƊ ÀȌƮȌȺ سȯȲȌǐȲƊǿƊȺ ǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǞȺ ƮƵ
compras de alimentos direto da agricultura familiar, como o PNAE (Política Nacional de AlimenɈƊƪƣȌ0ȺƧȌǶƊȲفƵ§§ـȲȌǐȲƊǿƊƮƵȱɐǞȺǞƪƣȌƮƵǶǞǿƵȁɈȌȺ§سفȲȌǐȲƊǿƊyƊƧǞȌȁƊǶƮƵRƊƦǞɈƊƪƣȌ
ªɐȲƊǶ§ـyRª§سفȌǶǠɈǞƧƊyƊƧǞȌȁƊǶƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ§ـy§فƵ§ȲȌƮɐƪƣȌȲǐƓȁǞƧƊ§سȲȌǐȲƊǿƊƮƵ
Crédito Fundiário e tantos outros. A razão por que desses serviços não terem chegado ao campo tinha relação com inúmeros preconceitos que escondiam a vontade de poder e controle das
elites. O PAA e o PNAE apoiaram a agroecologia, pois apoiou a diversidade. Não é cadeia disto
ou daquilo (café, leite, soja...). No PAA e PNAE compra-se o que é produzido. A sociedade civil organizada contribuiu muito para a elaboração destas políticas públicas. A PNAPO por exemplo,
foi reivindicação da Marcha das Margaridas e foi elaborada de forma participativa, com imensa
contribuição da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). A Conquista de Terra em Conjuntos, de Araponga em Minas Gerais, inspirou a política de crédito fundiário do governo Lula.
yƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊƵɈƊǿƦƶǿƵǿȌɐɈȲƊȺȲƵǐǞȪƵȺƮȌ ȲƊȺǞǶةƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊةȁȌǿƵɐƵȁɈƵȁder, se ancora no tripé técnica (com assessoria do CTA e apoio da UFV), movimentos sociais (a
exemplo dos sindicatos) e espiritualidade (CEBS). O apoio de membros da UFV se dá a partir da
compreensão do papel da extensão universitária. Segundo o fórum de Pró-Reitores de Extensão, a extensão universitária é, ou deveria ser, quem articula o ensino e a pesquisa. A extensão,
não no sentido de estender, mas de alargar a universidade é maior do que a sala de aula. Nas
universidades, a indissociabilidade entre a pesquisa, a extensão e o ensino é uma obrigatorieƮƊƮƵƧȌȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶƮƵȺƮƵخצצקן0ȺɈƵƶɐǿȯȲǞȁƧǠȯǞȌǿɐǞɈȌǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȯƊȲƊƧȌȁȺɈȲɐǞȲƊƊǐȲȌƵcologia enquanto movimento, ciência e prática.
Priscila Dorella
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Irene Maria Cardoso
Mas a agroecologia é marginal na universidade e sempre foi. Nos governos do PT, recebemos apoio como nunca. Tivemos a oportunidade de acessar vários editais de pesquisa em
interface e extensão e construímos os NEAs. Entretanto, temos que admitir que o apoio foi
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ainda maior para aqueles que contribuíram para a hegemonia do agronegócio, tanto nas universidades quanto fora. O programa de crédito continua favorecendo a implantação do pacote
tecnológico da Revolução Verde. Ainda não ganhamos o debate, mas vamos ganhar. Muitos
cientistas internacionais já apontam o fracasso do atual modelo de agricultura para a produção
de alimentos saudáveis sem agredir a natureza. Os mesmos cientistas apontam a agroecologia
como caminho alternativo, mas para isto precisamos de apoios efetivos de políticas públicas. A
construção de tais políticas é uma tarefa de toda a sociedade, em um processo democrático de
amplos debates.
A sociedade ainda acha que é o agronegócio que produz alimentos. Não é verdade. A
agricultura familiar é que produz nossos alimentos. O agronegócio produz commodities para a
exportação e isto faz a balança comercial ser positiva. Mas na divisão internacional de produção
do trabalho na América Latina cabe apenas a função de produtora de matéria prima. ContinuaǿȌȺȁƣȌƦƵȁƵ˛ƧǞƊȁƮȌȌȺƊǶǞǿƵȁɈȌȺȯȲȌƮɐɹǞƮȌȺȁȌ ȲƊȺǞǶخRȌǶƊȁƮƊƶȌȺƵǐɐȁƮȌǿƊǞȌȲǞǿȯȌȲɈƊƮȌȲƮƊȺȌǯƊƮȌ ȲƊȺǞǶƵƊɈȲƊȁȺǏȌȲǿƊةȯȌȲƵɮƵǿȯǶȌةƵǿƧƊȲȁƵƵǶƵǞɈƵ(خƊǠȌƦƵȁƵ˛ƧǞƊǿƵȁɈȌȺƵȲ
o principal produto. Para a produção de agrotóxicos as empresas são isentas do pagamento de
impostos. Agrotóxicos adoecem as pessoas e mata. Daí sobrecarrega o SUS (Sistema Único de
Saúde). O Brasil importa praticamente todo o fertilizante utilizado na agricultura. A importação
ƶǿƊǞȺƮƵڭמףƮȌǏȍȺǏȌȲȌةƮƵڭמץƮȌȁǞɈȲȌǐƺȁǞȌƵƮƵڭמקƮȌȯȌɈƋȺȺǞȌ§خȌȲɈƊȁɈȌةƊȯȲȌƮɐƪƣȌ
baseada em fertilizantes químicos não é sustentável, pois não é autônoma. Com que custo
tudo isso? Não se olha para a agricultura familiar como deveria... Toda a verdura e fruta que
Ƶɐ ȯȲƵƧǞȺȌ Ƶɐ ȯƊǐȌ ǿɐǞɈȌ ǿƵȁȌȺ ƮȌ ȱɐƵ ȯƊǐȌ ƧȌǿ ȌȺ ȯȲȌƮɐɈȌȺ ƦƵȁƵ˛ƧǞƊƮȌȺ خخخƶ Ɗ ȲƵǐȲƊ ƮƊ
indústria aplicada à agricultura familiar que não favorece a agricultura familiar... Lula e Dilma
favoreceram o agronegócio, mas o agronegócio não vota neles. Por quê? Porque parte dessas
políticas para a agricultura familiar mexeram com as estruturas, o pensamento, a compreensão
de mundo... foi algo profundo...
ȱɐƵƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊȯƊȲƊƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊد
ǿƶȲǞƧƊ mƊɈǞȁƊ ƶ ǿɐǞɈȌ ǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵ ȯƊȲƊ Ɗ ƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ خɈȲƊƮɐƪƣȌ Ƶǿ ةקצקןȯȌȲ
Patrícia Vaz, do livro Agroecologia: as bases da agricultura alternativa, editado pelo chileno
wǞǐɐƵǶǶɈǞƵȲǞةƧȌȁɈȲǞƦɐǞɐǿɐǞɈȌȯƊȲƊƊɈȲƊȁȺǞƪƣȌةȁƊƮƶƧƊƮƊƮƵةמקקןƮƊƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊƊǶɈƵȲȁƊɈǞva para agroecologia. A participação de brasileiros em cursos, como os promovidos pelo CLADES (Consorsio Latinoamericano sobre agroecologia y desarrollo) assim como inúmeras visitas
em experiências nos países vizinhos também contribuíram para tanto. As articulações com a
²!mـ²ȌƧǞƵƮƊƮƵ!ǞƵȁɈǠ˛ƧƊmƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊفɈƊǿƦƶǿƧȌȁɈȲǞƦɐǠȲƊǿȯƊȲƊȌ
avanço da agroecologia na América. A SOCLA já foi presidida pela colombiana Clara Nichols e
atualmente é presidida pelo argentino Santigo Sarandon.
De onde vêm os princípios da agroecologia enquanto ciência? Vem da sistematização do
conhecimento dos povos tradicionais latino-americanos. No México, por exemplo, o professor
de etnobotânica Efraim Hernández começou a mostrar a importância dos sistemas alimentares de tradições indígenas que existem até hoje, como os maias. Os mexicanos Narciso Barrera-Bassols e Victor Toledo escreveram o clássico wƵǿȍȲǞƊ ǞȌƧɐǶɈɐȲƊǶ٤ǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƵƧȌǶȍǐǞƧƊ
dos saberes tradicionais. Portanto, podemos dizer que a agroecologia não nasceu na academia.
Os princípios da agroecologia, enquanto ciência, são anunciados a partir do encontro entre o
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021
Entrevistas
saber acadêmico com os saberes populares. Por isto, talvez, a agroecologia ainda seja rejeitada
por muitos da academia. A agroecologia, como concebemos hoje, nasceu na América Latina e
não na Europa. Podemos então dizer que a agroecologia é um movimento político decolonial
que busca a transformação dos sistemas agroalimentares insustentáveis e capitalistas e a busca do bem viver. O equatoriano Alberto Acosta sistematizou o conceito Sumak Kawsay, de origem quíchua, que expressa o
ǞƵȁßǞɨǞȲ, colocado na Constituição da Bolívia e Equador com o
intuito de construirmos sociedades verdadeiramente solidárias e sustentáveis.
!ȌǿȌƶȺƵȲɐǿƊǿɐǶǘƵȲƮƵǏƵȁȺȌȲƊƮƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊƵǿɐǿƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵȱɐƵǏȌȲɈƊǶƵƧƵȌ
ƊǐȲȌȁƵǐȍƧǞȌد
Como já disse anteriormente, a universidade brasileira ainda permite o contraditório. Eu
não me importo de estar contra o poder hegemônico, pois tenho segurança de estar no caminho certo. Eu não tenho uma contradição interna, eu não acho que estou errada, eu tenho
ƧȌȲƊǐƵǿƮƵƵȁǏȲƵȁɈƊȲȌȺƮƵȺƊ˛ȌȺȯȌȲȱɐƵƵɐȺƵǞȱɐƵƵȺɈȌɐƮȌǶƊƮȌƧƵȲɈȌخǿǞȁǘƊƧȌȁ˛ƊȁƪƊ
vem da minha trajetória. Quando decidi sair de Caratinga para estudar, eu decidi fazer agronomia para trabalhar com a agricultura familiar. Então eu procuro fazer o que eu acredito, o que
tem que ser feito e ... se não gostarem de mim, paciência. Em um momento de desmonte dos
ȺƵȲɨǞƪȌȺȯɑƦǶǞƧȌȺƶǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵƊ˛ȲǿƊȲȱɐƵƊƵȺɈƊƦǞǶǞƮƊƮƵƮȌƵǿȯȲƵǐȌȯƵȲǿǞɈƵȌƧȌȁɈȲƊƮǞɈȍȲǞȌخ
Trago comigo o princípio do trabalho. Eu jogo o jogo. Trabalho na extensão da mesma forma
que em outras frentes de pesquisa e ensino. Trabalho muito. Então, podem não gostar de mim,
mas respeitam o meu trabalho, de certa forma.
ȺɐƊȯȌȺɈɐȲƊƧȌǿƦƊɈǞɨƊƶǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵȯȌȲȱɐƵƶǿɐǞɈȌƊȁɈƵȲǞȌȲƊȌǿȌɨǞǿƵȁɈȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊƊɈɐƊǶخ
Mas a gente não tinha muita clareza do machismo, achávamos que era uma briga política. Era porque eu era do PT e da agroecologia. E o machismo confunde tem hora. Nunca aceitei
os meus colegas de trabalho fazerem piadinhas constrangedoras quando as mulheres passavam, mas eles diziam você que é carola, conservadora. Daí, eu me confundia e pensava: “será
que eu não gosto disso por conta da minha formação”?
Uma vez eu estava fazendo estágio com um agrônomo e ele me fez abrir a porteira o dia
inteiro e exercer algumas tarefas que eu não estava preparada. E depois disse: “Mulher é assim
mesmo, se quiser fazer agronomia tem que trabalhar com sementes em laboratório. Não pode
ɈȲƊƦƊǶǘƊȲȁȌƧƊǿȯȌ٘خ0ȺȺƊǏȌǞɐǿƊƊɈǞɈɐƮƵƦƵǿǿƊƧǘǞȺɈƊ(خƵȯȌǞȺƮƵמנƊȁȌȺƵȁƧȌȁɈȲƵǞƧȌǿƵǶƵ
e consegui dizer como a atitude dele foi machista!
Faz pouco tempo que fui dar aula e abri a apostila da minha disciplina e percebi que em
todos os lugares estava escrito o homem faz... o homem trabalha... o homem realiza... Na mesma
semana uma estudante observou . Ela disse: “professora, essa apostila é muito machista” ...! Eu
ȲƵȺȯȌȁƮǞٗب²ǞǿةƮƵȯȌǞȺƮƵקנƊȁȌȺɐɈǞǶǞɹƊȁƮȌƊƊȯȌȺɈǞǶƊƵȺɈƊȺƵǿƊȁƊƵɐȯƵȲƧƵƦǞǞȺɈȌɈƊǿƦƶǿ٘خخخ
Em outra oportunidade eu encontrei meninas tomando cerveja e discutindo com os homens
sobre o feminismo. Pensei, esta consciência não tem volta!
Um dos slogans da agroecologia é “sem feminismo não há agroecologia”, por muitas razões, dentre elas porque não podemos aceitar a violência contra as mulheres. Na minha casa e
na minha comunidade, não se aceitava a violência física contra a mulher. Então não vivi isso de
perto, mas percebi desde cedo que havia racismo velado. Na agroecologia também dizemos:
“com racismo, não há agroecologia”.
Priscila Dorella
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Para mim, uma das questões mais sérias do racismo no Brasil é o desrespeito à religiosidade do povo africano e indígena. Porque isso envolve espiritualidade, componente da cosmovisão, portanto, é muito profundo. Deve ser muito pesado carregar uma tradição milenar e
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ser chamada de macumbeira de forma desrespeitosa. No dia em que os terreiros e rituais indígenas forem considerados patrimônio imaterial do povo brasileiro, a gente começa a resolver o
problema da nossa dívida histórica com esses povos.
O Camdomblé é agroecologia! Por exemplo, o trabalho do professor Jefferson Brandão
da Universidade Estadual da Bahia trabalha essa questão ao colocar em evidência que: Um Os orixás são representações da natureza. O insumo da agroecologia é a natureza. Estamos
com a árvore que vai atrair insetos, estamos preocupados com a planta leguminosa que vai
˛ɮƊȲȌȁǞɈȲȌǐƺȁǞȌةƵȺɈƊǿȌȺȯȲƵȌƧɐȯƊƮȌȺƵǿǿƊȁƵǯƊȲƊȁƊɈɐȲƵɹƊƊȯƊȲɈǞȲƮƊȁȌȺȺƊƧȌȺǿȌɨǞȺƣȌة
da forma como a gente pensa e acredita, sem veneno. Dois - As folhas da manga, da guiné,
da espada de São Jorge são objeto de cura. Isso traz um conhecimento enorme sobre plantas
medicinais. Muitas mulheres africanas com os seus patuás eram consideradas bruxas e muitas
foram enviadas para a fogueira em Portugal porque dominavam o conhecimento das plantas
medicinais! Três - Os terreiros de candomblé são comunidades, que expressam uma vida em
comunidade conectada com a espiritualidade. Você alimenta os orixás com comida. E Orixá
quer comida de qualidade, sem veneno como a agroecologia! Quatro - O terreiro é dominado
por mulheres, assim como em muitas comunidades agroecológicas.
XȲƵȁƵةȱɐƊǶȲƊɹƣȌƮƵǏƊɹƵȲɐǿƮȌɐɈȌȲƊƮȌȁƊRȌǶƊȁƮƊȺȌƦȲƵƊðȌȁƊƮƊwƊɈƊدXȺȺȌȁƣȌǏȌǞɐǿƊ
ƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊƧȌǶȌȁǞɹƊƮȌȲƊد
Não. Não foi porque o doutorado sobre os solos foi feito com muita autonomia e não me
trouxe grandes problemas. A compreensão do solo como um organismo vivo é difícil de ser
aceita tanto nas universidades europeias como nas universidades brasileiras. O pensamento
ǘƵǐƵǿȏȁǞƧȌƶƮȌȺȌǶȌƧȌǿȌȺɐƦȺɈȲƊɈȌƮƵƧȌǶȌƧƊȲƊƮɐƦȌƵ˛ɮƊȲȯǶƊȁɈƊخ0ǿƦȌȲƊȱɐƵȺɈǞȌȁƊƮȌة
este ainda é o pensamento hegemônico, tanto lá, quanto cá.
Percebi a questão colonial em outros momentos. Alguns europeus fazem pesquisa no
Brasil, tiram suas conclusões e, às vezes, nem agradecem! Alguns não reconhecem o nosso
valor enquanto cientistas, nos tratam como se fossemos técnicos de campo. Usa o nosso conhecimento, usa a estrutura da universidade e não tratam a gente na mesma condição. Eu vou
ȁƊȺɐƊɈƵȲȲƊƵƊƧǘȌȱɐƵƧȌǿȯȲƵƵȁƮȌǿƵǶǘȌȲƮȌȱɐƵɨȌƧƺȱɐƵɨǞɨƵȁƵǶƊǘƋמסƊȁȌȺخخخ0ƵȺƧȲƵɨȌ
sobre isto sem chamar você para ser coautor/a! As taxas universitárias é outro problema. Se um
de nossos estudantes quer fazer parte de seu trabalho na Holanda, temos que pagar e caro, o
que não acontece com os estudantes deles quando vêm para o Brasil! Demorei anos para entender que isso é colonial...
No que se refere à agroecologia, só recentemente a Europa começou a reconhecê-la.
Penso que não respeitam porque há um pensamento colonial. A agroecologia, como a entendemos, não nasceu na Europa! Muitos ainda aceitam a palavra agroecologia (ciência em movimento), eles aceitam a palavra separada agro-ecologia (ecologia agrícola). Aceitam a agroecologia enquanto ciência e prática, mas não aceitam facilmente a agroecologia enquanto
movimento político de transformação dos sistemas agroalimentares.
Parece-me que isto tem uma relação com a falsa neutralidade da ciência. Bom, a ciência
não é neutra e tem um monte de interesse econômico e político envolvido. O que é ético? O
que é neutro? A não neutralidade não pode ser confundida com falta de ética. Deve assumir
que não é neutro com muita ética.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 80-91, 2021
Entrevistas
!ȌǿȌǏȌǞƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƮƊÀȲȌƧƊƮƵȺƊƦƵȲƵȺȁƊɐȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƵد
Não me preocupo com cargos na universidade, não busco reconhecimento institucional,
evito disputas neste campo. A Troca Saberes surgiu a partir do Programa de Extensão Universitária Teia, na UFV. A ideia é colocar em diálogo a universidade, os/as agricultores/as familiares camponeses/as, os indígenas, os quilombolas, os sem terra, educadores, jovens, idosos e
ƧȲǞƊȁƪƊȺخÀȌƮȌȺȱɐƵȱɐƵǞȲƊǿȯƊȲɈǞƧǞȯƊȲخƵɨƵȁɈȌƶȲƵƊǶǞɹƊƮȌƊȁɐƊǶǿƵȁɈƵǘƋנןƊȁȌȺ(خɐȲƊȁɈƵ
o evento há muitos aprendizados de fortalecimento. A Troca de Saberes nos traz resistência e
resiliência. Compreendemos assim que temos que continuar com resistência e resiliência com
atenção com aquilo que conseguimos interferir no momento, e aos poucos vamos construirmos as bases de uma transformação efetiva.
ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ
ALTIERE, Miguel.ǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ بƊȺƦƊȺƵȺƮƊƧɐǶɈɐȲƊƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨƊخªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌبIƊȺƵخקצקןة
ACOSTA, Alberto. ƦƵǿɨǞɨƵȲبuma oportunidade de imaginar outros mundos. São Paulo:
0ƮǞɈȌȲƊ0ǶƵǏƊȁɈƵخפןמנة
ªy(ةhƵǏǏƵȲȺȌȁ(ɐƊȲɈƵخ0ɈȁȌƵƧȌǶȌǐǞƊƵƧƊȁƮȌǿƦǶƶبƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪȪƵȺȯƊȲƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊخCaٌ
ƮƵȲȁȌȺƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊؾة²خǶةؿخɨةמןخȁةסخǿƊɯخפןמנX²²y(خעסקץٌפסננǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿبǘɈɈȯششب
ȲƵɨǞȺɈƊȺخƊƦƊٌƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊخȌȲǐخƦȲشǞȁƮƵɮخȯǘȯشƧƊƮشƊȲɈǞƧǶƵشɨǞƵɩخסףמקןشƧƵȺȺȌƵǿמסبȌƧɈخמנמנخ
!ª(²ةXخwسخ²ÇðةyسخخǐɐǞƊȲwخß(سخwXJةmسخǿƊȁƧǞȌ!خخyɑƧǶƵȌȺƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊب
tecendo redes solidariedade, diversidade e resistência. ªƵɨǞȺɈƊ ȲƊȺǞǶƵǞȲƊƮƵǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊ
ـȁǶǞȁƵةفɨةסןخȯخצןמנةןخ
CARSON, Raquel. §ȲǞǿƊɨƵȲƊ²ǞǶƵȁƧǞȌȺƊخ²ƣȌ§ƊɐǶȌبJƊǞƊخמןמנة
FREIRE, Paulo. !ȌǿɐȁǞƧƊƪƣȌȌɐƵɮɈƵȁȺƣȌد²ƣȌ§ƊɐǶȌ§بƊɹۋÀƵȲȲƊخסצקןة
§XyR0Xªw!R(ةmÇXð!ƊȲǶȌȺخƮǞƊǶƶɈǞƧƊƮƊƊǐȲȌƵƧȌǶȌǐǞƊبcontribuição para um mundo
ƧȌǿƊǶǞǿƵȁɈȌȺȺƵǿɨƵȁƵȁȌخ²ƣȌ§ƊɐǶȌب0ɮȯȲƵȺȺƣȌ§ȌȯɐǶƊȲخץןמנة
PRIMAVESE, Ana Maria. !ƊȲɈǞǶǘƊƮƊÀƵȲȲƊخ²ƣȌ§ƊɐǶȌب0ɮȯȲƵȺȺƣȌ§ȌȯɐǶƊȲخמנמנة
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Priscila Dorella
91
Artigos
Epistemicídio e
necropolíticas trans:
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Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán
PPGICH / UFSC
Geni Núñez
PPGICH / UFSC
Mara Coelho de Souza Lago
PPGICH / UFSC
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de pessoas marginalizadas por suas identidades dissidentes da cisgeneridade e heterossexualidade compulsórias. Destaca alguns temas trazidos pelas teorias decoloniais,
como epistemicídio e necropolítica. Tais teorias, que se desenvolveram no estudo dos
regimes que atribuem a determinados corpos a condição de inumanos, tornando-os
vulneráveis ao apagamento e ao genocídio, denunciam a perpetuação da eliminação
dos corpos que se constituem como descartáveis nas sociedades contemporâneas.
Reconhecemos que as sociedades latino-americanas, nas quais focamos nossa discussão, são herdeiras das relações coloniais instituidoras da hierarquização de diferenças por motivos de raça, gênero, sexualidade. Estes regimes de diferenciação estabelecem quais corpos importam e quais corpos se tornam matáveis: tais como os das
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Epistemicio y necropolíticas trans: consideraciones decoloniales
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Resumen
0ȺɈƵƊȲɈǠƧɐǶȌȺƵǞȁȺȯǞȲƊƵȁƵǶƊȁƋǶǞȺǞȺƮƵ˸ǶǿƵȺmJ ÀȱɐƵɈȲƊɈƊȁƮƵǶƊȺɨǞƮƊȺƮƵȯƵȲȺȌnas marginalizadas por sus identidades disidentes de la cisgeneridad y heterosexualidad obligatorias. Destaca algunos temas abordados por las teorías decoloniales
ɈƊǶƵȺƧȌǿȌƵǶƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞȌɯǶƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊىÀƊǶƵȺɈƵȌȲǠƊȺلȱɐƵȺƵƮƵȺƊȲȲȌǶǶƊȲȌȁƵȁƵǶ
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ƊɐƵȲلȯƵȲȺȌȁƊǯƵȺƮƵǶȌȺ˸ǶǿƵȺȱɐƵƮƵȺƵȁƧƊƮƵȁƊȁƵȺɈȌȺƊȁƋǶǞȺǞȺى
§ƊǶƊƦȲƊȺƧǶƊɨƵ˸كǶǿȌǐȲƊǏǠƊǶǐƦɈَƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞȌَƧɐƵȲȯȌȺɈȲƊȁȺَȁƵcropolítica.
Trans epistemicide and necropolitics: decolonial considerations
on latin american cinematic scenes
Abstract
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lives of people marginalized for their dissident identities from compulsory cisgenerity
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of bodies that constitute themselves as disposable in contemporary societies. We
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and which bodies become killable: such as those of the trans characters Manuela
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Keywords: ǶǐƦɈ˸ǶǿȌǐȲƊȯǘɯَƵȯǞȺɈƵǿǞƧǞƮƵَɈȲƊȁȺƦȌƮǞƵȺَȁƵƧȲȌȯȌǶǞɈǞƧȺى
Artigos
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Este artigo e as discussões que nele propomosةɈȌǿƊǿƧȌǿȌȯȌȁɈȌƮƵȯƊȲɈǞƮƊƮȌǞȺ˛Ƕmes latino-americanos produzidos durante as últimas décadas do século XX, nomeadamente:
ٲ0ǶǶɐǐƊȲȺǞȁǶǠǿǞɈƵȺفצץקןـٳƮȌƮǞȲƵɈȌȲȲɈɐȲȌªǞȯȺɈƵǞȁةƵVera فץצקןـƮȌƮǞȲƵɈȌȲ²ƵȲǐǞȌÀȌǶƵƮȌة
por considerarmos que constituem discursos pioneiros acerca das dissidências sexuais e de
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El lugar sin límites ƶ ɐǿ ˛ǶǿƵ ȯȲȌƮɐɹǞƮȌ ȁȌ wƶɮǞƧȌ Ƶǿ ةץץקןƮǞȲǞǐǞƮȌ ȯƵǶȌ ƧǞȁƵƊȺɈƊ
ȲɈɐȲȌªǞȯȺɈƵǞȁةƦƊȺƵƊƮȌƵǿȁȌɨƵǶƊƮȌƵȺƧȲǞɈȌȲƧǘǞǶƵȁȌhȌȺƶ(ȌȁȌȺȌȯɐƦǶǞƧƊƮƊƵǿخפפקןÀƵɨƵ
como roteiristas Arturo Ripstein, José Donoso, Manuel Puig e José Emílio Pacheco. Foi escolhiƮȌȯƊȲƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊȲȌwƶɮǞƧȌȁƊȯȲƵǿǞƊƪƣȌƮȌȺƧƊȲƵǿקץקןƵȲƵƧƵƦƵɐƮƊƧƊƮƵǿǞƊwƵɮǞƧƊȁƊƮƵȲɈƵȺƵ!ǞƺȁƧǞƊȺ!ǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺȌȺȯȲƺǿǞȌȺȲǞƵǶƮƵǿƵǶǘȌȲ˛ǶǿƵةƮƵǿƵǶǘȌȲƊɈȌȲȯƊȲƊ
Roberto Cobo e melhor ator coadjuvante para Gonzalo Vega.
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do Menor (FEBEM) durante parte da adolescência, sem nunca ter delinquido. Tendo saído desta
instituição conseguiu apoio para publicar seu livro a cujo lançamento não conseguiu assistir,
ɈƵȁƮȌٌȺƵȺɐǞƧǞƮƊƮȌƊȌȺמנƊȁȌȺƮƵǞƮƊƮƵ˛خǶǿƵǏȌǞƵȺɈȲƵǶƊƮȌȯȌȲȁƊ ƵƊɈȲǞɹyȌǐɐƵǞȲƊةƧɐǯȌ
desempenho obteve o prêmio Candango de melhor atriz no Festival de Cinema de Brasília em
ةפצקןƵȌÇȲȺȌƮƵ§ȲƊɈƊƮȌIƵȺɈǞɨƊǶXȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶƮƵ!ǞȁƵǿƊƮƵ ƵȲǶǞǿةƵǿخץצקןƦɈƵɨƵɈƊǿbém o prêmio de trilha sonora (Arrigo Barnabé, Roberto Ferraz e Tércio da Motta).
ȺȯȲȌɨȌƧƊƪȪƵȺȱɐƵƊǿƦȌȺȌȺ˛ǶǿƵȺȁȌȺɈȲƊɹƵǿةǶƵɨƊǿٌȁȌȺƊȲƵ˜ƵɈǞȲƊƧƵȲƧƊƮƊȺǞȁɈƵȲǶȌcuções possíveis de serem estabelecidas entre os conceitos de heterossexualidade compulsóȲǞƊƵƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊǶƶȺƦǞƧƊƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞƮȌȺȯȌȲƮȲǞƵȁȁƵªǞƧǘفמןמנـ, como disparadores que nos
permitem ampliar esta discussão que, a nosso ver, envolve os temas do epistemicídio (SANTOS,
فעממנƵƮƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊـw 0w 0ةفצןמנةȯȌȲȺƵɈȲƊɈƊȲƮƵǏȌȲǿƊȺƮƵƵɮɈƵȲǿǠȁǞȌƮƵƧȌȲȯȌȺȱɐƵ
não ganham o estatuto de humanos. A desumanização destas existências se constata tanto na
patologização e estigmatização a que são submetidas, quanto nos rituais que são realizados na
eliminação material dessas vidas.
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hegemônica de gênero retira a condição de humanidade a travestis e pessoas trans e ao fazê-lo
induz diversos processos de extermínio desses corpos. Para desenvolver essa análise mobilizamos dispositivos teóricos dos estudos feministas e decoloniais. Na primeira seção do texto apresentamos as escolhas teóricas que guiam nossa análise. Na sequência articulamos essas chaves
ɈƵȍȲǞƧƊȺȯƊȲƊƮƵȺƵȁɨȌǶɨƵȲɐǿƊǶƵǞɈɐȲƊƧȲǠɈǞƧƊƮƵƊǶǐɐǿƊȺȯƊȺȺƊǐƵȁȺƮȌȺ˛ǶǿƵȺةƮƊȁƮȌƮƵȺɈƊȱɐƵƊȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌƵƜȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊخyƊȺƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺ˛ȁƊǞȺƮƵȺɈƊƧƊǿȌȺɈƊȁɈȌƊȯȌɈƺȁƧǞƊ
quanto os limites destas ferramentas teóricas no cenário de luta política contra as opressões de
gênero que atingem pessoas trans e travestis.
1 Estas discussões começaram a ser gestadas no contexto da disciplina JƺȁƵȲȌƵǘƵɈƵȲȌȁȌȲǿƊɈǞɨǞƮƊƮƵƵǿƧǞȁƧȌ
˸ǶǿƵȺǶƊɈǞȁȌ٧ƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺلǿǞȁǞȺɈȲƊƮƊȯƵǶƊ§ȲȌǏƊ(ىȲƊىLourdes Martínez Echázabal, no Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2018.
ׂ 0ȁǏƊɈǞɹƊǿȌȺȱɐƵةȁƊƶȯȌƧƊƵǿȱɐƵȌȺ˛ǶǿƵȺǏȌȲƊǿȯȲȌƮɐɹǞƮȌȺةȯȲƵƮȌǿǞȁƊɨƊǿƊǞȁƮƊȁȌƧƊǿȯȌƮƊȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺة
os estudos de homossexualidade masculina e, impactando os estudos feministas, as teorizações de mulheres lésbicas.
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
99
Epistemicídio e necropolíticas trans
!ȌȌȲƮƵȁƊƮƊȺƧȌȁƧƵȯɈɐƊǞȺ
Para desenvolver as discussões, apelamos a uma ideia de hifenização de saberes (OLIVEI-
100
ªفמןמנةƵȁȱɐƊȁɈȌǏƵȲȲƊǿƵȁɈƊȱɐƵȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵƵȺɈƊƦƵǶƵƧƵȲɐǿƮǞƋǶȌǐȌƵȁɈȲƵɨƋȲǞȌȺƧȌȁƧƵǞtos – cisheterossexualidade compulsória, epistemicídio e necropolíticas trans. Saberes hifenizados tratam-se de “espaços conceptualmente intersticiais marcados pela liminaridade e pela
recusa da ereção de fronteiras estanques entre os saberes [...] essa organização dos saberes não
ƶǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊƵȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺȯƵȁȺƋٌǶƊƧȌǿȌȲǞɹȌǿƋɈǞƧƊ٘ـmXß0XªةמןמנةȯخفץנخǞȁɈƵȲȺƵƧƪƣȌ
dos saberes que advêm dos campos teóricos e políticos aos quais esses conceitos correspondem nos auxiliam na análise de realidades complexas como as que aqui pontuamos, realidades
estas que não podem mais ser compreendidas por campos disciplinares “puros”.
As perguntas que guiam a nossa análise são: Como vivem e como morrem os corpos
ɈȲƊȁȺƵǿ˸ǶǿƵȺلǿǠƮǞƊȺǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊȺيȱɐƵǞȺȺȌȁȌȺƊȯȌȁɈƊ يComeçando pelas contribuiƪȪƵȺƮƵƮȲǞƵȁȁƵªǞƧǘةفמןמנـƧȌȁƧȌȲƮƊǿȌȺƧȌǿƊƊɐɈȌȲƊȱɐƵȌƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌƮƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺ
dissidentes em determinados registros tais como a literatura, o cinema e outros, revela o modo
como a heterossexualidade compulsória se constitui em um regime político. Tal regime aciona
discursos e práticas que procuram controlar as dissidências de gênero das mais diversas formas
e impor a heterossexualidade como a única forma legítima de existência.
ƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌȱɐƵªǞƧǘفמןמנـȁȌǿƵǞƊȺƵȲƵǏƵȲƵƜȺǶƶȺƦǞƧƊȺةǿƊȺȯȌƮƵȲǠƊǿȌȺƵȺɈƵȁƮƺٌǶȌȯƊȲƊȯƵȁȺƊȲƊȯȲȌƮɐƪƣȌƮƵȺǞǶƺȁƧǞȌȺƵǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƮƵȌɐɈȲƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺȱɐƵƮƵȺƊ˛ƊǿƊȺ
ȁȌȲǿƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌخ0ȺɈƊȯȲȌȯȌȺɈƊƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶǞȁȺƵȲǞƮƊƮƵȁɈȲȌƮȌȱɐƊƮȲȌƮƵȲƵ˜ƵɮȪƵȺƮȌǏƵǿǞȁǞȺmo lésbico no qual Rich é localizada, parece-nos que pode habitar outros conceitos e debates,
ɈƵȁƮȌƵǿƧȌȁɈƊƵȺɈƊǞƮƵǞƊƮƵǘǞǏƵȁǞɹƊƪƣȌƮƵȺƊƦƵȲƵȺـmXß0Xªخفמןמנة
Embora reconheçamos a importância desta contribuição, nossa proposta é ir além dela.
Em nossa perspectiva, há outras importantes questões a serem consideradas e que vão além
da mera “negação dos saberes”, para pensarmos a complexidade que envolve os processos de
invisibilização e extermínio simbólico e material de determinadas existências. Neste sentido,
apostamos que as provocações trazidas na teorização de Rich podem-se alargar a partir dos
debates desenvolvidos no seio dos estudos decoloniais, permitindo assim aprofundar a compreensão das lógicas envolvidas na destruição de saberes e experiências, que são também formas de destruição de existências.
Os estudos decoloniais têm trazido importantes discussões para dar conta destes processos de destruição simultânea de saberes e pessoas, que atingem seletivamente a alguns sujeitos, a saber, no Sul Global, mulheres, povos indígenas, entre outros. Assim, o porto-riquenho
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pensamento ocidental por parte das análises decoloniais, quanto a denúncia do pensamento
ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶـàXÀÀXJفנקקןةȯȌȲȯƊȲɈƵƮȌǏƵǿǞȁǞȺǿȌǶƶȺƦǞƧȌةƊȯȌȁɈƊǿȌǿȌƮȌƧȌǿȌȺƵȯȲȌduz uma ausência e apagamento de sujeitos que não existem nestes regimes dominantes.
§ȌȲȌɐɈȲȌǶƊƮȌةƮǞƊȁɈƵƮƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵȲƵ˜ƵɈǞȲƊƧƵȲƧƊƮƊȺƵȺɈȲƊɈƶǐǞƊȺƮƵƵǶǞǿǞȁƊƪƣȌƮƊȺ
populações LGBT, o fato delas acontecerem sem produzir comoção, lançamos mão do conceito
ƮƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵƧǘǞǶǶƵwƦƵǿƦƵ(خفצןמנـƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿȌƊɐɈȌȲةƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȁȌȺȯƵȲǿǞɈƵ
olhar para o status que é dado à vida, à morte e ao corpo humano, em particular àquele corpo
ȱɐƵȺƵɈȌȲȁƊȺɐȺƧƵɈǠɨƵǶƮƵȺƵȲǿƊȺȺƊƧȲƊƮȌȌɐǏƵȲǞƮȌخ0ȺɈƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺƊɐɮǞǶǞƊǿȁƊƧȌǿȯȲƵƵȁȺƣȌ
das mortes trans e de algumas das singularidades que as circundam. Nelas, opera-se por meio
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021
Artigos
te, autoriza o seu extermínio. Tanto a raça quanto o gênero ocupam um papel central na proƮɐƪƣȌƮƵȺȺƵɐɈȲȌƧȌǿȌɐǿȁƣȌȺƵȲ!ـªy0XªسفףממנةɐǿȁƣȌȺɐǯƵǞɈȌـjXmw ةفקןמנةɐǿ
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autorizam a morte de pessoas dissidentes de gênero? Se recorremos às discussões de Teresa
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tecnologias podem acabar reforçando determinadas representações, assim como podem subvertê-las. Entendemos, portanto, que os debates inspirados pelo cinema fazem parte de um
compromisso ético-político enquanto feministas, ativistas e pesquisadoras destas questões.
§ƊȲƊɈƊǶةƊȯƊȲɈǞȲƮȌȺ˛ǶǿƵȺƵȺƧȌǶǘǞƮȌȺةƊȁƊǶǞȺƊȲƵǿȌȺƊǶǐɐȁȺƮȌȺǿƵƧƊȁǞȺǿȌȺȺǞȺɈƵǿƋɈǞƧȌȺƮƵ
eliminação de populações dissidentes de gênero. Acreditamos que tanto o epistemicídio quanto as necropolíticas que atuam sobre esses corpos compartilham das mesmas racionalidades.
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matar, deixar viver ou expor à morte? Quem é o sujeito dessa lei?
ƮƵȺƧȲǞƪƣȌƮȌȺ˛ǶǿƵȺ
˛ǶǿƵƮƵªǞȯȺɈƵǞȁةȱɐƵȺƵȯƊȺȺƊȁɐǿƊƧǞƮƊƮƵƮȌǞȁɈƵȲǞȌȲƵǿƮƵƧƊƮƺȁƧǞƊةȯȌȲɈƵȲȯƵȲdido importância econômica na região, apresenta uma quebra de tempo. Na continuidade da
ȺƵȱɐƺȁƧǞƊǞȁǞƧǞƊǶƊȯȲƵȺƵȁɈƊƊȺǞǿƊǐƵȁȺƮƊȯƵȲȺȌȁƊǐƵǿwƊȁɐƵǶƊƵȺɐƊ˛ǶǘƊhƊȯȌȁƵȺǞɈƊةƊƧȌȲdando assustadas no meio da noite com os barulhos de motor e buzinas em frente ao bordel de
que são proprietárias. A travesti Manuela sabe que se trata de Pancho Vega, que já a espancara
ɨǞȌǶƵȁɈƊǿƵȁɈƵȁȌȯƊȺȺƊƮȌ˛خǶǿƵȺƵƮƵȺƵȁȲȌǶƊƧȌǿƧƵȁƊȺƮƵ§ƊȁƧǘȌƵȺƵɐƧɐȁǘƊƮȌƵǿǞȁɈƵração com Don Alejo, o político importante do local, de quem Pancho é devedor e que é dono
da maioria das propriedades da cidade, as quais pretende comercializar com empresas de fora.
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Na quebra de tempo temos, no passado, a chegada de Manuela à Estación El Olivo, comȯȌȁƮȌɐǿǐȲɐȯȌƮƵǿȌƪƊȺȱɐƵɈȲƊƦƊǶǘƊǿƧȌǿȌȯȲȌ˛ȺȺǞȌȁƊǞȺƮȌȺƵɮȌƵƊȲɈǞȺɈƊȺةȯƊȲƊƊɈɐƊȲƵǿ
na casa de Japonesa, com quem Manuela se envolve numa relação de amizade que se transforma em sociedade quando se tornam proprietárias do imóvel, numa aposta estranha com Don
ǶƵǯȌخȁȌȺǿƊǞȺɈƊȲƮƵةƧȌǿƊǿȌȲɈƵƮƵhƊȯȌȁƵȺƊةȺɐƊ˛ǶǘƊƧȌǿwƊȁɐƵǶƊȺƵɈȌȲȁƊǘƵȲƮƵǞȲƊƮƊ
casa. Na sequência das cenas temos a festa em que duas das moças recém-chegadas cantam
ƵwƊȁɐƵǶƊȺƵƊȯȲƵȺƵȁɈƊƧȌǿȌɐǿƊȺƵȁȺɐƊǶƮƊȁƪƊȲǞȁƊƮƵ˜ƊǿƵȁƧȌةƧȌǿȌƧȲƵȺƧƵȁɈƵƵȁɨȌǶɨǞmento dos fregueses homens na dança, em um clima de celebração e tensão misógina crescente, a qual culmina com cenas de violência contida que se espraia para fora do prostíbulo,
terminando com Manuela sendo jogada em um lago e despida de sua provocante vestimenta
de dançarina. Na cena seguinte ouve-se a fala de Manuela quando se recolhe a seu quarto para
evitar novas agressões enquanto a festa continua: ىىىىٲƵȺɈȌɯƊƧȌȺɈɐǿƦȲƊƮƊٳ.
Voltando ao primeiro tempo, temos as sequências que nos mostram o envolvimento passional de Japonesinha e Manuela com o personagem Pancho, os desentendimentos entre ambas sobre a venda da propriedade que só Manuela deseja efetuar para ir embora da cidade, e o
receio da volta de Pancho em sua perseguição obsessiva à Manuela. Acompanhado do cunhado, Pancho retorna e força a entrada no bordel onde é recebido por japonesinha enquanto
wƊȁɐƵǶƊȺƵƵȺƧȌȁƮƵةȯȲƵȺƵȁƧǞƊȁƮȌƊȺƧƵȁƊȺƮƵƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƮƊ˛ǶǘƊƧȌǿȌǞȁɨƊȺȌȲƵǿƮƊȁƪƊ
carregada de sensualidade que se vai transmutando em violência crescente. O que leva Manuela a entrar em cena com representação artística de declamação e dança que envolve Pancho,
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
101
Epistemicídio e necropolíticas trans
o qual a acompanha na dança e corresponde a seu beijo que, testemunhado pelo cunhado,
resulta na selvagem perseguição de Manuela feita por ambos pelas ruas desertas do lugar com
o caminhão. Desesperada e encurralada, Manuela é morta em espancamento cruel de Pancho
102
com o auxílio do cunhado, os quais, vendo-a morta, fogem da cidade. Don Alejo e seu criado,
alertados pelos gritos de socorro de Manuela e o barulho do veículo, testemunham desapercebidos o espancamento de Manuela, sem intervir. É a morte de uma travesti.
ßƵȲƊةȯȲȌɈƊǐȌȁǞȺɈƊƮȌƮȲƊǿƊƦǞȌǐȲƋ˛ƧȌƮǞȲǞǐǞƮȌƵƵȺƧȲǞɈȌȯƵǶȌƧǞȁƵƊȺɈƊƦȲƊȺǞǶƵǞȲȌ²ƶȲǐǞȌ
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marcada entre feminino e masculino, com masculinidades assumidas por algumas internas que
se impõem às outras em relacionamentos de dominação e proteção. Comportamento possessivo e agressivo que Vera/Bauer acaba por assumir em seus relacionamentos amorosos com muǶǘƵȲƵȺةƵǿƧȌȁɈȲƊȺɈƵƧȌǿƊȺƵȁȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȱɐƵȺƵƮƵȺɨƵǶƊȁƊȺȯȌƵȺǞƊȺȱɐƵƵȺƧȲƵɨƵƵȁƊǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊção com os sofrimentos e vulnerabilidades dos outros, manifestos em suas ações de cuidados.
ȌȺצןƊȁȌȺةȺƊǞȁƮȌƮƊǞȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌ ةƊɐƵȲɈƵǿƊȯȲȌɈƵƪƣȌƮƵɐǿȯȲȌǏƵȺȺȌȲȱɐƵǶǘƵȯȲȌɨǞdencia hospedagem em pensão e um emprego na instituição onde trabalha, buscando propiciar-lhe oportunidades de desenvolver seu desejo de escrever. Bauer não consegue se manter
no emprego, onde teria que se apresentar como mulher, com vestimentas adequadas ao corpo
que estranha, que não combina com o que sente ser.
ÀƊȁɈȌ ȁƊ I0 0w ةǞȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌ ɈȌɈƊǶ ـJIIwy ةفעץקן ةȯƊȁȍȯɈǞƧƊ ـIÇ!ÇmÀةفץץקן ة
quanto no local de trabalho, uma instituição de pesquisa, com biblioteca, exposições de arte,
ȌȁƮƵƊȺȯƵȺȺȌƊȺƵɮǞǐƵǿȱɐƵ ƊɐƵȲȺƵƧȌǶȌȱɐƵȁȌƊȲǿƋȲǞȌـ²0(JàX!jفץממנةƵǿȱɐƵȺƵǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞɹƊǿ ƊȺ ƮǞȺȺǞƮƺȁƧǞƊȺ ƮƊ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵ ƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊ ـªX!R فמןמנ ةƵ ɈƊǿƦƶǿ ةƧȌǿ
muita intensidade, as dissidências trans da cisgeneridade dominante, categoria trazida posteȲǞȌȲǿƵȁɈƵȯƵǶȌȺƵȺɈɐƮȌȺɈȲƊȁȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺـß0ªJÇ0XªةفצןמנةȁƊȱɐƊǶȌɈȲƊȁȺ ƊɐƵȲȺƵƵȁƧƊǞɮƊ
pela identidade masculina em que se reconhece e reivindica como a sua. Assim, Bauer perde o
emprego na insistência em se vestir, posicionar e ser reconhecido como homem.
Sem emprego para se manter, sem conseguir manter o relacionamento amoroso que
ƧȌȁȺɈȲɐǠȲƊƧȌǿɐǿƊƧȌǶƵǐƊȯȌȲȺɐƊȺȯȌȺǞƪȪƵȺǿƊƧǘǞȺɈƊȺƮƵȯȌȺȺƵƵȺɐƊȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺƧȌǿȌ
próprio corpo cujos caracteres femininos rejeita intensamente, Bauer faz um apelo desesperaƮȌƧȌǿƊƪƣȌƮƵƊɐɈȌǿɐɈǞǶƊƪƣȌخȺƵȱɐƺȁƧǞƊ˛ȁƊǶƮȌ˛ǶǿƵɈȲƊɹ ƊɐƵȲɈȲƊȁȺǞɈƊȁƮȌȯȌȲƵȺȯƊƪȌȺ
moventes labirínticos e escuros com sua voz dominando a cena:
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históricas do poder relacionado à vida e à morte: o poder soberano e o poder disciplinar. O
poder soberano, absolutista, com a capacidade de tirar a vida e, consequentemente, de deixar
ɨǞɨƵȲسƵȌȯȌƮƵȲƮƵƧȌȁɈȲȌǶƵȺȌƦȲƵƊȺȯȌȯɐǶƊƪȪƵȺƦƊȺƵƊƮȌȁȌȺȺƊƦƵȲƵȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲƵȺةƦǞȌȯȌƮƵȲة
o poder de controle da vida, de fazer viver e deixar morrer. Formas de exercício do poder que
convivem nas sociedades contemporâneas.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021
Artigos
Os temas da vida e da morte trazem as questões da guerra e da política, está concebida,
muitas vezes, como a guerra continuada por outros meios. Agamben analisa o estado de exceƪƣȌةȱɐƵȺƵȺǞɈɐƊȁȌٗǶǞǿǞɈƵƵȁɈȲƵƊȯȌǶǠɈǞƧƊƵȌƮǞȲƵǞɈȌ٘ةעממנـȯةفןןخƊ˛ȲǿƊȁƮȌƊƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵƮƵ
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estado de suspensão das leis jurídicas constitucionais, que promove o desequilíbrio dos poderes
em favor de um poder executivo soberano. As análises destes autores se detêm com mais vagar
nas guerras mundiais, especialmente a segunda guerra do século passado, com a sua produção
ƮȌǞȁǞǿǞǐȌȲƊƧǞƊǶȁƊ˛ǐɐȲƊƮȌǯɐƮƵɐȱɐƵƮƵɨƵȲǞƊȺƵȲƵǶǞǿǞȁƊƮȌ(خƵƊƧȌȲƮȌƧȌǿIȌɐƧƊɐǶɈةȯƊȲƊ
ƵɮƵȲƧƵȲٗƊǏɐȁƪƣȌƮƊǿȌȲɈƵȁɐǿȺǞȺɈƵǿƊȯȌǶǠɈǞƧȌƧƵȁɈȲƊƮȌȁȌƦǞȌȯȌƮƵȲ٘ةקקקןـȯفעמסخǏȌǞȁƵƧƵȺsário o racismo, as raças hierarquizadoras das populações em subgrupos desiguais.
A importância dessas teorizações diz respeito ao fato de suas contribuições traçarem
genealogias do funcionamento de poderes e concepções que persistem nas sociedades ocidentais modernas, na imbricação de poder soberano e biopoder onde o estado de exceção se
atualiza, irrompendo para além de seus limites, como uma estrutura estabelecida. “O estado
de exceção moderno é [...] uma tentativa de incluir na ordem jurídica a própria exceção, criando
ɐǿƊɹȌȁƊƮƵǞȁƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊƪƣȌƵǿȱɐƵǏƊɈȌƵƮǞȲƵǞɈȌƧȌǞȁƧǞƮƵǿ٘ـJw 0yةעממנةȯخفנעخȺƮǞreitos humanos são suspensos e a justiça é precarizada.
wƦƵǿƦƵفצןמנـȯƊȲɈƵƮƵȺɈƊȺƊȁƋǶǞȺƵȺȯƊȲƊȯƵȁȺƊȲƊȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊةȁȌǐƵȁȌƧǠƮǞȌƮƊȺȯȌȯɐǶƊƪȪƵȺȁƵǐȲƊȺƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊȺȁƊȺǐɐƵȲȲƊȺƵǞȁɨƊȺȪƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺةȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌɈƊǿƦƶǿȺȌƦȲƵƊȌƦȲƊ
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Os autores e autoras que pensam a colonização analisam as invasões coloniais e sua produção dos colonizados como os outros racializados, que tiveram contestado o próprio estatuto
de humanidade, despidos de saberes, modos de vida, autonomia, reduzidos que foram a corpos produtivos e substituíveis, descartáveis, corpos matáveis. Povos sujeitos aos genocídios e
epistemicídios que compuseram as diásporas populacionais no cruzamento das fronteiras ocidentais, como escravos inicialmente, depois como migrantes em busca de trabalho e melhores
condições de vida, face à espoliação capitalista de seus habitats tradicionais. Contingentes de
pessoas sujeitadas a epistemologias e diferenciações subalternizadoras também no interior de
seus próprios países, submetidos às economias e políticas ocidentais.
Uma crítica importante a todo o processo de colonização é feita, dentre muitos autores
ƵƊɐɈȌȲƊȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺةȯȌȲɯDŽȲȌȁDzƶɯƵɩɘǿǠةفץןמנـȁƊȌƦȲƊƵǿȱɐƵƊȁƊǶǞȺƊȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺȌƧǞdentais de gênero em uma perspectiva africana Iorubá, criticando as oposições maniqueístas
ƮƊȺƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪȪƵȺȯȲȍȯȲǞƊȺƮƊȺƧɐǶɈɐȲƊȺȌƧǞƮƵȁɈƊǞȺƦƊȺƵƊƮƊȺȁƊǿƊɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȺƧȌȲȯȌȺةȱɐƵƊ
ƊɐɈȌȲƊƮƵȁɐȁƧǞƊƧȌǿȌƮƵ˛ȁǞƮƊȺȯȌȲɐǿƊƦǞȌٌǶȍǐǞƧƊƵȺɈȲƊȁǘƊƊȺȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺƧɐǯȌȺƧȌȺɈɐǿƵȺǞȁȺɈǞɈɐǠƊǿƮǞȺɈǞȁƪȪƵȺȺƵǿƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺ!خǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪȪƵȺȌƧǞƮƵȁɈƊǞȺƧȌȁȺɈǞɈɐǞƮȌȲƊȺƮƵƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺǘǞƵȲƊȲquizadas que valorizam certos corpos (masculinos, brancos, héteros) em detrimento de outros.
No contato colonial, pela educação, pela evangelização, pelo sistema econômico que transforma
em mercadoria seus bens de uso comum, como a terra, o colonizado vai sendo subjetivado na
ƮƵȺɨƊǶȌȲǞɹƊƪƣȌƮȌȺƧȌȺɈɐǿƵȺȁƊɈǞɨȌȺةƵǿȯȲȌƧƵȺȺȌǯƋƦƵǿƮƵɈƊǶǘƊƮȌȯȌȲIƊȁȌȁخفצממנـ
As teorias decoloniais trazem questões que se atualizam em países com passados coloniais
com prolongadas vivências de escravidão e extermínio de povos indígenas e afrodescendentes,
em exercício contemporâneo da necropolítica. Verdadeiro genocídio de corpos racializados, em
condições precárias de vida, perpetrado em geral por instituições de segurança do Estado. Mas
também um outro tipo de genocídio, aquele praticado em função do gênero, na secundarização negativa do feminino, como atestam os números alarmantes de feminicídios, apesar das
leis institucionalizadas em função das lutas dos movimentos feministas. E o genocídio generi-
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
103
Epistemicídio e necropolíticas trans
˛ƧƊƮȌ ȲƵȺɐǶɈƊȁɈƵ ƮƊ ǞȁɈƵȲȁƊǶǞɹƊƪƣȌ ƮƵ ȯȲƵƧȌȁƧƵǞɈȌȺ ǘȌǿȌشǶƵȺƦȌشɈȲƊȁȺǏȍƦǞƧȌȺ ȺȌƦȲƵ ȌȺ ƧȌȲȯȌȺ
que subvertem as normas da hetero e cisgeneridade compulsórias. Mortes estas que, praticadas geralmente em relações civis diretas, não costumam mobilizar as instituições estatais para
104
ȺɐƊƵǶɐƧǞƮƊƪƣȌƵƊȯɐȁǞƪƣȌƮƵƧȲǞǿǞȁȌȺȌȺخwȌȲɈƵȺȱɐƵ˛ƧƊǿǞǿȯɐȁƵȺةƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵƊȺǿȌȲɈƵȺ
de pessoas trans, como acontece nestes tempos em muitos países.
ƮȌȺȺǞƺٗȺȺƊȺȺǞȁƊɈȌȺƵɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊɈȲƊɨƵȺɈǞȺƵɈȲƊȁȺƵɮɐƊǞȺƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺƵǿة٘קןמנȲƵƊlizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) em parceria com o Instituto
ȲƊȺǞǶƵǞȲȌÀȲƊȁȺƮƵ0ƮɐƧƊƪƣȌـX À0ةفƊȯȌȁɈƊȌƊȺȺƊȺȺǞȁƊɈȌƮƵענןȯƵȺȺȌƊȺɈȲƊȁȺƵɮɐƊǞȺȁƊȱɐƵle ano, no Brasil. Apesar de ter havido um pequeno decréscimo em relação aos números de
ةצןמנȌ ȲƊȺǞǶƧȌȁɈǞȁɐƊɨƊƧȌǿȌǶǠƮƵȲȁȌȲƊȁDzǞȁǐǿɐȁƮǞƊǶƮƵǿȌȲɈƵȺƮƵȯƵȺȺȌƊȺɈȲƊȁȺةƧȌǿɐǿ
assassinato a cada três dias no país. Situação vivenciada em diferentes proporções em outros
países da América Latina, com o México ocupando o segundo lugar na contagem destas morɈƵȺǞȁǏȲǞȁǐǞƮƊȺƧȌǿȲƵȱɐǞȁɈƵȺƮƵƧȲɐƵǶƮƊƮƵـ²XmßةفקןמנةȱɐƵȁȌȺǶƵɨƊƊƧȌȁɈƊƦǞǶǞɹƋٌǶƊȺƧȌǿȌ
resultantes da necropolítica de extermínio de corpos que não importam, os corpos matáveis.
Ⱥ˛ǶǿƵȺȲƵǶƊɈƊƮȌȺȁƵȺɈƵƊȲɈǞǐȌɈȲƊɈƊǿƮƵȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺةƮƵȲƵǶƊƪȪƵȺƊǿȌȲȌȺƊȺةȺȌƧǞƊǞȺة
questões econômicas, políticas, em tempos em que os estudos das sexualidades dissidentes da
norma cisheterossexual eram indiferenciados sob o título de estudos homossexuais e o ódio e
discriminações das pessoas que divergiam da sexualidade hegemônica cabiam indistintamente no termo homofobia. Tempos anteriores ao desenvolvimento das teorias ȱɐƵƵȲque irromperam nos Estados Unidos e outros países do Norte Global antes de se difundirem nos países
do Sul, neles fortemente interseccionadas aos estudos decoloniais. Os estudos ȱɐƵƵȲ, em que
ɈǞɨƵȲƊǿ ǐȲƊȁƮƵ ƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌ ƊȺ ȲƵ˜ƵɮȪƵȺ ȺȌƦȲƵ Ɗ ȁȌȲǿƊɈǞɨǞƮƊƮƵ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶ ةǯƋ ȺƵ Ƶɮpressavam nas diferentes formas de artes como, no caso, o cinema.
Por que relacionamos a morte da travesti, personagem de novela publicada na década
ƮƵמפקןƵ˛ǶǿƊƮƊȁȌȺƊȁȌȺةמץƵǿȱɐƵȌȺƵȺɈɐƮȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌƊǞȁƮƊȁƊƮƊɨƊǿȁƊƧǘƊǿƊƮƊȺƵǐɐȁƮƊȌȁƮƊƮȌȺǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȁȌȺȯƊǠȺƵȺƮȌyȌȲɈƵةƊȁȌȺȺƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵȱɐƵȺɈȪƵȺ
ƊɈɐƊǞȺةǏɐȁƮƊƮƊȺƵǿɈƵȌȲǞƊȺǿƊǞȺȲƵƧƵȁɈƵȺد0ȌƮȲƊǿƊƮȌɈȲƊȁȺǘȌǿƵǿـßXmةفעןמנةǞȁȺȯǞȲƊƮȌ
ƵǿƊɐɈȌƦǞȌǐȲƊ˛ƊƵȺƧȲǞɈƊƵ˛ǶǿƊƮƊȁȌȺƊȁȌȺȌǞɈƵȁɈƊفמצـƵǿȱɐƵȌȺƵȺɈɐƮȌȺƧȲǠɈǞƧȌȺƮƊȺɈȲƊȁȺƵxualidades eram ainda nascentes e não haviam chegado ao Sul Global? – Porque os assassinatos reais e simbólicos das pessoas trans, após todo o desenvolvimento dos estudos de gênero
e sexualidades, com as teorias desconstrucionistas, ȱɐƵƵȲ, decoloniais, com o questionamento
ȲƊƮǞƧƊǶȱɐƵ˛ɹƵȲƊǿشǏƊɹƵǿƮȌȺƦǞȁƊȲǞȺǿȌȺȱɐƵȺɐȺɈƵȁɈƊǿƊȺƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮƵȺƮƊȺȺȌƧǞƵƮƊƮƵȺƧƊȯǞɈƊǶǞȺɈƊȺȯƊɈȲǞƊȲƧƊǞȺȁƵȌǶǞƦƵȲƊǞȺةƧȌȁɈǞȁɐƊǿƊƊƧȌȁɈƵƧƵȲƵǿȁȌȺȺȌȺȯƊǠȺƵȺةƵȱɐƊȁɈǞ˛ƧƊƮȌȺȁƊȺ
proporções alarmantes já mencionadas.
ȯƵȲȺȌȁƊǐƵǿƮȌ˛ǶǿƵƮƵªǞȯȺɈƵǞȁɈƵǿɐǿƊǿȌȲɈƵȱɐƵȁƣȌƮǞǏƵȲƵƮȌǐƵȁȌƧǠƮǞȌƮƵƧȌȲȯȌȺ ǏƵǿǞȁǞȁȌȺ Ƶ ƮƵ ȯƵȺȺȌƊȺ ɈȲƊȁȺ Ƶǿ ȯƊǠȺƵȺ ƧȌǿȌ Ȍ ȲƊȺǞǶ Ƶ Ȍ wƶɮǞƧȌ ـ²ƵǐƊɈȌ ةفףממנ ةƧȌǿ
suas vergonhosas estatísticas de violência contra mulheres, transexuais, populações indígenas
e negras. No caso de pessoas trans (especialmente as travestis), os assassinatos que costumam
ocorrer em contatos diretos com grupos ou pessoas homicidas, são perpetrados com extrema
ɨǞȌǶƺȁƧǞƊخ²ƣȌǿǞǶǘƊȲƵȺƮƵwƊȁɐƵǶƊȺ(ةƊȁƮƊȲƊȺةץןמנڕـIȌȲɈƊǶƵɹƊ ةȲƊȺǞǶةفhƵȁǞǏǏƵȲȺةץןמנڕـIǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ ةȲƊȺǞǶةفXȺƊƦƵǶǶƵȺƵ ȲɐȁƊȺةץןמנڕـIǶȌȲǞƊȁȍȯȌǶǞȺ ةȲƊȺǞǶ!ـفÀÀyXةفמנמנةƧȲǞǿƵȺȱɐƵة
em largas proporções, restam impunes. Corpos matáveis, corpos que não importam.
˛ǶǿƵ ƮƵ ÀȌǶƵƮȌ ɈȲƊɹ ɐǿ ȯƵȲȺȌȁƊǐƵǿ ȯȲȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈƵ ƵȁɨȌǶɨǞƮȌ ƧȌǿ ȺƵɐȺ ƧȌȁ˜ǞɈȌȺ
identitários internos, além das condições externas de abandono, sobrevivência e aprisionamento submetido aos abusos de poder e agressões de instituições como a FEBEM no Brasil, que
deveria ser um local de respeito aos direitos e de cuidados de menores de idade, sob a proteção
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021
Artigos
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Condições externas que não são resolvidas,
ȱɐƊȁƮȌ ƊɐƵȲȺƵƮƵȯƊȲƊƧȌǿƊȺƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵȺƮƵǞȁɈƵȲƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶȁȌɈȲƊƦƊǶǘȌةƵǿȱɐƵƶȲƵȯȲǞǿǞƮȌƵȁƣȌƊƧƵǞɈȌƧȌǿȌƊȯƵȺȺȌƊȱɐƵȱɐƵȲȺƵȲخyȌ˛ǶǿƵƮƵÀȌǶƵƮȌةȱɐƵɈȲƊɹǞǿƊǐƵȁȺƵǏƊǶƊȺǿƊǞȺ
centradas na questão identitária da pessoa trans, o personagem Bauer não consegue suportar
o apagamento social que lhe é imposto.
!ȌȲȯȌȲǞ˛ƧƊȁƮȌȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌخخخ
§ƊȲƊ ƊɐɈȌȲƵȺ ƧȌǿȌ ȌƊɨƵȁɈɐȲƊ ²ȌɐȺƊ ²ƊȁɈȌȺ ةفעממנـƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌ ƶ ƧȌǿȯȲƵƵȁƮǞƮȌ
como o desperdício da riqueza imensa de experiências cognitivas de uma série de povos do
Sul, entre outros marginalizados. O autor lamenta esse apagamento, posto que a fricção entre as diferentes formas de compreender os mais diversos processos bio-psico-sociais poderia
ƦƵȁƵ˛ƧǞƊȲ Ɗ ɈȌƮƊȺ ƊȺ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊȺ ƵȁɨȌǶɨǞƮƊȺ خ²ɐƵǶǞ !ƊȲȁƵǞȲȌ فףממנـƊȌ ɐȺƊȲ Ȍ ƧȌȁƧƵǞɈȌ ƮƵ
ƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌɈƊǿƦƶǿȲƵƧȌȲȲƵƊ ȌƊɨƵȁɈɐȲƊ²ȌɐȺƊ²ƊȁɈȌȺةفעממנـȯƊȲƊȱɐƵǿɈƊǶȯȲȌƧƵȺȺȌȺƵ
constituiu em uma das ferramentas mais efetivas e persistentes na dominação étnico-racial,
pela negação do conhecimento dos grupos subalternizados e pela deslegitimação destes enquanto sujeitos produtores de conhecimentos.
Concordamos parcialmente com essas proposições, visto que de fato ainda há uma forte
hierarquização dos saberes, que produz apagamento, invisibilização, epistemicídio. No entanto,
em nossa perspectiva, há outras importantes questões a serem consideradas e que vão além
da mera “negação dos saberes”. Arriscamos dizer que muitos dos saberes negros, indígenas,
ȱɐǞǶȌǿƦȌǶƊȺةǶƶȺƦǞƧȌȺةɈȲƊȁȺةƮƵ˛ƧǞƵȁɈƵȺةƵȁɈȲƵȌɐɈȲȌȺƮƵȯȌȺǞƪƣȌȺɐƦƊǶɈƵȲȁǞɹƊƮƊةɈƺǿȺǞǿɈǞƮȌ
certa escuta na academia, especialmente nas últimas décadas. No entanto, essa escuta é intensamente afetada pelos lugares de enunciação, ou seja, entram os saberes nos vestíbulos acadêmicos, desde que ditos por corpos hegemônicos. Entram os saberes subalternos desde que os
ƧȌȲȯȌȺȺɐƦƊǶɈƵȲȁȌȺ˛ȱɐƵǿǏȌȲƊƮȌȺƵȺȯƊƪȌȺǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶǞɹƊƮȌȺƮƵȺƊƦƵȲخ
Assim, a noção de epistemicídio que gostaríamos de discutir reconhece a negação dos
saberes subalternos, mas também acreditamos que falar dos saberes e não falar dos corpos é
ainda manter a cisão colonial e dicotômica entre corpo e mente. Discutir os saberes é também
falar das práticas, dos diferentes corpos em cena. Tomando como exemplo do que estamos
ȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌȌȺƊɐɈȌȲƵȺßǞɨƵǞȲȌȺƮƵ!ƊȺɈȲȌفפקקןـƵ ȌƊɨƵȁɈɐȲƊ²ȌɐȺƊ²ƊȁɈȌȺةفעממנـƊǿƦȌȺȺƣȌ
intelectuais reconhecidos mundialmente por ecoarem, respectivamente, saberes indígenas e
saberes do sul global, sendo o primeiro um homem branco e o segundo um europeu, ou seja,
ocupam exatamente as posições cuja hegemonia suas teorizações problematizam.
Mencionamo-los como ilustrações, não no sentido de individualizar a crítica, ou de reduzir a imensa contribuição que deram e dão à produção de conhecimento, mas de justamente
ȲƵȯƵȁȺƊȲȁȌȱɐƊȁɈȌƵȺȺƊƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊةƧȌǿȌǶƵǿƦȲƊhȌƊȁ²ƧȌɈɈةفקקקןـȁƣȌƮǞɹƮƵɐǿƊɨǞɨƺȁƧǞƊ
única, mas de relações que se constroem historicamente. É frequente que saberes feministas,
abundantemente enunciados por mulheres, quando ditos por homens cisgêneros só então
sejam tratados como grandes e brilhantes descobertas, ignorando-se muitas vezes toda a trajetória que aquelas ideias percorreram. No mesmo sentido, quando a “Ciência” atesta determinados discursos enunciados desde há muito por povos indígenas, aí sim essas contribuições
ȲƵƧƵƦƵǿƵȺƧɐɈƊƵǶƵǐǞɈǞǿǞƮƊƮƵخ0ȁ˛ǿةǘƋǏƊȲɈȌȺƵɮƵǿȯǶȌȺƮƵȺȺƵɈǞȯȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȺƊƦƵȲ
ـJª²IJÇ0mفסןמנةƵȌȱɐƵȱɐƵȲƵǿȌȺȯȌȁɈɐƊȲƶƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵȲƊƮǞƧƊǶǞɹƊȲǿȌȺȌƧȌȁƧƵǞɈȌ
de epistemicídio, de um modo que se tenha as diferentes corporalidades de enunciação como
ƧƵȁɈȲƊǞȺةƧȌǿɈȌƮƊȺƊȺƧȌȁɈȲƊƮǞƪȪƵȺةȯƊȲƊƮȌɮȌȺƵƧȌȁ˜ǞɈȌȺȱɐƵǞȺȺȌǞǿȯǶǞƧƊخ
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
105
Epistemicídio e necropolíticas trans
yƵȺȺƊǿƵȺǿƊǶǞȁǘƊƮƵƊȁƋǶǞȺƵȌɈƵȍȲǞƧȌȯȍȺٌƧȌǶȌȁǞƊǶªƊǿȍȁJȲȌȺǏȌǐɐƵǶفסןמנـɈƵǿƵɮȯǶǞcado o modo em que o conhecimento político produzido por outros corpos políticos: lésbicas,
trans, gays, ȱɐƵƵȲ, intersexo, bissexuais, pessoas não binárias, é exterminado ou apagado. Acre-
106
ditamos que esse conhecimento político não só tem a ver com a sistematização e disseminação
do que se conhece como “saberes acadêmicos”, mas com o impedimento de visibilidade de
ȌɐɈȲƊȺƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪȪƵȺƵɮǞȺɈƵȁƧǞƊǞȺȱɐƵȁȌȺƵɐȯȲȍȯȲǞȌǿȌƮȌƮƵɨǞɨƵȲɈȌȲȁƊǿٌȺƵȺƊƦƵȲƵȺǶȌƧƊǶǞɹƊƮȌȺـRªàæخفקממנة
yƵȺɈƵ ȺƵȁɈǞƮȌ JȲȌȺǏȌǐɐƵǶ فסןמנـƊȁƊǶǞȺƊ ȌȺ ȱɐƵ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊ ȌȺ ȱɐƊɈȲȌ ǐƵȁȌƧǠƮǞȌȺش
epistemicídios do século XVI, dentre os quais destaca o epistemicídio/genocídio contra mulheres. Mas poderíamos tensionar o argumento de Grosfoguel perguntando: quais mulheres? Na
radicalização do conceito de epistemicidio é preciso um olhar interseccional dos apagamentos.
Acreditamos que parte do esforço de desconstruir esse tipo de apagamento se dá em nos
situarmos politicamente em nossas enunciações, compreendendo que a pretensão de neutralidade acaba por embranquecer, heterossexualizar e masculinizar os saberes. Escrevemos este
texto a várias mãos: negras, indígenas, brancas, cis heterossexuais e não heterossexuais. Como
minimização dos efeitos do privilégio cisgênero, que se expressa em outros aspectos na relação
ƮƵƧǞȺƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵـß0ªJÇ0XªةفףןמנةȱɐƵɈƣȌǏȲƵȱɐƵȁɈƵǿƵȁɈƵƧȌǶȌƧƊȯƵȺȺȌƊȺɈȲƊȁȺȁƊȯȌȺǞção de “objetos de pesquisa” e pessoas cisgêneras como sujeitos pesquisadores, buscamos priviǶƵǐǞƊȲǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǞȺɈȲƊȁȺƊȌƊƦȌȲƮƊȲǿȌȺɈƵǿƊȺȱɐƵƧȌȁƧƵȲȁƵǿƜȺȺɐƊȺɨǞɨƺȁƧǞƊȺـJªXwwخفפןמנة
ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊ
ƧȌǿȌƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌبƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵƮƵǞȲƊǶƶǿ
Começamos falando sobre as vidas. De vidas de pessoas trans. Para tal, tomamos como
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âmbito laboral.
Professor: Eita Bauer, como é que está indo o trabalho?
Bauer: Está legal
Professor: E as pessoas? As pessoas estão te recebendo bem?
ƊɐƵȲبɈƵǿɐǿƊȺȯƵȺȺȌƊȺȱɐƵ˛ƧƊǿȌǶǘƊȁƮȌǿƵǞȌƵȺɈȲƊȁǘȌةǿƊȺɈɐƮȌƦƵǿة
eu não ligo
Professor: Senta aí. Bauer, você tem que compreender que as pessoas estão
cheias de preconceitos, provavelmente tem muita gente que preferiria que
você não estivesse aqui, você precisa se cuidar e evitar provocações. Seja cautelosa, você está num bom emprego. Não é nada fácil encontrar um lugar meǶǘȌȲȱɐƵƵȺȺƵƊȱɐǞ٘ـǘɈɈȯȺششبɩɩɩخɯȌɐɈɐƦƵخƧȌǿشɩƊɈƧǘدɨڙÇÀɈٌɯDzƮðƮ©݈צƧƵȺȺȌ
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sobre a violência normativa e do caráter relacional das identidades na delimitação de uma zona
de exterioridade que, na sua relação com as normas, opera um conjunto de violências que atingem às pessoas dissidentes de gênero. Precisamente a partir do conceito de exterior constiɈɐɈǞɨȌـm!mÇسwÇII0ةفףןמנƶȯȌȺȺǠɨƵǶƵȁɈƵȁƮƵȲȱɐƵƊȺǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺȺƵƧȌȁȺɈȲȌƵǿȁɐǿƊ
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inteligibilidade cultural e política.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021
Artigos
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performances de gênero e o repúdio de outras. São estabelecidos assim os critérios acerca de
quais sujeitos podem existir na esfera pública e sob quais condições. Nessa operação de limpeza, controle e regulação dos corpos que fogem às normatividades cis/hetero, podemos reconhecer a recorrência à violência de tais regimes. Os olhares insistentes que são direcionados a
Bauer e o pedido do professor para se conformar a tais normas, mostra a violência deste regime
de inteligibilidade.
(ƊȁƮȌƧȌȁɈǞȁɐǞƮƊƮƵƜȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺȌƦȲƵȌƊȯƊǐƊǿƵȁɈȌƮƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺƮǞȺȺǞƮƵȁɈƵȺةȲƵɈȌmamos Adrienne Rich, quando denuncia o aniquilamento da existência lésbica de boa parte da
literatura acadêmica feminista e o modo em que isso se torna mais grave ainda para mulheres
ȁƵǐȲƊȺƵǶƶȺƦǞƧƊȺٗȯƵǶȌƮɐȯǶȌɨǞƶȺƮȌȲƊƧǞȺǿȌƵƮƊǘȌǿȌǏȌƦǞƊ٘ـªX!Rةמןמנةȯ§خفמנخȌȺɈƵȲǞȌȲmente a autora nomeia o feixe de forças que viriam a garantir essa invisibilidade. Mesmo que
ªǞƧǘȁƣȌǏƊǶƵƮȌƵɮɈƵȲǿǠȁǞȌǿƊɈƵȲǞƊǶƮƵȺȺƊȺƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȺǶƶȺƦǞƧƊȺةȁƊȺȺɐƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȺƵƵȁƧȌȁtram subsídios para pensar sobre esta questão para além do apagamento de saberes.
0ȺȺƊȺǏȌȲƪƊȺǞȁƧǶɐƵǿةȺƵǐɐȁƮȌªǞƧǘةמןמנـȯفסנخƮƵȺƮƵٗƊƵȺƧȲƊɨǞɹƊƪƣȌǏǠȺǞƧƊǶǞɈƵȲƊǶƊɈƶƊ
dissimulação e a distorção de opções possíveis”. Esse feixe de forças atua de modo correlacional,
ou seja, na medida em que extermina as experiências lésbicas, empenha-se em legitimar, manter e manifestar por diversos meios, o que ela nomeia como poder masculino. Nota-se, assim,
ȌǿȌƮȌƵǿȱɐƵƊȁȌȲǿƊȯȲƵƧǞȺƊƮƊȯȲȌƮɐƪƣȌƮƵɐǿƊƵȺǏƵȲƊƮƵƊƦǯƵƪƣȌ ـÇÀm0ªفקןמנةȯƊȲƊ
se positivar.
ªǞƧǘفמןמנـƮƵȺɈƊƧƊȱɐƵȌȲƵǏȌȲƪȌƵƊɨƊǶǞƮƊƪƣȌƮƊǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƶɐǿƊƮƊȺǿɐǞɈƊȺ
estratégias usadas para deixar invisível a existência lésbica. Esse deixar invisível implica tanto
catalogar a lesbianidade como doença, quanto tratar a existência lésbica como uma excepcioȁƊǶǞƮƊƮƵȌɐɐǿٗƵȺɈǞǶȌƮƵɨǞƮƊ٘ةȌȱɐƵƮƵǏƊɈȌȁƣȌȯƵȲǿǞɈƵȱɐƵȺƵǯƊȱɐƊǶǞ˛ƧƊƮƊƧȌǿȌɐǿƊٗɨǞƮƊ
vivível”. Assim, comenta:
E a existência lésbica tem sido vivida (diferentemente, digamos, da existência
judaica e católica) sem qualquer acesso a qualquer conhecimento de tradição,
continuidade e esteio social. A destruição de registros, memória e cartas documentando as realidades da existência lésbica deve ser tomada seriamente
como um meio de manter a heterossexualidade compulsória para as mulheres
ؿخخخؾƊȺǶƶȺƦǞƧƊȺɈƺǿȺǞƮȌƮƵȺɈǞɈɐǠƮƊȺƮƵȺɐƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊȯȌǶǠɈǞƧƊـªX!Rةמןמנةȯخفפסخ
yƵȺȺƵȺƵȁɈǞƮȌةȯƊȲƵƧƵٌȁȌȺǞȁȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵƊȯȌȺɈƊȲƊȯƵȁƊȺƵǿȁȌǿƵƊȲƊٗǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵǶƶȺƦǞca”, pois talvez o que tenhamos sejam sim visibilidades, mas compostas de maneiras heterosȺƵɮǞȺɈƊȺةǿǞȺȍǐǞȁƊȺخȺȺǞǿةƊȌǿƵȺǿȌɈƵǿȯȌƵǿȱɐƵȯȌƮƵǿȌȺƊ˛ȲǿƊȲȱɐƵȌǏƊɈȌƮƵƊȺǿɐǶǘƵres lésbicas aparecerem “pouco” em relação a pessoas heterossexuais, sua própria ausência é
ɐǿƊǏȌȲǿƊƮƵȯȲƵȺƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌǶƵȺƦȌǏȍƦǞƧƊخ
Apesar de termos ressaltado os pontos de intersecção entre misoginia e lesbofobia na
vivência de mulheres trans e cis, é importante ressaltar que “heteronormatividade” não dá conta
de nomear todos esses processos. Compreendemos que heterossexualidade compulsória, heteronorma, homofobia, são termos datados historicamente, ou seja, serviram e servem como termos englobadores. No entanto, os movimentos ativistas de lésbicas, bissexuais, de pessoas trans,
vêm trazendo uma importante crítica à tendência por vezes apagadora que subjaz em alguns
usos dessas categorias, o que acaba por privilegiar apenas alguns tipos de sujeitos. Assim, como
comentamos, embora haja pontos de encontro, há também diferenças na forma como as vio-
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
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Epistemicídio e necropolíticas trans
lências incidem, por exemplo, em uma mulher cis lésbica e em uma mulher trans lésbica, sendo
necessário dizermos da transfobia e da cisnorma, e não apenas da lesbofobia ou misoginia.
XȁɈƵǶƵƧɈɐƊǞȺɈȲƊȁȺƧȌǿȌßǞɨǞƊȁƵßƵȲǐɐƵǞȲȌفףןמנـƵªƊǠȺȺƊJȲǞǿǿفסןמנـȁȌȺǶƵǿƦȲƊǿ
108
que a separação sexo-gênero, ainda que tenha tido uma contribuição para a desnaturalização
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ɐɈǶƵȲةفקןמנـƵǿȺƵɐȺɑǶɈǞǿȌȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺȁƵȺɈƵɈƵǿƊɈƊǿƦƶǿȱɐƵȺɈǞȌȁƊƊȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵȌȁɈȌǶȍgica dessa divisão, que tantas vezes acaba por estabelecer uma dicotomia de verdadeiro e falso,
ȺƵȁƮȌȌȺƵɮȌȲƵƊǶةƦǞȌǶȍǐǞƧȌةƵȌǐƺȁƵȲȌةƧȌȁȺɈȲɐǠƮȌخmƊȱɐƵɐȲفןממנـɈȲȌɐɮƵɐǿƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌǏɐȁdamental acerca disso ao lembrar que o sexo binário é tão construído quanto o gênero. Assim,
todos os seres humanos são “biológicos”, dizer que há “mulheres biológicas” para se referir às
mulheres cisgêneras acaba por dizer que pessoas trans seriam menos “naturais”, legítimas, o
ȱɐƵƧɐǶǿǞȁƊȁƊƮƵȺǶƵǐǞɈǞǿǞƪƣȌƮƵȺƵɐȺƧȌȲȯȌȺـJªXwwخفפןמנة
yȌ ȯȲȌƧƵȺȺȌ ƮƵ ƧǞȺƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ ـßƵȲǐɐƵǞȲȌ ةفףןמנ ةȯƵȺȺȌƊȺ ɈȲƊȁȺ ȺƣȌ ȲƵƮɐɹǞƮƊȺ Ɯ ǿƊȲcação de sua diferença em relação às pessoas cis, não em relações de mútua diferença, mas
de hierarquias de gênero. Um exemplo disso é que uma pessoa trans “parecer” cisgênera é
tido como elogio, enquanto uma pessoa cis “parecer” com uma pessoa trans frequentemente é tido como ofensa. Nisso notamos que a cisgeneridade se coloca como ponto de partida para as experiências sexo-gênero, o que culmina em uma cisnormatividade (VERGUEIRO,
خفףןמנƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȲƵƧȌȲɈƊȌȺƧȌȲȯȌȺƵƊȺȺǞȁǐɐǶƊȲǞƮƊƮƵȺةȺƵǯƊǏȌƧƊȁƮȌƊȯƵȁƊȺȁƊƧȌȲƮƊȺ
pessoas racializadas, em pedaços dos corpos das mulheres na orientação sexual de lésbicas,
ƦǞȺȺƵɮɐƊǞȺ Ƶ ǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǞȺ ةȁƊ ƮƵ˛ƧǞƺȁƧǞƊ ƮƵ ȯƵȺȺȌƊȺ ƧȌǿ ƮƵ˛ƧǞƺȁƧǞƊ ةƵ ȯȌȲ ƊǠ ɨƊǞ خyƊ ǿǠƮǞƊ
essa colonialidade se expressa, dentre outros aspectos, na medida em que tudo que se pode
dizer de uma pessoa trans é sua transexualidade, tudo que pode dizer de uma personagem
lésbica, é sua lesbianidade.
ȯƊȲƊƮȌɮȌƮƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊـ²ƧȌɈɈفנממנةƮƵȯƵȁƮƵȁƮȌƮƊǿƊȁƵǞȲƊƧȌǿȌȺƵȌȲǐƊȁǞɹƊةƊƧƊƦƊ
por desumanizar pessoas vulnerabilizadas, tirando-as da possibilidade de viverem seus proƦǶƵǿƊȺ ƮƵ ǿƊȁƵǞȲƊ ǘɐǿƊȁƊ ةƧȌǿȌ ƮǞȲǞƊ IƊȁȌȁ خفצממנـȺȺǞǿ ةɐǿƊ ɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ةƊȌ
mesmo tempo que não ignora reiteradamente a dimensão da raça, sexualidade, gênero e outros marcadores, não a torna a única narrativa importante de ser pautada. Ainda mais quando
temos que a maior parte da visibilidade dessa dimensão sexo-gênero acaba por se basear em
discursos negativistas, centrados no sofrimento.
mƵȺƦȌǏȌƦǞƊƵǿƊƧǘǞȺǿȌƧȌȁɈȲƊǿɐǶǘƵȲƵȺɈȲƊȁȺبƊǶǐɐǿƊȺ
ƊȁƋǶǞȺƵȺƵƧƵȁƊȺƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧƊȺ
É bastante frequente no senso comum transfóbico, misógino e heteronormativo que
se acredite haver uma certa continuidade e coerência entre os sistemas sexo-gênero-desejo
ـªÇ XyخفץןמנةȺȺǞǿƧȌǿȌȁƊǿǞɈȌǶȌǐǞƊƧȲǞȺɈƣ(ƵɐȺɈƵȲǞƊƧȲǞƊƮȌ0ɨƊȯƊȲƊƮƣȌةƊƵɮȯƵƧɈƊɈǞɨƊ
misógina sobre os corpos das mulheres busca centralizar a existência delas à expectativa deles.
Ou seja, no continuum heterossexual, as escolhas das mulheres sobre seus próprios corpos em termos de maquiagem ou não, tipo de roupa, cabelo, peso etc. – estariam sempre em um
ƧȌȁɈƵɮɈȌƮƵȯȲƵɈƵȁȺƊƊǐȲƊƮƊƦǞǶǞƮƊƮƵƊȌȺǘȌǿƵȁȺخ²ƵǐɐȁƮȌªƊǠȺȺƊJȲǞǿǿةفסןמנـǿɐǶǘƵȲɈȲƊȁȺ
lésbica e pesquisadora, em se tratando de mulheres trans, há ainda o agravante da transfobia,
visto que seus corpos são frequentemente tidos como a “evolução” de um homem muito afeminado, aquele que se feminiliza tanto que se tornara “quase mulher”.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 92-113, 2021
Artigos
Nessa lógica, esse tornar-se mulher também não se dissocia da heteronorma, ou seja,
essas “quase mulheres” comporiam seus corpos, desta forma, na suposta tentativa de “enganar”
sexualmente homens cisgêneros heterossexuais. Se a expectativa heterossexual se apresenta intensamente sobre a vida de mulheres trans, a quebra desta suposta continuidade do gênero, no
caso de mulheres trans, bissexuais ou lésbicas, resulta frequentemente em lesbofobia e bifobia,
mutuamente reforçadas pela transfobia. Ou seja, neste imaginário transfóbico e lesbofóbico, é
uma afronta que uma mulher trans faça todo uma transição de gênero que não seja em função
ƮƵȺƵɈȌȲȁƊȲǿƊǞȺƊɈȲƊƵȁɈƵƊǘȌǿƵȁȺƧǞȺǐƺȁƵȲȌȺǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǞȺخªƵƊ˛ȲǿƊǿȌȺȱɐƵɈƊǶƵɮȯƵƧɈƊtiva, de que os corpos e as vidas das mulheres supostamente estariam em função do desejo dos
homens cisgêneros, é a um só tempo transfóbica e misógina com mulheres trans de qualquer
ȌȲǞƵȁɈƊƪƣȌȺƵɮɐƊǶةǿƊȺȱɐƵǐƊȁǘƊƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƵȺȁȌƧƊȺȌƮƊǶƵȺƦǞƊȁǞƮƊƮƵـJªXwwخفסןמנة
ɐɈȲƊǞȁɈƵȲȺƵƧƪƣȌƵȁɈȲƵǶƵȺƦȌǏȌƦǞƊƵɈȲƊȁȺǏȌƦǞƊȺƵƮƋȁƊȁȌƪƣȌƮƵǞȁȺɐ˛ƧǞƺȁƧǞƊƵǏƊǶɈƊخ
Aqui não nos referimos à falta constitutiva como humanos, mas uma falta diretamente relacionada à heteronorma. É comum que escutemos que “algo” falta às relações entre lésbicas
cisgêneras, muitas vezes se pensa que esta falta é o pênis. No entanto, em relações lésbicas em
que há mulheres trans, ainda faltaria algo, pois, sob nosso ponto de vista não se trata de uma
falta material de um órgão, mas de uma falta fálica, simbólica. A falta não dita é a de um homem
cisgênero, sem quem mulheres (cis ou trans) jamais estariam completas. Assim, ao mesmo
tempo em que na transfobia não se reconhece a identidade de mulheres trans como mulheres,
a violência lesbofóbica da “falta” denuncia muito nitidamente o quanto seus corpos não estão
sendo tidos como corpos nos quais nada falta (homens cisgêneros).
Como punição simbólica a essas mulheres que ousariam viver sem o que as “completaria”, é frequente que as narrativas sobre lesbianidade tragam destinos dramáticos, ridicularizaƮȌȺةƧƊɈƊȺɈȲȍ˛ƧȌȺخªȌǐƶȲǞȌhɐȁȱɐƵǞȲƊفנןמנـǏƊǶƊƮƵȺɈƵȯȲȌƧƵȺȺȌƧȌǿȌȯƊȲɈƵƮȌȱɐƵƧǘƊǿƊƮƵ
“pedagogia do armário”: um conjunto de práticas, através de diferentes instituições, que visa
coagir, constranger e intimidar pessoas LGBT, com vistas a que deixem de ser o que/como são.
ȁƊȲȲƊɈǞɨƊƮȌ˛ǶǿƵVera˛ǶǿƵɈȲƊɹɐǿƵɮƧƵǶƵȁɈƵƵɮƵǿȯǶȌƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌƧǞȺgênera. Os personagens transmasculinos, incluindo o protagonista, são representados com um
ɈȌǿƮƵɨȌɹƧƊȲǞƧƊɈȌةƵɮƧƵȺȺǞɨƊǿƵȁɈƵƊ˛ȲǿƊɈǞɨȌةǘȌȺɈǞǶƵǐȲȌȺȺƵǞȲȌةǏƊɹƵȁƮȌƊǶɐȺƣȌƮǞȲƵɈƊƵǞȁƮǞreta ao falso pressuposto de que transmasculinidades seriam uma imitação barata de homens
cis heterossexuais. Aliás, esta pretensa imitação seria precisamente das masculinidades cis hegemônicas, violentas, visto que o personagem do professor cis que acolhe Bauer, por exemplo,
não adota um tom de voz permanentemente irritadiço, sua masculinidade não é representada
como agressiva tal qual a de Bauer é na maior parte do tempo. De modo complementar e com
o intuito de causar um contraste moral, as vozes das mulheres cis femininas são representadas
de modo misógino e heteronormativo, como doces, gentis, em baixo tom, reforçando o lugar
que aloca o masculino no polo opressor e o feminino, no oprimido.
A personagem namorada de Bauer, Clara, embora seja apresentada como alguém que
apenas sofre violências, comete uma série de violências transfóbicas contra ele, seja na negaƪƣȌƮƊǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵƮƵ ƊɐƵȲـȺȌǿȌȺǞǐɐƊǞȺةƵǶƊƊ˛ȲǿƊةفȺƵǯƊȁȌƊȺȺƶƮǞȌƵƧȌƵȲƪƣȌȺƵɮɐƊǶƊȱɐƵȌ
ȺɐƦǿƵɈƵخyƵȺɈƊƧƵȁƊةƵǶƊƊȲǐɐǿƵȁɈƊȱɐƵȌǏƊɈȌƮƵǶƊ˛ƧƊȲȁɐƊȁȌȺƵɮȌƮƊȲǞƊƊƵǶƊȌƮǞȲƵǞɈȌȺȌƦȲƵ
ȌƧȌȲȯȌƮƵǶƵةƧȌǿȌȺƵȌƧȌȁȺƵȁɈǞǿƵȁɈȌƮƵǶƊƵǿƮƵɈƵȲǿǞȁƊƮƊȺȯȲƋɈǞƧƊȺƮƵɨƵȺȺƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲɐǿ
ƊȺȺƵȁɈǞǿƵȁɈȌȺǞǿƶɈȲǞƧȌƮƊȯƊȲɈƵƮƵǶƵخ0ǶƊƵȁɈƣȌȌƧȌȁȺɈȲƊȁǐƵةƧǘƊȁɈƊǐƵǞƊـƮǞɹȱɐƵȁƣȌ˛ƧƊȲƣȌ
mais juntos se ele não se submeter ao que ela exige) e o coage a tirar a blusa. Continua tocando-o mesmo diante dos seus evidentes sinais de constrangimento e desagrado. Quando liteȲƊǶǿƵȁɈƵǏȌǐƵƮƊȺǞɈɐƊƪƣȌƮƵƊƦɐȺȌةȌȲȌɈƵǞȲȌƮȌ˛ǶǿƵƊǞȁƮƊȌǏƊɹȯƵƮǞȲƮƵȺƧɐǶȯƊȺƊƵǶƊةȁɐǿƊ
naturalização do abuso transfóbico representado na cena.
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
109
Epistemicídio e necropolíticas trans
Há cenas em que Bauer faz comentários orientados pela norma monogâmica (VASALLO,
فקןמנƜ!ǶƊȲƊةƮƵǿȌȁȺɈȲƊȁƮȌɈƵȲƧǞɑǿƵƵȱɐƵȲƵȲƧȌȁɈȲȌǶƊȲƊǶǞƦƵȲƮƊƮƵƮƵǶƊƵǿƧȲǞƊȲȌɐɈȲȌȺǶƊços, de amizade, inclusive, algo bastante típico da monogamia como forma de relação. Enquan-
110
to as violências que Bauer comete são associadas ao fato dele ser trans, várias das violências
que ele sofre são narradas de modo a criar uma empatia pelos seus agressores, como se assim
agissem fruto de um desconhecimento ingênuo de sua vivência, e não por um exercício de
poder cisgênero.
0ǿƦȌȲƊɈƵȁǘƊȺǞƮȌǶƊȁƪƊƮȌǘƋƮƶƧƊƮƊȺةȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺɈȲƊȁȺǏȍƦǞƧȌȺƵǶƵȺƦȌǏȍƦǞƧȌȺƮȌ˛ǶǿƵ
são bastante atuais. Um desses eixos está na relação que a cisheterossexualidade faz ao pressupor que quem originalmente se atrai por mulheres são homens cisheteros e como eles em
geral o fazem de modo violento, todas as demais pessoas que também se atraem por mulheres
estariam irmanadas com a violência machista. Esta aproximação simbólica é uma inversão que
coloca perversamente como aliados grupos que em verdade nada têm de pactuados, pelo contrário. Cabe pontuar que a atração e afeto por mulheres não são uma propriedade simbólica de
homens cis hétero, de modo que o vínculo entre mulheres e pessoas trans, por exemplo, não
existe em função de copiar este suposto gênesis de desejo.
RȌǿƵȁȺƧǞȺȁƣȌȺƣȌٗǘȌǿƵȁȺƮƵɨƵȲƮƊƮƵ٘ȯȌȲȱɐƵƊƧǞȺǐƵȁƵȲǞƮƊƮƵƶɐǿƊ˛ƧƪƣȌƮƵǐƺȁƵȲȌةƧȌǿƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƮƵȱɐƵةƵȁɈȲƵȌɐɈȲƊȺ˛ƧƪȪƵȺȯȌȺȺǠɨƵǞȺةƵǶƊƶɨǞȌǶƵȁɈƊ§خȌȲɈƊȁɈȌɈȲƊȁȺǿƊȺƧɐlinidades não são “de mentira”. Clara pergunta a Bauer, em determinado momento, como ele
teria conseguido enganar (sic) os pais dela, que o trataram como homem. Ao que ele corajosamente comenta que não enganou ninguém, que as pessoas viram apenas o que ele é.
Em tese de doutoramento em que estuda o cinema LGBTQ exibido no Brasil desde o
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ȺƵƮƵɈƶǿȁȌɈƵǿƊƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌǿȌȯƊȲɈƵƮȌƮǞȺƧɐȲȺȌƧǞȁƵǿƊɈȌǐȲƋ˛ƧȌƮƊȺǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵȺǿƊȺƧɐǶǞȁƊȺةƮƵȺɈƊƧƊȁƮȌȌɐɈȲƊȱɐƵȺɈƣȌȱɐƵ˛ƧȌɐǿƊȲƧƊƮƊȁƵȺɈƊƦȲƵɨƵƊȁƋǶǞȺƵƮȌȺ˛ǶǿƵȺ
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²ȌƦȲƵȌȺ˛ǶǿƵȺȱɐƵƊȁƊǶǞȺȌɐةȌƊɐɈȌȲƊ˛ȲǿƊɈƵȲȌƦȺƵȲɨƊƮȌɐǿɈƵǿƊ
que se entrelaçava de forma recorrente às imagens de violência relacionadas
às expressões da sexualidade entre homens gays: a Ɗ˛ȲǿƊƪƣȌƮƊǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊde hegemônica e a consequente exclusão das dissidentes. Esses enunciados
ȲƵǞɈƵȲƊɈǞɨȌȺƮƵƊ˛ȲǿƊƪƣȌƮƵɐǿƊǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵƧȌǿȯȲƵƵȁƮǞƮƊƧȌǿȌɨǞȲǞǶـƵ
normativa), pronunciados por personagens homo e heterossexuais, têm, para
os primeiros, o objetivo de desvinculação do desejo sexual por outro homem
ƧȌǿƊƧȌȁȺƵȱɐƵȁɈƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌƮƵȺɈƵƮƵȺƵǯȌƜǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶخhƋ
para os personagens heterossexuais, a reiteração de uma masculinidade viril
ǿƊȲƧƊȌȲƵƧǘƊƪȌƊȱɐƊǶȱɐƵȲǏȌȲǿƊȯȌȺȺǠɨƵǶƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƪƣȌƧȌǿƊǘȌǿȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵةƦƵǿƧȌǿȌǯɐȺɈǞ˛ƧƊȌƵɮȯǶǠƧǞɈȌȯȲƵƧȌȁƧƵǞɈȌƵȲƵǯƵǞƪƣȌƮƊȺǿƊȺƧɐǶǞȁǞƮƊƮƵȺƮǞȺȺǞƮƵȁɈƵȺةǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƮƊȺȺȌƧǞƊǶǿƵȁɈƵƧȌǿȌٙǿƊǞȺȯȲȍɮǞǿƊȺƮȌǏƵǿǞȁǞȁȌٚ٘§ـخyÀ0²ةצןמנةȯخףסןخJȲǞǏȌƮȌƊɐɈȌȲخف
Faz-se urgente a necessidade de que representações não transfóbicas de pessoas transmasculinas ganhem maior visibilidade, quebrando este longo ciclo de produções como a do
˛ǶǿƵVera, que apresentam pessoas não conformes ao (cis)gênero como violentas. Enquanto
pessoas cis têm o direito humano de viverem seus erros enquanto sujeitos singulares, os erros
ƮƵ ȯƵȺȺȌƊȺ ɈȲƊȁȺ ȺƣȌ ǏȲƵȱɐƵȁɈƵǿƵȁɈƵ ɈǞƮȌȺ ƧȌǿȌ ƧȌȁ˛ȲǿƊƪƣȌ ƮƊ ȯȲȌǏƵƧǞƊ ƊɐɈȌȲȲƵƊǶǞɹƊƮȌȲƊ
que recai sobre elas.
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Artigos
!ȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺ˛ȁƊǞȺ
©ɐƵȺɈȪƵȺƧȌǿɐȁȺǿƊȲƧƊǿƊȺƊȁƋǶǞȺƵȺƮȌȺƮȌǞȺ˛ǶǿƵȺةȯȲȌƮɐɹǞƮȌȺƵǿƶȯȌƧƊȺƮǞɨƵȲȺƊȺة
em diferentes momentos dos estudos homossexuais e trans, com linguagens diferentes e
avanços díspares, tanto epistêmicos quanto os referentes à discussão dos direitos humanos das
pessoas dissidentes das normatividades cis e heterossexuais. A questão que se impõe quando
ȲƵ˜ƵɈǞǿȌȺȺȌƦȲƵƵȺȺƵȺƮȌǞȺ˛ǶǿƵȺةƶƊƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊȲƵƊǶƵȺǞǿƦȍǶǞƧƊƊȱɐƵƊȺȯƵȲȺȌȁƊǐƵȁȺȺƣȌ
submetidas. Aparecem, assim, as violências extremadas no genocídio das pessoas trans e seu
apagamento simbólico, exposto na trajetória de Bauer fora da instituição, onde não encontra
lugar, a não ser que se encaixe no binarismo determinado por uma ordem biológica que o assinalara como mulher.
yȌȺ˛ǶǿƵȺEl lugar sin límites e Vera˛ةƧƊǿƵɨǞƮƵȁƧǞƊƮȌȺȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƮɐƊǶǞȺɈƊȺȱɐƵƵȺtão presentes nas relações das personagens com parceiros e parceiras. Estereótipos expressos
no conceito de masculinidade hegemônica, que marcou profundamente os estudos das masculinidades desde seu início no campo dos estudos de gênero e que, em sua permanência conservadora, cabe hoje no termo de senso comum masculinidade tóxica. Tanto Manuela, quanto
Vera/Bauer, subjetivada/s que foram em valores patriarcais androcêntricos, são representadas
ȁȌȺ˛ǶǿƵȺȯȌȲɈƊȁƮȌٌȺƵةƵǿȺƵɐȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺƊǿȌȲȌȺȌȺةƧȌȁǏȌȲǿƵƵȺȺƵȺǿȌƮƵǶȌȺƵǿȱɐƵ
os homens são possessivos e agressivos e as mulheres devem ser frágeis e submissas. Manuela,
com poucas defesas em suas relações com homens agressivos, mesmo em suas performances
ƧȌǿȌƮƊȁƪƊȲǞȁƊƵ˛ةȁƊǶǿƵȁɈƵةƧȌǿȌɨǠɈǞǿƊǏƊɈƊǶƮȌǘȌǿƵǿȱɐƵȁƣȌȯȌƮǞƊȺɐȯȌȲɈƊȲƵǿȺǞȌ
desejo que tinha por ela. Bauer, poeta sensível e atento à vulnerabilidade das companheiras,
possessivo e dominante nos relacionamentos afetivo/sexuais com mulheres.
(Ǟ˛ƧǞǶǿƵȁɈƵƊǶǐɐǿƧȌȁƧƵǞɈȌȯȌƮƵƮƊȲƧȌȁɈƊȯȌȲȺǞȺȍƮƊƧȌǿȯǶƵɮǞƮƊƮƵƮƊȲƵƊǶǞƮƊƮƵȱɐƵ
se propõe abordar. Pensamos aqui conceitos enquanto ferramentas ético-políticas que buscam
operar uma crítica e, ao mesmo tempo, inspirar processos de transformação e emancipação social. Partimos da ideia de que tais conceitos e as análises que eles possibilitam não são neutros,
antes bem eles implicam possibilidades de habitar o mundo. Este trabalho revisitou os conceiɈȌȺƮƵƵȯǞȺɈƵǿǞƧǠƮǞȌةǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵƧȌǿȯɐǶȺȍȲǞƊƵȁƵƧȲȌȯȌǶǠɈǞƧƊȺƵǿƮǞƋǶȌǐȌƧȌǿƮȌǞȺ˛Ƕmes latino-americanos numa proposta de hifenização de saberes, assumindo uma preocupação
ƧȌǿȌȺƵǏƵǞɈȌȺǿȌȲɈǠǏƵȲȌȺƮƊȺȁȌȲǿƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌȯƊȲƊƊȺȯȌȯɐǶƊƪȪƵȺɈȲƊȁȺخȺƧƵȁƊȺƮȌȺ˛ǶǿƵȺ
selecionadas para guiar a nossa análise, serviram para ilustrar o modo como estas existências
são percebidas nas margens da inteligibilidade social, autorizando, portanto, seu extermínio.
Entendemos que o aniquilamento de corpos marginalizados, corpos que são considerados matáveis, tais como os de Manuela e Bauer, podem ser pensados numa perspectiva que
se distancie da cisão colonial mente- corpo, muitas vezes presente quando se articulam os
conceitos de epistemicídio e necropolítica trans de forma separada. Assim, para pensarmos
a complexidade que envolve os processos de invisibilização e extermínio simbólico e material
das existências trans, apontamos os limites no uso desses conceitos e das suas possibilidades
analíticas, quando considerados sem levar em conta as intersecções entre vários marcadores
ȺȌƧǞƊǞȺخXȁȺǞȺɈǞǿȌȺȁȌǿȌƮȌƧȌǿȌƊ˛ǶǿȌǐȲƊ˛ƊmJ ÀȯȌƮƵƧȌȁɈȲǞƦɐǞȲȯƊȲƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊƪȪƵȺȲƵducionistas das pessoas trans. Concluímos que tanto a pretensa neutralidade no uso de estes
conceitos, como as representações estereotipadas das pessoas trans na mídia são duas faces do
mesmo regime colonial de gênero.
Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
111
Epistemicídio e necropolíticas trans
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112
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Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e
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Yarlenis Ileinis Mestre Malfrán, Geni Núñez, Mara Coelho de Souza Lago
Ampliando los
espacios de
los feminismos
descoloniales desde
los territorios y
territorialidades
antirracistas
²Ȍ˛ƊðƊȲƊǐȌƧǞȁ
Universidad San Francisco de Quito
ǿȯǶǞƊȁƮȌǶȌȺƵȺȯƊƧǞȌȺƮƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƮƵȺƮƵǶȌȺ
ɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺɯɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺ
ªƵȺɐǿƵȁ
Este artículo conecta la geografía feminista descolonial con los feminismos descoloniales latinoamericanos. Me interesa profundizar sobre la relación entre el racismo,
la colonialidad y las espacialidades uniendo estos dos marcos teóricos. La geografía
feminista descolonial analiza las articulaciones entre la colonialidad del género y el
racismo con la construcción social del espacio. Mientras que el feminismo descolonial
latinoamericano promueve una perspectiva antirracista, antiimperialista, anticolonial
e interseccional de los feminismos desde el Abya Yala y el Sur. Este artículo responde
a las siguientes preguntas: ¿Cuáles son los espacios de los feminismos descoloniales
latinoamericanos? ¿Cómo está presente la espacialidad en los trabajos conceptuales
ƮƵǶƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺدæ˛ȁƊǶǿƵȁɈƵةƧȌȁƦƊȺƵƵȁǶƊȲƵȺȯɐƵȺɈƊƊǶƊȺƊȁɈƵȲǞȌȲƵȺ
preguntas, cuáles son los espacios que quedan por fuera de este análisis. Concluyo
que los espacios que quedan por fuera son las territorialidades relacionales antirracistas y, sostengo que, desde estos procesos de lucha por el territorio en contra del racismo, podemos profundizar la relación entre las geografías feministas y el feminismo
descolonial latinoamericano.
§ƊǶƊƦȲƊȺ!ǶƊɨƵȺ بgeografía feminista descolonial, territorios antirracistas, feminismos descoloniales.
Expandindo os espaços dos feminismos decoloniais a partir de
territórios e territorialidades antirracistas
Resumo
0ȺɈƵƊȲɈǞǐȌƧȌȁƵƧɈƊƊǐƵȌǐȲƊ˸ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƧȌǿȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺǶƊɈǞȁȌ٧ƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺى0ȺɈȌɐǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮƊƵǿƵɮȯǶȌȲƊȲƊȲƵǶƊƪƣȌƵȁɈȲƵȲƊƧǞȺǿȌلƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƵƵȺȯƊƧǞƊǶǞƮƊƮƵلȲƵɐȁǞȁƮȌƵȺɈƊȺƮɐƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺɈƵȍȲǞƧƊȺىǐƵȌǐȲƊ˸ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƊȁƊǶǞȺƊƊȺƊȲɈǞƧɐǶƊƪȪƵȺƵȁɈȲƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮƵǐƺȁƵȲȌƵȲƊƧǞȺǿȌ
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perguntas: Quais são os espaços dos feminismos descoloniais latino-americanos?
Como a espacialidade está presente no trabalho conceitual das feministas descoloȁǞƊǞȺي0˸ȁƊǶǿƵȁɈƵلƧȌǿƦƊȺƵȁƊȲƵȺȯȌȺɈƊƜȺȯƵȲǐɐȁɈƊȺƊƧǞǿƊلȱɐƊǞȺȺƣȌȌȺƵȺȯƊƪȌȺ
ȱɐƵ˸ƧƊǿƮƵǏȌȲƊƮƵȺɈƊƊȁƋǶǞȺƵ!يȌȁƧǶɐȌȱɐƵȌȺƵȺȯƊƪȌȺƮƵǞɮƊƮȌȺƮƵǏȌȲƊȺƣȌɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊǞȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺƵƮƵǏƵȁƮȌȱɐƵلƊȯƊȲɈǞȲƮƵȺɈƵȺȯȲȌƧƵȺȺȌȺƮƵǶɐɈƊ
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feministas e o feminismo descolonial latino-americano.
Palavras-chave: ǐƵȌǐȲƊ˸ƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶلɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺلǏƵǿǞȁǞȺmos decoloniais.
Expanding the spaces for decolonial feminisms from anti-racist
territories and territorialities
Abstract
This article brings together decolonial feminist geography and Latin American
ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȺىXƵɮȯǶȌȲƵɈǘƵȲƵǶƊɈǞȌȁȺǘǞȯƦƵɈɩƵƵȁȲƊƧǞȺǿلƧȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯƊȁƮȺȯƊtiality from these theoretical frameworks. Decolonial feminist geography analyzes
the articulations between the coloniality of gender and racism with the social conȺɈȲɐƧɈǞȌȁȌǏȺȯƊƧƵلɩǘǞǶƵmƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȯȲȌǿȌɈƵȺƊȁƊȁɈǞ٧ȲƊƧǞȺɈ لƊȁɈǞ٧ǞǿȯƵȲǞƊǶǞȺɈ لƊȁɈǞ٧ƧȌǶȌȁǞƊǶ ƊȁƮ ǞȁɈƵȲȺƵƧɈǞȌȁƊǶ ȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƵ ȌǏ ǏƵǿǞȁǞȺǿȺ ǏȲȌǿ
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the spaces of Latin American decolonial feminisms? How is spatiality present in the
ƧȌȁƧƵȯɈɐƊǶɩȌȲDzȺȌǏƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȺيȁƮ˸ȁƊǶǶɯلɩǘƊɈƊȲƵɈǘƵȺȯƊƧƵȺɈǘƊɈƊȲƵ
absent from this analysis. I conclude that the spaces that are left out are anti-racist relational territorialities which are necessary to deepen the relationship between
feminist geographies and Latin American decolonial feminisms.
Key words: ƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺɈǐƵȌǐȲƊȯǘɯلƊȁɈǞȲƊƧǞȺɈɈƵȲȲǞɈȌȲǞƵȺلƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǏƵǿǞȁǞȺǿȺى
Foto: detalhe do cartaz de Ana Gouvêa, 2021.
Foto: detalhe do cartaz de Ana Gouvêa, 2021.
Artigos
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¿Cuáles son los espacios del feminismo descolonial latinoamericano? Existen espacios
priorizados por parte de los feminismos descoloniales latinoamericanos, como son el Abya Yala
y el Sur. El Abya Yala perteneciente al pueblo indígena Kuna y comprendido como la alternativa
al término colonial de “América” es el lugar de enunciación para el feminismo descolonial. Para
el feminismo descolonial, el Abya Yala es su epistémico y el espacio de enunciación (ESPINOSA,
J w0ðæ!R سעןמנةªª²(خفעןמנةƵȺƮƵƵǶƵȺȯƊƧǞȌƮƵǶƦɯƊæƊǶƊƵɮǞȺɈƵȁɐȁȺǞȁȁɑmero de propuestas descoloniales sobre particulares nociones espaciales multiescalares encarnadas (cuerpo-territorio), y relacionadas con territorios de poblaciones racializadas (indígenas y
ƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞƊȺ!ـفªÇðسמנמנةhXw1y0ðخفןנמנة0Ƕ²ɐȲةƊȺɐɨƵɹةǘƊȺǞƮȌɐɈǞǶǞɹƊƮȌȯƊȲƊƧȌȁɈƵȁƵȲǶƊ
desigualdad geopolítica en la que se encuentran los feminismos de América Latina (ESPINOSA,
خفעןמנ0ȁ ƵȺɈƵ ƊȲɈǠƧɐǶȌ ǿƵ ǐɐȺɈƊȲǠƊ ȯȲȌǏɐȁƮǞɹƊȲ ȺȌƦȲƵ ǶȌȺ ƵȺȯƊƧǞȌȺ ȲƊƧǞƊǶǞɹƊƮȌȺ ȱɐƵ ȯɐƵƮƵȁ
aportar a profundizar la crítica antirracista, fundamental para los feminismos descoloniales laɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺخmƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊȺȺȌƧǞȌƵȺȯƊƧǞƊǶƵȺƮƵǶƊƦǶƊȁȱɐǞɈɐƮ(ـàæ0ªæhy0²فמממנة
sostienen la dominancia del lugar de las mujeres blancas, así como, las metodologías feministas
ǘƵǐƵǿȍȁǞƧƊȺـJªð y§خفצןמנةȌȲǶȌȱɐƵǿƵǐɐȺɈƊȲǠƊȺɐǐƵȲǞȲةȱɐƵƊƮƵǿƋȺƮƵȌɈȲƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌlogías y ontologías como formas de cuestionar la modernidad colonial, también necesitamos
dialogar con esas otras territorialidades encarnadas y posicionadas desde el antirracismo. Las
territorialidades antirracistas son muchas, emergidas desde distintos procesos de lucha contra
los racismos ambientales, estructurales y en relación con el capitalismo. Las territorialidades
antirracistas se posicionan en alianza con otros procesos de lucha feminista por los territorios
como han sido las territorialidades feministas desde el Sur y el Abya Yala. Los feminismos territoriales rescatan los liderazgos de mujeres indígenas, afros, campesinas en la lucha por la defensa
del territorio posicionando conceptos y metodologías de cuerpo-territorio que han impulsado
ɐȁǐǞȲȌƵȯǞȺɈƵǿȌǶȍǐǞƧȌƵȁǶƊȺƧǞƵȁƧǞƊȺȺȌƧǞƊǶƵȺـÇmmخفןנמנسפןמנة²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌةƵȺɈƋȁƊɐsentes de estas discusiones y sus conceptos-prácticas territoriales las propuestas antirracistas.
Esto ha producido espacios y dinámicas incómodas entre los distintos feminismos, por ejemplo,
existen mayor número de propuestas teóricas-practicas con los feminismos indígenas y comunitarios que con los feminismos negros latinoamericanos desde campos como la ecología políɈǞƧƊǏƵǿǞȁǞȺɈƊɯǶƊȺȲƵ˜ƵɮǞȌȁƵȺȺȌƦȲƵǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺخyȌȺȌǶȌǘƊɯǿƊɯȌȲȯȲȌƮɐƧƧǞȍȁ
conceptual y metodológica que prioriza una visión sobre otra, sino además no hay diálogos
relacionales entre ellos. Esto es evidente en la cantidad de propuestas teóricas y desde la praxis
ƵȁɈȌȲȁȌƊǶƧɐƵȲȯȌٌɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌٌɈǞƵȲȲƊ !ـymفצןמנسמןמנةɯȺɐȺƧȲɐƧƵȺƧȌȁǶƊƵƧȌǶȌǐǠƊȯȌǶǠɈǞƧƊ
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que amplían las posibilidades de cuestionar la espacialidad blanca-mestiza dominante de la
región como son: las propuestas de Améfrica Ladina de Lélia Gonzalez retomadas por feminisɈƊȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺɯƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺـJ w0ðسקןמנةßXß0ª²سמנמנةwmm0ÀةفןנמנةǶȌǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧȌ
propuesto por el Colectivo de Reexistencia Cimarrunas en el Ecuador y también sostenido por
ɨƊȲǞɮȺƊɐɈȌȲɮȺƵȁɈȌƮƊȺǶƊȺǿƶȲǞƧƊȺ ـª ðæðªJ!Xy سןנמנةm0(²0سץןמנةªwZª0ðةفמנמנةȌƮƵȺƮƵȯȲƋƧɈǞƧƊȺƵȁƧƊȲȁƊƮƊȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶƵȺƧȌǿȌƵǶɈȌȁǐɐƵȌ ـ0ªwyٌª0ßmة
خفןנמנ0ȺɈȌȺƵǯƵǿȯǶȌȺƮƵɈƵȲȲǞɈȌȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺƊȁɈǞȲȲƊƧǞȺɈƊȺȲƵǶƊƧǞȌȁƊǶƵȺƮǞƊǶȌǐƊȁƧȌȁƮǞȺɈǞȁɈƊȺȯȲȌpuestas de los feminismos descoloniales y las geografías feministas descoloniales antirracistas
y conectan los puntos de encuentro entre distintas formas de colonialidad visibilizando aún
más los distintos procesos simultáneos de racialización y de creación de sistemas de género en
todas las Américas. Propongo que la pluralidad territorial visibiliza y dinamiza la relacionalidad
entre diferentes luchas antirracistas por el territorio. La relación entre las luchas territoriales
Sofia Zaragocin
119
Ampliando los espacios de los feminismos
antirracistas entre poblaciones indígenas, afros, latinx y otras, se conectan y se potencian. En
lo que sigue del artículo, revisaré los espacios de los feminismos descoloniales y los planteamientos descoloniales de las geografías feministas emergentes para situar las territorialidades
120
antirracistas como una discusión que una estos dos marcos teóricos.
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En la literatura de los feminismos descoloniales latinoamericanos se han resaltado los siguientes espacios: el Abya Yala y el Sur. Para el Grupo Latinoamericano de Estudios, Formación
y Acción Feminista (GLEFAS) la apuesta es por una teoría feminista geopolíticamente situada
ƮƵȺƮƵƵǶƦɯƊæƊǶƊـw0y(ðخفעןמנة²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌةǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌȺȺȌȁȯǶɐȲƊǶƵȺ!ـRفןנמנةɯƧȌǿȌɈƊǶةȺɐȺƵȺȯƊƧǞȌȺɈƊǿƦǞƶȁخmƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊȺȌɈȲƊȺɯ
diversas de saberes populares y comunitarios son la base para la relación entre los feminismos
ɯǶƊȺƊȯɐƵȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺـ0²§Xy²ةJw0ðæ!RخفעןמנةmƊȺȲɐȯɈɐȲƊȺƧȌȁǶƊȺƵȯǞȺɈƵmologías modernas occidentales y el eurocentrismo para posicionar conocimientos comunitarios, indígenas, afros, populares, urbanos, muestra que es evidente que la pluralidad epistémica
está en el centro de los feminismos descoloniales latinoamericanos. Estas epistemologías otras
necesitan de espacios otros, y de procesos de creación de espacios que quedan por fuera de
ǶȌȱɐƵwƊȲǠƊmɐǐȌȁƵȺǶǶƊǿƊƦƊǶƊƧƵǐɐƵȲƊƵȯǞȺɈƵǿȌǶȍǐǞƧƊƮƵǶǏƵǿǞȁǞȺǿȌǘƵǐƵǿȍȁǞƧȌخفעןמנـ
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racializado”. Esta ceguera epistemológica feminista tiene consecuencias territoriales, al no reconocer los espacios racializados y los que resultan de sujetxs racializadxs.
Las tensiones espaciales están muy presentes en debates sobre el lugar de los distinɈȌȺǏƵǿǞȁǞȺǿȌȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺ§خȌȲƵǯƵǿȯǶȌ ةȲƵȁɯwƵȁƮȌɹƊفמןמנـȲƵ˜ƵɮǞȌȁƊȺȌƦȲƵǶƊȲƵǶƊƧǞȍȁ
entre los feminismos chicanos y los feminismos latinoamericanos. Ella nos deja la siguiente
inquietud: ¿Cuál es esa relación entre los feminismos chicanos como los de Gloria Anzaldúa y
Chela Sandoval con los feminismos latinoamericanos? Mendoza resalta que la crítica latinoamericana de la modernidad y la colonialidad mira al feminismo chicano y no al latinoamericano
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acciones sororas entre Norte y Sur.
Mientras tanto, la geografía feminista latinoamericana comienza a dialogar con la literatura de la colonialidad, descolonialidad y antirracismo relativamente reciente. El I Encuentro de
ǶƊªƵƮƮƵJƵȌǐȲƊǏǠƊȺIƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵǶ²ɐȲـJ0I0w²ÇªفȺƵȲƵƊǶǞɹƊƵȁƵǶןנמנƧȌȁٗ Este espacio
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de Colombia, organizado por las geógrafas Astrid Ulloa y Diana Ojeda juntamente con el Colectivo Francia Márquez. Este encuentro es a su vez el resultado del IV Seminario Latinoamericano
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Diana Lan y con la participación de geógrafxs de toda América Latina. En estos diálogos estuvieron presentes el feminismo comunitario, los feminismos indígenas y la propuesta de cuer-
1 Las geografías Latinx es un campo reciente y en construcción, pero podríamos entenderlas como formas de
hacer espacio desde las distintas latinidades en EEUU.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 114-125, 2021
Artigos
po-territorio como un método ƮƵ ǐƵȌǐȲƊǏǠƊ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶ ـðªJ!Xy æ !ª0ÀÀة
§خفןנמנƵȁƮǞƵȁɈƵƵȺɈƋƵǶƮǞƋǶȌǐȌƵȁɈȲƵǶƊȺǐƵȌǐȲƊǏǠƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺƮƵȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƧȌȁǶȌȺǏƵǿǞȁǞȺmos descoloniales de la región y, en particular, con los feminismos negros de Améfrica Ladina.
Este escrito intenta aportar a esta discusión incipiente.
121
¿Qué otros espacios pueden compartir las geografías feministas y los feminismos descoloniales de la región? Resulta incómodo referirnos a esta región del mundo como América
Latina, por el legado y connotación colonial del término. Sin embargo, tampoco estoy segura
de que Abya Yala y el Sur representan, hoy en día, todas las posibilidades espaciales descoloniales para los múltiples feminismos críticos de la colonialidad de género y desde posturas
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espacios. La geografía feminista puede aportar a los estudios de feminismos descoloniales latinoamericanos en profundizar sobre estas indagaciones. Desde la geografía feminista cuando
decimos que el territorio nos habla y que los procesos de territorialización son el espejo para
nuestro accionar, nos referimos a estos aportes. Los territorios racializados y antirracistas pueden potenciar aún más las discusiones entre la geografía feminista descolonial emergente y los
feminismos descoloniales.
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Mara Viveros nos menciona que en la actualidad vivimos un giro antirracista en Améfrica
Ladina donde se presta mayor atención al racismo en el ámbito público y en los movimientos
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no estaba tan presente en Améfrica Ladina por la costumbre de minimizar el racismo y por el
arraigo del discurso e ideología del mestizaje en la región. Este giro antirracista también está
presente en las geografías antirracistas que muestran territorialidades relacionales entre territorios negros, indígenas, latinx, campesinos y feministas en toda la región. Los territorios y
territorialidades antirracistas se crean en contra del racismo, entendiendo al racismo como “la
ideología y prácticas que vinculan discursivamente cuerpos, comportamientos y herencias bioƧɐǶɈɐȲƊǶƵȺȯƊȲƊǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲةȯȲȌƮɐƧǞȲɯȲƵȯȲȌƮɐƧǞȲȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƮƵƮƵȺǞǐɐƊǶƮƊƮȱɐƵȺƵɈȲƊƮɐƧƵȁƵȁ
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invisibiliza y borra intencionalmente a los territorios y territorialidades otros. Es en este contexto que los territorios y territorialidades antirracistas cuestionan la persistente blanquitud y
ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮǞȁǘƵȲƵȁɈƵȺƵȁǶƊȺƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȌȁƵȺɨǞȌǶƵȁɈƊȺƮƵǶƵȺȯƊƧǞȌـ²X©ÇX0ª!ªª0سץןמנة
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territorialidades antirracistas que posicionan las geografías negras se plantean sobro todo desƮƵ ȲƊȺǞǶةƧȌȁƮǞȺƧɐȺǞȌȁƵȺǞȁƧǞȯǞƵȁɈƵȺƵȁƵǶȲƵȺɈȌƮƵǶƊȲƵǐǞȍȁـ²yÀ²سץןמנةקממנة²X©ÇX0ª
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Para este artículo me gustaría posicionar los trabajos de territorios y territorialidades antirracistas que dialogan de manera relacional entre los feminismos descoloniales y las geografías antirracistas y descoloniales. Varias autoras están uniendo prácticas antirracistas del territorio con propuestas descoloniales feministas ya existentes. Diana Gómez conecta el Abya
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ׂ Cuerpo-territorio como método ha sido desarrollado por el Colectivo Miradas Críticas del Territorio desde el
Feminismo.
Sofia Zaragocin
Ampliando los espacios de los feminismos
las geografías negras en Colombia a través del tongueo une la propuesta de cuerpo-territorio
de los feminismos comunitarios e indígenas con los procesos de territorialidad negra a nivel
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122
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en estas territorialidades antirracistas que la geografía feminista descolonial y los feminismos
descoloniales se potencian.
Tomando en cuenta mi propia posicionalidad como una mujer migrante entre EEUU y
Latinoamérica, quisiera posicionar otro territorio antirracista, entendido como lo hemisférico.
Me gustaría profundizar sobre los espacios que surgen a través de las geografías latinx que son
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dialoga con los feminismos descoloniales del Sur? Las tensiones entre los feminismos latinoamericanos y los latinxs son evidentes y las feministas descoloniales de la región lo han debatido
anteriormente con posturas que sostienen la necesidad de un propio feminismo latinoameȲǞƧƊȁȌƊǶƵǯƊƮȌƮƵǶyȌȲɈƵـ0²§Xy²سעןמנةw0y(ð©خفמןמנةɐǞȺǞƵȲƊɈƵȲǿǞȁƊȲƵȺɈƵƊȲɈǠƧɐǶȌ
cuestionando profundamente este planteamiento desde la crítica de las territorialidades antirracistas relacionales y las geografías feministas descoloniales. Geógrafxs latinxs enfatizan la importancia de lucha antirracista relacional entre geografías negras, indígenas y latinx donde las
ƧȌȁƵɮǞȌȁƵȺǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺɯǶƊȯȲƊɮǞȺƧȌȁɈƵǿȯȌȲƋȁƵƊȯȌɈƵȁƧǞƊȁɐȁƊǶɐƧǘƊǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧƊخ0ȺɈȌȺǞǐȁǞ˛ca que la praxis territorial de lucha antirracista por el territorio desde lo latinx no puede existir
ni tampoco se puede comprender sin la defensa del territorio desde posturas indígenas o afro
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antirracistas relacionales a nivel hemisférico que también están presentes en procesos colecɈǞɨȌȺƧȌǿȌƵȺƵǶƵȁƵǶ0ƧɐƊƮȌȲ ـª ðæðªJ!XyخفןנמנةIǞȁƊǶǿƵȁɈƵةǶȌǘƵǿǞȺǏƶȲǞƧȌƵȺ
distinto a lo transnacional – que ha sido debatido anteriormente en los feminismos descoloniales latinoamericanos – en que no dialoga entre estados-naciones coloniales-racistas, sino entre
luchas conectadas desde los antirracismos territoriales. De esta manera y para concluir, quisiera
enfatizar la necesidad de pluralizar los espacios y las espacialidades de los feminismos descoloniales de la región más allá del Abya Yala y el Sur. Las geografías de los feminismos descoloniales necesitan un diálogo más estrecho con territorios y territorialidades antirracistas, pero desde
una mirada relacional y alejados de lugares esencializados.
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territorio en las grietas de la modernización agrícola. mƊɈǞȁǿƵȲǞƧƊȁƊȁƮ!ƊȲǞƦƦƵƊȁ0ɈǘȁǞƧ
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 114-125, 2021
Artigos
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como cuerpos-territorios. 0ƧȌǶȌǐǠƊ§ȌǶǠɈǞƧƊخןנמנةקנٌננبןפة
BLEDSOE, A. Marronage as a Past and Present Geography in the Americasخ²ȌɐɈǘƵƊȺɈƵȲȁ
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complicidades y consolidación de las hegemonías feministas en el espacio transnacional”. En
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FAIVER-SERNA, C. Juntxs/Together: Building Latinx Geographies. ²ȌƧǞƵɈɯۋ²ȯƊƧƵ, خקןממנ
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Sofia Zaragocin
Ampliando los espacios de los feminismos
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 114-125, 2021
Foto: detalhe do cartaz de Ana Gouvêa, 2021.
Histórias do vestir
de Catharina Mina:
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Hanayrá Negreiros
PUC-SP / MASP
1 Este artigo é uma adaptação de minha apresentação realizada no GT Moda, Cultura e Historicidade - histórias e
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ªƵȺɐǿȌ
No presente artigo tenho por objetivo fazer “costuras” iniciais sobre os modos de vestir
de mulheres africanas na cidade de São Luís do Maranhão, durante o século XIX, com
foco na segunda metade do período, partindo da trajetória de Catharina Rosa Ferreira de Jesus, conhecida popularmente na província como Catharina Mina. Mulher
e africana, vivenciou escravidão e liberdade em uma vida marcada pela presença do
patriarcado, do racismo e da vida em diáspora. O universo da cultura material, inserido
no contexto escravista dessa época, assim como as relações de trabalho em cotidianos que envolviam tais mulheres são pano de fundo do artigo. O ponto de partida do
ƵȺɈɐƮȌǏȌƧƊƵǿɐǿƊƦȲƵɨƵȲƵɨǞȺƣȌƦǞƦǶǞȌǐȲƋ˛ƧƊȱɐƵƊȲɈǞƧɐǶƊةƊȯƊȲɈǞȲƮȌǿƶɈȌƮȌƮƊ
micro-história e da busca de documentos em fontes primárias (testamentos, invenɈƋȲǞȌȺ Ƶ ȲƵǐǞȺɈȲȌȺ ǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ ةفƊȺ ƮǞǿƵȁȺȪƵȺ ȺǞǿƦȍǶǞƧƊȺ Ƶ ƧɐǶɈɐȲƊǞȺ ȯȲƵȺƵȁɈƵȺ ȁƊȺ
histórias do vestir de mulheres como Catharina, alçando a análise das roupas e dos
adornos como instrumento capaz de apontar caminhos para o entendimento da vida
africana em diáspora brasileira, tendo São Luís do Maranhão, dois anos antes da abolição da escravatura, como cenário principal.
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Las historias del vestir de Catharina Mina: cosiendo las ideas iniciales sobre la moda de una mujer africana en el Maranhão del
siglo xix
Resumen
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del artículo. El punto de partida del estudio se centra en una breve revisión bibliográ˸ƧƊȱɐƵƊȲɈǞƧɐǶƊلƮƵȺƮƵƵǶǿƶɈȌƮȌƮƵǶƊǿǞƧȲȌǘǞȺɈȌȲǞƊɯǶƊƦɑȺȱɐƵƮƊƮƵƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺ
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escenario principal.
Palabras clave: Catharina Mina; Indumentaria de mujeres negras; São Luís do MaȲƊȁǘƣȌَ²ǞǐǶȌåXåى
Catharina Mina’s dress stories: sewing initial ideas about the
fashions of an african woman in eighteenth-century Maranhão
Abstract
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the background of the article. The starting point of the study focuses on a brief bibǶǞȌǐȲƊȯǘǞƧƊǶȲƵɨǞƵɩɈǘƊɈƊȲɈǞƧɐǶƊɈƵȺلǏȲȌǿɈǘƵǿǞƧȲȌ٧ǘǞȺɈȌȲɯǿƵɈǘȌƮƊȁƮɈǘƵȺƵƊȲƧǘ
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symbolic and cultural dimensions present in the stories of clothing of women like
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Keywords: !ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊَ ǶƊƧDzɩȌǿƵȁٵȺǐƊȲǿƵȁɈȺَ²ƣȌmɐǠȺƮȌwƊȲƊȁǘƣȌَɈǘ
century.
Artigos
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Investigar histórias de mulheres negras e as suas relações com o vestir no Brasil tem sido
um dos meus principais temas de estudo nos últimos anos e é muito interessante perceber um
campo que vem sendo tecido e fortalecido por óticas feministas com especial interesse para
as trajetórias dessas mulheres. Dedicar o olhar para o estudo de modas e modos de viver de
mulheres africanas e afro-brasileiras em diversas temporalidades e localidades se mostra uma
ótima oportunidade para a construção de narrativas diversas e plurais que privilegiam histórias
ȱɐƵǿɐǞɈƊȺƮƊȺɨƵɹƵȺƊƧƊƦƊǿ˛ƧƊȁƮȌȯȌȲٗƮƵƦƊǞɮȌƮȌȺȯƊȁȌȺ٘ةƵɨȌƧƊȁƮȌƊȺǿɐǞɈƊȺɈȲƊǯƵɈȍȲǞƊȺ
femininas que urdiram histórias neste país. Rita Morais de Andrade em seu texto intitulado O
vestuário como assunto: um ensaio فןנמנـȲƵ˜ƵɈƵȌɨƵȺɈɐƋȲǞȌƧȌǿȌƵǶƵǿƵȁɈȌɐȁǞɨƵȲȺƊǶƮƊƧɐǶtura humana, nos apresentando a possibilidade para pensarmos as histórias do vestir, por meio
ƮƵǿƵǿȍȲǞƊȺƵǞǿƊǐǞȁƋȲǞȌȺةȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌȺȌƦȲƵƊȯȌȺȺǠɨƵǶȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƪƣȌƮƵɐǿƊǿƊȁƵǞȲƊƵȺȯƵƧǠ˛ca de historicizar os vestires com o pé nos modelos eurocêntricos de estudo:
A história do vestir, mais comumente conhecida como história da moda, tamƦƶǿƵȺɈƵɐǿƧȌȁƧƵǞɈȌȲƵƧƵȁɈƵƮȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƮƊȺȯȲƋɈǞƧƊȺƧǞƵȁɈǠ˛ƧƊȺƵƊƧƊdêmicas, é uma construção baseada naquilo que se conhece dos remanescentes da cultura material e visual e do conhecimento transmitido oralmente por
gerações. Portanto, a história do vestuário é uma construção feita de elementos da nossa própria memória e de invenção, do imaginário dos interesses que
estão em jogo em determinado período e em determinada circunscrição geoȯȌǶǠɈǞƧƊخ1ȯȌȺȺǠɨƵǶȱɐƵɈƵȁǘƊǿȌȺȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƮȌɐǿƊǏȌȲǿƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊƮƵǘǞȺɈȌricizar os modos de vestir com base no modelo da história da arte eurocêntrica
ـy(ª(0ةןנמנةȯخفצןٌץןخ
²ƵǐɐǞȁƮȌƊȺǶǞȁǘƊȺȯȲȌȯȌȺɈƊȺȯȌȲȁƮȲƊƮƵةȌɐȺȌƊƊ˛ȲǿƊȲȱɐƵƊȱɐǞȁȌ ȲƊȺǞǶةȯƵǶȌǿƵnos em um sentido ampliado de estudos, que envolve perspectivas acadêmicas e as de fora
da academia, as histórias do vestir que ganham mais visibilidade e possibilidade de pesquisas
e divulgação são as brancas, tendo o norte global no que tange os territórios europeus e estadunidense como orientadores para esses estudos. Em minha experiência como pesquisadora
e professora independente de moda, tenho acompanhado uma porção de estudantes que
cada vez mais buscam por outras narrativas e histórias da e na moda, vislumbrando nos curȺȌȺǶǞɨȲƵȺةȌȯȌȲɈɐȁǞƮƊƮƵȺȯƊȲƊȲƵ˜ƵɮƣȌȺȌƦȲƵȌƊȺȺɐȁɈȌخȱɐƵƧȌȺɈɐǿȌȯȲȌȯȌȲƵǿƊɐǶƊةƊȺȺǞǿ
como o que quero oferecer neste texto é que pensemos as negras maneiras de vestir como
argumento, partindo do estudo das roupas e adornos vestidos por pessoas africanas e afro-braȺǞǶƵǞȲƊȺةƊ˛ǿƮƵȯȌƮƵȲƊǿȯǶǞƊȲƊȺƮǞȺƧɐȺȺȪƵȺƵǿȲƵǶƊƪƣȌƊȱɐƊǞȺǘǞȺɈȍȲǞƊȺƵȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺƮƵǿȌƮƊ
podemos estudar e debater. Para tal, serão as histórias do vestir de Catharina Mina, mulher
negra e africana, que nos servirão de linhas para essas primeiras costuras.
ׂ Desde 2017 venho lecionando em instituições culturais a exemplo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), rede SESC e Adelina Instituto, cursos livres que abordam histórias da moda, brasileiras e africanas a partir de olhares e narrativas negras. E não estou sozinha, existem outras pesquisadoras tecendo esse campo.
Para citar alguns nomes, temos Wanessa Yano, Cynthia Mariah, Nathália Grilo, Maria do Carmo Paulino dos Santos
e Andreza Ferreira, mulheres negras, que assim como eu, se dedicam a pesquisar e ensinar estéticas e modas a
partir de outras perspectivas.
3 NEGREIROS, Hanayrá. Por outras histórias da (e na) moda. ELLE Brasil, 2020. Disponível em: https://elle.com.br/
colunistas/por-outras-historias-da-e-na-moda. Acesso em 03 nov. 2021.
Hanayrá Negreiros
131
Histórias do vestir de Catharina Mina
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Para quem é de São Luís do Maranhão, o nome de Catharina Mina é familiar. É comum
132
perguntar pela história dela para os ludovicenses que quase sempre têm algum caso para contar sobre a senhora negra comerciante que nomeia um dos espaços mais conhecidos do centro
histórico da cidade, o beco Catarina Mina. Ladeado por antigos casarões e composto por uma
escadaria com mais de trinta degraus de pedra de lioz português, o beco é atualmente um dos
espaços mais famosos do bairro da Praia Grande e possui estabelecimentos comerciais diversos, entre lojas e restaurantes.
IȌǞƵǿɐǿƮƵȺȺƵȺƵȺɈƊƦƵǶƵƧǞǿƵȁɈȌȺةȌ!ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ ƊȲۋªƵȺɈƊɐȲƊȁɈƵةȱɐƵ˛ƧƊƜƵȺquerda de quem sobe o beco de mesmo nome, que eu pude conhecer mais sobre a ilustre
ƮƊǿƊȁƵǐȲƊخyȌƧȌǿƵƪȌƮƵةמנמנƊȁɈƵȺƮƵȺƵȲǿȌȺƊƧȌǿƵɈǞƮȌȺȯƵǶƊȯƊȁƮƵǿǞƊƮƵ!ßX(ٌةקן
fui visitar os meus familiares em São Luís, ocasião que me proporcionou conhecer Maria de
Lourdes, uma comerciante que mora e trabalha no beco. Lourdes é proprietária do bar que leva
o nome de Catharina e uma das pesquisadoras e entusiastas de sua história. Foi conversando
com ela em algumas tardes em seu restaurante que descobri que Catharina Mina fora uma
popular comerciante, vendedora de farinha e carne de charque, dona de uma barraca aos pés
do beco que leva o seu nome. Um outro fato interessante das histórias que ouvi sobre Catharina
é a relação dela com o vestir, muitas vezes lembrada por ser vista trajando roupas elegantes e
suntuosas joias pelas ruas da cidade. Tínhamos, ali, uma personalidade local muito lembrada
pelas oralidades do povo ludovicense, com destaque especial para o seu vestir e suas habilidades com o comércio.
Atualmente, para quem viaja até São Luís e tem a oportunidade de conhecer o bairro central da Praia Grande, pode facilmente encontrar alguém para lhe contar histórias sobre
Catharina. Até hoje vários relatos são contados sobre o bom “faro para o negócio” que ela posȺɐǠƊخ0ȺȺƵɈǞȁȌƧȌǿƵȲƧǞƊǶȯȌȺȺǞƦǞǶǞɈȌɐȱɐƵƵǶƊǿȌƮǞ˛ƧƊȺȺƵƊɨǞƮƊƮƵƵɮٌƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊƮƵǐƊȁǘȌ,
lhe proporcionando a experiência de uma mulher forra, detentora de uma verdadeira fortuna,
ȱɐƵȯȌƮƵȺƵȲƧȌȁǏƵȲǞƮƊƵǿȺƵɐɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌƵǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌةƮƊɈƊƮȌȺƮƵخפצצןwɐǞɈȌƧɐȲǞȌȺƊȯƊȲƊ
saber mais sobre essa mulher, ao mesmo tempo misteriosa e famosa, perguntei à Lourdes se
ela poderia saber de possíveis documentos que poderiam ter sido deixados por Catharina, ao
que ela respondeu que alguma “papelada” poderia estar guardada no Arquivo Público do Estado do Maranhão.
Após alguns dias de pesquisas em acervos documentais da cidade, fui orientada a visitar
ȌȲȱɐǞɨȌƮȌÀȲǞƦɐȁƊǶƮƵhɐȺɈǞƪƊƮȌwƊȲƊȁǘƣȌةȌȁƮƵ˛ȁƊǶǿƵȁɈƵǿƵƮƵȯƊȲƵǞȁƣȌȺȍƧȌǿɐǿة
mas com dois documentos de Catharina: o seu testamento e o seu inventário. E é aqui que este
texto encontra as primeiras fontes para início de sua “costura”. Nas primeiras páginas de seu
testamento, Catharina se declara “christã, catholica, apostholica romana, de nação Mina e solteira”خאȯƊȲɈǞȲƮƵȺȺƊǞȁǏȌȲǿƊƪƣȌǏȌǞȯȌȺȺǠɨƵǶǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ!ƊɈǘƊȲǞȁƊƧȌǿȌɐǿƊǿɐǶǘƵȲƊǏȲǞƧƊȁƊ
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nome não é consensual.
ׅPretendo abordar de maneira introdutória, ao longo do texto, a presença das “negras de ganho” e as relações
entre trabalho e escravidão presentes nos centros urbanos brasileiros do século XIX.
׆Maranhão. Tribunal de Justiça. Testamento de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da Comarca
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
oriunda da Costa da Mina בem uma sociedade marcada por uma gama de referências raciais
atribuídas às pessoas que se encontravam em solo brasileiro.
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133
ÇǿƮȌȺǞȁɈɐǞɈȌȺƮƵȺɈƵɈƵɮɈȌƶȺɐǐƵȲǞƮȌǯƋƵǿȺƵɐǞȁǠƧǞȌةǿƊǞȺƵȺȯƵƧǞ˛ƧƊǿƵȁɈƵȁȌɈǠɈɐǶȌة
com a ideia de “costura” no sentido de também articular outras pesquisas que se debruçaram,
a partir de diversos pontos de vista, sobre a história de Catharina. Vale ressaltar que o interesse
por histórias de mulheres negras no Brasil escravista גnão é uma novidade. Ao longo destes
escritos, buscarei trazer para a discussão alguns exemplos de estudos que jogaram luz nas múltiplas experiências negras e femininas que engendraram realidades brasileiras neste país, que
ǏȌǞȌɑǶɈǞǿȌƊƊƦȌǶǞȲƊƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌةƵǿɐǿɈƊȲƮǞȌסןƮƵǿƊǞȌƮƵخצצצן
A primeira produção que menciona Catharina da qual tive notícia foi o livro ÀȲƺȺ²ƶƧɐǶȌȺ
de ModasةفסנקןـƮƵƊɐɈȌȲǞƊƮƵhȌƣȌǏǏȌȁȺȌƮȌyƊȺƧǞǿƵȁɈȌד. Publicado no início do século XX,
ȌǶǞɨȲȌȲƵ˜ƵɈƵةƧȌǿȌƶȺɐǐƵȲǞƮȌƵǿȺƵɐɈǠɈɐǶȌةɈȲƵɹƵȁɈȌȺƊȁȌȺƮƵǿȌƮƊةȁȌȱɐƊǶȌƊɐɈȌȲƦɐȺƧȌɐ
documentar modas e costumes europeus e brasileiros. Com um olhar voltado ao que se entenƮǞƊȯȌȲǿȌƮƊƊȯƊȲɈǞȲƮƵɐǿƊǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊȺȌƦȲƵɈɐƮȌƵɐȲȌȯƵǞƊةȌƊɐɈȌȲɈƊǿƦƶǿƮƵȺǶȌƧȌɐȌȌǶǘƊȲ
aos “tipos urbanos”, registrando pessoas e os seus modos de vestir que estavam pelas ruas do
Norte e Nordeste do país. A “Preta Mina” desenhada por João Affonso é um desses tipos que, de
ƊƧȌȲƮȌƧȌǿȌƊɐɈȌȲةȺƵɨǞƊȯƵǶƊȺȲɐƊȺƮƵ²ƣȌmɐǠȺƵǿǿƵƊƮȌȺƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵמץצןƵȁƣȌȺȍƮȌcumenta o estilo de mulheres negras africanas conhecidas como “mulheres de nação Mina”,
como também menciona nominalmente Catharina como um expoente de tal vestir. Fernando
RƊǐƵةفמנמנـƊȌǿƵȁƧǞȌȁƊȲȌȺƮƵȺƵȁǘȌȺƧȌǿɈȲƊƪȌȺƧƊȲǞƧƊɈɐȲƊǞȺȱɐƵhȌƣȌǏǏȌȁȺȌǏƵɹƮƵǿɐlheres negras, aponta que a “Preta Mina”, segundo o referido autor, possui traços e elementos
semelhantes à mulher negra baiana, muito documentada em registros de artistas europeus
como a inglesa Maria Graham, o francês Jean Baptiste Debret e o alemão Johann Moritz RuǐƵȁƮƊȺةɈƊǶƧȌǿȌƵǿǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊȺƮƊɈƊƮƊȺƮƊȺƵǐɐȁƮƊǿƵɈƊƮƵƮȌȺƶƧɐǶȌåXåةƊƵɮƵǿȯǶȌȺƮƵǶƦƵȲɈȌRƵȁȺƧǘƵǶةªȌƮȌǶȯǘȌmǞȁƮƵǿƊȁȁƵwƊȲƧIƵȲȲƵɹخȱɐǞǿƵȲƵ˛ȲȌƮǞȲƵɈƊǿƵȁɈƵƜȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌ
de Affonso, em um trechoȁȌȱɐƊǶȌƊɐɈȌȲǿƵȁƧǞȌȁƊƊٗ§ȲƵɈƊwǞȁƊ٘ةƮǞɹƵȁƮȌȱɐƵƵǶƊƮƵȺ˛ǶƊɨƊ
ȯƵǶƊȺȲɐƊȺǿƊȲƊȁǘƵȁȺƵȺȲǞƧƊȺȲƵȁƮƊȺةƵȺɈȌǏȌȺ˛ȁȌȺƵǿɐǞɈƊȺǯȌǞƊȺƮƵȌɐȲȌةƧȌȁǏȌȲǿƵȺƵȌƦȺƵȲɨƊ
ƊȺƵǐɐǞȲةȁȌɈƵɮɈȌȯɐƦǶǞƧƊƮȌƵǿبסנקן
ׇRegião também chamada por Golfo do Benim, recebe discussões mais aprofundadas em diversas publicações,
ƮƵȁɈȲƵƵǶƊȺª(ªXJÇ0²ةǶƮƊǞȲسmǞǿƊةXɨƊȁƊ²ɈȌǶɹƵسIªX²ةhɐǶǞƊȁƊ ƊȲȲƵɈȌـȲǐȺخفخA diáspora Mina: africanos enɈȲƵȌǐȌǶǏȌƮȌ ƵȁǞǿƵȌ ȲƊȺǞǶ. – 1. Ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2020.
8 !ǏخȌȺɈƵɮɈȌȺȯɐƦǶǞƧƊƮȌȺƵǿåßX0ªةJǞȌɨƊȁƊسIªX²ةhɐǶǞƊȁƊ ƊȲȲƵɈȌسJw0²ةIǶƋɨǞȌـȲǐȺخفخMulheres negras
ȁȌ ȲƊȺǞǶƵȺƧȲƊɨǞȺɈƊƵƮȌȯȍȺ٧ƵǿƊȁƧǞȯƊƪƣȌ. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012, para um maior aprofundamento
no tema.
9 hȌƣȌǏǏȌȁȺȌةƧȌǿȌȯȌȯɐǶƊȲǿƵȁɈƵ˛ƧȌɐƧȌȁǘƵƧǞƮȌǏȌǞɐǿƊȲɈǞȺɈƊƵǞȁɈƵǶƵƧɈɐƊǶȁƊȺƧǞƮȌȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȁƊƮƶƧƊƮƊ
de 1850. Para mergulho em sua obra, utilizo a pesquisa de HAGE, Fernando. 0ȁɈȲƵȯƊǶƊɨȲƊȺلƮƵȺƵȁǘȌȺƵǿȌƮƊȺك
ɐǿȯƵȲƧɐȲȺȌƧȌǿhȌƣȌǏǏȌȁȺȌ. Curitiba: Appris, 2020, a quem eu agradeço profundamente por compartilhar seus
estudos.
10 A identidade africana Mina no Maranhão será um tópico a ser estudado ao longo de pesquisas futuras. Porém,
discussões aprofundadas sobre mulheres de nação Mina no Brasil podem sem encontradas em Faria (2004), Farias
(2012) e Graham (2012) e nos servirão de referencial aqui e em outros escritos.
11 ÇǿƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨƊƮȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧƊȺȌƦȲƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁȌȺȯƵȲǠȌƮȌȺƧȌǶȌȁǞƊǶƵǞǿȯƵȲǞƊǶƦȲƊȺǞǶƵǞros pode ser encontrada em acervos digitais, a exemplo da Biblioteca Nacional e do Instituto Moreira Salles. Com
certeza assunto para um outro texto.
ׁׂ ǐȲƊ˛ƊȌȲǞǐǞȁƊǶǏȌǞȯȲƵȺƵȲɨƊƮƊخ
Hanayrá Negreiros
Histórias do vestir de Catharina Mina
134
Chegados ao Maranhão, se ahi já não fôr habitual cruzar nas ruas a “preta
mina”, pelo menos haverá quem se recorde de a ter visto, há menos de cincoenta annos, pomposamente adereçada nos dias das grandes festas. A “preta
ǿǞȁƊ٘ɨƵȺɈǞƊƧƊǿǞȺƊƵȺƊǞƊسƧƊǿǞȺƊƮƵƧȌɈƊƮƊةƮƵǿƊȁǐƊȺƧɐȲɈƊȺةɈȌƮƊǐɐƊȲȁƵƧǞda de belíssima renda de almofada, quando não era de labyrintho, ou de “ caƧɐȁƮƺ٘سȺƊǞƊƮƵ˛ȁǠȺȺǞǿȌƵƊǶɨǞȺȺǞǿȌǶǞȁǘȌةɈƵȁƮȌȁƊƦƵǞȲƊǶƊȲǐȌǏȏǶǘȌةɈƊǿƦƶǿ
de renda, como de renda é o lencinho que ella cuidadosamente segura na
ǿƣȌƮǞȲƵǞɈƊسƵȺƵƊȺƊǶȌǞƊȯȌȲɈɐǐɐƵɹƊƵɮǘǞƦƵةȁȌƮǞƊƮȌȌȲƋƧɐǶȌƮƊȺɐƊȯƊȲȌƧǘǞƊة
o melhor de seus haveres, representados em dixes e teteias de ouro, o “ ouro”
da “ preta mina” é muito mais abundante, e mesmo muito mais sólido: na cabeça um par de pentes, e um par de “ travessas”, de tartaruga, chapeados de
ȌɐȲȌƧǞȁɹƵǶƊƮȌبȁƊȺȌȲƵǶǘƊȺةƵȁȌȲǿƵȺƦȲǞȁƧȌȺƮƵȌɐȲȌةȌƦȲƊƮȌ§ȌȲɈȌسƊƧȌǿƵƪƊȲ
do pescoço, até ao decote da camisa, não se vê a pelle do collo, occulta sob
ɐǿƊȺɐƧƵȺȺƣȌƮƵƵȁ˛ƊƮƊȺƮƵƧȌȁɈƊȺƮƵȌɐȲȌƵǿǐȲȌȺȺȌȺƦƊǐȌȺةƊɐǶɈǞǿƊƮƊȺ
ȱɐƊƵȺɈƵǿƮƵȯƵȁƮɐȲƊƮȌةȁȌƧƵȁɈȲȌةɐǿǐȲƊȁƮƵƧȲɐƧǞ˛ɮȌƮƵȌɐȲȌǿƊȺȺǞƪȌةƵة
por ultimo, em separado, um cordão de fortes élos de ouro, de que pendem, na
frente e nas costas, os “ bentinhos” ou escapularios, de N . S. do Carmo, ou de N.
S. das Mercês, segundo a confraria a que a preta pertencia, e que, enquanto a
gente de poucos recursos se contentava em forrar com oleado, para preservar
do contacto da transpiração do corpo, ella queria que fossem mettidos entre
ƮɐƊȺƧǘƊȯƊȺƮƵȌɐȲȌسȁȌȺƦȲƊƪȌȺةƮȌǞȺȌɐɈȲƵȺȯƊȲƵȺƮƵƦȲƊƧƵǶƵɈƵȺةƮƵȯɐǶȺƵǞȲƊȺƮƵȌɐȲȌةƮƵƊǶƵȁɈƊƮƊǐȲȌȺȺɐȲƊƵƵɮȱɐǞȺǞɈȌȺǏƵǞɈǞȌȺسƵǿƧƊƮƊƮƵƮȌƮƊȺƮɐƊȺ
mãos, dois, tres, quatro anelões de ouro, de variados lavores. E com toda esta
ȌȺɈƵȁɈƊƪƣȌƮƵƵȺɈȌǏȌȺ˛ȁȌȺةȲƵȁƮƊȺƧƊȲƊȺƵƊƮȌȲȁȌȺƮƵȌɐȲȌةƊٗȯȲƵɈƊǿǞȁƊ٘ɨƊƵ
descalça. Há de haver, provavelmente, em São Luiz, quem reconheça no typo
ȱɐƵƊȺȺǞǿ˛ƧƊƮƵȺƧȲǞȯɈȌةƊƊƦƊȺɈƊƮƊƧƊȯǞɈƊǶǞȺɈƊ!ƊɈǘƊȲǞȁƊwǞȁƊةȁƵǐȌƧǞƊȁɈƵƮƵ
farinha, com armazém á rua do Trapiche, que teve o capricho de casar com um
cafuz, para quem arranjou uma patente de alferes da Guarda Nacional (AFIy²ةhȌƣȌةסנקןةȯخفخףנןٌענןخ
Além da minuciosa descrição dos modos de vestir da “Preta Mina”, João Affonso refere-se à Catharina como “a abastada capitalista”, informando sobre aspectos de sua vida, a sua
situação econômica e religiosidades, ressaltando também costumes e relações que tal mulher
teria em sua experiência de vida na diáspora. As joias são elementos do vestir de Catharina que
aparecem tanto na descrição e representação de João Affonso, como também no inventário
da própria mulher, que ao morrer deixa para alguns de seus entes “vinte e quatro anneis de diferentes tamanhos e feitios” e “um cordão grosso” entre outros itens de joalheria, tudo em ouro.
Vale ressaltar outros detalhes salientados por Affonso do trajar da senhora negra, que se caracterizava pelo uso de tecidos nobres, como o linho e as diversas rendas, utilizados comumente
pelas mulheres brancas e ricas da cidade. O uso de muitas joias de ouro também é destacado
pelo autor que menciona “dois ou três pares de braceletes, de pulseiras de ouro, de alentada
grossura e exquisitos feitios (...)”.
XȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵȁȌɈƊȲȱɐƵƊǶƶǿƮȌȺɈƵƧǞƮȌȺ˛ȁȌȺƵǯȌǞƊȺȺɐȁɈɐȌȺƊȺةǏǏȌȁȺȌǿƵȁƧǞȌȁƊƵȲƵtrata a mulher africana com traços de uma pessoa mais velha e descalça, enquanto a outra mulher negra, chamada de “Crioula do Maranhão”, nascida no Brasil e provavelmente mais jovem
e descendente da “Preta Mina”, é apresentada com delicados sapatinhos e roupas consideradas
pelo autor mais próximas às modas de mulheres brancas. Cabe aqui uma pergunta: que sociedade maranhense foi essa que possibilitou a existência de Catharina Mina? Matheus Gato de
hƵȺɐȺةفףןמנـƵǿȺɐƊȯƵȺȱɐǞȺƊƮƵƮȌɐɈȌȲƊƮȌȺȌƦȲƵȲƊƧǞȺǿȌƵƮƵƧƊƮƺȁƧǞƊȁƊȺȌƧǞƵƮƊƮƵǿƊȲƊ-
13 Maranhão. Tribunal de Justiça. Inventário de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da Comarca
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
135
IǞǐɐȲƊןIlustração da Preta Mina e da Crioula do Maranhão de João Affonso no livro Três séculos de Modas, Belém,
ىסנקןȯƋǐǞȁƊȺƵǿȁɐǿƵȲƊƪƣȌخ
Hanayrá Negreiros
Histórias do vestir de Catharina Mina
ȁǘƵȁȺƵȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊȲƵȺǐƊɈƊƊ˛ǐɐȲƊƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊƊȯƊȲɈǞȲƮƊȌƦȲƊƮƵhȌƣȌǏǏȌȁȺȌƊȌȯƊȺȺȌƵǿ
ȱɐƵȲƵ˜ƵɈƵƊǿƊȲƧƊȁɈƵȯȲƵȺƵȁƪƊƮƵȯƵȺȺȌƊȺƊǏȲǞƧƊȁƊȺƵǿ²ƣȌmɐǠȺب
136
Esses africanos deixaram marcas duradouras na memória social de São Luís,
na religiosidade popular e mesmo na arquitetura da cidade. Famosa foi Catarina Mina, rica comerciante que estabeleceu seu negócio num imponente
sobrado da Praia Grande, ladeando e competindo com os portugueses e os
ǐȲƊȁƮƵȺƧȌǿƵȲƧǞƊȁɈƵȺƮƊɈƵȲȲƊـh0²Ç²ةףןמנةȯخفמפخ
Como mencionado anteriormente, Catharina ascendeu economicamente por conta de
sua atuação como comerciante e os seus modos de vestir registrados por artistas como Affonso,
˛ƧƊȲƊǿȯȲƵȺƵȁɈƵȺȁƊǿƵǿȍȲǞƊƮȌȯȌɨȌǶȌƧƊǶ(خƵƧƵȲɈȌةɐǿƊǿɐǶǘƵȲȲǞƧƊƧȌǿȌ!ƊɈǘƊȲǞȁƊةǘƊɨƵria de se vestir de acordo com a sua posição, utilizando-se também do “bem trajar” para marcar
a sua presença na sociedade, buscando superar estigmas sociais e raciais por meio dos “estofos
˛ȁȌȺƵȲƵȁƮƊȺƧƊȲƊȺ٘خǶƮȲǞȁIǞǐɐƵǞȲƵƮȌفנןמנـɈƊǿƦƶǿƊȯȲƵȺƵȁɈƊƊǶǐɐǿƊȺǞƮƵǞƊȺȺȌƦȲƵȌƮƵsenho de João Affonso, indicando que o imaginário da “Preta Mina” permanecia na sociedade
maranhense nos primeiros anos republicanos, salientando que histórias não faltavam na recorƮƊƪƣȌƮƊȺȯƵȺȺȌƊȺـIXJÇ0Xª0(خفנןמנة
Descrições do vestir de mulheres negras no Brasil colonial e imperial podem ser encontradas em outras obras. No polêmico e criticado Casa Grande & Senzala ةفפממנـGilberto Freyre
observa o que ele chama de “traje africano” apontando para algumas das visualidades de mulheres negras atuantes no comércio de territórios, como Rio de Janeiro, Recife, Bahia e Minas Gerais:
yƊ ƊǘǞƊةȁȌªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌةȁȌªƵƧǞǏƵةƵǿwǞȁƊȺةȌɈȲƊǯƵƊǏȲǞƧƊȁȌةƮƵǞȁ˜ɐƺȁƧǞƊ
maometana, permaneceu longo tempo entre os pretos. Principalmente entre
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ricos negociantes portugueses e por eles vestidas de seda e cetim. Cobertas de
quimbembeques. De jóias e cordões de ouro. Figas da Guiné contra mau-olhado. Objetos de culto fálico. Fieiras de miçangas. Colares de búzios. Argolões de
ouro atravessados nas orelhas. Ainda hoje se encontram pelas ruas da Bahia
negras de doce com os seus compridos xales de pano-da-costa. Por cima das
muitas saias de baixo, de linho alvo, a saia nobre, adamascadas, de cores vivas.
Os peitos gordos, em pé, parecendo querer pular das rendas do cabeção. Tetéias. Figas. Pulseiras. Rodilha ou turbante mulçumano. Chinelinha na ponta
ƮȌȯƶخ0ȺɈȲƵǶƊȺǿƊȲǞȁǘƊȺƮƵȯȲƊɈƊ خȲƊƧƵǶƵɈƵȺƮƵȌɐȲȌـخIª0æª0ةפממנةȯخفפקסخ
Abstenho aqui de analisar com profundidade as observações estereotipadas, diga-se de
passagem, que Freyre faz sobre as relações amorosas das mulheres negras descritas, procurando evitar por ora de comentar a “análise” do autor sobre as formas físicas dessas mulheres.
Busco, no entanto, focar apenas na descrição de alguns dos itens de vestuário e adornos usados
ȯȌȲƵǶƊȺةƧȌǿȌȌȺɈƵƧǞƮȌȺ˛ȁȌȺةɈƊǞȺȱɐƊǞȺƧǞɈƊƮȌȺȯȌȲǏǏȌȁȺȌƊƵɮƵǿȯǶȌƮȌǶǞȁǘȌةȺƵƮƊȺƵƧƵtins, assim como também as joias feitas em ouro. Um ponto que vale ser ressaltado é que tanto
Catharina, como as mulheres negras mencionadas por Freyre são atuantes no comércio de rua.
Seria essa uma possível moda vigente entre as mulheres negras comerciantes da época?
Os escritos de Freyre sobre o trajar de mulheres negras se conectam de certa maneira
com a segunda produção que rastreei e que se empenha em tratar do imaginário de Catharina.
Lenita Estrela de Sá, contista, poetisa e dramaturga negra maranhense também se interessou
pela história da comerciante africana e ainda uma jovem escritora conquistou o primeiro lugar
ȁȌXX!ȌȁƧɐȲȺȌƮƵÀƵɮɈȌȺÀƵƊɈȲƊǞȺßǞȲǞƊɈȌ!ȌȲȲƵƊةƵǿةקץקןƧȌǿƊȯƵƪƊٗ!ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊ٘ةȯȌȺɈƵ-
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
ȲǞȌȲǿƵȁɈƵȯɐƦǶǞƧƊƮƊƵǿǏȌȲǿƊɈȌƮƵǶǞɨȲȌǘȌǿȏȁǞǿȌƵǿץןמנ. Na referida publicação, Lenita
constrói a imagem de Catharina como a de uma mulher independente, dona de seu próprio
negócio e articuladora de uma complexa rede de relações entre pessoas brancas e negras, escravizadas e livres. Em sua primeira aparição na trama, a personagem principal é descrita como
a negra esguia e insinuante da nação africana de Mina. Vestida de babados e blusa decotada,
ƧȌǿɈɐȲƦƊȁɈƵƜǿȌƮƊƮƊǏȲǞƧƊƵƦȲǞȁƧȌȺƮƵȌɐȲȌـ²ةץןמנةȯخفעסخȱɐǞƶȯȌȺȺǠɨƵǶȯƵȲƧƵƦƵȲƧƵȲtas representações elaboradas durante os períodos colonial e imperial brasileiros e atribuídas
com frequência às mulheres negras. Há uma certa “lascividade” no vestir dessas mulheres: blusas decotadas e o contraste das peles escuras em contato com os alvos linhos são exemplos
dessa “sensualidade” fruto de um imaginário que até hoje entende o corpo de mulheres negras
como disponível para o outro.
bell hooks אem seu livro Olhares negros: raça e representaçãoفקןמנـȁȌȺƊȯȲƵȺƵȁɈƊɐǿ
instigante ponto de vista sobre como mulheres negras vêm sendo representadas pela mídia
cultural e pela História estadunidenses ao longo dos anos, e acredito que aqui cabe uma ligação com discussões feministas no âmbito brasileiro, como as tecidas por Beatriz Nascimentoב
e Lélia GonzalezגƵȁɈȲƵȌȺ˛ȁƊǞȺƮƊƮƶƧƊƮƊƮƵמץקןƵǿƵƊƮȌȺƮƵخמצקןyȌƧƊȯǠɈɐǶȌǞȁɈǞɈɐǶƊƮȌ
“Vendendo uma buceta quente: representações da sexualidade da mulher negra no mercado
cultural”, hooks pensa sobre imagens do século XX ao passo em que vai relacionando tais representações com os tipos de imagens popularizadas desde a escravidão, chamando a atenção
ȯƊȲƊǘǞȺɈȍȲǞƊȺƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȱɐƵɈǞɨƵȲƊǿȌȺȺƵɐȺƧȌȲȯȌȺȌƦǯƵɈǞ˛ƧƊƮȌȺƵȺɐƊȺȯȲƵȺƵȁƪƊȺ
ȲƵƮɐɹǞƮƊȺƊǿƵȲȌȺƵȺȯƵɈƋƧɐǶȌȺـRj²ةקןמנةȯخفןסןخ
ɐɈȲƊȺȯƵȺȱɐǞȺƊȺȯɐƦǶǞƧƊƮƊȺȲƵƧƵȁɈƵǿƵȁɈƵةƧȌǿȌƊƮƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮȌȲƊ0ƮȁƊ!ǘƊɨƵȺةفןנמנـ
intitulada !ƊɈƊȲǞȁƊwǞȁƊىÇǿ˸ȌǞȁɨǞȺǠɨƵǶȁȌɈƵƧƵȲƮƊǘǞȺɈȍȲǞƊكɐǿƊǿɐǶǘƵȲȁƵǐȲƊƵƵȺƧȲƊɨƊɈƵƧƵȁƮȌǘǞȺɈȍȲǞƊȁȌwƊȲƊȁǘƣȌȁƊȺƵǐɐȁƮƊǿƵɈƊƮƵƮȌȺƶƧɐǶȌåXåةƊȯȲƵȺƵȁɈƊƊǶǐɐǿƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺ
acerca de experiências negras e femininas na província do Maranhão do Oitocentos, também
com base nos documentos de Catharina. Ressaltando algumas lacunas sobre histórias de mulheres negras no território maranhense, Chaves aponta caminhos para pensarmos em uma
ǘǞȺɈȌȲǞȌǐȲƊ˛ƊȯǶɐȲƊǶȱɐƵȯȲǞɨǞǶƵǐǞƵȯȲȌɈƊǐȌȁǞȺɈƊȺȁƵǐȲƊȺةȲƵƧȌȁȺɈȲɐǞȁƮȌȌƧƊǿǞȁǘȌƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊ
a partir dos espaços da cidade, como o beco que leva o seu nome, alinhavando assuntos como
ƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌةȯȌǶǠɈǞƧƊƵƵƧȌȁȌǿǞƊخXȲƊȁƵǞƮƵ²ȌƊȲƵȺƮƊ²ǞǶɨƊةفןנמנـƊȯȲƵȺƵȁɈƊȌȺƵɐƵȁƧȌȁɈȲȌƧȌǿ
a nossa personagem principal em seu artigo intitulado !ƊɈǘƊȲǞȁƊªȌȺƊIƵȲȲƵǞȲƊƮƵhƵȺɐȺكɐǿƊ
ƊǏȲǞƧƊȁƊ ǿǞȁƊ ƮȌ ȺƶƧ ىåXå ȁƊ ǞǶǘƊ ƮƵ ²ƣȌ mɐǠȺ ƮȌ wƊȲƊȁǘƣȌُ ȲƊȺǞǶ. Igualmente apoiada nos
documentos de Catharina, a autora apresenta alguns aspectos da vida de mulheres afro-atlânticas, suas redes de sociabilidades, trabalhos e vida em diáspora. Aproveitando o ensejo, cabe
ƊȱɐǞ Ɗ ȲƵ˜ƵɮƣȌ ȺȌƦȲƵ ȺƵȲ ȁƵǐȲƊ Ƶ ƊɈǶƓȁɈǞƧƊ ةȯƵȁȺƊȁƮȌ ɈȲƊɨƵȺȺǞƊȺ Ƶ ȯȲȌƧƵȺȺȌȺ ƮƵ ƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌ Ƶ
14 SÁ, Lenita Estrela de. Catarina Minaخ²ƣȌmɐǠȺ׀׆׃بѥJȲƋ˛ƧƊ0ƮǞɈȌȲƊخׇׁ׀ׂة
ׁ ׅHá, contudo, de se levar em consideração que o uso de um vestir que privilegie decotes e ombros à mostra
pode ser atribuído às mulheres africanas de diversas partes do continente, a exemplo de países como Mali, Senegal
e Nigéria. Portanto a “lascividade” no vestir de tais mulheres podem ser discutida aqui por um olhar transgressor,
de afronta aos olhares brancos e masculinos, algo semelhante ao que Maya Angelou propõe em seu poema ٲ²ɈǞǶǶ
XªǞȺƵ ٳde (1978).
ׁ ׆ǐȲƊ˛ƊƮȌȁȌǿƵƮƵƦƵǶǶǘȌȌDzȺȺƵǿƧȌǿƵƪƊȲȯȌȲǶƵɈȲƊȺǿƊǞɑȺƧɐǶƊȺȺƵǐɐƵƊȌȲǞƵȁɈƊƪƣȌƮƊȯȲȍȯȲǞƊƊɐɈȌȲƊȱɐƵ
o preferia dessa maneira. Pseudônimo de Gloria Jean Watkins (uma homenagem à sua bisavó paterna, Bell Blair
Hooks), a escritora era estadunidense, nascida em 1952 na cidade de Hopkinsville, Kentucky. Uma referência para
os estudos feministas negros, faleceu em 2021 deixando um grande legado.
ׁ ׇCf. resenha de Lucilene Reginaldo (2021) sobre os pensamentos e obras de Beatriz Nascimento. Indico a parte
ȁƊȱɐƊǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮȌȲƊƵɨȌƧƊȲƵ˜ƵɮȪƵȺƮƵyƊȺƧǞǿƵȁɈȌةȱɐƵƮƵǿƊȁƵǞȲƊƧȲǠɈǞƧƊةƊȯȌȁɈƊȌȺƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺƊɈȲǞƦɐǠƮȌȺƜȺ
ǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȯȲƵȺƵȁɈƵȺȁȌ˛ǶǿƵåǞƧƊƮƊ²ǞǶɨƊف׆ׇׁـƮƵ!ƊƧƋ(ǞƵǐɐƵȺخ
18 Cf. especialmente o texto A mulher negra no Brasil presente na obra Por um feminismo afro-latino-americano:
ƵȁȺƊǞȌȺلǞȁɈƵȲɨƵȁƪȪƵȺƵƮǞƋǶȌǐȌȺةف׀ׂ׀ׂـȌȲǐƊȁǞɹƊƮƊȯȌȲIǶƊɨǞƊªǞȌȺƵwƋȲƧǞƊmǞǿƊƵȯɐƦǶǞƧƊƮƊȯƵǶƊðƊǘƊȲخ
Hanayrá Negreiros
137
Histórias do vestir de Catharina Mina
liberdade. E para tal, adiciono a esta costura alguns pensamentos da já referida historiadora
ȁƵǐȲƊ ƵƊɈȲǞɹyƊȺƧǞǿƵȁɈȌƵǿȁƊȲȲƊƪƣȌƮȌ˛ǶǿƵȲǠةفקצקןـדȱɐƵȺƵƧȌȁƵƧɈƊǿƧȌǿƊǞƮƵǞƊƮƵ
memórias e presenças negras em diáspora:
138
ȯƊɹǞȁ˛ȁǞɈƊةȯȌƮƵȲǏƊɹƵȲƵǶȌȺƮƵǶǞǐƊƪƣȌȁɐǿƊǘǞȺɈȍȲǞƊǏȲƊǐǿƵȁɈƊƮƊخǏȲǞƧƊƵ
América e novamente Europa e África. Angola. Jagas. E os povos do Benin de
ȌȁƮƵɨƵǞȌǿǞȁǘƊǿƣƵخ0ɐȺȌɐƊɈǶƓȁɈǞƧƊـخªÀÀ²ةפממנةȯخفסץخ
É interessante pensar a relação que mulheres como Catharina poderiam ter estreitado
com o mar em si. Nascimento quando fala em ser atlântica evoca a ideia da travessia e das
ƋǐɐƊȺȱɐƵƦƊȁǘƊǿȌȺƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵȺƊǿƵȲǞƧƊȁȌƵƊǏȲǞƧƊȁȌƵɨƊǶƵȲƵ˜ƵɈǞȲǿȌȺȺȌƦȲƵƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ
estrangeiras que no Brasil desembarcaram e experimentaram longas viagens pelo mar para
aportar em uma terra desconhecida em um contexto nefasto e opressor, como o da escravidão
negra e atlântica. Porém, vale pensar também nas religiosidades e cosmologias negras que
encontram nas presenças de Kaya e Iemanjá a possibilidade de conexão e religação com ancestralidades femininas e com o axé, energia vital negra.
ÇǿƊƦȲƵɨƵƦǞȌǐȲƊ˛ƊƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊɈƊǿƦƶǿƊȯƊȲƵƧƵǿƵȁƧǞȌȁƊƮƊƵȁɈȲƵƊȺǿƊǞȺƮƵמףף
ǘǞȺɈȍȲǞƊȺƮƵȯƵȲȺȌȁƊǶǞƮƊƮƵȺȁƵǐȲƊȺƮǞɨǞƮǞƮƊȺƵǿץןעɨƵȲƦƵɈƵȺǞȁƮǞɨǞƮɐƊǞȺƵƧȌǶƵɈǞɨȌȺƊȯȲƵȺƵȁɈƊdos no livro 0ȁƧǞƧǶȌȯƶƮǞƊȁƵǐȲƊكƦǞȌǐȲƊ˸ƊȺƊǏȲȌ٧ƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺةفןנמנـɐǿƊȌȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌƮƵIǶƋɨǞȌ
dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz. No verbete que ocupa duas páginas
da publicação, a trajetória da africana é apresentada com especial foco em sua fortuna acuǿɐǶƊƮƊƵȁȌȺƮǞȲƵƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺȱɐƵƊɈƵȺɈƊƮȌȲƊǏƵɹƵǿȲƵǶƊƪƣȌƊȌȺƵɐȯƵƧɑǶǞȌ˛خȲǿƊȁƮȌȱɐƵ
Catarina Mina soube administrar muito bem suas posses, propriedades e relações, assim como
ȺƵɐǶƵǐƊƮȌـJw0²ةmǪXyة²!Ràª!ðةןנמנةȯخفץןןخ
Há, contudo, de se prestar atenção em fatos que aparecem de maneiras díspares nos doƧɐǿƵȁɈȌȺȌ˛ƧǞƊǞȺƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊƵȁƊȲƵǏƵȲǞƮƊȯɐƦǶǞƧƊƪƣȌبȁƊƵȁƧǞƧǶȌȯƶƮǞƊƮƵ!ةןנמנƊɈǘƊȲǞȁƊƶ
mencionada como a mulher que possuía trabalhadores escravizados e que morreu sem dá-lhes
a alforria. Porém, uma das características que pude apurar em minhas pesquisas tendo o testamento de Catharina como fonte, é justamente o fato de o documento conter o que se conhece
por alforrias testamentárias, concebendo a liberdade para todas as pessoas que trabalhavam
para ela sob a condição de escravizadas, o que reitera a necessidade de mais estudos que se
dediquem a pesquisar a fundo as complexas histórias e situações experienciadas por Catharina
e sua rede de convívio. Sem dúvida, assunto e linhas para pesquisas e costuras futuras.
RǞȺɈȍȲǞƊȺةƧȌɈǞƮǞƊȁȌȺƵɈȲƊƦƊǶǘȌȺ
ƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁȌ ȲƊȺǞǶȌǞɈȌƧƵȁɈǞȺɈƊ
Histórias de mulheres negras no Brasil permeado pela escravidão e a suas relações com
a vida urbana e com o comércio, sobretudo no que tange os estudos dos séculos XVIII e XIX têm
sido investigadas há considerável tempo. Uma das pesquisas que pode servir como orientadora
ȯƊȲƊƵȺȺƊƮǞȺƧɐȺȺƣȌȺƣȌƊȺǞȁɨƵȺɈǞǐƊƪȪƵȺǏƵǞɈƊȺȯȌȲwƊȲǞƊƮǞǶƊmƵǞɈƵƮƊ²ǞǶɨƊ(ǞƊȺفףקקןـƵǿ
19 Documentário dirigido por Raquel Gerber com roteiro e narração de Beatriz Nascimento.
ׂ ׀Divindades africanas ligadas às águas salgadas, muitas vezes cultuadas nos candomblés de origem angola e
iorubá, respectivamente.
ׁׂ De maneira breve é possível dizer que as alforrias testamentárias foram aquelas concedidas no ato da escritura dos testamentos de pessoas que possuíam trabalhadores cativos, que logo eram consideradas libertas com a
feitura do documento.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
©ɐȌɈǞƮǞƊȁȌƵ§ȌƮƵȲƵǿ²ƣȌ§ƊɐǶȌȁȌȺƶƧɐǶȌåXåةȁȌȱɐƊǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƮȌȲƊȺƵǞȁɈƵȲƵȺȺƊƵǿȲƵ˜ƵɈǞȲ
sobre a subjetividade e agência de mulheres no período, resgatando histórias femininas, ao
ǿƵȺǿȌ ɈƵǿȯȌ Ƶǿ ȱɐƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊ ɐǿ ƊƦǞȺǿȌ ȁƊ ǘǞȺɈȌȲǞȌǐȲƊ˛Ɗ ƮƊ ƶȯȌƧƊ ȱɐƊȁƮȌ ȺƵ ɈȲƊɈƊ ƮƵ
falar sobre essas mulheres do Brasil colonial e imperial. O cotidiano e os ofícios exercidos por
mulheres de diferentes origens raciais, livres, forras ou escravizadas, na cidade de São Paulo são
linha e agulha para se pensar hierarquias de pobreza ditadas pela cor e pelas relações e formas
de trabalho tecidas entre tais mulheres.
Para além de uma extensa pesquisa em arquivos, devassas e processos crimes, Dias faz
ƮȌȺ ƵȺɈɐƮȌȺ ǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ Ƶ ƮȌȺ ȲƵǶƊɈȌȺ ƮƵ ɨǞƊǯƊȁɈƵȺ ةǏȌȁɈƵȺ ɨƊǶǞȌȺƊȺ ȯƊȲƊ ɐǿ ƵȁɈƵȁƮǞǿƵȁɈȌ
mais amplo do assunto. Em uma dessas análises ela ressalta que os viajantes realçavam a vocaƪƣȌƮƵɨƵȁƮƵƮȌȲƊȺƮƊȺȁƵǐȲƊȺǿǞȁƊȺȌɐƮȌ(ƊȌǿƶةyǞǐƶȲǞƊة²ƵȁƵǐƊǶƵ!ȌȁǐȌخǞȁƮƊƊ˛ȲǿƊȱɐƵ
ȁƊ ƧȌȺɈƊ ȌƧǞƮƵȁɈƊǶ ƮƊ ǏȲǞƧƊ Ȍ ȯƵȱɐƵȁȌ ƧȌǿƶȲƧǞȌ ƵȲƊ ȯȲƋɈǞƧƊ ƵȺȺƵȁƧǞƊǶǿƵȁɈƵ ǏƵǿǞȁǞȁƊ سƊɈȲƊvessar e revender gêneros alimentícios de primeira necessidade garantia às mulheres papeis
ȺȌƧǞƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȺ(ـX²ةףקקןةȯ§خفצףןخƊȲƊǿɐǞɈƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƊǏȲǞƧƊȁƊȺƵƦȲƊȺǞǶƵǞȲƊȺ
moradoras dos centros urbanos do país, o ganho era uma atividade que, dentro do limitado
sistema escravista da época, possibilitava o acúmulo de pecúlio, tornando-se, muitas vezes, um
caminho para que tais mulheres pudessem comprar as suas alforrias.
!ƵƧǠǶǞƊ²ȌƊȲƵȺفפקקןـǞȁɨƵȺɈǞǐȌɐƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺƵȁɈȲƵɈȲƊƦƊǶǘȌƵƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌƵȁɨȌǶɨƵȁƮȌǿɐlheres negras na cidade de Salvador no século XIX. A autora salienta o fato de as mulheres que
ainda eram escravizadas e exerciam o ofício do ganho, por serem escravizadas, eram obrigadas
a dar a seus senhores uma quantia previamente estabelecida, a depender de um contrato inǏȌȲǿƊǶƊƧƵȲɈƊƮȌƵȁɈȲƵƊȺȯƊȲɈƵȺـ²ª0²ةפקקןةȯخفץףخ0ȲƊǿɨƵȁƮƵƮȌȲƊȺƮƵǏȲɐɈƊȺةɨƵȲƮɐȲƊȺة
quitutes e uma sorte de outros produtos. Um dado relevante sobre as possibilidades de trabalho e liberdade para mulheres negras que viveram nessa época, é pensar que, somente após a
ȯȲȌǿɐǶǐƊƪƣȌƮƊmƵǞƮȌßƵȁɈȲƵmǞɨȲƵةƵǿةןץצןǏȌǞǏƊƧɐǶɈƊƮȌƜȺȯƵȺȺȌƊȺƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊȺƊȯƵȲǿǞȺȺƣȌȯƊȲƊǯɐȁɈƊȲȯƵƧɑǶǞȌـXƦǞƮةخȯخفץףخ
No ganho das ruas das cidades em expansão e traços de urbanização, a mulher negra
acabou por conquistar destacado lugar no mercado de trabalho. Porém, como nos alerta Dias
ةفסןמנـȌƧƊǿǞȁǘȌƊɈƶƊƧȌȁȱɐǞȺɈƊƮƊǶǞƦƵȲƮƊƮƵƵȲƊǶȌȁǐȌƵǿɐǞɈȌȺƊȁȌȺƵȺƊƧȲǞǏǠƧǞȌȺƵȲƊǿȁƵƧƵȺȺƋȲǞȌȺȯƊȲƊȱɐƵɐǿƊǿɐǶǘƵȲƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊƧȌȁȺƵǐɐǞȺȺƵƵƧȌȁȌǿǞɹƊȲȌȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵ(ـX²ةסןמנة
ȯخفנצןخÀƵȁƮȌƵǿɨǞȺɈƊƊȺƧȌȁƮǞƪȪƵȺƮƊƶȯȌƧƊةƶǞȁɈƵȲƵȺȺƊȁɈƵȯƵȁȺƊȲƊȺȯȌȺȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵȺƮƵǿȌbilidade e circulação que tais mulheres possuíam em suas vidas cotidianas relacionadas ao traƦƊǶǘȌخhȌƣȌhȌȺƶªƵǞȺةفפצקןـƊȌƊƦȌȲƮƊȲƧȌɈǞƮǞƊȁȌƵɈȲƊƦƊǶǘȌƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƵȺƧȲƊɨǞɹƊƮƊȺ
ƵǏȌȲȲƊȺȱɐƵǏȌȲǿƊɨƊǿȌǐȲɐȯȌǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƮȌȯȌȲٗǐƊȁǘƊƮƵǞȲƊȺ٘ȁƊ ƊǘǞƊةȺƊǶǞƵȁɈƊƊȯȲƵȺƵȁƪƊƮƵ
mulheres negras no comércio urbano:
O pequeno comércio de rua era quase completamente dominado pelas ganhadeiras. Durante a época colonial uma série de leis tentaria em vão reduzir as atividades dessas mulheres. Pouco antes do início do século XIX Vilhena observou,
entre preocupado e irritado, que elas praticamente monopolizavam a distribuiƪƣȌƮƵȯƵǞɮƵȺةɨƵȲƮɐȲƊȺƵƊɈƶȯȲȌƮɐɈȌȺƮƵƧȌȁɈȲƊƦƊȁƮȌـª0X²ةפצקןةȯخفקקןخ
!ȌȁȺǞƮƵȲƊȁƮȌƊƦǞƦǶǞȌǐȲƊ˛ƊƵȺȯƵƧǞƊǶǞɹƊƮƊȁȌȌǏǠƧǞȌƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺƧȌǿƵȲƧǞƊȁɈƵȺةƊ
ƵɮƵǿȯǶȌƮƵ(ǞƊȺةفסןמנةףקקןـ²ȌƊȲƵȺةفפקקןـIƊȲǞƊفעממנـƵIƊȲǞƊȺةفנןמנـƶȯȌȺȺǠɨƵǶƵȁƧȌȁɈȲƊȲ
outros exemplos de mulheres que, por meio do trabalho no ganho, puderam experienciar certa
ascensão econômica, mesmo que em uma sociedade forjada no preconceito de cor e de gênero. No Rio de Janeiro do século XIX, as negras de nação Mina eram reconhecidas por sua altivez
e autonomia. Como “exímias quitandeiras”, esquadrinhavam as ruas da cidade, mantinham sua
Hanayrá Negreiros
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Histórias do vestir de Catharina Mina
freguesia no movimentado Mercado da Candelária e chegavam mesmo a formar “pequenas
ǏȌȲɈɐȁƊȺ٘ـIªX²ةנןמנةȯ!خفצסخȌǿȌȺƵȌƦȺƵȲɨƊةɈƊǶƊȺȺɐȁɈȌ˛ǐɐȲƊƵǿȯƵȺȱɐǞȺƊȺƧɐǯȌȺƧƵȁɈȲȌȺ
são Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e Minas Gerais. O Maranhão, porém, teve Catharina Mina
140
nesse contexto e, por isso, a relevância de deslocar o olhar para além dos territórios já estudados.
Os documentos de Catharina que comprovam o tamanho de sua fortuna são datados
ƮƵ سפצצןƧƊȺȌȺ ȺƵǿƵǶǘƊȁɈƵȺ Ɗ ƵȺȺƵ ȯȌƮƵǿ ȺƵȲ ƵȁƧȌȁɈȲƊƮȌȺ Ƶǿ ȌɐɈȲȌȺ ɈƵǿȯȌȺ Ƶ ɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺ
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خفסממנـȯƊȲɈǞȲƮƵȯƵȺȱɐǞȺƊƵǿƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺpost mortem e em outros arquivos, encontram-se
histórias de mulheres como a da brasileira Bárbara Gomes de Abreu e Lima, natural de Sergipe
del Rei, de onde saiu em direção às Minas, ainda escrava acompanhada de seu senhor (PAIVA,
ةןממנȯ خفקעخƋȲƦƊȲƊةƊȯȍȺȺƵɈȌȲȁƊȲǏȌȲȲƊةɨǞȲȌɐƮȌȁƊƮƵɐǿƊƧƊȺƊƦƵǿȺǞɈɐƊƮƊȯȲȍɮǞǿƊƜXǐȲƵǯƊ
Matriz, na Vila de Sabará, e possuía boa condição de vida, “protagonizando um caso exemplar,
ȯƊȲƧǞƊǶǿƵȁɈƵȲƵǐǞȺɈȲƊƮȌƵǿȺƵɐɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌ٘§ـXßةןממנةȯخفקןנخ
Sobre o vestir de Bárbara, o autor menciona alguns itens de joalheria e vestuário descritos
em seu testamento, como brincos de aljôfar, argolinhas de ouro, saias de seda preta e roupas
ƦȲƊȁƧƊȺ§ـXßةןממנةȯفןננخƵƊȱɐǞƵȺȯƵƧǞƊǶǿƵȁɈƵƊȺǯȌǞƊȺȯȌƮƵǿȺƵȲȯƵƪƊȺȱɐƵƵȺɈȲƵǞɈƊǿ
ligações com os vestires de Catharina, que em sua documentação apresenta especial destaque
para os adornos feitos em ouro. Ainda sobre mulheres negras que ascenderam economicaǿƵȁɈƵƵǿɈƵǿȯȌȺƮƵƵȺƧȲƊɨǞƮƣȌةIɐȲɈƊƮȌةفסממנـȁȌǶǞɨȲȌ Chica da Silva e o contratador dos
diamantes: o outro lado do mito, revisita a história da famosa senhora negra, nascida no Brasil
e ex-escravizada, Francisca da Silva de Oliveira. O que conta a história é que Chica conquistou a
sua alforria e mudou de vida quando conheceu o português João Fernandes de Oliveira, inserido nos negócios de diamantes da cidade, tornando-se uma das moradoras mais ilustres e ricas
do setecentista e próspero Arraial do Tejuco, atual Diamantina, Minas Gerais.
Interessante notar que as histórias que são contadas sobre as experiências de Catharina
muito se assemelham aos modos de viver de outras mulheres negras. Mesmo terminando os
seus dias como uma mulher de muitos bens, negócios e um núcleo de convívio composto por
ǿƊǞȺƮƵמסȯƵȺȺȌƊȺةƮǞɨǞƮǞƮƊȺƵȁɈȲƵƧƊɈǞɨȌȺƵǶǞɨȲƵȺةƊ˛ǶǘƊƮȌȺةƧȌǿȯƊƮȲƵȺƵƊǿǞǐȌȺةƊȺƵȁǘȌȲƊ
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mulher de posses, mas em seu testamento – um dos documentos que servem de base para
este artigo – é possível constatar que ela era solteira e “sem herdeiro algum necessário”.
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O “olhar ao microscópio” e o método da micro-história, tal como apresentado por Burke
فצממנـƵǿ ȱɐƵ é História Cultural ةȁȌȺ ȯȌȺȺǞƦǞǶǞɈƊ Ɗ ȲƵ˜ƵɮƣȌ ȺȌƦȲƵ ƵɮȯƵȲǞƺȁƧǞƊȺ ƧȌȁƧȲƵɈƊȺة
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consequência da transcrição da citação da obra de Paiva (2001). Esse fato ocorre em outras partes do texto, nas
ȱɐƊǞȺƊȺƵȺƧȌǶǘƊȺƮƵǐȲƊ˛ƊƮƊȺƊɐɈȌȲǞƊȺƧǞɈƊƮƊȺǏȌȲƊǿȯȲƵȺƵȲɨƊƮƊȺخ
ׂ ׃Maranhão. Tribunal de Justiça. Testamento de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da CoǿƊȲƧƊƮƵ²ƣȌmɐǠȺخȲȱɐǞɨȌhɐƮǞƧǞƋȲǞȌ(ƵȺƵǿƦƊȲǐƊƮȌȲwǞǶȺȌȁƮƵ²ȌɐɹƊ!ȌɐɈǞȁǘȌ!خȍƮ خªصwصhٌÀhwخ²m²خׁ׀׀خ
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
História Social, História Cultural, História da Moda e Cultura Material, alinhavadas a discussões
ȺȌƦȲƵǿɐǶǘƵȲƵȺةȲƊƪƊƵƧǶƊȺȺƵةȯƊȲƊǏȲƊȺƵƊȁƮȌȁǐƵǶƊ(ƊɨǞȺةفפןמנـȺƵǿȌȺɈȲƊǿƧƊǿǞȁǘȌȺȯƊȲƊ
compreendermos de maneira plural as experiências vivenciadas por mulheres como Catharina
ȁȌȺƧƵȁɈȲȌȺɐȲƦƊȁȌȺƮȌ ȲƊȺǞǶƮȌ˛ȁƊǶƮȌȺƶƧɐǶȌåXåخ
O corpus documental deste artigo se baseia no inventário e no testamento de Catharina,
ƵȁƧȌȁɈȲƊƮȌȺȁȌȲȱɐǞɨȌƮȌÀȲǞƦɐȁƊǶƮƵhɐȺɈǞƪƊƮȌwƊȲƊȁǘƣȌةƮƊɈƊƮȌȺƮƵخפצצןƧƊǿȯȌƮƵƵȺtudos de Moda e História baseados em documentos como inventários e testamentos encontra
apoio em discussões como as fomentadas pela historiadora Camila Borges da Silva no artigo
intitulado Os inventários no estudo da indumentária: possibilidades e problemasةفצןמנـȲƵ˜Ƶtindo sobre caminhos possíveis para se estudar indumentária por meio do uso de inventários,
ǶƵɨƊȁɈƊȁƮȌƊǶǐɐǿƊȺȱɐƵȺɈȪƵȺȺȌƦȲƵƵȺȺƵɈǞȯȌƮƵƮȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌخƊɐɈȌȲƊƊ˛ȲǿƊȱɐƵȌȺƵȺɈɐdos do vestuário, quando se pautam em textos escritos e não em imagens, têm como fontes
mais comuns a imprensa e a literatura. Poucos são os pesquisadores que se debruçam sobre
inventários para o entendimento dos padrões indumentários de uma dada sociedade (SILVA,
ةצןמנȯخفסעןخ
Em seu texto a autora nos apresenta o uso especialmente dos inventários como fontes de
estudos qualitativos, porém advertindo para a necessidade de cuidado na utilização de tal documentação, apontando para os riscos de generalizações, visto que inventários não fornecem
informações sobre todas as camadas da população e, sim, normalmente, apenas das mais ricas,
ǯƋȱɐƵƵȲƊɐǿȯȲȌƧƵȺȺȌƧƊȲȌةȱɐƵɈǞȁǘƊƊǞȁɈƵȁƪƣȌƮƵɈȲƊȁȺǿǞɈǞȲƦƵȁȺـ²XmßةצןמנةȯخفעעןخȱɐǞ
é possível ligar os pensamentos da autora com o caso de Catharina e de algumas outras mulheres negras, africanas e brasileiras que experimentaram a ascensão econômica, cambiando da
posição de pessoas escravizadas para mulheres livres e que conquistaram fortunas oriundas de
ȺƵɐȺȁƵǐȍƧǞȌȺƵȯȲȌ˛ȺȺȪƵȺخRƋةƧȌȁɈɐƮȌةƮƵȺƵɈƵȲƧɐǞƮƊƮȌةƧȌǿȌƊƮɨƵȲɈƵ ȌȲǐƵȺƮƊ²ǞǶɨƊةȯƊȲƊ
não cairmos nas generalizações já mencionadas que poderiam nos levar à falaciosas ideias de
meritocracia e democracia racial visto que mulheres negras alforriadas e ricas no Brasil escravista eram minoria em comparação com as que permaneceram escravizadas e pobres. Porém,
ƵǶƊȺƵɮǞȺɈǞȲƊǿƵƵǿȯƵȺȱɐǞȺƊȺƧȌǿȌƊȺƮƵ§ƊǞɨƊفקממנـƵIƊȲǞƊȺفנןמנـƵȺȺƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺȺƵǿȌȺtraram pelas brechas da História, tomando esses documentos como possibilidades e espaços
de narrativas para contarem não só sobre as suas vidas, mas também para demonstrarem, a
partir de caminhos legais, o que haviam conquistado durante a caminhada. Como nos inforǿƊ§ƊǞɨƊفקממנـƊȌǏƊǶƊȲƮƊǿȌƦǞǶǞƮƊƮƵȺȌƧǞƊǶƵƵƧȌȁȏǿǞƧƊƮƵǿɐǶǘƵȲƵȺȁƵǐȲƊȺȁƊȺȌƧǞƵƮƊƮƵ
mineira setecentista um fato importante desses legados materiais é que, em vários casos, eles
tornaram-se a base com a qual as ex-escravizadas inseriram-se no universo dos livres (PAIVA,
ةקממנȯخفצסןخ
Como mencionado anteriormente, no inventário e testamento de Catharina constatamos joias, como correntes e brincos de ouro, menção a peças de vestuário e utensílios que
foram divididos por entre sua rede de sociabilidade, negra e branca. Essa é uma discussão que
merece mais mergulho e tempo para ser desenvolvida, mas eu não poderia deixar de levantar esta questão, já que ao ler os documentos de Catharina, percebi semelhanças com outras
tantas histórias de mulheres que a partir desse tipo de documentação, contaram histórias de
vida, do vestir e marcaram as suas atuações neste país. Ainda sobre testamentos de mulheres
ȁƵǐȲƊȺةǿƊȁƮƊJƊɈǞȁǘȌÀƵǞɮƵǞȲƊفץןמנـȺƊǶǞƵȁɈƊȱɐƵƊȯƵȺƊȲƮƊȺƊƮɨƵȲȺǞƮƊƮƵȺƵƮȌȺƮǞɨƵȲȺȌȺ
preconceitos que sofriam, os testamentos e inventários mostram que essas mulheres sobrepujaram as barreiras e, mesmo mantendo os estigmas, andavam adornadas de joias e roupas de
ȺƵƮƊȺةƧǘȌƧƊȁƮȌƵƦɐȲǶƊȁƮȌƊȌȲƮƵǿɨǞǐƵȁɈƵـÀ0Xå0Xªةץןמנةȯخفצסצٌץסצخ
Hanayrá Negreiros
141
Histórias do vestir de Catharina Mina
ǶǞȁǘƊɨȌȺ˛ȁƊǞȺƵƧȌȺɈɐȲƊȺǏɐɈɐȲƊȺענ
O intuito deste artigo foi pensar de maneira introdutória as histórias do vestir contidas
142
na trajetória da comerciante africana Catharina Rosa Ferreira de Jesus, moradora da ilha de
São Luís do Maranhão durante o Oitocentos. Foi a partir de uma primeira leitura dos seus documentos (testamento e inventário), encontrados no Arquivo Judiciário Desembargador MilȺȌȁ ƮƵ ²ȌɐɹƊ !ȌɐɈǞȁǘȌ Ƶǿ ǯƊȁƵǞȲȌ ƮƵ ةמנמנȱɐƵ ȯɐƮƵ ƧȌȁǘƵƧƵȲ ǿƊǞȺ ȺȌƦȲƵ Ɗ ǘǞȺɈȍȲǞƊ ƮƵȺȺƊ
personagem importante e ilustre da cidade. Nas páginas de seus documentos, Catharina vai
contando um pouco de suas relações, religiosidades e maneiras de vestir, assim como também
ɐɈǞǶǞɹƊƊȱɐƵǶƵƵȺȯƊƪȌȯƊȲƊǿƊȁǞǏƵȺɈƊȲȺɐƊȺɑǶɈǞǿƊȺɨȌȁɈƊƮƵȺƵȌȲǞƵȁɈƊƪȪƵȺȯƊȲƊȌȺȱɐƵ˛ƧƊȲƊǿخ
A articulação deste artigo também se baseou em pesquisas que de alguma maneira se
ǞȁɈƵȲƵȺȺƊȲƊǿȯƵǶƊȺǘǞȺɈȍȲǞƊȺƮƵ!ƊɈǘƊȲǞȁƊبȺɐƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊƪƣȌǏƵǞɈƊȯȌȲhȌƣȌǏǏȌȁȺȌفסנקןـȺƵ
tornou uma das linhas principais desta costura para lançarmos mão de primeiras ideias sobre
o estudo do vestir de tal mulher, assunto que ganhará novas informações e discussões em breve. Produções como as das intelectuais Lenita Estrela de Sá, Edna Chaves e Iraneide Soares da
Silva também foram fundamentais para entendermos como a história de Catharina interessa à
produção de conhecimento por diferentes perspectivas e campos, com destaque para as áreas
de Literatura e História Social. Beatriz Nascimento, Maya Angelou, Lélia Gonzalez e bell hooks
aparecem como faróis (negros), nos guiando a uma compreensão feminista sobre travessia,
resistências e críticas a uma sociedade que insiste em transformar os corpos, vivências e experiências negras (e femininas) em espetáculo.
§ȌȲ˛ǿةȌƦȺƵȲɨƊٌȺƵƧȌǿƵȺɈƵƊȲɈǞǐȌƊȌȯȌȲɈɐȁǞƮƊƮƵƮƵƧȌȁɈȲǞƦɐǞȲƧȌǿɐǿƧƊǿȯȌȱɐƵȺƵ
interessa cada vez mais por estudos de Moda que articulem histórias do vestir de mulheres neǐȲƊȺةȲƵƊǶǞɹƊȁƮȌǞȁɨƵȺɈǞǐƊƪȪƵȺȱɐƵɈƵȁǘƊǿɈƵȺɈƊǿƵȁɈȌȺةǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌȺƵȲƵǐǞȺɈȲȌȺǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ
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brasileiros. No caso deste texto, escolho a trajetória de Catharina, assim como algumas de suas
histórias, memórias e trajes para elaborar ideias e “costuras” iniciais sobre a possibilidade de
compreendermos o estudo sobre o vestir de mulheres negras durante o período imperial brasileiro como enunciador de identidades, território de memórias e agências.
Por meio de estéticas africanas-brasileiras e brechas da História, esses vestires se fazem
até os dias atuais maneiras de “desorganizar” aspectos coloniais, insurgindo corpos e vestimentas que historicamente foram e são subalternizados. Ao elaborarmos ideias sobre o vestir de
Catharina, uma mulher que rompeu com estruturas racistas em uma sociedade marcada pelas
violências da escravidão e do patriarcado, podemos compreender o seu vestir como uma maȁƵǞȲƊƮƵȺɐƦɨƵȲɈƵȲƊȺƊǿƊȲȲƊȺƧȌǶȌȁǞƊǞȺةƊǶƪƊȁƮȌƊȲȌɐȯƊȺƵȌȺƊƮȌȲȁȌȺƮȌƧȌȲȯȌƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨȌȺ
elementos contra hegemônicos. A costura foi iniciada e com certeza em breve mais linhas virão
para continuarmos nessa pesquisa.
ׂׄ ÇɈǞǶǞɹȌƊȱɐǞƊȯƊǶƊɨȲƊƊǶǞȁǘƊɨȌƊȯƊȲɈǞȲƮȌȺȺƵȁɈǞƮȌȺƧȌȁȌɈƊɈǞɨȌƵƮƵȁȌɈƊɈǞɨȌƊ˛ǿƮƵȺɐǐƵȲǞȲƮƵǞɮƊȲƊȺǞƮƵǞƊȺ
apresentadas neste texto abertas para futuras linhas, costuras e novas descobertas sobre o tema em questão.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
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FURTADO, Júnia Ferreira. !ǘǞƧƊƮƊ²ǞǶɨƊƵȌƧȌȁɈȲƊɈƊƮȌȲƮȌȺƮǞƊǿƊȁɈƵȺ: o outro lado do
ǿǞɈȌخ²ƣȌ§ƊɐǶȌ!بȌǿȯƊȁǘǞƊƮƊȺmƵɈȲƊȺخסממנة
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Jyðm0ðخmƶǶǞƊ§خȌȲɐǿǏƵǿǞȁǞȺǿȌƊǏȲȌٌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ: ensaios, intervenções e diálogos.
ȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌبIǶƋɨǞƊªǞȌȺƵwƋȲƧǞƊmǞǿƊخªǞȌƮƵhƊȁƵǞȲȌبðƊǘƊȲخמנמנة
HAGE, Fernando. 0ȁɈȲƵȯƊǶƊɨȲƊȺةƮƵȺƵȁǘȌȺƵǿȌƮƊȺ: um percurso com João Affonso. CuritiƦƊبȯȯȲǞȺخמנמנة
Hanayrá Negreiros
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Histórias do vestir de Catharina Mina
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SILVA, Iraneide Soares da. Catharina Rosa Ferreira de Jesus: uma africana mina do séc. XIX na
ilha de São Luís do Maranhão/Brasil. In: IƵǞȲƊmǞɈƵȲƋȲǞƊ ȲƊȺǞǶٌǏȲǞƧƊƮƵßǞɈȍȲǞƊى0²ةɨةןמخȁخ
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SOARES, Cecilia Moreira. As Ganhadeiras: mulher e resistência negra em Salvador no século
XIX. In: ǏȲȌٌȺǞƊةȁةץןخȯȯ!خפקקןةןץٌץףخƵȁɈȲȌƮƵ0ȺɈɐƮȌȺǏȲȌٌȲǞƵȁɈƊǞȺخ²ƊǶɨƊƮȌȲب0ÇI خ
Disponível em:
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خןנמנ
TEIXEIRA, Amanda Gatinho. Joalheria de Crioulas: subversão e poder no Brasil colonial. In: ȁٌ
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خןנמנ
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 136-145, 2021
Artigos
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145
wªyR خTribunal de Justiça. Inventário de Catharina Rosa Ferreira de Jesus. Fundo documental da Comarca de São Luís. Arquivo Judiciário Desembargador Milson de Souza Coutinho.
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documental da Comarca de São Luís. Arquivo Judiciário Desembargador Milson de Souza
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Hanayrá Negreiros
Abrazando la
memoria estética
ritual diaspórica de
muñecas de trapo
en Ubuntu
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
Universidad Autónoma Metropolitana / UAM- Xochimilco, México
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La metáfora, como poética de conocimiento, encarnas prácticas semiótico-discursiɨƊȺƮƵǶƊȺɯǶȌȺȺɐǯƵɈȌȺƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞȌȺƮƵƵȺɈƊȺƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǶƵȺȱɐƵƧȌȁ˛ǐɐran sensibilidades complejas donde el trabajo con inteligencias múltiples y campos
cognitivos alternativos interpelan nuevos caminos, hablas y políticas de relacionalidad en paridad, reciprocidad, complementariedad y equidad. Este proyecto de recuperación de memorias estético-rituales de mujeres afrodescendientes es un espacio
simbólico itinerante e intercultural con enfoque feminista decolonial. Un grupo de
artesanas aprenden y enseñan a elaborar muñecas de trapo negras, generando una
política de afectividad que encarna la sabiduría afrodescendiente del Ubuntu-muntu
(“soy porque eres parte de mí”). El ejercicio del derecho imaginativo y (auto) creativo
posibilita la emergencia de argumentación emocional. El objetivo es construir una
propuesta de modelo estético-ritual desde la semiosis de encajes y puntadas metafóricas. En esta trama se alberga a voces y silencios de mujeres diversas en polifonía
hilvanada. Se concluye que, al hacerse cargo de sus memorias, estas mujeres abren
un “aquí y un ahora” esperanzador en comunidad. Los discursos de la emoción-cuerpo-espiritualidad han permitido a nuestras culturas originarias o diaspóricas resistir,
insurgir, subvertir, y representan lógicas de sentipensamiento complejo de re-existencia, regeneración y resiliencia.
§ƊǶƊƦȲƊȺƧǶƊɨƵبestética ritual, feminismo, metáfora cimarrona.
Abraçando a memória estética ritual diáspora de bonecas de
pano em Ubuntu
Resumo
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recuperar memórias ƵȺɈƶɈǞƧȌٌȲǞɈɐƊǞȺ das mulheres afrodescendentes é um espaço
simbólico itinerante e intercultural com uma abordagem feminista decolonial. Um
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(auto) criativo permite o surgimento de uma argumentação emocional. O objetivo é
construir uma proposta para um modelo estético-ritual a partir da semiose de renƮƊȺƵȯȌȁɈȌȺǿƵɈƊǏȍȲǞƧȌȺىyƵȺɈƊɈȲƊǿƊلɨȌɹƵȺƵȺǞǶƺȁƧǞȌȺƮƵƮǞɨƵȲȺƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺƵȺɈƣȌ
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de complexo ȺƵȁɈǞȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌƮƵȲƵ٧ƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊلȲƵǐƵȁƵȲƊƪƣȌƵȲƵȺǞǶǞƺȁƧǞƊى
Palavras-chave:ƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶلǏƵǿǞȁǞȺǿȌلǿƵɈƋǏȌȲƊƧǞǿƊȲȲȌȁƊى
Embracing the diasporic ritual aesthetic memory of ragdolls in
Ubuntu
Abstract
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˸ƵǶƮȺǞȁɈƵȲȯƵǶǶƊɈƵȁƵɩȯƊɈǘȺلȺȯƵƵƧǘƵȺƊȁƮȯȌǶǞƧǞƵȺȌǏȲƵǶƊɈǞȌȁƊǶǞɈɯǞȁȯƊȲǞɈɯلȲƵƧǞȯȲȌƧǞɈɯلƧȌǿȯǶƵǿƵȁɈƊȲǞɈɯƊȁƮƵȱɐǞɈɯىÀǘǞȺȯȲȌǯƵƧɈȌǏȲƵƧȌɨƵȲɯȌǏaesthetic-ritual memories
of Afro-descendant women is an itinerant and intercultural symbolic space with a
decolonial feminist approach. A group of craftswomen learn and teach how to make
ƦǶƊƧDzȲƊǐƮȌǶǶȺلǐƵȁƵȲƊɈǞȁǐƊȯȌǶǞƧɯȌǏƊǏǏƵƧɈǞɨǞɈɯɈǘƊɈƵǿƦȌƮǞƵȺɈǘƵǏȲȌ٧ƮƵȺƧƵȁƮƊȁɈ
wisdom of Ubuntu-muntuٛٲXƊǿƦƵƧƊɐȺƵɯȌɐƊȲƵȯƊȲɈȌǏǿƵٳٜىÀǘƵƵɮƵȲƧǞȺƵȌǏɈǘƵ
imaginative and (self-) creative right enables the emergence of emotional argumentation. The objective is to build a proposal for an aesthetic-ritual model from the seǿǞȌȺǞȺȌǏǶƊƧƵƊȁƮǿƵɈƊȯǘȌȲǞƧƊǶȺɈǞɈƧǘƵȺىXȁɈǘǞȺȯǶȌɈلɨȌǞƧƵȺƊȁƮȺǞǶƵȁƧƵȺȌǏƮǞɨƵȲȺƵ
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discourses of emotion-body-spirituality have allowed our native or diasporic cultures
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Keywords:ȲǞɈɐƊǶƊƵȺɈǘƵɈǞƧȺلǏƵǿǞȁǞȺǿلǿƵɈƊȯǘȌȲǞƧƊǶǿƊȲȌȌȁى
Artigos
Los cabellos de Angelou
Cósmica mujer espina
dibujas mapas de nostalgia
entre los puentes de tus trenzas
y el pasado
Mujeres delantal
nanabuela migrante cimarrona
candombe
cadera con cadera
zigzagueas el poder
en los territorios del encaje
Vacío tejido a raíz
raíz es amor
§ɐȁɈƊƮƊȺƧȌȁɈƵɮɈɐƊǶƵȺ
La fabricación manual de muñecas de trapo negras es una práctica del arte popular y
religioso común en la geopolítica afrodescendiente. Alrededor de este objeto ritual de la infancia nace el grupo de mujeres afroecuatorianas Piel Canela, con una década de trabajo en el
Valle del Chota, al norte de la Sierra ecuatoriana. Esta práctica semiótico-discursiva transcultuȲƊǶـRX(ªفפממנةעקקןةƧȌǿƦǞȁƊƵȺɈƵƵǿȯȲƵȁƮǞǿǞƵȁɈȌƊɐɈȌȺɐȺɈƵȁɈƊƦǶƵƧȌȁǶƊɨȌǶɐȁɈƊƮƮƵ
exploración sobre los ciclos de vida de las mujeres. En ella se interseccionalizan varias dimensiones de la realidad, campos cognitivos, así como sujetos de diversos géneros, raza, clase, etnicidad y dimensión etaria en contextos del continuum rural-urbano, y es un tipo de representación que transciende escenarios, tiempo-espacios y funcionalidades.
0ȁƵȺɈƵƵȺɈɐƮǞȌȺƵƧȌȁȺǞƮƵȲƊǶƊǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊȺǞǿƦȍǶǞƧƊةƵǶƊƦȌȲƊƮƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨƊǿƵȁɈƵȯȌȲ
mujeres, como una estética ritual comunitaria !ـª(0y²ةןןמנةȯفצעخƮǞƊȺȯȍȲǞƧƊةɐȁƊɈȲƊȁȺnarrativa de espirales de sentido presentes en la intersubjetividad artesanal con funcionamiento ritual. La intersección entre creatividad y poder bioenergético que ofrenda el campo de la
ritualidad entre sujetos y niveles de realidad hace posible la dialógica muerte, como parte de la
vida, y la regeneración como una práctica de las mujeres en situaciones de violencia.
Los residuos, hilachas y trapos con los que se vuelve a crear, pueden verse como un método feminista regenerativo en la diáspora, históricamente ejercido por las mujeres, según Donna
RƊȲƊɩƊɯ ةןקקןـȯ خفמץן خ²Ƶ ȺɐǿƊȁ ɈƊǿƦǞƶȁ ǶȌȺ ȯȲǞȁƧǞȯǞȌȺ ƮƵ ǶƊȺ ȺƊƦǞƮɐȲǠƊȺ ƊȁƧƵȺɈȲƊǶƵȺ ȱɐƵ
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una semiótica de seducción en la muñeca de trapo. De ahí que la producción del conocimiento
estético también está situada y funciona como traductor inter y transcultural de “semiósferas”,
posibilitando la vida de los signos en el campo emocional, corporal y espiritual, como otro ejemȯǶȌƮƵٗǶƵȁǐɐƊǯƵǿȌƮƵǶǞɹƊȁɈƵ٘ـmÀwyةפקקןةȯةקץקןسנןخȯخفץסخ
La emergencia de sutiles emociones en el camino zigzagueante de estos hilos subjetivos, ocultos en bordes, encajes e hilvanes, y el punto atrás del proceso de hacer consciente
lo inconsciente – y a veces también trascendente – interpela el deseo femenino en diversidad
de intereses y objetos socioestético-culturales. La disputa del sentido se da en el contrapunto
ǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶƮƵǶǐƶȁƵȲȌةȲƊƧǞƊǶǞƮƊƮةƧǶƊȺƵɯƵɈȁǞƧǞƮƊƮةƮȌȁƮƵȺƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵȺǿɑǶɈǞȯǶƵȺƵȁǶɐǐƊȲƵȺƵȁɐȁƧǞƊɈǞɨȌȺǿƵɈƊǏȍȲǞƧȌȺƧȌǿȯǶƵǯȌȺ!ـª(0y²ةקןמנةȯخفקפףخ
1 Poema de Marisol Cárdenas en trabajo de campo, 2015.
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
151
Muñecas de trapo en Ubuntu
Las muñecas de trapo cimarronean lo que María Lugones denominó el sistema moderȁȌشƧȌǶȌȁǞƊǶƮƵǐƶȁƵȲȌةצממנـȯفנקخƊɈȲƊɨƶȺƮƵǶƵǯƵȲƧǞƧǞȌƮƵǶƮƵȲƵƧǘȌƊǞǿƊǐǞȁƊȲȱɐƵƧɐƵȺɈǞȌȁƊ
críticamente representaciones normalizadas, las que interdictan la sexualidad y naturalizan lo
152
ȱɐƵªǞɈƊ²ƵǐƊɈȌƊȲǐɐǿƵȁɈƊƧȌǿȌٗȯƵƮƊǐȌǐǠƊȺƮƵǶƊƧȲɐƵǶƮƊƮ٘ةסןמנـȯةفסצخȯƊɈȲȍȁƮƵȺƮƵƵǶ
cual se construyen los cuerpos femeninos discriminados que desencajan el patrón estético hegemónico blanco-mestizo.
En juego retórico, palimpsesto de metáforas, como continente de la metonimia, sinestesia y elipsis, la producción de la muñeca hecha con sus manos deviene en un espacio fragmental, que desde la insurgencia afectiva trastoca y transforma a través de la concienciación
corporal, formas de violencias de todo tipo, históricamente ejecutadas por el patriarcado del Estado-nación colonial/moderno. Así, esta estética ritual diaspórica – en clave cimarrona – deviene
en una práctica política del conocimiento y reparación comunitaria como el Ubuntu.
mƊ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǠƊ ƮƵ ǶƊ ɈȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞƵƮƊƮ ـyX!m0²!Ç فפקקן ةɈƊǿƦǞƶȁ ȯȲƵȺƵȁɈƵ Ƶȁ
esta práctica activa potenciales sentidos al apelar a la multidimensionalidad de la realidad. Está
ubicada en la urdimbre intercultural crítica del cruce entre varias racionalidades que evidencian lenguajes de opacidad del poder en el sutil campo de las emociones. Así, la estética ritual
incluye espirales argumentativas de emocionalidad, corporalidad y espiritualidad a través de la
simplicidad compleja de estos sujetos dialógicos: las muñecas y sus creadoras.
ªƵƧȌȲƮƊȁƮȌƊ§ƵǞȲƧƵ!ٗبƊƮƊȺǠǿƦȌǶȌƵȺƵȁȺɐȌȲǞǐƵȁةɐȁƊǞǿƊǐƵȁƮƵǶƊǞƮƵƊȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮƊة
o una reminiscencia de alguna ocurrencia individual, persona o cosa, conectada con su signi˛ƧƊƮȌȌƵȺɐȁƊǿƵɈƋǏȌȲƊ٘ةןצקןـȯخفנננخנخ²ǞƦǞƵȁȺȌȁȯȌƧƊȺǶƊȺȌƧƊȺǞȌȁƵȺƵȁȱɐƵǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊ
es mencionada, este autor la ubica como un signo icónico – hipoícono – siendo el único modo
de comunicar ideas este tipo de signo que genera tres correlatos: la primeridad donde están
las imágenes, la segundidad con los diagramas y en la ɈƵȲƧƵȲǞƮƊƮلǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊ§ـ0Xª!0ةןצקןة
ȯ(خفץץנخנٌפץנخנخƵǿȌƮȌȱɐƵǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊƵȺɈƋƵȁǶƊterceridad pero desde la primeridad, por
tanto, habría una inferencia argumentativa en la metáfora.
§ȌȲ ȌɈȲƊ ƊȲǞȺɈƊ ةǶƊ ǞƮƵƊ ƮƵ ƵȁƧƊǯƵ ƮǞȺƧɐȲȺǞɨȌ ȯȲȌȯɐƵȺɈƊ ȯȌȲ ªɐǞɹ wȌȲƵȁȌ ɯ ²ȌǶǠȺ ðƵȯƵƮƊ
فצממנـȺƵȲƵƧɐȯƵȲƊȯƊȲƊƊȲɈǞƧɐǶƊȲǶȌƊǶǿȌƮƵǶȌƮƵ§ƵǞȲƧƵةȱɐƵƮƵȺƮƵǶƊsegundidad del objeto
ىƵȺƮƵƧǞȲةǶƊȯȲȌƮɐƧƧǞȍȁƮƵǶƊǿɐȋƵƧƊىȲƵ˛ƵȲƵƊǶƊɈȲǠƊƮƊǠƧȌȁȌةǠȁƮǞƧƵɯȺǠǿƦȌǶȌةȺǞƵȁƮȌǶƊǿƵtáfora el eje transversal de todo el sistema. La metáfora es creativa, imaginaria, cognitiva, dialógica e iluminadora. La correlación icónica deviene en simbólica, al ser convencionalizada. Sin
embargo, es en esta trayectoria de semiosis donde se abre un campo de posibilidades: pistas,
indicios, huellas, descifrarlas de modo abductivo se considera importante de explorar en este
objeto indexicalizado.
Desde este diálogo ampliado con el modelo peirciano, se abordan las imágenes de la infancia de estas mujeres articuladas en cosmopercepciones en disputa de sentidos en primeridad. Por tanto, habría un pensamiento icónicoـ0ß0ª0ªÀٌ(0²w0(ÀةצממנةȯفפקخƵȁƵǶȌȲƮƵȁ
de la primeridad, el cual desde la perspectiva del continuum de lógicas de esta investigación
se construye con la noción de sentipensamiento icónico metafórico. En la segundidad donde
ׂ Desde la historia afrodiaspórica, la práctica de la cimarronía metafórica sería una expresión de la estética ritual
en clave feminista actual.
3 El Ubuntu expresa el principio del continuum comunitario negroafricano de la interrelación entre sujetos de
diferentes realidades, interconectados, y por tanto sus prácticas forman parte de una política de cooperación, reconciliación e intervinculación del todo de todos, mutuamente. Así, haciendo un neologismo, algunos intelectuales afrodescendientes lo han asumido con el término muntualidad (J. Chalá, comunicación personal, 24 octubre
de 2019).
4 El triángulo invertido responde a una analogía feminista corpórea.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
Artigos
ȺƵƮƊƵǶǏɐȁƧǞȌȁƊǿǞƵȁɈȌƮƵǶȌȺǘƵƧǘȌȺƵȺɈƋǶƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲǞɈɐƊǶƮƵǶȌȺƵȁƧƊǯƵȺȯɐȁɈȌǐȲƋ˛ƧȌȺبǏƵministas, diaspóricos, los cuales son traducidos en argumentos simbólico- narrativos, ya en un
proceso de semiosis en terceridad.
De tantas palabras metáfora se elige la muntualidad del Ubuntu por ser la que ha encontrado mayor resonancia en América Latina y correspondería al correlato icónico de la primeridad como sentipensamiento metafórico comunitario. La estética retórica del encaje, donde la
muñequita es el territorio corporal, pertenecería a la ȺƵǐɐȁƮǞƮƊƮلy como narrativa bioetnográ˛ƧƊخmƊȲƵƧɐȲȲƵȁƧǞƊƮƵǶƊƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊƮƵǿƊɈƵȲȁƊɹǐȌȺǞȁƮƊǐƊȲǠƊƊȺɐɨƵɹǶƊǐȲƊƮǞƵȁƧǞƊƵȁƧȌǿplejidad de sentidos de esta creatividad, en terceridad !ـª(0y²ةקןמנةȯخفעמןٌסמןخ
Así, este modelo de encaje semiótico trabaja con una doble mirada: por un lado, como
ɐȁƊǿƊɈƵȲǞƊǶǞƮƊƮƵȺɈƶɈǞƧƊٌȲƵɈȍȲǞƧƊـRX(ªةפממנةȯةفסצخƵǶƵȁƧƊǯƵǏɐȁƧǞȌȁƊƧȌǿȌɐȁƊ˛ǐɐȲƊ
que permite la emergencia de un cronotopo metafórico donde pueden encajar cuerpos silenƧǞƊƮȌȺةɨǞȌǶƵȁɈƊƮȌȺةƮǞȺƧȲǞǿǞȁƊƮȌȺسɯةȯȌȲȌɈȲȌǶƊƮȌةƵȺɈƵƵȁƧƊǯƵǐƵȁƵȲƊȁɐƵɨȌȺȺƵȁɈǞƮȌȺɯȯȌƶticas de resiliencia desde la transformación intersubjetiva como estrategia política narrativa.
De esta manera, este modelo metafórico con enfoque feminista analiza una espiral de dimensiones que encajan en niveles interpretativos del sentido y de realidades, argumentaciones lógicas diversas, retóricas metafóricas ancestrales desde lugares situados del campo complejo
propuesto de las estéticas rituales.
Esta elipsis o semiosis metafórica se desarrolla a través de transversalizar tres hilos
decoloniales, en clave semiótica afrofeminista, desde la dimensión estético- ritual en historicidad de prácticas de cimarronaje que recuerdan estas puestas en escena – los talleres de muñequería cimarrona –, donde se actualizan e hilvanan no solo palabras, sino también metodologías
de resistencia, reexistencia y regeneraciones basadas en “hablas” plásticas de insurgencia. Finalmente se retoma la noción del sƵȁɈǞȯƵȁȺƊȲلpalabra-raíz de los pueblos del sur de Colombia,
quienes expresan en este continuum razón-emoción un método de argumentación ancestral
del ser, hacer y estar en el mundo, que siempre es comunitario:
خןEl sentipensamiento icónico estético ritual comunitario del Ubuntu en disputa ideológica.
خנLos encajes icónicos estético rituales – puntografías feministas decoloniales – en la
fabricación de la muñeca de trapo.
خסMemorias diaspóricas de maternidades en nostalgia, es decir, formas ampliadas de
interpretación simbólica de los partos cocreativa entre mujeres.
0ȁƧƊǯƵȺǞƧȍȁǞƧȌȺƮƵǶƊǿƵɈƋǏȌȲƊ
ƧȌǿɐȁǞɈƊȲǞƊƮƵǶUbuntu-muntu
La metáfora, como una forma estética de conocimiento, es confeccionada desde sensibilidades diversas y, por tanto, desde matrices estéticas complejas, construidas a partir de
los principios etnocomunitarios. El trabajo con las inteligencias múltiples y campos cognitivos
alternativos abren nuevos caminos, hablas y políticas de relacionalidad en paridad, desde la
diferenciación/complementariedad y pluralidad/unidad, principios de equidad en reciprocidad
de la pedagogía comunitaria de los pueblos ancestrales y afrodiaspóricos.
El Ubuntu-muntu está asociado a la muntualidad y ha sido acogido por la diáspora
afrodescendiente latinoamericana porque es una política metafórica de la Gran Comarca, es
decir, un territorio simbólico de plenitud, armonía y belleza desde su propia matriz de ordena-
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
153
ENCAJE ICÓNICO METAFÓRICO
Desde el sentipensamiento icónico
de la estética ritual imaginaria
- Representamen: imaginarias en disputa
la infancia con ideología hegemónica
atriarcal frente a los principios energéticos
de la naturaleza y sus poderes en
continuum de armonía comunitaria (ecofeminista).
- Figura retórica: resonancia.
- Memoria etnoestética metafórica.
- Argumento intuitivo emotivo.
- Lógica abductiva: imaginal-afectiva.
מן
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ENCAJE SIMBÓLICO METAFÓRICO
Desde el sentipensamiento icónico
estético ritual de la cura metafórica
- Interpretante emocional-espiritual: desde la insurgencia
de la ternura del territorio diaspórico Ubuntu-muntu (como
política y poética de errancia).
- Figura retórica: reexistencia-resiliencia.
- Proyección: erotismo metafórico, pasionalidad narrativa.
- Argumentos: elipsis emocional, visceral- kisceral,racional.
- Lógica simbólica-emotiva-racional: sentimientos, valores,
conciencia individual y comunitaria, trascendencia de
violencias.
- Encajes recursivos dialógicos: trabajo de parto simbólico
en maternazgos diaspóricos (espiritualidad, autoritualidad
creativa).
- lntersubjetividad comunitaria: geopolítica de
desplazamiento reparativo en sus memorias.
ENCAJE INDEXICAL METAFÓRICO
Desde el sentipensamiento icónico de
la estética ritual performativa
- Objeto estético ritual: muñeca de trapo con piel negra.
- Figura retórica: empatía sinergética (intersiendo en
compasión, intervinculación), resistencia, transmutación,
traducción.
- Acción metafórica: estética del encaje en el continuum sujeta
comunitaria.
- Argumento visceral-espiritual:ɈȲƊȁȺٌȁƊȲȲƊɈǞɨƊƦǞȌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊ
en polifonía multisituada de puntografías cosidas
(corporeidades metafóricas de mujeres afrodescendientes) con
compleja densidad de texturas.
- Lógica abductiva (indexical): encajes estético-ritual
metafóricos.
מנ
IǞǐɐȲƊخןModelo semiótico estético-ritual metafórico de mi autoría.
Muñecas de trapo en Ubuntu
ǿǞƵȁɈȌȺخ0ȺɐȁƊȌȁɈȌǶȌǐǠƊƶɈǞƧȌٌƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶȱɐƵȲƵ˛ƵȲƵƊǏȲǞƧƊةƮȌȁƮƵȺƵȲƵƧɐƵȲƮƊƵǶȯȲǞȁƧǞȯǞȌ
de coexistencia basado en la familia extendida, la tribu que “intersiente con todos los seres
sintientes” y que es un principio transcultural comunitario en varias tradiciones que se viven
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intervinculadas con varios niveles de realidad, desde su propio axis mundi.
Esta noción en la lengua xhosa de África del Sur ha sido traducida como “una persona es
solo a través de su relación con los otros”, noción también similar en la lengua zulú (CÁRDENAS,
ةפןמנȯفספףخȱɐƵƮƵǿɐƵȺɈȲƊƵǶȯȲȌǏɐȁƮȌƵȁȲƊǞɹƊǿǞƵȁɈȌƊǶɨǠȁƧɐǶȌǞȁɈƵȲȲƵǶƊƧǞȌȁƊǶخ0ȁɑǶɈǞǿƊ
instancia, ȺȌɯȯȌȲȱɐƵȺȌǿȌȺ expresa de modo radicalmente inclusivo lo que nutre el sentipensamiento afrodescendiente, que incluye a los presentes y ausentes físicamente – ancestros –,
sujetos implícitos o explícitos, así como las deidades en otra dimensión y jerarquía, pero siempre en integración con los principios energéticos de la naturaleza y sus poderes.
En esta y otras palabras-metáfora participan sujetos de conocimiento en diferentes diǿƵȁȺǞȌȁƵȺɯƧȌȺǿȌƧȌȁƧƵȯƧǞȌȁƵȺƮƵǶƊȲƵƊǶǞƮƊƮȱɐƵƵȁƧƊǯƊȁةȲƵƧɐȯƵȲƊȁƮȌǶƊ˛ǶȌȺȌǏǠƊƮȌǿƶȺɈǞca, en lo que algunas abuelas afrodescendientes de la geopolítica cimarrona del Chocó asumen
como el vivir sabroso: estar a gusto como persona en comunidad. Esta ética de convivencia en
armonía incluye la lógica de los opuestos complementarios, que se opone a las prácticas de
exterminio, competencia, destrucción de la madre tierra y sus ecosistemas, de la civilización
tecno-capitalista del consumo.
Sin embargo, esta cosmopercepción אɈƊǿƦǞƶȁ ȲƵƧȌȁȌƧƵ ǶȌȺ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌȺ ǞȁɈƵȲȁȌȺ ɯ ƵǯƵȲcicios de poder como el machismo y el sexismo. Desde las propuestas de los movimientos de
las mujeres negras y/o afrodescendientes se convoca a trabajar multidimensionalmente para
lograr esa armonía como pueblo, pues aún necesita de la concienciación, reparación y reconciǶǞƊƧǞȍȁƮƵǶȌȺȺɐǯƵɈȌȺةɯƵȺɈȌɈƊǿƦǞƶȁǞȁɈƵȲȯƵǶƊٗƧƊȺƊƊƮƵȁɈȲȌ٘ةƧȌǿȌȺƵȺɐƵǶƵǶǶƊǿƊȲƊǶƊǞȁ˜ƵɮǞȍȁ
comunitaria, retomando justamente otra metáfora epistémica del maestro Juan García, investigador afroecuatoriano pionero, que desde esta metodología cotidiana trabajó por recuperar
la memoria colectiva:
§ƊȲƊ ȁȌȺȌɈȲȌȺ ǶƊ ǿƵǿȌȲǞƊ ƧȌǶƵƧɈǞɨƊ ƵȺ ǶƊ ȲƵƊ˛ȲǿƊƧǞȍȁ ƮƵ ǶȌ ȱɐƵ ǶƊ ɈȲƊƮǞƧǞȍȁ
nos enseña, de lo que el ancestro enseña. Justamente es memoria colectiva
porque está en todo el colectivo, las personas tienen mayor o menor conocimiento sobre un hecho, sobre una forma de hacer las cosas, sobre un valor o
sobre un decir, sobre una manera casa adentro de entender (Walsh y García
ةףןמנȯخفסצخ
Así, la elaboración de muñequería en talleres se convierte en una “casa adentro”, un tercer espacio para repensarse y reconocer las prácticas comunitarias como pretexto para el reconocimiento de los derechos de las mujeres y los otros géneros, también diferentes en las culturas ancestrales. Desde estos lugares situados, sin embargo, encuentran en sus experiencias
compartidas ecos de complicidad: “Caminamos juntas como en una estrategia de autosustentabilidad, de sostenibilidad de la familia porque muchas de las mujeres son jefas de familia” (S.
ßXß0ª² ةƧȌǿɐȁǞƧƊƧǞȍȁ ȯƵȲȺȌȁƊǶ מס ةƮƵ ƊǐȌȺɈȌ ƮƵ خفצןמנƮƵǿƋȺ ةǘƊɯ ƵȁɈȲƵƧȲɐƧƵȺ ƶɈȁǞƧȌȺب
“Aquí en Cuenca la afrodescendencia no se puede entender sin su relación con los rituales a
ׅRetomamos esta noción planteada por el maestro buidista zen Thich Nhat Hanh, que propone este neologismo
para evidenciar la acción de inter-ser en cada momento, porque además de ser coincidente con otras culturas
ancestrales, explica la raíz de esta concepción tradicional transcultural basada en la cosmovisión animista. Ver su
libro Ser paz y el corazón de la compasión.
׆Se propone hablar de cosmopercepción desde la inclusión de todos los sentidos sensoriales y también los intuitivos.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
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la Pachamama. Hay aquí un vínculo entre lo indígena y lo negro, que surge en el gusto por la
nutrición sagrada, y que es interesante. Yo le llamo lo afroandino” (M. YAMA, comunicación perȺȌȁƊǶסةƮƵƮǞƧǞƵǿƦȲƵƮƵخفפןמנ0ȁȺɐȺȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺȺƵƵȁǶƊɹƊȁɨƊȲǞƊȺǘǞȺɈȌȲǞƊȺȺƊɹȌȁƊƮƊȺƵȁɐȁƊ
cocina intercultural. Los talleres sirven para compartir deliciosas memorias envueltas
0ȁƧƊǯƵǞȁƮƵɮǞƧƊǶبǿɐǯƵȲƵȺـƮƵȺفƧȌȺǞƵȁƮȌ
ǿƵǿȌȲǞƊȺƧȌȁǘǞǶȌȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶƵȺƵȁɈȲƊǿƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ
La historia racializada de las mujeres negroafricanas, nacidas libres, nos recuerda que
ǏɐƵȲȌȁƵȺƧǶƊɨǞɹƊƮƊȺƵȁǶƊƧȌȁȱɐǞȺɈƊɯ!ȌǶȌȁǞƊةƮȌȁƮƵȺƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊȲȌȁƧȌȁƮǞƧǞȌȁƵȺȺȌƧǞƊǶƵȺƮƵ
IǞǐɐȲƊ خנColectivo Piel Canela, muñecas en casa de Jobita Lara. Fuente: Fotografía de Giovanni Spissu
producción que hicieron emerger metalenguajes en creativos sistemas y códigos. Así, la práctica semiótica fue un asunto de sobrevivencia. No solo tuvieron que aprender un nuevo idioma,
el del colonizador, sino también otras maneras de “hablar”, que ni siquiera contaban con su
lengua natal como refugio o cobijo materno, como sí lo hicieron sus congéneres indígenas.
Las mujeres de las casas “grandes” de los ingenios, por ejemplo, a través de las estéticas
cotidianas abrieron un espacio para el entretejido de una historia poco contada que también
luchó estratégicamente contra la esclavitud. A través de prácticas corporales, como la danza, la
ritualidad espiritual-religiosa, la nutrición, el canto y la partería, ellas hablaban desde sus cuerpos, como una política de resistencia-re-existencia en el mundo doméstico.
Esta estética tuvo, en el campo de las manualidades textiles, un sutil cronotopo creativo.
El bordado es de nuestro especial interés por su trabajo con el detalle que genera una dimensión de atención, placer y belleza. Esta práctica impuesta que tuvieron que aprender las mujeres esclavizadas gestó lugares de descanso, complicidad y secreteo, y ofreció veladuras donde
dejaron su impronta energética. Así como en tantos otros casos de mestizaje insurgente, llegó
a ser con el tiempo un trabajo muy apreciado, aunque no remunerado.
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
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Muñecas de trapo en Ubuntu
La estética del encaje habita actualmente múltiples salas de museos estadounidenses
ƮƵǶȺɐȲƵȺɈƵةɯƵȺةƮƵǘƵƧǘȌةɐȁƊ˛ǐɐȲƊȱɐƵǘƊȺǞƮȌȲƵƧɐȯƵȲƊƮƊƧȌǿȌǿȌƮƵǶȌȺƵǿǞȍɈǞƧȌٌƮǞȺƧɐȲsivo desde la acción y el efecto de encajar, que recupera la labor plástica de esta costura orna-
158
ǿƵȁɈƊǶƮƵƊǯɐȺɈƵةƊƧȌǿȌƮȌةƵȁƧƊǯƵةɯȱɐƵɈǞƵȁƵƧȌǿȌȲƊȺǐȌȯƵȲɈǞȁƵȁɈƵǶƊ˛ȁƊǶǞƮƊƮƮƵƵǿƦƵǶǶƵcer: “La intencionalidad estético-afectiva constitucional que se percibe sobre todo en el plano
de la expresión, por un doble efecto concomitante: el de un espacio que se mete dentro de otro,
ƵȁȯȲȌǏɐȁƮǞƮƊƮةɯƵǶƮƵɐȁƊȺɐȯƵȲ˛ƧǞƵǘƵƧǘƊƮƵƵȺȯƊƧǞȌȺɨƊƧǠȌȺشƵȺȯƊƧǞȌȺǶǶƵȁȌȺƵȁǶƊƵɮɈƵȁȺǞȍȁ٘
ـªÇXðwª0yƵɈƊǶةצממנةخȯخفנןخ
El juego arquitectónico entre forma y vacío del encaje posibilita simbólicamente atravesar narrativas con estrategias retóricas de distintos registros. Se puede desplazar a lugares
trasfronterizos, que son cronotopos de argumentación metafórica de la o el sujeto en su ubicación multisituada en varios niveles de la realidad. Emergen así en esta disputa de opacidad/
transparencia diversas voces que acallan, tejidas en complejas tonalidades y coloridos del poder
al decir, omitir, susurrar u olvidar.
El patchwork ƊǏȲȌƊǿƵȲǞƧƊȁȌ ƵȺ ɐȁƊ ƧȲƵƊɈǞɨǞƮƊƮ ȱɐƵ ǿƊȁǞ˛ƵȺɈƊ ƵȺɈƊ ǶȍǐǞƧƊ ƵȺɈƶɈǞƧƊ ƊǶ
unir, con costuras, varios pedazos de tela de diversos colores, texturas y formas que generan
un todo armónico, con lo cual, desde su aparición, en el siglo pasado, se hicieron colchas para
cama llamadas ȱɐǞǶɈȺ ىEstas obras del arte popular íntimo, hecho en sus inicios por mujeres,
ingresaron en la esfera estética institucional y dejaron de ser invisibilizadas. Geraldine Chouard
argumenta sobre este arte popular en los Estados Unidos y destaca la relación con las artistas
afroamericanas:
Sabemos que en las plantaciones había algunas mujeres negras que cosían
ȱɐǞǶɈȺ para las mujeres blancas. Ser una “esclava costurera” era una situación
que les permitía escapar del trabajo agrícola más duro, como la pizca del algodón. De hecho, estas mujeres aprendieron a coser elaborando colchas con los
modelos o patterns y, además, hacían algunas para ellas mismas con los retaɹȌȺȱɐƵǶƵȺȺȌƦȲƊƦƊȁ(خƵȺȯɐƶȺƮƵǶƊƊƦȌǶǞƧǞȍȁƮƵǶƊƵȺƧǶƊɨǞɈɐƮةƊǶ˛ȁƊǶƮƵǶȺǞǐǶȌ
XIX, la costumbre ya se había extendido y se reunían en lo que se llamaba las
ȱɐǞǶɈǞȁǐȯƊȲɈǞƵȺ, tertulias de costura colectiva alrededor de una obra en curso
!ـRǪ(ةעןמנةȯخفקעخ
Estas tertulias de costura que los trabajos con tejidos posibilitan, son prácticas cimarronas que hasta la fecha recuperan la labor de encaje de las mujeres y han devenido en estéticas
rituales en las protestas por el derecho al voto, a decidir sobre su cuerpo, los derechos sexuales
y reproductivos, la lucha contra los racismos, la segregación y discriminación, entre tantas otras
voces contra la violencia estructural patriarcal que se apropia de los cuerpos de las mujeres. Por
tanto, es un lenguaje con alta semiosis en la lucha por la reparación y justicia social en general.
En este sentido, esta metáfora estético-semiótica ofrece una recursividad dialógica que se enraíza y a la vez se desplaza, en un estilo de paradoja nómade.
Recuperando la noción de creolizaciónƮƵ0ƮɩƊȲƮJǶǞȺȺƊȁɈفפממנـȺƵȯɐƵƮƵƊȺɐǿǞȲȱɐƵ
este espacio de intimidad desarrolló una crianza de hablas de sobrevivencia, como la estética
del cabello, donde guardaban huellas y mapas de camino hacia los palenques. El de San Basilio,
en lo que hoy es Colombia, es un ejemplo de gran comarca libertaria, pues acogió a muchos
cimarrones y cimarronas que lograban llegar a este territorio, que si bien fue parte de esta historia, aún sigue revitalizando el imaginario, a través de la metáfora política del cimarronaje.
La práctica nómade es en sí una metodología feminista. La dimensión performativa hace
posible que “surjan encuentros y fuentes de interacción de experiencias y conocimiento insos-
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
Artigos
ȯƵƧǘƊƮȌ ةȱɐƵ ƮƵ ȌɈȲȌ ǿȌƮȌ ƮǞǏǠƧǞǶǿƵȁɈƵ ɈƵȁƮȲǠƊȁ ǶɐǐƊȲ٘ ـªX(ÀÀX ةמממנ ةȯ خفנס خ0Ƕ ȁȌǿƊdismo es un viaje, no siempre literal, de hecho, un viaje siempre es metafórico, ya que implica
el encuentro con los otros y consigo mismo o misma. Con esta estrategia poética y política se
hace posible destejer los patrones de exclusión, sexualizados y racializados en un ambiente de
sororidad que ofrecen estos talleres, a través del desplazamiento de los imaginarios en la búsqueda de tiempo-espacios de regeneración entre mujeres que coinciden en ellos.
Otra larga tradición africana es la escultura sagrada que en la diáspora logró sobrevivir
en un encaje de objetos lúdicos. Por ejemplo, las culturas afroantillanas y afrobrasileñas elaboran un tipo de muñequería sagrada en el vudú y la santería, por mencionar ejemplos cuyo uso
animista de “sujetos” cargados de intencionalidad energética, cobran vida a través de prácticas estéticas rituales. En esta religiosidad popular emerge el habla de ese tercero oculto de la
ȯȲȌȯɐƵȺɈƊɈȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞƊـyX!m0²!ÇةפקקןةȯةفעעخȯȌȲǶƊƧɐƊǶȺƵƊƧƧƵƮƵƊȌɈȲȌȺɈǞȯȌȺƮƵ
ƵȺƧɐƧǘƊةȯȌȲƵǯƵǿȯǶȌةǶƊƮƵǠ˛ƧƊخǶٗǿȌȁɈƊȲƵǶȺƊȁɈȌ٘ בen las ceremonias yorubas, se generan
condiciones para la sanación, trasmisión de información que en otros momentos serían impensables, y también son instantes que posibilitan condiciones de placer, afectividad, transformación, todos estos aprendizajes en comunidad.
IǞǐɐȲƊخסhƵȁȁɯ(ƵǶǐƊƮȌ!ةȌǶƵƧɈǞɨȌ§ǞƵǶ!ƊȁƵǶƊخעןמנةIɐƵȁɈƵبIȌɈȌǐȲƊǏǠƊJǞȌɨƊȁȁǞ²ȯǞȺȺɐخףןמנة
ׇIȲƊȺƵȱɐƵƵȁƧǶƊɨƵɯȌȲɐƦƊȺƵɐɈǞǶǞɹƊȯƊȲƊǞȁƮǞƧƊȲǶƊȯȌȺƵȺǞȍȁƮƵǠ˛ƧƊƮƵƊǶǐɑȁƵȺȯǠȲǞɈɐƵȁǶƊȯƵȲȺȌȁƊ§خȌȲɈƊȁɈȌةǶȌ
que hable, baile o haga semióticamente se asume como un heterodiscurso.
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
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Muñecas de trapo en Ubuntu
En paralelismo simbólico con esta práctica, en los talleres de muñequería se inscriben
anecdotarios propios o de otras mujeres y las citas afectivas que hacen de ellas, a las que se
vinculan de un modo corporal mientras están elaborando su “muñequita”, lo cual genera un
160
proceso de co-creatividad transnarrativa comunitaria provocada por el objeto-sujeto metonímico en sinestesia metafórica, donde se sincronizan hablas polivocales y hasta heteroglósicas,
ɈƊȁɈȌƧȌǿȌȯȌǶǞǏȌȁǠƊȺȁƊȲȲƊɈǞɨƊȺ ـhÀXyةקצקןةȯخفץץخ
Este lenguaje de crianzaٗɈȌǿƊȯȲƵȺɈƊƮȌ٘ƵǶƵǿƵȁɈȌȺƮƵȌɈȲƊȺǶƵȁǐɐƊȺـJmX²²yÀةפממנة
ȯ فצנ خȌ ɨȌƧƵȺ ȯƊȲƊ Ⱥɐ ɨǞƮƊ ةȯȌȲ ǶȌ ȱɐƵ ȺǞƵǿȯȲƵ ƵǶ ȯȲȌƧƵȺȌ ɯ ƵǶ ȲƵȺɐǶɈƊƮȌ ƵȺ ǞǿȯȲƵɨǞȺǞƦǶƵ خ0Ƕ
diálogo ventricular con las mujeres de su memoria funciona como un discurso corporal-visceral, así como también la dialógica con ellas mismas: “niñas”, que ahora ya trasversalizadas
por múltiples experiencias, ideologías, intereses, desde el lugar enunciativo de mujeres adultas,
hoy se permiten percibir detalles que antes no los pudieron asumir. Esta especie de psicoanálisis plástico funciona como un habla en sentipensamiento icónico metafórico con alto grado
de semiosis feminista que posibilita una textura políglota, donde se hilvanan argumentos en
complicidad, desencajando la estética hegemónica al traspasarla justamente por sus propios
encajes afectivos.
0ȁƧƊǯƵȺȲƵƧɐȲȺǞɨȌȺȺǞǿƦȍǶǞƧȌȺ
ƮƵǿƊɈƵȲȁǞƮƊƮƵȺƵȁȁȌȺɈƊǶǐǞƊ
La dimensión afectiva de la diáspora en América tiene también un encaje de nostalgias
en las maternidades. Retomando otro fragmento histórico, las mujeres afrodescendientes eran
las encargadas del cuidado de los y las niñas blanco-mestizas, las “amitas” – como eran llamadas en la Colonia –, quienes ejercieron labores de nanas, madres sustitutas, nodrizas, madres de
leche, entre una amplia gama de prácticas de maternazgo, y también cuidaron a las hijas de
otras mujeres negras. Ahí también cimarronearon espacios de insurgencia, de solidaridad entre
pares. Recordemos que al amparo de la única política de crueldad institucionalizada (SEGATO,
ةסןמנȯفסצخƧȌǿȌǏɐƵƵǶǿȌƮȌƮƵȯȲȌƮɐƧƧǞȍȁƵȺƧǶƊɨǞȺɈƊةƵǶǶƊȺȁǞȺǞȱɐǞƵȲƊȯȌƮǠƊȁƊɈƵȁƮƵȲƊȺɐȺ
propias hijas, pues eran separadas y otras mujeres negras ayudaban en la crianza de las niñas
esclavizadas, hasta su venta.
²ƵǞȁ˛ƵȲƵɈƊǿƦǞƶȁȯȌȲƵǶɈǞƵǿȯȌƮƵɈȲƊȺǶƊƮȌƊǶȁɐƵɨȌƧȌȁɈǞȁƵȁɈƵةȱɐƵǿɐƧǘƊȺƮƵƵȺɈƊȺ
mujeres parían en los sótanos de los barcos transatlánticos, por lo que cobijaban a sus hijos e
hijas con sus trapos. Las arrullaban y hacían muñequitas rasgando su ropa para que dejaran
de llorar. Este imaginario posible desde una lógica abductiva ha sido recreado por la artesana y
activista del movimiento negro de Brasil, Lena Martins, quien también ha desarrollado talleres
de muñequería simbólica menos elaborada en su manufactura, pero con profunda proyección
política, con el proyecto Abayomi, “mi presente” en lengua yoruba.
En Ecuador, el Colectivo Piel Canela, compuesto por Susy Pérez, Jenny Delgado y Jobita Lara, emprenden este arte popular a través de Alice Trepp, escultora ecuatoriano-suiza que
ofreció una muestra de muñecas de trapo para invitarlas a que las hagan con sus rasgos etno-estéticos. Este encaje dialógico ha cobrado colorido propio debido al gusto que ellas sienten
por elaborarlas, y se han ido empoderando de esta erótica de manufactura al que acompaño
en calidad de etnógrafa comunitaria y gestora cultural – o quizás nana – del proyecto, el cual
viene caminado por varias zonas del callejón interandino y costa, territorios de asentamientos
afrodescendientes.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
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Uno de los temas que más se hilvana es la maternidad infantil que muchas mujeres han
vivido en espiral recursiva, lo que ha generado una práctica de desplazamiento materno, al
ser las madres o abuelas quienes crían a sus hijos, y así se repite y hereda el ciclo que también
irrumpe en imágenes estereotipadas: “La mujer en el Chota siempre andaba con el niño en su
espalda, con uno en la barriga y otro al lado, porque eso sí, las mujeres de acá tenían muchos hiǯȌȺةɯǘƊȺɈƊǶƊƊƧɈɐƊǶǞƮƊƮؾȲǞȺƊـ٘ؿ²Ç²æ§1ª0ðةɈƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊة0ǶhɐȁƧƊǶ(خفנןמנةƵƊǘǠȱɐƵ
ȺƵƵǶǞǐǞȍƵǶȯƊȲɈȌȺǞǿƦȍǶǞƧȌƧȌǿȌɈȲƊƦƊǯȌƮƵ˛ȁȌǘǞǶƊƮȌƵȁƧȌǿȯǶǞƧǞƮƊƮȯƊȲƊǶƊȺƧȌȁɨƵȲȺƊƧǞȌȁƵȺة
mientras elaboran estos “sujetos” estético-rituales.
0ȁɐȁȌƮƵǶȌȺȯȲǞǿƵȲȌȺɈƊǶǶƵȲƵȺةƮȌȋƊðȌǞǶǞɈƊ0ȺȯǞȁȌɹƊةȲƵƧȌȁȌƧǞƮƊƦƊǞǶƊƮȌȲƊƮƵǶßƊǶǶƵƮƵǶ
Chota en Ecuador, se permitió jugar con la muñeca al compartirnos una canción de cuna que
cantaban las abuelas: “Duérmase mi niña, duérmase no más, porque dormidita se parece un
sol, duérmase Alicita [el nombre de la escultora que inspiró esta propuesta], duérmase nomás,
ȯȌȲȱɐƵȺǞȁȌƮɐƵȲǿƵɯƊɨǞƵȁƵƵǶȲƊɈȍȁ٘ـðخ0ȺȯǞȁȌɹƊةɈƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊة0ǶhɐȁƧƊǶ(خفנןמנةƵȺde este campo indexical se abren variaciones recursivas sobre la noche y el dormir en su pueblo.
Recogiendo ese hilo, agrega Janeth, también oriunda del sector:
Por la noche dormía con mi muñeca, una mazorca de maíz [se ríe]. Le hacía
dormir en el cucho, donde duermen los guaguas. La gente negra aquí tenemos esa costumbre. El papá duerme en el canto, la mamá en la mitad y el guagua en el cucho. Las camas por eso se ponen apegadas a la pared, para que no
ȺƵƧƊǞǐƊƵǶǐɐƊǐɐƊخ0ȺƵƵȺƵǶƧɐƧǘȌـhخ0ȺȯǞȁȌɹƊةɈƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊخفנןמנة
0ȺɈƊٗȯȲƋƧɈǞƧƊƧɐǶɈɐȲƊǶ٘ȲƵ˜ƵǯƊǶƊȺǞɈɐƊƧǞȍȁƮƵƵǿȯȌƦȲƵƧǞǿǞƵȁɈȌƮƵǶƊȺǏƊǿǞǶǞƊȺƮƵǶǶɐǐƊȲة
ya que en muchos hogares tienen una sola habitación para todos sus miembros, viven del trabajo precarizado vendiendo productos agrícolas en buses interprovinciales y, por tanto, “al día
a día”, como se suele decir.
Desde esta otra orilla, este retorno al “trabajo de parto” se hace ahora en complicidad
entre mujeres y a veces con hombres críticos, inclusivos y sensibles, así como de otros géneros,
que se han integrado a esta práctica. Se pretende crear condiciones de posibilidad para que ellas
puedan elegir cómo y cuándo desean ejercer sus derechos sexuales y reproductivos, informadas
ƮƵȺƮƵȺɐȺȯȲȌȯǞƊȺƮǞǿƵȁȺǞȌȁƵȺǞȁɈƵȲȯƵǶƊɈǞɨƊȺƮƵƊ˛ȁǞƮƊƮǞƮƵȁɈǞɈƊȲǞƊةƧȲƵƮȌȌƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶǞƮƊƮخ
En los talleres se ha visto que al asumirse como sujetos sexo-genérico situados, se atreven a desanudar los mandatos patriarcales encarnados también en metáforas, donde se reproducen, entre otros, los estereotipos hegemónicos de belleza “blanca”. El cuerpo así es explorado
en su corporeidad diferenciada, asumiendo sus fenotipos en espejeo, la variancia de vestimenɈƊȺɯȌɈȲȌȺƧȍƮǞǐȌȺȱɐƵƵɨǞƮƵȁƧǞƊȁƵȺɈƊȺƧȌȲȯȌǐȲƊǏǠƊȺٗبmƊȺ˛ǐɐȲƊƧǞȌȁƵȺȺȌȁǞǿƋǐƵȁƵȺƮƵƦƊȺƵ
política que retratan la interacción compleja de diversos niveles de subjetividad” (BRAIDOTTI,
ةמממנȯخفמסخ
Por todo ello, se propone que estas creadoras encajan en una noción de imagineras cimarronas, pues regresan al territorio de la infancia con este “juego” –tomado seriamente – para
destejer, retejer y rematar con puntadas aglutinantes los encajes de sus experiencias. De este
modo, en esta producción se puntografía ausencias o presencias, incómodas o alegres, nostalgias, el color de su piel, otras recuerdan a sus parientas, las que les cuidaron. “Yo vivía con mi
abuela a quien quise mucho. Ella me cuidaba. Incluso guardé una mecha de su cabello. El otro
día hice una muñequita con eso. Lástima que se me dañó el celular donde le tomé foto. Me quedó bien bonita. Le regalé a mi nietecita para que la cuide” (J. Delgado, comunicación personal,
צƮƵǿƊȲɹȌƮƵخفמנמנ
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
161
Muñecas de trapo en Ubuntu
Estos talleres ofrecen íntimos homenajes en espacios de terceridad simbólica, donde se
trabajan relaciones emocorporales. Es decir, desde el continuum recursivo del campo de lo sensible y lo emotivo se encarna aquello que Julieta Haidar propone como el campo de las semió-
162
ɈǞƧƊȺƮƵǶȌǞȁɨǞȺǞƦǶƵةפממנـȯفמעخƊȯƊȲɈǞȲƮƵǶƊƧȌǿɐȁǞƧƊƧǞȍȁƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶخ0ȺɈȌȯȌɈƵȁƧǞƊɐȁƊcura
metafórica a través de este arte-sanador que encaja con una de las dimensiones del Ubuntu
que predica un intresiendo, tanto en lo favorable como en lo contrario, por lo cual hasta que no
se consiga una salud integral comunitaria, quedan caminos por recorrer.
RǞǶɨƊȁƵȺƮƵƵȺƧɐǶɈɐȲƊȺ
ƦǞȌٌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊȺƵȁȯȲȌɯƵƧƧǞȍȁȺǞǿƦȍǶǞƧƊ
Esculpir en trapo activa el componente lúdico de la creatividad. Requiere la atención a
la aguja y al hilo, la mirada al detalle, la generación de ritmos corporales, pausas y respiros sincopados, por lo que “arreglando los ojos”, como suelen decir en los talleres, se puede ver esta
práctica como una meditación en movimiento. Implica a cada imaginera ir y venir del pasado
al presente para dialogar con la textura del aquí y el ahora, las sensaciones de los materiales, el
diseño, la fabricación, la puntada insurgente en el boceto imaginal de quienes les inspiran: tía,
hermana, abuela, ellas mismas. Jenny nos comparte: “Este vestuario me recuerda a mi tía Pie-
IǞǐɐȲƊخעÀƊǶǶƵȲƮƵǿɐȋƵȱɐƵȲǠƊƵȁJɐƊɯƊȱɐǞǶخקןמנةwɐȋƵƧƊȺƵȁǶƊƧȌƧǞȁƊخIɐƵȁɈƵبIȌɈȌǐȲƊǏǠƊwƊȲǞȺȌǶ
!ƋȲƮƵȁƊȺخקןמנة
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
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dad. Ella se vestía así. Era alta, gruesa, gordita. Siempre que hago la muñeca me acuerdo de ella
ȯȌȲȱɐƵǏɐƵǿɐɯƦɐƵȁƊƧȌȁǿǞǐȌƧɐƊȁƮȌƵȲƊȁǞȋƊ٘ـh(خ0mJ(خفמנמנةȺǠƵɮȯǶȌȲƊȁǶȌȺƧȌǶȌȲƵȺ
del género, traduciendo en forma plástica el espesor y la textura de sus memorias.
!ȌȁɈȌƮȌƵȺɈȌɈƊǿƦǞƶȁȺƵƮƵȺȯǶƊɹƊǶƊƵɈȁȌǐȲƊǏǠƊƊǶǶɐǐƊȲǞȁ˜ƵɮǞɨȌةȁȍǿƊƮƊةǿɐǶɈǞȺǞɈɐƊƮȌ
ǿƵƮǞƊȁɈƵ ɐȁƊ ǿƵɈȌƮȌǶȌǐǠƊ ǘȌȲǞɹȌȁɈƊǶ ɯ ƧȌȯƊȲɈǞƧǞȯƊɈǞɨƊ ةƊɐɈȌ ɯ ǘƵɈƵȲȌƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧƊ ƊǶ ȲƵƮǞǿƵȁsionar el ejercicio creativo como un derecho de todos y todas. Esta metodología anclada en la
mímesis del saber hacer como experiencia práctica de los aprendizajes de vida deviene en una
lógica basada en la cognición metafórica, donde la construcción del dato intersubjetivo es compleja, transita por varios lenguajes y registros alternativos. A través del objeto ritual, visualidades
en residuo, fetiche, garabato, el juego, la magia religiosa y popular develadas en tonalidades
ƧȌǿȌƵǶƧƊȁɈȌƮƵȺƊ˛ȁƊƮȌةƵǶȺɐȺɐȲȲȌةǶƊɨȌɹƦƊǯƊɯȺǞǶƵȁƧǞȌȺةhablan también los correlatos olvidados por la estética hegemónica heteronormativa, patriarcal y patrimonial de la historia del arte.
Es, por tanto, un lugar de mutuo-muntu intercambio en reciprocidad y sororidad, un espacio para la autorreparación a través de la producción del hecho estético que permite regenerarse desde una política insurgente de la ternura ـJÇ0ªª0ªةץממנةȯخفנףעخ²ȌȁǿɐǯƵȲƵȺ
produciendo en pasionalidad expresada en gestos, pero también en el tiempo que dedican,
ofrecen a otras, comparten. Trabajar con tijeras broncas, mientras relatan su infancia, recuerdan refranes, a veces albureando y riendo, se vuelve placentero. Así, esta interacción simbólica produce satisfactores en intercambios de saberes con los que cimarronean sus tristezas, y
encuentran en esta práctica de hoy un punto de fuga, a pesar de la diferencia que también se
evidencia en sus historias de vida.
Remate
A partir de lo expuesto, se considera que esta poética cimarronea desde el erotismo metafórico del sentipensamiento con las manos, genera estrategias de emplazamiento reparativo en sus memorias, a través de la semiosis abierta de signos energéticos, con los que van
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exploración, la curiosidad, la negociación, los préstamos y una serie de economías simbólicas
del lenguaje, las empodera desde los saberes inscritos en el primer territorio de vínculo afectivo-cognitivo: su cuerpo.
Con este trabajo mancomunado entre estéticas de encaje y narrativa polifónica se transdisciplina la noción encasillada del arte popular y coloca a estas obras artesanales junto con sus
creadoras en un lugar más allá de la factura (técnica), ya que deviene en una pedagogía íntima
comunitaria, que muestra sus estados de ánimo, por lo que intrínsecamente está vinculada a lo
afectivo-corpo-espiritual que genera sinergia entre ellas, la cual es traducida en memoria estética.
El trabajo con las memorias históricas, los imaginarios espaciotemporales de esta
geopolítica del conocimiento, los discursos tabú sesgados en diálogo con los derechos humanos, sexuales y reproductivos interpela a estas mujeres a reordenar sus pasos para mirar y elegir
varios horizontes, ya sea para ellas o sus generaciones, en una búsqueda por paisajes de equidad intersubjetiva en convivencia comunitaria autorrespetuosa y solidaria.
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imagineras, como algún día nos confesó una de ellas, luego de la recuperación de salud de su
hermana, cuando volvió a coser una sonrisa en sus muñecas. Este tipo de discursividad evidencia la importancia de la salud emocional.
Lorena Marisol Cárdenas Oñate
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Muñecas de trapo en Ubuntu
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IǞǐɐȲƊخףSusana Pérez, Colectivo
Piel Canela. Ritual a Yemanyá,
Fuente: Fotografía Marisol
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IǞǐɐȲƊخפExposición en el Museo
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IǞǐɐȲƊخץColectivo Piel Canela y
Marisol Cárdenas. Detalle de altar
a Marielle Franco. Paralelismo de
maternazgos entre la muñeca y su
fotografía con su hija
Homenaje con estudiantes
brasileños en la Universidad de
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
Artigos
Así se trabaja desde una etnografía transdisciplinaria en diálogo situado en epistemes
diversas, que valora una forma lúdica de conocimiento practicado históricamente y que se entrecruza con las teorías de la complejidad, decolonialidad y los (eco) feminismos en el lugar
nómada fronterizo, dialógico y crítico de la acción manufacturera y coparticipativa del ejercicio
creativo, entendido como otro de los derechos universales. Es una lógica de sabiduría anclada
en el saber hacer, saber recordar y trasmutar una experiencia práctica y herencia de vida.
Finalmente, esta interculturalidad estética de la memoria!ـª(0y²ةמןמנةȯفןצخƵȺ
anticapitalista, antipatriarcal y antirracista, cuyo tiempo-espacio de ubicuidad desestabiliza los
ejercicios de poder dominante blanco-mestizo, naturalizado y heteronormativo. Mediante esta
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diálogo con discernimiento, información, sabiduría etaria y diversidad. Así, esta memoria estétiƧƊƧȌȁ˛ǐɐȲƊɐȁǶɐǐƊȲƮƵƧɐǞƮƊƮȌƊǏƵƧɈǞɨȌƮȌȁƮƵǶƊȺɈȲƊǿƊȺƮƵƧȌǿȯǶǞƧǞƮƊƮȯȌȺǞƦǞǶǞɈƊȁƵǯƵȲƧƵȲ
el derecho a tejer su propia historia, así como los horizontes políticos de su futuro, con sus propios colores, en armonías polifónicas y esperanzas múltiples.
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ªX(ÀÀXةªٶخ²ɐǯƵɈȌȺȁȍǿƊƮƵȺخCorporización y diferencia sexual en la teoría feminista conɈƵǿȯȌȲƋȁƵƊخÀȲƊƮɐƧƧǞȍȁǶǞƧǞƊ ǞɮǞȌ خɐƵȁȌȺǞȲƵȺ§بƊǞƮȍȺخמממנة
!ª(0y²ةw(ٶخƵǶƊȺǞȲƵȁƊƊǶƊǿɐǯƵȲǘƊɯɐȁǿƊȲƮƵǞǿƊǐǞȁƊȲǞȌȺخMetáforas visuales nómadas en la estética ritual de la semiosfera altercreativa oaxaqueña. (Tesis de doctorado). UniverȺǞƮƊƮɐɈȍȁȌǿƊwƵɈȲȌȯȌǶǞɈƊȁƊٌåȌƧǘǞǿǞǶƧȌ!خǞɐƮƊƮƮƵwƶɮǞƧȌبwƶɮǞƧȌخמןמנة
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EVERAERT-DESMEDT, N. “¿Que hace una obra de arte? Un modelo peirceano de la creatividad
artística”. ÇɈȌȯǠƊɯȯȲƊɮǞȺǶƊɈǞȁȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊـƵȁƵȲȌٌǿƊȲɹȌخفwƊȲƊƧƊǞƦȌبÇȁǞɨƵȲȺǞƮƊƮƮƵðɐǶǞƊة
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GLISSANT, E. ÀȲƊɈƊƮȌƮƵǶɈȌƮȌٌǿɐȁƮȌ خTraducción de María Teresa Gallegos Urrutia. Madrid:
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خץממנ
HAIDAR, J. “Las prácticas culturales como prácticas semiótico-discursivas”. González y Galindo,
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Lorena Marisol Cárdenas Oñate
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Muñecas de trapo en Ubuntu
صصÀȌȲƦƵǶǶǞȁȌȯƊȺǞȌȁƊǶƮƵǶȌȺƊȲǐɐǿƵȁɈȌȺ. México: Universidad Autónoma Metropolitana,
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166
ƵȁƵǶƧǞȲƧɐǞɈȌǞȁɈƵǐȲƊƮȌ. Traducción de Manuel Talens con pequeños cambios de David de
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LUGONES, M. !ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮɯǐƶȁƵȲȌٶخÀƊƦɐǶƊªƊȺƊ خȌǐȌɈƋخyȌןמןٌסץبקǯɐǶǞȌٌƮǞƧǞƵǿƦȲƵة
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NICOLESCU, B. ÀȲƊȁȺƮǞȺƧǞȯǶǞȁƊȲǞɈƶـwƊȁǞ˛ƵȺɈȌ§فƊȲǞȺبhƵƊȁ§ƊɐǶ ƊȲɈȲƊȁƮٶخפקקןة
PEIRCE, CH. !ȌǶǶƵƧɈƵƮ§ƊȯƵȲȺةRƊȲɨƊȲƮÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺخفעןקןٌקסצןـٶǞ!סןקןٌפפצןخȌǶǶƵƧɈƵƮ
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ªÇXðwª0yةmخæwخ²mX²خ0ȁƧƊǯƵȺƮǞȺƧɐȲȺǞɨȌȺخ0ȺɈɐƮǞȌȺȺƵǿǞȍɈǞƧȌȺ. México: Benemérita
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SEGATO, R. mƊƵȺƧȲǞɈɐȲƊƵȁƵǶƧɐƵȲȯȌƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺƊȺƵȺǞȁƊƮƊȺƵȁ!ǞɐƮƊƮhɐƋȲƵɹخÀƵȲȲǞɈȌٌ
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WALSH, C. Y J. GARCÍA. “Memoria colectiva, escritura y Estado. Prácticas pedagógicas de existencia afroecuatoriana”. !ɐƊƮƵȲȁȌȺƮƵmǞɈƵȲƊɈɐȲƊßȌǶخåXåخצסخhɐǶǞȌٌƮǞƧǞƵǿƦȲƵخףןמנةצקٌקץب
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 146-167, 2021
Tierra negra:
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Marcela Landazábal Mora
Universidad Nacional Autónoma de México
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racializante que reposa en el carácter de una masculinidad bélica, la cual colinda con
la racionalidad extrema de las formas de gobierno del Estado, también formulada en
clave masculina –por su manejo siempre parcelado de las territorialidades y la vida.
Desde una perspectiva crítica de género se considera la interacción de la triada crítica
de la raza, clase y género, incluyendo un cuarto vector determinante, las juventudes,
en los actuales procesos de resistencia y sus prácticas culturales como apuestas de
reconstrucción política. El texto parte de un primer apartado disponiendo las coordenadas que revelan las secuelas del abuso sobre lo negro tanto en cuerpos como territorios. En consecuencia, el segundo apartado se centra en evaluar esta categoría en
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armado) y mujeres negras violentadas por su condición racial y de género. El tercer
apartado abre campo para revisar los recientes procesos de resistencia de las juventudes para decantar en un esquema de reconocimiento de estas estéticas vernáculas,
como formas de resistencia, pero también de reparación de una moral aniquilada por
ǶȌȺƵǏƵƧɈȌȺƮƵǶƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌȲƵǿƊȁƵȁɈƵɈȲƵȁɹƊƮȌƧȌȁƵǶȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌƵȁƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ
armado colombiano.
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Terra preta: ao nível do chão entre passos, vozes, imagens e cantos
Resumo
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Palavras-chave: Território racializado; mulheres negras; juventude e práticas cultuȲƊǞȺƮƵȲƵȺǞȺɈƺȁƧǞƊَƧȌȁ˹ǞɈȌƊȲǿƊƮȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁȌى
Black earth: at ground level between steps, voices, images and
songs
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key - for its always parcelled management of territorialities and life. From a critical
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of resistance and its cultural practices as bets of political reconstruction. The text beǐǞȁȺɩǞɈǘƊ˸ȲȺɈȺƵƧɈǞȌȁȺƵɈɈǞȁǐȌɐɈɈǘƵƧȌȌȲƮǞȁƊɈƵȺɈǘƊɈȲƵɨƵƊǶɈǘƵƊǏɈƵȲǿƊɈǘȌǏɈǘƵ
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focuses on evaluating this category within the framework of the stereotyping of peoȯǶƵȺلƦǶƊƧDzǿƵȁٛƊǏǏƵƧɈƵƮƦɯɈǘƵƊȲǿƵƮƧȌȁ˹ǞƧɈٜƊȁƮƦǶƊƧDzɩȌǿƵȁɨǞȌǶƊɈƵƮǏȌȲɈǘƵǞȲ
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processes of resistance of the youth to decant in a scheme of recognition of these
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Key Words: Racialized territory; black women; youth and cultural practices of resisɈƊȁƧƵَ!ȌǶȌǿƦǞƊȁƊȲǿƵƮƧȌȁ˹ǞƧɈȌ
Artigos
Las poéticas no cesan de combatir.
mƊȺȯȌƶɈǞƧƊȺȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƵȺلȺȌƦȲƵɨƵȁǞƮƊȺƵȁƵǶǿɐȁƮȌل
son políticas realizables en todos lados
Édouard Glissant, Filosofía de la Relación.
ȁɈƵǶƊƮƵȺȌǶƊƧǞȍȁƊǶƊȱɐƵƧȌȁƮƵȁƊƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊةȺƵȲƵȱɐǞƵȲƵȲƵƧƊȯǞɈɐǶƊȲǶƊƮǞǿƵȁȺǞȍȁȺǞǿƦȍǶǞƧƊƮƵɈȌƮȌȺǶȌȺƋǿƦǞɈȌȺƮƵǶȌȺƵȁȺǞƦǶƵسɐȁƊƵȺɈƶɈǞƧƊȲƵȺɈƊɐȲƊƮȌȲƊȱɐƵ
excede las mediaciones institucionalizadas y los relatos dominantes. La violencia armada consɈǞɈɐɯƵƵǶȯƊɈȲȍȁƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƧǞȍȁȁȌȺȍǶȌƮƵǶȌȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺǐȲɐȯȌȺƊǶǿƊȲǐƵȁƮƵǶƊǶƵɯةȺǞȁȌƮƵ
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de una masculinidad bélica que colinda con la racionalidad extrema de las formas de gobierno
del Estado, también formuladas en clave masculina –por su manejo siempre parcelado de las
territorialidades y la vida. La prevalencia de la instancia mercenaria en las narrativas sobre ámbiɈȌȺȲɐȲƊǶƵȺǶǶƵɨƊǞǿȯǶǠƧǞɈƊǶƊɨǞƧɈǞǿǞɹƊƧǞȍȁƧȌǿȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶƧǶƊɨƵƮƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƧǞȍȁȺȌƦȲƵȯƵȲȺȌȁƊȺ
y territorios subsumidos en visiones homogenizantes. Bajo esta lógica de control una cadena
ƮƵȺƵƧɐƵǶƊȺƵȁƵǶȌȲƮƵȁȺƵȁȺǞƦǶƵƮƵǶƊȺȌƧǞƵƮƊƮȯȲƵٌ˛ǐɐȲƊȁƵǶȌȲƮƵȁȯȌǶǠɈǞƧȌـɯƊƮƵȺ˛ǐɐȲƊƮȌة
binario y desigual) –ǿƊǶȌȺُƦɐƵȁȌȺَȲǞƧȌȺُȯȌƦȲƵȺَƧƊǿȯȌȺُƧǞɐƮƊƮƵȺَƧƵȁɈȲȌُȯƵȲǞǏƵȲǞƊȺَǿƊƧǘȌȺُ
hembras y siempre, la insistente relación ƦǶƊȁƧȌٛȺُٜȁƵǐȲȌٛȺٜ لdonde se sustentan los olvidos
históricos y las reiteraciones reduccionistas. Estas fracturas, enmarcadas en las narrativas del
colapso, sólo alertan sobre peligros inminentes, y a la vez, fragilizan la capacidad creadora y de
recuperación – por la que tanto se han esforzado durante generaciones poblaciones atravesadas por la guerra y, sobre todo, sus mujeres, que optan por prácticas opacas de sostenimiento
de la vida a través de principios elementales: la escucha, los afectos (con sus afectaciones) y el
cuidado de las vidas.
(ƵȺȯɐƶȺƮƵǶƊ˛ȲǿƊƮƵǶƧɐƵȲƮȌƮƵ§ƊɹƵȁةפןמנǶƊȺƵȺɈȲƊɈƵǐǞƊȺƮƵȲƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌةȯȲǞȁcipalmente promovidas por la Comisión de la Verdad han delatado la necesidad de nombrar, de
hablar y de construir un horizonte de diálogo que involucre todas las esferas de la sociedad colombiana. Pero nombrar no sólo es denunciar o inhabilitarse tras los fantasmas y las paranoias
ƮƵǶƊǐɐƵȲȲƊسǶƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺǿƋȺƊǏƵƧɈƊƮƊȺȯȌȲƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌǘƊȁȺǞƮȌȯȌȲɈƊƮȌȲƊȺƮƵɐȁƊȯƵƮƊǐȌǐǠƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȯƊȲƊȱɐƵةƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊةȺƵƊȯȲƵȁƮǞƵȲƊƊȁȌǿƦȲƊȲǶȌǞȁȁȌǿƦȲƊƦǶƵ(خƵǿƊȁƵȲƊ
que, la narrativa del colapso carece de poder reparador si sólo es denunciada sin advertir su
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mecanismos propiciados por el orden sensible compartido. Aquí se revoca esa lógica masculina
atropelladora que impera tanto en los formatos de guerra, como en los de administración y gesɈǞȍȁƮƵƧȌȁ˜ǞƧɈȌȺƵȁƵǶȌȲƮƵȁȺɐȯȲƊٌǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶǐǶȌƦƊǶةȯƵȲȌɈƊǿƦǞƶȁƵȁƊǶǐɐȁƊȺƮƵƧƊƮƵȁɈƵȺ
lecturas del mundo actual, que, si bien se muestran críticas, al no brindar alternativas, paralizan.
Es necesario visibilizar el mecanismo estético que se ha tejido de manera colectiva en el
marco de post-acuerdo y que tiene diferentes matices y formas de aparición, como principal
motor político, y a su vez, diferenciarlo del orden estetizante del discurso de negación que duȲƊȁɈƵƮƶƧƊƮƊȺǘƊȁȺȌȺɈƵȁǞƮȌǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƵȺȌ˛ƧǞƊǶƵȺƊȯȌɯƊƮƊȺƵȁǶȌȺǿƵƮǞȌȺƮƵƧȌǿɐȁǞƧƊƧǞȍȁ
privados aliados con el Estado –cuyo principio rector sobre las narrativas de guerra en el país ha
seguido revictiminzando personas y sosteniendo la condición de lejanía de los territorios más
azotados, sean periferias o entornos rurales. Esa crasa parcelación hace parte de un orden mundial de desconexión y expulsiones, y a la vez, se expresa de maneras radicales en la memoria de
generaciones de un país en guerra continua durante más de siete décadas, condición que alberǐƊɐȁɐȲǐƵȁɈƵƧɐƵȺɈǞȌȁƊǿǞƵȁɈȌȯȌȲǶƊǏȌȲǿƊƮƵƧȌȁȺɈȲɐǞȲǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊɯƮƵȲƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊȲǶƊǿƵǿȌȲǞƊخ
Marcela Landazábal Mora
173
Tierra negra
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Michel de Certeau, en Colombia – cuyo suelo ha sido minado, deformado, racializado y abusado con cultivos ilícitos, monocultivos y químicos de control depredadores del medio – esta
174
máxima adquiere un sentido de urgencia al ser el segundo país, después de Afganistán, en el
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después de Siria, en desplazamiento forzado.0ȁɈȌȁƧƵȺǶƊƧȲƵƊɈǞɨǞƮƊƮسƵǶȺǞǐǞǶȌɯƵǶȺǞǶƵȁƧǞȌƮƵ
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que urge también reconstruir. ¿Cómo y hacia dónde caminar después de todo esto? ¿Dónde
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trazado la guerra y se concentrará en una lectura crítica de las narrativas más difundidas sobre
ƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƮƵȺȯɐƶȺƮƵǶ§ȲȌƧƵȺȌƮƵ§ƊɹƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊةƮƵȺɈƊƧƊȁƮȌǶƊȺȯȲȌƮɐƧƧǞȌȁƵȺȱɐƵ
siguen activando las voces, los colores, los ritmos y el juego de las estéticas de la resistencia –un
acumulado sensible tan potente que ha logrado sostener las vidas más expuestas y vulneradas
de manera insospechada.
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El trabajo de instancias como la Comisión de la Verdad y el Centro Nacional de Memoria Histórica (CNMH) ha logrado desentrañar algunas capas recubiertas por la complejidad del
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contrainsurgente en esas décadas visibilizó la acción de las autodefensas contra los grupos
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delimitada por el manejo de cultivos ilícitos, armamento y otros activos implicados, lo cual ha
complejizado las lecturas y posturas políticas y más bien, ha expuesto las evidentes economías
de guerra. Se trata de un denso entramado de tensiones por el control de materias primas,
rutas de comercio, armamento y dinero en marcos de criminalidad extrema donde las vidas
ƊƮȱɐǞƵȲƵȁɨƊǶȌȲƮƵƊƧɐƵȲƮȌƧȌȁȺɐǏɐȁƧǞȍȁƊƧɈǞɨƊƵȁƵȺɈƵȺǞȺɈƵǿƊƮƵȲƵǶƊƧǞȌȁƵȺƵƧȌȁȍǿǞƧƊȺس
una total aniquilación de principio integrador de las vidas propiciada por el secuestro biótico
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acuerdo como un síntoma de fractura colectiva a nivel nacional– se reconoce de manera púƦǶǞƧƊȱɐƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌȁȌǘƊƊƧƊƦƊƮȌخ0ȺɈƊƊ˛ȲǿƊƧǞȍȁǏɐƵƧƵȁɈȲƊǶȯƊȲƊǞȁǞƧǞƊȲɐȁƊɨǠƊƧȌȁɈȲƊƵǶ
negacionismo histórico de una serie de masacres y abusos en el país que no había sido nomƦȲƊƮƊƮƵǿƊȁƵȲƊƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊـð m!سקןמנة²ÀXmm0hخفצןמנة²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌةȁȌǿƦȲƊȲȁȌƵȺ
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1 0ȺɈƵƵȺɐȁȌƮƵǶȌȺ˜ƊǐƵǶȌȺǿƋȺɨǞȺǞƦǶƵȺȱɐƵǘƊƧȌƦȲƊƮȌɨǠƧɈǞǿƊȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊخɐȁȱɐƵةƵȁƵǶǿƊȲƧȌ
de las acciones del Comisionado para la Paz, el desmine del territorio nacional se preveía libre en 2021, las estadísticas del 31 de octubre alertan que los esfuerzos para mitigar los efectos de las minas, continúan. Pero no se ha
completado el proyecto. Véase http://www.accioncontraminas.gov.co/Estadisticas/estadisticas-de-victimas
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
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en los tres momentos en los que un hecho victimizante – como el desplazamiento forzado – se
ǞȁƧȲƵǿƵȁɈȍƊǏƵƧɈƊȁƮȌƊƵȺɈȌȺǐȲɐȯȌȺƶɈȁǞƧȌȺצממנٌץממנسנממנٌמממנبɯ!ـעןמנٌסןמנ0yÀª
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sociales, pertenecientes a pueblos negros, ocurrió en Cauca y Nariño, departamentos con alta
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alertas tempranas por parte de comunidades negras y afrocolombianas que denunciaban desplazamiento forzado, homicidios selectivos, amenazas, masacres y reclutamiento forzado. Los
ƮȌȺƮƵȯƊȲɈƊǿƵȁɈȌȺǿƋȺƊǏƵƧɈƊƮȌȺǏɐƵȲȌȁ!ǘȌƧȍסצפخןـƊǶƵȲɈƊȺفɯyƊȲǞȋȌץץמخןـƊǶƵȲɈƊȺخف0Ƕڭמע
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Tomando algunas acciones ante lo anterior la Comisión de la Verdad enumera los siguientes puntos para organizar una distinción relativa a las expresiones y consecuencias de la
guerra en las comunidades afrodescendientes en Colombia:
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En consecuencia, se atiende a la exclusión que han vivido las comunidades
ƊǏȲȌƧȌǶȌǿƦǞƊȁƊȺةȁƵǐȲƊȺةȲƊǞɹƊǶƵȺɯȯƊǶƵȁȱɐƵȲƊȺƵȁǶȌȺȯȲȌƧƵȺȌȺƮƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƧǞȍȁƮƵǶƊǞƮƵȁɈǞƮƊƮɯƵǶ0ȺɈƊƮȌس
Otro factor es el de los efectos sobre los territorios y sus comunidades por la
ȯȲƵȺƵȁƧǞƊƮƵƵƧȌȁȌǿǠƊȺǶƵǐƊǶƵȺƵǞǶƵǐƊǶƵȺس
Por último, se deben considerar los impactos individuales y colectivos a la identidad, el territorio, la autonomía y el gobierno propio, y las diversas formas de
resistencia y contribuciones a la paz del pueblo negro, afrocolombiano, raizal y
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Este telón de fondo debe atender un último detalle, después de que la Constitución de
ןקקןɯǶƊmƵɯמץƮƵסקקןƊƦȲǞƵȲƊȁƊƮƵƦƊɈƵȯɑƦǶǞƧȌǶƊȲƵȺɈǞɈɐƧǞȍȁƮƵɈǞƵȲȲƊȺɯƵǶȲƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌ
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consecuencias se vivían en los entornos rurales, el discurso humanitario acaparó la gestión de
las poblaciones afectadas. El discurso humanitario paraliza y, sobre todo, minimiza el impacto
social de un trauma colectivo cuando se tratan de manera separada los casos de las personas
ƮƊǿȁǞ˛ƧƊƮƊȺ§خȌȲƵǯƵǿȯǶȌةȺƵƮƊȲƵǶƵɨƊȁƧǞƊƊǶƊȺƊǶɐƮǏǠȺǞƧƊىƵɮȯɐƵȺɈƊƊǶƊȯȲƵƧƊȲǞƵƮƊƮƮƵǶȌȺ
recursos en las zonas de atención – mientras se deja de lado la salud psicológica y espiritual de
las personas y del colectivo, pensando que la primera es la única que sostiene la vida. El sujeto
ƮƊǿȁǞ˛ƧƊƮȌɨɐƵǶɈȌƊȺɐƧɐƵȲȯȌǞȁƮǞɨǞƮɐƊǶـƊɈȲƊɨƶȺƮƵǶƊǘƵȲǞƮƊɯǶƊƵȁǏƵȲǿƵƮƊƮɯƧȌȁɨƵȲɈǞƮȌƵȁ
estadística) es dislocado del entramado colectivo en el que tiene un rol social de recomposición
ƊȯƊȲɈǞȲƮƵǶƮȌǶȌȲƧȌǿȯƊȲɈǞƮȌـ0(ƵɈƊǶخفץןמנةخ²ƵɈȲƊɈƊƮƵɐȁƊȯȲȌǏɐȁƮƊȺɐǿǞȺǞȍȁǿȌȲƊǶƮƵ
las subjetividades negras (también indígenas y mestizas campesinas) que reta constantemente su capacidad de recomposición colectiva.
Marcela Landazábal Mora
175
Tierra negra
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la conectividad que ya ha sido fracturada por otra forma de violencia. No se trata ya de comunidades históricamente oprimidas, en vías de reconocimiento, sino de comunidades víctimas, fragilizadas nuevamente por las distinciones de un sistema regulador en clave racional
176
ǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞȺɈƊخmƊǘǞȺɈȌȲǞƊƧȌǶȌȁǞƊǶȺƵɈȲƵȁɹȍƮȌǶȌȲȌȺƊǿƵȁɈƵƧȌȁǶƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌǐƵȁƵrando un dispositivo de estereotipación sobre las comunidades negras, raizales, afro e indígenas donde ni el pasado de desarraigo y opresión heredado de sus ancestros esclavizados, ni el
de expulsión de sus territorios en tiempos recientes, ha podido ser reparado. De ahí la importancia de atender a las propias organizaciones conformadas desde y por las comunidades, en
ǿƊɈƵȲǞƊƮƵȯȲȌɈƵƧƧǞȍȁ!ـyǪخفעןמנٌנןמנة
ÀȌƮƊȁƊȲȲƊɈǞɨƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊƮƵƦƵȲƵȯƊȲƊȲƵȁǶƊǞȁȺɈƊȁƧǞƊȲƊƧǞƊǶǞɹƊȁɈƵ
ȱɐƵȯȲƵƮȌǿǞȁƊɈƊȁɈȌƵȁǶƊȺƵɮȯȲƵȺǞȌȁƵȺƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊƧȌǿȌƵȁǶȌȺƮǞȺƧɐȲȺȌȺȌ˛ƧǞƊǶƵȺɯǿƵƮǞƋticos y las acciones de intervención del Estado. Las poblaciones desplazadas circulan en narrativas de precariedad donde se exponen como incómodas y fuera de lugar. La separación
no sólo recae sobre los desorbitados y recién llegados a las urbes – cuyo destino está expuesto
(predispuesto) hacia otras redes delictivas propias de las periferias urbanas – sino entre todas
las formas de vida dispuestas en razas, clases, géneros tanto de las personas como de los entornos que habitan. Esta mutilación constante de la vida en su forma más íntegra viene de larga
data, desde la matriz colonial, herencia que recogen muy bien todas las formas capitalistas
ǿȌƮƵȲȁƊȺةǞȁƧǶɐɯƵȁƮȌɯȱɐǞɹƋةȯȌȲȺȌƦȲƵɈȌƮȌƵǶȁƵȌǶǞƦƵȲƊǶǞȺǿȌةƮǞȺȯȌȁǞƵȁƮȌىƧȌǿȌǶȌƊ˛Ȳǿȍ
ya Achille Mbembe – un mundo en compartimentos (tanto territoriales y económicos, como
subjetivos, afectivos y morales).
²ǞȁƵǿƦƊȲǐȌةƵȺǿɐɯƮǞǏǠƧǞǶǞǿƊǐǞȁƊȲɈȌƮȌƵȺɈȌȺǞȁƵǶɨƵǘǠƧɐǶȌƮƵǞȁȺɈƊȁƧǞƊȺƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȺƧȌǿȌ
las imágenes, las narrativas y otras formas de condensación de los imaginarios de la guerra sobre
ǶƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȁƵǐȲƊȺ©ذخɐƶɈƵȁȺǞȍȁȺƵɐƦǞƧƊƵȁƵȺɈƊȺǐȲƊǿƋɈǞƧƊȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌةǿǞƵȁtras se acompañan de las imágenes centenarias del estereotipo de lo(s) negro(s) en Colombia?
!ȲƵƊȲȌƊȁǞȱɐǞǶƊȲǶƊǞǿƊǐǞȁƊƧǞȍȁب
ǞǿƋǐƵȁƵȺٌƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊǏȲƵȁɈƵƊƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯȌȺ
Lo negro ha sido aprovechado por la industria cultural en Colombia y ha ido fraguando
Ƶȁ ǶȌȺ ƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯȌȺ ƮƵǶ ǏȌǶDzǶȌȲƵ ƮƵ ƧƊȲƋƧɈƵȲ ȁƊƧǞȌȁƊǶǞȺɈƊ خٙmƊ ǿɑȺǞƧƊٚ ةٙƵǶ ȲǞɈǿȌٚ ɯ ƵǶ ٙȺƊƦȌȲٚ ȺȌȁ
pilares de la herencia negra. No obstante, esta lectura presenta una dicotomía: en su modo
abstracto e idealizado es positiva, se enmaraña en un lenguaje de aproximación y aparente
ȲƵƧȌȁȌƧǞǿǞƵȁɈȌ ةǿǞƵȁɈȲƊȺ ȺɐȺ ƧɐƵȲȯȌȺ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȺ ƊȯƊȲƵƧƵȁ ȺǞƵǿȯȲƵ Ƶȁ ɈƊȁɈȌ ƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊ ȁƵgativa, puro y craso distanciamiento y repulsión. Esta relación irreconciliable entre la idea de lo
negroǏȲƵȁɈƵƊǶƧɐƵȲȯȌƮƵǶƊȺȁƵǐȲƊȺɯȁƵǐȲȌȺɈƊǿƦǞƶȁȺƵƵɮȯȲƵȺƊƵȁǶƊȺǞǿƋǐƵȁƵȺȱɐƵ˛ǯƊȁƊǶƊ
ɨǠƧɈǞǿƊɨǞȌǶƵȁɈƊƮƊƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊسƮǞƦɐǯƊȺȌƦȲƵƵǶȁƵǐȲȌـƵȁɈƊȁɈȌȺɐǯƵɈȌفɐȁȺǞȁȍȁǞǿȌƮƵȌǶɨǞƮȌخ
²ǞƦǞƵȁةƵȁ!ȌǶȌǿƦǞƊƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌɈƊǿƦǞƶȁǘƊȲƵȯƵȲƧɐɈǞƮȌƵȁƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺȌȲǞǐǞȁƊȲǞƊȺɯǿƵȺɈǞzas campesinas, tomaré un par de ejemplos que permiten entender el vínculo extremo entre
imagen, masculinidad, territorio y mujer (desde las instancias negras). Primero por la forma en
que la imagen del estereotipo colonial sigue actuando, y segundo, porque algunas instancias
ٙȁƵǐȲƊȺٚȺȌȁǿƊɯȌȲǿƵȁɈƵɨǞȺǞƦǞǶǞɹƊƮƊȺƵȁٙǶȌȁƊƧǞȌȁƊǶٚةƮƵȺƮƵǶƊƵȺɈƵɈǞɹƊƧǞȍȁȱɐƵȲƵƮɐƧƵǶƊǿƵׂ La actualización de la revisión de Condenados de la tierra del martiniqués Frantz Fanon que hace el autor surafricano involucra las instancias actuales que intervienen en las expulsiones masivas, segregación y exterminio
ƮƵȯɐƵƦǶȌȺȯȲƵƧƊȲǞɹƊƮȌȺȯȌȲƊƧƧǞȌȁƵȺƮƵɈȲƊȺȁƊƧǞȌȁƊǶƵȺɯȌɈȲƊȺǏɐƵȲɹƊȺ˛ȁƊȁƧǞƵȲƊȺȱɐƵƮƵǐȲƊƮƊȁǶȌȺɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȺخ
(MBEMBE, 2016).
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
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177
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recuerdos de la masacre resumen la violenta reacción defensiva de la guerrilla ante el desembarco de los grupos paramilitares que pasaron todos los retenes de seguridad del ejército para
llegar al pueblo, donde un cilindro de gas fue detonado como proyectil de destrucción masiva
ƵȁǶƊǞǐǶƵȺǞƊƧƵȁɈȲƊǶƮƵǶȯɐƵƦǶȌǿǞƵȁɈȲƊȺȲƵȺǐɐƊȲƮƊƦƊƧƵȁɈƵȁƊȲƵȺƮƵƧǞɨǞǶƵȺةƵȁǿƊɯȌƮƵخנממנ
ȌǯƊɯƋǏɐƵɐȁȯɐƵƦǶȌȲǞɨƵȲƵȋȌɨǞȌǶƵȁɈƊƮȌȯȌȲƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌةȲƵɨǞƧɈǞǿǞɹƊƮȌȯȌȲǶƊȁƊȲȲƊɈǞɨƊƮƵǐɐƵȲȲƊȱɐƵȁȌƧȌȁȺǞƮƵȲȍǶƊƵȺȯƵƧǞ˛ƧǞƮƊƮƮƵȺɐȯȌƦǶƊƧǞȍȁȁƵǐȲƊةȯƵȲȌȺǠƮƊƦƊƶȁǏƊȺǞȺƊǶƧȌȁɈƵȌƮƵ
víctimas. De este hecho, no sólo quedarían mutilados los cuerpos y el cristo de la iglesia, tamƦǞƶȁ ȺƊǶƮȲǠƊȁ ƵɮȯɐǶȺƊƮƊȺ ǏƊǿǞǶǞƊȺ ƵȁɈƵȲƊȺ خmƊ ǞȁǿƵȁȺƊ ǿƊɯȌȲǠƊ ƮƵ ǶȌȺ ǘƊƦǞɈƊȁɈƵȺ ƮƵǶ ǶɐǐƊȲ ٶȺƵ
fueron hacia Vigía del Fuerte o a Quibdó, la capital del departamento. Se calcula que sólo en
ǿƊɯȌƮƵƵȺƵƊȋȌٶƧƊȺǞפǿǞǶȯƵȲȺȌȁƊȺةƵȁȺɐǿƊɯȌȲǠƊƮƵ ȌǯƊɯƋةȯƵȲȌɈƊǿƦǞƶȁƮƵǶɐǐƊȲƵȺƊǶƵƮƊȋȌȺٶةǶǶƵǐƊȲȌȁƊƵȺƊƧǞɐƮƊƮخ0ȁɈȌȁƧƵȺةƵȺɈƊǿƵǿȌȲǞƊȁƵǐȲƊƵȺɐȁƊǿƵǿȌȲǞƊƮƵǶƮƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌة
del desarraigo, del desgarro y la mutilación de cuerpos y territorios.
Cuatro meses después empezó el retorno y con éste, una desordenada ayuda gubernamental. Aquí el factor mediático impulsó y usufructuó testimonios y relatos de la masacre,
sin embargo, fue a través de iniciativas autogestivas y de la Diócesis de Quibdó que el retorno
se empezó a organizar cuatro meses después de la masacre, primero porque comenzaban las
consecuencias del desabastecimientos de recursos en otros lugares, pero también por las proǿƵȺƊȺƮƵǶƊªƵƮƮƵ²ȌǶǞƮƊȲǞƮƊƮ²ȌƧǞƊǶƦƊǯȌƵǶȯȲƵƧƵȯɈȌƮƵٙȲƵƧǞƦǞȲǿƋȺƊɯɐƮƊǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞƊȺǞȺƵ
ȲƵɈȌȲȁƊƊǶǶɐǐƊȲٚـXm²خفפממנةmƊȺƵȺɈȲƊɈƵǐǞƊȺƮƵȺƵƮɐƧƧǞȍȁȯƊȲƊƵǶȲƵɈȌȲȁȌȺȌȁƦǞƵȁƵǿȯǶƵƊƮƊȺ
en la gestión humanitaria, pues funcionan como contención del problema y prevención de
migración empobrecida y no deseada en ciudades y países cercanos.mƊ˛ƧǞȁƊƮƵǶǶɈȌ!ȌǿǞsionado de la ONU para Colombia realizó una investigación sobre los hechos, que fue rechazada tanto por el gobierno como por los militares. Y en medio de esta disyuntiva institucional, el
retorno se hizo vigente, por obligación también, y por la necesidad de seguir haciendo la vida, o
de restituirla. Fue un contingente de mujeres el que se encargó de organizar a tientas ese camȯȌƮƵǐɐƵȲȲƊɯƊȺǠȲƵƧǞƦǞȲממףןȯƵȲȺȌȁƊȺȱɐƵɨȌǶɨǠƊȁƵȁǶƊȁƧǘƊȺةȯƊȲƊƵȁƧȌȁɈȲƊȲƵȁɐȁƊȁȌƧǘƵ
oscura, la presencia de la fuerza pública y la latencia del peligro inminente por la vida, sumada
ƊǶƊɈȲǞȺɈƵɹƊƮƵȁȌǘƊƦƵȲȺƵƮƵȺȯƵƮǞƮȌƮƵȺɐȺǿɐƵȲɈȌȺـXm²خفפממנة
Las masacres tienen por objeto incidir en la vida comunitaria bajo un desviado pretexto
de escarmiento. Después de esta experiencia de violencia queda un largo camino, a veces infructuoso, para restituir la vida colectiva porque los puntos de apoyo moral (familiar, simbólico,
cultural y religioso) han sido vulnerados. Es más, el sentido deshumanizante que implica todo
atentado con la vida de un grupo de personas instituye una pregunta persistente por las versio-
3 mƊƊɯɐƮƊȯȲȌɨƵȁǠƊٙƮƵǶƊȺƵȁɈǞƮƊƮƵȺƮƵǶ0ȺɈƊƮȌȲƵƧǞƦǞȍƊɯɐƮƊɐȁׄـڭׁة׃ƮǞɨǞƮǞƮƊƮƵǶƊȺǞǐɐǞƵȁɈƵǿƊȁƵȲƊبªƵƮƮƵ
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سڭׂׅة׃ƮƵǶƊȺȌȲǐƊȁǞɹƊƧǞȌȁƵȺȁȌǐɐƦƵȲȁƊǿƵȁɈƊǶƵȺسڭ׆׀ة׀ةƮƵ§ƊȺɈȌȲƊǶȺȌƧǞƊǶسڭׄ׀ةׁׂةƮƵȯƊȲȲȌȱɐǞƊȺسڭ׀ةƮƵǶƊȺ
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4 Esto lo he podido constatar en paralelo con las estrategias humanitarias empleadas en Tailandia para que los
refugiados de Laos regresaran a sus territorios – pese a las minas y bombas de fragmentación presentes, y la deɨƊȺɈƊƧǞȍȁƊǶƊȱɐƵǘƊƦǠƊȺǞƮȌȺȌǿƵɈǞƮȌـmy(ð mخفׁׂ׀ׂة
Marcela Landazábal Mora
Tierra negra
ȁƵȺɯƊƧɐƵȲƮȌȺƮƵǘɐǿƊȁǞƮƊƮȱɐƵȺƵɈȲƊȺǶƊȯƊȁƵȁɈȲƵǶȌȺƊƧɈȌȲƵȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ!ذخȍǿȌ
es que las instancias racializantes, deshumanizantes por excelencia, siguen vigentes? Esto ya
ȁȌ ȲƵ˛ƵȲƵ Ɗ ɐȁƊ ƦƋȺǞƧƊ ƮǞȺɈǞȁƧǞȍȁ ȺȌƦȲƵ ǿƊȲƧƊƮȌȲƵȺ ƮƵ ȯǞƵǶ ƧȌǿȌ ƧȌȁƮǞƧǞȌȁƊȁɈƵȺ ƮƵ ȲƊɹƊ سƵǶ
178
racismo también se inscribe en la deshumanización del otro por el rechazo hacia sus formas
poéticas, políticas, sus formatos de alteridad ¿Cómo se ha inscrito todo esto en la memoria de
las poblaciones oprimidas? Para las comunidades afro e indígenas históricamente la memoria
colectiva es el principal eje de resistencia, una memoria muchas veces reimaginada o fabulada,
para anteponerse al abuso y desplazamiento de sus territorios ancestrales – los cuales se reconstruyen y tejen también en el entramado de relatos dispersos en otros lugares. El problema
del cuerpo negro radica en que, debido al lastre colonial, siempre ha sido un cuerpo abyecto,
ƊȯȲȌȯǞƊƦǶƵةƮƵȺȯǶƊɹƊƦǶƵةǞȁƧǶƊȺǞ˛ƧƊƦǶƵخÇȁƊǿƊȺƊىȱɐƵƊȺɐɨƵɹƵȺƮǞɨǞƮǞƮƊƵȁǿƊƧǘȌȺɯǘƵǿbras del mismo color.
0Ƕ ȁƵǐȲȌ ةٙɈƊȁ ǿƊȺƧɐǶǞȁȌٚ ةɈƊȁ ٙǿȌȁȺɈȲɐȌȺȌٚ سٙǶƊ ȁƵǐȲƊٚ ɈƊȁ ǏƵǿǞȁǞɹƊƮƊ ةٙɈƊȁ ƊȯȲȌȯǞƊƦǶƵٚ ى
como ya lo dejaba saber Frantz Fanon– tienen perspectivas diversas de aproximación en sus
ƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯȌȺ خ0Ƕ ɨƊȲȍȁ ȁƵǐȲȌ ƧƊǿȯƵȺǞȁȌ ƵȁƧƊȲȁƊ ǿɐƧǘȌ ƮƵ ٙȺƊǶɨƊǯƵٚ ةƵȺ ɐȁ ȺƵȲ ƧƊǶǞƦƋȁǞƧȌ ȯȌȲ
excelencia. Sin embargo, en medio de la explotación mediática de Bojayá, la fotografía de Jesús
Abad Colorado –quien también ha sido ampliamente difundido, pero no por ello, su obra carece
de valor ético–enseña otra sensación de esas masculinidades en medio del fuego cruzado, principalmente la de la ternura y la vulnerabilidad. Dos rasgos desatendidos en las masculinidades
de guerra. Escuchar a los varones en entornos bélicos es difícil, porque se expresan con armas,
o bien porque deben guardar silencio para proteger su vida. Sin embargo, la serie de fotografías
tomadas en Bojayá permiten organizar otra narrativa de la masculinidad –ya no guerrera– sino
ƊȱɐƵǶǶƊǞȁǿƵȲȺƊƵȁƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƊɈƵȁǞƮƊƊǶƊȲƵȺɈƊɐȲƊƧǞȍȁƮƵȺɐƵǿȌƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮǘɐǿƊȁƊة
así como al derecho y deber (de los hombres) de proteger, cuidar, llorar y sanar la vida.
Quizá la imagen que inmortalizó el daño moral y físico en Bojayá es el Cristo mutilado
de la iglesia del pueblo (Figura I). En la esquina inferior izquierda, como un relato marginado
de la esperanza, se contrapone al espacio devastado que advierte la profanación a la que fue
sometida la sacralidad de la vida. La profanación de lo sagrado es un típico acto de guerra, compromete el daño de una manifestación material -como los templos– con el daño o afectación de
los pilares simbólicos.mȌȱɐƵǘƊƧƵȲƵɨƵȲƦƵȲƊȲƵȺɈƊǞǿƊǐƵȁƵȁǶƊǿƵǿȌȲǞƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌ
es precisamente la concreción visual de una sensibilidad devastada que se viene dando hace
muchas décadas. Funciona como una analogía, pero, sobre todo, absorbe en la pulsión visual lo
que no puede ser narrado con palabras, por efectos de un hecho traumático.א
mƊȲƵƧɐȲȲƵȁɈƵǞǿƊǐƵȁƮƵǶٙ!ȲǞȺɈȌƮƵ ȌǯƊɯƋٚȯɐƵƮƵƵȁƧȌȁɈȲƊȲȺƵƵȁƮǞɨƵȲȺƊȺȯǶƊɈƊǏȌȲǿƊȺ
en internet y funciona como un referente frecuente tanto del trabajo de Jesús Abad Colorado –
ƵǶȲƵȯȌȲɈƵȲȌȱɐƵǶƊƧƊȯɈȍƊȯƵȁƊȺɐȁȌȺǿȌǿƵȁɈȌȺƮƵȺȯɐƶȺƮƵǶǘƵƧǘȌىƧȌǿȌƮƵǶƊȺ˛ǐɐȲƊƧǞȌȁƵȺ
de la violencia reciente en Colombia. Hay dos factores que ya determina la imagen original: la
mutilación de lo sagrado expuesta en el cristo mutilado y el silenciamiento abrupto – el contexto de ruina física y moral– que queda después de la masacre. Por ello reproducir de nuevo esa
fotografía, sólo se enfatizaría en el ícono y no en su dimensión crítica. La excesiva circulación
que ha tenido la imagen ha generado un acostumbramiento de la mirada pública en el contex ׅEn este sentido, el análisis de Susan Sontag sobre los episodios de guerra vividos a lo largo de las últimas déƧƊƮƊȺƵȁwƵƮǞȌȲǞƵȁɈƵةƮƵǯƊȁɨƵȲȱɐƵǶȌȺȯǞǶƊȲƵȺȺǞǿƦȍǶǞƧȌȺȁȌƧȌȁ˛ƵȲƵȁȺȌǶƊǿƵȁɈƵƊǶƊǞȁȺɈƊȁƧǞƊƊȲȱɐǞɈƵƧɈȍȁǞƧƊ
sacra, sino a la misma incapacidad de crear imágenes con las que se pueda entender la guerra (MORSS, 2010).
׆Al respecto, convienen las distinciones desarrolladas por Susan Sontag en ȁɈƵƵǶƮȌǶȌȲƮƵǶȌȺƮƵǿƋȺلCiudad
de México: De Bolsillo, 2018 donde denuncia esa cualidad de la fotografía periodística, resumida en su capacidad
de impacto, antes que su capacidad narrativa.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
179
IǞǐɐȲƊ!خןȌȁɈƵɮɈȌƮƵǶƊǿɐɈǞǶƊƧǞȍȁƮƵǶ!ȲǞȺɈȌƮƵ ɐƵȁƊɨǞȺɈƊƵȁ ȌǯƊɯƋخȲȲǞƦƊ(ƵɈƊǶǶƵƮƵǶƧȲǞȺɈȌǿɐɈǞǶƊƮȌس
abajo, iglesia después del ataque. Fotografías de Jesús Abad Colorado, tomadas de Revista Semana y El
País, acondicionadas para esta publicación.
Marcela Landazábal Mora
Tierra negra
to colombiano, es una imagen icónica, por ello, al tomar sus dos puntos de tensión, el detalle
(arriba) y el contexto amplio de la iglesia que congrega la comunidad (abajo), se busca visibilizar
cómo cuerpo y espacio – sagrado, comunitario y público– funcionan en tanto detonante ana-
180
lítico entre las dimensiones íntimas y externas que atravesaron la experiencia de Bojayá y son
ƧƊɈƵǐȌȲǠƊȺƧƵȁɈȲƊǶƵȺȯƊȲƊȲƵɨǞȺƊȲƧɐƊǶȱɐǞƵȲƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊƧȌȁƧȲƵɈƊƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧto armado en Colombia.
0ȁ ץןמנɈɐɨȌ ǶɐǐƊȲ ƵǶ ȲƵǐȲƵȺȌ ƮƵǶ ǏȲƊǐǿƵȁɈȌ ƮƵǶ ƧȲǞȺɈȌ ǿɐɈǞǶƊƮȌ Ɗ ȌǯƊɯƋ ةƵȁ ɐȁƊ ƧƵremonia precedida por el Papa Francisco II y donde, en una romería por las calles del pueblo,
aún en proceso de recomposición, se tejían estrategias que, a modo de restitución en el marco
de pos-acuerdo, se vienen labrando en el terreno de la reparación de la memoria histórica en
!ȌǶȌǿƦǞƊ!ـ0yÀªy!Xym(0w0wªXRX²À ªX!سץןמנةª(ªZJÇ0ðخفקןמנة0ǶƮǞǏǠƧǞǶ
diálogo entre instituciones y necesidades –físicas y morales– de la comunidad enseña un largo
ƧƊǿǞȁȌƮƵǞȁȺɈƊȁƧǞƊȺȁȌƮǞƊǶȌǐƊƮƊȺɯةƊȺɐɨƵɹةɐȁƵȁȌȲǿƵƮƵȺƧȌȁƧǞƵȲɈȌȯƊȲƊȺɐɈɐȲƊȲǶƊȺ˛ȺɐȲƊȺ
de lo íntimo-sagrado, las más lastimadas en las comunidades negras a lo largo de la historia de
!ȌǶȌǿƦǞƊةȁȌȺȍǶȌƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ(خƵǿƊȁƵȲƊȱɐƵةǶƊȯȌɈƵȁƧǞƊƮƵǶƊǞǿƊǐƵȁƮƵǶٙƧȲǞȺɈȌƮƵ
ȌǯƊɯƋٚȲƊƮǞƧƊƵȁȺɐƧƊȲƋƧɈƵȲƧȌȁǏȲȌȁɈƊɈǞɨȌȺȌƦȲƵǶƊƮƵƦƊƧǶƵƶɈǞƧƊƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌȱɐƵƮƵǯƊ
en evidencia, una vez más, la vulnerabilidad de los cuerpos, la intensidad de los daños padeciƮȌȺɯƵǶƧȌȁƮǞƧǞȌȁƊȁɈƵƮƵȲƵȯƊȲƊƧǞȍȁƵȁǶƊǘǞȺɈȌȲǞƊƧȌǿȌɐȁƊٙـǞǿفȯȌȺǞƦǞǶǞƮƊƮٚىǞȁƧǶɐȺȌȯƊȲƊȺƵȲ
imaginada. Aquí no se trata de la vulnerabilidad constitutiva de la vida –como la entiende Judith Butler– sino de una vulnerabilidad que funciona como estamento de control ante la ausencia
del Estado, en una zona históricamente marginada y expuesta a ejercicios densos de extracción
de riquezas naturales y culturales, donde, precisamente, se deben recuperar las narrativas de
ǶƊȺƵɮȯƵȲǞƵȁƧǞƊȺƮƵɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌȱɐƵǘƊȁǞƮȌƧɐǶɈǞɨƊȁƮȌȺɐȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺ ـÇÀm0ªخفמןמנة
IȌɈȌǐȲƊǿƊخנmƊɈǞƵȲȲƊـɯǶƊفȁƵǐȲƊɯƵǶȯƵȲȯƵɈȲƊƮȌȲ
Sin embargo, el daño moral no culmina sin su máxima expresión, la profanación del cuerȯȌƮƵǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺƧȌǿȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶƊɈƵȁɈƊƮȌƊǶɈƵǯǞƮȌȺȌƧǞƊǶسɯƶȺɈƵƧȌǿȌȯȲǞȁƧǞȯƊǶȯȲȌȯɐǶȺȌȲƮƵ
expulsión y desarraigo de la tierra. Por ello, comprender la resistencia de las mujeres exige escucha, primero porque la mayoría de las veces no hay imágenes de los crímenes o ni siquiera,
sus huellas – hay que rescatar algunos balbuceos pronunciados con profunda vergüenza, con
rabia o desilusión. Segundo porque las mujeres son el primer frente de contención ante las desapariciones y asesinatos de los varones en sus comunidades. Y tercero, porque por esos motivos
son la primera línea violentada sexualmente – para después ser ahuyentadas, espantadas y
revictimizadas durante los desplazamientos forzados, incluso si forman parte de los grupos armados. La incisión tan grande que dejan las violaciones como estatuto central en los crímenes
de guerra también atraviesa la capacidad de relatar, de sanar, de perdonar y de continuar con
la vida – se agrede la forma de rememorar la historia. ¿Cómo hablar de las heridas cuando en la
mayoría de los casos no se empuñan armas? ¿Cómo curar al otro, si el centro de la dignidad y
la libertad ha sido herido? Hay un par de relatos que, a la manera en que Rita Segato lo puede
explicar, se entiende ese lazo entre mujer y territorio cuando son franqueados por una fuerza
ǿƊȺƧɐǶǞȁƊƦƶǶǞƧƊـ²0JÀخفפןמנة²ƵɈȲƊɈƊƮƵƮȌȺɈƵȺɈǞǿȌȁǞȌȺةɈȌǿƊƮȌȺƮƵǶƊȯƋǐǞȁƊɩƵƦƮƵǶƊ
!ȌǿǞȺǞȍȁƮƵßƵȲƮƊƮفקןמנـȱɐƵǿƵǞȁɈƵȲƵȺƊȲƵȺƊǶɈƊȲب
El primer caso habla de los horrores de la guerra en los cuerpos de las mujeres negras en
la vereda San Miguel en el municipio Buenos Aires, Cauca:
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
Nos tocó aprender a las buenas o a las malas qué era un hombre o qué eran
muchos hombres también” relató una testimoniante. Los autores de las accioȁƵȺȺƵǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊƦƊȁƧȌǿȌÇ!ٗب0ȺƊǐƵȁɈƵǶǶƵǐȍةȺƵȯȲƵȺƵȁɈȍɯɯƊةȺƵƊȯȌƮƵȲƊron de la vereda, de nosotros, de todo.
Es decir, después del apropiamiento simbólico de las mujeres –que son a la vez la promesa de vida en el tejido comunitario, y a la vez el cuerpo deseado del opresor, una suerte de
tributo – en el sentido que Rita Segato explica las guerras clásicas. Lo que se debe rescatar en
esa forma violenta de apropiación del cuerpo femenino, es el anuncio de la apropiación del
territorio – la aniquilación de las mujeres como personas y la reducción viril de los hombres (en
tanto protectores) en las comunidades afectadas. Aquí la condición de género no está atravesada de manera visible por la de raza, como en el siguiente ejemplo.
ɈȲȌ ɈƵȺɈǞǿȌȁǞȌ ǏɐƵ ƮƵ ǶȌȺ ǘƵƧǘȌȺ ɨǞɨǞƮȌȺ Ƶȁ ƵǶ מממנȯȌȲ ɐȁƊ ǿɐǯƵȲ ƮƵ wƊȲǠƊ mƊ ƊǯƊ
ـȌǶǠɨƊȲةفƊȱɐǞƵȁɐȁȯƊȲƊǿǞǶǞɈƊȲǶƊȌƦǶǞǐȍƊƮƵȺ˛ǶƊȲǏȲƵȁɈƵƊȌɈȲȌȺǘȌǿƦȲƵȺƮƵǶƊȺɐɈȌƮƵǏƵȁȺƊȺ
Unidas de Colombia (AUC) y, luego, fue marcada con un hierro caliente: “Creo que él me marcó
porque era negra y me marcó como si fuera una esclava”. Ella relató que a las mujeres las obliǐƊƦƊȁƊǘƊƧƵȲȌ˛ƧǞȌȺةƊǶƊɨƊȲǶȌȺƧƊǿɐ˜ƊƮȌȺɯƊƧȌƧǞȁƊȲǶƵȺخ
La histórica violencia colonial que observa en el cuerpo negro es degradación de lo vivo.
Primero, la reminiscencia colonial de la reducción de la humanidad los esclavizados negros a aniǿƊǶƵȺɯȺƵǐɐȁƮȌةǶƊƊȯȲȌȯǞƊƧǞȍȁٙƮƵǶƊȁǞǿƊǶٚةƮƵٙǶȌȁƊɈɐȲƊǶٚƧȌǿȌǞȁȺɈƊȁƧǞƊǞȁǏƵȲǞȌȲƧȌȁ˛ǐɐȲƊȁǶƊ
ecuación de ruptura de todo vínculo sagrado con el equilibrio de lo vivo. De este modo, y con una
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²ƵɮɐƊǶƵȺخIɐƵȲȌȁǿƋȺƮƵףנǿǞǶɨǠƧɈǞǿƊȺƮƵɨǞȌǶƵȁƧǞƊȺȺƵɮɐƊǶƵȺƵȁɈȲƵףצקןɯפןמנƵȁƵǶǿƊȲƧȌ
ƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌةƮƵǶƊȺƧɐƊǶƵȺڭןקȺȌȁǿɐǯƵȲƵȺخ
El estereotipo de lo negro en Colombia tiene un fuerte anclaje en las disputas territoriales
ancestrales, aquí la presencia de los cuerpos femeninos en el escenario de guerra permanente
tiene una función dual, por una parte, son objeto de deseo y por otra, el contrapunto de resistencia, son objetivo de desequilibrio. Si bien se ha trazado una línea asociativa entre la mujer y la
ɈǞƵȲȲƊةƵǶɨƊȲȍȁȁƵǐȲȌةɈƊǿƦǞƶȁƵȺɨǞȁƧɐǶƊƮȌƊǶɈƵȲȲǞɈȌȲǞȌةȯƵȲȌƵȁȺɐǿȌƮȌǿƋȺƧȌǶȌȁǞƊǶسƊɈȲƊɨƶȺ
de su presencia física se suscribe en tanto trabajador – cultivador, cañero, mercenario – o bien,
como víctima – muchas veces ausente. Generaciones enteras de padres negros desaparecidos
obligan a plantear que la memoria negra es también una de orfandad, donde las generaciones
ǿƋȺǯȍɨƵȁƵȺƮƵƦƵȁȺƊǶƮƊȲǶƊȺƮƵɐƮƊȺǿȌȲƊǶƵȺȱɐƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌǘƊƮƵǯƊƮȌخ0ȺɈȌȺƵɨǞƵȁƵ
ǘƊƧǞƵȁƮȌ ȺǞȁ ȱɐƵ ƵǶ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌ ƊȲǿƊƮȌ ǘƊɯƊ ƊƧƊƦƊƮȌ ةȯƵȺƵ Ɗ ǶƊ ƊɈȌǿǞɹƊƧǞȍȁ ɯ ǶƊ ǿƊȲǐǞȁƊƧǞȍȁ
a la que obliga el desplazamiento. De esto se han encargado en gran medida las abuelas (y
los pocos abuelos que quedan vivos) activándose como bisagras entre la incertidumbre y el
desasosiego de la guerra, el pasado ancestral y la duda hacia la proyección de todo futuro. De
ahí la importancia por atender no sólo los racismos o las divisiones de género, sino un diálogo
intergeneracional donde se permita restaurar ese tejido ancestral conectivo que durante siglos
pudo sostener la resistencia moral de las comunidades negras.
Marcela Landazábal Mora
181
Tierra negra
ɈǞƵȁɈƊȺɯƧȌȁƵǶȯɐǶȺȌƊǶƦȌȲȌɈƊƮȌة
ƊȁƮƊȁƮȌɐȁƊɈȲȌƧǘƊƮƵȲǞɈǿȌȺɯȯƊǶƊƦȲƊȺ
182
Sosteniendo el asunto de las juventudes negras, sin que estas sean homogéneas, me
ƮƵȺȯǶƊɹƊȲƶ ȲƋȯǞƮƊǿƵȁɈƵ ǘƊƧǞƊ ɐȁƊ ȲƵ˜ƵɮǞȍȁ ȱɐƵ ȺɐȲǐƵ Ƶȁ ǶƊ ƧȌȁ˜ɐƵȁƧǞƊ ƮƵ ǶƊȺ ƊǐȲƵȺǞȌȁƵȺ Ɗ
las que se vieron abocadas las generaciones más jóvenes que participaron del paro nacional
en Colombia, en especial las más negras, las más indias y las más pobres, durante los sucesos
ƮƵǿƊɯȌƮƵىןנמנƮƵȺȯɐƶȺƮƵǶƊǞȺǶƊǿǞƵȁɈȌƮƵǶƊȯƊȁƮƵǿǞƊɯƮƵǶƊȺǏȌȲǿƊȺƵȁȱɐƵƵǶƮǞȺǐɐȺɈȌ
social, compartido a lo largo y ancho del país, fue sofocado durante algunos meses. Se habla
de la triada crítica raza, clase y género para confrontar el pensamiento sistémico, sin embargo,
la condición intergeneracional debe considerarse para situar no sólo lo político, sino las oportunidades de transformación que se siguen gestando desde los improvisados bastiones de resistencia. La parcelación de las edades aptas para el habla y aptas para la escucha constituye
otro efecto de ese mundo en compartimentos –donde la distinción de adultez está aunada a la
de civilización y madurez, y la de juventud a la impulsividad irracional– que decanta en la desƧƊǶǞ˛ƧƊƧǞȍȁȯȌǶǠɈǞƧƊƮƵǶȌȺǿƋȺǯȍɨƵȁƵȺخǶȌƦȺƵȲɨƊȲǶȌȺƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺƦȲȌɈƵȺƮƵǞȁƧȌȁǏȌȲǿǞƮƊƮةƮƵ
rebeldía, de crítica en las calles, el diálogo entre jóvenes y viejos, entre abuelas, madres y nietas
ȺƵǘǞɹȌɨǞǐƵȁɈƵƵȁɐȁƊƧȌȁ˛ǐɐȲƊƧǞȍȁƮƵƧɐǞƮƊƮȌȺɯƵɮȯȲƵȺǞȌȁƵȺȺǞȁȯȲƵƧƵƮƵȁɈƵȺƵȁƵǶȯƊǠȺخmƊ
principal consigna fue la pregunta por el sostenimiento de la vida digna y la capacidad de imaginar un futuro, en medio de un presente desesperanzador, no por la incertidumbre propia de
la vida, sino por las formas en que los destinos de sus vidas son administrados.
Hubo disturbios, represión policial y paramilitar, pero siempre y en resistencia, música,
que es la forma en que las juventudes conducen afectiva y efectivamente su palabra. No obstante, hablar de música tampoco dispone un terreno neutral ni idílico. La música negra circula
ɯȺƵƵɮȯȌȲɈƊƧȌǿȌɐȁȯȲȌƮɐƧɈȌɈȲȌȯǞƧƊǶƮƵƧȌȁȺɐǿȌɈȲǞɨǞƊǶȺȌƦȲƵǶȌȺȯƵȲ˛ǶƵȺƮƵǶǞǿǞɈƊƮȌȺƮƵǶƊ
industria cultural que hace propaganda en el país – y en la región, en general, por eso, debe
atenderse que en las músicas negras su factor rítmico y festivo tiene diferentes capas semánticas, hasta llegar al dolor histórico. Durante siglos las músicas negras han acallado el clamor
ƮƵǶȌȺǐȲǞɈȌȺƮƵǐɐƵȲȲƊɯǘƊȁƵȁɈȌȁƊƮȌǶȌȺƊǶƊƦƊȌȺƮƵƊȱɐƵǶǶȌȺȱɐƵȁȌƵȁƧȌȁɈȲƊȲȌȁȯƊɹƵȁɨǞƮƊس
también se han acomodado al compás de los cuerpos de los rituales de resistencia porque
danzar, se ha aprendido muy bien desde los palenques, libera. בLa música negra contra el devenir negro del mundo – término que tomo de Achille Mbembe para enfatizar que lo negro y el
negro ahora se instalan en proyectos divergentes de futuro – es una forma poética-política por
ƵɮƧƵǶƵȁƧǞƊȱɐƵƧȌȁɨȌƧƊǶȌȺƧɐƵȲȯȌȺǘƊƧǞƊǶƊȲƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊƧǞȍȁƮƵǶƊȺƵǿȌƧǞȌȁƵȺƧȌǿȌȯȌɈƵȁƧǞƊ
transformadora. Este acumulado sensible dotó de sentido a la máxima consigna ¡#NosEstánMatando, pero seguimos vivas/ vivos!
Hoy día en Colombia, las juventudes rurales y de las periferias urbanas, también las de
ƧǶƊȺƵȺǿƵƮǞƊȺةƵȺɈƋȁƊƦȌƧƊƮƊȺƊɐȁȺȌǏȌƧƊǿǞƵȁɈȌȱɐƵǶƵȺȺǞǐɐƵƮǞɨǞƮǞƵȁƮȌƵȁɈȲƵٙǘƶȲȌƵȺƮƵǶƊ
ȯƊɈȲǞƊٚسǶȌȺȱɐƵȯƵǶƵƊȁسǶȌȺȱɐƵȲƵȺǞȺɈƵȁسǶȌȺȱɐƵɈƵȲǿǞȁƊȁƧȌȁȺɐɨǞƮƊǿɐɯȯȲȌȁɈȌƧȌȁǿȌƧǞȌȁƊƮȌȺȯȌȲǶƊȺƵƧȌȁȌǿǠƊȺƮƵǶǞƧɈǞɨƊȺسǶȌȺȱɐƵƮƵǯƊȁƧƊȲȲƵȲƊȺɈȲɐȁƧƊȺسǶȌȺǿƵȲƧƵȁƊȲǞȌȺɯǶȌȺȯȲǞɨǞǶƵǐǞƊdos –que tienen muy poca oportunidad y deseo de intervenir en la transformación de la historia.
Fue cierto, una política de terror estatal y paraestatal se impuso sobre los jóvenes, muestra de
ƵǶǶȌ ǏɐƵȲȌȁ ƊƧȌȁɈƵƧǞǿǞƵȁɈȌȺ ȌƧɐȲȲǞƮȌȺ Ƶȁ ɐȁ ƧƊȋƊƮɐɹƊǶ ƮƵǶ ßƊǶǶƵ ƮƵǶ !ƊɐƧƊ ةƵȁ ةמנמנƮȌȁƮƵ
cinco varones adolescentes fueron inexplicablemente abatidos, sólo con un sobreviviente que
ׇ0ȁ ƵȺɈȌ ȺȌȁ ƧȲɐƧǞƊǶƵȺ ǶƊȺ ȯƊȲɈǞƧǞȯƊƧǞȌȁƵȺ ɯ ƵǶ ǶƵǐƊƮȌ ƮƵ ǶȌȺ ǘƵȲǿƊȁȌȺ wƊȁɐƵǶ ðƊȯƊɈƊ ǶǞɨƵǶǶƊ ɯ (ƵǶǞƊ ðƊȯƊɈƊ
Olivella, sólo por citar un ejemplo.
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
logró contar la historia. El primer interrogatorio lo recibió el jefe de gobierno y una de sus respuestas fue:
wɐƧǘƊȺȯƵȲȺȌȁƊȺǘƊȁƮǞƧǘȌبٙɨȌǶɨǞƵȲȌȁǶƊȺǿƊȺƊƧȲƵȺةɨȌǶɨǞƵȲȌȁǶƊȺǿƊȺƊƧȲƵȺٚة
primero hablemos del nombre preciso: ٴǘȌǿǞƧǞƮǞȌȺ ƧȌǶƵƧɈǞɨȌȺ ٵy tristemente
hay que aceptarlo como país, no es que volvieron, es que no se han ido tristeǿƵȁɈƵƵȺɈȌȺǘƵƧǘȌȺ٘ٶخ²ȌȺɈɐɨȌƵǶȯȲƵȺǞƮƵȁɈƵXɨƊȁ(ɐȱɐƵ!ـǪ²Xß²§ª§ªXة
خفמנמנ
²ǞƦǞƵȁǶƊȺƧȲǠɈǞƧƊȺƊȁɈƵƵǶȁƵǐƊƧǞȌȁǞȺǿȌƧȌȁȺɈǞɈɐɈǞɨȌƮƵȺƮƵǶƊƧƊƦƵɹƊȯȲƵȺǞƮƵȁƧǞƊǶƧȌȁ˛Ȳmaron la desconexión de un estado ausente en muchos espacios, la mayor denuncia simbólica
se logró a través de la música. El tema Quién los mató compuesto y cantado por Junior Jein,
Hendriz Hinestroza, Nidia Góngora y Alexis Play comenzó a circular en redes, bajo una factura
única, la letra de la canción cita diferentes episodios de criminalización y violencia armada contra las comunidades negras. La repetición propia de las canciones insiste en denunciar, pero
también debate la negación constante de los efectos de cada uno de los actos violentos a los
que son sometidas las juventudes. De ahí que la forma en que la música se instala en el cuerpo,
por repetición, sea tan efectivamente política para la memoria. La canción montada en una
ƧȌǿƦǞȁƊƧǞȍȁƮƵȲƊȯɯȲƵǐǐƊƵɈȍȁةƧȌȁƦƊȺƵȺȲǠɈǿǞƧƊȺٙƊǏȲȌٚȺȌȺɈɐɨȌƵǶȺǞǐɐǞƵȁɈƵƮǞȺƧɐȲȺȌب
Madre / No llegaré a la hora de la cena/ Aparecí en un lugar/ Que no era mi hogar/ Dicen que ven mi cuerpo/ Oigo me están llorando// Hay sangre en la arena
y esta vez no es del torero/ Son cinco chicos que salieron pero nunca volvieron/
Uno de ellos resistió de una manera inexplicable/ Para señalar el camino y que
lo pudiera encontrar su madre// En medio de una escena con respuestas en
potencia/ Y unos cuántos que no se entendía que hacían allí/ El dolor de familiares impulsados por el miedo /Queriendo llevar sus hijos sin saber si podrían
salir// Con vida a contarle al mundo lo ya sucedido / Si esta madre no se atreve
ɈȌƮȌƵȺɈƊȲǠƊȯƵȲƮǞƮȌشæƵȺɈƊȲǠƊƵȁƊȲƧǘǞɨȌɯȌɈȲƊǘǞȺɈȌȲǞƊȯƊٚƧȌȁɈƊȲ(شƵǶȯƊǠȺ
con la clase obrera que se muere en la impunidad // Sangre / Hay sangre en
unas manos ajenas / Si me convierto en canción / Solo recuérdame feliz / Aquí
no pasa el tiempo /No hay pena o sufrimiento// Ahora soy yo quien va a escandalizarse /Con la fuerza de los gritos de Ruby Cortes en los cañaduzales/ Le exijo
a la justicia que este caso se aclare/ Y que no quede impune como casi siempre
hacen// Nada, la vida de los negros no importa nada/ Lo primero que dicen es:
“andaban en cosas raras”/ Como Jean Paul, Jair, Léyder, Álvaro y Fernando / Somos víctimas del sistema y el abandono del estado / Pero el pueblo no se rinde
ƧƊȲƊǯȌـفتـh0XyƵɈƊǶخفמנמנةخ
El tema musical es acompañado de un relato visual que delata el territorio apropiado
– inicia con un plano aéreo de los cañaduzales y posteriormente los cantantes, instalados en
ataúdes toman voz por aquellos que no pudieron hablar, evoca a las madres, a las hermanas, y
enumera casos de universitarios, de chicos del campo y otras experiencias no reconocidas por
el Estado. El video termina con un plano amplio que reúne todas las personas participantes del
video portando antorchas en una noche de estrellas, enfatizando que, pese a todo, no se ha
adormecido la capacidad de contemplar la existencia ٛIǞǐɐȲƊٜ ىEl contrapunto entre imagen
ɯȺȌȁǞƮȌƵȁƊǶǐȌǿƋȺƮƵסǿǞȁɐɈȌȺƮƵɨǞƮƵȌȯƵȲǿǞɈƵƧȌǿȯȲƵȁƮƵȲȱɐƵƵǶƮȌǶȌȲǿȌȲƊǶƵȺǘǞȺɈȍrico en las comunidades, pero también en los territorios deshechos –por las fuerzas históricas
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cantantes de la pieza musical aquí presentada y activista por derechos de comunidades negras,
ǏɐƵƊȺƵȺǞȁƊƮȌƵȁɐȁƦƊȲƮƵ!ƊǶǞƵȁǯɐȁǞȌƮƵخןנמנ
Marcela Landazábal Mora
183
Tierra negra
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víctimas como un acto de conciencia, de ruptura con su pasado ligada a la promesa de futuro
184
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del acuerdo de paz. Pero entonces ¿qué función desempeña la música? La música, replanteada
en el escenario actual, con contenidos densos, unos de denuncia, otros de lamento y otros de
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ella para apoyar la voz y denuncia, para relatar, para, recuperar al menos, en breves espacios,
momentos de escucha.
Lo que pasa entonces con la histórica interacción entre negro, música, violencia, territorio
es un cambio semántico, auspiciado por generaciones huérfanas que quieren agruparse por
medio de la música para apoyar la reparación de lo colectivo. En toda esta ecuación subyace la
voz de la abuela negra, de las madres antaño cimarronas y las cantaoras que conjuran de otra
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los mercados, sino de músicas negras que buscan andar la historia – reconstruirla mientras apoyan la reparación emocional que rebasa sus propios territorios y atraviesa el territorio nacional.
§ƊȲƊɐȁrumboƮƵǶǶƵǐƊƮƊ
Cuando se persigue una verdad –una forma verdadera de la reparación– distinta a la
mera acusación, se busca también liberar de la angustia y el silencio, de los olvidos históricos,
de las instancias de opresión transparentes, normalizadas y vigentes que refuerzan las lectuȲƊȺ ƵȺɈƵȲƵȌɈǞȯƊȁɈƵȺ ƮƵǶ ƧȌȁ˜ǞƧɈȌ ƊȲǿƊƮȌ خǘǠ ǶƊ ǞǿȯȌȲɈƊȁƧǞƊ ƮƵ ǶƊ ǏɐƵȲɹƊ ƮǞǐȁǞ˛ƧƊȁɈƵ ƮƵ ǶƊȺ
experiencias de vida, apoyadas por estatutos judiciales y otras estrategias que se han venido
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rebasan. Porque la reconstrucción colectiva está en manos de los diferentes grupos del entramado socio-cultural y biótico de todo contexto oprimido en el mundo, aunque en este caso se
dedique el presente argumento a Colombia, mi país natal.
La reparación es un compromiso político, así mismo la sanación, que a su vez es un compromiso ético – una forma moral de la política, necesaria para atravesar las instancias más laǿƵȁɈƊƦǶƵȺƮƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌƊȲǿƊƮȌƊƦȲǞƵȁƮȌƧƊǿȯȌǘƊƧǞƊȌɈȲƊȲƵǶƊƧǞȍȁƧȌȁǶƊɈǞƵȲȲƊɯƧȌȁǶƊȺǐƵneraciones que vienen. Esta forma de la estética – liberada del peso (dominio) histórico de las
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toda reparación moral. Aquí la acción de las madres, de las mujeres que sobrevivieron, resisɈǞƵȲȌȁɯȺƵƊɈȲƵɨǞƵȲȌȁƊƧȲƵƊȲǿƊȲƧȌȺƮƵƮǞǐȁǞ˛ƧƊƧǞȍȁȯƵȺƵƊȺɐȺɨǞɨƵȁƧǞƊȺƮɐȲƊȁɈƵƵǶƧȌȁ˜ǞƧɈȌ
armado, debe tomarse como una pedagogía volcada hacia la vida – en su cualidad más política
y creativa –. En el entramado de esta línea materna de resistencia puede comprenderse la importancia de las juventudes en los escenarios de sutura social a los que se aboca Colombia, pero
esto también puede percibirse a lo largo de la región con las marchas masivas que América LaɈǞȁƊɨǞɨǞȍƮƵȺƮƵקןמנǘƊȺɈƊƵǶةןנמנƮȌȁƮƵةƵǶƧȌȁɈƵɮɈȌƮƵȯƊȁƮƵǿǞƊȲƵƧȲɐƮƵƧǞȍǶƊȺƦȲƵƧǘƊȺȺȌcioeconómicas, por lo que la respuesta social convocó diferentes sectores sociales en conjunto.
La expoliación sufrida por comunidades y territorios no puede comprenderse en su dimensión más crítica si no se toma en cuenta la experiencia de violencia inscrita en los cuerpos
de las mujeres, en los territorios feminizados y en las formas de degradación de la vida donde
se profana la dimensión de la ternura, el cuidado y la reparación. A lo largo de estas líneas se ha
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
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de las desapariciones forzadas de varones, y el disciplinamiento para la aniquilación casi total
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sostener, y en muchos casos, comenzar de nuevo a elaborar el tejido social. Al esbozar algunos
episodios vividos por las comunidades, cuerpos y territorios negros, sólo se busca destacar una
instancia ejemplar de resistencia ante la reiterada sumisión política y expoliación territorial que
también comprende tierras indígenas – anunciadas como resguardos a modo de segregaciones preventivas de control – en zonas marginales de las ciudades y otros entornos donde el
principio regulador de las vidas se da en marcos de desigualdad económica y racismo en los
cuales, las mujeres componen el eslabón más bajo de la cadena, soportando todo el peso de los
esquemas institucionales y los prejuicios sociales. De ahí la importancia para pensar la memoria
en femenino, no como una instancia minimizada – feminizada –, sino como un andamiaje que
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estrategias que pasan por el cuerpo, el sostenimiento de la alimentación, la higiene, la salud, el
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Marcela Landazábal Mora
185
Tierra negra
Toda esa recomposición social y política requiere un vasto entramado de relaciones e
interacciones y condiciones poéticas que permitan volver a crear, volver a pensar e, incluso y
contra todo pronóstico, imaginar acompañando. Denunciar el colapso no sirve de nada cuan-
186
do se trata de sostener la vida viviendo. En Colombia la música, sobre todo, los cantos negros
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Achille Mbembe, se rebate a través de las potencias negras, amarillas, rojas y todas las formas
poéticas de las resistencias, porque ellas encarnan principalmente la capacidad de transformación política. Y sabemos que no hay resistencia política carente de poética.
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SEGATO, R. mƊǐɐƵȲȲƊƧȌȁɈȲƊǶƊȺǿɐǯƵȲƵȺخwƊƮȲǞƮبÀȲƊ˛ƧƊȁɈƵȺƮƵ²ɐƵȋȌȺخפןמנة
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ACCIÓN CONTRA MINAS. 0ȺɈƊƮǠȺɈǞƧƊȺƮƵƮƵȺǿǞȁƊƮȌǘɐǿƊȁǞɈƊȲǞȌ. http://www.accioncontraminas.gov.co/Estadisticas/Paginas/Estadisticas-DH.aspx
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 168-187, 2021
Artigos
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LATINOAMERICANO DE SERVICIOS LEGALES ALTERNATIVOS (ILSA). Instituto Desplazamiento y retorno. Balance de una política. mǞƦȲȌ נ0ȺȯǞȲƊǶƵȺƮƵǶƮƵȺȯǶƊɹƊǿǞƵȁɈȌة0ǶȲƵɈȌȲȁȌƮƵ
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CASTILLEJO, A. Entre el negacionismo y el revisionismo del pasado violento. 0ǶƵȺȯƵƧɈƊƮȌȲ,
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Marcela Landazábal Mora
187
Sobre o gênero e seu
modo-muito-outro
Catherine Walsh
Universidade Andina Simón Bolívar - Equador
Tradução:
Lívia Brito Barbosa
UNILA
John Freddy Agudelo Gaspar
Universidad Tecnológica de Pereira
1 A versão original deste texto foi escrita em inglês e foi publicada como: “On Gender and its Otherwise”, em The Palgrave Handbook on Gender and Development Handbook: Critical Engagements in feminist theory and practice, W.
RƊȲƧȌɐȲɈـƵƮةفخmȌȁƮȌȁ§بƊǶǐȲƊɨƵةǯƊȁƵǞȲȌƮƵׂخ׆ׁ׀0ǿƦȌȲƊٗȌɈǘƵȲɩǞȺƵ٘ɈƵǿȺǞƮȌɈǞȯǞƧƊǿƵȁɈƵɈȲƊƮɐɹǞƮȌƧȌǿȌٗȌɐɈȲȌ
modo”, escolho aqui por “modo-muito-outro”, assim referenciando tanto o uso zapatista da expressão “muito ouɈȲȌشƊ٘ةƧȌǿȌȌɐȺȌƵȺɈƊƦƵǶƵƧǞƮȌȯƵǶȌǿƊȲȲȌȱɐǞȁȌƦƮƵǶDzƵƦǞȲjǘƊɈǞƦǞفׁ׀׀ׂـƵǿȺɐƊǏȲƊȺƵٗȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌٌȌɐɈȲȌ٘(خƵȺɈƊ
maneira pretendo apontar o caráter radical, insurgente e subversivo do “modo-muito-outro” e seu posicionamento
ƮƵشƮƵȺƮƵƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƊǶƶǿƮȌƊǶɈƵȲȁƊɈǞɨȌـخyȌɈƊƮƊȺ0ƮǞɈȌȲƊȺخف
²ȌƦȲƵȌǐƺȁƵȲȌƵȺƵɐǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌ
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entre aqueles que se aliam à estrutura analítica da (de)colonialidade. Com este texto,
Lugones torna visível a instrumentalidade do sistema colonial/moderno de gênero na
sujeição de mulheres e homens de cor em todos os domínios da existência. Ao fazê-lo,
ela mostra o elo intrincado entre gênero e raça, e revela como este sistema tem funcionado para romper e fraturar laços de solidariedade prática e de luta transformadora compartilhada.
§ƊǶƊɨȲƊȺٌƧǘƊɨƵبÀƵȌȲǞƊ!ȲǠɈǞƧƊȺȌƦȲƵªƊƪƊس²ǞȺɈƵǿƊƮƵJƺȁƵȲȌس0ȁƵȲǐǞƊ!ȲǞƊɈǞɨƊسIȲƊɈɐȲƊƮƵßǠȁƧɐǶȌȺسXȁɨƊȺƣȌ!ȌǶȌȁǞƊǶخ
Sobre el género y su modo-muy-otro
Resumen:
0ǶƵȁȺƊɯȌǏɐȁƮƊƧǞȌȁƊǶƮƵwƊȲǠƊmɐǐȌȁƵȺٲmƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƮƵǶǐƶȁƵȲȌٳٜٛȺǞǐɐƵ
sirviendo de impulso para la discusión y el debate en las esferas académicas y actiɨǞȺɈƊȺلɯƵȁɈȲƵȱɐǞƵȁƵȺȺƵƊǶǠƊȁƧȌȁƵǶǿƊȲƧȌƊȁƊǶǠɈǞƧȌƮƵǶƊٛƮƵٜƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮ!ىȌȁƵȺɈƵ
ɈƵɮɈȌلmɐǐȌȁƵȺǘƊƧƵɨǞȺǞƦǶƵǶƊǞȁȺɈȲɐǿƵȁɈƊǶǞƮƊƮƮƵǶȺǞȺɈƵǿƊƮƵǐƶȁƵȲȌƧȌǶȌȁǞƊǶُǿȌderno en el sometimiento de mujeres y hombres de color en todos los ámbitos de la
ƵɮǞȺɈƵȁƧǞƊىǶǘƊƧƵȲǶȌلǿɐƵȺɈȲƊƵǶƧȌǿȯǶƵǯȌɨǠȁƧɐǶȌƵȁɈȲƵƵǶǐƶȁƵȲȌɯǶƊȲƊɹƊلɯȲƵɨƵǶƊ
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práctica y de lucha transformadora compartida.
Palabras Clave: Teoría Crítica de la Raza; Sistema de Género; Energía Creativa;
Fractura de Vínculos; Invasión Colonial.
On gender and its otherwise
Abstract:
wƊȲǞƊmɐǐȌȁƵȺٵȺƵǿǞȁƊǶƵȺȺƊɯٴÀǘƵ!ȌǶȌȁǞƊǶǞɈɯȌǏJƵȁƮƵȲٵٜٛƧȌȁɈǞȁɐƵȺɈȌȺƵȲɨƵ
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among those who ally themselves with the analytical framework of (de)coloniality.
àǞɈǘ ɈǘǞȺ ɈƵɮɈ لmɐǐȌȁƵȺ ǿƊDzƵȺ ɨǞȺǞƦǶƵ ɈǘƵ ǞȁȺɈȲɐǿƵȁɈƊǶǞɈɯ ȌǏ ɈǘƵ ƧȌǶȌȁǞƊǶُǿȌƮƵȲȁ
gender system in subjecting women and men of colour in all domains of existence.
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how this system has worked to disrupt and fracture bonds of practical solidarity and
shared transformational struggle.
Keywords:!ȲǞɈǞƧƊǶªƊƧƵÀǘƵȌȲǞȺɈَJƵȁƮƵȲ²ɯȺɈƵǿَ!ȲƵƊɈǞɨƵ0ȁƵȲǐɯَIȲƊƧɈɐȲƵ ȌȁƮَ
Colonial Invasion.
Artigos
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Betty Ruth Lozano
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ȱɐƵȌǐƺȁƵȲȌلƊǿƦȌȺȺƣȌȯȌƮƵȲȌȺƊȺ˸ƧƪȪƵȺى
María Lugones
O texto fundamental de María Lugones, “A Colonialidade do Gênero” continua servindo como impulso para a discussão e o debate dentro de esferas acadêmicas e ativistas, e entre aqueles que se colocam dentro do marco analítico da (de)colonialidade. Com esse texto,
Lugones visibiliza a instrumentalidade do sistema de gênero moderno/colonial na subjetivação
de mulheres e homens “de cor” em todos os domínios da existência. Nesse fazer, ela revela
como este sistema tem trabalhado para perturbar e fraturar os laços de solidariedade prática e
as lutas, compartilhadas, de transformação.
A seguir, eu abordo diversas considerações centrais no texto de Lugones: a colonialidade
ƵȺɐƊǿƊɈȲǞɹƮƵȯȌƮƵȲةǐƺȁƵȲȌƵȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌةƵƊȺƧȌȁƵɮȪƵȺƵȁɈȲƵƵƊǶƶǿƮȌȺƮǞȺǿȌȲ˛ȺǿȌȺƦǞȁƋrios. O meu objetivo é duplo. De um lado, pensar a partir dessas considerações, especialmente
em relação aos debates emergentes em Abya Yala/América Latina hoje. E por outro lado, problematizar, pluralizar, e dar movimento a essas esferas, e revelar não só sua complexidade, mas
ɈƊǿƦƶǿةƵȯȲȌɨƊɨƵǶǿƵȁɈƵǿƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵƊǞȁƮƊةƊȺƵȁƵȲǐǞƊȺƧȲǞƊɈǞɨƊȺȱɐƵƮƵȺƊ˛ƊǿǿƊǞȺƮƵ
quinhentos anos de dominação e divisão.
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A denominação de Aníbal Quijano da colonialidade do poder no começo da década de
מקקןȺǞǐȁǞ˛ƧȌɐ ةƧȌǿȌ ȺɐȺɈƵȁɈƊ mɐǐȌȁƵȺ ةɐǿƊ ɈƵȌȲǞƊ ǘǞȺɈȍȲǞƧƊ ƮƊ ƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌ ȺȌƧǞƊǶ ƮƊ ȯȌpulação mundial baseada na ideia de “raça” como constitutiva do “modelo de poder global,
eurocêntrico e capitalista”. Como ela aponta “também gera um espaço conceitual para entender as disputas históricas pelo controle do trabalho, do sexo, da autoridade coletiva e da interȺɐƦǯƵɈǞɨǞƮƊƮƵƧȌǿȌȯȲȌƧƵȺȺȌȺƵǿƮƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌƮƵǶȌȁǐƊƮɐȲƊƪƣȌ٘ـmÇJy0²ةצממנةȯةץןخ
tradução nossa).
Nas conceitualizações de Quijano, “raça” foi o eixo do qual todas as outras relações de poder emanaram. O gênero, mesmo que não fosse diretamente nomeado, está “constituído por e
constituindo à colonialidade do poder”, diz Lugones. “Neste sentido, não há uma separabilidade
ƮƵǐƺȁƵȲȌƵȲƊƪƊȁȌǿȌƮƵǶȌƮƵ©ɐǞǯƊȁȌةצממנـȯخفףנخȱɐƵȺɈƣȌةƊȲǐɐǿƵȁɈƊmɐǐȌȁƵȺةȁƣȌƵȺɈƋ
na sua vinculação de gênero e raça – que faz sentido – mas sim na sua limitada conceitualização
do gênero como uma estrutura e um estruturante do poder. Na visão de Quijano, a dominação
ƮȌǐƺȁƵȲȌƶȲƵȺɈȲǞɈƊٗƊȌƧȌȁɈȲȌǶƵƮȌȺƵɮȌةȺƵɐȺȲƵƧɐȲȺȌȺƵȺƵɐȺȯȲȌƮɐɈȌȺ٘ـmÇJy0²ةצממנةȯخ
ةצןɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
O que Lugones oferece à analítica de Quijano sobre a colonialidade do poder? Como isso
amplia e torna mais complexo esse marco e sua construção?
Em primeiro lugar, alguns detalhes sobre o próprio Aníbal Quijano e seu ponto de vista
ȺƣȌɑɈƵǞȺȯƊȲƊƵȁɈƵȁƮƵȲȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌƵƊǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ©خɐǞǯƊȁȌɈƵǿȺǞƮȌɐǿƊ
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a realidade socioeconômica e política latino-americana, assim como suas contribuições à teoria
da dependência e às críticas ao desenvolvimento imperial e colonial são bem conhecidas, e são
Catherine Walsh
191
Sobre o gênero e seu modo-muito-outro
ȲƵ˜ƵɮȌƮƵɐǿƊɨƵȲɈƵȁɈƵȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƮȌǿƊȲɮǞȺǿȌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌةƊǶǞȁǘƊƮȌƧȌǿȺƵɐƧȌǿȯƊtriota peruano José Carlos Mariátegui. Com a sua introdução do marco conceitual e estrutural
ƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲȁȌȺ˛ȁƊǞȺƮȌȺƊȁȌȺƮƵמצקןƵƧȌǿƵƪȌȺƮȌȺƊȁȌȺ©ةמקɐǞǯƊȁȌƮƵȺƊ-
192
˛ȌɐƊǘǞȺɈȍȲǞƧƊǞȁɨǞȺǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƵٗȲƊƪƊ٘ȁƊȯȌǶǠɈǞƧƊƵȁȌȯƵȁȺƊǿƵȁɈȌǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁȌةƵȌȺȯȲƵceitos teóricos e analíticos de classe vigentes, inclusive no seu próprio trabalho. Sua descrição
de como a invenção de “raça” serviu como componente fundamental à dominação colonial e
ao capitalismo como um sistema mundial eurocêntrico de poder, estabeleceu um marco conceitual radicalmente diferente para a compreensão dos padrões sociais, culturais, cognitivos,
ontológicos, políticos e econômicos atuais do poder. Quando Quijano compreende esses eixos
ƧȌǿȌǞȁɈƵȲǶǞǐƊƮȌȺةƊǞǿȯȌȺǞƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶƮƵɐǿȺǞȺɈƵǿƊǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧȌƮƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶȱɐƵ
foi ao mesmo tempo racial (europeu como “branco”, “índio”, e africano como “negro”), e geocultural-geopolítico (“América” como Estados Unidos e Europa) faz com que a ideia de “raça”
seja crucial. Para Quijano, “todo o controle sobre sexo, subjetividade, autoridade e trabalho se
ƊȲɈǞƧɐǶƊǿƵǿɈȌȲȁȌƮƵȺɈƊـƊȲƊƪƊـ٘فmÇJy0²ةצממנةȯةצןٌץןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف0ȺȺƊƊȁƊǶǠɈǞƧƊ
tem uma ampla base de uso hoje, orientando análises, perspectivas e lutas ao redor do mundo.
Como analítica, a colonialidade do poder não é um marco fechado que pretende descrever todas as formas modernas/coloniais de poder e dominação existentes. Em contrapartida,
ƵǶƊƧȌȁɨǞƮƊƊȺƵȲɐȺƊƮƊخ0ȯȲȌɨȌƧƊƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪȪƵȺةȲƵ˜ƵɮȪƵȺƵƵɮȯƊȁȺȪƵȺƮƵȺƵɐȺƵȺƧȌȯȌȺƵƮƵ
sua operatividade. Em parte, esse é o projeto de Lugones. Ela usa, amplia e expande as lentes
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O interesse de Lugones é, por um lado, a interseccionalidade de raça e gênero. Para ela,
a interseccionalidade ajuda revelar o que não é visto quando raça e gênero são tratados como
categorias separadas (e frequentemente homogêneas). Isso faz visível àquelxs que têm sido
dominadxs e victimizadxs nos termos das duas categorias e sua fusão, particularmente, às muǶǘƵȲƵȺƮƵƧȌȲٗخƵǞɮȌƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵȁƣȌƶȺɐ˛ƧǞƵȁɈƵȯƊȲƊƧƊȯɈɐȲƊȲɈȌƮȌȺȌȺƊȺȯƵƧɈȌȺƮȌǐƺȁƵȲȌ٘ةƮǞɹmɐǐȌȁƵȺةצממנـȯةצןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخفXȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵةȁƵȺɈƵȺƵȁɈǞƮȌةȺǞǐȁǞ˛ƧƊ
outra forma de ler a colonialidade que contribui para uma compreensão analítica mais profunda de sua operação diferencial. “Apesar de que tudo na modernidade capitalista eurocêntrica
está racializado e atribuído a um gênero, não todos estão dominados e vitimizados por esse
ȯȲȌƧƵȺȺȌ٘ـmÇJy0²ةצממנةȯةמנخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ§خفȌȲɈƊȁɈȌةɐǿƊȲƵƧȌȁƧƵǞɈɐƊǶǞɹƊƪƣȌƮƊǶȍǐǞca da interseção é um passo necessário em favor de expandir e tornar mais complexo tanto a
matriz do poder colonial como sua análise. Colocar em diálogo esses dois marcos conceituais
- e seus “pensadorxs” (por exemplo, mulheres feministas de cor, teóricos críticos da raça e intelectuais do projeto de modernidade/(de)colonialidade), e avançar na articulação desses, são
aspectos da contribuição de Lugones, não só à análise teórica, mas também às lutas libertadoras e decoloniais.
O interesse e a contribuição de Lugones com relação à colonialidade não acaba aqui.
Neste trabalho ela também abre o debate sobre a própria ideia de “gênero”, e sobre a existência e o funcionamento do que ela denomina o “sistema de gênero colonial/moderno”, um
ȺǞȺɈƵǿƊ ƧȌȁȺǞȺɈƵȁɈƵǿƵȁɈƵ ǏȌȲǿƊƮȌ ƊɈȲƊɨƶȺ ƮƊ ƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵ ƮȌ ȯȌƮƵȲ٘ ـmÇJy0² ةצממנ ةȯخ
ةקןɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ خف0ǿƦȌȲƊ Ƶɐ ǶƵɨƵ Ƶǿ ƧȌȁȺǞƮƵȲƊƪƣȌ ƵȺȺƊ ǞƮƵǞƊ Ƶ ƵȺȺƵ ȺǞȺɈƵǿƊ ǿƊǞȺ ƊƮǞƊȁte, o meu interesse aqui é realçar, mais uma vez, o pensamento de Lugones com relação à
colonialidade tal como foi levantado por Quijano. Apesar das limitações que ela vê no modelo
de Quijano, Lugones não o rejeita, mas o complementa e constrói sobre ele. “Tento começar um
diálogo e um projeto de pesquisa e educação que seja colaborativo e participativo”, diz, “para
começar a ver detalhadamente o sentido profundo dos processos do sistema de colonialidade/
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021
Artigos
gênero, intrincados na colonialidade do poder no presente, para revelar sua colaboração e para
ƧȌȁɨǞƮƊȲƊȲƵǯƵǞɈƋٌǶƊƵǿȺɐƊȺɨƊȲǞƊƮƊȺƊȯȲƵȺƵȁɈƊƪȪƵȺ٘ـmÇJy0²ةצממנةȯةץןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
0ȺɈƊ Ɗ˛ȲǿƊƪƣȌ ƶ ȲƵ˜ƵɮȌ ƮƊ ȁƊɈɐȲƵɹƊ ƊƦƵȲɈƊ ةƧȌǶƊƦȌȲƊɈǞɨƊ Ƶ ȯƵƮƊǐȍǐǞƧƊ ƮƊ ȯȲȌȯȌȺɈƊ ةƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪƣȌƵȯȲȌǯƵɈȌƮƵmɐǐȌȁƵȺخªƵ˜ƵɈƵɈƊǿƦƶǿȺɐƊȯȌȺǞƪƣȌƧȌǿȌƵƮɐƧƊƮȌȲƊȯȌȯɐǶƊȲƵƊɈǞɨǞȺɈƊ
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ȲƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƧǞƮƵȁɈƊǶƵȯƊȲƊƮƵȺƊ˛ƊȲƊȺȯȌȺǞƪȪƵȺȱɐƵٗȯƊȲƊƮǞǐǿƊɈǞɹƊǿ٘Ƶٗ˛ɮƊǿ٘ȌǐƺȁƵȲȌة
a sexualidade, a raça e a colonialidade, encobrindo a continuidade dos processos e práticas de
dominação, sujeição, violência e vitimização. Busca encorajar outrxs para se juntar a seu mapeamento, revelação, e análise, do sistema moderno colonial de gênero. Neste sentido, Lugones
não pretende saber a complexidade e mecanismos desse sistema em sua totalidade. Em vez
disso, com esse texto, a autora começa sua exploração e escavação, enfatizando a co-construƪƣȌƮƵȺȺƵȺǞȺɈƵǿƊƵƮƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲةƵƮƵǶǞȁƵǞƊȌɈȲƊƦƊǶǘȌȱɐƵ˛ƧƊƊƮǞƊȁɈƵخ²ƵɐȺɈȲƊƦƊǶǘȌȺȺɐƦȺƵȱɐƵȁɈƵȺǶƵɨƊǿƵȺȺƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺƵƮƵƦƊɈƵȺƊǶǐɐȁȺȯƊȺȺȌȺƊǶƶǿخ
Lugones, é claro, não é a única a trazer à tona considerações críticas de gênero, em questionar esta ideia e em revelar aspectos desse sistema, mas se mantém como um interlocutor
essencial nesses debates. A seguir, destaco a adiantada compreensão de Lugones sobre “gênero” e coloco-o em diálogo e debate com outras feministas de Abya Yala.
XXـخ0ȁفǐƵȁƵȲǞɹƊǿƵȁɈȌȺ
Para muitas feministas, inclusive Lugones, a categoria de gênero é importante para distinǐɐǞȲƊȌȯȲƵȺȺƣȌȯƊȲɈǞƧɐǶƊȲƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺخmɐǐȌȁƵȺȁƣȌȲƵƧɐȺƊƵȺȺƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊسƊɈȌȲȁƊǿƊǞȺƧȌǿȯǶƵɮƊخ
A luta das feministas brancas e da “segunda liberação da mulher” dos anos
מץƵǿƮǞƊȁɈƵȯƊȺȺȌɐƊȺƵȲɐǿƊǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊȯȌȺǞƪȪƵȺةȯƊȯƶǞȺةƵȺɈƵȲƵȍɈǞȯȌȺةƧƊracterísticas e desejos impostos com a subordinação das mulheres burguesas
brancas. Elas não cuidaram da opressão de gênero de ninguém mais. Elas conceberam a mulher como um ser corpóreo e evidentemente branco, mas sem
ƧȌȁȺƧǞƺȁƧǞƊ ƵɮȯǶǠƧǞɈƊ ƮƊ ǿȌƮǞ˛ƧƊƪƣȌ ȲƊƧǞƊǶ© خɐƵȲ ƮǞɹƵȲ ةƵǶƊȺ ȁƣȌ ȺƵ ƵȁɈƵȁƮƵram em termos interseccionais, na intersecção raça, gênero, e outras potentes
marcas de sujeição e dominação. Como elas não perceberam essas profundas
diferenças, não encontraram nenhuma necessidade de criar alianças. Elas assumiram que havia uma irmandade, uma sororidade, um vínculo que já existia
ƮƵɨǞƮȌƜȺɐǯƵǞƪƣȌƮƵǐƺȁƵȲȌـخmÇJy0²ةצממנةȯةץעٌפעخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊف
O sistema de gênero que Lugones mapeia tem trabalhado para encobrir as intersecções
de gênero, raça, classe e sexualidade. Ela revela seu lado “claro” e seu lado “escuro”. O dimor˛ȺǿȌ ƦǞȌǶȍǐǞƧȌ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ ǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶ ȺƣȌ ƧƊȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧȌȺ ƮȌ ǶƊƮȌ ٗƧǶƊȲȌ٘ٗ خRƵǐƵǿȌȁǞƧƊǿƵȁɈƵ ةƵȺɈƣȌ ƵȺƧȲǞɈȌȺ Ƶǿ ǶƵɈȲƊȺ ǐȲƊȁƮƵȺ ȺȌƦȲƵ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ٘ ـmÇJy0²ةצממנ ة
ȯةעןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخفǶƊƮȌƧǶƊȲȌٗƧȌȁȺɈȲȍǞȌǐƺȁƵȲȌƵƊȺȲƵǶƊƪȪƵȺǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌ
ƵǿƊǶǞƊȁƪƊ٘ةȌȲƮƵȁƊȁƮȌƊȺɨǞƮƊȺƮȌȺǘȌǿƵȁȺƵǿɐǶǘƵȲƵȺƦɐȲǐɐƵȺƵȺةƵƧȌȁȺɈǞɈɐǞȁƮȌȌȺǞǐȁǞ˛cado moderno/colonial de “homem” e “mulher” em termos heterossexualistas brancos. O lado
“escuro” por sua vez, está marcado pela violência da colonialidade que procurou converter os
povos indígenas e lxs africanxs escravizadxs – percebidxs como “sem gênero” – de selvagens
animalescos a masculinos e femininos. “Os masculinos se converteram em não-humanos-por-não-homens, a qualidade humana, e as mulheres colonizadas se converteram em não-muǶǘƵȲƵȺٌȯȌȲٌȁƣȌٌǘɐǿƊȁƊȺ٘ ـmÇJy0² ةנןמנ ةȯ ةסץ خɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ خفȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ȲƊƧǞƊǶǞɹƊƮƊȺ
ׂ ٗƦɯƊæƊǶƊ٘ȱɐƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊٗɈƵȲȲƊƵǿȯǶƵȁƊǿƊɈɐȲǞƮƊƮƵ٘ȁȌǞƮǞȌǿƊƮȌȺȯȌɨȌȺkuna, é uma forma cada vez mais
difundida de chamar ao continente batizado pelos poderes coloniais como “América Latina”.
Catherine Walsh
193
Sobre o gênero e seu modo-muito-outro
ƧȌǿȌǞȁǏƵȲǞȌȲƵȺٗǏȌȲƊǿƧȌȁɨƵȲɈǞƮƊȺƵǿɨƋȲǞƊȺɨƵȲȺȪƵȺƮƵٙǿɐǶǘƵȲƵȺٚƜǿƵƮǞƮƊƮȌƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ
eurocêntrico” e suas disposições heterossexuais e patriarcais de dominação e poder (LUGONES,
ةצממנȯةןנخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
194
§ƊȲƊmɐǐȌȁƵȺةȌǐƺȁƵȲȌƶɐǿƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƧȌǶȌȁǞƊǶخȺƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊǞȺƮƵǐƺȁƵȲȌȱɐƵƮƵ˛nem as mulheres em relação aos homens dentro de um marco de oposições binárias, dicotômicas, antagônicas e hierárquicas são as partes componentes do sistema colonial/moderno que
ela descreve. Provavelmente ninguém negaria que a invasão colonial lançou um regime de
poder no qual a ideia de “gênero” e patriarcado foram chave. No entanto, hoje existem disputas
entre as feministas em Abya Yala sobre as origens do gênero, do patriarcado e da sua contribuição, ou não, ao pensamento feminista.
A noção de “gênero”, como argumenta a feminista afro-colombiana Betty Ruth Lozano,
foi reconhecida como uma categoria com o seu próprio status epistemológico, explicativo das
relações sociais entre homens e mulheres, e entendido como a representação cultural do sexo
ـmðyخفמןמנةȱɐǞƊƦƊȺƵȌȁɈȌǶȍǐǞƧƊƮƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊȺƵɮɐƊǶƶƮƵǞɮƊƮƊةȁƊǿƊǞȌȲǞƊƮƊȺȌƧƊȺǞȪƵȺة
ȺƵǿȱɐƵȺɈǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺـ²Çª0ðٗخفצממנةJƺȁƵȲȌ٘ةȁƵȺɈƵȺƵȁɈǞƮȌةƶɐǿƊƧƊɈƵǐȌȲǞƊƵɈȁȌƧƺȁɈȲǞƧƊ
na maioria dos casos. Dá credibilidade às relações entre homens e mulheres na cultura ocidental. E nega a diversidade nas concepções, nas formas e nas práticas de ser mulher, encobrindo
as diversas formas que os povos e as culturas – não brancas ou não ocidentais – pensam sobre
ȺƵɐȺƧȌȲȯȌȺƵƮƵȺƊ˛ƊǿȁƊȺȺɐƊȺƧȌȺǿȌǐȌȁǞƊȺȌɐƵǿȺɐƊȯȲƋɈǞƧƊɨǞɨƊةȌȺƮɐƊǶǞȺǿȌȺƵȯȌǶƊȲǞƮƊƮƵȺƮȌǿƊȺƧɐǶǞȁȌشǏƵǿǞȁǞȁȌƵǘȌǿƵǿشǿɐǶǘƵȲـɨƵȲȯƊȲɈƵסƮƵȺȺƵƵȁȺƊǞȌخفȁƊɈɐȲƊǶǞɹƊƪƣȌƮƊ
ideia e da categoria tanto de gênero como de patriarcado dentro do próprio feminismo são
parte integral do que Lozano chama de “o habitus colonial moderno”.
O pensamento feminista, em seus termos mais generalizados, tem sido confrontado pelo feminismo negro, indígena e popular. A elaboração geral do patriarcado tem sido quase sempre a do primeiro mundo, convertendo-a numa
concepção etnocêntrica que pretende medir as relações de gênero em todas
as culturas. Sem eliminar o etnocentrismo, gênero e patriarcado se convertem
em formas de subsumir e subordinar as cosmogonias dos outros mundos (inƮǠǐƵȁƊةȁƵǐȲȌƵɈƧفخƊȌɐȁǞɨƵȲȺȌـȌƧǞƮƵȁɈƊǶفƧȌȁǘƵƧǞƮȌـخmðyةמןמנةȯةסןخ
tradução nossa)
Neste sentido, Lozano se pergunta se as categorias de gênero e patriarcado não são parte
do arsenal do senhor – ferramentas da razão imperial –, com as quais é impossível destruir a sua
ƧƊȺƊٌǐȲƊȁƮƵـmðyةמןמנةȯخفצخÀƊǶȱɐƵȺɈǞȌȁƊǿƵȁɈȌƊȯȌȁɈƊƊȌȺȯȲȌƦǶƵǿƊȺƵƜȺɈƵȁƮƺȁƧǞƊȺ
hegemônicas dentro do próprio feminismo, incluindo a persistência dos marcos conceituais
euro e norte-americanos centrados e a continuada invisibilização da experiência diferenciada
das mulheres negras e pardas, afrodescendentes, mestiças e indígenas, de corpos não só generizados pela cultura patriarcal, mas também sujeitos da política de racialização, empobreciǿƵȁɈȌƵȯƊɐȯƵȲǞɹƊƪƣȌـ0²§Xy²سקממנةJªJmmسסןמנةmðyخفמןמנةȱɐǞƊƧȲǠɈǞƧƊƮƊ
feminista dominicana Yuderkys Espinosa é relevante:
Nos momentos que se abriu um espaço dentro dos movimentos sociais, em
particular dentro do feminismo, para a visibilidade e recuperação de posições
de sujeito não reconhecidas anteriormente, que corpos se tornaram objeto da
representação desse esquecimento e quais foram mais uma vez apagados e
ȯȌȲȱɐƺـد0²§Xy²ةקממנȯةמעخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊف
3 Como Quijano nos lembra, a dicotomia é, de fato, a pedra fundamental da racionalidade ocidental, naturalizada
ƵƊƧƵǞɈƊȺƵǿȱɐƵȺɈǞȌȁƊǿƵȁɈȌȺـßƵȲȁǠƦƊǶ©ɐǞǯƊȁȌٗ!ȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮȌȯȌƮƵȲƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌȺȌƧǞƊǶ٘ةhȌɐȲȁƊǶȌǏàȌȲǶd-Systems Research. VI, 2, 2000, p. 342-386).
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021
Artigos
De maneira semelhante a Lozano, Espinosa destaca a vigência de uma luta transnacional de epistemologias e práticas baseadas em ideologias etnocêntricas de classe, raça e normatividade heterossexual, e a colaboração entre feminismos tanto do Norte como do Sul na
manutenção de privilégios de classe, raça e etnia. Ela se posiciona em prol de um feminismo
decolonial que deve, necessariamente, assumir uma postura explicitamente antirracista.
As feministas indígenas comunitárias de Abya Yala fazem questionamentos, similarmente, ao etnocentrismo e à homogeneidade das categorias de gênero e patriarcado. Questionam
também a ideia de que o patriarcado começou com a invasão colonial. Essas feministas falam
ƮƊȺƵȺɈȲɐɈɐȲƊȺǘǞȺɈȍȲǞƧƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƧȲǞƊƮƊȺȯȌȲȯƊɈȲǞƊȲƧƊȺةƵǿȯǶɐȲƊǶسǞȺɈȌƶةɐǿٗƵȁɈȲȌȁȱɐƵ” –
um vínculo, uma relação, uma justaposição de patriarcados de origem ancestral e do ocidental.
Como destaca a feminista aymara boliviana Julieta Paredes: “A opressão de gênero não começou unicamente com os colonizadores espanhóis... também tinha sua versão nas sociedades e
culturas pré-coloniais. Quando os espanhóis chegaram ambas as visões se encontraram, para
a desgraça das mulheres que vivem na Bolívia, esse é o entronque ou a justaposição patriarcal”
§ـª0(0²ةמןמנةȯةפפخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊف
Lorena Cabnal, feminista comunitária maia-xinka da Guatemala, descreve a construção
ƮƵ ɐǿƊ ƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊ ƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞƊ Ƶǿ ƦɯƊ æƊǶƊ ȱɐƵ Ɗ˛ȲǿƊ Ɗ ƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊ ƮƵ ɐǿ
patriarcado originário ancestral. “Isto é, um sistema estrutural milenário de opressão contra
as mulheres nativas ou indígenas. Esse sistema, argumenta Cabnal, “estabelece sua base de
ȌȯȲƵȺȺƣȌƊȯƊȲɈǞȲƮƊȺɐƊ˛ǶȌȺȌ˛ƊȱɐƵȁȌȲǿƊɈǞɨǞɹƊɐǿƊǘƵɈƵȲȌٌȲƵƊǶǞƮƊƮƵ cosmogônica como
mandato, tanto para a vida das mulheres como para a dos homens e a de ambos em relação
ƧȌǿȌ!ȌȺǿȌȺ !ـ٘خymةמןמנةȯةעןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊ!فȌǿƊȯƵȁƵɈȲƊƪƣȌƮȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌƧǞdental, diz Cabnal, o patriarcado ancestral originário foi refuncionalizado.
yƵȺɈƊƧȌȁǯɐȁɈɐȲƊǘǞȺɈȍȲǞƧƊةǘƋɐǿƊƧȌȁɈƵɮɈɐƊǶǞɹƊƪƣȌƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪƣȌƮƵȁȌȺȺƊȺ
próprias manifestações e expressões que são o núcleo para o nascimento do
mal do racismo, mais tarde do capitalismo, do neoliberalismo, da globalização
ƵȌȲƵȺɈȌ!خȌǿǞȺɈȌƵɐȱɐƵȲȌƊ˛ȲǿƊȲƊƵɮǞȺɈƺȁƧǞƊƮƵƧȌȁƮǞƪȪƵȺȯȲƶɨǞƊȺȁƊȺȁȌȺsas culturas nativas que permitiram ao patriarcado ocidental se fortalecer e
ƊɈƊƧƊȲ !ـymةמןמנةȯةףןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
Para Cabnal, Paredes e outras feministas comunitárias indígenas, o problema do patriarcado e a opressão de gênero não pode estar limitado à colonialidade e à invasão colonial, e
tampouco suas manifestações e expressões podem ser entendidas unicamente como vindas
do marco moderno/colonial. Essas perspectivas, parte do que Cabnal nomeia a recuperação da
ٗǏƵǿǞȌǶȌǐǞƊƮƵȁȌȺȺƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺǿɐǶǘƵȲƵȺ٘ةמןמנـȯةענخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊةفƮƵȺƊ˛ƊƊƊɈɐƊǶȺǞǿȯǶǞ˛ƧƊƪƣȌƵȲƵƧɐȯƵȲƊƪƣȌƮƊȺƧȌȺǿȌǶȌǐǞƊȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺƵȺƵɐɐȺȌȯƵǶȌȺǘȌǿƵȁȺƧȌǿȌǿƊȁƮƊɈȌȺ
ȯƊȲƊ ƧȌȁɈȲȌǶƊȲ ةȌȲƮƵȁƊȲ ةƮƵ˛ȁǞȲ Ƶ ȺɐƦȌȲƮǞȁƊȲ ƜȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ خÀƊǿƦƶǿ ƮƵȺƊ˛Ɗǿ ƊȺ ȯƵȲȺȯƵƧɈǞɨƊȺ
feministas que idealizam a dualidade de gênero, a paridade e a complementaridade caracterís-
4 Para Cabnal, a “hetero-realidade” é uma norma étnico-essencialista que estabelece que todas as relações da
humanidade entre si, e com o cosmos, estejam baseadas em princípios e valores de complementariedade heteȲȌȺȺƵɮɐƊǶƵɐǿƊƮɐƊǶǞƮƊƮƵȱɐƵǘƊȲǿȌȁǞɹƊƵƮƋƵȱɐǞǶǠƦȲǞȌƜɨǞƮƊٗخƦƊȺƵ˛ǶȌȺȍ˛ƧƊƮƊȺƧȌȺǿȌɨǞȺȪƵȺƊȁƧƵȺɈȲƊǞȺىƵ
a denominação dos elementos cósmicos como femininos e masculinos, onde um depende, se relaciona com, e
é complementário do outro – tem sido fortalecida com essas práticas hegemônicas de espiritualidade com as
quais a opressão das mulheres é perpetuada em uma relação heterossexual com a natureza” (CABNAL, 2010, p. 16,
tradução nossa).
Catherine Walsh
195
Sobre o gênero e seu modo-muito-outro
tica das culturas andinas e mesoamericanas. Lourdes Huanca, da organização FEMUCARINAP
de Peru, deixa claro os perigos vividos: hoje as ideias andinas da dualidade e paridade muito
frequentemente recaem na ideia de superioridade do homem – do poder dos testículos –, jus-
196
ɈǞ˛ƧƊȁƮȌȌƵȺɈɐȯȲȌƮƵǿƵȁǞȁƊȺǯȌɨƵȁȺƧȌǿȌٗȁƊɈɐȲƊǶ٘سȌȺǘȌǿƵȁȺƵɮƵȲƧǞɈƊȁƮȌȺɐƊǏȌȲƪƊȺȌƦȲƵ
os corpos femininos como naturezaא.
A feminista decolonial argentino-brasileira Rita Segato, partindo do seu trabalho com
mulheres indígenas de Abya Yala, argumenta também que existem dois momentos do patriarcado: “um patriarcado de baixa intensidade próprio do mundo da comunidade ou da aldeia”
e “o perverso patriarcado da colonialidade/modernidade” com sua imposição da lógica e da
ordem ocidentais, inclusive em relação à sexualidade, ao corpo, às relações de gênero, e à violência generizada.
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(Lugones e Oyewùmí, entre outros), eu acho que o gênero existia nas sociedades pré-coloniais, mas de um jeito diferente daquela da modernidade. (...)
Quando essa modernidade colonial começa a aproximar-se do gênero da
comunidade, muda-o perigosamente, intervindo nas estruturas das relações, capturando e reorganizando essas relações dentro de si, ao tempo que
se mantém uma aparência de continuidade, mas transformando o sentido
Ƶ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ ƮƊȺ ȲƵǶƊƪȪƵȺ ƮƵ ǐƺȁƵȲȌـ خ²0JÀ ةעןמנ ةȯةסןפ خ
tradução nossa).
Para Segato, a ideia de gênero está ligada, em parte, às dimensões que tem construído a
masculinidade desde o princípio da humanidade, o que ela chama uma “pré-história patriarcal da
humanidade” caracterizada por uma lenta temporalidade. Esta masculinidade constrói um sujeito obrigado a se comportar de uma determinada maneira. Para provar a si mesmo, aos outros e a
seus pares suas habilidades de resistência, agressividade e domínio, e para mostrar um conjunto
de potências – guerreira, política, sexual, intelectual e moral – que lhe permita ser reconhecido e
ƧǘƊǿƊƮȌɐǿȺɐǯƵǞɈȌǿƊȺƧɐǶǞȁȌƧȌǿƧƵȲɈƊǘǞƵȲƊȲȱɐǞƊȺȌƦȲƵȌǏƵǿǞȁǞȁȌـ²0JÀخفנןמנة
Na ordem mundial existente (...) uma linguagem que era hierárquica... é transǏȌȲǿƊƮƊ Ƶǿ ɐǿƊ ȌȲƮƵǿ ȺɐȯƵȲٌǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊ بƊ ǘǞȯƵȲǞȁ˜ƊƪƣȌ ƮȌȺ ǘȌǿƵȁȺ ȁȌ
ambiente comunitário, no seu papel de intermediários com o mundo exterior,
ȌɐȺƵǯƊةƧȌǿƊƊƮǿǞȁǞȺɈȲƊƪƣȌƮȌƦȲƊȁƧȌسƊƧƊȺɈȲƊƪƣȌƮƵȺȺƵȺǘȌǿƵȁȺȁȌƊǿƦǞƵȁɈƵƵɮɈȲƊƧȌǿɐȁǞɈƋȲǞȌةǏȲƵȁɈƵƊȌȯȌƮƵȲƮȌȺƊƮǿǞȁǞȺɈȲƊƮȌȲƵȺƦȲƊȁƧȌȺسƊǘǞȯƵȲǞȁ˜ƊƪƣȌƵɐȁǞɨƵȲȺƊǶǞɹƊƪƣȌƮƊƵȺǏƵȲƊȯɑƦǶǞƧƊةȱɐƵƵȲƊǘƊƦǞɈƊƮƊƊȁƧƵȺɈȲƊǶǿƵȁɈƵ
ȯƵǶȌȺǘȌǿƵȁȺةƵȌƧȌȁȺƵȱɐƵȁɈƵƧȌǶƊȯȺȌƵƊȯȲǞɨƊɈǞɹƊƪƣȌƮƊƵȺǏƵȲƊƮȌǿƶȺɈǞƧƊس
e a binarização da outrora dualidade de espaços, resultante da universalização
de um dos seus dois termos quando constituído agora como esfera pública,
ȯȌȲȌȯȌȺǞƪƣȌƊȌȌɐɈȲȌةƧȌȁȺɈǞɈɐǠƮȌƧȌǿȌƵȺȯƊƪȌȯȲǞɨƊƮȌـخ²0JÀةנןמנةȯةףןخ
tradução nossa).
ׅSe a complementaridade de gênero foi a base fundamental para a interação humana, a reprodução cultural e
a ordem da natureza em um setor importante do Abya Yala – como muitos argumentam –, não é nenhuma surpresa que também se tenha convertido na ferramenta essencial de dominação. Isso, certamente, não foi só para
os espanhóis, mas também para os incas por exemplo, que usavam o esquema daquela ideia andina de gênero
como uma estratégia central da conquista imperial, como uma base para desenhar e forjar vínculos que sujeitassem aos conquistados, vínculos que, com o tempo, também começariam a marcar assimetrias de classe e gênero
(SILVERBLATT, 1990 e Walsh, 2015).
׆Apresentação de Lourdes Huanca na “Rede de mulheres defensoras de direitos sociais e ambientais”, Quito,
Equador, outubro de 2013, citado em Walsh (2015).
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021
Artigos
Deste modo, a ordem colonial/moderna existente gera e generiza, uma matriz de poder
muito mais complexa que não só imbrica ao gênero como a limitada e particularizada esfera
da mulher e do homem, mas também ao gênero como o campo relacional que atravessa a totalidade da estrutura social e todos os aspectos da vida social e da vida mesmaב. Neste sentido,
a leitura de Segato da interação entre o mundo da pré-intrusão e o mundo da modernidade
colonial baseado nas transformações do sistema de gênero, amplia os argumentos de Lugones:
Não é meramente para introduzir o gênero como um dos temas da crítica decolonial ou como um dos aspectos de dominação no modelo da
colonialidade, mas também para dar-lhe um estado teorético e epistêmico
real, como uma categoria central capaz de iluminar todos os aspectos da transformação imposta sobre as vidas das comunidades capturadas pela nova orƮƵǿƧȌǶȌȁǞƊǶǿȌƮƵȲȁƊـ²0JÀةןנמנةȯةנןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
No entanto, ao expandir os argumentos de Lugones, Segato põe em questão não só a
suposição central de Lugones de que o gênero e o patriarcado são construções coloniais do
Ocidente, mas também uma das fontes primárias para esse argumento: Oyèronké Oyewùmí.
Lugones baseia sua suposição principalmente no texto de Oyewùmí: A invenção da Mulher
فץקקןـƵ ȁƊ ȯȌȺǞƪƣȌ ƮƵȺȺƊ ƊɐɈȌȲƊ ƮƵ ȱɐƵ Ȍ ǐƺȁƵȲȌ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ ȁƣȌ ƵɮǞȺɈǞƊǿ ȁƊ ƧɐǶɈɐȲƊ
Yorubá africana, mas sim que foram introduzidos pelo Ocidente como uma ferramenta de dominação. Segato, trabalhando principalmente a partir da expansão da religião yorubá no Brasil,
sustenta que “o sistema de gênero é um fator crucial e estruturante na continuidade da tradiƪƣȌؾɯȌȲɐƦƋةؿƶȌȁɑƧǶƵȌǿƵȺǿȌƮƵȺɈƊ٘ـ²0JÀةצממנةɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
Eu me encontro frente ao que poderia se chamar – não sem uma margem
de erro semântico – suas características homossexuais e andróginas, indicadas
tantas vezes como elementos recorrentes na sociabilidade e na sexualidade
dos cultos, não como um elemento separado, mas como uma consequência
de uma construção do sistema de gênero particular que não é meramente um
atributo associado ao culto entre muitos outros, mas sim que constitui uma
estrutura central e fundamental para a compreensão do universo do CandomƦǶƶـخ²0JÀةצממנةȯةממףخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
!ȌǿȌƧȌȁɈǞȁɐƊƮǞɹƵȁƮȌ²ƵǐƊɈȌٗبɐȺȌƮƵɈƵȲǿȌȺƮƵǐƺȁƵȲȌƵƮƵƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪȪƵȺǏƊǿǞǶǞƊȲƵȺىɈƊȁɈȌȁȌȯƊȁɈƵƣȌƧȌǿȌȁƊٙǏƊǿǠǶǞƊƮȌȺƊȁɈȌٚىƧȌȁȺɈǞɈɐǞɐǿȲƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƵɐǿƊƊƧƵǞtação formal da perspectiva patriarcal hegemônica alinhados com o resto da sociedade, mas
ɈȲƊȁȺǐȲƵƮǞƮȌƵƮƵƦǞǶǞɈƊƮȌȯƵǶȌɐȺȌ٘ـ²0JÀةצממנةȯةעמףخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف
O ponto aqui não é quem tem a razão, ou que interpretação religiosa (a africana de Yoruba
ou a brasileira-sincrética do Candomblé) é a correta. O ponto é mais precisamente como pensar
não só contra o gênero mas, talvez mais importante, para além da sua matriz ideológica heterosȺƵɮɐƊǶƵǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊةƵƧȌǿȯȲƋɈǞƧƊȺȱɐƵƊƮƵȺƵȺɈƊƦǞǶǞɹƵǿةǿǞȁƵǿةɈȲƊȁȺǐȲǞƮƊǿƵƊǞȁɈƵȲȲȌǿȯƊǿس
com práticas que criem, construam e permitam a interação, mobilidade e trânsito, e que causem
as energias espirituais e criativas do andrógino como um modo-muito-outro do gênero.
ׇVer o livro compreensivo de Yuderkys Espinosa Miñoso, Diana Gómez Correal e Karina Ochoa Muñoz (Eds), TeƧƵȁƮȌƮƵٲȌɐɈȲȌǿȌƮȌكٳIƵǿǞȁǞȺǿȌȺلƵȯǞȺɈƵǿȌǶȌǐǞƊƵƊȯȌȺɈƊȺƮƵƧȌǶȌȁǞƊǞȺƵǿƦɯƊæƊǶƊ, Popayán: Universidade
de Cauca, 2014. Esse livro foi publicado depois da preparação do presente texto, por isso não está incluído na análise e discussão aqui.
Catherine Walsh
197
Sobre o gênero e seu modo-muito-outro
XXXخwȌƦǞǶǞƮƊƮƵ˜ةɐɮȌȺƵȌǿȌƮȌٌǿɐǞɈȌٌȌɐɈȲȌƊȁƮȲȍǐǞȁƊ
Lugones deixa claros os limites das aproximações ao gênero, incluindo a de Quijano, que
198
ƵȺɈƣȌƵɮƧƵȺȺǞɨƊǿƵȁɈƵƦǞȌǶȌǐǞɹƊƮƊȺةȯȲƵȺȺɐȯȌȁƮȌٗƮǞǿȌȲ˛ȺǿȌȺƵɮɐƊǶةǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮɐƊǶǞƮƊƮƵةƮǞȺɈȲǞƦɐǞƪƣȌȯƊɈȲǞƊȲƧƊǶƮȌȯȌƮƵȲƵȌɐɈȲȌȺٚٚـmÇJy0²ةצממנةȯةצןخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخفƮǞǿȌȲ˛ȺǿȌ
sexual é, para Lugones, uma característica importante do “lado claro” do sistema de gênero
colonial/moderno (ex. uma característica dos homens e mulheres burgueses) já que aqueles
ȁȌٗǶƊƮȌƵȺƧɐȲȌ٘ȁƣȌȁƵƧƵȺȺƊȲǞƊǿƵȁɈƵƵȁɈƵȁƮǞƮȌȺƮƵɐǿǯƵǞɈȌƮǞǿȍȲ˛ƧȌȁȌƦǞȁƊȲǞȺǿȌȺƵɮɐƊǶخ
(ƵȺƊ˛ƊȲ ɈƊǞȺ ٗƊȺȺɐȁƪȪƵȺ ƧƊȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺ٘ ƶ ɐǿ ƮȌȺ ȌƦǯƵɈǞɨȌȺ ƮƵ mɐǐȌȁƵȺ سƵȺȺƵ ƮƵȺƊ˛Ȍ ǶƵɨƊ Ɯ
ȱɐƵȺɈƣȌƮƵٗƧȌǿȌȌƮǞǿȌȲ˛ȺǿȌȺƵɮɐƊǶȺƵȲɨǞɐƵȺƵȲɨƵƜƵɮȯǶȌȲƊƪƣȌشƮȌǿǞȁƊƪƣȌƮȌƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ
ǐǶȌƦƊǶƵɐȲȌƧƺȁɈȲǞƧȌ٘ةצממנـȯةןנخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف0ƊƦȲƵƊȲƵ˜ƵɮƣȌȁƣȌȺȍȺȌƦȲƵȌƦǞȁƊȲǞȺǿȌ
sexual em si mesmo, mas também, e talvez mais importante, sobre outros imaginários que
perturbam a polaridade, sua dicotomia antagonista, e sua racionalidade totalizante construída
em e através do gênero.
!ȌǿȌ ɨƵȁǘȌ ƊȲǐɐǿƵȁɈƊȁƮȌ ȁȌɐɈȲȌ ǿȌǿƵȁɈȌ ـàm²R ةفףןמנ ةƊȁɈƵȺ ƮƊ ǞȁɨƊȺƣȌ ƵɐȲȌpeia as construções de gênero nos Andes e Mesoamérica eram entendidas como dinâmicas,
˜ɐǞƮƊȺةƊƦƵȲɈƊȺƵȁƣȌǘǞƵȲƋȲȱɐǞƧƊȺخyƣȌƵȺɈƊɨƊǿƦƊȺƵƊƮƊȺƵǿƮǞȺɈǞȁƪȪƵȺƊȁƊɈȏǿǞƧƊȺةǿƊȺȺǞǿ
associadas com o desempenho, com o que as pessoas fazem e com a suas formas de ser no
ǿɐȁƮȌةǏȌȲǿƊȺȱɐƵȁƣȌƵȺɈƊɨƊǿ˛ɮƊȺƵȺǞǿƵǿƧȌȁȺɈƊȁɈƵǿȌɨǞǿƵȁɈȌةǿɐƮƊȁƪƊةǿȌƮǞ˛ƧƊƪƣȌ
Ƶ˜ɐǞƮȌƵȱɐǞǶǠƦȲǞȌـwª!²سפממנة²Xmß0ª mÀÀخفמקקןةƮɐƊǶǞƮƊƮƵƮȌǐƺȁƵȲȌǞǿȯǶǞƧƊɨƊƵǿ
uma interpenetração do masculino e do feminino, a existência de entidades (reais e sobrenaturais) que incorporavam características femininas e masculinas, matizes de combinações e
um continuumȱɐƵǏƊƧǞǶǿƵȁɈƵȺƵǿȌɨǞƊƵȁɈȲƵȯȌǶȌȺـm §0ðDzÀXyƊȯɐƮwª!²خفפממנة
masculino-feminino nessas culturas ancestrais, e em muitas cosmologias e tradições ancestrais
ƊǏȲǞƧƊȁƊȺɈƊǿƦƶǿةƶɐǿȺǞǐȁǞ˛ƧƊȁɈƵƮƵȺƊƦƵƮȌȲǞƊƵȯȌƮƵȲƵȺȯǞȲǞɈɐƊǶةɐǿƧȌǿȯȌȁƵȁɈƵǏɐȁƮƊmental, e uma metáfora de pensamento, do cosmos e do universo, e do corpo individual.
No seu estudo das complexidades da cultura andina do gênero, Michael Horswell detalha
o papel simbólico e performativo do feminino e do andrógino, e do “posicionamento-intermédio”, o que ele denomina como ritualistas do terceiro gênero e sujeitos que “cumpriam o propósito de criar harmonia e complementaridade entre os sexos e invocam o poder e o privilégio
ƮƊ ǏȌȲƪƊ ƧȲǞƊɈǞɨƊ ƊȁƮȲȍǐǞȁƊ٘ ـRª²à0mm ةףממנ ةȯ ةע خɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ خف0ȺȺƊ ٗǏȌȲƪƊ ƊȁƮȲȍǐǞȁƊ
ƧȲǞƊɈǞɨƊ٘ƮƵȺƊ˛ƊȌȺǿȌƮƵǶȌȺǿƊȺƧɐǶǞȁȌȺƮƵȯȌƮƵȲƵɨƊǞƊǶƶǿƮȌǐƺȁƵȲȌƧȌǿȌȌƧȌȁǘƵƧƵǿȌȺخ
É uma energia presente e imaginada em muitas culturas indígenas e afrodescendentes que
transcende a biologia e a orientação sexual, גque convoca às forças cósmicas de criação (representadas em divindades criadoras andróginas), que faz mediação entre os opostos absolutos,
e realça uma subjetividade sacro-espiritual e uma totalidade complementaria. A força criadora
ƊȁƮȲȍǐǞȁƊȁƣȌƶȺǞǿȯǶƵȺǿƵȁɈƵɐǿƊƧȌȁȺɈȲɐƪƣȌƧɐǶɈɐȲƊǶƮȌȯƊȺȺƊƮȌسȯƊȲƊƵȺɈƵȁƮƵȲƊȲƵǏƵȲƺȁcia de Jaqui Alexander ao espiritual: “[esta] é vivida no mesmo cenário onde as hierarquias são
ȺȌƧǞƊǶǿƵȁɈƵǞȁɨƵȁɈƊƮƊȺƵǿƊȁɈǞƮƊȺ٘ـm0åy(0ªةףממנةȯةמןסخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخف1ɐǿƊǏȌȲƪƊ
vital que empodera e provoca um desejo radicalmente diferente, uma erótica do ser, do fazer,
do sentir, e do saber em relação.ד
8 Agradeço a Raúl Moarquech Ferrera-Balanquet por essa observação.
9 ȱɐǞƵɐƵȺɈȌɐɐȺƊȁƮȌٗƵȲȍɈǞƧȌ٘ȁȌȺƵȁɈǞƮȌƮƵɐƮȲƵmȌȲƮƵٗبȱɐƊȁƮȌǏƊǶȌƮƵƵȲȍɈǞƧȌةǿƵȲƵ˛ȲȌƊɐǿƊƊȺȺƵȲƪƣȌ
ƮƊǏȌȲƪƊɨǞɈƊǶƮƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺسƮƵȺȺƊƵȁƵȲǐǞƊƧȲǞƊɈǞɨƊƵǿȯȌƮƵȲƊƮƊةȌƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƵɐȺȌƮȌȱɐƵǘȌǯƵƵȺɈƊǿȌȺȲƵǞɨǞȁdicando na nossa linguagem, nossa história, nossas danças, o nosso ato de amar, nosso trabalho, nossas vidas. (...)
O erótico é a nutrição, a fonte de alimentação de todo nosso mais profundo conhecimento”. (Lorde, 1984, p. 55-56,
tradução nossa)
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021
Artigos
Neste sentido, a discussão de Lugones de intersexualidade não basta. A intersexualidade
ƶ ƵȁɈƵȁƮǞƮƊ ƧȌǿȌ ȲƵǶƊƧǞȌȁƊƮƊ ƧȌǿ Ɗ ǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵ ȺƵɮɐƊǶ سǞȁƮǞɨǠƮɐȌȺ ǞȁɈƵȲȺƵɮɐƊƮȌȺ ȺƣȌ ǐƵȲƊǶmente considerados como biologicamente masculinos e femininos. No entanto, enquanto a
intersexualidade denota uma interrupção do biológico “isto ou aquilo”, isso liga a genitalidade
às categorias de homem e mulher, sua esfera conceptual geralmente permanece biológica,
anatômica e antropocêntrica. A associação de Lugones da intersexualidade com o ginocêntrico tenta ir além da biologia e dar presença para modos de organização e relação social que
sejam igualitários, espirituais e feminino-cêntricos. No entanto, deixa fora uma discussão da
androginia como a totalidade originária, a fonte da criação e da força criativa central para as
cosmogonias andinas, mesoamericanas, e de yoruba e lucumi, e para o pensamento, visões e
práticas espirituais.
ɈȌɈƊǶǞƮƊƮƵ ƊȁƮȲȍǐǞȁƊ ȌȲǞǐǞȁƋȲǞƊ ƵɮƵǿȯǶǞ˛ƧƊ Ȍ ƵȱɐǞǶǠƦȲǞȌ ȺǞǿƶɈȲǞƧȌ ƵȁɈȲƵ Ȍ
masculino e o feminino, suas tensões ritualmente negociadas, seus papéis
performativos e sua presença criativo-espiritual em divindadxs, orixás, chamanxs, e líderes e lideranças espirituais. Rompe com a própria ideia do gênero, e desloca a biologia e suas determinações anatômicas como componentes
centrais de conceitualização, debate e discussão. Ao fazer isto, o andrógino de
então e sua manifestação como força de energia hoje, evocam e incorporam o
modo-muito-outro do gênero.
A partir de Paula Gunn Allen e Oyèronké Oyewùmí, Lugones sustenta que “os indivíduos
intersexuados eram reconhecidos em muitas sociedades tribais prévias à colonização sem
ƊȺȺǞǿǞǶƊƪƣȌ ƧȌǿ Ɗ ƦǞȁƊȲǞƵƮƊƮƵ ȺƵɮɐƊǶ٘ ـmÇJy0² ةצממנ ةȯ ةןס خɈȲƊƮɐƪƣȌ ȁȌȺȺƊ خفƧƊɈƵǐȌȲǞƊ
ƮƵ RȌȲȺɩƵǶǶ ƮƵ ٗɈƵȲƧƵǞȲȌ ǐƺȁƵȲȌ٘ ةȱɐƵ ٗƊƦȲƵ ǿƊǞȺ ƧȌǿƦǞȁƊƪȪƵȺ ȯȌȺȺǠɨƵǞȺ ȱɐƵ ƊȺ ƮǞǿȍȲ˛ƧƊȺ٘
ـmÇJy0²ةȯةמעخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊةفƶɐȺƊƮƊƧȌǿƊȯȌǞȌƊƮǞƧǞȌȁƊǶȯƊȲƊƊȺȲɐȯɈɐȲƊȺƧȌǿƊƦǞȯȌlaridade sexual e de gênero (apesar de que o interesse de Horswell é no transgénero e não na
intersexualidade). Essas rupturas e seus modos muito outros, no entanto, não são o foco do projeto de Lugones. Eles servem melhor para ilustrar e mostrar a construção e produção moderna/
colonial do gênero - isto é, a colonialidade do gênero- e suas características heterossexuais e
patriarcais. Neste sentido, sua análise é sobre o sistema de gênero moderno/colonial e não sobre as energias espirituais e criativas do modo-muito-outro, nem sobre a mobilidade, trânsito e
ɈȲƊȁȺǞɈǞɨǞƮƊƮƵȱɐƵƮƵȺƊ˛ƊǿƵȺȺƵȺǞȺɈƵǿƊƊƦȺȌǶɐɈȌƵȺɐƊȺƮƵ˛ȁǞƪȪƵȺƮƵǐƺȁƵȲȌǏɐȁƮƊǿƵȁɈƊƮƊȺ
biologicamente. Pensar com e a partir deste modo-muito-outro e revelando o passado e o presente de sua pedagogia, projeto, possibilidade e potencial decoloniais, poderia vislumbrar um
ƧƊǿǞȁǘȌƮǞǏƵȲƵȁɈƵةǿƊȺƧȌǿȯǶƵǿƵȁɈƋȲǞȌةƮƵǞȁƮƊǐƊƪƣȌƵȲƵ˜ƵɮƣȌخ
ªƵ˜ƵɮȪƵȺƵȯƵȲǐɐȁɈƊȺ˛ȁƊǞȺ
Em “A colonialidade do gênero”, Lugones indica “compreender a organização do social
em busca de fazer visível a nossa colaboração com a sistemática e racializada violência de gênero, em prol de chegar em um inevitável reconhecimento nos nossos mapas da realidade”
ـmÇJy0²ةצממנةȯةעףخɈȲƊƮɐƪƣȌȁȌȺȺƊخفȯƵȺƊȲƮƵȱɐƵȌǐƺȁƵȲȌةƧȌǿȌƊȲƊƪƊةƶɐǿƊȯȌƮƵȲȌȺƊ
˛ƧƪƣȌةƵȺȺƵƶȌȯȌȁɈȌƮƵȯƊȲɈǞƮƊƵȌȯȌȁɈȌ˛ȁƊǶƮƵȺɐƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȁƵȺɈƵɈƵɮɈȌخ²ɐƊǞȁɈƵȁƪƣȌƶ
fazer evidente a instrumentalidade do sistema de gênero moderno/colonial para a sujeição/
subjetivação tanto de mulheres como de homens de cor em todos os âmbitos da existência,
10 Nos Andes, tal simetria foi claramente demonstrada em vários textos de testemunhos da época, incluídas as
cartas e desenhos de Guamán Poma de Ayala nٵȺȁȌɨƊȺƧȲȏȁǞƧƊȺƮƵƦȌǿ governo (1615) e nos Manuscritos de
Huarochiri de Francisco de Ávila (século XVI). Na Mesoamérica, o Popol Vuh (século XVI) serve de exemplo adicional.
Catherine Walsh
199
Sobre o gênero e seu modo-muito-outro
para o rompimento dos laços práticos de solidariedade e para o exercício de um modo particular de dominação global e violência sistemática que serve aos interesses do poder capitalista
eurocêntrico. Nesta perspectiva a suposição de que o gênero e o patriarcado são construções
200
coloniais é válida no sentido de que demarcam um modelo global de poder que começou com
a intromissão ocidental que iniciou com a invasão espanhola. No entanto, como outras feministas da região têm argumentado, a dominação patriarcal existia, embora de maneira diferente,
ƊȁɈƵȺƮƊƧǘƊǿƊƮƊƧȌȁȱɐǞȺɈƊ !ـym§سמןמנةª0(0²سמןמנة²0JÀخفנןמנةyȌǿɐȁƮȌȺȌcial daquele, então caracterizado não por polos estáticos de gênero (que essencializam homens
ƵǿɐǶǘƵȲƵȺةفǿƊȺȺǞǿȯȌȲɐǿƊƧȌȁƮǞƪƣȌǿƵɈƊǏȍȲǞƧƊةƮǞɨǞȁƊƵƧȌȲȯȍȲƵƊƮƵƮɐƊǶǞƮƊƮƵ˜ةɐǞƮƵɹƵ
˜ƵɮǞƦǞǶǞƮƊƮƵƮƊƵȁƵȲǐǞƊǏƵǿǞȁǞȁƊٌǿƊȺƧɐǶǞȁƊةȱɐƵǞǿȯƵƮƵةȌɐȯƵǶȌǿƵȁȌȺȯȲȌƦǶƵǿƊɈǞɹƊةƊƮƵ˛nição, a concepção moderna, ǐƵȁƵȲǞɹƊƮƊ لde patriarcado (mas também de gênero e de sexualidade) radicalmente diferentes. Neste sentido, é importante reconhecer como a modernidade
e a colonialidade remarcam essas mesmas condições, e como marcam e limitam os nossos
imaginários, conceitualizações, práticas e consciências.
²ǞǿةƧȌǿȌƊȲǐɐǿƵȁɈƊmȌɹƊȁȌةמןמנـȯةفצخƊȺƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺƮƵǐƺȁƵȲȌƵȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌȺƣȌȯƊȲte do arsenal de ferramentas do senhor – da razão imperial – com as que é impossível destruir a
sua moradia ou casa-grande, quanto valor tem de pensar com e desde posturas, perspectivas e
experiências que transgredem, interrompem e rompem com os universalismos, os dualismos e
as pretensões hegemônicas que essas categorias anunciam e constroem? Como poder pensar
com e a partir de posturas, perspectivas e experiências que desessencializam, desbiologizam e
pluralizam à “mulher” sem ter que comparar ela/nós com o “homem”? E de que maneira poderiam esses processos contribuir não só à descolonização do gênero, mas também, e talvez mais
importante, o reconhecimento, passado e presente, de seu modo-muito-outro? Quer dizer, da
energia criativa e da força vital do andrógino que nos envolve e que empodera o erótico.
Reconhecer o poder do erótico dentro de nossas vidas pode nos dar a energia para buscar a mudança genuína dentro de nosso mundo, no lugar de se
conformar meramente com uma mudança de papéis na mesma novela ultrapassada. Já que não só tocamos a nossa mais profunda fonte criativa, como
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Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 188-201, 2021
Artigos
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Catherine Walsh
201
Berta Cáceres e o
feminismo decolonial
Ochy Curiel
Universidade Nacional da Colômbia
Tradução
Mariana Rocha Malheiros
¡DALE!, PPGICAL / UNILA
1 Este artigo foi originalmente publicado em espanhol, sob o título “Berta Cáceres y el feminismo decolonial”, nos
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Este artigo procura tratar do pensamento e da proposta de transformação social leɨƊƮƊƊƧƊƦȌȯȌȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺخȌƦǯƵɈǞɨȌȁƣȌƶƮƵ˛ȁǞȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊ
decolonial, pois ela nunca se assumiu neste lugar, no entanto, como um dos princípios
desta corrente é recuperar saberes, experiências, propostas e práticas individuais e
coletivas que questionam as hierarquias históricas que são produzidas por sistemas
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coincidentes com postulados chaves do feminismo decolonial que explicam porque
hoje seu legado é tão importante.
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Cáceres.
Berta Cáceres y el feminismo decolonial
Resumen:
Este artículo pretende abordar el pensamiento y la propuesta de transformación
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Palabras clave: ǏƵǿǞȁǞȺǿȌَƊȁɈǞƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌلƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌلƊȁɈǞȲƊƧǞȺǿȌَ ƵȲɈƊ
Cáceres.
BERTA CÁCERES AND DECOLONIAL FEMINISM
Abstract:
This article seeks to address the thought and proposal for social transformation carȲǞƵƮȌɐɈƦɯ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺىÀǘƵȌƦǯƵƧɈǞɨƵǞȺȁȌɈɈȌƮƵ˸ȁƵ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƊȺƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶ
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and practices that coincide with key postulates of decolonial feminism that explain
why her legacy is so important today.
Keywords: ǏƵǿǞȁǞȺǿَƊȁɈǞƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿلƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌلƊȁɈǞȲƊƧǞȺǿَ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺى
Artigos
BERTA NAS ÁGUAS
poema de Melisa Cardoza
Sagrado sal de nossas lutas
Chuva sobre as milpas
Morangos divididos em todas as mãos
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Que saberá o assassino da luz de sua esperança
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Muitos séculos terão para pagar por esta morte
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Murchas
Viemos ao seu leito
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Por isso matam. Por isso matam. Por isso matam.
Não sabem da nossa vingança de sermos livres
E não mudar a rebeldia por nada
Lágrimas no rio
Muitas lágrimas
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Convocamos ao fogo e a terra ao arrependimento
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abaixe
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Damos as boas-vindas com seu nome
a todas as mulheres desviadas
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Que venham os hipócritas de sempre
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seus brancos direitos humanos
ƵɈȌƮȌȺȌȺȺƵɐȺƧɑǿȯǶǞƧƵȺ
Que façam seus monumentos de lixo
E mostrem os sorrisos ensaiados
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Que estamos acumulando por séculos
ׂ Milpas são sistemas produtivos utilizados na América Latina antes da invasão europeia. O nome Milpa deriva
do idioma NáhuatlƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊٗȌȱɐƵȺƵȺƵǿƵǞƊƵǿƧǞǿƊƮƊȯƊȲƧƵǶƊ٘خwǞǶȯƊǞȁɈƵǐȲƊɈƊȁɈȌȌƵȺȯƊƪȌǏǠȺǞƧȌةƊɈƵȲȲƊة
como as espécies vegetais, a diversidade produtiva que cresce sobre ela. Também agrupa o conhecimento, a tecȁȌǶȌǐǞƊƵȯȲƋɈǞƧƊȺƊǐȲǠƧȌǶƊȺȯƊȲƊƊɈƵȁƮǞǿƵȁɈȌƮƊȺȁƵƧƵȺȺǞƮƊƮƵȺƮƊȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺƧƊǿȯƵȺǞȁƊȺخȺȺǞǿةȺǞǐȁǞ˛ƧƊ
um sistema de conhecimentos que integra natureza e agricultura, tanto para sobrevivência biológica como reprodução social (Nota da Tradutora [N.T.]).
Ochy Curiel
205
Berta Cáceres e o feminismo decolonia
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Nós mesmas nos faremos justiça
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Que os prantos do mundo nos acompanhem
Em todas as línguas e aldeias distantes
Que conseguiram entender sua prosa libertária
206
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e cantem as meninas lencas ao gozo
com seu corpo nu entre as águas
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Que se levantarão em cada córrego e riacho
a memória dos seus passos
Desgraça é ter tanta luz
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Não vamos olhar de novo o fresco foco de água nas suas pupilas
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Não encontraremos mais seu bolso com papéis
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As noites agora são extensas desde a terrível madrugada
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Um dia haveremos de nos encontrar em algum sítio antigo de magia
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a mãe terra contigo em seu aconchegante ventre
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Escrever sobre Berta Cáceres me remete para este poema de Melisa Cardoza: escritora,
feminista, hondurenha, lutadora, amiga de Berta e minha amiga/irmã de longa data. Foi através dela que a conheci. Melisa me falou muitas vezes dessa mulher de forças e convicções, que
algum dia devia conhecer.
A primeira vez que a escutei foi em frente de um público multitudinário que se assumia
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transformação social.
3 Os lencas são povos indígenas que habitavam os territórios de Honduras e El Salvador antes da invasão espanhola. Hoje, estão concentrados nos municípios hondurenhos de San Miguelito, Jesús de Otoro, Yamagranguila,
La Esperanza e Intibucá. Apesar da violência colonialista, os lencas conseguiram conservar sua cosmovisão, idioma
e cultura. (N.T.).
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021
Artigos
Depois, em uma jornada na Guatemala que organizamos como Grupo Latino-Americano
de Estudos, Formação e Ação Feminista – GLEFAS – no qual participamos ativistas e pensadoras
ƮƵƮǞǏƵȲƵȁɈƵȺȯƊǠȺƵȺȯƊȲƊǏƊǶƊȲȺȌƦȲƵȲƊƧǞȺǿȌȺةƵɮȯɐǶȺȪƵȺƮȌɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌةƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƵƮƵ˛ȁǞȲ
nossas lutas políticas, eu pude me aproximar mais de Berta, entender a situação em Honduras
de modo mais elaborado e conhecer mais sobre as ações que distintos movimentos sociais estavam realizando frente à expulsão e repressão. A partir dali, Berta Cáceres foi se transformando
em uma referência importante para mim, porque sua proposta política coincidia com muitos
dos meus posicionamentos como feminista decolonial.
yƣȌȯȲƵɈƵȁƮȌƮƵ˛ȁǞȲ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶةȯȌǞȺƵǶƊȁɐȁƧƊȺƵƊȺȺɐmiu neste lugar, no entanto, como um dos princípios desta corrente é recuperar saberes, experiências, propostas e práticas individuais e coletivas que questionam as hierarquias históricas
ȱɐƵȺƣȌȯȲȌƮɐɹǞƮƊȺȯȌȲȺǞȺɈƵǿƊȺƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌƵƮȌǿǞȁƊƪƣȌةȺƵƮƵ˛ȁǞȁƮȌƧȌǿȌǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȌɐ
não, me proponho neste texto em relacionar alguns posicionamentos e práticas de Berta Cáceres coincidentes com postulados chaves do feminismo decolonial que explicam porque hoje
seu legado é tão importante para muitas de nós.
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Yuderkys Espinosa Minõso, em seu texto (ƵǶ ȯȌȲ ȱɐƶ ƵȺ ȁƵƧƵȺƊȲǞȌ ɐȁ ǏƵǿǞȁǞȺǿȌ
decolonial فפןמנـjá caracterizou o que é o feminismo decolonial em Abya Yala. Segundo a
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das mulheres baseadas em sexo/gênero, situadas geopoliticamente no Norte, com privilégios
de raça e classe.
A autora apresenta que uma das fontes em que se referencia esta corrente são as teorizações,
análises e propostas do Feminismo Negro, o feminismo de cor e terceiro mundista dos Estados Unidos da América (EUA), assim como o de mulheres e feministas afrodescendentes e indígenas que
a partir de Abya Yala, em sua crítica à postura feminista clássica centrada somente no gênero, e sua
proposta em considerar a imbricação das opressões de classe, raça, gênero, sexualidade.
Ainda, destaca que o feminismo decolonial também se nutre da corrente feminista auɈȏȁȌǿƊǶƊɈǞȁȌٌƊǿƵȲǞƧƊȁƊةȺɐȲǐǞƮƊȁƊƮƶƧƊƮƊƮƵةמקקןȱɐƵƮƵȁɐȁƧǞȌɐƊǞȁȺɈǞɈɐƧǞȌȁƊǶǞɹƊƪƣȌƮȌ
feminismo que produziu a interferência de políticas desenvolvimentistas nos países do chamado terceiro mundo, o que conduziu a uma agenda global de desenvolvimento e de direitos, políticas que obedeceram aos interesses neocoloniais no Norte Global, entre outras fontes importantes. Espinosa aponta que o feminismo decolonial reinterpreta a história com chave crítica
da modernidade, “já não só por seu androcentrismo e misoginia, como feito pela epistemologia
feminista clássica, mas também por seu caráter profundamente racista e eurocêntrico” (EspiȁȌȺƊةפןמנةȯخفעעןخ
4 O artigo mencionado pela autora foi traduzido para o português por Cecilia Floresta e Gabriel Bueno sob o título
“Sobre por que é necessário um feminismo decolonial: diferenciação, dominação coconstitutiva da modernidade
ocidental”, publicado no wƊȺȯǏɈƵȲƊǶل2020, p. 03-12. Como a versão traduzida foi reduzida, optei pela manutenção
da referência de Curiel sobre o texto original em espanhol (N.T.).
ׅƦɯƊæƊǶƊȯȌƮƵȺƵȲƵȁɈƵȁƮǞƮȌƧȌǿȌٗɈƵȲȲƊɨǞɨƊ٘ٗةɈƵȲȲƊǿƊƮɐȲƊ٘ƵٗɈƵȲȲƊƵǿ˜ȌȲƵȺƧǞǿƵȁɈȌ٘§خȌȺȺɐǞȌȲǞǐƵǿȁȌ
idioma do povo Kuna, originário do Norte da Colômbia e que atualmente habita a costa caribenha do Panamá.
Abya Yala vem sendo usado pelos povos indígenas para designar a América, em contraponto às denominações
impostas pelos europeus (N.T.).
Ochy Curiel
207
Berta Cáceres e o feminismo decolonia
Contribuindo com os argumentos desta autora, com quem temos compartilhado a construção desta corrente política, queria adicionar que a diferença de muitas das que hoje se assumem como feministas decoloniais que se limitam a um exercício acadêmico e teórico, a maioria
208
das que nos localizamos nesta linha genealógica temos sido ativistas destas correntes políticas
críticas, como afrodescendentes, indígenas, lésbicas, migrantes, portanto, as teorizações e análises que temos feito estão sendo construídas a partir das práticas políticas coletivas de acordo
com esses lugares de enunciação que produzem pontos de vistas particulares.
!ȌǿȌƊȁƊǶǞȺȌɐƊƊǏȲȌƊǿƵȲǞƧƊȁƊ§ƊɈȲǞƧǞƊRǞǶǶ!ȌǶǶǞȁȺفמקקןـȯƊȲƊȌƧƊȺȌƮƊȺƊǏȲȌٌƊǿƵȲǞcanas, o ponto de vista tem dois componentes fundamentais: experiências política-econômica-sociais que oferecem uma perspectiva particular e a consciência que se cria a partir destas
experiências, o que permite entender como se experimenta, se problematiza e se atua sobre
uma matriz de opressão. O ponto de vista de Berta Cáceres também se localiza nesta relação
dialética da sua experiência particular e sua consciência sobre as injustiças sociais, o que segundo suas próprias palavras herdou de sua mãe:
Cresci em um ambiente de luta, que vem de minha mãe, que igualmente é
uma lutadora, uma defensora, em que coube viver contextos de ditadura, dentro do contexto da guerra fria na América Central e se converteu em uma pessoa muito ativa, além disso, rompendo todo o imposto… todo o poder militar,
patriarcal, rompendo esquemas, se converteu também em uma líder política
apoiando aos refugiados salvadorenhos… desde acompanhar o parto das refugiadas, o que era um crime, porque minha mãe era parteira. Seu trabalho de
saúde sempre foi com as mulheres lencas. Realmente, acredito que vem dela
minha construção da consciência de lutar, do sentido da justiça (Berta Cáceres
in:Xwٌ(ƵǏƵȁȺȌȲƊȺخفקןמנة
Berta Cáceres compreendeu como se localizam o racismo, o sexismo e o classismo com
as novas políticas neocoloniais a partir de um ponto de vista situado e encarnado, por sua experiencia de mulher, parte de uma comunidade lenca localizada em um país centro-americano,
sem privilégios de classe e raça, e neste lugar impulsionou suas práticas políticas.
(ƊƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƜƧȌǶȌȁǞƊǐƵǿ
Um marco de análise importante para o feminismo decolonial tem sido as propostas do
Grupo Modernidade/Decolonialidade as quais têm permitido entender as condições históricas
que deram origem a uma organização social, produto do colonialismo, repleta de hierarquias
sociais de raça, sexo, sexualidade, nacionalidade, geopolítica e que se sustentam ao longo da
história deste continente cujas vítimas principais têm sido povos indígenas e negros. A partir
ƮƵȺɈƊȯȲȌȯȌȺɈƊةƶǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵȯƊȲƊɈȌƮƊȺȁȍȺȌƧȌȁƧƵǞɈȌƮƵƧȌǶȌȁǞƊǶǞƮƊƮƵƮƵ˛ȁǞƮȌȯȌȲȁǠƦƊǶ
©ɐǞǯƊȁȌفמממנـƧȌǿȌɐǿٗȯƊƮȲƣȌƮƵȯȌƮƵȲ٘ȱɐƵȺɐȲǐƵƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶǞȺǿȌةǿƊȺȱɐƵȯƵȲƮɐȲƊƊɈƶ
nossos tempos, que tem se sustentado com base na exploração do trabalho, promovendo e
ǶƵǐǞɈǞǿƊȁƮȌɐǿɈǞȯȌƮƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌƮƵ˛ȁǞƮȌƮƵȁɈȲȌƮƵɐǿƊȲƊƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵƵɐȲȌƧƺȁɈȲǞƧƊƵ
branca, que afeta, inclusive, relações intersubjetivas. Este padrão de poder sustenta o mercado
capitalista mundial e em todo ele a ideia de raça é fundamental.
Berta Cáceres, embora não tenha utilizado o conceito de colonialidade, partia do colonialismo como a condição histórica que gerou estruturas hierárquicas de opressão. Assinalou
que tudo o que se sofria em Honduras (e para além) em relação a pobreza, pilhagem, racismo
e violência, era uma continuidade do que ela chamou coloniagemא:
׆A palavra trazida por Curiel é coloniaje. (N.T.).
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021
Artigos
É a mesma coisa. Se alteram os nomes, mas é o mesmo. É a coloniagem, a
ǿƵȺǿƊ ƮƵ ממףƊȁȌȺ ƊɈȲƋȺ Ƶ ƊǐȌȲƊ ɨƵǿȌȺ ɐǿƊ ǞȁɨƵȺɈǞƮƊ ƮȌ ƧƊȯǞɈƊǶǞȺǿȌ ƮƵ
modo mais agressivo aos povos indígenas. Estamos em um ponto que temos
que lutar pela sobrevivência dos povos indígenas. Estamos em um ponto em
ȱɐƵȺƵȁƣȌȌ˛ɹƵȲǿȌȺɨƊǿȌȺƮƵȺƊȯƊȲƵƧƵȲƵǿȯȌɐƧȌɈƵǿȯȌ ـƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺةin:
ǶǞɨƶɯ ǞǶƦƊȌخفנןמנة
Para Berta, a continuidade do que chamou coloniagem supunha entender que a violência contra os povos indígenas e afros, suas culturas, seus bens naturais, sua autonomia e
autodeterminação, teria uma origem e era o colonialismo, entretanto, analisou como na atuaǶǞƮƊƮƵƵɮǞȺɈǞƊɐǿƊȲƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪƣȌǘƵǐƵǿȏȁǞƧƊǞǿȯƵȲǞƊǶȱɐƵǞȁɨƊƮƵȌȺɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȺƵȯȌɨȌȺǿƵdiante projetos de anexação, bases militares, monopólios, invasão cultural e midiática, planos
contrarrevolucionários que eram sustentados pelas elites brancas e ricas do Norte e também
ƊȺƧȲǞȌɐǶƊȺƮƊǿƶȲǞƧƊmƊɈǞȁƊـjªmةצןמנةȯ§خفספٌנפخȌƮƵǿȌȺƮǞɹƵȲȱɐƵƊƧȌǶȌȁǞƊǐƵǿƮƵ
Berta Cáceres é outra maneira de denominar a um padrão de poder que envolve o extrativismo, a dependência econômica dos países do Sul com o do Norte, com base na exploração de
alguns grupos, a desigual distribuição das riquezas em nível global, mas também no interior
dos países do Sul, com o curso da desumanização material, social e espiritual de certos grupos
que historicamente têm sido colocados nas mais baixas hierarquias sociais como indígenas,
negros e camponeses.
ƊȯȌȺɈƊȁƣȌǏȲƊǐǿƵȁɈƊƮƊƮƊȺǶɐɈƊȺƧȌȁɈȲƊƊȺȌȯȲƵȺȺȪƵȺ
Um dos aportes chaves que recupera o feminismo decolonial do feminismo negro, é sua
proposta de não fragmentar as análises sobre as realidades, considerando que o racismo, o
classismo e o heterossexismo se articulavam e interligavam na vida das mulheres negras. Vários
conceitos explicam esta proposta política: encadeamento de opressões (Coletiva do Rio Combahee)ةבǿƊɈȲǞɹƮƵȌȯȲƵȺȺƣȌȌɐƮȌǿǞȁƊƪƣȌـRǞǶǶ!ȌǶǶǞȁȺةفמקקןةǞȁɈƵȲȺƵƧƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ!ـȲƵȁȺǘƊɩة
ةفסקקןƧȌٌƧȌȁȺɈǞɈɐǞƪƣȌƮƵȌȯȲƵȺȺȪƵȺـmɐǐȌȁƵȺخفצממנةȯƊȲɈǞȲƮƵȺɈƊȺƧȌȁɈȲǞƦɐǞƪȪƵȺƵɈȌȲȁƊȁƮȌ-o mais complexo com análises da colonialidade, nós, feministas decoloniais, entendemos que
um dos efeitos do sistema moderno/colonial vem sendo gerar a diferença colonial (Mignolo,
ةفץממנȯȲȌƮɐɈȌƮƵɐǿƊƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌȱɐƵǿƊȲƧȌɐƊƮǞǏƵȲƵȁƪƊƧȌǿȌǞȁǏƵȲǞȌȲǞƮƊƮƵȯƊȲƊǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲ
a exploração, a pilhagem e a violência. Indixs, negrxs, lésbicas, homossexuais, transsexuais, empobrecidxs, mulheres etc., todos têm sido categorias, lugares sociais e experiências individuais
e coletivas produto da hierarquização social que produziu o colonialismo e que continua na
colonialidade, que, somada ao impacto do multiculturalismo liberal – que reforça as políticas
identitárias – apresenta como resultado a fragmentação das lutas políticas e visões de mundo.
ȺȯȲȌȯȌȺɈƊȺȱɐƵƊȺǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺȁƵǐȲƊȺɈƺǿǏȌȲǿɐǶƊƮȌȺǞǐȁǞ˛ƧƊǿȱɐƵȁƣȌƶȯȌȺȺǠɨƵǶƵȁɈƵȁƮƵȲ
nem teórica e analiticamente os sistemas de dominação separados, muito menos empreender
uma luta política que priorize algumas lutas sobre outras. Nesse sentido, da mesma forma que
as feministas negras, Berta Cáceres considerou sempre um feminismo que lutasse contra todas
as formas de dominação.
Não vamos ser ingênuas. Nós estamos demandando um feminismo que realmente desmonte todas as formas de dominação, não com maquiagem ou discurso
demagogo, mas com o desmonte concreto e que enfrente a essas formas de dominação de diversas maneiras (BERTA CÁCERES in:jªmةצןמנةȯخفףמןٌעמןخ
ׇO Combahee River Colective iniciou suas reuniões em 1974. O grupo reunia feministas negras e lésbicas em Boston, nos EUA. O coletivo permaneceu em atividade até 1980. Optei pela tradução em língua portuguesa realizada
pela Difusão Herética, mas este mesmo grupo já foi traduzido como Coletivo Combahee River em várias publicações em português. Ou seja, se trata do mesmo coletivo (N.T.).
Ochy Curiel
209
Berta Cáceres e o feminismo decolonia
Para Berta, essas formas de dominação eram fundamentalmente o capitalismo, o racisǿȌ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞƊȲƧƊƮȌ ـjXyªw خفפןמנ ة0ȺɈƵ ȯȌȺǞƧǞȌȁƊǿƵȁɈȌ ƮƵ ƵȁɈƵȁƮƵȲ Ƶ ƊɈɐƊȲ Ɯ ǏȲƵȁɈƵ Ƶ
contra todos os sistemas de opressão, nos têm levado a problematizar o separatismo pelo qual
210
muitas de nós havíamos optado e exercido, aprendido do feminismo branco e hegemônico que
ƊȺȺɐǿƵȱɐƵȌȺǞȺɈƵǿƊȺƵɮȌشǐƺȁƵȲȌـªÇ ZyفףץקןةƵȲƊƊƦƊȺƵƧȌǿɐǿƮƊȌȯȲƵȺȺƣȌƮƵɈȌƮƊȺƊȺ
mulheres, por isso, assumíamos que todos os homens eram nossos inimigos naturais. Contudo, entendendo que uma aposta decolonial de transformação social não pode ser limitada à
ǶɐɈƊȯƵǶȌ˛ǿƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺةǿƊȺɈƊǿƦƶǿƜȺɨǞȌǶƺȁƧǞƊȺȲƊƧǞȺɈƊȺةǘƵɈƵȲȌȺȺƵɮǞȺtas, neoliberais, ecocidas, que não afetam somente as mulheres, mas comunidades inteiras,
incluindo os homens e pessoas de dissidência sexual, o que implica compreender que as lutas
devem envolver sujeitos múltiplos. Nesse sentido, apostamos em recuperar a comunidade, não
só territorial ou incentivando lutas integrais, mas também as resistências históricas que foram
construídas por todas as partes de Abya Yala.
Berta Cáceres atuou sempre em comunidade. No Conselho Cívico de OrganiɹƊƪȪƵȺ§ȌȯɐǶƊȲƵȺƵXȁƮǠǐƵȁƊȺƮƵRȌȁƮɐȲƊȺ§!ـXyRةفȺɐȲǐǞƮȌƵǿסקקןƵȱɐƵ
ƊȲɈǞƧɐǶƊ ǿƊǞȺ ƮƵ ـ ממןƧƵǿ فƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺ ةȲƵƊǶǞɹȌɐ ȺɐƊȺ ǶɐɈƊȺ ƧƵȁɈȲƊǞȺ ةǯɐȁɈȌ
com outros e outras. Embora consciente do machismo dos homens e das violências que muitos exerciam contra as mulheres, sendo ela mesma vítima de
ɨǞȌǶƺȁƧǞƊƮƵȺƵɐȺƵɮٌƧȌǿȯƊȁǘƵǞȲȌȺةƵȁɈƵȁƮǞƊȱɐƵƵȺȺƊȺȲƵ˜ƵɮȪƵȺȯȲƵƧǞȺƊɨƊǿ
ser realizadas na comunidade, de modo coletivo. Assim, foram se construindo
os pilares da luta do COPINH: o anticapitalismo, o antipatriarcado e o antirracismo. “Nós, as mulheres, levamos esta luta tripla e queríamos também que
os homens a levassem para desmontar todas as formas de Opressão” (BERTA
!!0ª0²XȁبjXyªwخفפןמנة
Em várias ocasiões declarou que no COPINH não era fácil difundir a luta antipatriarcal,
porém, para ela, como para outras mulheres da organização, era fundamental que todos e todas assumissem todas as lutas que foram propostas. Por isso, desenvolveram processos de formação política:
Nessas assembleias, por exemplo, quando se falava de tema antipatriarcal,
não só participavam mulheres, também os homens. No tópico de assembleia
dos jovens, não somente eram os jovens, mas também as demais pessoas. Na
mesa de povos indígenas, igualmente. Foi muito integral, porque sempre ocorȲǞƊƮƵȺɈƵǿȌƮȌةǿƊȺȁȌ˛ǿƮƊǶɐɈƊƊȁɈǞȯƊɈȲǞƊȲƧƊǶȺȍȲƵȺɈƊɨƊǿƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ(خƵ
ȱɐƊǶȱɐƵȲ ǿȌƮȌ ةǏȌǞ ɐǿƊ ǞȁɈƵǐȲƊƪƣȌ Ƶǿ ɈȌƮȌȺ ƵȺɈƵȺ ƮƵƦƊɈƵȺ !!ـ0ª0² سjªmةצןמנةȯخفסןןٌנןןخ
Como feministas decoloniais sabemos as consequências da separação das lutas políticas.
XȺɈȌ ɈƵǿ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ȱɐƵ Ɗ ǿƊǞȌȲǞƊ ƮƊȺ ǏƵǿǞȁǞȺɈƊȺ ȁƣȌ ƊȺȺɐǿƵǿ Ɗ ǶɐɈƊ ƧȌȁɈȲƊ Ȍ ȲƊƧǞȺǿȌ ةȱɐƵ
ǿȌɨǞǿƵȁɈȌȺǞȁƮǠǐƵȁƊȺƵȁƵǐȲȌȺȯȌɐƧȌƊȺȺɐǿƵǿƊǶɐɈƊȯƵǶȌ˛ǿƮƊɨǞȌǶƺȁƧǞƊƧȌȁɈȲƊƊȺǿɐǶǘƵȲƵȺ
e de dissidentes sexuais, o que provoca a reprodução destes sistemas de dominação dentro dos
movimentos sociais. Berta tinha tudo isto muito nítido, propunha um mundo sem nenhum tipo
de opressão e para isso era necessário que a luta coletiva se dirigisse para eliminar todas elas.
ǶɐɈƊƧȌȁɈȲƊƊƊƧɐǿɐǶƊƪƣȌȯȌȲƵȺȯȌǶǞƊƪƣȌ
Berta Cáceres se opôs ao grande monstro do capitalismo global: os megaprojetos mineiros e hidroelétricos, que não são mais que a expressão da “acumulação por espoliação”, uma das
ƧƊɈƵǐȌȲǞƊȺȯȲȌȯȌȺɈƊȺȯƵǶȌǐƵȍǐȲƊǏȌǿƊȲɮǞȺɈƊ(ƊɨǞƮRƊȲɨƵɯفעממנـȱɐƵƊȯȌȁɈƊƊȺǏȌȲǿƊȺȱɐƵ
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021
Artigos
o capitalismo neoliberal transnacional retira as comunidades de suas águas, bosques, saberes,
conhecimentos e de suas vidas. Seus responsáveis: as grandes mineradoras, agroindústrias, hidroelétricas, farmacêuticas transnacionais que, com a anuência de governos locais, acumulam
capital em nível global, acompanhado do discurso de desenvolvimento que se transforma em
intervenção concreta através da espoliação, que não afeta somente as subjetividades, mas culturas, sociedades e mundos completos, trazendo consigo a ideia de progresso da modernidade
ȌƧǞƮƵȁɈƊǶȱɐƵȺƵǞȁȺɈƊǶȌɐƮƵȺƮƵȌȯƵȲǠȌƮȌƧȌǶȌȁǞƊǶـ0²! ªخفץממנة
Esta foi uma luta permanente de Berta Cáceres desde que o COPINH iniciou, mas se tornou mais contundente quando se formou a Frente Nacional de Resistência Popular que surgiu
ƮɐȲƊȁɈƵȌǐȌǶȯƵƮƵƵȺɈƊƮȌƮƵקממנƮƊƮȌƊȌǐȌɨƵȲȁȌƮȌȯȲƵȺǞƮƵȁɈƵwƊȁɐƵǶðƵǶƊɯƊةƮȌȱɐƊǶƵǶƊ
e o COPINH faziam parte. El COPINH denunciou que haviam iniciado uma grande quantidade
de megaprojetos que produziam a destruição e privatização de comunidades indígenas, afros
ƵƧƊǿȯƵȺǞȁƊȺةƵȱɐƵȌǐȌɨƵȲȁȌǐȌǶȯǞȺɈƊǘƊɨǞƊƧȌȁƧƵƮǞƮȌڭמסƮȌɈƵȲȲǞɈȍȲǞȌȁƊƧǞȌȁƊǶƵǿƧȌȁƧƵȺsões mineirasג. As lutas do COPINH contra este monstro capitalista se fortaleceram em anos
ȯȌȺɈƵȲǞȌȲƵȺخȱɐǞƵȺɈƋɐǿƊƮƊȺƮƵƧǶƊȲƊƪȪƵȺƮƵ ƵȲɈƊƵǿبסןמנ
(ƵȺƮƵןѥƮƵƊƦȲǞǶƮƵסןמנȁȌȺƵȁƧȌȁɈȲƊǿȌȺȁƵȺɈƊƊƪƣȌǘǞȺɈȍȲǞƧƊƮƊȺƧȌǿɐȁǞdades do Setor Norte do Município de Intibucá, no Rio Brancoד, composta por
várias comunidades lencas que por séculos e séculos estão defendendo a vida,
o território, o bosque, a água, os rios. Isto é o que estamos fazendo precisamente
hoje, seguindo o legado de Lempira. Temos que lembrar que este projeto foi
favorecido pelo golpe de Estado, que outorgou autorizações às empresas. Toda
a entrega de bens comuns foi determinada sem consulta e respeito, violentando – no caso dos Povos Originários – o direito à consulta plena, livre e informada,
Ɗ!ȌȁɨƵȁƪƣȌקפןƮƊȲǐƊȁǞɹƊƪƣȌXȁɈƵȲȁƊƧǞȌȁƊǶƮȌÀȲƊƦƊǶǘȌـXÀفȺȌƦȲƵ§ȌɨȌȺ
Indígenas e Tribais do Mundo, a Declaração da ONU sobre Povos Indígenas,
títulos antigos e o direito ancestral ao território, suas culturas e espiritualidade, patrimônios econômicos e comunitários. Temo uma ação nas imediações
ƮȌ ȯȲȌǯƵɈȌ ǘǞƮȲƵǶƶɈȲǞƧȌ ǐɐƊ ðƊȲƧƊ خȺ ƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺ ƮƵ ªǞȌ ȲƊȁƧȌ ɈȌǿƊȲƊǿ
a decisão de impedir que se instale esse projeto aqui, que veio privatizar o Rio
Gualcarque por mais vinte anos, dando a concessão às empresas DESA, a SINOHYDRO, transnacional chinesa com participação de FICOHSA, um banco
que se apropriou de grande parte da dívida interna de Honduras, que desempenhou um papel ativo no golpe de estado e tem interesses em muitos setores,
não só energético, mas o turístico e outros, sendo favorecido com os fundos do
BCIE (Banco Centro-Americano de Integração Econômica), do Banco Francês,
ƮƊDzX!ȱɐƵȺƣȌǏɐȁƮȌȺƮȌJȌɨƵȲȁȌƮȌȺ0Ç!!ـ0ª0²سjªmةצןמנةȯخفספןخ
Berta denunciava com nomes próprios os responsáveis pela espoliação. Grandes monoȯȍǶǞȌȺƮȌƵɮɈȲƊɈǞɨǞȺǿȌƵƧȌȁȏǿǞƧȌƵ˛ȁƊȁƧƵǞȲȌةƵǿȯȲƵƵȁƮƵȁƮȌǯɐȁɈȌƜȺƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵȺƊƪȪƵȺƮƵ
resistência. Por esta questão foi perseguida, ameaçada de morte, assediada sexualmente pelos
representantes das empresas, policiais, militares e servidores do governo.
8 As concessões mineiras (concesiones mineras) outorgam direitos aos entes particulares, para exploração de
recursos minerais no subsolo da área concedida pelos governos dos países latino-americanos (N.T.).
9 O Río Blanco é um riacho que se localiza no município de Intibucá, no Departamento de Intibucá, em Honduras
(N.T.).
10 Lempira foi um importante cacique lenca que encabeçou uma rebelião contra os espanhóis em 1537, unindo
contra todo o povo lenca contra os invasores. Ele faleceu neste mesmo ano, lutando na defesa do território lenca.
A história da resistência protagonizada por Lempira é tão importante para o povo hondurenho que um dos Departamentos do país recebeu o seu nome, bem como a unidade monetária de Honduras, tendo ainda seu rosto
estampado na nota de 1 lempira (N.T.).
Ochy Curiel
211
Berta Cáceres e o feminismo decolonia
Sua luta incansável fez com que recebesse vários prêmios. Dentro deles, possivelmente o
ǿƊǞȺǞǿȯȌȲɈƊȁɈƵǏȌǞȌ§ȲƺǿǞȌJȌǶƮǿƊȁةףןמנƮƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊɈǞɨȌȲƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌȯƊȲƊǶɐɈƊƮȌȲƵȺƵ
lutadores ambientalistas. Ainda que Berta Cáceres não tenha sido somente ambientalista, nem
212
ƧȲƵǞȌȱɐƵɈƵȁǘƊȺƵƮƵ˛ȁǞƮȌƮƵȺɈƊǏȌȲǿƊةƵȺɈƵȯȲƺǿǞȌةƧȌǿȌƵǶƊǿƵȺǿƊƮǞȺȺƵةȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊɨƊɐǿ
reconhecimento aos processos de resistência das comunidades, mas também apontou que:
“o que nos inspira não são os prêmios, mas os princípios. Aqui, com ou sem reconhecimento,
ɈƵǿȌȺǶɐɈƊƮȌƵȺƵǐɐǞȲƵǿȌȺǶɐɈƊȁƮȌ٘!!ـ0ª0²سª!RXßßXßخفצןמנة
ƧȌȺǿȌɨǞȺƣȌǶƵȁƧƊ
Nós, feministas decoloniais, recuperamos espiritualidades dos povos e comunidades das
quais somos parte. São expressões de resistência à imposição judaico-cristã que trouxe o colonialismo que apagou e deslegitimou espiritualidades, religiões e tradições sagradas não-cristãs.
Apesar da violência com que foi implantado o judeu-cristianismo, a tal ponto que atualmente
as igrejas em toda Abya Yala possuem uma força política extraordinária, estas espiritualidades
“outras” permaneceram e têm sido fundamentais para a vida e lutas dos povos.
Na cosmovisão lenca, como outras de povos indígenas e afrodescendentes, não há uma
separação entre xs humanxs, a água, as montanhas, os animais, o ar, a terra, os mortos e mortas.
Toda forma parte de vida existência comunitária, que precisa cuidar e preservar, não somente
para si mesma, mas para toda humanidade:
Em nossas cosmovisões somos seres que surgiram da terra, da água e do milho. Dos rios nós, povo lenca, somos guardiões ancestrais, além disso, protegidos pelos espíritos das meninas que nos ensinam que dar a vida de múltiplas
formas na defesa dos rios é dar a vida para o bem da humanidade e deste
ȯǶƊȁƵɈƊ!!ـ0ª0²خفףןמנة
É por esta cosmovisão que a defesa dos territórios não se trata somente de materialidades que permitem a sobrevivência, mas uma conexão dos seres com a transcendência espiritual. Na cosmovisão lenca, os rios são fundamentais, não só porque suas águas permitem vida,
mas porque neles habitam os espíritos das meninas, guardiãs das águas. Por isso, Berta foi uma
ǐɐƊȲƮǞƣƮȌȺȲǞȌȺةƧȌǿȌɈƊȁɈƊȺȌɐɈȲƊȺƵȌɐɈȲȌȺƮƵȺɈƵȯȌɨȌخ0ȲƊɈƊȁɈȌȌȱɐƵȺǞǐȁǞ˛ƧƊɨƊǿȌȺȲǞȌȺة
que ela disse em várias ocasiões que sabia que ganharia a luta contra a instalação da hidroelétrica no Rio Gualcarque porque “me disse o rio”.
Estas forças espirituais, a concepção dos territórios não como mercadorias, mas como
comunidades de vida coletiva, que questiona a ideia de um desenvolvimento que busca a espoliação e a depredação, foram centrais para Berta Cáceres:
Nossas consciências serão sacudidas pelo fato de somente estarmos contemplando a autodestruição baseada na depredação capitalista, racista e patriarcal. O Rio Gualcarque nos tem chamado, assim como os demais que estão
seriamente ameaçados. Devemos acudir. A Mãe Terra militarizada, cercada,
envenenada, onde se viola sistemáticamente os direitos elementares, nos exige atuar. Então, construamos sociedades capazes de coexistir de maneira justa, digna e pela vida. Nos juntemos e sigamos com esperança, defendendo e
ƧɐǞƮƊȁƮȌƮȌȺƊȁǐɐƵƮƊɈƵȲȲƊƵƮȌȺƵȺȯǠȲǞɈȌȺ!!ـ0ª0²خفףןמנة
Mas, para os depredadores, capitalistas, colonialistas, heteropatriarcais e racistas não interessam estas cosmovisões, seu objetivo é acumular a margem da produção ecológica, material,
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021
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espiritual e epistemológica dos povos e, para alcançar seu objetivo, precisam eliminar quem
se opõe. Por isso assassinaram Berta Cáceres. Ela representava a ação política comunitária, a
oposição à violência contra as mulheres, a luta contra as políticas neocoloniais que roubam e eliminam as vidas dos que, historicamente, são considerados como não humanos, produto de um
ȲƊƧǞȺǿȌƵȺɈȲɐɈɐȲƊǶȱɐƵȺƵǏȌȲǿȌɐǘƋǿƊǞȺƮƵממףƊȁȌȺخ0ǶƊȲƵȯȲƵȺƵȁɈƊɨƊƊɨǞƮƊƵǿƧȌǿɐȁǞƮƊƮƵخ
ȯƊǶƊɨȲƊƮƵȌȲƮƵǿȱɐƵƮƵɐƊɨȌǶɈƊƊȌǿɐȁƮȌ ٗبƵȲɈƊȁƣȌǿȌȲȲƵɐةȺƵǿɐǶɈǞȯǶǞƧȌɐ٘ةȲƵ˜ƵɈƵ
o legado que nos deixou sua luta e compromisso, e depois que tantas e tantos choramos seu
assassinato, hoje ela revive em nossos pensamentos e política feminista decolonial e queremos
seguir seu legado, pois como disse Melisa Cardozo em seu poema dedicado a Berta:
yȍȺلƧȌǿȯǞɈƊلȌǏƵȲƵƧƵǿȌȺƊȱɐǞȁȌȺȺƊƊȁɈǞǐƊȲƊǞɨƊ
Que estamos acumulando por séculos
ȺɨƵɹƵȺƧǘƵǞƊȺƮƵǏȌȲƪƊلƜȺɨƵɹƵȺȺƊȁǐȲƊȁƮȌ
Nós mesmas nos faremos justiça
©ɐƵƊȱɐǞȯƵȲǿƊȁƵƪƊȺɐƊȯȲƵȺƵȁƪƊ
Que os prantos do mundo nos acompanhem
Em todas as línguas e aldeias distantes
Que conseguiram entender sua prosa libertária
ªƵǏƵȲƺȁƧǞƊȺ
CRENSHAW, K. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique
of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory, and Antiracist Politics, In: (خjƵǶǶƵɯàƵǞȺƦƵȲǐ
ـƵƮةفخIƵǿǞȁǞȺɈmƵǐƊǶÀǘƵȌȲɯبIȌɐȁƮƊɈǞȌȁȺ§خǘǞǶƊƮƵǶȯǘǞƊبÀƵǿȯǶƵÇȁǞɨƵȲȺǞɈɯ§ȲƵȺȺةȯȯةףקסٌסצס
خסקקן
CÁCERES. B. (ǞȺƧɐȲȺȌ§ȲƺǿǞȌǿƦǞƵȁɈƊǶJȌǶƮǿƊȁ(خףןמנخǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿبǘɈɈȯششبɩɩɩخȲƵǶٌɐǞɈƊخ
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COMBAHEE RIVER COLLECTIVE. The Combahee River Collective Statement, In: Barbara Smith
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ESCOBAR, A. mƊǞȁɨƵȁƧǞȍȁƮƵǶÀƵȲƧƵȲwɐȁƮȌبƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁɯƮƵȺƧȌȁȺɈȲɐƧƧǞȍȁƮƵǶƮƵȺƊȲȲȌǶٌ
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ESPINOSA, Y. De por qué es necesario un feminismo descolonial: diferenciación, dominación
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Ochy Curiel
213
Berta Cáceres e o feminismo decolonia
KOROL, C. mƊȺȲƵɨȌǶɐƧǞȌȁƵȺƮƵ ƵȲɈƊ خɐƵȁȌȺǞȲƵȺبǿƶȲǞƧƊmǞƦȲƵخצןמנة
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214
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PAULO FREIRE ARCHIVO VIVO. 0ȁɈȲƵɨǞȺɈƊ ƵȲɈƊ!ƋƧƵȲƵȺ(خצןמנةǞȺȯȌȁǠɨƵǶƵǿبǘɈɈȯȺششبɩɩɩخ
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خמממנ
Epistemologias do Sul, v. 5, n. 2, p. 202-215, 2021
Artigos
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Ochy Curiel
Epistemologias do Sul: Pensamento Social e Político em/para/
desde América Latina, Caribe, África e Ásia é um periódico online
de publicação semestral do grupo de pesquisa homônimo ligado
à Universidade Federal da Integração Latino-Americana, em Foz
do Iguaçu/PR. Seu objetivo é divulgar estudos e investigações
sobre ou desde o pensamento social e político latino-americano,
caribenho, africano e asiático, promovendo o diálogo Sul-Sul.
ISSN 2526-7655
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