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Estresse e gênero no local de trabalho
Romulo Matos de Moraes
IFES
Rosalee Santos Crespo Istoee
UENF
Valtair Afonso Miranda
UENF
'10.37885/220308197
RESUMO
Este trabalho discute a importância da inclusão do gênero como uma variável focal em
estudos a respeito de estresse laboral. Utilizando um levantamento bibliométrico foi
possível identificar que o gênero se apresenta como uma variável de controle importante
nos estudos organizacionais sobre estresse. Verificou-se que existem diferenças significativas entre homens e mulheres nesse campo e que, no período de mais de 3 décadas
sintetizadas no levantamento, os reflexos negativos com maior magnitude perpetuam-se
para as mulheres.
Palavras-chave: Gênero, Bibliometria, Estresse Laboral.
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INTRODUÇÃO
O estresse no local de trabalho se constitui como um problema tanto para as organizações como para seus funcionários. Trata-se de uma das condições mais frequentes sob
o “guarda-chuva” da saúde laboral para a qual muitos esforços têm sido direcionados na
tentativa de compreender seus meandros e ajudar as equipes de gestão de recursos humanos na busca de soluções para esse fenômeno tão recorrente que, segundo a OMS já
atinge 72% dos trabalhadores.
Os riscos psicossociais surgem da interação entre o conteúdo do trabalho, a organização do trabalho, as condições tecnológicas e ambientais e as próprias competências,
recursos e necessidades dos funcionários. Todos esses elementos podem determinar o
estresse relacionado ao trabalho.
Muitas pessoas acham que passar por um estresse desagradável é uma fraqueza ou
que deveriam ser capazes de usar a mente ou a lógica para desligar o estresse, o que não
condiz com a realidade – não se trata de um conjunto de respostas automáticas com uma
fórmula para sua resolução – cada indivíduo lida com estressores com um arcabouço de
recursos provenientes de sua história, contexto e condição de vida. Mas é possível dizer
que o gênero também se apresenta como mais uma variável a compor essa temática?
Esta pergunta enfrenta um relativo convencionalismo em pesquisas organizacionais que frequentemente, em suas coletas de dados utilizam tal informação de forma apenas descritiva,
muitas vezes por não ser o foco do estudo e outras por entender que não existe tal diferença.
As primeiras teorias sugeriam que as relações interpessoais desempenham um papel
muito maior para as mulheres do que para os homens (STEWART; LYKES, 1985). Pesquisas
da década de noventa apontavam que as mulheres têm mais tendência de basear sua auto-estima nas relações sociais (por exemplo, JOSEPHS; MARKUS e TAFARODI, 1992) e em
decorrência disso esperava-se que percebessem o conflito interpessoal mais estressante
do que os homens. Estudos anteriores suportavam as hipóteses de socialização que afirmam que os homens são socializados para lidar mais instrumentalmente com o estresse,
enquanto as mulheres tendem a ser socializadas para expressar emoções (MAINIERO,
1986). Estudos apontavam que, mesmo em situações estressantes semelhantes, os homens
provavelmente estarão mais focados no problema e as mulheres mais focadas na emoção
(PTACEK; SMITH; ZANAS, 1992).
Estudos recentes sobre estresses no local de trabalho também apontam diferenças
entre homens e mulheres, porém ampliaram os fatores envolvidos incluindo variáreis como
intimidação e bullying (ATTELL; BROWN; TREIBER, 2017). Além disso, algumas generalizações típicas dos primeiros estudos não tiveram continuidade, Para contribuir com esse
debate, apresentaremos a seguir um breve panorama da produção científica envolvendo
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os descritores “estresse”, “local de trabalho” e “gênero”, fundamentado em publicações
indexadas na base Scopus. Serão discutidos tópicos de estudos seminais em contraponto
com pesquisas dos últimos cinco anos. A Scopus está entre os maiores bancos de dados de
resumos e citações com curadoria, com uma ampla cobertura global e regional de periódicos
científicos; mais de 3500 organizações acadêmicas e governamentais e centenas de órgãos
de fomento e avaliação utilizam essa ferramenta (BAAS et al., 2020).
Como contribuição decorrente das análises, espera-se evidenciar a importância do
tema ao longo do tempo, e dessa forma explorar possíveis evoluções, temas em evidência
e propiciar insights aos pesquisadores e interessados no assunto.
DESENVOLVIMENTO
Os primeiros trabalhos envolvendo estresse e gênero no local de trabalho datam do
início dos anos 80, porém ainda de forma relativamente escassa. Até ano de 2001 a média
anual era de seis artigos por ano evoluindo para um média de 79 publicações/ano tomando-se como base os últimos cinco anos (Figura 1). Os trabalhos utilizados como exemplos
nas próximas discussões tiveram como critério de seleção o maior número de citações.
Figura 1. Evolução do número de publicações envolvendo estresse e gênero no local de trabalho.
Fonte: dados da pesquisa.
Os primeiros trabalhos sobre estresse laboral tendiam a se concentrar nos homens e
negligenciar o gênero como uma variável. Frequentemente, as descobertas de estudos com
homens eram incorretamente generalizadas para as mulheres. O fracasso em “inserir as
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mulheres” nos modelos conceituais prejudicou nossa compreensão dos estressores do papel
no trabalho e na família por muitos anos. A partir dos anos 80 começam a surgir trabalhos com
mais atenção aos aspectos qualitativos dos papéis laborais (BARUCH; BIENER; BARNETT,
1987). Já nessa época percebeu-se entre as trabalhadoras alta demanda de atividades,
porém baixo poder de decisão o que contribuiu para situações de depressão, lançando
luz sobre a saúde das mulheres inseridas no mercado e trabalho (BRAUN; HOLLANDER,
1988). Os estudos da época também apontaram padrões de participação diferentes não só
entre homens e mulheres, mas também entre aquelas que tinham ou não filhos, associando
o estresse a uma multiplicidade de fontes de preocupação (SPILMAN, 1988). Nesse período
a produção científica inicia, ainda que de forma tímida, a apontar a necessidade de maior
atenção a trabalho, família, raça, classe e gênero (KEITA; JONES, 1990).
A discussão evoluiu para análises sobre a segregação de mulheres no local de trabalho. De fato, a segregação ocupacional diminuiu desde 1970, mas a maioria dos trabalhadores
permaneceu em empregos segregados por sexo. Percebeu-se o início do delineamento de
uma variedade de forças sociais e econômicas atuando tanto para perpetuar quanto para
reduzir a segregação RESKIN (1993).
Nos anos seguintes a literatura sobre maus-tratos interpessoais no local de trabalho
tratou da incidência e do impacto da incivilidade (por exemplo, desrespeito, condescendência, degradação). Percebeu-se fortes indícios de que até um terço dos indivíduos mais
poderosos dentro das organizações instigou esses atos rudes. Embora as mulheres tenham
sofrido maiores freqüências de incivilidade do que os homens, ambos os sexos experimentaram efeitos negativos semelhantes na satisfação no trabalho, na retirada do trabalho e na
proeminência na carreira. Essas experiências com incivilidade no local de trabalho também
foram associadas a um maior sofrimento psicológico e estresse (CORTINA, 2001).
Estudos empíricos mostraram casos em que as profissionais eram mais propensas a
relatar satisfação com sua especialidade no trabalho e no trato com clientes, mas menos
propensas a ficar satisfeitas com a autonomia, relacionamento com a comunidade, pagamento e recursos, além de menos controle do trabalho do que profissionais do sexo masculino
em relação aos aspectos do dia-a-dia. Essas profissionais apresentaram maiores chances
de relatar Burnout. Para as mulheres com filhos pequenos, as chances de esgotamento
eram 40% menores quando o apoio de colegas, cônjuge ou outra pessoa importante para
equilibrar o trabalho e as questões domésticas estava presente (MCMURRAY et al., 2000).
Quando observamos os estudos atuais se por um lado não é possível apontar mudanças significativas de cenário, por outro se tem um leque maior de conceitos incorporados
à temática que sem dúvida permite um aprofundamento mais consistente sobre gênero e
estresse. A figura 2 mostra as principais palavras-chave identificadas em um filtro realizado
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no software VOSviewer (VAN ECK; WALTMAN, 2010) com as produções mais recentes a
esse respeito (2017 a 2021).
Figura 2. Co-ocorrências de palavras-chave.
Fonte: dados da pesquisa.
As linhas conectam as co-ocorrências entre os temas e as cores evidenciam a forma
como se agrupam. Temas como bullying, microagressão1, suporte social, ansiedade e assédio se conectam a temas clássicos da literatura organizacional como satisfação no trabalho,
burnout e bem-estar. Temas mais recentes como transgênero e orientação sexual aumentam
o escopo das investigações sobre gênero e estresse.
Um exemplo dessa nova realidade pode ser visto no estudo de Barnes et al. (2019)
que trata da situação das escolas de medicina que atualmente já têm em média 50% de
alunas, mas um número desproporcional de mulheres continua a escolher as especialidades
não cirúrgicas em vez das cirúrgicas. Os estudos indicaram que os estereótipos de gênero,
sexismo e assédio afetam negativamente as cirurgiãs levando a condições estressantes,
principalmente com situações de preconceito de gênero e microagressões no local de trabalho durante a residência. Outro ponto é a predominância de estagiários do sexo masculino
1
interações onde ocorrem injúrias breves e clichês, que podem ser verbais, comportamentais ou ambientais; de forma intencional ou
não; que comunicam hostilidade, depreciação ou desrespeito. Geralmente são percebidos como agressões apenas pelas vítimas
(BASFORD et al., 2014).
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em especialidades cirúrgicas. Uma cultura de sexismo leva a adaptações físicas e sociais
para se encaixar no papel do cirurgião. As participantes da pesquisa expressaram um esforço significativo para sustentar esse nível de adaptação, levando à fadiga e à criação de
mecanismos de resiliência.
As ocorrências de estresse relacionado ao trabalho apresentaram uma outra face no
período da pandemia COVID-19, pesquisas emergentes sugerem que a crise reduziu o
apoio institucional para com as crianças, gerando uma carga maior às mulheres, fazendo
que em muitos casos seja necessário, além de tudo, uma redução na jornada de trabalho
remunerada para que possam criar e educar seus filhos, fenômeno que, como em décadas
anteriores, não ocorreu com os homens (POWER, 2020).
Entre as novas abordagens podem-se destacar questões ligadas à tecnologia da comunicação contemporânea. Apesar de seus inegáveis benefícios organizacionais, a modernidade
contribuiu em parte para confundir as fronteiras entre os ambientes de vida profissional e
familiar, por meio do contato relacionado ao trabalho após o expediente. Ao se examinar
a relação entre o conflito trabalho-família e as resultantes psicológicas o efeito se deu especialmente para profissionais menos experientes e do sexo feminino, em função de alta
pressão aliada a baixo controle sobre o trabalho (BOWEN, 2018). Vale ressaltar que apesar
da predominância de efeitos positivos para homens e negativos para as mulheres, existem
níveis de heterogeneidade nesse fenômeno, pois nos dois casos tanto homens quanto mulheres se sentem mais estressados ao teletrabalhar (SONG, 2020).
Cabe destacar que estudos recentes também apontam diferenças de gênero em questões diferentes do recorrente problema da segregação. Fatores comportamentais e recursos
individuais também podem gerar resultantes diversas para homem e mulheres, como por
exemplo no estudo de Carnes (2017) onde foi possível sugerir diferenças no uso de habilidade política no enfrentamento de fatores de estresse no trabalho seja quanto a sobrecarga
ou quanto ao conflito de papéis.
CONCLUSÃO
Os estudos aqui revisados permitem sugerir que o gênero também se apresenta como
uma variável de controle importante nos estudos organizacionais sobre estresse laboral.
Percebe-se que as diferenças são significativas e que no período de mais de 3 décadas
que aqui foi sintetizado perpetuam-se os reflexos negativos com maior magnitude para as
mulheres. Práticas discriminatórias, múltiplos papéis e estereotipagem estão presentes nos
achados das pesquisas e relacionadas a estresse. Foi possível constatar também que a
temática é emergente e que novos conceitos são constantemente incorporados nas investigações, como por exemplo microagressão, transgênero e orientação sexual.
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Diante do exposto, é possível indicar que, enquanto variável, é premente que o gênero
tenha um protagonismo para além de proporções de números de participantes nas pesquisas,
o que sugere sua inserção nas pesquisas como preditor e covariável juntamente com os
conceitos focados nessas investigações. As diferenças na percepção dos estressores e nos
mecanismos de enfrentamento entre gênero e nível ocupacional são caminhos promissores
para estudos futuros que busquem contribuir para uma melhor qualidade de vida e equidade
entre mulheres e homens.
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